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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Educação
PEDRO RIGOLO FILHO
POBREZA E PATRIMÔNIO Problemas sociais reconvertidos em apostolado por
religiosas franciscanas
CAMPINAS
2019
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PEDRO RIGOLO FILHO
POBREZA E PATRIMÔNIO Problemas sociais reconvertidos em apostolado por
religiosas franciscanas
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual
de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção
do título de Doutor em Educação, na
área de concentração de Educação.
Orientadora: AGUEDA BERNARDETE BITTENCOURT
ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE
DEFENDIDA PELO ALUNO PEDRO RIGOLO FILHO E ORIENTADA
PELA PROFA. DRA. AGUEDA BITTENCOURT
CAMPINAS 2019
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
POBREZA E PATRIMÔNIO Problemas sociais reconvertidos em apostolado por
religiosas franciscanas
Autor: PEDRO RIGOLO FILHO
COMISSÃO JULGADORA:
Profª Doutora Agueda Bernardete Bittencourt
Prof. Doutor Afonso Tadeu Murad
Prof. Doutor Evaldo Amaro Vieira
Prof. Doutor Luiz Roberto Benedetti
Profª Doutora Maria do Carmo Martins
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2019
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AGRADECIMENTOS
Ao finalizar este trabalho, manifesto minha gratidão a todos aqueles que me foram
próximos neste período de estudos.
Aos funcionários e professores da pós-graduação da Faculdade de Educação, que tive
o prazer de conhecer durante o curso de doutorado. Especialmente aos professores e
amigos do Grupo Focus, pelo compartilhamento de saberes ocorrido nos vários
encontros e, especialmente, pelos debates sobre o projeto de pesquisa desta tese, e,
igualmente, aos colegas orientandos que leram partes dela.
À professora Agueda Bernardete Bittencourt, pelos ensinamentos e pela orientação da
tese, pela amizade e afeto ao longo desses anos.
A Luís Roberto Benedetti e Maria do Carmo Martins, professores integrantes da banca
de qualificação, pelas preciosas orientações e pelo incentivo acadêmico.
Aos amigos e amigas do Projeto Temático: Congregações Católicas, Educação e
Estado Nacional, especialmente aos assessores, professores Leticia B. Canêdo e
Ernesto Seidl, que leram e comentaram o primeiro esboço desta tese.
Às amigas Maria Aparecida Custódio, Paula Leonardi, Angela Xavier de Brito e Alzira
Colombo, que comigo compartilharam seus livros, frutos de suas pesquisas, os quais
muito enriqueceram esta tese. Também aos amigos Domingos Barbosa e Rafael
Capelato, que me enviaram, da Europa, livros indisponíveis no Brasil.
À Conferência dos Religiosos do Brasil, especialmente à Irmã Maria Inês Ribeiro e ao
Irmão Lauro Darós, pelas orientações sobre congregações religiosas e pelo
compartilhamento do acervo digital da Revista Convergência, quando ainda estava em
fase de implantação.
À Irmã Mercedes Darós, conhecedora e especialista do Direito dos Religiosos, pelas
pontuais orientações para a compreensão do processo de institucionalização das
congregações brasileiras.
Aos frades Menores Capuchinhos da Província da Imaculada Conceição, que me
autorizaram a acessar livros e fontes franciscanas alusivas ao período estudado,
conservadas no Centro de Espiritualidade Franciscana, na cidade de Piracicaba.
Especialmente à bibliotecária Araci Lopes, pela sua disponibilidade e acolhida, todas
as vezes em que solicitei seu apoio.
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Aos responsáveis pelo Arquivo Arquidiocesano de Campinas, pelo acesso aos
documentos relativos ao objeto desta tese, especialmente à senhora Maria Abadia C.
de Melo, sua arquivista.
À Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, nas pessoas das duas
últimas superioras gerais, Irmãs Irmã Madalena Calgarôto e Salete Bozzan, que me
permitiram aceder aos documentos do Arquivo das casas de Piracicaba e do Governo
Geral em Campinas, e, especialmente, à Irmã Maria Alice da Silva, secretária geral e
responsável pelo Arquivo da Congregação, pelo acolhimento e amizade a mim
dispensados nesses anos.
Ao amigo professor Antônio Euler Lopes Camargo, pelo apoio, interesse e incentivo ao
desenvolvimento desta tese.
Aos amigos e amigas que se dispuseram a ler o texto, sugerindo e modificações
correções que o enriqueceram.
Guardo com carinho a viva lembrança da amiga, que tanto me incentivou a fazer o
doutorado, Rita Cundari, cuja a enorme distância que nos separava e o agravamento
de sua doença, nos privaram do último abraço.
Aos meus familiares, pelo apoio e compreensão incondicionais, principalmente nos
momentos em que não pude estar com eles. Especialmente, à minha esposa Maria
Aparecida, companheira querida e sempre presente nesta caminhada acadêmica. A
vocês dedico esta tese!
Por fim, agradeço, especialmente, a FAEPEX – Pró-Reitoria de Pesquisa da
UNICAMP pelo parcial apoio concedido na finalização da tese.
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Para agradar melhor a Deus, devem dedicar-se à
caridade, acolhendo e dedicando-se a órfãs e crianças
desvalidas. Desse modo, também o povo as ajudará de
boa vontade. (PEDROSO, 1996, p. 15)
Longe de serem escritores, (...), os leitores são
viajantes; circulam nas terras alheias, nômades
caçando por conta própria, através dos campos que não
escreveram, arrebatando os bens do Egito para usufruí-
los. A escrita acumula, estoca, resiste ao tempo pelo
estabelecimento de um lugar, e multiplica a sua
produção pelo expansionismo da reprodução. A leitura
não tem garantias contra os desgastes do tempo (a
gente se esquece e esquece), ela não conserva ou
conserva mal a sua posse, e cada um dos lugares por
onde ela passa é repetição do paraíso perdido.
(CERTEAU, 1990, p. 269-270)
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RESUMO
Esta pesquisa aborda o processo de institucionalização e a constituição do patrimônio de uma associação leiga e feminina, ligada à Ordem Terceira de São Francisco, na cidade de Piracicaba, que foi transformada na Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, uma das primeiras fundações brasileiras. Como nas congregações imigradas, obteve sucesso apresentando-se como pobre e servidora dos pobres e colocando-se a serviço da sociedade e dos projetos eclesiásticos, o que obrigou as freiras a se clericalizarem e a ressignificarem seus projetos. Ao se engajar no projeto romanizado, construiu sua visibilidade por meio de empreendimentos escolares, hospitalares e para o cuidado de vulneráveis, o que lhes possibilitou constituir significativo patrimônio econômico-financeiro, expressão do reconhecimento civil, o qual deve ser visto como representação dos patrimônios sociocultural e espiritual, derivantes um do outro. A tese destaca a trajetória de Irmã Cecília do Coração de Maria que, por haver mantido consigo sua filha primogênita e que lhe inspirava cuidados, viu-se obrigada a afastar-se de suas funções e a viver em prédio contíguo ao convento, sem, no entanto, perder seu status religioso. Ali viveu sua consagração e exerceu a maternidade até 1947, quando, já doente, foi reintegrada na comunidade religiosa, falecendo três anos depois, aos 98 anos. Após sua morte, e com o avanço da secularização e da laicização no Brasil, a organização buscou adequar-se às exigências legais, principalmente aquelas relativas à qualificação dos profissionais atuantes nas escolas e nos hospitais. Coincidiram com esse movimento as orientações do Decreto Perfecatae Caritatis, do Vaticano II, que propunham a atualização das organizações religiosas para enfrentarem os desafios da modernidade. Nesse processo de releitura, a Congregação reinventou o seu modo de ser missionária e reconstruiu o lugar de Irmã Cecília como fundadora, freira e mãe espiritual das religiosas, encaminhando à Santa Sé o pedido de sua canonização, um de seus mais significativos investimentos. Esta tese elege como fontes: os documentos da Congregação, especialmente uma série de Relatórios sexenais, revistas comemorativas, estatísticas e relatos históricos; documentos eclesiásticos; documentos civis: escrituras, registros de imóveis, entre outros, e a biografia oficial da fundadora. As análises e as demonstrações tiveram por referência teórica conceitos criados ou operados por Max Weber e Pierre Bourdieu, Michel de Certeau, Jacques Le Goff, Jacques Lagroye, Claude Langlois e Ana Yetano Laguna. Palavras-chave: Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Congregações religiosas - Brasil. Igreja e Estado - Brasil. Secularização e Laicização. Irmã Cecília do Coração de Maria.
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ABSTRACT
POVERTY AND PATRIMONY Social problems reconverted in apostolate by franciscan nuns
The aim of this thesis is to present the process of institutionalization and the constitution of the patrimony of a lay and feminine association, linked to the Third Order of Saint Francis, in the city of Piracicaba, which was transformed into the Congregation of the Franciscan Sisters of the Heart of Mary, one of the first brazilian foundations. As in the case of congregations which were migrated to Brazil, it was successful at presenting itself as poor and servant of the poor, in serving society and ecclesiastical projects, which forced the nuns to resignify their projects, making them clerical. By engaging in the romanized project, it built their visibility through educators, hospitals and care of the vulnerables, which allowed to constitute a significant economic and financial patrimony, an expression of civil recognition. This can be considered as a representation of the socio-cultural and spiritual patrimony, which derive from each other. This thesis highlights the trajectory of Sister Cecília of the Heart of Mary, who by having kept her firstborn daughter and caring for her, found herself obliged to leave her duties and to live in a building adjacent to the convent, without, however, losing their religious status. There she lived her consecration and practiced motherhood, until 1947, when already being sick, she was reintegrated into the religious community, dying three years later, at the age of 98. After her death and with the advancement of secularization and laicization in Brazil, the organization sought to adapt to the legal requirements, especially those related to the qualification of professionals working in schools and hospitals. It coincided with this movement, the guidelines of Vatican II's Decree Perfecatae Caritatis, which proposed updating religious organizations to face the challenges of modernity. In this process of rereading, the Congregation reinvented their way of being a missionary and rebuilt the place of Sister Cecília as foundress, religious and spiritual mother of the nuns, sending the Holy See request for her canonization, one of its their most significant investments. This thesis chooses as sources: the documents of the Congregation, especially a series of sexennial reports, commemorative magazines, statistics and historical reports; ecclesiastical documents; civil documents: scriptures, real estate records, among others and the official biography of the founder foundress. Meanwhile, the analyzes and demonstrations had the theoretical reference by concepts created or operated by Max Weber and Pierre Bourdieu, Michel de Certeau, Jacques Le Goff, Jacques Lagroye, Claude Langlois and Ana Yetano Laguna.
Keywords: Congregation of Franciscan Sisters of the Heart of Mary. Religious Congregations – Brazil. Church and State – Brazil, Secularization and Laicization. Sister Cecília of the Heart of Mary.
