CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 19 | novembro de 2015
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DIREITO, SEGURANÇA E
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O PAPEL DA MEDICINA DENTÁRIA NAS CIÊNCIAS FORENSES JOÃO PAULO VENTINHAS BARROSO E SILVA Mestrando de Direito e Segurança
RESUMO A perícia médico-dentária tem revelado bastante interesse e importância na área da
identificação humana, particularmente post mortem. na sequencia de eventos como
catástrofes naturais, tragédias em massa, casos de deformação, carbonização ou
decomposição de indivíduos. As peças dentárias são as estruturas corporais mais
estáveis, resistentes e duráveis do organismo humano, mantendo as suas propriedades e
características disponíveis por longos períodos post mortem. Realçando, assim, a
importância do envolvimento e incorporação de Médicos Dentistas nas equipas médico-
legais e de ciências forenses. A existência de dados registados ante mortem são
pertinentes e decisivos para as peritagens médico-dentárias, sendo de extrema
importância que os mesmos estejam corretamente preenchidos. O processo clínico de
cada individuo deverá incluir a documentação, os exames complementares realizados
como auxiliares de diagnóstico, tais como, odontograma, radiografias, entre outros,
devem ser agregados e guardados no processo do paciente e constar preferencialmente
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num sistema informático, permitindo a sua consulta rápida e organizada e envio dos
mesmos, facilitando os processos de identificação.
PALAVRAS-CHAVE Medicina dentária forense, marcas de mordida, identificação de vítimas de
catástrofes, identificação dentária, perfil dentário.
ABSTRADCT The medical and dental expertise has shown great interest and importance in the
field of human identification, particularly postmortem. the sequence of events such as
natural disasters, mass tragedies, deformation cases, charring or decomposition
individuals. The dental specimens are body structures more stable, durable and resistant
human body, maintaining its properties and characteristics postmortem available for long
periods. Enhancing thus the importance of involving and incorporating Dentists in medico-
legal teams and forensic sciences. The existence of data recorded antemortem are
relevant and crucial for medical and dental examinations, being of utmost importance that
they are properly filled. The clinical process of each individual shall include documentation,
complementary exams as diagnostic aids such as dental chart, x-rays, among others,
should be aggregated and stored in the patient's case and included preferably in a
computer system, allowing your query fast and organized and sending the same,
facilitating the identification process.
KEYWORDS Forensic dentistry, bite marks, identifying victims of disasters, dental identification,
dental profile.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS ABFO - American Board of Forensic Odontology
A.C. - Antes de Cristo
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ADN - Ácido desoxirribonucleico
CIFA - Centro internacional de assistência forense
CPOS - Curso de Promoção a Oficial Superior
DVI - Disaster victim identification
FDI - Federal dental association
GNR Guarda Nacional Republicana
MO - Mesial e oclusal
MOD - Mesial, Oclusal e distal
NHS - National Health Sistem
PACE - Police and Criminal Act
PCR - Polimerase chain reaction
PNICC - Centro de informação e coordenação nacional de Policia
p. - Página
pp. Páginas
INTRODUÇÃO O presente trabalho, integrado na Unidade Curricular Organização e Cooperação
Policial, do Curso de Promoção a Oficial Superior (CPOS) da Guarda Nacional
Republicana (GNR), pretende demonstrar a importância do papel da Medicina Dentária
nas Ciências Forenses.
Este objetivo visa responder à pergunta “QUAL O CONTRIBUTO DA MEDICINA
DENTÁRIA NAS CIÊNCIAS FORENSES?”
O autor do presente trabalho, enquanto capitão da GNR, identifica nesta
investigação um meio de aprofundar o conhecimento na área forense em particular na
respetiva articulação com a Medicina Dentária, estando altamente motivado para o
trabalho de pesquisa a realizar.
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O homem, desde os tempos mais remotos, tem revelado interesse na confirmação
da identidade dos seus semelhantes, pelo desenvolvimento e prática de diversas técnicas
de identificação.
A identificação humana apresenta-se como uma das grandes questões sociais,
devido na maioria das situações, não haverem elementos sinaléticos próprios para a sua
realização.
Encontram-se descritas várias técnicas e recursos de identificação humana, que são
indistinta e maioritariamente aplicáveis aos indivíduos vivos, cadáveres ou restos de
cadáveres.
A identificação humana através da perícia médico-dentária é bastante relevante pelo
facto dos dentes serem as estruturas corporais mais resistentes e duráveis, uma vez que
conseguem resistir à putrefação, a elevadas temperaturas, a lesões e à atuação de alguns
agentes químicos.
As características individuais que possuem, em termos anatómicos e fisiológicos,
bem como da respetiva disposição nos maxilares e ainda da sua relação com as demais
estruturas orais, atribuem-lhes grande especificidade e identidade.
A perícia médico-dentária consiste no emprego dos conhecimentos provenientes da
Medicina Dentária à área médico-legal, quer no âmbito laboral e administrativo, e
principalmente no âmbito criminal ou civil, onde a identificação humana tem maior
destaque.
Para a elaboração deste trabalho, vão ser utilizadas, essencialmente, fontes
bibliográficas, resultantes de pesquisa bibliográfica dos motores de busca PubMed,
Science Direct e Scirus. As palavras-chave utilizadas foram “forensic dentistry”, “human
identification”, “dental expertise and mass disaster” e “bite marks” sendo estas usadas de
forma isolada ou combinadas.
