UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLAcircNDIA
INSTITUTO DE FILOSOFIA
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA
O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A
PARTIR DA LEITURA DO FILEBO
UBERLAcircNDIA-MG
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLAcircNDIA
INSTITUTO DE FILOSOFIA
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA
LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS
O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A
PARTIR DA LEITURA DO FILEBO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier
UBERLAcircNDIA-MG
2018
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU MG Brasil
B277p
2019
Barros Leander Alfredo da Silva 1991-
O prazer na filosofia de Platatildeo [recurso eletrocircnico] algumas
consideraccedilotildees a partir da leitura do filebo Leander A lfredo da Silva
Barros - 2019
Orientador Dennys Garcia X avier
Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Uberlacircndia
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia
Modo de acesso Internet
Disponiacutevel em httpdxdoiorg1014393ufudi2019986
Inclui bibliografia
Inclui ilustraccedilotildees
1 Filosofia 2 Platatildeo 3 Prazer 4 Dialeacutetica I X avier Dennys
Garcia 1979- (Orient) II Universidade Federal de Uberlacircndia
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia III Tiacutetulo
CDU1
Gloacuteria Aparecida ndash CRB-62047
Scanned with CamScanner
LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS
O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A PARTIR DA
LEITURA DO FILEBO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier
Uberlacircndia 02 de Marccedilo de 2018
Banca Examinadora
______________________________________________
Profa Dra Eliane Christina de Souza (UFSCar)
_____________________________________________
Prof Dr Fernando Martins Mendonccedila (UFU)
__________________________________________________
Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto (UFU)
(Presidente da Banca ndash Orientador Substituto)
Scanned with CamScanner
i
DEDICATOacuteRIA
Agraves ldquomulheres da minha vidardquoμ δaura Mariarsquos
Clara Marina
Ao Rubens δeoni e ao pequeno ldquoRickrdquo (ldquoluz do
meu viverrdquo)
ii
ldquo() η θ φλκθά υμ εα κθ μ πΫλδ πλ μ θ ζζάζπθ η ῖιδθ δμ φαέθ εαγαπ λ
βηδκυλΰκῖμ ηῖθ ι θ θ κ μ ῖ βηδκγλΰ ῖθ δ παλαε ῖ γαδ εαζ μ θ ζσΰ π δεΪακδrdquo
Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do que temos de fabricar e amalgamar na produccedilatildeo seraacute dizer belamente
(Filebo 59d-e)
iii
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr Dennys Xavier pela orientaccedilatildeo e apoio concedido durante a pesquisa
Ao Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto pessoa relevante para a conclusatildeo deste
trabalho Manifesto minha gratidatildeo por todo apoio concedido na elaboraccedilatildeo deste trabalho e
que em dada Defesa ocupou a funccedilatildeo de Orientador Substituto
Agrave Professora Dra Eliane Christina de Souza agradeccedilo a disposiccedilatildeo e presenccedila por
sua disponibilidade de leitura do texto e pela composiccedilatildeo da banca aleacutem da sua afetuosa
acolhida na UFSCAR e consequente inserccedilatildeo entre os seus orientandos de Doutorado
Ao Professor Dr Fernando Martins Mendonccedila pela presenccedila na qualificaccedilatildeo e
composiccedilatildeo da Banca de Defesa desta dissertaccedilatildeo e as sugestotildees eficazes ao meu trabalho
Ao Professor Dr Rubens Garcia Nunes Sobrinho pela disponibilidade no exame de
qualificaccedilatildeo e indicaccedilotildees precisas sobre nosso autor e as sugestotildees feitas ao meu texto
Aos professores do PPGFIL-UFU em especial agrave querida Prof Dra Georgia Amitrano
e aos professores Prof Dr Marcos Ceacutesar Secircneda Prof Dr Steacutefano Pascoal e o Prof Dr
Celso Luiacutes de Arauacutejo Cintra que foram meus professores nas disciplinas do PPGFIL-UFU
Meu agradecimento em especial ao IFILO-UFU e a todos os funcionaacuterios e
coordenadores do PPGFIL-UFU
Agrave CAPES pelo apoio e fomento concedido ao desenvolvimento da minha pesquisa ao
longo destes dois anos no Mestrado do PPGFIL-UFU
Ao caro amigo Jefferson Pontes pela leitura paciente e rigorosa do meu texto pelas
inuacutemeras sugestotildees que contribuiacuteram para a consecuccedilatildeo de um trabalho rigoroso
Agradeccedilo aos meus pais Rubens e Marina Barros pelo apoio constante e por todo o
esforccedilo conjunto empregado para a realizaccedilatildeo desta tarefa gratificante Agraves minhas avoacutes Laura
e Maria Clara pelo zelo carinho atenccedilatildeo e companheirismo nesta etapa sou eternamente
grato a elas e demonstro aqui meu amor e admiraccedilatildeo por ambas Aos meus irmatildeos Leoni e
Maria Clara pelo carinho respeito e admiraccedilatildeo que ambos nutrem pelo meu trabalho e por
meus estudos Enfim a todos os amigos de Uberlacircndia de Satildeo Joatildeo del Rei aos familiares
e amigos de Alfredo Vasconcelos e a todos os meus professores que fizeram parte desta
histoacuteria meus sinceros agradecimentos
iv
BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura
do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Uberlacircndia Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar as concepccedilotildees platocircnicas em torno do tema do prazer
notadamente aquelas apresentadas no diaacutelogo Filebo Pretendo ao longo do texto evidenciar
algumas das possiacuteveis intepretaccedilotildees acerca da questatildeo primordial que envolve o diaacutelogo em
aὀὠliὅἷΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝὂὄiὁὄitaὄiamἷὀtἷΝὀaΝὄἷflἷxatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝfelizrdquoΝ(ίέκθ αδηκθα) O eixo
temaacutetico deste nosso esforccedilo interpretativo recai sobre a temaacutetica dos prazeres e
fundamentalmente sobre os conteuacutedos eacuteticos apresentados no decorrer da obra A exaustiva
anaacutelise do prazer ( κθ ) que ocupa maior parte da discussatildeo resulta numa investigaccedilatildeo
ainda mais significativa em torno daquele que deveraacute ὅἷὄΝἷlἷitὁΝἵὁmὁΝὁΝldquomἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝ
viἶardquoΝ(ΰΫθκμ)ΝὂὁὄΝamἴὁὅΝὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝἶἷὅtἷΝmὁvimἷὀtὁΝaὄgumἷὀtativὁέΝἏΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaΝ
que porventura caracterizaraacute este estilo de vida preferiacutevel aos homens natildeo pode
desconsiderar a relevacircncia do prazer sendo neste caso umaΝ ldquoviἶaΝmiὅtardquoΝ (η δε σθ ίέκθ)
composta por prazer ( κθ ) e reflexatildeo (φλσθ δμ) Portanto se prazeres e conhecimentos
parecem estar ὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝmἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝviἶaμΝ(i)ΝὁΝldquoἵὠlἵulὁrdquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ
resulta numa importante configuraccedilatildeo da escala de valores relativos agrave constituiccedilatildeo da vida
mista e (ii) a proacutepria concepccedilatildeo de dialeacutetica (tarefa pertinente ao filoacutesofo) alcanccedila um
significado ainda mais surpreendente e relevante na argumentaccedilatildeo isto eacute ao configurar-se
como o exerciacuteciὁΝ ὄἷflἷxivὁΝ fuὀἶamἷὀtalΝ Ν aἵἷὄἵaΝ ἶaΝ ldquomἷἶiἶardquo (ηΫ λκθ) (entre limitado e
ilimitado) nas deliberaccedilotildees humanas e que por sinal visam o bem e a felicidade
Palavras-chave Platatildeo Prazer Filebo Vida Boa Dialeacutetica
v
BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura
do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia Uberlacircndia 2018
ABSTRACT
This work aims to analyse the platonic conceptions around the theme of pleasure notably
those presented in the Philebus dialogue I intend throughout the text to highlight some of the
possible interpretations about the primordial question that surrounds the dialogue under
analysis which consists mainly in the reflection on the good life (ίέκθ αδηκθα) The
thematic axis of our interpretative effort falls on the theme of pleasures and fundamentally on
the ethical content presented during the work For the exhaustive analysis of pleasure ( κθ )
which occupies most of the discussion results in an even more meaningful investigation
around what should be elected as the best kind of life (ΰΫθκμ) by both interlocutors of this
argumentative movement The philosophical life which perhaps will characterize the lifestyle
preferable to men canὀὁtΝἶiὅὄἷgaὄἶΝthἷΝὄἷlἷvaὀἵἷΝὁfΝὂlἷaὅuὄἷΝἴἷiὀgΝiὀΝthiὅΝἵaὅἷΝaΝldquomixἷἶΝlifἷrdquoΝ
(η δε σθ ίέκθ) composed by pleasure ( κθ ) and reflection (φλσθ δμ) Therefore if
pleasures and knowledge seem to be present in the definition of the best kind of life (i) the
calculation of pleasures results in an important configuration of the scale of values relative to
the constitution of mixed life and (ii) the very conception of the dialectic (a task pertinent to
the philosopher) reaches an even more surprising and relevant meaning in the argumentation
that is in defining itself as the fundamental reflexive exercise of measure (ηΫ λκθ) (between
limited and unlimited) in human deliberations and by the way aim at good and happiness
Keys-words Plato Pleasure Philebus Good life Dialectic
vi
ESCLARECIMENTOS
- Utilizo prioritariamente a versatildeo biliacutengue do Filebo do nosso tradutor brasileiro Prof
Fernando Muniz (2012) com o texto grego original estabelecido e anotado por John Burrnet
em seu Platonis Opera (1899-1907 5 v) fazendo as modificaccedilotildees quando necessaacuterias todas
indicadas em suas ocorrecircncias
- Optei pela manutenccedilatildeo da grafia original de todos os termos gregos retirados das
obras primaacuterias e secundaacuterias
- Quanto aos termos gregos que aparecem nas obras secundaacuterias (comentadores)
achei por bem manter a mesma forma utilizada pelos comentadores seja no uso dos termos
transliterados ou natildeo Na medida do possiacutevel tentarei manter todos os acentos e espiacuteritos
bem como a diferenciaccedilatildeo entre as vogais longas e breves Apesar deste meacutetodo sempre
apresentar deficiecircncias
- Toda a metodologia deste trabalho se apoia nas normas utilizadas pela Revista
Archai (httpperiodicosunbbrindexphparchaiaboutsubmissionsauthorGuidelines) que
prioritariamente segue a metodologia proposta por Harvard (Harvard Reference System)
- Aproveito tambeacutem para ressaltar um fator importante sobre as obras secundaacuterias
utilizadas para a fundamentaccedilatildeo do texto escritas em idiomas estrangeiros Durante todo o
texto nas citaccedilotildees (diretas e indiretas) preferi traduzir diretamente mantendo todos os
excertos em portuguecircs Assim comprometo-me com o conteuacutedo destas traduccedilotildees diretas as
quais referem-se unicamente aos propoacutesitos do trabalho por noacutes aqui desenvolvido
- Ao final do trabalho poderatildeo ser consultados nos anexos (i) Tabela de Transliteraccedilatildeo
(ii) Lista de Abreviaccedilotildees dos textos claacutessicos
SUMAacuteRIO
DEDICATOacuteRIA i AGRADECIMENTOS iii RESUMO iv
ABSTRACT v
ESCLARECIMENTOS vi INTRODUCcedilAtildeO 1
1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA ADOTADA NESTE TRABALHO 17
11 A posiccedilatildeo unitarista 19
12 A posiccedilatildeo revisionista 23
13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo 30
14 A posiccedilatildeo literaacuteria 38
15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho 44
2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO) 51
21 As complexidades estruturais e o problema da unidade 51
22 O tema central um dissenso 57
23 O contexto histoacuterico e os personagens 64
3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO 78
31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica 78
32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto 155
33 Prazer Conhecimento e Valor 180
CONCLUSAtildeO 199
REFEREcircNCIAS 203
Literatura Primaacuteria (Platatildeo) 203
Demais autores claacutessicos 205
Literatura secundaacuteria 206
ANEXOS 219 Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo 219
Lista de Abreviaccedilotildees 220
1 Introduccedilatildeo
INTRODUCcedilAtildeO
Terra incognita Eacute este o termo utilizado por Dorothea Frede ao referir-se ao diaacutelogo
Filebo (2013 p 501) e essa eacute sem duacutevida a primeira impressatildeo causada nos leitores-
inteacuterpretes jaacute familiarizados com os demais diaacutelogos A obra em questatildeo Filebo eacute
ἵὁὀὅiἶἷὄaἶaΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝtaὄἶiὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝmuitὁὅ estudiosos1 agrave exceccedilatildeo de Gilbert Ryle
(1966 p 251-256) para quem o Filebo natildeo pode ser considerado um dos uacuteltimos diaacutelogos de
Platatildeo mas sim um diaacutelogo escrito na maturidade platocircnica proacuteximo ao Timeu2
As dificuldades impostas agrave leitura e agrave interpretaccedilatildeo desse texto platocircnico satildeo diversas
como veremos ao longo deste trabalho O Filebo aleacutem de trazer agrave discussatildeo temas relevantes
da filosofia platocircnica dos escritos tardios ndash haja vista o tratamento de temas extremamente
complexos alguns sob os quais ainda natildeo se obteacutem um consenso interpretativo parece fugir
de uma unidade possiacutevel nos conteuacutedos abordados ao longo da obra a ponto de alguns o
considerarem um diaacutelogo corrompido (faltante)3 De tal modo tanto os temas tratados quanto
aΝἷὅtὄutuὄaΝἶaΝὁἴὄaΝaὂὄἷὅἷὀtamΝiὀήmἷὄaὅΝἷΝἵὁmὂlἷxaὅΝldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoΝ(εUNIZ 2007 p 113)4
que exigiriam do leitor natildeo soacute um conhecimento vasto do corpus mas principalmente dos
temas pertinentes agrave chamada ldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵardquoΝἶa velhice5
1 A respeito dos problemas que envolvem o polecircmico tema da cronologia das obras platocircnicas falaremos adiante quando formos tratar dos esclarecimentos metodoloacutegicos Segundo Brandwood (2013 p 143) a ordem cronoloacutegica mais aceita na contemporaneidade coloca o Filebo como o penuacuteltimo diaacutelogo do corpus platocircnico Esta sequecircncia estaria disposta da seguinte maneira (no grupo dos diaacutelogos tardios) Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Pretendo demonstrar ao longo do texto que meu propoacutesito em relaccedilatildeo ao modo de leitura dos diaacutelogos de Platatildeo distingue-se de uma viὅatildeὁΝiὀtἷὄὂὄἷtativaΝἶitaΝldquoἵaὀὲὀiἵardquoΝὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝὀὁΝtὁἵaὀtἷΝaὁὅΝmὁἶἷlὁὅΝὃuἷΝὂautamΝὅuaὅΝleituras a partir de uma visatildeo cronoloacutegica da filosofia platocircnica 2 Paralelamente a esta classificaccedilatildeo encontra-se a de Waterfield (Cf WATERFIELD 1980 1982) 3 Godofredus Stallbaum (1826) em seu Platonis Philebus Prolegomenis et Comentarius (introduccedilatildeo ao comentaacuterio do texto grego) destaca queμΝldquo(έέέ)ΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝὁἴὄaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὁΝFilebo eacute o diaacutelogo mais ἵὁὄὄὁmὂiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝὂἷlaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἃ)έ 4 Muniz chama nossa atenccedilatildeo para a descrenccedila ao longo dos seacuteculos presente entre os plantonistas quanto a uma suposta ineficiecircncia interpretativa desse diaacutelogo platocircnico Seu princiacutepio hermenecircutico orientador enfatiza a relaccedilatildeo constitutiva entre forma e conteuacutedo nos Diaacutelogos Deste modo o autor sublinha a necessidade de nos atermos agraves transiccedilotildees bruscas presentes no diaacutelogo sendo possiacutevel recorrer apenas a elementos do proacuteprio texto (2007 p 113) Assim ele ressalta essa descrenccedila iὀtἷὄὂὄἷtativaμΝ ldquoἒiaὀtἷΝ ἶἷὅὅaΝ ἷxigecircὀἵiaΝ [iὀtἷὄὂὄἷtativa]Ν ὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶὁΝ Filebo encontram seu maior obstaacuteculo a anatomia do diaacutelogo parece anocircmala e as articulaccedilotildees entre suas partes ausentes a desconexatildeo a descontinuidade a obscuridade e a irrelevacircncia de certas cenas ou passagens em relaccedilatildeo ao tema principal fizeram do Filebo ao longo dos seacuteculos uma espeacutecie de corpo estranho no conjunto dos Diaacutelogos de Platatildeo 5 ἑὁmὁΝἵὄecircΝIέΝἑὄὁmἴiἷμΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝὄὠὂiἶaΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄatildeὁΝὅἷὄΝcompreendidas somente agrave luz das preocupaccedilotildees proacuteprias de seus uacuteltimos anos as quais noacutes soacute viriacuteamos a ἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὂὁὄΝ mἷiὁΝ ἶἷΝ ἏὄiὅtὰtἷlἷὅrdquoΝ aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoaΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ aΝ matὧὄiaΝ ἷΝ aΝ fὁὄmaΝ ἶὁὅΝuὀivἷὄὅaiὅrdquoΝ(1λἆἆΝὂέΝἁἄ1)έ
2 Introduccedilatildeo
Neste sentido tambeacutem parece memoraacutevel a metaacutefora cunhada por Robert Gregg Bury
(1987 p 9) para quem o Filebo no bosque da Academia de Platatildeo assemelha-se mais a um
carvalho retorcido e nodoso repleto de brotos e saliecircncias assimeacutetricas que o desfiguram
frente aos belos ciprestes e majestosos pinheiros presentes no espaccedilo intra-acadecircmico
Obviamente aqueles uacuteltimos frondosos ciprestes e pinheiros na conotaccedilatildeo elaborada pelo
teoacuterico dizem respeito aos demais diaacutelogos platocircnicos que talvez apresentam uma estrutura
mais facilmente identificaacutevel
A metaacutefora ilustra bem a claacutessica teoria do diaacutelogo colagem (ou como prefiro dizer
teoria antoloacutegica do diaacutelogo) Podemos em um primeiro momento cunhar apenas uma
estrutura aparente da obra Primeiramente temos uma espeacutecie de disputa inicial entre prazer
e inteligecircncia sobre qual dos dois poderaacute vir a ser considerado o bem para todos os seres
ὁuΝ mἷlhὁὄΝ aΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (11a-14a) Em um segundo momento somos conduzidos a uma
argumentaccedilatildeo metodoloacutegica detalhada (14b-20b) Posteriormente a discussatildeo jaacute natildeo estaacute
maiὅΝἵἷὀtὄaἶaΝὀὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁνΝaΝἶiὅὂutaΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὃuἷΝ
seraacute concedido ao prazer ou agrave inteligecircncia jaacute que uma revelaccedilatildeo divina teria apontado a vida
mista de prazer e inteligecircncia como vitoriosa (20c-ἀἁἴ)έΝἏΝἶiὅὂutaΝὂὁὄΝἷὅὅἷΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝ
ἷxigἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷΝaὅὅimΝὧΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaΝumaΝὁὀtὁlὁgiaΝ
quaacutedrupla (limite ilimitado misto e causa) (23b-31b) Em seguida temos uma longa anaacutelise
dos prazeres fundamentalmente dividida entre prazeres verdadeiros e prazeres falsos (31b-
55c) depois uma breve anaacutelise dos conhecimentos (55c-59d) Por fim retoma-se a questatildeo
da Vida Boa e do lugar ocupado pela inteligecircncia e pelo prazer na composiccedilatildeo desta vida
mista (59d-67d)
Essa continuidade anteriormente proposta acerca do movimento que compotildee o
diaacutelogo eacute apenas aparente Na praacutetica o leitor atento da obra se depara com uma difiacutecil visatildeo
capaz de verificar tal organizaccedilatildeo em um texto em que a sequecircncia dos temas tratados sofre
profundos abalos cortes e lapsos aleacutem de um resultado final que gera perplexidade nas
iὀήmἷὄaὅΝlἷituὄaὅΝὃuἷΝὅἷΝὄἷὀὁvamΝaΝἵaἶaΝmὁmἷὀtὁέΝἑἷὄtaΝὄἷgulaὄiἶaἶἷΝἶaΝldquotὁὂὁgὄafiaΝaὧὄἷardquoΝ
do diaacutelogo desaparece quandὁΝὀὁὅΝaὂὄὁximamὁὅΝἶἷὅtἷΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝ(ἔἤἓἒἓΝ1λλἁΝ
p 15) Deste modo apenas leituras rasas e superficiais estariam livres de impedimentos jaacute
as mais aprofundadas estariam fadadas ao fracasso
Diante dessas consideraccedilotildees eacute possiacutevel notar ao longo da histoacuteria interpretativa do
Filebo como este diaacutelogo adquiriu conotaccedilotildees (em certo sentido bastante negativas) frente
ao papel ocupado pelos demais diaacutelogos que compotildeem o corpus Todavia neste trabalho
minha interpretaccedilatildeo dista desta visatildeo que denomiὀὁΝἵὁmὁΝldquoὀἷgativardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷΝὂὄὁἵuὄὁΝ
seguir por outro caminho
Monique Dixsaut (1999 2001 2017) apresenta-nos detalhadamente este mesmo
histoacuterico claacutessico que permaneceu durante seacuteculos como princiacutepio hermenecircutico orientador
3 Introduccedilatildeo
do Filebo diaacutelogo faltoso corrompido com muacuteltiplas correccedilotildees artificial de qualidade literaacuteria
desejaacutevel diaacutelogo acadecircmico portador de um Soacutecrates diferente daqueles dos demais
diaacutelogos sem um assunto claramente definido (questatildeo debatida na Antiguidade) terreno
prediletὁΝ ἶaΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ldquoἷὅὁtἷὄiὅtardquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἷΝ ἶὁὅΝ ἶἷfἷὀὅὁὄἷὅΝ ἶὁΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ὄἷviὅiὁὀiὅmὁΝ
(ontoloacutegico) presente nesta uacuteltima fase do pensamento platocircnico Ou seja deficiecircncias
segundo alguns que vatildeo desde a questatildeo propriamente estiliacutestica literaacuteria ateacute questotildees
ὄἷlaἵiὁὀaἶaὅΝaὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝὁuΝldquoἶὁutὄiὀὠὄiὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁέΝἡΝὃuἷΝaΝlἷvaΝaΝafiὄmaὄΝὃuἷμΝldquoἡΝ
Filebo possui o duacutebio privileacutegio de cumular todas as dificuldades propostas agrave leitura de um
ἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(1λλλΝὂέΝλ)έ
Eacute oportuno ressaltar que Dixsaut (1999 2001) natildeo comunga com ἷὅtaΝviὅatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝ
acerca do diaacutelogo O tom dessa sua fala repercute em um sentido interpretativo positivo das
ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝὃuἷΝὅἷguὀἶὁΝaΝautὁὄaΝὅatildeὁΝmἷὄamἷὀtἷΝaὂaὄἷὀtἷὅέΝἜὁgὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶὁΝἷὅtἷΝ
ldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝἵὁmὁΝumaΝafirmaccedilatildeo que se converte em certa ironia jaacute que para a autora
o privileacutegio deste diaacutelogo concentra-se na riqueza dos temas ali desenvolvidos por Platatildeo e
ὀatildeὁΝ ὀaὅΝ ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝ ἵὁὀὅtataἶaὅΝ ὂἷlὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ aὁΝ lὁὀgὁΝ ἶὁὅΝ ὅὧἵulὁὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ
tambeacutem natildeo significa dizer que o diaacutelogo natildeo seja difiacutecil e que essas transiccedilotildees dificultem em
certo grau uma compreensatildeo detalhada desse texto platocircnico6 Como ela mesma afirma
o principal obstaacuteculo agrave compreensatildeo do Filebo eacute a sua aparente falta de unidade Isto eacute a interpretaccedilatildeo da passagem dita metodoloacutegica que compromete segundo alguns a unidade do diaacutelogo Eacute indiscutiacutevel agrave primeira vista a dificuldade em estabelecer uma relaccedilatildeo entre o primeiro grande momento do texto e as que se sucedem a este isto eacute a questatildeo da vida boa e de seus ingredientes (a anaacutelise dos prazeres 31b2-55c4 e a divisatildeo dos conhecimentos 55c5-59d) e a hierarquia final (59d-66a4) (DIXSAUT 2001 p 287)
Paralelamente agrave visatildeo de Dixsaut encontra-se a de Fernando Muniz (2007)7 no
sentido inverso dessa interpretaccedilatildeo claacutessica negativa Posiccedilatildeo da qual tambeacutem partilho em
6 ἢὁὄΝ iὅὅὁΝ aΝ autὁὄaΝ ἵὁὀἵὁὄἶaΝ ἵὁmΝ ἤὁἶiἷὄΝ (1λἀἄ)Ν ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἔilἷἴὁΝ ὧΝ umΝ ἶiὠlὁgὁΝ ἶifiacuteἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἅἂ-137) (DIXSAUT 2001 p 285) 7 Ambos os autores partem da necessidade de compreensatildeo da primeira parte do diaacutelogo principalmente das consideraccedilotildees metodoloacutegicas para se interpretar as partes restantes da obra Segundo Muniz (2007) essa tarefa implica em reconhecer o ζσΰκμ comparado a um ser vivo dotado ἶἷΝumΝἵὁὄὂὁΝtὁtalmἷὀtἷΝaὄtiἵulaἶὁΝiὅtὁΝὧΝaΝaὂaὄἷὀtἷΝfaltaΝἶἷΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝlὁgὁgὄὠfiἵardquoΝaὂaὄἷὀtἷΝὅἷὄiaΝintencional A fim de justificar semelhante recurso o autor centra-se na noccedilatildeo de π δλκθ (ilimitado) utilizada por Platatildeo no diaacutelogo como veremos mais adiante Deste modo seria necessaacuterio tomar o ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoἵὁiὅaΝilimitaἶardquoΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝὅuaΝfὁὄmaΝἷὀἵὁὀtὄaΝumΝlugaὄΝὂaὄaἶὁxalΝὀἷὅὅaΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝldquo(έέέ)ΝὀaΝiὀtἷὄὅἷὦatildeὁΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝἷὅὂἷlhamΝἷΝὅἷΝἵὁmuὀiἵamrdquoΝ(εἧἠIZΝἀί07 ὂέΝ11ἆ)έΝἡΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝἷvὁἵaἶὁΝὂἷlὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ(ἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷὄiaΝὁΝὂὄimἷiὄὁΝaΝenunciar essa suspeita recaiacuteda sobre o diaacutelogo ao longo da sua tradiccedilatildeo interpretativa) exige que ou o diaacutelogo se trata de um jogo discursivo intricado (πκδεέζκμ) ou ele eacute segundo uma imagem que o proacuteprio
4 Introduccedilatildeo
minha intepretaccedilatildeo do diaacutelogo Por essa razatildeo creio ser preciso buscarmos no proacuteprio texto
um meio pelo qual essas dificuldades possam ser amenizadas E talvez essa proacutepria
construccedilatildeo problemaacutetica seja intencional e nos sirva agrave interpretaccedilatildeo do diaacutelogo em sua
tὁtaliἶaἶἷέΝἠatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝaΝὁἴὄaΝὅἷjaΝὀἷmΝaΝldquotἷὄὄaΝiὀἵὰgὀitardquoΝἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅΝὀἷmΝmἷὅmὁΝaΝ
ldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquo8 (BARKER 1996 p 143) dos estudiosos da obra em questatildeo Muito pelo
contraacuterio em nosso seacuteculo interpretaccedilotildees e pontos de vista dotados de coerecircncia tecircm
novamente retornado agrave cena filosoacutefica a respeito desse diaacutelogo
Se permanecemos conjecturando sobre as intenccedilotildees possiacuteveis de nosso autor natildeo
passaremos da superficialidade melhor seria encontrar no proacuteprio texto boas indicaccedilotildees
capazes de nos fornecerem instruccedilotildees interpretativas Afinal na trama ficcionada9 e discursiva
dos diaacutelogos o leitor ou ouvinte possui um papel importante Como alega Muniz
ἶiὠlὁgὁΝὁfἷὄἷἵἷΝumaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εσ ηκμ δμ υηα κμ) Isto eacute o Filebo seria uma ordem iὀἵὁὄὂὰὄἷaΝaἵaἴaἶaΝἷΝὂἷὄfἷitaΝἶὁtaἶaΝἶἷΝviἶaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷΝldquoἶiὀamiὅmὁΝiὀtἷὄὀὁrdquoΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝaΝἵὁἷὄecircὀἵiaΝda articulaccedilatildeo de suas partes pode oferecer A tarefa do inteacuterprete portanto eacute revelar essa unidade do ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εἧἠIZΝἀίίἅΝὂέΝ11ἆΝ1ἀἁ)έΝJὠΝὂaὄaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὁΝἷviἶἷὀtἷΝproblema da unidade do diaacutelogo requer uma anaacutelise detalhada da primeira parte do diaacutelogo (as consideraccedilotildees metodoloacutegicas) em relaccedilatildeo ao restante (p 287) Poreacutem ela daacute ainda mais um passo importante ao analisar as passagens referentes agrave dialeacutetica para em seguida deter-se na breve anaacutelise dos conhecimentos (2001 p 288) Apenas deste modo a autora poderaacute justificar sua leitura que pretende dar conta das variadas transiccedilotildees do diaacutelogo Ela detalha seu procedimento da seguinte fὁὄmaμΝldquoἠaΝtἷὀtativaΝἶἷΝmaiὁὄἷὅΝἷὅἵlaὄἷἵimἷὀtὁὅΝiὄἷiΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝtἷxtos da primeira parte consagrados agrave dialeacutetica e entatildeo apontar brevemente qual o tipo de dialeacutetica eacute implementado na obra e finalmente analisar aquela curiosa maneira que se estaacute a falar sobre ela no final da passagem sobre as ciecircncias (57e-59d) Podemos assim constatar que no Filebo a dialeacutetica eacute perpetuamente contaminada pela natureza daquilo com o qual ela se defronta e pelas suas consideraccedilotildees de valor encontrando-se assim submissa agrave potecircncia hieraacuterquica do Bem ndash natildeo somente agrave potecircncia do conhecimἷὀtὁΝἷxἷὄἵiἶaΝἷmΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝὂuὄὁΝmaὅΝὡὃuἷlaΝὀaΝὃualΝὅἷΝaἶmitaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝἷmΝἶἷviὄrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 288) 8 ἡΝtἷὄmὁΝldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquoΝaὂaὄἷἵἷΝἷmΝumΝaὄtigὁΝἶἷΝἏὀἶὄἷwΝἐaὄkἷὄΝ(1λλἄ)μΝldquoPlatos Philebus The σumbering of a Unityrdquo O autor logo no iὀiacuteἵiὁΝἶὁΝtἷxtὁΝὂaὄἷἵἷΝiὀὅiὅtiὄΝἷmΝἵἷὄtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝἷὅὂiὀhὁὅὁrdquoΝἶὁΝFilebo seria devido agraves suas enormes complexidades enormes explicaccedilotildees que resultam nas mais diversas interpretaccedilotildees emersas a partir de um diaacutelogo complexo o que por sinal impossibilita ao leitor de Platatildeo estabelecer uma unidade formal evidente diante da rigidez dos diversos temas ali apresentados (p 144-145) 9 ldquoἓmἴὁὄaΝὅἷjaΝalgὁΝὄἷlativamἷὀtἷΝἵὁὀὅἷὀὅualΝhὁjἷΝἷmΝἶiaΝvalἷΝ lἷmἴὄaὄΝὃuἷΝὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝumaΝὁἴὄaΝdramaacutetica uma ficccedilatildeo [prefiro e utilizarei nesse trabalho o termo ficcionada] filosoacutefica que como tal natildeo pode ser lida como se fosse um tratado Reduzir as falas dos personagens filosoacuteficos agraves proposiccedilotildees destacadas dos seus contextos eacute uma saiacuteda cocircmoda mas infiel ao espiacuterito da obra Eacute preciso que haja entatildeo uma maneira de fazer justiccedila agrave multiplicidade de procedimentos que Platatildeo mobiliza em seus dramas A riqueza da forma natildeo pode ser tratada como um mero efeito decorativo para aliviar a aridez do argumento filosoacutefico Inclusive porque argumento natildeo eacute o uacutenico procedimento filosoacutefico Haacute nos Diaacutelogos uma seacuterie de outros procedimentos como o mito a metaacutefora a ironia o riso o silecircncio ndash todos coordenados em funccedilatildeo da persuasatildeo filosoacutefica Levar em conta esses aspectos formais aspectos de estilo eacute tentar compreender a forma dialogada em funcionamento em toda a sua complexidade (MUNIZ 2007 p 116)
5 Introduccedilatildeo
Platatildeo escreveu para ser lido ndash ou ouvido ndash e o leitor deve completar o ato da criaccedilatildeo discursiva Negligenciar essa dimensatildeo comunicativa dos diaacutelogos eacute no miacutenimo deixar de utilizar mais uma ferramenta interpretativa aleacutem das muitas jaacute em uso (2007 p 116)
Neste sentido entre as visotildees contemporacircneas significativas tambeacutem se soma a de
George ἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)έΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝὀὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝtaὄἶiὁὅrdquoΝὁὅΝmὁvimἷὀtὁὅΝ
argumentativos apresentados por Platatildeo no Filebo demonstram o grande potencial artiacutestico
do filoacutesofo ateniense Similarmente aos de seu grupo (Teeteto Parmecircnides Sofista) a obra
ἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝaὂaὄἷἵἷΝἵὁmὁΝmaiὅΝumaΝfὁὄmaΝἶifἷὄἷὀtἷΝἶἷΝldquoἷὀigmardquo10 (p 40)
O Filebo natildeo eacute um diaacutelogo negativo e insisto que interpretaccedilotildees coerentes do diaacutelogo
satildeo possiacuteveis e torna-ὅἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝ
pelo entrecruzamento dos diversos temas ali apresentados Obviamente meu propoacutesito aqui
recai sobre o mote do prazer11 natildeo permanecendo apenas no limiar da discussatildeo acerca
desse tema mas procurando relacionaacute-lo com os demais assuntos e questotildees abordadas
neste difiacutecil texto platocircnico em que a habilidade literaacuteria platocircnica se demonstra sobremaneira
Isso natildeo significa contudo que certas interpretaccedilotildees visem esgotar as anaacutelises desse
diaacutelogo muito pelo contraacuterio nossa tarefa reconhece a riqueza temaacutetica amplamente diversa
e complexa presente nessa obra
Logo reconheccedilo que as interpretaccedilotildees natildeo esgotam as peculiaridades do Filebo
poreacutem creio como demostrarei ao longo do texto que uma unidade especiacutefica da obra eacute sim
possiacutevel e que talvez possamos estabelecer algumas finalidades apresentadas por Platatildeo ao
longo deste percurso argumentativo sem portanto afirmaacute-las com veemecircncia com um rigor
teoacuterico-conceitual agrave maneira das filosofias baseadas em sistemas de pensamento o que
atentaria contra a proacutepria especificidade dramaacutetica utilizada na composiccedilatildeo dos Diaacutelogos de
Platatildeo como dissemos outrora No entanto soacute poderemos demonstrar como esta visatildeo
10 ldquoἡΝFilebo como me parece eacute um quarto tipo de enigma Haacute passagens longas que parecem escritas natildeo por Platatildeo mas por Hegel ou Heidegger O sentido eacute tatildeo vago que muitas sentenccedilas permitem um nuacutemero ilimitado de interpretaccedilotildees Mas haacute um limite pois eacute difiacutecil encontrar uma uacutenica interpretaccedilatildeo coerente do diaacutelogo inteiro Mesmo assim bons inteacuterpretes declaram que o Filebo eacute uma contradiccedilatildeo imὂὁὅὅiacutevἷlrdquoΝ(ἤἧἒἓἐἧἥἑώΝἀίίἅΝὂέΝἁλ-40) 11 Sobre isso eacute interessante notar o comentaacuterio de Damaacutescio sobre o Filebo ldquoἏlguὀὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝὁΝpropoacutesito do diaacutelogo eacute o prazer assim como demonstra seu proacuteprio tiacutetulo (Π λ κθ μ) e Soacutecrates ele proacuteprio se propotildee primeiramente a discutir o prazer (11b4-c3) para depois examinar o que concerne ao prazer (31b-55d) e em terceiro lugar tirar a conclusatildeo precisa que o prazer natildeo eacute o objetivo primordial da vida (67b1-7) Aqueles que refutam essa tese dizem que o propoacutesito natildeo eacute o prazer Para que serviriam as discussotildees que ultrapassam amplamente o problema apresentado como aqueles sobre o bem sobre os dois princiacutepios (quero dizer o limite e o ilimitado) sobre as trecircs mocircnadas no vestiacutebulo do bem (a beleza a verdade a proporccedilatildeo) sobre o intelecto e as ciecircncias (silogiacutestica e divisatildeo) sobre a mistura destas com os prazeres sobre o primeiro bem assim como o segundo o tἷὄἵἷiὄὁΝὁΝὃuaὄtὁΝὁΝὃuiὀtὁΝἷΝὁΝὅἷxtὁςrdquoΝ(Dam sect I-III)
6 Introduccedilatildeo
(negativa) atribuiacuteda ao diaacutelogo eacute equivocada respondendo a algumas perguntas
fundamentais sobre a qual se debruccedila nosso esforccedilo aqui empreendido mas afinal sobre o
que trata o FileboςΝἥἷΝἷὅtἷΝήltimὁΝὧΝumΝtiὂὁΝἶἷΝldquoἷὀigmardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝἤuἶἷἴuὅἵh
(2007) que tipo de enigma eacute esse E ainda mais de que forma seria possiacutevel solucionaacute-lo
Tais questionamentos segundo creio soacute poderatildeo obter uma resposta adequada no decorrer
deste nosso trabalho investigativo
Comumente na tradiccedilatildeo platocircnica ocidental o subtiacutetulo atribuiacutedo ao Filebo ὧΝldquoἥὁἴὄἷΝ
ὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὃuἷΝὁΝἵlaὅὅifiἵaΝἵὁmὁΝumΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaὁΝgecircὀἷὄὁΝldquoὧtiἵὁrdquo12 No entanto
o iniacutecio do diaacutelogo jaacute prefigura uma complexidade ou melhor um impasse Dito de outro
modo logo no proecircmio da obra depara-ὅἷΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶἷΝ ἶὁiὅΝ
discursos (ζσΰκδμ) e natildeo teses13 ambas afirmando cada um deles serem bens ( ΰαγ θ)14
(11b4) Filebo que tomaraacute como defensor de sua afirmativa o interlocutor Protarco postula
como sendo bom o agradaacutevel (εαέλ δθ) o prazer ( κθά) o deleite ( Ϋλφδθ) e tudo mais
consoante a esse gecircnero15 Jaacute Soacutecrates contrariamente iraacute contestaacute-lo dizendo que para
alguns bom se assemelha ao pensamento (φλκθ ῖθ) agrave inteligecircncia (θκ ῖθ) agrave memoacuteria
(η ηθ γαδ) e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta ( σιαθ λγ θ) e o
raciociacutenio verdadeiro ( ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ) Para tais indiviacuteduos esses uacuteltimos bens seriam
melhores mais uacuteteis e teriam ainda mais valor do que aqueles que afirma Filebo (11b7-9)
O ponto problemaacutetico surge no momento em que a discussatildeo (inicial) em torno dos
prazeres dirige-se agrave unidade multiplicidade dos prazeres Ateacute entatildeo temas que pareciam
evocar simplesmente as antigas concepccedilotildees em torno da eacutetica em larga medida aquelas
discutidas em outros diaacutelogos ditos diaacutelogos iniciais alcanccedilam uma complexidade ainda
maior A fim de respondermos tais questotildees acredito que um caminho possiacutevel seja analisar
o porquecirc de o papel dos prazeres ocupar a maior parte do diaacutelogo para entatildeo
compreendermos o ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝὃuaὀtὁΝaὁὅΝtἷmaὅΝὄἷfἷὄἷὀtἷὅΝὡΝ
ldquoἴὁaΝviἶardquoΝmaὅΝtὁmaὀἶὁ-o apenas como mote para uma discussatildeo maior que retoma temas
importantes desenvolvidos ao longo do pensamento platocircnico Procurarei demonstrar como
os diversos temas presentes nesse diaacutelogo podem nos sugerir uma posiccedilatildeo (especiacutefica) de
12 No cataacutelogo elaborado por Trasiacutelaco de Mendes no seacuteculo I dC para a divisatildeo dos diaacutelogos platocircnicos em nove tetralogias temaacuteticas conforme nos relata Dioacutegenes Laeacutercio o Filebo encontra-se situado na primeira e o subtiacutetulo atribuiacutedo a este denomina-se Do Prazer (Π λ κθ μ) gecircnero eacutetico (D L III 58) 13 Irei tratar disso mais adiante em nossa anaacutelise detalhada do iniacutecio do diaacutelogo 14 Haacute uma longa discussatildeo em torno desse termo que aparece em 11b-4 Como bem nota Muniz (2012 p 21 nota 2) existe uma dificuldade aqui em determinar se ΰαγ θ (bom) eacute equivalente a ΰαγ θ (o bem) 15 ldquo(έέέ)Νεα αΝ κ ΰΫθκυμΝ κτ κθΝ ηφπθαΝ(έέέ)rdquoΝ(11b5-6)
7 Introduccedilatildeo
Platatildeo sobre a relevacircncia da reflexatildeo do prazer na vida humana mas fundamente frente agrave
ὃuἷὅtatildeὁΝἶaὃuἷlaΝὃuἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέ
No entanto algo no Filebo eacute extremamente particular Esse diaacutelogo eacute dentre todos os
outros aquele que apresenta uma visatildeo mais aprofundada sobre o tema e ao mesmo tempo
uma formulaccedilatildeo mais riacutegida acerca do papel do prazer na vida humana enquanto uma questatildeo
filosoacutefica primordial da filosofia platocircnica Ou seja deparamo-nos com o maior problema do
ἶiὠlὁgὁΝaΝὅaἴἷὄμΝὁΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷέΝἓὅὅἷΝὅἷὄiaΝὁΝὅἷuΝldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλλΝὂέΝix)
por um lado temos a tatildeo esperada anaacutelise do prazer na vida humana por outro esse diaacutelogo
eacute extremamente difiacutecil e exige uma anaacutelise atenta requerendo um envolvimento mais proacuteximo
com a filosofia platocircnica Dito de outro modo se lermos o Filebo de uma forma raacutepida
apressada ou pouco detalhada corremos sempre o risco de permanecer no limiar da obra
sem compreendecirc-la em sua profundidade e ateacute mesmo incorrer na postulaccedilatildeo de incoerecircncia
entre os diaacutelogos sobre os temas ali desenvolvidos sob uma forma peculiar poreacutem contida
dentro do vasto espectro da literatura platocircnica enquanto uma literatura dialoacutegica-filosoacutefica
Minha leitura apoia-se substancialmente em autores que defendem uma
reinterpretaccedilatildeo do proacuteprio diaacutelogo a partir das estruturas argumentativas utilizadas por Platatildeo
na elaboraccedilatildeo da obra Ela tambeacutem se distancia das claacutessicas leituras anteriormente referidas
como tambeacutem daquelas que se apresentam no seacuteculo XX no cenaacuterio da tradiccedilatildeo interpretativa
platocircnica em resposta agraves inuacutemeras questotildees problemaacuteticas levantadas por esse diaacutelogo a
saber a leitura revisionista a posiccedilatildeo esoterista a interpretaccedilatildeo do prazer enquanto atitude
proposicional dentre outras
A questatildeo eacutetica predominantemente relativa ao diaacutelogo a meu ver consiste em
avaliar as pretensotildees requeridas pelo prazer se ele as possui de fato se ele eacute bom em si
mesmo se tem essa forccedila que demonstra ter e ao mesmo tempo de que forma ele se opotildee
ou se articula ao conhecimento A tendecircncia interpretativa que adoto neste trabalho quanto agrave
anaacutelise dialeacutetica dos prazeres16 no Filebo eacute aquela denominada por mim e mais alguns
16 Eacute importante salientar que este tipo de leitura se aplica diretamente agrave anaacutelise dos prazeres a qual natildeo eacute a uacutenica do diaacutelogo mas haacute tambeacutem a anaacutelise das teacutecnicas ou conhecimentos Nesta uacuteltima Platatildeo parece retomar os demais diaacutelogos ao propor uma classificaccedilatildeo que preserva o caraacuteter ontoloacutegico da teacutecnica do saber isto eacute o que ele eacute nele mesmo o poder que possui se ela eacute um aspecto teoacuterico muito proacuteximo do que ele teria feito na Repuacuteblica A essa mesma classificaccedilatildeo soma-se a o caraacuteter que acredito ser predominante na discussatildeo o axioloacutegico tambeacutem as teacutecnicas satildeo classificadas de acordo com o valor que possuem do mesmo modo como os indiviacuteduos devem viver isto eacute conveacutem investigar o modo como os saberes e as teacutecnicas satildeo exercidos efetivamente na medida em que implicam a postulaccedilatildeo de valores que os direcionem que ofereccedilam rumo e sentido para os indiviacuteduos que os elaboram Marques pergunta-se o seguinte seria o primeiro aspecto das teacutecnicas um aspecto teoacuterico E o segundo um aspecto praacutetico (MARQUES 2015 p 200) Podemos tambeacutem nesse sentido evocar a interpretaccedilatildeo de Benitez (1999) acerca da classificaccedilatildeo dos conhecimentos sob a qual se apoiam tambeacutem as concepccedilotildees de Marques sobre esse ponto (Cf BENITEZ 1999 p 337-364)
8 Introduccedilatildeo
autores17 proveniente de uma articulaccedilatildeo gnosioloacutegico-axioloacutegica ou epistecircmico-axioloacutegica
na interpretaccedilatildeo da questatildeo dos prazeres no diaacutelogo Gnosioloacutegica pois o processo de
representaccedilatildeo-valoraccedilatildeo dos prazeres eacute visto como anaacutelogo agrave formaccedilatildeo da opiniatildeo A
dimensatildeo antecipativa da opiniatildeo por seu duplo caraacuteter (fenomecircnico e judicativo) faz com
que a representaccedilatildeo proveniente da imagem ao associar-se ao desejo articule a percepccedilatildeo
efetiva ou sua preservaccedilatildeo (que eacute a memoacuteria) agrave uma dimensatildeo propriamente avaliativa18
Axioloacutegica porque em relaccedilatildeo aos prazeres o processo se daria da mesma forma
O discurso e a representaccedilatildeo que acompanham o prazer da antecipaccedilatildeo comportam em si
uma avaliaccedilatildeo (taacutecita) daquilo que eacute bom para noacutes Eacute necessaacuterio avaliar se o prazer possui
de fato esse valor que ele postula ter A questatildeo do prazer da antecipaccedilatildeo coloca em jogo a
esperanccedila isto eacute o prognoacutestico a promessa futura que o prazer sempre propotildee como bom e
uacutetil eacute essa avaliaccedilatildeo que a meu ver eacute digna de refutaccedilatildeo por parte de Soacutecrates Neste
sentido trata-se de uma concepccedilatildeo eacutetica da verdade traduziacutevel nos termos uacutetil melhor e
preferiacutevel Apenas a dialeacutetica enquanto anaacutelise dialogada do prazer nos mostra a
abrangecircncia do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimidade dos valores que a experiecircncia do prazer
eacute capaz de nos proporcionar no contexto da discussatildeo sobre o que eacute vida boa para os seres
humanos nessa oposiccedilatildeo e ao mesmo tempo relaccedilatildeo entre prazer ( κθ ) e conhecimento
(φλσθ δμ)
Conforme foi dito a anaacutelise dos prazeres natildeo soacute nos diz algo sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo
acerca do caraacuteter propositivo cognitivo dos prazeres apesar de estar relacionada a estes
mas sobretudo enfatiza o caraacuteter propriamente valorativo dessa discussatildeo ao ter como
objetivo eacutetico primordial a busca por uma correta composiccedilatildeo da boa vida (mista) de prazer e
iὀtἷlἷἵtὁέΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ ἷὅὅaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ (ὂὁlaὄiὐaἶa)Ν ὀatildeὁΝ ὅὰΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὁὄrdquoΝ
aprofundado da escala de valores mas tambeacutem reforccedila a profundidade carateriacutestica da
potecircncia dialeacutetica pois o que se nota aqui eacute uma anaacutelise profundamente dialogada tanto de
prazeres quanto de conhecimentos visando alcanccedilar uma definiccedilatildeo mais correta ou o mais
possivelmente verdadeira do bem da vida boa
Nesse sentido eacute surpreendente e ao mesmo tempo fundamental o papel a ser
desempenhado pela proacutepria dialeacutetica tal como ela nos eacute apresentada neste diaacutelogo enquanto
taὄἷfaΝfilὁὅὰfiἵaΝὃuἷΝviὅaΝalἵaὀὦaὄΝaΝldquomἷἶiἶardquoΝ(ἷὀtὄἷΝlimitaὀtἷΝἷΝilimitaἶὁ)ΝὀaὅΝἶἷliἴἷὄaὦὴἷὅΝἷΝ
17 Sigo a tendecircncia interpretativa proposta por Bravo (2009) Marques (2012 2014 2015 2016) Teisserenc (1999 2010) 18 Marques (2012) nos lembra que Platatildeo aprofunda sua concepccedilatildeo sobre o papel da produccedilatildeo das imagens psiacutequicas e que adquirem no Filebo uma complexidade ineacutedita e ao mesmo tempo surpreendente ao serem tratadas em relaccedilatildeo agrave temaacutetica dos prazeres (MARQUES 2012 p 213-245) Esse fato faz de Platatildeo portador de uma abordagem uacutenica jamais vista no pensamento ocidental ao propor tal tipo de abordagem em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo associada agrave questatildeo dos prazeres aliada ao discernimento do valor Sobre isso cf TEISSERENC (1999 p 267)
9 Introduccedilatildeo
accedilotildees humanas que almejam por sinal o bem e a felicidade Logo todo o leacutexico platocircnico
empregado na obra como as noccedilotildees desenvolvidas parecem reafirmar ou relembrar-nos as
finalidades eacutetico-poliacutetico-pedagoacutegicas da filosofia de Platatildeo
Mas qual seria a razatildeo de um tratamento tatildeo exaustivo do prazer Por que trataacute-lo
sob a perspectiva eacutetica e ao mesmo tempo se utilizar de distintos recursos a fim de poder
lidar com tal complexidade temaacutetica A resposta parece simples natildeo somente a Platatildeo pois
o prazer eacute um tema caro aos proacuteprios gregos Platatildeo enquanto participante desse modelo
educativo da tradiccedilatildeo poeacutetica grega e mais como criacutetico e reformulador dessa proacutepria tradiccedilatildeo
natildeo deixaraacute de colocar sob anaacutelise um tema tatildeo importante e que demonstra toda a sua forccedila
na mentalidade grega antiga como eacute o caso prazer Eacute retomando essa longa tradiccedilatildeo e
simultaneamente reconhecendo-se como herdeiro dessa proacutepria tradiccedilatildeo que Platatildeo
estabelece uma nova relaccedilatildeo com o prazer reconfigurando o sentido atribuiacutedo a ele e
demarcando o seu efetivo papel agora na vida poliacutetica e social constitutiva da sua eacutepoca
Voltemos rapidamente um pouco a essa questatildeo do prazer na Antiguidade
Sobre isso a obra de Bravo (2009) talvez seja um dos estudos mais relevantesno qual
se intenta compreender o tratamento especiacutefico dado por Platatildeo agrave questatildeo do prazer a partir
de uma seacuterie de teorias que estariam em circulaccedilatildeo na eacutepoca as quais Platatildeo teria se
deparado para construir sua posiccedilatildeo em torno da temaacutetica dos prazeres Tambeacutem a obra de
Gosling amp Taylor (1982) eacute um marco referencial no tratamento do tema assim como a de
Wolfsdorf (2013) que natildeo somente aborda a questatildeo do prazer em Platatildeo mas vai aleacutem
considerando as posiccedilotildees de toda a tradiccedilatildeo claacutessica grega posterior como a abordagem
aristoteacutelica epicurista ciacutenica cirenaica e estoica ateacute alcanccedilar as visotildees contemporacircneas
acerca do prazer
Lembramo-nos a primeira fraὅἷΝἵὁmΝὃuἷΝἐὄavὁΝ(ἀίίλΝὂέΝ1ἁ)ΝiὀiἵiaΝὅuaΝὁἴὄaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)Ν
aΝἵultuὄaΝgὄἷgaΝὧΝumaΝἵultuὄaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὅἷguiὀἶὁ o que disse Casertano (1983) As origens
gregas atestam tal fato basta retomarmos a claacutessica poesia grega (eacutepica liacuterica traacutegica) e a
frequecircncia com que o tema dos prazeres eacute exaltado cantado celebrado O tema dos
prazeres como nos mostra a obra faz parte da cultura grega desde seus primoacuterdios muito
antes do surgimento da filosofia mas natildeo apenas isso podemos ainda destacar que uma das
preocupaccedilotildees fundamentais do homem grego era viver prazerosamente e fazer viver
prazerosamente (BRAVO 2009 p 14)
Podemos sem duacutevida dizer que o prazer se situa em uma intriacutenseca relaccedilatildeo no
pensamento platocircnico que envolve temas importantes estes jaacute anteriormente destacados
pela tradiccedilatildeo claacutessica ora privilegiando um ou outro dos quais Platatildeo se utiliza ao intentar a
elaboraccedilatildeo e uma visatildeo criteriosa da temaacutetica dos prazeres Tais termos seriam a virtude ou
( λ ά) o bem ( ΰαγ θ) e a felicidade ( αδηκθέα) No entanto nem sempre a traduccedilatildeo
destes termos faz jus ao sentido amplo tal como eles satildeo compreendidos na visatildeo grega
10 Introduccedilatildeo
ἠὁΝἶἷἵὁὄὄἷὄΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝὅἷjaΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶaΝjuvἷὀtuἶἷrdquoΝatὧΝὁὅΝἶaΝἵhamaἶaΝ
ldquovἷlhiἵἷrdquoΝo modo de como se deve viver (π μ ίδπ Ϋκθ)19 eacute uma questatildeo eacutetica fundamental
Essa eacute uma das questotildees mais seacuterias natildeo soacute para Platatildeo mas ao pensamento claacutessico como
um todo20 No modelo eacutetico claacutessico e na filosofia de Platatildeo a questatildeo eacutetica estaacute direcionada
agrave vida boa ( α θ) como um todo da qual o homem natildeo se encontra separado mas eacute parte
dessa ordem universal na qual ele proacuteprio se encontra natildeo eacute um ser privilegiado Neste
ὅἷὀtiἶὁΝaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὀὁὦὴἷὅΝἶἷΝldquoἴἷmΝmὁὄalrdquoΝἶἷΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝἷΝἶἷΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝὀatildeὁΝse encontram
plenamente definidas ou estanques mas satildeo a todo momento postas em debate em conflito
nestes modos de vida que se apresentam como elegiacuteveis enquanto tais isto eacute passiacuteveis de
caracterizaccedilatildeo da finalidade humana que eacute a vida plenamente feliz (ίέκθ αέηκθα) (11d6)21
A tarefa do Filebo como veremos no entanto eacute muito menos ambiciosa natildeo se trata de uma
definiccedilatildeo do que seja a felicidade ou o que seja a vida feliz mas o que torna uma vida
propriamente feliz
Nos diaacutelogos platocircnicos nos debates travados entre os interlocutores e entre os
personagens subjazem essas questotildees fundamentais e caras ao pensamento de Platatildeo e agrave
tradiccedilatildeo claacutessica da antiguidade grega na qual estaacute inserido nosso autor Essas questotildees
figuram explicitamente nos debates ali encenados por nosso autor Satildeo estes temas
eminentes da filosofia platocircnica que estatildeo por traacutes das encenaccedilotildees dos dramas filosoacuteficos
elaborados por nosso autor Tais questotildees satildeo apresentadas sob formas diversas em
contextos dialeacuteticos variados poreacutem as questotildees fundamentais do pensamento platocircnico
permanecem as mesmas Os diaacutelogos potildeem em conflito as diversas posiccedilotildees sobre estes
temas satildeo modelos existenciais sopesados avaliados aquilatados as perdas e ganhos
desses modelos de vidas apresentam-se sob forma emblemaacutetica radicalizada por meio de
personagens que se tornam defensores de posiccedilotildees que seratildeo analisadas Uma variedade
de recursos dramaacuteticos literaacuterios e filosoacuteficos satildeo utilizados de variadas maneiras
A Platatildeo podemos atribuir a tarefa de descrever e fundamentar o modo de vida
filosoacutefico que se encontra em Soacutecrates mas natildeo eacute apenas nesse personagem o principal
19 Cf Grg 492d 500c 20 Conforme aponta Crombie (1988) a vida plenamente realizada para os gregos pode ser entendida de duas maneiras (i) seja como aquele homem que vive virtuosamente (ii) seja como algueacutem que vive prosperamente ἢὁὄtaὀtὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἷΝaὁΝmἷὅmὁΝtἷmὂὁΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝὧΝumaΝtaὄἷfaΝimposta pelo proacuteprio Platatildeo agrave sua obra (p 250) 21 Dentre as valiosas contribuiccedilotildees relativas ao termo eudaimoniacutea encontra-se o artigo de Taylor (2008) na Routledge Encyclopedia of PhilosophyΝἷmΝὃuἷΝἷlἷΝaὅὅimΝὄἷtὁmaΝaΝὅἷmacircὀtiἵaΝἶὁΝtἷὄmὁμΝldquoO sentido literal da palavra grega eudaimonia ὧΝtἷὄΝumΝἴὁmΝἷὅὂiacuteὄitὁΝguaὄἶiatildeὁrdquoΝ[eu (bom) daiacutemon (espiacuterito) ter uma vida abenccediloada que se goza em favor daquilo que eacute divino] que eacute ter o estado de uma vida objetivamente desejaacutevel universalmente agradaacutevel pelas antigas teorias filosoacuteficas e pelo pensamento popular da eacutepoca como o supremo bem humano Este objetivo carateriacutestico se distingue da concepccedilatildeo moderna de felicidade uma vida subjetivamente satisfatoacuteria (p 1)
11 Introduccedilatildeo
defensor deste gecircnero de vida que ao mesmo tempo vai se delineando a partir do embate
com os outros modelos de vida propostos aos cidadatildeos atraveacutes dos mais diversos tipos de
educadores gregos os quais satildeo representados pelos interlocutores de Soacutecrates na cena
dramaacutetica do diaacutelogo Muito mais do que representarem personalidades histoacutericas - e alguns
nem representam seres reais - satildeo discursos que se opotildeem por meio do exerciacutecio da atividade
dialeacutetica socraacutetico-platocircnico Podemos escolher com os quais devemos lidar seja com alguns
mais brandos como Protaacutegoras Iacuteon Caacutermides ou aqueles que defendem posiccedilotildees mais
extremas como Caacutelicles22 e Trasiacutemaco23 que desafiam de maneira singular o proacuteprio Soacutecrates
sendo a este uacuteltimo necessaacuterio lidar com os aspectos mais violentos da ίλδμ (desmedida)
humana na πζ κθ ιέα (ambiccedilatildeo violenta) caracteriacutestica daqueles homens que seriam frutos
da educaccedilatildeo sofiacutestica com todas as suas vicissitudes pertinentes24
As concepccedilotildees morais (eacuteticas) de Platatildeo estatildeo fundamentadas nas noccedilotildees de ordem
de harmonia de medida na excelecircncia Agrave medida em que se reconhece como parte de uma
totalidade coacutesmica de um microcosmo dentro de um macrocosmo o homem eacute questionado
sobre suas accedilotildees e o modo como se encontra organizada sua existecircncia Toda a sua
existecircncia deve ser configurada agrave luz desse παλΪ δΰηα25 universal presente na estrutura
macrocoacutesmica transcendente para a partir daiacute pela arte da medida configurar sua accedilatildeo na
vida cidadatilde traccedilando em sua existecircncia os mais belos contornos dotados dessa precisatildeo
provenientes de tal estrutura avaliando corretamente sua existecircncia analisando os
conhecimentos das teacutecnicas (artes) uacuteteis para a respectiva configuraccedilatildeo desse seu modelo
de vida Proporccedilatildeo virtude beleza satildeo manifestaccedilotildees do divino em noacutes uma vida bem
ordenada uma alma justa (bem composta) bem direcionada eacute sinal visiacutevel da ordem invisiacutevel
(divina) no espectro da vida humana
Desta forma a negaccedilatildeo da invectiva deleteacuteria das paixotildees dos desejos extremados
dos prazeres excessivos exorbitantes eacute uma ameaccedila agrave essa proacutepria ordem natural coacutesmica
da qual somos uma pequena parte constituinte Eacute conveniente examinar segundo Platatildeo isso
que o proacuteprio pensamento denuncia essa ideia de que a vida tal como eacute se basta a si mesma
ideia que o pensamento revela ao propor-nos que pensemos na possibilidade uma vida ainda
mἷlhὁὄΝ maiὅΝ ldquoὂὄὰximaΝ ἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ maὅΝ aὁΝ mἷὅmὁΝ tἷmὂὁΝ ἵὁὀὅἵiἷὀtἷΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ὧΝ umaΝviἶaΝ
humana animada natildeo uma vida estaacutetica uma vida asceacutetica Uma vida que natildeo deixa de ser
essa indeterminaccedilatildeo de que nos falaraacute o Filebo nem estritamente animal nem estritamente
divina mas uma vida mista de prazer e de inteligecircncia que recusa o servilismo a
instantaneidade o consumo imediato a fugacidade e a deterioraccedilatildeo e corrupccedilatildeo dos desejos
22 Cf Grg483b-d 23 Cf R I 348d 24 (Cf PAULA 2016 p 14) 25 Cf Tim 49a1ss
12 Introduccedilatildeo
exacerbados buscando por algo que contenha ao menos um pouco de unidade e de
durabilidade
O tema do prazer ndash presente tambeacutem no Protaacutegoras no Goacutergias no Banquete e na
Repuacuteblica ndash teria no Filebo sua uacuteltima e criteriosa abordagem Por isso ao adentrar nas linhas
desse diaacutelogo nosso esforccedilo parece justificar-se em vista da temaacutetica que nos eacute presente
justamente porque o FileboΝaὁΝὃuἷΝtuἶὁΝiὀἶiἵaΝὧΝaΝldquoήltimaΝὂalavὄardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶὁΝ
tἷmaΝ ὂὄaὐἷὄέΝ ldquoUacuteltimardquoΝ aὃuiΝ ὀatildeὁΝ ἶiὐΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ ἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaὅΝ ὃuἷΝ ἵὁὀἵἷὄὀἷmΝ ὡΝ
suposta cronologia entre os diaacutelogos mas agrave maneira como Platatildeo lida com esse tema a
profundidade o refinamento uacutenicos desta obra importante Em nenhum dos demais diaacutelogos
o prazer ocupa um papel semelhante ao do Filebo ele eacute iacutempar e imprescindiacutevel ao leitor
interessado na temaacutetica dos prazeres
O Filebo no entanto carrega consigo inuacutemeras particularidades eacute um diaacutelogo denso
difiacutecil como veremos ao longo deste trabalho Eacute impossiacutevel jaacute em um primeiro momento natildeo
notar tamanha especificidade sendo necessaacuterio tambeacutem respeitaacute-las distanciando-se dos
preconceitos interpretativos recorrentes no trabalho de qualquer leitor Eacute necessaacuterio tambeacutem
estar disposto a seguir a trajetoacuteria forjada por Platatildeo neste drama adentrar sem restriccedilotildees
sem tangenciar sem titubear sem pensar em abandonaacute-lo nas primeiras linhas nas primeiras
dificuldades impostas A estrita e complexa relaccedilatildeo entre o bem ( ΰαγ θ) a vida boa ( α θ)
o prazer ( κθά) e a reflexatildeo (φλσθ δμ) jaacute eacute uma demanda aacuterdua e exige um aprofundamento
particular na anaacutelise da obra na qual estatildeo contidos os temas que hora ou outra merecem
toda a atenccedilatildeo de nosso autor em sua obra dialoacutegica
Nos dizeres de Maciel (2002)
A maior parte do diaacutelogo eacute dedicada ao estudo do prazer 1024 linhas sobre um total de 2369 o que leva a deduzir o peso e a relevacircncia desse componente no confronto com o intelecto na anaacutelise empreendida sobre qual ldquoὁΝἷὅtaἶὁΝἷΝaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝἵaὂaὐΝἶἷΝἵὁὀἵἷἶἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝumaΝvida feliz (11d) Se Platatildeo teve como constante em sua obra que a felicidade depende da escolha dos prazeres no Filebo a questatildeo transforma-se em quais prazeres devem ser escolhidos para compor com o intelecto a vida feliz (p 14)
ἓὅὅἷΝtὄaἴalhὁΝὄἷafiὄmaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaΝὀἷἵἷὅὅὠὄiaΝὄἷtiὄaἶaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶaὅΝldquoaltuὄaὅΝgὧliἶaὅrdquoΝ
de um idealismo que natildeo acreditamos ser possiacutevel justificar mediante uma leitura acurada de
sua obra proacuteprio de uma leitura equivocada cristalizada no pensamento filosoacutefico ocidental
Platatildeo asceacutetico intelectualista inimigo do corpo e dos prazeres E aleacutem do mais qualquer
posiccedilatildeo estanque tal como a anti-hedonista (comumente associado ao pensamento de
Platatildeo) nem uma posiccedilatildeo hedonista podem ser de fato atribuiacutedas a Platatildeo no que fiz
ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡΝ ὅuaΝ ldquofilὁὅὁfiaΝ mὁὄalrdquoέΝ ἦὁἶaviaΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeo especiacutefica iacutempar em torno dos
13 Introduccedilatildeo
prazeres pode ser notada a partir da investigaccedilatildeo do tema conforme nos apresenta o filoacutesofo
neste diaacutelogo uacuteltimo Obra na qual nenhuma das posiccedilotildees (hedonista e anti-hedonista)
parecem ser unicamente defensaacuteveis como aquἷlaΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝaΝldquoἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶaΝhumaὀardquoΝ
tida por Platatildeo como aquela capaz de ser considerada por todos os seres como a vida
ldquoὂlἷὀamἷὀtἷΝfἷliὐrdquoέΝ
ἏiὀἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄἷΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὀatildeὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝὁΝldquoἴἷmrdquoΝἷΝem um
primeiro momento se acredite que toda cautela eacute necessaacuteria quanto agrave fruiccedilatildeo dos prazeres
natildeo haacute nada que ateste uma condenaccedilatildeo absoluta do prazer nos diaacutelogos Muito pelo
contraacuterio o objetivo de Platatildeo no Filebo como buscaremos demonstrar eacute evidenciar o papel
que cabe tanto ao prazer ὃuaὀtὁΝaὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷὀὃuaὀtὁΝἵὁὀὅtituiὀtἷὅΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝ ldquoviἶaΝ
ἴὁardquoέ
Nossa anaacutelise pode ser resumida nos seguintes termos No primeiro capiacutetulo trato da
claacutessica questatildeo envolvendo a leitura dos diaacutelogos platocircnicos Uma abordagem dessa
questatildeo parece ser necessaacuteria jaacute que o Filebo eacute uma obra que desafia os inteacuterpretes e coloca
em questatildeo vaacuterios aspectos fundamentais em relaccedilatildeo a literatura platocircnica em geral como
por exemplo o retorno de Soacutecrates aos diaacutelogos a ausecircncia de informaccedilotildees histoacutericas sobre
os interlocutores dentre outros Destarte tambeacutem apresento minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave
debatida questatildeo em torno dos modos de leitura dos diaacutelogos ou melhor minha preferecircncia
quanto a um tipo de interpretaccedilatildeo das obras especialmente aquela que considero pertinente
ser adotada conforme os fins deste trabalho isto eacute particularmente agrave anaacutelise dos temas
presentes no Filebo
No segundo capiacutetulo desejo adentrar agraves especificidades do Filebo este eacute o principal
objetivo que envolve esta primeira parte do texto Apresento uma raacutepida mas relevante
discussatildeo acerca das conotaccedilotildees que o Filebo adquiriu ao longo da tradiccedilatildeo interpretativa
claacutessica do diaacutelogo fundamentalmente a partir da retomada da leitura da obra no seacuteculo XX
mediante o surgimento de algumas visotildees interpretativas neste periacuteodo dispostas a
retomarem o conteuacutedo desse escrito platocircnico sob o propoacutesito de fundamentarem suas
interpretaccedilotildees baseadas no conteuacutedo da obra em questatildeo Creio ser imprescindiacutevel uma
apresentaccedilatildeo ao leitor de alguns aspectos introdutoacuterios que envolveratildeo a anaacutelise da obra ao
longo deste nosso ensaio bem como o percurso-histoacuterico filosoacutefico no qual se desenvolve a
tradiccedilatildeo interpretativa do diaacutelogo durante esses dois uacuteltimos seacuteculos de nossa era O diaacutelogo
em anaacutelise estaacute repleto de inuacutemeras especificidades aleacutem de conter uma seacuterie de
particularidades e de apresentar alguns temas complexos o que demanda por sinal um
grande esforccedilo interpretativo por parte de seu leitor
Em suma pretendemos fornecer ao leitor em um primeiro momento uma visatildeo geral
sobre a obra uma espeacutecie de mapa da discussatildeo principalmente a respeito do(s) tema(s)
centrais da obra a ser analisada o modo como os temas estatildeo divididos na estrutura do
14 Introduccedilatildeo
diaacutelogo Aleacutem disso jaacute se atenta para a necessidade de nosso leitor de natildeo abrir matildeo dos
recursos que porventura ele dispotildee no que diz respeito agrave familiaridade com o texto platocircnico
iὅtὁΝ ὧΝ atἷὀtamὁὅΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝ ἶἷΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoἴήὅὅὁlardquoΝ ἶἷΝ ὁὄiἷὀtaὦatildeὁΝ
necessaacuteria para uma anaacutelise mais aprofundada sobre a obra sutilmente elaborada por nosso
autor destacando-se enquanto uma obra difiacutecil poreacutem natildeo impossiacutevel Tarefa que exige uma
atenccedilatildeo maior por parte do leitor sobre uma questatildeo tratada com certo refinamento e que
ἷvὁἵaΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁ maiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquo26 abrangente da obra e natildeo acessiacutevel a uma espeacutecie
ἶἷΝ lἷituὄaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumaΝviὅatildeὁΝldquotὁὂὁgὄὠfiἵardquoΝἶaΝὁἴὄaΝviὅtaΝldquoἶἷΝἵimardquoΝmaὅΝὅimΝἷmΝumΝ
aprofundamento que consiste em analisar detalhadamente aquilo que Platatildeo procura ali nos
apresentar eacute preciso adentrar as linhas desse escrito para ser capaz de promover uma
interpretaccedilatildeo eficaz por intermeacutedio de um questionamento preciso sobre o sentido da obra
intenccedilatildeo a meu ver apenas efetiva por meio da busca pela unidade aparentemente perdida
e problemaacutetica dessa obra
Dito isto em virtude de uma maior compreensatildeo do drama em questatildeo procurarei
tambeacutem abordar ao longo deste capiacutetulo algumas contribuiccedilotildees por parte desses estudiosos
claacutessicos (em grande maioria divergentes entre si) sobre o contexto histoacuterico as personagens
e os interlocutores que compotildeem a obra Resumidamente me deterei ao longo do capiacutetulo na
discussatildeo acerca do problema central que envolve a obra dilema que conforme se poderaacute
notar natildeo eacute alvo de consenso entre os diversos inteacuterpretes da obra a saber a unidade
estrutural do diaacutelogo
No terceiro capiacutetulo apresento uma anaacutelise detalhada de todo o diaacutelogo Partindo da
compreensatildeo de que o Filebo ἵὁὀὅtituiΝumΝldquotὁἶὁrdquoΝndash ao defender aqui uma anaacutelise unitaacuteria e
sincrocircnica dos temas que satildeo ali apresentados por Platatildeo ndash nossa anaacutelise da obra eacute feita de
acordo com uma divisatildeo apenas didaacutetica comumente adotada estabelecida em torno dos
temas que compotildeem a obra tal como satildeo abordados sequencialmente no diaacutelogo No
entanto eacute necessaacuterio ressaltar que minha leitura do diaacutelogo requer uma conexatildeo entre essas
partes que ora ou outra se aproximam e sobretudo se articulam durante o meu texto Dito
26 ἡΝὃuἷΝtὄatὁΝaὃuiΝἵὁmὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὂὄὰὂὄiaΝmἷtὁἶὁlὁgiaΝἷΝὀatildeὁΝaΝumaΝespeacutecie de leitura fechada particular sobreposta agraves demasiadas existentes que dizem respeito agrave obra Trata-se de conceber uma visatildeo que vise esgotar o maacuteximo possiacutevel as possibilidades desse ldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷΝὄiἵὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝutiliὐaἶὁὅΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝtἷxtὁΝaΝ fimΝἶἷΝalἵaὀὦaὄΝuma visatildeo coerente do contexto apresentado e das questotildees relativas ao prazer a meu ver ligadas diretamente aos conteuacutedos eacuteticos e que nos possam dizer algo sobre a visatildeo de Platatildeo sobre o referido tema O resultado interpretativo neste caso eacute fruto desse entrecruzamento por isso natildeo podemos afirmar nada veemente mas apenas tentar alcanccedilar o maacuteximo possiacutevel os desdobramentos do diaacutelogo sem contudo afirmar que todos os aspectos foram ressaltados por nossa interpretaccedilatildeo e que ela daacute conta de todo o espectro do diaacutelogo pois seria impossiacutevel No maacuteximo podemos apresentar uma visatildeo privilegiada que vise congregar o maacuteximo de aspectos possiacuteveis capazes de dar sustentaccedilatildeo a uma determinada posiccedilatildeo interpretativa
15 Introduccedilatildeo
isso nada impede que retomemos algo que anteriormente jaacute tivermos dito portanto algo que
possa se mostrar relevante a nossa anaacutelise
Este terceiro capiacutetulo no entanto como jaacute dissemos anteriormente eacute constituiacutedo de
uma longa anaacutelise do texto do Filebo pois conforme destacamos na metodologia
anteriormente eacute necessaacuterio recorrer ao texto original lidar diretamente com o leacutexico platocircnico
utilizado no drama em questatildeo como tambeacutem reconhecer as questotildees literaacuterias e os recursos
utilizados por nosso filoacutesofo na construccedilatildeo desse escrito para a partir daiacute reconhecer via
argumentaccedilatildeo as questotildees propriamente filosoacuteficas desenvolvidas por nosso autor no
contexto geral expresso naquele drama que envolvem sem duacutevida uma compreensatildeo mais
aprofundada e que requer certa lida com o texto e com a filosofia do filoacutesofo ateniense Neste
sentido partilho tambeacutem em alguns momentos de uma dada metodologia que requer certa
ldquotὄaὀὅvἷὄὅaliἶaἶἷrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ tἷxtὁὅΝἶὁὅ demais diaacutelogos e que utilizo com certa frequecircncia
sempre respeitando as particularidades de cada contexto argumentativo embora me
mantenha centrado especialmente no texto do Filebo
Mediante esse recurso torna-se possiacutevel compreender passagens muito sinteacuteticas da
obra recorrendo a outras que natildeo as do diaacutelogo referido que tratam dos mesmos temas e que
demonstram seja uma continuidade seja uma ruptura Aleacutem do mais creio na necessidade
da renovaccedilatildeo dos problemas claacutessicos apresentados pelo diaacutelogo mediante o confronto com
os diferentes aspectos literaacuterios presentes em uma determinada obra como os mitos a
metaacuteforas as imagens o riso a ironia o silecircncio todos eles a serviccedilo da literatura ficcionada
de Platatildeo destinados agrave persuasatildeo filosoacutefica para a elaboraccedilatildeo de uma filosofia dialeacutetica27Dito
de outro modo conveacutem analisar detidamente os discursos de todas as personagens que
compotildeem determinada obra (sofistas retores e oradores) bem como os conteuacutedos
dramaacuteticos histoacutericos mitoloacutegico-poeacuteticos filosoacuteficos fiacutesicos e fisioloacutegicos (preacute-socraacuteticos)
que porventura o diaacutelogo em anaacutelise possa evocar Esse entrecruzamento entre
ὂἷὄὅὂἷἵtivaὅΝ ὂἷὀὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ maiὅΝ ὃualifiἵaἶaΝ maiὅΝ ldquoὂὄἷἵiὅardquoΝ
transformando a parcialidade em uma generalidade o que natildeo significa falta de profundidade
mas muito pelo contraacuterio a saiacuteda de uma suposta parcialidade de uma leitura pouco
aprofundada em vista da construccedilatildeo de uma perspectiva maior mais detalhada ou melhor
mais bem construiacuteda Aleacutem de tudo considero esse tipo de leitura mais entusiasmante pois
o texto ganha vida sustenta-se em si mesmo aleacutem de recobrir-se de inteligecircncia
caracteriacutesticas desse proacuteprio texto isto eacute natildeo soacute o texto eacute assim melhor valorizado mas
tambeacutem a leitura do texto eacute profiacutecua ao mesmo tempo em que suas qualidades permanecem
maiὅΝviὅiacutevἷiὅΝἶὁΝὃuἷΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝmἷuΝvἷὄΝumaΝlἷituὄaΝmaiὅΝldquoὅiὅtἷmὠtiἵardquoΝldquoaὀaliacutetiἵardquoΝὁuΝ
ldquolὰgiἵardquoΝἶὁΝtἷxtὁΝἷmΝὃuἷΝtaiὅΝὂὄὁὂὄiἷἶaἶἷὅΝ(tἷxtuaiὅ)ΝὂὁἶἷὄiamΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὅἷὄΝὂἷὄἶiἶaὅέ
27 Sobre isso ver MARQUES (2016 p 40ss) e MUNIZ (2007 p 116)
16 Introduccedilatildeo
Tambeacutem recorro nesta parte do texto a uma seacuterie de estudiosos contemporacircneos que
apresentam importantes reflexotildees sobre as temaacuteticas ali apresentadas demonstradas sob
uma versatildeo qualificada e que refletem o debate em voga sobre o diaacutelogo na atualidade
Visotildees a meu ver mais aprofundadas melhor elaboradas fruto de uma anaacutelise mais
ἵὁmὂlἷxaΝ ἷΝ ldquovivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ EacuteΝ tambeacutem baseado nas consideraccedilotildees desses teoacutericos cujas
teorias nos parecem extremante pertinentes que visamos apresentar uma reflexatildeo
consistente e ao mesmo tempo relevantes nesse capiacutetulo ora tomando de empreacutestimo suas
contribuiccedilotildees ora confrontando-as Trata-se de lidar com certa agudeza teoacuterica no que diz
respeito a essas visotildees mais contemporacircneas inseridas no contexto da discussatildeo platocircnica
atual no acircmbito das questotildees pertinentes apresentadas pela obra em questatildeo relativas agrave
temaacutetica dos prazeres e seus desdobramentos posteriores no cenaacuterio maior que compotildee a
reflexatildeo filosoacutefica proposta por nosso autor
17 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA
ADOTADA NESTE TRABALHO
Para os efeitos de nossa anaacutelise antes de adentrarmos em um detalhamento geral de
nossa pesquisa nos proacuteximos capiacutetulos e seccedilotildees torna-se imprescindiacutevel apresentarmos um
delineamento do modo como faremos uma leitura acerca deste diaacutelogo platocircnico nosso objeto
de estudo o Filebo Eacute consensualmente defendido pelos estudiosos de Platatildeo que os diaacutelogos
de Platatildeo apresentam a forma de um λ ηα filosoacutefico Ateacute entatildeo anteriormente ao
desenvolvimento do Tratado desenvolvido ὂὁὄΝἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝldquo(έέέ) os diversos temas filosoacuteficos
eram apresentados por meio do que hoje chamariacuteamos formas literaacuterias ἶἷΝ ἵὁmὂὁὅiὦatildeὁrdquoΝ
(MATOSO 2015 p 21)
Atualmente se sabe que Platatildeo natildeo foi o uacutenico a compor diaacutelogos Aristoacuteteles na
Poeacutetica (1447b11)28 salienta que os κελα δεσδ ζκΰσδ em que Soacutecrates eacute o principal
personagem no contexto de uma discussatildeo argumentativa dialoacutegica era um tipo de gecircnero
literaacuterio comum Na eacutepoca de Platatildeo ὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝjaacute eram um gecircnero de escrita
firmemente estabelecido na Greacutecia Isto parece justo agrave medida que se verifica que chegaram
ateacute noacutes alguns diaacutelogos socraacuteticos escritos por Xenofonte (Banquete Apologia de Soacutecrates
Oeconomicus e Memorabilia) em que Soacutecrates eacute tambeacutem o condutor uma espeacutecie de
protagonista da discussatildeo
Seraacute atraveacutes desse novo estilo de escrita a representaccedilatildeo dramaacutetica por meio de
diaacutelogos que Platatildeo escreveraacute sua obra Ao mesmo tempo em que os diaacutelogos demonstram
a genialidade literaacuteria de Platatildeo eles tambeacutem demonstram determinada originalidade
filosoacutefica isto porque os textos platocircnicos exigem um grande esforccedilo (interpretativo) por parte
dos leitores Um primeiro fator que resulta em uma significativa dificuldade quanto agrave leitura
dos diaacutelogos diz respeito ao fato de Platatildeo natildeo aparecer como personagem nos diaacutelogos29 o
que torna impossiacutevel o trabalho do inteacuterprete cuja tarefa consistiria em identificar quais seriam
suas proacuteprias teorias ou doutrinas e quais pertenceriam unicamente a Soacutecrates Dito de outro
modo poderiacuteamos nos ὃuἷὅtiὁὀaὄΝὅἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝldquomὠὅἵaὄardquoΝumaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ
28 ldquoἦὁἶaviaΝ aΝ [aὄtἷ]Ν ὃuἷΝ imitaΝ aὂἷὀaὅΝ ἵὁmΝ ὂalavὄaὅΝ ἷmΝ ὂὄὁὅaΝ ὁuΝ ἷmΝ vἷὄὅὁΝ ὂὁἶἷὀἶὁΝ miὅtuὄaὄ-se diferentes metros ou usar um uacutenico chegou ateacute hoje sem nome Realmente natildeo temos nenhum termo comum para designar os mimos de Soacutefron e de Xenarco e os diaacutelogos socraacuteticos ou a imitaccedilatildeo que algueacutem faccedila em triacutemetros em versos elegiacuteacos ou alguns outros metὄὁὅΝὅimilaὄἷὅέrdquoΝ(Arist Po 1447b11) 29 Platatildeo soacute aprece duas vezes como personagem nos diaacutelogos A primeira apariccedilatildeo eacute notada na Apologia (34a 38b) e a outra no Feacutedon (59b) Contudo estas apariccedilotildees satildeo demasiadamente tiacutemidas a ponto de natildeo nos permitir inferir algo sobre suas proacuteprias teorias sem relacionaacute-las agrave figura de Soacutecrates
18 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
que oculta o verdadeiro pensamento de Platatildeo ou se ele de fato distancia-se ao apresentar
um pensamento proacuteprio em nada semelhante ao de nosso autor
A ausecircncia da figura de Platatildeo nos diaacutelogos e por conseguinte a impossibilidade de
identificaccedilatildeo das doutrinas filosoacuteficas que lhe seriam porventura pertinentes dificultam em
demasia a leitura dos diaacutelogos Um dos meios mais usuais eacute identificar as posiccedilotildees adotadas
por Soacutecrates nos textos agraves posiccedilotildees de Platatildeo Contudo este nem sempre eacute um bom caminho
como parece ou melhor natildeo seria tatildeo simples assim ou algo demasiadamente faacutecil
O anonimato do filoacutesofo em seus diaacutelogos suscitou ao longo dos tempos inuacutemeras
iὀtἷὄὂὄἷtaὦὴἷὅΝἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝaΝldquoἶὁutὄiὀardquoΝὁuΝaΝldquotἷὁὄiaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoέΝἏΝmaὀἷiὄaΝmaiὅΝ
faacutecil e usualmente adotada no passado da tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica era identificar as
teorias expostas por Soacutecrates nas obras de Platatildeo como pertencentes ao proacuteprio Platatildeo
Entretanto algumas questotildees podem surgir na anaacutelise do corpus (i) A posiccedilatildeo de Soacutecrates
nem sempre eacute a mesma nos diversos diaacutelogos em relaccedilatildeo a alguns temas30 (ii) nem sempre
Soacutecrates eacute o personagem principal o condutor do diaacutelogo (protagonista)31 Portanto eacute
impossiacutevel afirmar com veemecircncia que as doutrinas de Platatildeo possam ser necessariamente
as mesmas de Soacutecrates ou melhor que ambos os filoacutesofos possuem um pensamento idecircntico
sobre os diversos temas filosoacuteficos
Certa parcimocircnia acaba sendo exigecircncia fundamental de um leitor da obra de Platatildeo
Uma outra vertente interpretativa considera que alguns fatores satildeo tambeacutem importantes na
aὀὠliὅἷΝἶὁΝtἷxtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἏlὧmΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅrdquoΝἶἷvἷmΝὅἷὄΝobservados em qualquer
interpretaccedilatildeo fatores como contexto histoacuterico contexto dramaacutetico fatores geograacuteficos
fatores culturais e filosoacuteficos da eacutepoca estrutura estiliacutestica da obra personagens e
interlocutores principais temas discutidos dentre outros A maioria desses inteacuterpretes tecircm se
apegado ora a alguns destes aspectos ora a todos estes para um estudo que possa ser ao
menos mais criterioso e eficaz quanto agrave intepretaccedilatildeo do pensamento platocircnico32
Frente a semelhante problemaacutetica ao longo da histoacuteria do pensamento ocidental e
particularmente no estudo das obras de Platatildeo duas teses ou dois tipos de interpretaccedilatildeo
30 Atente-se ao exemplo do tema que aqui desenvolvemos a postura socraacutetica em relaccedilatildeo ao tema do prazer parece ser ambiacutegua isso se levarmos em conta a anaacutelise de diversos diaacutelogos em que o tema eacute alvo de discussatildeo por parte de Soacutecrates Basta relembrar as posiccedilotildees anti-hedonistas defendidas por Soacutecrates seja no Goacutergias no Feacutedon e na Repuacuteblica frente agrave posiccedilatildeo hedonista do Protaacutegoras Aleacutem do caso do proacuteprio Filebo que parece estar distante dos diaacutelogos anteriores ao apresentar uma posiccedilatildeo particular em relaccedilatildeo ao tema 31 Por exemplo nos uacuteltimos diaacutelogos (agrave exceccedilatildeo do Filebo) o protagonista Soacutecrates cede lugar a outros como no Sofista em que o Estrangeiro de Eleacuteia assume a discussatildeo e nas Leis o Ateniense eacute quem dirige o curso da argumentaccedilatildeo 32 Dentre estes autores podemos destacar M Frede (1992) M M Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre (1995) Falarei sobre o assunto e sobre alguns desses autores mais adiante
19 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
surgiram a fim de defenderem dois tipos ou modos de leitura do texto platocircnico os
denominados unitaristas e os chamados revisionistas ou desenvolvimentistas A seguir
apresento tais vertentes interpretativas da obra de Platatildeo
11 A posiccedilatildeo unitarista
Os unitaristas acreditam que os diferentes diaacutelogos compotildeem uma doutrina uacutenica
Nota-se que o pensamento de Platatildeo passa por um processo que se desenvolve
gradualmente no qual os diaacutelogos pouco a pouco vatildeo nos fornecendo indiacutecios e por fim eacute
possiacutevel chegar a estrutura interpretativa do pensamento (uacutenico) de Platatildeo Por mais que
concordem que diferentes fases no pensamento platocircnico existam os unitaristas defendem
que soacute existe uma doutrina referente ao pensamento platocircnico Esta posiccedilatildeo ressurge com
toda forccedila nos seacuteculos XIX e XX visto que a questatildeo acerca do procedimento de leitura dos
ἶiὠlὁgὁὅΝ ὂlatὲὀiἵὁὅΝ ὧΝ umaΝ ldquoὃuἷὅtatildeὁΝ aὀtiὃuiacuteὅὅimardquo33 a partir do teoacutelogo Friedrich
Schleiermacher34 tradutor das obras platocircnicas e escritor de um ensaio em que postula uma
nova divisatildeo das obras platocircnicas Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo (1836) Essa posiccedilatildeo
tambeacutem eacute defendida atualmente (com algumas modificaccedilotildees) por Charles Khan (2010) Hans
Von Arnim (1967) Werner Jaeger (2003) Paul Shorey (1903) Paul Friedlaumlnder (1975) dentre
outros
33 A questatildeo acerca da maneira correta de ler os diaacutelogos de Platatildeo remonta agrave Antiguidade Antes mesmo do tema ressurgir na contemporaneidade ele jaacute era polecircmico O que garante tal fato satildeo as divisotildees dos diaacutelogos por temas de Dioacutegenes Trasilus teria catalogado as obras platocircnicas em tetralogias (semelhantemente agraves trageacutedias) e Aristoacutefanes de Bizacircncio em trilogias Segundo Reis (2001 ὂέΝ 1ἅλ)Ν ὂaὄaΝ ἒiὰgἷὀἷὅΝ ldquoὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὅatildeὁΝ ἶiviἶiἶὁὅΝ ὂὄimἷiro em obras 1 Instrutivas (yacutephegetikoacutes) e outras que satildeo 2 Investigantes (zeteacutetikos) As primeiras seriam as obras de Platatildeo que expotildeem doutrinas positivas as segundas seriam apenas obras para a praacutetica dos meacutetodos corretos de investigaccedilatildeo Quanto agraves primeiras teriacuteamos ainda duas divisotildees em 11 Teoacuterico e 12 Praacutetico Teriacuteamos tambeacutem outras subdivisotildees sendo o Teoacuterico dividido em 111 Fiacutesico e 112 Loacutegico enquanto os Praacuteticos seriam divididos em 121 Eacuteticos e 122 Poliacuteticos A Segunda parte seria subdivida tambeacutem duas vezes Primeiro teriacuteamos os 21 Exerciacutecios mentais e as 22 Disputas Dentro dos Exerciacutecios teriacuteamos a 211 Maiecircutica e o 212 Tentativo e quanto agraves disputas teriacuteamos o 221 Probativo e o 222 Refutativo Dioacutegenes ainda diz que eacute comum em sua eacutepoca a divisatildeo dos diaacutelogos em Dramaacuteticos Narrativos e Mistos no entanto afirma que tal divisatildeo se encaixa melhor com obras de teatro do que com obras filosoacuteficas Outra divisatildeo que parece ser bem aceita na eacutepoca de Dioacutegenes eacute a que Trasilus faz Diz ele que Platatildeo publicou sua obra em tetralogias Platatildeo assim o fez por ser uma publicaccedilatildeo que se comparava com as trageacutedias que eram sempre representadas em nuacutemero de 3 com um drama satiacuterico por fim Aqui aparece como que a filosofia foi desde seu nascimento comparada e confrontada com outras manifestaccedilotildees culturais Ainda na antiguidade Aristoacutefanes o gramaacutetico teria ἶiviἶiἶὁΝaΝὁἴὄaΝἷmΝtὄilὁgiaὅrdquoΝ(ἑfέΝDL III p 49-62) 34 Como se nota na Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Schleiermacher (1804) o teoacutelogo alematildeo dirige uma dura criacutetica agraves formas adotadas pelos antigos no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do corpus (Cf SCHELEIERMACHER 2002 p 27 48-49) As criacuteticas do teoacutelogo alematildeo dirigem-se sobretudo a Aristoacutefanes de Bizacircncio e a Dioacutegenes Laeacutercio)
20 11 A posiccedilatildeo unitarista
A posiccedilatildeo do teoacutelogo alematildeo como se pode notar trouxe inuacutemeros desdobramentos
no modo interpretativo da obra de Platatildeo na filosofia ocidental Inspirado por um forte
hἷgἷliaὀiὅmὁΝ ἥἵhlἷiἷὄmaἵhἷὄΝ ὧΝ ὁΝ ὂὄimἷiὄὁΝ tἷὰὄiἵὁΝ aΝ ὂὄὁὂὁὄΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὅiὅtἷmardquoΝ ἶὁΝ
pensamento platocircnico obtido exclusivamente pela leitura e organizaccedilatildeo cronoloacutegica dos
diaacutelogos Esse modo de interpretaccedilatildeo dos diaacutelogos aposta que cada obra se constitui como
uma espeacutecie de unidade autocircnoma devendo ser interpretada em uma ordem somente
aparente Nesse sentido Platatildeo teria um projeto educacional-filosoacutefico cuja diversidade
filosoacutefica dos diaacutelogos orientaria as razotildees literaacuterias
Nota-se a influecircncia de Schleiermacher nos principais unitaristas alematildees como
Werner Jaeger (2003) e dentre outros autores como jaacute destacamos que intentaram uma
interpretaccedilatildeo original da obra de Platatildeo Concepccedilotildees que explicitamente se mostram em
textos como a Paideia ἶἷΝJaἷgἷὄΝaὁΝὅἷΝἶiὐἷὄμΝldquoquando se pocircs a escrever o primeiro de seus
ἶiὠlὁgὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝἢlatatildeὁΝjὠΝhaviaΝfixaἶὁΝὅἷuΝὁἴjἷtivὁΝἷΝaὅΝliὀhaὅΝgἷὄaiὅΝἶἷΝtὁἶὁΝὁΝὂὄὁjἷtὁΝjὠΝ
eram visiacuteveis para ele A intelecccedilatildeo da Repuacuteblica pode ser traccedilada com clareza nos diaacutelogos
iniciais (2003ΝὂέΝλἄ)έrdquo
O unitarismo apresenta entre seus maiores defensores o teoacutelogo alematildeo Friedrich
Schleiermacher Poreacutem a traduccedilatildeo dos diaacutelogos feita pelo teoacuterico alematildeo fortemente
influenciada pelo hegelianismo do seacuteculo XIX ao contraacuterio do que se possa imaginar natildeo
segue uma sistematizaccedilatildeo rigorosa na classificaccedilatildeo das obras platocircnicas Apesar de ser
notaacutevel o tamanho impacto da Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo no modo de leitura do
platonismo que se sucedeu a partir do seacuteculo XIX
A noccedilatildeo de evoluccedilatildeo expositiva no pensamento platocircnico surge a partir da concepccedilatildeo
ὅἵhἷlἷiὄmaἵhἷὄiaὀaΝὂaὄaΝaΝὃualΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁὅΝἵὁmὁΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquomἷmἴὄὁὅrdquoΝ
de um soacute corpo orgacircnico nos remetendo naturalmente a uma ordem natural a uma
organizaccedilatildeo dos diaacutelogos cada diaacutelogo prossegue a partir de noccedilotildees desenvolvidas pelo
anterior isto eacute aquele que o antecede cronologicamente As dificuldades apresentadas na
leitura no das obras segundo defende o teoacuterico alematildeo referem-se agrave incapacidade do proacuteprio
leitor perante agrave composiccedilatildeo desta mesma unidade no pensamento de Platatildeo Dentre as
diversas as falas que demonstram a posiccedilatildeo de Schleiermacher na crenccedila de uma unidade
sistemaacutetica das obras do corpus em uma delas este assegura que
Estabelecer a uniatildeo natural dessas obras visa mostrar que elas se desenvolveram como exposiccedilotildees cada vez mais completas das ideias de Platatildeo a fim de que ndash na medida em que cada diaacutelogo natildeo deve ser compreendido como um todo para si mas tambeacutem em contexto com os outros ndash o proacuteprio Platatildeo seja compreendido como filoacutesofo e artista (SCHLEIERMACHER 2002 p 41)
21 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Os problemas levantados a essa posiccedilatildeo de Schleiermacher satildeo ainda maiores Natildeo
basta esta concepccedilatildeoΝἶiὄiacuteamὁὅΝldquoatiacutepicardquoΝἶἷΝuὀiἶaἶἷΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝiἶἷiaΝ
de unidade atribuiacuteda agrave filosofia platocircnica ndash que parece assemelhar-se mais a um sistema tal
como o empreendido por Hegel em sua filosofia35 podemos ressaltar mais alguns aspectos
problemaacuteticos presentes na visatildeo do teoacutelogo alematildeo Dentre estas a distinccedilatildeo espacial em
relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo ao distingui-la em dois aspectos um exoteacuterico e um esoteacuterico
ambos dizem respeito agrave atitude caracteriacutestica de determinado leitor da obra platocircnica Dito de
outro modo o que caracterizaria o esoterismo ou exoterismo estaacute ligado agraves dificuldades
apresentadas pelo proacuteprio leitor frente a obra o que dependeria em suma da qualidade do
leitor da sua efetiva compreensatildeo ou natildeo acerca dos temas ali tratados36
A coerecircncia e sistematicidade da obra de Platatildeo segundo tal visatildeo eacute configurada em
uma essecircncia proacutepria agrave filosofia de Platatildeo notada unicamente a partir da leitura dos textos
escritos (diaacutelogos) Ou seja para Schleiermacher qualquer referecircncia externa utilizada para
a compreensatildeo da filosofia de Platatildeo incorreria em equiacutevoco A obra platocircnica na visatildeo do
teoacuterico impotildee a qualquer indiviacuteduo que queira intitular-se inteacuterprete do filoacutesofo um criterioso
e detalhado exerciacutecio hermenecircutico dos diaacutelogos escritos em vista do reconhecimento de
uma unidade sistecircmica do pensamento platocircnico Unidade perceptiacutevel unicamente a partir das
35 VέΝ ἦἷjἷὄaΝ (1λλλ)Ν ὀὁmἷiaΝ ἷὅtaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ὅiὅtἷmὠtiἵaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquofalὠἵiaΝiὀtἷὀἵiὁὀaliὅtardquoέΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝaὃuἷlἷὅΝὃuἷΝlἷἷmΝaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅὁἴΝaΝfὁὄmaΝldquoἶialὰgiἵardquoΝmas por meio de um sistema (por sinal natildeo existente em um primeiro momento nos diaacutelogos) cometem umΝἷὀgaὀὁέΝἡΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝaΝἷὅtaΝviὅatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝὀὁmἷiaΝἵὁmὁΝldquolἷituὄaΝiἶἷaliὅtaΝἶaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὁuΝldquoἷxἷgἷὅἷΝἏἵaἶecircmiἵardquoΝjὠΝὃuἷΝἶἷὅἶἷΝaΝἏὀtiguiἶaἶἷΝὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὡΝmὁὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝjὠΝὀaΝAcademia ἷΝlὁgὁΝἶἷὂὁiὅΝὀὁΝἤἷὀaὅἵimἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἵὁὀὅtataὄΝὁΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaΝmὁὄtἷΝἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ ἶiὠlὁgὁὅrdquoέΝ ἏΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὂaὅὅaὄiaΝ aΝ ὅἷὄΝ liἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝNeopitagoacutericos e Neoplatocircnicos perdendo assim o valor propriamente dialoacutegica que lhe caracterizaria propriamente (TEJERA 1999 p 12) 36 ldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝὅἷὀtiἶὁΝὀὁΝὃualΝὅἷΝὂὁἶἷὄiaΝfalaὄΝaὃuiΝ[ἷmΝἢlatatildeὁ]ΝἶὁΝἷὅὁtὧὄiἵὁΝἷΝἶὁΝἷxὁtὧὄiἵὁΝiὅtὁΝeacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato deste elevar-ὅἷΝὁuΝὀatildeὁΝὡΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝumΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὁuviὀtἷΝiὀtἷὄiὁὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἥἑώἜἓIἓἤεἏἑώἓἤΝἀίίἀΝὂέΝἂἃ)έΝEssa teoria encontra-se presente na discussatildeo entre filosofia escrita e filosofia natildeo-escrita A leitura de Schleiermacher voltada agrave defesa da leitura de Platatildeo unicamente por via dos diaacutelogos eacute contestada particularmente pelos defensores das chamadas doutrinas natildeo-escritas que postulam a existecircncia de doutrinas orais que excedem o acircmbito da doutrina escrita contida nos diaacutelogos de Platatildeo (XAVIER 2011 p 93-λἆ)έΝ ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)μΝ ldquoἦὁἶaὅΝ ἷὅὅaὅΝ tἷὁὄiaὅΝ [ἶἷΝ lἷituὄaΝ ἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅ]Νaceitam e suportam o princiacutepio proposto no iniacutecio do seacuteculo XX por Ludvwig Schleiermacher que limita o estudo do pensamento platocircnico agrave leitura dos diaacutelogos compostos pelo mestre Este princiacutepio ndash aceito pela maioria dos platonistas ndash ὧΝἵὁὀtuἶὁΝvἷἷmἷὀtἷΝἵὁὀtἷὅtaἶὁΝὂἷlὁὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅΝἶaΝtἷὅἷΝἶaὅΝlsquoἶὁutὄiὀaὅΝnatildeo-ἷὅἵὄitaὅrsquoέΝἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷlaΝὀaΝἏἵaἶἷmiaΝἢlatatildeὁΝtἷὄiaΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝἶὁὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝnunca reduzida a escrito agrave qual os diaacutelogos serviriam de introduccedilatildeo ou como exerciacutecio propedecircutico ἓὅὅaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὀatildeὁΝἷὅἵὄitarsquoΝtἷὄiaΝὅiἶὁΝἴἷmΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἶὁὅΝἶiὅἵiacuteὂulὁὅΝἶiὄἷtὁὅΝἶὁΝmἷὅtὄἷΝὃuἷΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷlaΝtἷὄiamΝiὀὅὂiὄaἶὁΝumaΝlsquotὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtarsquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἵuja importacircncia filosoacutefica se manteve viva ateacute hoje A despeito de ainda natildeo ter dado origem a uma concretizaccedilatildeo curricular reconhecida pela comunidade a proposta tem evidentes meacuteritos cientiacuteficos e pedagoacutegicos Mas deve ser avaliada a partir do contexto histoacuterico-filὁὅὰfiἵὁΝἷmΝὃuἷΝὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝὅἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὁΝlὁὀgὁΝἶaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀλ)έ
22 11 A posiccedilatildeo unitarista
referecircncias internas sem portanto recorrer aos criteacuterios culturais sociais e poliacuteticos que
porventura possam ter influenciado Platatildeo quando compocircs suas obras
Esses satildeo mais ou menos os artifiacutecios atraveacutes dos quais Platatildeo consegue com a quase totalidade dos seus leitores alcanccedilar aquilo que deseja ou pelo menos evitar o que teme De modo que esse seria o uacutenico sentido no qual se poderia falar aqui do esoteacuterico e do exoteacuterico isto eacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato de este elevar-se ou natildeo agrave condiccedilatildeo de um verdadeiro ouvinte do interior ou entatildeo caso se deva relacionaacute-lo com o proacuteprio Platatildeo poder-se-ia dizer apenas que o ensino imediato teria sido seu agir esoteacuterico a escrita contudo o exoteacuterico (SCHLEIERMACHER 2002 p 45)
A posiccedilatildeo adotada por Schleiermacher natildeo deixa espaccedilo para qualquer anaacutelise de tipo
revisionista isto eacute aquela que postula que Platatildeo poderia ter mudado sua concepccedilatildeo geral
ou melhor as concepccedilotildees de sua obra como um todo o que o teoacuterico alematildeo considera como
ldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝaΝἵὄiacutetiἵaΝὅἵhlἷiἷὄmaἵheriana (baseada na obra de W
G Tennemann37ΝkaὀtiaὀὁΝἷΝἶἷfἷὀὅὁὄΝἶaΝiἶἷiaΝἶἷΝldquoὅiὅtἷmaΝὂlatὲὀiἵὁrdquo)Νἷxὂaὀἶἷ-se inclusive
aos historiadores antigos como as que se encontram presentes na coletacircnea de Dioacutegenes
Laeacutercio que agrupam os textos platocircnicos segundo temaacuteticas e as cronologias baseadas nas
trilogias como as de Aristoacutefanes de Bizacircncio e a dos neoplatocircnicos (MATOSO 2016 p 84-
85)
Deste modo a cronologia dos diaacutelogos platocircnicos fica agrupada do seguinte modo na
acepccedilatildeo de Schleiermacher o primeiro diaacutelogo a ser escrito seria o Fedro e o Parmecircnides o
uacuteltimo isto em relaccedilatildeo ao meacutetodo dialeacutetico Jaacute a Repuacuteblica o Timeu e Criacutetias compotildee a trilogia
das uacuteltimas obras escritas por Platatildeo nas quais se encontram o aacutepice da doutrina platocircnica
O teoacuterico alematildeo ainda divide a obra platocircnica em dois grupos num primeiro grupo constariam
as obras que foram escritas antes da morte de Soacutecrates Fedro Liacutesis Protaacutegoras Laacuteques
Caacutermides Ecircutifron e Parmecircnides E no segundo grupo chamado tambeacutem de intermediaacuterio
Teeteto Sofista Poliacutetico Feacutedon Filebo (SCHELEIERMACHER 2002 p 74-75)
Para os unitaristas o anonimato de Platatildeo deve ser justificado ὂἷlὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ
ὅilecircὀἵiὁrdquoέΝἓὅtἷΝaὄgumἷὀtὁΝἴaὅἷia-se na afirmaccedilatildeo de que o filoacutesofo natildeo precisa dizer tudo o
que pensa sobre os assuntos que procura tratar em uma uacutenica obra nem eacute necessaacuterio esgotar
estes assuntos ou mesmo trataacute-lo de uma maneira diferente em uma outra obra A proacutepria
ideia de evoluccedilatildeo expositiva nos diaacutelogos afirmaria sua unidade autocircnoma ao mesmo tempo
em que por mais que se reconheccedilam momentos diversos na obra platocircnica o avanccedilo dos
conteuacutedos e a maior criteriosidade na elaboraccedilatildeo das obras atestariam o propoacutesito de Platatildeo
em oferecer um projeto poliacutetico-educacional e filosoacutefico uacutenico do qual sua obra dialoacutegica
37 Cf TENNEMANN W G (1792)
23 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
demonstraria progressivamente tamanho empreendimento Voltarei mais adiante ao
unitarismo mais detalhado ou melhor reformulado que se desenvolveu na
contemporaneidade nos uacuteltimos seacuteculos e que se encontra presente na obra de um de seus
maiores defensores Charles Khan38
12 A posiccedilatildeo revisionista
Ao leitor de Platatildeo uma posiccedilatildeo parece ser tentadora aquela que postula a
possibilidade de os diaacutelogos serem lidos de maneira autocircnoma Deste modo seria equivocado
uma leitura que buscasse evidenciar qualquer tipo de correlaccedilatildeo temaacutetica ou doutrinaacuteria nos
mais diversos diaacutelogos Essa posiccedilatildeo pode ser notada a partir das obras de Grote (1865) que
chega a afirmar no seacuteculo XIX que
tal sacrifiacutecio da inerente diversidade e individualidade separada dos diaacutelogos agrave manutenccedilatildeo de uma suposta unidade de tipo estilo ou propoacutesito parece-me um equiacutevoco De fato o que existe laacute nos diaacutelogos para noacutes natildeo eacute nenhum Platatildeo pessoal do mesmo modo que natildeo haacute nenhum Shakespeare pessoal para noacutes Platatildeo (exceto nas Cartas) nunca aparece perante a noacutes nem nos fornece uma opiniatildeo como sendo sua ele eacute o instigador impliacutecito (natildeo-visto) de diferentes personagens que conversam em voz alta em um nuacutemero distintos de dramas cada drama um trabalho distinto (separado) manifestando seu proacuteprio ponto de vista afirmativo ou negativo consistente ou inconsistente com os outros diaacutelogos como talvez ser em determinado caso (p 210-211)
A posiccedilatildeo de Grote eacute endossada a partir das contribuiccedilotildees de um dos principais
teoacutericos que a tradiccedilatildeo denominou como sendo os defensores do paradigma
desenvolvimentista39 ou revisionista que tem como principal teoacuterico Karl Friedrich Hermann
38 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ἷxὂliἵaΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)Ν ὄἷὅumiἶamἷὀtἷΝ ὃuἷΝ ldquoἶἷὅἵὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝ ὁΝ aὅὂἷἵtὁΝ ἷvὁlutivὁΝ ndash inevitaacutevel num pensador cuja produccedilatildeo se estende ao longo de sua vida ndash essa teoria considera que a diversidade dos diaacutelogos exprime didaticamente uma visatildeo unitaacuteria da filosofia platocircnica diferida em diaacutelogos por razotildees pedagoacutegicas Essa unidade poderia ser explicada por diversos pontos de vista quer a partir do programa de pesquisa que os diaacutelogos exemplificariam ou anunciaram prolepticamente quer a partir do nuacutecleo temaacutetico que como foi dito por motivaccedilotildees de ordem pedagoacutegica os diaacutelogos iὀὅἷὄἷmΝἷmΝἶivἷὄὅὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἆ-29) 39 De acordo com Matoso (2016) o termo desenvolvimentista utilizado para caracterizar essa vertente iὀtἷὄὂὄἷtativaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaμΝ ldquoaΝ ὀὁmἷὀἵlatuὄaΝ lsquoἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtiὅtaὅrsquoΝ ὂὄὁὂὁὅtaΝ atὧΝ ὁὀἶἷΝ ὅἷiΝ ὂὁὄΝKahn (1996) natildeo me agrada Pelo simples fato de que os adeptos da outra posiccedilatildeo descrita chamados lsquouὀitaὄiὅtaὅrsquoΝ tamἴὧmΝ aἶmitἷmΝ umΝ ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝ ὀὁΝ tὄatamἷὀtὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅέΝ ἢὁiὅΝ aὂἷὅaὄΝ ἶὁὅΝunitaristas natildeo identificarem rupturas ou modificaccedilotildees fundamentais na visatildeo de mundo expressa nos diaacutelogos estes comentadores certamente identificam um desenvolvimento loacutegico‑expositivo no interior da obra platocircnica em funccedilatildeo do grau de complexidade no tratamento das questotildees Em nome da uὀifὁὄmiἶaἶἷΝtἷὄmiὀὁlὰgiἵaΝἵὁὀtuἶὁΝὅἷguiὄἷiΝuὅaὀἶὁΝaΝὀὁmἷὀἵlatuὄaΝὂaἶὄatildeὁrdquoΝ(ὂέΝ11ἅ)έ
24 12 A posiccedilatildeo revisionista
(1839) Nas obras de Grote vaacuterias referecircncias satildeo feitas a este teoacuterico e a seu meacutetodo de
divisatildeo das obras platocircnicas De acordo com a posiccedilatildeo revisionista os diaacutelogos devem ser
lidos de maneira autocircnoma de modo que qualquer correlaccedilatildeo temaacutetica entre as obras eacute
apenas plausiacutevel possiacutevel mas nunca correta Segundo os estudiosos que seguem tal
paradigma as posiccedilotildees platocircnicas satildeo diversas e ateacute mesmo contraditoacuterias
A tarefa que neste caso caberaacute ao inteacuterprete seraacute a identificaccedilatildeo sobre as posiccedilotildees
adotadas por Platatildeo em sua obra a fim de poder concluir uma organizaccedilatildeo dos diaacutelogos A
partir de tal classificaccedilatildeo segundo esses teoacutericos seria possiacutevel identificar as diversas
concepccedilotildees de Platatildeo sobre alguns temas importantes de sua filosofia E tambeacutem identificar
as mudanccedilas de posicionamento ao longo da vida filosoacutefica do filoacutesofo no decorrer de sua
obra Sim o ponto principal (e polecircmico) defendido pelos revisionistas eacute que Platatildeo ao longo
de sua obra teria tido concepccedilotildees diversas sobre um tema ou melhor posiccedilotildees que se
alteraram ou foram revisadas ao longo do desenvolvimento de seu pensamento (MATOSO
2016 p 80)
A posiccedilatildeo dos revisionistas se desenvolveu e teve grande impacto nos seacuteculos XIX e
XX perante a tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica Um tipo de interpretaccedilatildeo que se tornou
preponderante no platonismo prioritariamente em liacutengua inglesa Dentre seus principais
representantes estatildeo K F Hermann (1939) W K C Guthrie (1975) F Cornford (1927) G
Vlastos (1991)40 W F H Altman dentre outros Contudo uma posiccedilatildeo parece ser consensual
entre unitaristas e revisionistas E refere-se agravequela que dita as trecircs fases do pensamento
platocircnico juventude (socraacutetica) ndash maturidade (meacutedia) ndash velhice (final) Um dos pontos
principais capaz de tal distinccedilatildeo diz respeito agrave suposta hipoacutetese das Formas e agrave Teoria das
Ideias que talvez se encontraria presente apenas nos diaacutelogos meacutedios e finais
Os revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade
ao serem reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo
necessaacuteria com os outros diaacutelogos e que esses satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se
tratando de temas idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo ou mesmo uma mudanccedila
draacutestica no pensamento de Platatildeo nas ditas trecircs fases do pensamento platocircnico juventude
maturidade e velhice
Basta analisarmos as consideraccedilotildees de Guthrie (1975) para quem nos primeiros
diaacutelogos Platatildeo reproduz-ὅἷΝfiἷlmἷὀtἷΝaὅΝldquoἵὁὀvἷὄὅaὅΝἵὁmΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝἶἷΝtalΝmὁἶὁΝὃuἷΝὀἷὅtἷΝ
periacuteodo os diaacutelogos referem-se unicamente ao pensamento de Soacutecrates e nada ali quanto agrave
40 Apesar da cronologia adotada por Vlastos (1991) ser derivada em grande parte de autores como Guthrie e Cornford ela apresenta algumas nuances De fato eacute a cronologia proposta por Vlastos que permanece ainda em certo sentido como a mais aceita e aquela que se tornou comumente adotada entre os estudiosos de Platatildeo (VLASTOS 1991 p 45-80) Sobre isso falarei mais adiante na seccedilatildeo dedicada ao debate contemporacircneo entre revisionismo e unitarismo visotildees que possuem como principais representantes respectivamente G Vlastos e C Khan
25 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
doutrina de Platatildeo pode ser encontrado (1975 p 67) As obras de Guthrie possuem o meacuterito
de terem sido as primeiras que apresentam agrave tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica uma cronologia
das obras que compotildeem o corpus no seacuteculo XX Referimo-nos agrave sua History of the Greek
Philosophy (1975) em que o estudioso nos apresenta uma triacuteplice divisatildeo dos diaacutelogos os
diaacutelogos da juventude (socraacuteticos) os diaacutelogos da maturidade os diaacutelogos da velhice
No primeiro grupo dos diaacutelogos os socraacuteticos estariam contidos os temas eacuteticos que
compotildeem a filosofia de Soacutecrates sem qualquer referecircncia ou apresentaccedilatildeo das teorias
metafiacutesicas que surgem posteriormente No segundo grupo estatildeo os diaacutelogos referentes agrave
Teoria das Ideias (ou Formas) de Platatildeo basicamente aqueles que podem ser relacionados
com os principais diaacutelogos desta fase quais sejam A Repuacuteblica- Feacutedon ndash Banquete Platatildeo
nesta fase estaria a apresentar um pensamento propriamente seu desvinculando-se das
ideias de seu mestre ao propor a hipoacutetese das Formas
Os uacuteltimos diaacutelogos ou diaacutelogos da velhice seriam aqueles que compreendem os
seguintes diaacutelogos Sofista Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis Estes diaacutelogos comporiam
os uacuteltimos diaacutelogos em que Platatildeo na tese revisionista teria reformulado seu pensamento
apoacutes a sua proacutepria criacutetica da hipoacutetese das Formas e da Teoria das Ideias que surge no
contexto do Parmecircnides
A partir de tais consideraccedilotildees um paradigma de leitura passa a ser adotado quase
que consensualmente pelos estudiosos de Platatildeo Isto eacute o haacutebito de leituras dos diaacutelogos
divididos em trecircs fases passou a ser algo comumente adotado ao longo dos seacuteculos no estudo
das obras de Platatildeo (tanto pelos revisionistas quanto pelos unitaristas como veremos mais
adiante) Esta cronologia possui uma histoacuteria que em linhas gerais pretendo aqui
desenvolver rapidamente Ao mesmo tempo parece ser necessaacuterio destacar quais os ganhos
e prejuiacutezos que a tese revisionista apresenta
As contribuiccedilotildees de K F Hermann foram muitas tambeacutem neste seacuteculo e praticamente
moldaram o modo de organizaccedilatildeo das obras platocircnicas vigentes ateacute hoje Hermann foi o
primeiro a criticar agrave ideia difundida entre os alematildees de um sistema linear na obra platocircnica
Do mesmo modo que eacute o primeiro a analisar a obra platocircnica do ponto de vista tambeacutem de
sua historicidade Conforme sublinha Kahn (2010)
K F Hermann merece o tiacutetulo de haver sido o primeiro a reconhecer um ὂἷὄiacuteὁἶὁΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ ὀaΝ obra inicial de Platatildeo assim como o de haver interpretado a sequecircncia dos diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave biografia intelectual do autor (p 65)
Em sua obra Geschichte und System der Platonischen Philosophie (1839) Hermann
foi o primeiro a considerar a fase inicial da atividade literaacuterio-filosoacutefica de Platatildeo como uma
faὅἷΝ ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἷmΝ ὃuἷΝ ἢlatatildeὁΝ tἷὄiaΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ aliΝ ὀaὅΝ ὅuaὅΝ
26 12 A posiccedilatildeo revisionista
primeiras obras exclusivamente as ideias de seu mestre Soacutecrates (GUTHRIE 1975 p 67)
Analogamente agrave Schleiermacher Hermann divide em trecircs fases distintas o pensamento
platocircnico isto eacute uma fase corresponde ao periacuteodo socraacutetico (obras iniciais) uma segunda
corresponde agrave fase intermediaacuteria (maturidade) e uma uacuteltima fase que corresponderia agraves obras
da velhice Este modo de leitura grosso modo eacute o mesmo que se assentou na tradiccedilatildeo
interpretativa platocircnica e ateacute hoje eacute aquele comumente adotado pelos estudiosos dos
diaacutelogos
Hermann eacute o primeiro a reconhecer perante agraves trecircs fases do pensamento platocircnico
que cada uma dessas trecircs fases caracteriza uma mudanccedila no pensamento de Platatildeo o que
dista consideravelmente do paradigma de leitura vigente na atualidade De acordo com
Matoso (2016) a existecircncia de trecircs fases ou de trecircs periacuteodos para a organizaccedilatildeo
(cronoloacutegica) dos diaacutelogos parece um fato que existente entre os helenistas alematildees
Semelhantemente parece ser comum a crenccedila de uma fase socraacutetica (inicial) presente na
obra de Platatildeo em que as ideias de um Soacutecrates histoacuterico estariam sendo representadas E
por fim tambeacutem eacute comumente aceita a existecircncia de uma fase intermediaacuteria entre o
pensamento socraacutetico (diaacutelogos iniciais) e um pensamento final (diaacutelogos da velhice) ndash na qual
Platatildeo expotildee sua teoria demarcando claramente a separaccedilatildeo entre suas ideias e as de
Soacutecrates resultando em uma fase final da apresentaccedilatildeo de sua teoria de forma sistemaacutetica
(p 87)
Segundo a interpretaccedilatildeo revisionista apoacutes a condenaccedilatildeo e morte de Soacutecrates Platatildeo
teria composto uma seacuterie de diaacutelogos relacionados aos temas desenvolvidos por Soacutecrates
como Apologia Crito Goacutergias Ecircutifron e Mecircnon Os diaacutelogos Teeteto Craacutetilo Sofista
Poliacutetico e Parmecircnides ὃuἷΝἵὁmὂὁὄiamΝaΝldquofaὅἷΝmὧἶiaΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵardquoΝndash nos quais as ideias
de Soacutecrates jaacute natildeo estariam presentes na obra de Platatildeo ndash e uma trilogia final Timeu-Criacutetias-
Repuacuteblica ndash neste caso os uacuteltimos diaacutelogos que apresentariam a siacutentese (ou sistema) do
pensamento filosoacutefico de Platatildeo
Eacute notaacutevel entre os alematildees a crenccedila de que o Fedro seria o primeiro diaacutelogo pois
espeacutecie de conteuacutedo introdutoacuterio da iniciaccedilatildeo aos estudos da Academia de iniciaccedilatildeo agrave
dialeacutetica (como vemos em SCHLEIERMACHER 2022 p 74) propedecircutica ao estudo dos
uacuteltimos diaacutelogos E tambeacutem acredita-se firmemente serem Timeu Criacutetias Repuacuteblica e Leis
os uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo Essa uacuteltima afirmaccedilatildeo baseada unicamente no
testemunho de Aristoacuteteles (Pol II 6) de que as Leis foram escritas apoacutes a Repuacuteblica
Ateacute o seacuteculo XIX natildeo se tinha uma ciecircncia rigorosa que buscasse encontrar um
meacutetodo razoaacutevel isento de subjetividade no que tange a um modo de leitura em que surge
uma ciecircncia de investigaccedilatildeo do texto platocircnico que convencionalmente denominou-se
estilometria Neste estudo foram extremamente relevantes as contribuiccedilotildees de Ritter (1910)
e Lutoslwaski (1897) e Lewis Campbell (1867) Dittenberger (1881) e Brandwood (1990
27 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
2013) Na virada do seacuteculo XIX para o seacuteculo XX a presenccedila desses teoacutericos tornou riacutegida a
classificaccedilatildeo dos diaacutelogos platocircnicos Anteriormente muitos dos criteacuterios que visavam
organizar os diaacutelogos platocircnicos eram inconsistentes flutuantes subjetivos isto eacute baseados
fundamentalmente na subjetividade hermenecircutica de cada autor
A estilometria ambiciona natildeo somente afirmar a separaccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases
distintas mas vai aleacutem ao tentar classificar os diaacutelogos segundo uma ordem de composiccedilatildeo
destes dentro dessas mesmas fases diferentes
Na acepccedilatildeo mais estrita do termo a estilometria consiste em uma contagem de ocorrecircncias de um determinado grupo de palavras A partir dos resultados obtidos por meio desta contagem e possiacutevel formular hipoacuteteses acerca da data de composiccedilatildeo relativa de cada diaacutelogo Ou seja a contagem de palavras nos permite identificar dentre o conjunto de diaacutelogos aqueles que possuem um estilo semelhante entre si representado pela repetida ocorrecircncia de certos termos ou expressotildees (MATOSO 2016 p 91)
Baseada na questatildeo estiliacutestica (textual) tal ciecircncia fora capaz de notar certa
semelhanccedila de estilo presente no texto de Platatildeo isto eacute por meio da contagem de palavras
(e natildeo somente) pelo vocabulaacuterio empregado nos textos concluiu-se a respeito da
composiccedilatildeo e do ordenamento do grupo dos uacuteltimos diaacutelogos ou da terceira fase (Sofista
Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis)
L Campbell (1867) e F Blass (1874) apresentam classificaccedilotildees unacircnimes quanto agrave
ordenaccedilatildeo dos diaacutelogos da uacuteltima fase Poreacutem o primeiro se baseia no emprego de
determinadas expressotildees (fundamentalmente aquelas agregadas agrave partiacutecula -meacuten) enquanto
o uacuteltimo fundamenta sua anaacutelise por meio da ocorrecircncia dos hiatos41 (MATOSO 2016 p 95)
Um fato tambeacutem relevante eacute a diminuiccedilatildeo das apariccedilotildees de Soacutecrates como condutor dos
diaacutelogos jaacute nas uacuteltimas obras de Platatildeo o que para tais autores configura na distinccedilatildeo entre
os diaacutelogos da fase platocircnica tardia e as demais
Por mais que a estilometria tenha trazido inuacutemeros ganhos no que diz respeito ao
paradigma de leitura platocircnica nota-se que o paradigma desenvolvimentista apresenta falhas
A posiccedilatildeo revisionista tem sido endossada por contribuiccedilotildees contemporacircneas como as de
Vlastos (1991) Cornford (1927) Guthrie (1975) mas tais versotildees ainda apresentam uma
seacuterie de deficiecircncias dentre as quais as mais relevantes satildeo (i) se os resultados
estilomeacutetricos apenas garantem uma mudanccedila estiliacutestica notaacutevel nos diaacutelogos de uacuteltima fase
esta anaacutelise natildeo pode se estender como fez Ritter como caraacuteter classificatoacuterio do
ordenamento dos diaacutelogos das outras duas fases (ii) natildeo haacute um criteacuterio que possa justificar
41 O hiato consiste na sucessatildeo imediata de duas vogais em palavras separadas Para evitar este tipo de sucessatildeo que constantemente surge na formaccedilatildeo e inflexatildeo das palavras diversos recursos podem ser empregados a crase a elisatildeo e a aphaeresis aleacutem da escolha vocabular (MATOSO 2016 p 107)
28 12 A posiccedilatildeo revisionista
trecircs mudanccedilas consecutivas na obra platocircnica mas apenas duas como bem destacou Kahn
(2010 p 71) Isso se torna mais claro quando se nota que nenhum criteacuterio estiliacutestico fora
capaz de apontar uma distinccedilatildeo clara entre o meacutetodo estiliacutestico da fase intermediaacuteria e a fase
da juventude (os diaacutelogos socraacuteticos) mas apenas os diaacutelogos da uacuteltima fase (velhice) Deste
modo essa separaccedilatildeo (entre diaacutelogos da juventude e diaacutelogos da maturidade) soacute satildeo
possiacuteveis mediante uma anaacutelise de conteuacutedo em que o que estaacute em jogo eacute o aparecimento
nos diaacutelogos do desenvolvimento da hipoacutetese das Formas a Teoria das Ideias Tais noccedilotildees
que soacute satildeo evidentes nos diaacutelogos da maturidade operando assim uma niacutetida distinccedilatildeo entre
diaacutelogos da maturidade e juventude platocircnica
A contagem de palavras feita pela estilometria baseia-se na ocorrecircncia das expressotildees
e hiatos dos diaacutelogos da uacuteltima fase e estende sua verificaccedilatildeo ateacute a chamada fase
intermediaacuteria que tem como criteacuterio os diaacutelogos nos quais Platatildeo jaacute apresenta a hipoacutetese das
formas das Ideias Dito isto observa-se que criteacuterio de demarcaccedilatildeo entre a obra intermediaacuteria
e a da juventude passa do criteacuterio estilomeacutetrico (estiliacutestico-textual) para um criteacuterio baseado
fundamentalmente a partir do conteuacutedo dos diaacutelogos jaacute que as primeiras obras foram
eliminadas da contagem de palavras (KAHN 2010 p 71)
Contudo os resultados apresentados por Guthrie (1975 p 50) perpassam os criteacuterios
estilomeacutetricos ou mesmo ignora-os como destaca Matoso (2016 p 100) ao propor a seguinte
organizaccedilatildeo para os diaacutelogos aquela proposta por Cornford (1927) e tambeacutem por Vlastos
(1991) (i) diaacutelogos da juventude Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides Ecircutifron Hiacuteppias
Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon (ii) diaacutelogos da maturidade Mecircnon Feacutedon
Repuacuteblica Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo (iii) diaacutelogos da velhice
Parmecircnides Teeteto Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Filebo Leis42
Tal apresentaccedilatildeo segue em partes a cronologia anterior pois nela se arrasta o
Parmecircnides e o Teeteto ateacute entatildeo natildeo inclusos nos diaacutelogos de uacuteltima fase Alguns diaacutelogos
considerados (estilisticamente) como pertencentes ao primeiro periacuteodo (juventude) foram
tambeacutem deslocados para a maturidade Portanto ao que tudo indica um regresso agrave
subjetividade interpretativa novamente eacute proposto por meio das consideraccedilotildees apresentadas
por Guthrie e aqueles outros supracitados em suas obras Na classificaccedilatildeo estilomeacutetrica eram
apenas cinco os diaacutelogos de uacuteltima fase assim como Banquete Meacutenon e Feacutedon estavam
distaὀtἷὅΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὅἷΝἵuὀhὁuΝἵhamaὄΝldquofaὅἷΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiardquoΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝjuὅtamἷὀtἷΝὂὁὄΝ
apresentar caracteriacutesticas muito distintas do grupo criado em relaccedilatildeo agrave Repuacuteblica todavia
estavam proacuteximos a este uacuteltimo diaacutelogo porque jaacute tratam de temas metafiacutesicos Assim como
42 Esta tambeacutem tem sido a cronologia comumente aceita pelos estudiosos de Platatildeo na contemporaneidade Segundo os defensores do revisionismo platocircnico esta seria a organizaccedilatildeo cronoloacutegica resultante a partir dos estudos estilomeacutetricos (Cf GUTHRIE W K C History of the Greek Philosophy Vol IV Cambridge The University Press 1975)
29 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
o Parmecircnides que parece apenas inaugurar a fase da velhice platocircnica ao postular a criacutetica agrave
Teoria das Ideias (MATOSO 2016 p101-102)
Este tipo de leitura dos diaacutelogos platocircnicos ainda incorre no equiacutevoco da subjetivaccedilatildeo
interpretativa ou ὀaὃuilὁΝὃuἷΝἛahὀΝἶἷὀὁmiὀὁuΝἵὁmὁΝldquofalὠἵiaΝἶaΝtὄaὀὅὂaὄecircὀἵiardquoΝὃuἷΝiὀὅiὅtἷΝἷmΝ
afirmar a influecircncia de Soacutecrates no pensamento de Platatildeo na fase inicial dos diaacutelogos a fim
de promover uma draacutestica separaccedilatildeo entre aquilo que acreditam ser somente de Soacutecrates e
as teorias que pertencem exclusivamente a Platatildeo Deste modo o que subjaz no revisionismo
ὧΝumaΝ tἷὀtativaΝἶἷΝ ὄἷὅὁlvἷὄΝὁΝ iὀὅὁlήvἷlΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquo43 E para a soluccedilatildeo de tal
questatildeo constantes atropelos se fazem em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo em busca de um
ὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἶitὁΝldquoἵὁὀὅiὅtἷὀtἷrdquoΝἷΝaἵἷitὁΝἵὁὀὅἷὀὅualmἷὀtἷέ
Por fim ficou demonstrado que o paradigma desenvolvimentista apresenta alguns
problemas que necessitam de maiores esclarecimentos por parte dos teoacutericos que defendem
esse tipo de interpretaccedilatildeo pois (i) seus criteacuterios metodoloacutegicos natildeo estatildeo bem
fundamentados mesmo a distinccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases distintas (que remontam aos
helenistas alematildees) natildeo nos eacute garantida (ii) semelhantemente parece fraca a hipoacutetese de
uma mudanccedila draacutestica na obra platocircnica jaacute que a estilometria natildeo apresenta um criteacuterio soacutelido
para demarcaccedilatildeo entre as fases da juventude e da maturidade e que pareccedila ser claro quanto
agraves questotildees relativas agrave cronologia O reconhecimento da estilometria de uma fase uacuteltima
(velhice) do pensamento platocircnico tambeacutem natildeo nos daacute garantias suficientes de alteraccedilotildees
significativas no pensamento de Platatildeo mas apenas reconhece semelhanccedilas estiliacutestico-
textuais entre obras distintas Desta forma permanecem insustentaacuteveis as duas teses de que
(i) Platatildeo teria mudado de pensamento drasticamente trecircs vezes o que corresponderia agraves
trecircs fases de sua obra ou (ii) que cada obra reflete uma ideia de Platatildeo em dado momento
Pode-se afirmar num primeiro momento ser impossiacutevel formularmos uma oposiccedilatildeo radical
entre o pensamento socraacutetico e o platocircnico esse eacute um problema insoluacutevel ateacute entatildeo e
impossiacutevel de resoluccedilatildeo haja vista o anonimato de Platatildeo em suas obras o que natildeo nos
permite uma identificaccedilatildeo clara a respeito de seus posicionamentos filosoacuteficos de uma forma
imediata44
43 ἥὁἴὄἷΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝimὂὁὄtaὀtἷΝfaὐἷὄmὁὅΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝὁἴὄaΝἶἷΝVIἜώἓἠἏ-MAGALHAtildeES (O problema Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecrates de Platatildeo Lisboa Calouste Gulbenkian 1984) (Cf BOLZANI R Imagens de Soacutecrates In Kleacuteos N18 Rio de Janeiro IFCS- UFRJ 2014) 44 Segundo nos explica Santos (2012) podemos seguramente afirmar que a tἷὁὄiaΝὄἷviὅiὁὀiὅtaμΝldquo(έέέ)Νdefendida majoritariamente por inteacuterpretes de cultura e formaccedilatildeo anglo-saxocircnica rejeita a possibilidade ἶἷΝaἵἷἶἷὄΝἶἷΝfὁὄmaΝἵὁὀὅiὅtἷὀtἷΝaὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝiὀὅὂiὄaὄiaΝἵὄiaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅέΝἥuὅtἷὀtamΝὃuἷΝcada obra deve ser interpretada a partir das informaccedilotildees presentes nos eu texto abstendo-se o estudioso de estabelecer relaccedilotildees com quaisquer outras Resulta desse princiacutepio que que aquilo que ὂὁὄΝὄaὐὴἷὅΝὂἷἶagὰgiἵaὅΝὅἷΝἶἷὅigὀaΝἵὁmὁΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoΝὧΝἵὁὀὅtituiacuteἶὁΝὂἷlὁΝἵὁὀjunto dos diaacutelogos ἵὁmὂὁὅtὁὅΝὂἷlὁΝmἷὅtὄἷΝaΝἵaἶaΝumΝἶὁὅΝὃuaiὅΝὧΝaὄὄiὅἵaἶὁΝἵὁὀfἷὄiὄΝumaΝἷὅὂἷἵiacutefiἵaΝfiὀaliἶaἶἷΝἶὁutὄiὀalrdquoΝ(p 29)
30 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
A diferenccedila como se pode notar entre unitaristas e revisionistas estaacute calcada na
diferenciaccedilatildeo e no propoacutesito que tais fases do pensamento platocircnico apresentam Os
revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade ao serem
reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo necessaacuteria
com os outros diaacutelogos que satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se tratando de temas
idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo haveria segundo eles uma mudanccedila draacutestica
no pensamento de Platatildeo em cada uma das trecircs fases cronoloacutegicas Jaacute para os unitaristas a
organizaccedilatildeo dos diaacutelogos deve ser vista como meramente aparente apenas um recurso
didaacutetico elas apenas apontam um meacutetodo de exposiccedilatildeo evolutiva cujo propoacutesito uacutenico diz
respeito agrave tarefa proacutepria da filosofia platocircnica enquanto apresentaccedilatildeo de um projeto filosoacutefico
poliacutetico-educacional do qual os diaacutelogos platocircnicos compotildeem uma siacutentese isto eacute os diaacutelogos
ὅἷΝἵὁὀvἷὄgἷmΝἷmΝumaΝuὀiἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(aΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquo)ΝaἶὃuiὄiἶaΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷὅὅaΝὂὄὰὂὄiaΝ
exposiccedilatildeo progressiva e que resulta em uma compreensatildeo de uma finalidade pedagoacutegica
direcionada a um soacute objetivo
Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de unidade de membro que se articula aos demais cada
um antecipando o conteuacutedo do diaacutelogo posterior culminando na formaccedilatildeo de um corpo
doutrinaacuterio consistente Podemos afirmar que o que permanece comumente estabelecido
pelos inteacuterpretes platocircnicos eacute a necessidade de separar em trecircs grupos ou fases os diaacutelogos
de Platatildeo ὁuΝ aΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝ ἵhamaὄΝ ldquogἷὀὧtiἵὁ-evolutiva como nos
aponta Santos
() a geneacutetico-evolutiva eacute aquela [teoria] que recolhe maior apoio dos platonistas interpreta cronologicamente a divisatildeo do corpus nos trecircs grupos de diaacutelogos acima referidos e defende que as datas atribuiacutedas a sua publicaccedilatildeo expressam a evoluccedilatildeo intelectual e ideoloacutegica de Platatildeo na marcha para a exposiccedilatildeo da sua filosofia (2012 p 28)
Esta leitura geneacutetico-evolutiva tem como teoacuterico principal Gregory Vlastos (1991) Esse
autor demonstra que seria possiacutevel por meio da distinccedilatildeo das trecircs fases do pensamento
platocircnico notarmos uma diferenccedila entre aqueles diaacutelogos em que Soacutecrates seria o Soacutecrates
histoacuterico ao passo que nas demais fases eacute Platatildeo quem falaria ao expor pela personagem
condutora do diaacutelogo as suas proacuteprias teses (VLASTOS 1991 p45-46) Esta tese de Vlastos
em um primeiro momento foi aceita consensualmente pelos leitores dos diaacutelogos ao notarem
o desenvolvimento da obra de Platatildeo em determinados diaacutelogos quando comparados entre
si o que de fato eacute possiacutevel tendo em vista a vastidatildeo da obra literaacuteria elaborada por Platatildeo
31 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Baseado como jaacute dissemos nos resultados provenientes da estilometria e posteriormente
analisando a proximidade temaacutetica a cronologia dos diaacutelogos usualmente adotada seria a
seguinte
(i) Diaacutelogos da juventude ou socraacuteticos Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides
Ecircutifron Hiacuteppias Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon
(ii) Diaacutelogos daΝ matuὄiἶaἶἷΝ ὁuΝ ἶaΝ ldquotἷὁὄiaΝ ἶaΝ ἔὁὄmaὅrdquoμΝ Mecircnon Feacutedon Repuacuteblica45
Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo
(iii)ΝἒiὠlὁgὁὅΝἶaΝvἷlhiἵἷΝὁuΝὄἷviὅatildeὁΝ(ἵὄiacutetiἵa)ΝἶaΝldquotἷὁὄiaΝἶaὅΝfὁὄmaὅμΝParmecircnides Teeteto
Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Fileacutebo Leis
A cronologia de Vlastos eacute praticamente similar a esta (a de Guthrie (1975) e de
Cornford (1927)) apenas apresentando algumas poucas diferenccedilas pois ele coloca como
intermediaacuterios entre o primeiro e o segundo grupo os seguintes diaacutelogos (transiccedilatildeo)
Eutidemo Hiacuteppias Maior Liacutesis Menexeno Mecircnon e tambeacutem Parmecircnides e Teeteto como
diaacutelogos pertencentes agrave fase da maturidade Vlastos afirma ser possiacutevel encontrarmos pelo
menos dois Soacutecrates nos diaacutelogos um estaria presente nos diaacutelogos iniciais da juventude e
o outro presente nos diaacutelogos da maturidade e velhice justamente porque ambos natildeo teriam
afirmaccedilotildees semelhantes sobre os mesmos assuntos apresentando posiccedilotildees ateacute mesmo
contraditoacuterias Esse teoacuterico afirma que existe uma real e significativa diferenccedila entre os
diaacutelogos socraacuteticos aporeacuteticos (ou elecircnthicos) e os diaacutelogos do periacuteodo meacutedio e os do tardio
de tal modo seria possiacutevel postularmos que aqueles primeiros pertencem a um Soacutecrates
histoacuterico distinto dos objetivos filosoacuteficos concernentes agraves obras do periacuteodo meacutedio e final Eacute
a ὂaὄtiὄΝἶiὅὅὁΝὃuἷΝἷlἷΝfὁὄὀἷἵἷΝaὅΝἴaὅἷὅΝὂaὄaΝaὃuἷlaΝὃuἷΝfiἵὁuΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἵὁmὁΝldquotἷὁὄiaΝἶὁΝὂὁὄta-
vὁὐrdquoΝiὅtὁΝὧΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶaΝfaὅἷΝmὧἶiaΝἷΝfiὀalΝὅἷὄviὄiaΝἵὁmὁΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝὄἷὅὂὁὀὅὠvἷlΝὂὁὄΝἷxὂὁὄΝ
a teoria propriamente platocircnica jaacute desvinculada do pensamento do Soacutecrates real (histoacuterico)
da fase juvenil dos diaacutelogos
Vlastos (1991) chega a estabelecer algumas afirmaccedilotildees sobre o Soacutecrates dos diaacutelogos
aporeacuteticos a saber Soacutecrates eacute um filoacutesofo moral que natildeo produziu teoria alguma sua busca
eacute apenas elecircnthica por isso afirma seu nada saber tambeacutem natildeo defende uma teoria da alma
por concordar com a impossibilidade da ελα έα e natildeo se interessa pelos conhecimentos
matemaacuteticos eacute um filoacutesofo da plebe natildeo apresenta qualquer teoria poliacutetica muito menos
postula uma teoria transcendente do belo a sua religiatildeo eacute uma religiatildeo praacutetica cuja divindade
45 Alguns estudiosos como Vlastos (1991) acreditavam que o Livro I da Repuacuteblica (Trasiacutemaco) seria um diaacutelogo separado do restante da Repuacuteblica Por isso Vlastos coloca o Trasiacutemaco (Livro I) entre os ἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅΝὁuΝldquoἷlecircὀthiἵὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷmaiὅΝlivὄὁὅΝἶaΝRepuacuteblica (II-X) entre aqueles da maturidade (VLASTOS 1991 p 46-47)
32 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
atua no campo das questotildees morais e por fim eacute portador de um meacutetodo filosoacutefico
adversativo tendo como princiacutepio a refutaccedilatildeo dos interlocutores (1991 p 47-48)
Segundo Vlastos qualquer um eacute capaz de notar algo totalmente contraacuterio ao se
deparar com as obras que compotildeem os periacuteodos meacutedio e da velhice platocircnicos ou seja uma
draacutestica mudanccedila de estilo de modos de expor determinadas questotildees ou mesmo a
diferenccedila de profundidade em que certos temas satildeo tratados O que vemos eacute o seguinte
Soacutecrates natildeo eacute mais apenas aquele filoacutesofo moral agora ele trata de temas metafiacutesicos
epistemoloacutegicos cientiacuteficos religiosos temas da linguagem etc como tambeacutem nos
apresenta a teoria das formas e da reminiscecircncia admitindo conhecer aquilo que visa
demonstrar lida com a teoria tripartite da alma refere-se agraves ciecircncias matemaacuteticas e manifesta
certo conhecimento acerca destas ciecircncias eacute fortemente aristocraacutetico nos apresenta uma
teoria poliacutetica refinada demonstra seu amor transcende sobre o belo a comunhatildeo com a
divindade por meio da atividade contemplativa das formas e possui um meacutetodo filosoacutefico
didaacutetico por meio do qual apresenta suas teorias para que seu interlocutor as compreenda
Para Vlastos a qualquer leitor eacute possiacutevel notar as disparidades entre os diaacutelogos da
fase inicial e os das fases seguintes nos quais Soacutecrates assume posiccedilotildees completamente
diferentes O personagem dos diaacutelogos da fase meacutedia e final propotildee e defende teorias
ἶiὅtiὀtaὅΝἷΝὅutilmἷὀtἷΝἷlaἴὁὄaἶaὅΝὅἷΝaὅὅἷmἷlhaΝmaiὅΝaΝumΝldquoὂὁὄtaΝvὁὐrdquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἶiὅtiὀtὁΝ
poreacutem da literatura socraacutetica inicial Logo isso demonstraria que essa literatura socraacutetica
inicial estaria mais proacutexima do Soacutecrates histoacuterico
Falei de um Soacutecrates em Platatildeo Haacute dois deles Em diferentes segmentos do corpus platocircnico dois filoacutesofos carregam esse nome O indiviacuteduo permanece o mesmo Mas em diferentes conjuntos de diaacutelogos ele persegue filosofias tatildeo diferentes que natildeo poderiam ser retratadas como coexistentes no mesmo ceacuterebro a menos que se trate do ceacuterebro de um esquizofrecircnico Eles satildeo tatildeo diversos em conteuacutedo e meacutetodo que se contrastam bruscamente um com o outro como tambeacutem com qualquer terceira filosofia que se possa mencionar comeccedilando com ele Aristoacuteteles (VLASTOS 1991 p 460)
Vlastos ainda acrescenta que a literatura socraacutetica teria uma espeacutecie de diacutevida com o
pensamento poliacutetico-moral antecessor que se valia do diaacutelogo para fins semelhantes dentre
eles Tuciacutedides Heroacutedoto e Proacutedico (VLASTOS 1991 p 48ss) O principal feito da
interpretaccedilatildeo de Vlastos eacute ter colocado os diaacutelogos aporeacuteticos ou elecircnthicos associados a
uma literatura dialoacutegica predominantemente poliacutetico-moral isto eacute de algum modo as obras
platocircnicas estariam jaacute ligadas a esse tipo de reflexatildeo antecedente agrave obra platocircnica mas nada
eacute dito sobre os contemporacircneos utilizarem esse mesmo meacutetodo Muito pelo contraacuterio os
diaacutelogos meacutedios e as obras da velhice atestariam um total rompimento com a fase precedente
a essas duas uacuteltimas Platatildeo neste caso teria rompido com todo o espiacuterito socraacutetico com
33 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
qualquer espeacutecie de socratismo de tal modo que a literatura filosoacutefica subsequente seria uma
espeacutecie de transcendecircncia ou de superaccedilatildeo do pensamento dialoacutegico anterior Por fim os
textos da fase juvenil atestam segundo Vlastos um conteuacutedo histoacuterico e tambeacutem um meacutetodo
particularmente refutativo presente neste periacuteodo nos diaacutelogos de Platatildeo Os diaacutelogos meacutedios
satildeo drasticamente separados dos anteriores jaacute natildeo pertencem mais a um mesmo gecircnero
literaacuterio estritamente socraacutetico Soacutecrates passa a ser um personagem utilizado sob outros fins
filosoacuteficos que natildeo aqueles que compotildeem o periacuteodo socraacutetico histoacuterico elecircnthico
O primeiro a se manifestar quanto a esse tipo de divisatildeo foi Kahn (2010) Segundo
este uacuteltimo Vlastos deve ser de certo modo enquadrado entre os revisionistas Enquanto
Kahn ele proacuteprio se inclui entre os defensores da visatildeo unitarista da obra de Platatildeo Khan
propotildee como princiacutepio interpretativo a necessidade de natildeo se separar os diaacutelogos de um
contexto histoacuterico maior que ele acredita pertencer a literatura socraacutetica Deste modo
segundo esse autor parece ser equivocado dotar os diaacutelogos socraacuteticos de tamanha
excepcionalidade sem compreendecirc-los como frutos de uma tradiccedilatildeo poeacutetica grega isto eacute ao
situaacute-los fora dessa proacutepria tradiccedilatildeo
O leitor eacute capaz de notar nos diaacutelogos natildeo apenas uma referecircncia agrave essa tradiccedilatildeo
poeacutetica (a obra dialoacutegica natildeo apenas reporta a essa tradiccedilatildeo) mas tambeacutem eacute capaz de
identificar a obra platocircnica nessa mesma tradiccedilatildeo poreacutem dotada de um novo sentido De tal
modo nos parece evidente um sentido subjacente (traacutegico-cocircmico) presente na obra filosoacutefica
de Platatildeo A poeacutetica grega serve como base para a estruturaccedilatildeo dos diaacutelogos Platatildeo natildeo se
limita a citar os poetas ele natildeo se contenta com isso os diaacutelogos satildeo meios para uma criaccedilatildeo
multifacetada de sua filosofia na qual estatildeo presentes constantes referecircncias agrave essa tradiccedilatildeo
a qual tambeacutem eacute material importante para a elaboraccedilatildeo de sua obra O que se nota natildeo
apenas nos diaacutelogos socraacuteticos eacute uma enorme influecircncia da tradiccedilatildeo poeacutetica na composiccedilatildeo
da obra platocircnica ela eacute um ponto de partida para a composiccedilatildeo desse especiacutefico gecircnero
literaacuterio que eacute o diaacutelogo e que marca decisivamente os rumos adotados por Platatildeo no
desenvolvimento de sua obra Lembremo-nos de que natildeo foi apenas Platatildeo quem escreveu
diaacutelogos mas tambeacutem outros autores que provavelmente disputavam em torno de um
prestiacutegio literaacuterio com suas composiccedilotildees adotando como gecircnero literaacuterio os diaacutelogos
socraacuteticos (KHAN 2010 p 31ss)
Algo tambeacutem que merece ser destacado sobre a visatildeo de Khan diz respeito agrave busca
pela efetiva caracterizaccedilatildeo do indiviacuteduo (realhistoacuterico) Soacutecrates quando tenta encontrar na
imagem desse personagem dos diaacutelogos da juventude a suposta informaccedilatildeo sobre sua
identidade fato capaz de poder atribuiacute-lo um pensamento distinto do de Platatildeo Deste modo
a filosofia platocircnica para Khan procura se afirmar enquanto um discurso que possui um papel
pedagoacutegico que a diferencia das demais atividades dos outros gecircneros literaacuterios que natildeo se
34 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
ὄἷὅumἷmΝὡΝὅimὂlἷὅΝὄἷfutaὦatildeὁνΝὅἷΝfὁὅὅἷΝaὅὅimΝἷlaΝἷὅtaὄiaΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἵὁmΝaΝἷὄiacuteὅtiἵaέΝ
Para Kahn
Gregory Vlastos deu uma formulaccedilatildeo mais uacutetil e extremada da leitura evolutiva ao falar de uma filosofia essencialmente socraacutetica em alguns dos dez ou doze diaacutelogos segundo sua opiniatildeo nestes diaacutelogos Platatildeo se encontra ainda enfeiticcedilado por seu mestre cuja filosofia natildeo soacute eacute distinta mas antiteacutetica a seu proacuteprio pensamento maduro No momento em que se converte em um filoacutesofo original Platatildeo abandona e se volta contrariamente contra sua posiccedilatildeo socraacutetica de origem (KAHN 2010 p 66)
Esse tipo de interpretaccedilatildeo na visatildeo de Kahn eacute mais especulativo do que propriamente
filosoacutefico jaacute que a proposta se distancia do que ele considera como o objetivo pedagoacutegico
maior da obra platocircnica Interessa a Kahn uma visatildeo mais ampla da obra dialoacutegica de Platatildeo
a despeito de alguns fatos parecerem ser descritos historicamente nessa mesma obra o que
por sinal teria objetivos puramente destinados a um significado filosoacutefico passando pelo crivo
da criaccedilatildeo literaacuteria Sua intenccedilatildeo eacute ir aleacutem dessa descriccedilatildeo vista por Vlastos como puramente
historiograacutefica para uma compreensatildeo da obra de Platatildeo ao situaacute-la em um contexto literaacuterio-
poeacutetico maior natildeo apenas dirigida a um embate filosoacutefico mas tambeacutem a um embate com
essa proacutepria tradiccedilatildeo poeacutetica subjacente na composiccedilatildeo de um gecircnero literaacuterio isto eacute
compreender sua dimensatildeo artiacutestica dentro de um contexto ainda mais amplo
Kahn ainda alega mais adiante (2010 p 66) que o problema de teses como a de
Vlastos estritamente desenvolvimentistas eacute a incapacidade de lidar com um problema
insoluacutevel a saber o problema Soacutecrates A dificuldade em lidar com o anonimato de Platatildeo em
suas obras faz com que os inteacuterpretes desenvolvimentistas em sua radicalidade acabem se
fiando em questotildees especulativas sobre a realidade da personagem Soacutecrates sobre sua
identidade baseada em especulaccedilotildees historiograacuteficas Tais questotildees eacute importante que se
diga isto natildeo podem ser refutadas nem tatildeo pouco podem ser atestadas com certa
veemecircncia Ainda que Platatildeo tenha passado por uma fase socraacutetica e depois se distanciado
desse tipo de pensamento nenhuma indicaccedilatildeo em sua obra eacute capaz de nos afirmar isto
Indicaccedilotildees estas que os revisionistas por sinal encontram apenas em referecircncias externas
como a obra de Aristoacuteteles por exemplo
Ao contraacuterio do que rapidamente se possa pensar a visatildeo de Kahn natildeo tem como fim
negar a existecircncia histoacuterica de Soacutecrates nem mesmo a sua influecircncia mas propor certa
continuidade entre os diaacutelogos socraacuteticos e os demais ao negar qualquer ruptura draacutestica
entre as fases do pensamento platocircnico Se Platatildeo apresenta suas posiccedilotildees filosoacuteficas nos
diaacutelogos e por vezes elas podem ser identificadas aos discursos proferidos por Soacutecrates ao
mesmo tempo ele natildeo nos diz suas opiniotildees pessoais acerca dos temas ali tratados Neste
caso a forma de abordagem irocircnica das posiccedilotildees no uso de determinada retoacuterica faz com
35 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
que as posiccedilotildees ali desenvolvidas se encontrem desprovidas de um caraacuteter tratadiacutestico ou
doutrinal tudo isso contribuiria para a exposiccedilatildeo de uma filosofia distante de certa rigidez de
tal maneira que ao se ocultar nos personagens Platatildeo tornaria enriquecedoras suas obras
ao possibilitar certa liberdade interpretativa do que se encontra em discussatildeo ali naquele
contexto dramaacutetico Essa seria uma das principais contribuiccedilotildees agrave tradiccedilatildeo interpretativa
subsequente Quais seriam entatildeo os reais objetivos com semelhante ocultaccedilatildeo Teria ela
objetivos propriamente filosoacuteficos ou natildeo passa de estiliacutestica e retoacuterica Ambos talvez
A maior dificuldade segundo Kahn eacute o enfrentamento das posiccedilotildees vistas como
contraditoacuterias nos diaacutelogos Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de composiccedilatildeo dramaacutetica uacutenica em
que os temas estatildeo relacionados e servem a um propoacutesito argumentativo presente naquela
ὁἴὄaΝὂὁiὅΝldquo[έέ]ΝἵaἶaΝἶiὠlὁgὁΝὅἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝaΝὅiΝmἷὅmὁΝἵὁmὁΝumaΝuὀiἶaἶἷΝautὲὀὁmaΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝ
ἷmΝὅἷuΝὂὄὰὂὄiὁΝἷὅὂaὦὁΝlitἷὄὠὄiὁrdquoΝ (ἀί1ίΝὂέΝἄἂ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝὅἷguὀἶὁΝἛahὀΝndash e essa seria a
maior dificuldade levantada pelos inteacuterpretes platocircnicos ndash a tarefa do inteacuterprete seria conciliar
esses diaacutelogos ou grupo de diaacutelogos em um conjunto uacutenico como pertencentes a um soacute
autor algo impossiacutevel por exemplo para os revisionistas como eacute o caso de Vlastos que acaba
por duplicar um soacute autor criando dois ao inveacutes de um uacutenico Platatildeo (o socraacutetico histoacuterico e o
natildeo-socraacutetico) ou dois Soacutecrates (o histoacuterico e o personagem fictiacutecio) Para Khan (2010) toda
a filosofia platocircnica eacute socraacutetica e natildeo haacute na obra dialoacutegica duas filosofias platocircnicas
incompatiacuteveis Mas qual a soluccedilatildeo oferecida pelo teoacuterico norte-americano para afirmar isso
e ao mesmo tempo opor-se ao revisionismo
A soluccedilatildeo de Khan nesse sentido ao dizer que cada diaacutelogo eacute uacutenico natildeo nega o
mesmo meacutetodo geneacutetico-expositivo adotado pelo revisionismo Contudo Khan considera que
as diferentes visotildees e abordagens dos temas presentes nos diaacutelogos tecircm um propoacutesito
literaacuterio-filosoacutefico isto eacute trata-se de um meacutetodo pedagoacutegico satildeo recursos utilizados por
Platatildeo sob o propoacutesito de descrever e fundamentar um projeto poliacutetico que se apresenta
progressivamente no decorrer de toda a sua obra uma unificaccedilatildeo que soacute eacute alcanccedilaacutevel
mediante uma completa anaacutelise de todos os diaacutelogos Isso Kahn denomiὀaΝἵὁmὁΝldquoἷxὂὁὅiὦatildeὁΝ
iὀgὄἷὅὅivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἵaἶaΝ ὁἴὄaΝ ὧΝ umaΝ aὀtἷἵiὂaὦatildeὁΝ ἶaὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ
esclarecido naquela posterior a ela ou seja a chamada prolepse (antecipaccedilatildeo) presente nas
composiccedilotildees dos diaacutelogos (KAHN 2010 p 85) Deste modo Platatildeo estaria ainda mais
atestando o caraacuteter dialeacutetico de sua filosofia distanciando-se ao mesmo tempo de qualquer
tipo de dogmatismo Tambeacutem atestaria que o pensamento de Soacutecrates permanece vivo nos
ἶiὠlὁgὁὅΝὃuἷΝὀatildeὁΝὁὅΝἶitὁὅΝldquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝumaΝiὀspiraccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo de um
projeto filosoacutefico maior isto porque natildeo abandona o meacutetodo dialoacutegico mas persiste nele ateacute
o final de sua vida sempre em consonacircncia com o espiacuterito herdado do mestre
ἏὅΝἷvaὅὴἷὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝaὅΝldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝmaὀifἷὅtaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝ
segundo Khan seriam por dois motivos gerais a saber a aversatildeo ao dogmatismo assim
36 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
como a descrenccedila na comunicaccedilatildeo de noccedilotildees filosoacuteficas natildeo elaboradas suficientemente
Platatildeo teria percebido que deste modo expondo uma obra por vezes inconclusa complexa
figurada gradativa e por vezes aporeacutetica poderia estimular seu leitor a um percurso
investigativo proacuteprio sem oferecer a seu leitor respostas prontas acabadas Khan tambeacutem
reconhece a necessaacuteria atenccedilatildeo aos recursos literaacuterios utilizados por Platatildeo destinados a
essa exposiccedilatildeo ingressiva de sua filosofia como a real necessidade de tratar de temas
metafiacutesicos importantes recorrendo a uma linguagem figurada (mito alegoria etc) cujo
ὂὄὁὂὰὅitὁΝἵὁὀfiguὄaΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝldquoἷxὁtὧὄiἵardquoΝἶἷΝὅἷuΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝἶὁὅΝ
diaacutelogos (KAHN 2010 p 66)46
Ora as contribuiccedilotildees de Kahn satildeo notaacuteveis na questatildeo interpretativa dos diaacutelogos no
que diz respeito agrave uma concepccedilatildeo unitarista da filosofia platocircnica Poreacutem como se nota ela
ainda tem como base concepccedilotildees evolutivas realccediladas pelo revisionismo como a divisatildeo das
trecircs fases do pensamento platocircnico Ao considerar o Goacutergias como o primeiro diaacutelogo com
concepccedilotildees predominantemente platocircnicas ndash diaacutelogo no qual Platatildeo teria de fato alcanccedilado
certo domiacutenio sobre sua obra ou melhor um estilo literaacuterio proacuteprio ndash em detrimento da
Apologia e do Criacuteton que apresentam traccedilos historiograacuteficos mais visiacuteveis o que gera maior
curiosidade sobre a identidade histoacuterica do personagem Soacutecrates Khan novamente retoma
em certa medida o argumento dos revisionistas quando considera que em dado momento
Soacutecrates torna-se o porta-voz de Platatildeo Do mesmo modo ao tomar a Repuacuteblica como eixo
central para a organizaccedilatildeo dos diaacutelogos como ponto aacutepice da filosofia de Platatildeo sob o
46 Khan estabelece uma cronologia que tem como base trecircs grupos O grupo I os diaacutelogos satildeo divididos em seis estaacutegios que atestariam a evoluccedilatildeo do filoacutesofo ateacute o eixo central considerado por Khan como maacutexima expressatildeo da atividade platocircnica a saber a Repuacuteblica Os seis estaacutegios demonstrariam a caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da filosofia platocircnica Sendo assim ficam assim divididos os diaacutelogos Grupo I Apologia Criacuteton (1) Iacuteon Hipias menor (2) Goacutergias Menexeno (3) Laques Caacutermides Eutiacutefron Protaacutegoras (4) Mecircnon Liacutesis Eutidemo (5) Banquete Fedoacuten Craacutetilo (6) Grupo II Repuacuteblica Fedro Parmecircnides Teeteto Grupo III Sofista Politico Filebo Tirneu-Criacutetias Leis ldquoἑὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝὃuἷΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶὁΝἕὄuὂὁΝIΝὅatildeὁΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝἶἷὅἵὄἷvὁΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁmΝaΝRepuacuteblica corno proleacuteptica Poreacutem este termo este pode parecer excessivamente cronoloacutegico quanto agrave questatildeo relativa agrave ordem em que foram realmente redigidos ou a sequecircncia em que satildeo lidos de fato natildeo tem grande importacircncia Meus seis estaacutegios devem ser compreendidos como proposta para uma ordem de leitura ideal poreacutem talvez seja melhor empregar uma metaacutefora espacial do que uma temporal ao inveacutes de falar de antes e depois podemos falar de exoteacuterico e esoteacuterico de distacircncia relativa em relaccedilatildeo a um centro definido pela Repuacuteblica Este modo de interpretar os testos poderia denominar-se igualmente ingressivo como una variante para a noccedilatildeo de prolepse Os diferentes estaacutegios do Grupo I nos proporcionam distintos pontos de entrada distintos niacuteveis de ingresso no universo do pensamento platocircnico que encontra sua expressatildeo mais completa na RepuacuteblicardquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ
37 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
propoacutesito de fundamentar uma suposta cronologia que separa os diaacutelogos em trecircs grupos
Kahn ainda continua proacuteximo do argumento dos revisionistas (KAHN 2010 p 73-74) Logo
a teoria interpretativa de Khan nos impossibilita supor que Platatildeo pudesse ter reescrito sua
obra reeditado ou reelaborado ou mesmo escrito mais de um diaacutelogo ao mesmo tempo
Destarte natildeo poderiacuteamos entatildeo notar o pensamento platocircnico em desenvolvimento jaacute que
seu aacutepice teria sido atingido na Repuacuteblica ou melhor reconhecer a proacutepria construccedilatildeo de
Platatildeo ao longo de toda a sua obra Essa caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da obra platocircnica tal como
nos eacute apresentada por Khan ainda permanece presa a um certo evolucionismo que torna
impossiacutevel considerar o pensamento platocircnico como algo em desenvolvimento
O contributo da teoria unitarista proposta por Khan eacute que ela nos adverte sobre a
falecircncia de uma reconstruccedilatildeo histoacuterica especulativa de Soacutecrates baseada em referecircncias
extra dialoacutegicas Do mesmo modo nos adverte que devemos rejeitar uma diferenccedila draacutestica
entre o pensamento socraacutetico dos diaacutelogos da juventude e os demais ao admitir que toda a
filosofia platocircnica eacute socraacutetica e que a caracteriacutestica socraacutetica da filosofia platocircnica se manteacutem
nas demais fases Nesse sentido somos convidados a ultrapassar as incoerecircncias entre um
periacuteodo e outro entre os temas divergentes que porventura satildeo notaacuteveis ao longo desse
processo pedagoacutegico-poliacutetico da filosofia platocircnica em geral Trata-se de reconhecer em cada
diaacutelogo esse dinamismo com que o personagem Soacutecrates eacute apresentado e o modo como estaacute
a dialogar em cada obra sem buscar um conteuacutedo histoacuterico por traacutes dessa caracterizaccedilatildeo
mas sim compreendecirc-la como um recurso literaacuterio (retoacuterico) que possui finalidades maiores
imperceptiacuteveis num primeiro momento e que possa vir a se tornar suposiccedilatildeo de uma draacutestica
mudanccedila real oposiccedilatildeo ou mesmo objeto de controveacutersia na anaacutelise de diversos diaacutelogos
Essa separaccedilatildeo em fases a despeito de ainda ser adotada por Kahn jaacute abre caminho para
uma interpretaccedilatildeo assistemaacutetica dos diaacutelogos ou seja diminui a rigidez das separaccedilotildees
impostas aos diaacutelogos porquanto estes se inserem em um processo em que as proacuteprias obras
compotildeem um conjunto de indagaccedilotildees destinadas a uma finalidade eacutetico-poliacutetico-moral e que
permanecem sendo tratadas sob um vieacutes dialeacutetico Mas em relaccedilatildeo ao evolucionismo e agrave
cronologia histoacuterica dos diaacutelogos podemos afirmar que de alguma maneira ainda que
modificada deles Khan ainda natildeo abriu matildeo47
47 εέΝ εέΝ εἵἑaἴἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄὠΝ umaΝ ἵὄiacutetiἵaΝ aΝἛhaὀΝ ὅὁἴΝ umΝ ὂὁὀtὁΝἶἷΝ viὅtaΝ ldquoaὀaliacutetiἵὁrdquoΝ ἶἷΝ lἷituὄaΝἶὁὅΝdiaacutelogos Ela sugere que quando diferentes diaacutelogos platocircnicos parecem ter conteuacutedos semelhantes ὅatildeὁΝmἷlhὁὄἷὅΝἷὀtἷὀἶiἶὁὅΝἵὁmὁΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquomἷtalἷὂὅἷrdquoΝaὂaὄἷἵendo e criticando ideias anteriores incentivando os leitores a pensarem os problemas por si mesmos O fato eacute que o que mais vemos eacute o diaacutelogo usado artiacutestica ou indiretamente Nos parece menos evidente que o intuito ou a tarefa mais direta seja interpretar o pensamento de Platatildeo Ela ainda destaca que a mesma questatildeo estaacute impliacutecita nas interpretaccedilotildees esoteacutericas e straussianas que natildeo atribuem um valor maacuteximo ao desenvolvimento mas o debate recente (e aqui ela se refere agrave tradiccedilatildeo interpretativa literaacuteria contemporacircnea) tambeacutem revelou a importacircncia desse ponto para quem lecirc os diaacutelogos natildeo como veiacuteculos expliacutecitos natildeo satildeo leitores doutrinais (unitaristas) ou analiacuteticos (revisionistas) (McCABE 2002 p 4)
38 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
14 A posiccedilatildeo literaacuteria
A questatildeo referente agrave intepretaccedilatildeo da obra platocircnica como ateacute entatildeo demonstrado eacute
algo que ainda divide opiniotildees entre os especialistas O primeiro questionamento de qualquer
leitor que se deparara com a obra de Platatildeo eacute sobre o modo como se deve ler Platatildeo por
onde comeccedilar Em geral qual metodologia adotar Creio que a pergunta pode e deve ser
redirecionada para a um outro aspecto ainda mais importante o modo de elaboraccedilatildeo das
obras platocircnicas isto eacute o diaacutelogo por que Platatildeo escreve diaacutelogos por que adota este meacutetodo
de exposiccedilatildeo filosoacutefico Teria nosso autor algum outro propoacutesito senatildeo aqueles meramente
literaacuterios Objetivos retoacutericos Filosoacuteficos Ou ambos
Sobre essa questatildeo muito jaacute foi discutido e ainda se discute De fato a noacutes leitores de
Platatildeo eacute necessaacuterio lidar com essa estreita relaccedilatildeo proacutepria da elaboraccedilatildeo do pensamento
filosoacutefico platocircnico digo a respeito das particularidades que envolvem uma escrita filosoacutefica
sobre a forma dramaacutetica do diaacutelogo Como conjugar essa triacuteplice caracterizaccedilatildeo presente na
obra platocircnica os diaacutelogos satildeo escritos escritos dramaacuteticos e tambeacutem obras filosoacuteficas A
questatildeo ainda se torna mais profunda agrave medida em que notamos que a proacutepria obra de Platatildeo
se insere na criacutetica tanto agrave poesia quanto agrave escrita ao mesmo tempo em que ela proacutepria eacute
uma obra escrita e dramaacutetica Como lidar com as criacuteticas relativas agrave poesia e principalmente
agrave proacutepria escrita encontrada nos diaacutelogos (Phdr 274b- 279c48 Ep VII 341c-345c49)
48 Resumidamente os conteuacutedos da criacutetica satildeo os seguintes (i) produz mera aparecircncia de saber (ii) tem caraacuteter apenas mnemocircnico para quem escreve (iii) manteacutem-se em silecircncio a semelhanccedila da pintura (iv) questionada responde sempre a mesma coisa a entendidos e a desentendidos (v) incapaz de se defenderΝ ὄἷὃuἷὄΝ ὅἷmὂὄἷΝ ὁΝ ὅὁἵὁὄὄὁΝ ἶἷΝ ὅἷuΝ autὁὄέΝ ἏὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶὁΝ ldquoἴὁmrdquoΝ ἶiὅἵuὄὅὁμΝ (i)Ν ὂὁὅὅuiΝnatureza e origem mais potente e melhor por isso tambeacutem um homem seacuterio (falta algo) (ii) natildeo confia ao escrito suas coisas mais importantes (iii) se ele utiliza o escrito eacute apenas por brincadeira e para o auxiacuteliὁΝἶaΝmἷmὰὄiaΝ(iv)ΝἷlἷΝὅἷΝἶἷἶiἵaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἷΝἷὅἵὁlhἷΝaὅΝalmaὅΝaὂtaὅΝὀaὅΝὃuaiὅΝiὄὠΝldquoὅἷmἷaὄrdquoΝὁὅΝdiscursos (v) deve conhecer a verdade sobre o que fala ou escreve praticando o meacutetodo da divisatildeo conhecendo a natureza da alma de quem ouve oferecer-lhe o conteuacutedo mais adequado (vi) deve perceber que nada de seacuterio haacute no discurso escrito mas sim naquele que se inscreve na alma (vii) compondo discursos com conhecimento e verdade deveraacute tambeacutem ser capaz de defendecirc-los na ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὁὄalΝἷΝmὁὅtὄaὄΝaὅΝiὀfἷὄiὁὄiἶaἶἷὅΝἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝaὅὅimΝὂὁἶἷὄὠΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝldquofilὰὅὁfὁrdquoΝ(Phdr 274b- 279c) 49 A Carta relata que Dioniso de Siracusa teria escrito um tratado atribuindo-o como depositaacuterio das ideias mais importantes do proacuteprio Platatildeo Diante disso este uacuteltimo teria apresentado uma seacuterie de alegaccedilotildees (i) quem escreve ou vier a escrever sobre esse assunto nada entendeu (ii) de Platatildeo natildeo haacute nem nunca haveraacute um tratado sobre tais assuntos Isto porque (i) sobre ele natildeo se pode escrever (ii) (porque) a quem se deteve longamente com ele (a sua compreensatildeo) nasce num instante na alma e alimenta-se por si (iv) ningueacutem melhor que ele (o proacuteprio Platatildeo) seria capaz de falar ou escrever sobre o assunto se acaso lhe fosse oportuno fazecirc-lo (iii) mas haacute uma razatildeo que passaraacute a expor (digressatildeo) e que se opotildee a que se escreva sobre ele (Ep VII 341c-345c)
39 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Como jaacute dito anteriormente vaacuterios modelos foram propostos seja aquele em que
devemos considerar a obra de Platatildeo como algo unitaacuterio cuja finalidade seria expor uma visatildeo
ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝldquoἶὁgmὠtiἵardquoΝὅἷΝὃuiὅἷὄmὁὅΝὅἷjaΝaὃuἷlaΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷmὁὅΝὀὁtaὄΝἵἷὄtaὅΝὄuὂtuὄaὅΝaΝ
partir da variabilidade ali apresentada tanto na composiccedilatildeo das proacuteprias obras enquanto
encenaccedilotildees especiacuteficas e variadas quanto no conflito entre pontos de vistas entre conteuacutedos
muacuteltiplos e ateacute mesmo contradiccedilotildees Como tambeacutem jaacute dissemos essa eacute uma questatildeo
antiquiacutessima e remonta a todo um histoacuterico que poderiacuteamos tratar exaustivamente Mas esse
natildeo eacute o meu propoacutesito aqui quero apenas delinear algumas visotildees para a partir delas deixar
claro meu objetivo com este estudo O que podemos resumidamente afirmar eacute que essas
perspectivas se desenvolvem basicamente a partir de duas perspectivas ou seja podemos
crer como os neoplatocircnicos que Platatildeo apresenta um pensamento proacuteprio uma doutrina
ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶὁgmatiὅmὁrdquoνΝviὅatildeὁΝὃuἷΝὅἷΝὅὁliἶifiἵὁuΝὀὁὅΝmaὀuaiὅΝἶἷΝhiὅtὰὄiaΝἶaΝ
filosofia ou apenas acreditar como jaacute acreditavam na antiguidade que natildeo podemos afirmar
nada acerca do que eacute exposto nos diaacutelogos logo aderir a uma visatildeo de um Platatildeo ceacutetico50
A tradiccedilatildeo interpretativa nos deixou tal heranccedila mas ao mesmo tempo nos deixou tamanho
legado a saber discernir algo plausiacutevel acerca da hermenecircutica platocircnica Diante disso basta
analisar essa discussatildeo infinda que se travou durante seacuteculos O fato eacute que na
contemporaneidade as posiccedilotildees estanques tecircm demonstrado sua real ineficaacutecia O que natildeo
podemos negar eacute que a composiccedilatildeo de uma filosofia dramaacutetica sob fins dialeacuteticos eacuteevidente
nos diaacutelogos os quais satildeo dramas especiacuteficos apresentados em cada obra contextos
distintos que se iniciam a partir de uma discussatildeo em torno de um tema especiacutefico gerando
desdobramentos ainda maiores
Chego ao ponto desejado na contemporaneidade retoma-se um debate frequente
acerca dessa proacutepria concepccedilatildeo dramaacutetica o modo como ela eacute elaborada seus aspectos
fundamentais Alguns autores importantes como C Gill (2006) M Frede (1998) M M
Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre
(1995) e Harold Tarrant (2000) visam recuperar uma visatildeo que jaacute era presente na
Antiguidade51 ao manifestarem sua discordacircncia de qualquer leitura que vise encontrar nas
obras de Platatildeo uma espeacutecie de doutrina geral mas entendem os diaacutelogos como um estiacutemulo
para a busca pessoal de um indiviacuteduo pela verdade No entanto eles trazem reflexotildees
50 ldquoἠὁΝiὀtἷὄiὁὄΝἶaΝεὧἶiaΝἷΝἶaΝἠὁvaΝἏἵaἶἷmiaΝ- desde Arcesilau que assumiu a direccedilatildeo da escola em 270 aC - sabe-se que a orientaccedilatildeo fundamental era justamente combater os dogmatikoi ou seja os aristoteacutelicos epicuristas e estoicos Assim escreveu Ciacutecero no De Oratore (1930 livro III p 67) lsquoἏὄἵἷὅilauΝέέέΝtiὄaΝἶὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷὅἵὄitὁὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝέέέΝaΝἵὁὀἵluὅatildeὁΝὃuἷΝὀaἶaΝἶἷΝἵἷὄtὁ pode ser apreendido seja pelos sentidos seja pelo espirito (nihil esse certi quo aut sensibus aut animo percipi possit )rsquoνΝἷΝaἵὄἷὅἵἷὀtaΝὃuἷΝἏὄἵἷὅilauΝutiliὐavaΝἵὁmὁΝmὧtὁἶὁΝaὃuἷlἷΝlsquoἶἷΝὀatildeὁΝὄἷvἷlaὄΝὁΝὃuἷΝὂἷὀὅaΝmaὅΝaὄgumἷὀtaὄΝcontra o que os outros dizἷmΝὂἷὀὅaὄrsquordquoΝ(ἐἓἠἡIἦΝ1λλἃΝὂέΝἆλ)έ 51 Cf ANNAS (2012 p 37) e TARRANT (2000 p 79)
40 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
importantes Refiro-me aqui agrave atenccedilatildeo que reclamam aos aspectos literaacuterios presentes na
composiccedilatildeo dialoacutegica
A questatildeo nesse caso eacute mais criteriosa e pouco menos estrita pois se trata de saber
se podemos ler Platatildeo apenas de um modo literaacuterio ou filosoacutefico Sayre por exemplo
responde a este questionamento dizendo que seria extremamente possiacutevel analisar os
diaacutelogos apenas pelo espetaacuteculo que eles produzem (1995 p 29) Ou seja segundo a visatildeo
daqueles que buscam encontrar ali teorias filosoacuteficas algo meramente secundaacuterio como o
contexto o lugar os personagens em suma o palco onde se apresenta a encenaccedilatildeo contida
no diaacutelogo poderia talvez nos trazer reflexotildees interessantes sem que sejam assumidas teses
filosoacuteficas que dali poderiam derivar Neste sentido podemos retomar a criacutetica de Tejera
(1λλλ)Ν ὡὅΝ lἷituὄaὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ὀὁmἷiaΝ ἵὁmὁΝ ldquolἷituὄaΝ iἶἷaliὅtaΝ ἶaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁrdquoέΝ ἠaὅΝ
paacuteginas que abrem sua obra ele convida o leitor a manifestar um olhar despretensioso sobre
as obras platocircnicas analisando apenas aquilo que determinado diaacutelogo possa vir a lhe
apresentar a reparar a vivacidade da discussatildeo o combate entre os personagens o tom da
discussatildeo todos os recursos literaacuterios disponiacuteveis (mitos alegorias omissotildees dentre outros)
que em uma leitura formal e dogmaacutetica seriam segundo o autor reinterpretados e tomariam
a forma de um conteuacutedo de uma intepretaccedilatildeo secundaacuteria e geral de algo que seria muito
mais especiacutefico (p 9- 10)
Da mesma maneira esse teoacuterico se contrapotildee agraves interpretaccedilotildees dogmaacuteticas dos
textos platocircnicos em grande parte responsaacuteveis pelo enfraquecimento da vivacidade
presente nos diaacutelogos pela riqueza literaacuterio-retoacuterica ali presente quando recolhem de
contextos especiacuteficos trechos fragmentos de uma obra maior para transformaacute-los em teorias
O brilhantismo literaacuterio das obras esmaece-se em uma palidez tornando os discursos vivos
apresentados de forma refinada em algo sem vida doutrinaacuterio e digno de recusa por um
espiacuterito filosoacutefico criacutetico pois impedem a liberdade interpretativa do leitor como tambeacutem os
resultados decorrentes de uma investigaccedilatildeo proacutepria atualizada
A leitura exegeacutetica acadecircmica iniciada desde a Antiguidade segundo Tejera seria
responsaacutevel pela morte dos diaacutelogos naquilo que eles mesmo satildeo diaacutelogos Da Antiguidade
sucessora de Platatildeo ateacute a contemporaneidade Platatildeo teria sido interpretado e reinterpretado
de acordo com interesses quase que distantes do que realmente sua obra apresenta segundo
interesses neoplatocircnicos proacuteprios o que segundo o teoacuterico teria sido responsaacutevel pelo
desinteresse em um autor brilhante que passa a ser visto como um filoacutesofo dogmaacutetico
defensor de doutrinas e que obviamente passaraacute a ser visto como antiquado retroacutegrado ou
ateacute mesmo superado (1999 p 11-14)
ἢὁἶἷmὁὅΝὂὁὄΝhὁὄaΝὀὁὅΝὄἷfἷὄiὄΝaΝἷὅὅἷΝήltimὁΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἵὁmὁΝldquoὂaὄaἶigma
literaacuterio-filὁὅὰfiἵὁrdquoΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝὅἷguὀἶaΝmἷtaἶἷΝἶὁΝὅὧἵulὁΝXXΝἷxὂὄἷὅὅὁΝἷmΝgὄaὀἶἷΝὂaὄtἷΝὂὁὄΝ
C Gill (2006) Em suma se distingue em grande parte do revisionismo estrito e tambeacutem do
41 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
desenvolvimentismo porque segundo creem seus partidaacuterios os argumentos filosoacuteficos
muitas vezes devem partir de uma anaacutelise autocircnoma e particular detida na anaacutelise dos criteacuterios
literaacuterios que por vezes superam a argumentaccedilatildeo filosoacutefica Os aspectos dramaacuteticos ou
literaacuterios satildeo decisivos para a compressatildeo dos diaacutelogos De tal maneira cada argumento deve
se ater agravequele diaacutelogo restringindo-se aos limites da argumentaccedilatildeo ali apresentada Nenhum
personagem neste caso seria porta-voz de Platatildeo nem mesmo Soacutecrates mas cada um
desempenharia um papel particular falando a partir de si mesmo de um ponto de vista bem
fundamentado Platatildeo assim natildeo estaria no fundo no comando da cena dialoacutegica Seria
neste caso imprescindiacutevel ao leitor privar-se de estabelecer relaccedilotildees entre argumentos
distintos sobre um mesmo tema partindo de contextos dialoacutegico-argumentativos ou mesmo
formular uma espeacutecie de teoria geral proveniente de um entrecruzamento entre obras de um
suposto sistema de pensamento platocircnico52
Gill (2006) apresenta quatro constataccedilotildees principais sob as quais poderiacuteamos preferir
adotar tal visatildeo interpretativa (i) o conhecimento objetivo do tipo mais importante (sobre os
princiacutepios essenciais da realidade) soacute pode ser alcanccedilado na e por meio da participaccedilatildeo na
dialeacutetica ou seja o diaacutelogo filosoacutefico conduzido mediante perguntas e respostas sistemaacuteticas
individuais (ii) o exame dialeacutetico soacute atinge esse objetivo se os participantes (a) trazerem para
a dialeacutetica as qualidades apropriadas de caraacuteter e intelecto e (b) se envolverem efetivamente
no modo de dialeacutetica que esteja apropriadamente relacionado ao assunto em discussatildeo (iii)
o entendimento adequado qualquer problema filosoacutefico verificado depende de situar este
problema corretamente em relaccedilatildeo a (a) os princiacutepios fundamentais da realidade e (b) os
princiacutepios fundamentais do meacutetodo dialeacutetico (iv) cada encontro dialeacutetico tem sua proacutepria
probidade e significado e constitui um contexto em que podem ser feitos progressos
substanciais para a compreensatildeo dos princiacutepios fundamentais da realidade e do meacutetodo
filosoacutefico (p 143) Ele ainda detalha
Quero sugerir que esses princiacutepios podem nos ajudar a explicar certos recursos recorrentes da forma de diaacutelogo e que fornecem uma base para analisar a perspectiva filosoacutefica que estaacute subjacente agrave implantaccedilatildeo platocircnica da dialeacutetica Eles nos permitem primeiro definir um tipo diferente de unitarismo do discutido anteriormente ou seja um unitarianismo de
52 ldquoἏΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ἷὀvὁlvἷΝ tamἴὧmΝ ὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝ ἶὄamὠtiἵὁ-literaacuterios e o natildeo dogmatismo inovador dos inteacuterpretes de Platatildeo Como eacute notaacutevel por parte de muitos estudiosos os diaacutelogos satildeo dramas natildeo tratados e na interpretaccedilatildeo de dramas eacute simplesmente inadequado atribuir as falas dos personagens ἷΝὅuaὅΝiἶἷiaὅΝaὁΝautὁὄέΝἏlὧmΝἶiὅὅὁΝviὅtὁὅΝἵὁmὁΝtἷxtὁὅΝlitἷὄὠὄiὁὅΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝldquoἶialὰgiἵὁὅrdquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝbakhtiniano isto eacute textos em que diferentes personagens tecircm diferentes visotildees de mundo e falam a partir de seus proacuteprios pontos de vista bem fundamentados ao inveacutes de serem controlados pelo ldquomὁὀὁlὰgiἵὁrdquoΝὂὁὀtὁΝἶἷΝviὅtaΝἶἷΝὅἷuΝautὁὄΝ(ἢἤἓἥἥΝἀίίίΝὂέΝἃ)έ
42 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
perspectiva filosoacutefica e natildeo o conteuacutedo das ideias ao longo dos diaacutelogos53Em segundo lugar eles nos ajudam a ver o significado filosoacutefico da praacutetica de Platatildeo de apresentar cada diaacutelogo como um encontro dialeacutetico distinto Em terceiro lugar eles fornecem uma base para uma periodizaccedilatildeo das obras de Platatildeo com base em variaccedilotildees no tipo de diaacutelogo - em particular na medida em que a dialeacutetica responde a visotildees diferentes ou opostas Concluo caracterizando a perspectiva filosoacutefica que estaacute impliacutecita a meu ver nesses princiacutepios dialeacuteticos e no uso de Platatildeo pela forma de diaacutelogo (GILL 2006 p 143-144)
A proposta eacute realmente tentadora e possui o meacuterito de nos chamar a atenccedilatildeo para a
grandeza da composiccedilatildeo literaacuteria encontrada nos diaacutelogos platocircnicos Aleacutem disso devemos
reconhecer sem sombra de duacutevida o caraacuteter protreacuteptico dos diaacutelogos que nos incita a uma
reflexatildeo a um envolvimento com a atividade dialeacutetica caracteriacutestica essencial da filosofia
ὂlatὲὀiἵaέΝἢὁὄὧmΝἷlaΝaiὀἶaΝὧΝἷxtὄἷmaἶaΝἷΝtalvἷὐΝὂὁὅὅaΝὀὁὅΝἶiὄigiὄΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἵἷtiἵiὅmὁΝ
iὀtἷὄὂὄἷtativὁrdquoέΝ ἒigὁΝ iὅὅὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ὀὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ὧΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ ὀὁtaὄΝ ἵὁmὁΝ algumaὅΝ tἷὅἷὅΝ ὅatildeὁΝ
sutilmente construiacutedas como os mesmos temas voltam a ser tratados com ainda mais vigor
e refinamento semelhantes posicionamentos gerais satildeo adotados em certas obras o cuidado
com a personagem Soacutecrates e sua proeminecircncia diante dos seus interlocutores O que natildeo
significa que possamos imediatamente recolher de seus discursos teses efetivamente
platocircnicas e compor uma doutrina platocircnica geral isso ainda nos eacute infranqueaacutevel Mas em se
tratando de Platatildeo tais habilidades literaacuterias anteriormente destacadas natildeo podem ser
impensadas ou mesmo desprovidas de um propoacutesito
A adoccedilatildeo e preferecircncia exclusiva do diaacutelogo deve ser vista como uma motivaccedilatildeo
propriamente filosoacutefica Por isso eacute necessaacuterio reconhecer tambeacutem o tempo e o espaccedilo ou
melhor o contexto no qual se insere os objetivos especiacuteficos da composiccedilatildeo dialoacutegica
platocircnica Contudo essas constataccedilotildees natildeo devem nos dirigir a um impasse interpretativo ao
superestimar os aspectos unicamente literaacuterios de uma determinada obra sem notarmos aiacute
qualquer conteuacutedo filosoacutefico mas apenas um discurso destinado ao desejo de satisfaccedilatildeo de
um puacuteblico audiente O anonimato a variabilidade e consequente dificuldade expressa pela
forma dialogal natildeo devem nos impedir de atribuir um conteuacutedo filosoacutefico a Platatildeo optando por
uma ecircnfase extremada no aspecto formal da composiccedilatildeo dramaacutetica nem mesmo colocar em
descreacutedito ao que estaacute ali efetivamente expresso a fim de priorizar fragmentos incompletos
emblemaacuteticos e enigmaacuteticos ao se optar por um caminho muito mais difiacutecil de reconstruccedilatildeo
53 Alguns autores preferem organizar cronologicamente as obras platocircnicas a partir de uma dataccedilatildeo dramaacutetica na qual a questatildeo histoacuterica eacute vista em virtude da coerecircncia manifesta entre os diaacutelogos sem portanto recorrer a fases histoacuterico-geneacuteticas como faz por exemplo o meacutetodo geneacutetico-expositivo Veja por exemplo ZUCKERTH (2009) e BENOIT (2015) que recorrem novamente agrave tetralogia para fundamentar sua interpretaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da obra platocircnica sob quatro temporalidades lexis noesis genesis e poiesis
43 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
do pensamento platocircnico por via das chamadas doutrinas orais de Platatildeo54 Mas voltemos agrave
leitura enfaticamente dramaacutetica sobre isso acredito ser oportuno dar voz a Trabattoni
54 Sobre isso ver Scolnicov (2003) apesar de sua adesatildeo agrave priorizaccedilatildeo de uma leitura restrita a cada diaacutelogo centrada na eventualidade dramaacutetica de cada texto Considero sua visatildeo bem fundamentada um pouco menos extrema No entanto ele mesmo critica essa possiacutevel saiacuteda da leitura dialoacutegica em viὅtaΝἶἷΝalgὁΝὁὂaἵὁΝἵὁmὁΝὧΝὁΝἵaὅὁΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-ἷὅἵὄitaὅrdquoέΝἡὅΝἷὅὁtἷὄiὅtaὅΝaὂἷὅaὄΝἶἷΝὅἷΝvalἷὄἷmΝ ἶὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ ὅilecircὀἵiὁrdquoΝ ἶὁὅΝ uὀitaὄiὅtaὅΝ faὐἷmΝ ὁutὄὁΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ uὅὁΝ ἶἷὅὅἷΝ mἷἵaὀiὅmὁΝinterpretativo desviando a necessaacuteria atenccedilatildeo aos conteuacutedos apresentados em cada contexto ἶialὰgiἵὁΝἴuὅἵaὀἶὁΝalgὁΝldquoalὧmrdquoΝἶὁΝὃuἷΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶiὠlὁgὁΝὂὁἶἷὄiaΝlἷvaὄΝaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄέΝἢaὄtἷmΝἶἷΝumaΝconcepccedilatildeo de um Platatildeo restrito agrave exposiccedilatildeo escrita voltado agrave oralidade (o que eacute em termos concordaacutevel) anteriormente mas a finalidade dessa restriccedilatildeo eacute outra pois os diaacutelogos satildeo tratados como uma espeacutecie de iniciaccedilatildeo filosoacutefica a um conteuacutedo maior que natildeo vemos se apresentar nos diaacutelogos do qual apenas alguns estariam aptos a reconhecer o testemunho maior seria a fragmentada tὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtaΝὂlatὲὀiἵaΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoὂὁiὅΝaΝvἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὐἷὄέΝἓlaΝὅὰΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝapreendida Ela natildeo eacute a correspondecircncia de uma proposiccedilatildeo a um estado-de-coisas Ela eacute uma questatildeo ontoloacutegica moral e praacutetica ela estaacute aiacute para ser apreendida e ateacute que natildeo seja apreendida todas as palavras ficam sem sentido O ponto de apoio dos diaacutelogos fica assim sempre externo a eles Isso natildeo quer dizer como estaacute novamente em moda mantecirc-lὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtἷvἷΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὅἷἵὄἷtarsquoΝὁu uma doutrina de princiacutepios uma Prinzipienlehre e que os diaacutelogos devem ser interpretados agrave luz de tal doutrina Isso seria aceitar que a posiccedilatildeo filosoacutefica fundamental de Platatildeo podia ser formulada e passada a outros se bem que apoacutes uma longa preparaccedilatildeo natildeo apropriada a todos Concordo com tais inteacuterpretes que os diaacutelogos de Platatildeo satildeo incompletos de modo que nos satildeo dados e que a chave de sua interpretaccedilatildeo estaacute fora deles Mas natildeo creio que seja um grupo de princiacutepios ou uma doutrina de um tipo qualquer mas um evento um poderoso evento que natildeo soacute deixaria em Platatildeo uma profunda impressatildeo convencendo da supremacia absoluta da razatildeo Essa supremacia era para ele natildeo tanto epistemoloacutegica como ontoloacutegica e especialmente moral Para Platatildeo Soacutecrates mostrou em sua vida e em sua morte que o bem e o real satildeo o mesmo Seus diaacutelogos tentam nos fazer compreender o que ἷὅὅaὅΝὂalavὄaὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝὀὁὅΝἷὀὅiὀaὄΝὂὁὄΝὅiΝὅὰὅrdquoΝ(ἥἑἡἜἠIἑἡVΝἀίίἁΝὂέΝἃἆ-59) Nada nos garante como atesta Frede (2013 p 57) que Platatildeo natildeo tivesse em mente os objetivos que tinha a pretensatildeo de apresentaacute-los gradualmente em sua obra contudo natildeo haacute nada nos diaacutelogos que possa provar isso esse eacute o ocircnus das visotildees baseadas no unitarismo Podem argumentar os esoteristas em favor da proximidade de Aristoacuteteles com Platatildeo ou postulando as recorrentes indicaccedilotildees das doutrinas orais entre os variados testemunhos indiretos mas a questatildeo de fundo que coloca em duacutevida a hipoacutetese esoterista eacute melhor explicada quando se atesta que a criacutetiἵaΝὡΝἷὅἵὄitaΝὀatildeὁΝὧΝmἷὄamἷὀtἷΝldquoἷmὂiacuteὄiἵardquoΝiὅtὁΝeacute baseada em uma distinccedilatildeo entre escrito e oralidade ela possui um caraacuteter filosoacutefico mais amplo a saber dirige-se a finalidade a que ambas as teacutecnicas escritooralidade possam vir a comportar Neste sentido tanto escrito quanto oralidade podem servirem ao oproacutebio quando seus usos natildeo estatildeo orientados agrave finalidade mais importante para nosso autor que no caso trata-se da atividade dialeacutetica ἢὁὄΝiὅὅὁΝhὠΝἵἷὄtaΝἶἷὅἵὁὀfiaὀὦaΝὀὁΝἷὅἵὄitὁΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶaὅΝldquoἵὁiὅaὅΝmaiὅΝὅὧὄiaὅrdquoΝἶἷΝὅuaΝfilὁὅὁfiaΝἷΝporque tambeacutem deixam sacramentado qualquer doutrina nos diaacutelogos contraria a defesa caracteriacutestica fundamental do exerciacutecio da atividade dialeacutetica que se expressa na imitaccedilatildeo na substituiccedilatildeo do ldquoἶiὠlὁgὁΝὁὄalrdquoΝ(ὂὄἷfἷὄiacutevel) por meio do escrito o texto eacute apenas um estiacutemulo para aquilo que natildeo pode se findar em qualquer praacutetica filosoacutefica o debate dialeacutetico O anonimato assim como as contradiccedilotildees as reticecircncias e as cautelas de Soacutecrates preserva o autor de qualquer julgamento dogmaacutetico ao mesmo tempo em que possibilitam sua construccedilatildeo enquanto autor sua autocriacutetica filosoacutefica Nisto tambeacutem reside o valor dos diaacutelogos podemos relecirc-los e essa eacute uma finalidade importante sendo capaz de adentrar ou natildeo agrave discussatildeo ali desenvolvida ao tornaacute-la novamente viva reconhecendo a necessidade de filosofar utilizando-se da forccedila do ζσΰκμ Logo ningueacutem pode se furtar da criacutetica nem mesmo quem ora escuta nem mesmo quem ora responde (TRABATTONI 2012 p 21-22) Ver tambeacutem (SANTOS 1994 p 163-176) (DIXSAUT 2001 p 18-28) (FRANCO 2010 p 267-287)
44 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
Os diaacutelogos natildeo podem ser completamente comparados a obras teatrais ou a textos meramente descritivos mas no seu interior mostram ser bem dirigidos propositivos muitas vezes polecircmicos irocircnicos e ateacute mesmo tendenciosos Por detraacutes do texto em suma transparece a presenccedila do autor que constroacutei e sustenta com sabedoria o jogo do diaacutelogo fazendo explodir contradiccedilotildees lanccedilando sinais muitas vezes sutis e obscuros sugerindo implicitamente ao leitor alguns percursos contentando-se por vezes somente em confundi-lo para provocar nele determinadas reaccedilotildees O autor em outras palavras eacute materialmente ausente do diaacutelogo mas bem presente do ponto de vista filosoacutefico como um invisiacutevel manipulador que move suas marionetes na cena para alcanccedilar determinados objetivos (2012 p 19)
Trabattoni (2012) ainda nos adverte sobre os perigos de confundirmos a relaccedilatildeo entre
autor e leitor e a relaccedilatildeo entre o protagonista do diaacutelogo e o seu interlocutor sendo necessaacuterio
lembrar que muitos textos escritos eram lidos em voz alta em praccedila puacuteblica (2012 p 20)
Portanto seria mais prudente natildeo associar imediatamente os propoacutesitos dramaacuteticos evidentes
destinados agrave atraccedilatildeo do puacuteblico ao despertar de consciecircncia de sua audiecircncia do sentido
mais aprofundado (dialeacutetico) que caracteriza determinada obra filosoacutefica e a proacutepria relaccedilatildeo
entre condutor e interlocutor da discussatildeo55
Outra objeccedilatildeo importante eacute que sendo Platatildeo um defensor deste caraacuteter protreacuteptico
da real necessidade da investigaccedilatildeo proacutepria caracteriacutestica fundamental da atividade dialeacutetica
da importacircncia atribuiacuteda neste caso agrave filosofia natildeo se pode negar que ele tenha crenccedilas
proacuteprias acerca dos assuntos dos quais trata concepccedilotildees filosoacuteficas sobre a realidade sobre
a vida humana etc Ora isto nos faz pensar que devemos ir em uma direccedilatildeo contraacuteria ao
tentar sim buscar construir uma posiccedilatildeo platocircnica sobre certos temas ainda que natildeo
possamos tomaacute-las como teorias strictu sensu Em suma podemos concluir com Trabattoni
(2012 p 25) que eacute realmente verdade que alguns diaacutelogos resolvem certos problemas e
outros natildeo mas nenhum deles eacute tatildeo aporeacutetico a ponto de natildeo oferecer nenhum avanccedilo na
pesquisa nenhuma soluccedilatildeo ainda que implicitamente nem ao menos nenhum deles eacute tatildeo
dogmaacutetico e conclusivo de tal modo que posamos a partir dali conceber conteuacutedos
verdadeiros absolutos e definitivos Dirijo-me agora agrave proposta de leitura adotada neste
trabalho
15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
55 Cf GERSON (2000 p 5) acerca da distinccedilatildeo necessaacuteria entre o representativo e o argumentativo Gerson defende que Soacutecrates tambeacutem produz argumentos Marques (2006) diz acertadamἷὀtἷμΝ ldquoἡΝdiaacutelogo escrito eacute miacutemesis do diaacutelogo oral mas eacute tambeacutem invenccedilatildeo de personagens que dialogam entre ὅiΝἷΝἷxὂὄἷὅὅamΝumΝἶiὠlὁgὁΝὃuἷΝaΝalmaΝmaὀtὧmΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmardquoΝ(ὂέΝἂί)έ
45 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Primeiramente diante do que foi exposto eacute preciso notar que natildeo podemos adotar
nenhuma das trecircs posiccedilotildees extremas mas que em alguns aspectos natildeo em todos elas
contribuem para a escolha de uma determinada abordagem O que se exige do inteacuterprete eacute
uma necessaacuteria cautela uma posiccedilatildeo mediana tanto entre unitarismo e desenvolvimentismo
quanto entre dogmatismo e ceticismo interpretativo O fato de Platatildeo se ausentar da obra natildeo
significa que natildeo possamos tentar construir uma intepretaccedilatildeo do que sejam suas posiccedilotildees
muito pelo contraacuterio ela assegura ainda mais nossa liberdade interpretativa Contudo isso
natildeo significa que essas mesmas posiccedilotildees natildeo sejam postas em criacutetica em debate e que elas
possam revestir-se de dogmatismo pelo fato de reconhecermos certa ocorrecircncia de
determinados argumentos e o esforccedilo frequente empregado em defendecirc-los Neste sentido
o caraacuteter investigativo (protreacuteptico) suscitado pelo diaacutelogo natildeo eacute contraditoacuterio com a
construccedilatildeo de posicionamentos que possam ser atribuiacutedos a Platatildeo
Devemos ainda salientar que toda atenccedilatildeo deve ser dada agrave particularidade dos
argumentos ao serem analisados no contexto geral da obra isto eacute sobre o modo como se
desenvolvem e sua peculiaridade em um determinado acircmbito dialeacutetico isto eacute jamais se deve
sacrificar o contexto dialeacutetico em que dado argumento estaacute fundamentado desconsiderando
todo o processo pelo qual ele se desenvolve Nada impede entretanto que possamos
estabelecer certa correlaccedilatildeo por intermeacutedio de referecircncias a argumentos sobre temas
defendidos em outras obras que porventura nos conduzam a compreensatildeo platocircnica de que
um dado tema natildeo se encontra limitado a um uacutenico diaacutelogo Semelhantemente parece vaacutelido
levar em conta as questotildees literaacuterias especiacuteficas demonstradas em cada exposiccedilatildeo em
particular (mitos alegorias omissotildees reticecircncias contradiccedilotildees ironia refutaccedilatildeo etc) elas
nos ajudam a compreender o processo sob o qual a argumentaccedilatildeo elaborada eacute relevante no
conjunto da interpretaccedilatildeo Todavia essas posiccedilotildees natildeo determinam o conteuacutedo geral da obra
natildeo a descrevem mas estatildeo inseridas num acircmbito maior referem-se unicamente ao
processo ao desenvolvimento loacutegico de uma dada argumentaccedilatildeo que tem finalidades outras
que natildeo um mero espetaacuteculo de posiccedilotildees diacutespares representados pelo pensamento
autocircnomo de cada personagem
Natildeo se trata de negar que haja mutaccedilatildeo ou uma espeacutecie de crescendum na obra
platocircnica mas o que natildeo parece ser correto eacute por meio dessas formas que documentam uma
evoluccedilatildeo nas obras direcionarmo-nos a um dogmatismo platocircnico Antes devemos notar a
finalidade dessa mudanccedila no desenvolvimento da argumentaccedilatildeo qual o sentido da utilizaccedilatildeo
de um recurso literaacuterio em detrimento de outro Insisto que isso natildeo eacute negar a evoluccedilatildeo do
pensamento platocircnico mas como nos diz Trabattoni eacute antes de tudo destituir a funccedilatildeo
dessas mudanccedilas utilizadas para resolver questotildees filosoacuteficas isto eacute retirar o caraacuteter
substancial por vezes atribuiacutedo na tradiccedilatildeo interpretativa a tais mudanccedilas (2012 p 26)
46 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
Neste caso trata-ὅἷΝἶἷΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝldquotὁἶὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝ
p 20)56 ὁuΝ ldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝ (ἤἡWἓΝἀίίἅΝὂέΝἃί-51) em que forma e conteuacutedo natildeo podem ser
dissociaἶὁὅνΝἷὅὅἷΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶaΝativiἶaἶἷΝ
filosoacutefica nunca concluiacuteda aberta a investigaccedilotildees ulteriores repleta de ductilidade e distante
de dogmatismos Natildeo apenas Soacutecrates mas tambeacutem o entrelaccedilamento entre condutor e
interlocutor aleacutem dos mais variados aspectos literaacuterios aleacutem das personagens que possam
contribuir para a anaacutelise de uma determinada obra Sobre isso creio ser importante destacar
as concepccedilotildees oferecidas por Marques (2006)
Parece-me evidente que Platatildeo tivesse julgado que o diaacutelogo vivo entre almas eacute essencial agrave sua filosofia se pensarmos em sua produccedilatildeo escrita tudo o que ele escreveu estaacute em forma de diaacutelogo entre dois ou mais indiviacuteduos Eacute portanto razoaacutevel acreditar que seus escritos satildeo boas imagens do verdadeiro diaacutelogo dialeacutetico Mais do que a exclusatildeo do outro indiviacuteduo como ὅἷΝfὁὅὅἷΝalgὁΝὅuὂὧὄfluὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὅuὂὧὄfluὁrdquoΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝἶἷvἷΝὅἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶaΝἵὁmὁΝumaΝὄἷὅtὄiὦatildeὁΝὁuΝὃualifiἵaὦatildeὁμΝo diaacutelogo natildeo eacute algo meramente espontacircneo e automaacutetico ele convoca a reflexatildeo e a determinaccedilatildeo pela inteligecircncia dos movimentos que emanam da alma ele eacute uma caccedila e uma luta que implica esforccedilo compartilhado e conquistas parciais e principalmente suscetiacuteveis de serem eventualmente consideradas falsas pois sem o falso natildeo eacute possiacutevel o verdadeiro (p 332)
Ao buscarmos afirmar uma determinada posiccedilatildeo geral do pensamento platocircnico
devemos nos atentar agrave seriedade que essa tarefa nos impotildee sobre a necessidade de
demonstrar certa coerecircncia entre tais posiccedilotildees levantadas e aquelas apresentadas pelo texto
esgotando ao maacuteximo os recursos que possam nos proporcionar Haacute que se atentar agraves
diversas possibilidades loacutegicas possiacuteveis poreacutem sempre lembrando que a discussatildeo se insere
em um contexto dramaacutetico e por isso as leituras permanecem em aberto porque sempre eacute
possiacutevel observar algo que natildeo foi percebido imediatamente em uma leitura primeira sempre
resta um pouco de duacutevida em toda interpretaccedilatildeo Apenas depois de examinarmos
exaustivamente essas relaccedilotildees o modo como certas teses satildeo tratadas o modo como satildeo
desenvolvidas naquele cenaacuterio da discussatildeo filosoacutefica eacute que poderemos estabelecer
possiacuteveis consideraccedilotildees sobre uma dada questatildeo nomeadamente platocircnica Nossas
56 ldquoἢaὄaΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὀatildeὁΝἴaὅtaΝὅἷguiὄΝalgumaὅΝafiὄmaὦὴἷὅΝmἷὅmὁΝque se trate de afirmaccedilotildees de Soacutecrates (e dos outros condutores) Em vez disso faz-se necessaacuterio analisar no seu todo a estrutura dialoacutegica composta quer por perguntas quer por respostas dos interlocutores tentando assim entender o que Platatildeo queria dizer ao leitor ao construir um certo tipo de diaacutelogo no qual quem interroga formula certas perguntas e quem responde o faz de maneira bastante calculada O resultado do texto eacute sempre a soma desse entrelaccedilamento e pode acontecer com grandes chances que a contribuiccedilatildeo do interlocutor seja pouco relevante podendo tambeacutem acontecer (e com chances ainda maiores) que o sentido de um determinado desenvolvimento dialoacutegico ultrapasse laὄgamἷὀtἷΝaὅΝaὅὅἷὄὦὴἷὅΝἶὁὅΝἶialὁgaὀtἷὅrdquoΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝὂέΝἀί)έ
47 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
inferecircncias podem estar equivocadas ao supormos um conteuacutedo extra oculto que natildeo esteja
presente ali no diaacutelogo sendo por vezes algo deliberado pelo proacuteprio autor sob fins que natildeo
os ali delimitados
Logo nosso trabalho eacute aacuterduo e exige uma seacuterie de esforccedilos a serem empregados
pois acredito sim ser possiacutevel levantarmos algumas questotildees ou mesmo posicionamentos
sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo acerca da natureza e do papel do prazer na vida humana Meu
trabalho natildeo eacute neutro ele se caracteriza por ser uma leitura sobre a qual necessariamente haacute
divergecircncias o que natildeo eacute um problema mas um ganho porque nos possibilita dialogar a fim
de tentarmos tornar mais claras e coerentes nossas argumentaccedilotildees a partir de um debate
respeitoso o que natildeo significa ausecircncia de criacuteticas mas colocar em praacutetica o exerciacutecio de
nosso Mestre debruccedilando-se de forma rigorosa sobre a sua proacutepria obra tambeacutem passiacutevel
de criacutetica Por jaacute ter de lidar com uma quantidade expressiva de posicionamentos manifesto
minha recusa por uma aἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝfaὦaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoὅigὀifiἵaἶὁΝὁἵultὁrdquoΝ
diante de qualquer passagem enigmaacutetica do diaacutelogo em anaacutelise
Prefiro optar por deixar a discussatildeo aberta e me precaver atestando a necessidade de
maiores estudos sobre a obra seja por incapacidade manifesta no momento ou recorrendo
por exemplo agrave suposiccedilatildeo de possiacuteveis corrupccedilotildees ou acreacutescimo agraves traduccedilotildees de termos que
impossibilitem uma compreensatildeo mais clara de alguma passagem pela verificaccedilatildeo do aparato
criacutetico ou dos manuscritos ou mesmo reconhecendo depois de tudo isso que a questatildeo talvez
natildeo esteja bem esclarecida ou eacute propositalmente inconclusa Tambeacutem ao tratar o Filebo com
ldquoumΝἶiὠlὁgὁΝήltimὁrdquoΝὀatildeὁΝὂὄἷtἷὀἶὁΝfaὐἷὄΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝἵὄὁὀὁlὰgiἵὁὅΝὃuἷΝgἷὄalmἷὀtἷΝ
o atribuem com um diaacutelogo da fase final do pensamento platocircnico mas o que quero dizer com
isso eacute que dentre todos os diaacutelogos platocircnicos esse parece ser aquele que conteacutem uma
anaacutelise mais detida na questatildeo no prazer no qual o tema ganha maior visibilidade quando
comparado agraves demais obras do corpus em que o tema aparece por vezes timidamente por
vezes mais explicitamente
Resta ainda um ponto a ser destacado que diz respeito agrave preferecircncia por uma anaacutelise
predominantemente eacutetica da questatildeo do prazer em um contexto dramaacutetico em que natildeo
encontramos teorias formuladas estritamente nem tratados sobre o tema A obra de Platatildeo eacute
uma obra dialoacutegica em que os temas se encontram articulados e continuamente colocados
em discussatildeo Deste modo parece impossiacutevel operar semelhante distinccedilatildeo a respeito de uma
visatildeo uacutenica de um tema qualquer ainda mais quando se trata de temas tatildeo relevantes
tratados significativamente em outros diaacutelogos como o bem e a vida boa cujo mote nesse
diaacutelogo vem a ser a reflexatildeo sobre o prazer A temaacutetica que envolve o prazer estaacute relacionada
diretamente com a eacutetica mas como veremos no diaacutelogo a abordagem deste tema por Platatildeo
eacute ainda mais ampla natildeo se restringindo apenas aos conteuacutedos eacuteticos apesar de me
interessar predominantemente por estes uacuteltimos O Filebo daacute abertura a uma seacuterie de
48 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
possibilidades de leituras tendo em consideraccedilatildeo a variedade de temas ali encontrados
Todavia uma visatildeo plural como essa natildeo eacute suficiente para afirmar ao mesmo tempo a defesa
da ideia de que os diaacutelogos de Platatildeo natildeo conteriam nada que diga respeito a um conteuacutedo
eacutetico Muito pelo contraacuterio neles residem os conteuacutedos fundamentais que originam este tipo
de pensamento na filosofia ocidental essa disciplina filosoacutefica Tal posiccedilatildeo que natildeo deve nos
conduzir a um ceticismo interpretativo em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo e a seus conteuacutedos eacuteticos
mas
() noacutes lemos diaacutelogos e essa forma na qual a filosofia de Platatildeo eacute apresentada longe de ter valor unicamente exterior tem um sentido filosoacutefico e por esse motivo deve ser levada a seacuterio como sinal de uma problematizaccedilatildeo profunda e radical integralmente exploratoacuteria e hipoteacutetica de tudo aquilo que seu autor ndash por meio de uma linguagem que com ele comeccedila a ser filosoficamente teacutecnica mas que na maioria das vezes eacute ainda a linguagem do cotidiano ndash vem dizendo () A forma dialoacutegica poreacutem natildeo adia indefinidamente nem anula a obrigaccedilatildeo de seu autor de encontrar soluccedilotildees para os problemas discutidos tais soluccedilotildees ainda que provisoacuterias e parciais estatildeo presentes nos proacuteprios diaacutelogos e satildeo fruto da proacutepria problematizaccedilatildeo radical permitida por estrutura filosoacutefica e natildeo apenas literaacuteria (isso eacute vaacutelido independentemente da amplitude e da forccedila filosoacutefica global inscritas nas soluccedilotildees encontradas ou vislumbradas nos diaacutelogos () (NAPOLITANO VALDITARA 2015 p 14)
ἒἷὅtἷΝ mὁἶὁΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ὅimΝ ἷὅἴὁὦaὄΝ umΝ ὃuaἶὄὁΝ ὂaὄtiἵulaὄΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ldquoὧtiἵaΝ
ὂlatὲὀiἵardquoΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὁΝ ἴaὅἷΝ aΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ ὂὁὄΝ ἢlatatildeὁέΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ
adentrar em determinado contexto dramaacutetico a fim de elaborarmos ainda que possibilidades
provisoacuterias uma interpretaccedilatildeo das noccedilotildees concernentes ao tema do prazer na eacutetica da
filosofia platocircnica Poreacutem neste trabalho como demonstro creio ser imprescindiacutevel em um
primeiro momento me deter na argumentaccedilatildeo presente nas linhas do Filebo a fim de
demonstrar as possiacuteveis interpretaccedilotildees da posiccedilatildeo (especiacutefica) de Platatildeo ao longo de
semelhante obra
Eacute necessaacuterio ainda esclarecer alguns pontos fundamentais sobre isso Primeiramente
parece ser impossiacutevel compreender o prazer em Platatildeo enquanto temas relativos agrave eacutetica a
partir de uma tentativa de isolamento deste tema (o prazer) nesse uacutenico diaacutelogo O Filebo
envolve questotildees ainda maiores que tecircm como ponto de partida do diaacutelogo a reflexatildeo sobre
os prazeres que podem ser lidas de um ponto de vista eacutetico (moral) Ateacute porque natildeo
encontramos em nenhuma obra platocircnica algo como uma teoria eacutetica formalizada isto eacute um
texto que fale estritamente de eacutetica (tal como temos em Aristoacuteteles um texto especiacutefico sobre
a eacutetica Eacutetica a Nicocircmaco)
49 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Julia Annas em seu The Morality of Hapiness (1993) logo na Introduccedilatildeo de sua obra
justifica sua exclusatildeo da anaacutelise de Platatildeo a respeito do tema da eacutetica justamente por alegar
que
Natildeo haacute um diaacutelogo ὂlatὲὀiἵὁΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝldquoὅὁἴὄἷΝὧtiἵardquoΝἶaΝmἷὅmaΝfὁὄmaΝque a Eacutetica a Nicocircmaco eacute sobre a eacutetica Cada diaacutelogo possui seu proacuteprio tema ou grupo de temas que frequentemente natildeo dizem respeito as nossas divisotildees subjetivas de temas Mesmo os diaacutelogos que satildeo de maneira oacutebvia mais relevantes para a eacutetica como a Repuacuteblica e o Filebo satildeo tambeacutem igualmente sobre problemas metafiacutesicos e epistemoloacutegicos E mesmo nos diaacutelogos mais claros sobre a eacutetica Platatildeo ao usar deliberadamente a forma do diaacutelogo evita identificar e colocar sua proacutepria posiccedilatildeo Seria extremamente ingecircnuo simplesmente para identificar a posiccedilatildeo de Platatildeo com o que eacute atribuiacutedo a Soacutecrates em um determinado diaacutelogo E ateacute mesmo se o fizermos encontramos posiccedilotildees imensamente diferentes ocupadas por Soacutecrates em diferentes diaacutelogos a estrutura da teoria eacutetica platocircnica eacute muito pouco determinada pelo que encontramos nos diaacutelogos Assim se estudarmos eacutetica platocircnica enfrentamos um problema de extraccedilatildeo noacutes mesmos temos que selecionar e extrair o assunto a respeito da questatildeo eacutetica e isto eacute a nossa imposiccedilatildeo posterior sobre um escritor que escreve deliberadamente de uma forma muito diferente Eacute claro que este eacute um procedimento perfeitamente legiacutetimo Mas aponta grandes e largas diferenccedilas (ANNAS 1993 p 18)
Dito de outro modo eacute inuacutetil tentar fundamentar a partir dos diaacutelogos platocircnicos uma
eacutetica autocircnoma distinta das demais disciplinas filosoacuteficas Contudo tambeacutem eacute equivocado
por outro lado salientar que natildeo podemos encontrar nas obras de Platatildeo referecircncias aos
temas eacuteticos ou que suas posiccedilotildees natildeo contribuiacuteram para o que hoje denominariacuteamos como
ldquoὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧtiἵὁέrdquoΝεaὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝἶἷmaiὅΝ tἷmaὅΝὀὁὅὅὁΝautὁὄΝ tὄataΝἶaΝὧtiἵaΝ
dialogicamente e aqui desejamos trataacute-la a partir da questatildeo do prazer partindo de uma
anaacutelise detalhada do Filebo Acerca disto ainda podemos ainda ressaltar que
Platatildeo fala da eacutetica dialogicamente como de qualquer outro tema mas ndash uma segunda possiacutevel chave de leitura ndash qualquer outro tema de que ele fala parece ter como eixo a eacutetica e ter com ela um envolvimento problemaacutetico a ser esclarecido caso a caso No entanto isso natildeo eacute o mesmo que diluir o tema moral em um magma indistinto em que tudo (e portanto nada) dos conteuacutedos dos diaacutelogos pode ser considerado eticamente interessante Todos os aspectos ndash ou seja cada aspecto ndash de uma problemaacutetica filosoacutefica eacutetica parecem ter sido analisados por Platatildeo natildeo sistematicamente mas sempre no diaacutelogo com uma urgecircncia radical da filosofia platocircnica (FERMANI 2015 p 14)
Podemos portanto afirmar a relevacircncia deste trabalho a partir do que anteriormente
jaacute dissemos Primeiramente porque o conflito eacutetico e psicoloacutegico aleacutem de ser uma
antiquiacutessima questatildeo filosoacutefica eacute um conflito que constitui a espeacutecie humana Deste modo a
50 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
anaacutelise de tal dilema (eacutetico-psicoloacutegico) eacute um exerciacutecio ainda pertinente a nossa investigaccedilatildeo
haja vista o papel extremamente relevante do prazer perante agrave constituiccedilatildeo da natureza
humana Ao analisar esta perspectiva mediante um autor da Antiguidade Grega Claacutessica
torna-se visiacutevel o quanto as questotildees claacutessicas podem ser retomadas tornando-se vivas e
inteligentes ou melhor dizendo como tais problemaacuteticas ainda permanecem desafiadoras agrave
investigaccedilatildeo filosoacutefica enquanto tal57
57 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaiὀἶaΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷtὁmaὄmὁὅΝἏὀὀaὅΝ(1λλἁ)μΝldquoἓὀtatildeὁΝὁΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀὅἷguiὄΝἵὁmΝo estudo da eacutetica antiga Antes de mais nada ganhariacuteamos o que se obteacutem de todo estudo histoacuterico vale dizer a aquisiccedilatildeo de uma sensibilidade em relaccedilatildeo agraves quais agora teremos mais consciecircncia compreendendo tambeacutem aquelas opccedilotildees que natildeo fazem mais parte do repertoacuterio das nossas atuais opccedilotildees de escolha Em segundo lugar verificaremos quanto a nossa condiccedilatildeo intelectual se aprofunda ὃuaὀἶὁΝlἷvaΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦatildeὁΝὅuaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὁὄigἷὀὅrdquoΝ(ὂέΝ1ί)έ
51 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
Antes de avanccedilarmos propriamente no estudo das linhas e temas que satildeo discutidos
por Platatildeo no Filebo conveacutem apresentarmos algumas das sinuosidades deste nosso percurso
interpretativo e o modo como a tradiccedilatildeo claacutessica tem lido essa obra visotildees que em sua
maioria como mostrarei detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo discordo em alguns pontos
fundamentais No entanto por hora permanecemos ainda no exterior do diaacutelogo isto eacute o
texto a seguir pretende demonstrar algumas dessas visotildees claacutessicas para somente depois
disso no proacuteximo capiacutetulo apresentar visotildees mais recentes sobre a obra algumas das quais
compartilho no momento da anaacutelise do proacuteprio diaacutelogo quando nos atentaremos ao leacutexico
platocircnico e aos problemas filosoacuteficos fundamentais apresentados pelo proacuteprio autor
O Filebo ainda divide opiniotildees entre uma seacuterie de estudiosos Conforme jaacute
destacamos para muitos pesquisadores ele assemelha-se agrave conotaccedilatildeo atribuiacuteda por D
Frede a essa obra58 ἵὁmὁΝaΝldquo(έέέ)Νterra incognita ἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅrdquoΝ(ἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἑὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝ
ἔὄἷἶἷΝ(ἀί1ἁ)ΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝὁuΝὂurgatoacuterio (FREDE 1993 p 13) dos estudiosos da
ὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝὅἷὄiaΝὁΝldquolὁὀgὁΝὂὄἷfὠἵiὁΝmἷtafiacuteὅiἵὁ-ἶialὧtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἶὠΝiὀiacuteἵiὁΝaὁΝtἷxtὁΝaὂὰὅΝὅἷὄἷmΝ
apresentadas as posiccedilotildees iniciais pelos interlocutores (uma em defesa do prazer e outra em
defesa da inteligecircncia)59 (p 501) Na visatildeo da tradutora alematilde este eacute um dos diaacutelogos entre
ὁὅΝἶitὁὅΝldquotaὄἶiὁὅrdquoΝἷΝmaiὅΝἶifiacuteἵἷiὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁiὅΝaluἶἷmΝὡΝldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵaΝἶaΝvἷlhiἵἷrdquoΝmaὅΝ
natildeo a explicam suficientemente semelhantemente ao que poderia ser notado no Parmecircnides
no Teeteto e no Sofista (ἔἤἓἒἓΝἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἏΝldquoὀὁvaΝmἷtὁἶὁlὁgiardquoΝἷΝaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝ
que compotildeem o iniacutecio da argumentaccedilatildeo do diaacutelogo de fato assustam o leitor de Platatildeo ao
ser confrontado com termos em relaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo ali desenvolvida (como
ldquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquoΝldquoἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquo)ΝjamaiὅΝviὅtὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὀaὅΝaὄgumἷὀtaὦὴἷὅΝὂlatὲὀiἵaὅΝ
precedentes
Podemos tambeacutem retomar a metaacutefora de Bury (1897) em seu comentaacuterio ao diaacutelogo
intitulado The Philebus of Plato Nos dizeres do estudioso no bosque dos diaacutelogos de Platatildeo
o Filebo se assemelharia a um carvalho assimeacutetrico retorcido repleto de ramos distorcidos
58 A teoacuterica alematilde eacute uma das mais claacutessicas tradutoras do Filebo ela escreve uma longa introduccedilatildeo a respeito dos temas tratados neste escrito em particular como tambeacutem diversas notas que compotildeem a obra Aleacutem do mais ela eacute autora de diversos artigos sobre o Filebo aos quais eu faccedilo a referecircncia no decorrer do trabalho 59 No decorrer do proacuteximo capiacutetulo sustento que natildeo haacute teses no iniacutecio do diaacutelogo mas sim discursos simeacutetricos Sobre isso falarei mais adiante basta ressaltar que essa eacute a visatildeo da tradutora em questatildeo
52 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
enquanto os outros diaacutelogos seriam belos ciprestes e pinheiros no bosque da Academia de
Platatildeo Isto porque o diaacutelogo segundo o teoacuterico apresenta uma seacuterie de dificuldades quanto
agraves expressotildees empregadas por seu autor como tambeacutem uma peculiaridade na sua forma
ἓmἴὁὄaΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝὅἷguὀἶὁΝἐuὄyΝὂaὄἷὦaΝἷὅtaὄΝἵὁὀtiἶὁΝὁΝὀήἵlἷὁΝὁuΝὁΝldquoἵἷὀtὄὁΝὅaἶiὁrdquoΝἶaΝ
doutrina platocircnica (p 9)
Migliori (1998) prefere servir-se da metaacutefora platocircnica utilizada no proacuteprio diaacutelogo (29a)
em que Soacutecrates afirma ao deuteragonista do diaacutelogo (Protarco) estarem ambos envolvidos
em uma tempestade em alto mar (29a) Isto devido agrave tamanha dificuldade em que estatildeo
envoltos verificaacutevel a partir dos raciociacutenios que se seguem estando eles imersos muitas
vezes em imensas aporias Semelhantes dificuldades as quais nem o proacuteprio leitor estaacute livre
de enfrentar A imagἷmΝἵὄiaἶaΝὂἷlὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἢlatatildeὁΝἶὁΝldquomaὄΝὄἷvὁltὁrdquoΝiluὅtὄaΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝaὀὠlὁgaΝ
a proacutepria situaccedilatildeo do leitor frente ao conturbado diaacutelogo Contudo segundo ele eacute necessaacuterio
ao leitor compor a sinfonia que reuacutene em uma uacutenica obra o diaacutelogo (reductio ad unum) sair
ἷmΝἴuὅἵaΝἶaΝldquoἴήὅὅὁlardquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁὅΝldquoὀavἷgaὀtἷὅrdquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁΝlἷitὁὄΝἶiante do
mar revolto caracteriacutestico deste mesmo drama Ao iniciar um percurso interpretativo de um
drama platocircnico complexo como eacute o caso do Filebo seria necessaacuterio que o leitor operasse
em trecircs niacuteveis o literaacuterio (a especificidade da escrita platocircnica) o estrutural (os acircmbitos
teoacutericos em que se movem o diaacutelogo) e o filosoacutefico (a reflexatildeo sobre os conteuacutedos
apresentados) (MIGLIORI 1998 p 330-333)
Segundo Muniz (2007) durante seacuteculos os estudiosos desta obra platocircnica
lamentaram a perda de um suposto tratado de Galeno Sobre as transiccedilotildees do Filebo (π λ
θ θ Φδζ ί η αίΪ πθ) jaacute que se imaginava na antiguidade que poderiam descobrir um
mecanismo hermenecircutico nesse caso extratextual capaz de fornecer a salvaccedilatildeo aos
inteacuterpretes a tatildeo sonhada chave de leitura ateacute entatildeo natildeo encontrada pelos leitores do diaacutelogo
desde sua publicaccedilatildeo capaz de solucionar os problemas que o texto envolve como tambeacutem
explicar as bruscas transiccedilotildees presente nesse texto platocircnico O que demonstraria segundo
o teoacuterico uma profunda descrenccedila em qualquer soluccedilatildeo que pudesse ser encontrada no
proacuteprio texto (p 113)
Do mesmo modo essa descrenccedila pode ser notada na obra de Allen (1975) em sua
traduccedilatildeo e criacutetica ao comentaacuterio do renascentista Marsiacutelio Ficino ao Filebo no qual nos
apresenta uma carta do poliacutetico italiano Cossimo de Meacutedici (que teria encomendado uma
traduccedilatildeo desse diaacutelogo a Ficino) ao filoacutesofo italiano Nesta carta o governante de Florenccedila
descreve ter permanecido em seu leito junto com Lorenzo de Meacutedici ateacute a hora de sua morte
lendo o Filebo no seu entender uma obra sobre o supremo bem humano Ou seja trata-se
53 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
do uacuteltimo diaacutelogo lido pelo fundador da dinastia dos Meacutedici60 (p 6) Ironicamente Waterfield
(1982) em seu prefaacutecio introdutoacuterio agrave traduccedilatildeo da obra sublinha que talvez esse natildeo seria o
diaacutelogo que escolheriacuteamos para ler nos instantes finais de nossa existecircncia como teria feito
o poliacutetico italiano da linhagem dos Meacutedici
Benjamin Jowett jaacute em 1897 teria reconhecido a complexidade dos temas abordados
no diaacutelogo ao destacar a mudanccedila do estilo dramaacutetico platocircnico notada a partir deste escrito
Os elementos poeacuteticos e dramaacuteticos passam a ser subordinados ao elemento filosoacutefico Pois
satildeo evidentes na obra algumas deficiecircncias como certas passagens confusas e a falta de uma
estrutura clara completa segundo Jowett (p 521)
Diante do que jaacute foi dito nota-se o impacto da leitura do Filebo desde a antiguidade
ateacute agrave contemporaneidade seja no neoplatonismo (por exemplo no extenso Comentaacuterio de
Damaacutescio ao Filebo) como no periacuteodo da renascenccedila (no comentaacuterio de Ficiono) Nosso
diaacutelogo teve seus breves instantes de gloacuteria na Antiguidade e soacute depois de longos anos os
estudos sobre o Filebo foram retomados O diaacutelogo permaneceu esquecido durante seacuteculos
na tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica e retorna agrave cena das discussotildees somente no seacuteculo XIX
sobretudo no seacuteculo XX Mas por quais motivos o diaacutelogo retorna ao debate filosoacutefico platocircnico
a partir do seacuteculo XX A seguir apresento alguns dos fatores primordiais
Umas das principais estudiosas da obra de Platatildeo a platonista francesa Monique
Dixsaut afirma que o Filebo eacute um diaacutelogo difiacutecil concordando com Rodier (1926 p 137-174)
dizendo aiὀἶaΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν aΝ ὁἴὄaΝ ἵὁmὂὁὄtaΝ ὁΝ iὀἵἷὄtὁΝ ὂὄivilὧgiὁΝ ἶἷΝ ἶἷtἷὄΝ ἷmΝ si todas as
ἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὡΝlἷituὄaΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἀἆἃ)έΝἓmΝὁutὄaΝὁἴὄaΝaΝ
mesma autora assegura que sem duacutevida ldquoὁΝὂὄiὀἵiὂalΝὁἴὅtὠἵulὁΝὡΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute
ὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷrdquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἀ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝcomo veremos a proacutepria Dixsaut seraacute
uma das inteacuterpretes a demonstrar o caraacuteter equivocado desta suposta descrenccedila entre os
platocircnicos de que o Filebo possui deficiecircncias tanto estruturais (literaacuterias) de composiccedilatildeo
quanto nos conteuacutedos filosoacuteficos propondo uma leitura coerente e significativa sobre a obra
Para alguns estudiosos (os revisionistas) neste diaacutelogo Platatildeo apresentaria uma
revisatildeo de sua ontologia e de sua metodologia rompendo definitivamente com os Grandes
Gecircneros do Sofista com a hipoacutetese das Formas e principalmente com o meacutetodo dialeacutetico
Por outro lado o FileboΝ ἵὁmὁΝ ὄἷὅὅaltaΝ ἒixὅautΝ ὧΝ ὁΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ὂὄἷἶilἷtὁrdquoΝ ἶὁὅΝ ἵhamaἶὁὅΝ
ldquoἷὅὁtἷὄiὅtaὅrdquoΝἶaΝ filὁὅὁfiaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁὄΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄἷmΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀἵἷἴἷὄiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝ
dividida segundo dois princiacutepios fundamentais o Uno e a Diacuteade (DIXSAUT 1999 p 10)
60 ldquoἣuaὀἶὁΝἑὁὅὅimὁΝἶἷitὁuΝὀὁΝὅἷuΝlἷitὁΝἶἷΝmὁὄtἷΝὀὁΝfiὀalΝἶἷΝjulhὁΝὀὁὅΝiὀfὁὄmamὁὅΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝFicino em uma carta a Lorenzo que Cossimo teria examinado o Filebo ὂὁὄΝήltimὁμΝlsquoἓὀtatildeὁΝἵὁmὁΝvὁἵecircΝsabe desde que vocecirc mesmo esteve laacute ele morreu natildeo muito depois de termos examinado os diaacutelogos de Platatildeo um sobre o princiacutepio das coisas (o Parmecircnides) e um sobre o Supremo Bem (o Filebo) (ALLEN 1975 p 6-7)
54 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
Neste caso conforme destaca a autora torna-se imprescindiacutevel ao leitor de Platatildeo a
compreensatildeo clara da primeira parte do diaacutelogo e sua relaccedilatildeo com o restante do texto ou
seja compreender como os temas ontoloacutegicos satildeo uacuteteis e fundamentais para a compreensatildeo
dos temas eacuteticos presentes na obra61
Segundo as consideraccedilotildees de Muniz (2007) o Filebo eacute um diaacutelogo de inuacutemeras
ldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoέΝἏΝ fimΝἶἷΝὅἷΝἷxὂliἵaὄἷmΝaὅΝἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝἶialὰgiἵaὅΝὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝὁἴὄaΝ bem
como as dificuldades em relaccedilatildeo aos conteuacutedos filosoacuteficos a obra da maturidade platocircnica
tem sido interpretada de diferentes modos Um deles consiste em analisar apenas algum
aspecto que pareccedila mais relevante no texto platocircnico como o prazer Atente-se neste caso agrave
intepretaccedilatildeo revisionista (p 113) Em busca de um recurso hermenecircutico possiacutevel muitos
tendem a recorrer aos aspectos externos da obra sem contudo analisaacute-la a partir de sua
complexidade interna (como eacute o caso dos esoteristas)
Aleacutem disso o Filebo destaca-se no cenaacuterio filosoacutefico devido agrave complexidade de sua
abordagem do prazer visto por alguns teoacutericos anglo-saxotildees como a primeira abordagem do
ὂὄaὐἷὄΝ ἵὁmὁΝ ldquoatituἶἷΝ ὂὄὁὂὁὅiἵiὁὀalrdquoέΝ ἧmaΝ viὅatildeὁΝ ὃuἷΝ ἵὁmὁΝ vἷὄἷmὁὅΝ ἶἷmὁὀὅtὄa-se
extremamente complicada desprendendo-se em grande parte da letra do texto
Diante das complexidades que o texto apresenta de acordo com Muniz (2012)
podemos (resumidamente) destacar as trecircs principais tendecircncias interpretativas
contemporacircneas que surgem no seacuteculo XX e fizeram com que o diaacutelogo voltasse a ser
estudado (i) uma anaacutelise dos prazeres falsos em grande medida desenvolvida por Gilbert
Ryle (1950) (The Concept of Mind) filoacutesofo da mente da contemporaneidade e defensor de
uma leitura particular do Filebo (amplamente polecircmica) (ii) a emergecircncia da interpretaccedilatildeo da
ἵhamaἶaΝ ldquolἷituὄaΝἷὅὁtἷὄiὅtaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝἴaὅἷaἶaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝὀaΝἵhamaἶaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝ
iὀἶiὄἷtardquoΝ amὂlamἷὀtἷΝ ἵalἵaἶaΝ ὀὁΝ tἷὅtἷmuὀhὁΝ aὄiὅtὁtὧliἵὁΝ ἶaΝ filὁὅὁfiaΝ ὂlatὲὀiἵaΝ
(particularmente aqueles contidos na Metafiacutesica) desenvolvida (contemporaneamente) pela
61 Um diaacutelogo que eacute tido por muitos como um diaacutelogo repleto de muacuteltiplas correccedilotildees a respeito do qual nem sequer se possui um acordo a respeito do assunto do qual se trata (uma questatildeo debatida desde a Antiguidade) o FilἷἴὁΝὧΝὁΝtἷὄὄἷὀὁΝἷlἷitὁΝἶὁὅΝὂὄὁὂὁὀἷὀtἷὅΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἷΝἶὁὅΝpartidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas Para Crombie por exemplo uma das dificuldades do diaacutelogo ὅἷὄiaΝὃuἷΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝὄaὂiἶamἷὀtἷΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝalgumaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷratildeo ser compreendidas somente agrave luz de suas preocupaccedilotildees uacuteltimas e que noacutes somente conhecemos por Aristoacuteteles Rompendo definitivamente natildeo somente com a hipoacutetese das Formas mas tambeacutem com os grandes gecircneros do Sofista Platatildeo operaria neste diaacutelogo uma revisatildeo draacutestica de sua ontologia como tambeacutem de seu meacutetodo isto eacute da dialeacutetica De acordo com os partidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas ὃuἷΝtecircmΝaΝἶiviὀaΝὅuὄὂὄἷὅaΝἶἷΝiὀfἷὄiὄΝaΝὂaὄtiὄΝἶὁὅΝldquoἷὅἵὄitὁὅrdquoΝὁὅΝἶὁiὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅΝὃuἷΝὀaΝviὅatildeὁΝἶἷlἷὅΝὅatildeὁΝaΝmocircnada e a diacuteade indefinida acreditam tambeacutem exprimir claramente a existecircncia das realidades matemaacuteticas intermediaacuterias o que natildeo se trataria propriamente de uma evoluccedilatildeo mas do surgimento de uma doutrina esoteacuterica ateacute entatildeo reservada a alguns Em outra perspectiva a mistura dos elementos que constituem a vida boa ndash prazer e conhecimento ndash seria apenas um pretexto capaz de permitir a Platatildeo expor os seus novos princiacutepios metodoloacutegicos ou seus novos princiacutepios ocultos (DIXSAUT 2001 p 286-287)
55 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
vertente interpretativa que se denomina como a Escola de Tuumlbingen-Milatildeo62 ndash a qual a partir
deacutecada de 60 trouxe agrave tona a discussatildeo sobre os conteuacutedos do diaacutelogo no acircmbito do
platonismo (iii) o suposto debate surgido no platonismo acerca de uma suposta revisatildeo da
teoria platocircnica presente nos uacuteltimos diaacutelogos desde a criacutetica e consequente rejeiccedilatildeo de
Platatildeo agrave hipoacutetese das formas a partir do Parmecircnides Como o Filebo geralmente eacute colocado
entre os uacuteltimos diaacutelogos de Platatildeo essa obra tornou-se o centro das atenccedilotildees dos chamados
ldquoὄἷviὅiὁὀiὅtaὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ἀί1ἀΝ ὂέΝ ἆ)νΝ (iv)Ν ἷΝ ὂὁὄΝ ήltimὁΝ tἷmὁὅΝ aὅΝ ὄἷaὦὴἷὅΝ aΝ ἷὅὅaὅΝ viὅὴἷὅΝ
interpretativas que introduziram um amplo debate tambeacutem criando uma seacuterie de
interpretaccedilatildeoes ortodoxas ou natildeo aos principais problemas levantados nesse diaacutelogo
platocircnico
Como ressalta Rachid (2012) nesta visatildeo tipicamente redutiva do platonismo (no caso
da leitura esoterista) que busca referecircncias externas para explicar os conteuacutedos apresentados
pelos diaacutelogos esmaecem-se os conteuacutedos eacutetico-poliacuteticos da filosofia de Platatildeo como
tambeacutem os toacutepicos essenciais da dialeacutetica No entanto o Filebo apresenta uma variedade de
conteuacutedos extremamente relevantes agrave definiccedilatildeo da vida mista (entre prazer e conhecimento)
por sinal essencialmente humana Figuram neste diaacutelogo como temas relevantes (i) a criacutetica
agrave eriacutestica (ii) a invectiva das paixotildees deleteacuterias (iii) a criacutetica agrave maacute escrita (iv) a afirmaccedilatildeo que
a gecircnese do esquecimento eacute a fuga da memoacuteria (v) a reminiscecircncia e (vi) a analogia entre as
ciecircncias musicais a gramaacutetica e a dialeacutetica (p 4-5) A interpretaccedilatildeo de um Platatildeo aacutegrafo
neste sentido segundo o autor parece reduzir os conteuacutedos culturais tais como a heranccedila
miacutetico-poliacutetico na elaboraccedilatildeo dos diaacutelogos e o papel do filoacutesofo na elaboraccedilatildeo dos discursos
(loacutegoi mas por hora nos basta a criacutetica a esse tipo de leitura ndash voltaremos a ela quando for
necessaacuterio em nossa anaacutelise do diaacutelogo) Conveacutem ao menos destacar que
() se lecircssemos Platatildeo por um sistema apriorista de princiacutepios em torno do um considerado princiacutepio formal e da diacuteada indefinida do grande e do
62 De acordo com Xavier (2005) nota-se que a proposta da Escola de Tuumlbingen-Milatildeo consiste em dar ecircnfase no caraacuteter oral da filosofia de Platatildeo dito em outras palavras a incompreensibilidade manifesta pelo texto platocircnico escrito soacute encontra uma completude interpretativa mediante o Platatildeo natildeo escrito isto eacute por via da tradiccedilatildeo indiretaμΝldquoἤἷὅgataὄΝaΝἶὁutὄiὀaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὄἷὅἷὄvaἶaΝὡΝὁὄaliἶaἶἷΝὧΝmister para a edificaccedilatildeo estrutural do novo paradigma hermenecircutico uma vez que sem ela natildeo temos o que filoacutesofo chamou ndash ele proacuteprio ndash de o mais importante Ora o melhor lugar para se encontrar tal doutrina eacute certamente nos textos de caraacuteter doxograacutefico escritos por disciacutepulos diretos eou indiretos de Platatildeo e por filoacutesofos posteriores a ele que de alguma forma tiveram acesso ao conteuacutedo das liccedilotildees doutrinais ἶἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁrdquoΝ(ὂέΝ1ἃἀ)έΝἓὅὅἷΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝὧΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝὂὁὄΝiὀήmἷὄὁὅΝἷὅtuἶiὁὅὁὅΝἷmΝὅuaΝmaioria de origem alematilde e italiana mas devem sua fundamentaccedilatildeo metodoloacutegica riacutegida na contemporaneidade a Giovanni Reale (2004 p 24) Este uacuteltimo eacute quem apresenta uma releitura dos diaacutelogos de Platatildeo agrave luz de uma doutrina natildeo-escrita que ultrapassa o contexto da escrita e recorre a tradiccedilatildeo indireta de nosso filoacutesofo a fim de eliminarem as insuficiecircncias dos paradigmas tradicionais de leitura do texto platocircnico
56 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
pequeno considerada princiacutepio material correlatos ao limite e ao ilimitado reconheceriacuteamos iniludivelmente nele antinomias e lacunas (RACHID 2012 p 5)
ἡὅΝlἷitὁὄἷὅΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquoἵὁὀvἷὀἵiὁὀaiὅrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝὃuaiὅΝumaΝἷὅtὄutuὄaΝumaΝ
ordem pode ser facilmente identificaacutevel eacute bem possiacutevel que natildeo se sintam familiarizados com
algumaὅΝὁἴὄaὅΝἶitaὅΝldquoaὀὲmalaὅrdquo como eacute o caso do Filebo a ponto de sugerirem as soluccedilotildees
mais bizarras para explicarem as transiccedilotildees e complexidades presentes no supracitado
diaacutelogo Diante de tal dificuldade talvez uma primeira opccedilatildeo seja uma leitura raacutepida e
superficial ou a busca por referecircncias e significados externos que natildeo aquelas provenientes
da leitura do proacuteprio texto Natildeo podemos atribuir a Soacutecrates certa desatenccedilatildeo ao denominado
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ ἶaΝ ὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝ ὀἷmΝ mἷὅmὁΝ aΝ ἢlatatildeὁΝ ὃuἷΝ tὄaὀὅmitἷΝ ὀaΝ falaΝ ἶὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ
(Protarco e Filebo 19a) a necessidade de atenccedilatildeo a esse princiacutepio Conveacutem informar para a
insatisfaccedilatildeo dos comentadores que natildeo seriam eles os primeiros a criticarem o
desenvolvimento aparentemente confuso desse iniacutecio de diaacutelogo mas esse aspecto eacute
questionado pelos proacuteprios interlocutores de Soacutecrates e o condutor natildeo se encontra atento a
essa demanda (Cf 18a1-2 18d6 19a1)
Talvez seria o caso de crer que essa transgressatildeo tem um propoacutesito impliacutecito de tal
modo que essa suposta anomalia dilui-se agrave medida que tomamos a relaccedilatildeo entre forma e
conteuacutedo caracteriacutestica da atividade literaacuterio-platocircnica ou seja quando buscamos considerar
o objetivo em particular dessa discussatildeo dialeacutetica ou seja os temas que satildeo tratados
analisados discutidos em relaccedilatildeo agrave forma de exposiccedilatildeo adequada para tal exposiccedilatildeo Como
Platatildeo geralmente se preocupa em apresentar com maestria o seu os temas caros agrave sua
filosofia ndash e o Filebo particularmente trata de uma refinada questatildeo natildeo soacute para Platatildeo mas
para os gregos em geral que encontram-se muito aleacutem de um debate escoliasta ndash utilizando-
se de inuacutemeros recursos literaacuterios dos quais dispotildeem para a composiccedilatildeo de seus diaacutelogos o
que se exige eacute no miacutenimo um esforccedilo por parte de seu leitor em reconhecer a particularidade
desta composiccedilatildeo e a profundidade por traacutes de uma suposta transgressatildeo logograacutefica aqui
encontrada63
Tendo ressaltado que grande parte das leituras que surgem no seacuteculo XX do diaacutelogo
ao demostrarem dificuldade em relaccedilatildeo aos problemas com um todo levantados pelo diaacutelogo
e principalmente ao problema principal da unidade natildeo soacute para fora do proacuteprio texto
dialoacutegico caso recorrente nas interpretaccedilotildees claacutessicas do Filebo eacute ateacute mais tentador supor
que o diaacutelogo eacute incompleto ou que nos remete agrave conteuacutedos extra-dialoacutegicos agrave doutrinas orais
reservadas ou que o diaacutelogo diz respeito a um problema em debate na eacutepoca dentre outros
63 Compartilho aqui das consideraccedilotildees feitas por Muniz (2007) ao tratar do problema das transiccedilotildees do Filebo relacionadas ao problema principal desse diaacutelogo a saber a unidade (Cf MUNIZ 2007 p 113-124)
57 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
como jὠΝaὂὁὀtamὁὅΝaΝfimΝἶἷΝὅuὂἷὄaὄἷmΝaὅΝὅuὂὁὅtaὅΝldquoaὀὁmaliaὅrdquoΝἶἷΝἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝ
superarem as incompreensotildees manifestas por meio de uma leitura parcial ou mesmo
surpreendentemente inventiva sem se atentarem ao sentido profundo da discussatildeo
apresentada64 Se a intenccedilatildeo de Platatildeo se presta a determinados objetivos seja o da
perplexidade (19a) que Protarco deseja que natildeo seja o objetivo primordial da discussatildeo ali
travada e que por sinal prefigura a inventiva contemporacircnea de nossos inteacuterpretes (a nova
ontologia os dois princiacutepios) podemos formular a seguinte questatildeo auxiliados por Dixsaut
(2011)
Se este eacute o caso e se toda a primeira parte do diaacutelogo (ateacute 31b) natildeo se explica por meio de tais obsessotildees do Platatildeo da velhice ou o afloramento de uma doutrina dos princiacutepios ateacute entatildeo mantida em segredo soacute podemos estar ἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἔilἷἴὁΝaὁΝὃuἷὅtiὁὀaὄμΝldquoὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὀὁὅὅaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁςrdquoΝ(1ἆa)Ν(ὂέΝἀἆἅ)έ
Contudo pretendo dedicar um tempo maior a essas anaacutelises e os equiacutevocos a meu ver nos
quais elas ocorrem Voltemos entatildeo ao diaacutelogo didaticamente eacute possiacutevel propor uma
organizaccedilatildeo do diaacutelogo digo apenas didaticamente porque estes temas encontram-se
interligados segundo creio Quanto agrave divisatildeo dos temas ou o modo como o diaacutelogo eacute
organizado de uma maneira geral natildeo satildeo habitualmente notadas diferenccedilas muito
contrastantes entre os estudiosos adoto aqui essa mesma forma geneacuterica (habitual) utilizada
para dividir os momentos que compotildeem a obra Geralmente se reconhece que o Filebo pode
ser divido (didaticamente) da seguinte maneira (i) Proacutelogo (11a-14b) aqui seratildeo
apresentados os discursos e posteriormente a tese (prazer versus inteligecircncia) e a busca pelo
bem ou pela Vida boa (ii) Metodologia adotada a questatildeo do Um e do Muacuteltiplo e as questotildees
sobre a dialeacutetica (14b-22b) (iii) A ontologia (divisatildeo) dos quatro gecircneros (22c-31b) (iv) a
anaacutelise e classificaccedilatildeo dos prazeres a distinccedilatildeo entre prazeres falsos e prazeres verdadeiros
(31b-55c) (v) Anaacutelise e classificaccedilatildeo dos conhecimentos (55c-59c) (vi) Revisatildeo das teorias
precedentes (vida boa) e hierarquia final dos bens (59c-61c)65
22 O tema central um dissenso
O Filebo desde a Antiguidade Claacutessica tem sido agrupado entre os diaacutelogos eacuteticos
iὀtitulaἶὁΝ tamἴὧmΝἵὁmὁΝ ldquoἥὁἴὄἷΝὁΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἢὁὄὧmΝὁΝ tἷmaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝἵἷὀtὄalΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ
ainda persiste como um dissenso entre os estudiosos e tradutores da obra em questatildeo
Poderiacuteamos alegar que se trata do prazer podemos usar em sua defesa o fato deste ser
64 Pretendo no decorrer do trabalho evidenciar ainda mais esse assunto 65 Utilizo a divisatildeo da traduccedilatildeo de Muniz (2012 p 11-19) como referecircncia para a divisatildeo do proacuteximo capiacutetulo em que procurarei abordar o texto platocircnico
58 22 O tema central um dissenso
protagonista do diaacutelogo sendo um total de 1205 linhas dedicas a ele No entanto o drama
em questatildeo ainda apresenta conteuacutedos extremamente relevantes para a discussatildeo da
filosofia platocircnica como a intricada relaccedilatildeo entre o uno e o muacuteltiplo e a tarefa do dialeacutetico a
classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos e principalmente o problema central em torno
ἶaΝ ἶἷfiὀiὦatildeὁΝ ἶὁΝ valὁὄΝ (ἴἷm)Ν ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝ ἶaΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὃuἷΝ ὅἷmΝ ἶήviἶaὅΝ iὀὅἷὄἷ-se na
intriacutenseca relaccedilatildeo entre a proacutepria dialeacutetica e a potecircncia do bem As importantes questotildees do
pensamento platocircnico parecem aqui ressurgirem para finalmente demonstrarem sua total
forccedila como jamais vistas no decorrer dos diaacutelogos Entretanto como relacionar toda a
complexa e profunda teoria (ontoloacutegicaepistemoloacutegica) vista anteriormente em um diaacutelogo
que tem como mote o proacuteprio prazer um tema agrave primeira vista relacionado agraves questotildees
profundamente eacuteticas Como resume Gazolla
O maior problema com o qual nos defrontamos foi o de relacionar essa ontologia de maturidade mais voltada ao conhecimento das ideias e de sua geraccedilatildeo com as reflexotildees sobre as accedilotildees humanas ditas virtuosas a partir da noccedilatildeo de prazer elaboradas por Platatildeo principalmente no Filebo Tal relaccedilatildeo eacute colocada claramente no iniacutecio desse diaacutelogo quando Soacutecrates propotildee alcanccedilar a verdade naquilo que concerne a assegurar aos homens a vida feliz (1993 p 160-161)
A visatildeo sobre o diaacutelogo predominante tanto na Antiguidade como no neoplatonismo e
na Renascenccedila fundamenta-se na defesa do Bem Supremo como tema fundamental da obra
identificaacutevel a partir do comentaacuterio feito pelo neoplatocircnico Damascius ao diaacutelogo O filoacutesofo
destaca que jaacute na Antiguidade inuacutemeras satildeo as divergecircncias a respeito da temaacutetica central
em torno do diaacutelogo Para Trasilo a questatildeo central do diaacutelogo era o prazer jaacute para Psitheus
(disciacutepulo de Theodoro de Asine) a inteligecircncia Jacircmblico Syrianus e Proclo acreditavam se
tratar da causa final do universo imanente a todas as coisas Proclo por sua vez afirmava ser
essa causa o Bem (misto de prazer e inteligecircncia) para todos seres animados66 Na
contemporaneidade contudo a situaccedilatildeo natildeo foi durante muito tempo diferente O debate
acerca do escopo do diaacutelogo como se pode notar remete agrave Antiguidade e mesmo na
atualidade natildeo haacute um caminho para um consenso pelo menos para a maioria dos estudiosos
passou tambeacutem por um longo periacuteodo de discussatildeo
Embora natildeo seja um consenso na contemporaneidade natildeo encontramos muitas
divergecircncias acerca do problema central que envolve a obra Tomemos como primeiro caso
ὁΝἷxἷmὂlὁΝἶἷΝἑὄὁmἴiἷΝ(1λἄἀ)ΝὃuaὀἶὁΝafiὄmaΝὃuἷμΝldquoseu tema (o do Filebo) eacute o status relativo
66 (Cf Dam 1-6) O comentaacuterio de Damaacutescio eacute o uacutenico comentaacuterio neoplatocircnico desse diaacutelogo que chegou ateacute noacutes dentre os comentaacuterios antigos dentre esses perdidos estaria o de Proclo Fato notado a partir das vaacuterias referecircncias de Damaacutescio agraves abordagens dos neoplatocircnicos contemporacircneos a ele presentes no escrito daquele neoplatocircnico (Cf VAN RIEL 2008 p 2)
59 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
ἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷmΝumaΝviἶaΝἴὁardquoΝ(ὂέΝἀἄἃ)έΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝafiὄmaΝaΝ
proacutepria autora Platatildeo faz o caminho inverso neste diaacutelogo ao inveacutes de conjecturar a respeito
do bem universal como fez na Repuacuteblica agora seria mais conveniente questionar o bem na
vida humana e ainda acrescenta
() E de fato o Filebo natildeo estuda empiricamente a boa vida pois ele mesmo [ἥὰἵὄatἷὅ]Ν ἶiὐμΝ ldquoaΝ ἴὁaΝ viἶaΝὧΝ aΝ viἶaΝ miὅtaνΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ὃuἷΝ faὐΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝ umaΝmiὅtuὄaΝὃualὃuἷὄΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝὅatiὅfatὰὄiaςrdquoΝἡΝἐἷmΝuὀivἷrsal eacute pois ao fim e ao cabo a chave para saber qual eacute o bem no homem tambeacutem no Filebo Realmente no Filebo Soacutecrates estaacute fazendo em certa medida o que tanto lhe assustava na Repuacuteblica dizer algo acerca da natureza do bem universal (CROMBIE 1962 p 281-282)
A interpretaccedilatildeo de Crombie natildeo tem sido a mais aceita pela maioria dos estudiosos
Parece evidente a partir de um exame acurado de seu posicionamento que a posiccedilatildeo da
autora recorre a justificaccedilotildees externas sob o propoacutesito de clarificar o intuito platocircnico no Filebo
Na visatildeo da inteacuterprete o diaacutelogo reflete algumas noccedilotildees muito pouco desenvolvidas ou
apresentadas rapidamente por nosso autor e somente por intermeacutedio de Aristoacuteteles segundo
Crombie seria possiacutevel compreendermos os objetivos platocircnicos desse diaacutelogo como uma
obra em que ficam evidentes os conteuacutedos finais da filosofia de Platatildeo Em busca de um fim
vaacutelido para a natureza humana Platatildeo estaria desenvolvendo uma espeacutecie de anaacutelise das
afecccedilotildees em busca de uma definiccedilatildeo essencial neste caso a do bem Seriam niacutetidas neste
diaacutelogo as revisotildees ontoloacutegicas e dialeacuteticas feitas por Platatildeo na obra em questatildeo (CROMBIE
1963 p 361)
Friedlaumlnder em seu Platone (1975 2004) reconhece que o tratamento do prazer e da
inteligecircncia como candidatos ao bem supremo satildeo apenas pretextos platocircnicos para a
abordagem de assuntos ainda mais complexos Na perspectiva do autor o tema do prazer e
da moral satildeo secundaacuterios diante das questotildees referentes agrave dialeacutetica e agrave ontologia que satildeo
apresentadas naquele contexto Como se nota a partir do que diz tal autor
O caso do Filebo no entanto eacute diferente porque no diaacutelogo satildeo grandes as seccedilotildees que tratam da dialeacutetica e da ontologia e elas natildeo tecircm nada a ver com o prazer e com a eacutetica ao menos em um modo direto O diaacutelogo eacute a descriccedilatildeo de uma disputa dramaacutetica entre prazer e conhecimento no curso da qual vem agrave luz qual um terceiro estado aleacutem desses Os defensores do princiacutepio do prazer satildeo Filebo e Protarco Soacutecrates representa o conhecimento Natildeo eacute necessaacuterio acrescentar que Soacutecrates defende a proacutepria tese de uma maneira totalmente diversa em relaccedilatildeo agravequela sustentada pelos dois jovens A diferenccedila eacute imediatamente clara quando Soacutecrates considera possiacutevel ou melhor antecipa (11d11) o fato que uma terceira via possa ser a melhor (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1043)
60 22 O tema central um dissenso
Apoiado nas concepccedilotildees de Schleiermacher o filoacutelogo alematildeo reconhece que o tema
do bem supera as teses iniciais propostas por Soacutecrates e seus interlocutores no iniacutecio da obra
Por isso a questatildeo inicial do diaacutelogo (hedonismo versus anti-hedonismo) natildeo pode ser a
uacutenica nem ao menos a principal A ecircnfase de Soacutecrates recai sobre a defesa natildeo de sua tese
ἶἷΝldquoὅuaΝiὀtἷligecircὀἵiardquoΝmaὅΝἶἷΝumaΝὅaἴἷἶὁὄiaΝ(aΝἶὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὅuὂὄἷmὁὅrdquo)ΝὃuἷΝἷὅtὠΝmaiὅΝ
proacutexima da perfeiccedilatildeo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1044) ldquoἏὅὅimΝ ἶitὁΝ iὅtὁΝ ὁΝ Filebo natildeo eacute
lsquoἶἷὅὂὄὁviἶὁΝἶἷΝatὄativὁὅΝaὄtiacuteὅtiἵὁὅrsquoΝἷΝὂὄὁvavἷlmἷὀtἷΝὀἷmΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝlsquofaἵilmἷὀtἷΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝ
umΝtὄatamἷὀtὁΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁrsquoΝἵὁmὁΝmuitὁὅΝὂaὄἷἵἷmΝἵὄἷὄέΝἡΝἶiὠlὁgὁΝἶἷvἷΝὅἷὄΝviὅtὁΝἵὁmὁ um
ὅἷgmἷὀtὁΝἷxtὄaὂὁlaἶὁΝἶἷΝumΝἵὁὀtἷxtὁΝmaiὅΝamὂlὁrdquo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1045)
Contrariamente a esta posiccedilatildeo a mais comumente defendida eacute que o escopo central
ἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquo o tema central do diaacutelogo Neste sentido as anaacutelises desenvolvidas
no decorrer da argumentaccedilatildeo socraacutetica visam a definiccedilatildeo do bem enquanto paracircmetro
essencial para a composiccedilatildeo da vida boa Ou melhor o propoacutesito platocircnico com esta obra diz
respeito agrave definiccedilatildeo de uma espeacutecie de vida (neste caso aquela mista entre prazeres e
conhecimentos) possiacutevel aos homens a melhor vida capaz de garantir a felicidade a todos os
seres Ou seja em que medida os prazeres e conhecimentos podem ser tidos como bens
uacuteteis a serem incorporados agrave mistura da vida boa capaz de garantir aos homens a felicidade
(TAYLOR 1952 p 408)67 Comungam desta visatildeo Diegraves (2002 p 53) Bravo (2009 p 411)68
Frede (1993 p 13) Hackforth (1945 p 12) Gosling (1975 p 9) Hampton (1990 p 1)
Delcomminette (2006 p 15-16) Davidson (1990 p 14) dentre outros
No entanto podemos destacar ainda trecircs posiccedilotildees muito particulares a respeito do
diaacutelogo as de Guthrie (1978) Gadamer (1983) e Van Riel (1999 2008) Talvez seria melhor
que as consideraacutessἷmὁὅΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅrdquoέΝἕuthὄiἷΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝὃuἷΝὁΝtἷmaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝ
superado no Filebo os problemas concernentes ao hedonismo e ao anti-hedonismo natildeo satildeo
o alvo da discussatildeo platocircnica neste periacuteodo final Estas questotildees jaacute teriam sido abordadas
em outros diaacutelogos como no Goacutergias e na Repuacuteblica isto eacute o prazer e o bem jaacute foram tratados
nos respectivos diaacutelogos Neste diaacutelogo tardio a tarefa de Platatildeo eacute desenvolver a criacutetica
acerca da relevacircncia destes temas (prazer e bem) na constituiccedilatildeo da vida mista e demonstrar
quais deles participam desta mistura (1978 p 202)
A leitura de Guthrie do Filebo ressalta tambeacutem o criteacuterio cosmoloacutegico do Filebo
justamente porque neste diaacutelogo Soacutecrates admite a existecircncia de uma inteligecircncia divina
(θκ μ) que governaria o cosmos (28c-e 30a-d) Assim afirma o teoacuterico
67 Esta tem sido a intepretaccedilatildeo corrente mais aceita entre os comentadores e estudiosos da obra 68 ldquoἡΝtἷmaΝfuὀἶamἷὀtalΝἶὁΝFilebo natildeo eacute o prazer como daacute a entender o subtiacutetulo tradicional mas a vida ἴὁaΝὁuΝmaiὅΝὂὄἷἵiὅamἷὀtἷΝὁΝἴἷmΝὅuὂὄἷmὁΝἶὁΝhὁmἷmrdquoΝ(ἐἤἏVἡΝἀίίλΝὂέΝἂ11)έ
61 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
O Filebo eacute uma excelente ilustraccedilatildeo do talento de Platatildeo em combinar a eacutetica e a metafiacutesica o humano e o coacutesmico A totalidade do real esta eacute sua competecircncia pois ele natildeo estaacute disposto a separar nenhuma de suas partes porque essas satildeo partes de um todo orgacircnico A alma do homem eacute um fragmento da alma universal (30a) e a ordem eacute a mesma nas almas individuais nas cidades-estados e no universo em geral O Filebo trata do indiviacuteduo o Poliacutetico do Estado e o Timeu do universo em geral mas todos igualmente em seus cenaacuterios satildeo retratados como partes integrantes de uma ordem coacutesmica (1978 p 203)69
Gadamer vai ainda mais aleacutem ao considerar que o Filebo natildeo consiste unicamente em
definir o que seja a vida feliz que tipo de vida feliz eacute essa e o modo pelo qual os homens
poderatildeo alcanccedilaacute-la Para tal Gadamer procura compreender esse caminho em busca do bem
a partir da concepccedilatildeo defendida por Soacutecrates no diaacutelogo aquela propriamente de que o bem
eacute almejaἶὁΝὂὁὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅέΝΝἏΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶἷὅὅaΝldquoὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝmaiὁὄrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝἶἷfiὀἷΝaΝ
essecircncia humana ou seja o modo como deve agir os homens que estatildeo em prol da felicidade
(GADAMER 1983 p 163) Em um segundo plano Soacutecrates assegura que esse
conhecimento acerca do papel das afecccedilotildees humanas soacute eacute possiacutevel pelo entendimento pela
memoacuteria (ηθ ηβθ) (Cf 35c) Somente o homem ndash e este parece ser o traccedilo distintivo da
natureza humana ndash eacute capaz de avaliar os seus prazeres de julgaacute-los diferentemente dos
animais que apenas tecircm sensaccedilotildees sem poderem assim significaacute-las ou mesmo
ressignificaacute-las (1983 p 163-164)
Contudo ainda eacute dada ao homem a possibilidade de poder distinguir entre sabedoria
e prazer entre ser um simples ser de afetos ou a capacidade de guiar suas accedilotildees
(sabiamente) a fim de que possa obter a felicidade Entretanto quando comparada agrave
inteligecircncia divina (θκ μ) em termos qualitativos sua inteligecircncia eacute imperfeita sua auto
compreensatildeo eacute limitada sua inteligecircncia eacute potencial possiacutevel de se desenvolver em relaccedilatildeo
a capacidade de refletir acerca de um referencial para suas accedilotildees (GADAMER 1983 p 164)
ἕaἶamἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝὃuἷΝaΝvἷὄἶaἶἷΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝhumaὀaΝὧΝumaΝὃuἷὅtatildeὁΝ
dialeacutetica se daacute mediante as possibilidades e contradiccedilotildees que surgem a partir dos discursos
dos loacutegoi Tais discursos visam uma medida um padratildeo capaz de conciliar tais contradiccedilotildees
Em certo sentido uma busca pela verdade poreacutem dialeacutetica que admite a natureza faacutetica da
vida humana Por conseguinte nenhuma posiccedilatildeo dogmaacutetica pode ser aceita no Filebo (1983
p 164-165)
Para finalizar segundo o estudioso alematildeo a discussatildeo empreendida por Platatildeo no
diaacutelogo tem por objetivo a questatildeo do Bem contudo
69 Na contemporaneidade a interpretaccedilatildeo de Carone (2008 p 123-186) se assemelha a de Guthrie justamente por compreender a eacutetica por meio de perspectivas cosmoloacutegicas Ainda retornaremos agraves intepretaccedilotildees de Carone ao longo do texto
62 22 O tema central um dissenso
A questatildeo do bem na vida humana conteacutem desde jaacute uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e sendo assim busca a uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo (diaacutethesis) ou uma certa atitude (heacutexis) ἶaΝ almaΝ ἵaὂaὐΝ ἶἷΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ homens O bem eacute portanto concebido anteriormente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Ele natildeo eacute ἵὁmὁΝὅἷΝaἵὄἷἶitaΝiὀgἷὀuamἷὀtἷΝὁΝὅἷὀὅὁΝἵὁmumΝalgὁΝὃuἷΝὁΝhὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(compreensatildeo vulgar de aacutegathon) mas uma modalidade de seu ser Pois o homem eacute precisamente sua alma O problema se coloca nos seguintes termos Qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de possibilitar a todos os hὁmἷὀὅΝ aΝ viἶaΝ ldquofἷliὐrdquoςΝ ἏΝ ldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ (eudaimon) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado do bem ao qual o homem aspira (no mesmo sentido por exemplo que se possui uma alternativa entre a felicidade e a virtude) mas refere-se em geral ao mais alto grau do humanamente desejaacutevel neste estado onde nada mais poderia ser desejado (GADAMER 1983 p 166 grifos do autor)
Van Riel afirma que o Filebo tem ainda como temaacutetica central o prazer contudo com
notaacuteveis especificidades a despeito dos diaacutelogos anteriores como Goacutergias no Feacutedon e
RepuacuteblicaέΝἏlὧmΝἶἷΝmaiὅΝἷxauὅtivaΝaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝtiἶὁΝἵὁmΝldquotaὄἶiὁrdquoΝἢlatatildeὁΝ
reafirmaria sua posiccedilatildeo agrave posiccedilatildeo anti-hedonista ou seja um enfrentamento ao hedonismo
ἶἷΝ umaΝ maὀἷiὄaΝ maiὅΝ ldquoἴὄaὀἶardquoΝ ὅἷmΝ utiliὐaὄ-se do intelectualismo riacutegido dos diaacutelogos
anteriores Dessa forma conveacutem agora atribuir um papel importante ao prazer na constituiccedilatildeo
da boa vida mas sem admiti-lὁΝἵὁmὁΝἴἷmέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝaὀaliὅaἶὁΝἶἷΝumaΝmaὀἷiὄaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἷΝ
ὀatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝἵaὄὄἷgaὀἶὁΝἵὁὀὅigὁΝaiὀἶaΝἵἷὄtὁΝἵaὄὠtἷὄΝἶἷὂὄἷἵiativὁΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝ(VἏἠΝ
RIEL 1999 p 300)
Na visatildeo contemporacircnea de teoacutericos como George Rudebusch (2007) Fernando
Muniz (2012) e Marques (2011) a questatildeo primordial do Filebo eacute a vida boa sem duacutevidas
mas ela passa neste diaacutelogo fundamentalmente pelo prazer Dito de outro modo a longa e
relevante anaacutelise dos prazeres (haja vista o tratamento exaustivo desse tema por Platatildeo na
ὄἷfἷὄiἶaΝὁἴὄa)ΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝἵὁὀἶuὐΝaὃuiΝaΝ umaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝὂὁὄtaἶὁὄaΝἶἷΝumΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶὁΝ
diaacutelogo ela eacute decerto um bom caminho para compreendermos melhor os fins da obra A
reflexatildeo sobre os prazeres enquanto propriamente questatildeo filosoacutefica cara ao nosso filoacutesofo
nos dirige a apontamentos que configuram ainda mais a atividade dialeacutetica ao serem
apresentadas mais uma de suas funccedilotildees essenciais que natildeo apenas as epistemoloacutegicas
(gnosioloacutegicas) mas tambeacutem ao papel desempenhado por tal tarefa na discussatildeo eacutetica
(valorativas ou axioloacutegicas) essenciais na compreensatildeo do pensamento platocircnico A
pergunta sobre o papel na vida humana mista de prazer e conhecimento nos permitiria
compreender ainda mais aquelas questotildees ἶitaὅΝldquofuὀἶamἷὀtaiὅrdquoΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝfilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵaμ
O prazer eacute de fato o protagonista da cena do diaacutelogo Mais da metade do Filebo eacute dedicada agrave classificaccedilatildeo dos prazeres (31a-55a) o que representa
63 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
1205 linhas da ediccedilatildeo Tauchnitz enquanto a parte referente ao pensamento e ao conhecimento tomam apenas 181 linhas (55c-59c) e todo o restante do diaacutelogo natildeo ultrapassa 1164 Ainda que o ponto de vista quantitativo seja um indicativo importante natildeo eacute obviamente conclusivo Mas a discussatildeo que percorre o diaacutelogo envolve sem duacutevida o problema do prazer e seu lugar na vida humana () (MUNIZ 2012 p11)
Nem mesmo acerca do tema central do diaacutelogo ndash uma questatildeo aparentemente simples
se analisaacutessemos o conteuacutedo de outros diaacutelogos ndash se obteacutem um consenso geral por parte dos
estudos Meu propoacutesito eacute tornar evidente por meio deste trabalho ressaltadas as questotildees
histoacuterico-interpretativas do diaacutelogo em questatildeo que o tema do prazer ocupante da maior parte
da obra (protagonista) encontra-se incorporado a tantas outras questotildees fundamentais caras
a nosso autor e que reaparecem no Filebo como as referecircncias agrave proacutepria potecircncia dialeacutetica
o papel competente aos prazeres e conhecimentos (teacutecnicasciecircncias) na constituiccedilatildeo da vida
boa humana (mista) a relaccedilatildeo entre a atividade dialeacutetica e a potecircncia do bem a classificaccedilatildeo
dos bens e dos conhecimentos (teacutecnicas) o problema da unidademultiplicidade dos prazeres
os falsos e verdadeiros prazeres a criacutetica a retoacuterica e agrave eriacutestica as analogias entre a muacutesica
a gramaacutetica e a dialeacutetica dentre outras Partindo do proacuteprio diaacutelogo acredito que a reflexatildeo
platocircnica acerca dos prazeres natildeo eacute um tema novo e que o Filebo constitui o maacuteximo e o
uacuteltimo esforccedilo de Platatildeo sobre o tema Um exame (o dos prazeres) que como se nota estaacute
presente jaacute em outras obras apesar de situar-se em contextos dialeacuteticos distintos sendo
tratado de acordo com os propoacutesitos de determinada obra o prazer ao longo da obra platocircnica
iraacute demonstrar sua forccedila ele se manteacutem firme enquanto forte candidato para enfrentar a
iὀtἷligecircὀἵiaΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἶiὅὅἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
retomar natildeo me parece que Platatildeo muda sua visatildeo sobre o prazer mas apenas a torna mais
clara no decorrer de sua obra a ponto de apresentar-nos algo dotado de profundidade e de
refinamento nas linhas compotildeem o Filebo
O prazer eacute uma questatildeo filosoacutefica premente na filosofia de Platatildeo e que exige todo o
rigor que eacute conferido a ele no nosso diaacutelogo Esse rigor platocircnico se torna perceptiacutevel agrave medida
em que a anaacutelise dos prazeres exige uma reflexatildeo profunda sobre a funccedilatildeo das afecccedilotildees na
vida dos homens isto eacute passa pela proacutepria configuraccedilatildeo sobre o movimento do desejo e da
sua efetividade na alma humana O papel da reflexatildeo (dialeacutetica) tambeacutem eacute fundamental para
ὅἷΝalἵaὀὦaὄΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὀὃuaὀtὁΝativiἶaἶἷΝἶἷliἴἷὄativa (limiteilimitado) das accedilotildees dos
cidadatildeos cuja finalidade uacuteltima parece configurar-se na plena realizaccedilatildeo de todos os seres
humanos isto eacute na posse do bem maior por conseguinte da felicidade Como bem considera
Gazolla
A discussatildeo do Filebo () nos interessa na medida em que seria a ponte do theoreicircn ao pratteicircn ndash ele pergunta sobre a relaccedilatildeo prazer-felicidade atraveacutes do qual o problema do uno e muacuteltiplo nas ideias e nos seres sensiacuteveis pode
64 23 O contexto histoacuterico e os personagens
enquadrar-se no campo das accedilotildees eacuteticas A intenccedilatildeo socraacutetica nessa primeira arte do diaacutelogo eacute demonstrar a Filebo ndash interlocutor que segue uma corrente bastante aceita na eacutepoca e apregoa a felicidade humana pela via do prazer ndash o que eacute a phrocircnesis70 Essa expressatildeo eacute de difiacutecil traduccedilatildeo indicativa de um verbo phreicircn e que significa refletir o que nos leva a traduzi-la por ldquoaὦatildeὁΝὄἷflἷtiἶardquoΝὁuΝldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝὂὄὠtiἵardquoΝmaὅΝὀuὀἵaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἅἃ-176 grifos da autora)
ἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝaὅΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝἶἷΝWὁlfὅἶὁὄfΝ (ἀί1ἁ)Ν ldquoὁΝ tὄatamἷὀtὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝ
Platatildeo no Filebo eacute de longe o mais elaborado Naturalmente eacute o mais elaborado tratado
aἵἷὄἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝaὀtiguiἶaἶἷΝὃuἷΝὀὰὅΝὂὁὅὅuiacutemὁὅrdquoΝ(ὂέΝἅἂ)έΝἡuΝἵὁmὁΝafiὄmὁuΝἐuὄyΝ(1ἆλἅ)Ν
ldquoὂὁὄΝὅἷuΝὄigὁὄΝἷΝἵὁmὂlἷtuἶἷΝἷmΝὅuaΝἵὄiacutetiἵaΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὁΝFilebo certamente sustenta-se sozinho
entre os escritos preacute-aristoteacutelicos ()rdquoΝ (ὂέΝ ἀἆ)Ν iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ muitὁὅΝ ἶὁὅΝ aὅὂἷἵtὁὅΝ ὧtiἵὁὅΝ
desenvolvidos no diaacutelogo iratildeo marcar profundamente o pensamento filosoacutefico ocidental
posterior tendo as concepccedilotildees filosoacuteficas platocircnicas (ora aceitando-as ora confrontando-as)
como base Diante disso o impacto da leitura do Filebo embora natildeo tenha ganhado tanta
forccedila apoacutes o neoplatonismo emerge na contemporaneidade com toda a forccedila devido aos
temas importantes como jaacute ressaltamos contidos nesta obra
23 O contexto histoacuterico e os personagens
Um dos principais fatores que tambeacutem dificultam o estudo da obra por parte do leitor
eacute o contexto histoacuterico Acerca do Filebo diferentemente das outras obras de Platatildeo natildeo
possuiacutemos qualquer referecircncia a respeito do local e da data de composiccedilatildeo ou se esse
diaacutelogo teria mesmo ocorrido (o que eacute bem pouco provaacutevel) Como dissemos anteriormente
a respeito do dissenso entre os estudiosos acerca do tema principal do diaacutelogo em grande
parte ele se deve tambeacutem agrave ausecircncia de referenciais histoacutericos que tratem ou que faccedilam uma
referecircncia direta a esse debate especificamente
De acordo com Schofield a composiccedilatildeo Filebo data das uacuteltimas duas deacutecadas da vida
de Platatildeo entre os anos de 360 aC e 347 aC (1998 p 419) Como jaacute foi dito maioria dos
estudiosos (dentre eles Bury (1897) Taylor (1956) Guthrie (1975) Crombie (1988))
consideram a obra como parte dos diaacutelogos tardios de Platatildeo71 Enquanto alguns
70 ἦὄataὄἷiΝἶὁΝldquoἵamὂὁΝὅἷmacircὀtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὀὁΝὂὄὰximὁΝἵaὂiacutetulὁΝἷΝaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝfὁὄmaὅΝsegundo as quais ele possa ser compreendido na obra platocircnica e especialmente no caso do Filebo 71 Sobre isso vale retomar o famoso artigo de Brandwood (2013 p 113-1ἂἁ)μΝldquoἏΝὂἷὅὃuiὅaΝiὀiἵialΝὅὁἴὄἷΝo vocabulaacuterio de Platatildeo por Campbell Dittenberger e Schanz culminando no livro de Ritter sobre o assunto identificada no Sofista no Poliacutetico no Filebo no Timeu Criacutetias e Leis um grupo de diaacutelogos que se distinguiam dos demais por uma ocorrecircncia exclusiva ou aumentada de certas palavras e frases Investigaccedilotildees subsequentes sobre esse aspecto de estilo chegaram agrave mesma conclusatildeo e a dicotomia foi confirmada por dois criteacuterios adicionais com a descoberta de que somente nestes trabalhos ()
65 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
revisionistas como Ryle (1966) e Waterfield (1980) insistem em colocaacute-lo entre os da fase
meacutedia juntamente agrave Repuacuteblica e ao Timeu
Para os estudiosos citados acima o Filebo ἶἷvἷΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝἷmΝἵuὄὅὁrdquoΝ
isto eacute Platatildeo teria nesse diaacutelogo representado (dramaticamente) duas das principais
concepccedilotildees correntes de sua eacutepoca (uma anti-hedonista e uma outra hedonista) isto eacute tratar-
se-ia de um diaacutelogo escoliasta que postulava dois modos distintos de vida) ambas defendidas
por estudiosos da Academia Isto porque segundo tais o diaacutelogo se iniciaria a partir da
retomada de duas teses contraditoacuterias uma em defesa do prazer e outra como partidaacuteria da
inteligecircncia ndash sendo que ambas arrogariam a si o precircmio concedido ao vencedor da disputa
ὃuἷΝvἷὄὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝὅὁἴὄἷΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝὁuΝiὀtἷligecircὀἵia)ΝὂὁὅὅaΝviὄΝ
a ser considerado como o bem (11b-c) Filebo representaria um hedonismo radical a defesa
irrefreaacutevel pela busca do prazer enquanto Soacutecrates defenderia sua tese intelectualista do
bem O fato eacute que ainda muito se confabula a respeito das reais identidades que estariam
representadas nas teorias defendidas por Filebo e Protarco tendo em vista a pobre doxografia
que possuiacutemos sobre tal tema polecircmico Ademais muito se questiona sobre Soacutecrates que a
despeito do meacutetodo utilizado por Platatildeo nos diaacutelogos da velhice retorna agrave trama dialoacutegica
como protagonista da discussatildeo
Uma das teses mais fortes eacute a de que Filebo refira-se a Eudoxo matemaacutetico grego e
filoacutesofo da Academia o qual segundo nos informa Aristoacuteteles era quem defendia que o prazer
era o bem (EN X 2 1172b9-5) Para muitos estudiosos (Cf DIEgraveS 2002 p13-17) a
personagem que daacute nome ao diaacutelogo nada mais eacute do que uma dramatis persona utilizada
literariamente por Platatildeo ao configurar a posiccedilatildeo de Eudoxo Enquanto a posiccedilatildeo defendida
por Soacutecrates expressaria a oposiccedilatildeo riacutegida (anti-hedonista) de Espeusipo sucessor de Platatildeo
na Academia O nome Filebo tambeacutem pode ser compreendido por um jogo de palavras (Φiacuteζ
amigoamante + β + ίκμ da juventude) ou melhor amante da forccedila juvenil Contudo como
veremos Filebo interveacutem na discussatildeo em apenas trecircs momentos e quem ocupa o papel de
Platatildeo fez uma tentativa consistente de evitar certos tipos de hiato e chegou a um tipo diferente de rimo de prosa () Com relaccedilatildeo agrave questatildeo da sequecircncia no grupo cronoloacutegico final ao comparar os vaacuterios tipos de evidecircncia um peso particular talvez devesse ser atrelado ao ritmo de prova e ao evitar o hiato uma vez que diferentemente do que se tem no vocabulaacuterio eles parecem independentes tanto da forma de uma obra como de seu conteuacutedo Muito embora o testemunho dos dados para se evitar o hiato foram ambiacuteguos trecircs investigaccedilotildees independentes sobre ritmo de claacuteusula e uma investigaccedilatildeo sobre ritmo de sentenccedila mostraram concordes ao concluir que a ordem sequencial de composiccedilatildeo seria Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Agrave luz dessa ambiguidade de evidecircncia do hiato um indiacutecio quanto agrave posiccedilatildeo do Filebo pode ser resolvida em favor de sua proximidade em relaccedilatildeo agraves Leis posiccedilatildeo amparada por aspectos particulares do hiato e por outros aspectos como o retorno a formas mais longas de foacutermulas de reacuteplica apoacutes uma predominacircncia de versotildees abreviadas nos trabalhos precedentes a culminacircncia de uma tendecircncia para o uso mais frequente de expressotildees superlativas a elevada proporccedilatildeo de Peacuteri e preferecircncia ndash ampliada se se considerar o Timeu Criacutetias e o Sofista ndash ὂὁὄΝumaΝlὁὀgaΝὅiacutelaἴaΝfiὀalΝἷmΝἵlὠuὅulaὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἂἀ-144)
66 23 O contexto histoacuterico e os personagens
interlocutor no diaacutelogo eacute Protarco Sobre este uacuteltimo personagem Protarco tambeacutem temos
pouquiacutessimas informaccedilotildees No diaacutelogo Soacutecrates se refere a este interlocutor chamando-o
tamἴὧmΝἶἷΝldquoἔilhὁΝἶἷΝἑὠliaὅΝ(1λἴἃ)Νldquo(έέέ) nome muito comum em Atenas portanto para muitos
inteacuterpretes natildeo pode ser confundido com o riquiacutessimo Caacutelias amigo de Soacutecrates cujo filho
era uma crianccedila no tempo do processo deste uacuteltimo (Soacutecrates) (ApolΝ ἀίa)rdquo72 Torna-se
impensaacutevel para a maioria dos estudiosos que Protarco seja uma figura histoacuterica mas apenas
uma figura dramaacutetica utilizada por Platatildeo no diaacutelogo
Outra tese mais antiga eacute de que a obra ilustraria o conflito entre duas das escolas de
pensamento da antiguidade a dos ciacutenicos e a dos cirenaicos Desta forma o diaacutelogo
representaria a posiccedilatildeo (mediadora) de Platatildeo distinta de ambas as posiccedilotildees extremadas O
hedonismo levado agraves extremas encontraria sua expressatildeo maacutexima na figura de Aristipo de
Cirene (cirenaico)73 para o qual o bem eacute o maior gozo possiacutevel ou seja prazer em demasia
Por outro lado Antiacutestenes (ciacutenico) seria representado no diaacutelogo pela figura de Soacutecrates na
tese inicial o qual advoga em favor de um modo de vida estritamente riacutegido (intelectualista)
fundamentado em uma postura austera que apregoa a fuga dos prazeres pois teriam como
fim unicamente a perturbaccedilatildeo da alma (TAYLOR 1926 p 409) Mas nada confirmaria esta
tese como jaacute dissemos a doxografia eacute muito pobre a ponto de afirmar semelhante debate
acadecircmico
Ao contraacuterio do que notamos nos outros diaacutelogos de Platatildeo no Filebo natildeo haacute nenhuma
referecircncia ao local geograacutefico onde se passa o diaacutelogo nem ao menos acerca do momento
ou de algum fato histoacuterico a partir do qual poderiacuteamos inferir alguma indicaccedilatildeo precisa do
diaacutelogo Um outro fator essencial que intriga muitos inteacuterpretes da obra eacute o retorno da figura
de Soacutecrates ao diaacutelogo jaacute que natildeo eacute ele o condutor da discussatildeo no Sofista e nas Leis todos
ὁὅΝἶὁiὅΝήltimὁὅΝtamἴὧmΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaΝἶitaΝldquoήltimaΝfaὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἑὁmὁΝjὠΝ
ἶἷὅtaἵamὁὅΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶὁΝ aὅΝ iὀήmἷὄaὅΝ ἶifiἵulἶaἶἷὅΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶὁΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝ ἶἷΝ
ἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὃualΝὅἷὄiaΝἷὀtatildeὁΝaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝmaiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝaΝἷὅtἷΝldquoὄἷgὄἷὅὅὁrdquoΝἶaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ
(Soacutecrates) como condutor da discussatildeo no caso do Filebo
Essa eacute uma questatildeo problemaacutetica e que admite variadas formulaccedilotildees Mas parece que
muitos admitiriam que Soacutecrates tal como aparece no Filebo e o modo como conduz a
argumentaccedilatildeo assim como as teses que defende nada se parece com o Soacutecrates aporeacutetico
dos primeiros diaacutelogos
72 Esta informaccedilatildeo tambeacutem eacute contestada por alguns estudiosos como GUTHRIE (1978 p 198) TAYLOR (1926 p 409) e HACKFORTH (1945 p 7) 73 ἏfiὄmaΝἔὄiἷἶlaumlὀἶἷὄμΝldquoἡΝἵὁὀtὄaὅtἷΝἷὀtὄἷΝaΝὧtiἵaΝhἷἶὁὀiὅtaΝἷΝaΝὧtiἵaΝaὀti-hedonista (intelectualista) jaacute havia sido antecipada na oposiccedilatildeo entre ciacutenicos e cirenaicos (2004 p 1044) Sobre isto cf Bravo (2009 p 412)
67 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
Uma das surpresas do Filebo eacute a volta de Soacutecrates agrave cena Ele que tinha sido deixado de lado em diaacutelogos da uacuteltima fase de Platatildeo cedendo lugar na conduccedilatildeo da conversa dialeacutetica a figuras como a do Estrangeiro de Eleia retorna com um de seus temas preferidos o prazer mas desta vez com um estilo menos aporeacutetico e mais afinado com a problemaacutetica dos diaacutelogos da uacuteltima da uacuteltima fase (MUNIZ 2012 p 21)
Alguns estudiosos como Friedlaumlnder (2004) afirmam ser o Soacutecrates do Filebo aquele
mesmo Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais aquele que vemos dialogar com os jovens Tal acepccedilatildeo
verifica-se segundo este autor pela postura socraacutetica em defender uma tese especiacutefica
poreacutem ao mesmo tempo submetendo-a agrave criacutetica caracteriacutestica proacutepria do predominante
condutor dos diaacutelogosέΝ ἏΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ldquoὁΝ ἴἷmΝ ὧΝ aΝ ὅaἴἷἶὁὄiardquoΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeὁΝ
dogmaacutetica mas um ponto de partida na discussatildeo que se inicia Semelhante proposiccedilatildeo
como se observa seraacute abandonada pelo condutor da discussatildeo agrave medida que o diaacutelogo
avanccedila sendo demonstradas a inadequaccedilatildeo da tese inicial e a parcialidade perante sua
justificaccedilatildeo (p 1046)
Diegraves (2002) segue uma direccedilatildeo oposta Para ele o Soacutecrates do Filebo nada tem de
semelhante com o Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais A figura de Soacutecrates natildeo tem nada de irocircnica
nesta obra Como nos primeiros diaacutelogos o filoacutesofo natildeo eacute aquele que debate que argumenta
que brinca mas preocupa-se muito mais em expor determinadas questotildees sem duvidar da
validade de suas teses (DIEgraveS 2002 p 9) Similarmente Guthrie afirma que Soacutecrates retorna
agrave cena dramaacutetica como condutor do diaacutelogo porque o tema eacute o prazer Ademais o Soacutecrates
do Filebo assemelha-se mais ao Estrangeiro de Eleacuteia do Sofista do que ao Soacutecrates irocircnico
visto nos escritos platocircnicos da juventude
a fim de tornaacute-lo (Soacutecrates) mais confiaacutevel Platatildeo faz com que Protarco peccedila a Soacutecrates em nome de todos os jovens presentes que abandone sua praacutetica de pocircr os jovens em dificuldades perante questotildees sem respostas [aporias] A partir de agora eacute Soacutecrates mesmo que deveraacute responde-las enquanto seus interlocutores se esforccedilaratildeo para segui-lo da melhor maneira (19e- 20a) cf 28bc) Satildeo alguns dos raros toques pessoais nos diaacutelogos mas em geral faz faltar o interesse dramaacutetico (GUTHRIE 1978 p197-198)
Algumas anaacutelises mais recentes sobre a estrutura e a composiccedilatildeo dramaacutetica do
ἶiὠlὁgὁΝ ὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝ ὀὁΝ ὃuἷὅitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅrdquoΝ ὅatildeὁΝ aiὀἶaΝmaiὅΝ iὀtἷὄἷὅὅaὀtἷὅ como aquela
apresentada por Dorothea Frede A autora afirma no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo do Filebo que
nos deparamos ali com um Soacutecrates (forjado por Platatildeo) que estaacute a debater a discutir e que
natildeo apresenta uma definiccedilatildeo uacuteltima sobre determinados assuntos Assim ela defende
Na verdade ele [Platatildeo] parece ter feito Soacutecrates o principal orador mais uma vez precisamente porque nenhum tratamento final eacute intencionado mas um
68 23 O contexto histoacuterico e os personagens
exame discursivo com sugestotildees e insinuaccedilotildees que podem ir longe mas nunca plenamente suficiente para resolver as questotildees de tal forma que o leitor poderia reivindicar a plena compreensatildeo de uma doutrina definitiva Em suma a Platatildeo soacute resta o proacuteprio Platatildeo o filoacutesofo que se recusa a fixar na mente de seus leitores suas intenccedilotildees finais (FREDE 1993 p 7)
Em suma a teoacuterica alematilde sugere que o meacutetodo pedagoacutegico-socraacutetico (o ζ ΰξκμ) eacute
reutilizado por Platatildeo a fim de persuadir seus interlocutores a respeito de sua concepccedilatildeo da
vida boa no diaacutelogo Desta maneira por um lado a figura de Soacutecrates simula as ideias do
ldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὁΝἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝὂὅiἵὁlὰgiἵὁ-filosoacutefico do autor tardio mas por outro natildeo
se separou ainda permanece unido a seu mestre Contudo natildeo eacute relevante para a autora a
figura de Soacutecrates neste retorno mas sim o modo como ele se porta na discussatildeo isto eacute
ἥὰἵὄatἷὅΝaὃuiΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁΝldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶἷΝὅuas doutrinas apresentadas em seus
uacuteltimos escritos O papel do condutor eacute relevante apenas em um primeiro momento porque
ele eacute quem iraacute retomar a discussatildeo eacutetica da qual Platatildeo teria como maior referencial a filosofia
de Soacutecrates No entanto sua funccedilatildeo reduz-se agrave dramatis persona (Soacutecrates) sob o propoacutesito
ἶἷΝ ὂἷὄὅuaἶiὄΝ ὁὅΝ jὁvἷὀὅΝ aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶaΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (aiacuteΝ ὅimΝ umaΝ tἷὁὄiaΝ
especificamente platocircnica)
Em outro artigo Frede (2013) sublinha semelhante posiccedilatildeo
O que perturba eacute o fato de parecermos ter uma discussatildeo socraacutetica normal diante de noacutes neste que aparentemente eacute um dos uacuteltimos trabalhos de Platatildeo Aacute primeira vista o Filebo natildeo parece apresentar nenhum dos traccedilos dramaacuteticos dos outros uacuteltimos diaacutelogos O proacuteprio Soacutecrates estaacute guiando a discussatildeo () estamos de volta a Atenas imerso em uma disputa viva entre um Soacutecrates e interlocutores natildeo muito diferente das que satildeo usadas nos diaacutelogos socraacuteticos () existe [neste diaacutelogo] um antagonismo verdadeiro humoriacutestico ndash e isso inclui insinuaccedilotildees de caraacuteter sexual ndash e uma conversatildeo gradual Se se olhar para a forma dramaacutetica eacute quase como se Platatildeo quisesse provar ao mundo que mesmo nessa idade avanccedilada madura ele fosse capaz de compro diaacutelogos vivos e tambeacutem que Soacutecrates de modo algum pudesse ficar esquecido (p 510-511)
E justifica mais detalhadamente tal posiccedilatildeo dizendo que
Platatildeo teria achado difiacutecil evocar fosse um eleata fosse um pitagoacuterico como liacuteder de tal discussatildeo e haveria boas razotildees para deixar Soacutecrates aceitar o desafio Platatildeo ao que parece retornou agrave forma anterior dos diaacutelogos socraacuteticos porque desejava reabrir uma questatildeo que fora preocupaccedilatildeo bastante seacuteria do primeiro Soacutecrates platocircnico qual seja o debate sobre a natureza e avaliaccedilatildeo do prazer (FREDE 2013 p 511)
Soacutecrates segundo Frede visto como carecente pobre eacute incompleto frente agrave figura do
dialeacutetico elaborada por Platatildeo no processo argumentativo O primeiro representa a figura da
69 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
natureza humana (carecentedesejosa) enquanto o dialeacutetico platocircnico ilustra a perfeita
sabedoria a completude (FREDE 2013 p 543) Assim sendo no Filebo a caracterizaccedilatildeo do
dialeacutetico natildeo soacute caracteriza a essecircncia da filosofia platocircnica como tambeacutem marca claramente
a distinccedilatildeo entre a figura do filoacutesofo (Soacutecrates) e a do dialeacutetico (Platatildeo) Aleacutem disso a obra
evidenciaria a superaccedilatildeo de Platatildeo em relaccedilatildeo agrave filosofia socraacutetica que agora transfigura-se
como dialeacutetica
Lidar com tais processos natildeo eacute assunto e preocupaccedilatildeo do dialeacutetico jaacute que ele eacute o homem perfeitamentἷΝ ὅὠἴiὁΝ ἵujὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷΝ ὧΝ ldquoὅἷὄΝ ὄἷaliἶaἶἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝἷΝὁΝἷtἷὄὀamἷὀtἷΝiἶecircὀtiἵὁrdquoΝ(ἃἆa)νΝὧΝἶὁΝiὀtἷὄἷὅὅἷΝἶaὃuἷlἷΝὃuἷΝἴuὅἵaΝa completude cujo representante eacute o pobre descalccedilo poreacutem implacaacutevel d infatigaacutevel Soacutecrates retratado no Banquete ou entatildeo do interesse do atribulado cantor de uma palinoacutedia em favor do amor no Fedro O progresso em direccedilatildeo agrave perfeiccedilatildeo eacute o que o melhor tipo de prazer na vida humana representa e eacute o motivo pelo qual uma vida humana natildeo seria desejaacutevel sem prazer na condiccedilatildeo de humano eacute incompleto e necessita da constante tendecircncia e conclusatildeo ardentemente desejada pelo filoacutesofo socraacutetico (embora natildeo o dialeacutetico platocircnico) (FREDE 2013 p 543)
Ademais um outro elemento socraacutetico reconhecido pela autora como presente no
diaacutelogo eacute o carὠtἷὄΝldquomὧἶiἵὁrdquoΝἶaΝfilὁὅὁfiaΝὅὁἵὄὠtiἵaέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝἶἷΝumΝ
estado harmonioso tanto do corpo quando alma que procura sair de tal estado dissoluto (dor)
Aqui de acordo com Frede natildeo se pode negar a presenccedila deste caraacuteter (imprescindiacutevel) de
restauraccedilatildeo que a reflexatildeo sobre as afecccedilotildees humanas pode trazer ao homem Dito isso ao
que parece encontra-ὅἷΝaiὀἶaΝὂὄἷὅἷὀtἷΝὀaΝὁἴὄaΝumΝἵaὄὠtἷὄΝldquoἵatὠὄtiἵὁrdquoΝ(ὂuὄifiἵaἶὁὄ)ΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
aos prazeres ndash herdado da filosofia de Soacutecrates ndash e que permanece como pano de fundo na
composiccedilatildeo do Filebo por parte de nosso autor Dessa maneira isso demonstra jamais ter
havido uma renuacutencia agrave analogia meacutedica que justificou a criacutetica de Soacutecrates agrave moralidade de
seus contemporacircneos ela foi reescrita em novos termos que atrelam ser e tornar-se a
imposiccedilatildeo de limites no ilimitado (FREDE 2013 p 544)74
Em oposiccedilatildeo agrave leitura de Frede C Rowe (1999) compreende o protagonismo de
Soacutecrates no diaacutelogo de uma outra forma Natildeo lhe faltaram criacuteticas agrave intepretaccedilatildeo da teoacuterica
norte-americana Segundo o autor no diaacutelogo natildeo notamos uma draacutestica diferenccedila entre o
Filebo algo que o distinguiria particularmente dos outros diaacutelogos tardios (Sofista Poliacutetico
etc) como considera Frede Nem sequer poderiacuteamos afirmar com toda clareza que Platatildeo
serve-se do ζ ΰξκμΝtalΝἵὁmὁΝὅἷΝὁἴὅἷὄvaΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝ(ἤἡWἓΝ1999 p 9-11)
74 ἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝ ὧΝ imὂἷὄiὁὅὁΝ ἶἷὅtaἵaὄΝ aΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἥaὀtὁὄὁΝ (ἀίίἅ)Ν aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ldquoἵatὠὄtiἵaΝ ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅrdquoΝἶἷὅἷὀvὁlviἶaΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝFilebo O prazer que transita entre medida e desmedida entre pureza e impureza Na visatildeo do autor uma visatildeo predominantemente entre os antigos (Cf SANTORO F Arqueologia dos Prazeres Rio de Janeiro Objetiva 2007)
70 23 O contexto histoacuterico e os personagens
Segundo Rowe a obra pelo contraacuterio daacute continuidade aos temas tratados no periacuteodo tardio
e natildeo se revela como um diaacutelogo especial neste uacuteltimo periacuteodo A dialeacutetica neste caso tem
um objetivo claro e reafirma a postura de Platatildeo mais elaborada sobre este importante
exerciacutecio filosoacutefico em questatildeo Um diaacutelogo entre interlocutores que exige uma toleracircncia
reciacuteproca entre ambos Se eacute que haacute elementos do ζ ΰξκμ no Filebo eles ressaltam a
ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἶὁΝmὧtὁἶὁΝὄἷfutativὁΝἷΝὀatildeὁΝaΝldquoὀἷgativardquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἅ)έΝἒitὁΝἶἷΝ
outro modo a dialeacutetica visa a verdade dentro das possibilidades oferecidas pela variabilidade
admitida dos loacutegoi (discursos) A refutaccedilatildeo presente sobretudo nos diaacutelogos da uacuteltima fase
natildeo pretende sobrepor a tese socraacutetica como a verdadeira exaltando a ignoracircncia do
interlocutor O que se nota eacute justamente o contraacuterio colocam-se as teses em anaacutelise em
confronto em busca da verdade ndash e essa eacute a principal excitaccedilatildeo contida no exerciacutecio do
diaacutelogo o desejo primordial naturalmente dialeacutetico que reside na busca por hipoacuteteses
verdadeiras e na rejeiccedilatildeo daquelas que pareccedilam falsas a ambos os dialogantes
Na fase tardia o suposto sentido negativo do ζ ΰξκμΝ ἶἷὅὂaὄἷἵἷΝ ὡΝ mἷἶiἶaΝ ὃuἷΝ
transparece o seu sentido positivo quἷΝὂaὄtἷΝἶaΝldquoaὀὠliὅἷrdquoΝἶἷΝumΝldquoἷxamἷrdquoΝἵὁὀjuὀtὁΝὃuἷΝviὅaΝ
umaΝἶὁutὄiὀaΝὂὁὅitivaΝἷΝὀatildeὁΝaΝὄἷjἷiὦatildeὁΝἶἷΝἵἷὄtaὅΝtἷὅἷὅέΝldquoἢὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝlsquoἶialὧtiἵarsquoΝὀatildeὁΝὧΝ
unicamente ou em primeira instacircncia uma maneira de suprimir a ignoracircncia mas ndash um ideal
ndash uma maneira de ἶἷὅἵὁἴὄiὄΝaΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἃ)έ
Um dos princiacutepios que estatildeo subjacentes em minha interpretaccedilatildeo eacute que os diaacutelogos satildeo em geral e essencialmente os mimeacutemata da filosofia real viva isto quer dizer derivados de certos aspectos da proacutepria filosofia imitam estes aspectos Aqui claramente eu me apoio amplamente sobre o Fedro [275d-e] que nos force a descriccedilatildeo mais completa e mais expliacutecita da natureza da atividade filosoacutefica se se compreende o que Soacutecrates disse (sem interpretaacute-lo ao peacute da letra) a filosofia escrita eacute uma contradiccedilatildeo em termos A filosofia repousa sobre a troca o teste das afirmaccedilotildees de uma pessoa por outra que permite algueacutem progredir intelectualmente ndash e as obras escritas elas mesmas natildeo podem responder elas satildeo como as pinturas que parecem vivas mas que quando vocecirc lhes propotildee uma questatildeo manteacutem um silecircncio solene (ROWE 1999 p 13)
Por fim ao que tudo indica a tese de Frede estaacute fundada em duas consideraccedilotildees
distintas (i) o Filebo possui uma estrutura dramaacutetica distinta dos diaacutelogos tardios a notar pela
presenccedila de Soacutecrates como condutor da argumentaccedilatildeo (ii) este diaacutelogo tardio conteacutem em si
noccedilotildees puramente socraacuteticas que demonstrariam um retorno de Platatildeo ao meacutetodo refutativo
do ζ ΰξκμΝ(1λλλΝὂέΝ1ἅ)75 Rowe defende que esta eacute uma leitura equivocada e que natildeo se
75 Visotildees como a de Frede (1993) estatildeo em consonacircncia com um ponto metodoloacutegico fundamental que primeiro encontra sua formulaccedilatildeo em Vlastos (1983) Para o teoacuterico o pensamento platocircnico tendo como base a divisatildeo claacutessica (juventude-maturidade-velhice) teria a cada um desses estaacutegios um modelo investigativo (ou meacutetodo) respectivo (juventude refutaccedilatildeo maturidade hipoteacutetico velhice
71 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
explica satisfatoriamente quando analisamos atentamente a obra em especiacutefico Para Rowe
o retorno de Soacutecrates agrave conduccedilatildeo do diaacutelogo no caso especiacutefico do Filebo demonstra a
amplitude e a grandeza da dialeacutetica entendida no sentido platocircnico a sua elaboraccedilatildeo uacuteltima
dotada de rigor e maestria por parte de nosso filoacutesofo Sendo assim os interlocutores jaacute satildeo
ὂὁὅtὁὅΝldquoἷmΝὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἷΝὁΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝἶaΝativiἶaἶἷΝfilὁὅὰfiἵaΝὀaΝὁἴὄaΝὄἷjἷitaὄiaΝὃualὃuἷὄΝ
ideia em torno de competiccedilatildeo (ROWE 1999 p 23)
Apoiando-se significativamente no Fedro Rowe (1999) considera o diaacutelogo como uma
ὅimulaὦatildeὁΝἶἷΝumΝldquoἶiὅἵuὄὅὁΝvivὁrdquoΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝativiἶaἶἷΝἶialὧtiἵaΝ( δαζΫΰ γαδ)
real e natildeo escrita Esse seria o sentido real da atividade filosoacutefica platocircnica uma discussatildeo
ὅὁἴὄἷΝ ldquoiἶἷiaὅrdquoΝ ἷὀtὄἷΝ iguaiὅΝ ὃuἷΝ ἷxigἷΝ tὁlἷὄacircὀἵiaΝ ἷΝ ἵὁὁὂἷὄaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ ὁὅΝ iὀἶiviacuteἶuὁὅΝ ἷΝ ὃuἷΝ
sobretudo visa alcanccedilar uma verdade possiacutevel naquele acircmbito dialoacutegico (1999 p13 seq)
Por mais que Protarco se converta ao final do diaacutelogo ele o faz agrave uma tese alterada
pois a tese de Soacutecrates defendida no iniacutecio da obra natildeo se equipara agravequela vencedora do
momento final da argumentaccedilatildeo Se haacute uma relevacircncia do retorno de Soacutecrates agrave cena
dramaacutetica em um primeiro momento ela eacute miacutenima isto eacute ela pode ter um propoacutesito eacutetico
primeiramente mas natildeo reivindica uma autoridade particular Assim a personagem Soacutecrates
ilustra o desenvolvimento da atividade dialeacutetica tal como compreendida por Platatildeo ao longo
de sua atividade filosoacutefica (ROWE 1999 p 12) e que portanto em dado momento jaacute se
separa daquela figura inicial o Soacutecrates histoacuterico (ROWE 1999 p 24-25)
ἏΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἵatὠὄtiἵaΝ(ldquoἥὰἵὄatἷὅΝmὧἶiἵὁΝἶἷΝalmaὅrdquo)ΝἷΝaΝἶὁΝfilὰὅὁfὁΝἷmΝὁὂὁὅiὦatildeὁΝaὁΝ
dialeacutetico platocircnico tambeacutem satildeo equivocadas segundo a compreensatildeo de Rowe (1999)
ἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὄἷὁἵuὂaΝaὂἷὀaὅΝἷmΝldquoἵuiἶaὄΝἶaὅΝalmaὅrdquoΝmaὅΝἵὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝὀὁΝ
ὂἷὄiacuteὁἶὁΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁΝἷlἷΝὅἷΝὂὴἷΝἷmΝἴuὅἵaΝἶὁὅΝldquoἷlἷmἷὀtὁὅΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀ1)έΝἠaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝ
divisatildeo) uma tal regularidade sistemaacutetica que gerou e ainda gera inuacutemeras confusotildees entre os inteacuterpretes Um exemplo disso eacute o surgimento de algumas obras como a de Robinson (1941) que chega aὁΝὂὁὀtὁΝἶἷΝafiὄmaὄΝalgὁΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁμΝldquotὄecircὅΝἵὁiὅaὅΝaἵὁὀtἷἵἷmΝἵὁmΝὁΝelenchus nos diaacutelogos meacutedios e nos diaacutelogos uacuteltimos Primeiro como acabamos de ver se perde o caraacuteter da ironia e segundo ele estaacute incorporado no conjunto maior da dialeacutetica que muda um pouco o caraacuteter dele Ainda assim negativo e destrutivo em essecircncia ele eacute aproveitado para a construccedilatildeo do diaacutelogo Apesar de moral em sua finalidade o fim moral uacuteltimo afasta-se de um acordo excelente e ocupa um largo programa cientiacutefico na visatildeo da maturidade Terceiro ao passo que frequentemente eacute referido e recomendado e gradualmente deixa de se atualmente retratado nos diaacutelogos As refutaccedilotildees ocupam menos espaccedilo no total da obra Aquelas que ocorrem ocorrem de forma menos oacutebvia e natildeo eacute tatildeo faacutecil apontar as premissas em separado a maneira em que cada uma eacute obtida e o lugar onde Soacutecrates coloca-as juntas e extrai a conclusatildeo Elas natildeo satildeo puramente negativas mas frequentemente possuem doutrinas positivas que natildeo eacute necessaacuterio provar () Portanto o elenchus transforma-se em dialeacutetica de negativo ὂaὅὅaΝὅἷὄΝὂὁὅitivὁΝἶἷΝὂἷἶagὰgiἵὁΝaΝἶἷὅἵὁἴὄimἷὀtὁΝἶἷΝmὁὄaliἶaἶἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵiecircὀἵiardquoΝ (ὂέΝ1λ-20) Nesse sentido tambeacutem caminha a investigaccedilatildeo de Scott (2002) ao perguntar-se se o Soacutecrates histoacuterico tinha um meacutetodo e qual seria esse meacutetodo Demostrarei mais adiante que discordo dessa maneira de compreender e dividir a obra platocircnica e que a questatildeo se centra muito menos na busca por esses criteacuterios externos do que na compreensatildeo da forma de elaboraccedilatildeo caracteriacutestica do diaacutelogo platocircnico
72 23 O contexto histoacuterico e os personagens
feita por Frede parece que Soacutecrates natildeo tem nenhuma preocupaccedilatildeo com o saber Entretanto
na filosofia platocircnica ele parece representar justamente a figura central (por excelecircncia)
porque
() o fato de Soacutecrates rejeitar qualquer pretensatildeo de ao tiacutetulo de ldquomἷὅtὄἷΝἶialὧtiἵὁrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝfaὐΝἶἷlἷΝὁΝmὁἶἷlὁΝἶἷΝfilὰὅὁfὁΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝuma consciecircncia plena inteira que certamente os diaacutelogos identificam como umaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶialὧtiἵaΝἵὁmὂlἷtaΝ(iὅtὁΝὧΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶὁΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁΝἶaὅΝfὁὄmaὅrdquoΝὁuΝoutra coisa similar) ndash isto eacute o que busca Soacutecrates Em outros termos o filoacutesofo ideal eacute este que Soacutecrates seria se ndash impossiacutevel como eu penso embora eu o ache o maior de todos aqueles que o mundo jaacute viu perseguir uma tal busca ndash que alcanccedilaria o fim almejado de sua pesquisa (ROWE 1999 p 20)
Talvez neste caso seja necessaacuterio postular e ao mesmo tempo concordar com o que
diz Dixsaut (2013) em uma interpretaccedilatildeo mais recente e independente daquelas mais
claacutessicas que Platatildeo nunca teria se separado completamente de Soacutecrates (2003 p 33-37)76
Neste caso seriacuteamos obrigados tambeacutem a concordar com a visatildeo supracitada de Rowe
(1999) Contudo ainda precisamos analisar pormenorizadamente algumas questotildees A
primeira eacute essa tentativa a meu ver equivocadaΝἶἷΝtἷὀtaὄΝldquoἷἵliὂὅaὄrdquoΝἶἷfiὀitivamἷὀtἷΝἵὁmὁΝ
nos diz Marques seja Soacutecrates seja o espiacuterito socraacutetico-platocircnico (2006 p 41) Jaacute vimos que
a posiccedilatildeo tradicionalmente adotada (com todo respeito aos autores que ainda adotam) aquela
especiacutefica de Soacutecrates ldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὧΝiὀὅuὅtἷὀtὠvἷlΝὀatildeὁΝὧΝἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝ
possiacutevel construirmos uma identidade platocircnica se eacute que isso seja possiacutevel O que seria
possiacutevel conforme alegam eacute que por meio do questionamento persistente de Soacutecrates
analisando o resultado de uma suposta sobreposiccedilatildeo desse personagem como representante
maacuteximo do pensamento platocircnico uma identidade platocircnica como nos diz Marques (2006)
ὃuἷΝὧΝldquo(έέέ)ΝὄἷὅultaἶὁΝἶaΝὅὁἴὄἷὂὁὅiὦatildeὁΝἷΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἶaὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὅituaὦὴἷὅΝἶἷΝἷxamἷΝἶὁὅΝ
76 ldquoἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuἷΝfiἵaΝὂὁὄΝἶἷtἷὄmiὀaὄΝὁἴviamἷὀtἷΝὀatildeὁΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἢlatatildeὁΝmuἶὁuΝἷmΝalguὀὅΝde seus pontos de vista desde sua juventude ateacute sua velhice em meio seacuteculo como escritor (natildeo poderia natildeo telo feito) nem se desenvolveu teorias proacuteprias e ateacute que ponto realmente se distanciou de das convicccedilotildees de socraacuteticas mais profundas que aparentemente abraccedilou nos diaacutelogos da juventude Podemos conjecturar com certa seguranccedila que Platatildeo se considerava a si mesma como um pensador socraacutetico se temos em conta por uma parte o modo como recorre ao nome de seu mestre para expor a linha de pensamento mais aprofundada na maioria de suas obras e por outra a defesa tanto de seu meacutetodo refutativo como de alguns de seus compromissos existenciais Natildeo duvidemos que Platatildeo manteacutem entre outros os seguintes princiacutepios socraacuteticos () uma certa crenccedila na providecircncia divina sua visatildeo teleoloacutegica da vida sua concepccedilatildeo essencialista da metafisica a psicologia e a eacutetica sua visatildeo da justiccedila como equiliacutebrio interior sua convicccedilatildeo de que natildeo vale a pena viver sem examinar constantemente de que sempre eacute preferiacutevel receber o mal a cometecirc-lo de que ningueacutem pratica o mal involuntariamente a natildeo ser por ignoracircncia de que a causa profunda da falta de poder para governar-se eacute a ignoracircncia e em geral a ideia de que o pior dos males que se podem ἵὁmἷtἷὄΝἵὁὀtὄaΝumΝὁuΝἵὁὀtὄaΝὁutὄὁΝὧΝtὁὄὀaὄΝὂiὁὄΝaΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝὅuaΝalmardquoΝ(ἐἡἥἥIΝἀίίἆΝὂέΝἀ1ἅ-218)
73 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
difereὀtἷὅΝἶiὠlὁgὁὅrdquoΝ(ὂέΝἂ1)έΝΝἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝfὄutὁΝἶἷὅὅaΝὅuaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝ
aos poetas artesatildeos poliacuteticos sofistas que ele daacute voz nos seus diaacutelogos o fio condutor ponto
de convergecircncia e unificaccedilatildeo das distintas visotildees que satildeo apresentados nas diversas
ocasiotildees dialoacutegicas Ora recorrendo a dados extras a uma fundamentaccedilatildeo calcada em uma
ἴaὅἷΝhiὅtὰὄiἵaΝὅἷmΝfuὀἶamἷὀtὁΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅrdquoΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝὅἷΝaὂὄὁximaὄiaΝ
de um Soacutecrates histoacuterico enquanto o dos demais diaacutelogos (maturidade e velhice) representam
aὅΝviὅὴἷὅΝἶἷΝumΝἢlatatildeὁΝmaἶuὄὁΝὁuΝἶὁΝldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὂὁὄΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝamἴὁὅΝhiὂὰtἷὅἷὅΝἷΝ
teses mais positivas mais conclusivas mais doutrinaacuterias Deste modo Platatildeo estaria
assumindo seu pensamento filosoacutefico proacuteprio distanciando-se do Soacutecrates histoacuterico O
problema eacute que teses desse tipo natildeo se sustentam como explicar o desaparecimento de
ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝalguὀὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝήltimὁὅrdquoςΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaὄΝὅuaΝvὁltaΝaὁΝFilebo que eacute
nosso caso aqui em discussatildeo Devemos portanto descartar a ideia desse eclipse definitivo
(MARQUES 2006 p 41) Visotildees como estas causam inuacutemeros problemas os quais por
sinal uma anaacutelise mais profunda da concepccedilatildeo mimeacutetica platocircnica utilizada na composiccedilatildeo
dos diaacutelogos jaacute eliminaria agrave primeira vista O caso da intepretaccedilatildeo de Frede (1993) eacute um
exemplo decorrente dessa incompreensatildeo da forma caracteriacutestica de composiccedilatildeo dos
diaacutelogos platocircnicos como jaacute bem nos expocircs anteriormente Rowe (1999) No entanto a fim de
explicitarmos ainda mais podemos ainda recorrer agraves belas palavras de Marques
Os personagens criados por Platatildeo mais do que simples recursos de expressatildeo constituem um esforccedilo para tornar expliacutecitas e inteligiacuteveis atitudes eacuteticas e posiccedilotildees teoacutericas fundamentais detectaacuteveis entre os cidadatildeos artesatildeos homens poliacuteticos poetas e pensadores de sua eacutepoca de modo que a invenccedilatildeo de personagens constitui uma dinacircmica na qual retoacuterica e filosofia satildeo inseparaacuteveis A mesma estrateacutegia retoacuterica que consiste em fazer falar os outros estrutura os diaacutelogos com algumas variaccedilotildees encontramos personagens nomeados ou anocircnimos alusotildees mais ou menos diretas a indiviacuteduos histoacutericos personagens puramente fictiacutecios simples remissotildees a algueacutem que natildeo estaacute presente e ainda personagens-tipo ou mesmo argumentos personificados ao faὐἷὄΝfalaὄΝἷὅὅἷὅΝldquoὁutὄὁὅrdquoΝἢlatatildeὁΝὁὅΝaὅὅimilaΝpara produzi-los ou reproduzi-los enquanto personagens que dialogam entre si O que eacute uacutenico e fundamental eacute que ele soacute fala e pensa dessa maneira Nunca encontramos um discurso em primeira pessoa do proacuteprio autor dos diaacutelogos Platatildeo nos aparece assim como ventriacuteloquo maacutegico dos discursos imitador de homens e de caracteres sempre presente sempre ausente sempre pressuposto e visado sempre se evadindo Para sabermos o que diz Platatildeo eacute preciso interpretar eacute preciso contrapor e avaliar as diferenccedilas que significam as personagens e neste confronto tentar construir sua identidade De modo que soacute a encontramos atraveacutes de um processo complexo de progressiva construccedilatildeo do autor O autor sempre virtual eacute necessariamente o resultado de uma composiccedilatildeo operada pelo leitor Proponho caracterizar esse recurso retoacuterico-filosoacutefico fundamental utilizado por Platatildeo que consiste em falar e pensar atraveacutes de personagens como
74 23 O contexto histoacuterico e os personagens
umaΝldquoὄἷtὰὄiἵaΝἶaΝἶifἷὄἷὀὦardquoΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝὂἷὄmaὀἷὀtἷΝldquoaltἷὄiὐaὦatildeὁΝἶἷΝὅirdquoΝao pensar e escrever (2006 p 40)
O retorno de Soacutecrates agrave cena nesse caso natildeo eacute tatildeo significativo como considera
Frede (1993) Esse fator eacute algo miacutenimo quando levamos em conta o modo como a escrita
platocircnica eacute forjada esse modo como Platatildeo constroacutei seus personagens seja na ausecircncia
seja na permanecircncia de Soacutecrates e de tantos outros personagens ndash modo este que o distingue
invariavelmente enquanto escritor-filoacutesofo ndash natildeo nos autoriza a postular um abandono do
socratismo mas muito pelo contraacuterio o que se nota eacute uma radicalizaccedilatildeo ainda maior do
espiacuterito socraacutetico na ausecircncia desse mesmo personagem Eacute justamente no confronto na
contraposiccedilatildeo na contradiccedilatildeo manifesta entre esses personagens ao se anteporem um
discurso ao outro e ambos serem verificados que poderemos pressupor construir uma tal
posiccedilatildeo platocircnica Desta maneira a relatividade eacute ultrapassada na medida em que o uacutenico
vencedor natildeo eacute nenhuma das duas teses mas uma terceira coisa Natildeo seria justamente isso
que as linhas do Filebo atestariam Nem inteligecircncia nem prazer mas uma terceira coisa
deve ser posta em questatildeo a vida boa mista Como encontrar pura e simplesmente refutaccedilatildeo
em discursos (ζσΰκδμ) simeacutetricos em que um afirma e o outro contesta77 Desta forma natildeo
restaria ao autor senatildeo conduzir a discussatildeo a um impasse Natildeo haacute vencedor o Filebo natildeo eacute
um diaacutelogo em que triunfaria a φδζκθδεέα mas nesse combate quem ganha eacute o proacuteprio ζσΰκμ
guiado por seu uacutenico objetivo alcanccedilar ao maacuteximo possiacutevel o verdadeiro
Nos diaacutelogos de Platatildeo como nos diria Marques (2006) vemos realizar-ὅἷΝumaΝldquo(έέέ)Ν
ἵὄiacutetiἵaΝὡΝἵὄiacutetiἵaΝὅὁfiacuteὅtiἵardquoΝ(ὂέΝἂἂ)ΝὁὅΝvalὁὄἷὅΝἶὁὅΝὅὁfiὅtaὅΝἷΝὅuaὅΝimὂliἵaὦὴἷὅΝὅatildeὁΝὂὁὅtὁὅΝἷmΝ
debate por meio da radicalizaccedilatildeo e do aprofundamento da atitude criacutetica aos valores comuns
o que por sinal acaba resultando em uma inversatildeo dos proacuteprios valores daqueles primeiros
(MARQUES 2006 p 44) Radicalizaccedilatildeo esta que natildeo se encontra distante mas muito
proacutexima daquela dos sofiὅtaὅΝaΝὀatildeὁΝὅἷὄΝὂἷlὁὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶiὅtiὀtὁὅΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷΝ
ἥὰἵὄatἷὅέΝEacuteΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝldquovivὁrdquoΝὃuἷΝἷὅtἷὅΝvalὁὄἷὅΝ(ὧtiἵὁὅ)ΝὀὁvamἷὀtἷΝalἵaὀὦamΝumΝ
status objetivo eacute por meio deste exerciacutecio (escrito-dialoacutegico) que eles podem ser
reestabelecidos e oferecerem uma proposta filosoacutefica eficaz
Aqui natildeo nos deparamos com um Soacutecrates histoacuterico e pregresso que nem ao menos
podemos dizer de quem se trata ou se mesmo existe Pelo contraacuterio o mesmo furor dialeacutetico
e sua verve natildeo estatildeo ausentes no Soacutecrates do Filebo mas eles permanecem estritamente
relacionados aos objetivos (dialeacuteticos) pertinentes agraves questotildees ali desenvolvidas postas no
exame dialeacutetico confirmando ainda mais a potecircncia desse exerciacutecio (socraacutetico-platocircnico)
77 Falo mais detalhadamente sobre isso no proacuteximo capiacutetulo
75 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
primordial78 O erro de Frede (1993) em relaccedilatildeo a esse primeiro aspecto eacute natildeo conseguir
notar em meio agraves bruscas transiccedilotildees do Filebo ὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝὄἷflἷxatildeὁΝἶὁὅΝ
prazeres no diaacutelogo e sua estrita relaccedilatildeo com a dialeacutetica demonstrando ainda mais a forccedila
do proacuteprio pensamento como jamais vista na obra platocircnica Dito de outro modo ao deixar de
notar a riqueza do diaacutelogo associando-o a um debate puramente escoliasta a teoacuterica alematilde
esquece-se da riqueza que constitui natildeo apenas o Filebo mas os diaacutelogos em geral o prazer
aqui eacute tratado como muitas das mais importantes questotildees do pensamento filosoacutefico de
Platatildeo como uma questatildeo refinada de estilo ou melhor uma questatildeo de gosto que reflete a
proacutepria habilidade e genialidade literaacuteria de Platatildeo
De tal modo uma distinccedilatildeo entre conteuacutedo e forma no pensamento filosoacutefico de Platatildeo
natildeo se aplica agraves caracteriacutesticas proacuteprias de uma filosofia em sua profundidade
essencialmente dialeacutetica Por isso justifica-se a criacutetica de Rowe (1999) agrave autora ao
caracterizar os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo a Protarco como destinados unicamente a
um processo de conversatildeo do interlocutor agrave suposta tese de Soacutecrates Vale lembrar que quem
ganha a batalha no ΰυθ filosoacutefico eacute o proacuteprio ζσΰκμ posto em debate eacute a isso que assistimos
tambeacutem no Filebo tanto o discurso de Soacutecrates quanto o de Protarco se ajustam agraves
exigecircncias dialeacuteticas a busca pelo saber verdadeiro sobre o que de comum acordo estatildeo
buscando
Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ)79 podem elas nos indicar se devemos chamar de bem o prazer ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria (φδζκθδεκ η θ) ao que eu defendo ou ao que tu defendes Devemos sim combater juntos e aliados ao mais verdadeiro ( ππμ ΰ έγ ηαδ α rsquoΝ αδ θδε θ α α γrsquoΝ rsquoΝΪζβγ Ϊ ῖ πκυ υηηαξ ῖθ η μ αηφπ) (14b1-7)
78 Demostro jaacute aqui respeitosamente meu profundo desacordo com o tipo de leitura que propotildee Benoit (ἀίίἅΝὂέΝ1λλ)έΝἑὁmὂὄἷἷὀἶὁΝὅuaΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝ ldquomἷtὁἶὁlὁgiaΝἶaὅΝ tἷmὂὁὄaliἶaἶἷὅΝ imaὀἷὀtἷὅrdquoΝἷmΝὅuaΝanaacutelise do diaacutelogo εaὅΝὀatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝldquoaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝὅὁἵὄὠtiἵaΝtaὄἶiardquoΝaΝὃualΝἷlἷΝἶἷmὁὀὅtὄaΝἷὅtaὄΝὂὄἷὅἷὀtἷΝna composiccedilatildeo do FileboΝatἷὅtaὀἶὁΝἷmΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁΝumaΝldquoὂὁὅὅiacutevἷlrsquoΝfaἶigaΝἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁΝὀὁὅὅὁΝdiaacutelogo a ponto de colocar em questatildeo a proacutepria dialeacutetica enquanto ciecircncia primeira Pretendo contestar essa leitura ao tratar do modo como Platatildeo entende o processo do conhecimento e o que ὅigὀifiἵaΝἷὅtἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝὁΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἷΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝcom a iaθκδα no diaacutelogo algo que surgiraacute propriamente em nossa anaacutelise (gnosioloacutegica-axioloacutegica) presente no Filebo quando da caracterizaccedilatildeo e distinccedilatildeo dos prazeres falsos e dos prazeres verdadeiros 79 Dixsaut (2008) nos chama atenccedilatildeo ao fato de que ateacute o Sofista o termo ζ ΰξκμΝὀuὀἵaΝὧΝἶἷfiὀido mas nos diaacutelogos em que se trata da dialeacutetica propriamente ζ ΰξκμΝἷΝ ζΫΰξ δθ possuem o sentido de exame como eacute o caso do Filebo supracitado (14b) em pocircr agrave prova (50d) (Cf DIXSAUT 2008 p 116)
76 23 O contexto histoacuterico e os personagens
Mas ainda resta um ponto e quanto ao ζ ΰξκμςΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ afiὄmaὄΝ ἵὁmὁΝ ἔὄἷἶἷΝ
(1993) que ele estaacute presente no Filebo Ou discordarmos dela como faz Rowe (1999) Creio
que esta questatildeo jaacute teria sido suficientemente explicada com o que dissemos anteriormente
Poreacutem ainda resta algo Podemos notar que neste suposto regresso ao que a autora
ἶἷὀὁmiὀaΝ ὂἷὄfilΝ ὧtiἵὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ aἴὁὄἶaἶaὅΝ ὂἷlὁΝ ἶitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅΝ hiὅtὰὄiἵὁrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ aὅΝ
questotildees eacuteticas da filosofia platocircnica estivessem adstritas ao denominado periacuteodo juvenil ou
que natildeo possuiacutemos ali nada que natildeo fosse eacutetico ou que a refutaccedilatildeo fosse uma fase primitiva
do processo dialeacutetico Essa visatildeo aleacutem de distorcida eacute preconceituosa a qualquer leitor
dedicado de Platatildeo ou ao mesmo iniciante jaacute que seria possiacutevel presumir que as ditas
ldquoἶiὅἵiὂliὀaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝfὁὄmamΝumΝἵὁὀjuὀtὁΝἶἷΝiὀtὄiacuteὀὅἷἵaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἷΝὃuἷΝὃualὃuἷὄΝtἷὀtativaΝ
de separaccedilatildeo levaria o proacuteprio inteacuterprete mais ao fracasso do que propriamente a resultados
eficazes Sobre isso gostaria de retomar um texto de Dixsaut (2008) no qual ela proacutepria
adverte
Por conseguinte em meu ponto de vista o preconceito do qual todo comentador dos diaacutelogos deveria se ocupar ou ao menos a respeito do qual deveria dar-se o trabalho de refletir eacute aquele da oposiccedilatildeo niacutetida entre positivo e negativo Ao meacutetodo negativo e destrutivo do eacutelenkhos socraacutetico sucederia dizem a doutrina platocircnica de um conhecimento positivo das Formas Ora a positividade estaacute para Platatildeo assim como para seu Soacutecrates inteiramente do lado da opiniatildeo e eacute preciso purgar a alma de suas certezas convicccedilotildees evidecircncias (sintaticamente afirmativas ou negativas) Para sair da alternativa ὅimὂliὅtaΝἶὁΝldquoὁuΝiὅὅὁέέέΝὁuΝaὃuilὁrdquoΝ(ὁuΝἵὧtiἵὁΝὁuΝmἷtafiacuteὅiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁ)ΝἷΝἶaΝhipoacutetese de uma sucessatildeo que os textos natildeo atestam eacute preciso antes creio compreender que saber o que natildeo eacute uma coisa eacute jaacute saber muito mais sobre o que ela eacute do que quando se acreditava conhececirc-la () (p 122)
ἓmΝὅἷΝtὄataὀἶὁΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅuἵἷὅὅatildeὁΝtἷmὂὁὄalΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝἶitaΝldquoὄἷfutaὦatildeὁrdquoΝ
nos diaacutelogos devemos ainda levar em consideraccedilatildeo o que nos diz a proacutepria Dixsaut (2008)
para quem κ ζ ΰξκμΝὧΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝὂὄὧviaΝἶaΝπαδ έα e natildeo da dialeacutetica deste modo o caraacuteter
ldquoὂuὄifiἵaἶὁὄrdquoΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὀἷgativὁΝἷmΝumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝἵὁmὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝumaΝἶaὅΝmaiὅΝ
importantes funccedilotildees da refutaccedilatildeo eacute apenas condiccedilatildeo preacutevia para o exerciacutecio dialeacutetico como
nos apontaria a sexta definiccedilatildeo do Sofista Por isso devemos rejeitar essa claacutessica divisatildeo
(equivocada) por dois motivos (i) porque natildeo temos uma base soacutelida histoacuterica para afirmar tal
anterioridade cronoloacutegica (ii) ὂὁὄὃuἷΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵhamaΝ ldquoὄἷfutaὦatildeὁΝ ὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ ὧΝ muitὁΝ maiὅΝ
aristoteacutelico do que que propriamente platocircnico ou socraacutetico (iii) o que Platatildeo toma de Soacutecrates
natildeo eacute a refutaccedilatildeo tout et court enquanto teacutecnica mas que o saber verdadeiro passa pela
consciecircncia do natildeo-saber Isso seria suficiente para eliminar o caraacuteter doxaacutestico pois a
verdade natildeo eacute posse de enunciados concretos e contraacuteria ao falso mas objeto de busca e
desejo
77 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
() ela [a verdade] natildeo eacute a posse de alguns enunciados e diferentemente do verdadeiro que tem por contraacuterio o falso que soacute pode ser dito da opiniatildeo a vἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝtἷmΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἷlaΝὧΝὁΝldquoἷlἷmἷὀtὁrdquoΝὀὁΝὃualΝὅἷΝmὁvἷΝumΝὅaἴἷὄΝὃuἷΝnele mesmo jamais pode ser falso (um saber que pode apenas errar o seu fim) O filoacutesofo tal como Platatildeo o concebe natildeo eacute saacutebio tampouco deteacutem a verdade ele busca aquilo que na verdade eacute proacuteprio do que eacute verdadeiramente Aprender examinar buscar interrogar e responder ndash natildeo haacute e jamais houve para Platatildeo outras modalidades de saber Isso natildeo faz no entanto do filoacutesofo um ignorante porque segundo ele ignorar natildeo eacute o contraacuterio de saber mas sim crer que se sabe A maneira que o filoacutesofo tem de natildeo saber orienta sua ruptura com os modos de formulaccedilatildeo proacuteprios da opiniatildeo afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo Conceber o saber mais elevado como um saber dialeacutetico significa com efeito outra coisa que determinaacute-lo como um conjunto de proposiccedilotildees afirmativas e negativas mas fazer dele o exerciacutecio de um pensamento que eacute antes de tudo e necessariamente interrogativo (DIXSAUT 2008 p 121)
Por fim resta dizer que o que estaacute em jogo no Filebo eacute consoante com o que diz a
supracitada autora tratar de submeter tanto prazer quanto o conhecimento a uma apreciaccedilatildeo
comum colaborativa o que por sinal atesta ainda mais uma coerecircncia natildeo somente com os
ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶὁΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoήltimὁΝ ὂἷὄiacuteὁἶὁrdquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ platocircnica mas com todos os diaacutelogos que
precedem aquele da forccedila do conhecimento dialeacutetico cujo sentido mais profundo eacute tambeacutem
representado personificado pela figura de Soacutecrates poreacutem natildeo apenas nele mas com ele e
com os demais interlocutores que afirmam com ainda mais veemecircncia o poder contido nisto
que Platatildeo denomina como atividade por excelecircncia a busca conjunta pelo verdadeiro Neste
sentido eacute inuacutetil falar em positivo e negativo e contraacuterio e favoraacutevel O nosso diaacutelogo vai aleacutem
disso e demonstra quatildeo prospectivo eacute esse exerciacutecio do pensamento da alma ou como diz a
ὂὄὰὂὄiaΝἒixὅautΝὃuatildeὁμΝldquo(έέέ)Νiὀtἷὄὄὁgativὁ ἷΝiὀvἷὀtivὁrdquoΝἷlἷΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ(ἀίίἆ p 122)
A variabilidade das formas de tratamento e de apresentaccedilatildeo de temas relevantes natildeo
deve resultar em visotildees de ruptura evoluccedilatildeo ou mesmo contradiccedilatildeo na obra platocircnica mas
sim sinal de fecundidade de diferentes perspectivas complementares e que nos tornam
possiacutevel analisar um mesmo problema retomando-o poreacutem sob um novo acircngulo sob um
novo ponto de vista Potencialidade do proacuteprio pensamento que Platatildeo reconhece como a
mais significativa justamente por natildeo se esgotar ou seja pela impossibilidade de uma
verdade ser tatildeo irrefutaacutevel a ponto de natildeo ser submetida agrave fecundidade caracteriacutestica da
proacutepria dialeacutetica Em suma reafirma-se assim a plena e autecircntica identificaccedilatildeo entre o
filoacutesofo e o dialeacutetico ao tornaacute-los jaacute aqui ambos uma uacutenica coisa
78 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO
31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Como se poderaacute notar ao longo da anaacutelise do Filebo natildeo eacute somente o seu brusco e
reticente final que parece enigmaacutetico mas igualmente seu iniacutecio possui esta mesma
qualidade Diferentemente daqueles diaacutelogos como Craacutetilo Mecircnon Iacuteon Repuacuteblica os quais
possuem um claro iniacutecio (ab inicioab ovo) estamos diante de um diaacutelogo ao contraacuterio
daqueles in media res Dito de outro modo Soacutecrates ndash que por sinal depois de algum tempo
retorna agrave cena como condutor do Diaacutelogo ndash jaacute natildeo porta uma exigecircncia definicional que por
sinal natildeo se alcanccedila em muitos casos nem mesmo atua como aacuterbitro da discussatildeo isto eacute
quando convocado a tomar qualquer posicionamento no debate em questatildeo ele natildeo o faz80
No Filebo deparamo-nos com uma situaccedilatildeo distinta das anteriormente descritas Eacute
Soacutecrates que jaacute no iniacutecio do diaacutelogo (11a-b) recapitula ( υΰε φαζαδπ υη γα) cada um dos
dois discursos (ζσΰκδ) apresentados81 E mais um destes discursos pertence ao proacuteprio
Soacutecrates isto eacute ele eacute parte interessada da discussatildeo Do mesmo modo seu interlocutor
Protarco eacute forccedilado a receber uma das teses a de Filebo (personagem homocircnimo ao diaacutelogo)
O discurso de Soacutecrates aὃuiΝἵὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquoἵὁὀtὄaἶiὅἵuὄὅὁrdquoΝldquoΝiὅtὁΝ
ὧΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὂὁἶἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ ὁΝ valὁὄΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ valὁὄiὐaΝ ὅἷὀatildeὁΝ ἵὁmὂaὄativamἷὀtἷΝ ἷΝ
desvalorizando isso ao que elἷΝὁΝἵὁmὂaὄardquoΝ(ὂέΝἀἂἄ)έΝVἷjamὁὅΝὀὁΝἷὀtaὀtὁΝἵὁmὁΝὅἷΝiὀiἵiaΝaΝ
discussatildeo
() Soc Entatildeo Protarco vecirc qual discurso ( έθα ζσΰκθ) estaacutes prestes a receber a0gora de Filebo e tambeacutem a nossa que vais contestar ( θ παλrsquoΝ ηῖθ
ηφδ ίβ ῖθ) caso o que ela expresse natildeo seja do teu agrado Queres que a recapitulemos cada um deles82 Prot Sim certamente (11a-11b3)
Ora o texto evidencia que seraacute necessaacuterio contestar ( ηφδ ίβ ῖθ) um discurso essa
eacute a tarefa que cabe a Protarco e a que Soacutecrates agora iraacute recapitular segundo a exigecircncia
80 Podemos aqui retomar as trecircs particularidades apresentadas na conversa entre Soacutecrates Filebo e ἢὄὁtaὄἵὁΝὂὁὄΝἠὁtὁmiμΝldquo(i)ΝὅἷmΝiὀtὄὁἶuὦatildeὁΝaἶἷὃuaἶaΝὁΝἶiὠlὁgὁΝmἷὄgulhaΝὀaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὂὄiὀἵiὂalνΝ(ii)ΝaὀtἷὅΝde iniciaacute-la uma outra discussatildeo com o mesmo assunto eacute assumida como jaacute tendo sido realizada (iii) um novo diaacutelogo se inicia com a mudanccedila dos interlocutores de Soacutecrates passando de Filebo para ἢὄὁtaὄἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ 81 Preferimos natildeo traduzir aqui ζσΰκδ como costumeiramente fazem alguns tradutores assim como faz Muniz (2012) dentre outros como Boeri (2010) e Diegraves (1966) por exemplo Pradeau (2002) por sua vez parece se aproximar mais de uma traduccedilatildeo apropriada ao traduzir έθα ζσΰκθ ὂὁὄΝldquoaὄgumἷὀtὁrdquoέΝἓxὂliἵὁΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝtὁἶaviaΝὂὁὄὃuἷΝaΝtὄaἶuὦatildeὁΝἶἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὂὁὄΝldquotἷὅἷrdquoΝὁἵaὅiὁὀaὄiaΝumaΝmuἶaὀὦaΝἶἷΝsentido naquilo que eacute proposto por Soacutecrates nesse momento 82 Utilizo aqui fundamentalmente a traduccedilatildeo brasileira de Muniz (2012) com modificaccedilotildees sempre assinaladas em suas ocorrecircncias
79 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
de Protarco Mas o que esse uacuteltimo deveraacute contestar Como diz Soacutecrates em 11b3 Filebo
afirma (φβ δ) que
() para todos os seres vivos bom eacute o agrado o prazer o deleite e quanto for consoante com esse gecircnero Na nossa contestaccedilatildeo natildeo eacute isso mas o pensamento a inteligecircncia a memoacuteria e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais valor que o prazer para tudo quanto for capaz de tomar parte nessas coisas e essas satildeo dentre todas as coisas o que haacute de mais uacutetil para tudo o que existe que existiraacute e que possa participar delas Natildeo eacute isso mais ou menos o que cada um de noacutes afirma Prot Sim certamente Ω Φέζβίκμ η θ κ θγθ ΰαγ θ θαέ φβ δ ξαέλ δθ π δ α κδμ εα θ
κθ θ εα λοδθ εα α κ ΰΫθκγμ κτ κυ τηφκθα παλrsquoΝ η θ ηφδ ίά βηΪ δ η α α ζζα φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ εα κτ πθ α υΰΰ θ σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖ ζκΰδ ηκτμ μ ΰ κθ μ
η έθπ εα ζ π ΰέΰθ αδ τη α δθ απ λ α θ υθα η αζαί ῖθ
γθα κῖμ η α ξ ῖθ ζ ηδηυ α κθ πΪθ πθ θαδ π δ κῖμ κ έ εα κηΫθκδμ η θ κ ξ κ π ππμ ζ ΰκη θ Φέζβί εΪ πκδ
ΠΡΩέΝΠΪθ πθΝη θΝκ θΝηΪζδ αΝ υελα μέΝ(11b4-c4)
Olhando detalhadamente Soacutecrates natildeo fala aqui do bem ( ΰαγ θ)ΝmaὅΝἶὁΝldquomἷlhὁὄΝ
ἷΝἶὁΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷrdquoΝ( η έθπ εα ζ π83) Natildeo haacute portanto aqui contradiccedilatildeo entre os dois
discursos como nos sugere Dixsaut (2017 p 246)84 Isso natildeo exclui de antematildeo que os
prazeres natildeo sejam bons natildeo poderiacuteamos jaacute deduzir isso diante do que foi apresentado por
Soacutecrates satildeo tout court dois discursos De um lado temos Filebo que afirma irresolutamente
que todo prazer eacute bom e tudo aquilo que pertence ao mesmo gecircnero deste Por outro temos
Soacutecrates que lhe contesta dizendo que o que tem mais valor eacute o pensamento
Neste iniacutecio de diaacutelogo nos eacute dada uma hierarquia de bens haacute uma perspectiva
ldquoagὁὀalrdquoΝἷΝὀatildeὁΝldquoἶἷfiὀiἵiὁὀalrdquoΝἵὁmὁΝὅugἷὄἷΝἒixὅautΝ(2017 p 246) De antematildeo jaacute eacute possiacutevel
vislumbrar que uma dada classificaccedilatildeo estaacute por vir no decorrer da argumentaccedilatildeo mas ainda
83 Creio aqui ser conveniente reproduzir na iacutentegra o que diz Dixsaut (2017) sobre a expressatildeo utilizada ὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoἏὃuiΝ(ἷmΝ11ἴλ)ΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmὂὄἷgaΝumaΝfὰὄmulaΝὄitualΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝmἷὅmaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝnas primeiras linhas do livro VIII das LeisΝἆἀἆaμΝlsquoὁὅΝὅaἵὄifiacuteἵiὁὅΝὅἷὄὠΝmἷlhὁὄΝἷΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷΝὂaὄaΝaΝCidade oferecer aos deuὅἷὅrsquoέΝEacuteΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ iὀἶiὃuἷΝaὅὅimΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ tἷmΝumaΝcaracteriacutestica sagrada para aqueles que tecircm parte com ele Mas ζ π tem em Homero simplesmente o sentido de mais desejaacutevel mais agradaacutevel e eacute nos autores traacutegicos simples comparativo de ΰαγσθrdquoΝ(p 246 n 3) 84 Tal fato confirmaria a tese de que natildeo se fala aqui do bem num sentido ontoloacutegico como na Repuacuteblica (VIIΝἃίἃἴἄ)μΝldquoἏΝmultiἶatildeὁΝfaὐΝἵὁὀὅiὅtiὄΝὁΝἴἷmΝὀὁΝὂὄaὐἷὄΝ( κθ κε ῖ θαδ ΰαγσθ) os refinados na inteligecircncia Apesar de parecidas a questatildeo que envolve o Filebo natildeo eacute a definiccedilatildeo do Bem mas a ldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝἶiὐΝἐὄavὁΝ(ἀίίλ)ΝldquoἷmΝFilebo reaparecem os mesmos candidatos embora dessa vez ὀumΝἵὁὀtἷxtὁΝὧtiἵὁrdquoΝ(ὂέΝἂ1ἀ)έ
80 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
natildeo temos contradiccedilatildeo nem mesmo exclusatildeo Parece-nos e insistimos apenas parece que
cada um encontraraacute seu lugar Por isso
() natildeo eacute de modo algum certo que o Filebo se inicie com a confrontaccedilatildeo de duas teses o conjunto do diaacutelogo testemunha muito mais o esforccedilo de Soacutecrates para transformar em tese o que precisamente natildeo eacute uma mas arrisca ser uma afirmaccedilatildeo inapreensiacutevel Mas que faria entatildeo o belo Filebo a natildeo ser enunciar uma tese hedonista Ele afirma e celebra e o que ele celebra atraveacutes da bondade do prazer eacute o valor da vida (DIXSAUT 2017 p 247)
Como jaacute dissemos anteriormente haacute uma discussatildeo claacutessica em torno dos
personagens que compotildeem o diaacutelogo visto que natildeo se encontram referenciais histoacutericos com
estes nomes (Filebo e Protarco) na eacutepoca em que Platatildeo viveu A tentativa dos comentadores
claacutessicos ateacute entatildeo fora personificar as teses ou seja encontrar na claacutessica querela
(hedonismo versus anti-hedonismo) defensores de ambas as teses Nesta visatildeo claacutessica
Filebo e Protarco seriam porta-vozes de Eudoxo de Cnidos e de Aristipo e os cirenaicos em
geral (hedonistas) e Soacutecrates por sua vez representaria (nesse primeiro momento do
diaacutelogo) Antiacutestenes (anti-hedonista porta-vὁὐΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἶἷΝ umΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ldquoiὀtἷlἷἵtualiὅmὁΝ
ὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝndash ainda que como veremos mais adiante se torna pois insustentaacutevel a suposiccedilatildeo
que Soacutecrates defenda na obra um anti-hedonismo)
Sendo assim fica difiacutecil sustentar veementemente que no iniacutecio do Filebo temos
expressas posiccedilotildees ora hedonistas ora anti-hedonistas A questatildeo eacute mais complexa Isto
porque aqui a despeito dos demais diaacutelogos a questatildeo da essecircncia natildeo eacute sequer postulada
por Soacutecrates com toda clareza e seriedade Essa eacute uma das principais dificuldades levantadas
jaacute nas primeiras linhas do texto isto eacute Soacutecrates jaacute natildeo eacute mais o mesmo ou pelo menos
incialmente aquele personagem que conhecemos que jaacute deixaria notar seu questionamento
perseverante e centrado na natureza da coisa da qual fala (DIXSAUT 2017 p 248) Ο ζσΰκμ
aqui eacute contestaccedilatildeo e se espera uma resposta uma outra contestaccedilatildeo85
Mas como refutar aquilo que Filebo apenas afirma isto eacute que o prazer eacute bom E ele
afirma o oacutebvio para todos os seres vivos o bom eacute o agradaacutevel o prazer o deleite e tudo mais
que eacute semelhante a este gecircnero isto eacute que o prazer eacute bom ou ainda que satildeo bens pelos
quais todos os seres vivos anseiam Enquanto Soacutecrates faz uso dos comparativos86 ndash o que
ὁΝἶiὅtaὀἵiaὄiaΝἶὁΝldquoἵiacuteὄἵulὁΝἶὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquoΝἶaΝRepuacuteblica ndash por discordar desde jaacute que qualquer
ὂὄivilὧgiὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝἵὁὀἵἷἶiἶὁΝὡΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄΝldquo(έέέ)ΝἵὁmὁΝvalὁὄΝ
85 ldquoἒiaὀtἷΝἶe Filebo Soacutecrates pode aparentemente apenas refutar e Protarco vecirc a si confiada a missatildeo ἶἷΝὄἷfutaὄΝἷὅὅaΝὄἷfutaὦatildeὁέrdquoΝἢὁἶἷmὁὅΝὁἴὅἷὄvaὄΝὃuἷΝἔilἷἴὁΝὀatildeὁΝἵὁὀtἷὅtaΝὀaἶaμΝἷlἷΝafiὄmaΝ(έέέ)ΝἷΝἥὰἵὄatἷὅΝtriunfa em combater sua afirmaccedilatildeo somente quando afirma um valor mais alto ndash inventando o ὂἷὀὅamἷὀtὁΝἵὁmὁΝvalὁὄrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἂἆ)έ 86 Como tambeacutem jaacute teria sugerido Lisi (1995 p 67)
81 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ἶὁΝ ὃualΝ ὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ὄἷtiὄaὄiaΝ ὅἷuΝ valὁὄrdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀί1ἅΝ ὂέΝ ἀἂλ)έΝ IὅtὁΝ ὧΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅὰΝ
demonstrou que a inteligecircncia tambeacutem eacute boa justamente por esse uso dos comparativos o
pensamento a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais utilidade
que o prazer e tudo que participa dessas coisas elas satildeo e sempre seratildeo o que haacute de mais
valioso
Dito isso fica claro no curso da argumentaccedilatildeo que a inteligecircncia e o pensamento se
tornam comparaacuteveis mas natildeo de forma absoluta como na tese dos refinados da Repuacuteblica
(VI 505b) tese inaceitaacutevel por parte de Soacutecratesndash isto eacute aquela que afirma que o pensamento
(φλσθβ μ) eacute o bem ndash mas eles satildeo preferiacuteveis ao prazer Para os que participam da
inteligecircncia eles satildeo melhores (para alguns) do que o prazer poreacutem como nos diz Dixsaut
(2017) essa comparabilidade e por conseguinte preferecircncia eacute ambiacutegua e traz
consequecircὀἵiaὅΝὅimilaὄἷὅΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁiὅΝldquo[] se eles satildeo reduzidos a desse modo proclamar
sua superioridade eacute porque a pretensatildeo do prazer possui forccedila suficiente para constrangecirc-
lὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂλ)έΝἓὅὅaΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝfὄaὀἵἷὅaΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiὀfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝdo pensamento
a qual teria tambeacutem por tarefa convencer os seres vivos de que necessitam muito mais dele
do que dos prazeres (DIXSAUT 2017 p 249)
No entanto como nos sugere ainda Dixsaut natildeo eacute justo afirmar que jaacute no iniacutecio diaacutelogo
tenhamos uma espeacutecie de confronto pois natildeo haacute sequer a formulaccedilatildeo de alguma questatildeo
mas diante da defesa da existecircncia de opiniotildees contraacuterias a pergunta seria se Filebo defende
uma tese peremptoriamente contra quem ele seria Soacutecrates ou Protarco87 (p 250) A
discussatildeo prossegue e Filebo demonstra sua saiacuteda do diaacutelogo dando ( δ ση θκθ) seu
discurso agrave Protarco que quando questionado sobre tal oferta pelo condutor da discussatildeo diz
ldquoὅὁuΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaἵἷitaὄΝjὠΝὃuἷΝὁΝἴἷlὁΝὅἷΝἵaὀὅὁuΝ( π έλβε θ) (11c7-8)88rdquoέΝἏΝὄἷὀήὀἵiaΝἶἷΝἔilebo
portanto eacute uma renuacutencia ao ζσΰκμ ele estaacute exausto de falar natildeo de dizer aquilo que ele
ἶἷfἷὀἶἷΝ ldquoἷlἷΝ ἷὅtὠΝ ἷxauὅtὁΝ ἶaΝ ὂἷὄὅὂἷἵtivaΝ de falar (grifo da autora) ele estaacute exausto por
antecipaccedilatildeo do logos pelo menos daquele que Soacutecrates impocircs o uso (DIXSAUT 2017 p
250)89
87 Gosling em seu comentaacuterio geral da obra escreve nessa seccedilatildeo somos introduzidos na disputa que teria sido entre Filebo e PrὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὧΝὁΝἴἷmrdquoΝ(1λἅἃΝὂέΝ1ἁλ)έΝἥἷguὀἶὁΝo tradutor do diaacutelogo mais adiante como demonstraria o texto (11c7-8) Filebo teria terminado por convencer Protarco de sua tese e por isso ele a assumiria a partir daiacute a posiccedilatildeo daquele no decorrer da argumentaccedilatildeo 88 Bernadete nos chama atenccedilatildeo em sua traduccedilatildeo do diaacutelogo acerca desse verbo ( π έλβε θ)μΝldquoἓὅὅἷΝtὄὁἵaἶilhὁΝἷὀtὄἷΝldquotἷὄΝἶἷὅiὅtiἶὁrdquoΝὁuΝldquotἷὄΝὅἷΝἵaὀὅaἶὁrdquoΝ(apeirekenai) e o ilimitado (apeiron) eacute ecoada no fim do diaacutelogo (67b) com apereis (ldquovὁἵecircΝὀatildeὁΝ iὄὠΝἶἷὅiὅtiὄrdquo)έΝἥἷΝ ὄἷtὁmamὁὅΝὁΝὅigὀifiἵaἶὁΝἶὁΝvἷὄἴὁΝ eipien (falar) apeipein ὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝὅigὀifiἵaὄiaΝldquofalaὄΝatὧΝὅἷΝἷὅgὁtaὄrdquoΝ(ἐἓἤἠἏἒἓἦἓΝ1λλἁΝὂέΝἀΝὀέΝἆ) 89 ἒixὅautΝὄἷὅὅaltaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝὃuἷμΝldquoἓlἷΝ[ἔilἷἴὁ]ΝὀatildeὁΝὅἷΝὄἷtiὄaΝὂor impotecircncia em dar razatildeo ao que diz mas porque recusa submeter-ὅἷΝὡΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝ lsquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrsquordquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃί-251) Nesse sentido duas anaacutelises sobre essa recusa satildeo importantes a de Diegraves (1966) e a de Fruumlchon (1994) Diegraves salienta que para analisar o prazer numa discussatildeo racional e tambeacutem para suportar a
82 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Dito isso parece que o problema claacutessico se dilui pelo menos agrave primeira vista pois
natildeo se trata de uma questatildeo colocada e isso nos leva a supor ndash com grande probabilidade ndash
que natildeo haacute como desejam alguns inteacuterpretes claacutessicos90 do diaacutelogo em questatildeo um diaacutelogo
anterior a esse encenado no Filebo por Platatildeo Tudo indica que haacute uma construccedilatildeo dessas
personagens (prosopografia)91 como tambeacutem se pode dizer que Filebo natildeo teria preferido
outra coisa senatildeo esse proacuteprio discurso (ζσΰκμ) proposto inicialmente por Soacutecrates
O que se vecirc entatildeo no curso da argumentaccedilatildeo satildeo raras intervenccedilotildees de Filebo92 e
mais adiante uma manifesta recusa em submeter seu discurso a um diaacutelogo com outro por
isso ao concentrar-se na avaliaccedilatildeo de um uacutenico ζσΰκμ ldquoἵὁmumrdquoΝtὁὄὀa-se necessaacuterio lembrar
que natildeo haacute teses controversas no iniacutecio do diaacutelogo mas que elas foram apenas postas em
conflito93
Natildeo existe por parte de Filebo a mesma importacircncia dada por Soacutecrates ao discurso
agrave palavra Aquilo que para Soacutecrates possui um valor de alta estima eacute o diaacutelogo para Filebo
isso natildeo merece ser venerado ser louvado O que interessa a Soacutecrates como nos diz Dixsaut
(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquo(έέέ) logos contra logosrdquoΝ(ὂέΝἀἃ1)έΝEacuteΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝζσΰκμ que conduz aonde ele quiser
(arrasta) ndash torna-se tambeacutem o condutor dessa discussatildeo Eacute ele (o ζσΰκμ comum) mais
aἶiaὀtἷΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ iὀvὁἵaἶὁΝ ἵὁmὁΝ ldquotἷὅtἷmuὀhardquoΝ (ἃλἴ1ί-11) As oposiccedilotildees iniciais eacute que
limitaccedilatildeo progressiva e salvar da excelecircncia do prazer o que puder ser salvo integrando-se numa tese mais humana eacute imprescindiacutevel natildeo um defensor irredutiacutevel mais doacutecil e mais brando Protraco faraacute esse papel Um jovem debatedor amante da atividade dialeacutetica que para levar a seacuterio a defesa a ele confiada se faraacute mais flexiacutevel e doacutecil agraves razotildees apresentadas natildeo mais de uma forma obstinada em posiccedilotildees irrefutaacuteveis mas recuando quando necessaacuterio e prestando-se ao compromisso que permitiraacute um acordo muacutetuo sobre uma verdade compreensiacutevel e viaacutevel (1994 p 8) 90 Como por exemplo Guthrie (1978 p 1999) apesar deste autor acreditar que Filebo e Protarco satildeo personagens criados pela dramatizaccedilatildeo platocircnica em questatildeo ele ainda se pauta na contraposiccedilatildeo das teses hedonista e anti-hedonistas 91 Sobre algumas discussotildees histoacuterico-filosoacuteficas relativas agrave prosopografia desse diaacutelogo (Cf NAILS 2002 p 238 257 328-9) 92 Haacute uma primeira interferecircncia notada em 12a7-8 logo em seguida outra em 12b1-2 outra em 18a1-2 outra presente no trecho que vai de 18d3-e7 Uma outra interferecircncia estaacute presente em 22c3-4 E uma uacuteltima manifestaccedilatildeo do personagem aparece em 28b1-7 Lembremo-nos que eacute feita por Protarco uma referecircncia (15c7-λ)ΝaΝἔilἷἴὁΝ ldquoἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶἷvἷΝmἷxἷὄΝἵὁmΝἷlἷΝὂὁiὅΝἷlἷΝἶὁὄmἷrdquoΝ(ΠΡΩ Κα Ϊθ αμ κέθυθ η μ πσζαί υΰξπλ ῖθ κδ κτ κδα α Φέζβίκθ rsquoΝ πμ ελΪ δ κθ π θ θ π λπ θ α η εδθ ῖθ ε έη θκθ) Os tradutores natildeo traduzem a questatildeo da mesma maneira Muniz
(ἀί1ἀ)Ν tὄaἶuὐΝ ldquoὃuἷmΝ ἷὅtὠΝ ὃuiἷtὁrdquoνΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν ldquoaΝ ὂὄὁὂὰὅitὁΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ἶὁὄmἷrdquoνΝ ἢὄaἶἷauΝ (ἀίίἀ)ΝldquoalguὧmΝὃuἷΝἶὁὄmἷΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)ΝldquoὃuἷmΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝἴἷm-disposto Hackforth (1945) ldquoὁΝἶἷixἷmὁὅΝἶὁὄmiὄΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐἷὄὀaἶἷtἷΝ(1λλἁ)ΝldquojὠΝὃuἷΝἷlἷΝἷὅtὠΝἴἷm-posto sentado da forma ἵὁmὁΝἷὅtὠrdquoΝἷΝἕὁὅliὀgΝ(1λἅἃ)ΝldquoὅἷὄiaΝmἷlhὁὄΝἶἷixa-lo dormir 93 ἑfέΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)μΝldquoἏΝamphisbetesis comeccedilaria entatildeo quando comeccedila o Filebo a discussatildeo tendo como condiccedilatildeo de possibilidade a colocaccedilatildeo em oposiccedilatildeo por Soacutecrates dos dois logoi no interior de um logos comum ndash e que seacute eacute o que eacute por essecircncia de um dialeghesthai (p 251)
83 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
inauguram a possibilidade de uma controveacutersia desse ζσΰκμ comum do qual nem Filebo nem
Soacutecrates satildeo mestres (DIXSAUT 2017 p 251-252)94
O discurso de Filebo eacute apenas constatativo e nada mais O que explicaria mais adiante
sua necessidade em purificar-se de qualquer impiedade e invocar como testemunho a proacutepria
ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝvἷὄdade mas pouco me importa pois eu me purifico de qualquer impiedade e
ἵὁmὁΝtἷὅtἷmuὀhaΝiὀvὁἵὁΝagὁὄaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅardquoΝ(1ἀἴ1-3)95 Note-se que mais adiante (28b1)
o sentido dessa invocaccedilatildeo se torna mais compreensiacutevel Filebo natildeo exorta mas atesta que
SoacutecὄatἷὅΝ tamἴὧmΝ iὀvὁἵaΝ aΝ ὅuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝ ὃuἷΝ tuΝ vἷὀἷὄaὅΝ tuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaΝ
ἥὰἵὄatἷὅrdquo96 Teria Filebo ndash nessa sua uacuteltima apariccedilatildeo no diaacutelogo ndash o que eacute digno de nota
exortado ou mesmo censurado ou se sentido incomodado de algo que ele mesmo teria
realizado no iniacutecio do diaacutelogo (12b1-3)
Sobre isso Dixsaut (2017) nos sugere que o suposto tom exortativo natildeo passa de
ldquofaὀtaὅiaΝἶὁὅΝtὄaἶutὁὄἷὅ97 Soacutecrates venera sua deusa justamente porque assim como Filebo
ele reconhece sua existecircncia experimenta semelhante temor Soacute por isso ele tambeacutem se
fosse o caso poderia cometer sacrileacutegio No entanto o mesmo Soacutecrates relembra que Filebo
faὐΝὁΝmἷὅmὁΝἷΝὧΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὧΝὃuἷΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝldquofalaὄrdquo98 Poreacutem o uso da expressatildeo confunde
natildeo somente os claacutessicos tradutores mas tambeacutem o proacuteprio Protarco (28c1-5) Soacutecrates
ἷxὂliἵaΝaΝὅἷuΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝuὅὁΝἶὁΝtὁmΝὂiἷἶὁὅὁΝὅἷὀatildeὁΝὂaὄaΝldquoἴὄiὀἵaὄrdquo99 (p 253) Ou
ὅἷjaΝὧΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝiὄὲὀiἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoglὁὄifiἵaὦatildeὁrdquoΝἥὁἵὄὠtiἵaΝtἷmΝὅἷὀtiἶὁΝaὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝ
de Filebo para quem a ironia natildeo tem valor algum ndash haja vista como jaacute dissemos ele recusar
colocar-se a serviccedilo daquele ζσΰκμ comum e que nesse momento jaacute natildeo eacute mais contestaccedilatildeo
nem pode ser devido aos conteuacutedos (que veremos mais adiante) da discussatildeo pois a
94 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὅἷΝiὀὅiὅtἷμΝldquoaΝafiὄmaὦatildeὁΝἶἷΝἔilἷἴὁΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝfalaὀἶὁΝὅὰΝὅἷΝtὁὄὀaΝuma tese no interior da oposiccedilatildeo instituiacuteda por Soacutecrates a qual ela mesma soacute tem sentido no interior de um logos no qual toda afirmaccedilatildeo deve ser examinada e encontra-se submetida agrave jurisdiccedilatildeo de um discurso racional que exige que prestemos conta de todo enuὀἵiaἶὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἀ)έ 95 ΦΙΛέΝrsquoΝ ζβγ ζΫΰ δμ ζζα ΰ λ φκ δκ ηαδ εα ηαλ τλκηαδ θ θ θ γ σθ (12b1-3) 96 ΦΙΛ ηθτθ δμ ΰ λ υελα μ θ αυ κ γ σθ (28b1) 97 Segundo a autora o uso da partiacutecula ΰ λ natildeo sugere como se pode verificar em outros casos assentimento ou rejeiccedilatildeo mas justifica a linguagem utilizada eacute testemunho de compreensatildeo Por isso Filebo daria razatildeo (e natildeo reprovaria) o tom empregado por Soacutecrates Censura e irritaccedilatildeo seriam fantasia dos tradutores e nesse conjunto ela insere vaacuterios tradutores do diaacutelogo (Diegraves Hackforth Robin Bernadete) (DIXSAUT 2017 p 252-253) 98 ἠὁὅὅὁΝtὄaἶutὁὄΝἴὄaὅilἷiὄὁΝεuὀiὐΝ(ἀί1ἀ)ΝiὄὠΝtὄaἶuὐiὄΝldquoἷὀtὄἷtaὀtὁΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝaΝὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ( rsquoΝλπ υη θκθ ηπμ ηῖθ ζ ε Ϋκθ Sobre esse uacuteltimo termo (ζ ε Ϋκθ) Dixsaut (2017) nos explica que ele
significa falar eacute isso que eacute necessaacuterio falar e natildeo venerar Contudo Filebo eacute impermeaacutevel ao sentido que Soacutecrates utiliza o tom de louvor isto eacute ironicamente Por isso Filebo se recusaria a obeceder Soacutecrates conforme sugerido por Protarco (28b4-ἃ)μΝ ldquoἤἷἵuὅaὀἶὁΝ ἷὀtatildeὁΝ ὁΝ ἵὁὀὅἷlhὁΝ ἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝ ἶἷΝldquoὁἴἷἶἷἵἷὄΝaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝndash de glorificar para rir e de se dobrar a esse logos imperativo que se prescreve a si mesmo como uacutenico imperativo verdadeiro ndash Filebo delega novamente a palavra e cala-se ἶἷfiὀitivamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἁ)έ 99 ἑfέΝἀἆἵἁμΝldquo ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ αrdquoέ
84 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
contestaccedilatildeo ou os dois discursos jaacute adquiram o estatuto de teses postas em diaacutelogo ou seja
ironia e dialeacutetica (perguntar e responder) jaacute foram acordados em relaccedilatildeo agraves teses postas em
diaacutelogo
Por isso concluiria a autora francesa ao afirmar que
Eacute realmente redutor compreender seu silecircncio como o feito de um ldquohἷἶὁὀiὅmὁΝἶὁgmὠtiἵὁΝἵὁmΝὁΝὃualΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝἶiὅἵutiὄrdquo100 pois isso recai em negar a existecircncia de uma palavra diferente que natildeo se absteacutem de discutir porque seria dogmaacutetica mas porque falar eacute tambeacutem exprimir celebrar cantar (2017 p 253)
Note-se que o ζσΰκμ de Filebo ndash e sobre isso eacute necessaacuterio insistir ndash eacute a afirmaccedilatildeo
daquilo que os proacuteprios seres vivos (e aqui se inclui natildeo apenas os homens) de que o prazer
eacute bomΝἷΝἶiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝὃuἷmΝἶuviἶἷέΝldquo() Valor incontestaacutevel da proacutepria vida que se esvai no
khairein [alegrar-ὅἷ]ΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶardquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἂ)έΝἏΝfὁὄmaΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀἶuὐΝ
o discurso de Filebo no diaacutelogo a ponto de fazecirc-lo falar mesmo apoacutes ele ter manifestado sua
recusa em submeter-se agrave discussatildeo e consequente avaliaccedilatildeo do que proclama eacute ao mesmo
tempo haacutebil sutil e surpreendente A inversatildeo eacute tatildeo clara mas muitos estudiosos de pronto
pretenderam classificar Filebo como um tiacutepico hedonista irresoluto inversatildeo (socraacutetica) que
propriamente acontece gradualmente101
ἏlgὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝmἷὄἷἵἷΝὅἷὄΝὄἷtὁmaἶὁΝὧΝὁΝuὅὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝ( ΰαγ θ)
o qual difere daquele que eacute ldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) que soacute seraacute utilizado por Soacutecrates mais adiante
(em 14b1-7) e posteriormente na evidente alteraccedilatildeo do discurso enunciado por Filebo
100 Essa concepccedilatildeo seria a de Gadamer por exemplo como nos mostra a autora (Cf GADAMER 1983 p 164-165) 101 Dixsaut faz um interessante levantamento das passagens em que as muitas versotildees do discurso enunciado por Filebo aparece (i) a comeccedilar pela proacutepria afirmaccedilatildeo de 11b4-6 jaacute anteriormente desenvolvida (ii) passando por 19c6-8 em que Protarco afirma que para Filebo o que eacute melhor eacute o prazer e coisas do tipo (iii) e em 60a7-b1 seria para a autora o momento em que claramente o discurso de Filebo eacute alterado pois Soacutecrates diz que conforme aquele o prazer natildeo eacute apenas a meta de vida dos seres vivos mas que ele eacute o bem ( ΰαγ θ) para todas as coisas de tal modo que os nomes prazer e bem se confundiriam a ponto de tratarem de uma soacute coisa (iv) e jaacute em 66d7-8 ao final do diaacutelogo esta tese teria sido novamente expressa (e totalmente alterada) quando Soacutecrates afirma que Filebo propotildee que qualquer prazer de qualquer tipo eacute o bem (novamente o uso do termo ΰαγ θ) Concordo com a teoacuterica francesa que exista um manejo do ζσΰκμ de Filebo por Soacutecrates ou melhor uma alteraccedilatildeo sutil mas passiacutevel de identificaccedilatildeo no decorrer do texto No entanto discordo que a formulaccedilatildeo da tese e aiacute sim tese de Filebo soacute esteja presente em 60a7-b1 pois isso dificultaria o ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝἶaὅΝἶiὅἵuὅὅὴἷὅΝὃuἷΝὅἷΝὅuἵἷἶἷmΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝεἷΝὂaὄἷἵἷΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝὀatildeὁΝse ateve aὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝiὀἶiὄἷtὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝ1ἂἴ1ΝἷΝὁΝuὅὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) o que implicitamente jaacute deixa entrever que Soacutecrates pretende tornar a tese de Filebo a de um hedonismo ἷxtὄἷmaἶὁέΝVἷjamὁὅΝὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥὁἵέμΝἐἷmΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷmΝὁἵultaὄΝἷὀtatildeὁ a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγ θ) o prazer de bem ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria ao que eu defendo ou ao que tu ἶἷfἷὀἶἷὅέΝἒἷvἷmὁὅΝὅimΝἵὁmἴatἷὄΝjuὀtὁὅΝἷΝaliaἶὁὅΝaὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ(1ἂἴ1-b7)
85 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
(60a7b1 66d7-8) um fato curioso e que durante muitos seacuteculos instigou uma seacuterie de
comentadores do diaacutelogo Bury (1897) teria escrito uma nota adicional (n 6 p 2) retratando-
se por ter afirmado que ( ΰαγ θ) natildeo seria o bem mas que a posiccedilatildeo enfaacutetica do termo
justificaria a ausecircncia do artigo sua posiccedilatildeo eacute baseada nas afirmaccedilotildees de Stallbaum (1855)
e Badham (1820) Shorey (1908) considera a omissatildeo do artigo como um exemplo do que ele
nomeia (seguido de Wilamὁwitὐ)ΝἶἷΝldquoὅatildeΝiὀἶifἷὄἷὀὦardquoΝἶὁΝἷὅtilὁΝgὄἷgὁέΝἓὅὅaΝὂaὄἷἵἷΝtἷὄΝὅiἶὁΝaΝ
visatildeo da maioria de que natildeo faria diferenccedila entender os dois sentidos em que cada termo eacute
empregado traduzindo-os como idecircnticos ainda que estes sejam apresentados de formas
distintas Isto porque em alguns contextos anaacutelogos encontrariacuteamos ou natildeo encontrariacuteamosa
presenccedila do artigo ou permaneceriacuteamos em duacutevida102 sobre seu uso103 Paul Friedlaumlnder eacute
um dos grandes responsaacuteveis por uma compreensatildeo mais exata no seacuteculo XX104 desta
primeira parte do diaacutelogo sobretudo sobre a questatildeo do Bem Segundo o autor a recusa
102 Para alguns autores como Migliori (1998 p 51) em 13e6 natildeo estaria claro se haacute ou natildeo o uso do artigo isso porque anteriormente Soacutecrates teria utilizado ΰαγΪ mas ainda no mesmo excerto o ὅigὀifiἵaἶὁΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝἵlaὄamἷὀtἷΝὁΝἶἷΝldquoἴἷὀὅrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἶἷΝldquoὁΝἴἷmrdquoέΝἡΝὃuἷΝatἷὅtaὄiaΝὃuἷΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷΝfalaΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝmaὅΝἶὁΝldquoἴὁmrdquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁὅΝἴἷὀὅΝὂὁὄὃuἷΝὅἷΝvὁltaΝaΝutiliὐaὄΝὁΝtἷὄmὁΝ ΰαγσθ sem o artigo (Cf 13e5-7) 103 Essa eacute a visatildeo de Migliori (1998) como ele mesmo expressa em uma nota (n1 p 51) em seu vasto e importante comentaacuterio sobre o Filebo Poreacutem eacute necessaacuterio notar que sua visatildeo tambeacutem eacute centrada na defesa das duas teses iniciais do diaacutelogo aquela em que Filebo seria um hedonista extremado e Soacutecrates defenderia a inteligecircncia com o Bem Ele crecirc na contestaccedilatildeo de duas teses e tenta personifica-las historicamente Vale lembrar que o autor eacute um defensor e partidaacuterio da leitura esoterista de Platatildeo isto eacute da busca pelo excursus filosoacutefico presente na tradiccedilatildeo platocircnica indireta Para os partidaacuterios dessa leitura o Filebo eacute um diaacutelogo importante pois nele teriacuteamos mais alguns apontamentos e esclarecimentos sobre a Ideia do Bem ἷΝὅὁἴὄἷΝὁΝὃuἷΝὅἷΝἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝἵhamaὄΝldquoἦἷὁὄiaΝἶὁὅΝἢὄiὀἵiacuteὂiὁὅrdquoέΝOs representantes da Escola Tuumlbingen-Milatildeo como se convencionou chamar os adeptos desta visatildeo interpretativa baseiam-se amplamente no testemunho aristoteacutelico da Metafiacutesica sobre a existecircncia nos diaacutelogos de uma suposta defesa por parte de Platatildeo de dois princiacutepios o Bem e a Diacuteade-Indeterminada Esta teoria ganharia respaldo no Filebo segundo creem estes estudiosos porque neste diaacutelogo Limite e Ilimitado satildeo princiacutepios adotados por Platatildeo ao partir de sua anaacutelise da realidade O Filebo tἷὄiaΝaὅὅimΝumaΝὄἷlaὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἵὁmΝaὅΝἵhamaἶaὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-escritaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝtambeacutem por que elas remontariam ao que disse o neoplatocircnico Porfiacuterio retratado por Simpliacutecio em seu Comentaacuterio agrave Fiacutesica de Aristoacuteteles (Sobre isso ver Migliori (1998) e Perine (2014)) O projeto original de nossa pesquisa seguia pela mesma linha ao tentar estabelecer as relaccedilotildees entre as noccedilotildees desenvolvidas por Platatildeo acerca do Bem tanto na Repuacuteblica quanto no Filebo principalmente neste uacuteltimo diaacutelogo em relaccedilatildeo com a tradiccedilatildeo indireta platocircnica No entanto no curso de nossas leituras optamos por abandonar esse tipo de interpretaccedilatildeo e partirmos para uma leitura propriamente eacutetica (moral) do prazer no Filebo ἷΝὅuaΝἵὁὀὅἷὃuἷὀtἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝiὅtὁΝὧΝὄἷfὁὄmulaὄΝὀὁὅὅaΝviὅatildeὁΝinterpretativa do diaacutelogo adotando outros pontos de vista que natildeo esses dos esoteristas Fato no entanto que lamentamos e deixamos a cargo de outros pesquisadores que se interessam nessa reconstruccedilatildeo das ambiguidades ou supostas incompletudes presentes nos diaacutelogos Por ora permanecemos distante dessa interpretaccedilatildeo (extremamente relevante ao platonismo) por questotildees pessoais e acadecircmicas Portanto expresso aqui as concepccedilotildees relativas ao bem no que tangem ao bem pensado num sentido estritamente humano Sobre isso falarei mais adiante no decorrer de nossa anaacutelise do diaacutelogo no qual o tema reaparece 104 A primeira versatildeo (ediccedilatildeo) do seu Platone data de 1928
86 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
platocircnica de em um primeiro momento utilizar o artigo natildeo eacute desprovida de significado isto eacute
banal soacute depois de descrever o contraste entre as duas visotildees eacute que Soacutecrates emprega em
14b1 o artigo para referir-se ao bem105 (2004 p 1052)
Ora seria possiacutevel dizer que a pura afirmaccedilatildeo de Filebo jaacute estaria contida nos
enunciados discursivos postos desde o iniacutecio A resposta soacute pode ser um inequiacutevoco natildeo
Platatildeo atribui ao discurso de Filebo algo que ele natildeo possui desde o iniacutecio mas apenas
deixaria entrever isso eacute o que torna possiacutevel a modificaccedilatildeo total em 60a daquele ζσΰκμ do
primeiro interlocutor o uacutenico que por sinal ele aprova eacute aquele contido nas primeiras linhas
da obra (11b4-5) Uma primeira alteraccedilatildeo eacute realizada por Protarco (19c6-8) e soacute
posteriormente Filebo se torna o tatildeo sonhado hedonista dos claacutessicos inteacuterpretes
A afirmaccedilatildeo de Filebo e sua consequente assimilaccedilatildeo ao hedonismo radical encontra
sustentaccedilatildeo na possiacutevel aproximaccedilatildeo entre Filebo e Eudoxo106 Para ambos o prazer eacute bom
mas Eudoxo natildeo diz que todos os seres buscam o prazer ou que devam buscaacute-lo Na
alteraccedilatildeo operada por Soacutecrates Filebo assim como Eudoxo deve dizer que todos os seres
vivos devem buscar obter o prazer logo como todos os seres tendem ao bem o prazer seria
o bem par excellence elegiacutevel diante de qualquer um outro O que justificaria tal escolha
Note-se que do aspecto de pura contestaccedilatildeo passa-se diretamente ao aspecto normativo que
diz respeito agrave melhor das vidas possiacuteveis e natildeo apenas eacute ressaltada por Soacutecrates a
identidade entre prazer e bem indevidamente atribuiacuteda a Filebo Soacute deste modo seria possiacutevel
105 ldquoἓὅtaΝὂaὅὅagἷmΝἶὁΝaἶjἷtivὁΝ[ἴὁm]ΝaὁΝὅuἴὅtaὀtivὁΝ[ἴἷm]ΝὀatildeὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἵaὅualέΝἢὄὁtaὄἵὁΝtἷὄiaΝuὅaἶὁΝerroneamente um termo chave cujo uso devia ser habitual no ciacuterculo platocircnico ao menos na eacutepoca em que teria sido lida e discutida a Repuacuteblica (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1052) 106 ἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἓuἶὁxὁΝὂἷὀὅavaΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷὄaΝὁΝἴἷmΝὂἷlὁΝfatὁΝἶἷΝvἷὄΝtuἶὁΝndash tanto seres capazes de razatildeo como seres incapazes dela ndash a esforccedilar-se por obtecirc-lo e porque em todas as situaccedilotildees possiacuteveis o que se escolhe eacute sempre o melhor de tudo E o que se escolhe incondicionalmente eacute o mais poderoso dos bens O fato entatildeo de tudo se movimentar numa mesma determinada direccedilatildeo parece indicar que isso seraacute o melhor de tudo para todos os seres (porque cada um descobre o bem para si proacuteprio tal como acontece com a descoberta da alimentaccedilatildeo adequada) mas o que eacute o bem para todos e portanto objetivo final que todos se esforccedilam para obter eacute o bem supremo Estes enunciados eram convincentes mas mais pela excelecircncia do seu caraacuteter do que propriamente por si proacuteprios porque [Eudoxo] era tido por algueacutem extraordinariamente temperado E assim dava a impressatildeo de falar natildeo enquanto amigo do prazer mas tal como as coisas se passam na realidade Pensava tambeacutem que a sua teoria natildeo era menos evidente em consideraccedilatildeo da tese oposta isto eacute que o sofrimento eacute algo que deve ser evitado por todos seguindo a sua proacutepria essecircncia e que por conseguinte o prazer tem que ser rejeitado Na verdade o que pode ser escolhido de uma forma incondicional natildeo eacute o que escolhemos por qualquer outro motivo a natildeo ser graccedilas a si proacuteprio Uma tal coisa eacute o prazer tal como eacute geralmente aceite pois a ningueacutem se pergunta em vista do que eacute que sente prazer porque o prazer eacute uma escolha absoluta pela sua proacutepria essecircncia Portanto se o prazer for acrescentado a qualquer dos bens faz deles uma escolha mais preferencial por exemplo ao ser acrescentado ao cumprimento da justiccedila ou da temperanccedila isto eacute aumenta o que de si jaacute tem uma caracteriacutestica de bem (EN X 1172b9-25)
87 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
que o discurso de Filebo se prestasse ao diaacutelogo agrave refutaccedilatildeo isto eacute quando formulado
conforme uma tese Insisto natildeo se afirma que o prazer eacute o bom mas que bem eacute prazer
ἥὰἵὄatἷὅΝ ἷmὂὄἷὅtaΝ aΝ ἔilἷἴὁΝ aΝ ldquotἷὅἷΝ ἶaΝ multiἶatildeὁrdquoΝ ( κῖμ η θ πκζζκῖμ)107 presente na
Repuacuteblica (VI 505b7-8)108 assim como teria feito tambeacutem Goacutergias no diaacutelogo homocircnimo
(494e9-499b8) a fim de natildeo incorrer em contradiccedilatildeo chega a afirmar a identidade entre bem
e prazer Esse artifiacutecio natildeo eacute novo ele se repete no Filebo da mesma maneira embora os
motivos para a rejeiccedilatildeo dessa identidade por Soacutecrates sejam distintos em ambos os diaacutelogos
como tambeacutem o satildeo na Repuacuteblica pois os contextos dialoacutegicos tambeacutem satildeo distintos
ἑὁmὁΝ ἴἷmΝ ὁἴὅἷὄvaΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoaὅΝ ἶuaὅΝ fὰὄmulaὅΝ iὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅΝ ὂἷὄmitiὄamΝ
transformar a afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer em uma (maacute) definiccedilatildeo do
ἴὁmrdquoΝ(ὂέΝἀἃἅ)έΝΝἡΝὅἷὀtiἶὁΝὧΝaltἷὄaἶὁΝὁΝὂὄaὐἷὄΝjὠΝὀatildeὁΝὁἵuὂaΝuὀiἵamἷὀtἷΝumΝἷὅtatutὁΝἶἷΝvalὁὄΝ
mas eacute posto como o valor uacutenico dos viventes109 Todo o discurso de Filebo estaacute inserido no
curso da discussatildeo e eacute modificado por Soacutecrates (haacutebil Platatildeo) a ponto de se estabelecerem
claramente as duas teses e os seus respectivos e distintos partidaacuterios a fim de cumprir a
ἷxigecircὀἵiaΝὄἷὃuiὅitaἶaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝἶἷΝὃuἷΝfὁὅὅἷmΝἵὁlὁἵaἶaὅΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝamἴaὅΝaὅΝ
teses (14a6-9)
Nas esclarecedoras palavras de Dixsaut
Podemos sem duacutevida censurar muitas coisas a Platatildeo mas certamente natildeo uma falta de sutilidade no manejo do logos Portanto eacute improvaacutevel que essa seacuterie de transformaccedilotildees conduza a uma reviravolta uacuteltima seja de sua parte inconsciente e involuntaacuteria Se Filebo natildeo quer falar com Soacutecrates Soacutecrates natildeo pode falar com Filebo mas pode fazecirc-lo falar e fazendo isso trazer agrave tona natildeo o que afirma Filebo mas o que segundo Soacutecrates Filebo quer dizer (2017 p 257)
Eacute necessaacuterio ainda acrescentar que o abrupto iniacutecio do diaacutelogo se deve em parte agrave
afirmaccedilatildeo de Filebo que natildeo deixa de ser apesar disso uma afirmaccedilatildeo da proacutepria vida da
proacutepria vontade de viver o sagrado gozo que marca a vida O prazer eacute bom porque sobretudo
eacute por meio dele que a vida eacute gerada transmitida e intensificada Seria isso que Soacutecrates
deveria combater mas a iminecircncia de um novo conflito insuperaacutevel o conduz a postular algo
como melhor ( λδ κθ 19c6 65b1-2) partilhada por aqueles dentre noacutes ( θ παλ ηῖθ 11a2)
107 Em 67b3 o discurso invertido de Filebo recebe a conotaccedilatildeo daquele da maioria e o termo utilizado ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὧΝldquoκ πκζζκ rdquoέΝ 108 ldquoἢaὄaΝaΝmultidatildeo o bem parece ser o prazer enquanto para os refinados eacute o pensamento ( κῖμ η θ πκζζκῖμ κθ κε ῖ θαδ Ϊΰαγσθ κῖμ ξκηφκ Ϋλκδμ φλ θ δμrdquoΝ(Rep VI 505b7-8) 109 ldquoἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὧΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ ὄἷὅὅaltaὄΝ aὅΝ ἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝ ἶἷΝ IὄwiὀΝ (1λλἃ)μΝ ldquoaὁΝ aὄgumἷὀtaὄΝ ἵὁὀtὄaΝ aΝalegaccedilatildeo de prazer para ser o bem Soacutecrates insiste na diversidade de prazeres (12c-d) e afirma que aὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝiὀiἵiaiὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝvalὁὄΝἶὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ(ὀὁΝὅiὀgulaὄ)Νἶeve ser reconsiderado uma vez que temos umaΝiἶἷiaΝmaiὅΝἵlaὄaΝἶὁὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝὅἷuὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝvalὁὄἷὅrdquoΝ(ὂέΝἁ1ἆ-319)
88 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ὀἷὅtἷΝ ldquoὀὰὅrdquoΝ ἷlἷΝ ὅἷΝ iὀἵluiΝ aὃuἷlἷὅΝ ὃuἷΝ ὂaὄtiἵiὂamΝ ἶὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ἷΝ ὃuἷΝ fὁὄamΝ ὂὁὄΝ ἷlἷΝ
educados110
O discurso de Soacutecrates eacute um discurso eacutetico e encontra-se direcionado a determinada
espeacutecie de vida a dos homens natildeo aquele da multidatildeo mas agravequeles inspirados pela forccedila
da Musa filosoacutefica (67b6) Isso significa que o homem natildeo eacute soacute mais um dentre as plantas e
os animais o homem exaltado por Soacutecrates fora educado pela inteligecircncia por isso natildeo pode
aceitar a tese da multidatildeo O discurso de Soacutecrates eacute restritivo mas o de Filebo (finalmente)
ultrapassa uma extensatildeo permissiacutevel Ao dizer que tudo que eacute bom eacute agradaacutevel natildeo se firma
uma identidade entre o bem e o agradaacutevel (bom) Contudo ao se afirmar essa identidade eacute
necessaacuterio admitir que todos os viventes participariam do mesmo gecircnero do prazer natildeo eacute a
hierarquia que nega qualquer diferenccedila entre as espeacutecies de prazer e entre as espeacutecies de
seres vivos mas a extensatildeo maacutexima dessa afirmaccedilatildeo111
Sendo assim jaacute podemos rejeitar a hipoacutetese de um diaacutelogo acadecircmico entre hedonistas
e anti-hedonistas Satildeo modos de viver que satildeo rejeitados em detrimento de outros e
novamente a relaccedilatildeo entre dialeacutetica e bem eacute assumida no diaacutelogo poreacutem de uma outra
maὀἷiὄaΝ ἷlaΝ ὧΝ iὀὅἷὄiἶaΝ ὀὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὁuΝ ὡΝ mἷlhὁὄΝ ἶaὅΝ vidas possiacuteveis
enquanto uma vida humana Eacute o valor (no singular) que se atribuem aos imprescindiacuteveis
valores que uma vida humana deve possuir que estaacute em jogo na discussatildeo estabelecida Por
isso soacute cabe a esse diaacutelogo tomar uma nova direccedilatildeo logo apoacutes serem contestas as
afirmaccedilotildees (iniciais) simeacutetricas de Soacutecrates e de Filebo
Outra questatildeo a ser tomada das primeiras linhas do Filebo eacute a sequecircncia de termos
utilizadas por Filebo e por Soacutecrates para referirem-se aquele prazer e este ao pensamento
Na sequecircncia utilizada por Filebo satildeo notados ( εαέλ δθ εα θ κθ θ εα Ϋλοδθ 11b4-5
κθ θ εα Ϋλοδθ εα εαλ θΝ1λἵἅ)ΝἵὁmὁΝtuἶὁΝldquoὁΝὃuἷΝfὁὄΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝaΝἷὅὅἷΝgecircὀἷὄὁrdquoΝ( α κ
ΰΫθκυμ κτ κυ τηφπθα 11b5-ἄ)ΝἷΝldquoἵὁiὅaὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁrdquoΝ(εα πΪθγrsquoΝ πκ α κδα rsquoΝ έ
19c7-8) Podemos como nos sugere Bravo (2009) crer que Platatildeo estava atento a essa
problemaacutetica de caraacuteter semacircntico (p 36)112 Mas ao mesmo tempo o que vemos no diaacutelogo
110 ldquoἒἷὅἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝἶἷὅlὁἵamἷὀtὁΝὧΝὅἷὄΝiὀὅἷὀὅiacutevἷlΝὡΝiὄὁὀiaΝἶὁΝFilebo que esconde um discurso no interior de outro aquele acessiacutevel somente aos filoacutesofos no interior daquele feito para convencer os hὁmἷὀὅΝἶἷΝὃuἷΝἷlἷὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝὅὁmἷὀtἷΝaὀimaiὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃλ)έ 111 Cf DIXSAUT (2017 p 258) 112 Bravo (2009) nos lembra a paciente anaacutelise de Migliori (1998 p 539ss) detida na verificaccedilatildeo em todo o diaacutelogo das ocorrecircncias desses diversos termos anteriormente apontados que poderiam causar alguma diferenciaccedilatildeo semacircntica (por parte de Platatildeo) entre os diversos termos hedocircnicos Bravo ainda nos lembra que essa distinccedilatildeo jaacute eacute apresentada por Platatildeo no diaacutelogo Protaacutegoras (337c2-4) pois o sofista Proacutedico de Ceos fazia uma distinccedilatildeo baseado na alegria proacutepria dos ouvintes de uma ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἵὁmὁΝldquoaὃuἷlaΝὃuἷΝὅἷΝἷxὂἷὄimἷὀtaΝaὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝalgumaΝἵὁiὅaΝἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝda reflexatildeo que pἷὄtἷὀἵἷΝ aὂἷὀaὅΝ aὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ ( φλαέθ γαδ η θ ΰ λ δθ ηαθγΪθκθ Ϊ δ εαῖ φλκθά πμ η ζαηίΪθκθ α α δαθκέ )ΝldquoἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝἵὁmiἶaΝὃuἷΝὅἷΝἷὅgὁtaΝὀὁὅΝὅἷὀtiἶὁὅΝiὅtὁΝὧΝὧΝὂὄὁἶuὐiἶὁΝuὀiἵamἷὀtἷΝὂἷlὁΝἵὁὄὂὁrdquoΝ( γαδ γέκθ Ϊ δ ζζκ πΪ ξκθ α α υηα δ) O
89 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
eacute uma esmagadora vitoacuteria do termo κθά113 O que significa por outro lado que por mais
que Platatildeo seja acusado de imprecisatildeo terminoloacutegica ele natildeo deixa de dedicar atenccedilatildeo aos
esforccedilos de Proacutedico O que nos leva a concluir apoacutes tal anaacutelise seguindo pelas constataccedilotildees
de Bravo (2009) e Dixsaut (2017) que natildeo haacute vestiacutegios de uma confusatildeo especiacutefica poreacutem
Platatildeo natildeo parece inclinado a distinguir com termos apropriados as diferentes formas de
prazer (Bravo 2009 p 37) Por isso eacute rejeitada por Platatildeo tal distinccedilatildeo ou melhor lhe parece
desnecessaacuteria isso natildeo significa que ele natildeo esteja atento a esta diferenciaccedilatildeo mas elas natildeo
estariam implicadas na afirmaccedilatildeo de Filebo isto eacute estes termos nem satildeo sinocircnimos nem
espeacutecies diferentes mas o discurso de Filebo retoma modulaccedilotildees de uma mesma experiecircncia
(a prazerosa) e agrave sua plenitude Como nos explica Dixsaut (2017) elas se adicionam sem
ὃualὃuἷὄΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁΝὁuΝmἷlhὁὄΝἷὅtatildeὁΝἷmΝldquouὀiacuteὅὅὁὀὁrdquoΝ(ὂέΝἀἄ1)έ
E quanto agrave sequecircncia de Soacutecrates Existe algum sentido especiacutefico na sequecircncia de
termos por ele adotado em seu discurso VἷjamὁὅέΝἓmΝ11ἴἄΝὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝaΝldquoiὀtἷligecircὀἵiaΝ
ldquomἷmὰὄiardquoΝ( φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ)ΝἷΝldquotuἶὁΝmaiὅΝὁΝὃuἷΝlhἷὅΝfὁὄΝaὂaὄἷὀtaἶὁrdquoΝ(εα
κτ πθ α γΰΰ θ 11b6-ἅ)ΝἷΝὁΝὃuἷΝὄἷὅultaΝἶiὅὅὁμΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝἷΝldquoὄaἵiὁἵiacuteὀiὁΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ
( σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ 11b8) Ao contraacuterio de Filebo a seacuterie de termos de
Soacutecrates varia como se pode notar em 19d4-ἃΝ aὂaὄἷἵἷmΝ aΝ ldquoἵiecircὀἵiardquoΝ ( πδ άηβθ) a
ldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝ( τθ δθ) e a arte ( Ϋξθβθ) satildeo tambeacutem resultados obtidos via inteligecircncia
(θκ θ) ausenta-se entretanto o termo φλσθβ δμ Em 21a14-15 somam-se ao pensamento
tom irocircnico utilizado por Platatildeo no diaacutelogo nos impediria de confirmar se tal distinccedilatildeo realmente era feita por Proacutedico Poreacutem haacute um testemunho de Aristoacuteteles (Toacutep II 112b22-24) que parece confirmar tal distinccedilatildeo seja num caraacuteter linguiacutestiἵὁΝὅἷjaΝὀumΝἵaὄὠtἷὄΝὁὀtὁlὰgiἵὁμΝldquoἢὄὰἶiἵὁΝἶiviἶiaΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ( μ
κθΪμ) em gozo (ξαλΪ) deleite ( Ϋλοδμ) e alegria ( φλκ τθβ)rdquoΝ (Toacutep II 112b22-24) Poreacutem o estagirita natildeo aceita esta distinccedilatildeo como tambeacutem parece que Platatildeo natildeo a aceita pois todos satildeo nomes do proacuteprio prazer e esses diferentes termos satildeo aplicados atendendo as diferenccedilas puramente acidentais Bravo ainda associa estas ocorrecircncias a duas conclusotildees (i) a frequecircncia e a diversidade dos termos demonstra por um lado a importacircncia do prazer entre os gregos (ii) como tambeacutem atesta a sua problematicidade (do prazer) agrave medida em que eacute tomado como objeto de reflexatildeo (Bravo 2009 p 36-37) A mesma lista de ocorrecircncias eacute feita por Bernadete (1993) como ela deixa transparecer em uma nota (n 3) assim como tambeacutem faz referecircncia a Proacutedico no Protaacutegoras e agrave citaccedilatildeo aristoteacutelica contida nos Toacutepicos (Cf Bernadete 1993 p 1) e o que se verifica eacute a predominacircncia de κθά no diaacutelogo (244 vezes) Agraves mesmas conclusotildees chega Benitez (1999 p 339 n1) 113 ldquoHedoneacute de fato proveacutem do radical indo europeu suad que estaacute relacionado a uma famiacutelia de termos cujo significado originalmente concerne a tudo que eacute agradaacutevel ao paladar ou pode tornar-se agradaacutevel para ele Desse radical deriva hedyacutes doce e o termo suumlszlig que em alematildeo tem o mesmo significado A essa famiacutelia pertence tambeacutem a palavra latina suavis que significa igualmente doce e em um sentido mais estrito designa o gozo dos sentidos e o que se usufruiu por meio dos sentidos Por isso em latim pode-se dizer por exemplo suavitas odorum e em termos mais gerais os prazeres do corpo satildeo designados com o plural suavitatesrdquoΝ(ἑfέΝἔἓἤεἏἠIΝἀί1ἃΝὂέΝ1ἀἃΝὀέ1ἂ)έΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmais detalhada da semacircntica que envolve o termo (Cf BRAVO 2009 p 31-37)
90 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
(φλκθ ῖθ) o fato de conceber (θκ ῖθ) e calcular (ζκΰέα γαδ)114 Note-se que estamos diante
tanto de faculdades quanto de atividades como tambeacutem do que resulta disso O termo chave
aqui parece ser φλσθβ δμ115 que parece ser o mais recorrente Soacutecrates diz em 11d9 11e3
114 Em 21b6-ἅΝὀὁvamἷὀtἷΝldquoaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝaΝmἷmὰὄiaΝaΝἵiecircὀἵiaΝἷΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝem 60d4-ἃέΝ (ldquoθκ θ εα ηθάηβθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ () ζβγ 21b6-ἅνΝ ldquoηθάηβθ εα φλσθβ δθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ 6660d4-5) 115 Esse termo eacute digno de atenccedilatildeo e merece toda uma atenccedilatildeo por parte dos inteacuterpretes O termo φλσθβ δμ pode ser compreendido em sentidos distintos apesar de estabelecerem entre si alguma relaccedilatildeo Neste caso seria necessaacuterio como defende Dixsaut (1997) adotar um outro princiacutepio de classificaccedilatildeo que deixaria de lado qualquer suposiccedilatildeo que acredite que o sentido do termo tenha muἶaἶὁΝἶuὄaὀtἷΝaὅΝὁἴὄaὅΝ(ἷvὁluἵiὁὀiὅtaΝὁuΝἵὄὁὀὁlὰgiἵa)ΝmaὅΝὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaὅΝldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝὂὁἶἷὄiaΝnos dirigir a um melhor resultado Como o termo se encontra associado a alguns outros conceitos um pequeno nuacutemero de constelaccedilotildees permitiria uma classificaccedilatildeo das ocorrecircncias aceitaacuteveis (p 336) ἓὅὅἷΝ tἷὄmὁΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἷὅtaὄiaΝ iὀἵluiacuteἶὁΝ ὀἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝ ldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝ (ὁuΝ ldquofamiacuteliaὅrdquoΝ ὁuΝ ldquoἵamὂὁὅΝὅἷmacircὀtiἵὁὅrdquoΝὁuΝldquoὅigὀifiἵaὀtἷὅrdquoΝἵὁmὁΝἶiὐΝἦὁὄἶὁ-Rombaut (1999 p 193 n 1) a(o)s quais seriam (i) a inteligecircncia e o inteligiacutevel (ii) a vida e alma (iii) o valor e a virtude Φλσθ δμ seria utilizado por Platatildeo nesses trecircs sentidos em alguns diaacutelogos apenas em uma conotaccedilatildeo em outros em duas delas e em outros nos trecircs sentidos (como eacute o caso do Filebo) (DIXSAUT 1997 p 336-351) No entanto somente no Feacutedon possuiacutemos uma explicaccedilatildeo mais detalhada da vastidatildeo conceitual que esse termo apresenta ἡΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝmἷΝiὀtἷὄἷὅὅaΝaὃuiΝἷΝὃuἷΝaἵὄἷἶitὁΝtἷὄΝumΝldquoὂἷὅὁΝmaiὁὄrdquoΝὀaΝὀὁὅὅaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute o sentido propriamente moral (ou axioloacutegico) ao qual o termo possa ser efetivamente relacionado iὅtὁΝὧΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝviἶaΝἴὁaΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝὀaΝatὄiἴuiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtaΝἶὁΝldquovalὁὄΝἴὁmrdquoΝ(ou bem) a uma vida enquanto propriamente uma vida humana Concepccedilatildeo expressa natildeo somente em alguns trechos do Filebo (11b7 12a dentre outros a despeito de tambeacutem em algumas passagens estar relacionado aos outros sentidos de φλσθ δμ) mas que pode ser lida jaacute no Feacutedon na seguinte passagem em que ὁΝtἷὄmὁΝὧΝἷxὂὄἷὅὅὁΝὂἷlaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝΟmὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoμΝὀὁΝFeacutedon onde o sentido da φλσθ δμ ὅἷΝtὁὄὀaΝmaiὅΝἵlaὄὁΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝἷxἵἷlἷὀtἷΝἥiacutemiaὅΝtalvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷjaΝἷmΝface da virtude um procedimento correto trocar assim prazeres por prazeres sofrimentos por sofrimentos um receio por um receio o maior pelo menor tal como se se tratasse de uma simples troca de moedas Talvez ao contraacuterio exista aqui apenas uma moeda de real valor e em troca pela qual tudo o mais deva ser oferecido a sabeἶὁὄiardquo (Ὦ ηαε λδ Νδηη αΝη ΰ λΝκ ξΝα βΝᾖ λγ πλ μΝ
λ θΝ ζζαΰ κθ μΝπλ μΝ κθ μΝεα ζ παμΝπλ μΝζ παμΝεα φ ίκθΝπλ μΝφ ίκθΝεα αζζ γαδΝ[εα ]Νη απΝπλ μΝ ζ πΝ π λΝθκη ηα αΝ ζζ᾽ ᾖ ε ῖθκΝη θκθΝ θ ηδ ηαΝ λγ θΝ θ κ ῖ π θ αΝα αΝεα αζζ γαδΝφ ό η ι ) (Feacuted 69a) Como bem explica Bossi (2008 p 238) e tambeacutem Gosling
ΤΝἦaylὁὄΝ(1λἆἀΝὂέΝλἀ)ΝaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝldquomὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝaὂἷὀaὅΝaΝtὄὁἵaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅΝpor inteligecircncia (como uma espeacutecie de opccedilatildeo por uma vida asceacutetica) mas antes de tudo significa que a vida filosoacutefica ou melhor o exerciacutecio do filoacutesofo consiste natildeo na reduccedilatildeo ou acreacutescimo de prazeres e sim na seleccedilatildeo segundo um uacutenico e verdadeiro criteacuterio ndash que natildeo a quantidade ndash mas o valor qualitativo dos prazeres atribuiacutedo pela razatildeo uacutenica e verdadeira moeda de troca Por isso o uso da expressatildeo grega (η φλκθά πμ) em 62b logo apoacutes a passagem acima citada a construccedilatildeo (meta + genitivo) soacute poderaacute indicar natildeo os meios utilizados na execuccedilatildeo de uma accedilatildeo mas sim o(s) modo(s) ou a(s) circunstacircncia(s) de uma accedilatildeo Isso implica que natildeo se pode compreender o significado da ὂaὅὅagἷmΝ ἵὁmὁΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷmΝ tὄὁἵaΝ ἶἷΝ iὀtἷligecircὀἵiardquoΝ maὅΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝiὀtἷligἷὀtἷmἷὀtἷrdquoΝ(ἑfέΝἕἡἥἜIἠἕΝΤΝἦἏYἜἡἤΝ1λἆἀΝὂέΝλἀ)έΝPodemos bem resumir o sentido que nos iὀtἷὄἷὅὅaΝaὁΝὄἷὅὅaltaὄΝaὃuiΝὁΝuὅὁΝἶἷὅὅἷΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝὃuἷΝφλσθ δμ faz referecircncia particularmente no que ἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝεaὄὃuἷὅΝ(ἀί1ἄ)μΝldquoPhronesis natildeo eacute mera competecircncia teacutecnica nem estrateacutegia praacutetica mas ambiente ou contexto de ressignificaccedilatildeo atitude reflexiva filosofia compreendida como esforccedilo e busca argumentada no sentido de se compreender as implicaccedilotildees ontoloacutegicas subjacentes as determinaccedilotildees que justificam diferentes valὁὄaὦὴἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅrdquoΝ(p 257) Sobre isso cf SOUZA (2016 p183-202) e BENITEZ (1999 p 339ss)
91 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ὃuἷΝὀaΝἶiὅὂutaΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὅἷὄiaΝaΝἶiὅὂὁsiccedilatildeo de pensar ou a vida de pensamento
ὃuἷΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄiὁὄΝἷΝὁὅΝtἷὄmὁὅΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷΝutiliὐaἶὁὅΝὅatildeὁμΝldquoφλσθ ῖθrdquoΝἷΝldquoφλκθά πμrdquoέΝ
Em determinados momentos da obra platocircnica esse termo eacute apenas contado entre outros
mas aqui ele estaacute em consonacircncia com abordagem mais detalhada e criteriosa do termo que
aparece no Feacutedon Ela eacute um gecircnero que reuacutene todas essas atividades e Soacutecrates atenta-se
em especificaacute-las (Cf 19b 21b9 20 60c-d) ela apresenta-se como rival agrave vida de prazer
Φλ θ δμ recobre no diaacutelogo essa vastidatildeo de sentidos seja de inteligecircncia (contato com
essecircncias com o que sempre eacute) seja de forma de consciecircncia (de si ou da realidade) como
tambeacutem aquele sentido relacionado agrave virtude e ao valor Todos os termos da lista socraacutetica
satildeo ditὁὅΝ ὂἷlὁΝ ὂὄὰὂὄiὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoaὂaὄἷὀtaἶὁὅrdquoΝ ( υΰΰ θ 11b8) que ora significaratildeo
momentos de uma determinada gecircnese na qual a memoacuteria eacute quem conduz agrave inteligecircncia ora
como espeacutecies propriamente ditas de um mesmo gecircnero Tudo dependeraacute dos objetivos da
anaacutelise em questatildeo principalmente no tocante agrave anaacutelise dos prazeres (verdeirosfalsos
purosimpuros bonsmaus) o que geraria certa confusatildeo entre os inteacutepretes numa primeira
leitura raacutepida do diaacutelogo Eacute o que detecta Benitez
No campo adversaacuterio [sic O de Soacutecrates] noacutes reencontramos φλκθ ῖθ θκ ῖθ η ηθ γαδ σιαθ λγ θ ε ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ (note-se que πδ άηβ natildeo aparece nesse momento) Novamente gostariacuteamos que em seguida esses elementos fossem distinguidos e ordenados Platatildeo parece decido a reuni-los Em conjunto os verbos φλσθ ῖθ e θκ ῖθ satildeo utilizados indiferentemente no Filebo e o mesmo vale para os substantivos correspondentes φλσθ δμ e θκ μ A vida defendida por Soacutecrates eacute descrita tanto com uma ίέκμ κ θκ μ quanto como uma ίέκμ μ φλκθά πμ sem que qualquer distinccedilatildeo seja feita Por duas vezes Soacutecrates exige que memoacuteria e caacutelculo raciocinado sejam excluiacutedos da vida de prazer porque eles satildeo componentes da vida intelectual e somente dela (21a-c 60d) Essa confusatildeo cria certos problemas espiacuterito inteligecircncia e saber diferem um do outro a memoacuteria que encontra-se ligada a ela natildeo eacute no entanto idecircntica a nenhum daqueles e nem mesmo a opiniatildeo reta e o raciociacutenio verdadeiro (1999 p 339)
No momento conveacutem apenas destacar que a memoacuteria eacute ζκΰκμ enquanto
conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo como tambeacutem a opiniatildeo verdadeira116 sobre sua efetiva percepccedilatildeo
(consciecircncia) de estar sentido prazer Portanto elas se opotildeem ao raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) assim
como este somado agraves outras duas se opotildeem agrave intelecccedilatildeo que diz respeito apenas ao
inteligiacutevel Todavia como observa Dixsaut (2017) a contrariedade presente no gecircnero que
constitui a φλσθ δμ natildeo exclui esse proacuteprio pertencimento a um mesmo gecircnero isto egrave ao do
116 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoὂaὄἷἵἷ-me que nestes passos a opiniatildeo verdadeira agrave qual se faz referecircncia num primeiro sentido eacute simplesmente a consciecircncia do gozar Como tal eacute distinta da opiniatildeo verdadeira que entra em jogo dialeacutetico com a ciecircncia a episteme que aὂaὄἷἵἷΝἷmΝὁutὄὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅΝἶialὧtiἵὁὅrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1λί)έ
92 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
intelecto O que dista do discurso de Filebo do de Soacutecrates eacute que a seacuterie terminoloacutegica daquele
soa em consonacircncia ao passo que a desse eacute vaacuteria e perfeitamente definiacutevel Aspecto como
veremos totalmente contestado por Soacutecrates jaacute que aquilo que Filebo postula como uacutenico
pode apresentar natildeo somente alteraccedilotildees de qualidade como tambeacutem de intensidade
inumeraacuteveis (DIXSAUT 2017 p 263)
A possibilidade adotada por Soacutecrates de inserir seu discurso em uma notaccedilatildeo temporal
(memoacuteria passado raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) futuro) confronta-se com o discurso de Filebo
desprovido de uma notaccedilatildeo tal O prazer eacute incapaz de previsatildeo pois sua base assenta-se na
experiecircncia imediata do agradaacutevel Passamos entatildeo do comparativo ao superlativo uma vez
ὃuἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝldquomaiὅΝvaὀtajὁὅὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝiὅtὁΝὂὁὄὃuἷΝ
ele eacute capaz de se inserir na dinacircmica do proacuteprio tempo pelos mecanismos diversos envolvidos
na proacutepria dimensatildeo (humana) que eacute capaz de participar da φλσθ δμ seja pelo recurso da
memoacuteria (passado) pela opiniatildeo verdadeira (resoluccedilatildeo das decisotildees praacuteticas do presente) e
pelo raciociacutenio (caacutelculo e a previsatildeo do futuro)
Nesse sentido eacute necessaacuterio que Filebo se distancie da argumentaccedilatildeo que permaneccedila
calado de tal modo de que as questotildees atribuiacutedas a ele sejam agora dirigidas a Protarco O
prazer natildeo combate nem ao menos eacute derrotado como vemos no decorrer do diaacutelogo ele
apenas se isenta do combate e por isso triunfa sem combater Como nos lembra Dixsaut
(2017) os versos da Iliacuteada de Homero proferidos por Diomedes agrave Afrodite estando uacuteltima
ferida pela lanccedila enquanto Diomedes a procurava no campo de batalha117 Diante disso eacute
possiacutevel notar que o prazer triunfa sem combater e se ele adere a luta eacute vencido
A mudanccedila dos discursos iniciais parece ter iniacutecio quando Soacutecrates assim diz
Soc Entatildeo eacute preciso que a verdade ( αθ ζβγΫμ) sobre esse assunto (π λ α θ λσπ ) seja por todos os meios delimitada (π λαθγ θαδ) Prot Sim eacute preciso Soc Vamos laacute entatildeo Com relaccedilatildeo a isso entremos em acordo ( δκηκζκΰβ υη γα) sobre mais um ponto Prot Qual Soc Que agora cada um de noacutes tentaraacute indicar o estado e a disposiccedilatildeo da alma ( ιδθ ουξ μ εα δΪγ δθ capaz de fornecer a todos os homens ( θ
υθαηΫθβθ θγλυπκδμ) uma vida feliz (π δ θ ίέκθ αέηκθα) Natildeo eacute assim Prot Assim mesmo (11c9-d7)
117 A autora refere-ὅἷΝaὁΝὅἷguiὀtἷΝvἷὄὅὁμΝ ldquoἓxἵlamὁuΝἵὁmΝ fὁrte Diomedes corajosa em seu grito de guerra ndash Retira-te filha de Zeus do combate e da luta Acaso natildeo te basta enganar (triunfar) as fraacutegeis mulheres Se tu pretendes frequentar a batalha creio que estremeceraacutes apenas em ouvir mencionaacute-la em um qualquer lugar (Hom Il 2 5 347-351)
93 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Permanecer naquele conflito anterior dos dois discursos soacute incorreria novamente em
impasse em aporia Apenas com a mudanccedila de interlocutor eacute possiacutevel esse acordo118 a
primeira exigecircncia (banal) de se atingir a verdade119 sobre esses pontos muda a direccedilatildeo do
iὀὃuὧὄitὁΝ ὅἷὄὠΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ ἵὁmὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν umΝ ldquoaἶvὁgaἶὁΝmaiὅΝ ἶὰἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἆ) No
ἷὀtaὀtὁΝὧΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝἴaὀaliἶaἶἷΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝavaliaὦatildeὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὅuaΝldquovἷὄἶaἶἷΝ
ὁuΝfalὅiἶaἶἷrdquo120 A luta se instaura natildeo para que venccedilam um ou outro discurso ou teses como
ὂὄἷfἷὄἷmΝ alguὀὅΝ maὅΝ ὂaὄaΝ avἷὄiguaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ldquomaiὅΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ ὧΝ ὃuἷΝ se deve combater
118 Creio que esse acordo deva ser lido em dois sentidos se recuperarmos o sentido que ele desempenha na filosofia platocircnica Primeiramente eacute necessaacuterio sair do impasse e para tal conciliar os discursos e colocaacute-los em um ζσΰκμ uacutenico eacute o que pressupotildee qualquer discussatildeo No entanto esse sentido do acordo tambeacutem eacute colaborativo natildeo basta apenas submeter-ὅἷΝaὁΝἶiὠlὁgὁΝmaὅΝtamἴὧmΝldquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrdquoΝὡὃuilὁΝὃuἷΝὧΝἶitὁΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὀἶὁΝaὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝiὀἵὁἷὄecircὀἵiaὅΝὃuἷΝὅἷuΝἶiὅἵuὄὅὁΝὂὁὅὅa a vir a sofrer nesse mesmo processo diaacutelogico Dito de outro modo eacute tambeacutem imprescindiacutevel no curso da aὄgumἷὀtaὦatildeὁΝldquoἷὅtaὄΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmὁrdquoΝtἷὄΝὄἷalΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὧΝ(ἷΝaὃuiΝὅim)ΝumaΝtese e que deve entatildeo ser defendida enquanto se eacute um interlocutor no processo dialoacutegico (Basta retomamos o sentido do ηκζκΰ δθ em alguns dos demais diaacutelogos Ver Goacuterg (461b 468e 482d 487e 472b-c474a5 495a5-9) e Teet (154e1 171d5) que atestam essa dupla especificidade do acordo) Sobre isso tambeacutemΝὧΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝὄἷtὁmaὄΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)μΝldquoἷὅtἷΝὧΝumΝὁutὄὁΝdictum crucial para Platatildeo desde os primeiros diaacutelogos os acordos (homologiacuteai) entre os falantes que pressupotildeem qualquer discussatildeo e a coerecircncia ou consistecircncia (homologia) do discurso e os acordos (homologiacuteai) preacutevios que pressupotildeem qualquer diaacutelogo () o requisito da coerecircncia eacute o que possibilita mostrar que algueacutem estaacute em contradiccedilatildeo () por isso eacute que no argumento dialoacutegico natildeo faz mal tomar como testemunha um terceiro poreacutem basta tomar por testemunha o proacuteprio loacutegos Em um verdadeiro diaacutelogo ὁΝἶἷἵiὅivὁΝὀatildeὁΝὧΝὃuἷΝὁὅΝfalaὀtἷὅΝἷὅtἷjamΝlsquoὅἷΝtἷὅtaὀἶὁrsquoΝuὀὅΝaὁὅΝὁutὄὁὅΝ(έέέ)ΝmaὅΝὃuἷΝὅἷjamΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝmanter a coerecircncia de seus argumentos e que sobretudo sejam capazes de revisar suas posiccedilotildees se o exame dialeacutetico assim o requerer Uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que o diaacutelogo funcione eacute que cada interlocutor sempre diga o que lhe parece ser verdade () Se a disposiccedilatildeo de conservar uma atitude de colaboraccedilatildeo diante do diaacutelogo se elimina natildeo pode haver progresso na conversaccedilatildeo filosoacutefica e no processo educativo de que tal conversaccedilatildeo eacute uma parte decisiva O recusar-se a responder aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝiὀtἷὄὄὁgaἶὁΝὧΝaἵὁmὂaὀhaἶὁΝὂὁὄΝumΝἵἷὄtὁΝlsquoἷὅὂiacuteὄitὁΝἶἷΝiὄὁὀiarsquoΝὃuἷΝcaracteriza as teacutecnicas sofiacutesticas de discussatildeo como opostas agraves filosoacuteficas Quem estaacute disposto a ὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝ aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ lἷvaΝ aΝ ὅὧὄiὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄguὀtaνΝ ἷὅtἷΝ lsquolἷvaὄΝ aΝ ὅὧὄiὁrsquoΝ aΝconversaccedilatildeo natildeo apenas significa considerar seriamente a tese discutida e o assunto da discussatildeo mas tambeacutem ndash e talvez o que eacute o mais importante ndash ser consciente do fato de que algueacutem deve se fazer responsaacutevel daquilo que se nega de suas proacuteprias afirmaccedilotildees (esse eacute o modo de conservar a homologia no diaacutelogo) as quais pressupotildeem como ὂὁὀtὁΝ ἶἷΝ ὂaὄtiἶaΝ ἵἷὄtὁὅΝ ldquoaἵὁὄἶὁὅrdquoΝ imὂliacuteἵitaΝ ὁuΝἷxὂliἵitamἷὀtἷΝaἵἷitὁὅΝὂἷlὁὅΝfalaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἃλΝὀέΝἀ)έ 119 ἑὁmὁΝἶiὐΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoἠumΝἵὁὀtἷxtὁΝἶialὰgiἵὁΝiἶἷalΝἵaἶaΝἶialὁgaἶὁὄΝaὂὄἷὅἷὀta-se como portador de uma verdade sua na qual acredita e que defende com argumentos loacutegicos contra a tese do outro participante do diaacutelogo Natildeo haacute portanto no iniacutecio uma verdade jaacute dada com a qual se medir mas haacute mais do que uma verdade e elas se enfrentam num plano por assim dizer de paridade Soacute no final se obteraacute (se obtiver) um acordo entre as teses contrapostas e se estabeleceraacute qual eacute o discurso verdadeiro que poderaacute ser de um ou do outro dialogador ou poderaacute ser tambeacutem uma terceira tese encontrada e justificada no interior do diaacutelogo vivo que se desenvolveu entre eles como eacute o caso precisamente do FilebordquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1ἆἄ)έ 120 ἠaὅΝ ἴἷlaὅΝ ὂalavὄaὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautμΝ ldquoἓὀtatildeὁΝ ἷlἷΝ [sic Protarco] a isto a vida a alegria de viver se encontraraacute submetida e subordinada ao conhecimento agrave dialeacutetica e agrave vontade de verdade Eros contra ἷὄὁὅμΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὧΝmἷὀὁὅΝtἷὄὄiacutevἷlΝὃuἷΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ἀί1ἅΝὂέΝἀἄἃ-266)
94 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
conjuntamente e esse discurso soacute se torna mais estaacutevel por intermeacutedio do acordo
(CASERTANO 2010 p 188)121 Eacute sob essa carateriacutestica que aqui podemos chamaacute-la
sineacutergica122 que se funda o diaacutelogo e que dista da pura disputa eriacutestica como nos mostraraacute
Soacutecrates mais adiante no diaacutelogo (15a-16b)
Fica claro a partir daqui a restriccedilatildeo de Soacutecrates feita ao debate que se dirige agora
ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὀatildeὁΝaΝldquotὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅrdquoΝ(ἶἷὀtὄἷΝἷlἷὅΝaὀimaiὅ plantas) mas agrave vida humana
tatildeo somente A pergunta ὅἷΝἵaὄaἵtἷὄiὐaΝὂὁὄΝ tἷὀtaὄΝ iὀἶiἵaὄΝὁΝldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ( ιδθ)ΝἷΝaΝldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
( δΪγ δθ) da alma (ουξ μ)ΝὃuἷΝὅἷὄὠΝἵaὂaὐΝἶἷΝὂὄὁὂὁὄἵiὁὀaὄΝaὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoΝ(ίέκθ
αέηκθα) Basta lembrar que o homem eacute o ser que participa da inteligecircncia que reside na
alma Este eacute um primeiro aspecto a ser considerado123
Um segundo aspecto importante eacute evitar conflitos inuacuteteis visto que a discussatildeo sobre
o bem jaacute teria gerado impasses em outros momentos Basta relembrarmos a discussatildeo da
Repuacuteblica (aqui jaacute citada) em que nem mesmo a inteligecircncia nem mesmo o prazer possuem
os requisitos necessaacuterios para serem tidos como o bem (R VII 505b6) Esse bem agora deve
ser uma outra coisa124 como jaacute nos adianta Soacutecrates (11d11) e que ficaraacute mais claro do que
ὅἷΝ tὄataΝ ἷὅὅaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ὀὁΝ ἶἷἵὁὄὄἷὄΝ ἶaΝ aὄgumἷὀtaὦatildeὁ125 Poreacutem natildeo haacute outros
concorrentes aleacutem da inteligecircncia e do prazer Se natildeo haacute como afirmarmos com veemecircncia o
ὃuἷΝὅἷjaΝὁΝἴἷmΝὃuἷΝὂἷlὁΝmἷὀὁὅΝὂὁὅὅamὁὅΝἶiὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝaΝldquoViἶaΝἴὁardquoΝἷΝὁΝὃuἷΝfaὐΝ
com que ela seja portadora desse qualificativo ou seja o que a torna uma vida realmente
boa Natildeo se trata entretanto de eliminar ou derrotar os dois discursos mas de colocar ambos
me perspectiva analisaacuteveis sob o domiacutenio do ζ ΰκμ126
121 ldquoἑὁmὁΝὅἷΝvecircΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἵaὄaἵtἷὄἷὅΝἶὁΝἶialὁgaὄΝὅὁἵὄὠtiἵὁ-platocircnico tal como foram estabelecidos nos ἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝndash a coragem do exame a refutaccedilatildeo que tem como fim natildeo a vitoacuteria eriacutestica mas uma investigaccedilatildeo em comum a concoacuterdia que torna estaacutevel o resultado concordado ndash satildeo tambeacutem aqui no Platatildeo maduro plenamente confirmados A verdade e natildeo a φδζκθδεέα constitui sempre o horizonte e o fim do diaacutelogὁrdquoΝ(ἑἏἥἓἤἦἏἠἡΝἀί1ίΝὂέΝ1ἆἆ)έ 122 ldquoἡΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ umΝ ἵὁmἴatἷΝ maὅΝ umaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaΝ ἴuὅἵaΝ ἷmΝ ἵὁmumΝ viὅaὀἶὁΝexaminar o problema em-ὅiΝἷΝaΝἵὁὀὅtὄuiὄΝumaΝὂὁὅiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἄΝὂέΝἁλ)έ 123 ldquoἏΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ὅἷΝ iὀiἵiaΝ ἷmΝ umΝ ὀiacutevἷlΝ ὃuἷΝ ὂὄἷὅὅuὂὴἷὅΝ aΝ lὁἵaliὐaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ἴἷmΝ ὀaΝ almardquoΝ(DELCOMMINETTE 2006 p 37) 124 Σ δμΝελ έ πθΝ κτ πθΝφαθ (11d11) 125 Notomi (2010) relembra essa mesma perspectiva presente tambeacutem no Sofista (250b7-ἶἂ)μΝldquoIὅὅὁΝὀὁὅΝlembra um argumento semelhante no sofista A investigaccedilatildeo direta sobre o ser fica presa Tanto o movimento como o resto satildeo mas ser natildeo eacute movimento nem descanso devemos procurar uma tἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅaΝaὁΝlaἶὁΝἶὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ὂέΝἅἆ)έ 126 ldquoἥἷΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ἶaὄΝ umaΝ ὄἷὅὂὁὅtaΝ ἶiὄἷtaΝ ὡΝ ὂἷὄguὀtaΝ aὀtἷὄiὁὄΝ ὃual dos dois eacute o bem inteligecircncia ou prazer podemos examinar em vez disso qual eacute a boa vida e aleacutem disso o que faz a vida boa em relaccedilatildeo aos dois Ao mudar as questotildees o inqueacuterito aborda o mesmo problema de forma diferente Apesar do fracasso do diaacutelogo entre Filebo e Soacutecrates os seus dois candidatos natildeo devem ser demitidos nenhuma afirmaccedilatildeo positiva seraacute concluiacuteda sobre o bem se ambos os candidatos forem simplesmente jogados fora Por outro lado a nova questatildeo permite Protarco e Soacutecrates examinarem ὁὀἶἷΝἵaἶaΝumΝἷὅtὠΝlὁἵaliὐaἶὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmrdquoΝ(ἠἡἦἡεIΝἀί1ίΝὂέΝἅἆ)έ
95 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
εaὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὀἷὅὅἷΝ ἵὁὀtἷxtὁΝ ὅἷὄiaΝ ἷὅὅἷΝ ldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ ἷΝ ἷὅὅaΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquo127 citadas por
Soacutecrates Parece claro que natildeo podemos tomar os dois termos como sinocircnimos nem reduzi-
lὁὅΝ ὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝ aΝ tἷὄmὁὅΝ tὄaἶuὐiacutevἷiὅΝ ὂὁὄΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquoέΝ ἓιδθΝ ἶἷὀὁtaὄiaΝ umΝ ἷὅtaἶὁΝ umaΝ
maneira de ser em sentido estrito (falsoverdadeiro) enquanto δΪγ δθ diz respeito muito
mais a uma consequecircncia a um resultado128 A alma natildeo eacute o termo significativo mas sim a
felicidade129 natildeo importa tanto mais a rejeiccedilatildeo de que a felicidade consista na posse de bens
exteriores como a sauacutede a riqueza a beleza que para ambos interlocutores satildeo meios mas
natildeo fins130 Como atesta Gadamer (1983)
Assim a questatildeo do bem na vida humana jaacute possui uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e assim oferece agrave investigaccedilatildeo uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) ou tambeacutem uma certa atitude ( ιδμ)ΝἶaΝalmaΝὃuἷΝὂὁὅὅaΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅέΝἡΝbem eacute portanto concebido antecipadamente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Natildeo eacute como o crecirc espontaneamente o senso comum algo que o hὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(ἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝvulgaὄΝἶἷΝ ΰαγσθ) mas uma modalidade de seu ser Porque o homem eacute precisamente sua alma A questatildeo se apresenta a partir de entatildeo nesses termos qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de tὄaὐἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoςΝἏΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ( αδηκθ) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado desse bem ao qual o homem aspira (no sentido onde por exemplo se possuiria uma alternativa entre a felicidade e
127 O sentido aqui eacute mais proacuteximo daquele de 64c7 da disposiccedilatildeo que resulta da mistura bem constituiacuteda e natildeo ao significado proveniente do uso deliberado de ambos os termos mais adiante (como se pode notar em 32e3-9 48a8 42c2 49e3) 128 ἒixὅautΝaὁΝὀὁὅΝἶiὐἷὄΝὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ lἷmἴὄaΝἓὅὂἷuὅiὂὁΝὃuἷΝafiὄmavaΝὃuἷΝaΝ fἷliἵiἶaἶἷΝὧΝ ldquoumΝἷὅtaἶὁΝacabado inerente a todos os seres naturais ( ιδθ θαδ ζ έαθ θ κῖμ εα φ δθ θκυ δθ) ou a posse ἶὁὅΝἴἷὀὅrdquoΝ( ιδμ θ ΰαγ θ) (2017 p 266) 129 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ lἷmἴὄaΝ ἐὁὅὅiΝ (ἀίίἆ)μΝ ldquoἤἷἵὁὄἶἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ὁΝ aἶjἷtivὁΝ eudaimonia natildeo se aplica simplesmente a um sentimento subjetivo de satisfaccedilatildeo senatildeo a um estado objetivo harmonioso ou saudaacutevel da alma A palavra eudaimonia eacute composta de um prefixo eu (ὃuἷΝὅigὀifiἵaΝldquoἴὁmrdquo)ΝἷΝἶaΝὂalavὄaΝdaimon (divindade intermediaacuteria entre os deuses e heroacuteis) que pode ser benigna ou maligna Em geral designa a boa parte ou lote que a cada um atribui o seu daimon De modo que o conceito de eudaimonia estaacute de algum modo relacionado com o prazer porque ambos supotildeem sentimentos subjetivos agradaacuteveis poreacutem enquanto o prazer encontra-se mais relacionado agrave sensibilidade a eudaimonia em Platatildeo se relaciona com uma certa satisfaccedilatildeo da vida como um todo que corresponde a um estado ὁὄἶἷὀaἶὁΝὅauἶὠvἷlΝὁuΝhaὄmὁὀiὁὅὁΝἶaΝalmardquoΝ(ὂέΝἀἀλ)έ 130 Como afirma Delcomminette (2006) o bem natildeo eacute identificado com a felicidade mas agrave causa da felicidade O bem eacute portanto essa posse que torna a vida feliz e inversamente a felicidade eacute a posse do bem Observemos que essa correlaccedilatildeo entre o bem e a felicidade ainda natildeo determina nada sobre o conteuacutedo do bem porque a felicidade tambeacutem eacute tatildeo indeterminada quanto ele nesse momento Por outro lado embora ela natildeo seja uma identificaccedilatildeo ela nos autoriza a estabelecer num primeiro momento nossa busca pelo bem na busca pela felicidade jaacute desejar o bem eacute querer que ele nos pertenccedila isto eacute desejar ser feliz (Cf Banquete 204e 205a4) Veremos no entanto que essa coincidecircncia entre desejo do bem e desejo da felicidade soacute poderaacute ser mantida ateacute um certo ponto com efeito a felicidade soacute seraacute acessiacutevel sob a condiccedilatildeo de deixar de desejar-se a si proacutepria em si mἷὅmaΝἷΝἶἷΝtἷὀἶἷὄΝὂaὄaΝὁΝἴἷmΝldquoἷm-ὅirdquoέΝἠὁΝἷὀtaὀto mesmo essa superaccedilatildeo da felicidade como objeto do desejo seraacute baseada na busca pela felicidade que pode portanto servir de guia preliminar (p 36-37)
96 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
a virtude) mas retoma em geral ao mais alto grau do humanamente ἶἷὅἷjὠvἷlΝὀἷὅtἷΝἷὅtaἶὁΝὀὁΝὃualΝὀaἶaΝmaiὅΝldquoἶἷixaὄiaΝaΝἶἷὅἷjaὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἄἄ)έ
Eacute interessante verificar que o termo αδηκθέα natildeo eacute recorrente no diaacutelogo soacute
constatamos sua presenccedila no diaacutelogo duas vezes no trecho que anteriormente destacamos
de 11d6 e em 14b7131 no qual Soacutecrates estaacute criticando os intemperantes que satildeo tomados
ὂὁὄΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquolὁuἵuὄardquo132 proporcionada pelos prazeres do corpo acreditando serem
ὁὅΝhὁmἷὀὅΝldquomaiὅΝfἷliὐἷὅrdquoΝ( αδηκθΫ α κθ) do mundo Creio que haacute razotildees para a ausecircncia
do termo prazer e inteligecircncia encontram-se subordinados agravequilo que natildeo eacute propriamente um
conteuacutedo uacuteltimo (feliἵiἶaἶἷ)Ν maὅΝ ἵὁmὁΝ amἴὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄΝ (gὁὐὁ)Ν ἷΝ ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrdquoΝ ὂὁἶἷmΝ ἷΝ
ἶἷvἷmΝἵὁὀtὄiἴuiὄΝὂaὄaΝὃuἷΝumaΝviἶaΝὂὁὅὅaΝὅἷΝtὁὄὀaὄΝumaΝviἶaΝfἷliὐΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἢὄaὐἷὄΝἷΝ
pensamento estariam deste modo subordinados agravequilo que constitui a felicidade e que natildeo eacute
um conteuacutedo formal mas o problema geral da proacutepria vida humana Esse estado e disposiccedilatildeo
ldquofἷliὐἷὅΝἵὁὀὅtituἷmΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝfὁὄmalΝumaΝldquotἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅardquoΝ
( λ κπ ζζκΝ 1ἂἴἂ)Ν ὁuΝ ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ tὁὄὀaὄὠΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ gὄaὦaὅΝ aΝ umΝ ldquoὅὁὀhὁrdquoΝ ἶἷΝ
SὰἵὄatἷὅΝὅὁmἷὀtἷΝἷmΝἀίἴἄΝὀὁΝὃualΝὂὄaὐἷὄΝἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὂaὅὅaὄatildeὁΝaΝἶiὅὂutaὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝ
precircmio Passamos portanto do modo de vida de todos os seres para aquele em que podemos
escolher o que faz do prazer natildeo o uacutenico bem comum a todos os eres vivos mas apenas
preferecircncia de alguns seres
Como bem nos explica Dixsaut (2017) a felicidade
() eacute esse contentamento contiacutenuo esse khairein que traz certa maneira de viver mas que natildeo se confunde com ela e que soacute eacute distinto do que chamamos prazer por sua unidade e continuidade Para dizer como Kant ser feliz eacute necessariamente o desejo de ser todo acabado ou seja sensiacutevel e para ser um ser sensiacutevel dotado de uma faculdade de prazer e de pena a consciecircncia ὃuἷΝἷlἷΝtἷmΝldquoἶὁΝaἵὁὄἶὁΝἶaΝviἶaΝὃuἷΝaἵὁmὂaὀhaΝὅem interrupccedilatildeo toda a sua ἷxiὅtecircὀἵiaΝὧΝaΝfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ(έέέ) Todo ser vivo deseja o prazer eacute mesmo isso que a maioria dos homens chamam de bem e ningueacutem diz o Soacutecrates do Filebo aceitaria uma vida sem prazer Reconhececirc-lo me parece natildeo eacute enunciar uma tese eudemonista eacute constatar que para um ser vivo a felicidade consiste em gozar a vida Platatildeo nunca contesta isso mas se pergunta qual forma deve tomar a vida para que possamos dela gozar justamente (p 282-283)
O diaacutelogo prossegue e o questionamento eacute sobre a possibilidade de regular uma vida
unicamente pela busca de um ou outro (prazer ou inteligecircncia) Ou seja qual modo de vida
se deve escolher Devemos fazer do prazer o uacutenico bem da vida (natildeo mais de todos os
131 Agradeccedilo ao Prof Fernando Mendonccedila por ter me chamado atenccedilatildeo sobre o breve nuacutemero de ocorrecircncias desse termo no diaacutelogo o que me levou a pensar que por natildeo ser um termo recorrente Platatildeo pudesse ter um propoacutesito maior no diaacutelogo em questatildeo e que o sentido de felicidade aqui tratado estaria distante do que Aristoacuteteles por exemplo concebe como felicidade na sua Eacutetica a Nicocircmaco 132 Sobre os significados que esse termo adquire no diaacutelogo falarei mais adiante
97 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
viventes) mas apenas preferecircncia de alguns e soacute assim os dois modelos de vida podem ser
confrontados por meio da dialeacutetica a partir do momento em que as duas afirmaccedilotildees
encontram-se em poacutelos opostos agora sim sob forma de teses que se excluem mutuamente
ambas demonstradas como insuficenteὅέΝΝἢὄὁὂὴἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoὂaὄaΝvὰὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
de ter prazer ( κ ξαέλ δθ) e para noacutes a de pensar ( κ φλκθ ῖθ)ςrdquoΝ(11ἶἆ-9)
Filebo entatildeo recusa a disputa mesmo que agora a tese atribuiacuteda a Protarco
demonstre-se vencedora isto eacute mesmo se ao longo da discussatildeo essa vida se evidenciar
como a disposiccedilatildeo superior (o que jaacute se pode entrever que natildeo ocorreraacute pela possibilidade de
uma terceira coisa) transferindo-a aos cuidados de Protarco De tal modo aquele interlocutor
jaacute natildeo possui autoridade alguma agora sobre a concordacircncia ( ηκζκΰέαμ) ou natildeo entre
Soacutecrates e o proacuteprio Protarco (12a9-11) A atitude de Filebo eacute deste modo correta se
purificar ( φκ δκ ηαδ) e invocar o testemunho (ηαλ τλκηαδ da proacutepria deusa (α π θ γ σθ)
(12b1-2) A pergunta importante que ecoa das linhas do Goacutergias (π μ ίδπ Ϋκθ 492d 500c4)
deveria agora ser tomada em sua questatildeo fundamental e assegurar assim como afirma o
discurso de Filebo aquilo que a realidade atesta o prazer de gozar o imediato da vida o
proacuteprio ξαέλ δθ essa exigecircncia profundamente humana da felicidade Jaacute natildeo restam mais
altἷὄὀativaὅΝὀἷmΝaΝmὁὄalΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷmΝaΝjuὅtiὦaΝaὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὀaΝldquoὅὧὄiaΝ
ὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ (ὅὁἴὄἷΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ ἶἷvἷΝ vivἷὄ)Ν ἶὁΝ Goacutergias Se pensamento e inteligecircncia satildeo
ingredientes melhores em uma dada maneira de viver se satildeo os objetos preferiacuteveis a qualquer
outra coisa por que natildeo analisaacute-los tout et court Natildeo o que se vecirc mais adiante eacute o
desmembramento a pluralizaccedilatildeo o exame baseado numa vontade de verdade Mas
Soacutecrates pelo contraacuterio natildeo deixa de perseguir o prazer sobre essa essecircncia de uma verdade
tatildeo sobre-humana a todo custo mas Soacutecrates ainda pretende dar asas ao pensamento alccedilar
vocirco teme que suas asas possam ser cortadas (DIXSAUT 2017 p 268)
O pensamento como explica Dixsaut (2017) soacute se exerce agrave medida que estamos
ldquomὁὄtὁὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝldquoἵὁmὁΝὅἷΝἶἷvἷΝvivἷὄrdquoΝὀatildeὁΝὧΝmaiὅΝumΝὂὄὁἴlἷmaΝἵὁmΝὁΝὃualΝ
devemos lidar (p 268) O Filebo vai mais a fundo e retomaconfirmando o Feacutedon o
pensamento apresentado no Filebo natildeo eacute o que estaacute em jogo realmente133 haacute um outro que
se encontra na profundidade do diaacutelogo ele eacute extremamente poderoso mas no caso da
composiccedilatildeo eacute mais prudente optar pela vida boa que eacute justamente aquela misturada Por
enquanto isso basta para a nossa reflexatildeo cremos que no decorrer da argumentaccedilatildeo ficaratildeo
maiὅΝ ἵlaὄὁὅΝ taὀtὁΝ ὁὅΝ ὂὄὁὂὰὅitὁὅΝ maiὅΝ ἷviἶἷὀtἷὅΝ ἶὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὃuaὀtὁΝ ὁΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὅΝ
aὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝtalΝὄἷflἷxatildeὁέΝἑὁὀtiὀuἷmὁὅΝὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝὂὁὄΝhὁὄaΝἶaὀἶὁΝὅἷὃuecircὀἵia
agrave intepretaccedilatildeo das demais partes do diaacutelogo em questatildeoComo nada absolutamente nada
133 Dixsaut ainda diz que em nenhum dos diaacutelogos esse pensamento demonstraria tanto o seu poder (Cf DIXSAUT 2017 p 268)
98 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
nos diaacutelogos eacute desprovido de significado temos aqui mais um exemplo que exige atenccedilatildeo
ἶἷliἵaἶaέΝἏὅὅimΝὂaὄἷἵἷΝaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝἶἷuὅaΝ(lsquo φλκ έ βθ)μΝldquoὅimΝἶἷvἷmὁὅΝtἷὀtaὄΝἵomeccedilando
ἵὁmΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅaΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐΝὅἷΝἵhamaὄΝἏfὄὁἶitἷΝmaὅΝἵujὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὀὁmἷΝὧΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ
(12b7-9)134
εaiὅΝaἶiaὀtἷΝ(1ἀἵ1)ΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷtὁmaΝὁΝmἷὅmὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷuΝldquotἷmὁὄrdquoΝ
em relaccedilatildeo ao nome dos deuses135 e agora em relaccedilatildeo a Afrodite conveacutem chamaacute-la do nome
ldquoὃuἷΝmaiὅΝlhἷΝagὄaἶardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝalἷὄtaΝὡΝἢὄὁtaὄἵὁΝὁὅΝὂἷὄigὁὅΝὀὁὅΝὃuaiὅΝἷlἷΝ
proacuteprio (Soacutecrates) incorre ao tentar examinar a natureza da deusa Eacute preciso como diz
ἥὰἵὄatἷὅΝldquoἴἷmΝἷxamiὀaὄrdquoΝldquoὄἷflἷtiὄΝἴἷmrdquoΝ(1ἀἵἃ)έΝἏΝὀatuὄἷὐaΝ(φτ δθ ξ δ) do prazer eacute complexa
(πκδεέζκθ) (12c5-6) Embora quando escutamos ( εκτ δθ)136 ldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝaὁΝὁuviἶὁΝἷlἷΝὂaὄἷἵἷΝ
simples ( πζκμ) algo uacutenico ( θ δ) mas eacute algo complexo (πκδεέζκθ) e certamente assume
todo o tipo de formas (ηκλφ μ άπκυ παθ κέαμ ζβφ ) que satildeo dessemelhantes
( θκηκέκυμ) umas agraves outras ( δθα λσπκθ θκηκέκυμ ζζάζαδμ) (12c6-8)
O que podemos notar na passagem eacute que Soacutecrates parece fazer ressoar o preceito
dos demais diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave divindade pois basta retomarmos a Repuacuteblica (380dss)
ἏὁΝἶiὐἷὄΝaΝὂalavὄaΝldquoἶἷuὅrdquoΝὅἷguὀἶὁΝaΝὂὄὰὂὄiaΝtἷὁlὁgiaΝἷxὂὄἷὅὅaΝὀaὃuἷlἷΝἶiὠlὁgὁΝἶἷὅigὀamὁὅΝ
um ser privilegiado de natureza uacutenica desprovido de qualquer multiplicidade Mas quando
se trata do prazer lidamos com algo muacuteltiplo e variado Agora Platatildeo faria Soacutecrates falar de
um respeito ainda mais enigmaacutetico como nos diz Friedlaumlnder (2014 p 1054) Se logo apoacutes
isso o discurso se desenvolve em torno da natureza do prazer de sua essecircncia muacuteltipla por
conseguinte nada ele teria de divino Nesse caso como explicar essa conclusatildeo negativa E
hὠΝaiὀἶaΝmaiὅΝumaΝἵὁiὅaΝaΝὅἷὄΝἶitaΝaΝfiguὄaΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝὄἷtὁὄὀaΝὡΝἵἷὀaΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷmΝἀἄἵΝ
agora como doadora da ordem como aquilo que daacute limite a todas as coisas Portanto como
se pode notar natildeo se trata apenas de um ornamento moral ou retoacuterico quando o que estaacute em
ὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaέΝἏΝὂaὄtiὄΝἶaiacuteΝὅuὄgἷmΝalgumaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝ
importantes (i) Qual o sentido da alteraccedilatildeo de Soacutecrates do nome da deusa (ii) Haacute duas
frodites ou dois significados que podemos atribuir agrave proacutepria deusa (iii) Filebo realmente se
ἷὃuivὁἵaΝὃuaὀtὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquoὅuardquoΝἶἷuὅaς
Eacute necessaacuterio em um primeiro momento que lembremos a forma ambiacutegua como Platatildeo
retrata a relaccedilatildeo entre Soacutecrates e os deuses convencionais fato notaacutevel nos diaacutelogos137 Mas
134 ldquoΩ Π δλα Ϋκθ πrsquoΝα μ μ γ κ θ Ἀφλκ έ βθ η θ ζΫΰ γαέ φβ δ rsquoΝ ζβγΫ α κθ α μ θκηα lsquoΗ κθάθ ῑθαδrdquoΝ(1ἀἴἅ-9) 135 Basta tomarmos alguns diaacutelogos Cra 400dss Euthph 12ass R II 380dss Phdr 273 c8ndash9 Ti 28 b3ndash4) 136 Bravo nos diz que para os gregos os prazeres do ouvido relacionados ao canto aos belos discursos satildeo tambeacutem tidos como prazeres de alta estima assim como o do paladar e dos demais sentidos Pra uma semacircntica e fisiologia dos prazeres mais detalhada (BRAVO 2009 p 13 14 33 81 etc) 137 Ver Euthphr 6b-c Ap 26b-c Phd118a Phdr 229css
99 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
se podemos fazer uma afirmaccedilatildeo geneacuterica ao mesmo tempo e em certo sentido precisa o
uso que Platatildeo faz da religiatildeo ou melhor a compreensatildeo que ele empresta ao religioso
manifesto pelas referecircncias ainda constantes agrave mitologia natildeo eacute o mesmo sentido atribuiacutedo
pela tradiccedilatildeo Poreacutem Platatildeo manteacutem a linguagem miacutetica e natildeo vecirc outro meio de expor esse
novo sentido a natildeo ser utilizando essa proacutepria linguagem como instrumento para exposiccedilatildeo
ἶἷὅὅἷΝὀὁvὁΝmὁἶὁΝἶἷΝvἷὄΝaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝὄἷligiὁὅaὅέΝἡΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝumaΝὅuὂὁὅtaΝldquoὁὂὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝ
uma forma ou outra capaz de expor um conteuacutedo de maneira mais eficaz mas aproveitar
esquemas de pensamento que configuram visotildees de mundo reconfigurando seus significados
para alteraacute-las profundamente138
Eacute preciso lembrar como foi dito anteriormente acerca do ζσΰκμ de Filebo que eacute
apenas aquele da afirmaccedilatildeo que natildeo contesta apenas constata que o prazer eacute bom para
todos se seres vivos Ao abandonar a questatildeo e atribuir a tarefa de dialogador a Protarco ele
(Filebo) natildeo deseja submeter seu discurso agrave apreciaccedilatildeo dialeacuteticaέΝἓΝὂaὄaΝtalΝiὀvὁἵaΝaΝldquoὂὄὰὂὄiaΝ
ἶἷuὅardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἷviἶἷὀἵiamὁὅΝὀatildeὁΝhὠΝὅἷὃuἷὄΝalgumaΝἵὁὀἶἷὀaὦatildeὁΝὁuΝἵἷὀὅuὄaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ
a essa invocaccedilatildeo Muito pelo contraacuterio o proacuteprio temor divino eacute correto louvar a deusa exaltaacute-
la e eacute isso que deseja Filebo ao afirmar a proacutepria agradabilidade do que consiste na natureza
do bom (natildeo do bem) Ao submeter-se ao dialogar eacute necessaacuterio falar mas Soacutecrates faz uso
ἶaΝ ἷxaltaὦatildeὁΝ ἷΝ ἶaΝ glὁὄifiἵaὦatildeὁΝ ἵὁmὁΝ ἷlἷΝ mἷὅmὁΝ ἶiὐΝ aὂἷὀaὅΝ ὂὁὄΝ ldquogὄaἵἷjὁrdquoΝ ὂὁὄΝ ldquoiὄὁὀiardquoΝ
( ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ α 28c) isto eacute natildeo para afirmar exprimir celebrar mas
para falar aquilo que eacute verdadeiramente Ele (Soacutecrates) eacute quem pode incorrer em impiedade
ndash e por isso eacute tomado de temor ndash se ousar exaltar a deusa deste modo Por mais simples e
oacutebvia que possa parecer a afirmaccedilatildeo de Filebo ela eacute de suma importacircncia
O temor socraacutetico em relaccedilatildeo aos deuses eacute mantido (isso explicaria nome de outra
deusa Η κθ θ) A natureza dos deuses eacute uacutenica e Soacutecrates natildeo renega o preceito da
RepuacuteblicaΝὂὁὄὧmΝὁΝὃuἷΝἷὅtὠΝἷmΝjὁgὁΝὧΝἷὅὅaΝldquoὀὁvaΝὄἷlaὦatildeὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁΝἶiviὀὁΝἷΝhumaὀὁΝἶὁΝὃualΝ
ele (Soacutecrates) eacute o proacuteprio exemplo isto eacute a relaccedilatildeo entre o filoacutesofo e o divino que incide
sobre o proacuteprio deus Por um lado o proacuteprio Deus afirma a sabedoria de Soacutecrates mas por
outro diz que sua sabedoria assenta-ὅἷΝ juὅtamἷὀtἷΝ ὀumΝ ldquoὅaἴἷὄΝ ἶὁΝ ὀaἶaΝ ὅaἴἷὄrdquoέΝ EacuteΝ
138 Neste sentido satildeo notaacuteveis as contribuiccedilotildees de Bolzani (2008) ao analisar o que ele denomina como ldquotὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἷΝ ldquoaὀti-tὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁέΝ ἠὁΝ ὅἷuΝ tἷxtὁΝ ἵhama nossa atenccedilatildeo partindo fundamentalmente da Apologia e do Oraacuteculo de Delfos ao procedimento platocircnico de retomar formas discursivas tradicionais para criticar as visotildees de mundo que as fundamentam de modo a defender suas proacuteprias ideias O autor destaca em dado momento essa proacutepria questatildeo levantada no julgamento de Soacutecrates a acusaccedilatildeo de impiedade o que demonstra como o sentido religioso eacute mantido por Soacutecrates poreacutem este reconfigura-se sob uma nova ordem isto eacute os esquemas de pensamentos satildeo mantidos (teologia tradicional) poreacutem a filosofia de Soacutecrates insere-se nesta mesma tradiccedilatildeo para criticaacute-la em vista de uma nova relaccedilatildeo que se busca compreender e levar agrave compreensatildeo entre o humano e o divino Natildeo haacute outro meio de inserir essa nova visatildeo segundo Platatildeo senatildeo por meio do aproveitamento destas mesmas estruturas discursivas para alteraacute-las profundamente
100 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
investigando os pretensos saacutebios que ele proacuteprio (Soacutecrates) toma consciecircncia do oraacuteculo ou
se reconhece a si proacuteprio isto eacute trata-se tambeacutem de uma auto-investigaccedilatildeo O valor desse
saber ao longo do tempo perde esse caraacuteter meramente negativo e confirma a proacutepria
revelaccedilatildeo do oraacuteculo pois natildeo somente os pretensos saacutebios foram submetidos ao crivo da
investigaccedilatildeo mas tambeacutem o proacuteprio deus eacute questionado nessa revelaccedilatildeo Ora isso soacute eacute
possiacutevel a partir do momento em que uma nova relaccedilatildeo entre o divino e o humano eacute pensada
Eacute Soacutecrates que natildeo pode (ainda) conclamar todo o sentido presente na figura de
Afrodite Isto porque o discurso de Filebo natildeo eacute o discurso de Protarco ele natildeo eacute uma tese
ὂὁὄΝiὅὅὁΝiὀtἷὄἷὅὅaΝὡΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀvὁἵaὄΝaΝldquoἶἷὅἵἷὀἶecircὀἵiardquo139 (muacuteltipla) da deusa (uacutenica) e natildeo
aὂἷὀaὅΝ aΝ ldquoἶἷuὅardquoΝ ἷmΝ ὅiΝ ήὀiἵaΝ ὃuἷΝ ἔilἷἴὁΝ ἷxaltaέΝ ἏΝ ἵὁὄὄἷlaὦatildeὁΝ ἵὁmΝ aΝ ὅἷὃuecircὀἵiaΝ ἶaΝ
argumentaccedilatildeo eacute imediata o prazer seraacute analisado em suaὅΝ ldquoἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὅἷὄὠΝ
ἶἷὅmἷmἴὄaἶὁΝ ἷmΝὅuaΝ ldquouὀiἶaἶἷrdquoΝ ὂluὄaliὐaἶὁΝ ἵὁlὁἵaἶὁΝ ἷmΝἷxamἷΝὅuἴmἷtiἶὁΝ ὡΝ ἷxigecircὀἵiaΝ
ὅὁἵὄὠtiἵaΝldquoὅὁἴὄἷΝhumaὀardquoΝ(ὁuΝἶἷὅumaὀa)ΝἶaΝvἷὄἶaἶἷΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἄἆ)έΝ
Ora esse fato atesta ainda mais que o diaacutelogo eacute muito mais rico do que o debate
escoliasta entre hedonismo e anti-hedonismo Dixsaut (1999) nos lembra o caraacuteter simeacutetrico
do diaacutelogo por um lado nos remete a textos claacutessicos muito proacuteximos ao que afirma Filebo
como o fragmento 1 de Mimnermo140μΝldquoὃuἷΝvalὁὄΝtἷὄiaΝaΝviἶaΝἷ que alegria permaneceria sem
aΝἏfὄὁἶitἷΝὠuὄἷaέέέrdquoΝtamἴὧmΝaΝmaiὅΝἴἷlaΝΝἶaὅΝviἶaὅΝἶἷὅἵὄitaΝὀaΝOdisseia por Homero141 citada
por Platatildeo na Repuacuteblica142 e o julgamento de Paacuteris simplificado por Soacutefocles (ελέ δμ) no qual
Paacuteris eacute posto como aacuterbitro ndash tarefa a ele atribuiacuteda por Zeus ndash para escolher entre Athena e
Afrodite143 Por outro lado evidencia descriccedilatildeo platocircnica da Repuacuteblica144 manifestada na
indignaccedilatildeo de Adimanto ao ver a forma como os homens concebem o prazer como um
139 Um dos atributos de Afrodite eacute ser protetora do Prazer principalmente do prazer eroacutetico mas natildeo apenas deste Haacute outros sentidos que evocam a deusa Afrodite como beleza sauacutede ordem dentre outros Mais adiante falo sobre como Platatildeo iraacute jogar com esses vaacuterios sentidos que os homens ὀὁmἷiamΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoέΝἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἵfέΝἐἡἥἥIΝ(ἀίίἆΝὂέΝἀἁἅ)έ 140 Que vida que prazer sem a aacuteurea Afrodite Que eu morra quando isto natildeo me interessar mais amor secreto e doces dons e leito ndash tais satildeo da juventude as flores atraentes a homens e mulheres Mas quando chega a dolorosa 5 velhice que faz similarmente vil e feio o homem sempre em torno de seu peito ansiedades vis se enredam e olhando a luz do sol ele natildeo se deleita mas eacute detestaacutevel aos meninos e desonrado agraves mulheres aὅὅimΝὄἷὂugὀaὀtἷΝὁΝἶἷuὅΝἶiὅὂὲὅΝaΝvἷlhiἵἷhellipΝ(Mimn Fr1) Utilizo a traduccedilatildeo de Ragusa (2008 p 52-70) 141 Hom Od 9 9-11 142 R III 390a-b 143 Hom Il 2 24 25ndash30 144 R II 363c-d
101 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
banquete eterno uma embriaguez constante assim como o caraacuteter de degradaccedilatildeo moral
instaurado pelo uso desenfreado dos prazeres a ponto de culminarmos no livro XI145 da
mesma obra com uma existecircncia humana tatildeo pouco humana mais proacutexima do niacutevel
animalesco A reflexatildeo sobre a vida boa natildeo consiste unicamente num julgamento moral
puramente hedonista mas eacute como nos diz a autora uma questatildeo de gosto refinada diferente
de um julgamento teoacuterico e anti-hedonista146 (p 12)
No discurso de Filebo subjaz o carpe diem147 ele traduz o mesmo sentimento
apresentado na elegia do poeta grego e esse prazer eacute um prazer eroacutetico A patrona de Filebo
eacute sem duacutevida aquela do desejo irrefreaacutevel do gozo da seduccedilatildeo dos amores Mas uma
leitura dessa invocaccedilatildeo divina (como teria feito Frede (1993) e Hackforth (1945)) nos faria
talvez supor algumas contradiccedilotildees nesse proacuteprio ato piedoso Soacutecrates natildeo rejeita ou mesmo
145 R IX 586a-b 146 Torres Morales (2016) vai na mesma direccedilatildeo de Dixsaut ao fazer um levantamento consideraacutevel sobre a presenccedila da poesia homeacuterica em algumas das principais passagens do Filebo sobretudo em se tratando das divindades miacuteticas ali representadas Cito na iacutentegra suas consideraccedilotildees sobre a ὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὀὁΝἶiὠlὁgὁμΝldquoἏΝiὀtἷὀὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁΝiὀiacuteἵiὁΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝaὀtἷὄiὁὄΝaΝἶἷΝἔilἷἴὁΝἷΝaΝde Protarco seraacute privar o prazer de sua vontade divina (de sua identificaccedilatildeo com Afrodite) para analisaacute-lo como uma unidade que surge principalmente como uma experiecircncia humana Nesse sentido um ἶὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀaΝὂὄimἷiὄaΝὂaὄtἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅἷὄὠΝἶἷὅmitifiἵaὄΝὁuΝlsquoἶἷὅ-ἶiviὀiὐaὄrsquoΝὁΝprazer Isso apenas significa que em toda a sua pesquisa o prazer natildeo pode ser mostrado como um elemento conectado com alguma ordem transcendente de fato no fim de sua anaacutelise o prazer seraacute identificado com π έλπθΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝὅἷmΝfὁὄmaΝἷΝὅἷmὂὄἷΝἷmΝmuἶaὀὦaΝἷlἷmἷὀtὁΝἷὅὅἷὀἵialΝἶaΝordem coacutesmica (ver Filebo 31a6-9 53css) Como acontece frequentemente o exame platocircnico conecta - na cena dramaacutetica do diaacutelogo - o humano com o divino e o coacutesmico para alcanccedilar uma compreensatildeo adequada das questotildees tratadas A anaacutelise de Soacutecrates do prazer seraacute desenvolvida e em certo sentido seraacute seguida por Protarco mas Filebo descansaraacute em paz e permaneceraacute quase em silecircncio o tempo todo Ele permaneceraacute ao longo do diaacutelogo como um seguidor piedoso de Afrodite ὂaὄaΝἷlἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝἶiviὀἶaἶἷΝἷΝὁΝ ilimitaἶὁέΝ lsquoἥἷΝὀatildeὁΝfὁὅse de fato por ὀatuὄἷὐaΝ mήltiὂlὁΝ taὀtὁΝ ἷmΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ὃuaὀtὁΝ ἷmΝ iὀtἷὀὅiἶaἶἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄiaΝ tὁtalmἷὀtἷΝ ἴὁmrsquoΝ(Filebo 27e7-10) Filebo fez uma escolha uma escolha pela vida de prazer entendida como uma simples e oacutebvia experiecircncia (sempre maior e natildeo menor com alegria e sem dor) uma vida ilimitada sob os auspiacutecios de Afrodite A proacutepria possibilidade do diaacutelogo eacute construiacuteda sobre o fato de Protarco ainda natildeo ter feito sua escolha definitiva A relevacircncia desse fato e a presenccedila da divindade nele eacute o que permite traccedilar uma equivalecircncia indireta importante entre Homero e Platatildeo Isto eacute a divindade de Afrodite eacute apresentada tanto no diaacutelogo quanto no poema homeacuterico (e claro em outras fontes da tradiccedilatildeo grega) como um confronto um confronto que tem que fazer em ambos os casos com uma escolha () esta escolha no diaacutelogo pode ser um lembrete da escolha ou do julgamento de Paacuteris uma escolha que favoreceu a Afrodite perante de Hera e Atena e que no conto homeacuterico trouxeram os atenienses a terriacutevel guerra terriacutevel contra Troacuteia (Il 24 25-30) De fato tambeacutem no diaacutelogo Afrodite representa a origem do conflito entre os interlocutores Ao longo de toda a sua jornada Soacutecrates precisaraacute persuadir e em certo sentido converter Protarco a fim de mostrar-lhe que a melhor vida natildeo eacute a que Filebo escolheu dedicado aos prazeres ilimitados de Afrodite mas uma vida dedicada a uma ἷxiὅtecircὀἵiaΝalἷgὄἷΝmὁἶἷὄaἶaΝὃuἷΝὄἷἵὁὀhἷἵἷΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝilimitaἶὁΝὀὁΝἵamiὀhὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(ὂέΝἄί-61) 147 Sobre isso encontram-se notaacuteveis explicaccedilotildees no artigo de Ragusa (2008 p 52-70) e em suas traduccedilotildees da poesia arcaica em que se encontram menccedilotildees diretas agrave Afrodite e sua caracterizaccedilatildeo com o desejo com o eroacutetico o sexo e ao viccedilo presente na beleza da juvenil
102 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
se mostra descrente dos poderes e honras pertencentes agrave deusa de Filebo ele a exalta
justamente por conceder testemunho de compreensatildeo de tatildeo poderosa deusa
O medo de cair em blasfecircmia ou impiedade eacute do proacuteprio Soacutecrates que pode ser
assacado pela acusaccedilatildeo de impiedade caso natildeo se compreenda o propoacutesito da sua
ldquoἶἷὅmiὅtifiἵaὦatildeὁrdquoΝἶἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝfiguὄativὁΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝldquoἶἷuὅardquoΝ(ὁuΝὁΝὂὄaὐἷὄ)έΝἒitὁΝde outro
modo ainda natildeo eacute possiacutevel falar do divino e Soacutecrates iraacute se precaver disso pois ele iraacute se
utilizar desse esquema de pensamento (teoloacutegico tradicional) a natildeo ser alterando a proacutepria
concepccedilatildeo (divina) que se possui do prazer e nada melhor do que discuti-lo dentro da
estrutura miacutetica e aqui podemos ressaltar o caraacuteter mimeacutetico no qual tambeacutem se insere toda
a obra platocircnica Eacute digno de nota ressaltar que o π έλπθΝ (gecircὀἷὄὁΝὀὁΝὃualΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὅἷὄὠΝ
inserido) oferece a noacutes leitores um novo caminho para compreendermos nossa existecircncia
intermediaacuteria (entre a animalidade e a divindade) porque o ilimitado ( π έλκθ)ΝὧΝ taὀtὁΝumΝ
elemento da realidade coacutesmica quanto algo presente na alma humana Quando Soacutecrates
coloca o prazer em seu devido lugar na realidade ele oferece um novo sentido agrave divindade
tornando-a aqui muito menos um princiacutepio uma realidade puramente dada transcendente
aceita de forma inconteste (dogmaacutetica) do que um modelo para o homem que deve buscar
alcanccedilar a ordem e a harmonia de sua alma pois disto decorre uma vida boa Do mesmo
modo Soacutecrates joga com os sentidos contidos na figura da proacutepria deusa pois ela natildeo
somente eacute patrona dos mais variados tipos de desejos mas na sua natureza encontra-se a
beleza proveniente da ordem da sauacutede isto eacute da boa constituiccedilatildeo da harmonia capaz de
doar o limite necessaacuterio tanto na ordem do universo quanto na constituiccedilatildeo de uma vida
propriamente humana148
ἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝὁlhaὄΝldquoἵaὄaΝaΝἵaὄardquoΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὄἷtiὄaὄ-lhe momentaneamente o estatuto
aacuteureo ὃuἷΝlhἷΝἷὀἵὁἴὄἷΝmὁὅtὄaὄΝὃuatildeὁΝἶivἷὄὅὁΝὧΝiὅὅὁΝὃuἷΝὀὁmἷamὁὅΝuὀiἵamἷὀtἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝiὅtὁΝ
ὧΝmὁὅtὄaὄΝtὁἶaὅΝaὅΝldquotὁὀaliἶaἶἷὅrdquoΝ(ἷΝὁΝἷxἷmὂlὁΝἶaὅΝἵὁὄἷὅΝὅuὄgἷΝmaiὅΝὡΝfὄἷὀtἷ)ΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἶἷὅἷjὁΝ
de prazer pode assumir Lembremo-nos das distinccedilotildees entre as duas Afrodites do discurso
de Pausacircnias no Banquete Platatildeo natildeo concebe duas deusas nem altera a natureza da deusa
(ao querer chamar Afrodite de Hedoneacute) que continua sendo uacutenica a estrutura eacute a mesma os
significados tambeacutem o satildeo mas tudo depende ao momento dialoacutegico em questatildeo aos
objetivos proacuteprios da discussatildeo em que se encontra em dado momento A compreensatildeo divina
de Soacutecrates eacute ainda mais clara do que a tradicional no entanto essa mesma concepccedilatildeo
148 Filebo solenemente presta juramento agrave sua deusa neste caso agrave Afrodite deusa do prazer Podemos aqui tambeacutem retomar o Banquete (180d-181a) no qual nos satildeo dadas maiores observaccedilotildees sobre a deusa um retrato duplo dessa divindade eacute apresentado no discurso de Pausacircnias Temos por um lado a chamada Afrodite Celestial e por outro a Afrodite Vulgar (Cf PRADEAU 2002 p 238 n4) Brisson (2005) explica-nos ainda mais sobre a presenccedila de Afrodite junto a Eros naquele diaacutelogo Diz ainda que cada uma das duas Afrodites possuiacutea um templo nos quais eram cultuadas pelos gregos Sobre isso ver mais (BRISSON 2005 p 41-43)
103 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
(teoloacutegica) como jaacute dissemos por ser ainda mais clara eacute vista como distinta Soacutecrates natildeo
deixa de crer mas ele procura saber porque se deve crer deste modo e natildeo de outro Eacute por
iὅὅὁΝὃuἷΝὀὁtamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἷὀtὄἷΝtἷὄmὁὅΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὡΝώἷἶὁὀἷΝἶἷΝώἷἶὁὀἷΝὡΝἏfὄὁἶitἷΝἷΝὁΝ
ldquotἷmὁὄrdquoΝ juὅtifiἵaὀἶὁΝ aὅΝ ἶifἷὄἷὀὦaὅΝ ἶἷmaὄἵaἶaὅΝ ἷὀtὄe discursos um para louvar exprimir
celebrar outro para falar para pocircr em debate em discussatildeo Diante das possiacuteveis e reais
aἵuὅaὦὴἷὅΝἶἷΝimὂiἷἶaἶἷΝἷΝἴlaὅfecircmiaΝἥὰἵὄatἷὅΝvὁltaΝaΝjuὅtifiἵaὄΝὅἷuΝldquoὅἷὄΝὂiἷἶὁὅὁrdquoΝiὀvὁἵaὀἶὁΝ
a divindade segundo aquilo que o curso da argumentaccedilatildeo julgou como necessaacuterio apoacutes a
investigaccedilatildeo (dialeacutetica) do verdadeiro caraacuteter do prazer e do sentido (bom) que eacute necessaacuterio
resgatar como jaacute dissemos esse sentido agora eacute o da ordem149 o qual natildeo deixa de pertencer
tambeacutem agrave deusa do ldquoἴἷlὁΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁΝldquoamaὀtἷΝἶaΝfὁὄὦaΝjuvἷὀilrdquo)έ
Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo Soacutecrates considera que tanto homem temperante
( κφλκθκ α) como o homem intemperante ( εκζα αέθκθ α) possuem prazer mas natildeo
apenas esses dois tambeacutem aquele homem tolo ( θκβ αέθκθ α) e o homem que pensa
(φλκθκ α) Ο objeto do prazer contudo eacute diferente o homem moderado se regozija em ser
moderado ( πφλκθ ῖθ) o homem tolo com as opiniotildees tolas e com as tolas expectativas
( θκά πθ κι θ εα ζπέ πθ η σθ) e o homem que pensa com a atividade de pensar
(φφλκθ ῖθ) (12d1-4) Deste modo o proacuteprio Soacutecrates eacute quem questiona de que modo
poderiacuteamos dizer que esses prazeres satildeo semelhantes sendo que o objeto de prazer de cada
um difere uns dos outros neste caso soacute um homem tolo poderia crer nisso (11d5-6)
A resposta de Protarco eacute que tais prazeres encontram-se em situaccedilotildees opostas
(πλαΰηΪ πθ θαθ έπθ) mas entre eles natildeo podem ser opostos uns aos outros pois natildeo se
poderiam chamaacute-los a todos de prazer Natildeo fariam parte de algo que genericamente
ὂὁἶἷmὁὅΝἶἷfiὀiὄΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoςΝldquoἡΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀatildeὁΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝmaiὅΝ
semelhante ( ηκδσ α κθ) idecircntico em relaccedilatildeo a si mesmo (α κ αυ )ςrdquoΝ(11ἷ1-2)
Soacutecrates responde utilizando as cores dizendo que a mesma coisa pode ser
exemplificada ao notar que uma cor eacute semelhante a uma cor Isto significa dizer que Soacutecrates
natildeo contesta a natureza do prazer enquanto agradaacutevel que em conjunto elas digam respeito
agravequilo que eacute agradaacutevel o que seraacute reafirmado daqui haacute pouco (13a) Podemos assegura
Soacutecrates dizer que preto e branco satildeo cores e que nada as diferenciaria enquanto ambas
satildeo cores apesar de notarmos que elas contecircm diferenccedilas e que satildeo ateacute opostas umas das
ὁutὄaὅέΝἏlὧmΝἶὁΝmaiὅΝἥὰἵὄatἷὅΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquo(έέέ)ΝumaΝfiguὄa tamἴὧmΝὧΝumaΝfiguὄardquoέΝἢὁἶἷmὁὅΝ
149 Tal significado seraacute realccedilado em 26b7 por Soacutecrates semelhante ao que se encontra em Hesiacuteodo (Th 937-975) Diegraves reconhece em sua traduccedilatildeo essa mudanccedila de sentido quaὀἶὁΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝἶἷuὅaΝnatildeo pode ser aquela Afrodite natildeo aquela Afrodite de Filebo que seria apenas o prazer sem regra () mas aquela que Soacutecrates quer claramente distinguir (12c) Afrodite eacute matildee da Harmonia (Hes Th 937 975) que tem como servas aὅΝἓὅtaὦὴἷὅrdquoΝ(1λἄἄΝὂέΝἀἂΝὀέ1)έ
104 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
notar aqui alguma relaccedilatildeo com a passagem do Mecircnon (73e ss)150 poreacutem se trata do inverso
a multiplicidade antes questionada naquele diaacutelogo agora adota aqui o lugar da anaacutelise Em
suma Soacutecrates deseja decompor o que eacute isso que noacutes nomeamos em uma coisa uacutenica
ldquoὂὄaὐἷὄrdquo151 mas agora lhe interessa dividi-la compreendecirc-la por meio de uma anaacutelise
pormenorizada de sua multiplicidade
Soacutecrates entatildeo iraacute dizer em 13a1 que eacute pelo gecircnero (ΰΫθ δ) que elas satildeo um todo (π θ
θ) mas em suas partes (ηΫλβ) desse todo elas satildeo contraacuterias umas agraves outras e ao mesmo
tempo algumas apresentam inuacutemeras diferenccedilas entre si ( δαφκλσ β rsquoΝ ηυλέαθ πκυ
υΰξΪθ δ) Do mesmo modo o condutor da discussatildeo recusa prima facie considerar os
prazeres como unidade insiste em considerar que as coisas opostas natildeo devem ser
conduzidas por ora a uma unidade A justificativa eacute que alguns prazeres possam ateacute se
demonstrarem eles mesmos enquanto tais opostos a si mesmo (13a1-6)
O questionamento de Protarco eacute sobre a utilidade desse procedimento porque se deve
agir sim jaacute que todos nomeiam ( θσηα δ) como algo uacutenico prazer Soacutecrates explica que
geralmente se nomeiam coisas dessemelhantes ( θσηκδα) por um outro nome apesar de
serem elas uma uacutenica coisa (como eacute o caso jaacute referido das cores preto e branco satildeo cores
mas nomeamos o preto de lsquopretorsquo e natildeo de lsquobrancorsquo)έΝἢὄotarco age da mesma maneira pois
ele afirma que todas as coisas prazerosas satildeo boas ( ΰαγ ) mas essas coisas boas satildeo
dessemelhantes contraacuterias e ateacute maacutes para alguns indiviacuteduos a despeito de todos eles
nomearem essas coisas como boas Quanto agrave indagaccedilatildeo de Protarco Soacutecrates a responde
ἵlaὄamἷὀtἷμΝldquoἡὄaΝὀἷὀhumΝaὄgumἷὀtὁΝἵὁὀtἷὅtaΝ( ηφδ ίβ ῖ) o fato de que coisas prazerosas
ὅatildeὁΝὂὄaὐἷὄὁὅaὅrdquoΝ(1ἁaλ-b1) De acordo com a argumentaccedilatildeo subsequente Soacutecrates diz que
embora grande maioria das coisas prazerosas seja maacute haacute tambeacutem coisas prazerosas boas
contudo a todas elas os indiviacuteduos designam o qualitativo bom mas se algueacutem vier a
confrontaacute-los com argumentos concordaratildeo sobre essas coisas boas que satildeo
dessemelhantes O importante aqui eacute reconhecer que a argumentaccedilatildeo continua em ciacuterculos
e recorre a uma peticcedilatildeo de princiacutepio resultante da argumentaccedilatildeo loacutegica anteriormente
desenvolvida Aqueles indiviacuteduos (moderado tolo pensante) todos eles sentem prazer e
denominam os seus prazeres como bons contudo cada um deles sente prazer com algo
distinto por exemplo o moderado considera que eacute bom ser moderado sente prazer com isso
Confrontados uns com os outros cada um desses diria que o seu prazer eacute bom e o do outro
150 ldquoἑὁmὁΝἷmΝὁutὄὁΝἵaὅὁΝὃualὃuἷὄέΝἢὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὅἷΝὃuἷὄἷὅΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶaΝὄἷἶὁὀἶἷὐΝἷuΝἶiὄiaΝὃuἷΝὧΝumaΝfigura natildeo simplesmente que lteacuteρΝumaΝfiguὄaέΝἓΝἶiὄiaΝaὅὅimΝὂἷlaΝὄaὐatildeὁΝὃuἷΝhὠΝὁutὄaὅΝfiguὄaὅrdquoΝ(Men 73e3-6) O mesmo exemplo das cores eacute encontrado a seguir em 74c 151 Alguns inteacuterpretes como Gosling (1975 pp 76ndash78 142) veem nesta passagem talvez um sinal de mudanccedila no pensamento platocircnico pois no Mecircnon (74c) a coisa uacutenica eacute preferida agrave multiplicidade mas eacute necessaacuterio levar em conta o contexto em que se insere a passagem isto eacute os propoacutesitos relativos agrave anaacutelise dos prazeres
105 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
natildeo o que jaacute demonstraria certa dificuldade em encontrar uma ideia uacutenica do que seja
ἷfἷtivamἷὀtἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡὄaΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝtἷmὂἷὄaὀtἷΝὧΝaὅὅimΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝaὁΝἶὁΝtὁlὁΝ
logo ele natildeo eacute ἴὁmΝἷΝὅimΝmauέΝἏὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoἡΝὃuἷΝhὠΝἷxatamἷὀtἷΝἶἷΝmesmo
(grifo do tradutor) nos maus assim como nos bons prazeres para que seja possiacutevel
ἵhamaὄἷὅΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἶἷΝἴὁὀὅςrdquoΝ(1ἁἴἁ-5) Cada um dos interlocutores ainda defende
ambos suas posiccedilotildees sem adotarem uma base comum por isso ainda resiste o impasse
Protarco ainda natildeo compreende os propoacutesitos ainda se apega agrave questatildeo definicional
tautὁlὰgiἵaΝatὧΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuaὀἶὁΝἶiὅὅἷmὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝalgὁΝὧΝἴὁmέΝ
Podemos entatildeo dizer que Soacutecrates estaacute disposto a combinar duas questotildees diferentes
(i) seria possiacutevel dividir o prazer em diferentes espeacutecies algumas delas dissemelhantes e ateacute
mesmo contraacuterias umas agraves outras (ii) eacute possiacutevel distinguir prazeres bons de prazeres maus
Tais questotildees soacute seratildeo separadas mais tarde como veremos mas aqui elas ainda satildeo
analisadas conjuntamente Protarco que ateacute entatildeo natildeo tinha manifestado sequer alguma
ὁἴjἷὦatildeὁΝὡΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂὄἷἵἷἶἷὀtἷΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoὅuὂὴἷὅΝὃuἷΝalguὧmΝἶἷὂὁiὅΝἶἷΝmanter que
o prazer eacute o bem ( ΰαγσθ) aceitaraacute pacientemente esta tua afirmaccedilatildeo de que dentre os
prazeres alguns satildeo bons ( ΰαγ μ)ΝἷΝὁutὄὁὅΝὅatildeὁΝmauὅςrdquoΝ(1ἁἴἄ-c2) Diraacute Soacutecrates que pelo
menos diria que eles satildeo dessemelhantes ( θκηκέκυμ) e ateacute opostos (13c3-4)
O proacuteprio Soacutecrates reconhece o andar em ciacuterculos do argumento porquecirc de novo o
argumento vem agrave tona e novamente se insiste que o prazer enquanto prazer natildeo se diferencia
ὅatildeὁΝtὁἶὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁὅΝἷxἷmὂlὁὅΝjὠΝἶaἶὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷέΝἣuaὀἶὁΝἢὄὁtaὄἵὁ se daacute
conta da combinaccedilatildeo de duas coisas distintas por Soacutecrates ele tenta recuar agrave divisatildeo Mesmo
reconhecendo que haacute diferentes tipos (espeacutecies) de prazer natildeo aceita que se divida o prazer
apesar das muacuteltiplas instacircncias de prazeres ele eacute incapaz de aceitar a divisatildeo da unidade
ldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἓlἷΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝhὠΝumaΝἶifiἵulἶaἶἷΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝ
ἶἷὅὅἷΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝἷmΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝὁὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo152 segundo ele ou eacute prazer ou natildeo natildeo
importa se o prazer do temperante eacute a moderaccedilatildeo ou se o prazer do tolo satildeo as opiniotildees
tolas todos satildeo prazeres diferentes mas todos prazeres
A rejeiccedilatildeo de Soacutecrates por esse tipo de recurso parece mais uma discussatildeo uma
ἶiὅὂutaΝ ἶἷΝ ldquoiὀiἵiaὀtἷὅrdquoΝ ldquoὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷΝ ἷΝ ὀaufὄagardquo153 do que um discurso que segue
ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ ldquoὄὁtardquoΝ ἷmΝ viὅtaΝ ἶἷΝ ὂὁὀtὁὅΝ ἵὁmuὀὅέΝ ἦalvἷὐΝ ὅἷὄiamΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiaὅΝ aἴἶiἵaὦὴἷὅΝ
reciacuteprocas eacute o que Soacutecrates propotildee a seu interlocutor (13d3-8) A questatildeo entatildeo eacute invertida
e do mesmo modo Soacutecrates forja um questionamento agora em relaccedilatildeo ao conhecimento
afirmando que eles deveratildeo passar pelo mesmo processo A investigaccedilatildeo eacute similar do mesmo
152 Ficaraacute mais evidente o termo aqui utilizado em nossa argumentaccedilatildeo posterior de 16d referente ao ldquoἶὁmΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅrdquoέΝ 153 Muniz (2012) faz uma nota (n11) em que referencia o caraacuteter divino da atividade dialeacutetica como busca pelo que eacute estaacutevel que natildeo muda por isso tambeacutem chamada de divina
106 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
modo natildeo podemos dizer que os conhecimentos natildeo se diferem entre si que satildeo
dessemelhantes ( θσηκδκέ) os mesmos conhecimentos e ciecircncias (φλσθβ έμ εα πδ άηβ)
diz Soacutecrates (13e4-7) que anteriormente ele teria dito que satildeo bons ( ΰαγ ) e que satildeo bens
( ΰαγσθ)
Soc Tomados em conjunto ( υθΪπα αδ) os conhecimentos ( πδ ηαδ) parecem ( σικυ δθ) muacuteltiplos (πκζζαέ) e alguns deles dessemelhantes ( θκηκδκέ) entre si (α θ ζζάζαδμ) Mas no caso de alguns se revelarem ateacute mesmo opostos( θαπ έαδ) estaria eu agrave altura da nossa discussatildeo ( δαζάΰ γαδ) se temendo isso afirmasse que um conhecimento natildeo eacute de modo algum dessemelhante de um conhecimento E entatildeo nosso discurso natildeo se perderia como um mito perece ( πκζση θκμ)154 e estariacuteamos satildeo e salvos ( ακέη γα) mas graccedilas a um absurdo ( ζκΰέαμ) (13e9-14a5)
154 Bernadete eacute o uacutenico de acordo com meu conhecimento a tratar dessa expressatildeo nas traduccedilotildees ἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅμΝ ldquoἡΝὂὄὁvὧὄἴiὁΝ lsquoὁΝmitὁΝὅἷΝὂἷὄἶἷursquoΝ tἷmΝ tὄecircὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝἷxὂlaὀaὦὴἷὅΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ scholars de Platatildeo Aqui se diz que foi aplicado aos que natildeo estavam prestando atenccedilatildeo ao que estava sendo dito Em Teeteto 164d eacute dito que foi aplicado agravequeles que natildeo colocam limites (peras) na sua argumentaccedilatildeo e no final da Repuacuteblica (ἄἀ1ἴ)ΝἢὄὁἵlὁΝὂὁὅὅuiΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὅὁἵὄὠtiἵaΝlsquoὁΝmitὁΝὀὁὅΝὅalvὁursquoΝ ὃuἷΝ lsquoὁΝ mitὁΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷursquoΝ ὄἷfἷὄἷm-se ao fato de que os mitos satildeo algo tatildeo desinteressado porquanto falam de algo que natildeo exiὅtἷmrdquoΝ (1λλἁΝ ὂέΝ ἃΝ ὀέ1ἂ)έΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ talvἷὐΝ ὅἷjaΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝdiscordar desse sentido de suposta desatenccedilatildeo e tambeacutem das consideraccedilotildees levantadas por Proclo Brisson (1999) em um importante estudo sobre os mitos e sua presenccedila nos diaacutelogos platocircnicos iraacute demonstrar recorrendo aos manuscritos e agraves coleccedilotildees bizantinas que o sentido aqui eacute realmente aquele que se refere agrave uma discussatildeo que natildeo possui fim que natildeo possui limite O que faz todo o sentido se analisarmos a passagem Mas antes de explicar o sentido da expressatildeo o estudioso francecircs recorre agrave presenccedila dos dois verbos (que no Filebo aparecem conjuntamente) satildeo eles πκζζυ αδ (perecer) e
α δθ (salvar) que quando aparecem juntos retomam o proverbo (κ ξκδ κ) termo omitido pela traduccedilatildeo brasileira Verbos que aparecem em outras obras (R X 621b-c1 Tht 164d8-10 Lg I 645b1-2) e ἷvὁἵamΝ ἷὅὅἷΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ὂὄὁvἷὄἴialΝ ldquoὁΝ mitὁΝ ὂἷὄἷἵἷrdquoΝ ldquoὁΝ ldquomitὁΝ ὀὁὅΝ tἷὄiaΝ ὅalvὁrdquoΝ ἵὁὀtiἶaΝ ὀaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ἶὁΝFilebo ldquo(έέέ)Ν ζσΰκμ π λ η γκμ πκζση θκμ κ ξκδ κ α κ ακδη γα πέ δθκμ ζκΰέαμrdquoΝ(1ἂaἂ-ἃ)έΝ ἏΝ mἷὅmaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ἐὄiὅὅὁὀΝ ἷὅtὠΝ ὄἷlaἵiὁὀaἶaΝ ἵὁmΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ldquomitὁΝ ὅἷmΝ ἵaἴἷὦardquoΝ(αεΫφαζκμ η γκμ)ΝlὁgὁΝἷlἷΝὄἷὅumἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁμΝldquo(έέέ)ΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὂὄὁvἷὄἴialΝὄἷfἷὄἷὀtἷΝaΝumaΝhistoacuteria [mito] que natildeo possui umΝfimrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄ1)έΝἡΝἷὅtuἶiὁὅὁΝἷxὂliἵaΝmaiὅΝἶiὐἷὀἶὁΝὃuἷΝὂὁὂulaὄmἷὀtἷΝo mito assim como qualquer discurso eacute comparado com um ser vivo com um corpo vivo que natildeo pode se encontrar desordenado natildeo seria normal ver um corpo perambulando sem cabeccedila por isso um mito (ou um discurso) deve ser capaz de dizer o que tem de dizer ateacute o fim Isso nos dirigiria a duas questotildees importantes agravequilo que o mito deve falar e agravequilo que ele deve deixar de falar Um mito eacute reavivado quando aquilo a que se relaciona e reformula possui o pretexto de ser imortal (BRISSON 1999 p 61) Nesse sentido eacute necessaacuterio compor um discurso que tenha sentido como um corpo vivo bem estruturado e natildeo algo infinito sem peacute e nem cabeccedila Natildeo por acaso em 64a Soacutecrates iraacute afirmar ὃuἷΝ tὁἶὁΝ ὁΝ ἶiὅἵuὄὅὁΝ tἷὄiaΝ ἵὁὀἶuὐiἶὁΝ aΝamἴὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ aΝ umaΝ ldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝ iὀἵὁὄὂὰὄἷardquoέΝ εuὀiὐΝ(2007 p 113-123) teria reconhecido em outro texto essa semelhanccedila mas se esquece de evocar nessa passagem (14a) o que validaria ainda mais sua defesa de que o diaacutelogo possui uma ordem invisiacutevel mas visivelmente aparenta ser desordenado aos inteacuterpretes Para tal ele recorre ao Fedro (264c) que recorre a este mesmo significado todo discurso deve se assemelhar a um corpo vivo dotado de ordem compondo um todo unificado
107 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Protarco demonstra-se satisfeito com o suposto peacute de igualde em que satildeo colocados
ambos os discursos (14a6-9) Digo lsquosupostorsquo porque Soacutecrates apela apenas agrave possibilidade
de divisatildeo entre conhecimentos semelhantes e conhecimentos dessemelhantes e a
possibilidade de conhecimentos contraacuterios mas natildeo submete os conhecimentos agrave divisatildeo
entre bons e maus O que de fato veremos bem mais adiante eacute que todos os conhecimentos
seratildeo considerados bons puros o que natildeo significa dizer que natildeo seratildeo ordenados de acordo
com seu maior ou menor grau de bondade o que apresenta certa semelhanccedila com a divisatildeo
inicial entre prazeres bons e maus Resta saber se o criteacuterio utilizado seraacute o mesmo Mas por
ora natildeo devemos ainda tratar disso
Na discussatildeo atual eacute pertinente a Soacutecrates distinguir os prazeres entre bons e maus
prazeres mas esse tipo de divisatildeo natildeo decorre necessariamente da divisatildeo em espeacutecies do
prazer Ao dizer que o prazer possui espeacutecies dentre um mesmo gecircnero natildeo somos obrigados
a fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons prazeres maus Mas tudo indica que esta eacute a
postura assumida no decorrer da argumentaccedilatildeo A divisatildeo dos prazeres em espeacutecies natildeo
pode ser realizada antes de examinarmos uma divisatildeo em relaccedilatildeo a sua bondade Natildeo eacute
possiacutevel operaacute-la sem que assumamos que o prazer natildeo eacute idecircntico ao bem Por isso duas
questotildees novamente se apresentam (i) o prazer eacute idecircntico ao bem E ainda (ii) o que eacute o
bem (Cf 13c14b)
Note-se que nada ainda foi adiantado nenhum dos dois prazer e inteligecircncia perderam
a batalha ainda Primeiramente conveacutem analisar se o prazer eacute essencialmente o bem e em
segundo lugar se alguns prazeres satildeo bons e outros satildeo maus e ainda em terceiro se o
prazer eacute idecircntico ao bem Isso significa apenas dizer que se podemos considerar todos os
prazeres como bons ou a apenas alguns deles para tal devemos saber o que eacute o bem em si
mesmo O mesmo deve ser feito com relaccedilatildeo aos conhecimentos podemos predicaacute-los todos
como bons ou apenas alguns deles Em caso de natildeo identidade ao bem reconhecida em
ambos (prazer e conhecimento) devemos buscar uma terceira coisa Eacute o que diz Soacutecrates
Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ) podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγσθ) prazer ( κθ θ) ou o pensamento (φλσθβ δθ) ou uma terceira coisa ( δ λέ κθ ζζκ θαδ) Pois certamente agora natildeo entramos na disputa
(φδζκθδεκ η θ) para dar vitoacuteria ao que eu defendo ( ππμ ΰ έγ ηαδ) ou ao que tu defendes ( α rsquoΝ αδ θδε θ α) Devemos sim combater juntos e aliados ( υηηαξ ῖθ η μ ηφπ) ao mais verdadeiro ( rsquoΝ ζβγ Ϊ ) (14b1-b7)
Eacute somente depois disso que seraacute possiacutevel fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons e
maus Apenas se for demonstrado que a proposiccedilatildeo o bem eacute idecircntico ao prazer eacute equivocada
108 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἑὁmὁΝἴἷmΝὀὁtaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝldquoiὅὅὁΝὅigὀifiἵaΝigualmἷὀtἷΝὃuἷΝὁΝmὧtὁἶὁΝἶἷΝἵὁlἷtaΝἷΝἶivisatildeo
natildeo pode ser de alguma ajuda na determinaccedilatildeo da natureza do bem uma vez que o uacutenico
uso relevante que poderiacuteamos fazer do problema do bem pressupotildee que a natureza disso jaacute
tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝ ἀίίἄΝ ὂέΝ ἂἂ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὂaὄἷἵἷΝ ἷὀtatildeὁΝ ἷstar
preocupado com a questatildeo metodoloacutegica algo que seraacute desenvolvido logo a seguir mas a
proacutepria artificialidade do meacutetodo eacute algo consciente e tornaraacute capaz de entrelaccedilar a questatildeo
metodoloacutegica com as questotildees eacuteticas algo que veremos bem mais adiante no diaacutelogo
O que se pode notar neste iniacutecio de diaacutelogo eacute toda uma tentativa de Soacutecrates em
oferecer agrave discussatildeo uma caracteriacutestica propriamente dialeacutetica ao estruturaacute-la segundo os
objetivos maiores que a discussatildeo possa vir a alcanccedilar Portanto a escolha do meacutetodo natildeo eacute
algo casual mas deliberada em funccedilatildeo dos objetivos de tal modo jaacute eacute possiacutevel notar ainda
que implicitamente que os aspectos metodoloacutegicos e eacuteticos da questatildeo estatildeo condicionados
mutuamente (DELCOMMINETTE 2006 p 49)
Essa parte do diaacutelogo talvez seja uma das que mais colocam em embaraccedilo os leitores
do texto155μΝaὃuἷlἷΝldquoὂuὄgatὰὄiὁrdquoΝἵὁmὁΝjὠΝaὂὁὀtamὁὅΝὃuἷΝἔὄἷἶἷΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἁ)ΝfaὐΝmἷὀὦatildeὁΝἷΝ
que torna o diaacutelogo complexo e a respeito do qual muito se discutiu e se discute ainda hoje
Afirmadas as diferenccedilas entre prazeres e conhecimentos essa mesma unidade a qual nos
referimos ao nomear algo como prazer e conhecimento evoca a claacutessica e controversa
discussatildeo do problema da unidade e da multiplicidade Como diz o proacuteprio Soacutecrates no
diaacutelogo ldquoaὃuἷlaΝ[ὃuἷὅtatildeὁ]ΝὃuἷΝἵauὅaΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝὃuἷὄΝὃuἷiὄamΝ
ἵὁmὁΝalguὀὅΝὃuἷὄἷmΝὃuἷὄΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamΝἵὁmὁΝὡὅΝvἷὐἷὅΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamrdquoΝ(1ἂἵἂ-5) Que questatildeo
ὅἷὄiaΝἷὅὅaςΝἠὁὅΝὄἷὅὂὁὀἶἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝaΝtἷὅἷΝὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷΝὂὁὄΝὀatuὄἷὐaΝὃuἷΝagὁὄaΝhaacute
ὂὁuἵὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝὂὁὄΝaἵaὅὁμΝlsquoὃuἷΝὁΝmήltiὂlὁΝὅἷjaΝum e o um seja muacuteltiplo ( ΰ λ π ζζ
θαi εα π πκζζ )rdquoΝ(1ἂἵἆ-9) Natildeo haacute como ser contestado ( ηφδ ίβ αδ) qualquer um
que sustente ( δγ ηΫθ ) qualquer uma das duas posiccedilotildees (14c9-10)
Como nὁὅΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀἆλ)Ν ἷὅtamὁὅΝ ἷmΝ umΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ἵὁὀhἷἵiἶὁrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ
aquele que coloca em discussatildeo a possibilidade de algo possuir simultaneamente posiccedilotildees
155 A literatura interpretativa deste momento do diaacutelogo eacute tatildeo vasta que chega a ser impossiacutevel tratar de cada um dos comentadores pormenorizadamente ateacute porque muitos divergem entre si seja totalmente seja em algumas partes Pretendo lidar apenas com alguns comentaacuterios que satildeo pertinentes e que de certo modo coadunam com a interpretaccedilatildeo que procuro aqui defender alguns os quais sigo bem de perto Friedlaumlnder (2004) Striker (1970) Shiner (1974) Gosling (1975) Casper (1977) Hahn (1978) Moravcsik (2006) Dancy (1984) Benitez (1989) Davidson (1990) Hampton (1990) Mirhady (1992) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Frede (1997) Frede (1993) Carpenter (2009) Dixsaut (2001) Delcomminette (2006) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ateacute porque neste momento embora seja importante para a compreensatildeo do diaacutelogo natildeo eacute o alvo da minha anaacutelise do texto dos temas propriamente que me satildeo caros neste trabalho como a dialetizaccedilatildeo dos prazeres a discussatildeo aqui se centra em torno do meacutetodo algo que tem desafiado leitores contemporacircneos do diaacutelogo A meu ver ele estaacute a serviccedilo da dialeacutetica eacute mais uma de suas propriedades sobre esse debate falarei mais adiante
109 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
contraacuterias essa eacute uma das dificuldades que conduz Soacutecrates a postular as Formas
resolvendo a questatildeo pela participaccedilatildeo (Phd 102ass R 523e-525a Tht 154c) Ou seja
trata-se de um problema fundamental jaacute bastante discutido mas o que vemos parece ser um
ἵἷὄtὁΝἶἷὅἵaὅὁΝὁuΝldquoἷὅὀὁἴiὅmὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἵὁmὁΝtἷὄiaΝἴἷmΝ
reconhecido Frede (1993 p 20-21) Para tal uma justificativa plausiacutevel seria recorrer ao
Parmecircnides (128-ἄΝ1ἁίa)ΝἷmΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷjἷitaΝἷὅtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶiὅἵuὅὅatildeὁΝiὀfaὀtilrdquoΝἷΝfὠἵilΝ
(παδ αλδυ β εα δα 14d7) para tratar de tatildeo importantes paradoxos partindo de coisas
individuais (como se diz em Prm 130c5-7 das absurdidades praticadas em relaccedilatildeo agraves Formas
quando se pretende alcanccedilar uma Forma de coisas em devir de coisas despreziacuteveis e vis
como a forma da lama do cabelo da sujeira e outras mais) e para tal a resposta eacute muito
semelhante agravequela apresentada naquele diaacutelogo (Prm 130d3-9)
ἢὄὁtaὄἵὁΝὀatildeὁΝἶἷixaΝἶἷΝἶἷὅἵὄἷvἷὄΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝviὅatildeὁΝldquoἴaὀaliὐaἶardquoΝ( βη υηΫθα)156 da
divisatildeo utilizando a si proacuteprio como exemplo ele mesmo sendo um por natureza eacute tambeacutem
muacuteltiplo alto e baixo pesado e leve e vaacuterias coisas desse tipo (14d1-3) Contudo esse
problema natildeo deixa de ser importante pois trata-se de algo presente em outros diaacutelogos nos
quais o problema jaacute foi discutido A questatildeo da multiplicidade de predicaccedilotildees dos sensiacuteveis a
um ser particular jaacute foi algo recorrente157 e a hipoacutetese da participaccedilatildeo nas Formas se destina
justamente a resolver esse problema como dissemos anteriormente A fala de Protarco citada
anteriormente (14d1-3) eacute relevante nesse sentido porque ela retoma essa questatildeo Podemos
compreendecirc-la de duas formas (i) como limitante ao problema da oposiccedilatildeo entre contraacuterios
ou (ii) como inclusatildeo dessas oposiccedilotildees como em casos particulares de multiplicidade158
Todavia como bem notou Delcomminette (2006) o segundo sentido parece mais proacuteximo agrave
temaacutetica em torno dessa argumentaccedilatildeo uma vez que seraacute relevante pensar a divisatildeo em um
ὅἷὀtiἶὁΝaἴὅtὄatὁΝὁuΝldquoiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝἷΝὀatildeὁΝὂuὄamἷὀtἷΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἀ)έΝἑὁmὁΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝἶitὁΝ
156 Delcomminette (2006) critica aqueles comentadores (referindo-se a Jackson (1882) e Dancy (1984)) ὃuἷΝaἵὄἷἶitamΝὃuἷΝὁὅΝὃualifiἵativὁὅΝldquoἴaὀalrdquoΝldquoὂuἷὄilrdquoΝldquofὠἵilrdquoΝatὄiἴuiacuteἶὁὅΝaΝἷὅὅἷΝὂὄὁἴlἷmaΝ(ὂὄἷἶiἵaὦatildeὁΝἶὁὅΝsensiacuteveis) denote alguma mudanccedila no pensamento de Platatildeo acerca da relevacircncia do problema jaacute que em outros diaacutelogos ele teria ganhado destaque alcanccedilado determinada relevacircncia Todavia somos obrigados a concordar com esse autor que a criacutetica aqui tem um outro sentido vale lembrar que esta divisatildeo tida como banal jaacute foi rejeitada em outras obras pela recorrecircncia agrave hipoacutetese das Formas isto soacute significa que o propoacutesito demonstrado por Platatildeo seria o mesmo realccedilado por ele no iniacutecio do Parmecircnides ou seja agora eacute necessaacuterio tratar da divisatildeo de um ponto de vista dialeacutetico e natildeo banal modo apenas pelo qual a discuὅὅatildeὁΝὅὁἴὄἷΝὁὅΝtἷmaὅΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝldquoὅὧὄiὁὅrdquoΝiὄὠΝavaὀὦaὄέΝἏlgὁΝὃuἷΝἵὁmὁΝvἷὄἷmὁὅΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἷὀtὄἷΝldquojὁvἷὀὅrdquoΝἶἷvἷὄὠΝὅἷΝatἷὄΝ(ὂέΝἃἁ-54) 157 Cf Sph 251ass 158 Algo notado por Frede (1993 p 21) a partir do duplo sentido desempenhado pela partiacutecula εα no trechὁΝὄἷfἷὄiἶὁέΝVἷjamμΝldquoΠΡΩ λrsquoΝκ θ ζΫΰ δμ αθ δμ η φ Πλυ αλξκθ θα ΰ ΰθσ α φτ δ πκζζκ μ
θαδ πΪζδθ κ μ η εα θαθ έκυμ ζζάζκδμ ηΫΰαθ εα ηδελ θ δγΫη θκμ εα ίαλ θ εα εκ φκθ θ α κθ εα ζζα ηυλέανrdquoΝ(1ἂἵ11-d3)
110 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
o modo como Soacutecrates responde agraves objeccedilotildees de Zenatildeo no Parmecircnides eacute consoante com o
que se apresenta aqui no Filebo como bem resume Delcomminette (2006)
O fato de que vaacuterias qualidades e ateacute mesmo qualidades opostas possam predicadas a um ser sensiacutevel pode ser explicado pelo fato de que ele participa de diferentes Ideacuteias de tal forma que cada uma delas eacute por sua vez apenas aquilo que eacute Deste modo o fato de que um ser sensiacutevel possa receber predicados contraacuterios natildeo implica a menor contradiccedilatildeo porque cada predicado corresponde a uma relaccedilatildeo particular sob a qual esse ser eacute considerado a saber em relaccedilatildeo agrave sua participaccedilatildeo nesta ou naquela Ideia enquanto que a contradiccedilatildeo apenas pode acontecer entre predicados que qualificam algo segundo a mesma relaccedilatildeo Entatildeo Platatildeo geralmente lida com esse tipo de problema do um e do muacuteltiplo ao separar um e muacuteltiplo e por colocaacute-los em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes ndash o um no niacutevel sensiacutevel e o muacuteltiplo no niacutevel inteligiacutevel (p 53)
Da mesma maneira Soacutecrates apresenta sua criacutetica a esse tipo de divisatildeo
anteriormente descrito por seu interlocutor atribuindo a ela os mesmos qualificativos antes
destinados no ParmecircnidesέΝἣuaὀἶὁΝalguὧmΝὅἷΝὂὴἷΝaΝἶiviἶiὄΝἷmΝldquomἷmἴὄὁὅΝὁuΝὂaὄtἷὅrdquoΝalgὁΝὂὁὄΝ
meio do discurso ( αθ δμ εΪ κυ ηΫζβ εα ηα ηΫλβ δ ζυθ ζσΰ ) e atesta que por
meio da reuniatildeo dessas partes se tenha chegado ao um natildeo lhe faltam pessoas a dizer que
ὅἷΝ tὄataΝ ἶἷΝ algὁΝ ὄiἶiacuteἵulὁΝ afiὄmaὀἶὁΝ ldquomὁὀὅtὄuὁὅiἶaἶἷὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ aΝ ὅἷὀtἷὀὦaΝ ἶἷΝ ὃuἷ ὁΝ ldquoumΝ ὧΝ
muacuteltiplo e ilimitado ( θ μ πκζζΪ δ εα π δλα) ou que o muacuteltiplo eacute apenas um (πκζζ μ
θ ησθκθ) (14e3-4)
Esse eacute um dos principais obstaacuteculos impostos agrave atividade dialeacutetica que deve distinguir
pelo discurso os membros que satildeo ao mesmo tempo partes de uma determinada coisa Qual
seria entatildeo a forma correta de se utilizar a divisatildeo que natildeo seja essa das coisas que nascem
ἷΝὂἷὄἷἵἷmΝjὠΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝtὄataΝἶἷΝumaΝldquoἶiviὅatildeὁΝἴaὀalrdquoΝὃuἷΝὀἷmΝὅἷὃuἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝlἷvaἶaΝἷmΝ
conta159
Soc Eacute quando meu jovem algueacutem coloca o um mas natildeo aquele do qual agora haacute pouco falamos das coisas que vecircm a ser e perecem ndash pois neste caso chegou-se agrave admissatildeo que esse tipo de um ao qual nos referimos haacute pouco natildeo precisa ser refutado Mas sim quando algueacutem tenta colocar o
159 ἑὁmὁΝ ἵὁmἷὀtaΝ ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄ)Ν ldquoἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ mὁἶὁΝ ἷὅὅἷΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶὁΝ umΝ ἷΝ ἶὁΝmuacuteltiplo natildeo eacute pertinente para a pesquisa atual porque ele natildeo concerne a um bom tipo de predicaccedilatildeo Com efeito o tipo de declaraccedilatildeo que Soacutecrates e Protarco estatildeo lidando natildeo consiste em predicar muacuteltiplas qualidades de um ser particular ndash ὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝ lsquoἷuΝἢὄὁtaὄἵὁrsquoΝndash mas em predicar muacuteltiplos tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὅὅivἷlmἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶitὰὄiὁὅΝἶἷΝὁutὄὁὅΝ tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὃuaὀἶὁΝὅἷΝἶiὐΝ lsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝἴὁmrsquoΝὁuΝlsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὄuimrsquoέΝἏΝaὂaὄἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝἶὁiὅΝἷὀuὀἵiaἶὁὅΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὁΝprazer tanto um como muacuteltiplo apenas pode ser resolvido daquele mesmo modo anterior ou seja colocando o um e o muacuteltiplo em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes porque isso novamente nos conduziria a uma regressatildeo ao infinito cada predicado podia ele mesmo ser qualificado de maneiras opostas o que nos forccedilaria a introduzir uma outra distinccedilatildeo entre dois niacuteveis ontoloacutegicos e assim por diante ad infinitum Pelo contraacuterio devemos comὂὄἷἷὀἶἷὄΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὁΝgἷὄalΝἵὁmὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtaὀtὁΝumΝὃuaὀtὁΝmήltiὂlὁΝὀὁΝmἷὅmὁΝὀiacutevἷlΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝiὅtὁΝὧΝὀὁΝὀiacutevἷlΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἂ)έ
111 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
homem como um o boi como um o belo como um e o bem como um Eacute sobre essas hecircnadas e sobre coisas desse tipo que muito rigor aliado agrave divisatildeo gera controveacutersia Prot Como
Ω Ὁπσ αθ παῖ v η θ ΰδΰθκηΫθπθ εα πκζζυηΫθπθ δμ δγ αδ εαγΪπ λ λ έπμ η ῖμ πκη θ θ αυγκῖ η θ ΰ λ εα κδκυ κθ θ π λ
πκη θ θυθ ά γΰε ξυλβ αδ η ῖθ ζΫΰξ δθ αθ Ϋ δμ θα θγλππκθ πδξ δλ έγ γαδ εα ίκ θ θα εα εαζσθ θ εα ΰαγ θ θ π λ κτ πθ
θ θ πθ εα θ πκδκτ πθ πκζζ πκυ η δαδλΫ πμ ηφδ ίά β δμ ΰέΰθ αδ
ΠΡΩ Π μ (15a1-8)
Aqui mais uma vez o paralelismo com o Parmecircnides eacute visiacutevel Natildeo haacute nada de
espantoso em algueacutem dizer que os sensiacuteveis satildeo simultaneamente um muacuteltiplos natildeo haveria
ὀaἶaΝ ἶἷΝ ἷὅὂaὀtὁὅὁΝ aiacuteΝ ἵὁmὁΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅμΝ ldquo(έέέ)Ν ἶiὄἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷmὁὀὅtὄaΝ ὃuἷΝ algὁΝ ὧΝ
muacuteltiplas coisas e um natildeo que o um eacute muacuteltiplas coisas nem que o muacuteltiplo eacute um e que natildeo
ἶiὐΝὀaἶaΝἶἷΝἷὅὂaὀtὁὅὁΝmaὅΝἵὁiὅaὅΝἵὁmΝὃuἷΝtὁἶὁὅΝἵὁὀἵὁὄἶaὄiacuteamὁὅrdquoΝ(1ἀλἶἃ-8) mas dizer que
os gecircneros e as formas satildeo afetadas por contraacuterios isso sim seria espantoso Se algueacutem
separa as formas mesmas em si mesmas umas das outras demonstrando que podem ser
misturadas e separadas isso sim demonstraria espanto (129 c4ndashd6) A aparente contradiccedilatildeo
natildeo nos deve levar a considerar uma diferenccedila tudo que nosso diaacutelogo diz eacute que devemos
fugir desses paradoxos porque agora (no Filebo) o muacuteltiplo natildeo corresponde a predicados
contraacuterios mas a partes que satildeo ao mesmo tempo membros e que fazem parte de um
mesmo niacutevel ontoloacutegico isto eacute ao sensiacutevel No Filebo os predicados contraacuterios um e muacuteltiplo
dizem respeito agravequilo que satildeo em si mesmos Jaacute natildeo podemos separaacute-los em dois niacuteveis
ontoloacutegicos diferentes mas devemos analisaacute-los em um mesmo niacutevel o inteligiacutevel Devemos
pois consideraacute-los como duas ideias diferentes segundo uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo agraves quais
uma mesma coisa deve ser considerada Um e muacuteltiplo pertencem ambos a um mesmo niacutevel
ontoloacutegico tanto no sensiacutevel enquanto um todo composto de partes quanto no inteligiacutevel em
termos da relaccedilatildeo de participaccedilatildeo no um e no muacuteltiplo
A abordagem contida na passagem supracitada eacute extremamente relevante para a
compreensatildeo do sentido da argumentaccedilatildeo como tambeacutem do que se segue Natildeo se trata de
desmerecer a questatildeo mesmo que os qualificativos utilizados natildeo sejam os melhores mas
sim de utilizar uma discussatildeo que era tambeacutem complexa e que agora passa a ser vista de
maneira mais simples analogamente agraves questotildees seacuterias por isso a linguagem utilizada eacute a
mesma embora os niacuteveis ontoloacutegicos sejam diferentes Mesmo que a discussatildeo anterior seja
viὅtaΝἵὁmὁΝldquoὂuἷὄilrdquoΝἷlaΝjὠΝὂὄἷὂaὄa o terreno para as consideraccedilotildees acerca do meacutetodo que seratildeo
desenvolvidas logo a seguir e os problemas mais seacuterios do um e do muacuteltiplo
Dixsaut (2001) nos chama atenccedilatildeo quanto a presenccedila do verbo έγ αδ έγ γαδ (Cf
15a2 15a5) (postularcolocar) As unidades a serem dividas natildeo satildeo dadas mas deveratildeo
112 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ainda serem postuladas Tanto bem como belo se encontram no mesmo plano que o boi e o
homem (neste caso omite-se o artigo) Os uacuteltimos satildeo seres em devir satildeo os homens e os
bois Ao serem colocados como unidades oferece-lhes um modo de ser (essecircncia) que lhes
configura como termos pensaacuteveis estruturaacuteveis divisiacuteveis De tal forma dessas hecircnadas
seria possiacutevel dizer jaacute num primeiro momento que essas satildeo Formas (p 290) Sobre isso ela
ainda diz
Isto eacute verdade mas insuficiente diante de uma abordagem adequada do texto o problema eacute o embaraccedilo criado pela identidade do uno e do muacuteltiplo identidade que eacute a condiccedilatildeo de todo loacutegos (discurso) dito de outro modo de toda linguagem e de todo o pensamento Natildeo eacute aceitaacutevel dizer que o homem eacute o bem ou que o homem eacute o belo isto implicaria restringir um ou outro No entanto como essas unidades podem ser tidas como unas e divisiacuteveis e portanto muacuteltiplas Submeter as unidades a uma divisatildeo imediata eacute algo problemaacutetico (DIXSAUT 2001 p 291)
Como se pode notar a proacutepria origem dessas unidades eacute controversa assim como o
modo como Soacutecrates a seguir descreve os problemas relacionados a tais unidades Talvez
esse seja uma das passagens mais complicadas do texto
Soc Em primeiro lugar eacute preciso supor se tais unidades realmente existem em seguida como essas ndash cada uma sendo sempre a mesma e natildeo submetida nem ao vir a ser nem ao deixar de ser ndash satildeo entretanto seguramente essa uma e se devemos supor depois disso que nas coisas que vecircm a ser e satildeo ilimitadas ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa uma vindo a ser simultaneamente no um e no muacuteltiplo Satildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas quando se chega tem-se um caminho sem obstaacuteculos (15b1-c4) Ω Πλ κθ η θ δθαμ ῖ κδατ αμ θαδ ηκθΪ αμ πκζαηίΪθ δθ ζβγ μ κ αμ α π μ α ατ αμ ηέαθ εΪμ βθ κ αθ θ α θ εα ηά ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ βθ η κ rsquoΝ θ κῖμ ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ
ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ ΰέΰθ γαδ α rsquoΝ δ π λ
κδα α θ εα πκζζΪ ζζrsquoΝκ ε ε δθα Πλυ αλξ πΪ βμ πκλέαμ α δα η εαζ μ ηκζκΰβγΫθ α εα πκλέαμ [ θ] α εαζ μ (15b1-c4)
A passagem colocou em duacutevida durante seacuteculos muitos estudiosos160 ao ponto de
postularem trecircs indagaccedilotildees quantos problemas satildeo mencionados no mesmo trecho Quais
160 Entre o grupo dos partidaacuterios de duas questotildees encontram-se Hackforth (1945) Frede (1993) Waterfield (1982) Casertano (1989) No grupo daqueles que defendem trecircs questotildees Hahn (1978)
113 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
problemas satildeo esses E que relaccedilatildeo esse trecho teria com o meacutetodo descrito a seguir em 16
c5-17 a5 Alguns creem que haacute dois problemas e preferem assim dividir o texto em duas
partes outros que haacute trecircs e dividem o texto em trecircs partes Uma visatildeo interpretativa mais
grosseira poderia postular que o texto seria extremamente desproporcional se fosse divido
em apenas duas questotildees mas o argumento eacute insuficiente diante da complexidade do texto
Haacute ainda que examinar o conteuacutedo de cada questatildeo tanto por um aspecto filoloacutegico quanto
pelos conteuacutedos filosoacuteficos que elas exprimem Creio dentre as intepretaccedilotildees analisadas que
a de Carpenter (2009) de Dixsaut (2001) e de Muniz amp Rudebusch (2004 2007) explicam
mais pormenorizadamente a questatildeo e procuram resgatar o sentido original do texto sem
propor emendas clarividecircncias ou mesmo revisotildees gramaticais Pelo contraacuterio retomam as
passagens anteriores os antecedentes gramaticais de pronomes recorrendo agraves braquilogias
de acordo com sentenccedilas anteriores do proacuteprio texto e estabelece uma distinccedilatildeo plausiacutevel
entre dois termos que causam confusatildeo nos inteacuterpretes a saber ηκθΪ αμ e θΪ πθ (cf
MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 26)
ἢὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵὁὀfὁὄmἷΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀλἀ)Ν ldquoΠλ κθ η ῖ α η κ
articulariam claramente trecircs teses161 E afirma que ningueacutem duvidaria da primeira e da terceira
questatildeo (controveacutersia) caso a segunda questatildeo natildeo colocasse em duacutevida as outras duas A
primeira questatildeo (controversa) proposta natildeo suscita muitas duacutevidas trata-se de supor se tais
unidades (mocircnadas) realmente existem ( ζβγ μ κ αμ)162 A qual delas devemos conceder
Casper (1977) Dancy (1984) Benitez (1989) Bernadete (1993) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Dixsaut (2001) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ide (2002) Carpenter (2009) Mirhady (1992) vecirc uma uacutenica questatildeo dividida em trecircs partes Para uma descriccedilatildeo de todas as posiccedilotildees e de seus partidaacuterios ver Dancy (1984) Hahn (1978) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) 161 Trecircs argumentos podem ser utilizados para confirmar a tese das trecircs questotildees (i) as conjunccedilotildees Πλ κθ η ῖ α η κ recorrentemente usadas por Platatildeo denotam enumeraccedilatildeo em trecircs termos o que jaacute seria suficiente para provar tal divisatildeo (ii) a presenccedila dos trecircs verbos no infinitivo regidos por πκζαηίΪθ δθ ( θαδ θαδ e ΰέΰθ γαδ) um em cada parte (iii) as duas ocorrecircncias da partiacutecula adversativa α sendo que cada uma marcaria o iniacutecio de uma nova etapa Sobre isso ver Mirhady (1992 p 173 174ss) e Delcomminette (2006 p 57) Delcomminette apresenta ainda dois argumentos (filosoacuteficos) para a recusa leitura em trecircs teses (i) ela natildeo faria sentido com a discussatildeo precedente sobre a seriedade necessaacuteria ao problema do um e do muacuteltiplo isto eacute que o prazer esteja contido nesse tipo ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝldquoὅὧὄiardquoΝἶὁΝumΝἷΝἶὁΝmήltiὂlὁΝἶἷmὁὀὅtὄaὄiaΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἶὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝdisse anteriormente daiacute natildeo faria o menor sentido toda a argumentaccedilatildeo anteriormente desenvolvida ela natildeo teria a menor relevacircncia A leitura em duas questotildees natildeo permitiria nenhuma conexatildeo com esses aspectos anteriores (ii) aleacutem do mais ela natildeo teria relaccedilatildeo com a passagem anterior acerca da divisatildeo embora Soacutecrates trate dos problemas decorrentes da pratica da divisatildeo (15a6-7) Deste modo como propotildee a interpretaccedilatildeo em duas questotildees esta passagem seria uma digressatildeo que natildeo se integraria efetivamente agrave progressatildeo argumentativa do diaacutelogo (2006 p 57-58) 162 Dixsaut (2001) prefere traduzir δμ ὂὁὄΝldquoὃuaiὅrdquoέΝἥἷguὀἶὁΝaΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὀἷὀhumΝἶiὠlὁgὁΝatὧΝἷὀtatildeὁΝteria feito tal equivalecircncia pois se trata de saber aqui (15b1) quais unidades julgamos ser necessaacuterio atὄiἴuiὄΝ umaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaέΝ ἓlaΝ tamἴὧmΝ ἵὁὀὅἷὄvaΝ ὁΝ tἷὄmὁΝ ldquo ηπμrdquoΝ (ἵὁὀtuἶὁΝ aὂἷὅaὄΝ ἶἷΝ ὀὁΝentanto) (15b4) dos manuscritos muitas vezes corrigidos pelos tradutores por ζπμ (inteiro perfeito ἵὁmὂlἷtὁΝgἷὄalmἷὀtἷ)Ν ἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)έΝεuὀiὐΝ tὄaἶuὐμΝ ldquo(έέέ)ΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὅuὂὁὄΝὅἷΝ taiὅΝ
114 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
uma verdadeira existecircncia Soacutecrates jaacute natildeo hesita mais sobre esse ponto (Cf Prm130b7-c6)
No Filebo natildeo se passa de outro modo A mesma questatildeo volta a ser colocada Devemos
conceder uma existecircncia verdadeira uniforme impereciacutevel engendrada isto eacute
necessariamente admitir uma forma uacutenica (hecircnada) para o Belo o Bem mas por que Homem
e Boi
Para isso talvez seja necessaacuterio recorrer agraves explicaccedilotildees de Muniz amp Rudebusch (2007
p 133) acerca da forma como ele busca clarificar as trecircs controveacutersias A fim de responder a
primeira delas primeiramente ele divide a partir da distinccedilatildeo de Soacutecrates os dois modos de
lidar com o problema do um e do muacuteltiploΝaὃuἷlἷΝldquoὂuἷὄilrdquoΝὃuἷΝεuὀiὐΝamp Rudebusch (2007)
ἶἷὀὁmiὀamΝldquovulgaὄrdquoΝἷΝὃuἷΝἵauὅaΝumaΝὅὧὄiἷΝἶἷΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὡΝἶialὧtiἵaΝaὁΝliἶaὄΝἵὁmΝὁὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝ
particulares aquele um que eacute todos os membros e todas as partes (vaacuterios prazeres e que se
ἶἷὀὁmiὀamΝἵὁmὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquo)Νpertencente ao domiacutenio das coisas em devir e um outro que ele
ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoέ
Os casos natildeo-vulgares ou aristocraacuteticos do um satildeo aqueles que possuem relaccedilatildeo com
o Belo o Bom e como bem notado por Muniz amp Rudebusch (2007) o um homem o um boi
que nem vecircm a ser nem deixam de ser (15a4-6) Eacute por essas hecircnadas que Soacutecrates
ἶἷmὁὀὅtὄaΝtamaὀhὁΝὐἷlὁΝ(ldquoπ λ κτ πθ θ θΪ πθ εα θ κδκτ πθ πκζζ πκυ 15a5-
ἄ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅἷΝ ὄἷfἷὄἷΝ aΝ ἷlaὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoἷὅὅaὅΝ hecircὀaἶaὅrdquoέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἷὅὅaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ parece
consoante com o que foi dito sobre o Prazer a Cor e a Figura Em nenhum momento estas
uacuteltimas satildeo postas em questatildeo por isso segundo o teoacuterico ainda natildeo haacute controveacutersia ela soacute
existiraacute agrave medida em que se propotildee a divisatildeo (p 133-134) Nos casos aristocraacuteticos a divisatildeo
se torna controveacutersia mas nos casos vulgares natildeo Vale lembrar tambeacutem que o zelo em
relaccedilatildeo agraves Formas nos outros diaacutelogos (Repuacuteblica Banquete) quanto agrave sua existecircncia
contrapotildee-se agrave ignoracircncia vulgar dos natildeo-filoacutesofos que natildeo reconhecem a existecircncia das
unidades ὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷmΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἃἴ1-2) (2012 p 36) Delcomminette (2006 p 60) por exemplo discorda da traduccedilatildeo de DixsautΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥἷguὀἶὁΝἒixὅautΝ(ἀίί1)Ν δμΝἷὃuivalἷὄiaΝaὃuiΝὂaὄaΝὁΝlatimΝsi quis et tὄaἶuὐiἶὁΝὂὁὄΝlsquoὃualrsquoέΝἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὅἷὄiaΝὂὁὄtaὀtὁΝὅaἴἷὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝjulgaὄiacuteamὁὅΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝconceder uma existecircncia verdadeira Eacute por isso que ela propotildee a seguinte traduccedilatildeo desse primeiro ὂὄὁἴlἷmaμΝ lsquoἷmΝὂὄimἷiὄὁΝ lugaὄΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝ[mὲὀaἶaὅ]ΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrsquoΝ ὁΝ ὃuἷΝ aὂὁὀtaὄiaΝ ὂaὄaΝ ὁΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶaΝ lsquoἷxtἷὀὅatildeὁΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ἶaὅΝ IἶἷiaὅrsquoΝ mἷὀἵiὁὀaἶὁΝ ὀὁΝParmecircnides 130b8-e4 Se eacute verdade que essa leitura eacute possiacutevel ( δμ equivale perfeitamente a έμ cf Kuumlhner et Gerth (1904) pp 573ndash574) ela natildeo eacute necessaacuteria e nos parece ainda mais difiacutecil de conciliar com a repeticcedilatildeo θαδ ζβγ μ κ αμ κ (M Dixsaut traduziu com efeito como se o texto portasse simplesmente ζβγ μ θαδ)έΝ ἏἶἷmaiὅΝ aΝ tὄaἶuὦatildeὁΝ ἷxataΝ ἵὁmΝ ἷὅὅaΝ ἵὁὀὅtὄuὦatildeὁΝ ὅἷὄiaμΝ lsquoὧΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝὄἷalmἷὀtἷΝὅatildeὁΝὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷὀtἷὅrsquoΝὁΝὃuἷΝὂἷὄmitiὄiaΝἷὀtἷὀἶἷὄΝque outras unidades desse tipo (portanto outras unidades inteligiacuteveis) natildeo seriam realmente existentes ndash ἷmἴὁὄaΝaiὀἶaΝἷxiὅtamΝἶἷΝἵἷὄtὁΝmὁἶὁςrdquoΝἥἷjaΝἵὁmὁΝfὁὄΝvἷὄἷmὁὅΝmaiὅΝtaὄἶἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝὂἷὀὅamὁὅΝὃuἷΝ δθαμΝaὂἷὀaὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝcertas Ideacuteias Muniz (2012) tὄaἶuὐΝἵὁmὁΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝldquoὧΝὂὄἷἵiὅὁΝsupor se tais unidades ἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrdquoέΝἑὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὰΝhὠΝumΝἶἷὅaἵὁὄἶὁΝὃuaὀtὁΝὡΝ tὄaἶuὦatildeὁΝmas como diz o proacuteprio Delcomminette (2006) que mais adiante em seu comentaacuterio agrave primeira controveacutersia eacute possiacutevel notar que se trata de apenas algumas ideias
115 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
mesmas (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 134) O zelo se ausenta no Filebo Antes o termo
utilizado para tratar das divisotildees foi δ ζ θ (14e1) agora o termo utilizado eacute δαδλΫ πμ isto
eacute trata-se de dividir pelo discurso essas hecircnadas e natildeo operar uma divisatildeo especializada
entre gecircneros e espeacutecies pois naquele caso (vulgar) (14e) nem Protarco nem Homem satildeo
gecircneros Logo podemos afirmar como Muniz amp RudebuschΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν ὀatildeὁΝ ὧΝ ὁΝ
estabelecimento de hecircnadas que produz a controveacutersia mas antes a tentativa de dividi-laὅrdquoΝ
(2007 p 34)
ἏΝ ἶiviὅatildeὁΝ vulgaὄΝ ὂὄὁἶuὐiaΝ ὄἷὅultaἶὁὅΝ ἵὁmὁΝ aὃuἷlἷὅΝ ldquoἢὄὁtaὄἵὁΝ ὧΝ umΝ ἷΝ mήltiὂlὁὅΝ
ἢὄὁtaὄἵὁὅrdquoΝaltὁΝἴaixὁΝἷtἵΝ(1ἂἵ11-1ἁ)έΝἏὂἷὅaὄΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquohecircὀaἶardquoΝὅὰΝaὂaὄἷἵἷὄΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝ
em 15a6 esse tipo de divisatildeo jaacute tinha sido preacute-anunciada pelo proacuteprio Soacutecrates em 14d1-4
ao dividir Homem em Homem Temperante e Homem Intemperante Homem Tolo e Homem
Saacutebio como tambeacutem ao se dividir Prazer em Prazer Moderado e Prazer Imoderado Prazer
Saacutebio e Prazer Tolo dentre outros Por isso eacute que surgiu a controveacutersia ( ηφδ ίά β δμ 15a7)
o prazer embora sendo uacutenico assume diversas formas diferentes umas das outras e ateacute
contraacuterias fato que pode ser ilustrado pelo exemplo das cores e das figuras (formas
geomeacutetricas163) (12c-13d)
Outro fato notaacutevel como nos alegam Muniz amp Rudebusch eacute que a controveacutersia soacute
ὅuὄgἷΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ litἷὄalmἷὀtἷΝ ὃuaὀἶὁΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὅἷΝ ὄἷἵuὅaΝ ὡΝ ἶiviὅatildeὁΝ
requerida por Soacutecrates dos prazeres em bons e maus prazeres (13b6-ἵἀ)μΝldquoἷmἴὁὄaΝἥὰἵὄatἷὅΝ
natildeo descreva deste modo o impasse entendemos que o zelo com que ambos comeccedilaram
tἷὀhaΝὀἷὅtἷΝὂὁὀtὁΝὅἷΝtὁὄὀaἶὁΝlsquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiarsquordquoΝ( ηφδ ίά β δμ 15a7) (2007 p 135) O artifiacutecio
ὅὁἵὄὠtiἵὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ὧΝ ἵὁlὁἵaὄΝ ἷmΝ ldquoaὂaὄἷὀtἷrdquoΝ ὂὧΝ ἶἷΝ igualἶaἶἷΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷΝ
conhecimentos ao que Protarco assente salientando um acordo comum Mas vejamos ainda
natildeo se contrapotildeem unidade e multiplicidade explicitamente apenas satildeo ressaltadas
pluralidades anaacutelogas Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)ΝἶἷὅtaἵamΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝldquoaἶiἵiὁὀalmἷὀtἷrdquoΝ
( δ η ζζκθ) em 14c1 na exortaccedilatildeo socraacutetica logo no iniacutecio da discussatildeo sobre o problema do
um e do muacuteltiplo isto eacute sobre a necessidade de se estabelecer que tipo de princiacutepio um deve
ser levado em conta ao dizer que tanto prazeres quanto conhecimentos satildeo um e muacuteltiplos
(p 136) Logo uma hecircnada Homem eacute muitos Homens Homem Saacutebio e Homem Tolo Homem
Tolo Homem Moderado e Homem Imoderado e assim por diante (12c8-d4) o mesmo se
aplica agrave Cor e agraves Figuras Mas como dizem Muniz amp RudebuschΝ ldquoalὧmΝἶiὅὅὁΝὧΝἶe suma
relevacircncia para o Filebo ἵὁmὁΝumΝtὁἶὁΝὅatildeὁΝἷviἶἷὀtἷmἷὀtἷΝaὅΝhecircὀaἶaὅΝἢὄaὐἷὄΝἷΝἥaἴἷἶὁὄiardquoΝ
(2007 p 136)
Diante do que foi dito anteriormente eacute possiacutevel compreender o sentido da primeira
controveacutersia e porque ela natildeo nos gera tantos problemas Perante agrave indagaccedilatildeo de Protarco a
163 Cf Men 74d-e
116 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Soacutecrates sobre a que tipo de um ele se refere expressa pela pergunta π μ (Como) (15b1)
Soacutecrates responde que devemos supor se tais mocircnadas existem verdadeiramente (15b1-2)
Vale ressaltar que aqui natildeo se trata de um reconhecimento acerca das ideias serem ou natildeo
unidades as ideias satildeo unidades porque elas satildeo colocadas como tais satildeo postuladas
ἷὀὃuaὀtὁΝ uὀiἶaἶἷὅΝ ἷmΝ ὅiέΝ Ν ἏΝ ὂἷὄguὀtaΝ ὀἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ tamἴὧmΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ aὃuἷlaμΝ ldquoaὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ
ἷxiὅtἷmςrdquoΝἡuΝὅἷjaΝὅὁἴὄἷΝὁΝἷὅtatutὁΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝἶἷὅtaὅΝmaὅΝldquoἷὅtamὁὅΝἵὁὄὄἷtὁὅΝἷmΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝ
taiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷςrdquoΝἏlgὁΝtamἴὧmΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝὁἴjἷtὁΝἶἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὧΝὁΝuὅὁΝ
num primeiro momento do termo hecircnadas (15a6) e o uso do termo mocircnadas logo em seguida
a ponto de supormos que se tratam de coisas completamente iguais
Nesse sentido eacute preciso recorrer novamente ao contexto da discussatildeo para fazer uma
devida distinccedilatildeo entre essas hecircnadas Homem Boi Prazer Sabedoria e as mocircnadas que natildeo
satildeo termos intercambiaacuteveis Primeiramente porque Soacutecrates jaacute teria explicado essa distinccedilatildeo
(12c7-8) ao dizer que o prazer soa aos ouvidos como uma coisa uacutenica ( θ δ) mas que por
outro lado ele assume diversas formas (ηκλφ μ) dessemelhantes umas das outras como
tambeacutem ao dizer que pelo gecircnero (ΰΫθ δ) todas essas coisas (prazer cor figura) satildeo um todo
mas que pelas partes (ηΫλβ) satildeo contraacuterias umas agraves outras e apresentam incontaacuteveis
diferenccedilas (12e7-9) Outra questatildeo importante eacute que o uso dessa palavra (hecircnada) ocorre
somente uma vez no Filebo em 15a6 ao contraacuterio de mocircnada Assim tudo parece indicar
que a diferenciaccedilatildeo natildeo eacute circunstancial ela possui um sentido na passagem Podemos crer
ἵὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝεuὀiὐΝ(ἀίίἅΝὂέΝ1ἁἅ)ΝὃuἷΝldquoὀatildeὁΝhὠΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtivἷὅὅἷΝἵuὀhaἶὁΝumaΝ
nova palavra hecircnada se pretendia utilizaacute-la de forma intercambiaacutevel com a palavra jaacute
estabelecida mocircnada164 Portanto como bem explicam Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)Ν ldquo(έέέ)ΝaΝ
ὂalavὄaΝlsquohecircὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὁΝum de uma unidadeΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝὂalavὄaΝlsquomὲὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὂὁὄΝὅuaΝ
vez a separaccedilatildeo () de uma unidade com relaccedilatildeo a outras unidades ndash assim o modo como
interpretamos este significado o resultado de uma divisatildeordquoΝ(ὂέΝ1ἁἅ)έΝValἷΝlἷmἴὄaὄΝtamἴὧmΝὃuἷΝ
as hecircnadas (Prazer e Sabedoria) nunca satildeo postas em discussatildeo por nenhum dos
interlocutores logo a η δαδλΫ πμ de 15a7 natildeo diz respeito agraves hecircnadas divididas como
evidencia Munizamp Rudebusch mas ao resultado dessa divisatildeo (mocircnadas) (2007 p 138)
Se pela divisatildeo da hecircnada Homem em Homem Imoderado e Homem Moderado e
assim por diante o ldquoὐἷlὁΝ aὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ tὁὄὀa-se controveacutersia devemos supor se essas
mocircnadas (Homem Imoderado Homem Moderado etc) realmente existem Deste modo a
164 εuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷxὂliἵamΝἷmΝumaΝὀὁtaΝἶὁΝaὄtigὁΝ(ὀέΝἀλ)ΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝaὂaὄἷἵἷΝpela primeira vez no grego que sobreviveu ateacute em noacutes em 15a6 (embora seja encontrada em testimonia de Pitaacutegoras Zenatildeo e Xenoacutecrates) Os autores ainda nos chamam atenccedilatildeo ao dizerem que a ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝ ὅuὂὄaἵitaἶaΝ ἶὁΝ tἷὄmὁΝ ὧΝ aΝ ήὀiἵaΝ ἷmΝ ἢlatatildeὁΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶἷΝ ldquomὲὀaἶardquoΝ ὃuἷΝ ὂὁἶἷΝ ὅἷὄΝencontrada em outros textos do autor e tambeacutem em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepedes (p 137) Na sua tὄaἶuὦatildeὁΝἶὁΝὄἷfἷὄiἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷlἷΝ(εuὀiὐ)ΝἷmΝὁutὄaΝὀὁtaΝ(ὀέΝλ)ΝἶiὐΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝὧΝumΝhὠὂaxΝ(palavra ou expressatildeo de que soacute existe uma uacutenica abonaccedilatildeo nos registros da liacutengua) (2012 p 212)
117 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
controveacutersia parece fazer mais sentido Fica claro entatildeo que natildeo se trata da existecircncia ou
natildeo da hecircnada Prazer mas da realidade das mocircnadas (Prazer Imoderado Prazer Moderado)
Como jaacute dissemos vale lembrar que ainda que Protarco reconheccedila as dessemelhanccedilas e
oposiccedilotildees entre prazeres ele eacute incapaz de reconhecer os intermediaacuterios natildeo importa se o
prazer do intemperante eacute a intemperanccedila e a do moderado eacute a moderaccedilatildeo todos satildeo
ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ldquo(έέέ)Ν κ rsquoΝ λα κθ θ κθ μ δΪφκλκθ (έέέέ)rdquo165 (13c7) Algo tambeacutem que muitas
vezes pode passar desapercebido Soacutecrates tambeacutem natildeo tem como objetivo (em 12c8-d4)
postular a existecircncia de mocircnadas individuais e separadas da hecircnada Prazer como Prazer do
Saacutebio e do Tolo lembre-se que ele atesta a complexidade (πκδεέζκθ 12c4) caracteriacutestica do
ὂὄaὐἷὄΝὁΝὃuἷΝjuὅtifiἵaὄiaΝὅἷuΝldquomἷἶὁrdquoΝ( Ϋκμ) ἷΝΝldquotἷmὁὄrdquoΝ(φσίκθ)166 ndash que ultrapassa o limite do
humano ndash maὀifἷὅtὁΝἷmΝ1ἀἵ1ΝaὁΝtὄataὄΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝ
(Prazer) isto porque o intemperante o saacutebio o moderado todos eles se referem ao Prazer
de acordo com sua proacutepria compreensatildeo ou seja afiὄmamΝὃuἷΝὁΝὅἷuΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝὁΝ
divinizam da forma como lhes aprouver
Dito isso fica mais faacutecil compreender do que se trata a primeira controveacutersia trata-se
de analisar se essas mocircnadas realmente possuem existecircncia (Prazer Imoderado Prazer
Moderado) natildeo a hecircnada Prazer em si se dividindo mas aquilo que lhe eacute adicionado isto eacute
as mocircnadas individuais e distintas resultantes dessa divisatildeo tais como Prazer Imoderado e
Prazer Moderado sobre as quais Protarco teria manifestado sua profunda descrenccedila (13c5)
ἏΝὅἷguὀἶaΝὃuἷὅtatildeὁΝ(ἵὁὀtὄὁvὧὄὅia)ΝὅἷguἷΝἶiὐἷὀἶὁΝὁΝὅἷguiὀtἷμΝldquoἵὁmὁΝἷὅὅaὅΝἵaἶaΝumaΝ
delas sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem ao vir a ser nem ao deixar de ser satildeo
ὅἷguὄamἷὀtἷΝ ἷὅὅaΝ umardquoΝ ( α π μ α ατ αμ ηέαθ εα βθ κ αθ θ υ θ εα ηά
ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ θ)rdquoΝ (1ἃἴἀ-4) Eacute
necessaacuterio identificar corretamente a que se refere lsquoessasrsquo ( ατ αμ) no plural e aquilo que lhe
eacute contrastante no singular (ηέαθ ατ θ) de tal modo que se possa relacionar o conteuacutedo desta
165 ldquo(έέέ)ΝὀatildeὁΝhὠΝὀἷὀhumaΝἶifἷὄἷὀὦaΝἷὀtὄἷΝumΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὁutὄὁΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἁἵἅ)έ 166 ἒἷvἷmὁὅΝ ἵὁὀἵὁὄἶaὄΝ ἵὁmΝ ἦὁὄὄἷὅΝ εὁὄalἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ὀὁὅΝ ἷxὂliἵaΝ ὃuἷμΝ ldquoὂaὄἷἵἷΝ ὃuἷΝ ἷxiὅtἷΝ umaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝlsquoφσίκμrsquoΝἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὃuἷΝtὄaἶuὐimὁὅΝὂaὄaΝὁΝlsquotἷmὁὄrsquoΝἷΝlsquomἷἶὁrsquoΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷέΝἡΝtἷὄmὁΝlsquo ΫκμrsquoΝὂaὄἷἵἷΝἶἷὅigὀaὄΝmἷἶὁΝὁuΝmἷἶὁΝἷmΝtἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝἷὀὃuaὀtὁΝlsquoφσίκμrsquoΝὅἷὄiaΝumaΝἵὁὀἵὄἷὦatildeὁΝὁuΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁέΝἧmaΝἶaὅΝἷtimὁlὁgiaὅΝἶἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὄἷfἷὄἷ-ὅἷΝaΝlsquo Ϋδ κ-rsquoΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝἶiὅjuὀὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἵamiὀhὁὅΝἷΝἷὅtὠΝviὀἵulaἶaΝ (έέέ)Ν ἵὁmΝaΝὂalavὄaΝ lsquoἶilἷmarsquoέΝEacuteΝὁΝἵaὅὁΝἶἷΝὃuἷὅtiὁὀaὄΝὃualΝὧΝὁΝὅignificado do medo ὅὁἵὄὠtiἵὁΝὃuἷΝlsquoὅuὂἷὄarsquoΝ(umΝtἷὄmὁΝὃuἷΝὅἷΝtὄaἶuὐΝἵὁmὁΝlsquoπΫλαrsquoΝὁΝὃuἷΝὀὁὅΝlἷmἴὄaΝἶἷΝlsquoπΫλαμrsquoΝ(limitἷ)ΝἷΝsignifica de fato estar aleacutem do limite) o humano Se considerarmos todo o argumento socraacutetico veremos como o medo de Soacutecrates pode ser entendido como superior ao medo humano porque enquanto os homens temem a divindade como algo sobre-humano e eterno Soacutecrates por sua vez tem medo da divinizaccedilatildeo do prazer porquanto conhece sua natureza e sabe que ele eacute algo instaacutevel em mudanccedila e como mostraraacute todo o argumento do diaacutelogo ilimitado Como veremos o exerciacutecio argumentativo socraacutetico tem uma clara intenccedilatildeo desmistificadora da figura do prazer da divindade que eacute o fundo do discurso de Filebo e em outro sentido de Protarco Sua estrateacutegia consistiraacute em colocar ὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὅἷuΝlugaὄΝἵὁὄὄἷὅὂὁὀἶἷὀtἷΝἷmΝtuἶὁΝἷΝὀaΝviἶaΝhumaὀardquoΝ(ἀί1ἀΝὂέΝἀ1ἁ)έ
118 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
controveacutersia com a primeira e a terceira De que forma essa exposiccedilatildeo metafiacutesica pode ser
relacionada com a passagem anterior sobre a hecircnadas Prazer e Sabedoria e
consequentemente com o resultado de suas divisotildees (mocircnadas)
Diante do que foi dito acerca da primeira controveacutersia podemos afirmar que ατ αμ
no plural refere-se a tais mocircnadas (15b1) Homem Imoderado Homem Intemperante Prazer
Saacutebio dentre outras Jaacute ηέαθ ατ θ diz respeito a essas hecircnadas (15a6) como Homem
Prazer deste modo acatamos o resumo feito por Munizamp Rudebusch (2007) dessa segunda
controveacutersia
Como essas mocircnadas (por exemplo Homem Moderado e Imoderado) ndash cada uma sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem a vir a ser nem a deixar de ser (por exemplo a mocircnada Homem Imoderado eacute sempre Homem Imoderado e nunca se torna Homem Moderado nem deixa de ser Homem Imoderado) ndash satildeo entretanto de forma soacutelida essa hecircnada (por exemplo Homem) (p 139)
Se retomamos o que foi dito acerca da primeira controveacutersia tal resumo faz todo o
sentido Anteriormente Protarco rejeitou a existecircncia de tais mocircnadas separadas e diversas
mas aqui elas fazem todo o sentido Sentido este que Soacutecrates implicitamente jaacute havia se
referido e que jaacute dava sinais com sua alusatildeo agrave tese surpreendente (γαυηα θ 14c7-8) com
relaccedilatildeo ao um e aos muitos agora melhor configurada isto eacute na possibilidade de admitirmos
a existecircncia de tais mocircnadas aleacutem da existecircncia das mocircnadas Logo o que torna objeto de
controveacutersia satildeo essas mocircnadas que natildeo estatildeo sujeitas ao vir a ser e ao deixar de ser como
ἶiὄatildeὁΝεuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷὅὅaΝὧΝaΝvἷὄὅatildeὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵardquoΝ(ώὁmἷmΝἑὁὄΝἔiguὄa)ΝἶὁΝumΝ
e natildeo a vulgar de Protarco (vaacuterios Protarcos alto baixo etc) (p 140) Pois natildeo haacute nada de
espantoso que o vir a ser e o deixar de ser sejam instaacuteveis dito de outro modo o
conhecimento se torna impossiacutevel deste modo Mas o espanto se daacute em relaccedilatildeo agrave mocircnada
estaacutevel igual imutaacutevel objeto apropriado de conhecimento como ela pode ser entretanto
uma hecircnada e secirc-laΝἶἷὅtaΝ fὁὄmaΝldquoὅὰliἶardquoΝ (ί ίαδσ α α) (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p
140)167
167 ἒixὅautΝ ὂaὄἷἵἷΝ iὄΝ ὀaΝ mἷὅmaΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ ὃuaὀἶὁΝ ὂὄὁὂὴἷμΝ ldquoἵaἶaΝ umaΝ ἶaὅΝ mὲὀaἶaὅΝ ἵujaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝverdadeira eacute postulada vecirc-se atribuir o mesmo modo de existecircncia cada uma eacute uacutenica sempre o mesmo que ela proacutepria natildeo-gerada e incorruptiacutevel Unidade Identidade eternidade e imutabilidade satildeo caracteriacutesticas que apresentam toda existecircncia verdadeira (a de qualquer mocircnada de qualquer Forma que seja) Mas mesmo se todas as mocircnadas (que aceitemos postular) existem da mesma maneira eacute necessaacuterio considerar como cada uma delas pode ser mais firmemente essa mocircnada uacutenica isso significa essa unidade singular que ela eacute (o que justifica a presenccedila e o lugar de ατ βθ) A identidade de cada uma com ela mesma natildeo leva a sua identidade com todas as outras ndash como seria esse o caso ὅἷΝfὁὅὅἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝaὄitmὧtiἵaμΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝaὄitmὧtiἵaΝvulgaὄΝaἶiἵiὁὀaΝaὅΝldquomὲὀaἶaὅΝἶἷὅiguaiὅrdquoΝἵὁmὁΝdois exeacutercitos ou dois bois a aritmeacutetica filosoacuteficaΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝaΝὁὂἷὄaὄΝ ldquoὅἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁὅtulaὄΝὃuἷΝἵaἶaΝmocircnada natildeo difere de cada uma das inumeraacuteveis mocircnadas e que nenhuma delas difere uma da outra (56e2-3) A aritmeacutetica filosoacutefica suprime as diferenccedilas sensiacuteveis mas a dialeacutetica deve postular as
119 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
A terceira questatildeo (controveacutersia) postulada tambeacutem natildeo eacute explicitamente mais
resolvida do que as duas primeiras a relaccedilatildeo entre essas mocircnadas ἵὁmΝldquoΝ(έέέ) as coisas que
vecircm a ser e satildeo ilimitadas se ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo
separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa
uma vindo a ser simultaneamente no um ἷΝ ὀὁΝ mήltiὂlὁrdquoΝ (ldquoΝ (έέέ) η κ rsquo168 θ κῖμ
ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ
α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ
ΰέΰθ γαδ ()) (15b4-8) Vejamos haacute duas possibilidades na fala de Soacutecrates estando
presente nas coisas muacuteltiplas a unidade se dispersa torna-se divisiacutevel indefinidamente em
muitas partes ou se unidade permanece a mesma e estaacute ao mesmo tempo presente em
uma multiplicidade se encontra separada de si mesma dividida de acordo com a
transcendecircncia e a imanecircncia169
Conforme nos aponta Dixsaut (2001) temos aqui algo que deve ser lido como um eco
das questotildees levantadas a Soacutecrates por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo (Parm 131b1-2170
131c5-7171) diante de tal constataccedilatildeo ela nos diz que
Se Platatildeo retoma a propoacutesito das mocircnadas a criacutetica que Parmecircnides endereccedilaria agraves Formas podemos presentemente concluir que existem dois ὀὁmἷὅΝὂaὄaΝumaΝmἷὅmaΝἵὁiὅaέΝἠὁmἷaὄΝldquomὲὀaἶaὅrdquoΝaὅΝἔὁὄmaὅΝὂἷὄmitἷΝὀὁΝentanto insistir sobre uma das dificuldades que apresenta sua posiccedilatildeo ndash sobre a primeira aporia da participaccedilatildeo desenvolvida por Parmecircnides a despeito das outras (DIXSAUT 2001 p 296)
Poderiacuteamos pensar que Dixsaut ao dizer que existem dois nomes para uma mesma
coisa esteja tomando as mocircnadas como hecircnadas Creio que natildeo se trata disso No fundo ela
ἶiὐΝ ὃuἷΝ taiὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ (mὲὀaἶaὅ)Ν ἷὀὃuaὀtὁΝ ὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝ ldquouὀiἶaἶἷὅrdquoΝ ὅἷΝ aὅὅἷmἷlhamΝ ὡὅΝ
hecircnadas e neste caso do diaacutelogo elas recebem um outro nome mocircnadas Mas de acordo
com o que eacute expresso no Parmecircnides eacute possiacutevel reconhecer que haacute certa semelhanccedila ou
diferenccedilas inteligiacuteveis entre as mocircnadas Para compreender isso tenho que supor um εα βθ subentendido afixado a ατ αμ eacute por isso que avanccedilo nessa hipoacutetese com certa incerteza (2001 p 294-295) 168 Para os defensores da leitura em duas controveacutersias essa seria a terceira controveacutersia e todo o restante anterior faria parte da primeira controveacutersia 169 Cf DIXSAUT 2001 p 295 170 ldquoἓὀtatildeὁΝὅἷὀἶὁΝuma e a mesma estaraacute inteira simultaneamente em coisas que satildeo muacuteltiplas e separadas e assim ela estaria separada de si mἷὅmardquoΝ(ldquo θ λα θ εα α θ θ πκζζκῖμ εα ξπλ μ κ δθ ζκθ ηα θΫ αδ εα κ πμ α α κ ξπλ μ π βrdquo)Ν(Prm 131b1-2) 171 ldquoἜὁgὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶiὅὅἷΝ ἷlἷΝ ὅatildeὁΝ ἶiviὅiacutevἷiὅΝ aὅΝ fὁὄmaὅΝ mἷὅmaὅΝ ἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝἶἷlaὅΝ ὂaὄtiἵiὂamΝparticipariam de uma de suas partes e natildeo eacute mais o todo que estaria em cada uma das coisas mas ὅimΝumaΝὂaὄtἷΝἵaἴἷὄiaΝaΝἵaἶaΝἵὁiὅardquoΝ(ldquoΜ λδ λα φΪθαδ υελα μ έθ α α β εα η Ϋξκθ α α θ ηΫλκυμ θ η Ϋξκδ εα κ εΫ δ θ εΪ ζκθ ζζ ηΫλκμ εΪ κυ θ θrdquo)Ν (Prm 135c6-7)
120 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
mesmo identidade entre as aporias levantadas por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo em
relaccedilatildeo agraves Formas e essas postuladas nas controveacutersias do proacuteprio Soacutecrates Mais adiante
Dixsaut (2001 p 296) demonstra estar ciente de que Soacutecrates no Filebo insistiria nessas
aporias levantadas pelo Parmecircnides soacute que com uma diferenccedila ele natildeo para diante dessas
aporias agora mas insiste em postular a real existecircncia (uma e muacuteltipla) dessas mocircnadas
ldquoὅatildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash
que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas
quando se chega tem-ὅἷΝumΝἵamiὀhὁΝὅἷmΝὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoΝ(1ἃἴἄ-c3) Como bem notou a autora
francesa as dificuldades impostas por Parmecircnides natildeo satildeo insuperaacuteveis natildeo eacute necessaacuterio
que Platatildeo abandone as Formas e o modo de existecircncia que ele sempre as atribui pois nos
lembra a autora como no final do Parmecircnides (135b9c-2) se natildeo admitimos uma Forma ( Ϋα)
a cada um dos seres agravequilo que eacute sempre o mesmo eacute a potecircncia dialeacutetica ( κ δαζΫΰ γαδ
τθαηδθ)ΝὃuἷΝὅἷΝἷὅvaiμΝldquoa forma constitui a possibilidade da dialeacutetica mas eacute o exerciacutecio da
potecircncia dialeacutetica que confirma a existecircncia das Formas Sua potecircncia consiste sempre em
saber aquilo que eacute ( δ δθ)ΝἵaἶaΝὅἷὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝ297)
Certamente tudo o que foi dito diz respeito a uma claacutessica e intricada discussatildeo acerca
da questatildeo da participaccedilatildeo dos seres nas Formas volta a ser retomada no Filebo depois das
inuacutemeras aporias que ela suscitou no Parmecircnides Obviamente a questatildeo exige esforccedilo dos
inteacuterpretes e ainda estaacute longe de ser totalmente resolvida Ambos os inteacuterpretes aqui utilizados
natildeo datildeo como resolvidos esses claacutessicos problemas mas propotildeem no contexto do diaacutelogo
sem recorrer a acreacutescimos que natildeo estariam contidos na proacutepria obra172 Utilizo-os tambeacutem
172 Muniz e Rudebusch (2007) ainda demonstram uma seacuterie de leituras contrapostas a de ambos os autores em relaccedilatildeo agrave segunda controveacutersia tentando evidenciar seus supostos equiacutevocos na compreensatildeo da passagem tanto aqueles que adotam emendas clarividecircncia do texto ou mesmo uma revisatildeo gramatical distinta do grego antigo sob a qual o texto original platocircnico fora escrito Destarte ainda demonstram as deficiecircncias das leituras contemporacircneas como a de Migliori (1993) (tida como pleonaacutestica ao identificar um pleonasmo dentro da proacutepria braquilogia A leitura de Meinwald (1996) tambeacutem eacute citada no caso de clarividecircncia a partir de outros diaacutelogos E por fim a de ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝὃuἷΝafiὄmaΝὃuἷΝldquoἷὅὅaὅrdquoΝἷΝldquoἷὅὅardquoΝiὀἶiἵaἶὁὅΝὂἷlaΝὅἷguὀἶaΝἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaΝ(1ἃἴἀ-3) referem-se a espeacutecies de um mesmo gecircnero isto eacute ele interpreta a questatildeo como uma relaccedilatildeo parte-todo entre as partes do ζσΰκμ ἷΝὁΝtὁἶὁΝὃuἷΝἷlaὅΝἵὁὀὅtituἷmέΝldquoἢaὄaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝὁΝlogos eacute a definiccedilatildeo da espeacutecie de modo que a relaccedilatildeo todo-ὂaὄtἷὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝldquoἵὁὀὅtituiὦatildeὁΝἶaΝἷὅὂὧἵiἷrdquoΝndash ὁuΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝuὀiἶaἶἷΝἶὁΝlogos obtido por divisatildeo ndash ἷΝὀatildeὁΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝἶὁΝgecircὀἷὄὁΝἷmΝvὠὄiaὅΝ ἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝ ἤἧἒἓἐἧἥἑώ)έΝ ἠἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ havἷὄiamΝ ἶὁiὅΝ ὂὄὁἴlἷmaὅΝ ὀaΝ lἷituὄaΝ ἶἷΝDelcommminete (i) ela partilha de requerer clarividecircncia de Protarco mas de acordo com Delcomminette (2006) soacute mais adiante (com a introduccedilatildeo do meacutetodo divino 16c5-17a4) a interpretaccedilatildeo do texto faria sentido e teria sido entendida pelo interlocutor logo sem clarividecircncia Protarco natildeo entenderia a fala de Soacutecrates em 15b seria ininteligiacutevel (ii) elaΝtἷὄiaΝἶἷΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝprovoca as trecircs controveacutersias o que natildeo ocorre mas como afirmam Muniz amp Rudebusch o texto prova ἷxatamἷὀtἷΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatildeὁΝhὠΝmὁἶὁΝmἷlhὁὄrsquoΝ(κ η θ δ εαζζέπθ μ) do que este meacutetodo para evitar as aporiai causadas pelas trecircs controveacutersias fornecendo euporiai (1ἃἵἀ)rdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝRUDEBUSCH 2007 p 132)
121 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
porque creio que possuem o meacuterito de tentar melhor esclarecer essa passagem intrincada do
diaacutelogo e porque tais soluccedilotildees me parecem mais convincentes se analisamos o texto original
Tanto Dixsaut (2001) quanto Muniz amp Rudebusch (2012) podem natildeo ter resolvido esses
problemas gerais nem mesmo a passagem em questatildeo mas certamente possuem certa
importacircncia por as terem tornado mais inteligiacuteveis Esses mesmos autores apresentam suas
ὂὁὅiὦὴἷὅΝἷὀὃuaὀtὁΝldquolἷituὄaὅrdquoΝἒixὅautΝaiὀἶaΝἶἷmὁὀὅtὄaΝὀὁΝὂὄὰὂὄiὁΝtἷxtὁΝaΝiὀὅἷguὄaὀὦaΝἵὁmΝaΝ
qual avanccedila nesta hipoacutetese interpretativa das trecircs controveacutersias (DIXSAUT 2001 p 295)
Voltemos ao diaacutelogo A discussatildeo prossegue e todos os esforccedilos devem agora ser
empregados para se alcanccedilar um caminho sem obstaacuteculos ( πκλέαμ) diante das dificuldades
( πκλέαμ) essa eacute a exigecircncia demonstrada por Protarco (15c4-5) suscitadas pela controveacutersia
( ηφδ ίβ κτη θα) que surgiu no diaacutelogo (15d2) Mas por onde comeccedilar Natildeo seria deste
ponto
Soc Dizemos que pelo discurso ( π ζ ΰπθ) a mesma coisa vindo a ser uma e muacuteltipla ( θ εα πκζζ ) circula sempre em todos os sentidos e em cada coisa dita tanto no passado quanto no presente Isso natildeo comeccedilou agora nem iraacute parar nunca trata-se como me parece de algo imortal que natildeo envelhece inerente ao discurso humano E sempre que um jovem ( θ θΫπθ) o experimenta173 sente tanto prazer ( φrsquoΝ κθ μ θγκυ δ ) como se tivesse descoberto algum tesouro de sabedoria ( μ δθα κφέαμ β λβε μ γβ αυλσθ)
173 ἏὃuiΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὀὁtὠvἷlΝaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquo γΪθα σθΝ δΝεα ΰάλπθΝπΪγκμΝ θΝ ηῖθrdquoΝ(1ἃἶἆ)ΝaΝimὁὄtaliἶaἶἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἴἷmΝἵὁmὁΝὁΝtἷὄmὁΝπΪγκμΝὃuἷΝtaὀtὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷ agrave experiecircncia dos homens com os discursos como a uma caracteriacutestica (afecccedilatildeo) dos proacuteprios discursos O termo eacute traduzido por experiecircncia e seraacute ἶἷΝἷxtὄἷmaΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝὀaΝaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅέΝἓὅὅaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoimὁὄtalrdquoΝἶὁὅΝἶiὅἵuὄὅὁὅΝὄἷtὁmaΝὁΝepiacuteteto homeacuterico (Od 5 153 VII 94 ll 8 539) e tambeacutem o Poliacutetico (273e) ao ser descrita a renovaccedilatildeo perioacutedica do demiurgo do cosmos Note-se aqui que Soacutecrates jaacute deixou claro que esse tipo de problema sobre o um e de muacuteltiplo que deseja tratar podemos dizer tambeacutem que os proacuteprios ζσΰκδ satildeo postos em questatildeo na medida em que pretendem dizer a realidade (criacutetica agrave antiloacutegica Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b) Outro fator importante satildeo os termos utilizados ao se referir agrave atitude experimentada ὂἷlὁὅΝ ldquojὁvἷὀὅrdquoΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ἷὅὅἷὅΝ ἶiὅἵuὄὅὁὅΝ tὁἶὁὅΝ ἷὅtatildeὁΝ ligaἶὁὅΝ aὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ(ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄΝ ὂέΝ ἆἅΝ ὀέΝ ἄἅ)Ν tamἴὧmΝ faὐΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ἵὁὀὅtataὦatildeὁ)Ν Οΰ τπΟΝ (gὁὅtὁΝ 1ἃἶλ)Ν κηαδΟΝ(ἶἷΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄΝ1ἃἶλ)ΝΟΝ η θκμΝΟ(ὄἷjuἴilaΝ1ἃἷἀ)Νldquo γ έμrdquoΝ(ὄἷgὁὐijaΝ1ἃἶλ) κθ μ (15e1) ἢaὄἷἵἷΝaὃuiΝὅἷὄΝjuὅtὁΝἶaὄΝvὁὐΝὡΝἦὁὄὄἷὅΝεὁὄalἷὅΝ(ἀί1ἀ)ΝἵὁὀἵὁὄἶaὀἶὁΝἵὁmΝἷlἷΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝfatὁΝὀatildeὁΝapenas restaura o viacutenculo estreito e muitas vezes despercebido entre prazeres e discursos ou julgamentos mas sim reforccedila a ideia de que Protarco eacute tambeacutem um filoacutelogo que sente prazer em dizer e ouvir discursos o que o impede de ver aleacutem das palavras () Finalmente () achamos interessante acrescentar que novamente a enumeraccedilatildeo socraacutetica natildeo eacute aleatoacuteria mas mostra uma gradaccedilatildeo ou ordem em primeiro lugar a seacuterie jovem e contemporacircnea parece nos enviar claramente para o futuro para o passado e para o presente) o conjunto pai-matildee parece referir-se agrave origem e formaccedilatildeo do mais novo e a seacuterie homens-baacuterbaros parece designar uma gradaccedilatildeo entre homem e animal onde o baacuterbaro seria colocado no meio e ao mesmo tempo se refere ao alcance do interior e exterior da cidade Na vἷὄἶaἶἷΝὁὅΝἴὠὄἴaὄὁὅΝ(laquoίΪλίαλκδraquo)ΝὂaὄἷἵἷmΝἷὅtaὄΝὅἷὂaὄaἶὁὅΝἶὁὅΝhὁmἷὀὅΝἵὁmὁΝlaquoὁutὄὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅraquoΝ(laquo θΝ ζζπθΝα πθraquo) e esta referecircncia refere-se agrave questatildeo poliacutetica da transmissatildeo do conhecimento ou perplexidade fora da proacutepria cidade a perplexidade dos jovens natildeo soacute afeta a cidade mas tambeacutem tem um efeito no exterior O Filebo natildeo desenvolve esta questatildeo mas acreditamos que essa eacute uma ὂὄἷὁἵuὂaὦatildeὁΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁΝἷΝἶaΝἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀἀ1-222 n 37)
122 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
e natildeo soacute fica entusiasmado pelo prazer como se rejubila ( γ έμ) em mover todo e qualquer argumento (πΪθ α εδθ ῖ ζσΰκθ) ora revirando-o e o misturando em um soacute ora desenrolando-o de novo e dividindo-o em partes Em primeiro lugar lanccedila sobretudo a si mesmo na aporia ( μ απκλέαθ) em segundo lanccedila tambeacutem quem quer que esteja perto dele seja mais jovem mais velho ou da mesma idade dele ndash natildeo poupando pai nem matildee nem nenhum outro ouvinte Mas natildeo apenas os ouvintes humanos ndash por pouco natildeo poupa nem os animais ndash e bastaria ter um inteacuterprete para natildeo poupar sequer os baacuterbaros (15d4-16a3)
Diante de uma descriccedilatildeo extremamente cocircmica o que natildeo eacute surpreendente quando
em se tratando de Soacutecrates e da sua criacutetica aos jovens empolgados com o prazer dos
discursos174 e dos usos improacuteprios que por vezes fazem deles A resposta de Protarco eacute uma
investida com certo tom de indignaccedilatildeo ao relembrar a Soacutecrates que aquela discussatildeo eacute uma
discussatildeo entre jovens rodeada por um puacuteblico jovem (16a4) No entanto o desejo de sair
das aporias eacute ainda maior as discussotildees que geram as controveacutersias soacute poderatildeo encontrar
algumaΝὅὁluὦatildeὁΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷΝalgumΝldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ( θ Ϋ δθα εαζζέπθ) do que o anterior
(14b1) Torna-se imprescindiacutevel que Soacutecrates coloque todo o seu ardor juntamente com seus
interlocutores para que Protarco possa acompanhaacute-lo diantἷΝἶἷΝldquoumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὧΝ
ὀaἶaΝὂἷὃuἷὀardquoΝ(κ ΰ λ ηδελ μ παλ θ ζσΰκμ υελα μ) (16b3) A partir daiacute o tom eacute
acalmado pode-ὅἷΝὀὁtaὄΝiὅὅὁΝὂἷlὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝὅἷuὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝldquomἷuὅΝ
jὁvἷὀὅrdquoΝ( παῖ μ) (16b4) utilizando-se do modo como Filebo trata seus amigos De fato essa
questatildeo natildeo eacute pequena isto eacute o meacutetodo confirma Soacutecrates (16b4) natildeo poderia haver
ldquoἵamiὀhὁΝ maiὅΝ ἴἷlὁΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ ἷὅtἷrdquoΝ (ldquoκ η θ δ εαζζέπθ μ κ rsquoΝ θ ΰ θκδ κrdquo) do qual
Soacutecrates insistentemente se declara como amaὀtἷΝ(ldquo- μ ΰ λα μ ηΫθ ηδ έrdquo)175 caminho
que muitas vezes lhe escapou deixando-ὁΝ ἶἷὅὁlaἶὁΝ ἷΝ ἷmΝ aὂὁὄiaΝ (ldquoπκζζΪεδμ Ϋ η β
δαφυΰκ α λβηκθ εα Ϋ β θrdquo) (16b6-7)
Perante a indagaccedilatildeo de Protarco sobre qual caminho seria esse torna-se possiacutevel
estabelecer o ponto que Soacutecrates haacute muito tempo jaacute almejava chegar Sua resposta adverte
a respeito das dificuldades de se utilizar este caminho mostraacute-lo natildeo eacute difiacutecil difiacutecil poreacutem eacute
174 Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b 175 Haacute aqui uma ressonacircncia daquilo que foi dito no Fedro ldquoἓuΝmἷὅmὁΝἔἷἶὄὁΝὅὁuΝamaὀtἷΝἶἷὅὅaὅΝdivisotildees ( δαδλΫ πθ) e reuniotildees ( υθαΰπΰ θ)rdquoΝ (ἀἄἄἴἁ-4) A passagem apresenta certa literalidade com o meacutetodo das divisotildees descrito no Fedro (265e-266b) Podemos tambeacutem aqui nos lembrar tanto do Sofista (253d1-3) onde se afirma que a divisatildeo por gecircneros ( εα ΰΫθβ δαδλ ῖ γαδ)ΝὧΝldquoὁἴὄaΝἶaΝἵiecircὀἵiaΝἶialὧtiἵardquoΝ( μ δαζ ε δε μ πδ άηβμ) como tambeacutem do Poliacutetico advertindo que no uso do meacutetodo dialeacutetico para a definiccedilatildeo do poliacutetico esta natildeo eacute feita em vista deste personagem mas para ldquoὀὁὅΝtὁὄὀaὄmὁὅΝmἷlhὁὄἷὅΝἶialὧtiἵὁὅΝἷmΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἶὁmiacuteὀiὁὅrdquoΝ( κ π λ πΪθ α δαζ ε δεπ Ϋλκμ ΰέΰθ αδ) (285d6-7) A questatildeo sobre o meacutetodo da divisatildeo e suas implicaccedilotildees no contexto do Filebo eacute um dos importantes problemas que ainda dividem os inteacuterpretes Sobre isso falarei mais adiante Para uma anaacutelise mais detalhada cf BRAVO (2007 p 11-37)
123 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
utilizaacute-lὁέΝldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὄἷlativaὅΝὡὅΝ Ϋξθβμ (teacutecnicas) descobertas vieram agrave luz por meio
ἶἷlἷrdquoΝ(1ἄἵ1-2) Segue a descriccedilatildeo do caminho
Soc Eu vejo esse caminho como um presente dos deuses lanccedilado dos deuses de algum lugar junto com um fogo de intenso brilho por algum Prometeu E os mais antigos que eram superiores a noacutes e habitavam mais ὂἷὄtὁΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝtὄaὀὅmitiὄamΝἷὅὅaΝtὄaἶiὦatildeὁμΝldquoaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅἷΝὂὁἶἷΝὅἷmὂὄἷΝdizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas mesmas um limite e uma ilimitaὦatildeὁΝ ldquoiὀatὁὅrdquoέΝ ἥἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ fὁὄamΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝdevemos entatildeo admitir sempre para cada caso apenas uma forma para qualquer uma delas e devemos buscaacute-la e certamente a encontraremos presente Se entatildeo a apreendermos devemos depois de uma examinar duas se houver caso natildeo haja duas devemos examinar trecircs ou qualquer outro nuacutemero Devemos examinar da mesma maneira cada uma delas ateacute que se veja essa unidade original natildeo apenas como uma muacuteltipla e ilimitada mas tambeacutem que se vejam quantos elementos ela tem mas natildeo devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas coisas e abandonar cada uma delas no ilimitado Como disse os deuses ofereceram-nos essa tradiccedilatildeo para examinarmos aprendermos ensinarmos uns aos outros Mas os saacutebios atuais produzem o um e o muacuteltiplo ao acaso mais raacutepido ou mais lento do que deveriam fazer Vatildeo de imediato do um ao ilimitado deixando escapar os intermediaacuterios Mas satildeo esses intermediaacuterios que distinguem a discussatildeo dialeacutetica que travamos uns com os outros de seu contraacuterio a eriacutestica (16c5-17a5) Ω γ θΝη θΝ μΝ θγλυπκυμΝ σ δμΝ μΝΰ Νεα αφαέθ αδΝ ηκέΝπκγ θΝ εΝγ θΝλλέφβΝ δΪΝ δθκμΝ ΠλκηβγΫπμΝ ηαΝ φαθκ Ϊ δθ πυλέμΝ εα κ η θΝ παζαδκέΝ
ελ έ κθ μΝ η θΝεα ΰΰυ ΫλπΝγ θΝκ εκ θ μΝ ατ βθΝφάηβθΝπαλΫ κ αθΝ μΝιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝθΝα κῖμΝ τηφυ κθΝ ξσθ πθέΝ ῖθΝκ θΝ η μΝ κτ πθΝκ πΝ δαε εκ ηβηΫθπθΝ
ηέαθΝ ΫαθΝ π λ παθ μΝ εΪ κ Ν γ ηΫθκυμΝ αβ ῖθmdash λά δθΝ ΰ λΝθκ αθmdash θΝκ θΝη αζΪίπη θΝη ηέαθΝ τκΝ ππμΝ έΝ εκπ ῖθΝ
ηάΝ λ ῖμΝ δθαΝ ζζκθΝ λδγησθΝεα θΝ θΝ ε έθπθΝ εα κθΝπΪζδθΝ ατ πμΝηΫξλδπ λ θΝ εα ᾽ λξ μΝ θΝη δΝ θΝεα πκζζ εα π δλΪΝ δΝησθκθΝ δμΝ ζζ εα πσ αμΝ θΝ κ π έλκυΝ ΫαθΝπλ μΝ πζ γκμΝη πλκ φΫλ δθΝ
πλ θΝ θΝ δμΝ θΝ λδγη θΝα κ πΪθ αΝεα έ θ η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμΝ σ Ν ᾽ βΝ θΝ εα κθΝ θΝπΪθ πθΝ μΝ π δλκθΝη γΫθ αΝξαέλ δθΝ
θέΝ κ η θΝ κ θΝ γ κέΝ π λΝ πκθΝ κ πμΝ ηῖθΝ παλΫ κ αθΝ εκπ ῖθΝ εα ηαθγΪθ δθΝεα δ Ϊ ε δθΝ ζζάζκυμμΝκ θ θΝ θΝ θγλυππθΝ κφκ θΝηΫθΝ
ππμΝ θΝ τξπ δΝεα πκζζ γ κθΝεα ίλα τ λκθΝπκδκ δΝ κ Ϋκθ κμΝη θΝ π δλαΝ γτμΝ ηΫ αΝα κ μΝ εφ τΰ δmdashκ μΝ δαε ξυλδ αδΝ σΝ Ν
δαζ ε δε μΝ πΪζδθΝ εα λδ δε μΝ η μΝ πκδ ῖ γαδΝ πλ μΝ ζζάζκυμΝ κ μΝζσΰκυμΝ(1ἄἶἃ-17a5)
ἢἷlaΝὂaὅὅagἷmΝaἵimaΝfiἵaΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝὃuἷΝldquoὁΝἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ(εαζζέπθ
μ) que Soacutecrates se declara como amante ( λα μ)Ν(1ἄἴἅ)ΝὧΝaΝἶialὧtiἵaέΝldquoἓlἷΝὧΝὁΝmaiὅΝἴἷlὁΝ
caminho natildeo porque seja infaliacutevel mas porque apenas ele permite compreender o que cada
ὅἷὄΝὧΝvἷὄἶaἶἷiὄamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝἀλἆ)έΝἏiὀἶaΝὀὁὅΝὧΝἶitὁΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝ
um ldquoἶὁmΝἶiviὀὁrdquoΝ(1ἄἵἃ)ΝlaὀὦaἶὁΝaΝὀὰὅΝὂὁὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ( δΪΝ δθκμΝΠλκηβγΫπμ)Ν(1ἄἵἄ)Ν
124 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
tὄaὀὅmitiἶὁΝ aΝ ὀὰὅΝ ὂἷlὁὅΝ ἏὀtigὁὅΝ (κ η θΝ παζαδκέ)Ν (1ἄἵἅ)έΝ ἡὅΝ ἵὁmἷὀtaἶὁὄἷὅΝ ἷmΝ gἷὄalΝ ἶὁΝ
diaacutelogo atribuem agrave Pitaacutegoras176 atestando certa evidecircncia de que Pitaacutegoras teria recebido tal
revelaccedilatildeo divina e transmitido a seus disciacutepulos esses antigos aos quais Soacutecrates faria
referecircncia nessa passagem que viviam mais perto dos deuses A hipoacuteteses dos tradutores se
baseia em dois pontos principais (i) Pitaacutegoras seria visto por Platatildeo como uma espeacutecie de
semi-deus que teria transmitido uma revelaccedilatildeo divina a seus seguidores (ii) Platatildeo
reconheceria em Pitaacutegoras um filoacutesofo da natureza177
Carl Huffman (1999) certamente possui o meacuterito de ter contestado ambas as
hipoacuteteses diante de um vasto estudo sobre as relaccedilotildees entre os pitagoacutericos e Platatildeo
especialmente ao analisar esse conteuacutedo em especiacutefico do Filebo Ele nos diz
176 Dois dos mais importantes tradutores do Filebo apostam nessa hipoacutetese Gosling (1975) e Hackforth (1945) 177 Huffman (199) apresenta vaacuterios motivos para descartarmos essas hipoacuteteses Antes poreacutem ele destaca que a interpretaccedilatildeo de que Pitaacutegoras pudesse ser considerado um ser divino por Platatildeo remonta agrave proacutepria antiguidade posterior ao nosso filoacutesofo Na proacutepria Academia surge essa controveacutersia por um lado Espeusipo e os acadecircmicos defendiam que o platonismo seria uma elaboraccedilatildeo dos temas pitagoacutericos E por outro estavam os aristoteacutelicos que faziam uma clara distinccedilatildeo entre Platatildeo e os pitagoacutericos O teoacuterico destaca tambeacutem que muitos como Aristoacuteteles Aristoxeno consideravam Pitaacutegoras como divino mas quanto a Platatildeo muito se supunha (entre acadecircmicos e aristoteacutelicos) se talvez tambeacutem essa natildeo fosse a sua visatildeo sobre Pitaacutegoras No entanto como diz ώuffmaὀμΝldquotἷὄiacuteamὁὅΝἵἷὄtaὅΝἶifiἵulἶaἶἷὅΝἷmΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὂὁἶἷὄiaΝtἷὄΝaἶὁtaἶὁΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝὅἷgundo a qual Pitaacutegoras teria recebido uma revelaccedilatildeo divina a partir da qual ele Platatildeo desenvolveria sua ήltimaΝfilὁὅὁfiardquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἂ)έΝώuffmaὀΝaiὀἶaΝἶἷὅtaἵaΝὃuἷΝἷὅtaΝaὅὅimilaὦatildeὁΝἶἷΝἢitὠgὁὄaὅΝaΝumΝfilὰὅὁfὁΝda natureza eacute extremamente problemaacutetica apoiando-se em Burket e que talvez seria melhor admitir que Platatildeo se apoia nas concepccedilotildees dos pitagoacutericos do seacuteculo V aC que veem na filosofia do ilimitado e do ilimite e que deve ser considerada como um conhecimento particular e por isso atribua a ela uma revelaccedilatildeo divina que talvez remontasse ao proacuteprio Pitaacutegoras De acordo com o teoacuterico Pitaacutegoras eacute uma personagem xamacircnico inventor de uma forma de viver (a Comunidade pitagoacuterica) Ele recorre a passagem da Repuacuteblica (X 600a-b) na qual Pitaacutegoras eacute citado mas mesmo nessa passagem o filoacutesofo antigo natildeo eacute citado como um filoacutesofo da natureza nem como um personagem divino mas como alguὧmΝ ὃuἷΝ ὧΝ vἷὀἷὄaἶὁΝ ὂὁὄΝ tἷὄΝ ἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝ umaΝ fὁὄmaΝ ἶἷΝ vivἷὄΝ ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ὧΝ ἵhamaἶὁΝ ἶἷΝ ldquo ΰ ηυθ παδ έαμrdquoΝἷΝ tἷὄiaΝἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝumΝ Πυγαΰσλ δκμ λσπκμ κ κέΝ ldquoἣuaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝἶiὅἵutἷΝmaiὅΝaἵimaΝnesse mesmo diaacutelogo (R X 530d5) sobre os trabalhos teacutecnicos pitagoacutericos sobre a muacutesica ele se refere aos pitagoacutericos e natildeo ao proacuteprio Pitaacutegoras Por consequecircncia a imagem que noacutes temos de Pitaacutegoras e dos pitagoacutericos na Repuacuteblica estaacute totalmente de acordo com aquela que noacutes encontramos em Aristoacuteteles na qual todas as doutrinas filosoacuteficas envolvendo o limite o ilimitado o nuacutemero e a harmonia satildeo atribuiacutedas aos pitagoacutericos do quinto seacuteculo e na qual o proacuteprio Pitaacutegoras eacute mal citado ou associado a histoacuterias infundadas Mas essa visatildeo de Pitaacutegoras sustentada por Aristoacuteteles e pelo Platatildeo da Repuacuteblica na verdade natildeo concorda com a interpretaccedilatildeo corrente do Filebo que representa Pitaacutegoras como um Prometeu enviando dos deuses a intuiccedilatildeo filosoacutefica central do pitagorismo do quinto seacuteculo (p 15) Para uma anaacutelise ainda mais aprofundada e que segue esta mesma visatildeo torna-se imprescindiacutevel recorrer agrave interpretaccedilatildeo iacutetalo-brasileira do Prof Cornelli em dois textos em que ele discute claramente as passagens do Filebo em paralelo com o pitagorismo do quinto seacuteculo especialmente os fragmentos de Filolau oferecendo-nos uma compreensatildeo renovada dos traccedilos neopitagoacutericos presentes no Filebo distantes poreacutem da visatildeo claacutessica que procura atribuir as questotildees metafiacutesicas desse diaacutelogo a um protopitagorismo (Cf CORNELLI 2010a p 210- 216 2010b p 35-72)
125 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
() nada em Platatildeo nos sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonta a Pitaacutegoras Noacutes podemos estimar por consequecircncia que Platatildeo se refere ao sistema de Filolau sistema que data do quinto seacuteculo sobre o qual Aristoacuteteles ὂaὄἷἵἷΝaΝὅuaΝmaὀἷiὄaΝὅἷΝaὂὁiaὄΝὀἷὅὅaΝὅuaΝἶἷὅἵὄiὦatildeὁΝἶὁΝὂitagὁὄiὅmὁrdquoΝ(1λλλΝp 17)
Antes poreacutem de nos referirmos agraves questotildees do limite e ilimitado fundamentais agrave
nossa discussatildeo voltemos pois aos aspectos externos relativos agrave dialeacutetica tal como ela eacute
descrita Talvez ao inveacutes de ir em busca da personagem histoacuterica que esteja por traacutes desse
Prometeu seja necessaacuterio retomar o sentido miacutetico que essa personagem traz consigo e o
uso que Platatildeo faz dele aqui neste momento do diaacutelogo Primeiramente eacute preciso observar a
expressatildeo utilizada em que haacute um certo tom que tira a proeminecircncia de divindade dado que
ὅἷΝἶiὐΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoέΝἢὄὁmἷteu estaacute ligado intimamente agrave teacutecnica ( Ϋξθβ) sobre ele eacute dito
tἷὄΝὄὁuἴaἶὁΝὁΝldquofὁgὁΝὅagὄaἶὁrdquoΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝἷlἷmἷὀtὁΝfuὀἶamἷὀtalΝὂaὄaΝaΝὂὄὁἶuὦatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝ
teacutecnicas e tecirc-lo doado aos homens No entanto em Platatildeo esse mito adquire uma nova
interpretaccedilatildeo esse fogo natildeo eacute fruto de um roubo mas sim eacute um presente dado aos homens
pelos proacuteprios deuses Prometeu entatildeo seria um desses deuses178
A menccedilatildeo a Prometeu natildeo eacute ineacutedita na obra platocircnica o Filebo natildeo eacute o uacutenico exemplo
basta voltarmos ao Protaacutegoras (321 c7ndash322 a2) onde temos uma visatildeo mais fiel agrave tradiccedilatildeo e
no Poliacutetico (274 c5ndashd2) que contrasta com aquele diaacutelogo podendo como nos diz
Delcomminette (2006) serem explicados ambos em relaccedilatildeo agraves regras estabelecidas na
Repuacuteblica (II 378 e4ndash380 c10) acerca do modo como devem ser regrados os discursos aos
ἶἷuὅἷὅΝ(ὂέΝλἂ)έΝἡὄaΝὀatildeὁΝtἷὄiaΝἥὰἵὄatἷὅΝaὀtἷὅΝἶἷΝἷxὂὁὄΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ
dito em 16c1-ἁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝ ἴἷlὁrdquoΝ (mὧtὁἶὁ)Ν ὅἷὄiaΝ aΝ ὁὄigἷmΝ ἶἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ tὧἵὀiἵaὅΝ
( Ϋξθβμ) que todas vieram agrave luz atraveacutes desse meacutetodo Portanto esse sentido permanece
fiel agrave ressignificaccedilatildeo platocircnica do mito de Prometeu Sobre isso satildeo esclarecedoras as
palavras de Huffman
Platatildeo encontra-se mais preocupado em mostrar que o meacutetodo que ele quer apresentar eacute decisivo para o conjunto das artes e das ciecircncias ( Ϋξθαδ) Ele mesmo faz essa declaraccedilatildeo impressionante todas as descobertas que teriam sido feitas nesse domiacutenio devem ser atribuiacutedas a esse meacutetodo Natildeo eacute surpreendente que quando relata a origem desse meacutetodo ele se refira ao santo patrono de todas as Ϋξθαδ Prometeu Tambeacutem no Prometeu acorrentado Prometeu declara que ele doou o fogo aos homens e que estes tiraram do fogo as variadas teacutecnicas ( φ κ ΰ πκζζ μ εαηαγά κθ αδ Ϋξθαμ 252-254) Quando Platatildeo diz que o meacutetodo que ele iraacute descrever foi lanccedilado das alturas divinas por algum Prometeu ao mesmo tempo que o fogo luminoso ele estaacute realmente dizendo que esse meacutetodo possui tanto valor
178 Sobre isso cf DELCOMMINETTE (2006 p 94) PUCCI (2005 p 31-70) VERNANT (2008 p 313-325)
126 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
para as artes assim como o proacuteprio fogo siacutembolo do poder tecnoloacutegico da humanidade Obviamente um meacutetodo filosoacutefico que natildeo pode ser atribuiacutedo ao Prometeu da tradiccedilatildeo mitoloacutegica eacute por isso que Platatildeo nos convida a ἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝumΝἢὄὁmἷtἷuΝὄἷviὅtὁΝἷΝἵὁὄὄigiἶὁΝὃuἷΝjuὀtὁΝἵὁmΝo fogo transmite um meacutetodo filosoacutefico (1999 p 15-16)
Diante disso eacute preciso reconhecer esse tom de diversatildeo aplicado agrave descriccedilatildeo de
Prometeu na passagem Essa intepretaccedilatildeo parece nos dar um sentido mais preciso dessa
invocaccedilatildeo ou seja se retomamos o momento que se insere a passagem ao voltarmos aos
trechos anteriores (16c1-3) a ela faz mais sentido essa interpretaccedilatildeo Neste sentido nada
nos dirige a algo que esteja por traacutes (da maacutescara) de Prometeu como por exemplo uma
mἷὀὦatildeὁΝaΝἢitὠgὁὄaὅέΝἑὁmὁΝἶiὐΝώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷuΝὧΝὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ
(p 16)
O tom de solenidade expresso por Soacutecrates em sua descriccedilatildeo do meacutetodo atestando
ainda maiὁὄΝὄἷὅὂἷitὁΝὂἷlὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquo (κ η θΝπαζαδκέ) que estavam mais proacuteximos dos deuses
e que transmitiram tal tradiccedilatildeo dotado de humildade eacute algo que tambeacutem deve ser melhor
compreendido Antes de tudo como jaacute foi dito a mesma solenidade eacute comum em outros
diaacutelogos isto eacute talvez seja melhor realccedilar o sentido altamente persuasivo desta declaraccedilatildeo
jaacute que eacute necessaacuterio dar a dialeacutetica em um primeiro momento um estatuto de teacutecnica eficiente
para vida dos homens As alusotildees agrave doutrina dos ilimitado e do ilimite e posteriormente agrave
analogia musical recobrem ainda mais esse sentido Lembre-se que no final da descriccedilatildeo
Soacutecrates diz que essa teacutecnica permite que se examine ( εκπ ῖθ) que ela se destina ao
aprendizado (ηαθγΪθ δθ) e ao ensino ( δ Ϊ ε δθ) (16e3-4) Como nos diz Delcomminette
ldquoὂarece portanto que a dialeacutetica seja descrita aqui como a contraparte teoacuterica de todas as
Ϋξθβμ isto eacute dizer como o que eacute transmissiacutevel atraveacutes da aprendizagem e ἷὀὅiὀὁrdquoΝ(ἀίίἄΝὂέΝ
95) Todo o restante do diaacutelogo parece confirmar esse sentido agrave medida em que a dialeacutetica
serve como instrumento para a classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos a serem incluiacutedos
na boa vida (mista) A dialeacutetica iraacute se deter na investigaccedilatildeo dessa melhor composiccedilatildeo
resultante da vida boa A vida boa que natildeo pode ser descrita unicamente pela via teoacuterica mas
precisa ser descrita em sua real efetividade praacutetica isto eacute natildeo apenas como essa vida eacute mas
como ela deveria ser Ao mesmo tempo nem mesmo a dialeacutetica se livra como se poderaacute ver
desta ambiguidade que carrega consigo sendo ao mesmo tempo divina porque esta tambeacutem
eacute a sua origem ela se insere no campo humano das teacutecnicas dos conhecimentos
A caracterizaccedilatildeo solene do meacutetodo possui deste modo quando analisamos o contexto
da discussatildeo um sentido fortemente persuasivo Primeiro porque como se nota eacute preciso
que Protarco em sua extrema piedade (Cf 28b7-10 e1-6) natildeo ousa reconhecer um meacutetodo
divino como absurdo Desta maneira em um primeiro momento na pesquisa atual eacute possiacutevel
ainda natildeo tratar dos problemas seacuterios do um e do muacuteltiplo questatildeo que seraacute retomada mais
127 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
a frente por Soacutecrates e aiacute entatildeo ficaratildeo mais claros os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo ao
meacutetodo Ora se a dialeacutetica eacute um dom dos deuses torna-se possiacutevel a aceitaccedilatildeo dela por parte
de Protarco a despeito dos problemas que ela origina e que permanecem sem soluccedilatildeo em
dado momento para o interlocutor179
Enquanto essas soluccedilotildees para noacutes podem ser esclarecidas caso retomemo outros
diaacutelogos para Protarco ainda natildeo estatildeo suficientemente claras (DELCOMMINETTE 2006
ὂέΝλἃ)έΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝὅἷὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝἢlatatildeὁΝἷxiἴiὄΝὀὁvὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝaὁΝὅἷὄΝἶitὁΝὃuἷΝldquoὅἷΝaὅΝ
ἵὁiὅaὅΝ fὁὄἷmΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝ ἶἷvἷmὁὅΝ aἶmitiὄΝ (έέέ)rdquoΝ ( κτ πθΝ κ πΝ
δαε εκ ηβηΫθπθ) (16d1-2) ou seja os antigos nos disseram que as coisas que se podem
dizer sempre que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos
( μΝ ιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝ θΝα κῖμΝ
τηφυ κθΝ ξσθ πθ) (16c4-5) sem dar nenhuma argumentaccedilatildeo acerca deste fato mas
apenas os antigos disseram assim Sobre isso explicita ainda mais Delcomminette
Nestas circunstacircncias se natildeo somos tatildeo piedosos como Protarco que razatildeo devemos dar creacutedito a esta afirmaccedilatildeo e agrave ontologia O que isso pressupotildee Na verdade a situaccedilatildeo eacute mais uma vez muito mais complicada do que parece agrave primeira vista com efeito veremos que a ontologia que parece ser simplesmente pressuposta nesta passagem seraacute desenvolvida mais tarde em uma passagem que consistiraacute em uma aplicaccedilatildeo do meacutetodo aqui descrito Em outras palavras a ontologia pressuposta pela dialeacutetica seraacute trazida agrave luz por uma aplicaccedilatildeo da dialeacutetica e a aparente prioridade loacutegica da ontologia sobre a dialeacutetica seraacute substituiacuteda por uma aparente prioridade loacutegica da dialeacutetica sobre a ontologia O fato de que esta passagem descreve a dialeacutetica como revelaccedilatildeo divina portanto natildeo tem apenas por resultado a quebra do ciacuterculo entre a concepccedilatildeo correta do bem e o meacutetodo a ser utilizado para alcanccedilaacute-lo ele tambeacutem introduz um novo ciacuterculo entre dialeacutetica e ontologia e nos oferece os meios para entrar neste ciacuterculo Como veremos esse segundo ciacuterculo tem relaccedilotildees iacutentimas com o primeiro Esta estrutura extremamente complexa apresenta um problema fundamental para o inteacuterprete (2006 p 95-96)
ἒiaὀtἷΝἶὁΝὃuἷΝfὁiΝἶitὁΝaΝmἷὀὦatildeὁΝaὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝtὁὄὀa-se mais clara ainda Eacute necessaacuterio
investigar o conteuacutedo trazido por esta tradiccedilatildeo Retomando Huffman (1999) podemos notar
que ele nos traz evidecircnciaὅΝaiὀἶaΝmaiὅΝὄἷlἷvaὀtἷὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquoὀaἶaΝἷmΝἢlatatildeὁΝ
179 ἏΝ mἷuΝ vἷὄΝ aΝ ἷxὂliἵaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἑὁὄὀἷlliΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶaΝ ldquoὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ ὂaὄἷἵἷΝ ὅἷὄΝ aΝ maiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝἶἷὀtὄἷΝaὅΝὃuἷΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝiὀὅiὅtἷὀtἷΝaΝumaΝὁὄigἷmΝἶiviὀaΝ[ὃuἷΝnovamente reapareceraacute em 23c-d] pode sublinhar o valor que Platatildeo daacute agrave teoria do limitante e do ilimitado Soacutecrates havia declarado diversas vezes seu temor para com os deuses nas primeiras paacuteginas do diaacutelogo (12c) Ao mesmo tempo a revelaccedilatildeo natildeo deve ser pensada como algo completo definitivo ndash como poderia sugerir certa influecircncia sobre a leitura dos antigos da concepccedilatildeo dogmaacutetica da matriz judaico-cristatilde-iὅlacircmiἵaΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἶaὅΝ aὅὅimΝ ἵhamaἶaὅΝ lsquoὄἷligiὴἷὅΝ ἶὁΝ ἜivὄὁrsquoέΝ ἏΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ aὁΝcontraacuterio pode ser pensada como algo de origem nobre e que pede para ser continuado como um ἵὁmὂὄὁmiὅὅὁΝaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὀὁΝfutuὄὁμΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝalgὁΝἷὅtὠtiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἀ1ἂ)έ
128 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonte agrave Pitaacutegoras Podemos estimar por
ἵὁὀὅἷὃuecircὀἵiaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaὁΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝἔilὁlaurdquoΝ(ὂέΝ1ἅ)έΝἓὅὅἷὅΝaὀtigὁὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝ
seriam os pitagoacutericos do seacuteculo V aC180 pois Filolau eacute o primeiro dos pitagoacutericos que insurge
em resposta aos filoacutesofos da natureza que o precederam ao construir o sistema de limite e
ilimitado colocando-os no mesmo plano ambos igualmente como dois princiacutepios em
resposta agrave prioridade dada ao π δλκθ logo apoacutes as obras de Anaxaacutegoras e de Zenatildeo ele
nos lembra o fragmento 1 do pitagoacuterico
A natureza do universo foi harmonizada a partir de ilimitados e de limitadores mdash natildeo apenas o universo como um todo mas tambeacutem tudo o que nele existe (Fr1)
φ δμΝ ΥΝ θΝ ε η λη ξγβΝ ιΝ π λπθΝ Νεα π λαδθ θ πθΝεα ζκμΝ ε ηκμΝεα θΝα π θ α (Fr 1)181
Podemos tambeacutem retomar o fragmento 2
Forccedilosamente eacute que as coisas que existem sejam todas elas ou limitadoras ou ilimitadas ou simultaneamente limitadoras e ilimitadas Mas natildeo podiam ser apenas ilimitadas Portanto uma vez que elas parecem natildeo dever a sua existecircncia nem agraves coisas que satildeo todas limitadoras nem agraves que satildeo todas ilimitadas eacute evidente por conseguinte que tanto o universo como aquilo que nele existe foram harmonizados a partir simultaneamente dos limitadores e dos ilimitados Eacute isto o que demonstram tambeacutem as coisas tal como efetivamente existem Eacute que algumas delas provenientes dos limitadores limitam outras procedentes tanto dos limitadores como dos ilimitados limitam e natildeo limitam ao mesmo tempo e as outras que provecircm dos ilimitados satildeo evidentemente ilimitadas (Fr 2)
θΪΰεαΝ σθ αΝ η θΝ πΪθ αΝ π λαέθκθ αΝ π δλαΝ π λαέθκθ ΪΝ Ν εα π δλαmiddotΝ π δλαΝ ησθκθΝκ εΝ έέΝ π κέθυθΝφαέθ αδΝκ ΥΝ ε π λαδθσθ πθ
πΪθ πθ σθ α κ ι π έλπθ πΪθ πθ ζκθ λα δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ εσ ηκμ εα θ α δ υθαλησξγβ βζκῖ εα θ κῖμ
180 Huffman diz que essa hipoacutetese natildeo deve ser descartada tendo em vista que Filolau eacute contemporacircneo de Platatildeo isto eacute natildeo haacute uma distacircncia de seacuteculos entre ambos Se colocamos na boca de Soacutecrates (hiὅtὰὄiἵὁ)ΝiὅὅὁΝὂaὄἷἵἷὄiaΝὂὁuἵὁΝὂὄὁvὠvἷlΝiὅtὁΝὧΝὀὁmἷaὄΝἔilὁlauΝἵὁmὁΝumΝldquoaὀtigὁrdquoέΝεaὅΝὅἷΝlἷvaὄmὁὅΝem conta o fato de que realmente o Filebo eacute um dos uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo faz todo o sentido Aleacutem do maiὅΝἷlἷΝὀὁὅΝἵὁὀviἶaΝὡΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὄΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁὅΝaὀtigὁὅrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝldquohὁmἷὀὅΝἶἷΝaὀtἷὅΝἶἷΝὀὁὅὅὁΝtἷmὂὁrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝgecircὀiὁὅΝἶἷΝumaΝaὀtiguiἶaἶἷΝimἷmὁὄialέΝἡΝtἷὰὄiἵὁΝaiὀἶaΝrecorre ao exemplo do Fedro (235b) diaacutelogo no qual Anacreonte ainda em atividade no sexto seacuteculo ὧΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁΝumΝἶἷὅὅἷὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝἷΝtamἴὧmΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝHiacutepias Maior (181c) em que os κ παζαδκέ satildeo divididos em dois grupos de eacutepocas diferentes o mais antigo incluindo os sete saacutebios e o mais recente estendendo-se ateacute Anaxaacutegoras no quinto seacuteculo (Cf 1999 p 16) 181 Utilizo os textos recolhidos da doxografia dos preacute-socraacuteticos e traduzidos por Kirk et al (1983) com apresentaccedilatildeo do texto original grego tambeacutem fornecido pelos tradutores A segunda parte do Fragmento 6 natildeo traduzida pelos autores utilizo a traduccedilatildeo e o texto original estabelecidos por Cornelli (2010) Ambas as obras se encontram devidamente referenciadas ao final deste trabalho na seccedilatildeo pertinente agraves referecircncias
129 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
λΰκδμ η θ ΰ λ α θ ε π λαδθσθ πθ π λαέθκθ δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ π λαέθκθ έ εα κ π λαέθκθ δ ι π έλπθ π δλα
φαθΫκθ αδ (Fr2)
Pelos fragmentos nota-se que Filolau sempre se refere a esses princiacutepios natildeo
enquanto princiacutepios abstratos como faraacute Platatildeo no Filebo (πΫλαμ π δλέα) e Aristoacuteteles (
π π λα ηΫθκθ π δλκθ) Muito pelo contraacuterio ele fala de limitantes e de ilimitados no
plural ambos como constituintes do cosmos e de tudo aquilo que ele conteacutem O universo eacute
uma combinaccedilatildeo de coisa limitantes e de coisas limitadas Na referecircncia aos limitantes e
utilizando o particiacutepio ativo no plural (π λαέθκθ α) e natildeo um particiacutepio perfeito no singular como
teria feito Aristoacuteteles (π π λα η ηκθ Metaph 987a16)182 As coisas no mundo satildeo portanto
feitas de contiacutenuos interminaacuteveis de onde proveacutem a mudanccedila e as estruturas perfeitas e
completas que se introduzem neles O cosmos natildeo poderaacute ser um caos e jamais seraacute porque
o limite eacute tatildeo originaacuterio quanto o ilimitado Obviamente como veremos Platatildeo interpretaraacute agrave
sua maneira essa tradiccedilatildeo recebida dos antigos (HUFFMAN 1999 p 18) Pois como atesta
o proacuteprio Fragmento 3 de Filolau
Pois nada haveraacute que em princiacutepio possa conhecer se todas as coisas satildeo ilimitadas (Frag 3)
λξ θΝΰ λΝκ ΰθπ κ η θκθΝ ῖ αδΝπ θ πθΝ π λπθΝ θ πθ (Fr 3)
Haacute algo ainda a ser dito Os limitantes e os ilimitadores natildeo compotildeem eles unicamente
o cosmos eacute necessaacuterio que esses elementos estejam harmonizados ( λησξγβ) devem
estabelecer um acordo conjunto donde surge a realidade Vejamos κ Fragmento 6 e o
Fragmento 7
Acerca da natureza e da harmonia a posiccedilatildeo e a seguinte O ser tios objetos por ser eterno e a proacutepria natureza admitem o conhecimento divino mas natildeo o humano mdash com a exceccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel a qualquer das coisas que existem e que noacutes conhecemos o terem nascido sem a existecircncia do ser daquelas coisas de que foi composto o universo os limitadores e os ilimitados E visto estes princiacutepios existirem sem serem semelhantes ou da mesma espeacutecie teria sido impossiacutevel para eles o serem ordenados num
182 ἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)ΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝἵὁὀfiὄmaμΝldquohὠΝumΝἶἷtalhe terminoloacutegico que merece ser destacado Filolau natildeo utiliza os termos limitadoilimitado e sim sempre e somente o plural aacutepeira e peiraacutenonta iὅtὁΝὧΝἷmΝumaΝtὄaἶuὦatildeὁΝmaiὅΝfilὁlὁgiἵamἷὀtἷΝmaiὅΝfiἷlΝἷΝmaiὅΝfilὁὅὁfiἵamἷὀtἷΝfἷἵuὀἶaΝldquoἵὁiὅaὅΝilimitaἶaὅΝe ilimitaὀtἷὅrdquoΝὂὁὄΝὅἷΝtὄataὄΝἷὅtἷΝήltimὁΝἶἷΝumΝὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝὂὄἷὅἷὀtἷΝἶὁΝvἷὄἴὁΝperaiacutenocirc Ao contraacuterio tanto no Filebo de Platatildeo quanto na Metafiacutesica de Aristoacuteteles os termos satildeo pensados e utilizados no singular o nome peacuteras ὂaὄaΝ lsquolimitἷrsquoΝ ὁuΝ ὁΝ ὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝ ὂassivo do verbo peraiacutenocirc peperasmeacutenon para lsquolimitaἶὁrsquoΝἷΝὁΝaἶjἷtivὁΝὀἷutὄὁΝὅiὀgulaὄΝaacutepeiron precedido de artigo (tograve aacutepeiron)ΝὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝtὁἶὁὅΝἷlἷὅΝὀὁΝὅiὀgulaὄέΝἏΝiὀὅiὅtecircὀἵiaΝὀὁΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝlsquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝὅἷjamΝὂluὄaiὅΝiὀἶiἵaΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝὁΝfatὁΝἶἷΝeles natildeo serem compreendidos por Filolau como princiacutepios metafiacutesicos agrave maneira que seratildeo compreendidos em seguida por Platatildeo e Aristoacuteteles que exatamente por esse motivo preferem utilizar o singular (p 218)
130 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
universo se a harmonia natildeo tivesse sobrevindo mdash fosse qual fosse o modo como ela se gerou As coisas que eram semelhantes e da mesma espeacutecie natildeo precisavam de harmonia mas sim as que eram dissemelhantes e de diferente espeacutecie e de ordem desigual mdash necessaacuterio era para tais coisas o terem sido intimamente unidas pela harmonia se eacute que hatildeo-de manter-se juntas num universo ordenado A grandeza do acordo eacute formada pelos intervalos da quarta e de quinta A quinta eacute maior do que a quarta por um tom De fato da cordatom mais alta agrave corda do meio eacute uma quarta da do meio agrave uacuteltima eacute uma quinta Da uacuteltima agrave terccedila eacute uma quarta e da terceira agrave mais alta uma quinta O intervalo entre a do meio e a da terceira eacute um tom (98) a quarta eacute expressa pela relaccedilatildeo epiacutetrita (43) e a quinta pelo emioacutelio (32) e a oitava pelo duplo (21) Assim o acordo (a escala harmocircnica) compreende cinco tons e dois semitons menores a quinta trecircs tons e um semitom menor a quarta dois tons e um semitom menor (Fr 6) π λ φ δκμΝεα ληκθ αμΝ Ν ξ δ η θΝ θΝπλαΰη πθΝ δκΝ αΝεα α η θΝ φ δμΝγ αθΝΰαΝεα κ εΝ θγλππ θβθΝ θ ξ αδΝΰθ δθΝπζ κθΝΰαΝ
δΝ κ ξΝ κ θΝ ᾿ θΝ κ γ θΝ θΝ θ πθΝ εα ΰδΰθπ ε η θκθΝ φ᾿ η θΝ ΰαΝΰ θ γαδΝ η παλξκ αμΝ μΝ κ μΝ θΝ πλαΰη πθΝ ιΝ θΝ υθ αΝ ε ηκμΝεα θΝπ λαδθ θ πθΝεα θΝ π λπθέΝ π α λξα π λξκθΝκ ξΝ ηκῖαδΝκ ᾿ η φυζκδΝ αδΝ βΝ θα κθΝ μΝεαΝα αῖμΝεκ ηβγ θαδΝ η ληκθ αΝ π ΰ θ κΝ δ δθδ θΝ Ν λ ππδΝ ΰ θ κέΝ η θΝ θΝ ηκῖαΝ εα
η φυζαΝ ληκθ αμΝ κ θΝ π κθ κΝ θ ηκδαΝ ηβ η φυζαΝ ηβ κ αΰ θ ΰεαΝ δΝ κδα αδΝ ληκθ αδΝ υΰε εζ ῖ γαδΝκ αδΝη ζζκθ δΝ θΝε ηπδΝ
εα ξ γαδέ ληκθ αμΝ η ΰ γ μΝ δΝ υζζαί εα δ᾿ ι δ θΝ δ᾿ ι δ θΝη ῖακθΝ μΝυζζαί μΝ πκΰ πδέΝ δΝ ΰ λΝ π π αμΝ π η αθΝ υζζαί π
η αμΝ π θ αθΝ δ᾿ ι δ θΝ π θ αμΝ μΝ λ αθΝ υζζαί π λ αμΝμΝ π αθΝ δ᾿ ι δ θΝ ᾿ θΝ η πδΝ η αμΝ εα λ αμΝ π ΰ κκθΝ υζζαί π λδ κθΝ δ᾿ ι δ θΝ ηδ ζδκθΝ δ πα θΝ δπζ κθέΝκ πμΝληκθ αΝπ θ Ν π ΰ καΝεα κΝ δ δ μΝ δ᾿ ι δ θΝ λ αΝ π ΰ καΝεα δμΝυζζαί ᾿ π ΰ καΝεα δμΝ(ἔὄέΝἄ)
Ora a semelhanccedila com o Filebo aqui eacute surpreendente uma vez que o exemplo que
ilustra tal harmonia entre limitantes e ilimitados eacute a harmonia presente na escala diatocircnica
musical analisada pela relaccedilatildeo entre nuacutemeros inteiros que compotildeem um tom inteiro e a
quarta a quinta e a oitava ( δαπα υθ)183 Seratildeo esses mesmos exemplos que como
veremos Platatildeo utilizaraacute em 17bss para tratar ainda mais da questatildeo do limite e do ilimitado
diante da incompreensatildeo manifestada por Protarco acerca destes temas A imagem aqui
utilizada da teoria musical parece ser a mesma utilizada por Platatildeo em nosso diaacutelogo Trata-
se de uma corda de um contiacutenuo ilimitado na qual se definem tons especiacuteficos limitados
iὀtἷὄvalὁὅΝἷὅὂἷἵiacutefiἵὁὅέΝεaὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝaἶvἷὄtἷΝἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)μΝldquomaiὅΝumaΝvἷὐΝaΝhaὄmὁὀiaΝ
183 A mesma escala diatocircnica que apareceraacute no Timeu (Ti 35b)
131 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
o acordo natildeo devem ser nunca confundidos com o limitante o acordo funciona pelo nuacutemero
maὅΝὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝὁΝaἵὁὄἶὁΝὀatildeὁΝὅἷΝὅuἴὅtituἷmΝὂἷlὁὅΝlimitaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἀ23)184
A passagem da harmonia agrave escala musical evoca outro elemento importante natildeo eacute
nada surpreendente essa passagem se levarmos em conta que a introduccedilatildeo da harmonia
para explicar a origem da realidade do cosmos constituiacutedo por limitantes e ilimitados a busca
pelos intervalos sonoros pelos tons especiacuteficos caracteriza-se pela busca de um nuacutemero
Atentemo-nos ao Frag 4
E o certo eacute que todas as coisas que se conhecem tecircm nuacutemero pois sem ele nada se pode pensar ou conhecer (Fr 4) εα π θ αΝΰαΝη θΝ ΰδΰθπ ε η θαΝ λδγη θΝ ξκθ δΝκ ΰ λΝκ θΝ Νκ θΝκ Νθκβγ η θΝκ Νΰθπ γ η θΝ θ υΝ κ κυΝ(ἔὄέΝἂ)
A partir da introduccedilatildeo da harmonia no sistema de Filolau eacute possiacutevel notar que o nuacutemero
possui um papel fundamental nesse sistema haacute aqui como se nota uma preocupaccedilatildeo
epistemoloacutegica No caso da escala diatocircnica os tons especiacuteficos identificados sobre o
contiacutenuo sonoro ilimitado pode-se notar que estes natildeo distribuiacutedos de forma aleatoacuteria mas
de acordo com as proporccedilotildees de nuacutemeros inteiros que determinam os intervalos da oitava
(21) (43) e (32) respectivamente oitava quarta e quinta Eacute possiacutevel dizer que Filolau
compreende o cosmo como uma articulaccedilatildeo em funccedilatildeo de relaccedilotildees numeacutericas especiacuteficas o
ὃuἷΝὀatildeὁΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquotuἶὁΝὧΝὀήmἷὄὁrdquoΝmaὅΝὃuἷΝἷὅὅaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝὀumὧὄiἵaὅΝὀὁὅΝὂἷὄmitἷmΝ
compreender conhecer o que satildeo as coisas185 Filolau se recusa a dizer o que satildeo esses
princiacutepios (limitantes e ilimitados) a enumerar tais realidades o que possam ser tais princiacutepios
limitantes e ilimitados como seria o caso de ser o fogo a aacutegua ou outros Pode-se dizer que
aqui Filolau estaacute instaurando uma polecircmica com seus predecessores natildeo soacute com
Anaximandro mas com o proacuteprio Anaxaacutegoras devido agraves suas postulaccedilotildees seus muacuteltiplos
λξαέ186 Diferentemente portanto do uso que Filolau faz desses elementos para tratar deste
184 ώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝἷὅἵlaὄἷἵἷΝaiὀἶaΝmaiὅμΝ ldquoὀὁΝἵaὅὁΝἶἷΝἔilὁlaὁΝὀatildeὁΝhὠΝiὀἶiἵaὦatildeὁΝἷxὂliacuteἵitaΝὃuaὀtὁΝaὁΝpapel exato que os limitantes e os ilimitados desempenham nesse seu exemplo mas ele parece naturalmente supor que o ilimitado eacute o contiacutenuo sonoro enquanto os tons especiacuteficos identificados sobre esse contiacutenuo formam os limitantes O papel da harmonia eacute o de determinar um arranjo agradaacutevel e ἷὅὂἷἵiacutefiἵὁΝἶἷὅὅἷὅΝlimitaὀtἷὅΝiἶἷὀtifiἵaἶὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝἵὁὀtiacuteὀuὁΝiὅtὁΝὧΝἵὁὀὅtituiὄΝumaΝἷὅἵalaΝmuὅiἵalrdquoΝ(ὂέΝ19) 185 ViἶἷΝtamἴὧmΝἔὄέΝἃΝἶἷΝἔilὁlauμΝldquoDe facto o nuacutemero tem duas espeacutecies que lhe satildeo peculiares a iacutempar e a par e uma terceira derivada da combinaccedilatildeo destas duas a par-iacutempar Cada uma das duas espeacutecies tem muitas formas que cada coisa em si mesma ὄἷvἷlardquoέΝldquo ΰαΝη θΝ λδγη μΝ ξ δΝ κΝη θΝ δαΝ
βΝπ λδ θΝεα λ δκθΝ λ κθΝ π᾿ ηφκ λπθΝη δξγ θ πθΝ λ δκπ λδ κθΝ εα λπΝ κμΝπκζζα ηκλφα μΝ εα κθΝα αυ βηα θ δrdquoΝ(ἔὄέΝἃ)έ 186 ldquoἡΝἵamiὀhὁΝἶἷΝἔilὁlauΝὧΝἵἷὄtamἷὀtἷΝὁὄigiὀalΝmἷὅmὁΝὀὁΝiὀtἷrior da filosofia preacute-socraacutetica pois por um lado natildeo expressa uma posiccedilatildeo monista uma vez que o ser resulta da pluralidade de ilimitadoslimitantes por outro lado ceticismo epistemoloacutegico do Fr 6 eacute moderado pela possibilidade de
132 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
acordo desta harmonia que torna possiacutevel a compreensatildeo da realidade como eacute o caso do
fogo no Fr 7
A primeira coisa que estaacute harmonizada o um que estaacute no meio da esfera eacute chamado fogo (Fr 7)
πλ κθΝ ληκ γ θΝ θΝ θΝ δΝη πδΝ μΝ φα λαμΝ αΝεαζ ῖ αδ (Frag 7)
O fogo que se encontra no centro do cosmos eacute o fogo central em torno do qual gravitam
a terra o sol a lua a contra-terra e os cinco planetas Eacute necessaacuterio destacar que Filolau
ressalta aqui o fogo como um exemplo de algo acordado harmonizado O fogo eacute esse siacutembolo
do ilimitaacutevel que eacute limitado pelo limitante neste caso o centro de uma esfera (HUFFMAN
1999 p 19)187 Mas voltemos agrave questatildeo do nuacutemero
A realidade configura-se por uma pluralidade ordenada esse eacute o sentido aqui de
λδγη θΝldquotuἶὁΝὧΝἴaὅiἵamἷὀtἷΝὀήmἷὄὁrdquoΝἷΝὧΝgὄaὦaὅΝaὁΝfatὁΝἶaΝὄἷaliἶaἶἷΝldquoὂὁὅὅuiὄΝὀήmἷὄὁrdquoΝὃuἷΝ
ele pode ser conhecida porque passiacutevel de descriccedilatildeo numeacuterica isto eacute passamos pelo
reconhecimento de um sentido propriamente ontoloacutegicocosmoloacutegico para um sentido tambeacutem
epistemoloacutegico (CORNELLI 2010 p 224) Por fim podemos concluir com Cornelli
Essas passagens do Filebo centrais para a definiccedilatildeo da dialeacutetica do limitadoilimitado revelam as raiacutezes pitagoacutericas da teoria dos princiacutepios platocircnica e ndash como tais ndash constituem um achado preacute-aristoteacutelico da filosofia pitagoacuterica Raiacutezes afirmadas e conhecidas pelo proacuteprio texto platocircnico () e que ndash como fontes para a elaboraccedilatildeo filosoacutefica platocircnica ndash satildeo reinterpretadas pela Academia que se percebe nesse sentido como continuadora e mediadora do esforccedilo dialeacutetico-metafiacutesico pitagoacuterico Todavia para aleacutem do argumento dialeacutetico-ontoloacutegico a construccedilatildeo da dialeacutetica no Filebo eacute fruto da concepccedilatildeo filosoacutefica platocircnica (2010 p 215)
Depois de ter analisado detalhadamente tais influecircncias pitagoacutericas e o paralelismo
estabelecido entre elas e nosso diaacutelogo podemos agora novamente retomar a exposiccedilatildeo de
Soacutecrates em 16c5-17a5 Vimos que eacute a partir dessa tradiccedilatildeo de origem divina que Soacutecrates
pretende expor aqui a reflexatildeo acerca da dialeacutetica agora de modo diferente nesse diaacutelogo
Soacutecrates nos diz que se todas as coisas estatildeo assim ordenadas ou seja se todas as
coisas sobre as quais se pode dizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e que elas tecircm em si
conhecer ao menos duas coisas isto eacute esta mesma pluralidade e a harmoniacutea que a manteacutem unida aἵὁὄἶaἶardquoΝ(ἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀ1)έ 187 ἓὅὅaΝὧΝ tamἴὧmΝaΝhiὂὰtἷὅἷΝἶἷΝἑὁὄὀἷlliΝ (ἑfέΝἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀἀ)έΝἓlἷΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝ ldquoEacuteΝpossiacutevel que exatamente essa referecircncia filolaica ao fogo como um no centro da esfera possa explicar a citaccedilatildeo prometeacutetica relativas agraves origens pitagoacutericas da teoria do limitanteilimitado no Filebo Ainda que seja possiacutevel trata-ὅἷΝaὃuiΝἶἷΝὅimὂlἷὅΝaὅὅὁὀacircὀἵiaὅΝἵὁὀἵἷituaiὅέrdquoΝἓlἷΝaiὀἶaΝfaὐΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝἷmΝὀὁta (n 511) ao acircmbito meacutedico-antroploacutegico que possa ser extraiacutedo do fragmento num paralelismo estabelecido entre o fogo e o calor da vida humana
133 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
mesmas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos (16c-9) devemos postular sempre em casa caso
uma uacutenica ideia (ηέαθ Ϋαθ)188189 para todas as coisas e temos de encontraacute-la e iremos
encontraacute-la na proacutepria coisa (16d2) Esse momento correspondente agrave reuniatildeo ( υθαΰπΰά190)
eacute aquele que se busca a Ϋα imanente e natildeo uma multiplicidade de coisas que satildeo singulares
mas agrave cada espeacutecie e a cada gecircnero O condutor ainda diz que forccedilosamente a
encontraremos o que significa dizer que comeccedilamos a pressupor uma unidade proacutepria em
cada coisa em questatildeo do contraacuterio natildeo a procurariacuteamos Tal necessidade fica ainda mais
clara em 25A2-4 quando Soacutecrates iraacute novamente reafirmar essa reuniatildeo das diferentes
espeacutecies de ilimitado em um uacutenico gecircneὄὁμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝafiὄmamὁὅΝὃuἷΝ
devemos reunir todas as coisas repartidas e cindidas em pedaccedilos e imprimir tanto quanto
possiacutevel o sinal de uma natureza uacutenica ndash ὅἷΝὧΝὃuἷΝtἷΝὄἷἵὁὄἶaὅrdquoΝ(εα θΝ ηπλκ γ θΝζσΰκθΝ
θΝ φαη θΝ αΝ δΫ πα αδΝ εα δΫ ξδ αδΝ υθαΰαΰσθ αμΝ ξλ θαδΝ εα τθαηδθΝ ηέαθΝ
πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθΝ ηΫηθβ αδ)Ν(ἀἃaἀ-4)
Sem duacutevida devemos a Dixsaut (1991)191 a distinccedilatildeo entre κυ έα κμ e Ϋα termos
muitas vezes traduzidos como sinocircnimos sendo que natildeo haveria distinccedilatildeo entre o que Platatildeo
188 ἢὄaἶἷauΝἷxὂliἵaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵarsquoΝὄἷmἷtἷΝὡΝmian ideacutean Ideacutea ὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὂὁὄΝlsquoiἶἷiarsquoΝmas os usos filosoacuteficos do termo dificilmente refletiriam o que aqui eacute designado por Platatildeo na ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(umaΝlsquoὀatuὄἷὐarsquoΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁ)ΝὂἷὄἵἷὂtiacutevἷlΝὂἷlὁΝiὀtἷlἷἵtὁέΝἏΝaὂὄἷἷὀὅatildeὁΝdessa unidade inteligiacutevel eacute evocada por termos idecircnticos na Repuacuteblica VI 507a-c A maior parte dos inteacuterpretes natildeo hesitam em tomar ideia ὂὁὄΝlsquofὁὄmarsquoΝ(iὀtἷligiacutevἷl)ΝἷὅtimaὀἶὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝfaὄiaΝumΝuὅὁΝἶἷΝpalavras sinocircnimas dos termos ideacutea e eidos me parece que ideacutea designa a realidade ou natureza inteligiacutevel enquanto eicircdos designa a forma dessa realidade assim como podemos encontraacute-la nas ἵὁiὅaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝὃuἷΝἶἷlaΝὂaὄtiἵiὂamΝ(ἵὁmὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝfὁὄmaΝἶὁΝἴἷlὁΝὀaὅΝἴἷlaὅΝἵὁiὅaὅ)rdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ240 n 241) 189 Agradeccedilo ao Prof Rubens por ter me feito atentar agrave ocorrecircncia deste termo na passagem mas natildeo somente Tambeacutem por ter me feito reconhecer que ela se faz presente tambeacutem em outros diaacutelogos como Parmecircnides (132a 157d8) Teeteto (204a) Sofista (253d5-6) e a relevacircncia deste termo principalmente o significado que ele adquire na obra platocircnica em geral 190 Os correspondentes ao termo aparecem no Filebo nas seguintes passagens 23e5 25a3 25d6-8 que aparecem cunhado nesta sua forma origina no Fedro em 266b4 191 Explica Dixsaut (1991 p 497) que a Ϋα diz respeito ao ζσΰκμ que discorre sobre os contraacuterios indiretos Ela natildeo eacute aqui sinocircnimo da Forma nem uma imagem de natureza espiritual menos ou mais elevada do que a Forma nem sequer se trata de uma propriedade P que a forma F ndash imporia em uma determinada coisa x Ela se define por verbos pelas suas accedilotildees ela avanccedila sobre as coisas aproveita-se destas e natildeo pode ser recebida por essas coisas caso lhes seja contraacuteria ou seja se eacute um contraacuterio indireto de uma propriedade essencial deste algo As β satildeo causas de determinaccedilatildeo que elas impotildeem elas forccedilam agrave coisa possuir sua proacutepria Ϋα Algo natildeo pode receber e natildeo receber a determinaccedilatildeo simultaneamente Eacute importante que ele receba a determinaccedilatildeo poreacutem soacute pode ser determinado se sofrer o feito da determinaccedilatildeo daquilo que o determina Aleacutem do mais determinada coisa soacute se torna ordenaacutevel apenas participando isto eacute deixando-ὅἷΝ ldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὁuΝ maiὅΝFormas Logo o domiacutenio da forma sobre a coisa eacute a Ϋα A Ϋα eacute a accedilatildeo da Forma ( κμ) sobre a coisa ela surge a partir das Formas para as quais ela doa menos da sua inteligibilidade e da sua determinaccedilatildeo que elas lhes impotildeem A Ϋα testemunha a participaccedilatildeo possessora dominadora conquistadora das Formas por meio do discurso da coisa que dela(s) participa(m) As Formas se apoderam da coisa restringem-nas avanccedilam em direccedilatildeo agraves coisas As coisas da φτ δμ soacute existem
134 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiἶἷiardquoΝldquoἔὁὄmardquoΝἷΝldquoἷὅὅecircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝaὀaliὅaὀἶὁΝaὅΝὅuaὅΝὁἵὁὄὄecircὀἵiaὅΝὀὁὅΝ
diaacutelogos podemos notar que possuem sentidos diferentes uns dos outros Dixsaut confirma
em um outro texto a mesma interpretaccedilatildeo ao dizer assertivamente
A ideia natildeo eacute o eidos Podemos observar que todas as vezes que Platatildeo quer evitar empregar eidos falando de uma realidade natildeo corporal ele utiliza idea assim na Repuacuteblica trata-se da idea da luz e quando lhe eacute atribuiacuteda uma potecircncia suplementar da idea do Bem A luz natildeo eacute uma essecircncia e o Bem tampouco Uma por falta o outro por excesso Nesse caso idea natildeo tem seu sentido platocircnico habitual O termo eacute empregado porque natildeo eacute possiacutevel nomear propriamente eidos a coisa da qual se fala ao mesmo tempo dotando-a de uma potecircncia particular de ligaccedilatildeo luz e Bem tecircm uma mesma funccedilatildeo de jugo (zugon) eles submetem objetos agrave faculdade capaz de os apreender (visatildeo tratando-se da luz intelecccedilatildeo tratando-se do Bem) (2017 p 61-62)
ἜὁgὁΝtἷὀἶὁΝalἵaὀὦaἶὁΝἷὅὅaΝldquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵardquoΝἷὅὅaΝ Ϋα eacute necessaacuterio entatildeo dividi-la
Trata-se de reconhecer o nuacutemero de intermediaacuterios entre essa unidade inicial e o ilimitado Eacute
isso que distingue ( δαε ξυλδ αδ) o dialeacutetico ( δαζ ε δε μ) do eriacutestico ( λδ δε μ) (17a4) Para
ὁΝἶialὧtiἵὁΝἷὅὅἷὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo que os saacutebios atuais deixam escapar ( ηΫ α α κ μ
εφ τΰ δ) devem ser respeitados O mesmo se diz do um e do muacuteltiplo e do abuso que os
jovens fazem dele192 (15d-16a) quando abusam dessa proacutepria estrutura que eacute a linguagem
em si espantados com o poder dos ζσΰκδέΝἡὅΝldquoὅὠἴiὁὅΝἶὁΝὂὄἷὅἷὀtἷrdquoΝvatildeὁΝὁὄaΝmaiὅΝlἷὀtὁΝὁὄaΝ
mais rapidamente imediatamente do um ao ilimitado (η θ π δλα γτμ) (17a2-3)
Se vatildeo mais lentamente levantam um grande nuacutemero de espeacutecies de tal modo que sequer
conseguem impor essa marca uacutenica se vatildeo mais raacutepido nunca conseguem enumerar um
nuacutemero suficiente sempre se equivocando O proacuteprio Soacutecrates diz em 16d6-ἷἁμΝldquo(έέέ)ΝmaὅΝὀatildeὁΝ
devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da
devido agrave participaccedilatildeo e a Ϋα natildeo eacute indeterminaccedilatildeo mas eacute esse iacutendice de sobredeterminaccedilatildeo ἷὅὅἷὀἵialΝ ἶἷΝ algὁΝ ὂἷlaΝ ἔὁὄmaέΝ ἠὁὅΝ ἶiὐἷὄἷὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautΝ (1λλ1)Ν ldquoaΝ ὂaὄtiἵiὂaὦatildeὁΝ aΝ ἵauὅaliἶaἶἷΝ ἶaὅΝFormas permite dizer natildeo apenas de Formas ou de propriedades contraacuterias mas de coisas que ἵὁὀtὄὠὄiaὅΝἷΝἷxἵluἶἷὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἂλἆ)έΝἏΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝiὀtἷὄὄὁmὂἷΝaΝmuἶaὀὦaΝὁΝdevir impede ὃuἷΝalgὁΝἶἷixἷΝἶἷΝὅἷὄΝἷlaΝimὂἷἶἷΝaΝἵὁὀtiὀuaὦatildeὁΝἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝmuἶaὀὦaΝiὀἶἷfiὀiἶaμΝldquoaΝligaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝa Forma e a coisa eacute mais estreita no caso das Formas e das que possuem um contraacuterio indireto A idea nem a Forma nem a coisa eacute a instacircncia de ligaccedilatildeo sua presenccedila na coisa manifesta a conformidade das coisas ao seu eicircdos ὃuἷΝἶὁaΝὡΝἵὁiὅaΝὅuaΝἵὁὀfὁὄmaὦatildeὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλ1ΝὂέΝἂλἆ)έΝἏΝ Ϋα torna manifesta a accedilatildeo da causalidade da Forma ela (a Ϋα) torna possiacutevel compreender que tipo de efeito pode produzir uma causa dessa espeacutecie o efeito eacute que a coisa restrita agrave aquisiccedilatildeo da sua ideacutea natildeo eacute mais um processo ela eacute conformada pela Forma ela eacute obra do κμ que se torna traduziacutevel e diziacutevel (DIXSAUT 19991 p 479-500) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada cf NUNES SOBRINHO (2007 p 89-117) 192 Cf Euthd 272a-b 275ess Phdr 261c6 Nas passagens citadas podemos notar a mesma descriccedilatildeo dos jovens que se deixam levar pela eriacutestica e pelos poderes dos discursos que visam contradizer os interlocutores (adversaacuterios) por meio da antiloacutegica ao simularem a discussatildeo dialeacutetica (filosoacutefica)
135 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas
ἵὁiὅaὅΝἷΝaἴaὀἶὁὀaὄΝἵaἶaΝumaΝἶἷlaὅΝὀὁΝilimitaἶὁrdquoέΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)
Ir imediatamente da unidade ao ilimitado significa com efeito que a unidade possui segundo eles [os saacutebios atuais] por conteuacutedo unicamente uma pluralidade indeterminada de indiviacuteduos assim eles ignoram as diferentes espeacutecies entre as quais esses indiviacuteduos poderiam se distribuir Assim a ideia natildeo tem apenas por conteuacutedo uma multiplicidade sensiacutevel mas primeiramente uma multiplicidade inteligiacutevel (p 301)
Ateacute aqui tudo nos parece distanciar da hipoacutetese de que Platatildeo utilizaria da vida boa
ὂaὄaΝἷxiἴiὄΝὅuaΝldquoὀὁvaΝtἷὄmiὀὁlὁgiardquoΝὂὁiὅΝὁὅΝprocedimentos adotados em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica
ὅatildeὁΝaὃuἷlἷὅΝἶitὁὅΝldquohaἴituaiὅrdquoέΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὅἷΝatἷὅtaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝ
buscar essa ideia uacutenica (ηέαθ Ϋαθ) a fim de poder dividir essa unidade postulada em tantas
unidades que seja necessaacuteὄiὁέΝἏΝfimΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶialὧtiἵaΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoἴὁaΝ
viἶardquoΝὧΝimὂὄἷὅἵiὀἶiacutevἷlΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝἵaὀἶiἶatὁὅΝaΝὅἷὄἷmΝἷὅἵὁlhiἶὁὅΝὂaὄaΝἵὁmὂὁὄἷmΝἷὅtaΝviἶaΝ
a saber prazer e conhecimento Eacute imprescindiacutevel saber em primeiro lugar como cada um
destes eacute um e muacuteltiplo Mais uma alusatildeo agrave potecircncia dialeacutetica se pode notar aqui satildeo nos
dadas maiores informaccedilotildees acerca dela ela deve postular um nuacutemero de intermediaacuterios
sendo cautelosa ao dividir sem passar imediatamente do um ao muacuteltiplo assim como fazem
os praticantes da eriacutestica193
Protarco natildeo entende bem aquilo que Soacutecrates estaacute querendo dizer (17a6-8)
Soacutecrates recorre ao exemplo das letras do alfabeto e agrave φπθ (voz) pois a φπθ eacute π δλκμ
(Cf 17b3-ἂΝ1ἆἴἄ)μΝldquoaΝvὁὐΝἶἷΝtὁἶὁὅΝἷΝἶἷΝἵaἶaΝumΝἶἷΝὀὰὅΝὃuἷΝὅaiΝὂἷlaΝὀὁὅὅaΝἴὁἵaΝὧΝuma mas
ὧΝtamἴὧmΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝilimitaἶardquoΝ(φπθ η θΝ ηῖθΝ έΝπκυΝηέαΝ δ κ σηα κμΝ κ αΝεα
π δλκμΝα πζάγ δΝπΪθ πθΝ Νεα εΪ κυ)Ν(1ἅἴἁ-4) Soacutecrates iraacute dizer entatildeo que natildeo nos
tornamos letrados por conhecer esse ilimitado nem o um das letras e dos sons mas porque
sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo esses sons Eacute isso que nos torna competente no
ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ(ldquoεα κ θΝ Ϋλ ΰ Ν κτ πθΝ ηΫθΝππΝ κφκέΝκ Ν δΝ π δλκθΝ
α μΝ η θΝκ γ᾽ δΝ θμΝ ζζ᾽ δΝπσ αΝ ᾽ εα πκῖαΝ κ σΝ δΝ ΰλαηηα δε θΝ εα κθΝ
πκδκ θΝ η θrdquo)Ν(1ἅἴἄ-9) Gallop (1963) eacute quem melhor nos explica a passagem
Isso no entanto deve ser lido com o devido respeito ao contexto As letras fornecem um modelo natildeo como parece para entender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados mas para discutir a classificaccedilatildeo Platatildeo
193 Eacute possiacutevel ir mais adiante em 56e2-3 Soacutecrates ao fazer uma distinccedilatildeo entre a aritmeacutetica vulgar e a aritmeacutetica filosoacutefica Aquela adiciona mocircnadas desiguais como dois exeacutercitos ou dois bois Enquanto esta (a aritmeacutetica filosoacutefica) se recusa operar desta maneira caso natildeo se postule uma diferenccedila entre as incontaacuteveis as mὲὀaἶaὅΝὃuἷΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝὅἷΝἶifἷὄἷΝumaΝἶaΝὁutὄaμΝldquoaΝaὄitmὧtiἵaΝfilὁὅὰfiἵaΝὅuὂὄimἷΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝmaὅΝaΝἶialὧtiἵaΝἶἷvἷΝὂὁὅtulaὄΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝἷὀtὄἷΝaὅΝ mὲὀaἶaὅrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 294-295)
136 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
usa a classificaccedilatildeo de sons sobre os quais um alfabeto se baseia para ilustrar o meacutetodo de divisatildeo em antecipaccedilatildeo ao seu proacuteprio procedimento mais tarde no diaacutelogo (p 368)
Poderiacuteamos assim perguntar como Filebo postula o primeiro princiacutepio de relevacircncia
ldquo(έέέ)ΝmaὅΝὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὁΝὀὁὅὅὁΝtἷmaΝἷΝὁὀἶe ele [Soacutecrates] estaacute querendo
ἵhἷgaὄΝἵὁmΝiὅὅὁςrdquoΝ(1ἆa1-2) Eacute aiacute que Soacutecrates torna mais evidente o que haacute por traacutes de seus
exemplos gramaacutetica e muacutesica194 utilizados anteriormente (17b11-e6)
No caso de algueacutem que jaacute aprendeu uma unidade qualquer ( θ) o que digo eacute que ele natildeo deve olhar imediatamente para a natureza do ilimitado (κ εΝ π᾽
π έλκυΝ φτ δθΝ ῖ ίζΫπ δθΝ γ μ) mas sim para um nuacutemero determinado ( ζζ᾽ πέΝ δθαΝ λδγησθ) assim tambeacutem como no caso contraacuterio (κ πΝεα θαθ έκθ) quando algueacutem eacute forccedilado a aprender em primeiro lugar o ilimitado
( αθΝ δμΝ π δλκθ) natildeo deve olhar imediatamente para o um ( θαΰεα γ πλ κθΝζαηίΪθ δθΝη π θΝ γτμ) mas deve discernir novamente um nuacutemero que constitui qualquer pluralidade determinada ( ζζ᾽ π᾽ λδγη θΝα δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e a partir de todos eles finalmente
olhar o um (18a6-b4)
Soacutecrates decide entatildeo voltar ao exemplo das letras citando Teuth (como fez no Fedro
274c-275b) o deus ou homem divino egiacutepcio inventor da escrita que aqui no caso relatado
pelo Filebo teria discernido o som da voz como ilimitado ( π δ φπθ θΝ π δλκθ)Ν(1ἆἴἄ-7)
Primeiramente ele teria distinguido as vogais195 neste ilimitado ( μΝπλ κμΝ φπθά θ αΝ θΝ
π έλ )Ν ὀatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ maὅΝ ἵὁmὁΝ muitaὅΝ (εα θσβ θΝ κ ξΝ θΝ θ αΝ ζζ πζ έπ)Ν ἵὁmὁΝ
tambeacutem teria verificado a existecircncia de outras emissotildees que natildeo satildeo propriamente sons
vocais mas certa espeacutecie de ruiacutedo ( λαΝ φπθ μΝ η θΝ κ Ν φγσΰΰκυΝ η Ϋξκθ ΪΝ δθκμ)Ν
existindo tambeacutem em nuacutemero determinado ( λδγη θ Ϋ δθα εα κτ πθ θαδ) Depois foi feita
tambeacutem uma distinccedilatildeo de uma terceira espeacutecie de letras em seguida as dividiu em sem-
ruiacutedo e as mudas ateacute a unidade de cada uma e dividiu as vogais e as intermediaacuterias do
mesmo modo ateacute que se obtivesse o nuacutemero delas e a cada uma delas deu o nome de letra
( λέ κθΝ κμΝΰλαηηΪ πθΝ δ ά α κΝ θ θΝζ ΰση θαΝ φπθαΝ ηῖθμΝ η κ κΝ δ λ δΝ ΪΝ
Ν φγκΰΰαΝ εα φπθαΝ ηΫξλδΝ θ μΝ εΪ κυΝ εα φπθά θ αΝ εα ηΫ αΝ εα θΝ α θΝ
λσπκθΝ πμΝ λδγη θΝα θΝζαί θΝ θέΝ Ν εΪ εα τηπα δΝ κδξ ῖκθΝ ππθσηα )Ν(1ἆἴἆ-
c6) O inventor divino sabendo que natildeo aprenderiacuteamos qualquer letra apenas por ela mesma
isolada de todas as demais estabeleceu esse elo ( η θ) que liga todas as letras e faz delas
194 Sobre este uacuteltimo falo mais adiante 195 Eacute necessaacuterio lembrar que como nos diz Muniz (2012) os Gregos antigos classificavam as letras segundo a quantidade de sopro empregada na emissatildeo das mesmas as que possuem um emprego de sopro maior satildeo as vogais (as que soam) (p 214 n 21)
137 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
uma unidade proclamando um soacute conhecimento para elas ao atribuir-lhes o nome de
gramaacutetica (ΰλαηηα δε θΝ Ϋξθβθ)196
O mesmo se daacute com o exemplo da muacutesica197 ( ηκυ δε θ) que aparece logo em
seguida da primeira apresentaccedilatildeo da gramaacutetica em 17b11-1ἀμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝtὧἵὀiἵaΝ
o som de algum modo eacute tambeacutem em si mesmo um (φπθ ηΫθΝπκυΝεα εα ᾽ ε έθβθΝ θΝ
ΫξθβθΝ ηέαΝ θΝα ) (17c1-2) Soacutecrates entatildeo identifica trecircs sons o grave (ίαλτ) o agudo
( ιτ) e o meacutedio ( ησ κθκθ198) (17c4-5) Mas ao mesmo tempo admite que de ningueacutem eacute dito
ser competente ( κφ μ) em muacutesica ( θ ηκυ δε θ) por saber disso mas caso natildeo soubesse
natildeo teria meacuterito algum no assunto (17c7-9) Ele explica em uma longa digressatildeo
Soc Mas meu caro quando apreenderes qual eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) de intervalos ( π α δα ηα α) do som tanto do agudo ( ιτ β σμ) quanto do grave (ίαλτ β κμ) de que tipo satildeo e tambeacutem os limites dos intervalos ( δα βηΪ πθ) e quantos satildeo os sistemas ( α υ άηα α) que resultam deles ndash que nossos predecessores (κ πλσ γ θ) observando-os os transmitiram a noacutes seus seguidores nomeando-ὁὅΝἶἷΝldquoἷὅἵalaὅrdquo ( ληκθέαμ) ndash e quais afecccedilotildees ocorrem nos movimentos dos corpos que segundo dizem devem ser medidas por nuacutemeros ( λδγη θ η λβγΫθ α) e chamadas de ritmos ( υγηκ μ) e metros (ηΫ λα) e ao mesmo tempo que eacute preciso compreender que eacute desse modo que as investigaccedilotildees ( εκπ ῖθ) sobre tudo que eacute um e muacuteltiplo devem ser feitas Quando apreenderes essas coisas desse modo ter-te-aacutes tornado saacutebio( κφσμ) e quando qualquer unidade que
196 Rudebusch (ἀίίἅ)ΝaΝmἷuΝvἷὄΝὧΝὃuἷmΝmἷlhὁὄΝἷxὂliἵaΝaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝvὁὐΝvἷmΝaΝὅἷὄΝum ou entre ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝἷΝmutuamἷὀtἷΝἵὁὀtὄὠὄiὁὅέΝἡὅΝὄuiacuteἶὁὅΝὅatildeὁΝiὀἶἷfiὀiἶὁὅΝὀὁΝtἷmὂὁΝἵuὄtὁὅΝὁuΝlὁὀgὁὅμΝlsquoaὁirsquoΝlsquoaaaὁὁὁuuuiiirsquoέΝἥatildeὁΝtamἴὧmΝiὀἶἷfiὀiἶamἷὀtἷΝmἷὀὁὅΝὁuΝmaiὅΝὠὅὂἷὄὁὅμΝlsquoaaahhhhἵhἵhἵhrsquoέΝἓΝὅatildeὁΝfἷitὁὅΝὂὁὄΝvaὄiaὦὴἷὅΝiὀἶἷfiὀiἶaὅΝἶaΝliacuteὀguaΝἷΝlὠἴiὁὅμΝlsquoἴlὄὄmὀἶὐὐὂtrsquoέΝἔiἵaΝἵlaὄὁΝὃuἷΝὃuaὀἶὁΝaὂὄἷὀἶἷmὁὅΝaΝfalaὄΝaprendemos a combinaccedilatildeo correta dos limites destes ruiacutedos As vogais gregas tecircm qualidade limitada ndash por exemplo ao contraacuterio de υ ou δ ndash e tecircm quantidade limitada Vogais longas satildeo duas vezes mais longas que vogais breves por exemplo π e κ β e As consoantes gregas satildeo limitadas a formas definidas (labiais dentais e velares) como ou sem uma forma definida de aspiraccedilatildeo e de som de nasalidade etc O conhecimento da gramaacutetica eacute o conhecimento das combinaccedilotildees corretas para dar ὀaὅἵimἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝὁὅΝmuitὁὅΝ ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝὀὁΝ muὀἶὁΝὡὅΝὂalavὄaὅrdquoΝ (ὂέΝἂἂ)έΝἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝἵfέΝἕallὁὂΝ(1963 p 364-376) e Menn (1998 p 291-305) 197 Pradeau (2002) retoma uma questatildeo tambeacutem fundamental agrave nossa argumentaccedilatildeo posterior em tὁὄὀὁΝἶaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝmousikeacute gὄἷgaΝὧΝἷὀtἷὀἶiἶaΝὀumΝὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝamὂlὁΝὃuἷΝὀὁὅὅaΝldquomήὅiἵardquoνΝἷlaΝenvolve tanto a danccedila como o canto e a praacuteticas do discurso Ela reuacutene de fato o conjunto das praacuteticas artiacutesticas musicais e literaacuterias que relacionamos agraves Musas eacute a razatildeo pela qual os exemplos do canto ἵὁmὁΝἶaΝmὧtὄiἵaΝἷΝἶὁὅΝtὁὀὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὃuiΝiὀἵluiacuteἶὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂἁΝὀέΝἀἆ)έ 198 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝἵὁmΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)ΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoἢlatatildeὁΝfalaΝἶὁΝlimite e do ilimitado assim como da mistura entre ambos inspirando-se na muacutesica O percurso de seu pensamento se orienta de tal modo a referir-se simultaneamente a dois planos distintos vale dizer ao plano metafiacutesico do qual ele fala e ao concreto plano musical do qual tratada sua argumentaccedilatildeo natildeo se pode sustentar a definiccedilatildeo do limite assim como se encontra formulada no Filebo responda a uma concessatildeo unicamente musical A dificuldade imposta ao termo ησ κθκθΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄaἶaΝtἷὀἶὁΝἵὁmΝconta a duacuteplice valecircncia do pensamento platocircnico Este termo que indica o uniacutessono eacute de fato muito feliz porque aiacute se tem presente a linguagem metafoacuterica de Platatildeo com efeito este termo designa perfeitamente o ponto no qual a mistura dos contraacuterios alἵaὀὦaΝὅuaΝὂἷὄfἷiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἆί)έ
138 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
seja apreenderes investigando assim sobre isso ter-te-aacutes tornado bem informado Entretanto a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em cada coisa soacute podem fazer de ti a cada caso uma pessoa inexperiente no pensar ( ᾽ π δλσθ εΪ πθ εα θ εΪ κδμ πζ γκμ π δλκθ εΪ κ πκδ ῖ κ φλκθ ῖθ) e que ningueacutem leva em conta nem daacute conta de nada jaacute que jamais teraacutes voltado teu olhar para qualquer nuacutemero de qualquer coisa ( ᾽ κ ε μ λδγη θ κ Ϋθα θ κ θ πυπκ πδ σθ α) (17c11-e6)
Eacute impossiacutevel ao analisar essa passagem natildeo levar em conta a heranccedila pitagoacuterica do
quinto seacuteculo que Platatildeo visa ressignificar sobre a qual nos detemos longamente nesta seccedilatildeo
mais acima A estrutura musical com seus sons (φπθ μ) o conhecimento dos intervalos ( θ
δα βηΪ πθ) dos limites desses intervalos ( κ μ πκυμ)199 as correlaccedilotildees (consonacircncias)200
199 εὁutὅὁὂὁulὁὅΝἷxὂliἵaμΝldquoἦἷὀἶὁΝἵὁὀὅtataἶὁΝὃuἷΝaΝvὁὐΝἷΝὁὅΝὅὁὀὅΝmuὅiἵaiὅΝaὂὄἷὅἷὀtamΝamἴὁὅΝὃuἷΝsatildeo ao mesmo tempo idecircnticos e diferentes uno e muacuteltiplo Platatildeo passa ao estudo dos intervalos musicais fundados sobre a relaccedilatildeo numeacuterica dos sons Ὅλκμ indica um dos termos da relaccedilatildeo numeacuterica que exprime um intervalo A expressatildeo Ϊλδγηκ πλ μ λδγη θ utilizada tambeacutem no Timeu (36b) se refere agrave explicaccedilatildeo dos fenocircmenos musicais obtidos por meio dos nuacutemeros que tecircm um valor absoluto e bem definido Os autores musicais descrevem os meacutetodos de precisatildeo usados para definir esta relaccedilatildeo divisatildeo do comprimento dos tubos sonoros suspensatildeo de pesos nas extremidades da corda vibrante enchimento de vasos nos quais o peso a capacidade e o comprimento servem como medida e conferem aos sons medidos o valor de paracircmetro As relaccedilotildees de quarta e de quinta como aquelas deduzidas dos dois procedimentos e que representa o tom enfim a relaccedilatildeo 243256 que exprime o intervalo chamado lemma resultante da subtraccedilatildeo de dois tons da quartam encontram-se na base da linguagem que Platatildeo utiliza no Filebo sob o propoacutesito de determinar a concepccedilatildeo pitagoacuterica dos intervalos musicais que aleacutem disso coincide com a sua Da combinaccedilatildeo desses intervalos se obteacutem os sistemas tradicionalmente chamados harmonias reconhecidas natildeo aὄἴitὄaὄiamἷὀtἷΝmaὅΝaΝluὐΝἶἷΝumΝἷxamἷΝmatἷmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝἆί)έΝ 200 Wersinger (1999) em um importante estudo retoma o termo υηφκθέα que designa a consonacircncia ou seja o acordo (matemaacutetico) elaborado entre dois sons que satildeo chamados sinfocircnicos e que satildeo fixados por uma relaccedilatildeo matemaacutetica um ζσΰκμ de acordo com a teoacuterica Os pilares inamoviacuteveis da harmonia satildeo esses sons fixados por um acordo elaborado matematicamente A consonacircncia concerne agraves relaccedilotildees da oitava ( δαπα υθΝἀμ1)ΝἶaΝὃuiὀtaΝ(ὁuΝ ηδσζδκμΝἁμἀ)ΝἷΝἶaΝὃuaὄtaΝ( πέ λδ κμΝἂμἁ)έΝἠὁΝFilebo (25ae1-2) Soacutecrates explica que a consonacircncia suspende as diferenccedilas o conflito de contraacuterios ao colocar o nuacutemero em termo de igualdade de dobro e de quantida em geral Como noz diz Wersinger a consonacircncia eacute vizinha ou mesmo sinocircnima da comensurabilidade no diaacutelogo expressa pelo termo
υηη λέα isto eacute como aquilo que potildee fim agrave contrariedade Note-se pelo exemplo do δαπα υθΝἵὁmo exemplo claro da homofonia pois a relaccedilatildeo de oitava se estabelece graccedilas agrave consonacircncia (sonoridade comum) entre a nota mais grave ( πΪ βμ)ΝaΝmaiὅΝaguἶaΝ(θ Ϊ βμ)Ν(R IV 443d) Este tipo de relaccedilatildeo (homofonia) se encontra em um domiacutenio preciso da comensurabilidade tal como a mistura de qualidades psiacutequicas (quente e frio) como o das misturas de vinho e aacutegua nos ritos simpoacutesicos eacute desse tipo que as relaccedilotildees de consonacircncia satildeo feitas de maneira mais nuanccedilada entre agudo e grave como o vinho eacute misturado com a aacutegua de maneira gradual de tal modo que natildeo corrompa por completo a mistura Logo Wersinger solicita a atenccedilatildeo para a distinccedilatildeo entre uma assimilaccedilatildeo raacutepida entre consonacircncia e proporccedilatildeo A consonacircncia eacute uma relaccedilatildeo matemaacutetica na qual um nuacutemero se encontra em relaccedilatildeo com um outro nuacutemero expressatildeo que aparece no Filebo (25b) proacuteximo agrave justa medida (ηΫ λκθ πλσμ ηΫ λκθ) ela eacute entatildeo um ζσΰκμ de dois nuacutemeros Em um contexto poliacutetico-moral assim como os sons os elementos da alma satildeo postos em relaccedilatildeo de forma a produzirem uma mesma opiniatildeo ou uma mesma atitude a consonacircncia eacute acordo ( ηκζκΰέα) (cf Smp 187b4) A consonacircncia como visto na Repuacuteblica (IV 442d2) produz a amizade e a temperanccedila ( πφλκ τθβ) e que deve sua existecircncia agrave opiniatildeo comum ( ηκ κιέα 442d2) que permite que a irascibilidade e o desejo submetam-
139 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
existentes entre eles isto eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) que encontra-se por traacutes das diferentes
escalas ( ληηκθέαμ) 201Ν ὁuΝ ldquomὁἶὁὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὃuiὅἷὄἷm202 O nuacutemero permite a identificaccedilatildeo
destes intervalos203 uma espeacutecie de medida racional por intermeacutedio do nuacutemero torna capaz
identificar esses acordos entre limitantes e ilimitados diferentemente de uma mediccedilatildeo
empiacuterica baseada na conjectura como faziam os deslumbrados com a muacutesica contudo
se agrave razatildeo do mesmo modo que dois sons se acordem mutuamente em uma consonacircncia Logo homofonia e homodoxia encontram-se em estrita relaccedilatildeo (p 63-64) 201 Conforme nos diz Wersinger (1999) eacute necessaacuterio compreender a polissemia do termo ληκθέα jaacute que este termo pode ser confundido com a consonacircncia tendo em vista que se diz tambeacutem que a oitava eacute harmocircnica Na Repuacuteblica (443d6c3) lembremo-nos que o homem justo eacute aquele que possui sua alma harmonizada ou seja aquela alma cuja tripla especificidade (irascibilidade desejo e razatildeo) encontram-se direcionados agrave parte melhor analogamente agrave muacutesica que constroacutei suas escalas ou seus ldquomὁἶὁὅrdquoΝaΝὂaὄtiὄΝἶaὅΝtὄecircὅΝὂaὄtἷὅΝhaὄmὲὀiἵaὅΝ( πΪ βμΝθ Ϊ βμΝηΫ βμ)έΝἦὁἶὁὅΝἷὅὅἷὅΝmήltiὂlὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝse unem e se tornam um temperando-se (diferentemente de muacutesica temperada o que Platatildeo reprova como se pode notar R VII 530e-531a) e alcanccedilando plena harmonia A harmonia diferentemente da consonacircncia se estabelece a partir de uma relaccedilatildeo natildeo entre um elemento e outro mas de dois a dois elementos em uma cadeia de proporccedilatildeo isto eacute uma igualdade de relaccedilotildees As consonacircncias recebem um fundamento matemaacutetico que torna possiacutevel a relaccedilatildeo de umas com as outras a fim de formarem uma progressatildeo musical como jaacute dito para formarem as escalas de quinta (entre a nota mais aguda e a meacutedia) a de quarta (entre a mais grave e a meacutedia) Harmonizar neste sentido significa colocar em relaccedilotildees as proacuteprias relaccedilotildees identificar as razotildees comuns estabelecer uma progressatildeo musical ldquomaiὁὄΝἶὁmΝἶaὅΝεuὅaὅrdquoΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝEpinomis (991a5-b5) (p 64) Ainda nos dizeres de Wersinger ldquoaΝhaὄmὁὀia eacute sobretudo analogia ( θαζκΰέα) Ela eacute um meio de criar a unidade Ela depende no Filebo ἶaΝaὦatildeὁΝὄἷἵὁὀἵiliaἶὁὄaΝἶὁΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝἶὁΝlimitἷΝ(πΫλαμ)rdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἂ-65) 202 Platatildeo faz referecircncia aos modos (harmonias) permitidos no acircmbito da cidade ideal note-se aiacute uma correspondecircncia entre os nomes origem eacutetnica (liacutedio doacuterio friacutegio jocircnio etc) e as harmonias musicais dos gecircneros (cromaacutetico enarmocircmico e diatocircnico) ou seja uma correspondecircncia eacutetica e mimofocircnica (R III 398e-399a) 203 Algo mais eacute necessaacuterio ressaltar sobre os intervalos Afirmada a polissemia da noccedilatildeo de harmonia ela tambeacutem diz respeito aos sons e notas que natildeo satildeo sinfocircnicos ou seja esses sons variaacuteveis moacuteveis que se encontram acordados definitivamente nas trecircs consonacircncias Platatildeo na Repuacuteblica (IV 443d6-e3) teria feito alusatildeo a estes sons intermediaacuterios por meio termo η αιτ O estudo dos intermediaacuterios eacute a parte mais importante da muacutesica aquela que trata das reparticcedilotildees dos intervalos no tetracorde ou seja aquela que porta o nome da harmonia dos Gecircneros O tetracorde eacute uma das partes disjuntas do heptacorde ou do octacorde que coincide com a oitava O tetracorde eacute composta de quatro notas em escala descendente da nota meacutedia ateacute a nota mais grave Reunir o tetracorde eacute dar um estatuto aos intermediaacuterios entre as consonacircncias esta tarefa compete unicamente a verdadeiro muacutesico matemaacutetico ὅὅaΝὁὂἷὄaὦatildeὁΝὄἷὂὁuὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝζδξαθσμΝ(ὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝἶἷἶὁΝiὀἶiἵaἶὁὄΝὃuἷΝtὁἵaΝ aΝ ὂὄimἷiὄaΝ ὀὁtaΝ ἶὁΝ tἷtὄaἵὁὄἶἷ)Ν ἷΝ ἶaΝ παλυπΪ βΝ (ὀὁtaΝ maiὅΝ gὄavἷήΝ ὂὄimἷiὄa)Ν ἶiὅὂὁὅtaΝ ἷmΝ tὄecircὅΝmodelos harmocircnicos diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico No Timeu (36a1-b5) o gecircnero escolhido eacute o diatocircnico no qual os dois intervalos superiores eram tons inteiros e o inferior um meio tom Nos diz WἷὄὅiὀgἷὄΝ (1λλλ)Ν ὃuἷΝ ldquoὀaΝ ἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝ ἶὁὅΝ gecircὀἷὄὁὅΝ aΝ matἷmὠtiἵaΝ ἶἷὅἷmὂἷὀhaΝ tamἴὧmΝ umΝ ὂaὂἷlΝfundamental E eacute nesssa acepccedilatildeo matemaacutetica da muacutesica que noacutes devemos interpretar as passagem dos Diaacutelogos nos quais a temperanccedila eacute descrita em termos de tensatildeo e suavidade () o gecircnero diatocircnico que preside no Timeu a constituiccedilatildeo da estrutura da alma (cinco oitavas e uma quinta e um tom) pode ser considerada como uma matemaacutetica da temperanccedila () Platatildeo aqui chega a se divertir com as matemaacuteticas parece admitir portanto na maioria das vezes que a vida moral assim como a muacutesica se ajusta matematicamente A musa filosoacutefica eacute medida o que significa que ela pratica o gecircnero da harmonia diatocircnica e as matemaacuteticas da πφλκ τθβrdquoΝ(ὂέΝἄἅ-68)
140 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
inexperientes recorrendo ao monocoacuterdio204 Eacute imprescindiacutevel identificar tambeacutem os sistemas
( υ άηα α) de intervalos e as combinaccedilotildees ( α) provenientes de tais sistemas ndash lembremos
aqui de Aristoxeno e sua teoria musical segundo a qual esses intervalos compunham
determinada harmonia205 As afecccedilotildees que ocorrem nos corpos por meio dos ritmos ( υγηκ μ)
e metros (ηΫ λα)206 e que devem ser medidas pela utilizaccedilatildeo de um determinado nuacutemero
ἐaὅtaΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝἶaΝfamὁὅaΝldquoἵὁmaΝὂitagὰὄiἵardquo207 das vaacuterias referecircncias agrave muacutesica presente
no Timeu agrave escala diatocircnica208 a harmonia universal a muacutesica suas relaccedilotildees com a geometria
e a aritmeacutetica aleacutem da gama tonal (a oitava) da qual encontramos referecircncia tambeacutem em
204 Rizek (1998) em artigo que busca resumir a teoria da harmonia platocircnica nos fala sobre esse processo ainda simploacuterio da afinaccedilatildeo por meio do monocoacuterdio que os inexperientes recorriam aos quais Platatildeo criacutetica ao propor uma ciecircncia harmocircnica seacuteria baseada em termos exclusivamente matἷmὠtiἵὁὅΝ aὅὅimΝ ἷlἷΝ ἶiὐμΝ ldquoἶaἶaΝ aΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ὅimὂliἵiἶaἶἷΝ ἶaΝ tἷὁὄiaΝ ἶaΝ afiὀaὦatildeὁΝ ἷὅtaΝ ἵiecircὀἵiaΝ [aΝharmocircnica] em comunhatildeo com a base empiacuterica dada pelo monocoacuterdio foi a primeira dentro da Fiacutesica a tornar-se plenamente matematizada () Platatildeo daacute evidecircncias inquestionaacuteveis de ter conhecido o monocoacuterdiondash um aparato teacutecnico destinado a manter constante todos os outros fatores enquanto somente o comprimento da corda eacute variado ndash o que fica claro por exemplo na passagem onde ironicamente ele brinca com os muacutesicos que natildeo se libertam da prisatildeo sensiacutevel determinada pelo apego aΝἷὅtἷΝiὀὅtὄumἷὀtὁμΝlsquo[ἷὅὅἷὅΝmήὅiἵὁὅΝviὄtuὁὅὁὅ] agregam dificuldades agraves cordas e inclusive torturam-nas valendo-ὅἷΝἶὁΝtὁὄmἷὀtὁΝἶaὅΝἵὄavἷlhaὅrsquordquoΝ(ΝἑfέΝR 531 b1-2) (RIZEK 1998 p 259) Para mais passagens sobre isso cf R 531a1-c1) 205 Segundo Aristoxeno os sistemas musicais (ou harmonias) satildeo compostos por um ou mais intervalos Para um exame mais detalhado dos elementos musicais do peripateacutetico Aristoxeno presentes no Filebo ver Kucharsky (1959 p 41-72) 206 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἷxὂliἵaΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)μΝldquoἡὅΝὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝlsquoὂlatὲὀiἵὁὅrsquoΝiὀὅὂiὄaἶὁὅΝὀaὃuἷlἷὅ dos harmonistas satildeo descritos ainda mais claramente A quantidade numeacuterica dos intervalos do som em relaccedilatildeo ao agudo e ao grave a sua natureza qualitativa os limites dos intervalos e quantos acordos surgem (acordos que os antigos reconheciam e que tranὅmitiὄamΝaΝὀὰὅΝἵὁmΝὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquohaὄmὁὀiardquoΝbem como outras afecccedilotildees semelhantes que estatildeo nos movimentos do corpo) dizendo que todas estas coisas medidas por meio do nuacutemero devemos chamaacute-laὅΝlsquoὄitmὁrsquoΝἷΝlsquomἷtὄὁrsquoμΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝmὁἶὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(p 79) Dito de outro modo assim como harmonia que oscila entre agudo e grave o ritmo tambeacutem eacute em certa disposiccedilatildeo uma sequecircncia de movimentos lentos e raacutepidos Platatildeo teria dado uma nova acepccedilatildeo mais precisa agrave questatildeo tradicional Sobre isso cf Muniz (2012 p 213 n 19) Wersinger chega a afirmar que graccedilas ao ritmo e agrave harmonia que a sauacutede do corpo (indissociaacutevel com a da alma) alcance o equiliacutebrio sem a qual natildeo teriacuteamos sequer consciecircncia do prazer Logo o prazer eacute tambeacutem uma tarefa musical porque a alma eacute musical como nos diz o Timeu (36ass 86css) Tanto progressatildeo geomeacutetrica quanto progressatildeo musical compotildeem esta θαζκΰέα psiacutequica e consequentemente moral em que o que estaacute me questatildeo eacute a sauacutede e o equiliacutebrio entre corpo e alma Wersinger chega a concluir ἷΝὀὰὅΝἵὁmΝἷlaΝὃuἷμΝldquoἷxiὅtἷΝὅἷguὀἶὁΝἢlatatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝὅaἴἷὄΝligaἶὁΝὡΝtἷmὂἷὄaὀὦaΝἷΝὡΝὅaήἶἷΝὃuἷΝprocura o equiliacutebrio da alma e do corpo Esse prazer obedece a uma estrutura que pertence a mesma matemaacutetica que possibilita definir os dois conceitos musicais que satildeo a consonacircncia e a harmonia aὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝἷὅtἷὅΝήltimὁὅΝἵὁὀὅtituἷmΝumaΝὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁΝmuὅiἵalrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἄ)έΝ 207 Trata-se do intervalo microtonal seja entre a ζ ῖηηα (semitom pitagoacuterico da escala diatocircnica) seja entre o πκ κηά (semitom da escala cromaacutetica) Essas divisotildees dos semitonais satildeo tambeacutem chamadas de έ δμ essas divisotildees relativas ao temperamento (afinaccedilatildeo) musical resultavam no εσηηα (531441524288) pois o semi-tom natildeo poderia ser um nuacutemero irracional por isso a divisatildeo do tom se dava por meio de duas partes desiguais (ζ ῖηηα 243256 πκ κηά ἀ1ἆἅμἀίἂἆ)ΝἷΝumaΝldquoἵὁmardquoΝ(ἑfέΝTi 31b-36b) 208 Cf Tim 36ass
141 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Epinomis209 que no Filebo daacute lugar agrave gama dos prazeres Podemos concluir a respeito disso
seguindo as consideraccedilotildees de Moutsopoulos que
O Filebo reflete o conhecimento musical cientiacutefico de Platatildeo devido aos estudos dos pitagoacutericos que determinavam os intervalos em virtude da ldquomἷἶiἶaΝὄaἵiὁὀalΝἷfἷtuaἶaΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁὅΝὀήmἷὄὁὅrdquoέΝἓὅtἷΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝὂἷὅὃuiὅaΝconsitia em realidade no meacutetodo matemaacutetico de dois fenocircmenos musicais meacutetodo oposto agravequele empiacuterico que se baseava unicamente sobre o ouvido [veremos Soacutecrates em 56a3-8 fazer uma distinccedilatildeo entre a muacutesica que ajusta suas harmonias por meio da medida e agravequela que se utiliza de conjecturas tida como imprecisa] Platatildeo pode rejeitar esta uacuteltima natildeo poderia por sinal ignoraacute-la de tudo pela grande difusatildeo que ela tinha naquele tempo e pela importacircncia louvaacutevel da criaccedilatildeo musical que se baseava unicamente seus princiacutepios imutaacuteveis derivados unicamente do caacutelculo mental tornando-a muito mais riacutegida (2002 p 81)
O ensinamento dos primeiros pitagoacutericos encontra-se degenerado no tempo de Platatildeo
A muacutesica que anteriormente era objeto da doutrina filosoacutefica dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo
ponto de pertencimento a essas doutrinas se tornaraacute entatildeo mais tarde uma evidente
especializaccedilatildeo de uma determinada pesquisa Ela (a muacutesica) se torna uma mateacuteria cientiacutefica
por direito proacuteprio estudada a partir de si mesma O papel da matemaacutetica no campo musical
deve ser levado em conta como algo de suma importacircncia dado que os nuacutemeros possuem o
poder de iniciaccedilatildeo agrave atividade dialeacutetica O Filebo reafirma essa afinidade entre a matemaacutetica
e a muacutesica o essencial natildeo eacute a quantidade de conhecimentos mas o modo como esse saber
eacute adquirido As diferenccedilas entre o um e o muacuteltiplo devem ser agora estudas tendo em vista
tambeacutem a multiplicidade (natildeo qualquer multiplicidade como se pode jaacute notar) Dito de outro
modo eacute essa diferenciaccedilatildeo entre o estudo de tal questatildeo (um e muacuteltiplo) que suscita tambeacutem
a distinccedilatildeo entre aqueles que adotam o meacutetodo dialeacutetico e aqueles que utilizam-se da eriacutestica
Lembrando que a exigecircncia de Soacutecrates nesse trecho em relaccedilatildeo agrave muacutesica natildeo se trata de
uma requisiccedilatildeo de um conhecimento extremo da ciecircncia harmocircnica tal como os musicistas
ou seja natildeo se trata de tornar muacutesicos os seus interlocutores mas a incentivaacute-los a
reconhecer na ciecircncia harmocircnica aqueles princiacutepios baacutesicos (consonacircncia harmonia)
propiacutecios agrave caracterizaccedilatildeo do modo como a dialeacutetica deve ser dirigir em relaccedilatildeo aos objetos
que visa investigar No caso do nosso diaacutelogo devido a uma influecircncia dos pitagoacutericos a
209 ldquoἔiὀalmἷὀtἷΝ ὀaΝ ἷὅἵalaΝ ὃuἷΝ vaiΝ ἶὁΝ ἶὁἴὄὁΝ aὁΝ tἷὄmὁΝ mὧἶiὁΝ umaΝ ἶaὅΝ mὧἶiaὅΝ ὧΝ ἷὃuiἶiὅtaὀtἷΝ ἶὁὅΝextremos jaacute que excede ao termo menor em uma quantidade igual agravequela em que eacute excedida pelo termo maior a outra excede o termo menor e eacute excedida pelo maior pela mesma fraccedilatildeo dos termos respectivos e assim se formam as razotildees de 32 e 43 que seratildeo encontradas como meacutedias dentro da gama que vai de 6 a 12 Eacute por esta progressatildeo com o duplo sentido direcional efetivado por meio destas uacuteltimas razotildees que recebemos uma daacutediva do abenccediloado coro das Musas agraves quais a humanidade deve o benefiacutecio do jogo da consonacircncia e da medida com toda a contribuiccedilatildeo ao ritmo e mἷlὁἶiardquoΝ(λλ1Νa-b)
142 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
beleza eacute essencialmente proporccedilatildeo e medida duas caracteriacutesticas traduziacuteveis na noccedilatildeo de
nuacutemero O papel ativo da beleza consiste na introduccedilatildeo do nuacutemero no indeterminado
platocircnico vago incerto a determinaccedilatildeo matemaacutetica que atua como elemento concreto
(MOUTSOPOULOS 2002 p 82)
Filebo compreende os usos desses exemplos elencados por Soacutecrates como
demonstra em 18d3 Mas ainda falta algo na visatildeo do interlocutor Soacutecrates se atenta ao
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὄἷquerido Agora eacute o proacuteprio Soacutecrates quem se atenta
aΝἷὅὅaΝἷxigecircὀἵiaμΝldquoo que estaacute faltando de novo Filbebo eacute a relaccedilatildeo disso com o nosso tema
ὀatildeὁΝὧςrdquoΝ(η θΝ Φέζβί Ν έΝπλ μΝ πκμΝα α ᾽ έθν)Ν(1ἆἶἄ)έΝEacuteΝὄἷlaὦatildeὁΝaἶmitἷΝἔilἷἴὁΝ
que este uacuteltimo e Protarco procuravam haacute muito tempo e que entatildeo Soacutecrates admite que
ela estaria bem diante deles (18e1-2)
Soc Nossa discussatildeo natildeo era desde o iniacutecio ( ι λξ μ ζσΰκμ) sobre o pensamento (φλκθά πμ) e o prazer ( κθ μ) e sobre qual dos dois deve ser escolhido ( πσ λκθ α κῖθ α λ Ϋκθ) Fil Como natildeo Soc Ora afirmamos tambeacutem que cada um deles eacute um Fil Sim certamente Soc Eacute exatamente essa questatildeo que nossa discussatildeo anterior ( πλσ γ θ ζσΰκμ) nos exige resposta como cada um deles eacute um e eacute muacuteltiplo ( δθ θ εα πκζζ ) e como natildeo satildeo eles imediatamente ( γτμ) ilimitados ( π δλα) possuindo um e o outro um nuacutemero ( λδγη θ) determinado antes de se tornar ilimitado ( π δλα) (18e8-19a2)
A reaccedilatildeo de Protarco eacute entatildeo dirigida a Filebo o que teria feito desde o iniacutecio do
diaacutelogo taὀtὁΝἷlἷΝὃuaὀtὁΝἥὰἵὄatἷὅΝldquoaὀἶaὅΝἷmΝἵiacuteὄἵulὁὅrdquoΝ(κ εΝκ ᾽ θ δθαΝ λσπκθΝετεζ ππμΝ
π λδαΰαΰ θΝ η μΝ ηίΫίζβε ) (19a3-4) A indignaccedilatildeo de Protarco chega a tal ponto de
considerar-ὅἷΝἷlἷΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὄiἶiacuteἵulὁrdquoΝ(ΰ ζκῖκθ) ao tentar responder a uma questatildeo tatildeo aacuterdua ao
ter assumido o papel de interlocutor no diaacutelogo doado a ele por Filebo mas ainda mais ridiacuteculo
seria se nem ele nem Soacutecrates fossem capazes de responder a tais questotildees anteriormente
tratadas (19a8-b1) Neste momento o proacuteprio Protarco emite um testemunho de
compreensatildeo
Prot () Soacutecrates na realidade estaacute nos perguntando segundo me parece pelas espeacutecies de prazer ndash se existem ou natildeo ( β ΰ λ ηκδ κε δ θ θ λπ θ
κθ μ () δθ ηά) quantas satildeo e de que tipo satildeo (εα πσ α εα πκῖα) e a mesma coisa em relaccedilatildeo ao pensamento ( μ rsquoΝ α φλκθά πμ) (19b1-4)
E Soacutecrates responde imediatamente
143 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Soc Nada mais verdadeiro ( ζβγΫ α α ζΫΰ δμ) filho de Caacutelias Se noacutes natildeo pudermos fazer ( λ θ)210 isso em relaccedilatildeo a todo tipo de unidade (εα παθ μ θκμ) semelhanccedila ( ηκέκθ) identidade ( α κ ) e tambeacutem ao oposto
( θαθ έκυ) como o argumento passado nos revelou nenhum de noacutes seraacute digno de valor ( ιδκμ) em relaccedilatildeo a nada (19b5-8)
Protarco supotildee que esse realmente eacute o modo correto de agir em se tratando desses
tipos de problemas isto eacute com a intrincada questatildeo do um e do muacuteltiplo um problema do
qual a dialeacutetica reiteradamente arroga-se tambeacutem no Filebo Platatildeo entatildeo coloca na boca de
Protarco a claacutessica expressatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoεaὅΝ ὅἷΝ ὧΝ ἴἷlὁΝ (εαζ θ) para o
temperante ( υφλκθδ) conhecer todas as coisas (η θ τηπαθ α) existe para ele
segundo me parece umaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ ὀavἷgaὦatildeὁ211rdquo ( τ λκμ rsquoΝ θαδ πζκ μ κε ῖ) que
210 Dixsaut (2004) chama nossa atenccedilatildeo para o verbo λ θ (fazer) ndash tambeacutem utilizado por Platatildeo no Sofista ndash o uso do verbo marca o caraacuteter predominantemente ativo do processo plasmaacutetico que configura a atividade dialὧtiἵaΝ ἷΝ ὅuaΝ ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝ uὀifiἵaἶὁὄaέΝ ldquoἑὁmΝ ὁΝ mἷὅmὁΝdireito que a retoacuterica a dialeacutetica permite falar poreacutem diferentemente daquela permite tambeacutem pensar Pensar eacute ter em vista uma unidade e uma multiplicidade tanto como a relaccedilatildeo natural que as une Ter em vista (horan) segundo Platatildeo eacute fazer (dran o mesmo verbo novamente eacute encontrado a propoacutesito do dialeacutetico no Sofista [Cf 235d5] e no Filebo [19b6 25b2]) pocircr em relaccedilatildeo o uno e o muacuteltiplo resultantes de um certo nuacutemero de operaccedilotildees do dialeacutetico operaccedilotildees orientadas por um propoacutesito uὀifiἵaἶὁὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἃ)έ 211 Dixsaut (1991) em uma nota da sua traduccedilatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν ὄἷfὁὄὦaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ( τ λκμΝπζκ μ) e cita o sentido consoante entre essa mesma expressatildeo retomada neste trecho do Filebo ἵὁmΝaὃuἷlἷΝὂὄimἷiὄὁΝἶiὠlὁgὁέΝἓlaΝaὅὅimΝἶiὐμΝldquoἷὅtὠΝἵlaὄὁΝὃuἷΝ[ὀὁΝFilebo]ΝἷὅὅaΝlsquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrsquoΝ ὀatildeὁΝ ἶἷὅigὀaΝ umaΝ ὅimὂlἷὅΝ muἶaὀὦaΝ ἶἷΝ mἷiὁὅΝ ὂaὄaΝ alἵaὀὦaὄΝ umΝ mἷὅmὁΝ fimΝ mas uma mudanccedila de orientaccedilatildeo e neste caso uma virada completa o saber natildeo eacute mais pensado em extensatildeo mas como um conhecimento refletido pelo sujeito que conhece que deve tomar consciecircncia do fato que se ignora a si mesmo Essa reflexatildeo constitui um preacute-requisito a segunda navegaccedilatildeo (deuacuteteros ploucircs) eacute a primeira por direito se natildeo em fato e ela evita as divagaccedilotildees da primeira () natildeo designa nem o recurso a um meacutetodo inferior agravequele da primeira navegaccedilatildeo nem um meacutetodo de substituiccedilatildeo que permite alἵaὀὦaὄΝumΝmἷὅmὁΝὁἴjἷtivὁμΝἷlaΝὧΝumΝldquoἶἷὅviὁΝἶἷΝὂἷὄὅὂἷἵtivardquoΝ(ἶὁΝἷxtἷὄiὁὄΝὂaὄaΝὁΝiὀtἷὄiὁὄ)ΝὃuἷΝmἷtamὁὄfὁὅἷiaΝὁΝὁἴjἷtivὁΝiὅtὁΝὧΝtaὀtὁΝὁἴjἷtὁΝἵὁmὁΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἁἅ1-372) Podemos certamente dizer que Platatildeo rejeita o modo das explicaccedilotildees fisioloacutegicas baseadas no plano dos fἷὀὲmἷὀὁὅΝὂὄὁmὁvἷὀἶὁΝumaΝὄἷviὄavὁltaΝὃuἷΝἷlἷΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝἷΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaἶὁΝaΝldquohiὂὰtἷὅἷΝἶaὅΝἔὁὄmaὅrdquoέΝἢlatatildeὁΝὂὄὁἵuὄaΝfaὐἷὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶaΝalmaΝἵὁmΝela mesma e natildeo com a Natureza O saber dialeacutetico que parte das Formas inteligiacuteveis circula apenas entre estas uacuteltimas e apenas delas resultam os conhecimentos mais elevados A ciecircncia das causas primeiras ou natildeo natildeo eacute senatildeo secundaacuteria diante deste saber da alma consigo mesma ndash e que como ἶiὐΝἒixὅautΝ(1λλ1)μΝldquo(έέέ)ΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁutὄaΝfaἵἷΝἶἷΝumΝmἷὅmὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝἁἅἀ)Νndash em relaccedilatildeo ao ζσΰκμ que busca ao maacuteximo explorar essas relaccedilotildees entre as Formas Se pensamos que a ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝ muἶaὀὦaΝὃuaὀtὁΝὡΝutiliὐaὦatildeὁΝἶἷ meios esses mesmos meios deveriam fazer com que Soacutecrates alcanccedilasse essa mesma espeacutecie de causas ou seja causas finais aὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝlhἷΝἶiὄigiἶὁΝὡΝfὄuὅtὄaὦatildeὁΝἷmΝὅuaΝὂὄimἷiὄaΝὀavἷgaὦatildeὁΝὂἷlaΝldquoἵiecircὀἵiaΝἶaΝὀatuὄἷὐardquoέΝεaὅΝnatildeo eacute esse o caso as causas finais pressupotildeem sua posiccedilatildeo por uma inteligecircncia que eacute sempre interna isto eacute da alma (individual ou universal) Essas causas natildeo podem ser vaacutelidas para todos os casos nem para cada um em particular natildeo se encontra em questatildeo aqui a dimensatildeo maior ou menor de ser natildeo importam aqui os detalhes fisioloacutegicos nesse novo tipo de explicaccedilatildeo mas a participaccedilatildeo nas Formas que explica suas determinaccedilotildees e natildeo as consideraccedilotildees relativas aos seus fins No caso de uma
144 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
consiste em natildeo ignorar-se a si mesmo (η ζαθγΪθ δθ α θ α σθ)rdquoΝ (19c1-4) Feitas as
alusotildees agrave dialeacutetica Protarco recapitularaacute en passant as posiccedilotildees iniciais que deram iniacutecio ao
diaacutelogo num primeiro momento entre Filebo e Soacutecrates (19c3-e5) Filebo teria afirmado que
a maior das aquisiccedilotildees humanas eacute o prazer e as coisas desse tipo Soacutecrates no entanto se
contrapocircs agravequele dizendo ser outras coisas que natildeo estas e que essas outras seriam ainda
melhores superiores ao prazer como a inteligecircncia o conhecimento a teacutecnicas e todas as
coisas semelhantes a estes uacuteltimos Ambas as posiccedilotildees foram postas em controveacutersia
( ηφδ ίβ ά πμ) tanto a do condutor comκ a dos interlocutores se inseriam nessa espeacutecie
ἶἷΝ ldquoἴὄiὀἵaἶἷiὄardquo (παδ ῖαμ) a fim delimitarem a discussatildeo para que ela adquirisse um limite
suficiente na determinaccedilatildeo dos argumentos apresentados por tal discussatildeo ( θ ζσΰπθ πΫλαμ
εαθ θ ΰ θβ αέ δ δκλδ γΫθ πθ) Protarco entatildeo exige uma nova postura de Soacutecrates qual
seja recusar manifestar constantemente oposiccedilatildeo aos assuntos que desejam tratar isto eacute
sobre qual dos dois (prazer e conhecimento) possa ser considerado o bem Eacute imprescindiacutevel
a Protarco a saiacuteda da aporia que surge diante de tais perguntas sobre coisas que permanecem
sem uma resposta suficiente dos interlocutores como estes problemas relativos agrave divisatildeo e
ao problema do um e do muacuteltiplo mas Soacutecrates com essas discussotildees continua lanccedilando-os
ὀἷὅὅἷΝ ldquoἵamiὀhὁΝ ὄἷὂlἷtὁΝ ἶἷΝ ὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoέΝ ἦὄata-se aqui novamente insisto de afirmar o
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝjὠΝὀὁtamὁὅΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὂaὄἷἵἷΝἷὅtaὄΝἵiἷὀtἷΝ
dessa necessidade Eacute impossiacutevel admitir ou mesmo presumir que toda essa discussatildeo
acabaraacute em aporia o que natildeo significa dizer que ela iraacute terminar como veremos Para
Protarco Soacutecrates deve tomar para si a responsabilidade de direccedilatildeo da discussatildeo e fazer
com que todo o discurso alcance um sentido ou seja que ele natildeo seja pueril e sem sentido
mas sobretudo uma discussatildeo seacuteria Diz finalmente Protarco
determinada alma ela se determina por meio da postulaccedilatildeo das Formas (beleza justiccedila coragem etc) que satildeo fins diferentemente dos seres inanimados a participaccedilatildeo dessas coisas em uma ou mais fὁὄmaὅΝ aὅΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝ maὅΝ aiὀἶaΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ algὁΝ ὀἷlaὅΝ umaΝ ὂaὄtἷΝ ἶἷΝ ldquoὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝininteligibilidade de opacidade irredutiacutevel A causa final pode ser vaacutelida para ao mundo quando tomada em conjunto necessariamente eacute considerada a melhor imagem (modelo) inteligiacutevel para a compreensatildeo mas ela natildeo se aplica ao detalhe Logo Soacutecrates natildeo descobre ndash por meio da segunda navegaccedilatildeo ndash para cada coisa o melhor que pode ser mas as causas que por participaccedilatildeo satildeo causas de inteligibilidade (finais no caso dos seres (almas) inteligiacuteveis natildeo-finais no caso dos demais seres) Sobre a segunda navegaccedilatildeo devemoὅΝ ὂἷὀὅaὄμΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ἷlaΝ ὧΝumΝ ὁutὄὁΝ ἵamiὀhὁΝ ὃuἷΝ ὀὁὅΝ ὂἷὄmitἷΝpostular um outro tipo de causas (as Formas) mas sobretudo possuir um outro tipo de discurso Ela ὂἷὄmitἷΝὄὁmὂἷὄΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝἷxὂliἵativὁΝἷΝmἷἵaὀiἵiὅtaΝἶὁὅΝlsquofiὅiὰlὁgὁὅrsquoΝaΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝἵauὅas finais ὀatildeὁΝὧΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝἵὁὀὅumiὄΝἷὅὅaΝὄuὂtuὄaέΝἒἷixaὄΝldquoἷὅἵaὂaὄrdquoΝὀὁὅΝloacutegoi as razotildees eacute passar a um outro tiὂὁΝἶἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝatὄiἴuiὄΝἵὁmὁΝ lsquoἵauὅarsquoΝ ὀatildeὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷὀgἷὀἶὄaΝ ndash mesmo da melhor maneira possiacutevel ndashΝ maὅΝ aὃuilὁΝ ὃuἷΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷlέΝ ldquoἓὅἵaὂaὄrdquoΝ ὧΝ ὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵἷὅὅaὄΝ ἶἷΝ ὂἷὄguὀtaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝproduz a beleza de uma coisa para comeccedilar a perguntar o que eacute em si o belo A maneira de questionar muἶaμΝὀatildeὁΝmaiὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝἷὅtaΝἵὁiὅaΝὧΝἴἷlaςrsquoΝmaὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝὧΝlἷgiacutetimὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝἷlaΝὧΝἴἷlaςrsquordquoΝ(ὂέΝἁἅἁ)Ν(cf DIXSAUT 1991 p 372-373) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada da expressatildeo do Feacutedon cf Nunes Sobrinho (2007 p 115-116)
145 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Decide entatildeo por ti mesmo se deves dividir as espeacutecies de prazer e de conhecimento ou se deves abandonaacute-las ( κθ μΝ βΝ κδΝ εα πδ άηβμΝ
δαδλ ΫκθΝ εα α Ϋκθ) se fores capaz e se quiseres esclarecer de um modo diferente nossa controveacutersia ( π εαγ᾽ λσθΝ δθαΝ λσπκθΝ κ σμΝ ᾽ εα ίκτζ δΝ βζ αέΝππμΝ ζζπμΝ θ θΝ ηφδ ίβ κτη θαΝπαλ᾽ ηῖθ) (20a5-8)
Diante da requisiccedilatildeo e Protarco natildeo haacute um outro caminho a natildeo ser como veremos
ἶiὅὂὁὄΝ ἶἷΝ umaΝ ldquoὀὁvaΝ mὠὃuiὀaΝ ἶἷΝ guἷὄὄardquoΝ ( ῖθ ζζβμ ηβξαθ μ 23b7-8) A primeira nos
forneceu os meios para se tratar dialeticamente o indeterminado Antes de passarmos entatildeo
a ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ὃuἷΝὅἷὄὠΝ ὂὄἷἵἷἶiἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὄἷtomada agraves questotildees iniciais do
ἶiὠlὁgὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷὅumiὄmὁὅΝaΝldquoὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝἵὁὀtiἶaΝὀἷὅὅaΝ lὁὀgaΝὂaὅὅagἷmΝ
repleta de alusotildees agrave atividade dialeacutetica e suas contribuiccedilotildees para a compreensatildeo do que vem
a ser o ilimitado ( π δλκθ) O que podemos dizer a respeito da dialeacutetica nesse primeiro
momento do diaacutelogo
Primeiramente o que se diz eacute que a dialeacutetica e o ζσΰκμ em si satildeo sempre um caso do
um e do muacuteltiplo Em 14e3-ἂΝalgὁΝaΝmaiὅΝὧΝἶitὁΝὅὁἴὄἷΝaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὀἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἶἷΝtἷὄmὁὅΝ
que oscila entre o um e o muacuteltiplo se afirma que o um eacute multiplicidade e mais indefinida ( σΝ
Ν θΝ μΝπκζζΪΝ δΝεα π δλα) assim como se diz que o muacuteltiplo eacute um ( πκζζ μΝ θΝ
ησθκθ) Nota-se aqui a introduccedilatildeo de um novo termo π δλα Qual o significado que este termo
adota neste primeiro momento Quais satildeo suas relaccedilotildees com a dialeacutetica aqui nesta
passagem Primeiro como vemos ao longo deste trecho diaacutelogo eacute que eacute possiacutevel afirmar
que essa multiplicidade ( π δλα) se opotildee agrave unidade isto porque a pluralidade ilimitada e a
unidade consistem em dois extremos da atividade dialeacutetica (17a 18a 18e-19a) mas tambeacutem
se diz que ela pode predicar uma unidade (14e) como tambeacutem uma multiplicidade (16d)
tambeacutem foi dito que ela se encontra relacionada agraves coisas em devir diante da anaacutelise do
emblemaacutetico trecho que corresponde agraves noccedilotildees tratadas em 15bss Logo a participaccedilatildeo eacute
pensada como presenccedila seja imanente ou transcendente de uma unidade (mocircnada) nas
coisas que estatildeo em devir e satildeo ilimitadas (particulares sensiacuteveis) (15b5) e por uacuteltimo se diz
que a multiplicidade numeraacutevel deixa escapar essa pluralidade de unidades incontaacuteveis
notaacuteveis como estando contidas em uma unidade dada (16e 17e)
Nos diz Soacutecrates em 17e3-4 que a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em
cada coisa soacute podem fazer de algueacutem nestes casos um inexperiente no pensar que
ningueacutem leva em conta ( ᾽ π δλσθΝ Ν εΪ πθΝεα θΝ εΪ κδμΝπζ γκμΝ π δλκθΝ εΪ κ Ν
πκδ ῖ κ φλκθ ῖθΝεα κ εΝ ζζσΰδηκθΝκ ᾽ θΪλδγηκθ) Neste caso parece haver dois sentidos
envoltos na noccedilatildeo de π δλκθ tanto o de multiplicidade vaacuteria quanto o de uma multiplicidade
146 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
determinada ou como nos diz Dixsaut (2001)212Ν ldquoἢlatatildeὁΝ ὂaὄἷἵἷΝ gὁὅtaὄΝ ἶὁΝ jὁgὁΝ ὃuἷΝ faὄiaΝ
ὂaὅὅaὄΝἶἷΝumΝhὁmὲὀimὁΝaΝὁutὄὁrdquoΝ(ὂέΝἁίἀ)έΝἜὁgὁΝὁΝiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝὧΝumaΝldquoὂἷἶὄaΝἶἷΝtὄὁὂἷὦὁrdquoΝ
para o pensamento ele coloca em questatildeo o proacuteprio pensamento
Um primeiro modo de dividir eacute partir de uma unidade ateacute alcanccedilar uma multiplicidade
determinada e segundo o Filebo (16e1-3) natildeo devemos imediatamente aplicar a forma do
ilimitado agrave pluralidade mas soacute depois de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que
existe entre o ilimitado e o um para somente depois disso abandonar tais espeacutecies (vaacuterias)
se despedir dessa multiplicidade deixando na indeterminaccedilatildeo tudo aquilo que natildeo inclui essa
escolha (dessa unidade) realizada pelo dialeacutetico ao dividir Poreacutem haacute ainda uma situaccedilatildeo
contraacuteria ( θαθ έκθ) a essa tarefa do dialeacutetico de dividir uma dada unidade como nos diz o
tἷxtὁΝἷmΝ1ἆaλΝiὅtὁΝὧΝldquoὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaὂὄἷἷὀἶἷὄΝἷmΝὂὄimἷiὄὁΝlugaὄΝὁΝilimitaἶὁrdquoΝ
( αθ δμ π δλκθ θαΰεα γ πλ κθ ζαηίΪθ δθ) ou seja partir de uma multiplicidade
indeterminada Esta unidade presente nesta multiplicidade soacute pode ser nominal e
indeterminada Ela tambeacutem natildeo pode ser tornada imediatamente ( γτμ) uma unidade real
(18b1) mas antes se deve discernir um nuacutemero ( λδγη θ) que constitui qualquer pluralidade
determinada (α δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e soacute depois disso se deve olhar
para o um
Sem a postulaccedilatildeo de uma unidade real natildeo haacute divisatildeo possiacutevel Logo essa tambeacutem
passa a ser uma tarefa do dialeacutetico antes de postular uma unidade real ele deve constituir
uma multiplicidade numeraacutevel E como isso poderaacute ser feito Pela classificaccedilatildeo pela
distinccedilatildeo na multiplicidade indeterminada inicial todas as espeacutecies que exigem o nuacutemero que
noacutes lhe damos juntamente com aquelas que natildeo o exigem e entatildeo ordenar essas espeacutecies
ou elementos no interior de uma estrutura Trata-se de substituir essa multiplicidade
incontaacutevel essa indeterminaccedilatildeo ndash seja entre as coisas seja entre as variadas coisas dentro
de uma unidade ndash por uma multiplicidade determinada que oferece conteuacutedo a essa nova
unidade unidade real tornando-a verdadeira Postular um nuacutemero determinado de
intermediaacuterios que existe entre o ilimitado e o um (η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμ 16e1)
eacute o que distingue o dialeacutetico do eriacutestico e por essa estrutura intermediaacuteria deve passar todo
movimento dialeacutetico Se vamos por um sentido ou por outro ou seja do um ao ilimitado ou
do ilimitado ao um soacute podemos falar em unidade real agrave medida em que essa unidade torna-
se uma unidade determinada isto eacute se envolver uma multiplicidade constituiacuteda de forma
precisa Ora se vamos imediatamente do ilimitado agrave unidade eacute o mesmo que ir do ilimitado
ao ilimitado Eacute apenas esse processo de circularidade do um e do muacuteltiplo pode retirar a
indeterminaccedilatildeo o um torna-se apenas esse um sob a condiccedilatildeo de ser a unidade de
212 Sigo de perto a intepretaccedilatildeo desta autora em relaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo do ilimitado (Cf DIXSAUT 2001 p 302-310) e tambeacutem seguindo em grande parte as consideraccedilotildees postas por Delcomminette (2002 p 96-159)
147 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
determinada multiplicidade ao mesmo tempo que uma multiplicidade para ser muacuteltipla deve
ser simultaneamente uma multiplicidade de unidades e ser incluiacuteda em uma unidade pois
ἵaὅὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝldquohavἷὄiaΝἶiὅὂἷὄὅatildeὁΝὅἷmΝlimitἷΝἷΝὅἷmΝligaὦatildeὁΝἷΝὀatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ
2001 p 304)213
Penso que Dixsaut (2001) estaacute correta ao dizer que λδγη θ significa em grego antes
de mais nada uma estrutura (p 304)214έΝἣuaὀἶὁΝὅὁmὁὅΝldquofὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝἶὁΝ
213 Delcomminette (2002) tambeacutem explica a passagem recorrendo ao exemplo do deus egiacutepcio Teuth Theuth - ou melhor um deus ou um homem divino - deveraacute distinguir as letras do alfabeto grego para iὀὅtituiὄΝaΝΰλαηηα δε θΝ ΫξθβθέΝἢaὄaΝtalΝἷlἷΝἶἷvἷὄὠΝὂὁὅtulaὄΝὁΝὅὁmΝvὁἵalΝἵὁmὁΝumΝgecircὀἷὄὁΝaΝὅἷὄΝἶiviἶiἶὁέΝSemelhante posiccedilatildeo o coloca na presenccedila natildeo da infinita variedade de sons jaacute individualizados mas de um som indefinido De fato Theuth natildeo chega agrave compreensatildeo dos sons individuais antes do final do processo Nessas condiccedilotildees o problema do status das entidades reunidas eacute um problema falso natildeo satildeo nem coisas particulares nem universais porque nem sequer satildeo entidades elas simplesmente formam um halo indiferenciado que acompanha a unidade que postulamos como a possibilidade para essa mesma ideia de ser participada de estar envolvida nessa relaccedilatildeo (p 107) Ainda nos diz ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἀ)μΝldquoEacuteΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὃuἷΝὁΝapeiron natildeo deve ser tomado em um sentido exclusivamente ἷxtἷὀὅiὁὀalέΝἥἷΝlsquoapeiron ὀaΝmultiὂliἵiἶaἶἷrsquoΝὄἷfἷὄἷ-se a uma multiplicidade indiferenciada entatildeo ela eacute tanto uma noccedilatildeo extensional como intensional ela pode se referir tanto agrave multiplicidade ilimitada e indiscriminada de participantes na ideia que noacutes postulamos que estatildeo virtualmente presentes em nosso pensamento quanto agrave parte de indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento quando pensamos nessa Ideia que pode ser determinada de muitas maneiras diferentes Esses dois aspectos satildeo correlativos e qualquer accedilatildeo sobre um implica uma accedilatildeo sobre o outro qualquer limitaccedilatildeo da multiplicidade de participantes implica uma determinaccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento e vice-versa O objetivo da reuniatildeo eacute precisamente fazer a ponte entre esses dois aspectos e permitir que o dialeacutetico ὅἷΝmὁvaΝἶἷΝumΝὂaὄaΝὁΝὁutὄὁέΝεaiὅΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝlsquoἷxtἷὀὅiὁὀalrsquoΝὧΝὁΝiὀὅtὄumἷὀtὁΝὃuἷΝὂἷὄmitἷΝao dialeacutetico determinar seu pensamento por exemplo usando o contraste entre vaacuterios participantes para descobrir as diferenccedilas que os distinguem E na medida em que qualquer determinaccedilatildeo subsequente reduza a multiplicidade de participantes esse aspecto tambeacutem pode servir como criteacuterio para testar a integridade de sua atividade determinante Esta circulaὦatildeὁΝiὀἵἷὅὅaὀtἷΝἷὀtὄἷΝlsquoἷxtἷὀὅatildeὁrsquoΝἷΝlsquoiὀtἷὀὅatildeὁrsquoΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝgὄaὦaὅΝaΝamἴiguiἶaἶἷΝiὀἷὄἷὀtἷΝaὁΝtἷὄmὁΝapeiron que se refere a tudo aquilo que ὧΝiὀἶἷfiὀiἶὁΝtaὀtὁΝὃuaὀtitativamἷὀtἷΝ(ἵaὅὁΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝἶἷὅἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝo entendamos como um termo referente a um nuacutemero ilimitado mas ainda mais agrave ilimitaccedilatildeo que o impede de ser um nuacutemero no sentido grego do termo) quanto qualitativamente (caso este em que podemos traduzi-lὁΝἵὁmὁΝlsquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrsquo)έΝἡΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝaΝὂὁὅtulaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝIἶἷiaΝὂὁὅὅa trazer agrave tona um apeiron tendo esses dois aspectos resulta do fato de que a reuniatildeo eacute um processo virtual em vez de uma enumeraccedilatildeo de participantes jaacute diferenciados De forma geral podemos provisoriamente propor essa definiccedilatildeo puramente negativa do apeiron o apeiron eacute indeterminaccedilatildeo ou ilimitaccedilatildeo no sentido de que escapa agrave determinaccedilatildeo ou agrave limitaccedilatildeo Deste ponto de vista o apeiron eacute o oposto do pensamento e ateacute mesmo seu inimigo e este antagonismo eacute reforccedilado pelo jogo de palavras sobre esse termo iἶecircὀtiἵὁΝἷmΝgὄἷgὁΝὡὃuἷlἷΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝlsquoiὀἷxὂἷὄiἷὀtἷrsquordquoΝ(ὂέΝ1ίἅ-108) 214 ἠaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁΝὅἷguἷΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷμΝldquoὁΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝaὃuiΝὧΝaΝἵlaὄaΝἵὁὀἷxatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝde aprendizagem individual e a transiccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo para a determinaccedilatildeo tanto quantitativa quanto qualitativa que eacute obra da dialeacutetica () o que eacute aprendido eacute sempre uma estrutura determinada na qual todos os elementos estatildeo conectados de tal forma que eacute impossiacutevel conhecer algum independentemente de todos os outros O aprendizado envolve a imposiccedilatildeo de uma estrutura (grifo nosso) definitiva sobre a primeira indeterminaccedilatildeo do nosso pensamento uma estrutura que constitui o campo de aplicaccedilatildeo de uma tekhnegrave correspondente - neste caso a grammatikegrave tekhnegrave do nosso pensamento (18 c7-8) () Soacutecrates iraacute dizer natildeo sem prejuiacutezo que o apeiron eacute aquilo que torna algueacutem π δλκμ κ φλκθ ῖθΝ Ν iὅtὁΝὧΝ iὀἷxὂἷὄiἷὀtἷΝὀὁΝὂἷὀὅaὄΝ(1ἅΝἷἁ-6) pensar natildeo eacute possiacutevel sem
148 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ilimitaἶὁrdquoΝ ἷΝ ὧΝ ἷὅὅἷΝ ὁΝὂὁὀtὁΝὃuἷΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶἷvἷὄὠΝ aὃuiΝ ὄἷtὁmaὄΝ aὁΝ ἶiὐἷὄΝ ὃuἷΝ ἷὅtaΝ ὅituaὦatildeὁΝ
tambeacutem se configura enquanto uma atividade do dialeacutetico que nos encontramos perante a
uma situaccedilatildeo simeacutetrica agrave da divisatildeo Contudo reunir e dividir aqui ao que tudo indica trata-
se de estruturar problema semelhante ao encontrado por Teuth o criador do alfabeto foneacutetico
como ilustrado no exemplo do diaacutelogo Dito de outro modo eacute imprescindiacutevel agora ao tomar
uma realidade ilimitada produzir um conjunto ordenado de elementos que se encontram
interligados interdependentes como no caso da φπθ (voz) e dos demais exemplos dados
por Soacutecrates na argumentaccedilatildeo precedente215 Diante de uma realidade ilimitada como eacute o
caso da voz Teuth eacute o primeiro a tentar converter esse ilimitado indefinidamente variaacutevel em
uma pluralidade numeraacutevel Da realidade sonora indeterminada de um conjunto ilimitado de
modulaccedilotildees fora possiacutevel retirar uma quantidade determinada limitada de espeacutecies foneacuteticas
(vogais semi-vogais e mudas) como tambeacutem foi possiacutevel determinar o nuacutemero de elementos
proacuteprios de cada uma dessas espeacutecies a fim de instituir uma totalidade uma estrutura
coerente (o alfabeto foneacutetico o conjunto das letras) detendo-se apenas nessas mesmas
espeacutecies
O problema do prazer eacute semelhante ao caso do alfabeto antes de determinarmos se
o prazer eacute o bem devemos analisar essa realidade em que consiste ser o prazer e que recobre
uma pluralidade indeterminada Antes entatildeo devemos constituir uma unidade real e para tal
eacute necessaacuterio alcanccedilar uma pluralidade determinada uma multiplicidade contaacutevel Vale
lembrar que prazer e conhecimento estatildeo submetidos a uma escolha sobre qual dos dois
possa ser considerado o bem Antes devemos saber em que medida ambos (prazer e
conhecimento) satildeo simultaneamente um e muacuteltiplo ao inveacutes de consideraacute-los como ilimitados
jaacute agrave primeira vista melhor dizendo como cada um deles adquire em dado momento um
nuacutemero antes de se tornar ilimitado (Cf 18e9-1λaἀ)μΝldquolsquoἓmΝumΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁrsquoΝ(πκ 19a1)
porque natildeo eacute sempre em um mesmo momento do processo dialeacutetico que se eacute conquistada a
pluralidade determinada ela pode acontecer antes ou apoacutes o posicionamento da unidade
ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀίί1 p 305 grifos da autora) Ela iraacute acontecer antes caso
iniciemos pelo ilimitado e ocorreraacute depois se jaacute partimos de uma unidade determinada e a
dividimos A incompreensatildeo de Protarco e de Filebo versa sobre a necessidade de maiores
esclarecimentos por parte de Soacutecrates por que um interluacutedio tatildeo exaustivo sobre a divisatildeo
Soacutecrates natildeo poderia perguntar diretamente ndash e Filebo concorda com Protarco pois