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RÉSUMÉ PAUVRETÉ ET PATRIMOINE Problèmes sociaux convertis en apostolat par des religieuses franciscaines Cette recherche traite à la fois du processus d’institutionnalisation et de constitution du patrimoine d’une association laïque féminine reliée au Tiers-Ordre de Saint François dans la ville de Piracicaba, postérieurement transformée en Congrégation des Sœurs Franciscaines du Cœur de Marie, l’une des premières fondations brésiliennes. Comme la plupart des congrégations immigrées, son succès est dû au fait qu’elles se sont présentées comme une congrégation pauvre qui servait les pauvres, en se plaçant au service de la société et des projets ecclésiastiques, ce qui a obligé les sœurs à se cléricaliser et à attribuer une autre signification à leurs projets. Quand elles se sont engagées dans le projet romanisé, elles ont construit leur visibilité à travers d’entreprises scolaires et hospitalières, et également aux soins des personnes vulnérables. Cela leur a permis d’accumuler un patrimoine économico-financier assez significatif, expression de la reconnaissance civile qui doit être vue comme une représentation de leur patrimoine socioculturel et spirituel, deux aspects reliés l’un à l’autre. La thèse met en exergue la trajectoire de Sœur Cécilia du Cœur de Marie, supérieure de la congrégation, laquelle a voulu garder avec elle sa fille aînée, qui lui inspirait des soins. Pour cette raison, elle s’est vue forcée à s’éloigner de ses fonctions et à vivre dans un bâtiment attenant au couvent, sans perdre néanmoins son statut religieux. Elle y a vécu sa consécration tout en exerçant également la maternité jusqu’en 1947, quand, déjà malade, elle a été réintégrée à la communauté religieuse, ayant décédé trois ans plus tard, à 98 ans. Après sa mort, et avec les progrès de la sécularisation et laicization au Brésil, l’organisation a cherché à s’adapter aux exigences légales, principalement celles attachées à la qualification de celles de ses sœurs qui travaillaient en tant que professionnelles dans les écoles et dans les hôpitaux. Ce mouvement a coïncidé avec les orientations du Décret Perfectae Caritate, du Vatican II, qui proposait aux congrégations religieuses de s’actualiser, pour qu’elles puissent faire face aux défis de la modernité.Au long de ce processus de relecture, la congrégation a réinventé sa façon d’être missionnaire et a reconstruit la place de Sœur Cecília en tant que fondatrice, sœur et mère spirituelle des religieuses, acheminant au Saint Siège la demande pour sa canonisation, l’un de ses investissements les plus significatifs. Les principales sources de cette thèse sont: les documents de la Congrégation, spécialement toute une série de rapports réalisés tous les six ans, de revues commémoratives, de statistiques et de récits historiques; de documents ecclésiastiques et de documents civils, tels des écritures et des contrats d’enregistrement d’immeubles, entre autres. La biographie officielle de la fondatrice en a également servi de soubassement. Les analyses et les démonstrations ont été théoriquement fondées sur des concepts créés ou opérés par Max Weber, Pierre Bourdieu, Michel de Certeau, Jacques Le Goff, Jacques Lagroye, Claude Langlois et Ana Yetano Laguna.
Mots-clés: Congrégation des Sœurs Franciscaines du Cœur de Marie. Congrégations religieuses - Brésil. Eglise et Etat. Sécularisation et Laicization. Sœur Cecília du Cœur de Marie.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13
CAPÍTULO I - O movimento congregacional: das experiências múltiplas à
congregação religiosa ....................................................................................................... 27
1. A construção do espaço eclesial feminino oficioso ................................................... 27
2. As associações femininas oficiosas convertidas em congregação religiosa ............. 38
3. A plástica reinvenção da organização religiosa ........................................................ 43
4. As congregações religiosas imigradas no Brasil ....................................................... 46
5. As congregações imigradas segundo o modelo das associações oficiosas .............. 55
6. O predomínio das congregações francesas e italianas ............................................. 63
7. As congregações brasileiras ..................................................................................... 66
CAPÍTULO II - A institucionalização de uma proposta feminina .................................... 81
1. As transformações decorrentes da romanização ...................................................... 81
2. A criação da diocese de Campinas ......................................................................... 85
3. Os franciscanos em Piracicaba ................................................................................ 88
4. De Associação de mulheres à Congregação, um projeto capuchinho ..................... 92
5. A disputa jurisdicional entre os bispos e os frades sobre a Congregação ............... 102
6. A organização da Congregação: uma rede de casas com diversificados serviços . 111
7. As diferentes frentes da missão.............................................................................. 116
Capítulo III - A ressignificação do trabalho como patrimônio ...................................... 133
1. As condições sociais propícias ao desenvolvimento das congregações ................. 133
2. A formação para a missão ...................................................................................... 135
3. A ressignificação do trabalho como nova clausura e como forma de pregação ...... 139
4. O franciscanismo, a pobreza e o trabalho .............................................................. 146
5. A espiritualidade da pobreza e a gestão racionalizada das obras ........................... 150
6. O “sacrifício” imposto às casas com obras conveniadas ........................................ 157
7. A expansão ao Sul: uma nova frente missionária .................................................. 164
8. O trabalho como dote religioso ............................................................................... 175
CAPÍTULO IV - A Urupuca da Cabocla – Releituras ...................................................... 189
1. Os impactos da secularização e da laicização na Congregação............................. 191
2. O franciscanismo como facilitador das necessárias rupturas .................................. 198
3. A intervenção pontifícia como resposta a resistência às mudanças ....................... 202
4. As releituras sobre a Congregação ........................................................................ 208
5. As releituras sobre Irmã Cecília .............................................................................. 222
7. A Congregação religiosa, herdeira de Mamãe Cecília ............................................ 236
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 239
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 245
13
INTRODUÇÃO
Esta tese versa sobre o processo de formação e a posterior reconversão de um
grupo da Terceira Ordem Franciscana em uma das seis primeiras congregações
brasileiras: a Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria1 ocorrido
no início século XX. Essa reconversão se insere no movimento de reorganização da
Igreja brasileira, segundo os ditames da romanização, quando as congregações,
imigradas e nacionais avaliaram que colocar seus efetivos e estruturas a serviço do
projeto eclesiástico de reaproximação do Estado brasileiro lhes possibilitaria
expandir suas casas e obras, ampliando assim o seu patrimônio sociocultural.
Ela foi inspirada no projeto “Congregações Católicas, Educação e Estado Nacional
no Brasil (1840-1950)”, da Faculdade de Educação da Unicamp, o qual integramos
até a sua conclusão, no ano de 2017, projeto coordenado por Agueda B.
Bittencourt2. Seu objetivo não visava a história religiosa, mas compreender a
contribuição de organizações católicas e femininas na construção da sociedade
brasileira, especialmente na educação, na saúde e no atendimento aos vulneráveis,
indicando o forte envolvimento o político da Igreja Católica e de suas organizações3
1 No contato com os vários documentos pesquisados encontramos diferentes títulos dessa organização, os quais podem ser justificados pelas muitas mudanças canônicas e também porque nem todos foram escolhas das religiosas. Ao longo dos quase 120 anos 20 nomes diferentes existiram até a efetivação do seu nome atual. (MARCON, 1992, IV, 113-114).
Na transcrição dos excertos dos documentos atualizamos, em toda a tese, os textos para o português moderno. 2 O projeto teve como objetivo mapear as congregações religiosas imigradas e brasileiras desde a segunda metade do século XIX, as quais se envolveram com o projeto da Igreja Católica para o Brasil, em pleno período da romanização, quando colaboraram especialmente nos campos da educação e da saúde através de parcerias com o Estado e setores da elite, o qual resultou no Banco de Dados.. Ao final do projeto foi publicado o texto “A era das congregações - pensamento social, educação e catolicismo”, de Agueda B. Bittencourt, Revista Pro-Posições, v. 28, n. 3, p. 29-59, fev. 2018.
O Banco de Dados está ddisponível no site do Grupo Focus - UNICAMP em: https://www.focus.fe.unicamp.br/projetos-tematicos/congregacoes-catolicas-educacao-e-estado-nacional. Acesso em: 28 nov. 2017.
A partir deste momento, nos referiremos a este Banco com a expressão “Banco de dados”. 3 Usamos a nomenclatura organizações e organismos para nos referir às congregações religiosas como parte integrante da instituição Igreja Católica Apostólica Romana. Instituição e organização não são conceitos fáceis de serem definidos, pois há diferentes vertentes interpretativas que identificam
14
na formação da Nação brasileira. Ao assimilarmos o escopo do projeto e ao nos
apropriarmos das referências bibliográficas, tomamos consciência de que as
congregações, ao exercerem as suas devidas ações, segundo o roteiro predefinido
pelo clero, com claras instruções e protocolos a serem seguidos, se constituíam
produtoras de sentido. Possuidoras de cultura própria e feminina, elas indicavam
outras possibilidades de ver e compreender a Igreja, a sociedade e o mundo.
Compreendemos isso ao tomar conhecimento da proposta metodológica presente
na obra Le catholicisme au feminin. Les congrégations françaises à supérieure
générale au XIXe siècle, de Claude Langlois, publicada em 1984, na qual o projeto
se inspirou e cujo autor foi um dos assessores do grupo de pesquisa. Nessa obra,
ele analisou minuciosamente o movimento congregacional francês do século XIX,
concluindo que, pelo fato de ter sido eminentemente constituído por mulheres, teria
dado importante contribuição para a feminização da Igreja e da sociedade francesa.
Isso teria sido possível por três razões: a primeira porque o Estado liberal, ao
descurar de inúmeros desafios sociais, acabou por e reconhecer os grupos de
mulheres leigas associadas por sentimentos religiosos com práticas caritativas
ligadas ao campo da educação, à saúde e aos cuidados de vulneráveis; a segunda
razão diz respeito ao anticlericalismo galicano, desejoso da erradicação dos
ultramontanistas e redução o catolicismo à dimensão privada e pessoal; a terceira
razão vincula-se à capacidade organizativa de um governo central forte, mas, ao
mesmo tempo, participativo e democrático, conduzido por mulheres.
um como sinônimo do outro. Entendemos Instituição como mecanismo de objetivação fundado e/ou instituído pelos sucessivos pactos sociais e construídos na longa duração e, por isso, transcendem a vontade subjetiva dos indivíduos. As instituições são apresentadas como se preexistissem desde sempre e pertencessem a ordem natural. A reprodução sistemática de sua cultura institucional, como conjunto de práticas sociais e discursivas produzidas pelas suas organizações, legitimam e consolidam o modo de ser instituído ao mesmo tempo que as relançam, as reinventam e as renovam. Por fim, elas possuem a função social objetiva de regular o comportamento da comunidade social através de suas organizações e assim construir a socialização. Por sua vez, as organizações são consideradas inventadas, criadas, por grupos de indivíduos vinculados a um propósito que materializa as propostas e ou ideologias das instituições; portanto, são circunstanciadas no tempo e no espaço. Quanto mais sólida for a organização, mais ela é aceita e identificada com a instituição. Paróquias, congregações, ordens religiosas, associações constituídas são organizações da Igreja, pois através das práticas sociais e discursivas, elas constroem a visibilidade da Igreja (LAGROYE; OFFERLÉ, 2011).
15
Em função da superioridade numérica, as freiras eram as pessoas que, de fato,
alimentavam o catolicismo e, portanto, assumiam as funções sociais da Igreja, até
então reservadas ao clero. Para o autor francês as congregações, apesar das
limitações impostas pelos eclesiásticos, se constituíam como um dos únicos espaços
permitidos para a prática feminina na sociedade francesa daquele período, ainda
fortemente marcada pela dominação masculina. Resulta daí a importância de
demonstrar quão conservadora e fechada era a sociedade francesa do século XIX, a
ponto de uma organização religiosa, pouco considerada naquela sociedade, indicar
outras possibilidades de interpretação da realidade.
A história das congregações religiosas no Brasil iniciou-se com a imigração de
organizações europeias estimuladas pelo governo imperial e pelos bispos
ultramontanos no final da primeira metade do século XIX e se intensificou com o
processo de reorganização da Igreja Brasileira a partir da proclamação da
República, possibilitando a fundação das congregações brasileiras, formadas a partir
da circulação da cultura congregacionista imigrada. A eleição do nosso objeto de
estudo, justifica-se pelas seguintes razões: o fato de ela possuir as principais
características daquele modelo de vida religiosa; ser brasileira, nascida na cidade de
Piracicaba, interior de São Paulo; ter sido fundada no ano de 1900, em pleno
processo de romanização da Igreja brasileira, sendo, portanto, uma das seis
primeiras congregações fundadas no País; ter sido fundada a partir do encontro de
dois projetos: o primeiro, oficioso, o de um grupo de mulheres leigas, lideradas por
Antônia de Macedo, dispostas a associarem-se e colocarem-se a serviço da Igreja; o
segundo, institucional, idealizado pelos frades capuchinhos italianos, chegados
recentemente na cidade de Piracicaba, os quais precisavam ampliar o número de
agentes para implantar o catolicismo romanizado; e, por fim, ter tido uma forte
atuação no campo educacional e hospitalar durante a primeira metade do século XX.