CAPÍTULO I:ASPETOS GERAIS A tarefa principal da medicina dentária forense é a identificação de indivíduos. Esta
tarefa envolve o dentista e uma equipa com outros investigadores e especialistas. Muitas
são as possíveis áreas de atuação desta disciplina: desde crimes violentos, casos de
abusos, pessoas desaparecidas e cenários de catástrofes. Em cada contexto podem ser
efetuadas associações fidedignas para identificar suspeitos e vítimas que por sua vez
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podem afetar a direção de uma investigação e seu desfecho. Esta disciplina interage com
outras especialidades forenses como a antropologia, patologia e outras ciências
biológicas. Algumas vezes o criminoso deixa provas na cena do crime como restos de
comida, pastilha elástica ou objectos mastigados que são recolhidos pelo investigador.
Nas autopsias podem ser encontradas marcas de mordida na pele da vítima. Por outro
lado o dentista forense pode ser chamado a pronunciar-se sobre a qualidade dos
tratamentos dentários proporcionados quando no processo se suspeita de fraude nos
tratamentos.
Numa primeira abordagem à cena do crime não existe o hábito das equipas
convocarem um especialista em medicina dentária forense, logo é da responsabilidade
das polícias realizarem algumas avaliações dentárias na cena do crime, devendo
conhecer os indícios de uma prova dentária. Muitos elementos podem servir de prova
fidedigna como a anatomia dentária, fragmentos de dentes ou de restaurações, pedaços
de mandíbulas e maxilas, possuem características individuais que apenas podem ser
associadas a uma única pessoa. A identificação robusta através do ADN pode ser obtida
através da polpa dentária ou de fluidos orais adicionou a vertente da identificação
biomolecular.
O processo da recolha de prova compreende a identificação, a documentação, a
preservação e o armazenamento. O investigador tem que ter conhecimentos e
sensibilidade para identificar o que poderá ser prova e por sua vez efetuar as ligações
necessárias entre a prova recolhida ao caso que investiga. Também deve estar
sensibilizado sobre os parâmetros necessários para a preservação da prova desde a cena
do crime ao laboratório.
A prova que é identificada, recolhida, preservada e transportada, deve ser
documentada, registando estes passos por forma a assegurar a autenticidade e que foi
preservada da cadeia de custódia. Em muitos casos o sucesso da análise à posteriori da
prova, quer seja prova física directa ou prova circunstancial, relaciona-se diretamente com
o que se passou no decorrer dos passos descritos, sendo importante a intercomunicação
entre o investigador e o especialista forense.
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a. Aspetos Históricos
Desde a origem da espécie que os seres humanos reconhecem e identificam
outros seres humanos pelas características faciais. Os olhos e nariz desempenham um
papel particularmente importante e a dentição também desempenha um papel de igual
relevo. Contudo quando um indivíduo morre os tecidos moles desaparecem ao longo do
tempo por decomposição ou destruição, permanecendo os tecidos duros incluindo os
dentes, mesmo em condições que deixem o corpo irreconhecível.
O primeiro registo de alguém ser tomado como dentista foi no antigo Egipto na data
de 2650 A.C. Hesi-Ré, uma vez que a medicina na época estava dividida por
subespecialidades dedicadas a partes do corpo ou sistemas. Hesi-ré é descrito como o
médico “melhor entre aqueles que lidam com os dentes”, contudo não existem registos
que tenha alguma vez identificado alguém através da dentição.
Os registos mais antigos de alguém ter sido identificado através da dentição
remontam à era romana. Agrippina, mãe de Nero e mulher do Imperador Claudius queria
assegurar a sua posição e também a de seu filho. Claudius tinha-se divorciado de Lollia
Paulina e logo Agrippina na sua insegurança persuadiu Claudius a banir a ex-mulher de
Roma. Nos seus ciúmes Agrippina não acha o banimento suficiente e manda matar Lollia
solicitando que lhe tragam a cabeça da Lollia. Devido à demora, a cabeça entrou em
decomposição, ficando irreconhecível, contudo Agrippina identificou os restos mortais
como sendo de Lollia por a dentição apresentar características distintivas individuais
(Stimson, 1977).
Uma mera fotografia que mostre o sorriso pode ter um enorme valor para a
identificação post mortem de restos mortais desconhecidos. Casos como o líder da seita
Ordem do Templo Solar que foi severamente queimado num suicídio coletivo de 48
membros em outubro de 1993 foi identificado dentariamente graças a uma fotografia. Em
1973, Sognnaes e Strom publicaram um artigo em que identificavam através de filmes,
fotos e informações radiográficas das peças dentárias dos restos mortais de Adolf Hitler
encontradas nos arquivos nacionais dos Estados Unidos. Nesta narrativa, já
anteriormente aquando da chegada dos Soviéticos a Berlim, em busca por Hitler, apesar
de ter sido cremado foram encontrados restos mandibulares de Hitler que foram
identificados por um técnico de prótese Fritz Echtmann que trabalhava para o dentista de
Hitler uma vez que continham próteses que constavam nos seus arquivos (Stimson,
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1977). O médico dentista Dr. Hugo Johannes Blaschke, formado na Universidade da
Pennsylvania nos Estados Unidos, quando regressou à Alemanha, sua terra natal, tornou-
se dentista de Hitler e Eva Braun e de muitos outros nazis, tratando Hitler desde 1934 a
1945, tendo sido capturado mais tarde nesse ano pelo exército dos Estados Unidos da
América, sendo libertado em 1948.
Este descrevera todos os tratamentos efetuados a Hitler meticulosamente e
juntamente com radiografias à face que tinham sido tiradas em 1944 para pesquisar dores
nos seios nasais, foram detetados 26 pontos concordantes (Stimson, 1977).