referecircncias e essas referecircncias satildeo fornecidas pelas estruturas determinadas aprendidas pela ἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ1ἁἁ-134) 215 Sobre isto conferir o que dissemos sobre a muacutesica anteriormente e a ambiguidade presente em dois tipos de muacutesica praticadas na eacutepoca grega claacutessica aquela que visava o nuacutemero herdada praacutetica matematizante da caraterizaccedilatildeo das harmonias e aquela baseada na mediccedilatildeo (empiacuterica) infinita dos intermediaacuterios dos intervalos musicais visando a criaccedilatildeo e sistemas como eacute o caso Dos elementos harmocircnicos presentes nas doutrinas de Aristoxeno (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 134-143)
149 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ἵὁὀὅtaὀtἷmἷὀtἷΝἷὅtὠΝaΝἷxigiὄΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝndash se o objetivo maior
dessa discussatildeo eacute a divisatildeo dos prazeres e conhecimentos se eles possuem realmente
espeacutecies quais satildeo e quantas satildeo (19b1-4) O fato eacute que neste caso Soacutecrates natildeo estaacute a
solicitar de seu interlocutor principal uma divisatildeo de prazeres e conhecimentos porque isso
seria impossiacutevel natildeo se pode comeccedilar a dividir pelo ilimitado antes se deve postular um
nuacutemero para entatildeo constituir uma unidade verdadeira real somente essa unidade eacute que
poderaacute ser constituiacuteda objeto da divisatildeo Nos dizeres de Dixsaut (2001)
O que Soacutecrates exige de fato eacute a constituiccedilatildeo de um alfabeto ou gama dos prazeres a fim de substituir a indeterminaccedilatildeo inicial do prazer pela multiplicidade de prazeres (daquilo que eacute verdadeiramente e natildeo falsamente ou ilusoriamente nomeado prazer) Eacute precisamente isso que ele iraacute fazer durante uma longa anaacutelise (p 306 grifos da autora)
Todos os trecircs exemplos (alfabeto foneacutetico teoria musical gramaacutetica) ilustram de
maneira significativa o modo como o dialeacutetico deve operar diante do ilimitado A multiplicidade
ὧΝtὄaὀὅfὁὄmaἶaΝὂἷlὁΝἶialὧtiἵὁΝldquoiὀfὁὄmaἶardquoΝaΝilimitaὦatildeὁΝaἶὃuiὄἷΝὁΝὅtatuὅΝἶἷΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝ
determinada ela eacute constituiacuteda a partir de uma pluralidade incontaacutevel se torna uma pluralidade
determinada que natildeo estaacute dada Muacutesica e foneacutetica estruturam um ilimitado sonoro No caso
da abordagem dialeacutetica dos prazeres natildeo se passa de outra maneira ela exige uma outra
abordagem dialeacutetica que eacute tambeacutem uma abordagem preacutevia Seraacute necessaacuterio tomar a
questatildeo de uma maneira diferente isto porque o prazer natildeo se apresenta nem como uma
multiplicidade de unidades distintas ou diferenciaacuteveis (multiplicidade determinada) nem como
uma unidade articulada propiacutecia agrave divisatildeo
Jaacute o conhecimento muito pelo contraacuterio pode ser examinado diretamente pelo
processo dialeacutetico da divisatildeo ele lida com espeacutecies reais Embora se reconheccedila qualquer
contrariedade ou diversidade que seja entre os conhecimentos ele (o conhecimento)
comporta unidades reais ele eacute uma unidade real porque exclui diretamente suas
contrariedades ou seja os conhecimentos falsos Neste caso se trataria de uma contradiccedilatildeo
em termos jaacute que tambeacutem existem prazeres falsos mas o tipo de falsidade do conhecimento
natildeo eacute o mesmo tipo de falsidade que envolve os prazeres ou porque o prazer diferentemente
do conhecimento natildeo eacute algo determinado mas indeterminado essas talvez possam ser
algumas das principais saiacutedas diante do que seraacute tratado mais adiante no diaacutelogo por Platatildeo
ao se referir aos prazeres falsos por hora deixemos isso de lado
Portanto de acordo com o que se pode verificar na anaacutelise desta primeira parte do
diaacutelogo o π δλκθ eacute um predicado aplicado tanto a uma unidade quanto a uma multiplicidade
tambeacutem ilimitada por isso aqui ele desempenha um duplo papel A ilimitaccedilatildeo tem tanto um
sentido quantitativo quanto um sentido quantitativo Quantitativo pois ela caracteriza uma
150 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
multiplicidade numeacuterica distinta ( π δλκθ πζ γκμ πζάγ δ 16d7 17b4 18b2)216 Para ser uma
unidade real essa unidade prescinde compreender (i) uma multiplicidade numeraacutevel as
espeacutecies obtidas no processo de divisatildeo (ii) uma multiplicidade de espeacutecies natildeo-numeraacuteveis
seja aquelas espeacutecies que o dialeacutetico deveraacute deixar no acircmbito da ilimitaccedilatildeo ou aquelas
espeacutecies indivisiacuteveis em espeacutecies (iacutenfimas espeacutecies) que compreendem uma populaccedilatildeo
incontaacutevel de indiviacuteduos singulares Qualitativo porque ambos os casos (i e ii) recebem o
qualificativo π δλκμΝἵὁmὁΝἴἷmΝἷxὂliἵaΝἒixὅautμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅaὅΝὅatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷὅΝiὀἵὁὀtὠvἷiὅΝ
de fato (ou em ato) enquanto que aquelas [multiplicidades contaacuteveis] permanecem contaacuteveis
ὂὁὄΝἶiὄἷitὁΝ(ὁuΝἷmΝὂὁtecircὀἵia)rdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἁίἅ)έΝἏἶἷmaiὅΝela nos explica
Cada Gecircnero Cada Forma conteacutem esse gecircnero de multiplicidade o que natildeo ὅigὀifiἵaΝumaΝldquomatὧὄiaΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝὂὁὄὃuἷΝumaΝtalΝmatὧὄiaΝἶἷvἷὄiaΝὂὄἷἵἷἶἷὄΝou ao menos ser independente de sua determinaccedilatildeo pela forma enquanto que a multiplicidade indeterminada resulta dos movimentos de determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 307-308)
Ora esse ponto eacute decisivo na interpretaccedilatildeo do Filebo e sugere que refutemos qualquer
compreensatildeo que tente duplicar as Formas inteligiacuteveis separando-as em mateacuteria e forma
Como todas as coisas elas contecircm limite e ilimitado (indeterminaccedilatildeo e determinaccedilatildeo) poreacutem
natildeo satildeo resultantes da imposiccedilatildeo de um limite ao ilimitado Essa seria uma primeira
tὄaὀὅὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ faὄiaΝὅὁfὄἷὄΝaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝἶiviὀardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νὂ 308 n1)217
Dentre as alusotildees feitas agrave dialeacutetica jaacute realccediladas em nossa anaacutelise desse tema no Filebo ainda
eacute possiacutevel notar que aqui a dialeacutetica se evidencia como uma tarefa dotada de certa
parcialidade as unidades obtidas em conjunto apenas satildeo frutos de uma multiplicidade
determinada logo limitada como tambeacutem a multiplicidade eacute derivada de uma unidade
particular tomada desde um ponto de vista particular por exemplo o Sofista o Poliacutetico e o
Filebo todos esses diaacutelogos realizam uma espeacutecie de divisatildeo das teacutecnicas ou melhor dos
conhecimentos mas em todos eles se parte de um ponto de vista distinto o que natildeo nos
permite dizer que partem da multiplicidade mas de uma unidade dada Ou seja a ideia eacute a
mesma os resultados nem sempre o satildeo O que atesta ainda mais que nenhuma divisatildeo eacute
exaustiva que sempre permanece um resiacuteduo de indeterminaccedilatildeo nas divisotildees O que natildeo
significa dizer que se vai do um ao ilimitado diretamente (compreendido no sentido de unidade
216 Dixsaut (2001) nos chama a atenccedilatildeo para a recorrecircncia em outros diaacutelogos da exprἷὅὅatildeὁΝldquo π δλκθ ( ) πζ γκμ (Cf R IX 591d8 Tht 147d7 147d7 Prm 144a6 e3-ἂ)νΝldquo π δλκθ πζάγ δrdquoμΝ(ἑfέΝTht 156a6 8 Prm 144a6 145a3 158b6 164d1 165c4 e6 Sph 256e6 Lg IX 860b4 217 A discussatildeo sobre as Formas seraacute retomada no momento em que nos detivermos na ontologia quaacutedrupla (23c-31b) eacute sobre este momento que muitos estudiosos colocam em questatildeo a presenccedila ou ausecircncia das Formas no diaacutelogo
151 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
natildeo-numeraacutevel) Da mesma maneira se vamos imediatamente do ilimitado (multiplicidade
natildeo-contaacutevel) ao um eacute a proacutepria unidade ela mesma que se encontraraacute indeterminada
No Filebo torna-ὅἷΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀὁΝὃualΝldquoὅὁmὁὅΝfὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝ
ἶὁΝldquoilimitaἶὁrdquoΝὂὁiὅΝὀἷὅὅἷΝἵaὅὁΝtanto a multiplicidade quanto a unidade natildeo nos satildeo dadas
elas satildeo igualmente indeterminadas completamente diferente das operaccedilotildees dialeacuteticas
fuὀἶamἷὀtaiὅΝ aὅΝ ἶitaὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἦἷmὁὅΝ umΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ maiὁὄΝ aὃuiΝ viὅtὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ
indeterminado impede a atividade dialeacutetica caso ele natildeo aceite recuar por isso torna-se
necessaacuteria instauraccedilatildeo de uma multiplicidade natildeo-dada para entatildeo a partir dela postular
uma determinada unidade diante daquilo que parece excluir qualquer determinaccedilatildeo Nesse
primeiro momento do diaacutelogo nesta primeira parte o estatuto do π δλσθ eacute desenvolvido tendo
vista a deacutemarche dialeacutetica Se o pensamento eacute capaz de tolerar esse resiacuteduo de
indeterminaccedilatildeo se toda divisatildeo executada pela dialeacutetica natildeo eacute exaustiva de que modo
poderia a dialeacutetica controlar essa indeterminaccedilatildeo que busca constantemente se impor ao
pensar Haacute algum recurso que possa ser utilizado pelo dialeacutetico De que nos adiantaria a
postulaccedilatildeo do indeterminado enquanto um termo extremamente oposto agrave unidade jaacute que
ambos os termos natildeo pudessem se relacionar de forma alguma Por certo o ilimitado natildeo
teria utilidade alguma ao dialeacutetico
Eacute aqui que o caso egiacutepcio anteriormente realccedilado faz todo o sentido principalmente
no que diz respeito agrave resultante desse caso a saber a gramaacutetica esse elo que permite que
compreendamos cada unidade que tivera como ponto de partida uma multiplicidade natildeo-
numeraacutevel mas que soacute pode ser aprendida em uma relaccedilatildeo conjunta (multiplicidade
contaacutevel) essa unidade que torna possiacutevel a compreensatildeo ao aprendizado como no caso
das letras que isoladas uma das outras natildeo teriam sentido algum mas somente por meio
desse elo que as une e faz delas certa unidade proclama-se que possuiacutemos um uacutenico
conhecimento acerca delas o qual se denominou como gramaacutetica218 Isso quer dizer que natildeo
218 Gallop (1963) explica suficientemente a passagem ao tratar deste caso do alfabeto foneacutetico pois nada se diz acerca da escrita mas apenas agraves letras e agrave periacutecia foneacutetica da divisatildeo entre vogais consoantes e mudas No entender de Gallop (1963) isso deve ser lido com o devido respeito ao contexto dialoacutegico As letras fornecem um modelo natildeo como se pode parecer num dado momento para se compreender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados natildeo eacute este o sentido da passagem aqui apresentada mas para se discutir a classificaccedilatildeo A classificaccedilatildeo dos sons sobre os quais um alfabeto eacute baseado eacute utilizada para ilustrar o meacutetodo da divisatildeo Assim seria equivocado dizer que a aprendizagem das letras eacute equiparada agrave periacutecia foneacutetica Soacutecrates iraacute dizer em 17b que nos tornamos ΰλαηηα δε θ natildeo porque conhecemos o ilimitado nem porque conhecemos o um mas porque sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo os sons vocais Teuth depois de classificar os sons atribui-lhes uma uacutenica arte que engloba a todos chamando-a de ΰλαηηα δε θ Ϋξθβθ (18d) Mas porque aqui natildeo encontramos uma menccedilatildeo agrave escrita por que classificar os sons e natildeo designar caracteres graacuteficos que representariam esses sons tal como se relata no Fedro (274c) que Teuth teria feito Por que algueacutem deveria antes aprender a natureza e o nuacutemero dos sons se natildeo para dominar esses caracteres que os representam Em 18d tambeacutem se diz que o deus egiacutepcio considerou que natildeo poderiacuteamos aprender qualquer letra por ela mesma isolada de todas as outras sem aprendecirc-las todas em conjunto O que
152 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
basta que cada termo seja determinado somente em-si mas relativamente a todos os outros
por isso esse recurso eacute a proacutepria estruturaccedilatildeo dessa multiplicidade indeterminada tornando-
a determinada Eacute por meio desse esse recurso dessa determinaccedilatildeo relativa da
interdependecircncia dos elementos no interior de um todo que a indeterminaccedilatildeo pode ser
superada219
Logo parece compreensiacutevel a apresentaccedilatildeo da dialeacutetica deste modo no iniacutecio do
diaacutelogo pois se o dialeacutetico se depara como uma unidade real uma unidade verdadeira ele
se contenta em dividi-laΝἷmΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝldquoaἴaὀἶὁὀaὀἶὁrdquoΝἶἷixaὀἶὁΝἶἷΝlaἶὁΝὁΝilimitaἶὁΝ
essas espeacutecies muacuteltiplas jaacute que como jaacute dissemos essa divisatildeo natildeo eacute nunca exaustiva
Contudo ainda eacute necessaacuterio mencionar o papel principal do π δλκθ na discussatildeo cujo
propoacutesito se configura por demarcar a situaccedilatildeo presente ou seja no caso em que se lida com
se quer dizer aqui natildeo eacute que natildeo possamos aprender suficientemente algumas letras do alfabeto por exemplo 6 ou 7 letras sem aprender as demais o que seria obviamente falso Logo o que se afirma ἷΝἵὁmΝὂὄἷἵiὅatildeὁΝὧΝὃuἷΝὀatildeὁΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝ[sic As letras] se natildeo somos capazes de distinguir pela liacutengua e pelo ouvido a diferenccedila por exemplo o som da consoante ldquoἴrdquoΝἶὁΝὅὁmΝἶaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝaὅὅimΝὂὁὄΝἶiaὀtἷέΝἡἴviamἷὀtἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀhἷἵἷὄΝἷΝὀὁmἷaὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅὁὀὅΝiὀiἵiaiὅΝἶaὅΝὂalavὄaὅΝiὀiἵiaἶaὅΝἵὁmΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἴrdquoΝὁuΝὅἷjaΝἵὁὀhἷἵἷὄΝaΝἵὁὀὅoante sem necessitar ἵὁὀhἷἵἷὄΝὀἷὀhumaΝὁutὄaΝἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝἷὀtatildeὁΝaΝἵὄἷὀὦaΝἶἷΝἦἷuthΝὅἷὄiaΝfalὅaΝὅἷΝse tratasse apenas de nomear uma letra caso isso fosse suficiente para o conhecimento dela Mas ὃuaὀἶὁΝὅἷΝ tὄataΝἶἷΝ ldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὄἷalmἷὀtἷrdquoΝaὅΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝldquoἴrdquoΝ ldquoἵrdquoΝ ldquoὅrdquoΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὄaΝὅἷΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝἷὅὅaὅΝlἷtὄaὅΝὧΝὁΝmἷὅmὁΝὁΝfatὁΝἶἷΝἷὅἵὄἷvecirc-las natildeo garante o aprendizado das mesmas se diz que algueacutem realmente sabe as letras quando se consegue distinguir agrave primeira vista seja pelo olho pela liacutengua pela audiccedilatildeo o que som que aquela letra representa verdadeiramente isto ὧΝὁΝfὁὀἷmaΝὃuἷΝἷlaΝἷvὁἵaνΝὃuaὀἶὁΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὅtiὀguiὄΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὅaὂὁrdquoΝΝἷΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὂaὂὁrdquoΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝὅὁὀὅΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ iniciais satildeo distintos e que devem ser pronunciados tambeacutem de forma distinta natildeo importando aqui nenhuma diferenccedila de significado mas apenas uma distinccedilatildeo foneacutetica Deste modo faz todo sentido a reflexatildeo (puramente foneacutetica) de Teuth enquanto isso que ela propriamente eacute uma pura reflexatildeo foneacutetica Natildeo haacute portanto aqui uma distinccedilatildeo entre lἷituὄaΝἷΝἷὅἵὄitaΝmaὅΝὅἷΝὂaὅὅaΝἶἷΝumaΝaΝὁutὄaΝldquoὅἷmΝhἷὅitaὦatildeὁrdquoΝiὅtὁΝὧΝὀatildeὁΝhὠΝumaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝὄἷalΝἷὀtὄἷΝfonema e letra (GALLOP 1963 p 367-368) 219 ldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἷὅpeacutecies e subespeacutecies que descobrimos satildeo um sistema que tem sua proacutepria coerecircncia como tudo consistecircncia garantida pela completude de nossas divisotildees Neste sistema cada divisatildeo eacute necessaacuteria e depende de todos os outros Logo eacute essencial notar que Soacutecrates natildeo relaciona essa ordem sistemaacutetica com a natureza das coisas em questatildeo mas com nossa capacidade de aprendecirc-las e conhececirc-las eacute porque elas natildeo podem ser aprendidas independentemente umas das outras que as letras satildeo consideradas constituintes de uma certa unidade Isso confirma que a estrutura descoberta pela dialeacutetica natildeo pertence como tal agraves proacuteprias coisas mas apenas ao conhecimento que temos delas e essa estrutura eacute o que constitui o campo conceitual de uma arte - neste caso o da tekhnegrave grammatikegrave Aleacutem disso deve-se ressaltar que a necessidade de divisotildees em um determinado sistema eacute apenas interna natildeo significa que a divisatildeo que realizamos seja a uacutenica possiacutevel ou a uacutenica vaacutelida mas apenas que ela eacute coerente e completa em si mesma () A necessidade interna das divisotildees realizadas natildeo deve ser confundida com uma necessidade externa que faria desta divisatildeo particular a uacutenica possiacutevel ἠἷὅtaὅΝἵὁὀἶiὦὴἷὅΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlsquoὃualΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝlimitaὦatildeὁΝ(ὁuΝἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁ)ΝὧΝὁΝἵἷὄtὁςrsquoΝεaὅΝlsquoὃuaiὅΝdiviὅὴἷὅΝὅatildeὁΝaὅΝἴὁaὅΝὀὁΝὅiὅtἷmaΝatualςrsquoέΝἥἷὄiaΝὂἷὄfἷitamἷὀtἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝὁΝἶἷuὅΝὁuΝὁΝhὁmἷmΝἶiviὀὁΝdividisse a φπθ de outra forma desde que sua divisatildeo fosse completa regular e possuiacutesse ἵὁὀὅiὅtecircὀἵiaΝiὀtἷὄὀardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἀΝὂέΝ1ἃἂ-155 grifos do autor)
153 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
uma situaccedilatildeo que deve operar num sentido contraacuterio agravequele primeiro supracitado Logo satildeo
dois movimentos que o dialeacutetico deve seguir e mais dois movimentos contraacuterios A fim de se
ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅimἷtὄiaΝἷὀtὄἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἷΝὁutὄὁΝὧΝὃuἷΝἵἷὄtὁΝὀήmἷὄὁΝἶἷΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝ
ndash que natildeo devem ser saltados pelo dialeacutetico passando-se de um para o outro rapidamente ndash
devem ser buscados nesse processo dialeacutetico inverso Explica Dixsaut (2001)
ἣuἷΝἷὅὅaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝὅἷjamΝaὃuiΝὀὁmἷaἶaὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝὀatildeὁΝἵὁὀfiguὄaΝἷmΝalusatildeo a nenhuma doutrina representante de realidades dessa ordem Isso simplesmente quer dizer que quando se deve partir do indeterminado o dialeacutetico natildeo obteacutem um nuacutemero determinado de espeacutecies por divisatildeo as deve constituir essas espeacutecies que se tornam ao mesmo tempo intermediaacuterios entre a realidade indeterminada de partida e sua unidade Ao dizer que aqueles tambeacutem foram obtidos pela divisatildeo Soacutecrates quer simplesmente mostrar que os dois percursos satildeo tambeacutem dialeacuteticos tanto um ἵὁmὁΝὁΝὁutὄὁΝἷΝaΝfὁὄmulaὦatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶὠΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝldquoὀὁὄmalrdquoΝtἷmΝὁΝήὀiἵὁΝpropoacutesito de demarcar que nos dois casos trata-se do mesmo caminho ainda que esse seja percorrido num sentido inverso (p 309-310)
ἒiaὀtἷΝἶἷΝtuἶὁΝὁΝὃuἷΝfὁiΝἷxὂὁὅtὁΝὂaὄἷἵἷΝἵlaὄaΝaΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὁΝ
assunto do diaacutelogo a despeito de muitos inteacuterpretes contemporacircneos acreditarem que estas
passagens natildeo desempenham um papel importante na economia interna do diaacutelogo Uma
ideia que natildeo eacute nova Se olharmos atentamente o diaacutelogo veremos que esses inteacuterpretes
estatildeo prefigurados no mesmo questionamento de Protarco Como tratar de algo que nem eacute
uma unidade verdadeira nem mesmo uma multiplicidade verdadeira como eacute o caso do
prazer Qual caminho se deve adotar Ora por isso torna-se necessaacuterio um exame
metodoloacutegico capaz de delinear claramente uma nova abordagem poreacutem tambeacutem pertinente
ao dialeacutetico enquanto uma tarefa desafiadora mas ainda uma tarefa do proacuteprio dialeacutetico que
deve agora utilizar um recurso proacuteprio para lidar com essa situaccedilatildeo contraacuteria quando se tem
como ponto de partida uma multiplicidade e uma unidade natildeo dadas
O papel desempenhado por essa primeira parte (14b-20a) eacute um dos maiores senatildeo
o maior objeto de controveacutersia entre os inteacuterpretes como jaacute dissemos Isto porque como
veremos logo a seguir diante da requisiccedilatildeo de Protarco em 19e-20a acerca da saiacuteda das
aporias lanccediladas pelo condutor anteriormente Soacutecrates retorna agrave problemaacutetica inicial do
diaacutelogo (a vida boa) a partir de 20c um primeiro fato que demonstraria que a discussatildeo inicial
ὅἷὄiaΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὂaὄecircὀtἷὅἷὅrdquoΝ ὡΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ἵἷὀtὄalΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ ἏΝ mἷtὠfὁὄaΝ ἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ
navἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)ΝὅaliἷὀtaὄiaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶἷΝ
conhecimento fundada na dialeacutetica e que evitaria as aporias da primeira abordagem Outro
fatὁΝ ὧΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ mἷὅmaΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ὂaὅὅaΝ aΝ ὅἷὄΝ tὄataἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ umaΝ ldquolἷmἴὄaὀὦardquoΝ (ἀίἴ)Ν de
Soacutecrates e de que natildeo precisariam mais das espeacutecies de prazer para a divisatildeo Essa aparente
ldquoὃuἷἴὄardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅuὅἵitὁuΝumΝἶἷἴatἷΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaἵἷὄἵaΝἶὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝtaὀtὁΝὀὁΝ
154 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Filebo ἵὁmὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἶἷὀὁmiὀaἶὁΝldquomὧtὁἶὁ ἶaΝἶiviὅatildeὁrdquoΝὂlatὲὀiἵὁΝ( δαέλ δμ) Este debate
pode ser resumido em trecircs eixos principais (i) muitos220 julgam que o Soacutecrates do Filebo
estaria no decorrer do diaacutelogo aplicando aos prazeres e conhecimentos o meacutetodo
anteriormente tratado por ele no iniacutecio do diaacutelogo esse meacutetodo seria uma variante do ceacutelebre
Meacutetodo da Divisatildeo ( δαέλ δμ) do qual se fala no Fedro mas que concretamente se torna
aplicaacutevel explicitamente no Sofista e no Poliacutetico (ii) outros221 acreditam que este meacutetodo
apresentado no iniacutecio da obra tem uma funccedilatildeo classificatoacuteria no decorrer da argumentaccedilatildeo
em relaccedilatildeo aos prazeres e conhecimentos e que no caso do Filebo natildeo podemos encontrar
neste diaacutelogo em absoluto este Meacutetodo da Divisatildeo presente em algum dos demais diaacutelogos
(iii) haacute ainda outros222 ainda que acreditam que natildeo se trata nem do Meacutetodo da Divisatildeo nem
do proacuteprio meacutetodo exposto no Filebo
Diante das limitaccedilotildees impostas por esse trabalho um estudo capaz de avaliar todas
essas questotildees demandaria uma ampla anaacutelise em um outro momento Primeiramente seria
necessaacuterio adentrar agraves especificidades do Meacutetodo da Divisatildeo na filosofia platocircnica o sentido
geral atribuiacutedo por nosso autor a esse procedimento dialeacutetico posteriormente teriacuteamos de
esclarecer a relaccedilatildeo das Divisotildees do Filebo com esse ceacutelebre Meacutetodo da Divisatildeo como
tambeacutem explicar a especificidade das Divisotildees desse diaacutelogo e por fim ressaltar a
importacircncia dessas divisotildees em relaccedilatildeo ao objetivo geral do diaacutelogo Se nos eacute possiacutevel
adiantar algo sobre a nossa posiccedilatildeo em relaccedilatildeo a esse debate contemporacircneo que envolve
a questatildeo das divisotildees no Filebo poderiacuteamos ressaltar o que jaacute dissemos a abordagem do
meacutetodo das divisotildees possui objetivos proacuteprios no diaacutelogo como a demarcaccedilatildeo dialeacutetica da
situaccedilatildeo contraacuteria em relaccedilatildeo ao um e ao muacuteltiplo que se deve partir no caso do tratamento
dos prazeres em que uma unidade e uma multiplicidade determinada natildeo nos satildeo dadas
Poreacutem discordo de ὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝtἷὀhaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁm o conteuacutedo do diaacutelogo
e que ela natildeo desempenhe um papel relevante na economia interna do diaacutelogo No entanto
ἵὄἷiὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝὅἷΝἷὅtἷὀἶἷΝaὁΝἵaὅὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὁΝ
que se veraacute mais adiante eacute uma classificaccedilatildeo de ambos e natildeo divisatildeo pois vale lembrar no
caso dos prazeres estamos partindo do ilimitado Portanto toda a abordagem do meacutetodo
ilustra muito bem essa nova abordagem dialeacutetica em questatildeo a saber a anaacutelise dos prazeres
e dos conhecimentos para a composiccedilatildeo da boa vida mista
Ainda que natildeo se trate do caso de divisatildeo dos prazeres e conhecimentos essa
primeira parte do diaacutelogo natildeo deixa de ter um papel fundamental e indispensaacutevel agraves anaacutelises
que se seguem cujas consequecircncias poderatildeo ser notadas mais adiante Isso ficaraacute ainda
mais claro no momento em que nosso texto tratar de ambas as anaacutelises (dos prazeres e dos
220 Ackrill (1971) Bravo (2009) Delcomminette (2002) Moravcsik (2006) e outros 221 Dixsaut (2001) Rowe (1999) Trevaskys (1960) e Benitez (1999) 222 Vanhoutte (1956) e Frede (1993)
155 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
conhecimentos) Logo como jaacute disse sigo nesta posiccedilatildeo com todo o cuidado possiacutevel e ciente
da necessidade de uma investigaccedilatildeo mais pormenorizada sobre todas as posiccedilotildees
conflitantes acerca das divisotildees anteriormente citadas minha opccedilatildeo por uma determinada
posiccedilatildeo deve-se num primeiro momento a uma anaacutelise direta do que me parece mais evidente
ser possiacutevel verificar no diaacutelogo Uma tal criacutetica especializada que confronte essas posiccedilotildees
e que possa defender com mais veemecircncia a posiccedilatildeo adotada por este trabalho exigiraacute um
esforccedilo maior a ser apreendido em um momento posterior Passemos entatildeo aos
desdobramentos posteriores do diaacutelogo na tentativa de compreender entatildeoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝ
maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝutiliὐaἶaΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝagὁὄaΝἷΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝὁΝὄumὁΝἶἷΝtὁἶaΝaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝultἷὄiὁὄέ
32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Diante da insistecircncia de Protarco sobre a dificuldade de permanecerem nas aporias
relativas agrave divisatildeo (20a) Soacutecrates deveraacute retomar as questotildees iniciais do diaacutelogo e
novamente tratar da disputa inicial entre prazer e inteligecircncia pelo primeiro precircmio No caso
aὀtἷὄiὁὄΝὁΝἵiacuteὄἵulὁΝἷὀtὄἷΝaΝviἶaΝἴὁaΝἷΝaΝἶialὧtiἵaΝὄἷὅultὁuΝὀaΝaὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ
(16c-17a) das divisotildees com as quais deve lidar o dialeacutetico quando se depara com algo
ilimitado como eacute o caso do prazer A identidade entre prazer e bem assim como a identidade
entre inteligecircncia e bem gerava um ciacuterculo vicioso (14b) e a uacutenica saiacuteda seria a busca por
umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ( δΝ λέ κθΝ ζζκ)Ν caso nenhum dos dois (prazer ou inteligecircncia)
demonstrassem natildeo ser o bem Para tal Soacutecrates postulou a divisatildeo entre os prazeres com
base nas diferenccedilas e ateacute mesmo contrariedades existentes nisso que denominamos como
algo uacutenico ldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝ como tambeacutem postulou uma divisatildeo tendo em vista a bondade dos
prazeres distinguindo prazeres maus de prazeres bons Este uacuteltimo tipo de divisatildeo como
vimos natildeo fora aceito por Protarco (13c) e a fim de sanar o impasse Soacutecrates se refere agrave
multiplicidade e agrave contrariedade que tambeacutem envolve os conhecimentos sem no entanto
tocar na questatildeo da bondade ou maldade dos conhecimentos
ἢὄὁtaὄἵὁΝἷὀtatildeὁΝafiὄmaΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝ(1ἂa)ΝἷὀtὄἷΝamἴὁὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝ
e conhecimento) o que na verdade eacute uma equidade apenas aparente pois sobre os
conhecimentos apenas se diz que satildeo diferentes variados e ateacute mesmo contraacuterios uns aos
outros Logo o interluacutedio (14b- 20a) que iraacute tratar dos problemas relativos ao um e ao muacuteltiplo
possuem uma relaccedilatildeo direta ndash por mais que alguns defendam que natildeo ndash com o conteuacutedo do
diaacutelogo Fica claro que a forma de se tratar dos prazeres deve ser dialeacutetica poreacutem essa
proacutepria abordagem dos prazeres exige um tratamento preacutevio que foge das alusotildees aos
ὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝ ἶialὧtiἵὁὅΝ ἶitὁὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὀatildeὁΝ ὄἷἵὁὀhἷἵἷΝ ἷὅὅaΝ imὂὁὄtacircὀἵiaΝ ἶὁΝ
ldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὅἷΝvecircΝiὀἵaὂaὐΝἶἷΝὄἷaliὐaὄΝaὅΝἶiviὅὴἷὅΝὁὂἷὄaἶaὅΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝἷxigindo que
156 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
a questatildeo inicial sobre a vida boa capaz de tornar os homens felizes seja retomada como
tamἴὧmΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝὧΝiἶecircὀtiἵὁΝ( α σθΝἀίἵἀ)ΝaὁΝἴἷmέ
Eacute importante notar que Soacutecrates natildeo o refuta mas deixa que Protarco manifeste sua
insuficiecircncia diante do virtuosismo das divisotildees socraacuteticas e a rapidez em suas transiccedilotildees
Talvez isso aconteccedila para mostrar a diferenccedila entre o exame dialeacutetico-filosoacutefico rigoroso e o
jogo retoacuterico-sofiacutestico antes de adentrar agraves questotildees dos dialeacuteticos experientes aquelas que
versam sobre o bem categoria a que Protarco evidentemente natildeo pertence Todavia no
momento em que assume sua ignoracircncia e teme cair no ridiacuteculo justamente por se auto
reconhecer como ignorante natildeo querendo fazer de sua incompreensatildeo objeto de escaacuternio
para os demais ele daacute o primeiro passo para a filosofia mesmo sem saber sem estar ciente
disso ainda que ela natildeo lhe agrade pois como se pode notar (19c-d) ele ainda permanece
preso ao ciacuterculo vicioso devido agrave sua defesa da tese reelaborada na discussatildeo que ele mesmo
defende a identidade entre bem e prazer (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 162)
A demarcaccedilatildeo dialeacutetica se oferece nesta primeira abordagem como uma saiacuteda para
tratar da questatildeo dos prazeres da multiplicidade que lhes eacute caracteriacutestica tornando evidente
que o prazer eacute algo complexo muacuteltiplo e natildeo algo uacutenico Os conhecimentos satildeo tambeacutem
muacuteltiplos poreacutem estes lidam com unidades reais e que excluem imediatamente os
conhecimentos contraacuterios ou falsos Vale lembrar que a dialeacutetica eacute capaz de apresentar
divisotildees coerentes mas nunca exaustivas esgotadas ela eacute sempre parcial De tal modo
analisados prazeres e conhecimentos sob a perspectiva da unidade e multiplicidade vemos
que ambos natildeo satildeὁΝἷὅὅἷΝalgὁΝldquoήὀiἵὁrdquoΝldquoiἶecircὀtiἵὁrdquoΝὂaὄaΝὃuἷΝὅἷjam tomados como o bem
Note-se que esse ciacuterculo vicioso entre prazer e bem natildeo foi de tudo rompido Ainda
falta dizer porque alguns prazeres podem ser ditos bons e outros maus ou melhor porque o
prazer natildeo eacute o bem A deficiecircncia de Protarco em seguir as divisotildees anteriores natildeo eacute
ingecircnua223 sua incapacidade de seguir o caminho da dialeacutetica (19b 20a) que resulta na
ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)Νἵὁlὁἵaἶa ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀaΝἴὁἵaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝὀὁὅΝἶiὄigἷΝaΝumaΝldquoὀὁvaΝ
faὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝaὄgumἷὀtativὁΝἷΝἶὁὅΝfiὀὅΝaΝὃuἷΝὅἷΝἶiὄigἷΝὁΝἶiὠlὁgὁέ Ao que tudo indica apoacutes
a demarcaccedilatildeo da dialeacutetica que envolve os prazeres seraacute possiacutevel tratar do bem e da vida
223 ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝἴἷmΝἷὅὅaΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoὂὁὄΝὁutὄὁΝlaἶὁΝἷὅὅἷΝὄἷtὁὄὀὁΝὅὁἴὄἷΝὅiΝmesmo leva Protarco a reconhecer sua incapacidade de praticar a dialeacutetica Essa incapacidade natildeo eacute contingente como vimos ela eacute a consequecircncia necessaacuteria do seu hedonismo Nesta fase do diaacutelogo Protarco ainda natildeo tem nenhuma razatildeo para desistir de sua posiccedilatildeo hedonista e enquanto ele o adotar natildeo poderaacute praticar dialeacutetica Nesse sentido tambeacutem o valor metodoloacutegico da dialeacutetica natildeo pode ser pressuposto porque conceder tal valor agrave dialeacutetica jaacute implica que o hedonismo radical de Protarco foi refutado Soacutecrates certamente tornou este valor plausiacutevel apresentando a dialeacutetica como um presente dos deuses mas para aceitaacute-lo plenamente Protarco deve primeiro estar livre de seu hedonismo radical Eacute portanto a identidade proclamada entre o prazer e o bem que seratildeo abordados agora e ὅἷmΝὄἷἵὁὄὄἷὄΝὡΝἶialὧtiἵaΝὅἷmΝaΝὃualΝaΝἶἷmὁὀὅtὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumΝἵiacuteὄἵulὁΝviἵiὁὅὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ162 grifos do autor)
157 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
boa prescindindo das divisotildees das espeacutecies de prazer o que por sinal iraacute eliminar de vez o
impasse do ciacuterculo inicial
Lembremos que todo o processo argumentativo culminaraacute no artifiacutecio socraacutetico
habitual consistindo em faὐἷὄΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝὅἷuΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄΝ ὅἷΝ tὁὄὀἷΝ umΝ ἶἷfἷὀὅὁὄΝ ἶaΝ ldquotἷὅἷΝ da
multiἶatildeὁrdquoΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝὁ prazer como o bem A primeira abordagem da dialeacutetica como vimos
natildeo fazia sair do impasse daquela tese em quἷΝldquoὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquo diziam ser a inteligecircncia o bem
os intemperantes ser o prazer o bem224 Pode-se afirmar que em um primeiro momento a
dialeacutetica eacute um meio oferecido por Soacutecrates para tratar definitivamente da saiacuteda desse impasse
por meio de uma segunda tentativa que iraacute configurar a vida mista ou seja o proceder
dialeacutetico seraacute ofertado por quem natildeo a pratica ainda mas permanece circunscrito em um
discurso fechado que natildeo se potildee em discussatildeo e que busca se afirmar sempre A
modificaccedilatildeo no discurso inicial de Filebo que diz que o prazer eacute bom para todos os seres vivos
e que todos o desejam reconfigura-ὅἷΝὀaΝldquotἷὅἷΝἶaΝmultiἶatildeὁrdquoΝὂἷlaΝaὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅ225 e de
Protarco226 que emprestam ao personagem que nomeia o diaacutelogo um discurso transmutado
em tese Em um segundo momento a dialeacutetica agora pode se voltar sobre o outro aspecto
relativo agrave anaacutelise do prazer a saber sua bondade ouΝὅἷjaΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝldquoὧtiἵὁrdquoΝὄἷἵὁἴὄἷΝἷὅὅaΝ
segunda parte evidenciando uma aparente derrocada metodoloacutegica uma separaccedilatildeo artificial
e forccedilada pois ambos os aspectos (metodoloacutegicoeacutetico) se implicam mutuamente como se
pode notar Estamos agora de volta agravequele ciacuterculo vicioso inicial poreacutem em uma outra
extremidade Agora seraacute o bem que deveraacute ser tratado para afinal se decidir se um dos dois
prazer ou conhecimento pode ser tido como o bem
Anteriormente a dialeacutetica era tratada em vista da abordagem muacuteltipla indeterminada
dos prazeres a fim de demonstrar a coerecircncia interna faltante na tese do gecircnero comum dos
prazeres Agora a dialeacutetica deixa aos poucos transparecer sua parcialidade trata-se aqui da
ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝviὅlumἴὄaὄΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὅὅἷΝtἷὄἵἷiὄὁΝtἷὄmὁΝἷὅὅἷΝἵὁὀtἷήἶὁΝvaὐiὁΝaΝὃualὃuἷὄΝ
um que natildeo eacute capaz de praticar a dialeacutetica de onde essa concepccedilatildeo (a vida boa) resulta Isso
explica como bem observa Delcomminette que ldquonestas circunstacircncias natildeo eacute surpreendente
que Soacutecrates use exatamente o mesmo estratagema que no caso anterior para quebrar o
224 (Cf R VI 505b7-8) 225 Como bem notou Dixsaut (2017) Soacutecrates inverte pura e simplesmente a afirmaccedilatildeo primeira no decorrer do diaacutelogo a ponto de chegar a dizer que o Filebo natildeo teria no final das contas afirmado que todo prazer eacute bom mas ele teria dito que o bem eacute o prazer A afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer transforma-ὅἷΝἷmΝumaΝ(mὠ)ΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝἴὁmΝἷlaΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquoἓὀtὄἷΝaΝfὰὄmulaΝiὀiἵialΝe sua inversatildeo final haacute todo um percurso bastante complicado do Diaacutelogo sendo um de seus resultados ter triunfado em estabelecer uma simetria perfeita entre as duas teses e diferenciar ὄaἶiἵalmἷὀtἷΝὅἷuὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἃἄ-257) 226 ldquoἏΝὂὄimἷiὄaΝtὄaὀὅfὁὄmaὦatildeὁΝὧΝὁὂἷὄaἶaΝὂὁὄΝἢὄὁtaὄἵὁέΝἡὅΝἶὁiὅΝ logoi (o de Filebo e o de Soacutecrates) satildeo apresentados por ele como duas respostas a uma mesma questatildeo o que confere agravequele de Filebo um valὁὄΝὄἷiviὀἶiἵativὁΝauὅἷὀtἷΝἶaΝὂὄimἷiὄaΝfὰὄmulaμΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἵἷὅὅaΝἶἷΝὅἷὄΝlsquoἴὁmΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅrsquoΝpara tornar-ὅἷΝlsquoaΝmἷlhὁὄΝἶaὅΝἵὁiὅaὅΝhumaὀaὅrsquoΝἷΝἷὀtὄaὄΝἷmΝἵὁὀἵὁὄὄecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦ 2017 p 255)
158 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἵiacuteὄἵulὁΝ aΝ ὅaἴἷὄΝ umaΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ (2002 p 162-163) Vejamos do que trata essa
lembranccedila divina227 (πλ μΝ α κῖμΝηθάηβθΝ δθ κε ῖ έμΝηκδΝ πεΫθαδΝγ θΝ ηῖθ) (20b3-4)
Soc Vecircm agora agrave minha mente certos discursos (ζσΰπθ) que haacute muito escutei em sonho ou em vigiacutelia sobre o prazer e o pensamento (π λέ
κθ μ εα φλκθά πμ) Tais discursos afirmam que nenhum dos dois eacute o bem ( μΝκ Ϋ λκθΝα κῖθΝ δΝ ΰαγσθ) mas sim uma terceira coisa ( ζζ
ζζκΝ δΝ λέ κθ) diferente deles ( λκθΝ η θΝ κτ πθ) e melhor que ambos ( η δθκθΝ ηφκῖθ) Mas se isso de revelar agora com toda clareza para noacutes (εαέ κδΝ κ σΝΰ Ν θΝ θαλΰ μΝ ηῖθΝφαθ θ θ) entatildeo o prazer fica afastado da vitoacuteria ( πάζζαε αδΝη θΝ κθ κ θδε θ) pois o bem natildeo poderia mais ser a mesma coisa que o prazer ( ΰ λΝ ΰαγ θΝκ εΝ θΝ δΝ α θΝα ΰέΰθκδ κ) Natildeo eacute assim (20b6-c2)
A possibilidade de umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ἵὁmὁΝ jὠΝ ἶiὅὅἷmὁὅΝ jὠΝ tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ aὀuὀἵiaἶaΝ
(11d11-12a4) aqui Ela apenas se concretiza passa a ser o meio pelo qual torna-se possiacutevel
ὅaiὄΝἶὁΝἷὀfὄἷὀtamἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝἶuaὅΝtἷὅἷὅΝiὀἵὁmὂatiacutevἷiὅέΝἏΝldquolἷmἴὄaὀὦaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝὁΝmἷiὁΝ
encontrado para prescindir da divisatildeo das espeacutecies de prazer (20c4-6) De certa forma a
questatildeo sobre o bem jaacute antecipa a conclusatildeo que viraacute mais adiante a vida boa eacute uma vida
mista resultante da combinaccedilatildeo ἷὀtὄἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(ldquo υθαηφσ λκμΝ(έέέ)Ν ιΝ ηφκῖθΝ
υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμνrdquo) (22a1-2) Mas de que maneira se pode compreender essa
mistura Os deuses apenas se contentam em nos informar a ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝldquouma terceira
ἵὁiὅaΝὅἷὄΝὁΝἴἷmrdquoΝἷὀtὄἷtaὀtὁ esse conteuacutedo ainda permanece vazio nada sabemos acerca da
vida boa exceto que ela eacute uma vida mista e que prazer e inteligecircncia soacute podem agora lutar
pelo segundo precircmio O que exige que Soacutecrates e Protarco entrem em acordo
( δκηκζκΰβ υη γα) sobre alguns pequenos pontos (ηέελrsquoΝ α) (20c8) sobre o lote que
compete ao bem ( θ ΰαγκ ηκῖλαθ) (20d1) o bem ( θ ΰαγκ ) deve ser perfeito ( Ϋζ κθ)
(20d1-2) suficiente ( εαθ θ) (20d4) quando reconhecido perseguido por todos e todos
tendem a ele querendo capturaacute-lo e adquiri-lo (ldquo μΝπ θΝ ΰδΰθ εκθΝα γβλ τ δΝεα φέ αδΝ
ίκυζση θκθΝ ζ ῖθΝεα π λ α ε ά α γαδrdquo)Ν ldquo() e natildeo se preocupa com nenhuma outra
coisas exceto aquelas que se completam emΝἵὁὀἷxatildeὁΝἵὁmΝalgumΝἴἷmrdquoΝ(εα θΝ ζζπθΝκ θΝ
φλκθ έα δΝπζ θΝ θΝ πκ ζκυηΫθπθΝ ηαΝ ΰαγκῖμ)Ν(ἀίἶἅ-10)
Em 20e a questatildeo reconfigura-se As duas hipoacuteteses aventadas no iniacutecio do diaacutelogo
acerca do bem transformam-se agora em modelos de vida que passam a ser confrontados
vida de prazer ( θ κθβμ ίέκθ) e vida de pensamento ( θ φλκθά πμ ίέκθ) (20e1-2) Natildeo
ὅἷΝtὄataΝmaiὅΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝὂaὄaΝὂἷὀὅaὄrdquoΝὀἷmΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
ἶaΝalmaΝὂaὄaΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡΝὃuἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝἴἷmΝeacute um modo de vida (ίέκμ)
227 Essa accedilatildeo de recordar eacute comum em outros diaacutelogos como se nota em Chrm 178a Tht 201c-d Lg 800a 960b
159 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
que passa do modelo de vida unicamente dos seres vivos para um modelo que podemos e
devemos escolher o qual depende necessariamente da atuaccedilatildeo de certos estados e
disposiccedilotildees da alma que conduzem agrave felicidade Essa vida boa soacute pode ser a vida feliz que
necessariamente depende da maneira de ser (estado) do cultivo desses estados e do
resultado dessas disposiccedilotildees
A vida boa eacute a uacutenica que pode receber tais atributos se de fato estamos a considerar
uma vida propriamente humana ἥἷΝἶἷὅἷjaὄmὁὅΝὃuἷΝἷlaΝὅἷjaΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
que nos atenhamos agravequilo que consideramos ser o bem Isso natildeo significa considerar o bem
como algo metafiacutesico ou abstrato Temos aqui um experimento mental ambas as vidas (de
prazer e de conhecimento) satildeo examinadas ( εκπ η θ) e julgadas (ελέθπη θ)
separadamente sob o propoacutesito de se verificar alguma identidade entre elas e o bem (20e1-
2) Ora se alguma destas vidas eacute o bem elas natildeo devem prescindir de mais nada Deste
modo natildeo se poderaacute admitir nem pensamento na vida de prazer nem prazer na vida de
pensamento Caso algumas das vidas demonstre insuficiecircncia ela natildeo poderaacute ser o bem
(21a4-8) Eacute aqui que tais vidas satildeo postas agrave prova e o criteacuterio eacute simples como algueacutem aceitaria
regular a sua existecircncia inteira e unicamente pela busca de um ou de outro isto eacute unicamente
de prazer ou unicamente de inteligecircncia
A proposta entatildeo eacute feita a Protarco Satildeo testadas no proacuteprio interlocutor
Primeiramente poderia este aceitar viver a vida inteira desfrutando dos maiores prazeres
( κθ μ η ΰέ αμ) (21a8-9) Isso seria suficiente Soacutecrates alega que natildeo visto que sem o
pensamento e a inteligecircncia (φλκθ ῖθ εα κ θκ ῖθ) torna-se impossiacutevel a realizaccedilatildeo do caacutelculo
(ζκΰέα γαδ) daquilo que eacute necessaacuterio ao indiviacuteduo ele ignoraria o proacuteprio fato de estar
sentindo prazer jaacute que natildeo possui pensamento (21b6) Tambeacutem natildeo poderia se lembrar dos
prazeres passados nem conservar a lembranccedila do prazer presente pois natildeo possuiria neste
caso a memoacuteria (ηθάηβθ) (21c1-4) Sem a opiniatildeo verdadeira ( σιαθ ζβγ ) natildeo se pode
julgar ( σιαα δθ) que haacute prazer nem mesmo calcular (ζκΰδ ηκ ) o prazer vindouro (21c4-6)
Soc Natildeo viverias no entanto uma vida humana ( θγλυπκυ ίέκθ) mas a vida de algum molusco ou de uma dessas criaturas marinhas que vivem em corpos de ostras Seraacute assim mesmo ou podemos conceber isso de modo diferente (21c6-8)
ἜἷfἷἴvὄἷΝ(1λλλ)ΝἷxὂliἵaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶὁΝldquoὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁrdquoΝἷΝἶaὅΝldquoἵὄiatuὄaὅΝaὃuὠtiἵaὅέΝἡΝ
teoacuterico nos explica que aqui se faz menccedilatildeo agrave falta de consciecircncia do prazer e tambeacutem natildeo se
trata de uma pura oposiccedilatildeo entre o animal e o humano Os seres aquaacuteticos ocupam o uacuteltimo
grau da hierarquia dos viventes que natildeo respiram pelo ar mas pela aacutegua impuros como sua
alma porque satildeo os mais ignorantes O pulmatildeo marinho eacute um niacutevel uma direccedilatildeo assintoacutetica
mais baixa no sentido de uma hierarquia das almas A alma do pulmatildeo marinho eacute ainda mais
160 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
pobre que a das plantas e que natildeo participam da transmigraccedilatildeo das almas (Cf Ti 92b-c)
Plantas possuem sensaccedilotildees prazerosas e dolorosas juntamente como desejo o pulmatildeo
marinho natildeo (Ti 77b6-7) estatildeo fixados imoacuteveis na sensaccedilatildeo de um prazer sem dor Mas o
prazer em si lhe falta O pulmatildeo marinho carece de sensibilidade porque lhe falta um elemento
nomeado φλσθδηκθ (Cf Ti 64b6)228 (p 81-84)
No Filebo a vida de prazer puro eacute como dito anteriormente desprovida de memoacuteria
de opiniatildeo correta e de reflexatildeo Antecipaccedilatildeo conhecimento lembranccedila conservaccedilatildeo seriam
accedilotildees impossiacuteveis ao prazer sem o conhecimento Passado presente e futuro satildeo as
dimensotildees temporais que caracterizam o fluxo no qual o prazer se encontra Sem essas
dimensotildees o prazer seria apenas instantacircneo ou menos do que isso O Filebo nos diraacute em
33d-34a que haacute insensibilidade ( θαδ γβ έα) quando a impressatildeo (πΪγβηα) fraca apenas
toca o corpo sem afetar a alma ou seja no caso em que um ser vivo eacute totalmente desprovido
de φλσθβ δμ Isso natildeo significa que as sensaccedilotildees desses seres aquaacuteticos natildeo alcanccedilariam
suas almas uma vez que eles a possuem eles teriam sim sensaccedilotildees (α γβ δμ) e natildeo
insensibilidade mas sem memoacuteria imediatamente apoacutes a sensaccedilatildeo esta natildeo se conservaria
desapareceria instantaneamente
Poderiacuteamos dizer que esta alma (do pulmatildeo marinho) eacute uma alma desejante por
conseguinte sentiria falta de prazer ou seja dor Esse tipo de alma seria um sujeito
desejante Essa pergunta eacute complicada e talvez soacute teraacute resposta mais adiante a dor ainda
ὀatildeὁΝὧΝ tὄataἶaΝaὃuiέΝEacuteΝ imὂὁὅὅiacutevἷlΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἷὅὅἷΝὂὄaὐἷὄΝ ldquoἵὁmὂlἷtὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝcomparado ao
sujeitos dos prazeres mistos que seraacute analisado mais adiante (31d-36c 46b-47b) Nenhum
prazer que seja da alma ou do corpo exceto os prazeres puros pode ser separado da dor da
alma ou do corpo anterior ou simultacircnea em relaccedilatildeo ao prazer Quem tem sede sofre essa
sede em seu corpo mas se alegra em sua alma de poder saciar-se ou sofre por natildeo poder
fazer tal accedilatildeo O corpo tanto sofre quanto se alegra quando sacia sua sede Os maiores
prazeres ( η θκμ κθ μ μ η ΰέ αμ 21a9 b4-5) oferecidos a Protarco em um estado
hipoteacutetico de vida de puro prazer seratildeo tomados no diaacutelogo enquanto pertencentes ao gecircnero
ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝmiὅtὁὅΝὃuἷΝἵὁὀtὧmΝmaiὁὄΝvivaἵiἶaἶἷΝὁὅΝὃuaiὅΝὅatildeὁΝὄἷὀἷgaἶὁὅΝὂἷlὁὅΝldquoiὀimigὁὅΝ
ἶὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ὄἷὂugὀaὀtἷὅrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅ desmesurados (45d3-ἄ)rdquoΝ ὂὄἷἵἷἶiἶὁὅΝ ὂὁὄΝ
grandes desejos e acompanhados por dores (46a-b) os prazeres excessivos que deixam
loucos os indiviacuteduos intemperantes Aqui natildeo se trata de intemperanccedila natildeo eacute a vida de
228 ldquoἡΝὂulmatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlimitaἶὁΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝtὁἵaὄΝὂὁὄὃuἷΝἷlἷΝὅἷὃuἷὄΝtἷmΝὂὄaὐἷὄμΝἷlἷΝὧΝὅἷmΝphronesis e portanto absolutamente desprovido de sensaccedilotildees em geral O pulmatildeo natildeo eacute prazer sem pensamento porque uma impressatildeo sobre a carne de um pulmatildeo marinho ou de um molusco consiste no maacuteximo em uma impressatildeo extremamente lenta a se propagar em um corpo cujas partes natildeo iratildeo captar jamais o eco e que natildeo alcanccedilaraacute jamais algum phronimon O pulmatildeo marinho entatildeo quase natildeo eacute nada no todo porque o prazer totalmente desprovido de phronegravesis eacute no maacuteximo uma alma ( ηουξα Filebo 21c8 TimeuΝλἀἴἁ)Ν(έέέ)rdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἂ)έ
161 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
prazeres desmedidos mas a vida de prazer ausente de memoacuteria exceto no caso da vida de
prazer puro Como veremos natildeo haacute desejo sem memoacuteria (33c5-34d6)229 a memoacuteria ainda
natildeo possui um papel particular na discussatildeo mas ela seraacute fundamental na anaacutelise do prazer
O prazer dele (do pulmatildeo marinho) eacute o maacuteximo possiacutevel um prazer da πζ λκ δμ (repleccedilatildeo)
ἷΝὀatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝὂaὅὅagἷiὄὁΝὃuἷΝimὂliἵaὄiaΝiὄὄitaὦatildeὁΝἷΝἶὁὄέΝldquoἡΝὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁΝὀatildeὁΝὧΝaὅὅimΝ
apenas o limite do pensaacutevel mas o mais inferior o mais baixo de todos os viventes alguns
desses vivem uma vida de prazeres mistos prazeres que se acompanham de dores e de
mἷmὰὄiardquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έΝ
Natildeo nos interessa tanto essa descriccedilatildeo do prazer sem nenhuma φλσθ δμ e sem
nenhuma dor pois o pulmatildeo marinho goza sem saber e nem deseja um prazer que natildeo seja
defectivo em suma eacute um vivente totalmente atiacutepico Esse tipo de vida natildeo eacute um tipo de vida
que possa ser escolhido enquanto uma vida tipicamente humana Natildeo temos aqui uma
triparticcedilatildeo entre divino animal humano e vida marinha Essa hierarquia ndash se eacute que haacute uma
hierarquia ndash eacute mais continuiacutesta do que separatista como o diaacutelogo iraacute nos mostrar Soacutecrates
entatildeo daacute lugar a uma segunda hipoacutetese a vida de pensamento sem o prazer (ίέκθ
φλκθά πμ ίέκθ) (21d9-e2) ou seja uma vida unicamente em que se possui pensamento e
inteligecircncia e a memoacuteria completa de todas as coisas mas sem tomar parte nem muito nem
pouco nem do prazer nem da dor isto eacute uma vida sem experimentar ( παγ μ) nenhuma
ἶἷὅὅaὅΝἶuaὅΝἵὁiὅaὅέΝldquoἠἷὀhumaΝἶaὅΝἶuaὅΝviἶaὅΝὧΝἶigὀaΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ(α λ μ) ()rdquoΝἶiὄὠΝἢὄὁtaὄἵὁΝ
(21e3-4) nem para o interlocutor nem para a escolha de ningueacutem Ressalta-se que tanto a
vida de prazer instantacircneo sem memoacuteria (moluscos e pulmatildeo marinho) como a vida de puro
ὂἷὀὅamἷὀtὁΝὅatildeὁΝἷxtὄἷmὁὅΝἶἷΝviἶaὅμΝ ldquo(έέέ)ΝumaΝἷΝὁutra indicam duas direccedilotildees que natildeo satildeo
humanamente desejaacuteveis mas que natildeo estatildeo totalmente fechadas agrave escolha do homemrdquo
(LEFREBVRE 1999 p 87) Mas em se tratando da discussatildeo ali encetada quanto agrave vida
boa humana a uacutenica escolha possiacutevel eacute uma vida de pensamento e de prazer
As posiccedilotildees iniciais satildeo de fato falas natildeo por um juiacutezo de valor um juiacutezo moral neste
caso equivocado Esses extremos natildeo podem ser escolhidos230 Podemos notar tal fato pela
discussatildeo que segue
229 ldquo(έέέ)ΝaὂἷὀaὅΝὂodemos desejar a repleccedilatildeo tocaacute-la de alguma maneira natildeo pelo corpo que eacute vivo mas pela alma cuja memoacuteria permanece sempre plena disso que ela goza com o corpo A memoacuteria eacute a condiccedilatildeo de possibilidade do desejo e em geral o princiacutepio vital a origem do todo movimento em direccedilatildeo ao prazer (35d1-3) a memoacuteria que conserva e evoca indica para o vivente os caminhos do prazer jaacute empregados e suscetiacuteveis de ser uma novidade Um vivente sem memoacuteria natildeo poderia portanto desejar nada e nem buscar como objeto do prazer permanecendo inteiramente passivo vindo ateacute ele em permanecircncia um prazer que ele natildeo teria desejado que natildeo seria conservado e sobre o ὃualΝἷlἷΝὀatildeὁΝὅaἴἷὄiaΝὃuἷΝἷὅtaὄiaΝgὁὐaὀἶὁrdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έ 230 Gadamer (2009) eacute um dos que percebem essa contradiccedilatildeo que se apresenta nas propostas aὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὂaὄaΝaΝἷὅἵὁlhaΝἶὁὅΝmὁἶὁὅΝἶἷΝviἶaμΝ ldquoaὅὅimΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝ lὁgὁΝὀaΝἵἷὀaΝ iὀiἵialΝἷmΝὃuἷΝamἴὁὅΝ ὁὅΝ iἶἷiaὅΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ ἷΝ lsquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrsquoΝ ὅatildeὁΝ ἵὁὀtὄaὅtaἶὁὅΝ ὧΝ ὂἷὄὂaὅὅaἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝlatente A maneira ἵὁmὁΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ vivὁὅΝ ὁἴἷἶἷἵἷmΝ ὡὅΝ ἵἷgaὅΝ aὁΝ imἷἶiatὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝimpulsionados pelo poder secreto do iacutempeto vital natildeo satisfaz a possibilidade do ser humano de levar
162 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Soc E o que me dizes ProtarἵὁΝἶaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝ( έΝ ᾽ υθαηφσ λκμ)ΝἶἷΝambas proveniente da mistura comum das duas ( ιΝ ηφκῖθΝ υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμ)ς Prot Estaacutes falando da mistura de prazer de inteligecircncia e de pensamento ( κθ μΝζΫΰ δμΝεα θκ εα φλκθά πμ)ς Soc Estou falando exatamente disso ἢὄὁtέμΝἥἷmΝἶήviἶaΝὃualὃuἷὄΝumΝὅἷmΝἷxἵἷὦatildeὁΝἷὅἵὁlhἷὄiaΝ(α λά αδ)ΝἷὅὅaΝvida de preferecircncia a qualquer uma das outras duas Soc Seraacute que noacutes agora compreendemos qual a consequecircncia do presente argumento Prot Sim certamente Trecircs vidas foram propostas ( δΝ ΰ Ν λ ῖμΝ η θΝ ίέκδΝπλκυ Ϋγβ αθ)ΝἷΝἶuaὅΝἶἷlaὅΝὀatildeὁΝὅἷὄiamΝὅufiἵiἷὀtἷὅΝ( εαθ μ)ΝὀἷmΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ (α λ μ)Ν ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὁὅΝ hὁmἷὀὅΝ ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὃualὃuἷὄΝ ὅἷὄΝ vivὁΝ (κ Ν
θγλυππθΝκ Να πθΝκ θέ)έ Soc No que diz respeito a elas fica claro entatildeo que nenhuma das duas possui o bem ( μΝκ Ϋ λκμΝα κῖθΝ ξ Ν ΰαγσθ)ςΝἢὁiὅΝὅἷΝὁΝὂὁὅὅuiacuteὅὅἷmΝelas seriam suficientes ( εαθ μ)ΝὂἷὄfἷitaὅΝ(εα Ϋζ κμ)ΝἷΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝὂaὄaΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ὂlaὀtaὅΝ ἷΝ aὀimaiὅΝ (εα π δΝ φυ κῖμΝ εα α κδμΝ α λ σμ)Ν ὃuἷΝὂὁἶἷὄiamΝvivἷὄΝὅἷmὂὄἷΝaὅὅimΝaΝviἶaΝiὀtἷiὄaΝ(κ π λΝ υθα θΝ θΝκ πμΝ δ ίέκυΝα θ)νΝmaὅΝὅἷΝalgumΝἶἷΝὀὰὅΝἷὅἵὁlhἷὅὅἷΝὁutra coisa estaria agindo contra a natureza do que eacute verdadeiramente digno de escolha e contra a vontade ὂὁὄΝἵauὅaΝἶaΝigὀὁὄacircὀἵiaΝὁuΝὂὁὄΝἵauὅaΝἶἷΝalgumaΝfἷliὐΝfataliἶaἶἷΝ( ΫΝ δμΝ ζζαΝᾑλ ῖγ᾽ η θΝ παλ φτ δθΝ θΝ θΝ κ ζβγ μΝ α λ κ ζΪηίαθ θΝ επθΝ ιΝ
ΰθκέαμΝ δθκμΝ θΪΰεβμΝκ εΝ αέηκθκμ)Ν(ἀἀa1-b8)
Protarco teria ficado mudo diante da possibilidade da fruiccedilatildeo e uma vida unicamente
de prazer (21d4-5) mas essa sua afonia natildeo significa que ele natildeo tenha escolha Penso que
Platatildeo aqui natildeo diz que a vida unicamente de prazer eacute ruim ou boa natildeo se trata de uma
questatildeo valorativa mas de pura constataccedilatildeo de que uma vida unicamente de prazer eacute uma
vida inferior mesmo as plantas e os animais que satildeo tambeacutem seres desejosos perseguem
o prazer e possuem certo grau de memoacuteria por isso tambeacutem encontram-se submetidos nesse
ciclo de repleccedilatildeo e de vazio de prazer e de dor Perseguir naturalmente o prazer e fugir da
dor eacute uma accedilatildeo que envolve tanto corpo como alma Como jaacute dissemos envolve maior ou
menor grau de φλσθβ δμ em uma dada alma e em um determinado corpo isto eacute utilizando
umΝtἷὄmὁΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaΝἵaὂaἵiἶaἶἷΝἶἷΝldquoὅἷὀἵiecircὀἵiardquoΝἷmΝmaiὁὄΝὁuΝmἷὀὁὄΝgὄauΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝ
possibilita fazer escolhas perseguir aquilo que nos traz prazer e fugir daquilo que nos causa
dor O caso dos animais eacute um caso intermediaacuterio entre as duas vidas extremas assim como
o caso da vida humana Natildeo se trata entatildeo de uma diferenccedila entre animalidade humanidade
e divindade mas de uma diferenciaccedilatildeo em graus de inteligibilidade do sujeito desejante em
a sua proacutepria vida Essa questatildeo eacute exposta assim logo no iniacutecio de modo que no final teraacute de resultar a contradiccedilatildeo de que aqui algo seja colocado para escolha mas que efetivamente natildeo possa ser escolhido A cegueira do iacutempeto vital o qual sobre tudo impera eacute a falta de escolha Mas do outro lado da escolha encontra-se aquilo que por si soacute jaacute estaacute escolhido por estar posto para escolha o proacuteprio ἷὅἵὁlhἷὄΝatὄavὧὅΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἵὁὀtiἶὁΝὀὁΝaὃuilὁrdquoΝ(ὂέΝ111)έΝ
163 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
relaccedilatildeo ao objeto prazeroso Eacute necessaacuterio aqui concordar com Lefka (2010) que esses
estaacutegios de vida extremados satildeo apenas suposiccedilotildees de Soacutecrates modos de vida presentes
no iniacutecio do diaacutelogo e que satildeo descartados totalmente agora mais do que indignos de escolha
eles nos satildeo na verdade impossiacuteveis Nossa constituiccedilatildeo humana encarnada bioloacutegica natildeo
nos permite tal escolha (p 173-174)
A alusatildeo aos animais e agraves plantas soacute pode ser neste caso uma insinuaccedilatildeo irocircnica
porque parece impossiacutevel aos animas e plantas escolherem algum tipo de vida Eles podem
escolher como gozar e como fugir da dor em um dado estado de vida que lhes eacute pertinente
ou seja naquele em que eles se encontram situados mas caso pudessem escolher entre ter
mais memoacuteria mais inteligibilidade para que gozem de prazeres mais permanentes dos quais
teriam uma melhor consciecircncia ou inteligibilidade obviamente escolheriam estar mais
proacuteximos do estado de permanecircncia de prazer e de ausecircncia em maior medida de dor ou
seja a apatia ἶaΝviἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵhamaὄὠΝἶἷΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoΝ(ἁἁἴἅ)έΝεaὅΝὁΝὃuἷΝὀἷmΝmἷὅmὁΝὁὅΝ
animais e as plantas nos diz Soacutecrates em 22b podem escolher satildeo tambeacutem esses tipos de
vida extremados porque suas configuraccedilotildees aniacutemicas natildeo se situam nem na ausecircncia total
de φλσθβ δμ ou seja a apatia anestesia o prazer dotado de imediaticidade como eacute o caso
do pulmatildeo marinho que possui sensibilidade em menor grau nem no mais alto grau de
φλκθ δμ da pura inteligibilidade de permanecircncia de pensamento puro
Logo tanto a vida humana como a vida animal satildeo intermediaacuterias entre essas
concepccedilotildees impossiacuteveis de vida Ambas apenas se diferenciam perante as possibilidades de
escolha segundo os graus diferentes de φλσθβ δμ pois a vida humana mista diferentemente
da vida mista dὁὅΝaὀimaiὅΝὂὁἶἷΝὅἷΝὂὄἷὅtaὄΝaΝὅἷὄΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝumaΝviἶaΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝgὁὐaΝ
melhor em que tais indiviacuteduos se abrem aos prazeres puros e necessaacuterios como tambeacutem a
todas as formas de conhecimento e que pode merecidamente ser tributaacuteria da caracterizaccedilatildeo
de uma vida mista (humana) propriamente boa Basta analisar a constataccedilatildeo do proacuteprio
ἢὄὁtaὄἵὁμΝldquoἓὅtὠὅΝfalaὀἶὁΝἶaΝmiὅtuὄaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἶἷΝ[ὂὄaὐἷὄΝἶἷ]ΝὂἷὀὅamἷὀtὁςrdquoΝ
(22a1-2) Apesar de franqueaacuteveis ambos os modelos de vida devido a nossa dada condiccedilatildeo
(humana) nos satildeo-nos impossiacuteveis por isso o prazer e o conhecimento da vida mista eacute
diferente do puro prazer e do puro conhecimento Aqui portanto se pode dizer que na vida
mista seja a de um animal ou de um homem tem-se um pensamento que resulta prazeroso
e prazeres que apenas existem a partir do pensamento A mistura num primeiro momento
parece ser uma mistura desses elementos tomados (unicamente) como no iniacutecio do diaacutelogo
mas aos poucos vemos que isso natildeo possiacutevel que natildeo se trata disso O prazer da vida mista
natildeo eacute o prazer puro e o pensamento da vida mista natildeo eacute o pensamento puro
ἏΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝὂὄὰὂὄiaΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὃuἷΝἷxἵluiΝὃualὃuἷὄΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝὁΝ
tὄacircὀὅitὁΝ ldquoὂὄἷἷὀἵhimἷὀtὁ-vaὐiὁrdquoΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ ἵὁmὁΝ mὁἶἷlὁΝ umaΝ vἷὐΝ ὃuἷΝ ὁΝ hὁmἷm pode
apenas aspirar a esse estado divino de puro pensamento quando se potildee a refletir sobre uma
164 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
vida em que se pode gozar mais e da melhor maneira possiacutevel entretanto devido agrave sua
condiccedilatildeo jamais atingiraacute o niacutevel puro de inteligibilidade O homem e tambeacutem o filoacutesofo natildeo se
guiam pelo discurso inspirado nas paixotildees eroacuteticas dos animais mas por aqueles inspirados
pela forccedila da Musa filosoacutefica nos diraacute o final do Filebo (67b) Dizer que a busca dos animais
pelo prazer e a fuga da dor seria uma prova de que o prazer eacute o bem implica em desconsiderar
que a vida humana dispotildee de um modelo de vida ndash apesar de misto como os animais ndash em
que tanto o prazer quanto o conhecimento dessa vida mista (humana) satildeo diferentes isto por
que os graus de inteligibilidade que tornam possiacuteveis a fruiccedilatildeo dos prazeres ordenadamente
nessa vida eacute diferente daquela dos animais e por ser diferente ela possui outras e ateacute
melhores possibilidades de fruiccedilatildeo desses prazeres daquela dos animais
Em um niacutetido e bom tom ele (o filoacutesofo) tem algo a mais para se preocupar do que se
lamentar quanto agrave sua condiccedilatildeo presente colocando em atividade maacutexima sua criatividade
ὂaὄaΝtἷὀtaὄΝtὄaὀὅgὄἷἶiὄΝἷὅὅaὅΝldquoὄἷgὄaὅrdquoΝfiὄmἷmἷὀtἷΝἷὅtaἴἷlἷἵiἶaὅΝὂἷlaΝὀatuὄἷὐaΝtὄaὀὅgὄἷἶiὀἶὁ-
as por meio da possibilidade de um discurso que irrompe com essa situaccedilatildeo primariamente
humana presente de repleccedilatildeo e de vazio natildeo eliminado esse ciclo mas tornando seus efeitos
mἷὀὁὅΝ ἶaὀὁὅὁὅΝ aὁΝaὅὂiὄaὄΝ ὅἷΝ aὂὄὁximaὄΝ ἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝ ἶἷὅtἷΝ ἷὅὅἷΝ ἷὅtὠgiὁΝ ldquomaiὅΝ ἶiviὀὁrdquoΝ
visando essa superioridade Ousadia de nossa parte Talvez sim talvez natildeo mas jaacute que
dispomos de um maior grau de inteligibilidade porque natildeo tentar explorar suas possibilidades
maacuteximas mesmo sabendo dessa ilimitaccedilatildeo proacutepria de nossa constituiccedilatildeo limitada Por que
natildeo toὄὀaὄΝὁὂἷὄaὀtἷὅΝὀὁὅὅaὅΝfaἵulἶaἶἷὅΝὀἷὅὅἷΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝἶἷΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝ(mὁὄtἷ)Ν(ὀaΝ
medida do possiacutevel) indo em direccedilatildeo agravequilo que eacute proacuteprio da alma essa estabilidade essa
permanecircncia da vida de pensamento puro e que pode nos auxiliar a orientar com certa clareza
uma vida e que se possa gozar com maior qualidade nessa nossa vida mista de prazer e de
conhecimento Como nos diz sabiamente Bossi (2008)
observemos que Soacutecrates natildeo apresenta a alternativa em forma excludente senatildeo hieraacuterquica pode aceitar que o prazer seja bom para os seres vivos que cegamente perseguem sua perpetuaccedilatildeo como espeacutecie poreacutem o melhor para o homem eacute o uso de suas capacidades intelectuais porque a vida humana eacute uma vida que deve decidir-se a cada momento que natildeo estaacute traccedilada de antematildeo pela forccedila do instinto () ao comparar e buscar natildeo fazemos outra coisa que seguir os passos para escolher e ao fazecirc-lo jaacute estamos dando mostras de dar prioridade ao caacutelculo racional jaacute elegemos conforme nosso modo de ser humano (p 228-229)
Ateacute entatildeo a inteligecircncia possui uma atribuiccedilatildeo meramente procedimental Cabe a ela
organizar devidamente a vida mista humana ou natildeo-humana para que esses tipos de vidas
sejam vidas suficientes satisfatoacuterias dotadas de razoabilidade Mas veremos no caso da
vida humana a inteligecircncia ocuparaacute um papel maior aleacutem daquele de constituinte da vida
mista A inteligecircncia apenas organiza a fruiccedilatildeo do prazer nesse primeiro momento Sem o
165 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
pensamento como jaacute vimos natildeo eacute possiacutevel fruir o prazer sua duraccedilatildeo eacute tatildeo instantacircnea que
ele (o prazer) escapa da proacutepria temporalidade reconhecidamente proacutepria enquanto condiccedilatildeo
em que se situam os seres vivos por meio da inteligecircncia alguns partilhando em menor ou
maior grau dela Natildeo haacute nenhum meio do prazer ser bem sucedido sem o pensamento
Prazer e conhecimento natildeo satildeo tratados da mesma maneira isso eacute um fato jaacute que a
inteligecircncia encontra-se em um niacutevel acima porque ela eacute capaz de tornar possiacutevel a resultante
do desejo do prazer ela eacute um meio que torna um fim possiacutevel mas tambeacutem ela natildeo se
encontra separada do prazer na vida mista pois a proacutepria faculdade intelectiva caminha para
a realizaccedilatildeo desse fim isto eacute para o prazer ela busca a maneira correta e mais bem ordenada
para a realizaccedilatildeo do desejo e do prazer Ora natildeo temos aqui nenhuma relaccedilatildeo de
anterioridade entre prazer e inteligecircncia nem mesmo uma relaccedilatildeo de causalidade entre
ambos mas cada um dos dois (prazer e conhecimento) executam suas funcionalidades
proacuteprias nesse conjunto da vida mista humana ou seja uma correlaccedilatildeo Contudo no caso do
homem ele natildeo apenas recorda ou deseja ele avalia emite caacutelculos e juiacutezos com maior
fecundidade acerca dessa proacutepria organizaccedilatildeo que prescinde de satisfaccedilatildeo em um dado
modelo de vida numa dada condiccedilatildeo e mais ele pode tentar alcanccedilar dentro desta sua vida
mista entre prazer e conhecimento melhores arranjos que possam levaacute-lo a fruir natildeo apenas
de forma satisfatoacuteria o prazer mas tambeacutem em abundacircncia e melhor ou seja uma vida em
que seja capaz de atender em maior grau as nossas aspiraccedilotildees propriamente humanas
Eacute por isso que Soacutecrates considera diante do que foi exposto jaacute ser suficiente admitir
ὃuἷΝaΝldquoἶἷuὅaΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(Φδζάίκυ γ θ) natildeo poder ser o bem ( ΰαγσθ) (22c1-2) Filebo
retruca dizendo que nem mesmo a inteligecircncia (θκ μ) de Soacutecrates eacute o bem ( δ ΰαγσθ)
ἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝfaὐΝὃuἷὅtatildeὁΝἶἷΝἶiὅtiὀguiὄμΝldquoἥimΝtalvἷὐΝaΝmiὀhaΝ( ΰrsquoΝ ησμ) Filebo Mas natildeo
aΝiὀtἷligecircὀἵiaΝvἷὄἶaἶἷiὄaΝἷΝἶiviὀaΝἵὄἷiὁΝὂὁiὅΝἵὁmΝἷlaΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὅἷΝἶatildeὁΝἶἷΝmὁἶὁΝἶifἷὄἷὀtἷrdquo (ldquoκ
ηΫθ κδΝ σθΝΰ Ν ζβγδθ θΝ ηαΝεα γ ῖκθΝκ ηαδΝθκ θΝ ζζ᾽ ζζπμΝππμΝ ξ δθrdquo)Ν (ἀἀἵἃ-6) A partir
disso a discussatildeo adquire a forma de um ranking o primeiro precircmio ( θΝη θΝκ θΝθδεβ βλέπθ)
jaacute foi atribuiacutedo agrave vida conjunta ( θΝεκδθ θΝίέκθ) mas agora o que estaacute em jogo eacute o segundo
precircmio ( υ λ έπθ) (22c6-7) Neste momento cada um dos interlocutores pode reclamar
ambos para si o segundo precircmio devem lutar por ele um para o prazer outro para a
inteligecircncia enquanto causa (α δκθ) dessa vida conjunta (22d1-4)
Ora como visto nenhuma das vidas anteriores isoladas vida de prazer e vida de
conhecimento seria o bem ou melhor esses estados ou disposiccedilotildees da alma para a vida
humana enquanto uma vida mista de prazer e conhecimento porque nenhuma das vidas
anteriormente mencionadas possui o grau maacuteximo de suficiecircncia na vida humana mista
ambas exigindo a presenccedila uma da outra Eacute isto que conduz Soacutecrates agrave pergunta sobre a
causa dessa mistura ou seja o que torna possiacutevel esse arranjo em uma dada condiccedilatildeo de
vida Mas aqui Soacutecrates avanccedila ainda mais ao dizer que essa causa eacute tambeacutem um elemento
166 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
que compotildee a proacutepria mistura Jaacute que cada um dos interlocutores deve agora guerrear cada
um como partidaacuterio de um dos dois elementos prazer e inteligecircncia em favor do segundo
precircmio que natildeo eacute o bem mas causa dessa mistura que lhe confere existecircncia efetiva naquilo
que ela eacute propriamente uma mistura Como um elemento poderaacute ser responsaacutevel pela proacutepria
foacutermula dessa mistura e ao mesmo tempo um elemento constituinte dessa proacutepria mistura
Simultaneamente esse elemento deveraacute tornar-se possiacutevel por intermeacutedio de sua accedilatildeo um
efeito um resultado estando ele proacuteprio tambeacutem presente nesse efeito sendo incluiacutedo nessa
mistura da qual ele proacuteprio eacute o agente e por conseguinte causa
Agora sobre esse ponto eu gostaria de enfrentar Filebo com muito mais energia sustentando que nessa vida mista ( θΝ μΝ θΝ η δε κτ ίέ ) o que quer que seja aquilo que tendo sido obtido por ela a torne digna de escolha e boa (α λ μΝ ηαΝεα ΰαγσμ) natildeo eacute o prazer (κ ξΝ κθ ) mas a inteligecircncia (θκ μ) que lhe eacute mais aparentada e semelhante ( κτ
υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθΝ δ) e de acordo com esse argumento poderiacuteamos entatildeo afirmar que natildeo se pode atribuir ao prazer nem o primeiro nem o segundo precircmio ( θΝ θΝπλπ έπθΝκ ᾽ α θΝ υ λ έπθ) e se no momento devemos dar algum creacutedito agrave minha inteligecircncia ( δΝ η θ
ῖ πδ τ δθΝ η μΝ θ θ) ele estaacute muito longe ateacute do terceiro precircmio (πκλλπ ΫλπΝ ᾽ θΝ λδ έπθ) (22d5-e3)
Soacutecrates se alia agrave inteligecircncia em favor do segundo precircmio somente depois de ter
chegado agrave conclusatildeo juntamente com Protarco de que o primeiro precircmio apenas pode ser
atribuiacutedo agrave vida mista de prazer e de conhecimento e que nenhum deles pode ser unicamente
o bem como nenhuma das duas vidas vida de prazer unicamente e vida de conhecimento
possui o bem Por isso Soacutecrates diz agora que iraacute enfrentar com mais vigor a Filebo lutando
em favor do segundo precircmio ao disputar o lugar da causa da mistura Nos eacute dito que a
iὀtἷligecircὀἵiaΝ ὧΝ maiὅΝ aὂaὄἷὀtaἶaΝ ἷΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ( υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθ)έΝ ἥὁmἷὀtἷΝ aΝ
disposiccedilatildeo para o conhecimento pode gerar e concomitantemente ser parte constituinte da
mistura pois ao prazer falta essa capacidade ordenadora proacutepria da inteligecircncia O posto de
causa lhe seria negado ao prazer em virtude da sua pouca eficaacutecia ordenadora quando
comparada agrave inteligecircncia A inteligecircncia o conhecimento eacute semelhante agrave forma inteligente da
vida ordenada Dito isso o pensamento agora deixaraacute de ser tratado apenas segundo essa
funccedilatildeo (procedimental) de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres sua participaccedilatildeo na mistura
em questatildeo deixa de ser meramente a de um constituinte como tambeacutem seria o prazer Assim
o pensamento adquire o status de constituinte fundamental como causa dessa mistura Aleacutem
de ordenaacute-la ele produz um efeito nessa mistura cujo resultado tambeacutem o incluiraacute como um
elemento fundamental indispensaacutevel naquilo que ele proacuteprio constitui essa mistura de prazer
e conhecimento que configura a vida humana
167 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Tratar do segundo precircmio e de o porquecirc ele eacute indispensaacutevel nessa mistura poderaacute nos
dizer algo a mais sobre o valor do prazer nessa mistura assim como o porquecirc de ele natildeo
pode ser a causa dessa misturaέΝἢὁὄΝagὁὄaΝὧΝmἷlhὁὄΝὀatildeὁΝtὁὄtuὄaὄΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝmἷlhὁὄΝldquoἶἷixὠ-
lὁΝἷmΝὂaὐrdquoΝὀatildeὁΝldquoἵauὅaὄΝἶὁὄΝaὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὀὁὅΝἶiὄὠΝἥὰἵὄatἷὅΝ(ἀἁaἄ-8) Ainda natildeo eacute o momento
de examinaacute-lo com profundidade e rigor ou melhor refutaacute-lo ( ι ζΫΰξκθ α)Ν(ἀἁaἅ)έΝ
Para marchar em favor da inteligecircncia e obter para ela o segundo precircmio iremos agora
aἶἷὀtὄaὄΝὡΝὀὁvaΝldquomaὃuiὀaὦatildeὁΝἶἷΝguἷὄὄardquoΝ( ῖθΝ ζζβμΝηβξαθ μ)ΝἷmΝὃuἷΝὅἷὄatildeὁΝutiliὐaἶaὅΝaὄmaὅΝ
(ίΫζβ)Ν ἶifἷὄἷὀtἷὅΝ ἶὁὅΝ aὄgumἷὀtὁὅΝ aὀtἷὄiὁὄἷὅΝ ( ξ δθΝ λαΝ θΝ ηπλκ γ θΝ ζσΰπθ)Ν ἷmἴὁὄaΝ
algumas possam ser as mesmas ( δ πμ θδα εα α Ϊ) (23b6-8) Soacutecrates entatildeo diz
aΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝἵautἷlaΝaὁΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ( δγΫη θκδ)ΝἵἷὄtὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ( θΝ ΫΝ
ΰ Ν λξ θ)Ν ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷὀὁmiὀaΝ ἵὁmὁΝ ldquoὀὁὅὅὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁrdquoΝ (ἀἁἵ1-2) A tarefa que Soacutecrates faz
mἷὀὦatildeὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ἵὁὀὅiὅtἷΝ ἷmΝ ldquoὅἷὂaὄaὄΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝ agὁὄa existem no
universo231rdquoΝ (πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ δξ δαζΪίπη θ)Ν (ἀἁἵἂ-5)232 Talvez seja
231 Concordo com alguns autores como (Delcomminette 2006 p 213) e (Carone 2008 p 131-132) que ἷὅὅἷΝ ldquoagὁὄardquoΝ (θ θ) indica que as Formas natildeo satildeo incluiacutedas aqui em nenhuma das categorias as Formas satildeo eternas e imutaacuteveis A passagem cosmoloacutegica trata da demiurgia especiacutefica cujos exemplos satildeo retirados da realidade sensiacutevel compreendidos em uma dimensatildeo universal do todo cosmoloacutegico Rejeito a argumentaccedilatildeo revisionista que postula uma substituiccedilatildeo de das Formas ὂὁὅtulaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquomὧἶiὁὅrdquoΝὂaὄaΝὅἷΝὄἷὅὁlvἷὄἷmΝὁὅΝὅuὂὁὅtὁὅΝὂὄὁἴlἷmaὅΝlἷvaὀtaἶὁὅΝὂὁὄΝἷlaὅΝrealccedilados pelas aporias do Parmecircnides como tambeacutem uma compreensatildeo de que essas divisotildees seriam Formas ou os Gecircneros Supremos como satildeo chamadas nos Sofista Haacute motivos que ficaratildeo claros para tal rejeiccedilatildeo a partir de nosso comentaacuterio sobre a ontologia quaacutedrupla como (i) as Formas natildeo satildeo limitadas por determinaccedilotildees numeacutericas e meacutetricas nem relaccedilotildees matemaacuteticas por isso natildeo satildeo πΫλαμ (ii) as Formas satildeo seres puros simples e natildeo podem ser misturados assim como todos os seres gerados do mundo que pertencem a esse gecircnero as Formas devem ser eternas natildeo-geradas natildeo submetidas ao movimento ao devir logo natildeo podem ser ηδε θ (mistura) (iii) as Formas tambeacutem ὀatildeὁΝὅatildeὁΝaΝldquoἵauὅardquoΝ(α έα) pois a criaccedilatildeo depende do Demiurgo que cria a partir da Forma sozinha elas natildeo datildeo origem a nada elas satildeo modelos para a produccedilatildeo da atividade demiuacutergica (iv) por fim natildeo podem ser π δλκθ porque este gecircnero eacute indeterminado num duplo sentido (multiplicidade indeterminada e gecircnero das coisas dispostas no devir) que eacute tornado uma unidade multiplicidade apenas por meio da atividade dialeacutetica Enquanto que as Formas satildeo pura determinaccedilatildeo Essencialmente limitadas e definidas ou seja natildeo estatildeo sujeitas a qualquer tipo de variaccedilatildeo seja ela ὃualitativaΝὁuΝὃuaὀtitativaέΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmaiὅΝἶἷtalhaἶaΝἶἷὅὅaΝldquoἵlὠὅὅiἵaΝἶiὅὂutardquoΝvἷὄΝἑἏἤἡἠἓΝ(2008 p 143-149) 232 Dixsaut (2001) acredita que a referecircncia feita em 23c agrave divisatildeo quaacutedrupla eacute distinta (em propoacutesitos) ἶaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ(ἶialὧtiἵa)ΝἶἷΝ1ἄἵέΝἓmΝἀἁἵΝὁΝὃuἷΝὅἷΝὂὄὁὂὴἷΝὧΝumaΝἶiviὅatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝἷxiὅtἷmΝagὁὄaΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁΝ(πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ ) Segundo a autora francesa eacute muito provaacutevel que haja uma ligaccedilatildeo entre as duas passagens mas as abordagens natildeo satildeo idecircnticas EacuteΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝὃuἷΝaὃuiΝἷὅtamὁὅΝἶiaὀtἷΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoμΝldquo(έέέ)ΝἷΝὃuἷΝἷΝὃuἷΝὅἷΝὁΝtermo aacutepeiron deve ser entendido em dois sentidos diferentes esses dois sentidos natildeo devem ser relacionados entre si O dialeacutetico como foi dito pode ser forccedilado a comeccedilar pelo indeterminado mas por que poderia secirc-lo Porque eacute necessaacuterio reconhecer a existecircncia de duas espeacutecies de realidades Enquanto alguns (a ciecircncia ou a virtude a constituiccedilatildeo poliacutetica ou deliacuterio por exemplo) se apresentam como unidades compreendidas por articulaccedilotildees naturais o que permite dividi-las outras pelo contraacuterio apenas oferecem indeterminaccedilatildeo A primeira maquinaccedilatildeo teria fornecido o meio para reduzir essa indeterminaccedilatildeo tomando o aacutepeiron como um predicado quantitativo mas o deus no iniacutecio ele proacuteprio teria precisado que o aacutepeiron eacute um modo de ser Para determinar esse modo de ser eacute necessaacuterio dividir natildeo o aacutepeiron ὂὁὄὃuἷΝiὅὅὁΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝmaὅΝldquotuἶὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝatualmἷὀtἷΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝἷmΝὃuatὄὁΝgecircὀἷὄὁὅΝiὅtὁΝὧΝὅuἴὅumiὄΝaΝtὁtaliἶaἶἷΝἶaΝἷxiὅtecircὀἵiaΝὅὁἴΝὃuatὄὁΝἵatἷgὁὄiaὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νp 311-312)
168 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
necessaacuterio dividir em dois ou em trecircs ou em quatro todas essas partes denominadas como
ὅἷὀἶὁΝfὁὄmaὅΝ( θΝ θ)Ν(ἀἁἵ1ἁ)έΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝque teria mostrado
aΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ ἶὁΝ limitἷΝ (πΫλαμ)Ν ἷΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ ( π δλκθ)Ν ἶὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ (ἀἁἵλ-10) ambos agora
ὂaὅὅamΝaΝὅἷὄΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝumΝἵaὅalΝἶἷΝfὁὄmaὅΝ( κτ πΝ θΝ θΝ τκΝ δγυη γα)Ν(ἀἁἵ1ἁ-
d1) No entanto eacute preciso ainda uma terceira forma da unidade proveniente do intercurso
ἷὀtὄἷΝὁὅΝἶὁiὅΝ( λέ κθΝ ιΝ ηφκῖθΝ κτ κδθΝ θΝ δΝ υηηδ ΰση θκθ)ΝἷΝaiὀἶaΝumΝὃuaὄtὁΝgecircὀἷὄὁΝ
( Ϊλ κυΝηκδΝΰΫθκυμ)ΝὃuἷΝὅἷὄiaΝaΝἵauὅaΝ( θΝα έαθ)ΝἶἷὅtἷΝiὀtἷὄἵuὄὅὁΝ( υηη έι πμ)ΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ
dois primeiros gecircneros (23d1-8)
Em primeiro lugar entatildeo tendo separado ( δ ζση θκδ) trecircs dos quatro (η θΝ θΝ ΪλπθΝ λέα) tentemos com dois deles ( τκΝ κτ πθΝπ δλυη γα)
ndash uma vez observado que cada um dos dois se cindiu e se despedaccedilou em muitos (πκζζ εΪ λκθΝ ξδ ηΫθκθΝεα δ πα ηΫθκθΝ σθ μ) ndash reconduzi-los em conjunto cada um dos dois de novo ao um e conceber de que modo cada um deles era um e muacuteltiplo ( μΝ θΝπΪζδθΝ εΪ λκθΝ υθαΰαΰσθ μΝθκ αδΝπ πκ Ν θΝα θΝ θΝεα πκζζ εΪ λκθ) (23e3-6)
Eacute possiacutevel observar como a passagem retoma as questotildees suscitadas no iniacutecio do
ἶiὠlὁgὁΝ ὃuἷΝ ἵὁlimamΝὀaΝ aὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ldquomὧtὁἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ (1ἂἴ-18d) Protarco parece natildeo
compreender o sentido da fala anterior de Soacutecrates e o condutor o faz lembrar da discussatildeo
anterior sobre o que tem limite ( πΫλαμΝ ξκθ) e o ilimitado ( π δλκθ) chamados
tamἴὧmΝagὁὄaΝἶἷΝgecircὀἷὄὁὅΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmνΝὂὁὄὧmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝmaiὅΝἷlἷΝἶiὐμΝldquo(έέέ)ΝἷuΝ
tἷὀtaὄἷiΝmὁὅtὄaὄΝὃuἷΝἶἷΝalgumΝmὁἶὁΝὁΝ ilimitaἶὁΝὧΝmήltiὂlὁrdquoΝ ( δΝ λσπκθΝ δθ π δλκθΝ
πσζζ᾽ έ π δλΪ κηαδΝφλΪα δθ) (24a1-4)
A discussatildeo iraacute tratar primeiramente do π δλκθ Nesse gecircnero satildeo colocados tudo
aquilo que natildeo pode receber a marca do limite como o caso do mais quente e do mais frio
Neste uacuteltimo caso natildeo poderiacuteamos conceber algum limite ( λαΝπΫλαμ) ao mais quente e ao
mais frio porque ambos possuem em si o mais e o menos ( η ζζσθΝ Νεα κθ) temos
assim tanto mais quente e menos quente como mais frio e menos frio Esse gecircnero ( κῖμΝ
ΰΫθ δθ) de coisa enquanto presente em ambos nos impediria de chegar a qualquer fim (η
ΫζκμΝ ξ δθ) pois caso chegassem um eliminaria o outro (24b7-8) Por isso bastaria analisar
esse discurso para que se possa notar que esse par nunca tem fim e que sem duacutevida neste
caso lidamos com ilimitados ( π έλπ) (24b8)
O uso do adveacuterbio φσ λα em 24b9 eacute a oportunidade vista por Soacutecrates para explicar
ainda mais a natureza do ilimitado por um jogo de palavras que brinca ora com o sentido
denotado pelo adveacuterbio extremamente ora com o sentido conotativo deste termo presente
ἷmΝἁλἶΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅΝἶaΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁέΝἏἶvὧὄἴiὁὅΝἵὁmὁΝldquoἷxtremamἷὀtἷrdquoΝ
ἷΝldquolἷvἷmἷὀtἷrdquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝὁὀἶἷΝὃuἷὄΝὃuἷΝἷὅtἷjaΝὁΝὂaὄΝlimitἷ-ilimitado no mais intenso e no
169 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
mais suave o demasiado o mais eco e o mais uacutemido o muito e o pouco o maior e o menor
tὁἶὁὅΝὂὁὅὅuἷmΝἷὅὅaΝldquoὂὁtecircὀἵiardquoΝ( τθαηδθ) do mais e do menos
O ilimitado impede que as coisas possuam uma quantidade determinada (κ εΝ κθΝ
θαδΝπκ θΝ εα κθ) e ao introduzir o mais e o menos em todas as coisas faz desaparecer
essa quantidade determinada ( πκ θΝ φαθέα κθ) Poreacutem caso o ilimitado surja com a
medida ( ηΫ λδκθ) e natildeo faccedila desaparecer a quantidade determinada eles proacuteprios ou
mἷlhὁὄΝἷὅὅaὅΝἵὁiὅaὅΝldquoἷὅἵὁaὄiamrdquoΝὂὁὄΝὅiΝὂὄὰὂὄiaὅέΝἏΝὃuaὀtiἶaἶἷΝἶἷtἷrminada eacute a uacutenica capaz
ἶἷΝ ἵὁὀtἷὄΝ ἷὅὅἷΝ ldquoavaὀὦaὄrdquoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁrdquoΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ aΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ
permanece estaacutevel (24c1-d7) Soacutecrates deseja o assentimento de Protarco ndash sendo o proacuteprio
interlocutor de Soacutecrates a propor essa consonacircncia ( υηφπθκ θ αμ) necessaacuteria sobre essas
questotildees ndash para que se possa colocar no gecircnero do ilimitado todas essas coisas dito de outro
mὁἶὁΝldquo(έέέ)ΝaἵἷitaὄΝἷὅὅἷΝὅiὀalΝ( βη ῖκθ) da natureza do ilimitado ( π δλκθ)rdquoΝ(ἀἂἷ1-5) Todas
essas coisas de acordo com o discurso anterior devem ser colocadas nesse gecircnero ( κ
π έλκυΝΰΫθκμ) nos diz Soacutecrates pois fora dito que era necessaacuterio reunir ( υθαΰαΰσθ αμ)
essas coisas separadas repartidas ( δΫ πα αδ) cindidas ( δΫ ξδ αδ) em pedaccedilos impondo-
lhes (tanto quanto possiacutevel) esse sinal de uma natureza uacutenica (εα τθαηδθΝ ηέαθΝ
πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθ) (24e7-25a4)
Eacute preciso especificar do que se trata aqui quando se diz que o π δλκθ κ ilimitado eacute
um gecircnero Pode se dizer que o indeterminado qualquer indeterminado que seja conteacutem
assim vaacuterias espeacutecies das quais cada uma eacute determinada Uma enumeraccedilatildeo natildeo-exaustiva
ὅἷὄiaΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝὂὄὁἶuὐiὄΝἷὅὅἷΝ ldquoὅiὀalrdquoΝἶἷΝὃuἷΝ falaΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷΝumaΝὀatuὄἷὐaΝήὀiἵaΝὀὁΝ
indeterminado Ao dizer que o ilimitado pode por meio desse caraacuteter distintivo determinar
sob um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies de qualidades todas aquelas que passam pelo
mais e pelo menos natildeo exclui o fato de que ele tambeacutem pode determinar quantitativamente
em um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies como jaacute fora visto a voz o prazer e a dor (Cf
27e) Ἄπ δλκθ eacute tudo aquilo que carece de limite tudo aquilo que se encontra desmedido
seja em excesso seja em falta ou como bem sugere Dixsaut (2001 p 312) eacute tudo aquilo
ldquo(έέέ)ΝὃuἷΝὧΝὂὁὄΝaὅὅimΝἶiὐἷὄΝaΝtὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝἷmΝatὁrdquoέ
O apeiron natildeo eacute uma mateacuteria que o limite viria a informar eacute um devir que o limite viria a estabilizar uma perpeacutetua desigualdade em-ὅiΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ lsquoaὁΝὃualΝὀatildeὁΝὂὁἶἷmὁὅΝatὄiἴuiὄΝὀἷmΝἵὁmἷὦὁΝὀἷmΝmἷiὁΝὀἷmΝfimrsquoΝ [Phlb 31a-10 Prm 137d] Natildeo eacute mais considerado como uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas termo para o qual tenderia uma multiplicidade quantitativa ele eacute constituiacutedo de um determinado tipo de realidades enquanto que o devir incessante exclui qualquer fixaccedilatildeo afasta qualquer determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 312-313)
Aqui podemos notar claramente o duplo movimento do processo dialeacutetico aquele que
vai do um ao muacuteltiplo e do muacuteltiplo ao um ao se deparar com aquilo que eacute um devir constante
170 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
uma perpeacutetua ΰΫθ δμ A saiacuteda eacute a mesma devemos reunir ( υθαΰαΰσθ αμ) esses devires
essas diferentes espeacutecies e imprimir nelas o sinal de uma natureza uacutenica determinada Como
nos adverte Dixsaut (2001 p 313) sem adentrar agraves infindaacuteveis discussotildees da auto
predicaccedilatildeo das Formas Platatildeo jamais teria dito que a ideia de Neve seria fria nem a ideia de
Maldade maacute nem a ideia de quadrado quadrada o que por conseguinte natildeo implica
necessariamente que a forma do indeterminado seja ela tambeacutem indeterminada Muito pelo
contraacuterio Soacutecrates insiste em sua determinaccedilatildeo Assim ela nos esclarece
O α privativo significa que o termo que ele prefixa natildeo pode e nem sequer deseja receber seu contraacuterio Ele natildeo conota uma simples negaccedilatildeo loacutegica mas uma recusa do termo contraacuterio uma exclusatildeo dinacircmica O termo apeiron recupera essa semacircntica ele natildeo eacute a simples ausecircncia de qualquer determinaccedilatildeo (entatildeo impensaacutevel) ele a recusa a transgressatildeo perpeacutetua de qualquer determinaccedilatildeo transgressatildeo que natildeo se realiza de qualquer modo mas sempre da mesma maneira por excesso e por falta (DIXSAUT 2001 p 313)
Parece ser necessaacuterio se atentar ao estatuto que o π δλκθ adquire a partir de entatildeo
No caso da passagem do meacutetodo divino lidaacutevamos com uma multiplicidade indeterminada e
que passa a uma espeacutecie de multiplicidade determinada ndash mas ela ainda natildeo eacute uma espeacutecie
de gecircnero indeterminado No caso do π δλκθ estamos lidamos com umaΝ ldquo()
iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὁὀtὁlὁgiἵamἷὀtἷΝ iὀiἵialΝἷΝὀatildeὁΝmaiὅΝἶialἷtiἵamἷὀtἷΝ tἷὄmiὀalΝ (έέέ)rdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ
2001 p 315) Esse π δπκθ (gecircnero do indeterminado) natildeo deve nada a dialeacutetica ele nem
ὅἷὃuἷὄΝὧΝumaΝldquoἵὁiὅardquoΝmaὅΝumΝtiὂὁΝἶἷΝἶἷviὄΝὃuἷΝὅὁfὄἷΝaἵὄὧὅἵimὁΝἷΝἶimiὀuiὦatildeὁέΝEacuteΝaΝὀatuὄἷὐaΝ
propriamente desse devir que devemos comeccedilar a caracterizar que somos forccedilados a
desigὀaὄέΝ ἑaὅὁΝaΝ iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝ ὅἷjaΝ iὀiἵialΝ ἷlaΝ ἷxigiὄὠΝ aΝ ldquoὂὄimἷiὄaΝ maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ἷΝ ὀatildeὁΝaΝ
ὅἷguὀἶaέΝἏΝὅἷguὀἶaΝiὄὠΝldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝἷmΝumΝgecircὀἷὄὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝἶaΝ
estrutura essa unidade indeterminada iraacute reuni-la em um gecircnero o gecircnero do ilimitado A
ὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁΝὂaὄtἷΝἶἷΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝiὀfiὀἶaΝἷΝldquoaἴaὀἶὁὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ
dialeacutetico aquelas que natildeo lhe interessam Jaacute o procedimento dialeacutetico que consiste em reunir
o π δλκθ ἷmΝumΝὅὰΝgecircὀἷὄὁΝliἶaΝἵὁmΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquoἵὁiὅaὅrdquoΝὃuἷΝὅatildeὁΝnaturalmente ilimitadas
ontologicamente as quais devemos reunir em um gecircnero Como observa Dixsaut
A ilimitaccedilatildeo eacute proacutepria de determinadas gecircneses de determinados processos Jaacute natildeo se trata mais de uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas (todas aquelas que durante umaΝἶiviὅatildeὁΝὂὁvὁamΝὡΝ ldquoἷὅὃuἷὄἶardquoΝὂὁὄὃuἷΝaὅΝdeixamos sem as dividir e todas aquelas residentes nessas uacuteltimas espeacutecies ὁἴtiἶaὅΝὂἷlaΝἶiviὅatildeὁΝaὅΝὃuaiὅΝὀὰὅΝldquoἶiὐἷmὁὅΝaἶἷuὅrdquoΝmaὅΝἶἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἶἷΝ tὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝ ὂἷὄὂὧtuaΝ ἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ limitἷΝ ὂὁὄΝ ἷxἵἷὅὅὁΝ ὁuΝ ὂὁὄΝ faltaΝ (ldquoὁΝilimitado o mais e o menos faria desaparecer a quantidade definida 24c) (2001 p 315-316)
171 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Podemos resumir em um quadro como bem observa Dixsaut (2001 p 315) as duas
situaccedilotildees contraacuterias as quais o dialeacutetico enfrenta quando se depara com π δλκθ
1ordf Situaccedilatildeo
(Primeira Maquinaccedilatildeo)
2ordf Situaccedilatildeo
(Segunda Maquinaccedilatildeo)
- o dialeacutetico parte de unidade
indeterminada
- ele a divide em uma multiplicidade
determinada
- da qual ele deixa escapar uma
multiplicidade quantitativamente
indeterminada
- O dialeacutetico parte de uma entidade
abrangente do gecircnero indeterminado
- e a impotildee uma estrutura e a constitui em
uma multiplicidade determinada
- que ele pode entatildeo unificar em uma unidade
determinada
Quadro 01- As duas maquinaccedilotildees relativas ao ἄπειρον (adaptado)
(DIXSAUT 2015 p 315)
No lado oposto a isso dito anteriormente temos o gecircnero do limite (πΫλαμ) no qual
devemos colocar o igual e a igualdade ( κθΝεα σ β α)ΝὁΝἶuὂlὁΝ( δπζΪ δκθ)ΝἷΝldquo(έέέ)ΝtuἶὁΝὃuἷΝ
ὧΝὄἷlaὦatildeὁΝἶἷΝὀήmἷὄὁΝaΝὀήmἷὄὁΝὁuΝἶἷΝmἷἶiἶaΝaΝmἷἶiἶaΝ(έέέ)rdquoΝ(ldquoεα π θΝ δπ λΝ θΝπλ μΝ λδγη θΝ
λδγη μΝ ηΫ λκθΝᾖ πλ μΝ ηΫ λκθrdquo)Ν (ἀἃaἅ-b2) Sobre o terceiro gecircnero se diz que ele eacute a
miὅtuὄaΝ( η δε θ)ΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄimἷiὄὁὅ233 (25b5-6) Soacutecrates reconhece a passagem breve
que a discussatildeo faz ao tratar do limite e a ausecircncia de maiores especificaccedilotildees sobre o gecircnero
do limite ele apenas diz logo depois em 25d6-ἅΝὃuἷΝaΝldquofamiacuteliardquoΝἶὁΝlimitἷΝtamἴὧmΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ
reunida assim como fizeram com o ilimitado tornando-o uma unidade Novamente se afirma
que a introduccedilatildeo do nuacutemero ( λδγη θ)ΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅatildeὁΝἶuὂlaὅΝ iguaiὅΝ( θΝ κ κυΝεα
δπζα έκυ)ΝὂὴἷmΝfimΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ( δαφσλπμ)ΝmutuamἷὀtἷΝὁὂὁὅtaὅΝ( ζζβζαΝ θαθ έαΝ
δαφσλπμΝ ξκθ α)Νtὁὄὀaὀἶὁ-aὅΝἵὁmἷὀὅuὄaἶaὅΝ( τηη λα)ΝἷΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝ( τηη λα)234 (25e1-
233 ἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷἵὁὄὄἷΝaὁΝldquoἶiviὀὁrdquoΝὀἷὅtἷΝὂaὅὅὁΝ(ἀἃἴ)Ν iὀἶiἵaὀἶὁΝὃuἷΝἷlἷΝ tὁὄὀaὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝcompreensatildeo de ambos os dialogantes acerca da natureza do misto que requer a introduccedilatildeo da ordem pelo nuacutemero ( λδγη θ) (25e2) A meu ver essa passagem mais uma vez indica proximidade mas natildeo semelhanccedila visto que agora a multiplicidade adquire o estatuto de gecircnero e o dialeacutetico deveraacute lidar com a indeterminaccedilatildeo em um sentido geneacuterico diferentemente da passagem inicial sobre o um e o mήltiὂlὁΝἷὅtaΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaὀtἷΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝhἷὄἶaἶὁΝἶὁὅΝaὀtigὁὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝdissemos eacute herdada dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo 234 Eacute necessaacuterio atentar que o limite difere da mistura natildeo podemos tomaacute-lo como sinocircnimo ao nuacutemero o nuacutemero possibilita a introduccedilatildeo do limite nas coisas iguais duplas mas ele natildeo deixa tambeacutem de ter muitos gecircneros como nos diraacute Soacutecrates em 26d diante da inquietaccedilatildeo e Protarco que natildeo entende
172 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἀ)έΝ ἓxἷmὂlὁὅΝ ἶἷὅtaὅΝ miὅtuὄaὅΝ ἶἷὅὅἷὅΝ iὀtἷὄἵuὄὅὁὅΝ ἶὁὅΝ ὃuaiὅΝ ὄἷὅultamΝ ἵἷὄtaὅΝ ldquogἷὄaὦὴἷὅrdquoΝ
(ΰ θΫ δμ) a sauacutede que eacute engendrada a partir da imposiccedilatildeo da medida a muacutesica produzida a
partir da justaposiccedilatildeo de grave agudo raacutepido e lento as estaccedilotildees do ano que regulam o
inverno rigoroso e o calor sufocante esse e os demais satildeo exemplos dessa combinaccedilatildeo
correta que estando presente remove o demasiado excessivo e o ilimitado produzindo o que
tem medida e o comensuraacutevel (25e3-26a8)
Soc Quando as coisas ilimitadas e aquelas que tecircm limite tecircm intercurso ( ξσθ πθΝ υηη δξγΫθ πθ) natildeo eacute delas que nascem as estaccedilotildees e todas as coisas que para noacutes satildeo belas ( αΝεαζ πΪθ αΝ ηῖθΝΰΫΰκθ ) Prot Como natildeo Soc Sem falar eacute claro em incontaacuteveis outras coisas tais como a beleza (εΪζζκμ) e o vigor ( ξτθ) que acompanham a sauacutede e nas almas tantas outras coisas perfeitamente belas (εα θΝ ουξαῖμΝ α πΪηπκζζαΝ λαΝ εα πΪΰεαζα) E essa deusa ( γ σμ) belo Filebo ( εαζ Φέζβί ) percebendo o excesso ( ίλδθ) e a superabundacircncia de maldade em todas as coisas (εα
τηπα αθΝπΪθ πθΝπκθβλέαθΝα βΝεα δ κ α) e percebendo que natildeo havia nelas limite nem dos prazeres nem das saciedades (πΫλαμΝ κ Ν κθ θΝκ θΝκ Νπζβ ηκθ θΝ θ θΝ θΝα κῖμ) colocou nelas lei (θσηκθ) e ordem ( Ϊιδθ) ndash aquilo que daacute limite (πΫλαμΝ ξκθ ᾽ γ κ) e enquanto tu dizes que ela os corrompe eu pelo contraacuterio digo que ela os salva (εα η θΝ
πκεθαῖ αδΝφ μ α άθΝ ΰ κ θαθ έκθΝ πκ αδΝζΫΰπ) E a ti Protarco como te parece (26b1-c2)
Estatildeo apresentados os trecircs gecircneros Protarco apenas compreende dois deles o limite
e o ilimitado permanecendo em duacutevida acerca do gecircnero misto (26c5-7) Soacutecrates por sua
vἷὐΝἷxὂliἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoiὀἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝὅἷΝἶἷvἷΝὡΝldquoὂluὄaliἶaἶἷrdquoΝἶἷὅὅaΝ tἷὄἵἷiὄaΝgἷὄaὦatildeo ou
seja o misto o proacuteprio ilimitado foi tomado como unidade mas natildeo apenas como uma
unidade mas como vaacuterias unidades vaacuterios gecircneros tornados um marcados pelo sinal do
mais e do menos mas foram transpostos esses vaacuterios gecircneros em vaacuterios um235 Como
tambeacutem aconteceu com o limite (26c8-d5) Esse terceiro gecircnero surge tambeacutem como uma
ldquogἷὄaὦatildeὁΝ ἷmΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ aὁΝ ὅἷὄΝ (ΰΫθ δθ μ κ έαθ)236rdquoΝ ὂὄὁἶuὐiἶὁΝ aΝ ὂaὄtiὄΝ ἶaΝ imὂὁὅiὦatildeὁΝ ἶaὅΝ
medidas que acompanham o limite ele eacute tambeacutem uma unidade (26d7-9)
ἴἷmΝἷmΝὃuἷΝmἷἶiἶaΝὁΝ limitἷΝὅἷΝἶifἷὄἷὀἵiaΝἶὁΝ tἷὄἵἷiὄὁΝgecircὀἷὄὁΝ(ὁΝἶaΝmiὅtuὄa)ΝἷlἷΝἶiὄὠμΝ ldquomaὅΝὁΝ limitἷΝtambeacutem tinha muitos gecircneros e nem por isso ficamos descontentes por ele natildeo ser um ὂὁὄΝὀatuὄἷὐardquoΝ(ldquoεα η θΝ σΝΰ ΝπΫλαμΝκ Νπκζζ ξ θΝκ ᾽ υ εκζαέθκη θΝ μΝκ εΝ θΝ θΝφτ δrdquo)Ν(ἀἄἶἂ-5) Tambeacutem em 25e1-ἀΝἥὰἵὄatἷὅΝutiliὐaΝldquoὃuaὀtaὅrdquoΝ( πσ β)ΝὀὁΝὂluὄalΝaὁΝfalaὄΝὅὁἴὄἷΝὁΝlimitἷμΝldquoὡΝἶὁΝigualΝἷΝἶὁΝἶuὂlὁΝe quantas sejam aquelas que ao introduzir o nuacutemero potildeem fim agraves ἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ(έέέ)rdquoέ 235 Dixsaut (2001) diz que jaacute na primeira parte ao π δλκθ eacute conferido dois sentidos seja aquele que caracteriza quantitativamente uma multiplicidade ( π δλκθ πζ γκμ πζβγ δ) seja aquele que constitui um gecircnero Toda a realidade enquanto um devir sofre acreacutescimo e diminuiccedilatildeo passa necessariamente pelo mais e pelo menos Primeiramente afirma a teoacuterica o π δλκθ estrutura dialeticamente eacute esse o seu sentido num primeiro momento mas jaacute nesse momento da divisatildeo quaacutedrupla ele passa a ser gecircnero e adquire como tal um status ontoloacutegico (DIXSAUT 2001 p 314) 236 Pradeau (2002) antecipa 54a-c ao tratar do sentido de ΰΫθ δθ μ κ δαθ que aparece primeiramente ἷmΝἁίἶἆίμΝldquo(έέέ)ΝaΝὄἷaliἶaἶἷΝἶἷΝumaΝἵὁiὅaΝaὃuiΝἶἷὅigὀaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaΝde forma axioloacutegica eacute em funccedilatildeo
173 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Resta ainda o quarto gecircnero a ser examinado Torna-se necessaacuterio uma causa ( δέ
δθα α έαθ) para que todas as coisas que venham a ser venham a ser por meio desta causa
(26e1-4) Falar de causa eacute falar de um produtor (πκδκ θ κμ) que significa contudo falar de
uma mesma coisa (26e7-8) O que estaacute subordinado agrave causa eacute aquilo que eacute produzido
(πκδκτη θκθ) aquilo que vem a ser em virtude dessa mesma causa ou desse mesmo
produtor Esses sim causa e devir ὅatildeὁΝ ἶifἷὄἷὀtἷὅέΝ ἜὁgὁΝ ὅἷὄὠΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoaὄtἷὅatildeὁrdquo
( βηδκυλΰκ θ) de todas as coisas ( πΪθ α) aΝἵauὅaμΝldquo(έέέ)ΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὁΝὃuaὄtὁΝ[gecircὀἷὄὁ]Ν
ὧΝaΝἵauὅaΝἶaΝmiὅtuὄaΝἷΝἶaΝgἷὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝtὁἵaὄΝumaΝὀὁtaΝἶiὅὅὁὀaὀtἷςrdquoΝ(ἀἅἴἅ-c1) Eacute o que diz
Soacutecrates e Protarco assente dizendo que natildeo faz todo sentido nomear o artesatildeo como a
causa
Logo apoacutes concluir a apresentaccedilatildeo dos quatro gecircneros o proacuteximo ponto seraacute a
retomada da discussatildeo do segundo precircmio no ranking geral dos candidatos ao posto de bem
Soacutecrates reafirma como vitoriosa nessa colocaccedilatildeo em primeiro lugar a vida mista de prazer
e pensamento (θδε θ αΝη θΝ γ ηΫθΝπκυΝ θΝη δε θΝίέκθΝ κθ μΝ Νεα φλκθά πμ) (27d1-2)
Fica mais claro deste modo a que tipo de gecircnero essa vida pertence Nos diz Soacutecrates (27d7-
10) que ela natildeo eacute apenas a mistura de duas coisas mas eacute a mistura de todas as coisas
ilimitadas encadeadas pelo limite (κ ΰ λΝ υκῖθΝ δθκῖθΝ δΝηδε μΝ ε ῖθκμΝ ζζ υηπΪθ πθΝ
θΝ π έλπθΝ π κ πΫλα κμ) Soacutecrates interroga Filebo sobre qual gecircnero de vida
pertenceria a vida de prazer sem mistura mas ele sequer abre caminho para a resposta O
fato eacute que essa vida unicamente de prazer jaacute fora demonstrada como impossiacutevel e ateacute
inelegiacutevel por uma vida que se diga humana (27e1-4)
Eacute por isso que Soacutecrates iraacute dizer que o prazer e a dor ( κθ εα ζτπβ) fazem parte
dessas coisas ὃuἷΝὄἷἵἷἴἷmΝldquoὁΝmaiὅΝἷΝὁΝmἷὀὁὅrdquoΝ( θΝ η ζζσθΝ Νεα κθΝ ξκηΫθπθ) e
elas natildeo tecircm um limite Filebo volta a se manifestar no diaacutelogo para novamente afirmar que o
disso que ela deve ser (conforme sua natureza) que a coisa eacute dissolvida ou reconstituiacuteda e experimenta ἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝumaΝἶὁὄΝὁuΝumΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀἄίΝὀέΝ11ἃ)έΝἓὅὅἷΝtἷὄmὁΝὧΝumΝἶὁὅΝtἷὄmὁὅΝmaiὅΝldquoὂὄὁἴlἷmὠtiἵὁὅrdquoΝdo Filebo e usado pelὁὅΝὄἷviὅiὁὀiὅtaὅΝὂaὄaΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝὃuἷΝhὠΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝὀὁΝFilebo e que ela substitui o papel das Formas na filosofia platocircnica Carone (2008) explica essa dificuldade e apresenta alguns argumentos que contestam a visatildeo revisionista (i) κυ α e θαδ natildeo se prestam unicamente no corpus para se referirem agraves Formas podem designar algo mais simploacuterio como realidade existecircncia aplicaacutevel a qualquer tipo de ser (ii) haacute uma distinccedilatildeo clara no Filebo entre o mero vir-a-ser (ΰδΰθση θα 24e7-8) relacionado ao π δλκθ que progride sempre nunca repousando sem ὀἷὀhumaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἷΝaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝἶἷΝἵὁmἴiὀaὦὴἷὅΝgἷὀuiacuteὀaὅΝἷΝἷὅὅaΝresulta quando eacute transmitida ao π δλκθ uma orientaccedilatildeo teleoloacutegica atraveacutes do limite (πΫλαμ) (iii) Em 53c-ἃἂἶΝtἷmὁὅΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝatἷὅtaΝumaΝldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝmaiὅΝamὂlaΝἶἷΝὅἷὄrdquoΝὁΝἵὁὀtὄaὅtἷΝatὧΝἷὀtatildeὁΝἷὅtὄitὁΝἷὀtὄἷΝgecircὀἷὅἷΝἷΝὅἷὄΝiὀἵluiΝumaΝὀὁὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἷΝὄἷὅultaἶὁΝldquoΝ(έέέ)ΝὀaΝὃualΝἷὅtἷΝήltimὁΝpode ser visto como uma combinaccedilatildeo que representa a meta ἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁrdquoΝ(ἑἏἤἡἠἓΝἀίίἆΝὂέΝ1ἂἅ)Ν(iv) Ser eacute tratado em 53c-54d como uma noccedilatildeo axioloacutegica isto eacute como algo que pertence agrave categoria do bem aquilo por cujo motivo acontece a geraccedilatildeo logo o universo sensiacutevel possui ser natildeo soacute porque eacute estaacutevel em algum sentido (estrutura matemaacutetica que forma a base da aparecircncia) e por isso inteligiacutevel mas tambeacutem na medida em que essa ordem e essa estrutura constituem um fundamento de sua excelecircncia (CARONE 2008 p144-149) Ver sobre isso o importante artigo de Igleacutesias do qual destaco as concepccedilotildees fundamentais sobre o termo problemaacutetico supracitado (2007 p 108-112) sobre aΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝaΝὁὀtὁlὁgiaΝἷΝldquomἷtὄὧtiἵardquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὃuἷΝὅἷguἷΝὀἷὅὅaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁέ
174 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
prazer natildeo seria totalmente bom (π θ ΰαγ θ) caso natildeo fosse naturalmente ilimitado
( π δλκθ π φυε μ) tanto em quantidade quanto em intensidade (πζ γ δ εα η ζζκθ) (27e6-
8) Sendo assim Soacutecrates nega essa identificaccedilatildeo total do bem com o prazer assim como da
dor com o mau (28a1-3) Eacute preciso entatildeo considerar que o ilimitado dos prazeres pode
ὄἷἵἷἴἷὄΝumΝlimitἷΝὃuaὀἶὁΝiὀἵluiacuteἶὁΝὀaΝviἶaΝmiὅtaΝὂὁἶἷὀἶὁΝἷὀtatildeὁΝὄἷἵἷἴἷὄΝumaΝldquoὂaὄtἷΝἶὁΝἴἷmrdquoΝ
( ηΫλκμ ΰαγκ 28a3) A imposiccedilatildeo do limite que eacute gerado pela constituiccedilatildeo da vida mista
torna possiacutevel que o prazer tome parte no bem
Fica mais claro o projeto de Soacutecrates para romper com tal identificaccedilatildeo (bemprazer)
quando se nota sua vigorosa insistecircncia em atribuir agrave inteligecircncia (θκ θ) ao pensamento
(φλσθβ δμ) e ao conhecimento ( πδ άηβθ) o segundo precircmio colocando-os no gecircnero da
ἵauὅaΝ(ἀἆa)έΝἥὰἵὄatἷὅΝἷvὁἵaΝaὅΝὁὂiὀiὴἷὅΝἶὁὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἶὁΝὂaὅὅaἶὁrdquoΝ(εαγΪπ λ κ πλσ γ θ η θ
ζ ΰκυ)ΝἶἷΝὃuἷΝldquoaΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἵἷὄtὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁ ὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷrdquoΝ (θκ θ εα φλσθβ δθ δθα
γαυηα θ) coordena e dirige ( υθ Ϊ κυ αθΝ δαευί λθ θ) o conjunto de todas as coisas do
universo ( τηπαθ αΝεα σ Ν εαζκτη θκθΝ ζκθ) (28c6-28d9) Ela natildeo apenas ordena a
iὀtἷligecircὀἵiaΝ ldquoὁὄἶἷὀaΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅrdquoΝ ( θκ θΝ πΪθ αΝ δαεκ η ῖθ) nos diraacute
Protarco (28e1-6) Podemos contemplar tal ordem nos astros das oacuterbitas celestes (28e4-6)
na ordem dos elementos mateacuterias que compotildeem os corpos dos animais (29a8-10) e na
proacutepria composiccedilatildeo do universo (29e1-ἁ)έΝἑἷὄtamἷὀtἷΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὧΝὃuἷΝldquoὁΝgecircὀἷὄὁΝἶaΝἵauὅaΝ
estaacute presente em tὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅrdquoΝ(ldquo μΝα έαμΝΰΫθκμ θΝ πα δΝ Ϋ αλ κθΝ θσθΝ κ κΝ θΝη θΝ
κῖμΝ παλ᾽ ηῖθrdquo)Ν (ἁίa1ί-ἴ1)έΝ ἡὄaΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ aΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἷΝ aΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝ jamaiὅΝ
ὂὁἶἷὄiamΝὅἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝὅἷmΝalmardquoΝ(ldquo κφέαΝη θΝεα θκ μΝ θ υΝουξ μΝκ εΝ θΝπκ Νΰ θκέ γβθrdquo)Ν
(30c9-10) noacutes temos alma e o universo tambeacutem tem uma alma A alma do universo ao que
tudo indica eacute a causa inteligente de sua ordem assim como a alma humana eacute causa
inteligente da ordem da vida boa (PAULA 2016 p 265) O argumento centrado no quarto
gecircnero e a consequente inclusatildeo da inteligecircncia nesse gecircnero se tornou um importante
ldquoaliaἶὁrdquoΝ ὂaὄaΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ ήltimaΝ ὂuἶἷὅὅἷΝ ὁἴtἷὄΝ ὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ὂὄecircmiὁΝ (ἁίἶἄ-e3) A inteligecircncia
demonstrou toda a sua potecircncia ( τθαηδθ) a partir da sua pertenccedila (evidenciada) no gecircnero
da causa (31a1-3)
Da mesma forma veio agrave luz o gecircnero do prazer (31a5) e Soacutecrates resume
Lembremos tambeacutem entatildeo sobre ambos o seguinte a inteligecircncia eacute aparentada agrave causa e pode ser dita do mesmo gecircnero ( δΝθκ μΝη θΝα έαμΝ θΝ
υΰΰ θ μΝεα κτ κυΝ ξ θΝ κ ΰΫθκυμ) mas o prazer eacute ele mesmo ilimitado ( κθ π δλσμΝ Να ) e do gecircnero que natildeo tem e natildeo teraacute jamais em si e por si mesmo nem comeccedilo nem meio e nem fim (εα κ ηά Ν λξ θΝηά ΝηΫ αΝηά Ν ΫζκμΝ θΝα φ᾽ αυ κ ξκθ κμΝηβ ικθ σμΝπκ ΝΰΫθκυμΝ(ἁ1aἅ-10)
175 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Eacute imprescindiacutevel no contexto da exposiccedilatildeo dessa ontologia quaacutedrupla perceber o
duplo movimento realizado por Soacutecrates Tendo sido demonstrado que uma vida unicamente
de prazer seria um extremo proacuteximo agrave inferioridade animal e que uma vida unicamente de
conhecimento de permanecircncia de estabilidade de pensamento puro a mais divina possiacutevel
satildeo ambas impossiacuteveis e inelegiacuteveis no contexto da vida humana que soacute poderaacute ser uma vista
mista de prazer e conhecimento haacute um avanccedilo maior a partir da exposiccedilatildeo do argumento
cosmoloacutegico contido caracteriacutestico dessa ontologia quaacutedrupla A natureza dessa vida mista
humana possui como condiccedilatildeo necessaacuteria para a realizaccedilatildeo desse ηδε σθ (mistura) a
introduccedilatildeo do limite no ilimitado realizada pelo Demiurgo de tudo aquilo que eacute produto de
gἷὄaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝgἷὄaὦatildeὁΝὃuἷΝviὅaΝὁΝὅἷὄΝἷὅὅaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰΫθ δθ μ κ δαθ) Deste
modo tambeacutem a vida humana eacute uma vida mista possiacutevel em virtude dessa inteligecircncia (causa
universal) e natildeo de uma inteligecircncia particular humana Insisto sobre esse ponto uma vida
ὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἶiὐἷὄΝἷmΝ tἷὄmὁὅΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁὅΝ ldquoἴiὁlὁgiἵamἷὀtἷΝὅatiὅfatὰὄiardquoΝmaὅΝἷὅὅaΝ
justificaccedilatildeo natildeo pode ser compreendida de forma meramente fisioloacutegica sim em uma
concepccedilatildeo cosmoloacutegica universal num sentido grego lato
EacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶἷὅὅaΝldquomiὅtuὄardquoΝὃuἷΝaὃuiΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmΝὂὄἷἵἷἶἷΝ
o sentido eacutetico pois esse uacuteltimo sentido eacute sustentado eacute interdependente desse sentido
cosmoloacutegico Nesse uacuteltimo sentido toda vida humana eacute boa porque a causa inteligente assim
nos constitui mediante as potencialidades dessa nossa alma humana tal como o universo eacute
constituiacutedo por uma Alma que dispotildee todas coisas de uma forma bela (εαζ 26b1-3) A
distinccedilatildeo entre uma vida boa eacutetica e uma boa vida cosmoloacutegica nunca eacute feita soacute podemos
utilizaacute-laΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝldquoἶiἶὠtiἵardquoΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄmὁὅΝἷὅὅaΝtὄaὀὅiὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἶἷΝumΝὅἷὀtiἶὁΝ
ao outro o que natildeo diz respeito a uma atitude peculiar de Platatildeo que evoca o proacuteprio sentido
ἶἷΝumaΝviἶaΝἴὁaΝldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝfaὐΝtaὀtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὅἷὂaὄὠ-los na visatildeo greco-platocircnica
Esse termo soa contemporacircneo mas como visto o proacuteprio Filebo se refere a tal concepccedilatildeo
eacute um atestado dessa compreensatildeo (Cf 28d5-9) Explica Carone (2008) que
() naturalmente temos o exemplo da vida boa como uma vida de combinaccedilatildeo de prazer e ordem () Mas todos esses exemplos e muitos outros (tais como beleza forccedila fiacutesica etc ()) representam casos particulares dentro de uma estrutura mais geral do universo (ouranos to pan cf 30a9-c7) do qual se diz que os constituintes satildeo maravilhosamente belos () e que tambeacutem e primariamente existe em virtude de uma combinaccedilatildeo de apeiron e peiras Na verdade se diz ser o corpo do mundo dotado de alma (empsuchon 30a6) e todas as coisas dotadas de alma (cf to epsuchon eidos) lemos em 32a9-b1 surgem como um resultado de apeiron e peras Assim parece que apeiron e peras estatildeo apropriadamente combinados natildeo soacute em coisas individuais mas tambeacutem no cosmos como um todo E porque peras eacute causa formal de excelecircncia numa combinaccedilatildeo podemos perceber como o universo possui excelecircncia de origem interior de um modo que
176 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἵὁmἷὦaΝ aΝ ἷxὂliἵaὄΝ aΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ldquoἷlἷvaἶardquoΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὂresente no diaacutelogo (p 143 grifos da autora)
O texto do Filebo nos permite dizer que uma certa e bela ordem nos eacute dada por meio
da inteligecircncia universal que dirige e coordena todas as coisas do cosmo mas um resiacuteduo
dessa ordenaccedilatildeo que compete ao homem realizaacute-la Essa combinaccedilatildeo (vida mista) eacute uma
combinaccedilatildeo que deve ser excelente tornar-se na medida do possiacutevel excelente por meio da
inteligecircncia particular dos indiviacuteduos
Natildeo se pode a meu ver confundir a atividade demiuacutergica como algo isolado
transcendente Esse θκ μ deve ser entendido naquilo que ele eacute causa eficiente e ele eacute
imanente tanto no universo quanto na composiccedilatildeo da vista mista humana A funccedilatildeo dessa
ldquoiὀtἷligecircὀἵiardquoΝ ὧΝ ἵὁmὂὁὄΝ ἴὁaὅΝ miὅtuὄaὅΝ uὀivἷὄὅaiὅ ou particulares por isso no Filebo
diferentemente do Timeu (28c3 29a3) se utiliza o termo βηδκυλΰκ αφλκθ (27b1 26e6-8
ἀἅaἃ)Ν ὀὁΝ ὀἷutὄὁΝ ὀὁΝ lugaὄΝ ἶἷΝ ldquoἵὄiaἶὁὄrdquoΝ ( ηδκυλΰσμ) no singular masculino assim como
tambeacutem no Filebo essas combinaccedilotildees satildeo combinaccedilotildees particulares realizadas em um todo
sem alusatildeo clara agrave geraccedilatildeo do cosmos em sua totalidade Assim por mais que o limite (πΫλαμ)
informe essa combinaccedilatildeo ou melhor seja a causa formal da mistura a explicaccedilatildeo eficiente
dessa estrutura cosmoloacutegica misturada proveacutem da inteligecircncia desse θκ μ Como nos diz
ἑaὄὁὀἷΝ(ἀίίἆ)ΝldquoὅἷΝὧΝaὅὅimΝtἷmὁὅΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὅuὅὂἷitaὄΝἶἷΝalgumΝtiὂὁΝἶἷΝiὀtἷὄἶἷὂἷὀἶecircὀἵiaΝ
mἷὀtἷήἵὁὄὂὁΝmἷὅmὁΝὀumΝὀiacutevἷlΝἵὰὅmiἵὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝ1ἃί)έ
No contexto da discussatildeo sobre uma vida boa e consequentemente uma vida feliz o
aspecto cosmoloacutegico eacute levado em conta por Soacutecrates ao estabelecer um paralelismo entre
inteligecircncia humana e coacutesmica entre micro e macro-cosmo Penso que aqui o propoacutesito natildeo
seja demarcar estritamente uma assimetria ou mesmo oposiccedilatildeo entre um e outro mas a
anaacutelise do argumento cosmoloacutegico deve ser cuidadosa porque dada oposiccedilatildeo natildeo nos traria
resultados proveitosos em se tratando de uma compreensatildeo acertada sobre a passagem237
Devemos antes de tudo compreender esse paralelismo feito por Soacutecrates no contexto
da discussatildeo maior acerca da vida boa Ora o condutor da discussatildeo talvez esteja afirmando
que o universo possui uma mente coacutesmica que opera essas misturas de uma forma excelente
que governa dirige e preserva a boa ordem de todas coisas que mistura belamente Dito isso
o paralelismo passa a ser estabelecido entre esse θκ μ coacutesmico e os organismos individuais
237 Sobre isso eacute possiacutevel ver a anaacutelise detalhada e a recomposiccedilatildeo do argumento por Carone (2008 p 152) que aborda com clareza que a interpretaccedilatildeo incorreta do paralelismo natildeo alcanccedila resultados satisfatoacuterios principalmente quando esse paralelismo eacute interpretado sob o ponto de vista da distinccedilatildeoseparaccedilatildeo da causa do mundo seja pela equivocada compreensatildeo rasa da relaccedilatildeo sensiacutevel-inteligiacutevel ou melhor entre teoloacutegico e fisioloacutegico A teoacuterica diz com toda clareza que o argumento desenvolvido na passagem eacute fiacutesico-teoloacutegico e natildeo somente teoloacutegico (no inteligiacutevel) ou somente fiacutesico (no plano sensiacutevel) ele eacute fiacutesico-teoloacutegico e ambos os planos de realidade (CARONE 2008 p 150-151)
177 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
(28c-29d) Ora se reconhecemos em noacutes a existecircncia de um corpo e esse corpo proveacutem do
corpo do universo tambeacutem em relaccedilatildeo a alma podemos pressupor o mesmo isto eacute que ela
proveacutem de uma alma universal e superior Eacute porque reside nessa alma (a coacutesmica) que essa
inteligecircncia (θκ μ) governa sempre o universo Logo natildeo se trata aqui de uma distinccedilatildeo niacutetida
entre sensiacutevelinteligiacutevel corpoalma caso defendecircssemos isso ou seja que a natureza da
causa o intelecto demiuacutergico estivesse aleacutem dessa interdependecircncia mente-corpo de tal
mὁἶὁΝὃuἷΝἷὅὅἷΝldquoZἷuὅΝὄὧgiὁrdquoΝ( δ μ ία δζδε θ 28d1-4) como eacute chamada a causa essa uacuteltima
estivesse aleacutem da alma perderiacuteamos a grandeza do paralelismo aqui estabelecido Sabedoria
e inteligecircncia nos diz Soacutecrates natildeo existem sem alma (Cf 30c-910) A alma do mundo assim
como a alma humana satildeo ambas princiacutepios de organizaccedilatildeo238 de sustentaccedilatildeo a causa
existe em todas as coisas o que sugere ainda mais inerecircncia da causa do que sua separaccedilatildeo
ontoloacutegica
Essa alma do mundo eacute singular mas sua tarefa ordenadora dirige-se agraves entidades
particulares das quais reconhecemos a natureza das coisas mais e belas e mais nobres em
porccedilotildees maiores no universo como nos astros celestiais Reconhecemos que essa beleza e
essa nobreza eacute fruto desse ordenamento dessa sustentaccedilatildeo que a inteligecircncia realiza nas
almas desses seres ou seja dessa geraccedilatildeo inteligiacutevel em direccedilatildeo ao ser Esse θκ μ que
realiza a combinaccedilatildeo no universo tem de ser a inteligecircncia na alma do mundo o θκ μ coacutesmico
Da mesma maneira ocorre em noacutes essa tarefa criadora e ordenadora excelentemente
realizada pela demiurgia que compotildee essa nossa natureza humana mista de prazer e
inteligecircncia na qual tambeacutem podemos reconhecer esse belo ordenamento (sauacutede
constituiccedilatildeo corpoacuterea adequada vigor fiacutesico etc) em menores porccedilotildees e que por vezes se
desfaz e novamente se restabelece ou seja esse θκ μ que possibilita que tenhamos uma
vida mista de acordo com essa proacutepria condiccedilatildeo (humana)
Contudo no caso dos seres humanos nem sempre alma e θκ μ coincidem pois nossa
alma possui outras capacidades psiacutequicas e fisioloacutegicas proacuteprias agrave nossa condiccedilatildeo natural
No caso do cosmos tambeacutem resultante dessa mistura de limite e ilimitado a identidade entre
θκ μ e alma eacute possiacutevel porque no inteligiacutevel esse ordenamento natural se conserva de forma
excelente diferentemente do caso humano A inteligecircncia coacutesmica natildeo permite que o caos se
instaure que o universo seja caoacutetico e desordenado Por isso Soacutecrates chamaraacute essa
inteligecircὀἵiaΝ ὃuἷΝ ὄἷὅiἶἷΝ ὀaΝ almaΝ humaὀaΝ ἶἷΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἵὁmὂlἷtaΝ ἷΝ vaὄiaἶardquoΝ (εα παθ κέαθΝ
κφέαθΝ πδεαζ ῖ γαδ 30b4) tendo em vista que ela nos possibilita muitos ganhos como a
238 ἑaὄὁὀἷΝ ἶiὐΝ ὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὃuἷμΝ ldquo(έέέ)Ν ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ vὁἵaἴulὠὄiὁΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὅἷὄiaΝempregado por algueacutem que considera o corpo um mero acessoacuterio da alma como alguns entendem que sugerem os diaacutelogos intermediaacuterios de Platatildeo Em lugar disso a analogia macromicro cosmo pareceria ressaltar a presenccedila da alma no universo primordialmente como um princiacutepio de sua organizaccedilatildeo semelhante agrave alma em noacutes (agrave qual se diz que pertence a funccedilatildeo de ser um archecirc em Fil ἁἃἶ)rdquoΝ(ἀίίἆΝp 152)
178 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
sauacutede que se restaura pela medicina e pela ginaacutestica quando o corpo falha Mas no universo
em que a inteligecircncia coacutesmica tambeacutem produz constantemente essas misturas ela sempre
as faz de uma maneira legiacutetima com regularidade e sempre de forma excelente
Logo essa suposta inferioridade natildeo parece ser aqui justificada em vista dessa
distinccedilatildeo entre planos (sensiacutevelinteligiacutevel) porque no universo tambeacutem haacute corpos e corpos
com almas permitem serem ordenados belamente nem que a demiurgia seja algo
(transcendente) que esteja aleacutem da imanecircncia do mundo mas ela eacute causa eficiente que pela
introduccedilatildeo limite torna excelente qualquer mistura239 por isso a alternacircncia socraacutetica ao dizer
que a alma eacute coacutesmica e que a causa eacute θκ μ Jaacute no caso da vida humana mista somos
convocados a sempre voltarmos agrave essa constituiccedilatildeo originaacuteria a qual fomos destinados a vida
eacutetica boa eacute essa vida que realiza essa harmonizaccedilatildeo entre a finalidade coacutesmica estabelecida
pela inteligecircncia coacutesmica ao criar o homem (num sentido universalgeneacuterico) e a finalidade
estabelecida pela causa individual humana ou seja a inteligecircncia particular de cada indiviacuteduo
A vida humana destarte eacute sempre mista e isso Platatildeo jamais negou mas o que se
nega eacute que nem sempre ela eacute uma legiacutetima mistura agrave vista disso nem sempre boa (num
ὅἷὀtiἶὁΝὧtiἵὁ)έΝἏΝtaὄἷfaΝhumaὀaΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝumΝldquoafiὀamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝὄἷὃuἷὄΝumΝὄἷtὁὄὀὁΝὅἷmὂὄἷΝ
que possiacutevel a esse modelo originaacuterio belamente disposto pela inteligecircncia coacutesmica ou seja
agrave finalidade originaacuteria atribuiacuteda agrave alma humana pela inteligecircncia coacutesmica no momento de sua
criaccedilatildeo tarefa que deve ser realizada pela accedilatildeo humana e que consiste em conservar essa
originalidade que tem como paradigma como modelo a ordem universal coacutesmica O universo
possui uma organizaccedilatildeo interior na qual a inteligecircncia sempre cumpre da melhor maneira o
seu papel Noacutes tambeacutem possuiacutemos uma composiccedilatildeo natural dotada de intelecto devido agrave
presenccedila da alma e tambeacutem afetiva devido ao corpo uma organizaccedilatildeo interior mas perdemos
constantemente essa excelecircncia quando realizamos maacutes misturas na qual os ingredientes
natildeo satildeo bem dosados e corrompem nossa mistura (condiccedilatildeo) originaacuteria tornando-a
ἶἷὅὂὄὁviἶaΝἶἷΝtalΝἷxἵἷlecircὀἵiaΝὃuἷΝaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵaΝuὀivἷὄὅalrdquoΝmaὀtὧmΝiὅtὁΝὂὁὅtὁΝἷlaΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝ
tὁmaἶaΝἵὁmὁΝὂaὄaἶigmaΝἵὁmὁΝmὁἶἷlὁΝὁuΝὀὁὅΝἶiὐἷὄἷὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝἵὁmὁΝaΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoέΝ
O universo eacute um corpo um corpo dotado de alma com os mesmos elementos que
residem em noacutes em maiores porccedilotildees de quantidade (nos diz o Filebo em 30d-e) A diferenccedila
se encontra portanto na conservaccedilatildeo da ordem firmemente estabelecida no arranjo
(qualitativo) presente no universo que permanece fiel agrave sua finalidade originaacuteria240 Quanto ao
homem somos corpos corpos dotados de alma com os mesmos elementos do universo em
menores porccedilotildees (de quantidade) poreacutem natildeo conservamos nossa finalidade originaacuteria da
239 ἠatildeὁΝὃualὃuἷὄΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝmaὅΝumaΝldquoἵὁὄὄἷtaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁrdquoΝ( λγ εκδθπθέμ) eacute louvada por Soacutecrates em 25e7 240 Soacutecrates diraacute em 30c3-ἄμΝldquo(έέέ)Νὀo universo haacute tanto excesso de ilimitado quanto suficiecircncia de limite e sobre eles uma causa natildeo inferior ordenado belamente e coordenando os anos as estaccedilotildees e os mἷὅἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝἵhamaἶaΝἵὁmΝtὁἶὁΝὁΝἶiὄἷitὁΝἶἷΝὅaἴἷἶὁὄiaΝἷΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiardquoέ
179 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
criaccedilatildeo somos infieacuteis quanto agrave nossa constituiccedilatildeo originaacuteria Precaacuterios e ignoacutebeis realizamos
maacutes misturas e precisamos retomar por meio de nossa faculdade intelectiva individual a
busca pela conservaccedilatildeo dessa ordem belamente estabelecida e perdida a qual tornaria de
fatὁΝὀὁὅὅaΝviἶaΝὄἷalmἷὀtἷΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἡΝὃuἷΝὁΝFilebo deixaraacute claro a meu ver eacute que
essa nossa vida mista de prazer e inteligecircncia soacute poderaacute ser efetivamente boa quando a vida
particular humana se esforccedilar ao maacuteximo para adquirir a natureza de uma forma geneacuterica que
participa da Forma do Bem que eacute a uacutenica coisa boa de forma absoluta que eacute boa
ἷxἵἷlἷὀtἷmἷὀtἷΝἷΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝἵὁmὁΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝἷὅtὄitὁέΝ
Cosmologia e eacutetica portanto permanecem conjugados e natildeo separados pois aquilo
a que todas as coisas aspiram sejam elas universais (cosmoloacutegicas) ou mesmo o proacuteprio
homem enquanto tambeacutem um desses seres presente no universo eacute o Bem e que na vida
humana permanece como a orientaccedilatildeo maior para que uma vida seja realmente uma vida
boa e como nos diz o Filebo deve ser buscado na vida mista entre prazer e conhecimento
Dito de outro modo o bem humano natildeo eacute este ou aquele bem mas uma vida boa a boa vida
humana A questatildeo que envolve o Filebo vai aleacutem de uma simples e faacutecil mistura essa eacute uma
das misturas mais relevantes porque trata de compreender a todo instante se uma vida tal
como ela eacute ela mesma se basta a si poacutepria O prazer teria essa ilusatildeo que o pensamento
denuncia mas nenhum nem outro nem prazer nem inteligecircncia devem ser tratados de forma
polarizada mas a eacutetica define-se por uma pergunta muito mais complexa a partir da
introduccedilatildeo da mistura que visa o bem O prazer eacute parte da vida boa seu fasciacutenio encanta
mas como introduzir algo ilimitado em si-mesmo naquilo que essencialmente por natureza eacute
limitado como eacute o caso da boa vida241
Quando o π δπκθ reina quem impera eacute o acaso e a necessidade ( υξ ιΝ
θΪΰεβμ)242 natildeo a ordem243 natildeo o planejamento e a inteligecircncia O universo natildeo eacute irracional
ambos dialogadores chegam a tal conclusatildeo muito pelo contraacuterio nele impera a ordem e a
regularidade de forma excelente Considerar o prazer como bem eacute dizer que nossa vida inteira
deve ser regulada em funccedilatildeo de algo que pertence ao gecircnero do π δλκθ o prazer eacute π δλκθ
ou seja passa pelo mais e pelo menos eacute pura geraccedilatildeo pura transgressatildeo que recusa a
imposiccedilatildeo do limite um devir e o devir torna-se mas natildeo eacute ser o prazer soacute se torna ser depois
da atividade dialeacutetica que o estrutura que o limita primeiramente em multiplicidade
241 NaὅΝἴἷlaὅΝὂalvὄaὅΝἶἷΝἐὁὅὅiμΝldquoἏΝvἷlhaΝὂaixatildeὁΝἶἷΝἑὠliἵlἷὅΝὄἷἷὀἵaὄὀaΝἷmΝἔilἷἴὁμΝὁΝἴὁmΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝseu caraacuteter ilimitado natildeo impedido sempre possiacutevel de ser levado um pouco mais adiante Talvez poderiacuteamos dizer que toda a eacutetica socraacutetico-platocircnica natildeo tem outro objetivo principal que desmascarar ἷὅtaΝatὄaἷὀtἷΝviὅatildeὁΝἷΝἶἷὅtὄuiὄΝaΝ faὅἵiὀaὦatildeὁΝὃuἷΝaΝὂἷὄὅὂἷἵtivaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝ ilimitaἶὁΝἷxἷὄἵἷΝὅὁἴὄἷΝὀὰὅrdquoΝ(2008 p 241) 242 (Cf Ti 46e5-6) 243 O termo desordem ( Ϊε πμ) aparece em 29a4 relacionado anteriormente com o acaso ( υξ cf 28d5-9 Ti 46e Lg 889c) pois Soacutecrates questiona a Protarco (28d5-7) se poderiacuteamos dizer que o universo eacute governado pela potecircncia do irracional ( ζσΰκυ) e de arbitrariedade e daquilo que acontece ὂὁὄΝaἵaὅὁΝ( θΝ κ ζσΰκυΝεα ε τθαηδθΝεα π υξ θ)έ
180 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
determinada e depois disso em uma unidade indeterminada que se denomina prazer mas
que satildeo vaacuterios prazeres244 O prazer ilimitado prescinde da accedilatildeo da inteligecircncia na
composiccedilatildeo da vida mista boa nesta ele soacute pode ser bom apoacutes essa imposiccedilatildeo do limite
pois essa vida para ser uma boa vida realmente deve saber dosar corretamente prazer e
inteligecircncia tendo como referecircncia o ordenamento executado pela inteligecircncia coacutesmica
universal a finalidade originaacuteria da sua criaccedilatildeo pela Inteligecircncia universal que se deu por meio
de sua alma (humana) ordenamento que agora deveraacute ser retomado e consiste propriamente
a uma accedilatildeo executaacutevel pelo proacuteprio homem Nos belos dizeres de Carone (2008)
()um importante contraste torna-se aparente aqui ao observarmos como num niacutevel coacutesmico a prevalecircncia do nous sobre o acaso a necessidade ou o ilimitado constitui um fato determinado e digno do aspecto dos ceacuteus (Fil 28e) Ao contraacuterio para os seres humanos isso natildeo eacute determinado cabe a noacutes optar por uma vida irracional de prazer excessivo ou entatildeo nos decidir a governaacute-la com nosso nous () Mas como podemos compreender nossas proacuteprias tendecircncias de modo que nos capacitemos a controlaacute-las melhor Como podemos alcanccedilar vidas humanas estavelmente felizes Eacute para esse tipo de problema eacutetico que a passagem cosmoloacutegica que estivemos discutindo serve para estabelecer o conhecimento de base apropriado uma vez que eacute igualmἷὀtἷΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ aὂὄἷὀἶἷὄΝ ldquoὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ἴὁmΝ taὀtὁΝ ὀὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝἵὁmὁΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝ(ἄἂa1-2) (p 157 grifos da autora)
Por fim vemos que mesmo aqui nessa fundamentaccedilatildeo cosmoloacutegica toda e qualquer
geraccedilatildeo tem como fim o bem por isso ela eacute (tanto no caso cosmoloacutegico quanto no caso eacutetico)
propriamente axioloacutegica tem em vista sempre o melhor o bom o bem e tudo o que eacute
consoante ao valor maior pelo qual todas as coisas anseiam como nos ficaraacute claro em 53-
54d
33 Prazer Conhecimento e Valor
Foi dito que a questatildeo do prazer na vida humana eacute tratada segundo as questotildees da
teleologia universal coacutesmica A vida boa se define pela sua finalidade Eacute isso que importa para
Platatildeo Antes do conteuacutedo da mistura da vida boa eacute preciso investigar qual forma este tipo
de vida deve tomar Eacute necessaacuterio delineaacute-la pois a partir disso seraacute possiacutevel ao indiviacuteduo
244 ἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaμΝldquoἒiὐἷὄΝἶἷΝalgὁΝἷΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὃuἷΝἷlἷΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝὀὁΝgecircnero do apeiron natildeo significa apenas devolver negativamente a ele qualquer limite mas determina-lo positivamente como uma espeacutecie de realidade capaz de recusar qualquer determinaccedilatildeo qualquer limite qualquer medida Era portanto necessaacuterio antes de submeter o prazer agrave anaacutelise refletir sobre a maneira de como lidar com uma realidade desse gecircnero comeccedilando por definir o gecircnero () A ilimitaccedilatildeo proacutepria ao prazer eacute essa ilimitaccedilatildeo dinacircmica essa recusa de qualquer quantidade determinada de qualquer medida e de qualquer fim Eacute a ela que o dialeacutetico deve impor nuacutemero e estrutura (aruthmos)rdquoΝ(ὂέΝἁ1ἂΝἁ1ἄ)έ
181 33 Prazer Conhecimento e Valor
atuar na composiccedilatildeo da mistura dosando corretamente os ingredientes que devem ser
incluiacutedos em tal composiccedilatildeo Primeiramente esse indiviacuteduo deve conhecer a forma dessa
vida a vida mista seu lugar na teleologia coacutesmica e posteriormente realizar a composiccedilatildeo
da vida mista boa concretizaacute-la atualizaacute-la Eacute a forma desta vida mista que determina o
conteuacutedo dessa boa vida mas essa vida deve ser capaz de atender agraves finalidades do εσ ηκ
O pensamento presente nesta foacutermula da vida boa consegue extrapolar a funccedilatildeo de
mero possibilitador da fruiccedilatildeo de prazeres do caacutelculo dos prazeres realizados pela memoacuteria
a inteligecircncia nos oferece outros atributos ela eacute capaz de conhecer a fundo essa mistura de
instaurar as finalidades mais amplas em nossa existecircncia concreta Todavia ela deve
exercitar-se a fim de conhecer a real dimensatildeo da sua potecircncia para aplicaacute-las na vida
humana logo conhececirc-las (estas possibilidades) permitiraacute tambeacutem conhecer a forma que a
vida humana pode e deve assumir se de fato ela deseja ser uma vida boa O pensamento
assim possui um valor inestimaacutevel pois aleacutem de participante e constituinte da vida mista ele
eacute capaz de tornar uma vida mista humana uma vida boa ele dispotildee de vaacuterios recursos como
traccedilar estrateacutegias calcular rememorar investigar imaginar avaliar julgar dentre outras O
pensamento e o conhecimento ainda seratildeo definidos mais claramente no espectro desse texto
platocircnico O pensamento possui um poder amplo na vida boa e no argumento que perscruta
acerca do bem e da vida boa no contexto dialoacutegico aqui tratado Desta maneira a finalidade
da vida humana natildeo pode ser o prazer jaacute que o conhecimento natildeo se encontra ocupado
somente com a fruiccedilatildeo dos prazeres
O hedonismo enquanto uma teoria eacutetica deve ser refutado por Soacutecrates tendo em
vista a dimensatildeo do pensamento do conhecimento que na vida humana excede extrapola
essa uacutenica funccedilatildeo de fruiccedilatildeo dos prazeres Logo o prazer natildeo pode ser o bem Todavia o
prazer reclama a todo instante sua existecircncia no conjunto da vida boa uma vida de
pensamento unicamente natildeo eacute desejaacutevel dada a nossa condiccedilatildeo humana afetivo-intelectual
O bem precisa ser algo que possua limites que o proacuteprio prazer natildeo possui Mas o prazer
enquanto um ilimitado que eacute pode ser limitado pela atuaccedilatildeo do pensamento pode se tornar
bom por isso defendemos consistentemente que o Filebo eacute um diaacutelogo que vai muito aleacutem
do embate hedonismo vs anti-hedonismo quando falamos em vida mista de prazer e
inteligecircncia a forma e o conteuacutedo da vida boa mista altera essa oposiccedilatildeo draacutestica pois
nenhum desses dois elementos (prazer e inteligecircncia) podem ser eliminados drasticamente
da vida humana
Os bens humanos passam a ser discutidos de uma outra maneira e essa teoria eacutetica
tradicional convencional precisa ser transposta criticamente pelo Soacutecrates do Filebo O bem
para uma vida enquanto vida humana soacute pode ser uma vida boa A explicaccedilatildeo de Soacutecrates
para tais temas eacuteticos reconfigura-se no caso do Filebo como se pode notar vai mais a fundo
permitindo uma anaacutelise psicoloacutegica e fisioloacutegica e por uacuteltimo eacutetica muito mais complexa do
182 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
que posiccedilotildees dogmaacuteticas estritas em torno do problema eacutetico tradicional sobre as accedilotildees
humanas sobre o modo como se deve viver A busca pela definiccedilatildeo de uma eacutetica se assim
podemos dizer em Platatildeo foge de posiccedilotildees extremas polarizadas Muito pelo contraacuterio a
pergunta relevante a mais simples e a mais enigmaacutetica da eacutetica eacute uma questatildeo complexa e
dialeacutetica Agora sim eacute o momento de analisar os conteuacutedos da mistura da forma da boa vida
desejada como ideal para os indiviacuteduos Quais e que tipos prazeres entram nessa mistura
Quais e que tipos de conhecimentos devem ser incluiacutedos nessa vida mista para que ela seja
boa Jaacute que o prazer pode receber determinaccedilatildeo e se tornar algo bom nessa mistura e a
inteligecircncia natildeo se restringe unicamente agrave tarefa de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres
mas desempenha outros melhores e maiores papeis nessa composiccedilatildeo vejamos entatildeo qual
a relevacircncia destes dois elementos nessa forma da vida boa mista
A anaacutelise dos prazeres ocupa grande parte do diaacutelogo (31b-55c) Natildeo pretendo aqui
tratar exaustivamente dessa anaacutelise devido agraves finalidades redutivas que nosso trabalho nos
impotildee O trecho eacute permeado de passagens complexas que evocam uma compreensatildeo clara
de vaacuterios temas presentes no corpus que podem e devem ser retomados para o tratamento
dessa importante questatildeo filosoacutefica da filosofia platocircnica Minha hipoacutetese de leitura pretende
ressaltar brevemente dois aspectos que a meu ver satildeo importantiacutessimos para compreensatildeo
da anaacutelise dos prazeres a saber em primeiro um aspecto gnosioloacutegico e em seguida um
aspecto valorativo ou axioloacutegico como pretendo chamar aqui245
Primeiramente o prazer deve ser analisado em relaccedilatildeo ao seu contraacuterio ou seja no
prazer e dor jamais poderiacuteamos analisar sob tortura o prazer separado da dor nos diz
ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝἁ1ἴἄΝ(ζτπβμΝ α ξπλ μΝ θΝ κθ θΝκ εΝ θΝπκ Ν υθαέη γαΝ εαθ μΝία αθέ αδ)έΝ
Dor e prazer agora satildeo incluiacutedos em um gecircnero comum o que dista da sua classificaccedilatildeo
anterior no gecircnero do ilimitado Devemos antes de qualquer alarde nos atentar para o sentido
ἶἷὅὅἷΝldquoἵὁmumrdquoΝ(εκδθ ) utilizado aqui por Platatildeo Soacutecrates diz que por natureza (εα φτ δθ)
ambos (prazer e dor) residem neste gecircnero do comum
O exemplo da sauacutede eacute retomado (31d10-11) Quando em noacutes se desata a harmonia
( μΝ ληκθέαμΝη θΝζυκηΫθβμΝ ηῖθ)ΝὁἵὁὄὄἷΝaΝἶiὅὅὁluὦatildeὁΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ζτ δθΝ μΝφτ πμ)ΝἷΝἶaiacuteΝ
simultaneamente resultam as dores (31d4-6) Quando poreacutem a harmonia se recompotildee
245 Sigo bem de perto certos autores contemporacircneos que hora ou outra ocupam parte do meu texto me alio a essa visatildeo interpretativa do diaacutelogo e principalmente da questatildeo do prazer por consideraacute-la mais entusiasmante e mais atenta aos problemas complexos que envolve essa intrincada questatildeo do prazer na filosofia de Platatildeo Recentemente essa visatildeo eacute defendida por alguns autores nos quais me fundamento para a construccedilatildeo da minha anaacutelise como (Marques (2012) Teisserenc (1999 2010) Bossi (2008) Dixsaut (1999 2001 2017) ndash considero importante tambeacutem retomar (Delcomminette Bravo) enquanto grandes especialistas da temaacutetica mas natildeo sigo em alguns momentos seus posicionamentos principalmente no que diz respeito a esse momento da anaacutelise dos prazeres
183 33 Prazer Conhecimento e Valor
novamente retornando a sua proacutepria natureza surgem os prazeres (πΪζδθΝ ληκ κηΫθβμΝ Ν
εα μΝ θΝα μΝφτ δθΝ πδκτ βμΝ κθ θΝΰέΰθ γαδ) (31d8-10)
Alguns exemplos ofertados por Soacutecrates (31e6-32a8) facilitam a compreensatildeo como
a fome porque haacute dissoluccedilatildeo (ζτ δμ) e dor (ζτπβ) enquanto o ato de comer eacute um
preenchimento (πζάλπ δμ) de retorno (ΰδΰθκηΫθβ π ζδθ) agrave situaccedilatildeo normal e prazer do
mesmo modo a sede que eacute corrupccedilatildeo (φγσλα) do estado natural fisioloacutegico e dor e o
preenchimento (πζβλκ α) com liacutequido que preenche a secura prazer o calor insuportaacutevel e
a refrigeraccedilatildeo satildeo exemplos do mesmo tipo dor-restauraccedilatildeo separaccedilatildeo e dissoluccedilatildeo do
estado natural ( δΪελδ δμ εα δΪζυ δμ παλ φτ δθ) sendo o resfriamento nesse caso de
calor extremo restauraccedilatildeo do equiliacutebrio natural o congelamento (frio extremo) contraacuterio agrave
natureza que congela os liacutequidos do animal e a restauraccedilatildeo por meio do retorno ao acordo
natural (εα φτ δθ rsquoΝπΪζδθ πσ κ έμ) ou seja ao se liquidificarem eacute um retorno agrave natureza
e por isso prazeroso Logo conclui-se que quando essa harmonia natural se corrompe
(φγσλαθ) entre limite e ilimitado o resultado eacute a dor e o caminho do retorno tem como
resultado nos seres vivos o prazer e ele eacute retorno ao proacuteprio ser ( θΝ ᾽ μΝ θΝα θΝκ έαθΝ
σθΝ ατ βθΝ α πΪζδθΝ θΝ θαξυλβ δθΝπΪθ πθΝ κθάθ) (32b1-5) Em 32e1-2 Soacutecrates iraacute
ἵὁὀἵluiὄΝ ldquoὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ἵὁὄὄuὂὦatildeὁΝ ἶἷὅὅaὅΝ ἵὁiὅaὅΝ hὠΝ ἶὁὄΝ ἷΝ ὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝ ὂὄaὐἷὄrdquoΝ
(ldquo δαφγ δλκηΫθπθΝη θΝα θΝ ζΰβ υθΝ θα ακηΫθπθΝ κθάrdquo)έ
Na passagem da ontologia quaacutedrupla a sauacutede era tomada como um exemplo do
gecircnero misto dentre aqueles outros trecircs gecircneros Ou seja toda a descendecircncia desse misto
ἷὄaΝtὄataἶὁΝἵὁmὁΝumaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰ θ δθ μ κ δαθ) Pela introduccedilatildeo do limite
no ilimitado o devir a geraccedilatildeo adquiriam estabilidade e deixavam de ser um movimento
contiacutenuo ininterrupto deixavam de ὅἷὄΝumaΝmἷὄaΝldquogecircὀἷὅἷrdquoΝἷΝὅἷΝtὁὄὀavamΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝ
ὅἷὄrdquoέΝ ἦamἴὧmΝ aΝ viἶaΝ humaὀaΝ fὁiΝ ἵὁὀsiderada uma vida mista a constituiccedilatildeo orgacircnica
fisioloacutegica dos seres humanos pertenciam ao gecircnero da mistura Os elementos dessa vida
misturada estavam sujeitos ao devir pois passavam pelo mais e o menos num contiacutenuo
movimento ou seja o ilimitado foi tratado como uma ilimitaccedilatildeo dinacircmica que recusava uma
quantidade determinada qualquer medida qualquer fim Estes movimentos do ilimitado ora
se aproximavam ora se distanciavam da condiccedilatildeo saudaacutevel ideal Esses movimentos agora
estatildeo relacionados aqui agrave dor e ao prazer O prazer deve ser parte dessa mistura porque ele
eacute tambeacutem bom nessa mistura da vida humana mas natildeo deixa por outro lado de pertencer
ao gecircnero do ilimitado enquanto esse movimento de restauraccedilatildeo da proacutepria natureza do ser
vivo de restauraccedilatildeo da harmonia do estado saudaacutevel natural livrando-se da degradaccedilatildeo
anterior Por mais que as coisas estejam em devir e por vezes a sauacutede se dissolve e a
harmonia desse estado natural se corrompe se dilui e embora vivamos nesta oscilaccedilatildeo
constante entre sauacutede e doenccedila haacute um estado miacutenimo em que as condiccedilotildees fisioloacutegicas
tentam preservar o maacuteximo possiacutevel dessa harmonia original Harmonia planejada pela
184 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
inteligecircncia coacutesmica que impotildee limites na mistura por intermeacutedio da alma tornando esta vida
ordenada Esse eacute o modo de vida mista louvado por Soacutecrates no diaacutelogo vida de pensamento
e de prazer como a mais digna de ser escolhida
O prazer do corpo natildeo eacute apenas um sinal de satisfaccedilatildeo sentida mas tambeacutem eacute um
alerta de que a constituiccedilatildeo saudaacutevel a natureza harmocircnica fisioloacutegica estaacute retornando ao
seu estado natural em certo indiviacuteduo O prazer tambeacutem atesta a desordem pois quando ele
se ausenta progressivamente ele jaacute daacute indiacutecios de que a dor estaacute por vir Por isso tambeacutem
ele eacute ilimitado nesse aspecto pois ele daacute sinais de variaccedilatildeo que jaacute passam a reclamar seu
contraacuterio a dor O limite permite apenas que ele adentre na mistura quando aquele (o prazer)
permite que sua indeterminaccedilatildeo seja contida e possua o miacutenimo de variaccedilatildeo possiacutevel A vida
humana como um modo de vida que eacute ciente inteligente nota essas variaccedilotildees Logo o prazer
se inclui no Ilimitado comparativamente agrave sua presenccedila no gecircnero misto de ilimitado e de
limite haacute niacuteveis distintos e movimentos distintos em que ora ele se inclui totalmente e ora se
inclui totalmente no misto de limite e ilimitado Assim observa Bravo (2007)
Como entender esta aparente dupla inclusatildeo geneacuterica do prazer agora inseparaacutevel da dor Natildeo sem a definiccedilatildeo fisioloacutegica do prazer que vem na continuaccedilatildeo () a saber do prazer como repleccedilatildeo (πζάλπ δμ) de um vazio (εΫθπ δμ 35b 42d1) Esta definiccedilatildeo () mostra que a Ilimitaccedilatildeo do prazer eacute a de um movimento (εέθβ δμ R 583e10) que passa do vazio agrave plenitude e comporta necessariamente um mais e um menos destes dois estados Por conseguinte tanto o prazer como a dor satildeo de certo modo um misto de vazio e plenitude A plenitude que eacute o prazer proveacutem sempre de um vazio que eacute atual ou potencialmente dor e se encontra constantemente ameaccedilada por ele O vazio que eacute a dor por sua vez tende naturalmente agrave plenitude que eacute o ὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝiἶἷὀtifiἵaΝἵὁmΝaΝldquohaὄmὁὀiardquoΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ἁ1ἶ)έΝEacuteΝaὅὅimΝque o prazer se inclui tanto no gecircnero do Misto quanto no do Ilimitado mas natildeo ao mesmo tempo e no mesmo niacutevel se inclui no Ilimitado mediante sua inclusatildeo no Misto de Ilimitado e Limite Com efeito o que se inclui no todo tambeacutem se inclui em suas partes (p 29)
Eacute interessante notar o modo como Platatildeo conjuga a anaacutelise fisioloacutegica do prazer com
a ontologia anteriormente tratada fundamentalmente sobre os quatro gecircneros O prazer
desempenha um papel importante em se tratando do modo de vida que adotamos ele possui
um valor moral inquestionaacutevel seja no aspecto fisioloacutegico seja no aspecto eacutetico o prazer na
vida mista composta de prazer e de dor deve ser equilibrado corretamente entre os
elementos que constituem essa dada mistura A introduccedilatildeo do limite nestes elementos
ilimitados se torna necessaacuteria em ambos os aspectos fisioloacutegico e eacutetico Tal accedilatildeo nos permite
integraacute-los em uma condiccedilatildeo estaacutevel ordenada saudaacutevel Prazer e conhecimento cumprem
um papel nessa ordenaccedilatildeo baacutesica mas natildeo apenas isso Eacute importante notar o modo como
185 33 Prazer Conhecimento e Valor
essa ordenaccedilatildeo eacute feita para que a mistura natildeo seja corrompida pervertida e nossa condiccedilatildeo
natural natildeo sofra grandes alteraccedilotildees ou mesmo se corrompa totalmente
ἑaὅὁΝὀatildeὁΝὀὁὅΝὂὄἷὁἵuὂἷmὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝὂaὂἷlΝἶἷὅὅaΝviἶaΝhumaὀaΝmiὅtaΝὀaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵardquoΝ
em arranjaacute-la em sintonia com a harmonia universal primeiramente em nossa vida puramente
fisioloacutegica e posteriormente eacutetica faremos isso de uma forma inteligente agrave semelhanccedila da
ordenaccedilatildeo universal encontraremos restriccedilotildees de toda parte o proacuteprio universo nos restringe
quando optamos por uma vida desenfreada que foge ao curso natural das coisas Somos
frustrados quando tentamos levar uma vida depravada desordenada sob a ilusatildeo de que ela
seria a mais correta e nos bastaria a depravaccedilatildeo manifesta esse sinal de oposiccedilatildeo ao natural
O resultado da transgressatildeo perpeacutetua da corrupccedilatildeo desse modelo de vida mista eacute a
dor O contraacuterio uma vida de prazer Obviamente temos aqui um argumento eacutetico mas o
caraacuteter valorativo dessas proposiccedilotildees encontra-se impregnada a uma visatildeo eacutetica que
relaciona indiviacuteduo e todo sem menosprezar nem um nem outro assim como prazer e
inteligecircncia natildeo satildeo desprezados nem um nem outro na defesa da vida boa e feliz porque
assim exige nossa condiccedilatildeo humana Se pervertemos essa ordem tornando o prazer como
fim a ser buscado levando uma vida irrefreada de prazeres intensos imoderados rompendo
com os limites da nossa constituiccedilatildeo natural por viver intensamente sob o domiacutenio das paixotildees
e extravasando ao maacuteximo possiacutevel nossa fruiccedilatildeo dos prazeres a fim de podermos gozar
sempre desse prazer que promove a reconstituiccedilatildeo do equiliacutebrio original natural invertemos
os papeacuteis confundindo os papeacuteis dos limites e dos prazeres e atentamos contra a κτ έα cuja
essecircncia eacute o limite e natildeo o ilimitado (IGLEacuteSIAS 2007 p 112)
Igleacutesias (2007 p 11-112) em um notoacuterio artigo na coletacircnea de artigos organizados
pelo Benoit sobre nosso diaacutelogoΝὀὁὅΝἶiὐΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝumΝldquoaὄautὁrdquoΝὃuἷΝaὀuὀἵiaΝὃuἷΝἷὅtὠΝ
sendo refreada uma ameaccedila ao ser vivo que a integridade deste ser estaacute sob ameaccedila e que
ele caminha para a recuperaccedilatildeo do ser Um organismo vivo eacute um η δε θ um ser que nasce
da imposiccedilatildeo de limites acertados em variado tipo de continuum da ordem do ilimitado
( π δλκθ) um ser ele proacuteprio que estaacute saindo dos limites constantemente devido agrave sua
proacutepria natureza pondo em risco sua integridade ele manteacutem no seu ser esse sensiacutevel que
ele eacute uma κ έα na ΰΫθ δμ uma ΰ θ δθ μ κ δαθ Toda vez que isso ocorre quando o ser
pode se encontrar em estado de dissoluccedilatildeo da harmonia corporal de perder os limites e
chegar ao π δλκθ a dor eacute sentida mas quando essa harmonia retorna temos prazer Assim
nos diz Igleacutesias (2007)
Assim embora sendo da ordem da desmedida a natureza do prazer pode ser captada na conexatildeo essencial que ele guarda com a medida que constitui os limites ideias que mantecircm o ser vivo em equiliacutebrio Eacute verdade que esta tese parece especialmente apropriada para compreender a natureza do prazer ὄἷὅultaὀtἷΝἶaΝὅatiὅfaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶἷὅἷjὁὅΝldquofiacuteὅiἵὁὅrdquoΝligaἶὁὅΝaὁΝἵὁmἷὄΝaὁΝἴἷἴἷὄΝἷΝ
186 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ao sexo Mas ela pode e deve ser estendida para todo o tipo de prazer vindo da satisfaccedilatildeo de um desejo isto eacute de uma falta E compreendida dessa forma a verdadeira natureza do prazer sua funccedilatildeo aparece com clareza na ontologia do Filebo ele como a dor eacute como que um dos guardiotildees da integridade do ser vivo Um anuncia que os limites de sua integridade estatildeo ameaccedilados o outro que eles estatildeo voltando ao normal Essa eacute a funccedilatildeo do prazer E quando se entende isso encontra-se o verdadeiro lugar do prazer na criaccedilatildeo divina () O prazer eacute um aacutepeiron sim mas um aacutepeiron a serviccedilo de uma genesis eis ousian A chamada tese dos delicados (kompsoi) que Soacutecrates apresenta adiante (53c4) eacute justamente essa o prazer eacute genesis e natildeo ousia Ora algo que deveacutem deveacutem em busca de algo e natildeo eacute o devir mas esse algo em vista do que se faz o devir no caso a ousia que eacute o bem () E ateacute mesmo para o cumprimento de tarefas maiores que podem exigir que nos exponhamos a perigos temos de tentar na medida do possiacutevel conservar os limites ideais que nos mantecircm no ser que nos eacute proacuteprio Ora o prazer ligado agrave satisfaccedilatildeo dos desejos sejam quais foram eacute apenas o subproduto que acompanha a restauraccedilatildeo dos limites que nos mantecircm em equiliacutebrio limites que estamos constantemente pela nossa proacutepria natureza perdendo e que buscamos o tempo todo restaurar (IGLEacuteSIAS 2007 p 111-112 grifos nossos)
Platatildeo em 32c-d jaacute daacute alguns indiacutecios que a problematizaccedilatildeo dialeacutetica do prazer a ser
desenvolvida em nosso diaacutelogo deveraacute levar em conta as questotildees psiacutequicas amplamente
desenvolvidas em contextos dialeacuteticos anteriores Essa abordagem sem duacutevidas iraacute lidar
com as questotildees imageacuteticas do psiquismo que se envolvem em uma intriacutenseca relaccedilatildeo entre
prazer desejo imagem reflexatildeo e valor Na passagem supracitada Soacutecrates nos fala a
respeito das afecccedilotildees proacuteprias da alma expectativas ( ζπδαση θκθ) prazerosas diante de
coisas prazerosas e expectativa atemorizante (φκίΫλκθ) e dolorosa diante de coisas
dolorosas Vale lembrar que essas afecccedilotildees satildeo afecccedilotildees pertencentes agrave proacutepria alma (α μ
μ ουξ μ 32b9) eacute necessaacuterio insistir De acordo com Soacutecrates e Protarco esses tipos de
afecccedilotildees (παγβηΪ πθ) satildeo antecipaccedilotildees (πλκ σεβηα πλκ κεέαμ 32c1 32c4)
Aqui vale a pena ressaltar que a dimensatildeo natural natildeo eacute pensada unicamente numa
dimensatildeo fisioloacutegica mas sobretudo em perspectiva ontoloacutegica A natureza possui um valor
um paracircmetro capaz de regular os movimentos dos seres vivos tanto na dor como no prazer
como jaacute dissemos acima Tambeacutem jaacute dizemos que no fundo do argumento cosmoloacutegico residia
uma dimensatildeo fortemente axioloacutegica que orienta todas as coisas agrave busca da realizaccedilatildeo
daquilo que eacute o bem o bom Como diz Marques (2012)
Na medida em que o paracircmetro utilizado para a constataccedilatildeo e subsequente avaliaccedilatildeo o prazer eacute pensado em base ontoloacutegica isso significa em Platatildeo que se trata de uma essecircncia inteligiacutevel forma investida com o maacuteximo de valor valor que orienta os movimentos (ou transformaccedilotildees) de todos os seres (p 214-215)
187 33 Prazer Conhecimento e Valor
Penso que natildeo se trata de um novo gecircnero de prazeres em relaccedilatildeo ao argumento
fisioloacutegico que envolve a primeira parte da anaacutelise dos prazeres por mais que alguns
discordem que o esquema fisioloacutegico possa ser estendido aos prazeres da antecipaccedilatildeo246
Sem duacutevidas temos aqui um prazer que eacute produzido a partir da produccedilatildeo de opiniotildees pela
alma que antecipa certas afecccedilotildees Afecccedilotildees que satildeo mais ou menos independentes do
corpo da experiecircncia empiacuterica ou das determinaccedilotildees corpoacutereas (MARQUES 2012 p 215)
Soacutecrates insiste aqui (32d) na investigaccedilatildeo dessa espeacutecieforma ( κμ) de prazer se
alguns deles possam ser bons e assim incluiacutedos na mistura ou seja se em algum momento
satildeo bens e em outros natildeo Eacute imprescindiacutevel verificar se esses prazeres satildeo puros
( ζδελδθΫ δθ) e puros aqui se refere a natildeo-misturado com dores ( η δε κδμ ζτπβμ) deste modo
eacute que se poderaacute discutir se podemos considerar alguns prazeres como puros e dar acolhida
a este gecircnero de prazeres puros pensados como um todo ou natildeo A conclusatildeo disso jaacute
aparece indicada tacitamente na passagem poderaacute ser verificado que alguns prazeres seratildeo
puros desejaacuteveis em si mesmo natildeo misturados com dores unos e por outro lado outros
seratildeo muacuteltiplos mistos e recusados por serem prejudiciais Nem todos os prazeres isso o
diaacutelogo iraacute mostrar podem ser bens mas apenas alguns satildeo bons e recebem a marca
distintiva do bom Ora se alguns prazeres natildeo satildeo bons jaacute eacute suficiente dizer que ele natildeo
pode ser o bem
Creio que o prazer da restauraccedilatildeo puramente fisioloacutegico estaacute englobado em uma
dimensatildeo maior do que seja o prazer A transiccedilatildeo draacutestica a da restauraccedilatildeo para a
antecipaccedilatildeo nesse interluacutedio breve em que anteriormente se trava da restauraccedilatildeo a meu ver
soacute pode indicar tal que a repleccedilatildeo de um vazio se estende e deve se estender a todo prazer
que proveacutem da satisfaccedilatildeo do desejo Penso que natildeo haacute um abandono mas como nos diz
Marques (2012 p 217) uma ressignificaccedilatildeo da estrutura repletiva fisioloacutegica do prazer O
preenchimento das afecccedilotildees suscitadas pela antecipaccedilatildeo exige um outro tipo de
preenchimento em que o que estaacute em jogo eacute uma saciedade de outra ordem que a meu ver
apelam agrave valoraccedilatildeo Ou como nos diz Marques (2012 p 216-217) o prazer da antecipaccedilatildeo
ldquoὧΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝavaliaὦatildeὁΝὂὄὧviaΝ(ὂὄὁgὀὰὅtiἵa)ΝἶaὅΝafἷἵὦὴἷὅΝfutuὄaὅΝἶὁΝἵὁὄὂὁΝpela alma (o
que alguns chamam de condiccedilatildeo objetiva para que ocorra o prazer)247
246 Como Delcomminette (2006 p 219) acredita que o esquema fisioloacutegico eacute vaacutelido apenas para o referido caso isto eacute para dizer que o prazer eacute restauraccedilatildeo da harmonia corporal da constituiccedilatildeo saudaacutevel da vida humana mista Soacute nesse momento se pode falar de vazio e repleccedilatildeo 247 Marques observa ἵlaὄamἷὀtἷΝaΝὂaὄtiἵulaὄiἶaἶἷΝἶaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁμΝ ldquoἏΝaὀὠliὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝ ὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoὄἷὅtauὄaὦatildeὁrsquoΝ (ἶἷΝ ἵἷὄtὁΝ mὁἶὁΝ ὄἷtὄὁὅὂἷἵtivὁ)Ν aὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoaὀtἷἵiὂaὦatildeὁrsquoΝ(aparentemente referido ao futuro) Mas nem a restauraccedilatildeo eacute apenas um retorno a um estado anterior nem a antecipaccedilatildeo eacute mera projeccedilatildeo numa linearidade temporal A restauraccedilatildeo eacute movimento na direccedilatildeo de uma essecircncia (ou natureza) o caso mais simples e por isso exemplar sendo a passagem do vazio da sede para a repleccedilatildeo da saciedade Se num primeiro momento haacute efetivamente um processo corpoacutereo por outro lado trata-se tambeacutem de uma busca de harmonia de um movimento na direccedilatildeo de
188 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
A menccedilatildeo de uma terceira disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) (neutra) em que natildeo haacute nem dor nem
prazer um momento no qual um ser vivo nem estaacute restaurado nem corrompido ( λαΝκ π αΝ
θΪΰεβ π θΝ θΝ σ Νξλσθ α κθΝηά Ν δΝζυπ ῖ γαδΝηά Ν γαδΝηά ΝηΫΰαΝηά Ν ηδελσθ)
(32e3-7) tambeacutem suscita duacutevidas entre os inteacuterpretes Haacute algo estranho nessas linhas pois
em seguida se diz que nada impede que algueacutem possa optar por uma vida de puro
pensamento (33a8-9) Note-se o caraacuteter hipoteacutetico levantado por Soacutecrates nessa passagem
Dizer que eacute possiacutevel viver sem prazer e sem dor natildeo significa que esse tipo de vida ocorre
concretamente em nossa dada condiccedilatildeo em uma vida humana Mas na comparaccedilatildeo dos
estados de vida ficou assentido que vida unicamente de inteligecircncia e vida unicamente de
prazer satildeo impossiacuteveis e indignas de escolha Mais ainda eacute dito em 33b6-7 sobre esse estado
de vida considerado como o mais divino de todos (γ δσ α κμ) Os deuses natildeo podem ter prazer
ou dor (33b10c-3)
Eacute necessaacuterio notar que natildeo haacute nada de comum entre a vida divina e a vida de escolha
de exclusiva do pensamento aleacutem do fato da ausecircncia das duas espeacutecies de prazeres
anteriormente mencionados (antecipaccedilatildeo e restauraccedilatildeo)έΝ ἑὁmὁΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoὀἷmΝ
ἢὄὁtaὄἵὁΝὀἷmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝalὧmΝἶἷΝὅἷὄἷmΝimὂaὅὅiacutevἷiὅΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂἷὀὅamrdquoΝ(ὂέΝ111ί)έΝ
Essa vida mais divina como jaacute dissemos atua em um extremo assim como a vida unicamente
de prazer em que se diz estar em estado de impassibilidade de uma atividade que basta a si
mesmo e que determina assim uma vida autossuficiente Por mais que o Teeteto diga em
1ἅἄἴΝὃuἷΝἶἷvἷmὁὅΝὀὁὅΝaὂὄὁximaὄΝἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝἶἷὅὅaΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝἵὁmὁΝὁΝmὁἶὁΝἶἷΝviἶaΝ
ideal e que deve ser ambicionado pelos homens aqui natildeo temos um juiacutezo puramente
teoloacutegico ou mesmo moral que desqualifique a vida mista humana dado que ela soacute pode ser
uma mistura de prazer e inteligecircncia Caso se deseje que uma vida de pensamento seja digna
ἶἷΝἷὅἵὁlhaΝἵhamaἶaΝἶἷΝldquoἶiviὀardquo que seja comandada pelo desejo de aprender (e natildeo de
saber) o verdadeiro o que eacute cada realidade inteligiacutevel nos diraacute Soacutecrates em 58d 59d ao
tratar da dialeacutetica essa vida de pensamento eacute guiada por esse desejo (da alma) pelo
verdadeiro eacute ele quem a orienta Logo essa vida de pensamento deve deixar de ser pura
unicamente pura (no sentido anterior do diaacutelogo) e deve se tornar mista para que seja de fato
uma vida boa deixando de lado as duas espeacutecies de prazer (antecipados e restaurativos) e
buscando o prazer proacuteprio da inteligecircncia
A questatildeo do estado neutro seraacute melhor explicada a partir do surgimento de dois
termos extremamente relevantes para a anaacutelise dos prazeres desejo ( πδγυηέαθ) memoacuteria
(ηθάηβμ) e tambeacutem a sensaccedilatildeo (α δμ) O estado de satisfaccedilatildeo e o estado doloroso satildeo
alguma plenitude para aleacutem da mera descriccedilatildeo fisioloacutegica Nem eacute a antecipaccedilatildeo um mero deslocamento para o futuro Na medida em que eacute constituiacuteda pelo desejo a opiniatildeo preacutevia ou a expectativa eacute tambeacutem em parte constitutiva do seu objeto ou pelo menos de seu valor da significaccedilatildeo da experiecircncia antecipada (2012 p 217)
189 33 Prazer Conhecimento e Valor
estados proacuteprios dos viventes mortais e a vida divina neste caso eacute o paradigma deste terceiro
estado (o neutro) Mas Soacutecrates diz que em determinados momentos natildeo sentimos nem dor
nem prazer natildeo somos afetados nem pela dor nem pelo prazer
Soc Aceita que dentre nossas afecccedilotildees corporais algumas se extinguem no corpo antes de penetrar a alma deixando-a impassiacutevel outras atravessam ambos e provocam em ambos uma espeacutecie de abalo que eacute tanto peculiar a cada um quanto comum aos dois (33d2-6) γ μΝ θΝ π λ ηαΝ η θΝ εΪ κ Ν παγβηΪ πθΝ η θΝ θΝ υηα δΝεα α ί θθτη θαΝπλ θΝ π θΝουξ θΝ δ ι ζγ ῖθΝ παγ ε έθβθΝ Ϊ αθ αΝ
δ᾽ ηφκῖθΝ σθ αΝεαέΝ δθαΝ π λΝ δ η θΝ θ δγΫθ αΝ δσθΝ Νεα εκδθ θΝ εα Ϋλ (33d2-6) Prot Que fique estabelecido Soc Se dissemos entatildeo que nossa alma natildeo se daacute conta daquelas afecccedilotildees que natildeo atravessam mas se daacute conta daquelas que atravessam ambos seraacute que estaremos falando corretamente Prot Como natildeo
Certas afecccedilotildees podem natildeo ser sentidas (tanto pelo corpo quanto pela alma) mas se
satildeo sentidas afetam ambos tanto o corpo quanto a alma se alma sente o corpo sente e se
o corpo sente a alma tambeacutem sente Natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo aqui de anterioridade ou de
causalidade Mas note-se e eacute importante insistir sobre isso o corpo tambeacutem pode
permanecer insensiacutevel agrave algumas afecccedilotildees e natildeo eacute somente a alma que tambeacutem pode ser
insensiacutevel Sabemos pois que os uacutenicos seres insensiacuteveis satildeo os deuses que possuem a
impassibilidade do imutaacutevel Embora estejamos dispostos no devir no movimento no fluxo e
estamos sempre em movimento nem todas as mudanccedilas satildeo sentidas pelo corpo mas
aὂἷὀaὅΝaὅΝldquogὄaὀἶἷὅΝmuἶaὀὦaὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝὧΝὂὄὁvὁἵaἶὁΝἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoaἴalὁrdquoΝὃuἷΝldquo(έέέ)ΝὧΝtaὀtὁΝ
peἵuliaὄΝaΝἵaἶaΝumΝὃuaὀtὁΝἵὁmumΝaὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ἁἁἶἃ-6) Nos diz Dixsaut (2017)
Portanto mesmo a vida dos seres vivos pode comportar momentos de insensibilidade mas a impassibilidade soacute caracteriza de modo contiacutenuo os imortais e os mortos Ora desde o Feacutedon sabemos que haacute apenas uma maneira de morrer (p 112)
E continua a teoacuterica francesa
Quando pensa a alma desligada e livre eacute capaz de natildeo ser atingida pelo fato que afeta esse corpo e ela tem mais o que fazer ao inveacutes de esperar ou de temer o que ela se tornou capaz de natildeo sentir natildeo graccedilas a uma ascese corporal (digamos aquela dos faquires) mas porque sensiacutevel a outra espeacutecie de realidade inteligiacutevel ela torna-se insensiacutevel a tudo que natildeo eacute essa realidade (p 112)248
248 Dixsaut (2017 p 112) retorna ao Feacutedon
190 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
O Filebo iluὅtὄaΝἷὅὅaΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝndash na medida do possiacutevel ndash ao tratar da escolha divina
daquele que pretere o pensamento A separaccedilatildeo entre fisioloacutegico e psicoloacutegico e vice-versa
A alma se separa quando suas disposiccedilotildees seus estados natildeo tem como causa afecccedilotildees do
corpo Mas como nota bem Dixsaut (2017) essa independecircncia manifesta-se no interior
dessa uniatildeo ela permanece sendo alma desse corpo que ela anima e do qual ela sofre o
peso natildeo estaacute livre dele natildeo estaacute livre de deixar de ser movida por ele natildeo deixa de ser esse
ldquoautὁΝ(α θ αυ 34b7) ndash mὰvἷlrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝtamἴὧmΝὂὁὅὅuiΝaΝiὀἵiativaΝἶἷΝὅἷuὅΝὂὄὰὂὄiὁὅΝ
movimentos sem portanto se livrar do apetite dos desejos que animam o corpo dos
apetites das afecccedilotildees
O modo de desligamento do Feacutedon eacute proacuteprio somente ao filoacutesofo o filoacutesofo desliga sua alma tanto quanto ele pode de toda a associaccedilatildeo com o corpo de um modo que o distingue de todos os outros homens (65a) Eacute o modo de desligamento que eacute proacuteprio ao filoacutesofo natildeo o desligamento ligado em todo homem agrave capacidade psiacutequica de lembrar-se e antecipar (DIXSAUT 2017 p 113)
Os prazeres separados do corpo soacute podem nascer devido agrave memoacuteria (ηθάηβμ) (33c5-
7) Essa outra espeacutecie ( λκθ κμ) de prazer surge exclusivamente pela memoacuteria ela eacute
esse tipo de afecccedilatildeo (παγβηΪ πθ 33d2) que permite que esses prazeres surjam unicamente
ὀaΝ almaέΝ ἏΝ almaΝ fiἵaΝ iὀὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὡὅΝ afἷἵὦὴἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ldquoὀatildeὁΝ ὅἷΝ ἶὠΝ ἵὁὀtaΝ ἶἷlaὅrdquoΝ ὃuaὀἶὁΝ ὅἷΝ
ldquoἷὅὃuἷἵἷrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἷὅὃuἷἵimἷὀtὁΝὀatildeὁΝὧΝldquoἷὅἵaὂἷΝἶaΝmἷmὰὄiardquoΝὂὁiὅΝ
ὅἷὃuἷὄΝἷlaΝὅuὄgiuΝmaὅΝldquoἷὅὃuἷἵimἷὀtὁrdquoΝὧΝὅiὀὲὀimὁΝἶἷΝiὀὅἷὀὅiἴiliἶaἶἷέΝἏΝalmaΝὀatildeὁΝὅἷΝἶὠΝἵὁὀtaΝ
porque sequer essa afecccedilatildeo a tocou (33d6-34a1)
Soc Isso que ocorre em comum (εκδθ ) nesse movimento conjunto (εδθ ῖ γαδ εκδθ ) do corpo e da alma ( θ ουξ θ) em uma mesma afecccedilatildeo (
rsquoΝ θ θ πΪγ δ) chamar ( θκηΪαπθ) ἷὅὅἷΝ mὁvimἷὀtὁΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) natildeo seria inapropriado Prot Eacute a pura verdade ἥὁἵέμΝ ἑὁmὂὄἷἷὀἶἷmὁὅΝ agὁὄaΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὃuἷὄἷmὁὅΝ ἵhamaὄΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) Prot Como natildeo Soc Bem entatildeo Se algueacutem dissesse que a memoacuteria eacute a conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo( π βλέαθΝ κέθυθΝα γά πμΝ θΝηθάηβθ) na minha opiniatildeo estaria falando corretamente Prot Sim corretamente Soc E natildeo dizemos que a reminiscecircncia difere da memoacuteria (ηθάηβμ
θΪηθβ δθΝ λ᾽ κ δαφΫλκυ αθ) Prot Talvez Soc E natildeo seraacute esta a diferenccedila Prot Qual Soc Quando a alma sozinha e em si mesma sem o corpo recupera o quanto possiacutevel as afecccedilotildees que uma vez experimentou com ele natildeo
191 33 Prazer Conhecimento e Valor
dizemos que alma tem uma reminiscecircncia ( αθ η κ υηα κμ πα ξΫθ πκγ᾽ ουξά α ᾽ θ υ κ υηα κμ α θ αυ δ ηΪζδ α θαζαηίΪθ σ θαηδηθ ε γαέ πκυ ζΫΰκη θ ΰΪ)
Prot Certamente Soc E tambeacutem quando depois de perder a memoacuteria de uma sensaccedilatildeo (εα η θΝεα αθΝ πκζΫ α αΝηθάηβθΝ ᾽ α γά πμ) ou de um aprendizado ( ᾽ α ηαγάηα κμ) ela os recobra novamente sozinha e em si mesma (α γδμΝατ βθΝ θαπκζά πΪζδθ α θΝ αυ ) chamamos todos esses casos com
certeza de reminiscecircncia (εα α αΝ τηπαθ αΝ θαηθά δμΝεα ηθάηαμΝπκυΝζΫΰκη θ) Prot Falas corretamente Soc Eis o porquecirc de todas as coisas que falamos Prot Qual Para que noacutes venhamos a apreender o mais claramente possiacutevel tanto o prazer da alma separada do corpo ( θΝουξ μΝ κθ θΝξπλ μΝ υηα κμ) quanto o apetite (εα ηαΝ πδγυηέαθ) pois parece que ambos ganham clareza atraveacutes dessas coisas (34a3-c8)
Soacutecrates introduz um termo novo de suma importacircncia para o novo tipo de prazeres
que ele deseja tratar Eacute imprescindiacutevel neste caso para investigar os tipos de prazeres e a
proacutepria gecircnese do prazer recorrer a essa instacircncia fundamental o desejo Esse exame requer
imἷἶiatiἵiἶaἶἷΝἵὁmὁΝὄἷὃuἷὄΝἢὄὁtaὄἵὁΝ(ἁἂἶἂ)ΝἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝfugiὄΝἶaὅΝldquoaὂὁὄiaὅrdquoΝ( πκλέαθ)
(34d7) agraves quais esses assuntos possam nos conduzir Mais uma vez devemos agrave Dixsaut
(2017 p 113) uma clara compreensatildeo deste uacuteltimo termo que natildeo significa um vazio mas
uma perplexidade que impulsiona ao saber249 Apenas aquele que se sabe carecente que eacute
capaz de reconhecer o que sabe e o que natildeo sabe pode se encontrar em aporia Aquilo que
jaacute se possui natildeo precisa ser buscado mas deseja o que eacute faltante Aquilo que alma perde (a
aporia) perde porque tem desejo de saber Antes de adentrar a anaacutelise do apetite do desejo
eacute preciso lembrar da forccedila de λπμ que torna possiacutevel a saiacuteda da perplexidade aprender
aὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὅἷΝ ὅaἴiaέΝ ἓΝ ὂaὄaΝ talΝ ὁutὄaΝ ἶimἷὀὅatildeὁΝ ὂὄἷἵiὅaΝ ὅἷὄΝ ὄἷtὁmaἶaμΝ ldquoaὂὄἷὀἶἷὄΝ ὀὁΝ
Mecircnon e no Feacutedon consiste para a alma em lembrar-se O termo acaba de ser pronunciado
no Filebo (DIXSAUT 2017 p115)
Soacutecrates iraacute radicalizar ainda mais aquilo que disse no Goacutergias no Feacutedon e na
Repuacuteblica a respeito dos apetites ( πδγυηέαθ) sem contudo mudar de opiniatildeo Eacute isso o que
podemos constatar nas linhas seguintes (35a-c) Trecircs dimensotildees passam a ser de tal maneira
integradas que o exame se complexifica A vida divina a reminiscecircncia e λπμ invocam trecircs
questotildees fundamentais segundo Dixsaut (2017 p 115) estritamente relacionadas no
diaacutelogo tais como uma maneira de viver uma maneira de aprender e uma maneira de
desejar Elas acompanham Soacutecrates e segundo a autora justificam seu retorno agrave cena do
diaacutelogo para tratar dialeticamente das questotildees relativas aos prazeres (Cf 2017 p 115) Natildeo
haacute outra forma a natildeo ser pela dialeacutetica pois natildeo basta a satisfaccedilatildeo da vida satisfatoriamente
249 A autora recorreraacute ao Mecircnon (84b-c) alegando a necessidade da aporia que suscita o desejo de saber e o prazer que se tem em procurar tal conhecimento E tambeacutem claro do Banquete do λπμ filosoacutefico que tem por natureza a miseacuteria a carecircncia a falta mas natildeo apenas o que lhe permite sair dessa condiccedilatildeo eacute a forccedila desiderativa o desejo de satisfaccedilatildeo (Cf DIXSAUT 2017 p 114)
192 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
misturada a vida filosoacutefica deseja ultrapassar esse limite imposto pela condiccedilatildeo natural sem
contudo eliminaacute-lo Ao falar de uma vida divina Soacutecrates natildeo se esquece que a vida boa
humana eacute necessariamente uma vida mista mas se esforccedila por demonstrar que uma vida
direcionada ao pensar pode ser melhor porque ela mesma se coloca em questatildeo quando se
questiona sobre um modo correto de aprender de viver e de desejar Nisso a vida filosoacutefica
difere das demais porque ela se potildee a aprender e natildeo a saber (reminiscecircncia) esse aprender
ὂὄὁvὧmΝἶἷΝumΝἶἷὅἷjὁΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝmἷlhὁὄΝldquoaὃuilὁΝὃuἷΝὧrdquoΝὅἷmὂὄἷέΝἓὅὅaΝamἴiguiἶaἶἷΝ
ὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝἷὅὅἷὀἵialΝὀἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquohὁmἷm-ἶiviὀὁrdquoέΝἠatildeὁΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝἷmΝtodo este
trabalho algo melhor que possa dizer isso do que o que estaacute contido nessas palavras de
Dixsaut
O eros que preside a dialeacutetica eacute a forma mais alta ou a mais intensa de epithumia mas natildeo haacute entre eles diferenccedila de natureza Um eacute como a verdade de outra mas eles satildeo radicalmente heterogecircneos Tal continuidade soacute eacute possiacutevel agrave condiccedilatildeo de se afirmar que todo o desejo eacute desejo da alma Pois caso contraacuterio se fosse o corpo que desejasse se todo o desejo nascesse em um corpo animado ou em uma alma encarnada a alma pensante ou seja completamente desligada do corpo seria estranha ao desejo Eacute possiacutevel acreditar que enquanto noacutes pensamos somos impassiacuteveis como os deuses possiacutevel mas natildeo necessaacuterio A separaccedilatildeo do corpo natildeo eacute a separaccedilatildeo do desejo De modo contraacuterio eacute o desejo que mesmo sob sua forma mais elementar efetua a separaccedilatildeo da alma e do corpo O que permite agrave alma evadir-se do corpo e concentrar-se em si mesma ὧΝaiὀἶaΝἶaΝὁὄἶἷmΝἶὁΝἶἷὅἷjὁμΝaΝὅἷὂaὄaὦatildeὁΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὂὁὄὃuἷΝaΝalmaΝldquoaὅὂiὄaΝao ὃuἷΝὧrdquoΝ(Feacutedon 65c) A ruptura da uniatildeo com o corpo eacute a consequecircncia desse desejo de conhecer os seres e ela eacute a condiccedilatildeo desse conhecimento Ora a experiecircncia do desejo eacute sempre para a alma a experiecircncia de uma ruptura ndash com o estado presente do corpo quando ela deseja prazeres sensiacuteveis com o corpo todo quando ela aspira aos inteligiacuteveis No primeiro ἵaὅὁΝὧΝaliὠὅΝmaiὅΝἷxatὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὧΝὁΝἵὁὄὂὁΝὃuἷΝtἷmΝaΝiὀiἵiativaμΝldquotὁἶaὅΝaὅΝvezes que existem em noacutes o que chamamos apetites o efeito dessas afecccedilotildees eacute que o corpo se divorcia da alma e se separa dela Essa afirmaccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com aquela do Feacutedon se eacute na experiecircncia do apetite que o corpo e alma se divorciam eacute tambeacutem o apetite que prega uma alma a seu corpo (p 116-117)
Soacutecrates diz em 35b-d que o apetite eacute sempre um apetite de preenchimento ( πδγυη ῖ
πζβλυ πμ) de repleccedilatildeo que surge no momento em que o corpo se encontra vazio
(ε θκ αδ) mas somente a alma pode gerar esse desejo de repleccedilatildeo da memoacuteria ( ηθβη )
uma vez que apenas ela tem contato com preenchimento ( μ πζβλυ πμ φαπ γαδ) que
o corpo por si soacute natildeo tem Dito de maneira ainda mais clara todo desejo soacute pode ser desejo
da alma (ουξ μ) e natildeo existe desejo do corpo ( υηα κμ πδγυηέαθ) que tem contato com
esse preenchimento que o corpo natildeo possui Logo se conclui que natildeo haacute apetite do corpo
Vejamos a passagem
193 33 Prazer Conhecimento e Valor
Soc Natildeo afirmamos ainda haacute pouco que a fome a sede e muitas outras coisas desse tipo satildeo apetites ( δθαμ πδγγηέαμ) Prot Sim certamente Soc Mas o que vemos de mesmo quando denominamos com um soacute nome tantas coisas diferentes Prot Por Zeus Soacutecrates Talvez natildeo seja faacutecil dizer mas no entanto devemos dizer Soc Retomemos mais uma vez a questatildeo a partir do mesmo ponto Prot De onde ἥὁἵέμΝldquoἓlἷΝtἷmΝὅἷἶἷrdquoΝὀatildeὁΝὧΝalgὁΝὃuἷΝfὄἷὃuἷὀtἷmἷὀtἷΝἶiὐἷmὁὅς Prot Como natildeo ἥὁἵέμΝἓΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄμΝldquoἷlἷΝἷὅtὠΝvaὐiὁrdquo ( έ ε θκ θ αδ) Prot E daiacute Soc E entatildeo seraacute a sede um apetite ( οκμ έθ πδγυηδα) Prot Sim e de bebida Soc De bebida ou de preenchimento de bebida ( πζβλυ πμ πυηα κμ) Prot De preenchimento (πζβλυ πμ) eu penso Soc Entatildeo qualquer um de noacutes que esteja vazio ( ε θκτη θκμ η θ λα) como parece tem apetite pelo contraacuterio daquilo que experimenta ( μΝ κδε θΝπδγυη ῖ θΝ θαθ έπθΝ πΪ ξ δ) pois estando vazio deseja preencher-se
(ε θκτη θκμΝΰ λΝ λ πζβλκ γαδ) Prot Eacute o que haacute de mais claro Soc E entatildeo O que dizes acerca disso quem estaacute vazio pela primeira vez ( έΝ κ θνΝ πλ κθΝ ε θκτη θκμΝ δθΝ πσγ θ) haacute algo a partir de que manteria contato ( φΪπ κδ ᾽) com o preenchimento seja sensaccedilatildeo seja memoacuteria se natildeo estaacute experimentando no presente momento nem nunca experimentou no passado esse preenchimento ( ᾽ α γά δΝ πζβλυ πμΝφΪπ κδ ᾽ θΝ Νηθάη Ν κτ κυΝ ηά ᾽ θΝ θ θΝξλσθ πΪ ξ δΝηά ᾽ θΝ
πλσ γ θΝπυπκ Ν παγ θ) (34d10-35a9)
Soacutecrates dizia na Repuacuteblica (IV 347d) e no Fedro (238a-b) que a fome eacute desejo de
comida a sede desejo de bebida e o desejo eroacutetico desejo de belos corpos No Feacutedon se
falaΝiὀὅiὅtἷὀtἷmἷὀtἷΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄΝἵὁὄὂὁὄalrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἷlἷΝὧΝὅuἴὅtituiacuteἶὁΝaὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝ
eacute radicalizada a postura da Repuacuteblica da tripla-especificaccedilatildeo (como prefiro e natildeo triparticcedilatildeo)
da alma e os trecircs tipos de desejos correlatos a essa triacuteplice especificaccedilatildeo O desejo eacute desejo
de algo e natildeo de um objeto ele eacute um movimento um movimento de repleccedilatildeo que resulta em
um estado Ο objeto eacute apenas o meio que permite essa passagem de um estado contraacuterio a
outro o desejo eacute o impulso que faz um determinado sujeito tocar um estado contraacuterio daquele
ὃuἷΝὀὁΝmὁmἷὀtὁΝἷlἷΝἷὅtὠΝἷxὂἷὄimἷὀtaὀἶὁέΝEacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝὀὁtaὄΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἵὁὀtatὁrdquoΝ
ἵὁmὁΝ tὄaἶuὐΝ εuὀiὐΝ ὃuἷΝ ὂὁὅὅuiΝ umΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶἷΝ ldquotὁἵaὄrdquoΝ aΝ ὄἷὂlἷὦatildeὁΝ ὧΝ umΝ ἶὁὅΝ ἷxἷmὂlὁὅΝ
particulares que Soacutecrates utiliza para explicar o mecanismo do desejo desse movimento de
ruptura de uma harmonia natural dissoluccedilatildeo-restauraccedilatildeo vale lembrar dos exemplos do
ὄἷὅfὄiamἷὀtὁΝἷΝἶὁΝἵalὁὄΝὃuἷΝὅatildeὁΝtamἴὧmΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquovaὐiὁrdquoΝumΝἵὁὀtὄὠὄiὁέΝἠἷmΝὅἷmὂὄἷΝ
temos um estado de satisfaccedilatildeo mas sempre uma harmonia fisioloacutegica eacute restaurada pelo
desejo por uma falta ou insuficiecircncia de algum dos elementos corporais
194 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Quando natildeo haacute memoacuteria natildeo haacute desejo quando um bruto desequiliacutebrio se instaura
natildeo pode haver desejo por isso a memoacuteria eacute aqui ambivalente Por um lado ela propicia ao
desejo seu objeto e orienta-o ela permite que o sofrimento presente natildeo se torne constante
Mas por outro lado ela natildeo livra esse mesmo ser da sucessatildeo dos contraacuterios O desejo natildeo
eacute uma simples vacuidade pois nesse caso teriacuteamos dor redobrada eacute um transcender-se em
busca da superaccedilatildeo do estado atual retornado ao passado e ao futuro250 (Cf DIXSAUT 2017
p 122-123)
A anaacutelise do desejo seraacute extremamente relevante para a seccedilatildeo seguinte do diaacutelogo
em que seratildeo tratadὁὅΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἵlaὅὅifiἵaἶὁὅΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝ(umaΝ
das maiores polecircmicas que envolvem o diaacutelogo) e os prazeres puros (36c-55c) Soacutecrates iraacute
constituir uma gama dos prazeres substituindo o prazer por uma multiplicidade de prazeres
esses prazeres seratildeo classificados e natildeo divididos segundo dois princiacutepios (i) segundo seus
lugares de origem na alma unicamente na mistura de corpo e alma e aqueles que satildeo
produzidos unicamente pelo corpo (ii) segundo a oposiccedilatildeo puro e misturado sendo puro
aqui os prazeres que natildeo satildeo precedidos por dores e natildeo misturados com dores Em virtude
das finalidades redutivas de nosso trabalho falarei de forma muito geral dessas
ἵlaὅὅifiἵaὦὴἷὅΝ iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ἶἷviἶὁΝ ὡΝ ὂὁlecircmiἵaΝ iὀὅtauὄaἶaΝ ὂἷlὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝ falὅὁὅrdquoΝ ὅἷὄiaΝ
ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝmἷΝἶἷtἷὄΝlὁὀgamἷὀtἷΝὀaΝldquoaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝἷΝὀaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἵὁmὂlἷxaὅΝ
que eles envolvem Relaccedilotildees estas que envolvem complexas dimensotildees do psiquismo como
a imaginaccedilatildeo a memoacuteria a sensaccedilatildeo o desejo a opiniatildeo e principalmente valores O prazer
da antecipaccedilatildeo eacute uma espeacutecie de prognoacutestico que faz crer certo indiviacuteduo de que o prazer
possui pretensotildees eacuteticas que ele natildeo possui por isso ele eacute num primeiro momento semelhante
agrave opiniatildeo O caraacuteter duplo do prazer (fenomecircnico-judicativo) promove por meio do desejo ou
melhor por meio da representaccedilatildeo imageacutetica associada ao desejo uma articulaccedilatildeo entre a
percepccedilatildeo efetiva ou sua conservaccedilatildeo que eacute a memoacuteria a uma dimensatildeo avaliativa
(MARQUES 2012 p 213)
EpistemologiaGnoseologia estatildeo entrelaccedilados na descriccedilatildeo do prazer que nos
conduz a um exame do psiquismo humano por meio de um processo que envolve tanto
representaccedilatildeo como valoraccedilatildeo Seraacute que o prazer possui o valor que ele nos leva a crer que
ele eacute que ele tem a pretensatildeo de ser O que estaacute em jogo no prazer da antecipaccedilatildeo eacute a
esperanccedila pois a expectativa do prazer sempre o postula como bom e uacutetil Como nos diz
Marques (2012)
250 Para uma anaacutelise mais detalhada (Cf DIXSAUT 2017 p 105-128) neste texto a autora trata especificamente dessa ldquoἵἷὄtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶardquoΝ(ίέκθ ΰ λ κμ 35d9) humana de que nos fala o Filebo no caso a vida humana nunca determinada oscilando sempre entre o animal e o divino
195 33 Prazer Conhecimento e Valor
Soacute a anaacutelise criacutetica dialogada (dialeacutetica) poderaacute mostrar o alcance do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimitade das valoraccedilotildees que a experiecircncia do prazer nos suscita no acircmbito da discussatildeo do que eacute a vida boa para todos os seres (p 214)
Mas voltemos agrave gama dos prazeres resumidamente eles podem ser apresentados em
uma tabela que ilustra o desenvolvimento do diaacutelogo em torno dos prazeres aqui utilizo a
tabela sugerida por Dixsaut (2001)
Corpo Sozinho Uniatildeo de alma e corpo Alma sozinha
Misturados
resultado de uma
restauraccedilatildeo do equiliacutebrio
corporal = necessaacuterios
(31d-32b 46c-47c)
Misturados
antecipaccedilotildees
esperanccedilas
(32b-c)
Puros
se ocupa
das belas
formas
cores sons
puros
perfumes
(51d-50c)
Misturados
Afetos
(coacutelera
medo etc)
(47d-50c)
Puros
relativos agraves
ciecircncias
(52a-b)
Quadro 02- Gama dos Prazeres
(Cf DIXSAUT 2001 p 317)
A classificaccedilatildeo eacute detalhada e criteriosa os prazeres produzidos pelo corpo satildeo sempre
prazeres misturados pois estatildeo envolvidos no processo de restauraccedilatildeo-dissoluccedilatildeo que
engendra a dor por isso o prazer alcanccedilado nesse caso eacute sempre um prazer do gecircnero
misto como jaacute vimos anteriormente Ele eacute misturado com a dor e precedido por uma dor Os
prazeres puros satildeo provenientes da uniatildeo da alma com o corpo natildeo porque eles natildeo satildeo
precedidos por uma falta mas porque essa falta natildeo eacute sentida (51b1) Jaacute as afecccedilotildees
unicamente da alma coacutelera ciuacuteme inveja amor oacutedio satildeo dores da alma misturas com
prazeres como eacute o caso dos ingredientes da comeacutedia e da trageacutedia Os prazeres puros da
alma relacionados aos conhecimentos (ηαγάηα α) (52a)
Parece que no fundo todo o objetivo do diaacutelogo eacute perpassar todas as dimensotildees
(fisioloacutegicas ontoloacutegicas epistemoloacutegica) do prazer para culminar em um sentido fortemente
axioloacutegico (valorativo) ndash natildeo nego que as dimensotildees anteriores estatildeo articuladas no
desenvolvimento do diaacutelogo ndash eacute isso que a meu ver fragmentou a anaacutelise do Filebo em
diversas leituras que ora priorizam um ou outro aspecto desse texto platocircnico Μas essa
anaacutelise do prazer parece admitir um crescendum complexo que investigado a fundo pretende
conjugar conhecimento e valor mas natildeo discriminando-os de um lado conhecimento por
outro valor Isso demonstra a dificuldade de uma definiccedilatildeo geneacuterica do prazer Creio que isso
196 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
soacute pode ser explicado mediante uma questatildeo simples e ao mesmo tempo a mais enigmaacutetica
de todas que diz respeito a vida boa mista Como nos diz Dixsaut (2001)
os dois princiacutepios de distinccedilatildeo adotados satildeo todos axioloacutegicos as diferenccedilas resultantes necessariamente tambeacutem o satildeo Desse modo a tabela eacute realmente hieraacuterquica e consiste em ordenar os prazeres de acordo com seu gὄauΝ ἶἷΝ ὂuὄἷὐaΝἷΝ ὅἷguὀἶὁΝ maiὁὄΝ ὁuΝ mἷὀὁὄΝ ἶἷΝ ldquoὀὁἴὄἷὐardquoΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ὁὅΝexperimenta (p 318)
A hierarquia dos prazeres pode assim ser constituiacuteda no final da anaacutelise dos prazeres
(i) prazeres puros unicamente da alma (incluiacutedos na mistura) (ii) prazeres puros da uniatildeo do
corpo e da alma (incluiacutedos na mistura) (iii) prazeres necessaacuterios do corpo somente (satildeo
incluiacutedos na mistura) (iv) prazeres misturados unicamente da alma (natildeo-incluiacutedos na
mistura) (v) prazeres misturados da uniatildeo do corpo com a alma (natildeo incluiacutedos na mistura)
Enquanto alguns prazeres conservam o caraacuteter do ilimitado sendo necessariamente ilimitado
outros satildeo em algumas vezes ilimitados isto porque em dado momento pertencem ao misto
e adquirem moderaccedilatildeo e medida outros prazeres satildeo necessariamente sempre puros
Apenas os prazeres moderados e medidos podem pertencer agrave mistura ou seja somente os
puros seja porque natildeo satildeo precedidos por dores ou acompanhados por elas seja porque se
originam unicamente na alma (Cf 62d-64a)
Os conhecimentos tambeacutem satildeo analisados (55c-59c) sendo portanto elaborada uma
classificaccedilatildeo O criteacuterio de anaacutelise seraacute primeiramente a pureza e posteriormente a
verdade Natildeo haacute ciecircncias falsas como existem prazeres falsos por mais que as ciecircncias
contenham erros elas natildeo satildeo falsas mas imprecisas A primeira divisatildeo se daacute em vista das
teacutecnicas destinadas agrave formaccedilatildeoeducaccedilatildeo e as teacutecnicas destinadas agrave produccedilatildeo
ὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝ aὅΝ ὂὄὰὂὄiaὅΝ aὄtἷὅΝ ἶitaὅΝ ldquoἶἷmiήὄgiἵaὅrdquoΝ (artesanais) satildeo divididas em artes
meacutetricas e artes estocaacutesticas (da conjectura) As meacutetricas satildeo hegemocircnicas em relaccedilatildeo agraves
estocaacutesticas por isso as artes meacutetricas satildeo as mais puras Nesse caso pureza aqui eacute
sinocircnimo de precisatildeo (αελδί έα) Μais quando se trata da distinccedilatildeo entre as ditas
ldquomatἷmὠtiἵaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝἷΝaὅΝldquomatἷmὠtiἵaὅΝvulgaὄἷὅrdquoΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὁΝvalὁὄΝἷΝὀatildeὁΝὅuaΝ
natureza Por isso a dialeacutetica se situa no topo dessa escala por sua utilidade precisatildeo
clareza e verdade Mas nesse caso a retoacuterica tambeacutem poderia ser uacutetil Vemos que a dialeacutetica
possui uma exaltaccedilatildeo no diaacutelogo dotada de valor ambiacuteguo como nos diz Dixsaut (2001 p
321) ela apenas pode reivindicar que por mais que ela se sirva das utilidades do discurso
seus propoacutesitos satildeo distintos das demais teacutecnicas porque eacute o desejo pelo verdadeiro de
amar o verdadeiro no seu desejo pelo Bem enquanto princiacutepio de todas as diferenccedilas
enquanto possibilidade de conhecimento e de ser tal como exposto na Repuacuteblica (VI)
Marques (2015 p 206) resume a divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias
197 33 Prazer Conhecimento e Valor
Teacutecnica ciecircncia
educaccedilatildeo formaccedilatildeo produccedilatildeo
muacutesica auleacutetica construccedilatildeo de navios
medicina carpintaria teacutecnicas manuais
agricultura teacutecnica da medida
navegaccedilatildeo teacutecnica do peso
estrateacutegia teacutecnica dos nuacutemeros
teacutecnica popular dos nuacutemeros teacutecnica filosoacutefica dos nuacutemeros
natildeo filosoacutefica geometria
construccedilatildeo comeacutercio
cosmologia dialeacutetica
Quadro 03 A divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias (Cf MARQUES 2015 p 206)
Logo a dialeacutetica estaacute destituiacuteda do valor de utilidade que busca o prestiacutegio a fama
mas que se importa unicamente com o mais verdadeiro Poreacutem na vida boa na vida humana
miὅtaΝἷὅtaΝἶialὧtiἵaΝὧΝὅἷmὂὄἷΝldquoἵὁὀtamiὀaἶardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὂὁὄΝἷὅὅἷὅΝ
valores extriacutensecos por essas consideraccedilotildees de valor e de visotildees hieraacuterquicas quando ela
se insere na composiccedilatildeo da vida mista boa A mistura soacute seraacute uma mistura se seus
componentes o forem caso contraacuterio a proacutepria mistura se corrompe (64d-e) mas quanto a
isso a dialeacutetica pode sustentar no acircmbito da mistura sua natureza intriacutenseca que tem por meta
o verdadeiro o bom o bem o que tambeacutem por sinal atesta sua prioridade em relaccedilatildeo ao
ὂὄaὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝaὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὀὁΝranking da composiccedilatildeo da boa vida mista
jaacute que o primeiro foi lugar foi atribuiacutedo a esta uacuteltima
Jaacute sabemos que nem o conhecimento nem o prazer podem ser o bom mas apenas
que a vida boa humana eacute uma vida mista de ambos Natildeo sabemos nada sobre o que eacute bom
o bem e o Filebo mais uma vez natildeo nos diz nada sobre sua natureza nesse caso
ὂἷὄmaὀἷἵἷmὁὅΝ fὄuὅtὄaἶὁὅέΝ ἥaἴἷmὁὅΝ ἵὁὀtuἶὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoὂὄimἷiὄὁΝ ὂὄecircmiὁrdquoΝ ὂἷὄtἷὀἵἷΝ ὡΝ viἶaΝ
mista que pode se prestar a ser uma vida boa Para tal precisamos ter senatildeo uma apreensatildeo
clara uma indicaccedilatildeo geral ( δθα τπκθ) (61a4) Como nos sugere Dixsaut (2001 p 330) um
τπκθ eacute um modelo natildeo dado por algo existente mas algo a ser construiacutedo uma foacutermula
geral um esquema obtido em linhas gerais os traccedilos principais de algo
Beleza Verdade e ProporccedilatildeoMedida manifestaccedilotildees do Bem que devem se fazer
presentes na boa mistura Encontramos um determinado caminho ( θ δθα) (61α7) que se
198 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
natildeo o mais belo pode nos dirigir ao poacutertico da morada do bem ao seu vestiacutebulo (πλκγτπκδμ
64c1-3) Jaacute que pretendemos capturar o bem na vida mista ou melhor seus efeitos na vida
vista antes foi necessaacuterio das as principais indicaccedilotildees daquilo que ele possa ser tudo aquilo
ὃuἷΝὀὰὅΝἵὁὀὅiἶἷὄamὁὅΝldquoἴὁmrdquoΝἷΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝmaὀifἷὅtaὦὴἷὅΝhiἷὄaὄὃuizar os bens
dessa vida mista
Por fim a classificaccedilatildeo dos bens o ranking da composiccedilatildeo da vida boa apresentado
no final do Filebo (66a-67b) eacute assim disposto (i) a medida e o que eacute medido (π λ ηΫ λκθΝεα
ηΫ λδκθ) e as coisas desse tipo (ii) proporccedilatildeo beleza perfeito o suficiente e seus
correlatos familiares (π λ τηη λκθΝεα εαζ θΝεα Ϋζ κθΝεα εαθ θΝεα πΪθγ᾽ πσ αΝ
μΝΰ θ μΝα ατ βμΝ έθ)νΝ(iii)ΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ(θκ θΝεα φλσθβ δθ) ndash neste
caso natildeo nos desviariacuteamos muito da verdade ( δγ μΝκ εΝ θΝηΫΰαΝ δΝ μΝ ζβγ έαμΝπαλ ιΫζγκδμ)
(iv) conhecimentos as teacutecnicas e opiniotildees corretas ( πδ άηαμΝ Νεα ΫξθαμΝεα σιαμΝ λγ μ)
coisas ditas proacuteprias da alma ( μΝουξ μΝα μΝ γ η θ) ndash depois das que estatildeo em terceiro
estas satildeo mais aparentadas com o bem do que o prazer ( π λΝ κ ΰαγκ ΰΫΝ δΝη ζζκθΝ
μΝ κθ μΝ υΰΰ θ ) (v) os prazeres indolores ( ζτπκυμ) e os chamados de puros (εαγαλ μ)
pertencentes agrave proacutepria alma e que acompanham os conhecimentos e algumas sensaccedilotildees
( πκθκηΪ αθ μΝ μΝουξ μΝα μΝ πδ άηαδμΝ μΝ α γά δθΝ πκηΫθαμ)
199 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer
CONCLUSAtildeO
O prazer no supracitado diaacutelogo demonstrou toda a sua potecircncia enquanto uma
questatildeo filosoacutefica de alto niacutevel sendo capaz de enfrentar frente-a-frente cara-a-cara o proacuteprio
pensamento Diversos recursos foram utilizados por Soacutecrates para se livrar da indeterminaccedilatildeo
do prazer do seu caraacuteter ilimitado de tal modo que fosse possiacutevel suavizar toda a sua forccedila
na vida humana Prazer unidade que se torna pensaacutevel a partir de uma multiplicidade de
prazeres de uma Ϋα O ilimitado que restringe a atividade dialeacutetica natildeo se impotildee a essa
ldquovὁὀtaἶἷΝἶἷΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝὅὁἵὄὠtiἵaΝἷlἷΝὧΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷlἷΝὧΝaΝὂὄὰὂὄiaΝvaliἶaἶἷΝaΝὂὄὰὂὄiaΝlἷgitimiἶaἶἷέΝ
ἠatildeὁΝhὠΝumaΝmἷἶiἶaΝἷὅtὄitaΝἶaἶaΝaὅὅimΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὲmἷtὄὁΝgὄafaΝumΝldquoἷὅtaἶὁΝfἷἴὄilrdquoΝ
a partir dos 37 graus e meio centiacutegrados natildeo haacute mais quente e mais frio natildeo haacute hipotermia
hipertermia ou estado neutro natildeo podemos esquecer que estamos diante de uma
ἵlaὅὅifiἵaὦatildeὁΝhiἷὄὠὄὃuiἵaΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶiὐΝ ldquoiὅὅὁΝὧΝ iὅὅὁrdquoΝ iὅὅὁΝὧΝ fὄiὁΝ iὅὅὁΝὧΝmὁὄὀὁΝ iὅὅὁΝὧΝ
quente mas o caso do prazer exige relaccedilotildees hieraacuterquicas complexas mediante as estruturas
complexas do psiquismo humano e as dimensotildees do desejo ambos avaliativos ambos
recorrendo a uma avaliaccedilatildeo impliacutecita do bem do bom do uacutetil do melhor
Apenas o pensamento eacute capaz de impor limite ao prazer o pensamento conhece essa
relaccedilatildeo entre ΰΫθ δμ e κυ έα ele pode transformar algo que eacute puro devir pura geraccedilatildeo em
ser a vida natildeo pode ser caoacutetica ela natildeo eacute caoacutetica por mais confusa que possa ser ela
necessita ser ainda que tatildeo precaacuteria uma vida e natildeo um estado inerte desprovido de
movimento pois o pensamento eacute movimento puro que busca um sentido orientador a todo o
momento Haacute tambeacutem o prazer os prazeres e a vida Vida humana vida mista de prazer e
de inteligecircncia O prazer eacute uma dimensatildeo da vida natildeo podemos negaacute-la nem Platatildeo teria
feito isso muito pelo contraacuterio demonstrou toda a sua forccedila nesse movimento contiacutenuo que
eacute a vida e que soacute cessa sua atividade pela morte no sentido estritamente fisioloacutegico ou no
ὅἷὀtiἶὁΝmἷtafὰὄiἵὁΝἶaΝldquomὁὄtἷΝfilὁὅὰfiἵardquoΝὃuἷΝaὀtἷἵiὂaΝὀaΝmἷἶiἶaΝἶὁΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷmΝlaὄga escala
ἷὅὅaΝldquovivecircὀἵiaΝἶiviὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἶaΝὂἷὄmaὀecircὀἵiaΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝaἶὃuiὄἷΝ
isto eacute sua natildeo-fugacidade mas seu prazer isso mesmo o prazer do pensar como
ldquoliἴἷὄtaὦatildeὁrdquoΝἵὁmὁΝumΝἶἷὅligamἷὀtὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaέ
A bela φλκ έ β de Filebo foi derrotada O limite conseguiu dominar completamente
o prazer ou apenas moderaacute-lo Questatildeo que permanece em aberto Ele continua sendo esse
desejo que quer se afirmar a todo instante enquanto o proacuteprio gozo da existecircncia a alegria o
deleitaacutevel o carpe diem O prazer entrou na batalha mas natildeo foi de tudo nocauteado ele
permanece enquanto uma dimensatildeo da proacutepria vida passou de bom e foi colocado na disputa
ὂἷlὁΝἴἷmΝfὁiΝaὀaliὅaἶaΝὅuaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὅἷΝtὁὄὀὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷm vista do
200 Conclusatildeo
ὅἷὄrdquoΝἶiὅἵὄimiὀaἶὁΝἷmΝfalὅὁὅΝἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁὅΝfὁiΝἵὁlὁἵaἶὁΝἶiaὀtἷΝfὄἷὀtἷ-a-frente com seu oposto
a dor e teve a coragem suficiente para enfrentar o pensamento
Tambeacutem o conhecimento possui suas intermitecircncias no diaacutelogo na combinaccedilatildeo da
mistura fiὀalΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὀatildeὁΝ hἷὅitaΝ ἷmΝ ἷvὁἵaὄΝ ὁὅΝ ἶἷlἷὅΝ ὂὄimἷiὄὁΝ ἒiὁὀiacuteὅiὁΝ ldquoὁΝ ἶἷuὅΝ ἶaΝ
ἷmἴὄiaguἷὐrdquoΝὂἷlὁΝὃualΝfiguὄaΝaΝmiὅtuὄaΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝὅuaΝὂὄὰὂὄiaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὀaΝὃualΝ
a forma dessa boa vida ainda permanece em aberto e que na visatildeo platocircnica deve lidar com
essa dialeacutetica em torno da pergunta fundamental do bem viver por isso segundo Hefesto o
deus da teacutecnica tambeacutem preside juntamente agravequele deus supracitado (61c) o deus que
ἵaὄὄἷgaΝἵὁὀὅigὁΝaΝmaiὅΝaltaΝldquotekhnologiardquoΝὅaliἷὀtaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝmiὅtura natildeo pode ser
uma mistura qualquer e que cabe a noacutes pela forccedila do pensamento submeter ao exame
constantemente essa vida e o prazer Nem sempre nos importamos sobre o modo como essa
mistura eacute feita Dessa maneira raramente ele eacute uma boa mistura Se Soacutecrates estaacute certo se
a mistura soacute eacute boa quando dosamos corretamente os ingredientes prazeres e conhecimentos
quando refletimos por intermeacutedio do pensamento natildeo soacute sobre os ingredientes mas
principalmente sobre a forma como se deve operar essa dosagem contiacutenua Acerca do valor
dessa mistura o pensamento tem prevalecircncia sobre o prazer haja vista sua semelhanccedila com
o intelecto divino sendo atribuiacutedo o segundo precircmio agrave causa o prazer jaacute natildeo pode mais
lamentar
Ainda que nossa existecircncia esteja submetida ao devir ela necessita ser algo uma vida
minimamente organizada que seja de fato uma vida o fluxo contiacutenuo natildeo eacute nada ele eacute pura
ΰΫθ δμ mas a vida enquanto mistura de elementos do mesmo modo que o universo eacute
geraccedilatildeo para o ser isso porque tanto o universo como a vida particular dos indiviacuteduos torna
possiacutevel a ordem porque ambos possuem alma possui razatildeo inteligibilidade um modo de
funcionamento de regularidade proacutepria originaacuteria e belamente disposta Contudo no curso
da vida humana noacutes indiviacuteduos perdemos essa bela combinaccedilatildeo ultrapassando os limites de
nossa proacutepria condiccedilatildeo invertendo os papeacuteis tomando aquilo que eacute ilimitado pelo limite
A dificuldade de se compreender o prazer no Filebo a meu ver e o que o torna um
dos diaacutelogos mais aprofundados de Platatildeo ndash caracteriacutestica que gerou uma seacuterie de
infidelidades a esse texto platocircnico ndash um diaacutelogo rigoroso e que exige toda cautela de qualquer
inteacuterprete que deseja adentrar as linhas desse diaacutelogo eacute que alguns prazeres satildeo de fato
ilimitados outros devem ser sempre ilimitados outros geralmente satildeo ilimitados e alguns
poucos satildeo por natureza limitados (DAVIDSON 1990 p 185-187)
O Filebo demonstrou as insuficiecircncias do prazer e dos conhecimentos enquanto
candidatos ao bem e consequentemente a uma vida boa Nem um nem outro podem
sozinhos realizar essa justa composiccedilatildeo O que seraacute feito agora do pensamento Perdeu todo
o seu valor E os louvores e exaltaccedilotildees agrave vida mais divina de todas ao pensamento puro agrave
potecircncia da dialeacutetica e vontade de verdade socraacutetico-platocircnica O pensamento natildeo se livra
201 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer
do prazer pois na vida humana toda as coisas aspiram pelo bem pelo bom e deseja esse
ldquoἴὄilhὁrdquoΝἷὅὅaΝἴἷlἷὐaΝὂὄὁvἷὀiἷὀtἷΝἶἷὅtaΝjuὅtaΝἵὁmὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝumΝldquomὁἶἷlὁΝ
de vidardquoΝὃuἷΝaὦatildeὁΝhumaὀaΝἶἷvἷὄὠΝὄἷἵuὂἷὄaὄΝaὁΝὅaiὄΝἶaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁέΝἑὁmὁΝliἶaὄΝἵὁmΝἷὅὅἷΝ
ὅἷὄΝὃuἷΝἴuὅἵaΝὅἷὄΝἷmΝtὁtaliἶaἶἷΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝumΝὅἷὄΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝὃuἷΝὅἷΝmaὀtὧmΝὀἷὅὅἷΝ
sensiacutevel
O pensamento soacute pode reivindicar para si o fato de estar prioritariamente na escala
hieraacuterquica dos bens acima do prazer enquanto capaz de promover essas combinaccedilotildees
esses arranjos de uma melhor forma ou seja ele estaacute no princiacutepio de uma vida melhor Ele
natildeo apenas delimita a correta fruiccedilatildeo dos prazeres mas sua potecircncia seu desejo pelo
verdadeiro o insere em um movimento criativo que desafia a temporalidade natural
transcendendo-a em direccedilatildeo agravequilo que lhe eacute mais relevante do que apenas organizar o
ὀatuὄalΝmaὅΝἶἷὀtὄὁΝἶaὅΝὄἷgὄaὅΝἶὁΝldquojὁgὁΝἶaΝviἶardquoΝὂἷὄἵἷἴἷὄΝumaΝfὁὄmaΝἶἷΝtὄansgredi-las sem
portanto se ausentar deste jogo e sem romper com aquilo que natildeo pode ser rompido Estou
falando aqui da forccedila criativa do pensamento que vai em busca sempre do melhor que natildeo
se basta que natildeo aceita a fugacidade das afecccedilotildees psico-corporais das afecccedilotildees e das
antecipaccedilotildees dos prazeres mas que se torna mais atento agravequilo que ele eacute ou melhor aquilo
que a alma eacute propriamente inteligiacutevel
ἢὁὄΝiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝldquoὄἷἵἷitaΝὂὄὁὀtardquoΝὀἷὀhumΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὁἶἷΝgaὀhaὄΝἷὅὅἷΝjὁgὁΝὀἷὀhumΝ
dos dois cessam eles continuam natildeo cessam nem na vida e nem na morte Se olhamos agrave
distacircncia tudo parece muito oacutebvio e a impostura nos confunde pois a vida eacute sorridente bela
o prazer nos enfeiticcedila mas caso escolhamos essa limitaccedilatildeo da vida temos tambeacutem que
aceitar a corrupccedilatildeo o seu contraacuterio o que natildeo eacute morte mas uma indefinida corrupccedilatildeo uma
fugacidade extrema e por isso caoacutetica Talvez seja necessaacuterio natildeo salgar tanto o pranto e
natildeo adoccedilar demais a alegria e aceitar o quatildeo desesperador possa ser essa vida mista
humaὀaΝὂὁὄὃuἷΝaiὀἶaΝὀatildeὁΝalἵaὀὦamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoὂaἶὄatildeὁΝἶὁὅaἶὁὄrdquoΝἵὁὄὄἷtὁέΝἥiὀtὁΝiὀfὁὄmaὄΝmaὅΝ
teremos que voltar pois sequer acabamos e talvez natildeo se queira que nem mesmo acabemos
ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ldquoὀἷmΝ aὂὁὄiardquoΝ ldquoὀἷmΝ ἵὁὀἵluὅatildeὁrdquoΝ ὁΝ Filebo resiste a essas duas classificaccedilotildees
habitualmente destinadas agrave classificarem os Diaacutelogos Mas nem tudo estaacute perdido se
juntarmos os cacos dos prazeres as falhas do prazer e dos conhecimentos talvez desses
cacos resulte uma boa mistura algo que manifeste esta beleza porque toda a discussatildeo nos
dirigiu a uma espeacutecie a umaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquo (εσ ηκμ δμ υηα κμ λιπθ εαζ μ)
para comandar um corpo animado (64b) poreacutem natildeo haacute ningueacutem a quem possamos
responsabilizar a natildeo ser noacutes mesmos O filoacutesofo eacute essa espeacutecie de juiz um expert que pode
reivindicar para si que sua vida eacute a vida boa mas que ele pode presidie tendo a inteligecircncia
alcanccedilado o segundo precircmio por meio dos conhecimentos que dispotildee ndash dentre eles
fundamentalmente a dialeacutetica mas natildeo apenas jaacute que se trata de uma vida mista de prazer e
conhecimento ndash uma vida melhor uma vida feliz aquela que possui maior valor e mais
202 Conclusatildeo
ldquoaὂaὄἷὀtaἶardquoΝἵὁmΝὁΝmaiὁὄΝἴἷmΝὂaὄaΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝἷΝὂaὄaΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂὁiὅΝὀὁὅΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)
Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do
que temos de fabricar e amalgamar na ὂὄὁἶuὦatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ἶiὐἷὄΝ ἴἷlamἷὀtἷrdquoέ(Ν (έέέ)Ν η θΝ
φλκθά υμΝ Νεα κθ μΝπΫλδΝπλ μΝ θΝ ζζάζπθΝη ῖιδθΝ δμΝφαέθΝεαγαπ λ βηδκυλΰκῖμΝ ηῖθΝ
ιΝ θΝ θΝκ μΝ ῖ βηδκγλΰ ῖθΝ δΝπαλαε ῖ γαδΝεαζ μΝ θΝ ζσΰ π δεΪακδrdquo)Ν(ἃλἶ-e) Soacutecrates
coloca na boca de Protarco a necessidade de parar 67b11-13 antes que as forccedilas daquele
homem-filoacutesofo (Soacutecrates) se esgotem e talvez as proacuteprias forccedilas de Protarco jaacute tambeacutem se
findaram num outro momento retornaremos aos assuntos que aqui foram tratados Eacute preciso
agora parar Assim soa o imperativo impliacutecito na fala do interlocutor jaacute que tambeacutem as nossas
forccedilas tambeacutem possam ter chegado ao limite para depois retornar ao que aqui foi exposto
pois
() coisas ainda restam ( έ ὰ ιπό α)
(67b12-13)
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219 Anexos
ANEXOS
Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo251
Ignorar completamente os acentos bem como a distinccedilatildeo entre longas e breves
251 (Cf ARCHAI (2014) Novas Normas de Transliteraccedilatildeo Archai ndeg 12 p 193)
220 Lista de Abreviaccedilotildees
Lista de Abreviaccedilotildees252
Platatildeo
Pl = Plato (Platatildeo)
Alc 1 = Alcibiades 1 (Primeiro Alcibiacuteades)
Ap = Apologia (Apologia de Soacutecrates)
Cra = Cratylus (Craacutetilo)
Cri = Crito (Criacuteton)
Ep = Epistulae (Cartas)
Epigr = Epigrammata
Euthd = Euthydemus (Eutidemo)
Euthphr = Euthyphro (Eutiacutefron)
Epin = Epinomis (Epinomis)
Grg = Gorgias (Goacutergias)
HpMa = Hippias Major (Hiacutepias Maior)
Ion = (Iacuteon)
Lg = Leges (As Leis)
Men = Meno (Mecircnon)
Phd = Phaedo (Feacutedon)
Phdr = Phaedrus (Fedro)
Phlb = Philebus (Filebo)
Plt = Politicus (Poliacutetico)
Prm = Parmenides (Parmecircnides)
Prt = Protagoras (Protaacutegoras)
R = Respublica (A Repuacuteblica)
Smp = Symposium (O Banquete)
Sph = Sophista (Sofista)
Tht = Theaetetus (Teeteto)
Ti = Timaeus (Timeu)
Demais autores claacutessicos
Arist = Aristotle (Aristoacuteteles) Metaph = Metaphysica (Metafiacutesica) Ph = Physica (Fiacutesica)
252 O uso das abreviaccedilotildees aqui apresentado segue o Greek-English Lexicon (LSJ) acessiacutevel em httpwwwstoaorgabbreviationshtml
221 Lista de Abreviaccedilotildees
Po = Poetica (Poeacutetica) Pol = Politica (Poliacutetica) Rh = Rhetorica (Retoacuterica) Diog Laert = Diocircgenes Laecircrtios (Dioacutegenes Laeacutercio) X = Xenophon (Xenofonte) Ap = Apologia Socratis (Apologia de Soacutecrates) Mem = Memorabilia (Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates) Oec = Oeconomicus (Econocircmico) Smp = Symposium (Banquete) Sapph = Sappho (Safo) Mimn = Mimnermo (Mimnermo) Hom = Homerus (Homero) Il = Ilias (Iliacuteada) Od = Odyssea (Odisseacuteia) Hes = Hesiodus (Hesiacuteodo) Th = Theogonia (Teogonia) Dam = Damascius (Damaacutescio)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLAcircNDIA
INSTITUTO DE FILOSOFIA
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA
LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS
O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A
PARTIR DA LEITURA DO FILEBO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier
UBERLAcircNDIA-MG
2018
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU MG Brasil
B277p
2019
Barros Leander Alfredo da Silva 1991-
O prazer na filosofia de Platatildeo [recurso eletrocircnico] algumas
consideraccedilotildees a partir da leitura do filebo Leander A lfredo da Silva
Barros - 2019
Orientador Dennys Garcia X avier
Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Uberlacircndia
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia
Modo de acesso Internet
Disponiacutevel em httpdxdoiorg1014393ufudi2019986
Inclui bibliografia
Inclui ilustraccedilotildees
1 Filosofia 2 Platatildeo 3 Prazer 4 Dialeacutetica I X avier Dennys
Garcia 1979- (Orient) II Universidade Federal de Uberlacircndia
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia III Tiacutetulo
CDU1
Gloacuteria Aparecida ndash CRB-62047
Scanned with CamScanner
LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS
O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A PARTIR DA
LEITURA DO FILEBO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier
Uberlacircndia 02 de Marccedilo de 2018
Banca Examinadora
______________________________________________
Profa Dra Eliane Christina de Souza (UFSCar)
_____________________________________________
Prof Dr Fernando Martins Mendonccedila (UFU)
__________________________________________________
Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto (UFU)
(Presidente da Banca ndash Orientador Substituto)
Scanned with CamScanner
i
DEDICATOacuteRIA
Agraves ldquomulheres da minha vidardquoμ δaura Mariarsquos
Clara Marina
Ao Rubens δeoni e ao pequeno ldquoRickrdquo (ldquoluz do
meu viverrdquo)
ii
ldquo() η θ φλκθά υμ εα κθ μ πΫλδ πλ μ θ ζζάζπθ η ῖιδθ δμ φαέθ εαγαπ λ
βηδκυλΰκῖμ ηῖθ ι θ θ κ μ ῖ βηδκγλΰ ῖθ δ παλαε ῖ γαδ εαζ μ θ ζσΰ π δεΪακδrdquo
Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do que temos de fabricar e amalgamar na produccedilatildeo seraacute dizer belamente
(Filebo 59d-e)
iii
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr Dennys Xavier pela orientaccedilatildeo e apoio concedido durante a pesquisa
Ao Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto pessoa relevante para a conclusatildeo deste
trabalho Manifesto minha gratidatildeo por todo apoio concedido na elaboraccedilatildeo deste trabalho e
que em dada Defesa ocupou a funccedilatildeo de Orientador Substituto
Agrave Professora Dra Eliane Christina de Souza agradeccedilo a disposiccedilatildeo e presenccedila por
sua disponibilidade de leitura do texto e pela composiccedilatildeo da banca aleacutem da sua afetuosa
acolhida na UFSCAR e consequente inserccedilatildeo entre os seus orientandos de Doutorado
Ao Professor Dr Fernando Martins Mendonccedila pela presenccedila na qualificaccedilatildeo e
composiccedilatildeo da Banca de Defesa desta dissertaccedilatildeo e as sugestotildees eficazes ao meu trabalho
Ao Professor Dr Rubens Garcia Nunes Sobrinho pela disponibilidade no exame de
qualificaccedilatildeo e indicaccedilotildees precisas sobre nosso autor e as sugestotildees feitas ao meu texto
Aos professores do PPGFIL-UFU em especial agrave querida Prof Dra Georgia Amitrano
e aos professores Prof Dr Marcos Ceacutesar Secircneda Prof Dr Steacutefano Pascoal e o Prof Dr
Celso Luiacutes de Arauacutejo Cintra que foram meus professores nas disciplinas do PPGFIL-UFU
Meu agradecimento em especial ao IFILO-UFU e a todos os funcionaacuterios e
coordenadores do PPGFIL-UFU
Agrave CAPES pelo apoio e fomento concedido ao desenvolvimento da minha pesquisa ao
longo destes dois anos no Mestrado do PPGFIL-UFU
Ao caro amigo Jefferson Pontes pela leitura paciente e rigorosa do meu texto pelas
inuacutemeras sugestotildees que contribuiacuteram para a consecuccedilatildeo de um trabalho rigoroso
Agradeccedilo aos meus pais Rubens e Marina Barros pelo apoio constante e por todo o
esforccedilo conjunto empregado para a realizaccedilatildeo desta tarefa gratificante Agraves minhas avoacutes Laura
e Maria Clara pelo zelo carinho atenccedilatildeo e companheirismo nesta etapa sou eternamente
grato a elas e demonstro aqui meu amor e admiraccedilatildeo por ambas Aos meus irmatildeos Leoni e
Maria Clara pelo carinho respeito e admiraccedilatildeo que ambos nutrem pelo meu trabalho e por
meus estudos Enfim a todos os amigos de Uberlacircndia de Satildeo Joatildeo del Rei aos familiares
e amigos de Alfredo Vasconcelos e a todos os meus professores que fizeram parte desta
histoacuteria meus sinceros agradecimentos
iv
BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura
do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Uberlacircndia Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar as concepccedilotildees platocircnicas em torno do tema do prazer
notadamente aquelas apresentadas no diaacutelogo Filebo Pretendo ao longo do texto evidenciar
algumas das possiacuteveis intepretaccedilotildees acerca da questatildeo primordial que envolve o diaacutelogo em
aὀὠliὅἷΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝὂὄiὁὄitaὄiamἷὀtἷΝὀaΝὄἷflἷxatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝfelizrdquoΝ(ίέκθ αδηκθα) O eixo
temaacutetico deste nosso esforccedilo interpretativo recai sobre a temaacutetica dos prazeres e
fundamentalmente sobre os conteuacutedos eacuteticos apresentados no decorrer da obra A exaustiva
anaacutelise do prazer ( κθ ) que ocupa maior parte da discussatildeo resulta numa investigaccedilatildeo
ainda mais significativa em torno daquele que deveraacute ὅἷὄΝἷlἷitὁΝἵὁmὁΝὁΝldquomἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝ
viἶardquoΝ(ΰΫθκμ)ΝὂὁὄΝamἴὁὅΝὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝἶἷὅtἷΝmὁvimἷὀtὁΝaὄgumἷὀtativὁέΝἏΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaΝ
que porventura caracterizaraacute este estilo de vida preferiacutevel aos homens natildeo pode
desconsiderar a relevacircncia do prazer sendo neste caso umaΝ ldquoviἶaΝmiὅtardquoΝ (η δε σθ ίέκθ)
composta por prazer ( κθ ) e reflexatildeo (φλσθ δμ) Portanto se prazeres e conhecimentos
parecem estar ὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝmἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝviἶaμΝ(i)ΝὁΝldquoἵὠlἵulὁrdquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ
resulta numa importante configuraccedilatildeo da escala de valores relativos agrave constituiccedilatildeo da vida
mista e (ii) a proacutepria concepccedilatildeo de dialeacutetica (tarefa pertinente ao filoacutesofo) alcanccedila um
significado ainda mais surpreendente e relevante na argumentaccedilatildeo isto eacute ao configurar-se
como o exerciacuteciὁΝ ὄἷflἷxivὁΝ fuὀἶamἷὀtalΝ Ν aἵἷὄἵaΝ ἶaΝ ldquomἷἶiἶardquo (ηΫ λκθ) (entre limitado e
ilimitado) nas deliberaccedilotildees humanas e que por sinal visam o bem e a felicidade
Palavras-chave Platatildeo Prazer Filebo Vida Boa Dialeacutetica
v
BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura
do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia Uberlacircndia 2018
ABSTRACT
This work aims to analyse the platonic conceptions around the theme of pleasure notably
those presented in the Philebus dialogue I intend throughout the text to highlight some of the
possible interpretations about the primordial question that surrounds the dialogue under
analysis which consists mainly in the reflection on the good life (ίέκθ αδηκθα) The
thematic axis of our interpretative effort falls on the theme of pleasures and fundamentally on
the ethical content presented during the work For the exhaustive analysis of pleasure ( κθ )
which occupies most of the discussion results in an even more meaningful investigation
around what should be elected as the best kind of life (ΰΫθκμ) by both interlocutors of this
argumentative movement The philosophical life which perhaps will characterize the lifestyle
preferable to men canὀὁtΝἶiὅὄἷgaὄἶΝthἷΝὄἷlἷvaὀἵἷΝὁfΝὂlἷaὅuὄἷΝἴἷiὀgΝiὀΝthiὅΝἵaὅἷΝaΝldquomixἷἶΝlifἷrdquoΝ
(η δε σθ ίέκθ) composed by pleasure ( κθ ) and reflection (φλσθ δμ) Therefore if
pleasures and knowledge seem to be present in the definition of the best kind of life (i) the
calculation of pleasures results in an important configuration of the scale of values relative to
the constitution of mixed life and (ii) the very conception of the dialectic (a task pertinent to
the philosopher) reaches an even more surprising and relevant meaning in the argumentation
that is in defining itself as the fundamental reflexive exercise of measure (ηΫ λκθ) (between
limited and unlimited) in human deliberations and by the way aim at good and happiness
Keys-words Plato Pleasure Philebus Good life Dialectic
vi
ESCLARECIMENTOS
- Utilizo prioritariamente a versatildeo biliacutengue do Filebo do nosso tradutor brasileiro Prof
Fernando Muniz (2012) com o texto grego original estabelecido e anotado por John Burrnet
em seu Platonis Opera (1899-1907 5 v) fazendo as modificaccedilotildees quando necessaacuterias todas
indicadas em suas ocorrecircncias
- Optei pela manutenccedilatildeo da grafia original de todos os termos gregos retirados das
obras primaacuterias e secundaacuterias
- Quanto aos termos gregos que aparecem nas obras secundaacuterias (comentadores)
achei por bem manter a mesma forma utilizada pelos comentadores seja no uso dos termos
transliterados ou natildeo Na medida do possiacutevel tentarei manter todos os acentos e espiacuteritos
bem como a diferenciaccedilatildeo entre as vogais longas e breves Apesar deste meacutetodo sempre
apresentar deficiecircncias
- Toda a metodologia deste trabalho se apoia nas normas utilizadas pela Revista
Archai (httpperiodicosunbbrindexphparchaiaboutsubmissionsauthorGuidelines) que
prioritariamente segue a metodologia proposta por Harvard (Harvard Reference System)
- Aproveito tambeacutem para ressaltar um fator importante sobre as obras secundaacuterias
utilizadas para a fundamentaccedilatildeo do texto escritas em idiomas estrangeiros Durante todo o
texto nas citaccedilotildees (diretas e indiretas) preferi traduzir diretamente mantendo todos os
excertos em portuguecircs Assim comprometo-me com o conteuacutedo destas traduccedilotildees diretas as
quais referem-se unicamente aos propoacutesitos do trabalho por noacutes aqui desenvolvido
- Ao final do trabalho poderatildeo ser consultados nos anexos (i) Tabela de Transliteraccedilatildeo
(ii) Lista de Abreviaccedilotildees dos textos claacutessicos
SUMAacuteRIO
DEDICATOacuteRIA i AGRADECIMENTOS iii RESUMO iv
ABSTRACT v
ESCLARECIMENTOS vi INTRODUCcedilAtildeO 1
1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA ADOTADA NESTE TRABALHO 17
11 A posiccedilatildeo unitarista 19
12 A posiccedilatildeo revisionista 23
13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo 30
14 A posiccedilatildeo literaacuteria 38
15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho 44
2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO) 51
21 As complexidades estruturais e o problema da unidade 51
22 O tema central um dissenso 57
23 O contexto histoacuterico e os personagens 64
3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO 78
31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica 78
32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto 155
33 Prazer Conhecimento e Valor 180
CONCLUSAtildeO 199
REFEREcircNCIAS 203
Literatura Primaacuteria (Platatildeo) 203
Demais autores claacutessicos 205
Literatura secundaacuteria 206
ANEXOS 219 Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo 219
Lista de Abreviaccedilotildees 220
1 Introduccedilatildeo
INTRODUCcedilAtildeO
Terra incognita Eacute este o termo utilizado por Dorothea Frede ao referir-se ao diaacutelogo
Filebo (2013 p 501) e essa eacute sem duacutevida a primeira impressatildeo causada nos leitores-
inteacuterpretes jaacute familiarizados com os demais diaacutelogos A obra em questatildeo Filebo eacute
ἵὁὀὅiἶἷὄaἶaΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝtaὄἶiὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝmuitὁὅ estudiosos1 agrave exceccedilatildeo de Gilbert Ryle
(1966 p 251-256) para quem o Filebo natildeo pode ser considerado um dos uacuteltimos diaacutelogos de
Platatildeo mas sim um diaacutelogo escrito na maturidade platocircnica proacuteximo ao Timeu2
As dificuldades impostas agrave leitura e agrave interpretaccedilatildeo desse texto platocircnico satildeo diversas
como veremos ao longo deste trabalho O Filebo aleacutem de trazer agrave discussatildeo temas relevantes
da filosofia platocircnica dos escritos tardios ndash haja vista o tratamento de temas extremamente
complexos alguns sob os quais ainda natildeo se obteacutem um consenso interpretativo parece fugir
de uma unidade possiacutevel nos conteuacutedos abordados ao longo da obra a ponto de alguns o
considerarem um diaacutelogo corrompido (faltante)3 De tal modo tanto os temas tratados quanto
aΝἷὅtὄutuὄaΝἶaΝὁἴὄaΝaὂὄἷὅἷὀtamΝiὀήmἷὄaὅΝἷΝἵὁmὂlἷxaὅΝldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoΝ(εUNIZ 2007 p 113)4
que exigiriam do leitor natildeo soacute um conhecimento vasto do corpus mas principalmente dos
temas pertinentes agrave chamada ldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵardquoΝἶa velhice5
1 A respeito dos problemas que envolvem o polecircmico tema da cronologia das obras platocircnicas falaremos adiante quando formos tratar dos esclarecimentos metodoloacutegicos Segundo Brandwood (2013 p 143) a ordem cronoloacutegica mais aceita na contemporaneidade coloca o Filebo como o penuacuteltimo diaacutelogo do corpus platocircnico Esta sequecircncia estaria disposta da seguinte maneira (no grupo dos diaacutelogos tardios) Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Pretendo demonstrar ao longo do texto que meu propoacutesito em relaccedilatildeo ao modo de leitura dos diaacutelogos de Platatildeo distingue-se de uma viὅatildeὁΝiὀtἷὄὂὄἷtativaΝἶitaΝldquoἵaὀὲὀiἵardquoΝὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝὀὁΝtὁἵaὀtἷΝaὁὅΝmὁἶἷlὁὅΝὃuἷΝὂautamΝὅuaὅΝleituras a partir de uma visatildeo cronoloacutegica da filosofia platocircnica 2 Paralelamente a esta classificaccedilatildeo encontra-se a de Waterfield (Cf WATERFIELD 1980 1982) 3 Godofredus Stallbaum (1826) em seu Platonis Philebus Prolegomenis et Comentarius (introduccedilatildeo ao comentaacuterio do texto grego) destaca queμΝldquo(έέέ)ΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝὁἴὄaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὁΝFilebo eacute o diaacutelogo mais ἵὁὄὄὁmὂiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝὂἷlaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἃ)έ 4 Muniz chama nossa atenccedilatildeo para a descrenccedila ao longo dos seacuteculos presente entre os plantonistas quanto a uma suposta ineficiecircncia interpretativa desse diaacutelogo platocircnico Seu princiacutepio hermenecircutico orientador enfatiza a relaccedilatildeo constitutiva entre forma e conteuacutedo nos Diaacutelogos Deste modo o autor sublinha a necessidade de nos atermos agraves transiccedilotildees bruscas presentes no diaacutelogo sendo possiacutevel recorrer apenas a elementos do proacuteprio texto (2007 p 113) Assim ele ressalta essa descrenccedila iὀtἷὄὂὄἷtativaμΝ ldquoἒiaὀtἷΝ ἶἷὅὅaΝ ἷxigecircὀἵiaΝ [iὀtἷὄὂὄἷtativa]Ν ὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶὁΝ Filebo encontram seu maior obstaacuteculo a anatomia do diaacutelogo parece anocircmala e as articulaccedilotildees entre suas partes ausentes a desconexatildeo a descontinuidade a obscuridade e a irrelevacircncia de certas cenas ou passagens em relaccedilatildeo ao tema principal fizeram do Filebo ao longo dos seacuteculos uma espeacutecie de corpo estranho no conjunto dos Diaacutelogos de Platatildeo 5 ἑὁmὁΝἵὄecircΝIέΝἑὄὁmἴiἷμΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝὄὠὂiἶaΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄatildeὁΝὅἷὄΝcompreendidas somente agrave luz das preocupaccedilotildees proacuteprias de seus uacuteltimos anos as quais noacutes soacute viriacuteamos a ἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὂὁὄΝ mἷiὁΝ ἶἷΝ ἏὄiὅtὰtἷlἷὅrdquoΝ aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoaΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ aΝ matὧὄiaΝ ἷΝ aΝ fὁὄmaΝ ἶὁὅΝuὀivἷὄὅaiὅrdquoΝ(1λἆἆΝὂέΝἁἄ1)έ
2 Introduccedilatildeo
Neste sentido tambeacutem parece memoraacutevel a metaacutefora cunhada por Robert Gregg Bury
(1987 p 9) para quem o Filebo no bosque da Academia de Platatildeo assemelha-se mais a um
carvalho retorcido e nodoso repleto de brotos e saliecircncias assimeacutetricas que o desfiguram
frente aos belos ciprestes e majestosos pinheiros presentes no espaccedilo intra-acadecircmico
Obviamente aqueles uacuteltimos frondosos ciprestes e pinheiros na conotaccedilatildeo elaborada pelo
teoacuterico dizem respeito aos demais diaacutelogos platocircnicos que talvez apresentam uma estrutura
mais facilmente identificaacutevel
A metaacutefora ilustra bem a claacutessica teoria do diaacutelogo colagem (ou como prefiro dizer
teoria antoloacutegica do diaacutelogo) Podemos em um primeiro momento cunhar apenas uma
estrutura aparente da obra Primeiramente temos uma espeacutecie de disputa inicial entre prazer
e inteligecircncia sobre qual dos dois poderaacute vir a ser considerado o bem para todos os seres
ὁuΝ mἷlhὁὄΝ aΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (11a-14a) Em um segundo momento somos conduzidos a uma
argumentaccedilatildeo metodoloacutegica detalhada (14b-20b) Posteriormente a discussatildeo jaacute natildeo estaacute
maiὅΝἵἷὀtὄaἶaΝὀὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁνΝaΝἶiὅὂutaΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὃuἷΝ
seraacute concedido ao prazer ou agrave inteligecircncia jaacute que uma revelaccedilatildeo divina teria apontado a vida
mista de prazer e inteligecircncia como vitoriosa (20c-ἀἁἴ)έΝἏΝἶiὅὂutaΝὂὁὄΝἷὅὅἷΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝ
ἷxigἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷΝaὅὅimΝὧΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaΝumaΝὁὀtὁlὁgiaΝ
quaacutedrupla (limite ilimitado misto e causa) (23b-31b) Em seguida temos uma longa anaacutelise
dos prazeres fundamentalmente dividida entre prazeres verdadeiros e prazeres falsos (31b-
55c) depois uma breve anaacutelise dos conhecimentos (55c-59d) Por fim retoma-se a questatildeo
da Vida Boa e do lugar ocupado pela inteligecircncia e pelo prazer na composiccedilatildeo desta vida
mista (59d-67d)
Essa continuidade anteriormente proposta acerca do movimento que compotildee o
diaacutelogo eacute apenas aparente Na praacutetica o leitor atento da obra se depara com uma difiacutecil visatildeo
capaz de verificar tal organizaccedilatildeo em um texto em que a sequecircncia dos temas tratados sofre
profundos abalos cortes e lapsos aleacutem de um resultado final que gera perplexidade nas
iὀήmἷὄaὅΝlἷituὄaὅΝὃuἷΝὅἷΝὄἷὀὁvamΝaΝἵaἶaΝmὁmἷὀtὁέΝἑἷὄtaΝὄἷgulaὄiἶaἶἷΝἶaΝldquotὁὂὁgὄafiaΝaὧὄἷardquoΝ
do diaacutelogo desaparece quandὁΝὀὁὅΝaὂὄὁximamὁὅΝἶἷὅtἷΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝ(ἔἤἓἒἓΝ1λλἁΝ
p 15) Deste modo apenas leituras rasas e superficiais estariam livres de impedimentos jaacute
as mais aprofundadas estariam fadadas ao fracasso
Diante dessas consideraccedilotildees eacute possiacutevel notar ao longo da histoacuteria interpretativa do
Filebo como este diaacutelogo adquiriu conotaccedilotildees (em certo sentido bastante negativas) frente
ao papel ocupado pelos demais diaacutelogos que compotildeem o corpus Todavia neste trabalho
minha interpretaccedilatildeo dista desta visatildeo que denomiὀὁΝἵὁmὁΝldquoὀἷgativardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷΝὂὄὁἵuὄὁΝ
seguir por outro caminho
Monique Dixsaut (1999 2001 2017) apresenta-nos detalhadamente este mesmo
histoacuterico claacutessico que permaneceu durante seacuteculos como princiacutepio hermenecircutico orientador
3 Introduccedilatildeo
do Filebo diaacutelogo faltoso corrompido com muacuteltiplas correccedilotildees artificial de qualidade literaacuteria
desejaacutevel diaacutelogo acadecircmico portador de um Soacutecrates diferente daqueles dos demais
diaacutelogos sem um assunto claramente definido (questatildeo debatida na Antiguidade) terreno
prediletὁΝ ἶaΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ldquoἷὅὁtἷὄiὅtardquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἷΝ ἶὁὅΝ ἶἷfἷὀὅὁὄἷὅΝ ἶὁΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ὄἷviὅiὁὀiὅmὁΝ
(ontoloacutegico) presente nesta uacuteltima fase do pensamento platocircnico Ou seja deficiecircncias
segundo alguns que vatildeo desde a questatildeo propriamente estiliacutestica literaacuteria ateacute questotildees
ὄἷlaἵiὁὀaἶaὅΝaὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝὁuΝldquoἶὁutὄiὀὠὄiὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁέΝἡΝὃuἷΝaΝlἷvaΝaΝafiὄmaὄΝὃuἷμΝldquoἡΝ
Filebo possui o duacutebio privileacutegio de cumular todas as dificuldades propostas agrave leitura de um
ἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(1λλλΝὂέΝλ)έ
Eacute oportuno ressaltar que Dixsaut (1999 2001) natildeo comunga com ἷὅtaΝviὅatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝ
acerca do diaacutelogo O tom dessa sua fala repercute em um sentido interpretativo positivo das
ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝὃuἷΝὅἷguὀἶὁΝaΝautὁὄaΝὅatildeὁΝmἷὄamἷὀtἷΝaὂaὄἷὀtἷὅέΝἜὁgὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶὁΝἷὅtἷΝ
ldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝἵὁmὁΝumaΝafirmaccedilatildeo que se converte em certa ironia jaacute que para a autora
o privileacutegio deste diaacutelogo concentra-se na riqueza dos temas ali desenvolvidos por Platatildeo e
ὀatildeὁΝ ὀaὅΝ ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝ ἵὁὀὅtataἶaὅΝ ὂἷlὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ aὁΝ lὁὀgὁΝ ἶὁὅΝ ὅὧἵulὁὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ
tambeacutem natildeo significa dizer que o diaacutelogo natildeo seja difiacutecil e que essas transiccedilotildees dificultem em
certo grau uma compreensatildeo detalhada desse texto platocircnico6 Como ela mesma afirma
o principal obstaacuteculo agrave compreensatildeo do Filebo eacute a sua aparente falta de unidade Isto eacute a interpretaccedilatildeo da passagem dita metodoloacutegica que compromete segundo alguns a unidade do diaacutelogo Eacute indiscutiacutevel agrave primeira vista a dificuldade em estabelecer uma relaccedilatildeo entre o primeiro grande momento do texto e as que se sucedem a este isto eacute a questatildeo da vida boa e de seus ingredientes (a anaacutelise dos prazeres 31b2-55c4 e a divisatildeo dos conhecimentos 55c5-59d) e a hierarquia final (59d-66a4) (DIXSAUT 2001 p 287)
Paralelamente agrave visatildeo de Dixsaut encontra-se a de Fernando Muniz (2007)7 no
sentido inverso dessa interpretaccedilatildeo claacutessica negativa Posiccedilatildeo da qual tambeacutem partilho em
6 ἢὁὄΝ iὅὅὁΝ aΝ autὁὄaΝ ἵὁὀἵὁὄἶaΝ ἵὁmΝ ἤὁἶiἷὄΝ (1λἀἄ)Ν ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἔilἷἴὁΝ ὧΝ umΝ ἶiὠlὁgὁΝ ἶifiacuteἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἅἂ-137) (DIXSAUT 2001 p 285) 7 Ambos os autores partem da necessidade de compreensatildeo da primeira parte do diaacutelogo principalmente das consideraccedilotildees metodoloacutegicas para se interpretar as partes restantes da obra Segundo Muniz (2007) essa tarefa implica em reconhecer o ζσΰκμ comparado a um ser vivo dotado ἶἷΝumΝἵὁὄὂὁΝtὁtalmἷὀtἷΝaὄtiἵulaἶὁΝiὅtὁΝὧΝaΝaὂaὄἷὀtἷΝfaltaΝἶἷΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝlὁgὁgὄὠfiἵardquoΝaὂaὄἷὀtἷΝὅἷὄiaΝintencional A fim de justificar semelhante recurso o autor centra-se na noccedilatildeo de π δλκθ (ilimitado) utilizada por Platatildeo no diaacutelogo como veremos mais adiante Deste modo seria necessaacuterio tomar o ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoἵὁiὅaΝilimitaἶardquoΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝὅuaΝfὁὄmaΝἷὀἵὁὀtὄaΝumΝlugaὄΝὂaὄaἶὁxalΝὀἷὅὅaΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝldquo(έέέ)ΝὀaΝiὀtἷὄὅἷὦatildeὁΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝἷὅὂἷlhamΝἷΝὅἷΝἵὁmuὀiἵamrdquoΝ(εἧἠIZΝἀί07 ὂέΝ11ἆ)έΝἡΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝἷvὁἵaἶὁΝὂἷlὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ(ἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷὄiaΝὁΝὂὄimἷiὄὁΝaΝenunciar essa suspeita recaiacuteda sobre o diaacutelogo ao longo da sua tradiccedilatildeo interpretativa) exige que ou o diaacutelogo se trata de um jogo discursivo intricado (πκδεέζκμ) ou ele eacute segundo uma imagem que o proacuteprio
4 Introduccedilatildeo
minha intepretaccedilatildeo do diaacutelogo Por essa razatildeo creio ser preciso buscarmos no proacuteprio texto
um meio pelo qual essas dificuldades possam ser amenizadas E talvez essa proacutepria
construccedilatildeo problemaacutetica seja intencional e nos sirva agrave interpretaccedilatildeo do diaacutelogo em sua
tὁtaliἶaἶἷέΝἠatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝaΝὁἴὄaΝὅἷjaΝὀἷmΝaΝldquotἷὄὄaΝiὀἵὰgὀitardquoΝἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅΝὀἷmΝmἷὅmὁΝaΝ
ldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquo8 (BARKER 1996 p 143) dos estudiosos da obra em questatildeo Muito pelo
contraacuterio em nosso seacuteculo interpretaccedilotildees e pontos de vista dotados de coerecircncia tecircm
novamente retornado agrave cena filosoacutefica a respeito desse diaacutelogo
Se permanecemos conjecturando sobre as intenccedilotildees possiacuteveis de nosso autor natildeo
passaremos da superficialidade melhor seria encontrar no proacuteprio texto boas indicaccedilotildees
capazes de nos fornecerem instruccedilotildees interpretativas Afinal na trama ficcionada9 e discursiva
dos diaacutelogos o leitor ou ouvinte possui um papel importante Como alega Muniz
ἶiὠlὁgὁΝὁfἷὄἷἵἷΝumaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εσ ηκμ δμ υηα κμ) Isto eacute o Filebo seria uma ordem iὀἵὁὄὂὰὄἷaΝaἵaἴaἶaΝἷΝὂἷὄfἷitaΝἶὁtaἶaΝἶἷΝviἶaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷΝldquoἶiὀamiὅmὁΝiὀtἷὄὀὁrdquoΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝaΝἵὁἷὄecircὀἵiaΝda articulaccedilatildeo de suas partes pode oferecer A tarefa do inteacuterprete portanto eacute revelar essa unidade do ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εἧἠIZΝἀίίἅΝὂέΝ11ἆΝ1ἀἁ)έΝJὠΝὂaὄaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὁΝἷviἶἷὀtἷΝproblema da unidade do diaacutelogo requer uma anaacutelise detalhada da primeira parte do diaacutelogo (as consideraccedilotildees metodoloacutegicas) em relaccedilatildeo ao restante (p 287) Poreacutem ela daacute ainda mais um passo importante ao analisar as passagens referentes agrave dialeacutetica para em seguida deter-se na breve anaacutelise dos conhecimentos (2001 p 288) Apenas deste modo a autora poderaacute justificar sua leitura que pretende dar conta das variadas transiccedilotildees do diaacutelogo Ela detalha seu procedimento da seguinte fὁὄmaμΝldquoἠaΝtἷὀtativaΝἶἷΝmaiὁὄἷὅΝἷὅἵlaὄἷἵimἷὀtὁὅΝiὄἷiΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝtἷxtos da primeira parte consagrados agrave dialeacutetica e entatildeo apontar brevemente qual o tipo de dialeacutetica eacute implementado na obra e finalmente analisar aquela curiosa maneira que se estaacute a falar sobre ela no final da passagem sobre as ciecircncias (57e-59d) Podemos assim constatar que no Filebo a dialeacutetica eacute perpetuamente contaminada pela natureza daquilo com o qual ela se defronta e pelas suas consideraccedilotildees de valor encontrando-se assim submissa agrave potecircncia hieraacuterquica do Bem ndash natildeo somente agrave potecircncia do conhecimἷὀtὁΝἷxἷὄἵiἶaΝἷmΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝὂuὄὁΝmaὅΝὡὃuἷlaΝὀaΝὃualΝὅἷΝaἶmitaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝἷmΝἶἷviὄrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 288) 8 ἡΝtἷὄmὁΝldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquoΝaὂaὄἷἵἷΝἷmΝumΝaὄtigὁΝἶἷΝἏὀἶὄἷwΝἐaὄkἷὄΝ(1λλἄ)μΝldquoPlatos Philebus The σumbering of a Unityrdquo O autor logo no iὀiacuteἵiὁΝἶὁΝtἷxtὁΝὂaὄἷἵἷΝiὀὅiὅtiὄΝἷmΝἵἷὄtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝἷὅὂiὀhὁὅὁrdquoΝἶὁΝFilebo seria devido agraves suas enormes complexidades enormes explicaccedilotildees que resultam nas mais diversas interpretaccedilotildees emersas a partir de um diaacutelogo complexo o que por sinal impossibilita ao leitor de Platatildeo estabelecer uma unidade formal evidente diante da rigidez dos diversos temas ali apresentados (p 144-145) 9 ldquoἓmἴὁὄaΝὅἷjaΝalgὁΝὄἷlativamἷὀtἷΝἵὁὀὅἷὀὅualΝhὁjἷΝἷmΝἶiaΝvalἷΝ lἷmἴὄaὄΝὃuἷΝὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝumaΝὁἴὄaΝdramaacutetica uma ficccedilatildeo [prefiro e utilizarei nesse trabalho o termo ficcionada] filosoacutefica que como tal natildeo pode ser lida como se fosse um tratado Reduzir as falas dos personagens filosoacuteficos agraves proposiccedilotildees destacadas dos seus contextos eacute uma saiacuteda cocircmoda mas infiel ao espiacuterito da obra Eacute preciso que haja entatildeo uma maneira de fazer justiccedila agrave multiplicidade de procedimentos que Platatildeo mobiliza em seus dramas A riqueza da forma natildeo pode ser tratada como um mero efeito decorativo para aliviar a aridez do argumento filosoacutefico Inclusive porque argumento natildeo eacute o uacutenico procedimento filosoacutefico Haacute nos Diaacutelogos uma seacuterie de outros procedimentos como o mito a metaacutefora a ironia o riso o silecircncio ndash todos coordenados em funccedilatildeo da persuasatildeo filosoacutefica Levar em conta esses aspectos formais aspectos de estilo eacute tentar compreender a forma dialogada em funcionamento em toda a sua complexidade (MUNIZ 2007 p 116)
5 Introduccedilatildeo
Platatildeo escreveu para ser lido ndash ou ouvido ndash e o leitor deve completar o ato da criaccedilatildeo discursiva Negligenciar essa dimensatildeo comunicativa dos diaacutelogos eacute no miacutenimo deixar de utilizar mais uma ferramenta interpretativa aleacutem das muitas jaacute em uso (2007 p 116)
Neste sentido entre as visotildees contemporacircneas significativas tambeacutem se soma a de
George ἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)έΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝὀὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝtaὄἶiὁὅrdquoΝὁὅΝmὁvimἷὀtὁὅΝ
argumentativos apresentados por Platatildeo no Filebo demonstram o grande potencial artiacutestico
do filoacutesofo ateniense Similarmente aos de seu grupo (Teeteto Parmecircnides Sofista) a obra
ἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝaὂaὄἷἵἷΝἵὁmὁΝmaiὅΝumaΝfὁὄmaΝἶifἷὄἷὀtἷΝἶἷΝldquoἷὀigmardquo10 (p 40)
O Filebo natildeo eacute um diaacutelogo negativo e insisto que interpretaccedilotildees coerentes do diaacutelogo
satildeo possiacuteveis e torna-ὅἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝ
pelo entrecruzamento dos diversos temas ali apresentados Obviamente meu propoacutesito aqui
recai sobre o mote do prazer11 natildeo permanecendo apenas no limiar da discussatildeo acerca
desse tema mas procurando relacionaacute-lo com os demais assuntos e questotildees abordadas
neste difiacutecil texto platocircnico em que a habilidade literaacuteria platocircnica se demonstra sobremaneira
Isso natildeo significa contudo que certas interpretaccedilotildees visem esgotar as anaacutelises desse
diaacutelogo muito pelo contraacuterio nossa tarefa reconhece a riqueza temaacutetica amplamente diversa
e complexa presente nessa obra
Logo reconheccedilo que as interpretaccedilotildees natildeo esgotam as peculiaridades do Filebo
poreacutem creio como demostrarei ao longo do texto que uma unidade especiacutefica da obra eacute sim
possiacutevel e que talvez possamos estabelecer algumas finalidades apresentadas por Platatildeo ao
longo deste percurso argumentativo sem portanto afirmaacute-las com veemecircncia com um rigor
teoacuterico-conceitual agrave maneira das filosofias baseadas em sistemas de pensamento o que
atentaria contra a proacutepria especificidade dramaacutetica utilizada na composiccedilatildeo dos Diaacutelogos de
Platatildeo como dissemos outrora No entanto soacute poderemos demonstrar como esta visatildeo
10 ldquoἡΝFilebo como me parece eacute um quarto tipo de enigma Haacute passagens longas que parecem escritas natildeo por Platatildeo mas por Hegel ou Heidegger O sentido eacute tatildeo vago que muitas sentenccedilas permitem um nuacutemero ilimitado de interpretaccedilotildees Mas haacute um limite pois eacute difiacutecil encontrar uma uacutenica interpretaccedilatildeo coerente do diaacutelogo inteiro Mesmo assim bons inteacuterpretes declaram que o Filebo eacute uma contradiccedilatildeo imὂὁὅὅiacutevἷlrdquoΝ(ἤἧἒἓἐἧἥἑώΝἀίίἅΝὂέΝἁλ-40) 11 Sobre isso eacute interessante notar o comentaacuterio de Damaacutescio sobre o Filebo ldquoἏlguὀὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝὁΝpropoacutesito do diaacutelogo eacute o prazer assim como demonstra seu proacuteprio tiacutetulo (Π λ κθ μ) e Soacutecrates ele proacuteprio se propotildee primeiramente a discutir o prazer (11b4-c3) para depois examinar o que concerne ao prazer (31b-55d) e em terceiro lugar tirar a conclusatildeo precisa que o prazer natildeo eacute o objetivo primordial da vida (67b1-7) Aqueles que refutam essa tese dizem que o propoacutesito natildeo eacute o prazer Para que serviriam as discussotildees que ultrapassam amplamente o problema apresentado como aqueles sobre o bem sobre os dois princiacutepios (quero dizer o limite e o ilimitado) sobre as trecircs mocircnadas no vestiacutebulo do bem (a beleza a verdade a proporccedilatildeo) sobre o intelecto e as ciecircncias (silogiacutestica e divisatildeo) sobre a mistura destas com os prazeres sobre o primeiro bem assim como o segundo o tἷὄἵἷiὄὁΝὁΝὃuaὄtὁΝὁΝὃuiὀtὁΝἷΝὁΝὅἷxtὁςrdquoΝ(Dam sect I-III)
6 Introduccedilatildeo
(negativa) atribuiacuteda ao diaacutelogo eacute equivocada respondendo a algumas perguntas
fundamentais sobre a qual se debruccedila nosso esforccedilo aqui empreendido mas afinal sobre o
que trata o FileboςΝἥἷΝἷὅtἷΝήltimὁΝὧΝumΝtiὂὁΝἶἷΝldquoἷὀigmardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝἤuἶἷἴuὅἵh
(2007) que tipo de enigma eacute esse E ainda mais de que forma seria possiacutevel solucionaacute-lo
Tais questionamentos segundo creio soacute poderatildeo obter uma resposta adequada no decorrer
deste nosso trabalho investigativo
Comumente na tradiccedilatildeo platocircnica ocidental o subtiacutetulo atribuiacutedo ao Filebo ὧΝldquoἥὁἴὄἷΝ
ὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὃuἷΝὁΝἵlaὅὅifiἵaΝἵὁmὁΝumΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaὁΝgecircὀἷὄὁΝldquoὧtiἵὁrdquo12 No entanto
o iniacutecio do diaacutelogo jaacute prefigura uma complexidade ou melhor um impasse Dito de outro
modo logo no proecircmio da obra depara-ὅἷΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶἷΝ ἶὁiὅΝ
discursos (ζσΰκδμ) e natildeo teses13 ambas afirmando cada um deles serem bens ( ΰαγ θ)14
(11b4) Filebo que tomaraacute como defensor de sua afirmativa o interlocutor Protarco postula
como sendo bom o agradaacutevel (εαέλ δθ) o prazer ( κθά) o deleite ( Ϋλφδθ) e tudo mais
consoante a esse gecircnero15 Jaacute Soacutecrates contrariamente iraacute contestaacute-lo dizendo que para
alguns bom se assemelha ao pensamento (φλκθ ῖθ) agrave inteligecircncia (θκ ῖθ) agrave memoacuteria
(η ηθ γαδ) e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta ( σιαθ λγ θ) e o
raciociacutenio verdadeiro ( ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ) Para tais indiviacuteduos esses uacuteltimos bens seriam
melhores mais uacuteteis e teriam ainda mais valor do que aqueles que afirma Filebo (11b7-9)
O ponto problemaacutetico surge no momento em que a discussatildeo (inicial) em torno dos
prazeres dirige-se agrave unidade multiplicidade dos prazeres Ateacute entatildeo temas que pareciam
evocar simplesmente as antigas concepccedilotildees em torno da eacutetica em larga medida aquelas
discutidas em outros diaacutelogos ditos diaacutelogos iniciais alcanccedilam uma complexidade ainda
maior A fim de respondermos tais questotildees acredito que um caminho possiacutevel seja analisar
o porquecirc de o papel dos prazeres ocupar a maior parte do diaacutelogo para entatildeo
compreendermos o ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝὃuaὀtὁΝaὁὅΝtἷmaὅΝὄἷfἷὄἷὀtἷὅΝὡΝ
ldquoἴὁaΝviἶardquoΝmaὅΝtὁmaὀἶὁ-o apenas como mote para uma discussatildeo maior que retoma temas
importantes desenvolvidos ao longo do pensamento platocircnico Procurarei demonstrar como
os diversos temas presentes nesse diaacutelogo podem nos sugerir uma posiccedilatildeo (especiacutefica) de
12 No cataacutelogo elaborado por Trasiacutelaco de Mendes no seacuteculo I dC para a divisatildeo dos diaacutelogos platocircnicos em nove tetralogias temaacuteticas conforme nos relata Dioacutegenes Laeacutercio o Filebo encontra-se situado na primeira e o subtiacutetulo atribuiacutedo a este denomina-se Do Prazer (Π λ κθ μ) gecircnero eacutetico (D L III 58) 13 Irei tratar disso mais adiante em nossa anaacutelise detalhada do iniacutecio do diaacutelogo 14 Haacute uma longa discussatildeo em torno desse termo que aparece em 11b-4 Como bem nota Muniz (2012 p 21 nota 2) existe uma dificuldade aqui em determinar se ΰαγ θ (bom) eacute equivalente a ΰαγ θ (o bem) 15 ldquo(έέέ)Νεα αΝ κ ΰΫθκυμΝ κτ κθΝ ηφπθαΝ(έέέ)rdquoΝ(11b5-6)
7 Introduccedilatildeo
Platatildeo sobre a relevacircncia da reflexatildeo do prazer na vida humana mas fundamente frente agrave
ὃuἷὅtatildeὁΝἶaὃuἷlaΝὃuἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέ
No entanto algo no Filebo eacute extremamente particular Esse diaacutelogo eacute dentre todos os
outros aquele que apresenta uma visatildeo mais aprofundada sobre o tema e ao mesmo tempo
uma formulaccedilatildeo mais riacutegida acerca do papel do prazer na vida humana enquanto uma questatildeo
filosoacutefica primordial da filosofia platocircnica Ou seja deparamo-nos com o maior problema do
ἶiὠlὁgὁΝaΝὅaἴἷὄμΝὁΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷέΝἓὅὅἷΝὅἷὄiaΝὁΝὅἷuΝldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλλΝὂέΝix)
por um lado temos a tatildeo esperada anaacutelise do prazer na vida humana por outro esse diaacutelogo
eacute extremamente difiacutecil e exige uma anaacutelise atenta requerendo um envolvimento mais proacuteximo
com a filosofia platocircnica Dito de outro modo se lermos o Filebo de uma forma raacutepida
apressada ou pouco detalhada corremos sempre o risco de permanecer no limiar da obra
sem compreendecirc-la em sua profundidade e ateacute mesmo incorrer na postulaccedilatildeo de incoerecircncia
entre os diaacutelogos sobre os temas ali desenvolvidos sob uma forma peculiar poreacutem contida
dentro do vasto espectro da literatura platocircnica enquanto uma literatura dialoacutegica-filosoacutefica
Minha leitura apoia-se substancialmente em autores que defendem uma
reinterpretaccedilatildeo do proacuteprio diaacutelogo a partir das estruturas argumentativas utilizadas por Platatildeo
na elaboraccedilatildeo da obra Ela tambeacutem se distancia das claacutessicas leituras anteriormente referidas
como tambeacutem daquelas que se apresentam no seacuteculo XX no cenaacuterio da tradiccedilatildeo interpretativa
platocircnica em resposta agraves inuacutemeras questotildees problemaacuteticas levantadas por esse diaacutelogo a
saber a leitura revisionista a posiccedilatildeo esoterista a interpretaccedilatildeo do prazer enquanto atitude
proposicional dentre outras
A questatildeo eacutetica predominantemente relativa ao diaacutelogo a meu ver consiste em
avaliar as pretensotildees requeridas pelo prazer se ele as possui de fato se ele eacute bom em si
mesmo se tem essa forccedila que demonstra ter e ao mesmo tempo de que forma ele se opotildee
ou se articula ao conhecimento A tendecircncia interpretativa que adoto neste trabalho quanto agrave
anaacutelise dialeacutetica dos prazeres16 no Filebo eacute aquela denominada por mim e mais alguns
16 Eacute importante salientar que este tipo de leitura se aplica diretamente agrave anaacutelise dos prazeres a qual natildeo eacute a uacutenica do diaacutelogo mas haacute tambeacutem a anaacutelise das teacutecnicas ou conhecimentos Nesta uacuteltima Platatildeo parece retomar os demais diaacutelogos ao propor uma classificaccedilatildeo que preserva o caraacuteter ontoloacutegico da teacutecnica do saber isto eacute o que ele eacute nele mesmo o poder que possui se ela eacute um aspecto teoacuterico muito proacuteximo do que ele teria feito na Repuacuteblica A essa mesma classificaccedilatildeo soma-se a o caraacuteter que acredito ser predominante na discussatildeo o axioloacutegico tambeacutem as teacutecnicas satildeo classificadas de acordo com o valor que possuem do mesmo modo como os indiviacuteduos devem viver isto eacute conveacutem investigar o modo como os saberes e as teacutecnicas satildeo exercidos efetivamente na medida em que implicam a postulaccedilatildeo de valores que os direcionem que ofereccedilam rumo e sentido para os indiviacuteduos que os elaboram Marques pergunta-se o seguinte seria o primeiro aspecto das teacutecnicas um aspecto teoacuterico E o segundo um aspecto praacutetico (MARQUES 2015 p 200) Podemos tambeacutem nesse sentido evocar a interpretaccedilatildeo de Benitez (1999) acerca da classificaccedilatildeo dos conhecimentos sob a qual se apoiam tambeacutem as concepccedilotildees de Marques sobre esse ponto (Cf BENITEZ 1999 p 337-364)
8 Introduccedilatildeo
autores17 proveniente de uma articulaccedilatildeo gnosioloacutegico-axioloacutegica ou epistecircmico-axioloacutegica
na interpretaccedilatildeo da questatildeo dos prazeres no diaacutelogo Gnosioloacutegica pois o processo de
representaccedilatildeo-valoraccedilatildeo dos prazeres eacute visto como anaacutelogo agrave formaccedilatildeo da opiniatildeo A
dimensatildeo antecipativa da opiniatildeo por seu duplo caraacuteter (fenomecircnico e judicativo) faz com
que a representaccedilatildeo proveniente da imagem ao associar-se ao desejo articule a percepccedilatildeo
efetiva ou sua preservaccedilatildeo (que eacute a memoacuteria) agrave uma dimensatildeo propriamente avaliativa18
Axioloacutegica porque em relaccedilatildeo aos prazeres o processo se daria da mesma forma
O discurso e a representaccedilatildeo que acompanham o prazer da antecipaccedilatildeo comportam em si
uma avaliaccedilatildeo (taacutecita) daquilo que eacute bom para noacutes Eacute necessaacuterio avaliar se o prazer possui
de fato esse valor que ele postula ter A questatildeo do prazer da antecipaccedilatildeo coloca em jogo a
esperanccedila isto eacute o prognoacutestico a promessa futura que o prazer sempre propotildee como bom e
uacutetil eacute essa avaliaccedilatildeo que a meu ver eacute digna de refutaccedilatildeo por parte de Soacutecrates Neste
sentido trata-se de uma concepccedilatildeo eacutetica da verdade traduziacutevel nos termos uacutetil melhor e
preferiacutevel Apenas a dialeacutetica enquanto anaacutelise dialogada do prazer nos mostra a
abrangecircncia do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimidade dos valores que a experiecircncia do prazer
eacute capaz de nos proporcionar no contexto da discussatildeo sobre o que eacute vida boa para os seres
humanos nessa oposiccedilatildeo e ao mesmo tempo relaccedilatildeo entre prazer ( κθ ) e conhecimento
(φλσθ δμ)
Conforme foi dito a anaacutelise dos prazeres natildeo soacute nos diz algo sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo
acerca do caraacuteter propositivo cognitivo dos prazeres apesar de estar relacionada a estes
mas sobretudo enfatiza o caraacuteter propriamente valorativo dessa discussatildeo ao ter como
objetivo eacutetico primordial a busca por uma correta composiccedilatildeo da boa vida (mista) de prazer e
iὀtἷlἷἵtὁέΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ ἷὅὅaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ (ὂὁlaὄiὐaἶa)Ν ὀatildeὁΝ ὅὰΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὁὄrdquoΝ
aprofundado da escala de valores mas tambeacutem reforccedila a profundidade carateriacutestica da
potecircncia dialeacutetica pois o que se nota aqui eacute uma anaacutelise profundamente dialogada tanto de
prazeres quanto de conhecimentos visando alcanccedilar uma definiccedilatildeo mais correta ou o mais
possivelmente verdadeira do bem da vida boa
Nesse sentido eacute surpreendente e ao mesmo tempo fundamental o papel a ser
desempenhado pela proacutepria dialeacutetica tal como ela nos eacute apresentada neste diaacutelogo enquanto
taὄἷfaΝfilὁὅὰfiἵaΝὃuἷΝviὅaΝalἵaὀὦaὄΝaΝldquomἷἶiἶardquoΝ(ἷὀtὄἷΝlimitaὀtἷΝἷΝilimitaἶὁ)ΝὀaὅΝἶἷliἴἷὄaὦὴἷὅΝἷΝ
17 Sigo a tendecircncia interpretativa proposta por Bravo (2009) Marques (2012 2014 2015 2016) Teisserenc (1999 2010) 18 Marques (2012) nos lembra que Platatildeo aprofunda sua concepccedilatildeo sobre o papel da produccedilatildeo das imagens psiacutequicas e que adquirem no Filebo uma complexidade ineacutedita e ao mesmo tempo surpreendente ao serem tratadas em relaccedilatildeo agrave temaacutetica dos prazeres (MARQUES 2012 p 213-245) Esse fato faz de Platatildeo portador de uma abordagem uacutenica jamais vista no pensamento ocidental ao propor tal tipo de abordagem em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo associada agrave questatildeo dos prazeres aliada ao discernimento do valor Sobre isso cf TEISSERENC (1999 p 267)
9 Introduccedilatildeo
accedilotildees humanas que almejam por sinal o bem e a felicidade Logo todo o leacutexico platocircnico
empregado na obra como as noccedilotildees desenvolvidas parecem reafirmar ou relembrar-nos as
finalidades eacutetico-poliacutetico-pedagoacutegicas da filosofia de Platatildeo
Mas qual seria a razatildeo de um tratamento tatildeo exaustivo do prazer Por que trataacute-lo
sob a perspectiva eacutetica e ao mesmo tempo se utilizar de distintos recursos a fim de poder
lidar com tal complexidade temaacutetica A resposta parece simples natildeo somente a Platatildeo pois
o prazer eacute um tema caro aos proacuteprios gregos Platatildeo enquanto participante desse modelo
educativo da tradiccedilatildeo poeacutetica grega e mais como criacutetico e reformulador dessa proacutepria tradiccedilatildeo
natildeo deixaraacute de colocar sob anaacutelise um tema tatildeo importante e que demonstra toda a sua forccedila
na mentalidade grega antiga como eacute o caso prazer Eacute retomando essa longa tradiccedilatildeo e
simultaneamente reconhecendo-se como herdeiro dessa proacutepria tradiccedilatildeo que Platatildeo
estabelece uma nova relaccedilatildeo com o prazer reconfigurando o sentido atribuiacutedo a ele e
demarcando o seu efetivo papel agora na vida poliacutetica e social constitutiva da sua eacutepoca
Voltemos rapidamente um pouco a essa questatildeo do prazer na Antiguidade
Sobre isso a obra de Bravo (2009) talvez seja um dos estudos mais relevantesno qual
se intenta compreender o tratamento especiacutefico dado por Platatildeo agrave questatildeo do prazer a partir
de uma seacuterie de teorias que estariam em circulaccedilatildeo na eacutepoca as quais Platatildeo teria se
deparado para construir sua posiccedilatildeo em torno da temaacutetica dos prazeres Tambeacutem a obra de
Gosling amp Taylor (1982) eacute um marco referencial no tratamento do tema assim como a de
Wolfsdorf (2013) que natildeo somente aborda a questatildeo do prazer em Platatildeo mas vai aleacutem
considerando as posiccedilotildees de toda a tradiccedilatildeo claacutessica grega posterior como a abordagem
aristoteacutelica epicurista ciacutenica cirenaica e estoica ateacute alcanccedilar as visotildees contemporacircneas
acerca do prazer
Lembramo-nos a primeira fraὅἷΝἵὁmΝὃuἷΝἐὄavὁΝ(ἀίίλΝὂέΝ1ἁ)ΝiὀiἵiaΝὅuaΝὁἴὄaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)Ν
aΝἵultuὄaΝgὄἷgaΝὧΝumaΝἵultuὄaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὅἷguiὀἶὁ o que disse Casertano (1983) As origens
gregas atestam tal fato basta retomarmos a claacutessica poesia grega (eacutepica liacuterica traacutegica) e a
frequecircncia com que o tema dos prazeres eacute exaltado cantado celebrado O tema dos
prazeres como nos mostra a obra faz parte da cultura grega desde seus primoacuterdios muito
antes do surgimento da filosofia mas natildeo apenas isso podemos ainda destacar que uma das
preocupaccedilotildees fundamentais do homem grego era viver prazerosamente e fazer viver
prazerosamente (BRAVO 2009 p 14)
Podemos sem duacutevida dizer que o prazer se situa em uma intriacutenseca relaccedilatildeo no
pensamento platocircnico que envolve temas importantes estes jaacute anteriormente destacados
pela tradiccedilatildeo claacutessica ora privilegiando um ou outro dos quais Platatildeo se utiliza ao intentar a
elaboraccedilatildeo e uma visatildeo criteriosa da temaacutetica dos prazeres Tais termos seriam a virtude ou
( λ ά) o bem ( ΰαγ θ) e a felicidade ( αδηκθέα) No entanto nem sempre a traduccedilatildeo
destes termos faz jus ao sentido amplo tal como eles satildeo compreendidos na visatildeo grega
10 Introduccedilatildeo
ἠὁΝἶἷἵὁὄὄἷὄΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝὅἷjaΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶaΝjuvἷὀtuἶἷrdquoΝatὧΝὁὅΝἶaΝἵhamaἶaΝ
ldquovἷlhiἵἷrdquoΝo modo de como se deve viver (π μ ίδπ Ϋκθ)19 eacute uma questatildeo eacutetica fundamental
Essa eacute uma das questotildees mais seacuterias natildeo soacute para Platatildeo mas ao pensamento claacutessico como
um todo20 No modelo eacutetico claacutessico e na filosofia de Platatildeo a questatildeo eacutetica estaacute direcionada
agrave vida boa ( α θ) como um todo da qual o homem natildeo se encontra separado mas eacute parte
dessa ordem universal na qual ele proacuteprio se encontra natildeo eacute um ser privilegiado Neste
ὅἷὀtiἶὁΝaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὀὁὦὴἷὅΝἶἷΝldquoἴἷmΝmὁὄalrdquoΝἶἷΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝἷΝἶἷΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝὀatildeὁΝse encontram
plenamente definidas ou estanques mas satildeo a todo momento postas em debate em conflito
nestes modos de vida que se apresentam como elegiacuteveis enquanto tais isto eacute passiacuteveis de
caracterizaccedilatildeo da finalidade humana que eacute a vida plenamente feliz (ίέκθ αέηκθα) (11d6)21
A tarefa do Filebo como veremos no entanto eacute muito menos ambiciosa natildeo se trata de uma
definiccedilatildeo do que seja a felicidade ou o que seja a vida feliz mas o que torna uma vida
propriamente feliz
Nos diaacutelogos platocircnicos nos debates travados entre os interlocutores e entre os
personagens subjazem essas questotildees fundamentais e caras ao pensamento de Platatildeo e agrave
tradiccedilatildeo claacutessica da antiguidade grega na qual estaacute inserido nosso autor Essas questotildees
figuram explicitamente nos debates ali encenados por nosso autor Satildeo estes temas
eminentes da filosofia platocircnica que estatildeo por traacutes das encenaccedilotildees dos dramas filosoacuteficos
elaborados por nosso autor Tais questotildees satildeo apresentadas sob formas diversas em
contextos dialeacuteticos variados poreacutem as questotildees fundamentais do pensamento platocircnico
permanecem as mesmas Os diaacutelogos potildeem em conflito as diversas posiccedilotildees sobre estes
temas satildeo modelos existenciais sopesados avaliados aquilatados as perdas e ganhos
desses modelos de vidas apresentam-se sob forma emblemaacutetica radicalizada por meio de
personagens que se tornam defensores de posiccedilotildees que seratildeo analisadas Uma variedade
de recursos dramaacuteticos literaacuterios e filosoacuteficos satildeo utilizados de variadas maneiras
A Platatildeo podemos atribuir a tarefa de descrever e fundamentar o modo de vida
filosoacutefico que se encontra em Soacutecrates mas natildeo eacute apenas nesse personagem o principal
19 Cf Grg 492d 500c 20 Conforme aponta Crombie (1988) a vida plenamente realizada para os gregos pode ser entendida de duas maneiras (i) seja como aquele homem que vive virtuosamente (ii) seja como algueacutem que vive prosperamente ἢὁὄtaὀtὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἷΝaὁΝmἷὅmὁΝtἷmὂὁΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝὧΝumaΝtaὄἷfaΝimposta pelo proacuteprio Platatildeo agrave sua obra (p 250) 21 Dentre as valiosas contribuiccedilotildees relativas ao termo eudaimoniacutea encontra-se o artigo de Taylor (2008) na Routledge Encyclopedia of PhilosophyΝἷmΝὃuἷΝἷlἷΝaὅὅimΝὄἷtὁmaΝaΝὅἷmacircὀtiἵaΝἶὁΝtἷὄmὁμΝldquoO sentido literal da palavra grega eudaimonia ὧΝtἷὄΝumΝἴὁmΝἷὅὂiacuteὄitὁΝguaὄἶiatildeὁrdquoΝ[eu (bom) daiacutemon (espiacuterito) ter uma vida abenccediloada que se goza em favor daquilo que eacute divino] que eacute ter o estado de uma vida objetivamente desejaacutevel universalmente agradaacutevel pelas antigas teorias filosoacuteficas e pelo pensamento popular da eacutepoca como o supremo bem humano Este objetivo carateriacutestico se distingue da concepccedilatildeo moderna de felicidade uma vida subjetivamente satisfatoacuteria (p 1)
11 Introduccedilatildeo
defensor deste gecircnero de vida que ao mesmo tempo vai se delineando a partir do embate
com os outros modelos de vida propostos aos cidadatildeos atraveacutes dos mais diversos tipos de
educadores gregos os quais satildeo representados pelos interlocutores de Soacutecrates na cena
dramaacutetica do diaacutelogo Muito mais do que representarem personalidades histoacutericas - e alguns
nem representam seres reais - satildeo discursos que se opotildeem por meio do exerciacutecio da atividade
dialeacutetica socraacutetico-platocircnico Podemos escolher com os quais devemos lidar seja com alguns
mais brandos como Protaacutegoras Iacuteon Caacutermides ou aqueles que defendem posiccedilotildees mais
extremas como Caacutelicles22 e Trasiacutemaco23 que desafiam de maneira singular o proacuteprio Soacutecrates
sendo a este uacuteltimo necessaacuterio lidar com os aspectos mais violentos da ίλδμ (desmedida)
humana na πζ κθ ιέα (ambiccedilatildeo violenta) caracteriacutestica daqueles homens que seriam frutos
da educaccedilatildeo sofiacutestica com todas as suas vicissitudes pertinentes24
As concepccedilotildees morais (eacuteticas) de Platatildeo estatildeo fundamentadas nas noccedilotildees de ordem
de harmonia de medida na excelecircncia Agrave medida em que se reconhece como parte de uma
totalidade coacutesmica de um microcosmo dentro de um macrocosmo o homem eacute questionado
sobre suas accedilotildees e o modo como se encontra organizada sua existecircncia Toda a sua
existecircncia deve ser configurada agrave luz desse παλΪ δΰηα25 universal presente na estrutura
macrocoacutesmica transcendente para a partir daiacute pela arte da medida configurar sua accedilatildeo na
vida cidadatilde traccedilando em sua existecircncia os mais belos contornos dotados dessa precisatildeo
provenientes de tal estrutura avaliando corretamente sua existecircncia analisando os
conhecimentos das teacutecnicas (artes) uacuteteis para a respectiva configuraccedilatildeo desse seu modelo
de vida Proporccedilatildeo virtude beleza satildeo manifestaccedilotildees do divino em noacutes uma vida bem
ordenada uma alma justa (bem composta) bem direcionada eacute sinal visiacutevel da ordem invisiacutevel
(divina) no espectro da vida humana
Desta forma a negaccedilatildeo da invectiva deleteacuteria das paixotildees dos desejos extremados
dos prazeres excessivos exorbitantes eacute uma ameaccedila agrave essa proacutepria ordem natural coacutesmica
da qual somos uma pequena parte constituinte Eacute conveniente examinar segundo Platatildeo isso
que o proacuteprio pensamento denuncia essa ideia de que a vida tal como eacute se basta a si mesma
ideia que o pensamento revela ao propor-nos que pensemos na possibilidade uma vida ainda
mἷlhὁὄΝ maiὅΝ ldquoὂὄὰximaΝ ἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ maὅΝ aὁΝ mἷὅmὁΝ tἷmὂὁΝ ἵὁὀὅἵiἷὀtἷΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ὧΝ umaΝviἶaΝ
humana animada natildeo uma vida estaacutetica uma vida asceacutetica Uma vida que natildeo deixa de ser
essa indeterminaccedilatildeo de que nos falaraacute o Filebo nem estritamente animal nem estritamente
divina mas uma vida mista de prazer e de inteligecircncia que recusa o servilismo a
instantaneidade o consumo imediato a fugacidade e a deterioraccedilatildeo e corrupccedilatildeo dos desejos
22 Cf Grg483b-d 23 Cf R I 348d 24 (Cf PAULA 2016 p 14) 25 Cf Tim 49a1ss
12 Introduccedilatildeo
exacerbados buscando por algo que contenha ao menos um pouco de unidade e de
durabilidade
O tema do prazer ndash presente tambeacutem no Protaacutegoras no Goacutergias no Banquete e na
Repuacuteblica ndash teria no Filebo sua uacuteltima e criteriosa abordagem Por isso ao adentrar nas linhas
desse diaacutelogo nosso esforccedilo parece justificar-se em vista da temaacutetica que nos eacute presente
justamente porque o FileboΝaὁΝὃuἷΝtuἶὁΝiὀἶiἵaΝὧΝaΝldquoήltimaΝὂalavὄardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶὁΝ
tἷmaΝ ὂὄaὐἷὄέΝ ldquoUacuteltimardquoΝ aὃuiΝ ὀatildeὁΝ ἶiὐΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ ἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaὅΝ ὃuἷΝ ἵὁὀἵἷὄὀἷmΝ ὡΝ
suposta cronologia entre os diaacutelogos mas agrave maneira como Platatildeo lida com esse tema a
profundidade o refinamento uacutenicos desta obra importante Em nenhum dos demais diaacutelogos
o prazer ocupa um papel semelhante ao do Filebo ele eacute iacutempar e imprescindiacutevel ao leitor
interessado na temaacutetica dos prazeres
O Filebo no entanto carrega consigo inuacutemeras particularidades eacute um diaacutelogo denso
difiacutecil como veremos ao longo deste trabalho Eacute impossiacutevel jaacute em um primeiro momento natildeo
notar tamanha especificidade sendo necessaacuterio tambeacutem respeitaacute-las distanciando-se dos
preconceitos interpretativos recorrentes no trabalho de qualquer leitor Eacute necessaacuterio tambeacutem
estar disposto a seguir a trajetoacuteria forjada por Platatildeo neste drama adentrar sem restriccedilotildees
sem tangenciar sem titubear sem pensar em abandonaacute-lo nas primeiras linhas nas primeiras
dificuldades impostas A estrita e complexa relaccedilatildeo entre o bem ( ΰαγ θ) a vida boa ( α θ)
o prazer ( κθά) e a reflexatildeo (φλσθ δμ) jaacute eacute uma demanda aacuterdua e exige um aprofundamento
particular na anaacutelise da obra na qual estatildeo contidos os temas que hora ou outra merecem
toda a atenccedilatildeo de nosso autor em sua obra dialoacutegica
Nos dizeres de Maciel (2002)
A maior parte do diaacutelogo eacute dedicada ao estudo do prazer 1024 linhas sobre um total de 2369 o que leva a deduzir o peso e a relevacircncia desse componente no confronto com o intelecto na anaacutelise empreendida sobre qual ldquoὁΝἷὅtaἶὁΝἷΝaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝἵaὂaὐΝἶἷΝἵὁὀἵἷἶἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝumaΝvida feliz (11d) Se Platatildeo teve como constante em sua obra que a felicidade depende da escolha dos prazeres no Filebo a questatildeo transforma-se em quais prazeres devem ser escolhidos para compor com o intelecto a vida feliz (p 14)
ἓὅὅἷΝtὄaἴalhὁΝὄἷafiὄmaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaΝὀἷἵἷὅὅὠὄiaΝὄἷtiὄaἶaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶaὅΝldquoaltuὄaὅΝgὧliἶaὅrdquoΝ
de um idealismo que natildeo acreditamos ser possiacutevel justificar mediante uma leitura acurada de
sua obra proacuteprio de uma leitura equivocada cristalizada no pensamento filosoacutefico ocidental
Platatildeo asceacutetico intelectualista inimigo do corpo e dos prazeres E aleacutem do mais qualquer
posiccedilatildeo estanque tal como a anti-hedonista (comumente associado ao pensamento de
Platatildeo) nem uma posiccedilatildeo hedonista podem ser de fato atribuiacutedas a Platatildeo no que fiz
ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡΝ ὅuaΝ ldquofilὁὅὁfiaΝ mὁὄalrdquoέΝ ἦὁἶaviaΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeo especiacutefica iacutempar em torno dos
13 Introduccedilatildeo
prazeres pode ser notada a partir da investigaccedilatildeo do tema conforme nos apresenta o filoacutesofo
neste diaacutelogo uacuteltimo Obra na qual nenhuma das posiccedilotildees (hedonista e anti-hedonista)
parecem ser unicamente defensaacuteveis como aquἷlaΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝaΝldquoἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶaΝhumaὀardquoΝ
tida por Platatildeo como aquela capaz de ser considerada por todos os seres como a vida
ldquoὂlἷὀamἷὀtἷΝfἷliὐrdquoέΝ
ἏiὀἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄἷΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὀatildeὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝὁΝldquoἴἷmrdquoΝἷΝem um
primeiro momento se acredite que toda cautela eacute necessaacuteria quanto agrave fruiccedilatildeo dos prazeres
natildeo haacute nada que ateste uma condenaccedilatildeo absoluta do prazer nos diaacutelogos Muito pelo
contraacuterio o objetivo de Platatildeo no Filebo como buscaremos demonstrar eacute evidenciar o papel
que cabe tanto ao prazer ὃuaὀtὁΝaὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷὀὃuaὀtὁΝἵὁὀὅtituiὀtἷὅΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝ ldquoviἶaΝ
ἴὁardquoέ
Nossa anaacutelise pode ser resumida nos seguintes termos No primeiro capiacutetulo trato da
claacutessica questatildeo envolvendo a leitura dos diaacutelogos platocircnicos Uma abordagem dessa
questatildeo parece ser necessaacuteria jaacute que o Filebo eacute uma obra que desafia os inteacuterpretes e coloca
em questatildeo vaacuterios aspectos fundamentais em relaccedilatildeo a literatura platocircnica em geral como
por exemplo o retorno de Soacutecrates aos diaacutelogos a ausecircncia de informaccedilotildees histoacutericas sobre
os interlocutores dentre outros Destarte tambeacutem apresento minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave
debatida questatildeo em torno dos modos de leitura dos diaacutelogos ou melhor minha preferecircncia
quanto a um tipo de interpretaccedilatildeo das obras especialmente aquela que considero pertinente
ser adotada conforme os fins deste trabalho isto eacute particularmente agrave anaacutelise dos temas
presentes no Filebo
No segundo capiacutetulo desejo adentrar agraves especificidades do Filebo este eacute o principal
objetivo que envolve esta primeira parte do texto Apresento uma raacutepida mas relevante
discussatildeo acerca das conotaccedilotildees que o Filebo adquiriu ao longo da tradiccedilatildeo interpretativa
claacutessica do diaacutelogo fundamentalmente a partir da retomada da leitura da obra no seacuteculo XX
mediante o surgimento de algumas visotildees interpretativas neste periacuteodo dispostas a
retomarem o conteuacutedo desse escrito platocircnico sob o propoacutesito de fundamentarem suas
interpretaccedilotildees baseadas no conteuacutedo da obra em questatildeo Creio ser imprescindiacutevel uma
apresentaccedilatildeo ao leitor de alguns aspectos introdutoacuterios que envolveratildeo a anaacutelise da obra ao
longo deste nosso ensaio bem como o percurso-histoacuterico filosoacutefico no qual se desenvolve a
tradiccedilatildeo interpretativa do diaacutelogo durante esses dois uacuteltimos seacuteculos de nossa era O diaacutelogo
em anaacutelise estaacute repleto de inuacutemeras especificidades aleacutem de conter uma seacuterie de
particularidades e de apresentar alguns temas complexos o que demanda por sinal um
grande esforccedilo interpretativo por parte de seu leitor
Em suma pretendemos fornecer ao leitor em um primeiro momento uma visatildeo geral
sobre a obra uma espeacutecie de mapa da discussatildeo principalmente a respeito do(s) tema(s)
centrais da obra a ser analisada o modo como os temas estatildeo divididos na estrutura do
14 Introduccedilatildeo
diaacutelogo Aleacutem disso jaacute se atenta para a necessidade de nosso leitor de natildeo abrir matildeo dos
recursos que porventura ele dispotildee no que diz respeito agrave familiaridade com o texto platocircnico
iὅtὁΝ ὧΝ atἷὀtamὁὅΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝ ἶἷΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoἴήὅὅὁlardquoΝ ἶἷΝ ὁὄiἷὀtaὦatildeὁΝ
necessaacuteria para uma anaacutelise mais aprofundada sobre a obra sutilmente elaborada por nosso
autor destacando-se enquanto uma obra difiacutecil poreacutem natildeo impossiacutevel Tarefa que exige uma
atenccedilatildeo maior por parte do leitor sobre uma questatildeo tratada com certo refinamento e que
ἷvὁἵaΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁ maiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquo26 abrangente da obra e natildeo acessiacutevel a uma espeacutecie
ἶἷΝ lἷituὄaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumaΝviὅatildeὁΝldquotὁὂὁgὄὠfiἵardquoΝἶaΝὁἴὄaΝviὅtaΝldquoἶἷΝἵimardquoΝmaὅΝὅimΝἷmΝumΝ
aprofundamento que consiste em analisar detalhadamente aquilo que Platatildeo procura ali nos
apresentar eacute preciso adentrar as linhas desse escrito para ser capaz de promover uma
interpretaccedilatildeo eficaz por intermeacutedio de um questionamento preciso sobre o sentido da obra
intenccedilatildeo a meu ver apenas efetiva por meio da busca pela unidade aparentemente perdida
e problemaacutetica dessa obra
Dito isto em virtude de uma maior compreensatildeo do drama em questatildeo procurarei
tambeacutem abordar ao longo deste capiacutetulo algumas contribuiccedilotildees por parte desses estudiosos
claacutessicos (em grande maioria divergentes entre si) sobre o contexto histoacuterico as personagens
e os interlocutores que compotildeem a obra Resumidamente me deterei ao longo do capiacutetulo na
discussatildeo acerca do problema central que envolve a obra dilema que conforme se poderaacute
notar natildeo eacute alvo de consenso entre os diversos inteacuterpretes da obra a saber a unidade
estrutural do diaacutelogo
No terceiro capiacutetulo apresento uma anaacutelise detalhada de todo o diaacutelogo Partindo da
compreensatildeo de que o Filebo ἵὁὀὅtituiΝumΝldquotὁἶὁrdquoΝndash ao defender aqui uma anaacutelise unitaacuteria e
sincrocircnica dos temas que satildeo ali apresentados por Platatildeo ndash nossa anaacutelise da obra eacute feita de
acordo com uma divisatildeo apenas didaacutetica comumente adotada estabelecida em torno dos
temas que compotildeem a obra tal como satildeo abordados sequencialmente no diaacutelogo No
entanto eacute necessaacuterio ressaltar que minha leitura do diaacutelogo requer uma conexatildeo entre essas
partes que ora ou outra se aproximam e sobretudo se articulam durante o meu texto Dito
26 ἡΝὃuἷΝtὄatὁΝaὃuiΝἵὁmὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὂὄὰὂὄiaΝmἷtὁἶὁlὁgiaΝἷΝὀatildeὁΝaΝumaΝespeacutecie de leitura fechada particular sobreposta agraves demasiadas existentes que dizem respeito agrave obra Trata-se de conceber uma visatildeo que vise esgotar o maacuteximo possiacutevel as possibilidades desse ldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷΝὄiἵὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝutiliὐaἶὁὅΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝtἷxtὁΝaΝ fimΝἶἷΝalἵaὀὦaὄΝuma visatildeo coerente do contexto apresentado e das questotildees relativas ao prazer a meu ver ligadas diretamente aos conteuacutedos eacuteticos e que nos possam dizer algo sobre a visatildeo de Platatildeo sobre o referido tema O resultado interpretativo neste caso eacute fruto desse entrecruzamento por isso natildeo podemos afirmar nada veemente mas apenas tentar alcanccedilar o maacuteximo possiacutevel os desdobramentos do diaacutelogo sem contudo afirmar que todos os aspectos foram ressaltados por nossa interpretaccedilatildeo e que ela daacute conta de todo o espectro do diaacutelogo pois seria impossiacutevel No maacuteximo podemos apresentar uma visatildeo privilegiada que vise congregar o maacuteximo de aspectos possiacuteveis capazes de dar sustentaccedilatildeo a uma determinada posiccedilatildeo interpretativa
15 Introduccedilatildeo
isso nada impede que retomemos algo que anteriormente jaacute tivermos dito portanto algo que
possa se mostrar relevante a nossa anaacutelise
Este terceiro capiacutetulo no entanto como jaacute dissemos anteriormente eacute constituiacutedo de
uma longa anaacutelise do texto do Filebo pois conforme destacamos na metodologia
anteriormente eacute necessaacuterio recorrer ao texto original lidar diretamente com o leacutexico platocircnico
utilizado no drama em questatildeo como tambeacutem reconhecer as questotildees literaacuterias e os recursos
utilizados por nosso filoacutesofo na construccedilatildeo desse escrito para a partir daiacute reconhecer via
argumentaccedilatildeo as questotildees propriamente filosoacuteficas desenvolvidas por nosso autor no
contexto geral expresso naquele drama que envolvem sem duacutevida uma compreensatildeo mais
aprofundada e que requer certa lida com o texto e com a filosofia do filoacutesofo ateniense Neste
sentido partilho tambeacutem em alguns momentos de uma dada metodologia que requer certa
ldquotὄaὀὅvἷὄὅaliἶaἶἷrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ tἷxtὁὅΝἶὁὅ demais diaacutelogos e que utilizo com certa frequecircncia
sempre respeitando as particularidades de cada contexto argumentativo embora me
mantenha centrado especialmente no texto do Filebo
Mediante esse recurso torna-se possiacutevel compreender passagens muito sinteacuteticas da
obra recorrendo a outras que natildeo as do diaacutelogo referido que tratam dos mesmos temas e que
demonstram seja uma continuidade seja uma ruptura Aleacutem do mais creio na necessidade
da renovaccedilatildeo dos problemas claacutessicos apresentados pelo diaacutelogo mediante o confronto com
os diferentes aspectos literaacuterios presentes em uma determinada obra como os mitos a
metaacuteforas as imagens o riso a ironia o silecircncio todos eles a serviccedilo da literatura ficcionada
de Platatildeo destinados agrave persuasatildeo filosoacutefica para a elaboraccedilatildeo de uma filosofia dialeacutetica27Dito
de outro modo conveacutem analisar detidamente os discursos de todas as personagens que
compotildeem determinada obra (sofistas retores e oradores) bem como os conteuacutedos
dramaacuteticos histoacutericos mitoloacutegico-poeacuteticos filosoacuteficos fiacutesicos e fisioloacutegicos (preacute-socraacuteticos)
que porventura o diaacutelogo em anaacutelise possa evocar Esse entrecruzamento entre
ὂἷὄὅὂἷἵtivaὅΝ ὂἷὀὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ maiὅΝ ὃualifiἵaἶaΝ maiὅΝ ldquoὂὄἷἵiὅardquoΝ
transformando a parcialidade em uma generalidade o que natildeo significa falta de profundidade
mas muito pelo contraacuterio a saiacuteda de uma suposta parcialidade de uma leitura pouco
aprofundada em vista da construccedilatildeo de uma perspectiva maior mais detalhada ou melhor
mais bem construiacuteda Aleacutem de tudo considero esse tipo de leitura mais entusiasmante pois
o texto ganha vida sustenta-se em si mesmo aleacutem de recobrir-se de inteligecircncia
caracteriacutesticas desse proacuteprio texto isto eacute natildeo soacute o texto eacute assim melhor valorizado mas
tambeacutem a leitura do texto eacute profiacutecua ao mesmo tempo em que suas qualidades permanecem
maiὅΝviὅiacutevἷiὅΝἶὁΝὃuἷΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝmἷuΝvἷὄΝumaΝlἷituὄaΝmaiὅΝldquoὅiὅtἷmὠtiἵardquoΝldquoaὀaliacutetiἵardquoΝὁuΝ
ldquolὰgiἵardquoΝἶὁΝtἷxtὁΝἷmΝὃuἷΝtaiὅΝὂὄὁὂὄiἷἶaἶἷὅΝ(tἷxtuaiὅ)ΝὂὁἶἷὄiamΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὅἷὄΝὂἷὄἶiἶaὅέ
27 Sobre isso ver MARQUES (2016 p 40ss) e MUNIZ (2007 p 116)
16 Introduccedilatildeo
Tambeacutem recorro nesta parte do texto a uma seacuterie de estudiosos contemporacircneos que
apresentam importantes reflexotildees sobre as temaacuteticas ali apresentadas demonstradas sob
uma versatildeo qualificada e que refletem o debate em voga sobre o diaacutelogo na atualidade
Visotildees a meu ver mais aprofundadas melhor elaboradas fruto de uma anaacutelise mais
ἵὁmὂlἷxaΝ ἷΝ ldquovivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ EacuteΝ tambeacutem baseado nas consideraccedilotildees desses teoacutericos cujas
teorias nos parecem extremante pertinentes que visamos apresentar uma reflexatildeo
consistente e ao mesmo tempo relevantes nesse capiacutetulo ora tomando de empreacutestimo suas
contribuiccedilotildees ora confrontando-as Trata-se de lidar com certa agudeza teoacuterica no que diz
respeito a essas visotildees mais contemporacircneas inseridas no contexto da discussatildeo platocircnica
atual no acircmbito das questotildees pertinentes apresentadas pela obra em questatildeo relativas agrave
temaacutetica dos prazeres e seus desdobramentos posteriores no cenaacuterio maior que compotildee a
reflexatildeo filosoacutefica proposta por nosso autor
17 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA
ADOTADA NESTE TRABALHO
Para os efeitos de nossa anaacutelise antes de adentrarmos em um detalhamento geral de
nossa pesquisa nos proacuteximos capiacutetulos e seccedilotildees torna-se imprescindiacutevel apresentarmos um
delineamento do modo como faremos uma leitura acerca deste diaacutelogo platocircnico nosso objeto
de estudo o Filebo Eacute consensualmente defendido pelos estudiosos de Platatildeo que os diaacutelogos
de Platatildeo apresentam a forma de um λ ηα filosoacutefico Ateacute entatildeo anteriormente ao
desenvolvimento do Tratado desenvolvido ὂὁὄΝἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝldquo(έέέ) os diversos temas filosoacuteficos
eram apresentados por meio do que hoje chamariacuteamos formas literaacuterias ἶἷΝ ἵὁmὂὁὅiὦatildeὁrdquoΝ
(MATOSO 2015 p 21)
Atualmente se sabe que Platatildeo natildeo foi o uacutenico a compor diaacutelogos Aristoacuteteles na
Poeacutetica (1447b11)28 salienta que os κελα δεσδ ζκΰσδ em que Soacutecrates eacute o principal
personagem no contexto de uma discussatildeo argumentativa dialoacutegica era um tipo de gecircnero
literaacuterio comum Na eacutepoca de Platatildeo ὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝjaacute eram um gecircnero de escrita
firmemente estabelecido na Greacutecia Isto parece justo agrave medida que se verifica que chegaram
ateacute noacutes alguns diaacutelogos socraacuteticos escritos por Xenofonte (Banquete Apologia de Soacutecrates
Oeconomicus e Memorabilia) em que Soacutecrates eacute tambeacutem o condutor uma espeacutecie de
protagonista da discussatildeo
Seraacute atraveacutes desse novo estilo de escrita a representaccedilatildeo dramaacutetica por meio de
diaacutelogos que Platatildeo escreveraacute sua obra Ao mesmo tempo em que os diaacutelogos demonstram
a genialidade literaacuteria de Platatildeo eles tambeacutem demonstram determinada originalidade
filosoacutefica isto porque os textos platocircnicos exigem um grande esforccedilo (interpretativo) por parte
dos leitores Um primeiro fator que resulta em uma significativa dificuldade quanto agrave leitura
dos diaacutelogos diz respeito ao fato de Platatildeo natildeo aparecer como personagem nos diaacutelogos29 o
que torna impossiacutevel o trabalho do inteacuterprete cuja tarefa consistiria em identificar quais seriam
suas proacuteprias teorias ou doutrinas e quais pertenceriam unicamente a Soacutecrates Dito de outro
modo poderiacuteamos nos ὃuἷὅtiὁὀaὄΝὅἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝldquomὠὅἵaὄardquoΝumaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ
28 ldquoἦὁἶaviaΝ aΝ [aὄtἷ]Ν ὃuἷΝ imitaΝ aὂἷὀaὅΝ ἵὁmΝ ὂalavὄaὅΝ ἷmΝ ὂὄὁὅaΝ ὁuΝ ἷmΝ vἷὄὅὁΝ ὂὁἶἷὀἶὁΝ miὅtuὄaὄ-se diferentes metros ou usar um uacutenico chegou ateacute hoje sem nome Realmente natildeo temos nenhum termo comum para designar os mimos de Soacutefron e de Xenarco e os diaacutelogos socraacuteticos ou a imitaccedilatildeo que algueacutem faccedila em triacutemetros em versos elegiacuteacos ou alguns outros metὄὁὅΝὅimilaὄἷὅέrdquoΝ(Arist Po 1447b11) 29 Platatildeo soacute aprece duas vezes como personagem nos diaacutelogos A primeira apariccedilatildeo eacute notada na Apologia (34a 38b) e a outra no Feacutedon (59b) Contudo estas apariccedilotildees satildeo demasiadamente tiacutemidas a ponto de natildeo nos permitir inferir algo sobre suas proacuteprias teorias sem relacionaacute-las agrave figura de Soacutecrates
18 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
que oculta o verdadeiro pensamento de Platatildeo ou se ele de fato distancia-se ao apresentar
um pensamento proacuteprio em nada semelhante ao de nosso autor
A ausecircncia da figura de Platatildeo nos diaacutelogos e por conseguinte a impossibilidade de
identificaccedilatildeo das doutrinas filosoacuteficas que lhe seriam porventura pertinentes dificultam em
demasia a leitura dos diaacutelogos Um dos meios mais usuais eacute identificar as posiccedilotildees adotadas
por Soacutecrates nos textos agraves posiccedilotildees de Platatildeo Contudo este nem sempre eacute um bom caminho
como parece ou melhor natildeo seria tatildeo simples assim ou algo demasiadamente faacutecil
O anonimato do filoacutesofo em seus diaacutelogos suscitou ao longo dos tempos inuacutemeras
iὀtἷὄὂὄἷtaὦὴἷὅΝἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝaΝldquoἶὁutὄiὀardquoΝὁuΝaΝldquotἷὁὄiaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoέΝἏΝmaὀἷiὄaΝmaiὅΝ
faacutecil e usualmente adotada no passado da tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica era identificar as
teorias expostas por Soacutecrates nas obras de Platatildeo como pertencentes ao proacuteprio Platatildeo
Entretanto algumas questotildees podem surgir na anaacutelise do corpus (i) A posiccedilatildeo de Soacutecrates
nem sempre eacute a mesma nos diversos diaacutelogos em relaccedilatildeo a alguns temas30 (ii) nem sempre
Soacutecrates eacute o personagem principal o condutor do diaacutelogo (protagonista)31 Portanto eacute
impossiacutevel afirmar com veemecircncia que as doutrinas de Platatildeo possam ser necessariamente
as mesmas de Soacutecrates ou melhor que ambos os filoacutesofos possuem um pensamento idecircntico
sobre os diversos temas filosoacuteficos
Certa parcimocircnia acaba sendo exigecircncia fundamental de um leitor da obra de Platatildeo
Uma outra vertente interpretativa considera que alguns fatores satildeo tambeacutem importantes na
aὀὠliὅἷΝἶὁΝtἷxtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἏlὧmΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅrdquoΝἶἷvἷmΝὅἷὄΝobservados em qualquer
interpretaccedilatildeo fatores como contexto histoacuterico contexto dramaacutetico fatores geograacuteficos
fatores culturais e filosoacuteficos da eacutepoca estrutura estiliacutestica da obra personagens e
interlocutores principais temas discutidos dentre outros A maioria desses inteacuterpretes tecircm se
apegado ora a alguns destes aspectos ora a todos estes para um estudo que possa ser ao
menos mais criterioso e eficaz quanto agrave intepretaccedilatildeo do pensamento platocircnico32
Frente a semelhante problemaacutetica ao longo da histoacuteria do pensamento ocidental e
particularmente no estudo das obras de Platatildeo duas teses ou dois tipos de interpretaccedilatildeo
30 Atente-se ao exemplo do tema que aqui desenvolvemos a postura socraacutetica em relaccedilatildeo ao tema do prazer parece ser ambiacutegua isso se levarmos em conta a anaacutelise de diversos diaacutelogos em que o tema eacute alvo de discussatildeo por parte de Soacutecrates Basta relembrar as posiccedilotildees anti-hedonistas defendidas por Soacutecrates seja no Goacutergias no Feacutedon e na Repuacuteblica frente agrave posiccedilatildeo hedonista do Protaacutegoras Aleacutem do caso do proacuteprio Filebo que parece estar distante dos diaacutelogos anteriores ao apresentar uma posiccedilatildeo particular em relaccedilatildeo ao tema 31 Por exemplo nos uacuteltimos diaacutelogos (agrave exceccedilatildeo do Filebo) o protagonista Soacutecrates cede lugar a outros como no Sofista em que o Estrangeiro de Eleacuteia assume a discussatildeo e nas Leis o Ateniense eacute quem dirige o curso da argumentaccedilatildeo 32 Dentre estes autores podemos destacar M Frede (1992) M M Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre (1995) Falarei sobre o assunto e sobre alguns desses autores mais adiante
19 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
surgiram a fim de defenderem dois tipos ou modos de leitura do texto platocircnico os
denominados unitaristas e os chamados revisionistas ou desenvolvimentistas A seguir
apresento tais vertentes interpretativas da obra de Platatildeo
11 A posiccedilatildeo unitarista
Os unitaristas acreditam que os diferentes diaacutelogos compotildeem uma doutrina uacutenica
Nota-se que o pensamento de Platatildeo passa por um processo que se desenvolve
gradualmente no qual os diaacutelogos pouco a pouco vatildeo nos fornecendo indiacutecios e por fim eacute
possiacutevel chegar a estrutura interpretativa do pensamento (uacutenico) de Platatildeo Por mais que
concordem que diferentes fases no pensamento platocircnico existam os unitaristas defendem
que soacute existe uma doutrina referente ao pensamento platocircnico Esta posiccedilatildeo ressurge com
toda forccedila nos seacuteculos XIX e XX visto que a questatildeo acerca do procedimento de leitura dos
ἶiὠlὁgὁὅΝ ὂlatὲὀiἵὁὅΝ ὧΝ umaΝ ldquoὃuἷὅtatildeὁΝ aὀtiὃuiacuteὅὅimardquo33 a partir do teoacutelogo Friedrich
Schleiermacher34 tradutor das obras platocircnicas e escritor de um ensaio em que postula uma
nova divisatildeo das obras platocircnicas Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo (1836) Essa posiccedilatildeo
tambeacutem eacute defendida atualmente (com algumas modificaccedilotildees) por Charles Khan (2010) Hans
Von Arnim (1967) Werner Jaeger (2003) Paul Shorey (1903) Paul Friedlaumlnder (1975) dentre
outros
33 A questatildeo acerca da maneira correta de ler os diaacutelogos de Platatildeo remonta agrave Antiguidade Antes mesmo do tema ressurgir na contemporaneidade ele jaacute era polecircmico O que garante tal fato satildeo as divisotildees dos diaacutelogos por temas de Dioacutegenes Trasilus teria catalogado as obras platocircnicas em tetralogias (semelhantemente agraves trageacutedias) e Aristoacutefanes de Bizacircncio em trilogias Segundo Reis (2001 ὂέΝ 1ἅλ)Ν ὂaὄaΝ ἒiὰgἷὀἷὅΝ ldquoὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὅatildeὁΝ ἶiviἶiἶὁὅΝ ὂὄimἷiro em obras 1 Instrutivas (yacutephegetikoacutes) e outras que satildeo 2 Investigantes (zeteacutetikos) As primeiras seriam as obras de Platatildeo que expotildeem doutrinas positivas as segundas seriam apenas obras para a praacutetica dos meacutetodos corretos de investigaccedilatildeo Quanto agraves primeiras teriacuteamos ainda duas divisotildees em 11 Teoacuterico e 12 Praacutetico Teriacuteamos tambeacutem outras subdivisotildees sendo o Teoacuterico dividido em 111 Fiacutesico e 112 Loacutegico enquanto os Praacuteticos seriam divididos em 121 Eacuteticos e 122 Poliacuteticos A Segunda parte seria subdivida tambeacutem duas vezes Primeiro teriacuteamos os 21 Exerciacutecios mentais e as 22 Disputas Dentro dos Exerciacutecios teriacuteamos a 211 Maiecircutica e o 212 Tentativo e quanto agraves disputas teriacuteamos o 221 Probativo e o 222 Refutativo Dioacutegenes ainda diz que eacute comum em sua eacutepoca a divisatildeo dos diaacutelogos em Dramaacuteticos Narrativos e Mistos no entanto afirma que tal divisatildeo se encaixa melhor com obras de teatro do que com obras filosoacuteficas Outra divisatildeo que parece ser bem aceita na eacutepoca de Dioacutegenes eacute a que Trasilus faz Diz ele que Platatildeo publicou sua obra em tetralogias Platatildeo assim o fez por ser uma publicaccedilatildeo que se comparava com as trageacutedias que eram sempre representadas em nuacutemero de 3 com um drama satiacuterico por fim Aqui aparece como que a filosofia foi desde seu nascimento comparada e confrontada com outras manifestaccedilotildees culturais Ainda na antiguidade Aristoacutefanes o gramaacutetico teria ἶiviἶiἶὁΝaΝὁἴὄaΝἷmΝtὄilὁgiaὅrdquoΝ(ἑfέΝDL III p 49-62) 34 Como se nota na Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Schleiermacher (1804) o teoacutelogo alematildeo dirige uma dura criacutetica agraves formas adotadas pelos antigos no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do corpus (Cf SCHELEIERMACHER 2002 p 27 48-49) As criacuteticas do teoacutelogo alematildeo dirigem-se sobretudo a Aristoacutefanes de Bizacircncio e a Dioacutegenes Laeacutercio)
20 11 A posiccedilatildeo unitarista
A posiccedilatildeo do teoacutelogo alematildeo como se pode notar trouxe inuacutemeros desdobramentos
no modo interpretativo da obra de Platatildeo na filosofia ocidental Inspirado por um forte
hἷgἷliaὀiὅmὁΝ ἥἵhlἷiἷὄmaἵhἷὄΝ ὧΝ ὁΝ ὂὄimἷiὄὁΝ tἷὰὄiἵὁΝ aΝ ὂὄὁὂὁὄΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὅiὅtἷmardquoΝ ἶὁΝ
pensamento platocircnico obtido exclusivamente pela leitura e organizaccedilatildeo cronoloacutegica dos
diaacutelogos Esse modo de interpretaccedilatildeo dos diaacutelogos aposta que cada obra se constitui como
uma espeacutecie de unidade autocircnoma devendo ser interpretada em uma ordem somente
aparente Nesse sentido Platatildeo teria um projeto educacional-filosoacutefico cuja diversidade
filosoacutefica dos diaacutelogos orientaria as razotildees literaacuterias
Nota-se a influecircncia de Schleiermacher nos principais unitaristas alematildees como
Werner Jaeger (2003) e dentre outros autores como jaacute destacamos que intentaram uma
interpretaccedilatildeo original da obra de Platatildeo Concepccedilotildees que explicitamente se mostram em
textos como a Paideia ἶἷΝJaἷgἷὄΝaὁΝὅἷΝἶiὐἷὄμΝldquoquando se pocircs a escrever o primeiro de seus
ἶiὠlὁgὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝἢlatatildeὁΝjὠΝhaviaΝfixaἶὁΝὅἷuΝὁἴjἷtivὁΝἷΝaὅΝliὀhaὅΝgἷὄaiὅΝἶἷΝtὁἶὁΝὁΝὂὄὁjἷtὁΝjὠΝ
eram visiacuteveis para ele A intelecccedilatildeo da Repuacuteblica pode ser traccedilada com clareza nos diaacutelogos
iniciais (2003ΝὂέΝλἄ)έrdquo
O unitarismo apresenta entre seus maiores defensores o teoacutelogo alematildeo Friedrich
Schleiermacher Poreacutem a traduccedilatildeo dos diaacutelogos feita pelo teoacuterico alematildeo fortemente
influenciada pelo hegelianismo do seacuteculo XIX ao contraacuterio do que se possa imaginar natildeo
segue uma sistematizaccedilatildeo rigorosa na classificaccedilatildeo das obras platocircnicas Apesar de ser
notaacutevel o tamanho impacto da Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo no modo de leitura do
platonismo que se sucedeu a partir do seacuteculo XIX
A noccedilatildeo de evoluccedilatildeo expositiva no pensamento platocircnico surge a partir da concepccedilatildeo
ὅἵhἷlἷiὄmaἵhἷὄiaὀaΝὂaὄaΝaΝὃualΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁὅΝἵὁmὁΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquomἷmἴὄὁὅrdquoΝ
de um soacute corpo orgacircnico nos remetendo naturalmente a uma ordem natural a uma
organizaccedilatildeo dos diaacutelogos cada diaacutelogo prossegue a partir de noccedilotildees desenvolvidas pelo
anterior isto eacute aquele que o antecede cronologicamente As dificuldades apresentadas na
leitura no das obras segundo defende o teoacuterico alematildeo referem-se agrave incapacidade do proacuteprio
leitor perante agrave composiccedilatildeo desta mesma unidade no pensamento de Platatildeo Dentre as
diversas as falas que demonstram a posiccedilatildeo de Schleiermacher na crenccedila de uma unidade
sistemaacutetica das obras do corpus em uma delas este assegura que
Estabelecer a uniatildeo natural dessas obras visa mostrar que elas se desenvolveram como exposiccedilotildees cada vez mais completas das ideias de Platatildeo a fim de que ndash na medida em que cada diaacutelogo natildeo deve ser compreendido como um todo para si mas tambeacutem em contexto com os outros ndash o proacuteprio Platatildeo seja compreendido como filoacutesofo e artista (SCHLEIERMACHER 2002 p 41)
21 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Os problemas levantados a essa posiccedilatildeo de Schleiermacher satildeo ainda maiores Natildeo
basta esta concepccedilatildeoΝἶiὄiacuteamὁὅΝldquoatiacutepicardquoΝἶἷΝuὀiἶaἶἷΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝiἶἷiaΝ
de unidade atribuiacuteda agrave filosofia platocircnica ndash que parece assemelhar-se mais a um sistema tal
como o empreendido por Hegel em sua filosofia35 podemos ressaltar mais alguns aspectos
problemaacuteticos presentes na visatildeo do teoacutelogo alematildeo Dentre estas a distinccedilatildeo espacial em
relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo ao distingui-la em dois aspectos um exoteacuterico e um esoteacuterico
ambos dizem respeito agrave atitude caracteriacutestica de determinado leitor da obra platocircnica Dito de
outro modo o que caracterizaria o esoterismo ou exoterismo estaacute ligado agraves dificuldades
apresentadas pelo proacuteprio leitor frente a obra o que dependeria em suma da qualidade do
leitor da sua efetiva compreensatildeo ou natildeo acerca dos temas ali tratados36
A coerecircncia e sistematicidade da obra de Platatildeo segundo tal visatildeo eacute configurada em
uma essecircncia proacutepria agrave filosofia de Platatildeo notada unicamente a partir da leitura dos textos
escritos (diaacutelogos) Ou seja para Schleiermacher qualquer referecircncia externa utilizada para
a compreensatildeo da filosofia de Platatildeo incorreria em equiacutevoco A obra platocircnica na visatildeo do
teoacuterico impotildee a qualquer indiviacuteduo que queira intitular-se inteacuterprete do filoacutesofo um criterioso
e detalhado exerciacutecio hermenecircutico dos diaacutelogos escritos em vista do reconhecimento de
uma unidade sistecircmica do pensamento platocircnico Unidade perceptiacutevel unicamente a partir das
35 VέΝ ἦἷjἷὄaΝ (1λλλ)Ν ὀὁmἷiaΝ ἷὅtaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ὅiὅtἷmὠtiἵaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquofalὠἵiaΝiὀtἷὀἵiὁὀaliὅtardquoέΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝaὃuἷlἷὅΝὃuἷΝlἷἷmΝaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅὁἴΝaΝfὁὄmaΝldquoἶialὰgiἵardquoΝmas por meio de um sistema (por sinal natildeo existente em um primeiro momento nos diaacutelogos) cometem umΝἷὀgaὀὁέΝἡΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝaΝἷὅtaΝviὅatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝὀὁmἷiaΝἵὁmὁΝldquolἷituὄaΝiἶἷaliὅtaΝἶaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὁuΝldquoἷxἷgἷὅἷΝἏἵaἶecircmiἵardquoΝjὠΝὃuἷΝἶἷὅἶἷΝaΝἏὀtiguiἶaἶἷΝὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὡΝmὁὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝjὠΝὀaΝAcademia ἷΝlὁgὁΝἶἷὂὁiὅΝὀὁΝἤἷὀaὅἵimἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἵὁὀὅtataὄΝὁΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaΝmὁὄtἷΝἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ ἶiὠlὁgὁὅrdquoέΝ ἏΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὂaὅὅaὄiaΝ aΝ ὅἷὄΝ liἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝNeopitagoacutericos e Neoplatocircnicos perdendo assim o valor propriamente dialoacutegica que lhe caracterizaria propriamente (TEJERA 1999 p 12) 36 ldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝὅἷὀtiἶὁΝὀὁΝὃualΝὅἷΝὂὁἶἷὄiaΝfalaὄΝaὃuiΝ[ἷmΝἢlatatildeὁ]ΝἶὁΝἷὅὁtὧὄiἵὁΝἷΝἶὁΝἷxὁtὧὄiἵὁΝiὅtὁΝeacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato deste elevar-ὅἷΝὁuΝὀatildeὁΝὡΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝumΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὁuviὀtἷΝiὀtἷὄiὁὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἥἑώἜἓIἓἤεἏἑώἓἤΝἀίίἀΝὂέΝἂἃ)έΝEssa teoria encontra-se presente na discussatildeo entre filosofia escrita e filosofia natildeo-escrita A leitura de Schleiermacher voltada agrave defesa da leitura de Platatildeo unicamente por via dos diaacutelogos eacute contestada particularmente pelos defensores das chamadas doutrinas natildeo-escritas que postulam a existecircncia de doutrinas orais que excedem o acircmbito da doutrina escrita contida nos diaacutelogos de Platatildeo (XAVIER 2011 p 93-λἆ)έΝ ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)μΝ ldquoἦὁἶaὅΝ ἷὅὅaὅΝ tἷὁὄiaὅΝ [ἶἷΝ lἷituὄaΝ ἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅ]Νaceitam e suportam o princiacutepio proposto no iniacutecio do seacuteculo XX por Ludvwig Schleiermacher que limita o estudo do pensamento platocircnico agrave leitura dos diaacutelogos compostos pelo mestre Este princiacutepio ndash aceito pela maioria dos platonistas ndash ὧΝἵὁὀtuἶὁΝvἷἷmἷὀtἷΝἵὁὀtἷὅtaἶὁΝὂἷlὁὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅΝἶaΝtἷὅἷΝἶaὅΝlsquoἶὁutὄiὀaὅΝnatildeo-ἷὅἵὄitaὅrsquoέΝἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷlaΝὀaΝἏἵaἶἷmiaΝἢlatatildeὁΝtἷὄiaΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝἶὁὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝnunca reduzida a escrito agrave qual os diaacutelogos serviriam de introduccedilatildeo ou como exerciacutecio propedecircutico ἓὅὅaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὀatildeὁΝἷὅἵὄitarsquoΝtἷὄiaΝὅiἶὁΝἴἷmΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἶὁὅΝἶiὅἵiacuteὂulὁὅΝἶiὄἷtὁὅΝἶὁΝmἷὅtὄἷΝὃuἷΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷlaΝtἷὄiamΝiὀὅὂiὄaἶὁΝumaΝlsquotὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtarsquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἵuja importacircncia filosoacutefica se manteve viva ateacute hoje A despeito de ainda natildeo ter dado origem a uma concretizaccedilatildeo curricular reconhecida pela comunidade a proposta tem evidentes meacuteritos cientiacuteficos e pedagoacutegicos Mas deve ser avaliada a partir do contexto histoacuterico-filὁὅὰfiἵὁΝἷmΝὃuἷΝὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝὅἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὁΝlὁὀgὁΝἶaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀλ)έ
22 11 A posiccedilatildeo unitarista
referecircncias internas sem portanto recorrer aos criteacuterios culturais sociais e poliacuteticos que
porventura possam ter influenciado Platatildeo quando compocircs suas obras
Esses satildeo mais ou menos os artifiacutecios atraveacutes dos quais Platatildeo consegue com a quase totalidade dos seus leitores alcanccedilar aquilo que deseja ou pelo menos evitar o que teme De modo que esse seria o uacutenico sentido no qual se poderia falar aqui do esoteacuterico e do exoteacuterico isto eacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato de este elevar-se ou natildeo agrave condiccedilatildeo de um verdadeiro ouvinte do interior ou entatildeo caso se deva relacionaacute-lo com o proacuteprio Platatildeo poder-se-ia dizer apenas que o ensino imediato teria sido seu agir esoteacuterico a escrita contudo o exoteacuterico (SCHLEIERMACHER 2002 p 45)
A posiccedilatildeo adotada por Schleiermacher natildeo deixa espaccedilo para qualquer anaacutelise de tipo
revisionista isto eacute aquela que postula que Platatildeo poderia ter mudado sua concepccedilatildeo geral
ou melhor as concepccedilotildees de sua obra como um todo o que o teoacuterico alematildeo considera como
ldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝaΝἵὄiacutetiἵaΝὅἵhlἷiἷὄmaἵheriana (baseada na obra de W
G Tennemann37ΝkaὀtiaὀὁΝἷΝἶἷfἷὀὅὁὄΝἶaΝiἶἷiaΝἶἷΝldquoὅiὅtἷmaΝὂlatὲὀiἵὁrdquo)Νἷxὂaὀἶἷ-se inclusive
aos historiadores antigos como as que se encontram presentes na coletacircnea de Dioacutegenes
Laeacutercio que agrupam os textos platocircnicos segundo temaacuteticas e as cronologias baseadas nas
trilogias como as de Aristoacutefanes de Bizacircncio e a dos neoplatocircnicos (MATOSO 2016 p 84-
85)
Deste modo a cronologia dos diaacutelogos platocircnicos fica agrupada do seguinte modo na
acepccedilatildeo de Schleiermacher o primeiro diaacutelogo a ser escrito seria o Fedro e o Parmecircnides o
uacuteltimo isto em relaccedilatildeo ao meacutetodo dialeacutetico Jaacute a Repuacuteblica o Timeu e Criacutetias compotildee a trilogia
das uacuteltimas obras escritas por Platatildeo nas quais se encontram o aacutepice da doutrina platocircnica
O teoacuterico alematildeo ainda divide a obra platocircnica em dois grupos num primeiro grupo constariam
as obras que foram escritas antes da morte de Soacutecrates Fedro Liacutesis Protaacutegoras Laacuteques
Caacutermides Ecircutifron e Parmecircnides E no segundo grupo chamado tambeacutem de intermediaacuterio
Teeteto Sofista Poliacutetico Feacutedon Filebo (SCHELEIERMACHER 2002 p 74-75)
Para os unitaristas o anonimato de Platatildeo deve ser justificado ὂἷlὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ
ὅilecircὀἵiὁrdquoέΝἓὅtἷΝaὄgumἷὀtὁΝἴaὅἷia-se na afirmaccedilatildeo de que o filoacutesofo natildeo precisa dizer tudo o
que pensa sobre os assuntos que procura tratar em uma uacutenica obra nem eacute necessaacuterio esgotar
estes assuntos ou mesmo trataacute-lo de uma maneira diferente em uma outra obra A proacutepria
ideia de evoluccedilatildeo expositiva nos diaacutelogos afirmaria sua unidade autocircnoma ao mesmo tempo
em que por mais que se reconheccedilam momentos diversos na obra platocircnica o avanccedilo dos
conteuacutedos e a maior criteriosidade na elaboraccedilatildeo das obras atestariam o propoacutesito de Platatildeo
em oferecer um projeto poliacutetico-educacional e filosoacutefico uacutenico do qual sua obra dialoacutegica
37 Cf TENNEMANN W G (1792)
23 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
demonstraria progressivamente tamanho empreendimento Voltarei mais adiante ao
unitarismo mais detalhado ou melhor reformulado que se desenvolveu na
contemporaneidade nos uacuteltimos seacuteculos e que se encontra presente na obra de um de seus
maiores defensores Charles Khan38
12 A posiccedilatildeo revisionista
Ao leitor de Platatildeo uma posiccedilatildeo parece ser tentadora aquela que postula a
possibilidade de os diaacutelogos serem lidos de maneira autocircnoma Deste modo seria equivocado
uma leitura que buscasse evidenciar qualquer tipo de correlaccedilatildeo temaacutetica ou doutrinaacuteria nos
mais diversos diaacutelogos Essa posiccedilatildeo pode ser notada a partir das obras de Grote (1865) que
chega a afirmar no seacuteculo XIX que
tal sacrifiacutecio da inerente diversidade e individualidade separada dos diaacutelogos agrave manutenccedilatildeo de uma suposta unidade de tipo estilo ou propoacutesito parece-me um equiacutevoco De fato o que existe laacute nos diaacutelogos para noacutes natildeo eacute nenhum Platatildeo pessoal do mesmo modo que natildeo haacute nenhum Shakespeare pessoal para noacutes Platatildeo (exceto nas Cartas) nunca aparece perante a noacutes nem nos fornece uma opiniatildeo como sendo sua ele eacute o instigador impliacutecito (natildeo-visto) de diferentes personagens que conversam em voz alta em um nuacutemero distintos de dramas cada drama um trabalho distinto (separado) manifestando seu proacuteprio ponto de vista afirmativo ou negativo consistente ou inconsistente com os outros diaacutelogos como talvez ser em determinado caso (p 210-211)
A posiccedilatildeo de Grote eacute endossada a partir das contribuiccedilotildees de um dos principais
teoacutericos que a tradiccedilatildeo denominou como sendo os defensores do paradigma
desenvolvimentista39 ou revisionista que tem como principal teoacuterico Karl Friedrich Hermann
38 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ἷxὂliἵaΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)Ν ὄἷὅumiἶamἷὀtἷΝ ὃuἷΝ ldquoἶἷὅἵὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝ ὁΝ aὅὂἷἵtὁΝ ἷvὁlutivὁΝ ndash inevitaacutevel num pensador cuja produccedilatildeo se estende ao longo de sua vida ndash essa teoria considera que a diversidade dos diaacutelogos exprime didaticamente uma visatildeo unitaacuteria da filosofia platocircnica diferida em diaacutelogos por razotildees pedagoacutegicas Essa unidade poderia ser explicada por diversos pontos de vista quer a partir do programa de pesquisa que os diaacutelogos exemplificariam ou anunciaram prolepticamente quer a partir do nuacutecleo temaacutetico que como foi dito por motivaccedilotildees de ordem pedagoacutegica os diaacutelogos iὀὅἷὄἷmΝἷmΝἶivἷὄὅὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἆ-29) 39 De acordo com Matoso (2016) o termo desenvolvimentista utilizado para caracterizar essa vertente iὀtἷὄὂὄἷtativaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaμΝ ldquoaΝ ὀὁmἷὀἵlatuὄaΝ lsquoἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtiὅtaὅrsquoΝ ὂὄὁὂὁὅtaΝ atὧΝ ὁὀἶἷΝ ὅἷiΝ ὂὁὄΝKahn (1996) natildeo me agrada Pelo simples fato de que os adeptos da outra posiccedilatildeo descrita chamados lsquouὀitaὄiὅtaὅrsquoΝ tamἴὧmΝ aἶmitἷmΝ umΝ ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝ ὀὁΝ tὄatamἷὀtὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅέΝ ἢὁiὅΝ aὂἷὅaὄΝ ἶὁὅΝunitaristas natildeo identificarem rupturas ou modificaccedilotildees fundamentais na visatildeo de mundo expressa nos diaacutelogos estes comentadores certamente identificam um desenvolvimento loacutegico‑expositivo no interior da obra platocircnica em funccedilatildeo do grau de complexidade no tratamento das questotildees Em nome da uὀifὁὄmiἶaἶἷΝtἷὄmiὀὁlὰgiἵaΝἵὁὀtuἶὁΝὅἷguiὄἷiΝuὅaὀἶὁΝaΝὀὁmἷὀἵlatuὄaΝὂaἶὄatildeὁrdquoΝ(ὂέΝ11ἅ)έ
24 12 A posiccedilatildeo revisionista
(1839) Nas obras de Grote vaacuterias referecircncias satildeo feitas a este teoacuterico e a seu meacutetodo de
divisatildeo das obras platocircnicas De acordo com a posiccedilatildeo revisionista os diaacutelogos devem ser
lidos de maneira autocircnoma de modo que qualquer correlaccedilatildeo temaacutetica entre as obras eacute
apenas plausiacutevel possiacutevel mas nunca correta Segundo os estudiosos que seguem tal