Em síntese, era possível encontrar nessa organização elementos suficientes para
explicar o sucesso das congregações religiosas como uma força viva da Igreja
Católica que asseguravam a permanência delas na sociedade brasileira. Entretanto,
ao longo da elaboração da pesquisa, uma das principais justificativas elencadas por
Langlois para o sucesso congregacionista na França parecia não se encaixar,
segundo nossa análise, na dinâmica e no sucesso das congregações brasileiras – a
figura da superiora geral como alguém dotado de poder capaz de ditar os rumos da
16
organização sob seu comando. Parecia-nos, até então, apesar do título e da sua
autoridade no interior do convento, que a superiora pouco poder possuía. Ocorreu-
nos verificar esses dados em outras congregações e constatamos a recorrência do
forte controle dos bispos diocesanos sobre as congregações, especialmente as
brasileiras (CUSTÓDIO, 2014; GASCHO, 1998).
Todavia, cabe destacar a existência de duas diferenças entre o objeto de estudo de
Langlois e a nossa pesquisa: A primeira, o autor francês se debruça sobre a
emergência e o auge do movimento congregacionista, entre as primeiras décadas
do século XIX até a década de 1860, quando o movimento teria entrado em declínio,
quando nós analisamos as congregações do século XX, já totalmente incorporadas
nas estruturas da Igreja. A segunda é o ambiente social: enquanto Langloisanalisa
congregações francesas, analisamos uma das primeiras congregações brasileiras.
Julgamos, então, ser necessário recorrer à história do movimento congregacionista
para entender o que ocorria no Brasil. Neste sentido, de grande valia foi o texto Las
congregaciones religiosas femeninas en el XIX. El tema de la obtención de su nuevo
estatuto jurídico canónico, y su interés historiográfico (LAGUNA, 2009), no qual a
autora abordou o mesmo argumento de Langlois, buscando, porém, compreender os
impactos causados por aquelas organizações femininas na Igreja do século XIX, e
em sua própria história (LAGUNA, 2009). Este texto ajudou a compreender dois
pontos importantes: 1) as congregações eram as antigas organizações religiosas
oficiosas que solicitaram a sua institucionalização à Igreja; 2) a figura da madre
superiora, tal como a conhecemos, só existia, de forma plena, nas organizações
reconhecidas pelo papado como pontifícias. Assim, sua plena autonomia era uma
consequência da concessão do direito pontifício, o qual, por sua vez, passava a ser
um dos seus principais objetivos da organização. Eis as razões da explosão de
congregações femininas, as quais feminizavam as práticas católicas, na medida em
que se colocavam a serviço do projeto ultramontano.
Entendendo o empenho e a dedicação das congregações brasileiras às suas obras
não tinham como objetivo apenas servir ao Estado, a tese, então, busca
compreender as razões desencadeadoras da conversão das organizações leigas em
congregações religiosas, a se dedicarem exaustivamente às suas obras e daqueles
que as contratavam, com o propósito de serem reconhecidas como organismos
eclesiais e gozarem de legitimidade social.
17
Ao buscarmos compreender as condições que teriam levado as congregações
religiosas a se colocarem a serviço da sociedade, constatamos que, diferentemente
das ordens religiosas autônomas ou mantidas pelo Estado, elas buscaram meios
possíveis à sua sobrevivência através de parcerias com o Estado e com as elites,
de modo a garantir o cumprimento de sua missão, realizada nas diversas obras
fundadas por elas ou por terceiros . A associação entre demanda social,
crescimento numérico e austeridade lhes possibilitou uma espiral de contínuo
crescimento, lhes permitindo acumular significativo patrimônio, o que por sua vez,
era reinvestido em novas obras sociais e na formação de seus quadros.
As organizações religiosas não são meras associações civis. Elas congregam
indivíduos que atribuem às suas vidas um sentido religioso, os impelindo a
integrarem organizações espirituais com pessoas de iguais sentimentos. Neste
sentido, a justificativa espiritual, antropológica, não pode ser alcançada por
categorias racionais. Michel de Certeau chama de “não dito” a esse sentido religioso,
porque expressaria algo só compartilhado pelos agentes sociais pertencentes
àquele universo cognitivo. Há, segundo ele, na interpretação religiosa, uma lógica
própria, implícita e/ou oculta, por trás do é dito, afirmado, vivido. Por conseguinte,
muitos historiadores atentos apenas aos fatos isolados, sem dar atenção ao sentido
vivido, ignorariam a relação entre significante e significado e perderia a
compreensão da singularidade do fenômeno religioso. Para ele, então:
... ‘compreender’ os fenômenos religiosos é, sempre, perguntar-lhes outra coisa daquilo que eles quiseram dizer; é interrogá-los a respeito do que nos podem ensinar a respeito de um estatuto social através das formas coletivas ou pessoais da vida espiritual; é entender como representação da sociedade aquilo que, do seu ponto de vista, fundou a sociedade. (CERTEAU, 2002, p. 143, aspas e grifos do autor)
Ao utilizarmos a expressão “patrimônio”, referimo-nos ao conjunto de bens, materiais
e simbólicos, acumulados ao longo da secular existência, originando o patrimônio
cultural e religioso da organização. Embora não haja como separar o patrimônio
material do imaterial, os bens materiais “ocultam” o patrimônio imaterial, uma vez
que só existem em função do sentimento religioso. Nesta perspectiva, tais bens são
a representação da Congregação. Esses não podem ser dissociados dos bens
espirituais ou imateriais, pois, dialeticamente, derivam um do outro. Suas
combinações, recombinações, superposições e hierarquias, frutos de conflitos,
18
acomodações e consensos estabelecidos ao longo da história, constituíram a
identidade da organização (MENESES, 2009).
As definições do Concílio de Trento (1545 - 1563) sobre o ser da Igreja, no embate
contra as proposições subjetivas da fé, defendidas pelos protestantes, forjaram uma
cultura católica centrada na importância de exteriorização da fé, manifesta através
da materialidade, plenamente assumida pela romanização e,ainda, presente até os
dias atuais. Essa cultura material se evidencia nos objetos religiosos, nas obras, nos
numerosos templos espalhados pelo mundo, nas celebrações litúrgicas,
especialmente nos sacramentos. Ao construírem a visibilidade da Igreja, esses se
constituem, também, em um “não dito”, pois são uma representação da Igreja
mística, aquela que não se vê, reconhecida apenas pelos crentes. Assim, o
patrimônio material de qualquer organização religiosa não deve ser separado do
espiritual, tampouco deve ser tido como um fim em si mesmo, mas como um meio,
um sinal, que só pode ser compreendido em função do objetivo religioso. O mesmo
raciocínio vale para a importância do reconhecimento pontifício. Tal como Langlois
(1984) apontou, e também nós demonstraremos, foi o patrimônio material que
permitiu à organização expandir-se, abrir novas frentes e crescer. Segundo Certeau
(2002), isto é “o que está dito”; é preciso, então, procurar pelo “não dito”.
Demonstraremos que, em função da sua origem leiga, o status religioso oficioso dos
grupos congregacionistas os motivou a buscar a isonomia com os monges e as
monjas, reconhecidos, até então, como os únicos e verdadeiros religiosos e
religiosas.
Nesta perspectiva antropológica, o reconhecimento religioso ultrapassava a
materialidade dos bens e o seu enriquecimento. O Direito Pontifício era o
reconhecimento eclesial de que a Congregação, apesar de ter nascido fora dos
ambientes eclesiais, era um organismo religioso e, segundo a teologia católica, fora
suscitado, inspirado pelo Espírito Santo. Essa esperança motivava as religiosas a se
empenharem na construção material da organização, que cresceria e teria o número
de freiras aumentado, levando ao seu reconhecimento. Esse longo processo
constituía-se, assim, no único patrimônio da organização. Isso fica claro na teologia
da vida congregacional, que justifica assim o surgimento das congregações:
O surgimento de cada uma das formas de vida consagrada e de cada Instituto é um acontecimento que encerra grande densidade e capacidade de transmissão e visualização do amor salvífico de Deus na história. A
19
história das distintas formas de vida consagrada é a história do discernimento dos sinais dos tempos que manifestam o desígnio salvífico de Deus. (MURICY, 2011, p. 33)
Dessa forma, a presença das congregações femininas na sociedade e sua
participação na construção do Estado não devem ser vistas apenas como um
conjunto de ações mecânicas, de grupos submissos à hierarquia católica, mas como
fruto de um claro projeto, constituído como meio possível para elas existirem e
realizarem sua missão em meio às estruturas essencialmente masculinas. Isso
significa dizer que a participação política de congregações religiosas femininas
ocultava uma estratégia de sobrevivência em uma conjuntura eclesiástica e
hierarquizada, o que, muitas vezes, exigiu das próprias freiras a reprodução dessas
práticas clericalizadas em seus conventos.
Optamos por dedicar o final da tese ao processo de interpretação ou releitura
realizado pela organização de sua história e de sua fundadora, ocorrido depois do
Concilio Vaticano II. Ainda, mais uma vez, nos ancoramos em Langlois (1984) sobre
a questão da reconstrução das histórias das fundações e refundações de
congregações e da eleição das fundadoras. Com base em seus estudos, buscamos
problematizar a questão da construção de uma congregação fundada por uma única
pessoa. A quem interessavam as alterações de narrativas históricas? Por que a
organização que, durante certo tempo, apresentava um frade como fundador,
passou a considerar Irmã Cecília como fundadora? Foi-nos de muita valia,
entrementes, o livro de Jacques Le Goff, São Francisco de Assis (2001),
especialmente o texto “Em busca do verdadeiro Francisco”, que demonstra a
rejeição sofrida por Francisco ao defender um modelo de organização diferente da
estrutura hierárquica, desejada pelo seu grupo, que, depois de sua morte, o fez
santo. Também Irmã Cecília, de 1916 a 1948, fora considerada, por parte dos
membros da congregação e pela hierarquia da Igreja, como uma persona non grata,
depois, foi reconhecida como fundadora e, posteriormente, candidata aos altares.
Tomamos, também, como base teórica, os estudos de Michel de Certeau (2006), ao
tratar a questão da hermenêutica no texto denominado “A ruptura instauradora”.
Segundo ele, o texto, como interpretação, pertence ao passado, cabendo ao leitor
dar-lhe nova vida, tornando-o um novo texto segundo seus interesses. A
Congregação, portanto, só pôde fazer a releitura de Madre Cecília depois de seu
20
falecimento. A representação construída, contudo, nada tinha a ver com o passado,
mas com os seus hodiernos objetivos. O processo de construção da memória
religiosa da fundadora se justificava em função da legitimação dos passos dados
pela organização. Com base em indícios documentais, ousamos levantar algumas
hipóteses sobre as atuais representações sobre ela.
Por fim, uma palavra sobre a expressão “clero feminino”, utilizada por Claude
Langlois (1984). Entendemos que o enfoque desejado pelo autor foi destacar que a
presença de mulheres em espaços e atividades exercidas, até então,
exclusivamente por homens, contribuía para a ressignificação da função clerical, da
Igreja, e, consequentemente, do catolicismo, permitindo denominá-lo Le catolicisme
au feminin. Paula Leonardi (2010), em sua obra, Além dos espelhos, aborda esta
questão e afirma que, se o clero fazia uso da palavra para pregar, as religiosas
pregavam com as práticas cotidianas em suas diversas obras. Além disso, lembra
que, ao se converterem em professoras, as freiras também exerciam um tipo de
pregação, na medida em que também elas doutrinavam os alunos. Entretanto, esses
novos modos de pregação, apesar de lançar luzes na ação feminina dentro de uma
estrutura masculina, não faziam das mulheres membros do clero, até porque não
existe na Igreja Católica uma função clerical feminina. Também não parece que as
religiosas do século XIX tenham pleiteado a isonomia com os clérigos.