A era moderna da identificação dentária começou com a identificação das vítimas
do incêndio do Bazar de la Charité ocorrido em 04 de maio de 1897 na Rua Jean-Goujon
em Paris. Cento e vinte e seis membros da aristocracia parisiense pereceram depois de
um projetor cinematográfico ter iniciado um fogo destrutivo. Todas as vítimas à exceção
de 30 foram identificadas visualmente ou através dos seus pertences. O título de “pai da
medicina dentária forense” muitas vezes é atribuído a Óscar Amoedo, um dentista cubano
que trabalhava em Paris na altura do incidente, sendo o autor de “L’Art dentaire em
Medecine Legale” que foi um texto contemporâneo importante na utilização em prol da lei
sobre a identificação dentária, sendo uma coletânea de textos e trabalhos realizados por
outros especialistas. Contudo o crédito da utilização da identificação das restantes vítimas
através da dentição foi do Consul Paraguaio, Albert Haus.
Com a quase impossibilidade de identificação das restantes 30 vítimas, Haus
sugeriu recolher informação dos dentistas que tratavam as vítimas restantes. Através
deste método foram identificadas 25 vítimas restando apenas 5 que permaneceram não
identificadas, possibilitando devolver os restos mortais às famílias (Taylor, 2009).
b. O Medico dentista forense
Para esta função um médico dentista forense experiente é recomendado pois poderá vir a
ter que justificar os seus pereceres em tribunal. Nos Estados Unidos e outros países,
pode ser aceitável um médico dentista sem nenhum treino específico, contudo a
valoração em tribunal pode ser uma questão levantada. O médico dentista que
desempenhe estas funções deverá entender alguns aspetos legais e a sua relação com a
prática da medicina dentária e que consiga de forma completa explicar as subtilezas da
prova dentária em tribunal. Não é o currículo comum dos cursos de medicina dentária que
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capacita o especialista mas sim alguém que deverá ter também formação específica na
área das ciências criminais e conhecimentos que permitam ser capaz de interpretar os
registos.
c. A marca de mordida
Em situações violentas em que o ser humano sente perigo de vida, como lutas entre
assaltante e vítima, os dentes podem vir a ser usados como armas naturais. Na verdade
os dentes podem ser o único recurso para a vítima se defender (Furness, 1981). Por outro
lado, os predadores sexuais, nas violações e abuso de crianças, muitas vezes mordem as
suas vítimas como sinal de domínio, raiva e comportamento animalesco (Webb, 2000).
Atualmente não existe consenso entre os expecialistas em medicina denária forense
sobre o carácter único da dentição e do comportamneto da pele durante a mordida. A
morfologia das vertentes incisais dos dentes anteriores, maxilares e mandíbulares, pensa-
se que sejam únicas em cada indivíduo, muito devido à sequência de erupção dos dentes
em cada arcada. No caso dos caninos que no processo de erupção vão interferir com os
outros dentes, provocando rotações, vestibularizações ou palatinizações/lingualizações.
Estas combinações resultantes são inumeras e podem ser comparadas com as marcas de
mordida em objetos ou pessoas, por forma a determinar a probabilidade de que um
individuo em particular tenha deixado vestígios de marca de mordida. O grau de detalhe e
sua variedade, depende de cada caso e mesmo que se determine que a dentição tem
traços únicos suficientemente vincados, não é certo que o indivíduo tenha deixado
vestígios de forma vincada na pele da vítima. Em situações em que se conjuguem as
duas premissas, da suficiente individualização e da boa qualidade dos vestígios, pode-se
identificar o agressor por exclusão de suspeitos, mais precisamente, suspeitos que não
tenham deixado a marca de mordida (Vale, 1996).
Muitas destas marcas podem ser facilmente identificadas por qualquer pessoa
atenta desde que esteja sensibilizada para as possíveis formas de apresentação, estando
muito associadas a abusos fisicos e sexuais de crianças, mulheres e idosos, que muitas
vezes sentem receio de denunciar.
As marcas de mordidas humanas podem ser encontradas em quase todas as partes
do corpo humano. As vítimas de ataques sexuais do sexo feminino apresentam mordidas
frequentemente na zona das mamas (figura 1) e pernas, ao passo que nos homens as
marcas são observadas nos braços e ombros e em situações defensivas quando as mãos
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e braços servem para afastar o agressor, podem também estas apresentar marcas de
mordida. (Vale & Nouguchi, 1983).
Figura 1 - Forma típica de marca de mordida humana, consistindo de um padrão elíptico de dentes
individuais com um perímetro de lesões de abrasão e contusões. É de notar as estrias dinâmicas (marcas
de arrasto) provocadas pelo deslizamento dos dentes superiores da esquerda para direita.
(Sweet & Pretty, 2001. p. 416)
Uma marca de mordida humana comum é descrita como uma lesão elíptica ou
circular com a impressão de características especificas da dentição (Bowers & Bell, 1995).
A lesão pode apresentar forma circular com as características marcadas à volta do
perímetro da marca. Em alternativa pode ser composto por dois arcos ou forma de “U”
separados pelas suas bases por um espaço aberto, tendo um diâmetro frequente entre
2540mm, com uma área central de hematoma dentro das marcas dos dentes. O
sangramento extravascular é provocado pela pressão dos dentes à medida que estes
comprimem os tecidos desde o perímetro da marca. (Sweet & Pretty, 2001)
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É possível identificar tipos específicos de dentes pelas características respeitantes
às suas classes, como por exemplo, os incisivos produzem marcas retangulares ao passo
que os caninos produzem marcas triangulares. Contudo para uma identificação fidedigna
é necessário existirem características individuais da dentição, marcadas na vítima.
Existem características específicas que podem ser observadas em diversas pessoas
como malformações adquiridas ou congénitas, desgaste dentário com padrões
específicos, fracturas ou rotações dentárias que ao serem impressionadas na pele da
vítima deixam marcas distintas e identificáveis. Caso não existam estas características na
dentição ou na marca a validade da utilização deste tipo de prova é baixa (Rothwell,
1994).