paradigma as posiccedilotildees platocircnicas satildeo diversas e ateacute mesmo contraditoacuterias
A tarefa que neste caso caberaacute ao inteacuterprete seraacute a identificaccedilatildeo sobre as posiccedilotildees
adotadas por Platatildeo em sua obra a fim de poder concluir uma organizaccedilatildeo dos diaacutelogos A
partir de tal classificaccedilatildeo segundo esses teoacutericos seria possiacutevel identificar as diversas
concepccedilotildees de Platatildeo sobre alguns temas importantes de sua filosofia E tambeacutem identificar
as mudanccedilas de posicionamento ao longo da vida filosoacutefica do filoacutesofo no decorrer de sua
obra Sim o ponto principal (e polecircmico) defendido pelos revisionistas eacute que Platatildeo ao longo
de sua obra teria tido concepccedilotildees diversas sobre um tema ou melhor posiccedilotildees que se
alteraram ou foram revisadas ao longo do desenvolvimento de seu pensamento (MATOSO
2016 p 80)
A posiccedilatildeo dos revisionistas se desenvolveu e teve grande impacto nos seacuteculos XIX e
XX perante a tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica Um tipo de interpretaccedilatildeo que se tornou
preponderante no platonismo prioritariamente em liacutengua inglesa Dentre seus principais
representantes estatildeo K F Hermann (1939) W K C Guthrie (1975) F Cornford (1927) G
Vlastos (1991)40 W F H Altman dentre outros Contudo uma posiccedilatildeo parece ser consensual
entre unitaristas e revisionistas E refere-se agravequela que dita as trecircs fases do pensamento
platocircnico juventude (socraacutetica) ndash maturidade (meacutedia) ndash velhice (final) Um dos pontos
principais capaz de tal distinccedilatildeo diz respeito agrave suposta hipoacutetese das Formas e agrave Teoria das
Ideias que talvez se encontraria presente apenas nos diaacutelogos meacutedios e finais
Os revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade
ao serem reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo
necessaacuteria com os outros diaacutelogos e que esses satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se
tratando de temas idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo ou mesmo uma mudanccedila
draacutestica no pensamento de Platatildeo nas ditas trecircs fases do pensamento platocircnico juventude
maturidade e velhice
Basta analisarmos as consideraccedilotildees de Guthrie (1975) para quem nos primeiros
diaacutelogos Platatildeo reproduz-ὅἷΝfiἷlmἷὀtἷΝaὅΝldquoἵὁὀvἷὄὅaὅΝἵὁmΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝἶἷΝtalΝmὁἶὁΝὃuἷΝὀἷὅtἷΝ
periacuteodo os diaacutelogos referem-se unicamente ao pensamento de Soacutecrates e nada ali quanto agrave
40 Apesar da cronologia adotada por Vlastos (1991) ser derivada em grande parte de autores como Guthrie e Cornford ela apresenta algumas nuances De fato eacute a cronologia proposta por Vlastos que permanece ainda em certo sentido como a mais aceita e aquela que se tornou comumente adotada entre os estudiosos de Platatildeo (VLASTOS 1991 p 45-80) Sobre isso falarei mais adiante na seccedilatildeo dedicada ao debate contemporacircneo entre revisionismo e unitarismo visotildees que possuem como principais representantes respectivamente G Vlastos e C Khan
25 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
doutrina de Platatildeo pode ser encontrado (1975 p 67) As obras de Guthrie possuem o meacuterito
de terem sido as primeiras que apresentam agrave tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica uma cronologia
das obras que compotildeem o corpus no seacuteculo XX Referimo-nos agrave sua History of the Greek
Philosophy (1975) em que o estudioso nos apresenta uma triacuteplice divisatildeo dos diaacutelogos os
diaacutelogos da juventude (socraacuteticos) os diaacutelogos da maturidade os diaacutelogos da velhice
No primeiro grupo dos diaacutelogos os socraacuteticos estariam contidos os temas eacuteticos que
compotildeem a filosofia de Soacutecrates sem qualquer referecircncia ou apresentaccedilatildeo das teorias
metafiacutesicas que surgem posteriormente No segundo grupo estatildeo os diaacutelogos referentes agrave
Teoria das Ideias (ou Formas) de Platatildeo basicamente aqueles que podem ser relacionados
com os principais diaacutelogos desta fase quais sejam A Repuacuteblica- Feacutedon ndash Banquete Platatildeo
nesta fase estaria a apresentar um pensamento propriamente seu desvinculando-se das
ideias de seu mestre ao propor a hipoacutetese das Formas
Os uacuteltimos diaacutelogos ou diaacutelogos da velhice seriam aqueles que compreendem os
seguintes diaacutelogos Sofista Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis Estes diaacutelogos comporiam
os uacuteltimos diaacutelogos em que Platatildeo na tese revisionista teria reformulado seu pensamento
apoacutes a sua proacutepria criacutetica da hipoacutetese das Formas e da Teoria das Ideias que surge no
contexto do Parmecircnides
A partir de tais consideraccedilotildees um paradigma de leitura passa a ser adotado quase
que consensualmente pelos estudiosos de Platatildeo Isto eacute o haacutebito de leituras dos diaacutelogos
divididos em trecircs fases passou a ser algo comumente adotado ao longo dos seacuteculos no estudo
das obras de Platatildeo (tanto pelos revisionistas quanto pelos unitaristas como veremos mais
adiante) Esta cronologia possui uma histoacuteria que em linhas gerais pretendo aqui
desenvolver rapidamente Ao mesmo tempo parece ser necessaacuterio destacar quais os ganhos
e prejuiacutezos que a tese revisionista apresenta
As contribuiccedilotildees de K F Hermann foram muitas tambeacutem neste seacuteculo e praticamente
moldaram o modo de organizaccedilatildeo das obras platocircnicas vigentes ateacute hoje Hermann foi o
primeiro a criticar agrave ideia difundida entre os alematildees de um sistema linear na obra platocircnica
Do mesmo modo que eacute o primeiro a analisar a obra platocircnica do ponto de vista tambeacutem de
sua historicidade Conforme sublinha Kahn (2010)
K F Hermann merece o tiacutetulo de haver sido o primeiro a reconhecer um ὂἷὄiacuteὁἶὁΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ ὀaΝ obra inicial de Platatildeo assim como o de haver interpretado a sequecircncia dos diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave biografia intelectual do autor (p 65)
Em sua obra Geschichte und System der Platonischen Philosophie (1839) Hermann
foi o primeiro a considerar a fase inicial da atividade literaacuterio-filosoacutefica de Platatildeo como uma
faὅἷΝ ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἷmΝ ὃuἷΝ ἢlatatildeὁΝ tἷὄiaΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ aliΝ ὀaὅΝ ὅuaὅΝ
26 12 A posiccedilatildeo revisionista
primeiras obras exclusivamente as ideias de seu mestre Soacutecrates (GUTHRIE 1975 p 67)
Analogamente agrave Schleiermacher Hermann divide em trecircs fases distintas o pensamento
platocircnico isto eacute uma fase corresponde ao periacuteodo socraacutetico (obras iniciais) uma segunda
corresponde agrave fase intermediaacuteria (maturidade) e uma uacuteltima fase que corresponderia agraves obras
da velhice Este modo de leitura grosso modo eacute o mesmo que se assentou na tradiccedilatildeo
interpretativa platocircnica e ateacute hoje eacute aquele comumente adotado pelos estudiosos dos
diaacutelogos
Hermann eacute o primeiro a reconhecer perante agraves trecircs fases do pensamento platocircnico
que cada uma dessas trecircs fases caracteriza uma mudanccedila no pensamento de Platatildeo o que
dista consideravelmente do paradigma de leitura vigente na atualidade De acordo com
Matoso (2016) a existecircncia de trecircs fases ou de trecircs periacuteodos para a organizaccedilatildeo
(cronoloacutegica) dos diaacutelogos parece um fato que existente entre os helenistas alematildees
Semelhantemente parece ser comum a crenccedila de uma fase socraacutetica (inicial) presente na
obra de Platatildeo em que as ideias de um Soacutecrates histoacuterico estariam sendo representadas E
por fim tambeacutem eacute comumente aceita a existecircncia de uma fase intermediaacuteria entre o
pensamento socraacutetico (diaacutelogos iniciais) e um pensamento final (diaacutelogos da velhice) ndash na qual
Platatildeo expotildee sua teoria demarcando claramente a separaccedilatildeo entre suas ideias e as de
Soacutecrates resultando em uma fase final da apresentaccedilatildeo de sua teoria de forma sistemaacutetica
(p 87)
Segundo a interpretaccedilatildeo revisionista apoacutes a condenaccedilatildeo e morte de Soacutecrates Platatildeo
teria composto uma seacuterie de diaacutelogos relacionados aos temas desenvolvidos por Soacutecrates
como Apologia Crito Goacutergias Ecircutifron e Mecircnon Os diaacutelogos Teeteto Craacutetilo Sofista
Poliacutetico e Parmecircnides ὃuἷΝἵὁmὂὁὄiamΝaΝldquofaὅἷΝmὧἶiaΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵardquoΝndash nos quais as ideias
de Soacutecrates jaacute natildeo estariam presentes na obra de Platatildeo ndash e uma trilogia final Timeu-Criacutetias-
Repuacuteblica ndash neste caso os uacuteltimos diaacutelogos que apresentariam a siacutentese (ou sistema) do
pensamento filosoacutefico de Platatildeo
Eacute notaacutevel entre os alematildees a crenccedila de que o Fedro seria o primeiro diaacutelogo pois
espeacutecie de conteuacutedo introdutoacuterio da iniciaccedilatildeo aos estudos da Academia de iniciaccedilatildeo agrave
dialeacutetica (como vemos em SCHLEIERMACHER 2022 p 74) propedecircutica ao estudo dos
uacuteltimos diaacutelogos E tambeacutem acredita-se firmemente serem Timeu Criacutetias Repuacuteblica e Leis
os uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo Essa uacuteltima afirmaccedilatildeo baseada unicamente no
testemunho de Aristoacuteteles (Pol II 6) de que as Leis foram escritas apoacutes a Repuacuteblica
Ateacute o seacuteculo XIX natildeo se tinha uma ciecircncia rigorosa que buscasse encontrar um
meacutetodo razoaacutevel isento de subjetividade no que tange a um modo de leitura em que surge
uma ciecircncia de investigaccedilatildeo do texto platocircnico que convencionalmente denominou-se
estilometria Neste estudo foram extremamente relevantes as contribuiccedilotildees de Ritter (1910)
e Lutoslwaski (1897) e Lewis Campbell (1867) Dittenberger (1881) e Brandwood (1990
27 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
2013) Na virada do seacuteculo XIX para o seacuteculo XX a presenccedila desses teoacutericos tornou riacutegida a
classificaccedilatildeo dos diaacutelogos platocircnicos Anteriormente muitos dos criteacuterios que visavam
organizar os diaacutelogos platocircnicos eram inconsistentes flutuantes subjetivos isto eacute baseados
fundamentalmente na subjetividade hermenecircutica de cada autor
A estilometria ambiciona natildeo somente afirmar a separaccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases
distintas mas vai aleacutem ao tentar classificar os diaacutelogos segundo uma ordem de composiccedilatildeo
destes dentro dessas mesmas fases diferentes
Na acepccedilatildeo mais estrita do termo a estilometria consiste em uma contagem de ocorrecircncias de um determinado grupo de palavras A partir dos resultados obtidos por meio desta contagem e possiacutevel formular hipoacuteteses acerca da data de composiccedilatildeo relativa de cada diaacutelogo Ou seja a contagem de palavras nos permite identificar dentre o conjunto de diaacutelogos aqueles que possuem um estilo semelhante entre si representado pela repetida ocorrecircncia de certos termos ou expressotildees (MATOSO 2016 p 91)
Baseada na questatildeo estiliacutestica (textual) tal ciecircncia fora capaz de notar certa
semelhanccedila de estilo presente no texto de Platatildeo isto eacute por meio da contagem de palavras
(e natildeo somente) pelo vocabulaacuterio empregado nos textos concluiu-se a respeito da
composiccedilatildeo e do ordenamento do grupo dos uacuteltimos diaacutelogos ou da terceira fase (Sofista
Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis)
L Campbell (1867) e F Blass (1874) apresentam classificaccedilotildees unacircnimes quanto agrave
ordenaccedilatildeo dos diaacutelogos da uacuteltima fase Poreacutem o primeiro se baseia no emprego de
determinadas expressotildees (fundamentalmente aquelas agregadas agrave partiacutecula -meacuten) enquanto
o uacuteltimo fundamenta sua anaacutelise por meio da ocorrecircncia dos hiatos41 (MATOSO 2016 p 95)
Um fato tambeacutem relevante eacute a diminuiccedilatildeo das apariccedilotildees de Soacutecrates como condutor dos
diaacutelogos jaacute nas uacuteltimas obras de Platatildeo o que para tais autores configura na distinccedilatildeo entre
os diaacutelogos da fase platocircnica tardia e as demais
Por mais que a estilometria tenha trazido inuacutemeros ganhos no que diz respeito ao
paradigma de leitura platocircnica nota-se que o paradigma desenvolvimentista apresenta falhas
A posiccedilatildeo revisionista tem sido endossada por contribuiccedilotildees contemporacircneas como as de
Vlastos (1991) Cornford (1927) Guthrie (1975) mas tais versotildees ainda apresentam uma
seacuterie de deficiecircncias dentre as quais as mais relevantes satildeo (i) se os resultados
estilomeacutetricos apenas garantem uma mudanccedila estiliacutestica notaacutevel nos diaacutelogos de uacuteltima fase
esta anaacutelise natildeo pode se estender como fez Ritter como caraacuteter classificatoacuterio do
ordenamento dos diaacutelogos das outras duas fases (ii) natildeo haacute um criteacuterio que possa justificar
41 O hiato consiste na sucessatildeo imediata de duas vogais em palavras separadas Para evitar este tipo de sucessatildeo que constantemente surge na formaccedilatildeo e inflexatildeo das palavras diversos recursos podem ser empregados a crase a elisatildeo e a aphaeresis aleacutem da escolha vocabular (MATOSO 2016 p 107)
28 12 A posiccedilatildeo revisionista
trecircs mudanccedilas consecutivas na obra platocircnica mas apenas duas como bem destacou Kahn
(2010 p 71) Isso se torna mais claro quando se nota que nenhum criteacuterio estiliacutestico fora
capaz de apontar uma distinccedilatildeo clara entre o meacutetodo estiliacutestico da fase intermediaacuteria e a fase
da juventude (os diaacutelogos socraacuteticos) mas apenas os diaacutelogos da uacuteltima fase (velhice) Deste
modo essa separaccedilatildeo (entre diaacutelogos da juventude e diaacutelogos da maturidade) soacute satildeo
possiacuteveis mediante uma anaacutelise de conteuacutedo em que o que estaacute em jogo eacute o aparecimento
nos diaacutelogos do desenvolvimento da hipoacutetese das Formas a Teoria das Ideias Tais noccedilotildees
que soacute satildeo evidentes nos diaacutelogos da maturidade operando assim uma niacutetida distinccedilatildeo entre
diaacutelogos da maturidade e juventude platocircnica
A contagem de palavras feita pela estilometria baseia-se na ocorrecircncia das expressotildees
e hiatos dos diaacutelogos da uacuteltima fase e estende sua verificaccedilatildeo ateacute a chamada fase
intermediaacuteria que tem como criteacuterio os diaacutelogos nos quais Platatildeo jaacute apresenta a hipoacutetese das
formas das Ideias Dito isto observa-se que criteacuterio de demarcaccedilatildeo entre a obra intermediaacuteria
e a da juventude passa do criteacuterio estilomeacutetrico (estiliacutestico-textual) para um criteacuterio baseado
fundamentalmente a partir do conteuacutedo dos diaacutelogos jaacute que as primeiras obras foram
eliminadas da contagem de palavras (KAHN 2010 p 71)
Contudo os resultados apresentados por Guthrie (1975 p 50) perpassam os criteacuterios
estilomeacutetricos ou mesmo ignora-os como destaca Matoso (2016 p 100) ao propor a seguinte
organizaccedilatildeo para os diaacutelogos aquela proposta por Cornford (1927) e tambeacutem por Vlastos
(1991) (i) diaacutelogos da juventude Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides Ecircutifron Hiacuteppias
Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon (ii) diaacutelogos da maturidade Mecircnon Feacutedon
Repuacuteblica Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo (iii) diaacutelogos da velhice
Parmecircnides Teeteto Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Filebo Leis42
Tal apresentaccedilatildeo segue em partes a cronologia anterior pois nela se arrasta o
Parmecircnides e o Teeteto ateacute entatildeo natildeo inclusos nos diaacutelogos de uacuteltima fase Alguns diaacutelogos
considerados (estilisticamente) como pertencentes ao primeiro periacuteodo (juventude) foram
tambeacutem deslocados para a maturidade Portanto ao que tudo indica um regresso agrave
subjetividade interpretativa novamente eacute proposto por meio das consideraccedilotildees apresentadas
por Guthrie e aqueles outros supracitados em suas obras Na classificaccedilatildeo estilomeacutetrica eram
apenas cinco os diaacutelogos de uacuteltima fase assim como Banquete Meacutenon e Feacutedon estavam
distaὀtἷὅΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὅἷΝἵuὀhὁuΝἵhamaὄΝldquofaὅἷΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiardquoΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝjuὅtamἷὀtἷΝὂὁὄΝ
apresentar caracteriacutesticas muito distintas do grupo criado em relaccedilatildeo agrave Repuacuteblica todavia
estavam proacuteximos a este uacuteltimo diaacutelogo porque jaacute tratam de temas metafiacutesicos Assim como
42 Esta tambeacutem tem sido a cronologia comumente aceita pelos estudiosos de Platatildeo na contemporaneidade Segundo os defensores do revisionismo platocircnico esta seria a organizaccedilatildeo cronoloacutegica resultante a partir dos estudos estilomeacutetricos (Cf GUTHRIE W K C History of the Greek Philosophy Vol IV Cambridge The University Press 1975)
29 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
o Parmecircnides que parece apenas inaugurar a fase da velhice platocircnica ao postular a criacutetica agrave
Teoria das Ideias (MATOSO 2016 p101-102)
Este tipo de leitura dos diaacutelogos platocircnicos ainda incorre no equiacutevoco da subjetivaccedilatildeo
interpretativa ou ὀaὃuilὁΝὃuἷΝἛahὀΝἶἷὀὁmiὀὁuΝἵὁmὁΝldquofalὠἵiaΝἶaΝtὄaὀὅὂaὄecircὀἵiardquoΝὃuἷΝiὀὅiὅtἷΝἷmΝ
afirmar a influecircncia de Soacutecrates no pensamento de Platatildeo na fase inicial dos diaacutelogos a fim
de promover uma draacutestica separaccedilatildeo entre aquilo que acreditam ser somente de Soacutecrates e
as teorias que pertencem exclusivamente a Platatildeo Deste modo o que subjaz no revisionismo
ὧΝumaΝ tἷὀtativaΝἶἷΝ ὄἷὅὁlvἷὄΝὁΝ iὀὅὁlήvἷlΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquo43 E para a soluccedilatildeo de tal
questatildeo constantes atropelos se fazem em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo em busca de um
ὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἶitὁΝldquoἵὁὀὅiὅtἷὀtἷrdquoΝἷΝaἵἷitὁΝἵὁὀὅἷὀὅualmἷὀtἷέ
Por fim ficou demonstrado que o paradigma desenvolvimentista apresenta alguns
problemas que necessitam de maiores esclarecimentos por parte dos teoacutericos que defendem
esse tipo de interpretaccedilatildeo pois (i) seus criteacuterios metodoloacutegicos natildeo estatildeo bem
fundamentados mesmo a distinccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases distintas (que remontam aos
helenistas alematildees) natildeo nos eacute garantida (ii) semelhantemente parece fraca a hipoacutetese de
uma mudanccedila draacutestica na obra platocircnica jaacute que a estilometria natildeo apresenta um criteacuterio soacutelido
para demarcaccedilatildeo entre as fases da juventude e da maturidade e que pareccedila ser claro quanto
agraves questotildees relativas agrave cronologia O reconhecimento da estilometria de uma fase uacuteltima
(velhice) do pensamento platocircnico tambeacutem natildeo nos daacute garantias suficientes de alteraccedilotildees
significativas no pensamento de Platatildeo mas apenas reconhece semelhanccedilas estiliacutestico-
textuais entre obras distintas Desta forma permanecem insustentaacuteveis as duas teses de que
(i) Platatildeo teria mudado de pensamento drasticamente trecircs vezes o que corresponderia agraves
trecircs fases de sua obra ou (ii) que cada obra reflete uma ideia de Platatildeo em dado momento
Pode-se afirmar num primeiro momento ser impossiacutevel formularmos uma oposiccedilatildeo radical
entre o pensamento socraacutetico e o platocircnico esse eacute um problema insoluacutevel ateacute entatildeo e
impossiacutevel de resoluccedilatildeo haja vista o anonimato de Platatildeo em suas obras o que natildeo nos
permite uma identificaccedilatildeo clara a respeito de seus posicionamentos filosoacuteficos de uma forma
imediata44
43 ἥὁἴὄἷΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝimὂὁὄtaὀtἷΝfaὐἷὄmὁὅΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝὁἴὄaΝἶἷΝVIἜώἓἠἏ-MAGALHAtildeES (O problema Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecrates de Platatildeo Lisboa Calouste Gulbenkian 1984) (Cf BOLZANI R Imagens de Soacutecrates In Kleacuteos N18 Rio de Janeiro IFCS- UFRJ 2014) 44 Segundo nos explica Santos (2012) podemos seguramente afirmar que a tἷὁὄiaΝὄἷviὅiὁὀiὅtaμΝldquo(έέέ)Νdefendida majoritariamente por inteacuterpretes de cultura e formaccedilatildeo anglo-saxocircnica rejeita a possibilidade ἶἷΝaἵἷἶἷὄΝἶἷΝfὁὄmaΝἵὁὀὅiὅtἷὀtἷΝaὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝiὀὅὂiὄaὄiaΝἵὄiaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅέΝἥuὅtἷὀtamΝὃuἷΝcada obra deve ser interpretada a partir das informaccedilotildees presentes nos eu texto abstendo-se o estudioso de estabelecer relaccedilotildees com quaisquer outras Resulta desse princiacutepio que que aquilo que ὂὁὄΝὄaὐὴἷὅΝὂἷἶagὰgiἵaὅΝὅἷΝἶἷὅigὀaΝἵὁmὁΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoΝὧΝἵὁὀὅtituiacuteἶὁΝὂἷlὁΝἵὁὀjunto dos diaacutelogos ἵὁmὂὁὅtὁὅΝὂἷlὁΝmἷὅtὄἷΝaΝἵaἶaΝumΝἶὁὅΝὃuaiὅΝὧΝaὄὄiὅἵaἶὁΝἵὁὀfἷὄiὄΝumaΝἷὅὂἷἵiacutefiἵaΝfiὀaliἶaἶἷΝἶὁutὄiὀalrdquoΝ(p 29)
30 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
A diferenccedila como se pode notar entre unitaristas e revisionistas estaacute calcada na
diferenciaccedilatildeo e no propoacutesito que tais fases do pensamento platocircnico apresentam Os
revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade ao serem
reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo necessaacuteria
com os outros diaacutelogos que satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se tratando de temas
idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo haveria segundo eles uma mudanccedila draacutestica
no pensamento de Platatildeo em cada uma das trecircs fases cronoloacutegicas Jaacute para os unitaristas a
organizaccedilatildeo dos diaacutelogos deve ser vista como meramente aparente apenas um recurso
didaacutetico elas apenas apontam um meacutetodo de exposiccedilatildeo evolutiva cujo propoacutesito uacutenico diz
respeito agrave tarefa proacutepria da filosofia platocircnica enquanto apresentaccedilatildeo de um projeto filosoacutefico
poliacutetico-educacional do qual os diaacutelogos platocircnicos compotildeem uma siacutentese isto eacute os diaacutelogos
ὅἷΝἵὁὀvἷὄgἷmΝἷmΝumaΝuὀiἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(aΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquo)ΝaἶὃuiὄiἶaΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷὅὅaΝὂὄὰὂὄiaΝ
exposiccedilatildeo progressiva e que resulta em uma compreensatildeo de uma finalidade pedagoacutegica
direcionada a um soacute objetivo
Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de unidade de membro que se articula aos demais cada
um antecipando o conteuacutedo do diaacutelogo posterior culminando na formaccedilatildeo de um corpo
doutrinaacuterio consistente Podemos afirmar que o que permanece comumente estabelecido
pelos inteacuterpretes platocircnicos eacute a necessidade de separar em trecircs grupos ou fases os diaacutelogos
de Platatildeo ὁuΝ aΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝ ἵhamaὄΝ ldquogἷὀὧtiἵὁ-evolutiva como nos
aponta Santos
() a geneacutetico-evolutiva eacute aquela [teoria] que recolhe maior apoio dos platonistas interpreta cronologicamente a divisatildeo do corpus nos trecircs grupos de diaacutelogos acima referidos e defende que as datas atribuiacutedas a sua publicaccedilatildeo expressam a evoluccedilatildeo intelectual e ideoloacutegica de Platatildeo na marcha para a exposiccedilatildeo da sua filosofia (2012 p 28)
Esta leitura geneacutetico-evolutiva tem como teoacuterico principal Gregory Vlastos (1991) Esse
autor demonstra que seria possiacutevel por meio da distinccedilatildeo das trecircs fases do pensamento
platocircnico notarmos uma diferenccedila entre aqueles diaacutelogos em que Soacutecrates seria o Soacutecrates
histoacuterico ao passo que nas demais fases eacute Platatildeo quem falaria ao expor pela personagem
condutora do diaacutelogo as suas proacuteprias teses (VLASTOS 1991 p45-46) Esta tese de Vlastos
em um primeiro momento foi aceita consensualmente pelos leitores dos diaacutelogos ao notarem
o desenvolvimento da obra de Platatildeo em determinados diaacutelogos quando comparados entre
si o que de fato eacute possiacutevel tendo em vista a vastidatildeo da obra literaacuteria elaborada por Platatildeo
31 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Baseado como jaacute dissemos nos resultados provenientes da estilometria e posteriormente
analisando a proximidade temaacutetica a cronologia dos diaacutelogos usualmente adotada seria a
seguinte
(i) Diaacutelogos da juventude ou socraacuteticos Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides
Ecircutifron Hiacuteppias Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon
(ii) Diaacutelogos daΝ matuὄiἶaἶἷΝ ὁuΝ ἶaΝ ldquotἷὁὄiaΝ ἶaΝ ἔὁὄmaὅrdquoμΝ Mecircnon Feacutedon Repuacuteblica45
Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo
(iii)ΝἒiὠlὁgὁὅΝἶaΝvἷlhiἵἷΝὁuΝὄἷviὅatildeὁΝ(ἵὄiacutetiἵa)ΝἶaΝldquotἷὁὄiaΝἶaὅΝfὁὄmaὅμΝParmecircnides Teeteto
Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Fileacutebo Leis
A cronologia de Vlastos eacute praticamente similar a esta (a de Guthrie (1975) e de
Cornford (1927)) apenas apresentando algumas poucas diferenccedilas pois ele coloca como
intermediaacuterios entre o primeiro e o segundo grupo os seguintes diaacutelogos (transiccedilatildeo)
Eutidemo Hiacuteppias Maior Liacutesis Menexeno Mecircnon e tambeacutem Parmecircnides e Teeteto como
diaacutelogos pertencentes agrave fase da maturidade Vlastos afirma ser possiacutevel encontrarmos pelo
menos dois Soacutecrates nos diaacutelogos um estaria presente nos diaacutelogos iniciais da juventude e
o outro presente nos diaacutelogos da maturidade e velhice justamente porque ambos natildeo teriam
afirmaccedilotildees semelhantes sobre os mesmos assuntos apresentando posiccedilotildees ateacute mesmo
contraditoacuterias Esse teoacuterico afirma que existe uma real e significativa diferenccedila entre os
diaacutelogos socraacuteticos aporeacuteticos (ou elecircnthicos) e os diaacutelogos do periacuteodo meacutedio e os do tardio
de tal modo seria possiacutevel postularmos que aqueles primeiros pertencem a um Soacutecrates
histoacuterico distinto dos objetivos filosoacuteficos concernentes agraves obras do periacuteodo meacutedio e final Eacute
a ὂaὄtiὄΝἶiὅὅὁΝὃuἷΝἷlἷΝfὁὄὀἷἵἷΝaὅΝἴaὅἷὅΝὂaὄaΝaὃuἷlaΝὃuἷΝfiἵὁuΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἵὁmὁΝldquotἷὁὄiaΝἶὁΝὂὁὄta-
vὁὐrdquoΝiὅtὁΝὧΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶaΝfaὅἷΝmὧἶiaΝἷΝfiὀalΝὅἷὄviὄiaΝἵὁmὁΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝὄἷὅὂὁὀὅὠvἷlΝὂὁὄΝἷxὂὁὄΝ
a teoria propriamente platocircnica jaacute desvinculada do pensamento do Soacutecrates real (histoacuterico)
da fase juvenil dos diaacutelogos
Vlastos (1991) chega a estabelecer algumas afirmaccedilotildees sobre o Soacutecrates dos diaacutelogos
aporeacuteticos a saber Soacutecrates eacute um filoacutesofo moral que natildeo produziu teoria alguma sua busca
eacute apenas elecircnthica por isso afirma seu nada saber tambeacutem natildeo defende uma teoria da alma
por concordar com a impossibilidade da ελα έα e natildeo se interessa pelos conhecimentos
matemaacuteticos eacute um filoacutesofo da plebe natildeo apresenta qualquer teoria poliacutetica muito menos
postula uma teoria transcendente do belo a sua religiatildeo eacute uma religiatildeo praacutetica cuja divindade
45 Alguns estudiosos como Vlastos (1991) acreditavam que o Livro I da Repuacuteblica (Trasiacutemaco) seria um diaacutelogo separado do restante da Repuacuteblica Por isso Vlastos coloca o Trasiacutemaco (Livro I) entre os ἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅΝὁuΝldquoἷlecircὀthiἵὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷmaiὅΝlivὄὁὅΝἶaΝRepuacuteblica (II-X) entre aqueles da maturidade (VLASTOS 1991 p 46-47)
32 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
atua no campo das questotildees morais e por fim eacute portador de um meacutetodo filosoacutefico
adversativo tendo como princiacutepio a refutaccedilatildeo dos interlocutores (1991 p 47-48)
Segundo Vlastos qualquer um eacute capaz de notar algo totalmente contraacuterio ao se
deparar com as obras que compotildeem os periacuteodos meacutedio e da velhice platocircnicos ou seja uma
draacutestica mudanccedila de estilo de modos de expor determinadas questotildees ou mesmo a
diferenccedila de profundidade em que certos temas satildeo tratados O que vemos eacute o seguinte
Soacutecrates natildeo eacute mais apenas aquele filoacutesofo moral agora ele trata de temas metafiacutesicos
epistemoloacutegicos cientiacuteficos religiosos temas da linguagem etc como tambeacutem nos
apresenta a teoria das formas e da reminiscecircncia admitindo conhecer aquilo que visa
demonstrar lida com a teoria tripartite da alma refere-se agraves ciecircncias matemaacuteticas e manifesta
certo conhecimento acerca destas ciecircncias eacute fortemente aristocraacutetico nos apresenta uma
teoria poliacutetica refinada demonstra seu amor transcende sobre o belo a comunhatildeo com a
divindade por meio da atividade contemplativa das formas e possui um meacutetodo filosoacutefico
didaacutetico por meio do qual apresenta suas teorias para que seu interlocutor as compreenda
Para Vlastos a qualquer leitor eacute possiacutevel notar as disparidades entre os diaacutelogos da
fase inicial e os das fases seguintes nos quais Soacutecrates assume posiccedilotildees completamente
diferentes O personagem dos diaacutelogos da fase meacutedia e final propotildee e defende teorias
ἶiὅtiὀtaὅΝἷΝὅutilmἷὀtἷΝἷlaἴὁὄaἶaὅΝὅἷΝaὅὅἷmἷlhaΝmaiὅΝaΝumΝldquoὂὁὄtaΝvὁὐrdquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἶiὅtiὀtὁΝ
poreacutem da literatura socraacutetica inicial Logo isso demonstraria que essa literatura socraacutetica
inicial estaria mais proacutexima do Soacutecrates histoacuterico
Falei de um Soacutecrates em Platatildeo Haacute dois deles Em diferentes segmentos do corpus platocircnico dois filoacutesofos carregam esse nome O indiviacuteduo permanece o mesmo Mas em diferentes conjuntos de diaacutelogos ele persegue filosofias tatildeo diferentes que natildeo poderiam ser retratadas como coexistentes no mesmo ceacuterebro a menos que se trate do ceacuterebro de um esquizofrecircnico Eles satildeo tatildeo diversos em conteuacutedo e meacutetodo que se contrastam bruscamente um com o outro como tambeacutem com qualquer terceira filosofia que se possa mencionar comeccedilando com ele Aristoacuteteles (VLASTOS 1991 p 460)
Vlastos ainda acrescenta que a literatura socraacutetica teria uma espeacutecie de diacutevida com o
pensamento poliacutetico-moral antecessor que se valia do diaacutelogo para fins semelhantes dentre
eles Tuciacutedides Heroacutedoto e Proacutedico (VLASTOS 1991 p 48ss) O principal feito da
interpretaccedilatildeo de Vlastos eacute ter colocado os diaacutelogos aporeacuteticos ou elecircnthicos associados a
uma literatura dialoacutegica predominantemente poliacutetico-moral isto eacute de algum modo as obras
platocircnicas estariam jaacute ligadas a esse tipo de reflexatildeo antecedente agrave obra platocircnica mas nada
eacute dito sobre os contemporacircneos utilizarem esse mesmo meacutetodo Muito pelo contraacuterio os
diaacutelogos meacutedios e as obras da velhice atestariam um total rompimento com a fase precedente
a essas duas uacuteltimas Platatildeo neste caso teria rompido com todo o espiacuterito socraacutetico com
33 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
qualquer espeacutecie de socratismo de tal modo que a literatura filosoacutefica subsequente seria uma
espeacutecie de transcendecircncia ou de superaccedilatildeo do pensamento dialoacutegico anterior Por fim os
textos da fase juvenil atestam segundo Vlastos um conteuacutedo histoacuterico e tambeacutem um meacutetodo
particularmente refutativo presente neste periacuteodo nos diaacutelogos de Platatildeo Os diaacutelogos meacutedios
satildeo drasticamente separados dos anteriores jaacute natildeo pertencem mais a um mesmo gecircnero
literaacuterio estritamente socraacutetico Soacutecrates passa a ser um personagem utilizado sob outros fins
filosoacuteficos que natildeo aqueles que compotildeem o periacuteodo socraacutetico histoacuterico elecircnthico
O primeiro a se manifestar quanto a esse tipo de divisatildeo foi Kahn (2010) Segundo
este uacuteltimo Vlastos deve ser de certo modo enquadrado entre os revisionistas Enquanto
Kahn ele proacuteprio se inclui entre os defensores da visatildeo unitarista da obra de Platatildeo Khan
propotildee como princiacutepio interpretativo a necessidade de natildeo se separar os diaacutelogos de um
contexto histoacuterico maior que ele acredita pertencer a literatura socraacutetica Deste modo
segundo esse autor parece ser equivocado dotar os diaacutelogos socraacuteticos de tamanha
excepcionalidade sem compreendecirc-los como frutos de uma tradiccedilatildeo poeacutetica grega isto eacute ao
situaacute-los fora dessa proacutepria tradiccedilatildeo
O leitor eacute capaz de notar nos diaacutelogos natildeo apenas uma referecircncia agrave essa tradiccedilatildeo
poeacutetica (a obra dialoacutegica natildeo apenas reporta a essa tradiccedilatildeo) mas tambeacutem eacute capaz de
identificar a obra platocircnica nessa mesma tradiccedilatildeo poreacutem dotada de um novo sentido De tal
modo nos parece evidente um sentido subjacente (traacutegico-cocircmico) presente na obra filosoacutefica
de Platatildeo A poeacutetica grega serve como base para a estruturaccedilatildeo dos diaacutelogos Platatildeo natildeo se
limita a citar os poetas ele natildeo se contenta com isso os diaacutelogos satildeo meios para uma criaccedilatildeo
multifacetada de sua filosofia na qual estatildeo presentes constantes referecircncias agrave essa tradiccedilatildeo
a qual tambeacutem eacute material importante para a elaboraccedilatildeo de sua obra O que se nota natildeo
apenas nos diaacutelogos socraacuteticos eacute uma enorme influecircncia da tradiccedilatildeo poeacutetica na composiccedilatildeo
da obra platocircnica ela eacute um ponto de partida para a composiccedilatildeo desse especiacutefico gecircnero
literaacuterio que eacute o diaacutelogo e que marca decisivamente os rumos adotados por Platatildeo no
desenvolvimento de sua obra Lembremo-nos de que natildeo foi apenas Platatildeo quem escreveu
diaacutelogos mas tambeacutem outros autores que provavelmente disputavam em torno de um
prestiacutegio literaacuterio com suas composiccedilotildees adotando como gecircnero literaacuterio os diaacutelogos
socraacuteticos (KHAN 2010 p 31ss)
Algo tambeacutem que merece ser destacado sobre a visatildeo de Khan diz respeito agrave busca
pela efetiva caracterizaccedilatildeo do indiviacuteduo (realhistoacuterico) Soacutecrates quando tenta encontrar na
imagem desse personagem dos diaacutelogos da juventude a suposta informaccedilatildeo sobre sua
identidade fato capaz de poder atribuiacute-lo um pensamento distinto do de Platatildeo Deste modo
a filosofia platocircnica para Khan procura se afirmar enquanto um discurso que possui um papel
pedagoacutegico que a diferencia das demais atividades dos outros gecircneros literaacuterios que natildeo se
34 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
ὄἷὅumἷmΝὡΝὅimὂlἷὅΝὄἷfutaὦatildeὁνΝὅἷΝfὁὅὅἷΝaὅὅimΝἷlaΝἷὅtaὄiaΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἵὁmΝaΝἷὄiacuteὅtiἵaέΝ
Para Kahn
Gregory Vlastos deu uma formulaccedilatildeo mais uacutetil e extremada da leitura evolutiva ao falar de uma filosofia essencialmente socraacutetica em alguns dos dez ou doze diaacutelogos segundo sua opiniatildeo nestes diaacutelogos Platatildeo se encontra ainda enfeiticcedilado por seu mestre cuja filosofia natildeo soacute eacute distinta mas antiteacutetica a seu proacuteprio pensamento maduro No momento em que se converte em um filoacutesofo original Platatildeo abandona e se volta contrariamente contra sua posiccedilatildeo socraacutetica de origem (KAHN 2010 p 66)
Esse tipo de interpretaccedilatildeo na visatildeo de Kahn eacute mais especulativo do que propriamente
filosoacutefico jaacute que a proposta se distancia do que ele considera como o objetivo pedagoacutegico
maior da obra platocircnica Interessa a Kahn uma visatildeo mais ampla da obra dialoacutegica de Platatildeo
a despeito de alguns fatos parecerem ser descritos historicamente nessa mesma obra o que
por sinal teria objetivos puramente destinados a um significado filosoacutefico passando pelo crivo
da criaccedilatildeo literaacuteria Sua intenccedilatildeo eacute ir aleacutem dessa descriccedilatildeo vista por Vlastos como puramente
historiograacutefica para uma compreensatildeo da obra de Platatildeo ao situaacute-la em um contexto literaacuterio-
poeacutetico maior natildeo apenas dirigida a um embate filosoacutefico mas tambeacutem a um embate com
essa proacutepria tradiccedilatildeo poeacutetica subjacente na composiccedilatildeo de um gecircnero literaacuterio isto eacute
compreender sua dimensatildeo artiacutestica dentro de um contexto ainda mais amplo
Kahn ainda alega mais adiante (2010 p 66) que o problema de teses como a de
Vlastos estritamente desenvolvimentistas eacute a incapacidade de lidar com um problema
insoluacutevel a saber o problema Soacutecrates A dificuldade em lidar com o anonimato de Platatildeo em
suas obras faz com que os inteacuterpretes desenvolvimentistas em sua radicalidade acabem se
fiando em questotildees especulativas sobre a realidade da personagem Soacutecrates sobre sua
identidade baseada em especulaccedilotildees historiograacuteficas Tais questotildees eacute importante que se
diga isto natildeo podem ser refutadas nem tatildeo pouco podem ser atestadas com certa
veemecircncia Ainda que Platatildeo tenha passado por uma fase socraacutetica e depois se distanciado
desse tipo de pensamento nenhuma indicaccedilatildeo em sua obra eacute capaz de nos afirmar isto
Indicaccedilotildees estas que os revisionistas por sinal encontram apenas em referecircncias externas
como a obra de Aristoacuteteles por exemplo
Ao contraacuterio do que rapidamente se possa pensar a visatildeo de Kahn natildeo tem como fim
negar a existecircncia histoacuterica de Soacutecrates nem mesmo a sua influecircncia mas propor certa
continuidade entre os diaacutelogos socraacuteticos e os demais ao negar qualquer ruptura draacutestica
entre as fases do pensamento platocircnico Se Platatildeo apresenta suas posiccedilotildees filosoacuteficas nos
diaacutelogos e por vezes elas podem ser identificadas aos discursos proferidos por Soacutecrates ao
mesmo tempo ele natildeo nos diz suas opiniotildees pessoais acerca dos temas ali tratados Neste
caso a forma de abordagem irocircnica das posiccedilotildees no uso de determinada retoacuterica faz com
35 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
que as posiccedilotildees ali desenvolvidas se encontrem desprovidas de um caraacuteter tratadiacutestico ou
doutrinal tudo isso contribuiria para a exposiccedilatildeo de uma filosofia distante de certa rigidez de
tal maneira que ao se ocultar nos personagens Platatildeo tornaria enriquecedoras suas obras
ao possibilitar certa liberdade interpretativa do que se encontra em discussatildeo ali naquele
contexto dramaacutetico Essa seria uma das principais contribuiccedilotildees agrave tradiccedilatildeo interpretativa
subsequente Quais seriam entatildeo os reais objetivos com semelhante ocultaccedilatildeo Teria ela
objetivos propriamente filosoacuteficos ou natildeo passa de estiliacutestica e retoacuterica Ambos talvez
A maior dificuldade segundo Kahn eacute o enfrentamento das posiccedilotildees vistas como
contraditoacuterias nos diaacutelogos Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de composiccedilatildeo dramaacutetica uacutenica em
que os temas estatildeo relacionados e servem a um propoacutesito argumentativo presente naquela
ὁἴὄaΝὂὁiὅΝldquo[έέ]ΝἵaἶaΝἶiὠlὁgὁΝὅἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝaΝὅiΝmἷὅmὁΝἵὁmὁΝumaΝuὀiἶaἶἷΝautὲὀὁmaΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝ
ἷmΝὅἷuΝὂὄὰὂὄiὁΝἷὅὂaὦὁΝlitἷὄὠὄiὁrdquoΝ (ἀί1ίΝὂέΝἄἂ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝὅἷguὀἶὁΝἛahὀΝndash e essa seria a
maior dificuldade levantada pelos inteacuterpretes platocircnicos ndash a tarefa do inteacuterprete seria conciliar
esses diaacutelogos ou grupo de diaacutelogos em um conjunto uacutenico como pertencentes a um soacute
autor algo impossiacutevel por exemplo para os revisionistas como eacute o caso de Vlastos que acaba
por duplicar um soacute autor criando dois ao inveacutes de um uacutenico Platatildeo (o socraacutetico histoacuterico e o
natildeo-socraacutetico) ou dois Soacutecrates (o histoacuterico e o personagem fictiacutecio) Para Khan (2010) toda
a filosofia platocircnica eacute socraacutetica e natildeo haacute na obra dialoacutegica duas filosofias platocircnicas
incompatiacuteveis Mas qual a soluccedilatildeo oferecida pelo teoacuterico norte-americano para afirmar isso
e ao mesmo tempo opor-se ao revisionismo
A soluccedilatildeo de Khan nesse sentido ao dizer que cada diaacutelogo eacute uacutenico natildeo nega o
mesmo meacutetodo geneacutetico-expositivo adotado pelo revisionismo Contudo Khan considera que
as diferentes visotildees e abordagens dos temas presentes nos diaacutelogos tecircm um propoacutesito
literaacuterio-filosoacutefico isto eacute trata-se de um meacutetodo pedagoacutegico satildeo recursos utilizados por
Platatildeo sob o propoacutesito de descrever e fundamentar um projeto poliacutetico que se apresenta
progressivamente no decorrer de toda a sua obra uma unificaccedilatildeo que soacute eacute alcanccedilaacutevel
mediante uma completa anaacutelise de todos os diaacutelogos Isso Kahn denomiὀaΝἵὁmὁΝldquoἷxὂὁὅiὦatildeὁΝ
iὀgὄἷὅὅivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἵaἶaΝ ὁἴὄaΝ ὧΝ umaΝ aὀtἷἵiὂaὦatildeὁΝ ἶaὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ
esclarecido naquela posterior a ela ou seja a chamada prolepse (antecipaccedilatildeo) presente nas
composiccedilotildees dos diaacutelogos (KAHN 2010 p 85) Deste modo Platatildeo estaria ainda mais
atestando o caraacuteter dialeacutetico de sua filosofia distanciando-se ao mesmo tempo de qualquer
tipo de dogmatismo Tambeacutem atestaria que o pensamento de Soacutecrates permanece vivo nos
ἶiὠlὁgὁὅΝὃuἷΝὀatildeὁΝὁὅΝἶitὁὅΝldquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝumaΝiὀspiraccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo de um
projeto filosoacutefico maior isto porque natildeo abandona o meacutetodo dialoacutegico mas persiste nele ateacute
o final de sua vida sempre em consonacircncia com o espiacuterito herdado do mestre
ἏὅΝἷvaὅὴἷὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝaὅΝldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝmaὀifἷὅtaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝ
segundo Khan seriam por dois motivos gerais a saber a aversatildeo ao dogmatismo assim
36 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
como a descrenccedila na comunicaccedilatildeo de noccedilotildees filosoacuteficas natildeo elaboradas suficientemente
Platatildeo teria percebido que deste modo expondo uma obra por vezes inconclusa complexa
figurada gradativa e por vezes aporeacutetica poderia estimular seu leitor a um percurso
investigativo proacuteprio sem oferecer a seu leitor respostas prontas acabadas Khan tambeacutem
reconhece a necessaacuteria atenccedilatildeo aos recursos literaacuterios utilizados por Platatildeo destinados a
essa exposiccedilatildeo ingressiva de sua filosofia como a real necessidade de tratar de temas
metafiacutesicos importantes recorrendo a uma linguagem figurada (mito alegoria etc) cujo
ὂὄὁὂὰὅitὁΝἵὁὀfiguὄaΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝldquoἷxὁtὧὄiἵardquoΝἶἷΝὅἷuΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝἶὁὅΝ
diaacutelogos (KAHN 2010 p 66)46
Ora as contribuiccedilotildees de Kahn satildeo notaacuteveis na questatildeo interpretativa dos diaacutelogos no
que diz respeito agrave uma concepccedilatildeo unitarista da filosofia platocircnica Poreacutem como se nota ela
ainda tem como base concepccedilotildees evolutivas realccediladas pelo revisionismo como a divisatildeo das
trecircs fases do pensamento platocircnico Ao considerar o Goacutergias como o primeiro diaacutelogo com
concepccedilotildees predominantemente platocircnicas ndash diaacutelogo no qual Platatildeo teria de fato alcanccedilado
certo domiacutenio sobre sua obra ou melhor um estilo literaacuterio proacuteprio ndash em detrimento da
Apologia e do Criacuteton que apresentam traccedilos historiograacuteficos mais visiacuteveis o que gera maior
curiosidade sobre a identidade histoacuterica do personagem Soacutecrates Khan novamente retoma
em certa medida o argumento dos revisionistas quando considera que em dado momento
Soacutecrates torna-se o porta-voz de Platatildeo Do mesmo modo ao tomar a Repuacuteblica como eixo
central para a organizaccedilatildeo dos diaacutelogos como ponto aacutepice da filosofia de Platatildeo sob o
46 Khan estabelece uma cronologia que tem como base trecircs grupos O grupo I os diaacutelogos satildeo divididos em seis estaacutegios que atestariam a evoluccedilatildeo do filoacutesofo ateacute o eixo central considerado por Khan como maacutexima expressatildeo da atividade platocircnica a saber a Repuacuteblica Os seis estaacutegios demonstrariam a caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da filosofia platocircnica Sendo assim ficam assim divididos os diaacutelogos Grupo I Apologia Criacuteton (1) Iacuteon Hipias menor (2) Goacutergias Menexeno (3) Laques Caacutermides Eutiacutefron Protaacutegoras (4) Mecircnon Liacutesis Eutidemo (5) Banquete Fedoacuten Craacutetilo (6) Grupo II Repuacuteblica Fedro Parmecircnides Teeteto Grupo III Sofista Politico Filebo Tirneu-Criacutetias Leis ldquoἑὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝὃuἷΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶὁΝἕὄuὂὁΝIΝὅatildeὁΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝἶἷὅἵὄἷvὁΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁmΝaΝRepuacuteblica corno proleacuteptica Poreacutem este termo este pode parecer excessivamente cronoloacutegico quanto agrave questatildeo relativa agrave ordem em que foram realmente redigidos ou a sequecircncia em que satildeo lidos de fato natildeo tem grande importacircncia Meus seis estaacutegios devem ser compreendidos como proposta para uma ordem de leitura ideal poreacutem talvez seja melhor empregar uma metaacutefora espacial do que uma temporal ao inveacutes de falar de antes e depois podemos falar de exoteacuterico e esoteacuterico de distacircncia relativa em relaccedilatildeo a um centro definido pela Repuacuteblica Este modo de interpretar os testos poderia denominar-se igualmente ingressivo como una variante para a noccedilatildeo de prolepse Os diferentes estaacutegios do Grupo I nos proporcionam distintos pontos de entrada distintos niacuteveis de ingresso no universo do pensamento platocircnico que encontra sua expressatildeo mais completa na RepuacuteblicardquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ
37 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
propoacutesito de fundamentar uma suposta cronologia que separa os diaacutelogos em trecircs grupos
Kahn ainda continua proacuteximo do argumento dos revisionistas (KAHN 2010 p 73-74) Logo
a teoria interpretativa de Khan nos impossibilita supor que Platatildeo pudesse ter reescrito sua
obra reeditado ou reelaborado ou mesmo escrito mais de um diaacutelogo ao mesmo tempo
Destarte natildeo poderiacuteamos entatildeo notar o pensamento platocircnico em desenvolvimento jaacute que
seu aacutepice teria sido atingido na Repuacuteblica ou melhor reconhecer a proacutepria construccedilatildeo de
Platatildeo ao longo de toda a sua obra Essa caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da obra platocircnica tal como
nos eacute apresentada por Khan ainda permanece presa a um certo evolucionismo que torna
impossiacutevel considerar o pensamento platocircnico como algo em desenvolvimento
O contributo da teoria unitarista proposta por Khan eacute que ela nos adverte sobre a
falecircncia de uma reconstruccedilatildeo histoacuterica especulativa de Soacutecrates baseada em referecircncias
extra dialoacutegicas Do mesmo modo nos adverte que devemos rejeitar uma diferenccedila draacutestica
entre o pensamento socraacutetico dos diaacutelogos da juventude e os demais ao admitir que toda a
filosofia platocircnica eacute socraacutetica e que a caracteriacutestica socraacutetica da filosofia platocircnica se manteacutem
nas demais fases Nesse sentido somos convidados a ultrapassar as incoerecircncias entre um
periacuteodo e outro entre os temas divergentes que porventura satildeo notaacuteveis ao longo desse
processo pedagoacutegico-poliacutetico da filosofia platocircnica em geral Trata-se de reconhecer em cada
diaacutelogo esse dinamismo com que o personagem Soacutecrates eacute apresentado e o modo como estaacute
a dialogar em cada obra sem buscar um conteuacutedo histoacuterico por traacutes dessa caracterizaccedilatildeo
mas sim compreendecirc-la como um recurso literaacuterio (retoacuterico) que possui finalidades maiores
imperceptiacuteveis num primeiro momento e que possa vir a se tornar suposiccedilatildeo de uma draacutestica
mudanccedila real oposiccedilatildeo ou mesmo objeto de controveacutersia na anaacutelise de diversos diaacutelogos
Essa separaccedilatildeo em fases a despeito de ainda ser adotada por Kahn jaacute abre caminho para
uma interpretaccedilatildeo assistemaacutetica dos diaacutelogos ou seja diminui a rigidez das separaccedilotildees
impostas aos diaacutelogos porquanto estes se inserem em um processo em que as proacuteprias obras
compotildeem um conjunto de indagaccedilotildees destinadas a uma finalidade eacutetico-poliacutetico-moral e que
permanecem sendo tratadas sob um vieacutes dialeacutetico Mas em relaccedilatildeo ao evolucionismo e agrave
cronologia histoacuterica dos diaacutelogos podemos afirmar que de alguma maneira ainda que
modificada deles Khan ainda natildeo abriu matildeo47
47 εέΝ εέΝ εἵἑaἴἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄὠΝ umaΝ ἵὄiacutetiἵaΝ aΝἛhaὀΝ ὅὁἴΝ umΝ ὂὁὀtὁΝἶἷΝ viὅtaΝ ldquoaὀaliacutetiἵὁrdquoΝ ἶἷΝ lἷituὄaΝἶὁὅΝdiaacutelogos Ela sugere que quando diferentes diaacutelogos platocircnicos parecem ter conteuacutedos semelhantes ὅatildeὁΝmἷlhὁὄἷὅΝἷὀtἷὀἶiἶὁὅΝἵὁmὁΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquomἷtalἷὂὅἷrdquoΝaὂaὄἷἵendo e criticando ideias anteriores incentivando os leitores a pensarem os problemas por si mesmos O fato eacute que o que mais vemos eacute o diaacutelogo usado artiacutestica ou indiretamente Nos parece menos evidente que o intuito ou a tarefa mais direta seja interpretar o pensamento de Platatildeo Ela ainda destaca que a mesma questatildeo estaacute impliacutecita nas interpretaccedilotildees esoteacutericas e straussianas que natildeo atribuem um valor maacuteximo ao desenvolvimento mas o debate recente (e aqui ela se refere agrave tradiccedilatildeo interpretativa literaacuteria contemporacircnea) tambeacutem revelou a importacircncia desse ponto para quem lecirc os diaacutelogos natildeo como veiacuteculos expliacutecitos natildeo satildeo leitores doutrinais (unitaristas) ou analiacuteticos (revisionistas) (McCABE 2002 p 4)
38 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
14 A posiccedilatildeo literaacuteria
A questatildeo referente agrave intepretaccedilatildeo da obra platocircnica como ateacute entatildeo demonstrado eacute
algo que ainda divide opiniotildees entre os especialistas O primeiro questionamento de qualquer
leitor que se deparara com a obra de Platatildeo eacute sobre o modo como se deve ler Platatildeo por
onde comeccedilar Em geral qual metodologia adotar Creio que a pergunta pode e deve ser
redirecionada para a um outro aspecto ainda mais importante o modo de elaboraccedilatildeo das
obras platocircnicas isto eacute o diaacutelogo por que Platatildeo escreve diaacutelogos por que adota este meacutetodo
de exposiccedilatildeo filosoacutefico Teria nosso autor algum outro propoacutesito senatildeo aqueles meramente
literaacuterios Objetivos retoacutericos Filosoacuteficos Ou ambos
Sobre essa questatildeo muito jaacute foi discutido e ainda se discute De fato a noacutes leitores de
Platatildeo eacute necessaacuterio lidar com essa estreita relaccedilatildeo proacutepria da elaboraccedilatildeo do pensamento
filosoacutefico platocircnico digo a respeito das particularidades que envolvem uma escrita filosoacutefica
sobre a forma dramaacutetica do diaacutelogo Como conjugar essa triacuteplice caracterizaccedilatildeo presente na
obra platocircnica os diaacutelogos satildeo escritos escritos dramaacuteticos e tambeacutem obras filosoacuteficas A
questatildeo ainda se torna mais profunda agrave medida em que notamos que a proacutepria obra de Platatildeo
se insere na criacutetica tanto agrave poesia quanto agrave escrita ao mesmo tempo em que ela proacutepria eacute
uma obra escrita e dramaacutetica Como lidar com as criacuteticas relativas agrave poesia e principalmente
agrave proacutepria escrita encontrada nos diaacutelogos (Phdr 274b- 279c48 Ep VII 341c-345c49)
48 Resumidamente os conteuacutedos da criacutetica satildeo os seguintes (i) produz mera aparecircncia de saber (ii) tem caraacuteter apenas mnemocircnico para quem escreve (iii) manteacutem-se em silecircncio a semelhanccedila da pintura (iv) questionada responde sempre a mesma coisa a entendidos e a desentendidos (v) incapaz de se defenderΝ ὄἷὃuἷὄΝ ὅἷmὂὄἷΝ ὁΝ ὅὁἵὁὄὄὁΝ ἶἷΝ ὅἷuΝ autὁὄέΝ ἏὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶὁΝ ldquoἴὁmrdquoΝ ἶiὅἵuὄὅὁμΝ (i)Ν ὂὁὅὅuiΝnatureza e origem mais potente e melhor por isso tambeacutem um homem seacuterio (falta algo) (ii) natildeo confia ao escrito suas coisas mais importantes (iii) se ele utiliza o escrito eacute apenas por brincadeira e para o auxiacuteliὁΝἶaΝmἷmὰὄiaΝ(iv)ΝἷlἷΝὅἷΝἶἷἶiἵaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἷΝἷὅἵὁlhἷΝaὅΝalmaὅΝaὂtaὅΝὀaὅΝὃuaiὅΝiὄὠΝldquoὅἷmἷaὄrdquoΝὁὅΝdiscursos (v) deve conhecer a verdade sobre o que fala ou escreve praticando o meacutetodo da divisatildeo conhecendo a natureza da alma de quem ouve oferecer-lhe o conteuacutedo mais adequado (vi) deve perceber que nada de seacuterio haacute no discurso escrito mas sim naquele que se inscreve na alma (vii) compondo discursos com conhecimento e verdade deveraacute tambeacutem ser capaz de defendecirc-los na ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὁὄalΝἷΝmὁὅtὄaὄΝaὅΝiὀfἷὄiὁὄiἶaἶἷὅΝἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝaὅὅimΝὂὁἶἷὄὠΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝldquofilὰὅὁfὁrdquoΝ(Phdr 274b- 279c) 49 A Carta relata que Dioniso de Siracusa teria escrito um tratado atribuindo-o como depositaacuterio das ideias mais importantes do proacuteprio Platatildeo Diante disso este uacuteltimo teria apresentado uma seacuterie de alegaccedilotildees (i) quem escreve ou vier a escrever sobre esse assunto nada entendeu (ii) de Platatildeo natildeo haacute nem nunca haveraacute um tratado sobre tais assuntos Isto porque (i) sobre ele natildeo se pode escrever (ii) (porque) a quem se deteve longamente com ele (a sua compreensatildeo) nasce num instante na alma e alimenta-se por si (iv) ningueacutem melhor que ele (o proacuteprio Platatildeo) seria capaz de falar ou escrever sobre o assunto se acaso lhe fosse oportuno fazecirc-lo (iii) mas haacute uma razatildeo que passaraacute a expor (digressatildeo) e que se opotildee a que se escreva sobre ele (Ep VII 341c-345c)
39 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Como jaacute dito anteriormente vaacuterios modelos foram propostos seja aquele em que
devemos considerar a obra de Platatildeo como algo unitaacuterio cuja finalidade seria expor uma visatildeo
ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝldquoἶὁgmὠtiἵardquoΝὅἷΝὃuiὅἷὄmὁὅΝὅἷjaΝaὃuἷlaΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷmὁὅΝὀὁtaὄΝἵἷὄtaὅΝὄuὂtuὄaὅΝaΝ
partir da variabilidade ali apresentada tanto na composiccedilatildeo das proacuteprias obras enquanto
encenaccedilotildees especiacuteficas e variadas quanto no conflito entre pontos de vistas entre conteuacutedos
muacuteltiplos e ateacute mesmo contradiccedilotildees Como tambeacutem jaacute dissemos essa eacute uma questatildeo
antiquiacutessima e remonta a todo um histoacuterico que poderiacuteamos tratar exaustivamente Mas esse
natildeo eacute o meu propoacutesito aqui quero apenas delinear algumas visotildees para a partir delas deixar
claro meu objetivo com este estudo O que podemos resumidamente afirmar eacute que essas
perspectivas se desenvolvem basicamente a partir de duas perspectivas ou seja podemos
crer como os neoplatocircnicos que Platatildeo apresenta um pensamento proacuteprio uma doutrina
ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶὁgmatiὅmὁrdquoνΝviὅatildeὁΝὃuἷΝὅἷΝὅὁliἶifiἵὁuΝὀὁὅΝmaὀuaiὅΝἶἷΝhiὅtὰὄiaΝἶaΝ
filosofia ou apenas acreditar como jaacute acreditavam na antiguidade que natildeo podemos afirmar
nada acerca do que eacute exposto nos diaacutelogos logo aderir a uma visatildeo de um Platatildeo ceacutetico50
A tradiccedilatildeo interpretativa nos deixou tal heranccedila mas ao mesmo tempo nos deixou tamanho
legado a saber discernir algo plausiacutevel acerca da hermenecircutica platocircnica Diante disso basta
analisar essa discussatildeo infinda que se travou durante seacuteculos O fato eacute que na
contemporaneidade as posiccedilotildees estanques tecircm demonstrado sua real ineficaacutecia O que natildeo
podemos negar eacute que a composiccedilatildeo de uma filosofia dramaacutetica sob fins dialeacuteticos eacuteevidente
nos diaacutelogos os quais satildeo dramas especiacuteficos apresentados em cada obra contextos
distintos que se iniciam a partir de uma discussatildeo em torno de um tema especiacutefico gerando
desdobramentos ainda maiores
Chego ao ponto desejado na contemporaneidade retoma-se um debate frequente
acerca dessa proacutepria concepccedilatildeo dramaacutetica o modo como ela eacute elaborada seus aspectos
fundamentais Alguns autores importantes como C Gill (2006) M Frede (1998) M M
Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre
(1995) e Harold Tarrant (2000) visam recuperar uma visatildeo que jaacute era presente na
Antiguidade51 ao manifestarem sua discordacircncia de qualquer leitura que vise encontrar nas
obras de Platatildeo uma espeacutecie de doutrina geral mas entendem os diaacutelogos como um estiacutemulo
para a busca pessoal de um indiviacuteduo pela verdade No entanto eles trazem reflexotildees
50 ldquoἠὁΝiὀtἷὄiὁὄΝἶaΝεὧἶiaΝἷΝἶaΝἠὁvaΝἏἵaἶἷmiaΝ- desde Arcesilau que assumiu a direccedilatildeo da escola em 270 aC - sabe-se que a orientaccedilatildeo fundamental era justamente combater os dogmatikoi ou seja os aristoteacutelicos epicuristas e estoicos Assim escreveu Ciacutecero no De Oratore (1930 livro III p 67) lsquoἏὄἵἷὅilauΝέέέΝtiὄaΝἶὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷὅἵὄitὁὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝέέέΝaΝἵὁὀἵluὅatildeὁΝὃuἷΝὀaἶaΝἶἷΝἵἷὄtὁ pode ser apreendido seja pelos sentidos seja pelo espirito (nihil esse certi quo aut sensibus aut animo percipi possit )rsquoνΝἷΝaἵὄἷὅἵἷὀtaΝὃuἷΝἏὄἵἷὅilauΝutiliὐavaΝἵὁmὁΝmὧtὁἶὁΝaὃuἷlἷΝlsquoἶἷΝὀatildeὁΝὄἷvἷlaὄΝὁΝὃuἷΝὂἷὀὅaΝmaὅΝaὄgumἷὀtaὄΝcontra o que os outros dizἷmΝὂἷὀὅaὄrsquordquoΝ(ἐἓἠἡIἦΝ1λλἃΝὂέΝἆλ)έ 51 Cf ANNAS (2012 p 37) e TARRANT (2000 p 79)
40 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
importantes Refiro-me aqui agrave atenccedilatildeo que reclamam aos aspectos literaacuterios presentes na
composiccedilatildeo dialoacutegica
A questatildeo nesse caso eacute mais criteriosa e pouco menos estrita pois se trata de saber
se podemos ler Platatildeo apenas de um modo literaacuterio ou filosoacutefico Sayre por exemplo
responde a este questionamento dizendo que seria extremamente possiacutevel analisar os
diaacutelogos apenas pelo espetaacuteculo que eles produzem (1995 p 29) Ou seja segundo a visatildeo
daqueles que buscam encontrar ali teorias filosoacuteficas algo meramente secundaacuterio como o
contexto o lugar os personagens em suma o palco onde se apresenta a encenaccedilatildeo contida
no diaacutelogo poderia talvez nos trazer reflexotildees interessantes sem que sejam assumidas teses
filosoacuteficas que dali poderiam derivar Neste sentido podemos retomar a criacutetica de Tejera
(1λλλ)Ν ὡὅΝ lἷituὄaὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ὀὁmἷiaΝ ἵὁmὁΝ ldquolἷituὄaΝ iἶἷaliὅtaΝ ἶaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁrdquoέΝ ἠaὅΝ
paacuteginas que abrem sua obra ele convida o leitor a manifestar um olhar despretensioso sobre
as obras platocircnicas analisando apenas aquilo que determinado diaacutelogo possa vir a lhe
apresentar a reparar a vivacidade da discussatildeo o combate entre os personagens o tom da
discussatildeo todos os recursos literaacuterios disponiacuteveis (mitos alegorias omissotildees dentre outros)
que em uma leitura formal e dogmaacutetica seriam segundo o autor reinterpretados e tomariam
a forma de um conteuacutedo de uma intepretaccedilatildeo secundaacuteria e geral de algo que seria muito
mais especiacutefico (p 9- 10)
Da mesma maneira esse teoacuterico se contrapotildee agraves interpretaccedilotildees dogmaacuteticas dos
textos platocircnicos em grande parte responsaacuteveis pelo enfraquecimento da vivacidade
presente nos diaacutelogos pela riqueza literaacuterio-retoacuterica ali presente quando recolhem de
contextos especiacuteficos trechos fragmentos de uma obra maior para transformaacute-los em teorias
O brilhantismo literaacuterio das obras esmaece-se em uma palidez tornando os discursos vivos
apresentados de forma refinada em algo sem vida doutrinaacuterio e digno de recusa por um
espiacuterito filosoacutefico criacutetico pois impedem a liberdade interpretativa do leitor como tambeacutem os
resultados decorrentes de uma investigaccedilatildeo proacutepria atualizada
A leitura exegeacutetica acadecircmica iniciada desde a Antiguidade segundo Tejera seria
responsaacutevel pela morte dos diaacutelogos naquilo que eles mesmo satildeo diaacutelogos Da Antiguidade
sucessora de Platatildeo ateacute a contemporaneidade Platatildeo teria sido interpretado e reinterpretado
de acordo com interesses quase que distantes do que realmente sua obra apresenta segundo
interesses neoplatocircnicos proacuteprios o que segundo o teoacuterico teria sido responsaacutevel pelo
desinteresse em um autor brilhante que passa a ser visto como um filoacutesofo dogmaacutetico
defensor de doutrinas e que obviamente passaraacute a ser visto como antiquado retroacutegrado ou
ateacute mesmo superado (1999 p 11-14)
ἢὁἶἷmὁὅΝὂὁὄΝhὁὄaΝὀὁὅΝὄἷfἷὄiὄΝaΝἷὅὅἷΝήltimὁΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἵὁmὁΝldquoὂaὄaἶigma
literaacuterio-filὁὅὰfiἵὁrdquoΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝὅἷguὀἶaΝmἷtaἶἷΝἶὁΝὅὧἵulὁΝXXΝἷxὂὄἷὅὅὁΝἷmΝgὄaὀἶἷΝὂaὄtἷΝὂὁὄΝ
C Gill (2006) Em suma se distingue em grande parte do revisionismo estrito e tambeacutem do
41 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
desenvolvimentismo porque segundo creem seus partidaacuterios os argumentos filosoacuteficos
muitas vezes devem partir de uma anaacutelise autocircnoma e particular detida na anaacutelise dos criteacuterios
literaacuterios que por vezes superam a argumentaccedilatildeo filosoacutefica Os aspectos dramaacuteticos ou
literaacuterios satildeo decisivos para a compressatildeo dos diaacutelogos De tal maneira cada argumento deve
se ater agravequele diaacutelogo restringindo-se aos limites da argumentaccedilatildeo ali apresentada Nenhum
personagem neste caso seria porta-voz de Platatildeo nem mesmo Soacutecrates mas cada um
desempenharia um papel particular falando a partir de si mesmo de um ponto de vista bem
fundamentado Platatildeo assim natildeo estaria no fundo no comando da cena dialoacutegica Seria
neste caso imprescindiacutevel ao leitor privar-se de estabelecer relaccedilotildees entre argumentos
distintos sobre um mesmo tema partindo de contextos dialoacutegico-argumentativos ou mesmo
formular uma espeacutecie de teoria geral proveniente de um entrecruzamento entre obras de um
suposto sistema de pensamento platocircnico52
Gill (2006) apresenta quatro constataccedilotildees principais sob as quais poderiacuteamos preferir
adotar tal visatildeo interpretativa (i) o conhecimento objetivo do tipo mais importante (sobre os
princiacutepios essenciais da realidade) soacute pode ser alcanccedilado na e por meio da participaccedilatildeo na
dialeacutetica ou seja o diaacutelogo filosoacutefico conduzido mediante perguntas e respostas sistemaacuteticas
individuais (ii) o exame dialeacutetico soacute atinge esse objetivo se os participantes (a) trazerem para
a dialeacutetica as qualidades apropriadas de caraacuteter e intelecto e (b) se envolverem efetivamente
no modo de dialeacutetica que esteja apropriadamente relacionado ao assunto em discussatildeo (iii)
o entendimento adequado qualquer problema filosoacutefico verificado depende de situar este
problema corretamente em relaccedilatildeo a (a) os princiacutepios fundamentais da realidade e (b) os
princiacutepios fundamentais do meacutetodo dialeacutetico (iv) cada encontro dialeacutetico tem sua proacutepria
probidade e significado e constitui um contexto em que podem ser feitos progressos
substanciais para a compreensatildeo dos princiacutepios fundamentais da realidade e do meacutetodo
filosoacutefico (p 143) Ele ainda detalha
Quero sugerir que esses princiacutepios podem nos ajudar a explicar certos recursos recorrentes da forma de diaacutelogo e que fornecem uma base para analisar a perspectiva filosoacutefica que estaacute subjacente agrave implantaccedilatildeo platocircnica da dialeacutetica Eles nos permitem primeiro definir um tipo diferente de unitarismo do discutido anteriormente ou seja um unitarianismo de
52 ldquoἏΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ἷὀvὁlvἷΝ tamἴὧmΝ ὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝ ἶὄamὠtiἵὁ-literaacuterios e o natildeo dogmatismo inovador dos inteacuterpretes de Platatildeo Como eacute notaacutevel por parte de muitos estudiosos os diaacutelogos satildeo dramas natildeo tratados e na interpretaccedilatildeo de dramas eacute simplesmente inadequado atribuir as falas dos personagens ἷΝὅuaὅΝiἶἷiaὅΝaὁΝautὁὄέΝἏlὧmΝἶiὅὅὁΝviὅtὁὅΝἵὁmὁΝtἷxtὁὅΝlitἷὄὠὄiὁὅΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝldquoἶialὰgiἵὁὅrdquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝbakhtiniano isto eacute textos em que diferentes personagens tecircm diferentes visotildees de mundo e falam a partir de seus proacuteprios pontos de vista bem fundamentados ao inveacutes de serem controlados pelo ldquomὁὀὁlὰgiἵὁrdquoΝὂὁὀtὁΝἶἷΝviὅtaΝἶἷΝὅἷuΝautὁὄΝ(ἢἤἓἥἥΝἀίίίΝὂέΝἃ)έ
42 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
perspectiva filosoacutefica e natildeo o conteuacutedo das ideias ao longo dos diaacutelogos53Em segundo lugar eles nos ajudam a ver o significado filosoacutefico da praacutetica de Platatildeo de apresentar cada diaacutelogo como um encontro dialeacutetico distinto Em terceiro lugar eles fornecem uma base para uma periodizaccedilatildeo das obras de Platatildeo com base em variaccedilotildees no tipo de diaacutelogo - em particular na medida em que a dialeacutetica responde a visotildees diferentes ou opostas Concluo caracterizando a perspectiva filosoacutefica que estaacute impliacutecita a meu ver nesses princiacutepios dialeacuteticos e no uso de Platatildeo pela forma de diaacutelogo (GILL 2006 p 143-144)
A proposta eacute realmente tentadora e possui o meacuterito de nos chamar a atenccedilatildeo para a
grandeza da composiccedilatildeo literaacuteria encontrada nos diaacutelogos platocircnicos Aleacutem disso devemos
reconhecer sem sombra de duacutevida o caraacuteter protreacuteptico dos diaacutelogos que nos incita a uma
reflexatildeo a um envolvimento com a atividade dialeacutetica caracteriacutestica essencial da filosofia
ὂlatὲὀiἵaέΝἢὁὄὧmΝἷlaΝaiὀἶaΝὧΝἷxtὄἷmaἶaΝἷΝtalvἷὐΝὂὁὅὅaΝὀὁὅΝἶiὄigiὄΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἵἷtiἵiὅmὁΝ
iὀtἷὄὂὄἷtativὁrdquoέΝ ἒigὁΝ iὅὅὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ὀὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ὧΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ ὀὁtaὄΝ ἵὁmὁΝ algumaὅΝ tἷὅἷὅΝ ὅatildeὁΝ
sutilmente construiacutedas como os mesmos temas voltam a ser tratados com ainda mais vigor
e refinamento semelhantes posicionamentos gerais satildeo adotados em certas obras o cuidado
com a personagem Soacutecrates e sua proeminecircncia diante dos seus interlocutores O que natildeo
significa que possamos imediatamente recolher de seus discursos teses efetivamente
platocircnicas e compor uma doutrina platocircnica geral isso ainda nos eacute infranqueaacutevel Mas em se
tratando de Platatildeo tais habilidades literaacuterias anteriormente destacadas natildeo podem ser
impensadas ou mesmo desprovidas de um propoacutesito
A adoccedilatildeo e preferecircncia exclusiva do diaacutelogo deve ser vista como uma motivaccedilatildeo
propriamente filosoacutefica Por isso eacute necessaacuterio reconhecer tambeacutem o tempo e o espaccedilo ou
melhor o contexto no qual se insere os objetivos especiacuteficos da composiccedilatildeo dialoacutegica
platocircnica Contudo essas constataccedilotildees natildeo devem nos dirigir a um impasse interpretativo ao
superestimar os aspectos unicamente literaacuterios de uma determinada obra sem notarmos aiacute
qualquer conteuacutedo filosoacutefico mas apenas um discurso destinado ao desejo de satisfaccedilatildeo de
um puacuteblico audiente O anonimato a variabilidade e consequente dificuldade expressa pela
forma dialogal natildeo devem nos impedir de atribuir um conteuacutedo filosoacutefico a Platatildeo optando por
uma ecircnfase extremada no aspecto formal da composiccedilatildeo dramaacutetica nem mesmo colocar em
descreacutedito ao que estaacute ali efetivamente expresso a fim de priorizar fragmentos incompletos
emblemaacuteticos e enigmaacuteticos ao se optar por um caminho muito mais difiacutecil de reconstruccedilatildeo
53 Alguns autores preferem organizar cronologicamente as obras platocircnicas a partir de uma dataccedilatildeo dramaacutetica na qual a questatildeo histoacuterica eacute vista em virtude da coerecircncia manifesta entre os diaacutelogos sem portanto recorrer a fases histoacuterico-geneacuteticas como faz por exemplo o meacutetodo geneacutetico-expositivo Veja por exemplo ZUCKERTH (2009) e BENOIT (2015) que recorrem novamente agrave tetralogia para fundamentar sua interpretaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da obra platocircnica sob quatro temporalidades lexis noesis genesis e poiesis
43 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
do pensamento platocircnico por via das chamadas doutrinas orais de Platatildeo54 Mas voltemos agrave
leitura enfaticamente dramaacutetica sobre isso acredito ser oportuno dar voz a Trabattoni
54 Sobre isso ver Scolnicov (2003) apesar de sua adesatildeo agrave priorizaccedilatildeo de uma leitura restrita a cada diaacutelogo centrada na eventualidade dramaacutetica de cada texto Considero sua visatildeo bem fundamentada um pouco menos extrema No entanto ele mesmo critica essa possiacutevel saiacuteda da leitura dialoacutegica em viὅtaΝἶἷΝalgὁΝὁὂaἵὁΝἵὁmὁΝὧΝὁΝἵaὅὁΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-ἷὅἵὄitaὅrdquoέΝἡὅΝἷὅὁtἷὄiὅtaὅΝaὂἷὅaὄΝἶἷΝὅἷΝvalἷὄἷmΝ ἶὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ ὅilecircὀἵiὁrdquoΝ ἶὁὅΝ uὀitaὄiὅtaὅΝ faὐἷmΝ ὁutὄὁΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ uὅὁΝ ἶἷὅὅἷΝ mἷἵaὀiὅmὁΝinterpretativo desviando a necessaacuteria atenccedilatildeo aos conteuacutedos apresentados em cada contexto ἶialὰgiἵὁΝἴuὅἵaὀἶὁΝalgὁΝldquoalὧmrdquoΝἶὁΝὃuἷΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶiὠlὁgὁΝὂὁἶἷὄiaΝlἷvaὄΝaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄέΝἢaὄtἷmΝἶἷΝumaΝconcepccedilatildeo de um Platatildeo restrito agrave exposiccedilatildeo escrita voltado agrave oralidade (o que eacute em termos concordaacutevel) anteriormente mas a finalidade dessa restriccedilatildeo eacute outra pois os diaacutelogos satildeo tratados como uma espeacutecie de iniciaccedilatildeo filosoacutefica a um conteuacutedo maior que natildeo vemos se apresentar nos diaacutelogos do qual apenas alguns estariam aptos a reconhecer o testemunho maior seria a fragmentada tὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtaΝὂlatὲὀiἵaΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoὂὁiὅΝaΝvἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὐἷὄέΝἓlaΝὅὰΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝapreendida Ela natildeo eacute a correspondecircncia de uma proposiccedilatildeo a um estado-de-coisas Ela eacute uma questatildeo ontoloacutegica moral e praacutetica ela estaacute aiacute para ser apreendida e ateacute que natildeo seja apreendida todas as palavras ficam sem sentido O ponto de apoio dos diaacutelogos fica assim sempre externo a eles Isso natildeo quer dizer como estaacute novamente em moda mantecirc-lὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtἷvἷΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὅἷἵὄἷtarsquoΝὁu uma doutrina de princiacutepios uma Prinzipienlehre e que os diaacutelogos devem ser interpretados agrave luz de tal doutrina Isso seria aceitar que a posiccedilatildeo filosoacutefica fundamental de Platatildeo podia ser formulada e passada a outros se bem que apoacutes uma longa preparaccedilatildeo natildeo apropriada a todos Concordo com tais inteacuterpretes que os diaacutelogos de Platatildeo satildeo incompletos de modo que nos satildeo dados e que a chave de sua interpretaccedilatildeo estaacute fora deles Mas natildeo creio que seja um grupo de princiacutepios ou uma doutrina de um tipo qualquer mas um evento um poderoso evento que natildeo soacute deixaria em Platatildeo uma profunda impressatildeo convencendo da supremacia absoluta da razatildeo Essa supremacia era para ele natildeo tanto epistemoloacutegica como ontoloacutegica e especialmente moral Para Platatildeo Soacutecrates mostrou em sua vida e em sua morte que o bem e o real satildeo o mesmo Seus diaacutelogos tentam nos fazer compreender o que ἷὅὅaὅΝὂalavὄaὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝὀὁὅΝἷὀὅiὀaὄΝὂὁὄΝὅiΝὅὰὅrdquoΝ(ἥἑἡἜἠIἑἡVΝἀίίἁΝὂέΝἃἆ-59) Nada nos garante como atesta Frede (2013 p 57) que Platatildeo natildeo tivesse em mente os objetivos que tinha a pretensatildeo de apresentaacute-los gradualmente em sua obra contudo natildeo haacute nada nos diaacutelogos que possa provar isso esse eacute o ocircnus das visotildees baseadas no unitarismo Podem argumentar os esoteristas em favor da proximidade de Aristoacuteteles com Platatildeo ou postulando as recorrentes indicaccedilotildees das doutrinas orais entre os variados testemunhos indiretos mas a questatildeo de fundo que coloca em duacutevida a hipoacutetese esoterista eacute melhor explicada quando se atesta que a criacutetiἵaΝὡΝἷὅἵὄitaΝὀatildeὁΝὧΝmἷὄamἷὀtἷΝldquoἷmὂiacuteὄiἵardquoΝiὅtὁΝeacute baseada em uma distinccedilatildeo entre escrito e oralidade ela possui um caraacuteter filosoacutefico mais amplo a saber dirige-se a finalidade a que ambas as teacutecnicas escritooralidade possam vir a comportar Neste sentido tanto escrito quanto oralidade podem servirem ao oproacutebio quando seus usos natildeo estatildeo orientados agrave finalidade mais importante para nosso autor que no caso trata-se da atividade dialeacutetica ἢὁὄΝiὅὅὁΝhὠΝἵἷὄtaΝἶἷὅἵὁὀfiaὀὦaΝὀὁΝἷὅἵὄitὁΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶaὅΝldquoἵὁiὅaὅΝmaiὅΝὅὧὄiaὅrdquoΝἶἷΝὅuaΝfilὁὅὁfiaΝἷΝporque tambeacutem deixam sacramentado qualquer doutrina nos diaacutelogos contraria a defesa caracteriacutestica fundamental do exerciacutecio da atividade dialeacutetica que se expressa na imitaccedilatildeo na substituiccedilatildeo do ldquoἶiὠlὁgὁΝὁὄalrdquoΝ(ὂὄἷfἷὄiacutevel) por meio do escrito o texto eacute apenas um estiacutemulo para aquilo que natildeo pode se findar em qualquer praacutetica filosoacutefica o debate dialeacutetico O anonimato assim como as contradiccedilotildees as reticecircncias e as cautelas de Soacutecrates preserva o autor de qualquer julgamento dogmaacutetico ao mesmo tempo em que possibilitam sua construccedilatildeo enquanto autor sua autocriacutetica filosoacutefica Nisto tambeacutem reside o valor dos diaacutelogos podemos relecirc-los e essa eacute uma finalidade importante sendo capaz de adentrar ou natildeo agrave discussatildeo ali desenvolvida ao tornaacute-la novamente viva reconhecendo a necessidade de filosofar utilizando-se da forccedila do ζσΰκμ Logo ningueacutem pode se furtar da criacutetica nem mesmo quem ora escuta nem mesmo quem ora responde (TRABATTONI 2012 p 21-22) Ver tambeacutem (SANTOS 1994 p 163-176) (DIXSAUT 2001 p 18-28) (FRANCO 2010 p 267-287)
44 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
Os diaacutelogos natildeo podem ser completamente comparados a obras teatrais ou a textos meramente descritivos mas no seu interior mostram ser bem dirigidos propositivos muitas vezes polecircmicos irocircnicos e ateacute mesmo tendenciosos Por detraacutes do texto em suma transparece a presenccedila do autor que constroacutei e sustenta com sabedoria o jogo do diaacutelogo fazendo explodir contradiccedilotildees lanccedilando sinais muitas vezes sutis e obscuros sugerindo implicitamente ao leitor alguns percursos contentando-se por vezes somente em confundi-lo para provocar nele determinadas reaccedilotildees O autor em outras palavras eacute materialmente ausente do diaacutelogo mas bem presente do ponto de vista filosoacutefico como um invisiacutevel manipulador que move suas marionetes na cena para alcanccedilar determinados objetivos (2012 p 19)
Trabattoni (2012) ainda nos adverte sobre os perigos de confundirmos a relaccedilatildeo entre
autor e leitor e a relaccedilatildeo entre o protagonista do diaacutelogo e o seu interlocutor sendo necessaacuterio
lembrar que muitos textos escritos eram lidos em voz alta em praccedila puacuteblica (2012 p 20)
Portanto seria mais prudente natildeo associar imediatamente os propoacutesitos dramaacuteticos evidentes
destinados agrave atraccedilatildeo do puacuteblico ao despertar de consciecircncia de sua audiecircncia do sentido
mais aprofundado (dialeacutetico) que caracteriza determinada obra filosoacutefica e a proacutepria relaccedilatildeo
entre condutor e interlocutor da discussatildeo55
Outra objeccedilatildeo importante eacute que sendo Platatildeo um defensor deste caraacuteter protreacuteptico
da real necessidade da investigaccedilatildeo proacutepria caracteriacutestica fundamental da atividade dialeacutetica
da importacircncia atribuiacuteda neste caso agrave filosofia natildeo se pode negar que ele tenha crenccedilas
proacuteprias acerca dos assuntos dos quais trata concepccedilotildees filosoacuteficas sobre a realidade sobre
a vida humana etc Ora isto nos faz pensar que devemos ir em uma direccedilatildeo contraacuteria ao
tentar sim buscar construir uma posiccedilatildeo platocircnica sobre certos temas ainda que natildeo
possamos tomaacute-las como teorias strictu sensu Em suma podemos concluir com Trabattoni
(2012 p 25) que eacute realmente verdade que alguns diaacutelogos resolvem certos problemas e
outros natildeo mas nenhum deles eacute tatildeo aporeacutetico a ponto de natildeo oferecer nenhum avanccedilo na
pesquisa nenhuma soluccedilatildeo ainda que implicitamente nem ao menos nenhum deles eacute tatildeo
dogmaacutetico e conclusivo de tal modo que posamos a partir dali conceber conteuacutedos
verdadeiros absolutos e definitivos Dirijo-me agora agrave proposta de leitura adotada neste
trabalho
15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
55 Cf GERSON (2000 p 5) acerca da distinccedilatildeo necessaacuteria entre o representativo e o argumentativo Gerson defende que Soacutecrates tambeacutem produz argumentos Marques (2006) diz acertadamἷὀtἷμΝ ldquoἡΝdiaacutelogo escrito eacute miacutemesis do diaacutelogo oral mas eacute tambeacutem invenccedilatildeo de personagens que dialogam entre ὅiΝἷΝἷxὂὄἷὅὅamΝumΝἶiὠlὁgὁΝὃuἷΝaΝalmaΝmaὀtὧmΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmardquoΝ(ὂέΝἂί)έ
45 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Primeiramente diante do que foi exposto eacute preciso notar que natildeo podemos adotar
nenhuma das trecircs posiccedilotildees extremas mas que em alguns aspectos natildeo em todos elas
contribuem para a escolha de uma determinada abordagem O que se exige do inteacuterprete eacute
uma necessaacuteria cautela uma posiccedilatildeo mediana tanto entre unitarismo e desenvolvimentismo
quanto entre dogmatismo e ceticismo interpretativo O fato de Platatildeo se ausentar da obra natildeo
significa que natildeo possamos tentar construir uma intepretaccedilatildeo do que sejam suas posiccedilotildees
muito pelo contraacuterio ela assegura ainda mais nossa liberdade interpretativa Contudo isso
natildeo significa que essas mesmas posiccedilotildees natildeo sejam postas em criacutetica em debate e que elas
possam revestir-se de dogmatismo pelo fato de reconhecermos certa ocorrecircncia de
determinados argumentos e o esforccedilo frequente empregado em defendecirc-los Neste sentido
o caraacuteter investigativo (protreacuteptico) suscitado pelo diaacutelogo natildeo eacute contraditoacuterio com a
construccedilatildeo de posicionamentos que possam ser atribuiacutedos a Platatildeo
Devemos ainda salientar que toda atenccedilatildeo deve ser dada agrave particularidade dos
argumentos ao serem analisados no contexto geral da obra isto eacute sobre o modo como se
desenvolvem e sua peculiaridade em um determinado acircmbito dialeacutetico isto eacute jamais se deve
sacrificar o contexto dialeacutetico em que dado argumento estaacute fundamentado desconsiderando
todo o processo pelo qual ele se desenvolve Nada impede entretanto que possamos
estabelecer certa correlaccedilatildeo por intermeacutedio de referecircncias a argumentos sobre temas
defendidos em outras obras que porventura nos conduzam a compreensatildeo platocircnica de que
um dado tema natildeo se encontra limitado a um uacutenico diaacutelogo Semelhantemente parece vaacutelido
levar em conta as questotildees literaacuterias especiacuteficas demonstradas em cada exposiccedilatildeo em
particular (mitos alegorias omissotildees reticecircncias contradiccedilotildees ironia refutaccedilatildeo etc) elas
nos ajudam a compreender o processo sob o qual a argumentaccedilatildeo elaborada eacute relevante no
conjunto da interpretaccedilatildeo Todavia essas posiccedilotildees natildeo determinam o conteuacutedo geral da obra
natildeo a descrevem mas estatildeo inseridas num acircmbito maior referem-se unicamente ao
processo ao desenvolvimento loacutegico de uma dada argumentaccedilatildeo que tem finalidades outras
que natildeo um mero espetaacuteculo de posiccedilotildees diacutespares representados pelo pensamento
autocircnomo de cada personagem
Natildeo se trata de negar que haja mutaccedilatildeo ou uma espeacutecie de crescendum na obra
platocircnica mas o que natildeo parece ser correto eacute por meio dessas formas que documentam uma
evoluccedilatildeo nas obras direcionarmo-nos a um dogmatismo platocircnico Antes devemos notar a
finalidade dessa mudanccedila no desenvolvimento da argumentaccedilatildeo qual o sentido da utilizaccedilatildeo
de um recurso literaacuterio em detrimento de outro Insisto que isso natildeo eacute negar a evoluccedilatildeo do
pensamento platocircnico mas como nos diz Trabattoni eacute antes de tudo destituir a funccedilatildeo
dessas mudanccedilas utilizadas para resolver questotildees filosoacuteficas isto eacute retirar o caraacuteter
substancial por vezes atribuiacutedo na tradiccedilatildeo interpretativa a tais mudanccedilas (2012 p 26)
46 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
Neste caso trata-ὅἷΝἶἷΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝldquotὁἶὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝ
p 20)56 ὁuΝ ldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝ (ἤἡWἓΝἀίίἅΝὂέΝἃί-51) em que forma e conteuacutedo natildeo podem ser
dissociaἶὁὅνΝἷὅὅἷΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶaΝativiἶaἶἷΝ
filosoacutefica nunca concluiacuteda aberta a investigaccedilotildees ulteriores repleta de ductilidade e distante
de dogmatismos Natildeo apenas Soacutecrates mas tambeacutem o entrelaccedilamento entre condutor e
interlocutor aleacutem dos mais variados aspectos literaacuterios aleacutem das personagens que possam
contribuir para a anaacutelise de uma determinada obra Sobre isso creio ser importante destacar
as concepccedilotildees oferecidas por Marques (2006)
Parece-me evidente que Platatildeo tivesse julgado que o diaacutelogo vivo entre almas eacute essencial agrave sua filosofia se pensarmos em sua produccedilatildeo escrita tudo o que ele escreveu estaacute em forma de diaacutelogo entre dois ou mais indiviacuteduos Eacute portanto razoaacutevel acreditar que seus escritos satildeo boas imagens do verdadeiro diaacutelogo dialeacutetico Mais do que a exclusatildeo do outro indiviacuteduo como ὅἷΝfὁὅὅἷΝalgὁΝὅuὂὧὄfluὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὅuὂὧὄfluὁrdquoΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝἶἷvἷΝὅἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶaΝἵὁmὁΝumaΝὄἷὅtὄiὦatildeὁΝὁuΝὃualifiἵaὦatildeὁμΝo diaacutelogo natildeo eacute algo meramente espontacircneo e automaacutetico ele convoca a reflexatildeo e a determinaccedilatildeo pela inteligecircncia dos movimentos que emanam da alma ele eacute uma caccedila e uma luta que implica esforccedilo compartilhado e conquistas parciais e principalmente suscetiacuteveis de serem eventualmente consideradas falsas pois sem o falso natildeo eacute possiacutevel o verdadeiro (p 332)
Ao buscarmos afirmar uma determinada posiccedilatildeo geral do pensamento platocircnico
devemos nos atentar agrave seriedade que essa tarefa nos impotildee sobre a necessidade de
demonstrar certa coerecircncia entre tais posiccedilotildees levantadas e aquelas apresentadas pelo texto
esgotando ao maacuteximo os recursos que possam nos proporcionar Haacute que se atentar agraves
diversas possibilidades loacutegicas possiacuteveis poreacutem sempre lembrando que a discussatildeo se insere
em um contexto dramaacutetico e por isso as leituras permanecem em aberto porque sempre eacute
possiacutevel observar algo que natildeo foi percebido imediatamente em uma leitura primeira sempre
resta um pouco de duacutevida em toda interpretaccedilatildeo Apenas depois de examinarmos
exaustivamente essas relaccedilotildees o modo como certas teses satildeo tratadas o modo como satildeo
desenvolvidas naquele cenaacuterio da discussatildeo filosoacutefica eacute que poderemos estabelecer
possiacuteveis consideraccedilotildees sobre uma dada questatildeo nomeadamente platocircnica Nossas
56 ldquoἢaὄaΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὀatildeὁΝἴaὅtaΝὅἷguiὄΝalgumaὅΝafiὄmaὦὴἷὅΝmἷὅmὁΝque se trate de afirmaccedilotildees de Soacutecrates (e dos outros condutores) Em vez disso faz-se necessaacuterio analisar no seu todo a estrutura dialoacutegica composta quer por perguntas quer por respostas dos interlocutores tentando assim entender o que Platatildeo queria dizer ao leitor ao construir um certo tipo de diaacutelogo no qual quem interroga formula certas perguntas e quem responde o faz de maneira bastante calculada O resultado do texto eacute sempre a soma desse entrelaccedilamento e pode acontecer com grandes chances que a contribuiccedilatildeo do interlocutor seja pouco relevante podendo tambeacutem acontecer (e com chances ainda maiores) que o sentido de um determinado desenvolvimento dialoacutegico ultrapasse laὄgamἷὀtἷΝaὅΝaὅὅἷὄὦὴἷὅΝἶὁὅΝἶialὁgaὀtἷὅrdquoΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝὂέΝἀί)έ
47 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
inferecircncias podem estar equivocadas ao supormos um conteuacutedo extra oculto que natildeo esteja
presente ali no diaacutelogo sendo por vezes algo deliberado pelo proacuteprio autor sob fins que natildeo
os ali delimitados
Logo nosso trabalho eacute aacuterduo e exige uma seacuterie de esforccedilos a serem empregados
pois acredito sim ser possiacutevel levantarmos algumas questotildees ou mesmo posicionamentos
sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo acerca da natureza e do papel do prazer na vida humana Meu
trabalho natildeo eacute neutro ele se caracteriza por ser uma leitura sobre a qual necessariamente haacute
divergecircncias o que natildeo eacute um problema mas um ganho porque nos possibilita dialogar a fim
de tentarmos tornar mais claras e coerentes nossas argumentaccedilotildees a partir de um debate
respeitoso o que natildeo significa ausecircncia de criacuteticas mas colocar em praacutetica o exerciacutecio de
nosso Mestre debruccedilando-se de forma rigorosa sobre a sua proacutepria obra tambeacutem passiacutevel
de criacutetica Por jaacute ter de lidar com uma quantidade expressiva de posicionamentos manifesto
minha recusa por uma aἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝfaὦaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoὅigὀifiἵaἶὁΝὁἵultὁrdquoΝ
diante de qualquer passagem enigmaacutetica do diaacutelogo em anaacutelise
Prefiro optar por deixar a discussatildeo aberta e me precaver atestando a necessidade de
maiores estudos sobre a obra seja por incapacidade manifesta no momento ou recorrendo
por exemplo agrave suposiccedilatildeo de possiacuteveis corrupccedilotildees ou acreacutescimo agraves traduccedilotildees de termos que
impossibilitem uma compreensatildeo mais clara de alguma passagem pela verificaccedilatildeo do aparato
criacutetico ou dos manuscritos ou mesmo reconhecendo depois de tudo isso que a questatildeo talvez
natildeo esteja bem esclarecida ou eacute propositalmente inconclusa Tambeacutem ao tratar o Filebo com
ldquoumΝἶiὠlὁgὁΝήltimὁrdquoΝὀatildeὁΝὂὄἷtἷὀἶὁΝfaὐἷὄΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝἵὄὁὀὁlὰgiἵὁὅΝὃuἷΝgἷὄalmἷὀtἷΝ
o atribuem com um diaacutelogo da fase final do pensamento platocircnico mas o que quero dizer com
isso eacute que dentre todos os diaacutelogos platocircnicos esse parece ser aquele que conteacutem uma
anaacutelise mais detida na questatildeo no prazer no qual o tema ganha maior visibilidade quando
comparado agraves demais obras do corpus em que o tema aparece por vezes timidamente por
vezes mais explicitamente
Resta ainda um ponto a ser destacado que diz respeito agrave preferecircncia por uma anaacutelise
predominantemente eacutetica da questatildeo do prazer em um contexto dramaacutetico em que natildeo
encontramos teorias formuladas estritamente nem tratados sobre o tema A obra de Platatildeo eacute
uma obra dialoacutegica em que os temas se encontram articulados e continuamente colocados
em discussatildeo Deste modo parece impossiacutevel operar semelhante distinccedilatildeo a respeito de uma
visatildeo uacutenica de um tema qualquer ainda mais quando se trata de temas tatildeo relevantes
tratados significativamente em outros diaacutelogos como o bem e a vida boa cujo mote nesse
diaacutelogo vem a ser a reflexatildeo sobre o prazer A temaacutetica que envolve o prazer estaacute relacionada
diretamente com a eacutetica mas como veremos no diaacutelogo a abordagem deste tema por Platatildeo
eacute ainda mais ampla natildeo se restringindo apenas aos conteuacutedos eacuteticos apesar de me
interessar predominantemente por estes uacuteltimos O Filebo daacute abertura a uma seacuterie de
48 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
possibilidades de leituras tendo em consideraccedilatildeo a variedade de temas ali encontrados
Todavia uma visatildeo plural como essa natildeo eacute suficiente para afirmar ao mesmo tempo a defesa
da ideia de que os diaacutelogos de Platatildeo natildeo conteriam nada que diga respeito a um conteuacutedo
eacutetico Muito pelo contraacuterio neles residem os conteuacutedos fundamentais que originam este tipo
de pensamento na filosofia ocidental essa disciplina filosoacutefica Tal posiccedilatildeo que natildeo deve nos
conduzir a um ceticismo interpretativo em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo e a seus conteuacutedos eacuteticos
mas
() noacutes lemos diaacutelogos e essa forma na qual a filosofia de Platatildeo eacute apresentada longe de ter valor unicamente exterior tem um sentido filosoacutefico e por esse motivo deve ser levada a seacuterio como sinal de uma problematizaccedilatildeo profunda e radical integralmente exploratoacuteria e hipoteacutetica de tudo aquilo que seu autor ndash por meio de uma linguagem que com ele comeccedila a ser filosoficamente teacutecnica mas que na maioria das vezes eacute ainda a linguagem do cotidiano ndash vem dizendo () A forma dialoacutegica poreacutem natildeo adia indefinidamente nem anula a obrigaccedilatildeo de seu autor de encontrar soluccedilotildees para os problemas discutidos tais soluccedilotildees ainda que provisoacuterias e parciais estatildeo presentes nos proacuteprios diaacutelogos e satildeo fruto da proacutepria problematizaccedilatildeo radical permitida por estrutura filosoacutefica e natildeo apenas literaacuteria (isso eacute vaacutelido independentemente da amplitude e da forccedila filosoacutefica global inscritas nas soluccedilotildees encontradas ou vislumbradas nos diaacutelogos () (NAPOLITANO VALDITARA 2015 p 14)
ἒἷὅtἷΝ mὁἶὁΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ὅimΝ ἷὅἴὁὦaὄΝ umΝ ὃuaἶὄὁΝ ὂaὄtiἵulaὄΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ldquoὧtiἵaΝ
ὂlatὲὀiἵardquoΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὁΝ ἴaὅἷΝ aΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ ὂὁὄΝ ἢlatatildeὁέΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ
adentrar em determinado contexto dramaacutetico a fim de elaborarmos ainda que possibilidades
provisoacuterias uma interpretaccedilatildeo das noccedilotildees concernentes ao tema do prazer na eacutetica da
filosofia platocircnica Poreacutem neste trabalho como demonstro creio ser imprescindiacutevel em um
primeiro momento me deter na argumentaccedilatildeo presente nas linhas do Filebo a fim de
demonstrar as possiacuteveis interpretaccedilotildees da posiccedilatildeo (especiacutefica) de Platatildeo ao longo de
semelhante obra
Eacute necessaacuterio ainda esclarecer alguns pontos fundamentais sobre isso Primeiramente
parece ser impossiacutevel compreender o prazer em Platatildeo enquanto temas relativos agrave eacutetica a
partir de uma tentativa de isolamento deste tema (o prazer) nesse uacutenico diaacutelogo O Filebo
envolve questotildees ainda maiores que tecircm como ponto de partida do diaacutelogo a reflexatildeo sobre
os prazeres que podem ser lidas de um ponto de vista eacutetico (moral) Ateacute porque natildeo
encontramos em nenhuma obra platocircnica algo como uma teoria eacutetica formalizada isto eacute um
texto que fale estritamente de eacutetica (tal como temos em Aristoacuteteles um texto especiacutefico sobre
a eacutetica Eacutetica a Nicocircmaco)
49 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Julia Annas em seu The Morality of Hapiness (1993) logo na Introduccedilatildeo de sua obra
justifica sua exclusatildeo da anaacutelise de Platatildeo a respeito do tema da eacutetica justamente por alegar
que
Natildeo haacute um diaacutelogo ὂlatὲὀiἵὁΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝldquoὅὁἴὄἷΝὧtiἵardquoΝἶaΝmἷὅmaΝfὁὄmaΝque a Eacutetica a Nicocircmaco eacute sobre a eacutetica Cada diaacutelogo possui seu proacuteprio tema ou grupo de temas que frequentemente natildeo dizem respeito as nossas divisotildees subjetivas de temas Mesmo os diaacutelogos que satildeo de maneira oacutebvia mais relevantes para a eacutetica como a Repuacuteblica e o Filebo satildeo tambeacutem igualmente sobre problemas metafiacutesicos e epistemoloacutegicos E mesmo nos diaacutelogos mais claros sobre a eacutetica Platatildeo ao usar deliberadamente a forma do diaacutelogo evita identificar e colocar sua proacutepria posiccedilatildeo Seria extremamente ingecircnuo simplesmente para identificar a posiccedilatildeo de Platatildeo com o que eacute atribuiacutedo a Soacutecrates em um determinado diaacutelogo E ateacute mesmo se o fizermos encontramos posiccedilotildees imensamente diferentes ocupadas por Soacutecrates em diferentes diaacutelogos a estrutura da teoria eacutetica platocircnica eacute muito pouco determinada pelo que encontramos nos diaacutelogos Assim se estudarmos eacutetica platocircnica enfrentamos um problema de extraccedilatildeo noacutes mesmos temos que selecionar e extrair o assunto a respeito da questatildeo eacutetica e isto eacute a nossa imposiccedilatildeo posterior sobre um escritor que escreve deliberadamente de uma forma muito diferente Eacute claro que este eacute um procedimento perfeitamente legiacutetimo Mas aponta grandes e largas diferenccedilas (ANNAS 1993 p 18)
Dito de outro modo eacute inuacutetil tentar fundamentar a partir dos diaacutelogos platocircnicos uma
eacutetica autocircnoma distinta das demais disciplinas filosoacuteficas Contudo tambeacutem eacute equivocado
por outro lado salientar que natildeo podemos encontrar nas obras de Platatildeo referecircncias aos
temas eacuteticos ou que suas posiccedilotildees natildeo contribuiacuteram para o que hoje denominariacuteamos como
ldquoὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧtiἵὁέrdquoΝεaὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝἶἷmaiὅΝ tἷmaὅΝὀὁὅὅὁΝautὁὄΝ tὄataΝἶaΝὧtiἵaΝ
dialogicamente e aqui desejamos trataacute-la a partir da questatildeo do prazer partindo de uma
anaacutelise detalhada do Filebo Acerca disto ainda podemos ainda ressaltar que
Platatildeo fala da eacutetica dialogicamente como de qualquer outro tema mas ndash uma segunda possiacutevel chave de leitura ndash qualquer outro tema de que ele fala parece ter como eixo a eacutetica e ter com ela um envolvimento problemaacutetico a ser esclarecido caso a caso No entanto isso natildeo eacute o mesmo que diluir o tema moral em um magma indistinto em que tudo (e portanto nada) dos conteuacutedos dos diaacutelogos pode ser considerado eticamente interessante Todos os aspectos ndash ou seja cada aspecto ndash de uma problemaacutetica filosoacutefica eacutetica parecem ter sido analisados por Platatildeo natildeo sistematicamente mas sempre no diaacutelogo com uma urgecircncia radical da filosofia platocircnica (FERMANI 2015 p 14)
Podemos portanto afirmar a relevacircncia deste trabalho a partir do que anteriormente
jaacute dissemos Primeiramente porque o conflito eacutetico e psicoloacutegico aleacutem de ser uma
antiquiacutessima questatildeo filosoacutefica eacute um conflito que constitui a espeacutecie humana Deste modo a
50 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
anaacutelise de tal dilema (eacutetico-psicoloacutegico) eacute um exerciacutecio ainda pertinente a nossa investigaccedilatildeo
haja vista o papel extremamente relevante do prazer perante agrave constituiccedilatildeo da natureza
humana Ao analisar esta perspectiva mediante um autor da Antiguidade Grega Claacutessica
torna-se visiacutevel o quanto as questotildees claacutessicas podem ser retomadas tornando-se vivas e
inteligentes ou melhor dizendo como tais problemaacuteticas ainda permanecem desafiadoras agrave
investigaccedilatildeo filosoacutefica enquanto tal57
57 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaiὀἶaΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷtὁmaὄmὁὅΝἏὀὀaὅΝ(1λλἁ)μΝldquoἓὀtatildeὁΝὁΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀὅἷguiὄΝἵὁmΝo estudo da eacutetica antiga Antes de mais nada ganhariacuteamos o que se obteacutem de todo estudo histoacuterico vale dizer a aquisiccedilatildeo de uma sensibilidade em relaccedilatildeo agraves quais agora teremos mais consciecircncia compreendendo tambeacutem aquelas opccedilotildees que natildeo fazem mais parte do repertoacuterio das nossas atuais opccedilotildees de escolha Em segundo lugar verificaremos quanto a nossa condiccedilatildeo intelectual se aprofunda ὃuaὀἶὁΝlἷvaΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦatildeὁΝὅuaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὁὄigἷὀὅrdquoΝ(ὂέΝ1ί)έ
51 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
Antes de avanccedilarmos propriamente no estudo das linhas e temas que satildeo discutidos
por Platatildeo no Filebo conveacutem apresentarmos algumas das sinuosidades deste nosso percurso
interpretativo e o modo como a tradiccedilatildeo claacutessica tem lido essa obra visotildees que em sua
maioria como mostrarei detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo discordo em alguns pontos
fundamentais No entanto por hora permanecemos ainda no exterior do diaacutelogo isto eacute o
texto a seguir pretende demonstrar algumas dessas visotildees claacutessicas para somente depois
disso no proacuteximo capiacutetulo apresentar visotildees mais recentes sobre a obra algumas das quais
compartilho no momento da anaacutelise do proacuteprio diaacutelogo quando nos atentaremos ao leacutexico
platocircnico e aos problemas filosoacuteficos fundamentais apresentados pelo proacuteprio autor
O Filebo ainda divide opiniotildees entre uma seacuterie de estudiosos Conforme jaacute
destacamos para muitos pesquisadores ele assemelha-se agrave conotaccedilatildeo atribuiacuteda por D
Frede a essa obra58 ἵὁmὁΝaΝldquo(έέέ)Νterra incognita ἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅrdquoΝ(ἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἑὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝ
ἔὄἷἶἷΝ(ἀί1ἁ)ΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝὁuΝὂurgatoacuterio (FREDE 1993 p 13) dos estudiosos da
ὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝὅἷὄiaΝὁΝldquolὁὀgὁΝὂὄἷfὠἵiὁΝmἷtafiacuteὅiἵὁ-ἶialὧtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἶὠΝiὀiacuteἵiὁΝaὁΝtἷxtὁΝaὂὰὅΝὅἷὄἷmΝ
apresentadas as posiccedilotildees iniciais pelos interlocutores (uma em defesa do prazer e outra em
defesa da inteligecircncia)59 (p 501) Na visatildeo da tradutora alematilde este eacute um dos diaacutelogos entre
ὁὅΝἶitὁὅΝldquotaὄἶiὁὅrdquoΝἷΝmaiὅΝἶifiacuteἵἷiὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁiὅΝaluἶἷmΝὡΝldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵaΝἶaΝvἷlhiἵἷrdquoΝmaὅΝ
natildeo a explicam suficientemente semelhantemente ao que poderia ser notado no Parmecircnides
no Teeteto e no Sofista (ἔἤἓἒἓΝἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἏΝldquoὀὁvaΝmἷtὁἶὁlὁgiardquoΝἷΝaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝ
que compotildeem o iniacutecio da argumentaccedilatildeo do diaacutelogo de fato assustam o leitor de Platatildeo ao
ser confrontado com termos em relaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo ali desenvolvida (como
ldquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquoΝldquoἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquo)ΝjamaiὅΝviὅtὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὀaὅΝaὄgumἷὀtaὦὴἷὅΝὂlatὲὀiἵaὅΝ
precedentes
Podemos tambeacutem retomar a metaacutefora de Bury (1897) em seu comentaacuterio ao diaacutelogo
intitulado The Philebus of Plato Nos dizeres do estudioso no bosque dos diaacutelogos de Platatildeo
o Filebo se assemelharia a um carvalho assimeacutetrico retorcido repleto de ramos distorcidos
58 A teoacuterica alematilde eacute uma das mais claacutessicas tradutoras do Filebo ela escreve uma longa introduccedilatildeo a respeito dos temas tratados neste escrito em particular como tambeacutem diversas notas que compotildeem a obra Aleacutem do mais ela eacute autora de diversos artigos sobre o Filebo aos quais eu faccedilo a referecircncia no decorrer do trabalho 59 No decorrer do proacuteximo capiacutetulo sustento que natildeo haacute teses no iniacutecio do diaacutelogo mas sim discursos simeacutetricos Sobre isso falarei mais adiante basta ressaltar que essa eacute a visatildeo da tradutora em questatildeo
52 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
enquanto os outros diaacutelogos seriam belos ciprestes e pinheiros no bosque da Academia de
Platatildeo Isto porque o diaacutelogo segundo o teoacuterico apresenta uma seacuterie de dificuldades quanto
agraves expressotildees empregadas por seu autor como tambeacutem uma peculiaridade na sua forma
ἓmἴὁὄaΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝὅἷguὀἶὁΝἐuὄyΝὂaὄἷὦaΝἷὅtaὄΝἵὁὀtiἶὁΝὁΝὀήἵlἷὁΝὁuΝὁΝldquoἵἷὀtὄὁΝὅaἶiὁrdquoΝἶaΝ
doutrina platocircnica (p 9)
Migliori (1998) prefere servir-se da metaacutefora platocircnica utilizada no proacuteprio diaacutelogo (29a)
em que Soacutecrates afirma ao deuteragonista do diaacutelogo (Protarco) estarem ambos envolvidos
em uma tempestade em alto mar (29a) Isto devido agrave tamanha dificuldade em que estatildeo
envoltos verificaacutevel a partir dos raciociacutenios que se seguem estando eles imersos muitas
vezes em imensas aporias Semelhantes dificuldades as quais nem o proacuteprio leitor estaacute livre
de enfrentar A imagἷmΝἵὄiaἶaΝὂἷlὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἢlatatildeὁΝἶὁΝldquomaὄΝὄἷvὁltὁrdquoΝiluὅtὄaΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝaὀὠlὁgaΝ
a proacutepria situaccedilatildeo do leitor frente ao conturbado diaacutelogo Contudo segundo ele eacute necessaacuterio
ao leitor compor a sinfonia que reuacutene em uma uacutenica obra o diaacutelogo (reductio ad unum) sair
ἷmΝἴuὅἵaΝἶaΝldquoἴήὅὅὁlardquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁὅΝldquoὀavἷgaὀtἷὅrdquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁΝlἷitὁὄΝἶiante do
mar revolto caracteriacutestico deste mesmo drama Ao iniciar um percurso interpretativo de um
drama platocircnico complexo como eacute o caso do Filebo seria necessaacuterio que o leitor operasse
em trecircs niacuteveis o literaacuterio (a especificidade da escrita platocircnica) o estrutural (os acircmbitos
teoacutericos em que se movem o diaacutelogo) e o filosoacutefico (a reflexatildeo sobre os conteuacutedos
apresentados) (MIGLIORI 1998 p 330-333)
Segundo Muniz (2007) durante seacuteculos os estudiosos desta obra platocircnica
lamentaram a perda de um suposto tratado de Galeno Sobre as transiccedilotildees do Filebo (π λ
θ θ Φδζ ί η αίΪ πθ) jaacute que se imaginava na antiguidade que poderiam descobrir um
mecanismo hermenecircutico nesse caso extratextual capaz de fornecer a salvaccedilatildeo aos
inteacuterpretes a tatildeo sonhada chave de leitura ateacute entatildeo natildeo encontrada pelos leitores do diaacutelogo
desde sua publicaccedilatildeo capaz de solucionar os problemas que o texto envolve como tambeacutem
explicar as bruscas transiccedilotildees presente nesse texto platocircnico O que demonstraria segundo
o teoacuterico uma profunda descrenccedila em qualquer soluccedilatildeo que pudesse ser encontrada no
proacuteprio texto (p 113)
Do mesmo modo essa descrenccedila pode ser notada na obra de Allen (1975) em sua
traduccedilatildeo e criacutetica ao comentaacuterio do renascentista Marsiacutelio Ficino ao Filebo no qual nos
apresenta uma carta do poliacutetico italiano Cossimo de Meacutedici (que teria encomendado uma
traduccedilatildeo desse diaacutelogo a Ficino) ao filoacutesofo italiano Nesta carta o governante de Florenccedila
descreve ter permanecido em seu leito junto com Lorenzo de Meacutedici ateacute a hora de sua morte
lendo o Filebo no seu entender uma obra sobre o supremo bem humano Ou seja trata-se
53 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
do uacuteltimo diaacutelogo lido pelo fundador da dinastia dos Meacutedici60 (p 6) Ironicamente Waterfield
(1982) em seu prefaacutecio introdutoacuterio agrave traduccedilatildeo da obra sublinha que talvez esse natildeo seria o
diaacutelogo que escolheriacuteamos para ler nos instantes finais de nossa existecircncia como teria feito
o poliacutetico italiano da linhagem dos Meacutedici
Benjamin Jowett jaacute em 1897 teria reconhecido a complexidade dos temas abordados
no diaacutelogo ao destacar a mudanccedila do estilo dramaacutetico platocircnico notada a partir deste escrito
Os elementos poeacuteticos e dramaacuteticos passam a ser subordinados ao elemento filosoacutefico Pois
satildeo evidentes na obra algumas deficiecircncias como certas passagens confusas e a falta de uma
estrutura clara completa segundo Jowett (p 521)
Diante do que jaacute foi dito nota-se o impacto da leitura do Filebo desde a antiguidade
ateacute agrave contemporaneidade seja no neoplatonismo (por exemplo no extenso Comentaacuterio de
Damaacutescio ao Filebo) como no periacuteodo da renascenccedila (no comentaacuterio de Ficiono) Nosso
diaacutelogo teve seus breves instantes de gloacuteria na Antiguidade e soacute depois de longos anos os
estudos sobre o Filebo foram retomados O diaacutelogo permaneceu esquecido durante seacuteculos
na tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica e retorna agrave cena das discussotildees somente no seacuteculo XIX
sobretudo no seacuteculo XX Mas por quais motivos o diaacutelogo retorna ao debate filosoacutefico platocircnico
a partir do seacuteculo XX A seguir apresento alguns dos fatores primordiais
Umas das principais estudiosas da obra de Platatildeo a platonista francesa Monique
Dixsaut afirma que o Filebo eacute um diaacutelogo difiacutecil concordando com Rodier (1926 p 137-174)
dizendo aiὀἶaΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν aΝ ὁἴὄaΝ ἵὁmὂὁὄtaΝ ὁΝ iὀἵἷὄtὁΝ ὂὄivilὧgiὁΝ ἶἷΝ ἶἷtἷὄΝ ἷmΝ si todas as
ἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὡΝlἷituὄaΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἀἆἃ)έΝἓmΝὁutὄaΝὁἴὄaΝaΝ
mesma autora assegura que sem duacutevida ldquoὁΝὂὄiὀἵiὂalΝὁἴὅtὠἵulὁΝὡΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute
ὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷrdquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἀ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝcomo veremos a proacutepria Dixsaut seraacute
uma das inteacuterpretes a demonstrar o caraacuteter equivocado desta suposta descrenccedila entre os
platocircnicos de que o Filebo possui deficiecircncias tanto estruturais (literaacuterias) de composiccedilatildeo
quanto nos conteuacutedos filosoacuteficos propondo uma leitura coerente e significativa sobre a obra
Para alguns estudiosos (os revisionistas) neste diaacutelogo Platatildeo apresentaria uma
revisatildeo de sua ontologia e de sua metodologia rompendo definitivamente com os Grandes
Gecircneros do Sofista com a hipoacutetese das Formas e principalmente com o meacutetodo dialeacutetico
Por outro lado o FileboΝ ἵὁmὁΝ ὄἷὅὅaltaΝ ἒixὅautΝ ὧΝ ὁΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ὂὄἷἶilἷtὁrdquoΝ ἶὁὅΝ ἵhamaἶὁὅΝ
ldquoἷὅὁtἷὄiὅtaὅrdquoΝἶaΝ filὁὅὁfiaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁὄΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄἷmΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀἵἷἴἷὄiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝ
dividida segundo dois princiacutepios fundamentais o Uno e a Diacuteade (DIXSAUT 1999 p 10)
60 ldquoἣuaὀἶὁΝἑὁὅὅimὁΝἶἷitὁuΝὀὁΝὅἷuΝlἷitὁΝἶἷΝmὁὄtἷΝὀὁΝfiὀalΝἶἷΝjulhὁΝὀὁὅΝiὀfὁὄmamὁὅΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝFicino em uma carta a Lorenzo que Cossimo teria examinado o Filebo ὂὁὄΝήltimὁμΝlsquoἓὀtatildeὁΝἵὁmὁΝvὁἵecircΝsabe desde que vocecirc mesmo esteve laacute ele morreu natildeo muito depois de termos examinado os diaacutelogos de Platatildeo um sobre o princiacutepio das coisas (o Parmecircnides) e um sobre o Supremo Bem (o Filebo) (ALLEN 1975 p 6-7)
54 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
Neste caso conforme destaca a autora torna-se imprescindiacutevel ao leitor de Platatildeo a
compreensatildeo clara da primeira parte do diaacutelogo e sua relaccedilatildeo com o restante do texto ou
seja compreender como os temas ontoloacutegicos satildeo uacuteteis e fundamentais para a compreensatildeo
dos temas eacuteticos presentes na obra61
Segundo as consideraccedilotildees de Muniz (2007) o Filebo eacute um diaacutelogo de inuacutemeras
ldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoέΝἏΝ fimΝἶἷΝὅἷΝἷxὂliἵaὄἷmΝaὅΝἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝἶialὰgiἵaὅΝὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝὁἴὄaΝ bem
como as dificuldades em relaccedilatildeo aos conteuacutedos filosoacuteficos a obra da maturidade platocircnica
tem sido interpretada de diferentes modos Um deles consiste em analisar apenas algum
aspecto que pareccedila mais relevante no texto platocircnico como o prazer Atente-se neste caso agrave
intepretaccedilatildeo revisionista (p 113) Em busca de um recurso hermenecircutico possiacutevel muitos
tendem a recorrer aos aspectos externos da obra sem contudo analisaacute-la a partir de sua
complexidade interna (como eacute o caso dos esoteristas)
Aleacutem disso o Filebo destaca-se no cenaacuterio filosoacutefico devido agrave complexidade de sua
abordagem do prazer visto por alguns teoacutericos anglo-saxotildees como a primeira abordagem do
ὂὄaὐἷὄΝ ἵὁmὁΝ ldquoatituἶἷΝ ὂὄὁὂὁὅiἵiὁὀalrdquoέΝ ἧmaΝ viὅatildeὁΝ ὃuἷΝ ἵὁmὁΝ vἷὄἷmὁὅΝ ἶἷmὁὀὅtὄa-se
extremamente complicada desprendendo-se em grande parte da letra do texto
Diante das complexidades que o texto apresenta de acordo com Muniz (2012)
podemos (resumidamente) destacar as trecircs principais tendecircncias interpretativas
contemporacircneas que surgem no seacuteculo XX e fizeram com que o diaacutelogo voltasse a ser
estudado (i) uma anaacutelise dos prazeres falsos em grande medida desenvolvida por Gilbert
Ryle (1950) (The Concept of Mind) filoacutesofo da mente da contemporaneidade e defensor de
uma leitura particular do Filebo (amplamente polecircmica) (ii) a emergecircncia da interpretaccedilatildeo da
ἵhamaἶaΝ ldquolἷituὄaΝἷὅὁtἷὄiὅtaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝἴaὅἷaἶaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝὀaΝἵhamaἶaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝ
iὀἶiὄἷtardquoΝ amὂlamἷὀtἷΝ ἵalἵaἶaΝ ὀὁΝ tἷὅtἷmuὀhὁΝ aὄiὅtὁtὧliἵὁΝ ἶaΝ filὁὅὁfiaΝ ὂlatὲὀiἵaΝ
(particularmente aqueles contidos na Metafiacutesica) desenvolvida (contemporaneamente) pela
61 Um diaacutelogo que eacute tido por muitos como um diaacutelogo repleto de muacuteltiplas correccedilotildees a respeito do qual nem sequer se possui um acordo a respeito do assunto do qual se trata (uma questatildeo debatida desde a Antiguidade) o FilἷἴὁΝὧΝὁΝtἷὄὄἷὀὁΝἷlἷitὁΝἶὁὅΝὂὄὁὂὁὀἷὀtἷὅΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἷΝἶὁὅΝpartidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas Para Crombie por exemplo uma das dificuldades do diaacutelogo ὅἷὄiaΝὃuἷΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝὄaὂiἶamἷὀtἷΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝalgumaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷratildeo ser compreendidas somente agrave luz de suas preocupaccedilotildees uacuteltimas e que noacutes somente conhecemos por Aristoacuteteles Rompendo definitivamente natildeo somente com a hipoacutetese das Formas mas tambeacutem com os grandes gecircneros do Sofista Platatildeo operaria neste diaacutelogo uma revisatildeo draacutestica de sua ontologia como tambeacutem de seu meacutetodo isto eacute da dialeacutetica De acordo com os partidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas ὃuἷΝtecircmΝaΝἶiviὀaΝὅuὄὂὄἷὅaΝἶἷΝiὀfἷὄiὄΝaΝὂaὄtiὄΝἶὁὅΝldquoἷὅἵὄitὁὅrdquoΝὁὅΝἶὁiὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅΝὃuἷΝὀaΝviὅatildeὁΝἶἷlἷὅΝὅatildeὁΝaΝmocircnada e a diacuteade indefinida acreditam tambeacutem exprimir claramente a existecircncia das realidades matemaacuteticas intermediaacuterias o que natildeo se trataria propriamente de uma evoluccedilatildeo mas do surgimento de uma doutrina esoteacuterica ateacute entatildeo reservada a alguns Em outra perspectiva a mistura dos elementos que constituem a vida boa ndash prazer e conhecimento ndash seria apenas um pretexto capaz de permitir a Platatildeo expor os seus novos princiacutepios metodoloacutegicos ou seus novos princiacutepios ocultos (DIXSAUT 2001 p 286-287)
55 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
vertente interpretativa que se denomina como a Escola de Tuumlbingen-Milatildeo62 ndash a qual a partir
deacutecada de 60 trouxe agrave tona a discussatildeo sobre os conteuacutedos do diaacutelogo no acircmbito do
platonismo (iii) o suposto debate surgido no platonismo acerca de uma suposta revisatildeo da
teoria platocircnica presente nos uacuteltimos diaacutelogos desde a criacutetica e consequente rejeiccedilatildeo de
Platatildeo agrave hipoacutetese das formas a partir do Parmecircnides Como o Filebo geralmente eacute colocado
entre os uacuteltimos diaacutelogos de Platatildeo essa obra tornou-se o centro das atenccedilotildees dos chamados
ldquoὄἷviὅiὁὀiὅtaὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ἀί1ἀΝ ὂέΝ ἆ)νΝ (iv)Ν ἷΝ ὂὁὄΝ ήltimὁΝ tἷmὁὅΝ aὅΝ ὄἷaὦὴἷὅΝ aΝ ἷὅὅaὅΝ viὅὴἷὅΝ
interpretativas que introduziram um amplo debate tambeacutem criando uma seacuterie de
interpretaccedilatildeoes ortodoxas ou natildeo aos principais problemas levantados nesse diaacutelogo
platocircnico
Como ressalta Rachid (2012) nesta visatildeo tipicamente redutiva do platonismo (no caso
da leitura esoterista) que busca referecircncias externas para explicar os conteuacutedos apresentados
pelos diaacutelogos esmaecem-se os conteuacutedos eacutetico-poliacuteticos da filosofia de Platatildeo como
tambeacutem os toacutepicos essenciais da dialeacutetica No entanto o Filebo apresenta uma variedade de
conteuacutedos extremamente relevantes agrave definiccedilatildeo da vida mista (entre prazer e conhecimento)
por sinal essencialmente humana Figuram neste diaacutelogo como temas relevantes (i) a criacutetica
agrave eriacutestica (ii) a invectiva das paixotildees deleteacuterias (iii) a criacutetica agrave maacute escrita (iv) a afirmaccedilatildeo que
a gecircnese do esquecimento eacute a fuga da memoacuteria (v) a reminiscecircncia e (vi) a analogia entre as
ciecircncias musicais a gramaacutetica e a dialeacutetica (p 4-5) A interpretaccedilatildeo de um Platatildeo aacutegrafo
neste sentido segundo o autor parece reduzir os conteuacutedos culturais tais como a heranccedila
miacutetico-poliacutetico na elaboraccedilatildeo dos diaacutelogos e o papel do filoacutesofo na elaboraccedilatildeo dos discursos
(loacutegoi mas por hora nos basta a criacutetica a esse tipo de leitura ndash voltaremos a ela quando for
necessaacuterio em nossa anaacutelise do diaacutelogo) Conveacutem ao menos destacar que
() se lecircssemos Platatildeo por um sistema apriorista de princiacutepios em torno do um considerado princiacutepio formal e da diacuteada indefinida do grande e do
62 De acordo com Xavier (2005) nota-se que a proposta da Escola de Tuumlbingen-Milatildeo consiste em dar ecircnfase no caraacuteter oral da filosofia de Platatildeo dito em outras palavras a incompreensibilidade manifesta pelo texto platocircnico escrito soacute encontra uma completude interpretativa mediante o Platatildeo natildeo escrito isto eacute por via da tradiccedilatildeo indiretaμΝldquoἤἷὅgataὄΝaΝἶὁutὄiὀaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὄἷὅἷὄvaἶaΝὡΝὁὄaliἶaἶἷΝὧΝmister para a edificaccedilatildeo estrutural do novo paradigma hermenecircutico uma vez que sem ela natildeo temos o que filoacutesofo chamou ndash ele proacuteprio ndash de o mais importante Ora o melhor lugar para se encontrar tal doutrina eacute certamente nos textos de caraacuteter doxograacutefico escritos por disciacutepulos diretos eou indiretos de Platatildeo e por filoacutesofos posteriores a ele que de alguma forma tiveram acesso ao conteuacutedo das liccedilotildees doutrinais ἶἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁrdquoΝ(ὂέΝ1ἃἀ)έΝἓὅὅἷΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝὧΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝὂὁὄΝiὀήmἷὄὁὅΝἷὅtuἶiὁὅὁὅΝἷmΝὅuaΝmaioria de origem alematilde e italiana mas devem sua fundamentaccedilatildeo metodoloacutegica riacutegida na contemporaneidade a Giovanni Reale (2004 p 24) Este uacuteltimo eacute quem apresenta uma releitura dos diaacutelogos de Platatildeo agrave luz de uma doutrina natildeo-escrita que ultrapassa o contexto da escrita e recorre a tradiccedilatildeo indireta de nosso filoacutesofo a fim de eliminarem as insuficiecircncias dos paradigmas tradicionais de leitura do texto platocircnico
56 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
pequeno considerada princiacutepio material correlatos ao limite e ao ilimitado reconheceriacuteamos iniludivelmente nele antinomias e lacunas (RACHID 2012 p 5)
ἡὅΝlἷitὁὄἷὅΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquoἵὁὀvἷὀἵiὁὀaiὅrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝὃuaiὅΝumaΝἷὅtὄutuὄaΝumaΝ
ordem pode ser facilmente identificaacutevel eacute bem possiacutevel que natildeo se sintam familiarizados com
algumaὅΝὁἴὄaὅΝἶitaὅΝldquoaὀὲmalaὅrdquo como eacute o caso do Filebo a ponto de sugerirem as soluccedilotildees
mais bizarras para explicarem as transiccedilotildees e complexidades presentes no supracitado
diaacutelogo Diante de tal dificuldade talvez uma primeira opccedilatildeo seja uma leitura raacutepida e
superficial ou a busca por referecircncias e significados externos que natildeo aquelas provenientes
da leitura do proacuteprio texto Natildeo podemos atribuir a Soacutecrates certa desatenccedilatildeo ao denominado
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ ἶaΝ ὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝ ὀἷmΝ mἷὅmὁΝ aΝ ἢlatatildeὁΝ ὃuἷΝ tὄaὀὅmitἷΝ ὀaΝ falaΝ ἶὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ
(Protarco e Filebo 19a) a necessidade de atenccedilatildeo a esse princiacutepio Conveacutem informar para a
insatisfaccedilatildeo dos comentadores que natildeo seriam eles os primeiros a criticarem o
desenvolvimento aparentemente confuso desse iniacutecio de diaacutelogo mas esse aspecto eacute
questionado pelos proacuteprios interlocutores de Soacutecrates e o condutor natildeo se encontra atento a
essa demanda (Cf 18a1-2 18d6 19a1)
Talvez seria o caso de crer que essa transgressatildeo tem um propoacutesito impliacutecito de tal
modo que essa suposta anomalia dilui-se agrave medida que tomamos a relaccedilatildeo entre forma e
conteuacutedo caracteriacutestica da atividade literaacuterio-platocircnica ou seja quando buscamos considerar
o objetivo em particular dessa discussatildeo dialeacutetica ou seja os temas que satildeo tratados
analisados discutidos em relaccedilatildeo agrave forma de exposiccedilatildeo adequada para tal exposiccedilatildeo Como
Platatildeo geralmente se preocupa em apresentar com maestria o seu os temas caros agrave sua
filosofia ndash e o Filebo particularmente trata de uma refinada questatildeo natildeo soacute para Platatildeo mas
para os gregos em geral que encontram-se muito aleacutem de um debate escoliasta ndash utilizando-
se de inuacutemeros recursos literaacuterios dos quais dispotildeem para a composiccedilatildeo de seus diaacutelogos o
que se exige eacute no miacutenimo um esforccedilo por parte de seu leitor em reconhecer a particularidade
desta composiccedilatildeo e a profundidade por traacutes de uma suposta transgressatildeo logograacutefica aqui
encontrada63
Tendo ressaltado que grande parte das leituras que surgem no seacuteculo XX do diaacutelogo
ao demostrarem dificuldade em relaccedilatildeo aos problemas com um todo levantados pelo diaacutelogo
e principalmente ao problema principal da unidade natildeo soacute para fora do proacuteprio texto
dialoacutegico caso recorrente nas interpretaccedilotildees claacutessicas do Filebo eacute ateacute mais tentador supor
que o diaacutelogo eacute incompleto ou que nos remete agrave conteuacutedos extra-dialoacutegicos agrave doutrinas orais
reservadas ou que o diaacutelogo diz respeito a um problema em debate na eacutepoca dentre outros
63 Compartilho aqui das consideraccedilotildees feitas por Muniz (2007) ao tratar do problema das transiccedilotildees do Filebo relacionadas ao problema principal desse diaacutelogo a saber a unidade (Cf MUNIZ 2007 p 113-124)
57 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
como jὠΝaὂὁὀtamὁὅΝaΝfimΝἶἷΝὅuὂἷὄaὄἷmΝaὅΝὅuὂὁὅtaὅΝldquoaὀὁmaliaὅrdquoΝἶἷΝἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝ
superarem as incompreensotildees manifestas por meio de uma leitura parcial ou mesmo
surpreendentemente inventiva sem se atentarem ao sentido profundo da discussatildeo
apresentada64 Se a intenccedilatildeo de Platatildeo se presta a determinados objetivos seja o da
perplexidade (19a) que Protarco deseja que natildeo seja o objetivo primordial da discussatildeo ali
travada e que por sinal prefigura a inventiva contemporacircnea de nossos inteacuterpretes (a nova
ontologia os dois princiacutepios) podemos formular a seguinte questatildeo auxiliados por Dixsaut
(2011)
Se este eacute o caso e se toda a primeira parte do diaacutelogo (ateacute 31b) natildeo se explica por meio de tais obsessotildees do Platatildeo da velhice ou o afloramento de uma doutrina dos princiacutepios ateacute entatildeo mantida em segredo soacute podemos estar ἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἔilἷἴὁΝaὁΝὃuἷὅtiὁὀaὄμΝldquoὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὀὁὅὅaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁςrdquoΝ(1ἆa)Ν(ὂέΝἀἆἅ)έ
Contudo pretendo dedicar um tempo maior a essas anaacutelises e os equiacutevocos a meu ver nos
quais elas ocorrem Voltemos entatildeo ao diaacutelogo didaticamente eacute possiacutevel propor uma
organizaccedilatildeo do diaacutelogo digo apenas didaticamente porque estes temas encontram-se
interligados segundo creio Quanto agrave divisatildeo dos temas ou o modo como o diaacutelogo eacute
organizado de uma maneira geral natildeo satildeo habitualmente notadas diferenccedilas muito
contrastantes entre os estudiosos adoto aqui essa mesma forma geneacuterica (habitual) utilizada
para dividir os momentos que compotildeem a obra Geralmente se reconhece que o Filebo pode
ser divido (didaticamente) da seguinte maneira (i) Proacutelogo (11a-14b) aqui seratildeo
apresentados os discursos e posteriormente a tese (prazer versus inteligecircncia) e a busca pelo
bem ou pela Vida boa (ii) Metodologia adotada a questatildeo do Um e do Muacuteltiplo e as questotildees
sobre a dialeacutetica (14b-22b) (iii) A ontologia (divisatildeo) dos quatro gecircneros (22c-31b) (iv) a
anaacutelise e classificaccedilatildeo dos prazeres a distinccedilatildeo entre prazeres falsos e prazeres verdadeiros
(31b-55c) (v) Anaacutelise e classificaccedilatildeo dos conhecimentos (55c-59c) (vi) Revisatildeo das teorias
precedentes (vida boa) e hierarquia final dos bens (59c-61c)65
22 O tema central um dissenso
O Filebo desde a Antiguidade Claacutessica tem sido agrupado entre os diaacutelogos eacuteticos
iὀtitulaἶὁΝ tamἴὧmΝἵὁmὁΝ ldquoἥὁἴὄἷΝὁΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἢὁὄὧmΝὁΝ tἷmaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝἵἷὀtὄalΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ
ainda persiste como um dissenso entre os estudiosos e tradutores da obra em questatildeo
Poderiacuteamos alegar que se trata do prazer podemos usar em sua defesa o fato deste ser
64 Pretendo no decorrer do trabalho evidenciar ainda mais esse assunto 65 Utilizo a divisatildeo da traduccedilatildeo de Muniz (2012 p 11-19) como referecircncia para a divisatildeo do proacuteximo capiacutetulo em que procurarei abordar o texto platocircnico
58 22 O tema central um dissenso
protagonista do diaacutelogo sendo um total de 1205 linhas dedicas a ele No entanto o drama
em questatildeo ainda apresenta conteuacutedos extremamente relevantes para a discussatildeo da
filosofia platocircnica como a intricada relaccedilatildeo entre o uno e o muacuteltiplo e a tarefa do dialeacutetico a
classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos e principalmente o problema central em torno
ἶaΝ ἶἷfiὀiὦatildeὁΝ ἶὁΝ valὁὄΝ (ἴἷm)Ν ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝ ἶaΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὃuἷΝ ὅἷmΝ ἶήviἶaὅΝ iὀὅἷὄἷ-se na
intriacutenseca relaccedilatildeo entre a proacutepria dialeacutetica e a potecircncia do bem As importantes questotildees do
pensamento platocircnico parecem aqui ressurgirem para finalmente demonstrarem sua total
forccedila como jamais vistas no decorrer dos diaacutelogos Entretanto como relacionar toda a
complexa e profunda teoria (ontoloacutegicaepistemoloacutegica) vista anteriormente em um diaacutelogo
que tem como mote o proacuteprio prazer um tema agrave primeira vista relacionado agraves questotildees
profundamente eacuteticas Como resume Gazolla
O maior problema com o qual nos defrontamos foi o de relacionar essa ontologia de maturidade mais voltada ao conhecimento das ideias e de sua geraccedilatildeo com as reflexotildees sobre as accedilotildees humanas ditas virtuosas a partir da noccedilatildeo de prazer elaboradas por Platatildeo principalmente no Filebo Tal relaccedilatildeo eacute colocada claramente no iniacutecio desse diaacutelogo quando Soacutecrates propotildee alcanccedilar a verdade naquilo que concerne a assegurar aos homens a vida feliz (1993 p 160-161)
A visatildeo sobre o diaacutelogo predominante tanto na Antiguidade como no neoplatonismo e
na Renascenccedila fundamenta-se na defesa do Bem Supremo como tema fundamental da obra
identificaacutevel a partir do comentaacuterio feito pelo neoplatocircnico Damascius ao diaacutelogo O filoacutesofo
destaca que jaacute na Antiguidade inuacutemeras satildeo as divergecircncias a respeito da temaacutetica central
em torno do diaacutelogo Para Trasilo a questatildeo central do diaacutelogo era o prazer jaacute para Psitheus
(disciacutepulo de Theodoro de Asine) a inteligecircncia Jacircmblico Syrianus e Proclo acreditavam se
tratar da causa final do universo imanente a todas as coisas Proclo por sua vez afirmava ser
essa causa o Bem (misto de prazer e inteligecircncia) para todos seres animados66 Na
contemporaneidade contudo a situaccedilatildeo natildeo foi durante muito tempo diferente O debate
acerca do escopo do diaacutelogo como se pode notar remete agrave Antiguidade e mesmo na
atualidade natildeo haacute um caminho para um consenso pelo menos para a maioria dos estudiosos
passou tambeacutem por um longo periacuteodo de discussatildeo
Embora natildeo seja um consenso na contemporaneidade natildeo encontramos muitas
divergecircncias acerca do problema central que envolve a obra Tomemos como primeiro caso
ὁΝἷxἷmὂlὁΝἶἷΝἑὄὁmἴiἷΝ(1λἄἀ)ΝὃuaὀἶὁΝafiὄmaΝὃuἷμΝldquoseu tema (o do Filebo) eacute o status relativo
66 (Cf Dam 1-6) O comentaacuterio de Damaacutescio eacute o uacutenico comentaacuterio neoplatocircnico desse diaacutelogo que chegou ateacute noacutes dentre os comentaacuterios antigos dentre esses perdidos estaria o de Proclo Fato notado a partir das vaacuterias referecircncias de Damaacutescio agraves abordagens dos neoplatocircnicos contemporacircneos a ele presentes no escrito daquele neoplatocircnico (Cf VAN RIEL 2008 p 2)
59 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
ἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷmΝumaΝviἶaΝἴὁardquoΝ(ὂέΝἀἄἃ)έΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝafiὄmaΝaΝ
proacutepria autora Platatildeo faz o caminho inverso neste diaacutelogo ao inveacutes de conjecturar a respeito
do bem universal como fez na Repuacuteblica agora seria mais conveniente questionar o bem na
vida humana e ainda acrescenta
() E de fato o Filebo natildeo estuda empiricamente a boa vida pois ele mesmo [ἥὰἵὄatἷὅ]Ν ἶiὐμΝ ldquoaΝ ἴὁaΝ viἶaΝὧΝ aΝ viἶaΝ miὅtaνΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ὃuἷΝ faὐΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝ umaΝmiὅtuὄaΝὃualὃuἷὄΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝὅatiὅfatὰὄiaςrdquoΝἡΝἐἷmΝuὀivἷrsal eacute pois ao fim e ao cabo a chave para saber qual eacute o bem no homem tambeacutem no Filebo Realmente no Filebo Soacutecrates estaacute fazendo em certa medida o que tanto lhe assustava na Repuacuteblica dizer algo acerca da natureza do bem universal (CROMBIE 1962 p 281-282)
A interpretaccedilatildeo de Crombie natildeo tem sido a mais aceita pela maioria dos estudiosos
Parece evidente a partir de um exame acurado de seu posicionamento que a posiccedilatildeo da
autora recorre a justificaccedilotildees externas sob o propoacutesito de clarificar o intuito platocircnico no Filebo
Na visatildeo da inteacuterprete o diaacutelogo reflete algumas noccedilotildees muito pouco desenvolvidas ou
apresentadas rapidamente por nosso autor e somente por intermeacutedio de Aristoacuteteles segundo
Crombie seria possiacutevel compreendermos os objetivos platocircnicos desse diaacutelogo como uma
obra em que ficam evidentes os conteuacutedos finais da filosofia de Platatildeo Em busca de um fim
vaacutelido para a natureza humana Platatildeo estaria desenvolvendo uma espeacutecie de anaacutelise das
afecccedilotildees em busca de uma definiccedilatildeo essencial neste caso a do bem Seriam niacutetidas neste
diaacutelogo as revisotildees ontoloacutegicas e dialeacuteticas feitas por Platatildeo na obra em questatildeo (CROMBIE
1963 p 361)
Friedlaumlnder em seu Platone (1975 2004) reconhece que o tratamento do prazer e da
inteligecircncia como candidatos ao bem supremo satildeo apenas pretextos platocircnicos para a
abordagem de assuntos ainda mais complexos Na perspectiva do autor o tema do prazer e
da moral satildeo secundaacuterios diante das questotildees referentes agrave dialeacutetica e agrave ontologia que satildeo
apresentadas naquele contexto Como se nota a partir do que diz tal autor
O caso do Filebo no entanto eacute diferente porque no diaacutelogo satildeo grandes as seccedilotildees que tratam da dialeacutetica e da ontologia e elas natildeo tecircm nada a ver com o prazer e com a eacutetica ao menos em um modo direto O diaacutelogo eacute a descriccedilatildeo de uma disputa dramaacutetica entre prazer e conhecimento no curso da qual vem agrave luz qual um terceiro estado aleacutem desses Os defensores do princiacutepio do prazer satildeo Filebo e Protarco Soacutecrates representa o conhecimento Natildeo eacute necessaacuterio acrescentar que Soacutecrates defende a proacutepria tese de uma maneira totalmente diversa em relaccedilatildeo agravequela sustentada pelos dois jovens A diferenccedila eacute imediatamente clara quando Soacutecrates considera possiacutevel ou melhor antecipa (11d11) o fato que uma terceira via possa ser a melhor (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1043)
60 22 O tema central um dissenso
Apoiado nas concepccedilotildees de Schleiermacher o filoacutelogo alematildeo reconhece que o tema
do bem supera as teses iniciais propostas por Soacutecrates e seus interlocutores no iniacutecio da obra
Por isso a questatildeo inicial do diaacutelogo (hedonismo versus anti-hedonismo) natildeo pode ser a
uacutenica nem ao menos a principal A ecircnfase de Soacutecrates recai sobre a defesa natildeo de sua tese
ἶἷΝldquoὅuaΝiὀtἷligecircὀἵiardquoΝmaὅΝἶἷΝumaΝὅaἴἷἶὁὄiaΝ(aΝἶὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὅuὂὄἷmὁὅrdquo)ΝὃuἷΝἷὅtὠΝmaiὅΝ
proacutexima da perfeiccedilatildeo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1044) ldquoἏὅὅimΝ ἶitὁΝ iὅtὁΝ ὁΝ Filebo natildeo eacute
lsquoἶἷὅὂὄὁviἶὁΝἶἷΝatὄativὁὅΝaὄtiacuteὅtiἵὁὅrsquoΝἷΝὂὄὁvavἷlmἷὀtἷΝὀἷmΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝlsquofaἵilmἷὀtἷΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝ
umΝtὄatamἷὀtὁΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁrsquoΝἵὁmὁΝmuitὁὅΝὂaὄἷἵἷmΝἵὄἷὄέΝἡΝἶiὠlὁgὁΝἶἷvἷΝὅἷὄΝviὅtὁΝἵὁmὁ um
ὅἷgmἷὀtὁΝἷxtὄaὂὁlaἶὁΝἶἷΝumΝἵὁὀtἷxtὁΝmaiὅΝamὂlὁrdquo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1045)
Contrariamente a esta posiccedilatildeo a mais comumente defendida eacute que o escopo central
ἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquo o tema central do diaacutelogo Neste sentido as anaacutelises desenvolvidas
no decorrer da argumentaccedilatildeo socraacutetica visam a definiccedilatildeo do bem enquanto paracircmetro
essencial para a composiccedilatildeo da vida boa Ou melhor o propoacutesito platocircnico com esta obra diz
respeito agrave definiccedilatildeo de uma espeacutecie de vida (neste caso aquela mista entre prazeres e
conhecimentos) possiacutevel aos homens a melhor vida capaz de garantir a felicidade a todos os
seres Ou seja em que medida os prazeres e conhecimentos podem ser tidos como bens
uacuteteis a serem incorporados agrave mistura da vida boa capaz de garantir aos homens a felicidade
(TAYLOR 1952 p 408)67 Comungam desta visatildeo Diegraves (2002 p 53) Bravo (2009 p 411)68
Frede (1993 p 13) Hackforth (1945 p 12) Gosling (1975 p 9) Hampton (1990 p 1)
Delcomminette (2006 p 15-16) Davidson (1990 p 14) dentre outros
No entanto podemos destacar ainda trecircs posiccedilotildees muito particulares a respeito do
diaacutelogo as de Guthrie (1978) Gadamer (1983) e Van Riel (1999 2008) Talvez seria melhor
que as consideraacutessἷmὁὅΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅrdquoέΝἕuthὄiἷΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝὃuἷΝὁΝtἷmaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝ
superado no Filebo os problemas concernentes ao hedonismo e ao anti-hedonismo natildeo satildeo
o alvo da discussatildeo platocircnica neste periacuteodo final Estas questotildees jaacute teriam sido abordadas
em outros diaacutelogos como no Goacutergias e na Repuacuteblica isto eacute o prazer e o bem jaacute foram tratados
nos respectivos diaacutelogos Neste diaacutelogo tardio a tarefa de Platatildeo eacute desenvolver a criacutetica
acerca da relevacircncia destes temas (prazer e bem) na constituiccedilatildeo da vida mista e demonstrar
quais deles participam desta mistura (1978 p 202)
A leitura de Guthrie do Filebo ressalta tambeacutem o criteacuterio cosmoloacutegico do Filebo
justamente porque neste diaacutelogo Soacutecrates admite a existecircncia de uma inteligecircncia divina
(θκ μ) que governaria o cosmos (28c-e 30a-d) Assim afirma o teoacuterico
67 Esta tem sido a intepretaccedilatildeo corrente mais aceita entre os comentadores e estudiosos da obra 68 ldquoἡΝtἷmaΝfuὀἶamἷὀtalΝἶὁΝFilebo natildeo eacute o prazer como daacute a entender o subtiacutetulo tradicional mas a vida ἴὁaΝὁuΝmaiὅΝὂὄἷἵiὅamἷὀtἷΝὁΝἴἷmΝὅuὂὄἷmὁΝἶὁΝhὁmἷmrdquoΝ(ἐἤἏVἡΝἀίίλΝὂέΝἂ11)έ
61 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
O Filebo eacute uma excelente ilustraccedilatildeo do talento de Platatildeo em combinar a eacutetica e a metafiacutesica o humano e o coacutesmico A totalidade do real esta eacute sua competecircncia pois ele natildeo estaacute disposto a separar nenhuma de suas partes porque essas satildeo partes de um todo orgacircnico A alma do homem eacute um fragmento da alma universal (30a) e a ordem eacute a mesma nas almas individuais nas cidades-estados e no universo em geral O Filebo trata do indiviacuteduo o Poliacutetico do Estado e o Timeu do universo em geral mas todos igualmente em seus cenaacuterios satildeo retratados como partes integrantes de uma ordem coacutesmica (1978 p 203)69
Gadamer vai ainda mais aleacutem ao considerar que o Filebo natildeo consiste unicamente em
definir o que seja a vida feliz que tipo de vida feliz eacute essa e o modo pelo qual os homens
poderatildeo alcanccedilaacute-la Para tal Gadamer procura compreender esse caminho em busca do bem
a partir da concepccedilatildeo defendida por Soacutecrates no diaacutelogo aquela propriamente de que o bem
eacute almejaἶὁΝὂὁὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅέΝΝἏΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶἷὅὅaΝldquoὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝmaiὁὄrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝἶἷfiὀἷΝaΝ
essecircncia humana ou seja o modo como deve agir os homens que estatildeo em prol da felicidade
(GADAMER 1983 p 163) Em um segundo plano Soacutecrates assegura que esse
conhecimento acerca do papel das afecccedilotildees humanas soacute eacute possiacutevel pelo entendimento pela
memoacuteria (ηθ ηβθ) (Cf 35c) Somente o homem ndash e este parece ser o traccedilo distintivo da
natureza humana ndash eacute capaz de avaliar os seus prazeres de julgaacute-los diferentemente dos
animais que apenas tecircm sensaccedilotildees sem poderem assim significaacute-las ou mesmo
ressignificaacute-las (1983 p 163-164)
Contudo ainda eacute dada ao homem a possibilidade de poder distinguir entre sabedoria
e prazer entre ser um simples ser de afetos ou a capacidade de guiar suas accedilotildees
(sabiamente) a fim de que possa obter a felicidade Entretanto quando comparada agrave
inteligecircncia divina (θκ μ) em termos qualitativos sua inteligecircncia eacute imperfeita sua auto
compreensatildeo eacute limitada sua inteligecircncia eacute potencial possiacutevel de se desenvolver em relaccedilatildeo
a capacidade de refletir acerca de um referencial para suas accedilotildees (GADAMER 1983 p 164)
ἕaἶamἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝὃuἷΝaΝvἷὄἶaἶἷΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝhumaὀaΝὧΝumaΝὃuἷὅtatildeὁΝ
dialeacutetica se daacute mediante as possibilidades e contradiccedilotildees que surgem a partir dos discursos
dos loacutegoi Tais discursos visam uma medida um padratildeo capaz de conciliar tais contradiccedilotildees
Em certo sentido uma busca pela verdade poreacutem dialeacutetica que admite a natureza faacutetica da
vida humana Por conseguinte nenhuma posiccedilatildeo dogmaacutetica pode ser aceita no Filebo (1983
p 164-165)
Para finalizar segundo o estudioso alematildeo a discussatildeo empreendida por Platatildeo no
diaacutelogo tem por objetivo a questatildeo do Bem contudo
69 Na contemporaneidade a interpretaccedilatildeo de Carone (2008 p 123-186) se assemelha a de Guthrie justamente por compreender a eacutetica por meio de perspectivas cosmoloacutegicas Ainda retornaremos agraves intepretaccedilotildees de Carone ao longo do texto
62 22 O tema central um dissenso
A questatildeo do bem na vida humana conteacutem desde jaacute uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e sendo assim busca a uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo (diaacutethesis) ou uma certa atitude (heacutexis) ἶaΝ almaΝ ἵaὂaὐΝ ἶἷΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ homens O bem eacute portanto concebido anteriormente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Ele natildeo eacute ἵὁmὁΝὅἷΝaἵὄἷἶitaΝiὀgἷὀuamἷὀtἷΝὁΝὅἷὀὅὁΝἵὁmumΝalgὁΝὃuἷΝὁΝhὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(compreensatildeo vulgar de aacutegathon) mas uma modalidade de seu ser Pois o homem eacute precisamente sua alma O problema se coloca nos seguintes termos Qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de possibilitar a todos os hὁmἷὀὅΝ aΝ viἶaΝ ldquofἷliὐrdquoςΝ ἏΝ ldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ (eudaimon) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado do bem ao qual o homem aspira (no mesmo sentido por exemplo que se possui uma alternativa entre a felicidade e a virtude) mas refere-se em geral ao mais alto grau do humanamente desejaacutevel neste estado onde nada mais poderia ser desejado (GADAMER 1983 p 166 grifos do autor)
Van Riel afirma que o Filebo tem ainda como temaacutetica central o prazer contudo com
notaacuteveis especificidades a despeito dos diaacutelogos anteriores como Goacutergias no Feacutedon e
RepuacuteblicaέΝἏlὧmΝἶἷΝmaiὅΝἷxauὅtivaΝaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝtiἶὁΝἵὁmΝldquotaὄἶiὁrdquoΝἢlatatildeὁΝ
reafirmaria sua posiccedilatildeo agrave posiccedilatildeo anti-hedonista ou seja um enfrentamento ao hedonismo
ἶἷΝ umaΝ maὀἷiὄaΝ maiὅΝ ldquoἴὄaὀἶardquoΝ ὅἷmΝ utiliὐaὄ-se do intelectualismo riacutegido dos diaacutelogos
anteriores Dessa forma conveacutem agora atribuir um papel importante ao prazer na constituiccedilatildeo
da boa vida mas sem admiti-lὁΝἵὁmὁΝἴἷmέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝaὀaliὅaἶὁΝἶἷΝumaΝmaὀἷiὄaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἷΝ
ὀatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝἵaὄὄἷgaὀἶὁΝἵὁὀὅigὁΝaiὀἶaΝἵἷὄtὁΝἵaὄὠtἷὄΝἶἷὂὄἷἵiativὁΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝ(VἏἠΝ
RIEL 1999 p 300)
Na visatildeo contemporacircnea de teoacutericos como George Rudebusch (2007) Fernando
Muniz (2012) e Marques (2011) a questatildeo primordial do Filebo eacute a vida boa sem duacutevidas
mas ela passa neste diaacutelogo fundamentalmente pelo prazer Dito de outro modo a longa e
relevante anaacutelise dos prazeres (haja vista o tratamento exaustivo desse tema por Platatildeo na
ὄἷfἷὄiἶaΝὁἴὄa)ΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝἵὁὀἶuὐΝaὃuiΝaΝ umaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝὂὁὄtaἶὁὄaΝἶἷΝumΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶὁΝ
diaacutelogo ela eacute decerto um bom caminho para compreendermos melhor os fins da obra A
reflexatildeo sobre os prazeres enquanto propriamente questatildeo filosoacutefica cara ao nosso filoacutesofo
nos dirige a apontamentos que configuram ainda mais a atividade dialeacutetica ao serem
apresentadas mais uma de suas funccedilotildees essenciais que natildeo apenas as epistemoloacutegicas
(gnosioloacutegicas) mas tambeacutem ao papel desempenhado por tal tarefa na discussatildeo eacutetica
(valorativas ou axioloacutegicas) essenciais na compreensatildeo do pensamento platocircnico A
pergunta sobre o papel na vida humana mista de prazer e conhecimento nos permitiria
compreender ainda mais aquelas questotildees ἶitaὅΝldquofuὀἶamἷὀtaiὅrdquoΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝfilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵaμ
O prazer eacute de fato o protagonista da cena do diaacutelogo Mais da metade do Filebo eacute dedicada agrave classificaccedilatildeo dos prazeres (31a-55a) o que representa
63 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
1205 linhas da ediccedilatildeo Tauchnitz enquanto a parte referente ao pensamento e ao conhecimento tomam apenas 181 linhas (55c-59c) e todo o restante do diaacutelogo natildeo ultrapassa 1164 Ainda que o ponto de vista quantitativo seja um indicativo importante natildeo eacute obviamente conclusivo Mas a discussatildeo que percorre o diaacutelogo envolve sem duacutevida o problema do prazer e seu lugar na vida humana () (MUNIZ 2012 p11)
Nem mesmo acerca do tema central do diaacutelogo ndash uma questatildeo aparentemente simples
se analisaacutessemos o conteuacutedo de outros diaacutelogos ndash se obteacutem um consenso geral por parte dos
estudos Meu propoacutesito eacute tornar evidente por meio deste trabalho ressaltadas as questotildees
histoacuterico-interpretativas do diaacutelogo em questatildeo que o tema do prazer ocupante da maior parte
da obra (protagonista) encontra-se incorporado a tantas outras questotildees fundamentais caras
a nosso autor e que reaparecem no Filebo como as referecircncias agrave proacutepria potecircncia dialeacutetica
o papel competente aos prazeres e conhecimentos (teacutecnicasciecircncias) na constituiccedilatildeo da vida
boa humana (mista) a relaccedilatildeo entre a atividade dialeacutetica e a potecircncia do bem a classificaccedilatildeo
dos bens e dos conhecimentos (teacutecnicas) o problema da unidademultiplicidade dos prazeres
os falsos e verdadeiros prazeres a criacutetica a retoacuterica e agrave eriacutestica as analogias entre a muacutesica
a gramaacutetica e a dialeacutetica dentre outras Partindo do proacuteprio diaacutelogo acredito que a reflexatildeo
platocircnica acerca dos prazeres natildeo eacute um tema novo e que o Filebo constitui o maacuteximo e o
uacuteltimo esforccedilo de Platatildeo sobre o tema Um exame (o dos prazeres) que como se nota estaacute
presente jaacute em outras obras apesar de situar-se em contextos dialeacuteticos distintos sendo
tratado de acordo com os propoacutesitos de determinada obra o prazer ao longo da obra platocircnica
iraacute demonstrar sua forccedila ele se manteacutem firme enquanto forte candidato para enfrentar a
iὀtἷligecircὀἵiaΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἶiὅὅἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
retomar natildeo me parece que Platatildeo muda sua visatildeo sobre o prazer mas apenas a torna mais
clara no decorrer de sua obra a ponto de apresentar-nos algo dotado de profundidade e de
refinamento nas linhas compotildeem o Filebo
O prazer eacute uma questatildeo filosoacutefica premente na filosofia de Platatildeo e que exige todo o
rigor que eacute conferido a ele no nosso diaacutelogo Esse rigor platocircnico se torna perceptiacutevel agrave medida
em que a anaacutelise dos prazeres exige uma reflexatildeo profunda sobre a funccedilatildeo das afecccedilotildees na
vida dos homens isto eacute passa pela proacutepria configuraccedilatildeo sobre o movimento do desejo e da
sua efetividade na alma humana O papel da reflexatildeo (dialeacutetica) tambeacutem eacute fundamental para
ὅἷΝalἵaὀὦaὄΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὀὃuaὀtὁΝativiἶaἶἷΝἶἷliἴἷὄativa (limiteilimitado) das accedilotildees dos
cidadatildeos cuja finalidade uacuteltima parece configurar-se na plena realizaccedilatildeo de todos os seres
humanos isto eacute na posse do bem maior por conseguinte da felicidade Como bem considera
Gazolla
A discussatildeo do Filebo () nos interessa na medida em que seria a ponte do theoreicircn ao pratteicircn ndash ele pergunta sobre a relaccedilatildeo prazer-felicidade atraveacutes do qual o problema do uno e muacuteltiplo nas ideias e nos seres sensiacuteveis pode
64 23 O contexto histoacuterico e os personagens
enquadrar-se no campo das accedilotildees eacuteticas A intenccedilatildeo socraacutetica nessa primeira arte do diaacutelogo eacute demonstrar a Filebo ndash interlocutor que segue uma corrente bastante aceita na eacutepoca e apregoa a felicidade humana pela via do prazer ndash o que eacute a phrocircnesis70 Essa expressatildeo eacute de difiacutecil traduccedilatildeo indicativa de um verbo phreicircn e que significa refletir o que nos leva a traduzi-la por ldquoaὦatildeὁΝὄἷflἷtiἶardquoΝὁuΝldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝὂὄὠtiἵardquoΝmaὅΝὀuὀἵaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἅἃ-176 grifos da autora)
ἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝaὅΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝἶἷΝWὁlfὅἶὁὄfΝ (ἀί1ἁ)Ν ldquoὁΝ tὄatamἷὀtὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝ
Platatildeo no Filebo eacute de longe o mais elaborado Naturalmente eacute o mais elaborado tratado
aἵἷὄἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝaὀtiguiἶaἶἷΝὃuἷΝὀὰὅΝὂὁὅὅuiacutemὁὅrdquoΝ(ὂέΝἅἂ)έΝἡuΝἵὁmὁΝafiὄmὁuΝἐuὄyΝ(1ἆλἅ)Ν
ldquoὂὁὄΝὅἷuΝὄigὁὄΝἷΝἵὁmὂlἷtuἶἷΝἷmΝὅuaΝἵὄiacutetiἵaΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὁΝFilebo certamente sustenta-se sozinho
entre os escritos preacute-aristoteacutelicos ()rdquoΝ (ὂέΝ ἀἆ)Ν iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ muitὁὅΝ ἶὁὅΝ aὅὂἷἵtὁὅΝ ὧtiἵὁὅΝ
desenvolvidos no diaacutelogo iratildeo marcar profundamente o pensamento filosoacutefico ocidental
posterior tendo as concepccedilotildees filosoacuteficas platocircnicas (ora aceitando-as ora confrontando-as)
como base Diante disso o impacto da leitura do Filebo embora natildeo tenha ganhado tanta
forccedila apoacutes o neoplatonismo emerge na contemporaneidade com toda a forccedila devido aos
temas importantes como jaacute ressaltamos contidos nesta obra
23 O contexto histoacuterico e os personagens
Um dos principais fatores que tambeacutem dificultam o estudo da obra por parte do leitor
eacute o contexto histoacuterico Acerca do Filebo diferentemente das outras obras de Platatildeo natildeo
possuiacutemos qualquer referecircncia a respeito do local e da data de composiccedilatildeo ou se esse
diaacutelogo teria mesmo ocorrido (o que eacute bem pouco provaacutevel) Como dissemos anteriormente
a respeito do dissenso entre os estudiosos acerca do tema principal do diaacutelogo em grande
parte ele se deve tambeacutem agrave ausecircncia de referenciais histoacutericos que tratem ou que faccedilam uma
referecircncia direta a esse debate especificamente
De acordo com Schofield a composiccedilatildeo Filebo data das uacuteltimas duas deacutecadas da vida
de Platatildeo entre os anos de 360 aC e 347 aC (1998 p 419) Como jaacute foi dito maioria dos
estudiosos (dentre eles Bury (1897) Taylor (1956) Guthrie (1975) Crombie (1988))
consideram a obra como parte dos diaacutelogos tardios de Platatildeo71 Enquanto alguns
70 ἦὄataὄἷiΝἶὁΝldquoἵamὂὁΝὅἷmacircὀtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὀὁΝὂὄὰximὁΝἵaὂiacutetulὁΝἷΝaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝfὁὄmaὅΝsegundo as quais ele possa ser compreendido na obra platocircnica e especialmente no caso do Filebo 71 Sobre isso vale retomar o famoso artigo de Brandwood (2013 p 113-1ἂἁ)μΝldquoἏΝὂἷὅὃuiὅaΝiὀiἵialΝὅὁἴὄἷΝo vocabulaacuterio de Platatildeo por Campbell Dittenberger e Schanz culminando no livro de Ritter sobre o assunto identificada no Sofista no Poliacutetico no Filebo no Timeu Criacutetias e Leis um grupo de diaacutelogos que se distinguiam dos demais por uma ocorrecircncia exclusiva ou aumentada de certas palavras e frases Investigaccedilotildees subsequentes sobre esse aspecto de estilo chegaram agrave mesma conclusatildeo e a dicotomia foi confirmada por dois criteacuterios adicionais com a descoberta de que somente nestes trabalhos ()
65 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
revisionistas como Ryle (1966) e Waterfield (1980) insistem em colocaacute-lo entre os da fase
meacutedia juntamente agrave Repuacuteblica e ao Timeu
Para os estudiosos citados acima o Filebo ἶἷvἷΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝἷmΝἵuὄὅὁrdquoΝ
isto eacute Platatildeo teria nesse diaacutelogo representado (dramaticamente) duas das principais
concepccedilotildees correntes de sua eacutepoca (uma anti-hedonista e uma outra hedonista) isto eacute tratar-
se-ia de um diaacutelogo escoliasta que postulava dois modos distintos de vida) ambas defendidas
por estudiosos da Academia Isto porque segundo tais o diaacutelogo se iniciaria a partir da
retomada de duas teses contraditoacuterias uma em defesa do prazer e outra como partidaacuteria da
inteligecircncia ndash sendo que ambas arrogariam a si o precircmio concedido ao vencedor da disputa
ὃuἷΝvἷὄὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝὅὁἴὄἷΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝὁuΝiὀtἷligecircὀἵia)ΝὂὁὅὅaΝviὄΝ
a ser considerado como o bem (11b-c) Filebo representaria um hedonismo radical a defesa
irrefreaacutevel pela busca do prazer enquanto Soacutecrates defenderia sua tese intelectualista do
bem O fato eacute que ainda muito se confabula a respeito das reais identidades que estariam
representadas nas teorias defendidas por Filebo e Protarco tendo em vista a pobre doxografia
que possuiacutemos sobre tal tema polecircmico Ademais muito se questiona sobre Soacutecrates que a
despeito do meacutetodo utilizado por Platatildeo nos diaacutelogos da velhice retorna agrave trama dialoacutegica
como protagonista da discussatildeo
Uma das teses mais fortes eacute a de que Filebo refira-se a Eudoxo matemaacutetico grego e
filoacutesofo da Academia o qual segundo nos informa Aristoacuteteles era quem defendia que o prazer
era o bem (EN X 2 1172b9-5) Para muitos estudiosos (Cf DIEgraveS 2002 p13-17) a
personagem que daacute nome ao diaacutelogo nada mais eacute do que uma dramatis persona utilizada
literariamente por Platatildeo ao configurar a posiccedilatildeo de Eudoxo Enquanto a posiccedilatildeo defendida
por Soacutecrates expressaria a oposiccedilatildeo riacutegida (anti-hedonista) de Espeusipo sucessor de Platatildeo
na Academia O nome Filebo tambeacutem pode ser compreendido por um jogo de palavras (Φiacuteζ
amigoamante + β + ίκμ da juventude) ou melhor amante da forccedila juvenil Contudo como
veremos Filebo interveacutem na discussatildeo em apenas trecircs momentos e quem ocupa o papel de
Platatildeo fez uma tentativa consistente de evitar certos tipos de hiato e chegou a um tipo diferente de rimo de prosa () Com relaccedilatildeo agrave questatildeo da sequecircncia no grupo cronoloacutegico final ao comparar os vaacuterios tipos de evidecircncia um peso particular talvez devesse ser atrelado ao ritmo de prova e ao evitar o hiato uma vez que diferentemente do que se tem no vocabulaacuterio eles parecem independentes tanto da forma de uma obra como de seu conteuacutedo Muito embora o testemunho dos dados para se evitar o hiato foram ambiacuteguos trecircs investigaccedilotildees independentes sobre ritmo de claacuteusula e uma investigaccedilatildeo sobre ritmo de sentenccedila mostraram concordes ao concluir que a ordem sequencial de composiccedilatildeo seria Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Agrave luz dessa ambiguidade de evidecircncia do hiato um indiacutecio quanto agrave posiccedilatildeo do Filebo pode ser resolvida em favor de sua proximidade em relaccedilatildeo agraves Leis posiccedilatildeo amparada por aspectos particulares do hiato e por outros aspectos como o retorno a formas mais longas de foacutermulas de reacuteplica apoacutes uma predominacircncia de versotildees abreviadas nos trabalhos precedentes a culminacircncia de uma tendecircncia para o uso mais frequente de expressotildees superlativas a elevada proporccedilatildeo de Peacuteri e preferecircncia ndash ampliada se se considerar o Timeu Criacutetias e o Sofista ndash ὂὁὄΝumaΝlὁὀgaΝὅiacutelaἴaΝfiὀalΝἷmΝἵlὠuὅulaὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἂἀ-144)
66 23 O contexto histoacuterico e os personagens
interlocutor no diaacutelogo eacute Protarco Sobre este uacuteltimo personagem Protarco tambeacutem temos
pouquiacutessimas informaccedilotildees No diaacutelogo Soacutecrates se refere a este interlocutor chamando-o
tamἴὧmΝἶἷΝldquoἔilhὁΝἶἷΝἑὠliaὅΝ(1λἴἃ)Νldquo(έέέ) nome muito comum em Atenas portanto para muitos
inteacuterpretes natildeo pode ser confundido com o riquiacutessimo Caacutelias amigo de Soacutecrates cujo filho
era uma crianccedila no tempo do processo deste uacuteltimo (Soacutecrates) (ApolΝ ἀίa)rdquo72 Torna-se
impensaacutevel para a maioria dos estudiosos que Protarco seja uma figura histoacuterica mas apenas
uma figura dramaacutetica utilizada por Platatildeo no diaacutelogo
Outra tese mais antiga eacute de que a obra ilustraria o conflito entre duas das escolas de
pensamento da antiguidade a dos ciacutenicos e a dos cirenaicos Desta forma o diaacutelogo
representaria a posiccedilatildeo (mediadora) de Platatildeo distinta de ambas as posiccedilotildees extremadas O
hedonismo levado agraves extremas encontraria sua expressatildeo maacutexima na figura de Aristipo de
Cirene (cirenaico)73 para o qual o bem eacute o maior gozo possiacutevel ou seja prazer em demasia
Por outro lado Antiacutestenes (ciacutenico) seria representado no diaacutelogo pela figura de Soacutecrates na
tese inicial o qual advoga em favor de um modo de vida estritamente riacutegido (intelectualista)
fundamentado em uma postura austera que apregoa a fuga dos prazeres pois teriam como
fim unicamente a perturbaccedilatildeo da alma (TAYLOR 1926 p 409) Mas nada confirmaria esta
tese como jaacute dissemos a doxografia eacute muito pobre a ponto de afirmar semelhante debate
acadecircmico
Ao contraacuterio do que notamos nos outros diaacutelogos de Platatildeo no Filebo natildeo haacute nenhuma
referecircncia ao local geograacutefico onde se passa o diaacutelogo nem ao menos acerca do momento
ou de algum fato histoacuterico a partir do qual poderiacuteamos inferir alguma indicaccedilatildeo precisa do
diaacutelogo Um outro fator essencial que intriga muitos inteacuterpretes da obra eacute o retorno da figura
de Soacutecrates ao diaacutelogo jaacute que natildeo eacute ele o condutor da discussatildeo no Sofista e nas Leis todos
ὁὅΝἶὁiὅΝήltimὁὅΝtamἴὧmΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaΝἶitaΝldquoήltimaΝfaὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἑὁmὁΝjὠΝ
ἶἷὅtaἵamὁὅΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶὁΝ aὅΝ iὀήmἷὄaὅΝ ἶifiἵulἶaἶἷὅΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶὁΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝ ἶἷΝ
ἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὃualΝὅἷὄiaΝἷὀtatildeὁΝaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝmaiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝaΝἷὅtἷΝldquoὄἷgὄἷὅὅὁrdquoΝἶaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ
(Soacutecrates) como condutor da discussatildeo no caso do Filebo
Essa eacute uma questatildeo problemaacutetica e que admite variadas formulaccedilotildees Mas parece que
muitos admitiriam que Soacutecrates tal como aparece no Filebo e o modo como conduz a
argumentaccedilatildeo assim como as teses que defende nada se parece com o Soacutecrates aporeacutetico
dos primeiros diaacutelogos
72 Esta informaccedilatildeo tambeacutem eacute contestada por alguns estudiosos como GUTHRIE (1978 p 198) TAYLOR (1926 p 409) e HACKFORTH (1945 p 7) 73 ἏfiὄmaΝἔὄiἷἶlaumlὀἶἷὄμΝldquoἡΝἵὁὀtὄaὅtἷΝἷὀtὄἷΝaΝὧtiἵaΝhἷἶὁὀiὅtaΝἷΝaΝὧtiἵaΝaὀti-hedonista (intelectualista) jaacute havia sido antecipada na oposiccedilatildeo entre ciacutenicos e cirenaicos (2004 p 1044) Sobre isto cf Bravo (2009 p 412)
67 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
Uma das surpresas do Filebo eacute a volta de Soacutecrates agrave cena Ele que tinha sido deixado de lado em diaacutelogos da uacuteltima fase de Platatildeo cedendo lugar na conduccedilatildeo da conversa dialeacutetica a figuras como a do Estrangeiro de Eleia retorna com um de seus temas preferidos o prazer mas desta vez com um estilo menos aporeacutetico e mais afinado com a problemaacutetica dos diaacutelogos da uacuteltima da uacuteltima fase (MUNIZ 2012 p 21)
Alguns estudiosos como Friedlaumlnder (2004) afirmam ser o Soacutecrates do Filebo aquele
mesmo Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais aquele que vemos dialogar com os jovens Tal acepccedilatildeo
verifica-se segundo este autor pela postura socraacutetica em defender uma tese especiacutefica
poreacutem ao mesmo tempo submetendo-a agrave criacutetica caracteriacutestica proacutepria do predominante
condutor dos diaacutelogosέΝ ἏΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ldquoὁΝ ἴἷmΝ ὧΝ aΝ ὅaἴἷἶὁὄiardquoΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeὁΝ
dogmaacutetica mas um ponto de partida na discussatildeo que se inicia Semelhante proposiccedilatildeo
como se observa seraacute abandonada pelo condutor da discussatildeo agrave medida que o diaacutelogo
avanccedila sendo demonstradas a inadequaccedilatildeo da tese inicial e a parcialidade perante sua
justificaccedilatildeo (p 1046)
Diegraves (2002) segue uma direccedilatildeo oposta Para ele o Soacutecrates do Filebo nada tem de
semelhante com o Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais A figura de Soacutecrates natildeo tem nada de irocircnica
nesta obra Como nos primeiros diaacutelogos o filoacutesofo natildeo eacute aquele que debate que argumenta
que brinca mas preocupa-se muito mais em expor determinadas questotildees sem duvidar da
validade de suas teses (DIEgraveS 2002 p 9) Similarmente Guthrie afirma que Soacutecrates retorna
agrave cena dramaacutetica como condutor do diaacutelogo porque o tema eacute o prazer Ademais o Soacutecrates
do Filebo assemelha-se mais ao Estrangeiro de Eleacuteia do Sofista do que ao Soacutecrates irocircnico
visto nos escritos platocircnicos da juventude
a fim de tornaacute-lo (Soacutecrates) mais confiaacutevel Platatildeo faz com que Protarco peccedila a Soacutecrates em nome de todos os jovens presentes que abandone sua praacutetica de pocircr os jovens em dificuldades perante questotildees sem respostas [aporias] A partir de agora eacute Soacutecrates mesmo que deveraacute responde-las enquanto seus interlocutores se esforccedilaratildeo para segui-lo da melhor maneira (19e- 20a) cf 28bc) Satildeo alguns dos raros toques pessoais nos diaacutelogos mas em geral faz faltar o interesse dramaacutetico (GUTHRIE 1978 p197-198)
Algumas anaacutelises mais recentes sobre a estrutura e a composiccedilatildeo dramaacutetica do
ἶiὠlὁgὁΝ ὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝ ὀὁΝ ὃuἷὅitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅrdquoΝ ὅatildeὁΝ aiὀἶaΝmaiὅΝ iὀtἷὄἷὅὅaὀtἷὅ como aquela
apresentada por Dorothea Frede A autora afirma no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo do Filebo que
nos deparamos ali com um Soacutecrates (forjado por Platatildeo) que estaacute a debater a discutir e que
natildeo apresenta uma definiccedilatildeo uacuteltima sobre determinados assuntos Assim ela defende
Na verdade ele [Platatildeo] parece ter feito Soacutecrates o principal orador mais uma vez precisamente porque nenhum tratamento final eacute intencionado mas um
68 23 O contexto histoacuterico e os personagens
exame discursivo com sugestotildees e insinuaccedilotildees que podem ir longe mas nunca plenamente suficiente para resolver as questotildees de tal forma que o leitor poderia reivindicar a plena compreensatildeo de uma doutrina definitiva Em suma a Platatildeo soacute resta o proacuteprio Platatildeo o filoacutesofo que se recusa a fixar na mente de seus leitores suas intenccedilotildees finais (FREDE 1993 p 7)
Em suma a teoacuterica alematilde sugere que o meacutetodo pedagoacutegico-socraacutetico (o ζ ΰξκμ) eacute
reutilizado por Platatildeo a fim de persuadir seus interlocutores a respeito de sua concepccedilatildeo da
vida boa no diaacutelogo Desta maneira por um lado a figura de Soacutecrates simula as ideias do
ldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὁΝἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝὂὅiἵὁlὰgiἵὁ-filosoacutefico do autor tardio mas por outro natildeo
se separou ainda permanece unido a seu mestre Contudo natildeo eacute relevante para a autora a
figura de Soacutecrates neste retorno mas sim o modo como ele se porta na discussatildeo isto eacute
ἥὰἵὄatἷὅΝaὃuiΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁΝldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶἷΝὅuas doutrinas apresentadas em seus
uacuteltimos escritos O papel do condutor eacute relevante apenas em um primeiro momento porque
ele eacute quem iraacute retomar a discussatildeo eacutetica da qual Platatildeo teria como maior referencial a filosofia
de Soacutecrates No entanto sua funccedilatildeo reduz-se agrave dramatis persona (Soacutecrates) sob o propoacutesito
ἶἷΝ ὂἷὄὅuaἶiὄΝ ὁὅΝ jὁvἷὀὅΝ aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶaΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (aiacuteΝ ὅimΝ umaΝ tἷὁὄiaΝ
especificamente platocircnica)
Em outro artigo Frede (2013) sublinha semelhante posiccedilatildeo
O que perturba eacute o fato de parecermos ter uma discussatildeo socraacutetica normal diante de noacutes neste que aparentemente eacute um dos uacuteltimos trabalhos de Platatildeo Aacute primeira vista o Filebo natildeo parece apresentar nenhum dos traccedilos dramaacuteticos dos outros uacuteltimos diaacutelogos O proacuteprio Soacutecrates estaacute guiando a discussatildeo () estamos de volta a Atenas imerso em uma disputa viva entre um Soacutecrates e interlocutores natildeo muito diferente das que satildeo usadas nos diaacutelogos socraacuteticos () existe [neste diaacutelogo] um antagonismo verdadeiro humoriacutestico ndash e isso inclui insinuaccedilotildees de caraacuteter sexual ndash e uma conversatildeo gradual Se se olhar para a forma dramaacutetica eacute quase como se Platatildeo quisesse provar ao mundo que mesmo nessa idade avanccedilada madura ele fosse capaz de compro diaacutelogos vivos e tambeacutem que Soacutecrates de modo algum pudesse ficar esquecido (p 510-511)
E justifica mais detalhadamente tal posiccedilatildeo dizendo que
Platatildeo teria achado difiacutecil evocar fosse um eleata fosse um pitagoacuterico como liacuteder de tal discussatildeo e haveria boas razotildees para deixar Soacutecrates aceitar o desafio Platatildeo ao que parece retornou agrave forma anterior dos diaacutelogos socraacuteticos porque desejava reabrir uma questatildeo que fora preocupaccedilatildeo bastante seacuteria do primeiro Soacutecrates platocircnico qual seja o debate sobre a natureza e avaliaccedilatildeo do prazer (FREDE 2013 p 511)
Soacutecrates segundo Frede visto como carecente pobre eacute incompleto frente agrave figura do
dialeacutetico elaborada por Platatildeo no processo argumentativo O primeiro representa a figura da
69 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
natureza humana (carecentedesejosa) enquanto o dialeacutetico platocircnico ilustra a perfeita
sabedoria a completude (FREDE 2013 p 543) Assim sendo no Filebo a caracterizaccedilatildeo do
dialeacutetico natildeo soacute caracteriza a essecircncia da filosofia platocircnica como tambeacutem marca claramente
a distinccedilatildeo entre a figura do filoacutesofo (Soacutecrates) e a do dialeacutetico (Platatildeo) Aleacutem disso a obra
evidenciaria a superaccedilatildeo de Platatildeo em relaccedilatildeo agrave filosofia socraacutetica que agora transfigura-se
como dialeacutetica
Lidar com tais processos natildeo eacute assunto e preocupaccedilatildeo do dialeacutetico jaacute que ele eacute o homem perfeitamentἷΝ ὅὠἴiὁΝ ἵujὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷΝ ὧΝ ldquoὅἷὄΝ ὄἷaliἶaἶἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝἷΝὁΝἷtἷὄὀamἷὀtἷΝiἶecircὀtiἵὁrdquoΝ(ἃἆa)νΝὧΝἶὁΝiὀtἷὄἷὅὅἷΝἶaὃuἷlἷΝὃuἷΝἴuὅἵaΝa completude cujo representante eacute o pobre descalccedilo poreacutem implacaacutevel d infatigaacutevel Soacutecrates retratado no Banquete ou entatildeo do interesse do atribulado cantor de uma palinoacutedia em favor do amor no Fedro O progresso em direccedilatildeo agrave perfeiccedilatildeo eacute o que o melhor tipo de prazer na vida humana representa e eacute o motivo pelo qual uma vida humana natildeo seria desejaacutevel sem prazer na condiccedilatildeo de humano eacute incompleto e necessita da constante tendecircncia e conclusatildeo ardentemente desejada pelo filoacutesofo socraacutetico (embora natildeo o dialeacutetico platocircnico) (FREDE 2013 p 543)
Ademais um outro elemento socraacutetico reconhecido pela autora como presente no
diaacutelogo eacute o carὠtἷὄΝldquomὧἶiἵὁrdquoΝἶaΝfilὁὅὁfiaΝὅὁἵὄὠtiἵaέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝἶἷΝumΝ
estado harmonioso tanto do corpo quando alma que procura sair de tal estado dissoluto (dor)
Aqui de acordo com Frede natildeo se pode negar a presenccedila deste caraacuteter (imprescindiacutevel) de
restauraccedilatildeo que a reflexatildeo sobre as afecccedilotildees humanas pode trazer ao homem Dito isso ao
que parece encontra-ὅἷΝaiὀἶaΝὂὄἷὅἷὀtἷΝὀaΝὁἴὄaΝumΝἵaὄὠtἷὄΝldquoἵatὠὄtiἵὁrdquoΝ(ὂuὄifiἵaἶὁὄ)ΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
aos prazeres ndash herdado da filosofia de Soacutecrates ndash e que permanece como pano de fundo na
composiccedilatildeo do Filebo por parte de nosso autor Dessa maneira isso demonstra jamais ter
havido uma renuacutencia agrave analogia meacutedica que justificou a criacutetica de Soacutecrates agrave moralidade de
seus contemporacircneos ela foi reescrita em novos termos que atrelam ser e tornar-se a
imposiccedilatildeo de limites no ilimitado (FREDE 2013 p 544)74
Em oposiccedilatildeo agrave leitura de Frede C Rowe (1999) compreende o protagonismo de
Soacutecrates no diaacutelogo de uma outra forma Natildeo lhe faltaram criacuteticas agrave intepretaccedilatildeo da teoacuterica
norte-americana Segundo o autor no diaacutelogo natildeo notamos uma draacutestica diferenccedila entre o
Filebo algo que o distinguiria particularmente dos outros diaacutelogos tardios (Sofista Poliacutetico
etc) como considera Frede Nem sequer poderiacuteamos afirmar com toda clareza que Platatildeo
serve-se do ζ ΰξκμΝtalΝἵὁmὁΝὅἷΝὁἴὅἷὄvaΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝ(ἤἡWἓΝ1999 p 9-11)
74 ἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝ ὧΝ imὂἷὄiὁὅὁΝ ἶἷὅtaἵaὄΝ aΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἥaὀtὁὄὁΝ (ἀίίἅ)Ν aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ldquoἵatὠὄtiἵaΝ ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅrdquoΝἶἷὅἷὀvὁlviἶaΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝFilebo O prazer que transita entre medida e desmedida entre pureza e impureza Na visatildeo do autor uma visatildeo predominantemente entre os antigos (Cf SANTORO F Arqueologia dos Prazeres Rio de Janeiro Objetiva 2007)
70 23 O contexto histoacuterico e os personagens
Segundo Rowe a obra pelo contraacuterio daacute continuidade aos temas tratados no periacuteodo tardio
e natildeo se revela como um diaacutelogo especial neste uacuteltimo periacuteodo A dialeacutetica neste caso tem
um objetivo claro e reafirma a postura de Platatildeo mais elaborada sobre este importante
exerciacutecio filosoacutefico em questatildeo Um diaacutelogo entre interlocutores que exige uma toleracircncia
reciacuteproca entre ambos Se eacute que haacute elementos do ζ ΰξκμ no Filebo eles ressaltam a
ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἶὁΝmὧtὁἶὁΝὄἷfutativὁΝἷΝὀatildeὁΝaΝldquoὀἷgativardquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἅ)έΝἒitὁΝἶἷΝ
outro modo a dialeacutetica visa a verdade dentro das possibilidades oferecidas pela variabilidade
admitida dos loacutegoi (discursos) A refutaccedilatildeo presente sobretudo nos diaacutelogos da uacuteltima fase
natildeo pretende sobrepor a tese socraacutetica como a verdadeira exaltando a ignoracircncia do
interlocutor O que se nota eacute justamente o contraacuterio colocam-se as teses em anaacutelise em
confronto em busca da verdade ndash e essa eacute a principal excitaccedilatildeo contida no exerciacutecio do
diaacutelogo o desejo primordial naturalmente dialeacutetico que reside na busca por hipoacuteteses
verdadeiras e na rejeiccedilatildeo daquelas que pareccedilam falsas a ambos os dialogantes
Na fase tardia o suposto sentido negativo do ζ ΰξκμΝ ἶἷὅὂaὄἷἵἷΝ ὡΝ mἷἶiἶaΝ ὃuἷΝ
transparece o seu sentido positivo quἷΝὂaὄtἷΝἶaΝldquoaὀὠliὅἷrdquoΝἶἷΝumΝldquoἷxamἷrdquoΝἵὁὀjuὀtὁΝὃuἷΝviὅaΝ
umaΝἶὁutὄiὀaΝὂὁὅitivaΝἷΝὀatildeὁΝaΝὄἷjἷiὦatildeὁΝἶἷΝἵἷὄtaὅΝtἷὅἷὅέΝldquoἢὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝlsquoἶialὧtiἵarsquoΝὀatildeὁΝὧΝ
unicamente ou em primeira instacircncia uma maneira de suprimir a ignoracircncia mas ndash um ideal
ndash uma maneira de ἶἷὅἵὁἴὄiὄΝaΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἃ)έ
Um dos princiacutepios que estatildeo subjacentes em minha interpretaccedilatildeo eacute que os diaacutelogos satildeo em geral e essencialmente os mimeacutemata da filosofia real viva isto quer dizer derivados de certos aspectos da proacutepria filosofia imitam estes aspectos Aqui claramente eu me apoio amplamente sobre o Fedro [275d-e] que nos force a descriccedilatildeo mais completa e mais expliacutecita da natureza da atividade filosoacutefica se se compreende o que Soacutecrates disse (sem interpretaacute-lo ao peacute da letra) a filosofia escrita eacute uma contradiccedilatildeo em termos A filosofia repousa sobre a troca o teste das afirmaccedilotildees de uma pessoa por outra que permite algueacutem progredir intelectualmente ndash e as obras escritas elas mesmas natildeo podem responder elas satildeo como as pinturas que parecem vivas mas que quando vocecirc lhes propotildee uma questatildeo manteacutem um silecircncio solene (ROWE 1999 p 13)
Por fim ao que tudo indica a tese de Frede estaacute fundada em duas consideraccedilotildees
distintas (i) o Filebo possui uma estrutura dramaacutetica distinta dos diaacutelogos tardios a notar pela
presenccedila de Soacutecrates como condutor da argumentaccedilatildeo (ii) este diaacutelogo tardio conteacutem em si
noccedilotildees puramente socraacuteticas que demonstrariam um retorno de Platatildeo ao meacutetodo refutativo
do ζ ΰξκμΝ(1λλλΝὂέΝ1ἅ)75 Rowe defende que esta eacute uma leitura equivocada e que natildeo se
75 Visotildees como a de Frede (1993) estatildeo em consonacircncia com um ponto metodoloacutegico fundamental que primeiro encontra sua formulaccedilatildeo em Vlastos (1983) Para o teoacuterico o pensamento platocircnico tendo como base a divisatildeo claacutessica (juventude-maturidade-velhice) teria a cada um desses estaacutegios um modelo investigativo (ou meacutetodo) respectivo (juventude refutaccedilatildeo maturidade hipoteacutetico velhice
71 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
explica satisfatoriamente quando analisamos atentamente a obra em especiacutefico Para Rowe
o retorno de Soacutecrates agrave conduccedilatildeo do diaacutelogo no caso especiacutefico do Filebo demonstra a
amplitude e a grandeza da dialeacutetica entendida no sentido platocircnico a sua elaboraccedilatildeo uacuteltima
dotada de rigor e maestria por parte de nosso filoacutesofo Sendo assim os interlocutores jaacute satildeo
ὂὁὅtὁὅΝldquoἷmΝὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἷΝὁΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝἶaΝativiἶaἶἷΝfilὁὅὰfiἵaΝὀaΝὁἴὄaΝὄἷjἷitaὄiaΝὃualὃuἷὄΝ
ideia em torno de competiccedilatildeo (ROWE 1999 p 23)
Apoiando-se significativamente no Fedro Rowe (1999) considera o diaacutelogo como uma
ὅimulaὦatildeὁΝἶἷΝumΝldquoἶiὅἵuὄὅὁΝvivὁrdquoΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝativiἶaἶἷΝἶialὧtiἵaΝ( δαζΫΰ γαδ)
real e natildeo escrita Esse seria o sentido real da atividade filosoacutefica platocircnica uma discussatildeo
ὅὁἴὄἷΝ ldquoiἶἷiaὅrdquoΝ ἷὀtὄἷΝ iguaiὅΝ ὃuἷΝ ἷxigἷΝ tὁlἷὄacircὀἵiaΝ ἷΝ ἵὁὁὂἷὄaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ ὁὅΝ iὀἶiviacuteἶuὁὅΝ ἷΝ ὃuἷΝ
sobretudo visa alcanccedilar uma verdade possiacutevel naquele acircmbito dialoacutegico (1999 p13 seq)
Por mais que Protarco se converta ao final do diaacutelogo ele o faz agrave uma tese alterada
pois a tese de Soacutecrates defendida no iniacutecio da obra natildeo se equipara agravequela vencedora do
momento final da argumentaccedilatildeo Se haacute uma relevacircncia do retorno de Soacutecrates agrave cena
dramaacutetica em um primeiro momento ela eacute miacutenima isto eacute ela pode ter um propoacutesito eacutetico
primeiramente mas natildeo reivindica uma autoridade particular Assim a personagem Soacutecrates
ilustra o desenvolvimento da atividade dialeacutetica tal como compreendida por Platatildeo ao longo
de sua atividade filosoacutefica (ROWE 1999 p 12) e que portanto em dado momento jaacute se
separa daquela figura inicial o Soacutecrates histoacuterico (ROWE 1999 p 24-25)
ἏΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἵatὠὄtiἵaΝ(ldquoἥὰἵὄatἷὅΝmὧἶiἵὁΝἶἷΝalmaὅrdquo)ΝἷΝaΝἶὁΝfilὰὅὁfὁΝἷmΝὁὂὁὅiὦatildeὁΝaὁΝ
dialeacutetico platocircnico tambeacutem satildeo equivocadas segundo a compreensatildeo de Rowe (1999)
ἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὄἷὁἵuὂaΝaὂἷὀaὅΝἷmΝldquoἵuiἶaὄΝἶaὅΝalmaὅrdquoΝmaὅΝἵὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝὀὁΝ
ὂἷὄiacuteὁἶὁΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁΝἷlἷΝὅἷΝὂὴἷΝἷmΝἴuὅἵaΝἶὁὅΝldquoἷlἷmἷὀtὁὅΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀ1)έΝἠaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝ
divisatildeo) uma tal regularidade sistemaacutetica que gerou e ainda gera inuacutemeras confusotildees entre os inteacuterpretes Um exemplo disso eacute o surgimento de algumas obras como a de Robinson (1941) que chega aὁΝὂὁὀtὁΝἶἷΝafiὄmaὄΝalgὁΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁμΝldquotὄecircὅΝἵὁiὅaὅΝaἵὁὀtἷἵἷmΝἵὁmΝὁΝelenchus nos diaacutelogos meacutedios e nos diaacutelogos uacuteltimos Primeiro como acabamos de ver se perde o caraacuteter da ironia e segundo ele estaacute incorporado no conjunto maior da dialeacutetica que muda um pouco o caraacuteter dele Ainda assim negativo e destrutivo em essecircncia ele eacute aproveitado para a construccedilatildeo do diaacutelogo Apesar de moral em sua finalidade o fim moral uacuteltimo afasta-se de um acordo excelente e ocupa um largo programa cientiacutefico na visatildeo da maturidade Terceiro ao passo que frequentemente eacute referido e recomendado e gradualmente deixa de se atualmente retratado nos diaacutelogos As refutaccedilotildees ocupam menos espaccedilo no total da obra Aquelas que ocorrem ocorrem de forma menos oacutebvia e natildeo eacute tatildeo faacutecil apontar as premissas em separado a maneira em que cada uma eacute obtida e o lugar onde Soacutecrates coloca-as juntas e extrai a conclusatildeo Elas natildeo satildeo puramente negativas mas frequentemente possuem doutrinas positivas que natildeo eacute necessaacuterio provar () Portanto o elenchus transforma-se em dialeacutetica de negativo ὂaὅὅaΝὅἷὄΝὂὁὅitivὁΝἶἷΝὂἷἶagὰgiἵὁΝaΝἶἷὅἵὁἴὄimἷὀtὁΝἶἷΝmὁὄaliἶaἶἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵiecircὀἵiardquoΝ (ὂέΝ1λ-20) Nesse sentido tambeacutem caminha a investigaccedilatildeo de Scott (2002) ao perguntar-se se o Soacutecrates histoacuterico tinha um meacutetodo e qual seria esse meacutetodo Demostrarei mais adiante que discordo dessa maneira de compreender e dividir a obra platocircnica e que a questatildeo se centra muito menos na busca por esses criteacuterios externos do que na compreensatildeo da forma de elaboraccedilatildeo caracteriacutestica do diaacutelogo platocircnico
72 23 O contexto histoacuterico e os personagens
feita por Frede parece que Soacutecrates natildeo tem nenhuma preocupaccedilatildeo com o saber Entretanto
na filosofia platocircnica ele parece representar justamente a figura central (por excelecircncia)
porque
() o fato de Soacutecrates rejeitar qualquer pretensatildeo de ao tiacutetulo de ldquomἷὅtὄἷΝἶialὧtiἵὁrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝfaὐΝἶἷlἷΝὁΝmὁἶἷlὁΝἶἷΝfilὰὅὁfὁΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝuma consciecircncia plena inteira que certamente os diaacutelogos identificam como umaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶialὧtiἵaΝἵὁmὂlἷtaΝ(iὅtὁΝὧΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶὁΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁΝἶaὅΝfὁὄmaὅrdquoΝὁuΝoutra coisa similar) ndash isto eacute o que busca Soacutecrates Em outros termos o filoacutesofo ideal eacute este que Soacutecrates seria se ndash impossiacutevel como eu penso embora eu o ache o maior de todos aqueles que o mundo jaacute viu perseguir uma tal busca ndash que alcanccedilaria o fim almejado de sua pesquisa (ROWE 1999 p 20)
Talvez neste caso seja necessaacuterio postular e ao mesmo tempo concordar com o que
diz Dixsaut (2013) em uma interpretaccedilatildeo mais recente e independente daquelas mais
claacutessicas que Platatildeo nunca teria se separado completamente de Soacutecrates (2003 p 33-37)76
Neste caso seriacuteamos obrigados tambeacutem a concordar com a visatildeo supracitada de Rowe
(1999) Contudo ainda precisamos analisar pormenorizadamente algumas questotildees A
primeira eacute essa tentativa a meu ver equivocadaΝἶἷΝtἷὀtaὄΝldquoἷἵliὂὅaὄrdquoΝἶἷfiὀitivamἷὀtἷΝἵὁmὁΝ
nos diz Marques seja Soacutecrates seja o espiacuterito socraacutetico-platocircnico (2006 p 41) Jaacute vimos que
a posiccedilatildeo tradicionalmente adotada (com todo respeito aos autores que ainda adotam) aquela
especiacutefica de Soacutecrates ldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὧΝiὀὅuὅtἷὀtὠvἷlΝὀatildeὁΝὧΝἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝ
possiacutevel construirmos uma identidade platocircnica se eacute que isso seja possiacutevel O que seria
possiacutevel conforme alegam eacute que por meio do questionamento persistente de Soacutecrates
analisando o resultado de uma suposta sobreposiccedilatildeo desse personagem como representante
maacuteximo do pensamento platocircnico uma identidade platocircnica como nos diz Marques (2006)
ὃuἷΝὧΝldquo(έέέ)ΝὄἷὅultaἶὁΝἶaΝὅὁἴὄἷὂὁὅiὦatildeὁΝἷΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἶaὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὅituaὦὴἷὅΝἶἷΝἷxamἷΝἶὁὅΝ
76 ldquoἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuἷΝfiἵaΝὂὁὄΝἶἷtἷὄmiὀaὄΝὁἴviamἷὀtἷΝὀatildeὁΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἢlatatildeὁΝmuἶὁuΝἷmΝalguὀὅΝde seus pontos de vista desde sua juventude ateacute sua velhice em meio seacuteculo como escritor (natildeo poderia natildeo telo feito) nem se desenvolveu teorias proacuteprias e ateacute que ponto realmente se distanciou de das convicccedilotildees de socraacuteticas mais profundas que aparentemente abraccedilou nos diaacutelogos da juventude Podemos conjecturar com certa seguranccedila que Platatildeo se considerava a si mesma como um pensador socraacutetico se temos em conta por uma parte o modo como recorre ao nome de seu mestre para expor a linha de pensamento mais aprofundada na maioria de suas obras e por outra a defesa tanto de seu meacutetodo refutativo como de alguns de seus compromissos existenciais Natildeo duvidemos que Platatildeo manteacutem entre outros os seguintes princiacutepios socraacuteticos () uma certa crenccedila na providecircncia divina sua visatildeo teleoloacutegica da vida sua concepccedilatildeo essencialista da metafisica a psicologia e a eacutetica sua visatildeo da justiccedila como equiliacutebrio interior sua convicccedilatildeo de que natildeo vale a pena viver sem examinar constantemente de que sempre eacute preferiacutevel receber o mal a cometecirc-lo de que ningueacutem pratica o mal involuntariamente a natildeo ser por ignoracircncia de que a causa profunda da falta de poder para governar-se eacute a ignoracircncia e em geral a ideia de que o pior dos males que se podem ἵὁmἷtἷὄΝἵὁὀtὄaΝumΝὁuΝἵὁὀtὄaΝὁutὄὁΝὧΝtὁὄὀaὄΝὂiὁὄΝaΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝὅuaΝalmardquoΝ(ἐἡἥἥIΝἀίίἆΝὂέΝἀ1ἅ-218)
73 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
difereὀtἷὅΝἶiὠlὁgὁὅrdquoΝ(ὂέΝἂ1)έΝΝἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝfὄutὁΝἶἷὅὅaΝὅuaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝ
aos poetas artesatildeos poliacuteticos sofistas que ele daacute voz nos seus diaacutelogos o fio condutor ponto
de convergecircncia e unificaccedilatildeo das distintas visotildees que satildeo apresentados nas diversas
ocasiotildees dialoacutegicas Ora recorrendo a dados extras a uma fundamentaccedilatildeo calcada em uma
ἴaὅἷΝhiὅtὰὄiἵaΝὅἷmΝfuὀἶamἷὀtὁΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅrdquoΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝὅἷΝaὂὄὁximaὄiaΝ
de um Soacutecrates histoacuterico enquanto o dos demais diaacutelogos (maturidade e velhice) representam
aὅΝviὅὴἷὅΝἶἷΝumΝἢlatatildeὁΝmaἶuὄὁΝὁuΝἶὁΝldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὂὁὄΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝamἴὁὅΝhiὂὰtἷὅἷὅΝἷΝ
teses mais positivas mais conclusivas mais doutrinaacuterias Deste modo Platatildeo estaria
assumindo seu pensamento filosoacutefico proacuteprio distanciando-se do Soacutecrates histoacuterico O
problema eacute que teses desse tipo natildeo se sustentam como explicar o desaparecimento de
ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝalguὀὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝήltimὁὅrdquoςΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaὄΝὅuaΝvὁltaΝaὁΝFilebo que eacute
nosso caso aqui em discussatildeo Devemos portanto descartar a ideia desse eclipse definitivo
(MARQUES 2006 p 41) Visotildees como estas causam inuacutemeros problemas os quais por
sinal uma anaacutelise mais profunda da concepccedilatildeo mimeacutetica platocircnica utilizada na composiccedilatildeo
dos diaacutelogos jaacute eliminaria agrave primeira vista O caso da intepretaccedilatildeo de Frede (1993) eacute um
exemplo decorrente dessa incompreensatildeo da forma caracteriacutestica de composiccedilatildeo dos
diaacutelogos platocircnicos como jaacute bem nos expocircs anteriormente Rowe (1999) No entanto a fim de
explicitarmos ainda mais podemos ainda recorrer agraves belas palavras de Marques
Os personagens criados por Platatildeo mais do que simples recursos de expressatildeo constituem um esforccedilo para tornar expliacutecitas e inteligiacuteveis atitudes eacuteticas e posiccedilotildees teoacutericas fundamentais detectaacuteveis entre os cidadatildeos artesatildeos homens poliacuteticos poetas e pensadores de sua eacutepoca de modo que a invenccedilatildeo de personagens constitui uma dinacircmica na qual retoacuterica e filosofia satildeo inseparaacuteveis A mesma estrateacutegia retoacuterica que consiste em fazer falar os outros estrutura os diaacutelogos com algumas variaccedilotildees encontramos personagens nomeados ou anocircnimos alusotildees mais ou menos diretas a indiviacuteduos histoacutericos personagens puramente fictiacutecios simples remissotildees a algueacutem que natildeo estaacute presente e ainda personagens-tipo ou mesmo argumentos personificados ao faὐἷὄΝfalaὄΝἷὅὅἷὅΝldquoὁutὄὁὅrdquoΝἢlatatildeὁΝὁὅΝaὅὅimilaΝpara produzi-los ou reproduzi-los enquanto personagens que dialogam entre si O que eacute uacutenico e fundamental eacute que ele soacute fala e pensa dessa maneira Nunca encontramos um discurso em primeira pessoa do proacuteprio autor dos diaacutelogos Platatildeo nos aparece assim como ventriacuteloquo maacutegico dos discursos imitador de homens e de caracteres sempre presente sempre ausente sempre pressuposto e visado sempre se evadindo Para sabermos o que diz Platatildeo eacute preciso interpretar eacute preciso contrapor e avaliar as diferenccedilas que significam as personagens e neste confronto tentar construir sua identidade De modo que soacute a encontramos atraveacutes de um processo complexo de progressiva construccedilatildeo do autor O autor sempre virtual eacute necessariamente o resultado de uma composiccedilatildeo operada pelo leitor Proponho caracterizar esse recurso retoacuterico-filosoacutefico fundamental utilizado por Platatildeo que consiste em falar e pensar atraveacutes de personagens como
74 23 O contexto histoacuterico e os personagens
umaΝldquoὄἷtὰὄiἵaΝἶaΝἶifἷὄἷὀὦardquoΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝὂἷὄmaὀἷὀtἷΝldquoaltἷὄiὐaὦatildeὁΝἶἷΝὅirdquoΝao pensar e escrever (2006 p 40)
O retorno de Soacutecrates agrave cena nesse caso natildeo eacute tatildeo significativo como considera
Frede (1993) Esse fator eacute algo miacutenimo quando levamos em conta o modo como a escrita
platocircnica eacute forjada esse modo como Platatildeo constroacutei seus personagens seja na ausecircncia
seja na permanecircncia de Soacutecrates e de tantos outros personagens ndash modo este que o distingue
invariavelmente enquanto escritor-filoacutesofo ndash natildeo nos autoriza a postular um abandono do
socratismo mas muito pelo contraacuterio o que se nota eacute uma radicalizaccedilatildeo ainda maior do
espiacuterito socraacutetico na ausecircncia desse mesmo personagem Eacute justamente no confronto na
contraposiccedilatildeo na contradiccedilatildeo manifesta entre esses personagens ao se anteporem um
discurso ao outro e ambos serem verificados que poderemos pressupor construir uma tal
posiccedilatildeo platocircnica Desta maneira a relatividade eacute ultrapassada na medida em que o uacutenico
vencedor natildeo eacute nenhuma das duas teses mas uma terceira coisa Natildeo seria justamente isso
que as linhas do Filebo atestariam Nem inteligecircncia nem prazer mas uma terceira coisa
deve ser posta em questatildeo a vida boa mista Como encontrar pura e simplesmente refutaccedilatildeo
em discursos (ζσΰκδμ) simeacutetricos em que um afirma e o outro contesta77 Desta forma natildeo
restaria ao autor senatildeo conduzir a discussatildeo a um impasse Natildeo haacute vencedor o Filebo natildeo eacute
um diaacutelogo em que triunfaria a φδζκθδεέα mas nesse combate quem ganha eacute o proacuteprio ζσΰκμ
guiado por seu uacutenico objetivo alcanccedilar ao maacuteximo possiacutevel o verdadeiro
Nos diaacutelogos de Platatildeo como nos diria Marques (2006) vemos realizar-ὅἷΝumaΝldquo(έέέ)Ν
ἵὄiacutetiἵaΝὡΝἵὄiacutetiἵaΝὅὁfiacuteὅtiἵardquoΝ(ὂέΝἂἂ)ΝὁὅΝvalὁὄἷὅΝἶὁὅΝὅὁfiὅtaὅΝἷΝὅuaὅΝimὂliἵaὦὴἷὅΝὅatildeὁΝὂὁὅtὁὅΝἷmΝ
debate por meio da radicalizaccedilatildeo e do aprofundamento da atitude criacutetica aos valores comuns
o que por sinal acaba resultando em uma inversatildeo dos proacuteprios valores daqueles primeiros
(MARQUES 2006 p 44) Radicalizaccedilatildeo esta que natildeo se encontra distante mas muito
proacutexima daquela dos sofiὅtaὅΝaΝὀatildeὁΝὅἷὄΝὂἷlὁὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶiὅtiὀtὁὅΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷΝ
ἥὰἵὄatἷὅέΝEacuteΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝldquovivὁrdquoΝὃuἷΝἷὅtἷὅΝvalὁὄἷὅΝ(ὧtiἵὁὅ)ΝὀὁvamἷὀtἷΝalἵaὀὦamΝumΝ
status objetivo eacute por meio deste exerciacutecio (escrito-dialoacutegico) que eles podem ser
reestabelecidos e oferecerem uma proposta filosoacutefica eficaz
Aqui natildeo nos deparamos com um Soacutecrates histoacuterico e pregresso que nem ao menos
podemos dizer de quem se trata ou se mesmo existe Pelo contraacuterio o mesmo furor dialeacutetico
e sua verve natildeo estatildeo ausentes no Soacutecrates do Filebo mas eles permanecem estritamente
relacionados aos objetivos (dialeacuteticos) pertinentes agraves questotildees ali desenvolvidas postas no
exame dialeacutetico confirmando ainda mais a potecircncia desse exerciacutecio (socraacutetico-platocircnico)
77 Falo mais detalhadamente sobre isso no proacuteximo capiacutetulo
75 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
primordial78 O erro de Frede (1993) em relaccedilatildeo a esse primeiro aspecto eacute natildeo conseguir
notar em meio agraves bruscas transiccedilotildees do Filebo ὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝὄἷflἷxatildeὁΝἶὁὅΝ
prazeres no diaacutelogo e sua estrita relaccedilatildeo com a dialeacutetica demonstrando ainda mais a forccedila
do proacuteprio pensamento como jamais vista na obra platocircnica Dito de outro modo ao deixar de
notar a riqueza do diaacutelogo associando-o a um debate puramente escoliasta a teoacuterica alematilde
esquece-se da riqueza que constitui natildeo apenas o Filebo mas os diaacutelogos em geral o prazer
aqui eacute tratado como muitas das mais importantes questotildees do pensamento filosoacutefico de
Platatildeo como uma questatildeo refinada de estilo ou melhor uma questatildeo de gosto que reflete a
proacutepria habilidade e genialidade literaacuteria de Platatildeo
De tal modo uma distinccedilatildeo entre conteuacutedo e forma no pensamento filosoacutefico de Platatildeo
natildeo se aplica agraves caracteriacutesticas proacuteprias de uma filosofia em sua profundidade
essencialmente dialeacutetica Por isso justifica-se a criacutetica de Rowe (1999) agrave autora ao
caracterizar os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo a Protarco como destinados unicamente a
um processo de conversatildeo do interlocutor agrave suposta tese de Soacutecrates Vale lembrar que quem
ganha a batalha no ΰυθ filosoacutefico eacute o proacuteprio ζσΰκμ posto em debate eacute a isso que assistimos
tambeacutem no Filebo tanto o discurso de Soacutecrates quanto o de Protarco se ajustam agraves
exigecircncias dialeacuteticas a busca pelo saber verdadeiro sobre o que de comum acordo estatildeo
buscando
Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ)79 podem elas nos indicar se devemos chamar de bem o prazer ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria (φδζκθδεκ η θ) ao que eu defendo ou ao que tu defendes Devemos sim combater juntos e aliados ao mais verdadeiro ( ππμ ΰ έγ ηαδ α rsquoΝ αδ θδε θ α α γrsquoΝ rsquoΝΪζβγ Ϊ ῖ πκυ υηηαξ ῖθ η μ αηφπ) (14b1-7)
78 Demostro jaacute aqui respeitosamente meu profundo desacordo com o tipo de leitura que propotildee Benoit (ἀίίἅΝὂέΝ1λλ)έΝἑὁmὂὄἷἷὀἶὁΝὅuaΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝ ldquomἷtὁἶὁlὁgiaΝἶaὅΝ tἷmὂὁὄaliἶaἶἷὅΝ imaὀἷὀtἷὅrdquoΝἷmΝὅuaΝanaacutelise do diaacutelogo εaὅΝὀatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝldquoaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝὅὁἵὄὠtiἵaΝtaὄἶiardquoΝaΝὃualΝἷlἷΝἶἷmὁὀὅtὄaΝἷὅtaὄΝὂὄἷὅἷὀtἷΝna composiccedilatildeo do FileboΝatἷὅtaὀἶὁΝἷmΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁΝumaΝldquoὂὁὅὅiacutevἷlrsquoΝfaἶigaΝἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁΝὀὁὅὅὁΝdiaacutelogo a ponto de colocar em questatildeo a proacutepria dialeacutetica enquanto ciecircncia primeira Pretendo contestar essa leitura ao tratar do modo como Platatildeo entende o processo do conhecimento e o que ὅigὀifiἵaΝἷὅtἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝὁΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἷΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝcom a iaθκδα no diaacutelogo algo que surgiraacute propriamente em nossa anaacutelise (gnosioloacutegica-axioloacutegica) presente no Filebo quando da caracterizaccedilatildeo e distinccedilatildeo dos prazeres falsos e dos prazeres verdadeiros 79 Dixsaut (2008) nos chama atenccedilatildeo ao fato de que ateacute o Sofista o termo ζ ΰξκμΝὀuὀἵaΝὧΝἶἷfiὀido mas nos diaacutelogos em que se trata da dialeacutetica propriamente ζ ΰξκμΝἷΝ ζΫΰξ δθ possuem o sentido de exame como eacute o caso do Filebo supracitado (14b) em pocircr agrave prova (50d) (Cf DIXSAUT 2008 p 116)
76 23 O contexto histoacuterico e os personagens
Mas ainda resta um ponto e quanto ao ζ ΰξκμςΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ afiὄmaὄΝ ἵὁmὁΝ ἔὄἷἶἷΝ
(1993) que ele estaacute presente no Filebo Ou discordarmos dela como faz Rowe (1999) Creio
que esta questatildeo jaacute teria sido suficientemente explicada com o que dissemos anteriormente
Poreacutem ainda resta algo Podemos notar que neste suposto regresso ao que a autora
ἶἷὀὁmiὀaΝ ὂἷὄfilΝ ὧtiἵὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ aἴὁὄἶaἶaὅΝ ὂἷlὁΝ ἶitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅΝ hiὅtὰὄiἵὁrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ aὅΝ
questotildees eacuteticas da filosofia platocircnica estivessem adstritas ao denominado periacuteodo juvenil ou
que natildeo possuiacutemos ali nada que natildeo fosse eacutetico ou que a refutaccedilatildeo fosse uma fase primitiva
do processo dialeacutetico Essa visatildeo aleacutem de distorcida eacute preconceituosa a qualquer leitor
dedicado de Platatildeo ou ao mesmo iniciante jaacute que seria possiacutevel presumir que as ditas
ldquoἶiὅἵiὂliὀaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝfὁὄmamΝumΝἵὁὀjuὀtὁΝἶἷΝiὀtὄiacuteὀὅἷἵaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἷΝὃuἷΝὃualὃuἷὄΝtἷὀtativaΝ
de separaccedilatildeo levaria o proacuteprio inteacuterprete mais ao fracasso do que propriamente a resultados
eficazes Sobre isso gostaria de retomar um texto de Dixsaut (2008) no qual ela proacutepria
adverte
Por conseguinte em meu ponto de vista o preconceito do qual todo comentador dos diaacutelogos deveria se ocupar ou ao menos a respeito do qual deveria dar-se o trabalho de refletir eacute aquele da oposiccedilatildeo niacutetida entre positivo e negativo Ao meacutetodo negativo e destrutivo do eacutelenkhos socraacutetico sucederia dizem a doutrina platocircnica de um conhecimento positivo das Formas Ora a positividade estaacute para Platatildeo assim como para seu Soacutecrates inteiramente do lado da opiniatildeo e eacute preciso purgar a alma de suas certezas convicccedilotildees evidecircncias (sintaticamente afirmativas ou negativas) Para sair da alternativa ὅimὂliὅtaΝἶὁΝldquoὁuΝiὅὅὁέέέΝὁuΝaὃuilὁrdquoΝ(ὁuΝἵὧtiἵὁΝὁuΝmἷtafiacuteὅiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁ)ΝἷΝἶaΝhipoacutetese de uma sucessatildeo que os textos natildeo atestam eacute preciso antes creio compreender que saber o que natildeo eacute uma coisa eacute jaacute saber muito mais sobre o que ela eacute do que quando se acreditava conhececirc-la () (p 122)
ἓmΝὅἷΝtὄataὀἶὁΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅuἵἷὅὅatildeὁΝtἷmὂὁὄalΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝἶitaΝldquoὄἷfutaὦatildeὁrdquoΝ
nos diaacutelogos devemos ainda levar em consideraccedilatildeo o que nos diz a proacutepria Dixsaut (2008)
para quem κ ζ ΰξκμΝὧΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝὂὄὧviaΝἶaΝπαδ έα e natildeo da dialeacutetica deste modo o caraacuteter
ldquoὂuὄifiἵaἶὁὄrdquoΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὀἷgativὁΝἷmΝumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝἵὁmὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝumaΝἶaὅΝmaiὅΝ
importantes funccedilotildees da refutaccedilatildeo eacute apenas condiccedilatildeo preacutevia para o exerciacutecio dialeacutetico como
nos apontaria a sexta definiccedilatildeo do Sofista Por isso devemos rejeitar essa claacutessica divisatildeo
(equivocada) por dois motivos (i) porque natildeo temos uma base soacutelida histoacuterica para afirmar tal
anterioridade cronoloacutegica (ii) ὂὁὄὃuἷΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵhamaΝ ldquoὄἷfutaὦatildeὁΝ ὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ ὧΝ muitὁΝ maiὅΝ
aristoteacutelico do que que propriamente platocircnico ou socraacutetico (iii) o que Platatildeo toma de Soacutecrates
natildeo eacute a refutaccedilatildeo tout et court enquanto teacutecnica mas que o saber verdadeiro passa pela
consciecircncia do natildeo-saber Isso seria suficiente para eliminar o caraacuteter doxaacutestico pois a
verdade natildeo eacute posse de enunciados concretos e contraacuteria ao falso mas objeto de busca e
desejo
77 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
() ela [a verdade] natildeo eacute a posse de alguns enunciados e diferentemente do verdadeiro que tem por contraacuterio o falso que soacute pode ser dito da opiniatildeo a vἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝtἷmΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἷlaΝὧΝὁΝldquoἷlἷmἷὀtὁrdquoΝὀὁΝὃualΝὅἷΝmὁvἷΝumΝὅaἴἷὄΝὃuἷΝnele mesmo jamais pode ser falso (um saber que pode apenas errar o seu fim) O filoacutesofo tal como Platatildeo o concebe natildeo eacute saacutebio tampouco deteacutem a verdade ele busca aquilo que na verdade eacute proacuteprio do que eacute verdadeiramente Aprender examinar buscar interrogar e responder ndash natildeo haacute e jamais houve para Platatildeo outras modalidades de saber Isso natildeo faz no entanto do filoacutesofo um ignorante porque segundo ele ignorar natildeo eacute o contraacuterio de saber mas sim crer que se sabe A maneira que o filoacutesofo tem de natildeo saber orienta sua ruptura com os modos de formulaccedilatildeo proacuteprios da opiniatildeo afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo Conceber o saber mais elevado como um saber dialeacutetico significa com efeito outra coisa que determinaacute-lo como um conjunto de proposiccedilotildees afirmativas e negativas mas fazer dele o exerciacutecio de um pensamento que eacute antes de tudo e necessariamente interrogativo (DIXSAUT 2008 p 121)
Por fim resta dizer que o que estaacute em jogo no Filebo eacute consoante com o que diz a
supracitada autora tratar de submeter tanto prazer quanto o conhecimento a uma apreciaccedilatildeo
comum colaborativa o que por sinal atesta ainda mais uma coerecircncia natildeo somente com os
ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶὁΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoήltimὁΝ ὂἷὄiacuteὁἶὁrdquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ platocircnica mas com todos os diaacutelogos que
precedem aquele da forccedila do conhecimento dialeacutetico cujo sentido mais profundo eacute tambeacutem
representado personificado pela figura de Soacutecrates poreacutem natildeo apenas nele mas com ele e
com os demais interlocutores que afirmam com ainda mais veemecircncia o poder contido nisto
que Platatildeo denomina como atividade por excelecircncia a busca conjunta pelo verdadeiro Neste
sentido eacute inuacutetil falar em positivo e negativo e contraacuterio e favoraacutevel O nosso diaacutelogo vai aleacutem
disso e demonstra quatildeo prospectivo eacute esse exerciacutecio do pensamento da alma ou como diz a
ὂὄὰὂὄiaΝἒixὅautΝὃuatildeὁμΝldquo(έέέ)Νiὀtἷὄὄὁgativὁ ἷΝiὀvἷὀtivὁrdquoΝἷlἷΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ(ἀίίἆ p 122)
A variabilidade das formas de tratamento e de apresentaccedilatildeo de temas relevantes natildeo
deve resultar em visotildees de ruptura evoluccedilatildeo ou mesmo contradiccedilatildeo na obra platocircnica mas
sim sinal de fecundidade de diferentes perspectivas complementares e que nos tornam
possiacutevel analisar um mesmo problema retomando-o poreacutem sob um novo acircngulo sob um
novo ponto de vista Potencialidade do proacuteprio pensamento que Platatildeo reconhece como a
mais significativa justamente por natildeo se esgotar ou seja pela impossibilidade de uma
verdade ser tatildeo irrefutaacutevel a ponto de natildeo ser submetida agrave fecundidade caracteriacutestica da
proacutepria dialeacutetica Em suma reafirma-se assim a plena e autecircntica identificaccedilatildeo entre o
filoacutesofo e o dialeacutetico ao tornaacute-los jaacute aqui ambos uma uacutenica coisa
78 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO
31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Como se poderaacute notar ao longo da anaacutelise do Filebo natildeo eacute somente o seu brusco e
reticente final que parece enigmaacutetico mas igualmente seu iniacutecio possui esta mesma
qualidade Diferentemente daqueles diaacutelogos como Craacutetilo Mecircnon Iacuteon Repuacuteblica os quais
possuem um claro iniacutecio (ab inicioab ovo) estamos diante de um diaacutelogo ao contraacuterio
daqueles in media res Dito de outro modo Soacutecrates ndash que por sinal depois de algum tempo
retorna agrave cena como condutor do Diaacutelogo ndash jaacute natildeo porta uma exigecircncia definicional que por
sinal natildeo se alcanccedila em muitos casos nem mesmo atua como aacuterbitro da discussatildeo isto eacute
quando convocado a tomar qualquer posicionamento no debate em questatildeo ele natildeo o faz80
No Filebo deparamo-nos com uma situaccedilatildeo distinta das anteriormente descritas Eacute
Soacutecrates que jaacute no iniacutecio do diaacutelogo (11a-b) recapitula ( υΰε φαζαδπ υη γα) cada um dos
dois discursos (ζσΰκδ) apresentados81 E mais um destes discursos pertence ao proacuteprio
Soacutecrates isto eacute ele eacute parte interessada da discussatildeo Do mesmo modo seu interlocutor
Protarco eacute forccedilado a receber uma das teses a de Filebo (personagem homocircnimo ao diaacutelogo)
O discurso de Soacutecrates aὃuiΝἵὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquoἵὁὀtὄaἶiὅἵuὄὅὁrdquoΝldquoΝiὅtὁΝ
ὧΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὂὁἶἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ ὁΝ valὁὄΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ valὁὄiὐaΝ ὅἷὀatildeὁΝ ἵὁmὂaὄativamἷὀtἷΝ ἷΝ
desvalorizando isso ao que elἷΝὁΝἵὁmὂaὄardquoΝ(ὂέΝἀἂἄ)έΝVἷjamὁὅΝὀὁΝἷὀtaὀtὁΝἵὁmὁΝὅἷΝiὀiἵiaΝaΝ
discussatildeo
() Soc Entatildeo Protarco vecirc qual discurso ( έθα ζσΰκθ) estaacutes prestes a receber a0gora de Filebo e tambeacutem a nossa que vais contestar ( θ παλrsquoΝ ηῖθ
ηφδ ίβ ῖθ) caso o que ela expresse natildeo seja do teu agrado Queres que a recapitulemos cada um deles82 Prot Sim certamente (11a-11b3)
Ora o texto evidencia que seraacute necessaacuterio contestar ( ηφδ ίβ ῖθ) um discurso essa
eacute a tarefa que cabe a Protarco e a que Soacutecrates agora iraacute recapitular segundo a exigecircncia
80 Podemos aqui retomar as trecircs particularidades apresentadas na conversa entre Soacutecrates Filebo e ἢὄὁtaὄἵὁΝὂὁὄΝἠὁtὁmiμΝldquo(i)ΝὅἷmΝiὀtὄὁἶuὦatildeὁΝaἶἷὃuaἶaΝὁΝἶiὠlὁgὁΝmἷὄgulhaΝὀaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὂὄiὀἵiὂalνΝ(ii)ΝaὀtἷὅΝde iniciaacute-la uma outra discussatildeo com o mesmo assunto eacute assumida como jaacute tendo sido realizada (iii) um novo diaacutelogo se inicia com a mudanccedila dos interlocutores de Soacutecrates passando de Filebo para ἢὄὁtaὄἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ 81 Preferimos natildeo traduzir aqui ζσΰκδ como costumeiramente fazem alguns tradutores assim como faz Muniz (2012) dentre outros como Boeri (2010) e Diegraves (1966) por exemplo Pradeau (2002) por sua vez parece se aproximar mais de uma traduccedilatildeo apropriada ao traduzir έθα ζσΰκθ ὂὁὄΝldquoaὄgumἷὀtὁrdquoέΝἓxὂliἵὁΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝtὁἶaviaΝὂὁὄὃuἷΝaΝtὄaἶuὦatildeὁΝἶἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὂὁὄΝldquotἷὅἷrdquoΝὁἵaὅiὁὀaὄiaΝumaΝmuἶaὀὦaΝἶἷΝsentido naquilo que eacute proposto por Soacutecrates nesse momento 82 Utilizo aqui fundamentalmente a traduccedilatildeo brasileira de Muniz (2012) com modificaccedilotildees sempre assinaladas em suas ocorrecircncias
79 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
de Protarco Mas o que esse uacuteltimo deveraacute contestar Como diz Soacutecrates em 11b3 Filebo
afirma (φβ δ) que
() para todos os seres vivos bom eacute o agrado o prazer o deleite e quanto for consoante com esse gecircnero Na nossa contestaccedilatildeo natildeo eacute isso mas o pensamento a inteligecircncia a memoacuteria e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais valor que o prazer para tudo quanto for capaz de tomar parte nessas coisas e essas satildeo dentre todas as coisas o que haacute de mais uacutetil para tudo o que existe que existiraacute e que possa participar delas Natildeo eacute isso mais ou menos o que cada um de noacutes afirma Prot Sim certamente Ω Φέζβίκμ η θ κ θγθ ΰαγ θ θαέ φβ δ ξαέλ δθ π δ α κδμ εα θ
κθ θ εα λοδθ εα α κ ΰΫθκγμ κτ κυ τηφκθα παλrsquoΝ η θ ηφδ ίά βηΪ δ η α α ζζα φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ εα κτ πθ α υΰΰ θ σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖ ζκΰδ ηκτμ μ ΰ κθ μ
η έθπ εα ζ π ΰέΰθ αδ τη α δθ απ λ α θ υθα η αζαί ῖθ
γθα κῖμ η α ξ ῖθ ζ ηδηυ α κθ πΪθ πθ θαδ π δ κῖμ κ έ εα κηΫθκδμ η θ κ ξ κ π ππμ ζ ΰκη θ Φέζβί εΪ πκδ
ΠΡΩέΝΠΪθ πθΝη θΝκ θΝηΪζδ αΝ υελα μέΝ(11b4-c4)
Olhando detalhadamente Soacutecrates natildeo fala aqui do bem ( ΰαγ θ)ΝmaὅΝἶὁΝldquomἷlhὁὄΝ
ἷΝἶὁΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷrdquoΝ( η έθπ εα ζ π83) Natildeo haacute portanto aqui contradiccedilatildeo entre os dois
discursos como nos sugere Dixsaut (2017 p 246)84 Isso natildeo exclui de antematildeo que os
prazeres natildeo sejam bons natildeo poderiacuteamos jaacute deduzir isso diante do que foi apresentado por
Soacutecrates satildeo tout court dois discursos De um lado temos Filebo que afirma irresolutamente
que todo prazer eacute bom e tudo aquilo que pertence ao mesmo gecircnero deste Por outro temos
Soacutecrates que lhe contesta dizendo que o que tem mais valor eacute o pensamento
Neste iniacutecio de diaacutelogo nos eacute dada uma hierarquia de bens haacute uma perspectiva
ldquoagὁὀalrdquoΝἷΝὀatildeὁΝldquoἶἷfiὀiἵiὁὀalrdquoΝἵὁmὁΝὅugἷὄἷΝἒixὅautΝ(2017 p 246) De antematildeo jaacute eacute possiacutevel
vislumbrar que uma dada classificaccedilatildeo estaacute por vir no decorrer da argumentaccedilatildeo mas ainda
83 Creio aqui ser conveniente reproduzir na iacutentegra o que diz Dixsaut (2017) sobre a expressatildeo utilizada ὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoἏὃuiΝ(ἷmΝ11ἴλ)ΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmὂὄἷgaΝumaΝfὰὄmulaΝὄitualΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝmἷὅmaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝnas primeiras linhas do livro VIII das LeisΝἆἀἆaμΝlsquoὁὅΝὅaἵὄifiacuteἵiὁὅΝὅἷὄὠΝmἷlhὁὄΝἷΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷΝὂaὄaΝaΝCidade oferecer aos deuὅἷὅrsquoέΝEacuteΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ iὀἶiὃuἷΝaὅὅimΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ tἷmΝumaΝcaracteriacutestica sagrada para aqueles que tecircm parte com ele Mas ζ π tem em Homero simplesmente o sentido de mais desejaacutevel mais agradaacutevel e eacute nos autores traacutegicos simples comparativo de ΰαγσθrdquoΝ(p 246 n 3) 84 Tal fato confirmaria a tese de que natildeo se fala aqui do bem num sentido ontoloacutegico como na Repuacuteblica (VIIΝἃίἃἴἄ)μΝldquoἏΝmultiἶatildeὁΝfaὐΝἵὁὀὅiὅtiὄΝὁΝἴἷmΝὀὁΝὂὄaὐἷὄΝ( κθ κε ῖ θαδ ΰαγσθ) os refinados na inteligecircncia Apesar de parecidas a questatildeo que envolve o Filebo natildeo eacute a definiccedilatildeo do Bem mas a ldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝἶiὐΝἐὄavὁΝ(ἀίίλ)ΝldquoἷmΝFilebo reaparecem os mesmos candidatos embora dessa vez ὀumΝἵὁὀtἷxtὁΝὧtiἵὁrdquoΝ(ὂέΝἂ1ἀ)έ
80 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
natildeo temos contradiccedilatildeo nem mesmo exclusatildeo Parece-nos e insistimos apenas parece que
cada um encontraraacute seu lugar Por isso
() natildeo eacute de modo algum certo que o Filebo se inicie com a confrontaccedilatildeo de duas teses o conjunto do diaacutelogo testemunha muito mais o esforccedilo de Soacutecrates para transformar em tese o que precisamente natildeo eacute uma mas arrisca ser uma afirmaccedilatildeo inapreensiacutevel Mas que faria entatildeo o belo Filebo a natildeo ser enunciar uma tese hedonista Ele afirma e celebra e o que ele celebra atraveacutes da bondade do prazer eacute o valor da vida (DIXSAUT 2017 p 247)
Como jaacute dissemos anteriormente haacute uma discussatildeo claacutessica em torno dos
personagens que compotildeem o diaacutelogo visto que natildeo se encontram referenciais histoacutericos com
estes nomes (Filebo e Protarco) na eacutepoca em que Platatildeo viveu A tentativa dos comentadores
claacutessicos ateacute entatildeo fora personificar as teses ou seja encontrar na claacutessica querela
(hedonismo versus anti-hedonismo) defensores de ambas as teses Nesta visatildeo claacutessica
Filebo e Protarco seriam porta-vozes de Eudoxo de Cnidos e de Aristipo e os cirenaicos em
geral (hedonistas) e Soacutecrates por sua vez representaria (nesse primeiro momento do
diaacutelogo) Antiacutestenes (anti-hedonista porta-vὁὐΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἶἷΝ umΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ldquoiὀtἷlἷἵtualiὅmὁΝ
ὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝndash ainda que como veremos mais adiante se torna pois insustentaacutevel a suposiccedilatildeo
que Soacutecrates defenda na obra um anti-hedonismo)
Sendo assim fica difiacutecil sustentar veementemente que no iniacutecio do Filebo temos
expressas posiccedilotildees ora hedonistas ora anti-hedonistas A questatildeo eacute mais complexa Isto
porque aqui a despeito dos demais diaacutelogos a questatildeo da essecircncia natildeo eacute sequer postulada
por Soacutecrates com toda clareza e seriedade Essa eacute uma das principais dificuldades levantadas
jaacute nas primeiras linhas do texto isto eacute Soacutecrates jaacute natildeo eacute mais o mesmo ou pelo menos
incialmente aquele personagem que conhecemos que jaacute deixaria notar seu questionamento
perseverante e centrado na natureza da coisa da qual fala (DIXSAUT 2017 p 248) Ο ζσΰκμ
aqui eacute contestaccedilatildeo e se espera uma resposta uma outra contestaccedilatildeo85
Mas como refutar aquilo que Filebo apenas afirma isto eacute que o prazer eacute bom E ele
afirma o oacutebvio para todos os seres vivos o bom eacute o agradaacutevel o prazer o deleite e tudo mais
que eacute semelhante a este gecircnero isto eacute que o prazer eacute bom ou ainda que satildeo bens pelos
quais todos os seres vivos anseiam Enquanto Soacutecrates faz uso dos comparativos86 ndash o que
ὁΝἶiὅtaὀἵiaὄiaΝἶὁΝldquoἵiacuteὄἵulὁΝἶὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquoΝἶaΝRepuacuteblica ndash por discordar desde jaacute que qualquer
ὂὄivilὧgiὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝἵὁὀἵἷἶiἶὁΝὡΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄΝldquo(έέέ)ΝἵὁmὁΝvalὁὄΝ
85 ldquoἒiaὀtἷΝἶe Filebo Soacutecrates pode aparentemente apenas refutar e Protarco vecirc a si confiada a missatildeo ἶἷΝὄἷfutaὄΝἷὅὅaΝὄἷfutaὦatildeὁέrdquoΝἢὁἶἷmὁὅΝὁἴὅἷὄvaὄΝὃuἷΝἔilἷἴὁΝὀatildeὁΝἵὁὀtἷὅtaΝὀaἶaμΝἷlἷΝafiὄmaΝ(έέέ)ΝἷΝἥὰἵὄatἷὅΝtriunfa em combater sua afirmaccedilatildeo somente quando afirma um valor mais alto ndash inventando o ὂἷὀὅamἷὀtὁΝἵὁmὁΝvalὁὄrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἂἆ)έ 86 Como tambeacutem jaacute teria sugerido Lisi (1995 p 67)
81 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ἶὁΝ ὃualΝ ὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ὄἷtiὄaὄiaΝ ὅἷuΝ valὁὄrdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀί1ἅΝ ὂέΝ ἀἂλ)έΝ IὅtὁΝ ὧΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅὰΝ
demonstrou que a inteligecircncia tambeacutem eacute boa justamente por esse uso dos comparativos o
pensamento a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais utilidade
que o prazer e tudo que participa dessas coisas elas satildeo e sempre seratildeo o que haacute de mais
valioso
Dito isso fica claro no curso da argumentaccedilatildeo que a inteligecircncia e o pensamento se
tornam comparaacuteveis mas natildeo de forma absoluta como na tese dos refinados da Repuacuteblica
(VI 505b) tese inaceitaacutevel por parte de Soacutecratesndash isto eacute aquela que afirma que o pensamento
(φλσθβ μ) eacute o bem ndash mas eles satildeo preferiacuteveis ao prazer Para os que participam da
inteligecircncia eles satildeo melhores (para alguns) do que o prazer poreacutem como nos diz Dixsaut
(2017) essa comparabilidade e por conseguinte preferecircncia eacute ambiacutegua e traz
consequecircὀἵiaὅΝὅimilaὄἷὅΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁiὅΝldquo[] se eles satildeo reduzidos a desse modo proclamar
sua superioridade eacute porque a pretensatildeo do prazer possui forccedila suficiente para constrangecirc-
lὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂλ)έΝἓὅὅaΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝfὄaὀἵἷὅaΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiὀfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝdo pensamento
a qual teria tambeacutem por tarefa convencer os seres vivos de que necessitam muito mais dele
do que dos prazeres (DIXSAUT 2017 p 249)
No entanto como nos sugere ainda Dixsaut natildeo eacute justo afirmar que jaacute no iniacutecio diaacutelogo
tenhamos uma espeacutecie de confronto pois natildeo haacute sequer a formulaccedilatildeo de alguma questatildeo
mas diante da defesa da existecircncia de opiniotildees contraacuterias a pergunta seria se Filebo defende
uma tese peremptoriamente contra quem ele seria Soacutecrates ou Protarco87 (p 250) A
discussatildeo prossegue e Filebo demonstra sua saiacuteda do diaacutelogo dando ( δ ση θκθ) seu
discurso agrave Protarco que quando questionado sobre tal oferta pelo condutor da discussatildeo diz
ldquoὅὁuΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaἵἷitaὄΝjὠΝὃuἷΝὁΝἴἷlὁΝὅἷΝἵaὀὅὁuΝ( π έλβε θ) (11c7-8)88rdquoέΝἏΝὄἷὀήὀἵiaΝἶἷΝἔilebo
portanto eacute uma renuacutencia ao ζσΰκμ ele estaacute exausto de falar natildeo de dizer aquilo que ele
ἶἷfἷὀἶἷΝ ldquoἷlἷΝ ἷὅtὠΝ ἷxauὅtὁΝ ἶaΝ ὂἷὄὅὂἷἵtivaΝ de falar (grifo da autora) ele estaacute exausto por
antecipaccedilatildeo do logos pelo menos daquele que Soacutecrates impocircs o uso (DIXSAUT 2017 p
250)89
87 Gosling em seu comentaacuterio geral da obra escreve nessa seccedilatildeo somos introduzidos na disputa que teria sido entre Filebo e PrὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὧΝὁΝἴἷmrdquoΝ(1λἅἃΝὂέΝ1ἁλ)έΝἥἷguὀἶὁΝo tradutor do diaacutelogo mais adiante como demonstraria o texto (11c7-8) Filebo teria terminado por convencer Protarco de sua tese e por isso ele a assumiria a partir daiacute a posiccedilatildeo daquele no decorrer da argumentaccedilatildeo 88 Bernadete nos chama atenccedilatildeo em sua traduccedilatildeo do diaacutelogo acerca desse verbo ( π έλβε θ)μΝldquoἓὅὅἷΝtὄὁἵaἶilhὁΝἷὀtὄἷΝldquotἷὄΝἶἷὅiὅtiἶὁrdquoΝὁuΝldquotἷὄΝὅἷΝἵaὀὅaἶὁrdquoΝ(apeirekenai) e o ilimitado (apeiron) eacute ecoada no fim do diaacutelogo (67b) com apereis (ldquovὁἵecircΝὀatildeὁΝ iὄὠΝἶἷὅiὅtiὄrdquo)έΝἥἷΝ ὄἷtὁmamὁὅΝὁΝὅigὀifiἵaἶὁΝἶὁΝvἷὄἴὁΝ eipien (falar) apeipein ὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝὅigὀifiἵaὄiaΝldquofalaὄΝatὧΝὅἷΝἷὅgὁtaὄrdquoΝ(ἐἓἤἠἏἒἓἦἓΝ1λλἁΝὂέΝἀΝὀέΝἆ) 89 ἒixὅautΝὄἷὅὅaltaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝὃuἷμΝldquoἓlἷΝ[ἔilἷἴὁ]ΝὀatildeὁΝὅἷΝὄἷtiὄaΝὂor impotecircncia em dar razatildeo ao que diz mas porque recusa submeter-ὅἷΝὡΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝ lsquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrsquordquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃί-251) Nesse sentido duas anaacutelises sobre essa recusa satildeo importantes a de Diegraves (1966) e a de Fruumlchon (1994) Diegraves salienta que para analisar o prazer numa discussatildeo racional e tambeacutem para suportar a
82 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Dito isso parece que o problema claacutessico se dilui pelo menos agrave primeira vista pois
natildeo se trata de uma questatildeo colocada e isso nos leva a supor ndash com grande probabilidade ndash
que natildeo haacute como desejam alguns inteacuterpretes claacutessicos90 do diaacutelogo em questatildeo um diaacutelogo
anterior a esse encenado no Filebo por Platatildeo Tudo indica que haacute uma construccedilatildeo dessas
personagens (prosopografia)91 como tambeacutem se pode dizer que Filebo natildeo teria preferido
outra coisa senatildeo esse proacuteprio discurso (ζσΰκμ) proposto inicialmente por Soacutecrates
O que se vecirc entatildeo no curso da argumentaccedilatildeo satildeo raras intervenccedilotildees de Filebo92 e
mais adiante uma manifesta recusa em submeter seu discurso a um diaacutelogo com outro por
isso ao concentrar-se na avaliaccedilatildeo de um uacutenico ζσΰκμ ldquoἵὁmumrdquoΝtὁὄὀa-se necessaacuterio lembrar
que natildeo haacute teses controversas no iniacutecio do diaacutelogo mas que elas foram apenas postas em
conflito93
Natildeo existe por parte de Filebo a mesma importacircncia dada por Soacutecrates ao discurso
agrave palavra Aquilo que para Soacutecrates possui um valor de alta estima eacute o diaacutelogo para Filebo
isso natildeo merece ser venerado ser louvado O que interessa a Soacutecrates como nos diz Dixsaut
(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquo(έέέ) logos contra logosrdquoΝ(ὂέΝἀἃ1)έΝEacuteΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝζσΰκμ que conduz aonde ele quiser
(arrasta) ndash torna-se tambeacutem o condutor dessa discussatildeo Eacute ele (o ζσΰκμ comum) mais
aἶiaὀtἷΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ iὀvὁἵaἶὁΝ ἵὁmὁΝ ldquotἷὅtἷmuὀhardquoΝ (ἃλἴ1ί-11) As oposiccedilotildees iniciais eacute que
limitaccedilatildeo progressiva e salvar da excelecircncia do prazer o que puder ser salvo integrando-se numa tese mais humana eacute imprescindiacutevel natildeo um defensor irredutiacutevel mais doacutecil e mais brando Protraco faraacute esse papel Um jovem debatedor amante da atividade dialeacutetica que para levar a seacuterio a defesa a ele confiada se faraacute mais flexiacutevel e doacutecil agraves razotildees apresentadas natildeo mais de uma forma obstinada em posiccedilotildees irrefutaacuteveis mas recuando quando necessaacuterio e prestando-se ao compromisso que permitiraacute um acordo muacutetuo sobre uma verdade compreensiacutevel e viaacutevel (1994 p 8) 90 Como por exemplo Guthrie (1978 p 1999) apesar deste autor acreditar que Filebo e Protarco satildeo personagens criados pela dramatizaccedilatildeo platocircnica em questatildeo ele ainda se pauta na contraposiccedilatildeo das teses hedonista e anti-hedonistas 91 Sobre algumas discussotildees histoacuterico-filosoacuteficas relativas agrave prosopografia desse diaacutelogo (Cf NAILS 2002 p 238 257 328-9) 92 Haacute uma primeira interferecircncia notada em 12a7-8 logo em seguida outra em 12b1-2 outra em 18a1-2 outra presente no trecho que vai de 18d3-e7 Uma outra interferecircncia estaacute presente em 22c3-4 E uma uacuteltima manifestaccedilatildeo do personagem aparece em 28b1-7 Lembremo-nos que eacute feita por Protarco uma referecircncia (15c7-λ)ΝaΝἔilἷἴὁΝ ldquoἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶἷvἷΝmἷxἷὄΝἵὁmΝἷlἷΝὂὁiὅΝἷlἷΝἶὁὄmἷrdquoΝ(ΠΡΩ Κα Ϊθ αμ κέθυθ η μ πσζαί υΰξπλ ῖθ κδ κτ κδα α Φέζβίκθ rsquoΝ πμ ελΪ δ κθ π θ θ π λπ θ α η εδθ ῖθ ε έη θκθ) Os tradutores natildeo traduzem a questatildeo da mesma maneira Muniz
(ἀί1ἀ)Ν tὄaἶuὐΝ ldquoὃuἷmΝ ἷὅtὠΝ ὃuiἷtὁrdquoνΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν ldquoaΝ ὂὄὁὂὰὅitὁΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ἶὁὄmἷrdquoνΝ ἢὄaἶἷauΝ (ἀίίἀ)ΝldquoalguὧmΝὃuἷΝἶὁὄmἷΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)ΝldquoὃuἷmΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝἴἷm-disposto Hackforth (1945) ldquoὁΝἶἷixἷmὁὅΝἶὁὄmiὄΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐἷὄὀaἶἷtἷΝ(1λλἁ)ΝldquojὠΝὃuἷΝἷlἷΝἷὅtὠΝἴἷm-posto sentado da forma ἵὁmὁΝἷὅtὠrdquoΝἷΝἕὁὅliὀgΝ(1λἅἃ)ΝldquoὅἷὄiaΝmἷlhὁὄΝἶἷixa-lo dormir 93 ἑfέΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)μΝldquoἏΝamphisbetesis comeccedilaria entatildeo quando comeccedila o Filebo a discussatildeo tendo como condiccedilatildeo de possibilidade a colocaccedilatildeo em oposiccedilatildeo por Soacutecrates dos dois logoi no interior de um logos comum ndash e que seacute eacute o que eacute por essecircncia de um dialeghesthai (p 251)
83 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
inauguram a possibilidade de uma controveacutersia desse ζσΰκμ comum do qual nem Filebo nem
Soacutecrates satildeo mestres (DIXSAUT 2017 p 251-252)94
O discurso de Filebo eacute apenas constatativo e nada mais O que explicaria mais adiante
sua necessidade em purificar-se de qualquer impiedade e invocar como testemunho a proacutepria
ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝvἷὄdade mas pouco me importa pois eu me purifico de qualquer impiedade e
ἵὁmὁΝtἷὅtἷmuὀhaΝiὀvὁἵὁΝagὁὄaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅardquoΝ(1ἀἴ1-3)95 Note-se que mais adiante (28b1)
o sentido dessa invocaccedilatildeo se torna mais compreensiacutevel Filebo natildeo exorta mas atesta que
SoacutecὄatἷὅΝ tamἴὧmΝ iὀvὁἵaΝ aΝ ὅuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝ ὃuἷΝ tuΝ vἷὀἷὄaὅΝ tuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaΝ
ἥὰἵὄatἷὅrdquo96 Teria Filebo ndash nessa sua uacuteltima apariccedilatildeo no diaacutelogo ndash o que eacute digno de nota
exortado ou mesmo censurado ou se sentido incomodado de algo que ele mesmo teria
realizado no iniacutecio do diaacutelogo (12b1-3)
Sobre isso Dixsaut (2017) nos sugere que o suposto tom exortativo natildeo passa de
ldquofaὀtaὅiaΝἶὁὅΝtὄaἶutὁὄἷὅ97 Soacutecrates venera sua deusa justamente porque assim como Filebo
ele reconhece sua existecircncia experimenta semelhante temor Soacute por isso ele tambeacutem se
fosse o caso poderia cometer sacrileacutegio No entanto o mesmo Soacutecrates relembra que Filebo
faὐΝὁΝmἷὅmὁΝἷΝὧΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὧΝὃuἷΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝldquofalaὄrdquo98 Poreacutem o uso da expressatildeo confunde
natildeo somente os claacutessicos tradutores mas tambeacutem o proacuteprio Protarco (28c1-5) Soacutecrates
ἷxὂliἵaΝaΝὅἷuΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝuὅὁΝἶὁΝtὁmΝὂiἷἶὁὅὁΝὅἷὀatildeὁΝὂaὄaΝldquoἴὄiὀἵaὄrdquo99 (p 253) Ou
ὅἷjaΝὧΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝiὄὲὀiἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoglὁὄifiἵaὦatildeὁrdquoΝἥὁἵὄὠtiἵaΝtἷmΝὅἷὀtiἶὁΝaὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝ
de Filebo para quem a ironia natildeo tem valor algum ndash haja vista como jaacute dissemos ele recusar
colocar-se a serviccedilo daquele ζσΰκμ comum e que nesse momento jaacute natildeo eacute mais contestaccedilatildeo
nem pode ser devido aos conteuacutedos (que veremos mais adiante) da discussatildeo pois a
94 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὅἷΝiὀὅiὅtἷμΝldquoaΝafiὄmaὦatildeὁΝἶἷΝἔilἷἴὁΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝfalaὀἶὁΝὅὰΝὅἷΝtὁὄὀaΝuma tese no interior da oposiccedilatildeo instituiacuteda por Soacutecrates a qual ela mesma soacute tem sentido no interior de um logos no qual toda afirmaccedilatildeo deve ser examinada e encontra-se submetida agrave jurisdiccedilatildeo de um discurso racional que exige que prestemos conta de todo enuὀἵiaἶὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἀ)έ 95 ΦΙΛέΝrsquoΝ ζβγ ζΫΰ δμ ζζα ΰ λ φκ δκ ηαδ εα ηαλ τλκηαδ θ θ θ γ σθ (12b1-3) 96 ΦΙΛ ηθτθ δμ ΰ λ υελα μ θ αυ κ γ σθ (28b1) 97 Segundo a autora o uso da partiacutecula ΰ λ natildeo sugere como se pode verificar em outros casos assentimento ou rejeiccedilatildeo mas justifica a linguagem utilizada eacute testemunho de compreensatildeo Por isso Filebo daria razatildeo (e natildeo reprovaria) o tom empregado por Soacutecrates Censura e irritaccedilatildeo seriam fantasia dos tradutores e nesse conjunto ela insere vaacuterios tradutores do diaacutelogo (Diegraves Hackforth Robin Bernadete) (DIXSAUT 2017 p 252-253) 98 ἠὁὅὅὁΝtὄaἶutὁὄΝἴὄaὅilἷiὄὁΝεuὀiὐΝ(ἀί1ἀ)ΝiὄὠΝtὄaἶuὐiὄΝldquoἷὀtὄἷtaὀtὁΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝaΝὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ( rsquoΝλπ υη θκθ ηπμ ηῖθ ζ ε Ϋκθ Sobre esse uacuteltimo termo (ζ ε Ϋκθ) Dixsaut (2017) nos explica que ele
significa falar eacute isso que eacute necessaacuterio falar e natildeo venerar Contudo Filebo eacute impermeaacutevel ao sentido que Soacutecrates utiliza o tom de louvor isto eacute ironicamente Por isso Filebo se recusaria a obeceder Soacutecrates conforme sugerido por Protarco (28b4-ἃ)μΝ ldquoἤἷἵuὅaὀἶὁΝ ἷὀtatildeὁΝ ὁΝ ἵὁὀὅἷlhὁΝ ἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝ ἶἷΝldquoὁἴἷἶἷἵἷὄΝaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝndash de glorificar para rir e de se dobrar a esse logos imperativo que se prescreve a si mesmo como uacutenico imperativo verdadeiro ndash Filebo delega novamente a palavra e cala-se ἶἷfiὀitivamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἁ)έ 99 ἑfέΝἀἆἵἁμΝldquo ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ αrdquoέ
84 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
contestaccedilatildeo ou os dois discursos jaacute adquiram o estatuto de teses postas em diaacutelogo ou seja
ironia e dialeacutetica (perguntar e responder) jaacute foram acordados em relaccedilatildeo agraves teses postas em
diaacutelogo
Por isso concluiria a autora francesa ao afirmar que
Eacute realmente redutor compreender seu silecircncio como o feito de um ldquohἷἶὁὀiὅmὁΝἶὁgmὠtiἵὁΝἵὁmΝὁΝὃualΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝἶiὅἵutiὄrdquo100 pois isso recai em negar a existecircncia de uma palavra diferente que natildeo se absteacutem de discutir porque seria dogmaacutetica mas porque falar eacute tambeacutem exprimir celebrar cantar (2017 p 253)
Note-se que o ζσΰκμ de Filebo ndash e sobre isso eacute necessaacuterio insistir ndash eacute a afirmaccedilatildeo
daquilo que os proacuteprios seres vivos (e aqui se inclui natildeo apenas os homens) de que o prazer
eacute bomΝἷΝἶiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝὃuἷmΝἶuviἶἷέΝldquo() Valor incontestaacutevel da proacutepria vida que se esvai no
khairein [alegrar-ὅἷ]ΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶardquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἂ)έΝἏΝfὁὄmaΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀἶuὐΝ
o discurso de Filebo no diaacutelogo a ponto de fazecirc-lo falar mesmo apoacutes ele ter manifestado sua
recusa em submeter-se agrave discussatildeo e consequente avaliaccedilatildeo do que proclama eacute ao mesmo
tempo haacutebil sutil e surpreendente A inversatildeo eacute tatildeo clara mas muitos estudiosos de pronto
pretenderam classificar Filebo como um tiacutepico hedonista irresoluto inversatildeo (socraacutetica) que
propriamente acontece gradualmente101
ἏlgὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝmἷὄἷἵἷΝὅἷὄΝὄἷtὁmaἶὁΝὧΝὁΝuὅὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝ( ΰαγ θ)
o qual difere daquele que eacute ldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) que soacute seraacute utilizado por Soacutecrates mais adiante
(em 14b1-7) e posteriormente na evidente alteraccedilatildeo do discurso enunciado por Filebo
100 Essa concepccedilatildeo seria a de Gadamer por exemplo como nos mostra a autora (Cf GADAMER 1983 p 164-165) 101 Dixsaut faz um interessante levantamento das passagens em que as muitas versotildees do discurso enunciado por Filebo aparece (i) a comeccedilar pela proacutepria afirmaccedilatildeo de 11b4-6 jaacute anteriormente desenvolvida (ii) passando por 19c6-8 em que Protarco afirma que para Filebo o que eacute melhor eacute o prazer e coisas do tipo (iii) e em 60a7-b1 seria para a autora o momento em que claramente o discurso de Filebo eacute alterado pois Soacutecrates diz que conforme aquele o prazer natildeo eacute apenas a meta de vida dos seres vivos mas que ele eacute o bem ( ΰαγ θ) para todas as coisas de tal modo que os nomes prazer e bem se confundiriam a ponto de tratarem de uma soacute coisa (iv) e jaacute em 66d7-8 ao final do diaacutelogo esta tese teria sido novamente expressa (e totalmente alterada) quando Soacutecrates afirma que Filebo propotildee que qualquer prazer de qualquer tipo eacute o bem (novamente o uso do termo ΰαγ θ) Concordo com a teoacuterica francesa que exista um manejo do ζσΰκμ de Filebo por Soacutecrates ou melhor uma alteraccedilatildeo sutil mas passiacutevel de identificaccedilatildeo no decorrer do texto No entanto discordo que a formulaccedilatildeo da tese e aiacute sim tese de Filebo soacute esteja presente em 60a7-b1 pois isso dificultaria o ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝἶaὅΝἶiὅἵuὅὅὴἷὅΝὃuἷΝὅἷΝὅuἵἷἶἷmΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝεἷΝὂaὄἷἵἷΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝὀatildeὁΝse ateve aὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝiὀἶiὄἷtὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝ1ἂἴ1ΝἷΝὁΝuὅὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) o que implicitamente jaacute deixa entrever que Soacutecrates pretende tornar a tese de Filebo a de um hedonismo ἷxtὄἷmaἶὁέΝVἷjamὁὅΝὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥὁἵέμΝἐἷmΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷmΝὁἵultaὄΝἷὀtatildeὁ a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγ θ) o prazer de bem ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria ao que eu defendo ou ao que tu ἶἷfἷὀἶἷὅέΝἒἷvἷmὁὅΝὅimΝἵὁmἴatἷὄΝjuὀtὁὅΝἷΝaliaἶὁὅΝaὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ(1ἂἴ1-b7)
85 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
(60a7b1 66d7-8) um fato curioso e que durante muitos seacuteculos instigou uma seacuterie de
comentadores do diaacutelogo Bury (1897) teria escrito uma nota adicional (n 6 p 2) retratando-
se por ter afirmado que ( ΰαγ θ) natildeo seria o bem mas que a posiccedilatildeo enfaacutetica do termo
justificaria a ausecircncia do artigo sua posiccedilatildeo eacute baseada nas afirmaccedilotildees de Stallbaum (1855)
e Badham (1820) Shorey (1908) considera a omissatildeo do artigo como um exemplo do que ele
nomeia (seguido de Wilamὁwitὐ)ΝἶἷΝldquoὅatildeΝiὀἶifἷὄἷὀὦardquoΝἶὁΝἷὅtilὁΝgὄἷgὁέΝἓὅὅaΝὂaὄἷἵἷΝtἷὄΝὅiἶὁΝaΝ
visatildeo da maioria de que natildeo faria diferenccedila entender os dois sentidos em que cada termo eacute
empregado traduzindo-os como idecircnticos ainda que estes sejam apresentados de formas
distintas Isto porque em alguns contextos anaacutelogos encontrariacuteamos ou natildeo encontrariacuteamosa
presenccedila do artigo ou permaneceriacuteamos em duacutevida102 sobre seu uso103 Paul Friedlaumlnder eacute
um dos grandes responsaacuteveis por uma compreensatildeo mais exata no seacuteculo XX104 desta
primeira parte do diaacutelogo sobretudo sobre a questatildeo do Bem Segundo o autor a recusa
102 Para alguns autores como Migliori (1998 p 51) em 13e6 natildeo estaria claro se haacute ou natildeo o uso do artigo isso porque anteriormente Soacutecrates teria utilizado ΰαγΪ mas ainda no mesmo excerto o ὅigὀifiἵaἶὁΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝἵlaὄamἷὀtἷΝὁΝἶἷΝldquoἴἷὀὅrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἶἷΝldquoὁΝἴἷmrdquoέΝἡΝὃuἷΝatἷὅtaὄiaΝὃuἷΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷΝfalaΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝmaὅΝἶὁΝldquoἴὁmrdquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁὅΝἴἷὀὅΝὂὁὄὃuἷΝὅἷΝvὁltaΝaΝutiliὐaὄΝὁΝtἷὄmὁΝ ΰαγσθ sem o artigo (Cf 13e5-7) 103 Essa eacute a visatildeo de Migliori (1998) como ele mesmo expressa em uma nota (n1 p 51) em seu vasto e importante comentaacuterio sobre o Filebo Poreacutem eacute necessaacuterio notar que sua visatildeo tambeacutem eacute centrada na defesa das duas teses iniciais do diaacutelogo aquela em que Filebo seria um hedonista extremado e Soacutecrates defenderia a inteligecircncia com o Bem Ele crecirc na contestaccedilatildeo de duas teses e tenta personifica-las historicamente Vale lembrar que o autor eacute um defensor e partidaacuterio da leitura esoterista de Platatildeo isto eacute da busca pelo excursus filosoacutefico presente na tradiccedilatildeo platocircnica indireta Para os partidaacuterios dessa leitura o Filebo eacute um diaacutelogo importante pois nele teriacuteamos mais alguns apontamentos e esclarecimentos sobre a Ideia do Bem ἷΝὅὁἴὄἷΝὁΝὃuἷΝὅἷΝἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝἵhamaὄΝldquoἦἷὁὄiaΝἶὁὅΝἢὄiὀἵiacuteὂiὁὅrdquoέΝOs representantes da Escola Tuumlbingen-Milatildeo como se convencionou chamar os adeptos desta visatildeo interpretativa baseiam-se amplamente no testemunho aristoteacutelico da Metafiacutesica sobre a existecircncia nos diaacutelogos de uma suposta defesa por parte de Platatildeo de dois princiacutepios o Bem e a Diacuteade-Indeterminada Esta teoria ganharia respaldo no Filebo segundo creem estes estudiosos porque neste diaacutelogo Limite e Ilimitado satildeo princiacutepios adotados por Platatildeo ao partir de sua anaacutelise da realidade O Filebo tἷὄiaΝaὅὅimΝumaΝὄἷlaὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἵὁmΝaὅΝἵhamaἶaὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-escritaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝtambeacutem por que elas remontariam ao que disse o neoplatocircnico Porfiacuterio retratado por Simpliacutecio em seu Comentaacuterio agrave Fiacutesica de Aristoacuteteles (Sobre isso ver Migliori (1998) e Perine (2014)) O projeto original de nossa pesquisa seguia pela mesma linha ao tentar estabelecer as relaccedilotildees entre as noccedilotildees desenvolvidas por Platatildeo acerca do Bem tanto na Repuacuteblica quanto no Filebo principalmente neste uacuteltimo diaacutelogo em relaccedilatildeo com a tradiccedilatildeo indireta platocircnica No entanto no curso de nossas leituras optamos por abandonar esse tipo de interpretaccedilatildeo e partirmos para uma leitura propriamente eacutetica (moral) do prazer no Filebo ἷΝὅuaΝἵὁὀὅἷὃuἷὀtἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝiὅtὁΝὧΝὄἷfὁὄmulaὄΝὀὁὅὅaΝviὅatildeὁΝinterpretativa do diaacutelogo adotando outros pontos de vista que natildeo esses dos esoteristas Fato no entanto que lamentamos e deixamos a cargo de outros pesquisadores que se interessam nessa reconstruccedilatildeo das ambiguidades ou supostas incompletudes presentes nos diaacutelogos Por ora permanecemos distante dessa interpretaccedilatildeo (extremamente relevante ao platonismo) por questotildees pessoais e acadecircmicas Portanto expresso aqui as concepccedilotildees relativas ao bem no que tangem ao bem pensado num sentido estritamente humano Sobre isso falarei mais adiante no decorrer de nossa anaacutelise do diaacutelogo no qual o tema reaparece 104 A primeira versatildeo (ediccedilatildeo) do seu Platone data de 1928
86 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
platocircnica de em um primeiro momento utilizar o artigo natildeo eacute desprovida de significado isto eacute
banal soacute depois de descrever o contraste entre as duas visotildees eacute que Soacutecrates emprega em
14b1 o artigo para referir-se ao bem105 (2004 p 1052)
Ora seria possiacutevel dizer que a pura afirmaccedilatildeo de Filebo jaacute estaria contida nos
enunciados discursivos postos desde o iniacutecio A resposta soacute pode ser um inequiacutevoco natildeo
Platatildeo atribui ao discurso de Filebo algo que ele natildeo possui desde o iniacutecio mas apenas
deixaria entrever isso eacute o que torna possiacutevel a modificaccedilatildeo total em 60a daquele ζσΰκμ do
primeiro interlocutor o uacutenico que por sinal ele aprova eacute aquele contido nas primeiras linhas
da obra (11b4-5) Uma primeira alteraccedilatildeo eacute realizada por Protarco (19c6-8) e soacute
posteriormente Filebo se torna o tatildeo sonhado hedonista dos claacutessicos inteacuterpretes
A afirmaccedilatildeo de Filebo e sua consequente assimilaccedilatildeo ao hedonismo radical encontra
sustentaccedilatildeo na possiacutevel aproximaccedilatildeo entre Filebo e Eudoxo106 Para ambos o prazer eacute bom
mas Eudoxo natildeo diz que todos os seres buscam o prazer ou que devam buscaacute-lo Na
alteraccedilatildeo operada por Soacutecrates Filebo assim como Eudoxo deve dizer que todos os seres
vivos devem buscar obter o prazer logo como todos os seres tendem ao bem o prazer seria
o bem par excellence elegiacutevel diante de qualquer um outro O que justificaria tal escolha
Note-se que do aspecto de pura contestaccedilatildeo passa-se diretamente ao aspecto normativo que
diz respeito agrave melhor das vidas possiacuteveis e natildeo apenas eacute ressaltada por Soacutecrates a
identidade entre prazer e bem indevidamente atribuiacuteda a Filebo Soacute deste modo seria possiacutevel
105 ldquoἓὅtaΝὂaὅὅagἷmΝἶὁΝaἶjἷtivὁΝ[ἴὁm]ΝaὁΝὅuἴὅtaὀtivὁΝ[ἴἷm]ΝὀatildeὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἵaὅualέΝἢὄὁtaὄἵὁΝtἷὄiaΝuὅaἶὁΝerroneamente um termo chave cujo uso devia ser habitual no ciacuterculo platocircnico ao menos na eacutepoca em que teria sido lida e discutida a Repuacuteblica (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1052) 106 ἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἓuἶὁxὁΝὂἷὀὅavaΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷὄaΝὁΝἴἷmΝὂἷlὁΝfatὁΝἶἷΝvἷὄΝtuἶὁΝndash tanto seres capazes de razatildeo como seres incapazes dela ndash a esforccedilar-se por obtecirc-lo e porque em todas as situaccedilotildees possiacuteveis o que se escolhe eacute sempre o melhor de tudo E o que se escolhe incondicionalmente eacute o mais poderoso dos bens O fato entatildeo de tudo se movimentar numa mesma determinada direccedilatildeo parece indicar que isso seraacute o melhor de tudo para todos os seres (porque cada um descobre o bem para si proacuteprio tal como acontece com a descoberta da alimentaccedilatildeo adequada) mas o que eacute o bem para todos e portanto objetivo final que todos se esforccedilam para obter eacute o bem supremo Estes enunciados eram convincentes mas mais pela excelecircncia do seu caraacuteter do que propriamente por si proacuteprios porque [Eudoxo] era tido por algueacutem extraordinariamente temperado E assim dava a impressatildeo de falar natildeo enquanto amigo do prazer mas tal como as coisas se passam na realidade Pensava tambeacutem que a sua teoria natildeo era menos evidente em consideraccedilatildeo da tese oposta isto eacute que o sofrimento eacute algo que deve ser evitado por todos seguindo a sua proacutepria essecircncia e que por conseguinte o prazer tem que ser rejeitado Na verdade o que pode ser escolhido de uma forma incondicional natildeo eacute o que escolhemos por qualquer outro motivo a natildeo ser graccedilas a si proacuteprio Uma tal coisa eacute o prazer tal como eacute geralmente aceite pois a ningueacutem se pergunta em vista do que eacute que sente prazer porque o prazer eacute uma escolha absoluta pela sua proacutepria essecircncia Portanto se o prazer for acrescentado a qualquer dos bens faz deles uma escolha mais preferencial por exemplo ao ser acrescentado ao cumprimento da justiccedila ou da temperanccedila isto eacute aumenta o que de si jaacute tem uma caracteriacutestica de bem (EN X 1172b9-25)
87 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
que o discurso de Filebo se prestasse ao diaacutelogo agrave refutaccedilatildeo isto eacute quando formulado
conforme uma tese Insisto natildeo se afirma que o prazer eacute o bom mas que bem eacute prazer
ἥὰἵὄatἷὅΝ ἷmὂὄἷὅtaΝ aΝ ἔilἷἴὁΝ aΝ ldquotἷὅἷΝ ἶaΝ multiἶatildeὁrdquoΝ ( κῖμ η θ πκζζκῖμ)107 presente na
Repuacuteblica (VI 505b7-8)108 assim como teria feito tambeacutem Goacutergias no diaacutelogo homocircnimo
(494e9-499b8) a fim de natildeo incorrer em contradiccedilatildeo chega a afirmar a identidade entre bem
e prazer Esse artifiacutecio natildeo eacute novo ele se repete no Filebo da mesma maneira embora os
motivos para a rejeiccedilatildeo dessa identidade por Soacutecrates sejam distintos em ambos os diaacutelogos
como tambeacutem o satildeo na Repuacuteblica pois os contextos dialoacutegicos tambeacutem satildeo distintos
ἑὁmὁΝ ἴἷmΝ ὁἴὅἷὄvaΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoaὅΝ ἶuaὅΝ fὰὄmulaὅΝ iὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅΝ ὂἷὄmitiὄamΝ
transformar a afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer em uma (maacute) definiccedilatildeo do
ἴὁmrdquoΝ(ὂέΝἀἃἅ)έΝΝἡΝὅἷὀtiἶὁΝὧΝaltἷὄaἶὁΝὁΝὂὄaὐἷὄΝjὠΝὀatildeὁΝὁἵuὂaΝuὀiἵamἷὀtἷΝumΝἷὅtatutὁΝἶἷΝvalὁὄΝ
mas eacute posto como o valor uacutenico dos viventes109 Todo o discurso de Filebo estaacute inserido no
curso da discussatildeo e eacute modificado por Soacutecrates (haacutebil Platatildeo) a ponto de se estabelecerem
claramente as duas teses e os seus respectivos e distintos partidaacuterios a fim de cumprir a
ἷxigecircὀἵiaΝὄἷὃuiὅitaἶaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝἶἷΝὃuἷΝfὁὅὅἷmΝἵὁlὁἵaἶaὅΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝamἴaὅΝaὅΝ
teses (14a6-9)
Nas esclarecedoras palavras de Dixsaut
Podemos sem duacutevida censurar muitas coisas a Platatildeo mas certamente natildeo uma falta de sutilidade no manejo do logos Portanto eacute improvaacutevel que essa seacuterie de transformaccedilotildees conduza a uma reviravolta uacuteltima seja de sua parte inconsciente e involuntaacuteria Se Filebo natildeo quer falar com Soacutecrates Soacutecrates natildeo pode falar com Filebo mas pode fazecirc-lo falar e fazendo isso trazer agrave tona natildeo o que afirma Filebo mas o que segundo Soacutecrates Filebo quer dizer (2017 p 257)
Eacute necessaacuterio ainda acrescentar que o abrupto iniacutecio do diaacutelogo se deve em parte agrave
afirmaccedilatildeo de Filebo que natildeo deixa de ser apesar disso uma afirmaccedilatildeo da proacutepria vida da
proacutepria vontade de viver o sagrado gozo que marca a vida O prazer eacute bom porque sobretudo
eacute por meio dele que a vida eacute gerada transmitida e intensificada Seria isso que Soacutecrates
deveria combater mas a iminecircncia de um novo conflito insuperaacutevel o conduz a postular algo
como melhor ( λδ κθ 19c6 65b1-2) partilhada por aqueles dentre noacutes ( θ παλ ηῖθ 11a2)
107 Em 67b3 o discurso invertido de Filebo recebe a conotaccedilatildeo daquele da maioria e o termo utilizado ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὧΝldquoκ πκζζκ rdquoέΝ 108 ldquoἢaὄaΝaΝmultidatildeo o bem parece ser o prazer enquanto para os refinados eacute o pensamento ( κῖμ η θ πκζζκῖμ κθ κε ῖ θαδ Ϊΰαγσθ κῖμ ξκηφκ Ϋλκδμ φλ θ δμrdquoΝ(Rep VI 505b7-8) 109 ldquoἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὧΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ ὄἷὅὅaltaὄΝ aὅΝ ἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝ ἶἷΝ IὄwiὀΝ (1λλἃ)μΝ ldquoaὁΝ aὄgumἷὀtaὄΝ ἵὁὀtὄaΝ aΝalegaccedilatildeo de prazer para ser o bem Soacutecrates insiste na diversidade de prazeres (12c-d) e afirma que aὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝiὀiἵiaiὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝvalὁὄΝἶὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ(ὀὁΝὅiὀgulaὄ)Νἶeve ser reconsiderado uma vez que temos umaΝiἶἷiaΝmaiὅΝἵlaὄaΝἶὁὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝὅἷuὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝvalὁὄἷὅrdquoΝ(ὂέΝἁ1ἆ-319)
88 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ὀἷὅtἷΝ ldquoὀὰὅrdquoΝ ἷlἷΝ ὅἷΝ iὀἵluiΝ aὃuἷlἷὅΝ ὃuἷΝ ὂaὄtiἵiὂamΝ ἶὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ἷΝ ὃuἷΝ fὁὄamΝ ὂὁὄΝ ἷlἷΝ
educados110
O discurso de Soacutecrates eacute um discurso eacutetico e encontra-se direcionado a determinada
espeacutecie de vida a dos homens natildeo aquele da multidatildeo mas agravequeles inspirados pela forccedila
da Musa filosoacutefica (67b6) Isso significa que o homem natildeo eacute soacute mais um dentre as plantas e
os animais o homem exaltado por Soacutecrates fora educado pela inteligecircncia por isso natildeo pode
aceitar a tese da multidatildeo O discurso de Soacutecrates eacute restritivo mas o de Filebo (finalmente)
ultrapassa uma extensatildeo permissiacutevel Ao dizer que tudo que eacute bom eacute agradaacutevel natildeo se firma
uma identidade entre o bem e o agradaacutevel (bom) Contudo ao se afirmar essa identidade eacute
necessaacuterio admitir que todos os viventes participariam do mesmo gecircnero do prazer natildeo eacute a
hierarquia que nega qualquer diferenccedila entre as espeacutecies de prazer e entre as espeacutecies de
seres vivos mas a extensatildeo maacutexima dessa afirmaccedilatildeo111
Sendo assim jaacute podemos rejeitar a hipoacutetese de um diaacutelogo acadecircmico entre hedonistas
e anti-hedonistas Satildeo modos de viver que satildeo rejeitados em detrimento de outros e
novamente a relaccedilatildeo entre dialeacutetica e bem eacute assumida no diaacutelogo poreacutem de uma outra
maὀἷiὄaΝ ἷlaΝ ὧΝ iὀὅἷὄiἶaΝ ὀὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὁuΝ ὡΝ mἷlhὁὄΝ ἶaὅΝ vidas possiacuteveis
enquanto uma vida humana Eacute o valor (no singular) que se atribuem aos imprescindiacuteveis
valores que uma vida humana deve possuir que estaacute em jogo na discussatildeo estabelecida Por
isso soacute cabe a esse diaacutelogo tomar uma nova direccedilatildeo logo apoacutes serem contestas as
afirmaccedilotildees (iniciais) simeacutetricas de Soacutecrates e de Filebo
Outra questatildeo a ser tomada das primeiras linhas do Filebo eacute a sequecircncia de termos
utilizadas por Filebo e por Soacutecrates para referirem-se aquele prazer e este ao pensamento
Na sequecircncia utilizada por Filebo satildeo notados ( εαέλ δθ εα θ κθ θ εα Ϋλοδθ 11b4-5
κθ θ εα Ϋλοδθ εα εαλ θΝ1λἵἅ)ΝἵὁmὁΝtuἶὁΝldquoὁΝὃuἷΝfὁὄΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝaΝἷὅὅἷΝgecircὀἷὄὁrdquoΝ( α κ
ΰΫθκυμ κτ κυ τηφπθα 11b5-ἄ)ΝἷΝldquoἵὁiὅaὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁrdquoΝ(εα πΪθγrsquoΝ πκ α κδα rsquoΝ έ
19c7-8) Podemos como nos sugere Bravo (2009) crer que Platatildeo estava atento a essa
problemaacutetica de caraacuteter semacircntico (p 36)112 Mas ao mesmo tempo o que vemos no diaacutelogo
110 ldquoἒἷὅἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝἶἷὅlὁἵamἷὀtὁΝὧΝὅἷὄΝiὀὅἷὀὅiacutevἷlΝὡΝiὄὁὀiaΝἶὁΝFilebo que esconde um discurso no interior de outro aquele acessiacutevel somente aos filoacutesofos no interior daquele feito para convencer os hὁmἷὀὅΝἶἷΝὃuἷΝἷlἷὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝὅὁmἷὀtἷΝaὀimaiὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃλ)έ 111 Cf DIXSAUT (2017 p 258) 112 Bravo (2009) nos lembra a paciente anaacutelise de Migliori (1998 p 539ss) detida na verificaccedilatildeo em todo o diaacutelogo das ocorrecircncias desses diversos termos anteriormente apontados que poderiam causar alguma diferenciaccedilatildeo semacircntica (por parte de Platatildeo) entre os diversos termos hedocircnicos Bravo ainda nos lembra que essa distinccedilatildeo jaacute eacute apresentada por Platatildeo no diaacutelogo Protaacutegoras (337c2-4) pois o sofista Proacutedico de Ceos fazia uma distinccedilatildeo baseado na alegria proacutepria dos ouvintes de uma ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἵὁmὁΝldquoaὃuἷlaΝὃuἷΝὅἷΝἷxὂἷὄimἷὀtaΝaὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝalgumaΝἵὁiὅaΝἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝda reflexatildeo que pἷὄtἷὀἵἷΝ aὂἷὀaὅΝ aὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ ( φλαέθ γαδ η θ ΰ λ δθ ηαθγΪθκθ Ϊ δ εαῖ φλκθά πμ η ζαηίΪθκθ α α δαθκέ )ΝldquoἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝἵὁmiἶaΝὃuἷΝὅἷΝἷὅgὁtaΝὀὁὅΝὅἷὀtiἶὁὅΝiὅtὁΝὧΝὧΝὂὄὁἶuὐiἶὁΝuὀiἵamἷὀtἷΝὂἷlὁΝἵὁὄὂὁrdquoΝ( γαδ γέκθ Ϊ δ ζζκ πΪ ξκθ α α υηα δ) O
89 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
eacute uma esmagadora vitoacuteria do termo κθά113 O que significa por outro lado que por mais
que Platatildeo seja acusado de imprecisatildeo terminoloacutegica ele natildeo deixa de dedicar atenccedilatildeo aos
esforccedilos de Proacutedico O que nos leva a concluir apoacutes tal anaacutelise seguindo pelas constataccedilotildees
de Bravo (2009) e Dixsaut (2017) que natildeo haacute vestiacutegios de uma confusatildeo especiacutefica poreacutem
Platatildeo natildeo parece inclinado a distinguir com termos apropriados as diferentes formas de
prazer (Bravo 2009 p 37) Por isso eacute rejeitada por Platatildeo tal distinccedilatildeo ou melhor lhe parece
desnecessaacuteria isso natildeo significa que ele natildeo esteja atento a esta diferenciaccedilatildeo mas elas natildeo
estariam implicadas na afirmaccedilatildeo de Filebo isto eacute estes termos nem satildeo sinocircnimos nem
espeacutecies diferentes mas o discurso de Filebo retoma modulaccedilotildees de uma mesma experiecircncia
(a prazerosa) e agrave sua plenitude Como nos explica Dixsaut (2017) elas se adicionam sem
ὃualὃuἷὄΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁΝὁuΝmἷlhὁὄΝἷὅtatildeὁΝἷmΝldquouὀiacuteὅὅὁὀὁrdquoΝ(ὂέΝἀἄ1)έ
E quanto agrave sequecircncia de Soacutecrates Existe algum sentido especiacutefico na sequecircncia de
termos por ele adotado em seu discurso VἷjamὁὅέΝἓmΝ11ἴἄΝὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝaΝldquoiὀtἷligecircὀἵiaΝ
ldquomἷmὰὄiardquoΝ( φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ)ΝἷΝldquotuἶὁΝmaiὅΝὁΝὃuἷΝlhἷὅΝfὁὄΝaὂaὄἷὀtaἶὁrdquoΝ(εα
κτ πθ α γΰΰ θ 11b6-ἅ)ΝἷΝὁΝὃuἷΝὄἷὅultaΝἶiὅὅὁμΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝἷΝldquoὄaἵiὁἵiacuteὀiὁΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ
( σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ 11b8) Ao contraacuterio de Filebo a seacuterie de termos de
Soacutecrates varia como se pode notar em 19d4-ἃΝ aὂaὄἷἵἷmΝ aΝ ldquoἵiecircὀἵiardquoΝ ( πδ άηβθ) a
ldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝ( τθ δθ) e a arte ( Ϋξθβθ) satildeo tambeacutem resultados obtidos via inteligecircncia
(θκ θ) ausenta-se entretanto o termo φλσθβ δμ Em 21a14-15 somam-se ao pensamento
tom irocircnico utilizado por Platatildeo no diaacutelogo nos impediria de confirmar se tal distinccedilatildeo realmente era feita por Proacutedico Poreacutem haacute um testemunho de Aristoacuteteles (Toacutep II 112b22-24) que parece confirmar tal distinccedilatildeo seja num caraacuteter linguiacutestiἵὁΝὅἷjaΝὀumΝἵaὄὠtἷὄΝὁὀtὁlὰgiἵὁμΝldquoἢὄὰἶiἵὁΝἶiviἶiaΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ( μ
κθΪμ) em gozo (ξαλΪ) deleite ( Ϋλοδμ) e alegria ( φλκ τθβ)rdquoΝ (Toacutep II 112b22-24) Poreacutem o estagirita natildeo aceita esta distinccedilatildeo como tambeacutem parece que Platatildeo natildeo a aceita pois todos satildeo nomes do proacuteprio prazer e esses diferentes termos satildeo aplicados atendendo as diferenccedilas puramente acidentais Bravo ainda associa estas ocorrecircncias a duas conclusotildees (i) a frequecircncia e a diversidade dos termos demonstra por um lado a importacircncia do prazer entre os gregos (ii) como tambeacutem atesta a sua problematicidade (do prazer) agrave medida em que eacute tomado como objeto de reflexatildeo (Bravo 2009 p 36-37) A mesma lista de ocorrecircncias eacute feita por Bernadete (1993) como ela deixa transparecer em uma nota (n 3) assim como tambeacutem faz referecircncia a Proacutedico no Protaacutegoras e agrave citaccedilatildeo aristoteacutelica contida nos Toacutepicos (Cf Bernadete 1993 p 1) e o que se verifica eacute a predominacircncia de κθά no diaacutelogo (244 vezes) Agraves mesmas conclusotildees chega Benitez (1999 p 339 n1) 113 ldquoHedoneacute de fato proveacutem do radical indo europeu suad que estaacute relacionado a uma famiacutelia de termos cujo significado originalmente concerne a tudo que eacute agradaacutevel ao paladar ou pode tornar-se agradaacutevel para ele Desse radical deriva hedyacutes doce e o termo suumlszlig que em alematildeo tem o mesmo significado A essa famiacutelia pertence tambeacutem a palavra latina suavis que significa igualmente doce e em um sentido mais estrito designa o gozo dos sentidos e o que se usufruiu por meio dos sentidos Por isso em latim pode-se dizer por exemplo suavitas odorum e em termos mais gerais os prazeres do corpo satildeo designados com o plural suavitatesrdquoΝ(ἑfέΝἔἓἤεἏἠIΝἀί1ἃΝὂέΝ1ἀἃΝὀέ1ἂ)έΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmais detalhada da semacircntica que envolve o termo (Cf BRAVO 2009 p 31-37)
90 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
(φλκθ ῖθ) o fato de conceber (θκ ῖθ) e calcular (ζκΰέα γαδ)114 Note-se que estamos diante
tanto de faculdades quanto de atividades como tambeacutem do que resulta disso O termo chave
aqui parece ser φλσθβ δμ115 que parece ser o mais recorrente Soacutecrates diz em 11d9 11e3
114 Em 21b6-ἅΝὀὁvamἷὀtἷΝldquoaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝaΝmἷmὰὄiaΝaΝἵiecircὀἵiaΝἷΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝem 60d4-ἃέΝ (ldquoθκ θ εα ηθάηβθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ () ζβγ 21b6-ἅνΝ ldquoηθάηβθ εα φλσθβ δθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ 6660d4-5) 115 Esse termo eacute digno de atenccedilatildeo e merece toda uma atenccedilatildeo por parte dos inteacuterpretes O termo φλσθβ δμ pode ser compreendido em sentidos distintos apesar de estabelecerem entre si alguma relaccedilatildeo Neste caso seria necessaacuterio como defende Dixsaut (1997) adotar um outro princiacutepio de classificaccedilatildeo que deixaria de lado qualquer suposiccedilatildeo que acredite que o sentido do termo tenha muἶaἶὁΝἶuὄaὀtἷΝaὅΝὁἴὄaὅΝ(ἷvὁluἵiὁὀiὅtaΝὁuΝἵὄὁὀὁlὰgiἵa)ΝmaὅΝὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaὅΝldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝὂὁἶἷὄiaΝnos dirigir a um melhor resultado Como o termo se encontra associado a alguns outros conceitos um pequeno nuacutemero de constelaccedilotildees permitiria uma classificaccedilatildeo das ocorrecircncias aceitaacuteveis (p 336) ἓὅὅἷΝ tἷὄmὁΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἷὅtaὄiaΝ iὀἵluiacuteἶὁΝ ὀἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝ ldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝ (ὁuΝ ldquofamiacuteliaὅrdquoΝ ὁuΝ ldquoἵamὂὁὅΝὅἷmacircὀtiἵὁὅrdquoΝὁuΝldquoὅigὀifiἵaὀtἷὅrdquoΝἵὁmὁΝἶiὐΝἦὁὄἶὁ-Rombaut (1999 p 193 n 1) a(o)s quais seriam (i) a inteligecircncia e o inteligiacutevel (ii) a vida e alma (iii) o valor e a virtude Φλσθ δμ seria utilizado por Platatildeo nesses trecircs sentidos em alguns diaacutelogos apenas em uma conotaccedilatildeo em outros em duas delas e em outros nos trecircs sentidos (como eacute o caso do Filebo) (DIXSAUT 1997 p 336-351) No entanto somente no Feacutedon possuiacutemos uma explicaccedilatildeo mais detalhada da vastidatildeo conceitual que esse termo apresenta ἡΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝmἷΝiὀtἷὄἷὅὅaΝaὃuiΝἷΝὃuἷΝaἵὄἷἶitὁΝtἷὄΝumΝldquoὂἷὅὁΝmaiὁὄrdquoΝὀaΝὀὁὅὅaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute o sentido propriamente moral (ou axioloacutegico) ao qual o termo possa ser efetivamente relacionado iὅtὁΝὧΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝviἶaΝἴὁaΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝὀaΝatὄiἴuiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtaΝἶὁΝldquovalὁὄΝἴὁmrdquoΝ(ou bem) a uma vida enquanto propriamente uma vida humana Concepccedilatildeo expressa natildeo somente em alguns trechos do Filebo (11b7 12a dentre outros a despeito de tambeacutem em algumas passagens estar relacionado aos outros sentidos de φλσθ δμ) mas que pode ser lida jaacute no Feacutedon na seguinte passagem em que ὁΝtἷὄmὁΝὧΝἷxὂὄἷὅὅὁΝὂἷlaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝΟmὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoμΝὀὁΝFeacutedon onde o sentido da φλσθ δμ ὅἷΝtὁὄὀaΝmaiὅΝἵlaὄὁΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝἷxἵἷlἷὀtἷΝἥiacutemiaὅΝtalvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷjaΝἷmΝface da virtude um procedimento correto trocar assim prazeres por prazeres sofrimentos por sofrimentos um receio por um receio o maior pelo menor tal como se se tratasse de uma simples troca de moedas Talvez ao contraacuterio exista aqui apenas uma moeda de real valor e em troca pela qual tudo o mais deva ser oferecido a sabeἶὁὄiardquo (Ὦ ηαε λδ Νδηη αΝη ΰ λΝκ ξΝα βΝᾖ λγ πλ μΝ
λ θΝ ζζαΰ κθ μΝπλ μΝ κθ μΝεα ζ παμΝπλ μΝζ παμΝεα φ ίκθΝπλ μΝφ ίκθΝεα αζζ γαδΝ[εα ]Νη απΝπλ μΝ ζ πΝ π λΝθκη ηα αΝ ζζ᾽ ᾖ ε ῖθκΝη θκθΝ θ ηδ ηαΝ λγ θΝ θ κ ῖ π θ αΝα αΝεα αζζ γαδΝφ ό η ι ) (Feacuted 69a) Como bem explica Bossi (2008 p 238) e tambeacutem Gosling
ΤΝἦaylὁὄΝ(1λἆἀΝὂέΝλἀ)ΝaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝldquomὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝaὂἷὀaὅΝaΝtὄὁἵaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅΝpor inteligecircncia (como uma espeacutecie de opccedilatildeo por uma vida asceacutetica) mas antes de tudo significa que a vida filosoacutefica ou melhor o exerciacutecio do filoacutesofo consiste natildeo na reduccedilatildeo ou acreacutescimo de prazeres e sim na seleccedilatildeo segundo um uacutenico e verdadeiro criteacuterio ndash que natildeo a quantidade ndash mas o valor qualitativo dos prazeres atribuiacutedo pela razatildeo uacutenica e verdadeira moeda de troca Por isso o uso da expressatildeo grega (η φλκθά πμ) em 62b logo apoacutes a passagem acima citada a construccedilatildeo (meta + genitivo) soacute poderaacute indicar natildeo os meios utilizados na execuccedilatildeo de uma accedilatildeo mas sim o(s) modo(s) ou a(s) circunstacircncia(s) de uma accedilatildeo Isso implica que natildeo se pode compreender o significado da ὂaὅὅagἷmΝ ἵὁmὁΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷmΝ tὄὁἵaΝ ἶἷΝ iὀtἷligecircὀἵiardquoΝ maὅΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝiὀtἷligἷὀtἷmἷὀtἷrdquoΝ(ἑfέΝἕἡἥἜIἠἕΝΤΝἦἏYἜἡἤΝ1λἆἀΝὂέΝλἀ)έΝPodemos bem resumir o sentido que nos iὀtἷὄἷὅὅaΝaὁΝὄἷὅὅaltaὄΝaὃuiΝὁΝuὅὁΝἶἷὅὅἷΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝὃuἷΝφλσθ δμ faz referecircncia particularmente no que ἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝεaὄὃuἷὅΝ(ἀί1ἄ)μΝldquoPhronesis natildeo eacute mera competecircncia teacutecnica nem estrateacutegia praacutetica mas ambiente ou contexto de ressignificaccedilatildeo atitude reflexiva filosofia compreendida como esforccedilo e busca argumentada no sentido de se compreender as implicaccedilotildees ontoloacutegicas subjacentes as determinaccedilotildees que justificam diferentes valὁὄaὦὴἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅrdquoΝ(p 257) Sobre isso cf SOUZA (2016 p183-202) e BENITEZ (1999 p 339ss)
91 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ὃuἷΝὀaΝἶiὅὂutaΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὅἷὄiaΝaΝἶiὅὂὁsiccedilatildeo de pensar ou a vida de pensamento
ὃuἷΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄiὁὄΝἷΝὁὅΝtἷὄmὁὅΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷΝutiliὐaἶὁὅΝὅatildeὁμΝldquoφλσθ ῖθrdquoΝἷΝldquoφλκθά πμrdquoέΝ
Em determinados momentos da obra platocircnica esse termo eacute apenas contado entre outros
mas aqui ele estaacute em consonacircncia com abordagem mais detalhada e criteriosa do termo que
aparece no Feacutedon Ela eacute um gecircnero que reuacutene todas essas atividades e Soacutecrates atenta-se
em especificaacute-las (Cf 19b 21b9 20 60c-d) ela apresenta-se como rival agrave vida de prazer
Φλ θ δμ recobre no diaacutelogo essa vastidatildeo de sentidos seja de inteligecircncia (contato com
essecircncias com o que sempre eacute) seja de forma de consciecircncia (de si ou da realidade) como
tambeacutem aquele sentido relacionado agrave virtude e ao valor Todos os termos da lista socraacutetica
satildeo ditὁὅΝ ὂἷlὁΝ ὂὄὰὂὄiὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoaὂaὄἷὀtaἶὁὅrdquoΝ ( υΰΰ θ 11b8) que ora significaratildeo
momentos de uma determinada gecircnese na qual a memoacuteria eacute quem conduz agrave inteligecircncia ora
como espeacutecies propriamente ditas de um mesmo gecircnero Tudo dependeraacute dos objetivos da
anaacutelise em questatildeo principalmente no tocante agrave anaacutelise dos prazeres (verdeirosfalsos
purosimpuros bonsmaus) o que geraria certa confusatildeo entre os inteacutepretes numa primeira
leitura raacutepida do diaacutelogo Eacute o que detecta Benitez
No campo adversaacuterio [sic O de Soacutecrates] noacutes reencontramos φλκθ ῖθ θκ ῖθ η ηθ γαδ σιαθ λγ θ ε ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ (note-se que πδ άηβ natildeo aparece nesse momento) Novamente gostariacuteamos que em seguida esses elementos fossem distinguidos e ordenados Platatildeo parece decido a reuni-los Em conjunto os verbos φλσθ ῖθ e θκ ῖθ satildeo utilizados indiferentemente no Filebo e o mesmo vale para os substantivos correspondentes φλσθ δμ e θκ μ A vida defendida por Soacutecrates eacute descrita tanto com uma ίέκμ κ θκ μ quanto como uma ίέκμ μ φλκθά πμ sem que qualquer distinccedilatildeo seja feita Por duas vezes Soacutecrates exige que memoacuteria e caacutelculo raciocinado sejam excluiacutedos da vida de prazer porque eles satildeo componentes da vida intelectual e somente dela (21a-c 60d) Essa confusatildeo cria certos problemas espiacuterito inteligecircncia e saber diferem um do outro a memoacuteria que encontra-se ligada a ela natildeo eacute no entanto idecircntica a nenhum daqueles e nem mesmo a opiniatildeo reta e o raciociacutenio verdadeiro (1999 p 339)
No momento conveacutem apenas destacar que a memoacuteria eacute ζκΰκμ enquanto
conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo como tambeacutem a opiniatildeo verdadeira116 sobre sua efetiva percepccedilatildeo
(consciecircncia) de estar sentido prazer Portanto elas se opotildeem ao raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) assim
como este somado agraves outras duas se opotildeem agrave intelecccedilatildeo que diz respeito apenas ao
inteligiacutevel Todavia como observa Dixsaut (2017) a contrariedade presente no gecircnero que
constitui a φλσθ δμ natildeo exclui esse proacuteprio pertencimento a um mesmo gecircnero isto egrave ao do
116 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoὂaὄἷἵἷ-me que nestes passos a opiniatildeo verdadeira agrave qual se faz referecircncia num primeiro sentido eacute simplesmente a consciecircncia do gozar Como tal eacute distinta da opiniatildeo verdadeira que entra em jogo dialeacutetico com a ciecircncia a episteme que aὂaὄἷἵἷΝἷmΝὁutὄὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅΝἶialὧtiἵὁὅrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1λί)έ
92 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
intelecto O que dista do discurso de Filebo do de Soacutecrates eacute que a seacuterie terminoloacutegica daquele
soa em consonacircncia ao passo que a desse eacute vaacuteria e perfeitamente definiacutevel Aspecto como
veremos totalmente contestado por Soacutecrates jaacute que aquilo que Filebo postula como uacutenico
pode apresentar natildeo somente alteraccedilotildees de qualidade como tambeacutem de intensidade
inumeraacuteveis (DIXSAUT 2017 p 263)
A possibilidade adotada por Soacutecrates de inserir seu discurso em uma notaccedilatildeo temporal
(memoacuteria passado raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) futuro) confronta-se com o discurso de Filebo
desprovido de uma notaccedilatildeo tal O prazer eacute incapaz de previsatildeo pois sua base assenta-se na
experiecircncia imediata do agradaacutevel Passamos entatildeo do comparativo ao superlativo uma vez
ὃuἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝldquomaiὅΝvaὀtajὁὅὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝiὅtὁΝὂὁὄὃuἷΝ
ele eacute capaz de se inserir na dinacircmica do proacuteprio tempo pelos mecanismos diversos envolvidos
na proacutepria dimensatildeo (humana) que eacute capaz de participar da φλσθ δμ seja pelo recurso da
memoacuteria (passado) pela opiniatildeo verdadeira (resoluccedilatildeo das decisotildees praacuteticas do presente) e
pelo raciociacutenio (caacutelculo e a previsatildeo do futuro)
Nesse sentido eacute necessaacuterio que Filebo se distancie da argumentaccedilatildeo que permaneccedila
calado de tal modo de que as questotildees atribuiacutedas a ele sejam agora dirigidas a Protarco O
prazer natildeo combate nem ao menos eacute derrotado como vemos no decorrer do diaacutelogo ele
apenas se isenta do combate e por isso triunfa sem combater Como nos lembra Dixsaut
(2017) os versos da Iliacuteada de Homero proferidos por Diomedes agrave Afrodite estando uacuteltima
ferida pela lanccedila enquanto Diomedes a procurava no campo de batalha117 Diante disso eacute
possiacutevel notar que o prazer triunfa sem combater e se ele adere a luta eacute vencido
A mudanccedila dos discursos iniciais parece ter iniacutecio quando Soacutecrates assim diz
Soc Entatildeo eacute preciso que a verdade ( αθ ζβγΫμ) sobre esse assunto (π λ α θ λσπ ) seja por todos os meios delimitada (π λαθγ θαδ) Prot Sim eacute preciso Soc Vamos laacute entatildeo Com relaccedilatildeo a isso entremos em acordo ( δκηκζκΰβ υη γα) sobre mais um ponto Prot Qual Soc Que agora cada um de noacutes tentaraacute indicar o estado e a disposiccedilatildeo da alma ( ιδθ ουξ μ εα δΪγ δθ capaz de fornecer a todos os homens ( θ
υθαηΫθβθ θγλυπκδμ) uma vida feliz (π δ θ ίέκθ αέηκθα) Natildeo eacute assim Prot Assim mesmo (11c9-d7)
117 A autora refere-ὅἷΝaὁΝὅἷguiὀtἷΝvἷὄὅὁμΝ ldquoἓxἵlamὁuΝἵὁmΝ fὁrte Diomedes corajosa em seu grito de guerra ndash Retira-te filha de Zeus do combate e da luta Acaso natildeo te basta enganar (triunfar) as fraacutegeis mulheres Se tu pretendes frequentar a batalha creio que estremeceraacutes apenas em ouvir mencionaacute-la em um qualquer lugar (Hom Il 2 5 347-351)
93 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Permanecer naquele conflito anterior dos dois discursos soacute incorreria novamente em
impasse em aporia Apenas com a mudanccedila de interlocutor eacute possiacutevel esse acordo118 a
primeira exigecircncia (banal) de se atingir a verdade119 sobre esses pontos muda a direccedilatildeo do
iὀὃuὧὄitὁΝ ὅἷὄὠΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ ἵὁmὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν umΝ ldquoaἶvὁgaἶὁΝmaiὅΝ ἶὰἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἆ) No
ἷὀtaὀtὁΝὧΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝἴaὀaliἶaἶἷΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝavaliaὦatildeὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὅuaΝldquovἷὄἶaἶἷΝ
ὁuΝfalὅiἶaἶἷrdquo120 A luta se instaura natildeo para que venccedilam um ou outro discurso ou teses como
ὂὄἷfἷὄἷmΝ alguὀὅΝ maὅΝ ὂaὄaΝ avἷὄiguaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ldquomaiὅΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ ὧΝ ὃuἷΝ se deve combater
118 Creio que esse acordo deva ser lido em dois sentidos se recuperarmos o sentido que ele desempenha na filosofia platocircnica Primeiramente eacute necessaacuterio sair do impasse e para tal conciliar os discursos e colocaacute-los em um ζσΰκμ uacutenico eacute o que pressupotildee qualquer discussatildeo No entanto esse sentido do acordo tambeacutem eacute colaborativo natildeo basta apenas submeter-ὅἷΝaὁΝἶiὠlὁgὁΝmaὅΝtamἴὧmΝldquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrdquoΝὡὃuilὁΝὃuἷΝὧΝἶitὁΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὀἶὁΝaὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝiὀἵὁἷὄecircὀἵiaὅΝὃuἷΝὅἷuΝἶiὅἵuὄὅὁΝὂὁὅὅa a vir a sofrer nesse mesmo processo diaacutelogico Dito de outro modo eacute tambeacutem imprescindiacutevel no curso da aὄgumἷὀtaὦatildeὁΝldquoἷὅtaὄΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmὁrdquoΝtἷὄΝὄἷalΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὧΝ(ἷΝaὃuiΝὅim)ΝumaΝtese e que deve entatildeo ser defendida enquanto se eacute um interlocutor no processo dialoacutegico (Basta retomamos o sentido do ηκζκΰ δθ em alguns dos demais diaacutelogos Ver Goacuterg (461b 468e 482d 487e 472b-c474a5 495a5-9) e Teet (154e1 171d5) que atestam essa dupla especificidade do acordo) Sobre isso tambeacutemΝὧΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝὄἷtὁmaὄΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)μΝldquoἷὅtἷΝὧΝumΝὁutὄὁΝdictum crucial para Platatildeo desde os primeiros diaacutelogos os acordos (homologiacuteai) entre os falantes que pressupotildeem qualquer discussatildeo e a coerecircncia ou consistecircncia (homologia) do discurso e os acordos (homologiacuteai) preacutevios que pressupotildeem qualquer diaacutelogo () o requisito da coerecircncia eacute o que possibilita mostrar que algueacutem estaacute em contradiccedilatildeo () por isso eacute que no argumento dialoacutegico natildeo faz mal tomar como testemunha um terceiro poreacutem basta tomar por testemunha o proacuteprio loacutegos Em um verdadeiro diaacutelogo ὁΝἶἷἵiὅivὁΝὀatildeὁΝὧΝὃuἷΝὁὅΝfalaὀtἷὅΝἷὅtἷjamΝlsquoὅἷΝtἷὅtaὀἶὁrsquoΝuὀὅΝaὁὅΝὁutὄὁὅΝ(έέέ)ΝmaὅΝὃuἷΝὅἷjamΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝmanter a coerecircncia de seus argumentos e que sobretudo sejam capazes de revisar suas posiccedilotildees se o exame dialeacutetico assim o requerer Uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que o diaacutelogo funcione eacute que cada interlocutor sempre diga o que lhe parece ser verdade () Se a disposiccedilatildeo de conservar uma atitude de colaboraccedilatildeo diante do diaacutelogo se elimina natildeo pode haver progresso na conversaccedilatildeo filosoacutefica e no processo educativo de que tal conversaccedilatildeo eacute uma parte decisiva O recusar-se a responder aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝiὀtἷὄὄὁgaἶὁΝὧΝaἵὁmὂaὀhaἶὁΝὂὁὄΝumΝἵἷὄtὁΝlsquoἷὅὂiacuteὄitὁΝἶἷΝiὄὁὀiarsquoΝὃuἷΝcaracteriza as teacutecnicas sofiacutesticas de discussatildeo como opostas agraves filosoacuteficas Quem estaacute disposto a ὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝ aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ lἷvaΝ aΝ ὅὧὄiὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄguὀtaνΝ ἷὅtἷΝ lsquolἷvaὄΝ aΝ ὅὧὄiὁrsquoΝ aΝconversaccedilatildeo natildeo apenas significa considerar seriamente a tese discutida e o assunto da discussatildeo mas tambeacutem ndash e talvez o que eacute o mais importante ndash ser consciente do fato de que algueacutem deve se fazer responsaacutevel daquilo que se nega de suas proacuteprias afirmaccedilotildees (esse eacute o modo de conservar a homologia no diaacutelogo) as quais pressupotildeem como ὂὁὀtὁΝ ἶἷΝ ὂaὄtiἶaΝ ἵἷὄtὁὅΝ ldquoaἵὁὄἶὁὅrdquoΝ imὂliacuteἵitaΝ ὁuΝἷxὂliἵitamἷὀtἷΝaἵἷitὁὅΝὂἷlὁὅΝfalaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἃλΝὀέΝἀ)έ 119 ἑὁmὁΝἶiὐΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoἠumΝἵὁὀtἷxtὁΝἶialὰgiἵὁΝiἶἷalΝἵaἶaΝἶialὁgaἶὁὄΝaὂὄἷὅἷὀta-se como portador de uma verdade sua na qual acredita e que defende com argumentos loacutegicos contra a tese do outro participante do diaacutelogo Natildeo haacute portanto no iniacutecio uma verdade jaacute dada com a qual se medir mas haacute mais do que uma verdade e elas se enfrentam num plano por assim dizer de paridade Soacute no final se obteraacute (se obtiver) um acordo entre as teses contrapostas e se estabeleceraacute qual eacute o discurso verdadeiro que poderaacute ser de um ou do outro dialogador ou poderaacute ser tambeacutem uma terceira tese encontrada e justificada no interior do diaacutelogo vivo que se desenvolveu entre eles como eacute o caso precisamente do FilebordquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1ἆἄ)έ 120 ἠaὅΝ ἴἷlaὅΝ ὂalavὄaὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautμΝ ldquoἓὀtatildeὁΝ ἷlἷΝ [sic Protarco] a isto a vida a alegria de viver se encontraraacute submetida e subordinada ao conhecimento agrave dialeacutetica e agrave vontade de verdade Eros contra ἷὄὁὅμΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὧΝmἷὀὁὅΝtἷὄὄiacutevἷlΝὃuἷΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ἀί1ἅΝὂέΝἀἄἃ-266)
94 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
conjuntamente e esse discurso soacute se torna mais estaacutevel por intermeacutedio do acordo
(CASERTANO 2010 p 188)121 Eacute sob essa carateriacutestica que aqui podemos chamaacute-la
sineacutergica122 que se funda o diaacutelogo e que dista da pura disputa eriacutestica como nos mostraraacute
Soacutecrates mais adiante no diaacutelogo (15a-16b)
Fica claro a partir daqui a restriccedilatildeo de Soacutecrates feita ao debate que se dirige agora
ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὀatildeὁΝaΝldquotὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅrdquoΝ(ἶἷὀtὄἷΝἷlἷὅΝaὀimaiὅ plantas) mas agrave vida humana
tatildeo somente A pergunta ὅἷΝἵaὄaἵtἷὄiὐaΝὂὁὄΝ tἷὀtaὄΝ iὀἶiἵaὄΝὁΝldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ( ιδθ)ΝἷΝaΝldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
( δΪγ δθ) da alma (ουξ μ)ΝὃuἷΝὅἷὄὠΝἵaὂaὐΝἶἷΝὂὄὁὂὁὄἵiὁὀaὄΝaὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoΝ(ίέκθ
αέηκθα) Basta lembrar que o homem eacute o ser que participa da inteligecircncia que reside na
alma Este eacute um primeiro aspecto a ser considerado123
Um segundo aspecto importante eacute evitar conflitos inuacuteteis visto que a discussatildeo sobre
o bem jaacute teria gerado impasses em outros momentos Basta relembrarmos a discussatildeo da
Repuacuteblica (aqui jaacute citada) em que nem mesmo a inteligecircncia nem mesmo o prazer possuem
os requisitos necessaacuterios para serem tidos como o bem (R VII 505b6) Esse bem agora deve
ser uma outra coisa124 como jaacute nos adianta Soacutecrates (11d11) e que ficaraacute mais claro do que
ὅἷΝ tὄataΝ ἷὅὅaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ὀὁΝ ἶἷἵὁὄὄἷὄΝ ἶaΝ aὄgumἷὀtaὦatildeὁ125 Poreacutem natildeo haacute outros
concorrentes aleacutem da inteligecircncia e do prazer Se natildeo haacute como afirmarmos com veemecircncia o
ὃuἷΝὅἷjaΝὁΝἴἷmΝὃuἷΝὂἷlὁΝmἷὀὁὅΝὂὁὅὅamὁὅΝἶiὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝaΝldquoViἶaΝἴὁardquoΝἷΝὁΝὃuἷΝfaὐΝ
com que ela seja portadora desse qualificativo ou seja o que a torna uma vida realmente
boa Natildeo se trata entretanto de eliminar ou derrotar os dois discursos mas de colocar ambos
me perspectiva analisaacuteveis sob o domiacutenio do ζ ΰκμ126
121 ldquoἑὁmὁΝὅἷΝvecircΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἵaὄaἵtἷὄἷὅΝἶὁΝἶialὁgaὄΝὅὁἵὄὠtiἵὁ-platocircnico tal como foram estabelecidos nos ἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝndash a coragem do exame a refutaccedilatildeo que tem como fim natildeo a vitoacuteria eriacutestica mas uma investigaccedilatildeo em comum a concoacuterdia que torna estaacutevel o resultado concordado ndash satildeo tambeacutem aqui no Platatildeo maduro plenamente confirmados A verdade e natildeo a φδζκθδεέα constitui sempre o horizonte e o fim do diaacutelogὁrdquoΝ(ἑἏἥἓἤἦἏἠἡΝἀί1ίΝὂέΝ1ἆἆ)έ 122 ldquoἡΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ umΝ ἵὁmἴatἷΝ maὅΝ umaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaΝ ἴuὅἵaΝ ἷmΝ ἵὁmumΝ viὅaὀἶὁΝexaminar o problema em-ὅiΝἷΝaΝἵὁὀὅtὄuiὄΝumaΝὂὁὅiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἄΝὂέΝἁλ)έ 123 ldquoἏΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ὅἷΝ iὀiἵiaΝ ἷmΝ umΝ ὀiacutevἷlΝ ὃuἷΝ ὂὄἷὅὅuὂὴἷὅΝ aΝ lὁἵaliὐaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ἴἷmΝ ὀaΝ almardquoΝ(DELCOMMINETTE 2006 p 37) 124 Σ δμΝελ έ πθΝ κτ πθΝφαθ (11d11) 125 Notomi (2010) relembra essa mesma perspectiva presente tambeacutem no Sofista (250b7-ἶἂ)μΝldquoIὅὅὁΝὀὁὅΝlembra um argumento semelhante no sofista A investigaccedilatildeo direta sobre o ser fica presa Tanto o movimento como o resto satildeo mas ser natildeo eacute movimento nem descanso devemos procurar uma tἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅaΝaὁΝlaἶὁΝἶὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ὂέΝἅἆ)έ 126 ldquoἥἷΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ἶaὄΝ umaΝ ὄἷὅὂὁὅtaΝ ἶiὄἷtaΝ ὡΝ ὂἷὄguὀtaΝ aὀtἷὄiὁὄΝ ὃual dos dois eacute o bem inteligecircncia ou prazer podemos examinar em vez disso qual eacute a boa vida e aleacutem disso o que faz a vida boa em relaccedilatildeo aos dois Ao mudar as questotildees o inqueacuterito aborda o mesmo problema de forma diferente Apesar do fracasso do diaacutelogo entre Filebo e Soacutecrates os seus dois candidatos natildeo devem ser demitidos nenhuma afirmaccedilatildeo positiva seraacute concluiacuteda sobre o bem se ambos os candidatos forem simplesmente jogados fora Por outro lado a nova questatildeo permite Protarco e Soacutecrates examinarem ὁὀἶἷΝἵaἶaΝumΝἷὅtὠΝlὁἵaliὐaἶὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmrdquoΝ(ἠἡἦἡεIΝἀί1ίΝὂέΝἅἆ)έ
95 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
εaὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὀἷὅὅἷΝ ἵὁὀtἷxtὁΝ ὅἷὄiaΝ ἷὅὅἷΝ ldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ ἷΝ ἷὅὅaΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquo127 citadas por
Soacutecrates Parece claro que natildeo podemos tomar os dois termos como sinocircnimos nem reduzi-
lὁὅΝ ὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝ aΝ tἷὄmὁὅΝ tὄaἶuὐiacutevἷiὅΝ ὂὁὄΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquoέΝ ἓιδθΝ ἶἷὀὁtaὄiaΝ umΝ ἷὅtaἶὁΝ umaΝ
maneira de ser em sentido estrito (falsoverdadeiro) enquanto δΪγ δθ diz respeito muito
mais a uma consequecircncia a um resultado128 A alma natildeo eacute o termo significativo mas sim a
felicidade129 natildeo importa tanto mais a rejeiccedilatildeo de que a felicidade consista na posse de bens
exteriores como a sauacutede a riqueza a beleza que para ambos interlocutores satildeo meios mas
natildeo fins130 Como atesta Gadamer (1983)
Assim a questatildeo do bem na vida humana jaacute possui uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e assim oferece agrave investigaccedilatildeo uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) ou tambeacutem uma certa atitude ( ιδμ)ΝἶaΝalmaΝὃuἷΝὂὁὅὅaΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅέΝἡΝbem eacute portanto concebido antecipadamente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Natildeo eacute como o crecirc espontaneamente o senso comum algo que o hὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(ἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝvulgaὄΝἶἷΝ ΰαγσθ) mas uma modalidade de seu ser Porque o homem eacute precisamente sua alma A questatildeo se apresenta a partir de entatildeo nesses termos qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de tὄaὐἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoςΝἏΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ( αδηκθ) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado desse bem ao qual o homem aspira (no sentido onde por exemplo se possuiria uma alternativa entre a felicidade e
127 O sentido aqui eacute mais proacuteximo daquele de 64c7 da disposiccedilatildeo que resulta da mistura bem constituiacuteda e natildeo ao significado proveniente do uso deliberado de ambos os termos mais adiante (como se pode notar em 32e3-9 48a8 42c2 49e3) 128 ἒixὅautΝaὁΝὀὁὅΝἶiὐἷὄΝὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ lἷmἴὄaΝἓὅὂἷuὅiὂὁΝὃuἷΝafiὄmavaΝὃuἷΝaΝ fἷliἵiἶaἶἷΝὧΝ ldquoumΝἷὅtaἶὁΝacabado inerente a todos os seres naturais ( ιδθ θαδ ζ έαθ θ κῖμ εα φ δθ θκυ δθ) ou a posse ἶὁὅΝἴἷὀὅrdquoΝ( ιδμ θ ΰαγ θ) (2017 p 266) 129 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ lἷmἴὄaΝ ἐὁὅὅiΝ (ἀίίἆ)μΝ ldquoἤἷἵὁὄἶἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ὁΝ aἶjἷtivὁΝ eudaimonia natildeo se aplica simplesmente a um sentimento subjetivo de satisfaccedilatildeo senatildeo a um estado objetivo harmonioso ou saudaacutevel da alma A palavra eudaimonia eacute composta de um prefixo eu (ὃuἷΝὅigὀifiἵaΝldquoἴὁmrdquo)ΝἷΝἶaΝὂalavὄaΝdaimon (divindade intermediaacuteria entre os deuses e heroacuteis) que pode ser benigna ou maligna Em geral designa a boa parte ou lote que a cada um atribui o seu daimon De modo que o conceito de eudaimonia estaacute de algum modo relacionado com o prazer porque ambos supotildeem sentimentos subjetivos agradaacuteveis poreacutem enquanto o prazer encontra-se mais relacionado agrave sensibilidade a eudaimonia em Platatildeo se relaciona com uma certa satisfaccedilatildeo da vida como um todo que corresponde a um estado ὁὄἶἷὀaἶὁΝὅauἶὠvἷlΝὁuΝhaὄmὁὀiὁὅὁΝἶaΝalmardquoΝ(ὂέΝἀἀλ)έ 130 Como afirma Delcomminette (2006) o bem natildeo eacute identificado com a felicidade mas agrave causa da felicidade O bem eacute portanto essa posse que torna a vida feliz e inversamente a felicidade eacute a posse do bem Observemos que essa correlaccedilatildeo entre o bem e a felicidade ainda natildeo determina nada sobre o conteuacutedo do bem porque a felicidade tambeacutem eacute tatildeo indeterminada quanto ele nesse momento Por outro lado embora ela natildeo seja uma identificaccedilatildeo ela nos autoriza a estabelecer num primeiro momento nossa busca pelo bem na busca pela felicidade jaacute desejar o bem eacute querer que ele nos pertenccedila isto eacute desejar ser feliz (Cf Banquete 204e 205a4) Veremos no entanto que essa coincidecircncia entre desejo do bem e desejo da felicidade soacute poderaacute ser mantida ateacute um certo ponto com efeito a felicidade soacute seraacute acessiacutevel sob a condiccedilatildeo de deixar de desejar-se a si proacutepria em si mἷὅmaΝἷΝἶἷΝtἷὀἶἷὄΝὂaὄaΝὁΝἴἷmΝldquoἷm-ὅirdquoέΝἠὁΝἷὀtaὀto mesmo essa superaccedilatildeo da felicidade como objeto do desejo seraacute baseada na busca pela felicidade que pode portanto servir de guia preliminar (p 36-37)
96 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
a virtude) mas retoma em geral ao mais alto grau do humanamente ἶἷὅἷjὠvἷlΝὀἷὅtἷΝἷὅtaἶὁΝὀὁΝὃualΝὀaἶaΝmaiὅΝldquoἶἷixaὄiaΝaΝἶἷὅἷjaὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἄἄ)έ
Eacute interessante verificar que o termo αδηκθέα natildeo eacute recorrente no diaacutelogo soacute
constatamos sua presenccedila no diaacutelogo duas vezes no trecho que anteriormente destacamos
de 11d6 e em 14b7131 no qual Soacutecrates estaacute criticando os intemperantes que satildeo tomados
ὂὁὄΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquolὁuἵuὄardquo132 proporcionada pelos prazeres do corpo acreditando serem
ὁὅΝhὁmἷὀὅΝldquomaiὅΝfἷliὐἷὅrdquoΝ( αδηκθΫ α κθ) do mundo Creio que haacute razotildees para a ausecircncia
do termo prazer e inteligecircncia encontram-se subordinados agravequilo que natildeo eacute propriamente um
conteuacutedo uacuteltimo (feliἵiἶaἶἷ)Ν maὅΝ ἵὁmὁΝ amἴὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄΝ (gὁὐὁ)Ν ἷΝ ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrdquoΝ ὂὁἶἷmΝ ἷΝ
ἶἷvἷmΝἵὁὀtὄiἴuiὄΝὂaὄaΝὃuἷΝumaΝviἶaΝὂὁὅὅaΝὅἷΝtὁὄὀaὄΝumaΝviἶaΝfἷliὐΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἢὄaὐἷὄΝἷΝ
pensamento estariam deste modo subordinados agravequilo que constitui a felicidade e que natildeo eacute
um conteuacutedo formal mas o problema geral da proacutepria vida humana Esse estado e disposiccedilatildeo
ldquofἷliὐἷὅΝἵὁὀὅtituἷmΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝfὁὄmalΝumaΝldquotἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅardquoΝ
( λ κπ ζζκΝ 1ἂἴἂ)Ν ὁuΝ ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ tὁὄὀaὄὠΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ gὄaὦaὅΝ aΝ umΝ ldquoὅὁὀhὁrdquoΝ ἶἷΝ
SὰἵὄatἷὅΝὅὁmἷὀtἷΝἷmΝἀίἴἄΝὀὁΝὃualΝὂὄaὐἷὄΝἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὂaὅὅaὄatildeὁΝaΝἶiὅὂutaὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝ
precircmio Passamos portanto do modo de vida de todos os seres para aquele em que podemos
escolher o que faz do prazer natildeo o uacutenico bem comum a todos os eres vivos mas apenas
preferecircncia de alguns seres
Como bem nos explica Dixsaut (2017) a felicidade
() eacute esse contentamento contiacutenuo esse khairein que traz certa maneira de viver mas que natildeo se confunde com ela e que soacute eacute distinto do que chamamos prazer por sua unidade e continuidade Para dizer como Kant ser feliz eacute necessariamente o desejo de ser todo acabado ou seja sensiacutevel e para ser um ser sensiacutevel dotado de uma faculdade de prazer e de pena a consciecircncia ὃuἷΝἷlἷΝtἷmΝldquoἶὁΝaἵὁὄἶὁΝἶaΝviἶaΝὃuἷΝaἵὁmὂaὀhaΝὅem interrupccedilatildeo toda a sua ἷxiὅtecircὀἵiaΝὧΝaΝfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ(έέέ) Todo ser vivo deseja o prazer eacute mesmo isso que a maioria dos homens chamam de bem e ningueacutem diz o Soacutecrates do Filebo aceitaria uma vida sem prazer Reconhececirc-lo me parece natildeo eacute enunciar uma tese eudemonista eacute constatar que para um ser vivo a felicidade consiste em gozar a vida Platatildeo nunca contesta isso mas se pergunta qual forma deve tomar a vida para que possamos dela gozar justamente (p 282-283)
O diaacutelogo prossegue e o questionamento eacute sobre a possibilidade de regular uma vida
unicamente pela busca de um ou outro (prazer ou inteligecircncia) Ou seja qual modo de vida
se deve escolher Devemos fazer do prazer o uacutenico bem da vida (natildeo mais de todos os
131 Agradeccedilo ao Prof Fernando Mendonccedila por ter me chamado atenccedilatildeo sobre o breve nuacutemero de ocorrecircncias desse termo no diaacutelogo o que me levou a pensar que por natildeo ser um termo recorrente Platatildeo pudesse ter um propoacutesito maior no diaacutelogo em questatildeo e que o sentido de felicidade aqui tratado estaria distante do que Aristoacuteteles por exemplo concebe como felicidade na sua Eacutetica a Nicocircmaco 132 Sobre os significados que esse termo adquire no diaacutelogo falarei mais adiante
97 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
viventes) mas apenas preferecircncia de alguns e soacute assim os dois modelos de vida podem ser
confrontados por meio da dialeacutetica a partir do momento em que as duas afirmaccedilotildees
encontram-se em poacutelos opostos agora sim sob forma de teses que se excluem mutuamente
ambas demonstradas como insuficenteὅέΝΝἢὄὁὂὴἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoὂaὄaΝvὰὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
de ter prazer ( κ ξαέλ δθ) e para noacutes a de pensar ( κ φλκθ ῖθ)ςrdquoΝ(11ἶἆ-9)
Filebo entatildeo recusa a disputa mesmo que agora a tese atribuiacuteda a Protarco
demonstre-se vencedora isto eacute mesmo se ao longo da discussatildeo essa vida se evidenciar
como a disposiccedilatildeo superior (o que jaacute se pode entrever que natildeo ocorreraacute pela possibilidade de
uma terceira coisa) transferindo-a aos cuidados de Protarco De tal modo aquele interlocutor
jaacute natildeo possui autoridade alguma agora sobre a concordacircncia ( ηκζκΰέαμ) ou natildeo entre
Soacutecrates e o proacuteprio Protarco (12a9-11) A atitude de Filebo eacute deste modo correta se
purificar ( φκ δκ ηαδ) e invocar o testemunho (ηαλ τλκηαδ da proacutepria deusa (α π θ γ σθ)
(12b1-2) A pergunta importante que ecoa das linhas do Goacutergias (π μ ίδπ Ϋκθ 492d 500c4)
deveria agora ser tomada em sua questatildeo fundamental e assegurar assim como afirma o
discurso de Filebo aquilo que a realidade atesta o prazer de gozar o imediato da vida o
proacuteprio ξαέλ δθ essa exigecircncia profundamente humana da felicidade Jaacute natildeo restam mais
altἷὄὀativaὅΝὀἷmΝaΝmὁὄalΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷmΝaΝjuὅtiὦaΝaὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὀaΝldquoὅὧὄiaΝ
ὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ (ὅὁἴὄἷΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ ἶἷvἷΝ vivἷὄ)Ν ἶὁΝ Goacutergias Se pensamento e inteligecircncia satildeo
ingredientes melhores em uma dada maneira de viver se satildeo os objetos preferiacuteveis a qualquer
outra coisa por que natildeo analisaacute-los tout et court Natildeo o que se vecirc mais adiante eacute o
desmembramento a pluralizaccedilatildeo o exame baseado numa vontade de verdade Mas
Soacutecrates pelo contraacuterio natildeo deixa de perseguir o prazer sobre essa essecircncia de uma verdade
tatildeo sobre-humana a todo custo mas Soacutecrates ainda pretende dar asas ao pensamento alccedilar
vocirco teme que suas asas possam ser cortadas (DIXSAUT 2017 p 268)
O pensamento como explica Dixsaut (2017) soacute se exerce agrave medida que estamos
ldquomὁὄtὁὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝldquoἵὁmὁΝὅἷΝἶἷvἷΝvivἷὄrdquoΝὀatildeὁΝὧΝmaiὅΝumΝὂὄὁἴlἷmaΝἵὁmΝὁΝὃualΝ
devemos lidar (p 268) O Filebo vai mais a fundo e retomaconfirmando o Feacutedon o
pensamento apresentado no Filebo natildeo eacute o que estaacute em jogo realmente133 haacute um outro que
se encontra na profundidade do diaacutelogo ele eacute extremamente poderoso mas no caso da
composiccedilatildeo eacute mais prudente optar pela vida boa que eacute justamente aquela misturada Por
enquanto isso basta para a nossa reflexatildeo cremos que no decorrer da argumentaccedilatildeo ficaratildeo
maiὅΝ ἵlaὄὁὅΝ taὀtὁΝ ὁὅΝ ὂὄὁὂὰὅitὁὅΝ maiὅΝ ἷviἶἷὀtἷὅΝ ἶὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὃuaὀtὁΝ ὁΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὅΝ
aὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝtalΝὄἷflἷxatildeὁέΝἑὁὀtiὀuἷmὁὅΝὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝὂὁὄΝhὁὄaΝἶaὀἶὁΝὅἷὃuecircὀἵia
agrave intepretaccedilatildeo das demais partes do diaacutelogo em questatildeoComo nada absolutamente nada
133 Dixsaut ainda diz que em nenhum dos diaacutelogos esse pensamento demonstraria tanto o seu poder (Cf DIXSAUT 2017 p 268)
98 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
nos diaacutelogos eacute desprovido de significado temos aqui mais um exemplo que exige atenccedilatildeo
ἶἷliἵaἶaέΝἏὅὅimΝὂaὄἷἵἷΝaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝἶἷuὅaΝ(lsquo φλκ έ βθ)μΝldquoὅimΝἶἷvἷmὁὅΝtἷὀtaὄΝἵomeccedilando
ἵὁmΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅaΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐΝὅἷΝἵhamaὄΝἏfὄὁἶitἷΝmaὅΝἵujὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὀὁmἷΝὧΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ
(12b7-9)134
εaiὅΝaἶiaὀtἷΝ(1ἀἵ1)ΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷtὁmaΝὁΝmἷὅmὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷuΝldquotἷmὁὄrdquoΝ
em relaccedilatildeo ao nome dos deuses135 e agora em relaccedilatildeo a Afrodite conveacutem chamaacute-la do nome
ldquoὃuἷΝmaiὅΝlhἷΝagὄaἶardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝalἷὄtaΝὡΝἢὄὁtaὄἵὁΝὁὅΝὂἷὄigὁὅΝὀὁὅΝὃuaiὅΝἷlἷΝ
proacuteprio (Soacutecrates) incorre ao tentar examinar a natureza da deusa Eacute preciso como diz
ἥὰἵὄatἷὅΝldquoἴἷmΝἷxamiὀaὄrdquoΝldquoὄἷflἷtiὄΝἴἷmrdquoΝ(1ἀἵἃ)έΝἏΝὀatuὄἷὐaΝ(φτ δθ ξ δ) do prazer eacute complexa
(πκδεέζκθ) (12c5-6) Embora quando escutamos ( εκτ δθ)136 ldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝaὁΝὁuviἶὁΝἷlἷΝὂaὄἷἵἷΝ
simples ( πζκμ) algo uacutenico ( θ δ) mas eacute algo complexo (πκδεέζκθ) e certamente assume
todo o tipo de formas (ηκλφ μ άπκυ παθ κέαμ ζβφ ) que satildeo dessemelhantes
( θκηκέκυμ) umas agraves outras ( δθα λσπκθ θκηκέκυμ ζζάζαδμ) (12c6-8)
O que podemos notar na passagem eacute que Soacutecrates parece fazer ressoar o preceito
dos demais diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave divindade pois basta retomarmos a Repuacuteblica (380dss)
ἏὁΝἶiὐἷὄΝaΝὂalavὄaΝldquoἶἷuὅrdquoΝὅἷguὀἶὁΝaΝὂὄὰὂὄiaΝtἷὁlὁgiaΝἷxὂὄἷὅὅaΝὀaὃuἷlἷΝἶiὠlὁgὁΝἶἷὅigὀamὁὅΝ
um ser privilegiado de natureza uacutenica desprovido de qualquer multiplicidade Mas quando
se trata do prazer lidamos com algo muacuteltiplo e variado Agora Platatildeo faria Soacutecrates falar de
um respeito ainda mais enigmaacutetico como nos diz Friedlaumlnder (2014 p 1054) Se logo apoacutes
isso o discurso se desenvolve em torno da natureza do prazer de sua essecircncia muacuteltipla por
conseguinte nada ele teria de divino Nesse caso como explicar essa conclusatildeo negativa E
hὠΝaiὀἶaΝmaiὅΝumaΝἵὁiὅaΝaΝὅἷὄΝἶitaΝaΝfiguὄaΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝὄἷtὁὄὀaΝὡΝἵἷὀaΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷmΝἀἄἵΝ
agora como doadora da ordem como aquilo que daacute limite a todas as coisas Portanto como
se pode notar natildeo se trata apenas de um ornamento moral ou retoacuterico quando o que estaacute em
ὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaέΝἏΝὂaὄtiὄΝἶaiacuteΝὅuὄgἷmΝalgumaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝ
importantes (i) Qual o sentido da alteraccedilatildeo de Soacutecrates do nome da deusa (ii) Haacute duas
frodites ou dois significados que podemos atribuir agrave proacutepria deusa (iii) Filebo realmente se
ἷὃuivὁἵaΝὃuaὀtὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquoὅuardquoΝἶἷuὅaς
Eacute necessaacuterio em um primeiro momento que lembremos a forma ambiacutegua como Platatildeo
retrata a relaccedilatildeo entre Soacutecrates e os deuses convencionais fato notaacutevel nos diaacutelogos137 Mas
134 ldquoΩ Π δλα Ϋκθ πrsquoΝα μ μ γ κ θ Ἀφλκ έ βθ η θ ζΫΰ γαέ φβ δ rsquoΝ ζβγΫ α κθ α μ θκηα lsquoΗ κθάθ ῑθαδrdquoΝ(1ἀἴἅ-9) 135 Basta tomarmos alguns diaacutelogos Cra 400dss Euthph 12ass R II 380dss Phdr 273 c8ndash9 Ti 28 b3ndash4) 136 Bravo nos diz que para os gregos os prazeres do ouvido relacionados ao canto aos belos discursos satildeo tambeacutem tidos como prazeres de alta estima assim como o do paladar e dos demais sentidos Pra uma semacircntica e fisiologia dos prazeres mais detalhada (BRAVO 2009 p 13 14 33 81 etc) 137 Ver Euthphr 6b-c Ap 26b-c Phd118a Phdr 229css
99 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
se podemos fazer uma afirmaccedilatildeo geneacuterica ao mesmo tempo e em certo sentido precisa o
uso que Platatildeo faz da religiatildeo ou melhor a compreensatildeo que ele empresta ao religioso
manifesto pelas referecircncias ainda constantes agrave mitologia natildeo eacute o mesmo sentido atribuiacutedo
pela tradiccedilatildeo Poreacutem Platatildeo manteacutem a linguagem miacutetica e natildeo vecirc outro meio de expor esse
novo sentido a natildeo ser utilizando essa proacutepria linguagem como instrumento para exposiccedilatildeo
ἶἷὅὅἷΝὀὁvὁΝmὁἶὁΝἶἷΝvἷὄΝaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝὄἷligiὁὅaὅέΝἡΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝumaΝὅuὂὁὅtaΝldquoὁὂὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝ
uma forma ou outra capaz de expor um conteuacutedo de maneira mais eficaz mas aproveitar
esquemas de pensamento que configuram visotildees de mundo reconfigurando seus significados
para alteraacute-las profundamente138
Eacute preciso lembrar como foi dito anteriormente acerca do ζσΰκμ de Filebo que eacute
apenas aquele da afirmaccedilatildeo que natildeo contesta apenas constata que o prazer eacute bom para
todos se seres vivos Ao abandonar a questatildeo e atribuir a tarefa de dialogador a Protarco ele
(Filebo) natildeo deseja submeter seu discurso agrave apreciaccedilatildeo dialeacuteticaέΝἓΝὂaὄaΝtalΝiὀvὁἵaΝaΝldquoὂὄὰὂὄiaΝ
ἶἷuὅardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἷviἶἷὀἵiamὁὅΝὀatildeὁΝhὠΝὅἷὃuἷὄΝalgumaΝἵὁὀἶἷὀaὦatildeὁΝὁuΝἵἷὀὅuὄaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ
a essa invocaccedilatildeo Muito pelo contraacuterio o proacuteprio temor divino eacute correto louvar a deusa exaltaacute-
la e eacute isso que deseja Filebo ao afirmar a proacutepria agradabilidade do que consiste na natureza
do bom (natildeo do bem) Ao submeter-se ao dialogar eacute necessaacuterio falar mas Soacutecrates faz uso
ἶaΝ ἷxaltaὦatildeὁΝ ἷΝ ἶaΝ glὁὄifiἵaὦatildeὁΝ ἵὁmὁΝ ἷlἷΝ mἷὅmὁΝ ἶiὐΝ aὂἷὀaὅΝ ὂὁὄΝ ldquogὄaἵἷjὁrdquoΝ ὂὁὄΝ ldquoiὄὁὀiardquoΝ
( ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ α 28c) isto eacute natildeo para afirmar exprimir celebrar mas
para falar aquilo que eacute verdadeiramente Ele (Soacutecrates) eacute quem pode incorrer em impiedade
ndash e por isso eacute tomado de temor ndash se ousar exaltar a deusa deste modo Por mais simples e
oacutebvia que possa parecer a afirmaccedilatildeo de Filebo ela eacute de suma importacircncia
O temor socraacutetico em relaccedilatildeo aos deuses eacute mantido (isso explicaria nome de outra
deusa Η κθ θ) A natureza dos deuses eacute uacutenica e Soacutecrates natildeo renega o preceito da
RepuacuteblicaΝὂὁὄὧmΝὁΝὃuἷΝἷὅtὠΝἷmΝjὁgὁΝὧΝἷὅὅaΝldquoὀὁvaΝὄἷlaὦatildeὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁΝἶiviὀὁΝἷΝhumaὀὁΝἶὁΝὃualΝ
ele (Soacutecrates) eacute o proacuteprio exemplo isto eacute a relaccedilatildeo entre o filoacutesofo e o divino que incide
sobre o proacuteprio deus Por um lado o proacuteprio Deus afirma a sabedoria de Soacutecrates mas por
outro diz que sua sabedoria assenta-ὅἷΝ juὅtamἷὀtἷΝ ὀumΝ ldquoὅaἴἷὄΝ ἶὁΝ ὀaἶaΝ ὅaἴἷὄrdquoέΝ EacuteΝ
138 Neste sentido satildeo notaacuteveis as contribuiccedilotildees de Bolzani (2008) ao analisar o que ele denomina como ldquotὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἷΝ ldquoaὀti-tὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁέΝ ἠὁΝ ὅἷuΝ tἷxtὁΝ ἵhama nossa atenccedilatildeo partindo fundamentalmente da Apologia e do Oraacuteculo de Delfos ao procedimento platocircnico de retomar formas discursivas tradicionais para criticar as visotildees de mundo que as fundamentam de modo a defender suas proacuteprias ideias O autor destaca em dado momento essa proacutepria questatildeo levantada no julgamento de Soacutecrates a acusaccedilatildeo de impiedade o que demonstra como o sentido religioso eacute mantido por Soacutecrates poreacutem este reconfigura-se sob uma nova ordem isto eacute os esquemas de pensamentos satildeo mantidos (teologia tradicional) poreacutem a filosofia de Soacutecrates insere-se nesta mesma tradiccedilatildeo para criticaacute-la em vista de uma nova relaccedilatildeo que se busca compreender e levar agrave compreensatildeo entre o humano e o divino Natildeo haacute outro meio de inserir essa nova visatildeo segundo Platatildeo senatildeo por meio do aproveitamento destas mesmas estruturas discursivas para alteraacute-las profundamente
100 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
investigando os pretensos saacutebios que ele proacuteprio (Soacutecrates) toma consciecircncia do oraacuteculo ou
se reconhece a si proacuteprio isto eacute trata-se tambeacutem de uma auto-investigaccedilatildeo O valor desse
saber ao longo do tempo perde esse caraacuteter meramente negativo e confirma a proacutepria
revelaccedilatildeo do oraacuteculo pois natildeo somente os pretensos saacutebios foram submetidos ao crivo da
investigaccedilatildeo mas tambeacutem o proacuteprio deus eacute questionado nessa revelaccedilatildeo Ora isso soacute eacute
possiacutevel a partir do momento em que uma nova relaccedilatildeo entre o divino e o humano eacute pensada
Eacute Soacutecrates que natildeo pode (ainda) conclamar todo o sentido presente na figura de
Afrodite Isto porque o discurso de Filebo natildeo eacute o discurso de Protarco ele natildeo eacute uma tese
ὂὁὄΝiὅὅὁΝiὀtἷὄἷὅὅaΝὡΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀvὁἵaὄΝaΝldquoἶἷὅἵἷὀἶecircὀἵiardquo139 (muacuteltipla) da deusa (uacutenica) e natildeo
aὂἷὀaὅΝ aΝ ldquoἶἷuὅardquoΝ ἷmΝ ὅiΝ ήὀiἵaΝ ὃuἷΝ ἔilἷἴὁΝ ἷxaltaέΝ ἏΝ ἵὁὄὄἷlaὦatildeὁΝ ἵὁmΝ aΝ ὅἷὃuecircὀἵiaΝ ἶaΝ
argumentaccedilatildeo eacute imediata o prazer seraacute analisado em suaὅΝ ldquoἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὅἷὄὠΝ
ἶἷὅmἷmἴὄaἶὁΝ ἷmΝὅuaΝ ldquouὀiἶaἶἷrdquoΝ ὂluὄaliὐaἶὁΝ ἵὁlὁἵaἶὁΝ ἷmΝἷxamἷΝὅuἴmἷtiἶὁΝ ὡΝ ἷxigecircὀἵiaΝ
ὅὁἵὄὠtiἵaΝldquoὅὁἴὄἷΝhumaὀardquoΝ(ὁuΝἶἷὅumaὀa)ΝἶaΝvἷὄἶaἶἷΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἄἆ)έΝ
Ora esse fato atesta ainda mais que o diaacutelogo eacute muito mais rico do que o debate
escoliasta entre hedonismo e anti-hedonismo Dixsaut (1999) nos lembra o caraacuteter simeacutetrico
do diaacutelogo por um lado nos remete a textos claacutessicos muito proacuteximos ao que afirma Filebo
como o fragmento 1 de Mimnermo140μΝldquoὃuἷΝvalὁὄΝtἷὄiaΝaΝviἶaΝἷ que alegria permaneceria sem
aΝἏfὄὁἶitἷΝὠuὄἷaέέέrdquoΝtamἴὧmΝaΝmaiὅΝἴἷlaΝΝἶaὅΝviἶaὅΝἶἷὅἵὄitaΝὀaΝOdisseia por Homero141 citada
por Platatildeo na Repuacuteblica142 e o julgamento de Paacuteris simplificado por Soacutefocles (ελέ δμ) no qual
Paacuteris eacute posto como aacuterbitro ndash tarefa a ele atribuiacuteda por Zeus ndash para escolher entre Athena e
Afrodite143 Por outro lado evidencia descriccedilatildeo platocircnica da Repuacuteblica144 manifestada na
indignaccedilatildeo de Adimanto ao ver a forma como os homens concebem o prazer como um