De outro lado, destacamos a afirmação de Laguna (2009) de que a condição para o
movimento feminino ser institucionalizado foi a exigência para que as organizações
leigas fossem incorporadas nas estruturas da Igreja e passassem a agir em nome
dela, permitindo-nos interpretar que elas se apropriavam do modo de ser do clero, o
que, segundo o sentido estritamente intraeclesial, fazia delas organizações
extremamente “clericalizadas”. Desse modo, porque inseridas na estrutura
eclesiástica, elas reproduziam o modo de ser do clero, afirmando-se detentoras do
poder religioso, especialmente sobre os leigos e, em última análise, sobre a
sociedade que se secularizava (GUASCO, 2008). Eis a razão de termos afirmado
que a reprodução da cultura eclesiástica era uma estratégia de sobrevivência. Era
uma questão estrutural, não havia o que mudar. A entrada maciça de mulheres na
Igreja não ocorreu em função do reconhecimento da condição feminina, mas para
cumprir uma função supletiva do projeto da romanização, pretendendo neutralizar a
força das irmandades leigas que controlavam igrejas, obras sociais, assistenciais e
21
caritativas. Não obstante, essa participação coadjuvante de mulheres, tal qual na
França, constituía um dos únicos espaços na sociedade brasileira para as práticas
femininas (ROSADO-NUNES, 1996, 1997). O fato de terem assumido posições
clericalizadas e inclusive reproduzindo a cultura romanizada, na realidade da vida
ativa, da pregação com seus corpos, não impediu que as religiosas feminizassem a
Igreja. Para além do exercício das funções designadas pela estrutura eclesiástica,
elas conseguiram manterem-se outras no interior do sistema, ultrapassaram a
mecânica de serem meros reflexos e foram “além dos espelhos”. Através de
releituras, instauraram múltiplas estratégias e implantaram novas práticas
(CUSTÓDIO, 2014; LEONARDI, 2010).
A estrutura da tese
Definido que estudaríamos a Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de
Maria, pusemo-nos a buscar as fontes para a pesquisa. O primeiro material ao qual
tivemos acesso foi a biografia da fundadora, Um coração de Maria. Vida de Madre
Cecília do Coração de Maria, escrita por Frei José Carlos Pedroso, publicada em
19964.
Havíamos solicitado ao Governo Geral permissão para acessar o Arquivo Geral da
organização religiosa, mas tivemos de esperar alguns dias pelo fato de a superiora
geral estar fora da cidade de Campinas. Em razão disso, como também havíamos
pedido autorização para consultar o Arquivo da Arquidiocese de Campinas, foi lá
que tivemos contato com os primeiros documentos da organização feminina,
tratando-se da cópia de dois relatórios enviados pela superiora geral, madre Maria
São Francisco do Divino Coração, a Dom Paulo de Tarso Campos, o terceiro bispo
de Campinas. Os documentos dão mostras de que, periodicamente, a superiora
4 Frei José Carlos Pedroso foi frade capuchinho da Província Imaculada Conceição. Ele nasceu em São Paulo, em 1931, professou os primeiros votos em 1950 e foi ordenado padre em 1956. Além de suas funções pastorais e administrativas, foi Definidor Geral da Ordem Franciscana para América Latina e Grécia por dois sexênios, foi Ministro Provincial por dois mandatos e membro do CEFEPAL. Licenciado em Letras Clássicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, escreveu várias obras de divulgação da história de sua Ordem no Brasil, o que fez dele um historiador eclesiástico. Traduziu inúmeras fontes latinas e italianas que integram a “Coleção Fontes Franciscanas” do Centro Franciscano de Espiritualidade, em Piracicaba, criado em 1990, do qual foi um dos fundadores. Faleceu em 2015, em Piracicaba. Além de ter conhecido aquela que biografou, Frei Pedroso foi bastante próximo da Congregação, assessorando-a no seu processo de franciscanização.
22
geral tinha como obrigação apresentar um relatório ao bispo diocesano5. A riqueza
de detalhes financeiros deixava entrever o volume do patrimônio material da
organização. Ali, naquele momento, intuímos a possibilidade do nosso campo de
pesquisa, focando na formação do patrimônio material da organização. Feita a
análise desse primeiro documento, buscamos a outros no mesmo Arquivo, não
encontrando mais que três. Nesse ínterim, já havíamos recebido a devida
autorização da superiora geral e, finalmente no Arquivo Geral, tivemos acesso a
maior parte dos Relatórios, os quais se constituem na principal fonte de nossa
pesquisa. Nele também pudemos consultar inúmeras fontes documentais: livros de
registros das religiosas, as Constituições, e, revistas comemorativas, dentre outros
documentos, os quais, em razão do volume, não serão abordados nessa tese, mas
constituem-se em importante material de pesquisa a ser analisado. Além desses, há
um série de documentos civis que foram fundamentais para a pesquisa: certidões,
registros de patrimônio e de doações, testamentos. Ao constatarmos que, no
Arquivo da Congregação, havia cópias de todos esses documentos, julgamos
desnecessário buscar aquelas fontes e passamos a utilizar esses.
No processo de pesquisa, constatamos que a história da Congregação ainda está
por ser escrita. Apesar de a Assembleia capitular de 1985 ter aprovado a elaboração
da sua história, apenas uma pequena parte foi concluída: o levantamento de fontes.
Paralelamente à sistematização dessas fontes, surgiu a primeira publicação interna,
denominada “Fontes Históricas”, que, apesar do título, reúne tão somente uma
coletânea de memórias compiladas de textos oficiais e oficiosos esparsos e
5 O Relatório é similar a uma síntese produzida por cada superiora geral ao final de seu governo. Ele foi instituído pela Constituição de 1921, assim definindo no § 137:
No final do seu governo a Superiora Geral enviará ao Exmo. Snr. Bispo Diocesano, um relatório assinado também pelas quatro Definidoras, acerca do estado econômico e do pessoal das casas, bem como da observância regular e do Noviciado.
Os documentos produzidos até 1950 foram endereçados ao bispo diocesano de Campinas, o responsável canônico da organização. Com a aprovação pontifícia, ela foi dispensada pela Santa Sé dessa obrigação, mas continuou produzindo os relatórios como prestação de contas às próprias religiosas. Os Relatórios deveriam ser enviados ao final de cada mandato do governo geral. Por esta informação deduzimos que se tratava do governo iniciado em 1939 e findado em 1945. A justificativa para a existência de Relatório em 1942 pode ser o fato de Dom Paulo ter chegado a Campinas em março de 1942. Era natural que a madre lhe apresentasse a Congregação, até porque três anos depois a organização recebeu o Decreto Laudis, o primeiro sinal do reconhecimento pontifício, que fora solicitado. Sabia ela que Dom Paulo, ainda que recém-chegado, deveria enviar à Santa Sé seu parecer sobre a concessão daquele direito pontifício.
23
anotações pessoais das religiosas. Havia sido idealizada a publicação de um
segundo volume, dedicado à recuperação da imagem pública de Irmã Cecília, o
qual, segundo o projeto de 1985, seria construído através de memórias das
religiosas.
Entretanto, após a aprovação para o início do processo de beatificação da
fundadora, optou-se por compor um dossiê denominado Canonizationis Servae Dei
Cecíliae a Corde Mariae, datado de 1992, dividido em seis volumes6, que traz uma
sistematização das fontes documentais civis e religiosas, sempre precedidas por um
pequeno texto explicativo sobre a origem, as condições e a localização de cada um
deles; inúmeras memórias produzidas por pessoas que conheceram a religiosa; e,
narrações e interpretações denominadas “trajetórias” da fundadora e da própria
organização. No mesmo ano, a superiora geral, Irmã Armanda Franco Gomes de
Camargo, organizou dois outros livros: Cronologia Histórica e Relatório – Comissão
Histórica, os quais destacam a sucessão de fatos importantes ocorridos e que
ampliam alguns temas citados no Dossiê. Justamente em razão disso, salvo raras
exceções, repetem o já selecionado na coletânea de seis volumes. Também,
verificamos enormes lacunas documentais, segundo informações da organização,
resultantes de documentos destruídos, principalmente aqueles alusivos à fundadora.
Respeitante à produção acadêmica, destacamos, no ano de 2009, Magali
Gavazzoni, religiosa da mesma Congregação, produziu, no Centro Universitário
Salesiano – Unisal – de Campinas, a dissertação: Fundação e primeiros anos de
práticas educativas do Asilo do Coração de Maria, em que, tangencialmente,
abordou o início da organização religiosa e a vida de sua fundadora. No mesmo ano,
sem aparente ligação, João Valério Scremin produziu, na Universidade Estadual de
Campinas, a dissertação: Pobre Coração de Maria: Assistência e educação de
6 Trata-se de é uma coletânea de textos reunidos em seis volumes, organizada por Irmã Christina Libera Marcon, contém: Livro 1 - Testemunhos sobre a Serva de Deus (sacerdotes e religiosos). Livro 2 - Testemunhos sobre a Serva de Deus (ex-candidatas à vida religiosa, ex-religiosas e religiosas). Livro 3 - Escritos da Serva de Deus, madre Cecília, e documentos relativos à Causa de Canonização. Livro 4 - Trajetória da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria (biografia e cartas do fundador, documentos históricos da Organização até a morte da fundadora). Livro 5- Trajetória da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria; (Eventos comemorativos pós-morte documentos da congregação depois de 1950). Livro 6 - Livros Oficiais da Congregação e outros documentos. Em razão do longo título em latim, nos referiremos a essa obra com a palavra “Dossiê”.
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meninas desvalidas em fins do século XIX e início do século XX, que versa sobre o
mesmo argumento de Gavazzoni, muito embora o tenha feito com maior número de
fontes e informações.
Posto isso, entendemos que nossa tese possa vir a contribuir para o conhecimento
do objeto e da temática abordadas. Ainda que haja uma pequena produção
acadêmica sobre ordens religiosas femininas e sobre congregações imigradas,
maior é a lacuna existente sobre as congregações religiosas brasileiras, fato que nos
impulsionou a estudá-las e desenvolver esta tese.
Os eixos da tese
A tese está dividida em quatro capítulos. O primeiro, O movimento
congregacional: das experiências múltiplas à congregação religiosa, situa as
condições que levaram diversas associações religiosas oficiosas europeias,
especialmente femininas, do início do século XIX, a solicitarem o reconhecimento
oficial da Igreja para gozarem do direito internacional pontifício. Instituída pela Santa
Sé, a organização religiosa era enviada como representante oficial em missão no
projeto de restaurar o mundo católico depois da perda dos estados pontifícios O
crescimento e a multiplicação dessas congregações feminizaram as práticas
religiosas e abriram caminho para feminização do catolicismo e também para uma
suposta clericalização das freiras. A partir de 1846, o Brasil se tornou campo
fecundo para as congregações imigradas, que se colocaram a serviço da elite na
fundação de escolas particulares, na administração de hospitais e outros cuidados
de vulneráveis. O sucesso do projeto, associado ao processo de expansão das
dioceses, desencadeou o aumento significativo na demanda por tais serviços, fato
que levou os clérigos a lançarem mão de associações religiosas oficiosas brasileiras
e convertendo-as em congregações religiosas, segundo o modelo das organizações
imigradas. Não obstante, alguns poucos grupos buscaram resistir e conservar
características primitivas das associações religiosas, mas sucumbiram com a
efetivação da romanização.
O segundo capítulo, A institucionalização de uma proposta feminina, apresenta a
trajetória de um grupo de terceiras franciscanas que se converteu em congregação
religiosa como opção possível para o grupo continuar existindo, apesar da
25
romanização da região de Campinas e Piracicaba. Com objetivo de permanecer o
menor tempo possível sob o direito diocesano, o grupo se empenhou no
cumprimento de uma agenda romanizada definida pelos sucessivos bispos de
Campinas, e se constituiu em estrutura organizacional composta por casas
(comunidades células) interligadas por uma sede de governo, chamada de casa mãe
ou casa geral, distribuídas em quatro campos de missão: educação, saúde, cuidado
de idosos e administração de um pensionato. Com isso, pôde expandir-se
geograficamente, experimentar um crescimento em seu quadro de religiosas e um
correlato aumento nos bens materiais, resultando em uma forte cultura religiosa
congregacionista, reproduzindo e justificando aquele modo de ser, constituindo,
assim, o seu patrimônio cultural.