Um dado importante na análise das marcas prende-se com o tempo que medeia a
agressão até à altura em que se dá a peritagem. Um período de tempo muito alargado
vai, devido à natureza do tecido humano, passar por um processo de cicatrização que irá
diminuir a definição do contorno e consequentemente dificultar a análise da lesão, no caso
de vítimas vivas. Importam também verificar se as lesões não foram provocadas
hiatrogénicamente por equipamentos como um elétrodo de eletrocardiograma ou
queimaduras de equipamentos domésticos ou industriais que podem se assemelhar de
alguma forma a marcas elípticas (Sweet & Pretty, 2001).
(1) A recolha da prova na vítima
A altura indicada para a recolha da prova que deve passar por documentar a lesão,
descrevendo o formato, a coloração, tamanho e orientação, bem como a sua localização.
O contorno e a elasticidade da pele, verificando se são distintas as marcas da dentição
superior e inferior. Deve também ser descrito se a lesão é formada por cortes, arranhões
ou hematomas (Sweet & Pretty, 2001).
Quanto às fotografias, devem apanhar toda a extensão da lesão e também se deve
registar fotograficamente os pormenores com uma lente macro tanto a cores como a preto
e branco, utilizando uma escala de referência no mesmo plano da lesão, para possibilitar
a medição subsequente e a lente da máquina fotográfica deve estar o mais perpendicular
possível à lesão para reduzir a distorção. Os esfregaços da saliva deixada pelo agressor
devem ser recolhidos pelo método do duplo esfregaço que consiste em humedecer a zona
de contacto com uma zaragatoa embebida em água destilada e seguidamente com uma
zaragatoa seca recolher a humidade restante que ficou na pele, deixada pela primeira
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zaragatoa. As duas zaragatoas devem secar à temperatura ambiente por 45 minutos
antes de seguir para o laboratório, devendo seguir as normas para acondicionamento de
material biológico para análise de ADN (Sweet & Pretty, 2001).
Também, da superfície mordida devem ser reunidas impressões para recolher as
irregularidades deixadas pelas marcas de mordida, como cortes e abrasões. Pode ser
usado polivinilsilixano, polieter ou outro material de impressão usado em medicina
dentária, que seja utilizado em prostodontia fixa. O gesso e acrílico pode servir de suporte
rígido do material de impressão, permitindo registar com precisão o contorno da pele.
Além do mais devem ser prestados os primeiros socorros pois as mordidas humanas têm
um potencial infecioso maior do que dos animais, devendo ser tratados da forma mais
célere (Sweet & Pretty, 2001).
(2) Recolha da prova no supeito
Este procedimento pode-se considerar invasivo podendo ser obtidas por ordem do
tribunal ou com consentimento informado. Nos Estados Unidos de América, os tribunais
não consideram que se esteja a violar o direito do indivíduo contra a autoincriminação
porque não se lhe pede para prestar qualquer declaração mais sim proporcionar
elementos físicos que serão comparados com as provas recolhidas. No Reino Unido os
mandados judiciais não podem contemplar a recolha da prova através da força, deixando
a um júri a apreciação e tomada de conclusões se o suspeito se recusa a ser examinado,
conforme o Police and Criminal Act (PACE) (Sweet & Pretty, 2001).
De acordo com Sweet e Pretty (2001, p.417) os suspeitos habitualmente
colaboram, contudo nem sempre é o caso, devendo o examinador tomar medidas de
proteção, podendo ter que se examinar o suspeito na prisão. Podem ser recolhidos
diversos indícios resultantes do exame como saber se existe mobilidade dentária,
problemas e características oclusais, registo de restaurações, diastemas (afastamento
entre dentes adjacentes), fraturas, lesões de cárie e outros achados de relevo, bem com o
funcionamento dos músculos mastigatórios.
Devem ser recolhidas fotografias faciais, de perfil e intraorais com uma escala de
referência para permitir a medição das fotografias. As impressões dentárias devem ser
recolhidas com materiais de alta definição devendo serem seguidas rigorosamente as
instruções do fabricante quanto à utilização dos materiais a utilizar para a recolha.
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O registo de mordia do suspeito deve ser recolhido usando ceras de mordida ou silicone
putty em relação cêntrica sendo o registo fotografado imediatamente, proporcionando uma
comparação ente o registo e a fotografia para apurar possíveis distorções ou deformações
do material (Sweet & Pretty, 2001).
Para averiguar se os dentes do suspeito foram os causadores das lesões, compara-se a
lesão com as características individuais registadas nas fotografias usando pelo método
das transparências ou através de métodos informáticos. Podem também ser comparados
os moldes de gesso com as fotografias e comparação de marcas de mordidas recolhidas
com as lesões fotografadas, podendo ainda ser comparadas com radiografias e
microscopia eletrónica (Sweet & Pretty, 2001).
CAPÍTULO II: IDENTIFICAÇÃO DENTÁRIA Existem duas formas principais de identificação dentária. A primeira e mais
frequente é a análise comparativa entre os restos mortais e os registos ante mortem, com
a
conclusão se pertencem ou não ao mesmo indivíduo. A informação do corpo ou
circunstância normalmente contêm informação sobre quem morreu. A segunda, quando
não existe informação ante mortem e indícios quanto a uma possível identificação, traça-
se um perfil post mortem que inclui a avaliação dentária, incluindo características que
podem estreitar a procura (Pretty & Sweet, 2001).