139 Um dos atributos de Afrodite eacute ser protetora do Prazer principalmente do prazer eroacutetico mas natildeo apenas deste Haacute outros sentidos que evocam a deusa Afrodite como beleza sauacutede ordem dentre outros Mais adiante falo sobre como Platatildeo iraacute jogar com esses vaacuterios sentidos que os homens ὀὁmἷiamΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoέΝἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἵfέΝἐἡἥἥIΝ(ἀίίἆΝὂέΝἀἁἅ)έ 140 Que vida que prazer sem a aacuteurea Afrodite Que eu morra quando isto natildeo me interessar mais amor secreto e doces dons e leito ndash tais satildeo da juventude as flores atraentes a homens e mulheres Mas quando chega a dolorosa 5 velhice que faz similarmente vil e feio o homem sempre em torno de seu peito ansiedades vis se enredam e olhando a luz do sol ele natildeo se deleita mas eacute detestaacutevel aos meninos e desonrado agraves mulheres aὅὅimΝὄἷὂugὀaὀtἷΝὁΝἶἷuὅΝἶiὅὂὲὅΝaΝvἷlhiἵἷhellipΝ(Mimn Fr1) Utilizo a traduccedilatildeo de Ragusa (2008 p 52-70) 141 Hom Od 9 9-11 142 R III 390a-b 143 Hom Il 2 24 25ndash30 144 R II 363c-d
101 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
banquete eterno uma embriaguez constante assim como o caraacuteter de degradaccedilatildeo moral
instaurado pelo uso desenfreado dos prazeres a ponto de culminarmos no livro XI145 da
mesma obra com uma existecircncia humana tatildeo pouco humana mais proacutexima do niacutevel
animalesco A reflexatildeo sobre a vida boa natildeo consiste unicamente num julgamento moral
puramente hedonista mas eacute como nos diz a autora uma questatildeo de gosto refinada diferente
de um julgamento teoacuterico e anti-hedonista146 (p 12)
No discurso de Filebo subjaz o carpe diem147 ele traduz o mesmo sentimento
apresentado na elegia do poeta grego e esse prazer eacute um prazer eroacutetico A patrona de Filebo
eacute sem duacutevida aquela do desejo irrefreaacutevel do gozo da seduccedilatildeo dos amores Mas uma
leitura dessa invocaccedilatildeo divina (como teria feito Frede (1993) e Hackforth (1945)) nos faria
talvez supor algumas contradiccedilotildees nesse proacuteprio ato piedoso Soacutecrates natildeo rejeita ou mesmo
145 R IX 586a-b 146 Torres Morales (2016) vai na mesma direccedilatildeo de Dixsaut ao fazer um levantamento consideraacutevel sobre a presenccedila da poesia homeacuterica em algumas das principais passagens do Filebo sobretudo em se tratando das divindades miacuteticas ali representadas Cito na iacutentegra suas consideraccedilotildees sobre a ὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὀὁΝἶiὠlὁgὁμΝldquoἏΝiὀtἷὀὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁΝiὀiacuteἵiὁΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝaὀtἷὄiὁὄΝaΝἶἷΝἔilἷἴὁΝἷΝaΝde Protarco seraacute privar o prazer de sua vontade divina (de sua identificaccedilatildeo com Afrodite) para analisaacute-lo como uma unidade que surge principalmente como uma experiecircncia humana Nesse sentido um ἶὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀaΝὂὄimἷiὄaΝὂaὄtἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅἷὄὠΝἶἷὅmitifiἵaὄΝὁuΝlsquoἶἷὅ-ἶiviὀiὐaὄrsquoΝὁΝprazer Isso apenas significa que em toda a sua pesquisa o prazer natildeo pode ser mostrado como um elemento conectado com alguma ordem transcendente de fato no fim de sua anaacutelise o prazer seraacute identificado com π έλπθΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝὅἷmΝfὁὄmaΝἷΝὅἷmὂὄἷΝἷmΝmuἶaὀὦaΝἷlἷmἷὀtὁΝἷὅὅἷὀἵialΝἶaΝordem coacutesmica (ver Filebo 31a6-9 53css) Como acontece frequentemente o exame platocircnico conecta - na cena dramaacutetica do diaacutelogo - o humano com o divino e o coacutesmico para alcanccedilar uma compreensatildeo adequada das questotildees tratadas A anaacutelise de Soacutecrates do prazer seraacute desenvolvida e em certo sentido seraacute seguida por Protarco mas Filebo descansaraacute em paz e permaneceraacute quase em silecircncio o tempo todo Ele permaneceraacute ao longo do diaacutelogo como um seguidor piedoso de Afrodite ὂaὄaΝἷlἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝἶiviὀἶaἶἷΝἷΝὁΝ ilimitaἶὁέΝ lsquoἥἷΝὀatildeὁΝfὁὅse de fato por ὀatuὄἷὐaΝ mήltiὂlὁΝ taὀtὁΝ ἷmΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ὃuaὀtὁΝ ἷmΝ iὀtἷὀὅiἶaἶἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄiaΝ tὁtalmἷὀtἷΝ ἴὁmrsquoΝ(Filebo 27e7-10) Filebo fez uma escolha uma escolha pela vida de prazer entendida como uma simples e oacutebvia experiecircncia (sempre maior e natildeo menor com alegria e sem dor) uma vida ilimitada sob os auspiacutecios de Afrodite A proacutepria possibilidade do diaacutelogo eacute construiacuteda sobre o fato de Protarco ainda natildeo ter feito sua escolha definitiva A relevacircncia desse fato e a presenccedila da divindade nele eacute o que permite traccedilar uma equivalecircncia indireta importante entre Homero e Platatildeo Isto eacute a divindade de Afrodite eacute apresentada tanto no diaacutelogo quanto no poema homeacuterico (e claro em outras fontes da tradiccedilatildeo grega) como um confronto um confronto que tem que fazer em ambos os casos com uma escolha () esta escolha no diaacutelogo pode ser um lembrete da escolha ou do julgamento de Paacuteris uma escolha que favoreceu a Afrodite perante de Hera e Atena e que no conto homeacuterico trouxeram os atenienses a terriacutevel guerra terriacutevel contra Troacuteia (Il 24 25-30) De fato tambeacutem no diaacutelogo Afrodite representa a origem do conflito entre os interlocutores Ao longo de toda a sua jornada Soacutecrates precisaraacute persuadir e em certo sentido converter Protarco a fim de mostrar-lhe que a melhor vida natildeo eacute a que Filebo escolheu dedicado aos prazeres ilimitados de Afrodite mas uma vida dedicada a uma ἷxiὅtecircὀἵiaΝalἷgὄἷΝmὁἶἷὄaἶaΝὃuἷΝὄἷἵὁὀhἷἵἷΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝilimitaἶὁΝὀὁΝἵamiὀhὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(ὂέΝἄί-61) 147 Sobre isso encontram-se notaacuteveis explicaccedilotildees no artigo de Ragusa (2008 p 52-70) e em suas traduccedilotildees da poesia arcaica em que se encontram menccedilotildees diretas agrave Afrodite e sua caracterizaccedilatildeo com o desejo com o eroacutetico o sexo e ao viccedilo presente na beleza da juvenil
102 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
se mostra descrente dos poderes e honras pertencentes agrave deusa de Filebo ele a exalta
justamente por conceder testemunho de compreensatildeo de tatildeo poderosa deusa
O medo de cair em blasfecircmia ou impiedade eacute do proacuteprio Soacutecrates que pode ser
assacado pela acusaccedilatildeo de impiedade caso natildeo se compreenda o propoacutesito da sua
ldquoἶἷὅmiὅtifiἵaὦatildeὁrdquoΝἶἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝfiguὄativὁΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝldquoἶἷuὅardquoΝ(ὁuΝὁΝὂὄaὐἷὄ)έΝἒitὁΝde outro
modo ainda natildeo eacute possiacutevel falar do divino e Soacutecrates iraacute se precaver disso pois ele iraacute se
utilizar desse esquema de pensamento (teoloacutegico tradicional) a natildeo ser alterando a proacutepria
concepccedilatildeo (divina) que se possui do prazer e nada melhor do que discuti-lo dentro da
estrutura miacutetica e aqui podemos ressaltar o caraacuteter mimeacutetico no qual tambeacutem se insere toda
a obra platocircnica Eacute digno de nota ressaltar que o π έλπθΝ (gecircὀἷὄὁΝὀὁΝὃualΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὅἷὄὠΝ
inserido) oferece a noacutes leitores um novo caminho para compreendermos nossa existecircncia
intermediaacuteria (entre a animalidade e a divindade) porque o ilimitado ( π έλκθ)ΝὧΝ taὀtὁΝumΝ
elemento da realidade coacutesmica quanto algo presente na alma humana Quando Soacutecrates
coloca o prazer em seu devido lugar na realidade ele oferece um novo sentido agrave divindade
tornando-a aqui muito menos um princiacutepio uma realidade puramente dada transcendente
aceita de forma inconteste (dogmaacutetica) do que um modelo para o homem que deve buscar
alcanccedilar a ordem e a harmonia de sua alma pois disto decorre uma vida boa Do mesmo
modo Soacutecrates joga com os sentidos contidos na figura da proacutepria deusa pois ela natildeo
somente eacute patrona dos mais variados tipos de desejos mas na sua natureza encontra-se a
beleza proveniente da ordem da sauacutede isto eacute da boa constituiccedilatildeo da harmonia capaz de
doar o limite necessaacuterio tanto na ordem do universo quanto na constituiccedilatildeo de uma vida
propriamente humana148
ἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝὁlhaὄΝldquoἵaὄaΝaΝἵaὄardquoΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὄἷtiὄaὄ-lhe momentaneamente o estatuto
aacuteureo ὃuἷΝlhἷΝἷὀἵὁἴὄἷΝmὁὅtὄaὄΝὃuatildeὁΝἶivἷὄὅὁΝὧΝiὅὅὁΝὃuἷΝὀὁmἷamὁὅΝuὀiἵamἷὀtἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝiὅtὁΝ
ὧΝmὁὅtὄaὄΝtὁἶaὅΝaὅΝldquotὁὀaliἶaἶἷὅrdquoΝ(ἷΝὁΝἷxἷmὂlὁΝἶaὅΝἵὁὄἷὅΝὅuὄgἷΝmaiὅΝὡΝfὄἷὀtἷ)ΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἶἷὅἷjὁΝ
de prazer pode assumir Lembremo-nos das distinccedilotildees entre as duas Afrodites do discurso
de Pausacircnias no Banquete Platatildeo natildeo concebe duas deusas nem altera a natureza da deusa
(ao querer chamar Afrodite de Hedoneacute) que continua sendo uacutenica a estrutura eacute a mesma os
significados tambeacutem o satildeo mas tudo depende ao momento dialoacutegico em questatildeo aos
objetivos proacuteprios da discussatildeo em que se encontra em dado momento A compreensatildeo divina
de Soacutecrates eacute ainda mais clara do que a tradicional no entanto essa mesma concepccedilatildeo
148 Filebo solenemente presta juramento agrave sua deusa neste caso agrave Afrodite deusa do prazer Podemos aqui tambeacutem retomar o Banquete (180d-181a) no qual nos satildeo dadas maiores observaccedilotildees sobre a deusa um retrato duplo dessa divindade eacute apresentado no discurso de Pausacircnias Temos por um lado a chamada Afrodite Celestial e por outro a Afrodite Vulgar (Cf PRADEAU 2002 p 238 n4) Brisson (2005) explica-nos ainda mais sobre a presenccedila de Afrodite junto a Eros naquele diaacutelogo Diz ainda que cada uma das duas Afrodites possuiacutea um templo nos quais eram cultuadas pelos gregos Sobre isso ver mais (BRISSON 2005 p 41-43)
103 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
(teoloacutegica) como jaacute dissemos por ser ainda mais clara eacute vista como distinta Soacutecrates natildeo
deixa de crer mas ele procura saber porque se deve crer deste modo e natildeo de outro Eacute por
iὅὅὁΝὃuἷΝὀὁtamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἷὀtὄἷΝtἷὄmὁὅΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὡΝώἷἶὁὀἷΝἶἷΝώἷἶὁὀἷΝὡΝἏfὄὁἶitἷΝἷΝὁΝ
ldquotἷmὁὄrdquoΝ juὅtifiἵaὀἶὁΝ aὅΝ ἶifἷὄἷὀὦaὅΝ ἶἷmaὄἵaἶaὅΝ ἷὀtὄe discursos um para louvar exprimir
celebrar outro para falar para pocircr em debate em discussatildeo Diante das possiacuteveis e reais
aἵuὅaὦὴἷὅΝἶἷΝimὂiἷἶaἶἷΝἷΝἴlaὅfecircmiaΝἥὰἵὄatἷὅΝvὁltaΝaΝjuὅtifiἵaὄΝὅἷuΝldquoὅἷὄΝὂiἷἶὁὅὁrdquoΝiὀvὁἵaὀἶὁΝ
a divindade segundo aquilo que o curso da argumentaccedilatildeo julgou como necessaacuterio apoacutes a
investigaccedilatildeo (dialeacutetica) do verdadeiro caraacuteter do prazer e do sentido (bom) que eacute necessaacuterio
resgatar como jaacute dissemos esse sentido agora eacute o da ordem149 o qual natildeo deixa de pertencer
tambeacutem agrave deusa do ldquoἴἷlὁΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁΝldquoamaὀtἷΝἶaΝfὁὄὦaΝjuvἷὀilrdquo)έ
Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo Soacutecrates considera que tanto homem temperante
( κφλκθκ α) como o homem intemperante ( εκζα αέθκθ α) possuem prazer mas natildeo
apenas esses dois tambeacutem aquele homem tolo ( θκβ αέθκθ α) e o homem que pensa
(φλκθκ α) Ο objeto do prazer contudo eacute diferente o homem moderado se regozija em ser
moderado ( πφλκθ ῖθ) o homem tolo com as opiniotildees tolas e com as tolas expectativas
( θκά πθ κι θ εα ζπέ πθ η σθ) e o homem que pensa com a atividade de pensar
(φφλκθ ῖθ) (12d1-4) Deste modo o proacuteprio Soacutecrates eacute quem questiona de que modo
poderiacuteamos dizer que esses prazeres satildeo semelhantes sendo que o objeto de prazer de cada
um difere uns dos outros neste caso soacute um homem tolo poderia crer nisso (11d5-6)
A resposta de Protarco eacute que tais prazeres encontram-se em situaccedilotildees opostas
(πλαΰηΪ πθ θαθ έπθ) mas entre eles natildeo podem ser opostos uns aos outros pois natildeo se
poderiam chamaacute-los a todos de prazer Natildeo fariam parte de algo que genericamente
ὂὁἶἷmὁὅΝἶἷfiὀiὄΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoςΝldquoἡΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀatildeὁΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝmaiὅΝ
semelhante ( ηκδσ α κθ) idecircntico em relaccedilatildeo a si mesmo (α κ αυ )ςrdquoΝ(11ἷ1-2)
Soacutecrates responde utilizando as cores dizendo que a mesma coisa pode ser
exemplificada ao notar que uma cor eacute semelhante a uma cor Isto significa dizer que Soacutecrates
natildeo contesta a natureza do prazer enquanto agradaacutevel que em conjunto elas digam respeito
agravequilo que eacute agradaacutevel o que seraacute reafirmado daqui haacute pouco (13a) Podemos assegura
Soacutecrates dizer que preto e branco satildeo cores e que nada as diferenciaria enquanto ambas
satildeo cores apesar de notarmos que elas contecircm diferenccedilas e que satildeo ateacute opostas umas das
ὁutὄaὅέΝἏlὧmΝἶὁΝmaiὅΝἥὰἵὄatἷὅΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquo(έέέ)ΝumaΝfiguὄa tamἴὧmΝὧΝumaΝfiguὄardquoέΝἢὁἶἷmὁὅΝ
149 Tal significado seraacute realccedilado em 26b7 por Soacutecrates semelhante ao que se encontra em Hesiacuteodo (Th 937-975) Diegraves reconhece em sua traduccedilatildeo essa mudanccedila de sentido quaὀἶὁΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝἶἷuὅaΝnatildeo pode ser aquela Afrodite natildeo aquela Afrodite de Filebo que seria apenas o prazer sem regra () mas aquela que Soacutecrates quer claramente distinguir (12c) Afrodite eacute matildee da Harmonia (Hes Th 937 975) que tem como servas aὅΝἓὅtaὦὴἷὅrdquoΝ(1λἄἄΝὂέΝἀἂΝὀέ1)έ
104 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
notar aqui alguma relaccedilatildeo com a passagem do Mecircnon (73e ss)150 poreacutem se trata do inverso
a multiplicidade antes questionada naquele diaacutelogo agora adota aqui o lugar da anaacutelise Em
suma Soacutecrates deseja decompor o que eacute isso que noacutes nomeamos em uma coisa uacutenica
ldquoὂὄaὐἷὄrdquo151 mas agora lhe interessa dividi-la compreendecirc-la por meio de uma anaacutelise
pormenorizada de sua multiplicidade
Soacutecrates entatildeo iraacute dizer em 13a1 que eacute pelo gecircnero (ΰΫθ δ) que elas satildeo um todo (π θ
θ) mas em suas partes (ηΫλβ) desse todo elas satildeo contraacuterias umas agraves outras e ao mesmo
tempo algumas apresentam inuacutemeras diferenccedilas entre si ( δαφκλσ β rsquoΝ ηυλέαθ πκυ
υΰξΪθ δ) Do mesmo modo o condutor da discussatildeo recusa prima facie considerar os
prazeres como unidade insiste em considerar que as coisas opostas natildeo devem ser
conduzidas por ora a uma unidade A justificativa eacute que alguns prazeres possam ateacute se
demonstrarem eles mesmos enquanto tais opostos a si mesmo (13a1-6)
O questionamento de Protarco eacute sobre a utilidade desse procedimento porque se deve
agir sim jaacute que todos nomeiam ( θσηα δ) como algo uacutenico prazer Soacutecrates explica que
geralmente se nomeiam coisas dessemelhantes ( θσηκδα) por um outro nome apesar de
serem elas uma uacutenica coisa (como eacute o caso jaacute referido das cores preto e branco satildeo cores
mas nomeamos o preto de lsquopretorsquo e natildeo de lsquobrancorsquo)έΝἢὄotarco age da mesma maneira pois
ele afirma que todas as coisas prazerosas satildeo boas ( ΰαγ ) mas essas coisas boas satildeo
dessemelhantes contraacuterias e ateacute maacutes para alguns indiviacuteduos a despeito de todos eles
nomearem essas coisas como boas Quanto agrave indagaccedilatildeo de Protarco Soacutecrates a responde
ἵlaὄamἷὀtἷμΝldquoἡὄaΝὀἷὀhumΝaὄgumἷὀtὁΝἵὁὀtἷὅtaΝ( ηφδ ίβ ῖ) o fato de que coisas prazerosas
ὅatildeὁΝὂὄaὐἷὄὁὅaὅrdquoΝ(1ἁaλ-b1) De acordo com a argumentaccedilatildeo subsequente Soacutecrates diz que
embora grande maioria das coisas prazerosas seja maacute haacute tambeacutem coisas prazerosas boas
contudo a todas elas os indiviacuteduos designam o qualitativo bom mas se algueacutem vier a
confrontaacute-los com argumentos concordaratildeo sobre essas coisas boas que satildeo
dessemelhantes O importante aqui eacute reconhecer que a argumentaccedilatildeo continua em ciacuterculos
e recorre a uma peticcedilatildeo de princiacutepio resultante da argumentaccedilatildeo loacutegica anteriormente
desenvolvida Aqueles indiviacuteduos (moderado tolo pensante) todos eles sentem prazer e
denominam os seus prazeres como bons contudo cada um deles sente prazer com algo
distinto por exemplo o moderado considera que eacute bom ser moderado sente prazer com isso
Confrontados uns com os outros cada um desses diria que o seu prazer eacute bom e o do outro
150 ldquoἑὁmὁΝἷmΝὁutὄὁΝἵaὅὁΝὃualὃuἷὄέΝἢὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὅἷΝὃuἷὄἷὅΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶaΝὄἷἶὁὀἶἷὐΝἷuΝἶiὄiaΝὃuἷΝὧΝumaΝfigura natildeo simplesmente que lteacuteρΝumaΝfiguὄaέΝἓΝἶiὄiaΝaὅὅimΝὂἷlaΝὄaὐatildeὁΝὃuἷΝhὠΝὁutὄaὅΝfiguὄaὅrdquoΝ(Men 73e3-6) O mesmo exemplo das cores eacute encontrado a seguir em 74c 151 Alguns inteacuterpretes como Gosling (1975 pp 76ndash78 142) veem nesta passagem talvez um sinal de mudanccedila no pensamento platocircnico pois no Mecircnon (74c) a coisa uacutenica eacute preferida agrave multiplicidade mas eacute necessaacuterio levar em conta o contexto em que se insere a passagem isto eacute os propoacutesitos relativos agrave anaacutelise dos prazeres
105 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
natildeo o que jaacute demonstraria certa dificuldade em encontrar uma ideia uacutenica do que seja
ἷfἷtivamἷὀtἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡὄaΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝtἷmὂἷὄaὀtἷΝὧΝaὅὅimΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝaὁΝἶὁΝtὁlὁΝ
logo ele natildeo eacute ἴὁmΝἷΝὅimΝmauέΝἏὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoἡΝὃuἷΝhὠΝἷxatamἷὀtἷΝἶἷΝmesmo
(grifo do tradutor) nos maus assim como nos bons prazeres para que seja possiacutevel
ἵhamaὄἷὅΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἶἷΝἴὁὀὅςrdquoΝ(1ἁἴἁ-5) Cada um dos interlocutores ainda defende
ambos suas posiccedilotildees sem adotarem uma base comum por isso ainda resiste o impasse
Protarco ainda natildeo compreende os propoacutesitos ainda se apega agrave questatildeo definicional
tautὁlὰgiἵaΝatὧΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuaὀἶὁΝἶiὅὅἷmὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝalgὁΝὧΝἴὁmέΝ
Podemos entatildeo dizer que Soacutecrates estaacute disposto a combinar duas questotildees diferentes
(i) seria possiacutevel dividir o prazer em diferentes espeacutecies algumas delas dissemelhantes e ateacute
mesmo contraacuterias umas agraves outras (ii) eacute possiacutevel distinguir prazeres bons de prazeres maus
Tais questotildees soacute seratildeo separadas mais tarde como veremos mas aqui elas ainda satildeo
analisadas conjuntamente Protarco que ateacute entatildeo natildeo tinha manifestado sequer alguma
ὁἴjἷὦatildeὁΝὡΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂὄἷἵἷἶἷὀtἷΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoὅuὂὴἷὅΝὃuἷΝalguὧmΝἶἷὂὁiὅΝἶἷΝmanter que
o prazer eacute o bem ( ΰαγσθ) aceitaraacute pacientemente esta tua afirmaccedilatildeo de que dentre os
prazeres alguns satildeo bons ( ΰαγ μ)ΝἷΝὁutὄὁὅΝὅatildeὁΝmauὅςrdquoΝ(1ἁἴἄ-c2) Diraacute Soacutecrates que pelo
menos diria que eles satildeo dessemelhantes ( θκηκέκυμ) e ateacute opostos (13c3-4)
O proacuteprio Soacutecrates reconhece o andar em ciacuterculos do argumento porquecirc de novo o
argumento vem agrave tona e novamente se insiste que o prazer enquanto prazer natildeo se diferencia
ὅatildeὁΝtὁἶὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁὅΝἷxἷmὂlὁὅΝjὠΝἶaἶὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷέΝἣuaὀἶὁΝἢὄὁtaὄἵὁ se daacute
conta da combinaccedilatildeo de duas coisas distintas por Soacutecrates ele tenta recuar agrave divisatildeo Mesmo
reconhecendo que haacute diferentes tipos (espeacutecies) de prazer natildeo aceita que se divida o prazer
apesar das muacuteltiplas instacircncias de prazeres ele eacute incapaz de aceitar a divisatildeo da unidade
ldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἓlἷΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝhὠΝumaΝἶifiἵulἶaἶἷΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝ
ἶἷὅὅἷΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝἷmΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝὁὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo152 segundo ele ou eacute prazer ou natildeo natildeo
importa se o prazer do temperante eacute a moderaccedilatildeo ou se o prazer do tolo satildeo as opiniotildees
tolas todos satildeo prazeres diferentes mas todos prazeres
A rejeiccedilatildeo de Soacutecrates por esse tipo de recurso parece mais uma discussatildeo uma
ἶiὅὂutaΝ ἶἷΝ ldquoiὀiἵiaὀtἷὅrdquoΝ ldquoὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷΝ ἷΝ ὀaufὄagardquo153 do que um discurso que segue
ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ ldquoὄὁtardquoΝ ἷmΝ viὅtaΝ ἶἷΝ ὂὁὀtὁὅΝ ἵὁmuὀὅέΝ ἦalvἷὐΝ ὅἷὄiamΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiaὅΝ aἴἶiἵaὦὴἷὅΝ
reciacuteprocas eacute o que Soacutecrates propotildee a seu interlocutor (13d3-8) A questatildeo entatildeo eacute invertida
e do mesmo modo Soacutecrates forja um questionamento agora em relaccedilatildeo ao conhecimento
afirmando que eles deveratildeo passar pelo mesmo processo A investigaccedilatildeo eacute similar do mesmo
152 Ficaraacute mais evidente o termo aqui utilizado em nossa argumentaccedilatildeo posterior de 16d referente ao ldquoἶὁmΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅrdquoέΝ 153 Muniz (2012) faz uma nota (n11) em que referencia o caraacuteter divino da atividade dialeacutetica como busca pelo que eacute estaacutevel que natildeo muda por isso tambeacutem chamada de divina
106 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
modo natildeo podemos dizer que os conhecimentos natildeo se diferem entre si que satildeo
dessemelhantes ( θσηκδκέ) os mesmos conhecimentos e ciecircncias (φλσθβ έμ εα πδ άηβ)
diz Soacutecrates (13e4-7) que anteriormente ele teria dito que satildeo bons ( ΰαγ ) e que satildeo bens
( ΰαγσθ)
Soc Tomados em conjunto ( υθΪπα αδ) os conhecimentos ( πδ ηαδ) parecem ( σικυ δθ) muacuteltiplos (πκζζαέ) e alguns deles dessemelhantes ( θκηκδκέ) entre si (α θ ζζάζαδμ) Mas no caso de alguns se revelarem ateacute mesmo opostos( θαπ έαδ) estaria eu agrave altura da nossa discussatildeo ( δαζάΰ γαδ) se temendo isso afirmasse que um conhecimento natildeo eacute de modo algum dessemelhante de um conhecimento E entatildeo nosso discurso natildeo se perderia como um mito perece ( πκζση θκμ)154 e estariacuteamos satildeo e salvos ( ακέη γα) mas graccedilas a um absurdo ( ζκΰέαμ) (13e9-14a5)
154 Bernadete eacute o uacutenico de acordo com meu conhecimento a tratar dessa expressatildeo nas traduccedilotildees ἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅμΝ ldquoἡΝὂὄὁvὧὄἴiὁΝ lsquoὁΝmitὁΝὅἷΝὂἷὄἶἷursquoΝ tἷmΝ tὄecircὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝἷxὂlaὀaὦὴἷὅΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ scholars de Platatildeo Aqui se diz que foi aplicado aos que natildeo estavam prestando atenccedilatildeo ao que estava sendo dito Em Teeteto 164d eacute dito que foi aplicado agravequeles que natildeo colocam limites (peras) na sua argumentaccedilatildeo e no final da Repuacuteblica (ἄἀ1ἴ)ΝἢὄὁἵlὁΝὂὁὅὅuiΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὅὁἵὄὠtiἵaΝlsquoὁΝmitὁΝὀὁὅΝὅalvὁursquoΝ ὃuἷΝ lsquoὁΝ mitὁΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷursquoΝ ὄἷfἷὄἷm-se ao fato de que os mitos satildeo algo tatildeo desinteressado porquanto falam de algo que natildeo exiὅtἷmrdquoΝ (1λλἁΝ ὂέΝ ἃΝ ὀέ1ἂ)έΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ talvἷὐΝ ὅἷjaΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝdiscordar desse sentido de suposta desatenccedilatildeo e tambeacutem das consideraccedilotildees levantadas por Proclo Brisson (1999) em um importante estudo sobre os mitos e sua presenccedila nos diaacutelogos platocircnicos iraacute demonstrar recorrendo aos manuscritos e agraves coleccedilotildees bizantinas que o sentido aqui eacute realmente aquele que se refere agrave uma discussatildeo que natildeo possui fim que natildeo possui limite O que faz todo o sentido se analisarmos a passagem Mas antes de explicar o sentido da expressatildeo o estudioso francecircs recorre agrave presenccedila dos dois verbos (que no Filebo aparecem conjuntamente) satildeo eles πκζζυ αδ (perecer) e
α δθ (salvar) que quando aparecem juntos retomam o proverbo (κ ξκδ κ) termo omitido pela traduccedilatildeo brasileira Verbos que aparecem em outras obras (R X 621b-c1 Tht 164d8-10 Lg I 645b1-2) e ἷvὁἵamΝ ἷὅὅἷΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ὂὄὁvἷὄἴialΝ ldquoὁΝ mitὁΝ ὂἷὄἷἵἷrdquoΝ ldquoὁΝ ldquomitὁΝ ὀὁὅΝ tἷὄiaΝ ὅalvὁrdquoΝ ἵὁὀtiἶaΝ ὀaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ἶὁΝFilebo ldquo(έέέ)Ν ζσΰκμ π λ η γκμ πκζση θκμ κ ξκδ κ α κ ακδη γα πέ δθκμ ζκΰέαμrdquoΝ(1ἂaἂ-ἃ)έΝ ἏΝ mἷὅmaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ἐὄiὅὅὁὀΝ ἷὅtὠΝ ὄἷlaἵiὁὀaἶaΝ ἵὁmΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ldquomitὁΝ ὅἷmΝ ἵaἴἷὦardquoΝ(αεΫφαζκμ η γκμ)ΝlὁgὁΝἷlἷΝὄἷὅumἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁμΝldquo(έέέ)ΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὂὄὁvἷὄἴialΝὄἷfἷὄἷὀtἷΝaΝumaΝhistoacuteria [mito] que natildeo possui umΝfimrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄ1)έΝἡΝἷὅtuἶiὁὅὁΝἷxὂliἵaΝmaiὅΝἶiὐἷὀἶὁΝὃuἷΝὂὁὂulaὄmἷὀtἷΝo mito assim como qualquer discurso eacute comparado com um ser vivo com um corpo vivo que natildeo pode se encontrar desordenado natildeo seria normal ver um corpo perambulando sem cabeccedila por isso um mito (ou um discurso) deve ser capaz de dizer o que tem de dizer ateacute o fim Isso nos dirigiria a duas questotildees importantes agravequilo que o mito deve falar e agravequilo que ele deve deixar de falar Um mito eacute reavivado quando aquilo a que se relaciona e reformula possui o pretexto de ser imortal (BRISSON 1999 p 61) Nesse sentido eacute necessaacuterio compor um discurso que tenha sentido como um corpo vivo bem estruturado e natildeo algo infinito sem peacute e nem cabeccedila Natildeo por acaso em 64a Soacutecrates iraacute afirmar ὃuἷΝ tὁἶὁΝ ὁΝ ἶiὅἵuὄὅὁΝ tἷὄiaΝ ἵὁὀἶuὐiἶὁΝ aΝamἴὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ aΝ umaΝ ldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝ iὀἵὁὄὂὰὄἷardquoέΝ εuὀiὐΝ(2007 p 113-123) teria reconhecido em outro texto essa semelhanccedila mas se esquece de evocar nessa passagem (14a) o que validaria ainda mais sua defesa de que o diaacutelogo possui uma ordem invisiacutevel mas visivelmente aparenta ser desordenado aos inteacuterpretes Para tal ele recorre ao Fedro (264c) que recorre a este mesmo significado todo discurso deve se assemelhar a um corpo vivo dotado de ordem compondo um todo unificado
107 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Protarco demonstra-se satisfeito com o suposto peacute de igualde em que satildeo colocados
ambos os discursos (14a6-9) Digo lsquosupostorsquo porque Soacutecrates apela apenas agrave possibilidade
de divisatildeo entre conhecimentos semelhantes e conhecimentos dessemelhantes e a
possibilidade de conhecimentos contraacuterios mas natildeo submete os conhecimentos agrave divisatildeo
entre bons e maus O que de fato veremos bem mais adiante eacute que todos os conhecimentos
seratildeo considerados bons puros o que natildeo significa dizer que natildeo seratildeo ordenados de acordo
com seu maior ou menor grau de bondade o que apresenta certa semelhanccedila com a divisatildeo
inicial entre prazeres bons e maus Resta saber se o criteacuterio utilizado seraacute o mesmo Mas por
ora natildeo devemos ainda tratar disso
Na discussatildeo atual eacute pertinente a Soacutecrates distinguir os prazeres entre bons e maus
prazeres mas esse tipo de divisatildeo natildeo decorre necessariamente da divisatildeo em espeacutecies do
prazer Ao dizer que o prazer possui espeacutecies dentre um mesmo gecircnero natildeo somos obrigados
a fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons prazeres maus Mas tudo indica que esta eacute a
postura assumida no decorrer da argumentaccedilatildeo A divisatildeo dos prazeres em espeacutecies natildeo
pode ser realizada antes de examinarmos uma divisatildeo em relaccedilatildeo a sua bondade Natildeo eacute
possiacutevel operaacute-la sem que assumamos que o prazer natildeo eacute idecircntico ao bem Por isso duas
questotildees novamente se apresentam (i) o prazer eacute idecircntico ao bem E ainda (ii) o que eacute o
bem (Cf 13c14b)
Note-se que nada ainda foi adiantado nenhum dos dois prazer e inteligecircncia perderam
a batalha ainda Primeiramente conveacutem analisar se o prazer eacute essencialmente o bem e em
segundo lugar se alguns prazeres satildeo bons e outros satildeo maus e ainda em terceiro se o
prazer eacute idecircntico ao bem Isso significa apenas dizer que se podemos considerar todos os
prazeres como bons ou a apenas alguns deles para tal devemos saber o que eacute o bem em si
mesmo O mesmo deve ser feito com relaccedilatildeo aos conhecimentos podemos predicaacute-los todos
como bons ou apenas alguns deles Em caso de natildeo identidade ao bem reconhecida em
ambos (prazer e conhecimento) devemos buscar uma terceira coisa Eacute o que diz Soacutecrates
Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ) podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγσθ) prazer ( κθ θ) ou o pensamento (φλσθβ δθ) ou uma terceira coisa ( δ λέ κθ ζζκ θαδ) Pois certamente agora natildeo entramos na disputa
(φδζκθδεκ η θ) para dar vitoacuteria ao que eu defendo ( ππμ ΰ έγ ηαδ) ou ao que tu defendes ( α rsquoΝ αδ θδε θ α) Devemos sim combater juntos e aliados ( υηηαξ ῖθ η μ ηφπ) ao mais verdadeiro ( rsquoΝ ζβγ Ϊ ) (14b1-b7)
Eacute somente depois disso que seraacute possiacutevel fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons e
maus Apenas se for demonstrado que a proposiccedilatildeo o bem eacute idecircntico ao prazer eacute equivocada
108 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἑὁmὁΝἴἷmΝὀὁtaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝldquoiὅὅὁΝὅigὀifiἵaΝigualmἷὀtἷΝὃuἷΝὁΝmὧtὁἶὁΝἶἷΝἵὁlἷtaΝἷΝἶivisatildeo
natildeo pode ser de alguma ajuda na determinaccedilatildeo da natureza do bem uma vez que o uacutenico
uso relevante que poderiacuteamos fazer do problema do bem pressupotildee que a natureza disso jaacute
tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝ ἀίίἄΝ ὂέΝ ἂἂ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὂaὄἷἵἷΝ ἷὀtatildeὁΝ ἷstar
preocupado com a questatildeo metodoloacutegica algo que seraacute desenvolvido logo a seguir mas a
proacutepria artificialidade do meacutetodo eacute algo consciente e tornaraacute capaz de entrelaccedilar a questatildeo
metodoloacutegica com as questotildees eacuteticas algo que veremos bem mais adiante no diaacutelogo
O que se pode notar neste iniacutecio de diaacutelogo eacute toda uma tentativa de Soacutecrates em
oferecer agrave discussatildeo uma caracteriacutestica propriamente dialeacutetica ao estruturaacute-la segundo os
objetivos maiores que a discussatildeo possa vir a alcanccedilar Portanto a escolha do meacutetodo natildeo eacute
algo casual mas deliberada em funccedilatildeo dos objetivos de tal modo jaacute eacute possiacutevel notar ainda
que implicitamente que os aspectos metodoloacutegicos e eacuteticos da questatildeo estatildeo condicionados
mutuamente (DELCOMMINETTE 2006 p 49)
Essa parte do diaacutelogo talvez seja uma das que mais colocam em embaraccedilo os leitores
do texto155μΝaὃuἷlἷΝldquoὂuὄgatὰὄiὁrdquoΝἵὁmὁΝjὠΝaὂὁὀtamὁὅΝὃuἷΝἔὄἷἶἷΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἁ)ΝfaὐΝmἷὀὦatildeὁΝἷΝ
que torna o diaacutelogo complexo e a respeito do qual muito se discutiu e se discute ainda hoje
Afirmadas as diferenccedilas entre prazeres e conhecimentos essa mesma unidade a qual nos
referimos ao nomear algo como prazer e conhecimento evoca a claacutessica e controversa
discussatildeo do problema da unidade e da multiplicidade Como diz o proacuteprio Soacutecrates no
diaacutelogo ldquoaὃuἷlaΝ[ὃuἷὅtatildeὁ]ΝὃuἷΝἵauὅaΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝὃuἷὄΝὃuἷiὄamΝ
ἵὁmὁΝalguὀὅΝὃuἷὄἷmΝὃuἷὄΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamΝἵὁmὁΝὡὅΝvἷὐἷὅΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamrdquoΝ(1ἂἵἂ-5) Que questatildeo
ὅἷὄiaΝἷὅὅaςΝἠὁὅΝὄἷὅὂὁὀἶἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝaΝtἷὅἷΝὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷΝὂὁὄΝὀatuὄἷὐaΝὃuἷΝagὁὄaΝhaacute
ὂὁuἵὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝὂὁὄΝaἵaὅὁμΝlsquoὃuἷΝὁΝmήltiὂlὁΝὅἷjaΝum e o um seja muacuteltiplo ( ΰ λ π ζζ
θαi εα π πκζζ )rdquoΝ(1ἂἵἆ-9) Natildeo haacute como ser contestado ( ηφδ ίβ αδ) qualquer um
que sustente ( δγ ηΫθ ) qualquer uma das duas posiccedilotildees (14c9-10)
Como nὁὅΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀἆλ)Ν ἷὅtamὁὅΝ ἷmΝ umΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ἵὁὀhἷἵiἶὁrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ
aquele que coloca em discussatildeo a possibilidade de algo possuir simultaneamente posiccedilotildees
155 A literatura interpretativa deste momento do diaacutelogo eacute tatildeo vasta que chega a ser impossiacutevel tratar de cada um dos comentadores pormenorizadamente ateacute porque muitos divergem entre si seja totalmente seja em algumas partes Pretendo lidar apenas com alguns comentaacuterios que satildeo pertinentes e que de certo modo coadunam com a interpretaccedilatildeo que procuro aqui defender alguns os quais sigo bem de perto Friedlaumlnder (2004) Striker (1970) Shiner (1974) Gosling (1975) Casper (1977) Hahn (1978) Moravcsik (2006) Dancy (1984) Benitez (1989) Davidson (1990) Hampton (1990) Mirhady (1992) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Frede (1997) Frede (1993) Carpenter (2009) Dixsaut (2001) Delcomminette (2006) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ateacute porque neste momento embora seja importante para a compreensatildeo do diaacutelogo natildeo eacute o alvo da minha anaacutelise do texto dos temas propriamente que me satildeo caros neste trabalho como a dialetizaccedilatildeo dos prazeres a discussatildeo aqui se centra em torno do meacutetodo algo que tem desafiado leitores contemporacircneos do diaacutelogo A meu ver ele estaacute a serviccedilo da dialeacutetica eacute mais uma de suas propriedades sobre esse debate falarei mais adiante
109 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
contraacuterias essa eacute uma das dificuldades que conduz Soacutecrates a postular as Formas
resolvendo a questatildeo pela participaccedilatildeo (Phd 102ass R 523e-525a Tht 154c) Ou seja
trata-se de um problema fundamental jaacute bastante discutido mas o que vemos parece ser um
ἵἷὄtὁΝἶἷὅἵaὅὁΝὁuΝldquoἷὅὀὁἴiὅmὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἵὁmὁΝtἷὄiaΝἴἷmΝ
reconhecido Frede (1993 p 20-21) Para tal uma justificativa plausiacutevel seria recorrer ao
Parmecircnides (128-ἄΝ1ἁίa)ΝἷmΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷjἷitaΝἷὅtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶiὅἵuὅὅatildeὁΝiὀfaὀtilrdquoΝἷΝfὠἵilΝ
(παδ αλδυ β εα δα 14d7) para tratar de tatildeo importantes paradoxos partindo de coisas
individuais (como se diz em Prm 130c5-7 das absurdidades praticadas em relaccedilatildeo agraves Formas
quando se pretende alcanccedilar uma Forma de coisas em devir de coisas despreziacuteveis e vis
como a forma da lama do cabelo da sujeira e outras mais) e para tal a resposta eacute muito
semelhante agravequela apresentada naquele diaacutelogo (Prm 130d3-9)
ἢὄὁtaὄἵὁΝὀatildeὁΝἶἷixaΝἶἷΝἶἷὅἵὄἷvἷὄΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝviὅatildeὁΝldquoἴaὀaliὐaἶardquoΝ( βη υηΫθα)156 da
divisatildeo utilizando a si proacuteprio como exemplo ele mesmo sendo um por natureza eacute tambeacutem
muacuteltiplo alto e baixo pesado e leve e vaacuterias coisas desse tipo (14d1-3) Contudo esse
problema natildeo deixa de ser importante pois trata-se de algo presente em outros diaacutelogos nos
quais o problema jaacute foi discutido A questatildeo da multiplicidade de predicaccedilotildees dos sensiacuteveis a
um ser particular jaacute foi algo recorrente157 e a hipoacutetese da participaccedilatildeo nas Formas se destina
justamente a resolver esse problema como dissemos anteriormente A fala de Protarco citada
anteriormente (14d1-3) eacute relevante nesse sentido porque ela retoma essa questatildeo Podemos
compreendecirc-la de duas formas (i) como limitante ao problema da oposiccedilatildeo entre contraacuterios
ou (ii) como inclusatildeo dessas oposiccedilotildees como em casos particulares de multiplicidade158
Todavia como bem notou Delcomminette (2006) o segundo sentido parece mais proacuteximo agrave
temaacutetica em torno dessa argumentaccedilatildeo uma vez que seraacute relevante pensar a divisatildeo em um
ὅἷὀtiἶὁΝaἴὅtὄatὁΝὁuΝldquoiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝἷΝὀatildeὁΝὂuὄamἷὀtἷΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἀ)έΝἑὁmὁΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝἶitὁΝ
156 Delcomminette (2006) critica aqueles comentadores (referindo-se a Jackson (1882) e Dancy (1984)) ὃuἷΝaἵὄἷἶitamΝὃuἷΝὁὅΝὃualifiἵativὁὅΝldquoἴaὀalrdquoΝldquoὂuἷὄilrdquoΝldquofὠἵilrdquoΝatὄiἴuiacuteἶὁὅΝaΝἷὅὅἷΝὂὄὁἴlἷmaΝ(ὂὄἷἶiἵaὦatildeὁΝἶὁὅΝsensiacuteveis) denote alguma mudanccedila no pensamento de Platatildeo acerca da relevacircncia do problema jaacute que em outros diaacutelogos ele teria ganhado destaque alcanccedilado determinada relevacircncia Todavia somos obrigados a concordar com esse autor que a criacutetica aqui tem um outro sentido vale lembrar que esta divisatildeo tida como banal jaacute foi rejeitada em outras obras pela recorrecircncia agrave hipoacutetese das Formas isto soacute significa que o propoacutesito demonstrado por Platatildeo seria o mesmo realccedilado por ele no iniacutecio do Parmecircnides ou seja agora eacute necessaacuterio tratar da divisatildeo de um ponto de vista dialeacutetico e natildeo banal modo apenas pelo qual a discuὅὅatildeὁΝὅὁἴὄἷΝὁὅΝtἷmaὅΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝldquoὅὧὄiὁὅrdquoΝiὄὠΝavaὀὦaὄέΝἏlgὁΝὃuἷΝἵὁmὁΝvἷὄἷmὁὅΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἷὀtὄἷΝldquojὁvἷὀὅrdquoΝἶἷvἷὄὠΝὅἷΝatἷὄΝ(ὂέΝἃἁ-54) 157 Cf Sph 251ass 158 Algo notado por Frede (1993 p 21) a partir do duplo sentido desempenhado pela partiacutecula εα no trechὁΝὄἷfἷὄiἶὁέΝVἷjamμΝldquoΠΡΩ λrsquoΝκ θ ζΫΰ δμ αθ δμ η φ Πλυ αλξκθ θα ΰ ΰθσ α φτ δ πκζζκ μ
θαδ πΪζδθ κ μ η εα θαθ έκυμ ζζάζκδμ ηΫΰαθ εα ηδελ θ δγΫη θκμ εα ίαλ θ εα εκ φκθ θ α κθ εα ζζα ηυλέανrdquoΝ(1ἂἵ11-d3)
110 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
o modo como Soacutecrates responde agraves objeccedilotildees de Zenatildeo no Parmecircnides eacute consoante com o
que se apresenta aqui no Filebo como bem resume Delcomminette (2006)
O fato de que vaacuterias qualidades e ateacute mesmo qualidades opostas possam predicadas a um ser sensiacutevel pode ser explicado pelo fato de que ele participa de diferentes Ideacuteias de tal forma que cada uma delas eacute por sua vez apenas aquilo que eacute Deste modo o fato de que um ser sensiacutevel possa receber predicados contraacuterios natildeo implica a menor contradiccedilatildeo porque cada predicado corresponde a uma relaccedilatildeo particular sob a qual esse ser eacute considerado a saber em relaccedilatildeo agrave sua participaccedilatildeo nesta ou naquela Ideia enquanto que a contradiccedilatildeo apenas pode acontecer entre predicados que qualificam algo segundo a mesma relaccedilatildeo Entatildeo Platatildeo geralmente lida com esse tipo de problema do um e do muacuteltiplo ao separar um e muacuteltiplo e por colocaacute-los em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes ndash o um no niacutevel sensiacutevel e o muacuteltiplo no niacutevel inteligiacutevel (p 53)
Da mesma maneira Soacutecrates apresenta sua criacutetica a esse tipo de divisatildeo
anteriormente descrito por seu interlocutor atribuindo a ela os mesmos qualificativos antes
destinados no ParmecircnidesέΝἣuaὀἶὁΝalguὧmΝὅἷΝὂὴἷΝaΝἶiviἶiὄΝἷmΝldquomἷmἴὄὁὅΝὁuΝὂaὄtἷὅrdquoΝalgὁΝὂὁὄΝ
meio do discurso ( αθ δμ εΪ κυ ηΫζβ εα ηα ηΫλβ δ ζυθ ζσΰ ) e atesta que por
meio da reuniatildeo dessas partes se tenha chegado ao um natildeo lhe faltam pessoas a dizer que
ὅἷΝ tὄataΝ ἶἷΝ algὁΝ ὄiἶiacuteἵulὁΝ afiὄmaὀἶὁΝ ldquomὁὀὅtὄuὁὅiἶaἶἷὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ aΝ ὅἷὀtἷὀὦaΝ ἶἷΝ ὃuἷ ὁΝ ldquoumΝ ὧΝ
muacuteltiplo e ilimitado ( θ μ πκζζΪ δ εα π δλα) ou que o muacuteltiplo eacute apenas um (πκζζ μ
θ ησθκθ) (14e3-4)
Esse eacute um dos principais obstaacuteculos impostos agrave atividade dialeacutetica que deve distinguir
pelo discurso os membros que satildeo ao mesmo tempo partes de uma determinada coisa Qual
seria entatildeo a forma correta de se utilizar a divisatildeo que natildeo seja essa das coisas que nascem
ἷΝὂἷὄἷἵἷmΝjὠΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝtὄataΝἶἷΝumaΝldquoἶiviὅatildeὁΝἴaὀalrdquoΝὃuἷΝὀἷmΝὅἷὃuἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝlἷvaἶaΝἷmΝ
conta159
Soc Eacute quando meu jovem algueacutem coloca o um mas natildeo aquele do qual agora haacute pouco falamos das coisas que vecircm a ser e perecem ndash pois neste caso chegou-se agrave admissatildeo que esse tipo de um ao qual nos referimos haacute pouco natildeo precisa ser refutado Mas sim quando algueacutem tenta colocar o
159 ἑὁmὁΝ ἵὁmἷὀtaΝ ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄ)Ν ldquoἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ mὁἶὁΝ ἷὅὅἷΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶὁΝ umΝ ἷΝ ἶὁΝmuacuteltiplo natildeo eacute pertinente para a pesquisa atual porque ele natildeo concerne a um bom tipo de predicaccedilatildeo Com efeito o tipo de declaraccedilatildeo que Soacutecrates e Protarco estatildeo lidando natildeo consiste em predicar muacuteltiplas qualidades de um ser particular ndash ὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝ lsquoἷuΝἢὄὁtaὄἵὁrsquoΝndash mas em predicar muacuteltiplos tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὅὅivἷlmἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶitὰὄiὁὅΝἶἷΝὁutὄὁὅΝ tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὃuaὀἶὁΝὅἷΝἶiὐΝ lsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝἴὁmrsquoΝὁuΝlsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὄuimrsquoέΝἏΝaὂaὄἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝἶὁiὅΝἷὀuὀἵiaἶὁὅΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὁΝprazer tanto um como muacuteltiplo apenas pode ser resolvido daquele mesmo modo anterior ou seja colocando o um e o muacuteltiplo em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes porque isso novamente nos conduziria a uma regressatildeo ao infinito cada predicado podia ele mesmo ser qualificado de maneiras opostas o que nos forccedilaria a introduzir uma outra distinccedilatildeo entre dois niacuteveis ontoloacutegicos e assim por diante ad infinitum Pelo contraacuterio devemos comὂὄἷἷὀἶἷὄΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὁΝgἷὄalΝἵὁmὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtaὀtὁΝumΝὃuaὀtὁΝmήltiὂlὁΝὀὁΝmἷὅmὁΝὀiacutevἷlΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝiὅtὁΝὧΝὀὁΝὀiacutevἷlΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἂ)έ
111 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
homem como um o boi como um o belo como um e o bem como um Eacute sobre essas hecircnadas e sobre coisas desse tipo que muito rigor aliado agrave divisatildeo gera controveacutersia Prot Como
Ω Ὁπσ αθ παῖ v η θ ΰδΰθκηΫθπθ εα πκζζυηΫθπθ δμ δγ αδ εαγΪπ λ λ έπμ η ῖμ πκη θ θ αυγκῖ η θ ΰ λ εα κδκυ κθ θ π λ
πκη θ θυθ ά γΰε ξυλβ αδ η ῖθ ζΫΰξ δθ αθ Ϋ δμ θα θγλππκθ πδξ δλ έγ γαδ εα ίκ θ θα εα εαζσθ θ εα ΰαγ θ θ π λ κτ πθ
θ θ πθ εα θ πκδκτ πθ πκζζ πκυ η δαδλΫ πμ ηφδ ίά β δμ ΰέΰθ αδ
ΠΡΩ Π μ (15a1-8)
Aqui mais uma vez o paralelismo com o Parmecircnides eacute visiacutevel Natildeo haacute nada de
espantoso em algueacutem dizer que os sensiacuteveis satildeo simultaneamente um muacuteltiplos natildeo haveria
ὀaἶaΝ ἶἷΝ ἷὅὂaὀtὁὅὁΝ aiacuteΝ ἵὁmὁΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅμΝ ldquo(έέέ)Ν ἶiὄἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷmὁὀὅtὄaΝ ὃuἷΝ algὁΝ ὧΝ
muacuteltiplas coisas e um natildeo que o um eacute muacuteltiplas coisas nem que o muacuteltiplo eacute um e que natildeo
ἶiὐΝὀaἶaΝἶἷΝἷὅὂaὀtὁὅὁΝmaὅΝἵὁiὅaὅΝἵὁmΝὃuἷΝtὁἶὁὅΝἵὁὀἵὁὄἶaὄiacuteamὁὅrdquoΝ(1ἀλἶἃ-8) mas dizer que
os gecircneros e as formas satildeo afetadas por contraacuterios isso sim seria espantoso Se algueacutem
separa as formas mesmas em si mesmas umas das outras demonstrando que podem ser
misturadas e separadas isso sim demonstraria espanto (129 c4ndashd6) A aparente contradiccedilatildeo
natildeo nos deve levar a considerar uma diferenccedila tudo que nosso diaacutelogo diz eacute que devemos
fugir desses paradoxos porque agora (no Filebo) o muacuteltiplo natildeo corresponde a predicados
contraacuterios mas a partes que satildeo ao mesmo tempo membros e que fazem parte de um
mesmo niacutevel ontoloacutegico isto eacute ao sensiacutevel No Filebo os predicados contraacuterios um e muacuteltiplo
dizem respeito agravequilo que satildeo em si mesmos Jaacute natildeo podemos separaacute-los em dois niacuteveis
ontoloacutegicos diferentes mas devemos analisaacute-los em um mesmo niacutevel o inteligiacutevel Devemos
pois consideraacute-los como duas ideias diferentes segundo uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo agraves quais
uma mesma coisa deve ser considerada Um e muacuteltiplo pertencem ambos a um mesmo niacutevel
ontoloacutegico tanto no sensiacutevel enquanto um todo composto de partes quanto no inteligiacutevel em
termos da relaccedilatildeo de participaccedilatildeo no um e no muacuteltiplo
A abordagem contida na passagem supracitada eacute extremamente relevante para a
compreensatildeo do sentido da argumentaccedilatildeo como tambeacutem do que se segue Natildeo se trata de
desmerecer a questatildeo mesmo que os qualificativos utilizados natildeo sejam os melhores mas
sim de utilizar uma discussatildeo que era tambeacutem complexa e que agora passa a ser vista de
maneira mais simples analogamente agraves questotildees seacuterias por isso a linguagem utilizada eacute a
mesma embora os niacuteveis ontoloacutegicos sejam diferentes Mesmo que a discussatildeo anterior seja
viὅtaΝἵὁmὁΝldquoὂuἷὄilrdquoΝἷlaΝjὠΝὂὄἷὂaὄa o terreno para as consideraccedilotildees acerca do meacutetodo que seratildeo
desenvolvidas logo a seguir e os problemas mais seacuterios do um e do muacuteltiplo
Dixsaut (2001) nos chama atenccedilatildeo quanto a presenccedila do verbo έγ αδ έγ γαδ (Cf
15a2 15a5) (postularcolocar) As unidades a serem dividas natildeo satildeo dadas mas deveratildeo
112 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ainda serem postuladas Tanto bem como belo se encontram no mesmo plano que o boi e o
homem (neste caso omite-se o artigo) Os uacuteltimos satildeo seres em devir satildeo os homens e os
bois Ao serem colocados como unidades oferece-lhes um modo de ser (essecircncia) que lhes
configura como termos pensaacuteveis estruturaacuteveis divisiacuteveis De tal forma dessas hecircnadas
seria possiacutevel dizer jaacute num primeiro momento que essas satildeo Formas (p 290) Sobre isso ela
ainda diz
Isto eacute verdade mas insuficiente diante de uma abordagem adequada do texto o problema eacute o embaraccedilo criado pela identidade do uno e do muacuteltiplo identidade que eacute a condiccedilatildeo de todo loacutegos (discurso) dito de outro modo de toda linguagem e de todo o pensamento Natildeo eacute aceitaacutevel dizer que o homem eacute o bem ou que o homem eacute o belo isto implicaria restringir um ou outro No entanto como essas unidades podem ser tidas como unas e divisiacuteveis e portanto muacuteltiplas Submeter as unidades a uma divisatildeo imediata eacute algo problemaacutetico (DIXSAUT 2001 p 291)
Como se pode notar a proacutepria origem dessas unidades eacute controversa assim como o
modo como Soacutecrates a seguir descreve os problemas relacionados a tais unidades Talvez
esse seja uma das passagens mais complicadas do texto
Soc Em primeiro lugar eacute preciso supor se tais unidades realmente existem em seguida como essas ndash cada uma sendo sempre a mesma e natildeo submetida nem ao vir a ser nem ao deixar de ser ndash satildeo entretanto seguramente essa uma e se devemos supor depois disso que nas coisas que vecircm a ser e satildeo ilimitadas ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa uma vindo a ser simultaneamente no um e no muacuteltiplo Satildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas quando se chega tem-se um caminho sem obstaacuteculos (15b1-c4) Ω Πλ κθ η θ δθαμ ῖ κδατ αμ θαδ ηκθΪ αμ πκζαηίΪθ δθ ζβγ μ κ αμ α π μ α ατ αμ ηέαθ εΪμ βθ κ αθ θ α θ εα ηά ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ βθ η κ rsquoΝ θ κῖμ ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ
ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ ΰέΰθ γαδ α rsquoΝ δ π λ
κδα α θ εα πκζζΪ ζζrsquoΝκ ε ε δθα Πλυ αλξ πΪ βμ πκλέαμ α δα η εαζ μ ηκζκΰβγΫθ α εα πκλέαμ [ θ] α εαζ μ (15b1-c4)
A passagem colocou em duacutevida durante seacuteculos muitos estudiosos160 ao ponto de
postularem trecircs indagaccedilotildees quantos problemas satildeo mencionados no mesmo trecho Quais
160 Entre o grupo dos partidaacuterios de duas questotildees encontram-se Hackforth (1945) Frede (1993) Waterfield (1982) Casertano (1989) No grupo daqueles que defendem trecircs questotildees Hahn (1978)
113 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
problemas satildeo esses E que relaccedilatildeo esse trecho teria com o meacutetodo descrito a seguir em 16
c5-17 a5 Alguns creem que haacute dois problemas e preferem assim dividir o texto em duas
partes outros que haacute trecircs e dividem o texto em trecircs partes Uma visatildeo interpretativa mais
grosseira poderia postular que o texto seria extremamente desproporcional se fosse divido
em apenas duas questotildees mas o argumento eacute insuficiente diante da complexidade do texto
Haacute ainda que examinar o conteuacutedo de cada questatildeo tanto por um aspecto filoloacutegico quanto
pelos conteuacutedos filosoacuteficos que elas exprimem Creio dentre as intepretaccedilotildees analisadas que
a de Carpenter (2009) de Dixsaut (2001) e de Muniz amp Rudebusch (2004 2007) explicam
mais pormenorizadamente a questatildeo e procuram resgatar o sentido original do texto sem
propor emendas clarividecircncias ou mesmo revisotildees gramaticais Pelo contraacuterio retomam as
passagens anteriores os antecedentes gramaticais de pronomes recorrendo agraves braquilogias
de acordo com sentenccedilas anteriores do proacuteprio texto e estabelece uma distinccedilatildeo plausiacutevel
entre dois termos que causam confusatildeo nos inteacuterpretes a saber ηκθΪ αμ e θΪ πθ (cf
MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 26)
ἢὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵὁὀfὁὄmἷΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀλἀ)Ν ldquoΠλ κθ η ῖ α η κ
articulariam claramente trecircs teses161 E afirma que ningueacutem duvidaria da primeira e da terceira
questatildeo (controveacutersia) caso a segunda questatildeo natildeo colocasse em duacutevida as outras duas A
primeira questatildeo (controversa) proposta natildeo suscita muitas duacutevidas trata-se de supor se tais
unidades (mocircnadas) realmente existem ( ζβγ μ κ αμ)162 A qual delas devemos conceder
Casper (1977) Dancy (1984) Benitez (1989) Bernadete (1993) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Dixsaut (2001) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ide (2002) Carpenter (2009) Mirhady (1992) vecirc uma uacutenica questatildeo dividida em trecircs partes Para uma descriccedilatildeo de todas as posiccedilotildees e de seus partidaacuterios ver Dancy (1984) Hahn (1978) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) 161 Trecircs argumentos podem ser utilizados para confirmar a tese das trecircs questotildees (i) as conjunccedilotildees Πλ κθ η ῖ α η κ recorrentemente usadas por Platatildeo denotam enumeraccedilatildeo em trecircs termos o que jaacute seria suficiente para provar tal divisatildeo (ii) a presenccedila dos trecircs verbos no infinitivo regidos por πκζαηίΪθ δθ ( θαδ θαδ e ΰέΰθ γαδ) um em cada parte (iii) as duas ocorrecircncias da partiacutecula adversativa α sendo que cada uma marcaria o iniacutecio de uma nova etapa Sobre isso ver Mirhady (1992 p 173 174ss) e Delcomminette (2006 p 57) Delcomminette apresenta ainda dois argumentos (filosoacuteficos) para a recusa leitura em trecircs teses (i) ela natildeo faria sentido com a discussatildeo precedente sobre a seriedade necessaacuteria ao problema do um e do muacuteltiplo isto eacute que o prazer esteja contido nesse tipo ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝldquoὅὧὄiardquoΝἶὁΝumΝἷΝἶὁΝmήltiὂlὁΝἶἷmὁὀὅtὄaὄiaΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἶὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝdisse anteriormente daiacute natildeo faria o menor sentido toda a argumentaccedilatildeo anteriormente desenvolvida ela natildeo teria a menor relevacircncia A leitura em duas questotildees natildeo permitiria nenhuma conexatildeo com esses aspectos anteriores (ii) aleacutem do mais ela natildeo teria relaccedilatildeo com a passagem anterior acerca da divisatildeo embora Soacutecrates trate dos problemas decorrentes da pratica da divisatildeo (15a6-7) Deste modo como propotildee a interpretaccedilatildeo em duas questotildees esta passagem seria uma digressatildeo que natildeo se integraria efetivamente agrave progressatildeo argumentativa do diaacutelogo (2006 p 57-58) 162 Dixsaut (2001) prefere traduzir δμ ὂὁὄΝldquoὃuaiὅrdquoέΝἥἷguὀἶὁΝaΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὀἷὀhumΝἶiὠlὁgὁΝatὧΝἷὀtatildeὁΝteria feito tal equivalecircncia pois se trata de saber aqui (15b1) quais unidades julgamos ser necessaacuterio atὄiἴuiὄΝ umaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaέΝ ἓlaΝ tamἴὧmΝ ἵὁὀὅἷὄvaΝ ὁΝ tἷὄmὁΝ ldquo ηπμrdquoΝ (ἵὁὀtuἶὁΝ aὂἷὅaὄΝ ἶἷΝ ὀὁΝentanto) (15b4) dos manuscritos muitas vezes corrigidos pelos tradutores por ζπμ (inteiro perfeito ἵὁmὂlἷtὁΝgἷὄalmἷὀtἷ)Ν ἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)έΝεuὀiὐΝ tὄaἶuὐμΝ ldquo(έέέ)ΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὅuὂὁὄΝὅἷΝ taiὅΝ
114 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
uma verdadeira existecircncia Soacutecrates jaacute natildeo hesita mais sobre esse ponto (Cf Prm130b7-c6)
No Filebo natildeo se passa de outro modo A mesma questatildeo volta a ser colocada Devemos
conceder uma existecircncia verdadeira uniforme impereciacutevel engendrada isto eacute
necessariamente admitir uma forma uacutenica (hecircnada) para o Belo o Bem mas por que Homem
e Boi
Para isso talvez seja necessaacuterio recorrer agraves explicaccedilotildees de Muniz amp Rudebusch (2007
p 133) acerca da forma como ele busca clarificar as trecircs controveacutersias A fim de responder a
primeira delas primeiramente ele divide a partir da distinccedilatildeo de Soacutecrates os dois modos de
lidar com o problema do um e do muacuteltiploΝaὃuἷlἷΝldquoὂuἷὄilrdquoΝὃuἷΝεuὀiὐΝamp Rudebusch (2007)
ἶἷὀὁmiὀamΝldquovulgaὄrdquoΝἷΝὃuἷΝἵauὅaΝumaΝὅὧὄiἷΝἶἷΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὡΝἶialὧtiἵaΝaὁΝliἶaὄΝἵὁmΝὁὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝ
particulares aquele um que eacute todos os membros e todas as partes (vaacuterios prazeres e que se
ἶἷὀὁmiὀamΝἵὁmὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquo)Νpertencente ao domiacutenio das coisas em devir e um outro que ele
ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoέ
Os casos natildeo-vulgares ou aristocraacuteticos do um satildeo aqueles que possuem relaccedilatildeo com
o Belo o Bom e como bem notado por Muniz amp Rudebusch (2007) o um homem o um boi
que nem vecircm a ser nem deixam de ser (15a4-6) Eacute por essas hecircnadas que Soacutecrates
ἶἷmὁὀὅtὄaΝtamaὀhὁΝὐἷlὁΝ(ldquoπ λ κτ πθ θ θΪ πθ εα θ κδκτ πθ πκζζ πκυ 15a5-
ἄ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅἷΝ ὄἷfἷὄἷΝ aΝ ἷlaὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoἷὅὅaὅΝ hecircὀaἶaὅrdquoέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἷὅὅaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ parece
consoante com o que foi dito sobre o Prazer a Cor e a Figura Em nenhum momento estas
uacuteltimas satildeo postas em questatildeo por isso segundo o teoacuterico ainda natildeo haacute controveacutersia ela soacute
existiraacute agrave medida em que se propotildee a divisatildeo (p 133-134) Nos casos aristocraacuteticos a divisatildeo
se torna controveacutersia mas nos casos vulgares natildeo Vale lembrar tambeacutem que o zelo em
relaccedilatildeo agraves Formas nos outros diaacutelogos (Repuacuteblica Banquete) quanto agrave sua existecircncia
contrapotildee-se agrave ignoracircncia vulgar dos natildeo-filoacutesofos que natildeo reconhecem a existecircncia das
unidades ὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷmΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἃἴ1-2) (2012 p 36) Delcomminette (2006 p 60) por exemplo discorda da traduccedilatildeo de DixsautΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥἷguὀἶὁΝἒixὅautΝ(ἀίί1)Ν δμΝἷὃuivalἷὄiaΝaὃuiΝὂaὄaΝὁΝlatimΝsi quis et tὄaἶuὐiἶὁΝὂὁὄΝlsquoὃualrsquoέΝἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὅἷὄiaΝὂὁὄtaὀtὁΝὅaἴἷὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝjulgaὄiacuteamὁὅΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝconceder uma existecircncia verdadeira Eacute por isso que ela propotildee a seguinte traduccedilatildeo desse primeiro ὂὄὁἴlἷmaμΝ lsquoἷmΝὂὄimἷiὄὁΝ lugaὄΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝ[mὲὀaἶaὅ]ΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrsquoΝ ὁΝ ὃuἷΝ aὂὁὀtaὄiaΝ ὂaὄaΝ ὁΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶaΝ lsquoἷxtἷὀὅatildeὁΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ἶaὅΝ IἶἷiaὅrsquoΝ mἷὀἵiὁὀaἶὁΝ ὀὁΝParmecircnides 130b8-e4 Se eacute verdade que essa leitura eacute possiacutevel ( δμ equivale perfeitamente a έμ cf Kuumlhner et Gerth (1904) pp 573ndash574) ela natildeo eacute necessaacuteria e nos parece ainda mais difiacutecil de conciliar com a repeticcedilatildeo θαδ ζβγ μ κ αμ κ (M Dixsaut traduziu com efeito como se o texto portasse simplesmente ζβγ μ θαδ)έΝ ἏἶἷmaiὅΝ aΝ tὄaἶuὦatildeὁΝ ἷxataΝ ἵὁmΝ ἷὅὅaΝ ἵὁὀὅtὄuὦatildeὁΝ ὅἷὄiaμΝ lsquoὧΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝὄἷalmἷὀtἷΝὅatildeὁΝὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷὀtἷὅrsquoΝὁΝὃuἷΝὂἷὄmitiὄiaΝἷὀtἷὀἶἷὄΝque outras unidades desse tipo (portanto outras unidades inteligiacuteveis) natildeo seriam realmente existentes ndash ἷmἴὁὄaΝaiὀἶaΝἷxiὅtamΝἶἷΝἵἷὄtὁΝmὁἶὁςrdquoΝἥἷjaΝἵὁmὁΝfὁὄΝvἷὄἷmὁὅΝmaiὅΝtaὄἶἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝὂἷὀὅamὁὅΝὃuἷΝ δθαμΝaὂἷὀaὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝcertas Ideacuteias Muniz (2012) tὄaἶuὐΝἵὁmὁΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝldquoὧΝὂὄἷἵiὅὁΝsupor se tais unidades ἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrdquoέΝἑὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὰΝhὠΝumΝἶἷὅaἵὁὄἶὁΝὃuaὀtὁΝὡΝ tὄaἶuὦatildeὁΝmas como diz o proacuteprio Delcomminette (2006) que mais adiante em seu comentaacuterio agrave primeira controveacutersia eacute possiacutevel notar que se trata de apenas algumas ideias
115 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
mesmas (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 134) O zelo se ausenta no Filebo Antes o termo
utilizado para tratar das divisotildees foi δ ζ θ (14e1) agora o termo utilizado eacute δαδλΫ πμ isto
eacute trata-se de dividir pelo discurso essas hecircnadas e natildeo operar uma divisatildeo especializada
entre gecircneros e espeacutecies pois naquele caso (vulgar) (14e) nem Protarco nem Homem satildeo
gecircneros Logo podemos afirmar como Muniz amp RudebuschΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν ὀatildeὁΝ ὧΝ ὁΝ
estabelecimento de hecircnadas que produz a controveacutersia mas antes a tentativa de dividi-laὅrdquoΝ
(2007 p 34)
ἏΝ ἶiviὅatildeὁΝ vulgaὄΝ ὂὄὁἶuὐiaΝ ὄἷὅultaἶὁὅΝ ἵὁmὁΝ aὃuἷlἷὅΝ ldquoἢὄὁtaὄἵὁΝ ὧΝ umΝ ἷΝ mήltiὂlὁὅΝ
ἢὄὁtaὄἵὁὅrdquoΝaltὁΝἴaixὁΝἷtἵΝ(1ἂἵ11-1ἁ)έΝἏὂἷὅaὄΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquohecircὀaἶardquoΝὅὰΝaὂaὄἷἵἷὄΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝ
em 15a6 esse tipo de divisatildeo jaacute tinha sido preacute-anunciada pelo proacuteprio Soacutecrates em 14d1-4
ao dividir Homem em Homem Temperante e Homem Intemperante Homem Tolo e Homem
Saacutebio como tambeacutem ao se dividir Prazer em Prazer Moderado e Prazer Imoderado Prazer
Saacutebio e Prazer Tolo dentre outros Por isso eacute que surgiu a controveacutersia ( ηφδ ίά β δμ 15a7)
o prazer embora sendo uacutenico assume diversas formas diferentes umas das outras e ateacute
contraacuterias fato que pode ser ilustrado pelo exemplo das cores e das figuras (formas
geomeacutetricas163) (12c-13d)
Outro fato notaacutevel como nos alegam Muniz amp Rudebusch eacute que a controveacutersia soacute
ὅuὄgἷΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ litἷὄalmἷὀtἷΝ ὃuaὀἶὁΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὅἷΝ ὄἷἵuὅaΝ ὡΝ ἶiviὅatildeὁΝ
requerida por Soacutecrates dos prazeres em bons e maus prazeres (13b6-ἵἀ)μΝldquoἷmἴὁὄaΝἥὰἵὄatἷὅΝ
natildeo descreva deste modo o impasse entendemos que o zelo com que ambos comeccedilaram
tἷὀhaΝὀἷὅtἷΝὂὁὀtὁΝὅἷΝtὁὄὀaἶὁΝlsquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiarsquordquoΝ( ηφδ ίά β δμ 15a7) (2007 p 135) O artifiacutecio
ὅὁἵὄὠtiἵὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ὧΝ ἵὁlὁἵaὄΝ ἷmΝ ldquoaὂaὄἷὀtἷrdquoΝ ὂὧΝ ἶἷΝ igualἶaἶἷΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷΝ
conhecimentos ao que Protarco assente salientando um acordo comum Mas vejamos ainda
natildeo se contrapotildeem unidade e multiplicidade explicitamente apenas satildeo ressaltadas
pluralidades anaacutelogas Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)ΝἶἷὅtaἵamΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝldquoaἶiἵiὁὀalmἷὀtἷrdquoΝ
( δ η ζζκθ) em 14c1 na exortaccedilatildeo socraacutetica logo no iniacutecio da discussatildeo sobre o problema do
um e do muacuteltiplo isto eacute sobre a necessidade de se estabelecer que tipo de princiacutepio um deve
ser levado em conta ao dizer que tanto prazeres quanto conhecimentos satildeo um e muacuteltiplos
(p 136) Logo uma hecircnada Homem eacute muitos Homens Homem Saacutebio e Homem Tolo Homem
Tolo Homem Moderado e Homem Imoderado e assim por diante (12c8-d4) o mesmo se
aplica agrave Cor e agraves Figuras Mas como dizem Muniz amp RudebuschΝ ldquoalὧmΝἶiὅὅὁΝὧΝἶe suma
relevacircncia para o Filebo ἵὁmὁΝumΝtὁἶὁΝὅatildeὁΝἷviἶἷὀtἷmἷὀtἷΝaὅΝhecircὀaἶaὅΝἢὄaὐἷὄΝἷΝἥaἴἷἶὁὄiardquoΝ
(2007 p 136)
Diante do que foi dito anteriormente eacute possiacutevel compreender o sentido da primeira
controveacutersia e porque ela natildeo nos gera tantos problemas Perante agrave indagaccedilatildeo de Protarco a
163 Cf Men 74d-e
116 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Soacutecrates sobre a que tipo de um ele se refere expressa pela pergunta π μ (Como) (15b1)
Soacutecrates responde que devemos supor se tais mocircnadas existem verdadeiramente (15b1-2)
Vale ressaltar que aqui natildeo se trata de um reconhecimento acerca das ideias serem ou natildeo
unidades as ideias satildeo unidades porque elas satildeo colocadas como tais satildeo postuladas
ἷὀὃuaὀtὁΝ uὀiἶaἶἷὅΝ ἷmΝ ὅiέΝ Ν ἏΝ ὂἷὄguὀtaΝ ὀἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ tamἴὧmΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ aὃuἷlaμΝ ldquoaὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ
ἷxiὅtἷmςrdquoΝἡuΝὅἷjaΝὅὁἴὄἷΝὁΝἷὅtatutὁΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝἶἷὅtaὅΝmaὅΝldquoἷὅtamὁὅΝἵὁὄὄἷtὁὅΝἷmΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝ
taiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷςrdquoΝἏlgὁΝtamἴὧmΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝὁἴjἷtὁΝἶἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὧΝὁΝuὅὁΝ
num primeiro momento do termo hecircnadas (15a6) e o uso do termo mocircnadas logo em seguida
a ponto de supormos que se tratam de coisas completamente iguais
Nesse sentido eacute preciso recorrer novamente ao contexto da discussatildeo para fazer uma
devida distinccedilatildeo entre essas hecircnadas Homem Boi Prazer Sabedoria e as mocircnadas que natildeo
satildeo termos intercambiaacuteveis Primeiramente porque Soacutecrates jaacute teria explicado essa distinccedilatildeo
(12c7-8) ao dizer que o prazer soa aos ouvidos como uma coisa uacutenica ( θ δ) mas que por
outro lado ele assume diversas formas (ηκλφ μ) dessemelhantes umas das outras como
tambeacutem ao dizer que pelo gecircnero (ΰΫθ δ) todas essas coisas (prazer cor figura) satildeo um todo
mas que pelas partes (ηΫλβ) satildeo contraacuterias umas agraves outras e apresentam incontaacuteveis
diferenccedilas (12e7-9) Outra questatildeo importante eacute que o uso dessa palavra (hecircnada) ocorre
somente uma vez no Filebo em 15a6 ao contraacuterio de mocircnada Assim tudo parece indicar
que a diferenciaccedilatildeo natildeo eacute circunstancial ela possui um sentido na passagem Podemos crer
ἵὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝεuὀiὐΝ(ἀίίἅΝὂέΝ1ἁἅ)ΝὃuἷΝldquoὀatildeὁΝhὠΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtivἷὅὅἷΝἵuὀhaἶὁΝumaΝ
nova palavra hecircnada se pretendia utilizaacute-la de forma intercambiaacutevel com a palavra jaacute
estabelecida mocircnada164 Portanto como bem explicam Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)Ν ldquo(έέέ)ΝaΝ
ὂalavὄaΝlsquohecircὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὁΝum de uma unidadeΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝὂalavὄaΝlsquomὲὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὂὁὄΝὅuaΝ
vez a separaccedilatildeo () de uma unidade com relaccedilatildeo a outras unidades ndash assim o modo como
interpretamos este significado o resultado de uma divisatildeordquoΝ(ὂέΝ1ἁἅ)έΝValἷΝlἷmἴὄaὄΝtamἴὧmΝὃuἷΝ
as hecircnadas (Prazer e Sabedoria) nunca satildeo postas em discussatildeo por nenhum dos
interlocutores logo a η δαδλΫ πμ de 15a7 natildeo diz respeito agraves hecircnadas divididas como
evidencia Munizamp Rudebusch mas ao resultado dessa divisatildeo (mocircnadas) (2007 p 138)
Se pela divisatildeo da hecircnada Homem em Homem Imoderado e Homem Moderado e
assim por diante o ldquoὐἷlὁΝ aὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ tὁὄὀa-se controveacutersia devemos supor se essas
mocircnadas (Homem Imoderado Homem Moderado etc) realmente existem Deste modo a
164 εuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷxὂliἵamΝἷmΝumaΝὀὁtaΝἶὁΝaὄtigὁΝ(ὀέΝἀλ)ΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝaὂaὄἷἵἷΝpela primeira vez no grego que sobreviveu ateacute em noacutes em 15a6 (embora seja encontrada em testimonia de Pitaacutegoras Zenatildeo e Xenoacutecrates) Os autores ainda nos chamam atenccedilatildeo ao dizerem que a ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝ ὅuὂὄaἵitaἶaΝ ἶὁΝ tἷὄmὁΝ ὧΝ aΝ ήὀiἵaΝ ἷmΝ ἢlatatildeὁΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶἷΝ ldquomὲὀaἶardquoΝ ὃuἷΝ ὂὁἶἷΝ ὅἷὄΝencontrada em outros textos do autor e tambeacutem em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepedes (p 137) Na sua tὄaἶuὦatildeὁΝἶὁΝὄἷfἷὄiἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷlἷΝ(εuὀiὐ)ΝἷmΝὁutὄaΝὀὁtaΝ(ὀέΝλ)ΝἶiὐΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝὧΝumΝhὠὂaxΝ(palavra ou expressatildeo de que soacute existe uma uacutenica abonaccedilatildeo nos registros da liacutengua) (2012 p 212)
117 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
controveacutersia parece fazer mais sentido Fica claro entatildeo que natildeo se trata da existecircncia ou
natildeo da hecircnada Prazer mas da realidade das mocircnadas (Prazer Imoderado Prazer Moderado)
Como jaacute dissemos vale lembrar que ainda que Protarco reconheccedila as dessemelhanccedilas e
oposiccedilotildees entre prazeres ele eacute incapaz de reconhecer os intermediaacuterios natildeo importa se o
prazer do intemperante eacute a intemperanccedila e a do moderado eacute a moderaccedilatildeo todos satildeo
ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ldquo(έέέ)Ν κ rsquoΝ λα κθ θ κθ μ δΪφκλκθ (έέέέ)rdquo165 (13c7) Algo tambeacutem que muitas
vezes pode passar desapercebido Soacutecrates tambeacutem natildeo tem como objetivo (em 12c8-d4)
postular a existecircncia de mocircnadas individuais e separadas da hecircnada Prazer como Prazer do
Saacutebio e do Tolo lembre-se que ele atesta a complexidade (πκδεέζκθ 12c4) caracteriacutestica do
ὂὄaὐἷὄΝὁΝὃuἷΝjuὅtifiἵaὄiaΝὅἷuΝldquomἷἶὁrdquoΝ( Ϋκμ) ἷΝΝldquotἷmὁὄrdquoΝ(φσίκθ)166 ndash que ultrapassa o limite do
humano ndash maὀifἷὅtὁΝἷmΝ1ἀἵ1ΝaὁΝtὄataὄΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝ
(Prazer) isto porque o intemperante o saacutebio o moderado todos eles se referem ao Prazer
de acordo com sua proacutepria compreensatildeo ou seja afiὄmamΝὃuἷΝὁΝὅἷuΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝὁΝ
divinizam da forma como lhes aprouver
Dito isso fica mais faacutecil compreender do que se trata a primeira controveacutersia trata-se
de analisar se essas mocircnadas realmente possuem existecircncia (Prazer Imoderado Prazer
Moderado) natildeo a hecircnada Prazer em si se dividindo mas aquilo que lhe eacute adicionado isto eacute
as mocircnadas individuais e distintas resultantes dessa divisatildeo tais como Prazer Imoderado e
Prazer Moderado sobre as quais Protarco teria manifestado sua profunda descrenccedila (13c5)
ἏΝὅἷguὀἶaΝὃuἷὅtatildeὁΝ(ἵὁὀtὄὁvὧὄὅia)ΝὅἷguἷΝἶiὐἷὀἶὁΝὁΝὅἷguiὀtἷμΝldquoἵὁmὁΝἷὅὅaὅΝἵaἶaΝumaΝ
delas sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem ao vir a ser nem ao deixar de ser satildeo
ὅἷguὄamἷὀtἷΝ ἷὅὅaΝ umardquoΝ ( α π μ α ατ αμ ηέαθ εα βθ κ αθ θ υ θ εα ηά
ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ θ)rdquoΝ (1ἃἴἀ-4) Eacute
necessaacuterio identificar corretamente a que se refere lsquoessasrsquo ( ατ αμ) no plural e aquilo que lhe
eacute contrastante no singular (ηέαθ ατ θ) de tal modo que se possa relacionar o conteuacutedo desta
165 ldquo(έέέ)ΝὀatildeὁΝhὠΝὀἷὀhumaΝἶifἷὄἷὀὦaΝἷὀtὄἷΝumΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὁutὄὁΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἁἵἅ)έ 166 ἒἷvἷmὁὅΝ ἵὁὀἵὁὄἶaὄΝ ἵὁmΝ ἦὁὄὄἷὅΝ εὁὄalἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ὀὁὅΝ ἷxὂliἵaΝ ὃuἷμΝ ldquoὂaὄἷἵἷΝ ὃuἷΝ ἷxiὅtἷΝ umaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝlsquoφσίκμrsquoΝἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὃuἷΝtὄaἶuὐimὁὅΝὂaὄaΝὁΝlsquotἷmὁὄrsquoΝἷΝlsquomἷἶὁrsquoΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷέΝἡΝtἷὄmὁΝlsquo ΫκμrsquoΝὂaὄἷἵἷΝἶἷὅigὀaὄΝmἷἶὁΝὁuΝmἷἶὁΝἷmΝtἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝἷὀὃuaὀtὁΝlsquoφσίκμrsquoΝὅἷὄiaΝumaΝἵὁὀἵὄἷὦatildeὁΝὁuΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁέΝἧmaΝἶaὅΝἷtimὁlὁgiaὅΝἶἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὄἷfἷὄἷ-ὅἷΝaΝlsquo Ϋδ κ-rsquoΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝἶiὅjuὀὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἵamiὀhὁὅΝἷΝἷὅtὠΝviὀἵulaἶaΝ (έέέ)Ν ἵὁmΝaΝὂalavὄaΝ lsquoἶilἷmarsquoέΝEacuteΝὁΝἵaὅὁΝἶἷΝὃuἷὅtiὁὀaὄΝὃualΝὧΝὁΝὅignificado do medo ὅὁἵὄὠtiἵὁΝὃuἷΝlsquoὅuὂἷὄarsquoΝ(umΝtἷὄmὁΝὃuἷΝὅἷΝtὄaἶuὐΝἵὁmὁΝlsquoπΫλαrsquoΝὁΝὃuἷΝὀὁὅΝlἷmἴὄaΝἶἷΝlsquoπΫλαμrsquoΝ(limitἷ)ΝἷΝsignifica de fato estar aleacutem do limite) o humano Se considerarmos todo o argumento socraacutetico veremos como o medo de Soacutecrates pode ser entendido como superior ao medo humano porque enquanto os homens temem a divindade como algo sobre-humano e eterno Soacutecrates por sua vez tem medo da divinizaccedilatildeo do prazer porquanto conhece sua natureza e sabe que ele eacute algo instaacutevel em mudanccedila e como mostraraacute todo o argumento do diaacutelogo ilimitado Como veremos o exerciacutecio argumentativo socraacutetico tem uma clara intenccedilatildeo desmistificadora da figura do prazer da divindade que eacute o fundo do discurso de Filebo e em outro sentido de Protarco Sua estrateacutegia consistiraacute em colocar ὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὅἷuΝlugaὄΝἵὁὄὄἷὅὂὁὀἶἷὀtἷΝἷmΝtuἶὁΝἷΝὀaΝviἶaΝhumaὀardquoΝ(ἀί1ἀΝὂέΝἀ1ἁ)έ
118 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
controveacutersia com a primeira e a terceira De que forma essa exposiccedilatildeo metafiacutesica pode ser
relacionada com a passagem anterior sobre a hecircnadas Prazer e Sabedoria e
consequentemente com o resultado de suas divisotildees (mocircnadas)
Diante do que foi dito acerca da primeira controveacutersia podemos afirmar que ατ αμ
no plural refere-se a tais mocircnadas (15b1) Homem Imoderado Homem Intemperante Prazer
Saacutebio dentre outras Jaacute ηέαθ ατ θ diz respeito a essas hecircnadas (15a6) como Homem
Prazer deste modo acatamos o resumo feito por Munizamp Rudebusch (2007) dessa segunda
controveacutersia
Como essas mocircnadas (por exemplo Homem Moderado e Imoderado) ndash cada uma sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem a vir a ser nem a deixar de ser (por exemplo a mocircnada Homem Imoderado eacute sempre Homem Imoderado e nunca se torna Homem Moderado nem deixa de ser Homem Imoderado) ndash satildeo entretanto de forma soacutelida essa hecircnada (por exemplo Homem) (p 139)
Se retomamos o que foi dito acerca da primeira controveacutersia tal resumo faz todo o
sentido Anteriormente Protarco rejeitou a existecircncia de tais mocircnadas separadas e diversas
mas aqui elas fazem todo o sentido Sentido este que Soacutecrates implicitamente jaacute havia se
referido e que jaacute dava sinais com sua alusatildeo agrave tese surpreendente (γαυηα θ 14c7-8) com
relaccedilatildeo ao um e aos muitos agora melhor configurada isto eacute na possibilidade de admitirmos
a existecircncia de tais mocircnadas aleacutem da existecircncia das mocircnadas Logo o que torna objeto de
controveacutersia satildeo essas mocircnadas que natildeo estatildeo sujeitas ao vir a ser e ao deixar de ser como
ἶiὄatildeὁΝεuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷὅὅaΝὧΝaΝvἷὄὅatildeὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵardquoΝ(ώὁmἷmΝἑὁὄΝἔiguὄa)ΝἶὁΝumΝ
e natildeo a vulgar de Protarco (vaacuterios Protarcos alto baixo etc) (p 140) Pois natildeo haacute nada de
espantoso que o vir a ser e o deixar de ser sejam instaacuteveis dito de outro modo o
conhecimento se torna impossiacutevel deste modo Mas o espanto se daacute em relaccedilatildeo agrave mocircnada
estaacutevel igual imutaacutevel objeto apropriado de conhecimento como ela pode ser entretanto
uma hecircnada e secirc-laΝἶἷὅtaΝ fὁὄmaΝldquoὅὰliἶardquoΝ (ί ίαδσ α α) (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p
140)167
167 ἒixὅautΝ ὂaὄἷἵἷΝ iὄΝ ὀaΝ mἷὅmaΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ ὃuaὀἶὁΝ ὂὄὁὂὴἷμΝ ldquoἵaἶaΝ umaΝ ἶaὅΝ mὲὀaἶaὅΝ ἵujaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝverdadeira eacute postulada vecirc-se atribuir o mesmo modo de existecircncia cada uma eacute uacutenica sempre o mesmo que ela proacutepria natildeo-gerada e incorruptiacutevel Unidade Identidade eternidade e imutabilidade satildeo caracteriacutesticas que apresentam toda existecircncia verdadeira (a de qualquer mocircnada de qualquer Forma que seja) Mas mesmo se todas as mocircnadas (que aceitemos postular) existem da mesma maneira eacute necessaacuterio considerar como cada uma delas pode ser mais firmemente essa mocircnada uacutenica isso significa essa unidade singular que ela eacute (o que justifica a presenccedila e o lugar de ατ βθ) A identidade de cada uma com ela mesma natildeo leva a sua identidade com todas as outras ndash como seria esse o caso ὅἷΝfὁὅὅἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝaὄitmὧtiἵaμΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝaὄitmὧtiἵaΝvulgaὄΝaἶiἵiὁὀaΝaὅΝldquomὲὀaἶaὅΝἶἷὅiguaiὅrdquoΝἵὁmὁΝdois exeacutercitos ou dois bois a aritmeacutetica filosoacuteficaΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝaΝὁὂἷὄaὄΝ ldquoὅἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁὅtulaὄΝὃuἷΝἵaἶaΝmocircnada natildeo difere de cada uma das inumeraacuteveis mocircnadas e que nenhuma delas difere uma da outra (56e2-3) A aritmeacutetica filosoacutefica suprime as diferenccedilas sensiacuteveis mas a dialeacutetica deve postular as
119 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
A terceira questatildeo (controveacutersia) postulada tambeacutem natildeo eacute explicitamente mais
resolvida do que as duas primeiras a relaccedilatildeo entre essas mocircnadas ἵὁmΝldquoΝ(έέέ) as coisas que
vecircm a ser e satildeo ilimitadas se ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo
separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa
uma vindo a ser simultaneamente no um ἷΝ ὀὁΝ mήltiὂlὁrdquoΝ (ldquoΝ (έέέ) η κ rsquo168 θ κῖμ
ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ
α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ
ΰέΰθ γαδ ()) (15b4-8) Vejamos haacute duas possibilidades na fala de Soacutecrates estando
presente nas coisas muacuteltiplas a unidade se dispersa torna-se divisiacutevel indefinidamente em
muitas partes ou se unidade permanece a mesma e estaacute ao mesmo tempo presente em
uma multiplicidade se encontra separada de si mesma dividida de acordo com a
transcendecircncia e a imanecircncia169
Conforme nos aponta Dixsaut (2001) temos aqui algo que deve ser lido como um eco
das questotildees levantadas a Soacutecrates por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo (Parm 131b1-2170
131c5-7171) diante de tal constataccedilatildeo ela nos diz que
Se Platatildeo retoma a propoacutesito das mocircnadas a criacutetica que Parmecircnides endereccedilaria agraves Formas podemos presentemente concluir que existem dois ὀὁmἷὅΝὂaὄaΝumaΝmἷὅmaΝἵὁiὅaέΝἠὁmἷaὄΝldquomὲὀaἶaὅrdquoΝaὅΝἔὁὄmaὅΝὂἷὄmitἷΝὀὁΝentanto insistir sobre uma das dificuldades que apresenta sua posiccedilatildeo ndash sobre a primeira aporia da participaccedilatildeo desenvolvida por Parmecircnides a despeito das outras (DIXSAUT 2001 p 296)
Poderiacuteamos pensar que Dixsaut ao dizer que existem dois nomes para uma mesma
coisa esteja tomando as mocircnadas como hecircnadas Creio que natildeo se trata disso No fundo ela
ἶiὐΝ ὃuἷΝ taiὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ (mὲὀaἶaὅ)Ν ἷὀὃuaὀtὁΝ ὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝ ldquouὀiἶaἶἷὅrdquoΝ ὅἷΝ aὅὅἷmἷlhamΝ ὡὅΝ
hecircnadas e neste caso do diaacutelogo elas recebem um outro nome mocircnadas Mas de acordo
com o que eacute expresso no Parmecircnides eacute possiacutevel reconhecer que haacute certa semelhanccedila ou
diferenccedilas inteligiacuteveis entre as mocircnadas Para compreender isso tenho que supor um εα βθ subentendido afixado a ατ αμ eacute por isso que avanccedilo nessa hipoacutetese com certa incerteza (2001 p 294-295) 168 Para os defensores da leitura em duas controveacutersias essa seria a terceira controveacutersia e todo o restante anterior faria parte da primeira controveacutersia 169 Cf DIXSAUT 2001 p 295 170 ldquoἓὀtatildeὁΝὅἷὀἶὁΝuma e a mesma estaraacute inteira simultaneamente em coisas que satildeo muacuteltiplas e separadas e assim ela estaria separada de si mἷὅmardquoΝ(ldquo θ λα θ εα α θ θ πκζζκῖμ εα ξπλ μ κ δθ ζκθ ηα θΫ αδ εα κ πμ α α κ ξπλ μ π βrdquo)Ν(Prm 131b1-2) 171 ldquoἜὁgὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶiὅὅἷΝ ἷlἷΝ ὅatildeὁΝ ἶiviὅiacutevἷiὅΝ aὅΝ fὁὄmaὅΝ mἷὅmaὅΝ ἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝἶἷlaὅΝ ὂaὄtiἵiὂamΝparticipariam de uma de suas partes e natildeo eacute mais o todo que estaria em cada uma das coisas mas ὅimΝumaΝὂaὄtἷΝἵaἴἷὄiaΝaΝἵaἶaΝἵὁiὅardquoΝ(ldquoΜ λδ λα φΪθαδ υελα μ έθ α α β εα η Ϋξκθ α α θ ηΫλκυμ θ η Ϋξκδ εα κ εΫ δ θ εΪ ζκθ ζζ ηΫλκμ εΪ κυ θ θrdquo)Ν (Prm 135c6-7)
120 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
mesmo identidade entre as aporias levantadas por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo em
relaccedilatildeo agraves Formas e essas postuladas nas controveacutersias do proacuteprio Soacutecrates Mais adiante
Dixsaut (2001 p 296) demonstra estar ciente de que Soacutecrates no Filebo insistiria nessas
aporias levantadas pelo Parmecircnides soacute que com uma diferenccedila ele natildeo para diante dessas
aporias agora mas insiste em postular a real existecircncia (uma e muacuteltipla) dessas mocircnadas
ldquoὅatildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash
que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas
quando se chega tem-ὅἷΝumΝἵamiὀhὁΝὅἷmΝὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoΝ(1ἃἴἄ-c3) Como bem notou a autora
francesa as dificuldades impostas por Parmecircnides natildeo satildeo insuperaacuteveis natildeo eacute necessaacuterio
que Platatildeo abandone as Formas e o modo de existecircncia que ele sempre as atribui pois nos
lembra a autora como no final do Parmecircnides (135b9c-2) se natildeo admitimos uma Forma ( Ϋα)
a cada um dos seres agravequilo que eacute sempre o mesmo eacute a potecircncia dialeacutetica ( κ δαζΫΰ γαδ
τθαηδθ)ΝὃuἷΝὅἷΝἷὅvaiμΝldquoa forma constitui a possibilidade da dialeacutetica mas eacute o exerciacutecio da
potecircncia dialeacutetica que confirma a existecircncia das Formas Sua potecircncia consiste sempre em
saber aquilo que eacute ( δ δθ)ΝἵaἶaΝὅἷὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝ297)
Certamente tudo o que foi dito diz respeito a uma claacutessica e intricada discussatildeo acerca
da questatildeo da participaccedilatildeo dos seres nas Formas volta a ser retomada no Filebo depois das
inuacutemeras aporias que ela suscitou no Parmecircnides Obviamente a questatildeo exige esforccedilo dos
inteacuterpretes e ainda estaacute longe de ser totalmente resolvida Ambos os inteacuterpretes aqui utilizados
natildeo datildeo como resolvidos esses claacutessicos problemas mas propotildeem no contexto do diaacutelogo
sem recorrer a acreacutescimos que natildeo estariam contidos na proacutepria obra172 Utilizo-os tambeacutem
172 Muniz e Rudebusch (2007) ainda demonstram uma seacuterie de leituras contrapostas a de ambos os autores em relaccedilatildeo agrave segunda controveacutersia tentando evidenciar seus supostos equiacutevocos na compreensatildeo da passagem tanto aqueles que adotam emendas clarividecircncia do texto ou mesmo uma revisatildeo gramatical distinta do grego antigo sob a qual o texto original platocircnico fora escrito Destarte ainda demonstram as deficiecircncias das leituras contemporacircneas como a de Migliori (1993) (tida como pleonaacutestica ao identificar um pleonasmo dentro da proacutepria braquilogia A leitura de Meinwald (1996) tambeacutem eacute citada no caso de clarividecircncia a partir de outros diaacutelogos E por fim a de ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝὃuἷΝafiὄmaΝὃuἷΝldquoἷὅὅaὅrdquoΝἷΝldquoἷὅὅardquoΝiὀἶiἵaἶὁὅΝὂἷlaΝὅἷguὀἶaΝἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaΝ(1ἃἴἀ-3) referem-se a espeacutecies de um mesmo gecircnero isto eacute ele interpreta a questatildeo como uma relaccedilatildeo parte-todo entre as partes do ζσΰκμ ἷΝὁΝtὁἶὁΝὃuἷΝἷlaὅΝἵὁὀὅtituἷmέΝldquoἢaὄaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝὁΝlogos eacute a definiccedilatildeo da espeacutecie de modo que a relaccedilatildeo todo-ὂaὄtἷὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝldquoἵὁὀὅtituiὦatildeὁΝἶaΝἷὅὂὧἵiἷrdquoΝndash ὁuΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝuὀiἶaἶἷΝἶὁΝlogos obtido por divisatildeo ndash ἷΝὀatildeὁΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝἶὁΝgecircὀἷὄὁΝἷmΝvὠὄiaὅΝ ἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝ ἤἧἒἓἐἧἥἑώ)έΝ ἠἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ havἷὄiamΝ ἶὁiὅΝ ὂὄὁἴlἷmaὅΝ ὀaΝ lἷituὄaΝ ἶἷΝDelcommminete (i) ela partilha de requerer clarividecircncia de Protarco mas de acordo com Delcomminette (2006) soacute mais adiante (com a introduccedilatildeo do meacutetodo divino 16c5-17a4) a interpretaccedilatildeo do texto faria sentido e teria sido entendida pelo interlocutor logo sem clarividecircncia Protarco natildeo entenderia a fala de Soacutecrates em 15b seria ininteligiacutevel (ii) elaΝtἷὄiaΝἶἷΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝprovoca as trecircs controveacutersias o que natildeo ocorre mas como afirmam Muniz amp Rudebusch o texto prova ἷxatamἷὀtἷΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatildeὁΝhὠΝmὁἶὁΝmἷlhὁὄrsquoΝ(κ η θ δ εαζζέπθ μ) do que este meacutetodo para evitar as aporiai causadas pelas trecircs controveacutersias fornecendo euporiai (1ἃἵἀ)rdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝRUDEBUSCH 2007 p 132)
121 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
porque creio que possuem o meacuterito de tentar melhor esclarecer essa passagem intrincada do
diaacutelogo e porque tais soluccedilotildees me parecem mais convincentes se analisamos o texto original
Tanto Dixsaut (2001) quanto Muniz amp Rudebusch (2012) podem natildeo ter resolvido esses
problemas gerais nem mesmo a passagem em questatildeo mas certamente possuem certa
importacircncia por as terem tornado mais inteligiacuteveis Esses mesmos autores apresentam suas
ὂὁὅiὦὴἷὅΝἷὀὃuaὀtὁΝldquolἷituὄaὅrdquoΝἒixὅautΝaiὀἶaΝἶἷmὁὀὅtὄaΝὀὁΝὂὄὰὂὄiὁΝtἷxtὁΝaΝiὀὅἷguὄaὀὦaΝἵὁmΝaΝ
qual avanccedila nesta hipoacutetese interpretativa das trecircs controveacutersias (DIXSAUT 2001 p 295)
Voltemos ao diaacutelogo A discussatildeo prossegue e todos os esforccedilos devem agora ser
empregados para se alcanccedilar um caminho sem obstaacuteculos ( πκλέαμ) diante das dificuldades
( πκλέαμ) essa eacute a exigecircncia demonstrada por Protarco (15c4-5) suscitadas pela controveacutersia
( ηφδ ίβ κτη θα) que surgiu no diaacutelogo (15d2) Mas por onde comeccedilar Natildeo seria deste
ponto
Soc Dizemos que pelo discurso ( π ζ ΰπθ) a mesma coisa vindo a ser uma e muacuteltipla ( θ εα πκζζ ) circula sempre em todos os sentidos e em cada coisa dita tanto no passado quanto no presente Isso natildeo comeccedilou agora nem iraacute parar nunca trata-se como me parece de algo imortal que natildeo envelhece inerente ao discurso humano E sempre que um jovem ( θ θΫπθ) o experimenta173 sente tanto prazer ( φrsquoΝ κθ μ θγκυ δ ) como se tivesse descoberto algum tesouro de sabedoria ( μ δθα κφέαμ β λβε μ γβ αυλσθ)
173 ἏὃuiΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὀὁtὠvἷlΝaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquo γΪθα σθΝ δΝεα ΰάλπθΝπΪγκμΝ θΝ ηῖθrdquoΝ(1ἃἶἆ)ΝaΝimὁὄtaliἶaἶἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἴἷmΝἵὁmὁΝὁΝtἷὄmὁΝπΪγκμΝὃuἷΝtaὀtὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷ agrave experiecircncia dos homens com os discursos como a uma caracteriacutestica (afecccedilatildeo) dos proacuteprios discursos O termo eacute traduzido por experiecircncia e seraacute ἶἷΝἷxtὄἷmaΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝὀaΝaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅέΝἓὅὅaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoimὁὄtalrdquoΝἶὁὅΝἶiὅἵuὄὅὁὅΝὄἷtὁmaΝὁΝepiacuteteto homeacuterico (Od 5 153 VII 94 ll 8 539) e tambeacutem o Poliacutetico (273e) ao ser descrita a renovaccedilatildeo perioacutedica do demiurgo do cosmos Note-se aqui que Soacutecrates jaacute deixou claro que esse tipo de problema sobre o um e de muacuteltiplo que deseja tratar podemos dizer tambeacutem que os proacuteprios ζσΰκδ satildeo postos em questatildeo na medida em que pretendem dizer a realidade (criacutetica agrave antiloacutegica Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b) Outro fator importante satildeo os termos utilizados ao se referir agrave atitude experimentada ὂἷlὁὅΝ ldquojὁvἷὀὅrdquoΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ἷὅὅἷὅΝ ἶiὅἵuὄὅὁὅΝ tὁἶὁὅΝ ἷὅtatildeὁΝ ligaἶὁὅΝ aὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ(ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄΝ ὂέΝ ἆἅΝ ὀέΝ ἄἅ)Ν tamἴὧmΝ faὐΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ἵὁὀὅtataὦatildeὁ)Ν Οΰ τπΟΝ (gὁὅtὁΝ 1ἃἶλ)Ν κηαδΟΝ(ἶἷΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄΝ1ἃἶλ)ΝΟΝ η θκμΝΟ(ὄἷjuἴilaΝ1ἃἷἀ)Νldquo γ έμrdquoΝ(ὄἷgὁὐijaΝ1ἃἶλ) κθ μ (15e1) ἢaὄἷἵἷΝaὃuiΝὅἷὄΝjuὅtὁΝἶaὄΝvὁὐΝὡΝἦὁὄὄἷὅΝεὁὄalἷὅΝ(ἀί1ἀ)ΝἵὁὀἵὁὄἶaὀἶὁΝἵὁmΝἷlἷΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝfatὁΝὀatildeὁΝapenas restaura o viacutenculo estreito e muitas vezes despercebido entre prazeres e discursos ou julgamentos mas sim reforccedila a ideia de que Protarco eacute tambeacutem um filoacutelogo que sente prazer em dizer e ouvir discursos o que o impede de ver aleacutem das palavras () Finalmente () achamos interessante acrescentar que novamente a enumeraccedilatildeo socraacutetica natildeo eacute aleatoacuteria mas mostra uma gradaccedilatildeo ou ordem em primeiro lugar a seacuterie jovem e contemporacircnea parece nos enviar claramente para o futuro para o passado e para o presente) o conjunto pai-matildee parece referir-se agrave origem e formaccedilatildeo do mais novo e a seacuterie homens-baacuterbaros parece designar uma gradaccedilatildeo entre homem e animal onde o baacuterbaro seria colocado no meio e ao mesmo tempo se refere ao alcance do interior e exterior da cidade Na vἷὄἶaἶἷΝὁὅΝἴὠὄἴaὄὁὅΝ(laquoίΪλίαλκδraquo)ΝὂaὄἷἵἷmΝἷὅtaὄΝὅἷὂaὄaἶὁὅΝἶὁὅΝhὁmἷὀὅΝἵὁmὁΝlaquoὁutὄὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅraquoΝ(laquo θΝ ζζπθΝα πθraquo) e esta referecircncia refere-se agrave questatildeo poliacutetica da transmissatildeo do conhecimento ou perplexidade fora da proacutepria cidade a perplexidade dos jovens natildeo soacute afeta a cidade mas tambeacutem tem um efeito no exterior O Filebo natildeo desenvolve esta questatildeo mas acreditamos que essa eacute uma ὂὄἷὁἵuὂaὦatildeὁΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁΝἷΝἶaΝἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀἀ1-222 n 37)
122 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
e natildeo soacute fica entusiasmado pelo prazer como se rejubila ( γ έμ) em mover todo e qualquer argumento (πΪθ α εδθ ῖ ζσΰκθ) ora revirando-o e o misturando em um soacute ora desenrolando-o de novo e dividindo-o em partes Em primeiro lugar lanccedila sobretudo a si mesmo na aporia ( μ απκλέαθ) em segundo lanccedila tambeacutem quem quer que esteja perto dele seja mais jovem mais velho ou da mesma idade dele ndash natildeo poupando pai nem matildee nem nenhum outro ouvinte Mas natildeo apenas os ouvintes humanos ndash por pouco natildeo poupa nem os animais ndash e bastaria ter um inteacuterprete para natildeo poupar sequer os baacuterbaros (15d4-16a3)
Diante de uma descriccedilatildeo extremamente cocircmica o que natildeo eacute surpreendente quando
em se tratando de Soacutecrates e da sua criacutetica aos jovens empolgados com o prazer dos
discursos174 e dos usos improacuteprios que por vezes fazem deles A resposta de Protarco eacute uma
investida com certo tom de indignaccedilatildeo ao relembrar a Soacutecrates que aquela discussatildeo eacute uma
discussatildeo entre jovens rodeada por um puacuteblico jovem (16a4) No entanto o desejo de sair
das aporias eacute ainda maior as discussotildees que geram as controveacutersias soacute poderatildeo encontrar
algumaΝὅὁluὦatildeὁΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷΝalgumΝldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ( θ Ϋ δθα εαζζέπθ) do que o anterior
(14b1) Torna-se imprescindiacutevel que Soacutecrates coloque todo o seu ardor juntamente com seus
interlocutores para que Protarco possa acompanhaacute-lo diantἷΝἶἷΝldquoumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὧΝ
ὀaἶaΝὂἷὃuἷὀardquoΝ(κ ΰ λ ηδελ μ παλ θ ζσΰκμ υελα μ) (16b3) A partir daiacute o tom eacute
acalmado pode-ὅἷΝὀὁtaὄΝiὅὅὁΝὂἷlὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝὅἷuὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝldquomἷuὅΝ
jὁvἷὀὅrdquoΝ( παῖ μ) (16b4) utilizando-se do modo como Filebo trata seus amigos De fato essa
questatildeo natildeo eacute pequena isto eacute o meacutetodo confirma Soacutecrates (16b4) natildeo poderia haver
ldquoἵamiὀhὁΝ maiὅΝ ἴἷlὁΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ ἷὅtἷrdquoΝ (ldquoκ η θ δ εαζζέπθ μ κ rsquoΝ θ ΰ θκδ κrdquo) do qual
Soacutecrates insistentemente se declara como amaὀtἷΝ(ldquo- μ ΰ λα μ ηΫθ ηδ έrdquo)175 caminho
que muitas vezes lhe escapou deixando-ὁΝ ἶἷὅὁlaἶὁΝ ἷΝ ἷmΝ aὂὁὄiaΝ (ldquoπκζζΪεδμ Ϋ η β
δαφυΰκ α λβηκθ εα Ϋ β θrdquo) (16b6-7)
Perante a indagaccedilatildeo de Protarco sobre qual caminho seria esse torna-se possiacutevel
estabelecer o ponto que Soacutecrates haacute muito tempo jaacute almejava chegar Sua resposta adverte
a respeito das dificuldades de se utilizar este caminho mostraacute-lo natildeo eacute difiacutecil difiacutecil poreacutem eacute
174 Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b 175 Haacute aqui uma ressonacircncia daquilo que foi dito no Fedro ldquoἓuΝmἷὅmὁΝἔἷἶὄὁΝὅὁuΝamaὀtἷΝἶἷὅὅaὅΝdivisotildees ( δαδλΫ πθ) e reuniotildees ( υθαΰπΰ θ)rdquoΝ (ἀἄἄἴἁ-4) A passagem apresenta certa literalidade com o meacutetodo das divisotildees descrito no Fedro (265e-266b) Podemos tambeacutem aqui nos lembrar tanto do Sofista (253d1-3) onde se afirma que a divisatildeo por gecircneros ( εα ΰΫθβ δαδλ ῖ γαδ)ΝὧΝldquoὁἴὄaΝἶaΝἵiecircὀἵiaΝἶialὧtiἵardquoΝ( μ δαζ ε δε μ πδ άηβμ) como tambeacutem do Poliacutetico advertindo que no uso do meacutetodo dialeacutetico para a definiccedilatildeo do poliacutetico esta natildeo eacute feita em vista deste personagem mas para ldquoὀὁὅΝtὁὄὀaὄmὁὅΝmἷlhὁὄἷὅΝἶialὧtiἵὁὅΝἷmΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἶὁmiacuteὀiὁὅrdquoΝ( κ π λ πΪθ α δαζ ε δεπ Ϋλκμ ΰέΰθ αδ) (285d6-7) A questatildeo sobre o meacutetodo da divisatildeo e suas implicaccedilotildees no contexto do Filebo eacute um dos importantes problemas que ainda dividem os inteacuterpretes Sobre isso falarei mais adiante Para uma anaacutelise mais detalhada cf BRAVO (2007 p 11-37)
123 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
utilizaacute-lὁέΝldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὄἷlativaὅΝὡὅΝ Ϋξθβμ (teacutecnicas) descobertas vieram agrave luz por meio
ἶἷlἷrdquoΝ(1ἄἵ1-2) Segue a descriccedilatildeo do caminho
Soc Eu vejo esse caminho como um presente dos deuses lanccedilado dos deuses de algum lugar junto com um fogo de intenso brilho por algum Prometeu E os mais antigos que eram superiores a noacutes e habitavam mais ὂἷὄtὁΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝtὄaὀὅmitiὄamΝἷὅὅaΝtὄaἶiὦatildeὁμΝldquoaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅἷΝὂὁἶἷΝὅἷmὂὄἷΝdizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas mesmas um limite e uma ilimitaὦatildeὁΝ ldquoiὀatὁὅrdquoέΝ ἥἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ fὁὄamΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝdevemos entatildeo admitir sempre para cada caso apenas uma forma para qualquer uma delas e devemos buscaacute-la e certamente a encontraremos presente Se entatildeo a apreendermos devemos depois de uma examinar duas se houver caso natildeo haja duas devemos examinar trecircs ou qualquer outro nuacutemero Devemos examinar da mesma maneira cada uma delas ateacute que se veja essa unidade original natildeo apenas como uma muacuteltipla e ilimitada mas tambeacutem que se vejam quantos elementos ela tem mas natildeo devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas coisas e abandonar cada uma delas no ilimitado Como disse os deuses ofereceram-nos essa tradiccedilatildeo para examinarmos aprendermos ensinarmos uns aos outros Mas os saacutebios atuais produzem o um e o muacuteltiplo ao acaso mais raacutepido ou mais lento do que deveriam fazer Vatildeo de imediato do um ao ilimitado deixando escapar os intermediaacuterios Mas satildeo esses intermediaacuterios que distinguem a discussatildeo dialeacutetica que travamos uns com os outros de seu contraacuterio a eriacutestica (16c5-17a5) Ω γ θΝη θΝ μΝ θγλυπκυμΝ σ δμΝ μΝΰ Νεα αφαέθ αδΝ ηκέΝπκγ θΝ εΝγ θΝλλέφβΝ δΪΝ δθκμΝ ΠλκηβγΫπμΝ ηαΝ φαθκ Ϊ δθ πυλέμΝ εα κ η θΝ παζαδκέΝ
ελ έ κθ μΝ η θΝεα ΰΰυ ΫλπΝγ θΝκ εκ θ μΝ ατ βθΝφάηβθΝπαλΫ κ αθΝ μΝιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝθΝα κῖμΝ τηφυ κθΝ ξσθ πθέΝ ῖθΝκ θΝ η μΝ κτ πθΝκ πΝ δαε εκ ηβηΫθπθΝ
ηέαθΝ ΫαθΝ π λ παθ μΝ εΪ κ Ν γ ηΫθκυμΝ αβ ῖθmdash λά δθΝ ΰ λΝθκ αθmdash θΝκ θΝη αζΪίπη θΝη ηέαθΝ τκΝ ππμΝ έΝ εκπ ῖθΝ
ηάΝ λ ῖμΝ δθαΝ ζζκθΝ λδγησθΝεα θΝ θΝ ε έθπθΝ εα κθΝπΪζδθΝ ατ πμΝηΫξλδπ λ θΝ εα ᾽ λξ μΝ θΝη δΝ θΝεα πκζζ εα π δλΪΝ δΝησθκθΝ δμΝ ζζ εα πσ αμΝ θΝ κ π έλκυΝ ΫαθΝπλ μΝ πζ γκμΝη πλκ φΫλ δθΝ
πλ θΝ θΝ δμΝ θΝ λδγη θΝα κ πΪθ αΝεα έ θ η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμΝ σ Ν ᾽ βΝ θΝ εα κθΝ θΝπΪθ πθΝ μΝ π δλκθΝη γΫθ αΝξαέλ δθΝ
θέΝ κ η θΝ κ θΝ γ κέΝ π λΝ πκθΝ κ πμΝ ηῖθΝ παλΫ κ αθΝ εκπ ῖθΝ εα ηαθγΪθ δθΝεα δ Ϊ ε δθΝ ζζάζκυμμΝκ θ θΝ θΝ θγλυππθΝ κφκ θΝηΫθΝ
ππμΝ θΝ τξπ δΝεα πκζζ γ κθΝεα ίλα τ λκθΝπκδκ δΝ κ Ϋκθ κμΝη θΝ π δλαΝ γτμΝ ηΫ αΝα κ μΝ εφ τΰ δmdashκ μΝ δαε ξυλδ αδΝ σΝ Ν
δαζ ε δε μΝ πΪζδθΝ εα λδ δε μΝ η μΝ πκδ ῖ γαδΝ πλ μΝ ζζάζκυμΝ κ μΝζσΰκυμΝ(1ἄἶἃ-17a5)
ἢἷlaΝὂaὅὅagἷmΝaἵimaΝfiἵaΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝὃuἷΝldquoὁΝἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ(εαζζέπθ
μ) que Soacutecrates se declara como amante ( λα μ)Ν(1ἄἴἅ)ΝὧΝaΝἶialὧtiἵaέΝldquoἓlἷΝὧΝὁΝmaiὅΝἴἷlὁΝ
caminho natildeo porque seja infaliacutevel mas porque apenas ele permite compreender o que cada
ὅἷὄΝὧΝvἷὄἶaἶἷiὄamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝἀλἆ)έΝἏiὀἶaΝὀὁὅΝὧΝἶitὁΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝ
um ldquoἶὁmΝἶiviὀὁrdquoΝ(1ἄἵἃ)ΝlaὀὦaἶὁΝaΝὀὰὅΝὂὁὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ( δΪΝ δθκμΝΠλκηβγΫπμ)Ν(1ἄἵἄ)Ν
124 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
tὄaὀὅmitiἶὁΝ aΝ ὀὰὅΝ ὂἷlὁὅΝ ἏὀtigὁὅΝ (κ η θΝ παζαδκέ)Ν (1ἄἵἅ)έΝ ἡὅΝ ἵὁmἷὀtaἶὁὄἷὅΝ ἷmΝ gἷὄalΝ ἶὁΝ
diaacutelogo atribuem agrave Pitaacutegoras176 atestando certa evidecircncia de que Pitaacutegoras teria recebido tal
revelaccedilatildeo divina e transmitido a seus disciacutepulos esses antigos aos quais Soacutecrates faria
referecircncia nessa passagem que viviam mais perto dos deuses A hipoacuteteses dos tradutores se
baseia em dois pontos principais (i) Pitaacutegoras seria visto por Platatildeo como uma espeacutecie de
semi-deus que teria transmitido uma revelaccedilatildeo divina a seus seguidores (ii) Platatildeo
reconheceria em Pitaacutegoras um filoacutesofo da natureza177
Carl Huffman (1999) certamente possui o meacuterito de ter contestado ambas as
hipoacuteteses diante de um vasto estudo sobre as relaccedilotildees entre os pitagoacutericos e Platatildeo
especialmente ao analisar esse conteuacutedo em especiacutefico do Filebo Ele nos diz
176 Dois dos mais importantes tradutores do Filebo apostam nessa hipoacutetese Gosling (1975) e Hackforth (1945) 177 Huffman (199) apresenta vaacuterios motivos para descartarmos essas hipoacuteteses Antes poreacutem ele destaca que a interpretaccedilatildeo de que Pitaacutegoras pudesse ser considerado um ser divino por Platatildeo remonta agrave proacutepria antiguidade posterior ao nosso filoacutesofo Na proacutepria Academia surge essa controveacutersia por um lado Espeusipo e os acadecircmicos defendiam que o platonismo seria uma elaboraccedilatildeo dos temas pitagoacutericos E por outro estavam os aristoteacutelicos que faziam uma clara distinccedilatildeo entre Platatildeo e os pitagoacutericos O teoacuterico destaca tambeacutem que muitos como Aristoacuteteles Aristoxeno consideravam Pitaacutegoras como divino mas quanto a Platatildeo muito se supunha (entre acadecircmicos e aristoteacutelicos) se talvez tambeacutem essa natildeo fosse a sua visatildeo sobre Pitaacutegoras No entanto como diz ώuffmaὀμΝldquotἷὄiacuteamὁὅΝἵἷὄtaὅΝἶifiἵulἶaἶἷὅΝἷmΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὂὁἶἷὄiaΝtἷὄΝaἶὁtaἶὁΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝὅἷgundo a qual Pitaacutegoras teria recebido uma revelaccedilatildeo divina a partir da qual ele Platatildeo desenvolveria sua ήltimaΝfilὁὅὁfiardquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἂ)έΝώuffmaὀΝaiὀἶaΝἶἷὅtaἵaΝὃuἷΝἷὅtaΝaὅὅimilaὦatildeὁΝἶἷΝἢitὠgὁὄaὅΝaΝumΝfilὰὅὁfὁΝda natureza eacute extremamente problemaacutetica apoiando-se em Burket e que talvez seria melhor admitir que Platatildeo se apoia nas concepccedilotildees dos pitagoacutericos do seacuteculo V aC que veem na filosofia do ilimitado e do ilimite e que deve ser considerada como um conhecimento particular e por isso atribua a ela uma revelaccedilatildeo divina que talvez remontasse ao proacuteprio Pitaacutegoras De acordo com o teoacuterico Pitaacutegoras eacute uma personagem xamacircnico inventor de uma forma de viver (a Comunidade pitagoacuterica) Ele recorre a passagem da Repuacuteblica (X 600a-b) na qual Pitaacutegoras eacute citado mas mesmo nessa passagem o filoacutesofo antigo natildeo eacute citado como um filoacutesofo da natureza nem como um personagem divino mas como alguὧmΝ ὃuἷΝ ὧΝ vἷὀἷὄaἶὁΝ ὂὁὄΝ tἷὄΝ ἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝ umaΝ fὁὄmaΝ ἶἷΝ vivἷὄΝ ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ὧΝ ἵhamaἶὁΝ ἶἷΝ ldquo ΰ ηυθ παδ έαμrdquoΝἷΝ tἷὄiaΝἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝumΝ Πυγαΰσλ δκμ λσπκμ κ κέΝ ldquoἣuaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝἶiὅἵutἷΝmaiὅΝaἵimaΝnesse mesmo diaacutelogo (R X 530d5) sobre os trabalhos teacutecnicos pitagoacutericos sobre a muacutesica ele se refere aos pitagoacutericos e natildeo ao proacuteprio Pitaacutegoras Por consequecircncia a imagem que noacutes temos de Pitaacutegoras e dos pitagoacutericos na Repuacuteblica estaacute totalmente de acordo com aquela que noacutes encontramos em Aristoacuteteles na qual todas as doutrinas filosoacuteficas envolvendo o limite o ilimitado o nuacutemero e a harmonia satildeo atribuiacutedas aos pitagoacutericos do quinto seacuteculo e na qual o proacuteprio Pitaacutegoras eacute mal citado ou associado a histoacuterias infundadas Mas essa visatildeo de Pitaacutegoras sustentada por Aristoacuteteles e pelo Platatildeo da Repuacuteblica na verdade natildeo concorda com a interpretaccedilatildeo corrente do Filebo que representa Pitaacutegoras como um Prometeu enviando dos deuses a intuiccedilatildeo filosoacutefica central do pitagorismo do quinto seacuteculo (p 15) Para uma anaacutelise ainda mais aprofundada e que segue esta mesma visatildeo torna-se imprescindiacutevel recorrer agrave interpretaccedilatildeo iacutetalo-brasileira do Prof Cornelli em dois textos em que ele discute claramente as passagens do Filebo em paralelo com o pitagorismo do quinto seacuteculo especialmente os fragmentos de Filolau oferecendo-nos uma compreensatildeo renovada dos traccedilos neopitagoacutericos presentes no Filebo distantes poreacutem da visatildeo claacutessica que procura atribuir as questotildees metafiacutesicas desse diaacutelogo a um protopitagorismo (Cf CORNELLI 2010a p 210- 216 2010b p 35-72)
125 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
() nada em Platatildeo nos sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonta a Pitaacutegoras Noacutes podemos estimar por consequecircncia que Platatildeo se refere ao sistema de Filolau sistema que data do quinto seacuteculo sobre o qual Aristoacuteteles ὂaὄἷἵἷΝaΝὅuaΝmaὀἷiὄaΝὅἷΝaὂὁiaὄΝὀἷὅὅaΝὅuaΝἶἷὅἵὄiὦatildeὁΝἶὁΝὂitagὁὄiὅmὁrdquoΝ(1λλλΝp 17)
Antes poreacutem de nos referirmos agraves questotildees do limite e ilimitado fundamentais agrave
nossa discussatildeo voltemos pois aos aspectos externos relativos agrave dialeacutetica tal como ela eacute
descrita Talvez ao inveacutes de ir em busca da personagem histoacuterica que esteja por traacutes desse
Prometeu seja necessaacuterio retomar o sentido miacutetico que essa personagem traz consigo e o
uso que Platatildeo faz dele aqui neste momento do diaacutelogo Primeiramente eacute preciso observar a
expressatildeo utilizada em que haacute um certo tom que tira a proeminecircncia de divindade dado que
ὅἷΝἶiὐΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoέΝἢὄὁmἷteu estaacute ligado intimamente agrave teacutecnica ( Ϋξθβ) sobre ele eacute dito
tἷὄΝὄὁuἴaἶὁΝὁΝldquofὁgὁΝὅagὄaἶὁrdquoΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝἷlἷmἷὀtὁΝfuὀἶamἷὀtalΝὂaὄaΝaΝὂὄὁἶuὦatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝ
teacutecnicas e tecirc-lo doado aos homens No entanto em Platatildeo esse mito adquire uma nova
interpretaccedilatildeo esse fogo natildeo eacute fruto de um roubo mas sim eacute um presente dado aos homens
pelos proacuteprios deuses Prometeu entatildeo seria um desses deuses178
A menccedilatildeo a Prometeu natildeo eacute ineacutedita na obra platocircnica o Filebo natildeo eacute o uacutenico exemplo
basta voltarmos ao Protaacutegoras (321 c7ndash322 a2) onde temos uma visatildeo mais fiel agrave tradiccedilatildeo e
no Poliacutetico (274 c5ndashd2) que contrasta com aquele diaacutelogo podendo como nos diz
Delcomminette (2006) serem explicados ambos em relaccedilatildeo agraves regras estabelecidas na
Repuacuteblica (II 378 e4ndash380 c10) acerca do modo como devem ser regrados os discursos aos
ἶἷuὅἷὅΝ(ὂέΝλἂ)έΝἡὄaΝὀatildeὁΝtἷὄiaΝἥὰἵὄatἷὅΝaὀtἷὅΝἶἷΝἷxὂὁὄΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ
dito em 16c1-ἁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝ ἴἷlὁrdquoΝ (mὧtὁἶὁ)Ν ὅἷὄiaΝ aΝ ὁὄigἷmΝ ἶἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ tὧἵὀiἵaὅΝ
( Ϋξθβμ) que todas vieram agrave luz atraveacutes desse meacutetodo Portanto esse sentido permanece
fiel agrave ressignificaccedilatildeo platocircnica do mito de Prometeu Sobre isso satildeo esclarecedoras as
palavras de Huffman
Platatildeo encontra-se mais preocupado em mostrar que o meacutetodo que ele quer apresentar eacute decisivo para o conjunto das artes e das ciecircncias ( Ϋξθαδ) Ele mesmo faz essa declaraccedilatildeo impressionante todas as descobertas que teriam sido feitas nesse domiacutenio devem ser atribuiacutedas a esse meacutetodo Natildeo eacute surpreendente que quando relata a origem desse meacutetodo ele se refira ao santo patrono de todas as Ϋξθαδ Prometeu Tambeacutem no Prometeu acorrentado Prometeu declara que ele doou o fogo aos homens e que estes tiraram do fogo as variadas teacutecnicas ( φ κ ΰ πκζζ μ εαηαγά κθ αδ Ϋξθαμ 252-254) Quando Platatildeo diz que o meacutetodo que ele iraacute descrever foi lanccedilado das alturas divinas por algum Prometeu ao mesmo tempo que o fogo luminoso ele estaacute realmente dizendo que esse meacutetodo possui tanto valor
178 Sobre isso cf DELCOMMINETTE (2006 p 94) PUCCI (2005 p 31-70) VERNANT (2008 p 313-325)
126 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
para as artes assim como o proacuteprio fogo siacutembolo do poder tecnoloacutegico da humanidade Obviamente um meacutetodo filosoacutefico que natildeo pode ser atribuiacutedo ao Prometeu da tradiccedilatildeo mitoloacutegica eacute por isso que Platatildeo nos convida a ἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝumΝἢὄὁmἷtἷuΝὄἷviὅtὁΝἷΝἵὁὄὄigiἶὁΝὃuἷΝjuὀtὁΝἵὁmΝo fogo transmite um meacutetodo filosoacutefico (1999 p 15-16)
Diante disso eacute preciso reconhecer esse tom de diversatildeo aplicado agrave descriccedilatildeo de
Prometeu na passagem Essa intepretaccedilatildeo parece nos dar um sentido mais preciso dessa
invocaccedilatildeo ou seja se retomamos o momento que se insere a passagem ao voltarmos aos
trechos anteriores (16c1-3) a ela faz mais sentido essa interpretaccedilatildeo Neste sentido nada
nos dirige a algo que esteja por traacutes (da maacutescara) de Prometeu como por exemplo uma
mἷὀὦatildeὁΝaΝἢitὠgὁὄaὅέΝἑὁmὁΝἶiὐΝώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷuΝὧΝὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ
(p 16)
O tom de solenidade expresso por Soacutecrates em sua descriccedilatildeo do meacutetodo atestando
ainda maiὁὄΝὄἷὅὂἷitὁΝὂἷlὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquo (κ η θΝπαζαδκέ) que estavam mais proacuteximos dos deuses
e que transmitiram tal tradiccedilatildeo dotado de humildade eacute algo que tambeacutem deve ser melhor
compreendido Antes de tudo como jaacute foi dito a mesma solenidade eacute comum em outros
diaacutelogos isto eacute talvez seja melhor realccedilar o sentido altamente persuasivo desta declaraccedilatildeo
jaacute que eacute necessaacuterio dar a dialeacutetica em um primeiro momento um estatuto de teacutecnica eficiente
para vida dos homens As alusotildees agrave doutrina dos ilimitado e do ilimite e posteriormente agrave
analogia musical recobrem ainda mais esse sentido Lembre-se que no final da descriccedilatildeo
Soacutecrates diz que essa teacutecnica permite que se examine ( εκπ ῖθ) que ela se destina ao
aprendizado (ηαθγΪθ δθ) e ao ensino ( δ Ϊ ε δθ) (16e3-4) Como nos diz Delcomminette
ldquoὂarece portanto que a dialeacutetica seja descrita aqui como a contraparte teoacuterica de todas as
Ϋξθβμ isto eacute dizer como o que eacute transmissiacutevel atraveacutes da aprendizagem e ἷὀὅiὀὁrdquoΝ(ἀίίἄΝὂέΝ
95) Todo o restante do diaacutelogo parece confirmar esse sentido agrave medida em que a dialeacutetica
serve como instrumento para a classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos a serem incluiacutedos
na boa vida (mista) A dialeacutetica iraacute se deter na investigaccedilatildeo dessa melhor composiccedilatildeo
resultante da vida boa A vida boa que natildeo pode ser descrita unicamente pela via teoacuterica mas
precisa ser descrita em sua real efetividade praacutetica isto eacute natildeo apenas como essa vida eacute mas
como ela deveria ser Ao mesmo tempo nem mesmo a dialeacutetica se livra como se poderaacute ver
desta ambiguidade que carrega consigo sendo ao mesmo tempo divina porque esta tambeacutem
eacute a sua origem ela se insere no campo humano das teacutecnicas dos conhecimentos
A caracterizaccedilatildeo solene do meacutetodo possui deste modo quando analisamos o contexto
da discussatildeo um sentido fortemente persuasivo Primeiro porque como se nota eacute preciso
que Protarco em sua extrema piedade (Cf 28b7-10 e1-6) natildeo ousa reconhecer um meacutetodo
divino como absurdo Desta maneira em um primeiro momento na pesquisa atual eacute possiacutevel
ainda natildeo tratar dos problemas seacuterios do um e do muacuteltiplo questatildeo que seraacute retomada mais
127 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
a frente por Soacutecrates e aiacute entatildeo ficaratildeo mais claros os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo ao
meacutetodo Ora se a dialeacutetica eacute um dom dos deuses torna-se possiacutevel a aceitaccedilatildeo dela por parte
de Protarco a despeito dos problemas que ela origina e que permanecem sem soluccedilatildeo em
dado momento para o interlocutor179
Enquanto essas soluccedilotildees para noacutes podem ser esclarecidas caso retomemo outros
diaacutelogos para Protarco ainda natildeo estatildeo suficientemente claras (DELCOMMINETTE 2006
ὂέΝλἃ)έΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝὅἷὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝἢlatatildeὁΝἷxiἴiὄΝὀὁvὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝaὁΝὅἷὄΝἶitὁΝὃuἷΝldquoὅἷΝaὅΝ
ἵὁiὅaὅΝ fὁὄἷmΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝ ἶἷvἷmὁὅΝ aἶmitiὄΝ (έέέ)rdquoΝ ( κτ πθΝ κ πΝ
δαε εκ ηβηΫθπθ) (16d1-2) ou seja os antigos nos disseram que as coisas que se podem
dizer sempre que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos
( μΝ ιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝ θΝα κῖμΝ
τηφυ κθΝ ξσθ πθ) (16c4-5) sem dar nenhuma argumentaccedilatildeo acerca deste fato mas
apenas os antigos disseram assim Sobre isso explicita ainda mais Delcomminette
Nestas circunstacircncias se natildeo somos tatildeo piedosos como Protarco que razatildeo devemos dar creacutedito a esta afirmaccedilatildeo e agrave ontologia O que isso pressupotildee Na verdade a situaccedilatildeo eacute mais uma vez muito mais complicada do que parece agrave primeira vista com efeito veremos que a ontologia que parece ser simplesmente pressuposta nesta passagem seraacute desenvolvida mais tarde em uma passagem que consistiraacute em uma aplicaccedilatildeo do meacutetodo aqui descrito Em outras palavras a ontologia pressuposta pela dialeacutetica seraacute trazida agrave luz por uma aplicaccedilatildeo da dialeacutetica e a aparente prioridade loacutegica da ontologia sobre a dialeacutetica seraacute substituiacuteda por uma aparente prioridade loacutegica da dialeacutetica sobre a ontologia O fato de que esta passagem descreve a dialeacutetica como revelaccedilatildeo divina portanto natildeo tem apenas por resultado a quebra do ciacuterculo entre a concepccedilatildeo correta do bem e o meacutetodo a ser utilizado para alcanccedilaacute-lo ele tambeacutem introduz um novo ciacuterculo entre dialeacutetica e ontologia e nos oferece os meios para entrar neste ciacuterculo Como veremos esse segundo ciacuterculo tem relaccedilotildees iacutentimas com o primeiro Esta estrutura extremamente complexa apresenta um problema fundamental para o inteacuterprete (2006 p 95-96)
ἒiaὀtἷΝἶὁΝὃuἷΝfὁiΝἶitὁΝaΝmἷὀὦatildeὁΝaὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝtὁὄὀa-se mais clara ainda Eacute necessaacuterio
investigar o conteuacutedo trazido por esta tradiccedilatildeo Retomando Huffman (1999) podemos notar
que ele nos traz evidecircnciaὅΝaiὀἶaΝmaiὅΝὄἷlἷvaὀtἷὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquoὀaἶaΝἷmΝἢlatatildeὁΝ
179 ἏΝ mἷuΝ vἷὄΝ aΝ ἷxὂliἵaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἑὁὄὀἷlliΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶaΝ ldquoὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ ὂaὄἷἵἷΝ ὅἷὄΝ aΝ maiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝἶἷὀtὄἷΝaὅΝὃuἷΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝiὀὅiὅtἷὀtἷΝaΝumaΝὁὄigἷmΝἶiviὀaΝ[ὃuἷΝnovamente reapareceraacute em 23c-d] pode sublinhar o valor que Platatildeo daacute agrave teoria do limitante e do ilimitado Soacutecrates havia declarado diversas vezes seu temor para com os deuses nas primeiras paacuteginas do diaacutelogo (12c) Ao mesmo tempo a revelaccedilatildeo natildeo deve ser pensada como algo completo definitivo ndash como poderia sugerir certa influecircncia sobre a leitura dos antigos da concepccedilatildeo dogmaacutetica da matriz judaico-cristatilde-iὅlacircmiἵaΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἶaὅΝ aὅὅimΝ ἵhamaἶaὅΝ lsquoὄἷligiὴἷὅΝ ἶὁΝ ἜivὄὁrsquoέΝ ἏΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ aὁΝcontraacuterio pode ser pensada como algo de origem nobre e que pede para ser continuado como um ἵὁmὂὄὁmiὅὅὁΝaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὀὁΝfutuὄὁμΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝalgὁΝἷὅtὠtiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἀ1ἂ)έ
128 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonte agrave Pitaacutegoras Podemos estimar por
ἵὁὀὅἷὃuecircὀἵiaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaὁΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝἔilὁlaurdquoΝ(ὂέΝ1ἅ)έΝἓὅὅἷὅΝaὀtigὁὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝ
seriam os pitagoacutericos do seacuteculo V aC180 pois Filolau eacute o primeiro dos pitagoacutericos que insurge
em resposta aos filoacutesofos da natureza que o precederam ao construir o sistema de limite e
ilimitado colocando-os no mesmo plano ambos igualmente como dois princiacutepios em
resposta agrave prioridade dada ao π δλκθ logo apoacutes as obras de Anaxaacutegoras e de Zenatildeo ele
nos lembra o fragmento 1 do pitagoacuterico
A natureza do universo foi harmonizada a partir de ilimitados e de limitadores mdash natildeo apenas o universo como um todo mas tambeacutem tudo o que nele existe (Fr1)
φ δμΝ ΥΝ θΝ ε η λη ξγβΝ ιΝ π λπθΝ Νεα π λαδθ θ πθΝεα ζκμΝ ε ηκμΝεα θΝα π θ α (Fr 1)181
Podemos tambeacutem retomar o fragmento 2
Forccedilosamente eacute que as coisas que existem sejam todas elas ou limitadoras ou ilimitadas ou simultaneamente limitadoras e ilimitadas Mas natildeo podiam ser apenas ilimitadas Portanto uma vez que elas parecem natildeo dever a sua existecircncia nem agraves coisas que satildeo todas limitadoras nem agraves que satildeo todas ilimitadas eacute evidente por conseguinte que tanto o universo como aquilo que nele existe foram harmonizados a partir simultaneamente dos limitadores e dos ilimitados Eacute isto o que demonstram tambeacutem as coisas tal como efetivamente existem Eacute que algumas delas provenientes dos limitadores limitam outras procedentes tanto dos limitadores como dos ilimitados limitam e natildeo limitam ao mesmo tempo e as outras que provecircm dos ilimitados satildeo evidentemente ilimitadas (Fr 2)
θΪΰεαΝ σθ αΝ η θΝ πΪθ αΝ π λαέθκθ αΝ π δλαΝ π λαέθκθ ΪΝ Ν εα π δλαmiddotΝ π δλαΝ ησθκθΝκ εΝ έέΝ π κέθυθΝφαέθ αδΝκ ΥΝ ε π λαδθσθ πθ
πΪθ πθ σθ α κ ι π έλπθ πΪθ πθ ζκθ λα δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ εσ ηκμ εα θ α δ υθαλησξγβ βζκῖ εα θ κῖμ
180 Huffman diz que essa hipoacutetese natildeo deve ser descartada tendo em vista que Filolau eacute contemporacircneo de Platatildeo isto eacute natildeo haacute uma distacircncia de seacuteculos entre ambos Se colocamos na boca de Soacutecrates (hiὅtὰὄiἵὁ)ΝiὅὅὁΝὂaὄἷἵἷὄiaΝὂὁuἵὁΝὂὄὁvὠvἷlΝiὅtὁΝὧΝὀὁmἷaὄΝἔilὁlauΝἵὁmὁΝumΝldquoaὀtigὁrdquoέΝεaὅΝὅἷΝlἷvaὄmὁὅΝem conta o fato de que realmente o Filebo eacute um dos uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo faz todo o sentido Aleacutem do maiὅΝἷlἷΝὀὁὅΝἵὁὀviἶaΝὡΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὄΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁὅΝaὀtigὁὅrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝldquohὁmἷὀὅΝἶἷΝaὀtἷὅΝἶἷΝὀὁὅὅὁΝtἷmὂὁrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝgecircὀiὁὅΝἶἷΝumaΝaὀtiguiἶaἶἷΝimἷmὁὄialέΝἡΝtἷὰὄiἵὁΝaiὀἶaΝrecorre ao exemplo do Fedro (235b) diaacutelogo no qual Anacreonte ainda em atividade no sexto seacuteculo ὧΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁΝumΝἶἷὅὅἷὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝἷΝtamἴὧmΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝHiacutepias Maior (181c) em que os κ παζαδκέ satildeo divididos em dois grupos de eacutepocas diferentes o mais antigo incluindo os sete saacutebios e o mais recente estendendo-se ateacute Anaxaacutegoras no quinto seacuteculo (Cf 1999 p 16) 181 Utilizo os textos recolhidos da doxografia dos preacute-socraacuteticos e traduzidos por Kirk et al (1983) com apresentaccedilatildeo do texto original grego tambeacutem fornecido pelos tradutores A segunda parte do Fragmento 6 natildeo traduzida pelos autores utilizo a traduccedilatildeo e o texto original estabelecidos por Cornelli (2010) Ambas as obras se encontram devidamente referenciadas ao final deste trabalho na seccedilatildeo pertinente agraves referecircncias
129 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
λΰκδμ η θ ΰ λ α θ ε π λαδθσθ πθ π λαέθκθ δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ π λαέθκθ έ εα κ π λαέθκθ δ ι π έλπθ π δλα
φαθΫκθ αδ (Fr2)
Pelos fragmentos nota-se que Filolau sempre se refere a esses princiacutepios natildeo
enquanto princiacutepios abstratos como faraacute Platatildeo no Filebo (πΫλαμ π δλέα) e Aristoacuteteles (
π π λα ηΫθκθ π δλκθ) Muito pelo contraacuterio ele fala de limitantes e de ilimitados no
plural ambos como constituintes do cosmos e de tudo aquilo que ele conteacutem O universo eacute
uma combinaccedilatildeo de coisa limitantes e de coisas limitadas Na referecircncia aos limitantes e
utilizando o particiacutepio ativo no plural (π λαέθκθ α) e natildeo um particiacutepio perfeito no singular como
teria feito Aristoacuteteles (π π λα η ηκθ Metaph 987a16)182 As coisas no mundo satildeo portanto
feitas de contiacutenuos interminaacuteveis de onde proveacutem a mudanccedila e as estruturas perfeitas e
completas que se introduzem neles O cosmos natildeo poderaacute ser um caos e jamais seraacute porque
o limite eacute tatildeo originaacuterio quanto o ilimitado Obviamente como veremos Platatildeo interpretaraacute agrave
sua maneira essa tradiccedilatildeo recebida dos antigos (HUFFMAN 1999 p 18) Pois como atesta
o proacuteprio Fragmento 3 de Filolau
Pois nada haveraacute que em princiacutepio possa conhecer se todas as coisas satildeo ilimitadas (Frag 3)
λξ θΝΰ λΝκ ΰθπ κ η θκθΝ ῖ αδΝπ θ πθΝ π λπθΝ θ πθ (Fr 3)
Haacute algo ainda a ser dito Os limitantes e os ilimitadores natildeo compotildeem eles unicamente
o cosmos eacute necessaacuterio que esses elementos estejam harmonizados ( λησξγβ) devem
estabelecer um acordo conjunto donde surge a realidade Vejamos κ Fragmento 6 e o
Fragmento 7
Acerca da natureza e da harmonia a posiccedilatildeo e a seguinte O ser tios objetos por ser eterno e a proacutepria natureza admitem o conhecimento divino mas natildeo o humano mdash com a exceccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel a qualquer das coisas que existem e que noacutes conhecemos o terem nascido sem a existecircncia do ser daquelas coisas de que foi composto o universo os limitadores e os ilimitados E visto estes princiacutepios existirem sem serem semelhantes ou da mesma espeacutecie teria sido impossiacutevel para eles o serem ordenados num
182 ἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)ΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝἵὁὀfiὄmaμΝldquohὠΝumΝἶἷtalhe terminoloacutegico que merece ser destacado Filolau natildeo utiliza os termos limitadoilimitado e sim sempre e somente o plural aacutepeira e peiraacutenonta iὅtὁΝὧΝἷmΝumaΝtὄaἶuὦatildeὁΝmaiὅΝfilὁlὁgiἵamἷὀtἷΝmaiὅΝfiἷlΝἷΝmaiὅΝfilὁὅὁfiἵamἷὀtἷΝfἷἵuὀἶaΝldquoἵὁiὅaὅΝilimitaἶaὅΝe ilimitaὀtἷὅrdquoΝὂὁὄΝὅἷΝtὄataὄΝἷὅtἷΝήltimὁΝἶἷΝumΝὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝὂὄἷὅἷὀtἷΝἶὁΝvἷὄἴὁΝperaiacutenocirc Ao contraacuterio tanto no Filebo de Platatildeo quanto na Metafiacutesica de Aristoacuteteles os termos satildeo pensados e utilizados no singular o nome peacuteras ὂaὄaΝ lsquolimitἷrsquoΝ ὁuΝ ὁΝ ὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝ ὂassivo do verbo peraiacutenocirc peperasmeacutenon para lsquolimitaἶὁrsquoΝἷΝὁΝaἶjἷtivὁΝὀἷutὄὁΝὅiὀgulaὄΝaacutepeiron precedido de artigo (tograve aacutepeiron)ΝὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝtὁἶὁὅΝἷlἷὅΝὀὁΝὅiὀgulaὄέΝἏΝiὀὅiὅtecircὀἵiaΝὀὁΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝlsquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝὅἷjamΝὂluὄaiὅΝiὀἶiἵaΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝὁΝfatὁΝἶἷΝeles natildeo serem compreendidos por Filolau como princiacutepios metafiacutesicos agrave maneira que seratildeo compreendidos em seguida por Platatildeo e Aristoacuteteles que exatamente por esse motivo preferem utilizar o singular (p 218)
130 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
universo se a harmonia natildeo tivesse sobrevindo mdash fosse qual fosse o modo como ela se gerou As coisas que eram semelhantes e da mesma espeacutecie natildeo precisavam de harmonia mas sim as que eram dissemelhantes e de diferente espeacutecie e de ordem desigual mdash necessaacuterio era para tais coisas o terem sido intimamente unidas pela harmonia se eacute que hatildeo-de manter-se juntas num universo ordenado A grandeza do acordo eacute formada pelos intervalos da quarta e de quinta A quinta eacute maior do que a quarta por um tom De fato da cordatom mais alta agrave corda do meio eacute uma quarta da do meio agrave uacuteltima eacute uma quinta Da uacuteltima agrave terccedila eacute uma quarta e da terceira agrave mais alta uma quinta O intervalo entre a do meio e a da terceira eacute um tom (98) a quarta eacute expressa pela relaccedilatildeo epiacutetrita (43) e a quinta pelo emioacutelio (32) e a oitava pelo duplo (21) Assim o acordo (a escala harmocircnica) compreende cinco tons e dois semitons menores a quinta trecircs tons e um semitom menor a quarta dois tons e um semitom menor (Fr 6) π λ φ δκμΝεα ληκθ αμΝ Ν ξ δ η θΝ θΝπλαΰη πθΝ δκΝ αΝεα α η θΝ φ δμΝγ αθΝΰαΝεα κ εΝ θγλππ θβθΝ θ ξ αδΝΰθ δθΝπζ κθΝΰαΝ
δΝ κ ξΝ κ θΝ ᾿ θΝ κ γ θΝ θΝ θ πθΝ εα ΰδΰθπ ε η θκθΝ φ᾿ η θΝ ΰαΝΰ θ γαδΝ η παλξκ αμΝ μΝ κ μΝ θΝ πλαΰη πθΝ ιΝ θΝ υθ αΝ ε ηκμΝεα θΝπ λαδθ θ πθΝεα θΝ π λπθέΝ π α λξα π λξκθΝκ ξΝ ηκῖαδΝκ ᾿ η φυζκδΝ αδΝ βΝ θα κθΝ μΝεαΝα αῖμΝεκ ηβγ θαδΝ η ληκθ αΝ π ΰ θ κΝ δ δθδ θΝ Ν λ ππδΝ ΰ θ κέΝ η θΝ θΝ ηκῖαΝ εα
η φυζαΝ ληκθ αμΝ κ θΝ π κθ κΝ θ ηκδαΝ ηβ η φυζαΝ ηβ κ αΰ θ ΰεαΝ δΝ κδα αδΝ ληκθ αδΝ υΰε εζ ῖ γαδΝκ αδΝη ζζκθ δΝ θΝε ηπδΝ
εα ξ γαδέ ληκθ αμΝ η ΰ γ μΝ δΝ υζζαί εα δ᾿ ι δ θΝ δ᾿ ι δ θΝη ῖακθΝ μΝυζζαί μΝ πκΰ πδέΝ δΝ ΰ λΝ π π αμΝ π η αθΝ υζζαί π
η αμΝ π θ αθΝ δ᾿ ι δ θΝ π θ αμΝ μΝ λ αθΝ υζζαί π λ αμΝμΝ π αθΝ δ᾿ ι δ θΝ ᾿ θΝ η πδΝ η αμΝ εα λ αμΝ π ΰ κκθΝ υζζαί π λδ κθΝ δ᾿ ι δ θΝ ηδ ζδκθΝ δ πα θΝ δπζ κθέΝκ πμΝληκθ αΝπ θ Ν π ΰ καΝεα κΝ δ δ μΝ δ᾿ ι δ θΝ λ αΝ π ΰ καΝεα δμΝυζζαί ᾿ π ΰ καΝεα δμΝ(ἔὄέΝἄ)
Ora a semelhanccedila com o Filebo aqui eacute surpreendente uma vez que o exemplo que
ilustra tal harmonia entre limitantes e ilimitados eacute a harmonia presente na escala diatocircnica
musical analisada pela relaccedilatildeo entre nuacutemeros inteiros que compotildeem um tom inteiro e a
quarta a quinta e a oitava ( δαπα υθ)183 Seratildeo esses mesmos exemplos que como
veremos Platatildeo utilizaraacute em 17bss para tratar ainda mais da questatildeo do limite e do ilimitado
diante da incompreensatildeo manifestada por Protarco acerca destes temas A imagem aqui
utilizada da teoria musical parece ser a mesma utilizada por Platatildeo em nosso diaacutelogo Trata-
se de uma corda de um contiacutenuo ilimitado na qual se definem tons especiacuteficos limitados
iὀtἷὄvalὁὅΝἷὅὂἷἵiacutefiἵὁὅέΝεaὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝaἶvἷὄtἷΝἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)μΝldquomaiὅΝumaΝvἷὐΝaΝhaὄmὁὀiaΝ
183 A mesma escala diatocircnica que apareceraacute no Timeu (Ti 35b)
131 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
o acordo natildeo devem ser nunca confundidos com o limitante o acordo funciona pelo nuacutemero
maὅΝὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝὁΝaἵὁὄἶὁΝὀatildeὁΝὅἷΝὅuἴὅtituἷmΝὂἷlὁὅΝlimitaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἀ23)184
A passagem da harmonia agrave escala musical evoca outro elemento importante natildeo eacute
nada surpreendente essa passagem se levarmos em conta que a introduccedilatildeo da harmonia
para explicar a origem da realidade do cosmos constituiacutedo por limitantes e ilimitados a busca
pelos intervalos sonoros pelos tons especiacuteficos caracteriza-se pela busca de um nuacutemero
Atentemo-nos ao Frag 4
E o certo eacute que todas as coisas que se conhecem tecircm nuacutemero pois sem ele nada se pode pensar ou conhecer (Fr 4) εα π θ αΝΰαΝη θΝ ΰδΰθπ ε η θαΝ λδγη θΝ ξκθ δΝκ ΰ λΝκ θΝ Νκ θΝκ Νθκβγ η θΝκ Νΰθπ γ η θΝ θ υΝ κ κυΝ(ἔὄέΝἂ)
A partir da introduccedilatildeo da harmonia no sistema de Filolau eacute possiacutevel notar que o nuacutemero
possui um papel fundamental nesse sistema haacute aqui como se nota uma preocupaccedilatildeo
epistemoloacutegica No caso da escala diatocircnica os tons especiacuteficos identificados sobre o
contiacutenuo sonoro ilimitado pode-se notar que estes natildeo distribuiacutedos de forma aleatoacuteria mas
de acordo com as proporccedilotildees de nuacutemeros inteiros que determinam os intervalos da oitava
(21) (43) e (32) respectivamente oitava quarta e quinta Eacute possiacutevel dizer que Filolau
compreende o cosmo como uma articulaccedilatildeo em funccedilatildeo de relaccedilotildees numeacutericas especiacuteficas o
ὃuἷΝὀatildeὁΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquotuἶὁΝὧΝὀήmἷὄὁrdquoΝmaὅΝὃuἷΝἷὅὅaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝὀumὧὄiἵaὅΝὀὁὅΝὂἷὄmitἷmΝ
compreender conhecer o que satildeo as coisas185 Filolau se recusa a dizer o que satildeo esses
princiacutepios (limitantes e ilimitados) a enumerar tais realidades o que possam ser tais princiacutepios
limitantes e ilimitados como seria o caso de ser o fogo a aacutegua ou outros Pode-se dizer que
aqui Filolau estaacute instaurando uma polecircmica com seus predecessores natildeo soacute com
Anaximandro mas com o proacuteprio Anaxaacutegoras devido agraves suas postulaccedilotildees seus muacuteltiplos
λξαέ186 Diferentemente portanto do uso que Filolau faz desses elementos para tratar deste
184 ώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝἷὅἵlaὄἷἵἷΝaiὀἶaΝmaiὅμΝ ldquoὀὁΝἵaὅὁΝἶἷΝἔilὁlaὁΝὀatildeὁΝhὠΝiὀἶiἵaὦatildeὁΝἷxὂliacuteἵitaΝὃuaὀtὁΝaὁΝpapel exato que os limitantes e os ilimitados desempenham nesse seu exemplo mas ele parece naturalmente supor que o ilimitado eacute o contiacutenuo sonoro enquanto os tons especiacuteficos identificados sobre esse contiacutenuo formam os limitantes O papel da harmonia eacute o de determinar um arranjo agradaacutevel e ἷὅὂἷἵiacutefiἵὁΝἶἷὅὅἷὅΝlimitaὀtἷὅΝiἶἷὀtifiἵaἶὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝἵὁὀtiacuteὀuὁΝiὅtὁΝὧΝἵὁὀὅtituiὄΝumaΝἷὅἵalaΝmuὅiἵalrdquoΝ(ὂέΝ19) 185 ViἶἷΝtamἴὧmΝἔὄέΝἃΝἶἷΝἔilὁlauμΝldquoDe facto o nuacutemero tem duas espeacutecies que lhe satildeo peculiares a iacutempar e a par e uma terceira derivada da combinaccedilatildeo destas duas a par-iacutempar Cada uma das duas espeacutecies tem muitas formas que cada coisa em si mesma ὄἷvἷlardquoέΝldquo ΰαΝη θΝ λδγη μΝ ξ δΝ κΝη θΝ δαΝ
βΝπ λδ θΝεα λ δκθΝ λ κθΝ π᾿ ηφκ λπθΝη δξγ θ πθΝ λ δκπ λδ κθΝ εα λπΝ κμΝπκζζα ηκλφα μΝ εα κθΝα αυ βηα θ δrdquoΝ(ἔὄέΝἃ)έ 186 ldquoἡΝἵamiὀhὁΝἶἷΝἔilὁlauΝὧΝἵἷὄtamἷὀtἷΝὁὄigiὀalΝmἷὅmὁΝὀὁΝiὀtἷrior da filosofia preacute-socraacutetica pois por um lado natildeo expressa uma posiccedilatildeo monista uma vez que o ser resulta da pluralidade de ilimitadoslimitantes por outro lado ceticismo epistemoloacutegico do Fr 6 eacute moderado pela possibilidade de
132 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
acordo desta harmonia que torna possiacutevel a compreensatildeo da realidade como eacute o caso do
fogo no Fr 7
A primeira coisa que estaacute harmonizada o um que estaacute no meio da esfera eacute chamado fogo (Fr 7)
πλ κθΝ ληκ γ θΝ θΝ θΝ δΝη πδΝ μΝ φα λαμΝ αΝεαζ ῖ αδ (Frag 7)
O fogo que se encontra no centro do cosmos eacute o fogo central em torno do qual gravitam
a terra o sol a lua a contra-terra e os cinco planetas Eacute necessaacuterio destacar que Filolau
ressalta aqui o fogo como um exemplo de algo acordado harmonizado O fogo eacute esse siacutembolo
do ilimitaacutevel que eacute limitado pelo limitante neste caso o centro de uma esfera (HUFFMAN
1999 p 19)187 Mas voltemos agrave questatildeo do nuacutemero
A realidade configura-se por uma pluralidade ordenada esse eacute o sentido aqui de
λδγη θΝldquotuἶὁΝὧΝἴaὅiἵamἷὀtἷΝὀήmἷὄὁrdquoΝἷΝὧΝgὄaὦaὅΝaὁΝfatὁΝἶaΝὄἷaliἶaἶἷΝldquoὂὁὅὅuiὄΝὀήmἷὄὁrdquoΝὃuἷΝ
ele pode ser conhecida porque passiacutevel de descriccedilatildeo numeacuterica isto eacute passamos pelo
reconhecimento de um sentido propriamente ontoloacutegicocosmoloacutegico para um sentido tambeacutem
epistemoloacutegico (CORNELLI 2010 p 224) Por fim podemos concluir com Cornelli
Essas passagens do Filebo centrais para a definiccedilatildeo da dialeacutetica do limitadoilimitado revelam as raiacutezes pitagoacutericas da teoria dos princiacutepios platocircnica e ndash como tais ndash constituem um achado preacute-aristoteacutelico da filosofia pitagoacuterica Raiacutezes afirmadas e conhecidas pelo proacuteprio texto platocircnico () e que ndash como fontes para a elaboraccedilatildeo filosoacutefica platocircnica ndash satildeo reinterpretadas pela Academia que se percebe nesse sentido como continuadora e mediadora do esforccedilo dialeacutetico-metafiacutesico pitagoacuterico Todavia para aleacutem do argumento dialeacutetico-ontoloacutegico a construccedilatildeo da dialeacutetica no Filebo eacute fruto da concepccedilatildeo filosoacutefica platocircnica (2010 p 215)
Depois de ter analisado detalhadamente tais influecircncias pitagoacutericas e o paralelismo
estabelecido entre elas e nosso diaacutelogo podemos agora novamente retomar a exposiccedilatildeo de
Soacutecrates em 16c5-17a5 Vimos que eacute a partir dessa tradiccedilatildeo de origem divina que Soacutecrates
pretende expor aqui a reflexatildeo acerca da dialeacutetica agora de modo diferente nesse diaacutelogo
Soacutecrates nos diz que se todas as coisas estatildeo assim ordenadas ou seja se todas as
coisas sobre as quais se pode dizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e que elas tecircm em si
conhecer ao menos duas coisas isto eacute esta mesma pluralidade e a harmoniacutea que a manteacutem unida aἵὁὄἶaἶardquoΝ(ἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀ1)έ 187 ἓὅὅaΝὧΝ tamἴὧmΝaΝhiὂὰtἷὅἷΝἶἷΝἑὁὄὀἷlliΝ (ἑfέΝἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀἀ)έΝἓlἷΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝ ldquoEacuteΝpossiacutevel que exatamente essa referecircncia filolaica ao fogo como um no centro da esfera possa explicar a citaccedilatildeo prometeacutetica relativas agraves origens pitagoacutericas da teoria do limitanteilimitado no Filebo Ainda que seja possiacutevel trata-ὅἷΝaὃuiΝἶἷΝὅimὂlἷὅΝaὅὅὁὀacircὀἵiaὅΝἵὁὀἵἷituaiὅέrdquoΝἓlἷΝaiὀἶaΝfaὐΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝἷmΝὀὁta (n 511) ao acircmbito meacutedico-antroploacutegico que possa ser extraiacutedo do fragmento num paralelismo estabelecido entre o fogo e o calor da vida humana
133 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
mesmas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos (16c-9) devemos postular sempre em casa caso
uma uacutenica ideia (ηέαθ Ϋαθ)188189 para todas as coisas e temos de encontraacute-la e iremos
encontraacute-la na proacutepria coisa (16d2) Esse momento correspondente agrave reuniatildeo ( υθαΰπΰά190)
eacute aquele que se busca a Ϋα imanente e natildeo uma multiplicidade de coisas que satildeo singulares
mas agrave cada espeacutecie e a cada gecircnero O condutor ainda diz que forccedilosamente a
encontraremos o que significa dizer que comeccedilamos a pressupor uma unidade proacutepria em
cada coisa em questatildeo do contraacuterio natildeo a procurariacuteamos Tal necessidade fica ainda mais
clara em 25A2-4 quando Soacutecrates iraacute novamente reafirmar essa reuniatildeo das diferentes
espeacutecies de ilimitado em um uacutenico gecircneὄὁμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝafiὄmamὁὅΝὃuἷΝ
devemos reunir todas as coisas repartidas e cindidas em pedaccedilos e imprimir tanto quanto
possiacutevel o sinal de uma natureza uacutenica ndash ὅἷΝὧΝὃuἷΝtἷΝὄἷἵὁὄἶaὅrdquoΝ(εα θΝ ηπλκ γ θΝζσΰκθΝ
θΝ φαη θΝ αΝ δΫ πα αδΝ εα δΫ ξδ αδΝ υθαΰαΰσθ αμΝ ξλ θαδΝ εα τθαηδθΝ ηέαθΝ
πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθΝ ηΫηθβ αδ)Ν(ἀἃaἀ-4)
Sem duacutevida devemos a Dixsaut (1991)191 a distinccedilatildeo entre κυ έα κμ e Ϋα termos
muitas vezes traduzidos como sinocircnimos sendo que natildeo haveria distinccedilatildeo entre o que Platatildeo
188 ἢὄaἶἷauΝἷxὂliἵaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵarsquoΝὄἷmἷtἷΝὡΝmian ideacutean Ideacutea ὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὂὁὄΝlsquoiἶἷiarsquoΝmas os usos filosoacuteficos do termo dificilmente refletiriam o que aqui eacute designado por Platatildeo na ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(umaΝlsquoὀatuὄἷὐarsquoΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁ)ΝὂἷὄἵἷὂtiacutevἷlΝὂἷlὁΝiὀtἷlἷἵtὁέΝἏΝaὂὄἷἷὀὅatildeὁΝdessa unidade inteligiacutevel eacute evocada por termos idecircnticos na Repuacuteblica VI 507a-c A maior parte dos inteacuterpretes natildeo hesitam em tomar ideia ὂὁὄΝlsquofὁὄmarsquoΝ(iὀtἷligiacutevἷl)ΝἷὅtimaὀἶὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝfaὄiaΝumΝuὅὁΝἶἷΝpalavras sinocircnimas dos termos ideacutea e eidos me parece que ideacutea designa a realidade ou natureza inteligiacutevel enquanto eicircdos designa a forma dessa realidade assim como podemos encontraacute-la nas ἵὁiὅaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝὃuἷΝἶἷlaΝὂaὄtiἵiὂamΝ(ἵὁmὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝfὁὄmaΝἶὁΝἴἷlὁΝὀaὅΝἴἷlaὅΝἵὁiὅaὅ)rdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ240 n 241) 189 Agradeccedilo ao Prof Rubens por ter me feito atentar agrave ocorrecircncia deste termo na passagem mas natildeo somente Tambeacutem por ter me feito reconhecer que ela se faz presente tambeacutem em outros diaacutelogos como Parmecircnides (132a 157d8) Teeteto (204a) Sofista (253d5-6) e a relevacircncia deste termo principalmente o significado que ele adquire na obra platocircnica em geral 190 Os correspondentes ao termo aparecem no Filebo nas seguintes passagens 23e5 25a3 25d6-8 que aparecem cunhado nesta sua forma origina no Fedro em 266b4 191 Explica Dixsaut (1991 p 497) que a Ϋα diz respeito ao ζσΰκμ que discorre sobre os contraacuterios indiretos Ela natildeo eacute aqui sinocircnimo da Forma nem uma imagem de natureza espiritual menos ou mais elevada do que a Forma nem sequer se trata de uma propriedade P que a forma F ndash imporia em uma determinada coisa x Ela se define por verbos pelas suas accedilotildees ela avanccedila sobre as coisas aproveita-se destas e natildeo pode ser recebida por essas coisas caso lhes seja contraacuteria ou seja se eacute um contraacuterio indireto de uma propriedade essencial deste algo As β satildeo causas de determinaccedilatildeo que elas impotildeem elas forccedilam agrave coisa possuir sua proacutepria Ϋα Algo natildeo pode receber e natildeo receber a determinaccedilatildeo simultaneamente Eacute importante que ele receba a determinaccedilatildeo poreacutem soacute pode ser determinado se sofrer o feito da determinaccedilatildeo daquilo que o determina Aleacutem do mais determinada coisa soacute se torna ordenaacutevel apenas participando isto eacute deixando-ὅἷΝ ldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὁuΝ maiὅΝFormas Logo o domiacutenio da forma sobre a coisa eacute a Ϋα A Ϋα eacute a accedilatildeo da Forma ( κμ) sobre a coisa ela surge a partir das Formas para as quais ela doa menos da sua inteligibilidade e da sua determinaccedilatildeo que elas lhes impotildeem A Ϋα testemunha a participaccedilatildeo possessora dominadora conquistadora das Formas por meio do discurso da coisa que dela(s) participa(m) As Formas se apoderam da coisa restringem-nas avanccedilam em direccedilatildeo agraves coisas As coisas da φτ δμ soacute existem
134 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiἶἷiardquoΝldquoἔὁὄmardquoΝἷΝldquoἷὅὅecircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝaὀaliὅaὀἶὁΝaὅΝὅuaὅΝὁἵὁὄὄecircὀἵiaὅΝὀὁὅΝ
diaacutelogos podemos notar que possuem sentidos diferentes uns dos outros Dixsaut confirma
em um outro texto a mesma interpretaccedilatildeo ao dizer assertivamente
A ideia natildeo eacute o eidos Podemos observar que todas as vezes que Platatildeo quer evitar empregar eidos falando de uma realidade natildeo corporal ele utiliza idea assim na Repuacuteblica trata-se da idea da luz e quando lhe eacute atribuiacuteda uma potecircncia suplementar da idea do Bem A luz natildeo eacute uma essecircncia e o Bem tampouco Uma por falta o outro por excesso Nesse caso idea natildeo tem seu sentido platocircnico habitual O termo eacute empregado porque natildeo eacute possiacutevel nomear propriamente eidos a coisa da qual se fala ao mesmo tempo dotando-a de uma potecircncia particular de ligaccedilatildeo luz e Bem tecircm uma mesma funccedilatildeo de jugo (zugon) eles submetem objetos agrave faculdade capaz de os apreender (visatildeo tratando-se da luz intelecccedilatildeo tratando-se do Bem) (2017 p 61-62)
ἜὁgὁΝtἷὀἶὁΝalἵaὀὦaἶὁΝἷὅὅaΝldquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵardquoΝἷὅὅaΝ Ϋα eacute necessaacuterio entatildeo dividi-la
Trata-se de reconhecer o nuacutemero de intermediaacuterios entre essa unidade inicial e o ilimitado Eacute
isso que distingue ( δαε ξυλδ αδ) o dialeacutetico ( δαζ ε δε μ) do eriacutestico ( λδ δε μ) (17a4) Para
ὁΝἶialὧtiἵὁΝἷὅὅἷὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo que os saacutebios atuais deixam escapar ( ηΫ α α κ μ
εφ τΰ δ) devem ser respeitados O mesmo se diz do um e do muacuteltiplo e do abuso que os
jovens fazem dele192 (15d-16a) quando abusam dessa proacutepria estrutura que eacute a linguagem
em si espantados com o poder dos ζσΰκδέΝἡὅΝldquoὅὠἴiὁὅΝἶὁΝὂὄἷὅἷὀtἷrdquoΝvatildeὁΝὁὄaΝmaiὅΝlἷὀtὁΝὁὄaΝ
mais rapidamente imediatamente do um ao ilimitado (η θ π δλα γτμ) (17a2-3)
Se vatildeo mais lentamente levantam um grande nuacutemero de espeacutecies de tal modo que sequer
conseguem impor essa marca uacutenica se vatildeo mais raacutepido nunca conseguem enumerar um
nuacutemero suficiente sempre se equivocando O proacuteprio Soacutecrates diz em 16d6-ἷἁμΝldquo(έέέ)ΝmaὅΝὀatildeὁΝ
devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da
devido agrave participaccedilatildeo e a Ϋα natildeo eacute indeterminaccedilatildeo mas eacute esse iacutendice de sobredeterminaccedilatildeo ἷὅὅἷὀἵialΝ ἶἷΝ algὁΝ ὂἷlaΝ ἔὁὄmaέΝ ἠὁὅΝ ἶiὐἷὄἷὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautΝ (1λλ1)Ν ldquoaΝ ὂaὄtiἵiὂaὦatildeὁΝ aΝ ἵauὅaliἶaἶἷΝ ἶaὅΝFormas permite dizer natildeo apenas de Formas ou de propriedades contraacuterias mas de coisas que ἵὁὀtὄὠὄiaὅΝἷΝἷxἵluἶἷὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἂλἆ)έΝἏΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝiὀtἷὄὄὁmὂἷΝaΝmuἶaὀὦaΝὁΝdevir impede ὃuἷΝalgὁΝἶἷixἷΝἶἷΝὅἷὄΝἷlaΝimὂἷἶἷΝaΝἵὁὀtiὀuaὦatildeὁΝἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝmuἶaὀὦaΝiὀἶἷfiὀiἶaμΝldquoaΝligaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝa Forma e a coisa eacute mais estreita no caso das Formas e das que possuem um contraacuterio indireto A idea nem a Forma nem a coisa eacute a instacircncia de ligaccedilatildeo sua presenccedila na coisa manifesta a conformidade das coisas ao seu eicircdos ὃuἷΝἶὁaΝὡΝἵὁiὅaΝὅuaΝἵὁὀfὁὄmaὦatildeὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλ1ΝὂέΝἂλἆ)έΝἏΝ Ϋα torna manifesta a accedilatildeo da causalidade da Forma ela (a Ϋα) torna possiacutevel compreender que tipo de efeito pode produzir uma causa dessa espeacutecie o efeito eacute que a coisa restrita agrave aquisiccedilatildeo da sua ideacutea natildeo eacute mais um processo ela eacute conformada pela Forma ela eacute obra do κμ que se torna traduziacutevel e diziacutevel (DIXSAUT 19991 p 479-500) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada cf NUNES SOBRINHO (2007 p 89-117) 192 Cf Euthd 272a-b 275ess Phdr 261c6 Nas passagens citadas podemos notar a mesma descriccedilatildeo dos jovens que se deixam levar pela eriacutestica e pelos poderes dos discursos que visam contradizer os interlocutores (adversaacuterios) por meio da antiloacutegica ao simularem a discussatildeo dialeacutetica (filosoacutefica)
135 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas
ἵὁiὅaὅΝἷΝaἴaὀἶὁὀaὄΝἵaἶaΝumaΝἶἷlaὅΝὀὁΝilimitaἶὁrdquoέΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)
Ir imediatamente da unidade ao ilimitado significa com efeito que a unidade possui segundo eles [os saacutebios atuais] por conteuacutedo unicamente uma pluralidade indeterminada de indiviacuteduos assim eles ignoram as diferentes espeacutecies entre as quais esses indiviacuteduos poderiam se distribuir Assim a ideia natildeo tem apenas por conteuacutedo uma multiplicidade sensiacutevel mas primeiramente uma multiplicidade inteligiacutevel (p 301)
Ateacute aqui tudo nos parece distanciar da hipoacutetese de que Platatildeo utilizaria da vida boa
ὂaὄaΝἷxiἴiὄΝὅuaΝldquoὀὁvaΝtἷὄmiὀὁlὁgiardquoΝὂὁiὅΝὁὅΝprocedimentos adotados em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica
ὅatildeὁΝaὃuἷlἷὅΝἶitὁὅΝldquohaἴituaiὅrdquoέΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὅἷΝatἷὅtaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝ
buscar essa ideia uacutenica (ηέαθ Ϋαθ) a fim de poder dividir essa unidade postulada em tantas
unidades que seja necessaacuteὄiὁέΝἏΝfimΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶialὧtiἵaΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoἴὁaΝ
viἶardquoΝὧΝimὂὄἷὅἵiὀἶiacutevἷlΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝἵaὀἶiἶatὁὅΝaΝὅἷὄἷmΝἷὅἵὁlhiἶὁὅΝὂaὄaΝἵὁmὂὁὄἷmΝἷὅtaΝviἶaΝ
a saber prazer e conhecimento Eacute imprescindiacutevel saber em primeiro lugar como cada um
destes eacute um e muacuteltiplo Mais uma alusatildeo agrave potecircncia dialeacutetica se pode notar aqui satildeo nos
dadas maiores informaccedilotildees acerca dela ela deve postular um nuacutemero de intermediaacuterios
sendo cautelosa ao dividir sem passar imediatamente do um ao muacuteltiplo assim como fazem
os praticantes da eriacutestica193
Protarco natildeo entende bem aquilo que Soacutecrates estaacute querendo dizer (17a6-8)
Soacutecrates recorre ao exemplo das letras do alfabeto e agrave φπθ (voz) pois a φπθ eacute π δλκμ
(Cf 17b3-ἂΝ1ἆἴἄ)μΝldquoaΝvὁὐΝἶἷΝtὁἶὁὅΝἷΝἶἷΝἵaἶaΝumΝἶἷΝὀὰὅΝὃuἷΝὅaiΝὂἷlaΝὀὁὅὅaΝἴὁἵaΝὧΝuma mas
ὧΝtamἴὧmΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝilimitaἶardquoΝ(φπθ η θΝ ηῖθΝ έΝπκυΝηέαΝ δ κ σηα κμΝ κ αΝεα
π δλκμΝα πζάγ δΝπΪθ πθΝ Νεα εΪ κυ)Ν(1ἅἴἁ-4) Soacutecrates iraacute dizer entatildeo que natildeo nos
tornamos letrados por conhecer esse ilimitado nem o um das letras e dos sons mas porque
sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo esses sons Eacute isso que nos torna competente no
ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ(ldquoεα κ θΝ Ϋλ ΰ Ν κτ πθΝ ηΫθΝππΝ κφκέΝκ Ν δΝ π δλκθΝ
α μΝ η θΝκ γ᾽ δΝ θμΝ ζζ᾽ δΝπσ αΝ ᾽ εα πκῖαΝ κ σΝ δΝ ΰλαηηα δε θΝ εα κθΝ
πκδκ θΝ η θrdquo)Ν(1ἅἴἄ-9) Gallop (1963) eacute quem melhor nos explica a passagem
Isso no entanto deve ser lido com o devido respeito ao contexto As letras fornecem um modelo natildeo como parece para entender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados mas para discutir a classificaccedilatildeo Platatildeo
193 Eacute possiacutevel ir mais adiante em 56e2-3 Soacutecrates ao fazer uma distinccedilatildeo entre a aritmeacutetica vulgar e a aritmeacutetica filosoacutefica Aquela adiciona mocircnadas desiguais como dois exeacutercitos ou dois bois Enquanto esta (a aritmeacutetica filosoacutefica) se recusa operar desta maneira caso natildeo se postule uma diferenccedila entre as incontaacuteveis as mὲὀaἶaὅΝὃuἷΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝὅἷΝἶifἷὄἷΝumaΝἶaΝὁutὄaμΝldquoaΝaὄitmὧtiἵaΝfilὁὅὰfiἵaΝὅuὂὄimἷΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝmaὅΝaΝἶialὧtiἵaΝἶἷvἷΝὂὁὅtulaὄΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝἷὀtὄἷΝaὅΝ mὲὀaἶaὅrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 294-295)
136 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
usa a classificaccedilatildeo de sons sobre os quais um alfabeto se baseia para ilustrar o meacutetodo de divisatildeo em antecipaccedilatildeo ao seu proacuteprio procedimento mais tarde no diaacutelogo (p 368)
Poderiacuteamos assim perguntar como Filebo postula o primeiro princiacutepio de relevacircncia
ldquo(έέέ)ΝmaὅΝὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὁΝὀὁὅὅὁΝtἷmaΝἷΝὁὀἶe ele [Soacutecrates] estaacute querendo
ἵhἷgaὄΝἵὁmΝiὅὅὁςrdquoΝ(1ἆa1-2) Eacute aiacute que Soacutecrates torna mais evidente o que haacute por traacutes de seus
exemplos gramaacutetica e muacutesica194 utilizados anteriormente (17b11-e6)
No caso de algueacutem que jaacute aprendeu uma unidade qualquer ( θ) o que digo eacute que ele natildeo deve olhar imediatamente para a natureza do ilimitado (κ εΝ π᾽
π έλκυΝ φτ δθΝ ῖ ίζΫπ δθΝ γ μ) mas sim para um nuacutemero determinado ( ζζ᾽ πέΝ δθαΝ λδγησθ) assim tambeacutem como no caso contraacuterio (κ πΝεα θαθ έκθ) quando algueacutem eacute forccedilado a aprender em primeiro lugar o ilimitado
( αθΝ δμΝ π δλκθ) natildeo deve olhar imediatamente para o um ( θαΰεα γ πλ κθΝζαηίΪθ δθΝη π θΝ γτμ) mas deve discernir novamente um nuacutemero que constitui qualquer pluralidade determinada ( ζζ᾽ π᾽ λδγη θΝα δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e a partir de todos eles finalmente
olhar o um (18a6-b4)
Soacutecrates decide entatildeo voltar ao exemplo das letras citando Teuth (como fez no Fedro
274c-275b) o deus ou homem divino egiacutepcio inventor da escrita que aqui no caso relatado
pelo Filebo teria discernido o som da voz como ilimitado ( π δ φπθ θΝ π δλκθ)Ν(1ἆἴἄ-7)
Primeiramente ele teria distinguido as vogais195 neste ilimitado ( μΝπλ κμΝ φπθά θ αΝ θΝ
π έλ )Ν ὀatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ maὅΝ ἵὁmὁΝ muitaὅΝ (εα θσβ θΝ κ ξΝ θΝ θ αΝ ζζ πζ έπ)Ν ἵὁmὁΝ
tambeacutem teria verificado a existecircncia de outras emissotildees que natildeo satildeo propriamente sons
vocais mas certa espeacutecie de ruiacutedo ( λαΝ φπθ μΝ η θΝ κ Ν φγσΰΰκυΝ η Ϋξκθ ΪΝ δθκμ)Ν
existindo tambeacutem em nuacutemero determinado ( λδγη θ Ϋ δθα εα κτ πθ θαδ) Depois foi feita
tambeacutem uma distinccedilatildeo de uma terceira espeacutecie de letras em seguida as dividiu em sem-
ruiacutedo e as mudas ateacute a unidade de cada uma e dividiu as vogais e as intermediaacuterias do
mesmo modo ateacute que se obtivesse o nuacutemero delas e a cada uma delas deu o nome de letra
( λέ κθΝ κμΝΰλαηηΪ πθΝ δ ά α κΝ θ θΝζ ΰση θαΝ φπθαΝ ηῖθμΝ η κ κΝ δ λ δΝ ΪΝ
Ν φγκΰΰαΝ εα φπθαΝ ηΫξλδΝ θ μΝ εΪ κυΝ εα φπθά θ αΝ εα ηΫ αΝ εα θΝ α θΝ
λσπκθΝ πμΝ λδγη θΝα θΝζαί θΝ θέΝ Ν εΪ εα τηπα δΝ κδξ ῖκθΝ ππθσηα )Ν(1ἆἴἆ-
c6) O inventor divino sabendo que natildeo aprenderiacuteamos qualquer letra apenas por ela mesma
isolada de todas as demais estabeleceu esse elo ( η θ) que liga todas as letras e faz delas
194 Sobre este uacuteltimo falo mais adiante 195 Eacute necessaacuterio lembrar que como nos diz Muniz (2012) os Gregos antigos classificavam as letras segundo a quantidade de sopro empregada na emissatildeo das mesmas as que possuem um emprego de sopro maior satildeo as vogais (as que soam) (p 214 n 21)
137 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
uma unidade proclamando um soacute conhecimento para elas ao atribuir-lhes o nome de
gramaacutetica (ΰλαηηα δε θΝ Ϋξθβθ)196
O mesmo se daacute com o exemplo da muacutesica197 ( ηκυ δε θ) que aparece logo em
seguida da primeira apresentaccedilatildeo da gramaacutetica em 17b11-1ἀμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝtὧἵὀiἵaΝ
o som de algum modo eacute tambeacutem em si mesmo um (φπθ ηΫθΝπκυΝεα εα ᾽ ε έθβθΝ θΝ
ΫξθβθΝ ηέαΝ θΝα ) (17c1-2) Soacutecrates entatildeo identifica trecircs sons o grave (ίαλτ) o agudo
( ιτ) e o meacutedio ( ησ κθκθ198) (17c4-5) Mas ao mesmo tempo admite que de ningueacutem eacute dito
ser competente ( κφ μ) em muacutesica ( θ ηκυ δε θ) por saber disso mas caso natildeo soubesse
natildeo teria meacuterito algum no assunto (17c7-9) Ele explica em uma longa digressatildeo
Soc Mas meu caro quando apreenderes qual eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) de intervalos ( π α δα ηα α) do som tanto do agudo ( ιτ β σμ) quanto do grave (ίαλτ β κμ) de que tipo satildeo e tambeacutem os limites dos intervalos ( δα βηΪ πθ) e quantos satildeo os sistemas ( α υ άηα α) que resultam deles ndash que nossos predecessores (κ πλσ γ θ) observando-os os transmitiram a noacutes seus seguidores nomeando-ὁὅΝἶἷΝldquoἷὅἵalaὅrdquo ( ληκθέαμ) ndash e quais afecccedilotildees ocorrem nos movimentos dos corpos que segundo dizem devem ser medidas por nuacutemeros ( λδγη θ η λβγΫθ α) e chamadas de ritmos ( υγηκ μ) e metros (ηΫ λα) e ao mesmo tempo que eacute preciso compreender que eacute desse modo que as investigaccedilotildees ( εκπ ῖθ) sobre tudo que eacute um e muacuteltiplo devem ser feitas Quando apreenderes essas coisas desse modo ter-te-aacutes tornado saacutebio( κφσμ) e quando qualquer unidade que
196 Rudebusch (ἀίίἅ)ΝaΝmἷuΝvἷὄΝὧΝὃuἷmΝmἷlhὁὄΝἷxὂliἵaΝaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝvὁὐΝvἷmΝaΝὅἷὄΝum ou entre ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝἷΝmutuamἷὀtἷΝἵὁὀtὄὠὄiὁὅέΝἡὅΝὄuiacuteἶὁὅΝὅatildeὁΝiὀἶἷfiὀiἶὁὅΝὀὁΝtἷmὂὁΝἵuὄtὁὅΝὁuΝlὁὀgὁὅμΝlsquoaὁirsquoΝlsquoaaaὁὁὁuuuiiirsquoέΝἥatildeὁΝtamἴὧmΝiὀἶἷfiὀiἶamἷὀtἷΝmἷὀὁὅΝὁuΝmaiὅΝὠὅὂἷὄὁὅμΝlsquoaaahhhhἵhἵhἵhrsquoέΝἓΝὅatildeὁΝfἷitὁὅΝὂὁὄΝvaὄiaὦὴἷὅΝiὀἶἷfiὀiἶaὅΝἶaΝliacuteὀguaΝἷΝlὠἴiὁὅμΝlsquoἴlὄὄmὀἶὐὐὂtrsquoέΝἔiἵaΝἵlaὄὁΝὃuἷΝὃuaὀἶὁΝaὂὄἷὀἶἷmὁὅΝaΝfalaὄΝaprendemos a combinaccedilatildeo correta dos limites destes ruiacutedos As vogais gregas tecircm qualidade limitada ndash por exemplo ao contraacuterio de υ ou δ ndash e tecircm quantidade limitada Vogais longas satildeo duas vezes mais longas que vogais breves por exemplo π e κ β e As consoantes gregas satildeo limitadas a formas definidas (labiais dentais e velares) como ou sem uma forma definida de aspiraccedilatildeo e de som de nasalidade etc O conhecimento da gramaacutetica eacute o conhecimento das combinaccedilotildees corretas para dar ὀaὅἵimἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝὁὅΝmuitὁὅΝ ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝὀὁΝ muὀἶὁΝὡὅΝὂalavὄaὅrdquoΝ (ὂέΝἂἂ)έΝἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝἵfέΝἕallὁὂΝ(1963 p 364-376) e Menn (1998 p 291-305) 197 Pradeau (2002) retoma uma questatildeo tambeacutem fundamental agrave nossa argumentaccedilatildeo posterior em tὁὄὀὁΝἶaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝmousikeacute gὄἷgaΝὧΝἷὀtἷὀἶiἶaΝὀumΝὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝamὂlὁΝὃuἷΝὀὁὅὅaΝldquomήὅiἵardquoνΝἷlaΝenvolve tanto a danccedila como o canto e a praacuteticas do discurso Ela reuacutene de fato o conjunto das praacuteticas artiacutesticas musicais e literaacuterias que relacionamos agraves Musas eacute a razatildeo pela qual os exemplos do canto ἵὁmὁΝἶaΝmὧtὄiἵaΝἷΝἶὁὅΝtὁὀὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὃuiΝiὀἵluiacuteἶὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂἁΝὀέΝἀἆ)έ 198 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝἵὁmΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)ΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoἢlatatildeὁΝfalaΝἶὁΝlimite e do ilimitado assim como da mistura entre ambos inspirando-se na muacutesica O percurso de seu pensamento se orienta de tal modo a referir-se simultaneamente a dois planos distintos vale dizer ao plano metafiacutesico do qual ele fala e ao concreto plano musical do qual tratada sua argumentaccedilatildeo natildeo se pode sustentar a definiccedilatildeo do limite assim como se encontra formulada no Filebo responda a uma concessatildeo unicamente musical A dificuldade imposta ao termo ησ κθκθΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄaἶaΝtἷὀἶὁΝἵὁmΝconta a duacuteplice valecircncia do pensamento platocircnico Este termo que indica o uniacutessono eacute de fato muito feliz porque aiacute se tem presente a linguagem metafoacuterica de Platatildeo com efeito este termo designa perfeitamente o ponto no qual a mistura dos contraacuterios alἵaὀὦaΝὅuaΝὂἷὄfἷiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἆί)έ
138 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
seja apreenderes investigando assim sobre isso ter-te-aacutes tornado bem informado Entretanto a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em cada coisa soacute podem fazer de ti a cada caso uma pessoa inexperiente no pensar ( ᾽ π δλσθ εΪ πθ εα θ εΪ κδμ πζ γκμ π δλκθ εΪ κ πκδ ῖ κ φλκθ ῖθ) e que ningueacutem leva em conta nem daacute conta de nada jaacute que jamais teraacutes voltado teu olhar para qualquer nuacutemero de qualquer coisa ( ᾽ κ ε μ λδγη θ κ Ϋθα θ κ θ πυπκ πδ σθ α) (17c11-e6)
Eacute impossiacutevel ao analisar essa passagem natildeo levar em conta a heranccedila pitagoacuterica do
quinto seacuteculo que Platatildeo visa ressignificar sobre a qual nos detemos longamente nesta seccedilatildeo
mais acima A estrutura musical com seus sons (φπθ μ) o conhecimento dos intervalos ( θ
δα βηΪ πθ) dos limites desses intervalos ( κ μ πκυμ)199 as correlaccedilotildees (consonacircncias)200
199 εὁutὅὁὂὁulὁὅΝἷxὂliἵaμΝldquoἦἷὀἶὁΝἵὁὀὅtataἶὁΝὃuἷΝaΝvὁὐΝἷΝὁὅΝὅὁὀὅΝmuὅiἵaiὅΝaὂὄἷὅἷὀtamΝamἴὁὅΝὃuἷΝsatildeo ao mesmo tempo idecircnticos e diferentes uno e muacuteltiplo Platatildeo passa ao estudo dos intervalos musicais fundados sobre a relaccedilatildeo numeacuterica dos sons Ὅλκμ indica um dos termos da relaccedilatildeo numeacuterica que exprime um intervalo A expressatildeo Ϊλδγηκ πλ μ λδγη θ utilizada tambeacutem no Timeu (36b) se refere agrave explicaccedilatildeo dos fenocircmenos musicais obtidos por meio dos nuacutemeros que tecircm um valor absoluto e bem definido Os autores musicais descrevem os meacutetodos de precisatildeo usados para definir esta relaccedilatildeo divisatildeo do comprimento dos tubos sonoros suspensatildeo de pesos nas extremidades da corda vibrante enchimento de vasos nos quais o peso a capacidade e o comprimento servem como medida e conferem aos sons medidos o valor de paracircmetro As relaccedilotildees de quarta e de quinta como aquelas deduzidas dos dois procedimentos e que representa o tom enfim a relaccedilatildeo 243256 que exprime o intervalo chamado lemma resultante da subtraccedilatildeo de dois tons da quartam encontram-se na base da linguagem que Platatildeo utiliza no Filebo sob o propoacutesito de determinar a concepccedilatildeo pitagoacuterica dos intervalos musicais que aleacutem disso coincide com a sua Da combinaccedilatildeo desses intervalos se obteacutem os sistemas tradicionalmente chamados harmonias reconhecidas natildeo aὄἴitὄaὄiamἷὀtἷΝmaὅΝaΝluὐΝἶἷΝumΝἷxamἷΝmatἷmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝἆί)έΝ 200 Wersinger (1999) em um importante estudo retoma o termo υηφκθέα que designa a consonacircncia ou seja o acordo (matemaacutetico) elaborado entre dois sons que satildeo chamados sinfocircnicos e que satildeo fixados por uma relaccedilatildeo matemaacutetica um ζσΰκμ de acordo com a teoacuterica Os pilares inamoviacuteveis da harmonia satildeo esses sons fixados por um acordo elaborado matematicamente A consonacircncia concerne agraves relaccedilotildees da oitava ( δαπα υθΝἀμ1)ΝἶaΝὃuiὀtaΝ(ὁuΝ ηδσζδκμΝἁμἀ)ΝἷΝἶaΝὃuaὄtaΝ( πέ λδ κμΝἂμἁ)έΝἠὁΝFilebo (25ae1-2) Soacutecrates explica que a consonacircncia suspende as diferenccedilas o conflito de contraacuterios ao colocar o nuacutemero em termo de igualdade de dobro e de quantida em geral Como noz diz Wersinger a consonacircncia eacute vizinha ou mesmo sinocircnima da comensurabilidade no diaacutelogo expressa pelo termo
υηη λέα isto eacute como aquilo que potildee fim agrave contrariedade Note-se pelo exemplo do δαπα υθΝἵὁmo exemplo claro da homofonia pois a relaccedilatildeo de oitava se estabelece graccedilas agrave consonacircncia (sonoridade comum) entre a nota mais grave ( πΪ βμ)ΝaΝmaiὅΝaguἶaΝ(θ Ϊ βμ)Ν(R IV 443d) Este tipo de relaccedilatildeo (homofonia) se encontra em um domiacutenio preciso da comensurabilidade tal como a mistura de qualidades psiacutequicas (quente e frio) como o das misturas de vinho e aacutegua nos ritos simpoacutesicos eacute desse tipo que as relaccedilotildees de consonacircncia satildeo feitas de maneira mais nuanccedilada entre agudo e grave como o vinho eacute misturado com a aacutegua de maneira gradual de tal modo que natildeo corrompa por completo a mistura Logo Wersinger solicita a atenccedilatildeo para a distinccedilatildeo entre uma assimilaccedilatildeo raacutepida entre consonacircncia e proporccedilatildeo A consonacircncia eacute uma relaccedilatildeo matemaacutetica na qual um nuacutemero se encontra em relaccedilatildeo com um outro nuacutemero expressatildeo que aparece no Filebo (25b) proacuteximo agrave justa medida (ηΫ λκθ πλσμ ηΫ λκθ) ela eacute entatildeo um ζσΰκμ de dois nuacutemeros Em um contexto poliacutetico-moral assim como os sons os elementos da alma satildeo postos em relaccedilatildeo de forma a produzirem uma mesma opiniatildeo ou uma mesma atitude a consonacircncia eacute acordo ( ηκζκΰέα) (cf Smp 187b4) A consonacircncia como visto na Repuacuteblica (IV 442d2) produz a amizade e a temperanccedila ( πφλκ τθβ) e que deve sua existecircncia agrave opiniatildeo comum ( ηκ κιέα 442d2) que permite que a irascibilidade e o desejo submetam-
139 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
existentes entre eles isto eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) que encontra-se por traacutes das diferentes
escalas ( ληηκθέαμ) 201Ν ὁuΝ ldquomὁἶὁὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὃuiὅἷὄἷm202 O nuacutemero permite a identificaccedilatildeo
destes intervalos203 uma espeacutecie de medida racional por intermeacutedio do nuacutemero torna capaz
identificar esses acordos entre limitantes e ilimitados diferentemente de uma mediccedilatildeo
empiacuterica baseada na conjectura como faziam os deslumbrados com a muacutesica contudo
se agrave razatildeo do mesmo modo que dois sons se acordem mutuamente em uma consonacircncia Logo homofonia e homodoxia encontram-se em estrita relaccedilatildeo (p 63-64) 201 Conforme nos diz Wersinger (1999) eacute necessaacuterio compreender a polissemia do termo ληκθέα jaacute que este termo pode ser confundido com a consonacircncia tendo em vista que se diz tambeacutem que a oitava eacute harmocircnica Na Repuacuteblica (443d6c3) lembremo-nos que o homem justo eacute aquele que possui sua alma harmonizada ou seja aquela alma cuja tripla especificidade (irascibilidade desejo e razatildeo) encontram-se direcionados agrave parte melhor analogamente agrave muacutesica que constroacutei suas escalas ou seus ldquomὁἶὁὅrdquoΝaΝὂaὄtiὄΝἶaὅΝtὄecircὅΝὂaὄtἷὅΝhaὄmὲὀiἵaὅΝ( πΪ βμΝθ Ϊ βμΝηΫ βμ)έΝἦὁἶὁὅΝἷὅὅἷὅΝmήltiὂlὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝse unem e se tornam um temperando-se (diferentemente de muacutesica temperada o que Platatildeo reprova como se pode notar R VII 530e-531a) e alcanccedilando plena harmonia A harmonia diferentemente da consonacircncia se estabelece a partir de uma relaccedilatildeo natildeo entre um elemento e outro mas de dois a dois elementos em uma cadeia de proporccedilatildeo isto eacute uma igualdade de relaccedilotildees As consonacircncias recebem um fundamento matemaacutetico que torna possiacutevel a relaccedilatildeo de umas com as outras a fim de formarem uma progressatildeo musical como jaacute dito para formarem as escalas de quinta (entre a nota mais aguda e a meacutedia) a de quarta (entre a mais grave e a meacutedia) Harmonizar neste sentido significa colocar em relaccedilotildees as proacuteprias relaccedilotildees identificar as razotildees comuns estabelecer uma progressatildeo musical ldquomaiὁὄΝἶὁmΝἶaὅΝεuὅaὅrdquoΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝEpinomis (991a5-b5) (p 64) Ainda nos dizeres de Wersinger ldquoaΝhaὄmὁὀia eacute sobretudo analogia ( θαζκΰέα) Ela eacute um meio de criar a unidade Ela depende no Filebo ἶaΝaὦatildeὁΝὄἷἵὁὀἵiliaἶὁὄaΝἶὁΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝἶὁΝlimitἷΝ(πΫλαμ)rdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἂ-65) 202 Platatildeo faz referecircncia aos modos (harmonias) permitidos no acircmbito da cidade ideal note-se aiacute uma correspondecircncia entre os nomes origem eacutetnica (liacutedio doacuterio friacutegio jocircnio etc) e as harmonias musicais dos gecircneros (cromaacutetico enarmocircmico e diatocircnico) ou seja uma correspondecircncia eacutetica e mimofocircnica (R III 398e-399a) 203 Algo mais eacute necessaacuterio ressaltar sobre os intervalos Afirmada a polissemia da noccedilatildeo de harmonia ela tambeacutem diz respeito aos sons e notas que natildeo satildeo sinfocircnicos ou seja esses sons variaacuteveis moacuteveis que se encontram acordados definitivamente nas trecircs consonacircncias Platatildeo na Repuacuteblica (IV 443d6-e3) teria feito alusatildeo a estes sons intermediaacuterios por meio termo η αιτ O estudo dos intermediaacuterios eacute a parte mais importante da muacutesica aquela que trata das reparticcedilotildees dos intervalos no tetracorde ou seja aquela que porta o nome da harmonia dos Gecircneros O tetracorde eacute uma das partes disjuntas do heptacorde ou do octacorde que coincide com a oitava O tetracorde eacute composta de quatro notas em escala descendente da nota meacutedia ateacute a nota mais grave Reunir o tetracorde eacute dar um estatuto aos intermediaacuterios entre as consonacircncias esta tarefa compete unicamente a verdadeiro muacutesico matemaacutetico ὅὅaΝὁὂἷὄaὦatildeὁΝὄἷὂὁuὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝζδξαθσμΝ(ὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝἶἷἶὁΝiὀἶiἵaἶὁὄΝὃuἷΝtὁἵaΝ aΝ ὂὄimἷiὄaΝ ὀὁtaΝ ἶὁΝ tἷtὄaἵὁὄἶἷ)Ν ἷΝ ἶaΝ παλυπΪ βΝ (ὀὁtaΝ maiὅΝ gὄavἷήΝ ὂὄimἷiὄa)Ν ἶiὅὂὁὅtaΝ ἷmΝ tὄecircὅΝmodelos harmocircnicos diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico No Timeu (36a1-b5) o gecircnero escolhido eacute o diatocircnico no qual os dois intervalos superiores eram tons inteiros e o inferior um meio tom Nos diz WἷὄὅiὀgἷὄΝ (1λλλ)Ν ὃuἷΝ ldquoὀaΝ ἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝ ἶὁὅΝ gecircὀἷὄὁὅΝ aΝ matἷmὠtiἵaΝ ἶἷὅἷmὂἷὀhaΝ tamἴὧmΝ umΝ ὂaὂἷlΝfundamental E eacute nesssa acepccedilatildeo matemaacutetica da muacutesica que noacutes devemos interpretar as passagem dos Diaacutelogos nos quais a temperanccedila eacute descrita em termos de tensatildeo e suavidade () o gecircnero diatocircnico que preside no Timeu a constituiccedilatildeo da estrutura da alma (cinco oitavas e uma quinta e um tom) pode ser considerada como uma matemaacutetica da temperanccedila () Platatildeo aqui chega a se divertir com as matemaacuteticas parece admitir portanto na maioria das vezes que a vida moral assim como a muacutesica se ajusta matematicamente A musa filosoacutefica eacute medida o que significa que ela pratica o gecircnero da harmonia diatocircnica e as matemaacuteticas da πφλκ τθβrdquoΝ(ὂέΝἄἅ-68)
140 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
inexperientes recorrendo ao monocoacuterdio204 Eacute imprescindiacutevel identificar tambeacutem os sistemas
( υ άηα α) de intervalos e as combinaccedilotildees ( α) provenientes de tais sistemas ndash lembremos
aqui de Aristoxeno e sua teoria musical segundo a qual esses intervalos compunham
determinada harmonia205 As afecccedilotildees que ocorrem nos corpos por meio dos ritmos ( υγηκ μ)
e metros (ηΫ λα)206 e que devem ser medidas pela utilizaccedilatildeo de um determinado nuacutemero
ἐaὅtaΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝἶaΝfamὁὅaΝldquoἵὁmaΝὂitagὰὄiἵardquo207 das vaacuterias referecircncias agrave muacutesica presente
no Timeu agrave escala diatocircnica208 a harmonia universal a muacutesica suas relaccedilotildees com a geometria
e a aritmeacutetica aleacutem da gama tonal (a oitava) da qual encontramos referecircncia tambeacutem em
204 Rizek (1998) em artigo que busca resumir a teoria da harmonia platocircnica nos fala sobre esse processo ainda simploacuterio da afinaccedilatildeo por meio do monocoacuterdio que os inexperientes recorriam aos quais Platatildeo criacutetica ao propor uma ciecircncia harmocircnica seacuteria baseada em termos exclusivamente matἷmὠtiἵὁὅΝ aὅὅimΝ ἷlἷΝ ἶiὐμΝ ldquoἶaἶaΝ aΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ὅimὂliἵiἶaἶἷΝ ἶaΝ tἷὁὄiaΝ ἶaΝ afiὀaὦatildeὁΝ ἷὅtaΝ ἵiecircὀἵiaΝ [aΝharmocircnica] em comunhatildeo com a base empiacuterica dada pelo monocoacuterdio foi a primeira dentro da Fiacutesica a tornar-se plenamente matematizada () Platatildeo daacute evidecircncias inquestionaacuteveis de ter conhecido o monocoacuterdiondash um aparato teacutecnico destinado a manter constante todos os outros fatores enquanto somente o comprimento da corda eacute variado ndash o que fica claro por exemplo na passagem onde ironicamente ele brinca com os muacutesicos que natildeo se libertam da prisatildeo sensiacutevel determinada pelo apego aΝἷὅtἷΝiὀὅtὄumἷὀtὁμΝlsquo[ἷὅὅἷὅΝmήὅiἵὁὅΝviὄtuὁὅὁὅ] agregam dificuldades agraves cordas e inclusive torturam-nas valendo-ὅἷΝἶὁΝtὁὄmἷὀtὁΝἶaὅΝἵὄavἷlhaὅrsquordquoΝ(ΝἑfέΝR 531 b1-2) (RIZEK 1998 p 259) Para mais passagens sobre isso cf R 531a1-c1) 205 Segundo Aristoxeno os sistemas musicais (ou harmonias) satildeo compostos por um ou mais intervalos Para um exame mais detalhado dos elementos musicais do peripateacutetico Aristoxeno presentes no Filebo ver Kucharsky (1959 p 41-72) 206 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἷxὂliἵaΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)μΝldquoἡὅΝὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝlsquoὂlatὲὀiἵὁὅrsquoΝiὀὅὂiὄaἶὁὅΝὀaὃuἷlἷὅ dos harmonistas satildeo descritos ainda mais claramente A quantidade numeacuterica dos intervalos do som em relaccedilatildeo ao agudo e ao grave a sua natureza qualitativa os limites dos intervalos e quantos acordos surgem (acordos que os antigos reconheciam e que tranὅmitiὄamΝaΝὀὰὅΝἵὁmΝὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquohaὄmὁὀiardquoΝbem como outras afecccedilotildees semelhantes que estatildeo nos movimentos do corpo) dizendo que todas estas coisas medidas por meio do nuacutemero devemos chamaacute-laὅΝlsquoὄitmὁrsquoΝἷΝlsquomἷtὄὁrsquoμΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝmὁἶὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(p 79) Dito de outro modo assim como harmonia que oscila entre agudo e grave o ritmo tambeacutem eacute em certa disposiccedilatildeo uma sequecircncia de movimentos lentos e raacutepidos Platatildeo teria dado uma nova acepccedilatildeo mais precisa agrave questatildeo tradicional Sobre isso cf Muniz (2012 p 213 n 19) Wersinger chega a afirmar que graccedilas ao ritmo e agrave harmonia que a sauacutede do corpo (indissociaacutevel com a da alma) alcance o equiliacutebrio sem a qual natildeo teriacuteamos sequer consciecircncia do prazer Logo o prazer eacute tambeacutem uma tarefa musical porque a alma eacute musical como nos diz o Timeu (36ass 86css) Tanto progressatildeo geomeacutetrica quanto progressatildeo musical compotildeem esta θαζκΰέα psiacutequica e consequentemente moral em que o que estaacute me questatildeo eacute a sauacutede e o equiliacutebrio entre corpo e alma Wersinger chega a concluir ἷΝὀὰὅΝἵὁmΝἷlaΝὃuἷμΝldquoἷxiὅtἷΝὅἷguὀἶὁΝἢlatatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝὅaἴἷὄΝligaἶὁΝὡΝtἷmὂἷὄaὀὦaΝἷΝὡΝὅaήἶἷΝὃuἷΝprocura o equiliacutebrio da alma e do corpo Esse prazer obedece a uma estrutura que pertence a mesma matemaacutetica que possibilita definir os dois conceitos musicais que satildeo a consonacircncia e a harmonia aὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝἷὅtἷὅΝήltimὁὅΝἵὁὀὅtituἷmΝumaΝὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁΝmuὅiἵalrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἄ)έΝ 207 Trata-se do intervalo microtonal seja entre a ζ ῖηηα (semitom pitagoacuterico da escala diatocircnica) seja entre o πκ κηά (semitom da escala cromaacutetica) Essas divisotildees dos semitonais satildeo tambeacutem chamadas de έ δμ essas divisotildees relativas ao temperamento (afinaccedilatildeo) musical resultavam no εσηηα (531441524288) pois o semi-tom natildeo poderia ser um nuacutemero irracional por isso a divisatildeo do tom se dava por meio de duas partes desiguais (ζ ῖηηα 243256 πκ κηά ἀ1ἆἅμἀίἂἆ)ΝἷΝumaΝldquoἵὁmardquoΝ(ἑfέΝTi 31b-36b) 208 Cf Tim 36ass
141 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Epinomis209 que no Filebo daacute lugar agrave gama dos prazeres Podemos concluir a respeito disso
seguindo as consideraccedilotildees de Moutsopoulos que
O Filebo reflete o conhecimento musical cientiacutefico de Platatildeo devido aos estudos dos pitagoacutericos que determinavam os intervalos em virtude da ldquomἷἶiἶaΝὄaἵiὁὀalΝἷfἷtuaἶaΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁὅΝὀήmἷὄὁὅrdquoέΝἓὅtἷΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝὂἷὅὃuiὅaΝconsitia em realidade no meacutetodo matemaacutetico de dois fenocircmenos musicais meacutetodo oposto agravequele empiacuterico que se baseava unicamente sobre o ouvido [veremos Soacutecrates em 56a3-8 fazer uma distinccedilatildeo entre a muacutesica que ajusta suas harmonias por meio da medida e agravequela que se utiliza de conjecturas tida como imprecisa] Platatildeo pode rejeitar esta uacuteltima natildeo poderia por sinal ignoraacute-la de tudo pela grande difusatildeo que ela tinha naquele tempo e pela importacircncia louvaacutevel da criaccedilatildeo musical que se baseava unicamente seus princiacutepios imutaacuteveis derivados unicamente do caacutelculo mental tornando-a muito mais riacutegida (2002 p 81)
O ensinamento dos primeiros pitagoacutericos encontra-se degenerado no tempo de Platatildeo
A muacutesica que anteriormente era objeto da doutrina filosoacutefica dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo
ponto de pertencimento a essas doutrinas se tornaraacute entatildeo mais tarde uma evidente
especializaccedilatildeo de uma determinada pesquisa Ela (a muacutesica) se torna uma mateacuteria cientiacutefica
por direito proacuteprio estudada a partir de si mesma O papel da matemaacutetica no campo musical
deve ser levado em conta como algo de suma importacircncia dado que os nuacutemeros possuem o
poder de iniciaccedilatildeo agrave atividade dialeacutetica O Filebo reafirma essa afinidade entre a matemaacutetica
e a muacutesica o essencial natildeo eacute a quantidade de conhecimentos mas o modo como esse saber
eacute adquirido As diferenccedilas entre o um e o muacuteltiplo devem ser agora estudas tendo em vista
tambeacutem a multiplicidade (natildeo qualquer multiplicidade como se pode jaacute notar) Dito de outro
modo eacute essa diferenciaccedilatildeo entre o estudo de tal questatildeo (um e muacuteltiplo) que suscita tambeacutem
a distinccedilatildeo entre aqueles que adotam o meacutetodo dialeacutetico e aqueles que utilizam-se da eriacutestica
Lembrando que a exigecircncia de Soacutecrates nesse trecho em relaccedilatildeo agrave muacutesica natildeo se trata de
uma requisiccedilatildeo de um conhecimento extremo da ciecircncia harmocircnica tal como os musicistas
ou seja natildeo se trata de tornar muacutesicos os seus interlocutores mas a incentivaacute-los a
reconhecer na ciecircncia harmocircnica aqueles princiacutepios baacutesicos (consonacircncia harmonia)
propiacutecios agrave caracterizaccedilatildeo do modo como a dialeacutetica deve ser dirigir em relaccedilatildeo aos objetos
que visa investigar No caso do nosso diaacutelogo devido a uma influecircncia dos pitagoacutericos a
209 ldquoἔiὀalmἷὀtἷΝ ὀaΝ ἷὅἵalaΝ ὃuἷΝ vaiΝ ἶὁΝ ἶὁἴὄὁΝ aὁΝ tἷὄmὁΝ mὧἶiὁΝ umaΝ ἶaὅΝ mὧἶiaὅΝ ὧΝ ἷὃuiἶiὅtaὀtἷΝ ἶὁὅΝextremos jaacute que excede ao termo menor em uma quantidade igual agravequela em que eacute excedida pelo termo maior a outra excede o termo menor e eacute excedida pelo maior pela mesma fraccedilatildeo dos termos respectivos e assim se formam as razotildees de 32 e 43 que seratildeo encontradas como meacutedias dentro da gama que vai de 6 a 12 Eacute por esta progressatildeo com o duplo sentido direcional efetivado por meio destas uacuteltimas razotildees que recebemos uma daacutediva do abenccediloado coro das Musas agraves quais a humanidade deve o benefiacutecio do jogo da consonacircncia e da medida com toda a contribuiccedilatildeo ao ritmo e mἷlὁἶiardquoΝ(λλ1Νa-b)
142 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
beleza eacute essencialmente proporccedilatildeo e medida duas caracteriacutesticas traduziacuteveis na noccedilatildeo de
nuacutemero O papel ativo da beleza consiste na introduccedilatildeo do nuacutemero no indeterminado
platocircnico vago incerto a determinaccedilatildeo matemaacutetica que atua como elemento concreto
(MOUTSOPOULOS 2002 p 82)
Filebo compreende os usos desses exemplos elencados por Soacutecrates como
demonstra em 18d3 Mas ainda falta algo na visatildeo do interlocutor Soacutecrates se atenta ao
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὄἷquerido Agora eacute o proacuteprio Soacutecrates quem se atenta
aΝἷὅὅaΝἷxigecircὀἵiaμΝldquoo que estaacute faltando de novo Filbebo eacute a relaccedilatildeo disso com o nosso tema
ὀatildeὁΝὧςrdquoΝ(η θΝ Φέζβί Ν έΝπλ μΝ πκμΝα α ᾽ έθν)Ν(1ἆἶἄ)έΝEacuteΝὄἷlaὦatildeὁΝaἶmitἷΝἔilἷἴὁΝ
que este uacuteltimo e Protarco procuravam haacute muito tempo e que entatildeo Soacutecrates admite que
ela estaria bem diante deles (18e1-2)
Soc Nossa discussatildeo natildeo era desde o iniacutecio ( ι λξ μ ζσΰκμ) sobre o pensamento (φλκθά πμ) e o prazer ( κθ μ) e sobre qual dos dois deve ser escolhido ( πσ λκθ α κῖθ α λ Ϋκθ) Fil Como natildeo Soc Ora afirmamos tambeacutem que cada um deles eacute um Fil Sim certamente Soc Eacute exatamente essa questatildeo que nossa discussatildeo anterior ( πλσ γ θ ζσΰκμ) nos exige resposta como cada um deles eacute um e eacute muacuteltiplo ( δθ θ εα πκζζ ) e como natildeo satildeo eles imediatamente ( γτμ) ilimitados ( π δλα) possuindo um e o outro um nuacutemero ( λδγη θ) determinado antes de se tornar ilimitado ( π δλα) (18e8-19a2)
A reaccedilatildeo de Protarco eacute entatildeo dirigida a Filebo o que teria feito desde o iniacutecio do
diaacutelogo taὀtὁΝἷlἷΝὃuaὀtὁΝἥὰἵὄatἷὅΝldquoaὀἶaὅΝἷmΝἵiacuteὄἵulὁὅrdquoΝ(κ εΝκ ᾽ θ δθαΝ λσπκθΝετεζ ππμΝ
π λδαΰαΰ θΝ η μΝ ηίΫίζβε ) (19a3-4) A indignaccedilatildeo de Protarco chega a tal ponto de
considerar-ὅἷΝἷlἷΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὄiἶiacuteἵulὁrdquoΝ(ΰ ζκῖκθ) ao tentar responder a uma questatildeo tatildeo aacuterdua ao
ter assumido o papel de interlocutor no diaacutelogo doado a ele por Filebo mas ainda mais ridiacuteculo
seria se nem ele nem Soacutecrates fossem capazes de responder a tais questotildees anteriormente
tratadas (19a8-b1) Neste momento o proacuteprio Protarco emite um testemunho de
compreensatildeo
Prot () Soacutecrates na realidade estaacute nos perguntando segundo me parece pelas espeacutecies de prazer ndash se existem ou natildeo ( β ΰ λ ηκδ κε δ θ θ λπ θ
κθ μ () δθ ηά) quantas satildeo e de que tipo satildeo (εα πσ α εα πκῖα) e a mesma coisa em relaccedilatildeo ao pensamento ( μ rsquoΝ α φλκθά πμ) (19b1-4)
E Soacutecrates responde imediatamente
143 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Soc Nada mais verdadeiro ( ζβγΫ α α ζΫΰ δμ) filho de Caacutelias Se noacutes natildeo pudermos fazer ( λ θ)210 isso em relaccedilatildeo a todo tipo de unidade (εα παθ μ θκμ) semelhanccedila ( ηκέκθ) identidade ( α κ ) e tambeacutem ao oposto
( θαθ έκυ) como o argumento passado nos revelou nenhum de noacutes seraacute digno de valor ( ιδκμ) em relaccedilatildeo a nada (19b5-8)
Protarco supotildee que esse realmente eacute o modo correto de agir em se tratando desses
tipos de problemas isto eacute com a intrincada questatildeo do um e do muacuteltiplo um problema do
qual a dialeacutetica reiteradamente arroga-se tambeacutem no Filebo Platatildeo entatildeo coloca na boca de
Protarco a claacutessica expressatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoεaὅΝ ὅἷΝ ὧΝ ἴἷlὁΝ (εαζ θ) para o
temperante ( υφλκθδ) conhecer todas as coisas (η θ τηπαθ α) existe para ele
segundo me parece umaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ ὀavἷgaὦatildeὁ211rdquo ( τ λκμ rsquoΝ θαδ πζκ μ κε ῖ) que
210 Dixsaut (2004) chama nossa atenccedilatildeo para o verbo λ θ (fazer) ndash tambeacutem utilizado por Platatildeo no Sofista ndash o uso do verbo marca o caraacuteter predominantemente ativo do processo plasmaacutetico que configura a atividade dialὧtiἵaΝ ἷΝ ὅuaΝ ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝ uὀifiἵaἶὁὄaέΝ ldquoἑὁmΝ ὁΝ mἷὅmὁΝdireito que a retoacuterica a dialeacutetica permite falar poreacutem diferentemente daquela permite tambeacutem pensar Pensar eacute ter em vista uma unidade e uma multiplicidade tanto como a relaccedilatildeo natural que as une Ter em vista (horan) segundo Platatildeo eacute fazer (dran o mesmo verbo novamente eacute encontrado a propoacutesito do dialeacutetico no Sofista [Cf 235d5] e no Filebo [19b6 25b2]) pocircr em relaccedilatildeo o uno e o muacuteltiplo resultantes de um certo nuacutemero de operaccedilotildees do dialeacutetico operaccedilotildees orientadas por um propoacutesito uὀifiἵaἶὁὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἃ)έ 211 Dixsaut (1991) em uma nota da sua traduccedilatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν ὄἷfὁὄὦaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ( τ λκμΝπζκ μ) e cita o sentido consoante entre essa mesma expressatildeo retomada neste trecho do Filebo ἵὁmΝaὃuἷlἷΝὂὄimἷiὄὁΝἶiὠlὁgὁέΝἓlaΝaὅὅimΝἶiὐμΝldquoἷὅtὠΝἵlaὄὁΝὃuἷΝ[ὀὁΝFilebo]ΝἷὅὅaΝlsquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrsquoΝ ὀatildeὁΝ ἶἷὅigὀaΝ umaΝ ὅimὂlἷὅΝ muἶaὀὦaΝ ἶἷΝ mἷiὁὅΝ ὂaὄaΝ alἵaὀὦaὄΝ umΝ mἷὅmὁΝ fimΝ mas uma mudanccedila de orientaccedilatildeo e neste caso uma virada completa o saber natildeo eacute mais pensado em extensatildeo mas como um conhecimento refletido pelo sujeito que conhece que deve tomar consciecircncia do fato que se ignora a si mesmo Essa reflexatildeo constitui um preacute-requisito a segunda navegaccedilatildeo (deuacuteteros ploucircs) eacute a primeira por direito se natildeo em fato e ela evita as divagaccedilotildees da primeira () natildeo designa nem o recurso a um meacutetodo inferior agravequele da primeira navegaccedilatildeo nem um meacutetodo de substituiccedilatildeo que permite alἵaὀὦaὄΝumΝmἷὅmὁΝὁἴjἷtivὁμΝἷlaΝὧΝumΝldquoἶἷὅviὁΝἶἷΝὂἷὄὅὂἷἵtivardquoΝ(ἶὁΝἷxtἷὄiὁὄΝὂaὄaΝὁΝiὀtἷὄiὁὄ)ΝὃuἷΝmἷtamὁὄfὁὅἷiaΝὁΝὁἴjἷtivὁΝiὅtὁΝὧΝtaὀtὁΝὁἴjἷtὁΝἵὁmὁΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἁἅ1-372) Podemos certamente dizer que Platatildeo rejeita o modo das explicaccedilotildees fisioloacutegicas baseadas no plano dos fἷὀὲmἷὀὁὅΝὂὄὁmὁvἷὀἶὁΝumaΝὄἷviὄavὁltaΝὃuἷΝἷlἷΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝἷΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaἶὁΝaΝldquohiὂὰtἷὅἷΝἶaὅΝἔὁὄmaὅrdquoέΝἢlatatildeὁΝὂὄὁἵuὄaΝfaὐἷὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶaΝalmaΝἵὁmΝela mesma e natildeo com a Natureza O saber dialeacutetico que parte das Formas inteligiacuteveis circula apenas entre estas uacuteltimas e apenas delas resultam os conhecimentos mais elevados A ciecircncia das causas primeiras ou natildeo natildeo eacute senatildeo secundaacuteria diante deste saber da alma consigo mesma ndash e que como ἶiὐΝἒixὅautΝ(1λλ1)μΝldquo(έέέ)ΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁutὄaΝfaἵἷΝἶἷΝumΝmἷὅmὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝἁἅἀ)Νndash em relaccedilatildeo ao ζσΰκμ que busca ao maacuteximo explorar essas relaccedilotildees entre as Formas Se pensamos que a ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝ muἶaὀὦaΝὃuaὀtὁΝὡΝutiliὐaὦatildeὁΝἶἷ meios esses mesmos meios deveriam fazer com que Soacutecrates alcanccedilasse essa mesma espeacutecie de causas ou seja causas finais aὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝlhἷΝἶiὄigiἶὁΝὡΝfὄuὅtὄaὦatildeὁΝἷmΝὅuaΝὂὄimἷiὄaΝὀavἷgaὦatildeὁΝὂἷlaΝldquoἵiecircὀἵiaΝἶaΝὀatuὄἷὐardquoέΝεaὅΝnatildeo eacute esse o caso as causas finais pressupotildeem sua posiccedilatildeo por uma inteligecircncia que eacute sempre interna isto eacute da alma (individual ou universal) Essas causas natildeo podem ser vaacutelidas para todos os casos nem para cada um em particular natildeo se encontra em questatildeo aqui a dimensatildeo maior ou menor de ser natildeo importam aqui os detalhes fisioloacutegicos nesse novo tipo de explicaccedilatildeo mas a participaccedilatildeo nas Formas que explica suas determinaccedilotildees e natildeo as consideraccedilotildees relativas aos seus fins No caso de uma
144 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
consiste em natildeo ignorar-se a si mesmo (η ζαθγΪθ δθ α θ α σθ)rdquoΝ (19c1-4) Feitas as
alusotildees agrave dialeacutetica Protarco recapitularaacute en passant as posiccedilotildees iniciais que deram iniacutecio ao
diaacutelogo num primeiro momento entre Filebo e Soacutecrates (19c3-e5) Filebo teria afirmado que
a maior das aquisiccedilotildees humanas eacute o prazer e as coisas desse tipo Soacutecrates no entanto se
contrapocircs agravequele dizendo ser outras coisas que natildeo estas e que essas outras seriam ainda
melhores superiores ao prazer como a inteligecircncia o conhecimento a teacutecnicas e todas as
coisas semelhantes a estes uacuteltimos Ambas as posiccedilotildees foram postas em controveacutersia
( ηφδ ίβ ά πμ) tanto a do condutor comκ a dos interlocutores se inseriam nessa espeacutecie
ἶἷΝ ldquoἴὄiὀἵaἶἷiὄardquo (παδ ῖαμ) a fim delimitarem a discussatildeo para que ela adquirisse um limite
suficiente na determinaccedilatildeo dos argumentos apresentados por tal discussatildeo ( θ ζσΰπθ πΫλαμ
εαθ θ ΰ θβ αέ δ δκλδ γΫθ πθ) Protarco entatildeo exige uma nova postura de Soacutecrates qual
seja recusar manifestar constantemente oposiccedilatildeo aos assuntos que desejam tratar isto eacute
sobre qual dos dois (prazer e conhecimento) possa ser considerado o bem Eacute imprescindiacutevel
a Protarco a saiacuteda da aporia que surge diante de tais perguntas sobre coisas que permanecem
sem uma resposta suficiente dos interlocutores como estes problemas relativos agrave divisatildeo e
ao problema do um e do muacuteltiplo mas Soacutecrates com essas discussotildees continua lanccedilando-os
ὀἷὅὅἷΝ ldquoἵamiὀhὁΝ ὄἷὂlἷtὁΝ ἶἷΝ ὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoέΝ ἦὄata-se aqui novamente insisto de afirmar o
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝjὠΝὀὁtamὁὅΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὂaὄἷἵἷΝἷὅtaὄΝἵiἷὀtἷΝ
dessa necessidade Eacute impossiacutevel admitir ou mesmo presumir que toda essa discussatildeo
acabaraacute em aporia o que natildeo significa dizer que ela iraacute terminar como veremos Para
Protarco Soacutecrates deve tomar para si a responsabilidade de direccedilatildeo da discussatildeo e fazer
com que todo o discurso alcance um sentido ou seja que ele natildeo seja pueril e sem sentido
mas sobretudo uma discussatildeo seacuteria Diz finalmente Protarco
determinada alma ela se determina por meio da postulaccedilatildeo das Formas (beleza justiccedila coragem etc) que satildeo fins diferentemente dos seres inanimados a participaccedilatildeo dessas coisas em uma ou mais fὁὄmaὅΝ aὅΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝ maὅΝ aiὀἶaΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ algὁΝ ὀἷlaὅΝ umaΝ ὂaὄtἷΝ ἶἷΝ ldquoὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝininteligibilidade de opacidade irredutiacutevel A causa final pode ser vaacutelida para ao mundo quando tomada em conjunto necessariamente eacute considerada a melhor imagem (modelo) inteligiacutevel para a compreensatildeo mas ela natildeo se aplica ao detalhe Logo Soacutecrates natildeo descobre ndash por meio da segunda navegaccedilatildeo ndash para cada coisa o melhor que pode ser mas as causas que por participaccedilatildeo satildeo causas de inteligibilidade (finais no caso dos seres (almas) inteligiacuteveis natildeo-finais no caso dos demais seres) Sobre a segunda navegaccedilatildeo devemoὅΝ ὂἷὀὅaὄμΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ἷlaΝ ὧΝumΝ ὁutὄὁΝ ἵamiὀhὁΝ ὃuἷΝ ὀὁὅΝ ὂἷὄmitἷΝpostular um outro tipo de causas (as Formas) mas sobretudo possuir um outro tipo de discurso Ela ὂἷὄmitἷΝὄὁmὂἷὄΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝἷxὂliἵativὁΝἷΝmἷἵaὀiἵiὅtaΝἶὁὅΝlsquofiὅiὰlὁgὁὅrsquoΝaΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝἵauὅas finais ὀatildeὁΝὧΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝἵὁὀὅumiὄΝἷὅὅaΝὄuὂtuὄaέΝἒἷixaὄΝldquoἷὅἵaὂaὄrdquoΝὀὁὅΝloacutegoi as razotildees eacute passar a um outro tiὂὁΝἶἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝatὄiἴuiὄΝἵὁmὁΝ lsquoἵauὅarsquoΝ ὀatildeὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷὀgἷὀἶὄaΝ ndash mesmo da melhor maneira possiacutevel ndashΝ maὅΝ aὃuilὁΝ ὃuἷΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷlέΝ ldquoἓὅἵaὂaὄrdquoΝ ὧΝ ὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵἷὅὅaὄΝ ἶἷΝ ὂἷὄguὀtaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝproduz a beleza de uma coisa para comeccedilar a perguntar o que eacute em si o belo A maneira de questionar muἶaμΝὀatildeὁΝmaiὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝἷὅtaΝἵὁiὅaΝὧΝἴἷlaςrsquoΝmaὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝὧΝlἷgiacutetimὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝἷlaΝὧΝἴἷlaςrsquordquoΝ(ὂέΝἁἅἁ)Ν(cf DIXSAUT 1991 p 372-373) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada da expressatildeo do Feacutedon cf Nunes Sobrinho (2007 p 115-116)
145 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Decide entatildeo por ti mesmo se deves dividir as espeacutecies de prazer e de conhecimento ou se deves abandonaacute-las ( κθ μΝ βΝ κδΝ εα πδ άηβμΝ
δαδλ ΫκθΝ εα α Ϋκθ) se fores capaz e se quiseres esclarecer de um modo diferente nossa controveacutersia ( π εαγ᾽ λσθΝ δθαΝ λσπκθΝ κ σμΝ ᾽ εα ίκτζ δΝ βζ αέΝππμΝ ζζπμΝ θ θΝ ηφδ ίβ κτη θαΝπαλ᾽ ηῖθ) (20a5-8)
Diante da requisiccedilatildeo e Protarco natildeo haacute um outro caminho a natildeo ser como veremos
ἶiὅὂὁὄΝ ἶἷΝ umaΝ ldquoὀὁvaΝ mὠὃuiὀaΝ ἶἷΝ guἷὄὄardquoΝ ( ῖθ ζζβμ ηβξαθ μ 23b7-8) A primeira nos
forneceu os meios para se tratar dialeticamente o indeterminado Antes de passarmos entatildeo
a ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ὃuἷΝὅἷὄὠΝ ὂὄἷἵἷἶiἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὄἷtomada agraves questotildees iniciais do
ἶiὠlὁgὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷὅumiὄmὁὅΝaΝldquoὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝἵὁὀtiἶaΝὀἷὅὅaΝ lὁὀgaΝὂaὅὅagἷmΝ
repleta de alusotildees agrave atividade dialeacutetica e suas contribuiccedilotildees para a compreensatildeo do que vem
a ser o ilimitado ( π δλκθ) O que podemos dizer a respeito da dialeacutetica nesse primeiro
momento do diaacutelogo
Primeiramente o que se diz eacute que a dialeacutetica e o ζσΰκμ em si satildeo sempre um caso do
um e do muacuteltiplo Em 14e3-ἂΝalgὁΝaΝmaiὅΝὧΝἶitὁΝὅὁἴὄἷΝaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὀἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἶἷΝtἷὄmὁὅΝ
que oscila entre o um e o muacuteltiplo se afirma que o um eacute multiplicidade e mais indefinida ( σΝ
Ν θΝ μΝπκζζΪΝ δΝεα π δλα) assim como se diz que o muacuteltiplo eacute um ( πκζζ μΝ θΝ
ησθκθ) Nota-se aqui a introduccedilatildeo de um novo termo π δλα Qual o significado que este termo
adota neste primeiro momento Quais satildeo suas relaccedilotildees com a dialeacutetica aqui nesta
passagem Primeiro como vemos ao longo deste trecho diaacutelogo eacute que eacute possiacutevel afirmar
que essa multiplicidade ( π δλα) se opotildee agrave unidade isto porque a pluralidade ilimitada e a
unidade consistem em dois extremos da atividade dialeacutetica (17a 18a 18e-19a) mas tambeacutem
se diz que ela pode predicar uma unidade (14e) como tambeacutem uma multiplicidade (16d)
tambeacutem foi dito que ela se encontra relacionada agraves coisas em devir diante da anaacutelise do
emblemaacutetico trecho que corresponde agraves noccedilotildees tratadas em 15bss Logo a participaccedilatildeo eacute
pensada como presenccedila seja imanente ou transcendente de uma unidade (mocircnada) nas
coisas que estatildeo em devir e satildeo ilimitadas (particulares sensiacuteveis) (15b5) e por uacuteltimo se diz
que a multiplicidade numeraacutevel deixa escapar essa pluralidade de unidades incontaacuteveis
notaacuteveis como estando contidas em uma unidade dada (16e 17e)
Nos diz Soacutecrates em 17e3-4 que a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em
cada coisa soacute podem fazer de algueacutem nestes casos um inexperiente no pensar que
ningueacutem leva em conta ( ᾽ π δλσθΝ Ν εΪ πθΝεα θΝ εΪ κδμΝπζ γκμΝ π δλκθΝ εΪ κ Ν
πκδ ῖ κ φλκθ ῖθΝεα κ εΝ ζζσΰδηκθΝκ ᾽ θΪλδγηκθ) Neste caso parece haver dois sentidos
envoltos na noccedilatildeo de π δλκθ tanto o de multiplicidade vaacuteria quanto o de uma multiplicidade
146 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
determinada ou como nos diz Dixsaut (2001)212Ν ldquoἢlatatildeὁΝ ὂaὄἷἵἷΝ gὁὅtaὄΝ ἶὁΝ jὁgὁΝ ὃuἷΝ faὄiaΝ
ὂaὅὅaὄΝἶἷΝumΝhὁmὲὀimὁΝaΝὁutὄὁrdquoΝ(ὂέΝἁίἀ)έΝἜὁgὁΝὁΝiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝὧΝumaΝldquoὂἷἶὄaΝἶἷΝtὄὁὂἷὦὁrdquoΝ
para o pensamento ele coloca em questatildeo o proacuteprio pensamento
Um primeiro modo de dividir eacute partir de uma unidade ateacute alcanccedilar uma multiplicidade
determinada e segundo o Filebo (16e1-3) natildeo devemos imediatamente aplicar a forma do
ilimitado agrave pluralidade mas soacute depois de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que
existe entre o ilimitado e o um para somente depois disso abandonar tais espeacutecies (vaacuterias)
se despedir dessa multiplicidade deixando na indeterminaccedilatildeo tudo aquilo que natildeo inclui essa
escolha (dessa unidade) realizada pelo dialeacutetico ao dividir Poreacutem haacute ainda uma situaccedilatildeo
contraacuteria ( θαθ έκθ) a essa tarefa do dialeacutetico de dividir uma dada unidade como nos diz o
tἷxtὁΝἷmΝ1ἆaλΝiὅtὁΝὧΝldquoὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaὂὄἷἷὀἶἷὄΝἷmΝὂὄimἷiὄὁΝlugaὄΝὁΝilimitaἶὁrdquoΝ
( αθ δμ π δλκθ θαΰεα γ πλ κθ ζαηίΪθ δθ) ou seja partir de uma multiplicidade
indeterminada Esta unidade presente nesta multiplicidade soacute pode ser nominal e
indeterminada Ela tambeacutem natildeo pode ser tornada imediatamente ( γτμ) uma unidade real
(18b1) mas antes se deve discernir um nuacutemero ( λδγη θ) que constitui qualquer pluralidade
determinada (α δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e soacute depois disso se deve olhar
para o um
Sem a postulaccedilatildeo de uma unidade real natildeo haacute divisatildeo possiacutevel Logo essa tambeacutem
passa a ser uma tarefa do dialeacutetico antes de postular uma unidade real ele deve constituir
uma multiplicidade numeraacutevel E como isso poderaacute ser feito Pela classificaccedilatildeo pela
distinccedilatildeo na multiplicidade indeterminada inicial todas as espeacutecies que exigem o nuacutemero que
noacutes lhe damos juntamente com aquelas que natildeo o exigem e entatildeo ordenar essas espeacutecies
ou elementos no interior de uma estrutura Trata-se de substituir essa multiplicidade
incontaacutevel essa indeterminaccedilatildeo ndash seja entre as coisas seja entre as variadas coisas dentro
de uma unidade ndash por uma multiplicidade determinada que oferece conteuacutedo a essa nova
unidade unidade real tornando-a verdadeira Postular um nuacutemero determinado de
intermediaacuterios que existe entre o ilimitado e o um (η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμ 16e1)
eacute o que distingue o dialeacutetico do eriacutestico e por essa estrutura intermediaacuteria deve passar todo
movimento dialeacutetico Se vamos por um sentido ou por outro ou seja do um ao ilimitado ou
do ilimitado ao um soacute podemos falar em unidade real agrave medida em que essa unidade torna-
se uma unidade determinada isto eacute se envolver uma multiplicidade constituiacuteda de forma
precisa Ora se vamos imediatamente do ilimitado agrave unidade eacute o mesmo que ir do ilimitado
ao ilimitado Eacute apenas esse processo de circularidade do um e do muacuteltiplo pode retirar a
indeterminaccedilatildeo o um torna-se apenas esse um sob a condiccedilatildeo de ser a unidade de
212 Sigo de perto a intepretaccedilatildeo desta autora em relaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo do ilimitado (Cf DIXSAUT 2001 p 302-310) e tambeacutem seguindo em grande parte as consideraccedilotildees postas por Delcomminette (2002 p 96-159)
147 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
determinada multiplicidade ao mesmo tempo que uma multiplicidade para ser muacuteltipla deve
ser simultaneamente uma multiplicidade de unidades e ser incluiacuteda em uma unidade pois
ἵaὅὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝldquohavἷὄiaΝἶiὅὂἷὄὅatildeὁΝὅἷmΝlimitἷΝἷΝὅἷmΝligaὦatildeὁΝἷΝὀatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ
2001 p 304)213
Penso que Dixsaut (2001) estaacute correta ao dizer que λδγη θ significa em grego antes
de mais nada uma estrutura (p 304)214έΝἣuaὀἶὁΝὅὁmὁὅΝldquofὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝἶὁΝ
213 Delcomminette (2002) tambeacutem explica a passagem recorrendo ao exemplo do deus egiacutepcio Teuth Theuth - ou melhor um deus ou um homem divino - deveraacute distinguir as letras do alfabeto grego para iὀὅtituiὄΝaΝΰλαηηα δε θΝ ΫξθβθέΝἢaὄaΝtalΝἷlἷΝἶἷvἷὄὠΝὂὁὅtulaὄΝὁΝὅὁmΝvὁἵalΝἵὁmὁΝumΝgecircὀἷὄὁΝaΝὅἷὄΝἶiviἶiἶὁέΝSemelhante posiccedilatildeo o coloca na presenccedila natildeo da infinita variedade de sons jaacute individualizados mas de um som indefinido De fato Theuth natildeo chega agrave compreensatildeo dos sons individuais antes do final do processo Nessas condiccedilotildees o problema do status das entidades reunidas eacute um problema falso natildeo satildeo nem coisas particulares nem universais porque nem sequer satildeo entidades elas simplesmente formam um halo indiferenciado que acompanha a unidade que postulamos como a possibilidade para essa mesma ideia de ser participada de estar envolvida nessa relaccedilatildeo (p 107) Ainda nos diz ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἀ)μΝldquoEacuteΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὃuἷΝὁΝapeiron natildeo deve ser tomado em um sentido exclusivamente ἷxtἷὀὅiὁὀalέΝἥἷΝlsquoapeiron ὀaΝmultiὂliἵiἶaἶἷrsquoΝὄἷfἷὄἷ-se a uma multiplicidade indiferenciada entatildeo ela eacute tanto uma noccedilatildeo extensional como intensional ela pode se referir tanto agrave multiplicidade ilimitada e indiscriminada de participantes na ideia que noacutes postulamos que estatildeo virtualmente presentes em nosso pensamento quanto agrave parte de indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento quando pensamos nessa Ideia que pode ser determinada de muitas maneiras diferentes Esses dois aspectos satildeo correlativos e qualquer accedilatildeo sobre um implica uma accedilatildeo sobre o outro qualquer limitaccedilatildeo da multiplicidade de participantes implica uma determinaccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento e vice-versa O objetivo da reuniatildeo eacute precisamente fazer a ponte entre esses dois aspectos e permitir que o dialeacutetico ὅἷΝmὁvaΝἶἷΝumΝὂaὄaΝὁΝὁutὄὁέΝεaiὅΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝlsquoἷxtἷὀὅiὁὀalrsquoΝὧΝὁΝiὀὅtὄumἷὀtὁΝὃuἷΝὂἷὄmitἷΝao dialeacutetico determinar seu pensamento por exemplo usando o contraste entre vaacuterios participantes para descobrir as diferenccedilas que os distinguem E na medida em que qualquer determinaccedilatildeo subsequente reduza a multiplicidade de participantes esse aspecto tambeacutem pode servir como criteacuterio para testar a integridade de sua atividade determinante Esta circulaὦatildeὁΝiὀἵἷὅὅaὀtἷΝἷὀtὄἷΝlsquoἷxtἷὀὅatildeὁrsquoΝἷΝlsquoiὀtἷὀὅatildeὁrsquoΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝgὄaὦaὅΝaΝamἴiguiἶaἶἷΝiὀἷὄἷὀtἷΝaὁΝtἷὄmὁΝapeiron que se refere a tudo aquilo que ὧΝiὀἶἷfiὀiἶὁΝtaὀtὁΝὃuaὀtitativamἷὀtἷΝ(ἵaὅὁΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝἶἷὅἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝo entendamos como um termo referente a um nuacutemero ilimitado mas ainda mais agrave ilimitaccedilatildeo que o impede de ser um nuacutemero no sentido grego do termo) quanto qualitativamente (caso este em que podemos traduzi-lὁΝἵὁmὁΝlsquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrsquo)έΝἡΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝaΝὂὁὅtulaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝIἶἷiaΝὂὁὅὅa trazer agrave tona um apeiron tendo esses dois aspectos resulta do fato de que a reuniatildeo eacute um processo virtual em vez de uma enumeraccedilatildeo de participantes jaacute diferenciados De forma geral podemos provisoriamente propor essa definiccedilatildeo puramente negativa do apeiron o apeiron eacute indeterminaccedilatildeo ou ilimitaccedilatildeo no sentido de que escapa agrave determinaccedilatildeo ou agrave limitaccedilatildeo Deste ponto de vista o apeiron eacute o oposto do pensamento e ateacute mesmo seu inimigo e este antagonismo eacute reforccedilado pelo jogo de palavras sobre esse termo iἶecircὀtiἵὁΝἷmΝgὄἷgὁΝὡὃuἷlἷΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝlsquoiὀἷxὂἷὄiἷὀtἷrsquordquoΝ(ὂέΝ1ίἅ-108) 214 ἠaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁΝὅἷguἷΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷμΝldquoὁΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝaὃuiΝὧΝaΝἵlaὄaΝἵὁὀἷxatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝde aprendizagem individual e a transiccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo para a determinaccedilatildeo tanto quantitativa quanto qualitativa que eacute obra da dialeacutetica () o que eacute aprendido eacute sempre uma estrutura determinada na qual todos os elementos estatildeo conectados de tal forma que eacute impossiacutevel conhecer algum independentemente de todos os outros O aprendizado envolve a imposiccedilatildeo de uma estrutura (grifo nosso) definitiva sobre a primeira indeterminaccedilatildeo do nosso pensamento uma estrutura que constitui o campo de aplicaccedilatildeo de uma tekhnegrave correspondente - neste caso a grammatikegrave tekhnegrave do nosso pensamento (18 c7-8) () Soacutecrates iraacute dizer natildeo sem prejuiacutezo que o apeiron eacute aquilo que torna algueacutem π δλκμ κ φλκθ ῖθΝ Ν iὅtὁΝὧΝ iὀἷxὂἷὄiἷὀtἷΝὀὁΝὂἷὀὅaὄΝ(1ἅΝἷἁ-6) pensar natildeo eacute possiacutevel sem
148 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ilimitaἶὁrdquoΝ ἷΝ ὧΝ ἷὅὅἷΝ ὁΝὂὁὀtὁΝὃuἷΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶἷvἷὄὠΝ aὃuiΝ ὄἷtὁmaὄΝ aὁΝ ἶiὐἷὄΝ ὃuἷΝ ἷὅtaΝ ὅituaὦatildeὁΝ
tambeacutem se configura enquanto uma atividade do dialeacutetico que nos encontramos perante a
uma situaccedilatildeo simeacutetrica agrave da divisatildeo Contudo reunir e dividir aqui ao que tudo indica trata-
se de estruturar problema semelhante ao encontrado por Teuth o criador do alfabeto foneacutetico
como ilustrado no exemplo do diaacutelogo Dito de outro modo eacute imprescindiacutevel agora ao tomar
uma realidade ilimitada produzir um conjunto ordenado de elementos que se encontram
interligados interdependentes como no caso da φπθ (voz) e dos demais exemplos dados
por Soacutecrates na argumentaccedilatildeo precedente215 Diante de uma realidade ilimitada como eacute o
caso da voz Teuth eacute o primeiro a tentar converter esse ilimitado indefinidamente variaacutevel em
uma pluralidade numeraacutevel Da realidade sonora indeterminada de um conjunto ilimitado de
modulaccedilotildees fora possiacutevel retirar uma quantidade determinada limitada de espeacutecies foneacuteticas
(vogais semi-vogais e mudas) como tambeacutem foi possiacutevel determinar o nuacutemero de elementos
proacuteprios de cada uma dessas espeacutecies a fim de instituir uma totalidade uma estrutura
coerente (o alfabeto foneacutetico o conjunto das letras) detendo-se apenas nessas mesmas
espeacutecies
O problema do prazer eacute semelhante ao caso do alfabeto antes de determinarmos se
o prazer eacute o bem devemos analisar essa realidade em que consiste ser o prazer e que recobre
uma pluralidade indeterminada Antes entatildeo devemos constituir uma unidade real e para tal
eacute necessaacuterio alcanccedilar uma pluralidade determinada uma multiplicidade contaacutevel Vale
lembrar que prazer e conhecimento estatildeo submetidos a uma escolha sobre qual dos dois
possa ser considerado o bem Antes devemos saber em que medida ambos (prazer e
conhecimento) satildeo simultaneamente um e muacuteltiplo ao inveacutes de consideraacute-los como ilimitados
jaacute agrave primeira vista melhor dizendo como cada um deles adquire em dado momento um
nuacutemero antes de se tornar ilimitado (Cf 18e9-1λaἀ)μΝldquolsquoἓmΝumΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁrsquoΝ(πκ 19a1)
porque natildeo eacute sempre em um mesmo momento do processo dialeacutetico que se eacute conquistada a
pluralidade determinada ela pode acontecer antes ou apoacutes o posicionamento da unidade
ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀίί1 p 305 grifos da autora) Ela iraacute acontecer antes caso
iniciemos pelo ilimitado e ocorreraacute depois se jaacute partimos de uma unidade determinada e a
dividimos A incompreensatildeo de Protarco e de Filebo versa sobre a necessidade de maiores
esclarecimentos por parte de Soacutecrates por que um interluacutedio tatildeo exaustivo sobre a divisatildeo
Soacutecrates natildeo poderia perguntar diretamente ndash e Filebo concorda com Protarco pois
referecircncias e essas referecircncias satildeo fornecidas pelas estruturas determinadas aprendidas pela ἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ1ἁἁ-134) 215 Sobre isto conferir o que dissemos sobre a muacutesica anteriormente e a ambiguidade presente em dois tipos de muacutesica praticadas na eacutepoca grega claacutessica aquela que visava o nuacutemero herdada praacutetica matematizante da caraterizaccedilatildeo das harmonias e aquela baseada na mediccedilatildeo (empiacuterica) infinita dos intermediaacuterios dos intervalos musicais visando a criaccedilatildeo e sistemas como eacute o caso Dos elementos harmocircnicos presentes nas doutrinas de Aristoxeno (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 134-143)
149 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ἵὁὀὅtaὀtἷmἷὀtἷΝἷὅtὠΝaΝἷxigiὄΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝndash se o objetivo maior
dessa discussatildeo eacute a divisatildeo dos prazeres e conhecimentos se eles possuem realmente
espeacutecies quais satildeo e quantas satildeo (19b1-4) O fato eacute que neste caso Soacutecrates natildeo estaacute a
solicitar de seu interlocutor principal uma divisatildeo de prazeres e conhecimentos porque isso
seria impossiacutevel natildeo se pode comeccedilar a dividir pelo ilimitado antes se deve postular um
nuacutemero para entatildeo constituir uma unidade verdadeira real somente essa unidade eacute que
poderaacute ser constituiacuteda objeto da divisatildeo Nos dizeres de Dixsaut (2001)
O que Soacutecrates exige de fato eacute a constituiccedilatildeo de um alfabeto ou gama dos prazeres a fim de substituir a indeterminaccedilatildeo inicial do prazer pela multiplicidade de prazeres (daquilo que eacute verdadeiramente e natildeo falsamente ou ilusoriamente nomeado prazer) Eacute precisamente isso que ele iraacute fazer durante uma longa anaacutelise (p 306 grifos da autora)
Todos os trecircs exemplos (alfabeto foneacutetico teoria musical gramaacutetica) ilustram de
maneira significativa o modo como o dialeacutetico deve operar diante do ilimitado A multiplicidade
ὧΝtὄaὀὅfὁὄmaἶaΝὂἷlὁΝἶialὧtiἵὁΝldquoiὀfὁὄmaἶardquoΝaΝilimitaὦatildeὁΝaἶὃuiὄἷΝὁΝὅtatuὅΝἶἷΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝ
determinada ela eacute constituiacuteda a partir de uma pluralidade incontaacutevel se torna uma pluralidade
determinada que natildeo estaacute dada Muacutesica e foneacutetica estruturam um ilimitado sonoro No caso
da abordagem dialeacutetica dos prazeres natildeo se passa de outra maneira ela exige uma outra
abordagem dialeacutetica que eacute tambeacutem uma abordagem preacutevia Seraacute necessaacuterio tomar a
questatildeo de uma maneira diferente isto porque o prazer natildeo se apresenta nem como uma
multiplicidade de unidades distintas ou diferenciaacuteveis (multiplicidade determinada) nem como
uma unidade articulada propiacutecia agrave divisatildeo
Jaacute o conhecimento muito pelo contraacuterio pode ser examinado diretamente pelo
processo dialeacutetico da divisatildeo ele lida com espeacutecies reais Embora se reconheccedila qualquer
contrariedade ou diversidade que seja entre os conhecimentos ele (o conhecimento)
comporta unidades reais ele eacute uma unidade real porque exclui diretamente suas
contrariedades ou seja os conhecimentos falsos Neste caso se trataria de uma contradiccedilatildeo
em termos jaacute que tambeacutem existem prazeres falsos mas o tipo de falsidade do conhecimento
natildeo eacute o mesmo tipo de falsidade que envolve os prazeres ou porque o prazer diferentemente
do conhecimento natildeo eacute algo determinado mas indeterminado essas talvez possam ser
algumas das principais saiacutedas diante do que seraacute tratado mais adiante no diaacutelogo por Platatildeo
ao se referir aos prazeres falsos por hora deixemos isso de lado
Portanto de acordo com o que se pode verificar na anaacutelise desta primeira parte do
diaacutelogo o π δλκθ eacute um predicado aplicado tanto a uma unidade quanto a uma multiplicidade
tambeacutem ilimitada por isso aqui ele desempenha um duplo papel A ilimitaccedilatildeo tem tanto um
sentido quantitativo quanto um sentido quantitativo Quantitativo pois ela caracteriza uma
150 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
multiplicidade numeacuterica distinta ( π δλκθ πζ γκμ πζάγ δ 16d7 17b4 18b2)216 Para ser uma
unidade real essa unidade prescinde compreender (i) uma multiplicidade numeraacutevel as
espeacutecies obtidas no processo de divisatildeo (ii) uma multiplicidade de espeacutecies natildeo-numeraacuteveis
seja aquelas espeacutecies que o dialeacutetico deveraacute deixar no acircmbito da ilimitaccedilatildeo ou aquelas
espeacutecies indivisiacuteveis em espeacutecies (iacutenfimas espeacutecies) que compreendem uma populaccedilatildeo
incontaacutevel de indiviacuteduos singulares Qualitativo porque ambos os casos (i e ii) recebem o
qualificativo π δλκμΝἵὁmὁΝἴἷmΝἷxὂliἵaΝἒixὅautμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅaὅΝὅatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷὅΝiὀἵὁὀtὠvἷiὅΝ
de fato (ou em ato) enquanto que aquelas [multiplicidades contaacuteveis] permanecem contaacuteveis
ὂὁὄΝἶiὄἷitὁΝ(ὁuΝἷmΝὂὁtecircὀἵia)rdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἁίἅ)έΝἏἶἷmaiὅΝela nos explica
Cada Gecircnero Cada Forma conteacutem esse gecircnero de multiplicidade o que natildeo ὅigὀifiἵaΝumaΝldquomatὧὄiaΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝὂὁὄὃuἷΝumaΝtalΝmatὧὄiaΝἶἷvἷὄiaΝὂὄἷἵἷἶἷὄΝou ao menos ser independente de sua determinaccedilatildeo pela forma enquanto que a multiplicidade indeterminada resulta dos movimentos de determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 307-308)
Ora esse ponto eacute decisivo na interpretaccedilatildeo do Filebo e sugere que refutemos qualquer
compreensatildeo que tente duplicar as Formas inteligiacuteveis separando-as em mateacuteria e forma
Como todas as coisas elas contecircm limite e ilimitado (indeterminaccedilatildeo e determinaccedilatildeo) poreacutem
natildeo satildeo resultantes da imposiccedilatildeo de um limite ao ilimitado Essa seria uma primeira
tὄaὀὅὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ faὄiaΝὅὁfὄἷὄΝaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝἶiviὀardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νὂ 308 n1)217
Dentre as alusotildees feitas agrave dialeacutetica jaacute realccediladas em nossa anaacutelise desse tema no Filebo ainda
eacute possiacutevel notar que aqui a dialeacutetica se evidencia como uma tarefa dotada de certa
parcialidade as unidades obtidas em conjunto apenas satildeo frutos de uma multiplicidade
determinada logo limitada como tambeacutem a multiplicidade eacute derivada de uma unidade
particular tomada desde um ponto de vista particular por exemplo o Sofista o Poliacutetico e o
Filebo todos esses diaacutelogos realizam uma espeacutecie de divisatildeo das teacutecnicas ou melhor dos
conhecimentos mas em todos eles se parte de um ponto de vista distinto o que natildeo nos
permite dizer que partem da multiplicidade mas de uma unidade dada Ou seja a ideia eacute a
mesma os resultados nem sempre o satildeo O que atesta ainda mais que nenhuma divisatildeo eacute
exaustiva que sempre permanece um resiacuteduo de indeterminaccedilatildeo nas divisotildees O que natildeo
significa dizer que se vai do um ao ilimitado diretamente (compreendido no sentido de unidade
216 Dixsaut (2001) nos chama a atenccedilatildeo para a recorrecircncia em outros diaacutelogos da exprἷὅὅatildeὁΝldquo π δλκθ ( ) πζ γκμ (Cf R IX 591d8 Tht 147d7 147d7 Prm 144a6 e3-ἂ)νΝldquo π δλκθ πζάγ δrdquoμΝ(ἑfέΝTht 156a6 8 Prm 144a6 145a3 158b6 164d1 165c4 e6 Sph 256e6 Lg IX 860b4 217 A discussatildeo sobre as Formas seraacute retomada no momento em que nos detivermos na ontologia quaacutedrupla (23c-31b) eacute sobre este momento que muitos estudiosos colocam em questatildeo a presenccedila ou ausecircncia das Formas no diaacutelogo
151 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
natildeo-numeraacutevel) Da mesma maneira se vamos imediatamente do ilimitado (multiplicidade
natildeo-contaacutevel) ao um eacute a proacutepria unidade ela mesma que se encontraraacute indeterminada
No Filebo torna-ὅἷΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀὁΝὃualΝldquoὅὁmὁὅΝfὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝ
ἶὁΝldquoilimitaἶὁrdquoΝὂὁiὅΝὀἷὅὅἷΝἵaὅὁΝtanto a multiplicidade quanto a unidade natildeo nos satildeo dadas
elas satildeo igualmente indeterminadas completamente diferente das operaccedilotildees dialeacuteticas
fuὀἶamἷὀtaiὅΝ aὅΝ ἶitaὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἦἷmὁὅΝ umΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ maiὁὄΝ aὃuiΝ viὅtὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ
indeterminado impede a atividade dialeacutetica caso ele natildeo aceite recuar por isso torna-se
necessaacuteria instauraccedilatildeo de uma multiplicidade natildeo-dada para entatildeo a partir dela postular
uma determinada unidade diante daquilo que parece excluir qualquer determinaccedilatildeo Nesse
primeiro momento do diaacutelogo nesta primeira parte o estatuto do π δλσθ eacute desenvolvido tendo
vista a deacutemarche dialeacutetica Se o pensamento eacute capaz de tolerar esse resiacuteduo de
indeterminaccedilatildeo se toda divisatildeo executada pela dialeacutetica natildeo eacute exaustiva de que modo
poderia a dialeacutetica controlar essa indeterminaccedilatildeo que busca constantemente se impor ao
pensar Haacute algum recurso que possa ser utilizado pelo dialeacutetico De que nos adiantaria a
postulaccedilatildeo do indeterminado enquanto um termo extremamente oposto agrave unidade jaacute que
ambos os termos natildeo pudessem se relacionar de forma alguma Por certo o ilimitado natildeo
teria utilidade alguma ao dialeacutetico
Eacute aqui que o caso egiacutepcio anteriormente realccedilado faz todo o sentido principalmente
no que diz respeito agrave resultante desse caso a saber a gramaacutetica esse elo que permite que
compreendamos cada unidade que tivera como ponto de partida uma multiplicidade natildeo-
numeraacutevel mas que soacute pode ser aprendida em uma relaccedilatildeo conjunta (multiplicidade
contaacutevel) essa unidade que torna possiacutevel a compreensatildeo ao aprendizado como no caso
das letras que isoladas uma das outras natildeo teriam sentido algum mas somente por meio
desse elo que as une e faz delas certa unidade proclama-se que possuiacutemos um uacutenico
conhecimento acerca delas o qual se denominou como gramaacutetica218 Isso quer dizer que natildeo
218 Gallop (1963) explica suficientemente a passagem ao tratar deste caso do alfabeto foneacutetico pois nada se diz acerca da escrita mas apenas agraves letras e agrave periacutecia foneacutetica da divisatildeo entre vogais consoantes e mudas No entender de Gallop (1963) isso deve ser lido com o devido respeito ao contexto dialoacutegico As letras fornecem um modelo natildeo como se pode parecer num dado momento para se compreender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados natildeo eacute este o sentido da passagem aqui apresentada mas para se discutir a classificaccedilatildeo A classificaccedilatildeo dos sons sobre os quais um alfabeto eacute baseado eacute utilizada para ilustrar o meacutetodo da divisatildeo Assim seria equivocado dizer que a aprendizagem das letras eacute equiparada agrave periacutecia foneacutetica Soacutecrates iraacute dizer em 17b que nos tornamos ΰλαηηα δε θ natildeo porque conhecemos o ilimitado nem porque conhecemos o um mas porque sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo os sons vocais Teuth depois de classificar os sons atribui-lhes uma uacutenica arte que engloba a todos chamando-a de ΰλαηηα δε θ Ϋξθβθ (18d) Mas porque aqui natildeo encontramos uma menccedilatildeo agrave escrita por que classificar os sons e natildeo designar caracteres graacuteficos que representariam esses sons tal como se relata no Fedro (274c) que Teuth teria feito Por que algueacutem deveria antes aprender a natureza e o nuacutemero dos sons se natildeo para dominar esses caracteres que os representam Em 18d tambeacutem se diz que o deus egiacutepcio considerou que natildeo poderiacuteamos aprender qualquer letra por ela mesma isolada de todas as outras sem aprendecirc-las todas em conjunto O que
152 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
basta que cada termo seja determinado somente em-si mas relativamente a todos os outros
por isso esse recurso eacute a proacutepria estruturaccedilatildeo dessa multiplicidade indeterminada tornando-
a determinada Eacute por meio desse esse recurso dessa determinaccedilatildeo relativa da
interdependecircncia dos elementos no interior de um todo que a indeterminaccedilatildeo pode ser
superada219
Logo parece compreensiacutevel a apresentaccedilatildeo da dialeacutetica deste modo no iniacutecio do
diaacutelogo pois se o dialeacutetico se depara como uma unidade real uma unidade verdadeira ele
se contenta em dividi-laΝἷmΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝldquoaἴaὀἶὁὀaὀἶὁrdquoΝἶἷixaὀἶὁΝἶἷΝlaἶὁΝὁΝilimitaἶὁΝ
essas espeacutecies muacuteltiplas jaacute que como jaacute dissemos essa divisatildeo natildeo eacute nunca exaustiva
Contudo ainda eacute necessaacuterio mencionar o papel principal do π δλκθ na discussatildeo cujo
propoacutesito se configura por demarcar a situaccedilatildeo presente ou seja no caso em que se lida com
se quer dizer aqui natildeo eacute que natildeo possamos aprender suficientemente algumas letras do alfabeto por exemplo 6 ou 7 letras sem aprender as demais o que seria obviamente falso Logo o que se afirma ἷΝἵὁmΝὂὄἷἵiὅatildeὁΝὧΝὃuἷΝὀatildeὁΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝ[sic As letras] se natildeo somos capazes de distinguir pela liacutengua e pelo ouvido a diferenccedila por exemplo o som da consoante ldquoἴrdquoΝἶὁΝὅὁmΝἶaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝaὅὅimΝὂὁὄΝἶiaὀtἷέΝἡἴviamἷὀtἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀhἷἵἷὄΝἷΝὀὁmἷaὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅὁὀὅΝiὀiἵiaiὅΝἶaὅΝὂalavὄaὅΝiὀiἵiaἶaὅΝἵὁmΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἴrdquoΝὁuΝὅἷjaΝἵὁὀhἷἵἷὄΝaΝἵὁὀὅoante sem necessitar ἵὁὀhἷἵἷὄΝὀἷὀhumaΝὁutὄaΝἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝἷὀtatildeὁΝaΝἵὄἷὀὦaΝἶἷΝἦἷuthΝὅἷὄiaΝfalὅaΝὅἷΝse tratasse apenas de nomear uma letra caso isso fosse suficiente para o conhecimento dela Mas ὃuaὀἶὁΝὅἷΝ tὄataΝἶἷΝ ldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὄἷalmἷὀtἷrdquoΝaὅΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝldquoἴrdquoΝ ldquoἵrdquoΝ ldquoὅrdquoΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὄaΝὅἷΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝἷὅὅaὅΝlἷtὄaὅΝὧΝὁΝmἷὅmὁΝὁΝfatὁΝἶἷΝἷὅἵὄἷvecirc-las natildeo garante o aprendizado das mesmas se diz que algueacutem realmente sabe as letras quando se consegue distinguir agrave primeira vista seja pelo olho pela liacutengua pela audiccedilatildeo o que som que aquela letra representa verdadeiramente isto ὧΝὁΝfὁὀἷmaΝὃuἷΝἷlaΝἷvὁἵaνΝὃuaὀἶὁΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὅtiὀguiὄΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὅaὂὁrdquoΝΝἷΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὂaὂὁrdquoΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝὅὁὀὅΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ iniciais satildeo distintos e que devem ser pronunciados tambeacutem de forma distinta natildeo importando aqui nenhuma diferenccedila de significado mas apenas uma distinccedilatildeo foneacutetica Deste modo faz todo sentido a reflexatildeo (puramente foneacutetica) de Teuth enquanto isso que ela propriamente eacute uma pura reflexatildeo foneacutetica Natildeo haacute portanto aqui uma distinccedilatildeo entre lἷituὄaΝἷΝἷὅἵὄitaΝmaὅΝὅἷΝὂaὅὅaΝἶἷΝumaΝaΝὁutὄaΝldquoὅἷmΝhἷὅitaὦatildeὁrdquoΝiὅtὁΝὧΝὀatildeὁΝhὠΝumaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝὄἷalΝἷὀtὄἷΝfonema e letra (GALLOP 1963 p 367-368) 219 ldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἷὅpeacutecies e subespeacutecies que descobrimos satildeo um sistema que tem sua proacutepria coerecircncia como tudo consistecircncia garantida pela completude de nossas divisotildees Neste sistema cada divisatildeo eacute necessaacuteria e depende de todos os outros Logo eacute essencial notar que Soacutecrates natildeo relaciona essa ordem sistemaacutetica com a natureza das coisas em questatildeo mas com nossa capacidade de aprendecirc-las e conhececirc-las eacute porque elas natildeo podem ser aprendidas independentemente umas das outras que as letras satildeo consideradas constituintes de uma certa unidade Isso confirma que a estrutura descoberta pela dialeacutetica natildeo pertence como tal agraves proacuteprias coisas mas apenas ao conhecimento que temos delas e essa estrutura eacute o que constitui o campo conceitual de uma arte - neste caso o da tekhnegrave grammatikegrave Aleacutem disso deve-se ressaltar que a necessidade de divisotildees em um determinado sistema eacute apenas interna natildeo significa que a divisatildeo que realizamos seja a uacutenica possiacutevel ou a uacutenica vaacutelida mas apenas que ela eacute coerente e completa em si mesma () A necessidade interna das divisotildees realizadas natildeo deve ser confundida com uma necessidade externa que faria desta divisatildeo particular a uacutenica possiacutevel ἠἷὅtaὅΝἵὁὀἶiὦὴἷὅΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlsquoὃualΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝlimitaὦatildeὁΝ(ὁuΝἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁ)ΝὧΝὁΝἵἷὄtὁςrsquoΝεaὅΝlsquoὃuaiὅΝdiviὅὴἷὅΝὅatildeὁΝaὅΝἴὁaὅΝὀὁΝὅiὅtἷmaΝatualςrsquoέΝἥἷὄiaΝὂἷὄfἷitamἷὀtἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝὁΝἶἷuὅΝὁuΝὁΝhὁmἷmΝἶiviὀὁΝdividisse a φπθ de outra forma desde que sua divisatildeo fosse completa regular e possuiacutesse ἵὁὀὅiὅtecircὀἵiaΝiὀtἷὄὀardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἀΝὂέΝ1ἃἂ-155 grifos do autor)
153 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
uma situaccedilatildeo que deve operar num sentido contraacuterio agravequele primeiro supracitado Logo satildeo
dois movimentos que o dialeacutetico deve seguir e mais dois movimentos contraacuterios A fim de se
ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅimἷtὄiaΝἷὀtὄἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἷΝὁutὄὁΝὧΝὃuἷΝἵἷὄtὁΝὀήmἷὄὁΝἶἷΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝ
ndash que natildeo devem ser saltados pelo dialeacutetico passando-se de um para o outro rapidamente ndash
devem ser buscados nesse processo dialeacutetico inverso Explica Dixsaut (2001)
ἣuἷΝἷὅὅaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝὅἷjamΝaὃuiΝὀὁmἷaἶaὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝὀatildeὁΝἵὁὀfiguὄaΝἷmΝalusatildeo a nenhuma doutrina representante de realidades dessa ordem Isso simplesmente quer dizer que quando se deve partir do indeterminado o dialeacutetico natildeo obteacutem um nuacutemero determinado de espeacutecies por divisatildeo as deve constituir essas espeacutecies que se tornam ao mesmo tempo intermediaacuterios entre a realidade indeterminada de partida e sua unidade Ao dizer que aqueles tambeacutem foram obtidos pela divisatildeo Soacutecrates quer simplesmente mostrar que os dois percursos satildeo tambeacutem dialeacuteticos tanto um ἵὁmὁΝὁΝὁutὄὁΝἷΝaΝfὁὄmulaὦatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶὠΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝldquoὀὁὄmalrdquoΝtἷmΝὁΝήὀiἵὁΝpropoacutesito de demarcar que nos dois casos trata-se do mesmo caminho ainda que esse seja percorrido num sentido inverso (p 309-310)
ἒiaὀtἷΝἶἷΝtuἶὁΝὁΝὃuἷΝfὁiΝἷxὂὁὅtὁΝὂaὄἷἵἷΝἵlaὄaΝaΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὁΝ
assunto do diaacutelogo a despeito de muitos inteacuterpretes contemporacircneos acreditarem que estas
passagens natildeo desempenham um papel importante na economia interna do diaacutelogo Uma
ideia que natildeo eacute nova Se olharmos atentamente o diaacutelogo veremos que esses inteacuterpretes
estatildeo prefigurados no mesmo questionamento de Protarco Como tratar de algo que nem eacute
uma unidade verdadeira nem mesmo uma multiplicidade verdadeira como eacute o caso do
prazer Qual caminho se deve adotar Ora por isso torna-se necessaacuterio um exame
metodoloacutegico capaz de delinear claramente uma nova abordagem poreacutem tambeacutem pertinente
ao dialeacutetico enquanto uma tarefa desafiadora mas ainda uma tarefa do proacuteprio dialeacutetico que
deve agora utilizar um recurso proacuteprio para lidar com essa situaccedilatildeo contraacuteria quando se tem
como ponto de partida uma multiplicidade e uma unidade natildeo dadas
O papel desempenhado por essa primeira parte (14b-20a) eacute um dos maiores senatildeo
o maior objeto de controveacutersia entre os inteacuterpretes como jaacute dissemos Isto porque como
veremos logo a seguir diante da requisiccedilatildeo de Protarco em 19e-20a acerca da saiacuteda das
aporias lanccediladas pelo condutor anteriormente Soacutecrates retorna agrave problemaacutetica inicial do
diaacutelogo (a vida boa) a partir de 20c um primeiro fato que demonstraria que a discussatildeo inicial
ὅἷὄiaΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὂaὄecircὀtἷὅἷὅrdquoΝ ὡΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ἵἷὀtὄalΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ ἏΝ mἷtὠfὁὄaΝ ἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ
navἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)ΝὅaliἷὀtaὄiaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶἷΝ
conhecimento fundada na dialeacutetica e que evitaria as aporias da primeira abordagem Outro
fatὁΝ ὧΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ mἷὅmaΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ὂaὅὅaΝ aΝ ὅἷὄΝ tὄataἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ umaΝ ldquolἷmἴὄaὀὦardquoΝ (ἀίἴ)Ν de
Soacutecrates e de que natildeo precisariam mais das espeacutecies de prazer para a divisatildeo Essa aparente
ldquoὃuἷἴὄardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅuὅἵitὁuΝumΝἶἷἴatἷΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaἵἷὄἵaΝἶὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝtaὀtὁΝὀὁΝ
154 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Filebo ἵὁmὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἶἷὀὁmiὀaἶὁΝldquomὧtὁἶὁ ἶaΝἶiviὅatildeὁrdquoΝὂlatὲὀiἵὁΝ( δαέλ δμ) Este debate
pode ser resumido em trecircs eixos principais (i) muitos220 julgam que o Soacutecrates do Filebo
estaria no decorrer do diaacutelogo aplicando aos prazeres e conhecimentos o meacutetodo
anteriormente tratado por ele no iniacutecio do diaacutelogo esse meacutetodo seria uma variante do ceacutelebre
Meacutetodo da Divisatildeo ( δαέλ δμ) do qual se fala no Fedro mas que concretamente se torna
aplicaacutevel explicitamente no Sofista e no Poliacutetico (ii) outros221 acreditam que este meacutetodo
apresentado no iniacutecio da obra tem uma funccedilatildeo classificatoacuteria no decorrer da argumentaccedilatildeo
em relaccedilatildeo aos prazeres e conhecimentos e que no caso do Filebo natildeo podemos encontrar
neste diaacutelogo em absoluto este Meacutetodo da Divisatildeo presente em algum dos demais diaacutelogos
(iii) haacute ainda outros222 ainda que acreditam que natildeo se trata nem do Meacutetodo da Divisatildeo nem
do proacuteprio meacutetodo exposto no Filebo
Diante das limitaccedilotildees impostas por esse trabalho um estudo capaz de avaliar todas
essas questotildees demandaria uma ampla anaacutelise em um outro momento Primeiramente seria
necessaacuterio adentrar agraves especificidades do Meacutetodo da Divisatildeo na filosofia platocircnica o sentido
geral atribuiacutedo por nosso autor a esse procedimento dialeacutetico posteriormente teriacuteamos de
esclarecer a relaccedilatildeo das Divisotildees do Filebo com esse ceacutelebre Meacutetodo da Divisatildeo como
tambeacutem explicar a especificidade das Divisotildees desse diaacutelogo e por fim ressaltar a
importacircncia dessas divisotildees em relaccedilatildeo ao objetivo geral do diaacutelogo Se nos eacute possiacutevel
adiantar algo sobre a nossa posiccedilatildeo em relaccedilatildeo a esse debate contemporacircneo que envolve
a questatildeo das divisotildees no Filebo poderiacuteamos ressaltar o que jaacute dissemos a abordagem do
meacutetodo das divisotildees possui objetivos proacuteprios no diaacutelogo como a demarcaccedilatildeo dialeacutetica da
situaccedilatildeo contraacuteria em relaccedilatildeo ao um e ao muacuteltiplo que se deve partir no caso do tratamento
dos prazeres em que uma unidade e uma multiplicidade determinada natildeo nos satildeo dadas
Poreacutem discordo de ὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝtἷὀhaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁm o conteuacutedo do diaacutelogo
e que ela natildeo desempenhe um papel relevante na economia interna do diaacutelogo No entanto
ἵὄἷiὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝὅἷΝἷὅtἷὀἶἷΝaὁΝἵaὅὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὁΝ
que se veraacute mais adiante eacute uma classificaccedilatildeo de ambos e natildeo divisatildeo pois vale lembrar no
caso dos prazeres estamos partindo do ilimitado Portanto toda a abordagem do meacutetodo
ilustra muito bem essa nova abordagem dialeacutetica em questatildeo a saber a anaacutelise dos prazeres
e dos conhecimentos para a composiccedilatildeo da boa vida mista
Ainda que natildeo se trate do caso de divisatildeo dos prazeres e conhecimentos essa
primeira parte do diaacutelogo natildeo deixa de ter um papel fundamental e indispensaacutevel agraves anaacutelises
que se seguem cujas consequecircncias poderatildeo ser notadas mais adiante Isso ficaraacute ainda
mais claro no momento em que nosso texto tratar de ambas as anaacutelises (dos prazeres e dos
220 Ackrill (1971) Bravo (2009) Delcomminette (2002) Moravcsik (2006) e outros 221 Dixsaut (2001) Rowe (1999) Trevaskys (1960) e Benitez (1999) 222 Vanhoutte (1956) e Frede (1993)
155 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
conhecimentos) Logo como jaacute disse sigo nesta posiccedilatildeo com todo o cuidado possiacutevel e ciente
da necessidade de uma investigaccedilatildeo mais pormenorizada sobre todas as posiccedilotildees
conflitantes acerca das divisotildees anteriormente citadas minha opccedilatildeo por uma determinada
posiccedilatildeo deve-se num primeiro momento a uma anaacutelise direta do que me parece mais evidente
ser possiacutevel verificar no diaacutelogo Uma tal criacutetica especializada que confronte essas posiccedilotildees
e que possa defender com mais veemecircncia a posiccedilatildeo adotada por este trabalho exigiraacute um
esforccedilo maior a ser apreendido em um momento posterior Passemos entatildeo aos
desdobramentos posteriores do diaacutelogo na tentativa de compreender entatildeoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝ
maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝutiliὐaἶaΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝagὁὄaΝἷΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝὁΝὄumὁΝἶἷΝtὁἶaΝaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝultἷὄiὁὄέ
32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Diante da insistecircncia de Protarco sobre a dificuldade de permanecerem nas aporias
relativas agrave divisatildeo (20a) Soacutecrates deveraacute retomar as questotildees iniciais do diaacutelogo e
novamente tratar da disputa inicial entre prazer e inteligecircncia pelo primeiro precircmio No caso
aὀtἷὄiὁὄΝὁΝἵiacuteὄἵulὁΝἷὀtὄἷΝaΝviἶaΝἴὁaΝἷΝaΝἶialὧtiἵaΝὄἷὅultὁuΝὀaΝaὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ
(16c-17a) das divisotildees com as quais deve lidar o dialeacutetico quando se depara com algo
ilimitado como eacute o caso do prazer A identidade entre prazer e bem assim como a identidade
entre inteligecircncia e bem gerava um ciacuterculo vicioso (14b) e a uacutenica saiacuteda seria a busca por
umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ( δΝ λέ κθΝ ζζκ)Ν caso nenhum dos dois (prazer ou inteligecircncia)
demonstrassem natildeo ser o bem Para tal Soacutecrates postulou a divisatildeo entre os prazeres com
base nas diferenccedilas e ateacute mesmo contrariedades existentes nisso que denominamos como
algo uacutenico ldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝ como tambeacutem postulou uma divisatildeo tendo em vista a bondade dos
prazeres distinguindo prazeres maus de prazeres bons Este uacuteltimo tipo de divisatildeo como
vimos natildeo fora aceito por Protarco (13c) e a fim de sanar o impasse Soacutecrates se refere agrave
multiplicidade e agrave contrariedade que tambeacutem envolve os conhecimentos sem no entanto
tocar na questatildeo da bondade ou maldade dos conhecimentos
ἢὄὁtaὄἵὁΝἷὀtatildeὁΝafiὄmaΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝ(1ἂa)ΝἷὀtὄἷΝamἴὁὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝ
e conhecimento) o que na verdade eacute uma equidade apenas aparente pois sobre os
conhecimentos apenas se diz que satildeo diferentes variados e ateacute mesmo contraacuterios uns aos
outros Logo o interluacutedio (14b- 20a) que iraacute tratar dos problemas relativos ao um e ao muacuteltiplo
possuem uma relaccedilatildeo direta ndash por mais que alguns defendam que natildeo ndash com o conteuacutedo do
diaacutelogo Fica claro que a forma de se tratar dos prazeres deve ser dialeacutetica poreacutem essa
proacutepria abordagem dos prazeres exige um tratamento preacutevio que foge das alusotildees aos
ὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝ ἶialὧtiἵὁὅΝ ἶitὁὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὀatildeὁΝ ὄἷἵὁὀhἷἵἷΝ ἷὅὅaΝ imὂὁὄtacircὀἵiaΝ ἶὁΝ
ldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὅἷΝvecircΝiὀἵaὂaὐΝἶἷΝὄἷaliὐaὄΝaὅΝἶiviὅὴἷὅΝὁὂἷὄaἶaὅΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝἷxigindo que
156 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
a questatildeo inicial sobre a vida boa capaz de tornar os homens felizes seja retomada como
tamἴὧmΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝὧΝiἶecircὀtiἵὁΝ( α σθΝἀίἵἀ)ΝaὁΝἴἷmέ
Eacute importante notar que Soacutecrates natildeo o refuta mas deixa que Protarco manifeste sua
insuficiecircncia diante do virtuosismo das divisotildees socraacuteticas e a rapidez em suas transiccedilotildees
Talvez isso aconteccedila para mostrar a diferenccedila entre o exame dialeacutetico-filosoacutefico rigoroso e o
jogo retoacuterico-sofiacutestico antes de adentrar agraves questotildees dos dialeacuteticos experientes aquelas que
versam sobre o bem categoria a que Protarco evidentemente natildeo pertence Todavia no
momento em que assume sua ignoracircncia e teme cair no ridiacuteculo justamente por se auto
reconhecer como ignorante natildeo querendo fazer de sua incompreensatildeo objeto de escaacuternio
para os demais ele daacute o primeiro passo para a filosofia mesmo sem saber sem estar ciente
disso ainda que ela natildeo lhe agrade pois como se pode notar (19c-d) ele ainda permanece
preso ao ciacuterculo vicioso devido agrave sua defesa da tese reelaborada na discussatildeo que ele mesmo
defende a identidade entre bem e prazer (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 162)
A demarcaccedilatildeo dialeacutetica se oferece nesta primeira abordagem como uma saiacuteda para
tratar da questatildeo dos prazeres da multiplicidade que lhes eacute caracteriacutestica tornando evidente
que o prazer eacute algo complexo muacuteltiplo e natildeo algo uacutenico Os conhecimentos satildeo tambeacutem
muacuteltiplos poreacutem estes lidam com unidades reais e que excluem imediatamente os
conhecimentos contraacuterios ou falsos Vale lembrar que a dialeacutetica eacute capaz de apresentar
divisotildees coerentes mas nunca exaustivas esgotadas ela eacute sempre parcial De tal modo
analisados prazeres e conhecimentos sob a perspectiva da unidade e multiplicidade vemos
que ambos natildeo satildeὁΝἷὅὅἷΝalgὁΝldquoήὀiἵὁrdquoΝldquoiἶecircὀtiἵὁrdquoΝὂaὄaΝὃuἷΝὅἷjam tomados como o bem
Note-se que esse ciacuterculo vicioso entre prazer e bem natildeo foi de tudo rompido Ainda
falta dizer porque alguns prazeres podem ser ditos bons e outros maus ou melhor porque o
prazer natildeo eacute o bem A deficiecircncia de Protarco em seguir as divisotildees anteriores natildeo eacute
ingecircnua223 sua incapacidade de seguir o caminho da dialeacutetica (19b 20a) que resulta na
ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)Νἵὁlὁἵaἶa ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀaΝἴὁἵaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝὀὁὅΝἶiὄigἷΝaΝumaΝldquoὀὁvaΝ
faὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝaὄgumἷὀtativὁΝἷΝἶὁὅΝfiὀὅΝaΝὃuἷΝὅἷΝἶiὄigἷΝὁΝἶiὠlὁgὁέ Ao que tudo indica apoacutes
a demarcaccedilatildeo da dialeacutetica que envolve os prazeres seraacute possiacutevel tratar do bem e da vida
223 ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝἴἷmΝἷὅὅaΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoὂὁὄΝὁutὄὁΝlaἶὁΝἷὅὅἷΝὄἷtὁὄὀὁΝὅὁἴὄἷΝὅiΝmesmo leva Protarco a reconhecer sua incapacidade de praticar a dialeacutetica Essa incapacidade natildeo eacute contingente como vimos ela eacute a consequecircncia necessaacuteria do seu hedonismo Nesta fase do diaacutelogo Protarco ainda natildeo tem nenhuma razatildeo para desistir de sua posiccedilatildeo hedonista e enquanto ele o adotar natildeo poderaacute praticar dialeacutetica Nesse sentido tambeacutem o valor metodoloacutegico da dialeacutetica natildeo pode ser pressuposto porque conceder tal valor agrave dialeacutetica jaacute implica que o hedonismo radical de Protarco foi refutado Soacutecrates certamente tornou este valor plausiacutevel apresentando a dialeacutetica como um presente dos deuses mas para aceitaacute-lo plenamente Protarco deve primeiro estar livre de seu hedonismo radical Eacute portanto a identidade proclamada entre o prazer e o bem que seratildeo abordados agora e ὅἷmΝὄἷἵὁὄὄἷὄΝὡΝἶialὧtiἵaΝὅἷmΝaΝὃualΝaΝἶἷmὁὀὅtὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumΝἵiacuteὄἵulὁΝviἵiὁὅὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ162 grifos do autor)
157 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
boa prescindindo das divisotildees das espeacutecies de prazer o que por sinal iraacute eliminar de vez o
impasse do ciacuterculo inicial
Lembremos que todo o processo argumentativo culminaraacute no artifiacutecio socraacutetico
habitual consistindo em faὐἷὄΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝὅἷuΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄΝ ὅἷΝ tὁὄὀἷΝ umΝ ἶἷfἷὀὅὁὄΝ ἶaΝ ldquotἷὅἷΝ da
multiἶatildeὁrdquoΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝὁ prazer como o bem A primeira abordagem da dialeacutetica como vimos
natildeo fazia sair do impasse daquela tese em quἷΝldquoὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquo diziam ser a inteligecircncia o bem
os intemperantes ser o prazer o bem224 Pode-se afirmar que em um primeiro momento a
dialeacutetica eacute um meio oferecido por Soacutecrates para tratar definitivamente da saiacuteda desse impasse
por meio de uma segunda tentativa que iraacute configurar a vida mista ou seja o proceder
dialeacutetico seraacute ofertado por quem natildeo a pratica ainda mas permanece circunscrito em um
discurso fechado que natildeo se potildee em discussatildeo e que busca se afirmar sempre A
modificaccedilatildeo no discurso inicial de Filebo que diz que o prazer eacute bom para todos os seres vivos
e que todos o desejam reconfigura-ὅἷΝὀaΝldquotἷὅἷΝἶaΝmultiἶatildeὁrdquoΝὂἷlaΝaὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅ225 e de
Protarco226 que emprestam ao personagem que nomeia o diaacutelogo um discurso transmutado
em tese Em um segundo momento a dialeacutetica agora pode se voltar sobre o outro aspecto
relativo agrave anaacutelise do prazer a saber sua bondade ouΝὅἷjaΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝldquoὧtiἵὁrdquoΝὄἷἵὁἴὄἷΝἷὅὅaΝ
segunda parte evidenciando uma aparente derrocada metodoloacutegica uma separaccedilatildeo artificial
e forccedilada pois ambos os aspectos (metodoloacutegicoeacutetico) se implicam mutuamente como se
pode notar Estamos agora de volta agravequele ciacuterculo vicioso inicial poreacutem em uma outra
extremidade Agora seraacute o bem que deveraacute ser tratado para afinal se decidir se um dos dois
prazer ou conhecimento pode ser tido como o bem
Anteriormente a dialeacutetica era tratada em vista da abordagem muacuteltipla indeterminada
dos prazeres a fim de demonstrar a coerecircncia interna faltante na tese do gecircnero comum dos
prazeres Agora a dialeacutetica deixa aos poucos transparecer sua parcialidade trata-se aqui da
ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝviὅlumἴὄaὄΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὅὅἷΝtἷὄἵἷiὄὁΝtἷὄmὁΝἷὅὅἷΝἵὁὀtἷήἶὁΝvaὐiὁΝaΝὃualὃuἷὄΝ
um que natildeo eacute capaz de praticar a dialeacutetica de onde essa concepccedilatildeo (a vida boa) resulta Isso
explica como bem observa Delcomminette que ldquonestas circunstacircncias natildeo eacute surpreendente
que Soacutecrates use exatamente o mesmo estratagema que no caso anterior para quebrar o
224 (Cf R VI 505b7-8) 225 Como bem notou Dixsaut (2017) Soacutecrates inverte pura e simplesmente a afirmaccedilatildeo primeira no decorrer do diaacutelogo a ponto de chegar a dizer que o Filebo natildeo teria no final das contas afirmado que todo prazer eacute bom mas ele teria dito que o bem eacute o prazer A afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer transforma-ὅἷΝἷmΝumaΝ(mὠ)ΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝἴὁmΝἷlaΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquoἓὀtὄἷΝaΝfὰὄmulaΝiὀiἵialΝe sua inversatildeo final haacute todo um percurso bastante complicado do Diaacutelogo sendo um de seus resultados ter triunfado em estabelecer uma simetria perfeita entre as duas teses e diferenciar ὄaἶiἵalmἷὀtἷΝὅἷuὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἃἄ-257) 226 ldquoἏΝὂὄimἷiὄaΝtὄaὀὅfὁὄmaὦatildeὁΝὧΝὁὂἷὄaἶaΝὂὁὄΝἢὄὁtaὄἵὁέΝἡὅΝἶὁiὅΝ logoi (o de Filebo e o de Soacutecrates) satildeo apresentados por ele como duas respostas a uma mesma questatildeo o que confere agravequele de Filebo um valὁὄΝὄἷiviὀἶiἵativὁΝauὅἷὀtἷΝἶaΝὂὄimἷiὄaΝfὰὄmulaμΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἵἷὅὅaΝἶἷΝὅἷὄΝlsquoἴὁmΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅrsquoΝpara tornar-ὅἷΝlsquoaΝmἷlhὁὄΝἶaὅΝἵὁiὅaὅΝhumaὀaὅrsquoΝἷΝἷὀtὄaὄΝἷmΝἵὁὀἵὁὄὄecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦ 2017 p 255)
158 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἵiacuteὄἵulὁΝ aΝ ὅaἴἷὄΝ umaΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ (2002 p 162-163) Vejamos do que trata essa
lembranccedila divina227 (πλ μΝ α κῖμΝηθάηβθΝ δθ κε ῖ έμΝηκδΝ πεΫθαδΝγ θΝ ηῖθ) (20b3-4)
Soc Vecircm agora agrave minha mente certos discursos (ζσΰπθ) que haacute muito escutei em sonho ou em vigiacutelia sobre o prazer e o pensamento (π λέ
κθ μ εα φλκθά πμ) Tais discursos afirmam que nenhum dos dois eacute o bem ( μΝκ Ϋ λκθΝα κῖθΝ δΝ ΰαγσθ) mas sim uma terceira coisa ( ζζ
ζζκΝ δΝ λέ κθ) diferente deles ( λκθΝ η θΝ κτ πθ) e melhor que ambos ( η δθκθΝ ηφκῖθ) Mas se isso de revelar agora com toda clareza para noacutes (εαέ κδΝ κ σΝΰ Ν θΝ θαλΰ μΝ ηῖθΝφαθ θ θ) entatildeo o prazer fica afastado da vitoacuteria ( πάζζαε αδΝη θΝ κθ κ θδε θ) pois o bem natildeo poderia mais ser a mesma coisa que o prazer ( ΰ λΝ ΰαγ θΝκ εΝ θΝ δΝ α θΝα ΰέΰθκδ κ) Natildeo eacute assim (20b6-c2)
A possibilidade de umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ἵὁmὁΝ jὠΝ ἶiὅὅἷmὁὅΝ jὠΝ tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ aὀuὀἵiaἶaΝ
(11d11-12a4) aqui Ela apenas se concretiza passa a ser o meio pelo qual torna-se possiacutevel
ὅaiὄΝἶὁΝἷὀfὄἷὀtamἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝἶuaὅΝtἷὅἷὅΝiὀἵὁmὂatiacutevἷiὅέΝἏΝldquolἷmἴὄaὀὦaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝὁΝmἷiὁΝ
encontrado para prescindir da divisatildeo das espeacutecies de prazer (20c4-6) De certa forma a
questatildeo sobre o bem jaacute antecipa a conclusatildeo que viraacute mais adiante a vida boa eacute uma vida
mista resultante da combinaccedilatildeo ἷὀtὄἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(ldquo υθαηφσ λκμΝ(έέέ)Ν ιΝ ηφκῖθΝ
υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμνrdquo) (22a1-2) Mas de que maneira se pode compreender essa
mistura Os deuses apenas se contentam em nos informar a ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝldquouma terceira
ἵὁiὅaΝὅἷὄΝὁΝἴἷmrdquoΝἷὀtὄἷtaὀtὁ esse conteuacutedo ainda permanece vazio nada sabemos acerca da
vida boa exceto que ela eacute uma vida mista e que prazer e inteligecircncia soacute podem agora lutar
pelo segundo precircmio O que exige que Soacutecrates e Protarco entrem em acordo
( δκηκζκΰβ υη γα) sobre alguns pequenos pontos (ηέελrsquoΝ α) (20c8) sobre o lote que
compete ao bem ( θ ΰαγκ ηκῖλαθ) (20d1) o bem ( θ ΰαγκ ) deve ser perfeito ( Ϋζ κθ)
(20d1-2) suficiente ( εαθ θ) (20d4) quando reconhecido perseguido por todos e todos
tendem a ele querendo capturaacute-lo e adquiri-lo (ldquo μΝπ θΝ ΰδΰθ εκθΝα γβλ τ δΝεα φέ αδΝ
ίκυζση θκθΝ ζ ῖθΝεα π λ α ε ά α γαδrdquo)Ν ldquo() e natildeo se preocupa com nenhuma outra
coisas exceto aquelas que se completam emΝἵὁὀἷxatildeὁΝἵὁmΝalgumΝἴἷmrdquoΝ(εα θΝ ζζπθΝκ θΝ
φλκθ έα δΝπζ θΝ θΝ πκ ζκυηΫθπθΝ ηαΝ ΰαγκῖμ)Ν(ἀίἶἅ-10)
Em 20e a questatildeo reconfigura-se As duas hipoacuteteses aventadas no iniacutecio do diaacutelogo
acerca do bem transformam-se agora em modelos de vida que passam a ser confrontados
vida de prazer ( θ κθβμ ίέκθ) e vida de pensamento ( θ φλκθά πμ ίέκθ) (20e1-2) Natildeo
ὅἷΝtὄataΝmaiὅΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝὂaὄaΝὂἷὀὅaὄrdquoΝὀἷmΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
ἶaΝalmaΝὂaὄaΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡΝὃuἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝἴἷmΝeacute um modo de vida (ίέκμ)
227 Essa accedilatildeo de recordar eacute comum em outros diaacutelogos como se nota em Chrm 178a Tht 201c-d Lg 800a 960b
159 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
que passa do modelo de vida unicamente dos seres vivos para um modelo que podemos e
devemos escolher o qual depende necessariamente da atuaccedilatildeo de certos estados e
disposiccedilotildees da alma que conduzem agrave felicidade Essa vida boa soacute pode ser a vida feliz que
necessariamente depende da maneira de ser (estado) do cultivo desses estados e do
resultado dessas disposiccedilotildees
A vida boa eacute a uacutenica que pode receber tais atributos se de fato estamos a considerar
uma vida propriamente humana ἥἷΝἶἷὅἷjaὄmὁὅΝὃuἷΝἷlaΝὅἷjaΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
que nos atenhamos agravequilo que consideramos ser o bem Isso natildeo significa considerar o bem
como algo metafiacutesico ou abstrato Temos aqui um experimento mental ambas as vidas (de
prazer e de conhecimento) satildeo examinadas ( εκπ η θ) e julgadas (ελέθπη θ)
separadamente sob o propoacutesito de se verificar alguma identidade entre elas e o bem (20e1-
2) Ora se alguma destas vidas eacute o bem elas natildeo devem prescindir de mais nada Deste
modo natildeo se poderaacute admitir nem pensamento na vida de prazer nem prazer na vida de
pensamento Caso algumas das vidas demonstre insuficiecircncia ela natildeo poderaacute ser o bem
(21a4-8) Eacute aqui que tais vidas satildeo postas agrave prova e o criteacuterio eacute simples como algueacutem aceitaria
regular a sua existecircncia inteira e unicamente pela busca de um ou de outro isto eacute unicamente
de prazer ou unicamente de inteligecircncia
A proposta entatildeo eacute feita a Protarco Satildeo testadas no proacuteprio interlocutor
Primeiramente poderia este aceitar viver a vida inteira desfrutando dos maiores prazeres
( κθ μ η ΰέ αμ) (21a8-9) Isso seria suficiente Soacutecrates alega que natildeo visto que sem o
pensamento e a inteligecircncia (φλκθ ῖθ εα κ θκ ῖθ) torna-se impossiacutevel a realizaccedilatildeo do caacutelculo
(ζκΰέα γαδ) daquilo que eacute necessaacuterio ao indiviacuteduo ele ignoraria o proacuteprio fato de estar
sentindo prazer jaacute que natildeo possui pensamento (21b6) Tambeacutem natildeo poderia se lembrar dos
prazeres passados nem conservar a lembranccedila do prazer presente pois natildeo possuiria neste
caso a memoacuteria (ηθάηβθ) (21c1-4) Sem a opiniatildeo verdadeira ( σιαθ ζβγ ) natildeo se pode
julgar ( σιαα δθ) que haacute prazer nem mesmo calcular (ζκΰδ ηκ ) o prazer vindouro (21c4-6)
Soc Natildeo viverias no entanto uma vida humana ( θγλυπκυ ίέκθ) mas a vida de algum molusco ou de uma dessas criaturas marinhas que vivem em corpos de ostras Seraacute assim mesmo ou podemos conceber isso de modo diferente (21c6-8)
ἜἷfἷἴvὄἷΝ(1λλλ)ΝἷxὂliἵaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶὁΝldquoὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁrdquoΝἷΝἶaὅΝldquoἵὄiatuὄaὅΝaὃuὠtiἵaὅέΝἡΝ
teoacuterico nos explica que aqui se faz menccedilatildeo agrave falta de consciecircncia do prazer e tambeacutem natildeo se
trata de uma pura oposiccedilatildeo entre o animal e o humano Os seres aquaacuteticos ocupam o uacuteltimo
grau da hierarquia dos viventes que natildeo respiram pelo ar mas pela aacutegua impuros como sua
alma porque satildeo os mais ignorantes O pulmatildeo marinho eacute um niacutevel uma direccedilatildeo assintoacutetica
mais baixa no sentido de uma hierarquia das almas A alma do pulmatildeo marinho eacute ainda mais
160 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
pobre que a das plantas e que natildeo participam da transmigraccedilatildeo das almas (Cf Ti 92b-c)
Plantas possuem sensaccedilotildees prazerosas e dolorosas juntamente como desejo o pulmatildeo
marinho natildeo (Ti 77b6-7) estatildeo fixados imoacuteveis na sensaccedilatildeo de um prazer sem dor Mas o
prazer em si lhe falta O pulmatildeo marinho carece de sensibilidade porque lhe falta um elemento
nomeado φλσθδηκθ (Cf Ti 64b6)228 (p 81-84)
No Filebo a vida de prazer puro eacute como dito anteriormente desprovida de memoacuteria
de opiniatildeo correta e de reflexatildeo Antecipaccedilatildeo conhecimento lembranccedila conservaccedilatildeo seriam
accedilotildees impossiacuteveis ao prazer sem o conhecimento Passado presente e futuro satildeo as
dimensotildees temporais que caracterizam o fluxo no qual o prazer se encontra Sem essas
dimensotildees o prazer seria apenas instantacircneo ou menos do que isso O Filebo nos diraacute em
33d-34a que haacute insensibilidade ( θαδ γβ έα) quando a impressatildeo (πΪγβηα) fraca apenas
toca o corpo sem afetar a alma ou seja no caso em que um ser vivo eacute totalmente desprovido
de φλσθβ δμ Isso natildeo significa que as sensaccedilotildees desses seres aquaacuteticos natildeo alcanccedilariam
suas almas uma vez que eles a possuem eles teriam sim sensaccedilotildees (α γβ δμ) e natildeo
insensibilidade mas sem memoacuteria imediatamente apoacutes a sensaccedilatildeo esta natildeo se conservaria
desapareceria instantaneamente
Poderiacuteamos dizer que esta alma (do pulmatildeo marinho) eacute uma alma desejante por
conseguinte sentiria falta de prazer ou seja dor Esse tipo de alma seria um sujeito
desejante Essa pergunta eacute complicada e talvez soacute teraacute resposta mais adiante a dor ainda
ὀatildeὁΝὧΝ tὄataἶaΝaὃuiέΝEacuteΝ imὂὁὅὅiacutevἷlΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἷὅὅἷΝὂὄaὐἷὄΝ ldquoἵὁmὂlἷtὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝcomparado ao
sujeitos dos prazeres mistos que seraacute analisado mais adiante (31d-36c 46b-47b) Nenhum
prazer que seja da alma ou do corpo exceto os prazeres puros pode ser separado da dor da
alma ou do corpo anterior ou simultacircnea em relaccedilatildeo ao prazer Quem tem sede sofre essa
sede em seu corpo mas se alegra em sua alma de poder saciar-se ou sofre por natildeo poder
fazer tal accedilatildeo O corpo tanto sofre quanto se alegra quando sacia sua sede Os maiores
prazeres ( η θκμ κθ μ μ η ΰέ αμ 21a9 b4-5) oferecidos a Protarco em um estado
hipoteacutetico de vida de puro prazer seratildeo tomados no diaacutelogo enquanto pertencentes ao gecircnero
ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝmiὅtὁὅΝὃuἷΝἵὁὀtὧmΝmaiὁὄΝvivaἵiἶaἶἷΝὁὅΝὃuaiὅΝὅatildeὁΝὄἷὀἷgaἶὁὅΝὂἷlὁὅΝldquoiὀimigὁὅΝ
ἶὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ὄἷὂugὀaὀtἷὅrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅ desmesurados (45d3-ἄ)rdquoΝ ὂὄἷἵἷἶiἶὁὅΝ ὂὁὄΝ
grandes desejos e acompanhados por dores (46a-b) os prazeres excessivos que deixam
loucos os indiviacuteduos intemperantes Aqui natildeo se trata de intemperanccedila natildeo eacute a vida de
228 ldquoἡΝὂulmatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlimitaἶὁΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝtὁἵaὄΝὂὁὄὃuἷΝἷlἷΝὅἷὃuἷὄΝtἷmΝὂὄaὐἷὄμΝἷlἷΝὧΝὅἷmΝphronesis e portanto absolutamente desprovido de sensaccedilotildees em geral O pulmatildeo natildeo eacute prazer sem pensamento porque uma impressatildeo sobre a carne de um pulmatildeo marinho ou de um molusco consiste no maacuteximo em uma impressatildeo extremamente lenta a se propagar em um corpo cujas partes natildeo iratildeo captar jamais o eco e que natildeo alcanccedilaraacute jamais algum phronimon O pulmatildeo marinho entatildeo quase natildeo eacute nada no todo porque o prazer totalmente desprovido de phronegravesis eacute no maacuteximo uma alma ( ηουξα Filebo 21c8 TimeuΝλἀἴἁ)Ν(έέέ)rdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἂ)έ
161 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
prazeres desmedidos mas a vida de prazer ausente de memoacuteria exceto no caso da vida de
prazer puro Como veremos natildeo haacute desejo sem memoacuteria (33c5-34d6)229 a memoacuteria ainda
natildeo possui um papel particular na discussatildeo mas ela seraacute fundamental na anaacutelise do prazer
O prazer dele (do pulmatildeo marinho) eacute o maacuteximo possiacutevel um prazer da πζ λκ δμ (repleccedilatildeo)
ἷΝὀatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝὂaὅὅagἷiὄὁΝὃuἷΝimὂliἵaὄiaΝiὄὄitaὦatildeὁΝἷΝἶὁὄέΝldquoἡΝὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁΝὀatildeὁΝὧΝaὅὅimΝ
apenas o limite do pensaacutevel mas o mais inferior o mais baixo de todos os viventes alguns
desses vivem uma vida de prazeres mistos prazeres que se acompanham de dores e de
mἷmὰὄiardquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έΝ
Natildeo nos interessa tanto essa descriccedilatildeo do prazer sem nenhuma φλσθ δμ e sem
nenhuma dor pois o pulmatildeo marinho goza sem saber e nem deseja um prazer que natildeo seja
defectivo em suma eacute um vivente totalmente atiacutepico Esse tipo de vida natildeo eacute um tipo de vida
que possa ser escolhido enquanto uma vida tipicamente humana Natildeo temos aqui uma
triparticcedilatildeo entre divino animal humano e vida marinha Essa hierarquia ndash se eacute que haacute uma
hierarquia ndash eacute mais continuiacutesta do que separatista como o diaacutelogo iraacute nos mostrar Soacutecrates
entatildeo daacute lugar a uma segunda hipoacutetese a vida de pensamento sem o prazer (ίέκθ
φλκθά πμ ίέκθ) (21d9-e2) ou seja uma vida unicamente em que se possui pensamento e
inteligecircncia e a memoacuteria completa de todas as coisas mas sem tomar parte nem muito nem
pouco nem do prazer nem da dor isto eacute uma vida sem experimentar ( παγ μ) nenhuma
ἶἷὅὅaὅΝἶuaὅΝἵὁiὅaὅέΝldquoἠἷὀhumaΝἶaὅΝἶuaὅΝviἶaὅΝὧΝἶigὀaΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ(α λ μ) ()rdquoΝἶiὄὠΝἢὄὁtaὄἵὁΝ
(21e3-4) nem para o interlocutor nem para a escolha de ningueacutem Ressalta-se que tanto a
vida de prazer instantacircneo sem memoacuteria (moluscos e pulmatildeo marinho) como a vida de puro
ὂἷὀὅamἷὀtὁΝὅatildeὁΝἷxtὄἷmὁὅΝἶἷΝviἶaὅμΝ ldquo(έέέ)ΝumaΝἷΝὁutra indicam duas direccedilotildees que natildeo satildeo
humanamente desejaacuteveis mas que natildeo estatildeo totalmente fechadas agrave escolha do homemrdquo
(LEFREBVRE 1999 p 87) Mas em se tratando da discussatildeo ali encetada quanto agrave vida
boa humana a uacutenica escolha possiacutevel eacute uma vida de pensamento e de prazer
As posiccedilotildees iniciais satildeo de fato falas natildeo por um juiacutezo de valor um juiacutezo moral neste
caso equivocado Esses extremos natildeo podem ser escolhidos230 Podemos notar tal fato pela
discussatildeo que segue
229 ldquo(έέέ)ΝaὂἷὀaὅΝὂodemos desejar a repleccedilatildeo tocaacute-la de alguma maneira natildeo pelo corpo que eacute vivo mas pela alma cuja memoacuteria permanece sempre plena disso que ela goza com o corpo A memoacuteria eacute a condiccedilatildeo de possibilidade do desejo e em geral o princiacutepio vital a origem do todo movimento em direccedilatildeo ao prazer (35d1-3) a memoacuteria que conserva e evoca indica para o vivente os caminhos do prazer jaacute empregados e suscetiacuteveis de ser uma novidade Um vivente sem memoacuteria natildeo poderia portanto desejar nada e nem buscar como objeto do prazer permanecendo inteiramente passivo vindo ateacute ele em permanecircncia um prazer que ele natildeo teria desejado que natildeo seria conservado e sobre o ὃualΝἷlἷΝὀatildeὁΝὅaἴἷὄiaΝὃuἷΝἷὅtaὄiaΝgὁὐaὀἶὁrdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έ 230 Gadamer (2009) eacute um dos que percebem essa contradiccedilatildeo que se apresenta nas propostas aὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὂaὄaΝaΝἷὅἵὁlhaΝἶὁὅΝmὁἶὁὅΝἶἷΝviἶaμΝ ldquoaὅὅimΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝ lὁgὁΝὀaΝἵἷὀaΝ iὀiἵialΝἷmΝὃuἷΝamἴὁὅΝ ὁὅΝ iἶἷiaὅΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ ἷΝ lsquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrsquoΝ ὅatildeὁΝ ἵὁὀtὄaὅtaἶὁὅΝ ὧΝ ὂἷὄὂaὅὅaἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝlatente A maneira ἵὁmὁΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ vivὁὅΝ ὁἴἷἶἷἵἷmΝ ὡὅΝ ἵἷgaὅΝ aὁΝ imἷἶiatὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝimpulsionados pelo poder secreto do iacutempeto vital natildeo satisfaz a possibilidade do ser humano de levar
162 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Soc E o que me dizes ProtarἵὁΝἶaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝ( έΝ ᾽ υθαηφσ λκμ)ΝἶἷΝambas proveniente da mistura comum das duas ( ιΝ ηφκῖθΝ υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμ)ς Prot Estaacutes falando da mistura de prazer de inteligecircncia e de pensamento ( κθ μΝζΫΰ δμΝεα θκ εα φλκθά πμ)ς Soc Estou falando exatamente disso ἢὄὁtέμΝἥἷmΝἶήviἶaΝὃualὃuἷὄΝumΝὅἷmΝἷxἵἷὦatildeὁΝἷὅἵὁlhἷὄiaΝ(α λά αδ)ΝἷὅὅaΝvida de preferecircncia a qualquer uma das outras duas Soc Seraacute que noacutes agora compreendemos qual a consequecircncia do presente argumento Prot Sim certamente Trecircs vidas foram propostas ( δΝ ΰ Ν λ ῖμΝ η θΝ ίέκδΝπλκυ Ϋγβ αθ)ΝἷΝἶuaὅΝἶἷlaὅΝὀatildeὁΝὅἷὄiamΝὅufiἵiἷὀtἷὅΝ( εαθ μ)ΝὀἷmΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ (α λ μ)Ν ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὁὅΝ hὁmἷὀὅΝ ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὃualὃuἷὄΝ ὅἷὄΝ vivὁΝ (κ Ν
θγλυππθΝκ Να πθΝκ θέ)έ Soc No que diz respeito a elas fica claro entatildeo que nenhuma das duas possui o bem ( μΝκ Ϋ λκμΝα κῖθΝ ξ Ν ΰαγσθ)ςΝἢὁiὅΝὅἷΝὁΝὂὁὅὅuiacuteὅὅἷmΝelas seriam suficientes ( εαθ μ)ΝὂἷὄfἷitaὅΝ(εα Ϋζ κμ)ΝἷΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝὂaὄaΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ὂlaὀtaὅΝ ἷΝ aὀimaiὅΝ (εα π δΝ φυ κῖμΝ εα α κδμΝ α λ σμ)Ν ὃuἷΝὂὁἶἷὄiamΝvivἷὄΝὅἷmὂὄἷΝaὅὅimΝaΝviἶaΝiὀtἷiὄaΝ(κ π λΝ υθα θΝ θΝκ πμΝ δ ίέκυΝα θ)νΝmaὅΝὅἷΝalgumΝἶἷΝὀὰὅΝἷὅἵὁlhἷὅὅἷΝὁutra coisa estaria agindo contra a natureza do que eacute verdadeiramente digno de escolha e contra a vontade ὂὁὄΝἵauὅaΝἶaΝigὀὁὄacircὀἵiaΝὁuΝὂὁὄΝἵauὅaΝἶἷΝalgumaΝfἷliὐΝfataliἶaἶἷΝ( ΫΝ δμΝ ζζαΝᾑλ ῖγ᾽ η θΝ παλ φτ δθΝ θΝ θΝ κ ζβγ μΝ α λ κ ζΪηίαθ θΝ επθΝ ιΝ
ΰθκέαμΝ δθκμΝ θΪΰεβμΝκ εΝ αέηκθκμ)Ν(ἀἀa1-b8)
Protarco teria ficado mudo diante da possibilidade da fruiccedilatildeo e uma vida unicamente
de prazer (21d4-5) mas essa sua afonia natildeo significa que ele natildeo tenha escolha Penso que
Platatildeo aqui natildeo diz que a vida unicamente de prazer eacute ruim ou boa natildeo se trata de uma
questatildeo valorativa mas de pura constataccedilatildeo de que uma vida unicamente de prazer eacute uma
vida inferior mesmo as plantas e os animais que satildeo tambeacutem seres desejosos perseguem
o prazer e possuem certo grau de memoacuteria por isso tambeacutem encontram-se submetidos nesse
ciclo de repleccedilatildeo e de vazio de prazer e de dor Perseguir naturalmente o prazer e fugir da
dor eacute uma accedilatildeo que envolve tanto corpo como alma Como jaacute dissemos envolve maior ou
menor grau de φλσθβ δμ em uma dada alma e em um determinado corpo isto eacute utilizando
umΝtἷὄmὁΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaΝἵaὂaἵiἶaἶἷΝἶἷΝldquoὅἷὀἵiecircὀἵiardquoΝἷmΝmaiὁὄΝὁuΝmἷὀὁὄΝgὄauΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝ
possibilita fazer escolhas perseguir aquilo que nos traz prazer e fugir daquilo que nos causa
dor O caso dos animais eacute um caso intermediaacuterio entre as duas vidas extremas assim como
o caso da vida humana Natildeo se trata entatildeo de uma diferenccedila entre animalidade humanidade
e divindade mas de uma diferenciaccedilatildeo em graus de inteligibilidade do sujeito desejante em
a sua proacutepria vida Essa questatildeo eacute exposta assim logo no iniacutecio de modo que no final teraacute de resultar a contradiccedilatildeo de que aqui algo seja colocado para escolha mas que efetivamente natildeo possa ser escolhido A cegueira do iacutempeto vital o qual sobre tudo impera eacute a falta de escolha Mas do outro lado da escolha encontra-se aquilo que por si soacute jaacute estaacute escolhido por estar posto para escolha o proacuteprio ἷὅἵὁlhἷὄΝatὄavὧὅΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἵὁὀtiἶὁΝὀὁΝaὃuilὁrdquoΝ(ὂέΝ111)έΝ
163 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
relaccedilatildeo ao objeto prazeroso Eacute necessaacuterio aqui concordar com Lefka (2010) que esses
estaacutegios de vida extremados satildeo apenas suposiccedilotildees de Soacutecrates modos de vida presentes
no iniacutecio do diaacutelogo e que satildeo descartados totalmente agora mais do que indignos de escolha
eles nos satildeo na verdade impossiacuteveis Nossa constituiccedilatildeo humana encarnada bioloacutegica natildeo
nos permite tal escolha (p 173-174)
A alusatildeo aos animais e agraves plantas soacute pode ser neste caso uma insinuaccedilatildeo irocircnica
porque parece impossiacutevel aos animas e plantas escolherem algum tipo de vida Eles podem
escolher como gozar e como fugir da dor em um dado estado de vida que lhes eacute pertinente
ou seja naquele em que eles se encontram situados mas caso pudessem escolher entre ter
mais memoacuteria mais inteligibilidade para que gozem de prazeres mais permanentes dos quais
teriam uma melhor consciecircncia ou inteligibilidade obviamente escolheriam estar mais
proacuteximos do estado de permanecircncia de prazer e de ausecircncia em maior medida de dor ou
seja a apatia ἶaΝviἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵhamaὄὠΝἶἷΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoΝ(ἁἁἴἅ)έΝεaὅΝὁΝὃuἷΝὀἷmΝmἷὅmὁΝὁὅΝ
animais e as plantas nos diz Soacutecrates em 22b podem escolher satildeo tambeacutem esses tipos de
vida extremados porque suas configuraccedilotildees aniacutemicas natildeo se situam nem na ausecircncia total
de φλσθβ δμ ou seja a apatia anestesia o prazer dotado de imediaticidade como eacute o caso
do pulmatildeo marinho que possui sensibilidade em menor grau nem no mais alto grau de
φλκθ δμ da pura inteligibilidade de permanecircncia de pensamento puro
Logo tanto a vida humana como a vida animal satildeo intermediaacuterias entre essas
concepccedilotildees impossiacuteveis de vida Ambas apenas se diferenciam perante as possibilidades de
escolha segundo os graus diferentes de φλσθβ δμ pois a vida humana mista diferentemente
da vida mista dὁὅΝaὀimaiὅΝὂὁἶἷΝὅἷΝὂὄἷὅtaὄΝaΝὅἷὄΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝumaΝviἶaΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝgὁὐaΝ
melhor em que tais indiviacuteduos se abrem aos prazeres puros e necessaacuterios como tambeacutem a
todas as formas de conhecimento e que pode merecidamente ser tributaacuteria da caracterizaccedilatildeo
de uma vida mista (humana) propriamente boa Basta analisar a constataccedilatildeo do proacuteprio
ἢὄὁtaὄἵὁμΝldquoἓὅtὠὅΝfalaὀἶὁΝἶaΝmiὅtuὄaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἶἷΝ[ὂὄaὐἷὄΝἶἷ]ΝὂἷὀὅamἷὀtὁςrdquoΝ
(22a1-2) Apesar de franqueaacuteveis ambos os modelos de vida devido a nossa dada condiccedilatildeo
(humana) nos satildeo-nos impossiacuteveis por isso o prazer e o conhecimento da vida mista eacute
diferente do puro prazer e do puro conhecimento Aqui portanto se pode dizer que na vida
mista seja a de um animal ou de um homem tem-se um pensamento que resulta prazeroso
e prazeres que apenas existem a partir do pensamento A mistura num primeiro momento
parece ser uma mistura desses elementos tomados (unicamente) como no iniacutecio do diaacutelogo
mas aos poucos vemos que isso natildeo possiacutevel que natildeo se trata disso O prazer da vida mista
natildeo eacute o prazer puro e o pensamento da vida mista natildeo eacute o pensamento puro
ἏΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝὂὄὰὂὄiaΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὃuἷΝἷxἵluiΝὃualὃuἷὄΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝὁΝ
tὄacircὀὅitὁΝ ldquoὂὄἷἷὀἵhimἷὀtὁ-vaὐiὁrdquoΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ ἵὁmὁΝ mὁἶἷlὁΝ umaΝ vἷὐΝ ὃuἷΝ ὁΝ hὁmἷm pode
apenas aspirar a esse estado divino de puro pensamento quando se potildee a refletir sobre uma
164 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
vida em que se pode gozar mais e da melhor maneira possiacutevel entretanto devido agrave sua
condiccedilatildeo jamais atingiraacute o niacutevel puro de inteligibilidade O homem e tambeacutem o filoacutesofo natildeo se
guiam pelo discurso inspirado nas paixotildees eroacuteticas dos animais mas por aqueles inspirados
pela forccedila da Musa filosoacutefica nos diraacute o final do Filebo (67b) Dizer que a busca dos animais
pelo prazer e a fuga da dor seria uma prova de que o prazer eacute o bem implica em desconsiderar
que a vida humana dispotildee de um modelo de vida ndash apesar de misto como os animais ndash em
que tanto o prazer quanto o conhecimento dessa vida mista (humana) satildeo diferentes isto por
que os graus de inteligibilidade que tornam possiacuteveis a fruiccedilatildeo dos prazeres ordenadamente
nessa vida eacute diferente daquela dos animais e por ser diferente ela possui outras e ateacute
melhores possibilidades de fruiccedilatildeo desses prazeres daquela dos animais
Em um niacutetido e bom tom ele (o filoacutesofo) tem algo a mais para se preocupar do que se
lamentar quanto agrave sua condiccedilatildeo presente colocando em atividade maacutexima sua criatividade
ὂaὄaΝtἷὀtaὄΝtὄaὀὅgὄἷἶiὄΝἷὅὅaὅΝldquoὄἷgὄaὅrdquoΝfiὄmἷmἷὀtἷΝἷὅtaἴἷlἷἵiἶaὅΝὂἷlaΝὀatuὄἷὐaΝtὄaὀὅgὄἷἶiὀἶὁ-
as por meio da possibilidade de um discurso que irrompe com essa situaccedilatildeo primariamente
humana presente de repleccedilatildeo e de vazio natildeo eliminado esse ciclo mas tornando seus efeitos
mἷὀὁὅΝ ἶaὀὁὅὁὅΝ aὁΝaὅὂiὄaὄΝ ὅἷΝ aὂὄὁximaὄΝ ἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝ ἶἷὅtἷΝ ἷὅὅἷΝ ἷὅtὠgiὁΝ ldquomaiὅΝ ἶiviὀὁrdquoΝ
visando essa superioridade Ousadia de nossa parte Talvez sim talvez natildeo mas jaacute que
dispomos de um maior grau de inteligibilidade porque natildeo tentar explorar suas possibilidades
maacuteximas mesmo sabendo dessa ilimitaccedilatildeo proacutepria de nossa constituiccedilatildeo limitada Por que
natildeo toὄὀaὄΝὁὂἷὄaὀtἷὅΝὀὁὅὅaὅΝfaἵulἶaἶἷὅΝὀἷὅὅἷΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝἶἷΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝ(mὁὄtἷ)Ν(ὀaΝ
medida do possiacutevel) indo em direccedilatildeo agravequilo que eacute proacuteprio da alma essa estabilidade essa
permanecircncia da vida de pensamento puro e que pode nos auxiliar a orientar com certa clareza
uma vida e que se possa gozar com maior qualidade nessa nossa vida mista de prazer e de
conhecimento Como nos diz sabiamente Bossi (2008)
observemos que Soacutecrates natildeo apresenta a alternativa em forma excludente senatildeo hieraacuterquica pode aceitar que o prazer seja bom para os seres vivos que cegamente perseguem sua perpetuaccedilatildeo como espeacutecie poreacutem o melhor para o homem eacute o uso de suas capacidades intelectuais porque a vida humana eacute uma vida que deve decidir-se a cada momento que natildeo estaacute traccedilada de antematildeo pela forccedila do instinto () ao comparar e buscar natildeo fazemos outra coisa que seguir os passos para escolher e ao fazecirc-lo jaacute estamos dando mostras de dar prioridade ao caacutelculo racional jaacute elegemos conforme nosso modo de ser humano (p 228-229)
Ateacute entatildeo a inteligecircncia possui uma atribuiccedilatildeo meramente procedimental Cabe a ela
organizar devidamente a vida mista humana ou natildeo-humana para que esses tipos de vidas
sejam vidas suficientes satisfatoacuterias dotadas de razoabilidade Mas veremos no caso da
vida humana a inteligecircncia ocuparaacute um papel maior aleacutem daquele de constituinte da vida
mista A inteligecircncia apenas organiza a fruiccedilatildeo do prazer nesse primeiro momento Sem o
165 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
pensamento como jaacute vimos natildeo eacute possiacutevel fruir o prazer sua duraccedilatildeo eacute tatildeo instantacircnea que
ele (o prazer) escapa da proacutepria temporalidade reconhecidamente proacutepria enquanto condiccedilatildeo
em que se situam os seres vivos por meio da inteligecircncia alguns partilhando em menor ou
maior grau dela Natildeo haacute nenhum meio do prazer ser bem sucedido sem o pensamento
Prazer e conhecimento natildeo satildeo tratados da mesma maneira isso eacute um fato jaacute que a
inteligecircncia encontra-se em um niacutevel acima porque ela eacute capaz de tornar possiacutevel a resultante
do desejo do prazer ela eacute um meio que torna um fim possiacutevel mas tambeacutem ela natildeo se
encontra separada do prazer na vida mista pois a proacutepria faculdade intelectiva caminha para
a realizaccedilatildeo desse fim isto eacute para o prazer ela busca a maneira correta e mais bem ordenada
para a realizaccedilatildeo do desejo e do prazer Ora natildeo temos aqui nenhuma relaccedilatildeo de
anterioridade entre prazer e inteligecircncia nem mesmo uma relaccedilatildeo de causalidade entre
ambos mas cada um dos dois (prazer e conhecimento) executam suas funcionalidades
proacuteprias nesse conjunto da vida mista humana ou seja uma correlaccedilatildeo Contudo no caso do
homem ele natildeo apenas recorda ou deseja ele avalia emite caacutelculos e juiacutezos com maior
fecundidade acerca dessa proacutepria organizaccedilatildeo que prescinde de satisfaccedilatildeo em um dado
modelo de vida numa dada condiccedilatildeo e mais ele pode tentar alcanccedilar dentro desta sua vida
mista entre prazer e conhecimento melhores arranjos que possam levaacute-lo a fruir natildeo apenas
de forma satisfatoacuteria o prazer mas tambeacutem em abundacircncia e melhor ou seja uma vida em
que seja capaz de atender em maior grau as nossas aspiraccedilotildees propriamente humanas
Eacute por isso que Soacutecrates considera diante do que foi exposto jaacute ser suficiente admitir
ὃuἷΝaΝldquoἶἷuὅaΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(Φδζάίκυ γ θ) natildeo poder ser o bem ( ΰαγσθ) (22c1-2) Filebo
retruca dizendo que nem mesmo a inteligecircncia (θκ μ) de Soacutecrates eacute o bem ( δ ΰαγσθ)
ἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝfaὐΝὃuἷὅtatildeὁΝἶἷΝἶiὅtiὀguiὄμΝldquoἥimΝtalvἷὐΝaΝmiὀhaΝ( ΰrsquoΝ ησμ) Filebo Mas natildeo
aΝiὀtἷligecircὀἵiaΝvἷὄἶaἶἷiὄaΝἷΝἶiviὀaΝἵὄἷiὁΝὂὁiὅΝἵὁmΝἷlaΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὅἷΝἶatildeὁΝἶἷΝmὁἶὁΝἶifἷὄἷὀtἷrdquo (ldquoκ
ηΫθ κδΝ σθΝΰ Ν ζβγδθ θΝ ηαΝεα γ ῖκθΝκ ηαδΝθκ θΝ ζζ᾽ ζζπμΝππμΝ ξ δθrdquo)Ν (ἀἀἵἃ-6) A partir
disso a discussatildeo adquire a forma de um ranking o primeiro precircmio ( θΝη θΝκ θΝθδεβ βλέπθ)
jaacute foi atribuiacutedo agrave vida conjunta ( θΝεκδθ θΝίέκθ) mas agora o que estaacute em jogo eacute o segundo
precircmio ( υ λ έπθ) (22c6-7) Neste momento cada um dos interlocutores pode reclamar
ambos para si o segundo precircmio devem lutar por ele um para o prazer outro para a
inteligecircncia enquanto causa (α δκθ) dessa vida conjunta (22d1-4)
Ora como visto nenhuma das vidas anteriores isoladas vida de prazer e vida de
conhecimento seria o bem ou melhor esses estados ou disposiccedilotildees da alma para a vida
humana enquanto uma vida mista de prazer e conhecimento porque nenhuma das vidas
anteriormente mencionadas possui o grau maacuteximo de suficiecircncia na vida humana mista
ambas exigindo a presenccedila uma da outra Eacute isto que conduz Soacutecrates agrave pergunta sobre a
causa dessa mistura ou seja o que torna possiacutevel esse arranjo em uma dada condiccedilatildeo de
vida Mas aqui Soacutecrates avanccedila ainda mais ao dizer que essa causa eacute tambeacutem um elemento
166 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
que compotildee a proacutepria mistura Jaacute que cada um dos interlocutores deve agora guerrear cada
um como partidaacuterio de um dos dois elementos prazer e inteligecircncia em favor do segundo
precircmio que natildeo eacute o bem mas causa dessa mistura que lhe confere existecircncia efetiva naquilo
que ela eacute propriamente uma mistura Como um elemento poderaacute ser responsaacutevel pela proacutepria
foacutermula dessa mistura e ao mesmo tempo um elemento constituinte dessa proacutepria mistura
Simultaneamente esse elemento deveraacute tornar-se possiacutevel por intermeacutedio de sua accedilatildeo um
efeito um resultado estando ele proacuteprio tambeacutem presente nesse efeito sendo incluiacutedo nessa
mistura da qual ele proacuteprio eacute o agente e por conseguinte causa
Agora sobre esse ponto eu gostaria de enfrentar Filebo com muito mais energia sustentando que nessa vida mista ( θΝ μΝ θΝ η δε κτ ίέ ) o que quer que seja aquilo que tendo sido obtido por ela a torne digna de escolha e boa (α λ μΝ ηαΝεα ΰαγσμ) natildeo eacute o prazer (κ ξΝ κθ ) mas a inteligecircncia (θκ μ) que lhe eacute mais aparentada e semelhante ( κτ
υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθΝ δ) e de acordo com esse argumento poderiacuteamos entatildeo afirmar que natildeo se pode atribuir ao prazer nem o primeiro nem o segundo precircmio ( θΝ θΝπλπ έπθΝκ ᾽ α θΝ υ λ έπθ) e se no momento devemos dar algum creacutedito agrave minha inteligecircncia ( δΝ η θ
ῖ πδ τ δθΝ η μΝ θ θ) ele estaacute muito longe ateacute do terceiro precircmio (πκλλπ ΫλπΝ ᾽ θΝ λδ έπθ) (22d5-e3)
Soacutecrates se alia agrave inteligecircncia em favor do segundo precircmio somente depois de ter
chegado agrave conclusatildeo juntamente com Protarco de que o primeiro precircmio apenas pode ser
atribuiacutedo agrave vida mista de prazer e de conhecimento e que nenhum deles pode ser unicamente
o bem como nenhuma das duas vidas vida de prazer unicamente e vida de conhecimento
possui o bem Por isso Soacutecrates diz agora que iraacute enfrentar com mais vigor a Filebo lutando
em favor do segundo precircmio ao disputar o lugar da causa da mistura Nos eacute dito que a
iὀtἷligecircὀἵiaΝ ὧΝ maiὅΝ aὂaὄἷὀtaἶaΝ ἷΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ( υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθ)έΝ ἥὁmἷὀtἷΝ aΝ
disposiccedilatildeo para o conhecimento pode gerar e concomitantemente ser parte constituinte da
mistura pois ao prazer falta essa capacidade ordenadora proacutepria da inteligecircncia O posto de
causa lhe seria negado ao prazer em virtude da sua pouca eficaacutecia ordenadora quando
comparada agrave inteligecircncia A inteligecircncia o conhecimento eacute semelhante agrave forma inteligente da
vida ordenada Dito isso o pensamento agora deixaraacute de ser tratado apenas segundo essa
funccedilatildeo (procedimental) de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres sua participaccedilatildeo na mistura
em questatildeo deixa de ser meramente a de um constituinte como tambeacutem seria o prazer Assim
o pensamento adquire o status de constituinte fundamental como causa dessa mistura Aleacutem
de ordenaacute-la ele produz um efeito nessa mistura cujo resultado tambeacutem o incluiraacute como um
elemento fundamental indispensaacutevel naquilo que ele proacuteprio constitui essa mistura de prazer
e conhecimento que configura a vida humana
167 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Tratar do segundo precircmio e de o porquecirc ele eacute indispensaacutevel nessa mistura poderaacute nos
dizer algo a mais sobre o valor do prazer nessa mistura assim como o porquecirc de ele natildeo
pode ser a causa dessa misturaέΝἢὁὄΝagὁὄaΝὧΝmἷlhὁὄΝὀatildeὁΝtὁὄtuὄaὄΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝmἷlhὁὄΝldquoἶἷixὠ-
lὁΝἷmΝὂaὐrdquoΝὀatildeὁΝldquoἵauὅaὄΝἶὁὄΝaὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὀὁὅΝἶiὄὠΝἥὰἵὄatἷὅΝ(ἀἁaἄ-8) Ainda natildeo eacute o momento
de examinaacute-lo com profundidade e rigor ou melhor refutaacute-lo ( ι ζΫΰξκθ α)Ν(ἀἁaἅ)έΝ
Para marchar em favor da inteligecircncia e obter para ela o segundo precircmio iremos agora
aἶἷὀtὄaὄΝὡΝὀὁvaΝldquomaὃuiὀaὦatildeὁΝἶἷΝguἷὄὄardquoΝ( ῖθΝ ζζβμΝηβξαθ μ)ΝἷmΝὃuἷΝὅἷὄatildeὁΝutiliὐaἶaὅΝaὄmaὅΝ
(ίΫζβ)Ν ἶifἷὄἷὀtἷὅΝ ἶὁὅΝ aὄgumἷὀtὁὅΝ aὀtἷὄiὁὄἷὅΝ ( ξ δθΝ λαΝ θΝ ηπλκ γ θΝ ζσΰπθ)Ν ἷmἴὁὄaΝ
algumas possam ser as mesmas ( δ πμ θδα εα α Ϊ) (23b6-8) Soacutecrates entatildeo diz
aΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝἵautἷlaΝaὁΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ( δγΫη θκδ)ΝἵἷὄtὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ( θΝ ΫΝ
ΰ Ν λξ θ)Ν ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷὀὁmiὀaΝ ἵὁmὁΝ ldquoὀὁὅὅὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁrdquoΝ (ἀἁἵ1-2) A tarefa que Soacutecrates faz
mἷὀὦatildeὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ἵὁὀὅiὅtἷΝ ἷmΝ ldquoὅἷὂaὄaὄΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝ agὁὄa existem no
universo231rdquoΝ (πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ δξ δαζΪίπη θ)Ν (ἀἁἵἂ-5)232 Talvez seja
231 Concordo com alguns autores como (Delcomminette 2006 p 213) e (Carone 2008 p 131-132) que ἷὅὅἷΝ ldquoagὁὄardquoΝ (θ θ) indica que as Formas natildeo satildeo incluiacutedas aqui em nenhuma das categorias as Formas satildeo eternas e imutaacuteveis A passagem cosmoloacutegica trata da demiurgia especiacutefica cujos exemplos satildeo retirados da realidade sensiacutevel compreendidos em uma dimensatildeo universal do todo cosmoloacutegico Rejeito a argumentaccedilatildeo revisionista que postula uma substituiccedilatildeo de das Formas ὂὁὅtulaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquomὧἶiὁὅrdquoΝὂaὄaΝὅἷΝὄἷὅὁlvἷὄἷmΝὁὅΝὅuὂὁὅtὁὅΝὂὄὁἴlἷmaὅΝlἷvaὀtaἶὁὅΝὂὁὄΝἷlaὅΝrealccedilados pelas aporias do Parmecircnides como tambeacutem uma compreensatildeo de que essas divisotildees seriam Formas ou os Gecircneros Supremos como satildeo chamadas nos Sofista Haacute motivos que ficaratildeo claros para tal rejeiccedilatildeo a partir de nosso comentaacuterio sobre a ontologia quaacutedrupla como (i) as Formas natildeo satildeo limitadas por determinaccedilotildees numeacutericas e meacutetricas nem relaccedilotildees matemaacuteticas por isso natildeo satildeo πΫλαμ (ii) as Formas satildeo seres puros simples e natildeo podem ser misturados assim como todos os seres gerados do mundo que pertencem a esse gecircnero as Formas devem ser eternas natildeo-geradas natildeo submetidas ao movimento ao devir logo natildeo podem ser ηδε θ (mistura) (iii) as Formas tambeacutem ὀatildeὁΝὅatildeὁΝaΝldquoἵauὅardquoΝ(α έα) pois a criaccedilatildeo depende do Demiurgo que cria a partir da Forma sozinha elas natildeo datildeo origem a nada elas satildeo modelos para a produccedilatildeo da atividade demiuacutergica (iv) por fim natildeo podem ser π δλκθ porque este gecircnero eacute indeterminado num duplo sentido (multiplicidade indeterminada e gecircnero das coisas dispostas no devir) que eacute tornado uma unidade multiplicidade apenas por meio da atividade dialeacutetica Enquanto que as Formas satildeo pura determinaccedilatildeo Essencialmente limitadas e definidas ou seja natildeo estatildeo sujeitas a qualquer tipo de variaccedilatildeo seja ela ὃualitativaΝὁuΝὃuaὀtitativaέΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmaiὅΝἶἷtalhaἶaΝἶἷὅὅaΝldquoἵlὠὅὅiἵaΝἶiὅὂutardquoΝvἷὄΝἑἏἤἡἠἓΝ(2008 p 143-149) 232 Dixsaut (2001) acredita que a referecircncia feita em 23c agrave divisatildeo quaacutedrupla eacute distinta (em propoacutesitos) ἶaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ(ἶialὧtiἵa)ΝἶἷΝ1ἄἵέΝἓmΝἀἁἵΝὁΝὃuἷΝὅἷΝὂὄὁὂὴἷΝὧΝumaΝἶiviὅatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝἷxiὅtἷmΝagὁὄaΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁΝ(πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ ) Segundo a autora francesa eacute muito provaacutevel que haja uma ligaccedilatildeo entre as duas passagens mas as abordagens natildeo satildeo idecircnticas EacuteΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝὃuἷΝaὃuiΝἷὅtamὁὅΝἶiaὀtἷΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoμΝldquo(έέέ)ΝἷΝὃuἷΝἷΝὃuἷΝὅἷΝὁΝtermo aacutepeiron deve ser entendido em dois sentidos diferentes esses dois sentidos natildeo devem ser relacionados entre si O dialeacutetico como foi dito pode ser forccedilado a comeccedilar pelo indeterminado mas por que poderia secirc-lo Porque eacute necessaacuterio reconhecer a existecircncia de duas espeacutecies de realidades Enquanto alguns (a ciecircncia ou a virtude a constituiccedilatildeo poliacutetica ou deliacuterio por exemplo) se apresentam como unidades compreendidas por articulaccedilotildees naturais o que permite dividi-las outras pelo contraacuterio apenas oferecem indeterminaccedilatildeo A primeira maquinaccedilatildeo teria fornecido o meio para reduzir essa indeterminaccedilatildeo tomando o aacutepeiron como um predicado quantitativo mas o deus no iniacutecio ele proacuteprio teria precisado que o aacutepeiron eacute um modo de ser Para determinar esse modo de ser eacute necessaacuterio dividir natildeo o aacutepeiron ὂὁὄὃuἷΝiὅὅὁΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝmaὅΝldquotuἶὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝatualmἷὀtἷΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝἷmΝὃuatὄὁΝgecircὀἷὄὁὅΝiὅtὁΝὧΝὅuἴὅumiὄΝaΝtὁtaliἶaἶἷΝἶaΝἷxiὅtecircὀἵiaΝὅὁἴΝὃuatὄὁΝἵatἷgὁὄiaὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νp 311-312)
168 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
necessaacuterio dividir em dois ou em trecircs ou em quatro todas essas partes denominadas como
ὅἷὀἶὁΝfὁὄmaὅΝ( θΝ θ)Ν(ἀἁἵ1ἁ)έΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝque teria mostrado
aΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ ἶὁΝ limitἷΝ (πΫλαμ)Ν ἷΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ ( π δλκθ)Ν ἶὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ (ἀἁἵλ-10) ambos agora
ὂaὅὅamΝaΝὅἷὄΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝumΝἵaὅalΝἶἷΝfὁὄmaὅΝ( κτ πΝ θΝ θΝ τκΝ δγυη γα)Ν(ἀἁἵ1ἁ-
d1) No entanto eacute preciso ainda uma terceira forma da unidade proveniente do intercurso
ἷὀtὄἷΝὁὅΝἶὁiὅΝ( λέ κθΝ ιΝ ηφκῖθΝ κτ κδθΝ θΝ δΝ υηηδ ΰση θκθ)ΝἷΝaiὀἶaΝumΝὃuaὄtὁΝgecircὀἷὄὁΝ
( Ϊλ κυΝηκδΝΰΫθκυμ)ΝὃuἷΝὅἷὄiaΝaΝἵauὅaΝ( θΝα έαθ)ΝἶἷὅtἷΝiὀtἷὄἵuὄὅὁΝ( υηη έι πμ)ΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ
dois primeiros gecircneros (23d1-8)
Em primeiro lugar entatildeo tendo separado ( δ ζση θκδ) trecircs dos quatro (η θΝ θΝ ΪλπθΝ λέα) tentemos com dois deles ( τκΝ κτ πθΝπ δλυη γα)
ndash uma vez observado que cada um dos dois se cindiu e se despedaccedilou em muitos (πκζζ εΪ λκθΝ ξδ ηΫθκθΝεα δ πα ηΫθκθΝ σθ μ) ndash reconduzi-los em conjunto cada um dos dois de novo ao um e conceber de que modo cada um deles era um e muacuteltiplo ( μΝ θΝπΪζδθΝ εΪ λκθΝ υθαΰαΰσθ μΝθκ αδΝπ πκ Ν θΝα θΝ θΝεα πκζζ εΪ λκθ) (23e3-6)
Eacute possiacutevel observar como a passagem retoma as questotildees suscitadas no iniacutecio do
ἶiὠlὁgὁΝ ὃuἷΝ ἵὁlimamΝὀaΝ aὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ldquomὧtὁἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ (1ἂἴ-18d) Protarco parece natildeo
compreender o sentido da fala anterior de Soacutecrates e o condutor o faz lembrar da discussatildeo
anterior sobre o que tem limite ( πΫλαμΝ ξκθ) e o ilimitado ( π δλκθ) chamados
tamἴὧmΝagὁὄaΝἶἷΝgecircὀἷὄὁὅΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmνΝὂὁὄὧmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝmaiὅΝἷlἷΝἶiὐμΝldquo(έέέ)ΝἷuΝ
tἷὀtaὄἷiΝmὁὅtὄaὄΝὃuἷΝἶἷΝalgumΝmὁἶὁΝὁΝ ilimitaἶὁΝὧΝmήltiὂlὁrdquoΝ ( δΝ λσπκθΝ δθ π δλκθΝ
πσζζ᾽ έ π δλΪ κηαδΝφλΪα δθ) (24a1-4)
A discussatildeo iraacute tratar primeiramente do π δλκθ Nesse gecircnero satildeo colocados tudo
aquilo que natildeo pode receber a marca do limite como o caso do mais quente e do mais frio
Neste uacuteltimo caso natildeo poderiacuteamos conceber algum limite ( λαΝπΫλαμ) ao mais quente e ao
mais frio porque ambos possuem em si o mais e o menos ( η ζζσθΝ Νεα κθ) temos
assim tanto mais quente e menos quente como mais frio e menos frio Esse gecircnero ( κῖμΝ
ΰΫθ δθ) de coisa enquanto presente em ambos nos impediria de chegar a qualquer fim (η
ΫζκμΝ ξ δθ) pois caso chegassem um eliminaria o outro (24b7-8) Por isso bastaria analisar
esse discurso para que se possa notar que esse par nunca tem fim e que sem duacutevida neste
caso lidamos com ilimitados ( π έλπ) (24b8)
O uso do adveacuterbio φσ λα em 24b9 eacute a oportunidade vista por Soacutecrates para explicar
ainda mais a natureza do ilimitado por um jogo de palavras que brinca ora com o sentido
denotado pelo adveacuterbio extremamente ora com o sentido conotativo deste termo presente
ἷmΝἁλἶΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅΝἶaΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁέΝἏἶvὧὄἴiὁὅΝἵὁmὁΝldquoἷxtremamἷὀtἷrdquoΝ
ἷΝldquolἷvἷmἷὀtἷrdquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝὁὀἶἷΝὃuἷὄΝὃuἷΝἷὅtἷjaΝὁΝὂaὄΝlimitἷ-ilimitado no mais intenso e no
169 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
mais suave o demasiado o mais eco e o mais uacutemido o muito e o pouco o maior e o menor
tὁἶὁὅΝὂὁὅὅuἷmΝἷὅὅaΝldquoὂὁtecircὀἵiardquoΝ( τθαηδθ) do mais e do menos
O ilimitado impede que as coisas possuam uma quantidade determinada (κ εΝ κθΝ
θαδΝπκ θΝ εα κθ) e ao introduzir o mais e o menos em todas as coisas faz desaparecer
essa quantidade determinada ( πκ θΝ φαθέα κθ) Poreacutem caso o ilimitado surja com a
medida ( ηΫ λδκθ) e natildeo faccedila desaparecer a quantidade determinada eles proacuteprios ou
mἷlhὁὄΝἷὅὅaὅΝἵὁiὅaὅΝldquoἷὅἵὁaὄiamrdquoΝὂὁὄΝὅiΝὂὄὰὂὄiaὅέΝἏΝὃuaὀtiἶaἶἷΝἶἷtἷrminada eacute a uacutenica capaz
ἶἷΝ ἵὁὀtἷὄΝ ἷὅὅἷΝ ldquoavaὀὦaὄrdquoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁrdquoΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ aΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ
permanece estaacutevel (24c1-d7) Soacutecrates deseja o assentimento de Protarco ndash sendo o proacuteprio
interlocutor de Soacutecrates a propor essa consonacircncia ( υηφπθκ θ αμ) necessaacuteria sobre essas
questotildees ndash para que se possa colocar no gecircnero do ilimitado todas essas coisas dito de outro
mὁἶὁΝldquo(έέέ)ΝaἵἷitaὄΝἷὅὅἷΝὅiὀalΝ( βη ῖκθ) da natureza do ilimitado ( π δλκθ)rdquoΝ(ἀἂἷ1-5) Todas
essas coisas de acordo com o discurso anterior devem ser colocadas nesse gecircnero ( κ
π έλκυΝΰΫθκμ) nos diz Soacutecrates pois fora dito que era necessaacuterio reunir ( υθαΰαΰσθ αμ)
essas coisas separadas repartidas ( δΫ πα αδ) cindidas ( δΫ ξδ αδ) em pedaccedilos impondo-
lhes (tanto quanto possiacutevel) esse sinal de uma natureza uacutenica (εα τθαηδθΝ ηέαθΝ
πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθ) (24e7-25a4)
Eacute preciso especificar do que se trata aqui quando se diz que o π δλκθ κ ilimitado eacute
um gecircnero Pode se dizer que o indeterminado qualquer indeterminado que seja conteacutem
assim vaacuterias espeacutecies das quais cada uma eacute determinada Uma enumeraccedilatildeo natildeo-exaustiva
ὅἷὄiaΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝὂὄὁἶuὐiὄΝἷὅὅἷΝ ldquoὅiὀalrdquoΝἶἷΝὃuἷΝ falaΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷΝumaΝὀatuὄἷὐaΝήὀiἵaΝὀὁΝ
indeterminado Ao dizer que o ilimitado pode por meio desse caraacuteter distintivo determinar
sob um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies de qualidades todas aquelas que passam pelo
mais e pelo menos natildeo exclui o fato de que ele tambeacutem pode determinar quantitativamente
em um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies como jaacute fora visto a voz o prazer e a dor (Cf
27e) Ἄπ δλκθ eacute tudo aquilo que carece de limite tudo aquilo que se encontra desmedido
seja em excesso seja em falta ou como bem sugere Dixsaut (2001 p 312) eacute tudo aquilo
ldquo(έέέ)ΝὃuἷΝὧΝὂὁὄΝaὅὅimΝἶiὐἷὄΝaΝtὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝἷmΝatὁrdquoέ
O apeiron natildeo eacute uma mateacuteria que o limite viria a informar eacute um devir que o limite viria a estabilizar uma perpeacutetua desigualdade em-ὅiΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ lsquoaὁΝὃualΝὀatildeὁΝὂὁἶἷmὁὅΝatὄiἴuiὄΝὀἷmΝἵὁmἷὦὁΝὀἷmΝmἷiὁΝὀἷmΝfimrsquoΝ [Phlb 31a-10 Prm 137d] Natildeo eacute mais considerado como uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas termo para o qual tenderia uma multiplicidade quantitativa ele eacute constituiacutedo de um determinado tipo de realidades enquanto que o devir incessante exclui qualquer fixaccedilatildeo afasta qualquer determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 312-313)
Aqui podemos notar claramente o duplo movimento do processo dialeacutetico aquele que
vai do um ao muacuteltiplo e do muacuteltiplo ao um ao se deparar com aquilo que eacute um devir constante
170 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
uma perpeacutetua ΰΫθ δμ A saiacuteda eacute a mesma devemos reunir ( υθαΰαΰσθ αμ) esses devires
essas diferentes espeacutecies e imprimir nelas o sinal de uma natureza uacutenica determinada Como
nos adverte Dixsaut (2001 p 313) sem adentrar agraves infindaacuteveis discussotildees da auto
predicaccedilatildeo das Formas Platatildeo jamais teria dito que a ideia de Neve seria fria nem a ideia de
Maldade maacute nem a ideia de quadrado quadrada o que por conseguinte natildeo implica
necessariamente que a forma do indeterminado seja ela tambeacutem indeterminada Muito pelo
contraacuterio Soacutecrates insiste em sua determinaccedilatildeo Assim ela nos esclarece
O α privativo significa que o termo que ele prefixa natildeo pode e nem sequer deseja receber seu contraacuterio Ele natildeo conota uma simples negaccedilatildeo loacutegica mas uma recusa do termo contraacuterio uma exclusatildeo dinacircmica O termo apeiron recupera essa semacircntica ele natildeo eacute a simples ausecircncia de qualquer determinaccedilatildeo (entatildeo impensaacutevel) ele a recusa a transgressatildeo perpeacutetua de qualquer determinaccedilatildeo transgressatildeo que natildeo se realiza de qualquer modo mas sempre da mesma maneira por excesso e por falta (DIXSAUT 2001 p 313)
Parece ser necessaacuterio se atentar ao estatuto que o π δλκθ adquire a partir de entatildeo
No caso da passagem do meacutetodo divino lidaacutevamos com uma multiplicidade indeterminada e
que passa a uma espeacutecie de multiplicidade determinada ndash mas ela ainda natildeo eacute uma espeacutecie
de gecircnero indeterminado No caso do π δλκθ estamos lidamos com umaΝ ldquo()
iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὁὀtὁlὁgiἵamἷὀtἷΝ iὀiἵialΝἷΝὀatildeὁΝmaiὅΝἶialἷtiἵamἷὀtἷΝ tἷὄmiὀalΝ (έέέ)rdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ
2001 p 315) Esse π δπκθ (gecircnero do indeterminado) natildeo deve nada a dialeacutetica ele nem
ὅἷὃuἷὄΝὧΝumaΝldquoἵὁiὅardquoΝmaὅΝumΝtiὂὁΝἶἷΝἶἷviὄΝὃuἷΝὅὁfὄἷΝaἵὄὧὅἵimὁΝἷΝἶimiὀuiὦatildeὁέΝEacuteΝaΝὀatuὄἷὐaΝ
propriamente desse devir que devemos comeccedilar a caracterizar que somos forccedilados a
desigὀaὄέΝ ἑaὅὁΝaΝ iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝ ὅἷjaΝ iὀiἵialΝ ἷlaΝ ἷxigiὄὠΝ aΝ ldquoὂὄimἷiὄaΝ maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ἷΝ ὀatildeὁΝaΝ
ὅἷguὀἶaέΝἏΝὅἷguὀἶaΝiὄὠΝldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝἷmΝumΝgecircὀἷὄὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝἶaΝ
estrutura essa unidade indeterminada iraacute reuni-la em um gecircnero o gecircnero do ilimitado A
ὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁΝὂaὄtἷΝἶἷΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝiὀfiὀἶaΝἷΝldquoaἴaὀἶὁὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ
dialeacutetico aquelas que natildeo lhe interessam Jaacute o procedimento dialeacutetico que consiste em reunir
o π δλκθ ἷmΝumΝὅὰΝgecircὀἷὄὁΝliἶaΝἵὁmΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquoἵὁiὅaὅrdquoΝὃuἷΝὅatildeὁΝnaturalmente ilimitadas
ontologicamente as quais devemos reunir em um gecircnero Como observa Dixsaut
A ilimitaccedilatildeo eacute proacutepria de determinadas gecircneses de determinados processos Jaacute natildeo se trata mais de uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas (todas aquelas que durante umaΝἶiviὅatildeὁΝὂὁvὁamΝὡΝ ldquoἷὅὃuἷὄἶardquoΝὂὁὄὃuἷΝaὅΝdeixamos sem as dividir e todas aquelas residentes nessas uacuteltimas espeacutecies ὁἴtiἶaὅΝὂἷlaΝἶiviὅatildeὁΝaὅΝὃuaiὅΝὀὰὅΝldquoἶiὐἷmὁὅΝaἶἷuὅrdquoΝmaὅΝἶἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἶἷΝ tὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝ ὂἷὄὂὧtuaΝ ἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ limitἷΝ ὂὁὄΝ ἷxἵἷὅὅὁΝ ὁuΝ ὂὁὄΝ faltaΝ (ldquoὁΝilimitado o mais e o menos faria desaparecer a quantidade definida 24c) (2001 p 315-316)
171 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Podemos resumir em um quadro como bem observa Dixsaut (2001 p 315) as duas
situaccedilotildees contraacuterias as quais o dialeacutetico enfrenta quando se depara com π δλκθ
1ordf Situaccedilatildeo
(Primeira Maquinaccedilatildeo)
2ordf Situaccedilatildeo
(Segunda Maquinaccedilatildeo)
- o dialeacutetico parte de unidade
indeterminada
- ele a divide em uma multiplicidade
determinada
- da qual ele deixa escapar uma
multiplicidade quantitativamente
indeterminada
- O dialeacutetico parte de uma entidade
abrangente do gecircnero indeterminado
- e a impotildee uma estrutura e a constitui em
uma multiplicidade determinada
- que ele pode entatildeo unificar em uma unidade
determinada
Quadro 01- As duas maquinaccedilotildees relativas ao ἄπειρον (adaptado)
(DIXSAUT 2015 p 315)
No lado oposto a isso dito anteriormente temos o gecircnero do limite (πΫλαμ) no qual
devemos colocar o igual e a igualdade ( κθΝεα σ β α)ΝὁΝἶuὂlὁΝ( δπζΪ δκθ)ΝἷΝldquo(έέέ)ΝtuἶὁΝὃuἷΝ
ὧΝὄἷlaὦatildeὁΝἶἷΝὀήmἷὄὁΝaΝὀήmἷὄὁΝὁuΝἶἷΝmἷἶiἶaΝaΝmἷἶiἶaΝ(έέέ)rdquoΝ(ldquoεα π θΝ δπ λΝ θΝπλ μΝ λδγη θΝ
λδγη μΝ ηΫ λκθΝᾖ πλ μΝ ηΫ λκθrdquo)Ν (ἀἃaἅ-b2) Sobre o terceiro gecircnero se diz que ele eacute a
miὅtuὄaΝ( η δε θ)ΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄimἷiὄὁὅ233 (25b5-6) Soacutecrates reconhece a passagem breve
que a discussatildeo faz ao tratar do limite e a ausecircncia de maiores especificaccedilotildees sobre o gecircnero
do limite ele apenas diz logo depois em 25d6-ἅΝὃuἷΝaΝldquofamiacuteliardquoΝἶὁΝlimitἷΝtamἴὧmΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ
reunida assim como fizeram com o ilimitado tornando-o uma unidade Novamente se afirma
que a introduccedilatildeo do nuacutemero ( λδγη θ)ΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅatildeὁΝἶuὂlaὅΝ iguaiὅΝ( θΝ κ κυΝεα
δπζα έκυ)ΝὂὴἷmΝfimΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ( δαφσλπμ)ΝmutuamἷὀtἷΝὁὂὁὅtaὅΝ( ζζβζαΝ θαθ έαΝ
δαφσλπμΝ ξκθ α)Νtὁὄὀaὀἶὁ-aὅΝἵὁmἷὀὅuὄaἶaὅΝ( τηη λα)ΝἷΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝ( τηη λα)234 (25e1-
233 ἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷἵὁὄὄἷΝaὁΝldquoἶiviὀὁrdquoΝὀἷὅtἷΝὂaὅὅὁΝ(ἀἃἴ)Ν iὀἶiἵaὀἶὁΝὃuἷΝἷlἷΝ tὁὄὀaὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝcompreensatildeo de ambos os dialogantes acerca da natureza do misto que requer a introduccedilatildeo da ordem pelo nuacutemero ( λδγη θ) (25e2) A meu ver essa passagem mais uma vez indica proximidade mas natildeo semelhanccedila visto que agora a multiplicidade adquire o estatuto de gecircnero e o dialeacutetico deveraacute lidar com a indeterminaccedilatildeo em um sentido geneacuterico diferentemente da passagem inicial sobre o um e o mήltiὂlὁΝἷὅtaΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaὀtἷΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝhἷὄἶaἶὁΝἶὁὅΝaὀtigὁὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝdissemos eacute herdada dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo 234 Eacute necessaacuterio atentar que o limite difere da mistura natildeo podemos tomaacute-lo como sinocircnimo ao nuacutemero o nuacutemero possibilita a introduccedilatildeo do limite nas coisas iguais duplas mas ele natildeo deixa tambeacutem de ter muitos gecircneros como nos diraacute Soacutecrates em 26d diante da inquietaccedilatildeo e Protarco que natildeo entende
172 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἀ)έΝ ἓxἷmὂlὁὅΝ ἶἷὅtaὅΝ miὅtuὄaὅΝ ἶἷὅὅἷὅΝ iὀtἷὄἵuὄὅὁὅΝ ἶὁὅΝ ὃuaiὅΝ ὄἷὅultamΝ ἵἷὄtaὅΝ ldquogἷὄaὦὴἷὅrdquoΝ
(ΰ θΫ δμ) a sauacutede que eacute engendrada a partir da imposiccedilatildeo da medida a muacutesica produzida a
partir da justaposiccedilatildeo de grave agudo raacutepido e lento as estaccedilotildees do ano que regulam o
inverno rigoroso e o calor sufocante esse e os demais satildeo exemplos dessa combinaccedilatildeo
correta que estando presente remove o demasiado excessivo e o ilimitado produzindo o que
tem medida e o comensuraacutevel (25e3-26a8)
Soc Quando as coisas ilimitadas e aquelas que tecircm limite tecircm intercurso ( ξσθ πθΝ υηη δξγΫθ πθ) natildeo eacute delas que nascem as estaccedilotildees e todas as coisas que para noacutes satildeo belas ( αΝεαζ πΪθ αΝ ηῖθΝΰΫΰκθ ) Prot Como natildeo Soc Sem falar eacute claro em incontaacuteveis outras coisas tais como a beleza (εΪζζκμ) e o vigor ( ξτθ) que acompanham a sauacutede e nas almas tantas outras coisas perfeitamente belas (εα θΝ ουξαῖμΝ α πΪηπκζζαΝ λαΝ εα πΪΰεαζα) E essa deusa ( γ σμ) belo Filebo ( εαζ Φέζβί ) percebendo o excesso ( ίλδθ) e a superabundacircncia de maldade em todas as coisas (εα
τηπα αθΝπΪθ πθΝπκθβλέαθΝα βΝεα δ κ α) e percebendo que natildeo havia nelas limite nem dos prazeres nem das saciedades (πΫλαμΝ κ Ν κθ θΝκ θΝκ Νπζβ ηκθ θΝ θ θΝ θΝα κῖμ) colocou nelas lei (θσηκθ) e ordem ( Ϊιδθ) ndash aquilo que daacute limite (πΫλαμΝ ξκθ ᾽ γ κ) e enquanto tu dizes que ela os corrompe eu pelo contraacuterio digo que ela os salva (εα η θΝ
πκεθαῖ αδΝφ μ α άθΝ ΰ κ θαθ έκθΝ πκ αδΝζΫΰπ) E a ti Protarco como te parece (26b1-c2)
Estatildeo apresentados os trecircs gecircneros Protarco apenas compreende dois deles o limite
e o ilimitado permanecendo em duacutevida acerca do gecircnero misto (26c5-7) Soacutecrates por sua
vἷὐΝἷxὂliἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoiὀἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝὅἷΝἶἷvἷΝὡΝldquoὂluὄaliἶaἶἷrdquoΝἶἷὅὅaΝ tἷὄἵἷiὄaΝgἷὄaὦatildeo ou
seja o misto o proacuteprio ilimitado foi tomado como unidade mas natildeo apenas como uma
unidade mas como vaacuterias unidades vaacuterios gecircneros tornados um marcados pelo sinal do
mais e do menos mas foram transpostos esses vaacuterios gecircneros em vaacuterios um235 Como
tambeacutem aconteceu com o limite (26c8-d5) Esse terceiro gecircnero surge tambeacutem como uma
ldquogἷὄaὦatildeὁΝ ἷmΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ aὁΝ ὅἷὄΝ (ΰΫθ δθ μ κ έαθ)236rdquoΝ ὂὄὁἶuὐiἶὁΝ aΝ ὂaὄtiὄΝ ἶaΝ imὂὁὅiὦatildeὁΝ ἶaὅΝ
medidas que acompanham o limite ele eacute tambeacutem uma unidade (26d7-9)
ἴἷmΝἷmΝὃuἷΝmἷἶiἶaΝὁΝ limitἷΝὅἷΝἶifἷὄἷὀἵiaΝἶὁΝ tἷὄἵἷiὄὁΝgecircὀἷὄὁΝ(ὁΝἶaΝmiὅtuὄa)ΝἷlἷΝἶiὄὠμΝ ldquomaὅΝὁΝ limitἷΝtambeacutem tinha muitos gecircneros e nem por isso ficamos descontentes por ele natildeo ser um ὂὁὄΝὀatuὄἷὐardquoΝ(ldquoεα η θΝ σΝΰ ΝπΫλαμΝκ Νπκζζ ξ θΝκ ᾽ υ εκζαέθκη θΝ μΝκ εΝ θΝ θΝφτ δrdquo)Ν(ἀἄἶἂ-5) Tambeacutem em 25e1-ἀΝἥὰἵὄatἷὅΝutiliὐaΝldquoὃuaὀtaὅrdquoΝ( πσ β)ΝὀὁΝὂluὄalΝaὁΝfalaὄΝὅὁἴὄἷΝὁΝlimitἷμΝldquoὡΝἶὁΝigualΝἷΝἶὁΝἶuὂlὁΝe quantas sejam aquelas que ao introduzir o nuacutemero potildeem fim agraves ἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ(έέέ)rdquoέ 235 Dixsaut (2001) diz que jaacute na primeira parte ao π δλκθ eacute conferido dois sentidos seja aquele que caracteriza quantitativamente uma multiplicidade ( π δλκθ πζ γκμ πζβγ δ) seja aquele que constitui um gecircnero Toda a realidade enquanto um devir sofre acreacutescimo e diminuiccedilatildeo passa necessariamente pelo mais e pelo menos Primeiramente afirma a teoacuterica o π δλκθ estrutura dialeticamente eacute esse o seu sentido num primeiro momento mas jaacute nesse momento da divisatildeo quaacutedrupla ele passa a ser gecircnero e adquire como tal um status ontoloacutegico (DIXSAUT 2001 p 314) 236 Pradeau (2002) antecipa 54a-c ao tratar do sentido de ΰΫθ δθ μ κ δαθ que aparece primeiramente ἷmΝἁίἶἆίμΝldquo(έέέ)ΝaΝὄἷaliἶaἶἷΝἶἷΝumaΝἵὁiὅaΝaὃuiΝἶἷὅigὀaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaΝde forma axioloacutegica eacute em funccedilatildeo
173 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Resta ainda o quarto gecircnero a ser examinado Torna-se necessaacuterio uma causa ( δέ
δθα α έαθ) para que todas as coisas que venham a ser venham a ser por meio desta causa
(26e1-4) Falar de causa eacute falar de um produtor (πκδκ θ κμ) que significa contudo falar de
uma mesma coisa (26e7-8) O que estaacute subordinado agrave causa eacute aquilo que eacute produzido
(πκδκτη θκθ) aquilo que vem a ser em virtude dessa mesma causa ou desse mesmo
produtor Esses sim causa e devir ὅatildeὁΝ ἶifἷὄἷὀtἷὅέΝ ἜὁgὁΝ ὅἷὄὠΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoaὄtἷὅatildeὁrdquo
( βηδκυλΰκ θ) de todas as coisas ( πΪθ α) aΝἵauὅaμΝldquo(έέέ)ΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὁΝὃuaὄtὁΝ[gecircὀἷὄὁ]Ν
ὧΝaΝἵauὅaΝἶaΝmiὅtuὄaΝἷΝἶaΝgἷὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝtὁἵaὄΝumaΝὀὁtaΝἶiὅὅὁὀaὀtἷςrdquoΝ(ἀἅἴἅ-c1) Eacute o que diz
Soacutecrates e Protarco assente dizendo que natildeo faz todo sentido nomear o artesatildeo como a
causa
Logo apoacutes concluir a apresentaccedilatildeo dos quatro gecircneros o proacuteximo ponto seraacute a
retomada da discussatildeo do segundo precircmio no ranking geral dos candidatos ao posto de bem
Soacutecrates reafirma como vitoriosa nessa colocaccedilatildeo em primeiro lugar a vida mista de prazer
e pensamento (θδε θ αΝη θΝ γ ηΫθΝπκυΝ θΝη δε θΝίέκθΝ κθ μΝ Νεα φλκθά πμ) (27d1-2)
Fica mais claro deste modo a que tipo de gecircnero essa vida pertence Nos diz Soacutecrates (27d7-
10) que ela natildeo eacute apenas a mistura de duas coisas mas eacute a mistura de todas as coisas
ilimitadas encadeadas pelo limite (κ ΰ λΝ υκῖθΝ δθκῖθΝ δΝηδε μΝ ε ῖθκμΝ ζζ υηπΪθ πθΝ
θΝ π έλπθΝ π κ πΫλα κμ) Soacutecrates interroga Filebo sobre qual gecircnero de vida
pertenceria a vida de prazer sem mistura mas ele sequer abre caminho para a resposta O
fato eacute que essa vida unicamente de prazer jaacute fora demonstrada como impossiacutevel e ateacute
inelegiacutevel por uma vida que se diga humana (27e1-4)
Eacute por isso que Soacutecrates iraacute dizer que o prazer e a dor ( κθ εα ζτπβ) fazem parte
dessas coisas ὃuἷΝὄἷἵἷἴἷmΝldquoὁΝmaiὅΝἷΝὁΝmἷὀὁὅrdquoΝ( θΝ η ζζσθΝ Νεα κθΝ ξκηΫθπθ) e
elas natildeo tecircm um limite Filebo volta a se manifestar no diaacutelogo para novamente afirmar que o
disso que ela deve ser (conforme sua natureza) que a coisa eacute dissolvida ou reconstituiacuteda e experimenta ἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝumaΝἶὁὄΝὁuΝumΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀἄίΝὀέΝ11ἃ)έΝἓὅὅἷΝtἷὄmὁΝὧΝumΝἶὁὅΝtἷὄmὁὅΝmaiὅΝldquoὂὄὁἴlἷmὠtiἵὁὅrdquoΝdo Filebo e usado pelὁὅΝὄἷviὅiὁὀiὅtaὅΝὂaὄaΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝὃuἷΝhὠΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝὀὁΝFilebo e que ela substitui o papel das Formas na filosofia platocircnica Carone (2008) explica essa dificuldade e apresenta alguns argumentos que contestam a visatildeo revisionista (i) κυ α e θαδ natildeo se prestam unicamente no corpus para se referirem agraves Formas podem designar algo mais simploacuterio como realidade existecircncia aplicaacutevel a qualquer tipo de ser (ii) haacute uma distinccedilatildeo clara no Filebo entre o mero vir-a-ser (ΰδΰθση θα 24e7-8) relacionado ao π δλκθ que progride sempre nunca repousando sem ὀἷὀhumaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἷΝaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝἶἷΝἵὁmἴiὀaὦὴἷὅΝgἷὀuiacuteὀaὅΝἷΝἷὅὅaΝresulta quando eacute transmitida ao π δλκθ uma orientaccedilatildeo teleoloacutegica atraveacutes do limite (πΫλαμ) (iii) Em 53c-ἃἂἶΝtἷmὁὅΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝatἷὅtaΝumaΝldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝmaiὅΝamὂlaΝἶἷΝὅἷὄrdquoΝὁΝἵὁὀtὄaὅtἷΝatὧΝἷὀtatildeὁΝἷὅtὄitὁΝἷὀtὄἷΝgecircὀἷὅἷΝἷΝὅἷὄΝiὀἵluiΝumaΝὀὁὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἷΝὄἷὅultaἶὁΝldquoΝ(έέέ)ΝὀaΝὃualΝἷὅtἷΝήltimὁΝpode ser visto como uma combinaccedilatildeo que representa a meta ἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁrdquoΝ(ἑἏἤἡἠἓΝἀίίἆΝὂέΝ1ἂἅ)Ν(iv) Ser eacute tratado em 53c-54d como uma noccedilatildeo axioloacutegica isto eacute como algo que pertence agrave categoria do bem aquilo por cujo motivo acontece a geraccedilatildeo logo o universo sensiacutevel possui ser natildeo soacute porque eacute estaacutevel em algum sentido (estrutura matemaacutetica que forma a base da aparecircncia) e por isso inteligiacutevel mas tambeacutem na medida em que essa ordem e essa estrutura constituem um fundamento de sua excelecircncia (CARONE 2008 p144-149) Ver sobre isso o importante artigo de Igleacutesias do qual destaco as concepccedilotildees fundamentais sobre o termo problemaacutetico supracitado (2007 p 108-112) sobre aΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝaΝὁὀtὁlὁgiaΝἷΝldquomἷtὄὧtiἵardquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὃuἷΝὅἷguἷΝὀἷὅὅaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁέ
174 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
prazer natildeo seria totalmente bom (π θ ΰαγ θ) caso natildeo fosse naturalmente ilimitado
( π δλκθ π φυε μ) tanto em quantidade quanto em intensidade (πζ γ δ εα η ζζκθ) (27e6-
8) Sendo assim Soacutecrates nega essa identificaccedilatildeo total do bem com o prazer assim como da
dor com o mau (28a1-3) Eacute preciso entatildeo considerar que o ilimitado dos prazeres pode
ὄἷἵἷἴἷὄΝumΝlimitἷΝὃuaὀἶὁΝiὀἵluiacuteἶὁΝὀaΝviἶaΝmiὅtaΝὂὁἶἷὀἶὁΝἷὀtatildeὁΝὄἷἵἷἴἷὄΝumaΝldquoὂaὄtἷΝἶὁΝἴἷmrdquoΝ
( ηΫλκμ ΰαγκ 28a3) A imposiccedilatildeo do limite que eacute gerado pela constituiccedilatildeo da vida mista
torna possiacutevel que o prazer tome parte no bem
Fica mais claro o projeto de Soacutecrates para romper com tal identificaccedilatildeo (bemprazer)
quando se nota sua vigorosa insistecircncia em atribuir agrave inteligecircncia (θκ θ) ao pensamento
(φλσθβ δμ) e ao conhecimento ( πδ άηβθ) o segundo precircmio colocando-os no gecircnero da
ἵauὅaΝ(ἀἆa)έΝἥὰἵὄatἷὅΝἷvὁἵaΝaὅΝὁὂiὀiὴἷὅΝἶὁὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἶὁΝὂaὅὅaἶὁrdquoΝ(εαγΪπ λ κ πλσ γ θ η θ
ζ ΰκυ)ΝἶἷΝὃuἷΝldquoaΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἵἷὄtὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁ ὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷrdquoΝ (θκ θ εα φλσθβ δθ δθα
γαυηα θ) coordena e dirige ( υθ Ϊ κυ αθΝ δαευί λθ θ) o conjunto de todas as coisas do
universo ( τηπαθ αΝεα σ Ν εαζκτη θκθΝ ζκθ) (28c6-28d9) Ela natildeo apenas ordena a
iὀtἷligecircὀἵiaΝ ldquoὁὄἶἷὀaΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅrdquoΝ ( θκ θΝ πΪθ αΝ δαεκ η ῖθ) nos diraacute
Protarco (28e1-6) Podemos contemplar tal ordem nos astros das oacuterbitas celestes (28e4-6)
na ordem dos elementos mateacuterias que compotildeem os corpos dos animais (29a8-10) e na
proacutepria composiccedilatildeo do universo (29e1-ἁ)έΝἑἷὄtamἷὀtἷΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὧΝὃuἷΝldquoὁΝgecircὀἷὄὁΝἶaΝἵauὅaΝ
estaacute presente em tὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅrdquoΝ(ldquo μΝα έαμΝΰΫθκμ θΝ πα δΝ Ϋ αλ κθΝ θσθΝ κ κΝ θΝη θΝ
κῖμΝ παλ᾽ ηῖθrdquo)Ν (ἁίa1ί-ἴ1)έΝ ἡὄaΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ aΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἷΝ aΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝ jamaiὅΝ
ὂὁἶἷὄiamΝὅἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝὅἷmΝalmardquoΝ(ldquo κφέαΝη θΝεα θκ μΝ θ υΝουξ μΝκ εΝ θΝπκ Νΰ θκέ γβθrdquo)Ν
(30c9-10) noacutes temos alma e o universo tambeacutem tem uma alma A alma do universo ao que
tudo indica eacute a causa inteligente de sua ordem assim como a alma humana eacute causa
inteligente da ordem da vida boa (PAULA 2016 p 265) O argumento centrado no quarto
gecircnero e a consequente inclusatildeo da inteligecircncia nesse gecircnero se tornou um importante
ldquoaliaἶὁrdquoΝ ὂaὄaΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ ήltimaΝ ὂuἶἷὅὅἷΝ ὁἴtἷὄΝ ὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ὂὄecircmiὁΝ (ἁίἶἄ-e3) A inteligecircncia
demonstrou toda a sua potecircncia ( τθαηδθ) a partir da sua pertenccedila (evidenciada) no gecircnero
da causa (31a1-3)
Da mesma forma veio agrave luz o gecircnero do prazer (31a5) e Soacutecrates resume
Lembremos tambeacutem entatildeo sobre ambos o seguinte a inteligecircncia eacute aparentada agrave causa e pode ser dita do mesmo gecircnero ( δΝθκ μΝη θΝα έαμΝ θΝ
υΰΰ θ μΝεα κτ κυΝ ξ θΝ κ ΰΫθκυμ) mas o prazer eacute ele mesmo ilimitado ( κθ π δλσμΝ Να ) e do gecircnero que natildeo tem e natildeo teraacute jamais em si e por si mesmo nem comeccedilo nem meio e nem fim (εα κ ηά Ν λξ θΝηά ΝηΫ αΝηά Ν ΫζκμΝ θΝα φ᾽ αυ κ ξκθ κμΝηβ ικθ σμΝπκ ΝΰΫθκυμΝ(ἁ1aἅ-10)
175 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Eacute imprescindiacutevel no contexto da exposiccedilatildeo dessa ontologia quaacutedrupla perceber o
duplo movimento realizado por Soacutecrates Tendo sido demonstrado que uma vida unicamente
de prazer seria um extremo proacuteximo agrave inferioridade animal e que uma vida unicamente de
conhecimento de permanecircncia de estabilidade de pensamento puro a mais divina possiacutevel
satildeo ambas impossiacuteveis e inelegiacuteveis no contexto da vida humana que soacute poderaacute ser uma vista
mista de prazer e conhecimento haacute um avanccedilo maior a partir da exposiccedilatildeo do argumento
cosmoloacutegico contido caracteriacutestico dessa ontologia quaacutedrupla A natureza dessa vida mista
humana possui como condiccedilatildeo necessaacuteria para a realizaccedilatildeo desse ηδε σθ (mistura) a
introduccedilatildeo do limite no ilimitado realizada pelo Demiurgo de tudo aquilo que eacute produto de
gἷὄaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝgἷὄaὦatildeὁΝὃuἷΝviὅaΝὁΝὅἷὄΝἷὅὅaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰΫθ δθ μ κ δαθ) Deste
modo tambeacutem a vida humana eacute uma vida mista possiacutevel em virtude dessa inteligecircncia (causa
universal) e natildeo de uma inteligecircncia particular humana Insisto sobre esse ponto uma vida
ὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἶiὐἷὄΝἷmΝ tἷὄmὁὅΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁὅΝ ldquoἴiὁlὁgiἵamἷὀtἷΝὅatiὅfatὰὄiardquoΝmaὅΝἷὅὅaΝ
justificaccedilatildeo natildeo pode ser compreendida de forma meramente fisioloacutegica sim em uma
concepccedilatildeo cosmoloacutegica universal num sentido grego lato
EacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶἷὅὅaΝldquomiὅtuὄardquoΝὃuἷΝaὃuiΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmΝὂὄἷἵἷἶἷΝ
o sentido eacutetico pois esse uacuteltimo sentido eacute sustentado eacute interdependente desse sentido
cosmoloacutegico Nesse uacuteltimo sentido toda vida humana eacute boa porque a causa inteligente assim
nos constitui mediante as potencialidades dessa nossa alma humana tal como o universo eacute
constituiacutedo por uma Alma que dispotildee todas coisas de uma forma bela (εαζ 26b1-3) A
distinccedilatildeo entre uma vida boa eacutetica e uma boa vida cosmoloacutegica nunca eacute feita soacute podemos
utilizaacute-laΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝldquoἶiἶὠtiἵardquoΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄmὁὅΝἷὅὅaΝtὄaὀὅiὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἶἷΝumΝὅἷὀtiἶὁΝ
ao outro o que natildeo diz respeito a uma atitude peculiar de Platatildeo que evoca o proacuteprio sentido
ἶἷΝumaΝviἶaΝἴὁaΝldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝfaὐΝtaὀtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὅἷὂaὄὠ-los na visatildeo greco-platocircnica
Esse termo soa contemporacircneo mas como visto o proacuteprio Filebo se refere a tal concepccedilatildeo
eacute um atestado dessa compreensatildeo (Cf 28d5-9) Explica Carone (2008) que
() naturalmente temos o exemplo da vida boa como uma vida de combinaccedilatildeo de prazer e ordem () Mas todos esses exemplos e muitos outros (tais como beleza forccedila fiacutesica etc ()) representam casos particulares dentro de uma estrutura mais geral do universo (ouranos to pan cf 30a9-c7) do qual se diz que os constituintes satildeo maravilhosamente belos () e que tambeacutem e primariamente existe em virtude de uma combinaccedilatildeo de apeiron e peiras Na verdade se diz ser o corpo do mundo dotado de alma (empsuchon 30a6) e todas as coisas dotadas de alma (cf to epsuchon eidos) lemos em 32a9-b1 surgem como um resultado de apeiron e peras Assim parece que apeiron e peras estatildeo apropriadamente combinados natildeo soacute em coisas individuais mas tambeacutem no cosmos como um todo E porque peras eacute causa formal de excelecircncia numa combinaccedilatildeo podemos perceber como o universo possui excelecircncia de origem interior de um modo que
176 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἵὁmἷὦaΝ aΝ ἷxὂliἵaὄΝ aΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ldquoἷlἷvaἶardquoΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὂresente no diaacutelogo (p 143 grifos da autora)
O texto do Filebo nos permite dizer que uma certa e bela ordem nos eacute dada por meio
da inteligecircncia universal que dirige e coordena todas as coisas do cosmo mas um resiacuteduo
dessa ordenaccedilatildeo que compete ao homem realizaacute-la Essa combinaccedilatildeo (vida mista) eacute uma
combinaccedilatildeo que deve ser excelente tornar-se na medida do possiacutevel excelente por meio da
inteligecircncia particular dos indiviacuteduos
Natildeo se pode a meu ver confundir a atividade demiuacutergica como algo isolado
transcendente Esse θκ μ deve ser entendido naquilo que ele eacute causa eficiente e ele eacute
imanente tanto no universo quanto na composiccedilatildeo da vista mista humana A funccedilatildeo dessa
ldquoiὀtἷligecircὀἵiardquoΝ ὧΝ ἵὁmὂὁὄΝ ἴὁaὅΝ miὅtuὄaὅΝ uὀivἷὄὅaiὅ ou particulares por isso no Filebo
diferentemente do Timeu (28c3 29a3) se utiliza o termo βηδκυλΰκ αφλκθ (27b1 26e6-8
ἀἅaἃ)Ν ὀὁΝ ὀἷutὄὁΝ ὀὁΝ lugaὄΝ ἶἷΝ ldquoἵὄiaἶὁὄrdquoΝ ( ηδκυλΰσμ) no singular masculino assim como
tambeacutem no Filebo essas combinaccedilotildees satildeo combinaccedilotildees particulares realizadas em um todo
sem alusatildeo clara agrave geraccedilatildeo do cosmos em sua totalidade Assim por mais que o limite (πΫλαμ)
informe essa combinaccedilatildeo ou melhor seja a causa formal da mistura a explicaccedilatildeo eficiente
dessa estrutura cosmoloacutegica misturada proveacutem da inteligecircncia desse θκ μ Como nos diz
ἑaὄὁὀἷΝ(ἀίίἆ)ΝldquoὅἷΝὧΝaὅὅimΝtἷmὁὅΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὅuὅὂἷitaὄΝἶἷΝalgumΝtiὂὁΝἶἷΝiὀtἷὄἶἷὂἷὀἶecircὀἵiaΝ
mἷὀtἷήἵὁὄὂὁΝmἷὅmὁΝὀumΝὀiacutevἷlΝἵὰὅmiἵὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝ1ἃί)έ
No contexto da discussatildeo sobre uma vida boa e consequentemente uma vida feliz o
aspecto cosmoloacutegico eacute levado em conta por Soacutecrates ao estabelecer um paralelismo entre
inteligecircncia humana e coacutesmica entre micro e macro-cosmo Penso que aqui o propoacutesito natildeo
seja demarcar estritamente uma assimetria ou mesmo oposiccedilatildeo entre um e outro mas a
anaacutelise do argumento cosmoloacutegico deve ser cuidadosa porque dada oposiccedilatildeo natildeo nos traria
resultados proveitosos em se tratando de uma compreensatildeo acertada sobre a passagem237
Devemos antes de tudo compreender esse paralelismo feito por Soacutecrates no contexto
da discussatildeo maior acerca da vida boa Ora o condutor da discussatildeo talvez esteja afirmando
que o universo possui uma mente coacutesmica que opera essas misturas de uma forma excelente
que governa dirige e preserva a boa ordem de todas coisas que mistura belamente Dito isso
o paralelismo passa a ser estabelecido entre esse θκ μ coacutesmico e os organismos individuais
237 Sobre isso eacute possiacutevel ver a anaacutelise detalhada e a recomposiccedilatildeo do argumento por Carone (2008 p 152) que aborda com clareza que a interpretaccedilatildeo incorreta do paralelismo natildeo alcanccedila resultados satisfatoacuterios principalmente quando esse paralelismo eacute interpretado sob o ponto de vista da distinccedilatildeoseparaccedilatildeo da causa do mundo seja pela equivocada compreensatildeo rasa da relaccedilatildeo sensiacutevel-inteligiacutevel ou melhor entre teoloacutegico e fisioloacutegico A teoacuterica diz com toda clareza que o argumento desenvolvido na passagem eacute fiacutesico-teoloacutegico e natildeo somente teoloacutegico (no inteligiacutevel) ou somente fiacutesico (no plano sensiacutevel) ele eacute fiacutesico-teoloacutegico e ambos os planos de realidade (CARONE 2008 p 150-151)
177 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
(28c-29d) Ora se reconhecemos em noacutes a existecircncia de um corpo e esse corpo proveacutem do
corpo do universo tambeacutem em relaccedilatildeo a alma podemos pressupor o mesmo isto eacute que ela
proveacutem de uma alma universal e superior Eacute porque reside nessa alma (a coacutesmica) que essa
inteligecircncia (θκ μ) governa sempre o universo Logo natildeo se trata aqui de uma distinccedilatildeo niacutetida
entre sensiacutevelinteligiacutevel corpoalma caso defendecircssemos isso ou seja que a natureza da
causa o intelecto demiuacutergico estivesse aleacutem dessa interdependecircncia mente-corpo de tal
mὁἶὁΝὃuἷΝἷὅὅἷΝldquoZἷuὅΝὄὧgiὁrdquoΝ( δ μ ία δζδε θ 28d1-4) como eacute chamada a causa essa uacuteltima
estivesse aleacutem da alma perderiacuteamos a grandeza do paralelismo aqui estabelecido Sabedoria
e inteligecircncia nos diz Soacutecrates natildeo existem sem alma (Cf 30c-910) A alma do mundo assim
como a alma humana satildeo ambas princiacutepios de organizaccedilatildeo238 de sustentaccedilatildeo a causa
existe em todas as coisas o que sugere ainda mais inerecircncia da causa do que sua separaccedilatildeo
ontoloacutegica
Essa alma do mundo eacute singular mas sua tarefa ordenadora dirige-se agraves entidades
particulares das quais reconhecemos a natureza das coisas mais e belas e mais nobres em
porccedilotildees maiores no universo como nos astros celestiais Reconhecemos que essa beleza e
essa nobreza eacute fruto desse ordenamento dessa sustentaccedilatildeo que a inteligecircncia realiza nas
almas desses seres ou seja dessa geraccedilatildeo inteligiacutevel em direccedilatildeo ao ser Esse θκ μ que
realiza a combinaccedilatildeo no universo tem de ser a inteligecircncia na alma do mundo o θκ μ coacutesmico
Da mesma maneira ocorre em noacutes essa tarefa criadora e ordenadora excelentemente
realizada pela demiurgia que compotildee essa nossa natureza humana mista de prazer e
inteligecircncia na qual tambeacutem podemos reconhecer esse belo ordenamento (sauacutede
constituiccedilatildeo corpoacuterea adequada vigor fiacutesico etc) em menores porccedilotildees e que por vezes se
desfaz e novamente se restabelece ou seja esse θκ μ que possibilita que tenhamos uma
vida mista de acordo com essa proacutepria condiccedilatildeo (humana)
Contudo no caso dos seres humanos nem sempre alma e θκ μ coincidem pois nossa
alma possui outras capacidades psiacutequicas e fisioloacutegicas proacuteprias agrave nossa condiccedilatildeo natural
No caso do cosmos tambeacutem resultante dessa mistura de limite e ilimitado a identidade entre
θκ μ e alma eacute possiacutevel porque no inteligiacutevel esse ordenamento natural se conserva de forma
excelente diferentemente do caso humano A inteligecircncia coacutesmica natildeo permite que o caos se
instaure que o universo seja caoacutetico e desordenado Por isso Soacutecrates chamaraacute essa
inteligecircὀἵiaΝ ὃuἷΝ ὄἷὅiἶἷΝ ὀaΝ almaΝ humaὀaΝ ἶἷΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἵὁmὂlἷtaΝ ἷΝ vaὄiaἶardquoΝ (εα παθ κέαθΝ
κφέαθΝ πδεαζ ῖ γαδ 30b4) tendo em vista que ela nos possibilita muitos ganhos como a
238 ἑaὄὁὀἷΝ ἶiὐΝ ὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὃuἷμΝ ldquo(έέέ)Ν ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ vὁἵaἴulὠὄiὁΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὅἷὄiaΝempregado por algueacutem que considera o corpo um mero acessoacuterio da alma como alguns entendem que sugerem os diaacutelogos intermediaacuterios de Platatildeo Em lugar disso a analogia macromicro cosmo pareceria ressaltar a presenccedila da alma no universo primordialmente como um princiacutepio de sua organizaccedilatildeo semelhante agrave alma em noacutes (agrave qual se diz que pertence a funccedilatildeo de ser um archecirc em Fil ἁἃἶ)rdquoΝ(ἀίίἆΝp 152)
178 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
sauacutede que se restaura pela medicina e pela ginaacutestica quando o corpo falha Mas no universo
em que a inteligecircncia coacutesmica tambeacutem produz constantemente essas misturas ela sempre
as faz de uma maneira legiacutetima com regularidade e sempre de forma excelente
Logo essa suposta inferioridade natildeo parece ser aqui justificada em vista dessa
distinccedilatildeo entre planos (sensiacutevelinteligiacutevel) porque no universo tambeacutem haacute corpos e corpos
com almas permitem serem ordenados belamente nem que a demiurgia seja algo
(transcendente) que esteja aleacutem da imanecircncia do mundo mas ela eacute causa eficiente que pela
introduccedilatildeo limite torna excelente qualquer mistura239 por isso a alternacircncia socraacutetica ao dizer
que a alma eacute coacutesmica e que a causa eacute θκ μ Jaacute no caso da vida humana mista somos
convocados a sempre voltarmos agrave essa constituiccedilatildeo originaacuteria a qual fomos destinados a vida
eacutetica boa eacute essa vida que realiza essa harmonizaccedilatildeo entre a finalidade coacutesmica estabelecida
pela inteligecircncia coacutesmica ao criar o homem (num sentido universalgeneacuterico) e a finalidade
estabelecida pela causa individual humana ou seja a inteligecircncia particular de cada indiviacuteduo
A vida humana destarte eacute sempre mista e isso Platatildeo jamais negou mas o que se
nega eacute que nem sempre ela eacute uma legiacutetima mistura agrave vista disso nem sempre boa (num
ὅἷὀtiἶὁΝὧtiἵὁ)έΝἏΝtaὄἷfaΝhumaὀaΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝumΝldquoafiὀamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝὄἷὃuἷὄΝumΝὄἷtὁὄὀὁΝὅἷmὂὄἷΝ
que possiacutevel a esse modelo originaacuterio belamente disposto pela inteligecircncia coacutesmica ou seja
agrave finalidade originaacuteria atribuiacuteda agrave alma humana pela inteligecircncia coacutesmica no momento de sua
criaccedilatildeo tarefa que deve ser realizada pela accedilatildeo humana e que consiste em conservar essa
originalidade que tem como paradigma como modelo a ordem universal coacutesmica O universo
possui uma organizaccedilatildeo interior na qual a inteligecircncia sempre cumpre da melhor maneira o
seu papel Noacutes tambeacutem possuiacutemos uma composiccedilatildeo natural dotada de intelecto devido agrave
presenccedila da alma e tambeacutem afetiva devido ao corpo uma organizaccedilatildeo interior mas perdemos
constantemente essa excelecircncia quando realizamos maacutes misturas na qual os ingredientes
natildeo satildeo bem dosados e corrompem nossa mistura (condiccedilatildeo) originaacuteria tornando-a
ἶἷὅὂὄὁviἶaΝἶἷΝtalΝἷxἵἷlecircὀἵiaΝὃuἷΝaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵaΝuὀivἷὄὅalrdquoΝmaὀtὧmΝiὅtὁΝὂὁὅtὁΝἷlaΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝ
tὁmaἶaΝἵὁmὁΝὂaὄaἶigmaΝἵὁmὁΝmὁἶἷlὁΝὁuΝὀὁὅΝἶiὐἷὄἷὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝἵὁmὁΝaΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoέΝ
O universo eacute um corpo um corpo dotado de alma com os mesmos elementos que
residem em noacutes em maiores porccedilotildees de quantidade (nos diz o Filebo em 30d-e) A diferenccedila
se encontra portanto na conservaccedilatildeo da ordem firmemente estabelecida no arranjo
(qualitativo) presente no universo que permanece fiel agrave sua finalidade originaacuteria240 Quanto ao
homem somos corpos corpos dotados de alma com os mesmos elementos do universo em
menores porccedilotildees (de quantidade) poreacutem natildeo conservamos nossa finalidade originaacuteria da
239 ἠatildeὁΝὃualὃuἷὄΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝmaὅΝumaΝldquoἵὁὄὄἷtaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁrdquoΝ( λγ εκδθπθέμ) eacute louvada por Soacutecrates em 25e7 240 Soacutecrates diraacute em 30c3-ἄμΝldquo(έέέ)Νὀo universo haacute tanto excesso de ilimitado quanto suficiecircncia de limite e sobre eles uma causa natildeo inferior ordenado belamente e coordenando os anos as estaccedilotildees e os mἷὅἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝἵhamaἶaΝἵὁmΝtὁἶὁΝὁΝἶiὄἷitὁΝἶἷΝὅaἴἷἶὁὄiaΝἷΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiardquoέ
179 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
criaccedilatildeo somos infieacuteis quanto agrave nossa constituiccedilatildeo originaacuteria Precaacuterios e ignoacutebeis realizamos
maacutes misturas e precisamos retomar por meio de nossa faculdade intelectiva individual a
busca pela conservaccedilatildeo dessa ordem belamente estabelecida e perdida a qual tornaria de
fatὁΝὀὁὅὅaΝviἶaΝὄἷalmἷὀtἷΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἡΝὃuἷΝὁΝFilebo deixaraacute claro a meu ver eacute que
essa nossa vida mista de prazer e inteligecircncia soacute poderaacute ser efetivamente boa quando a vida
particular humana se esforccedilar ao maacuteximo para adquirir a natureza de uma forma geneacuterica que
participa da Forma do Bem que eacute a uacutenica coisa boa de forma absoluta que eacute boa
ἷxἵἷlἷὀtἷmἷὀtἷΝἷΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝἵὁmὁΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝἷὅtὄitὁέΝ
Cosmologia e eacutetica portanto permanecem conjugados e natildeo separados pois aquilo
a que todas as coisas aspiram sejam elas universais (cosmoloacutegicas) ou mesmo o proacuteprio
homem enquanto tambeacutem um desses seres presente no universo eacute o Bem e que na vida
humana permanece como a orientaccedilatildeo maior para que uma vida seja realmente uma vida
boa e como nos diz o Filebo deve ser buscado na vida mista entre prazer e conhecimento
Dito de outro modo o bem humano natildeo eacute este ou aquele bem mas uma vida boa a boa vida
humana A questatildeo que envolve o Filebo vai aleacutem de uma simples e faacutecil mistura essa eacute uma
das misturas mais relevantes porque trata de compreender a todo instante se uma vida tal
como ela eacute ela mesma se basta a si poacutepria O prazer teria essa ilusatildeo que o pensamento
denuncia mas nenhum nem outro nem prazer nem inteligecircncia devem ser tratados de forma
polarizada mas a eacutetica define-se por uma pergunta muito mais complexa a partir da
introduccedilatildeo da mistura que visa o bem O prazer eacute parte da vida boa seu fasciacutenio encanta
mas como introduzir algo ilimitado em si-mesmo naquilo que essencialmente por natureza eacute
limitado como eacute o caso da boa vida241
Quando o π δπκθ reina quem impera eacute o acaso e a necessidade ( υξ ιΝ
θΪΰεβμ)242 natildeo a ordem243 natildeo o planejamento e a inteligecircncia O universo natildeo eacute irracional
ambos dialogadores chegam a tal conclusatildeo muito pelo contraacuterio nele impera a ordem e a
regularidade de forma excelente Considerar o prazer como bem eacute dizer que nossa vida inteira
deve ser regulada em funccedilatildeo de algo que pertence ao gecircnero do π δλκθ o prazer eacute π δλκθ
ou seja passa pelo mais e pelo menos eacute pura geraccedilatildeo pura transgressatildeo que recusa a
imposiccedilatildeo do limite um devir e o devir torna-se mas natildeo eacute ser o prazer soacute se torna ser depois
da atividade dialeacutetica que o estrutura que o limita primeiramente em multiplicidade
241 NaὅΝἴἷlaὅΝὂalvὄaὅΝἶἷΝἐὁὅὅiμΝldquoἏΝvἷlhaΝὂaixatildeὁΝἶἷΝἑὠliἵlἷὅΝὄἷἷὀἵaὄὀaΝἷmΝἔilἷἴὁμΝὁΝἴὁmΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝseu caraacuteter ilimitado natildeo impedido sempre possiacutevel de ser levado um pouco mais adiante Talvez poderiacuteamos dizer que toda a eacutetica socraacutetico-platocircnica natildeo tem outro objetivo principal que desmascarar ἷὅtaΝatὄaἷὀtἷΝviὅatildeὁΝἷΝἶἷὅtὄuiὄΝaΝ faὅἵiὀaὦatildeὁΝὃuἷΝaΝὂἷὄὅὂἷἵtivaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝ ilimitaἶὁΝἷxἷὄἵἷΝὅὁἴὄἷΝὀὰὅrdquoΝ(2008 p 241) 242 (Cf Ti 46e5-6) 243 O termo desordem ( Ϊε πμ) aparece em 29a4 relacionado anteriormente com o acaso ( υξ cf 28d5-9 Ti 46e Lg 889c) pois Soacutecrates questiona a Protarco (28d5-7) se poderiacuteamos dizer que o universo eacute governado pela potecircncia do irracional ( ζσΰκυ) e de arbitrariedade e daquilo que acontece ὂὁὄΝaἵaὅὁΝ( θΝ κ ζσΰκυΝεα ε τθαηδθΝεα π υξ θ)έ
180 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
determinada e depois disso em uma unidade indeterminada que se denomina prazer mas
que satildeo vaacuterios prazeres244 O prazer ilimitado prescinde da accedilatildeo da inteligecircncia na
composiccedilatildeo da vida mista boa nesta ele soacute pode ser bom apoacutes essa imposiccedilatildeo do limite
pois essa vida para ser uma boa vida realmente deve saber dosar corretamente prazer e
inteligecircncia tendo como referecircncia o ordenamento executado pela inteligecircncia coacutesmica
universal a finalidade originaacuteria da sua criaccedilatildeo pela Inteligecircncia universal que se deu por meio
de sua alma (humana) ordenamento que agora deveraacute ser retomado e consiste propriamente
a uma accedilatildeo executaacutevel pelo proacuteprio homem Nos belos dizeres de Carone (2008)
()um importante contraste torna-se aparente aqui ao observarmos como num niacutevel coacutesmico a prevalecircncia do nous sobre o acaso a necessidade ou o ilimitado constitui um fato determinado e digno do aspecto dos ceacuteus (Fil 28e) Ao contraacuterio para os seres humanos isso natildeo eacute determinado cabe a noacutes optar por uma vida irracional de prazer excessivo ou entatildeo nos decidir a governaacute-la com nosso nous () Mas como podemos compreender nossas proacuteprias tendecircncias de modo que nos capacitemos a controlaacute-las melhor Como podemos alcanccedilar vidas humanas estavelmente felizes Eacute para esse tipo de problema eacutetico que a passagem cosmoloacutegica que estivemos discutindo serve para estabelecer o conhecimento de base apropriado uma vez que eacute igualmἷὀtἷΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ aὂὄἷὀἶἷὄΝ ldquoὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ἴὁmΝ taὀtὁΝ ὀὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝἵὁmὁΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝ(ἄἂa1-2) (p 157 grifos da autora)
Por fim vemos que mesmo aqui nessa fundamentaccedilatildeo cosmoloacutegica toda e qualquer
geraccedilatildeo tem como fim o bem por isso ela eacute (tanto no caso cosmoloacutegico quanto no caso eacutetico)
propriamente axioloacutegica tem em vista sempre o melhor o bom o bem e tudo o que eacute
consoante ao valor maior pelo qual todas as coisas anseiam como nos ficaraacute claro em 53-
54d
33 Prazer Conhecimento e Valor
Foi dito que a questatildeo do prazer na vida humana eacute tratada segundo as questotildees da
teleologia universal coacutesmica A vida boa se define pela sua finalidade Eacute isso que importa para
Platatildeo Antes do conteuacutedo da mistura da vida boa eacute preciso investigar qual forma este tipo
de vida deve tomar Eacute necessaacuterio delineaacute-la pois a partir disso seraacute possiacutevel ao indiviacuteduo
244 ἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaμΝldquoἒiὐἷὄΝἶἷΝalgὁΝἷΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὃuἷΝἷlἷΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝὀὁΝgecircnero do apeiron natildeo significa apenas devolver negativamente a ele qualquer limite mas determina-lo positivamente como uma espeacutecie de realidade capaz de recusar qualquer determinaccedilatildeo qualquer limite qualquer medida Era portanto necessaacuterio antes de submeter o prazer agrave anaacutelise refletir sobre a maneira de como lidar com uma realidade desse gecircnero comeccedilando por definir o gecircnero () A ilimitaccedilatildeo proacutepria ao prazer eacute essa ilimitaccedilatildeo dinacircmica essa recusa de qualquer quantidade determinada de qualquer medida e de qualquer fim Eacute a ela que o dialeacutetico deve impor nuacutemero e estrutura (aruthmos)rdquoΝ(ὂέΝἁ1ἂΝἁ1ἄ)έ
181 33 Prazer Conhecimento e Valor
atuar na composiccedilatildeo da mistura dosando corretamente os ingredientes que devem ser
incluiacutedos em tal composiccedilatildeo Primeiramente esse indiviacuteduo deve conhecer a forma dessa
vida a vida mista seu lugar na teleologia coacutesmica e posteriormente realizar a composiccedilatildeo
da vida mista boa concretizaacute-la atualizaacute-la Eacute a forma desta vida mista que determina o
conteuacutedo dessa boa vida mas essa vida deve ser capaz de atender agraves finalidades do εσ ηκ
O pensamento presente nesta foacutermula da vida boa consegue extrapolar a funccedilatildeo de
mero possibilitador da fruiccedilatildeo de prazeres do caacutelculo dos prazeres realizados pela memoacuteria
a inteligecircncia nos oferece outros atributos ela eacute capaz de conhecer a fundo essa mistura de
instaurar as finalidades mais amplas em nossa existecircncia concreta Todavia ela deve
exercitar-se a fim de conhecer a real dimensatildeo da sua potecircncia para aplicaacute-las na vida
humana logo conhececirc-las (estas possibilidades) permitiraacute tambeacutem conhecer a forma que a
vida humana pode e deve assumir se de fato ela deseja ser uma vida boa O pensamento
assim possui um valor inestimaacutevel pois aleacutem de participante e constituinte da vida mista ele
eacute capaz de tornar uma vida mista humana uma vida boa ele dispotildee de vaacuterios recursos como
traccedilar estrateacutegias calcular rememorar investigar imaginar avaliar julgar dentre outras O
pensamento e o conhecimento ainda seratildeo definidos mais claramente no espectro desse texto
platocircnico O pensamento possui um poder amplo na vida boa e no argumento que perscruta
acerca do bem e da vida boa no contexto dialoacutegico aqui tratado Desta maneira a finalidade
da vida humana natildeo pode ser o prazer jaacute que o conhecimento natildeo se encontra ocupado
somente com a fruiccedilatildeo dos prazeres
O hedonismo enquanto uma teoria eacutetica deve ser refutado por Soacutecrates tendo em
vista a dimensatildeo do pensamento do conhecimento que na vida humana excede extrapola
essa uacutenica funccedilatildeo de fruiccedilatildeo dos prazeres Logo o prazer natildeo pode ser o bem Todavia o
prazer reclama a todo instante sua existecircncia no conjunto da vida boa uma vida de
pensamento unicamente natildeo eacute desejaacutevel dada a nossa condiccedilatildeo humana afetivo-intelectual
O bem precisa ser algo que possua limites que o proacuteprio prazer natildeo possui Mas o prazer
enquanto um ilimitado que eacute pode ser limitado pela atuaccedilatildeo do pensamento pode se tornar
bom por isso defendemos consistentemente que o Filebo eacute um diaacutelogo que vai muito aleacutem
do embate hedonismo vs anti-hedonismo quando falamos em vida mista de prazer e
inteligecircncia a forma e o conteuacutedo da vida boa mista altera essa oposiccedilatildeo draacutestica pois
nenhum desses dois elementos (prazer e inteligecircncia) podem ser eliminados drasticamente
da vida humana
Os bens humanos passam a ser discutidos de uma outra maneira e essa teoria eacutetica
tradicional convencional precisa ser transposta criticamente pelo Soacutecrates do Filebo O bem
para uma vida enquanto vida humana soacute pode ser uma vida boa A explicaccedilatildeo de Soacutecrates
para tais temas eacuteticos reconfigura-se no caso do Filebo como se pode notar vai mais a fundo
permitindo uma anaacutelise psicoloacutegica e fisioloacutegica e por uacuteltimo eacutetica muito mais complexa do
182 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
que posiccedilotildees dogmaacuteticas estritas em torno do problema eacutetico tradicional sobre as accedilotildees
humanas sobre o modo como se deve viver A busca pela definiccedilatildeo de uma eacutetica se assim
podemos dizer em Platatildeo foge de posiccedilotildees extremas polarizadas Muito pelo contraacuterio a
pergunta relevante a mais simples e a mais enigmaacutetica da eacutetica eacute uma questatildeo complexa e
dialeacutetica Agora sim eacute o momento de analisar os conteuacutedos da mistura da forma da boa vida
desejada como ideal para os indiviacuteduos Quais e que tipos prazeres entram nessa mistura
Quais e que tipos de conhecimentos devem ser incluiacutedos nessa vida mista para que ela seja
boa Jaacute que o prazer pode receber determinaccedilatildeo e se tornar algo bom nessa mistura e a
inteligecircncia natildeo se restringe unicamente agrave tarefa de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres
mas desempenha outros melhores e maiores papeis nessa composiccedilatildeo vejamos entatildeo qual
a relevacircncia destes dois elementos nessa forma da vida boa mista
A anaacutelise dos prazeres ocupa grande parte do diaacutelogo (31b-55c) Natildeo pretendo aqui
tratar exaustivamente dessa anaacutelise devido agraves finalidades redutivas que nosso trabalho nos
impotildee O trecho eacute permeado de passagens complexas que evocam uma compreensatildeo clara
de vaacuterios temas presentes no corpus que podem e devem ser retomados para o tratamento
dessa importante questatildeo filosoacutefica da filosofia platocircnica Minha hipoacutetese de leitura pretende
ressaltar brevemente dois aspectos que a meu ver satildeo importantiacutessimos para compreensatildeo
da anaacutelise dos prazeres a saber em primeiro um aspecto gnosioloacutegico e em seguida um
aspecto valorativo ou axioloacutegico como pretendo chamar aqui245
Primeiramente o prazer deve ser analisado em relaccedilatildeo ao seu contraacuterio ou seja no
prazer e dor jamais poderiacuteamos analisar sob tortura o prazer separado da dor nos diz
ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝἁ1ἴἄΝ(ζτπβμΝ α ξπλ μΝ θΝ κθ θΝκ εΝ θΝπκ Ν υθαέη γαΝ εαθ μΝία αθέ αδ)έΝ
Dor e prazer agora satildeo incluiacutedos em um gecircnero comum o que dista da sua classificaccedilatildeo
anterior no gecircnero do ilimitado Devemos antes de qualquer alarde nos atentar para o sentido
ἶἷὅὅἷΝldquoἵὁmumrdquoΝ(εκδθ ) utilizado aqui por Platatildeo Soacutecrates diz que por natureza (εα φτ δθ)
ambos (prazer e dor) residem neste gecircnero do comum
O exemplo da sauacutede eacute retomado (31d10-11) Quando em noacutes se desata a harmonia
( μΝ ληκθέαμΝη θΝζυκηΫθβμΝ ηῖθ)ΝὁἵὁὄὄἷΝaΝἶiὅὅὁluὦatildeὁΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ζτ δθΝ μΝφτ πμ)ΝἷΝἶaiacuteΝ
simultaneamente resultam as dores (31d4-6) Quando poreacutem a harmonia se recompotildee
245 Sigo bem de perto certos autores contemporacircneos que hora ou outra ocupam parte do meu texto me alio a essa visatildeo interpretativa do diaacutelogo e principalmente da questatildeo do prazer por consideraacute-la mais entusiasmante e mais atenta aos problemas complexos que envolve essa intrincada questatildeo do prazer na filosofia de Platatildeo Recentemente essa visatildeo eacute defendida por alguns autores nos quais me fundamento para a construccedilatildeo da minha anaacutelise como (Marques (2012) Teisserenc (1999 2010) Bossi (2008) Dixsaut (1999 2001 2017) ndash considero importante tambeacutem retomar (Delcomminette Bravo) enquanto grandes especialistas da temaacutetica mas natildeo sigo em alguns momentos seus posicionamentos principalmente no que diz respeito a esse momento da anaacutelise dos prazeres
183 33 Prazer Conhecimento e Valor
novamente retornando a sua proacutepria natureza surgem os prazeres (πΪζδθΝ ληκ κηΫθβμΝ Ν
εα μΝ θΝα μΝφτ δθΝ πδκτ βμΝ κθ θΝΰέΰθ γαδ) (31d8-10)
Alguns exemplos ofertados por Soacutecrates (31e6-32a8) facilitam a compreensatildeo como
a fome porque haacute dissoluccedilatildeo (ζτ δμ) e dor (ζτπβ) enquanto o ato de comer eacute um
preenchimento (πζάλπ δμ) de retorno (ΰδΰθκηΫθβ π ζδθ) agrave situaccedilatildeo normal e prazer do
mesmo modo a sede que eacute corrupccedilatildeo (φγσλα) do estado natural fisioloacutegico e dor e o
preenchimento (πζβλκ α) com liacutequido que preenche a secura prazer o calor insuportaacutevel e
a refrigeraccedilatildeo satildeo exemplos do mesmo tipo dor-restauraccedilatildeo separaccedilatildeo e dissoluccedilatildeo do
estado natural ( δΪελδ δμ εα δΪζυ δμ παλ φτ δθ) sendo o resfriamento nesse caso de
calor extremo restauraccedilatildeo do equiliacutebrio natural o congelamento (frio extremo) contraacuterio agrave
natureza que congela os liacutequidos do animal e a restauraccedilatildeo por meio do retorno ao acordo
natural (εα φτ δθ rsquoΝπΪζδθ πσ κ έμ) ou seja ao se liquidificarem eacute um retorno agrave natureza
e por isso prazeroso Logo conclui-se que quando essa harmonia natural se corrompe
(φγσλαθ) entre limite e ilimitado o resultado eacute a dor e o caminho do retorno tem como
resultado nos seres vivos o prazer e ele eacute retorno ao proacuteprio ser ( θΝ ᾽ μΝ θΝα θΝκ έαθΝ
σθΝ ατ βθΝ α πΪζδθΝ θΝ θαξυλβ δθΝπΪθ πθΝ κθάθ) (32b1-5) Em 32e1-2 Soacutecrates iraacute
ἵὁὀἵluiὄΝ ldquoὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ἵὁὄὄuὂὦatildeὁΝ ἶἷὅὅaὅΝ ἵὁiὅaὅΝ hὠΝ ἶὁὄΝ ἷΝ ὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝ ὂὄaὐἷὄrdquoΝ
(ldquo δαφγ δλκηΫθπθΝη θΝα θΝ ζΰβ υθΝ θα ακηΫθπθΝ κθάrdquo)έ
Na passagem da ontologia quaacutedrupla a sauacutede era tomada como um exemplo do
gecircnero misto dentre aqueles outros trecircs gecircneros Ou seja toda a descendecircncia desse misto
ἷὄaΝtὄataἶὁΝἵὁmὁΝumaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰ θ δθ μ κ δαθ) Pela introduccedilatildeo do limite
no ilimitado o devir a geraccedilatildeo adquiriam estabilidade e deixavam de ser um movimento
contiacutenuo ininterrupto deixavam de ὅἷὄΝumaΝmἷὄaΝldquogecircὀἷὅἷrdquoΝἷΝὅἷΝtὁὄὀavamΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝ
ὅἷὄrdquoέΝ ἦamἴὧmΝ aΝ viἶaΝ humaὀaΝ fὁiΝ ἵὁὀsiderada uma vida mista a constituiccedilatildeo orgacircnica
fisioloacutegica dos seres humanos pertenciam ao gecircnero da mistura Os elementos dessa vida
misturada estavam sujeitos ao devir pois passavam pelo mais e o menos num contiacutenuo
movimento ou seja o ilimitado foi tratado como uma ilimitaccedilatildeo dinacircmica que recusava uma
quantidade determinada qualquer medida qualquer fim Estes movimentos do ilimitado ora
se aproximavam ora se distanciavam da condiccedilatildeo saudaacutevel ideal Esses movimentos agora
estatildeo relacionados aqui agrave dor e ao prazer O prazer deve ser parte dessa mistura porque ele
eacute tambeacutem bom nessa mistura da vida humana mas natildeo deixa por outro lado de pertencer
ao gecircnero do ilimitado enquanto esse movimento de restauraccedilatildeo da proacutepria natureza do ser
vivo de restauraccedilatildeo da harmonia do estado saudaacutevel natural livrando-se da degradaccedilatildeo
anterior Por mais que as coisas estejam em devir e por vezes a sauacutede se dissolve e a
harmonia desse estado natural se corrompe se dilui e embora vivamos nesta oscilaccedilatildeo
constante entre sauacutede e doenccedila haacute um estado miacutenimo em que as condiccedilotildees fisioloacutegicas
tentam preservar o maacuteximo possiacutevel dessa harmonia original Harmonia planejada pela
184 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
inteligecircncia coacutesmica que impotildee limites na mistura por intermeacutedio da alma tornando esta vida
ordenada Esse eacute o modo de vida mista louvado por Soacutecrates no diaacutelogo vida de pensamento
e de prazer como a mais digna de ser escolhida
O prazer do corpo natildeo eacute apenas um sinal de satisfaccedilatildeo sentida mas tambeacutem eacute um
alerta de que a constituiccedilatildeo saudaacutevel a natureza harmocircnica fisioloacutegica estaacute retornando ao
seu estado natural em certo indiviacuteduo O prazer tambeacutem atesta a desordem pois quando ele
se ausenta progressivamente ele jaacute daacute indiacutecios de que a dor estaacute por vir Por isso tambeacutem
ele eacute ilimitado nesse aspecto pois ele daacute sinais de variaccedilatildeo que jaacute passam a reclamar seu
contraacuterio a dor O limite permite apenas que ele adentre na mistura quando aquele (o prazer)
permite que sua indeterminaccedilatildeo seja contida e possua o miacutenimo de variaccedilatildeo possiacutevel A vida
humana como um modo de vida que eacute ciente inteligente nota essas variaccedilotildees Logo o prazer
se inclui no Ilimitado comparativamente agrave sua presenccedila no gecircnero misto de ilimitado e de
limite haacute niacuteveis distintos e movimentos distintos em que ora ele se inclui totalmente e ora se
inclui totalmente no misto de limite e ilimitado Assim observa Bravo (2007)
Como entender esta aparente dupla inclusatildeo geneacuterica do prazer agora inseparaacutevel da dor Natildeo sem a definiccedilatildeo fisioloacutegica do prazer que vem na continuaccedilatildeo () a saber do prazer como repleccedilatildeo (πζάλπ δμ) de um vazio (εΫθπ δμ 35b 42d1) Esta definiccedilatildeo () mostra que a Ilimitaccedilatildeo do prazer eacute a de um movimento (εέθβ δμ R 583e10) que passa do vazio agrave plenitude e comporta necessariamente um mais e um menos destes dois estados Por conseguinte tanto o prazer como a dor satildeo de certo modo um misto de vazio e plenitude A plenitude que eacute o prazer proveacutem sempre de um vazio que eacute atual ou potencialmente dor e se encontra constantemente ameaccedilada por ele O vazio que eacute a dor por sua vez tende naturalmente agrave plenitude que eacute o ὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝiἶἷὀtifiἵaΝἵὁmΝaΝldquohaὄmὁὀiardquoΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ἁ1ἶ)έΝEacuteΝaὅὅimΝque o prazer se inclui tanto no gecircnero do Misto quanto no do Ilimitado mas natildeo ao mesmo tempo e no mesmo niacutevel se inclui no Ilimitado mediante sua inclusatildeo no Misto de Ilimitado e Limite Com efeito o que se inclui no todo tambeacutem se inclui em suas partes (p 29)
Eacute interessante notar o modo como Platatildeo conjuga a anaacutelise fisioloacutegica do prazer com
a ontologia anteriormente tratada fundamentalmente sobre os quatro gecircneros O prazer
desempenha um papel importante em se tratando do modo de vida que adotamos ele possui
um valor moral inquestionaacutevel seja no aspecto fisioloacutegico seja no aspecto eacutetico o prazer na
vida mista composta de prazer e de dor deve ser equilibrado corretamente entre os
elementos que constituem essa dada mistura A introduccedilatildeo do limite nestes elementos
ilimitados se torna necessaacuteria em ambos os aspectos fisioloacutegico e eacutetico Tal accedilatildeo nos permite
integraacute-los em uma condiccedilatildeo estaacutevel ordenada saudaacutevel Prazer e conhecimento cumprem
um papel nessa ordenaccedilatildeo baacutesica mas natildeo apenas isso Eacute importante notar o modo como
185 33 Prazer Conhecimento e Valor
essa ordenaccedilatildeo eacute feita para que a mistura natildeo seja corrompida pervertida e nossa condiccedilatildeo
natural natildeo sofra grandes alteraccedilotildees ou mesmo se corrompa totalmente
ἑaὅὁΝὀatildeὁΝὀὁὅΝὂὄἷὁἵuὂἷmὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝὂaὂἷlΝἶἷὅὅaΝviἶaΝhumaὀaΝmiὅtaΝὀaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵardquoΝ
em arranjaacute-la em sintonia com a harmonia universal primeiramente em nossa vida puramente
fisioloacutegica e posteriormente eacutetica faremos isso de uma forma inteligente agrave semelhanccedila da
ordenaccedilatildeo universal encontraremos restriccedilotildees de toda parte o proacuteprio universo nos restringe
quando optamos por uma vida desenfreada que foge ao curso natural das coisas Somos
frustrados quando tentamos levar uma vida depravada desordenada sob a ilusatildeo de que ela
seria a mais correta e nos bastaria a depravaccedilatildeo manifesta esse sinal de oposiccedilatildeo ao natural
O resultado da transgressatildeo perpeacutetua da corrupccedilatildeo desse modelo de vida mista eacute a
dor O contraacuterio uma vida de prazer Obviamente temos aqui um argumento eacutetico mas o
caraacuteter valorativo dessas proposiccedilotildees encontra-se impregnada a uma visatildeo eacutetica que
relaciona indiviacuteduo e todo sem menosprezar nem um nem outro assim como prazer e
inteligecircncia natildeo satildeo desprezados nem um nem outro na defesa da vida boa e feliz porque
assim exige nossa condiccedilatildeo humana Se pervertemos essa ordem tornando o prazer como
fim a ser buscado levando uma vida irrefreada de prazeres intensos imoderados rompendo
com os limites da nossa constituiccedilatildeo natural por viver intensamente sob o domiacutenio das paixotildees
e extravasando ao maacuteximo possiacutevel nossa fruiccedilatildeo dos prazeres a fim de podermos gozar
sempre desse prazer que promove a reconstituiccedilatildeo do equiliacutebrio original natural invertemos
os papeacuteis confundindo os papeacuteis dos limites e dos prazeres e atentamos contra a κτ έα cuja
essecircncia eacute o limite e natildeo o ilimitado (IGLEacuteSIAS 2007 p 112)
Igleacutesias (2007 p 11-112) em um notoacuterio artigo na coletacircnea de artigos organizados
pelo Benoit sobre nosso diaacutelogoΝὀὁὅΝἶiὐΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝumΝldquoaὄautὁrdquoΝὃuἷΝaὀuὀἵiaΝὃuἷΝἷὅtὠΝ
sendo refreada uma ameaccedila ao ser vivo que a integridade deste ser estaacute sob ameaccedila e que
ele caminha para a recuperaccedilatildeo do ser Um organismo vivo eacute um η δε θ um ser que nasce
da imposiccedilatildeo de limites acertados em variado tipo de continuum da ordem do ilimitado
( π δλκθ) um ser ele proacuteprio que estaacute saindo dos limites constantemente devido agrave sua
proacutepria natureza pondo em risco sua integridade ele manteacutem no seu ser esse sensiacutevel que
ele eacute uma κ έα na ΰΫθ δμ uma ΰ θ δθ μ κ δαθ Toda vez que isso ocorre quando o ser
pode se encontrar em estado de dissoluccedilatildeo da harmonia corporal de perder os limites e
chegar ao π δλκθ a dor eacute sentida mas quando essa harmonia retorna temos prazer Assim
nos diz Igleacutesias (2007)
Assim embora sendo da ordem da desmedida a natureza do prazer pode ser captada na conexatildeo essencial que ele guarda com a medida que constitui os limites ideias que mantecircm o ser vivo em equiliacutebrio Eacute verdade que esta tese parece especialmente apropriada para compreender a natureza do prazer ὄἷὅultaὀtἷΝἶaΝὅatiὅfaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶἷὅἷjὁὅΝldquofiacuteὅiἵὁὅrdquoΝligaἶὁὅΝaὁΝἵὁmἷὄΝaὁΝἴἷἴἷὄΝἷΝ
186 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ao sexo Mas ela pode e deve ser estendida para todo o tipo de prazer vindo da satisfaccedilatildeo de um desejo isto eacute de uma falta E compreendida dessa forma a verdadeira natureza do prazer sua funccedilatildeo aparece com clareza na ontologia do Filebo ele como a dor eacute como que um dos guardiotildees da integridade do ser vivo Um anuncia que os limites de sua integridade estatildeo ameaccedilados o outro que eles estatildeo voltando ao normal Essa eacute a funccedilatildeo do prazer E quando se entende isso encontra-se o verdadeiro lugar do prazer na criaccedilatildeo divina () O prazer eacute um aacutepeiron sim mas um aacutepeiron a serviccedilo de uma genesis eis ousian A chamada tese dos delicados (kompsoi) que Soacutecrates apresenta adiante (53c4) eacute justamente essa o prazer eacute genesis e natildeo ousia Ora algo que deveacutem deveacutem em busca de algo e natildeo eacute o devir mas esse algo em vista do que se faz o devir no caso a ousia que eacute o bem () E ateacute mesmo para o cumprimento de tarefas maiores que podem exigir que nos exponhamos a perigos temos de tentar na medida do possiacutevel conservar os limites ideais que nos mantecircm no ser que nos eacute proacuteprio Ora o prazer ligado agrave satisfaccedilatildeo dos desejos sejam quais foram eacute apenas o subproduto que acompanha a restauraccedilatildeo dos limites que nos mantecircm em equiliacutebrio limites que estamos constantemente pela nossa proacutepria natureza perdendo e que buscamos o tempo todo restaurar (IGLEacuteSIAS 2007 p 111-112 grifos nossos)
Platatildeo em 32c-d jaacute daacute alguns indiacutecios que a problematizaccedilatildeo dialeacutetica do prazer a ser
desenvolvida em nosso diaacutelogo deveraacute levar em conta as questotildees psiacutequicas amplamente
desenvolvidas em contextos dialeacuteticos anteriores Essa abordagem sem duacutevidas iraacute lidar
com as questotildees imageacuteticas do psiquismo que se envolvem em uma intriacutenseca relaccedilatildeo entre
prazer desejo imagem reflexatildeo e valor Na passagem supracitada Soacutecrates nos fala a
respeito das afecccedilotildees proacuteprias da alma expectativas ( ζπδαση θκθ) prazerosas diante de
coisas prazerosas e expectativa atemorizante (φκίΫλκθ) e dolorosa diante de coisas
dolorosas Vale lembrar que essas afecccedilotildees satildeo afecccedilotildees pertencentes agrave proacutepria alma (α μ
μ ουξ μ 32b9) eacute necessaacuterio insistir De acordo com Soacutecrates e Protarco esses tipos de
afecccedilotildees (παγβηΪ πθ) satildeo antecipaccedilotildees (πλκ σεβηα πλκ κεέαμ 32c1 32c4)
Aqui vale a pena ressaltar que a dimensatildeo natural natildeo eacute pensada unicamente numa
dimensatildeo fisioloacutegica mas sobretudo em perspectiva ontoloacutegica A natureza possui um valor
um paracircmetro capaz de regular os movimentos dos seres vivos tanto na dor como no prazer
como jaacute dissemos acima Tambeacutem jaacute dizemos que no fundo do argumento cosmoloacutegico residia
uma dimensatildeo fortemente axioloacutegica que orienta todas as coisas agrave busca da realizaccedilatildeo
daquilo que eacute o bem o bom Como diz Marques (2012)
Na medida em que o paracircmetro utilizado para a constataccedilatildeo e subsequente avaliaccedilatildeo o prazer eacute pensado em base ontoloacutegica isso significa em Platatildeo que se trata de uma essecircncia inteligiacutevel forma investida com o maacuteximo de valor valor que orienta os movimentos (ou transformaccedilotildees) de todos os seres (p 214-215)
187 33 Prazer Conhecimento e Valor
Penso que natildeo se trata de um novo gecircnero de prazeres em relaccedilatildeo ao argumento
fisioloacutegico que envolve a primeira parte da anaacutelise dos prazeres por mais que alguns
discordem que o esquema fisioloacutegico possa ser estendido aos prazeres da antecipaccedilatildeo246
Sem duacutevidas temos aqui um prazer que eacute produzido a partir da produccedilatildeo de opiniotildees pela
alma que antecipa certas afecccedilotildees Afecccedilotildees que satildeo mais ou menos independentes do
corpo da experiecircncia empiacuterica ou das determinaccedilotildees corpoacutereas (MARQUES 2012 p 215)
Soacutecrates insiste aqui (32d) na investigaccedilatildeo dessa espeacutecieforma ( κμ) de prazer se
alguns deles possam ser bons e assim incluiacutedos na mistura ou seja se em algum momento
satildeo bens e em outros natildeo Eacute imprescindiacutevel verificar se esses prazeres satildeo puros
( ζδελδθΫ δθ) e puros aqui se refere a natildeo-misturado com dores ( η δε κδμ ζτπβμ) deste modo
eacute que se poderaacute discutir se podemos considerar alguns prazeres como puros e dar acolhida
a este gecircnero de prazeres puros pensados como um todo ou natildeo A conclusatildeo disso jaacute
aparece indicada tacitamente na passagem poderaacute ser verificado que alguns prazeres seratildeo
puros desejaacuteveis em si mesmo natildeo misturados com dores unos e por outro lado outros
seratildeo muacuteltiplos mistos e recusados por serem prejudiciais Nem todos os prazeres isso o
diaacutelogo iraacute mostrar podem ser bens mas apenas alguns satildeo bons e recebem a marca
distintiva do bom Ora se alguns prazeres natildeo satildeo bons jaacute eacute suficiente dizer que ele natildeo
pode ser o bem
Creio que o prazer da restauraccedilatildeo puramente fisioloacutegico estaacute englobado em uma
dimensatildeo maior do que seja o prazer A transiccedilatildeo draacutestica a da restauraccedilatildeo para a
antecipaccedilatildeo nesse interluacutedio breve em que anteriormente se trava da restauraccedilatildeo a meu ver
soacute pode indicar tal que a repleccedilatildeo de um vazio se estende e deve se estender a todo prazer
que proveacutem da satisfaccedilatildeo do desejo Penso que natildeo haacute um abandono mas como nos diz
Marques (2012 p 217) uma ressignificaccedilatildeo da estrutura repletiva fisioloacutegica do prazer O
preenchimento das afecccedilotildees suscitadas pela antecipaccedilatildeo exige um outro tipo de
preenchimento em que o que estaacute em jogo eacute uma saciedade de outra ordem que a meu ver
apelam agrave valoraccedilatildeo Ou como nos diz Marques (2012 p 216-217) o prazer da antecipaccedilatildeo
ldquoὧΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝavaliaὦatildeὁΝὂὄὧviaΝ(ὂὄὁgὀὰὅtiἵa)ΝἶaὅΝafἷἵὦὴἷὅΝfutuὄaὅΝἶὁΝἵὁὄὂὁΝpela alma (o
que alguns chamam de condiccedilatildeo objetiva para que ocorra o prazer)247
246 Como Delcomminette (2006 p 219) acredita que o esquema fisioloacutegico eacute vaacutelido apenas para o referido caso isto eacute para dizer que o prazer eacute restauraccedilatildeo da harmonia corporal da constituiccedilatildeo saudaacutevel da vida humana mista Soacute nesse momento se pode falar de vazio e repleccedilatildeo 247 Marques observa ἵlaὄamἷὀtἷΝaΝὂaὄtiἵulaὄiἶaἶἷΝἶaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁμΝ ldquoἏΝaὀὠliὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝ ὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoὄἷὅtauὄaὦatildeὁrsquoΝ (ἶἷΝ ἵἷὄtὁΝ mὁἶὁΝ ὄἷtὄὁὅὂἷἵtivὁ)Ν aὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoaὀtἷἵiὂaὦatildeὁrsquoΝ(aparentemente referido ao futuro) Mas nem a restauraccedilatildeo eacute apenas um retorno a um estado anterior nem a antecipaccedilatildeo eacute mera projeccedilatildeo numa linearidade temporal A restauraccedilatildeo eacute movimento na direccedilatildeo de uma essecircncia (ou natureza) o caso mais simples e por isso exemplar sendo a passagem do vazio da sede para a repleccedilatildeo da saciedade Se num primeiro momento haacute efetivamente um processo corpoacutereo por outro lado trata-se tambeacutem de uma busca de harmonia de um movimento na direccedilatildeo de
188 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
A menccedilatildeo de uma terceira disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) (neutra) em que natildeo haacute nem dor nem
prazer um momento no qual um ser vivo nem estaacute restaurado nem corrompido ( λαΝκ π αΝ
θΪΰεβ π θΝ θΝ σ Νξλσθ α κθΝηά Ν δΝζυπ ῖ γαδΝηά Ν γαδΝηά ΝηΫΰαΝηά Ν ηδελσθ)
(32e3-7) tambeacutem suscita duacutevidas entre os inteacuterpretes Haacute algo estranho nessas linhas pois
em seguida se diz que nada impede que algueacutem possa optar por uma vida de puro
pensamento (33a8-9) Note-se o caraacuteter hipoteacutetico levantado por Soacutecrates nessa passagem
Dizer que eacute possiacutevel viver sem prazer e sem dor natildeo significa que esse tipo de vida ocorre
concretamente em nossa dada condiccedilatildeo em uma vida humana Mas na comparaccedilatildeo dos
estados de vida ficou assentido que vida unicamente de inteligecircncia e vida unicamente de
prazer satildeo impossiacuteveis e indignas de escolha Mais ainda eacute dito em 33b6-7 sobre esse estado
de vida considerado como o mais divino de todos (γ δσ α κμ) Os deuses natildeo podem ter prazer
ou dor (33b10c-3)
Eacute necessaacuterio notar que natildeo haacute nada de comum entre a vida divina e a vida de escolha
de exclusiva do pensamento aleacutem do fato da ausecircncia das duas espeacutecies de prazeres
anteriormente mencionados (antecipaccedilatildeo e restauraccedilatildeo)έΝ ἑὁmὁΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoὀἷmΝ
ἢὄὁtaὄἵὁΝὀἷmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝalὧmΝἶἷΝὅἷὄἷmΝimὂaὅὅiacutevἷiὅΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂἷὀὅamrdquoΝ(ὂέΝ111ί)έΝ
Essa vida mais divina como jaacute dissemos atua em um extremo assim como a vida unicamente
de prazer em que se diz estar em estado de impassibilidade de uma atividade que basta a si
mesmo e que determina assim uma vida autossuficiente Por mais que o Teeteto diga em
1ἅἄἴΝὃuἷΝἶἷvἷmὁὅΝὀὁὅΝaὂὄὁximaὄΝἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝἶἷὅὅaΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝἵὁmὁΝὁΝmὁἶὁΝἶἷΝviἶaΝ
ideal e que deve ser ambicionado pelos homens aqui natildeo temos um juiacutezo puramente
teoloacutegico ou mesmo moral que desqualifique a vida mista humana dado que ela soacute pode ser
uma mistura de prazer e inteligecircncia Caso se deseje que uma vida de pensamento seja digna
ἶἷΝἷὅἵὁlhaΝἵhamaἶaΝἶἷΝldquoἶiviὀardquo que seja comandada pelo desejo de aprender (e natildeo de
saber) o verdadeiro o que eacute cada realidade inteligiacutevel nos diraacute Soacutecrates em 58d 59d ao
tratar da dialeacutetica essa vida de pensamento eacute guiada por esse desejo (da alma) pelo
verdadeiro eacute ele quem a orienta Logo essa vida de pensamento deve deixar de ser pura
unicamente pura (no sentido anterior do diaacutelogo) e deve se tornar mista para que seja de fato
uma vida boa deixando de lado as duas espeacutecies de prazer (antecipados e restaurativos) e
buscando o prazer proacuteprio da inteligecircncia
A questatildeo do estado neutro seraacute melhor explicada a partir do surgimento de dois
termos extremamente relevantes para a anaacutelise dos prazeres desejo ( πδγυηέαθ) memoacuteria
(ηθάηβμ) e tambeacutem a sensaccedilatildeo (α δμ) O estado de satisfaccedilatildeo e o estado doloroso satildeo
alguma plenitude para aleacutem da mera descriccedilatildeo fisioloacutegica Nem eacute a antecipaccedilatildeo um mero deslocamento para o futuro Na medida em que eacute constituiacuteda pelo desejo a opiniatildeo preacutevia ou a expectativa eacute tambeacutem em parte constitutiva do seu objeto ou pelo menos de seu valor da significaccedilatildeo da experiecircncia antecipada (2012 p 217)
189 33 Prazer Conhecimento e Valor
estados proacuteprios dos viventes mortais e a vida divina neste caso eacute o paradigma deste terceiro
estado (o neutro) Mas Soacutecrates diz que em determinados momentos natildeo sentimos nem dor
nem prazer natildeo somos afetados nem pela dor nem pelo prazer
Soc Aceita que dentre nossas afecccedilotildees corporais algumas se extinguem no corpo antes de penetrar a alma deixando-a impassiacutevel outras atravessam ambos e provocam em ambos uma espeacutecie de abalo que eacute tanto peculiar a cada um quanto comum aos dois (33d2-6) γ μΝ θΝ π λ ηαΝ η θΝ εΪ κ Ν παγβηΪ πθΝ η θΝ θΝ υηα δΝεα α ί θθτη θαΝπλ θΝ π θΝουξ θΝ δ ι ζγ ῖθΝ παγ ε έθβθΝ Ϊ αθ αΝ
δ᾽ ηφκῖθΝ σθ αΝεαέΝ δθαΝ π λΝ δ η θΝ θ δγΫθ αΝ δσθΝ Νεα εκδθ θΝ εα Ϋλ (33d2-6) Prot Que fique estabelecido Soc Se dissemos entatildeo que nossa alma natildeo se daacute conta daquelas afecccedilotildees que natildeo atravessam mas se daacute conta daquelas que atravessam ambos seraacute que estaremos falando corretamente Prot Como natildeo
Certas afecccedilotildees podem natildeo ser sentidas (tanto pelo corpo quanto pela alma) mas se
satildeo sentidas afetam ambos tanto o corpo quanto a alma se alma sente o corpo sente e se
o corpo sente a alma tambeacutem sente Natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo aqui de anterioridade ou de
causalidade Mas note-se e eacute importante insistir sobre isso o corpo tambeacutem pode
permanecer insensiacutevel agrave algumas afecccedilotildees e natildeo eacute somente a alma que tambeacutem pode ser
insensiacutevel Sabemos pois que os uacutenicos seres insensiacuteveis satildeo os deuses que possuem a
impassibilidade do imutaacutevel Embora estejamos dispostos no devir no movimento no fluxo e
estamos sempre em movimento nem todas as mudanccedilas satildeo sentidas pelo corpo mas
aὂἷὀaὅΝaὅΝldquogὄaὀἶἷὅΝmuἶaὀὦaὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝὧΝὂὄὁvὁἵaἶὁΝἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoaἴalὁrdquoΝὃuἷΝldquo(έέέ)ΝὧΝtaὀtὁΝ
peἵuliaὄΝaΝἵaἶaΝumΝὃuaὀtὁΝἵὁmumΝaὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ἁἁἶἃ-6) Nos diz Dixsaut (2017)
Portanto mesmo a vida dos seres vivos pode comportar momentos de insensibilidade mas a impassibilidade soacute caracteriza de modo contiacutenuo os imortais e os mortos Ora desde o Feacutedon sabemos que haacute apenas uma maneira de morrer (p 112)
E continua a teoacuterica francesa
Quando pensa a alma desligada e livre eacute capaz de natildeo ser atingida pelo fato que afeta esse corpo e ela tem mais o que fazer ao inveacutes de esperar ou de temer o que ela se tornou capaz de natildeo sentir natildeo graccedilas a uma ascese corporal (digamos aquela dos faquires) mas porque sensiacutevel a outra espeacutecie de realidade inteligiacutevel ela torna-se insensiacutevel a tudo que natildeo eacute essa realidade (p 112)248
248 Dixsaut (2017 p 112) retorna ao Feacutedon
190 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
O Filebo iluὅtὄaΝἷὅὅaΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝndash na medida do possiacutevel ndash ao tratar da escolha divina
daquele que pretere o pensamento A separaccedilatildeo entre fisioloacutegico e psicoloacutegico e vice-versa
A alma se separa quando suas disposiccedilotildees seus estados natildeo tem como causa afecccedilotildees do
corpo Mas como nota bem Dixsaut (2017) essa independecircncia manifesta-se no interior
dessa uniatildeo ela permanece sendo alma desse corpo que ela anima e do qual ela sofre o
peso natildeo estaacute livre dele natildeo estaacute livre de deixar de ser movida por ele natildeo deixa de ser esse
ldquoautὁΝ(α θ αυ 34b7) ndash mὰvἷlrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝtamἴὧmΝὂὁὅὅuiΝaΝiὀἵiativaΝἶἷΝὅἷuὅΝὂὄὰὂὄiὁὅΝ
movimentos sem portanto se livrar do apetite dos desejos que animam o corpo dos
apetites das afecccedilotildees
O modo de desligamento do Feacutedon eacute proacuteprio somente ao filoacutesofo o filoacutesofo desliga sua alma tanto quanto ele pode de toda a associaccedilatildeo com o corpo de um modo que o distingue de todos os outros homens (65a) Eacute o modo de desligamento que eacute proacuteprio ao filoacutesofo natildeo o desligamento ligado em todo homem agrave capacidade psiacutequica de lembrar-se e antecipar (DIXSAUT 2017 p 113)
Os prazeres separados do corpo soacute podem nascer devido agrave memoacuteria (ηθάηβμ) (33c5-
7) Essa outra espeacutecie ( λκθ κμ) de prazer surge exclusivamente pela memoacuteria ela eacute
esse tipo de afecccedilatildeo (παγβηΪ πθ 33d2) que permite que esses prazeres surjam unicamente
ὀaΝ almaέΝ ἏΝ almaΝ fiἵaΝ iὀὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὡὅΝ afἷἵὦὴἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ldquoὀatildeὁΝ ὅἷΝ ἶὠΝ ἵὁὀtaΝ ἶἷlaὅrdquoΝ ὃuaὀἶὁΝ ὅἷΝ
ldquoἷὅὃuἷἵἷrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἷὅὃuἷἵimἷὀtὁΝὀatildeὁΝὧΝldquoἷὅἵaὂἷΝἶaΝmἷmὰὄiardquoΝὂὁiὅΝ
ὅἷὃuἷὄΝἷlaΝὅuὄgiuΝmaὅΝldquoἷὅὃuἷἵimἷὀtὁrdquoΝὧΝὅiὀὲὀimὁΝἶἷΝiὀὅἷὀὅiἴiliἶaἶἷέΝἏΝalmaΝὀatildeὁΝὅἷΝἶὠΝἵὁὀtaΝ
porque sequer essa afecccedilatildeo a tocou (33d6-34a1)
Soc Isso que ocorre em comum (εκδθ ) nesse movimento conjunto (εδθ ῖ γαδ εκδθ ) do corpo e da alma ( θ ουξ θ) em uma mesma afecccedilatildeo (
rsquoΝ θ θ πΪγ δ) chamar ( θκηΪαπθ) ἷὅὅἷΝ mὁvimἷὀtὁΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) natildeo seria inapropriado Prot Eacute a pura verdade ἥὁἵέμΝ ἑὁmὂὄἷἷὀἶἷmὁὅΝ agὁὄaΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὃuἷὄἷmὁὅΝ ἵhamaὄΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) Prot Como natildeo Soc Bem entatildeo Se algueacutem dissesse que a memoacuteria eacute a conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo( π βλέαθΝ κέθυθΝα γά πμΝ θΝηθάηβθ) na minha opiniatildeo estaria falando corretamente Prot Sim corretamente Soc E natildeo dizemos que a reminiscecircncia difere da memoacuteria (ηθάηβμ
θΪηθβ δθΝ λ᾽ κ δαφΫλκυ αθ) Prot Talvez Soc E natildeo seraacute esta a diferenccedila Prot Qual Soc Quando a alma sozinha e em si mesma sem o corpo recupera o quanto possiacutevel as afecccedilotildees que uma vez experimentou com ele natildeo
191 33 Prazer Conhecimento e Valor
dizemos que alma tem uma reminiscecircncia ( αθ η κ υηα κμ πα ξΫθ πκγ᾽ ουξά α ᾽ θ υ κ υηα κμ α θ αυ δ ηΪζδ α θαζαηίΪθ σ θαηδηθ ε γαέ πκυ ζΫΰκη θ ΰΪ)
Prot Certamente Soc E tambeacutem quando depois de perder a memoacuteria de uma sensaccedilatildeo (εα η θΝεα αθΝ πκζΫ α αΝηθάηβθΝ ᾽ α γά πμ) ou de um aprendizado ( ᾽ α ηαγάηα κμ) ela os recobra novamente sozinha e em si mesma (α γδμΝατ βθΝ θαπκζά πΪζδθ α θΝ αυ ) chamamos todos esses casos com
certeza de reminiscecircncia (εα α αΝ τηπαθ αΝ θαηθά δμΝεα ηθάηαμΝπκυΝζΫΰκη θ) Prot Falas corretamente Soc Eis o porquecirc de todas as coisas que falamos Prot Qual Para que noacutes venhamos a apreender o mais claramente possiacutevel tanto o prazer da alma separada do corpo ( θΝουξ μΝ κθ θΝξπλ μΝ υηα κμ) quanto o apetite (εα ηαΝ πδγυηέαθ) pois parece que ambos ganham clareza atraveacutes dessas coisas (34a3-c8)
Soacutecrates introduz um termo novo de suma importacircncia para o novo tipo de prazeres
que ele deseja tratar Eacute imprescindiacutevel neste caso para investigar os tipos de prazeres e a
proacutepria gecircnese do prazer recorrer a essa instacircncia fundamental o desejo Esse exame requer
imἷἶiatiἵiἶaἶἷΝἵὁmὁΝὄἷὃuἷὄΝἢὄὁtaὄἵὁΝ(ἁἂἶἂ)ΝἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝfugiὄΝἶaὅΝldquoaὂὁὄiaὅrdquoΝ( πκλέαθ)
(34d7) agraves quais esses assuntos possam nos conduzir Mais uma vez devemos agrave Dixsaut
(2017 p 113) uma clara compreensatildeo deste uacuteltimo termo que natildeo significa um vazio mas
uma perplexidade que impulsiona ao saber249 Apenas aquele que se sabe carecente que eacute
capaz de reconhecer o que sabe e o que natildeo sabe pode se encontrar em aporia Aquilo que
jaacute se possui natildeo precisa ser buscado mas deseja o que eacute faltante Aquilo que alma perde (a
aporia) perde porque tem desejo de saber Antes de adentrar a anaacutelise do apetite do desejo
eacute preciso lembrar da forccedila de λπμ que torna possiacutevel a saiacuteda da perplexidade aprender
aὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὅἷΝ ὅaἴiaέΝ ἓΝ ὂaὄaΝ talΝ ὁutὄaΝ ἶimἷὀὅatildeὁΝ ὂὄἷἵiὅaΝ ὅἷὄΝ ὄἷtὁmaἶaμΝ ldquoaὂὄἷὀἶἷὄΝ ὀὁΝ
Mecircnon e no Feacutedon consiste para a alma em lembrar-se O termo acaba de ser pronunciado
no Filebo (DIXSAUT 2017 p115)
Soacutecrates iraacute radicalizar ainda mais aquilo que disse no Goacutergias no Feacutedon e na
Repuacuteblica a respeito dos apetites ( πδγυηέαθ) sem contudo mudar de opiniatildeo Eacute isso o que
podemos constatar nas linhas seguintes (35a-c) Trecircs dimensotildees passam a ser de tal maneira
integradas que o exame se complexifica A vida divina a reminiscecircncia e λπμ invocam trecircs
questotildees fundamentais segundo Dixsaut (2017 p 115) estritamente relacionadas no
diaacutelogo tais como uma maneira de viver uma maneira de aprender e uma maneira de
desejar Elas acompanham Soacutecrates e segundo a autora justificam seu retorno agrave cena do
diaacutelogo para tratar dialeticamente das questotildees relativas aos prazeres (Cf 2017 p 115) Natildeo
haacute outra forma a natildeo ser pela dialeacutetica pois natildeo basta a satisfaccedilatildeo da vida satisfatoriamente
249 A autora recorreraacute ao Mecircnon (84b-c) alegando a necessidade da aporia que suscita o desejo de saber e o prazer que se tem em procurar tal conhecimento E tambeacutem claro do Banquete do λπμ filosoacutefico que tem por natureza a miseacuteria a carecircncia a falta mas natildeo apenas o que lhe permite sair dessa condiccedilatildeo eacute a forccedila desiderativa o desejo de satisfaccedilatildeo (Cf DIXSAUT 2017 p 114)
192 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
misturada a vida filosoacutefica deseja ultrapassar esse limite imposto pela condiccedilatildeo natural sem
contudo eliminaacute-lo Ao falar de uma vida divina Soacutecrates natildeo se esquece que a vida boa
humana eacute necessariamente uma vida mista mas se esforccedila por demonstrar que uma vida
direcionada ao pensar pode ser melhor porque ela mesma se coloca em questatildeo quando se
questiona sobre um modo correto de aprender de viver e de desejar Nisso a vida filosoacutefica
difere das demais porque ela se potildee a aprender e natildeo a saber (reminiscecircncia) esse aprender
ὂὄὁvὧmΝἶἷΝumΝἶἷὅἷjὁΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝmἷlhὁὄΝldquoaὃuilὁΝὃuἷΝὧrdquoΝὅἷmὂὄἷέΝἓὅὅaΝamἴiguiἶaἶἷΝ
ὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝἷὅὅἷὀἵialΝὀἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquohὁmἷm-ἶiviὀὁrdquoέΝἠatildeὁΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝἷmΝtodo este
trabalho algo melhor que possa dizer isso do que o que estaacute contido nessas palavras de
Dixsaut
O eros que preside a dialeacutetica eacute a forma mais alta ou a mais intensa de epithumia mas natildeo haacute entre eles diferenccedila de natureza Um eacute como a verdade de outra mas eles satildeo radicalmente heterogecircneos Tal continuidade soacute eacute possiacutevel agrave condiccedilatildeo de se afirmar que todo o desejo eacute desejo da alma Pois caso contraacuterio se fosse o corpo que desejasse se todo o desejo nascesse em um corpo animado ou em uma alma encarnada a alma pensante ou seja completamente desligada do corpo seria estranha ao desejo Eacute possiacutevel acreditar que enquanto noacutes pensamos somos impassiacuteveis como os deuses possiacutevel mas natildeo necessaacuterio A separaccedilatildeo do corpo natildeo eacute a separaccedilatildeo do desejo De modo contraacuterio eacute o desejo que mesmo sob sua forma mais elementar efetua a separaccedilatildeo da alma e do corpo O que permite agrave alma evadir-se do corpo e concentrar-se em si mesma ὧΝaiὀἶaΝἶaΝὁὄἶἷmΝἶὁΝἶἷὅἷjὁμΝaΝὅἷὂaὄaὦatildeὁΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὂὁὄὃuἷΝaΝalmaΝldquoaὅὂiὄaΝao ὃuἷΝὧrdquoΝ(Feacutedon 65c) A ruptura da uniatildeo com o corpo eacute a consequecircncia desse desejo de conhecer os seres e ela eacute a condiccedilatildeo desse conhecimento Ora a experiecircncia do desejo eacute sempre para a alma a experiecircncia de uma ruptura ndash com o estado presente do corpo quando ela deseja prazeres sensiacuteveis com o corpo todo quando ela aspira aos inteligiacuteveis No primeiro ἵaὅὁΝὧΝaliὠὅΝmaiὅΝἷxatὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὧΝὁΝἵὁὄὂὁΝὃuἷΝtἷmΝaΝiὀiἵiativaμΝldquotὁἶaὅΝaὅΝvezes que existem em noacutes o que chamamos apetites o efeito dessas afecccedilotildees eacute que o corpo se divorcia da alma e se separa dela Essa afirmaccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com aquela do Feacutedon se eacute na experiecircncia do apetite que o corpo e alma se divorciam eacute tambeacutem o apetite que prega uma alma a seu corpo (p 116-117)
Soacutecrates diz em 35b-d que o apetite eacute sempre um apetite de preenchimento ( πδγυη ῖ
πζβλυ πμ) de repleccedilatildeo que surge no momento em que o corpo se encontra vazio
(ε θκ αδ) mas somente a alma pode gerar esse desejo de repleccedilatildeo da memoacuteria ( ηθβη )
uma vez que apenas ela tem contato com preenchimento ( μ πζβλυ πμ φαπ γαδ) que
o corpo por si soacute natildeo tem Dito de maneira ainda mais clara todo desejo soacute pode ser desejo
da alma (ουξ μ) e natildeo existe desejo do corpo ( υηα κμ πδγυηέαθ) que tem contato com
esse preenchimento que o corpo natildeo possui Logo se conclui que natildeo haacute apetite do corpo
Vejamos a passagem
193 33 Prazer Conhecimento e Valor
Soc Natildeo afirmamos ainda haacute pouco que a fome a sede e muitas outras coisas desse tipo satildeo apetites ( δθαμ πδγγηέαμ) Prot Sim certamente Soc Mas o que vemos de mesmo quando denominamos com um soacute nome tantas coisas diferentes Prot Por Zeus Soacutecrates Talvez natildeo seja faacutecil dizer mas no entanto devemos dizer Soc Retomemos mais uma vez a questatildeo a partir do mesmo ponto Prot De onde ἥὁἵέμΝldquoἓlἷΝtἷmΝὅἷἶἷrdquoΝὀatildeὁΝὧΝalgὁΝὃuἷΝfὄἷὃuἷὀtἷmἷὀtἷΝἶiὐἷmὁὅς Prot Como natildeo ἥὁἵέμΝἓΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄμΝldquoἷlἷΝἷὅtὠΝvaὐiὁrdquo ( έ ε θκ θ αδ) Prot E daiacute Soc E entatildeo seraacute a sede um apetite ( οκμ έθ πδγυηδα) Prot Sim e de bebida Soc De bebida ou de preenchimento de bebida ( πζβλυ πμ πυηα κμ) Prot De preenchimento (πζβλυ πμ) eu penso Soc Entatildeo qualquer um de noacutes que esteja vazio ( ε θκτη θκμ η θ λα) como parece tem apetite pelo contraacuterio daquilo que experimenta ( μΝ κδε θΝπδγυη ῖ θΝ θαθ έπθΝ πΪ ξ δ) pois estando vazio deseja preencher-se
(ε θκτη θκμΝΰ λΝ λ πζβλκ γαδ) Prot Eacute o que haacute de mais claro Soc E entatildeo O que dizes acerca disso quem estaacute vazio pela primeira vez ( έΝ κ θνΝ πλ κθΝ ε θκτη θκμΝ δθΝ πσγ θ) haacute algo a partir de que manteria contato ( φΪπ κδ ᾽) com o preenchimento seja sensaccedilatildeo seja memoacuteria se natildeo estaacute experimentando no presente momento nem nunca experimentou no passado esse preenchimento ( ᾽ α γά δΝ πζβλυ πμΝφΪπ κδ ᾽ θΝ Νηθάη Ν κτ κυΝ ηά ᾽ θΝ θ θΝξλσθ πΪ ξ δΝηά ᾽ θΝ
πλσ γ θΝπυπκ Ν παγ θ) (34d10-35a9)
Soacutecrates dizia na Repuacuteblica (IV 347d) e no Fedro (238a-b) que a fome eacute desejo de
comida a sede desejo de bebida e o desejo eroacutetico desejo de belos corpos No Feacutedon se
falaΝiὀὅiὅtἷὀtἷmἷὀtἷΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄΝἵὁὄὂὁὄalrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἷlἷΝὧΝὅuἴὅtituiacuteἶὁΝaὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝ
eacute radicalizada a postura da Repuacuteblica da tripla-especificaccedilatildeo (como prefiro e natildeo triparticcedilatildeo)
da alma e os trecircs tipos de desejos correlatos a essa triacuteplice especificaccedilatildeo O desejo eacute desejo
de algo e natildeo de um objeto ele eacute um movimento um movimento de repleccedilatildeo que resulta em
um estado Ο objeto eacute apenas o meio que permite essa passagem de um estado contraacuterio a
outro o desejo eacute o impulso que faz um determinado sujeito tocar um estado contraacuterio daquele
ὃuἷΝὀὁΝmὁmἷὀtὁΝἷlἷΝἷὅtὠΝἷxὂἷὄimἷὀtaὀἶὁέΝEacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝὀὁtaὄΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἵὁὀtatὁrdquoΝ
ἵὁmὁΝ tὄaἶuὐΝ εuὀiὐΝ ὃuἷΝ ὂὁὅὅuiΝ umΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶἷΝ ldquotὁἵaὄrdquoΝ aΝ ὄἷὂlἷὦatildeὁΝ ὧΝ umΝ ἶὁὅΝ ἷxἷmὂlὁὅΝ
particulares que Soacutecrates utiliza para explicar o mecanismo do desejo desse movimento de
ruptura de uma harmonia natural dissoluccedilatildeo-restauraccedilatildeo vale lembrar dos exemplos do
ὄἷὅfὄiamἷὀtὁΝἷΝἶὁΝἵalὁὄΝὃuἷΝὅatildeὁΝtamἴὧmΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquovaὐiὁrdquoΝumΝἵὁὀtὄὠὄiὁέΝἠἷmΝὅἷmὂὄἷΝ
temos um estado de satisfaccedilatildeo mas sempre uma harmonia fisioloacutegica eacute restaurada pelo
desejo por uma falta ou insuficiecircncia de algum dos elementos corporais
194 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Quando natildeo haacute memoacuteria natildeo haacute desejo quando um bruto desequiliacutebrio se instaura
natildeo pode haver desejo por isso a memoacuteria eacute aqui ambivalente Por um lado ela propicia ao
desejo seu objeto e orienta-o ela permite que o sofrimento presente natildeo se torne constante
Mas por outro lado ela natildeo livra esse mesmo ser da sucessatildeo dos contraacuterios O desejo natildeo
eacute uma simples vacuidade pois nesse caso teriacuteamos dor redobrada eacute um transcender-se em
busca da superaccedilatildeo do estado atual retornado ao passado e ao futuro250 (Cf DIXSAUT 2017
p 122-123)
A anaacutelise do desejo seraacute extremamente relevante para a seccedilatildeo seguinte do diaacutelogo
em que seratildeo tratadὁὅΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἵlaὅὅifiἵaἶὁὅΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝ(umaΝ
das maiores polecircmicas que envolvem o diaacutelogo) e os prazeres puros (36c-55c) Soacutecrates iraacute
constituir uma gama dos prazeres substituindo o prazer por uma multiplicidade de prazeres
esses prazeres seratildeo classificados e natildeo divididos segundo dois princiacutepios (i) segundo seus
lugares de origem na alma unicamente na mistura de corpo e alma e aqueles que satildeo
produzidos unicamente pelo corpo (ii) segundo a oposiccedilatildeo puro e misturado sendo puro
aqui os prazeres que natildeo satildeo precedidos por dores e natildeo misturados com dores Em virtude
das finalidades redutivas de nosso trabalho falarei de forma muito geral dessas
ἵlaὅὅifiἵaὦὴἷὅΝ iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ἶἷviἶὁΝ ὡΝ ὂὁlecircmiἵaΝ iὀὅtauὄaἶaΝ ὂἷlὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝ falὅὁὅrdquoΝ ὅἷὄiaΝ
ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝmἷΝἶἷtἷὄΝlὁὀgamἷὀtἷΝὀaΝldquoaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝἷΝὀaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἵὁmὂlἷxaὅΝ
que eles envolvem Relaccedilotildees estas que envolvem complexas dimensotildees do psiquismo como
a imaginaccedilatildeo a memoacuteria a sensaccedilatildeo o desejo a opiniatildeo e principalmente valores O prazer
da antecipaccedilatildeo eacute uma espeacutecie de prognoacutestico que faz crer certo indiviacuteduo de que o prazer
possui pretensotildees eacuteticas que ele natildeo possui por isso ele eacute num primeiro momento semelhante
agrave opiniatildeo O caraacuteter duplo do prazer (fenomecircnico-judicativo) promove por meio do desejo ou
melhor por meio da representaccedilatildeo imageacutetica associada ao desejo uma articulaccedilatildeo entre a
percepccedilatildeo efetiva ou sua conservaccedilatildeo que eacute a memoacuteria a uma dimensatildeo avaliativa
(MARQUES 2012 p 213)
EpistemologiaGnoseologia estatildeo entrelaccedilados na descriccedilatildeo do prazer que nos
conduz a um exame do psiquismo humano por meio de um processo que envolve tanto
representaccedilatildeo como valoraccedilatildeo Seraacute que o prazer possui o valor que ele nos leva a crer que
ele eacute que ele tem a pretensatildeo de ser O que estaacute em jogo no prazer da antecipaccedilatildeo eacute a
esperanccedila pois a expectativa do prazer sempre o postula como bom e uacutetil Como nos diz
Marques (2012)
250 Para uma anaacutelise mais detalhada (Cf DIXSAUT 2017 p 105-128) neste texto a autora trata especificamente dessa ldquoἵἷὄtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶardquoΝ(ίέκθ ΰ λ κμ 35d9) humana de que nos fala o Filebo no caso a vida humana nunca determinada oscilando sempre entre o animal e o divino
195 33 Prazer Conhecimento e Valor
Soacute a anaacutelise criacutetica dialogada (dialeacutetica) poderaacute mostrar o alcance do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimitade das valoraccedilotildees que a experiecircncia do prazer nos suscita no acircmbito da discussatildeo do que eacute a vida boa para todos os seres (p 214)
Mas voltemos agrave gama dos prazeres resumidamente eles podem ser apresentados em
uma tabela que ilustra o desenvolvimento do diaacutelogo em torno dos prazeres aqui utilizo a
tabela sugerida por Dixsaut (2001)
Corpo Sozinho Uniatildeo de alma e corpo Alma sozinha
Misturados
resultado de uma
restauraccedilatildeo do equiliacutebrio
corporal = necessaacuterios
(31d-32b 46c-47c)
Misturados
antecipaccedilotildees
esperanccedilas
(32b-c)
Puros
se ocupa
das belas
formas
cores sons
puros
perfumes
(51d-50c)
Misturados
Afetos
(coacutelera
medo etc)
(47d-50c)
Puros
relativos agraves
ciecircncias
(52a-b)
Quadro 02- Gama dos Prazeres
(Cf DIXSAUT 2001 p 317)
A classificaccedilatildeo eacute detalhada e criteriosa os prazeres produzidos pelo corpo satildeo sempre
prazeres misturados pois estatildeo envolvidos no processo de restauraccedilatildeo-dissoluccedilatildeo que
engendra a dor por isso o prazer alcanccedilado nesse caso eacute sempre um prazer do gecircnero
misto como jaacute vimos anteriormente Ele eacute misturado com a dor e precedido por uma dor Os
prazeres puros satildeo provenientes da uniatildeo da alma com o corpo natildeo porque eles natildeo satildeo
precedidos por uma falta mas porque essa falta natildeo eacute sentida (51b1) Jaacute as afecccedilotildees
unicamente da alma coacutelera ciuacuteme inveja amor oacutedio satildeo dores da alma misturas com
prazeres como eacute o caso dos ingredientes da comeacutedia e da trageacutedia Os prazeres puros da
alma relacionados aos conhecimentos (ηαγάηα α) (52a)
Parece que no fundo todo o objetivo do diaacutelogo eacute perpassar todas as dimensotildees
(fisioloacutegicas ontoloacutegicas epistemoloacutegica) do prazer para culminar em um sentido fortemente
axioloacutegico (valorativo) ndash natildeo nego que as dimensotildees anteriores estatildeo articuladas no
desenvolvimento do diaacutelogo ndash eacute isso que a meu ver fragmentou a anaacutelise do Filebo em
diversas leituras que ora priorizam um ou outro aspecto desse texto platocircnico Μas essa
anaacutelise do prazer parece admitir um crescendum complexo que investigado a fundo pretende
conjugar conhecimento e valor mas natildeo discriminando-os de um lado conhecimento por
outro valor Isso demonstra a dificuldade de uma definiccedilatildeo geneacuterica do prazer Creio que isso
196 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
soacute pode ser explicado mediante uma questatildeo simples e ao mesmo tempo a mais enigmaacutetica
de todas que diz respeito a vida boa mista Como nos diz Dixsaut (2001)
os dois princiacutepios de distinccedilatildeo adotados satildeo todos axioloacutegicos as diferenccedilas resultantes necessariamente tambeacutem o satildeo Desse modo a tabela eacute realmente hieraacuterquica e consiste em ordenar os prazeres de acordo com seu gὄauΝ ἶἷΝ ὂuὄἷὐaΝἷΝ ὅἷguὀἶὁΝ maiὁὄΝ ὁuΝ mἷὀὁὄΝ ἶἷΝ ldquoὀὁἴὄἷὐardquoΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ὁὅΝexperimenta (p 318)
A hierarquia dos prazeres pode assim ser constituiacuteda no final da anaacutelise dos prazeres
(i) prazeres puros unicamente da alma (incluiacutedos na mistura) (ii) prazeres puros da uniatildeo do
corpo e da alma (incluiacutedos na mistura) (iii) prazeres necessaacuterios do corpo somente (satildeo
incluiacutedos na mistura) (iv) prazeres misturados unicamente da alma (natildeo-incluiacutedos na
mistura) (v) prazeres misturados da uniatildeo do corpo com a alma (natildeo incluiacutedos na mistura)
Enquanto alguns prazeres conservam o caraacuteter do ilimitado sendo necessariamente ilimitado
outros satildeo em algumas vezes ilimitados isto porque em dado momento pertencem ao misto
e adquirem moderaccedilatildeo e medida outros prazeres satildeo necessariamente sempre puros
Apenas os prazeres moderados e medidos podem pertencer agrave mistura ou seja somente os
puros seja porque natildeo satildeo precedidos por dores ou acompanhados por elas seja porque se
originam unicamente na alma (Cf 62d-64a)
Os conhecimentos tambeacutem satildeo analisados (55c-59c) sendo portanto elaborada uma
classificaccedilatildeo O criteacuterio de anaacutelise seraacute primeiramente a pureza e posteriormente a
verdade Natildeo haacute ciecircncias falsas como existem prazeres falsos por mais que as ciecircncias
contenham erros elas natildeo satildeo falsas mas imprecisas A primeira divisatildeo se daacute em vista das
teacutecnicas destinadas agrave formaccedilatildeoeducaccedilatildeo e as teacutecnicas destinadas agrave produccedilatildeo
ὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝ aὅΝ ὂὄὰὂὄiaὅΝ aὄtἷὅΝ ἶitaὅΝ ldquoἶἷmiήὄgiἵaὅrdquoΝ (artesanais) satildeo divididas em artes
meacutetricas e artes estocaacutesticas (da conjectura) As meacutetricas satildeo hegemocircnicas em relaccedilatildeo agraves
estocaacutesticas por isso as artes meacutetricas satildeo as mais puras Nesse caso pureza aqui eacute
sinocircnimo de precisatildeo (αελδί έα) Μais quando se trata da distinccedilatildeo entre as ditas
ldquomatἷmὠtiἵaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝἷΝaὅΝldquomatἷmὠtiἵaὅΝvulgaὄἷὅrdquoΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὁΝvalὁὄΝἷΝὀatildeὁΝὅuaΝ
natureza Por isso a dialeacutetica se situa no topo dessa escala por sua utilidade precisatildeo
clareza e verdade Mas nesse caso a retoacuterica tambeacutem poderia ser uacutetil Vemos que a dialeacutetica
possui uma exaltaccedilatildeo no diaacutelogo dotada de valor ambiacuteguo como nos diz Dixsaut (2001 p
321) ela apenas pode reivindicar que por mais que ela se sirva das utilidades do discurso
seus propoacutesitos satildeo distintos das demais teacutecnicas porque eacute o desejo pelo verdadeiro de
amar o verdadeiro no seu desejo pelo Bem enquanto princiacutepio de todas as diferenccedilas
enquanto possibilidade de conhecimento e de ser tal como exposto na Repuacuteblica (VI)
Marques (2015 p 206) resume a divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias
197 33 Prazer Conhecimento e Valor
Teacutecnica ciecircncia
educaccedilatildeo formaccedilatildeo produccedilatildeo
muacutesica auleacutetica construccedilatildeo de navios
medicina carpintaria teacutecnicas manuais
agricultura teacutecnica da medida
navegaccedilatildeo teacutecnica do peso
estrateacutegia teacutecnica dos nuacutemeros
teacutecnica popular dos nuacutemeros teacutecnica filosoacutefica dos nuacutemeros
natildeo filosoacutefica geometria
construccedilatildeo comeacutercio
cosmologia dialeacutetica
Quadro 03 A divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias (Cf MARQUES 2015 p 206)
Logo a dialeacutetica estaacute destituiacuteda do valor de utilidade que busca o prestiacutegio a fama
mas que se importa unicamente com o mais verdadeiro Poreacutem na vida boa na vida humana
miὅtaΝἷὅtaΝἶialὧtiἵaΝὧΝὅἷmὂὄἷΝldquoἵὁὀtamiὀaἶardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὂὁὄΝἷὅὅἷὅΝ
valores extriacutensecos por essas consideraccedilotildees de valor e de visotildees hieraacuterquicas quando ela
se insere na composiccedilatildeo da vida mista boa A mistura soacute seraacute uma mistura se seus
componentes o forem caso contraacuterio a proacutepria mistura se corrompe (64d-e) mas quanto a
isso a dialeacutetica pode sustentar no acircmbito da mistura sua natureza intriacutenseca que tem por meta
o verdadeiro o bom o bem o que tambeacutem por sinal atesta sua prioridade em relaccedilatildeo ao
ὂὄaὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝaὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὀὁΝranking da composiccedilatildeo da boa vida mista
jaacute que o primeiro foi lugar foi atribuiacutedo a esta uacuteltima
Jaacute sabemos que nem o conhecimento nem o prazer podem ser o bom mas apenas
que a vida boa humana eacute uma vida mista de ambos Natildeo sabemos nada sobre o que eacute bom
o bem e o Filebo mais uma vez natildeo nos diz nada sobre sua natureza nesse caso
ὂἷὄmaὀἷἵἷmὁὅΝ fὄuὅtὄaἶὁὅέΝ ἥaἴἷmὁὅΝ ἵὁὀtuἶὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoὂὄimἷiὄὁΝ ὂὄecircmiὁrdquoΝ ὂἷὄtἷὀἵἷΝ ὡΝ viἶaΝ
mista que pode se prestar a ser uma vida boa Para tal precisamos ter senatildeo uma apreensatildeo
clara uma indicaccedilatildeo geral ( δθα τπκθ) (61a4) Como nos sugere Dixsaut (2001 p 330) um
τπκθ eacute um modelo natildeo dado por algo existente mas algo a ser construiacutedo uma foacutermula
geral um esquema obtido em linhas gerais os traccedilos principais de algo
Beleza Verdade e ProporccedilatildeoMedida manifestaccedilotildees do Bem que devem se fazer
presentes na boa mistura Encontramos um determinado caminho ( θ δθα) (61α7) que se
198 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
natildeo o mais belo pode nos dirigir ao poacutertico da morada do bem ao seu vestiacutebulo (πλκγτπκδμ
64c1-3) Jaacute que pretendemos capturar o bem na vida mista ou melhor seus efeitos na vida
vista antes foi necessaacuterio das as principais indicaccedilotildees daquilo que ele possa ser tudo aquilo
ὃuἷΝὀὰὅΝἵὁὀὅiἶἷὄamὁὅΝldquoἴὁmrdquoΝἷΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝmaὀifἷὅtaὦὴἷὅΝhiἷὄaὄὃuizar os bens
dessa vida mista
Por fim a classificaccedilatildeo dos bens o ranking da composiccedilatildeo da vida boa apresentado
no final do Filebo (66a-67b) eacute assim disposto (i) a medida e o que eacute medido (π λ ηΫ λκθΝεα
ηΫ λδκθ) e as coisas desse tipo (ii) proporccedilatildeo beleza perfeito o suficiente e seus
correlatos familiares (π λ τηη λκθΝεα εαζ θΝεα Ϋζ κθΝεα εαθ θΝεα πΪθγ᾽ πσ αΝ
μΝΰ θ μΝα ατ βμΝ έθ)νΝ(iii)ΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ(θκ θΝεα φλσθβ δθ) ndash neste
caso natildeo nos desviariacuteamos muito da verdade ( δγ μΝκ εΝ θΝηΫΰαΝ δΝ μΝ ζβγ έαμΝπαλ ιΫζγκδμ)
(iv) conhecimentos as teacutecnicas e opiniotildees corretas ( πδ άηαμΝ Νεα ΫξθαμΝεα σιαμΝ λγ μ)
coisas ditas proacuteprias da alma ( μΝουξ μΝα μΝ γ η θ) ndash depois das que estatildeo em terceiro
estas satildeo mais aparentadas com o bem do que o prazer ( π λΝ κ ΰαγκ ΰΫΝ δΝη ζζκθΝ
μΝ κθ μΝ υΰΰ θ ) (v) os prazeres indolores ( ζτπκυμ) e os chamados de puros (εαγαλ μ)
pertencentes agrave proacutepria alma e que acompanham os conhecimentos e algumas sensaccedilotildees
( πκθκηΪ αθ μΝ μΝουξ μΝα μΝ πδ άηαδμΝ μΝ α γά δθΝ πκηΫθαμ)
199 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer
CONCLUSAtildeO
O prazer no supracitado diaacutelogo demonstrou toda a sua potecircncia enquanto uma
questatildeo filosoacutefica de alto niacutevel sendo capaz de enfrentar frente-a-frente cara-a-cara o proacuteprio
pensamento Diversos recursos foram utilizados por Soacutecrates para se livrar da indeterminaccedilatildeo
do prazer do seu caraacuteter ilimitado de tal modo que fosse possiacutevel suavizar toda a sua forccedila
na vida humana Prazer unidade que se torna pensaacutevel a partir de uma multiplicidade de
prazeres de uma Ϋα O ilimitado que restringe a atividade dialeacutetica natildeo se impotildee a essa
ldquovὁὀtaἶἷΝἶἷΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝὅὁἵὄὠtiἵaΝἷlἷΝὧΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷlἷΝὧΝaΝὂὄὰὂὄiaΝvaliἶaἶἷΝaΝὂὄὰὂὄiaΝlἷgitimiἶaἶἷέΝ
ἠatildeὁΝhὠΝumaΝmἷἶiἶaΝἷὅtὄitaΝἶaἶaΝaὅὅimΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὲmἷtὄὁΝgὄafaΝumΝldquoἷὅtaἶὁΝfἷἴὄilrdquoΝ
a partir dos 37 graus e meio centiacutegrados natildeo haacute mais quente e mais frio natildeo haacute hipotermia
hipertermia ou estado neutro natildeo podemos esquecer que estamos diante de uma
ἵlaὅὅifiἵaὦatildeὁΝhiἷὄὠὄὃuiἵaΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶiὐΝ ldquoiὅὅὁΝὧΝ iὅὅὁrdquoΝ iὅὅὁΝὧΝ fὄiὁΝ iὅὅὁΝὧΝmὁὄὀὁΝ iὅὅὁΝὧΝ
quente mas o caso do prazer exige relaccedilotildees hieraacuterquicas complexas mediante as estruturas
complexas do psiquismo humano e as dimensotildees do desejo ambos avaliativos ambos
recorrendo a uma avaliaccedilatildeo impliacutecita do bem do bom do uacutetil do melhor
Apenas o pensamento eacute capaz de impor limite ao prazer o pensamento conhece essa
relaccedilatildeo entre ΰΫθ δμ e κυ έα ele pode transformar algo que eacute puro devir pura geraccedilatildeo em
ser a vida natildeo pode ser caoacutetica ela natildeo eacute caoacutetica por mais confusa que possa ser ela
necessita ser ainda que tatildeo precaacuteria uma vida e natildeo um estado inerte desprovido de
movimento pois o pensamento eacute movimento puro que busca um sentido orientador a todo o
momento Haacute tambeacutem o prazer os prazeres e a vida Vida humana vida mista de prazer e
de inteligecircncia O prazer eacute uma dimensatildeo da vida natildeo podemos negaacute-la nem Platatildeo teria
feito isso muito pelo contraacuterio demonstrou toda a sua forccedila nesse movimento contiacutenuo que
eacute a vida e que soacute cessa sua atividade pela morte no sentido estritamente fisioloacutegico ou no
ὅἷὀtiἶὁΝmἷtafὰὄiἵὁΝἶaΝldquomὁὄtἷΝfilὁὅὰfiἵardquoΝὃuἷΝaὀtἷἵiὂaΝὀaΝmἷἶiἶaΝἶὁΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷmΝlaὄga escala
ἷὅὅaΝldquovivecircὀἵiaΝἶiviὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἶaΝὂἷὄmaὀecircὀἵiaΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝaἶὃuiὄἷΝ
isto eacute sua natildeo-fugacidade mas seu prazer isso mesmo o prazer do pensar como
ldquoliἴἷὄtaὦatildeὁrdquoΝἵὁmὁΝumΝἶἷὅligamἷὀtὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaέ
A bela φλκ έ β de Filebo foi derrotada O limite conseguiu dominar completamente
o prazer ou apenas moderaacute-lo Questatildeo que permanece em aberto Ele continua sendo esse
desejo que quer se afirmar a todo instante enquanto o proacuteprio gozo da existecircncia a alegria o
deleitaacutevel o carpe diem O prazer entrou na batalha mas natildeo foi de tudo nocauteado ele
permanece enquanto uma dimensatildeo da proacutepria vida passou de bom e foi colocado na disputa
ὂἷlὁΝἴἷmΝfὁiΝaὀaliὅaἶaΝὅuaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὅἷΝtὁὄὀὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷm vista do
200 Conclusatildeo
ὅἷὄrdquoΝἶiὅἵὄimiὀaἶὁΝἷmΝfalὅὁὅΝἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁὅΝfὁiΝἵὁlὁἵaἶὁΝἶiaὀtἷΝfὄἷὀtἷ-a-frente com seu oposto
a dor e teve a coragem suficiente para enfrentar o pensamento
Tambeacutem o conhecimento possui suas intermitecircncias no diaacutelogo na combinaccedilatildeo da
mistura fiὀalΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὀatildeὁΝ hἷὅitaΝ ἷmΝ ἷvὁἵaὄΝ ὁὅΝ ἶἷlἷὅΝ ὂὄimἷiὄὁΝ ἒiὁὀiacuteὅiὁΝ ldquoὁΝ ἶἷuὅΝ ἶaΝ
ἷmἴὄiaguἷὐrdquoΝὂἷlὁΝὃualΝfiguὄaΝaΝmiὅtuὄaΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝὅuaΝὂὄὰὂὄiaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὀaΝὃualΝ
a forma dessa boa vida ainda permanece em aberto e que na visatildeo platocircnica deve lidar com
essa dialeacutetica em torno da pergunta fundamental do bem viver por isso segundo Hefesto o
deus da teacutecnica tambeacutem preside juntamente agravequele deus supracitado (61c) o deus que
ἵaὄὄἷgaΝἵὁὀὅigὁΝaΝmaiὅΝaltaΝldquotekhnologiardquoΝὅaliἷὀtaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝmiὅtura natildeo pode ser
uma mistura qualquer e que cabe a noacutes pela forccedila do pensamento submeter ao exame
constantemente essa vida e o prazer Nem sempre nos importamos sobre o modo como essa
mistura eacute feita Dessa maneira raramente ele eacute uma boa mistura Se Soacutecrates estaacute certo se
a mistura soacute eacute boa quando dosamos corretamente os ingredientes prazeres e conhecimentos
quando refletimos por intermeacutedio do pensamento natildeo soacute sobre os ingredientes mas
principalmente sobre a forma como se deve operar essa dosagem contiacutenua Acerca do valor
dessa mistura o pensamento tem prevalecircncia sobre o prazer haja vista sua semelhanccedila com
o intelecto divino sendo atribuiacutedo o segundo precircmio agrave causa o prazer jaacute natildeo pode mais
lamentar
Ainda que nossa existecircncia esteja submetida ao devir ela necessita ser algo uma vida
minimamente organizada que seja de fato uma vida o fluxo contiacutenuo natildeo eacute nada ele eacute pura
ΰΫθ δμ mas a vida enquanto mistura de elementos do mesmo modo que o universo eacute
geraccedilatildeo para o ser isso porque tanto o universo como a vida particular dos indiviacuteduos torna
possiacutevel a ordem porque ambos possuem alma possui razatildeo inteligibilidade um modo de
funcionamento de regularidade proacutepria originaacuteria e belamente disposta Contudo no curso
da vida humana noacutes indiviacuteduos perdemos essa bela combinaccedilatildeo ultrapassando os limites de
nossa proacutepria condiccedilatildeo invertendo os papeacuteis tomando aquilo que eacute ilimitado pelo limite
A dificuldade de se compreender o prazer no Filebo a meu ver e o que o torna um
dos diaacutelogos mais aprofundados de Platatildeo ndash caracteriacutestica que gerou uma seacuterie de
infidelidades a esse texto platocircnico ndash um diaacutelogo rigoroso e que exige toda cautela de qualquer
inteacuterprete que deseja adentrar as linhas desse diaacutelogo eacute que alguns prazeres satildeo de fato
ilimitados outros devem ser sempre ilimitados outros geralmente satildeo ilimitados e alguns
poucos satildeo por natureza limitados (DAVIDSON 1990 p 185-187)
O Filebo demonstrou as insuficiecircncias do prazer e dos conhecimentos enquanto
candidatos ao bem e consequentemente a uma vida boa Nem um nem outro podem
sozinhos realizar essa justa composiccedilatildeo O que seraacute feito agora do pensamento Perdeu todo
o seu valor E os louvores e exaltaccedilotildees agrave vida mais divina de todas ao pensamento puro agrave
potecircncia da dialeacutetica e vontade de verdade socraacutetico-platocircnica O pensamento natildeo se livra
201 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer
do prazer pois na vida humana toda as coisas aspiram pelo bem pelo bom e deseja esse
ldquoἴὄilhὁrdquoΝἷὅὅaΝἴἷlἷὐaΝὂὄὁvἷὀiἷὀtἷΝἶἷὅtaΝjuὅtaΝἵὁmὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝumΝldquomὁἶἷlὁΝ
de vidardquoΝὃuἷΝaὦatildeὁΝhumaὀaΝἶἷvἷὄὠΝὄἷἵuὂἷὄaὄΝaὁΝὅaiὄΝἶaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁέΝἑὁmὁΝliἶaὄΝἵὁmΝἷὅὅἷΝ
ὅἷὄΝὃuἷΝἴuὅἵaΝὅἷὄΝἷmΝtὁtaliἶaἶἷΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝumΝὅἷὄΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝὃuἷΝὅἷΝmaὀtὧmΝὀἷὅὅἷΝ
sensiacutevel
O pensamento soacute pode reivindicar para si o fato de estar prioritariamente na escala
hieraacuterquica dos bens acima do prazer enquanto capaz de promover essas combinaccedilotildees
esses arranjos de uma melhor forma ou seja ele estaacute no princiacutepio de uma vida melhor Ele
natildeo apenas delimita a correta fruiccedilatildeo dos prazeres mas sua potecircncia seu desejo pelo
verdadeiro o insere em um movimento criativo que desafia a temporalidade natural
transcendendo-a em direccedilatildeo agravequilo que lhe eacute mais relevante do que apenas organizar o
ὀatuὄalΝmaὅΝἶἷὀtὄὁΝἶaὅΝὄἷgὄaὅΝἶὁΝldquojὁgὁΝἶaΝviἶardquoΝὂἷὄἵἷἴἷὄΝumaΝfὁὄmaΝἶἷΝtὄansgredi-las sem
portanto se ausentar deste jogo e sem romper com aquilo que natildeo pode ser rompido Estou
falando aqui da forccedila criativa do pensamento que vai em busca sempre do melhor que natildeo
se basta que natildeo aceita a fugacidade das afecccedilotildees psico-corporais das afecccedilotildees e das
antecipaccedilotildees dos prazeres mas que se torna mais atento agravequilo que ele eacute ou melhor aquilo
que a alma eacute propriamente inteligiacutevel
ἢὁὄΝiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝldquoὄἷἵἷitaΝὂὄὁὀtardquoΝὀἷὀhumΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὁἶἷΝgaὀhaὄΝἷὅὅἷΝjὁgὁΝὀἷὀhumΝ
dos dois cessam eles continuam natildeo cessam nem na vida e nem na morte Se olhamos agrave
distacircncia tudo parece muito oacutebvio e a impostura nos confunde pois a vida eacute sorridente bela
o prazer nos enfeiticcedila mas caso escolhamos essa limitaccedilatildeo da vida temos tambeacutem que
aceitar a corrupccedilatildeo o seu contraacuterio o que natildeo eacute morte mas uma indefinida corrupccedilatildeo uma
fugacidade extrema e por isso caoacutetica Talvez seja necessaacuterio natildeo salgar tanto o pranto e
natildeo adoccedilar demais a alegria e aceitar o quatildeo desesperador possa ser essa vida mista
humaὀaΝὂὁὄὃuἷΝaiὀἶaΝὀatildeὁΝalἵaὀὦamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoὂaἶὄatildeὁΝἶὁὅaἶὁὄrdquoΝἵὁὄὄἷtὁέΝἥiὀtὁΝiὀfὁὄmaὄΝmaὅΝ
teremos que voltar pois sequer acabamos e talvez natildeo se queira que nem mesmo acabemos
ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ldquoὀἷmΝ aὂὁὄiardquoΝ ldquoὀἷmΝ ἵὁὀἵluὅatildeὁrdquoΝ ὁΝ Filebo resiste a essas duas classificaccedilotildees
habitualmente destinadas agrave classificarem os Diaacutelogos Mas nem tudo estaacute perdido se
juntarmos os cacos dos prazeres as falhas do prazer e dos conhecimentos talvez desses
cacos resulte uma boa mistura algo que manifeste esta beleza porque toda a discussatildeo nos
dirigiu a uma espeacutecie a umaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquo (εσ ηκμ δμ υηα κμ λιπθ εαζ μ)
para comandar um corpo animado (64b) poreacutem natildeo haacute ningueacutem a quem possamos
responsabilizar a natildeo ser noacutes mesmos O filoacutesofo eacute essa espeacutecie de juiz um expert que pode
reivindicar para si que sua vida eacute a vida boa mas que ele pode presidie tendo a inteligecircncia
alcanccedilado o segundo precircmio por meio dos conhecimentos que dispotildee ndash dentre eles
fundamentalmente a dialeacutetica mas natildeo apenas jaacute que se trata de uma vida mista de prazer e
conhecimento ndash uma vida melhor uma vida feliz aquela que possui maior valor e mais
202 Conclusatildeo
ldquoaὂaὄἷὀtaἶardquoΝἵὁmΝὁΝmaiὁὄΝἴἷmΝὂaὄaΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝἷΝὂaὄaΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂὁiὅΝὀὁὅΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)
Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do
que temos de fabricar e amalgamar na ὂὄὁἶuὦatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ἶiὐἷὄΝ ἴἷlamἷὀtἷrdquoέ(Ν (έέέ)Ν η θΝ
φλκθά υμΝ Νεα κθ μΝπΫλδΝπλ μΝ θΝ ζζάζπθΝη ῖιδθΝ δμΝφαέθΝεαγαπ λ βηδκυλΰκῖμΝ ηῖθΝ
ιΝ θΝ θΝκ μΝ ῖ βηδκγλΰ ῖθΝ δΝπαλαε ῖ γαδΝεαζ μΝ θΝ ζσΰ π δεΪακδrdquo)Ν(ἃλἶ-e) Soacutecrates
coloca na boca de Protarco a necessidade de parar 67b11-13 antes que as forccedilas daquele
homem-filoacutesofo (Soacutecrates) se esgotem e talvez as proacuteprias forccedilas de Protarco jaacute tambeacutem se
findaram num outro momento retornaremos aos assuntos que aqui foram tratados Eacute preciso
agora parar Assim soa o imperativo impliacutecito na fala do interlocutor jaacute que tambeacutem as nossas
forccedilas tambeacutem possam ter chegado ao limite para depois retornar ao que aqui foi exposto
pois
() coisas ainda restam ( έ ὰ ιπό α)
(67b12-13)
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219 Anexos
ANEXOS
Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo251
Ignorar completamente os acentos bem como a distinccedilatildeo entre longas e breves
251 (Cf ARCHAI (2014) Novas Normas de Transliteraccedilatildeo Archai ndeg 12 p 193)
220 Lista de Abreviaccedilotildees
Lista de Abreviaccedilotildees252
Platatildeo
Pl = Plato (Platatildeo)
Alc 1 = Alcibiades 1 (Primeiro Alcibiacuteades)
Ap = Apologia (Apologia de Soacutecrates)
Cra = Cratylus (Craacutetilo)
Cri = Crito (Criacuteton)
Ep = Epistulae (Cartas)
Epigr = Epigrammata
Euthd = Euthydemus (Eutidemo)
Euthphr = Euthyphro (Eutiacutefron)
Epin = Epinomis (Epinomis)
Grg = Gorgias (Goacutergias)
HpMa = Hippias Major (Hiacutepias Maior)
Ion = (Iacuteon)
Lg = Leges (As Leis)
Men = Meno (Mecircnon)
Phd = Phaedo (Feacutedon)
Phdr = Phaedrus (Fedro)
Phlb = Philebus (Filebo)
Plt = Politicus (Poliacutetico)
Prm = Parmenides (Parmecircnides)
Prt = Protagoras (Protaacutegoras)
R = Respublica (A Repuacuteblica)
Smp = Symposium (O Banquete)
Sph = Sophista (Sofista)
Tht = Theaetetus (Teeteto)
Ti = Timaeus (Timeu)
Demais autores claacutessicos
Arist = Aristotle (Aristoacuteteles) Metaph = Metaphysica (Metafiacutesica) Ph = Physica (Fiacutesica)
252 O uso das abreviaccedilotildees aqui apresentado segue o Greek-English Lexicon (LSJ) acessiacutevel em httpwwwstoaorgabbreviationshtml
221 Lista de Abreviaccedilotildees
Po = Poetica (Poeacutetica) Pol = Politica (Poliacutetica) Rh = Rhetorica (Retoacuterica) Diog Laert = Diocircgenes Laecircrtios (Dioacutegenes Laeacutercio) X = Xenophon (Xenofonte) Ap = Apologia Socratis (Apologia de Soacutecrates) Mem = Memorabilia (Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates) Oec = Oeconomicus (Econocircmico) Smp = Symposium (Banquete) Sapph = Sappho (Safo) Mimn = Mimnermo (Mimnermo) Hom = Homerus (Homero) Il = Ilias (Iliacuteada) Od = Odyssea (Odisseacuteia) Hes = Hesiodus (Hesiacuteodo) Th = Theogonia (Teogonia) Dam = Damascius (Damaacutescio)
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU MG Brasil
B277p
2019
Barros Leander Alfredo da Silva 1991-
O prazer na filosofia de Platatildeo [recurso eletrocircnico] algumas
consideraccedilotildees a partir da leitura do filebo Leander A lfredo da Silva
Barros - 2019
Orientador Dennys Garcia X avier
Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Uberlacircndia
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia
Modo de acesso Internet
Disponiacutevel em httpdxdoiorg1014393ufudi2019986
Inclui bibliografia
Inclui ilustraccedilotildees
1 Filosofia 2 Platatildeo 3 Prazer 4 Dialeacutetica I X avier Dennys
Garcia 1979- (Orient) II Universidade Federal de Uberlacircndia
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia III Tiacutetulo
CDU1
Gloacuteria Aparecida ndash CRB-62047
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LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS
O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A PARTIR DA
LEITURA DO FILEBO
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier
Uberlacircndia 02 de Marccedilo de 2018
Banca Examinadora
______________________________________________
Profa Dra Eliane Christina de Souza (UFSCar)
_____________________________________________
Prof Dr Fernando Martins Mendonccedila (UFU)
__________________________________________________
Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto (UFU)
(Presidente da Banca ndash Orientador Substituto)
Scanned with CamScanner
i
DEDICATOacuteRIA
Agraves ldquomulheres da minha vidardquoμ δaura Mariarsquos
Clara Marina
Ao Rubens δeoni e ao pequeno ldquoRickrdquo (ldquoluz do
meu viverrdquo)
ii
ldquo() η θ φλκθά υμ εα κθ μ πΫλδ πλ μ θ ζζάζπθ η ῖιδθ δμ φαέθ εαγαπ λ
βηδκυλΰκῖμ ηῖθ ι θ θ κ μ ῖ βηδκγλΰ ῖθ δ παλαε ῖ γαδ εαζ μ θ ζσΰ π δεΪακδrdquo
Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do que temos de fabricar e amalgamar na produccedilatildeo seraacute dizer belamente
(Filebo 59d-e)
iii
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr Dennys Xavier pela orientaccedilatildeo e apoio concedido durante a pesquisa
Ao Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto pessoa relevante para a conclusatildeo deste
trabalho Manifesto minha gratidatildeo por todo apoio concedido na elaboraccedilatildeo deste trabalho e
que em dada Defesa ocupou a funccedilatildeo de Orientador Substituto
Agrave Professora Dra Eliane Christina de Souza agradeccedilo a disposiccedilatildeo e presenccedila por
sua disponibilidade de leitura do texto e pela composiccedilatildeo da banca aleacutem da sua afetuosa
acolhida na UFSCAR e consequente inserccedilatildeo entre os seus orientandos de Doutorado
Ao Professor Dr Fernando Martins Mendonccedila pela presenccedila na qualificaccedilatildeo e
composiccedilatildeo da Banca de Defesa desta dissertaccedilatildeo e as sugestotildees eficazes ao meu trabalho
Ao Professor Dr Rubens Garcia Nunes Sobrinho pela disponibilidade no exame de
qualificaccedilatildeo e indicaccedilotildees precisas sobre nosso autor e as sugestotildees feitas ao meu texto
Aos professores do PPGFIL-UFU em especial agrave querida Prof Dra Georgia Amitrano
e aos professores Prof Dr Marcos Ceacutesar Secircneda Prof Dr Steacutefano Pascoal e o Prof Dr
Celso Luiacutes de Arauacutejo Cintra que foram meus professores nas disciplinas do PPGFIL-UFU
Meu agradecimento em especial ao IFILO-UFU e a todos os funcionaacuterios e
coordenadores do PPGFIL-UFU
Agrave CAPES pelo apoio e fomento concedido ao desenvolvimento da minha pesquisa ao
longo destes dois anos no Mestrado do PPGFIL-UFU
Ao caro amigo Jefferson Pontes pela leitura paciente e rigorosa do meu texto pelas
inuacutemeras sugestotildees que contribuiacuteram para a consecuccedilatildeo de um trabalho rigoroso
Agradeccedilo aos meus pais Rubens e Marina Barros pelo apoio constante e por todo o
esforccedilo conjunto empregado para a realizaccedilatildeo desta tarefa gratificante Agraves minhas avoacutes Laura
e Maria Clara pelo zelo carinho atenccedilatildeo e companheirismo nesta etapa sou eternamente
grato a elas e demonstro aqui meu amor e admiraccedilatildeo por ambas Aos meus irmatildeos Leoni e
Maria Clara pelo carinho respeito e admiraccedilatildeo que ambos nutrem pelo meu trabalho e por
meus estudos Enfim a todos os amigos de Uberlacircndia de Satildeo Joatildeo del Rei aos familiares
e amigos de Alfredo Vasconcelos e a todos os meus professores que fizeram parte desta
histoacuteria meus sinceros agradecimentos
iv
BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura
do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Uberlacircndia Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar as concepccedilotildees platocircnicas em torno do tema do prazer
notadamente aquelas apresentadas no diaacutelogo Filebo Pretendo ao longo do texto evidenciar
algumas das possiacuteveis intepretaccedilotildees acerca da questatildeo primordial que envolve o diaacutelogo em
aὀὠliὅἷΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝὂὄiὁὄitaὄiamἷὀtἷΝὀaΝὄἷflἷxatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝfelizrdquoΝ(ίέκθ αδηκθα) O eixo
temaacutetico deste nosso esforccedilo interpretativo recai sobre a temaacutetica dos prazeres e
fundamentalmente sobre os conteuacutedos eacuteticos apresentados no decorrer da obra A exaustiva
anaacutelise do prazer ( κθ ) que ocupa maior parte da discussatildeo resulta numa investigaccedilatildeo
ainda mais significativa em torno daquele que deveraacute ὅἷὄΝἷlἷitὁΝἵὁmὁΝὁΝldquomἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝ
viἶardquoΝ(ΰΫθκμ)ΝὂὁὄΝamἴὁὅΝὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝἶἷὅtἷΝmὁvimἷὀtὁΝaὄgumἷὀtativὁέΝἏΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaΝ
que porventura caracterizaraacute este estilo de vida preferiacutevel aos homens natildeo pode
desconsiderar a relevacircncia do prazer sendo neste caso umaΝ ldquoviἶaΝmiὅtardquoΝ (η δε σθ ίέκθ)
composta por prazer ( κθ ) e reflexatildeo (φλσθ δμ) Portanto se prazeres e conhecimentos
parecem estar ὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝmἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝviἶaμΝ(i)ΝὁΝldquoἵὠlἵulὁrdquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ
resulta numa importante configuraccedilatildeo da escala de valores relativos agrave constituiccedilatildeo da vida
mista e (ii) a proacutepria concepccedilatildeo de dialeacutetica (tarefa pertinente ao filoacutesofo) alcanccedila um
significado ainda mais surpreendente e relevante na argumentaccedilatildeo isto eacute ao configurar-se
como o exerciacuteciὁΝ ὄἷflἷxivὁΝ fuὀἶamἷὀtalΝ Ν aἵἷὄἵaΝ ἶaΝ ldquomἷἶiἶardquo (ηΫ λκθ) (entre limitado e
ilimitado) nas deliberaccedilotildees humanas e que por sinal visam o bem e a felicidade
Palavras-chave Platatildeo Prazer Filebo Vida Boa Dialeacutetica
v
BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura
do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia Uberlacircndia 2018
ABSTRACT
This work aims to analyse the platonic conceptions around the theme of pleasure notably
those presented in the Philebus dialogue I intend throughout the text to highlight some of the
possible interpretations about the primordial question that surrounds the dialogue under
analysis which consists mainly in the reflection on the good life (ίέκθ αδηκθα) The
thematic axis of our interpretative effort falls on the theme of pleasures and fundamentally on
the ethical content presented during the work For the exhaustive analysis of pleasure ( κθ )
which occupies most of the discussion results in an even more meaningful investigation
around what should be elected as the best kind of life (ΰΫθκμ) by both interlocutors of this
argumentative movement The philosophical life which perhaps will characterize the lifestyle
preferable to men canὀὁtΝἶiὅὄἷgaὄἶΝthἷΝὄἷlἷvaὀἵἷΝὁfΝὂlἷaὅuὄἷΝἴἷiὀgΝiὀΝthiὅΝἵaὅἷΝaΝldquomixἷἶΝlifἷrdquoΝ
(η δε σθ ίέκθ) composed by pleasure ( κθ ) and reflection (φλσθ δμ) Therefore if
pleasures and knowledge seem to be present in the definition of the best kind of life (i) the
calculation of pleasures results in an important configuration of the scale of values relative to
the constitution of mixed life and (ii) the very conception of the dialectic (a task pertinent to
the philosopher) reaches an even more surprising and relevant meaning in the argumentation
that is in defining itself as the fundamental reflexive exercise of measure (ηΫ λκθ) (between
limited and unlimited) in human deliberations and by the way aim at good and happiness
Keys-words Plato Pleasure Philebus Good life Dialectic
vi
ESCLARECIMENTOS
- Utilizo prioritariamente a versatildeo biliacutengue do Filebo do nosso tradutor brasileiro Prof
Fernando Muniz (2012) com o texto grego original estabelecido e anotado por John Burrnet
em seu Platonis Opera (1899-1907 5 v) fazendo as modificaccedilotildees quando necessaacuterias todas
indicadas em suas ocorrecircncias
- Optei pela manutenccedilatildeo da grafia original de todos os termos gregos retirados das
obras primaacuterias e secundaacuterias
- Quanto aos termos gregos que aparecem nas obras secundaacuterias (comentadores)
achei por bem manter a mesma forma utilizada pelos comentadores seja no uso dos termos
transliterados ou natildeo Na medida do possiacutevel tentarei manter todos os acentos e espiacuteritos
bem como a diferenciaccedilatildeo entre as vogais longas e breves Apesar deste meacutetodo sempre
apresentar deficiecircncias
- Toda a metodologia deste trabalho se apoia nas normas utilizadas pela Revista
Archai (httpperiodicosunbbrindexphparchaiaboutsubmissionsauthorGuidelines) que
prioritariamente segue a metodologia proposta por Harvard (Harvard Reference System)
- Aproveito tambeacutem para ressaltar um fator importante sobre as obras secundaacuterias
utilizadas para a fundamentaccedilatildeo do texto escritas em idiomas estrangeiros Durante todo o
texto nas citaccedilotildees (diretas e indiretas) preferi traduzir diretamente mantendo todos os
excertos em portuguecircs Assim comprometo-me com o conteuacutedo destas traduccedilotildees diretas as
quais referem-se unicamente aos propoacutesitos do trabalho por noacutes aqui desenvolvido
- Ao final do trabalho poderatildeo ser consultados nos anexos (i) Tabela de Transliteraccedilatildeo
(ii) Lista de Abreviaccedilotildees dos textos claacutessicos
SUMAacuteRIO
DEDICATOacuteRIA i AGRADECIMENTOS iii RESUMO iv
ABSTRACT v
ESCLARECIMENTOS vi INTRODUCcedilAtildeO 1
1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA ADOTADA NESTE TRABALHO 17
11 A posiccedilatildeo unitarista 19
12 A posiccedilatildeo revisionista 23
13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo 30
14 A posiccedilatildeo literaacuteria 38
15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho 44
2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO) 51
21 As complexidades estruturais e o problema da unidade 51
22 O tema central um dissenso 57
23 O contexto histoacuterico e os personagens 64
3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO 78
31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica 78
32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto 155
33 Prazer Conhecimento e Valor 180
CONCLUSAtildeO 199
REFEREcircNCIAS 203
Literatura Primaacuteria (Platatildeo) 203
Demais autores claacutessicos 205
Literatura secundaacuteria 206
ANEXOS 219 Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo 219
Lista de Abreviaccedilotildees 220
1 Introduccedilatildeo
INTRODUCcedilAtildeO
Terra incognita Eacute este o termo utilizado por Dorothea Frede ao referir-se ao diaacutelogo
Filebo (2013 p 501) e essa eacute sem duacutevida a primeira impressatildeo causada nos leitores-
inteacuterpretes jaacute familiarizados com os demais diaacutelogos A obra em questatildeo Filebo eacute
ἵὁὀὅiἶἷὄaἶaΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝtaὄἶiὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝmuitὁὅ estudiosos1 agrave exceccedilatildeo de Gilbert Ryle
(1966 p 251-256) para quem o Filebo natildeo pode ser considerado um dos uacuteltimos diaacutelogos de
Platatildeo mas sim um diaacutelogo escrito na maturidade platocircnica proacuteximo ao Timeu2
As dificuldades impostas agrave leitura e agrave interpretaccedilatildeo desse texto platocircnico satildeo diversas
como veremos ao longo deste trabalho O Filebo aleacutem de trazer agrave discussatildeo temas relevantes
da filosofia platocircnica dos escritos tardios ndash haja vista o tratamento de temas extremamente
complexos alguns sob os quais ainda natildeo se obteacutem um consenso interpretativo parece fugir
de uma unidade possiacutevel nos conteuacutedos abordados ao longo da obra a ponto de alguns o
considerarem um diaacutelogo corrompido (faltante)3 De tal modo tanto os temas tratados quanto
aΝἷὅtὄutuὄaΝἶaΝὁἴὄaΝaὂὄἷὅἷὀtamΝiὀήmἷὄaὅΝἷΝἵὁmὂlἷxaὅΝldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoΝ(εUNIZ 2007 p 113)4
que exigiriam do leitor natildeo soacute um conhecimento vasto do corpus mas principalmente dos
temas pertinentes agrave chamada ldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵardquoΝἶa velhice5
1 A respeito dos problemas que envolvem o polecircmico tema da cronologia das obras platocircnicas falaremos adiante quando formos tratar dos esclarecimentos metodoloacutegicos Segundo Brandwood (2013 p 143) a ordem cronoloacutegica mais aceita na contemporaneidade coloca o Filebo como o penuacuteltimo diaacutelogo do corpus platocircnico Esta sequecircncia estaria disposta da seguinte maneira (no grupo dos diaacutelogos tardios) Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Pretendo demonstrar ao longo do texto que meu propoacutesito em relaccedilatildeo ao modo de leitura dos diaacutelogos de Platatildeo distingue-se de uma viὅatildeὁΝiὀtἷὄὂὄἷtativaΝἶitaΝldquoἵaὀὲὀiἵardquoΝὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝὀὁΝtὁἵaὀtἷΝaὁὅΝmὁἶἷlὁὅΝὃuἷΝὂautamΝὅuaὅΝleituras a partir de uma visatildeo cronoloacutegica da filosofia platocircnica 2 Paralelamente a esta classificaccedilatildeo encontra-se a de Waterfield (Cf WATERFIELD 1980 1982) 3 Godofredus Stallbaum (1826) em seu Platonis Philebus Prolegomenis et Comentarius (introduccedilatildeo ao comentaacuterio do texto grego) destaca queμΝldquo(έέέ)ΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝὁἴὄaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὁΝFilebo eacute o diaacutelogo mais ἵὁὄὄὁmὂiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝὂἷlaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἃ)έ 4 Muniz chama nossa atenccedilatildeo para a descrenccedila ao longo dos seacuteculos presente entre os plantonistas quanto a uma suposta ineficiecircncia interpretativa desse diaacutelogo platocircnico Seu princiacutepio hermenecircutico orientador enfatiza a relaccedilatildeo constitutiva entre forma e conteuacutedo nos Diaacutelogos Deste modo o autor sublinha a necessidade de nos atermos agraves transiccedilotildees bruscas presentes no diaacutelogo sendo possiacutevel recorrer apenas a elementos do proacuteprio texto (2007 p 113) Assim ele ressalta essa descrenccedila iὀtἷὄὂὄἷtativaμΝ ldquoἒiaὀtἷΝ ἶἷὅὅaΝ ἷxigecircὀἵiaΝ [iὀtἷὄὂὄἷtativa]Ν ὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶὁΝ Filebo encontram seu maior obstaacuteculo a anatomia do diaacutelogo parece anocircmala e as articulaccedilotildees entre suas partes ausentes a desconexatildeo a descontinuidade a obscuridade e a irrelevacircncia de certas cenas ou passagens em relaccedilatildeo ao tema principal fizeram do Filebo ao longo dos seacuteculos uma espeacutecie de corpo estranho no conjunto dos Diaacutelogos de Platatildeo 5 ἑὁmὁΝἵὄecircΝIέΝἑὄὁmἴiἷμΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝὄὠὂiἶaΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄatildeὁΝὅἷὄΝcompreendidas somente agrave luz das preocupaccedilotildees proacuteprias de seus uacuteltimos anos as quais noacutes soacute viriacuteamos a ἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὂὁὄΝ mἷiὁΝ ἶἷΝ ἏὄiὅtὰtἷlἷὅrdquoΝ aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoaΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ aΝ matὧὄiaΝ ἷΝ aΝ fὁὄmaΝ ἶὁὅΝuὀivἷὄὅaiὅrdquoΝ(1λἆἆΝὂέΝἁἄ1)έ
2 Introduccedilatildeo
Neste sentido tambeacutem parece memoraacutevel a metaacutefora cunhada por Robert Gregg Bury
(1987 p 9) para quem o Filebo no bosque da Academia de Platatildeo assemelha-se mais a um
carvalho retorcido e nodoso repleto de brotos e saliecircncias assimeacutetricas que o desfiguram
frente aos belos ciprestes e majestosos pinheiros presentes no espaccedilo intra-acadecircmico
Obviamente aqueles uacuteltimos frondosos ciprestes e pinheiros na conotaccedilatildeo elaborada pelo
teoacuterico dizem respeito aos demais diaacutelogos platocircnicos que talvez apresentam uma estrutura
mais facilmente identificaacutevel
A metaacutefora ilustra bem a claacutessica teoria do diaacutelogo colagem (ou como prefiro dizer
teoria antoloacutegica do diaacutelogo) Podemos em um primeiro momento cunhar apenas uma
estrutura aparente da obra Primeiramente temos uma espeacutecie de disputa inicial entre prazer
e inteligecircncia sobre qual dos dois poderaacute vir a ser considerado o bem para todos os seres
ὁuΝ mἷlhὁὄΝ aΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (11a-14a) Em um segundo momento somos conduzidos a uma
argumentaccedilatildeo metodoloacutegica detalhada (14b-20b) Posteriormente a discussatildeo jaacute natildeo estaacute
maiὅΝἵἷὀtὄaἶaΝὀὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁνΝaΝἶiὅὂutaΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὃuἷΝ
seraacute concedido ao prazer ou agrave inteligecircncia jaacute que uma revelaccedilatildeo divina teria apontado a vida
mista de prazer e inteligecircncia como vitoriosa (20c-ἀἁἴ)έΝἏΝἶiὅὂutaΝὂὁὄΝἷὅὅἷΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝ
ἷxigἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷΝaὅὅimΝὧΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaΝumaΝὁὀtὁlὁgiaΝ
quaacutedrupla (limite ilimitado misto e causa) (23b-31b) Em seguida temos uma longa anaacutelise
dos prazeres fundamentalmente dividida entre prazeres verdadeiros e prazeres falsos (31b-
55c) depois uma breve anaacutelise dos conhecimentos (55c-59d) Por fim retoma-se a questatildeo
da Vida Boa e do lugar ocupado pela inteligecircncia e pelo prazer na composiccedilatildeo desta vida
mista (59d-67d)
Essa continuidade anteriormente proposta acerca do movimento que compotildee o
diaacutelogo eacute apenas aparente Na praacutetica o leitor atento da obra se depara com uma difiacutecil visatildeo
capaz de verificar tal organizaccedilatildeo em um texto em que a sequecircncia dos temas tratados sofre
profundos abalos cortes e lapsos aleacutem de um resultado final que gera perplexidade nas
iὀήmἷὄaὅΝlἷituὄaὅΝὃuἷΝὅἷΝὄἷὀὁvamΝaΝἵaἶaΝmὁmἷὀtὁέΝἑἷὄtaΝὄἷgulaὄiἶaἶἷΝἶaΝldquotὁὂὁgὄafiaΝaὧὄἷardquoΝ
do diaacutelogo desaparece quandὁΝὀὁὅΝaὂὄὁximamὁὅΝἶἷὅtἷΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝ(ἔἤἓἒἓΝ1λλἁΝ
p 15) Deste modo apenas leituras rasas e superficiais estariam livres de impedimentos jaacute
as mais aprofundadas estariam fadadas ao fracasso
Diante dessas consideraccedilotildees eacute possiacutevel notar ao longo da histoacuteria interpretativa do
Filebo como este diaacutelogo adquiriu conotaccedilotildees (em certo sentido bastante negativas) frente
ao papel ocupado pelos demais diaacutelogos que compotildeem o corpus Todavia neste trabalho
minha interpretaccedilatildeo dista desta visatildeo que denomiὀὁΝἵὁmὁΝldquoὀἷgativardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷΝὂὄὁἵuὄὁΝ
seguir por outro caminho
Monique Dixsaut (1999 2001 2017) apresenta-nos detalhadamente este mesmo
histoacuterico claacutessico que permaneceu durante seacuteculos como princiacutepio hermenecircutico orientador
3 Introduccedilatildeo
do Filebo diaacutelogo faltoso corrompido com muacuteltiplas correccedilotildees artificial de qualidade literaacuteria
desejaacutevel diaacutelogo acadecircmico portador de um Soacutecrates diferente daqueles dos demais
diaacutelogos sem um assunto claramente definido (questatildeo debatida na Antiguidade) terreno
prediletὁΝ ἶaΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ldquoἷὅὁtἷὄiὅtardquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἷΝ ἶὁὅΝ ἶἷfἷὀὅὁὄἷὅΝ ἶὁΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ὄἷviὅiὁὀiὅmὁΝ
(ontoloacutegico) presente nesta uacuteltima fase do pensamento platocircnico Ou seja deficiecircncias
segundo alguns que vatildeo desde a questatildeo propriamente estiliacutestica literaacuteria ateacute questotildees
ὄἷlaἵiὁὀaἶaὅΝaὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝὁuΝldquoἶὁutὄiὀὠὄiὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁέΝἡΝὃuἷΝaΝlἷvaΝaΝafiὄmaὄΝὃuἷμΝldquoἡΝ
Filebo possui o duacutebio privileacutegio de cumular todas as dificuldades propostas agrave leitura de um
ἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(1λλλΝὂέΝλ)έ
Eacute oportuno ressaltar que Dixsaut (1999 2001) natildeo comunga com ἷὅtaΝviὅatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝ
acerca do diaacutelogo O tom dessa sua fala repercute em um sentido interpretativo positivo das
ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝὃuἷΝὅἷguὀἶὁΝaΝautὁὄaΝὅatildeὁΝmἷὄamἷὀtἷΝaὂaὄἷὀtἷὅέΝἜὁgὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶὁΝἷὅtἷΝ
ldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝἵὁmὁΝumaΝafirmaccedilatildeo que se converte em certa ironia jaacute que para a autora
o privileacutegio deste diaacutelogo concentra-se na riqueza dos temas ali desenvolvidos por Platatildeo e
ὀatildeὁΝ ὀaὅΝ ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝ ἵὁὀὅtataἶaὅΝ ὂἷlὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ aὁΝ lὁὀgὁΝ ἶὁὅΝ ὅὧἵulὁὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ
tambeacutem natildeo significa dizer que o diaacutelogo natildeo seja difiacutecil e que essas transiccedilotildees dificultem em
certo grau uma compreensatildeo detalhada desse texto platocircnico6 Como ela mesma afirma
o principal obstaacuteculo agrave compreensatildeo do Filebo eacute a sua aparente falta de unidade Isto eacute a interpretaccedilatildeo da passagem dita metodoloacutegica que compromete segundo alguns a unidade do diaacutelogo Eacute indiscutiacutevel agrave primeira vista a dificuldade em estabelecer uma relaccedilatildeo entre o primeiro grande momento do texto e as que se sucedem a este isto eacute a questatildeo da vida boa e de seus ingredientes (a anaacutelise dos prazeres 31b2-55c4 e a divisatildeo dos conhecimentos 55c5-59d) e a hierarquia final (59d-66a4) (DIXSAUT 2001 p 287)
Paralelamente agrave visatildeo de Dixsaut encontra-se a de Fernando Muniz (2007)7 no
sentido inverso dessa interpretaccedilatildeo claacutessica negativa Posiccedilatildeo da qual tambeacutem partilho em
6 ἢὁὄΝ iὅὅὁΝ aΝ autὁὄaΝ ἵὁὀἵὁὄἶaΝ ἵὁmΝ ἤὁἶiἷὄΝ (1λἀἄ)Ν ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἔilἷἴὁΝ ὧΝ umΝ ἶiὠlὁgὁΝ ἶifiacuteἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἅἂ-137) (DIXSAUT 2001 p 285) 7 Ambos os autores partem da necessidade de compreensatildeo da primeira parte do diaacutelogo principalmente das consideraccedilotildees metodoloacutegicas para se interpretar as partes restantes da obra Segundo Muniz (2007) essa tarefa implica em reconhecer o ζσΰκμ comparado a um ser vivo dotado ἶἷΝumΝἵὁὄὂὁΝtὁtalmἷὀtἷΝaὄtiἵulaἶὁΝiὅtὁΝὧΝaΝaὂaὄἷὀtἷΝfaltaΝἶἷΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝlὁgὁgὄὠfiἵardquoΝaὂaὄἷὀtἷΝὅἷὄiaΝintencional A fim de justificar semelhante recurso o autor centra-se na noccedilatildeo de π δλκθ (ilimitado) utilizada por Platatildeo no diaacutelogo como veremos mais adiante Deste modo seria necessaacuterio tomar o ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoἵὁiὅaΝilimitaἶardquoΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝὅuaΝfὁὄmaΝἷὀἵὁὀtὄaΝumΝlugaὄΝὂaὄaἶὁxalΝὀἷὅὅaΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝldquo(έέέ)ΝὀaΝiὀtἷὄὅἷὦatildeὁΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝἷὅὂἷlhamΝἷΝὅἷΝἵὁmuὀiἵamrdquoΝ(εἧἠIZΝἀί07 ὂέΝ11ἆ)έΝἡΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝἷvὁἵaἶὁΝὂἷlὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ(ἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷὄiaΝὁΝὂὄimἷiὄὁΝaΝenunciar essa suspeita recaiacuteda sobre o diaacutelogo ao longo da sua tradiccedilatildeo interpretativa) exige que ou o diaacutelogo se trata de um jogo discursivo intricado (πκδεέζκμ) ou ele eacute segundo uma imagem que o proacuteprio
4 Introduccedilatildeo
minha intepretaccedilatildeo do diaacutelogo Por essa razatildeo creio ser preciso buscarmos no proacuteprio texto
um meio pelo qual essas dificuldades possam ser amenizadas E talvez essa proacutepria
construccedilatildeo problemaacutetica seja intencional e nos sirva agrave interpretaccedilatildeo do diaacutelogo em sua
tὁtaliἶaἶἷέΝἠatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝaΝὁἴὄaΝὅἷjaΝὀἷmΝaΝldquotἷὄὄaΝiὀἵὰgὀitardquoΝἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅΝὀἷmΝmἷὅmὁΝaΝ
ldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquo8 (BARKER 1996 p 143) dos estudiosos da obra em questatildeo Muito pelo
contraacuterio em nosso seacuteculo interpretaccedilotildees e pontos de vista dotados de coerecircncia tecircm
novamente retornado agrave cena filosoacutefica a respeito desse diaacutelogo
Se permanecemos conjecturando sobre as intenccedilotildees possiacuteveis de nosso autor natildeo
passaremos da superficialidade melhor seria encontrar no proacuteprio texto boas indicaccedilotildees
capazes de nos fornecerem instruccedilotildees interpretativas Afinal na trama ficcionada9 e discursiva
dos diaacutelogos o leitor ou ouvinte possui um papel importante Como alega Muniz
ἶiὠlὁgὁΝὁfἷὄἷἵἷΝumaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εσ ηκμ δμ υηα κμ) Isto eacute o Filebo seria uma ordem iὀἵὁὄὂὰὄἷaΝaἵaἴaἶaΝἷΝὂἷὄfἷitaΝἶὁtaἶaΝἶἷΝviἶaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷΝldquoἶiὀamiὅmὁΝiὀtἷὄὀὁrdquoΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝaΝἵὁἷὄecircὀἵiaΝda articulaccedilatildeo de suas partes pode oferecer A tarefa do inteacuterprete portanto eacute revelar essa unidade do ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εἧἠIZΝἀίίἅΝὂέΝ11ἆΝ1ἀἁ)έΝJὠΝὂaὄaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὁΝἷviἶἷὀtἷΝproblema da unidade do diaacutelogo requer uma anaacutelise detalhada da primeira parte do diaacutelogo (as consideraccedilotildees metodoloacutegicas) em relaccedilatildeo ao restante (p 287) Poreacutem ela daacute ainda mais um passo importante ao analisar as passagens referentes agrave dialeacutetica para em seguida deter-se na breve anaacutelise dos conhecimentos (2001 p 288) Apenas deste modo a autora poderaacute justificar sua leitura que pretende dar conta das variadas transiccedilotildees do diaacutelogo Ela detalha seu procedimento da seguinte fὁὄmaμΝldquoἠaΝtἷὀtativaΝἶἷΝmaiὁὄἷὅΝἷὅἵlaὄἷἵimἷὀtὁὅΝiὄἷiΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝtἷxtos da primeira parte consagrados agrave dialeacutetica e entatildeo apontar brevemente qual o tipo de dialeacutetica eacute implementado na obra e finalmente analisar aquela curiosa maneira que se estaacute a falar sobre ela no final da passagem sobre as ciecircncias (57e-59d) Podemos assim constatar que no Filebo a dialeacutetica eacute perpetuamente contaminada pela natureza daquilo com o qual ela se defronta e pelas suas consideraccedilotildees de valor encontrando-se assim submissa agrave potecircncia hieraacuterquica do Bem ndash natildeo somente agrave potecircncia do conhecimἷὀtὁΝἷxἷὄἵiἶaΝἷmΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝὂuὄὁΝmaὅΝὡὃuἷlaΝὀaΝὃualΝὅἷΝaἶmitaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝἷmΝἶἷviὄrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 288) 8 ἡΝtἷὄmὁΝldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquoΝaὂaὄἷἵἷΝἷmΝumΝaὄtigὁΝἶἷΝἏὀἶὄἷwΝἐaὄkἷὄΝ(1λλἄ)μΝldquoPlatos Philebus The σumbering of a Unityrdquo O autor logo no iὀiacuteἵiὁΝἶὁΝtἷxtὁΝὂaὄἷἵἷΝiὀὅiὅtiὄΝἷmΝἵἷὄtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝἷὅὂiὀhὁὅὁrdquoΝἶὁΝFilebo seria devido agraves suas enormes complexidades enormes explicaccedilotildees que resultam nas mais diversas interpretaccedilotildees emersas a partir de um diaacutelogo complexo o que por sinal impossibilita ao leitor de Platatildeo estabelecer uma unidade formal evidente diante da rigidez dos diversos temas ali apresentados (p 144-145) 9 ldquoἓmἴὁὄaΝὅἷjaΝalgὁΝὄἷlativamἷὀtἷΝἵὁὀὅἷὀὅualΝhὁjἷΝἷmΝἶiaΝvalἷΝ lἷmἴὄaὄΝὃuἷΝὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝumaΝὁἴὄaΝdramaacutetica uma ficccedilatildeo [prefiro e utilizarei nesse trabalho o termo ficcionada] filosoacutefica que como tal natildeo pode ser lida como se fosse um tratado Reduzir as falas dos personagens filosoacuteficos agraves proposiccedilotildees destacadas dos seus contextos eacute uma saiacuteda cocircmoda mas infiel ao espiacuterito da obra Eacute preciso que haja entatildeo uma maneira de fazer justiccedila agrave multiplicidade de procedimentos que Platatildeo mobiliza em seus dramas A riqueza da forma natildeo pode ser tratada como um mero efeito decorativo para aliviar a aridez do argumento filosoacutefico Inclusive porque argumento natildeo eacute o uacutenico procedimento filosoacutefico Haacute nos Diaacutelogos uma seacuterie de outros procedimentos como o mito a metaacutefora a ironia o riso o silecircncio ndash todos coordenados em funccedilatildeo da persuasatildeo filosoacutefica Levar em conta esses aspectos formais aspectos de estilo eacute tentar compreender a forma dialogada em funcionamento em toda a sua complexidade (MUNIZ 2007 p 116)
5 Introduccedilatildeo
Platatildeo escreveu para ser lido ndash ou ouvido ndash e o leitor deve completar o ato da criaccedilatildeo discursiva Negligenciar essa dimensatildeo comunicativa dos diaacutelogos eacute no miacutenimo deixar de utilizar mais uma ferramenta interpretativa aleacutem das muitas jaacute em uso (2007 p 116)
Neste sentido entre as visotildees contemporacircneas significativas tambeacutem se soma a de
George ἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)έΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝὀὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝtaὄἶiὁὅrdquoΝὁὅΝmὁvimἷὀtὁὅΝ
argumentativos apresentados por Platatildeo no Filebo demonstram o grande potencial artiacutestico
do filoacutesofo ateniense Similarmente aos de seu grupo (Teeteto Parmecircnides Sofista) a obra
ἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝaὂaὄἷἵἷΝἵὁmὁΝmaiὅΝumaΝfὁὄmaΝἶifἷὄἷὀtἷΝἶἷΝldquoἷὀigmardquo10 (p 40)
O Filebo natildeo eacute um diaacutelogo negativo e insisto que interpretaccedilotildees coerentes do diaacutelogo
satildeo possiacuteveis e torna-ὅἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝ
pelo entrecruzamento dos diversos temas ali apresentados Obviamente meu propoacutesito aqui
recai sobre o mote do prazer11 natildeo permanecendo apenas no limiar da discussatildeo acerca
desse tema mas procurando relacionaacute-lo com os demais assuntos e questotildees abordadas
neste difiacutecil texto platocircnico em que a habilidade literaacuteria platocircnica se demonstra sobremaneira
Isso natildeo significa contudo que certas interpretaccedilotildees visem esgotar as anaacutelises desse
diaacutelogo muito pelo contraacuterio nossa tarefa reconhece a riqueza temaacutetica amplamente diversa
e complexa presente nessa obra
Logo reconheccedilo que as interpretaccedilotildees natildeo esgotam as peculiaridades do Filebo
poreacutem creio como demostrarei ao longo do texto que uma unidade especiacutefica da obra eacute sim
possiacutevel e que talvez possamos estabelecer algumas finalidades apresentadas por Platatildeo ao
longo deste percurso argumentativo sem portanto afirmaacute-las com veemecircncia com um rigor
teoacuterico-conceitual agrave maneira das filosofias baseadas em sistemas de pensamento o que
atentaria contra a proacutepria especificidade dramaacutetica utilizada na composiccedilatildeo dos Diaacutelogos de
Platatildeo como dissemos outrora No entanto soacute poderemos demonstrar como esta visatildeo
10 ldquoἡΝFilebo como me parece eacute um quarto tipo de enigma Haacute passagens longas que parecem escritas natildeo por Platatildeo mas por Hegel ou Heidegger O sentido eacute tatildeo vago que muitas sentenccedilas permitem um nuacutemero ilimitado de interpretaccedilotildees Mas haacute um limite pois eacute difiacutecil encontrar uma uacutenica interpretaccedilatildeo coerente do diaacutelogo inteiro Mesmo assim bons inteacuterpretes declaram que o Filebo eacute uma contradiccedilatildeo imὂὁὅὅiacutevἷlrdquoΝ(ἤἧἒἓἐἧἥἑώΝἀίίἅΝὂέΝἁλ-40) 11 Sobre isso eacute interessante notar o comentaacuterio de Damaacutescio sobre o Filebo ldquoἏlguὀὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝὁΝpropoacutesito do diaacutelogo eacute o prazer assim como demonstra seu proacuteprio tiacutetulo (Π λ κθ μ) e Soacutecrates ele proacuteprio se propotildee primeiramente a discutir o prazer (11b4-c3) para depois examinar o que concerne ao prazer (31b-55d) e em terceiro lugar tirar a conclusatildeo precisa que o prazer natildeo eacute o objetivo primordial da vida (67b1-7) Aqueles que refutam essa tese dizem que o propoacutesito natildeo eacute o prazer Para que serviriam as discussotildees que ultrapassam amplamente o problema apresentado como aqueles sobre o bem sobre os dois princiacutepios (quero dizer o limite e o ilimitado) sobre as trecircs mocircnadas no vestiacutebulo do bem (a beleza a verdade a proporccedilatildeo) sobre o intelecto e as ciecircncias (silogiacutestica e divisatildeo) sobre a mistura destas com os prazeres sobre o primeiro bem assim como o segundo o tἷὄἵἷiὄὁΝὁΝὃuaὄtὁΝὁΝὃuiὀtὁΝἷΝὁΝὅἷxtὁςrdquoΝ(Dam sect I-III)
6 Introduccedilatildeo
(negativa) atribuiacuteda ao diaacutelogo eacute equivocada respondendo a algumas perguntas
fundamentais sobre a qual se debruccedila nosso esforccedilo aqui empreendido mas afinal sobre o
que trata o FileboςΝἥἷΝἷὅtἷΝήltimὁΝὧΝumΝtiὂὁΝἶἷΝldquoἷὀigmardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝἤuἶἷἴuὅἵh
(2007) que tipo de enigma eacute esse E ainda mais de que forma seria possiacutevel solucionaacute-lo
Tais questionamentos segundo creio soacute poderatildeo obter uma resposta adequada no decorrer
deste nosso trabalho investigativo
Comumente na tradiccedilatildeo platocircnica ocidental o subtiacutetulo atribuiacutedo ao Filebo ὧΝldquoἥὁἴὄἷΝ
ὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὃuἷΝὁΝἵlaὅὅifiἵaΝἵὁmὁΝumΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaὁΝgecircὀἷὄὁΝldquoὧtiἵὁrdquo12 No entanto
o iniacutecio do diaacutelogo jaacute prefigura uma complexidade ou melhor um impasse Dito de outro
modo logo no proecircmio da obra depara-ὅἷΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶἷΝ ἶὁiὅΝ
discursos (ζσΰκδμ) e natildeo teses13 ambas afirmando cada um deles serem bens ( ΰαγ θ)14
(11b4) Filebo que tomaraacute como defensor de sua afirmativa o interlocutor Protarco postula
como sendo bom o agradaacutevel (εαέλ δθ) o prazer ( κθά) o deleite ( Ϋλφδθ) e tudo mais
consoante a esse gecircnero15 Jaacute Soacutecrates contrariamente iraacute contestaacute-lo dizendo que para
alguns bom se assemelha ao pensamento (φλκθ ῖθ) agrave inteligecircncia (θκ ῖθ) agrave memoacuteria
(η ηθ γαδ) e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta ( σιαθ λγ θ) e o
raciociacutenio verdadeiro ( ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ) Para tais indiviacuteduos esses uacuteltimos bens seriam
melhores mais uacuteteis e teriam ainda mais valor do que aqueles que afirma Filebo (11b7-9)
O ponto problemaacutetico surge no momento em que a discussatildeo (inicial) em torno dos
prazeres dirige-se agrave unidade multiplicidade dos prazeres Ateacute entatildeo temas que pareciam
evocar simplesmente as antigas concepccedilotildees em torno da eacutetica em larga medida aquelas
discutidas em outros diaacutelogos ditos diaacutelogos iniciais alcanccedilam uma complexidade ainda
maior A fim de respondermos tais questotildees acredito que um caminho possiacutevel seja analisar
o porquecirc de o papel dos prazeres ocupar a maior parte do diaacutelogo para entatildeo
compreendermos o ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝὃuaὀtὁΝaὁὅΝtἷmaὅΝὄἷfἷὄἷὀtἷὅΝὡΝ
ldquoἴὁaΝviἶardquoΝmaὅΝtὁmaὀἶὁ-o apenas como mote para uma discussatildeo maior que retoma temas
importantes desenvolvidos ao longo do pensamento platocircnico Procurarei demonstrar como
os diversos temas presentes nesse diaacutelogo podem nos sugerir uma posiccedilatildeo (especiacutefica) de
12 No cataacutelogo elaborado por Trasiacutelaco de Mendes no seacuteculo I dC para a divisatildeo dos diaacutelogos platocircnicos em nove tetralogias temaacuteticas conforme nos relata Dioacutegenes Laeacutercio o Filebo encontra-se situado na primeira e o subtiacutetulo atribuiacutedo a este denomina-se Do Prazer (Π λ κθ μ) gecircnero eacutetico (D L III 58) 13 Irei tratar disso mais adiante em nossa anaacutelise detalhada do iniacutecio do diaacutelogo 14 Haacute uma longa discussatildeo em torno desse termo que aparece em 11b-4 Como bem nota Muniz (2012 p 21 nota 2) existe uma dificuldade aqui em determinar se ΰαγ θ (bom) eacute equivalente a ΰαγ θ (o bem) 15 ldquo(έέέ)Νεα αΝ κ ΰΫθκυμΝ κτ κθΝ ηφπθαΝ(έέέ)rdquoΝ(11b5-6)
7 Introduccedilatildeo
Platatildeo sobre a relevacircncia da reflexatildeo do prazer na vida humana mas fundamente frente agrave
ὃuἷὅtatildeὁΝἶaὃuἷlaΝὃuἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέ
No entanto algo no Filebo eacute extremamente particular Esse diaacutelogo eacute dentre todos os
outros aquele que apresenta uma visatildeo mais aprofundada sobre o tema e ao mesmo tempo
uma formulaccedilatildeo mais riacutegida acerca do papel do prazer na vida humana enquanto uma questatildeo
filosoacutefica primordial da filosofia platocircnica Ou seja deparamo-nos com o maior problema do
ἶiὠlὁgὁΝaΝὅaἴἷὄμΝὁΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷέΝἓὅὅἷΝὅἷὄiaΝὁΝὅἷuΝldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλλΝὂέΝix)
por um lado temos a tatildeo esperada anaacutelise do prazer na vida humana por outro esse diaacutelogo
eacute extremamente difiacutecil e exige uma anaacutelise atenta requerendo um envolvimento mais proacuteximo
com a filosofia platocircnica Dito de outro modo se lermos o Filebo de uma forma raacutepida
apressada ou pouco detalhada corremos sempre o risco de permanecer no limiar da obra
sem compreendecirc-la em sua profundidade e ateacute mesmo incorrer na postulaccedilatildeo de incoerecircncia
entre os diaacutelogos sobre os temas ali desenvolvidos sob uma forma peculiar poreacutem contida
dentro do vasto espectro da literatura platocircnica enquanto uma literatura dialoacutegica-filosoacutefica
Minha leitura apoia-se substancialmente em autores que defendem uma
reinterpretaccedilatildeo do proacuteprio diaacutelogo a partir das estruturas argumentativas utilizadas por Platatildeo
na elaboraccedilatildeo da obra Ela tambeacutem se distancia das claacutessicas leituras anteriormente referidas
como tambeacutem daquelas que se apresentam no seacuteculo XX no cenaacuterio da tradiccedilatildeo interpretativa
platocircnica em resposta agraves inuacutemeras questotildees problemaacuteticas levantadas por esse diaacutelogo a
saber a leitura revisionista a posiccedilatildeo esoterista a interpretaccedilatildeo do prazer enquanto atitude
proposicional dentre outras
A questatildeo eacutetica predominantemente relativa ao diaacutelogo a meu ver consiste em
avaliar as pretensotildees requeridas pelo prazer se ele as possui de fato se ele eacute bom em si
mesmo se tem essa forccedila que demonstra ter e ao mesmo tempo de que forma ele se opotildee
ou se articula ao conhecimento A tendecircncia interpretativa que adoto neste trabalho quanto agrave
anaacutelise dialeacutetica dos prazeres16 no Filebo eacute aquela denominada por mim e mais alguns
16 Eacute importante salientar que este tipo de leitura se aplica diretamente agrave anaacutelise dos prazeres a qual natildeo eacute a uacutenica do diaacutelogo mas haacute tambeacutem a anaacutelise das teacutecnicas ou conhecimentos Nesta uacuteltima Platatildeo parece retomar os demais diaacutelogos ao propor uma classificaccedilatildeo que preserva o caraacuteter ontoloacutegico da teacutecnica do saber isto eacute o que ele eacute nele mesmo o poder que possui se ela eacute um aspecto teoacuterico muito proacuteximo do que ele teria feito na Repuacuteblica A essa mesma classificaccedilatildeo soma-se a o caraacuteter que acredito ser predominante na discussatildeo o axioloacutegico tambeacutem as teacutecnicas satildeo classificadas de acordo com o valor que possuem do mesmo modo como os indiviacuteduos devem viver isto eacute conveacutem investigar o modo como os saberes e as teacutecnicas satildeo exercidos efetivamente na medida em que implicam a postulaccedilatildeo de valores que os direcionem que ofereccedilam rumo e sentido para os indiviacuteduos que os elaboram Marques pergunta-se o seguinte seria o primeiro aspecto das teacutecnicas um aspecto teoacuterico E o segundo um aspecto praacutetico (MARQUES 2015 p 200) Podemos tambeacutem nesse sentido evocar a interpretaccedilatildeo de Benitez (1999) acerca da classificaccedilatildeo dos conhecimentos sob a qual se apoiam tambeacutem as concepccedilotildees de Marques sobre esse ponto (Cf BENITEZ 1999 p 337-364)
8 Introduccedilatildeo
autores17 proveniente de uma articulaccedilatildeo gnosioloacutegico-axioloacutegica ou epistecircmico-axioloacutegica
na interpretaccedilatildeo da questatildeo dos prazeres no diaacutelogo Gnosioloacutegica pois o processo de
representaccedilatildeo-valoraccedilatildeo dos prazeres eacute visto como anaacutelogo agrave formaccedilatildeo da opiniatildeo A
dimensatildeo antecipativa da opiniatildeo por seu duplo caraacuteter (fenomecircnico e judicativo) faz com
que a representaccedilatildeo proveniente da imagem ao associar-se ao desejo articule a percepccedilatildeo
efetiva ou sua preservaccedilatildeo (que eacute a memoacuteria) agrave uma dimensatildeo propriamente avaliativa18
Axioloacutegica porque em relaccedilatildeo aos prazeres o processo se daria da mesma forma
O discurso e a representaccedilatildeo que acompanham o prazer da antecipaccedilatildeo comportam em si
uma avaliaccedilatildeo (taacutecita) daquilo que eacute bom para noacutes Eacute necessaacuterio avaliar se o prazer possui
de fato esse valor que ele postula ter A questatildeo do prazer da antecipaccedilatildeo coloca em jogo a
esperanccedila isto eacute o prognoacutestico a promessa futura que o prazer sempre propotildee como bom e
uacutetil eacute essa avaliaccedilatildeo que a meu ver eacute digna de refutaccedilatildeo por parte de Soacutecrates Neste
sentido trata-se de uma concepccedilatildeo eacutetica da verdade traduziacutevel nos termos uacutetil melhor e
preferiacutevel Apenas a dialeacutetica enquanto anaacutelise dialogada do prazer nos mostra a
abrangecircncia do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimidade dos valores que a experiecircncia do prazer
eacute capaz de nos proporcionar no contexto da discussatildeo sobre o que eacute vida boa para os seres
humanos nessa oposiccedilatildeo e ao mesmo tempo relaccedilatildeo entre prazer ( κθ ) e conhecimento
(φλσθ δμ)
Conforme foi dito a anaacutelise dos prazeres natildeo soacute nos diz algo sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo
acerca do caraacuteter propositivo cognitivo dos prazeres apesar de estar relacionada a estes
mas sobretudo enfatiza o caraacuteter propriamente valorativo dessa discussatildeo ao ter como
objetivo eacutetico primordial a busca por uma correta composiccedilatildeo da boa vida (mista) de prazer e
iὀtἷlἷἵtὁέΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ ἷὅὅaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ (ὂὁlaὄiὐaἶa)Ν ὀatildeὁΝ ὅὰΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὁὄrdquoΝ
aprofundado da escala de valores mas tambeacutem reforccedila a profundidade carateriacutestica da
potecircncia dialeacutetica pois o que se nota aqui eacute uma anaacutelise profundamente dialogada tanto de
prazeres quanto de conhecimentos visando alcanccedilar uma definiccedilatildeo mais correta ou o mais
possivelmente verdadeira do bem da vida boa
Nesse sentido eacute surpreendente e ao mesmo tempo fundamental o papel a ser
desempenhado pela proacutepria dialeacutetica tal como ela nos eacute apresentada neste diaacutelogo enquanto
taὄἷfaΝfilὁὅὰfiἵaΝὃuἷΝviὅaΝalἵaὀὦaὄΝaΝldquomἷἶiἶardquoΝ(ἷὀtὄἷΝlimitaὀtἷΝἷΝilimitaἶὁ)ΝὀaὅΝἶἷliἴἷὄaὦὴἷὅΝἷΝ
17 Sigo a tendecircncia interpretativa proposta por Bravo (2009) Marques (2012 2014 2015 2016) Teisserenc (1999 2010) 18 Marques (2012) nos lembra que Platatildeo aprofunda sua concepccedilatildeo sobre o papel da produccedilatildeo das imagens psiacutequicas e que adquirem no Filebo uma complexidade ineacutedita e ao mesmo tempo surpreendente ao serem tratadas em relaccedilatildeo agrave temaacutetica dos prazeres (MARQUES 2012 p 213-245) Esse fato faz de Platatildeo portador de uma abordagem uacutenica jamais vista no pensamento ocidental ao propor tal tipo de abordagem em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo associada agrave questatildeo dos prazeres aliada ao discernimento do valor Sobre isso cf TEISSERENC (1999 p 267)
9 Introduccedilatildeo
accedilotildees humanas que almejam por sinal o bem e a felicidade Logo todo o leacutexico platocircnico
empregado na obra como as noccedilotildees desenvolvidas parecem reafirmar ou relembrar-nos as
finalidades eacutetico-poliacutetico-pedagoacutegicas da filosofia de Platatildeo
Mas qual seria a razatildeo de um tratamento tatildeo exaustivo do prazer Por que trataacute-lo
sob a perspectiva eacutetica e ao mesmo tempo se utilizar de distintos recursos a fim de poder
lidar com tal complexidade temaacutetica A resposta parece simples natildeo somente a Platatildeo pois
o prazer eacute um tema caro aos proacuteprios gregos Platatildeo enquanto participante desse modelo
educativo da tradiccedilatildeo poeacutetica grega e mais como criacutetico e reformulador dessa proacutepria tradiccedilatildeo
natildeo deixaraacute de colocar sob anaacutelise um tema tatildeo importante e que demonstra toda a sua forccedila
na mentalidade grega antiga como eacute o caso prazer Eacute retomando essa longa tradiccedilatildeo e
simultaneamente reconhecendo-se como herdeiro dessa proacutepria tradiccedilatildeo que Platatildeo
estabelece uma nova relaccedilatildeo com o prazer reconfigurando o sentido atribuiacutedo a ele e
demarcando o seu efetivo papel agora na vida poliacutetica e social constitutiva da sua eacutepoca
Voltemos rapidamente um pouco a essa questatildeo do prazer na Antiguidade
Sobre isso a obra de Bravo (2009) talvez seja um dos estudos mais relevantesno qual
se intenta compreender o tratamento especiacutefico dado por Platatildeo agrave questatildeo do prazer a partir
de uma seacuterie de teorias que estariam em circulaccedilatildeo na eacutepoca as quais Platatildeo teria se
deparado para construir sua posiccedilatildeo em torno da temaacutetica dos prazeres Tambeacutem a obra de
Gosling amp Taylor (1982) eacute um marco referencial no tratamento do tema assim como a de
Wolfsdorf (2013) que natildeo somente aborda a questatildeo do prazer em Platatildeo mas vai aleacutem
considerando as posiccedilotildees de toda a tradiccedilatildeo claacutessica grega posterior como a abordagem
aristoteacutelica epicurista ciacutenica cirenaica e estoica ateacute alcanccedilar as visotildees contemporacircneas
acerca do prazer
Lembramo-nos a primeira fraὅἷΝἵὁmΝὃuἷΝἐὄavὁΝ(ἀίίλΝὂέΝ1ἁ)ΝiὀiἵiaΝὅuaΝὁἴὄaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)Ν
aΝἵultuὄaΝgὄἷgaΝὧΝumaΝἵultuὄaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὅἷguiὀἶὁ o que disse Casertano (1983) As origens
gregas atestam tal fato basta retomarmos a claacutessica poesia grega (eacutepica liacuterica traacutegica) e a
frequecircncia com que o tema dos prazeres eacute exaltado cantado celebrado O tema dos
prazeres como nos mostra a obra faz parte da cultura grega desde seus primoacuterdios muito
antes do surgimento da filosofia mas natildeo apenas isso podemos ainda destacar que uma das
preocupaccedilotildees fundamentais do homem grego era viver prazerosamente e fazer viver
prazerosamente (BRAVO 2009 p 14)
Podemos sem duacutevida dizer que o prazer se situa em uma intriacutenseca relaccedilatildeo no
pensamento platocircnico que envolve temas importantes estes jaacute anteriormente destacados
pela tradiccedilatildeo claacutessica ora privilegiando um ou outro dos quais Platatildeo se utiliza ao intentar a
elaboraccedilatildeo e uma visatildeo criteriosa da temaacutetica dos prazeres Tais termos seriam a virtude ou
( λ ά) o bem ( ΰαγ θ) e a felicidade ( αδηκθέα) No entanto nem sempre a traduccedilatildeo
destes termos faz jus ao sentido amplo tal como eles satildeo compreendidos na visatildeo grega
10 Introduccedilatildeo
ἠὁΝἶἷἵὁὄὄἷὄΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝὅἷjaΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶaΝjuvἷὀtuἶἷrdquoΝatὧΝὁὅΝἶaΝἵhamaἶaΝ
ldquovἷlhiἵἷrdquoΝo modo de como se deve viver (π μ ίδπ Ϋκθ)19 eacute uma questatildeo eacutetica fundamental
Essa eacute uma das questotildees mais seacuterias natildeo soacute para Platatildeo mas ao pensamento claacutessico como
um todo20 No modelo eacutetico claacutessico e na filosofia de Platatildeo a questatildeo eacutetica estaacute direcionada
agrave vida boa ( α θ) como um todo da qual o homem natildeo se encontra separado mas eacute parte
dessa ordem universal na qual ele proacuteprio se encontra natildeo eacute um ser privilegiado Neste
ὅἷὀtiἶὁΝaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὀὁὦὴἷὅΝἶἷΝldquoἴἷmΝmὁὄalrdquoΝἶἷΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝἷΝἶἷΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝὀatildeὁΝse encontram
plenamente definidas ou estanques mas satildeo a todo momento postas em debate em conflito
nestes modos de vida que se apresentam como elegiacuteveis enquanto tais isto eacute passiacuteveis de
caracterizaccedilatildeo da finalidade humana que eacute a vida plenamente feliz (ίέκθ αέηκθα) (11d6)21
A tarefa do Filebo como veremos no entanto eacute muito menos ambiciosa natildeo se trata de uma
definiccedilatildeo do que seja a felicidade ou o que seja a vida feliz mas o que torna uma vida
propriamente feliz
Nos diaacutelogos platocircnicos nos debates travados entre os interlocutores e entre os
personagens subjazem essas questotildees fundamentais e caras ao pensamento de Platatildeo e agrave
tradiccedilatildeo claacutessica da antiguidade grega na qual estaacute inserido nosso autor Essas questotildees
figuram explicitamente nos debates ali encenados por nosso autor Satildeo estes temas
eminentes da filosofia platocircnica que estatildeo por traacutes das encenaccedilotildees dos dramas filosoacuteficos
elaborados por nosso autor Tais questotildees satildeo apresentadas sob formas diversas em
contextos dialeacuteticos variados poreacutem as questotildees fundamentais do pensamento platocircnico
permanecem as mesmas Os diaacutelogos potildeem em conflito as diversas posiccedilotildees sobre estes
temas satildeo modelos existenciais sopesados avaliados aquilatados as perdas e ganhos
desses modelos de vidas apresentam-se sob forma emblemaacutetica radicalizada por meio de
personagens que se tornam defensores de posiccedilotildees que seratildeo analisadas Uma variedade
de recursos dramaacuteticos literaacuterios e filosoacuteficos satildeo utilizados de variadas maneiras
A Platatildeo podemos atribuir a tarefa de descrever e fundamentar o modo de vida
filosoacutefico que se encontra em Soacutecrates mas natildeo eacute apenas nesse personagem o principal
19 Cf Grg 492d 500c 20 Conforme aponta Crombie (1988) a vida plenamente realizada para os gregos pode ser entendida de duas maneiras (i) seja como aquele homem que vive virtuosamente (ii) seja como algueacutem que vive prosperamente ἢὁὄtaὀtὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἷΝaὁΝmἷὅmὁΝtἷmὂὁΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝὧΝumaΝtaὄἷfaΝimposta pelo proacuteprio Platatildeo agrave sua obra (p 250) 21 Dentre as valiosas contribuiccedilotildees relativas ao termo eudaimoniacutea encontra-se o artigo de Taylor (2008) na Routledge Encyclopedia of PhilosophyΝἷmΝὃuἷΝἷlἷΝaὅὅimΝὄἷtὁmaΝaΝὅἷmacircὀtiἵaΝἶὁΝtἷὄmὁμΝldquoO sentido literal da palavra grega eudaimonia ὧΝtἷὄΝumΝἴὁmΝἷὅὂiacuteὄitὁΝguaὄἶiatildeὁrdquoΝ[eu (bom) daiacutemon (espiacuterito) ter uma vida abenccediloada que se goza em favor daquilo que eacute divino] que eacute ter o estado de uma vida objetivamente desejaacutevel universalmente agradaacutevel pelas antigas teorias filosoacuteficas e pelo pensamento popular da eacutepoca como o supremo bem humano Este objetivo carateriacutestico se distingue da concepccedilatildeo moderna de felicidade uma vida subjetivamente satisfatoacuteria (p 1)
11 Introduccedilatildeo
defensor deste gecircnero de vida que ao mesmo tempo vai se delineando a partir do embate
com os outros modelos de vida propostos aos cidadatildeos atraveacutes dos mais diversos tipos de
educadores gregos os quais satildeo representados pelos interlocutores de Soacutecrates na cena
dramaacutetica do diaacutelogo Muito mais do que representarem personalidades histoacutericas - e alguns
nem representam seres reais - satildeo discursos que se opotildeem por meio do exerciacutecio da atividade
dialeacutetica socraacutetico-platocircnico Podemos escolher com os quais devemos lidar seja com alguns
mais brandos como Protaacutegoras Iacuteon Caacutermides ou aqueles que defendem posiccedilotildees mais
extremas como Caacutelicles22 e Trasiacutemaco23 que desafiam de maneira singular o proacuteprio Soacutecrates
sendo a este uacuteltimo necessaacuterio lidar com os aspectos mais violentos da ίλδμ (desmedida)
humana na πζ κθ ιέα (ambiccedilatildeo violenta) caracteriacutestica daqueles homens que seriam frutos
da educaccedilatildeo sofiacutestica com todas as suas vicissitudes pertinentes24
As concepccedilotildees morais (eacuteticas) de Platatildeo estatildeo fundamentadas nas noccedilotildees de ordem
de harmonia de medida na excelecircncia Agrave medida em que se reconhece como parte de uma
totalidade coacutesmica de um microcosmo dentro de um macrocosmo o homem eacute questionado
sobre suas accedilotildees e o modo como se encontra organizada sua existecircncia Toda a sua
existecircncia deve ser configurada agrave luz desse παλΪ δΰηα25 universal presente na estrutura
macrocoacutesmica transcendente para a partir daiacute pela arte da medida configurar sua accedilatildeo na
vida cidadatilde traccedilando em sua existecircncia os mais belos contornos dotados dessa precisatildeo
provenientes de tal estrutura avaliando corretamente sua existecircncia analisando os
conhecimentos das teacutecnicas (artes) uacuteteis para a respectiva configuraccedilatildeo desse seu modelo
de vida Proporccedilatildeo virtude beleza satildeo manifestaccedilotildees do divino em noacutes uma vida bem
ordenada uma alma justa (bem composta) bem direcionada eacute sinal visiacutevel da ordem invisiacutevel
(divina) no espectro da vida humana
Desta forma a negaccedilatildeo da invectiva deleteacuteria das paixotildees dos desejos extremados
dos prazeres excessivos exorbitantes eacute uma ameaccedila agrave essa proacutepria ordem natural coacutesmica
da qual somos uma pequena parte constituinte Eacute conveniente examinar segundo Platatildeo isso
que o proacuteprio pensamento denuncia essa ideia de que a vida tal como eacute se basta a si mesma
ideia que o pensamento revela ao propor-nos que pensemos na possibilidade uma vida ainda
mἷlhὁὄΝ maiὅΝ ldquoὂὄὰximaΝ ἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ maὅΝ aὁΝ mἷὅmὁΝ tἷmὂὁΝ ἵὁὀὅἵiἷὀtἷΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ὧΝ umaΝviἶaΝ
humana animada natildeo uma vida estaacutetica uma vida asceacutetica Uma vida que natildeo deixa de ser
essa indeterminaccedilatildeo de que nos falaraacute o Filebo nem estritamente animal nem estritamente
divina mas uma vida mista de prazer e de inteligecircncia que recusa o servilismo a
instantaneidade o consumo imediato a fugacidade e a deterioraccedilatildeo e corrupccedilatildeo dos desejos
22 Cf Grg483b-d 23 Cf R I 348d 24 (Cf PAULA 2016 p 14) 25 Cf Tim 49a1ss
12 Introduccedilatildeo
exacerbados buscando por algo que contenha ao menos um pouco de unidade e de
durabilidade
O tema do prazer ndash presente tambeacutem no Protaacutegoras no Goacutergias no Banquete e na
Repuacuteblica ndash teria no Filebo sua uacuteltima e criteriosa abordagem Por isso ao adentrar nas linhas
desse diaacutelogo nosso esforccedilo parece justificar-se em vista da temaacutetica que nos eacute presente
justamente porque o FileboΝaὁΝὃuἷΝtuἶὁΝiὀἶiἵaΝὧΝaΝldquoήltimaΝὂalavὄardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶὁΝ
tἷmaΝ ὂὄaὐἷὄέΝ ldquoUacuteltimardquoΝ aὃuiΝ ὀatildeὁΝ ἶiὐΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ ἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaὅΝ ὃuἷΝ ἵὁὀἵἷὄὀἷmΝ ὡΝ
suposta cronologia entre os diaacutelogos mas agrave maneira como Platatildeo lida com esse tema a
profundidade o refinamento uacutenicos desta obra importante Em nenhum dos demais diaacutelogos
o prazer ocupa um papel semelhante ao do Filebo ele eacute iacutempar e imprescindiacutevel ao leitor
interessado na temaacutetica dos prazeres
O Filebo no entanto carrega consigo inuacutemeras particularidades eacute um diaacutelogo denso
difiacutecil como veremos ao longo deste trabalho Eacute impossiacutevel jaacute em um primeiro momento natildeo
notar tamanha especificidade sendo necessaacuterio tambeacutem respeitaacute-las distanciando-se dos
preconceitos interpretativos recorrentes no trabalho de qualquer leitor Eacute necessaacuterio tambeacutem
estar disposto a seguir a trajetoacuteria forjada por Platatildeo neste drama adentrar sem restriccedilotildees
sem tangenciar sem titubear sem pensar em abandonaacute-lo nas primeiras linhas nas primeiras
dificuldades impostas A estrita e complexa relaccedilatildeo entre o bem ( ΰαγ θ) a vida boa ( α θ)
o prazer ( κθά) e a reflexatildeo (φλσθ δμ) jaacute eacute uma demanda aacuterdua e exige um aprofundamento
particular na anaacutelise da obra na qual estatildeo contidos os temas que hora ou outra merecem
toda a atenccedilatildeo de nosso autor em sua obra dialoacutegica
Nos dizeres de Maciel (2002)
A maior parte do diaacutelogo eacute dedicada ao estudo do prazer 1024 linhas sobre um total de 2369 o que leva a deduzir o peso e a relevacircncia desse componente no confronto com o intelecto na anaacutelise empreendida sobre qual ldquoὁΝἷὅtaἶὁΝἷΝaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝἵaὂaὐΝἶἷΝἵὁὀἵἷἶἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝumaΝvida feliz (11d) Se Platatildeo teve como constante em sua obra que a felicidade depende da escolha dos prazeres no Filebo a questatildeo transforma-se em quais prazeres devem ser escolhidos para compor com o intelecto a vida feliz (p 14)
ἓὅὅἷΝtὄaἴalhὁΝὄἷafiὄmaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaΝὀἷἵἷὅὅὠὄiaΝὄἷtiὄaἶaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶaὅΝldquoaltuὄaὅΝgὧliἶaὅrdquoΝ
de um idealismo que natildeo acreditamos ser possiacutevel justificar mediante uma leitura acurada de
sua obra proacuteprio de uma leitura equivocada cristalizada no pensamento filosoacutefico ocidental
Platatildeo asceacutetico intelectualista inimigo do corpo e dos prazeres E aleacutem do mais qualquer
posiccedilatildeo estanque tal como a anti-hedonista (comumente associado ao pensamento de
Platatildeo) nem uma posiccedilatildeo hedonista podem ser de fato atribuiacutedas a Platatildeo no que fiz
ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡΝ ὅuaΝ ldquofilὁὅὁfiaΝ mὁὄalrdquoέΝ ἦὁἶaviaΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeo especiacutefica iacutempar em torno dos
13 Introduccedilatildeo
prazeres pode ser notada a partir da investigaccedilatildeo do tema conforme nos apresenta o filoacutesofo
neste diaacutelogo uacuteltimo Obra na qual nenhuma das posiccedilotildees (hedonista e anti-hedonista)
parecem ser unicamente defensaacuteveis como aquἷlaΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝaΝldquoἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶaΝhumaὀardquoΝ
tida por Platatildeo como aquela capaz de ser considerada por todos os seres como a vida
ldquoὂlἷὀamἷὀtἷΝfἷliὐrdquoέΝ
ἏiὀἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄἷΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὀatildeὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝὁΝldquoἴἷmrdquoΝἷΝem um
primeiro momento se acredite que toda cautela eacute necessaacuteria quanto agrave fruiccedilatildeo dos prazeres
natildeo haacute nada que ateste uma condenaccedilatildeo absoluta do prazer nos diaacutelogos Muito pelo
contraacuterio o objetivo de Platatildeo no Filebo como buscaremos demonstrar eacute evidenciar o papel
que cabe tanto ao prazer ὃuaὀtὁΝaὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷὀὃuaὀtὁΝἵὁὀὅtituiὀtἷὅΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝ ldquoviἶaΝ
ἴὁardquoέ
Nossa anaacutelise pode ser resumida nos seguintes termos No primeiro capiacutetulo trato da
claacutessica questatildeo envolvendo a leitura dos diaacutelogos platocircnicos Uma abordagem dessa
questatildeo parece ser necessaacuteria jaacute que o Filebo eacute uma obra que desafia os inteacuterpretes e coloca
em questatildeo vaacuterios aspectos fundamentais em relaccedilatildeo a literatura platocircnica em geral como
por exemplo o retorno de Soacutecrates aos diaacutelogos a ausecircncia de informaccedilotildees histoacutericas sobre
os interlocutores dentre outros Destarte tambeacutem apresento minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave
debatida questatildeo em torno dos modos de leitura dos diaacutelogos ou melhor minha preferecircncia
quanto a um tipo de interpretaccedilatildeo das obras especialmente aquela que considero pertinente
ser adotada conforme os fins deste trabalho isto eacute particularmente agrave anaacutelise dos temas
presentes no Filebo
No segundo capiacutetulo desejo adentrar agraves especificidades do Filebo este eacute o principal
objetivo que envolve esta primeira parte do texto Apresento uma raacutepida mas relevante
discussatildeo acerca das conotaccedilotildees que o Filebo adquiriu ao longo da tradiccedilatildeo interpretativa
claacutessica do diaacutelogo fundamentalmente a partir da retomada da leitura da obra no seacuteculo XX
mediante o surgimento de algumas visotildees interpretativas neste periacuteodo dispostas a
retomarem o conteuacutedo desse escrito platocircnico sob o propoacutesito de fundamentarem suas
interpretaccedilotildees baseadas no conteuacutedo da obra em questatildeo Creio ser imprescindiacutevel uma
apresentaccedilatildeo ao leitor de alguns aspectos introdutoacuterios que envolveratildeo a anaacutelise da obra ao
longo deste nosso ensaio bem como o percurso-histoacuterico filosoacutefico no qual se desenvolve a
tradiccedilatildeo interpretativa do diaacutelogo durante esses dois uacuteltimos seacuteculos de nossa era O diaacutelogo
em anaacutelise estaacute repleto de inuacutemeras especificidades aleacutem de conter uma seacuterie de
particularidades e de apresentar alguns temas complexos o que demanda por sinal um
grande esforccedilo interpretativo por parte de seu leitor
Em suma pretendemos fornecer ao leitor em um primeiro momento uma visatildeo geral
sobre a obra uma espeacutecie de mapa da discussatildeo principalmente a respeito do(s) tema(s)
centrais da obra a ser analisada o modo como os temas estatildeo divididos na estrutura do
14 Introduccedilatildeo
diaacutelogo Aleacutem disso jaacute se atenta para a necessidade de nosso leitor de natildeo abrir matildeo dos
recursos que porventura ele dispotildee no que diz respeito agrave familiaridade com o texto platocircnico
iὅtὁΝ ὧΝ atἷὀtamὁὅΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝ ἶἷΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoἴήὅὅὁlardquoΝ ἶἷΝ ὁὄiἷὀtaὦatildeὁΝ
necessaacuteria para uma anaacutelise mais aprofundada sobre a obra sutilmente elaborada por nosso
autor destacando-se enquanto uma obra difiacutecil poreacutem natildeo impossiacutevel Tarefa que exige uma
atenccedilatildeo maior por parte do leitor sobre uma questatildeo tratada com certo refinamento e que
ἷvὁἵaΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁ maiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquo26 abrangente da obra e natildeo acessiacutevel a uma espeacutecie
ἶἷΝ lἷituὄaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumaΝviὅatildeὁΝldquotὁὂὁgὄὠfiἵardquoΝἶaΝὁἴὄaΝviὅtaΝldquoἶἷΝἵimardquoΝmaὅΝὅimΝἷmΝumΝ
aprofundamento que consiste em analisar detalhadamente aquilo que Platatildeo procura ali nos
apresentar eacute preciso adentrar as linhas desse escrito para ser capaz de promover uma
interpretaccedilatildeo eficaz por intermeacutedio de um questionamento preciso sobre o sentido da obra
intenccedilatildeo a meu ver apenas efetiva por meio da busca pela unidade aparentemente perdida
e problemaacutetica dessa obra
Dito isto em virtude de uma maior compreensatildeo do drama em questatildeo procurarei
tambeacutem abordar ao longo deste capiacutetulo algumas contribuiccedilotildees por parte desses estudiosos
claacutessicos (em grande maioria divergentes entre si) sobre o contexto histoacuterico as personagens
e os interlocutores que compotildeem a obra Resumidamente me deterei ao longo do capiacutetulo na
discussatildeo acerca do problema central que envolve a obra dilema que conforme se poderaacute
notar natildeo eacute alvo de consenso entre os diversos inteacuterpretes da obra a saber a unidade
estrutural do diaacutelogo
No terceiro capiacutetulo apresento uma anaacutelise detalhada de todo o diaacutelogo Partindo da
compreensatildeo de que o Filebo ἵὁὀὅtituiΝumΝldquotὁἶὁrdquoΝndash ao defender aqui uma anaacutelise unitaacuteria e
sincrocircnica dos temas que satildeo ali apresentados por Platatildeo ndash nossa anaacutelise da obra eacute feita de
acordo com uma divisatildeo apenas didaacutetica comumente adotada estabelecida em torno dos
temas que compotildeem a obra tal como satildeo abordados sequencialmente no diaacutelogo No
entanto eacute necessaacuterio ressaltar que minha leitura do diaacutelogo requer uma conexatildeo entre essas
partes que ora ou outra se aproximam e sobretudo se articulam durante o meu texto Dito
26 ἡΝὃuἷΝtὄatὁΝaὃuiΝἵὁmὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὂὄὰὂὄiaΝmἷtὁἶὁlὁgiaΝἷΝὀatildeὁΝaΝumaΝespeacutecie de leitura fechada particular sobreposta agraves demasiadas existentes que dizem respeito agrave obra Trata-se de conceber uma visatildeo que vise esgotar o maacuteximo possiacutevel as possibilidades desse ldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷΝὄiἵὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝutiliὐaἶὁὅΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝtἷxtὁΝaΝ fimΝἶἷΝalἵaὀὦaὄΝuma visatildeo coerente do contexto apresentado e das questotildees relativas ao prazer a meu ver ligadas diretamente aos conteuacutedos eacuteticos e que nos possam dizer algo sobre a visatildeo de Platatildeo sobre o referido tema O resultado interpretativo neste caso eacute fruto desse entrecruzamento por isso natildeo podemos afirmar nada veemente mas apenas tentar alcanccedilar o maacuteximo possiacutevel os desdobramentos do diaacutelogo sem contudo afirmar que todos os aspectos foram ressaltados por nossa interpretaccedilatildeo e que ela daacute conta de todo o espectro do diaacutelogo pois seria impossiacutevel No maacuteximo podemos apresentar uma visatildeo privilegiada que vise congregar o maacuteximo de aspectos possiacuteveis capazes de dar sustentaccedilatildeo a uma determinada posiccedilatildeo interpretativa
15 Introduccedilatildeo
isso nada impede que retomemos algo que anteriormente jaacute tivermos dito portanto algo que
possa se mostrar relevante a nossa anaacutelise
Este terceiro capiacutetulo no entanto como jaacute dissemos anteriormente eacute constituiacutedo de
uma longa anaacutelise do texto do Filebo pois conforme destacamos na metodologia
anteriormente eacute necessaacuterio recorrer ao texto original lidar diretamente com o leacutexico platocircnico
utilizado no drama em questatildeo como tambeacutem reconhecer as questotildees literaacuterias e os recursos
utilizados por nosso filoacutesofo na construccedilatildeo desse escrito para a partir daiacute reconhecer via
argumentaccedilatildeo as questotildees propriamente filosoacuteficas desenvolvidas por nosso autor no
contexto geral expresso naquele drama que envolvem sem duacutevida uma compreensatildeo mais
aprofundada e que requer certa lida com o texto e com a filosofia do filoacutesofo ateniense Neste
sentido partilho tambeacutem em alguns momentos de uma dada metodologia que requer certa
ldquotὄaὀὅvἷὄὅaliἶaἶἷrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ tἷxtὁὅΝἶὁὅ demais diaacutelogos e que utilizo com certa frequecircncia
sempre respeitando as particularidades de cada contexto argumentativo embora me
mantenha centrado especialmente no texto do Filebo
Mediante esse recurso torna-se possiacutevel compreender passagens muito sinteacuteticas da
obra recorrendo a outras que natildeo as do diaacutelogo referido que tratam dos mesmos temas e que
demonstram seja uma continuidade seja uma ruptura Aleacutem do mais creio na necessidade
da renovaccedilatildeo dos problemas claacutessicos apresentados pelo diaacutelogo mediante o confronto com
os diferentes aspectos literaacuterios presentes em uma determinada obra como os mitos a
metaacuteforas as imagens o riso a ironia o silecircncio todos eles a serviccedilo da literatura ficcionada
de Platatildeo destinados agrave persuasatildeo filosoacutefica para a elaboraccedilatildeo de uma filosofia dialeacutetica27Dito
de outro modo conveacutem analisar detidamente os discursos de todas as personagens que
compotildeem determinada obra (sofistas retores e oradores) bem como os conteuacutedos
dramaacuteticos histoacutericos mitoloacutegico-poeacuteticos filosoacuteficos fiacutesicos e fisioloacutegicos (preacute-socraacuteticos)
que porventura o diaacutelogo em anaacutelise possa evocar Esse entrecruzamento entre
ὂἷὄὅὂἷἵtivaὅΝ ὂἷὀὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ maiὅΝ ὃualifiἵaἶaΝ maiὅΝ ldquoὂὄἷἵiὅardquoΝ
transformando a parcialidade em uma generalidade o que natildeo significa falta de profundidade
mas muito pelo contraacuterio a saiacuteda de uma suposta parcialidade de uma leitura pouco
aprofundada em vista da construccedilatildeo de uma perspectiva maior mais detalhada ou melhor
mais bem construiacuteda Aleacutem de tudo considero esse tipo de leitura mais entusiasmante pois
o texto ganha vida sustenta-se em si mesmo aleacutem de recobrir-se de inteligecircncia
caracteriacutesticas desse proacuteprio texto isto eacute natildeo soacute o texto eacute assim melhor valorizado mas
tambeacutem a leitura do texto eacute profiacutecua ao mesmo tempo em que suas qualidades permanecem
maiὅΝviὅiacutevἷiὅΝἶὁΝὃuἷΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝmἷuΝvἷὄΝumaΝlἷituὄaΝmaiὅΝldquoὅiὅtἷmὠtiἵardquoΝldquoaὀaliacutetiἵardquoΝὁuΝ
ldquolὰgiἵardquoΝἶὁΝtἷxtὁΝἷmΝὃuἷΝtaiὅΝὂὄὁὂὄiἷἶaἶἷὅΝ(tἷxtuaiὅ)ΝὂὁἶἷὄiamΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὅἷὄΝὂἷὄἶiἶaὅέ
27 Sobre isso ver MARQUES (2016 p 40ss) e MUNIZ (2007 p 116)
16 Introduccedilatildeo
Tambeacutem recorro nesta parte do texto a uma seacuterie de estudiosos contemporacircneos que
apresentam importantes reflexotildees sobre as temaacuteticas ali apresentadas demonstradas sob
uma versatildeo qualificada e que refletem o debate em voga sobre o diaacutelogo na atualidade
Visotildees a meu ver mais aprofundadas melhor elaboradas fruto de uma anaacutelise mais
ἵὁmὂlἷxaΝ ἷΝ ldquovivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ EacuteΝ tambeacutem baseado nas consideraccedilotildees desses teoacutericos cujas
teorias nos parecem extremante pertinentes que visamos apresentar uma reflexatildeo
consistente e ao mesmo tempo relevantes nesse capiacutetulo ora tomando de empreacutestimo suas
contribuiccedilotildees ora confrontando-as Trata-se de lidar com certa agudeza teoacuterica no que diz
respeito a essas visotildees mais contemporacircneas inseridas no contexto da discussatildeo platocircnica
atual no acircmbito das questotildees pertinentes apresentadas pela obra em questatildeo relativas agrave
temaacutetica dos prazeres e seus desdobramentos posteriores no cenaacuterio maior que compotildee a
reflexatildeo filosoacutefica proposta por nosso autor
17 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA
ADOTADA NESTE TRABALHO
Para os efeitos de nossa anaacutelise antes de adentrarmos em um detalhamento geral de
nossa pesquisa nos proacuteximos capiacutetulos e seccedilotildees torna-se imprescindiacutevel apresentarmos um
delineamento do modo como faremos uma leitura acerca deste diaacutelogo platocircnico nosso objeto
de estudo o Filebo Eacute consensualmente defendido pelos estudiosos de Platatildeo que os diaacutelogos
de Platatildeo apresentam a forma de um λ ηα filosoacutefico Ateacute entatildeo anteriormente ao
desenvolvimento do Tratado desenvolvido ὂὁὄΝἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝldquo(έέέ) os diversos temas filosoacuteficos
eram apresentados por meio do que hoje chamariacuteamos formas literaacuterias ἶἷΝ ἵὁmὂὁὅiὦatildeὁrdquoΝ
(MATOSO 2015 p 21)
Atualmente se sabe que Platatildeo natildeo foi o uacutenico a compor diaacutelogos Aristoacuteteles na
Poeacutetica (1447b11)28 salienta que os κελα δεσδ ζκΰσδ em que Soacutecrates eacute o principal
personagem no contexto de uma discussatildeo argumentativa dialoacutegica era um tipo de gecircnero
literaacuterio comum Na eacutepoca de Platatildeo ὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝjaacute eram um gecircnero de escrita
firmemente estabelecido na Greacutecia Isto parece justo agrave medida que se verifica que chegaram
ateacute noacutes alguns diaacutelogos socraacuteticos escritos por Xenofonte (Banquete Apologia de Soacutecrates
Oeconomicus e Memorabilia) em que Soacutecrates eacute tambeacutem o condutor uma espeacutecie de
protagonista da discussatildeo
Seraacute atraveacutes desse novo estilo de escrita a representaccedilatildeo dramaacutetica por meio de
diaacutelogos que Platatildeo escreveraacute sua obra Ao mesmo tempo em que os diaacutelogos demonstram
a genialidade literaacuteria de Platatildeo eles tambeacutem demonstram determinada originalidade
filosoacutefica isto porque os textos platocircnicos exigem um grande esforccedilo (interpretativo) por parte
dos leitores Um primeiro fator que resulta em uma significativa dificuldade quanto agrave leitura
dos diaacutelogos diz respeito ao fato de Platatildeo natildeo aparecer como personagem nos diaacutelogos29 o
que torna impossiacutevel o trabalho do inteacuterprete cuja tarefa consistiria em identificar quais seriam
suas proacuteprias teorias ou doutrinas e quais pertenceriam unicamente a Soacutecrates Dito de outro
modo poderiacuteamos nos ὃuἷὅtiὁὀaὄΝὅἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝldquomὠὅἵaὄardquoΝumaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ
28 ldquoἦὁἶaviaΝ aΝ [aὄtἷ]Ν ὃuἷΝ imitaΝ aὂἷὀaὅΝ ἵὁmΝ ὂalavὄaὅΝ ἷmΝ ὂὄὁὅaΝ ὁuΝ ἷmΝ vἷὄὅὁΝ ὂὁἶἷὀἶὁΝ miὅtuὄaὄ-se diferentes metros ou usar um uacutenico chegou ateacute hoje sem nome Realmente natildeo temos nenhum termo comum para designar os mimos de Soacutefron e de Xenarco e os diaacutelogos socraacuteticos ou a imitaccedilatildeo que algueacutem faccedila em triacutemetros em versos elegiacuteacos ou alguns outros metὄὁὅΝὅimilaὄἷὅέrdquoΝ(Arist Po 1447b11) 29 Platatildeo soacute aprece duas vezes como personagem nos diaacutelogos A primeira apariccedilatildeo eacute notada na Apologia (34a 38b) e a outra no Feacutedon (59b) Contudo estas apariccedilotildees satildeo demasiadamente tiacutemidas a ponto de natildeo nos permitir inferir algo sobre suas proacuteprias teorias sem relacionaacute-las agrave figura de Soacutecrates
18 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
que oculta o verdadeiro pensamento de Platatildeo ou se ele de fato distancia-se ao apresentar
um pensamento proacuteprio em nada semelhante ao de nosso autor
A ausecircncia da figura de Platatildeo nos diaacutelogos e por conseguinte a impossibilidade de
identificaccedilatildeo das doutrinas filosoacuteficas que lhe seriam porventura pertinentes dificultam em
demasia a leitura dos diaacutelogos Um dos meios mais usuais eacute identificar as posiccedilotildees adotadas
por Soacutecrates nos textos agraves posiccedilotildees de Platatildeo Contudo este nem sempre eacute um bom caminho
como parece ou melhor natildeo seria tatildeo simples assim ou algo demasiadamente faacutecil
O anonimato do filoacutesofo em seus diaacutelogos suscitou ao longo dos tempos inuacutemeras
iὀtἷὄὂὄἷtaὦὴἷὅΝἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝaΝldquoἶὁutὄiὀardquoΝὁuΝaΝldquotἷὁὄiaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoέΝἏΝmaὀἷiὄaΝmaiὅΝ
faacutecil e usualmente adotada no passado da tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica era identificar as
teorias expostas por Soacutecrates nas obras de Platatildeo como pertencentes ao proacuteprio Platatildeo
Entretanto algumas questotildees podem surgir na anaacutelise do corpus (i) A posiccedilatildeo de Soacutecrates
nem sempre eacute a mesma nos diversos diaacutelogos em relaccedilatildeo a alguns temas30 (ii) nem sempre
Soacutecrates eacute o personagem principal o condutor do diaacutelogo (protagonista)31 Portanto eacute
impossiacutevel afirmar com veemecircncia que as doutrinas de Platatildeo possam ser necessariamente
as mesmas de Soacutecrates ou melhor que ambos os filoacutesofos possuem um pensamento idecircntico
sobre os diversos temas filosoacuteficos
Certa parcimocircnia acaba sendo exigecircncia fundamental de um leitor da obra de Platatildeo
Uma outra vertente interpretativa considera que alguns fatores satildeo tambeacutem importantes na
aὀὠliὅἷΝἶὁΝtἷxtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἏlὧmΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅrdquoΝἶἷvἷmΝὅἷὄΝobservados em qualquer
interpretaccedilatildeo fatores como contexto histoacuterico contexto dramaacutetico fatores geograacuteficos
fatores culturais e filosoacuteficos da eacutepoca estrutura estiliacutestica da obra personagens e
interlocutores principais temas discutidos dentre outros A maioria desses inteacuterpretes tecircm se
apegado ora a alguns destes aspectos ora a todos estes para um estudo que possa ser ao
menos mais criterioso e eficaz quanto agrave intepretaccedilatildeo do pensamento platocircnico32
Frente a semelhante problemaacutetica ao longo da histoacuteria do pensamento ocidental e
particularmente no estudo das obras de Platatildeo duas teses ou dois tipos de interpretaccedilatildeo
30 Atente-se ao exemplo do tema que aqui desenvolvemos a postura socraacutetica em relaccedilatildeo ao tema do prazer parece ser ambiacutegua isso se levarmos em conta a anaacutelise de diversos diaacutelogos em que o tema eacute alvo de discussatildeo por parte de Soacutecrates Basta relembrar as posiccedilotildees anti-hedonistas defendidas por Soacutecrates seja no Goacutergias no Feacutedon e na Repuacuteblica frente agrave posiccedilatildeo hedonista do Protaacutegoras Aleacutem do caso do proacuteprio Filebo que parece estar distante dos diaacutelogos anteriores ao apresentar uma posiccedilatildeo particular em relaccedilatildeo ao tema 31 Por exemplo nos uacuteltimos diaacutelogos (agrave exceccedilatildeo do Filebo) o protagonista Soacutecrates cede lugar a outros como no Sofista em que o Estrangeiro de Eleacuteia assume a discussatildeo e nas Leis o Ateniense eacute quem dirige o curso da argumentaccedilatildeo 32 Dentre estes autores podemos destacar M Frede (1992) M M Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre (1995) Falarei sobre o assunto e sobre alguns desses autores mais adiante
19 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
surgiram a fim de defenderem dois tipos ou modos de leitura do texto platocircnico os
denominados unitaristas e os chamados revisionistas ou desenvolvimentistas A seguir
apresento tais vertentes interpretativas da obra de Platatildeo
11 A posiccedilatildeo unitarista
Os unitaristas acreditam que os diferentes diaacutelogos compotildeem uma doutrina uacutenica
Nota-se que o pensamento de Platatildeo passa por um processo que se desenvolve
gradualmente no qual os diaacutelogos pouco a pouco vatildeo nos fornecendo indiacutecios e por fim eacute
possiacutevel chegar a estrutura interpretativa do pensamento (uacutenico) de Platatildeo Por mais que
concordem que diferentes fases no pensamento platocircnico existam os unitaristas defendem
que soacute existe uma doutrina referente ao pensamento platocircnico Esta posiccedilatildeo ressurge com
toda forccedila nos seacuteculos XIX e XX visto que a questatildeo acerca do procedimento de leitura dos
ἶiὠlὁgὁὅΝ ὂlatὲὀiἵὁὅΝ ὧΝ umaΝ ldquoὃuἷὅtatildeὁΝ aὀtiὃuiacuteὅὅimardquo33 a partir do teoacutelogo Friedrich
Schleiermacher34 tradutor das obras platocircnicas e escritor de um ensaio em que postula uma
nova divisatildeo das obras platocircnicas Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo (1836) Essa posiccedilatildeo
tambeacutem eacute defendida atualmente (com algumas modificaccedilotildees) por Charles Khan (2010) Hans
Von Arnim (1967) Werner Jaeger (2003) Paul Shorey (1903) Paul Friedlaumlnder (1975) dentre
outros
33 A questatildeo acerca da maneira correta de ler os diaacutelogos de Platatildeo remonta agrave Antiguidade Antes mesmo do tema ressurgir na contemporaneidade ele jaacute era polecircmico O que garante tal fato satildeo as divisotildees dos diaacutelogos por temas de Dioacutegenes Trasilus teria catalogado as obras platocircnicas em tetralogias (semelhantemente agraves trageacutedias) e Aristoacutefanes de Bizacircncio em trilogias Segundo Reis (2001 ὂέΝ 1ἅλ)Ν ὂaὄaΝ ἒiὰgἷὀἷὅΝ ldquoὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὅatildeὁΝ ἶiviἶiἶὁὅΝ ὂὄimἷiro em obras 1 Instrutivas (yacutephegetikoacutes) e outras que satildeo 2 Investigantes (zeteacutetikos) As primeiras seriam as obras de Platatildeo que expotildeem doutrinas positivas as segundas seriam apenas obras para a praacutetica dos meacutetodos corretos de investigaccedilatildeo Quanto agraves primeiras teriacuteamos ainda duas divisotildees em 11 Teoacuterico e 12 Praacutetico Teriacuteamos tambeacutem outras subdivisotildees sendo o Teoacuterico dividido em 111 Fiacutesico e 112 Loacutegico enquanto os Praacuteticos seriam divididos em 121 Eacuteticos e 122 Poliacuteticos A Segunda parte seria subdivida tambeacutem duas vezes Primeiro teriacuteamos os 21 Exerciacutecios mentais e as 22 Disputas Dentro dos Exerciacutecios teriacuteamos a 211 Maiecircutica e o 212 Tentativo e quanto agraves disputas teriacuteamos o 221 Probativo e o 222 Refutativo Dioacutegenes ainda diz que eacute comum em sua eacutepoca a divisatildeo dos diaacutelogos em Dramaacuteticos Narrativos e Mistos no entanto afirma que tal divisatildeo se encaixa melhor com obras de teatro do que com obras filosoacuteficas Outra divisatildeo que parece ser bem aceita na eacutepoca de Dioacutegenes eacute a que Trasilus faz Diz ele que Platatildeo publicou sua obra em tetralogias Platatildeo assim o fez por ser uma publicaccedilatildeo que se comparava com as trageacutedias que eram sempre representadas em nuacutemero de 3 com um drama satiacuterico por fim Aqui aparece como que a filosofia foi desde seu nascimento comparada e confrontada com outras manifestaccedilotildees culturais Ainda na antiguidade Aristoacutefanes o gramaacutetico teria ἶiviἶiἶὁΝaΝὁἴὄaΝἷmΝtὄilὁgiaὅrdquoΝ(ἑfέΝDL III p 49-62) 34 Como se nota na Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Schleiermacher (1804) o teoacutelogo alematildeo dirige uma dura criacutetica agraves formas adotadas pelos antigos no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do corpus (Cf SCHELEIERMACHER 2002 p 27 48-49) As criacuteticas do teoacutelogo alematildeo dirigem-se sobretudo a Aristoacutefanes de Bizacircncio e a Dioacutegenes Laeacutercio)
20 11 A posiccedilatildeo unitarista
A posiccedilatildeo do teoacutelogo alematildeo como se pode notar trouxe inuacutemeros desdobramentos
no modo interpretativo da obra de Platatildeo na filosofia ocidental Inspirado por um forte
hἷgἷliaὀiὅmὁΝ ἥἵhlἷiἷὄmaἵhἷὄΝ ὧΝ ὁΝ ὂὄimἷiὄὁΝ tἷὰὄiἵὁΝ aΝ ὂὄὁὂὁὄΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὅiὅtἷmardquoΝ ἶὁΝ
pensamento platocircnico obtido exclusivamente pela leitura e organizaccedilatildeo cronoloacutegica dos
diaacutelogos Esse modo de interpretaccedilatildeo dos diaacutelogos aposta que cada obra se constitui como
uma espeacutecie de unidade autocircnoma devendo ser interpretada em uma ordem somente
aparente Nesse sentido Platatildeo teria um projeto educacional-filosoacutefico cuja diversidade
filosoacutefica dos diaacutelogos orientaria as razotildees literaacuterias
Nota-se a influecircncia de Schleiermacher nos principais unitaristas alematildees como
Werner Jaeger (2003) e dentre outros autores como jaacute destacamos que intentaram uma
interpretaccedilatildeo original da obra de Platatildeo Concepccedilotildees que explicitamente se mostram em
textos como a Paideia ἶἷΝJaἷgἷὄΝaὁΝὅἷΝἶiὐἷὄμΝldquoquando se pocircs a escrever o primeiro de seus
ἶiὠlὁgὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝἢlatatildeὁΝjὠΝhaviaΝfixaἶὁΝὅἷuΝὁἴjἷtivὁΝἷΝaὅΝliὀhaὅΝgἷὄaiὅΝἶἷΝtὁἶὁΝὁΝὂὄὁjἷtὁΝjὠΝ
eram visiacuteveis para ele A intelecccedilatildeo da Repuacuteblica pode ser traccedilada com clareza nos diaacutelogos
iniciais (2003ΝὂέΝλἄ)έrdquo
O unitarismo apresenta entre seus maiores defensores o teoacutelogo alematildeo Friedrich
Schleiermacher Poreacutem a traduccedilatildeo dos diaacutelogos feita pelo teoacuterico alematildeo fortemente
influenciada pelo hegelianismo do seacuteculo XIX ao contraacuterio do que se possa imaginar natildeo
segue uma sistematizaccedilatildeo rigorosa na classificaccedilatildeo das obras platocircnicas Apesar de ser
notaacutevel o tamanho impacto da Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo no modo de leitura do
platonismo que se sucedeu a partir do seacuteculo XIX
A noccedilatildeo de evoluccedilatildeo expositiva no pensamento platocircnico surge a partir da concepccedilatildeo
ὅἵhἷlἷiὄmaἵhἷὄiaὀaΝὂaὄaΝaΝὃualΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁὅΝἵὁmὁΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquomἷmἴὄὁὅrdquoΝ
de um soacute corpo orgacircnico nos remetendo naturalmente a uma ordem natural a uma
organizaccedilatildeo dos diaacutelogos cada diaacutelogo prossegue a partir de noccedilotildees desenvolvidas pelo
anterior isto eacute aquele que o antecede cronologicamente As dificuldades apresentadas na
leitura no das obras segundo defende o teoacuterico alematildeo referem-se agrave incapacidade do proacuteprio
leitor perante agrave composiccedilatildeo desta mesma unidade no pensamento de Platatildeo Dentre as
diversas as falas que demonstram a posiccedilatildeo de Schleiermacher na crenccedila de uma unidade
sistemaacutetica das obras do corpus em uma delas este assegura que
Estabelecer a uniatildeo natural dessas obras visa mostrar que elas se desenvolveram como exposiccedilotildees cada vez mais completas das ideias de Platatildeo a fim de que ndash na medida em que cada diaacutelogo natildeo deve ser compreendido como um todo para si mas tambeacutem em contexto com os outros ndash o proacuteprio Platatildeo seja compreendido como filoacutesofo e artista (SCHLEIERMACHER 2002 p 41)
21 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Os problemas levantados a essa posiccedilatildeo de Schleiermacher satildeo ainda maiores Natildeo
basta esta concepccedilatildeoΝἶiὄiacuteamὁὅΝldquoatiacutepicardquoΝἶἷΝuὀiἶaἶἷΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝiἶἷiaΝ
de unidade atribuiacuteda agrave filosofia platocircnica ndash que parece assemelhar-se mais a um sistema tal
como o empreendido por Hegel em sua filosofia35 podemos ressaltar mais alguns aspectos
problemaacuteticos presentes na visatildeo do teoacutelogo alematildeo Dentre estas a distinccedilatildeo espacial em
relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo ao distingui-la em dois aspectos um exoteacuterico e um esoteacuterico
ambos dizem respeito agrave atitude caracteriacutestica de determinado leitor da obra platocircnica Dito de
outro modo o que caracterizaria o esoterismo ou exoterismo estaacute ligado agraves dificuldades
apresentadas pelo proacuteprio leitor frente a obra o que dependeria em suma da qualidade do
leitor da sua efetiva compreensatildeo ou natildeo acerca dos temas ali tratados36
A coerecircncia e sistematicidade da obra de Platatildeo segundo tal visatildeo eacute configurada em
uma essecircncia proacutepria agrave filosofia de Platatildeo notada unicamente a partir da leitura dos textos
escritos (diaacutelogos) Ou seja para Schleiermacher qualquer referecircncia externa utilizada para
a compreensatildeo da filosofia de Platatildeo incorreria em equiacutevoco A obra platocircnica na visatildeo do
teoacuterico impotildee a qualquer indiviacuteduo que queira intitular-se inteacuterprete do filoacutesofo um criterioso
e detalhado exerciacutecio hermenecircutico dos diaacutelogos escritos em vista do reconhecimento de
uma unidade sistecircmica do pensamento platocircnico Unidade perceptiacutevel unicamente a partir das
35 VέΝ ἦἷjἷὄaΝ (1λλλ)Ν ὀὁmἷiaΝ ἷὅtaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ὅiὅtἷmὠtiἵaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquofalὠἵiaΝiὀtἷὀἵiὁὀaliὅtardquoέΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝaὃuἷlἷὅΝὃuἷΝlἷἷmΝaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅὁἴΝaΝfὁὄmaΝldquoἶialὰgiἵardquoΝmas por meio de um sistema (por sinal natildeo existente em um primeiro momento nos diaacutelogos) cometem umΝἷὀgaὀὁέΝἡΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝaΝἷὅtaΝviὅatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝὀὁmἷiaΝἵὁmὁΝldquolἷituὄaΝiἶἷaliὅtaΝἶaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὁuΝldquoἷxἷgἷὅἷΝἏἵaἶecircmiἵardquoΝjὠΝὃuἷΝἶἷὅἶἷΝaΝἏὀtiguiἶaἶἷΝὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὡΝmὁὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝjὠΝὀaΝAcademia ἷΝlὁgὁΝἶἷὂὁiὅΝὀὁΝἤἷὀaὅἵimἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἵὁὀὅtataὄΝὁΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaΝmὁὄtἷΝἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ ἶiὠlὁgὁὅrdquoέΝ ἏΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὂaὅὅaὄiaΝ aΝ ὅἷὄΝ liἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝNeopitagoacutericos e Neoplatocircnicos perdendo assim o valor propriamente dialoacutegica que lhe caracterizaria propriamente (TEJERA 1999 p 12) 36 ldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝὅἷὀtiἶὁΝὀὁΝὃualΝὅἷΝὂὁἶἷὄiaΝfalaὄΝaὃuiΝ[ἷmΝἢlatatildeὁ]ΝἶὁΝἷὅὁtὧὄiἵὁΝἷΝἶὁΝἷxὁtὧὄiἵὁΝiὅtὁΝeacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato deste elevar-ὅἷΝὁuΝὀatildeὁΝὡΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝumΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὁuviὀtἷΝiὀtἷὄiὁὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἥἑώἜἓIἓἤεἏἑώἓἤΝἀίίἀΝὂέΝἂἃ)έΝEssa teoria encontra-se presente na discussatildeo entre filosofia escrita e filosofia natildeo-escrita A leitura de Schleiermacher voltada agrave defesa da leitura de Platatildeo unicamente por via dos diaacutelogos eacute contestada particularmente pelos defensores das chamadas doutrinas natildeo-escritas que postulam a existecircncia de doutrinas orais que excedem o acircmbito da doutrina escrita contida nos diaacutelogos de Platatildeo (XAVIER 2011 p 93-λἆ)έΝ ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)μΝ ldquoἦὁἶaὅΝ ἷὅὅaὅΝ tἷὁὄiaὅΝ [ἶἷΝ lἷituὄaΝ ἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅ]Νaceitam e suportam o princiacutepio proposto no iniacutecio do seacuteculo XX por Ludvwig Schleiermacher que limita o estudo do pensamento platocircnico agrave leitura dos diaacutelogos compostos pelo mestre Este princiacutepio ndash aceito pela maioria dos platonistas ndash ὧΝἵὁὀtuἶὁΝvἷἷmἷὀtἷΝἵὁὀtἷὅtaἶὁΝὂἷlὁὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅΝἶaΝtἷὅἷΝἶaὅΝlsquoἶὁutὄiὀaὅΝnatildeo-ἷὅἵὄitaὅrsquoέΝἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷlaΝὀaΝἏἵaἶἷmiaΝἢlatatildeὁΝtἷὄiaΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝἶὁὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝnunca reduzida a escrito agrave qual os diaacutelogos serviriam de introduccedilatildeo ou como exerciacutecio propedecircutico ἓὅὅaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὀatildeὁΝἷὅἵὄitarsquoΝtἷὄiaΝὅiἶὁΝἴἷmΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἶὁὅΝἶiὅἵiacuteὂulὁὅΝἶiὄἷtὁὅΝἶὁΝmἷὅtὄἷΝὃuἷΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷlaΝtἷὄiamΝiὀὅὂiὄaἶὁΝumaΝlsquotὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtarsquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἵuja importacircncia filosoacutefica se manteve viva ateacute hoje A despeito de ainda natildeo ter dado origem a uma concretizaccedilatildeo curricular reconhecida pela comunidade a proposta tem evidentes meacuteritos cientiacuteficos e pedagoacutegicos Mas deve ser avaliada a partir do contexto histoacuterico-filὁὅὰfiἵὁΝἷmΝὃuἷΝὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝὅἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὁΝlὁὀgὁΝἶaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀλ)έ
22 11 A posiccedilatildeo unitarista
referecircncias internas sem portanto recorrer aos criteacuterios culturais sociais e poliacuteticos que
porventura possam ter influenciado Platatildeo quando compocircs suas obras
Esses satildeo mais ou menos os artifiacutecios atraveacutes dos quais Platatildeo consegue com a quase totalidade dos seus leitores alcanccedilar aquilo que deseja ou pelo menos evitar o que teme De modo que esse seria o uacutenico sentido no qual se poderia falar aqui do esoteacuterico e do exoteacuterico isto eacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato de este elevar-se ou natildeo agrave condiccedilatildeo de um verdadeiro ouvinte do interior ou entatildeo caso se deva relacionaacute-lo com o proacuteprio Platatildeo poder-se-ia dizer apenas que o ensino imediato teria sido seu agir esoteacuterico a escrita contudo o exoteacuterico (SCHLEIERMACHER 2002 p 45)
A posiccedilatildeo adotada por Schleiermacher natildeo deixa espaccedilo para qualquer anaacutelise de tipo
revisionista isto eacute aquela que postula que Platatildeo poderia ter mudado sua concepccedilatildeo geral
ou melhor as concepccedilotildees de sua obra como um todo o que o teoacuterico alematildeo considera como
ldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝaΝἵὄiacutetiἵaΝὅἵhlἷiἷὄmaἵheriana (baseada na obra de W
G Tennemann37ΝkaὀtiaὀὁΝἷΝἶἷfἷὀὅὁὄΝἶaΝiἶἷiaΝἶἷΝldquoὅiὅtἷmaΝὂlatὲὀiἵὁrdquo)Νἷxὂaὀἶἷ-se inclusive
aos historiadores antigos como as que se encontram presentes na coletacircnea de Dioacutegenes
Laeacutercio que agrupam os textos platocircnicos segundo temaacuteticas e as cronologias baseadas nas
trilogias como as de Aristoacutefanes de Bizacircncio e a dos neoplatocircnicos (MATOSO 2016 p 84-
85)
Deste modo a cronologia dos diaacutelogos platocircnicos fica agrupada do seguinte modo na
acepccedilatildeo de Schleiermacher o primeiro diaacutelogo a ser escrito seria o Fedro e o Parmecircnides o
uacuteltimo isto em relaccedilatildeo ao meacutetodo dialeacutetico Jaacute a Repuacuteblica o Timeu e Criacutetias compotildee a trilogia
das uacuteltimas obras escritas por Platatildeo nas quais se encontram o aacutepice da doutrina platocircnica
O teoacuterico alematildeo ainda divide a obra platocircnica em dois grupos num primeiro grupo constariam
as obras que foram escritas antes da morte de Soacutecrates Fedro Liacutesis Protaacutegoras Laacuteques
Caacutermides Ecircutifron e Parmecircnides E no segundo grupo chamado tambeacutem de intermediaacuterio
Teeteto Sofista Poliacutetico Feacutedon Filebo (SCHELEIERMACHER 2002 p 74-75)
Para os unitaristas o anonimato de Platatildeo deve ser justificado ὂἷlὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ
ὅilecircὀἵiὁrdquoέΝἓὅtἷΝaὄgumἷὀtὁΝἴaὅἷia-se na afirmaccedilatildeo de que o filoacutesofo natildeo precisa dizer tudo o
que pensa sobre os assuntos que procura tratar em uma uacutenica obra nem eacute necessaacuterio esgotar
estes assuntos ou mesmo trataacute-lo de uma maneira diferente em uma outra obra A proacutepria
ideia de evoluccedilatildeo expositiva nos diaacutelogos afirmaria sua unidade autocircnoma ao mesmo tempo
em que por mais que se reconheccedilam momentos diversos na obra platocircnica o avanccedilo dos
conteuacutedos e a maior criteriosidade na elaboraccedilatildeo das obras atestariam o propoacutesito de Platatildeo
em oferecer um projeto poliacutetico-educacional e filosoacutefico uacutenico do qual sua obra dialoacutegica
37 Cf TENNEMANN W G (1792)
23 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
demonstraria progressivamente tamanho empreendimento Voltarei mais adiante ao
unitarismo mais detalhado ou melhor reformulado que se desenvolveu na
contemporaneidade nos uacuteltimos seacuteculos e que se encontra presente na obra de um de seus
maiores defensores Charles Khan38
12 A posiccedilatildeo revisionista
Ao leitor de Platatildeo uma posiccedilatildeo parece ser tentadora aquela que postula a
possibilidade de os diaacutelogos serem lidos de maneira autocircnoma Deste modo seria equivocado
uma leitura que buscasse evidenciar qualquer tipo de correlaccedilatildeo temaacutetica ou doutrinaacuteria nos
mais diversos diaacutelogos Essa posiccedilatildeo pode ser notada a partir das obras de Grote (1865) que
chega a afirmar no seacuteculo XIX que
tal sacrifiacutecio da inerente diversidade e individualidade separada dos diaacutelogos agrave manutenccedilatildeo de uma suposta unidade de tipo estilo ou propoacutesito parece-me um equiacutevoco De fato o que existe laacute nos diaacutelogos para noacutes natildeo eacute nenhum Platatildeo pessoal do mesmo modo que natildeo haacute nenhum Shakespeare pessoal para noacutes Platatildeo (exceto nas Cartas) nunca aparece perante a noacutes nem nos fornece uma opiniatildeo como sendo sua ele eacute o instigador impliacutecito (natildeo-visto) de diferentes personagens que conversam em voz alta em um nuacutemero distintos de dramas cada drama um trabalho distinto (separado) manifestando seu proacuteprio ponto de vista afirmativo ou negativo consistente ou inconsistente com os outros diaacutelogos como talvez ser em determinado caso (p 210-211)
A posiccedilatildeo de Grote eacute endossada a partir das contribuiccedilotildees de um dos principais
teoacutericos que a tradiccedilatildeo denominou como sendo os defensores do paradigma
desenvolvimentista39 ou revisionista que tem como principal teoacuterico Karl Friedrich Hermann
38 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ἷxὂliἵaΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)Ν ὄἷὅumiἶamἷὀtἷΝ ὃuἷΝ ldquoἶἷὅἵὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝ ὁΝ aὅὂἷἵtὁΝ ἷvὁlutivὁΝ ndash inevitaacutevel num pensador cuja produccedilatildeo se estende ao longo de sua vida ndash essa teoria considera que a diversidade dos diaacutelogos exprime didaticamente uma visatildeo unitaacuteria da filosofia platocircnica diferida em diaacutelogos por razotildees pedagoacutegicas Essa unidade poderia ser explicada por diversos pontos de vista quer a partir do programa de pesquisa que os diaacutelogos exemplificariam ou anunciaram prolepticamente quer a partir do nuacutecleo temaacutetico que como foi dito por motivaccedilotildees de ordem pedagoacutegica os diaacutelogos iὀὅἷὄἷmΝἷmΝἶivἷὄὅὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἆ-29) 39 De acordo com Matoso (2016) o termo desenvolvimentista utilizado para caracterizar essa vertente iὀtἷὄὂὄἷtativaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaμΝ ldquoaΝ ὀὁmἷὀἵlatuὄaΝ lsquoἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtiὅtaὅrsquoΝ ὂὄὁὂὁὅtaΝ atὧΝ ὁὀἶἷΝ ὅἷiΝ ὂὁὄΝKahn (1996) natildeo me agrada Pelo simples fato de que os adeptos da outra posiccedilatildeo descrita chamados lsquouὀitaὄiὅtaὅrsquoΝ tamἴὧmΝ aἶmitἷmΝ umΝ ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝ ὀὁΝ tὄatamἷὀtὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅέΝ ἢὁiὅΝ aὂἷὅaὄΝ ἶὁὅΝunitaristas natildeo identificarem rupturas ou modificaccedilotildees fundamentais na visatildeo de mundo expressa nos diaacutelogos estes comentadores certamente identificam um desenvolvimento loacutegico‑expositivo no interior da obra platocircnica em funccedilatildeo do grau de complexidade no tratamento das questotildees Em nome da uὀifὁὄmiἶaἶἷΝtἷὄmiὀὁlὰgiἵaΝἵὁὀtuἶὁΝὅἷguiὄἷiΝuὅaὀἶὁΝaΝὀὁmἷὀἵlatuὄaΝὂaἶὄatildeὁrdquoΝ(ὂέΝ11ἅ)έ
24 12 A posiccedilatildeo revisionista
(1839) Nas obras de Grote vaacuterias referecircncias satildeo feitas a este teoacuterico e a seu meacutetodo de
divisatildeo das obras platocircnicas De acordo com a posiccedilatildeo revisionista os diaacutelogos devem ser
lidos de maneira autocircnoma de modo que qualquer correlaccedilatildeo temaacutetica entre as obras eacute
apenas plausiacutevel possiacutevel mas nunca correta Segundo os estudiosos que seguem tal
paradigma as posiccedilotildees platocircnicas satildeo diversas e ateacute mesmo contraditoacuterias
A tarefa que neste caso caberaacute ao inteacuterprete seraacute a identificaccedilatildeo sobre as posiccedilotildees
adotadas por Platatildeo em sua obra a fim de poder concluir uma organizaccedilatildeo dos diaacutelogos A
partir de tal classificaccedilatildeo segundo esses teoacutericos seria possiacutevel identificar as diversas
concepccedilotildees de Platatildeo sobre alguns temas importantes de sua filosofia E tambeacutem identificar
as mudanccedilas de posicionamento ao longo da vida filosoacutefica do filoacutesofo no decorrer de sua
obra Sim o ponto principal (e polecircmico) defendido pelos revisionistas eacute que Platatildeo ao longo
de sua obra teria tido concepccedilotildees diversas sobre um tema ou melhor posiccedilotildees que se
alteraram ou foram revisadas ao longo do desenvolvimento de seu pensamento (MATOSO
2016 p 80)
A posiccedilatildeo dos revisionistas se desenvolveu e teve grande impacto nos seacuteculos XIX e
XX perante a tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica Um tipo de interpretaccedilatildeo que se tornou
preponderante no platonismo prioritariamente em liacutengua inglesa Dentre seus principais
representantes estatildeo K F Hermann (1939) W K C Guthrie (1975) F Cornford (1927) G
Vlastos (1991)40 W F H Altman dentre outros Contudo uma posiccedilatildeo parece ser consensual
entre unitaristas e revisionistas E refere-se agravequela que dita as trecircs fases do pensamento
platocircnico juventude (socraacutetica) ndash maturidade (meacutedia) ndash velhice (final) Um dos pontos
principais capaz de tal distinccedilatildeo diz respeito agrave suposta hipoacutetese das Formas e agrave Teoria das
Ideias que talvez se encontraria presente apenas nos diaacutelogos meacutedios e finais
Os revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade
ao serem reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo
necessaacuteria com os outros diaacutelogos e que esses satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se
tratando de temas idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo ou mesmo uma mudanccedila
draacutestica no pensamento de Platatildeo nas ditas trecircs fases do pensamento platocircnico juventude
maturidade e velhice
Basta analisarmos as consideraccedilotildees de Guthrie (1975) para quem nos primeiros
diaacutelogos Platatildeo reproduz-ὅἷΝfiἷlmἷὀtἷΝaὅΝldquoἵὁὀvἷὄὅaὅΝἵὁmΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝἶἷΝtalΝmὁἶὁΝὃuἷΝὀἷὅtἷΝ
periacuteodo os diaacutelogos referem-se unicamente ao pensamento de Soacutecrates e nada ali quanto agrave
40 Apesar da cronologia adotada por Vlastos (1991) ser derivada em grande parte de autores como Guthrie e Cornford ela apresenta algumas nuances De fato eacute a cronologia proposta por Vlastos que permanece ainda em certo sentido como a mais aceita e aquela que se tornou comumente adotada entre os estudiosos de Platatildeo (VLASTOS 1991 p 45-80) Sobre isso falarei mais adiante na seccedilatildeo dedicada ao debate contemporacircneo entre revisionismo e unitarismo visotildees que possuem como principais representantes respectivamente G Vlastos e C Khan
25 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
doutrina de Platatildeo pode ser encontrado (1975 p 67) As obras de Guthrie possuem o meacuterito
de terem sido as primeiras que apresentam agrave tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica uma cronologia
das obras que compotildeem o corpus no seacuteculo XX Referimo-nos agrave sua History of the Greek
Philosophy (1975) em que o estudioso nos apresenta uma triacuteplice divisatildeo dos diaacutelogos os
diaacutelogos da juventude (socraacuteticos) os diaacutelogos da maturidade os diaacutelogos da velhice
No primeiro grupo dos diaacutelogos os socraacuteticos estariam contidos os temas eacuteticos que
compotildeem a filosofia de Soacutecrates sem qualquer referecircncia ou apresentaccedilatildeo das teorias
metafiacutesicas que surgem posteriormente No segundo grupo estatildeo os diaacutelogos referentes agrave
Teoria das Ideias (ou Formas) de Platatildeo basicamente aqueles que podem ser relacionados
com os principais diaacutelogos desta fase quais sejam A Repuacuteblica- Feacutedon ndash Banquete Platatildeo
nesta fase estaria a apresentar um pensamento propriamente seu desvinculando-se das
ideias de seu mestre ao propor a hipoacutetese das Formas
Os uacuteltimos diaacutelogos ou diaacutelogos da velhice seriam aqueles que compreendem os
seguintes diaacutelogos Sofista Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis Estes diaacutelogos comporiam
os uacuteltimos diaacutelogos em que Platatildeo na tese revisionista teria reformulado seu pensamento
apoacutes a sua proacutepria criacutetica da hipoacutetese das Formas e da Teoria das Ideias que surge no
contexto do Parmecircnides
A partir de tais consideraccedilotildees um paradigma de leitura passa a ser adotado quase
que consensualmente pelos estudiosos de Platatildeo Isto eacute o haacutebito de leituras dos diaacutelogos
divididos em trecircs fases passou a ser algo comumente adotado ao longo dos seacuteculos no estudo
das obras de Platatildeo (tanto pelos revisionistas quanto pelos unitaristas como veremos mais
adiante) Esta cronologia possui uma histoacuteria que em linhas gerais pretendo aqui
desenvolver rapidamente Ao mesmo tempo parece ser necessaacuterio destacar quais os ganhos
e prejuiacutezos que a tese revisionista apresenta
As contribuiccedilotildees de K F Hermann foram muitas tambeacutem neste seacuteculo e praticamente
moldaram o modo de organizaccedilatildeo das obras platocircnicas vigentes ateacute hoje Hermann foi o
primeiro a criticar agrave ideia difundida entre os alematildees de um sistema linear na obra platocircnica
Do mesmo modo que eacute o primeiro a analisar a obra platocircnica do ponto de vista tambeacutem de
sua historicidade Conforme sublinha Kahn (2010)
K F Hermann merece o tiacutetulo de haver sido o primeiro a reconhecer um ὂἷὄiacuteὁἶὁΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ ὀaΝ obra inicial de Platatildeo assim como o de haver interpretado a sequecircncia dos diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave biografia intelectual do autor (p 65)
Em sua obra Geschichte und System der Platonischen Philosophie (1839) Hermann
foi o primeiro a considerar a fase inicial da atividade literaacuterio-filosoacutefica de Platatildeo como uma
faὅἷΝ ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἷmΝ ὃuἷΝ ἢlatatildeὁΝ tἷὄiaΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ aliΝ ὀaὅΝ ὅuaὅΝ
26 12 A posiccedilatildeo revisionista
primeiras obras exclusivamente as ideias de seu mestre Soacutecrates (GUTHRIE 1975 p 67)
Analogamente agrave Schleiermacher Hermann divide em trecircs fases distintas o pensamento
platocircnico isto eacute uma fase corresponde ao periacuteodo socraacutetico (obras iniciais) uma segunda
corresponde agrave fase intermediaacuteria (maturidade) e uma uacuteltima fase que corresponderia agraves obras
da velhice Este modo de leitura grosso modo eacute o mesmo que se assentou na tradiccedilatildeo
interpretativa platocircnica e ateacute hoje eacute aquele comumente adotado pelos estudiosos dos
diaacutelogos
Hermann eacute o primeiro a reconhecer perante agraves trecircs fases do pensamento platocircnico
que cada uma dessas trecircs fases caracteriza uma mudanccedila no pensamento de Platatildeo o que
dista consideravelmente do paradigma de leitura vigente na atualidade De acordo com
Matoso (2016) a existecircncia de trecircs fases ou de trecircs periacuteodos para a organizaccedilatildeo
(cronoloacutegica) dos diaacutelogos parece um fato que existente entre os helenistas alematildees
Semelhantemente parece ser comum a crenccedila de uma fase socraacutetica (inicial) presente na
obra de Platatildeo em que as ideias de um Soacutecrates histoacuterico estariam sendo representadas E
por fim tambeacutem eacute comumente aceita a existecircncia de uma fase intermediaacuteria entre o
pensamento socraacutetico (diaacutelogos iniciais) e um pensamento final (diaacutelogos da velhice) ndash na qual
Platatildeo expotildee sua teoria demarcando claramente a separaccedilatildeo entre suas ideias e as de
Soacutecrates resultando em uma fase final da apresentaccedilatildeo de sua teoria de forma sistemaacutetica
(p 87)
Segundo a interpretaccedilatildeo revisionista apoacutes a condenaccedilatildeo e morte de Soacutecrates Platatildeo
teria composto uma seacuterie de diaacutelogos relacionados aos temas desenvolvidos por Soacutecrates
como Apologia Crito Goacutergias Ecircutifron e Mecircnon Os diaacutelogos Teeteto Craacutetilo Sofista
Poliacutetico e Parmecircnides ὃuἷΝἵὁmὂὁὄiamΝaΝldquofaὅἷΝmὧἶiaΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵardquoΝndash nos quais as ideias
de Soacutecrates jaacute natildeo estariam presentes na obra de Platatildeo ndash e uma trilogia final Timeu-Criacutetias-
Repuacuteblica ndash neste caso os uacuteltimos diaacutelogos que apresentariam a siacutentese (ou sistema) do
pensamento filosoacutefico de Platatildeo
Eacute notaacutevel entre os alematildees a crenccedila de que o Fedro seria o primeiro diaacutelogo pois
espeacutecie de conteuacutedo introdutoacuterio da iniciaccedilatildeo aos estudos da Academia de iniciaccedilatildeo agrave
dialeacutetica (como vemos em SCHLEIERMACHER 2022 p 74) propedecircutica ao estudo dos
uacuteltimos diaacutelogos E tambeacutem acredita-se firmemente serem Timeu Criacutetias Repuacuteblica e Leis
os uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo Essa uacuteltima afirmaccedilatildeo baseada unicamente no
testemunho de Aristoacuteteles (Pol II 6) de que as Leis foram escritas apoacutes a Repuacuteblica
Ateacute o seacuteculo XIX natildeo se tinha uma ciecircncia rigorosa que buscasse encontrar um
meacutetodo razoaacutevel isento de subjetividade no que tange a um modo de leitura em que surge
uma ciecircncia de investigaccedilatildeo do texto platocircnico que convencionalmente denominou-se
estilometria Neste estudo foram extremamente relevantes as contribuiccedilotildees de Ritter (1910)
e Lutoslwaski (1897) e Lewis Campbell (1867) Dittenberger (1881) e Brandwood (1990
27 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
2013) Na virada do seacuteculo XIX para o seacuteculo XX a presenccedila desses teoacutericos tornou riacutegida a
classificaccedilatildeo dos diaacutelogos platocircnicos Anteriormente muitos dos criteacuterios que visavam
organizar os diaacutelogos platocircnicos eram inconsistentes flutuantes subjetivos isto eacute baseados
fundamentalmente na subjetividade hermenecircutica de cada autor
A estilometria ambiciona natildeo somente afirmar a separaccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases
distintas mas vai aleacutem ao tentar classificar os diaacutelogos segundo uma ordem de composiccedilatildeo
destes dentro dessas mesmas fases diferentes
Na acepccedilatildeo mais estrita do termo a estilometria consiste em uma contagem de ocorrecircncias de um determinado grupo de palavras A partir dos resultados obtidos por meio desta contagem e possiacutevel formular hipoacuteteses acerca da data de composiccedilatildeo relativa de cada diaacutelogo Ou seja a contagem de palavras nos permite identificar dentre o conjunto de diaacutelogos aqueles que possuem um estilo semelhante entre si representado pela repetida ocorrecircncia de certos termos ou expressotildees (MATOSO 2016 p 91)
Baseada na questatildeo estiliacutestica (textual) tal ciecircncia fora capaz de notar certa
semelhanccedila de estilo presente no texto de Platatildeo isto eacute por meio da contagem de palavras
(e natildeo somente) pelo vocabulaacuterio empregado nos textos concluiu-se a respeito da
composiccedilatildeo e do ordenamento do grupo dos uacuteltimos diaacutelogos ou da terceira fase (Sofista
Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis)
L Campbell (1867) e F Blass (1874) apresentam classificaccedilotildees unacircnimes quanto agrave
ordenaccedilatildeo dos diaacutelogos da uacuteltima fase Poreacutem o primeiro se baseia no emprego de
determinadas expressotildees (fundamentalmente aquelas agregadas agrave partiacutecula -meacuten) enquanto
o uacuteltimo fundamenta sua anaacutelise por meio da ocorrecircncia dos hiatos41 (MATOSO 2016 p 95)
Um fato tambeacutem relevante eacute a diminuiccedilatildeo das apariccedilotildees de Soacutecrates como condutor dos
diaacutelogos jaacute nas uacuteltimas obras de Platatildeo o que para tais autores configura na distinccedilatildeo entre
os diaacutelogos da fase platocircnica tardia e as demais
Por mais que a estilometria tenha trazido inuacutemeros ganhos no que diz respeito ao
paradigma de leitura platocircnica nota-se que o paradigma desenvolvimentista apresenta falhas
A posiccedilatildeo revisionista tem sido endossada por contribuiccedilotildees contemporacircneas como as de
Vlastos (1991) Cornford (1927) Guthrie (1975) mas tais versotildees ainda apresentam uma
seacuterie de deficiecircncias dentre as quais as mais relevantes satildeo (i) se os resultados
estilomeacutetricos apenas garantem uma mudanccedila estiliacutestica notaacutevel nos diaacutelogos de uacuteltima fase
esta anaacutelise natildeo pode se estender como fez Ritter como caraacuteter classificatoacuterio do
ordenamento dos diaacutelogos das outras duas fases (ii) natildeo haacute um criteacuterio que possa justificar
41 O hiato consiste na sucessatildeo imediata de duas vogais em palavras separadas Para evitar este tipo de sucessatildeo que constantemente surge na formaccedilatildeo e inflexatildeo das palavras diversos recursos podem ser empregados a crase a elisatildeo e a aphaeresis aleacutem da escolha vocabular (MATOSO 2016 p 107)
28 12 A posiccedilatildeo revisionista
trecircs mudanccedilas consecutivas na obra platocircnica mas apenas duas como bem destacou Kahn
(2010 p 71) Isso se torna mais claro quando se nota que nenhum criteacuterio estiliacutestico fora
capaz de apontar uma distinccedilatildeo clara entre o meacutetodo estiliacutestico da fase intermediaacuteria e a fase
da juventude (os diaacutelogos socraacuteticos) mas apenas os diaacutelogos da uacuteltima fase (velhice) Deste
modo essa separaccedilatildeo (entre diaacutelogos da juventude e diaacutelogos da maturidade) soacute satildeo
possiacuteveis mediante uma anaacutelise de conteuacutedo em que o que estaacute em jogo eacute o aparecimento
nos diaacutelogos do desenvolvimento da hipoacutetese das Formas a Teoria das Ideias Tais noccedilotildees
que soacute satildeo evidentes nos diaacutelogos da maturidade operando assim uma niacutetida distinccedilatildeo entre
diaacutelogos da maturidade e juventude platocircnica
A contagem de palavras feita pela estilometria baseia-se na ocorrecircncia das expressotildees
e hiatos dos diaacutelogos da uacuteltima fase e estende sua verificaccedilatildeo ateacute a chamada fase
intermediaacuteria que tem como criteacuterio os diaacutelogos nos quais Platatildeo jaacute apresenta a hipoacutetese das
formas das Ideias Dito isto observa-se que criteacuterio de demarcaccedilatildeo entre a obra intermediaacuteria
e a da juventude passa do criteacuterio estilomeacutetrico (estiliacutestico-textual) para um criteacuterio baseado
fundamentalmente a partir do conteuacutedo dos diaacutelogos jaacute que as primeiras obras foram
eliminadas da contagem de palavras (KAHN 2010 p 71)
Contudo os resultados apresentados por Guthrie (1975 p 50) perpassam os criteacuterios
estilomeacutetricos ou mesmo ignora-os como destaca Matoso (2016 p 100) ao propor a seguinte
organizaccedilatildeo para os diaacutelogos aquela proposta por Cornford (1927) e tambeacutem por Vlastos
(1991) (i) diaacutelogos da juventude Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides Ecircutifron Hiacuteppias
Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon (ii) diaacutelogos da maturidade Mecircnon Feacutedon
Repuacuteblica Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo (iii) diaacutelogos da velhice
Parmecircnides Teeteto Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Filebo Leis42
Tal apresentaccedilatildeo segue em partes a cronologia anterior pois nela se arrasta o
Parmecircnides e o Teeteto ateacute entatildeo natildeo inclusos nos diaacutelogos de uacuteltima fase Alguns diaacutelogos
considerados (estilisticamente) como pertencentes ao primeiro periacuteodo (juventude) foram
tambeacutem deslocados para a maturidade Portanto ao que tudo indica um regresso agrave
subjetividade interpretativa novamente eacute proposto por meio das consideraccedilotildees apresentadas
por Guthrie e aqueles outros supracitados em suas obras Na classificaccedilatildeo estilomeacutetrica eram
apenas cinco os diaacutelogos de uacuteltima fase assim como Banquete Meacutenon e Feacutedon estavam
distaὀtἷὅΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὅἷΝἵuὀhὁuΝἵhamaὄΝldquofaὅἷΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiardquoΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝjuὅtamἷὀtἷΝὂὁὄΝ
apresentar caracteriacutesticas muito distintas do grupo criado em relaccedilatildeo agrave Repuacuteblica todavia
estavam proacuteximos a este uacuteltimo diaacutelogo porque jaacute tratam de temas metafiacutesicos Assim como
42 Esta tambeacutem tem sido a cronologia comumente aceita pelos estudiosos de Platatildeo na contemporaneidade Segundo os defensores do revisionismo platocircnico esta seria a organizaccedilatildeo cronoloacutegica resultante a partir dos estudos estilomeacutetricos (Cf GUTHRIE W K C History of the Greek Philosophy Vol IV Cambridge The University Press 1975)
29 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
o Parmecircnides que parece apenas inaugurar a fase da velhice platocircnica ao postular a criacutetica agrave
Teoria das Ideias (MATOSO 2016 p101-102)
Este tipo de leitura dos diaacutelogos platocircnicos ainda incorre no equiacutevoco da subjetivaccedilatildeo
interpretativa ou ὀaὃuilὁΝὃuἷΝἛahὀΝἶἷὀὁmiὀὁuΝἵὁmὁΝldquofalὠἵiaΝἶaΝtὄaὀὅὂaὄecircὀἵiardquoΝὃuἷΝiὀὅiὅtἷΝἷmΝ
afirmar a influecircncia de Soacutecrates no pensamento de Platatildeo na fase inicial dos diaacutelogos a fim
de promover uma draacutestica separaccedilatildeo entre aquilo que acreditam ser somente de Soacutecrates e
as teorias que pertencem exclusivamente a Platatildeo Deste modo o que subjaz no revisionismo
ὧΝumaΝ tἷὀtativaΝἶἷΝ ὄἷὅὁlvἷὄΝὁΝ iὀὅὁlήvἷlΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquo43 E para a soluccedilatildeo de tal
questatildeo constantes atropelos se fazem em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo em busca de um
ὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἶitὁΝldquoἵὁὀὅiὅtἷὀtἷrdquoΝἷΝaἵἷitὁΝἵὁὀὅἷὀὅualmἷὀtἷέ
Por fim ficou demonstrado que o paradigma desenvolvimentista apresenta alguns
problemas que necessitam de maiores esclarecimentos por parte dos teoacutericos que defendem
esse tipo de interpretaccedilatildeo pois (i) seus criteacuterios metodoloacutegicos natildeo estatildeo bem
fundamentados mesmo a distinccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases distintas (que remontam aos
helenistas alematildees) natildeo nos eacute garantida (ii) semelhantemente parece fraca a hipoacutetese de
uma mudanccedila draacutestica na obra platocircnica jaacute que a estilometria natildeo apresenta um criteacuterio soacutelido
para demarcaccedilatildeo entre as fases da juventude e da maturidade e que pareccedila ser claro quanto
agraves questotildees relativas agrave cronologia O reconhecimento da estilometria de uma fase uacuteltima
(velhice) do pensamento platocircnico tambeacutem natildeo nos daacute garantias suficientes de alteraccedilotildees
significativas no pensamento de Platatildeo mas apenas reconhece semelhanccedilas estiliacutestico-
textuais entre obras distintas Desta forma permanecem insustentaacuteveis as duas teses de que
(i) Platatildeo teria mudado de pensamento drasticamente trecircs vezes o que corresponderia agraves
trecircs fases de sua obra ou (ii) que cada obra reflete uma ideia de Platatildeo em dado momento
Pode-se afirmar num primeiro momento ser impossiacutevel formularmos uma oposiccedilatildeo radical
entre o pensamento socraacutetico e o platocircnico esse eacute um problema insoluacutevel ateacute entatildeo e
impossiacutevel de resoluccedilatildeo haja vista o anonimato de Platatildeo em suas obras o que natildeo nos
permite uma identificaccedilatildeo clara a respeito de seus posicionamentos filosoacuteficos de uma forma
imediata44
43 ἥὁἴὄἷΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝimὂὁὄtaὀtἷΝfaὐἷὄmὁὅΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝὁἴὄaΝἶἷΝVIἜώἓἠἏ-MAGALHAtildeES (O problema Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecrates de Platatildeo Lisboa Calouste Gulbenkian 1984) (Cf BOLZANI R Imagens de Soacutecrates In Kleacuteos N18 Rio de Janeiro IFCS- UFRJ 2014) 44 Segundo nos explica Santos (2012) podemos seguramente afirmar que a tἷὁὄiaΝὄἷviὅiὁὀiὅtaμΝldquo(έέέ)Νdefendida majoritariamente por inteacuterpretes de cultura e formaccedilatildeo anglo-saxocircnica rejeita a possibilidade ἶἷΝaἵἷἶἷὄΝἶἷΝfὁὄmaΝἵὁὀὅiὅtἷὀtἷΝaὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝiὀὅὂiὄaὄiaΝἵὄiaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅέΝἥuὅtἷὀtamΝὃuἷΝcada obra deve ser interpretada a partir das informaccedilotildees presentes nos eu texto abstendo-se o estudioso de estabelecer relaccedilotildees com quaisquer outras Resulta desse princiacutepio que que aquilo que ὂὁὄΝὄaὐὴἷὅΝὂἷἶagὰgiἵaὅΝὅἷΝἶἷὅigὀaΝἵὁmὁΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoΝὧΝἵὁὀὅtituiacuteἶὁΝὂἷlὁΝἵὁὀjunto dos diaacutelogos ἵὁmὂὁὅtὁὅΝὂἷlὁΝmἷὅtὄἷΝaΝἵaἶaΝumΝἶὁὅΝὃuaiὅΝὧΝaὄὄiὅἵaἶὁΝἵὁὀfἷὄiὄΝumaΝἷὅὂἷἵiacutefiἵaΝfiὀaliἶaἶἷΝἶὁutὄiὀalrdquoΝ(p 29)
30 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
A diferenccedila como se pode notar entre unitaristas e revisionistas estaacute calcada na
diferenciaccedilatildeo e no propoacutesito que tais fases do pensamento platocircnico apresentam Os
revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade ao serem
reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo necessaacuteria
com os outros diaacutelogos que satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se tratando de temas
idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo haveria segundo eles uma mudanccedila draacutestica
no pensamento de Platatildeo em cada uma das trecircs fases cronoloacutegicas Jaacute para os unitaristas a
organizaccedilatildeo dos diaacutelogos deve ser vista como meramente aparente apenas um recurso
didaacutetico elas apenas apontam um meacutetodo de exposiccedilatildeo evolutiva cujo propoacutesito uacutenico diz
respeito agrave tarefa proacutepria da filosofia platocircnica enquanto apresentaccedilatildeo de um projeto filosoacutefico
poliacutetico-educacional do qual os diaacutelogos platocircnicos compotildeem uma siacutentese isto eacute os diaacutelogos
ὅἷΝἵὁὀvἷὄgἷmΝἷmΝumaΝuὀiἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(aΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquo)ΝaἶὃuiὄiἶaΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷὅὅaΝὂὄὰὂὄiaΝ
exposiccedilatildeo progressiva e que resulta em uma compreensatildeo de uma finalidade pedagoacutegica
direcionada a um soacute objetivo
Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de unidade de membro que se articula aos demais cada
um antecipando o conteuacutedo do diaacutelogo posterior culminando na formaccedilatildeo de um corpo
doutrinaacuterio consistente Podemos afirmar que o que permanece comumente estabelecido
pelos inteacuterpretes platocircnicos eacute a necessidade de separar em trecircs grupos ou fases os diaacutelogos
de Platatildeo ὁuΝ aΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝ ἵhamaὄΝ ldquogἷὀὧtiἵὁ-evolutiva como nos
aponta Santos
() a geneacutetico-evolutiva eacute aquela [teoria] que recolhe maior apoio dos platonistas interpreta cronologicamente a divisatildeo do corpus nos trecircs grupos de diaacutelogos acima referidos e defende que as datas atribuiacutedas a sua publicaccedilatildeo expressam a evoluccedilatildeo intelectual e ideoloacutegica de Platatildeo na marcha para a exposiccedilatildeo da sua filosofia (2012 p 28)
Esta leitura geneacutetico-evolutiva tem como teoacuterico principal Gregory Vlastos (1991) Esse
autor demonstra que seria possiacutevel por meio da distinccedilatildeo das trecircs fases do pensamento
platocircnico notarmos uma diferenccedila entre aqueles diaacutelogos em que Soacutecrates seria o Soacutecrates
histoacuterico ao passo que nas demais fases eacute Platatildeo quem falaria ao expor pela personagem
condutora do diaacutelogo as suas proacuteprias teses (VLASTOS 1991 p45-46) Esta tese de Vlastos
em um primeiro momento foi aceita consensualmente pelos leitores dos diaacutelogos ao notarem
o desenvolvimento da obra de Platatildeo em determinados diaacutelogos quando comparados entre
si o que de fato eacute possiacutevel tendo em vista a vastidatildeo da obra literaacuteria elaborada por Platatildeo
31 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Baseado como jaacute dissemos nos resultados provenientes da estilometria e posteriormente
analisando a proximidade temaacutetica a cronologia dos diaacutelogos usualmente adotada seria a
seguinte
(i) Diaacutelogos da juventude ou socraacuteticos Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides
Ecircutifron Hiacuteppias Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon
(ii) Diaacutelogos daΝ matuὄiἶaἶἷΝ ὁuΝ ἶaΝ ldquotἷὁὄiaΝ ἶaΝ ἔὁὄmaὅrdquoμΝ Mecircnon Feacutedon Repuacuteblica45
Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo
(iii)ΝἒiὠlὁgὁὅΝἶaΝvἷlhiἵἷΝὁuΝὄἷviὅatildeὁΝ(ἵὄiacutetiἵa)ΝἶaΝldquotἷὁὄiaΝἶaὅΝfὁὄmaὅμΝParmecircnides Teeteto
Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Fileacutebo Leis
A cronologia de Vlastos eacute praticamente similar a esta (a de Guthrie (1975) e de
Cornford (1927)) apenas apresentando algumas poucas diferenccedilas pois ele coloca como
intermediaacuterios entre o primeiro e o segundo grupo os seguintes diaacutelogos (transiccedilatildeo)
Eutidemo Hiacuteppias Maior Liacutesis Menexeno Mecircnon e tambeacutem Parmecircnides e Teeteto como
diaacutelogos pertencentes agrave fase da maturidade Vlastos afirma ser possiacutevel encontrarmos pelo
menos dois Soacutecrates nos diaacutelogos um estaria presente nos diaacutelogos iniciais da juventude e
o outro presente nos diaacutelogos da maturidade e velhice justamente porque ambos natildeo teriam
afirmaccedilotildees semelhantes sobre os mesmos assuntos apresentando posiccedilotildees ateacute mesmo
contraditoacuterias Esse teoacuterico afirma que existe uma real e significativa diferenccedila entre os
diaacutelogos socraacuteticos aporeacuteticos (ou elecircnthicos) e os diaacutelogos do periacuteodo meacutedio e os do tardio
de tal modo seria possiacutevel postularmos que aqueles primeiros pertencem a um Soacutecrates
histoacuterico distinto dos objetivos filosoacuteficos concernentes agraves obras do periacuteodo meacutedio e final Eacute
a ὂaὄtiὄΝἶiὅὅὁΝὃuἷΝἷlἷΝfὁὄὀἷἵἷΝaὅΝἴaὅἷὅΝὂaὄaΝaὃuἷlaΝὃuἷΝfiἵὁuΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἵὁmὁΝldquotἷὁὄiaΝἶὁΝὂὁὄta-
vὁὐrdquoΝiὅtὁΝὧΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶaΝfaὅἷΝmὧἶiaΝἷΝfiὀalΝὅἷὄviὄiaΝἵὁmὁΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝὄἷὅὂὁὀὅὠvἷlΝὂὁὄΝἷxὂὁὄΝ
a teoria propriamente platocircnica jaacute desvinculada do pensamento do Soacutecrates real (histoacuterico)
da fase juvenil dos diaacutelogos
Vlastos (1991) chega a estabelecer algumas afirmaccedilotildees sobre o Soacutecrates dos diaacutelogos
aporeacuteticos a saber Soacutecrates eacute um filoacutesofo moral que natildeo produziu teoria alguma sua busca
eacute apenas elecircnthica por isso afirma seu nada saber tambeacutem natildeo defende uma teoria da alma
por concordar com a impossibilidade da ελα έα e natildeo se interessa pelos conhecimentos
matemaacuteticos eacute um filoacutesofo da plebe natildeo apresenta qualquer teoria poliacutetica muito menos
postula uma teoria transcendente do belo a sua religiatildeo eacute uma religiatildeo praacutetica cuja divindade
45 Alguns estudiosos como Vlastos (1991) acreditavam que o Livro I da Repuacuteblica (Trasiacutemaco) seria um diaacutelogo separado do restante da Repuacuteblica Por isso Vlastos coloca o Trasiacutemaco (Livro I) entre os ἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅΝὁuΝldquoἷlecircὀthiἵὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷmaiὅΝlivὄὁὅΝἶaΝRepuacuteblica (II-X) entre aqueles da maturidade (VLASTOS 1991 p 46-47)
32 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
atua no campo das questotildees morais e por fim eacute portador de um meacutetodo filosoacutefico
adversativo tendo como princiacutepio a refutaccedilatildeo dos interlocutores (1991 p 47-48)
Segundo Vlastos qualquer um eacute capaz de notar algo totalmente contraacuterio ao se
deparar com as obras que compotildeem os periacuteodos meacutedio e da velhice platocircnicos ou seja uma
draacutestica mudanccedila de estilo de modos de expor determinadas questotildees ou mesmo a
diferenccedila de profundidade em que certos temas satildeo tratados O que vemos eacute o seguinte
Soacutecrates natildeo eacute mais apenas aquele filoacutesofo moral agora ele trata de temas metafiacutesicos
epistemoloacutegicos cientiacuteficos religiosos temas da linguagem etc como tambeacutem nos
apresenta a teoria das formas e da reminiscecircncia admitindo conhecer aquilo que visa
demonstrar lida com a teoria tripartite da alma refere-se agraves ciecircncias matemaacuteticas e manifesta
certo conhecimento acerca destas ciecircncias eacute fortemente aristocraacutetico nos apresenta uma
teoria poliacutetica refinada demonstra seu amor transcende sobre o belo a comunhatildeo com a
divindade por meio da atividade contemplativa das formas e possui um meacutetodo filosoacutefico
didaacutetico por meio do qual apresenta suas teorias para que seu interlocutor as compreenda
Para Vlastos a qualquer leitor eacute possiacutevel notar as disparidades entre os diaacutelogos da
fase inicial e os das fases seguintes nos quais Soacutecrates assume posiccedilotildees completamente
diferentes O personagem dos diaacutelogos da fase meacutedia e final propotildee e defende teorias
ἶiὅtiὀtaὅΝἷΝὅutilmἷὀtἷΝἷlaἴὁὄaἶaὅΝὅἷΝaὅὅἷmἷlhaΝmaiὅΝaΝumΝldquoὂὁὄtaΝvὁὐrdquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἶiὅtiὀtὁΝ
poreacutem da literatura socraacutetica inicial Logo isso demonstraria que essa literatura socraacutetica
inicial estaria mais proacutexima do Soacutecrates histoacuterico
Falei de um Soacutecrates em Platatildeo Haacute dois deles Em diferentes segmentos do corpus platocircnico dois filoacutesofos carregam esse nome O indiviacuteduo permanece o mesmo Mas em diferentes conjuntos de diaacutelogos ele persegue filosofias tatildeo diferentes que natildeo poderiam ser retratadas como coexistentes no mesmo ceacuterebro a menos que se trate do ceacuterebro de um esquizofrecircnico Eles satildeo tatildeo diversos em conteuacutedo e meacutetodo que se contrastam bruscamente um com o outro como tambeacutem com qualquer terceira filosofia que se possa mencionar comeccedilando com ele Aristoacuteteles (VLASTOS 1991 p 460)
Vlastos ainda acrescenta que a literatura socraacutetica teria uma espeacutecie de diacutevida com o
pensamento poliacutetico-moral antecessor que se valia do diaacutelogo para fins semelhantes dentre
eles Tuciacutedides Heroacutedoto e Proacutedico (VLASTOS 1991 p 48ss) O principal feito da
interpretaccedilatildeo de Vlastos eacute ter colocado os diaacutelogos aporeacuteticos ou elecircnthicos associados a
uma literatura dialoacutegica predominantemente poliacutetico-moral isto eacute de algum modo as obras
platocircnicas estariam jaacute ligadas a esse tipo de reflexatildeo antecedente agrave obra platocircnica mas nada
eacute dito sobre os contemporacircneos utilizarem esse mesmo meacutetodo Muito pelo contraacuterio os
diaacutelogos meacutedios e as obras da velhice atestariam um total rompimento com a fase precedente
a essas duas uacuteltimas Platatildeo neste caso teria rompido com todo o espiacuterito socraacutetico com
33 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
qualquer espeacutecie de socratismo de tal modo que a literatura filosoacutefica subsequente seria uma
espeacutecie de transcendecircncia ou de superaccedilatildeo do pensamento dialoacutegico anterior Por fim os
textos da fase juvenil atestam segundo Vlastos um conteuacutedo histoacuterico e tambeacutem um meacutetodo
particularmente refutativo presente neste periacuteodo nos diaacutelogos de Platatildeo Os diaacutelogos meacutedios
satildeo drasticamente separados dos anteriores jaacute natildeo pertencem mais a um mesmo gecircnero
literaacuterio estritamente socraacutetico Soacutecrates passa a ser um personagem utilizado sob outros fins
filosoacuteficos que natildeo aqueles que compotildeem o periacuteodo socraacutetico histoacuterico elecircnthico
O primeiro a se manifestar quanto a esse tipo de divisatildeo foi Kahn (2010) Segundo
este uacuteltimo Vlastos deve ser de certo modo enquadrado entre os revisionistas Enquanto
Kahn ele proacuteprio se inclui entre os defensores da visatildeo unitarista da obra de Platatildeo Khan
propotildee como princiacutepio interpretativo a necessidade de natildeo se separar os diaacutelogos de um
contexto histoacuterico maior que ele acredita pertencer a literatura socraacutetica Deste modo
segundo esse autor parece ser equivocado dotar os diaacutelogos socraacuteticos de tamanha
excepcionalidade sem compreendecirc-los como frutos de uma tradiccedilatildeo poeacutetica grega isto eacute ao
situaacute-los fora dessa proacutepria tradiccedilatildeo
O leitor eacute capaz de notar nos diaacutelogos natildeo apenas uma referecircncia agrave essa tradiccedilatildeo
poeacutetica (a obra dialoacutegica natildeo apenas reporta a essa tradiccedilatildeo) mas tambeacutem eacute capaz de
identificar a obra platocircnica nessa mesma tradiccedilatildeo poreacutem dotada de um novo sentido De tal
modo nos parece evidente um sentido subjacente (traacutegico-cocircmico) presente na obra filosoacutefica
de Platatildeo A poeacutetica grega serve como base para a estruturaccedilatildeo dos diaacutelogos Platatildeo natildeo se
limita a citar os poetas ele natildeo se contenta com isso os diaacutelogos satildeo meios para uma criaccedilatildeo
multifacetada de sua filosofia na qual estatildeo presentes constantes referecircncias agrave essa tradiccedilatildeo
a qual tambeacutem eacute material importante para a elaboraccedilatildeo de sua obra O que se nota natildeo
apenas nos diaacutelogos socraacuteticos eacute uma enorme influecircncia da tradiccedilatildeo poeacutetica na composiccedilatildeo
da obra platocircnica ela eacute um ponto de partida para a composiccedilatildeo desse especiacutefico gecircnero
literaacuterio que eacute o diaacutelogo e que marca decisivamente os rumos adotados por Platatildeo no
desenvolvimento de sua obra Lembremo-nos de que natildeo foi apenas Platatildeo quem escreveu
diaacutelogos mas tambeacutem outros autores que provavelmente disputavam em torno de um
prestiacutegio literaacuterio com suas composiccedilotildees adotando como gecircnero literaacuterio os diaacutelogos
socraacuteticos (KHAN 2010 p 31ss)
Algo tambeacutem que merece ser destacado sobre a visatildeo de Khan diz respeito agrave busca
pela efetiva caracterizaccedilatildeo do indiviacuteduo (realhistoacuterico) Soacutecrates quando tenta encontrar na
imagem desse personagem dos diaacutelogos da juventude a suposta informaccedilatildeo sobre sua
identidade fato capaz de poder atribuiacute-lo um pensamento distinto do de Platatildeo Deste modo
a filosofia platocircnica para Khan procura se afirmar enquanto um discurso que possui um papel
pedagoacutegico que a diferencia das demais atividades dos outros gecircneros literaacuterios que natildeo se
34 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
ὄἷὅumἷmΝὡΝὅimὂlἷὅΝὄἷfutaὦatildeὁνΝὅἷΝfὁὅὅἷΝaὅὅimΝἷlaΝἷὅtaὄiaΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἵὁmΝaΝἷὄiacuteὅtiἵaέΝ
Para Kahn
Gregory Vlastos deu uma formulaccedilatildeo mais uacutetil e extremada da leitura evolutiva ao falar de uma filosofia essencialmente socraacutetica em alguns dos dez ou doze diaacutelogos segundo sua opiniatildeo nestes diaacutelogos Platatildeo se encontra ainda enfeiticcedilado por seu mestre cuja filosofia natildeo soacute eacute distinta mas antiteacutetica a seu proacuteprio pensamento maduro No momento em que se converte em um filoacutesofo original Platatildeo abandona e se volta contrariamente contra sua posiccedilatildeo socraacutetica de origem (KAHN 2010 p 66)
Esse tipo de interpretaccedilatildeo na visatildeo de Kahn eacute mais especulativo do que propriamente
filosoacutefico jaacute que a proposta se distancia do que ele considera como o objetivo pedagoacutegico
maior da obra platocircnica Interessa a Kahn uma visatildeo mais ampla da obra dialoacutegica de Platatildeo
a despeito de alguns fatos parecerem ser descritos historicamente nessa mesma obra o que
por sinal teria objetivos puramente destinados a um significado filosoacutefico passando pelo crivo
da criaccedilatildeo literaacuteria Sua intenccedilatildeo eacute ir aleacutem dessa descriccedilatildeo vista por Vlastos como puramente
historiograacutefica para uma compreensatildeo da obra de Platatildeo ao situaacute-la em um contexto literaacuterio-
poeacutetico maior natildeo apenas dirigida a um embate filosoacutefico mas tambeacutem a um embate com
essa proacutepria tradiccedilatildeo poeacutetica subjacente na composiccedilatildeo de um gecircnero literaacuterio isto eacute
compreender sua dimensatildeo artiacutestica dentro de um contexto ainda mais amplo
Kahn ainda alega mais adiante (2010 p 66) que o problema de teses como a de
Vlastos estritamente desenvolvimentistas eacute a incapacidade de lidar com um problema
insoluacutevel a saber o problema Soacutecrates A dificuldade em lidar com o anonimato de Platatildeo em
suas obras faz com que os inteacuterpretes desenvolvimentistas em sua radicalidade acabem se
fiando em questotildees especulativas sobre a realidade da personagem Soacutecrates sobre sua
identidade baseada em especulaccedilotildees historiograacuteficas Tais questotildees eacute importante que se
diga isto natildeo podem ser refutadas nem tatildeo pouco podem ser atestadas com certa
veemecircncia Ainda que Platatildeo tenha passado por uma fase socraacutetica e depois se distanciado
desse tipo de pensamento nenhuma indicaccedilatildeo em sua obra eacute capaz de nos afirmar isto
Indicaccedilotildees estas que os revisionistas por sinal encontram apenas em referecircncias externas
como a obra de Aristoacuteteles por exemplo
Ao contraacuterio do que rapidamente se possa pensar a visatildeo de Kahn natildeo tem como fim
negar a existecircncia histoacuterica de Soacutecrates nem mesmo a sua influecircncia mas propor certa
continuidade entre os diaacutelogos socraacuteticos e os demais ao negar qualquer ruptura draacutestica
entre as fases do pensamento platocircnico Se Platatildeo apresenta suas posiccedilotildees filosoacuteficas nos
diaacutelogos e por vezes elas podem ser identificadas aos discursos proferidos por Soacutecrates ao
mesmo tempo ele natildeo nos diz suas opiniotildees pessoais acerca dos temas ali tratados Neste
caso a forma de abordagem irocircnica das posiccedilotildees no uso de determinada retoacuterica faz com
35 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
que as posiccedilotildees ali desenvolvidas se encontrem desprovidas de um caraacuteter tratadiacutestico ou
doutrinal tudo isso contribuiria para a exposiccedilatildeo de uma filosofia distante de certa rigidez de
tal maneira que ao se ocultar nos personagens Platatildeo tornaria enriquecedoras suas obras
ao possibilitar certa liberdade interpretativa do que se encontra em discussatildeo ali naquele
contexto dramaacutetico Essa seria uma das principais contribuiccedilotildees agrave tradiccedilatildeo interpretativa
subsequente Quais seriam entatildeo os reais objetivos com semelhante ocultaccedilatildeo Teria ela
objetivos propriamente filosoacuteficos ou natildeo passa de estiliacutestica e retoacuterica Ambos talvez
A maior dificuldade segundo Kahn eacute o enfrentamento das posiccedilotildees vistas como
contraditoacuterias nos diaacutelogos Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de composiccedilatildeo dramaacutetica uacutenica em
que os temas estatildeo relacionados e servem a um propoacutesito argumentativo presente naquela
ὁἴὄaΝὂὁiὅΝldquo[έέ]ΝἵaἶaΝἶiὠlὁgὁΝὅἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝaΝὅiΝmἷὅmὁΝἵὁmὁΝumaΝuὀiἶaἶἷΝautὲὀὁmaΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝ
ἷmΝὅἷuΝὂὄὰὂὄiὁΝἷὅὂaὦὁΝlitἷὄὠὄiὁrdquoΝ (ἀί1ίΝὂέΝἄἂ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝὅἷguὀἶὁΝἛahὀΝndash e essa seria a
maior dificuldade levantada pelos inteacuterpretes platocircnicos ndash a tarefa do inteacuterprete seria conciliar
esses diaacutelogos ou grupo de diaacutelogos em um conjunto uacutenico como pertencentes a um soacute
autor algo impossiacutevel por exemplo para os revisionistas como eacute o caso de Vlastos que acaba
por duplicar um soacute autor criando dois ao inveacutes de um uacutenico Platatildeo (o socraacutetico histoacuterico e o
natildeo-socraacutetico) ou dois Soacutecrates (o histoacuterico e o personagem fictiacutecio) Para Khan (2010) toda
a filosofia platocircnica eacute socraacutetica e natildeo haacute na obra dialoacutegica duas filosofias platocircnicas
incompatiacuteveis Mas qual a soluccedilatildeo oferecida pelo teoacuterico norte-americano para afirmar isso
e ao mesmo tempo opor-se ao revisionismo
A soluccedilatildeo de Khan nesse sentido ao dizer que cada diaacutelogo eacute uacutenico natildeo nega o
mesmo meacutetodo geneacutetico-expositivo adotado pelo revisionismo Contudo Khan considera que
as diferentes visotildees e abordagens dos temas presentes nos diaacutelogos tecircm um propoacutesito
literaacuterio-filosoacutefico isto eacute trata-se de um meacutetodo pedagoacutegico satildeo recursos utilizados por
Platatildeo sob o propoacutesito de descrever e fundamentar um projeto poliacutetico que se apresenta
progressivamente no decorrer de toda a sua obra uma unificaccedilatildeo que soacute eacute alcanccedilaacutevel
mediante uma completa anaacutelise de todos os diaacutelogos Isso Kahn denomiὀaΝἵὁmὁΝldquoἷxὂὁὅiὦatildeὁΝ
iὀgὄἷὅὅivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἵaἶaΝ ὁἴὄaΝ ὧΝ umaΝ aὀtἷἵiὂaὦatildeὁΝ ἶaὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ
esclarecido naquela posterior a ela ou seja a chamada prolepse (antecipaccedilatildeo) presente nas
composiccedilotildees dos diaacutelogos (KAHN 2010 p 85) Deste modo Platatildeo estaria ainda mais
atestando o caraacuteter dialeacutetico de sua filosofia distanciando-se ao mesmo tempo de qualquer
tipo de dogmatismo Tambeacutem atestaria que o pensamento de Soacutecrates permanece vivo nos
ἶiὠlὁgὁὅΝὃuἷΝὀatildeὁΝὁὅΝἶitὁὅΝldquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝumaΝiὀspiraccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo de um
projeto filosoacutefico maior isto porque natildeo abandona o meacutetodo dialoacutegico mas persiste nele ateacute
o final de sua vida sempre em consonacircncia com o espiacuterito herdado do mestre
ἏὅΝἷvaὅὴἷὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝaὅΝldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝmaὀifἷὅtaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝ
segundo Khan seriam por dois motivos gerais a saber a aversatildeo ao dogmatismo assim
36 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo
como a descrenccedila na comunicaccedilatildeo de noccedilotildees filosoacuteficas natildeo elaboradas suficientemente
Platatildeo teria percebido que deste modo expondo uma obra por vezes inconclusa complexa
figurada gradativa e por vezes aporeacutetica poderia estimular seu leitor a um percurso
investigativo proacuteprio sem oferecer a seu leitor respostas prontas acabadas Khan tambeacutem
reconhece a necessaacuteria atenccedilatildeo aos recursos literaacuterios utilizados por Platatildeo destinados a
essa exposiccedilatildeo ingressiva de sua filosofia como a real necessidade de tratar de temas
metafiacutesicos importantes recorrendo a uma linguagem figurada (mito alegoria etc) cujo
ὂὄὁὂὰὅitὁΝἵὁὀfiguὄaΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝldquoἷxὁtὧὄiἵardquoΝἶἷΝὅἷuΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝἶὁὅΝ
diaacutelogos (KAHN 2010 p 66)46
Ora as contribuiccedilotildees de Kahn satildeo notaacuteveis na questatildeo interpretativa dos diaacutelogos no
que diz respeito agrave uma concepccedilatildeo unitarista da filosofia platocircnica Poreacutem como se nota ela
ainda tem como base concepccedilotildees evolutivas realccediladas pelo revisionismo como a divisatildeo das
trecircs fases do pensamento platocircnico Ao considerar o Goacutergias como o primeiro diaacutelogo com
concepccedilotildees predominantemente platocircnicas ndash diaacutelogo no qual Platatildeo teria de fato alcanccedilado
certo domiacutenio sobre sua obra ou melhor um estilo literaacuterio proacuteprio ndash em detrimento da
Apologia e do Criacuteton que apresentam traccedilos historiograacuteficos mais visiacuteveis o que gera maior
curiosidade sobre a identidade histoacuterica do personagem Soacutecrates Khan novamente retoma
em certa medida o argumento dos revisionistas quando considera que em dado momento
Soacutecrates torna-se o porta-voz de Platatildeo Do mesmo modo ao tomar a Repuacuteblica como eixo
central para a organizaccedilatildeo dos diaacutelogos como ponto aacutepice da filosofia de Platatildeo sob o
46 Khan estabelece uma cronologia que tem como base trecircs grupos O grupo I os diaacutelogos satildeo divididos em seis estaacutegios que atestariam a evoluccedilatildeo do filoacutesofo ateacute o eixo central considerado por Khan como maacutexima expressatildeo da atividade platocircnica a saber a Repuacuteblica Os seis estaacutegios demonstrariam a caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da filosofia platocircnica Sendo assim ficam assim divididos os diaacutelogos Grupo I Apologia Criacuteton (1) Iacuteon Hipias menor (2) Goacutergias Menexeno (3) Laques Caacutermides Eutiacutefron Protaacutegoras (4) Mecircnon Liacutesis Eutidemo (5) Banquete Fedoacuten Craacutetilo (6) Grupo II Repuacuteblica Fedro Parmecircnides Teeteto Grupo III Sofista Politico Filebo Tirneu-Criacutetias Leis ldquoἑὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝὃuἷΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶὁΝἕὄuὂὁΝIΝὅatildeὁΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝἶἷὅἵὄἷvὁΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁmΝaΝRepuacuteblica corno proleacuteptica Poreacutem este termo este pode parecer excessivamente cronoloacutegico quanto agrave questatildeo relativa agrave ordem em que foram realmente redigidos ou a sequecircncia em que satildeo lidos de fato natildeo tem grande importacircncia Meus seis estaacutegios devem ser compreendidos como proposta para uma ordem de leitura ideal poreacutem talvez seja melhor empregar uma metaacutefora espacial do que uma temporal ao inveacutes de falar de antes e depois podemos falar de exoteacuterico e esoteacuterico de distacircncia relativa em relaccedilatildeo a um centro definido pela Repuacuteblica Este modo de interpretar os testos poderia denominar-se igualmente ingressivo como una variante para a noccedilatildeo de prolepse Os diferentes estaacutegios do Grupo I nos proporcionam distintos pontos de entrada distintos niacuteveis de ingresso no universo do pensamento platocircnico que encontra sua expressatildeo mais completa na RepuacuteblicardquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ
37 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
propoacutesito de fundamentar uma suposta cronologia que separa os diaacutelogos em trecircs grupos
Kahn ainda continua proacuteximo do argumento dos revisionistas (KAHN 2010 p 73-74) Logo
a teoria interpretativa de Khan nos impossibilita supor que Platatildeo pudesse ter reescrito sua
obra reeditado ou reelaborado ou mesmo escrito mais de um diaacutelogo ao mesmo tempo
Destarte natildeo poderiacuteamos entatildeo notar o pensamento platocircnico em desenvolvimento jaacute que
seu aacutepice teria sido atingido na Repuacuteblica ou melhor reconhecer a proacutepria construccedilatildeo de
Platatildeo ao longo de toda a sua obra Essa caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da obra platocircnica tal como
nos eacute apresentada por Khan ainda permanece presa a um certo evolucionismo que torna
impossiacutevel considerar o pensamento platocircnico como algo em desenvolvimento
O contributo da teoria unitarista proposta por Khan eacute que ela nos adverte sobre a
falecircncia de uma reconstruccedilatildeo histoacuterica especulativa de Soacutecrates baseada em referecircncias
extra dialoacutegicas Do mesmo modo nos adverte que devemos rejeitar uma diferenccedila draacutestica
entre o pensamento socraacutetico dos diaacutelogos da juventude e os demais ao admitir que toda a
filosofia platocircnica eacute socraacutetica e que a caracteriacutestica socraacutetica da filosofia platocircnica se manteacutem
nas demais fases Nesse sentido somos convidados a ultrapassar as incoerecircncias entre um
periacuteodo e outro entre os temas divergentes que porventura satildeo notaacuteveis ao longo desse
processo pedagoacutegico-poliacutetico da filosofia platocircnica em geral Trata-se de reconhecer em cada
diaacutelogo esse dinamismo com que o personagem Soacutecrates eacute apresentado e o modo como estaacute
a dialogar em cada obra sem buscar um conteuacutedo histoacuterico por traacutes dessa caracterizaccedilatildeo
mas sim compreendecirc-la como um recurso literaacuterio (retoacuterico) que possui finalidades maiores
imperceptiacuteveis num primeiro momento e que possa vir a se tornar suposiccedilatildeo de uma draacutestica
mudanccedila real oposiccedilatildeo ou mesmo objeto de controveacutersia na anaacutelise de diversos diaacutelogos
Essa separaccedilatildeo em fases a despeito de ainda ser adotada por Kahn jaacute abre caminho para
uma interpretaccedilatildeo assistemaacutetica dos diaacutelogos ou seja diminui a rigidez das separaccedilotildees
impostas aos diaacutelogos porquanto estes se inserem em um processo em que as proacuteprias obras
compotildeem um conjunto de indagaccedilotildees destinadas a uma finalidade eacutetico-poliacutetico-moral e que
permanecem sendo tratadas sob um vieacutes dialeacutetico Mas em relaccedilatildeo ao evolucionismo e agrave
cronologia histoacuterica dos diaacutelogos podemos afirmar que de alguma maneira ainda que
modificada deles Khan ainda natildeo abriu matildeo47
47 εέΝ εέΝ εἵἑaἴἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄὠΝ umaΝ ἵὄiacutetiἵaΝ aΝἛhaὀΝ ὅὁἴΝ umΝ ὂὁὀtὁΝἶἷΝ viὅtaΝ ldquoaὀaliacutetiἵὁrdquoΝ ἶἷΝ lἷituὄaΝἶὁὅΝdiaacutelogos Ela sugere que quando diferentes diaacutelogos platocircnicos parecem ter conteuacutedos semelhantes ὅatildeὁΝmἷlhὁὄἷὅΝἷὀtἷὀἶiἶὁὅΝἵὁmὁΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquomἷtalἷὂὅἷrdquoΝaὂaὄἷἵendo e criticando ideias anteriores incentivando os leitores a pensarem os problemas por si mesmos O fato eacute que o que mais vemos eacute o diaacutelogo usado artiacutestica ou indiretamente Nos parece menos evidente que o intuito ou a tarefa mais direta seja interpretar o pensamento de Platatildeo Ela ainda destaca que a mesma questatildeo estaacute impliacutecita nas interpretaccedilotildees esoteacutericas e straussianas que natildeo atribuem um valor maacuteximo ao desenvolvimento mas o debate recente (e aqui ela se refere agrave tradiccedilatildeo interpretativa literaacuteria contemporacircnea) tambeacutem revelou a importacircncia desse ponto para quem lecirc os diaacutelogos natildeo como veiacuteculos expliacutecitos natildeo satildeo leitores doutrinais (unitaristas) ou analiacuteticos (revisionistas) (McCABE 2002 p 4)
38 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
14 A posiccedilatildeo literaacuteria
A questatildeo referente agrave intepretaccedilatildeo da obra platocircnica como ateacute entatildeo demonstrado eacute
algo que ainda divide opiniotildees entre os especialistas O primeiro questionamento de qualquer
leitor que se deparara com a obra de Platatildeo eacute sobre o modo como se deve ler Platatildeo por
onde comeccedilar Em geral qual metodologia adotar Creio que a pergunta pode e deve ser
redirecionada para a um outro aspecto ainda mais importante o modo de elaboraccedilatildeo das
obras platocircnicas isto eacute o diaacutelogo por que Platatildeo escreve diaacutelogos por que adota este meacutetodo
de exposiccedilatildeo filosoacutefico Teria nosso autor algum outro propoacutesito senatildeo aqueles meramente
literaacuterios Objetivos retoacutericos Filosoacuteficos Ou ambos
Sobre essa questatildeo muito jaacute foi discutido e ainda se discute De fato a noacutes leitores de
Platatildeo eacute necessaacuterio lidar com essa estreita relaccedilatildeo proacutepria da elaboraccedilatildeo do pensamento
filosoacutefico platocircnico digo a respeito das particularidades que envolvem uma escrita filosoacutefica
sobre a forma dramaacutetica do diaacutelogo Como conjugar essa triacuteplice caracterizaccedilatildeo presente na
obra platocircnica os diaacutelogos satildeo escritos escritos dramaacuteticos e tambeacutem obras filosoacuteficas A
questatildeo ainda se torna mais profunda agrave medida em que notamos que a proacutepria obra de Platatildeo
se insere na criacutetica tanto agrave poesia quanto agrave escrita ao mesmo tempo em que ela proacutepria eacute
uma obra escrita e dramaacutetica Como lidar com as criacuteticas relativas agrave poesia e principalmente
agrave proacutepria escrita encontrada nos diaacutelogos (Phdr 274b- 279c48 Ep VII 341c-345c49)
48 Resumidamente os conteuacutedos da criacutetica satildeo os seguintes (i) produz mera aparecircncia de saber (ii) tem caraacuteter apenas mnemocircnico para quem escreve (iii) manteacutem-se em silecircncio a semelhanccedila da pintura (iv) questionada responde sempre a mesma coisa a entendidos e a desentendidos (v) incapaz de se defenderΝ ὄἷὃuἷὄΝ ὅἷmὂὄἷΝ ὁΝ ὅὁἵὁὄὄὁΝ ἶἷΝ ὅἷuΝ autὁὄέΝ ἏὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶὁΝ ldquoἴὁmrdquoΝ ἶiὅἵuὄὅὁμΝ (i)Ν ὂὁὅὅuiΝnatureza e origem mais potente e melhor por isso tambeacutem um homem seacuterio (falta algo) (ii) natildeo confia ao escrito suas coisas mais importantes (iii) se ele utiliza o escrito eacute apenas por brincadeira e para o auxiacuteliὁΝἶaΝmἷmὰὄiaΝ(iv)ΝἷlἷΝὅἷΝἶἷἶiἵaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἷΝἷὅἵὁlhἷΝaὅΝalmaὅΝaὂtaὅΝὀaὅΝὃuaiὅΝiὄὠΝldquoὅἷmἷaὄrdquoΝὁὅΝdiscursos (v) deve conhecer a verdade sobre o que fala ou escreve praticando o meacutetodo da divisatildeo conhecendo a natureza da alma de quem ouve oferecer-lhe o conteuacutedo mais adequado (vi) deve perceber que nada de seacuterio haacute no discurso escrito mas sim naquele que se inscreve na alma (vii) compondo discursos com conhecimento e verdade deveraacute tambeacutem ser capaz de defendecirc-los na ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὁὄalΝἷΝmὁὅtὄaὄΝaὅΝiὀfἷὄiὁὄiἶaἶἷὅΝἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝaὅὅimΝὂὁἶἷὄὠΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝldquofilὰὅὁfὁrdquoΝ(Phdr 274b- 279c) 49 A Carta relata que Dioniso de Siracusa teria escrito um tratado atribuindo-o como depositaacuterio das ideias mais importantes do proacuteprio Platatildeo Diante disso este uacuteltimo teria apresentado uma seacuterie de alegaccedilotildees (i) quem escreve ou vier a escrever sobre esse assunto nada entendeu (ii) de Platatildeo natildeo haacute nem nunca haveraacute um tratado sobre tais assuntos Isto porque (i) sobre ele natildeo se pode escrever (ii) (porque) a quem se deteve longamente com ele (a sua compreensatildeo) nasce num instante na alma e alimenta-se por si (iv) ningueacutem melhor que ele (o proacuteprio Platatildeo) seria capaz de falar ou escrever sobre o assunto se acaso lhe fosse oportuno fazecirc-lo (iii) mas haacute uma razatildeo que passaraacute a expor (digressatildeo) e que se opotildee a que se escreva sobre ele (Ep VII 341c-345c)
39 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Como jaacute dito anteriormente vaacuterios modelos foram propostos seja aquele em que
devemos considerar a obra de Platatildeo como algo unitaacuterio cuja finalidade seria expor uma visatildeo
ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝldquoἶὁgmὠtiἵardquoΝὅἷΝὃuiὅἷὄmὁὅΝὅἷjaΝaὃuἷlaΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷmὁὅΝὀὁtaὄΝἵἷὄtaὅΝὄuὂtuὄaὅΝaΝ
partir da variabilidade ali apresentada tanto na composiccedilatildeo das proacuteprias obras enquanto
encenaccedilotildees especiacuteficas e variadas quanto no conflito entre pontos de vistas entre conteuacutedos
muacuteltiplos e ateacute mesmo contradiccedilotildees Como tambeacutem jaacute dissemos essa eacute uma questatildeo
antiquiacutessima e remonta a todo um histoacuterico que poderiacuteamos tratar exaustivamente Mas esse
natildeo eacute o meu propoacutesito aqui quero apenas delinear algumas visotildees para a partir delas deixar
claro meu objetivo com este estudo O que podemos resumidamente afirmar eacute que essas
perspectivas se desenvolvem basicamente a partir de duas perspectivas ou seja podemos
crer como os neoplatocircnicos que Platatildeo apresenta um pensamento proacuteprio uma doutrina
ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶὁgmatiὅmὁrdquoνΝviὅatildeὁΝὃuἷΝὅἷΝὅὁliἶifiἵὁuΝὀὁὅΝmaὀuaiὅΝἶἷΝhiὅtὰὄiaΝἶaΝ
filosofia ou apenas acreditar como jaacute acreditavam na antiguidade que natildeo podemos afirmar
nada acerca do que eacute exposto nos diaacutelogos logo aderir a uma visatildeo de um Platatildeo ceacutetico50
A tradiccedilatildeo interpretativa nos deixou tal heranccedila mas ao mesmo tempo nos deixou tamanho
legado a saber discernir algo plausiacutevel acerca da hermenecircutica platocircnica Diante disso basta
analisar essa discussatildeo infinda que se travou durante seacuteculos O fato eacute que na
contemporaneidade as posiccedilotildees estanques tecircm demonstrado sua real ineficaacutecia O que natildeo
podemos negar eacute que a composiccedilatildeo de uma filosofia dramaacutetica sob fins dialeacuteticos eacuteevidente
nos diaacutelogos os quais satildeo dramas especiacuteficos apresentados em cada obra contextos
distintos que se iniciam a partir de uma discussatildeo em torno de um tema especiacutefico gerando
desdobramentos ainda maiores
Chego ao ponto desejado na contemporaneidade retoma-se um debate frequente
acerca dessa proacutepria concepccedilatildeo dramaacutetica o modo como ela eacute elaborada seus aspectos
fundamentais Alguns autores importantes como C Gill (2006) M Frede (1998) M M
Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre
(1995) e Harold Tarrant (2000) visam recuperar uma visatildeo que jaacute era presente na
Antiguidade51 ao manifestarem sua discordacircncia de qualquer leitura que vise encontrar nas
obras de Platatildeo uma espeacutecie de doutrina geral mas entendem os diaacutelogos como um estiacutemulo
para a busca pessoal de um indiviacuteduo pela verdade No entanto eles trazem reflexotildees
50 ldquoἠὁΝiὀtἷὄiὁὄΝἶaΝεὧἶiaΝἷΝἶaΝἠὁvaΝἏἵaἶἷmiaΝ- desde Arcesilau que assumiu a direccedilatildeo da escola em 270 aC - sabe-se que a orientaccedilatildeo fundamental era justamente combater os dogmatikoi ou seja os aristoteacutelicos epicuristas e estoicos Assim escreveu Ciacutecero no De Oratore (1930 livro III p 67) lsquoἏὄἵἷὅilauΝέέέΝtiὄaΝἶὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷὅἵὄitὁὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝέέέΝaΝἵὁὀἵluὅatildeὁΝὃuἷΝὀaἶaΝἶἷΝἵἷὄtὁ pode ser apreendido seja pelos sentidos seja pelo espirito (nihil esse certi quo aut sensibus aut animo percipi possit )rsquoνΝἷΝaἵὄἷὅἵἷὀtaΝὃuἷΝἏὄἵἷὅilauΝutiliὐavaΝἵὁmὁΝmὧtὁἶὁΝaὃuἷlἷΝlsquoἶἷΝὀatildeὁΝὄἷvἷlaὄΝὁΝὃuἷΝὂἷὀὅaΝmaὅΝaὄgumἷὀtaὄΝcontra o que os outros dizἷmΝὂἷὀὅaὄrsquordquoΝ(ἐἓἠἡIἦΝ1λλἃΝὂέΝἆλ)έ 51 Cf ANNAS (2012 p 37) e TARRANT (2000 p 79)
40 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
importantes Refiro-me aqui agrave atenccedilatildeo que reclamam aos aspectos literaacuterios presentes na
composiccedilatildeo dialoacutegica
A questatildeo nesse caso eacute mais criteriosa e pouco menos estrita pois se trata de saber
se podemos ler Platatildeo apenas de um modo literaacuterio ou filosoacutefico Sayre por exemplo
responde a este questionamento dizendo que seria extremamente possiacutevel analisar os
diaacutelogos apenas pelo espetaacuteculo que eles produzem (1995 p 29) Ou seja segundo a visatildeo
daqueles que buscam encontrar ali teorias filosoacuteficas algo meramente secundaacuterio como o
contexto o lugar os personagens em suma o palco onde se apresenta a encenaccedilatildeo contida
no diaacutelogo poderia talvez nos trazer reflexotildees interessantes sem que sejam assumidas teses
filosoacuteficas que dali poderiam derivar Neste sentido podemos retomar a criacutetica de Tejera
(1λλλ)Ν ὡὅΝ lἷituὄaὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ὀὁmἷiaΝ ἵὁmὁΝ ldquolἷituὄaΝ iἶἷaliὅtaΝ ἶaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁrdquoέΝ ἠaὅΝ
paacuteginas que abrem sua obra ele convida o leitor a manifestar um olhar despretensioso sobre
as obras platocircnicas analisando apenas aquilo que determinado diaacutelogo possa vir a lhe
apresentar a reparar a vivacidade da discussatildeo o combate entre os personagens o tom da
discussatildeo todos os recursos literaacuterios disponiacuteveis (mitos alegorias omissotildees dentre outros)
que em uma leitura formal e dogmaacutetica seriam segundo o autor reinterpretados e tomariam
a forma de um conteuacutedo de uma intepretaccedilatildeo secundaacuteria e geral de algo que seria muito
mais especiacutefico (p 9- 10)
Da mesma maneira esse teoacuterico se contrapotildee agraves interpretaccedilotildees dogmaacuteticas dos
textos platocircnicos em grande parte responsaacuteveis pelo enfraquecimento da vivacidade
presente nos diaacutelogos pela riqueza literaacuterio-retoacuterica ali presente quando recolhem de
contextos especiacuteficos trechos fragmentos de uma obra maior para transformaacute-los em teorias
O brilhantismo literaacuterio das obras esmaece-se em uma palidez tornando os discursos vivos
apresentados de forma refinada em algo sem vida doutrinaacuterio e digno de recusa por um
espiacuterito filosoacutefico criacutetico pois impedem a liberdade interpretativa do leitor como tambeacutem os
resultados decorrentes de uma investigaccedilatildeo proacutepria atualizada
A leitura exegeacutetica acadecircmica iniciada desde a Antiguidade segundo Tejera seria
responsaacutevel pela morte dos diaacutelogos naquilo que eles mesmo satildeo diaacutelogos Da Antiguidade
sucessora de Platatildeo ateacute a contemporaneidade Platatildeo teria sido interpretado e reinterpretado
de acordo com interesses quase que distantes do que realmente sua obra apresenta segundo
interesses neoplatocircnicos proacuteprios o que segundo o teoacuterico teria sido responsaacutevel pelo
desinteresse em um autor brilhante que passa a ser visto como um filoacutesofo dogmaacutetico
defensor de doutrinas e que obviamente passaraacute a ser visto como antiquado retroacutegrado ou
ateacute mesmo superado (1999 p 11-14)
ἢὁἶἷmὁὅΝὂὁὄΝhὁὄaΝὀὁὅΝὄἷfἷὄiὄΝaΝἷὅὅἷΝήltimὁΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἵὁmὁΝldquoὂaὄaἶigma
literaacuterio-filὁὅὰfiἵὁrdquoΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝὅἷguὀἶaΝmἷtaἶἷΝἶὁΝὅὧἵulὁΝXXΝἷxὂὄἷὅὅὁΝἷmΝgὄaὀἶἷΝὂaὄtἷΝὂὁὄΝ
C Gill (2006) Em suma se distingue em grande parte do revisionismo estrito e tambeacutem do
41 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
desenvolvimentismo porque segundo creem seus partidaacuterios os argumentos filosoacuteficos
muitas vezes devem partir de uma anaacutelise autocircnoma e particular detida na anaacutelise dos criteacuterios
literaacuterios que por vezes superam a argumentaccedilatildeo filosoacutefica Os aspectos dramaacuteticos ou
literaacuterios satildeo decisivos para a compressatildeo dos diaacutelogos De tal maneira cada argumento deve
se ater agravequele diaacutelogo restringindo-se aos limites da argumentaccedilatildeo ali apresentada Nenhum
personagem neste caso seria porta-voz de Platatildeo nem mesmo Soacutecrates mas cada um
desempenharia um papel particular falando a partir de si mesmo de um ponto de vista bem
fundamentado Platatildeo assim natildeo estaria no fundo no comando da cena dialoacutegica Seria
neste caso imprescindiacutevel ao leitor privar-se de estabelecer relaccedilotildees entre argumentos
distintos sobre um mesmo tema partindo de contextos dialoacutegico-argumentativos ou mesmo
formular uma espeacutecie de teoria geral proveniente de um entrecruzamento entre obras de um
suposto sistema de pensamento platocircnico52
Gill (2006) apresenta quatro constataccedilotildees principais sob as quais poderiacuteamos preferir
adotar tal visatildeo interpretativa (i) o conhecimento objetivo do tipo mais importante (sobre os
princiacutepios essenciais da realidade) soacute pode ser alcanccedilado na e por meio da participaccedilatildeo na
dialeacutetica ou seja o diaacutelogo filosoacutefico conduzido mediante perguntas e respostas sistemaacuteticas
individuais (ii) o exame dialeacutetico soacute atinge esse objetivo se os participantes (a) trazerem para
a dialeacutetica as qualidades apropriadas de caraacuteter e intelecto e (b) se envolverem efetivamente
no modo de dialeacutetica que esteja apropriadamente relacionado ao assunto em discussatildeo (iii)
o entendimento adequado qualquer problema filosoacutefico verificado depende de situar este
problema corretamente em relaccedilatildeo a (a) os princiacutepios fundamentais da realidade e (b) os
princiacutepios fundamentais do meacutetodo dialeacutetico (iv) cada encontro dialeacutetico tem sua proacutepria
probidade e significado e constitui um contexto em que podem ser feitos progressos
substanciais para a compreensatildeo dos princiacutepios fundamentais da realidade e do meacutetodo
filosoacutefico (p 143) Ele ainda detalha
Quero sugerir que esses princiacutepios podem nos ajudar a explicar certos recursos recorrentes da forma de diaacutelogo e que fornecem uma base para analisar a perspectiva filosoacutefica que estaacute subjacente agrave implantaccedilatildeo platocircnica da dialeacutetica Eles nos permitem primeiro definir um tipo diferente de unitarismo do discutido anteriormente ou seja um unitarianismo de
52 ldquoἏΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ἷὀvὁlvἷΝ tamἴὧmΝ ὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝ ἶὄamὠtiἵὁ-literaacuterios e o natildeo dogmatismo inovador dos inteacuterpretes de Platatildeo Como eacute notaacutevel por parte de muitos estudiosos os diaacutelogos satildeo dramas natildeo tratados e na interpretaccedilatildeo de dramas eacute simplesmente inadequado atribuir as falas dos personagens ἷΝὅuaὅΝiἶἷiaὅΝaὁΝautὁὄέΝἏlὧmΝἶiὅὅὁΝviὅtὁὅΝἵὁmὁΝtἷxtὁὅΝlitἷὄὠὄiὁὅΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝldquoἶialὰgiἵὁὅrdquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝbakhtiniano isto eacute textos em que diferentes personagens tecircm diferentes visotildees de mundo e falam a partir de seus proacuteprios pontos de vista bem fundamentados ao inveacutes de serem controlados pelo ldquomὁὀὁlὰgiἵὁrdquoΝὂὁὀtὁΝἶἷΝviὅtaΝἶἷΝὅἷuΝautὁὄΝ(ἢἤἓἥἥΝἀίίίΝὂέΝἃ)έ
42 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
perspectiva filosoacutefica e natildeo o conteuacutedo das ideias ao longo dos diaacutelogos53Em segundo lugar eles nos ajudam a ver o significado filosoacutefico da praacutetica de Platatildeo de apresentar cada diaacutelogo como um encontro dialeacutetico distinto Em terceiro lugar eles fornecem uma base para uma periodizaccedilatildeo das obras de Platatildeo com base em variaccedilotildees no tipo de diaacutelogo - em particular na medida em que a dialeacutetica responde a visotildees diferentes ou opostas Concluo caracterizando a perspectiva filosoacutefica que estaacute impliacutecita a meu ver nesses princiacutepios dialeacuteticos e no uso de Platatildeo pela forma de diaacutelogo (GILL 2006 p 143-144)
A proposta eacute realmente tentadora e possui o meacuterito de nos chamar a atenccedilatildeo para a
grandeza da composiccedilatildeo literaacuteria encontrada nos diaacutelogos platocircnicos Aleacutem disso devemos
reconhecer sem sombra de duacutevida o caraacuteter protreacuteptico dos diaacutelogos que nos incita a uma
reflexatildeo a um envolvimento com a atividade dialeacutetica caracteriacutestica essencial da filosofia
ὂlatὲὀiἵaέΝἢὁὄὧmΝἷlaΝaiὀἶaΝὧΝἷxtὄἷmaἶaΝἷΝtalvἷὐΝὂὁὅὅaΝὀὁὅΝἶiὄigiὄΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἵἷtiἵiὅmὁΝ
iὀtἷὄὂὄἷtativὁrdquoέΝ ἒigὁΝ iὅὅὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ὀὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ὧΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ ὀὁtaὄΝ ἵὁmὁΝ algumaὅΝ tἷὅἷὅΝ ὅatildeὁΝ
sutilmente construiacutedas como os mesmos temas voltam a ser tratados com ainda mais vigor
e refinamento semelhantes posicionamentos gerais satildeo adotados em certas obras o cuidado
com a personagem Soacutecrates e sua proeminecircncia diante dos seus interlocutores O que natildeo
significa que possamos imediatamente recolher de seus discursos teses efetivamente
platocircnicas e compor uma doutrina platocircnica geral isso ainda nos eacute infranqueaacutevel Mas em se
tratando de Platatildeo tais habilidades literaacuterias anteriormente destacadas natildeo podem ser
impensadas ou mesmo desprovidas de um propoacutesito
A adoccedilatildeo e preferecircncia exclusiva do diaacutelogo deve ser vista como uma motivaccedilatildeo
propriamente filosoacutefica Por isso eacute necessaacuterio reconhecer tambeacutem o tempo e o espaccedilo ou
melhor o contexto no qual se insere os objetivos especiacuteficos da composiccedilatildeo dialoacutegica
platocircnica Contudo essas constataccedilotildees natildeo devem nos dirigir a um impasse interpretativo ao
superestimar os aspectos unicamente literaacuterios de uma determinada obra sem notarmos aiacute
qualquer conteuacutedo filosoacutefico mas apenas um discurso destinado ao desejo de satisfaccedilatildeo de
um puacuteblico audiente O anonimato a variabilidade e consequente dificuldade expressa pela
forma dialogal natildeo devem nos impedir de atribuir um conteuacutedo filosoacutefico a Platatildeo optando por
uma ecircnfase extremada no aspecto formal da composiccedilatildeo dramaacutetica nem mesmo colocar em
descreacutedito ao que estaacute ali efetivamente expresso a fim de priorizar fragmentos incompletos
emblemaacuteticos e enigmaacuteticos ao se optar por um caminho muito mais difiacutecil de reconstruccedilatildeo
53 Alguns autores preferem organizar cronologicamente as obras platocircnicas a partir de uma dataccedilatildeo dramaacutetica na qual a questatildeo histoacuterica eacute vista em virtude da coerecircncia manifesta entre os diaacutelogos sem portanto recorrer a fases histoacuterico-geneacuteticas como faz por exemplo o meacutetodo geneacutetico-expositivo Veja por exemplo ZUCKERTH (2009) e BENOIT (2015) que recorrem novamente agrave tetralogia para fundamentar sua interpretaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da obra platocircnica sob quatro temporalidades lexis noesis genesis e poiesis
43 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
do pensamento platocircnico por via das chamadas doutrinas orais de Platatildeo54 Mas voltemos agrave
leitura enfaticamente dramaacutetica sobre isso acredito ser oportuno dar voz a Trabattoni
54 Sobre isso ver Scolnicov (2003) apesar de sua adesatildeo agrave priorizaccedilatildeo de uma leitura restrita a cada diaacutelogo centrada na eventualidade dramaacutetica de cada texto Considero sua visatildeo bem fundamentada um pouco menos extrema No entanto ele mesmo critica essa possiacutevel saiacuteda da leitura dialoacutegica em viὅtaΝἶἷΝalgὁΝὁὂaἵὁΝἵὁmὁΝὧΝὁΝἵaὅὁΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-ἷὅἵὄitaὅrdquoέΝἡὅΝἷὅὁtἷὄiὅtaὅΝaὂἷὅaὄΝἶἷΝὅἷΝvalἷὄἷmΝ ἶὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ ὅilecircὀἵiὁrdquoΝ ἶὁὅΝ uὀitaὄiὅtaὅΝ faὐἷmΝ ὁutὄὁΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ uὅὁΝ ἶἷὅὅἷΝ mἷἵaὀiὅmὁΝinterpretativo desviando a necessaacuteria atenccedilatildeo aos conteuacutedos apresentados em cada contexto ἶialὰgiἵὁΝἴuὅἵaὀἶὁΝalgὁΝldquoalὧmrdquoΝἶὁΝὃuἷΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶiὠlὁgὁΝὂὁἶἷὄiaΝlἷvaὄΝaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄέΝἢaὄtἷmΝἶἷΝumaΝconcepccedilatildeo de um Platatildeo restrito agrave exposiccedilatildeo escrita voltado agrave oralidade (o que eacute em termos concordaacutevel) anteriormente mas a finalidade dessa restriccedilatildeo eacute outra pois os diaacutelogos satildeo tratados como uma espeacutecie de iniciaccedilatildeo filosoacutefica a um conteuacutedo maior que natildeo vemos se apresentar nos diaacutelogos do qual apenas alguns estariam aptos a reconhecer o testemunho maior seria a fragmentada tὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtaΝὂlatὲὀiἵaΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoὂὁiὅΝaΝvἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὐἷὄέΝἓlaΝὅὰΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝapreendida Ela natildeo eacute a correspondecircncia de uma proposiccedilatildeo a um estado-de-coisas Ela eacute uma questatildeo ontoloacutegica moral e praacutetica ela estaacute aiacute para ser apreendida e ateacute que natildeo seja apreendida todas as palavras ficam sem sentido O ponto de apoio dos diaacutelogos fica assim sempre externo a eles Isso natildeo quer dizer como estaacute novamente em moda mantecirc-lὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtἷvἷΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὅἷἵὄἷtarsquoΝὁu uma doutrina de princiacutepios uma Prinzipienlehre e que os diaacutelogos devem ser interpretados agrave luz de tal doutrina Isso seria aceitar que a posiccedilatildeo filosoacutefica fundamental de Platatildeo podia ser formulada e passada a outros se bem que apoacutes uma longa preparaccedilatildeo natildeo apropriada a todos Concordo com tais inteacuterpretes que os diaacutelogos de Platatildeo satildeo incompletos de modo que nos satildeo dados e que a chave de sua interpretaccedilatildeo estaacute fora deles Mas natildeo creio que seja um grupo de princiacutepios ou uma doutrina de um tipo qualquer mas um evento um poderoso evento que natildeo soacute deixaria em Platatildeo uma profunda impressatildeo convencendo da supremacia absoluta da razatildeo Essa supremacia era para ele natildeo tanto epistemoloacutegica como ontoloacutegica e especialmente moral Para Platatildeo Soacutecrates mostrou em sua vida e em sua morte que o bem e o real satildeo o mesmo Seus diaacutelogos tentam nos fazer compreender o que ἷὅὅaὅΝὂalavὄaὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝὀὁὅΝἷὀὅiὀaὄΝὂὁὄΝὅiΝὅὰὅrdquoΝ(ἥἑἡἜἠIἑἡVΝἀίίἁΝὂέΝἃἆ-59) Nada nos garante como atesta Frede (2013 p 57) que Platatildeo natildeo tivesse em mente os objetivos que tinha a pretensatildeo de apresentaacute-los gradualmente em sua obra contudo natildeo haacute nada nos diaacutelogos que possa provar isso esse eacute o ocircnus das visotildees baseadas no unitarismo Podem argumentar os esoteristas em favor da proximidade de Aristoacuteteles com Platatildeo ou postulando as recorrentes indicaccedilotildees das doutrinas orais entre os variados testemunhos indiretos mas a questatildeo de fundo que coloca em duacutevida a hipoacutetese esoterista eacute melhor explicada quando se atesta que a criacutetiἵaΝὡΝἷὅἵὄitaΝὀatildeὁΝὧΝmἷὄamἷὀtἷΝldquoἷmὂiacuteὄiἵardquoΝiὅtὁΝeacute baseada em uma distinccedilatildeo entre escrito e oralidade ela possui um caraacuteter filosoacutefico mais amplo a saber dirige-se a finalidade a que ambas as teacutecnicas escritooralidade possam vir a comportar Neste sentido tanto escrito quanto oralidade podem servirem ao oproacutebio quando seus usos natildeo estatildeo orientados agrave finalidade mais importante para nosso autor que no caso trata-se da atividade dialeacutetica ἢὁὄΝiὅὅὁΝhὠΝἵἷὄtaΝἶἷὅἵὁὀfiaὀὦaΝὀὁΝἷὅἵὄitὁΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶaὅΝldquoἵὁiὅaὅΝmaiὅΝὅὧὄiaὅrdquoΝἶἷΝὅuaΝfilὁὅὁfiaΝἷΝporque tambeacutem deixam sacramentado qualquer doutrina nos diaacutelogos contraria a defesa caracteriacutestica fundamental do exerciacutecio da atividade dialeacutetica que se expressa na imitaccedilatildeo na substituiccedilatildeo do ldquoἶiὠlὁgὁΝὁὄalrdquoΝ(ὂὄἷfἷὄiacutevel) por meio do escrito o texto eacute apenas um estiacutemulo para aquilo que natildeo pode se findar em qualquer praacutetica filosoacutefica o debate dialeacutetico O anonimato assim como as contradiccedilotildees as reticecircncias e as cautelas de Soacutecrates preserva o autor de qualquer julgamento dogmaacutetico ao mesmo tempo em que possibilitam sua construccedilatildeo enquanto autor sua autocriacutetica filosoacutefica Nisto tambeacutem reside o valor dos diaacutelogos podemos relecirc-los e essa eacute uma finalidade importante sendo capaz de adentrar ou natildeo agrave discussatildeo ali desenvolvida ao tornaacute-la novamente viva reconhecendo a necessidade de filosofar utilizando-se da forccedila do ζσΰκμ Logo ningueacutem pode se furtar da criacutetica nem mesmo quem ora escuta nem mesmo quem ora responde (TRABATTONI 2012 p 21-22) Ver tambeacutem (SANTOS 1994 p 163-176) (DIXSAUT 2001 p 18-28) (FRANCO 2010 p 267-287)
44 14 A posiccedilatildeo literaacuteria
Os diaacutelogos natildeo podem ser completamente comparados a obras teatrais ou a textos meramente descritivos mas no seu interior mostram ser bem dirigidos propositivos muitas vezes polecircmicos irocircnicos e ateacute mesmo tendenciosos Por detraacutes do texto em suma transparece a presenccedila do autor que constroacutei e sustenta com sabedoria o jogo do diaacutelogo fazendo explodir contradiccedilotildees lanccedilando sinais muitas vezes sutis e obscuros sugerindo implicitamente ao leitor alguns percursos contentando-se por vezes somente em confundi-lo para provocar nele determinadas reaccedilotildees O autor em outras palavras eacute materialmente ausente do diaacutelogo mas bem presente do ponto de vista filosoacutefico como um invisiacutevel manipulador que move suas marionetes na cena para alcanccedilar determinados objetivos (2012 p 19)
Trabattoni (2012) ainda nos adverte sobre os perigos de confundirmos a relaccedilatildeo entre
autor e leitor e a relaccedilatildeo entre o protagonista do diaacutelogo e o seu interlocutor sendo necessaacuterio
lembrar que muitos textos escritos eram lidos em voz alta em praccedila puacuteblica (2012 p 20)
Portanto seria mais prudente natildeo associar imediatamente os propoacutesitos dramaacuteticos evidentes
destinados agrave atraccedilatildeo do puacuteblico ao despertar de consciecircncia de sua audiecircncia do sentido
mais aprofundado (dialeacutetico) que caracteriza determinada obra filosoacutefica e a proacutepria relaccedilatildeo
entre condutor e interlocutor da discussatildeo55
Outra objeccedilatildeo importante eacute que sendo Platatildeo um defensor deste caraacuteter protreacuteptico
da real necessidade da investigaccedilatildeo proacutepria caracteriacutestica fundamental da atividade dialeacutetica
da importacircncia atribuiacuteda neste caso agrave filosofia natildeo se pode negar que ele tenha crenccedilas
proacuteprias acerca dos assuntos dos quais trata concepccedilotildees filosoacuteficas sobre a realidade sobre
a vida humana etc Ora isto nos faz pensar que devemos ir em uma direccedilatildeo contraacuteria ao
tentar sim buscar construir uma posiccedilatildeo platocircnica sobre certos temas ainda que natildeo
possamos tomaacute-las como teorias strictu sensu Em suma podemos concluir com Trabattoni
(2012 p 25) que eacute realmente verdade que alguns diaacutelogos resolvem certos problemas e
outros natildeo mas nenhum deles eacute tatildeo aporeacutetico a ponto de natildeo oferecer nenhum avanccedilo na
pesquisa nenhuma soluccedilatildeo ainda que implicitamente nem ao menos nenhum deles eacute tatildeo
dogmaacutetico e conclusivo de tal modo que posamos a partir dali conceber conteuacutedos
verdadeiros absolutos e definitivos Dirijo-me agora agrave proposta de leitura adotada neste
trabalho
15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
55 Cf GERSON (2000 p 5) acerca da distinccedilatildeo necessaacuteria entre o representativo e o argumentativo Gerson defende que Soacutecrates tambeacutem produz argumentos Marques (2006) diz acertadamἷὀtἷμΝ ldquoἡΝdiaacutelogo escrito eacute miacutemesis do diaacutelogo oral mas eacute tambeacutem invenccedilatildeo de personagens que dialogam entre ὅiΝἷΝἷxὂὄἷὅὅamΝumΝἶiὠlὁgὁΝὃuἷΝaΝalmaΝmaὀtὧmΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmardquoΝ(ὂέΝἂί)έ
45 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Primeiramente diante do que foi exposto eacute preciso notar que natildeo podemos adotar
nenhuma das trecircs posiccedilotildees extremas mas que em alguns aspectos natildeo em todos elas
contribuem para a escolha de uma determinada abordagem O que se exige do inteacuterprete eacute
uma necessaacuteria cautela uma posiccedilatildeo mediana tanto entre unitarismo e desenvolvimentismo
quanto entre dogmatismo e ceticismo interpretativo O fato de Platatildeo se ausentar da obra natildeo
significa que natildeo possamos tentar construir uma intepretaccedilatildeo do que sejam suas posiccedilotildees
muito pelo contraacuterio ela assegura ainda mais nossa liberdade interpretativa Contudo isso
natildeo significa que essas mesmas posiccedilotildees natildeo sejam postas em criacutetica em debate e que elas
possam revestir-se de dogmatismo pelo fato de reconhecermos certa ocorrecircncia de
determinados argumentos e o esforccedilo frequente empregado em defendecirc-los Neste sentido
o caraacuteter investigativo (protreacuteptico) suscitado pelo diaacutelogo natildeo eacute contraditoacuterio com a
construccedilatildeo de posicionamentos que possam ser atribuiacutedos a Platatildeo
Devemos ainda salientar que toda atenccedilatildeo deve ser dada agrave particularidade dos
argumentos ao serem analisados no contexto geral da obra isto eacute sobre o modo como se
desenvolvem e sua peculiaridade em um determinado acircmbito dialeacutetico isto eacute jamais se deve
sacrificar o contexto dialeacutetico em que dado argumento estaacute fundamentado desconsiderando
todo o processo pelo qual ele se desenvolve Nada impede entretanto que possamos
estabelecer certa correlaccedilatildeo por intermeacutedio de referecircncias a argumentos sobre temas
defendidos em outras obras que porventura nos conduzam a compreensatildeo platocircnica de que
um dado tema natildeo se encontra limitado a um uacutenico diaacutelogo Semelhantemente parece vaacutelido
levar em conta as questotildees literaacuterias especiacuteficas demonstradas em cada exposiccedilatildeo em
particular (mitos alegorias omissotildees reticecircncias contradiccedilotildees ironia refutaccedilatildeo etc) elas
nos ajudam a compreender o processo sob o qual a argumentaccedilatildeo elaborada eacute relevante no
conjunto da interpretaccedilatildeo Todavia essas posiccedilotildees natildeo determinam o conteuacutedo geral da obra
natildeo a descrevem mas estatildeo inseridas num acircmbito maior referem-se unicamente ao
processo ao desenvolvimento loacutegico de uma dada argumentaccedilatildeo que tem finalidades outras
que natildeo um mero espetaacuteculo de posiccedilotildees diacutespares representados pelo pensamento
autocircnomo de cada personagem
Natildeo se trata de negar que haja mutaccedilatildeo ou uma espeacutecie de crescendum na obra
platocircnica mas o que natildeo parece ser correto eacute por meio dessas formas que documentam uma
evoluccedilatildeo nas obras direcionarmo-nos a um dogmatismo platocircnico Antes devemos notar a
finalidade dessa mudanccedila no desenvolvimento da argumentaccedilatildeo qual o sentido da utilizaccedilatildeo
de um recurso literaacuterio em detrimento de outro Insisto que isso natildeo eacute negar a evoluccedilatildeo do
pensamento platocircnico mas como nos diz Trabattoni eacute antes de tudo destituir a funccedilatildeo
dessas mudanccedilas utilizadas para resolver questotildees filosoacuteficas isto eacute retirar o caraacuteter
substancial por vezes atribuiacutedo na tradiccedilatildeo interpretativa a tais mudanccedilas (2012 p 26)
46 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
Neste caso trata-ὅἷΝἶἷΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝldquotὁἶὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝ
p 20)56 ὁuΝ ldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝ (ἤἡWἓΝἀίίἅΝὂέΝἃί-51) em que forma e conteuacutedo natildeo podem ser
dissociaἶὁὅνΝἷὅὅἷΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶaΝativiἶaἶἷΝ
filosoacutefica nunca concluiacuteda aberta a investigaccedilotildees ulteriores repleta de ductilidade e distante
de dogmatismos Natildeo apenas Soacutecrates mas tambeacutem o entrelaccedilamento entre condutor e
interlocutor aleacutem dos mais variados aspectos literaacuterios aleacutem das personagens que possam
contribuir para a anaacutelise de uma determinada obra Sobre isso creio ser importante destacar
as concepccedilotildees oferecidas por Marques (2006)
Parece-me evidente que Platatildeo tivesse julgado que o diaacutelogo vivo entre almas eacute essencial agrave sua filosofia se pensarmos em sua produccedilatildeo escrita tudo o que ele escreveu estaacute em forma de diaacutelogo entre dois ou mais indiviacuteduos Eacute portanto razoaacutevel acreditar que seus escritos satildeo boas imagens do verdadeiro diaacutelogo dialeacutetico Mais do que a exclusatildeo do outro indiviacuteduo como ὅἷΝfὁὅὅἷΝalgὁΝὅuὂὧὄfluὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὅuὂὧὄfluὁrdquoΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝἶἷvἷΝὅἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶaΝἵὁmὁΝumaΝὄἷὅtὄiὦatildeὁΝὁuΝὃualifiἵaὦatildeὁμΝo diaacutelogo natildeo eacute algo meramente espontacircneo e automaacutetico ele convoca a reflexatildeo e a determinaccedilatildeo pela inteligecircncia dos movimentos que emanam da alma ele eacute uma caccedila e uma luta que implica esforccedilo compartilhado e conquistas parciais e principalmente suscetiacuteveis de serem eventualmente consideradas falsas pois sem o falso natildeo eacute possiacutevel o verdadeiro (p 332)
Ao buscarmos afirmar uma determinada posiccedilatildeo geral do pensamento platocircnico
devemos nos atentar agrave seriedade que essa tarefa nos impotildee sobre a necessidade de
demonstrar certa coerecircncia entre tais posiccedilotildees levantadas e aquelas apresentadas pelo texto
esgotando ao maacuteximo os recursos que possam nos proporcionar Haacute que se atentar agraves
diversas possibilidades loacutegicas possiacuteveis poreacutem sempre lembrando que a discussatildeo se insere
em um contexto dramaacutetico e por isso as leituras permanecem em aberto porque sempre eacute
possiacutevel observar algo que natildeo foi percebido imediatamente em uma leitura primeira sempre
resta um pouco de duacutevida em toda interpretaccedilatildeo Apenas depois de examinarmos
exaustivamente essas relaccedilotildees o modo como certas teses satildeo tratadas o modo como satildeo
desenvolvidas naquele cenaacuterio da discussatildeo filosoacutefica eacute que poderemos estabelecer
possiacuteveis consideraccedilotildees sobre uma dada questatildeo nomeadamente platocircnica Nossas
56 ldquoἢaὄaΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὀatildeὁΝἴaὅtaΝὅἷguiὄΝalgumaὅΝafiὄmaὦὴἷὅΝmἷὅmὁΝque se trate de afirmaccedilotildees de Soacutecrates (e dos outros condutores) Em vez disso faz-se necessaacuterio analisar no seu todo a estrutura dialoacutegica composta quer por perguntas quer por respostas dos interlocutores tentando assim entender o que Platatildeo queria dizer ao leitor ao construir um certo tipo de diaacutelogo no qual quem interroga formula certas perguntas e quem responde o faz de maneira bastante calculada O resultado do texto eacute sempre a soma desse entrelaccedilamento e pode acontecer com grandes chances que a contribuiccedilatildeo do interlocutor seja pouco relevante podendo tambeacutem acontecer (e com chances ainda maiores) que o sentido de um determinado desenvolvimento dialoacutegico ultrapasse laὄgamἷὀtἷΝaὅΝaὅὅἷὄὦὴἷὅΝἶὁὅΝἶialὁgaὀtἷὅrdquoΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝὂέΝἀί)έ
47 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
inferecircncias podem estar equivocadas ao supormos um conteuacutedo extra oculto que natildeo esteja
presente ali no diaacutelogo sendo por vezes algo deliberado pelo proacuteprio autor sob fins que natildeo
os ali delimitados
Logo nosso trabalho eacute aacuterduo e exige uma seacuterie de esforccedilos a serem empregados
pois acredito sim ser possiacutevel levantarmos algumas questotildees ou mesmo posicionamentos
sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo acerca da natureza e do papel do prazer na vida humana Meu
trabalho natildeo eacute neutro ele se caracteriza por ser uma leitura sobre a qual necessariamente haacute
divergecircncias o que natildeo eacute um problema mas um ganho porque nos possibilita dialogar a fim
de tentarmos tornar mais claras e coerentes nossas argumentaccedilotildees a partir de um debate
respeitoso o que natildeo significa ausecircncia de criacuteticas mas colocar em praacutetica o exerciacutecio de
nosso Mestre debruccedilando-se de forma rigorosa sobre a sua proacutepria obra tambeacutem passiacutevel
de criacutetica Por jaacute ter de lidar com uma quantidade expressiva de posicionamentos manifesto
minha recusa por uma aἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝfaὦaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoὅigὀifiἵaἶὁΝὁἵultὁrdquoΝ
diante de qualquer passagem enigmaacutetica do diaacutelogo em anaacutelise
Prefiro optar por deixar a discussatildeo aberta e me precaver atestando a necessidade de
maiores estudos sobre a obra seja por incapacidade manifesta no momento ou recorrendo
por exemplo agrave suposiccedilatildeo de possiacuteveis corrupccedilotildees ou acreacutescimo agraves traduccedilotildees de termos que
impossibilitem uma compreensatildeo mais clara de alguma passagem pela verificaccedilatildeo do aparato
criacutetico ou dos manuscritos ou mesmo reconhecendo depois de tudo isso que a questatildeo talvez
natildeo esteja bem esclarecida ou eacute propositalmente inconclusa Tambeacutem ao tratar o Filebo com
ldquoumΝἶiὠlὁgὁΝήltimὁrdquoΝὀatildeὁΝὂὄἷtἷὀἶὁΝfaὐἷὄΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝἵὄὁὀὁlὰgiἵὁὅΝὃuἷΝgἷὄalmἷὀtἷΝ
o atribuem com um diaacutelogo da fase final do pensamento platocircnico mas o que quero dizer com
isso eacute que dentre todos os diaacutelogos platocircnicos esse parece ser aquele que conteacutem uma
anaacutelise mais detida na questatildeo no prazer no qual o tema ganha maior visibilidade quando
comparado agraves demais obras do corpus em que o tema aparece por vezes timidamente por
vezes mais explicitamente
Resta ainda um ponto a ser destacado que diz respeito agrave preferecircncia por uma anaacutelise
predominantemente eacutetica da questatildeo do prazer em um contexto dramaacutetico em que natildeo
encontramos teorias formuladas estritamente nem tratados sobre o tema A obra de Platatildeo eacute
uma obra dialoacutegica em que os temas se encontram articulados e continuamente colocados
em discussatildeo Deste modo parece impossiacutevel operar semelhante distinccedilatildeo a respeito de uma
visatildeo uacutenica de um tema qualquer ainda mais quando se trata de temas tatildeo relevantes
tratados significativamente em outros diaacutelogos como o bem e a vida boa cujo mote nesse
diaacutelogo vem a ser a reflexatildeo sobre o prazer A temaacutetica que envolve o prazer estaacute relacionada
diretamente com a eacutetica mas como veremos no diaacutelogo a abordagem deste tema por Platatildeo
eacute ainda mais ampla natildeo se restringindo apenas aos conteuacutedos eacuteticos apesar de me
interessar predominantemente por estes uacuteltimos O Filebo daacute abertura a uma seacuterie de
48 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
possibilidades de leituras tendo em consideraccedilatildeo a variedade de temas ali encontrados
Todavia uma visatildeo plural como essa natildeo eacute suficiente para afirmar ao mesmo tempo a defesa
da ideia de que os diaacutelogos de Platatildeo natildeo conteriam nada que diga respeito a um conteuacutedo
eacutetico Muito pelo contraacuterio neles residem os conteuacutedos fundamentais que originam este tipo
de pensamento na filosofia ocidental essa disciplina filosoacutefica Tal posiccedilatildeo que natildeo deve nos
conduzir a um ceticismo interpretativo em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo e a seus conteuacutedos eacuteticos
mas
() noacutes lemos diaacutelogos e essa forma na qual a filosofia de Platatildeo eacute apresentada longe de ter valor unicamente exterior tem um sentido filosoacutefico e por esse motivo deve ser levada a seacuterio como sinal de uma problematizaccedilatildeo profunda e radical integralmente exploratoacuteria e hipoteacutetica de tudo aquilo que seu autor ndash por meio de uma linguagem que com ele comeccedila a ser filosoficamente teacutecnica mas que na maioria das vezes eacute ainda a linguagem do cotidiano ndash vem dizendo () A forma dialoacutegica poreacutem natildeo adia indefinidamente nem anula a obrigaccedilatildeo de seu autor de encontrar soluccedilotildees para os problemas discutidos tais soluccedilotildees ainda que provisoacuterias e parciais estatildeo presentes nos proacuteprios diaacutelogos e satildeo fruto da proacutepria problematizaccedilatildeo radical permitida por estrutura filosoacutefica e natildeo apenas literaacuteria (isso eacute vaacutelido independentemente da amplitude e da forccedila filosoacutefica global inscritas nas soluccedilotildees encontradas ou vislumbradas nos diaacutelogos () (NAPOLITANO VALDITARA 2015 p 14)
ἒἷὅtἷΝ mὁἶὁΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ὅimΝ ἷὅἴὁὦaὄΝ umΝ ὃuaἶὄὁΝ ὂaὄtiἵulaὄΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ldquoὧtiἵaΝ
ὂlatὲὀiἵardquoΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὁΝ ἴaὅἷΝ aΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ ὂὁὄΝ ἢlatatildeὁέΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ
adentrar em determinado contexto dramaacutetico a fim de elaborarmos ainda que possibilidades
provisoacuterias uma interpretaccedilatildeo das noccedilotildees concernentes ao tema do prazer na eacutetica da
filosofia platocircnica Poreacutem neste trabalho como demonstro creio ser imprescindiacutevel em um
primeiro momento me deter na argumentaccedilatildeo presente nas linhas do Filebo a fim de
demonstrar as possiacuteveis interpretaccedilotildees da posiccedilatildeo (especiacutefica) de Platatildeo ao longo de
semelhante obra
Eacute necessaacuterio ainda esclarecer alguns pontos fundamentais sobre isso Primeiramente
parece ser impossiacutevel compreender o prazer em Platatildeo enquanto temas relativos agrave eacutetica a
partir de uma tentativa de isolamento deste tema (o prazer) nesse uacutenico diaacutelogo O Filebo
envolve questotildees ainda maiores que tecircm como ponto de partida do diaacutelogo a reflexatildeo sobre
os prazeres que podem ser lidas de um ponto de vista eacutetico (moral) Ateacute porque natildeo
encontramos em nenhuma obra platocircnica algo como uma teoria eacutetica formalizada isto eacute um
texto que fale estritamente de eacutetica (tal como temos em Aristoacuteteles um texto especiacutefico sobre
a eacutetica Eacutetica a Nicocircmaco)
49 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho
Julia Annas em seu The Morality of Hapiness (1993) logo na Introduccedilatildeo de sua obra
justifica sua exclusatildeo da anaacutelise de Platatildeo a respeito do tema da eacutetica justamente por alegar
que
Natildeo haacute um diaacutelogo ὂlatὲὀiἵὁΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝldquoὅὁἴὄἷΝὧtiἵardquoΝἶaΝmἷὅmaΝfὁὄmaΝque a Eacutetica a Nicocircmaco eacute sobre a eacutetica Cada diaacutelogo possui seu proacuteprio tema ou grupo de temas que frequentemente natildeo dizem respeito as nossas divisotildees subjetivas de temas Mesmo os diaacutelogos que satildeo de maneira oacutebvia mais relevantes para a eacutetica como a Repuacuteblica e o Filebo satildeo tambeacutem igualmente sobre problemas metafiacutesicos e epistemoloacutegicos E mesmo nos diaacutelogos mais claros sobre a eacutetica Platatildeo ao usar deliberadamente a forma do diaacutelogo evita identificar e colocar sua proacutepria posiccedilatildeo Seria extremamente ingecircnuo simplesmente para identificar a posiccedilatildeo de Platatildeo com o que eacute atribuiacutedo a Soacutecrates em um determinado diaacutelogo E ateacute mesmo se o fizermos encontramos posiccedilotildees imensamente diferentes ocupadas por Soacutecrates em diferentes diaacutelogos a estrutura da teoria eacutetica platocircnica eacute muito pouco determinada pelo que encontramos nos diaacutelogos Assim se estudarmos eacutetica platocircnica enfrentamos um problema de extraccedilatildeo noacutes mesmos temos que selecionar e extrair o assunto a respeito da questatildeo eacutetica e isto eacute a nossa imposiccedilatildeo posterior sobre um escritor que escreve deliberadamente de uma forma muito diferente Eacute claro que este eacute um procedimento perfeitamente legiacutetimo Mas aponta grandes e largas diferenccedilas (ANNAS 1993 p 18)
Dito de outro modo eacute inuacutetil tentar fundamentar a partir dos diaacutelogos platocircnicos uma
eacutetica autocircnoma distinta das demais disciplinas filosoacuteficas Contudo tambeacutem eacute equivocado
por outro lado salientar que natildeo podemos encontrar nas obras de Platatildeo referecircncias aos
temas eacuteticos ou que suas posiccedilotildees natildeo contribuiacuteram para o que hoje denominariacuteamos como
ldquoὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧtiἵὁέrdquoΝεaὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝἶἷmaiὅΝ tἷmaὅΝὀὁὅὅὁΝautὁὄΝ tὄataΝἶaΝὧtiἵaΝ
dialogicamente e aqui desejamos trataacute-la a partir da questatildeo do prazer partindo de uma
anaacutelise detalhada do Filebo Acerca disto ainda podemos ainda ressaltar que
Platatildeo fala da eacutetica dialogicamente como de qualquer outro tema mas ndash uma segunda possiacutevel chave de leitura ndash qualquer outro tema de que ele fala parece ter como eixo a eacutetica e ter com ela um envolvimento problemaacutetico a ser esclarecido caso a caso No entanto isso natildeo eacute o mesmo que diluir o tema moral em um magma indistinto em que tudo (e portanto nada) dos conteuacutedos dos diaacutelogos pode ser considerado eticamente interessante Todos os aspectos ndash ou seja cada aspecto ndash de uma problemaacutetica filosoacutefica eacutetica parecem ter sido analisados por Platatildeo natildeo sistematicamente mas sempre no diaacutelogo com uma urgecircncia radical da filosofia platocircnica (FERMANI 2015 p 14)
Podemos portanto afirmar a relevacircncia deste trabalho a partir do que anteriormente
jaacute dissemos Primeiramente porque o conflito eacutetico e psicoloacutegico aleacutem de ser uma
antiquiacutessima questatildeo filosoacutefica eacute um conflito que constitui a espeacutecie humana Deste modo a
50 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho
anaacutelise de tal dilema (eacutetico-psicoloacutegico) eacute um exerciacutecio ainda pertinente a nossa investigaccedilatildeo
haja vista o papel extremamente relevante do prazer perante agrave constituiccedilatildeo da natureza
humana Ao analisar esta perspectiva mediante um autor da Antiguidade Grega Claacutessica
torna-se visiacutevel o quanto as questotildees claacutessicas podem ser retomadas tornando-se vivas e
inteligentes ou melhor dizendo como tais problemaacuteticas ainda permanecem desafiadoras agrave
investigaccedilatildeo filosoacutefica enquanto tal57
57 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaiὀἶaΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷtὁmaὄmὁὅΝἏὀὀaὅΝ(1λλἁ)μΝldquoἓὀtatildeὁΝὁΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀὅἷguiὄΝἵὁmΝo estudo da eacutetica antiga Antes de mais nada ganhariacuteamos o que se obteacutem de todo estudo histoacuterico vale dizer a aquisiccedilatildeo de uma sensibilidade em relaccedilatildeo agraves quais agora teremos mais consciecircncia compreendendo tambeacutem aquelas opccedilotildees que natildeo fazem mais parte do repertoacuterio das nossas atuais opccedilotildees de escolha Em segundo lugar verificaremos quanto a nossa condiccedilatildeo intelectual se aprofunda ὃuaὀἶὁΝlἷvaΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦatildeὁΝὅuaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὁὄigἷὀὅrdquoΝ(ὂέΝ1ί)έ
51 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
Antes de avanccedilarmos propriamente no estudo das linhas e temas que satildeo discutidos
por Platatildeo no Filebo conveacutem apresentarmos algumas das sinuosidades deste nosso percurso
interpretativo e o modo como a tradiccedilatildeo claacutessica tem lido essa obra visotildees que em sua
maioria como mostrarei detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo discordo em alguns pontos
fundamentais No entanto por hora permanecemos ainda no exterior do diaacutelogo isto eacute o
texto a seguir pretende demonstrar algumas dessas visotildees claacutessicas para somente depois
disso no proacuteximo capiacutetulo apresentar visotildees mais recentes sobre a obra algumas das quais
compartilho no momento da anaacutelise do proacuteprio diaacutelogo quando nos atentaremos ao leacutexico
platocircnico e aos problemas filosoacuteficos fundamentais apresentados pelo proacuteprio autor
O Filebo ainda divide opiniotildees entre uma seacuterie de estudiosos Conforme jaacute
destacamos para muitos pesquisadores ele assemelha-se agrave conotaccedilatildeo atribuiacuteda por D