O terceiro capítulo, A ressignificação do trabalho como patrimônio, demonstra
como o principal eixo identitário da vida congregacional, o apostolado, também
chamado de “vida ativa”, que ressignificava a consagração religiosa através dos
variados campos da missão transformando-os em novas clausuras, foi fundamental
para o desenvolvimento da Congregação. Tendo como base a espiritualidade
franciscana, as religiosas construíram uma cultura congregacionista fundada no
trabalho não como fonte de lucro pessoal, mas como forma de fomentar e ampliar a
missão religiosa através da abertura de novas casas religiosas. Fundamental para
isso foi a concepção antropológica de pertença eclesial promovida pela
espiritualidade franciscana, impulsionando o empenho de cada freira para que a
organização crescesse. Unindo, portanto, a espiritualidade da pobreza e uma nova
forma de administrar as obras, mais racional, centralizada e compartilhada no
fortalecimento da organização, todas as religiosas, e, especialmente, aquelas que
viviam nas casas com obras contratadas, foram responsáveis pela constituição do
patrimônio da organização religiosa. Com a obtenção do direito pontifício, mas
também com a secularização e a laicização7, a organização buscou espaços
7 Cesar A. Ranquetat Jr. destaca que ambos são frutos da modernidade, pois “...tanto a secularização como a laicidade, expressam a luta de atores sociais na construção de uma ordem social baseada na razão e na ciência não legitimada por um poder religioso”.
De forma bastante clara ele define que secularização é um fenômeno cultural e laicização é um fenômeno politico. O primeiro se refere ao declínio da religião na sociedade moderna e a perda de sua influência e de seu papel central e integrador. O processo de secularização relaciona-se com o enfraquecimento dos comportamentos e práticas religiosas. A laicização é um fenômeno político que define a separação entre o poder político e o poder religioso. Expressa a laicidade, a afirmação da
26
possíveis para manter seus projetos, o que, por sua vez, passou a exigir o
redimensionamento da política de recrutamento e a destinação das novas
recrutadas.
O quarto capítulo, A Urupuca da Cabocla - Releituras, aborda as várias releituras
que a organização fez de si e de sua fundadora, durante a romanização e depois de
1950 e no Concilio Vaticano II. Especialmente o Decreto Perfectæ Caritatis, ao
sugerir que as Congregações relessem as suas fontes, levou a organização feminina
a redescobrir o franciscanismo e a desejar reconstruir a sua história, o que implicava
reconstituir a fundação feminina e a história da fundadora, que passara mais de 30
anos fora do convento. A saída encontrada foi reconstruir uma representação da
fundadora que legitimasse as opções hodiernas da organização, naquilo que
Langlois denominou de fondation reitérée, como as várias releituras que a
organização fez de si e de sua fundadora, durante a romanização e depois de 1950,
na sociedade secularizada, culminando no pedido de beatificação da fundadora e na
construção da memória através de uma biografia escrita pelo frei José Carlos
Pedroso.
Ao final, apresentamos nossas considerações e as referências utilizadas.
neutralidade do Estado democrático e de seus cidadãos diante dos interesses públicos. Ao mesmo tempo, o Estado laico deve garantir os direitos religiosos de todos (RANQUETAT JR, 2009).
27
CAPÍTULO I
O movimento congregacional:
das experiências múltiplas à congregação religiosa
Este capítulo inicial apresenta o complexo fenômeno eclesial do movimento
congregacional do século XIX, que possibilitou a imigração de congregações
religiosas para o Brasil e a fundação de organizações nativas. Para sua composição,
a principal fonte de pesquisa foi o Banco de dados produzido pelo Projeto Temático:
Congregações Católicas, Educação e Estado Nacional, publicado em 2017, o qual
confrontamos com a bibliografia específica.
1. A construção do espaço eclesial feminino oficioso
O movimento congregacional é derivado da força social convergente de grupos
católicos outsiders, especialmente femininos, os quais, em razão de suas crescentes
atuações sociais, por passarem a gozar de prestígio e atingirem o reconhecimento
das sociedades, solicitaram o reconhecimento religioso para tornarem-se
organismos pontifícios e, assim, expandirem seus projetos internacionalmente,
assumindo-se como organizações ultramontanas a serviço do papado. Através do
cuidado aos vulneráveis presentes na sociedade civil, especialmente nas áreas da
educação e da saúde, esses grupos construíam uma nova representação do estilo
de vida religiosa. As razões da inclinação de grupos marginais em direção ao
papado e a consequente transformação desses em congregações religiosas
explicam as imbricadas relações de poder em uma sociedade, aparentemente,
moderna e liberal, ainda possuía uma estrutura cultural visceralmente católica, a
28
qual a Igreja tentava a todo custo manter e cujo programa está expresso na encíclica
Quanta Cura e no seu apêndice, Syllabus, ambos de 18648.
Ao ocuparem espaços sociais que os Estados e a própria estrutura clerical, não
conseguiam suprir, essas organizações femininas, com suas práticas sociais,
gestavam uma cultura católica independente das estruturas eclesiásticas. Na disputa
com os liberais, a Igreja, naquele momento, reconheceu os grupos femininos como
forças sociais que não poderiam ser desprezadas, permitindo a alguns deles, ainda
nas primeiras décadas do século XIX, solicitarem diretamente à Santa Sé o
reconhecimento pontifício – direito, até então, reservado apenas às ordens religiosas
e a algumas sociedades apostólicas.
Na mesma perspectiva de Langlois, Ana Yetano Laguna (2009) afirma que o
movimento congregacionista do século XIX foi laico, centrípeto e com múltiplas
origens. Segundo ela, raízes dele são encontradas nos vários grupos, alguns de
origem medieval, resistentes à política eclesiástica tridentina, expressa na
Constituição Circa Pastoralis, de Pio V, em 1566, que regulamentou a vida religiosa
e impôs a clausura a todas as organizações religiosas femininas.
É possível identificar, na base deste movimento, quatro grandes grupos associativos
femininos e marginais, nos quais mulheres leigas, que se sentiam religiosas e viviam
as práticas e os costumes conventuais, deram início a um crescente movimento em
direção à Santa Sé, ainda na primeira metade do século XIX, para pedir o
reconhecimento de suas condições como verdadeiras freiras. São eles: as
associações de membros das ordens terceiras, as sociedades de vida comum e as
pias uniões, os três com estreitos vínculos eclesiásticos e, por fim, as associações
livres de mulheres católicas que, até então, rejeitavam a direção e/ou a intervenção
eclesiástica (LAGUNA, 2009).
1.1. As associações de mulheres terceiras
Reuniam grupos de mulheres leigas celibatárias e/ou viúvas vinculadas
8 Na encíclica Quanta cura, de 1864, o Papa Pio IX, apresenta uma catequese sobre os principais erros da época moderna e no Syllabus elenca 80 erros, já anunciados anteriormente pelo papado. Trata-se de um dos documentos papais mais intransigentes
29
espiritualmente às ordens terceiras9. Não querendo, ou não podendo, assumir a vida
claustral, tais pessoas viviam em fraternidades, nas quais tudo dividiam e se
dedicavam ao exercício de atividades pastorais auxiliares, sem, no entanto, possuir
o status de religiosas. Tal experiência se configurava, portanto, em um misto de vida
leiga e vida religiosa, pois, sendo leigas terceiras, assumiam a consagração laical,
mas, ao decidir viver em comunidades, assumir os ofícios religiosos e dedicar-se à
missão, indicavam uma nova forma de vida religiosa que aos poucos ia sendo
forjada. Nesses grupos foram incorporados vários outros movimentos leigos
independentes, como foi o caso das beguinas, que, por não possuírem estrutura
organizada, optaram por aderir às ordens terceiras já existentes para não sofrerem
sanções das sucessivas leis canônicas e, tampouco, da Inquisição (VAN
ASSELDONK, 2003, p. 75). Com o processo de reforma instaurado pelo Concílio de
Trento, muitas comunidades de mulheres terceiras se submeteram ou foram
submetidas à clausura, enquanto outros grupos conseguiram resistir às investidas
eclesiásticas vivendo uma espécie de vida oculta, bastante próxima a
clandestinidade. Paradoxalmente, quando, mais tarde, os Estados liberais,
especialmente a França, impuseram a secularização às ordens religiosas, a
existência de grupos ocultos, se configurou como alento e alternativa para a
manutenção da consagração religiosa.
1. 2. As sociedades femininas de vida comum
Eram associações de mulheres leigas que viviam como religiosas em organizações
fundadas por associações masculinas homônimas, predominantemente fundadas no
período tridentino, que viram na cooperação feminina uma forma de multiplicar a
presença da Igreja10. Em função do escopo pastoral, as sociedades femininas
9 As ordens terceiras foram/são organizações criadas pelas Ordens religiosas para vincular as pessoas desejosas de uma consagração religiosa laical, segundo a sua espiritualidade, sendo as principais a Ordem Franciscana, a Dominicana e a Carmelitana. São chamadas de terceiras porque se constituem, de fato, no terceiro grupo de pessoas integrantes da mesma Ordem, vindo logo após a Ordem segunda, composta por mulheres e pela Ordem primeira, a dos homens, constituindo-os a todos como membros da mesma família espiritual. A pertença, ainda informal e periférica, à uma Ordem religiosa se reveste de especial importância no contexto religioso porque tal agregação alimentava um sentimento de pertença eclesial que ultrapassava o lugar de simples fiel e permitia as pessoas inseridas nessas agremiações assumirem lugar de destaque na sociedade católica. 10 Conhecidas também como “companhias”, estas diferiam das Ordens porque seus membros não professavam votos solenes, mas viviam a vida comum e os costumes dos religiosos e se dedicavam
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alcançaram grande sucesso A mais famosa sociedade de vida comum feminina foi a
Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, esta ultrapassando o
ramo masculino em número e fama11 (DODIN, 1991; LAGE, 2011). Todavia, o estilo
de consagração religiosa das sociedades de vida apostólica femininas não alcançou
significativo desenvolvimento em função da vigilância eclesial que impunha a vida
claustral aos novos grupos emergentes. Segundo André Dodin o fundador da
Sociedade das Irmãs Filhas da Caridade optou pela constituição de uma companhia
leiga, justamente para evitar a imposição da clausura por parte da Santa Sé, como
acontecera com tantos grupos. Dentre eles, o referido autor citou o grupo das
Visitandinas fundado por Francisco de Sales e Jeanne Chantal, em 1613, com um
escopo social marcadmente social, mas sofreu a intervenção da Santa Sé e lhe foi
imposta a clausura, sendo transformada na “Ordem da Visitação” (DODIN, 1991).
1. 3. As pias uniões ou pias associações
Eram organizações leigas femininas fundadas por bispos e/ou padres seculares e
religiosos com finalidades religiosas. Tal qual nos grupos anteriores, congregavam
mulheres leigas praticantes dos costumes religiosos sem serem, oficialmente,
consideradas religiosas. As pias uniões exerciam funções secundárias,
predominantemente em escolas paroquiais e obras caritativas. A fundação de
associações civis livres escondia interesses econômicos, na medida em que a Igreja
se desincumbia de assumir possíveis direitos trabalhistas reclamados pelos
prestadores de serviços religiosos. Para todos os efeitos, a livre adesão e a
constituição de uma entidade civil, apesar do objetivo religioso, indicava a dedicação
laboral em prol da própria associação civil a qual integravam (SASTRE SANTOS,
1997).
às atividades pastorais, sendo considerados pela Igreja como leigos; especificamente nas companhias masculinas, alguns de seus membros eram clérigos. Dentre as mais conhecidas estão a Companhia de Jesus, a Sociedade São Vicente de Paulo, No CDC de 1983 as Sociedades de Vida comum passaram a ser chamadas de Sociedade de vida apostólica. 11 A Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, fundada em 1633 por Vicente de Paulo, a qual se tornou a grande referência na administração de escolas, hospitais e foi um dos principais modelos para as congregações do século XIX (MARTINA, 1997).