A identificação dentária ocorre por um variado número de razões conforme a tabela
abaixo indicada:
Razões da identificação de restos mortais humanos
Criminais Normalmente uma investigação de um homicídio necessita de uma
identificação cabal da vítima.
Casamento Muitas religiões obrigam a que seja confirmado o óbito do cônjuge
para se voltar a casar.
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Económicas O pagamento de pensões, seguros de vida e outros benefícios
dependem de uma comprovação de óbito.
Funeral Muitas religiões obrigam a uma identificação fidedigna para o que
seja possível o enterro em determinados locais
Sociais O dever social de preservar os direitos humanos e dignidade após a
vida começa com a premissa básica de uma identidade.
Luto
A identificação de indivíduos desaparecidos por períodos de tempo
alargados pode trazer um alívio emocional à família e a
possibilidade do luto.
Tabela 1- Razões comuns para a identificação de restos mortais encontrados (Pretty, 2001)
Os corpos da vítimas de crimes violentos, incêndios, acidentes com veículos motorizados
e acidentes de trabalho, podem estar de tal forma desfigurados que que a identificação
por um familiar ou amigo pode não ser fiável ou desejável (Malkowski, 1972). Corpos em
elevado estado de decomposição ou que estiveram muito tempo na água também
revelam especial dificuldade no seu reconhecimento. A identificação dentária sempre
desempenhou um papel em situações de identificação de vítimas de catástrofes (Pretty &
Sweet, 2001).
a. Identificação comparativa
À primeira vista uma análise comparativa não teria muito a descrever, contudo o
dogma central da identificação dentária baseia-se em que os vestígios podem ser
comparados com registos dentários ante mortem. Quanto mais tratamentos e de maior
complexidade o individuo se submeteu mais fácil é a sua identificação e quanto menos
intervenções e consequentes registo existirem mais difícil será a identificação. Os dentes
além de terem características únicas em cada individuo, conseguem manter-se intactos
por longos períodos ao contrário de outros tecidos do corpo (Costa, 2013).
Quando existem vestígios ou documentos que possibilitem uma possível
identificação do individuo, são localizados os registos dentários ante mortem. Inicia-se o
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registo imediatamente das características e suporte imagiológico (rx), que repliquem o tipo
e ângulos utilizados para tirar as radiografias ante mortem recolhidas, identificando cada
uma delas por forma a distinguir entre as tiradas antes e depois de vida.
Depois do registo post mortem estar completo, a comparação entre os dois registos
inicia-se. Uma comparação metódica e sistemática é necessária para examinar cada
dente e estruturas anexas individualmente. Não são apenas as restaurações que devem
ser examinadas apesar destas serem uma grande fonte de informação, devem ser
também outras estruturas que se vão tornando cada vez mais importantes devido a cada
vez mais existir uma baixa incidência de cárie e consequentemente menos tratamentos
restauradores e de reabilitação. Semelhanças e discrepâncias devem ser identificadas
durante o processo de comparação. Existem dois tipos de discrepâncias, as que podem
ser explicadas e as que não podem ser explicadas. As que podem ser explicadas
normalmente estão relacionadas com o lapso de tempo entre a altura em que o registo foi
colhido e o atual registo, exemplo disso são as extrações dentárias e restaurações que
aumentam como no caso de apenas em duas faces MO (mesial e oclusal) passa para três
faces devido à formação de cárie e novo tratamento menos conservador MOD (mesial,
oclusal e distal). Se uma discrepância é inexplicável, por exemplo, um dente não está
presente nos registos ante mortem, mas está presente post mortem, deve ser excluída a
compatibilidade (Pretty & Sweet, 2001).
A American Board of Forensic Odontology, (ABFO) em 1994, assinala que as
identificações estejam limitadas às seguintes quatro conclusões:
(1) Identificação positiva: quando existe compatibilidade suficiente entre os
registos ante mortem e post mortem, sem discrepâncias inexplicáveis, que
se estabelece que os registos foram colhidos do mesmo indivíduo.
(2) Possível identificação: os registos ante mortem e post mortem têm
semelhanças consistentes, mas devidos à qualidade dos vestígios
recolhidos post mortem quer devido aos registos ante mortem, não é
possível
estabelecer identificação positiva.
(3) Evidências insuficientes: A informação disponível é insuficiente para formar
a base de uma conclusão.
(4) Exclusão: os registos ante mortem e post mortem são claramente
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inconsistentes.
Importa referir que não existe um número mínimo concordante de pontos ou
características necessárias para uma identificação positiva. Em muitos casos um único
dente pode ser usado para identificação se este contiver informação suficiente. Da mesma
forma um status radiográfico completo pode não ter suficiente detalhe que possa
proporcionar uma identificação positiva, sendo da responsabilidade do especialista a
justificação das suas conclusões.
b. Traçar o perfil dentário
Quando não existem registos dentários ante mortem e outros métodos de
identificação não estão disponíveis ou não são possíveis de utilizar, pode se utilizar a
análise dentária para limitar a determinada faixa da população a quem poderia pertencer
os vestígios e desta forma aumentar as hipóteses de encontrar os registos dentários ante
mortem. Informação como a idade aproximada, género, etnia e estrato socio-económico
e mesmo informação respeitante à profissão, hábitos alimentares, comportamentos e
parafunções, doenças e malformações dentárias ou doenças sistémicas. Características
rácicas como a cúspide extra denominada tubérculo de carabelli nos primeiros molares
superiores, incisivos com a vertente palatina em concha, podem dar indícios da etnia, e
ao sexo (Pretty & Sweet, 2001).