Frede a essa obra58 ἵὁmὁΝaΝldquo(έέέ)Νterra incognita ἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅrdquoΝ(ἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἑὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝ
ἔὄἷἶἷΝ(ἀί1ἁ)ΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝὁuΝὂurgatoacuterio (FREDE 1993 p 13) dos estudiosos da
ὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝὅἷὄiaΝὁΝldquolὁὀgὁΝὂὄἷfὠἵiὁΝmἷtafiacuteὅiἵὁ-ἶialὧtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἶὠΝiὀiacuteἵiὁΝaὁΝtἷxtὁΝaὂὰὅΝὅἷὄἷmΝ
apresentadas as posiccedilotildees iniciais pelos interlocutores (uma em defesa do prazer e outra em
defesa da inteligecircncia)59 (p 501) Na visatildeo da tradutora alematilde este eacute um dos diaacutelogos entre
ὁὅΝἶitὁὅΝldquotaὄἶiὁὅrdquoΝἷΝmaiὅΝἶifiacuteἵἷiὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁiὅΝaluἶἷmΝὡΝldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵaΝἶaΝvἷlhiἵἷrdquoΝmaὅΝ
natildeo a explicam suficientemente semelhantemente ao que poderia ser notado no Parmecircnides
no Teeteto e no Sofista (ἔἤἓἒἓΝἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἏΝldquoὀὁvaΝmἷtὁἶὁlὁgiardquoΝἷΝaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝ
que compotildeem o iniacutecio da argumentaccedilatildeo do diaacutelogo de fato assustam o leitor de Platatildeo ao
ser confrontado com termos em relaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo ali desenvolvida (como
ldquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquoΝldquoἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquo)ΝjamaiὅΝviὅtὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὀaὅΝaὄgumἷὀtaὦὴἷὅΝὂlatὲὀiἵaὅΝ
precedentes
Podemos tambeacutem retomar a metaacutefora de Bury (1897) em seu comentaacuterio ao diaacutelogo
intitulado The Philebus of Plato Nos dizeres do estudioso no bosque dos diaacutelogos de Platatildeo
o Filebo se assemelharia a um carvalho assimeacutetrico retorcido repleto de ramos distorcidos
58 A teoacuterica alematilde eacute uma das mais claacutessicas tradutoras do Filebo ela escreve uma longa introduccedilatildeo a respeito dos temas tratados neste escrito em particular como tambeacutem diversas notas que compotildeem a obra Aleacutem do mais ela eacute autora de diversos artigos sobre o Filebo aos quais eu faccedilo a referecircncia no decorrer do trabalho 59 No decorrer do proacuteximo capiacutetulo sustento que natildeo haacute teses no iniacutecio do diaacutelogo mas sim discursos simeacutetricos Sobre isso falarei mais adiante basta ressaltar que essa eacute a visatildeo da tradutora em questatildeo
52 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
enquanto os outros diaacutelogos seriam belos ciprestes e pinheiros no bosque da Academia de
Platatildeo Isto porque o diaacutelogo segundo o teoacuterico apresenta uma seacuterie de dificuldades quanto
agraves expressotildees empregadas por seu autor como tambeacutem uma peculiaridade na sua forma
ἓmἴὁὄaΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝὅἷguὀἶὁΝἐuὄyΝὂaὄἷὦaΝἷὅtaὄΝἵὁὀtiἶὁΝὁΝὀήἵlἷὁΝὁuΝὁΝldquoἵἷὀtὄὁΝὅaἶiὁrdquoΝἶaΝ
doutrina platocircnica (p 9)
Migliori (1998) prefere servir-se da metaacutefora platocircnica utilizada no proacuteprio diaacutelogo (29a)
em que Soacutecrates afirma ao deuteragonista do diaacutelogo (Protarco) estarem ambos envolvidos
em uma tempestade em alto mar (29a) Isto devido agrave tamanha dificuldade em que estatildeo
envoltos verificaacutevel a partir dos raciociacutenios que se seguem estando eles imersos muitas
vezes em imensas aporias Semelhantes dificuldades as quais nem o proacuteprio leitor estaacute livre
de enfrentar A imagἷmΝἵὄiaἶaΝὂἷlὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἢlatatildeὁΝἶὁΝldquomaὄΝὄἷvὁltὁrdquoΝiluὅtὄaΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝaὀὠlὁgaΝ
a proacutepria situaccedilatildeo do leitor frente ao conturbado diaacutelogo Contudo segundo ele eacute necessaacuterio
ao leitor compor a sinfonia que reuacutene em uma uacutenica obra o diaacutelogo (reductio ad unum) sair
ἷmΝἴuὅἵaΝἶaΝldquoἴήὅὅὁlardquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁὅΝldquoὀavἷgaὀtἷὅrdquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁΝlἷitὁὄΝἶiante do
mar revolto caracteriacutestico deste mesmo drama Ao iniciar um percurso interpretativo de um
drama platocircnico complexo como eacute o caso do Filebo seria necessaacuterio que o leitor operasse
em trecircs niacuteveis o literaacuterio (a especificidade da escrita platocircnica) o estrutural (os acircmbitos
teoacutericos em que se movem o diaacutelogo) e o filosoacutefico (a reflexatildeo sobre os conteuacutedos
apresentados) (MIGLIORI 1998 p 330-333)
Segundo Muniz (2007) durante seacuteculos os estudiosos desta obra platocircnica
lamentaram a perda de um suposto tratado de Galeno Sobre as transiccedilotildees do Filebo (π λ
θ θ Φδζ ί η αίΪ πθ) jaacute que se imaginava na antiguidade que poderiam descobrir um
mecanismo hermenecircutico nesse caso extratextual capaz de fornecer a salvaccedilatildeo aos
inteacuterpretes a tatildeo sonhada chave de leitura ateacute entatildeo natildeo encontrada pelos leitores do diaacutelogo
desde sua publicaccedilatildeo capaz de solucionar os problemas que o texto envolve como tambeacutem
explicar as bruscas transiccedilotildees presente nesse texto platocircnico O que demonstraria segundo
o teoacuterico uma profunda descrenccedila em qualquer soluccedilatildeo que pudesse ser encontrada no
proacuteprio texto (p 113)
Do mesmo modo essa descrenccedila pode ser notada na obra de Allen (1975) em sua
traduccedilatildeo e criacutetica ao comentaacuterio do renascentista Marsiacutelio Ficino ao Filebo no qual nos
apresenta uma carta do poliacutetico italiano Cossimo de Meacutedici (que teria encomendado uma
traduccedilatildeo desse diaacutelogo a Ficino) ao filoacutesofo italiano Nesta carta o governante de Florenccedila
descreve ter permanecido em seu leito junto com Lorenzo de Meacutedici ateacute a hora de sua morte
lendo o Filebo no seu entender uma obra sobre o supremo bem humano Ou seja trata-se
53 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
do uacuteltimo diaacutelogo lido pelo fundador da dinastia dos Meacutedici60 (p 6) Ironicamente Waterfield
(1982) em seu prefaacutecio introdutoacuterio agrave traduccedilatildeo da obra sublinha que talvez esse natildeo seria o
diaacutelogo que escolheriacuteamos para ler nos instantes finais de nossa existecircncia como teria feito
o poliacutetico italiano da linhagem dos Meacutedici
Benjamin Jowett jaacute em 1897 teria reconhecido a complexidade dos temas abordados
no diaacutelogo ao destacar a mudanccedila do estilo dramaacutetico platocircnico notada a partir deste escrito
Os elementos poeacuteticos e dramaacuteticos passam a ser subordinados ao elemento filosoacutefico Pois
satildeo evidentes na obra algumas deficiecircncias como certas passagens confusas e a falta de uma
estrutura clara completa segundo Jowett (p 521)
Diante do que jaacute foi dito nota-se o impacto da leitura do Filebo desde a antiguidade
ateacute agrave contemporaneidade seja no neoplatonismo (por exemplo no extenso Comentaacuterio de
Damaacutescio ao Filebo) como no periacuteodo da renascenccedila (no comentaacuterio de Ficiono) Nosso
diaacutelogo teve seus breves instantes de gloacuteria na Antiguidade e soacute depois de longos anos os
estudos sobre o Filebo foram retomados O diaacutelogo permaneceu esquecido durante seacuteculos
na tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica e retorna agrave cena das discussotildees somente no seacuteculo XIX
sobretudo no seacuteculo XX Mas por quais motivos o diaacutelogo retorna ao debate filosoacutefico platocircnico
a partir do seacuteculo XX A seguir apresento alguns dos fatores primordiais
Umas das principais estudiosas da obra de Platatildeo a platonista francesa Monique
Dixsaut afirma que o Filebo eacute um diaacutelogo difiacutecil concordando com Rodier (1926 p 137-174)
dizendo aiὀἶaΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν aΝ ὁἴὄaΝ ἵὁmὂὁὄtaΝ ὁΝ iὀἵἷὄtὁΝ ὂὄivilὧgiὁΝ ἶἷΝ ἶἷtἷὄΝ ἷmΝ si todas as
ἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὡΝlἷituὄaΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἀἆἃ)έΝἓmΝὁutὄaΝὁἴὄaΝaΝ
mesma autora assegura que sem duacutevida ldquoὁΝὂὄiὀἵiὂalΝὁἴὅtὠἵulὁΝὡΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute
ὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷrdquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἀ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝcomo veremos a proacutepria Dixsaut seraacute
uma das inteacuterpretes a demonstrar o caraacuteter equivocado desta suposta descrenccedila entre os
platocircnicos de que o Filebo possui deficiecircncias tanto estruturais (literaacuterias) de composiccedilatildeo
quanto nos conteuacutedos filosoacuteficos propondo uma leitura coerente e significativa sobre a obra
Para alguns estudiosos (os revisionistas) neste diaacutelogo Platatildeo apresentaria uma
revisatildeo de sua ontologia e de sua metodologia rompendo definitivamente com os Grandes
Gecircneros do Sofista com a hipoacutetese das Formas e principalmente com o meacutetodo dialeacutetico
Por outro lado o FileboΝ ἵὁmὁΝ ὄἷὅὅaltaΝ ἒixὅautΝ ὧΝ ὁΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ὂὄἷἶilἷtὁrdquoΝ ἶὁὅΝ ἵhamaἶὁὅΝ
ldquoἷὅὁtἷὄiὅtaὅrdquoΝἶaΝ filὁὅὁfiaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁὄΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄἷmΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀἵἷἴἷὄiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝ
dividida segundo dois princiacutepios fundamentais o Uno e a Diacuteade (DIXSAUT 1999 p 10)
60 ldquoἣuaὀἶὁΝἑὁὅὅimὁΝἶἷitὁuΝὀὁΝὅἷuΝlἷitὁΝἶἷΝmὁὄtἷΝὀὁΝfiὀalΝἶἷΝjulhὁΝὀὁὅΝiὀfὁὄmamὁὅΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝFicino em uma carta a Lorenzo que Cossimo teria examinado o Filebo ὂὁὄΝήltimὁμΝlsquoἓὀtatildeὁΝἵὁmὁΝvὁἵecircΝsabe desde que vocecirc mesmo esteve laacute ele morreu natildeo muito depois de termos examinado os diaacutelogos de Platatildeo um sobre o princiacutepio das coisas (o Parmecircnides) e um sobre o Supremo Bem (o Filebo) (ALLEN 1975 p 6-7)
54 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
Neste caso conforme destaca a autora torna-se imprescindiacutevel ao leitor de Platatildeo a
compreensatildeo clara da primeira parte do diaacutelogo e sua relaccedilatildeo com o restante do texto ou
seja compreender como os temas ontoloacutegicos satildeo uacuteteis e fundamentais para a compreensatildeo
dos temas eacuteticos presentes na obra61
Segundo as consideraccedilotildees de Muniz (2007) o Filebo eacute um diaacutelogo de inuacutemeras
ldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoέΝἏΝ fimΝἶἷΝὅἷΝἷxὂliἵaὄἷmΝaὅΝἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝἶialὰgiἵaὅΝὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝὁἴὄaΝ bem
como as dificuldades em relaccedilatildeo aos conteuacutedos filosoacuteficos a obra da maturidade platocircnica
tem sido interpretada de diferentes modos Um deles consiste em analisar apenas algum
aspecto que pareccedila mais relevante no texto platocircnico como o prazer Atente-se neste caso agrave
intepretaccedilatildeo revisionista (p 113) Em busca de um recurso hermenecircutico possiacutevel muitos
tendem a recorrer aos aspectos externos da obra sem contudo analisaacute-la a partir de sua
complexidade interna (como eacute o caso dos esoteristas)
Aleacutem disso o Filebo destaca-se no cenaacuterio filosoacutefico devido agrave complexidade de sua
abordagem do prazer visto por alguns teoacutericos anglo-saxotildees como a primeira abordagem do
ὂὄaὐἷὄΝ ἵὁmὁΝ ldquoatituἶἷΝ ὂὄὁὂὁὅiἵiὁὀalrdquoέΝ ἧmaΝ viὅatildeὁΝ ὃuἷΝ ἵὁmὁΝ vἷὄἷmὁὅΝ ἶἷmὁὀὅtὄa-se
extremamente complicada desprendendo-se em grande parte da letra do texto
Diante das complexidades que o texto apresenta de acordo com Muniz (2012)
podemos (resumidamente) destacar as trecircs principais tendecircncias interpretativas
contemporacircneas que surgem no seacuteculo XX e fizeram com que o diaacutelogo voltasse a ser
estudado (i) uma anaacutelise dos prazeres falsos em grande medida desenvolvida por Gilbert
Ryle (1950) (The Concept of Mind) filoacutesofo da mente da contemporaneidade e defensor de
uma leitura particular do Filebo (amplamente polecircmica) (ii) a emergecircncia da interpretaccedilatildeo da
ἵhamaἶaΝ ldquolἷituὄaΝἷὅὁtἷὄiὅtaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝἴaὅἷaἶaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝὀaΝἵhamaἶaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝ
iὀἶiὄἷtardquoΝ amὂlamἷὀtἷΝ ἵalἵaἶaΝ ὀὁΝ tἷὅtἷmuὀhὁΝ aὄiὅtὁtὧliἵὁΝ ἶaΝ filὁὅὁfiaΝ ὂlatὲὀiἵaΝ
(particularmente aqueles contidos na Metafiacutesica) desenvolvida (contemporaneamente) pela
61 Um diaacutelogo que eacute tido por muitos como um diaacutelogo repleto de muacuteltiplas correccedilotildees a respeito do qual nem sequer se possui um acordo a respeito do assunto do qual se trata (uma questatildeo debatida desde a Antiguidade) o FilἷἴὁΝὧΝὁΝtἷὄὄἷὀὁΝἷlἷitὁΝἶὁὅΝὂὄὁὂὁὀἷὀtἷὅΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἷΝἶὁὅΝpartidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas Para Crombie por exemplo uma das dificuldades do diaacutelogo ὅἷὄiaΝὃuἷΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝὄaὂiἶamἷὀtἷΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝalgumaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷratildeo ser compreendidas somente agrave luz de suas preocupaccedilotildees uacuteltimas e que noacutes somente conhecemos por Aristoacuteteles Rompendo definitivamente natildeo somente com a hipoacutetese das Formas mas tambeacutem com os grandes gecircneros do Sofista Platatildeo operaria neste diaacutelogo uma revisatildeo draacutestica de sua ontologia como tambeacutem de seu meacutetodo isto eacute da dialeacutetica De acordo com os partidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas ὃuἷΝtecircmΝaΝἶiviὀaΝὅuὄὂὄἷὅaΝἶἷΝiὀfἷὄiὄΝaΝὂaὄtiὄΝἶὁὅΝldquoἷὅἵὄitὁὅrdquoΝὁὅΝἶὁiὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅΝὃuἷΝὀaΝviὅatildeὁΝἶἷlἷὅΝὅatildeὁΝaΝmocircnada e a diacuteade indefinida acreditam tambeacutem exprimir claramente a existecircncia das realidades matemaacuteticas intermediaacuterias o que natildeo se trataria propriamente de uma evoluccedilatildeo mas do surgimento de uma doutrina esoteacuterica ateacute entatildeo reservada a alguns Em outra perspectiva a mistura dos elementos que constituem a vida boa ndash prazer e conhecimento ndash seria apenas um pretexto capaz de permitir a Platatildeo expor os seus novos princiacutepios metodoloacutegicos ou seus novos princiacutepios ocultos (DIXSAUT 2001 p 286-287)
55 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
vertente interpretativa que se denomina como a Escola de Tuumlbingen-Milatildeo62 ndash a qual a partir
deacutecada de 60 trouxe agrave tona a discussatildeo sobre os conteuacutedos do diaacutelogo no acircmbito do
platonismo (iii) o suposto debate surgido no platonismo acerca de uma suposta revisatildeo da
teoria platocircnica presente nos uacuteltimos diaacutelogos desde a criacutetica e consequente rejeiccedilatildeo de
Platatildeo agrave hipoacutetese das formas a partir do Parmecircnides Como o Filebo geralmente eacute colocado
entre os uacuteltimos diaacutelogos de Platatildeo essa obra tornou-se o centro das atenccedilotildees dos chamados
ldquoὄἷviὅiὁὀiὅtaὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ἀί1ἀΝ ὂέΝ ἆ)νΝ (iv)Ν ἷΝ ὂὁὄΝ ήltimὁΝ tἷmὁὅΝ aὅΝ ὄἷaὦὴἷὅΝ aΝ ἷὅὅaὅΝ viὅὴἷὅΝ
interpretativas que introduziram um amplo debate tambeacutem criando uma seacuterie de
interpretaccedilatildeoes ortodoxas ou natildeo aos principais problemas levantados nesse diaacutelogo
platocircnico
Como ressalta Rachid (2012) nesta visatildeo tipicamente redutiva do platonismo (no caso
da leitura esoterista) que busca referecircncias externas para explicar os conteuacutedos apresentados
pelos diaacutelogos esmaecem-se os conteuacutedos eacutetico-poliacuteticos da filosofia de Platatildeo como
tambeacutem os toacutepicos essenciais da dialeacutetica No entanto o Filebo apresenta uma variedade de
conteuacutedos extremamente relevantes agrave definiccedilatildeo da vida mista (entre prazer e conhecimento)
por sinal essencialmente humana Figuram neste diaacutelogo como temas relevantes (i) a criacutetica
agrave eriacutestica (ii) a invectiva das paixotildees deleteacuterias (iii) a criacutetica agrave maacute escrita (iv) a afirmaccedilatildeo que
a gecircnese do esquecimento eacute a fuga da memoacuteria (v) a reminiscecircncia e (vi) a analogia entre as
ciecircncias musicais a gramaacutetica e a dialeacutetica (p 4-5) A interpretaccedilatildeo de um Platatildeo aacutegrafo
neste sentido segundo o autor parece reduzir os conteuacutedos culturais tais como a heranccedila
miacutetico-poliacutetico na elaboraccedilatildeo dos diaacutelogos e o papel do filoacutesofo na elaboraccedilatildeo dos discursos
(loacutegoi mas por hora nos basta a criacutetica a esse tipo de leitura ndash voltaremos a ela quando for
necessaacuterio em nossa anaacutelise do diaacutelogo) Conveacutem ao menos destacar que
() se lecircssemos Platatildeo por um sistema apriorista de princiacutepios em torno do um considerado princiacutepio formal e da diacuteada indefinida do grande e do
62 De acordo com Xavier (2005) nota-se que a proposta da Escola de Tuumlbingen-Milatildeo consiste em dar ecircnfase no caraacuteter oral da filosofia de Platatildeo dito em outras palavras a incompreensibilidade manifesta pelo texto platocircnico escrito soacute encontra uma completude interpretativa mediante o Platatildeo natildeo escrito isto eacute por via da tradiccedilatildeo indiretaμΝldquoἤἷὅgataὄΝaΝἶὁutὄiὀaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὄἷὅἷὄvaἶaΝὡΝὁὄaliἶaἶἷΝὧΝmister para a edificaccedilatildeo estrutural do novo paradigma hermenecircutico uma vez que sem ela natildeo temos o que filoacutesofo chamou ndash ele proacuteprio ndash de o mais importante Ora o melhor lugar para se encontrar tal doutrina eacute certamente nos textos de caraacuteter doxograacutefico escritos por disciacutepulos diretos eou indiretos de Platatildeo e por filoacutesofos posteriores a ele que de alguma forma tiveram acesso ao conteuacutedo das liccedilotildees doutrinais ἶἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁrdquoΝ(ὂέΝ1ἃἀ)έΝἓὅὅἷΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝὧΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝὂὁὄΝiὀήmἷὄὁὅΝἷὅtuἶiὁὅὁὅΝἷmΝὅuaΝmaioria de origem alematilde e italiana mas devem sua fundamentaccedilatildeo metodoloacutegica riacutegida na contemporaneidade a Giovanni Reale (2004 p 24) Este uacuteltimo eacute quem apresenta uma releitura dos diaacutelogos de Platatildeo agrave luz de uma doutrina natildeo-escrita que ultrapassa o contexto da escrita e recorre a tradiccedilatildeo indireta de nosso filoacutesofo a fim de eliminarem as insuficiecircncias dos paradigmas tradicionais de leitura do texto platocircnico
56 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade
pequeno considerada princiacutepio material correlatos ao limite e ao ilimitado reconheceriacuteamos iniludivelmente nele antinomias e lacunas (RACHID 2012 p 5)
ἡὅΝlἷitὁὄἷὅΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquoἵὁὀvἷὀἵiὁὀaiὅrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝὃuaiὅΝumaΝἷὅtὄutuὄaΝumaΝ
ordem pode ser facilmente identificaacutevel eacute bem possiacutevel que natildeo se sintam familiarizados com
algumaὅΝὁἴὄaὅΝἶitaὅΝldquoaὀὲmalaὅrdquo como eacute o caso do Filebo a ponto de sugerirem as soluccedilotildees
mais bizarras para explicarem as transiccedilotildees e complexidades presentes no supracitado
diaacutelogo Diante de tal dificuldade talvez uma primeira opccedilatildeo seja uma leitura raacutepida e
superficial ou a busca por referecircncias e significados externos que natildeo aquelas provenientes
da leitura do proacuteprio texto Natildeo podemos atribuir a Soacutecrates certa desatenccedilatildeo ao denominado
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ ἶaΝ ὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝ ὀἷmΝ mἷὅmὁΝ aΝ ἢlatatildeὁΝ ὃuἷΝ tὄaὀὅmitἷΝ ὀaΝ falaΝ ἶὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ
(Protarco e Filebo 19a) a necessidade de atenccedilatildeo a esse princiacutepio Conveacutem informar para a
insatisfaccedilatildeo dos comentadores que natildeo seriam eles os primeiros a criticarem o
desenvolvimento aparentemente confuso desse iniacutecio de diaacutelogo mas esse aspecto eacute
questionado pelos proacuteprios interlocutores de Soacutecrates e o condutor natildeo se encontra atento a
essa demanda (Cf 18a1-2 18d6 19a1)
Talvez seria o caso de crer que essa transgressatildeo tem um propoacutesito impliacutecito de tal
modo que essa suposta anomalia dilui-se agrave medida que tomamos a relaccedilatildeo entre forma e
conteuacutedo caracteriacutestica da atividade literaacuterio-platocircnica ou seja quando buscamos considerar
o objetivo em particular dessa discussatildeo dialeacutetica ou seja os temas que satildeo tratados
analisados discutidos em relaccedilatildeo agrave forma de exposiccedilatildeo adequada para tal exposiccedilatildeo Como
Platatildeo geralmente se preocupa em apresentar com maestria o seu os temas caros agrave sua
filosofia ndash e o Filebo particularmente trata de uma refinada questatildeo natildeo soacute para Platatildeo mas
para os gregos em geral que encontram-se muito aleacutem de um debate escoliasta ndash utilizando-
se de inuacutemeros recursos literaacuterios dos quais dispotildeem para a composiccedilatildeo de seus diaacutelogos o
que se exige eacute no miacutenimo um esforccedilo por parte de seu leitor em reconhecer a particularidade
desta composiccedilatildeo e a profundidade por traacutes de uma suposta transgressatildeo logograacutefica aqui
encontrada63
Tendo ressaltado que grande parte das leituras que surgem no seacuteculo XX do diaacutelogo
ao demostrarem dificuldade em relaccedilatildeo aos problemas com um todo levantados pelo diaacutelogo
e principalmente ao problema principal da unidade natildeo soacute para fora do proacuteprio texto
dialoacutegico caso recorrente nas interpretaccedilotildees claacutessicas do Filebo eacute ateacute mais tentador supor
que o diaacutelogo eacute incompleto ou que nos remete agrave conteuacutedos extra-dialoacutegicos agrave doutrinas orais
reservadas ou que o diaacutelogo diz respeito a um problema em debate na eacutepoca dentre outros
63 Compartilho aqui das consideraccedilotildees feitas por Muniz (2007) ao tratar do problema das transiccedilotildees do Filebo relacionadas ao problema principal desse diaacutelogo a saber a unidade (Cf MUNIZ 2007 p 113-124)
57 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
como jὠΝaὂὁὀtamὁὅΝaΝfimΝἶἷΝὅuὂἷὄaὄἷmΝaὅΝὅuὂὁὅtaὅΝldquoaὀὁmaliaὅrdquoΝἶἷΝἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝ
superarem as incompreensotildees manifestas por meio de uma leitura parcial ou mesmo
surpreendentemente inventiva sem se atentarem ao sentido profundo da discussatildeo
apresentada64 Se a intenccedilatildeo de Platatildeo se presta a determinados objetivos seja o da
perplexidade (19a) que Protarco deseja que natildeo seja o objetivo primordial da discussatildeo ali
travada e que por sinal prefigura a inventiva contemporacircnea de nossos inteacuterpretes (a nova
ontologia os dois princiacutepios) podemos formular a seguinte questatildeo auxiliados por Dixsaut
(2011)
Se este eacute o caso e se toda a primeira parte do diaacutelogo (ateacute 31b) natildeo se explica por meio de tais obsessotildees do Platatildeo da velhice ou o afloramento de uma doutrina dos princiacutepios ateacute entatildeo mantida em segredo soacute podemos estar ἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἔilἷἴὁΝaὁΝὃuἷὅtiὁὀaὄμΝldquoὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὀὁὅὅaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁςrdquoΝ(1ἆa)Ν(ὂέΝἀἆἅ)έ
Contudo pretendo dedicar um tempo maior a essas anaacutelises e os equiacutevocos a meu ver nos
quais elas ocorrem Voltemos entatildeo ao diaacutelogo didaticamente eacute possiacutevel propor uma
organizaccedilatildeo do diaacutelogo digo apenas didaticamente porque estes temas encontram-se
interligados segundo creio Quanto agrave divisatildeo dos temas ou o modo como o diaacutelogo eacute
organizado de uma maneira geral natildeo satildeo habitualmente notadas diferenccedilas muito
contrastantes entre os estudiosos adoto aqui essa mesma forma geneacuterica (habitual) utilizada
para dividir os momentos que compotildeem a obra Geralmente se reconhece que o Filebo pode
ser divido (didaticamente) da seguinte maneira (i) Proacutelogo (11a-14b) aqui seratildeo
apresentados os discursos e posteriormente a tese (prazer versus inteligecircncia) e a busca pelo
bem ou pela Vida boa (ii) Metodologia adotada a questatildeo do Um e do Muacuteltiplo e as questotildees
sobre a dialeacutetica (14b-22b) (iii) A ontologia (divisatildeo) dos quatro gecircneros (22c-31b) (iv) a
anaacutelise e classificaccedilatildeo dos prazeres a distinccedilatildeo entre prazeres falsos e prazeres verdadeiros
(31b-55c) (v) Anaacutelise e classificaccedilatildeo dos conhecimentos (55c-59c) (vi) Revisatildeo das teorias
precedentes (vida boa) e hierarquia final dos bens (59c-61c)65
22 O tema central um dissenso
O Filebo desde a Antiguidade Claacutessica tem sido agrupado entre os diaacutelogos eacuteticos
iὀtitulaἶὁΝ tamἴὧmΝἵὁmὁΝ ldquoἥὁἴὄἷΝὁΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἢὁὄὧmΝὁΝ tἷmaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝἵἷὀtὄalΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ
ainda persiste como um dissenso entre os estudiosos e tradutores da obra em questatildeo
Poderiacuteamos alegar que se trata do prazer podemos usar em sua defesa o fato deste ser
64 Pretendo no decorrer do trabalho evidenciar ainda mais esse assunto 65 Utilizo a divisatildeo da traduccedilatildeo de Muniz (2012 p 11-19) como referecircncia para a divisatildeo do proacuteximo capiacutetulo em que procurarei abordar o texto platocircnico
58 22 O tema central um dissenso
protagonista do diaacutelogo sendo um total de 1205 linhas dedicas a ele No entanto o drama
em questatildeo ainda apresenta conteuacutedos extremamente relevantes para a discussatildeo da
filosofia platocircnica como a intricada relaccedilatildeo entre o uno e o muacuteltiplo e a tarefa do dialeacutetico a
classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos e principalmente o problema central em torno
ἶaΝ ἶἷfiὀiὦatildeὁΝ ἶὁΝ valὁὄΝ (ἴἷm)Ν ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝ ἶaΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὃuἷΝ ὅἷmΝ ἶήviἶaὅΝ iὀὅἷὄἷ-se na
intriacutenseca relaccedilatildeo entre a proacutepria dialeacutetica e a potecircncia do bem As importantes questotildees do
pensamento platocircnico parecem aqui ressurgirem para finalmente demonstrarem sua total
forccedila como jamais vistas no decorrer dos diaacutelogos Entretanto como relacionar toda a
complexa e profunda teoria (ontoloacutegicaepistemoloacutegica) vista anteriormente em um diaacutelogo
que tem como mote o proacuteprio prazer um tema agrave primeira vista relacionado agraves questotildees
profundamente eacuteticas Como resume Gazolla
O maior problema com o qual nos defrontamos foi o de relacionar essa ontologia de maturidade mais voltada ao conhecimento das ideias e de sua geraccedilatildeo com as reflexotildees sobre as accedilotildees humanas ditas virtuosas a partir da noccedilatildeo de prazer elaboradas por Platatildeo principalmente no Filebo Tal relaccedilatildeo eacute colocada claramente no iniacutecio desse diaacutelogo quando Soacutecrates propotildee alcanccedilar a verdade naquilo que concerne a assegurar aos homens a vida feliz (1993 p 160-161)
A visatildeo sobre o diaacutelogo predominante tanto na Antiguidade como no neoplatonismo e
na Renascenccedila fundamenta-se na defesa do Bem Supremo como tema fundamental da obra
identificaacutevel a partir do comentaacuterio feito pelo neoplatocircnico Damascius ao diaacutelogo O filoacutesofo
destaca que jaacute na Antiguidade inuacutemeras satildeo as divergecircncias a respeito da temaacutetica central
em torno do diaacutelogo Para Trasilo a questatildeo central do diaacutelogo era o prazer jaacute para Psitheus
(disciacutepulo de Theodoro de Asine) a inteligecircncia Jacircmblico Syrianus e Proclo acreditavam se
tratar da causa final do universo imanente a todas as coisas Proclo por sua vez afirmava ser
essa causa o Bem (misto de prazer e inteligecircncia) para todos seres animados66 Na
contemporaneidade contudo a situaccedilatildeo natildeo foi durante muito tempo diferente O debate
acerca do escopo do diaacutelogo como se pode notar remete agrave Antiguidade e mesmo na
atualidade natildeo haacute um caminho para um consenso pelo menos para a maioria dos estudiosos
passou tambeacutem por um longo periacuteodo de discussatildeo
Embora natildeo seja um consenso na contemporaneidade natildeo encontramos muitas
divergecircncias acerca do problema central que envolve a obra Tomemos como primeiro caso
ὁΝἷxἷmὂlὁΝἶἷΝἑὄὁmἴiἷΝ(1λἄἀ)ΝὃuaὀἶὁΝafiὄmaΝὃuἷμΝldquoseu tema (o do Filebo) eacute o status relativo
66 (Cf Dam 1-6) O comentaacuterio de Damaacutescio eacute o uacutenico comentaacuterio neoplatocircnico desse diaacutelogo que chegou ateacute noacutes dentre os comentaacuterios antigos dentre esses perdidos estaria o de Proclo Fato notado a partir das vaacuterias referecircncias de Damaacutescio agraves abordagens dos neoplatocircnicos contemporacircneos a ele presentes no escrito daquele neoplatocircnico (Cf VAN RIEL 2008 p 2)
59 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
ἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷmΝumaΝviἶaΝἴὁardquoΝ(ὂέΝἀἄἃ)έΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝafiὄmaΝaΝ
proacutepria autora Platatildeo faz o caminho inverso neste diaacutelogo ao inveacutes de conjecturar a respeito
do bem universal como fez na Repuacuteblica agora seria mais conveniente questionar o bem na
vida humana e ainda acrescenta
() E de fato o Filebo natildeo estuda empiricamente a boa vida pois ele mesmo [ἥὰἵὄatἷὅ]Ν ἶiὐμΝ ldquoaΝ ἴὁaΝ viἶaΝὧΝ aΝ viἶaΝ miὅtaνΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ὃuἷΝ faὐΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝ umaΝmiὅtuὄaΝὃualὃuἷὄΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝὅatiὅfatὰὄiaςrdquoΝἡΝἐἷmΝuὀivἷrsal eacute pois ao fim e ao cabo a chave para saber qual eacute o bem no homem tambeacutem no Filebo Realmente no Filebo Soacutecrates estaacute fazendo em certa medida o que tanto lhe assustava na Repuacuteblica dizer algo acerca da natureza do bem universal (CROMBIE 1962 p 281-282)
A interpretaccedilatildeo de Crombie natildeo tem sido a mais aceita pela maioria dos estudiosos
Parece evidente a partir de um exame acurado de seu posicionamento que a posiccedilatildeo da
autora recorre a justificaccedilotildees externas sob o propoacutesito de clarificar o intuito platocircnico no Filebo
Na visatildeo da inteacuterprete o diaacutelogo reflete algumas noccedilotildees muito pouco desenvolvidas ou
apresentadas rapidamente por nosso autor e somente por intermeacutedio de Aristoacuteteles segundo
Crombie seria possiacutevel compreendermos os objetivos platocircnicos desse diaacutelogo como uma
obra em que ficam evidentes os conteuacutedos finais da filosofia de Platatildeo Em busca de um fim
vaacutelido para a natureza humana Platatildeo estaria desenvolvendo uma espeacutecie de anaacutelise das
afecccedilotildees em busca de uma definiccedilatildeo essencial neste caso a do bem Seriam niacutetidas neste
diaacutelogo as revisotildees ontoloacutegicas e dialeacuteticas feitas por Platatildeo na obra em questatildeo (CROMBIE
1963 p 361)
Friedlaumlnder em seu Platone (1975 2004) reconhece que o tratamento do prazer e da
inteligecircncia como candidatos ao bem supremo satildeo apenas pretextos platocircnicos para a
abordagem de assuntos ainda mais complexos Na perspectiva do autor o tema do prazer e
da moral satildeo secundaacuterios diante das questotildees referentes agrave dialeacutetica e agrave ontologia que satildeo
apresentadas naquele contexto Como se nota a partir do que diz tal autor
O caso do Filebo no entanto eacute diferente porque no diaacutelogo satildeo grandes as seccedilotildees que tratam da dialeacutetica e da ontologia e elas natildeo tecircm nada a ver com o prazer e com a eacutetica ao menos em um modo direto O diaacutelogo eacute a descriccedilatildeo de uma disputa dramaacutetica entre prazer e conhecimento no curso da qual vem agrave luz qual um terceiro estado aleacutem desses Os defensores do princiacutepio do prazer satildeo Filebo e Protarco Soacutecrates representa o conhecimento Natildeo eacute necessaacuterio acrescentar que Soacutecrates defende a proacutepria tese de uma maneira totalmente diversa em relaccedilatildeo agravequela sustentada pelos dois jovens A diferenccedila eacute imediatamente clara quando Soacutecrates considera possiacutevel ou melhor antecipa (11d11) o fato que uma terceira via possa ser a melhor (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1043)
60 22 O tema central um dissenso
Apoiado nas concepccedilotildees de Schleiermacher o filoacutelogo alematildeo reconhece que o tema
do bem supera as teses iniciais propostas por Soacutecrates e seus interlocutores no iniacutecio da obra
Por isso a questatildeo inicial do diaacutelogo (hedonismo versus anti-hedonismo) natildeo pode ser a
uacutenica nem ao menos a principal A ecircnfase de Soacutecrates recai sobre a defesa natildeo de sua tese
ἶἷΝldquoὅuaΝiὀtἷligecircὀἵiardquoΝmaὅΝἶἷΝumaΝὅaἴἷἶὁὄiaΝ(aΝἶὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὅuὂὄἷmὁὅrdquo)ΝὃuἷΝἷὅtὠΝmaiὅΝ
proacutexima da perfeiccedilatildeo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1044) ldquoἏὅὅimΝ ἶitὁΝ iὅtὁΝ ὁΝ Filebo natildeo eacute
lsquoἶἷὅὂὄὁviἶὁΝἶἷΝatὄativὁὅΝaὄtiacuteὅtiἵὁὅrsquoΝἷΝὂὄὁvavἷlmἷὀtἷΝὀἷmΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝlsquofaἵilmἷὀtἷΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝ
umΝtὄatamἷὀtὁΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁrsquoΝἵὁmὁΝmuitὁὅΝὂaὄἷἵἷmΝἵὄἷὄέΝἡΝἶiὠlὁgὁΝἶἷvἷΝὅἷὄΝviὅtὁΝἵὁmὁ um
ὅἷgmἷὀtὁΝἷxtὄaὂὁlaἶὁΝἶἷΝumΝἵὁὀtἷxtὁΝmaiὅΝamὂlὁrdquo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1045)
Contrariamente a esta posiccedilatildeo a mais comumente defendida eacute que o escopo central
ἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquo o tema central do diaacutelogo Neste sentido as anaacutelises desenvolvidas
no decorrer da argumentaccedilatildeo socraacutetica visam a definiccedilatildeo do bem enquanto paracircmetro
essencial para a composiccedilatildeo da vida boa Ou melhor o propoacutesito platocircnico com esta obra diz
respeito agrave definiccedilatildeo de uma espeacutecie de vida (neste caso aquela mista entre prazeres e
conhecimentos) possiacutevel aos homens a melhor vida capaz de garantir a felicidade a todos os
seres Ou seja em que medida os prazeres e conhecimentos podem ser tidos como bens
uacuteteis a serem incorporados agrave mistura da vida boa capaz de garantir aos homens a felicidade
(TAYLOR 1952 p 408)67 Comungam desta visatildeo Diegraves (2002 p 53) Bravo (2009 p 411)68
Frede (1993 p 13) Hackforth (1945 p 12) Gosling (1975 p 9) Hampton (1990 p 1)
Delcomminette (2006 p 15-16) Davidson (1990 p 14) dentre outros
No entanto podemos destacar ainda trecircs posiccedilotildees muito particulares a respeito do
diaacutelogo as de Guthrie (1978) Gadamer (1983) e Van Riel (1999 2008) Talvez seria melhor
que as consideraacutessἷmὁὅΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅrdquoέΝἕuthὄiἷΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝὃuἷΝὁΝtἷmaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝ
superado no Filebo os problemas concernentes ao hedonismo e ao anti-hedonismo natildeo satildeo
o alvo da discussatildeo platocircnica neste periacuteodo final Estas questotildees jaacute teriam sido abordadas
em outros diaacutelogos como no Goacutergias e na Repuacuteblica isto eacute o prazer e o bem jaacute foram tratados
nos respectivos diaacutelogos Neste diaacutelogo tardio a tarefa de Platatildeo eacute desenvolver a criacutetica
acerca da relevacircncia destes temas (prazer e bem) na constituiccedilatildeo da vida mista e demonstrar
quais deles participam desta mistura (1978 p 202)
A leitura de Guthrie do Filebo ressalta tambeacutem o criteacuterio cosmoloacutegico do Filebo
justamente porque neste diaacutelogo Soacutecrates admite a existecircncia de uma inteligecircncia divina
(θκ μ) que governaria o cosmos (28c-e 30a-d) Assim afirma o teoacuterico
67 Esta tem sido a intepretaccedilatildeo corrente mais aceita entre os comentadores e estudiosos da obra 68 ldquoἡΝtἷmaΝfuὀἶamἷὀtalΝἶὁΝFilebo natildeo eacute o prazer como daacute a entender o subtiacutetulo tradicional mas a vida ἴὁaΝὁuΝmaiὅΝὂὄἷἵiὅamἷὀtἷΝὁΝἴἷmΝὅuὂὄἷmὁΝἶὁΝhὁmἷmrdquoΝ(ἐἤἏVἡΝἀίίλΝὂέΝἂ11)έ
61 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
O Filebo eacute uma excelente ilustraccedilatildeo do talento de Platatildeo em combinar a eacutetica e a metafiacutesica o humano e o coacutesmico A totalidade do real esta eacute sua competecircncia pois ele natildeo estaacute disposto a separar nenhuma de suas partes porque essas satildeo partes de um todo orgacircnico A alma do homem eacute um fragmento da alma universal (30a) e a ordem eacute a mesma nas almas individuais nas cidades-estados e no universo em geral O Filebo trata do indiviacuteduo o Poliacutetico do Estado e o Timeu do universo em geral mas todos igualmente em seus cenaacuterios satildeo retratados como partes integrantes de uma ordem coacutesmica (1978 p 203)69
Gadamer vai ainda mais aleacutem ao considerar que o Filebo natildeo consiste unicamente em
definir o que seja a vida feliz que tipo de vida feliz eacute essa e o modo pelo qual os homens
poderatildeo alcanccedilaacute-la Para tal Gadamer procura compreender esse caminho em busca do bem
a partir da concepccedilatildeo defendida por Soacutecrates no diaacutelogo aquela propriamente de que o bem
eacute almejaἶὁΝὂὁὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅέΝΝἏΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶἷὅὅaΝldquoὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝmaiὁὄrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝἶἷfiὀἷΝaΝ
essecircncia humana ou seja o modo como deve agir os homens que estatildeo em prol da felicidade
(GADAMER 1983 p 163) Em um segundo plano Soacutecrates assegura que esse
conhecimento acerca do papel das afecccedilotildees humanas soacute eacute possiacutevel pelo entendimento pela
memoacuteria (ηθ ηβθ) (Cf 35c) Somente o homem ndash e este parece ser o traccedilo distintivo da
natureza humana ndash eacute capaz de avaliar os seus prazeres de julgaacute-los diferentemente dos
animais que apenas tecircm sensaccedilotildees sem poderem assim significaacute-las ou mesmo
ressignificaacute-las (1983 p 163-164)
Contudo ainda eacute dada ao homem a possibilidade de poder distinguir entre sabedoria
e prazer entre ser um simples ser de afetos ou a capacidade de guiar suas accedilotildees
(sabiamente) a fim de que possa obter a felicidade Entretanto quando comparada agrave
inteligecircncia divina (θκ μ) em termos qualitativos sua inteligecircncia eacute imperfeita sua auto
compreensatildeo eacute limitada sua inteligecircncia eacute potencial possiacutevel de se desenvolver em relaccedilatildeo
a capacidade de refletir acerca de um referencial para suas accedilotildees (GADAMER 1983 p 164)
ἕaἶamἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝὃuἷΝaΝvἷὄἶaἶἷΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝhumaὀaΝὧΝumaΝὃuἷὅtatildeὁΝ
dialeacutetica se daacute mediante as possibilidades e contradiccedilotildees que surgem a partir dos discursos
dos loacutegoi Tais discursos visam uma medida um padratildeo capaz de conciliar tais contradiccedilotildees
Em certo sentido uma busca pela verdade poreacutem dialeacutetica que admite a natureza faacutetica da
vida humana Por conseguinte nenhuma posiccedilatildeo dogmaacutetica pode ser aceita no Filebo (1983
p 164-165)
Para finalizar segundo o estudioso alematildeo a discussatildeo empreendida por Platatildeo no
diaacutelogo tem por objetivo a questatildeo do Bem contudo
69 Na contemporaneidade a interpretaccedilatildeo de Carone (2008 p 123-186) se assemelha a de Guthrie justamente por compreender a eacutetica por meio de perspectivas cosmoloacutegicas Ainda retornaremos agraves intepretaccedilotildees de Carone ao longo do texto
62 22 O tema central um dissenso
A questatildeo do bem na vida humana conteacutem desde jaacute uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e sendo assim busca a uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo (diaacutethesis) ou uma certa atitude (heacutexis) ἶaΝ almaΝ ἵaὂaὐΝ ἶἷΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ homens O bem eacute portanto concebido anteriormente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Ele natildeo eacute ἵὁmὁΝὅἷΝaἵὄἷἶitaΝiὀgἷὀuamἷὀtἷΝὁΝὅἷὀὅὁΝἵὁmumΝalgὁΝὃuἷΝὁΝhὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(compreensatildeo vulgar de aacutegathon) mas uma modalidade de seu ser Pois o homem eacute precisamente sua alma O problema se coloca nos seguintes termos Qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de possibilitar a todos os hὁmἷὀὅΝ aΝ viἶaΝ ldquofἷliὐrdquoςΝ ἏΝ ldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ (eudaimon) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado do bem ao qual o homem aspira (no mesmo sentido por exemplo que se possui uma alternativa entre a felicidade e a virtude) mas refere-se em geral ao mais alto grau do humanamente desejaacutevel neste estado onde nada mais poderia ser desejado (GADAMER 1983 p 166 grifos do autor)
Van Riel afirma que o Filebo tem ainda como temaacutetica central o prazer contudo com
notaacuteveis especificidades a despeito dos diaacutelogos anteriores como Goacutergias no Feacutedon e
RepuacuteblicaέΝἏlὧmΝἶἷΝmaiὅΝἷxauὅtivaΝaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝtiἶὁΝἵὁmΝldquotaὄἶiὁrdquoΝἢlatatildeὁΝ
reafirmaria sua posiccedilatildeo agrave posiccedilatildeo anti-hedonista ou seja um enfrentamento ao hedonismo
ἶἷΝ umaΝ maὀἷiὄaΝ maiὅΝ ldquoἴὄaὀἶardquoΝ ὅἷmΝ utiliὐaὄ-se do intelectualismo riacutegido dos diaacutelogos
anteriores Dessa forma conveacutem agora atribuir um papel importante ao prazer na constituiccedilatildeo
da boa vida mas sem admiti-lὁΝἵὁmὁΝἴἷmέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝaὀaliὅaἶὁΝἶἷΝumaΝmaὀἷiὄaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἷΝ
ὀatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝἵaὄὄἷgaὀἶὁΝἵὁὀὅigὁΝaiὀἶaΝἵἷὄtὁΝἵaὄὠtἷὄΝἶἷὂὄἷἵiativὁΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝ(VἏἠΝ
RIEL 1999 p 300)
Na visatildeo contemporacircnea de teoacutericos como George Rudebusch (2007) Fernando
Muniz (2012) e Marques (2011) a questatildeo primordial do Filebo eacute a vida boa sem duacutevidas
mas ela passa neste diaacutelogo fundamentalmente pelo prazer Dito de outro modo a longa e
relevante anaacutelise dos prazeres (haja vista o tratamento exaustivo desse tema por Platatildeo na
ὄἷfἷὄiἶaΝὁἴὄa)ΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝἵὁὀἶuὐΝaὃuiΝaΝ umaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝὂὁὄtaἶὁὄaΝἶἷΝumΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶὁΝ
diaacutelogo ela eacute decerto um bom caminho para compreendermos melhor os fins da obra A
reflexatildeo sobre os prazeres enquanto propriamente questatildeo filosoacutefica cara ao nosso filoacutesofo
nos dirige a apontamentos que configuram ainda mais a atividade dialeacutetica ao serem
apresentadas mais uma de suas funccedilotildees essenciais que natildeo apenas as epistemoloacutegicas
(gnosioloacutegicas) mas tambeacutem ao papel desempenhado por tal tarefa na discussatildeo eacutetica
(valorativas ou axioloacutegicas) essenciais na compreensatildeo do pensamento platocircnico A
pergunta sobre o papel na vida humana mista de prazer e conhecimento nos permitiria
compreender ainda mais aquelas questotildees ἶitaὅΝldquofuὀἶamἷὀtaiὅrdquoΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝfilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵaμ
O prazer eacute de fato o protagonista da cena do diaacutelogo Mais da metade do Filebo eacute dedicada agrave classificaccedilatildeo dos prazeres (31a-55a) o que representa
63 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
1205 linhas da ediccedilatildeo Tauchnitz enquanto a parte referente ao pensamento e ao conhecimento tomam apenas 181 linhas (55c-59c) e todo o restante do diaacutelogo natildeo ultrapassa 1164 Ainda que o ponto de vista quantitativo seja um indicativo importante natildeo eacute obviamente conclusivo Mas a discussatildeo que percorre o diaacutelogo envolve sem duacutevida o problema do prazer e seu lugar na vida humana () (MUNIZ 2012 p11)
Nem mesmo acerca do tema central do diaacutelogo ndash uma questatildeo aparentemente simples
se analisaacutessemos o conteuacutedo de outros diaacutelogos ndash se obteacutem um consenso geral por parte dos
estudos Meu propoacutesito eacute tornar evidente por meio deste trabalho ressaltadas as questotildees
histoacuterico-interpretativas do diaacutelogo em questatildeo que o tema do prazer ocupante da maior parte
da obra (protagonista) encontra-se incorporado a tantas outras questotildees fundamentais caras
a nosso autor e que reaparecem no Filebo como as referecircncias agrave proacutepria potecircncia dialeacutetica
o papel competente aos prazeres e conhecimentos (teacutecnicasciecircncias) na constituiccedilatildeo da vida
boa humana (mista) a relaccedilatildeo entre a atividade dialeacutetica e a potecircncia do bem a classificaccedilatildeo
dos bens e dos conhecimentos (teacutecnicas) o problema da unidademultiplicidade dos prazeres
os falsos e verdadeiros prazeres a criacutetica a retoacuterica e agrave eriacutestica as analogias entre a muacutesica
a gramaacutetica e a dialeacutetica dentre outras Partindo do proacuteprio diaacutelogo acredito que a reflexatildeo
platocircnica acerca dos prazeres natildeo eacute um tema novo e que o Filebo constitui o maacuteximo e o
uacuteltimo esforccedilo de Platatildeo sobre o tema Um exame (o dos prazeres) que como se nota estaacute
presente jaacute em outras obras apesar de situar-se em contextos dialeacuteticos distintos sendo
tratado de acordo com os propoacutesitos de determinada obra o prazer ao longo da obra platocircnica
iraacute demonstrar sua forccedila ele se manteacutem firme enquanto forte candidato para enfrentar a
iὀtἷligecircὀἵiaΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἶiὅὅἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
retomar natildeo me parece que Platatildeo muda sua visatildeo sobre o prazer mas apenas a torna mais
clara no decorrer de sua obra a ponto de apresentar-nos algo dotado de profundidade e de
refinamento nas linhas compotildeem o Filebo
O prazer eacute uma questatildeo filosoacutefica premente na filosofia de Platatildeo e que exige todo o
rigor que eacute conferido a ele no nosso diaacutelogo Esse rigor platocircnico se torna perceptiacutevel agrave medida
em que a anaacutelise dos prazeres exige uma reflexatildeo profunda sobre a funccedilatildeo das afecccedilotildees na
vida dos homens isto eacute passa pela proacutepria configuraccedilatildeo sobre o movimento do desejo e da
sua efetividade na alma humana O papel da reflexatildeo (dialeacutetica) tambeacutem eacute fundamental para
ὅἷΝalἵaὀὦaὄΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὀὃuaὀtὁΝativiἶaἶἷΝἶἷliἴἷὄativa (limiteilimitado) das accedilotildees dos
cidadatildeos cuja finalidade uacuteltima parece configurar-se na plena realizaccedilatildeo de todos os seres
humanos isto eacute na posse do bem maior por conseguinte da felicidade Como bem considera
Gazolla
A discussatildeo do Filebo () nos interessa na medida em que seria a ponte do theoreicircn ao pratteicircn ndash ele pergunta sobre a relaccedilatildeo prazer-felicidade atraveacutes do qual o problema do uno e muacuteltiplo nas ideias e nos seres sensiacuteveis pode
64 23 O contexto histoacuterico e os personagens
enquadrar-se no campo das accedilotildees eacuteticas A intenccedilatildeo socraacutetica nessa primeira arte do diaacutelogo eacute demonstrar a Filebo ndash interlocutor que segue uma corrente bastante aceita na eacutepoca e apregoa a felicidade humana pela via do prazer ndash o que eacute a phrocircnesis70 Essa expressatildeo eacute de difiacutecil traduccedilatildeo indicativa de um verbo phreicircn e que significa refletir o que nos leva a traduzi-la por ldquoaὦatildeὁΝὄἷflἷtiἶardquoΝὁuΝldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝὂὄὠtiἵardquoΝmaὅΝὀuὀἵaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἅἃ-176 grifos da autora)
ἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝaὅΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝἶἷΝWὁlfὅἶὁὄfΝ (ἀί1ἁ)Ν ldquoὁΝ tὄatamἷὀtὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝ
Platatildeo no Filebo eacute de longe o mais elaborado Naturalmente eacute o mais elaborado tratado
aἵἷὄἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝaὀtiguiἶaἶἷΝὃuἷΝὀὰὅΝὂὁὅὅuiacutemὁὅrdquoΝ(ὂέΝἅἂ)έΝἡuΝἵὁmὁΝafiὄmὁuΝἐuὄyΝ(1ἆλἅ)Ν
ldquoὂὁὄΝὅἷuΝὄigὁὄΝἷΝἵὁmὂlἷtuἶἷΝἷmΝὅuaΝἵὄiacutetiἵaΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὁΝFilebo certamente sustenta-se sozinho
entre os escritos preacute-aristoteacutelicos ()rdquoΝ (ὂέΝ ἀἆ)Ν iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ muitὁὅΝ ἶὁὅΝ aὅὂἷἵtὁὅΝ ὧtiἵὁὅΝ
desenvolvidos no diaacutelogo iratildeo marcar profundamente o pensamento filosoacutefico ocidental
posterior tendo as concepccedilotildees filosoacuteficas platocircnicas (ora aceitando-as ora confrontando-as)
como base Diante disso o impacto da leitura do Filebo embora natildeo tenha ganhado tanta
forccedila apoacutes o neoplatonismo emerge na contemporaneidade com toda a forccedila devido aos
temas importantes como jaacute ressaltamos contidos nesta obra
23 O contexto histoacuterico e os personagens
Um dos principais fatores que tambeacutem dificultam o estudo da obra por parte do leitor
eacute o contexto histoacuterico Acerca do Filebo diferentemente das outras obras de Platatildeo natildeo
possuiacutemos qualquer referecircncia a respeito do local e da data de composiccedilatildeo ou se esse
diaacutelogo teria mesmo ocorrido (o que eacute bem pouco provaacutevel) Como dissemos anteriormente
a respeito do dissenso entre os estudiosos acerca do tema principal do diaacutelogo em grande
parte ele se deve tambeacutem agrave ausecircncia de referenciais histoacutericos que tratem ou que faccedilam uma
referecircncia direta a esse debate especificamente
De acordo com Schofield a composiccedilatildeo Filebo data das uacuteltimas duas deacutecadas da vida
de Platatildeo entre os anos de 360 aC e 347 aC (1998 p 419) Como jaacute foi dito maioria dos
estudiosos (dentre eles Bury (1897) Taylor (1956) Guthrie (1975) Crombie (1988))
consideram a obra como parte dos diaacutelogos tardios de Platatildeo71 Enquanto alguns
70 ἦὄataὄἷiΝἶὁΝldquoἵamὂὁΝὅἷmacircὀtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὀὁΝὂὄὰximὁΝἵaὂiacutetulὁΝἷΝaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝfὁὄmaὅΝsegundo as quais ele possa ser compreendido na obra platocircnica e especialmente no caso do Filebo 71 Sobre isso vale retomar o famoso artigo de Brandwood (2013 p 113-1ἂἁ)μΝldquoἏΝὂἷὅὃuiὅaΝiὀiἵialΝὅὁἴὄἷΝo vocabulaacuterio de Platatildeo por Campbell Dittenberger e Schanz culminando no livro de Ritter sobre o assunto identificada no Sofista no Poliacutetico no Filebo no Timeu Criacutetias e Leis um grupo de diaacutelogos que se distinguiam dos demais por uma ocorrecircncia exclusiva ou aumentada de certas palavras e frases Investigaccedilotildees subsequentes sobre esse aspecto de estilo chegaram agrave mesma conclusatildeo e a dicotomia foi confirmada por dois criteacuterios adicionais com a descoberta de que somente nestes trabalhos ()
65 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
revisionistas como Ryle (1966) e Waterfield (1980) insistem em colocaacute-lo entre os da fase
meacutedia juntamente agrave Repuacuteblica e ao Timeu
Para os estudiosos citados acima o Filebo ἶἷvἷΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝἷmΝἵuὄὅὁrdquoΝ
isto eacute Platatildeo teria nesse diaacutelogo representado (dramaticamente) duas das principais
concepccedilotildees correntes de sua eacutepoca (uma anti-hedonista e uma outra hedonista) isto eacute tratar-
se-ia de um diaacutelogo escoliasta que postulava dois modos distintos de vida) ambas defendidas
por estudiosos da Academia Isto porque segundo tais o diaacutelogo se iniciaria a partir da
retomada de duas teses contraditoacuterias uma em defesa do prazer e outra como partidaacuteria da
inteligecircncia ndash sendo que ambas arrogariam a si o precircmio concedido ao vencedor da disputa
ὃuἷΝvἷὄὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝὅὁἴὄἷΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝὁuΝiὀtἷligecircὀἵia)ΝὂὁὅὅaΝviὄΝ
a ser considerado como o bem (11b-c) Filebo representaria um hedonismo radical a defesa
irrefreaacutevel pela busca do prazer enquanto Soacutecrates defenderia sua tese intelectualista do
bem O fato eacute que ainda muito se confabula a respeito das reais identidades que estariam
representadas nas teorias defendidas por Filebo e Protarco tendo em vista a pobre doxografia
que possuiacutemos sobre tal tema polecircmico Ademais muito se questiona sobre Soacutecrates que a
despeito do meacutetodo utilizado por Platatildeo nos diaacutelogos da velhice retorna agrave trama dialoacutegica
como protagonista da discussatildeo
Uma das teses mais fortes eacute a de que Filebo refira-se a Eudoxo matemaacutetico grego e
filoacutesofo da Academia o qual segundo nos informa Aristoacuteteles era quem defendia que o prazer
era o bem (EN X 2 1172b9-5) Para muitos estudiosos (Cf DIEgraveS 2002 p13-17) a
personagem que daacute nome ao diaacutelogo nada mais eacute do que uma dramatis persona utilizada
literariamente por Platatildeo ao configurar a posiccedilatildeo de Eudoxo Enquanto a posiccedilatildeo defendida
por Soacutecrates expressaria a oposiccedilatildeo riacutegida (anti-hedonista) de Espeusipo sucessor de Platatildeo
na Academia O nome Filebo tambeacutem pode ser compreendido por um jogo de palavras (Φiacuteζ
amigoamante + β + ίκμ da juventude) ou melhor amante da forccedila juvenil Contudo como
veremos Filebo interveacutem na discussatildeo em apenas trecircs momentos e quem ocupa o papel de
Platatildeo fez uma tentativa consistente de evitar certos tipos de hiato e chegou a um tipo diferente de rimo de prosa () Com relaccedilatildeo agrave questatildeo da sequecircncia no grupo cronoloacutegico final ao comparar os vaacuterios tipos de evidecircncia um peso particular talvez devesse ser atrelado ao ritmo de prova e ao evitar o hiato uma vez que diferentemente do que se tem no vocabulaacuterio eles parecem independentes tanto da forma de uma obra como de seu conteuacutedo Muito embora o testemunho dos dados para se evitar o hiato foram ambiacuteguos trecircs investigaccedilotildees independentes sobre ritmo de claacuteusula e uma investigaccedilatildeo sobre ritmo de sentenccedila mostraram concordes ao concluir que a ordem sequencial de composiccedilatildeo seria Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Agrave luz dessa ambiguidade de evidecircncia do hiato um indiacutecio quanto agrave posiccedilatildeo do Filebo pode ser resolvida em favor de sua proximidade em relaccedilatildeo agraves Leis posiccedilatildeo amparada por aspectos particulares do hiato e por outros aspectos como o retorno a formas mais longas de foacutermulas de reacuteplica apoacutes uma predominacircncia de versotildees abreviadas nos trabalhos precedentes a culminacircncia de uma tendecircncia para o uso mais frequente de expressotildees superlativas a elevada proporccedilatildeo de Peacuteri e preferecircncia ndash ampliada se se considerar o Timeu Criacutetias e o Sofista ndash ὂὁὄΝumaΝlὁὀgaΝὅiacutelaἴaΝfiὀalΝἷmΝἵlὠuὅulaὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἂἀ-144)
66 23 O contexto histoacuterico e os personagens
interlocutor no diaacutelogo eacute Protarco Sobre este uacuteltimo personagem Protarco tambeacutem temos
pouquiacutessimas informaccedilotildees No diaacutelogo Soacutecrates se refere a este interlocutor chamando-o
tamἴὧmΝἶἷΝldquoἔilhὁΝἶἷΝἑὠliaὅΝ(1λἴἃ)Νldquo(έέέ) nome muito comum em Atenas portanto para muitos
inteacuterpretes natildeo pode ser confundido com o riquiacutessimo Caacutelias amigo de Soacutecrates cujo filho
era uma crianccedila no tempo do processo deste uacuteltimo (Soacutecrates) (ApolΝ ἀίa)rdquo72 Torna-se
impensaacutevel para a maioria dos estudiosos que Protarco seja uma figura histoacuterica mas apenas
uma figura dramaacutetica utilizada por Platatildeo no diaacutelogo
Outra tese mais antiga eacute de que a obra ilustraria o conflito entre duas das escolas de
pensamento da antiguidade a dos ciacutenicos e a dos cirenaicos Desta forma o diaacutelogo
representaria a posiccedilatildeo (mediadora) de Platatildeo distinta de ambas as posiccedilotildees extremadas O
hedonismo levado agraves extremas encontraria sua expressatildeo maacutexima na figura de Aristipo de
Cirene (cirenaico)73 para o qual o bem eacute o maior gozo possiacutevel ou seja prazer em demasia
Por outro lado Antiacutestenes (ciacutenico) seria representado no diaacutelogo pela figura de Soacutecrates na
tese inicial o qual advoga em favor de um modo de vida estritamente riacutegido (intelectualista)
fundamentado em uma postura austera que apregoa a fuga dos prazeres pois teriam como
fim unicamente a perturbaccedilatildeo da alma (TAYLOR 1926 p 409) Mas nada confirmaria esta
tese como jaacute dissemos a doxografia eacute muito pobre a ponto de afirmar semelhante debate
acadecircmico
Ao contraacuterio do que notamos nos outros diaacutelogos de Platatildeo no Filebo natildeo haacute nenhuma
referecircncia ao local geograacutefico onde se passa o diaacutelogo nem ao menos acerca do momento
ou de algum fato histoacuterico a partir do qual poderiacuteamos inferir alguma indicaccedilatildeo precisa do
diaacutelogo Um outro fator essencial que intriga muitos inteacuterpretes da obra eacute o retorno da figura
de Soacutecrates ao diaacutelogo jaacute que natildeo eacute ele o condutor da discussatildeo no Sofista e nas Leis todos
ὁὅΝἶὁiὅΝήltimὁὅΝtamἴὧmΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaΝἶitaΝldquoήltimaΝfaὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἑὁmὁΝjὠΝ
ἶἷὅtaἵamὁὅΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶὁΝ aὅΝ iὀήmἷὄaὅΝ ἶifiἵulἶaἶἷὅΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶὁΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝ ἶἷΝ
ἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὃualΝὅἷὄiaΝἷὀtatildeὁΝaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝmaiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝaΝἷὅtἷΝldquoὄἷgὄἷὅὅὁrdquoΝἶaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ
(Soacutecrates) como condutor da discussatildeo no caso do Filebo
Essa eacute uma questatildeo problemaacutetica e que admite variadas formulaccedilotildees Mas parece que
muitos admitiriam que Soacutecrates tal como aparece no Filebo e o modo como conduz a
argumentaccedilatildeo assim como as teses que defende nada se parece com o Soacutecrates aporeacutetico
dos primeiros diaacutelogos
72 Esta informaccedilatildeo tambeacutem eacute contestada por alguns estudiosos como GUTHRIE (1978 p 198) TAYLOR (1926 p 409) e HACKFORTH (1945 p 7) 73 ἏfiὄmaΝἔὄiἷἶlaumlὀἶἷὄμΝldquoἡΝἵὁὀtὄaὅtἷΝἷὀtὄἷΝaΝὧtiἵaΝhἷἶὁὀiὅtaΝἷΝaΝὧtiἵaΝaὀti-hedonista (intelectualista) jaacute havia sido antecipada na oposiccedilatildeo entre ciacutenicos e cirenaicos (2004 p 1044) Sobre isto cf Bravo (2009 p 412)
67 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
Uma das surpresas do Filebo eacute a volta de Soacutecrates agrave cena Ele que tinha sido deixado de lado em diaacutelogos da uacuteltima fase de Platatildeo cedendo lugar na conduccedilatildeo da conversa dialeacutetica a figuras como a do Estrangeiro de Eleia retorna com um de seus temas preferidos o prazer mas desta vez com um estilo menos aporeacutetico e mais afinado com a problemaacutetica dos diaacutelogos da uacuteltima da uacuteltima fase (MUNIZ 2012 p 21)
Alguns estudiosos como Friedlaumlnder (2004) afirmam ser o Soacutecrates do Filebo aquele
mesmo Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais aquele que vemos dialogar com os jovens Tal acepccedilatildeo
verifica-se segundo este autor pela postura socraacutetica em defender uma tese especiacutefica
poreacutem ao mesmo tempo submetendo-a agrave criacutetica caracteriacutestica proacutepria do predominante
condutor dos diaacutelogosέΝ ἏΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ldquoὁΝ ἴἷmΝ ὧΝ aΝ ὅaἴἷἶὁὄiardquoΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeὁΝ
dogmaacutetica mas um ponto de partida na discussatildeo que se inicia Semelhante proposiccedilatildeo
como se observa seraacute abandonada pelo condutor da discussatildeo agrave medida que o diaacutelogo
avanccedila sendo demonstradas a inadequaccedilatildeo da tese inicial e a parcialidade perante sua
justificaccedilatildeo (p 1046)
Diegraves (2002) segue uma direccedilatildeo oposta Para ele o Soacutecrates do Filebo nada tem de
semelhante com o Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais A figura de Soacutecrates natildeo tem nada de irocircnica
nesta obra Como nos primeiros diaacutelogos o filoacutesofo natildeo eacute aquele que debate que argumenta
que brinca mas preocupa-se muito mais em expor determinadas questotildees sem duvidar da
validade de suas teses (DIEgraveS 2002 p 9) Similarmente Guthrie afirma que Soacutecrates retorna
agrave cena dramaacutetica como condutor do diaacutelogo porque o tema eacute o prazer Ademais o Soacutecrates
do Filebo assemelha-se mais ao Estrangeiro de Eleacuteia do Sofista do que ao Soacutecrates irocircnico
visto nos escritos platocircnicos da juventude
a fim de tornaacute-lo (Soacutecrates) mais confiaacutevel Platatildeo faz com que Protarco peccedila a Soacutecrates em nome de todos os jovens presentes que abandone sua praacutetica de pocircr os jovens em dificuldades perante questotildees sem respostas [aporias] A partir de agora eacute Soacutecrates mesmo que deveraacute responde-las enquanto seus interlocutores se esforccedilaratildeo para segui-lo da melhor maneira (19e- 20a) cf 28bc) Satildeo alguns dos raros toques pessoais nos diaacutelogos mas em geral faz faltar o interesse dramaacutetico (GUTHRIE 1978 p197-198)
Algumas anaacutelises mais recentes sobre a estrutura e a composiccedilatildeo dramaacutetica do
ἶiὠlὁgὁΝ ὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝ ὀὁΝ ὃuἷὅitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅrdquoΝ ὅatildeὁΝ aiὀἶaΝmaiὅΝ iὀtἷὄἷὅὅaὀtἷὅ como aquela
apresentada por Dorothea Frede A autora afirma no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo do Filebo que
nos deparamos ali com um Soacutecrates (forjado por Platatildeo) que estaacute a debater a discutir e que
natildeo apresenta uma definiccedilatildeo uacuteltima sobre determinados assuntos Assim ela defende
Na verdade ele [Platatildeo] parece ter feito Soacutecrates o principal orador mais uma vez precisamente porque nenhum tratamento final eacute intencionado mas um
68 23 O contexto histoacuterico e os personagens
exame discursivo com sugestotildees e insinuaccedilotildees que podem ir longe mas nunca plenamente suficiente para resolver as questotildees de tal forma que o leitor poderia reivindicar a plena compreensatildeo de uma doutrina definitiva Em suma a Platatildeo soacute resta o proacuteprio Platatildeo o filoacutesofo que se recusa a fixar na mente de seus leitores suas intenccedilotildees finais (FREDE 1993 p 7)
Em suma a teoacuterica alematilde sugere que o meacutetodo pedagoacutegico-socraacutetico (o ζ ΰξκμ) eacute
reutilizado por Platatildeo a fim de persuadir seus interlocutores a respeito de sua concepccedilatildeo da
vida boa no diaacutelogo Desta maneira por um lado a figura de Soacutecrates simula as ideias do
ldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὁΝἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝὂὅiἵὁlὰgiἵὁ-filosoacutefico do autor tardio mas por outro natildeo
se separou ainda permanece unido a seu mestre Contudo natildeo eacute relevante para a autora a
figura de Soacutecrates neste retorno mas sim o modo como ele se porta na discussatildeo isto eacute
ἥὰἵὄatἷὅΝaὃuiΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁΝldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶἷΝὅuas doutrinas apresentadas em seus
uacuteltimos escritos O papel do condutor eacute relevante apenas em um primeiro momento porque
ele eacute quem iraacute retomar a discussatildeo eacutetica da qual Platatildeo teria como maior referencial a filosofia
de Soacutecrates No entanto sua funccedilatildeo reduz-se agrave dramatis persona (Soacutecrates) sob o propoacutesito
ἶἷΝ ὂἷὄὅuaἶiὄΝ ὁὅΝ jὁvἷὀὅΝ aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶaΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (aiacuteΝ ὅimΝ umaΝ tἷὁὄiaΝ
especificamente platocircnica)
Em outro artigo Frede (2013) sublinha semelhante posiccedilatildeo
O que perturba eacute o fato de parecermos ter uma discussatildeo socraacutetica normal diante de noacutes neste que aparentemente eacute um dos uacuteltimos trabalhos de Platatildeo Aacute primeira vista o Filebo natildeo parece apresentar nenhum dos traccedilos dramaacuteticos dos outros uacuteltimos diaacutelogos O proacuteprio Soacutecrates estaacute guiando a discussatildeo () estamos de volta a Atenas imerso em uma disputa viva entre um Soacutecrates e interlocutores natildeo muito diferente das que satildeo usadas nos diaacutelogos socraacuteticos () existe [neste diaacutelogo] um antagonismo verdadeiro humoriacutestico ndash e isso inclui insinuaccedilotildees de caraacuteter sexual ndash e uma conversatildeo gradual Se se olhar para a forma dramaacutetica eacute quase como se Platatildeo quisesse provar ao mundo que mesmo nessa idade avanccedilada madura ele fosse capaz de compro diaacutelogos vivos e tambeacutem que Soacutecrates de modo algum pudesse ficar esquecido (p 510-511)
E justifica mais detalhadamente tal posiccedilatildeo dizendo que
Platatildeo teria achado difiacutecil evocar fosse um eleata fosse um pitagoacuterico como liacuteder de tal discussatildeo e haveria boas razotildees para deixar Soacutecrates aceitar o desafio Platatildeo ao que parece retornou agrave forma anterior dos diaacutelogos socraacuteticos porque desejava reabrir uma questatildeo que fora preocupaccedilatildeo bastante seacuteria do primeiro Soacutecrates platocircnico qual seja o debate sobre a natureza e avaliaccedilatildeo do prazer (FREDE 2013 p 511)
Soacutecrates segundo Frede visto como carecente pobre eacute incompleto frente agrave figura do
dialeacutetico elaborada por Platatildeo no processo argumentativo O primeiro representa a figura da
69 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
natureza humana (carecentedesejosa) enquanto o dialeacutetico platocircnico ilustra a perfeita
sabedoria a completude (FREDE 2013 p 543) Assim sendo no Filebo a caracterizaccedilatildeo do
dialeacutetico natildeo soacute caracteriza a essecircncia da filosofia platocircnica como tambeacutem marca claramente
a distinccedilatildeo entre a figura do filoacutesofo (Soacutecrates) e a do dialeacutetico (Platatildeo) Aleacutem disso a obra
evidenciaria a superaccedilatildeo de Platatildeo em relaccedilatildeo agrave filosofia socraacutetica que agora transfigura-se
como dialeacutetica
Lidar com tais processos natildeo eacute assunto e preocupaccedilatildeo do dialeacutetico jaacute que ele eacute o homem perfeitamentἷΝ ὅὠἴiὁΝ ἵujὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷΝ ὧΝ ldquoὅἷὄΝ ὄἷaliἶaἶἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝἷΝὁΝἷtἷὄὀamἷὀtἷΝiἶecircὀtiἵὁrdquoΝ(ἃἆa)νΝὧΝἶὁΝiὀtἷὄἷὅὅἷΝἶaὃuἷlἷΝὃuἷΝἴuὅἵaΝa completude cujo representante eacute o pobre descalccedilo poreacutem implacaacutevel d infatigaacutevel Soacutecrates retratado no Banquete ou entatildeo do interesse do atribulado cantor de uma palinoacutedia em favor do amor no Fedro O progresso em direccedilatildeo agrave perfeiccedilatildeo eacute o que o melhor tipo de prazer na vida humana representa e eacute o motivo pelo qual uma vida humana natildeo seria desejaacutevel sem prazer na condiccedilatildeo de humano eacute incompleto e necessita da constante tendecircncia e conclusatildeo ardentemente desejada pelo filoacutesofo socraacutetico (embora natildeo o dialeacutetico platocircnico) (FREDE 2013 p 543)
Ademais um outro elemento socraacutetico reconhecido pela autora como presente no
diaacutelogo eacute o carὠtἷὄΝldquomὧἶiἵὁrdquoΝἶaΝfilὁὅὁfiaΝὅὁἵὄὠtiἵaέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝἶἷΝumΝ
estado harmonioso tanto do corpo quando alma que procura sair de tal estado dissoluto (dor)
Aqui de acordo com Frede natildeo se pode negar a presenccedila deste caraacuteter (imprescindiacutevel) de
restauraccedilatildeo que a reflexatildeo sobre as afecccedilotildees humanas pode trazer ao homem Dito isso ao
que parece encontra-ὅἷΝaiὀἶaΝὂὄἷὅἷὀtἷΝὀaΝὁἴὄaΝumΝἵaὄὠtἷὄΝldquoἵatὠὄtiἵὁrdquoΝ(ὂuὄifiἵaἶὁὄ)ΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
aos prazeres ndash herdado da filosofia de Soacutecrates ndash e que permanece como pano de fundo na
composiccedilatildeo do Filebo por parte de nosso autor Dessa maneira isso demonstra jamais ter
havido uma renuacutencia agrave analogia meacutedica que justificou a criacutetica de Soacutecrates agrave moralidade de
seus contemporacircneos ela foi reescrita em novos termos que atrelam ser e tornar-se a
imposiccedilatildeo de limites no ilimitado (FREDE 2013 p 544)74
Em oposiccedilatildeo agrave leitura de Frede C Rowe (1999) compreende o protagonismo de
Soacutecrates no diaacutelogo de uma outra forma Natildeo lhe faltaram criacuteticas agrave intepretaccedilatildeo da teoacuterica
norte-americana Segundo o autor no diaacutelogo natildeo notamos uma draacutestica diferenccedila entre o
Filebo algo que o distinguiria particularmente dos outros diaacutelogos tardios (Sofista Poliacutetico
etc) como considera Frede Nem sequer poderiacuteamos afirmar com toda clareza que Platatildeo
serve-se do ζ ΰξκμΝtalΝἵὁmὁΝὅἷΝὁἴὅἷὄvaΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝ(ἤἡWἓΝ1999 p 9-11)
74 ἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝ ὧΝ imὂἷὄiὁὅὁΝ ἶἷὅtaἵaὄΝ aΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἥaὀtὁὄὁΝ (ἀίίἅ)Ν aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ldquoἵatὠὄtiἵaΝ ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅrdquoΝἶἷὅἷὀvὁlviἶaΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝFilebo O prazer que transita entre medida e desmedida entre pureza e impureza Na visatildeo do autor uma visatildeo predominantemente entre os antigos (Cf SANTORO F Arqueologia dos Prazeres Rio de Janeiro Objetiva 2007)
70 23 O contexto histoacuterico e os personagens
Segundo Rowe a obra pelo contraacuterio daacute continuidade aos temas tratados no periacuteodo tardio
e natildeo se revela como um diaacutelogo especial neste uacuteltimo periacuteodo A dialeacutetica neste caso tem
um objetivo claro e reafirma a postura de Platatildeo mais elaborada sobre este importante
exerciacutecio filosoacutefico em questatildeo Um diaacutelogo entre interlocutores que exige uma toleracircncia
reciacuteproca entre ambos Se eacute que haacute elementos do ζ ΰξκμ no Filebo eles ressaltam a
ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἶὁΝmὧtὁἶὁΝὄἷfutativὁΝἷΝὀatildeὁΝaΝldquoὀἷgativardquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἅ)έΝἒitὁΝἶἷΝ
outro modo a dialeacutetica visa a verdade dentro das possibilidades oferecidas pela variabilidade
admitida dos loacutegoi (discursos) A refutaccedilatildeo presente sobretudo nos diaacutelogos da uacuteltima fase
natildeo pretende sobrepor a tese socraacutetica como a verdadeira exaltando a ignoracircncia do
interlocutor O que se nota eacute justamente o contraacuterio colocam-se as teses em anaacutelise em
confronto em busca da verdade ndash e essa eacute a principal excitaccedilatildeo contida no exerciacutecio do
diaacutelogo o desejo primordial naturalmente dialeacutetico que reside na busca por hipoacuteteses
verdadeiras e na rejeiccedilatildeo daquelas que pareccedilam falsas a ambos os dialogantes
Na fase tardia o suposto sentido negativo do ζ ΰξκμΝ ἶἷὅὂaὄἷἵἷΝ ὡΝ mἷἶiἶaΝ ὃuἷΝ
transparece o seu sentido positivo quἷΝὂaὄtἷΝἶaΝldquoaὀὠliὅἷrdquoΝἶἷΝumΝldquoἷxamἷrdquoΝἵὁὀjuὀtὁΝὃuἷΝviὅaΝ
umaΝἶὁutὄiὀaΝὂὁὅitivaΝἷΝὀatildeὁΝaΝὄἷjἷiὦatildeὁΝἶἷΝἵἷὄtaὅΝtἷὅἷὅέΝldquoἢὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝlsquoἶialὧtiἵarsquoΝὀatildeὁΝὧΝ
unicamente ou em primeira instacircncia uma maneira de suprimir a ignoracircncia mas ndash um ideal
ndash uma maneira de ἶἷὅἵὁἴὄiὄΝaΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἃ)έ
Um dos princiacutepios que estatildeo subjacentes em minha interpretaccedilatildeo eacute que os diaacutelogos satildeo em geral e essencialmente os mimeacutemata da filosofia real viva isto quer dizer derivados de certos aspectos da proacutepria filosofia imitam estes aspectos Aqui claramente eu me apoio amplamente sobre o Fedro [275d-e] que nos force a descriccedilatildeo mais completa e mais expliacutecita da natureza da atividade filosoacutefica se se compreende o que Soacutecrates disse (sem interpretaacute-lo ao peacute da letra) a filosofia escrita eacute uma contradiccedilatildeo em termos A filosofia repousa sobre a troca o teste das afirmaccedilotildees de uma pessoa por outra que permite algueacutem progredir intelectualmente ndash e as obras escritas elas mesmas natildeo podem responder elas satildeo como as pinturas que parecem vivas mas que quando vocecirc lhes propotildee uma questatildeo manteacutem um silecircncio solene (ROWE 1999 p 13)
Por fim ao que tudo indica a tese de Frede estaacute fundada em duas consideraccedilotildees
distintas (i) o Filebo possui uma estrutura dramaacutetica distinta dos diaacutelogos tardios a notar pela
presenccedila de Soacutecrates como condutor da argumentaccedilatildeo (ii) este diaacutelogo tardio conteacutem em si
noccedilotildees puramente socraacuteticas que demonstrariam um retorno de Platatildeo ao meacutetodo refutativo
do ζ ΰξκμΝ(1λλλΝὂέΝ1ἅ)75 Rowe defende que esta eacute uma leitura equivocada e que natildeo se
75 Visotildees como a de Frede (1993) estatildeo em consonacircncia com um ponto metodoloacutegico fundamental que primeiro encontra sua formulaccedilatildeo em Vlastos (1983) Para o teoacuterico o pensamento platocircnico tendo como base a divisatildeo claacutessica (juventude-maturidade-velhice) teria a cada um desses estaacutegios um modelo investigativo (ou meacutetodo) respectivo (juventude refutaccedilatildeo maturidade hipoteacutetico velhice
71 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
explica satisfatoriamente quando analisamos atentamente a obra em especiacutefico Para Rowe
o retorno de Soacutecrates agrave conduccedilatildeo do diaacutelogo no caso especiacutefico do Filebo demonstra a
amplitude e a grandeza da dialeacutetica entendida no sentido platocircnico a sua elaboraccedilatildeo uacuteltima
dotada de rigor e maestria por parte de nosso filoacutesofo Sendo assim os interlocutores jaacute satildeo
ὂὁὅtὁὅΝldquoἷmΝὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἷΝὁΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝἶaΝativiἶaἶἷΝfilὁὅὰfiἵaΝὀaΝὁἴὄaΝὄἷjἷitaὄiaΝὃualὃuἷὄΝ
ideia em torno de competiccedilatildeo (ROWE 1999 p 23)
Apoiando-se significativamente no Fedro Rowe (1999) considera o diaacutelogo como uma
ὅimulaὦatildeὁΝἶἷΝumΝldquoἶiὅἵuὄὅὁΝvivὁrdquoΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝativiἶaἶἷΝἶialὧtiἵaΝ( δαζΫΰ γαδ)
real e natildeo escrita Esse seria o sentido real da atividade filosoacutefica platocircnica uma discussatildeo
ὅὁἴὄἷΝ ldquoiἶἷiaὅrdquoΝ ἷὀtὄἷΝ iguaiὅΝ ὃuἷΝ ἷxigἷΝ tὁlἷὄacircὀἵiaΝ ἷΝ ἵὁὁὂἷὄaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ ὁὅΝ iὀἶiviacuteἶuὁὅΝ ἷΝ ὃuἷΝ
sobretudo visa alcanccedilar uma verdade possiacutevel naquele acircmbito dialoacutegico (1999 p13 seq)
Por mais que Protarco se converta ao final do diaacutelogo ele o faz agrave uma tese alterada
pois a tese de Soacutecrates defendida no iniacutecio da obra natildeo se equipara agravequela vencedora do
momento final da argumentaccedilatildeo Se haacute uma relevacircncia do retorno de Soacutecrates agrave cena
dramaacutetica em um primeiro momento ela eacute miacutenima isto eacute ela pode ter um propoacutesito eacutetico
primeiramente mas natildeo reivindica uma autoridade particular Assim a personagem Soacutecrates
ilustra o desenvolvimento da atividade dialeacutetica tal como compreendida por Platatildeo ao longo
de sua atividade filosoacutefica (ROWE 1999 p 12) e que portanto em dado momento jaacute se
separa daquela figura inicial o Soacutecrates histoacuterico (ROWE 1999 p 24-25)
ἏΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἵatὠὄtiἵaΝ(ldquoἥὰἵὄatἷὅΝmὧἶiἵὁΝἶἷΝalmaὅrdquo)ΝἷΝaΝἶὁΝfilὰὅὁfὁΝἷmΝὁὂὁὅiὦatildeὁΝaὁΝ
dialeacutetico platocircnico tambeacutem satildeo equivocadas segundo a compreensatildeo de Rowe (1999)
ἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὄἷὁἵuὂaΝaὂἷὀaὅΝἷmΝldquoἵuiἶaὄΝἶaὅΝalmaὅrdquoΝmaὅΝἵὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝὀὁΝ
ὂἷὄiacuteὁἶὁΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁΝἷlἷΝὅἷΝὂὴἷΝἷmΝἴuὅἵaΝἶὁὅΝldquoἷlἷmἷὀtὁὅΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀ1)έΝἠaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝ
divisatildeo) uma tal regularidade sistemaacutetica que gerou e ainda gera inuacutemeras confusotildees entre os inteacuterpretes Um exemplo disso eacute o surgimento de algumas obras como a de Robinson (1941) que chega aὁΝὂὁὀtὁΝἶἷΝafiὄmaὄΝalgὁΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁμΝldquotὄecircὅΝἵὁiὅaὅΝaἵὁὀtἷἵἷmΝἵὁmΝὁΝelenchus nos diaacutelogos meacutedios e nos diaacutelogos uacuteltimos Primeiro como acabamos de ver se perde o caraacuteter da ironia e segundo ele estaacute incorporado no conjunto maior da dialeacutetica que muda um pouco o caraacuteter dele Ainda assim negativo e destrutivo em essecircncia ele eacute aproveitado para a construccedilatildeo do diaacutelogo Apesar de moral em sua finalidade o fim moral uacuteltimo afasta-se de um acordo excelente e ocupa um largo programa cientiacutefico na visatildeo da maturidade Terceiro ao passo que frequentemente eacute referido e recomendado e gradualmente deixa de se atualmente retratado nos diaacutelogos As refutaccedilotildees ocupam menos espaccedilo no total da obra Aquelas que ocorrem ocorrem de forma menos oacutebvia e natildeo eacute tatildeo faacutecil apontar as premissas em separado a maneira em que cada uma eacute obtida e o lugar onde Soacutecrates coloca-as juntas e extrai a conclusatildeo Elas natildeo satildeo puramente negativas mas frequentemente possuem doutrinas positivas que natildeo eacute necessaacuterio provar () Portanto o elenchus transforma-se em dialeacutetica de negativo ὂaὅὅaΝὅἷὄΝὂὁὅitivὁΝἶἷΝὂἷἶagὰgiἵὁΝaΝἶἷὅἵὁἴὄimἷὀtὁΝἶἷΝmὁὄaliἶaἶἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵiecircὀἵiardquoΝ (ὂέΝ1λ-20) Nesse sentido tambeacutem caminha a investigaccedilatildeo de Scott (2002) ao perguntar-se se o Soacutecrates histoacuterico tinha um meacutetodo e qual seria esse meacutetodo Demostrarei mais adiante que discordo dessa maneira de compreender e dividir a obra platocircnica e que a questatildeo se centra muito menos na busca por esses criteacuterios externos do que na compreensatildeo da forma de elaboraccedilatildeo caracteriacutestica do diaacutelogo platocircnico
72 23 O contexto histoacuterico e os personagens
feita por Frede parece que Soacutecrates natildeo tem nenhuma preocupaccedilatildeo com o saber Entretanto
na filosofia platocircnica ele parece representar justamente a figura central (por excelecircncia)
porque
() o fato de Soacutecrates rejeitar qualquer pretensatildeo de ao tiacutetulo de ldquomἷὅtὄἷΝἶialὧtiἵὁrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝfaὐΝἶἷlἷΝὁΝmὁἶἷlὁΝἶἷΝfilὰὅὁfὁΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝuma consciecircncia plena inteira que certamente os diaacutelogos identificam como umaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶialὧtiἵaΝἵὁmὂlἷtaΝ(iὅtὁΝὧΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶὁΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁΝἶaὅΝfὁὄmaὅrdquoΝὁuΝoutra coisa similar) ndash isto eacute o que busca Soacutecrates Em outros termos o filoacutesofo ideal eacute este que Soacutecrates seria se ndash impossiacutevel como eu penso embora eu o ache o maior de todos aqueles que o mundo jaacute viu perseguir uma tal busca ndash que alcanccedilaria o fim almejado de sua pesquisa (ROWE 1999 p 20)
Talvez neste caso seja necessaacuterio postular e ao mesmo tempo concordar com o que
diz Dixsaut (2013) em uma interpretaccedilatildeo mais recente e independente daquelas mais
claacutessicas que Platatildeo nunca teria se separado completamente de Soacutecrates (2003 p 33-37)76
Neste caso seriacuteamos obrigados tambeacutem a concordar com a visatildeo supracitada de Rowe
(1999) Contudo ainda precisamos analisar pormenorizadamente algumas questotildees A
primeira eacute essa tentativa a meu ver equivocadaΝἶἷΝtἷὀtaὄΝldquoἷἵliὂὅaὄrdquoΝἶἷfiὀitivamἷὀtἷΝἵὁmὁΝ
nos diz Marques seja Soacutecrates seja o espiacuterito socraacutetico-platocircnico (2006 p 41) Jaacute vimos que
a posiccedilatildeo tradicionalmente adotada (com todo respeito aos autores que ainda adotam) aquela
especiacutefica de Soacutecrates ldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὧΝiὀὅuὅtἷὀtὠvἷlΝὀatildeὁΝὧΝἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝ
possiacutevel construirmos uma identidade platocircnica se eacute que isso seja possiacutevel O que seria
possiacutevel conforme alegam eacute que por meio do questionamento persistente de Soacutecrates
analisando o resultado de uma suposta sobreposiccedilatildeo desse personagem como representante
maacuteximo do pensamento platocircnico uma identidade platocircnica como nos diz Marques (2006)
ὃuἷΝὧΝldquo(έέέ)ΝὄἷὅultaἶὁΝἶaΝὅὁἴὄἷὂὁὅiὦatildeὁΝἷΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἶaὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὅituaὦὴἷὅΝἶἷΝἷxamἷΝἶὁὅΝ
76 ldquoἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuἷΝfiἵaΝὂὁὄΝἶἷtἷὄmiὀaὄΝὁἴviamἷὀtἷΝὀatildeὁΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἢlatatildeὁΝmuἶὁuΝἷmΝalguὀὅΝde seus pontos de vista desde sua juventude ateacute sua velhice em meio seacuteculo como escritor (natildeo poderia natildeo telo feito) nem se desenvolveu teorias proacuteprias e ateacute que ponto realmente se distanciou de das convicccedilotildees de socraacuteticas mais profundas que aparentemente abraccedilou nos diaacutelogos da juventude Podemos conjecturar com certa seguranccedila que Platatildeo se considerava a si mesma como um pensador socraacutetico se temos em conta por uma parte o modo como recorre ao nome de seu mestre para expor a linha de pensamento mais aprofundada na maioria de suas obras e por outra a defesa tanto de seu meacutetodo refutativo como de alguns de seus compromissos existenciais Natildeo duvidemos que Platatildeo manteacutem entre outros os seguintes princiacutepios socraacuteticos () uma certa crenccedila na providecircncia divina sua visatildeo teleoloacutegica da vida sua concepccedilatildeo essencialista da metafisica a psicologia e a eacutetica sua visatildeo da justiccedila como equiliacutebrio interior sua convicccedilatildeo de que natildeo vale a pena viver sem examinar constantemente de que sempre eacute preferiacutevel receber o mal a cometecirc-lo de que ningueacutem pratica o mal involuntariamente a natildeo ser por ignoracircncia de que a causa profunda da falta de poder para governar-se eacute a ignoracircncia e em geral a ideia de que o pior dos males que se podem ἵὁmἷtἷὄΝἵὁὀtὄaΝumΝὁuΝἵὁὀtὄaΝὁutὄὁΝὧΝtὁὄὀaὄΝὂiὁὄΝaΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝὅuaΝalmardquoΝ(ἐἡἥἥIΝἀίίἆΝὂέΝἀ1ἅ-218)
73 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
difereὀtἷὅΝἶiὠlὁgὁὅrdquoΝ(ὂέΝἂ1)έΝΝἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝfὄutὁΝἶἷὅὅaΝὅuaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝ
aos poetas artesatildeos poliacuteticos sofistas que ele daacute voz nos seus diaacutelogos o fio condutor ponto
de convergecircncia e unificaccedilatildeo das distintas visotildees que satildeo apresentados nas diversas
ocasiotildees dialoacutegicas Ora recorrendo a dados extras a uma fundamentaccedilatildeo calcada em uma
ἴaὅἷΝhiὅtὰὄiἵaΝὅἷmΝfuὀἶamἷὀtὁΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅrdquoΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝὅἷΝaὂὄὁximaὄiaΝ
de um Soacutecrates histoacuterico enquanto o dos demais diaacutelogos (maturidade e velhice) representam
aὅΝviὅὴἷὅΝἶἷΝumΝἢlatatildeὁΝmaἶuὄὁΝὁuΝἶὁΝldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὂὁὄΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝamἴὁὅΝhiὂὰtἷὅἷὅΝἷΝ
teses mais positivas mais conclusivas mais doutrinaacuterias Deste modo Platatildeo estaria
assumindo seu pensamento filosoacutefico proacuteprio distanciando-se do Soacutecrates histoacuterico O
problema eacute que teses desse tipo natildeo se sustentam como explicar o desaparecimento de
ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝalguὀὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝήltimὁὅrdquoςΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaὄΝὅuaΝvὁltaΝaὁΝFilebo que eacute
nosso caso aqui em discussatildeo Devemos portanto descartar a ideia desse eclipse definitivo
(MARQUES 2006 p 41) Visotildees como estas causam inuacutemeros problemas os quais por
sinal uma anaacutelise mais profunda da concepccedilatildeo mimeacutetica platocircnica utilizada na composiccedilatildeo
dos diaacutelogos jaacute eliminaria agrave primeira vista O caso da intepretaccedilatildeo de Frede (1993) eacute um
exemplo decorrente dessa incompreensatildeo da forma caracteriacutestica de composiccedilatildeo dos
diaacutelogos platocircnicos como jaacute bem nos expocircs anteriormente Rowe (1999) No entanto a fim de
explicitarmos ainda mais podemos ainda recorrer agraves belas palavras de Marques
Os personagens criados por Platatildeo mais do que simples recursos de expressatildeo constituem um esforccedilo para tornar expliacutecitas e inteligiacuteveis atitudes eacuteticas e posiccedilotildees teoacutericas fundamentais detectaacuteveis entre os cidadatildeos artesatildeos homens poliacuteticos poetas e pensadores de sua eacutepoca de modo que a invenccedilatildeo de personagens constitui uma dinacircmica na qual retoacuterica e filosofia satildeo inseparaacuteveis A mesma estrateacutegia retoacuterica que consiste em fazer falar os outros estrutura os diaacutelogos com algumas variaccedilotildees encontramos personagens nomeados ou anocircnimos alusotildees mais ou menos diretas a indiviacuteduos histoacutericos personagens puramente fictiacutecios simples remissotildees a algueacutem que natildeo estaacute presente e ainda personagens-tipo ou mesmo argumentos personificados ao faὐἷὄΝfalaὄΝἷὅὅἷὅΝldquoὁutὄὁὅrdquoΝἢlatatildeὁΝὁὅΝaὅὅimilaΝpara produzi-los ou reproduzi-los enquanto personagens que dialogam entre si O que eacute uacutenico e fundamental eacute que ele soacute fala e pensa dessa maneira Nunca encontramos um discurso em primeira pessoa do proacuteprio autor dos diaacutelogos Platatildeo nos aparece assim como ventriacuteloquo maacutegico dos discursos imitador de homens e de caracteres sempre presente sempre ausente sempre pressuposto e visado sempre se evadindo Para sabermos o que diz Platatildeo eacute preciso interpretar eacute preciso contrapor e avaliar as diferenccedilas que significam as personagens e neste confronto tentar construir sua identidade De modo que soacute a encontramos atraveacutes de um processo complexo de progressiva construccedilatildeo do autor O autor sempre virtual eacute necessariamente o resultado de uma composiccedilatildeo operada pelo leitor Proponho caracterizar esse recurso retoacuterico-filosoacutefico fundamental utilizado por Platatildeo que consiste em falar e pensar atraveacutes de personagens como
74 23 O contexto histoacuterico e os personagens
umaΝldquoὄἷtὰὄiἵaΝἶaΝἶifἷὄἷὀὦardquoΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝὂἷὄmaὀἷὀtἷΝldquoaltἷὄiὐaὦatildeὁΝἶἷΝὅirdquoΝao pensar e escrever (2006 p 40)
O retorno de Soacutecrates agrave cena nesse caso natildeo eacute tatildeo significativo como considera
Frede (1993) Esse fator eacute algo miacutenimo quando levamos em conta o modo como a escrita
platocircnica eacute forjada esse modo como Platatildeo constroacutei seus personagens seja na ausecircncia
seja na permanecircncia de Soacutecrates e de tantos outros personagens ndash modo este que o distingue
invariavelmente enquanto escritor-filoacutesofo ndash natildeo nos autoriza a postular um abandono do
socratismo mas muito pelo contraacuterio o que se nota eacute uma radicalizaccedilatildeo ainda maior do
espiacuterito socraacutetico na ausecircncia desse mesmo personagem Eacute justamente no confronto na
contraposiccedilatildeo na contradiccedilatildeo manifesta entre esses personagens ao se anteporem um
discurso ao outro e ambos serem verificados que poderemos pressupor construir uma tal
posiccedilatildeo platocircnica Desta maneira a relatividade eacute ultrapassada na medida em que o uacutenico
vencedor natildeo eacute nenhuma das duas teses mas uma terceira coisa Natildeo seria justamente isso
que as linhas do Filebo atestariam Nem inteligecircncia nem prazer mas uma terceira coisa
deve ser posta em questatildeo a vida boa mista Como encontrar pura e simplesmente refutaccedilatildeo
em discursos (ζσΰκδμ) simeacutetricos em que um afirma e o outro contesta77 Desta forma natildeo
restaria ao autor senatildeo conduzir a discussatildeo a um impasse Natildeo haacute vencedor o Filebo natildeo eacute
um diaacutelogo em que triunfaria a φδζκθδεέα mas nesse combate quem ganha eacute o proacuteprio ζσΰκμ
guiado por seu uacutenico objetivo alcanccedilar ao maacuteximo possiacutevel o verdadeiro
Nos diaacutelogos de Platatildeo como nos diria Marques (2006) vemos realizar-ὅἷΝumaΝldquo(έέέ)Ν
ἵὄiacutetiἵaΝὡΝἵὄiacutetiἵaΝὅὁfiacuteὅtiἵardquoΝ(ὂέΝἂἂ)ΝὁὅΝvalὁὄἷὅΝἶὁὅΝὅὁfiὅtaὅΝἷΝὅuaὅΝimὂliἵaὦὴἷὅΝὅatildeὁΝὂὁὅtὁὅΝἷmΝ
debate por meio da radicalizaccedilatildeo e do aprofundamento da atitude criacutetica aos valores comuns
o que por sinal acaba resultando em uma inversatildeo dos proacuteprios valores daqueles primeiros
(MARQUES 2006 p 44) Radicalizaccedilatildeo esta que natildeo se encontra distante mas muito
proacutexima daquela dos sofiὅtaὅΝaΝὀatildeὁΝὅἷὄΝὂἷlὁὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶiὅtiὀtὁὅΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷΝ
ἥὰἵὄatἷὅέΝEacuteΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝldquovivὁrdquoΝὃuἷΝἷὅtἷὅΝvalὁὄἷὅΝ(ὧtiἵὁὅ)ΝὀὁvamἷὀtἷΝalἵaὀὦamΝumΝ
status objetivo eacute por meio deste exerciacutecio (escrito-dialoacutegico) que eles podem ser
reestabelecidos e oferecerem uma proposta filosoacutefica eficaz
Aqui natildeo nos deparamos com um Soacutecrates histoacuterico e pregresso que nem ao menos
podemos dizer de quem se trata ou se mesmo existe Pelo contraacuterio o mesmo furor dialeacutetico
e sua verve natildeo estatildeo ausentes no Soacutecrates do Filebo mas eles permanecem estritamente
relacionados aos objetivos (dialeacuteticos) pertinentes agraves questotildees ali desenvolvidas postas no
exame dialeacutetico confirmando ainda mais a potecircncia desse exerciacutecio (socraacutetico-platocircnico)
77 Falo mais detalhadamente sobre isso no proacuteximo capiacutetulo
75 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
primordial78 O erro de Frede (1993) em relaccedilatildeo a esse primeiro aspecto eacute natildeo conseguir
notar em meio agraves bruscas transiccedilotildees do Filebo ὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝὄἷflἷxatildeὁΝἶὁὅΝ
prazeres no diaacutelogo e sua estrita relaccedilatildeo com a dialeacutetica demonstrando ainda mais a forccedila
do proacuteprio pensamento como jamais vista na obra platocircnica Dito de outro modo ao deixar de
notar a riqueza do diaacutelogo associando-o a um debate puramente escoliasta a teoacuterica alematilde
esquece-se da riqueza que constitui natildeo apenas o Filebo mas os diaacutelogos em geral o prazer
aqui eacute tratado como muitas das mais importantes questotildees do pensamento filosoacutefico de
Platatildeo como uma questatildeo refinada de estilo ou melhor uma questatildeo de gosto que reflete a
proacutepria habilidade e genialidade literaacuteria de Platatildeo
De tal modo uma distinccedilatildeo entre conteuacutedo e forma no pensamento filosoacutefico de Platatildeo
natildeo se aplica agraves caracteriacutesticas proacuteprias de uma filosofia em sua profundidade
essencialmente dialeacutetica Por isso justifica-se a criacutetica de Rowe (1999) agrave autora ao
caracterizar os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo a Protarco como destinados unicamente a
um processo de conversatildeo do interlocutor agrave suposta tese de Soacutecrates Vale lembrar que quem
ganha a batalha no ΰυθ filosoacutefico eacute o proacuteprio ζσΰκμ posto em debate eacute a isso que assistimos
tambeacutem no Filebo tanto o discurso de Soacutecrates quanto o de Protarco se ajustam agraves
exigecircncias dialeacuteticas a busca pelo saber verdadeiro sobre o que de comum acordo estatildeo
buscando
Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ)79 podem elas nos indicar se devemos chamar de bem o prazer ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria (φδζκθδεκ η θ) ao que eu defendo ou ao que tu defendes Devemos sim combater juntos e aliados ao mais verdadeiro ( ππμ ΰ έγ ηαδ α rsquoΝ αδ θδε θ α α γrsquoΝ rsquoΝΪζβγ Ϊ ῖ πκυ υηηαξ ῖθ η μ αηφπ) (14b1-7)
78 Demostro jaacute aqui respeitosamente meu profundo desacordo com o tipo de leitura que propotildee Benoit (ἀίίἅΝὂέΝ1λλ)έΝἑὁmὂὄἷἷὀἶὁΝὅuaΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝ ldquomἷtὁἶὁlὁgiaΝἶaὅΝ tἷmὂὁὄaliἶaἶἷὅΝ imaὀἷὀtἷὅrdquoΝἷmΝὅuaΝanaacutelise do diaacutelogo εaὅΝὀatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝldquoaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝὅὁἵὄὠtiἵaΝtaὄἶiardquoΝaΝὃualΝἷlἷΝἶἷmὁὀὅtὄaΝἷὅtaὄΝὂὄἷὅἷὀtἷΝna composiccedilatildeo do FileboΝatἷὅtaὀἶὁΝἷmΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁΝumaΝldquoὂὁὅὅiacutevἷlrsquoΝfaἶigaΝἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁΝὀὁὅὅὁΝdiaacutelogo a ponto de colocar em questatildeo a proacutepria dialeacutetica enquanto ciecircncia primeira Pretendo contestar essa leitura ao tratar do modo como Platatildeo entende o processo do conhecimento e o que ὅigὀifiἵaΝἷὅtἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝὁΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἷΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝcom a iaθκδα no diaacutelogo algo que surgiraacute propriamente em nossa anaacutelise (gnosioloacutegica-axioloacutegica) presente no Filebo quando da caracterizaccedilatildeo e distinccedilatildeo dos prazeres falsos e dos prazeres verdadeiros 79 Dixsaut (2008) nos chama atenccedilatildeo ao fato de que ateacute o Sofista o termo ζ ΰξκμΝὀuὀἵaΝὧΝἶἷfiὀido mas nos diaacutelogos em que se trata da dialeacutetica propriamente ζ ΰξκμΝἷΝ ζΫΰξ δθ possuem o sentido de exame como eacute o caso do Filebo supracitado (14b) em pocircr agrave prova (50d) (Cf DIXSAUT 2008 p 116)
76 23 O contexto histoacuterico e os personagens
Mas ainda resta um ponto e quanto ao ζ ΰξκμςΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ afiὄmaὄΝ ἵὁmὁΝ ἔὄἷἶἷΝ
(1993) que ele estaacute presente no Filebo Ou discordarmos dela como faz Rowe (1999) Creio
que esta questatildeo jaacute teria sido suficientemente explicada com o que dissemos anteriormente
Poreacutem ainda resta algo Podemos notar que neste suposto regresso ao que a autora
ἶἷὀὁmiὀaΝ ὂἷὄfilΝ ὧtiἵὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ aἴὁὄἶaἶaὅΝ ὂἷlὁΝ ἶitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅΝ hiὅtὰὄiἵὁrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ aὅΝ
questotildees eacuteticas da filosofia platocircnica estivessem adstritas ao denominado periacuteodo juvenil ou
que natildeo possuiacutemos ali nada que natildeo fosse eacutetico ou que a refutaccedilatildeo fosse uma fase primitiva
do processo dialeacutetico Essa visatildeo aleacutem de distorcida eacute preconceituosa a qualquer leitor
dedicado de Platatildeo ou ao mesmo iniciante jaacute que seria possiacutevel presumir que as ditas
ldquoἶiὅἵiὂliὀaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝfὁὄmamΝumΝἵὁὀjuὀtὁΝἶἷΝiὀtὄiacuteὀὅἷἵaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἷΝὃuἷΝὃualὃuἷὄΝtἷὀtativaΝ
de separaccedilatildeo levaria o proacuteprio inteacuterprete mais ao fracasso do que propriamente a resultados
eficazes Sobre isso gostaria de retomar um texto de Dixsaut (2008) no qual ela proacutepria
adverte
Por conseguinte em meu ponto de vista o preconceito do qual todo comentador dos diaacutelogos deveria se ocupar ou ao menos a respeito do qual deveria dar-se o trabalho de refletir eacute aquele da oposiccedilatildeo niacutetida entre positivo e negativo Ao meacutetodo negativo e destrutivo do eacutelenkhos socraacutetico sucederia dizem a doutrina platocircnica de um conhecimento positivo das Formas Ora a positividade estaacute para Platatildeo assim como para seu Soacutecrates inteiramente do lado da opiniatildeo e eacute preciso purgar a alma de suas certezas convicccedilotildees evidecircncias (sintaticamente afirmativas ou negativas) Para sair da alternativa ὅimὂliὅtaΝἶὁΝldquoὁuΝiὅὅὁέέέΝὁuΝaὃuilὁrdquoΝ(ὁuΝἵὧtiἵὁΝὁuΝmἷtafiacuteὅiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁ)ΝἷΝἶaΝhipoacutetese de uma sucessatildeo que os textos natildeo atestam eacute preciso antes creio compreender que saber o que natildeo eacute uma coisa eacute jaacute saber muito mais sobre o que ela eacute do que quando se acreditava conhececirc-la () (p 122)
ἓmΝὅἷΝtὄataὀἶὁΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅuἵἷὅὅatildeὁΝtἷmὂὁὄalΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝἶitaΝldquoὄἷfutaὦatildeὁrdquoΝ
nos diaacutelogos devemos ainda levar em consideraccedilatildeo o que nos diz a proacutepria Dixsaut (2008)
para quem κ ζ ΰξκμΝὧΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝὂὄὧviaΝἶaΝπαδ έα e natildeo da dialeacutetica deste modo o caraacuteter
ldquoὂuὄifiἵaἶὁὄrdquoΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὀἷgativὁΝἷmΝumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝἵὁmὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝumaΝἶaὅΝmaiὅΝ
importantes funccedilotildees da refutaccedilatildeo eacute apenas condiccedilatildeo preacutevia para o exerciacutecio dialeacutetico como
nos apontaria a sexta definiccedilatildeo do Sofista Por isso devemos rejeitar essa claacutessica divisatildeo
(equivocada) por dois motivos (i) porque natildeo temos uma base soacutelida histoacuterica para afirmar tal
anterioridade cronoloacutegica (ii) ὂὁὄὃuἷΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵhamaΝ ldquoὄἷfutaὦatildeὁΝ ὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ ὧΝ muitὁΝ maiὅΝ
aristoteacutelico do que que propriamente platocircnico ou socraacutetico (iii) o que Platatildeo toma de Soacutecrates
natildeo eacute a refutaccedilatildeo tout et court enquanto teacutecnica mas que o saber verdadeiro passa pela
consciecircncia do natildeo-saber Isso seria suficiente para eliminar o caraacuteter doxaacutestico pois a
verdade natildeo eacute posse de enunciados concretos e contraacuteria ao falso mas objeto de busca e
desejo
77 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)
() ela [a verdade] natildeo eacute a posse de alguns enunciados e diferentemente do verdadeiro que tem por contraacuterio o falso que soacute pode ser dito da opiniatildeo a vἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝtἷmΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἷlaΝὧΝὁΝldquoἷlἷmἷὀtὁrdquoΝὀὁΝὃualΝὅἷΝmὁvἷΝumΝὅaἴἷὄΝὃuἷΝnele mesmo jamais pode ser falso (um saber que pode apenas errar o seu fim) O filoacutesofo tal como Platatildeo o concebe natildeo eacute saacutebio tampouco deteacutem a verdade ele busca aquilo que na verdade eacute proacuteprio do que eacute verdadeiramente Aprender examinar buscar interrogar e responder ndash natildeo haacute e jamais houve para Platatildeo outras modalidades de saber Isso natildeo faz no entanto do filoacutesofo um ignorante porque segundo ele ignorar natildeo eacute o contraacuterio de saber mas sim crer que se sabe A maneira que o filoacutesofo tem de natildeo saber orienta sua ruptura com os modos de formulaccedilatildeo proacuteprios da opiniatildeo afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo Conceber o saber mais elevado como um saber dialeacutetico significa com efeito outra coisa que determinaacute-lo como um conjunto de proposiccedilotildees afirmativas e negativas mas fazer dele o exerciacutecio de um pensamento que eacute antes de tudo e necessariamente interrogativo (DIXSAUT 2008 p 121)
Por fim resta dizer que o que estaacute em jogo no Filebo eacute consoante com o que diz a
supracitada autora tratar de submeter tanto prazer quanto o conhecimento a uma apreciaccedilatildeo
comum colaborativa o que por sinal atesta ainda mais uma coerecircncia natildeo somente com os
ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶὁΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoήltimὁΝ ὂἷὄiacuteὁἶὁrdquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ platocircnica mas com todos os diaacutelogos que
precedem aquele da forccedila do conhecimento dialeacutetico cujo sentido mais profundo eacute tambeacutem
representado personificado pela figura de Soacutecrates poreacutem natildeo apenas nele mas com ele e
com os demais interlocutores que afirmam com ainda mais veemecircncia o poder contido nisto
que Platatildeo denomina como atividade por excelecircncia a busca conjunta pelo verdadeiro Neste
sentido eacute inuacutetil falar em positivo e negativo e contraacuterio e favoraacutevel O nosso diaacutelogo vai aleacutem
disso e demonstra quatildeo prospectivo eacute esse exerciacutecio do pensamento da alma ou como diz a
ὂὄὰὂὄiaΝἒixὅautΝὃuatildeὁμΝldquo(έέέ)Νiὀtἷὄὄὁgativὁ ἷΝiὀvἷὀtivὁrdquoΝἷlἷΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ(ἀίίἆ p 122)
A variabilidade das formas de tratamento e de apresentaccedilatildeo de temas relevantes natildeo
deve resultar em visotildees de ruptura evoluccedilatildeo ou mesmo contradiccedilatildeo na obra platocircnica mas
sim sinal de fecundidade de diferentes perspectivas complementares e que nos tornam
possiacutevel analisar um mesmo problema retomando-o poreacutem sob um novo acircngulo sob um
novo ponto de vista Potencialidade do proacuteprio pensamento que Platatildeo reconhece como a
mais significativa justamente por natildeo se esgotar ou seja pela impossibilidade de uma
verdade ser tatildeo irrefutaacutevel a ponto de natildeo ser submetida agrave fecundidade caracteriacutestica da
proacutepria dialeacutetica Em suma reafirma-se assim a plena e autecircntica identificaccedilatildeo entre o
filoacutesofo e o dialeacutetico ao tornaacute-los jaacute aqui ambos uma uacutenica coisa
78 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO
31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Como se poderaacute notar ao longo da anaacutelise do Filebo natildeo eacute somente o seu brusco e
reticente final que parece enigmaacutetico mas igualmente seu iniacutecio possui esta mesma
qualidade Diferentemente daqueles diaacutelogos como Craacutetilo Mecircnon Iacuteon Repuacuteblica os quais
possuem um claro iniacutecio (ab inicioab ovo) estamos diante de um diaacutelogo ao contraacuterio
daqueles in media res Dito de outro modo Soacutecrates ndash que por sinal depois de algum tempo
retorna agrave cena como condutor do Diaacutelogo ndash jaacute natildeo porta uma exigecircncia definicional que por
sinal natildeo se alcanccedila em muitos casos nem mesmo atua como aacuterbitro da discussatildeo isto eacute
quando convocado a tomar qualquer posicionamento no debate em questatildeo ele natildeo o faz80
No Filebo deparamo-nos com uma situaccedilatildeo distinta das anteriormente descritas Eacute
Soacutecrates que jaacute no iniacutecio do diaacutelogo (11a-b) recapitula ( υΰε φαζαδπ υη γα) cada um dos
dois discursos (ζσΰκδ) apresentados81 E mais um destes discursos pertence ao proacuteprio
Soacutecrates isto eacute ele eacute parte interessada da discussatildeo Do mesmo modo seu interlocutor
Protarco eacute forccedilado a receber uma das teses a de Filebo (personagem homocircnimo ao diaacutelogo)
O discurso de Soacutecrates aὃuiΝἵὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquoἵὁὀtὄaἶiὅἵuὄὅὁrdquoΝldquoΝiὅtὁΝ
ὧΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὂὁἶἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ ὁΝ valὁὄΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ valὁὄiὐaΝ ὅἷὀatildeὁΝ ἵὁmὂaὄativamἷὀtἷΝ ἷΝ
desvalorizando isso ao que elἷΝὁΝἵὁmὂaὄardquoΝ(ὂέΝἀἂἄ)έΝVἷjamὁὅΝὀὁΝἷὀtaὀtὁΝἵὁmὁΝὅἷΝiὀiἵiaΝaΝ
discussatildeo
() Soc Entatildeo Protarco vecirc qual discurso ( έθα ζσΰκθ) estaacutes prestes a receber a0gora de Filebo e tambeacutem a nossa que vais contestar ( θ παλrsquoΝ ηῖθ
ηφδ ίβ ῖθ) caso o que ela expresse natildeo seja do teu agrado Queres que a recapitulemos cada um deles82 Prot Sim certamente (11a-11b3)
Ora o texto evidencia que seraacute necessaacuterio contestar ( ηφδ ίβ ῖθ) um discurso essa
eacute a tarefa que cabe a Protarco e a que Soacutecrates agora iraacute recapitular segundo a exigecircncia
80 Podemos aqui retomar as trecircs particularidades apresentadas na conversa entre Soacutecrates Filebo e ἢὄὁtaὄἵὁΝὂὁὄΝἠὁtὁmiμΝldquo(i)ΝὅἷmΝiὀtὄὁἶuὦatildeὁΝaἶἷὃuaἶaΝὁΝἶiὠlὁgὁΝmἷὄgulhaΝὀaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὂὄiὀἵiὂalνΝ(ii)ΝaὀtἷὅΝde iniciaacute-la uma outra discussatildeo com o mesmo assunto eacute assumida como jaacute tendo sido realizada (iii) um novo diaacutelogo se inicia com a mudanccedila dos interlocutores de Soacutecrates passando de Filebo para ἢὄὁtaὄἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ 81 Preferimos natildeo traduzir aqui ζσΰκδ como costumeiramente fazem alguns tradutores assim como faz Muniz (2012) dentre outros como Boeri (2010) e Diegraves (1966) por exemplo Pradeau (2002) por sua vez parece se aproximar mais de uma traduccedilatildeo apropriada ao traduzir έθα ζσΰκθ ὂὁὄΝldquoaὄgumἷὀtὁrdquoέΝἓxὂliἵὁΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝtὁἶaviaΝὂὁὄὃuἷΝaΝtὄaἶuὦatildeὁΝἶἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὂὁὄΝldquotἷὅἷrdquoΝὁἵaὅiὁὀaὄiaΝumaΝmuἶaὀὦaΝἶἷΝsentido naquilo que eacute proposto por Soacutecrates nesse momento 82 Utilizo aqui fundamentalmente a traduccedilatildeo brasileira de Muniz (2012) com modificaccedilotildees sempre assinaladas em suas ocorrecircncias
79 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
de Protarco Mas o que esse uacuteltimo deveraacute contestar Como diz Soacutecrates em 11b3 Filebo
afirma (φβ δ) que
() para todos os seres vivos bom eacute o agrado o prazer o deleite e quanto for consoante com esse gecircnero Na nossa contestaccedilatildeo natildeo eacute isso mas o pensamento a inteligecircncia a memoacuteria e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais valor que o prazer para tudo quanto for capaz de tomar parte nessas coisas e essas satildeo dentre todas as coisas o que haacute de mais uacutetil para tudo o que existe que existiraacute e que possa participar delas Natildeo eacute isso mais ou menos o que cada um de noacutes afirma Prot Sim certamente Ω Φέζβίκμ η θ κ θγθ ΰαγ θ θαέ φβ δ ξαέλ δθ π δ α κδμ εα θ
κθ θ εα λοδθ εα α κ ΰΫθκγμ κτ κυ τηφκθα παλrsquoΝ η θ ηφδ ίά βηΪ δ η α α ζζα φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ εα κτ πθ α υΰΰ θ σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖ ζκΰδ ηκτμ μ ΰ κθ μ
η έθπ εα ζ π ΰέΰθ αδ τη α δθ απ λ α θ υθα η αζαί ῖθ
γθα κῖμ η α ξ ῖθ ζ ηδηυ α κθ πΪθ πθ θαδ π δ κῖμ κ έ εα κηΫθκδμ η θ κ ξ κ π ππμ ζ ΰκη θ Φέζβί εΪ πκδ
ΠΡΩέΝΠΪθ πθΝη θΝκ θΝηΪζδ αΝ υελα μέΝ(11b4-c4)
Olhando detalhadamente Soacutecrates natildeo fala aqui do bem ( ΰαγ θ)ΝmaὅΝἶὁΝldquomἷlhὁὄΝ
ἷΝἶὁΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷrdquoΝ( η έθπ εα ζ π83) Natildeo haacute portanto aqui contradiccedilatildeo entre os dois
discursos como nos sugere Dixsaut (2017 p 246)84 Isso natildeo exclui de antematildeo que os
prazeres natildeo sejam bons natildeo poderiacuteamos jaacute deduzir isso diante do que foi apresentado por
Soacutecrates satildeo tout court dois discursos De um lado temos Filebo que afirma irresolutamente
que todo prazer eacute bom e tudo aquilo que pertence ao mesmo gecircnero deste Por outro temos
Soacutecrates que lhe contesta dizendo que o que tem mais valor eacute o pensamento
Neste iniacutecio de diaacutelogo nos eacute dada uma hierarquia de bens haacute uma perspectiva
ldquoagὁὀalrdquoΝἷΝὀatildeὁΝldquoἶἷfiὀiἵiὁὀalrdquoΝἵὁmὁΝὅugἷὄἷΝἒixὅautΝ(2017 p 246) De antematildeo jaacute eacute possiacutevel
vislumbrar que uma dada classificaccedilatildeo estaacute por vir no decorrer da argumentaccedilatildeo mas ainda
83 Creio aqui ser conveniente reproduzir na iacutentegra o que diz Dixsaut (2017) sobre a expressatildeo utilizada ὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoἏὃuiΝ(ἷmΝ11ἴλ)ΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmὂὄἷgaΝumaΝfὰὄmulaΝὄitualΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝmἷὅmaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝnas primeiras linhas do livro VIII das LeisΝἆἀἆaμΝlsquoὁὅΝὅaἵὄifiacuteἵiὁὅΝὅἷὄὠΝmἷlhὁὄΝἷΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷΝὂaὄaΝaΝCidade oferecer aos deuὅἷὅrsquoέΝEacuteΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ iὀἶiὃuἷΝaὅὅimΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ tἷmΝumaΝcaracteriacutestica sagrada para aqueles que tecircm parte com ele Mas ζ π tem em Homero simplesmente o sentido de mais desejaacutevel mais agradaacutevel e eacute nos autores traacutegicos simples comparativo de ΰαγσθrdquoΝ(p 246 n 3) 84 Tal fato confirmaria a tese de que natildeo se fala aqui do bem num sentido ontoloacutegico como na Repuacuteblica (VIIΝἃίἃἴἄ)μΝldquoἏΝmultiἶatildeὁΝfaὐΝἵὁὀὅiὅtiὄΝὁΝἴἷmΝὀὁΝὂὄaὐἷὄΝ( κθ κε ῖ θαδ ΰαγσθ) os refinados na inteligecircncia Apesar de parecidas a questatildeo que envolve o Filebo natildeo eacute a definiccedilatildeo do Bem mas a ldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝἶiὐΝἐὄavὁΝ(ἀίίλ)ΝldquoἷmΝFilebo reaparecem os mesmos candidatos embora dessa vez ὀumΝἵὁὀtἷxtὁΝὧtiἵὁrdquoΝ(ὂέΝἂ1ἀ)έ
80 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
natildeo temos contradiccedilatildeo nem mesmo exclusatildeo Parece-nos e insistimos apenas parece que
cada um encontraraacute seu lugar Por isso
() natildeo eacute de modo algum certo que o Filebo se inicie com a confrontaccedilatildeo de duas teses o conjunto do diaacutelogo testemunha muito mais o esforccedilo de Soacutecrates para transformar em tese o que precisamente natildeo eacute uma mas arrisca ser uma afirmaccedilatildeo inapreensiacutevel Mas que faria entatildeo o belo Filebo a natildeo ser enunciar uma tese hedonista Ele afirma e celebra e o que ele celebra atraveacutes da bondade do prazer eacute o valor da vida (DIXSAUT 2017 p 247)
Como jaacute dissemos anteriormente haacute uma discussatildeo claacutessica em torno dos
personagens que compotildeem o diaacutelogo visto que natildeo se encontram referenciais histoacutericos com
estes nomes (Filebo e Protarco) na eacutepoca em que Platatildeo viveu A tentativa dos comentadores
claacutessicos ateacute entatildeo fora personificar as teses ou seja encontrar na claacutessica querela
(hedonismo versus anti-hedonismo) defensores de ambas as teses Nesta visatildeo claacutessica
Filebo e Protarco seriam porta-vozes de Eudoxo de Cnidos e de Aristipo e os cirenaicos em
geral (hedonistas) e Soacutecrates por sua vez representaria (nesse primeiro momento do
diaacutelogo) Antiacutestenes (anti-hedonista porta-vὁὐΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἶἷΝ umΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ldquoiὀtἷlἷἵtualiὅmὁΝ
ὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝndash ainda que como veremos mais adiante se torna pois insustentaacutevel a suposiccedilatildeo
que Soacutecrates defenda na obra um anti-hedonismo)
Sendo assim fica difiacutecil sustentar veementemente que no iniacutecio do Filebo temos
expressas posiccedilotildees ora hedonistas ora anti-hedonistas A questatildeo eacute mais complexa Isto
porque aqui a despeito dos demais diaacutelogos a questatildeo da essecircncia natildeo eacute sequer postulada
por Soacutecrates com toda clareza e seriedade Essa eacute uma das principais dificuldades levantadas
jaacute nas primeiras linhas do texto isto eacute Soacutecrates jaacute natildeo eacute mais o mesmo ou pelo menos
incialmente aquele personagem que conhecemos que jaacute deixaria notar seu questionamento
perseverante e centrado na natureza da coisa da qual fala (DIXSAUT 2017 p 248) Ο ζσΰκμ
aqui eacute contestaccedilatildeo e se espera uma resposta uma outra contestaccedilatildeo85
Mas como refutar aquilo que Filebo apenas afirma isto eacute que o prazer eacute bom E ele
afirma o oacutebvio para todos os seres vivos o bom eacute o agradaacutevel o prazer o deleite e tudo mais
que eacute semelhante a este gecircnero isto eacute que o prazer eacute bom ou ainda que satildeo bens pelos
quais todos os seres vivos anseiam Enquanto Soacutecrates faz uso dos comparativos86 ndash o que
ὁΝἶiὅtaὀἵiaὄiaΝἶὁΝldquoἵiacuteὄἵulὁΝἶὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquoΝἶaΝRepuacuteblica ndash por discordar desde jaacute que qualquer
ὂὄivilὧgiὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝἵὁὀἵἷἶiἶὁΝὡΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄΝldquo(έέέ)ΝἵὁmὁΝvalὁὄΝ
85 ldquoἒiaὀtἷΝἶe Filebo Soacutecrates pode aparentemente apenas refutar e Protarco vecirc a si confiada a missatildeo ἶἷΝὄἷfutaὄΝἷὅὅaΝὄἷfutaὦatildeὁέrdquoΝἢὁἶἷmὁὅΝὁἴὅἷὄvaὄΝὃuἷΝἔilἷἴὁΝὀatildeὁΝἵὁὀtἷὅtaΝὀaἶaμΝἷlἷΝafiὄmaΝ(έέέ)ΝἷΝἥὰἵὄatἷὅΝtriunfa em combater sua afirmaccedilatildeo somente quando afirma um valor mais alto ndash inventando o ὂἷὀὅamἷὀtὁΝἵὁmὁΝvalὁὄrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἂἆ)έ 86 Como tambeacutem jaacute teria sugerido Lisi (1995 p 67)
81 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ἶὁΝ ὃualΝ ὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ὄἷtiὄaὄiaΝ ὅἷuΝ valὁὄrdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀί1ἅΝ ὂέΝ ἀἂλ)έΝ IὅtὁΝ ὧΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅὰΝ
demonstrou que a inteligecircncia tambeacutem eacute boa justamente por esse uso dos comparativos o
pensamento a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais utilidade
que o prazer e tudo que participa dessas coisas elas satildeo e sempre seratildeo o que haacute de mais
valioso
Dito isso fica claro no curso da argumentaccedilatildeo que a inteligecircncia e o pensamento se
tornam comparaacuteveis mas natildeo de forma absoluta como na tese dos refinados da Repuacuteblica
(VI 505b) tese inaceitaacutevel por parte de Soacutecratesndash isto eacute aquela que afirma que o pensamento
(φλσθβ μ) eacute o bem ndash mas eles satildeo preferiacuteveis ao prazer Para os que participam da
inteligecircncia eles satildeo melhores (para alguns) do que o prazer poreacutem como nos diz Dixsaut
(2017) essa comparabilidade e por conseguinte preferecircncia eacute ambiacutegua e traz
consequecircὀἵiaὅΝὅimilaὄἷὅΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁiὅΝldquo[] se eles satildeo reduzidos a desse modo proclamar
sua superioridade eacute porque a pretensatildeo do prazer possui forccedila suficiente para constrangecirc-
lὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂλ)έΝἓὅὅaΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝfὄaὀἵἷὅaΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiὀfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝdo pensamento
a qual teria tambeacutem por tarefa convencer os seres vivos de que necessitam muito mais dele
do que dos prazeres (DIXSAUT 2017 p 249)
No entanto como nos sugere ainda Dixsaut natildeo eacute justo afirmar que jaacute no iniacutecio diaacutelogo
tenhamos uma espeacutecie de confronto pois natildeo haacute sequer a formulaccedilatildeo de alguma questatildeo
mas diante da defesa da existecircncia de opiniotildees contraacuterias a pergunta seria se Filebo defende
uma tese peremptoriamente contra quem ele seria Soacutecrates ou Protarco87 (p 250) A
discussatildeo prossegue e Filebo demonstra sua saiacuteda do diaacutelogo dando ( δ ση θκθ) seu
discurso agrave Protarco que quando questionado sobre tal oferta pelo condutor da discussatildeo diz
ldquoὅὁuΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaἵἷitaὄΝjὠΝὃuἷΝὁΝἴἷlὁΝὅἷΝἵaὀὅὁuΝ( π έλβε θ) (11c7-8)88rdquoέΝἏΝὄἷὀήὀἵiaΝἶἷΝἔilebo
portanto eacute uma renuacutencia ao ζσΰκμ ele estaacute exausto de falar natildeo de dizer aquilo que ele
ἶἷfἷὀἶἷΝ ldquoἷlἷΝ ἷὅtὠΝ ἷxauὅtὁΝ ἶaΝ ὂἷὄὅὂἷἵtivaΝ de falar (grifo da autora) ele estaacute exausto por
antecipaccedilatildeo do logos pelo menos daquele que Soacutecrates impocircs o uso (DIXSAUT 2017 p
250)89
87 Gosling em seu comentaacuterio geral da obra escreve nessa seccedilatildeo somos introduzidos na disputa que teria sido entre Filebo e PrὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὧΝὁΝἴἷmrdquoΝ(1λἅἃΝὂέΝ1ἁλ)έΝἥἷguὀἶὁΝo tradutor do diaacutelogo mais adiante como demonstraria o texto (11c7-8) Filebo teria terminado por convencer Protarco de sua tese e por isso ele a assumiria a partir daiacute a posiccedilatildeo daquele no decorrer da argumentaccedilatildeo 88 Bernadete nos chama atenccedilatildeo em sua traduccedilatildeo do diaacutelogo acerca desse verbo ( π έλβε θ)μΝldquoἓὅὅἷΝtὄὁἵaἶilhὁΝἷὀtὄἷΝldquotἷὄΝἶἷὅiὅtiἶὁrdquoΝὁuΝldquotἷὄΝὅἷΝἵaὀὅaἶὁrdquoΝ(apeirekenai) e o ilimitado (apeiron) eacute ecoada no fim do diaacutelogo (67b) com apereis (ldquovὁἵecircΝὀatildeὁΝ iὄὠΝἶἷὅiὅtiὄrdquo)έΝἥἷΝ ὄἷtὁmamὁὅΝὁΝὅigὀifiἵaἶὁΝἶὁΝvἷὄἴὁΝ eipien (falar) apeipein ὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝὅigὀifiἵaὄiaΝldquofalaὄΝatὧΝὅἷΝἷὅgὁtaὄrdquoΝ(ἐἓἤἠἏἒἓἦἓΝ1λλἁΝὂέΝἀΝὀέΝἆ) 89 ἒixὅautΝὄἷὅὅaltaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝὃuἷμΝldquoἓlἷΝ[ἔilἷἴὁ]ΝὀatildeὁΝὅἷΝὄἷtiὄaΝὂor impotecircncia em dar razatildeo ao que diz mas porque recusa submeter-ὅἷΝὡΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝ lsquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrsquordquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃί-251) Nesse sentido duas anaacutelises sobre essa recusa satildeo importantes a de Diegraves (1966) e a de Fruumlchon (1994) Diegraves salienta que para analisar o prazer numa discussatildeo racional e tambeacutem para suportar a
82 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Dito isso parece que o problema claacutessico se dilui pelo menos agrave primeira vista pois
natildeo se trata de uma questatildeo colocada e isso nos leva a supor ndash com grande probabilidade ndash
que natildeo haacute como desejam alguns inteacuterpretes claacutessicos90 do diaacutelogo em questatildeo um diaacutelogo
anterior a esse encenado no Filebo por Platatildeo Tudo indica que haacute uma construccedilatildeo dessas
personagens (prosopografia)91 como tambeacutem se pode dizer que Filebo natildeo teria preferido
outra coisa senatildeo esse proacuteprio discurso (ζσΰκμ) proposto inicialmente por Soacutecrates
O que se vecirc entatildeo no curso da argumentaccedilatildeo satildeo raras intervenccedilotildees de Filebo92 e
mais adiante uma manifesta recusa em submeter seu discurso a um diaacutelogo com outro por
isso ao concentrar-se na avaliaccedilatildeo de um uacutenico ζσΰκμ ldquoἵὁmumrdquoΝtὁὄὀa-se necessaacuterio lembrar
que natildeo haacute teses controversas no iniacutecio do diaacutelogo mas que elas foram apenas postas em
conflito93
Natildeo existe por parte de Filebo a mesma importacircncia dada por Soacutecrates ao discurso
agrave palavra Aquilo que para Soacutecrates possui um valor de alta estima eacute o diaacutelogo para Filebo
isso natildeo merece ser venerado ser louvado O que interessa a Soacutecrates como nos diz Dixsaut
(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquo(έέέ) logos contra logosrdquoΝ(ὂέΝἀἃ1)έΝEacuteΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝζσΰκμ que conduz aonde ele quiser
(arrasta) ndash torna-se tambeacutem o condutor dessa discussatildeo Eacute ele (o ζσΰκμ comum) mais
aἶiaὀtἷΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ iὀvὁἵaἶὁΝ ἵὁmὁΝ ldquotἷὅtἷmuὀhardquoΝ (ἃλἴ1ί-11) As oposiccedilotildees iniciais eacute que
limitaccedilatildeo progressiva e salvar da excelecircncia do prazer o que puder ser salvo integrando-se numa tese mais humana eacute imprescindiacutevel natildeo um defensor irredutiacutevel mais doacutecil e mais brando Protraco faraacute esse papel Um jovem debatedor amante da atividade dialeacutetica que para levar a seacuterio a defesa a ele confiada se faraacute mais flexiacutevel e doacutecil agraves razotildees apresentadas natildeo mais de uma forma obstinada em posiccedilotildees irrefutaacuteveis mas recuando quando necessaacuterio e prestando-se ao compromisso que permitiraacute um acordo muacutetuo sobre uma verdade compreensiacutevel e viaacutevel (1994 p 8) 90 Como por exemplo Guthrie (1978 p 1999) apesar deste autor acreditar que Filebo e Protarco satildeo personagens criados pela dramatizaccedilatildeo platocircnica em questatildeo ele ainda se pauta na contraposiccedilatildeo das teses hedonista e anti-hedonistas 91 Sobre algumas discussotildees histoacuterico-filosoacuteficas relativas agrave prosopografia desse diaacutelogo (Cf NAILS 2002 p 238 257 328-9) 92 Haacute uma primeira interferecircncia notada em 12a7-8 logo em seguida outra em 12b1-2 outra em 18a1-2 outra presente no trecho que vai de 18d3-e7 Uma outra interferecircncia estaacute presente em 22c3-4 E uma uacuteltima manifestaccedilatildeo do personagem aparece em 28b1-7 Lembremo-nos que eacute feita por Protarco uma referecircncia (15c7-λ)ΝaΝἔilἷἴὁΝ ldquoἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶἷvἷΝmἷxἷὄΝἵὁmΝἷlἷΝὂὁiὅΝἷlἷΝἶὁὄmἷrdquoΝ(ΠΡΩ Κα Ϊθ αμ κέθυθ η μ πσζαί υΰξπλ ῖθ κδ κτ κδα α Φέζβίκθ rsquoΝ πμ ελΪ δ κθ π θ θ π λπ θ α η εδθ ῖθ ε έη θκθ) Os tradutores natildeo traduzem a questatildeo da mesma maneira Muniz
(ἀί1ἀ)Ν tὄaἶuὐΝ ldquoὃuἷmΝ ἷὅtὠΝ ὃuiἷtὁrdquoνΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν ldquoaΝ ὂὄὁὂὰὅitὁΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ἶὁὄmἷrdquoνΝ ἢὄaἶἷauΝ (ἀίίἀ)ΝldquoalguὧmΝὃuἷΝἶὁὄmἷΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)ΝldquoὃuἷmΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝἴἷm-disposto Hackforth (1945) ldquoὁΝἶἷixἷmὁὅΝἶὁὄmiὄΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐἷὄὀaἶἷtἷΝ(1λλἁ)ΝldquojὠΝὃuἷΝἷlἷΝἷὅtὠΝἴἷm-posto sentado da forma ἵὁmὁΝἷὅtὠrdquoΝἷΝἕὁὅliὀgΝ(1λἅἃ)ΝldquoὅἷὄiaΝmἷlhὁὄΝἶἷixa-lo dormir 93 ἑfέΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)μΝldquoἏΝamphisbetesis comeccedilaria entatildeo quando comeccedila o Filebo a discussatildeo tendo como condiccedilatildeo de possibilidade a colocaccedilatildeo em oposiccedilatildeo por Soacutecrates dos dois logoi no interior de um logos comum ndash e que seacute eacute o que eacute por essecircncia de um dialeghesthai (p 251)
83 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
inauguram a possibilidade de uma controveacutersia desse ζσΰκμ comum do qual nem Filebo nem
Soacutecrates satildeo mestres (DIXSAUT 2017 p 251-252)94
O discurso de Filebo eacute apenas constatativo e nada mais O que explicaria mais adiante
sua necessidade em purificar-se de qualquer impiedade e invocar como testemunho a proacutepria
ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝvἷὄdade mas pouco me importa pois eu me purifico de qualquer impiedade e
ἵὁmὁΝtἷὅtἷmuὀhaΝiὀvὁἵὁΝagὁὄaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅardquoΝ(1ἀἴ1-3)95 Note-se que mais adiante (28b1)
o sentido dessa invocaccedilatildeo se torna mais compreensiacutevel Filebo natildeo exorta mas atesta que
SoacutecὄatἷὅΝ tamἴὧmΝ iὀvὁἵaΝ aΝ ὅuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝ ὃuἷΝ tuΝ vἷὀἷὄaὅΝ tuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaΝ
ἥὰἵὄatἷὅrdquo96 Teria Filebo ndash nessa sua uacuteltima apariccedilatildeo no diaacutelogo ndash o que eacute digno de nota
exortado ou mesmo censurado ou se sentido incomodado de algo que ele mesmo teria
realizado no iniacutecio do diaacutelogo (12b1-3)
Sobre isso Dixsaut (2017) nos sugere que o suposto tom exortativo natildeo passa de
ldquofaὀtaὅiaΝἶὁὅΝtὄaἶutὁὄἷὅ97 Soacutecrates venera sua deusa justamente porque assim como Filebo
ele reconhece sua existecircncia experimenta semelhante temor Soacute por isso ele tambeacutem se
fosse o caso poderia cometer sacrileacutegio No entanto o mesmo Soacutecrates relembra que Filebo
faὐΝὁΝmἷὅmὁΝἷΝὧΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὧΝὃuἷΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝldquofalaὄrdquo98 Poreacutem o uso da expressatildeo confunde
natildeo somente os claacutessicos tradutores mas tambeacutem o proacuteprio Protarco (28c1-5) Soacutecrates
ἷxὂliἵaΝaΝὅἷuΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝuὅὁΝἶὁΝtὁmΝὂiἷἶὁὅὁΝὅἷὀatildeὁΝὂaὄaΝldquoἴὄiὀἵaὄrdquo99 (p 253) Ou
ὅἷjaΝὧΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝiὄὲὀiἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoglὁὄifiἵaὦatildeὁrdquoΝἥὁἵὄὠtiἵaΝtἷmΝὅἷὀtiἶὁΝaὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝ
de Filebo para quem a ironia natildeo tem valor algum ndash haja vista como jaacute dissemos ele recusar
colocar-se a serviccedilo daquele ζσΰκμ comum e que nesse momento jaacute natildeo eacute mais contestaccedilatildeo
nem pode ser devido aos conteuacutedos (que veremos mais adiante) da discussatildeo pois a
94 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὅἷΝiὀὅiὅtἷμΝldquoaΝafiὄmaὦatildeὁΝἶἷΝἔilἷἴὁΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝfalaὀἶὁΝὅὰΝὅἷΝtὁὄὀaΝuma tese no interior da oposiccedilatildeo instituiacuteda por Soacutecrates a qual ela mesma soacute tem sentido no interior de um logos no qual toda afirmaccedilatildeo deve ser examinada e encontra-se submetida agrave jurisdiccedilatildeo de um discurso racional que exige que prestemos conta de todo enuὀἵiaἶὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἀ)έ 95 ΦΙΛέΝrsquoΝ ζβγ ζΫΰ δμ ζζα ΰ λ φκ δκ ηαδ εα ηαλ τλκηαδ θ θ θ γ σθ (12b1-3) 96 ΦΙΛ ηθτθ δμ ΰ λ υελα μ θ αυ κ γ σθ (28b1) 97 Segundo a autora o uso da partiacutecula ΰ λ natildeo sugere como se pode verificar em outros casos assentimento ou rejeiccedilatildeo mas justifica a linguagem utilizada eacute testemunho de compreensatildeo Por isso Filebo daria razatildeo (e natildeo reprovaria) o tom empregado por Soacutecrates Censura e irritaccedilatildeo seriam fantasia dos tradutores e nesse conjunto ela insere vaacuterios tradutores do diaacutelogo (Diegraves Hackforth Robin Bernadete) (DIXSAUT 2017 p 252-253) 98 ἠὁὅὅὁΝtὄaἶutὁὄΝἴὄaὅilἷiὄὁΝεuὀiὐΝ(ἀί1ἀ)ΝiὄὠΝtὄaἶuὐiὄΝldquoἷὀtὄἷtaὀtὁΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝaΝὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ( rsquoΝλπ υη θκθ ηπμ ηῖθ ζ ε Ϋκθ Sobre esse uacuteltimo termo (ζ ε Ϋκθ) Dixsaut (2017) nos explica que ele
significa falar eacute isso que eacute necessaacuterio falar e natildeo venerar Contudo Filebo eacute impermeaacutevel ao sentido que Soacutecrates utiliza o tom de louvor isto eacute ironicamente Por isso Filebo se recusaria a obeceder Soacutecrates conforme sugerido por Protarco (28b4-ἃ)μΝ ldquoἤἷἵuὅaὀἶὁΝ ἷὀtatildeὁΝ ὁΝ ἵὁὀὅἷlhὁΝ ἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝ ἶἷΝldquoὁἴἷἶἷἵἷὄΝaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝndash de glorificar para rir e de se dobrar a esse logos imperativo que se prescreve a si mesmo como uacutenico imperativo verdadeiro ndash Filebo delega novamente a palavra e cala-se ἶἷfiὀitivamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἁ)έ 99 ἑfέΝἀἆἵἁμΝldquo ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ αrdquoέ
84 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
contestaccedilatildeo ou os dois discursos jaacute adquiram o estatuto de teses postas em diaacutelogo ou seja
ironia e dialeacutetica (perguntar e responder) jaacute foram acordados em relaccedilatildeo agraves teses postas em
diaacutelogo
Por isso concluiria a autora francesa ao afirmar que
Eacute realmente redutor compreender seu silecircncio como o feito de um ldquohἷἶὁὀiὅmὁΝἶὁgmὠtiἵὁΝἵὁmΝὁΝὃualΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝἶiὅἵutiὄrdquo100 pois isso recai em negar a existecircncia de uma palavra diferente que natildeo se absteacutem de discutir porque seria dogmaacutetica mas porque falar eacute tambeacutem exprimir celebrar cantar (2017 p 253)
Note-se que o ζσΰκμ de Filebo ndash e sobre isso eacute necessaacuterio insistir ndash eacute a afirmaccedilatildeo
daquilo que os proacuteprios seres vivos (e aqui se inclui natildeo apenas os homens) de que o prazer
eacute bomΝἷΝἶiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝὃuἷmΝἶuviἶἷέΝldquo() Valor incontestaacutevel da proacutepria vida que se esvai no
khairein [alegrar-ὅἷ]ΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶardquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἂ)έΝἏΝfὁὄmaΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀἶuὐΝ
o discurso de Filebo no diaacutelogo a ponto de fazecirc-lo falar mesmo apoacutes ele ter manifestado sua
recusa em submeter-se agrave discussatildeo e consequente avaliaccedilatildeo do que proclama eacute ao mesmo
tempo haacutebil sutil e surpreendente A inversatildeo eacute tatildeo clara mas muitos estudiosos de pronto
pretenderam classificar Filebo como um tiacutepico hedonista irresoluto inversatildeo (socraacutetica) que
propriamente acontece gradualmente101
ἏlgὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝmἷὄἷἵἷΝὅἷὄΝὄἷtὁmaἶὁΝὧΝὁΝuὅὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝ( ΰαγ θ)
o qual difere daquele que eacute ldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) que soacute seraacute utilizado por Soacutecrates mais adiante
(em 14b1-7) e posteriormente na evidente alteraccedilatildeo do discurso enunciado por Filebo
100 Essa concepccedilatildeo seria a de Gadamer por exemplo como nos mostra a autora (Cf GADAMER 1983 p 164-165) 101 Dixsaut faz um interessante levantamento das passagens em que as muitas versotildees do discurso enunciado por Filebo aparece (i) a comeccedilar pela proacutepria afirmaccedilatildeo de 11b4-6 jaacute anteriormente desenvolvida (ii) passando por 19c6-8 em que Protarco afirma que para Filebo o que eacute melhor eacute o prazer e coisas do tipo (iii) e em 60a7-b1 seria para a autora o momento em que claramente o discurso de Filebo eacute alterado pois Soacutecrates diz que conforme aquele o prazer natildeo eacute apenas a meta de vida dos seres vivos mas que ele eacute o bem ( ΰαγ θ) para todas as coisas de tal modo que os nomes prazer e bem se confundiriam a ponto de tratarem de uma soacute coisa (iv) e jaacute em 66d7-8 ao final do diaacutelogo esta tese teria sido novamente expressa (e totalmente alterada) quando Soacutecrates afirma que Filebo propotildee que qualquer prazer de qualquer tipo eacute o bem (novamente o uso do termo ΰαγ θ) Concordo com a teoacuterica francesa que exista um manejo do ζσΰκμ de Filebo por Soacutecrates ou melhor uma alteraccedilatildeo sutil mas passiacutevel de identificaccedilatildeo no decorrer do texto No entanto discordo que a formulaccedilatildeo da tese e aiacute sim tese de Filebo soacute esteja presente em 60a7-b1 pois isso dificultaria o ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝἶaὅΝἶiὅἵuὅὅὴἷὅΝὃuἷΝὅἷΝὅuἵἷἶἷmΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝεἷΝὂaὄἷἵἷΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝὀatildeὁΝse ateve aὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝiὀἶiὄἷtὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝ1ἂἴ1ΝἷΝὁΝuὅὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) o que implicitamente jaacute deixa entrever que Soacutecrates pretende tornar a tese de Filebo a de um hedonismo ἷxtὄἷmaἶὁέΝVἷjamὁὅΝὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥὁἵέμΝἐἷmΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷmΝὁἵultaὄΝἷὀtatildeὁ a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγ θ) o prazer de bem ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria ao que eu defendo ou ao que tu ἶἷfἷὀἶἷὅέΝἒἷvἷmὁὅΝὅimΝἵὁmἴatἷὄΝjuὀtὁὅΝἷΝaliaἶὁὅΝaὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ(1ἂἴ1-b7)
85 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
(60a7b1 66d7-8) um fato curioso e que durante muitos seacuteculos instigou uma seacuterie de
comentadores do diaacutelogo Bury (1897) teria escrito uma nota adicional (n 6 p 2) retratando-
se por ter afirmado que ( ΰαγ θ) natildeo seria o bem mas que a posiccedilatildeo enfaacutetica do termo
justificaria a ausecircncia do artigo sua posiccedilatildeo eacute baseada nas afirmaccedilotildees de Stallbaum (1855)
e Badham (1820) Shorey (1908) considera a omissatildeo do artigo como um exemplo do que ele
nomeia (seguido de Wilamὁwitὐ)ΝἶἷΝldquoὅatildeΝiὀἶifἷὄἷὀὦardquoΝἶὁΝἷὅtilὁΝgὄἷgὁέΝἓὅὅaΝὂaὄἷἵἷΝtἷὄΝὅiἶὁΝaΝ
visatildeo da maioria de que natildeo faria diferenccedila entender os dois sentidos em que cada termo eacute
empregado traduzindo-os como idecircnticos ainda que estes sejam apresentados de formas
distintas Isto porque em alguns contextos anaacutelogos encontrariacuteamos ou natildeo encontrariacuteamosa
presenccedila do artigo ou permaneceriacuteamos em duacutevida102 sobre seu uso103 Paul Friedlaumlnder eacute
um dos grandes responsaacuteveis por uma compreensatildeo mais exata no seacuteculo XX104 desta
primeira parte do diaacutelogo sobretudo sobre a questatildeo do Bem Segundo o autor a recusa
102 Para alguns autores como Migliori (1998 p 51) em 13e6 natildeo estaria claro se haacute ou natildeo o uso do artigo isso porque anteriormente Soacutecrates teria utilizado ΰαγΪ mas ainda no mesmo excerto o ὅigὀifiἵaἶὁΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝἵlaὄamἷὀtἷΝὁΝἶἷΝldquoἴἷὀὅrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἶἷΝldquoὁΝἴἷmrdquoέΝἡΝὃuἷΝatἷὅtaὄiaΝὃuἷΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷΝfalaΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝmaὅΝἶὁΝldquoἴὁmrdquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁὅΝἴἷὀὅΝὂὁὄὃuἷΝὅἷΝvὁltaΝaΝutiliὐaὄΝὁΝtἷὄmὁΝ ΰαγσθ sem o artigo (Cf 13e5-7) 103 Essa eacute a visatildeo de Migliori (1998) como ele mesmo expressa em uma nota (n1 p 51) em seu vasto e importante comentaacuterio sobre o Filebo Poreacutem eacute necessaacuterio notar que sua visatildeo tambeacutem eacute centrada na defesa das duas teses iniciais do diaacutelogo aquela em que Filebo seria um hedonista extremado e Soacutecrates defenderia a inteligecircncia com o Bem Ele crecirc na contestaccedilatildeo de duas teses e tenta personifica-las historicamente Vale lembrar que o autor eacute um defensor e partidaacuterio da leitura esoterista de Platatildeo isto eacute da busca pelo excursus filosoacutefico presente na tradiccedilatildeo platocircnica indireta Para os partidaacuterios dessa leitura o Filebo eacute um diaacutelogo importante pois nele teriacuteamos mais alguns apontamentos e esclarecimentos sobre a Ideia do Bem ἷΝὅὁἴὄἷΝὁΝὃuἷΝὅἷΝἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝἵhamaὄΝldquoἦἷὁὄiaΝἶὁὅΝἢὄiὀἵiacuteὂiὁὅrdquoέΝOs representantes da Escola Tuumlbingen-Milatildeo como se convencionou chamar os adeptos desta visatildeo interpretativa baseiam-se amplamente no testemunho aristoteacutelico da Metafiacutesica sobre a existecircncia nos diaacutelogos de uma suposta defesa por parte de Platatildeo de dois princiacutepios o Bem e a Diacuteade-Indeterminada Esta teoria ganharia respaldo no Filebo segundo creem estes estudiosos porque neste diaacutelogo Limite e Ilimitado satildeo princiacutepios adotados por Platatildeo ao partir de sua anaacutelise da realidade O Filebo tἷὄiaΝaὅὅimΝumaΝὄἷlaὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἵὁmΝaὅΝἵhamaἶaὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-escritaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝtambeacutem por que elas remontariam ao que disse o neoplatocircnico Porfiacuterio retratado por Simpliacutecio em seu Comentaacuterio agrave Fiacutesica de Aristoacuteteles (Sobre isso ver Migliori (1998) e Perine (2014)) O projeto original de nossa pesquisa seguia pela mesma linha ao tentar estabelecer as relaccedilotildees entre as noccedilotildees desenvolvidas por Platatildeo acerca do Bem tanto na Repuacuteblica quanto no Filebo principalmente neste uacuteltimo diaacutelogo em relaccedilatildeo com a tradiccedilatildeo indireta platocircnica No entanto no curso de nossas leituras optamos por abandonar esse tipo de interpretaccedilatildeo e partirmos para uma leitura propriamente eacutetica (moral) do prazer no Filebo ἷΝὅuaΝἵὁὀὅἷὃuἷὀtἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝiὅtὁΝὧΝὄἷfὁὄmulaὄΝὀὁὅὅaΝviὅatildeὁΝinterpretativa do diaacutelogo adotando outros pontos de vista que natildeo esses dos esoteristas Fato no entanto que lamentamos e deixamos a cargo de outros pesquisadores que se interessam nessa reconstruccedilatildeo das ambiguidades ou supostas incompletudes presentes nos diaacutelogos Por ora permanecemos distante dessa interpretaccedilatildeo (extremamente relevante ao platonismo) por questotildees pessoais e acadecircmicas Portanto expresso aqui as concepccedilotildees relativas ao bem no que tangem ao bem pensado num sentido estritamente humano Sobre isso falarei mais adiante no decorrer de nossa anaacutelise do diaacutelogo no qual o tema reaparece 104 A primeira versatildeo (ediccedilatildeo) do seu Platone data de 1928
86 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
platocircnica de em um primeiro momento utilizar o artigo natildeo eacute desprovida de significado isto eacute
banal soacute depois de descrever o contraste entre as duas visotildees eacute que Soacutecrates emprega em
14b1 o artigo para referir-se ao bem105 (2004 p 1052)
Ora seria possiacutevel dizer que a pura afirmaccedilatildeo de Filebo jaacute estaria contida nos
enunciados discursivos postos desde o iniacutecio A resposta soacute pode ser um inequiacutevoco natildeo
Platatildeo atribui ao discurso de Filebo algo que ele natildeo possui desde o iniacutecio mas apenas
deixaria entrever isso eacute o que torna possiacutevel a modificaccedilatildeo total em 60a daquele ζσΰκμ do
primeiro interlocutor o uacutenico que por sinal ele aprova eacute aquele contido nas primeiras linhas
da obra (11b4-5) Uma primeira alteraccedilatildeo eacute realizada por Protarco (19c6-8) e soacute
posteriormente Filebo se torna o tatildeo sonhado hedonista dos claacutessicos inteacuterpretes
A afirmaccedilatildeo de Filebo e sua consequente assimilaccedilatildeo ao hedonismo radical encontra
sustentaccedilatildeo na possiacutevel aproximaccedilatildeo entre Filebo e Eudoxo106 Para ambos o prazer eacute bom
mas Eudoxo natildeo diz que todos os seres buscam o prazer ou que devam buscaacute-lo Na
alteraccedilatildeo operada por Soacutecrates Filebo assim como Eudoxo deve dizer que todos os seres
vivos devem buscar obter o prazer logo como todos os seres tendem ao bem o prazer seria
o bem par excellence elegiacutevel diante de qualquer um outro O que justificaria tal escolha
Note-se que do aspecto de pura contestaccedilatildeo passa-se diretamente ao aspecto normativo que
diz respeito agrave melhor das vidas possiacuteveis e natildeo apenas eacute ressaltada por Soacutecrates a
identidade entre prazer e bem indevidamente atribuiacuteda a Filebo Soacute deste modo seria possiacutevel
105 ldquoἓὅtaΝὂaὅὅagἷmΝἶὁΝaἶjἷtivὁΝ[ἴὁm]ΝaὁΝὅuἴὅtaὀtivὁΝ[ἴἷm]ΝὀatildeὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἵaὅualέΝἢὄὁtaὄἵὁΝtἷὄiaΝuὅaἶὁΝerroneamente um termo chave cujo uso devia ser habitual no ciacuterculo platocircnico ao menos na eacutepoca em que teria sido lida e discutida a Repuacuteblica (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1052) 106 ἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἓuἶὁxὁΝὂἷὀὅavaΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷὄaΝὁΝἴἷmΝὂἷlὁΝfatὁΝἶἷΝvἷὄΝtuἶὁΝndash tanto seres capazes de razatildeo como seres incapazes dela ndash a esforccedilar-se por obtecirc-lo e porque em todas as situaccedilotildees possiacuteveis o que se escolhe eacute sempre o melhor de tudo E o que se escolhe incondicionalmente eacute o mais poderoso dos bens O fato entatildeo de tudo se movimentar numa mesma determinada direccedilatildeo parece indicar que isso seraacute o melhor de tudo para todos os seres (porque cada um descobre o bem para si proacuteprio tal como acontece com a descoberta da alimentaccedilatildeo adequada) mas o que eacute o bem para todos e portanto objetivo final que todos se esforccedilam para obter eacute o bem supremo Estes enunciados eram convincentes mas mais pela excelecircncia do seu caraacuteter do que propriamente por si proacuteprios porque [Eudoxo] era tido por algueacutem extraordinariamente temperado E assim dava a impressatildeo de falar natildeo enquanto amigo do prazer mas tal como as coisas se passam na realidade Pensava tambeacutem que a sua teoria natildeo era menos evidente em consideraccedilatildeo da tese oposta isto eacute que o sofrimento eacute algo que deve ser evitado por todos seguindo a sua proacutepria essecircncia e que por conseguinte o prazer tem que ser rejeitado Na verdade o que pode ser escolhido de uma forma incondicional natildeo eacute o que escolhemos por qualquer outro motivo a natildeo ser graccedilas a si proacuteprio Uma tal coisa eacute o prazer tal como eacute geralmente aceite pois a ningueacutem se pergunta em vista do que eacute que sente prazer porque o prazer eacute uma escolha absoluta pela sua proacutepria essecircncia Portanto se o prazer for acrescentado a qualquer dos bens faz deles uma escolha mais preferencial por exemplo ao ser acrescentado ao cumprimento da justiccedila ou da temperanccedila isto eacute aumenta o que de si jaacute tem uma caracteriacutestica de bem (EN X 1172b9-25)
87 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
que o discurso de Filebo se prestasse ao diaacutelogo agrave refutaccedilatildeo isto eacute quando formulado
conforme uma tese Insisto natildeo se afirma que o prazer eacute o bom mas que bem eacute prazer
ἥὰἵὄatἷὅΝ ἷmὂὄἷὅtaΝ aΝ ἔilἷἴὁΝ aΝ ldquotἷὅἷΝ ἶaΝ multiἶatildeὁrdquoΝ ( κῖμ η θ πκζζκῖμ)107 presente na
Repuacuteblica (VI 505b7-8)108 assim como teria feito tambeacutem Goacutergias no diaacutelogo homocircnimo
(494e9-499b8) a fim de natildeo incorrer em contradiccedilatildeo chega a afirmar a identidade entre bem
e prazer Esse artifiacutecio natildeo eacute novo ele se repete no Filebo da mesma maneira embora os
motivos para a rejeiccedilatildeo dessa identidade por Soacutecrates sejam distintos em ambos os diaacutelogos
como tambeacutem o satildeo na Repuacuteblica pois os contextos dialoacutegicos tambeacutem satildeo distintos
ἑὁmὁΝ ἴἷmΝ ὁἴὅἷὄvaΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoaὅΝ ἶuaὅΝ fὰὄmulaὅΝ iὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅΝ ὂἷὄmitiὄamΝ
transformar a afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer em uma (maacute) definiccedilatildeo do
ἴὁmrdquoΝ(ὂέΝἀἃἅ)έΝΝἡΝὅἷὀtiἶὁΝὧΝaltἷὄaἶὁΝὁΝὂὄaὐἷὄΝjὠΝὀatildeὁΝὁἵuὂaΝuὀiἵamἷὀtἷΝumΝἷὅtatutὁΝἶἷΝvalὁὄΝ
mas eacute posto como o valor uacutenico dos viventes109 Todo o discurso de Filebo estaacute inserido no
curso da discussatildeo e eacute modificado por Soacutecrates (haacutebil Platatildeo) a ponto de se estabelecerem
claramente as duas teses e os seus respectivos e distintos partidaacuterios a fim de cumprir a
ἷxigecircὀἵiaΝὄἷὃuiὅitaἶaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝἶἷΝὃuἷΝfὁὅὅἷmΝἵὁlὁἵaἶaὅΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝamἴaὅΝaὅΝ
teses (14a6-9)
Nas esclarecedoras palavras de Dixsaut
Podemos sem duacutevida censurar muitas coisas a Platatildeo mas certamente natildeo uma falta de sutilidade no manejo do logos Portanto eacute improvaacutevel que essa seacuterie de transformaccedilotildees conduza a uma reviravolta uacuteltima seja de sua parte inconsciente e involuntaacuteria Se Filebo natildeo quer falar com Soacutecrates Soacutecrates natildeo pode falar com Filebo mas pode fazecirc-lo falar e fazendo isso trazer agrave tona natildeo o que afirma Filebo mas o que segundo Soacutecrates Filebo quer dizer (2017 p 257)
Eacute necessaacuterio ainda acrescentar que o abrupto iniacutecio do diaacutelogo se deve em parte agrave
afirmaccedilatildeo de Filebo que natildeo deixa de ser apesar disso uma afirmaccedilatildeo da proacutepria vida da
proacutepria vontade de viver o sagrado gozo que marca a vida O prazer eacute bom porque sobretudo
eacute por meio dele que a vida eacute gerada transmitida e intensificada Seria isso que Soacutecrates
deveria combater mas a iminecircncia de um novo conflito insuperaacutevel o conduz a postular algo
como melhor ( λδ κθ 19c6 65b1-2) partilhada por aqueles dentre noacutes ( θ παλ ηῖθ 11a2)
107 Em 67b3 o discurso invertido de Filebo recebe a conotaccedilatildeo daquele da maioria e o termo utilizado ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὧΝldquoκ πκζζκ rdquoέΝ 108 ldquoἢaὄaΝaΝmultidatildeo o bem parece ser o prazer enquanto para os refinados eacute o pensamento ( κῖμ η θ πκζζκῖμ κθ κε ῖ θαδ Ϊΰαγσθ κῖμ ξκηφκ Ϋλκδμ φλ θ δμrdquoΝ(Rep VI 505b7-8) 109 ldquoἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὧΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ ὄἷὅὅaltaὄΝ aὅΝ ἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝ ἶἷΝ IὄwiὀΝ (1λλἃ)μΝ ldquoaὁΝ aὄgumἷὀtaὄΝ ἵὁὀtὄaΝ aΝalegaccedilatildeo de prazer para ser o bem Soacutecrates insiste na diversidade de prazeres (12c-d) e afirma que aὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝiὀiἵiaiὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝvalὁὄΝἶὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ(ὀὁΝὅiὀgulaὄ)Νἶeve ser reconsiderado uma vez que temos umaΝiἶἷiaΝmaiὅΝἵlaὄaΝἶὁὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝὅἷuὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝvalὁὄἷὅrdquoΝ(ὂέΝἁ1ἆ-319)
88 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ὀἷὅtἷΝ ldquoὀὰὅrdquoΝ ἷlἷΝ ὅἷΝ iὀἵluiΝ aὃuἷlἷὅΝ ὃuἷΝ ὂaὄtiἵiὂamΝ ἶὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ἷΝ ὃuἷΝ fὁὄamΝ ὂὁὄΝ ἷlἷΝ
educados110
O discurso de Soacutecrates eacute um discurso eacutetico e encontra-se direcionado a determinada
espeacutecie de vida a dos homens natildeo aquele da multidatildeo mas agravequeles inspirados pela forccedila
da Musa filosoacutefica (67b6) Isso significa que o homem natildeo eacute soacute mais um dentre as plantas e
os animais o homem exaltado por Soacutecrates fora educado pela inteligecircncia por isso natildeo pode
aceitar a tese da multidatildeo O discurso de Soacutecrates eacute restritivo mas o de Filebo (finalmente)
ultrapassa uma extensatildeo permissiacutevel Ao dizer que tudo que eacute bom eacute agradaacutevel natildeo se firma
uma identidade entre o bem e o agradaacutevel (bom) Contudo ao se afirmar essa identidade eacute
necessaacuterio admitir que todos os viventes participariam do mesmo gecircnero do prazer natildeo eacute a
hierarquia que nega qualquer diferenccedila entre as espeacutecies de prazer e entre as espeacutecies de
seres vivos mas a extensatildeo maacutexima dessa afirmaccedilatildeo111
Sendo assim jaacute podemos rejeitar a hipoacutetese de um diaacutelogo acadecircmico entre hedonistas
e anti-hedonistas Satildeo modos de viver que satildeo rejeitados em detrimento de outros e
novamente a relaccedilatildeo entre dialeacutetica e bem eacute assumida no diaacutelogo poreacutem de uma outra
maὀἷiὄaΝ ἷlaΝ ὧΝ iὀὅἷὄiἶaΝ ὀὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὁuΝ ὡΝ mἷlhὁὄΝ ἶaὅΝ vidas possiacuteveis
enquanto uma vida humana Eacute o valor (no singular) que se atribuem aos imprescindiacuteveis
valores que uma vida humana deve possuir que estaacute em jogo na discussatildeo estabelecida Por
isso soacute cabe a esse diaacutelogo tomar uma nova direccedilatildeo logo apoacutes serem contestas as
afirmaccedilotildees (iniciais) simeacutetricas de Soacutecrates e de Filebo
Outra questatildeo a ser tomada das primeiras linhas do Filebo eacute a sequecircncia de termos
utilizadas por Filebo e por Soacutecrates para referirem-se aquele prazer e este ao pensamento
Na sequecircncia utilizada por Filebo satildeo notados ( εαέλ δθ εα θ κθ θ εα Ϋλοδθ 11b4-5
κθ θ εα Ϋλοδθ εα εαλ θΝ1λἵἅ)ΝἵὁmὁΝtuἶὁΝldquoὁΝὃuἷΝfὁὄΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝaΝἷὅὅἷΝgecircὀἷὄὁrdquoΝ( α κ
ΰΫθκυμ κτ κυ τηφπθα 11b5-ἄ)ΝἷΝldquoἵὁiὅaὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁrdquoΝ(εα πΪθγrsquoΝ πκ α κδα rsquoΝ έ
19c7-8) Podemos como nos sugere Bravo (2009) crer que Platatildeo estava atento a essa
problemaacutetica de caraacuteter semacircntico (p 36)112 Mas ao mesmo tempo o que vemos no diaacutelogo
110 ldquoἒἷὅἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝἶἷὅlὁἵamἷὀtὁΝὧΝὅἷὄΝiὀὅἷὀὅiacutevἷlΝὡΝiὄὁὀiaΝἶὁΝFilebo que esconde um discurso no interior de outro aquele acessiacutevel somente aos filoacutesofos no interior daquele feito para convencer os hὁmἷὀὅΝἶἷΝὃuἷΝἷlἷὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝὅὁmἷὀtἷΝaὀimaiὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃλ)έ 111 Cf DIXSAUT (2017 p 258) 112 Bravo (2009) nos lembra a paciente anaacutelise de Migliori (1998 p 539ss) detida na verificaccedilatildeo em todo o diaacutelogo das ocorrecircncias desses diversos termos anteriormente apontados que poderiam causar alguma diferenciaccedilatildeo semacircntica (por parte de Platatildeo) entre os diversos termos hedocircnicos Bravo ainda nos lembra que essa distinccedilatildeo jaacute eacute apresentada por Platatildeo no diaacutelogo Protaacutegoras (337c2-4) pois o sofista Proacutedico de Ceos fazia uma distinccedilatildeo baseado na alegria proacutepria dos ouvintes de uma ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἵὁmὁΝldquoaὃuἷlaΝὃuἷΝὅἷΝἷxὂἷὄimἷὀtaΝaὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝalgumaΝἵὁiὅaΝἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝda reflexatildeo que pἷὄtἷὀἵἷΝ aὂἷὀaὅΝ aὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ ( φλαέθ γαδ η θ ΰ λ δθ ηαθγΪθκθ Ϊ δ εαῖ φλκθά πμ η ζαηίΪθκθ α α δαθκέ )ΝldquoἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝἵὁmiἶaΝὃuἷΝὅἷΝἷὅgὁtaΝὀὁὅΝὅἷὀtiἶὁὅΝiὅtὁΝὧΝὧΝὂὄὁἶuὐiἶὁΝuὀiἵamἷὀtἷΝὂἷlὁΝἵὁὄὂὁrdquoΝ( γαδ γέκθ Ϊ δ ζζκ πΪ ξκθ α α υηα δ) O
89 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
eacute uma esmagadora vitoacuteria do termo κθά113 O que significa por outro lado que por mais
que Platatildeo seja acusado de imprecisatildeo terminoloacutegica ele natildeo deixa de dedicar atenccedilatildeo aos
esforccedilos de Proacutedico O que nos leva a concluir apoacutes tal anaacutelise seguindo pelas constataccedilotildees
de Bravo (2009) e Dixsaut (2017) que natildeo haacute vestiacutegios de uma confusatildeo especiacutefica poreacutem
Platatildeo natildeo parece inclinado a distinguir com termos apropriados as diferentes formas de
prazer (Bravo 2009 p 37) Por isso eacute rejeitada por Platatildeo tal distinccedilatildeo ou melhor lhe parece
desnecessaacuteria isso natildeo significa que ele natildeo esteja atento a esta diferenciaccedilatildeo mas elas natildeo
estariam implicadas na afirmaccedilatildeo de Filebo isto eacute estes termos nem satildeo sinocircnimos nem
espeacutecies diferentes mas o discurso de Filebo retoma modulaccedilotildees de uma mesma experiecircncia
(a prazerosa) e agrave sua plenitude Como nos explica Dixsaut (2017) elas se adicionam sem
ὃualὃuἷὄΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁΝὁuΝmἷlhὁὄΝἷὅtatildeὁΝἷmΝldquouὀiacuteὅὅὁὀὁrdquoΝ(ὂέΝἀἄ1)έ
E quanto agrave sequecircncia de Soacutecrates Existe algum sentido especiacutefico na sequecircncia de
termos por ele adotado em seu discurso VἷjamὁὅέΝἓmΝ11ἴἄΝὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝaΝldquoiὀtἷligecircὀἵiaΝ
ldquomἷmὰὄiardquoΝ( φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ)ΝἷΝldquotuἶὁΝmaiὅΝὁΝὃuἷΝlhἷὅΝfὁὄΝaὂaὄἷὀtaἶὁrdquoΝ(εα
κτ πθ α γΰΰ θ 11b6-ἅ)ΝἷΝὁΝὃuἷΝὄἷὅultaΝἶiὅὅὁμΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝἷΝldquoὄaἵiὁἵiacuteὀiὁΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ
( σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ 11b8) Ao contraacuterio de Filebo a seacuterie de termos de
Soacutecrates varia como se pode notar em 19d4-ἃΝ aὂaὄἷἵἷmΝ aΝ ldquoἵiecircὀἵiardquoΝ ( πδ άηβθ) a
ldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝ( τθ δθ) e a arte ( Ϋξθβθ) satildeo tambeacutem resultados obtidos via inteligecircncia
(θκ θ) ausenta-se entretanto o termo φλσθβ δμ Em 21a14-15 somam-se ao pensamento
tom irocircnico utilizado por Platatildeo no diaacutelogo nos impediria de confirmar se tal distinccedilatildeo realmente era feita por Proacutedico Poreacutem haacute um testemunho de Aristoacuteteles (Toacutep II 112b22-24) que parece confirmar tal distinccedilatildeo seja num caraacuteter linguiacutestiἵὁΝὅἷjaΝὀumΝἵaὄὠtἷὄΝὁὀtὁlὰgiἵὁμΝldquoἢὄὰἶiἵὁΝἶiviἶiaΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ( μ
κθΪμ) em gozo (ξαλΪ) deleite ( Ϋλοδμ) e alegria ( φλκ τθβ)rdquoΝ (Toacutep II 112b22-24) Poreacutem o estagirita natildeo aceita esta distinccedilatildeo como tambeacutem parece que Platatildeo natildeo a aceita pois todos satildeo nomes do proacuteprio prazer e esses diferentes termos satildeo aplicados atendendo as diferenccedilas puramente acidentais Bravo ainda associa estas ocorrecircncias a duas conclusotildees (i) a frequecircncia e a diversidade dos termos demonstra por um lado a importacircncia do prazer entre os gregos (ii) como tambeacutem atesta a sua problematicidade (do prazer) agrave medida em que eacute tomado como objeto de reflexatildeo (Bravo 2009 p 36-37) A mesma lista de ocorrecircncias eacute feita por Bernadete (1993) como ela deixa transparecer em uma nota (n 3) assim como tambeacutem faz referecircncia a Proacutedico no Protaacutegoras e agrave citaccedilatildeo aristoteacutelica contida nos Toacutepicos (Cf Bernadete 1993 p 1) e o que se verifica eacute a predominacircncia de κθά no diaacutelogo (244 vezes) Agraves mesmas conclusotildees chega Benitez (1999 p 339 n1) 113 ldquoHedoneacute de fato proveacutem do radical indo europeu suad que estaacute relacionado a uma famiacutelia de termos cujo significado originalmente concerne a tudo que eacute agradaacutevel ao paladar ou pode tornar-se agradaacutevel para ele Desse radical deriva hedyacutes doce e o termo suumlszlig que em alematildeo tem o mesmo significado A essa famiacutelia pertence tambeacutem a palavra latina suavis que significa igualmente doce e em um sentido mais estrito designa o gozo dos sentidos e o que se usufruiu por meio dos sentidos Por isso em latim pode-se dizer por exemplo suavitas odorum e em termos mais gerais os prazeres do corpo satildeo designados com o plural suavitatesrdquoΝ(ἑfέΝἔἓἤεἏἠIΝἀί1ἃΝὂέΝ1ἀἃΝὀέ1ἂ)έΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmais detalhada da semacircntica que envolve o termo (Cf BRAVO 2009 p 31-37)
90 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
(φλκθ ῖθ) o fato de conceber (θκ ῖθ) e calcular (ζκΰέα γαδ)114 Note-se que estamos diante
tanto de faculdades quanto de atividades como tambeacutem do que resulta disso O termo chave
aqui parece ser φλσθβ δμ115 que parece ser o mais recorrente Soacutecrates diz em 11d9 11e3
114 Em 21b6-ἅΝὀὁvamἷὀtἷΝldquoaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝaΝmἷmὰὄiaΝaΝἵiecircὀἵiaΝἷΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝem 60d4-ἃέΝ (ldquoθκ θ εα ηθάηβθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ () ζβγ 21b6-ἅνΝ ldquoηθάηβθ εα φλσθβ δθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ 6660d4-5) 115 Esse termo eacute digno de atenccedilatildeo e merece toda uma atenccedilatildeo por parte dos inteacuterpretes O termo φλσθβ δμ pode ser compreendido em sentidos distintos apesar de estabelecerem entre si alguma relaccedilatildeo Neste caso seria necessaacuterio como defende Dixsaut (1997) adotar um outro princiacutepio de classificaccedilatildeo que deixaria de lado qualquer suposiccedilatildeo que acredite que o sentido do termo tenha muἶaἶὁΝἶuὄaὀtἷΝaὅΝὁἴὄaὅΝ(ἷvὁluἵiὁὀiὅtaΝὁuΝἵὄὁὀὁlὰgiἵa)ΝmaὅΝὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaὅΝldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝὂὁἶἷὄiaΝnos dirigir a um melhor resultado Como o termo se encontra associado a alguns outros conceitos um pequeno nuacutemero de constelaccedilotildees permitiria uma classificaccedilatildeo das ocorrecircncias aceitaacuteveis (p 336) ἓὅὅἷΝ tἷὄmὁΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἷὅtaὄiaΝ iὀἵluiacuteἶὁΝ ὀἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝ ldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝ (ὁuΝ ldquofamiacuteliaὅrdquoΝ ὁuΝ ldquoἵamὂὁὅΝὅἷmacircὀtiἵὁὅrdquoΝὁuΝldquoὅigὀifiἵaὀtἷὅrdquoΝἵὁmὁΝἶiὐΝἦὁὄἶὁ-Rombaut (1999 p 193 n 1) a(o)s quais seriam (i) a inteligecircncia e o inteligiacutevel (ii) a vida e alma (iii) o valor e a virtude Φλσθ δμ seria utilizado por Platatildeo nesses trecircs sentidos em alguns diaacutelogos apenas em uma conotaccedilatildeo em outros em duas delas e em outros nos trecircs sentidos (como eacute o caso do Filebo) (DIXSAUT 1997 p 336-351) No entanto somente no Feacutedon possuiacutemos uma explicaccedilatildeo mais detalhada da vastidatildeo conceitual que esse termo apresenta ἡΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝmἷΝiὀtἷὄἷὅὅaΝaὃuiΝἷΝὃuἷΝaἵὄἷἶitὁΝtἷὄΝumΝldquoὂἷὅὁΝmaiὁὄrdquoΝὀaΝὀὁὅὅaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute o sentido propriamente moral (ou axioloacutegico) ao qual o termo possa ser efetivamente relacionado iὅtὁΝὧΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝviἶaΝἴὁaΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝὀaΝatὄiἴuiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtaΝἶὁΝldquovalὁὄΝἴὁmrdquoΝ(ou bem) a uma vida enquanto propriamente uma vida humana Concepccedilatildeo expressa natildeo somente em alguns trechos do Filebo (11b7 12a dentre outros a despeito de tambeacutem em algumas passagens estar relacionado aos outros sentidos de φλσθ δμ) mas que pode ser lida jaacute no Feacutedon na seguinte passagem em que ὁΝtἷὄmὁΝὧΝἷxὂὄἷὅὅὁΝὂἷlaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝΟmὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoμΝὀὁΝFeacutedon onde o sentido da φλσθ δμ ὅἷΝtὁὄὀaΝmaiὅΝἵlaὄὁΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝἷxἵἷlἷὀtἷΝἥiacutemiaὅΝtalvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷjaΝἷmΝface da virtude um procedimento correto trocar assim prazeres por prazeres sofrimentos por sofrimentos um receio por um receio o maior pelo menor tal como se se tratasse de uma simples troca de moedas Talvez ao contraacuterio exista aqui apenas uma moeda de real valor e em troca pela qual tudo o mais deva ser oferecido a sabeἶὁὄiardquo (Ὦ ηαε λδ Νδηη αΝη ΰ λΝκ ξΝα βΝᾖ λγ πλ μΝ
λ θΝ ζζαΰ κθ μΝπλ μΝ κθ μΝεα ζ παμΝπλ μΝζ παμΝεα φ ίκθΝπλ μΝφ ίκθΝεα αζζ γαδΝ[εα ]Νη απΝπλ μΝ ζ πΝ π λΝθκη ηα αΝ ζζ᾽ ᾖ ε ῖθκΝη θκθΝ θ ηδ ηαΝ λγ θΝ θ κ ῖ π θ αΝα αΝεα αζζ γαδΝφ ό η ι ) (Feacuted 69a) Como bem explica Bossi (2008 p 238) e tambeacutem Gosling
ΤΝἦaylὁὄΝ(1λἆἀΝὂέΝλἀ)ΝaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝldquomὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝaὂἷὀaὅΝaΝtὄὁἵaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅΝpor inteligecircncia (como uma espeacutecie de opccedilatildeo por uma vida asceacutetica) mas antes de tudo significa que a vida filosoacutefica ou melhor o exerciacutecio do filoacutesofo consiste natildeo na reduccedilatildeo ou acreacutescimo de prazeres e sim na seleccedilatildeo segundo um uacutenico e verdadeiro criteacuterio ndash que natildeo a quantidade ndash mas o valor qualitativo dos prazeres atribuiacutedo pela razatildeo uacutenica e verdadeira moeda de troca Por isso o uso da expressatildeo grega (η φλκθά πμ) em 62b logo apoacutes a passagem acima citada a construccedilatildeo (meta + genitivo) soacute poderaacute indicar natildeo os meios utilizados na execuccedilatildeo de uma accedilatildeo mas sim o(s) modo(s) ou a(s) circunstacircncia(s) de uma accedilatildeo Isso implica que natildeo se pode compreender o significado da ὂaὅὅagἷmΝ ἵὁmὁΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷmΝ tὄὁἵaΝ ἶἷΝ iὀtἷligecircὀἵiardquoΝ maὅΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝiὀtἷligἷὀtἷmἷὀtἷrdquoΝ(ἑfέΝἕἡἥἜIἠἕΝΤΝἦἏYἜἡἤΝ1λἆἀΝὂέΝλἀ)έΝPodemos bem resumir o sentido que nos iὀtἷὄἷὅὅaΝaὁΝὄἷὅὅaltaὄΝaὃuiΝὁΝuὅὁΝἶἷὅὅἷΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝὃuἷΝφλσθ δμ faz referecircncia particularmente no que ἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝεaὄὃuἷὅΝ(ἀί1ἄ)μΝldquoPhronesis natildeo eacute mera competecircncia teacutecnica nem estrateacutegia praacutetica mas ambiente ou contexto de ressignificaccedilatildeo atitude reflexiva filosofia compreendida como esforccedilo e busca argumentada no sentido de se compreender as implicaccedilotildees ontoloacutegicas subjacentes as determinaccedilotildees que justificam diferentes valὁὄaὦὴἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅrdquoΝ(p 257) Sobre isso cf SOUZA (2016 p183-202) e BENITEZ (1999 p 339ss)
91 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ὃuἷΝὀaΝἶiὅὂutaΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὅἷὄiaΝaΝἶiὅὂὁsiccedilatildeo de pensar ou a vida de pensamento
ὃuἷΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄiὁὄΝἷΝὁὅΝtἷὄmὁὅΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷΝutiliὐaἶὁὅΝὅatildeὁμΝldquoφλσθ ῖθrdquoΝἷΝldquoφλκθά πμrdquoέΝ
Em determinados momentos da obra platocircnica esse termo eacute apenas contado entre outros
mas aqui ele estaacute em consonacircncia com abordagem mais detalhada e criteriosa do termo que
aparece no Feacutedon Ela eacute um gecircnero que reuacutene todas essas atividades e Soacutecrates atenta-se
em especificaacute-las (Cf 19b 21b9 20 60c-d) ela apresenta-se como rival agrave vida de prazer
Φλ θ δμ recobre no diaacutelogo essa vastidatildeo de sentidos seja de inteligecircncia (contato com
essecircncias com o que sempre eacute) seja de forma de consciecircncia (de si ou da realidade) como
tambeacutem aquele sentido relacionado agrave virtude e ao valor Todos os termos da lista socraacutetica
satildeo ditὁὅΝ ὂἷlὁΝ ὂὄὰὂὄiὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoaὂaὄἷὀtaἶὁὅrdquoΝ ( υΰΰ θ 11b8) que ora significaratildeo
momentos de uma determinada gecircnese na qual a memoacuteria eacute quem conduz agrave inteligecircncia ora
como espeacutecies propriamente ditas de um mesmo gecircnero Tudo dependeraacute dos objetivos da
anaacutelise em questatildeo principalmente no tocante agrave anaacutelise dos prazeres (verdeirosfalsos
purosimpuros bonsmaus) o que geraria certa confusatildeo entre os inteacutepretes numa primeira
leitura raacutepida do diaacutelogo Eacute o que detecta Benitez
No campo adversaacuterio [sic O de Soacutecrates] noacutes reencontramos φλκθ ῖθ θκ ῖθ η ηθ γαδ σιαθ λγ θ ε ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ (note-se que πδ άηβ natildeo aparece nesse momento) Novamente gostariacuteamos que em seguida esses elementos fossem distinguidos e ordenados Platatildeo parece decido a reuni-los Em conjunto os verbos φλσθ ῖθ e θκ ῖθ satildeo utilizados indiferentemente no Filebo e o mesmo vale para os substantivos correspondentes φλσθ δμ e θκ μ A vida defendida por Soacutecrates eacute descrita tanto com uma ίέκμ κ θκ μ quanto como uma ίέκμ μ φλκθά πμ sem que qualquer distinccedilatildeo seja feita Por duas vezes Soacutecrates exige que memoacuteria e caacutelculo raciocinado sejam excluiacutedos da vida de prazer porque eles satildeo componentes da vida intelectual e somente dela (21a-c 60d) Essa confusatildeo cria certos problemas espiacuterito inteligecircncia e saber diferem um do outro a memoacuteria que encontra-se ligada a ela natildeo eacute no entanto idecircntica a nenhum daqueles e nem mesmo a opiniatildeo reta e o raciociacutenio verdadeiro (1999 p 339)
No momento conveacutem apenas destacar que a memoacuteria eacute ζκΰκμ enquanto
conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo como tambeacutem a opiniatildeo verdadeira116 sobre sua efetiva percepccedilatildeo
(consciecircncia) de estar sentido prazer Portanto elas se opotildeem ao raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) assim
como este somado agraves outras duas se opotildeem agrave intelecccedilatildeo que diz respeito apenas ao
inteligiacutevel Todavia como observa Dixsaut (2017) a contrariedade presente no gecircnero que
constitui a φλσθ δμ natildeo exclui esse proacuteprio pertencimento a um mesmo gecircnero isto egrave ao do
116 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoὂaὄἷἵἷ-me que nestes passos a opiniatildeo verdadeira agrave qual se faz referecircncia num primeiro sentido eacute simplesmente a consciecircncia do gozar Como tal eacute distinta da opiniatildeo verdadeira que entra em jogo dialeacutetico com a ciecircncia a episteme que aὂaὄἷἵἷΝἷmΝὁutὄὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅΝἶialὧtiἵὁὅrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1λί)έ
92 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
intelecto O que dista do discurso de Filebo do de Soacutecrates eacute que a seacuterie terminoloacutegica daquele
soa em consonacircncia ao passo que a desse eacute vaacuteria e perfeitamente definiacutevel Aspecto como
veremos totalmente contestado por Soacutecrates jaacute que aquilo que Filebo postula como uacutenico
pode apresentar natildeo somente alteraccedilotildees de qualidade como tambeacutem de intensidade
inumeraacuteveis (DIXSAUT 2017 p 263)
A possibilidade adotada por Soacutecrates de inserir seu discurso em uma notaccedilatildeo temporal
(memoacuteria passado raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) futuro) confronta-se com o discurso de Filebo
desprovido de uma notaccedilatildeo tal O prazer eacute incapaz de previsatildeo pois sua base assenta-se na
experiecircncia imediata do agradaacutevel Passamos entatildeo do comparativo ao superlativo uma vez
ὃuἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝldquomaiὅΝvaὀtajὁὅὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝiὅtὁΝὂὁὄὃuἷΝ
ele eacute capaz de se inserir na dinacircmica do proacuteprio tempo pelos mecanismos diversos envolvidos
na proacutepria dimensatildeo (humana) que eacute capaz de participar da φλσθ δμ seja pelo recurso da
memoacuteria (passado) pela opiniatildeo verdadeira (resoluccedilatildeo das decisotildees praacuteticas do presente) e
pelo raciociacutenio (caacutelculo e a previsatildeo do futuro)
Nesse sentido eacute necessaacuterio que Filebo se distancie da argumentaccedilatildeo que permaneccedila
calado de tal modo de que as questotildees atribuiacutedas a ele sejam agora dirigidas a Protarco O
prazer natildeo combate nem ao menos eacute derrotado como vemos no decorrer do diaacutelogo ele
apenas se isenta do combate e por isso triunfa sem combater Como nos lembra Dixsaut
(2017) os versos da Iliacuteada de Homero proferidos por Diomedes agrave Afrodite estando uacuteltima
ferida pela lanccedila enquanto Diomedes a procurava no campo de batalha117 Diante disso eacute
possiacutevel notar que o prazer triunfa sem combater e se ele adere a luta eacute vencido
A mudanccedila dos discursos iniciais parece ter iniacutecio quando Soacutecrates assim diz
Soc Entatildeo eacute preciso que a verdade ( αθ ζβγΫμ) sobre esse assunto (π λ α θ λσπ ) seja por todos os meios delimitada (π λαθγ θαδ) Prot Sim eacute preciso Soc Vamos laacute entatildeo Com relaccedilatildeo a isso entremos em acordo ( δκηκζκΰβ υη γα) sobre mais um ponto Prot Qual Soc Que agora cada um de noacutes tentaraacute indicar o estado e a disposiccedilatildeo da alma ( ιδθ ουξ μ εα δΪγ δθ capaz de fornecer a todos os homens ( θ
υθαηΫθβθ θγλυπκδμ) uma vida feliz (π δ θ ίέκθ αέηκθα) Natildeo eacute assim Prot Assim mesmo (11c9-d7)
117 A autora refere-ὅἷΝaὁΝὅἷguiὀtἷΝvἷὄὅὁμΝ ldquoἓxἵlamὁuΝἵὁmΝ fὁrte Diomedes corajosa em seu grito de guerra ndash Retira-te filha de Zeus do combate e da luta Acaso natildeo te basta enganar (triunfar) as fraacutegeis mulheres Se tu pretendes frequentar a batalha creio que estremeceraacutes apenas em ouvir mencionaacute-la em um qualquer lugar (Hom Il 2 5 347-351)
93 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Permanecer naquele conflito anterior dos dois discursos soacute incorreria novamente em
impasse em aporia Apenas com a mudanccedila de interlocutor eacute possiacutevel esse acordo118 a
primeira exigecircncia (banal) de se atingir a verdade119 sobre esses pontos muda a direccedilatildeo do
iὀὃuὧὄitὁΝ ὅἷὄὠΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ ἵὁmὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν umΝ ldquoaἶvὁgaἶὁΝmaiὅΝ ἶὰἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἆ) No
ἷὀtaὀtὁΝὧΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝἴaὀaliἶaἶἷΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝavaliaὦatildeὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὅuaΝldquovἷὄἶaἶἷΝ
ὁuΝfalὅiἶaἶἷrdquo120 A luta se instaura natildeo para que venccedilam um ou outro discurso ou teses como
ὂὄἷfἷὄἷmΝ alguὀὅΝ maὅΝ ὂaὄaΝ avἷὄiguaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ldquomaiὅΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ ὧΝ ὃuἷΝ se deve combater
118 Creio que esse acordo deva ser lido em dois sentidos se recuperarmos o sentido que ele desempenha na filosofia platocircnica Primeiramente eacute necessaacuterio sair do impasse e para tal conciliar os discursos e colocaacute-los em um ζσΰκμ uacutenico eacute o que pressupotildee qualquer discussatildeo No entanto esse sentido do acordo tambeacutem eacute colaborativo natildeo basta apenas submeter-ὅἷΝaὁΝἶiὠlὁgὁΝmaὅΝtamἴὧmΝldquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrdquoΝὡὃuilὁΝὃuἷΝὧΝἶitὁΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὀἶὁΝaὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝiὀἵὁἷὄecircὀἵiaὅΝὃuἷΝὅἷuΝἶiὅἵuὄὅὁΝὂὁὅὅa a vir a sofrer nesse mesmo processo diaacutelogico Dito de outro modo eacute tambeacutem imprescindiacutevel no curso da aὄgumἷὀtaὦatildeὁΝldquoἷὅtaὄΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmὁrdquoΝtἷὄΝὄἷalΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὧΝ(ἷΝaὃuiΝὅim)ΝumaΝtese e que deve entatildeo ser defendida enquanto se eacute um interlocutor no processo dialoacutegico (Basta retomamos o sentido do ηκζκΰ δθ em alguns dos demais diaacutelogos Ver Goacuterg (461b 468e 482d 487e 472b-c474a5 495a5-9) e Teet (154e1 171d5) que atestam essa dupla especificidade do acordo) Sobre isso tambeacutemΝὧΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝὄἷtὁmaὄΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)μΝldquoἷὅtἷΝὧΝumΝὁutὄὁΝdictum crucial para Platatildeo desde os primeiros diaacutelogos os acordos (homologiacuteai) entre os falantes que pressupotildeem qualquer discussatildeo e a coerecircncia ou consistecircncia (homologia) do discurso e os acordos (homologiacuteai) preacutevios que pressupotildeem qualquer diaacutelogo () o requisito da coerecircncia eacute o que possibilita mostrar que algueacutem estaacute em contradiccedilatildeo () por isso eacute que no argumento dialoacutegico natildeo faz mal tomar como testemunha um terceiro poreacutem basta tomar por testemunha o proacuteprio loacutegos Em um verdadeiro diaacutelogo ὁΝἶἷἵiὅivὁΝὀatildeὁΝὧΝὃuἷΝὁὅΝfalaὀtἷὅΝἷὅtἷjamΝlsquoὅἷΝtἷὅtaὀἶὁrsquoΝuὀὅΝaὁὅΝὁutὄὁὅΝ(έέέ)ΝmaὅΝὃuἷΝὅἷjamΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝmanter a coerecircncia de seus argumentos e que sobretudo sejam capazes de revisar suas posiccedilotildees se o exame dialeacutetico assim o requerer Uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que o diaacutelogo funcione eacute que cada interlocutor sempre diga o que lhe parece ser verdade () Se a disposiccedilatildeo de conservar uma atitude de colaboraccedilatildeo diante do diaacutelogo se elimina natildeo pode haver progresso na conversaccedilatildeo filosoacutefica e no processo educativo de que tal conversaccedilatildeo eacute uma parte decisiva O recusar-se a responder aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝiὀtἷὄὄὁgaἶὁΝὧΝaἵὁmὂaὀhaἶὁΝὂὁὄΝumΝἵἷὄtὁΝlsquoἷὅὂiacuteὄitὁΝἶἷΝiὄὁὀiarsquoΝὃuἷΝcaracteriza as teacutecnicas sofiacutesticas de discussatildeo como opostas agraves filosoacuteficas Quem estaacute disposto a ὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝ aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ lἷvaΝ aΝ ὅὧὄiὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄguὀtaνΝ ἷὅtἷΝ lsquolἷvaὄΝ aΝ ὅὧὄiὁrsquoΝ aΝconversaccedilatildeo natildeo apenas significa considerar seriamente a tese discutida e o assunto da discussatildeo mas tambeacutem ndash e talvez o que eacute o mais importante ndash ser consciente do fato de que algueacutem deve se fazer responsaacutevel daquilo que se nega de suas proacuteprias afirmaccedilotildees (esse eacute o modo de conservar a homologia no diaacutelogo) as quais pressupotildeem como ὂὁὀtὁΝ ἶἷΝ ὂaὄtiἶaΝ ἵἷὄtὁὅΝ ldquoaἵὁὄἶὁὅrdquoΝ imὂliacuteἵitaΝ ὁuΝἷxὂliἵitamἷὀtἷΝaἵἷitὁὅΝὂἷlὁὅΝfalaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἃλΝὀέΝἀ)έ 119 ἑὁmὁΝἶiὐΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoἠumΝἵὁὀtἷxtὁΝἶialὰgiἵὁΝiἶἷalΝἵaἶaΝἶialὁgaἶὁὄΝaὂὄἷὅἷὀta-se como portador de uma verdade sua na qual acredita e que defende com argumentos loacutegicos contra a tese do outro participante do diaacutelogo Natildeo haacute portanto no iniacutecio uma verdade jaacute dada com a qual se medir mas haacute mais do que uma verdade e elas se enfrentam num plano por assim dizer de paridade Soacute no final se obteraacute (se obtiver) um acordo entre as teses contrapostas e se estabeleceraacute qual eacute o discurso verdadeiro que poderaacute ser de um ou do outro dialogador ou poderaacute ser tambeacutem uma terceira tese encontrada e justificada no interior do diaacutelogo vivo que se desenvolveu entre eles como eacute o caso precisamente do FilebordquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1ἆἄ)έ 120 ἠaὅΝ ἴἷlaὅΝ ὂalavὄaὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautμΝ ldquoἓὀtatildeὁΝ ἷlἷΝ [sic Protarco] a isto a vida a alegria de viver se encontraraacute submetida e subordinada ao conhecimento agrave dialeacutetica e agrave vontade de verdade Eros contra ἷὄὁὅμΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὧΝmἷὀὁὅΝtἷὄὄiacutevἷlΝὃuἷΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ἀί1ἅΝὂέΝἀἄἃ-266)
94 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
conjuntamente e esse discurso soacute se torna mais estaacutevel por intermeacutedio do acordo
(CASERTANO 2010 p 188)121 Eacute sob essa carateriacutestica que aqui podemos chamaacute-la
sineacutergica122 que se funda o diaacutelogo e que dista da pura disputa eriacutestica como nos mostraraacute
Soacutecrates mais adiante no diaacutelogo (15a-16b)
Fica claro a partir daqui a restriccedilatildeo de Soacutecrates feita ao debate que se dirige agora
ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὀatildeὁΝaΝldquotὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅrdquoΝ(ἶἷὀtὄἷΝἷlἷὅΝaὀimaiὅ plantas) mas agrave vida humana
tatildeo somente A pergunta ὅἷΝἵaὄaἵtἷὄiὐaΝὂὁὄΝ tἷὀtaὄΝ iὀἶiἵaὄΝὁΝldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ( ιδθ)ΝἷΝaΝldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
( δΪγ δθ) da alma (ουξ μ)ΝὃuἷΝὅἷὄὠΝἵaὂaὐΝἶἷΝὂὄὁὂὁὄἵiὁὀaὄΝaὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoΝ(ίέκθ
αέηκθα) Basta lembrar que o homem eacute o ser que participa da inteligecircncia que reside na
alma Este eacute um primeiro aspecto a ser considerado123
Um segundo aspecto importante eacute evitar conflitos inuacuteteis visto que a discussatildeo sobre
o bem jaacute teria gerado impasses em outros momentos Basta relembrarmos a discussatildeo da
Repuacuteblica (aqui jaacute citada) em que nem mesmo a inteligecircncia nem mesmo o prazer possuem
os requisitos necessaacuterios para serem tidos como o bem (R VII 505b6) Esse bem agora deve
ser uma outra coisa124 como jaacute nos adianta Soacutecrates (11d11) e que ficaraacute mais claro do que
ὅἷΝ tὄataΝ ἷὅὅaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ὀὁΝ ἶἷἵὁὄὄἷὄΝ ἶaΝ aὄgumἷὀtaὦatildeὁ125 Poreacutem natildeo haacute outros
concorrentes aleacutem da inteligecircncia e do prazer Se natildeo haacute como afirmarmos com veemecircncia o
ὃuἷΝὅἷjaΝὁΝἴἷmΝὃuἷΝὂἷlὁΝmἷὀὁὅΝὂὁὅὅamὁὅΝἶiὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝaΝldquoViἶaΝἴὁardquoΝἷΝὁΝὃuἷΝfaὐΝ
com que ela seja portadora desse qualificativo ou seja o que a torna uma vida realmente
boa Natildeo se trata entretanto de eliminar ou derrotar os dois discursos mas de colocar ambos
me perspectiva analisaacuteveis sob o domiacutenio do ζ ΰκμ126
121 ldquoἑὁmὁΝὅἷΝvecircΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἵaὄaἵtἷὄἷὅΝἶὁΝἶialὁgaὄΝὅὁἵὄὠtiἵὁ-platocircnico tal como foram estabelecidos nos ἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝndash a coragem do exame a refutaccedilatildeo que tem como fim natildeo a vitoacuteria eriacutestica mas uma investigaccedilatildeo em comum a concoacuterdia que torna estaacutevel o resultado concordado ndash satildeo tambeacutem aqui no Platatildeo maduro plenamente confirmados A verdade e natildeo a φδζκθδεέα constitui sempre o horizonte e o fim do diaacutelogὁrdquoΝ(ἑἏἥἓἤἦἏἠἡΝἀί1ίΝὂέΝ1ἆἆ)έ 122 ldquoἡΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ umΝ ἵὁmἴatἷΝ maὅΝ umaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaΝ ἴuὅἵaΝ ἷmΝ ἵὁmumΝ viὅaὀἶὁΝexaminar o problema em-ὅiΝἷΝaΝἵὁὀὅtὄuiὄΝumaΝὂὁὅiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἄΝὂέΝἁλ)έ 123 ldquoἏΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ὅἷΝ iὀiἵiaΝ ἷmΝ umΝ ὀiacutevἷlΝ ὃuἷΝ ὂὄἷὅὅuὂὴἷὅΝ aΝ lὁἵaliὐaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ἴἷmΝ ὀaΝ almardquoΝ(DELCOMMINETTE 2006 p 37) 124 Σ δμΝελ έ πθΝ κτ πθΝφαθ (11d11) 125 Notomi (2010) relembra essa mesma perspectiva presente tambeacutem no Sofista (250b7-ἶἂ)μΝldquoIὅὅὁΝὀὁὅΝlembra um argumento semelhante no sofista A investigaccedilatildeo direta sobre o ser fica presa Tanto o movimento como o resto satildeo mas ser natildeo eacute movimento nem descanso devemos procurar uma tἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅaΝaὁΝlaἶὁΝἶὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ὂέΝἅἆ)έ 126 ldquoἥἷΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ἶaὄΝ umaΝ ὄἷὅὂὁὅtaΝ ἶiὄἷtaΝ ὡΝ ὂἷὄguὀtaΝ aὀtἷὄiὁὄΝ ὃual dos dois eacute o bem inteligecircncia ou prazer podemos examinar em vez disso qual eacute a boa vida e aleacutem disso o que faz a vida boa em relaccedilatildeo aos dois Ao mudar as questotildees o inqueacuterito aborda o mesmo problema de forma diferente Apesar do fracasso do diaacutelogo entre Filebo e Soacutecrates os seus dois candidatos natildeo devem ser demitidos nenhuma afirmaccedilatildeo positiva seraacute concluiacuteda sobre o bem se ambos os candidatos forem simplesmente jogados fora Por outro lado a nova questatildeo permite Protarco e Soacutecrates examinarem ὁὀἶἷΝἵaἶaΝumΝἷὅtὠΝlὁἵaliὐaἶὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmrdquoΝ(ἠἡἦἡεIΝἀί1ίΝὂέΝἅἆ)έ
95 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
εaὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὀἷὅὅἷΝ ἵὁὀtἷxtὁΝ ὅἷὄiaΝ ἷὅὅἷΝ ldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ ἷΝ ἷὅὅaΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquo127 citadas por
Soacutecrates Parece claro que natildeo podemos tomar os dois termos como sinocircnimos nem reduzi-
lὁὅΝ ὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝ aΝ tἷὄmὁὅΝ tὄaἶuὐiacutevἷiὅΝ ὂὁὄΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquoέΝ ἓιδθΝ ἶἷὀὁtaὄiaΝ umΝ ἷὅtaἶὁΝ umaΝ
maneira de ser em sentido estrito (falsoverdadeiro) enquanto δΪγ δθ diz respeito muito
mais a uma consequecircncia a um resultado128 A alma natildeo eacute o termo significativo mas sim a
felicidade129 natildeo importa tanto mais a rejeiccedilatildeo de que a felicidade consista na posse de bens
exteriores como a sauacutede a riqueza a beleza que para ambos interlocutores satildeo meios mas
natildeo fins130 Como atesta Gadamer (1983)
Assim a questatildeo do bem na vida humana jaacute possui uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e assim oferece agrave investigaccedilatildeo uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) ou tambeacutem uma certa atitude ( ιδμ)ΝἶaΝalmaΝὃuἷΝὂὁὅὅaΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅέΝἡΝbem eacute portanto concebido antecipadamente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Natildeo eacute como o crecirc espontaneamente o senso comum algo que o hὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(ἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝvulgaὄΝἶἷΝ ΰαγσθ) mas uma modalidade de seu ser Porque o homem eacute precisamente sua alma A questatildeo se apresenta a partir de entatildeo nesses termos qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de tὄaὐἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoςΝἏΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ( αδηκθ) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado desse bem ao qual o homem aspira (no sentido onde por exemplo se possuiria uma alternativa entre a felicidade e
127 O sentido aqui eacute mais proacuteximo daquele de 64c7 da disposiccedilatildeo que resulta da mistura bem constituiacuteda e natildeo ao significado proveniente do uso deliberado de ambos os termos mais adiante (como se pode notar em 32e3-9 48a8 42c2 49e3) 128 ἒixὅautΝaὁΝὀὁὅΝἶiὐἷὄΝὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ lἷmἴὄaΝἓὅὂἷuὅiὂὁΝὃuἷΝafiὄmavaΝὃuἷΝaΝ fἷliἵiἶaἶἷΝὧΝ ldquoumΝἷὅtaἶὁΝacabado inerente a todos os seres naturais ( ιδθ θαδ ζ έαθ θ κῖμ εα φ δθ θκυ δθ) ou a posse ἶὁὅΝἴἷὀὅrdquoΝ( ιδμ θ ΰαγ θ) (2017 p 266) 129 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ lἷmἴὄaΝ ἐὁὅὅiΝ (ἀίίἆ)μΝ ldquoἤἷἵὁὄἶἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ὁΝ aἶjἷtivὁΝ eudaimonia natildeo se aplica simplesmente a um sentimento subjetivo de satisfaccedilatildeo senatildeo a um estado objetivo harmonioso ou saudaacutevel da alma A palavra eudaimonia eacute composta de um prefixo eu (ὃuἷΝὅigὀifiἵaΝldquoἴὁmrdquo)ΝἷΝἶaΝὂalavὄaΝdaimon (divindade intermediaacuteria entre os deuses e heroacuteis) que pode ser benigna ou maligna Em geral designa a boa parte ou lote que a cada um atribui o seu daimon De modo que o conceito de eudaimonia estaacute de algum modo relacionado com o prazer porque ambos supotildeem sentimentos subjetivos agradaacuteveis poreacutem enquanto o prazer encontra-se mais relacionado agrave sensibilidade a eudaimonia em Platatildeo se relaciona com uma certa satisfaccedilatildeo da vida como um todo que corresponde a um estado ὁὄἶἷὀaἶὁΝὅauἶὠvἷlΝὁuΝhaὄmὁὀiὁὅὁΝἶaΝalmardquoΝ(ὂέΝἀἀλ)έ 130 Como afirma Delcomminette (2006) o bem natildeo eacute identificado com a felicidade mas agrave causa da felicidade O bem eacute portanto essa posse que torna a vida feliz e inversamente a felicidade eacute a posse do bem Observemos que essa correlaccedilatildeo entre o bem e a felicidade ainda natildeo determina nada sobre o conteuacutedo do bem porque a felicidade tambeacutem eacute tatildeo indeterminada quanto ele nesse momento Por outro lado embora ela natildeo seja uma identificaccedilatildeo ela nos autoriza a estabelecer num primeiro momento nossa busca pelo bem na busca pela felicidade jaacute desejar o bem eacute querer que ele nos pertenccedila isto eacute desejar ser feliz (Cf Banquete 204e 205a4) Veremos no entanto que essa coincidecircncia entre desejo do bem e desejo da felicidade soacute poderaacute ser mantida ateacute um certo ponto com efeito a felicidade soacute seraacute acessiacutevel sob a condiccedilatildeo de deixar de desejar-se a si proacutepria em si mἷὅmaΝἷΝἶἷΝtἷὀἶἷὄΝὂaὄaΝὁΝἴἷmΝldquoἷm-ὅirdquoέΝἠὁΝἷὀtaὀto mesmo essa superaccedilatildeo da felicidade como objeto do desejo seraacute baseada na busca pela felicidade que pode portanto servir de guia preliminar (p 36-37)
96 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
a virtude) mas retoma em geral ao mais alto grau do humanamente ἶἷὅἷjὠvἷlΝὀἷὅtἷΝἷὅtaἶὁΝὀὁΝὃualΝὀaἶaΝmaiὅΝldquoἶἷixaὄiaΝaΝἶἷὅἷjaὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἄἄ)έ
Eacute interessante verificar que o termo αδηκθέα natildeo eacute recorrente no diaacutelogo soacute
constatamos sua presenccedila no diaacutelogo duas vezes no trecho que anteriormente destacamos
de 11d6 e em 14b7131 no qual Soacutecrates estaacute criticando os intemperantes que satildeo tomados
ὂὁὄΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquolὁuἵuὄardquo132 proporcionada pelos prazeres do corpo acreditando serem
ὁὅΝhὁmἷὀὅΝldquomaiὅΝfἷliὐἷὅrdquoΝ( αδηκθΫ α κθ) do mundo Creio que haacute razotildees para a ausecircncia
do termo prazer e inteligecircncia encontram-se subordinados agravequilo que natildeo eacute propriamente um
conteuacutedo uacuteltimo (feliἵiἶaἶἷ)Ν maὅΝ ἵὁmὁΝ amἴὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄΝ (gὁὐὁ)Ν ἷΝ ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrdquoΝ ὂὁἶἷmΝ ἷΝ
ἶἷvἷmΝἵὁὀtὄiἴuiὄΝὂaὄaΝὃuἷΝumaΝviἶaΝὂὁὅὅaΝὅἷΝtὁὄὀaὄΝumaΝviἶaΝfἷliὐΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἢὄaὐἷὄΝἷΝ
pensamento estariam deste modo subordinados agravequilo que constitui a felicidade e que natildeo eacute
um conteuacutedo formal mas o problema geral da proacutepria vida humana Esse estado e disposiccedilatildeo
ldquofἷliὐἷὅΝἵὁὀὅtituἷmΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝfὁὄmalΝumaΝldquotἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅardquoΝ
( λ κπ ζζκΝ 1ἂἴἂ)Ν ὁuΝ ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ tὁὄὀaὄὠΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ gὄaὦaὅΝ aΝ umΝ ldquoὅὁὀhὁrdquoΝ ἶἷΝ
SὰἵὄatἷὅΝὅὁmἷὀtἷΝἷmΝἀίἴἄΝὀὁΝὃualΝὂὄaὐἷὄΝἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὂaὅὅaὄatildeὁΝaΝἶiὅὂutaὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝ
precircmio Passamos portanto do modo de vida de todos os seres para aquele em que podemos
escolher o que faz do prazer natildeo o uacutenico bem comum a todos os eres vivos mas apenas
preferecircncia de alguns seres
Como bem nos explica Dixsaut (2017) a felicidade
() eacute esse contentamento contiacutenuo esse khairein que traz certa maneira de viver mas que natildeo se confunde com ela e que soacute eacute distinto do que chamamos prazer por sua unidade e continuidade Para dizer como Kant ser feliz eacute necessariamente o desejo de ser todo acabado ou seja sensiacutevel e para ser um ser sensiacutevel dotado de uma faculdade de prazer e de pena a consciecircncia ὃuἷΝἷlἷΝtἷmΝldquoἶὁΝaἵὁὄἶὁΝἶaΝviἶaΝὃuἷΝaἵὁmὂaὀhaΝὅem interrupccedilatildeo toda a sua ἷxiὅtecircὀἵiaΝὧΝaΝfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ(έέέ) Todo ser vivo deseja o prazer eacute mesmo isso que a maioria dos homens chamam de bem e ningueacutem diz o Soacutecrates do Filebo aceitaria uma vida sem prazer Reconhececirc-lo me parece natildeo eacute enunciar uma tese eudemonista eacute constatar que para um ser vivo a felicidade consiste em gozar a vida Platatildeo nunca contesta isso mas se pergunta qual forma deve tomar a vida para que possamos dela gozar justamente (p 282-283)
O diaacutelogo prossegue e o questionamento eacute sobre a possibilidade de regular uma vida
unicamente pela busca de um ou outro (prazer ou inteligecircncia) Ou seja qual modo de vida
se deve escolher Devemos fazer do prazer o uacutenico bem da vida (natildeo mais de todos os
131 Agradeccedilo ao Prof Fernando Mendonccedila por ter me chamado atenccedilatildeo sobre o breve nuacutemero de ocorrecircncias desse termo no diaacutelogo o que me levou a pensar que por natildeo ser um termo recorrente Platatildeo pudesse ter um propoacutesito maior no diaacutelogo em questatildeo e que o sentido de felicidade aqui tratado estaria distante do que Aristoacuteteles por exemplo concebe como felicidade na sua Eacutetica a Nicocircmaco 132 Sobre os significados que esse termo adquire no diaacutelogo falarei mais adiante
97 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
viventes) mas apenas preferecircncia de alguns e soacute assim os dois modelos de vida podem ser
confrontados por meio da dialeacutetica a partir do momento em que as duas afirmaccedilotildees
encontram-se em poacutelos opostos agora sim sob forma de teses que se excluem mutuamente
ambas demonstradas como insuficenteὅέΝΝἢὄὁὂὴἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoὂaὄaΝvὰὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
de ter prazer ( κ ξαέλ δθ) e para noacutes a de pensar ( κ φλκθ ῖθ)ςrdquoΝ(11ἶἆ-9)
Filebo entatildeo recusa a disputa mesmo que agora a tese atribuiacuteda a Protarco
demonstre-se vencedora isto eacute mesmo se ao longo da discussatildeo essa vida se evidenciar
como a disposiccedilatildeo superior (o que jaacute se pode entrever que natildeo ocorreraacute pela possibilidade de
uma terceira coisa) transferindo-a aos cuidados de Protarco De tal modo aquele interlocutor
jaacute natildeo possui autoridade alguma agora sobre a concordacircncia ( ηκζκΰέαμ) ou natildeo entre
Soacutecrates e o proacuteprio Protarco (12a9-11) A atitude de Filebo eacute deste modo correta se
purificar ( φκ δκ ηαδ) e invocar o testemunho (ηαλ τλκηαδ da proacutepria deusa (α π θ γ σθ)
(12b1-2) A pergunta importante que ecoa das linhas do Goacutergias (π μ ίδπ Ϋκθ 492d 500c4)
deveria agora ser tomada em sua questatildeo fundamental e assegurar assim como afirma o
discurso de Filebo aquilo que a realidade atesta o prazer de gozar o imediato da vida o
proacuteprio ξαέλ δθ essa exigecircncia profundamente humana da felicidade Jaacute natildeo restam mais
altἷὄὀativaὅΝὀἷmΝaΝmὁὄalΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷmΝaΝjuὅtiὦaΝaὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὀaΝldquoὅὧὄiaΝ
ὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ (ὅὁἴὄἷΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ ἶἷvἷΝ vivἷὄ)Ν ἶὁΝ Goacutergias Se pensamento e inteligecircncia satildeo
ingredientes melhores em uma dada maneira de viver se satildeo os objetos preferiacuteveis a qualquer
outra coisa por que natildeo analisaacute-los tout et court Natildeo o que se vecirc mais adiante eacute o
desmembramento a pluralizaccedilatildeo o exame baseado numa vontade de verdade Mas
Soacutecrates pelo contraacuterio natildeo deixa de perseguir o prazer sobre essa essecircncia de uma verdade
tatildeo sobre-humana a todo custo mas Soacutecrates ainda pretende dar asas ao pensamento alccedilar
vocirco teme que suas asas possam ser cortadas (DIXSAUT 2017 p 268)
O pensamento como explica Dixsaut (2017) soacute se exerce agrave medida que estamos
ldquomὁὄtὁὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝldquoἵὁmὁΝὅἷΝἶἷvἷΝvivἷὄrdquoΝὀatildeὁΝὧΝmaiὅΝumΝὂὄὁἴlἷmaΝἵὁmΝὁΝὃualΝ
devemos lidar (p 268) O Filebo vai mais a fundo e retomaconfirmando o Feacutedon o
pensamento apresentado no Filebo natildeo eacute o que estaacute em jogo realmente133 haacute um outro que
se encontra na profundidade do diaacutelogo ele eacute extremamente poderoso mas no caso da
composiccedilatildeo eacute mais prudente optar pela vida boa que eacute justamente aquela misturada Por
enquanto isso basta para a nossa reflexatildeo cremos que no decorrer da argumentaccedilatildeo ficaratildeo
maiὅΝ ἵlaὄὁὅΝ taὀtὁΝ ὁὅΝ ὂὄὁὂὰὅitὁὅΝ maiὅΝ ἷviἶἷὀtἷὅΝ ἶὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὃuaὀtὁΝ ὁΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὅΝ
aὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝtalΝὄἷflἷxatildeὁέΝἑὁὀtiὀuἷmὁὅΝὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝὂὁὄΝhὁὄaΝἶaὀἶὁΝὅἷὃuecircὀἵia
agrave intepretaccedilatildeo das demais partes do diaacutelogo em questatildeoComo nada absolutamente nada
133 Dixsaut ainda diz que em nenhum dos diaacutelogos esse pensamento demonstraria tanto o seu poder (Cf DIXSAUT 2017 p 268)
98 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
nos diaacutelogos eacute desprovido de significado temos aqui mais um exemplo que exige atenccedilatildeo
ἶἷliἵaἶaέΝἏὅὅimΝὂaὄἷἵἷΝaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝἶἷuὅaΝ(lsquo φλκ έ βθ)μΝldquoὅimΝἶἷvἷmὁὅΝtἷὀtaὄΝἵomeccedilando
ἵὁmΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅaΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐΝὅἷΝἵhamaὄΝἏfὄὁἶitἷΝmaὅΝἵujὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὀὁmἷΝὧΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ
(12b7-9)134
εaiὅΝaἶiaὀtἷΝ(1ἀἵ1)ΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷtὁmaΝὁΝmἷὅmὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷuΝldquotἷmὁὄrdquoΝ
em relaccedilatildeo ao nome dos deuses135 e agora em relaccedilatildeo a Afrodite conveacutem chamaacute-la do nome
ldquoὃuἷΝmaiὅΝlhἷΝagὄaἶardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝalἷὄtaΝὡΝἢὄὁtaὄἵὁΝὁὅΝὂἷὄigὁὅΝὀὁὅΝὃuaiὅΝἷlἷΝ
proacuteprio (Soacutecrates) incorre ao tentar examinar a natureza da deusa Eacute preciso como diz
ἥὰἵὄatἷὅΝldquoἴἷmΝἷxamiὀaὄrdquoΝldquoὄἷflἷtiὄΝἴἷmrdquoΝ(1ἀἵἃ)έΝἏΝὀatuὄἷὐaΝ(φτ δθ ξ δ) do prazer eacute complexa
(πκδεέζκθ) (12c5-6) Embora quando escutamos ( εκτ δθ)136 ldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝaὁΝὁuviἶὁΝἷlἷΝὂaὄἷἵἷΝ
simples ( πζκμ) algo uacutenico ( θ δ) mas eacute algo complexo (πκδεέζκθ) e certamente assume
todo o tipo de formas (ηκλφ μ άπκυ παθ κέαμ ζβφ ) que satildeo dessemelhantes
( θκηκέκυμ) umas agraves outras ( δθα λσπκθ θκηκέκυμ ζζάζαδμ) (12c6-8)
O que podemos notar na passagem eacute que Soacutecrates parece fazer ressoar o preceito
dos demais diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave divindade pois basta retomarmos a Repuacuteblica (380dss)
ἏὁΝἶiὐἷὄΝaΝὂalavὄaΝldquoἶἷuὅrdquoΝὅἷguὀἶὁΝaΝὂὄὰὂὄiaΝtἷὁlὁgiaΝἷxὂὄἷὅὅaΝὀaὃuἷlἷΝἶiὠlὁgὁΝἶἷὅigὀamὁὅΝ
um ser privilegiado de natureza uacutenica desprovido de qualquer multiplicidade Mas quando
se trata do prazer lidamos com algo muacuteltiplo e variado Agora Platatildeo faria Soacutecrates falar de
um respeito ainda mais enigmaacutetico como nos diz Friedlaumlnder (2014 p 1054) Se logo apoacutes
isso o discurso se desenvolve em torno da natureza do prazer de sua essecircncia muacuteltipla por
conseguinte nada ele teria de divino Nesse caso como explicar essa conclusatildeo negativa E
hὠΝaiὀἶaΝmaiὅΝumaΝἵὁiὅaΝaΝὅἷὄΝἶitaΝaΝfiguὄaΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝὄἷtὁὄὀaΝὡΝἵἷὀaΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷmΝἀἄἵΝ
agora como doadora da ordem como aquilo que daacute limite a todas as coisas Portanto como
se pode notar natildeo se trata apenas de um ornamento moral ou retoacuterico quando o que estaacute em
ὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaέΝἏΝὂaὄtiὄΝἶaiacuteΝὅuὄgἷmΝalgumaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝ
importantes (i) Qual o sentido da alteraccedilatildeo de Soacutecrates do nome da deusa (ii) Haacute duas
frodites ou dois significados que podemos atribuir agrave proacutepria deusa (iii) Filebo realmente se
ἷὃuivὁἵaΝὃuaὀtὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquoὅuardquoΝἶἷuὅaς
Eacute necessaacuterio em um primeiro momento que lembremos a forma ambiacutegua como Platatildeo
retrata a relaccedilatildeo entre Soacutecrates e os deuses convencionais fato notaacutevel nos diaacutelogos137 Mas
134 ldquoΩ Π δλα Ϋκθ πrsquoΝα μ μ γ κ θ Ἀφλκ έ βθ η θ ζΫΰ γαέ φβ δ rsquoΝ ζβγΫ α κθ α μ θκηα lsquoΗ κθάθ ῑθαδrdquoΝ(1ἀἴἅ-9) 135 Basta tomarmos alguns diaacutelogos Cra 400dss Euthph 12ass R II 380dss Phdr 273 c8ndash9 Ti 28 b3ndash4) 136 Bravo nos diz que para os gregos os prazeres do ouvido relacionados ao canto aos belos discursos satildeo tambeacutem tidos como prazeres de alta estima assim como o do paladar e dos demais sentidos Pra uma semacircntica e fisiologia dos prazeres mais detalhada (BRAVO 2009 p 13 14 33 81 etc) 137 Ver Euthphr 6b-c Ap 26b-c Phd118a Phdr 229css
99 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
se podemos fazer uma afirmaccedilatildeo geneacuterica ao mesmo tempo e em certo sentido precisa o
uso que Platatildeo faz da religiatildeo ou melhor a compreensatildeo que ele empresta ao religioso
manifesto pelas referecircncias ainda constantes agrave mitologia natildeo eacute o mesmo sentido atribuiacutedo
pela tradiccedilatildeo Poreacutem Platatildeo manteacutem a linguagem miacutetica e natildeo vecirc outro meio de expor esse
novo sentido a natildeo ser utilizando essa proacutepria linguagem como instrumento para exposiccedilatildeo
ἶἷὅὅἷΝὀὁvὁΝmὁἶὁΝἶἷΝvἷὄΝaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝὄἷligiὁὅaὅέΝἡΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝumaΝὅuὂὁὅtaΝldquoὁὂὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝ
uma forma ou outra capaz de expor um conteuacutedo de maneira mais eficaz mas aproveitar
esquemas de pensamento que configuram visotildees de mundo reconfigurando seus significados
para alteraacute-las profundamente138
Eacute preciso lembrar como foi dito anteriormente acerca do ζσΰκμ de Filebo que eacute
apenas aquele da afirmaccedilatildeo que natildeo contesta apenas constata que o prazer eacute bom para
todos se seres vivos Ao abandonar a questatildeo e atribuir a tarefa de dialogador a Protarco ele
(Filebo) natildeo deseja submeter seu discurso agrave apreciaccedilatildeo dialeacuteticaέΝἓΝὂaὄaΝtalΝiὀvὁἵaΝaΝldquoὂὄὰὂὄiaΝ
ἶἷuὅardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἷviἶἷὀἵiamὁὅΝὀatildeὁΝhὠΝὅἷὃuἷὄΝalgumaΝἵὁὀἶἷὀaὦatildeὁΝὁuΝἵἷὀὅuὄaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ
a essa invocaccedilatildeo Muito pelo contraacuterio o proacuteprio temor divino eacute correto louvar a deusa exaltaacute-
la e eacute isso que deseja Filebo ao afirmar a proacutepria agradabilidade do que consiste na natureza
do bom (natildeo do bem) Ao submeter-se ao dialogar eacute necessaacuterio falar mas Soacutecrates faz uso
ἶaΝ ἷxaltaὦatildeὁΝ ἷΝ ἶaΝ glὁὄifiἵaὦatildeὁΝ ἵὁmὁΝ ἷlἷΝ mἷὅmὁΝ ἶiὐΝ aὂἷὀaὅΝ ὂὁὄΝ ldquogὄaἵἷjὁrdquoΝ ὂὁὄΝ ldquoiὄὁὀiardquoΝ
( ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ α 28c) isto eacute natildeo para afirmar exprimir celebrar mas
para falar aquilo que eacute verdadeiramente Ele (Soacutecrates) eacute quem pode incorrer em impiedade
ndash e por isso eacute tomado de temor ndash se ousar exaltar a deusa deste modo Por mais simples e
oacutebvia que possa parecer a afirmaccedilatildeo de Filebo ela eacute de suma importacircncia
O temor socraacutetico em relaccedilatildeo aos deuses eacute mantido (isso explicaria nome de outra
deusa Η κθ θ) A natureza dos deuses eacute uacutenica e Soacutecrates natildeo renega o preceito da
RepuacuteblicaΝὂὁὄὧmΝὁΝὃuἷΝἷὅtὠΝἷmΝjὁgὁΝὧΝἷὅὅaΝldquoὀὁvaΝὄἷlaὦatildeὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁΝἶiviὀὁΝἷΝhumaὀὁΝἶὁΝὃualΝ
ele (Soacutecrates) eacute o proacuteprio exemplo isto eacute a relaccedilatildeo entre o filoacutesofo e o divino que incide
sobre o proacuteprio deus Por um lado o proacuteprio Deus afirma a sabedoria de Soacutecrates mas por
outro diz que sua sabedoria assenta-ὅἷΝ juὅtamἷὀtἷΝ ὀumΝ ldquoὅaἴἷὄΝ ἶὁΝ ὀaἶaΝ ὅaἴἷὄrdquoέΝ EacuteΝ
138 Neste sentido satildeo notaacuteveis as contribuiccedilotildees de Bolzani (2008) ao analisar o que ele denomina como ldquotὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἷΝ ldquoaὀti-tὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁέΝ ἠὁΝ ὅἷuΝ tἷxtὁΝ ἵhama nossa atenccedilatildeo partindo fundamentalmente da Apologia e do Oraacuteculo de Delfos ao procedimento platocircnico de retomar formas discursivas tradicionais para criticar as visotildees de mundo que as fundamentam de modo a defender suas proacuteprias ideias O autor destaca em dado momento essa proacutepria questatildeo levantada no julgamento de Soacutecrates a acusaccedilatildeo de impiedade o que demonstra como o sentido religioso eacute mantido por Soacutecrates poreacutem este reconfigura-se sob uma nova ordem isto eacute os esquemas de pensamentos satildeo mantidos (teologia tradicional) poreacutem a filosofia de Soacutecrates insere-se nesta mesma tradiccedilatildeo para criticaacute-la em vista de uma nova relaccedilatildeo que se busca compreender e levar agrave compreensatildeo entre o humano e o divino Natildeo haacute outro meio de inserir essa nova visatildeo segundo Platatildeo senatildeo por meio do aproveitamento destas mesmas estruturas discursivas para alteraacute-las profundamente
100 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
investigando os pretensos saacutebios que ele proacuteprio (Soacutecrates) toma consciecircncia do oraacuteculo ou
se reconhece a si proacuteprio isto eacute trata-se tambeacutem de uma auto-investigaccedilatildeo O valor desse
saber ao longo do tempo perde esse caraacuteter meramente negativo e confirma a proacutepria
revelaccedilatildeo do oraacuteculo pois natildeo somente os pretensos saacutebios foram submetidos ao crivo da
investigaccedilatildeo mas tambeacutem o proacuteprio deus eacute questionado nessa revelaccedilatildeo Ora isso soacute eacute
possiacutevel a partir do momento em que uma nova relaccedilatildeo entre o divino e o humano eacute pensada
Eacute Soacutecrates que natildeo pode (ainda) conclamar todo o sentido presente na figura de
Afrodite Isto porque o discurso de Filebo natildeo eacute o discurso de Protarco ele natildeo eacute uma tese
ὂὁὄΝiὅὅὁΝiὀtἷὄἷὅὅaΝὡΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀvὁἵaὄΝaΝldquoἶἷὅἵἷὀἶecircὀἵiardquo139 (muacuteltipla) da deusa (uacutenica) e natildeo
aὂἷὀaὅΝ aΝ ldquoἶἷuὅardquoΝ ἷmΝ ὅiΝ ήὀiἵaΝ ὃuἷΝ ἔilἷἴὁΝ ἷxaltaέΝ ἏΝ ἵὁὄὄἷlaὦatildeὁΝ ἵὁmΝ aΝ ὅἷὃuecircὀἵiaΝ ἶaΝ
argumentaccedilatildeo eacute imediata o prazer seraacute analisado em suaὅΝ ldquoἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὅἷὄὠΝ
ἶἷὅmἷmἴὄaἶὁΝ ἷmΝὅuaΝ ldquouὀiἶaἶἷrdquoΝ ὂluὄaliὐaἶὁΝ ἵὁlὁἵaἶὁΝ ἷmΝἷxamἷΝὅuἴmἷtiἶὁΝ ὡΝ ἷxigecircὀἵiaΝ
ὅὁἵὄὠtiἵaΝldquoὅὁἴὄἷΝhumaὀardquoΝ(ὁuΝἶἷὅumaὀa)ΝἶaΝvἷὄἶaἶἷΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἄἆ)έΝ
Ora esse fato atesta ainda mais que o diaacutelogo eacute muito mais rico do que o debate
escoliasta entre hedonismo e anti-hedonismo Dixsaut (1999) nos lembra o caraacuteter simeacutetrico
do diaacutelogo por um lado nos remete a textos claacutessicos muito proacuteximos ao que afirma Filebo
como o fragmento 1 de Mimnermo140μΝldquoὃuἷΝvalὁὄΝtἷὄiaΝaΝviἶaΝἷ que alegria permaneceria sem
aΝἏfὄὁἶitἷΝὠuὄἷaέέέrdquoΝtamἴὧmΝaΝmaiὅΝἴἷlaΝΝἶaὅΝviἶaὅΝἶἷὅἵὄitaΝὀaΝOdisseia por Homero141 citada
por Platatildeo na Repuacuteblica142 e o julgamento de Paacuteris simplificado por Soacutefocles (ελέ δμ) no qual
Paacuteris eacute posto como aacuterbitro ndash tarefa a ele atribuiacuteda por Zeus ndash para escolher entre Athena e
Afrodite143 Por outro lado evidencia descriccedilatildeo platocircnica da Repuacuteblica144 manifestada na
indignaccedilatildeo de Adimanto ao ver a forma como os homens concebem o prazer como um
139 Um dos atributos de Afrodite eacute ser protetora do Prazer principalmente do prazer eroacutetico mas natildeo apenas deste Haacute outros sentidos que evocam a deusa Afrodite como beleza sauacutede ordem dentre outros Mais adiante falo sobre como Platatildeo iraacute jogar com esses vaacuterios sentidos que os homens ὀὁmἷiamΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoέΝἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἵfέΝἐἡἥἥIΝ(ἀίίἆΝὂέΝἀἁἅ)έ 140 Que vida que prazer sem a aacuteurea Afrodite Que eu morra quando isto natildeo me interessar mais amor secreto e doces dons e leito ndash tais satildeo da juventude as flores atraentes a homens e mulheres Mas quando chega a dolorosa 5 velhice que faz similarmente vil e feio o homem sempre em torno de seu peito ansiedades vis se enredam e olhando a luz do sol ele natildeo se deleita mas eacute detestaacutevel aos meninos e desonrado agraves mulheres aὅὅimΝὄἷὂugὀaὀtἷΝὁΝἶἷuὅΝἶiὅὂὲὅΝaΝvἷlhiἵἷhellipΝ(Mimn Fr1) Utilizo a traduccedilatildeo de Ragusa (2008 p 52-70) 141 Hom Od 9 9-11 142 R III 390a-b 143 Hom Il 2 24 25ndash30 144 R II 363c-d
101 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
banquete eterno uma embriaguez constante assim como o caraacuteter de degradaccedilatildeo moral
instaurado pelo uso desenfreado dos prazeres a ponto de culminarmos no livro XI145 da
mesma obra com uma existecircncia humana tatildeo pouco humana mais proacutexima do niacutevel
animalesco A reflexatildeo sobre a vida boa natildeo consiste unicamente num julgamento moral
puramente hedonista mas eacute como nos diz a autora uma questatildeo de gosto refinada diferente
de um julgamento teoacuterico e anti-hedonista146 (p 12)
No discurso de Filebo subjaz o carpe diem147 ele traduz o mesmo sentimento
apresentado na elegia do poeta grego e esse prazer eacute um prazer eroacutetico A patrona de Filebo
eacute sem duacutevida aquela do desejo irrefreaacutevel do gozo da seduccedilatildeo dos amores Mas uma
leitura dessa invocaccedilatildeo divina (como teria feito Frede (1993) e Hackforth (1945)) nos faria
talvez supor algumas contradiccedilotildees nesse proacuteprio ato piedoso Soacutecrates natildeo rejeita ou mesmo
145 R IX 586a-b 146 Torres Morales (2016) vai na mesma direccedilatildeo de Dixsaut ao fazer um levantamento consideraacutevel sobre a presenccedila da poesia homeacuterica em algumas das principais passagens do Filebo sobretudo em se tratando das divindades miacuteticas ali representadas Cito na iacutentegra suas consideraccedilotildees sobre a ὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὀὁΝἶiὠlὁgὁμΝldquoἏΝiὀtἷὀὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁΝiὀiacuteἵiὁΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝaὀtἷὄiὁὄΝaΝἶἷΝἔilἷἴὁΝἷΝaΝde Protarco seraacute privar o prazer de sua vontade divina (de sua identificaccedilatildeo com Afrodite) para analisaacute-lo como uma unidade que surge principalmente como uma experiecircncia humana Nesse sentido um ἶὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀaΝὂὄimἷiὄaΝὂaὄtἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅἷὄὠΝἶἷὅmitifiἵaὄΝὁuΝlsquoἶἷὅ-ἶiviὀiὐaὄrsquoΝὁΝprazer Isso apenas significa que em toda a sua pesquisa o prazer natildeo pode ser mostrado como um elemento conectado com alguma ordem transcendente de fato no fim de sua anaacutelise o prazer seraacute identificado com π έλπθΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝὅἷmΝfὁὄmaΝἷΝὅἷmὂὄἷΝἷmΝmuἶaὀὦaΝἷlἷmἷὀtὁΝἷὅὅἷὀἵialΝἶaΝordem coacutesmica (ver Filebo 31a6-9 53css) Como acontece frequentemente o exame platocircnico conecta - na cena dramaacutetica do diaacutelogo - o humano com o divino e o coacutesmico para alcanccedilar uma compreensatildeo adequada das questotildees tratadas A anaacutelise de Soacutecrates do prazer seraacute desenvolvida e em certo sentido seraacute seguida por Protarco mas Filebo descansaraacute em paz e permaneceraacute quase em silecircncio o tempo todo Ele permaneceraacute ao longo do diaacutelogo como um seguidor piedoso de Afrodite ὂaὄaΝἷlἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝἶiviὀἶaἶἷΝἷΝὁΝ ilimitaἶὁέΝ lsquoἥἷΝὀatildeὁΝfὁὅse de fato por ὀatuὄἷὐaΝ mήltiὂlὁΝ taὀtὁΝ ἷmΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ὃuaὀtὁΝ ἷmΝ iὀtἷὀὅiἶaἶἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄiaΝ tὁtalmἷὀtἷΝ ἴὁmrsquoΝ(Filebo 27e7-10) Filebo fez uma escolha uma escolha pela vida de prazer entendida como uma simples e oacutebvia experiecircncia (sempre maior e natildeo menor com alegria e sem dor) uma vida ilimitada sob os auspiacutecios de Afrodite A proacutepria possibilidade do diaacutelogo eacute construiacuteda sobre o fato de Protarco ainda natildeo ter feito sua escolha definitiva A relevacircncia desse fato e a presenccedila da divindade nele eacute o que permite traccedilar uma equivalecircncia indireta importante entre Homero e Platatildeo Isto eacute a divindade de Afrodite eacute apresentada tanto no diaacutelogo quanto no poema homeacuterico (e claro em outras fontes da tradiccedilatildeo grega) como um confronto um confronto que tem que fazer em ambos os casos com uma escolha () esta escolha no diaacutelogo pode ser um lembrete da escolha ou do julgamento de Paacuteris uma escolha que favoreceu a Afrodite perante de Hera e Atena e que no conto homeacuterico trouxeram os atenienses a terriacutevel guerra terriacutevel contra Troacuteia (Il 24 25-30) De fato tambeacutem no diaacutelogo Afrodite representa a origem do conflito entre os interlocutores Ao longo de toda a sua jornada Soacutecrates precisaraacute persuadir e em certo sentido converter Protarco a fim de mostrar-lhe que a melhor vida natildeo eacute a que Filebo escolheu dedicado aos prazeres ilimitados de Afrodite mas uma vida dedicada a uma ἷxiὅtecircὀἵiaΝalἷgὄἷΝmὁἶἷὄaἶaΝὃuἷΝὄἷἵὁὀhἷἵἷΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝilimitaἶὁΝὀὁΝἵamiὀhὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(ὂέΝἄί-61) 147 Sobre isso encontram-se notaacuteveis explicaccedilotildees no artigo de Ragusa (2008 p 52-70) e em suas traduccedilotildees da poesia arcaica em que se encontram menccedilotildees diretas agrave Afrodite e sua caracterizaccedilatildeo com o desejo com o eroacutetico o sexo e ao viccedilo presente na beleza da juvenil
102 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
se mostra descrente dos poderes e honras pertencentes agrave deusa de Filebo ele a exalta
justamente por conceder testemunho de compreensatildeo de tatildeo poderosa deusa
O medo de cair em blasfecircmia ou impiedade eacute do proacuteprio Soacutecrates que pode ser
assacado pela acusaccedilatildeo de impiedade caso natildeo se compreenda o propoacutesito da sua
ldquoἶἷὅmiὅtifiἵaὦatildeὁrdquoΝἶἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝfiguὄativὁΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝldquoἶἷuὅardquoΝ(ὁuΝὁΝὂὄaὐἷὄ)έΝἒitὁΝde outro
modo ainda natildeo eacute possiacutevel falar do divino e Soacutecrates iraacute se precaver disso pois ele iraacute se
utilizar desse esquema de pensamento (teoloacutegico tradicional) a natildeo ser alterando a proacutepria
concepccedilatildeo (divina) que se possui do prazer e nada melhor do que discuti-lo dentro da
estrutura miacutetica e aqui podemos ressaltar o caraacuteter mimeacutetico no qual tambeacutem se insere toda
a obra platocircnica Eacute digno de nota ressaltar que o π έλπθΝ (gecircὀἷὄὁΝὀὁΝὃualΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὅἷὄὠΝ
inserido) oferece a noacutes leitores um novo caminho para compreendermos nossa existecircncia
intermediaacuteria (entre a animalidade e a divindade) porque o ilimitado ( π έλκθ)ΝὧΝ taὀtὁΝumΝ
elemento da realidade coacutesmica quanto algo presente na alma humana Quando Soacutecrates
coloca o prazer em seu devido lugar na realidade ele oferece um novo sentido agrave divindade
tornando-a aqui muito menos um princiacutepio uma realidade puramente dada transcendente
aceita de forma inconteste (dogmaacutetica) do que um modelo para o homem que deve buscar
alcanccedilar a ordem e a harmonia de sua alma pois disto decorre uma vida boa Do mesmo
modo Soacutecrates joga com os sentidos contidos na figura da proacutepria deusa pois ela natildeo
somente eacute patrona dos mais variados tipos de desejos mas na sua natureza encontra-se a
beleza proveniente da ordem da sauacutede isto eacute da boa constituiccedilatildeo da harmonia capaz de
doar o limite necessaacuterio tanto na ordem do universo quanto na constituiccedilatildeo de uma vida
propriamente humana148
ἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝὁlhaὄΝldquoἵaὄaΝaΝἵaὄardquoΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὄἷtiὄaὄ-lhe momentaneamente o estatuto
aacuteureo ὃuἷΝlhἷΝἷὀἵὁἴὄἷΝmὁὅtὄaὄΝὃuatildeὁΝἶivἷὄὅὁΝὧΝiὅὅὁΝὃuἷΝὀὁmἷamὁὅΝuὀiἵamἷὀtἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝiὅtὁΝ
ὧΝmὁὅtὄaὄΝtὁἶaὅΝaὅΝldquotὁὀaliἶaἶἷὅrdquoΝ(ἷΝὁΝἷxἷmὂlὁΝἶaὅΝἵὁὄἷὅΝὅuὄgἷΝmaiὅΝὡΝfὄἷὀtἷ)ΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἶἷὅἷjὁΝ
de prazer pode assumir Lembremo-nos das distinccedilotildees entre as duas Afrodites do discurso
de Pausacircnias no Banquete Platatildeo natildeo concebe duas deusas nem altera a natureza da deusa
(ao querer chamar Afrodite de Hedoneacute) que continua sendo uacutenica a estrutura eacute a mesma os
significados tambeacutem o satildeo mas tudo depende ao momento dialoacutegico em questatildeo aos
objetivos proacuteprios da discussatildeo em que se encontra em dado momento A compreensatildeo divina
de Soacutecrates eacute ainda mais clara do que a tradicional no entanto essa mesma concepccedilatildeo
148 Filebo solenemente presta juramento agrave sua deusa neste caso agrave Afrodite deusa do prazer Podemos aqui tambeacutem retomar o Banquete (180d-181a) no qual nos satildeo dadas maiores observaccedilotildees sobre a deusa um retrato duplo dessa divindade eacute apresentado no discurso de Pausacircnias Temos por um lado a chamada Afrodite Celestial e por outro a Afrodite Vulgar (Cf PRADEAU 2002 p 238 n4) Brisson (2005) explica-nos ainda mais sobre a presenccedila de Afrodite junto a Eros naquele diaacutelogo Diz ainda que cada uma das duas Afrodites possuiacutea um templo nos quais eram cultuadas pelos gregos Sobre isso ver mais (BRISSON 2005 p 41-43)
103 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
(teoloacutegica) como jaacute dissemos por ser ainda mais clara eacute vista como distinta Soacutecrates natildeo
deixa de crer mas ele procura saber porque se deve crer deste modo e natildeo de outro Eacute por
iὅὅὁΝὃuἷΝὀὁtamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἷὀtὄἷΝtἷὄmὁὅΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὡΝώἷἶὁὀἷΝἶἷΝώἷἶὁὀἷΝὡΝἏfὄὁἶitἷΝἷΝὁΝ
ldquotἷmὁὄrdquoΝ juὅtifiἵaὀἶὁΝ aὅΝ ἶifἷὄἷὀὦaὅΝ ἶἷmaὄἵaἶaὅΝ ἷὀtὄe discursos um para louvar exprimir
celebrar outro para falar para pocircr em debate em discussatildeo Diante das possiacuteveis e reais
aἵuὅaὦὴἷὅΝἶἷΝimὂiἷἶaἶἷΝἷΝἴlaὅfecircmiaΝἥὰἵὄatἷὅΝvὁltaΝaΝjuὅtifiἵaὄΝὅἷuΝldquoὅἷὄΝὂiἷἶὁὅὁrdquoΝiὀvὁἵaὀἶὁΝ
a divindade segundo aquilo que o curso da argumentaccedilatildeo julgou como necessaacuterio apoacutes a
investigaccedilatildeo (dialeacutetica) do verdadeiro caraacuteter do prazer e do sentido (bom) que eacute necessaacuterio
resgatar como jaacute dissemos esse sentido agora eacute o da ordem149 o qual natildeo deixa de pertencer
tambeacutem agrave deusa do ldquoἴἷlὁΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁΝldquoamaὀtἷΝἶaΝfὁὄὦaΝjuvἷὀilrdquo)έ
Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo Soacutecrates considera que tanto homem temperante
( κφλκθκ α) como o homem intemperante ( εκζα αέθκθ α) possuem prazer mas natildeo
apenas esses dois tambeacutem aquele homem tolo ( θκβ αέθκθ α) e o homem que pensa
(φλκθκ α) Ο objeto do prazer contudo eacute diferente o homem moderado se regozija em ser
moderado ( πφλκθ ῖθ) o homem tolo com as opiniotildees tolas e com as tolas expectativas
( θκά πθ κι θ εα ζπέ πθ η σθ) e o homem que pensa com a atividade de pensar
(φφλκθ ῖθ) (12d1-4) Deste modo o proacuteprio Soacutecrates eacute quem questiona de que modo
poderiacuteamos dizer que esses prazeres satildeo semelhantes sendo que o objeto de prazer de cada
um difere uns dos outros neste caso soacute um homem tolo poderia crer nisso (11d5-6)
A resposta de Protarco eacute que tais prazeres encontram-se em situaccedilotildees opostas
(πλαΰηΪ πθ θαθ έπθ) mas entre eles natildeo podem ser opostos uns aos outros pois natildeo se
poderiam chamaacute-los a todos de prazer Natildeo fariam parte de algo que genericamente
ὂὁἶἷmὁὅΝἶἷfiὀiὄΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoςΝldquoἡΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀatildeὁΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝmaiὅΝ
semelhante ( ηκδσ α κθ) idecircntico em relaccedilatildeo a si mesmo (α κ αυ )ςrdquoΝ(11ἷ1-2)
Soacutecrates responde utilizando as cores dizendo que a mesma coisa pode ser
exemplificada ao notar que uma cor eacute semelhante a uma cor Isto significa dizer que Soacutecrates
natildeo contesta a natureza do prazer enquanto agradaacutevel que em conjunto elas digam respeito
agravequilo que eacute agradaacutevel o que seraacute reafirmado daqui haacute pouco (13a) Podemos assegura
Soacutecrates dizer que preto e branco satildeo cores e que nada as diferenciaria enquanto ambas
satildeo cores apesar de notarmos que elas contecircm diferenccedilas e que satildeo ateacute opostas umas das
ὁutὄaὅέΝἏlὧmΝἶὁΝmaiὅΝἥὰἵὄatἷὅΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquo(έέέ)ΝumaΝfiguὄa tamἴὧmΝὧΝumaΝfiguὄardquoέΝἢὁἶἷmὁὅΝ
149 Tal significado seraacute realccedilado em 26b7 por Soacutecrates semelhante ao que se encontra em Hesiacuteodo (Th 937-975) Diegraves reconhece em sua traduccedilatildeo essa mudanccedila de sentido quaὀἶὁΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝἶἷuὅaΝnatildeo pode ser aquela Afrodite natildeo aquela Afrodite de Filebo que seria apenas o prazer sem regra () mas aquela que Soacutecrates quer claramente distinguir (12c) Afrodite eacute matildee da Harmonia (Hes Th 937 975) que tem como servas aὅΝἓὅtaὦὴἷὅrdquoΝ(1λἄἄΝὂέΝἀἂΝὀέ1)έ
104 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
notar aqui alguma relaccedilatildeo com a passagem do Mecircnon (73e ss)150 poreacutem se trata do inverso
a multiplicidade antes questionada naquele diaacutelogo agora adota aqui o lugar da anaacutelise Em
suma Soacutecrates deseja decompor o que eacute isso que noacutes nomeamos em uma coisa uacutenica
ldquoὂὄaὐἷὄrdquo151 mas agora lhe interessa dividi-la compreendecirc-la por meio de uma anaacutelise
pormenorizada de sua multiplicidade
Soacutecrates entatildeo iraacute dizer em 13a1 que eacute pelo gecircnero (ΰΫθ δ) que elas satildeo um todo (π θ
θ) mas em suas partes (ηΫλβ) desse todo elas satildeo contraacuterias umas agraves outras e ao mesmo
tempo algumas apresentam inuacutemeras diferenccedilas entre si ( δαφκλσ β rsquoΝ ηυλέαθ πκυ
υΰξΪθ δ) Do mesmo modo o condutor da discussatildeo recusa prima facie considerar os
prazeres como unidade insiste em considerar que as coisas opostas natildeo devem ser
conduzidas por ora a uma unidade A justificativa eacute que alguns prazeres possam ateacute se
demonstrarem eles mesmos enquanto tais opostos a si mesmo (13a1-6)
O questionamento de Protarco eacute sobre a utilidade desse procedimento porque se deve
agir sim jaacute que todos nomeiam ( θσηα δ) como algo uacutenico prazer Soacutecrates explica que
geralmente se nomeiam coisas dessemelhantes ( θσηκδα) por um outro nome apesar de
serem elas uma uacutenica coisa (como eacute o caso jaacute referido das cores preto e branco satildeo cores
mas nomeamos o preto de lsquopretorsquo e natildeo de lsquobrancorsquo)έΝἢὄotarco age da mesma maneira pois
ele afirma que todas as coisas prazerosas satildeo boas ( ΰαγ ) mas essas coisas boas satildeo
dessemelhantes contraacuterias e ateacute maacutes para alguns indiviacuteduos a despeito de todos eles
nomearem essas coisas como boas Quanto agrave indagaccedilatildeo de Protarco Soacutecrates a responde
ἵlaὄamἷὀtἷμΝldquoἡὄaΝὀἷὀhumΝaὄgumἷὀtὁΝἵὁὀtἷὅtaΝ( ηφδ ίβ ῖ) o fato de que coisas prazerosas
ὅatildeὁΝὂὄaὐἷὄὁὅaὅrdquoΝ(1ἁaλ-b1) De acordo com a argumentaccedilatildeo subsequente Soacutecrates diz que
embora grande maioria das coisas prazerosas seja maacute haacute tambeacutem coisas prazerosas boas
contudo a todas elas os indiviacuteduos designam o qualitativo bom mas se algueacutem vier a
confrontaacute-los com argumentos concordaratildeo sobre essas coisas boas que satildeo
dessemelhantes O importante aqui eacute reconhecer que a argumentaccedilatildeo continua em ciacuterculos
e recorre a uma peticcedilatildeo de princiacutepio resultante da argumentaccedilatildeo loacutegica anteriormente
desenvolvida Aqueles indiviacuteduos (moderado tolo pensante) todos eles sentem prazer e
denominam os seus prazeres como bons contudo cada um deles sente prazer com algo
distinto por exemplo o moderado considera que eacute bom ser moderado sente prazer com isso
Confrontados uns com os outros cada um desses diria que o seu prazer eacute bom e o do outro
150 ldquoἑὁmὁΝἷmΝὁutὄὁΝἵaὅὁΝὃualὃuἷὄέΝἢὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὅἷΝὃuἷὄἷὅΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶaΝὄἷἶὁὀἶἷὐΝἷuΝἶiὄiaΝὃuἷΝὧΝumaΝfigura natildeo simplesmente que lteacuteρΝumaΝfiguὄaέΝἓΝἶiὄiaΝaὅὅimΝὂἷlaΝὄaὐatildeὁΝὃuἷΝhὠΝὁutὄaὅΝfiguὄaὅrdquoΝ(Men 73e3-6) O mesmo exemplo das cores eacute encontrado a seguir em 74c 151 Alguns inteacuterpretes como Gosling (1975 pp 76ndash78 142) veem nesta passagem talvez um sinal de mudanccedila no pensamento platocircnico pois no Mecircnon (74c) a coisa uacutenica eacute preferida agrave multiplicidade mas eacute necessaacuterio levar em conta o contexto em que se insere a passagem isto eacute os propoacutesitos relativos agrave anaacutelise dos prazeres
105 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
natildeo o que jaacute demonstraria certa dificuldade em encontrar uma ideia uacutenica do que seja
ἷfἷtivamἷὀtἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡὄaΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝtἷmὂἷὄaὀtἷΝὧΝaὅὅimΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝaὁΝἶὁΝtὁlὁΝ
logo ele natildeo eacute ἴὁmΝἷΝὅimΝmauέΝἏὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoἡΝὃuἷΝhὠΝἷxatamἷὀtἷΝἶἷΝmesmo
(grifo do tradutor) nos maus assim como nos bons prazeres para que seja possiacutevel
ἵhamaὄἷὅΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἶἷΝἴὁὀὅςrdquoΝ(1ἁἴἁ-5) Cada um dos interlocutores ainda defende
ambos suas posiccedilotildees sem adotarem uma base comum por isso ainda resiste o impasse
Protarco ainda natildeo compreende os propoacutesitos ainda se apega agrave questatildeo definicional
tautὁlὰgiἵaΝatὧΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuaὀἶὁΝἶiὅὅἷmὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝalgὁΝὧΝἴὁmέΝ
Podemos entatildeo dizer que Soacutecrates estaacute disposto a combinar duas questotildees diferentes
(i) seria possiacutevel dividir o prazer em diferentes espeacutecies algumas delas dissemelhantes e ateacute
mesmo contraacuterias umas agraves outras (ii) eacute possiacutevel distinguir prazeres bons de prazeres maus
Tais questotildees soacute seratildeo separadas mais tarde como veremos mas aqui elas ainda satildeo
analisadas conjuntamente Protarco que ateacute entatildeo natildeo tinha manifestado sequer alguma
ὁἴjἷὦatildeὁΝὡΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂὄἷἵἷἶἷὀtἷΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoὅuὂὴἷὅΝὃuἷΝalguὧmΝἶἷὂὁiὅΝἶἷΝmanter que
o prazer eacute o bem ( ΰαγσθ) aceitaraacute pacientemente esta tua afirmaccedilatildeo de que dentre os
prazeres alguns satildeo bons ( ΰαγ μ)ΝἷΝὁutὄὁὅΝὅatildeὁΝmauὅςrdquoΝ(1ἁἴἄ-c2) Diraacute Soacutecrates que pelo
menos diria que eles satildeo dessemelhantes ( θκηκέκυμ) e ateacute opostos (13c3-4)
O proacuteprio Soacutecrates reconhece o andar em ciacuterculos do argumento porquecirc de novo o
argumento vem agrave tona e novamente se insiste que o prazer enquanto prazer natildeo se diferencia
ὅatildeὁΝtὁἶὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁὅΝἷxἷmὂlὁὅΝjὠΝἶaἶὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷέΝἣuaὀἶὁΝἢὄὁtaὄἵὁ se daacute
conta da combinaccedilatildeo de duas coisas distintas por Soacutecrates ele tenta recuar agrave divisatildeo Mesmo
reconhecendo que haacute diferentes tipos (espeacutecies) de prazer natildeo aceita que se divida o prazer
apesar das muacuteltiplas instacircncias de prazeres ele eacute incapaz de aceitar a divisatildeo da unidade
ldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἓlἷΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝhὠΝumaΝἶifiἵulἶaἶἷΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝ
ἶἷὅὅἷΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝἷmΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝὁὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo152 segundo ele ou eacute prazer ou natildeo natildeo
importa se o prazer do temperante eacute a moderaccedilatildeo ou se o prazer do tolo satildeo as opiniotildees
tolas todos satildeo prazeres diferentes mas todos prazeres
A rejeiccedilatildeo de Soacutecrates por esse tipo de recurso parece mais uma discussatildeo uma
ἶiὅὂutaΝ ἶἷΝ ldquoiὀiἵiaὀtἷὅrdquoΝ ldquoὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷΝ ἷΝ ὀaufὄagardquo153 do que um discurso que segue
ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ ldquoὄὁtardquoΝ ἷmΝ viὅtaΝ ἶἷΝ ὂὁὀtὁὅΝ ἵὁmuὀὅέΝ ἦalvἷὐΝ ὅἷὄiamΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiaὅΝ aἴἶiἵaὦὴἷὅΝ
reciacuteprocas eacute o que Soacutecrates propotildee a seu interlocutor (13d3-8) A questatildeo entatildeo eacute invertida
e do mesmo modo Soacutecrates forja um questionamento agora em relaccedilatildeo ao conhecimento
afirmando que eles deveratildeo passar pelo mesmo processo A investigaccedilatildeo eacute similar do mesmo
152 Ficaraacute mais evidente o termo aqui utilizado em nossa argumentaccedilatildeo posterior de 16d referente ao ldquoἶὁmΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅrdquoέΝ 153 Muniz (2012) faz uma nota (n11) em que referencia o caraacuteter divino da atividade dialeacutetica como busca pelo que eacute estaacutevel que natildeo muda por isso tambeacutem chamada de divina
106 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
modo natildeo podemos dizer que os conhecimentos natildeo se diferem entre si que satildeo
dessemelhantes ( θσηκδκέ) os mesmos conhecimentos e ciecircncias (φλσθβ έμ εα πδ άηβ)
diz Soacutecrates (13e4-7) que anteriormente ele teria dito que satildeo bons ( ΰαγ ) e que satildeo bens
( ΰαγσθ)
Soc Tomados em conjunto ( υθΪπα αδ) os conhecimentos ( πδ ηαδ) parecem ( σικυ δθ) muacuteltiplos (πκζζαέ) e alguns deles dessemelhantes ( θκηκδκέ) entre si (α θ ζζάζαδμ) Mas no caso de alguns se revelarem ateacute mesmo opostos( θαπ έαδ) estaria eu agrave altura da nossa discussatildeo ( δαζάΰ γαδ) se temendo isso afirmasse que um conhecimento natildeo eacute de modo algum dessemelhante de um conhecimento E entatildeo nosso discurso natildeo se perderia como um mito perece ( πκζση θκμ)154 e estariacuteamos satildeo e salvos ( ακέη γα) mas graccedilas a um absurdo ( ζκΰέαμ) (13e9-14a5)
154 Bernadete eacute o uacutenico de acordo com meu conhecimento a tratar dessa expressatildeo nas traduccedilotildees ἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅμΝ ldquoἡΝὂὄὁvὧὄἴiὁΝ lsquoὁΝmitὁΝὅἷΝὂἷὄἶἷursquoΝ tἷmΝ tὄecircὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝἷxὂlaὀaὦὴἷὅΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ scholars de Platatildeo Aqui se diz que foi aplicado aos que natildeo estavam prestando atenccedilatildeo ao que estava sendo dito Em Teeteto 164d eacute dito que foi aplicado agravequeles que natildeo colocam limites (peras) na sua argumentaccedilatildeo e no final da Repuacuteblica (ἄἀ1ἴ)ΝἢὄὁἵlὁΝὂὁὅὅuiΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὅὁἵὄὠtiἵaΝlsquoὁΝmitὁΝὀὁὅΝὅalvὁursquoΝ ὃuἷΝ lsquoὁΝ mitὁΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷursquoΝ ὄἷfἷὄἷm-se ao fato de que os mitos satildeo algo tatildeo desinteressado porquanto falam de algo que natildeo exiὅtἷmrdquoΝ (1λλἁΝ ὂέΝ ἃΝ ὀέ1ἂ)έΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ talvἷὐΝ ὅἷjaΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝdiscordar desse sentido de suposta desatenccedilatildeo e tambeacutem das consideraccedilotildees levantadas por Proclo Brisson (1999) em um importante estudo sobre os mitos e sua presenccedila nos diaacutelogos platocircnicos iraacute demonstrar recorrendo aos manuscritos e agraves coleccedilotildees bizantinas que o sentido aqui eacute realmente aquele que se refere agrave uma discussatildeo que natildeo possui fim que natildeo possui limite O que faz todo o sentido se analisarmos a passagem Mas antes de explicar o sentido da expressatildeo o estudioso francecircs recorre agrave presenccedila dos dois verbos (que no Filebo aparecem conjuntamente) satildeo eles πκζζυ αδ (perecer) e
α δθ (salvar) que quando aparecem juntos retomam o proverbo (κ ξκδ κ) termo omitido pela traduccedilatildeo brasileira Verbos que aparecem em outras obras (R X 621b-c1 Tht 164d8-10 Lg I 645b1-2) e ἷvὁἵamΝ ἷὅὅἷΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ὂὄὁvἷὄἴialΝ ldquoὁΝ mitὁΝ ὂἷὄἷἵἷrdquoΝ ldquoὁΝ ldquomitὁΝ ὀὁὅΝ tἷὄiaΝ ὅalvὁrdquoΝ ἵὁὀtiἶaΝ ὀaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ἶὁΝFilebo ldquo(έέέ)Ν ζσΰκμ π λ η γκμ πκζση θκμ κ ξκδ κ α κ ακδη γα πέ δθκμ ζκΰέαμrdquoΝ(1ἂaἂ-ἃ)έΝ ἏΝ mἷὅmaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ἐὄiὅὅὁὀΝ ἷὅtὠΝ ὄἷlaἵiὁὀaἶaΝ ἵὁmΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ldquomitὁΝ ὅἷmΝ ἵaἴἷὦardquoΝ(αεΫφαζκμ η γκμ)ΝlὁgὁΝἷlἷΝὄἷὅumἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁμΝldquo(έέέ)ΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὂὄὁvἷὄἴialΝὄἷfἷὄἷὀtἷΝaΝumaΝhistoacuteria [mito] que natildeo possui umΝfimrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄ1)έΝἡΝἷὅtuἶiὁὅὁΝἷxὂliἵaΝmaiὅΝἶiὐἷὀἶὁΝὃuἷΝὂὁὂulaὄmἷὀtἷΝo mito assim como qualquer discurso eacute comparado com um ser vivo com um corpo vivo que natildeo pode se encontrar desordenado natildeo seria normal ver um corpo perambulando sem cabeccedila por isso um mito (ou um discurso) deve ser capaz de dizer o que tem de dizer ateacute o fim Isso nos dirigiria a duas questotildees importantes agravequilo que o mito deve falar e agravequilo que ele deve deixar de falar Um mito eacute reavivado quando aquilo a que se relaciona e reformula possui o pretexto de ser imortal (BRISSON 1999 p 61) Nesse sentido eacute necessaacuterio compor um discurso que tenha sentido como um corpo vivo bem estruturado e natildeo algo infinito sem peacute e nem cabeccedila Natildeo por acaso em 64a Soacutecrates iraacute afirmar ὃuἷΝ tὁἶὁΝ ὁΝ ἶiὅἵuὄὅὁΝ tἷὄiaΝ ἵὁὀἶuὐiἶὁΝ aΝamἴὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ aΝ umaΝ ldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝ iὀἵὁὄὂὰὄἷardquoέΝ εuὀiὐΝ(2007 p 113-123) teria reconhecido em outro texto essa semelhanccedila mas se esquece de evocar nessa passagem (14a) o que validaria ainda mais sua defesa de que o diaacutelogo possui uma ordem invisiacutevel mas visivelmente aparenta ser desordenado aos inteacuterpretes Para tal ele recorre ao Fedro (264c) que recorre a este mesmo significado todo discurso deve se assemelhar a um corpo vivo dotado de ordem compondo um todo unificado
107 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Protarco demonstra-se satisfeito com o suposto peacute de igualde em que satildeo colocados
ambos os discursos (14a6-9) Digo lsquosupostorsquo porque Soacutecrates apela apenas agrave possibilidade
de divisatildeo entre conhecimentos semelhantes e conhecimentos dessemelhantes e a
possibilidade de conhecimentos contraacuterios mas natildeo submete os conhecimentos agrave divisatildeo
entre bons e maus O que de fato veremos bem mais adiante eacute que todos os conhecimentos
seratildeo considerados bons puros o que natildeo significa dizer que natildeo seratildeo ordenados de acordo
com seu maior ou menor grau de bondade o que apresenta certa semelhanccedila com a divisatildeo
inicial entre prazeres bons e maus Resta saber se o criteacuterio utilizado seraacute o mesmo Mas por
ora natildeo devemos ainda tratar disso
Na discussatildeo atual eacute pertinente a Soacutecrates distinguir os prazeres entre bons e maus
prazeres mas esse tipo de divisatildeo natildeo decorre necessariamente da divisatildeo em espeacutecies do
prazer Ao dizer que o prazer possui espeacutecies dentre um mesmo gecircnero natildeo somos obrigados
a fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons prazeres maus Mas tudo indica que esta eacute a
postura assumida no decorrer da argumentaccedilatildeo A divisatildeo dos prazeres em espeacutecies natildeo
pode ser realizada antes de examinarmos uma divisatildeo em relaccedilatildeo a sua bondade Natildeo eacute
possiacutevel operaacute-la sem que assumamos que o prazer natildeo eacute idecircntico ao bem Por isso duas
questotildees novamente se apresentam (i) o prazer eacute idecircntico ao bem E ainda (ii) o que eacute o
bem (Cf 13c14b)
Note-se que nada ainda foi adiantado nenhum dos dois prazer e inteligecircncia perderam
a batalha ainda Primeiramente conveacutem analisar se o prazer eacute essencialmente o bem e em
segundo lugar se alguns prazeres satildeo bons e outros satildeo maus e ainda em terceiro se o
prazer eacute idecircntico ao bem Isso significa apenas dizer que se podemos considerar todos os
prazeres como bons ou a apenas alguns deles para tal devemos saber o que eacute o bem em si
mesmo O mesmo deve ser feito com relaccedilatildeo aos conhecimentos podemos predicaacute-los todos
como bons ou apenas alguns deles Em caso de natildeo identidade ao bem reconhecida em
ambos (prazer e conhecimento) devemos buscar uma terceira coisa Eacute o que diz Soacutecrates
Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ) podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγσθ) prazer ( κθ θ) ou o pensamento (φλσθβ δθ) ou uma terceira coisa ( δ λέ κθ ζζκ θαδ) Pois certamente agora natildeo entramos na disputa
(φδζκθδεκ η θ) para dar vitoacuteria ao que eu defendo ( ππμ ΰ έγ ηαδ) ou ao que tu defendes ( α rsquoΝ αδ θδε θ α) Devemos sim combater juntos e aliados ( υηηαξ ῖθ η μ ηφπ) ao mais verdadeiro ( rsquoΝ ζβγ Ϊ ) (14b1-b7)
Eacute somente depois disso que seraacute possiacutevel fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons e
maus Apenas se for demonstrado que a proposiccedilatildeo o bem eacute idecircntico ao prazer eacute equivocada
108 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἑὁmὁΝἴἷmΝὀὁtaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝldquoiὅὅὁΝὅigὀifiἵaΝigualmἷὀtἷΝὃuἷΝὁΝmὧtὁἶὁΝἶἷΝἵὁlἷtaΝἷΝἶivisatildeo
natildeo pode ser de alguma ajuda na determinaccedilatildeo da natureza do bem uma vez que o uacutenico
uso relevante que poderiacuteamos fazer do problema do bem pressupotildee que a natureza disso jaacute
tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝ ἀίίἄΝ ὂέΝ ἂἂ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὂaὄἷἵἷΝ ἷὀtatildeὁΝ ἷstar
preocupado com a questatildeo metodoloacutegica algo que seraacute desenvolvido logo a seguir mas a
proacutepria artificialidade do meacutetodo eacute algo consciente e tornaraacute capaz de entrelaccedilar a questatildeo
metodoloacutegica com as questotildees eacuteticas algo que veremos bem mais adiante no diaacutelogo
O que se pode notar neste iniacutecio de diaacutelogo eacute toda uma tentativa de Soacutecrates em
oferecer agrave discussatildeo uma caracteriacutestica propriamente dialeacutetica ao estruturaacute-la segundo os
objetivos maiores que a discussatildeo possa vir a alcanccedilar Portanto a escolha do meacutetodo natildeo eacute
algo casual mas deliberada em funccedilatildeo dos objetivos de tal modo jaacute eacute possiacutevel notar ainda
que implicitamente que os aspectos metodoloacutegicos e eacuteticos da questatildeo estatildeo condicionados
mutuamente (DELCOMMINETTE 2006 p 49)
Essa parte do diaacutelogo talvez seja uma das que mais colocam em embaraccedilo os leitores
do texto155μΝaὃuἷlἷΝldquoὂuὄgatὰὄiὁrdquoΝἵὁmὁΝjὠΝaὂὁὀtamὁὅΝὃuἷΝἔὄἷἶἷΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἁ)ΝfaὐΝmἷὀὦatildeὁΝἷΝ
que torna o diaacutelogo complexo e a respeito do qual muito se discutiu e se discute ainda hoje
Afirmadas as diferenccedilas entre prazeres e conhecimentos essa mesma unidade a qual nos
referimos ao nomear algo como prazer e conhecimento evoca a claacutessica e controversa
discussatildeo do problema da unidade e da multiplicidade Como diz o proacuteprio Soacutecrates no
diaacutelogo ldquoaὃuἷlaΝ[ὃuἷὅtatildeὁ]ΝὃuἷΝἵauὅaΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝὃuἷὄΝὃuἷiὄamΝ
ἵὁmὁΝalguὀὅΝὃuἷὄἷmΝὃuἷὄΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamΝἵὁmὁΝὡὅΝvἷὐἷὅΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamrdquoΝ(1ἂἵἂ-5) Que questatildeo
ὅἷὄiaΝἷὅὅaςΝἠὁὅΝὄἷὅὂὁὀἶἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝaΝtἷὅἷΝὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷΝὂὁὄΝὀatuὄἷὐaΝὃuἷΝagὁὄaΝhaacute
ὂὁuἵὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝὂὁὄΝaἵaὅὁμΝlsquoὃuἷΝὁΝmήltiὂlὁΝὅἷjaΝum e o um seja muacuteltiplo ( ΰ λ π ζζ
θαi εα π πκζζ )rdquoΝ(1ἂἵἆ-9) Natildeo haacute como ser contestado ( ηφδ ίβ αδ) qualquer um
que sustente ( δγ ηΫθ ) qualquer uma das duas posiccedilotildees (14c9-10)
Como nὁὅΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀἆλ)Ν ἷὅtamὁὅΝ ἷmΝ umΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ἵὁὀhἷἵiἶὁrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ
aquele que coloca em discussatildeo a possibilidade de algo possuir simultaneamente posiccedilotildees
155 A literatura interpretativa deste momento do diaacutelogo eacute tatildeo vasta que chega a ser impossiacutevel tratar de cada um dos comentadores pormenorizadamente ateacute porque muitos divergem entre si seja totalmente seja em algumas partes Pretendo lidar apenas com alguns comentaacuterios que satildeo pertinentes e que de certo modo coadunam com a interpretaccedilatildeo que procuro aqui defender alguns os quais sigo bem de perto Friedlaumlnder (2004) Striker (1970) Shiner (1974) Gosling (1975) Casper (1977) Hahn (1978) Moravcsik (2006) Dancy (1984) Benitez (1989) Davidson (1990) Hampton (1990) Mirhady (1992) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Frede (1997) Frede (1993) Carpenter (2009) Dixsaut (2001) Delcomminette (2006) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ateacute porque neste momento embora seja importante para a compreensatildeo do diaacutelogo natildeo eacute o alvo da minha anaacutelise do texto dos temas propriamente que me satildeo caros neste trabalho como a dialetizaccedilatildeo dos prazeres a discussatildeo aqui se centra em torno do meacutetodo algo que tem desafiado leitores contemporacircneos do diaacutelogo A meu ver ele estaacute a serviccedilo da dialeacutetica eacute mais uma de suas propriedades sobre esse debate falarei mais adiante
109 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
contraacuterias essa eacute uma das dificuldades que conduz Soacutecrates a postular as Formas
resolvendo a questatildeo pela participaccedilatildeo (Phd 102ass R 523e-525a Tht 154c) Ou seja
trata-se de um problema fundamental jaacute bastante discutido mas o que vemos parece ser um
ἵἷὄtὁΝἶἷὅἵaὅὁΝὁuΝldquoἷὅὀὁἴiὅmὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἵὁmὁΝtἷὄiaΝἴἷmΝ
reconhecido Frede (1993 p 20-21) Para tal uma justificativa plausiacutevel seria recorrer ao
Parmecircnides (128-ἄΝ1ἁίa)ΝἷmΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷjἷitaΝἷὅtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶiὅἵuὅὅatildeὁΝiὀfaὀtilrdquoΝἷΝfὠἵilΝ
(παδ αλδυ β εα δα 14d7) para tratar de tatildeo importantes paradoxos partindo de coisas
individuais (como se diz em Prm 130c5-7 das absurdidades praticadas em relaccedilatildeo agraves Formas
quando se pretende alcanccedilar uma Forma de coisas em devir de coisas despreziacuteveis e vis
como a forma da lama do cabelo da sujeira e outras mais) e para tal a resposta eacute muito
semelhante agravequela apresentada naquele diaacutelogo (Prm 130d3-9)
ἢὄὁtaὄἵὁΝὀatildeὁΝἶἷixaΝἶἷΝἶἷὅἵὄἷvἷὄΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝviὅatildeὁΝldquoἴaὀaliὐaἶardquoΝ( βη υηΫθα)156 da
divisatildeo utilizando a si proacuteprio como exemplo ele mesmo sendo um por natureza eacute tambeacutem
muacuteltiplo alto e baixo pesado e leve e vaacuterias coisas desse tipo (14d1-3) Contudo esse
problema natildeo deixa de ser importante pois trata-se de algo presente em outros diaacutelogos nos
quais o problema jaacute foi discutido A questatildeo da multiplicidade de predicaccedilotildees dos sensiacuteveis a
um ser particular jaacute foi algo recorrente157 e a hipoacutetese da participaccedilatildeo nas Formas se destina
justamente a resolver esse problema como dissemos anteriormente A fala de Protarco citada
anteriormente (14d1-3) eacute relevante nesse sentido porque ela retoma essa questatildeo Podemos
compreendecirc-la de duas formas (i) como limitante ao problema da oposiccedilatildeo entre contraacuterios
ou (ii) como inclusatildeo dessas oposiccedilotildees como em casos particulares de multiplicidade158
Todavia como bem notou Delcomminette (2006) o segundo sentido parece mais proacuteximo agrave
temaacutetica em torno dessa argumentaccedilatildeo uma vez que seraacute relevante pensar a divisatildeo em um
ὅἷὀtiἶὁΝaἴὅtὄatὁΝὁuΝldquoiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝἷΝὀatildeὁΝὂuὄamἷὀtἷΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἀ)έΝἑὁmὁΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝἶitὁΝ
156 Delcomminette (2006) critica aqueles comentadores (referindo-se a Jackson (1882) e Dancy (1984)) ὃuἷΝaἵὄἷἶitamΝὃuἷΝὁὅΝὃualifiἵativὁὅΝldquoἴaὀalrdquoΝldquoὂuἷὄilrdquoΝldquofὠἵilrdquoΝatὄiἴuiacuteἶὁὅΝaΝἷὅὅἷΝὂὄὁἴlἷmaΝ(ὂὄἷἶiἵaὦatildeὁΝἶὁὅΝsensiacuteveis) denote alguma mudanccedila no pensamento de Platatildeo acerca da relevacircncia do problema jaacute que em outros diaacutelogos ele teria ganhado destaque alcanccedilado determinada relevacircncia Todavia somos obrigados a concordar com esse autor que a criacutetica aqui tem um outro sentido vale lembrar que esta divisatildeo tida como banal jaacute foi rejeitada em outras obras pela recorrecircncia agrave hipoacutetese das Formas isto soacute significa que o propoacutesito demonstrado por Platatildeo seria o mesmo realccedilado por ele no iniacutecio do Parmecircnides ou seja agora eacute necessaacuterio tratar da divisatildeo de um ponto de vista dialeacutetico e natildeo banal modo apenas pelo qual a discuὅὅatildeὁΝὅὁἴὄἷΝὁὅΝtἷmaὅΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝldquoὅὧὄiὁὅrdquoΝiὄὠΝavaὀὦaὄέΝἏlgὁΝὃuἷΝἵὁmὁΝvἷὄἷmὁὅΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἷὀtὄἷΝldquojὁvἷὀὅrdquoΝἶἷvἷὄὠΝὅἷΝatἷὄΝ(ὂέΝἃἁ-54) 157 Cf Sph 251ass 158 Algo notado por Frede (1993 p 21) a partir do duplo sentido desempenhado pela partiacutecula εα no trechὁΝὄἷfἷὄiἶὁέΝVἷjamμΝldquoΠΡΩ λrsquoΝκ θ ζΫΰ δμ αθ δμ η φ Πλυ αλξκθ θα ΰ ΰθσ α φτ δ πκζζκ μ
θαδ πΪζδθ κ μ η εα θαθ έκυμ ζζάζκδμ ηΫΰαθ εα ηδελ θ δγΫη θκμ εα ίαλ θ εα εκ φκθ θ α κθ εα ζζα ηυλέανrdquoΝ(1ἂἵ11-d3)
110 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
o modo como Soacutecrates responde agraves objeccedilotildees de Zenatildeo no Parmecircnides eacute consoante com o
que se apresenta aqui no Filebo como bem resume Delcomminette (2006)
O fato de que vaacuterias qualidades e ateacute mesmo qualidades opostas possam predicadas a um ser sensiacutevel pode ser explicado pelo fato de que ele participa de diferentes Ideacuteias de tal forma que cada uma delas eacute por sua vez apenas aquilo que eacute Deste modo o fato de que um ser sensiacutevel possa receber predicados contraacuterios natildeo implica a menor contradiccedilatildeo porque cada predicado corresponde a uma relaccedilatildeo particular sob a qual esse ser eacute considerado a saber em relaccedilatildeo agrave sua participaccedilatildeo nesta ou naquela Ideia enquanto que a contradiccedilatildeo apenas pode acontecer entre predicados que qualificam algo segundo a mesma relaccedilatildeo Entatildeo Platatildeo geralmente lida com esse tipo de problema do um e do muacuteltiplo ao separar um e muacuteltiplo e por colocaacute-los em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes ndash o um no niacutevel sensiacutevel e o muacuteltiplo no niacutevel inteligiacutevel (p 53)
Da mesma maneira Soacutecrates apresenta sua criacutetica a esse tipo de divisatildeo
anteriormente descrito por seu interlocutor atribuindo a ela os mesmos qualificativos antes
destinados no ParmecircnidesέΝἣuaὀἶὁΝalguὧmΝὅἷΝὂὴἷΝaΝἶiviἶiὄΝἷmΝldquomἷmἴὄὁὅΝὁuΝὂaὄtἷὅrdquoΝalgὁΝὂὁὄΝ
meio do discurso ( αθ δμ εΪ κυ ηΫζβ εα ηα ηΫλβ δ ζυθ ζσΰ ) e atesta que por
meio da reuniatildeo dessas partes se tenha chegado ao um natildeo lhe faltam pessoas a dizer que
ὅἷΝ tὄataΝ ἶἷΝ algὁΝ ὄiἶiacuteἵulὁΝ afiὄmaὀἶὁΝ ldquomὁὀὅtὄuὁὅiἶaἶἷὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ aΝ ὅἷὀtἷὀὦaΝ ἶἷΝ ὃuἷ ὁΝ ldquoumΝ ὧΝ
muacuteltiplo e ilimitado ( θ μ πκζζΪ δ εα π δλα) ou que o muacuteltiplo eacute apenas um (πκζζ μ
θ ησθκθ) (14e3-4)
Esse eacute um dos principais obstaacuteculos impostos agrave atividade dialeacutetica que deve distinguir
pelo discurso os membros que satildeo ao mesmo tempo partes de uma determinada coisa Qual
seria entatildeo a forma correta de se utilizar a divisatildeo que natildeo seja essa das coisas que nascem
ἷΝὂἷὄἷἵἷmΝjὠΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝtὄataΝἶἷΝumaΝldquoἶiviὅatildeὁΝἴaὀalrdquoΝὃuἷΝὀἷmΝὅἷὃuἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝlἷvaἶaΝἷmΝ
conta159
Soc Eacute quando meu jovem algueacutem coloca o um mas natildeo aquele do qual agora haacute pouco falamos das coisas que vecircm a ser e perecem ndash pois neste caso chegou-se agrave admissatildeo que esse tipo de um ao qual nos referimos haacute pouco natildeo precisa ser refutado Mas sim quando algueacutem tenta colocar o
159 ἑὁmὁΝ ἵὁmἷὀtaΝ ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄ)Ν ldquoἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ mὁἶὁΝ ἷὅὅἷΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶὁΝ umΝ ἷΝ ἶὁΝmuacuteltiplo natildeo eacute pertinente para a pesquisa atual porque ele natildeo concerne a um bom tipo de predicaccedilatildeo Com efeito o tipo de declaraccedilatildeo que Soacutecrates e Protarco estatildeo lidando natildeo consiste em predicar muacuteltiplas qualidades de um ser particular ndash ὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝ lsquoἷuΝἢὄὁtaὄἵὁrsquoΝndash mas em predicar muacuteltiplos tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὅὅivἷlmἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶitὰὄiὁὅΝἶἷΝὁutὄὁὅΝ tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὃuaὀἶὁΝὅἷΝἶiὐΝ lsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝἴὁmrsquoΝὁuΝlsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὄuimrsquoέΝἏΝaὂaὄἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝἶὁiὅΝἷὀuὀἵiaἶὁὅΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὁΝprazer tanto um como muacuteltiplo apenas pode ser resolvido daquele mesmo modo anterior ou seja colocando o um e o muacuteltiplo em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes porque isso novamente nos conduziria a uma regressatildeo ao infinito cada predicado podia ele mesmo ser qualificado de maneiras opostas o que nos forccedilaria a introduzir uma outra distinccedilatildeo entre dois niacuteveis ontoloacutegicos e assim por diante ad infinitum Pelo contraacuterio devemos comὂὄἷἷὀἶἷὄΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὁΝgἷὄalΝἵὁmὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtaὀtὁΝumΝὃuaὀtὁΝmήltiὂlὁΝὀὁΝmἷὅmὁΝὀiacutevἷlΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝiὅtὁΝὧΝὀὁΝὀiacutevἷlΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἂ)έ
111 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
homem como um o boi como um o belo como um e o bem como um Eacute sobre essas hecircnadas e sobre coisas desse tipo que muito rigor aliado agrave divisatildeo gera controveacutersia Prot Como
Ω Ὁπσ αθ παῖ v η θ ΰδΰθκηΫθπθ εα πκζζυηΫθπθ δμ δγ αδ εαγΪπ λ λ έπμ η ῖμ πκη θ θ αυγκῖ η θ ΰ λ εα κδκυ κθ θ π λ
πκη θ θυθ ά γΰε ξυλβ αδ η ῖθ ζΫΰξ δθ αθ Ϋ δμ θα θγλππκθ πδξ δλ έγ γαδ εα ίκ θ θα εα εαζσθ θ εα ΰαγ θ θ π λ κτ πθ
θ θ πθ εα θ πκδκτ πθ πκζζ πκυ η δαδλΫ πμ ηφδ ίά β δμ ΰέΰθ αδ
ΠΡΩ Π μ (15a1-8)
Aqui mais uma vez o paralelismo com o Parmecircnides eacute visiacutevel Natildeo haacute nada de
espantoso em algueacutem dizer que os sensiacuteveis satildeo simultaneamente um muacuteltiplos natildeo haveria
ὀaἶaΝ ἶἷΝ ἷὅὂaὀtὁὅὁΝ aiacuteΝ ἵὁmὁΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅμΝ ldquo(έέέ)Ν ἶiὄἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷmὁὀὅtὄaΝ ὃuἷΝ algὁΝ ὧΝ
muacuteltiplas coisas e um natildeo que o um eacute muacuteltiplas coisas nem que o muacuteltiplo eacute um e que natildeo
ἶiὐΝὀaἶaΝἶἷΝἷὅὂaὀtὁὅὁΝmaὅΝἵὁiὅaὅΝἵὁmΝὃuἷΝtὁἶὁὅΝἵὁὀἵὁὄἶaὄiacuteamὁὅrdquoΝ(1ἀλἶἃ-8) mas dizer que
os gecircneros e as formas satildeo afetadas por contraacuterios isso sim seria espantoso Se algueacutem
separa as formas mesmas em si mesmas umas das outras demonstrando que podem ser
misturadas e separadas isso sim demonstraria espanto (129 c4ndashd6) A aparente contradiccedilatildeo
natildeo nos deve levar a considerar uma diferenccedila tudo que nosso diaacutelogo diz eacute que devemos
fugir desses paradoxos porque agora (no Filebo) o muacuteltiplo natildeo corresponde a predicados
contraacuterios mas a partes que satildeo ao mesmo tempo membros e que fazem parte de um
mesmo niacutevel ontoloacutegico isto eacute ao sensiacutevel No Filebo os predicados contraacuterios um e muacuteltiplo
dizem respeito agravequilo que satildeo em si mesmos Jaacute natildeo podemos separaacute-los em dois niacuteveis
ontoloacutegicos diferentes mas devemos analisaacute-los em um mesmo niacutevel o inteligiacutevel Devemos
pois consideraacute-los como duas ideias diferentes segundo uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo agraves quais
uma mesma coisa deve ser considerada Um e muacuteltiplo pertencem ambos a um mesmo niacutevel
ontoloacutegico tanto no sensiacutevel enquanto um todo composto de partes quanto no inteligiacutevel em
termos da relaccedilatildeo de participaccedilatildeo no um e no muacuteltiplo
A abordagem contida na passagem supracitada eacute extremamente relevante para a
compreensatildeo do sentido da argumentaccedilatildeo como tambeacutem do que se segue Natildeo se trata de
desmerecer a questatildeo mesmo que os qualificativos utilizados natildeo sejam os melhores mas
sim de utilizar uma discussatildeo que era tambeacutem complexa e que agora passa a ser vista de
maneira mais simples analogamente agraves questotildees seacuterias por isso a linguagem utilizada eacute a
mesma embora os niacuteveis ontoloacutegicos sejam diferentes Mesmo que a discussatildeo anterior seja
viὅtaΝἵὁmὁΝldquoὂuἷὄilrdquoΝἷlaΝjὠΝὂὄἷὂaὄa o terreno para as consideraccedilotildees acerca do meacutetodo que seratildeo
desenvolvidas logo a seguir e os problemas mais seacuterios do um e do muacuteltiplo
Dixsaut (2001) nos chama atenccedilatildeo quanto a presenccedila do verbo έγ αδ έγ γαδ (Cf
15a2 15a5) (postularcolocar) As unidades a serem dividas natildeo satildeo dadas mas deveratildeo
112 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ainda serem postuladas Tanto bem como belo se encontram no mesmo plano que o boi e o
homem (neste caso omite-se o artigo) Os uacuteltimos satildeo seres em devir satildeo os homens e os
bois Ao serem colocados como unidades oferece-lhes um modo de ser (essecircncia) que lhes
configura como termos pensaacuteveis estruturaacuteveis divisiacuteveis De tal forma dessas hecircnadas
seria possiacutevel dizer jaacute num primeiro momento que essas satildeo Formas (p 290) Sobre isso ela
ainda diz
Isto eacute verdade mas insuficiente diante de uma abordagem adequada do texto o problema eacute o embaraccedilo criado pela identidade do uno e do muacuteltiplo identidade que eacute a condiccedilatildeo de todo loacutegos (discurso) dito de outro modo de toda linguagem e de todo o pensamento Natildeo eacute aceitaacutevel dizer que o homem eacute o bem ou que o homem eacute o belo isto implicaria restringir um ou outro No entanto como essas unidades podem ser tidas como unas e divisiacuteveis e portanto muacuteltiplas Submeter as unidades a uma divisatildeo imediata eacute algo problemaacutetico (DIXSAUT 2001 p 291)
Como se pode notar a proacutepria origem dessas unidades eacute controversa assim como o
modo como Soacutecrates a seguir descreve os problemas relacionados a tais unidades Talvez
esse seja uma das passagens mais complicadas do texto
Soc Em primeiro lugar eacute preciso supor se tais unidades realmente existem em seguida como essas ndash cada uma sendo sempre a mesma e natildeo submetida nem ao vir a ser nem ao deixar de ser ndash satildeo entretanto seguramente essa uma e se devemos supor depois disso que nas coisas que vecircm a ser e satildeo ilimitadas ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa uma vindo a ser simultaneamente no um e no muacuteltiplo Satildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas quando se chega tem-se um caminho sem obstaacuteculos (15b1-c4) Ω Πλ κθ η θ δθαμ ῖ κδατ αμ θαδ ηκθΪ αμ πκζαηίΪθ δθ ζβγ μ κ αμ α π μ α ατ αμ ηέαθ εΪμ βθ κ αθ θ α θ εα ηά ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ βθ η κ rsquoΝ θ κῖμ ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ
ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ ΰέΰθ γαδ α rsquoΝ δ π λ
κδα α θ εα πκζζΪ ζζrsquoΝκ ε ε δθα Πλυ αλξ πΪ βμ πκλέαμ α δα η εαζ μ ηκζκΰβγΫθ α εα πκλέαμ [ θ] α εαζ μ (15b1-c4)
A passagem colocou em duacutevida durante seacuteculos muitos estudiosos160 ao ponto de
postularem trecircs indagaccedilotildees quantos problemas satildeo mencionados no mesmo trecho Quais
160 Entre o grupo dos partidaacuterios de duas questotildees encontram-se Hackforth (1945) Frede (1993) Waterfield (1982) Casertano (1989) No grupo daqueles que defendem trecircs questotildees Hahn (1978)
113 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
problemas satildeo esses E que relaccedilatildeo esse trecho teria com o meacutetodo descrito a seguir em 16
c5-17 a5 Alguns creem que haacute dois problemas e preferem assim dividir o texto em duas
partes outros que haacute trecircs e dividem o texto em trecircs partes Uma visatildeo interpretativa mais
grosseira poderia postular que o texto seria extremamente desproporcional se fosse divido
em apenas duas questotildees mas o argumento eacute insuficiente diante da complexidade do texto
Haacute ainda que examinar o conteuacutedo de cada questatildeo tanto por um aspecto filoloacutegico quanto
pelos conteuacutedos filosoacuteficos que elas exprimem Creio dentre as intepretaccedilotildees analisadas que
a de Carpenter (2009) de Dixsaut (2001) e de Muniz amp Rudebusch (2004 2007) explicam
mais pormenorizadamente a questatildeo e procuram resgatar o sentido original do texto sem
propor emendas clarividecircncias ou mesmo revisotildees gramaticais Pelo contraacuterio retomam as
passagens anteriores os antecedentes gramaticais de pronomes recorrendo agraves braquilogias
de acordo com sentenccedilas anteriores do proacuteprio texto e estabelece uma distinccedilatildeo plausiacutevel
entre dois termos que causam confusatildeo nos inteacuterpretes a saber ηκθΪ αμ e θΪ πθ (cf
MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 26)
ἢὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵὁὀfὁὄmἷΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀλἀ)Ν ldquoΠλ κθ η ῖ α η κ
articulariam claramente trecircs teses161 E afirma que ningueacutem duvidaria da primeira e da terceira
questatildeo (controveacutersia) caso a segunda questatildeo natildeo colocasse em duacutevida as outras duas A
primeira questatildeo (controversa) proposta natildeo suscita muitas duacutevidas trata-se de supor se tais
unidades (mocircnadas) realmente existem ( ζβγ μ κ αμ)162 A qual delas devemos conceder
Casper (1977) Dancy (1984) Benitez (1989) Bernadete (1993) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Dixsaut (2001) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ide (2002) Carpenter (2009) Mirhady (1992) vecirc uma uacutenica questatildeo dividida em trecircs partes Para uma descriccedilatildeo de todas as posiccedilotildees e de seus partidaacuterios ver Dancy (1984) Hahn (1978) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) 161 Trecircs argumentos podem ser utilizados para confirmar a tese das trecircs questotildees (i) as conjunccedilotildees Πλ κθ η ῖ α η κ recorrentemente usadas por Platatildeo denotam enumeraccedilatildeo em trecircs termos o que jaacute seria suficiente para provar tal divisatildeo (ii) a presenccedila dos trecircs verbos no infinitivo regidos por πκζαηίΪθ δθ ( θαδ θαδ e ΰέΰθ γαδ) um em cada parte (iii) as duas ocorrecircncias da partiacutecula adversativa α sendo que cada uma marcaria o iniacutecio de uma nova etapa Sobre isso ver Mirhady (1992 p 173 174ss) e Delcomminette (2006 p 57) Delcomminette apresenta ainda dois argumentos (filosoacuteficos) para a recusa leitura em trecircs teses (i) ela natildeo faria sentido com a discussatildeo precedente sobre a seriedade necessaacuteria ao problema do um e do muacuteltiplo isto eacute que o prazer esteja contido nesse tipo ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝldquoὅὧὄiardquoΝἶὁΝumΝἷΝἶὁΝmήltiὂlὁΝἶἷmὁὀὅtὄaὄiaΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἶὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝdisse anteriormente daiacute natildeo faria o menor sentido toda a argumentaccedilatildeo anteriormente desenvolvida ela natildeo teria a menor relevacircncia A leitura em duas questotildees natildeo permitiria nenhuma conexatildeo com esses aspectos anteriores (ii) aleacutem do mais ela natildeo teria relaccedilatildeo com a passagem anterior acerca da divisatildeo embora Soacutecrates trate dos problemas decorrentes da pratica da divisatildeo (15a6-7) Deste modo como propotildee a interpretaccedilatildeo em duas questotildees esta passagem seria uma digressatildeo que natildeo se integraria efetivamente agrave progressatildeo argumentativa do diaacutelogo (2006 p 57-58) 162 Dixsaut (2001) prefere traduzir δμ ὂὁὄΝldquoὃuaiὅrdquoέΝἥἷguὀἶὁΝaΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὀἷὀhumΝἶiὠlὁgὁΝatὧΝἷὀtatildeὁΝteria feito tal equivalecircncia pois se trata de saber aqui (15b1) quais unidades julgamos ser necessaacuterio atὄiἴuiὄΝ umaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaέΝ ἓlaΝ tamἴὧmΝ ἵὁὀὅἷὄvaΝ ὁΝ tἷὄmὁΝ ldquo ηπμrdquoΝ (ἵὁὀtuἶὁΝ aὂἷὅaὄΝ ἶἷΝ ὀὁΝentanto) (15b4) dos manuscritos muitas vezes corrigidos pelos tradutores por ζπμ (inteiro perfeito ἵὁmὂlἷtὁΝgἷὄalmἷὀtἷ)Ν ἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)έΝεuὀiὐΝ tὄaἶuὐμΝ ldquo(έέέ)ΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὅuὂὁὄΝὅἷΝ taiὅΝ
114 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
uma verdadeira existecircncia Soacutecrates jaacute natildeo hesita mais sobre esse ponto (Cf Prm130b7-c6)
No Filebo natildeo se passa de outro modo A mesma questatildeo volta a ser colocada Devemos
conceder uma existecircncia verdadeira uniforme impereciacutevel engendrada isto eacute
necessariamente admitir uma forma uacutenica (hecircnada) para o Belo o Bem mas por que Homem
e Boi
Para isso talvez seja necessaacuterio recorrer agraves explicaccedilotildees de Muniz amp Rudebusch (2007
p 133) acerca da forma como ele busca clarificar as trecircs controveacutersias A fim de responder a
primeira delas primeiramente ele divide a partir da distinccedilatildeo de Soacutecrates os dois modos de
lidar com o problema do um e do muacuteltiploΝaὃuἷlἷΝldquoὂuἷὄilrdquoΝὃuἷΝεuὀiὐΝamp Rudebusch (2007)
ἶἷὀὁmiὀamΝldquovulgaὄrdquoΝἷΝὃuἷΝἵauὅaΝumaΝὅὧὄiἷΝἶἷΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὡΝἶialὧtiἵaΝaὁΝliἶaὄΝἵὁmΝὁὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝ
particulares aquele um que eacute todos os membros e todas as partes (vaacuterios prazeres e que se
ἶἷὀὁmiὀamΝἵὁmὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquo)Νpertencente ao domiacutenio das coisas em devir e um outro que ele
ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoέ
Os casos natildeo-vulgares ou aristocraacuteticos do um satildeo aqueles que possuem relaccedilatildeo com
o Belo o Bom e como bem notado por Muniz amp Rudebusch (2007) o um homem o um boi
que nem vecircm a ser nem deixam de ser (15a4-6) Eacute por essas hecircnadas que Soacutecrates
ἶἷmὁὀὅtὄaΝtamaὀhὁΝὐἷlὁΝ(ldquoπ λ κτ πθ θ θΪ πθ εα θ κδκτ πθ πκζζ πκυ 15a5-
ἄ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅἷΝ ὄἷfἷὄἷΝ aΝ ἷlaὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoἷὅὅaὅΝ hecircὀaἶaὅrdquoέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἷὅὅaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ parece
consoante com o que foi dito sobre o Prazer a Cor e a Figura Em nenhum momento estas
uacuteltimas satildeo postas em questatildeo por isso segundo o teoacuterico ainda natildeo haacute controveacutersia ela soacute
existiraacute agrave medida em que se propotildee a divisatildeo (p 133-134) Nos casos aristocraacuteticos a divisatildeo
se torna controveacutersia mas nos casos vulgares natildeo Vale lembrar tambeacutem que o zelo em
relaccedilatildeo agraves Formas nos outros diaacutelogos (Repuacuteblica Banquete) quanto agrave sua existecircncia
contrapotildee-se agrave ignoracircncia vulgar dos natildeo-filoacutesofos que natildeo reconhecem a existecircncia das
unidades ὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷmΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἃἴ1-2) (2012 p 36) Delcomminette (2006 p 60) por exemplo discorda da traduccedilatildeo de DixsautΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥἷguὀἶὁΝἒixὅautΝ(ἀίί1)Ν δμΝἷὃuivalἷὄiaΝaὃuiΝὂaὄaΝὁΝlatimΝsi quis et tὄaἶuὐiἶὁΝὂὁὄΝlsquoὃualrsquoέΝἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὅἷὄiaΝὂὁὄtaὀtὁΝὅaἴἷὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝjulgaὄiacuteamὁὅΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝconceder uma existecircncia verdadeira Eacute por isso que ela propotildee a seguinte traduccedilatildeo desse primeiro ὂὄὁἴlἷmaμΝ lsquoἷmΝὂὄimἷiὄὁΝ lugaὄΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝ[mὲὀaἶaὅ]ΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrsquoΝ ὁΝ ὃuἷΝ aὂὁὀtaὄiaΝ ὂaὄaΝ ὁΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶaΝ lsquoἷxtἷὀὅatildeὁΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ἶaὅΝ IἶἷiaὅrsquoΝ mἷὀἵiὁὀaἶὁΝ ὀὁΝParmecircnides 130b8-e4 Se eacute verdade que essa leitura eacute possiacutevel ( δμ equivale perfeitamente a έμ cf Kuumlhner et Gerth (1904) pp 573ndash574) ela natildeo eacute necessaacuteria e nos parece ainda mais difiacutecil de conciliar com a repeticcedilatildeo θαδ ζβγ μ κ αμ κ (M Dixsaut traduziu com efeito como se o texto portasse simplesmente ζβγ μ θαδ)έΝ ἏἶἷmaiὅΝ aΝ tὄaἶuὦatildeὁΝ ἷxataΝ ἵὁmΝ ἷὅὅaΝ ἵὁὀὅtὄuὦatildeὁΝ ὅἷὄiaμΝ lsquoὧΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝὄἷalmἷὀtἷΝὅatildeὁΝὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷὀtἷὅrsquoΝὁΝὃuἷΝὂἷὄmitiὄiaΝἷὀtἷὀἶἷὄΝque outras unidades desse tipo (portanto outras unidades inteligiacuteveis) natildeo seriam realmente existentes ndash ἷmἴὁὄaΝaiὀἶaΝἷxiὅtamΝἶἷΝἵἷὄtὁΝmὁἶὁςrdquoΝἥἷjaΝἵὁmὁΝfὁὄΝvἷὄἷmὁὅΝmaiὅΝtaὄἶἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝὂἷὀὅamὁὅΝὃuἷΝ δθαμΝaὂἷὀaὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝcertas Ideacuteias Muniz (2012) tὄaἶuὐΝἵὁmὁΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝldquoὧΝὂὄἷἵiὅὁΝsupor se tais unidades ἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrdquoέΝἑὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὰΝhὠΝumΝἶἷὅaἵὁὄἶὁΝὃuaὀtὁΝὡΝ tὄaἶuὦatildeὁΝmas como diz o proacuteprio Delcomminette (2006) que mais adiante em seu comentaacuterio agrave primeira controveacutersia eacute possiacutevel notar que se trata de apenas algumas ideias
115 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
mesmas (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 134) O zelo se ausenta no Filebo Antes o termo
utilizado para tratar das divisotildees foi δ ζ θ (14e1) agora o termo utilizado eacute δαδλΫ πμ isto
eacute trata-se de dividir pelo discurso essas hecircnadas e natildeo operar uma divisatildeo especializada
entre gecircneros e espeacutecies pois naquele caso (vulgar) (14e) nem Protarco nem Homem satildeo
gecircneros Logo podemos afirmar como Muniz amp RudebuschΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν ὀatildeὁΝ ὧΝ ὁΝ
estabelecimento de hecircnadas que produz a controveacutersia mas antes a tentativa de dividi-laὅrdquoΝ
(2007 p 34)
ἏΝ ἶiviὅatildeὁΝ vulgaὄΝ ὂὄὁἶuὐiaΝ ὄἷὅultaἶὁὅΝ ἵὁmὁΝ aὃuἷlἷὅΝ ldquoἢὄὁtaὄἵὁΝ ὧΝ umΝ ἷΝ mήltiὂlὁὅΝ
ἢὄὁtaὄἵὁὅrdquoΝaltὁΝἴaixὁΝἷtἵΝ(1ἂἵ11-1ἁ)έΝἏὂἷὅaὄΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquohecircὀaἶardquoΝὅὰΝaὂaὄἷἵἷὄΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝ
em 15a6 esse tipo de divisatildeo jaacute tinha sido preacute-anunciada pelo proacuteprio Soacutecrates em 14d1-4
ao dividir Homem em Homem Temperante e Homem Intemperante Homem Tolo e Homem
Saacutebio como tambeacutem ao se dividir Prazer em Prazer Moderado e Prazer Imoderado Prazer
Saacutebio e Prazer Tolo dentre outros Por isso eacute que surgiu a controveacutersia ( ηφδ ίά β δμ 15a7)
o prazer embora sendo uacutenico assume diversas formas diferentes umas das outras e ateacute
contraacuterias fato que pode ser ilustrado pelo exemplo das cores e das figuras (formas
geomeacutetricas163) (12c-13d)
Outro fato notaacutevel como nos alegam Muniz amp Rudebusch eacute que a controveacutersia soacute
ὅuὄgἷΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ litἷὄalmἷὀtἷΝ ὃuaὀἶὁΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὅἷΝ ὄἷἵuὅaΝ ὡΝ ἶiviὅatildeὁΝ
requerida por Soacutecrates dos prazeres em bons e maus prazeres (13b6-ἵἀ)μΝldquoἷmἴὁὄaΝἥὰἵὄatἷὅΝ
natildeo descreva deste modo o impasse entendemos que o zelo com que ambos comeccedilaram
tἷὀhaΝὀἷὅtἷΝὂὁὀtὁΝὅἷΝtὁὄὀaἶὁΝlsquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiarsquordquoΝ( ηφδ ίά β δμ 15a7) (2007 p 135) O artifiacutecio
ὅὁἵὄὠtiἵὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ὧΝ ἵὁlὁἵaὄΝ ἷmΝ ldquoaὂaὄἷὀtἷrdquoΝ ὂὧΝ ἶἷΝ igualἶaἶἷΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷΝ
conhecimentos ao que Protarco assente salientando um acordo comum Mas vejamos ainda
natildeo se contrapotildeem unidade e multiplicidade explicitamente apenas satildeo ressaltadas
pluralidades anaacutelogas Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)ΝἶἷὅtaἵamΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝldquoaἶiἵiὁὀalmἷὀtἷrdquoΝ
( δ η ζζκθ) em 14c1 na exortaccedilatildeo socraacutetica logo no iniacutecio da discussatildeo sobre o problema do
um e do muacuteltiplo isto eacute sobre a necessidade de se estabelecer que tipo de princiacutepio um deve
ser levado em conta ao dizer que tanto prazeres quanto conhecimentos satildeo um e muacuteltiplos
(p 136) Logo uma hecircnada Homem eacute muitos Homens Homem Saacutebio e Homem Tolo Homem
Tolo Homem Moderado e Homem Imoderado e assim por diante (12c8-d4) o mesmo se
aplica agrave Cor e agraves Figuras Mas como dizem Muniz amp RudebuschΝ ldquoalὧmΝἶiὅὅὁΝὧΝἶe suma
relevacircncia para o Filebo ἵὁmὁΝumΝtὁἶὁΝὅatildeὁΝἷviἶἷὀtἷmἷὀtἷΝaὅΝhecircὀaἶaὅΝἢὄaὐἷὄΝἷΝἥaἴἷἶὁὄiardquoΝ
(2007 p 136)
Diante do que foi dito anteriormente eacute possiacutevel compreender o sentido da primeira
controveacutersia e porque ela natildeo nos gera tantos problemas Perante agrave indagaccedilatildeo de Protarco a
163 Cf Men 74d-e
116 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Soacutecrates sobre a que tipo de um ele se refere expressa pela pergunta π μ (Como) (15b1)
Soacutecrates responde que devemos supor se tais mocircnadas existem verdadeiramente (15b1-2)
Vale ressaltar que aqui natildeo se trata de um reconhecimento acerca das ideias serem ou natildeo
unidades as ideias satildeo unidades porque elas satildeo colocadas como tais satildeo postuladas
ἷὀὃuaὀtὁΝ uὀiἶaἶἷὅΝ ἷmΝ ὅiέΝ Ν ἏΝ ὂἷὄguὀtaΝ ὀἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ tamἴὧmΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ aὃuἷlaμΝ ldquoaὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ
ἷxiὅtἷmςrdquoΝἡuΝὅἷjaΝὅὁἴὄἷΝὁΝἷὅtatutὁΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝἶἷὅtaὅΝmaὅΝldquoἷὅtamὁὅΝἵὁὄὄἷtὁὅΝἷmΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝ
taiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷςrdquoΝἏlgὁΝtamἴὧmΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝὁἴjἷtὁΝἶἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὧΝὁΝuὅὁΝ
num primeiro momento do termo hecircnadas (15a6) e o uso do termo mocircnadas logo em seguida
a ponto de supormos que se tratam de coisas completamente iguais
Nesse sentido eacute preciso recorrer novamente ao contexto da discussatildeo para fazer uma
devida distinccedilatildeo entre essas hecircnadas Homem Boi Prazer Sabedoria e as mocircnadas que natildeo
satildeo termos intercambiaacuteveis Primeiramente porque Soacutecrates jaacute teria explicado essa distinccedilatildeo
(12c7-8) ao dizer que o prazer soa aos ouvidos como uma coisa uacutenica ( θ δ) mas que por
outro lado ele assume diversas formas (ηκλφ μ) dessemelhantes umas das outras como
tambeacutem ao dizer que pelo gecircnero (ΰΫθ δ) todas essas coisas (prazer cor figura) satildeo um todo
mas que pelas partes (ηΫλβ) satildeo contraacuterias umas agraves outras e apresentam incontaacuteveis
diferenccedilas (12e7-9) Outra questatildeo importante eacute que o uso dessa palavra (hecircnada) ocorre
somente uma vez no Filebo em 15a6 ao contraacuterio de mocircnada Assim tudo parece indicar
que a diferenciaccedilatildeo natildeo eacute circunstancial ela possui um sentido na passagem Podemos crer
ἵὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝεuὀiὐΝ(ἀίίἅΝὂέΝ1ἁἅ)ΝὃuἷΝldquoὀatildeὁΝhὠΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtivἷὅὅἷΝἵuὀhaἶὁΝumaΝ
nova palavra hecircnada se pretendia utilizaacute-la de forma intercambiaacutevel com a palavra jaacute
estabelecida mocircnada164 Portanto como bem explicam Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)Ν ldquo(έέέ)ΝaΝ
ὂalavὄaΝlsquohecircὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὁΝum de uma unidadeΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝὂalavὄaΝlsquomὲὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὂὁὄΝὅuaΝ
vez a separaccedilatildeo () de uma unidade com relaccedilatildeo a outras unidades ndash assim o modo como
interpretamos este significado o resultado de uma divisatildeordquoΝ(ὂέΝ1ἁἅ)έΝValἷΝlἷmἴὄaὄΝtamἴὧmΝὃuἷΝ
as hecircnadas (Prazer e Sabedoria) nunca satildeo postas em discussatildeo por nenhum dos
interlocutores logo a η δαδλΫ πμ de 15a7 natildeo diz respeito agraves hecircnadas divididas como
evidencia Munizamp Rudebusch mas ao resultado dessa divisatildeo (mocircnadas) (2007 p 138)
Se pela divisatildeo da hecircnada Homem em Homem Imoderado e Homem Moderado e
assim por diante o ldquoὐἷlὁΝ aὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ tὁὄὀa-se controveacutersia devemos supor se essas
mocircnadas (Homem Imoderado Homem Moderado etc) realmente existem Deste modo a
164 εuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷxὂliἵamΝἷmΝumaΝὀὁtaΝἶὁΝaὄtigὁΝ(ὀέΝἀλ)ΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝaὂaὄἷἵἷΝpela primeira vez no grego que sobreviveu ateacute em noacutes em 15a6 (embora seja encontrada em testimonia de Pitaacutegoras Zenatildeo e Xenoacutecrates) Os autores ainda nos chamam atenccedilatildeo ao dizerem que a ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝ ὅuὂὄaἵitaἶaΝ ἶὁΝ tἷὄmὁΝ ὧΝ aΝ ήὀiἵaΝ ἷmΝ ἢlatatildeὁΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶἷΝ ldquomὲὀaἶardquoΝ ὃuἷΝ ὂὁἶἷΝ ὅἷὄΝencontrada em outros textos do autor e tambeacutem em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepedes (p 137) Na sua tὄaἶuὦatildeὁΝἶὁΝὄἷfἷὄiἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷlἷΝ(εuὀiὐ)ΝἷmΝὁutὄaΝὀὁtaΝ(ὀέΝλ)ΝἶiὐΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝὧΝumΝhὠὂaxΝ(palavra ou expressatildeo de que soacute existe uma uacutenica abonaccedilatildeo nos registros da liacutengua) (2012 p 212)
117 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
controveacutersia parece fazer mais sentido Fica claro entatildeo que natildeo se trata da existecircncia ou
natildeo da hecircnada Prazer mas da realidade das mocircnadas (Prazer Imoderado Prazer Moderado)
Como jaacute dissemos vale lembrar que ainda que Protarco reconheccedila as dessemelhanccedilas e
oposiccedilotildees entre prazeres ele eacute incapaz de reconhecer os intermediaacuterios natildeo importa se o
prazer do intemperante eacute a intemperanccedila e a do moderado eacute a moderaccedilatildeo todos satildeo
ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ldquo(έέέ)Ν κ rsquoΝ λα κθ θ κθ μ δΪφκλκθ (έέέέ)rdquo165 (13c7) Algo tambeacutem que muitas
vezes pode passar desapercebido Soacutecrates tambeacutem natildeo tem como objetivo (em 12c8-d4)
postular a existecircncia de mocircnadas individuais e separadas da hecircnada Prazer como Prazer do
Saacutebio e do Tolo lembre-se que ele atesta a complexidade (πκδεέζκθ 12c4) caracteriacutestica do
ὂὄaὐἷὄΝὁΝὃuἷΝjuὅtifiἵaὄiaΝὅἷuΝldquomἷἶὁrdquoΝ( Ϋκμ) ἷΝΝldquotἷmὁὄrdquoΝ(φσίκθ)166 ndash que ultrapassa o limite do
humano ndash maὀifἷὅtὁΝἷmΝ1ἀἵ1ΝaὁΝtὄataὄΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝ
(Prazer) isto porque o intemperante o saacutebio o moderado todos eles se referem ao Prazer
de acordo com sua proacutepria compreensatildeo ou seja afiὄmamΝὃuἷΝὁΝὅἷuΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝὁΝ
divinizam da forma como lhes aprouver
Dito isso fica mais faacutecil compreender do que se trata a primeira controveacutersia trata-se
de analisar se essas mocircnadas realmente possuem existecircncia (Prazer Imoderado Prazer
Moderado) natildeo a hecircnada Prazer em si se dividindo mas aquilo que lhe eacute adicionado isto eacute
as mocircnadas individuais e distintas resultantes dessa divisatildeo tais como Prazer Imoderado e
Prazer Moderado sobre as quais Protarco teria manifestado sua profunda descrenccedila (13c5)
ἏΝὅἷguὀἶaΝὃuἷὅtatildeὁΝ(ἵὁὀtὄὁvὧὄὅia)ΝὅἷguἷΝἶiὐἷὀἶὁΝὁΝὅἷguiὀtἷμΝldquoἵὁmὁΝἷὅὅaὅΝἵaἶaΝumaΝ
delas sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem ao vir a ser nem ao deixar de ser satildeo
ὅἷguὄamἷὀtἷΝ ἷὅὅaΝ umardquoΝ ( α π μ α ατ αμ ηέαθ εα βθ κ αθ θ υ θ εα ηά
ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ θ)rdquoΝ (1ἃἴἀ-4) Eacute
necessaacuterio identificar corretamente a que se refere lsquoessasrsquo ( ατ αμ) no plural e aquilo que lhe
eacute contrastante no singular (ηέαθ ατ θ) de tal modo que se possa relacionar o conteuacutedo desta
165 ldquo(έέέ)ΝὀatildeὁΝhὠΝὀἷὀhumaΝἶifἷὄἷὀὦaΝἷὀtὄἷΝumΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὁutὄὁΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἁἵἅ)έ 166 ἒἷvἷmὁὅΝ ἵὁὀἵὁὄἶaὄΝ ἵὁmΝ ἦὁὄὄἷὅΝ εὁὄalἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ὀὁὅΝ ἷxὂliἵaΝ ὃuἷμΝ ldquoὂaὄἷἵἷΝ ὃuἷΝ ἷxiὅtἷΝ umaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝlsquoφσίκμrsquoΝἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὃuἷΝtὄaἶuὐimὁὅΝὂaὄaΝὁΝlsquotἷmὁὄrsquoΝἷΝlsquomἷἶὁrsquoΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷέΝἡΝtἷὄmὁΝlsquo ΫκμrsquoΝὂaὄἷἵἷΝἶἷὅigὀaὄΝmἷἶὁΝὁuΝmἷἶὁΝἷmΝtἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝἷὀὃuaὀtὁΝlsquoφσίκμrsquoΝὅἷὄiaΝumaΝἵὁὀἵὄἷὦatildeὁΝὁuΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁέΝἧmaΝἶaὅΝἷtimὁlὁgiaὅΝἶἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὄἷfἷὄἷ-ὅἷΝaΝlsquo Ϋδ κ-rsquoΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝἶiὅjuὀὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἵamiὀhὁὅΝἷΝἷὅtὠΝviὀἵulaἶaΝ (έέέ)Ν ἵὁmΝaΝὂalavὄaΝ lsquoἶilἷmarsquoέΝEacuteΝὁΝἵaὅὁΝἶἷΝὃuἷὅtiὁὀaὄΝὃualΝὧΝὁΝὅignificado do medo ὅὁἵὄὠtiἵὁΝὃuἷΝlsquoὅuὂἷὄarsquoΝ(umΝtἷὄmὁΝὃuἷΝὅἷΝtὄaἶuὐΝἵὁmὁΝlsquoπΫλαrsquoΝὁΝὃuἷΝὀὁὅΝlἷmἴὄaΝἶἷΝlsquoπΫλαμrsquoΝ(limitἷ)ΝἷΝsignifica de fato estar aleacutem do limite) o humano Se considerarmos todo o argumento socraacutetico veremos como o medo de Soacutecrates pode ser entendido como superior ao medo humano porque enquanto os homens temem a divindade como algo sobre-humano e eterno Soacutecrates por sua vez tem medo da divinizaccedilatildeo do prazer porquanto conhece sua natureza e sabe que ele eacute algo instaacutevel em mudanccedila e como mostraraacute todo o argumento do diaacutelogo ilimitado Como veremos o exerciacutecio argumentativo socraacutetico tem uma clara intenccedilatildeo desmistificadora da figura do prazer da divindade que eacute o fundo do discurso de Filebo e em outro sentido de Protarco Sua estrateacutegia consistiraacute em colocar ὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὅἷuΝlugaὄΝἵὁὄὄἷὅὂὁὀἶἷὀtἷΝἷmΝtuἶὁΝἷΝὀaΝviἶaΝhumaὀardquoΝ(ἀί1ἀΝὂέΝἀ1ἁ)έ
118 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
controveacutersia com a primeira e a terceira De que forma essa exposiccedilatildeo metafiacutesica pode ser
relacionada com a passagem anterior sobre a hecircnadas Prazer e Sabedoria e
consequentemente com o resultado de suas divisotildees (mocircnadas)
Diante do que foi dito acerca da primeira controveacutersia podemos afirmar que ατ αμ
no plural refere-se a tais mocircnadas (15b1) Homem Imoderado Homem Intemperante Prazer
Saacutebio dentre outras Jaacute ηέαθ ατ θ diz respeito a essas hecircnadas (15a6) como Homem
Prazer deste modo acatamos o resumo feito por Munizamp Rudebusch (2007) dessa segunda
controveacutersia
Como essas mocircnadas (por exemplo Homem Moderado e Imoderado) ndash cada uma sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem a vir a ser nem a deixar de ser (por exemplo a mocircnada Homem Imoderado eacute sempre Homem Imoderado e nunca se torna Homem Moderado nem deixa de ser Homem Imoderado) ndash satildeo entretanto de forma soacutelida essa hecircnada (por exemplo Homem) (p 139)
Se retomamos o que foi dito acerca da primeira controveacutersia tal resumo faz todo o
sentido Anteriormente Protarco rejeitou a existecircncia de tais mocircnadas separadas e diversas
mas aqui elas fazem todo o sentido Sentido este que Soacutecrates implicitamente jaacute havia se
referido e que jaacute dava sinais com sua alusatildeo agrave tese surpreendente (γαυηα θ 14c7-8) com
relaccedilatildeo ao um e aos muitos agora melhor configurada isto eacute na possibilidade de admitirmos
a existecircncia de tais mocircnadas aleacutem da existecircncia das mocircnadas Logo o que torna objeto de
controveacutersia satildeo essas mocircnadas que natildeo estatildeo sujeitas ao vir a ser e ao deixar de ser como
ἶiὄatildeὁΝεuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷὅὅaΝὧΝaΝvἷὄὅatildeὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵardquoΝ(ώὁmἷmΝἑὁὄΝἔiguὄa)ΝἶὁΝumΝ
e natildeo a vulgar de Protarco (vaacuterios Protarcos alto baixo etc) (p 140) Pois natildeo haacute nada de
espantoso que o vir a ser e o deixar de ser sejam instaacuteveis dito de outro modo o
conhecimento se torna impossiacutevel deste modo Mas o espanto se daacute em relaccedilatildeo agrave mocircnada
estaacutevel igual imutaacutevel objeto apropriado de conhecimento como ela pode ser entretanto
uma hecircnada e secirc-laΝἶἷὅtaΝ fὁὄmaΝldquoὅὰliἶardquoΝ (ί ίαδσ α α) (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p
140)167
167 ἒixὅautΝ ὂaὄἷἵἷΝ iὄΝ ὀaΝ mἷὅmaΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ ὃuaὀἶὁΝ ὂὄὁὂὴἷμΝ ldquoἵaἶaΝ umaΝ ἶaὅΝ mὲὀaἶaὅΝ ἵujaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝverdadeira eacute postulada vecirc-se atribuir o mesmo modo de existecircncia cada uma eacute uacutenica sempre o mesmo que ela proacutepria natildeo-gerada e incorruptiacutevel Unidade Identidade eternidade e imutabilidade satildeo caracteriacutesticas que apresentam toda existecircncia verdadeira (a de qualquer mocircnada de qualquer Forma que seja) Mas mesmo se todas as mocircnadas (que aceitemos postular) existem da mesma maneira eacute necessaacuterio considerar como cada uma delas pode ser mais firmemente essa mocircnada uacutenica isso significa essa unidade singular que ela eacute (o que justifica a presenccedila e o lugar de ατ βθ) A identidade de cada uma com ela mesma natildeo leva a sua identidade com todas as outras ndash como seria esse o caso ὅἷΝfὁὅὅἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝaὄitmὧtiἵaμΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝaὄitmὧtiἵaΝvulgaὄΝaἶiἵiὁὀaΝaὅΝldquomὲὀaἶaὅΝἶἷὅiguaiὅrdquoΝἵὁmὁΝdois exeacutercitos ou dois bois a aritmeacutetica filosoacuteficaΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝaΝὁὂἷὄaὄΝ ldquoὅἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁὅtulaὄΝὃuἷΝἵaἶaΝmocircnada natildeo difere de cada uma das inumeraacuteveis mocircnadas e que nenhuma delas difere uma da outra (56e2-3) A aritmeacutetica filosoacutefica suprime as diferenccedilas sensiacuteveis mas a dialeacutetica deve postular as
119 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
A terceira questatildeo (controveacutersia) postulada tambeacutem natildeo eacute explicitamente mais
resolvida do que as duas primeiras a relaccedilatildeo entre essas mocircnadas ἵὁmΝldquoΝ(έέέ) as coisas que
vecircm a ser e satildeo ilimitadas se ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo
separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa
uma vindo a ser simultaneamente no um ἷΝ ὀὁΝ mήltiὂlὁrdquoΝ (ldquoΝ (έέέ) η κ rsquo168 θ κῖμ
ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ
α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ
ΰέΰθ γαδ ()) (15b4-8) Vejamos haacute duas possibilidades na fala de Soacutecrates estando
presente nas coisas muacuteltiplas a unidade se dispersa torna-se divisiacutevel indefinidamente em
muitas partes ou se unidade permanece a mesma e estaacute ao mesmo tempo presente em
uma multiplicidade se encontra separada de si mesma dividida de acordo com a
transcendecircncia e a imanecircncia169
Conforme nos aponta Dixsaut (2001) temos aqui algo que deve ser lido como um eco
das questotildees levantadas a Soacutecrates por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo (Parm 131b1-2170
131c5-7171) diante de tal constataccedilatildeo ela nos diz que
Se Platatildeo retoma a propoacutesito das mocircnadas a criacutetica que Parmecircnides endereccedilaria agraves Formas podemos presentemente concluir que existem dois ὀὁmἷὅΝὂaὄaΝumaΝmἷὅmaΝἵὁiὅaέΝἠὁmἷaὄΝldquomὲὀaἶaὅrdquoΝaὅΝἔὁὄmaὅΝὂἷὄmitἷΝὀὁΝentanto insistir sobre uma das dificuldades que apresenta sua posiccedilatildeo ndash sobre a primeira aporia da participaccedilatildeo desenvolvida por Parmecircnides a despeito das outras (DIXSAUT 2001 p 296)
Poderiacuteamos pensar que Dixsaut ao dizer que existem dois nomes para uma mesma
coisa esteja tomando as mocircnadas como hecircnadas Creio que natildeo se trata disso No fundo ela
ἶiὐΝ ὃuἷΝ taiὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ (mὲὀaἶaὅ)Ν ἷὀὃuaὀtὁΝ ὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝ ldquouὀiἶaἶἷὅrdquoΝ ὅἷΝ aὅὅἷmἷlhamΝ ὡὅΝ
hecircnadas e neste caso do diaacutelogo elas recebem um outro nome mocircnadas Mas de acordo
com o que eacute expresso no Parmecircnides eacute possiacutevel reconhecer que haacute certa semelhanccedila ou
diferenccedilas inteligiacuteveis entre as mocircnadas Para compreender isso tenho que supor um εα βθ subentendido afixado a ατ αμ eacute por isso que avanccedilo nessa hipoacutetese com certa incerteza (2001 p 294-295) 168 Para os defensores da leitura em duas controveacutersias essa seria a terceira controveacutersia e todo o restante anterior faria parte da primeira controveacutersia 169 Cf DIXSAUT 2001 p 295 170 ldquoἓὀtatildeὁΝὅἷὀἶὁΝuma e a mesma estaraacute inteira simultaneamente em coisas que satildeo muacuteltiplas e separadas e assim ela estaria separada de si mἷὅmardquoΝ(ldquo θ λα θ εα α θ θ πκζζκῖμ εα ξπλ μ κ δθ ζκθ ηα θΫ αδ εα κ πμ α α κ ξπλ μ π βrdquo)Ν(Prm 131b1-2) 171 ldquoἜὁgὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶiὅὅἷΝ ἷlἷΝ ὅatildeὁΝ ἶiviὅiacutevἷiὅΝ aὅΝ fὁὄmaὅΝ mἷὅmaὅΝ ἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝἶἷlaὅΝ ὂaὄtiἵiὂamΝparticipariam de uma de suas partes e natildeo eacute mais o todo que estaria em cada uma das coisas mas ὅimΝumaΝὂaὄtἷΝἵaἴἷὄiaΝaΝἵaἶaΝἵὁiὅardquoΝ(ldquoΜ λδ λα φΪθαδ υελα μ έθ α α β εα η Ϋξκθ α α θ ηΫλκυμ θ η Ϋξκδ εα κ εΫ δ θ εΪ ζκθ ζζ ηΫλκμ εΪ κυ θ θrdquo)Ν (Prm 135c6-7)
120 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
mesmo identidade entre as aporias levantadas por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo em
relaccedilatildeo agraves Formas e essas postuladas nas controveacutersias do proacuteprio Soacutecrates Mais adiante
Dixsaut (2001 p 296) demonstra estar ciente de que Soacutecrates no Filebo insistiria nessas
aporias levantadas pelo Parmecircnides soacute que com uma diferenccedila ele natildeo para diante dessas
aporias agora mas insiste em postular a real existecircncia (uma e muacuteltipla) dessas mocircnadas
ldquoὅatildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash
que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas
quando se chega tem-ὅἷΝumΝἵamiὀhὁΝὅἷmΝὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoΝ(1ἃἴἄ-c3) Como bem notou a autora
francesa as dificuldades impostas por Parmecircnides natildeo satildeo insuperaacuteveis natildeo eacute necessaacuterio
que Platatildeo abandone as Formas e o modo de existecircncia que ele sempre as atribui pois nos
lembra a autora como no final do Parmecircnides (135b9c-2) se natildeo admitimos uma Forma ( Ϋα)
a cada um dos seres agravequilo que eacute sempre o mesmo eacute a potecircncia dialeacutetica ( κ δαζΫΰ γαδ
τθαηδθ)ΝὃuἷΝὅἷΝἷὅvaiμΝldquoa forma constitui a possibilidade da dialeacutetica mas eacute o exerciacutecio da
potecircncia dialeacutetica que confirma a existecircncia das Formas Sua potecircncia consiste sempre em
saber aquilo que eacute ( δ δθ)ΝἵaἶaΝὅἷὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝ297)
Certamente tudo o que foi dito diz respeito a uma claacutessica e intricada discussatildeo acerca
da questatildeo da participaccedilatildeo dos seres nas Formas volta a ser retomada no Filebo depois das
inuacutemeras aporias que ela suscitou no Parmecircnides Obviamente a questatildeo exige esforccedilo dos
inteacuterpretes e ainda estaacute longe de ser totalmente resolvida Ambos os inteacuterpretes aqui utilizados
natildeo datildeo como resolvidos esses claacutessicos problemas mas propotildeem no contexto do diaacutelogo
sem recorrer a acreacutescimos que natildeo estariam contidos na proacutepria obra172 Utilizo-os tambeacutem
172 Muniz e Rudebusch (2007) ainda demonstram uma seacuterie de leituras contrapostas a de ambos os autores em relaccedilatildeo agrave segunda controveacutersia tentando evidenciar seus supostos equiacutevocos na compreensatildeo da passagem tanto aqueles que adotam emendas clarividecircncia do texto ou mesmo uma revisatildeo gramatical distinta do grego antigo sob a qual o texto original platocircnico fora escrito Destarte ainda demonstram as deficiecircncias das leituras contemporacircneas como a de Migliori (1993) (tida como pleonaacutestica ao identificar um pleonasmo dentro da proacutepria braquilogia A leitura de Meinwald (1996) tambeacutem eacute citada no caso de clarividecircncia a partir de outros diaacutelogos E por fim a de ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝὃuἷΝafiὄmaΝὃuἷΝldquoἷὅὅaὅrdquoΝἷΝldquoἷὅὅardquoΝiὀἶiἵaἶὁὅΝὂἷlaΝὅἷguὀἶaΝἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaΝ(1ἃἴἀ-3) referem-se a espeacutecies de um mesmo gecircnero isto eacute ele interpreta a questatildeo como uma relaccedilatildeo parte-todo entre as partes do ζσΰκμ ἷΝὁΝtὁἶὁΝὃuἷΝἷlaὅΝἵὁὀὅtituἷmέΝldquoἢaὄaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝὁΝlogos eacute a definiccedilatildeo da espeacutecie de modo que a relaccedilatildeo todo-ὂaὄtἷὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝldquoἵὁὀὅtituiὦatildeὁΝἶaΝἷὅὂὧἵiἷrdquoΝndash ὁuΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝuὀiἶaἶἷΝἶὁΝlogos obtido por divisatildeo ndash ἷΝὀatildeὁΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝἶὁΝgecircὀἷὄὁΝἷmΝvὠὄiaὅΝ ἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝ ἤἧἒἓἐἧἥἑώ)έΝ ἠἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ havἷὄiamΝ ἶὁiὅΝ ὂὄὁἴlἷmaὅΝ ὀaΝ lἷituὄaΝ ἶἷΝDelcommminete (i) ela partilha de requerer clarividecircncia de Protarco mas de acordo com Delcomminette (2006) soacute mais adiante (com a introduccedilatildeo do meacutetodo divino 16c5-17a4) a interpretaccedilatildeo do texto faria sentido e teria sido entendida pelo interlocutor logo sem clarividecircncia Protarco natildeo entenderia a fala de Soacutecrates em 15b seria ininteligiacutevel (ii) elaΝtἷὄiaΝἶἷΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝprovoca as trecircs controveacutersias o que natildeo ocorre mas como afirmam Muniz amp Rudebusch o texto prova ἷxatamἷὀtἷΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatildeὁΝhὠΝmὁἶὁΝmἷlhὁὄrsquoΝ(κ η θ δ εαζζέπθ μ) do que este meacutetodo para evitar as aporiai causadas pelas trecircs controveacutersias fornecendo euporiai (1ἃἵἀ)rdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝRUDEBUSCH 2007 p 132)
121 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
porque creio que possuem o meacuterito de tentar melhor esclarecer essa passagem intrincada do
diaacutelogo e porque tais soluccedilotildees me parecem mais convincentes se analisamos o texto original
Tanto Dixsaut (2001) quanto Muniz amp Rudebusch (2012) podem natildeo ter resolvido esses
problemas gerais nem mesmo a passagem em questatildeo mas certamente possuem certa
importacircncia por as terem tornado mais inteligiacuteveis Esses mesmos autores apresentam suas
ὂὁὅiὦὴἷὅΝἷὀὃuaὀtὁΝldquolἷituὄaὅrdquoΝἒixὅautΝaiὀἶaΝἶἷmὁὀὅtὄaΝὀὁΝὂὄὰὂὄiὁΝtἷxtὁΝaΝiὀὅἷguὄaὀὦaΝἵὁmΝaΝ
qual avanccedila nesta hipoacutetese interpretativa das trecircs controveacutersias (DIXSAUT 2001 p 295)
Voltemos ao diaacutelogo A discussatildeo prossegue e todos os esforccedilos devem agora ser
empregados para se alcanccedilar um caminho sem obstaacuteculos ( πκλέαμ) diante das dificuldades
( πκλέαμ) essa eacute a exigecircncia demonstrada por Protarco (15c4-5) suscitadas pela controveacutersia
( ηφδ ίβ κτη θα) que surgiu no diaacutelogo (15d2) Mas por onde comeccedilar Natildeo seria deste
ponto
Soc Dizemos que pelo discurso ( π ζ ΰπθ) a mesma coisa vindo a ser uma e muacuteltipla ( θ εα πκζζ ) circula sempre em todos os sentidos e em cada coisa dita tanto no passado quanto no presente Isso natildeo comeccedilou agora nem iraacute parar nunca trata-se como me parece de algo imortal que natildeo envelhece inerente ao discurso humano E sempre que um jovem ( θ θΫπθ) o experimenta173 sente tanto prazer ( φrsquoΝ κθ μ θγκυ δ ) como se tivesse descoberto algum tesouro de sabedoria ( μ δθα κφέαμ β λβε μ γβ αυλσθ)
173 ἏὃuiΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὀὁtὠvἷlΝaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquo γΪθα σθΝ δΝεα ΰάλπθΝπΪγκμΝ θΝ ηῖθrdquoΝ(1ἃἶἆ)ΝaΝimὁὄtaliἶaἶἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἴἷmΝἵὁmὁΝὁΝtἷὄmὁΝπΪγκμΝὃuἷΝtaὀtὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷ agrave experiecircncia dos homens com os discursos como a uma caracteriacutestica (afecccedilatildeo) dos proacuteprios discursos O termo eacute traduzido por experiecircncia e seraacute ἶἷΝἷxtὄἷmaΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝὀaΝaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅέΝἓὅὅaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoimὁὄtalrdquoΝἶὁὅΝἶiὅἵuὄὅὁὅΝὄἷtὁmaΝὁΝepiacuteteto homeacuterico (Od 5 153 VII 94 ll 8 539) e tambeacutem o Poliacutetico (273e) ao ser descrita a renovaccedilatildeo perioacutedica do demiurgo do cosmos Note-se aqui que Soacutecrates jaacute deixou claro que esse tipo de problema sobre o um e de muacuteltiplo que deseja tratar podemos dizer tambeacutem que os proacuteprios ζσΰκδ satildeo postos em questatildeo na medida em que pretendem dizer a realidade (criacutetica agrave antiloacutegica Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b) Outro fator importante satildeo os termos utilizados ao se referir agrave atitude experimentada ὂἷlὁὅΝ ldquojὁvἷὀὅrdquoΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ἷὅὅἷὅΝ ἶiὅἵuὄὅὁὅΝ tὁἶὁὅΝ ἷὅtatildeὁΝ ligaἶὁὅΝ aὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ(ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄΝ ὂέΝ ἆἅΝ ὀέΝ ἄἅ)Ν tamἴὧmΝ faὐΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ἵὁὀὅtataὦatildeὁ)Ν Οΰ τπΟΝ (gὁὅtὁΝ 1ἃἶλ)Ν κηαδΟΝ(ἶἷΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄΝ1ἃἶλ)ΝΟΝ η θκμΝΟ(ὄἷjuἴilaΝ1ἃἷἀ)Νldquo γ έμrdquoΝ(ὄἷgὁὐijaΝ1ἃἶλ) κθ μ (15e1) ἢaὄἷἵἷΝaὃuiΝὅἷὄΝjuὅtὁΝἶaὄΝvὁὐΝὡΝἦὁὄὄἷὅΝεὁὄalἷὅΝ(ἀί1ἀ)ΝἵὁὀἵὁὄἶaὀἶὁΝἵὁmΝἷlἷΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝfatὁΝὀatildeὁΝapenas restaura o viacutenculo estreito e muitas vezes despercebido entre prazeres e discursos ou julgamentos mas sim reforccedila a ideia de que Protarco eacute tambeacutem um filoacutelogo que sente prazer em dizer e ouvir discursos o que o impede de ver aleacutem das palavras () Finalmente () achamos interessante acrescentar que novamente a enumeraccedilatildeo socraacutetica natildeo eacute aleatoacuteria mas mostra uma gradaccedilatildeo ou ordem em primeiro lugar a seacuterie jovem e contemporacircnea parece nos enviar claramente para o futuro para o passado e para o presente) o conjunto pai-matildee parece referir-se agrave origem e formaccedilatildeo do mais novo e a seacuterie homens-baacuterbaros parece designar uma gradaccedilatildeo entre homem e animal onde o baacuterbaro seria colocado no meio e ao mesmo tempo se refere ao alcance do interior e exterior da cidade Na vἷὄἶaἶἷΝὁὅΝἴὠὄἴaὄὁὅΝ(laquoίΪλίαλκδraquo)ΝὂaὄἷἵἷmΝἷὅtaὄΝὅἷὂaὄaἶὁὅΝἶὁὅΝhὁmἷὀὅΝἵὁmὁΝlaquoὁutὄὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅraquoΝ(laquo θΝ ζζπθΝα πθraquo) e esta referecircncia refere-se agrave questatildeo poliacutetica da transmissatildeo do conhecimento ou perplexidade fora da proacutepria cidade a perplexidade dos jovens natildeo soacute afeta a cidade mas tambeacutem tem um efeito no exterior O Filebo natildeo desenvolve esta questatildeo mas acreditamos que essa eacute uma ὂὄἷὁἵuὂaὦatildeὁΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁΝἷΝἶaΝἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀἀ1-222 n 37)
122 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
e natildeo soacute fica entusiasmado pelo prazer como se rejubila ( γ έμ) em mover todo e qualquer argumento (πΪθ α εδθ ῖ ζσΰκθ) ora revirando-o e o misturando em um soacute ora desenrolando-o de novo e dividindo-o em partes Em primeiro lugar lanccedila sobretudo a si mesmo na aporia ( μ απκλέαθ) em segundo lanccedila tambeacutem quem quer que esteja perto dele seja mais jovem mais velho ou da mesma idade dele ndash natildeo poupando pai nem matildee nem nenhum outro ouvinte Mas natildeo apenas os ouvintes humanos ndash por pouco natildeo poupa nem os animais ndash e bastaria ter um inteacuterprete para natildeo poupar sequer os baacuterbaros (15d4-16a3)
Diante de uma descriccedilatildeo extremamente cocircmica o que natildeo eacute surpreendente quando
em se tratando de Soacutecrates e da sua criacutetica aos jovens empolgados com o prazer dos
discursos174 e dos usos improacuteprios que por vezes fazem deles A resposta de Protarco eacute uma
investida com certo tom de indignaccedilatildeo ao relembrar a Soacutecrates que aquela discussatildeo eacute uma
discussatildeo entre jovens rodeada por um puacuteblico jovem (16a4) No entanto o desejo de sair
das aporias eacute ainda maior as discussotildees que geram as controveacutersias soacute poderatildeo encontrar
algumaΝὅὁluὦatildeὁΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷΝalgumΝldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ( θ Ϋ δθα εαζζέπθ) do que o anterior
(14b1) Torna-se imprescindiacutevel que Soacutecrates coloque todo o seu ardor juntamente com seus
interlocutores para que Protarco possa acompanhaacute-lo diantἷΝἶἷΝldquoumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὧΝ
ὀaἶaΝὂἷὃuἷὀardquoΝ(κ ΰ λ ηδελ μ παλ θ ζσΰκμ υελα μ) (16b3) A partir daiacute o tom eacute
acalmado pode-ὅἷΝὀὁtaὄΝiὅὅὁΝὂἷlὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝὅἷuὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝldquomἷuὅΝ
jὁvἷὀὅrdquoΝ( παῖ μ) (16b4) utilizando-se do modo como Filebo trata seus amigos De fato essa
questatildeo natildeo eacute pequena isto eacute o meacutetodo confirma Soacutecrates (16b4) natildeo poderia haver
ldquoἵamiὀhὁΝ maiὅΝ ἴἷlὁΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ ἷὅtἷrdquoΝ (ldquoκ η θ δ εαζζέπθ μ κ rsquoΝ θ ΰ θκδ κrdquo) do qual
Soacutecrates insistentemente se declara como amaὀtἷΝ(ldquo- μ ΰ λα μ ηΫθ ηδ έrdquo)175 caminho
que muitas vezes lhe escapou deixando-ὁΝ ἶἷὅὁlaἶὁΝ ἷΝ ἷmΝ aὂὁὄiaΝ (ldquoπκζζΪεδμ Ϋ η β
δαφυΰκ α λβηκθ εα Ϋ β θrdquo) (16b6-7)
Perante a indagaccedilatildeo de Protarco sobre qual caminho seria esse torna-se possiacutevel
estabelecer o ponto que Soacutecrates haacute muito tempo jaacute almejava chegar Sua resposta adverte
a respeito das dificuldades de se utilizar este caminho mostraacute-lo natildeo eacute difiacutecil difiacutecil poreacutem eacute
174 Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b 175 Haacute aqui uma ressonacircncia daquilo que foi dito no Fedro ldquoἓuΝmἷὅmὁΝἔἷἶὄὁΝὅὁuΝamaὀtἷΝἶἷὅὅaὅΝdivisotildees ( δαδλΫ πθ) e reuniotildees ( υθαΰπΰ θ)rdquoΝ (ἀἄἄἴἁ-4) A passagem apresenta certa literalidade com o meacutetodo das divisotildees descrito no Fedro (265e-266b) Podemos tambeacutem aqui nos lembrar tanto do Sofista (253d1-3) onde se afirma que a divisatildeo por gecircneros ( εα ΰΫθβ δαδλ ῖ γαδ)ΝὧΝldquoὁἴὄaΝἶaΝἵiecircὀἵiaΝἶialὧtiἵardquoΝ( μ δαζ ε δε μ πδ άηβμ) como tambeacutem do Poliacutetico advertindo que no uso do meacutetodo dialeacutetico para a definiccedilatildeo do poliacutetico esta natildeo eacute feita em vista deste personagem mas para ldquoὀὁὅΝtὁὄὀaὄmὁὅΝmἷlhὁὄἷὅΝἶialὧtiἵὁὅΝἷmΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἶὁmiacuteὀiὁὅrdquoΝ( κ π λ πΪθ α δαζ ε δεπ Ϋλκμ ΰέΰθ αδ) (285d6-7) A questatildeo sobre o meacutetodo da divisatildeo e suas implicaccedilotildees no contexto do Filebo eacute um dos importantes problemas que ainda dividem os inteacuterpretes Sobre isso falarei mais adiante Para uma anaacutelise mais detalhada cf BRAVO (2007 p 11-37)
123 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
utilizaacute-lὁέΝldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὄἷlativaὅΝὡὅΝ Ϋξθβμ (teacutecnicas) descobertas vieram agrave luz por meio
ἶἷlἷrdquoΝ(1ἄἵ1-2) Segue a descriccedilatildeo do caminho
Soc Eu vejo esse caminho como um presente dos deuses lanccedilado dos deuses de algum lugar junto com um fogo de intenso brilho por algum Prometeu E os mais antigos que eram superiores a noacutes e habitavam mais ὂἷὄtὁΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝtὄaὀὅmitiὄamΝἷὅὅaΝtὄaἶiὦatildeὁμΝldquoaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅἷΝὂὁἶἷΝὅἷmὂὄἷΝdizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas mesmas um limite e uma ilimitaὦatildeὁΝ ldquoiὀatὁὅrdquoέΝ ἥἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ fὁὄamΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝdevemos entatildeo admitir sempre para cada caso apenas uma forma para qualquer uma delas e devemos buscaacute-la e certamente a encontraremos presente Se entatildeo a apreendermos devemos depois de uma examinar duas se houver caso natildeo haja duas devemos examinar trecircs ou qualquer outro nuacutemero Devemos examinar da mesma maneira cada uma delas ateacute que se veja essa unidade original natildeo apenas como uma muacuteltipla e ilimitada mas tambeacutem que se vejam quantos elementos ela tem mas natildeo devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas coisas e abandonar cada uma delas no ilimitado Como disse os deuses ofereceram-nos essa tradiccedilatildeo para examinarmos aprendermos ensinarmos uns aos outros Mas os saacutebios atuais produzem o um e o muacuteltiplo ao acaso mais raacutepido ou mais lento do que deveriam fazer Vatildeo de imediato do um ao ilimitado deixando escapar os intermediaacuterios Mas satildeo esses intermediaacuterios que distinguem a discussatildeo dialeacutetica que travamos uns com os outros de seu contraacuterio a eriacutestica (16c5-17a5) Ω γ θΝη θΝ μΝ θγλυπκυμΝ σ δμΝ μΝΰ Νεα αφαέθ αδΝ ηκέΝπκγ θΝ εΝγ θΝλλέφβΝ δΪΝ δθκμΝ ΠλκηβγΫπμΝ ηαΝ φαθκ Ϊ δθ πυλέμΝ εα κ η θΝ παζαδκέΝ
ελ έ κθ μΝ η θΝεα ΰΰυ ΫλπΝγ θΝκ εκ θ μΝ ατ βθΝφάηβθΝπαλΫ κ αθΝ μΝιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝθΝα κῖμΝ τηφυ κθΝ ξσθ πθέΝ ῖθΝκ θΝ η μΝ κτ πθΝκ πΝ δαε εκ ηβηΫθπθΝ
ηέαθΝ ΫαθΝ π λ παθ μΝ εΪ κ Ν γ ηΫθκυμΝ αβ ῖθmdash λά δθΝ ΰ λΝθκ αθmdash θΝκ θΝη αζΪίπη θΝη ηέαθΝ τκΝ ππμΝ έΝ εκπ ῖθΝ
ηάΝ λ ῖμΝ δθαΝ ζζκθΝ λδγησθΝεα θΝ θΝ ε έθπθΝ εα κθΝπΪζδθΝ ατ πμΝηΫξλδπ λ θΝ εα ᾽ λξ μΝ θΝη δΝ θΝεα πκζζ εα π δλΪΝ δΝησθκθΝ δμΝ ζζ εα πσ αμΝ θΝ κ π έλκυΝ ΫαθΝπλ μΝ πζ γκμΝη πλκ φΫλ δθΝ
πλ θΝ θΝ δμΝ θΝ λδγη θΝα κ πΪθ αΝεα έ θ η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμΝ σ Ν ᾽ βΝ θΝ εα κθΝ θΝπΪθ πθΝ μΝ π δλκθΝη γΫθ αΝξαέλ δθΝ
θέΝ κ η θΝ κ θΝ γ κέΝ π λΝ πκθΝ κ πμΝ ηῖθΝ παλΫ κ αθΝ εκπ ῖθΝ εα ηαθγΪθ δθΝεα δ Ϊ ε δθΝ ζζάζκυμμΝκ θ θΝ θΝ θγλυππθΝ κφκ θΝηΫθΝ
ππμΝ θΝ τξπ δΝεα πκζζ γ κθΝεα ίλα τ λκθΝπκδκ δΝ κ Ϋκθ κμΝη θΝ π δλαΝ γτμΝ ηΫ αΝα κ μΝ εφ τΰ δmdashκ μΝ δαε ξυλδ αδΝ σΝ Ν
δαζ ε δε μΝ πΪζδθΝ εα λδ δε μΝ η μΝ πκδ ῖ γαδΝ πλ μΝ ζζάζκυμΝ κ μΝζσΰκυμΝ(1ἄἶἃ-17a5)
ἢἷlaΝὂaὅὅagἷmΝaἵimaΝfiἵaΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝὃuἷΝldquoὁΝἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ(εαζζέπθ
μ) que Soacutecrates se declara como amante ( λα μ)Ν(1ἄἴἅ)ΝὧΝaΝἶialὧtiἵaέΝldquoἓlἷΝὧΝὁΝmaiὅΝἴἷlὁΝ
caminho natildeo porque seja infaliacutevel mas porque apenas ele permite compreender o que cada
ὅἷὄΝὧΝvἷὄἶaἶἷiὄamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝἀλἆ)έΝἏiὀἶaΝὀὁὅΝὧΝἶitὁΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝ
um ldquoἶὁmΝἶiviὀὁrdquoΝ(1ἄἵἃ)ΝlaὀὦaἶὁΝaΝὀὰὅΝὂὁὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ( δΪΝ δθκμΝΠλκηβγΫπμ)Ν(1ἄἵἄ)Ν
124 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
tὄaὀὅmitiἶὁΝ aΝ ὀὰὅΝ ὂἷlὁὅΝ ἏὀtigὁὅΝ (κ η θΝ παζαδκέ)Ν (1ἄἵἅ)έΝ ἡὅΝ ἵὁmἷὀtaἶὁὄἷὅΝ ἷmΝ gἷὄalΝ ἶὁΝ
diaacutelogo atribuem agrave Pitaacutegoras176 atestando certa evidecircncia de que Pitaacutegoras teria recebido tal
revelaccedilatildeo divina e transmitido a seus disciacutepulos esses antigos aos quais Soacutecrates faria
referecircncia nessa passagem que viviam mais perto dos deuses A hipoacuteteses dos tradutores se
baseia em dois pontos principais (i) Pitaacutegoras seria visto por Platatildeo como uma espeacutecie de
semi-deus que teria transmitido uma revelaccedilatildeo divina a seus seguidores (ii) Platatildeo
reconheceria em Pitaacutegoras um filoacutesofo da natureza177
Carl Huffman (1999) certamente possui o meacuterito de ter contestado ambas as
hipoacuteteses diante de um vasto estudo sobre as relaccedilotildees entre os pitagoacutericos e Platatildeo
especialmente ao analisar esse conteuacutedo em especiacutefico do Filebo Ele nos diz
176 Dois dos mais importantes tradutores do Filebo apostam nessa hipoacutetese Gosling (1975) e Hackforth (1945) 177 Huffman (199) apresenta vaacuterios motivos para descartarmos essas hipoacuteteses Antes poreacutem ele destaca que a interpretaccedilatildeo de que Pitaacutegoras pudesse ser considerado um ser divino por Platatildeo remonta agrave proacutepria antiguidade posterior ao nosso filoacutesofo Na proacutepria Academia surge essa controveacutersia por um lado Espeusipo e os acadecircmicos defendiam que o platonismo seria uma elaboraccedilatildeo dos temas pitagoacutericos E por outro estavam os aristoteacutelicos que faziam uma clara distinccedilatildeo entre Platatildeo e os pitagoacutericos O teoacuterico destaca tambeacutem que muitos como Aristoacuteteles Aristoxeno consideravam Pitaacutegoras como divino mas quanto a Platatildeo muito se supunha (entre acadecircmicos e aristoteacutelicos) se talvez tambeacutem essa natildeo fosse a sua visatildeo sobre Pitaacutegoras No entanto como diz ώuffmaὀμΝldquotἷὄiacuteamὁὅΝἵἷὄtaὅΝἶifiἵulἶaἶἷὅΝἷmΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὂὁἶἷὄiaΝtἷὄΝaἶὁtaἶὁΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝὅἷgundo a qual Pitaacutegoras teria recebido uma revelaccedilatildeo divina a partir da qual ele Platatildeo desenvolveria sua ήltimaΝfilὁὅὁfiardquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἂ)έΝώuffmaὀΝaiὀἶaΝἶἷὅtaἵaΝὃuἷΝἷὅtaΝaὅὅimilaὦatildeὁΝἶἷΝἢitὠgὁὄaὅΝaΝumΝfilὰὅὁfὁΝda natureza eacute extremamente problemaacutetica apoiando-se em Burket e que talvez seria melhor admitir que Platatildeo se apoia nas concepccedilotildees dos pitagoacutericos do seacuteculo V aC que veem na filosofia do ilimitado e do ilimite e que deve ser considerada como um conhecimento particular e por isso atribua a ela uma revelaccedilatildeo divina que talvez remontasse ao proacuteprio Pitaacutegoras De acordo com o teoacuterico Pitaacutegoras eacute uma personagem xamacircnico inventor de uma forma de viver (a Comunidade pitagoacuterica) Ele recorre a passagem da Repuacuteblica (X 600a-b) na qual Pitaacutegoras eacute citado mas mesmo nessa passagem o filoacutesofo antigo natildeo eacute citado como um filoacutesofo da natureza nem como um personagem divino mas como alguὧmΝ ὃuἷΝ ὧΝ vἷὀἷὄaἶὁΝ ὂὁὄΝ tἷὄΝ ἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝ umaΝ fὁὄmaΝ ἶἷΝ vivἷὄΝ ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ὧΝ ἵhamaἶὁΝ ἶἷΝ ldquo ΰ ηυθ παδ έαμrdquoΝἷΝ tἷὄiaΝἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝumΝ Πυγαΰσλ δκμ λσπκμ κ κέΝ ldquoἣuaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝἶiὅἵutἷΝmaiὅΝaἵimaΝnesse mesmo diaacutelogo (R X 530d5) sobre os trabalhos teacutecnicos pitagoacutericos sobre a muacutesica ele se refere aos pitagoacutericos e natildeo ao proacuteprio Pitaacutegoras Por consequecircncia a imagem que noacutes temos de Pitaacutegoras e dos pitagoacutericos na Repuacuteblica estaacute totalmente de acordo com aquela que noacutes encontramos em Aristoacuteteles na qual todas as doutrinas filosoacuteficas envolvendo o limite o ilimitado o nuacutemero e a harmonia satildeo atribuiacutedas aos pitagoacutericos do quinto seacuteculo e na qual o proacuteprio Pitaacutegoras eacute mal citado ou associado a histoacuterias infundadas Mas essa visatildeo de Pitaacutegoras sustentada por Aristoacuteteles e pelo Platatildeo da Repuacuteblica na verdade natildeo concorda com a interpretaccedilatildeo corrente do Filebo que representa Pitaacutegoras como um Prometeu enviando dos deuses a intuiccedilatildeo filosoacutefica central do pitagorismo do quinto seacuteculo (p 15) Para uma anaacutelise ainda mais aprofundada e que segue esta mesma visatildeo torna-se imprescindiacutevel recorrer agrave interpretaccedilatildeo iacutetalo-brasileira do Prof Cornelli em dois textos em que ele discute claramente as passagens do Filebo em paralelo com o pitagorismo do quinto seacuteculo especialmente os fragmentos de Filolau oferecendo-nos uma compreensatildeo renovada dos traccedilos neopitagoacutericos presentes no Filebo distantes poreacutem da visatildeo claacutessica que procura atribuir as questotildees metafiacutesicas desse diaacutelogo a um protopitagorismo (Cf CORNELLI 2010a p 210- 216 2010b p 35-72)