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1. 4. As associações livres de mulheres católicas
Ao contrário dos três anteriores, eram bastante livres e independentes do clero; por
causa disso, possuíam características dos movimentos femininos emancipatórios.
Apresentamos dois subgrupos: O primeiro reúne os remanescentes dos grupos
sobreviventes da conventualização imposta pela Constituição Circa Pastoralis12, de
1566, mas que também não se encaixaram nos três grupos descritos acima, e os
grupos recentes viviam em desacordo com as leis da Igreja13; no segundo subgrupo
12 O exemplo mais expressivo das organizações contemporâneas à Circa Pastoralis são as várias organizações herdeiras da Companhia das Ursulinas. Esta organização foi fundada por Angela Mérici, em 1534, com a ousada proposta de ser uma organização de mulheres que continuariam morando em suas casas, sem usar hábito religioso, e se dedicariam à educação de crianças pobres. Após ter sido enquadrada pela norma eclesiástica, a Companhia acatou, oficialmente, a clausura papal, definindo a existência de uma Ordem de Santa Úrsula. Apesar disso, um pequeno grupo também buscou meios para que a proposta inicial fosse mantida. Em 1584 foi fundada em Milão, por Carlos Borromeo, uma pia-associação de vida comunitária e apostólica, que posteriormente veio a se constituir na Congregação das Irmãs Ursulinas de São Carlos. Apesar do forte controle da romanização, a proposta de uma vida religiosa laical continuou existindo marginalmente por meio de grupos ofícios que se afirmavam herdeiros espirituais de Ângela Merici. Em 1947, Pio XII reconheceu aquele grupo como um dos mais antigos estilos de vida religiosa, atribuindo a tais associações de fiéis o nome Institutos de leigos Consagrados (MARTINA, 1997; NUNES, 1976). Assim, em 1958, a resistente associação tornou-se o Instituto Secular de Santa Ângela Merici. Em maio de 2018 um levantamento constatou a existência de 184 Institutos membros da CMIS, com um total de 24031 membros. Destes, 157 são femininos. (https://www.cmis-int.org/pt-br/estatisticas_2018/. Acesso em: 01 de junho de 2018). Há no Brasil 55 Institutos Seculares, sendo nove de fundação brasileira. 13 Paradoxalmente, grande parte dessas organizações femininas, ligadas ao 4º grupo, foi favorecida por uma sui-generis determinação presente nas Constituições da Companhia de Jesus, que desestimulava a fundação de ramos femininos. Embora singularmente alguns jesuítas assim o tenham feito, como foi o caso do padre Jean Pierre Medaille, que fundou a pia-união São José de Chambery, em 1650, na França, a tendência foi o apadrinhamento e o empréstimo oficioso das constituições para que mulheres assumissem a fundação. A própria Companhia de Jesus reconheceu, em publicação de 2007, a existência de 236 institutos religiosos femininos vinculados com aquela organização masculina (CHARRY; ORTIZ, 2007). Jeanne de Charry e Daniela Péres Ortiz identificam inúmeras fundações associadas aos jesuítas. Dentre estas, identificamos no mapa as seguintes congregações: a Congregação das Religiosas de Santo André, fundada na Bélgica, no século XIII, e que a partir do século XVII assumiu a espiritualidade jesuítica e que imigrou em 1914, para São Paulo; a Congregação das Irmãs de Santa Catarina Virgem, fundada em 1571 por Regina Prottmann, na Alemanha, que imigrou em 1897, para o Rio de Janeiro; a Companhia de Maria Nossa Senhora, fundada por S. Joana de Lestonnac, em 1607, na França, que imigrou para São Paulo em 1936; a Congregação das Irmãs de Santa Dorotéia, fundada em 1834 por Paula Frassineti, na Itália, imigrada para Pernambuco em 1866 (CHARRY; ORTIZ, 2007). O exemplo mais expressivo das associações que sobreviveram na clandestinidade é a Congregação de Jesus, que foi fundada por Mary Ward, em 1609, segundo o modelo e as constituições da Companhia de Jesus. Em 1631, a organização feminina foi supressa, obrigando a fundadora e um pequeno grupo a viverem uma vida oculta. Em 1877, quando Ward já havia falecido, em função da situação eclesial diante do liberalismo, a Santa Sé permitiu a refundação do instituto com o nome Instituto da Bem Aventurada Virgem Maria, que também ficou conhecido como Damas Inglesas ou Irmãs de Loreto, as quais passaram a se dedicar à educação. Entretanto, lhes foi proibida qualquer referência à fundadora, o que, por sua vez, foi formalmente cumprido, garantindo que a inspiração fundacional fosse discretamente mantida, inclusive com o apoio de jesuítas. Em 1908, a Santa Sé
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encontram-se as pessoas pertencentes às ordens religiosas dissolvidas e/ou
dispersas pelos governos liberais. Estas viviam os votos religiosos ocultamente,
como se fossem leigas, e, em alguns casos, conseguiram manter algum vínculo com
o estilo da vida conventual, na esperança de poder voltar a viver daquela forma.
Eutimio Sastre Santos as denomina de “monache di casa”, sugestivo atributo para
classificar as religiosas residentes em suas casas (SASTRE SANTOS, 1997, 832ss).
Nas nações onde foi possível a restauração do regime político, e naquelas onde o
clima de perseguição cessou, muitas ordens e sociedades apostólicas puderam ser
restauradas, mas, devido ao longo tempo, nem todas as pessoas puderam ou
quiseram voltar à vida monacal, e muitas delas se organizaram segundo o modelo
das pias uniões14. Neste caso, tais grupos tinham uma ligação maior com membros
do clero e se colocavam à disposição deles, geralmente no trabalho com crianças e
jovens.
Na base de toda institucionalização há um processo crescente de movimento livre e
idealista que, por escolha própria e/ou consentida, passa a incorporar, ou é
concedeu que o Instituto reassumisse Mary Ward como fundadora, e em 1929, com a ajuda de jesuítas, deu-se início ao processo de sua beatificação. Em 1978, a Santa Sé permitiu a restauração da Congregação de Jesus, autorizando-a adotar as constituições jesuíticas (MARTINA, 1997). Esta organização chegou ao Brasil em 1935 na cidade de São Paulo, onde fundou uma escola, e hoje está presente em quatro estados. Em 2009, a Santa Sé reconheceu a “virtude heróica” de Mary Ward e a declarou “Venerável”, um dos primeiros passos no processo de beatificação. Tais informações podem ser confirmadas também em textos informais publicados em sites. (Disponíveis em: <https://goo.gl/kEMZK9> e <https://goo.gl/B7H5wg> Acesso em: 02 set. 2017). 14 Como exemplo, citamos o caso da Congregação de Santo André, que imigrou em 1914 para São Paulo, para fundar uma escola. Esta organização teve seu início em 1231, com duas mulheres fundadoras de uma comunidade religiosa organizada segundo a regra de Santo Agostinho para gerir uma hospedaria. Em um período de epidemias, a organização foi reconhecida pela Igreja, ampliou seus serviços e se transformou em hospital. Com as reformas tridentinas e, especialmente, a Circa Pastoralis, em 1611, o hospital tornou-se um mosteiro de vida contemplativa e, com apoio dos jesuítas, as religiosas conseguiram manter uma escola elementar com a qual garantiam proventos econômicos e vocações. No final de século XVIII, o mosteiro escola se viu atingido pelas reformas liberais, teve seus bens confiscados e as religiosas dispersadas. Todavia, algumas assumiram a clandestinidade e mantiveram o ideal religioso. No período da restauração o grupo buscou sobreviver por meio do ensino e, não vendo perspectiva de voltar à vida monástica, assumiu os contornos da vida congregacional. Segundo a organização imposta pelo governo, se constituiu como organização civil para poder se inserir no sistema educativo governamental e dele receber os benefícios civis. Orientado pelos jesuítas, o grupo pediu o reconhecimento oficial da Igreja, e o bispo lhe concedeu, com a condição de assumirem direção de um pensionato. Acordo firmado, emergiu, em 1837, a pia união Damas de Santo André, e, em 1857, nascia a Sociedade de Santo André. Com a aprovação pontifícia, o grupo iniciou o seu projeto de expansão nacional, e depois internacional: Inglaterra e Brasil, o qual se constitui a sua mais importante base. Na década de 1930, ela deu início ao seu segundo ciclo de expansão internacional e fundou comunidades na República Democrática do Congo (Como o texto original é extenso, optamos por elaborar uma síntese, com inserções sobre os hiatos encontrados referentes a história do movimento congregacionista. Disponível em: <http://www.santoandre.org.br/Page/Historia >. Acesso em: 04 maio 2017).
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incorporado pela instituição, como uma de suas organizações. Este processo, de
ganhos e perdas, atingiu inúmeras organizações e exigiu delas a acomodação à
nova situação, segundo seus interesses. Entender as razões pelas quais
organismos laicais, femininos e relativamente independentes, pleitearam o
reconhecimento eclesial e submeteram-se à Santa Sé, aceitando serem convertidas
em congregação religiosa, justamente num período em que a Igreja assumia
posições cada vez mais intransigentes, não é tão simples. Segundo a lógica
sociológica, à medida que se inseriam ou eram inseridos, ainda que perifericamente,
na estrutura eclesial, esses contradiziam suas origens, quando seus líderes
adotavam posições sociais clericalizadas e se prestavam a assumir o projeto
institucional, ainda que fosse para criar condições de sobrevivência e
sustentabilidade dos seus projetos15. Nesta perspectiva, Langlois (1984) afirma que
as mulheres religiosas, ao assumirem tarefas reservadas aos clérigos, se
constituíam como clero.
Sem negar a importância desta interpretação, entendemos que segundo a
perspectiva de Lagroye (2009) a justificativa para tal opção também poderia residir
nos aspectos antropológicos, os quais fundamentam as escolhas pessoais,
especialmente o sentimento de pertença à instituição, e, justamente por isso,
seguem dinâmica e lógica próprias. Se, até o século XV, a pertença à Igreja Católica
era definida pela instituição para aqueles que aderiam à sua doutrina, participando
dos ritos religiosos e assumindo os compromissos religiosos16, com a modernidade o
acento passava da objetividade definida pela instituição para a subjetividade
individual enfatizada pela tríade da Reforma Protestante: sola fides, sola gratia e
15 A ação dos leigos se insere no movimento carismático pelo fato deles estarem em campo oposto ao clero, lhes constituindo como indivíduos com autonomia, subjetividade e identidade próprias, lhes autorizando falar e agir em nome próprio e, paradoxalmente, contribuir para que a instituição e o clero continuem a existir (WEBER, 2004). Todavia, toda instituição possui mecanismos para a construção do consentimento e/ou convencimento que tendem a inviabilizar ou neutralizar a ação profética dos leigos, quando estes fazem oposição ao modo de ser do clero. Disso decorre o adjetivo qualificativo “clericalizado” indicando a posição politica de um leigo e/ou das organizações laicais, que agem orientadas pelo clero, renunciando, assim, sua missão profética. Historicamente, na Igreja Católica, o clericalismo diz respeito à ação de católicos ultramontanos intransigentes, defensores do antigo regime e, depois da romanização, da interferência do papado e da Igreja nos Estados que promoveram a separação dos dois poderes, negando, portanto, o caráter laico do Estado. Com a advento da secularização, o clericalismo perdeu força política (GUASCO, 2004) 16 Roberto Belarmino, cardeal jesuíta do século XVI e um dos promotores e divulgadores do Concílio de Trento, definia que a adesão religiosa à Igreja e a seus pastores “tornava a Igreja tão visível e palpável quanto a comunidade do povo romano ou o reino da França, ou, ainda, a República de Veneza” (MARTINA, 1994, p. 24).