São caraterísticas do sexo a morfologia dentária, o comprimento da raiz e o formato
do crânio. As metodologias para determinar o sexo podem ser de base visual ou método
clínico, métodos microscópicos e métodos avançados. Ao se utilizar o método clínico as
diferenças entre sexos prendem-se com o tamanho do dente que podem ser significativas
tanto na dentição decídua como nos permanentes, sendo maiores nos homens que nas
mulheres, o comprimento do dente e o diâmetro da coroa podem ser avaliados através de
radiografia sendo de fiabilidade de 80% nos dentes permanentes mandibulares.
Avaliação da morfologia dentária e diferenças odontométricas.
O método microscópico possibilita distinguir quanto ao sexo identificando os corpos
de Barr característicos da mulher estudando os cromossomas Y e X por um período de 4
semanas depois da morte. Quanto aos métodos avançados, a utilização de PCR e
proteínas do esmalte pode determinar com uma fiabilidade de 100% o sexo da vítima,
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concluindo-se que a medicina dentária forense pode ajudar na determinação do sexo da
vítima, especialmente quando apenas fragmentos são encontrados (Monali, 2011).
A dentição é utilizada em muitos locais como indicador biológico da idade das
crianças adotando-se como critério biológico legal sendo de especial importância em
países em desenvolvimento onde não há registos de nascimento. Nos fluxos migratórios
para a União Europeia, a imigração ilegal, leva à clandestinidade dos adultos e crianças
que os acompanham, sendo muitas vezes necessário determinar a idade dos indivíduos
que se apresentam com falsa identidade e que afirmam serem menores de idade de
forma a evitarem ou limitarem as consequências previstas na lei e desta forma
aproveitarem-se dos convénios e tratados internacionais (Costa, 2013). A idade das
crianças, mesmo recém- nascidas pode ser determinada através do desenvolvimento
dentário, com uma precisão de um ano e meio, ao passo que a determinação da idade do
adulto através da análise dentária mostra-se menos precisa sendo características de
idade mais avançada indícios de doença periodontal, desgaste excessivo, múltiplas
restaurações. A idade pode ainda ser determinada através o método SEM-EDXA que
examina a dentina para determinar a idade.
A erosão pode ainda indicar ingestão regular de álcool ou outras substâncias ou
uma desordem alimentar ou hérnia de hiato com refluxo e manchas podem indicar hábitos
tabágicos ou tetraciclinas e padrões de desgaste como desgaste pelo cachimbo, ganchos,
agulhas ou tratamentos ortodônticos (Pretty & Sweet, 2001). Os hábitos tabágicos podem
causar descoloração dentária particularmente na superfície lingual dos dentes inferiores e
rápida acumulação de placa. O uso excessivo com demasiada força de produtos dentários
pode causar defeitos nas zonas cervicais da dentição, podendo-se identificar pessoas
dextras de esquerdinos. As mordidas abertas, cruzadas, incisivos protruidos podem
indicar hábitos infantis como o excesso de tempo em sucção. As dietas ricas em hidratos
de carbono e viscosos resultam numa alta incidência de cárie e o consumo de alimentos
excessivamente rígidos provoca erosão dentária. Pode ser determinada também alguma
relação de parentesco de entre restos mortais, analisando as características morfológicas,
sendo um método com fiabilidade baixa comparado com outras técnicas mono análise de
ADN, contudo pode ser utlizado em circunstâncias excecionais. Uma avaliação
psicológica pode ser feita com o cruzamento de dados dentários do individuo. Uma má
higiene e desleixo no tratamento pode demonstrar falta de motivação e depressão e em
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casos de crianças, idosos ou incapazes de efetuar a higiene oral, são indício de serem
negligenciados. Em indivíduos com desgaste dentário da superfície oclusal ou incisal,
podem ser relacionados com o bruxismo derivado a stresse (Vodanovoc & Brkic, 2012).
A determinação do tempo decorrido desde a morte pode ser obtida através da
análise da colocação da dentição pelo tom rosa que surge 7 a 14 dias após a morte, o
estudo dos alvéolos dentários também pode dar importantes indícios (Sweet & Pretty,
2001).
Cada pessoa tem o seu perfil dentário que as faz únicas e inimitáveis. Por isso fazer
um perfil dentário tem um grande valor no processo de determinação da identidade. As
possibilidades da utilização de novas tecnologias e técnicas devem ser desenvolvidos
com outros especialistas das ciências forenses. A formação dos dentistas neste âmbito é
necessária para uma melhor prática forense e para encorajar os dentistas a observarem o
seu trabalho de outra perspetiva.
ci. Outros métodos de identificação dentária
Existem outras formas de identificação como a identificação das próteses dentárias.
A este respeito o National Health Sistem (NHS) inglês incentiva os médicos dentistas a
identificar as próteses produzidas, o que facilita a identificação do seu portador,
igualmente a identificação de aparelhos ortodônticos removíveis pode servir o mesmo
propósito.
As rugas palatinas também podem ser usadas na identificação. Estas encontram-se
na porção anterior da maxila, consistindo entre 3 a 7 protuberâncias rígidas que radiam
tangencialmente da papila incisiva. Têm uma composição histológica de epitélio
estratificado paraqueratinizado e tecido conjuntivo como os tecidos adjacentes do palato.
Para Coslet (cit. Segelnick, 2005. p 45) a remoção clínica das rugas palatinas não é
permanente e quando removidas estas reapareciam alguns meses depois. A ideia das
rugas palatinas serem únicas de indivíduo para indivíduo ainda não foi totalmente
comprovada, não existindo evidências suficientes que possa ser usado como único
método de identificação (Sagelnick, 2005).
O dente e os materiais aplicados em medicina dentária, devido à sua grande
resistência, permanecem íntegros durante mais tempo que os restantes tecidos, podendo
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o dente ser uma fonte de ADN que pode ser amplificado através da Polimerase Chain
Reaction (PCR) (Pretty & Sweet, 2001).