125 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
() nada em Platatildeo nos sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonta a Pitaacutegoras Noacutes podemos estimar por consequecircncia que Platatildeo se refere ao sistema de Filolau sistema que data do quinto seacuteculo sobre o qual Aristoacuteteles ὂaὄἷἵἷΝaΝὅuaΝmaὀἷiὄaΝὅἷΝaὂὁiaὄΝὀἷὅὅaΝὅuaΝἶἷὅἵὄiὦatildeὁΝἶὁΝὂitagὁὄiὅmὁrdquoΝ(1λλλΝp 17)
Antes poreacutem de nos referirmos agraves questotildees do limite e ilimitado fundamentais agrave
nossa discussatildeo voltemos pois aos aspectos externos relativos agrave dialeacutetica tal como ela eacute
descrita Talvez ao inveacutes de ir em busca da personagem histoacuterica que esteja por traacutes desse
Prometeu seja necessaacuterio retomar o sentido miacutetico que essa personagem traz consigo e o
uso que Platatildeo faz dele aqui neste momento do diaacutelogo Primeiramente eacute preciso observar a
expressatildeo utilizada em que haacute um certo tom que tira a proeminecircncia de divindade dado que
ὅἷΝἶiὐΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoέΝἢὄὁmἷteu estaacute ligado intimamente agrave teacutecnica ( Ϋξθβ) sobre ele eacute dito
tἷὄΝὄὁuἴaἶὁΝὁΝldquofὁgὁΝὅagὄaἶὁrdquoΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝἷlἷmἷὀtὁΝfuὀἶamἷὀtalΝὂaὄaΝaΝὂὄὁἶuὦatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝ
teacutecnicas e tecirc-lo doado aos homens No entanto em Platatildeo esse mito adquire uma nova
interpretaccedilatildeo esse fogo natildeo eacute fruto de um roubo mas sim eacute um presente dado aos homens
pelos proacuteprios deuses Prometeu entatildeo seria um desses deuses178
A menccedilatildeo a Prometeu natildeo eacute ineacutedita na obra platocircnica o Filebo natildeo eacute o uacutenico exemplo
basta voltarmos ao Protaacutegoras (321 c7ndash322 a2) onde temos uma visatildeo mais fiel agrave tradiccedilatildeo e
no Poliacutetico (274 c5ndashd2) que contrasta com aquele diaacutelogo podendo como nos diz
Delcomminette (2006) serem explicados ambos em relaccedilatildeo agraves regras estabelecidas na
Repuacuteblica (II 378 e4ndash380 c10) acerca do modo como devem ser regrados os discursos aos
ἶἷuὅἷὅΝ(ὂέΝλἂ)έΝἡὄaΝὀatildeὁΝtἷὄiaΝἥὰἵὄatἷὅΝaὀtἷὅΝἶἷΝἷxὂὁὄΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ
dito em 16c1-ἁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝ ἴἷlὁrdquoΝ (mὧtὁἶὁ)Ν ὅἷὄiaΝ aΝ ὁὄigἷmΝ ἶἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ tὧἵὀiἵaὅΝ
( Ϋξθβμ) que todas vieram agrave luz atraveacutes desse meacutetodo Portanto esse sentido permanece
fiel agrave ressignificaccedilatildeo platocircnica do mito de Prometeu Sobre isso satildeo esclarecedoras as
palavras de Huffman
Platatildeo encontra-se mais preocupado em mostrar que o meacutetodo que ele quer apresentar eacute decisivo para o conjunto das artes e das ciecircncias ( Ϋξθαδ) Ele mesmo faz essa declaraccedilatildeo impressionante todas as descobertas que teriam sido feitas nesse domiacutenio devem ser atribuiacutedas a esse meacutetodo Natildeo eacute surpreendente que quando relata a origem desse meacutetodo ele se refira ao santo patrono de todas as Ϋξθαδ Prometeu Tambeacutem no Prometeu acorrentado Prometeu declara que ele doou o fogo aos homens e que estes tiraram do fogo as variadas teacutecnicas ( φ κ ΰ πκζζ μ εαηαγά κθ αδ Ϋξθαμ 252-254) Quando Platatildeo diz que o meacutetodo que ele iraacute descrever foi lanccedilado das alturas divinas por algum Prometeu ao mesmo tempo que o fogo luminoso ele estaacute realmente dizendo que esse meacutetodo possui tanto valor
178 Sobre isso cf DELCOMMINETTE (2006 p 94) PUCCI (2005 p 31-70) VERNANT (2008 p 313-325)
126 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
para as artes assim como o proacuteprio fogo siacutembolo do poder tecnoloacutegico da humanidade Obviamente um meacutetodo filosoacutefico que natildeo pode ser atribuiacutedo ao Prometeu da tradiccedilatildeo mitoloacutegica eacute por isso que Platatildeo nos convida a ἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝumΝἢὄὁmἷtἷuΝὄἷviὅtὁΝἷΝἵὁὄὄigiἶὁΝὃuἷΝjuὀtὁΝἵὁmΝo fogo transmite um meacutetodo filosoacutefico (1999 p 15-16)
Diante disso eacute preciso reconhecer esse tom de diversatildeo aplicado agrave descriccedilatildeo de
Prometeu na passagem Essa intepretaccedilatildeo parece nos dar um sentido mais preciso dessa
invocaccedilatildeo ou seja se retomamos o momento que se insere a passagem ao voltarmos aos
trechos anteriores (16c1-3) a ela faz mais sentido essa interpretaccedilatildeo Neste sentido nada
nos dirige a algo que esteja por traacutes (da maacutescara) de Prometeu como por exemplo uma
mἷὀὦatildeὁΝaΝἢitὠgὁὄaὅέΝἑὁmὁΝἶiὐΝώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷuΝὧΝὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ
(p 16)
O tom de solenidade expresso por Soacutecrates em sua descriccedilatildeo do meacutetodo atestando
ainda maiὁὄΝὄἷὅὂἷitὁΝὂἷlὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquo (κ η θΝπαζαδκέ) que estavam mais proacuteximos dos deuses
e que transmitiram tal tradiccedilatildeo dotado de humildade eacute algo que tambeacutem deve ser melhor
compreendido Antes de tudo como jaacute foi dito a mesma solenidade eacute comum em outros
diaacutelogos isto eacute talvez seja melhor realccedilar o sentido altamente persuasivo desta declaraccedilatildeo
jaacute que eacute necessaacuterio dar a dialeacutetica em um primeiro momento um estatuto de teacutecnica eficiente
para vida dos homens As alusotildees agrave doutrina dos ilimitado e do ilimite e posteriormente agrave
analogia musical recobrem ainda mais esse sentido Lembre-se que no final da descriccedilatildeo
Soacutecrates diz que essa teacutecnica permite que se examine ( εκπ ῖθ) que ela se destina ao
aprendizado (ηαθγΪθ δθ) e ao ensino ( δ Ϊ ε δθ) (16e3-4) Como nos diz Delcomminette
ldquoὂarece portanto que a dialeacutetica seja descrita aqui como a contraparte teoacuterica de todas as
Ϋξθβμ isto eacute dizer como o que eacute transmissiacutevel atraveacutes da aprendizagem e ἷὀὅiὀὁrdquoΝ(ἀίίἄΝὂέΝ
95) Todo o restante do diaacutelogo parece confirmar esse sentido agrave medida em que a dialeacutetica
serve como instrumento para a classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos a serem incluiacutedos
na boa vida (mista) A dialeacutetica iraacute se deter na investigaccedilatildeo dessa melhor composiccedilatildeo
resultante da vida boa A vida boa que natildeo pode ser descrita unicamente pela via teoacuterica mas
precisa ser descrita em sua real efetividade praacutetica isto eacute natildeo apenas como essa vida eacute mas
como ela deveria ser Ao mesmo tempo nem mesmo a dialeacutetica se livra como se poderaacute ver
desta ambiguidade que carrega consigo sendo ao mesmo tempo divina porque esta tambeacutem
eacute a sua origem ela se insere no campo humano das teacutecnicas dos conhecimentos
A caracterizaccedilatildeo solene do meacutetodo possui deste modo quando analisamos o contexto
da discussatildeo um sentido fortemente persuasivo Primeiro porque como se nota eacute preciso
que Protarco em sua extrema piedade (Cf 28b7-10 e1-6) natildeo ousa reconhecer um meacutetodo
divino como absurdo Desta maneira em um primeiro momento na pesquisa atual eacute possiacutevel
ainda natildeo tratar dos problemas seacuterios do um e do muacuteltiplo questatildeo que seraacute retomada mais
127 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
a frente por Soacutecrates e aiacute entatildeo ficaratildeo mais claros os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo ao
meacutetodo Ora se a dialeacutetica eacute um dom dos deuses torna-se possiacutevel a aceitaccedilatildeo dela por parte
de Protarco a despeito dos problemas que ela origina e que permanecem sem soluccedilatildeo em
dado momento para o interlocutor179
Enquanto essas soluccedilotildees para noacutes podem ser esclarecidas caso retomemo outros
diaacutelogos para Protarco ainda natildeo estatildeo suficientemente claras (DELCOMMINETTE 2006
ὂέΝλἃ)έΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝὅἷὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝἢlatatildeὁΝἷxiἴiὄΝὀὁvὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝaὁΝὅἷὄΝἶitὁΝὃuἷΝldquoὅἷΝaὅΝ
ἵὁiὅaὅΝ fὁὄἷmΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝ ἶἷvἷmὁὅΝ aἶmitiὄΝ (έέέ)rdquoΝ ( κτ πθΝ κ πΝ
δαε εκ ηβηΫθπθ) (16d1-2) ou seja os antigos nos disseram que as coisas que se podem
dizer sempre que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos
( μΝ ιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝ θΝα κῖμΝ
τηφυ κθΝ ξσθ πθ) (16c4-5) sem dar nenhuma argumentaccedilatildeo acerca deste fato mas
apenas os antigos disseram assim Sobre isso explicita ainda mais Delcomminette
Nestas circunstacircncias se natildeo somos tatildeo piedosos como Protarco que razatildeo devemos dar creacutedito a esta afirmaccedilatildeo e agrave ontologia O que isso pressupotildee Na verdade a situaccedilatildeo eacute mais uma vez muito mais complicada do que parece agrave primeira vista com efeito veremos que a ontologia que parece ser simplesmente pressuposta nesta passagem seraacute desenvolvida mais tarde em uma passagem que consistiraacute em uma aplicaccedilatildeo do meacutetodo aqui descrito Em outras palavras a ontologia pressuposta pela dialeacutetica seraacute trazida agrave luz por uma aplicaccedilatildeo da dialeacutetica e a aparente prioridade loacutegica da ontologia sobre a dialeacutetica seraacute substituiacuteda por uma aparente prioridade loacutegica da dialeacutetica sobre a ontologia O fato de que esta passagem descreve a dialeacutetica como revelaccedilatildeo divina portanto natildeo tem apenas por resultado a quebra do ciacuterculo entre a concepccedilatildeo correta do bem e o meacutetodo a ser utilizado para alcanccedilaacute-lo ele tambeacutem introduz um novo ciacuterculo entre dialeacutetica e ontologia e nos oferece os meios para entrar neste ciacuterculo Como veremos esse segundo ciacuterculo tem relaccedilotildees iacutentimas com o primeiro Esta estrutura extremamente complexa apresenta um problema fundamental para o inteacuterprete (2006 p 95-96)
ἒiaὀtἷΝἶὁΝὃuἷΝfὁiΝἶitὁΝaΝmἷὀὦatildeὁΝaὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝtὁὄὀa-se mais clara ainda Eacute necessaacuterio
investigar o conteuacutedo trazido por esta tradiccedilatildeo Retomando Huffman (1999) podemos notar
que ele nos traz evidecircnciaὅΝaiὀἶaΝmaiὅΝὄἷlἷvaὀtἷὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquoὀaἶaΝἷmΝἢlatatildeὁΝ
179 ἏΝ mἷuΝ vἷὄΝ aΝ ἷxὂliἵaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἑὁὄὀἷlliΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶaΝ ldquoὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ ὂaὄἷἵἷΝ ὅἷὄΝ aΝ maiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝἶἷὀtὄἷΝaὅΝὃuἷΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝiὀὅiὅtἷὀtἷΝaΝumaΝὁὄigἷmΝἶiviὀaΝ[ὃuἷΝnovamente reapareceraacute em 23c-d] pode sublinhar o valor que Platatildeo daacute agrave teoria do limitante e do ilimitado Soacutecrates havia declarado diversas vezes seu temor para com os deuses nas primeiras paacuteginas do diaacutelogo (12c) Ao mesmo tempo a revelaccedilatildeo natildeo deve ser pensada como algo completo definitivo ndash como poderia sugerir certa influecircncia sobre a leitura dos antigos da concepccedilatildeo dogmaacutetica da matriz judaico-cristatilde-iὅlacircmiἵaΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἶaὅΝ aὅὅimΝ ἵhamaἶaὅΝ lsquoὄἷligiὴἷὅΝ ἶὁΝ ἜivὄὁrsquoέΝ ἏΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ aὁΝcontraacuterio pode ser pensada como algo de origem nobre e que pede para ser continuado como um ἵὁmὂὄὁmiὅὅὁΝaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὀὁΝfutuὄὁμΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝalgὁΝἷὅtὠtiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἀ1ἂ)έ
128 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonte agrave Pitaacutegoras Podemos estimar por
ἵὁὀὅἷὃuecircὀἵiaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaὁΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝἔilὁlaurdquoΝ(ὂέΝ1ἅ)έΝἓὅὅἷὅΝaὀtigὁὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝ
seriam os pitagoacutericos do seacuteculo V aC180 pois Filolau eacute o primeiro dos pitagoacutericos que insurge
em resposta aos filoacutesofos da natureza que o precederam ao construir o sistema de limite e
ilimitado colocando-os no mesmo plano ambos igualmente como dois princiacutepios em
resposta agrave prioridade dada ao π δλκθ logo apoacutes as obras de Anaxaacutegoras e de Zenatildeo ele
nos lembra o fragmento 1 do pitagoacuterico
A natureza do universo foi harmonizada a partir de ilimitados e de limitadores mdash natildeo apenas o universo como um todo mas tambeacutem tudo o que nele existe (Fr1)
φ δμΝ ΥΝ θΝ ε η λη ξγβΝ ιΝ π λπθΝ Νεα π λαδθ θ πθΝεα ζκμΝ ε ηκμΝεα θΝα π θ α (Fr 1)181
Podemos tambeacutem retomar o fragmento 2
Forccedilosamente eacute que as coisas que existem sejam todas elas ou limitadoras ou ilimitadas ou simultaneamente limitadoras e ilimitadas Mas natildeo podiam ser apenas ilimitadas Portanto uma vez que elas parecem natildeo dever a sua existecircncia nem agraves coisas que satildeo todas limitadoras nem agraves que satildeo todas ilimitadas eacute evidente por conseguinte que tanto o universo como aquilo que nele existe foram harmonizados a partir simultaneamente dos limitadores e dos ilimitados Eacute isto o que demonstram tambeacutem as coisas tal como efetivamente existem Eacute que algumas delas provenientes dos limitadores limitam outras procedentes tanto dos limitadores como dos ilimitados limitam e natildeo limitam ao mesmo tempo e as outras que provecircm dos ilimitados satildeo evidentemente ilimitadas (Fr 2)
θΪΰεαΝ σθ αΝ η θΝ πΪθ αΝ π λαέθκθ αΝ π δλαΝ π λαέθκθ ΪΝ Ν εα π δλαmiddotΝ π δλαΝ ησθκθΝκ εΝ έέΝ π κέθυθΝφαέθ αδΝκ ΥΝ ε π λαδθσθ πθ
πΪθ πθ σθ α κ ι π έλπθ πΪθ πθ ζκθ λα δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ εσ ηκμ εα θ α δ υθαλησξγβ βζκῖ εα θ κῖμ
180 Huffman diz que essa hipoacutetese natildeo deve ser descartada tendo em vista que Filolau eacute contemporacircneo de Platatildeo isto eacute natildeo haacute uma distacircncia de seacuteculos entre ambos Se colocamos na boca de Soacutecrates (hiὅtὰὄiἵὁ)ΝiὅὅὁΝὂaὄἷἵἷὄiaΝὂὁuἵὁΝὂὄὁvὠvἷlΝiὅtὁΝὧΝὀὁmἷaὄΝἔilὁlauΝἵὁmὁΝumΝldquoaὀtigὁrdquoέΝεaὅΝὅἷΝlἷvaὄmὁὅΝem conta o fato de que realmente o Filebo eacute um dos uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo faz todo o sentido Aleacutem do maiὅΝἷlἷΝὀὁὅΝἵὁὀviἶaΝὡΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὄΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁὅΝaὀtigὁὅrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝldquohὁmἷὀὅΝἶἷΝaὀtἷὅΝἶἷΝὀὁὅὅὁΝtἷmὂὁrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝgecircὀiὁὅΝἶἷΝumaΝaὀtiguiἶaἶἷΝimἷmὁὄialέΝἡΝtἷὰὄiἵὁΝaiὀἶaΝrecorre ao exemplo do Fedro (235b) diaacutelogo no qual Anacreonte ainda em atividade no sexto seacuteculo ὧΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁΝumΝἶἷὅὅἷὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝἷΝtamἴὧmΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝHiacutepias Maior (181c) em que os κ παζαδκέ satildeo divididos em dois grupos de eacutepocas diferentes o mais antigo incluindo os sete saacutebios e o mais recente estendendo-se ateacute Anaxaacutegoras no quinto seacuteculo (Cf 1999 p 16) 181 Utilizo os textos recolhidos da doxografia dos preacute-socraacuteticos e traduzidos por Kirk et al (1983) com apresentaccedilatildeo do texto original grego tambeacutem fornecido pelos tradutores A segunda parte do Fragmento 6 natildeo traduzida pelos autores utilizo a traduccedilatildeo e o texto original estabelecidos por Cornelli (2010) Ambas as obras se encontram devidamente referenciadas ao final deste trabalho na seccedilatildeo pertinente agraves referecircncias
129 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
λΰκδμ η θ ΰ λ α θ ε π λαδθσθ πθ π λαέθκθ δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ π λαέθκθ έ εα κ π λαέθκθ δ ι π έλπθ π δλα
φαθΫκθ αδ (Fr2)
Pelos fragmentos nota-se que Filolau sempre se refere a esses princiacutepios natildeo
enquanto princiacutepios abstratos como faraacute Platatildeo no Filebo (πΫλαμ π δλέα) e Aristoacuteteles (
π π λα ηΫθκθ π δλκθ) Muito pelo contraacuterio ele fala de limitantes e de ilimitados no
plural ambos como constituintes do cosmos e de tudo aquilo que ele conteacutem O universo eacute
uma combinaccedilatildeo de coisa limitantes e de coisas limitadas Na referecircncia aos limitantes e
utilizando o particiacutepio ativo no plural (π λαέθκθ α) e natildeo um particiacutepio perfeito no singular como
teria feito Aristoacuteteles (π π λα η ηκθ Metaph 987a16)182 As coisas no mundo satildeo portanto
feitas de contiacutenuos interminaacuteveis de onde proveacutem a mudanccedila e as estruturas perfeitas e
completas que se introduzem neles O cosmos natildeo poderaacute ser um caos e jamais seraacute porque
o limite eacute tatildeo originaacuterio quanto o ilimitado Obviamente como veremos Platatildeo interpretaraacute agrave
sua maneira essa tradiccedilatildeo recebida dos antigos (HUFFMAN 1999 p 18) Pois como atesta
o proacuteprio Fragmento 3 de Filolau
Pois nada haveraacute que em princiacutepio possa conhecer se todas as coisas satildeo ilimitadas (Frag 3)
λξ θΝΰ λΝκ ΰθπ κ η θκθΝ ῖ αδΝπ θ πθΝ π λπθΝ θ πθ (Fr 3)
Haacute algo ainda a ser dito Os limitantes e os ilimitadores natildeo compotildeem eles unicamente
o cosmos eacute necessaacuterio que esses elementos estejam harmonizados ( λησξγβ) devem
estabelecer um acordo conjunto donde surge a realidade Vejamos κ Fragmento 6 e o
Fragmento 7
Acerca da natureza e da harmonia a posiccedilatildeo e a seguinte O ser tios objetos por ser eterno e a proacutepria natureza admitem o conhecimento divino mas natildeo o humano mdash com a exceccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel a qualquer das coisas que existem e que noacutes conhecemos o terem nascido sem a existecircncia do ser daquelas coisas de que foi composto o universo os limitadores e os ilimitados E visto estes princiacutepios existirem sem serem semelhantes ou da mesma espeacutecie teria sido impossiacutevel para eles o serem ordenados num
182 ἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)ΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝἵὁὀfiὄmaμΝldquohὠΝumΝἶἷtalhe terminoloacutegico que merece ser destacado Filolau natildeo utiliza os termos limitadoilimitado e sim sempre e somente o plural aacutepeira e peiraacutenonta iὅtὁΝὧΝἷmΝumaΝtὄaἶuὦatildeὁΝmaiὅΝfilὁlὁgiἵamἷὀtἷΝmaiὅΝfiἷlΝἷΝmaiὅΝfilὁὅὁfiἵamἷὀtἷΝfἷἵuὀἶaΝldquoἵὁiὅaὅΝilimitaἶaὅΝe ilimitaὀtἷὅrdquoΝὂὁὄΝὅἷΝtὄataὄΝἷὅtἷΝήltimὁΝἶἷΝumΝὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝὂὄἷὅἷὀtἷΝἶὁΝvἷὄἴὁΝperaiacutenocirc Ao contraacuterio tanto no Filebo de Platatildeo quanto na Metafiacutesica de Aristoacuteteles os termos satildeo pensados e utilizados no singular o nome peacuteras ὂaὄaΝ lsquolimitἷrsquoΝ ὁuΝ ὁΝ ὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝ ὂassivo do verbo peraiacutenocirc peperasmeacutenon para lsquolimitaἶὁrsquoΝἷΝὁΝaἶjἷtivὁΝὀἷutὄὁΝὅiὀgulaὄΝaacutepeiron precedido de artigo (tograve aacutepeiron)ΝὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝtὁἶὁὅΝἷlἷὅΝὀὁΝὅiὀgulaὄέΝἏΝiὀὅiὅtecircὀἵiaΝὀὁΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝlsquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝὅἷjamΝὂluὄaiὅΝiὀἶiἵaΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝὁΝfatὁΝἶἷΝeles natildeo serem compreendidos por Filolau como princiacutepios metafiacutesicos agrave maneira que seratildeo compreendidos em seguida por Platatildeo e Aristoacuteteles que exatamente por esse motivo preferem utilizar o singular (p 218)
130 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
universo se a harmonia natildeo tivesse sobrevindo mdash fosse qual fosse o modo como ela se gerou As coisas que eram semelhantes e da mesma espeacutecie natildeo precisavam de harmonia mas sim as que eram dissemelhantes e de diferente espeacutecie e de ordem desigual mdash necessaacuterio era para tais coisas o terem sido intimamente unidas pela harmonia se eacute que hatildeo-de manter-se juntas num universo ordenado A grandeza do acordo eacute formada pelos intervalos da quarta e de quinta A quinta eacute maior do que a quarta por um tom De fato da cordatom mais alta agrave corda do meio eacute uma quarta da do meio agrave uacuteltima eacute uma quinta Da uacuteltima agrave terccedila eacute uma quarta e da terceira agrave mais alta uma quinta O intervalo entre a do meio e a da terceira eacute um tom (98) a quarta eacute expressa pela relaccedilatildeo epiacutetrita (43) e a quinta pelo emioacutelio (32) e a oitava pelo duplo (21) Assim o acordo (a escala harmocircnica) compreende cinco tons e dois semitons menores a quinta trecircs tons e um semitom menor a quarta dois tons e um semitom menor (Fr 6) π λ φ δκμΝεα ληκθ αμΝ Ν ξ δ η θΝ θΝπλαΰη πθΝ δκΝ αΝεα α η θΝ φ δμΝγ αθΝΰαΝεα κ εΝ θγλππ θβθΝ θ ξ αδΝΰθ δθΝπζ κθΝΰαΝ
δΝ κ ξΝ κ θΝ ᾿ θΝ κ γ θΝ θΝ θ πθΝ εα ΰδΰθπ ε η θκθΝ φ᾿ η θΝ ΰαΝΰ θ γαδΝ η παλξκ αμΝ μΝ κ μΝ θΝ πλαΰη πθΝ ιΝ θΝ υθ αΝ ε ηκμΝεα θΝπ λαδθ θ πθΝεα θΝ π λπθέΝ π α λξα π λξκθΝκ ξΝ ηκῖαδΝκ ᾿ η φυζκδΝ αδΝ βΝ θα κθΝ μΝεαΝα αῖμΝεκ ηβγ θαδΝ η ληκθ αΝ π ΰ θ κΝ δ δθδ θΝ Ν λ ππδΝ ΰ θ κέΝ η θΝ θΝ ηκῖαΝ εα
η φυζαΝ ληκθ αμΝ κ θΝ π κθ κΝ θ ηκδαΝ ηβ η φυζαΝ ηβ κ αΰ θ ΰεαΝ δΝ κδα αδΝ ληκθ αδΝ υΰε εζ ῖ γαδΝκ αδΝη ζζκθ δΝ θΝε ηπδΝ
εα ξ γαδέ ληκθ αμΝ η ΰ γ μΝ δΝ υζζαί εα δ᾿ ι δ θΝ δ᾿ ι δ θΝη ῖακθΝ μΝυζζαί μΝ πκΰ πδέΝ δΝ ΰ λΝ π π αμΝ π η αθΝ υζζαί π
η αμΝ π θ αθΝ δ᾿ ι δ θΝ π θ αμΝ μΝ λ αθΝ υζζαί π λ αμΝμΝ π αθΝ δ᾿ ι δ θΝ ᾿ θΝ η πδΝ η αμΝ εα λ αμΝ π ΰ κκθΝ υζζαί π λδ κθΝ δ᾿ ι δ θΝ ηδ ζδκθΝ δ πα θΝ δπζ κθέΝκ πμΝληκθ αΝπ θ Ν π ΰ καΝεα κΝ δ δ μΝ δ᾿ ι δ θΝ λ αΝ π ΰ καΝεα δμΝυζζαί ᾿ π ΰ καΝεα δμΝ(ἔὄέΝἄ)
Ora a semelhanccedila com o Filebo aqui eacute surpreendente uma vez que o exemplo que
ilustra tal harmonia entre limitantes e ilimitados eacute a harmonia presente na escala diatocircnica
musical analisada pela relaccedilatildeo entre nuacutemeros inteiros que compotildeem um tom inteiro e a
quarta a quinta e a oitava ( δαπα υθ)183 Seratildeo esses mesmos exemplos que como
veremos Platatildeo utilizaraacute em 17bss para tratar ainda mais da questatildeo do limite e do ilimitado
diante da incompreensatildeo manifestada por Protarco acerca destes temas A imagem aqui
utilizada da teoria musical parece ser a mesma utilizada por Platatildeo em nosso diaacutelogo Trata-
se de uma corda de um contiacutenuo ilimitado na qual se definem tons especiacuteficos limitados
iὀtἷὄvalὁὅΝἷὅὂἷἵiacutefiἵὁὅέΝεaὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝaἶvἷὄtἷΝἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)μΝldquomaiὅΝumaΝvἷὐΝaΝhaὄmὁὀiaΝ
183 A mesma escala diatocircnica que apareceraacute no Timeu (Ti 35b)
131 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
o acordo natildeo devem ser nunca confundidos com o limitante o acordo funciona pelo nuacutemero
maὅΝὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝὁΝaἵὁὄἶὁΝὀatildeὁΝὅἷΝὅuἴὅtituἷmΝὂἷlὁὅΝlimitaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἀ23)184
A passagem da harmonia agrave escala musical evoca outro elemento importante natildeo eacute
nada surpreendente essa passagem se levarmos em conta que a introduccedilatildeo da harmonia
para explicar a origem da realidade do cosmos constituiacutedo por limitantes e ilimitados a busca
pelos intervalos sonoros pelos tons especiacuteficos caracteriza-se pela busca de um nuacutemero
Atentemo-nos ao Frag 4
E o certo eacute que todas as coisas que se conhecem tecircm nuacutemero pois sem ele nada se pode pensar ou conhecer (Fr 4) εα π θ αΝΰαΝη θΝ ΰδΰθπ ε η θαΝ λδγη θΝ ξκθ δΝκ ΰ λΝκ θΝ Νκ θΝκ Νθκβγ η θΝκ Νΰθπ γ η θΝ θ υΝ κ κυΝ(ἔὄέΝἂ)
A partir da introduccedilatildeo da harmonia no sistema de Filolau eacute possiacutevel notar que o nuacutemero
possui um papel fundamental nesse sistema haacute aqui como se nota uma preocupaccedilatildeo
epistemoloacutegica No caso da escala diatocircnica os tons especiacuteficos identificados sobre o
contiacutenuo sonoro ilimitado pode-se notar que estes natildeo distribuiacutedos de forma aleatoacuteria mas
de acordo com as proporccedilotildees de nuacutemeros inteiros que determinam os intervalos da oitava
(21) (43) e (32) respectivamente oitava quarta e quinta Eacute possiacutevel dizer que Filolau
compreende o cosmo como uma articulaccedilatildeo em funccedilatildeo de relaccedilotildees numeacutericas especiacuteficas o
ὃuἷΝὀatildeὁΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquotuἶὁΝὧΝὀήmἷὄὁrdquoΝmaὅΝὃuἷΝἷὅὅaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝὀumὧὄiἵaὅΝὀὁὅΝὂἷὄmitἷmΝ
compreender conhecer o que satildeo as coisas185 Filolau se recusa a dizer o que satildeo esses
princiacutepios (limitantes e ilimitados) a enumerar tais realidades o que possam ser tais princiacutepios
limitantes e ilimitados como seria o caso de ser o fogo a aacutegua ou outros Pode-se dizer que
aqui Filolau estaacute instaurando uma polecircmica com seus predecessores natildeo soacute com
Anaximandro mas com o proacuteprio Anaxaacutegoras devido agraves suas postulaccedilotildees seus muacuteltiplos
λξαέ186 Diferentemente portanto do uso que Filolau faz desses elementos para tratar deste
184 ώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝἷὅἵlaὄἷἵἷΝaiὀἶaΝmaiὅμΝ ldquoὀὁΝἵaὅὁΝἶἷΝἔilὁlaὁΝὀatildeὁΝhὠΝiὀἶiἵaὦatildeὁΝἷxὂliacuteἵitaΝὃuaὀtὁΝaὁΝpapel exato que os limitantes e os ilimitados desempenham nesse seu exemplo mas ele parece naturalmente supor que o ilimitado eacute o contiacutenuo sonoro enquanto os tons especiacuteficos identificados sobre esse contiacutenuo formam os limitantes O papel da harmonia eacute o de determinar um arranjo agradaacutevel e ἷὅὂἷἵiacutefiἵὁΝἶἷὅὅἷὅΝlimitaὀtἷὅΝiἶἷὀtifiἵaἶὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝἵὁὀtiacuteὀuὁΝiὅtὁΝὧΝἵὁὀὅtituiὄΝumaΝἷὅἵalaΝmuὅiἵalrdquoΝ(ὂέΝ19) 185 ViἶἷΝtamἴὧmΝἔὄέΝἃΝἶἷΝἔilὁlauμΝldquoDe facto o nuacutemero tem duas espeacutecies que lhe satildeo peculiares a iacutempar e a par e uma terceira derivada da combinaccedilatildeo destas duas a par-iacutempar Cada uma das duas espeacutecies tem muitas formas que cada coisa em si mesma ὄἷvἷlardquoέΝldquo ΰαΝη θΝ λδγη μΝ ξ δΝ κΝη θΝ δαΝ
βΝπ λδ θΝεα λ δκθΝ λ κθΝ π᾿ ηφκ λπθΝη δξγ θ πθΝ λ δκπ λδ κθΝ εα λπΝ κμΝπκζζα ηκλφα μΝ εα κθΝα αυ βηα θ δrdquoΝ(ἔὄέΝἃ)έ 186 ldquoἡΝἵamiὀhὁΝἶἷΝἔilὁlauΝὧΝἵἷὄtamἷὀtἷΝὁὄigiὀalΝmἷὅmὁΝὀὁΝiὀtἷrior da filosofia preacute-socraacutetica pois por um lado natildeo expressa uma posiccedilatildeo monista uma vez que o ser resulta da pluralidade de ilimitadoslimitantes por outro lado ceticismo epistemoloacutegico do Fr 6 eacute moderado pela possibilidade de
132 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
acordo desta harmonia que torna possiacutevel a compreensatildeo da realidade como eacute o caso do
fogo no Fr 7
A primeira coisa que estaacute harmonizada o um que estaacute no meio da esfera eacute chamado fogo (Fr 7)
πλ κθΝ ληκ γ θΝ θΝ θΝ δΝη πδΝ μΝ φα λαμΝ αΝεαζ ῖ αδ (Frag 7)
O fogo que se encontra no centro do cosmos eacute o fogo central em torno do qual gravitam
a terra o sol a lua a contra-terra e os cinco planetas Eacute necessaacuterio destacar que Filolau
ressalta aqui o fogo como um exemplo de algo acordado harmonizado O fogo eacute esse siacutembolo
do ilimitaacutevel que eacute limitado pelo limitante neste caso o centro de uma esfera (HUFFMAN
1999 p 19)187 Mas voltemos agrave questatildeo do nuacutemero
A realidade configura-se por uma pluralidade ordenada esse eacute o sentido aqui de
λδγη θΝldquotuἶὁΝὧΝἴaὅiἵamἷὀtἷΝὀήmἷὄὁrdquoΝἷΝὧΝgὄaὦaὅΝaὁΝfatὁΝἶaΝὄἷaliἶaἶἷΝldquoὂὁὅὅuiὄΝὀήmἷὄὁrdquoΝὃuἷΝ
ele pode ser conhecida porque passiacutevel de descriccedilatildeo numeacuterica isto eacute passamos pelo
reconhecimento de um sentido propriamente ontoloacutegicocosmoloacutegico para um sentido tambeacutem
epistemoloacutegico (CORNELLI 2010 p 224) Por fim podemos concluir com Cornelli
Essas passagens do Filebo centrais para a definiccedilatildeo da dialeacutetica do limitadoilimitado revelam as raiacutezes pitagoacutericas da teoria dos princiacutepios platocircnica e ndash como tais ndash constituem um achado preacute-aristoteacutelico da filosofia pitagoacuterica Raiacutezes afirmadas e conhecidas pelo proacuteprio texto platocircnico () e que ndash como fontes para a elaboraccedilatildeo filosoacutefica platocircnica ndash satildeo reinterpretadas pela Academia que se percebe nesse sentido como continuadora e mediadora do esforccedilo dialeacutetico-metafiacutesico pitagoacuterico Todavia para aleacutem do argumento dialeacutetico-ontoloacutegico a construccedilatildeo da dialeacutetica no Filebo eacute fruto da concepccedilatildeo filosoacutefica platocircnica (2010 p 215)
Depois de ter analisado detalhadamente tais influecircncias pitagoacutericas e o paralelismo
estabelecido entre elas e nosso diaacutelogo podemos agora novamente retomar a exposiccedilatildeo de
Soacutecrates em 16c5-17a5 Vimos que eacute a partir dessa tradiccedilatildeo de origem divina que Soacutecrates
pretende expor aqui a reflexatildeo acerca da dialeacutetica agora de modo diferente nesse diaacutelogo
Soacutecrates nos diz que se todas as coisas estatildeo assim ordenadas ou seja se todas as
coisas sobre as quais se pode dizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e que elas tecircm em si
conhecer ao menos duas coisas isto eacute esta mesma pluralidade e a harmoniacutea que a manteacutem unida aἵὁὄἶaἶardquoΝ(ἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀ1)έ 187 ἓὅὅaΝὧΝ tamἴὧmΝaΝhiὂὰtἷὅἷΝἶἷΝἑὁὄὀἷlliΝ (ἑfέΝἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀἀ)έΝἓlἷΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝ ldquoEacuteΝpossiacutevel que exatamente essa referecircncia filolaica ao fogo como um no centro da esfera possa explicar a citaccedilatildeo prometeacutetica relativas agraves origens pitagoacutericas da teoria do limitanteilimitado no Filebo Ainda que seja possiacutevel trata-ὅἷΝaὃuiΝἶἷΝὅimὂlἷὅΝaὅὅὁὀacircὀἵiaὅΝἵὁὀἵἷituaiὅέrdquoΝἓlἷΝaiὀἶaΝfaὐΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝἷmΝὀὁta (n 511) ao acircmbito meacutedico-antroploacutegico que possa ser extraiacutedo do fragmento num paralelismo estabelecido entre o fogo e o calor da vida humana
133 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
mesmas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos (16c-9) devemos postular sempre em casa caso
uma uacutenica ideia (ηέαθ Ϋαθ)188189 para todas as coisas e temos de encontraacute-la e iremos
encontraacute-la na proacutepria coisa (16d2) Esse momento correspondente agrave reuniatildeo ( υθαΰπΰά190)
eacute aquele que se busca a Ϋα imanente e natildeo uma multiplicidade de coisas que satildeo singulares
mas agrave cada espeacutecie e a cada gecircnero O condutor ainda diz que forccedilosamente a
encontraremos o que significa dizer que comeccedilamos a pressupor uma unidade proacutepria em
cada coisa em questatildeo do contraacuterio natildeo a procurariacuteamos Tal necessidade fica ainda mais
clara em 25A2-4 quando Soacutecrates iraacute novamente reafirmar essa reuniatildeo das diferentes
espeacutecies de ilimitado em um uacutenico gecircneὄὁμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝafiὄmamὁὅΝὃuἷΝ
devemos reunir todas as coisas repartidas e cindidas em pedaccedilos e imprimir tanto quanto
possiacutevel o sinal de uma natureza uacutenica ndash ὅἷΝὧΝὃuἷΝtἷΝὄἷἵὁὄἶaὅrdquoΝ(εα θΝ ηπλκ γ θΝζσΰκθΝ
θΝ φαη θΝ αΝ δΫ πα αδΝ εα δΫ ξδ αδΝ υθαΰαΰσθ αμΝ ξλ θαδΝ εα τθαηδθΝ ηέαθΝ
πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθΝ ηΫηθβ αδ)Ν(ἀἃaἀ-4)
Sem duacutevida devemos a Dixsaut (1991)191 a distinccedilatildeo entre κυ έα κμ e Ϋα termos
muitas vezes traduzidos como sinocircnimos sendo que natildeo haveria distinccedilatildeo entre o que Platatildeo
188 ἢὄaἶἷauΝἷxὂliἵaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵarsquoΝὄἷmἷtἷΝὡΝmian ideacutean Ideacutea ὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὂὁὄΝlsquoiἶἷiarsquoΝmas os usos filosoacuteficos do termo dificilmente refletiriam o que aqui eacute designado por Platatildeo na ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(umaΝlsquoὀatuὄἷὐarsquoΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁ)ΝὂἷὄἵἷὂtiacutevἷlΝὂἷlὁΝiὀtἷlἷἵtὁέΝἏΝaὂὄἷἷὀὅatildeὁΝdessa unidade inteligiacutevel eacute evocada por termos idecircnticos na Repuacuteblica VI 507a-c A maior parte dos inteacuterpretes natildeo hesitam em tomar ideia ὂὁὄΝlsquofὁὄmarsquoΝ(iὀtἷligiacutevἷl)ΝἷὅtimaὀἶὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝfaὄiaΝumΝuὅὁΝἶἷΝpalavras sinocircnimas dos termos ideacutea e eidos me parece que ideacutea designa a realidade ou natureza inteligiacutevel enquanto eicircdos designa a forma dessa realidade assim como podemos encontraacute-la nas ἵὁiὅaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝὃuἷΝἶἷlaΝὂaὄtiἵiὂamΝ(ἵὁmὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝfὁὄmaΝἶὁΝἴἷlὁΝὀaὅΝἴἷlaὅΝἵὁiὅaὅ)rdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ240 n 241) 189 Agradeccedilo ao Prof Rubens por ter me feito atentar agrave ocorrecircncia deste termo na passagem mas natildeo somente Tambeacutem por ter me feito reconhecer que ela se faz presente tambeacutem em outros diaacutelogos como Parmecircnides (132a 157d8) Teeteto (204a) Sofista (253d5-6) e a relevacircncia deste termo principalmente o significado que ele adquire na obra platocircnica em geral 190 Os correspondentes ao termo aparecem no Filebo nas seguintes passagens 23e5 25a3 25d6-8 que aparecem cunhado nesta sua forma origina no Fedro em 266b4 191 Explica Dixsaut (1991 p 497) que a Ϋα diz respeito ao ζσΰκμ que discorre sobre os contraacuterios indiretos Ela natildeo eacute aqui sinocircnimo da Forma nem uma imagem de natureza espiritual menos ou mais elevada do que a Forma nem sequer se trata de uma propriedade P que a forma F ndash imporia em uma determinada coisa x Ela se define por verbos pelas suas accedilotildees ela avanccedila sobre as coisas aproveita-se destas e natildeo pode ser recebida por essas coisas caso lhes seja contraacuteria ou seja se eacute um contraacuterio indireto de uma propriedade essencial deste algo As β satildeo causas de determinaccedilatildeo que elas impotildeem elas forccedilam agrave coisa possuir sua proacutepria Ϋα Algo natildeo pode receber e natildeo receber a determinaccedilatildeo simultaneamente Eacute importante que ele receba a determinaccedilatildeo poreacutem soacute pode ser determinado se sofrer o feito da determinaccedilatildeo daquilo que o determina Aleacutem do mais determinada coisa soacute se torna ordenaacutevel apenas participando isto eacute deixando-ὅἷΝ ldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὁuΝ maiὅΝFormas Logo o domiacutenio da forma sobre a coisa eacute a Ϋα A Ϋα eacute a accedilatildeo da Forma ( κμ) sobre a coisa ela surge a partir das Formas para as quais ela doa menos da sua inteligibilidade e da sua determinaccedilatildeo que elas lhes impotildeem A Ϋα testemunha a participaccedilatildeo possessora dominadora conquistadora das Formas por meio do discurso da coisa que dela(s) participa(m) As Formas se apoderam da coisa restringem-nas avanccedilam em direccedilatildeo agraves coisas As coisas da φτ δμ soacute existem
134 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiἶἷiardquoΝldquoἔὁὄmardquoΝἷΝldquoἷὅὅecircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝaὀaliὅaὀἶὁΝaὅΝὅuaὅΝὁἵὁὄὄecircὀἵiaὅΝὀὁὅΝ
diaacutelogos podemos notar que possuem sentidos diferentes uns dos outros Dixsaut confirma
em um outro texto a mesma interpretaccedilatildeo ao dizer assertivamente
A ideia natildeo eacute o eidos Podemos observar que todas as vezes que Platatildeo quer evitar empregar eidos falando de uma realidade natildeo corporal ele utiliza idea assim na Repuacuteblica trata-se da idea da luz e quando lhe eacute atribuiacuteda uma potecircncia suplementar da idea do Bem A luz natildeo eacute uma essecircncia e o Bem tampouco Uma por falta o outro por excesso Nesse caso idea natildeo tem seu sentido platocircnico habitual O termo eacute empregado porque natildeo eacute possiacutevel nomear propriamente eidos a coisa da qual se fala ao mesmo tempo dotando-a de uma potecircncia particular de ligaccedilatildeo luz e Bem tecircm uma mesma funccedilatildeo de jugo (zugon) eles submetem objetos agrave faculdade capaz de os apreender (visatildeo tratando-se da luz intelecccedilatildeo tratando-se do Bem) (2017 p 61-62)
ἜὁgὁΝtἷὀἶὁΝalἵaὀὦaἶὁΝἷὅὅaΝldquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵardquoΝἷὅὅaΝ Ϋα eacute necessaacuterio entatildeo dividi-la
Trata-se de reconhecer o nuacutemero de intermediaacuterios entre essa unidade inicial e o ilimitado Eacute
isso que distingue ( δαε ξυλδ αδ) o dialeacutetico ( δαζ ε δε μ) do eriacutestico ( λδ δε μ) (17a4) Para
ὁΝἶialὧtiἵὁΝἷὅὅἷὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo que os saacutebios atuais deixam escapar ( ηΫ α α κ μ
εφ τΰ δ) devem ser respeitados O mesmo se diz do um e do muacuteltiplo e do abuso que os
jovens fazem dele192 (15d-16a) quando abusam dessa proacutepria estrutura que eacute a linguagem
em si espantados com o poder dos ζσΰκδέΝἡὅΝldquoὅὠἴiὁὅΝἶὁΝὂὄἷὅἷὀtἷrdquoΝvatildeὁΝὁὄaΝmaiὅΝlἷὀtὁΝὁὄaΝ
mais rapidamente imediatamente do um ao ilimitado (η θ π δλα γτμ) (17a2-3)
Se vatildeo mais lentamente levantam um grande nuacutemero de espeacutecies de tal modo que sequer
conseguem impor essa marca uacutenica se vatildeo mais raacutepido nunca conseguem enumerar um
nuacutemero suficiente sempre se equivocando O proacuteprio Soacutecrates diz em 16d6-ἷἁμΝldquo(έέέ)ΝmaὅΝὀatildeὁΝ
devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da
devido agrave participaccedilatildeo e a Ϋα natildeo eacute indeterminaccedilatildeo mas eacute esse iacutendice de sobredeterminaccedilatildeo ἷὅὅἷὀἵialΝ ἶἷΝ algὁΝ ὂἷlaΝ ἔὁὄmaέΝ ἠὁὅΝ ἶiὐἷὄἷὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautΝ (1λλ1)Ν ldquoaΝ ὂaὄtiἵiὂaὦatildeὁΝ aΝ ἵauὅaliἶaἶἷΝ ἶaὅΝFormas permite dizer natildeo apenas de Formas ou de propriedades contraacuterias mas de coisas que ἵὁὀtὄὠὄiaὅΝἷΝἷxἵluἶἷὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἂλἆ)έΝἏΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝiὀtἷὄὄὁmὂἷΝaΝmuἶaὀὦaΝὁΝdevir impede ὃuἷΝalgὁΝἶἷixἷΝἶἷΝὅἷὄΝἷlaΝimὂἷἶἷΝaΝἵὁὀtiὀuaὦatildeὁΝἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝmuἶaὀὦaΝiὀἶἷfiὀiἶaμΝldquoaΝligaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝa Forma e a coisa eacute mais estreita no caso das Formas e das que possuem um contraacuterio indireto A idea nem a Forma nem a coisa eacute a instacircncia de ligaccedilatildeo sua presenccedila na coisa manifesta a conformidade das coisas ao seu eicircdos ὃuἷΝἶὁaΝὡΝἵὁiὅaΝὅuaΝἵὁὀfὁὄmaὦatildeὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλ1ΝὂέΝἂλἆ)έΝἏΝ Ϋα torna manifesta a accedilatildeo da causalidade da Forma ela (a Ϋα) torna possiacutevel compreender que tipo de efeito pode produzir uma causa dessa espeacutecie o efeito eacute que a coisa restrita agrave aquisiccedilatildeo da sua ideacutea natildeo eacute mais um processo ela eacute conformada pela Forma ela eacute obra do κμ que se torna traduziacutevel e diziacutevel (DIXSAUT 19991 p 479-500) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada cf NUNES SOBRINHO (2007 p 89-117) 192 Cf Euthd 272a-b 275ess Phdr 261c6 Nas passagens citadas podemos notar a mesma descriccedilatildeo dos jovens que se deixam levar pela eriacutestica e pelos poderes dos discursos que visam contradizer os interlocutores (adversaacuterios) por meio da antiloacutegica ao simularem a discussatildeo dialeacutetica (filosoacutefica)
135 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas
ἵὁiὅaὅΝἷΝaἴaὀἶὁὀaὄΝἵaἶaΝumaΝἶἷlaὅΝὀὁΝilimitaἶὁrdquoέΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)
Ir imediatamente da unidade ao ilimitado significa com efeito que a unidade possui segundo eles [os saacutebios atuais] por conteuacutedo unicamente uma pluralidade indeterminada de indiviacuteduos assim eles ignoram as diferentes espeacutecies entre as quais esses indiviacuteduos poderiam se distribuir Assim a ideia natildeo tem apenas por conteuacutedo uma multiplicidade sensiacutevel mas primeiramente uma multiplicidade inteligiacutevel (p 301)
Ateacute aqui tudo nos parece distanciar da hipoacutetese de que Platatildeo utilizaria da vida boa
ὂaὄaΝἷxiἴiὄΝὅuaΝldquoὀὁvaΝtἷὄmiὀὁlὁgiardquoΝὂὁiὅΝὁὅΝprocedimentos adotados em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica
ὅatildeὁΝaὃuἷlἷὅΝἶitὁὅΝldquohaἴituaiὅrdquoέΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὅἷΝatἷὅtaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝ
buscar essa ideia uacutenica (ηέαθ Ϋαθ) a fim de poder dividir essa unidade postulada em tantas
unidades que seja necessaacuteὄiὁέΝἏΝfimΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶialὧtiἵaΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoἴὁaΝ
viἶardquoΝὧΝimὂὄἷὅἵiὀἶiacutevἷlΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝἵaὀἶiἶatὁὅΝaΝὅἷὄἷmΝἷὅἵὁlhiἶὁὅΝὂaὄaΝἵὁmὂὁὄἷmΝἷὅtaΝviἶaΝ
a saber prazer e conhecimento Eacute imprescindiacutevel saber em primeiro lugar como cada um
destes eacute um e muacuteltiplo Mais uma alusatildeo agrave potecircncia dialeacutetica se pode notar aqui satildeo nos
dadas maiores informaccedilotildees acerca dela ela deve postular um nuacutemero de intermediaacuterios
sendo cautelosa ao dividir sem passar imediatamente do um ao muacuteltiplo assim como fazem
os praticantes da eriacutestica193
Protarco natildeo entende bem aquilo que Soacutecrates estaacute querendo dizer (17a6-8)
Soacutecrates recorre ao exemplo das letras do alfabeto e agrave φπθ (voz) pois a φπθ eacute π δλκμ
(Cf 17b3-ἂΝ1ἆἴἄ)μΝldquoaΝvὁὐΝἶἷΝtὁἶὁὅΝἷΝἶἷΝἵaἶaΝumΝἶἷΝὀὰὅΝὃuἷΝὅaiΝὂἷlaΝὀὁὅὅaΝἴὁἵaΝὧΝuma mas
ὧΝtamἴὧmΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝilimitaἶardquoΝ(φπθ η θΝ ηῖθΝ έΝπκυΝηέαΝ δ κ σηα κμΝ κ αΝεα
π δλκμΝα πζάγ δΝπΪθ πθΝ Νεα εΪ κυ)Ν(1ἅἴἁ-4) Soacutecrates iraacute dizer entatildeo que natildeo nos
tornamos letrados por conhecer esse ilimitado nem o um das letras e dos sons mas porque
sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo esses sons Eacute isso que nos torna competente no
ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ(ldquoεα κ θΝ Ϋλ ΰ Ν κτ πθΝ ηΫθΝππΝ κφκέΝκ Ν δΝ π δλκθΝ
α μΝ η θΝκ γ᾽ δΝ θμΝ ζζ᾽ δΝπσ αΝ ᾽ εα πκῖαΝ κ σΝ δΝ ΰλαηηα δε θΝ εα κθΝ
πκδκ θΝ η θrdquo)Ν(1ἅἴἄ-9) Gallop (1963) eacute quem melhor nos explica a passagem
Isso no entanto deve ser lido com o devido respeito ao contexto As letras fornecem um modelo natildeo como parece para entender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados mas para discutir a classificaccedilatildeo Platatildeo
193 Eacute possiacutevel ir mais adiante em 56e2-3 Soacutecrates ao fazer uma distinccedilatildeo entre a aritmeacutetica vulgar e a aritmeacutetica filosoacutefica Aquela adiciona mocircnadas desiguais como dois exeacutercitos ou dois bois Enquanto esta (a aritmeacutetica filosoacutefica) se recusa operar desta maneira caso natildeo se postule uma diferenccedila entre as incontaacuteveis as mὲὀaἶaὅΝὃuἷΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝὅἷΝἶifἷὄἷΝumaΝἶaΝὁutὄaμΝldquoaΝaὄitmὧtiἵaΝfilὁὅὰfiἵaΝὅuὂὄimἷΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝmaὅΝaΝἶialὧtiἵaΝἶἷvἷΝὂὁὅtulaὄΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝἷὀtὄἷΝaὅΝ mὲὀaἶaὅrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 294-295)
136 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
usa a classificaccedilatildeo de sons sobre os quais um alfabeto se baseia para ilustrar o meacutetodo de divisatildeo em antecipaccedilatildeo ao seu proacuteprio procedimento mais tarde no diaacutelogo (p 368)
Poderiacuteamos assim perguntar como Filebo postula o primeiro princiacutepio de relevacircncia
ldquo(έέέ)ΝmaὅΝὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὁΝὀὁὅὅὁΝtἷmaΝἷΝὁὀἶe ele [Soacutecrates] estaacute querendo
ἵhἷgaὄΝἵὁmΝiὅὅὁςrdquoΝ(1ἆa1-2) Eacute aiacute que Soacutecrates torna mais evidente o que haacute por traacutes de seus
exemplos gramaacutetica e muacutesica194 utilizados anteriormente (17b11-e6)
No caso de algueacutem que jaacute aprendeu uma unidade qualquer ( θ) o que digo eacute que ele natildeo deve olhar imediatamente para a natureza do ilimitado (κ εΝ π᾽
π έλκυΝ φτ δθΝ ῖ ίζΫπ δθΝ γ μ) mas sim para um nuacutemero determinado ( ζζ᾽ πέΝ δθαΝ λδγησθ) assim tambeacutem como no caso contraacuterio (κ πΝεα θαθ έκθ) quando algueacutem eacute forccedilado a aprender em primeiro lugar o ilimitado
( αθΝ δμΝ π δλκθ) natildeo deve olhar imediatamente para o um ( θαΰεα γ πλ κθΝζαηίΪθ δθΝη π θΝ γτμ) mas deve discernir novamente um nuacutemero que constitui qualquer pluralidade determinada ( ζζ᾽ π᾽ λδγη θΝα δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e a partir de todos eles finalmente
olhar o um (18a6-b4)
Soacutecrates decide entatildeo voltar ao exemplo das letras citando Teuth (como fez no Fedro
274c-275b) o deus ou homem divino egiacutepcio inventor da escrita que aqui no caso relatado
pelo Filebo teria discernido o som da voz como ilimitado ( π δ φπθ θΝ π δλκθ)Ν(1ἆἴἄ-7)
Primeiramente ele teria distinguido as vogais195 neste ilimitado ( μΝπλ κμΝ φπθά θ αΝ θΝ
π έλ )Ν ὀatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ maὅΝ ἵὁmὁΝ muitaὅΝ (εα θσβ θΝ κ ξΝ θΝ θ αΝ ζζ πζ έπ)Ν ἵὁmὁΝ
tambeacutem teria verificado a existecircncia de outras emissotildees que natildeo satildeo propriamente sons
vocais mas certa espeacutecie de ruiacutedo ( λαΝ φπθ μΝ η θΝ κ Ν φγσΰΰκυΝ η Ϋξκθ ΪΝ δθκμ)Ν
existindo tambeacutem em nuacutemero determinado ( λδγη θ Ϋ δθα εα κτ πθ θαδ) Depois foi feita
tambeacutem uma distinccedilatildeo de uma terceira espeacutecie de letras em seguida as dividiu em sem-
ruiacutedo e as mudas ateacute a unidade de cada uma e dividiu as vogais e as intermediaacuterias do
mesmo modo ateacute que se obtivesse o nuacutemero delas e a cada uma delas deu o nome de letra
( λέ κθΝ κμΝΰλαηηΪ πθΝ δ ά α κΝ θ θΝζ ΰση θαΝ φπθαΝ ηῖθμΝ η κ κΝ δ λ δΝ ΪΝ
Ν φγκΰΰαΝ εα φπθαΝ ηΫξλδΝ θ μΝ εΪ κυΝ εα φπθά θ αΝ εα ηΫ αΝ εα θΝ α θΝ
λσπκθΝ πμΝ λδγη θΝα θΝζαί θΝ θέΝ Ν εΪ εα τηπα δΝ κδξ ῖκθΝ ππθσηα )Ν(1ἆἴἆ-
c6) O inventor divino sabendo que natildeo aprenderiacuteamos qualquer letra apenas por ela mesma
isolada de todas as demais estabeleceu esse elo ( η θ) que liga todas as letras e faz delas
194 Sobre este uacuteltimo falo mais adiante 195 Eacute necessaacuterio lembrar que como nos diz Muniz (2012) os Gregos antigos classificavam as letras segundo a quantidade de sopro empregada na emissatildeo das mesmas as que possuem um emprego de sopro maior satildeo as vogais (as que soam) (p 214 n 21)
137 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
uma unidade proclamando um soacute conhecimento para elas ao atribuir-lhes o nome de
gramaacutetica (ΰλαηηα δε θΝ Ϋξθβθ)196
O mesmo se daacute com o exemplo da muacutesica197 ( ηκυ δε θ) que aparece logo em
seguida da primeira apresentaccedilatildeo da gramaacutetica em 17b11-1ἀμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝtὧἵὀiἵaΝ
o som de algum modo eacute tambeacutem em si mesmo um (φπθ ηΫθΝπκυΝεα εα ᾽ ε έθβθΝ θΝ
ΫξθβθΝ ηέαΝ θΝα ) (17c1-2) Soacutecrates entatildeo identifica trecircs sons o grave (ίαλτ) o agudo
( ιτ) e o meacutedio ( ησ κθκθ198) (17c4-5) Mas ao mesmo tempo admite que de ningueacutem eacute dito
ser competente ( κφ μ) em muacutesica ( θ ηκυ δε θ) por saber disso mas caso natildeo soubesse
natildeo teria meacuterito algum no assunto (17c7-9) Ele explica em uma longa digressatildeo
Soc Mas meu caro quando apreenderes qual eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) de intervalos ( π α δα ηα α) do som tanto do agudo ( ιτ β σμ) quanto do grave (ίαλτ β κμ) de que tipo satildeo e tambeacutem os limites dos intervalos ( δα βηΪ πθ) e quantos satildeo os sistemas ( α υ άηα α) que resultam deles ndash que nossos predecessores (κ πλσ γ θ) observando-os os transmitiram a noacutes seus seguidores nomeando-ὁὅΝἶἷΝldquoἷὅἵalaὅrdquo ( ληκθέαμ) ndash e quais afecccedilotildees ocorrem nos movimentos dos corpos que segundo dizem devem ser medidas por nuacutemeros ( λδγη θ η λβγΫθ α) e chamadas de ritmos ( υγηκ μ) e metros (ηΫ λα) e ao mesmo tempo que eacute preciso compreender que eacute desse modo que as investigaccedilotildees ( εκπ ῖθ) sobre tudo que eacute um e muacuteltiplo devem ser feitas Quando apreenderes essas coisas desse modo ter-te-aacutes tornado saacutebio( κφσμ) e quando qualquer unidade que
196 Rudebusch (ἀίίἅ)ΝaΝmἷuΝvἷὄΝὧΝὃuἷmΝmἷlhὁὄΝἷxὂliἵaΝaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝvὁὐΝvἷmΝaΝὅἷὄΝum ou entre ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝἷΝmutuamἷὀtἷΝἵὁὀtὄὠὄiὁὅέΝἡὅΝὄuiacuteἶὁὅΝὅatildeὁΝiὀἶἷfiὀiἶὁὅΝὀὁΝtἷmὂὁΝἵuὄtὁὅΝὁuΝlὁὀgὁὅμΝlsquoaὁirsquoΝlsquoaaaὁὁὁuuuiiirsquoέΝἥatildeὁΝtamἴὧmΝiὀἶἷfiὀiἶamἷὀtἷΝmἷὀὁὅΝὁuΝmaiὅΝὠὅὂἷὄὁὅμΝlsquoaaahhhhἵhἵhἵhrsquoέΝἓΝὅatildeὁΝfἷitὁὅΝὂὁὄΝvaὄiaὦὴἷὅΝiὀἶἷfiὀiἶaὅΝἶaΝliacuteὀguaΝἷΝlὠἴiὁὅμΝlsquoἴlὄὄmὀἶὐὐὂtrsquoέΝἔiἵaΝἵlaὄὁΝὃuἷΝὃuaὀἶὁΝaὂὄἷὀἶἷmὁὅΝaΝfalaὄΝaprendemos a combinaccedilatildeo correta dos limites destes ruiacutedos As vogais gregas tecircm qualidade limitada ndash por exemplo ao contraacuterio de υ ou δ ndash e tecircm quantidade limitada Vogais longas satildeo duas vezes mais longas que vogais breves por exemplo π e κ β e As consoantes gregas satildeo limitadas a formas definidas (labiais dentais e velares) como ou sem uma forma definida de aspiraccedilatildeo e de som de nasalidade etc O conhecimento da gramaacutetica eacute o conhecimento das combinaccedilotildees corretas para dar ὀaὅἵimἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝὁὅΝmuitὁὅΝ ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝὀὁΝ muὀἶὁΝὡὅΝὂalavὄaὅrdquoΝ (ὂέΝἂἂ)έΝἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝἵfέΝἕallὁὂΝ(1963 p 364-376) e Menn (1998 p 291-305) 197 Pradeau (2002) retoma uma questatildeo tambeacutem fundamental agrave nossa argumentaccedilatildeo posterior em tὁὄὀὁΝἶaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝmousikeacute gὄἷgaΝὧΝἷὀtἷὀἶiἶaΝὀumΝὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝamὂlὁΝὃuἷΝὀὁὅὅaΝldquomήὅiἵardquoνΝἷlaΝenvolve tanto a danccedila como o canto e a praacuteticas do discurso Ela reuacutene de fato o conjunto das praacuteticas artiacutesticas musicais e literaacuterias que relacionamos agraves Musas eacute a razatildeo pela qual os exemplos do canto ἵὁmὁΝἶaΝmὧtὄiἵaΝἷΝἶὁὅΝtὁὀὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὃuiΝiὀἵluiacuteἶὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂἁΝὀέΝἀἆ)έ 198 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝἵὁmΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)ΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoἢlatatildeὁΝfalaΝἶὁΝlimite e do ilimitado assim como da mistura entre ambos inspirando-se na muacutesica O percurso de seu pensamento se orienta de tal modo a referir-se simultaneamente a dois planos distintos vale dizer ao plano metafiacutesico do qual ele fala e ao concreto plano musical do qual tratada sua argumentaccedilatildeo natildeo se pode sustentar a definiccedilatildeo do limite assim como se encontra formulada no Filebo responda a uma concessatildeo unicamente musical A dificuldade imposta ao termo ησ κθκθΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄaἶaΝtἷὀἶὁΝἵὁmΝconta a duacuteplice valecircncia do pensamento platocircnico Este termo que indica o uniacutessono eacute de fato muito feliz porque aiacute se tem presente a linguagem metafoacuterica de Platatildeo com efeito este termo designa perfeitamente o ponto no qual a mistura dos contraacuterios alἵaὀὦaΝὅuaΝὂἷὄfἷiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἆί)έ
138 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
seja apreenderes investigando assim sobre isso ter-te-aacutes tornado bem informado Entretanto a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em cada coisa soacute podem fazer de ti a cada caso uma pessoa inexperiente no pensar ( ᾽ π δλσθ εΪ πθ εα θ εΪ κδμ πζ γκμ π δλκθ εΪ κ πκδ ῖ κ φλκθ ῖθ) e que ningueacutem leva em conta nem daacute conta de nada jaacute que jamais teraacutes voltado teu olhar para qualquer nuacutemero de qualquer coisa ( ᾽ κ ε μ λδγη θ κ Ϋθα θ κ θ πυπκ πδ σθ α) (17c11-e6)
Eacute impossiacutevel ao analisar essa passagem natildeo levar em conta a heranccedila pitagoacuterica do
quinto seacuteculo que Platatildeo visa ressignificar sobre a qual nos detemos longamente nesta seccedilatildeo
mais acima A estrutura musical com seus sons (φπθ μ) o conhecimento dos intervalos ( θ
δα βηΪ πθ) dos limites desses intervalos ( κ μ πκυμ)199 as correlaccedilotildees (consonacircncias)200
199 εὁutὅὁὂὁulὁὅΝἷxὂliἵaμΝldquoἦἷὀἶὁΝἵὁὀὅtataἶὁΝὃuἷΝaΝvὁὐΝἷΝὁὅΝὅὁὀὅΝmuὅiἵaiὅΝaὂὄἷὅἷὀtamΝamἴὁὅΝὃuἷΝsatildeo ao mesmo tempo idecircnticos e diferentes uno e muacuteltiplo Platatildeo passa ao estudo dos intervalos musicais fundados sobre a relaccedilatildeo numeacuterica dos sons Ὅλκμ indica um dos termos da relaccedilatildeo numeacuterica que exprime um intervalo A expressatildeo Ϊλδγηκ πλ μ λδγη θ utilizada tambeacutem no Timeu (36b) se refere agrave explicaccedilatildeo dos fenocircmenos musicais obtidos por meio dos nuacutemeros que tecircm um valor absoluto e bem definido Os autores musicais descrevem os meacutetodos de precisatildeo usados para definir esta relaccedilatildeo divisatildeo do comprimento dos tubos sonoros suspensatildeo de pesos nas extremidades da corda vibrante enchimento de vasos nos quais o peso a capacidade e o comprimento servem como medida e conferem aos sons medidos o valor de paracircmetro As relaccedilotildees de quarta e de quinta como aquelas deduzidas dos dois procedimentos e que representa o tom enfim a relaccedilatildeo 243256 que exprime o intervalo chamado lemma resultante da subtraccedilatildeo de dois tons da quartam encontram-se na base da linguagem que Platatildeo utiliza no Filebo sob o propoacutesito de determinar a concepccedilatildeo pitagoacuterica dos intervalos musicais que aleacutem disso coincide com a sua Da combinaccedilatildeo desses intervalos se obteacutem os sistemas tradicionalmente chamados harmonias reconhecidas natildeo aὄἴitὄaὄiamἷὀtἷΝmaὅΝaΝluὐΝἶἷΝumΝἷxamἷΝmatἷmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝἆί)έΝ 200 Wersinger (1999) em um importante estudo retoma o termo υηφκθέα que designa a consonacircncia ou seja o acordo (matemaacutetico) elaborado entre dois sons que satildeo chamados sinfocircnicos e que satildeo fixados por uma relaccedilatildeo matemaacutetica um ζσΰκμ de acordo com a teoacuterica Os pilares inamoviacuteveis da harmonia satildeo esses sons fixados por um acordo elaborado matematicamente A consonacircncia concerne agraves relaccedilotildees da oitava ( δαπα υθΝἀμ1)ΝἶaΝὃuiὀtaΝ(ὁuΝ ηδσζδκμΝἁμἀ)ΝἷΝἶaΝὃuaὄtaΝ( πέ λδ κμΝἂμἁ)έΝἠὁΝFilebo (25ae1-2) Soacutecrates explica que a consonacircncia suspende as diferenccedilas o conflito de contraacuterios ao colocar o nuacutemero em termo de igualdade de dobro e de quantida em geral Como noz diz Wersinger a consonacircncia eacute vizinha ou mesmo sinocircnima da comensurabilidade no diaacutelogo expressa pelo termo
υηη λέα isto eacute como aquilo que potildee fim agrave contrariedade Note-se pelo exemplo do δαπα υθΝἵὁmo exemplo claro da homofonia pois a relaccedilatildeo de oitava se estabelece graccedilas agrave consonacircncia (sonoridade comum) entre a nota mais grave ( πΪ βμ)ΝaΝmaiὅΝaguἶaΝ(θ Ϊ βμ)Ν(R IV 443d) Este tipo de relaccedilatildeo (homofonia) se encontra em um domiacutenio preciso da comensurabilidade tal como a mistura de qualidades psiacutequicas (quente e frio) como o das misturas de vinho e aacutegua nos ritos simpoacutesicos eacute desse tipo que as relaccedilotildees de consonacircncia satildeo feitas de maneira mais nuanccedilada entre agudo e grave como o vinho eacute misturado com a aacutegua de maneira gradual de tal modo que natildeo corrompa por completo a mistura Logo Wersinger solicita a atenccedilatildeo para a distinccedilatildeo entre uma assimilaccedilatildeo raacutepida entre consonacircncia e proporccedilatildeo A consonacircncia eacute uma relaccedilatildeo matemaacutetica na qual um nuacutemero se encontra em relaccedilatildeo com um outro nuacutemero expressatildeo que aparece no Filebo (25b) proacuteximo agrave justa medida (ηΫ λκθ πλσμ ηΫ λκθ) ela eacute entatildeo um ζσΰκμ de dois nuacutemeros Em um contexto poliacutetico-moral assim como os sons os elementos da alma satildeo postos em relaccedilatildeo de forma a produzirem uma mesma opiniatildeo ou uma mesma atitude a consonacircncia eacute acordo ( ηκζκΰέα) (cf Smp 187b4) A consonacircncia como visto na Repuacuteblica (IV 442d2) produz a amizade e a temperanccedila ( πφλκ τθβ) e que deve sua existecircncia agrave opiniatildeo comum ( ηκ κιέα 442d2) que permite que a irascibilidade e o desejo submetam-
139 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
existentes entre eles isto eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) que encontra-se por traacutes das diferentes
escalas ( ληηκθέαμ) 201Ν ὁuΝ ldquomὁἶὁὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὃuiὅἷὄἷm202 O nuacutemero permite a identificaccedilatildeo
destes intervalos203 uma espeacutecie de medida racional por intermeacutedio do nuacutemero torna capaz
identificar esses acordos entre limitantes e ilimitados diferentemente de uma mediccedilatildeo
empiacuterica baseada na conjectura como faziam os deslumbrados com a muacutesica contudo
se agrave razatildeo do mesmo modo que dois sons se acordem mutuamente em uma consonacircncia Logo homofonia e homodoxia encontram-se em estrita relaccedilatildeo (p 63-64) 201 Conforme nos diz Wersinger (1999) eacute necessaacuterio compreender a polissemia do termo ληκθέα jaacute que este termo pode ser confundido com a consonacircncia tendo em vista que se diz tambeacutem que a oitava eacute harmocircnica Na Repuacuteblica (443d6c3) lembremo-nos que o homem justo eacute aquele que possui sua alma harmonizada ou seja aquela alma cuja tripla especificidade (irascibilidade desejo e razatildeo) encontram-se direcionados agrave parte melhor analogamente agrave muacutesica que constroacutei suas escalas ou seus ldquomὁἶὁὅrdquoΝaΝὂaὄtiὄΝἶaὅΝtὄecircὅΝὂaὄtἷὅΝhaὄmὲὀiἵaὅΝ( πΪ βμΝθ Ϊ βμΝηΫ βμ)έΝἦὁἶὁὅΝἷὅὅἷὅΝmήltiὂlὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝse unem e se tornam um temperando-se (diferentemente de muacutesica temperada o que Platatildeo reprova como se pode notar R VII 530e-531a) e alcanccedilando plena harmonia A harmonia diferentemente da consonacircncia se estabelece a partir de uma relaccedilatildeo natildeo entre um elemento e outro mas de dois a dois elementos em uma cadeia de proporccedilatildeo isto eacute uma igualdade de relaccedilotildees As consonacircncias recebem um fundamento matemaacutetico que torna possiacutevel a relaccedilatildeo de umas com as outras a fim de formarem uma progressatildeo musical como jaacute dito para formarem as escalas de quinta (entre a nota mais aguda e a meacutedia) a de quarta (entre a mais grave e a meacutedia) Harmonizar neste sentido significa colocar em relaccedilotildees as proacuteprias relaccedilotildees identificar as razotildees comuns estabelecer uma progressatildeo musical ldquomaiὁὄΝἶὁmΝἶaὅΝεuὅaὅrdquoΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝEpinomis (991a5-b5) (p 64) Ainda nos dizeres de Wersinger ldquoaΝhaὄmὁὀia eacute sobretudo analogia ( θαζκΰέα) Ela eacute um meio de criar a unidade Ela depende no Filebo ἶaΝaὦatildeὁΝὄἷἵὁὀἵiliaἶὁὄaΝἶὁΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝἶὁΝlimitἷΝ(πΫλαμ)rdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἂ-65) 202 Platatildeo faz referecircncia aos modos (harmonias) permitidos no acircmbito da cidade ideal note-se aiacute uma correspondecircncia entre os nomes origem eacutetnica (liacutedio doacuterio friacutegio jocircnio etc) e as harmonias musicais dos gecircneros (cromaacutetico enarmocircmico e diatocircnico) ou seja uma correspondecircncia eacutetica e mimofocircnica (R III 398e-399a) 203 Algo mais eacute necessaacuterio ressaltar sobre os intervalos Afirmada a polissemia da noccedilatildeo de harmonia ela tambeacutem diz respeito aos sons e notas que natildeo satildeo sinfocircnicos ou seja esses sons variaacuteveis moacuteveis que se encontram acordados definitivamente nas trecircs consonacircncias Platatildeo na Repuacuteblica (IV 443d6-e3) teria feito alusatildeo a estes sons intermediaacuterios por meio termo η αιτ O estudo dos intermediaacuterios eacute a parte mais importante da muacutesica aquela que trata das reparticcedilotildees dos intervalos no tetracorde ou seja aquela que porta o nome da harmonia dos Gecircneros O tetracorde eacute uma das partes disjuntas do heptacorde ou do octacorde que coincide com a oitava O tetracorde eacute composta de quatro notas em escala descendente da nota meacutedia ateacute a nota mais grave Reunir o tetracorde eacute dar um estatuto aos intermediaacuterios entre as consonacircncias esta tarefa compete unicamente a verdadeiro muacutesico matemaacutetico ὅὅaΝὁὂἷὄaὦatildeὁΝὄἷὂὁuὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝζδξαθσμΝ(ὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝἶἷἶὁΝiὀἶiἵaἶὁὄΝὃuἷΝtὁἵaΝ aΝ ὂὄimἷiὄaΝ ὀὁtaΝ ἶὁΝ tἷtὄaἵὁὄἶἷ)Ν ἷΝ ἶaΝ παλυπΪ βΝ (ὀὁtaΝ maiὅΝ gὄavἷήΝ ὂὄimἷiὄa)Ν ἶiὅὂὁὅtaΝ ἷmΝ tὄecircὅΝmodelos harmocircnicos diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico No Timeu (36a1-b5) o gecircnero escolhido eacute o diatocircnico no qual os dois intervalos superiores eram tons inteiros e o inferior um meio tom Nos diz WἷὄὅiὀgἷὄΝ (1λλλ)Ν ὃuἷΝ ldquoὀaΝ ἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝ ἶὁὅΝ gecircὀἷὄὁὅΝ aΝ matἷmὠtiἵaΝ ἶἷὅἷmὂἷὀhaΝ tamἴὧmΝ umΝ ὂaὂἷlΝfundamental E eacute nesssa acepccedilatildeo matemaacutetica da muacutesica que noacutes devemos interpretar as passagem dos Diaacutelogos nos quais a temperanccedila eacute descrita em termos de tensatildeo e suavidade () o gecircnero diatocircnico que preside no Timeu a constituiccedilatildeo da estrutura da alma (cinco oitavas e uma quinta e um tom) pode ser considerada como uma matemaacutetica da temperanccedila () Platatildeo aqui chega a se divertir com as matemaacuteticas parece admitir portanto na maioria das vezes que a vida moral assim como a muacutesica se ajusta matematicamente A musa filosoacutefica eacute medida o que significa que ela pratica o gecircnero da harmonia diatocircnica e as matemaacuteticas da πφλκ τθβrdquoΝ(ὂέΝἄἅ-68)
140 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
inexperientes recorrendo ao monocoacuterdio204 Eacute imprescindiacutevel identificar tambeacutem os sistemas
( υ άηα α) de intervalos e as combinaccedilotildees ( α) provenientes de tais sistemas ndash lembremos
aqui de Aristoxeno e sua teoria musical segundo a qual esses intervalos compunham
determinada harmonia205 As afecccedilotildees que ocorrem nos corpos por meio dos ritmos ( υγηκ μ)
e metros (ηΫ λα)206 e que devem ser medidas pela utilizaccedilatildeo de um determinado nuacutemero
ἐaὅtaΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝἶaΝfamὁὅaΝldquoἵὁmaΝὂitagὰὄiἵardquo207 das vaacuterias referecircncias agrave muacutesica presente
no Timeu agrave escala diatocircnica208 a harmonia universal a muacutesica suas relaccedilotildees com a geometria
e a aritmeacutetica aleacutem da gama tonal (a oitava) da qual encontramos referecircncia tambeacutem em
204 Rizek (1998) em artigo que busca resumir a teoria da harmonia platocircnica nos fala sobre esse processo ainda simploacuterio da afinaccedilatildeo por meio do monocoacuterdio que os inexperientes recorriam aos quais Platatildeo criacutetica ao propor uma ciecircncia harmocircnica seacuteria baseada em termos exclusivamente matἷmὠtiἵὁὅΝ aὅὅimΝ ἷlἷΝ ἶiὐμΝ ldquoἶaἶaΝ aΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ὅimὂliἵiἶaἶἷΝ ἶaΝ tἷὁὄiaΝ ἶaΝ afiὀaὦatildeὁΝ ἷὅtaΝ ἵiecircὀἵiaΝ [aΝharmocircnica] em comunhatildeo com a base empiacuterica dada pelo monocoacuterdio foi a primeira dentro da Fiacutesica a tornar-se plenamente matematizada () Platatildeo daacute evidecircncias inquestionaacuteveis de ter conhecido o monocoacuterdiondash um aparato teacutecnico destinado a manter constante todos os outros fatores enquanto somente o comprimento da corda eacute variado ndash o que fica claro por exemplo na passagem onde ironicamente ele brinca com os muacutesicos que natildeo se libertam da prisatildeo sensiacutevel determinada pelo apego aΝἷὅtἷΝiὀὅtὄumἷὀtὁμΝlsquo[ἷὅὅἷὅΝmήὅiἵὁὅΝviὄtuὁὅὁὅ] agregam dificuldades agraves cordas e inclusive torturam-nas valendo-ὅἷΝἶὁΝtὁὄmἷὀtὁΝἶaὅΝἵὄavἷlhaὅrsquordquoΝ(ΝἑfέΝR 531 b1-2) (RIZEK 1998 p 259) Para mais passagens sobre isso cf R 531a1-c1) 205 Segundo Aristoxeno os sistemas musicais (ou harmonias) satildeo compostos por um ou mais intervalos Para um exame mais detalhado dos elementos musicais do peripateacutetico Aristoxeno presentes no Filebo ver Kucharsky (1959 p 41-72) 206 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἷxὂliἵaΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)μΝldquoἡὅΝὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝlsquoὂlatὲὀiἵὁὅrsquoΝiὀὅὂiὄaἶὁὅΝὀaὃuἷlἷὅ dos harmonistas satildeo descritos ainda mais claramente A quantidade numeacuterica dos intervalos do som em relaccedilatildeo ao agudo e ao grave a sua natureza qualitativa os limites dos intervalos e quantos acordos surgem (acordos que os antigos reconheciam e que tranὅmitiὄamΝaΝὀὰὅΝἵὁmΝὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquohaὄmὁὀiardquoΝbem como outras afecccedilotildees semelhantes que estatildeo nos movimentos do corpo) dizendo que todas estas coisas medidas por meio do nuacutemero devemos chamaacute-laὅΝlsquoὄitmὁrsquoΝἷΝlsquomἷtὄὁrsquoμΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝmὁἶὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(p 79) Dito de outro modo assim como harmonia que oscila entre agudo e grave o ritmo tambeacutem eacute em certa disposiccedilatildeo uma sequecircncia de movimentos lentos e raacutepidos Platatildeo teria dado uma nova acepccedilatildeo mais precisa agrave questatildeo tradicional Sobre isso cf Muniz (2012 p 213 n 19) Wersinger chega a afirmar que graccedilas ao ritmo e agrave harmonia que a sauacutede do corpo (indissociaacutevel com a da alma) alcance o equiliacutebrio sem a qual natildeo teriacuteamos sequer consciecircncia do prazer Logo o prazer eacute tambeacutem uma tarefa musical porque a alma eacute musical como nos diz o Timeu (36ass 86css) Tanto progressatildeo geomeacutetrica quanto progressatildeo musical compotildeem esta θαζκΰέα psiacutequica e consequentemente moral em que o que estaacute me questatildeo eacute a sauacutede e o equiliacutebrio entre corpo e alma Wersinger chega a concluir ἷΝὀὰὅΝἵὁmΝἷlaΝὃuἷμΝldquoἷxiὅtἷΝὅἷguὀἶὁΝἢlatatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝὅaἴἷὄΝligaἶὁΝὡΝtἷmὂἷὄaὀὦaΝἷΝὡΝὅaήἶἷΝὃuἷΝprocura o equiliacutebrio da alma e do corpo Esse prazer obedece a uma estrutura que pertence a mesma matemaacutetica que possibilita definir os dois conceitos musicais que satildeo a consonacircncia e a harmonia aὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝἷὅtἷὅΝήltimὁὅΝἵὁὀὅtituἷmΝumaΝὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁΝmuὅiἵalrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἄ)έΝ 207 Trata-se do intervalo microtonal seja entre a ζ ῖηηα (semitom pitagoacuterico da escala diatocircnica) seja entre o πκ κηά (semitom da escala cromaacutetica) Essas divisotildees dos semitonais satildeo tambeacutem chamadas de έ δμ essas divisotildees relativas ao temperamento (afinaccedilatildeo) musical resultavam no εσηηα (531441524288) pois o semi-tom natildeo poderia ser um nuacutemero irracional por isso a divisatildeo do tom se dava por meio de duas partes desiguais (ζ ῖηηα 243256 πκ κηά ἀ1ἆἅμἀίἂἆ)ΝἷΝumaΝldquoἵὁmardquoΝ(ἑfέΝTi 31b-36b) 208 Cf Tim 36ass
141 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Epinomis209 que no Filebo daacute lugar agrave gama dos prazeres Podemos concluir a respeito disso
seguindo as consideraccedilotildees de Moutsopoulos que
O Filebo reflete o conhecimento musical cientiacutefico de Platatildeo devido aos estudos dos pitagoacutericos que determinavam os intervalos em virtude da ldquomἷἶiἶaΝὄaἵiὁὀalΝἷfἷtuaἶaΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁὅΝὀήmἷὄὁὅrdquoέΝἓὅtἷΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝὂἷὅὃuiὅaΝconsitia em realidade no meacutetodo matemaacutetico de dois fenocircmenos musicais meacutetodo oposto agravequele empiacuterico que se baseava unicamente sobre o ouvido [veremos Soacutecrates em 56a3-8 fazer uma distinccedilatildeo entre a muacutesica que ajusta suas harmonias por meio da medida e agravequela que se utiliza de conjecturas tida como imprecisa] Platatildeo pode rejeitar esta uacuteltima natildeo poderia por sinal ignoraacute-la de tudo pela grande difusatildeo que ela tinha naquele tempo e pela importacircncia louvaacutevel da criaccedilatildeo musical que se baseava unicamente seus princiacutepios imutaacuteveis derivados unicamente do caacutelculo mental tornando-a muito mais riacutegida (2002 p 81)
O ensinamento dos primeiros pitagoacutericos encontra-se degenerado no tempo de Platatildeo
A muacutesica que anteriormente era objeto da doutrina filosoacutefica dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo
ponto de pertencimento a essas doutrinas se tornaraacute entatildeo mais tarde uma evidente
especializaccedilatildeo de uma determinada pesquisa Ela (a muacutesica) se torna uma mateacuteria cientiacutefica
por direito proacuteprio estudada a partir de si mesma O papel da matemaacutetica no campo musical
deve ser levado em conta como algo de suma importacircncia dado que os nuacutemeros possuem o
poder de iniciaccedilatildeo agrave atividade dialeacutetica O Filebo reafirma essa afinidade entre a matemaacutetica
e a muacutesica o essencial natildeo eacute a quantidade de conhecimentos mas o modo como esse saber
eacute adquirido As diferenccedilas entre o um e o muacuteltiplo devem ser agora estudas tendo em vista
tambeacutem a multiplicidade (natildeo qualquer multiplicidade como se pode jaacute notar) Dito de outro
modo eacute essa diferenciaccedilatildeo entre o estudo de tal questatildeo (um e muacuteltiplo) que suscita tambeacutem
a distinccedilatildeo entre aqueles que adotam o meacutetodo dialeacutetico e aqueles que utilizam-se da eriacutestica
Lembrando que a exigecircncia de Soacutecrates nesse trecho em relaccedilatildeo agrave muacutesica natildeo se trata de
uma requisiccedilatildeo de um conhecimento extremo da ciecircncia harmocircnica tal como os musicistas
ou seja natildeo se trata de tornar muacutesicos os seus interlocutores mas a incentivaacute-los a
reconhecer na ciecircncia harmocircnica aqueles princiacutepios baacutesicos (consonacircncia harmonia)
propiacutecios agrave caracterizaccedilatildeo do modo como a dialeacutetica deve ser dirigir em relaccedilatildeo aos objetos
que visa investigar No caso do nosso diaacutelogo devido a uma influecircncia dos pitagoacutericos a
209 ldquoἔiὀalmἷὀtἷΝ ὀaΝ ἷὅἵalaΝ ὃuἷΝ vaiΝ ἶὁΝ ἶὁἴὄὁΝ aὁΝ tἷὄmὁΝ mὧἶiὁΝ umaΝ ἶaὅΝ mὧἶiaὅΝ ὧΝ ἷὃuiἶiὅtaὀtἷΝ ἶὁὅΝextremos jaacute que excede ao termo menor em uma quantidade igual agravequela em que eacute excedida pelo termo maior a outra excede o termo menor e eacute excedida pelo maior pela mesma fraccedilatildeo dos termos respectivos e assim se formam as razotildees de 32 e 43 que seratildeo encontradas como meacutedias dentro da gama que vai de 6 a 12 Eacute por esta progressatildeo com o duplo sentido direcional efetivado por meio destas uacuteltimas razotildees que recebemos uma daacutediva do abenccediloado coro das Musas agraves quais a humanidade deve o benefiacutecio do jogo da consonacircncia e da medida com toda a contribuiccedilatildeo ao ritmo e mἷlὁἶiardquoΝ(λλ1Νa-b)
142 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
beleza eacute essencialmente proporccedilatildeo e medida duas caracteriacutesticas traduziacuteveis na noccedilatildeo de
nuacutemero O papel ativo da beleza consiste na introduccedilatildeo do nuacutemero no indeterminado
platocircnico vago incerto a determinaccedilatildeo matemaacutetica que atua como elemento concreto
(MOUTSOPOULOS 2002 p 82)
Filebo compreende os usos desses exemplos elencados por Soacutecrates como
demonstra em 18d3 Mas ainda falta algo na visatildeo do interlocutor Soacutecrates se atenta ao
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὄἷquerido Agora eacute o proacuteprio Soacutecrates quem se atenta
aΝἷὅὅaΝἷxigecircὀἵiaμΝldquoo que estaacute faltando de novo Filbebo eacute a relaccedilatildeo disso com o nosso tema
ὀatildeὁΝὧςrdquoΝ(η θΝ Φέζβί Ν έΝπλ μΝ πκμΝα α ᾽ έθν)Ν(1ἆἶἄ)έΝEacuteΝὄἷlaὦatildeὁΝaἶmitἷΝἔilἷἴὁΝ
que este uacuteltimo e Protarco procuravam haacute muito tempo e que entatildeo Soacutecrates admite que
ela estaria bem diante deles (18e1-2)
Soc Nossa discussatildeo natildeo era desde o iniacutecio ( ι λξ μ ζσΰκμ) sobre o pensamento (φλκθά πμ) e o prazer ( κθ μ) e sobre qual dos dois deve ser escolhido ( πσ λκθ α κῖθ α λ Ϋκθ) Fil Como natildeo Soc Ora afirmamos tambeacutem que cada um deles eacute um Fil Sim certamente Soc Eacute exatamente essa questatildeo que nossa discussatildeo anterior ( πλσ γ θ ζσΰκμ) nos exige resposta como cada um deles eacute um e eacute muacuteltiplo ( δθ θ εα πκζζ ) e como natildeo satildeo eles imediatamente ( γτμ) ilimitados ( π δλα) possuindo um e o outro um nuacutemero ( λδγη θ) determinado antes de se tornar ilimitado ( π δλα) (18e8-19a2)
A reaccedilatildeo de Protarco eacute entatildeo dirigida a Filebo o que teria feito desde o iniacutecio do
diaacutelogo taὀtὁΝἷlἷΝὃuaὀtὁΝἥὰἵὄatἷὅΝldquoaὀἶaὅΝἷmΝἵiacuteὄἵulὁὅrdquoΝ(κ εΝκ ᾽ θ δθαΝ λσπκθΝετεζ ππμΝ
π λδαΰαΰ θΝ η μΝ ηίΫίζβε ) (19a3-4) A indignaccedilatildeo de Protarco chega a tal ponto de
considerar-ὅἷΝἷlἷΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὄiἶiacuteἵulὁrdquoΝ(ΰ ζκῖκθ) ao tentar responder a uma questatildeo tatildeo aacuterdua ao
ter assumido o papel de interlocutor no diaacutelogo doado a ele por Filebo mas ainda mais ridiacuteculo
seria se nem ele nem Soacutecrates fossem capazes de responder a tais questotildees anteriormente
tratadas (19a8-b1) Neste momento o proacuteprio Protarco emite um testemunho de
compreensatildeo
Prot () Soacutecrates na realidade estaacute nos perguntando segundo me parece pelas espeacutecies de prazer ndash se existem ou natildeo ( β ΰ λ ηκδ κε δ θ θ λπ θ
κθ μ () δθ ηά) quantas satildeo e de que tipo satildeo (εα πσ α εα πκῖα) e a mesma coisa em relaccedilatildeo ao pensamento ( μ rsquoΝ α φλκθά πμ) (19b1-4)
E Soacutecrates responde imediatamente
143 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Soc Nada mais verdadeiro ( ζβγΫ α α ζΫΰ δμ) filho de Caacutelias Se noacutes natildeo pudermos fazer ( λ θ)210 isso em relaccedilatildeo a todo tipo de unidade (εα παθ μ θκμ) semelhanccedila ( ηκέκθ) identidade ( α κ ) e tambeacutem ao oposto
( θαθ έκυ) como o argumento passado nos revelou nenhum de noacutes seraacute digno de valor ( ιδκμ) em relaccedilatildeo a nada (19b5-8)
Protarco supotildee que esse realmente eacute o modo correto de agir em se tratando desses
tipos de problemas isto eacute com a intrincada questatildeo do um e do muacuteltiplo um problema do
qual a dialeacutetica reiteradamente arroga-se tambeacutem no Filebo Platatildeo entatildeo coloca na boca de
Protarco a claacutessica expressatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoεaὅΝ ὅἷΝ ὧΝ ἴἷlὁΝ (εαζ θ) para o
temperante ( υφλκθδ) conhecer todas as coisas (η θ τηπαθ α) existe para ele
segundo me parece umaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ ὀavἷgaὦatildeὁ211rdquo ( τ λκμ rsquoΝ θαδ πζκ μ κε ῖ) que
210 Dixsaut (2004) chama nossa atenccedilatildeo para o verbo λ θ (fazer) ndash tambeacutem utilizado por Platatildeo no Sofista ndash o uso do verbo marca o caraacuteter predominantemente ativo do processo plasmaacutetico que configura a atividade dialὧtiἵaΝ ἷΝ ὅuaΝ ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝ uὀifiἵaἶὁὄaέΝ ldquoἑὁmΝ ὁΝ mἷὅmὁΝdireito que a retoacuterica a dialeacutetica permite falar poreacutem diferentemente daquela permite tambeacutem pensar Pensar eacute ter em vista uma unidade e uma multiplicidade tanto como a relaccedilatildeo natural que as une Ter em vista (horan) segundo Platatildeo eacute fazer (dran o mesmo verbo novamente eacute encontrado a propoacutesito do dialeacutetico no Sofista [Cf 235d5] e no Filebo [19b6 25b2]) pocircr em relaccedilatildeo o uno e o muacuteltiplo resultantes de um certo nuacutemero de operaccedilotildees do dialeacutetico operaccedilotildees orientadas por um propoacutesito uὀifiἵaἶὁὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἃ)έ 211 Dixsaut (1991) em uma nota da sua traduccedilatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν ὄἷfὁὄὦaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ( τ λκμΝπζκ μ) e cita o sentido consoante entre essa mesma expressatildeo retomada neste trecho do Filebo ἵὁmΝaὃuἷlἷΝὂὄimἷiὄὁΝἶiὠlὁgὁέΝἓlaΝaὅὅimΝἶiὐμΝldquoἷὅtὠΝἵlaὄὁΝὃuἷΝ[ὀὁΝFilebo]ΝἷὅὅaΝlsquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrsquoΝ ὀatildeὁΝ ἶἷὅigὀaΝ umaΝ ὅimὂlἷὅΝ muἶaὀὦaΝ ἶἷΝ mἷiὁὅΝ ὂaὄaΝ alἵaὀὦaὄΝ umΝ mἷὅmὁΝ fimΝ mas uma mudanccedila de orientaccedilatildeo e neste caso uma virada completa o saber natildeo eacute mais pensado em extensatildeo mas como um conhecimento refletido pelo sujeito que conhece que deve tomar consciecircncia do fato que se ignora a si mesmo Essa reflexatildeo constitui um preacute-requisito a segunda navegaccedilatildeo (deuacuteteros ploucircs) eacute a primeira por direito se natildeo em fato e ela evita as divagaccedilotildees da primeira () natildeo designa nem o recurso a um meacutetodo inferior agravequele da primeira navegaccedilatildeo nem um meacutetodo de substituiccedilatildeo que permite alἵaὀὦaὄΝumΝmἷὅmὁΝὁἴjἷtivὁμΝἷlaΝὧΝumΝldquoἶἷὅviὁΝἶἷΝὂἷὄὅὂἷἵtivardquoΝ(ἶὁΝἷxtἷὄiὁὄΝὂaὄaΝὁΝiὀtἷὄiὁὄ)ΝὃuἷΝmἷtamὁὄfὁὅἷiaΝὁΝὁἴjἷtivὁΝiὅtὁΝὧΝtaὀtὁΝὁἴjἷtὁΝἵὁmὁΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἁἅ1-372) Podemos certamente dizer que Platatildeo rejeita o modo das explicaccedilotildees fisioloacutegicas baseadas no plano dos fἷὀὲmἷὀὁὅΝὂὄὁmὁvἷὀἶὁΝumaΝὄἷviὄavὁltaΝὃuἷΝἷlἷΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝἷΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaἶὁΝaΝldquohiὂὰtἷὅἷΝἶaὅΝἔὁὄmaὅrdquoέΝἢlatatildeὁΝὂὄὁἵuὄaΝfaὐἷὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶaΝalmaΝἵὁmΝela mesma e natildeo com a Natureza O saber dialeacutetico que parte das Formas inteligiacuteveis circula apenas entre estas uacuteltimas e apenas delas resultam os conhecimentos mais elevados A ciecircncia das causas primeiras ou natildeo natildeo eacute senatildeo secundaacuteria diante deste saber da alma consigo mesma ndash e que como ἶiὐΝἒixὅautΝ(1λλ1)μΝldquo(έέέ)ΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁutὄaΝfaἵἷΝἶἷΝumΝmἷὅmὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝἁἅἀ)Νndash em relaccedilatildeo ao ζσΰκμ que busca ao maacuteximo explorar essas relaccedilotildees entre as Formas Se pensamos que a ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝ muἶaὀὦaΝὃuaὀtὁΝὡΝutiliὐaὦatildeὁΝἶἷ meios esses mesmos meios deveriam fazer com que Soacutecrates alcanccedilasse essa mesma espeacutecie de causas ou seja causas finais aὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝlhἷΝἶiὄigiἶὁΝὡΝfὄuὅtὄaὦatildeὁΝἷmΝὅuaΝὂὄimἷiὄaΝὀavἷgaὦatildeὁΝὂἷlaΝldquoἵiecircὀἵiaΝἶaΝὀatuὄἷὐardquoέΝεaὅΝnatildeo eacute esse o caso as causas finais pressupotildeem sua posiccedilatildeo por uma inteligecircncia que eacute sempre interna isto eacute da alma (individual ou universal) Essas causas natildeo podem ser vaacutelidas para todos os casos nem para cada um em particular natildeo se encontra em questatildeo aqui a dimensatildeo maior ou menor de ser natildeo importam aqui os detalhes fisioloacutegicos nesse novo tipo de explicaccedilatildeo mas a participaccedilatildeo nas Formas que explica suas determinaccedilotildees e natildeo as consideraccedilotildees relativas aos seus fins No caso de uma
144 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
consiste em natildeo ignorar-se a si mesmo (η ζαθγΪθ δθ α θ α σθ)rdquoΝ (19c1-4) Feitas as
alusotildees agrave dialeacutetica Protarco recapitularaacute en passant as posiccedilotildees iniciais que deram iniacutecio ao
diaacutelogo num primeiro momento entre Filebo e Soacutecrates (19c3-e5) Filebo teria afirmado que
a maior das aquisiccedilotildees humanas eacute o prazer e as coisas desse tipo Soacutecrates no entanto se
contrapocircs agravequele dizendo ser outras coisas que natildeo estas e que essas outras seriam ainda
melhores superiores ao prazer como a inteligecircncia o conhecimento a teacutecnicas e todas as
coisas semelhantes a estes uacuteltimos Ambas as posiccedilotildees foram postas em controveacutersia
( ηφδ ίβ ά πμ) tanto a do condutor comκ a dos interlocutores se inseriam nessa espeacutecie
ἶἷΝ ldquoἴὄiὀἵaἶἷiὄardquo (παδ ῖαμ) a fim delimitarem a discussatildeo para que ela adquirisse um limite
suficiente na determinaccedilatildeo dos argumentos apresentados por tal discussatildeo ( θ ζσΰπθ πΫλαμ
εαθ θ ΰ θβ αέ δ δκλδ γΫθ πθ) Protarco entatildeo exige uma nova postura de Soacutecrates qual
seja recusar manifestar constantemente oposiccedilatildeo aos assuntos que desejam tratar isto eacute
sobre qual dos dois (prazer e conhecimento) possa ser considerado o bem Eacute imprescindiacutevel
a Protarco a saiacuteda da aporia que surge diante de tais perguntas sobre coisas que permanecem
sem uma resposta suficiente dos interlocutores como estes problemas relativos agrave divisatildeo e
ao problema do um e do muacuteltiplo mas Soacutecrates com essas discussotildees continua lanccedilando-os
ὀἷὅὅἷΝ ldquoἵamiὀhὁΝ ὄἷὂlἷtὁΝ ἶἷΝ ὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoέΝ ἦὄata-se aqui novamente insisto de afirmar o
ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝjὠΝὀὁtamὁὅΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὂaὄἷἵἷΝἷὅtaὄΝἵiἷὀtἷΝ
dessa necessidade Eacute impossiacutevel admitir ou mesmo presumir que toda essa discussatildeo
acabaraacute em aporia o que natildeo significa dizer que ela iraacute terminar como veremos Para
Protarco Soacutecrates deve tomar para si a responsabilidade de direccedilatildeo da discussatildeo e fazer
com que todo o discurso alcance um sentido ou seja que ele natildeo seja pueril e sem sentido
mas sobretudo uma discussatildeo seacuteria Diz finalmente Protarco
determinada alma ela se determina por meio da postulaccedilatildeo das Formas (beleza justiccedila coragem etc) que satildeo fins diferentemente dos seres inanimados a participaccedilatildeo dessas coisas em uma ou mais fὁὄmaὅΝ aὅΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝ maὅΝ aiὀἶaΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ algὁΝ ὀἷlaὅΝ umaΝ ὂaὄtἷΝ ἶἷΝ ldquoὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝininteligibilidade de opacidade irredutiacutevel A causa final pode ser vaacutelida para ao mundo quando tomada em conjunto necessariamente eacute considerada a melhor imagem (modelo) inteligiacutevel para a compreensatildeo mas ela natildeo se aplica ao detalhe Logo Soacutecrates natildeo descobre ndash por meio da segunda navegaccedilatildeo ndash para cada coisa o melhor que pode ser mas as causas que por participaccedilatildeo satildeo causas de inteligibilidade (finais no caso dos seres (almas) inteligiacuteveis natildeo-finais no caso dos demais seres) Sobre a segunda navegaccedilatildeo devemoὅΝ ὂἷὀὅaὄμΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ἷlaΝ ὧΝumΝ ὁutὄὁΝ ἵamiὀhὁΝ ὃuἷΝ ὀὁὅΝ ὂἷὄmitἷΝpostular um outro tipo de causas (as Formas) mas sobretudo possuir um outro tipo de discurso Ela ὂἷὄmitἷΝὄὁmὂἷὄΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝἷxὂliἵativὁΝἷΝmἷἵaὀiἵiὅtaΝἶὁὅΝlsquofiὅiὰlὁgὁὅrsquoΝaΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝἵauὅas finais ὀatildeὁΝὧΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝἵὁὀὅumiὄΝἷὅὅaΝὄuὂtuὄaέΝἒἷixaὄΝldquoἷὅἵaὂaὄrdquoΝὀὁὅΝloacutegoi as razotildees eacute passar a um outro tiὂὁΝἶἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝatὄiἴuiὄΝἵὁmὁΝ lsquoἵauὅarsquoΝ ὀatildeὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷὀgἷὀἶὄaΝ ndash mesmo da melhor maneira possiacutevel ndashΝ maὅΝ aὃuilὁΝ ὃuἷΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷlέΝ ldquoἓὅἵaὂaὄrdquoΝ ὧΝ ὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵἷὅὅaὄΝ ἶἷΝ ὂἷὄguὀtaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝproduz a beleza de uma coisa para comeccedilar a perguntar o que eacute em si o belo A maneira de questionar muἶaμΝὀatildeὁΝmaiὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝἷὅtaΝἵὁiὅaΝὧΝἴἷlaςrsquoΝmaὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝὧΝlἷgiacutetimὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝἷlaΝὧΝἴἷlaςrsquordquoΝ(ὂέΝἁἅἁ)Ν(cf DIXSAUT 1991 p 372-373) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada da expressatildeo do Feacutedon cf Nunes Sobrinho (2007 p 115-116)
145 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
Decide entatildeo por ti mesmo se deves dividir as espeacutecies de prazer e de conhecimento ou se deves abandonaacute-las ( κθ μΝ βΝ κδΝ εα πδ άηβμΝ
δαδλ ΫκθΝ εα α Ϋκθ) se fores capaz e se quiseres esclarecer de um modo diferente nossa controveacutersia ( π εαγ᾽ λσθΝ δθαΝ λσπκθΝ κ σμΝ ᾽ εα ίκτζ δΝ βζ αέΝππμΝ ζζπμΝ θ θΝ ηφδ ίβ κτη θαΝπαλ᾽ ηῖθ) (20a5-8)
Diante da requisiccedilatildeo e Protarco natildeo haacute um outro caminho a natildeo ser como veremos
ἶiὅὂὁὄΝ ἶἷΝ umaΝ ldquoὀὁvaΝ mὠὃuiὀaΝ ἶἷΝ guἷὄὄardquoΝ ( ῖθ ζζβμ ηβξαθ μ 23b7-8) A primeira nos
forneceu os meios para se tratar dialeticamente o indeterminado Antes de passarmos entatildeo
a ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ὃuἷΝὅἷὄὠΝ ὂὄἷἵἷἶiἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὄἷtomada agraves questotildees iniciais do
ἶiὠlὁgὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷὅumiὄmὁὅΝaΝldquoὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝἵὁὀtiἶaΝὀἷὅὅaΝ lὁὀgaΝὂaὅὅagἷmΝ
repleta de alusotildees agrave atividade dialeacutetica e suas contribuiccedilotildees para a compreensatildeo do que vem
a ser o ilimitado ( π δλκθ) O que podemos dizer a respeito da dialeacutetica nesse primeiro
momento do diaacutelogo
Primeiramente o que se diz eacute que a dialeacutetica e o ζσΰκμ em si satildeo sempre um caso do
um e do muacuteltiplo Em 14e3-ἂΝalgὁΝaΝmaiὅΝὧΝἶitὁΝὅὁἴὄἷΝaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὀἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἶἷΝtἷὄmὁὅΝ
que oscila entre o um e o muacuteltiplo se afirma que o um eacute multiplicidade e mais indefinida ( σΝ
Ν θΝ μΝπκζζΪΝ δΝεα π δλα) assim como se diz que o muacuteltiplo eacute um ( πκζζ μΝ θΝ
ησθκθ) Nota-se aqui a introduccedilatildeo de um novo termo π δλα Qual o significado que este termo
adota neste primeiro momento Quais satildeo suas relaccedilotildees com a dialeacutetica aqui nesta
passagem Primeiro como vemos ao longo deste trecho diaacutelogo eacute que eacute possiacutevel afirmar
que essa multiplicidade ( π δλα) se opotildee agrave unidade isto porque a pluralidade ilimitada e a
unidade consistem em dois extremos da atividade dialeacutetica (17a 18a 18e-19a) mas tambeacutem
se diz que ela pode predicar uma unidade (14e) como tambeacutem uma multiplicidade (16d)
tambeacutem foi dito que ela se encontra relacionada agraves coisas em devir diante da anaacutelise do
emblemaacutetico trecho que corresponde agraves noccedilotildees tratadas em 15bss Logo a participaccedilatildeo eacute
pensada como presenccedila seja imanente ou transcendente de uma unidade (mocircnada) nas
coisas que estatildeo em devir e satildeo ilimitadas (particulares sensiacuteveis) (15b5) e por uacuteltimo se diz
que a multiplicidade numeraacutevel deixa escapar essa pluralidade de unidades incontaacuteveis
notaacuteveis como estando contidas em uma unidade dada (16e 17e)
Nos diz Soacutecrates em 17e3-4 que a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em
cada coisa soacute podem fazer de algueacutem nestes casos um inexperiente no pensar que
ningueacutem leva em conta ( ᾽ π δλσθΝ Ν εΪ πθΝεα θΝ εΪ κδμΝπζ γκμΝ π δλκθΝ εΪ κ Ν
πκδ ῖ κ φλκθ ῖθΝεα κ εΝ ζζσΰδηκθΝκ ᾽ θΪλδγηκθ) Neste caso parece haver dois sentidos
envoltos na noccedilatildeo de π δλκθ tanto o de multiplicidade vaacuteria quanto o de uma multiplicidade
146 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
determinada ou como nos diz Dixsaut (2001)212Ν ldquoἢlatatildeὁΝ ὂaὄἷἵἷΝ gὁὅtaὄΝ ἶὁΝ jὁgὁΝ ὃuἷΝ faὄiaΝ
ὂaὅὅaὄΝἶἷΝumΝhὁmὲὀimὁΝaΝὁutὄὁrdquoΝ(ὂέΝἁίἀ)έΝἜὁgὁΝὁΝiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝὧΝumaΝldquoὂἷἶὄaΝἶἷΝtὄὁὂἷὦὁrdquoΝ
para o pensamento ele coloca em questatildeo o proacuteprio pensamento
Um primeiro modo de dividir eacute partir de uma unidade ateacute alcanccedilar uma multiplicidade
determinada e segundo o Filebo (16e1-3) natildeo devemos imediatamente aplicar a forma do
ilimitado agrave pluralidade mas soacute depois de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que
existe entre o ilimitado e o um para somente depois disso abandonar tais espeacutecies (vaacuterias)
se despedir dessa multiplicidade deixando na indeterminaccedilatildeo tudo aquilo que natildeo inclui essa
escolha (dessa unidade) realizada pelo dialeacutetico ao dividir Poreacutem haacute ainda uma situaccedilatildeo
contraacuteria ( θαθ έκθ) a essa tarefa do dialeacutetico de dividir uma dada unidade como nos diz o
tἷxtὁΝἷmΝ1ἆaλΝiὅtὁΝὧΝldquoὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaὂὄἷἷὀἶἷὄΝἷmΝὂὄimἷiὄὁΝlugaὄΝὁΝilimitaἶὁrdquoΝ
( αθ δμ π δλκθ θαΰεα γ πλ κθ ζαηίΪθ δθ) ou seja partir de uma multiplicidade
indeterminada Esta unidade presente nesta multiplicidade soacute pode ser nominal e
indeterminada Ela tambeacutem natildeo pode ser tornada imediatamente ( γτμ) uma unidade real
(18b1) mas antes se deve discernir um nuacutemero ( λδγη θ) que constitui qualquer pluralidade
determinada (α δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e soacute depois disso se deve olhar
para o um
Sem a postulaccedilatildeo de uma unidade real natildeo haacute divisatildeo possiacutevel Logo essa tambeacutem
passa a ser uma tarefa do dialeacutetico antes de postular uma unidade real ele deve constituir
uma multiplicidade numeraacutevel E como isso poderaacute ser feito Pela classificaccedilatildeo pela
distinccedilatildeo na multiplicidade indeterminada inicial todas as espeacutecies que exigem o nuacutemero que
noacutes lhe damos juntamente com aquelas que natildeo o exigem e entatildeo ordenar essas espeacutecies
ou elementos no interior de uma estrutura Trata-se de substituir essa multiplicidade
incontaacutevel essa indeterminaccedilatildeo ndash seja entre as coisas seja entre as variadas coisas dentro
de uma unidade ndash por uma multiplicidade determinada que oferece conteuacutedo a essa nova
unidade unidade real tornando-a verdadeira Postular um nuacutemero determinado de
intermediaacuterios que existe entre o ilimitado e o um (η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμ 16e1)
eacute o que distingue o dialeacutetico do eriacutestico e por essa estrutura intermediaacuteria deve passar todo
movimento dialeacutetico Se vamos por um sentido ou por outro ou seja do um ao ilimitado ou
do ilimitado ao um soacute podemos falar em unidade real agrave medida em que essa unidade torna-
se uma unidade determinada isto eacute se envolver uma multiplicidade constituiacuteda de forma
precisa Ora se vamos imediatamente do ilimitado agrave unidade eacute o mesmo que ir do ilimitado
ao ilimitado Eacute apenas esse processo de circularidade do um e do muacuteltiplo pode retirar a
indeterminaccedilatildeo o um torna-se apenas esse um sob a condiccedilatildeo de ser a unidade de
212 Sigo de perto a intepretaccedilatildeo desta autora em relaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo do ilimitado (Cf DIXSAUT 2001 p 302-310) e tambeacutem seguindo em grande parte as consideraccedilotildees postas por Delcomminette (2002 p 96-159)
147 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
determinada multiplicidade ao mesmo tempo que uma multiplicidade para ser muacuteltipla deve
ser simultaneamente uma multiplicidade de unidades e ser incluiacuteda em uma unidade pois
ἵaὅὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝldquohavἷὄiaΝἶiὅὂἷὄὅatildeὁΝὅἷmΝlimitἷΝἷΝὅἷmΝligaὦatildeὁΝἷΝὀatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ
2001 p 304)213
Penso que Dixsaut (2001) estaacute correta ao dizer que λδγη θ significa em grego antes
de mais nada uma estrutura (p 304)214έΝἣuaὀἶὁΝὅὁmὁὅΝldquofὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝἶὁΝ
213 Delcomminette (2002) tambeacutem explica a passagem recorrendo ao exemplo do deus egiacutepcio Teuth Theuth - ou melhor um deus ou um homem divino - deveraacute distinguir as letras do alfabeto grego para iὀὅtituiὄΝaΝΰλαηηα δε θΝ ΫξθβθέΝἢaὄaΝtalΝἷlἷΝἶἷvἷὄὠΝὂὁὅtulaὄΝὁΝὅὁmΝvὁἵalΝἵὁmὁΝumΝgecircὀἷὄὁΝaΝὅἷὄΝἶiviἶiἶὁέΝSemelhante posiccedilatildeo o coloca na presenccedila natildeo da infinita variedade de sons jaacute individualizados mas de um som indefinido De fato Theuth natildeo chega agrave compreensatildeo dos sons individuais antes do final do processo Nessas condiccedilotildees o problema do status das entidades reunidas eacute um problema falso natildeo satildeo nem coisas particulares nem universais porque nem sequer satildeo entidades elas simplesmente formam um halo indiferenciado que acompanha a unidade que postulamos como a possibilidade para essa mesma ideia de ser participada de estar envolvida nessa relaccedilatildeo (p 107) Ainda nos diz ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἀ)μΝldquoEacuteΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὃuἷΝὁΝapeiron natildeo deve ser tomado em um sentido exclusivamente ἷxtἷὀὅiὁὀalέΝἥἷΝlsquoapeiron ὀaΝmultiὂliἵiἶaἶἷrsquoΝὄἷfἷὄἷ-se a uma multiplicidade indiferenciada entatildeo ela eacute tanto uma noccedilatildeo extensional como intensional ela pode se referir tanto agrave multiplicidade ilimitada e indiscriminada de participantes na ideia que noacutes postulamos que estatildeo virtualmente presentes em nosso pensamento quanto agrave parte de indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento quando pensamos nessa Ideia que pode ser determinada de muitas maneiras diferentes Esses dois aspectos satildeo correlativos e qualquer accedilatildeo sobre um implica uma accedilatildeo sobre o outro qualquer limitaccedilatildeo da multiplicidade de participantes implica uma determinaccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento e vice-versa O objetivo da reuniatildeo eacute precisamente fazer a ponte entre esses dois aspectos e permitir que o dialeacutetico ὅἷΝmὁvaΝἶἷΝumΝὂaὄaΝὁΝὁutὄὁέΝεaiὅΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝlsquoἷxtἷὀὅiὁὀalrsquoΝὧΝὁΝiὀὅtὄumἷὀtὁΝὃuἷΝὂἷὄmitἷΝao dialeacutetico determinar seu pensamento por exemplo usando o contraste entre vaacuterios participantes para descobrir as diferenccedilas que os distinguem E na medida em que qualquer determinaccedilatildeo subsequente reduza a multiplicidade de participantes esse aspecto tambeacutem pode servir como criteacuterio para testar a integridade de sua atividade determinante Esta circulaὦatildeὁΝiὀἵἷὅὅaὀtἷΝἷὀtὄἷΝlsquoἷxtἷὀὅatildeὁrsquoΝἷΝlsquoiὀtἷὀὅatildeὁrsquoΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝgὄaὦaὅΝaΝamἴiguiἶaἶἷΝiὀἷὄἷὀtἷΝaὁΝtἷὄmὁΝapeiron que se refere a tudo aquilo que ὧΝiὀἶἷfiὀiἶὁΝtaὀtὁΝὃuaὀtitativamἷὀtἷΝ(ἵaὅὁΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝἶἷὅἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝo entendamos como um termo referente a um nuacutemero ilimitado mas ainda mais agrave ilimitaccedilatildeo que o impede de ser um nuacutemero no sentido grego do termo) quanto qualitativamente (caso este em que podemos traduzi-lὁΝἵὁmὁΝlsquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrsquo)έΝἡΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝaΝὂὁὅtulaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝIἶἷiaΝὂὁὅὅa trazer agrave tona um apeiron tendo esses dois aspectos resulta do fato de que a reuniatildeo eacute um processo virtual em vez de uma enumeraccedilatildeo de participantes jaacute diferenciados De forma geral podemos provisoriamente propor essa definiccedilatildeo puramente negativa do apeiron o apeiron eacute indeterminaccedilatildeo ou ilimitaccedilatildeo no sentido de que escapa agrave determinaccedilatildeo ou agrave limitaccedilatildeo Deste ponto de vista o apeiron eacute o oposto do pensamento e ateacute mesmo seu inimigo e este antagonismo eacute reforccedilado pelo jogo de palavras sobre esse termo iἶecircὀtiἵὁΝἷmΝgὄἷgὁΝὡὃuἷlἷΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝlsquoiὀἷxὂἷὄiἷὀtἷrsquordquoΝ(ὂέΝ1ίἅ-108) 214 ἠaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁΝὅἷguἷΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷμΝldquoὁΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝaὃuiΝὧΝaΝἵlaὄaΝἵὁὀἷxatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝde aprendizagem individual e a transiccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo para a determinaccedilatildeo tanto quantitativa quanto qualitativa que eacute obra da dialeacutetica () o que eacute aprendido eacute sempre uma estrutura determinada na qual todos os elementos estatildeo conectados de tal forma que eacute impossiacutevel conhecer algum independentemente de todos os outros O aprendizado envolve a imposiccedilatildeo de uma estrutura (grifo nosso) definitiva sobre a primeira indeterminaccedilatildeo do nosso pensamento uma estrutura que constitui o campo de aplicaccedilatildeo de uma tekhnegrave correspondente - neste caso a grammatikegrave tekhnegrave do nosso pensamento (18 c7-8) () Soacutecrates iraacute dizer natildeo sem prejuiacutezo que o apeiron eacute aquilo que torna algueacutem π δλκμ κ φλκθ ῖθΝ Ν iὅtὁΝὧΝ iὀἷxὂἷὄiἷὀtἷΝὀὁΝὂἷὀὅaὄΝ(1ἅΝἷἁ-6) pensar natildeo eacute possiacutevel sem
148 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ilimitaἶὁrdquoΝ ἷΝ ὧΝ ἷὅὅἷΝ ὁΝὂὁὀtὁΝὃuἷΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶἷvἷὄὠΝ aὃuiΝ ὄἷtὁmaὄΝ aὁΝ ἶiὐἷὄΝ ὃuἷΝ ἷὅtaΝ ὅituaὦatildeὁΝ
tambeacutem se configura enquanto uma atividade do dialeacutetico que nos encontramos perante a
uma situaccedilatildeo simeacutetrica agrave da divisatildeo Contudo reunir e dividir aqui ao que tudo indica trata-
se de estruturar problema semelhante ao encontrado por Teuth o criador do alfabeto foneacutetico
como ilustrado no exemplo do diaacutelogo Dito de outro modo eacute imprescindiacutevel agora ao tomar
uma realidade ilimitada produzir um conjunto ordenado de elementos que se encontram
interligados interdependentes como no caso da φπθ (voz) e dos demais exemplos dados
por Soacutecrates na argumentaccedilatildeo precedente215 Diante de uma realidade ilimitada como eacute o
caso da voz Teuth eacute o primeiro a tentar converter esse ilimitado indefinidamente variaacutevel em
uma pluralidade numeraacutevel Da realidade sonora indeterminada de um conjunto ilimitado de
modulaccedilotildees fora possiacutevel retirar uma quantidade determinada limitada de espeacutecies foneacuteticas
(vogais semi-vogais e mudas) como tambeacutem foi possiacutevel determinar o nuacutemero de elementos
proacuteprios de cada uma dessas espeacutecies a fim de instituir uma totalidade uma estrutura
coerente (o alfabeto foneacutetico o conjunto das letras) detendo-se apenas nessas mesmas
espeacutecies
O problema do prazer eacute semelhante ao caso do alfabeto antes de determinarmos se
o prazer eacute o bem devemos analisar essa realidade em que consiste ser o prazer e que recobre
uma pluralidade indeterminada Antes entatildeo devemos constituir uma unidade real e para tal
eacute necessaacuterio alcanccedilar uma pluralidade determinada uma multiplicidade contaacutevel Vale
lembrar que prazer e conhecimento estatildeo submetidos a uma escolha sobre qual dos dois
possa ser considerado o bem Antes devemos saber em que medida ambos (prazer e
conhecimento) satildeo simultaneamente um e muacuteltiplo ao inveacutes de consideraacute-los como ilimitados
jaacute agrave primeira vista melhor dizendo como cada um deles adquire em dado momento um
nuacutemero antes de se tornar ilimitado (Cf 18e9-1λaἀ)μΝldquolsquoἓmΝumΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁrsquoΝ(πκ 19a1)
porque natildeo eacute sempre em um mesmo momento do processo dialeacutetico que se eacute conquistada a
pluralidade determinada ela pode acontecer antes ou apoacutes o posicionamento da unidade
ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀίί1 p 305 grifos da autora) Ela iraacute acontecer antes caso
iniciemos pelo ilimitado e ocorreraacute depois se jaacute partimos de uma unidade determinada e a
dividimos A incompreensatildeo de Protarco e de Filebo versa sobre a necessidade de maiores
esclarecimentos por parte de Soacutecrates por que um interluacutedio tatildeo exaustivo sobre a divisatildeo
Soacutecrates natildeo poderia perguntar diretamente ndash e Filebo concorda com Protarco pois
referecircncias e essas referecircncias satildeo fornecidas pelas estruturas determinadas aprendidas pela ἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ1ἁἁ-134) 215 Sobre isto conferir o que dissemos sobre a muacutesica anteriormente e a ambiguidade presente em dois tipos de muacutesica praticadas na eacutepoca grega claacutessica aquela que visava o nuacutemero herdada praacutetica matematizante da caraterizaccedilatildeo das harmonias e aquela baseada na mediccedilatildeo (empiacuterica) infinita dos intermediaacuterios dos intervalos musicais visando a criaccedilatildeo e sistemas como eacute o caso Dos elementos harmocircnicos presentes nas doutrinas de Aristoxeno (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 134-143)
149 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
ἵὁὀὅtaὀtἷmἷὀtἷΝἷὅtὠΝaΝἷxigiὄΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝndash se o objetivo maior
dessa discussatildeo eacute a divisatildeo dos prazeres e conhecimentos se eles possuem realmente
espeacutecies quais satildeo e quantas satildeo (19b1-4) O fato eacute que neste caso Soacutecrates natildeo estaacute a
solicitar de seu interlocutor principal uma divisatildeo de prazeres e conhecimentos porque isso
seria impossiacutevel natildeo se pode comeccedilar a dividir pelo ilimitado antes se deve postular um
nuacutemero para entatildeo constituir uma unidade verdadeira real somente essa unidade eacute que
poderaacute ser constituiacuteda objeto da divisatildeo Nos dizeres de Dixsaut (2001)
O que Soacutecrates exige de fato eacute a constituiccedilatildeo de um alfabeto ou gama dos prazeres a fim de substituir a indeterminaccedilatildeo inicial do prazer pela multiplicidade de prazeres (daquilo que eacute verdadeiramente e natildeo falsamente ou ilusoriamente nomeado prazer) Eacute precisamente isso que ele iraacute fazer durante uma longa anaacutelise (p 306 grifos da autora)
Todos os trecircs exemplos (alfabeto foneacutetico teoria musical gramaacutetica) ilustram de
maneira significativa o modo como o dialeacutetico deve operar diante do ilimitado A multiplicidade
ὧΝtὄaὀὅfὁὄmaἶaΝὂἷlὁΝἶialὧtiἵὁΝldquoiὀfὁὄmaἶardquoΝaΝilimitaὦatildeὁΝaἶὃuiὄἷΝὁΝὅtatuὅΝἶἷΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝ
determinada ela eacute constituiacuteda a partir de uma pluralidade incontaacutevel se torna uma pluralidade
determinada que natildeo estaacute dada Muacutesica e foneacutetica estruturam um ilimitado sonoro No caso
da abordagem dialeacutetica dos prazeres natildeo se passa de outra maneira ela exige uma outra
abordagem dialeacutetica que eacute tambeacutem uma abordagem preacutevia Seraacute necessaacuterio tomar a
questatildeo de uma maneira diferente isto porque o prazer natildeo se apresenta nem como uma
multiplicidade de unidades distintas ou diferenciaacuteveis (multiplicidade determinada) nem como
uma unidade articulada propiacutecia agrave divisatildeo
Jaacute o conhecimento muito pelo contraacuterio pode ser examinado diretamente pelo
processo dialeacutetico da divisatildeo ele lida com espeacutecies reais Embora se reconheccedila qualquer
contrariedade ou diversidade que seja entre os conhecimentos ele (o conhecimento)
comporta unidades reais ele eacute uma unidade real porque exclui diretamente suas
contrariedades ou seja os conhecimentos falsos Neste caso se trataria de uma contradiccedilatildeo
em termos jaacute que tambeacutem existem prazeres falsos mas o tipo de falsidade do conhecimento
natildeo eacute o mesmo tipo de falsidade que envolve os prazeres ou porque o prazer diferentemente
do conhecimento natildeo eacute algo determinado mas indeterminado essas talvez possam ser
algumas das principais saiacutedas diante do que seraacute tratado mais adiante no diaacutelogo por Platatildeo
ao se referir aos prazeres falsos por hora deixemos isso de lado
Portanto de acordo com o que se pode verificar na anaacutelise desta primeira parte do
diaacutelogo o π δλκθ eacute um predicado aplicado tanto a uma unidade quanto a uma multiplicidade
tambeacutem ilimitada por isso aqui ele desempenha um duplo papel A ilimitaccedilatildeo tem tanto um
sentido quantitativo quanto um sentido quantitativo Quantitativo pois ela caracteriza uma
150 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
multiplicidade numeacuterica distinta ( π δλκθ πζ γκμ πζάγ δ 16d7 17b4 18b2)216 Para ser uma
unidade real essa unidade prescinde compreender (i) uma multiplicidade numeraacutevel as
espeacutecies obtidas no processo de divisatildeo (ii) uma multiplicidade de espeacutecies natildeo-numeraacuteveis
seja aquelas espeacutecies que o dialeacutetico deveraacute deixar no acircmbito da ilimitaccedilatildeo ou aquelas
espeacutecies indivisiacuteveis em espeacutecies (iacutenfimas espeacutecies) que compreendem uma populaccedilatildeo
incontaacutevel de indiviacuteduos singulares Qualitativo porque ambos os casos (i e ii) recebem o
qualificativo π δλκμΝἵὁmὁΝἴἷmΝἷxὂliἵaΝἒixὅautμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅaὅΝὅatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷὅΝiὀἵὁὀtὠvἷiὅΝ
de fato (ou em ato) enquanto que aquelas [multiplicidades contaacuteveis] permanecem contaacuteveis
ὂὁὄΝἶiὄἷitὁΝ(ὁuΝἷmΝὂὁtecircὀἵia)rdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἁίἅ)έΝἏἶἷmaiὅΝela nos explica
Cada Gecircnero Cada Forma conteacutem esse gecircnero de multiplicidade o que natildeo ὅigὀifiἵaΝumaΝldquomatὧὄiaΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝὂὁὄὃuἷΝumaΝtalΝmatὧὄiaΝἶἷvἷὄiaΝὂὄἷἵἷἶἷὄΝou ao menos ser independente de sua determinaccedilatildeo pela forma enquanto que a multiplicidade indeterminada resulta dos movimentos de determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 307-308)
Ora esse ponto eacute decisivo na interpretaccedilatildeo do Filebo e sugere que refutemos qualquer
compreensatildeo que tente duplicar as Formas inteligiacuteveis separando-as em mateacuteria e forma
Como todas as coisas elas contecircm limite e ilimitado (indeterminaccedilatildeo e determinaccedilatildeo) poreacutem
natildeo satildeo resultantes da imposiccedilatildeo de um limite ao ilimitado Essa seria uma primeira
tὄaὀὅὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ faὄiaΝὅὁfὄἷὄΝaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝἶiviὀardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νὂ 308 n1)217
Dentre as alusotildees feitas agrave dialeacutetica jaacute realccediladas em nossa anaacutelise desse tema no Filebo ainda
eacute possiacutevel notar que aqui a dialeacutetica se evidencia como uma tarefa dotada de certa
parcialidade as unidades obtidas em conjunto apenas satildeo frutos de uma multiplicidade
determinada logo limitada como tambeacutem a multiplicidade eacute derivada de uma unidade
particular tomada desde um ponto de vista particular por exemplo o Sofista o Poliacutetico e o
Filebo todos esses diaacutelogos realizam uma espeacutecie de divisatildeo das teacutecnicas ou melhor dos
conhecimentos mas em todos eles se parte de um ponto de vista distinto o que natildeo nos
permite dizer que partem da multiplicidade mas de uma unidade dada Ou seja a ideia eacute a
mesma os resultados nem sempre o satildeo O que atesta ainda mais que nenhuma divisatildeo eacute
exaustiva que sempre permanece um resiacuteduo de indeterminaccedilatildeo nas divisotildees O que natildeo
significa dizer que se vai do um ao ilimitado diretamente (compreendido no sentido de unidade
216 Dixsaut (2001) nos chama a atenccedilatildeo para a recorrecircncia em outros diaacutelogos da exprἷὅὅatildeὁΝldquo π δλκθ ( ) πζ γκμ (Cf R IX 591d8 Tht 147d7 147d7 Prm 144a6 e3-ἂ)νΝldquo π δλκθ πζάγ δrdquoμΝ(ἑfέΝTht 156a6 8 Prm 144a6 145a3 158b6 164d1 165c4 e6 Sph 256e6 Lg IX 860b4 217 A discussatildeo sobre as Formas seraacute retomada no momento em que nos detivermos na ontologia quaacutedrupla (23c-31b) eacute sobre este momento que muitos estudiosos colocam em questatildeo a presenccedila ou ausecircncia das Formas no diaacutelogo
151 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
natildeo-numeraacutevel) Da mesma maneira se vamos imediatamente do ilimitado (multiplicidade
natildeo-contaacutevel) ao um eacute a proacutepria unidade ela mesma que se encontraraacute indeterminada
No Filebo torna-ὅἷΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀὁΝὃualΝldquoὅὁmὁὅΝfὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝ
ἶὁΝldquoilimitaἶὁrdquoΝὂὁiὅΝὀἷὅὅἷΝἵaὅὁΝtanto a multiplicidade quanto a unidade natildeo nos satildeo dadas
elas satildeo igualmente indeterminadas completamente diferente das operaccedilotildees dialeacuteticas
fuὀἶamἷὀtaiὅΝ aὅΝ ἶitaὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἦἷmὁὅΝ umΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ maiὁὄΝ aὃuiΝ viὅtὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ
indeterminado impede a atividade dialeacutetica caso ele natildeo aceite recuar por isso torna-se
necessaacuteria instauraccedilatildeo de uma multiplicidade natildeo-dada para entatildeo a partir dela postular
uma determinada unidade diante daquilo que parece excluir qualquer determinaccedilatildeo Nesse
primeiro momento do diaacutelogo nesta primeira parte o estatuto do π δλσθ eacute desenvolvido tendo
vista a deacutemarche dialeacutetica Se o pensamento eacute capaz de tolerar esse resiacuteduo de
indeterminaccedilatildeo se toda divisatildeo executada pela dialeacutetica natildeo eacute exaustiva de que modo
poderia a dialeacutetica controlar essa indeterminaccedilatildeo que busca constantemente se impor ao
pensar Haacute algum recurso que possa ser utilizado pelo dialeacutetico De que nos adiantaria a
postulaccedilatildeo do indeterminado enquanto um termo extremamente oposto agrave unidade jaacute que
ambos os termos natildeo pudessem se relacionar de forma alguma Por certo o ilimitado natildeo
teria utilidade alguma ao dialeacutetico
Eacute aqui que o caso egiacutepcio anteriormente realccedilado faz todo o sentido principalmente
no que diz respeito agrave resultante desse caso a saber a gramaacutetica esse elo que permite que
compreendamos cada unidade que tivera como ponto de partida uma multiplicidade natildeo-
numeraacutevel mas que soacute pode ser aprendida em uma relaccedilatildeo conjunta (multiplicidade
contaacutevel) essa unidade que torna possiacutevel a compreensatildeo ao aprendizado como no caso
das letras que isoladas uma das outras natildeo teriam sentido algum mas somente por meio
desse elo que as une e faz delas certa unidade proclama-se que possuiacutemos um uacutenico
conhecimento acerca delas o qual se denominou como gramaacutetica218 Isso quer dizer que natildeo
218 Gallop (1963) explica suficientemente a passagem ao tratar deste caso do alfabeto foneacutetico pois nada se diz acerca da escrita mas apenas agraves letras e agrave periacutecia foneacutetica da divisatildeo entre vogais consoantes e mudas No entender de Gallop (1963) isso deve ser lido com o devido respeito ao contexto dialoacutegico As letras fornecem um modelo natildeo como se pode parecer num dado momento para se compreender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados natildeo eacute este o sentido da passagem aqui apresentada mas para se discutir a classificaccedilatildeo A classificaccedilatildeo dos sons sobre os quais um alfabeto eacute baseado eacute utilizada para ilustrar o meacutetodo da divisatildeo Assim seria equivocado dizer que a aprendizagem das letras eacute equiparada agrave periacutecia foneacutetica Soacutecrates iraacute dizer em 17b que nos tornamos ΰλαηηα δε θ natildeo porque conhecemos o ilimitado nem porque conhecemos o um mas porque sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo os sons vocais Teuth depois de classificar os sons atribui-lhes uma uacutenica arte que engloba a todos chamando-a de ΰλαηηα δε θ Ϋξθβθ (18d) Mas porque aqui natildeo encontramos uma menccedilatildeo agrave escrita por que classificar os sons e natildeo designar caracteres graacuteficos que representariam esses sons tal como se relata no Fedro (274c) que Teuth teria feito Por que algueacutem deveria antes aprender a natureza e o nuacutemero dos sons se natildeo para dominar esses caracteres que os representam Em 18d tambeacutem se diz que o deus egiacutepcio considerou que natildeo poderiacuteamos aprender qualquer letra por ela mesma isolada de todas as outras sem aprendecirc-las todas em conjunto O que
152 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
basta que cada termo seja determinado somente em-si mas relativamente a todos os outros
por isso esse recurso eacute a proacutepria estruturaccedilatildeo dessa multiplicidade indeterminada tornando-
a determinada Eacute por meio desse esse recurso dessa determinaccedilatildeo relativa da
interdependecircncia dos elementos no interior de um todo que a indeterminaccedilatildeo pode ser
superada219
Logo parece compreensiacutevel a apresentaccedilatildeo da dialeacutetica deste modo no iniacutecio do
diaacutelogo pois se o dialeacutetico se depara como uma unidade real uma unidade verdadeira ele
se contenta em dividi-laΝἷmΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝldquoaἴaὀἶὁὀaὀἶὁrdquoΝἶἷixaὀἶὁΝἶἷΝlaἶὁΝὁΝilimitaἶὁΝ
essas espeacutecies muacuteltiplas jaacute que como jaacute dissemos essa divisatildeo natildeo eacute nunca exaustiva
Contudo ainda eacute necessaacuterio mencionar o papel principal do π δλκθ na discussatildeo cujo
propoacutesito se configura por demarcar a situaccedilatildeo presente ou seja no caso em que se lida com
se quer dizer aqui natildeo eacute que natildeo possamos aprender suficientemente algumas letras do alfabeto por exemplo 6 ou 7 letras sem aprender as demais o que seria obviamente falso Logo o que se afirma ἷΝἵὁmΝὂὄἷἵiὅatildeὁΝὧΝὃuἷΝὀatildeὁΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝ[sic As letras] se natildeo somos capazes de distinguir pela liacutengua e pelo ouvido a diferenccedila por exemplo o som da consoante ldquoἴrdquoΝἶὁΝὅὁmΝἶaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝaὅὅimΝὂὁὄΝἶiaὀtἷέΝἡἴviamἷὀtἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀhἷἵἷὄΝἷΝὀὁmἷaὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅὁὀὅΝiὀiἵiaiὅΝἶaὅΝὂalavὄaὅΝiὀiἵiaἶaὅΝἵὁmΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἴrdquoΝὁuΝὅἷjaΝἵὁὀhἷἵἷὄΝaΝἵὁὀὅoante sem necessitar ἵὁὀhἷἵἷὄΝὀἷὀhumaΝὁutὄaΝἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝἷὀtatildeὁΝaΝἵὄἷὀὦaΝἶἷΝἦἷuthΝὅἷὄiaΝfalὅaΝὅἷΝse tratasse apenas de nomear uma letra caso isso fosse suficiente para o conhecimento dela Mas ὃuaὀἶὁΝὅἷΝ tὄataΝἶἷΝ ldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὄἷalmἷὀtἷrdquoΝaὅΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝldquoἴrdquoΝ ldquoἵrdquoΝ ldquoὅrdquoΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὄaΝὅἷΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝἷὅὅaὅΝlἷtὄaὅΝὧΝὁΝmἷὅmὁΝὁΝfatὁΝἶἷΝἷὅἵὄἷvecirc-las natildeo garante o aprendizado das mesmas se diz que algueacutem realmente sabe as letras quando se consegue distinguir agrave primeira vista seja pelo olho pela liacutengua pela audiccedilatildeo o que som que aquela letra representa verdadeiramente isto ὧΝὁΝfὁὀἷmaΝὃuἷΝἷlaΝἷvὁἵaνΝὃuaὀἶὁΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὅtiὀguiὄΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὅaὂὁrdquoΝΝἷΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὂaὂὁrdquoΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝὅὁὀὅΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ iniciais satildeo distintos e que devem ser pronunciados tambeacutem de forma distinta natildeo importando aqui nenhuma diferenccedila de significado mas apenas uma distinccedilatildeo foneacutetica Deste modo faz todo sentido a reflexatildeo (puramente foneacutetica) de Teuth enquanto isso que ela propriamente eacute uma pura reflexatildeo foneacutetica Natildeo haacute portanto aqui uma distinccedilatildeo entre lἷituὄaΝἷΝἷὅἵὄitaΝmaὅΝὅἷΝὂaὅὅaΝἶἷΝumaΝaΝὁutὄaΝldquoὅἷmΝhἷὅitaὦatildeὁrdquoΝiὅtὁΝὧΝὀatildeὁΝhὠΝumaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝὄἷalΝἷὀtὄἷΝfonema e letra (GALLOP 1963 p 367-368) 219 ldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἷὅpeacutecies e subespeacutecies que descobrimos satildeo um sistema que tem sua proacutepria coerecircncia como tudo consistecircncia garantida pela completude de nossas divisotildees Neste sistema cada divisatildeo eacute necessaacuteria e depende de todos os outros Logo eacute essencial notar que Soacutecrates natildeo relaciona essa ordem sistemaacutetica com a natureza das coisas em questatildeo mas com nossa capacidade de aprendecirc-las e conhececirc-las eacute porque elas natildeo podem ser aprendidas independentemente umas das outras que as letras satildeo consideradas constituintes de uma certa unidade Isso confirma que a estrutura descoberta pela dialeacutetica natildeo pertence como tal agraves proacuteprias coisas mas apenas ao conhecimento que temos delas e essa estrutura eacute o que constitui o campo conceitual de uma arte - neste caso o da tekhnegrave grammatikegrave Aleacutem disso deve-se ressaltar que a necessidade de divisotildees em um determinado sistema eacute apenas interna natildeo significa que a divisatildeo que realizamos seja a uacutenica possiacutevel ou a uacutenica vaacutelida mas apenas que ela eacute coerente e completa em si mesma () A necessidade interna das divisotildees realizadas natildeo deve ser confundida com uma necessidade externa que faria desta divisatildeo particular a uacutenica possiacutevel ἠἷὅtaὅΝἵὁὀἶiὦὴἷὅΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlsquoὃualΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝlimitaὦatildeὁΝ(ὁuΝἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁ)ΝὧΝὁΝἵἷὄtὁςrsquoΝεaὅΝlsquoὃuaiὅΝdiviὅὴἷὅΝὅatildeὁΝaὅΝἴὁaὅΝὀὁΝὅiὅtἷmaΝatualςrsquoέΝἥἷὄiaΝὂἷὄfἷitamἷὀtἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝὁΝἶἷuὅΝὁuΝὁΝhὁmἷmΝἶiviὀὁΝdividisse a φπθ de outra forma desde que sua divisatildeo fosse completa regular e possuiacutesse ἵὁὀὅiὅtecircὀἵiaΝiὀtἷὄὀardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἀΝὂέΝ1ἃἂ-155 grifos do autor)
153 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica
uma situaccedilatildeo que deve operar num sentido contraacuterio agravequele primeiro supracitado Logo satildeo
dois movimentos que o dialeacutetico deve seguir e mais dois movimentos contraacuterios A fim de se
ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅimἷtὄiaΝἷὀtὄἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἷΝὁutὄὁΝὧΝὃuἷΝἵἷὄtὁΝὀήmἷὄὁΝἶἷΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝ
ndash que natildeo devem ser saltados pelo dialeacutetico passando-se de um para o outro rapidamente ndash
devem ser buscados nesse processo dialeacutetico inverso Explica Dixsaut (2001)
ἣuἷΝἷὅὅaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝὅἷjamΝaὃuiΝὀὁmἷaἶaὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝὀatildeὁΝἵὁὀfiguὄaΝἷmΝalusatildeo a nenhuma doutrina representante de realidades dessa ordem Isso simplesmente quer dizer que quando se deve partir do indeterminado o dialeacutetico natildeo obteacutem um nuacutemero determinado de espeacutecies por divisatildeo as deve constituir essas espeacutecies que se tornam ao mesmo tempo intermediaacuterios entre a realidade indeterminada de partida e sua unidade Ao dizer que aqueles tambeacutem foram obtidos pela divisatildeo Soacutecrates quer simplesmente mostrar que os dois percursos satildeo tambeacutem dialeacuteticos tanto um ἵὁmὁΝὁΝὁutὄὁΝἷΝaΝfὁὄmulaὦatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶὠΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝldquoὀὁὄmalrdquoΝtἷmΝὁΝήὀiἵὁΝpropoacutesito de demarcar que nos dois casos trata-se do mesmo caminho ainda que esse seja percorrido num sentido inverso (p 309-310)
ἒiaὀtἷΝἶἷΝtuἶὁΝὁΝὃuἷΝfὁiΝἷxὂὁὅtὁΝὂaὄἷἵἷΝἵlaὄaΝaΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὁΝ
assunto do diaacutelogo a despeito de muitos inteacuterpretes contemporacircneos acreditarem que estas
passagens natildeo desempenham um papel importante na economia interna do diaacutelogo Uma
ideia que natildeo eacute nova Se olharmos atentamente o diaacutelogo veremos que esses inteacuterpretes
estatildeo prefigurados no mesmo questionamento de Protarco Como tratar de algo que nem eacute
uma unidade verdadeira nem mesmo uma multiplicidade verdadeira como eacute o caso do
prazer Qual caminho se deve adotar Ora por isso torna-se necessaacuterio um exame
metodoloacutegico capaz de delinear claramente uma nova abordagem poreacutem tambeacutem pertinente
ao dialeacutetico enquanto uma tarefa desafiadora mas ainda uma tarefa do proacuteprio dialeacutetico que
deve agora utilizar um recurso proacuteprio para lidar com essa situaccedilatildeo contraacuteria quando se tem
como ponto de partida uma multiplicidade e uma unidade natildeo dadas
O papel desempenhado por essa primeira parte (14b-20a) eacute um dos maiores senatildeo
o maior objeto de controveacutersia entre os inteacuterpretes como jaacute dissemos Isto porque como
veremos logo a seguir diante da requisiccedilatildeo de Protarco em 19e-20a acerca da saiacuteda das
aporias lanccediladas pelo condutor anteriormente Soacutecrates retorna agrave problemaacutetica inicial do
diaacutelogo (a vida boa) a partir de 20c um primeiro fato que demonstraria que a discussatildeo inicial
ὅἷὄiaΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὂaὄecircὀtἷὅἷὅrdquoΝ ὡΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ἵἷὀtὄalΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ ἏΝ mἷtὠfὁὄaΝ ἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ
navἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)ΝὅaliἷὀtaὄiaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶἷΝ
conhecimento fundada na dialeacutetica e que evitaria as aporias da primeira abordagem Outro
fatὁΝ ὧΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ mἷὅmaΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ὂaὅὅaΝ aΝ ὅἷὄΝ tὄataἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ umaΝ ldquolἷmἴὄaὀὦardquoΝ (ἀίἴ)Ν de
Soacutecrates e de que natildeo precisariam mais das espeacutecies de prazer para a divisatildeo Essa aparente
ldquoὃuἷἴὄardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅuὅἵitὁuΝumΝἶἷἴatἷΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaἵἷὄἵaΝἶὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝtaὀtὁΝὀὁΝ
154 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Filebo ἵὁmὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἶἷὀὁmiὀaἶὁΝldquomὧtὁἶὁ ἶaΝἶiviὅatildeὁrdquoΝὂlatὲὀiἵὁΝ( δαέλ δμ) Este debate
pode ser resumido em trecircs eixos principais (i) muitos220 julgam que o Soacutecrates do Filebo
estaria no decorrer do diaacutelogo aplicando aos prazeres e conhecimentos o meacutetodo
anteriormente tratado por ele no iniacutecio do diaacutelogo esse meacutetodo seria uma variante do ceacutelebre
Meacutetodo da Divisatildeo ( δαέλ δμ) do qual se fala no Fedro mas que concretamente se torna
aplicaacutevel explicitamente no Sofista e no Poliacutetico (ii) outros221 acreditam que este meacutetodo
apresentado no iniacutecio da obra tem uma funccedilatildeo classificatoacuteria no decorrer da argumentaccedilatildeo
em relaccedilatildeo aos prazeres e conhecimentos e que no caso do Filebo natildeo podemos encontrar
neste diaacutelogo em absoluto este Meacutetodo da Divisatildeo presente em algum dos demais diaacutelogos
(iii) haacute ainda outros222 ainda que acreditam que natildeo se trata nem do Meacutetodo da Divisatildeo nem
do proacuteprio meacutetodo exposto no Filebo
Diante das limitaccedilotildees impostas por esse trabalho um estudo capaz de avaliar todas
essas questotildees demandaria uma ampla anaacutelise em um outro momento Primeiramente seria
necessaacuterio adentrar agraves especificidades do Meacutetodo da Divisatildeo na filosofia platocircnica o sentido
geral atribuiacutedo por nosso autor a esse procedimento dialeacutetico posteriormente teriacuteamos de
esclarecer a relaccedilatildeo das Divisotildees do Filebo com esse ceacutelebre Meacutetodo da Divisatildeo como
tambeacutem explicar a especificidade das Divisotildees desse diaacutelogo e por fim ressaltar a
importacircncia dessas divisotildees em relaccedilatildeo ao objetivo geral do diaacutelogo Se nos eacute possiacutevel
adiantar algo sobre a nossa posiccedilatildeo em relaccedilatildeo a esse debate contemporacircneo que envolve
a questatildeo das divisotildees no Filebo poderiacuteamos ressaltar o que jaacute dissemos a abordagem do
meacutetodo das divisotildees possui objetivos proacuteprios no diaacutelogo como a demarcaccedilatildeo dialeacutetica da
situaccedilatildeo contraacuteria em relaccedilatildeo ao um e ao muacuteltiplo que se deve partir no caso do tratamento
dos prazeres em que uma unidade e uma multiplicidade determinada natildeo nos satildeo dadas
Poreacutem discordo de ὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝtἷὀhaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁm o conteuacutedo do diaacutelogo
e que ela natildeo desempenhe um papel relevante na economia interna do diaacutelogo No entanto
ἵὄἷiὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝὅἷΝἷὅtἷὀἶἷΝaὁΝἵaὅὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὁΝ
que se veraacute mais adiante eacute uma classificaccedilatildeo de ambos e natildeo divisatildeo pois vale lembrar no
caso dos prazeres estamos partindo do ilimitado Portanto toda a abordagem do meacutetodo
ilustra muito bem essa nova abordagem dialeacutetica em questatildeo a saber a anaacutelise dos prazeres
e dos conhecimentos para a composiccedilatildeo da boa vida mista
Ainda que natildeo se trate do caso de divisatildeo dos prazeres e conhecimentos essa
primeira parte do diaacutelogo natildeo deixa de ter um papel fundamental e indispensaacutevel agraves anaacutelises
que se seguem cujas consequecircncias poderatildeo ser notadas mais adiante Isso ficaraacute ainda
mais claro no momento em que nosso texto tratar de ambas as anaacutelises (dos prazeres e dos
220 Ackrill (1971) Bravo (2009) Delcomminette (2002) Moravcsik (2006) e outros 221 Dixsaut (2001) Rowe (1999) Trevaskys (1960) e Benitez (1999) 222 Vanhoutte (1956) e Frede (1993)
155 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
conhecimentos) Logo como jaacute disse sigo nesta posiccedilatildeo com todo o cuidado possiacutevel e ciente
da necessidade de uma investigaccedilatildeo mais pormenorizada sobre todas as posiccedilotildees
conflitantes acerca das divisotildees anteriormente citadas minha opccedilatildeo por uma determinada
posiccedilatildeo deve-se num primeiro momento a uma anaacutelise direta do que me parece mais evidente
ser possiacutevel verificar no diaacutelogo Uma tal criacutetica especializada que confronte essas posiccedilotildees
e que possa defender com mais veemecircncia a posiccedilatildeo adotada por este trabalho exigiraacute um
esforccedilo maior a ser apreendido em um momento posterior Passemos entatildeo aos
desdobramentos posteriores do diaacutelogo na tentativa de compreender entatildeoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝ
maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝutiliὐaἶaΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝagὁὄaΝἷΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝὁΝὄumὁΝἶἷΝtὁἶaΝaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝultἷὄiὁὄέ
32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Diante da insistecircncia de Protarco sobre a dificuldade de permanecerem nas aporias
relativas agrave divisatildeo (20a) Soacutecrates deveraacute retomar as questotildees iniciais do diaacutelogo e
novamente tratar da disputa inicial entre prazer e inteligecircncia pelo primeiro precircmio No caso
aὀtἷὄiὁὄΝὁΝἵiacuteὄἵulὁΝἷὀtὄἷΝaΝviἶaΝἴὁaΝἷΝaΝἶialὧtiἵaΝὄἷὅultὁuΝὀaΝaὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ
(16c-17a) das divisotildees com as quais deve lidar o dialeacutetico quando se depara com algo
ilimitado como eacute o caso do prazer A identidade entre prazer e bem assim como a identidade
entre inteligecircncia e bem gerava um ciacuterculo vicioso (14b) e a uacutenica saiacuteda seria a busca por
umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ( δΝ λέ κθΝ ζζκ)Ν caso nenhum dos dois (prazer ou inteligecircncia)
demonstrassem natildeo ser o bem Para tal Soacutecrates postulou a divisatildeo entre os prazeres com
base nas diferenccedilas e ateacute mesmo contrariedades existentes nisso que denominamos como
algo uacutenico ldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝ como tambeacutem postulou uma divisatildeo tendo em vista a bondade dos
prazeres distinguindo prazeres maus de prazeres bons Este uacuteltimo tipo de divisatildeo como
vimos natildeo fora aceito por Protarco (13c) e a fim de sanar o impasse Soacutecrates se refere agrave
multiplicidade e agrave contrariedade que tambeacutem envolve os conhecimentos sem no entanto
tocar na questatildeo da bondade ou maldade dos conhecimentos
ἢὄὁtaὄἵὁΝἷὀtatildeὁΝafiὄmaΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝ(1ἂa)ΝἷὀtὄἷΝamἴὁὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝ
e conhecimento) o que na verdade eacute uma equidade apenas aparente pois sobre os
conhecimentos apenas se diz que satildeo diferentes variados e ateacute mesmo contraacuterios uns aos
outros Logo o interluacutedio (14b- 20a) que iraacute tratar dos problemas relativos ao um e ao muacuteltiplo
possuem uma relaccedilatildeo direta ndash por mais que alguns defendam que natildeo ndash com o conteuacutedo do
diaacutelogo Fica claro que a forma de se tratar dos prazeres deve ser dialeacutetica poreacutem essa
proacutepria abordagem dos prazeres exige um tratamento preacutevio que foge das alusotildees aos
ὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝ ἶialὧtiἵὁὅΝ ἶitὁὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὀatildeὁΝ ὄἷἵὁὀhἷἵἷΝ ἷὅὅaΝ imὂὁὄtacircὀἵiaΝ ἶὁΝ
ldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὅἷΝvecircΝiὀἵaὂaὐΝἶἷΝὄἷaliὐaὄΝaὅΝἶiviὅὴἷὅΝὁὂἷὄaἶaὅΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝἷxigindo que
156 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
a questatildeo inicial sobre a vida boa capaz de tornar os homens felizes seja retomada como
tamἴὧmΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝὧΝiἶecircὀtiἵὁΝ( α σθΝἀίἵἀ)ΝaὁΝἴἷmέ
Eacute importante notar que Soacutecrates natildeo o refuta mas deixa que Protarco manifeste sua
insuficiecircncia diante do virtuosismo das divisotildees socraacuteticas e a rapidez em suas transiccedilotildees
Talvez isso aconteccedila para mostrar a diferenccedila entre o exame dialeacutetico-filosoacutefico rigoroso e o
jogo retoacuterico-sofiacutestico antes de adentrar agraves questotildees dos dialeacuteticos experientes aquelas que
versam sobre o bem categoria a que Protarco evidentemente natildeo pertence Todavia no
momento em que assume sua ignoracircncia e teme cair no ridiacuteculo justamente por se auto
reconhecer como ignorante natildeo querendo fazer de sua incompreensatildeo objeto de escaacuternio
para os demais ele daacute o primeiro passo para a filosofia mesmo sem saber sem estar ciente
disso ainda que ela natildeo lhe agrade pois como se pode notar (19c-d) ele ainda permanece
preso ao ciacuterculo vicioso devido agrave sua defesa da tese reelaborada na discussatildeo que ele mesmo
defende a identidade entre bem e prazer (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 162)
A demarcaccedilatildeo dialeacutetica se oferece nesta primeira abordagem como uma saiacuteda para
tratar da questatildeo dos prazeres da multiplicidade que lhes eacute caracteriacutestica tornando evidente
que o prazer eacute algo complexo muacuteltiplo e natildeo algo uacutenico Os conhecimentos satildeo tambeacutem
muacuteltiplos poreacutem estes lidam com unidades reais e que excluem imediatamente os
conhecimentos contraacuterios ou falsos Vale lembrar que a dialeacutetica eacute capaz de apresentar
divisotildees coerentes mas nunca exaustivas esgotadas ela eacute sempre parcial De tal modo
analisados prazeres e conhecimentos sob a perspectiva da unidade e multiplicidade vemos
que ambos natildeo satildeὁΝἷὅὅἷΝalgὁΝldquoήὀiἵὁrdquoΝldquoiἶecircὀtiἵὁrdquoΝὂaὄaΝὃuἷΝὅἷjam tomados como o bem
Note-se que esse ciacuterculo vicioso entre prazer e bem natildeo foi de tudo rompido Ainda
falta dizer porque alguns prazeres podem ser ditos bons e outros maus ou melhor porque o
prazer natildeo eacute o bem A deficiecircncia de Protarco em seguir as divisotildees anteriores natildeo eacute
ingecircnua223 sua incapacidade de seguir o caminho da dialeacutetica (19b 20a) que resulta na
ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)Νἵὁlὁἵaἶa ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀaΝἴὁἵaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝὀὁὅΝἶiὄigἷΝaΝumaΝldquoὀὁvaΝ
faὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝaὄgumἷὀtativὁΝἷΝἶὁὅΝfiὀὅΝaΝὃuἷΝὅἷΝἶiὄigἷΝὁΝἶiὠlὁgὁέ Ao que tudo indica apoacutes
a demarcaccedilatildeo da dialeacutetica que envolve os prazeres seraacute possiacutevel tratar do bem e da vida
223 ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝἴἷmΝἷὅὅaΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoὂὁὄΝὁutὄὁΝlaἶὁΝἷὅὅἷΝὄἷtὁὄὀὁΝὅὁἴὄἷΝὅiΝmesmo leva Protarco a reconhecer sua incapacidade de praticar a dialeacutetica Essa incapacidade natildeo eacute contingente como vimos ela eacute a consequecircncia necessaacuteria do seu hedonismo Nesta fase do diaacutelogo Protarco ainda natildeo tem nenhuma razatildeo para desistir de sua posiccedilatildeo hedonista e enquanto ele o adotar natildeo poderaacute praticar dialeacutetica Nesse sentido tambeacutem o valor metodoloacutegico da dialeacutetica natildeo pode ser pressuposto porque conceder tal valor agrave dialeacutetica jaacute implica que o hedonismo radical de Protarco foi refutado Soacutecrates certamente tornou este valor plausiacutevel apresentando a dialeacutetica como um presente dos deuses mas para aceitaacute-lo plenamente Protarco deve primeiro estar livre de seu hedonismo radical Eacute portanto a identidade proclamada entre o prazer e o bem que seratildeo abordados agora e ὅἷmΝὄἷἵὁὄὄἷὄΝὡΝἶialὧtiἵaΝὅἷmΝaΝὃualΝaΝἶἷmὁὀὅtὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumΝἵiacuteὄἵulὁΝviἵiὁὅὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ162 grifos do autor)
157 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
boa prescindindo das divisotildees das espeacutecies de prazer o que por sinal iraacute eliminar de vez o
impasse do ciacuterculo inicial
Lembremos que todo o processo argumentativo culminaraacute no artifiacutecio socraacutetico
habitual consistindo em faὐἷὄΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝὅἷuΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄΝ ὅἷΝ tὁὄὀἷΝ umΝ ἶἷfἷὀὅὁὄΝ ἶaΝ ldquotἷὅἷΝ da
multiἶatildeὁrdquoΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝὁ prazer como o bem A primeira abordagem da dialeacutetica como vimos
natildeo fazia sair do impasse daquela tese em quἷΝldquoὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquo diziam ser a inteligecircncia o bem
os intemperantes ser o prazer o bem224 Pode-se afirmar que em um primeiro momento a
dialeacutetica eacute um meio oferecido por Soacutecrates para tratar definitivamente da saiacuteda desse impasse
por meio de uma segunda tentativa que iraacute configurar a vida mista ou seja o proceder
dialeacutetico seraacute ofertado por quem natildeo a pratica ainda mas permanece circunscrito em um
discurso fechado que natildeo se potildee em discussatildeo e que busca se afirmar sempre A
modificaccedilatildeo no discurso inicial de Filebo que diz que o prazer eacute bom para todos os seres vivos
e que todos o desejam reconfigura-ὅἷΝὀaΝldquotἷὅἷΝἶaΝmultiἶatildeὁrdquoΝὂἷlaΝaὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅ225 e de
Protarco226 que emprestam ao personagem que nomeia o diaacutelogo um discurso transmutado
em tese Em um segundo momento a dialeacutetica agora pode se voltar sobre o outro aspecto
relativo agrave anaacutelise do prazer a saber sua bondade ouΝὅἷjaΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝldquoὧtiἵὁrdquoΝὄἷἵὁἴὄἷΝἷὅὅaΝ
segunda parte evidenciando uma aparente derrocada metodoloacutegica uma separaccedilatildeo artificial
e forccedilada pois ambos os aspectos (metodoloacutegicoeacutetico) se implicam mutuamente como se
pode notar Estamos agora de volta agravequele ciacuterculo vicioso inicial poreacutem em uma outra
extremidade Agora seraacute o bem que deveraacute ser tratado para afinal se decidir se um dos dois
prazer ou conhecimento pode ser tido como o bem
Anteriormente a dialeacutetica era tratada em vista da abordagem muacuteltipla indeterminada
dos prazeres a fim de demonstrar a coerecircncia interna faltante na tese do gecircnero comum dos
prazeres Agora a dialeacutetica deixa aos poucos transparecer sua parcialidade trata-se aqui da
ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝviὅlumἴὄaὄΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὅὅἷΝtἷὄἵἷiὄὁΝtἷὄmὁΝἷὅὅἷΝἵὁὀtἷήἶὁΝvaὐiὁΝaΝὃualὃuἷὄΝ
um que natildeo eacute capaz de praticar a dialeacutetica de onde essa concepccedilatildeo (a vida boa) resulta Isso
explica como bem observa Delcomminette que ldquonestas circunstacircncias natildeo eacute surpreendente
que Soacutecrates use exatamente o mesmo estratagema que no caso anterior para quebrar o
224 (Cf R VI 505b7-8) 225 Como bem notou Dixsaut (2017) Soacutecrates inverte pura e simplesmente a afirmaccedilatildeo primeira no decorrer do diaacutelogo a ponto de chegar a dizer que o Filebo natildeo teria no final das contas afirmado que todo prazer eacute bom mas ele teria dito que o bem eacute o prazer A afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer transforma-ὅἷΝἷmΝumaΝ(mὠ)ΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝἴὁmΝἷlaΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquoἓὀtὄἷΝaΝfὰὄmulaΝiὀiἵialΝe sua inversatildeo final haacute todo um percurso bastante complicado do Diaacutelogo sendo um de seus resultados ter triunfado em estabelecer uma simetria perfeita entre as duas teses e diferenciar ὄaἶiἵalmἷὀtἷΝὅἷuὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἃἄ-257) 226 ldquoἏΝὂὄimἷiὄaΝtὄaὀὅfὁὄmaὦatildeὁΝὧΝὁὂἷὄaἶaΝὂὁὄΝἢὄὁtaὄἵὁέΝἡὅΝἶὁiὅΝ logoi (o de Filebo e o de Soacutecrates) satildeo apresentados por ele como duas respostas a uma mesma questatildeo o que confere agravequele de Filebo um valὁὄΝὄἷiviὀἶiἵativὁΝauὅἷὀtἷΝἶaΝὂὄimἷiὄaΝfὰὄmulaμΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἵἷὅὅaΝἶἷΝὅἷὄΝlsquoἴὁmΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅrsquoΝpara tornar-ὅἷΝlsquoaΝmἷlhὁὄΝἶaὅΝἵὁiὅaὅΝhumaὀaὅrsquoΝἷΝἷὀtὄaὄΝἷmΝἵὁὀἵὁὄὄecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦ 2017 p 255)
158 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἵiacuteὄἵulὁΝ aΝ ὅaἴἷὄΝ umaΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ (2002 p 162-163) Vejamos do que trata essa
lembranccedila divina227 (πλ μΝ α κῖμΝηθάηβθΝ δθ κε ῖ έμΝηκδΝ πεΫθαδΝγ θΝ ηῖθ) (20b3-4)
Soc Vecircm agora agrave minha mente certos discursos (ζσΰπθ) que haacute muito escutei em sonho ou em vigiacutelia sobre o prazer e o pensamento (π λέ
κθ μ εα φλκθά πμ) Tais discursos afirmam que nenhum dos dois eacute o bem ( μΝκ Ϋ λκθΝα κῖθΝ δΝ ΰαγσθ) mas sim uma terceira coisa ( ζζ
ζζκΝ δΝ λέ κθ) diferente deles ( λκθΝ η θΝ κτ πθ) e melhor que ambos ( η δθκθΝ ηφκῖθ) Mas se isso de revelar agora com toda clareza para noacutes (εαέ κδΝ κ σΝΰ Ν θΝ θαλΰ μΝ ηῖθΝφαθ θ θ) entatildeo o prazer fica afastado da vitoacuteria ( πάζζαε αδΝη θΝ κθ κ θδε θ) pois o bem natildeo poderia mais ser a mesma coisa que o prazer ( ΰ λΝ ΰαγ θΝκ εΝ θΝ δΝ α θΝα ΰέΰθκδ κ) Natildeo eacute assim (20b6-c2)
A possibilidade de umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ἵὁmὁΝ jὠΝ ἶiὅὅἷmὁὅΝ jὠΝ tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ aὀuὀἵiaἶaΝ
(11d11-12a4) aqui Ela apenas se concretiza passa a ser o meio pelo qual torna-se possiacutevel
ὅaiὄΝἶὁΝἷὀfὄἷὀtamἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝἶuaὅΝtἷὅἷὅΝiὀἵὁmὂatiacutevἷiὅέΝἏΝldquolἷmἴὄaὀὦaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝὁΝmἷiὁΝ
encontrado para prescindir da divisatildeo das espeacutecies de prazer (20c4-6) De certa forma a
questatildeo sobre o bem jaacute antecipa a conclusatildeo que viraacute mais adiante a vida boa eacute uma vida
mista resultante da combinaccedilatildeo ἷὀtὄἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(ldquo υθαηφσ λκμΝ(έέέ)Ν ιΝ ηφκῖθΝ
υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμνrdquo) (22a1-2) Mas de que maneira se pode compreender essa
mistura Os deuses apenas se contentam em nos informar a ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝldquouma terceira
ἵὁiὅaΝὅἷὄΝὁΝἴἷmrdquoΝἷὀtὄἷtaὀtὁ esse conteuacutedo ainda permanece vazio nada sabemos acerca da
vida boa exceto que ela eacute uma vida mista e que prazer e inteligecircncia soacute podem agora lutar
pelo segundo precircmio O que exige que Soacutecrates e Protarco entrem em acordo
( δκηκζκΰβ υη γα) sobre alguns pequenos pontos (ηέελrsquoΝ α) (20c8) sobre o lote que
compete ao bem ( θ ΰαγκ ηκῖλαθ) (20d1) o bem ( θ ΰαγκ ) deve ser perfeito ( Ϋζ κθ)
(20d1-2) suficiente ( εαθ θ) (20d4) quando reconhecido perseguido por todos e todos
tendem a ele querendo capturaacute-lo e adquiri-lo (ldquo μΝπ θΝ ΰδΰθ εκθΝα γβλ τ δΝεα φέ αδΝ
ίκυζση θκθΝ ζ ῖθΝεα π λ α ε ά α γαδrdquo)Ν ldquo() e natildeo se preocupa com nenhuma outra
coisas exceto aquelas que se completam emΝἵὁὀἷxatildeὁΝἵὁmΝalgumΝἴἷmrdquoΝ(εα θΝ ζζπθΝκ θΝ
φλκθ έα δΝπζ θΝ θΝ πκ ζκυηΫθπθΝ ηαΝ ΰαγκῖμ)Ν(ἀίἶἅ-10)
Em 20e a questatildeo reconfigura-se As duas hipoacuteteses aventadas no iniacutecio do diaacutelogo
acerca do bem transformam-se agora em modelos de vida que passam a ser confrontados
vida de prazer ( θ κθβμ ίέκθ) e vida de pensamento ( θ φλκθά πμ ίέκθ) (20e1-2) Natildeo
ὅἷΝtὄataΝmaiὅΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝὂaὄaΝὂἷὀὅaὄrdquoΝὀἷmΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ
ἶaΝalmaΝὂaὄaΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡΝὃuἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝἴἷmΝeacute um modo de vida (ίέκμ)
227 Essa accedilatildeo de recordar eacute comum em outros diaacutelogos como se nota em Chrm 178a Tht 201c-d Lg 800a 960b
159 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
que passa do modelo de vida unicamente dos seres vivos para um modelo que podemos e
devemos escolher o qual depende necessariamente da atuaccedilatildeo de certos estados e
disposiccedilotildees da alma que conduzem agrave felicidade Essa vida boa soacute pode ser a vida feliz que
necessariamente depende da maneira de ser (estado) do cultivo desses estados e do
resultado dessas disposiccedilotildees
A vida boa eacute a uacutenica que pode receber tais atributos se de fato estamos a considerar
uma vida propriamente humana ἥἷΝἶἷὅἷjaὄmὁὅΝὃuἷΝἷlaΝὅἷjaΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ
que nos atenhamos agravequilo que consideramos ser o bem Isso natildeo significa considerar o bem
como algo metafiacutesico ou abstrato Temos aqui um experimento mental ambas as vidas (de
prazer e de conhecimento) satildeo examinadas ( εκπ η θ) e julgadas (ελέθπη θ)
separadamente sob o propoacutesito de se verificar alguma identidade entre elas e o bem (20e1-
2) Ora se alguma destas vidas eacute o bem elas natildeo devem prescindir de mais nada Deste
modo natildeo se poderaacute admitir nem pensamento na vida de prazer nem prazer na vida de
pensamento Caso algumas das vidas demonstre insuficiecircncia ela natildeo poderaacute ser o bem
(21a4-8) Eacute aqui que tais vidas satildeo postas agrave prova e o criteacuterio eacute simples como algueacutem aceitaria
regular a sua existecircncia inteira e unicamente pela busca de um ou de outro isto eacute unicamente
de prazer ou unicamente de inteligecircncia
A proposta entatildeo eacute feita a Protarco Satildeo testadas no proacuteprio interlocutor
Primeiramente poderia este aceitar viver a vida inteira desfrutando dos maiores prazeres
( κθ μ η ΰέ αμ) (21a8-9) Isso seria suficiente Soacutecrates alega que natildeo visto que sem o
pensamento e a inteligecircncia (φλκθ ῖθ εα κ θκ ῖθ) torna-se impossiacutevel a realizaccedilatildeo do caacutelculo
(ζκΰέα γαδ) daquilo que eacute necessaacuterio ao indiviacuteduo ele ignoraria o proacuteprio fato de estar
sentindo prazer jaacute que natildeo possui pensamento (21b6) Tambeacutem natildeo poderia se lembrar dos
prazeres passados nem conservar a lembranccedila do prazer presente pois natildeo possuiria neste
caso a memoacuteria (ηθάηβθ) (21c1-4) Sem a opiniatildeo verdadeira ( σιαθ ζβγ ) natildeo se pode
julgar ( σιαα δθ) que haacute prazer nem mesmo calcular (ζκΰδ ηκ ) o prazer vindouro (21c4-6)
Soc Natildeo viverias no entanto uma vida humana ( θγλυπκυ ίέκθ) mas a vida de algum molusco ou de uma dessas criaturas marinhas que vivem em corpos de ostras Seraacute assim mesmo ou podemos conceber isso de modo diferente (21c6-8)
ἜἷfἷἴvὄἷΝ(1λλλ)ΝἷxὂliἵaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶὁΝldquoὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁrdquoΝἷΝἶaὅΝldquoἵὄiatuὄaὅΝaὃuὠtiἵaὅέΝἡΝ
teoacuterico nos explica que aqui se faz menccedilatildeo agrave falta de consciecircncia do prazer e tambeacutem natildeo se
trata de uma pura oposiccedilatildeo entre o animal e o humano Os seres aquaacuteticos ocupam o uacuteltimo
grau da hierarquia dos viventes que natildeo respiram pelo ar mas pela aacutegua impuros como sua
alma porque satildeo os mais ignorantes O pulmatildeo marinho eacute um niacutevel uma direccedilatildeo assintoacutetica
mais baixa no sentido de uma hierarquia das almas A alma do pulmatildeo marinho eacute ainda mais
160 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
pobre que a das plantas e que natildeo participam da transmigraccedilatildeo das almas (Cf Ti 92b-c)
Plantas possuem sensaccedilotildees prazerosas e dolorosas juntamente como desejo o pulmatildeo
marinho natildeo (Ti 77b6-7) estatildeo fixados imoacuteveis na sensaccedilatildeo de um prazer sem dor Mas o
prazer em si lhe falta O pulmatildeo marinho carece de sensibilidade porque lhe falta um elemento
nomeado φλσθδηκθ (Cf Ti 64b6)228 (p 81-84)
No Filebo a vida de prazer puro eacute como dito anteriormente desprovida de memoacuteria
de opiniatildeo correta e de reflexatildeo Antecipaccedilatildeo conhecimento lembranccedila conservaccedilatildeo seriam
accedilotildees impossiacuteveis ao prazer sem o conhecimento Passado presente e futuro satildeo as
dimensotildees temporais que caracterizam o fluxo no qual o prazer se encontra Sem essas
dimensotildees o prazer seria apenas instantacircneo ou menos do que isso O Filebo nos diraacute em
33d-34a que haacute insensibilidade ( θαδ γβ έα) quando a impressatildeo (πΪγβηα) fraca apenas
toca o corpo sem afetar a alma ou seja no caso em que um ser vivo eacute totalmente desprovido
de φλσθβ δμ Isso natildeo significa que as sensaccedilotildees desses seres aquaacuteticos natildeo alcanccedilariam
suas almas uma vez que eles a possuem eles teriam sim sensaccedilotildees (α γβ δμ) e natildeo
insensibilidade mas sem memoacuteria imediatamente apoacutes a sensaccedilatildeo esta natildeo se conservaria
desapareceria instantaneamente
Poderiacuteamos dizer que esta alma (do pulmatildeo marinho) eacute uma alma desejante por
conseguinte sentiria falta de prazer ou seja dor Esse tipo de alma seria um sujeito
desejante Essa pergunta eacute complicada e talvez soacute teraacute resposta mais adiante a dor ainda
ὀatildeὁΝὧΝ tὄataἶaΝaὃuiέΝEacuteΝ imὂὁὅὅiacutevἷlΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἷὅὅἷΝὂὄaὐἷὄΝ ldquoἵὁmὂlἷtὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝcomparado ao
sujeitos dos prazeres mistos que seraacute analisado mais adiante (31d-36c 46b-47b) Nenhum
prazer que seja da alma ou do corpo exceto os prazeres puros pode ser separado da dor da
alma ou do corpo anterior ou simultacircnea em relaccedilatildeo ao prazer Quem tem sede sofre essa
sede em seu corpo mas se alegra em sua alma de poder saciar-se ou sofre por natildeo poder
fazer tal accedilatildeo O corpo tanto sofre quanto se alegra quando sacia sua sede Os maiores
prazeres ( η θκμ κθ μ μ η ΰέ αμ 21a9 b4-5) oferecidos a Protarco em um estado
hipoteacutetico de vida de puro prazer seratildeo tomados no diaacutelogo enquanto pertencentes ao gecircnero
ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝmiὅtὁὅΝὃuἷΝἵὁὀtὧmΝmaiὁὄΝvivaἵiἶaἶἷΝὁὅΝὃuaiὅΝὅatildeὁΝὄἷὀἷgaἶὁὅΝὂἷlὁὅΝldquoiὀimigὁὅΝ
ἶὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ὄἷὂugὀaὀtἷὅrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅ desmesurados (45d3-ἄ)rdquoΝ ὂὄἷἵἷἶiἶὁὅΝ ὂὁὄΝ
grandes desejos e acompanhados por dores (46a-b) os prazeres excessivos que deixam
loucos os indiviacuteduos intemperantes Aqui natildeo se trata de intemperanccedila natildeo eacute a vida de
228 ldquoἡΝὂulmatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlimitaἶὁΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝtὁἵaὄΝὂὁὄὃuἷΝἷlἷΝὅἷὃuἷὄΝtἷmΝὂὄaὐἷὄμΝἷlἷΝὧΝὅἷmΝphronesis e portanto absolutamente desprovido de sensaccedilotildees em geral O pulmatildeo natildeo eacute prazer sem pensamento porque uma impressatildeo sobre a carne de um pulmatildeo marinho ou de um molusco consiste no maacuteximo em uma impressatildeo extremamente lenta a se propagar em um corpo cujas partes natildeo iratildeo captar jamais o eco e que natildeo alcanccedilaraacute jamais algum phronimon O pulmatildeo marinho entatildeo quase natildeo eacute nada no todo porque o prazer totalmente desprovido de phronegravesis eacute no maacuteximo uma alma ( ηουξα Filebo 21c8 TimeuΝλἀἴἁ)Ν(έέέ)rdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἂ)έ
161 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
prazeres desmedidos mas a vida de prazer ausente de memoacuteria exceto no caso da vida de
prazer puro Como veremos natildeo haacute desejo sem memoacuteria (33c5-34d6)229 a memoacuteria ainda
natildeo possui um papel particular na discussatildeo mas ela seraacute fundamental na anaacutelise do prazer
O prazer dele (do pulmatildeo marinho) eacute o maacuteximo possiacutevel um prazer da πζ λκ δμ (repleccedilatildeo)
ἷΝὀatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝὂaὅὅagἷiὄὁΝὃuἷΝimὂliἵaὄiaΝiὄὄitaὦatildeὁΝἷΝἶὁὄέΝldquoἡΝὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁΝὀatildeὁΝὧΝaὅὅimΝ
apenas o limite do pensaacutevel mas o mais inferior o mais baixo de todos os viventes alguns
desses vivem uma vida de prazeres mistos prazeres que se acompanham de dores e de
mἷmὰὄiardquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έΝ
Natildeo nos interessa tanto essa descriccedilatildeo do prazer sem nenhuma φλσθ δμ e sem
nenhuma dor pois o pulmatildeo marinho goza sem saber e nem deseja um prazer que natildeo seja
defectivo em suma eacute um vivente totalmente atiacutepico Esse tipo de vida natildeo eacute um tipo de vida
que possa ser escolhido enquanto uma vida tipicamente humana Natildeo temos aqui uma
triparticcedilatildeo entre divino animal humano e vida marinha Essa hierarquia ndash se eacute que haacute uma
hierarquia ndash eacute mais continuiacutesta do que separatista como o diaacutelogo iraacute nos mostrar Soacutecrates
entatildeo daacute lugar a uma segunda hipoacutetese a vida de pensamento sem o prazer (ίέκθ
φλκθά πμ ίέκθ) (21d9-e2) ou seja uma vida unicamente em que se possui pensamento e
inteligecircncia e a memoacuteria completa de todas as coisas mas sem tomar parte nem muito nem
pouco nem do prazer nem da dor isto eacute uma vida sem experimentar ( παγ μ) nenhuma
ἶἷὅὅaὅΝἶuaὅΝἵὁiὅaὅέΝldquoἠἷὀhumaΝἶaὅΝἶuaὅΝviἶaὅΝὧΝἶigὀaΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ(α λ μ) ()rdquoΝἶiὄὠΝἢὄὁtaὄἵὁΝ
(21e3-4) nem para o interlocutor nem para a escolha de ningueacutem Ressalta-se que tanto a
vida de prazer instantacircneo sem memoacuteria (moluscos e pulmatildeo marinho) como a vida de puro
ὂἷὀὅamἷὀtὁΝὅatildeὁΝἷxtὄἷmὁὅΝἶἷΝviἶaὅμΝ ldquo(έέέ)ΝumaΝἷΝὁutra indicam duas direccedilotildees que natildeo satildeo
humanamente desejaacuteveis mas que natildeo estatildeo totalmente fechadas agrave escolha do homemrdquo
(LEFREBVRE 1999 p 87) Mas em se tratando da discussatildeo ali encetada quanto agrave vida
boa humana a uacutenica escolha possiacutevel eacute uma vida de pensamento e de prazer
As posiccedilotildees iniciais satildeo de fato falas natildeo por um juiacutezo de valor um juiacutezo moral neste
caso equivocado Esses extremos natildeo podem ser escolhidos230 Podemos notar tal fato pela
discussatildeo que segue
229 ldquo(έέέ)ΝaὂἷὀaὅΝὂodemos desejar a repleccedilatildeo tocaacute-la de alguma maneira natildeo pelo corpo que eacute vivo mas pela alma cuja memoacuteria permanece sempre plena disso que ela goza com o corpo A memoacuteria eacute a condiccedilatildeo de possibilidade do desejo e em geral o princiacutepio vital a origem do todo movimento em direccedilatildeo ao prazer (35d1-3) a memoacuteria que conserva e evoca indica para o vivente os caminhos do prazer jaacute empregados e suscetiacuteveis de ser uma novidade Um vivente sem memoacuteria natildeo poderia portanto desejar nada e nem buscar como objeto do prazer permanecendo inteiramente passivo vindo ateacute ele em permanecircncia um prazer que ele natildeo teria desejado que natildeo seria conservado e sobre o ὃualΝἷlἷΝὀatildeὁΝὅaἴἷὄiaΝὃuἷΝἷὅtaὄiaΝgὁὐaὀἶὁrdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έ 230 Gadamer (2009) eacute um dos que percebem essa contradiccedilatildeo que se apresenta nas propostas aὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὂaὄaΝaΝἷὅἵὁlhaΝἶὁὅΝmὁἶὁὅΝἶἷΝviἶaμΝ ldquoaὅὅimΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝ lὁgὁΝὀaΝἵἷὀaΝ iὀiἵialΝἷmΝὃuἷΝamἴὁὅΝ ὁὅΝ iἶἷiaὅΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ ἷΝ lsquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrsquoΝ ὅatildeὁΝ ἵὁὀtὄaὅtaἶὁὅΝ ὧΝ ὂἷὄὂaὅὅaἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝlatente A maneira ἵὁmὁΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ vivὁὅΝ ὁἴἷἶἷἵἷmΝ ὡὅΝ ἵἷgaὅΝ aὁΝ imἷἶiatὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝimpulsionados pelo poder secreto do iacutempeto vital natildeo satisfaz a possibilidade do ser humano de levar
162 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Soc E o que me dizes ProtarἵὁΝἶaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝ( έΝ ᾽ υθαηφσ λκμ)ΝἶἷΝambas proveniente da mistura comum das duas ( ιΝ ηφκῖθΝ υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμ)ς Prot Estaacutes falando da mistura de prazer de inteligecircncia e de pensamento ( κθ μΝζΫΰ δμΝεα θκ εα φλκθά πμ)ς Soc Estou falando exatamente disso ἢὄὁtέμΝἥἷmΝἶήviἶaΝὃualὃuἷὄΝumΝὅἷmΝἷxἵἷὦatildeὁΝἷὅἵὁlhἷὄiaΝ(α λά αδ)ΝἷὅὅaΝvida de preferecircncia a qualquer uma das outras duas Soc Seraacute que noacutes agora compreendemos qual a consequecircncia do presente argumento Prot Sim certamente Trecircs vidas foram propostas ( δΝ ΰ Ν λ ῖμΝ η θΝ ίέκδΝπλκυ Ϋγβ αθ)ΝἷΝἶuaὅΝἶἷlaὅΝὀatildeὁΝὅἷὄiamΝὅufiἵiἷὀtἷὅΝ( εαθ μ)ΝὀἷmΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ (α λ μ)Ν ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὁὅΝ hὁmἷὀὅΝ ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὃualὃuἷὄΝ ὅἷὄΝ vivὁΝ (κ Ν
θγλυππθΝκ Να πθΝκ θέ)έ Soc No que diz respeito a elas fica claro entatildeo que nenhuma das duas possui o bem ( μΝκ Ϋ λκμΝα κῖθΝ ξ Ν ΰαγσθ)ςΝἢὁiὅΝὅἷΝὁΝὂὁὅὅuiacuteὅὅἷmΝelas seriam suficientes ( εαθ μ)ΝὂἷὄfἷitaὅΝ(εα Ϋζ κμ)ΝἷΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝὂaὄaΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ὂlaὀtaὅΝ ἷΝ aὀimaiὅΝ (εα π δΝ φυ κῖμΝ εα α κδμΝ α λ σμ)Ν ὃuἷΝὂὁἶἷὄiamΝvivἷὄΝὅἷmὂὄἷΝaὅὅimΝaΝviἶaΝiὀtἷiὄaΝ(κ π λΝ υθα θΝ θΝκ πμΝ δ ίέκυΝα θ)νΝmaὅΝὅἷΝalgumΝἶἷΝὀὰὅΝἷὅἵὁlhἷὅὅἷΝὁutra coisa estaria agindo contra a natureza do que eacute verdadeiramente digno de escolha e contra a vontade ὂὁὄΝἵauὅaΝἶaΝigὀὁὄacircὀἵiaΝὁuΝὂὁὄΝἵauὅaΝἶἷΝalgumaΝfἷliὐΝfataliἶaἶἷΝ( ΫΝ δμΝ ζζαΝᾑλ ῖγ᾽ η θΝ παλ φτ δθΝ θΝ θΝ κ ζβγ μΝ α λ κ ζΪηίαθ θΝ επθΝ ιΝ
ΰθκέαμΝ δθκμΝ θΪΰεβμΝκ εΝ αέηκθκμ)Ν(ἀἀa1-b8)
Protarco teria ficado mudo diante da possibilidade da fruiccedilatildeo e uma vida unicamente
de prazer (21d4-5) mas essa sua afonia natildeo significa que ele natildeo tenha escolha Penso que
Platatildeo aqui natildeo diz que a vida unicamente de prazer eacute ruim ou boa natildeo se trata de uma
questatildeo valorativa mas de pura constataccedilatildeo de que uma vida unicamente de prazer eacute uma
vida inferior mesmo as plantas e os animais que satildeo tambeacutem seres desejosos perseguem
o prazer e possuem certo grau de memoacuteria por isso tambeacutem encontram-se submetidos nesse
ciclo de repleccedilatildeo e de vazio de prazer e de dor Perseguir naturalmente o prazer e fugir da
dor eacute uma accedilatildeo que envolve tanto corpo como alma Como jaacute dissemos envolve maior ou
menor grau de φλσθβ δμ em uma dada alma e em um determinado corpo isto eacute utilizando
umΝtἷὄmὁΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaΝἵaὂaἵiἶaἶἷΝἶἷΝldquoὅἷὀἵiecircὀἵiardquoΝἷmΝmaiὁὄΝὁuΝmἷὀὁὄΝgὄauΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝ
possibilita fazer escolhas perseguir aquilo que nos traz prazer e fugir daquilo que nos causa
dor O caso dos animais eacute um caso intermediaacuterio entre as duas vidas extremas assim como
o caso da vida humana Natildeo se trata entatildeo de uma diferenccedila entre animalidade humanidade
e divindade mas de uma diferenciaccedilatildeo em graus de inteligibilidade do sujeito desejante em
a sua proacutepria vida Essa questatildeo eacute exposta assim logo no iniacutecio de modo que no final teraacute de resultar a contradiccedilatildeo de que aqui algo seja colocado para escolha mas que efetivamente natildeo possa ser escolhido A cegueira do iacutempeto vital o qual sobre tudo impera eacute a falta de escolha Mas do outro lado da escolha encontra-se aquilo que por si soacute jaacute estaacute escolhido por estar posto para escolha o proacuteprio ἷὅἵὁlhἷὄΝatὄavὧὅΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἵὁὀtiἶὁΝὀὁΝaὃuilὁrdquoΝ(ὂέΝ111)έΝ
163 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
relaccedilatildeo ao objeto prazeroso Eacute necessaacuterio aqui concordar com Lefka (2010) que esses
estaacutegios de vida extremados satildeo apenas suposiccedilotildees de Soacutecrates modos de vida presentes
no iniacutecio do diaacutelogo e que satildeo descartados totalmente agora mais do que indignos de escolha
eles nos satildeo na verdade impossiacuteveis Nossa constituiccedilatildeo humana encarnada bioloacutegica natildeo
nos permite tal escolha (p 173-174)
A alusatildeo aos animais e agraves plantas soacute pode ser neste caso uma insinuaccedilatildeo irocircnica
porque parece impossiacutevel aos animas e plantas escolherem algum tipo de vida Eles podem
escolher como gozar e como fugir da dor em um dado estado de vida que lhes eacute pertinente
ou seja naquele em que eles se encontram situados mas caso pudessem escolher entre ter
mais memoacuteria mais inteligibilidade para que gozem de prazeres mais permanentes dos quais
teriam uma melhor consciecircncia ou inteligibilidade obviamente escolheriam estar mais
proacuteximos do estado de permanecircncia de prazer e de ausecircncia em maior medida de dor ou
seja a apatia ἶaΝviἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵhamaὄὠΝἶἷΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoΝ(ἁἁἴἅ)έΝεaὅΝὁΝὃuἷΝὀἷmΝmἷὅmὁΝὁὅΝ
animais e as plantas nos diz Soacutecrates em 22b podem escolher satildeo tambeacutem esses tipos de
vida extremados porque suas configuraccedilotildees aniacutemicas natildeo se situam nem na ausecircncia total
de φλσθβ δμ ou seja a apatia anestesia o prazer dotado de imediaticidade como eacute o caso
do pulmatildeo marinho que possui sensibilidade em menor grau nem no mais alto grau de
φλκθ δμ da pura inteligibilidade de permanecircncia de pensamento puro
Logo tanto a vida humana como a vida animal satildeo intermediaacuterias entre essas
concepccedilotildees impossiacuteveis de vida Ambas apenas se diferenciam perante as possibilidades de
escolha segundo os graus diferentes de φλσθβ δμ pois a vida humana mista diferentemente
da vida mista dὁὅΝaὀimaiὅΝὂὁἶἷΝὅἷΝὂὄἷὅtaὄΝaΝὅἷὄΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝumaΝviἶaΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝgὁὐaΝ
melhor em que tais indiviacuteduos se abrem aos prazeres puros e necessaacuterios como tambeacutem a
todas as formas de conhecimento e que pode merecidamente ser tributaacuteria da caracterizaccedilatildeo
de uma vida mista (humana) propriamente boa Basta analisar a constataccedilatildeo do proacuteprio
ἢὄὁtaὄἵὁμΝldquoἓὅtὠὅΝfalaὀἶὁΝἶaΝmiὅtuὄaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἶἷΝ[ὂὄaὐἷὄΝἶἷ]ΝὂἷὀὅamἷὀtὁςrdquoΝ
(22a1-2) Apesar de franqueaacuteveis ambos os modelos de vida devido a nossa dada condiccedilatildeo
(humana) nos satildeo-nos impossiacuteveis por isso o prazer e o conhecimento da vida mista eacute
diferente do puro prazer e do puro conhecimento Aqui portanto se pode dizer que na vida
mista seja a de um animal ou de um homem tem-se um pensamento que resulta prazeroso
e prazeres que apenas existem a partir do pensamento A mistura num primeiro momento
parece ser uma mistura desses elementos tomados (unicamente) como no iniacutecio do diaacutelogo
mas aos poucos vemos que isso natildeo possiacutevel que natildeo se trata disso O prazer da vida mista
natildeo eacute o prazer puro e o pensamento da vida mista natildeo eacute o pensamento puro
ἏΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝὂὄὰὂὄiaΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὃuἷΝἷxἵluiΝὃualὃuἷὄΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝὁΝ
tὄacircὀὅitὁΝ ldquoὂὄἷἷὀἵhimἷὀtὁ-vaὐiὁrdquoΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ ἵὁmὁΝ mὁἶἷlὁΝ umaΝ vἷὐΝ ὃuἷΝ ὁΝ hὁmἷm pode
apenas aspirar a esse estado divino de puro pensamento quando se potildee a refletir sobre uma
164 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
vida em que se pode gozar mais e da melhor maneira possiacutevel entretanto devido agrave sua
condiccedilatildeo jamais atingiraacute o niacutevel puro de inteligibilidade O homem e tambeacutem o filoacutesofo natildeo se
guiam pelo discurso inspirado nas paixotildees eroacuteticas dos animais mas por aqueles inspirados
pela forccedila da Musa filosoacutefica nos diraacute o final do Filebo (67b) Dizer que a busca dos animais
pelo prazer e a fuga da dor seria uma prova de que o prazer eacute o bem implica em desconsiderar
que a vida humana dispotildee de um modelo de vida ndash apesar de misto como os animais ndash em
que tanto o prazer quanto o conhecimento dessa vida mista (humana) satildeo diferentes isto por
que os graus de inteligibilidade que tornam possiacuteveis a fruiccedilatildeo dos prazeres ordenadamente
nessa vida eacute diferente daquela dos animais e por ser diferente ela possui outras e ateacute
melhores possibilidades de fruiccedilatildeo desses prazeres daquela dos animais
Em um niacutetido e bom tom ele (o filoacutesofo) tem algo a mais para se preocupar do que se
lamentar quanto agrave sua condiccedilatildeo presente colocando em atividade maacutexima sua criatividade
ὂaὄaΝtἷὀtaὄΝtὄaὀὅgὄἷἶiὄΝἷὅὅaὅΝldquoὄἷgὄaὅrdquoΝfiὄmἷmἷὀtἷΝἷὅtaἴἷlἷἵiἶaὅΝὂἷlaΝὀatuὄἷὐaΝtὄaὀὅgὄἷἶiὀἶὁ-
as por meio da possibilidade de um discurso que irrompe com essa situaccedilatildeo primariamente
humana presente de repleccedilatildeo e de vazio natildeo eliminado esse ciclo mas tornando seus efeitos
mἷὀὁὅΝ ἶaὀὁὅὁὅΝ aὁΝaὅὂiὄaὄΝ ὅἷΝ aὂὄὁximaὄΝ ἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝ ἶἷὅtἷΝ ἷὅὅἷΝ ἷὅtὠgiὁΝ ldquomaiὅΝ ἶiviὀὁrdquoΝ
visando essa superioridade Ousadia de nossa parte Talvez sim talvez natildeo mas jaacute que
dispomos de um maior grau de inteligibilidade porque natildeo tentar explorar suas possibilidades
maacuteximas mesmo sabendo dessa ilimitaccedilatildeo proacutepria de nossa constituiccedilatildeo limitada Por que
natildeo toὄὀaὄΝὁὂἷὄaὀtἷὅΝὀὁὅὅaὅΝfaἵulἶaἶἷὅΝὀἷὅὅἷΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝἶἷΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝ(mὁὄtἷ)Ν(ὀaΝ
medida do possiacutevel) indo em direccedilatildeo agravequilo que eacute proacuteprio da alma essa estabilidade essa
permanecircncia da vida de pensamento puro e que pode nos auxiliar a orientar com certa clareza
uma vida e que se possa gozar com maior qualidade nessa nossa vida mista de prazer e de
conhecimento Como nos diz sabiamente Bossi (2008)
observemos que Soacutecrates natildeo apresenta a alternativa em forma excludente senatildeo hieraacuterquica pode aceitar que o prazer seja bom para os seres vivos que cegamente perseguem sua perpetuaccedilatildeo como espeacutecie poreacutem o melhor para o homem eacute o uso de suas capacidades intelectuais porque a vida humana eacute uma vida que deve decidir-se a cada momento que natildeo estaacute traccedilada de antematildeo pela forccedila do instinto () ao comparar e buscar natildeo fazemos outra coisa que seguir os passos para escolher e ao fazecirc-lo jaacute estamos dando mostras de dar prioridade ao caacutelculo racional jaacute elegemos conforme nosso modo de ser humano (p 228-229)
Ateacute entatildeo a inteligecircncia possui uma atribuiccedilatildeo meramente procedimental Cabe a ela
organizar devidamente a vida mista humana ou natildeo-humana para que esses tipos de vidas
sejam vidas suficientes satisfatoacuterias dotadas de razoabilidade Mas veremos no caso da
vida humana a inteligecircncia ocuparaacute um papel maior aleacutem daquele de constituinte da vida
mista A inteligecircncia apenas organiza a fruiccedilatildeo do prazer nesse primeiro momento Sem o
165 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
pensamento como jaacute vimos natildeo eacute possiacutevel fruir o prazer sua duraccedilatildeo eacute tatildeo instantacircnea que
ele (o prazer) escapa da proacutepria temporalidade reconhecidamente proacutepria enquanto condiccedilatildeo
em que se situam os seres vivos por meio da inteligecircncia alguns partilhando em menor ou
maior grau dela Natildeo haacute nenhum meio do prazer ser bem sucedido sem o pensamento
Prazer e conhecimento natildeo satildeo tratados da mesma maneira isso eacute um fato jaacute que a
inteligecircncia encontra-se em um niacutevel acima porque ela eacute capaz de tornar possiacutevel a resultante
do desejo do prazer ela eacute um meio que torna um fim possiacutevel mas tambeacutem ela natildeo se
encontra separada do prazer na vida mista pois a proacutepria faculdade intelectiva caminha para
a realizaccedilatildeo desse fim isto eacute para o prazer ela busca a maneira correta e mais bem ordenada
para a realizaccedilatildeo do desejo e do prazer Ora natildeo temos aqui nenhuma relaccedilatildeo de
anterioridade entre prazer e inteligecircncia nem mesmo uma relaccedilatildeo de causalidade entre
ambos mas cada um dos dois (prazer e conhecimento) executam suas funcionalidades
proacuteprias nesse conjunto da vida mista humana ou seja uma correlaccedilatildeo Contudo no caso do
homem ele natildeo apenas recorda ou deseja ele avalia emite caacutelculos e juiacutezos com maior
fecundidade acerca dessa proacutepria organizaccedilatildeo que prescinde de satisfaccedilatildeo em um dado
modelo de vida numa dada condiccedilatildeo e mais ele pode tentar alcanccedilar dentro desta sua vida
mista entre prazer e conhecimento melhores arranjos que possam levaacute-lo a fruir natildeo apenas
de forma satisfatoacuteria o prazer mas tambeacutem em abundacircncia e melhor ou seja uma vida em
que seja capaz de atender em maior grau as nossas aspiraccedilotildees propriamente humanas
Eacute por isso que Soacutecrates considera diante do que foi exposto jaacute ser suficiente admitir
ὃuἷΝaΝldquoἶἷuὅaΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(Φδζάίκυ γ θ) natildeo poder ser o bem ( ΰαγσθ) (22c1-2) Filebo
retruca dizendo que nem mesmo a inteligecircncia (θκ μ) de Soacutecrates eacute o bem ( δ ΰαγσθ)
ἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝfaὐΝὃuἷὅtatildeὁΝἶἷΝἶiὅtiὀguiὄμΝldquoἥimΝtalvἷὐΝaΝmiὀhaΝ( ΰrsquoΝ ησμ) Filebo Mas natildeo
aΝiὀtἷligecircὀἵiaΝvἷὄἶaἶἷiὄaΝἷΝἶiviὀaΝἵὄἷiὁΝὂὁiὅΝἵὁmΝἷlaΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὅἷΝἶatildeὁΝἶἷΝmὁἶὁΝἶifἷὄἷὀtἷrdquo (ldquoκ
ηΫθ κδΝ σθΝΰ Ν ζβγδθ θΝ ηαΝεα γ ῖκθΝκ ηαδΝθκ θΝ ζζ᾽ ζζπμΝππμΝ ξ δθrdquo)Ν (ἀἀἵἃ-6) A partir
disso a discussatildeo adquire a forma de um ranking o primeiro precircmio ( θΝη θΝκ θΝθδεβ βλέπθ)
jaacute foi atribuiacutedo agrave vida conjunta ( θΝεκδθ θΝίέκθ) mas agora o que estaacute em jogo eacute o segundo
precircmio ( υ λ έπθ) (22c6-7) Neste momento cada um dos interlocutores pode reclamar
ambos para si o segundo precircmio devem lutar por ele um para o prazer outro para a
inteligecircncia enquanto causa (α δκθ) dessa vida conjunta (22d1-4)
Ora como visto nenhuma das vidas anteriores isoladas vida de prazer e vida de
conhecimento seria o bem ou melhor esses estados ou disposiccedilotildees da alma para a vida
humana enquanto uma vida mista de prazer e conhecimento porque nenhuma das vidas
anteriormente mencionadas possui o grau maacuteximo de suficiecircncia na vida humana mista
ambas exigindo a presenccedila uma da outra Eacute isto que conduz Soacutecrates agrave pergunta sobre a
causa dessa mistura ou seja o que torna possiacutevel esse arranjo em uma dada condiccedilatildeo de
vida Mas aqui Soacutecrates avanccedila ainda mais ao dizer que essa causa eacute tambeacutem um elemento
166 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
que compotildee a proacutepria mistura Jaacute que cada um dos interlocutores deve agora guerrear cada
um como partidaacuterio de um dos dois elementos prazer e inteligecircncia em favor do segundo
precircmio que natildeo eacute o bem mas causa dessa mistura que lhe confere existecircncia efetiva naquilo
que ela eacute propriamente uma mistura Como um elemento poderaacute ser responsaacutevel pela proacutepria
foacutermula dessa mistura e ao mesmo tempo um elemento constituinte dessa proacutepria mistura
Simultaneamente esse elemento deveraacute tornar-se possiacutevel por intermeacutedio de sua accedilatildeo um
efeito um resultado estando ele proacuteprio tambeacutem presente nesse efeito sendo incluiacutedo nessa
mistura da qual ele proacuteprio eacute o agente e por conseguinte causa
Agora sobre esse ponto eu gostaria de enfrentar Filebo com muito mais energia sustentando que nessa vida mista ( θΝ μΝ θΝ η δε κτ ίέ ) o que quer que seja aquilo que tendo sido obtido por ela a torne digna de escolha e boa (α λ μΝ ηαΝεα ΰαγσμ) natildeo eacute o prazer (κ ξΝ κθ ) mas a inteligecircncia (θκ μ) que lhe eacute mais aparentada e semelhante ( κτ
υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθΝ δ) e de acordo com esse argumento poderiacuteamos entatildeo afirmar que natildeo se pode atribuir ao prazer nem o primeiro nem o segundo precircmio ( θΝ θΝπλπ έπθΝκ ᾽ α θΝ υ λ έπθ) e se no momento devemos dar algum creacutedito agrave minha inteligecircncia ( δΝ η θ
ῖ πδ τ δθΝ η μΝ θ θ) ele estaacute muito longe ateacute do terceiro precircmio (πκλλπ ΫλπΝ ᾽ θΝ λδ έπθ) (22d5-e3)
Soacutecrates se alia agrave inteligecircncia em favor do segundo precircmio somente depois de ter
chegado agrave conclusatildeo juntamente com Protarco de que o primeiro precircmio apenas pode ser
atribuiacutedo agrave vida mista de prazer e de conhecimento e que nenhum deles pode ser unicamente
o bem como nenhuma das duas vidas vida de prazer unicamente e vida de conhecimento
possui o bem Por isso Soacutecrates diz agora que iraacute enfrentar com mais vigor a Filebo lutando
em favor do segundo precircmio ao disputar o lugar da causa da mistura Nos eacute dito que a
iὀtἷligecircὀἵiaΝ ὧΝ maiὅΝ aὂaὄἷὀtaἶaΝ ἷΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ( υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθ)έΝ ἥὁmἷὀtἷΝ aΝ
disposiccedilatildeo para o conhecimento pode gerar e concomitantemente ser parte constituinte da
mistura pois ao prazer falta essa capacidade ordenadora proacutepria da inteligecircncia O posto de
causa lhe seria negado ao prazer em virtude da sua pouca eficaacutecia ordenadora quando
comparada agrave inteligecircncia A inteligecircncia o conhecimento eacute semelhante agrave forma inteligente da
vida ordenada Dito isso o pensamento agora deixaraacute de ser tratado apenas segundo essa
funccedilatildeo (procedimental) de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres sua participaccedilatildeo na mistura
em questatildeo deixa de ser meramente a de um constituinte como tambeacutem seria o prazer Assim
o pensamento adquire o status de constituinte fundamental como causa dessa mistura Aleacutem
de ordenaacute-la ele produz um efeito nessa mistura cujo resultado tambeacutem o incluiraacute como um
elemento fundamental indispensaacutevel naquilo que ele proacuteprio constitui essa mistura de prazer
e conhecimento que configura a vida humana
167 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Tratar do segundo precircmio e de o porquecirc ele eacute indispensaacutevel nessa mistura poderaacute nos
dizer algo a mais sobre o valor do prazer nessa mistura assim como o porquecirc de ele natildeo
pode ser a causa dessa misturaέΝἢὁὄΝagὁὄaΝὧΝmἷlhὁὄΝὀatildeὁΝtὁὄtuὄaὄΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝmἷlhὁὄΝldquoἶἷixὠ-
lὁΝἷmΝὂaὐrdquoΝὀatildeὁΝldquoἵauὅaὄΝἶὁὄΝaὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὀὁὅΝἶiὄὠΝἥὰἵὄatἷὅΝ(ἀἁaἄ-8) Ainda natildeo eacute o momento
de examinaacute-lo com profundidade e rigor ou melhor refutaacute-lo ( ι ζΫΰξκθ α)Ν(ἀἁaἅ)έΝ
Para marchar em favor da inteligecircncia e obter para ela o segundo precircmio iremos agora
aἶἷὀtὄaὄΝὡΝὀὁvaΝldquomaὃuiὀaὦatildeὁΝἶἷΝguἷὄὄardquoΝ( ῖθΝ ζζβμΝηβξαθ μ)ΝἷmΝὃuἷΝὅἷὄatildeὁΝutiliὐaἶaὅΝaὄmaὅΝ
(ίΫζβ)Ν ἶifἷὄἷὀtἷὅΝ ἶὁὅΝ aὄgumἷὀtὁὅΝ aὀtἷὄiὁὄἷὅΝ ( ξ δθΝ λαΝ θΝ ηπλκ γ θΝ ζσΰπθ)Ν ἷmἴὁὄaΝ
algumas possam ser as mesmas ( δ πμ θδα εα α Ϊ) (23b6-8) Soacutecrates entatildeo diz
aΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝἵautἷlaΝaὁΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ( δγΫη θκδ)ΝἵἷὄtὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ( θΝ ΫΝ
ΰ Ν λξ θ)Ν ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷὀὁmiὀaΝ ἵὁmὁΝ ldquoὀὁὅὅὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁrdquoΝ (ἀἁἵ1-2) A tarefa que Soacutecrates faz
mἷὀὦatildeὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ἵὁὀὅiὅtἷΝ ἷmΝ ldquoὅἷὂaὄaὄΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝ agὁὄa existem no
universo231rdquoΝ (πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ δξ δαζΪίπη θ)Ν (ἀἁἵἂ-5)232 Talvez seja
231 Concordo com alguns autores como (Delcomminette 2006 p 213) e (Carone 2008 p 131-132) que ἷὅὅἷΝ ldquoagὁὄardquoΝ (θ θ) indica que as Formas natildeo satildeo incluiacutedas aqui em nenhuma das categorias as Formas satildeo eternas e imutaacuteveis A passagem cosmoloacutegica trata da demiurgia especiacutefica cujos exemplos satildeo retirados da realidade sensiacutevel compreendidos em uma dimensatildeo universal do todo cosmoloacutegico Rejeito a argumentaccedilatildeo revisionista que postula uma substituiccedilatildeo de das Formas ὂὁὅtulaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquomὧἶiὁὅrdquoΝὂaὄaΝὅἷΝὄἷὅὁlvἷὄἷmΝὁὅΝὅuὂὁὅtὁὅΝὂὄὁἴlἷmaὅΝlἷvaὀtaἶὁὅΝὂὁὄΝἷlaὅΝrealccedilados pelas aporias do Parmecircnides como tambeacutem uma compreensatildeo de que essas divisotildees seriam Formas ou os Gecircneros Supremos como satildeo chamadas nos Sofista Haacute motivos que ficaratildeo claros para tal rejeiccedilatildeo a partir de nosso comentaacuterio sobre a ontologia quaacutedrupla como (i) as Formas natildeo satildeo limitadas por determinaccedilotildees numeacutericas e meacutetricas nem relaccedilotildees matemaacuteticas por isso natildeo satildeo πΫλαμ (ii) as Formas satildeo seres puros simples e natildeo podem ser misturados assim como todos os seres gerados do mundo que pertencem a esse gecircnero as Formas devem ser eternas natildeo-geradas natildeo submetidas ao movimento ao devir logo natildeo podem ser ηδε θ (mistura) (iii) as Formas tambeacutem ὀatildeὁΝὅatildeὁΝaΝldquoἵauὅardquoΝ(α έα) pois a criaccedilatildeo depende do Demiurgo que cria a partir da Forma sozinha elas natildeo datildeo origem a nada elas satildeo modelos para a produccedilatildeo da atividade demiuacutergica (iv) por fim natildeo podem ser π δλκθ porque este gecircnero eacute indeterminado num duplo sentido (multiplicidade indeterminada e gecircnero das coisas dispostas no devir) que eacute tornado uma unidade multiplicidade apenas por meio da atividade dialeacutetica Enquanto que as Formas satildeo pura determinaccedilatildeo Essencialmente limitadas e definidas ou seja natildeo estatildeo sujeitas a qualquer tipo de variaccedilatildeo seja ela ὃualitativaΝὁuΝὃuaὀtitativaέΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmaiὅΝἶἷtalhaἶaΝἶἷὅὅaΝldquoἵlὠὅὅiἵaΝἶiὅὂutardquoΝvἷὄΝἑἏἤἡἠἓΝ(2008 p 143-149) 232 Dixsaut (2001) acredita que a referecircncia feita em 23c agrave divisatildeo quaacutedrupla eacute distinta (em propoacutesitos) ἶaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ(ἶialὧtiἵa)ΝἶἷΝ1ἄἵέΝἓmΝἀἁἵΝὁΝὃuἷΝὅἷΝὂὄὁὂὴἷΝὧΝumaΝἶiviὅatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝἷxiὅtἷmΝagὁὄaΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁΝ(πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ ) Segundo a autora francesa eacute muito provaacutevel que haja uma ligaccedilatildeo entre as duas passagens mas as abordagens natildeo satildeo idecircnticas EacuteΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝὃuἷΝaὃuiΝἷὅtamὁὅΝἶiaὀtἷΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoμΝldquo(έέέ)ΝἷΝὃuἷΝἷΝὃuἷΝὅἷΝὁΝtermo aacutepeiron deve ser entendido em dois sentidos diferentes esses dois sentidos natildeo devem ser relacionados entre si O dialeacutetico como foi dito pode ser forccedilado a comeccedilar pelo indeterminado mas por que poderia secirc-lo Porque eacute necessaacuterio reconhecer a existecircncia de duas espeacutecies de realidades Enquanto alguns (a ciecircncia ou a virtude a constituiccedilatildeo poliacutetica ou deliacuterio por exemplo) se apresentam como unidades compreendidas por articulaccedilotildees naturais o que permite dividi-las outras pelo contraacuterio apenas oferecem indeterminaccedilatildeo A primeira maquinaccedilatildeo teria fornecido o meio para reduzir essa indeterminaccedilatildeo tomando o aacutepeiron como um predicado quantitativo mas o deus no iniacutecio ele proacuteprio teria precisado que o aacutepeiron eacute um modo de ser Para determinar esse modo de ser eacute necessaacuterio dividir natildeo o aacutepeiron ὂὁὄὃuἷΝiὅὅὁΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝmaὅΝldquotuἶὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝatualmἷὀtἷΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝἷmΝὃuatὄὁΝgecircὀἷὄὁὅΝiὅtὁΝὧΝὅuἴὅumiὄΝaΝtὁtaliἶaἶἷΝἶaΝἷxiὅtecircὀἵiaΝὅὁἴΝὃuatὄὁΝἵatἷgὁὄiaὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νp 311-312)
168 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
necessaacuterio dividir em dois ou em trecircs ou em quatro todas essas partes denominadas como
ὅἷὀἶὁΝfὁὄmaὅΝ( θΝ θ)Ν(ἀἁἵ1ἁ)έΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝque teria mostrado
aΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ ἶὁΝ limitἷΝ (πΫλαμ)Ν ἷΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ ( π δλκθ)Ν ἶὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ (ἀἁἵλ-10) ambos agora
ὂaὅὅamΝaΝὅἷὄΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝumΝἵaὅalΝἶἷΝfὁὄmaὅΝ( κτ πΝ θΝ θΝ τκΝ δγυη γα)Ν(ἀἁἵ1ἁ-
d1) No entanto eacute preciso ainda uma terceira forma da unidade proveniente do intercurso
ἷὀtὄἷΝὁὅΝἶὁiὅΝ( λέ κθΝ ιΝ ηφκῖθΝ κτ κδθΝ θΝ δΝ υηηδ ΰση θκθ)ΝἷΝaiὀἶaΝumΝὃuaὄtὁΝgecircὀἷὄὁΝ
( Ϊλ κυΝηκδΝΰΫθκυμ)ΝὃuἷΝὅἷὄiaΝaΝἵauὅaΝ( θΝα έαθ)ΝἶἷὅtἷΝiὀtἷὄἵuὄὅὁΝ( υηη έι πμ)ΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ
dois primeiros gecircneros (23d1-8)
Em primeiro lugar entatildeo tendo separado ( δ ζση θκδ) trecircs dos quatro (η θΝ θΝ ΪλπθΝ λέα) tentemos com dois deles ( τκΝ κτ πθΝπ δλυη γα)
ndash uma vez observado que cada um dos dois se cindiu e se despedaccedilou em muitos (πκζζ εΪ λκθΝ ξδ ηΫθκθΝεα δ πα ηΫθκθΝ σθ μ) ndash reconduzi-los em conjunto cada um dos dois de novo ao um e conceber de que modo cada um deles era um e muacuteltiplo ( μΝ θΝπΪζδθΝ εΪ λκθΝ υθαΰαΰσθ μΝθκ αδΝπ πκ Ν θΝα θΝ θΝεα πκζζ εΪ λκθ) (23e3-6)
Eacute possiacutevel observar como a passagem retoma as questotildees suscitadas no iniacutecio do
ἶiὠlὁgὁΝ ὃuἷΝ ἵὁlimamΝὀaΝ aὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ldquomὧtὁἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ (1ἂἴ-18d) Protarco parece natildeo
compreender o sentido da fala anterior de Soacutecrates e o condutor o faz lembrar da discussatildeo
anterior sobre o que tem limite ( πΫλαμΝ ξκθ) e o ilimitado ( π δλκθ) chamados
tamἴὧmΝagὁὄaΝἶἷΝgecircὀἷὄὁὅΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmνΝὂὁὄὧmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝmaiὅΝἷlἷΝἶiὐμΝldquo(έέέ)ΝἷuΝ
tἷὀtaὄἷiΝmὁὅtὄaὄΝὃuἷΝἶἷΝalgumΝmὁἶὁΝὁΝ ilimitaἶὁΝὧΝmήltiὂlὁrdquoΝ ( δΝ λσπκθΝ δθ π δλκθΝ
πσζζ᾽ έ π δλΪ κηαδΝφλΪα δθ) (24a1-4)
A discussatildeo iraacute tratar primeiramente do π δλκθ Nesse gecircnero satildeo colocados tudo
aquilo que natildeo pode receber a marca do limite como o caso do mais quente e do mais frio
Neste uacuteltimo caso natildeo poderiacuteamos conceber algum limite ( λαΝπΫλαμ) ao mais quente e ao
mais frio porque ambos possuem em si o mais e o menos ( η ζζσθΝ Νεα κθ) temos
assim tanto mais quente e menos quente como mais frio e menos frio Esse gecircnero ( κῖμΝ
ΰΫθ δθ) de coisa enquanto presente em ambos nos impediria de chegar a qualquer fim (η
ΫζκμΝ ξ δθ) pois caso chegassem um eliminaria o outro (24b7-8) Por isso bastaria analisar
esse discurso para que se possa notar que esse par nunca tem fim e que sem duacutevida neste
caso lidamos com ilimitados ( π έλπ) (24b8)
O uso do adveacuterbio φσ λα em 24b9 eacute a oportunidade vista por Soacutecrates para explicar
ainda mais a natureza do ilimitado por um jogo de palavras que brinca ora com o sentido
denotado pelo adveacuterbio extremamente ora com o sentido conotativo deste termo presente
ἷmΝἁλἶΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅΝἶaΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁέΝἏἶvὧὄἴiὁὅΝἵὁmὁΝldquoἷxtremamἷὀtἷrdquoΝ
ἷΝldquolἷvἷmἷὀtἷrdquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝὁὀἶἷΝὃuἷὄΝὃuἷΝἷὅtἷjaΝὁΝὂaὄΝlimitἷ-ilimitado no mais intenso e no
169 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
mais suave o demasiado o mais eco e o mais uacutemido o muito e o pouco o maior e o menor
tὁἶὁὅΝὂὁὅὅuἷmΝἷὅὅaΝldquoὂὁtecircὀἵiardquoΝ( τθαηδθ) do mais e do menos
O ilimitado impede que as coisas possuam uma quantidade determinada (κ εΝ κθΝ
θαδΝπκ θΝ εα κθ) e ao introduzir o mais e o menos em todas as coisas faz desaparecer
essa quantidade determinada ( πκ θΝ φαθέα κθ) Poreacutem caso o ilimitado surja com a
medida ( ηΫ λδκθ) e natildeo faccedila desaparecer a quantidade determinada eles proacuteprios ou
mἷlhὁὄΝἷὅὅaὅΝἵὁiὅaὅΝldquoἷὅἵὁaὄiamrdquoΝὂὁὄΝὅiΝὂὄὰὂὄiaὅέΝἏΝὃuaὀtiἶaἶἷΝἶἷtἷrminada eacute a uacutenica capaz
ἶἷΝ ἵὁὀtἷὄΝ ἷὅὅἷΝ ldquoavaὀὦaὄrdquoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁrdquoΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ aΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ
permanece estaacutevel (24c1-d7) Soacutecrates deseja o assentimento de Protarco ndash sendo o proacuteprio
interlocutor de Soacutecrates a propor essa consonacircncia ( υηφπθκ θ αμ) necessaacuteria sobre essas
questotildees ndash para que se possa colocar no gecircnero do ilimitado todas essas coisas dito de outro
mὁἶὁΝldquo(έέέ)ΝaἵἷitaὄΝἷὅὅἷΝὅiὀalΝ( βη ῖκθ) da natureza do ilimitado ( π δλκθ)rdquoΝ(ἀἂἷ1-5) Todas
essas coisas de acordo com o discurso anterior devem ser colocadas nesse gecircnero ( κ
π έλκυΝΰΫθκμ) nos diz Soacutecrates pois fora dito que era necessaacuterio reunir ( υθαΰαΰσθ αμ)
essas coisas separadas repartidas ( δΫ πα αδ) cindidas ( δΫ ξδ αδ) em pedaccedilos impondo-
lhes (tanto quanto possiacutevel) esse sinal de uma natureza uacutenica (εα τθαηδθΝ ηέαθΝ
πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθ) (24e7-25a4)
Eacute preciso especificar do que se trata aqui quando se diz que o π δλκθ κ ilimitado eacute
um gecircnero Pode se dizer que o indeterminado qualquer indeterminado que seja conteacutem
assim vaacuterias espeacutecies das quais cada uma eacute determinada Uma enumeraccedilatildeo natildeo-exaustiva
ὅἷὄiaΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝὂὄὁἶuὐiὄΝἷὅὅἷΝ ldquoὅiὀalrdquoΝἶἷΝὃuἷΝ falaΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷΝumaΝὀatuὄἷὐaΝήὀiἵaΝὀὁΝ
indeterminado Ao dizer que o ilimitado pode por meio desse caraacuteter distintivo determinar
sob um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies de qualidades todas aquelas que passam pelo
mais e pelo menos natildeo exclui o fato de que ele tambeacutem pode determinar quantitativamente
em um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies como jaacute fora visto a voz o prazer e a dor (Cf
27e) Ἄπ δλκθ eacute tudo aquilo que carece de limite tudo aquilo que se encontra desmedido
seja em excesso seja em falta ou como bem sugere Dixsaut (2001 p 312) eacute tudo aquilo
ldquo(έέέ)ΝὃuἷΝὧΝὂὁὄΝaὅὅimΝἶiὐἷὄΝaΝtὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝἷmΝatὁrdquoέ
O apeiron natildeo eacute uma mateacuteria que o limite viria a informar eacute um devir que o limite viria a estabilizar uma perpeacutetua desigualdade em-ὅiΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ lsquoaὁΝὃualΝὀatildeὁΝὂὁἶἷmὁὅΝatὄiἴuiὄΝὀἷmΝἵὁmἷὦὁΝὀἷmΝmἷiὁΝὀἷmΝfimrsquoΝ [Phlb 31a-10 Prm 137d] Natildeo eacute mais considerado como uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas termo para o qual tenderia uma multiplicidade quantitativa ele eacute constituiacutedo de um determinado tipo de realidades enquanto que o devir incessante exclui qualquer fixaccedilatildeo afasta qualquer determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 312-313)
Aqui podemos notar claramente o duplo movimento do processo dialeacutetico aquele que
vai do um ao muacuteltiplo e do muacuteltiplo ao um ao se deparar com aquilo que eacute um devir constante
170 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
uma perpeacutetua ΰΫθ δμ A saiacuteda eacute a mesma devemos reunir ( υθαΰαΰσθ αμ) esses devires
essas diferentes espeacutecies e imprimir nelas o sinal de uma natureza uacutenica determinada Como
nos adverte Dixsaut (2001 p 313) sem adentrar agraves infindaacuteveis discussotildees da auto
predicaccedilatildeo das Formas Platatildeo jamais teria dito que a ideia de Neve seria fria nem a ideia de
Maldade maacute nem a ideia de quadrado quadrada o que por conseguinte natildeo implica
necessariamente que a forma do indeterminado seja ela tambeacutem indeterminada Muito pelo
contraacuterio Soacutecrates insiste em sua determinaccedilatildeo Assim ela nos esclarece
O α privativo significa que o termo que ele prefixa natildeo pode e nem sequer deseja receber seu contraacuterio Ele natildeo conota uma simples negaccedilatildeo loacutegica mas uma recusa do termo contraacuterio uma exclusatildeo dinacircmica O termo apeiron recupera essa semacircntica ele natildeo eacute a simples ausecircncia de qualquer determinaccedilatildeo (entatildeo impensaacutevel) ele a recusa a transgressatildeo perpeacutetua de qualquer determinaccedilatildeo transgressatildeo que natildeo se realiza de qualquer modo mas sempre da mesma maneira por excesso e por falta (DIXSAUT 2001 p 313)
Parece ser necessaacuterio se atentar ao estatuto que o π δλκθ adquire a partir de entatildeo
No caso da passagem do meacutetodo divino lidaacutevamos com uma multiplicidade indeterminada e
que passa a uma espeacutecie de multiplicidade determinada ndash mas ela ainda natildeo eacute uma espeacutecie
de gecircnero indeterminado No caso do π δλκθ estamos lidamos com umaΝ ldquo()
iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὁὀtὁlὁgiἵamἷὀtἷΝ iὀiἵialΝἷΝὀatildeὁΝmaiὅΝἶialἷtiἵamἷὀtἷΝ tἷὄmiὀalΝ (έέέ)rdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ
2001 p 315) Esse π δπκθ (gecircnero do indeterminado) natildeo deve nada a dialeacutetica ele nem
ὅἷὃuἷὄΝὧΝumaΝldquoἵὁiὅardquoΝmaὅΝumΝtiὂὁΝἶἷΝἶἷviὄΝὃuἷΝὅὁfὄἷΝaἵὄὧὅἵimὁΝἷΝἶimiὀuiὦatildeὁέΝEacuteΝaΝὀatuὄἷὐaΝ
propriamente desse devir que devemos comeccedilar a caracterizar que somos forccedilados a
desigὀaὄέΝ ἑaὅὁΝaΝ iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝ ὅἷjaΝ iὀiἵialΝ ἷlaΝ ἷxigiὄὠΝ aΝ ldquoὂὄimἷiὄaΝ maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ἷΝ ὀatildeὁΝaΝ
ὅἷguὀἶaέΝἏΝὅἷguὀἶaΝiὄὠΝldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝἷmΝumΝgecircὀἷὄὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝἶaΝ
estrutura essa unidade indeterminada iraacute reuni-la em um gecircnero o gecircnero do ilimitado A
ὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁΝὂaὄtἷΝἶἷΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝiὀfiὀἶaΝἷΝldquoaἴaὀἶὁὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ
dialeacutetico aquelas que natildeo lhe interessam Jaacute o procedimento dialeacutetico que consiste em reunir
o π δλκθ ἷmΝumΝὅὰΝgecircὀἷὄὁΝliἶaΝἵὁmΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquoἵὁiὅaὅrdquoΝὃuἷΝὅatildeὁΝnaturalmente ilimitadas
ontologicamente as quais devemos reunir em um gecircnero Como observa Dixsaut
A ilimitaccedilatildeo eacute proacutepria de determinadas gecircneses de determinados processos Jaacute natildeo se trata mais de uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas (todas aquelas que durante umaΝἶiviὅatildeὁΝὂὁvὁamΝὡΝ ldquoἷὅὃuἷὄἶardquoΝὂὁὄὃuἷΝaὅΝdeixamos sem as dividir e todas aquelas residentes nessas uacuteltimas espeacutecies ὁἴtiἶaὅΝὂἷlaΝἶiviὅatildeὁΝaὅΝὃuaiὅΝὀὰὅΝldquoἶiὐἷmὁὅΝaἶἷuὅrdquoΝmaὅΝἶἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἶἷΝ tὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝ ὂἷὄὂὧtuaΝ ἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ limitἷΝ ὂὁὄΝ ἷxἵἷὅὅὁΝ ὁuΝ ὂὁὄΝ faltaΝ (ldquoὁΝilimitado o mais e o menos faria desaparecer a quantidade definida 24c) (2001 p 315-316)
171 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Podemos resumir em um quadro como bem observa Dixsaut (2001 p 315) as duas
situaccedilotildees contraacuterias as quais o dialeacutetico enfrenta quando se depara com π δλκθ
1ordf Situaccedilatildeo
(Primeira Maquinaccedilatildeo)
2ordf Situaccedilatildeo
(Segunda Maquinaccedilatildeo)
- o dialeacutetico parte de unidade
indeterminada
- ele a divide em uma multiplicidade
determinada
- da qual ele deixa escapar uma
multiplicidade quantitativamente
indeterminada
- O dialeacutetico parte de uma entidade
abrangente do gecircnero indeterminado
- e a impotildee uma estrutura e a constitui em
uma multiplicidade determinada
- que ele pode entatildeo unificar em uma unidade
determinada
Quadro 01- As duas maquinaccedilotildees relativas ao ἄπειρον (adaptado)
(DIXSAUT 2015 p 315)
No lado oposto a isso dito anteriormente temos o gecircnero do limite (πΫλαμ) no qual
devemos colocar o igual e a igualdade ( κθΝεα σ β α)ΝὁΝἶuὂlὁΝ( δπζΪ δκθ)ΝἷΝldquo(έέέ)ΝtuἶὁΝὃuἷΝ
ὧΝὄἷlaὦatildeὁΝἶἷΝὀήmἷὄὁΝaΝὀήmἷὄὁΝὁuΝἶἷΝmἷἶiἶaΝaΝmἷἶiἶaΝ(έέέ)rdquoΝ(ldquoεα π θΝ δπ λΝ θΝπλ μΝ λδγη θΝ
λδγη μΝ ηΫ λκθΝᾖ πλ μΝ ηΫ λκθrdquo)Ν (ἀἃaἅ-b2) Sobre o terceiro gecircnero se diz que ele eacute a
miὅtuὄaΝ( η δε θ)ΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄimἷiὄὁὅ233 (25b5-6) Soacutecrates reconhece a passagem breve
que a discussatildeo faz ao tratar do limite e a ausecircncia de maiores especificaccedilotildees sobre o gecircnero
do limite ele apenas diz logo depois em 25d6-ἅΝὃuἷΝaΝldquofamiacuteliardquoΝἶὁΝlimitἷΝtamἴὧmΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ
reunida assim como fizeram com o ilimitado tornando-o uma unidade Novamente se afirma
que a introduccedilatildeo do nuacutemero ( λδγη θ)ΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅatildeὁΝἶuὂlaὅΝ iguaiὅΝ( θΝ κ κυΝεα
δπζα έκυ)ΝὂὴἷmΝfimΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ( δαφσλπμ)ΝmutuamἷὀtἷΝὁὂὁὅtaὅΝ( ζζβζαΝ θαθ έαΝ
δαφσλπμΝ ξκθ α)Νtὁὄὀaὀἶὁ-aὅΝἵὁmἷὀὅuὄaἶaὅΝ( τηη λα)ΝἷΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝ( τηη λα)234 (25e1-
233 ἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷἵὁὄὄἷΝaὁΝldquoἶiviὀὁrdquoΝὀἷὅtἷΝὂaὅὅὁΝ(ἀἃἴ)Ν iὀἶiἵaὀἶὁΝὃuἷΝἷlἷΝ tὁὄὀaὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝcompreensatildeo de ambos os dialogantes acerca da natureza do misto que requer a introduccedilatildeo da ordem pelo nuacutemero ( λδγη θ) (25e2) A meu ver essa passagem mais uma vez indica proximidade mas natildeo semelhanccedila visto que agora a multiplicidade adquire o estatuto de gecircnero e o dialeacutetico deveraacute lidar com a indeterminaccedilatildeo em um sentido geneacuterico diferentemente da passagem inicial sobre o um e o mήltiὂlὁΝἷὅtaΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaὀtἷΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝhἷὄἶaἶὁΝἶὁὅΝaὀtigὁὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝdissemos eacute herdada dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo 234 Eacute necessaacuterio atentar que o limite difere da mistura natildeo podemos tomaacute-lo como sinocircnimo ao nuacutemero o nuacutemero possibilita a introduccedilatildeo do limite nas coisas iguais duplas mas ele natildeo deixa tambeacutem de ter muitos gecircneros como nos diraacute Soacutecrates em 26d diante da inquietaccedilatildeo e Protarco que natildeo entende
172 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἀ)έΝ ἓxἷmὂlὁὅΝ ἶἷὅtaὅΝ miὅtuὄaὅΝ ἶἷὅὅἷὅΝ iὀtἷὄἵuὄὅὁὅΝ ἶὁὅΝ ὃuaiὅΝ ὄἷὅultamΝ ἵἷὄtaὅΝ ldquogἷὄaὦὴἷὅrdquoΝ
(ΰ θΫ δμ) a sauacutede que eacute engendrada a partir da imposiccedilatildeo da medida a muacutesica produzida a
partir da justaposiccedilatildeo de grave agudo raacutepido e lento as estaccedilotildees do ano que regulam o
inverno rigoroso e o calor sufocante esse e os demais satildeo exemplos dessa combinaccedilatildeo
correta que estando presente remove o demasiado excessivo e o ilimitado produzindo o que
tem medida e o comensuraacutevel (25e3-26a8)
Soc Quando as coisas ilimitadas e aquelas que tecircm limite tecircm intercurso ( ξσθ πθΝ υηη δξγΫθ πθ) natildeo eacute delas que nascem as estaccedilotildees e todas as coisas que para noacutes satildeo belas ( αΝεαζ πΪθ αΝ ηῖθΝΰΫΰκθ ) Prot Como natildeo Soc Sem falar eacute claro em incontaacuteveis outras coisas tais como a beleza (εΪζζκμ) e o vigor ( ξτθ) que acompanham a sauacutede e nas almas tantas outras coisas perfeitamente belas (εα θΝ ουξαῖμΝ α πΪηπκζζαΝ λαΝ εα πΪΰεαζα) E essa deusa ( γ σμ) belo Filebo ( εαζ Φέζβί ) percebendo o excesso ( ίλδθ) e a superabundacircncia de maldade em todas as coisas (εα
τηπα αθΝπΪθ πθΝπκθβλέαθΝα βΝεα δ κ α) e percebendo que natildeo havia nelas limite nem dos prazeres nem das saciedades (πΫλαμΝ κ Ν κθ θΝκ θΝκ Νπζβ ηκθ θΝ θ θΝ θΝα κῖμ) colocou nelas lei (θσηκθ) e ordem ( Ϊιδθ) ndash aquilo que daacute limite (πΫλαμΝ ξκθ ᾽ γ κ) e enquanto tu dizes que ela os corrompe eu pelo contraacuterio digo que ela os salva (εα η θΝ
πκεθαῖ αδΝφ μ α άθΝ ΰ κ θαθ έκθΝ πκ αδΝζΫΰπ) E a ti Protarco como te parece (26b1-c2)
Estatildeo apresentados os trecircs gecircneros Protarco apenas compreende dois deles o limite
e o ilimitado permanecendo em duacutevida acerca do gecircnero misto (26c5-7) Soacutecrates por sua
vἷὐΝἷxὂliἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoiὀἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝὅἷΝἶἷvἷΝὡΝldquoὂluὄaliἶaἶἷrdquoΝἶἷὅὅaΝ tἷὄἵἷiὄaΝgἷὄaὦatildeo ou
seja o misto o proacuteprio ilimitado foi tomado como unidade mas natildeo apenas como uma
unidade mas como vaacuterias unidades vaacuterios gecircneros tornados um marcados pelo sinal do
mais e do menos mas foram transpostos esses vaacuterios gecircneros em vaacuterios um235 Como
tambeacutem aconteceu com o limite (26c8-d5) Esse terceiro gecircnero surge tambeacutem como uma
ldquogἷὄaὦatildeὁΝ ἷmΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ aὁΝ ὅἷὄΝ (ΰΫθ δθ μ κ έαθ)236rdquoΝ ὂὄὁἶuὐiἶὁΝ aΝ ὂaὄtiὄΝ ἶaΝ imὂὁὅiὦatildeὁΝ ἶaὅΝ
medidas que acompanham o limite ele eacute tambeacutem uma unidade (26d7-9)
ἴἷmΝἷmΝὃuἷΝmἷἶiἶaΝὁΝ limitἷΝὅἷΝἶifἷὄἷὀἵiaΝἶὁΝ tἷὄἵἷiὄὁΝgecircὀἷὄὁΝ(ὁΝἶaΝmiὅtuὄa)ΝἷlἷΝἶiὄὠμΝ ldquomaὅΝὁΝ limitἷΝtambeacutem tinha muitos gecircneros e nem por isso ficamos descontentes por ele natildeo ser um ὂὁὄΝὀatuὄἷὐardquoΝ(ldquoεα η θΝ σΝΰ ΝπΫλαμΝκ Νπκζζ ξ θΝκ ᾽ υ εκζαέθκη θΝ μΝκ εΝ θΝ θΝφτ δrdquo)Ν(ἀἄἶἂ-5) Tambeacutem em 25e1-ἀΝἥὰἵὄatἷὅΝutiliὐaΝldquoὃuaὀtaὅrdquoΝ( πσ β)ΝὀὁΝὂluὄalΝaὁΝfalaὄΝὅὁἴὄἷΝὁΝlimitἷμΝldquoὡΝἶὁΝigualΝἷΝἶὁΝἶuὂlὁΝe quantas sejam aquelas que ao introduzir o nuacutemero potildeem fim agraves ἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ(έέέ)rdquoέ 235 Dixsaut (2001) diz que jaacute na primeira parte ao π δλκθ eacute conferido dois sentidos seja aquele que caracteriza quantitativamente uma multiplicidade ( π δλκθ πζ γκμ πζβγ δ) seja aquele que constitui um gecircnero Toda a realidade enquanto um devir sofre acreacutescimo e diminuiccedilatildeo passa necessariamente pelo mais e pelo menos Primeiramente afirma a teoacuterica o π δλκθ estrutura dialeticamente eacute esse o seu sentido num primeiro momento mas jaacute nesse momento da divisatildeo quaacutedrupla ele passa a ser gecircnero e adquire como tal um status ontoloacutegico (DIXSAUT 2001 p 314) 236 Pradeau (2002) antecipa 54a-c ao tratar do sentido de ΰΫθ δθ μ κ δαθ que aparece primeiramente ἷmΝἁίἶἆίμΝldquo(έέέ)ΝaΝὄἷaliἶaἶἷΝἶἷΝumaΝἵὁiὅaΝaὃuiΝἶἷὅigὀaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaΝde forma axioloacutegica eacute em funccedilatildeo
173 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Resta ainda o quarto gecircnero a ser examinado Torna-se necessaacuterio uma causa ( δέ
δθα α έαθ) para que todas as coisas que venham a ser venham a ser por meio desta causa
(26e1-4) Falar de causa eacute falar de um produtor (πκδκ θ κμ) que significa contudo falar de
uma mesma coisa (26e7-8) O que estaacute subordinado agrave causa eacute aquilo que eacute produzido
(πκδκτη θκθ) aquilo que vem a ser em virtude dessa mesma causa ou desse mesmo
produtor Esses sim causa e devir ὅatildeὁΝ ἶifἷὄἷὀtἷὅέΝ ἜὁgὁΝ ὅἷὄὠΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoaὄtἷὅatildeὁrdquo
( βηδκυλΰκ θ) de todas as coisas ( πΪθ α) aΝἵauὅaμΝldquo(έέέ)ΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὁΝὃuaὄtὁΝ[gecircὀἷὄὁ]Ν
ὧΝaΝἵauὅaΝἶaΝmiὅtuὄaΝἷΝἶaΝgἷὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝtὁἵaὄΝumaΝὀὁtaΝἶiὅὅὁὀaὀtἷςrdquoΝ(ἀἅἴἅ-c1) Eacute o que diz
Soacutecrates e Protarco assente dizendo que natildeo faz todo sentido nomear o artesatildeo como a
causa
Logo apoacutes concluir a apresentaccedilatildeo dos quatro gecircneros o proacuteximo ponto seraacute a
retomada da discussatildeo do segundo precircmio no ranking geral dos candidatos ao posto de bem
Soacutecrates reafirma como vitoriosa nessa colocaccedilatildeo em primeiro lugar a vida mista de prazer
e pensamento (θδε θ αΝη θΝ γ ηΫθΝπκυΝ θΝη δε θΝίέκθΝ κθ μΝ Νεα φλκθά πμ) (27d1-2)
Fica mais claro deste modo a que tipo de gecircnero essa vida pertence Nos diz Soacutecrates (27d7-
10) que ela natildeo eacute apenas a mistura de duas coisas mas eacute a mistura de todas as coisas
ilimitadas encadeadas pelo limite (κ ΰ λΝ υκῖθΝ δθκῖθΝ δΝηδε μΝ ε ῖθκμΝ ζζ υηπΪθ πθΝ
θΝ π έλπθΝ π κ πΫλα κμ) Soacutecrates interroga Filebo sobre qual gecircnero de vida
pertenceria a vida de prazer sem mistura mas ele sequer abre caminho para a resposta O
fato eacute que essa vida unicamente de prazer jaacute fora demonstrada como impossiacutevel e ateacute
inelegiacutevel por uma vida que se diga humana (27e1-4)
Eacute por isso que Soacutecrates iraacute dizer que o prazer e a dor ( κθ εα ζτπβ) fazem parte
dessas coisas ὃuἷΝὄἷἵἷἴἷmΝldquoὁΝmaiὅΝἷΝὁΝmἷὀὁὅrdquoΝ( θΝ η ζζσθΝ Νεα κθΝ ξκηΫθπθ) e
elas natildeo tecircm um limite Filebo volta a se manifestar no diaacutelogo para novamente afirmar que o
disso que ela deve ser (conforme sua natureza) que a coisa eacute dissolvida ou reconstituiacuteda e experimenta ἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝumaΝἶὁὄΝὁuΝumΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀἄίΝὀέΝ11ἃ)έΝἓὅὅἷΝtἷὄmὁΝὧΝumΝἶὁὅΝtἷὄmὁὅΝmaiὅΝldquoὂὄὁἴlἷmὠtiἵὁὅrdquoΝdo Filebo e usado pelὁὅΝὄἷviὅiὁὀiὅtaὅΝὂaὄaΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝὃuἷΝhὠΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝὀὁΝFilebo e que ela substitui o papel das Formas na filosofia platocircnica Carone (2008) explica essa dificuldade e apresenta alguns argumentos que contestam a visatildeo revisionista (i) κυ α e θαδ natildeo se prestam unicamente no corpus para se referirem agraves Formas podem designar algo mais simploacuterio como realidade existecircncia aplicaacutevel a qualquer tipo de ser (ii) haacute uma distinccedilatildeo clara no Filebo entre o mero vir-a-ser (ΰδΰθση θα 24e7-8) relacionado ao π δλκθ que progride sempre nunca repousando sem ὀἷὀhumaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἷΝaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝἶἷΝἵὁmἴiὀaὦὴἷὅΝgἷὀuiacuteὀaὅΝἷΝἷὅὅaΝresulta quando eacute transmitida ao π δλκθ uma orientaccedilatildeo teleoloacutegica atraveacutes do limite (πΫλαμ) (iii) Em 53c-ἃἂἶΝtἷmὁὅΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝatἷὅtaΝumaΝldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝmaiὅΝamὂlaΝἶἷΝὅἷὄrdquoΝὁΝἵὁὀtὄaὅtἷΝatὧΝἷὀtatildeὁΝἷὅtὄitὁΝἷὀtὄἷΝgecircὀἷὅἷΝἷΝὅἷὄΝiὀἵluiΝumaΝὀὁὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἷΝὄἷὅultaἶὁΝldquoΝ(έέέ)ΝὀaΝὃualΝἷὅtἷΝήltimὁΝpode ser visto como uma combinaccedilatildeo que representa a meta ἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁrdquoΝ(ἑἏἤἡἠἓΝἀίίἆΝὂέΝ1ἂἅ)Ν(iv) Ser eacute tratado em 53c-54d como uma noccedilatildeo axioloacutegica isto eacute como algo que pertence agrave categoria do bem aquilo por cujo motivo acontece a geraccedilatildeo logo o universo sensiacutevel possui ser natildeo soacute porque eacute estaacutevel em algum sentido (estrutura matemaacutetica que forma a base da aparecircncia) e por isso inteligiacutevel mas tambeacutem na medida em que essa ordem e essa estrutura constituem um fundamento de sua excelecircncia (CARONE 2008 p144-149) Ver sobre isso o importante artigo de Igleacutesias do qual destaco as concepccedilotildees fundamentais sobre o termo problemaacutetico supracitado (2007 p 108-112) sobre aΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝaΝὁὀtὁlὁgiaΝἷΝldquomἷtὄὧtiἵardquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὃuἷΝὅἷguἷΝὀἷὅὅaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁέ
174 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
prazer natildeo seria totalmente bom (π θ ΰαγ θ) caso natildeo fosse naturalmente ilimitado
( π δλκθ π φυε μ) tanto em quantidade quanto em intensidade (πζ γ δ εα η ζζκθ) (27e6-
8) Sendo assim Soacutecrates nega essa identificaccedilatildeo total do bem com o prazer assim como da
dor com o mau (28a1-3) Eacute preciso entatildeo considerar que o ilimitado dos prazeres pode
ὄἷἵἷἴἷὄΝumΝlimitἷΝὃuaὀἶὁΝiὀἵluiacuteἶὁΝὀaΝviἶaΝmiὅtaΝὂὁἶἷὀἶὁΝἷὀtatildeὁΝὄἷἵἷἴἷὄΝumaΝldquoὂaὄtἷΝἶὁΝἴἷmrdquoΝ
( ηΫλκμ ΰαγκ 28a3) A imposiccedilatildeo do limite que eacute gerado pela constituiccedilatildeo da vida mista
torna possiacutevel que o prazer tome parte no bem
Fica mais claro o projeto de Soacutecrates para romper com tal identificaccedilatildeo (bemprazer)
quando se nota sua vigorosa insistecircncia em atribuir agrave inteligecircncia (θκ θ) ao pensamento
(φλσθβ δμ) e ao conhecimento ( πδ άηβθ) o segundo precircmio colocando-os no gecircnero da
ἵauὅaΝ(ἀἆa)έΝἥὰἵὄatἷὅΝἷvὁἵaΝaὅΝὁὂiὀiὴἷὅΝἶὁὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἶὁΝὂaὅὅaἶὁrdquoΝ(εαγΪπ λ κ πλσ γ θ η θ
ζ ΰκυ)ΝἶἷΝὃuἷΝldquoaΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἵἷὄtὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁ ὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷrdquoΝ (θκ θ εα φλσθβ δθ δθα
γαυηα θ) coordena e dirige ( υθ Ϊ κυ αθΝ δαευί λθ θ) o conjunto de todas as coisas do
universo ( τηπαθ αΝεα σ Ν εαζκτη θκθΝ ζκθ) (28c6-28d9) Ela natildeo apenas ordena a
iὀtἷligecircὀἵiaΝ ldquoὁὄἶἷὀaΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅrdquoΝ ( θκ θΝ πΪθ αΝ δαεκ η ῖθ) nos diraacute
Protarco (28e1-6) Podemos contemplar tal ordem nos astros das oacuterbitas celestes (28e4-6)
na ordem dos elementos mateacuterias que compotildeem os corpos dos animais (29a8-10) e na
proacutepria composiccedilatildeo do universo (29e1-ἁ)έΝἑἷὄtamἷὀtἷΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὧΝὃuἷΝldquoὁΝgecircὀἷὄὁΝἶaΝἵauὅaΝ
estaacute presente em tὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅrdquoΝ(ldquo μΝα έαμΝΰΫθκμ θΝ πα δΝ Ϋ αλ κθΝ θσθΝ κ κΝ θΝη θΝ
κῖμΝ παλ᾽ ηῖθrdquo)Ν (ἁίa1ί-ἴ1)έΝ ἡὄaΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ aΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἷΝ aΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝ jamaiὅΝ
ὂὁἶἷὄiamΝὅἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝὅἷmΝalmardquoΝ(ldquo κφέαΝη θΝεα θκ μΝ θ υΝουξ μΝκ εΝ θΝπκ Νΰ θκέ γβθrdquo)Ν
(30c9-10) noacutes temos alma e o universo tambeacutem tem uma alma A alma do universo ao que
tudo indica eacute a causa inteligente de sua ordem assim como a alma humana eacute causa
inteligente da ordem da vida boa (PAULA 2016 p 265) O argumento centrado no quarto
gecircnero e a consequente inclusatildeo da inteligecircncia nesse gecircnero se tornou um importante
ldquoaliaἶὁrdquoΝ ὂaὄaΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ ήltimaΝ ὂuἶἷὅὅἷΝ ὁἴtἷὄΝ ὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ὂὄecircmiὁΝ (ἁίἶἄ-e3) A inteligecircncia
demonstrou toda a sua potecircncia ( τθαηδθ) a partir da sua pertenccedila (evidenciada) no gecircnero
da causa (31a1-3)
Da mesma forma veio agrave luz o gecircnero do prazer (31a5) e Soacutecrates resume
Lembremos tambeacutem entatildeo sobre ambos o seguinte a inteligecircncia eacute aparentada agrave causa e pode ser dita do mesmo gecircnero ( δΝθκ μΝη θΝα έαμΝ θΝ
υΰΰ θ μΝεα κτ κυΝ ξ θΝ κ ΰΫθκυμ) mas o prazer eacute ele mesmo ilimitado ( κθ π δλσμΝ Να ) e do gecircnero que natildeo tem e natildeo teraacute jamais em si e por si mesmo nem comeccedilo nem meio e nem fim (εα κ ηά Ν λξ θΝηά ΝηΫ αΝηά Ν ΫζκμΝ θΝα φ᾽ αυ κ ξκθ κμΝηβ ικθ σμΝπκ ΝΰΫθκυμΝ(ἁ1aἅ-10)
175 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
Eacute imprescindiacutevel no contexto da exposiccedilatildeo dessa ontologia quaacutedrupla perceber o
duplo movimento realizado por Soacutecrates Tendo sido demonstrado que uma vida unicamente
de prazer seria um extremo proacuteximo agrave inferioridade animal e que uma vida unicamente de
conhecimento de permanecircncia de estabilidade de pensamento puro a mais divina possiacutevel
satildeo ambas impossiacuteveis e inelegiacuteveis no contexto da vida humana que soacute poderaacute ser uma vista
mista de prazer e conhecimento haacute um avanccedilo maior a partir da exposiccedilatildeo do argumento
cosmoloacutegico contido caracteriacutestico dessa ontologia quaacutedrupla A natureza dessa vida mista
humana possui como condiccedilatildeo necessaacuteria para a realizaccedilatildeo desse ηδε σθ (mistura) a
introduccedilatildeo do limite no ilimitado realizada pelo Demiurgo de tudo aquilo que eacute produto de
gἷὄaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝgἷὄaὦatildeὁΝὃuἷΝviὅaΝὁΝὅἷὄΝἷὅὅaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰΫθ δθ μ κ δαθ) Deste
modo tambeacutem a vida humana eacute uma vida mista possiacutevel em virtude dessa inteligecircncia (causa
universal) e natildeo de uma inteligecircncia particular humana Insisto sobre esse ponto uma vida
ὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἶiὐἷὄΝἷmΝ tἷὄmὁὅΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁὅΝ ldquoἴiὁlὁgiἵamἷὀtἷΝὅatiὅfatὰὄiardquoΝmaὅΝἷὅὅaΝ
justificaccedilatildeo natildeo pode ser compreendida de forma meramente fisioloacutegica sim em uma
concepccedilatildeo cosmoloacutegica universal num sentido grego lato
EacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶἷὅὅaΝldquomiὅtuὄardquoΝὃuἷΝaὃuiΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmΝὂὄἷἵἷἶἷΝ
o sentido eacutetico pois esse uacuteltimo sentido eacute sustentado eacute interdependente desse sentido
cosmoloacutegico Nesse uacuteltimo sentido toda vida humana eacute boa porque a causa inteligente assim
nos constitui mediante as potencialidades dessa nossa alma humana tal como o universo eacute
constituiacutedo por uma Alma que dispotildee todas coisas de uma forma bela (εαζ 26b1-3) A
distinccedilatildeo entre uma vida boa eacutetica e uma boa vida cosmoloacutegica nunca eacute feita soacute podemos
utilizaacute-laΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝldquoἶiἶὠtiἵardquoΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄmὁὅΝἷὅὅaΝtὄaὀὅiὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἶἷΝumΝὅἷὀtiἶὁΝ
ao outro o que natildeo diz respeito a uma atitude peculiar de Platatildeo que evoca o proacuteprio sentido
ἶἷΝumaΝviἶaΝἴὁaΝldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝfaὐΝtaὀtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὅἷὂaὄὠ-los na visatildeo greco-platocircnica
Esse termo soa contemporacircneo mas como visto o proacuteprio Filebo se refere a tal concepccedilatildeo
eacute um atestado dessa compreensatildeo (Cf 28d5-9) Explica Carone (2008) que
() naturalmente temos o exemplo da vida boa como uma vida de combinaccedilatildeo de prazer e ordem () Mas todos esses exemplos e muitos outros (tais como beleza forccedila fiacutesica etc ()) representam casos particulares dentro de uma estrutura mais geral do universo (ouranos to pan cf 30a9-c7) do qual se diz que os constituintes satildeo maravilhosamente belos () e que tambeacutem e primariamente existe em virtude de uma combinaccedilatildeo de apeiron e peiras Na verdade se diz ser o corpo do mundo dotado de alma (empsuchon 30a6) e todas as coisas dotadas de alma (cf to epsuchon eidos) lemos em 32a9-b1 surgem como um resultado de apeiron e peras Assim parece que apeiron e peras estatildeo apropriadamente combinados natildeo soacute em coisas individuais mas tambeacutem no cosmos como um todo E porque peras eacute causa formal de excelecircncia numa combinaccedilatildeo podemos perceber como o universo possui excelecircncia de origem interior de um modo que
176 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ἵὁmἷὦaΝ aΝ ἷxὂliἵaὄΝ aΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ldquoἷlἷvaἶardquoΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὂresente no diaacutelogo (p 143 grifos da autora)
O texto do Filebo nos permite dizer que uma certa e bela ordem nos eacute dada por meio
da inteligecircncia universal que dirige e coordena todas as coisas do cosmo mas um resiacuteduo
dessa ordenaccedilatildeo que compete ao homem realizaacute-la Essa combinaccedilatildeo (vida mista) eacute uma
combinaccedilatildeo que deve ser excelente tornar-se na medida do possiacutevel excelente por meio da
inteligecircncia particular dos indiviacuteduos
Natildeo se pode a meu ver confundir a atividade demiuacutergica como algo isolado
transcendente Esse θκ μ deve ser entendido naquilo que ele eacute causa eficiente e ele eacute
imanente tanto no universo quanto na composiccedilatildeo da vista mista humana A funccedilatildeo dessa
ldquoiὀtἷligecircὀἵiardquoΝ ὧΝ ἵὁmὂὁὄΝ ἴὁaὅΝ miὅtuὄaὅΝ uὀivἷὄὅaiὅ ou particulares por isso no Filebo
diferentemente do Timeu (28c3 29a3) se utiliza o termo βηδκυλΰκ αφλκθ (27b1 26e6-8
ἀἅaἃ)Ν ὀὁΝ ὀἷutὄὁΝ ὀὁΝ lugaὄΝ ἶἷΝ ldquoἵὄiaἶὁὄrdquoΝ ( ηδκυλΰσμ) no singular masculino assim como
tambeacutem no Filebo essas combinaccedilotildees satildeo combinaccedilotildees particulares realizadas em um todo
sem alusatildeo clara agrave geraccedilatildeo do cosmos em sua totalidade Assim por mais que o limite (πΫλαμ)
informe essa combinaccedilatildeo ou melhor seja a causa formal da mistura a explicaccedilatildeo eficiente
dessa estrutura cosmoloacutegica misturada proveacutem da inteligecircncia desse θκ μ Como nos diz
ἑaὄὁὀἷΝ(ἀίίἆ)ΝldquoὅἷΝὧΝaὅὅimΝtἷmὁὅΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὅuὅὂἷitaὄΝἶἷΝalgumΝtiὂὁΝἶἷΝiὀtἷὄἶἷὂἷὀἶecircὀἵiaΝ
mἷὀtἷήἵὁὄὂὁΝmἷὅmὁΝὀumΝὀiacutevἷlΝἵὰὅmiἵὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝ1ἃί)έ
No contexto da discussatildeo sobre uma vida boa e consequentemente uma vida feliz o
aspecto cosmoloacutegico eacute levado em conta por Soacutecrates ao estabelecer um paralelismo entre
inteligecircncia humana e coacutesmica entre micro e macro-cosmo Penso que aqui o propoacutesito natildeo
seja demarcar estritamente uma assimetria ou mesmo oposiccedilatildeo entre um e outro mas a
anaacutelise do argumento cosmoloacutegico deve ser cuidadosa porque dada oposiccedilatildeo natildeo nos traria
resultados proveitosos em se tratando de uma compreensatildeo acertada sobre a passagem237
Devemos antes de tudo compreender esse paralelismo feito por Soacutecrates no contexto
da discussatildeo maior acerca da vida boa Ora o condutor da discussatildeo talvez esteja afirmando
que o universo possui uma mente coacutesmica que opera essas misturas de uma forma excelente
que governa dirige e preserva a boa ordem de todas coisas que mistura belamente Dito isso
o paralelismo passa a ser estabelecido entre esse θκ μ coacutesmico e os organismos individuais
237 Sobre isso eacute possiacutevel ver a anaacutelise detalhada e a recomposiccedilatildeo do argumento por Carone (2008 p 152) que aborda com clareza que a interpretaccedilatildeo incorreta do paralelismo natildeo alcanccedila resultados satisfatoacuterios principalmente quando esse paralelismo eacute interpretado sob o ponto de vista da distinccedilatildeoseparaccedilatildeo da causa do mundo seja pela equivocada compreensatildeo rasa da relaccedilatildeo sensiacutevel-inteligiacutevel ou melhor entre teoloacutegico e fisioloacutegico A teoacuterica diz com toda clareza que o argumento desenvolvido na passagem eacute fiacutesico-teoloacutegico e natildeo somente teoloacutegico (no inteligiacutevel) ou somente fiacutesico (no plano sensiacutevel) ele eacute fiacutesico-teoloacutegico e ambos os planos de realidade (CARONE 2008 p 150-151)
177 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
(28c-29d) Ora se reconhecemos em noacutes a existecircncia de um corpo e esse corpo proveacutem do
corpo do universo tambeacutem em relaccedilatildeo a alma podemos pressupor o mesmo isto eacute que ela
proveacutem de uma alma universal e superior Eacute porque reside nessa alma (a coacutesmica) que essa
inteligecircncia (θκ μ) governa sempre o universo Logo natildeo se trata aqui de uma distinccedilatildeo niacutetida
entre sensiacutevelinteligiacutevel corpoalma caso defendecircssemos isso ou seja que a natureza da
causa o intelecto demiuacutergico estivesse aleacutem dessa interdependecircncia mente-corpo de tal
mὁἶὁΝὃuἷΝἷὅὅἷΝldquoZἷuὅΝὄὧgiὁrdquoΝ( δ μ ία δζδε θ 28d1-4) como eacute chamada a causa essa uacuteltima
estivesse aleacutem da alma perderiacuteamos a grandeza do paralelismo aqui estabelecido Sabedoria
e inteligecircncia nos diz Soacutecrates natildeo existem sem alma (Cf 30c-910) A alma do mundo assim
como a alma humana satildeo ambas princiacutepios de organizaccedilatildeo238 de sustentaccedilatildeo a causa
existe em todas as coisas o que sugere ainda mais inerecircncia da causa do que sua separaccedilatildeo
ontoloacutegica
Essa alma do mundo eacute singular mas sua tarefa ordenadora dirige-se agraves entidades
particulares das quais reconhecemos a natureza das coisas mais e belas e mais nobres em
porccedilotildees maiores no universo como nos astros celestiais Reconhecemos que essa beleza e
essa nobreza eacute fruto desse ordenamento dessa sustentaccedilatildeo que a inteligecircncia realiza nas
almas desses seres ou seja dessa geraccedilatildeo inteligiacutevel em direccedilatildeo ao ser Esse θκ μ que
realiza a combinaccedilatildeo no universo tem de ser a inteligecircncia na alma do mundo o θκ μ coacutesmico
Da mesma maneira ocorre em noacutes essa tarefa criadora e ordenadora excelentemente
realizada pela demiurgia que compotildee essa nossa natureza humana mista de prazer e
inteligecircncia na qual tambeacutem podemos reconhecer esse belo ordenamento (sauacutede
constituiccedilatildeo corpoacuterea adequada vigor fiacutesico etc) em menores porccedilotildees e que por vezes se
desfaz e novamente se restabelece ou seja esse θκ μ que possibilita que tenhamos uma
vida mista de acordo com essa proacutepria condiccedilatildeo (humana)
Contudo no caso dos seres humanos nem sempre alma e θκ μ coincidem pois nossa
alma possui outras capacidades psiacutequicas e fisioloacutegicas proacuteprias agrave nossa condiccedilatildeo natural
No caso do cosmos tambeacutem resultante dessa mistura de limite e ilimitado a identidade entre
θκ μ e alma eacute possiacutevel porque no inteligiacutevel esse ordenamento natural se conserva de forma
excelente diferentemente do caso humano A inteligecircncia coacutesmica natildeo permite que o caos se
instaure que o universo seja caoacutetico e desordenado Por isso Soacutecrates chamaraacute essa
inteligecircὀἵiaΝ ὃuἷΝ ὄἷὅiἶἷΝ ὀaΝ almaΝ humaὀaΝ ἶἷΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἵὁmὂlἷtaΝ ἷΝ vaὄiaἶardquoΝ (εα παθ κέαθΝ
κφέαθΝ πδεαζ ῖ γαδ 30b4) tendo em vista que ela nos possibilita muitos ganhos como a
238 ἑaὄὁὀἷΝ ἶiὐΝ ὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὃuἷμΝ ldquo(έέέ)Ν ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ vὁἵaἴulὠὄiὁΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὅἷὄiaΝempregado por algueacutem que considera o corpo um mero acessoacuterio da alma como alguns entendem que sugerem os diaacutelogos intermediaacuterios de Platatildeo Em lugar disso a analogia macromicro cosmo pareceria ressaltar a presenccedila da alma no universo primordialmente como um princiacutepio de sua organizaccedilatildeo semelhante agrave alma em noacutes (agrave qual se diz que pertence a funccedilatildeo de ser um archecirc em Fil ἁἃἶ)rdquoΝ(ἀίίἆΝp 152)
178 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
sauacutede que se restaura pela medicina e pela ginaacutestica quando o corpo falha Mas no universo
em que a inteligecircncia coacutesmica tambeacutem produz constantemente essas misturas ela sempre
as faz de uma maneira legiacutetima com regularidade e sempre de forma excelente
Logo essa suposta inferioridade natildeo parece ser aqui justificada em vista dessa
distinccedilatildeo entre planos (sensiacutevelinteligiacutevel) porque no universo tambeacutem haacute corpos e corpos
com almas permitem serem ordenados belamente nem que a demiurgia seja algo
(transcendente) que esteja aleacutem da imanecircncia do mundo mas ela eacute causa eficiente que pela
introduccedilatildeo limite torna excelente qualquer mistura239 por isso a alternacircncia socraacutetica ao dizer
que a alma eacute coacutesmica e que a causa eacute θκ μ Jaacute no caso da vida humana mista somos
convocados a sempre voltarmos agrave essa constituiccedilatildeo originaacuteria a qual fomos destinados a vida
eacutetica boa eacute essa vida que realiza essa harmonizaccedilatildeo entre a finalidade coacutesmica estabelecida
pela inteligecircncia coacutesmica ao criar o homem (num sentido universalgeneacuterico) e a finalidade
estabelecida pela causa individual humana ou seja a inteligecircncia particular de cada indiviacuteduo
A vida humana destarte eacute sempre mista e isso Platatildeo jamais negou mas o que se
nega eacute que nem sempre ela eacute uma legiacutetima mistura agrave vista disso nem sempre boa (num
ὅἷὀtiἶὁΝὧtiἵὁ)έΝἏΝtaὄἷfaΝhumaὀaΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝumΝldquoafiὀamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝὄἷὃuἷὄΝumΝὄἷtὁὄὀὁΝὅἷmὂὄἷΝ
que possiacutevel a esse modelo originaacuterio belamente disposto pela inteligecircncia coacutesmica ou seja
agrave finalidade originaacuteria atribuiacuteda agrave alma humana pela inteligecircncia coacutesmica no momento de sua
criaccedilatildeo tarefa que deve ser realizada pela accedilatildeo humana e que consiste em conservar essa
originalidade que tem como paradigma como modelo a ordem universal coacutesmica O universo
possui uma organizaccedilatildeo interior na qual a inteligecircncia sempre cumpre da melhor maneira o
seu papel Noacutes tambeacutem possuiacutemos uma composiccedilatildeo natural dotada de intelecto devido agrave
presenccedila da alma e tambeacutem afetiva devido ao corpo uma organizaccedilatildeo interior mas perdemos
constantemente essa excelecircncia quando realizamos maacutes misturas na qual os ingredientes
natildeo satildeo bem dosados e corrompem nossa mistura (condiccedilatildeo) originaacuteria tornando-a
ἶἷὅὂὄὁviἶaΝἶἷΝtalΝἷxἵἷlecircὀἵiaΝὃuἷΝaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵaΝuὀivἷὄὅalrdquoΝmaὀtὧmΝiὅtὁΝὂὁὅtὁΝἷlaΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝ
tὁmaἶaΝἵὁmὁΝὂaὄaἶigmaΝἵὁmὁΝmὁἶἷlὁΝὁuΝὀὁὅΝἶiὐἷὄἷὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝἵὁmὁΝaΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoέΝ
O universo eacute um corpo um corpo dotado de alma com os mesmos elementos que
residem em noacutes em maiores porccedilotildees de quantidade (nos diz o Filebo em 30d-e) A diferenccedila
se encontra portanto na conservaccedilatildeo da ordem firmemente estabelecida no arranjo
(qualitativo) presente no universo que permanece fiel agrave sua finalidade originaacuteria240 Quanto ao
homem somos corpos corpos dotados de alma com os mesmos elementos do universo em
menores porccedilotildees (de quantidade) poreacutem natildeo conservamos nossa finalidade originaacuteria da
239 ἠatildeὁΝὃualὃuἷὄΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝmaὅΝumaΝldquoἵὁὄὄἷtaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁrdquoΝ( λγ εκδθπθέμ) eacute louvada por Soacutecrates em 25e7 240 Soacutecrates diraacute em 30c3-ἄμΝldquo(έέέ)Νὀo universo haacute tanto excesso de ilimitado quanto suficiecircncia de limite e sobre eles uma causa natildeo inferior ordenado belamente e coordenando os anos as estaccedilotildees e os mἷὅἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝἵhamaἶaΝἵὁmΝtὁἶὁΝὁΝἶiὄἷitὁΝἶἷΝὅaἴἷἶὁὄiaΝἷΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiardquoέ
179 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto
criaccedilatildeo somos infieacuteis quanto agrave nossa constituiccedilatildeo originaacuteria Precaacuterios e ignoacutebeis realizamos
maacutes misturas e precisamos retomar por meio de nossa faculdade intelectiva individual a
busca pela conservaccedilatildeo dessa ordem belamente estabelecida e perdida a qual tornaria de
fatὁΝὀὁὅὅaΝviἶaΝὄἷalmἷὀtἷΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἡΝὃuἷΝὁΝFilebo deixaraacute claro a meu ver eacute que
essa nossa vida mista de prazer e inteligecircncia soacute poderaacute ser efetivamente boa quando a vida
particular humana se esforccedilar ao maacuteximo para adquirir a natureza de uma forma geneacuterica que
participa da Forma do Bem que eacute a uacutenica coisa boa de forma absoluta que eacute boa
ἷxἵἷlἷὀtἷmἷὀtἷΝἷΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝἵὁmὁΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝἷὅtὄitὁέΝ
Cosmologia e eacutetica portanto permanecem conjugados e natildeo separados pois aquilo
a que todas as coisas aspiram sejam elas universais (cosmoloacutegicas) ou mesmo o proacuteprio
homem enquanto tambeacutem um desses seres presente no universo eacute o Bem e que na vida
humana permanece como a orientaccedilatildeo maior para que uma vida seja realmente uma vida
boa e como nos diz o Filebo deve ser buscado na vida mista entre prazer e conhecimento
Dito de outro modo o bem humano natildeo eacute este ou aquele bem mas uma vida boa a boa vida
humana A questatildeo que envolve o Filebo vai aleacutem de uma simples e faacutecil mistura essa eacute uma
das misturas mais relevantes porque trata de compreender a todo instante se uma vida tal
como ela eacute ela mesma se basta a si poacutepria O prazer teria essa ilusatildeo que o pensamento
denuncia mas nenhum nem outro nem prazer nem inteligecircncia devem ser tratados de forma
polarizada mas a eacutetica define-se por uma pergunta muito mais complexa a partir da
introduccedilatildeo da mistura que visa o bem O prazer eacute parte da vida boa seu fasciacutenio encanta
mas como introduzir algo ilimitado em si-mesmo naquilo que essencialmente por natureza eacute
limitado como eacute o caso da boa vida241
Quando o π δπκθ reina quem impera eacute o acaso e a necessidade ( υξ ιΝ
θΪΰεβμ)242 natildeo a ordem243 natildeo o planejamento e a inteligecircncia O universo natildeo eacute irracional
ambos dialogadores chegam a tal conclusatildeo muito pelo contraacuterio nele impera a ordem e a
regularidade de forma excelente Considerar o prazer como bem eacute dizer que nossa vida inteira
deve ser regulada em funccedilatildeo de algo que pertence ao gecircnero do π δλκθ o prazer eacute π δλκθ
ou seja passa pelo mais e pelo menos eacute pura geraccedilatildeo pura transgressatildeo que recusa a
imposiccedilatildeo do limite um devir e o devir torna-se mas natildeo eacute ser o prazer soacute se torna ser depois
da atividade dialeacutetica que o estrutura que o limita primeiramente em multiplicidade
241 NaὅΝἴἷlaὅΝὂalvὄaὅΝἶἷΝἐὁὅὅiμΝldquoἏΝvἷlhaΝὂaixatildeὁΝἶἷΝἑὠliἵlἷὅΝὄἷἷὀἵaὄὀaΝἷmΝἔilἷἴὁμΝὁΝἴὁmΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝseu caraacuteter ilimitado natildeo impedido sempre possiacutevel de ser levado um pouco mais adiante Talvez poderiacuteamos dizer que toda a eacutetica socraacutetico-platocircnica natildeo tem outro objetivo principal que desmascarar ἷὅtaΝatὄaἷὀtἷΝviὅatildeὁΝἷΝἶἷὅtὄuiὄΝaΝ faὅἵiὀaὦatildeὁΝὃuἷΝaΝὂἷὄὅὂἷἵtivaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝ ilimitaἶὁΝἷxἷὄἵἷΝὅὁἴὄἷΝὀὰὅrdquoΝ(2008 p 241) 242 (Cf Ti 46e5-6) 243 O termo desordem ( Ϊε πμ) aparece em 29a4 relacionado anteriormente com o acaso ( υξ cf 28d5-9 Ti 46e Lg 889c) pois Soacutecrates questiona a Protarco (28d5-7) se poderiacuteamos dizer que o universo eacute governado pela potecircncia do irracional ( ζσΰκυ) e de arbitrariedade e daquilo que acontece ὂὁὄΝaἵaὅὁΝ( θΝ κ ζσΰκυΝεα ε τθαηδθΝεα π υξ θ)έ
180 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
determinada e depois disso em uma unidade indeterminada que se denomina prazer mas
que satildeo vaacuterios prazeres244 O prazer ilimitado prescinde da accedilatildeo da inteligecircncia na
composiccedilatildeo da vida mista boa nesta ele soacute pode ser bom apoacutes essa imposiccedilatildeo do limite
pois essa vida para ser uma boa vida realmente deve saber dosar corretamente prazer e
inteligecircncia tendo como referecircncia o ordenamento executado pela inteligecircncia coacutesmica
universal a finalidade originaacuteria da sua criaccedilatildeo pela Inteligecircncia universal que se deu por meio
de sua alma (humana) ordenamento que agora deveraacute ser retomado e consiste propriamente
a uma accedilatildeo executaacutevel pelo proacuteprio homem Nos belos dizeres de Carone (2008)
()um importante contraste torna-se aparente aqui ao observarmos como num niacutevel coacutesmico a prevalecircncia do nous sobre o acaso a necessidade ou o ilimitado constitui um fato determinado e digno do aspecto dos ceacuteus (Fil 28e) Ao contraacuterio para os seres humanos isso natildeo eacute determinado cabe a noacutes optar por uma vida irracional de prazer excessivo ou entatildeo nos decidir a governaacute-la com nosso nous () Mas como podemos compreender nossas proacuteprias tendecircncias de modo que nos capacitemos a controlaacute-las melhor Como podemos alcanccedilar vidas humanas estavelmente felizes Eacute para esse tipo de problema eacutetico que a passagem cosmoloacutegica que estivemos discutindo serve para estabelecer o conhecimento de base apropriado uma vez que eacute igualmἷὀtἷΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ aὂὄἷὀἶἷὄΝ ldquoὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ἴὁmΝ taὀtὁΝ ὀὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝἵὁmὁΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝ(ἄἂa1-2) (p 157 grifos da autora)
Por fim vemos que mesmo aqui nessa fundamentaccedilatildeo cosmoloacutegica toda e qualquer
geraccedilatildeo tem como fim o bem por isso ela eacute (tanto no caso cosmoloacutegico quanto no caso eacutetico)
propriamente axioloacutegica tem em vista sempre o melhor o bom o bem e tudo o que eacute
consoante ao valor maior pelo qual todas as coisas anseiam como nos ficaraacute claro em 53-
54d
33 Prazer Conhecimento e Valor
Foi dito que a questatildeo do prazer na vida humana eacute tratada segundo as questotildees da
teleologia universal coacutesmica A vida boa se define pela sua finalidade Eacute isso que importa para
Platatildeo Antes do conteuacutedo da mistura da vida boa eacute preciso investigar qual forma este tipo
de vida deve tomar Eacute necessaacuterio delineaacute-la pois a partir disso seraacute possiacutevel ao indiviacuteduo
244 ἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaμΝldquoἒiὐἷὄΝἶἷΝalgὁΝἷΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὃuἷΝἷlἷΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝὀὁΝgecircnero do apeiron natildeo significa apenas devolver negativamente a ele qualquer limite mas determina-lo positivamente como uma espeacutecie de realidade capaz de recusar qualquer determinaccedilatildeo qualquer limite qualquer medida Era portanto necessaacuterio antes de submeter o prazer agrave anaacutelise refletir sobre a maneira de como lidar com uma realidade desse gecircnero comeccedilando por definir o gecircnero () A ilimitaccedilatildeo proacutepria ao prazer eacute essa ilimitaccedilatildeo dinacircmica essa recusa de qualquer quantidade determinada de qualquer medida e de qualquer fim Eacute a ela que o dialeacutetico deve impor nuacutemero e estrutura (aruthmos)rdquoΝ(ὂέΝἁ1ἂΝἁ1ἄ)έ
181 33 Prazer Conhecimento e Valor
atuar na composiccedilatildeo da mistura dosando corretamente os ingredientes que devem ser
incluiacutedos em tal composiccedilatildeo Primeiramente esse indiviacuteduo deve conhecer a forma dessa
vida a vida mista seu lugar na teleologia coacutesmica e posteriormente realizar a composiccedilatildeo
da vida mista boa concretizaacute-la atualizaacute-la Eacute a forma desta vida mista que determina o
conteuacutedo dessa boa vida mas essa vida deve ser capaz de atender agraves finalidades do εσ ηκ
O pensamento presente nesta foacutermula da vida boa consegue extrapolar a funccedilatildeo de
mero possibilitador da fruiccedilatildeo de prazeres do caacutelculo dos prazeres realizados pela memoacuteria
a inteligecircncia nos oferece outros atributos ela eacute capaz de conhecer a fundo essa mistura de
instaurar as finalidades mais amplas em nossa existecircncia concreta Todavia ela deve
exercitar-se a fim de conhecer a real dimensatildeo da sua potecircncia para aplicaacute-las na vida
humana logo conhececirc-las (estas possibilidades) permitiraacute tambeacutem conhecer a forma que a
vida humana pode e deve assumir se de fato ela deseja ser uma vida boa O pensamento
assim possui um valor inestimaacutevel pois aleacutem de participante e constituinte da vida mista ele
eacute capaz de tornar uma vida mista humana uma vida boa ele dispotildee de vaacuterios recursos como
traccedilar estrateacutegias calcular rememorar investigar imaginar avaliar julgar dentre outras O
pensamento e o conhecimento ainda seratildeo definidos mais claramente no espectro desse texto
platocircnico O pensamento possui um poder amplo na vida boa e no argumento que perscruta
acerca do bem e da vida boa no contexto dialoacutegico aqui tratado Desta maneira a finalidade
da vida humana natildeo pode ser o prazer jaacute que o conhecimento natildeo se encontra ocupado
somente com a fruiccedilatildeo dos prazeres
O hedonismo enquanto uma teoria eacutetica deve ser refutado por Soacutecrates tendo em
vista a dimensatildeo do pensamento do conhecimento que na vida humana excede extrapola
essa uacutenica funccedilatildeo de fruiccedilatildeo dos prazeres Logo o prazer natildeo pode ser o bem Todavia o
prazer reclama a todo instante sua existecircncia no conjunto da vida boa uma vida de
pensamento unicamente natildeo eacute desejaacutevel dada a nossa condiccedilatildeo humana afetivo-intelectual
O bem precisa ser algo que possua limites que o proacuteprio prazer natildeo possui Mas o prazer
enquanto um ilimitado que eacute pode ser limitado pela atuaccedilatildeo do pensamento pode se tornar
bom por isso defendemos consistentemente que o Filebo eacute um diaacutelogo que vai muito aleacutem
do embate hedonismo vs anti-hedonismo quando falamos em vida mista de prazer e
inteligecircncia a forma e o conteuacutedo da vida boa mista altera essa oposiccedilatildeo draacutestica pois
nenhum desses dois elementos (prazer e inteligecircncia) podem ser eliminados drasticamente
da vida humana
Os bens humanos passam a ser discutidos de uma outra maneira e essa teoria eacutetica
tradicional convencional precisa ser transposta criticamente pelo Soacutecrates do Filebo O bem
para uma vida enquanto vida humana soacute pode ser uma vida boa A explicaccedilatildeo de Soacutecrates
para tais temas eacuteticos reconfigura-se no caso do Filebo como se pode notar vai mais a fundo
permitindo uma anaacutelise psicoloacutegica e fisioloacutegica e por uacuteltimo eacutetica muito mais complexa do
182 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
que posiccedilotildees dogmaacuteticas estritas em torno do problema eacutetico tradicional sobre as accedilotildees
humanas sobre o modo como se deve viver A busca pela definiccedilatildeo de uma eacutetica se assim
podemos dizer em Platatildeo foge de posiccedilotildees extremas polarizadas Muito pelo contraacuterio a
pergunta relevante a mais simples e a mais enigmaacutetica da eacutetica eacute uma questatildeo complexa e
dialeacutetica Agora sim eacute o momento de analisar os conteuacutedos da mistura da forma da boa vida
desejada como ideal para os indiviacuteduos Quais e que tipos prazeres entram nessa mistura
Quais e que tipos de conhecimentos devem ser incluiacutedos nessa vida mista para que ela seja
boa Jaacute que o prazer pode receber determinaccedilatildeo e se tornar algo bom nessa mistura e a
inteligecircncia natildeo se restringe unicamente agrave tarefa de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres
mas desempenha outros melhores e maiores papeis nessa composiccedilatildeo vejamos entatildeo qual
a relevacircncia destes dois elementos nessa forma da vida boa mista
A anaacutelise dos prazeres ocupa grande parte do diaacutelogo (31b-55c) Natildeo pretendo aqui
tratar exaustivamente dessa anaacutelise devido agraves finalidades redutivas que nosso trabalho nos
impotildee O trecho eacute permeado de passagens complexas que evocam uma compreensatildeo clara
de vaacuterios temas presentes no corpus que podem e devem ser retomados para o tratamento
dessa importante questatildeo filosoacutefica da filosofia platocircnica Minha hipoacutetese de leitura pretende
ressaltar brevemente dois aspectos que a meu ver satildeo importantiacutessimos para compreensatildeo
da anaacutelise dos prazeres a saber em primeiro um aspecto gnosioloacutegico e em seguida um
aspecto valorativo ou axioloacutegico como pretendo chamar aqui245
Primeiramente o prazer deve ser analisado em relaccedilatildeo ao seu contraacuterio ou seja no
prazer e dor jamais poderiacuteamos analisar sob tortura o prazer separado da dor nos diz
ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝἁ1ἴἄΝ(ζτπβμΝ α ξπλ μΝ θΝ κθ θΝκ εΝ θΝπκ Ν υθαέη γαΝ εαθ μΝία αθέ αδ)έΝ
Dor e prazer agora satildeo incluiacutedos em um gecircnero comum o que dista da sua classificaccedilatildeo
anterior no gecircnero do ilimitado Devemos antes de qualquer alarde nos atentar para o sentido
ἶἷὅὅἷΝldquoἵὁmumrdquoΝ(εκδθ ) utilizado aqui por Platatildeo Soacutecrates diz que por natureza (εα φτ δθ)
ambos (prazer e dor) residem neste gecircnero do comum
O exemplo da sauacutede eacute retomado (31d10-11) Quando em noacutes se desata a harmonia
( μΝ ληκθέαμΝη θΝζυκηΫθβμΝ ηῖθ)ΝὁἵὁὄὄἷΝaΝἶiὅὅὁluὦatildeὁΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ζτ δθΝ μΝφτ πμ)ΝἷΝἶaiacuteΝ
simultaneamente resultam as dores (31d4-6) Quando poreacutem a harmonia se recompotildee
245 Sigo bem de perto certos autores contemporacircneos que hora ou outra ocupam parte do meu texto me alio a essa visatildeo interpretativa do diaacutelogo e principalmente da questatildeo do prazer por consideraacute-la mais entusiasmante e mais atenta aos problemas complexos que envolve essa intrincada questatildeo do prazer na filosofia de Platatildeo Recentemente essa visatildeo eacute defendida por alguns autores nos quais me fundamento para a construccedilatildeo da minha anaacutelise como (Marques (2012) Teisserenc (1999 2010) Bossi (2008) Dixsaut (1999 2001 2017) ndash considero importante tambeacutem retomar (Delcomminette Bravo) enquanto grandes especialistas da temaacutetica mas natildeo sigo em alguns momentos seus posicionamentos principalmente no que diz respeito a esse momento da anaacutelise dos prazeres
183 33 Prazer Conhecimento e Valor
novamente retornando a sua proacutepria natureza surgem os prazeres (πΪζδθΝ ληκ κηΫθβμΝ Ν
εα μΝ θΝα μΝφτ δθΝ πδκτ βμΝ κθ θΝΰέΰθ γαδ) (31d8-10)
Alguns exemplos ofertados por Soacutecrates (31e6-32a8) facilitam a compreensatildeo como
a fome porque haacute dissoluccedilatildeo (ζτ δμ) e dor (ζτπβ) enquanto o ato de comer eacute um
preenchimento (πζάλπ δμ) de retorno (ΰδΰθκηΫθβ π ζδθ) agrave situaccedilatildeo normal e prazer do
mesmo modo a sede que eacute corrupccedilatildeo (φγσλα) do estado natural fisioloacutegico e dor e o
preenchimento (πζβλκ α) com liacutequido que preenche a secura prazer o calor insuportaacutevel e
a refrigeraccedilatildeo satildeo exemplos do mesmo tipo dor-restauraccedilatildeo separaccedilatildeo e dissoluccedilatildeo do
estado natural ( δΪελδ δμ εα δΪζυ δμ παλ φτ δθ) sendo o resfriamento nesse caso de
calor extremo restauraccedilatildeo do equiliacutebrio natural o congelamento (frio extremo) contraacuterio agrave
natureza que congela os liacutequidos do animal e a restauraccedilatildeo por meio do retorno ao acordo
natural (εα φτ δθ rsquoΝπΪζδθ πσ κ έμ) ou seja ao se liquidificarem eacute um retorno agrave natureza
e por isso prazeroso Logo conclui-se que quando essa harmonia natural se corrompe
(φγσλαθ) entre limite e ilimitado o resultado eacute a dor e o caminho do retorno tem como
resultado nos seres vivos o prazer e ele eacute retorno ao proacuteprio ser ( θΝ ᾽ μΝ θΝα θΝκ έαθΝ
σθΝ ατ βθΝ α πΪζδθΝ θΝ θαξυλβ δθΝπΪθ πθΝ κθάθ) (32b1-5) Em 32e1-2 Soacutecrates iraacute
ἵὁὀἵluiὄΝ ldquoὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ἵὁὄὄuὂὦatildeὁΝ ἶἷὅὅaὅΝ ἵὁiὅaὅΝ hὠΝ ἶὁὄΝ ἷΝ ὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝ ὂὄaὐἷὄrdquoΝ
(ldquo δαφγ δλκηΫθπθΝη θΝα θΝ ζΰβ υθΝ θα ακηΫθπθΝ κθάrdquo)έ
Na passagem da ontologia quaacutedrupla a sauacutede era tomada como um exemplo do
gecircnero misto dentre aqueles outros trecircs gecircneros Ou seja toda a descendecircncia desse misto
ἷὄaΝtὄataἶὁΝἵὁmὁΝumaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰ θ δθ μ κ δαθ) Pela introduccedilatildeo do limite
no ilimitado o devir a geraccedilatildeo adquiriam estabilidade e deixavam de ser um movimento
contiacutenuo ininterrupto deixavam de ὅἷὄΝumaΝmἷὄaΝldquogecircὀἷὅἷrdquoΝἷΝὅἷΝtὁὄὀavamΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝ
ὅἷὄrdquoέΝ ἦamἴὧmΝ aΝ viἶaΝ humaὀaΝ fὁiΝ ἵὁὀsiderada uma vida mista a constituiccedilatildeo orgacircnica
fisioloacutegica dos seres humanos pertenciam ao gecircnero da mistura Os elementos dessa vida
misturada estavam sujeitos ao devir pois passavam pelo mais e o menos num contiacutenuo
movimento ou seja o ilimitado foi tratado como uma ilimitaccedilatildeo dinacircmica que recusava uma
quantidade determinada qualquer medida qualquer fim Estes movimentos do ilimitado ora
se aproximavam ora se distanciavam da condiccedilatildeo saudaacutevel ideal Esses movimentos agora
estatildeo relacionados aqui agrave dor e ao prazer O prazer deve ser parte dessa mistura porque ele
eacute tambeacutem bom nessa mistura da vida humana mas natildeo deixa por outro lado de pertencer
ao gecircnero do ilimitado enquanto esse movimento de restauraccedilatildeo da proacutepria natureza do ser
vivo de restauraccedilatildeo da harmonia do estado saudaacutevel natural livrando-se da degradaccedilatildeo
anterior Por mais que as coisas estejam em devir e por vezes a sauacutede se dissolve e a
harmonia desse estado natural se corrompe se dilui e embora vivamos nesta oscilaccedilatildeo
constante entre sauacutede e doenccedila haacute um estado miacutenimo em que as condiccedilotildees fisioloacutegicas
tentam preservar o maacuteximo possiacutevel dessa harmonia original Harmonia planejada pela
184 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
inteligecircncia coacutesmica que impotildee limites na mistura por intermeacutedio da alma tornando esta vida
ordenada Esse eacute o modo de vida mista louvado por Soacutecrates no diaacutelogo vida de pensamento
e de prazer como a mais digna de ser escolhida
O prazer do corpo natildeo eacute apenas um sinal de satisfaccedilatildeo sentida mas tambeacutem eacute um
alerta de que a constituiccedilatildeo saudaacutevel a natureza harmocircnica fisioloacutegica estaacute retornando ao
seu estado natural em certo indiviacuteduo O prazer tambeacutem atesta a desordem pois quando ele
se ausenta progressivamente ele jaacute daacute indiacutecios de que a dor estaacute por vir Por isso tambeacutem
ele eacute ilimitado nesse aspecto pois ele daacute sinais de variaccedilatildeo que jaacute passam a reclamar seu
contraacuterio a dor O limite permite apenas que ele adentre na mistura quando aquele (o prazer)
permite que sua indeterminaccedilatildeo seja contida e possua o miacutenimo de variaccedilatildeo possiacutevel A vida
humana como um modo de vida que eacute ciente inteligente nota essas variaccedilotildees Logo o prazer
se inclui no Ilimitado comparativamente agrave sua presenccedila no gecircnero misto de ilimitado e de
limite haacute niacuteveis distintos e movimentos distintos em que ora ele se inclui totalmente e ora se
inclui totalmente no misto de limite e ilimitado Assim observa Bravo (2007)
Como entender esta aparente dupla inclusatildeo geneacuterica do prazer agora inseparaacutevel da dor Natildeo sem a definiccedilatildeo fisioloacutegica do prazer que vem na continuaccedilatildeo () a saber do prazer como repleccedilatildeo (πζάλπ δμ) de um vazio (εΫθπ δμ 35b 42d1) Esta definiccedilatildeo () mostra que a Ilimitaccedilatildeo do prazer eacute a de um movimento (εέθβ δμ R 583e10) que passa do vazio agrave plenitude e comporta necessariamente um mais e um menos destes dois estados Por conseguinte tanto o prazer como a dor satildeo de certo modo um misto de vazio e plenitude A plenitude que eacute o prazer proveacutem sempre de um vazio que eacute atual ou potencialmente dor e se encontra constantemente ameaccedilada por ele O vazio que eacute a dor por sua vez tende naturalmente agrave plenitude que eacute o ὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝiἶἷὀtifiἵaΝἵὁmΝaΝldquohaὄmὁὀiardquoΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ἁ1ἶ)έΝEacuteΝaὅὅimΝque o prazer se inclui tanto no gecircnero do Misto quanto no do Ilimitado mas natildeo ao mesmo tempo e no mesmo niacutevel se inclui no Ilimitado mediante sua inclusatildeo no Misto de Ilimitado e Limite Com efeito o que se inclui no todo tambeacutem se inclui em suas partes (p 29)
Eacute interessante notar o modo como Platatildeo conjuga a anaacutelise fisioloacutegica do prazer com
a ontologia anteriormente tratada fundamentalmente sobre os quatro gecircneros O prazer
desempenha um papel importante em se tratando do modo de vida que adotamos ele possui
um valor moral inquestionaacutevel seja no aspecto fisioloacutegico seja no aspecto eacutetico o prazer na
vida mista composta de prazer e de dor deve ser equilibrado corretamente entre os
elementos que constituem essa dada mistura A introduccedilatildeo do limite nestes elementos
ilimitados se torna necessaacuteria em ambos os aspectos fisioloacutegico e eacutetico Tal accedilatildeo nos permite
integraacute-los em uma condiccedilatildeo estaacutevel ordenada saudaacutevel Prazer e conhecimento cumprem
um papel nessa ordenaccedilatildeo baacutesica mas natildeo apenas isso Eacute importante notar o modo como
185 33 Prazer Conhecimento e Valor
essa ordenaccedilatildeo eacute feita para que a mistura natildeo seja corrompida pervertida e nossa condiccedilatildeo
natural natildeo sofra grandes alteraccedilotildees ou mesmo se corrompa totalmente
ἑaὅὁΝὀatildeὁΝὀὁὅΝὂὄἷὁἵuὂἷmὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝὂaὂἷlΝἶἷὅὅaΝviἶaΝhumaὀaΝmiὅtaΝὀaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵardquoΝ
em arranjaacute-la em sintonia com a harmonia universal primeiramente em nossa vida puramente
fisioloacutegica e posteriormente eacutetica faremos isso de uma forma inteligente agrave semelhanccedila da
ordenaccedilatildeo universal encontraremos restriccedilotildees de toda parte o proacuteprio universo nos restringe
quando optamos por uma vida desenfreada que foge ao curso natural das coisas Somos
frustrados quando tentamos levar uma vida depravada desordenada sob a ilusatildeo de que ela
seria a mais correta e nos bastaria a depravaccedilatildeo manifesta esse sinal de oposiccedilatildeo ao natural
O resultado da transgressatildeo perpeacutetua da corrupccedilatildeo desse modelo de vida mista eacute a
dor O contraacuterio uma vida de prazer Obviamente temos aqui um argumento eacutetico mas o
caraacuteter valorativo dessas proposiccedilotildees encontra-se impregnada a uma visatildeo eacutetica que
relaciona indiviacuteduo e todo sem menosprezar nem um nem outro assim como prazer e
inteligecircncia natildeo satildeo desprezados nem um nem outro na defesa da vida boa e feliz porque
assim exige nossa condiccedilatildeo humana Se pervertemos essa ordem tornando o prazer como
fim a ser buscado levando uma vida irrefreada de prazeres intensos imoderados rompendo
com os limites da nossa constituiccedilatildeo natural por viver intensamente sob o domiacutenio das paixotildees
e extravasando ao maacuteximo possiacutevel nossa fruiccedilatildeo dos prazeres a fim de podermos gozar
sempre desse prazer que promove a reconstituiccedilatildeo do equiliacutebrio original natural invertemos
os papeacuteis confundindo os papeacuteis dos limites e dos prazeres e atentamos contra a κτ έα cuja
essecircncia eacute o limite e natildeo o ilimitado (IGLEacuteSIAS 2007 p 112)
Igleacutesias (2007 p 11-112) em um notoacuterio artigo na coletacircnea de artigos organizados
pelo Benoit sobre nosso diaacutelogoΝὀὁὅΝἶiὐΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝumΝldquoaὄautὁrdquoΝὃuἷΝaὀuὀἵiaΝὃuἷΝἷὅtὠΝ
sendo refreada uma ameaccedila ao ser vivo que a integridade deste ser estaacute sob ameaccedila e que
ele caminha para a recuperaccedilatildeo do ser Um organismo vivo eacute um η δε θ um ser que nasce
da imposiccedilatildeo de limites acertados em variado tipo de continuum da ordem do ilimitado
( π δλκθ) um ser ele proacuteprio que estaacute saindo dos limites constantemente devido agrave sua
proacutepria natureza pondo em risco sua integridade ele manteacutem no seu ser esse sensiacutevel que
ele eacute uma κ έα na ΰΫθ δμ uma ΰ θ δθ μ κ δαθ Toda vez que isso ocorre quando o ser
pode se encontrar em estado de dissoluccedilatildeo da harmonia corporal de perder os limites e
chegar ao π δλκθ a dor eacute sentida mas quando essa harmonia retorna temos prazer Assim
nos diz Igleacutesias (2007)
Assim embora sendo da ordem da desmedida a natureza do prazer pode ser captada na conexatildeo essencial que ele guarda com a medida que constitui os limites ideias que mantecircm o ser vivo em equiliacutebrio Eacute verdade que esta tese parece especialmente apropriada para compreender a natureza do prazer ὄἷὅultaὀtἷΝἶaΝὅatiὅfaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶἷὅἷjὁὅΝldquofiacuteὅiἵὁὅrdquoΝligaἶὁὅΝaὁΝἵὁmἷὄΝaὁΝἴἷἴἷὄΝἷΝ
186 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
ao sexo Mas ela pode e deve ser estendida para todo o tipo de prazer vindo da satisfaccedilatildeo de um desejo isto eacute de uma falta E compreendida dessa forma a verdadeira natureza do prazer sua funccedilatildeo aparece com clareza na ontologia do Filebo ele como a dor eacute como que um dos guardiotildees da integridade do ser vivo Um anuncia que os limites de sua integridade estatildeo ameaccedilados o outro que eles estatildeo voltando ao normal Essa eacute a funccedilatildeo do prazer E quando se entende isso encontra-se o verdadeiro lugar do prazer na criaccedilatildeo divina () O prazer eacute um aacutepeiron sim mas um aacutepeiron a serviccedilo de uma genesis eis ousian A chamada tese dos delicados (kompsoi) que Soacutecrates apresenta adiante (53c4) eacute justamente essa o prazer eacute genesis e natildeo ousia Ora algo que deveacutem deveacutem em busca de algo e natildeo eacute o devir mas esse algo em vista do que se faz o devir no caso a ousia que eacute o bem () E ateacute mesmo para o cumprimento de tarefas maiores que podem exigir que nos exponhamos a perigos temos de tentar na medida do possiacutevel conservar os limites ideais que nos mantecircm no ser que nos eacute proacuteprio Ora o prazer ligado agrave satisfaccedilatildeo dos desejos sejam quais foram eacute apenas o subproduto que acompanha a restauraccedilatildeo dos limites que nos mantecircm em equiliacutebrio limites que estamos constantemente pela nossa proacutepria natureza perdendo e que buscamos o tempo todo restaurar (IGLEacuteSIAS 2007 p 111-112 grifos nossos)
Platatildeo em 32c-d jaacute daacute alguns indiacutecios que a problematizaccedilatildeo dialeacutetica do prazer a ser
desenvolvida em nosso diaacutelogo deveraacute levar em conta as questotildees psiacutequicas amplamente
desenvolvidas em contextos dialeacuteticos anteriores Essa abordagem sem duacutevidas iraacute lidar
com as questotildees imageacuteticas do psiquismo que se envolvem em uma intriacutenseca relaccedilatildeo entre
prazer desejo imagem reflexatildeo e valor Na passagem supracitada Soacutecrates nos fala a
respeito das afecccedilotildees proacuteprias da alma expectativas ( ζπδαση θκθ) prazerosas diante de
coisas prazerosas e expectativa atemorizante (φκίΫλκθ) e dolorosa diante de coisas
dolorosas Vale lembrar que essas afecccedilotildees satildeo afecccedilotildees pertencentes agrave proacutepria alma (α μ
μ ουξ μ 32b9) eacute necessaacuterio insistir De acordo com Soacutecrates e Protarco esses tipos de
afecccedilotildees (παγβηΪ πθ) satildeo antecipaccedilotildees (πλκ σεβηα πλκ κεέαμ 32c1 32c4)
Aqui vale a pena ressaltar que a dimensatildeo natural natildeo eacute pensada unicamente numa
dimensatildeo fisioloacutegica mas sobretudo em perspectiva ontoloacutegica A natureza possui um valor
um paracircmetro capaz de regular os movimentos dos seres vivos tanto na dor como no prazer
como jaacute dissemos acima Tambeacutem jaacute dizemos que no fundo do argumento cosmoloacutegico residia
uma dimensatildeo fortemente axioloacutegica que orienta todas as coisas agrave busca da realizaccedilatildeo
daquilo que eacute o bem o bom Como diz Marques (2012)
Na medida em que o paracircmetro utilizado para a constataccedilatildeo e subsequente avaliaccedilatildeo o prazer eacute pensado em base ontoloacutegica isso significa em Platatildeo que se trata de uma essecircncia inteligiacutevel forma investida com o maacuteximo de valor valor que orienta os movimentos (ou transformaccedilotildees) de todos os seres (p 214-215)
187 33 Prazer Conhecimento e Valor
Penso que natildeo se trata de um novo gecircnero de prazeres em relaccedilatildeo ao argumento
fisioloacutegico que envolve a primeira parte da anaacutelise dos prazeres por mais que alguns
discordem que o esquema fisioloacutegico possa ser estendido aos prazeres da antecipaccedilatildeo246
Sem duacutevidas temos aqui um prazer que eacute produzido a partir da produccedilatildeo de opiniotildees pela
alma que antecipa certas afecccedilotildees Afecccedilotildees que satildeo mais ou menos independentes do
corpo da experiecircncia empiacuterica ou das determinaccedilotildees corpoacutereas (MARQUES 2012 p 215)
Soacutecrates insiste aqui (32d) na investigaccedilatildeo dessa espeacutecieforma ( κμ) de prazer se
alguns deles possam ser bons e assim incluiacutedos na mistura ou seja se em algum momento
satildeo bens e em outros natildeo Eacute imprescindiacutevel verificar se esses prazeres satildeo puros
( ζδελδθΫ δθ) e puros aqui se refere a natildeo-misturado com dores ( η δε κδμ ζτπβμ) deste modo
eacute que se poderaacute discutir se podemos considerar alguns prazeres como puros e dar acolhida
a este gecircnero de prazeres puros pensados como um todo ou natildeo A conclusatildeo disso jaacute
aparece indicada tacitamente na passagem poderaacute ser verificado que alguns prazeres seratildeo
puros desejaacuteveis em si mesmo natildeo misturados com dores unos e por outro lado outros
seratildeo muacuteltiplos mistos e recusados por serem prejudiciais Nem todos os prazeres isso o
diaacutelogo iraacute mostrar podem ser bens mas apenas alguns satildeo bons e recebem a marca
distintiva do bom Ora se alguns prazeres natildeo satildeo bons jaacute eacute suficiente dizer que ele natildeo
pode ser o bem
Creio que o prazer da restauraccedilatildeo puramente fisioloacutegico estaacute englobado em uma
dimensatildeo maior do que seja o prazer A transiccedilatildeo draacutestica a da restauraccedilatildeo para a
antecipaccedilatildeo nesse interluacutedio breve em que anteriormente se trava da restauraccedilatildeo a meu ver
soacute pode indicar tal que a repleccedilatildeo de um vazio se estende e deve se estender a todo prazer
que proveacutem da satisfaccedilatildeo do desejo Penso que natildeo haacute um abandono mas como nos diz
Marques (2012 p 217) uma ressignificaccedilatildeo da estrutura repletiva fisioloacutegica do prazer O
preenchimento das afecccedilotildees suscitadas pela antecipaccedilatildeo exige um outro tipo de
preenchimento em que o que estaacute em jogo eacute uma saciedade de outra ordem que a meu ver
apelam agrave valoraccedilatildeo Ou como nos diz Marques (2012 p 216-217) o prazer da antecipaccedilatildeo
ldquoὧΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝavaliaὦatildeὁΝὂὄὧviaΝ(ὂὄὁgὀὰὅtiἵa)ΝἶaὅΝafἷἵὦὴἷὅΝfutuὄaὅΝἶὁΝἵὁὄὂὁΝpela alma (o
que alguns chamam de condiccedilatildeo objetiva para que ocorra o prazer)247
246 Como Delcomminette (2006 p 219) acredita que o esquema fisioloacutegico eacute vaacutelido apenas para o referido caso isto eacute para dizer que o prazer eacute restauraccedilatildeo da harmonia corporal da constituiccedilatildeo saudaacutevel da vida humana mista Soacute nesse momento se pode falar de vazio e repleccedilatildeo 247 Marques observa ἵlaὄamἷὀtἷΝaΝὂaὄtiἵulaὄiἶaἶἷΝἶaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁμΝ ldquoἏΝaὀὠliὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝ ὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoὄἷὅtauὄaὦatildeὁrsquoΝ (ἶἷΝ ἵἷὄtὁΝ mὁἶὁΝ ὄἷtὄὁὅὂἷἵtivὁ)Ν aὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoaὀtἷἵiὂaὦatildeὁrsquoΝ(aparentemente referido ao futuro) Mas nem a restauraccedilatildeo eacute apenas um retorno a um estado anterior nem a antecipaccedilatildeo eacute mera projeccedilatildeo numa linearidade temporal A restauraccedilatildeo eacute movimento na direccedilatildeo de uma essecircncia (ou natureza) o caso mais simples e por isso exemplar sendo a passagem do vazio da sede para a repleccedilatildeo da saciedade Se num primeiro momento haacute efetivamente um processo corpoacutereo por outro lado trata-se tambeacutem de uma busca de harmonia de um movimento na direccedilatildeo de
188 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
A menccedilatildeo de uma terceira disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) (neutra) em que natildeo haacute nem dor nem
prazer um momento no qual um ser vivo nem estaacute restaurado nem corrompido ( λαΝκ π αΝ
θΪΰεβ π θΝ θΝ σ Νξλσθ α κθΝηά Ν δΝζυπ ῖ γαδΝηά Ν γαδΝηά ΝηΫΰαΝηά Ν ηδελσθ)
(32e3-7) tambeacutem suscita duacutevidas entre os inteacuterpretes Haacute algo estranho nessas linhas pois
em seguida se diz que nada impede que algueacutem possa optar por uma vida de puro
pensamento (33a8-9) Note-se o caraacuteter hipoteacutetico levantado por Soacutecrates nessa passagem
Dizer que eacute possiacutevel viver sem prazer e sem dor natildeo significa que esse tipo de vida ocorre
concretamente em nossa dada condiccedilatildeo em uma vida humana Mas na comparaccedilatildeo dos
estados de vida ficou assentido que vida unicamente de inteligecircncia e vida unicamente de
prazer satildeo impossiacuteveis e indignas de escolha Mais ainda eacute dito em 33b6-7 sobre esse estado
de vida considerado como o mais divino de todos (γ δσ α κμ) Os deuses natildeo podem ter prazer
ou dor (33b10c-3)
Eacute necessaacuterio notar que natildeo haacute nada de comum entre a vida divina e a vida de escolha
de exclusiva do pensamento aleacutem do fato da ausecircncia das duas espeacutecies de prazeres
anteriormente mencionados (antecipaccedilatildeo e restauraccedilatildeo)έΝ ἑὁmὁΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoὀἷmΝ
ἢὄὁtaὄἵὁΝὀἷmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝalὧmΝἶἷΝὅἷὄἷmΝimὂaὅὅiacutevἷiὅΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂἷὀὅamrdquoΝ(ὂέΝ111ί)έΝ
Essa vida mais divina como jaacute dissemos atua em um extremo assim como a vida unicamente
de prazer em que se diz estar em estado de impassibilidade de uma atividade que basta a si
mesmo e que determina assim uma vida autossuficiente Por mais que o Teeteto diga em
1ἅἄἴΝὃuἷΝἶἷvἷmὁὅΝὀὁὅΝaὂὄὁximaὄΝἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝἶἷὅὅaΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝἵὁmὁΝὁΝmὁἶὁΝἶἷΝviἶaΝ
ideal e que deve ser ambicionado pelos homens aqui natildeo temos um juiacutezo puramente
teoloacutegico ou mesmo moral que desqualifique a vida mista humana dado que ela soacute pode ser
uma mistura de prazer e inteligecircncia Caso se deseje que uma vida de pensamento seja digna
ἶἷΝἷὅἵὁlhaΝἵhamaἶaΝἶἷΝldquoἶiviὀardquo que seja comandada pelo desejo de aprender (e natildeo de
saber) o verdadeiro o que eacute cada realidade inteligiacutevel nos diraacute Soacutecrates em 58d 59d ao
tratar da dialeacutetica essa vida de pensamento eacute guiada por esse desejo (da alma) pelo
verdadeiro eacute ele quem a orienta Logo essa vida de pensamento deve deixar de ser pura
unicamente pura (no sentido anterior do diaacutelogo) e deve se tornar mista para que seja de fato
uma vida boa deixando de lado as duas espeacutecies de prazer (antecipados e restaurativos) e
buscando o prazer proacuteprio da inteligecircncia
A questatildeo do estado neutro seraacute melhor explicada a partir do surgimento de dois
termos extremamente relevantes para a anaacutelise dos prazeres desejo ( πδγυηέαθ) memoacuteria
(ηθάηβμ) e tambeacutem a sensaccedilatildeo (α δμ) O estado de satisfaccedilatildeo e o estado doloroso satildeo
alguma plenitude para aleacutem da mera descriccedilatildeo fisioloacutegica Nem eacute a antecipaccedilatildeo um mero deslocamento para o futuro Na medida em que eacute constituiacuteda pelo desejo a opiniatildeo preacutevia ou a expectativa eacute tambeacutem em parte constitutiva do seu objeto ou pelo menos de seu valor da significaccedilatildeo da experiecircncia antecipada (2012 p 217)
189 33 Prazer Conhecimento e Valor
estados proacuteprios dos viventes mortais e a vida divina neste caso eacute o paradigma deste terceiro
estado (o neutro) Mas Soacutecrates diz que em determinados momentos natildeo sentimos nem dor
nem prazer natildeo somos afetados nem pela dor nem pelo prazer
Soc Aceita que dentre nossas afecccedilotildees corporais algumas se extinguem no corpo antes de penetrar a alma deixando-a impassiacutevel outras atravessam ambos e provocam em ambos uma espeacutecie de abalo que eacute tanto peculiar a cada um quanto comum aos dois (33d2-6) γ μΝ θΝ π λ ηαΝ η θΝ εΪ κ Ν παγβηΪ πθΝ η θΝ θΝ υηα δΝεα α ί θθτη θαΝπλ θΝ π θΝουξ θΝ δ ι ζγ ῖθΝ παγ ε έθβθΝ Ϊ αθ αΝ
δ᾽ ηφκῖθΝ σθ αΝεαέΝ δθαΝ π λΝ δ η θΝ θ δγΫθ αΝ δσθΝ Νεα εκδθ θΝ εα Ϋλ (33d2-6) Prot Que fique estabelecido Soc Se dissemos entatildeo que nossa alma natildeo se daacute conta daquelas afecccedilotildees que natildeo atravessam mas se daacute conta daquelas que atravessam ambos seraacute que estaremos falando corretamente Prot Como natildeo
Certas afecccedilotildees podem natildeo ser sentidas (tanto pelo corpo quanto pela alma) mas se
satildeo sentidas afetam ambos tanto o corpo quanto a alma se alma sente o corpo sente e se
o corpo sente a alma tambeacutem sente Natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo aqui de anterioridade ou de
causalidade Mas note-se e eacute importante insistir sobre isso o corpo tambeacutem pode
permanecer insensiacutevel agrave algumas afecccedilotildees e natildeo eacute somente a alma que tambeacutem pode ser
insensiacutevel Sabemos pois que os uacutenicos seres insensiacuteveis satildeo os deuses que possuem a
impassibilidade do imutaacutevel Embora estejamos dispostos no devir no movimento no fluxo e
estamos sempre em movimento nem todas as mudanccedilas satildeo sentidas pelo corpo mas
aὂἷὀaὅΝaὅΝldquogὄaὀἶἷὅΝmuἶaὀὦaὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝὧΝὂὄὁvὁἵaἶὁΝἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoaἴalὁrdquoΝὃuἷΝldquo(έέέ)ΝὧΝtaὀtὁΝ
peἵuliaὄΝaΝἵaἶaΝumΝὃuaὀtὁΝἵὁmumΝaὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ἁἁἶἃ-6) Nos diz Dixsaut (2017)
Portanto mesmo a vida dos seres vivos pode comportar momentos de insensibilidade mas a impassibilidade soacute caracteriza de modo contiacutenuo os imortais e os mortos Ora desde o Feacutedon sabemos que haacute apenas uma maneira de morrer (p 112)
E continua a teoacuterica francesa
Quando pensa a alma desligada e livre eacute capaz de natildeo ser atingida pelo fato que afeta esse corpo e ela tem mais o que fazer ao inveacutes de esperar ou de temer o que ela se tornou capaz de natildeo sentir natildeo graccedilas a uma ascese corporal (digamos aquela dos faquires) mas porque sensiacutevel a outra espeacutecie de realidade inteligiacutevel ela torna-se insensiacutevel a tudo que natildeo eacute essa realidade (p 112)248
248 Dixsaut (2017 p 112) retorna ao Feacutedon
190 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
O Filebo iluὅtὄaΝἷὅὅaΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝndash na medida do possiacutevel ndash ao tratar da escolha divina
daquele que pretere o pensamento A separaccedilatildeo entre fisioloacutegico e psicoloacutegico e vice-versa
A alma se separa quando suas disposiccedilotildees seus estados natildeo tem como causa afecccedilotildees do
corpo Mas como nota bem Dixsaut (2017) essa independecircncia manifesta-se no interior
dessa uniatildeo ela permanece sendo alma desse corpo que ela anima e do qual ela sofre o
peso natildeo estaacute livre dele natildeo estaacute livre de deixar de ser movida por ele natildeo deixa de ser esse
ldquoautὁΝ(α θ αυ 34b7) ndash mὰvἷlrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝtamἴὧmΝὂὁὅὅuiΝaΝiὀἵiativaΝἶἷΝὅἷuὅΝὂὄὰὂὄiὁὅΝ
movimentos sem portanto se livrar do apetite dos desejos que animam o corpo dos
apetites das afecccedilotildees
O modo de desligamento do Feacutedon eacute proacuteprio somente ao filoacutesofo o filoacutesofo desliga sua alma tanto quanto ele pode de toda a associaccedilatildeo com o corpo de um modo que o distingue de todos os outros homens (65a) Eacute o modo de desligamento que eacute proacuteprio ao filoacutesofo natildeo o desligamento ligado em todo homem agrave capacidade psiacutequica de lembrar-se e antecipar (DIXSAUT 2017 p 113)
Os prazeres separados do corpo soacute podem nascer devido agrave memoacuteria (ηθάηβμ) (33c5-
7) Essa outra espeacutecie ( λκθ κμ) de prazer surge exclusivamente pela memoacuteria ela eacute
esse tipo de afecccedilatildeo (παγβηΪ πθ 33d2) que permite que esses prazeres surjam unicamente
ὀaΝ almaέΝ ἏΝ almaΝ fiἵaΝ iὀὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὡὅΝ afἷἵὦὴἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ldquoὀatildeὁΝ ὅἷΝ ἶὠΝ ἵὁὀtaΝ ἶἷlaὅrdquoΝ ὃuaὀἶὁΝ ὅἷΝ
ldquoἷὅὃuἷἵἷrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἷὅὃuἷἵimἷὀtὁΝὀatildeὁΝὧΝldquoἷὅἵaὂἷΝἶaΝmἷmὰὄiardquoΝὂὁiὅΝ
ὅἷὃuἷὄΝἷlaΝὅuὄgiuΝmaὅΝldquoἷὅὃuἷἵimἷὀtὁrdquoΝὧΝὅiὀὲὀimὁΝἶἷΝiὀὅἷὀὅiἴiliἶaἶἷέΝἏΝalmaΝὀatildeὁΝὅἷΝἶὠΝἵὁὀtaΝ
porque sequer essa afecccedilatildeo a tocou (33d6-34a1)
Soc Isso que ocorre em comum (εκδθ ) nesse movimento conjunto (εδθ ῖ γαδ εκδθ ) do corpo e da alma ( θ ουξ θ) em uma mesma afecccedilatildeo (
rsquoΝ θ θ πΪγ δ) chamar ( θκηΪαπθ) ἷὅὅἷΝ mὁvimἷὀtὁΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) natildeo seria inapropriado Prot Eacute a pura verdade ἥὁἵέμΝ ἑὁmὂὄἷἷὀἶἷmὁὅΝ agὁὄaΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὃuἷὄἷmὁὅΝ ἵhamaὄΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) Prot Como natildeo Soc Bem entatildeo Se algueacutem dissesse que a memoacuteria eacute a conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo( π βλέαθΝ κέθυθΝα γά πμΝ θΝηθάηβθ) na minha opiniatildeo estaria falando corretamente Prot Sim corretamente Soc E natildeo dizemos que a reminiscecircncia difere da memoacuteria (ηθάηβμ
θΪηθβ δθΝ λ᾽ κ δαφΫλκυ αθ) Prot Talvez Soc E natildeo seraacute esta a diferenccedila Prot Qual Soc Quando a alma sozinha e em si mesma sem o corpo recupera o quanto possiacutevel as afecccedilotildees que uma vez experimentou com ele natildeo
191 33 Prazer Conhecimento e Valor
dizemos que alma tem uma reminiscecircncia ( αθ η κ υηα κμ πα ξΫθ πκγ᾽ ουξά α ᾽ θ υ κ υηα κμ α θ αυ δ ηΪζδ α θαζαηίΪθ σ θαηδηθ ε γαέ πκυ ζΫΰκη θ ΰΪ)
Prot Certamente Soc E tambeacutem quando depois de perder a memoacuteria de uma sensaccedilatildeo (εα η θΝεα αθΝ πκζΫ α αΝηθάηβθΝ ᾽ α γά πμ) ou de um aprendizado ( ᾽ α ηαγάηα κμ) ela os recobra novamente sozinha e em si mesma (α γδμΝατ βθΝ θαπκζά πΪζδθ α θΝ αυ ) chamamos todos esses casos com
certeza de reminiscecircncia (εα α αΝ τηπαθ αΝ θαηθά δμΝεα ηθάηαμΝπκυΝζΫΰκη θ) Prot Falas corretamente Soc Eis o porquecirc de todas as coisas que falamos Prot Qual Para que noacutes venhamos a apreender o mais claramente possiacutevel tanto o prazer da alma separada do corpo ( θΝουξ μΝ κθ θΝξπλ μΝ υηα κμ) quanto o apetite (εα ηαΝ πδγυηέαθ) pois parece que ambos ganham clareza atraveacutes dessas coisas (34a3-c8)
Soacutecrates introduz um termo novo de suma importacircncia para o novo tipo de prazeres
que ele deseja tratar Eacute imprescindiacutevel neste caso para investigar os tipos de prazeres e a
proacutepria gecircnese do prazer recorrer a essa instacircncia fundamental o desejo Esse exame requer
imἷἶiatiἵiἶaἶἷΝἵὁmὁΝὄἷὃuἷὄΝἢὄὁtaὄἵὁΝ(ἁἂἶἂ)ΝἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝfugiὄΝἶaὅΝldquoaὂὁὄiaὅrdquoΝ( πκλέαθ)
(34d7) agraves quais esses assuntos possam nos conduzir Mais uma vez devemos agrave Dixsaut
(2017 p 113) uma clara compreensatildeo deste uacuteltimo termo que natildeo significa um vazio mas
uma perplexidade que impulsiona ao saber249 Apenas aquele que se sabe carecente que eacute
capaz de reconhecer o que sabe e o que natildeo sabe pode se encontrar em aporia Aquilo que
jaacute se possui natildeo precisa ser buscado mas deseja o que eacute faltante Aquilo que alma perde (a
aporia) perde porque tem desejo de saber Antes de adentrar a anaacutelise do apetite do desejo
eacute preciso lembrar da forccedila de λπμ que torna possiacutevel a saiacuteda da perplexidade aprender
aὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὅἷΝ ὅaἴiaέΝ ἓΝ ὂaὄaΝ talΝ ὁutὄaΝ ἶimἷὀὅatildeὁΝ ὂὄἷἵiὅaΝ ὅἷὄΝ ὄἷtὁmaἶaμΝ ldquoaὂὄἷὀἶἷὄΝ ὀὁΝ
Mecircnon e no Feacutedon consiste para a alma em lembrar-se O termo acaba de ser pronunciado
no Filebo (DIXSAUT 2017 p115)
Soacutecrates iraacute radicalizar ainda mais aquilo que disse no Goacutergias no Feacutedon e na
Repuacuteblica a respeito dos apetites ( πδγυηέαθ) sem contudo mudar de opiniatildeo Eacute isso o que
podemos constatar nas linhas seguintes (35a-c) Trecircs dimensotildees passam a ser de tal maneira
integradas que o exame se complexifica A vida divina a reminiscecircncia e λπμ invocam trecircs
questotildees fundamentais segundo Dixsaut (2017 p 115) estritamente relacionadas no
diaacutelogo tais como uma maneira de viver uma maneira de aprender e uma maneira de
desejar Elas acompanham Soacutecrates e segundo a autora justificam seu retorno agrave cena do
diaacutelogo para tratar dialeticamente das questotildees relativas aos prazeres (Cf 2017 p 115) Natildeo
haacute outra forma a natildeo ser pela dialeacutetica pois natildeo basta a satisfaccedilatildeo da vida satisfatoriamente
249 A autora recorreraacute ao Mecircnon (84b-c) alegando a necessidade da aporia que suscita o desejo de saber e o prazer que se tem em procurar tal conhecimento E tambeacutem claro do Banquete do λπμ filosoacutefico que tem por natureza a miseacuteria a carecircncia a falta mas natildeo apenas o que lhe permite sair dessa condiccedilatildeo eacute a forccedila desiderativa o desejo de satisfaccedilatildeo (Cf DIXSAUT 2017 p 114)
192 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
misturada a vida filosoacutefica deseja ultrapassar esse limite imposto pela condiccedilatildeo natural sem
contudo eliminaacute-lo Ao falar de uma vida divina Soacutecrates natildeo se esquece que a vida boa
humana eacute necessariamente uma vida mista mas se esforccedila por demonstrar que uma vida
direcionada ao pensar pode ser melhor porque ela mesma se coloca em questatildeo quando se
questiona sobre um modo correto de aprender de viver e de desejar Nisso a vida filosoacutefica
difere das demais porque ela se potildee a aprender e natildeo a saber (reminiscecircncia) esse aprender
ὂὄὁvὧmΝἶἷΝumΝἶἷὅἷjὁΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝmἷlhὁὄΝldquoaὃuilὁΝὃuἷΝὧrdquoΝὅἷmὂὄἷέΝἓὅὅaΝamἴiguiἶaἶἷΝ
ὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝἷὅὅἷὀἵialΝὀἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquohὁmἷm-ἶiviὀὁrdquoέΝἠatildeὁΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝἷmΝtodo este
trabalho algo melhor que possa dizer isso do que o que estaacute contido nessas palavras de
Dixsaut
O eros que preside a dialeacutetica eacute a forma mais alta ou a mais intensa de epithumia mas natildeo haacute entre eles diferenccedila de natureza Um eacute como a verdade de outra mas eles satildeo radicalmente heterogecircneos Tal continuidade soacute eacute possiacutevel agrave condiccedilatildeo de se afirmar que todo o desejo eacute desejo da alma Pois caso contraacuterio se fosse o corpo que desejasse se todo o desejo nascesse em um corpo animado ou em uma alma encarnada a alma pensante ou seja completamente desligada do corpo seria estranha ao desejo Eacute possiacutevel acreditar que enquanto noacutes pensamos somos impassiacuteveis como os deuses possiacutevel mas natildeo necessaacuterio A separaccedilatildeo do corpo natildeo eacute a separaccedilatildeo do desejo De modo contraacuterio eacute o desejo que mesmo sob sua forma mais elementar efetua a separaccedilatildeo da alma e do corpo O que permite agrave alma evadir-se do corpo e concentrar-se em si mesma ὧΝaiὀἶaΝἶaΝὁὄἶἷmΝἶὁΝἶἷὅἷjὁμΝaΝὅἷὂaὄaὦatildeὁΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὂὁὄὃuἷΝaΝalmaΝldquoaὅὂiὄaΝao ὃuἷΝὧrdquoΝ(Feacutedon 65c) A ruptura da uniatildeo com o corpo eacute a consequecircncia desse desejo de conhecer os seres e ela eacute a condiccedilatildeo desse conhecimento Ora a experiecircncia do desejo eacute sempre para a alma a experiecircncia de uma ruptura ndash com o estado presente do corpo quando ela deseja prazeres sensiacuteveis com o corpo todo quando ela aspira aos inteligiacuteveis No primeiro ἵaὅὁΝὧΝaliὠὅΝmaiὅΝἷxatὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὧΝὁΝἵὁὄὂὁΝὃuἷΝtἷmΝaΝiὀiἵiativaμΝldquotὁἶaὅΝaὅΝvezes que existem em noacutes o que chamamos apetites o efeito dessas afecccedilotildees eacute que o corpo se divorcia da alma e se separa dela Essa afirmaccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com aquela do Feacutedon se eacute na experiecircncia do apetite que o corpo e alma se divorciam eacute tambeacutem o apetite que prega uma alma a seu corpo (p 116-117)
Soacutecrates diz em 35b-d que o apetite eacute sempre um apetite de preenchimento ( πδγυη ῖ
πζβλυ πμ) de repleccedilatildeo que surge no momento em que o corpo se encontra vazio
(ε θκ αδ) mas somente a alma pode gerar esse desejo de repleccedilatildeo da memoacuteria ( ηθβη )
uma vez que apenas ela tem contato com preenchimento ( μ πζβλυ πμ φαπ γαδ) que
o corpo por si soacute natildeo tem Dito de maneira ainda mais clara todo desejo soacute pode ser desejo
da alma (ουξ μ) e natildeo existe desejo do corpo ( υηα κμ πδγυηέαθ) que tem contato com
esse preenchimento que o corpo natildeo possui Logo se conclui que natildeo haacute apetite do corpo
Vejamos a passagem
193 33 Prazer Conhecimento e Valor
Soc Natildeo afirmamos ainda haacute pouco que a fome a sede e muitas outras coisas desse tipo satildeo apetites ( δθαμ πδγγηέαμ) Prot Sim certamente Soc Mas o que vemos de mesmo quando denominamos com um soacute nome tantas coisas diferentes Prot Por Zeus Soacutecrates Talvez natildeo seja faacutecil dizer mas no entanto devemos dizer Soc Retomemos mais uma vez a questatildeo a partir do mesmo ponto Prot De onde ἥὁἵέμΝldquoἓlἷΝtἷmΝὅἷἶἷrdquoΝὀatildeὁΝὧΝalgὁΝὃuἷΝfὄἷὃuἷὀtἷmἷὀtἷΝἶiὐἷmὁὅς Prot Como natildeo ἥὁἵέμΝἓΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄμΝldquoἷlἷΝἷὅtὠΝvaὐiὁrdquo ( έ ε θκ θ αδ) Prot E daiacute Soc E entatildeo seraacute a sede um apetite ( οκμ έθ πδγυηδα) Prot Sim e de bebida Soc De bebida ou de preenchimento de bebida ( πζβλυ πμ πυηα κμ) Prot De preenchimento (πζβλυ πμ) eu penso Soc Entatildeo qualquer um de noacutes que esteja vazio ( ε θκτη θκμ η θ λα) como parece tem apetite pelo contraacuterio daquilo que experimenta ( μΝ κδε θΝπδγυη ῖ θΝ θαθ έπθΝ πΪ ξ δ) pois estando vazio deseja preencher-se
(ε θκτη θκμΝΰ λΝ λ πζβλκ γαδ) Prot Eacute o que haacute de mais claro Soc E entatildeo O que dizes acerca disso quem estaacute vazio pela primeira vez ( έΝ κ θνΝ πλ κθΝ ε θκτη θκμΝ δθΝ πσγ θ) haacute algo a partir de que manteria contato ( φΪπ κδ ᾽) com o preenchimento seja sensaccedilatildeo seja memoacuteria se natildeo estaacute experimentando no presente momento nem nunca experimentou no passado esse preenchimento ( ᾽ α γά δΝ πζβλυ πμΝφΪπ κδ ᾽ θΝ Νηθάη Ν κτ κυΝ ηά ᾽ θΝ θ θΝξλσθ πΪ ξ δΝηά ᾽ θΝ
πλσ γ θΝπυπκ Ν παγ θ) (34d10-35a9)
Soacutecrates dizia na Repuacuteblica (IV 347d) e no Fedro (238a-b) que a fome eacute desejo de
comida a sede desejo de bebida e o desejo eroacutetico desejo de belos corpos No Feacutedon se
falaΝiὀὅiὅtἷὀtἷmἷὀtἷΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄΝἵὁὄὂὁὄalrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἷlἷΝὧΝὅuἴὅtituiacuteἶὁΝaὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝ
eacute radicalizada a postura da Repuacuteblica da tripla-especificaccedilatildeo (como prefiro e natildeo triparticcedilatildeo)
da alma e os trecircs tipos de desejos correlatos a essa triacuteplice especificaccedilatildeo O desejo eacute desejo
de algo e natildeo de um objeto ele eacute um movimento um movimento de repleccedilatildeo que resulta em
um estado Ο objeto eacute apenas o meio que permite essa passagem de um estado contraacuterio a
outro o desejo eacute o impulso que faz um determinado sujeito tocar um estado contraacuterio daquele
ὃuἷΝὀὁΝmὁmἷὀtὁΝἷlἷΝἷὅtὠΝἷxὂἷὄimἷὀtaὀἶὁέΝEacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝὀὁtaὄΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἵὁὀtatὁrdquoΝ
ἵὁmὁΝ tὄaἶuὐΝ εuὀiὐΝ ὃuἷΝ ὂὁὅὅuiΝ umΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶἷΝ ldquotὁἵaὄrdquoΝ aΝ ὄἷὂlἷὦatildeὁΝ ὧΝ umΝ ἶὁὅΝ ἷxἷmὂlὁὅΝ
particulares que Soacutecrates utiliza para explicar o mecanismo do desejo desse movimento de
ruptura de uma harmonia natural dissoluccedilatildeo-restauraccedilatildeo vale lembrar dos exemplos do
ὄἷὅfὄiamἷὀtὁΝἷΝἶὁΝἵalὁὄΝὃuἷΝὅatildeὁΝtamἴὧmΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquovaὐiὁrdquoΝumΝἵὁὀtὄὠὄiὁέΝἠἷmΝὅἷmὂὄἷΝ
temos um estado de satisfaccedilatildeo mas sempre uma harmonia fisioloacutegica eacute restaurada pelo
desejo por uma falta ou insuficiecircncia de algum dos elementos corporais
194 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
Quando natildeo haacute memoacuteria natildeo haacute desejo quando um bruto desequiliacutebrio se instaura
natildeo pode haver desejo por isso a memoacuteria eacute aqui ambivalente Por um lado ela propicia ao
desejo seu objeto e orienta-o ela permite que o sofrimento presente natildeo se torne constante
Mas por outro lado ela natildeo livra esse mesmo ser da sucessatildeo dos contraacuterios O desejo natildeo
eacute uma simples vacuidade pois nesse caso teriacuteamos dor redobrada eacute um transcender-se em
busca da superaccedilatildeo do estado atual retornado ao passado e ao futuro250 (Cf DIXSAUT 2017
p 122-123)
A anaacutelise do desejo seraacute extremamente relevante para a seccedilatildeo seguinte do diaacutelogo
em que seratildeo tratadὁὅΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἵlaὅὅifiἵaἶὁὅΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝ(umaΝ
das maiores polecircmicas que envolvem o diaacutelogo) e os prazeres puros (36c-55c) Soacutecrates iraacute
constituir uma gama dos prazeres substituindo o prazer por uma multiplicidade de prazeres
esses prazeres seratildeo classificados e natildeo divididos segundo dois princiacutepios (i) segundo seus
lugares de origem na alma unicamente na mistura de corpo e alma e aqueles que satildeo
produzidos unicamente pelo corpo (ii) segundo a oposiccedilatildeo puro e misturado sendo puro
aqui os prazeres que natildeo satildeo precedidos por dores e natildeo misturados com dores Em virtude
das finalidades redutivas de nosso trabalho falarei de forma muito geral dessas
ἵlaὅὅifiἵaὦὴἷὅΝ iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ἶἷviἶὁΝ ὡΝ ὂὁlecircmiἵaΝ iὀὅtauὄaἶaΝ ὂἷlὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝ falὅὁὅrdquoΝ ὅἷὄiaΝ
ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝmἷΝἶἷtἷὄΝlὁὀgamἷὀtἷΝὀaΝldquoaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝἷΝὀaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἵὁmὂlἷxaὅΝ
que eles envolvem Relaccedilotildees estas que envolvem complexas dimensotildees do psiquismo como
a imaginaccedilatildeo a memoacuteria a sensaccedilatildeo o desejo a opiniatildeo e principalmente valores O prazer
da antecipaccedilatildeo eacute uma espeacutecie de prognoacutestico que faz crer certo indiviacuteduo de que o prazer
possui pretensotildees eacuteticas que ele natildeo possui por isso ele eacute num primeiro momento semelhante
agrave opiniatildeo O caraacuteter duplo do prazer (fenomecircnico-judicativo) promove por meio do desejo ou
melhor por meio da representaccedilatildeo imageacutetica associada ao desejo uma articulaccedilatildeo entre a
percepccedilatildeo efetiva ou sua conservaccedilatildeo que eacute a memoacuteria a uma dimensatildeo avaliativa
(MARQUES 2012 p 213)
EpistemologiaGnoseologia estatildeo entrelaccedilados na descriccedilatildeo do prazer que nos
conduz a um exame do psiquismo humano por meio de um processo que envolve tanto
representaccedilatildeo como valoraccedilatildeo Seraacute que o prazer possui o valor que ele nos leva a crer que
ele eacute que ele tem a pretensatildeo de ser O que estaacute em jogo no prazer da antecipaccedilatildeo eacute a
esperanccedila pois a expectativa do prazer sempre o postula como bom e uacutetil Como nos diz
Marques (2012)
250 Para uma anaacutelise mais detalhada (Cf DIXSAUT 2017 p 105-128) neste texto a autora trata especificamente dessa ldquoἵἷὄtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶardquoΝ(ίέκθ ΰ λ κμ 35d9) humana de que nos fala o Filebo no caso a vida humana nunca determinada oscilando sempre entre o animal e o divino
195 33 Prazer Conhecimento e Valor
Soacute a anaacutelise criacutetica dialogada (dialeacutetica) poderaacute mostrar o alcance do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimitade das valoraccedilotildees que a experiecircncia do prazer nos suscita no acircmbito da discussatildeo do que eacute a vida boa para todos os seres (p 214)
Mas voltemos agrave gama dos prazeres resumidamente eles podem ser apresentados em
uma tabela que ilustra o desenvolvimento do diaacutelogo em torno dos prazeres aqui utilizo a
tabela sugerida por Dixsaut (2001)
Corpo Sozinho Uniatildeo de alma e corpo Alma sozinha
Misturados
resultado de uma
restauraccedilatildeo do equiliacutebrio
corporal = necessaacuterios
(31d-32b 46c-47c)
Misturados
antecipaccedilotildees
esperanccedilas
(32b-c)
Puros
se ocupa
das belas
formas
cores sons
puros
perfumes
(51d-50c)
Misturados
Afetos
(coacutelera
medo etc)
(47d-50c)
Puros
relativos agraves
ciecircncias
(52a-b)
Quadro 02- Gama dos Prazeres
(Cf DIXSAUT 2001 p 317)
A classificaccedilatildeo eacute detalhada e criteriosa os prazeres produzidos pelo corpo satildeo sempre
prazeres misturados pois estatildeo envolvidos no processo de restauraccedilatildeo-dissoluccedilatildeo que
engendra a dor por isso o prazer alcanccedilado nesse caso eacute sempre um prazer do gecircnero
misto como jaacute vimos anteriormente Ele eacute misturado com a dor e precedido por uma dor Os
prazeres puros satildeo provenientes da uniatildeo da alma com o corpo natildeo porque eles natildeo satildeo
precedidos por uma falta mas porque essa falta natildeo eacute sentida (51b1) Jaacute as afecccedilotildees
unicamente da alma coacutelera ciuacuteme inveja amor oacutedio satildeo dores da alma misturas com
prazeres como eacute o caso dos ingredientes da comeacutedia e da trageacutedia Os prazeres puros da
alma relacionados aos conhecimentos (ηαγάηα α) (52a)
Parece que no fundo todo o objetivo do diaacutelogo eacute perpassar todas as dimensotildees
(fisioloacutegicas ontoloacutegicas epistemoloacutegica) do prazer para culminar em um sentido fortemente
axioloacutegico (valorativo) ndash natildeo nego que as dimensotildees anteriores estatildeo articuladas no
desenvolvimento do diaacutelogo ndash eacute isso que a meu ver fragmentou a anaacutelise do Filebo em
diversas leituras que ora priorizam um ou outro aspecto desse texto platocircnico Μas essa
anaacutelise do prazer parece admitir um crescendum complexo que investigado a fundo pretende
conjugar conhecimento e valor mas natildeo discriminando-os de um lado conhecimento por
outro valor Isso demonstra a dificuldade de uma definiccedilatildeo geneacuterica do prazer Creio que isso
196 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
soacute pode ser explicado mediante uma questatildeo simples e ao mesmo tempo a mais enigmaacutetica
de todas que diz respeito a vida boa mista Como nos diz Dixsaut (2001)
os dois princiacutepios de distinccedilatildeo adotados satildeo todos axioloacutegicos as diferenccedilas resultantes necessariamente tambeacutem o satildeo Desse modo a tabela eacute realmente hieraacuterquica e consiste em ordenar os prazeres de acordo com seu gὄauΝ ἶἷΝ ὂuὄἷὐaΝἷΝ ὅἷguὀἶὁΝ maiὁὄΝ ὁuΝ mἷὀὁὄΝ ἶἷΝ ldquoὀὁἴὄἷὐardquoΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ὁὅΝexperimenta (p 318)
A hierarquia dos prazeres pode assim ser constituiacuteda no final da anaacutelise dos prazeres
(i) prazeres puros unicamente da alma (incluiacutedos na mistura) (ii) prazeres puros da uniatildeo do
corpo e da alma (incluiacutedos na mistura) (iii) prazeres necessaacuterios do corpo somente (satildeo
incluiacutedos na mistura) (iv) prazeres misturados unicamente da alma (natildeo-incluiacutedos na
mistura) (v) prazeres misturados da uniatildeo do corpo com a alma (natildeo incluiacutedos na mistura)
Enquanto alguns prazeres conservam o caraacuteter do ilimitado sendo necessariamente ilimitado
outros satildeo em algumas vezes ilimitados isto porque em dado momento pertencem ao misto
e adquirem moderaccedilatildeo e medida outros prazeres satildeo necessariamente sempre puros
Apenas os prazeres moderados e medidos podem pertencer agrave mistura ou seja somente os
puros seja porque natildeo satildeo precedidos por dores ou acompanhados por elas seja porque se
originam unicamente na alma (Cf 62d-64a)
Os conhecimentos tambeacutem satildeo analisados (55c-59c) sendo portanto elaborada uma
classificaccedilatildeo O criteacuterio de anaacutelise seraacute primeiramente a pureza e posteriormente a
verdade Natildeo haacute ciecircncias falsas como existem prazeres falsos por mais que as ciecircncias
contenham erros elas natildeo satildeo falsas mas imprecisas A primeira divisatildeo se daacute em vista das
teacutecnicas destinadas agrave formaccedilatildeoeducaccedilatildeo e as teacutecnicas destinadas agrave produccedilatildeo
ὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝ aὅΝ ὂὄὰὂὄiaὅΝ aὄtἷὅΝ ἶitaὅΝ ldquoἶἷmiήὄgiἵaὅrdquoΝ (artesanais) satildeo divididas em artes
meacutetricas e artes estocaacutesticas (da conjectura) As meacutetricas satildeo hegemocircnicas em relaccedilatildeo agraves
estocaacutesticas por isso as artes meacutetricas satildeo as mais puras Nesse caso pureza aqui eacute
sinocircnimo de precisatildeo (αελδί έα) Μais quando se trata da distinccedilatildeo entre as ditas
ldquomatἷmὠtiἵaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝἷΝaὅΝldquomatἷmὠtiἵaὅΝvulgaὄἷὅrdquoΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὁΝvalὁὄΝἷΝὀatildeὁΝὅuaΝ
natureza Por isso a dialeacutetica se situa no topo dessa escala por sua utilidade precisatildeo
clareza e verdade Mas nesse caso a retoacuterica tambeacutem poderia ser uacutetil Vemos que a dialeacutetica
possui uma exaltaccedilatildeo no diaacutelogo dotada de valor ambiacuteguo como nos diz Dixsaut (2001 p
321) ela apenas pode reivindicar que por mais que ela se sirva das utilidades do discurso
seus propoacutesitos satildeo distintos das demais teacutecnicas porque eacute o desejo pelo verdadeiro de
amar o verdadeiro no seu desejo pelo Bem enquanto princiacutepio de todas as diferenccedilas
enquanto possibilidade de conhecimento e de ser tal como exposto na Repuacuteblica (VI)
Marques (2015 p 206) resume a divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias
197 33 Prazer Conhecimento e Valor
Teacutecnica ciecircncia
educaccedilatildeo formaccedilatildeo produccedilatildeo
muacutesica auleacutetica construccedilatildeo de navios
medicina carpintaria teacutecnicas manuais
agricultura teacutecnica da medida
navegaccedilatildeo teacutecnica do peso
estrateacutegia teacutecnica dos nuacutemeros
teacutecnica popular dos nuacutemeros teacutecnica filosoacutefica dos nuacutemeros
natildeo filosoacutefica geometria
construccedilatildeo comeacutercio
cosmologia dialeacutetica
Quadro 03 A divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias (Cf MARQUES 2015 p 206)
Logo a dialeacutetica estaacute destituiacuteda do valor de utilidade que busca o prestiacutegio a fama
mas que se importa unicamente com o mais verdadeiro Poreacutem na vida boa na vida humana
miὅtaΝἷὅtaΝἶialὧtiἵaΝὧΝὅἷmὂὄἷΝldquoἵὁὀtamiὀaἶardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὂὁὄΝἷὅὅἷὅΝ
valores extriacutensecos por essas consideraccedilotildees de valor e de visotildees hieraacuterquicas quando ela
se insere na composiccedilatildeo da vida mista boa A mistura soacute seraacute uma mistura se seus
componentes o forem caso contraacuterio a proacutepria mistura se corrompe (64d-e) mas quanto a
isso a dialeacutetica pode sustentar no acircmbito da mistura sua natureza intriacutenseca que tem por meta
o verdadeiro o bom o bem o que tambeacutem por sinal atesta sua prioridade em relaccedilatildeo ao
ὂὄaὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝaὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὀὁΝranking da composiccedilatildeo da boa vida mista
jaacute que o primeiro foi lugar foi atribuiacutedo a esta uacuteltima
Jaacute sabemos que nem o conhecimento nem o prazer podem ser o bom mas apenas
que a vida boa humana eacute uma vida mista de ambos Natildeo sabemos nada sobre o que eacute bom
o bem e o Filebo mais uma vez natildeo nos diz nada sobre sua natureza nesse caso
ὂἷὄmaὀἷἵἷmὁὅΝ fὄuὅtὄaἶὁὅέΝ ἥaἴἷmὁὅΝ ἵὁὀtuἶὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoὂὄimἷiὄὁΝ ὂὄecircmiὁrdquoΝ ὂἷὄtἷὀἵἷΝ ὡΝ viἶaΝ
mista que pode se prestar a ser uma vida boa Para tal precisamos ter senatildeo uma apreensatildeo
clara uma indicaccedilatildeo geral ( δθα τπκθ) (61a4) Como nos sugere Dixsaut (2001 p 330) um
τπκθ eacute um modelo natildeo dado por algo existente mas algo a ser construiacutedo uma foacutermula
geral um esquema obtido em linhas gerais os traccedilos principais de algo
Beleza Verdade e ProporccedilatildeoMedida manifestaccedilotildees do Bem que devem se fazer
presentes na boa mistura Encontramos um determinado caminho ( θ δθα) (61α7) que se
198 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo
natildeo o mais belo pode nos dirigir ao poacutertico da morada do bem ao seu vestiacutebulo (πλκγτπκδμ
64c1-3) Jaacute que pretendemos capturar o bem na vida mista ou melhor seus efeitos na vida
vista antes foi necessaacuterio das as principais indicaccedilotildees daquilo que ele possa ser tudo aquilo
ὃuἷΝὀὰὅΝἵὁὀὅiἶἷὄamὁὅΝldquoἴὁmrdquoΝἷΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝmaὀifἷὅtaὦὴἷὅΝhiἷὄaὄὃuizar os bens
dessa vida mista
Por fim a classificaccedilatildeo dos bens o ranking da composiccedilatildeo da vida boa apresentado
no final do Filebo (66a-67b) eacute assim disposto (i) a medida e o que eacute medido (π λ ηΫ λκθΝεα
ηΫ λδκθ) e as coisas desse tipo (ii) proporccedilatildeo beleza perfeito o suficiente e seus
correlatos familiares (π λ τηη λκθΝεα εαζ θΝεα Ϋζ κθΝεα εαθ θΝεα πΪθγ᾽ πσ αΝ
μΝΰ θ μΝα ατ βμΝ έθ)νΝ(iii)ΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ(θκ θΝεα φλσθβ δθ) ndash neste
caso natildeo nos desviariacuteamos muito da verdade ( δγ μΝκ εΝ θΝηΫΰαΝ δΝ μΝ ζβγ έαμΝπαλ ιΫζγκδμ)
(iv) conhecimentos as teacutecnicas e opiniotildees corretas ( πδ άηαμΝ Νεα ΫξθαμΝεα σιαμΝ λγ μ)
coisas ditas proacuteprias da alma ( μΝουξ μΝα μΝ γ η θ) ndash depois das que estatildeo em terceiro
estas satildeo mais aparentadas com o bem do que o prazer ( π λΝ κ ΰαγκ ΰΫΝ δΝη ζζκθΝ
μΝ κθ μΝ υΰΰ θ ) (v) os prazeres indolores ( ζτπκυμ) e os chamados de puros (εαγαλ μ)
pertencentes agrave proacutepria alma e que acompanham os conhecimentos e algumas sensaccedilotildees
( πκθκηΪ αθ μΝ μΝουξ μΝα μΝ πδ άηαδμΝ μΝ α γά δθΝ πκηΫθαμ)
199 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer
CONCLUSAtildeO
O prazer no supracitado diaacutelogo demonstrou toda a sua potecircncia enquanto uma
questatildeo filosoacutefica de alto niacutevel sendo capaz de enfrentar frente-a-frente cara-a-cara o proacuteprio
pensamento Diversos recursos foram utilizados por Soacutecrates para se livrar da indeterminaccedilatildeo
do prazer do seu caraacuteter ilimitado de tal modo que fosse possiacutevel suavizar toda a sua forccedila
na vida humana Prazer unidade que se torna pensaacutevel a partir de uma multiplicidade de
prazeres de uma Ϋα O ilimitado que restringe a atividade dialeacutetica natildeo se impotildee a essa
ldquovὁὀtaἶἷΝἶἷΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝὅὁἵὄὠtiἵaΝἷlἷΝὧΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷlἷΝὧΝaΝὂὄὰὂὄiaΝvaliἶaἶἷΝaΝὂὄὰὂὄiaΝlἷgitimiἶaἶἷέΝ
ἠatildeὁΝhὠΝumaΝmἷἶiἶaΝἷὅtὄitaΝἶaἶaΝaὅὅimΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὲmἷtὄὁΝgὄafaΝumΝldquoἷὅtaἶὁΝfἷἴὄilrdquoΝ
a partir dos 37 graus e meio centiacutegrados natildeo haacute mais quente e mais frio natildeo haacute hipotermia
hipertermia ou estado neutro natildeo podemos esquecer que estamos diante de uma
ἵlaὅὅifiἵaὦatildeὁΝhiἷὄὠὄὃuiἵaΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶiὐΝ ldquoiὅὅὁΝὧΝ iὅὅὁrdquoΝ iὅὅὁΝὧΝ fὄiὁΝ iὅὅὁΝὧΝmὁὄὀὁΝ iὅὅὁΝὧΝ
quente mas o caso do prazer exige relaccedilotildees hieraacuterquicas complexas mediante as estruturas
complexas do psiquismo humano e as dimensotildees do desejo ambos avaliativos ambos
recorrendo a uma avaliaccedilatildeo impliacutecita do bem do bom do uacutetil do melhor
Apenas o pensamento eacute capaz de impor limite ao prazer o pensamento conhece essa
relaccedilatildeo entre ΰΫθ δμ e κυ έα ele pode transformar algo que eacute puro devir pura geraccedilatildeo em
ser a vida natildeo pode ser caoacutetica ela natildeo eacute caoacutetica por mais confusa que possa ser ela
necessita ser ainda que tatildeo precaacuteria uma vida e natildeo um estado inerte desprovido de
movimento pois o pensamento eacute movimento puro que busca um sentido orientador a todo o
momento Haacute tambeacutem o prazer os prazeres e a vida Vida humana vida mista de prazer e
de inteligecircncia O prazer eacute uma dimensatildeo da vida natildeo podemos negaacute-la nem Platatildeo teria
feito isso muito pelo contraacuterio demonstrou toda a sua forccedila nesse movimento contiacutenuo que
eacute a vida e que soacute cessa sua atividade pela morte no sentido estritamente fisioloacutegico ou no
ὅἷὀtiἶὁΝmἷtafὰὄiἵὁΝἶaΝldquomὁὄtἷΝfilὁὅὰfiἵardquoΝὃuἷΝaὀtἷἵiὂaΝὀaΝmἷἶiἶaΝἶὁΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷmΝlaὄga escala
ἷὅὅaΝldquovivecircὀἵiaΝἶiviὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἶaΝὂἷὄmaὀecircὀἵiaΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝaἶὃuiὄἷΝ
isto eacute sua natildeo-fugacidade mas seu prazer isso mesmo o prazer do pensar como
ldquoliἴἷὄtaὦatildeὁrdquoΝἵὁmὁΝumΝἶἷὅligamἷὀtὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaέ
A bela φλκ έ β de Filebo foi derrotada O limite conseguiu dominar completamente
o prazer ou apenas moderaacute-lo Questatildeo que permanece em aberto Ele continua sendo esse
desejo que quer se afirmar a todo instante enquanto o proacuteprio gozo da existecircncia a alegria o
deleitaacutevel o carpe diem O prazer entrou na batalha mas natildeo foi de tudo nocauteado ele
permanece enquanto uma dimensatildeo da proacutepria vida passou de bom e foi colocado na disputa
ὂἷlὁΝἴἷmΝfὁiΝaὀaliὅaἶaΝὅuaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὅἷΝtὁὄὀὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷm vista do
200 Conclusatildeo
ὅἷὄrdquoΝἶiὅἵὄimiὀaἶὁΝἷmΝfalὅὁὅΝἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁὅΝfὁiΝἵὁlὁἵaἶὁΝἶiaὀtἷΝfὄἷὀtἷ-a-frente com seu oposto
a dor e teve a coragem suficiente para enfrentar o pensamento
Tambeacutem o conhecimento possui suas intermitecircncias no diaacutelogo na combinaccedilatildeo da
mistura fiὀalΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὀatildeὁΝ hἷὅitaΝ ἷmΝ ἷvὁἵaὄΝ ὁὅΝ ἶἷlἷὅΝ ὂὄimἷiὄὁΝ ἒiὁὀiacuteὅiὁΝ ldquoὁΝ ἶἷuὅΝ ἶaΝ
ἷmἴὄiaguἷὐrdquoΝὂἷlὁΝὃualΝfiguὄaΝaΝmiὅtuὄaΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝὅuaΝὂὄὰὂὄiaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὀaΝὃualΝ
a forma dessa boa vida ainda permanece em aberto e que na visatildeo platocircnica deve lidar com
essa dialeacutetica em torno da pergunta fundamental do bem viver por isso segundo Hefesto o
deus da teacutecnica tambeacutem preside juntamente agravequele deus supracitado (61c) o deus que
ἵaὄὄἷgaΝἵὁὀὅigὁΝaΝmaiὅΝaltaΝldquotekhnologiardquoΝὅaliἷὀtaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝmiὅtura natildeo pode ser
uma mistura qualquer e que cabe a noacutes pela forccedila do pensamento submeter ao exame
constantemente essa vida e o prazer Nem sempre nos importamos sobre o modo como essa
mistura eacute feita Dessa maneira raramente ele eacute uma boa mistura Se Soacutecrates estaacute certo se
a mistura soacute eacute boa quando dosamos corretamente os ingredientes prazeres e conhecimentos
quando refletimos por intermeacutedio do pensamento natildeo soacute sobre os ingredientes mas
principalmente sobre a forma como se deve operar essa dosagem contiacutenua Acerca do valor
dessa mistura o pensamento tem prevalecircncia sobre o prazer haja vista sua semelhanccedila com
o intelecto divino sendo atribuiacutedo o segundo precircmio agrave causa o prazer jaacute natildeo pode mais
lamentar
Ainda que nossa existecircncia esteja submetida ao devir ela necessita ser algo uma vida
minimamente organizada que seja de fato uma vida o fluxo contiacutenuo natildeo eacute nada ele eacute pura
ΰΫθ δμ mas a vida enquanto mistura de elementos do mesmo modo que o universo eacute
geraccedilatildeo para o ser isso porque tanto o universo como a vida particular dos indiviacuteduos torna
possiacutevel a ordem porque ambos possuem alma possui razatildeo inteligibilidade um modo de
funcionamento de regularidade proacutepria originaacuteria e belamente disposta Contudo no curso
da vida humana noacutes indiviacuteduos perdemos essa bela combinaccedilatildeo ultrapassando os limites de
nossa proacutepria condiccedilatildeo invertendo os papeacuteis tomando aquilo que eacute ilimitado pelo limite
A dificuldade de se compreender o prazer no Filebo a meu ver e o que o torna um
dos diaacutelogos mais aprofundados de Platatildeo ndash caracteriacutestica que gerou uma seacuterie de
infidelidades a esse texto platocircnico ndash um diaacutelogo rigoroso e que exige toda cautela de qualquer
inteacuterprete que deseja adentrar as linhas desse diaacutelogo eacute que alguns prazeres satildeo de fato
ilimitados outros devem ser sempre ilimitados outros geralmente satildeo ilimitados e alguns
poucos satildeo por natureza limitados (DAVIDSON 1990 p 185-187)
O Filebo demonstrou as insuficiecircncias do prazer e dos conhecimentos enquanto
candidatos ao bem e consequentemente a uma vida boa Nem um nem outro podem
sozinhos realizar essa justa composiccedilatildeo O que seraacute feito agora do pensamento Perdeu todo
o seu valor E os louvores e exaltaccedilotildees agrave vida mais divina de todas ao pensamento puro agrave
potecircncia da dialeacutetica e vontade de verdade socraacutetico-platocircnica O pensamento natildeo se livra
201 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer
do prazer pois na vida humana toda as coisas aspiram pelo bem pelo bom e deseja esse
ldquoἴὄilhὁrdquoΝἷὅὅaΝἴἷlἷὐaΝὂὄὁvἷὀiἷὀtἷΝἶἷὅtaΝjuὅtaΝἵὁmὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝumΝldquomὁἶἷlὁΝ
de vidardquoΝὃuἷΝaὦatildeὁΝhumaὀaΝἶἷvἷὄὠΝὄἷἵuὂἷὄaὄΝaὁΝὅaiὄΝἶaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁέΝἑὁmὁΝliἶaὄΝἵὁmΝἷὅὅἷΝ
ὅἷὄΝὃuἷΝἴuὅἵaΝὅἷὄΝἷmΝtὁtaliἶaἶἷΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝumΝὅἷὄΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝὃuἷΝὅἷΝmaὀtὧmΝὀἷὅὅἷΝ
sensiacutevel
O pensamento soacute pode reivindicar para si o fato de estar prioritariamente na escala
hieraacuterquica dos bens acima do prazer enquanto capaz de promover essas combinaccedilotildees
esses arranjos de uma melhor forma ou seja ele estaacute no princiacutepio de uma vida melhor Ele
natildeo apenas delimita a correta fruiccedilatildeo dos prazeres mas sua potecircncia seu desejo pelo
verdadeiro o insere em um movimento criativo que desafia a temporalidade natural
transcendendo-a em direccedilatildeo agravequilo que lhe eacute mais relevante do que apenas organizar o
ὀatuὄalΝmaὅΝἶἷὀtὄὁΝἶaὅΝὄἷgὄaὅΝἶὁΝldquojὁgὁΝἶaΝviἶardquoΝὂἷὄἵἷἴἷὄΝumaΝfὁὄmaΝἶἷΝtὄansgredi-las sem
portanto se ausentar deste jogo e sem romper com aquilo que natildeo pode ser rompido Estou
falando aqui da forccedila criativa do pensamento que vai em busca sempre do melhor que natildeo
se basta que natildeo aceita a fugacidade das afecccedilotildees psico-corporais das afecccedilotildees e das
antecipaccedilotildees dos prazeres mas que se torna mais atento agravequilo que ele eacute ou melhor aquilo
que a alma eacute propriamente inteligiacutevel
ἢὁὄΝiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝldquoὄἷἵἷitaΝὂὄὁὀtardquoΝὀἷὀhumΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὁἶἷΝgaὀhaὄΝἷὅὅἷΝjὁgὁΝὀἷὀhumΝ
dos dois cessam eles continuam natildeo cessam nem na vida e nem na morte Se olhamos agrave
distacircncia tudo parece muito oacutebvio e a impostura nos confunde pois a vida eacute sorridente bela
o prazer nos enfeiticcedila mas caso escolhamos essa limitaccedilatildeo da vida temos tambeacutem que
aceitar a corrupccedilatildeo o seu contraacuterio o que natildeo eacute morte mas uma indefinida corrupccedilatildeo uma
fugacidade extrema e por isso caoacutetica Talvez seja necessaacuterio natildeo salgar tanto o pranto e
natildeo adoccedilar demais a alegria e aceitar o quatildeo desesperador possa ser essa vida mista
humaὀaΝὂὁὄὃuἷΝaiὀἶaΝὀatildeὁΝalἵaὀὦamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoὂaἶὄatildeὁΝἶὁὅaἶὁὄrdquoΝἵὁὄὄἷtὁέΝἥiὀtὁΝiὀfὁὄmaὄΝmaὅΝ
teremos que voltar pois sequer acabamos e talvez natildeo se queira que nem mesmo acabemos
ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ldquoὀἷmΝ aὂὁὄiardquoΝ ldquoὀἷmΝ ἵὁὀἵluὅatildeὁrdquoΝ ὁΝ Filebo resiste a essas duas classificaccedilotildees
habitualmente destinadas agrave classificarem os Diaacutelogos Mas nem tudo estaacute perdido se
juntarmos os cacos dos prazeres as falhas do prazer e dos conhecimentos talvez desses
cacos resulte uma boa mistura algo que manifeste esta beleza porque toda a discussatildeo nos
dirigiu a uma espeacutecie a umaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquo (εσ ηκμ δμ υηα κμ λιπθ εαζ μ)
para comandar um corpo animado (64b) poreacutem natildeo haacute ningueacutem a quem possamos
responsabilizar a natildeo ser noacutes mesmos O filoacutesofo eacute essa espeacutecie de juiz um expert que pode
reivindicar para si que sua vida eacute a vida boa mas que ele pode presidie tendo a inteligecircncia
alcanccedilado o segundo precircmio por meio dos conhecimentos que dispotildee ndash dentre eles
fundamentalmente a dialeacutetica mas natildeo apenas jaacute que se trata de uma vida mista de prazer e
conhecimento ndash uma vida melhor uma vida feliz aquela que possui maior valor e mais
202 Conclusatildeo
ldquoaὂaὄἷὀtaἶardquoΝἵὁmΝὁΝmaiὁὄΝἴἷmΝὂaὄaΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝἷΝὂaὄaΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂὁiὅΝὀὁὅΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)
Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do
que temos de fabricar e amalgamar na ὂὄὁἶuὦatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ἶiὐἷὄΝ ἴἷlamἷὀtἷrdquoέ(Ν (έέέ)Ν η θΝ
φλκθά υμΝ Νεα κθ μΝπΫλδΝπλ μΝ θΝ ζζάζπθΝη ῖιδθΝ δμΝφαέθΝεαγαπ λ βηδκυλΰκῖμΝ ηῖθΝ
ιΝ θΝ θΝκ μΝ ῖ βηδκγλΰ ῖθΝ δΝπαλαε ῖ γαδΝεαζ μΝ θΝ ζσΰ π δεΪακδrdquo)Ν(ἃλἶ-e) Soacutecrates
coloca na boca de Protarco a necessidade de parar 67b11-13 antes que as forccedilas daquele
homem-filoacutesofo (Soacutecrates) se esgotem e talvez as proacuteprias forccedilas de Protarco jaacute tambeacutem se
findaram num outro momento retornaremos aos assuntos que aqui foram tratados Eacute preciso
agora parar Assim soa o imperativo impliacutecito na fala do interlocutor jaacute que tambeacutem as nossas
forccedilas tambeacutem possam ter chegado ao limite para depois retornar ao que aqui foi exposto
pois
() coisas ainda restam ( έ ὰ ιπό α)
(67b12-13)
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219 Anexos
ANEXOS
Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo251
Ignorar completamente os acentos bem como a distinccedilatildeo entre longas e breves
251 (Cf ARCHAI (2014) Novas Normas de Transliteraccedilatildeo Archai ndeg 12 p 193)
220 Lista de Abreviaccedilotildees
Lista de Abreviaccedilotildees252
Platatildeo
Pl = Plato (Platatildeo)
Alc 1 = Alcibiades 1 (Primeiro Alcibiacuteades)
Ap = Apologia (Apologia de Soacutecrates)
Cra = Cratylus (Craacutetilo)
Cri = Crito (Criacuteton)
Ep = Epistulae (Cartas)
Epigr = Epigrammata
Euthd = Euthydemus (Eutidemo)
Euthphr = Euthyphro (Eutiacutefron)
Epin = Epinomis (Epinomis)
Grg = Gorgias (Goacutergias)
HpMa = Hippias Major (Hiacutepias Maior)
Ion = (Iacuteon)
Lg = Leges (As Leis)
Men = Meno (Mecircnon)
Phd = Phaedo (Feacutedon)
Phdr = Phaedrus (Fedro)
Phlb = Philebus (Filebo)
Plt = Politicus (Poliacutetico)
Prm = Parmenides (Parmecircnides)
Prt = Protagoras (Protaacutegoras)
R = Respublica (A Repuacuteblica)
Smp = Symposium (O Banquete)
Sph = Sophista (Sofista)
Tht = Theaetetus (Teeteto)
Ti = Timaeus (Timeu)
Demais autores claacutessicos
Arist = Aristotle (Aristoacuteteles) Metaph = Metaphysica (Metafiacutesica) Ph = Physica (Fiacutesica)
252 O uso das abreviaccedilotildees aqui apresentado segue o Greek-English Lexicon (LSJ) acessiacutevel em httpwwwstoaorgabbreviationshtml
221 Lista de Abreviaccedilotildees
Po = Poetica (Poeacutetica) Pol = Politica (Poliacutetica) Rh = Rhetorica (Retoacuterica) Diog Laert = Diocircgenes Laecircrtios (Dioacutegenes Laeacutercio) X = Xenophon (Xenofonte) Ap = Apologia Socratis (Apologia de Soacutecrates) Mem = Memorabilia (Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates) Oec = Oeconomicus (Econocircmico) Smp = Symposium (Banquete) Sapph = Sappho (Safo) Mimn = Mimnermo (Mimnermo) Hom = Homerus (Homero) Il = Ilias (Iliacuteada) Od = Odyssea (Odisseacuteia) Hes = Hesiodus (Hesiacuteodo) Th = Theogonia (Teogonia) Dam = Damascius (Damaacutescio)
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