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sola scriptura. A partir da nova compreensão religiosa subjetiva, a aderência e a
permanência em uma organização religiosa também passavam a depender da
compreensão que as pessoas tinham de seu próprio lugar na organização, o que,
por sua vez, a vinculava à Instituição. Apesar de a Contrarreforma ter negado isso e
reafirmado sua antiga doutrina, ela não conseguiu evitar que essa nova mentalidade
alcançasse também os católicos, até porque o rígido controle sobre os fiéis indicava
a existência de compreensões outras sobre a mesma Igreja. Os quatro grupos
femininos citados anteriormente indicavam a existência de movimentos resistentes
que, ao assumirem condição religiosa marginal, não o faziam por pura contestação
religiosa, mas por desacordo com as normas eclesiásticas vigentes impositoras do
modelo de vida religiosa monacal. Justamente por isso, eram fiéis aos valores
cristãos, e, mesmo não reconhecidos pela Igreja, viviam os costumes dos religiosos
como se o fossem de fato, por acreditarem naquele modo de vida como uma forma
de pertença eclesial (CERTEAU, 2002; LAGROYE, 2009).
Na concepção laica dos Estados liberais, os grupos femininos oficiosos levavam
vantagem em relação aos oficiais. Langlois (1984) cita, dentre os documentos
analisados em sua obra, uma carta de Napoleão Bonaparte ao ministro Joseph
Fouché na qual expressava não ver problemas das antigas religiosas, de
organizações declaradas oficialmente extintas, viverem em comunidades e de
usarem hábitos em suas casas, desde que não os usassem na rua e nem
admitissem novas candidatas. Com esta atitude, o Estado liberal negava a presença
pública da Igreja e de seus organismos. Ao mesmo tempo, indicava caminhos para a
permanência de seus membros na sociedade, com a condição de se adaptarsem às
exigências do Estado (LANGLOIS, 1984)17. Em razão disso, a sociedade liberal
rejeitava esses grupos, considerados ociosos e improdutivos, e passava a promover
17 Expressa esta mentalidade a obra iluminista A religiosa, atribuída a Denis Diderot, que tinha como objetivo criticar a prática católica de encerrar mulheres em conventos sem expressa vocação, muitas vezes para resolver problemas de arrimo de família ou de herança e supostos desvios de conduta moral de algumas mulheres. Tal representação foi contraposta pela obra A última ao cadafalso, escrita em 1931 por Gertrud von Le Fort, na qual aborda a ocupação do convento de Compiègne e a execução de 16 irmãs carmelitas, pelas tropas francesas, em 1791. Esta obra ganhou evidência com a adaptação teatral Diálogo das Carmelitas, escrita por Georges Bernanos, em 1940. Em 1960 esta peça foi adaptada para o cinema. No Brasil, a política regalista de Dom Pedro II impunha aos religiosos o cuidado de escolas e hospitais e incentiva a vinda de organizações religiosas francesas possuidoras de práticas socais interessantes ao Estado, como a Sociedade São Vicente de Paula, conhecida como lazaristas, e seu ramo feminino, conhecido como ‘Irmãs vicentinas” (VIEIRA, 2007)
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os grupos oficiosos, até então não aceitos pela Igreja, que possuíam prática social e
lhe interessava. Assumindo contornos “empreendedoristas” a serviço da educação e
da saúde, fundamentadas nas novas concepções pragmáticas e racionalistas,
próprias da economia liberal, essas organizações inauguravam um estilo de vida
religiosa ativa, demonstrando à opinião vigente de que se a vida religiosa claustral
era incongruente e ociosa, a congregacionista não o era.
Esse reconhecimento civil desencadeou na política eclesiástica uma mudança que,
sem desvalorizar as organizações oficiais, passou a promover os grupos oficiosos
que construíam uma nova representação católica. Esse movimento de grupos
periféricos em direção a Roma tinha dois objetivos: criar condições materiais para a
sua existência e conquistar o reconhecimento eclesial para expandir seus projetos.
Para tanto, implicava em reinventar a identidade religiosa, construindo uma ponte
entre vida contemplativa, vivida no claustro, o modelo oficial de vida religiosa e a
vida ativa, vivida pelos grupos oficiosos com forte inserção pastoral na sociedade.
Isso não era propriamente uma novidade, pois, especialmente as ordens
mendicantes já haviam feito assim na Idade Média, mas, no século XIX, o assumir
integralmente as atividades, como uma nova representação da vida contemplativa,
era novo e, mais ainda, muitas vezes, o exercer atividades consideradas, até então,
próprias do clero. Foi o que teria dito Madalena S. Barat, a fundadora da agremiação
religiosa (1800) que foi convertida como Congregação das Irmãs Religiosas do
Sagrado Coração de Jesus, em 1826, sobre a força do movimento feminino
religioso:. Plus que jamais, l'espoir du salut sera dans le sexe faible. Les hommes de
notre siècle deviennent des femmes; transformées par la foi, les femmes peuveunt
devenir des hommes (RIVAUX, 1885, p. 310)18.
Tal proposta não nasceu no seio da Igreja, mas das condições sociais propiciadoras
18 Hoje, mais do que nunca, a esperança da salvação está no sexo frágil. Os homens de nosso século tornam-se mulheres; transformadas pela fé, elas podem tornar-se homens (Tradução literal nossa). A frase se refere a situação da Igreja francesa diante das políticas liberais. O próprio irmão de Madalena S. Barat, doze anos mais velho, o qual contribuiu em sua formação religiosa, foi um clérigo refratário que chegou a ser preso pela Revolução Francesa. Nesse sentido, entendemos o jogo entre as palavras ‘homens’ e ‘mulheres’. Em tempo de perseguição anticlerical, os homens [o clero], porque presos ou vivendo ocultamente, foram impedidos de realizar seus ofícios; motivadas pela fé, as mulheres [as religiosas] passaram a realizar algumas das funções, até então, consagradas a eles. Madalena S. Barat (1779 -1865), em 1800, fundou a associação de mulheres que foi convertida, em 1826, em uma das primeiras congregações francesas, assumindo o nome de Congregação das Irmãs Religiosas do Sagrado Coração de Jesus. Com uma ação educadora voltada para a elite, a organização foi uma das congregações religiosas mais expressivas, expandindo-se mundo afora. Chegou ao Brasil, em 1904, no Rio de Janeiro.
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da eclosão das práticas femininas; tratava-se, assim, de uma ação social e política,
motivada pela religião19. Tais grupos ressignificaram o modo de vida segundo o ideal
da vida de perfeição, vivenciado nas ordens religiosas, e ampliaram os limites da
consagração religiosa, se constituindo no maior movimento oficioso católico do
século XIX. Tal fenômeno demonstra, de um lado, a emergência cada vez maior das
subjetividades, característica própria da modernidade com a qual a Igreja se
defrontou. De outro lado, a capacidade da Igreja se reinventar para assumir o que
ela mesma negara como princípio.
A sui generis expressão sociológica cunhada por Langlois, “clero feminino”,
demonstrava o grande número de congregações religiosas a serviço da Igreja e de
seus projetos missionários, resultando num catolicismo com faces femininas em
pleno período ultramontano (LANGLOIS, 1984). Foram essas características
extremamente modernas que encontraram terreno fértil nas entidades do quarto
grupo, se desenvolvendo graças à ausência de políticas públicas liberais do Estado,
lhes permitindo crescer e criar condições de pleitear o reconhecimento eclesial.
O crescente volume de pedidos desse reconhecimento exigiu o reordenamento do
organismo curial existente desde 1601, responsável pela vida religiosa, denominado
Sagrada Congregação dos Bispos e dos Religiosos20. Tal fato se reveste de suma
importância, quando se considera que a maioria dos grupos solicitantes de tal
distinção era feminino. Para regrá-los e controlá-los, esse organismo publicou, em
1854, um documento conhecido como Methodus, constituído como uma espécie de
guia para os bispos orientarem e dirigirem as organizações religiosas pleiteantes do
reconhecimento religioso. Entre 1801 e 1864, a Santa Sé concedeu o
19 Não por acaso, tais práticas sociais se desenvolvem na dinâmica da “Ação Social Católica”, movimento fomentado por bispos contrários à intransigência de Pio IX, defensores da abertura da Igreja diante das transformações sociais e políticas, nas quais estavam ancorados os valores da sociedade dos Estados liberais. Para os partidários deste movimento, a Igreja deveria aceitar a nova organização sociopolítica como forma de garantir sua permanência na sociedade. Se as bases do Estado eram a laicidade, a democracia e a liberdade, a Igreja se reinventava e as assumia para defender a sua presença pública na sociedade, como aquela que se colocava a serviço da promoção dos direitos dos cidadãos. A milenar experiência da caridade cristã era a resposta para as mazelas sociais (GONZÁLEZ, 1999). A Ação Social da Igreja foi amplamente utilizada para combater o socialismo, processo no qual a Igreja preferiu apelar para uma suposta consciência cristã dos liberais, criando, com a ajuda econômica destes, meios para remediar a situação de penúria dos pobres. Com isso, a Igreja demonstrava estar disposta a apoiar os novos governos, desde que a doutrina católica tivesse espaço para formar consciências (RIGOLO FILHO, 2006). 20 O nome atual do organismo responsável pelas congregações religiosas, Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica expressa às várias mudanças que ocorreram (D’ONORIO, 1996. p. 423-429).
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reconhecimento pontifício a 198 organizações, em sua maioria femininas, tornando-
as suas representantes e enviando-as como missionárias (ANAYA, 2010)21. Foi
dentro desse cenário que o Brasil, a partir de 1846, tornou-se o destino de inúmeras
congregações europeias dispostas a se colocaram a serviço do ultramontanismo e,
depois, da romanização22 e, ao mesmo tempo, das elites locais requisitantes de
seus serviços, o que, por sua vez, serviu de inspiração para as fundações
brasileiras.
O reconhecimento religioso tinha como objetivo principal ver declarados pela Santa
Sé os meios utilizados pelo organismo para alcançar o “fim religioso”. Sendo assim,
tais escolhas não devem ser vistas apenas como um fim pragmático e imediato
ligado à subsistência e à manutenção do grupo, mas como afirmação de que a
forma possível para o cumprimento da consagração religiosa implicava utilizar meios
considerados, até então, mundanos. Se a ascese dos mosteiros se expressava pela
dedicação às atividades do claustro, a ascese congregacional, moderna, passava
pelo envolvimento social, especialmente urbano, ate então, negado pelos
eclesiásticos (LAGUNA, 2009).
21 O documento Methodus quae a Sacra Congregatione episcoporum et regularium servatur in approbandis novis institutis votorum simplicium, foi publicado em 1854 pela Congregação dos Bispos e dos Religiosos, sob responsabilidade do Cardeal A. Bizarri (ANAYA, 2010; LOPARCO, 2009; SASTRE SANTOS, 1993). O texto completo do documento encontra-se em Sastre Santos, 1997, 187-189. 22 Apesar de expressarem a mesma realidade, entendemos haver distinção entre ultramonstanismo e romanização. Especificamente no Brasil, o primeiro está ligado à situação da Igreja Católica durante o padroado, quando o Imperador se colocava como o superior da Igreja. Dessa volta, os bispos fieis as orientações do papa não aceitavam tal interferência. Para David Gueiros Vieira (1989) o ultramontanismo brasileiro foi a reprodução do movimento homônimo europeu realizado por eclesiásticos brasileiros que, ainda na primeira metade do século XIX, disseminaram a cultura religiosa ultramontana europeia de afirmação da supremacia do papado sobre os assuntos eclesiásticos. O segundo é a mudança na orientação da política eclesiástica após a República. Para Augustin Wernet (1987), assumindo Ralf dela Cava, a romanização foi a integração sistemática da Igreja brasileira no plano, quer institucional, quer ideológico, e nas estruturas altamente centralizadas da Igreja Católica Romana, dirigida de Roma. Em razão disso, o termo “romanização” se refere aos fatos posteriores ao decreto provisório n.° 119A, de 07 de janeiro de 1890, que declarava o caráter leigo do estado, pois somente após esta data a Igreja integrou-se sistematicamente nas estruturas centralizadoras de Roma (RIGOLO FILHO, 2006). Em síntese, o ultramontanismo se constituiu como movimento de oposição eclesiástica ao governo imperial, que o acusava de lhe cercear a liberdade; já a romanização foi a execução do projeto de catolicizar o País, já no período republicano.