CAPÍTULO III: IDENTIFICAÇÃO DE VÍTIMAS DE
CATÁSTROFES
a. Enquadramento
Estima-se que mais de 250 milhões de pessoas em todo o mundo sejam afetadas
anualmente por catástrofes, um registo três vezes maior do que na década de 70. Seja
qual for o motivo da ocorrência, as expectativas globais são de alguém terá que responder
à catástrofe, como foi gerida e se podem ser apontados culpados, sendo a cobertura
mediática quase imediata coloca sob o escrutínio o desempenho e decisão de cada
interveniente (Interpol, 2010).
Milhares de pessoas perderam as suas vidas em catástrofes e atentados como o
tsunami do Índico, no atentado de Londres e em Sharm el Sheikh ou no furação Katerina
que causou o caos em Nova Orleães. Famílias, amigos e vidas inteiras foram devastados.
A situação de catástrofe é complexa e global, podendo ser de origem natural ou origem
humana. A principal questão não é, se volta a acontecer ou não pois a história já
respondeu à questão, mas sim, o que devemos fazer quando voltar a acontecer. É
importante que seja organizada rapidamente a recuperação dos corpos das vítimas ou
seus vestígios e provas e pertences, identificar as vítimas e devolve-las às suas famílias.
Muitas famílias entrevistadas após o tsunami do Índico disseram o quanto foi importante e
o quanto as ajudou, saber que os seus familiares tinham sido encontrados e identificados.
O trabalho sistemático de uma equipa eficiente e cuidadosa é essencial para intervir no
processo de identificação e avaliação da situação. A medicina dentária forense tem vindo
a dar contributos muito importantes nas referidas catástrofes. Sabe-se que a identificação
visual por amigos ou familiares não é fiável devido a aspetos psicológicos ou mesmo por a
vítima estar irreconhecível ou existir apenas um vestígio. É ai que métodos científicos são
necessários da área da medicina, ADN ou impressões digitais (Hinchliffe, 2007).
A identificação de peças dentárias depende da fiabilidade, precisão e de se
encontrar disponível, informação recolhida in vivo. O processo de identificação envolve
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reunir e elencar toda a informação dentária existente e comparar com os vestígios
encontrados, devendo os detalhes serem compatíveis e as discrepâncias explicadas. É
possível que os registos não coincidam totalmente com os vestígios por um variado
número de razões. É ai que o especialista experimentado consegue interpretar as
diferenças. Os registos são de vária ordem e incluem a história clinica, os registos
imagiológicos, os modelos de estudo, as fotografias intraorais e até mesmo os recibos dos
tratamentos que normalmente incluem a descrição do tratamento. Também será
necessário saber a data da recolha desses registos pois o lapso temporal pode explicar as
discrepâncias encontradas (Hinchliffe, 2007).
Uma radiografia de qualidade pode mostrar restaurações dentárias que muito bem
podem passar despercebidas numa autópsia convencional, tratamentos endodônticos,
morfologia radicular e muito mais informação dentária. Pode também avaliar a idade da
vítima no caso de crianças observando a dentição decídua, mista ou definitiva. Uma boa
fotografia in vivo do sorriso, com dentes visíveis, pode ser útil para o processo de
comparação ou auxílio para um exame de sobreposição. Existem algumas limitações
associadas aos registos in vivo de vária ordem:
(1) A interpretação de diversas normas de registo usadas em todo o mundo
apesar da notação FDI ter sido introduzida para normalizar, ainda existem vários
locais onde são utilizadas notações diferentes;
(2) Registos incompletos;
(3) Imprecisões;
(4) Registos fraudulentos.
Num cenário de catástrofe é necessário a intervenção de diversos especialistas,
com treino regular e com elevada prontidão sempre que necessário. Estima-se que 30
países enviaram equipas de identificação de vítimas ou seu equivalente para dar
assistência ao governo tailandês num total de 600 elementos. Foram várias
nacionalidades diferentes a trabalhar lado a lado que necessariamente necessitavam de
protocolos estandardizados, tendo sido adotados os formulários da Interpol.
Quando ocorre um incidente de grandes proporções, um país sozinho pode não ter
os recursos suficientes para fazer frente a um grande número de vítimas, podendo o
incidente ter destruído ou desorganizado o sistema de resposta a incidentes nacional,
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fazendo com que a tarefa de identificação de vítimas se torne mais difícil. Um esforço
coordenado pela comunidade internacional pode acelerar o processo possibilitando o
processo de luto às famílias e para que a sociedade se possa reconstruir ou mesmo
quando ocorre um incidente de terrorismo podem auxiliar os investigadores a identificar os
possíveis atacantes. A Interpol presta auxílio aos países membros também no âmbito da
identificação de vítimas de catástrofes de forma imediata com guias de procedimentos,
assistência de comando e controlo e equipas de resposta a incidentes (Interpol, 2015).
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Figura 2 -Estrutura da task-force de identificação de vítimas do Tsunami da Tailândia (Interpol, 2010)
Na resposta ao tsunami do Sudeste Asiático no final de 2004, equipas de DVI
chegaram no dia 28 de dezembro de 2004 à Tailândia e foi estabelecido que as vítimas
iriam ser identificadas prioritariamente através do ADN, registos dentários e impressões
digitais e que seria utilizado um software de registo e comparação ante mortem e post
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mortem denominado Plass Data A/S da Dinamarca sendo que a identificação só seria
considerada se pelo menos um dos três métodos principais de identificação
correspondesse, não aceitando unicamente o reconhecimento facial.
A identificação unicamente dentária foi a principal forma de identificação por ser
uma forma rápida e pouco dispendiosa, tendo identificado 43% das vítimas conforme o
gráfico abaixo representado.
Figura 3 -Número de vítimas identificadas com diferentes métodos ou combinação de métodos até 19 de
Janeiro de 2006 (Interpol, 2010)
Foi registado grande cooperação dos diversos países no envio dos registos dentários
logo no início do processo de identificação, principalmente da Europa do norte o que levou
a que um grande número de europeus pudessem ser identificados rapidamente logo nos
primeiros meses da operação, ao passo que as vítimas tailandesas só foram identificadas
mais tarde ao longo do processo por não existirem dados ante mortem disponíveis ou
fiáveis. A título de exemplo em abril de 2005 existiam apenas 417 registos ante mortem no
DVI em comparação com 1867 registos ante mortem estrangeiros, o que levou que as
vítimas tailandesas fossem apenas identificadas por outros métodos mais dispendiosos e
morosos, pois não existia registos dentários suficientes, os dois gráficos seguintes
demonstram as diferenças na rapidez e volume de identificações recorrendo a diferentes
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métodos uma vez que em relação às vítimas suecas, a identificação foi muito semelhante
das restantes vítimas europeias que dispunham de registos dentários.
Figura 4 -- Vítimas suecas identificadas por diversos métodos entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2006
(Interpol, 2010)
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Figura 5 -Vítimas tailandesas identificadas por diferentes métodos ente janeiro de 2005 e fevereiro de 2006
(Interpol, 2010)
Quando existe um grande número de fatalidades as tecnologias informáticas
proporcionam comparações eficientes num curto espaço de tempo entre os registos ante
mortem e post mortem mas a decisão final cabe sempre ao especialista. Quer se trate de
lidar com uma única vítima ou um desastre em massa, aceder a informação post mortem
pode ser difícil. Problemas de coordenação e cooperação entre diversas jurisdições,
culturas e casas mortuárias de campanha, a fragmentação e mistura dos restos mortais e
sua decomposição. Também a informação ante mortem padece muitas vezes de
limitações devido à morosidade ou dificuldade de transferência de local, muitas vezes é
incompleta pois verifica-se que não é habitual cada novo paciente fazer um registo oral
completo (Hinchliffe, 2007).
No Reino Unido a resposta inicial a uma catástrofe é gerida a um nível local pelo
médico legista e polícia. Se é necessária assistência extra, o centro de informação e
coordenação nacional de Polícia (PNICC) é contactado e organiza uma resposta policial e
não policial conforme a necessidade. Os médicos dentistas encontram-se na lista do
centro internacional de assistência forense (CIFA). Sempre que ocorra uma catástrofe
fora do Reino Unido em que seja importante a assistência são as acionadas as equipas
de disaster victim identification (DVI) (Hinchliffe, 2007).
CONCLUSÕES A identificação de indivíduos pela análise do respetivo ADN é o procedimento mais
amplamente utilizado e reconhecido no mundo. Contudo, existem situações em que
poderão existir falhas, tais como o facto de gémeos monozigóticos partilharem cópias
idênticas do respetivo ADN e ainda o incumprimento da cadeia de custódia, que poderá
contaminar amostras de ADN e invalidar resultados ou darem resultados falsos.
Para se poder analisar ADN com o intuito da identificação, é requerido sempre um
perfil genético para comparação, sendo que as etapas e procedimentos de recolha,
análise e comparação dos mesmos são muito onerosos, complicados e demorados. O
método de identificação com recurso a técnicas de análise de ADN é recomendado
quando estão esgotados todos os outros métodos, ou para prova dos resultados obtidos.
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Nas situações de cadáveres carbonizados, ou em decomposição, a identificação
pelo ADN poderá estar inviabilizada ou comprometida, estando indicado o estudo dentário
e das estruturas adjacentes.
A identificação de indivíduos através da perícia médico-dentária às estruturas
orodento-faciais, é muito vantajosa, eficiente, e relativamente mais célere e com custos
inferiores, quando comparada com outros sistemas identificativos. Contudo, para ser
fiável, rápida e de execução simples deve ser executada por profissionais treinados para o
efeito.
A identificação de humanos com recurso a técnicas de identificação dentárias tem
principal relevância nos desastres resultantes de catástrofes e nos casos de deformação,
carbonização ou decomposição de indivíduos.
A falta e peso dos Médicos Dentistas e da evidência dentária e sua documentação
para identificação é proporcional ao número e destruição das vítimas.
Para universalizar, encaminhar e uniformizar as normas para a identificação humana em
particular nos desastres de massa, recomenda-se o uso do guia “DVI”, e das normas
sugeridas pela INTERPOL.
Os dados inscritos nas fichas clínicas dentárias e sua constante atualização no
decurso das consultas médico-dentárias, é de extrema relevância e irá permitir a
comparação das características” ante mortem” registadas, com as características “post
mortem”, presentes nas vítimas, para se um reconhecimento conclusivo.
O registo dentário de vítimas de catástrofes deverá ser efetuado preferencialmente
pelos Médicos Dentistas Forenses num odontograma específico, com um modelo
internacional, de modo a facilitar a partilha de informação entre países.
A padronização, aplicação, atualização e registo das fichas dentárias,
procedimentos e meios auxiliares de diagnóstico deverá existir inscrito num sistema
informático, facilitando e permitindo uma rápida e simples consulta, bem como o respetivo
envio de dados, agilizando todo o processo de identificação.
Com este trabalho, conclui-se que é fundamental a inclusão de Médicos Dentistas
nas equipas de perícia médico-legais e que as entidades nacionais e internacionais e
competentes deveriam legislar a esse respeito.
BIBLIOGRAFIA
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