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2. As associações femininas oficiosas convertidas em congregação religiosa
Dentre os grupos citados, o primeiro a se empenhar para alcançar o reconhecimento
religioso foi o quarto grupo, o qual possuía características mais independentes do
clero, pois, os outros três primeiros, as ordens terceiras, as sociedades de vida
comum e as pias uniões, também não reconhecidos, já gozavam de relativo
prestígio eclesial, justamente por serem dependentes do clero, fazendo-os
acomodarem-se àquela situação.
Não obstante, apesar de possuir uma novidade exponencial que acabou
configurando-se como identidade ao movimento congregacional, a força deste não
veio do quarto grupo, numericamente inexpressivo, mas dos três grupos religiosos
ligados aos clérigos, que, progressivamente, acabaram aderindo a ele. Estes,
percebendo a reconfiguração social e eclesial, se apropriaram – e as adotaram –
das particularidades dos grupos leigos que haviam tomado a dianteira no pedido de
reconhecimento pontifício. Essa entrada quase maciça dos grupos submissos ao
clero, na segunda metade do século XIX, acabou atribuindo ao movimento
congregacional um perfil conservador, o que, por sua vez, foi incentivado pela Santa
Sé como forma de conter os aspectos contestatórios.
Para que as organizações mais ligadas ao clero assumissem aquele estilo de vida
mais secularizado e pautado pela racionalidade burocrática da modernidade e da
própria Igreja, dois fatores foram fundamentais: O primeiro, as fundações
organizadas segundo o modelo das pias uniões e as ordens terceiras perceberam
que, em função das contingências políticas dos governos liberais, Roma,
inicialmente, concedia o reconhecimento eclesial aos grupos femininos mais
autônomos do clero, os quais gozavam de maior reconhecimento pela sociedade
civil anticlerical, sendo esta a forma como a Igreja se fazia presente na sociedade.
Tal reconhecimento desencadeou, nos membros dos organismos mais antigos – os
quais, apesar de ainda não gozarem do reconhecimento pontifício mas já estarem
acomodados a este –, o desejo de conquistar para si aquele direito, levando-os a se
relançarem e assimilarem as práticas daquele grupo. Ao analisar as informações do
Banco de dados, alusivas à obtenção do reconhecimento pontifício das
congregações imigradas, é possível verificar que as fundadas nos primeiros 20 anos
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do século XIX obtiveram o reconhecimento papal muito antes de pias uniões mais
antigas. Como exemplo, citamos o caso da Congregação das Religiosas do Sagrado
Coração de Jesus, fundada em 1800 por Madalena Sofia Barat, que obteve o
reconhecimento da Santa Sé após 26 anos de sua fundação; de outro lado, a pia
união, convertida na Congregação de São José de Chambéry, que já existia desde
1650, somente recebeu o reconhecimento em 1867.
O segundo fator foi a possibilidade de projetar o crescimento e a expansão de novas
“obras religiosas”, inclusive em outros países, garantidas pela aprovação eclesial.
Assumir o programa ultramontano, e depois romanizado, fazendo-se missionárias,
possibilitava àquelas organizações ampliar os horizontes para além do seu país de
origem, significando expandir-se, aumentar o seu efetivo e fazer crescer seu
patrimônio material e simbólico, principalmente político. Isso exigia ajustar o escopo
do organismo de acordo com as necessidades da sociedade. Percebemos, então,
que a finalidade da organização passava a ser ditada por demandas sociais, as
quais, por sua vez, se constituíam como importantes nichos do mercado capitalista.
Nesta perspectiva, as congregações mais competentes, as mais sólidas e com maior
visibilidade, conquistavam maior credibilidade pública e tinham maior possibilidade
de construir riqueza.
O fato de apresentarem-se como um organismo religioso, com expertise nas áreas
educacional, hospitalar e do cuidado de vulneráveis, reconhecido pela Santa Sé,
abria portas, inclusive, nas sociedades mais laicizadas, carentes de mão de obra23.
O reconhecimento religioso era, então, a credencial de uma instituição sólida, com
uma organização hierárquica e com projetos bem definidos, passando a atrair a
atenção do governo, de clérigos, de futuros candidatos à vida religiosa e,
especialmente dos beneméritos, por vezes até anticlericais, que lhes concediam
apoios econômicos em troca de bens simbólicos legitimados pelo status quo católico
(BOURDIEU, 2007). Em razão disso, as congregações que se adaptaram às regras
de mercado, com administração centralizada, multiplicação de casas, maximização
das estruturas e do pessoal, capacitação profissional de seus membros e a
23 Em função de sua existência milenar, a Igreja, por compreender sua missão de ensinar e zelar pelo cuidado humano, se constituiu durante séculos como uma das principais, se não a única, detentoras dos saberes educacionais, médicos e de assistência social.
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formação de um quadro de reserva, apto para responder as demandas da
sociedade, tomaram a dianteira do movimento congregacional.
Isto significa afirmar que a motivação para o pedido de reconhecimento eclesial se
dava como possibilidade de se estruturar e fortalecer a organização religiosa. Além
das vantagens externas, a figura da madre superiora empoderava os organismos
femininos diante do controle de clero, ao qual a maioria delas ainda era vinculada.
Muitos organismos religiosos masculinos, que fundaram grupos femininos para deles
se servirem, não viam com bons olhos a aprovação pontifícia. Aludindo à situação
das organizações femininas, que pediam o reconhecimento eclesial, Riolando Azzi
cita Eugenio Ceria, historiador da obra de Dom Bosco, que assim teria se referido ao
fundador da Congregação Filhas de Maria Auxiliadora:
... Dom Bosco não tinha nenhuma pressa de chegar a tal ato, bem sabendo que Roma se inclinava a tornar as congregações femininas independentes das masculinas. Para ele, tal separação parecia ainda imatura, porque sentia necessidade de tempo para formar as irmãs naquele espírito que queria infundir nelas. Importava, pois, muito que nisto ele pudesse ter as mãos livres. (AZZI, 1986, p. 47)
O excerto é revelador. Confirma que o movimento congregacional fora cooptado por
Roma e, apesar disso, esse fenômeno não era plenamente aceito por boa parte dos
religiosos fundadores, que se negavam a reconhecer a independência dos grupos
femininos e resistiam a ver suas fundações controladas pela Santa Sé. Neste ponto,
se vislumbra uma questão de direito eclesial entre a jurisdição do superior da ordem
masculina e da Santa Sé. O próprio Eugenio Ceria faz a observação precisa do
problema: “... Seguia [Dom Bosco] o exemplo dos Padres da Missão que, justamente
por esse motivo, não quiseram nunca a aprovação pontifícia das regras dadas por
São Vicente de Paulo às Filhas da Caridade” (AZZI, 1986, p.74)24.
24 A observação do historiador dos salesianos é equivocada, pois, as Filhas da Caridade obtiveram o decreto de reconhecimento pontifício em 1688, antes mesmo do ramo masculino e fundador, o que demonstra a força política daquela Companhia. Provavelmente, por causa disso, apesar de ter dado grande contribuição ao movimento congregacional, a referida sociedade não se converteu em congregação religiosa Sobre a questão do grupo feminino ter conquistado independência econômica antes do ramo fundador, vale a pena destacar ainda o caso da Congregação de Nossa Senhora de Sion, que também imigrou ao Brasil no final do século XIX. Ela nasceu de um grupo de mulheres católicas que pediu a seu diretor espiritual, o jesuíta Théodore Ratisbone, que lhe desse forma canônica. Assim, em 1842, em Paris, foi fundada a pia união de Nossa Senhora de Sion. Licenciado da Companhia de Jesus, Ratisbone anos antes obteve a autorização para iniciar uma obra de evangelização para a conversão dos judeus, finalidade para a qual idealizava fundar uma congregação masculina. Nesta perspectiva, a pia associação feminina se destinava a um papel secundário: educar meninas judias
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Todos esses motivos ajudam a compreender por que muitas pias uniões e ordens
terceiras, que nasceram com um escopo religioso bem delimitado e sem muitas
pretensões sociais, foram aos poucos ampliando e diversificando seu campo de
ação. Para isso, foi fundamental assumir a estrutura eclesial que lhes fornecia um
modelo formativo padronizado, uma cultura organizacional hierárquica, fórmulas de
sucesso que faziam a organização crescer.
Como exemplo, reproduzimos a interpretação das atuais religiosas da Congregação
das Pequenas Irmãs da Divina Providência sobre a sua fundação, presente no site
brasileiro. Idealizada por Teresa Michel Grillo, que, após ficar viúva, em 1893, se fez
terceira franciscana e teria transformado a própria casa no “Pequeno Abrigo da
Divina Providência” para acolher pobres. Com o crescimento da obra caritativa,
passou a contar com apoio de amigos e da sociedade, até que, em 1899, por
orientação do bispo, teria fundado a Congregação das Pequenas Irmãs da Divina
Providência. Na propagação do ideal de santidade da fundadora, canonizada em
1985, assim foi justificada a institucionalização da organização:
As necessidades dos pequenos asilados, dos enfermos, velhos acolhidos e dos pobres convenceram a Teresa Michel da urgência em fundar uma Congregação Religiosa. A 8 de janeiro de 1899, a Serva de Deus, aconselhada e por sugestão de autoridades da Igreja, vestiu o hábito religioso. (grifo nosso); Disponível em:<https://santateresinhacolegio.com.br/index.php/congregacao/historia/item/11-surge-a-congregacao-das-pequenas-irmas-da-divina-providencia>. Acesso em: 20 nov. 2017.
pobres. Gradativamente, o grupo se especializou na educação da elite, até que, em 1856, obteve o reconhecimento civil do governo francês, permitindo ampliar sua base: construiu uma rede de internatos e conseguiu se transformar na terceira organização religiosa com maior renda per capita, fazendo com que, cada vez mais, se afastasse do seu objetivo inicial (BRITO, 2014). Essa posição econômica lhe permitiu criar condições para a implantação do projeto do fundador e inverter os papéis que as fazia passar de “filhas” para “mães provedoras”, sendo elas – e não mais o fundador –, de fato, as detentoras do poder. O único poder que aquele conservava sobre a organização era o fato de ser o superior religioso, o que não era pouco, pois fora ele o autor das Regras e Constituições da organização feminina. Tal poder, embora aceito sem questionamento, não alterava em nada a vida da organização. Avançando em seu projeto educacional, a organização se perfilou ao lado de outras organizações congêneres do movimento congregacionista e pediu o reconhecimento pontifício à Santa Sé, o que lhe foi concedido em 1874 (BRITO, 2014). Catorze anos depois, em 1888, a Organização chegou ao Brasil, com viagem financiada por católicos brasileiros e, com o apoio destes, conseguiu instalar o seu primeiro colégio no palácio imperial de Petrópolis em 1889, até que a construção de escola própria se realizasse, o que acabou acontecendo em 1897 (BRITO, 2010; COLOMBO, 2013). Diante da sociedade patriarcal e católica, a organização buscou se beneficiar daquilo que a presença do fundador representava na cultura católica. Para todos os efeitos, era um grupo fundado por um padre que garantia a ortodoxia e a fidelidade às normas eclesiásticas daquelas mulheres. Com estratégia característica do movimento congregacionista, ela, e outras tantas pias uniões e ordens terceiras daquele período, buscou construir um espaço de subversão política possível, pois, ao conquistarem a liberdade econômica junto à sociedade civil, ainda tiveram que se submeter às determinações eclesiásticas.
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A última frase indica, segundo o autor do texto, o tornar-se freira e fundar uma
congregação como o meio possível para aquela mulher realizar o seu projeto de
vida. Ela não teve dúvida: fez-se freira, se institucionalizou. No jogo de múltiplos
interesses, assumir-se como propagadora da ideologia religiosa romana, ainda que
tivesse de viver e reproduzir uma estrutura hierárquica e patriarcal, não se constituía
um problema para ela, era, antes, uma oportunidade para realizar o que desejava.
As vantagens sociais, políticas e econômicas decorrentes do apoio das elites e dos
políticos locais – vistos como meios possíveis para realizar aquilo que se concebia
ser a missão religiosa25 – permitiam-lhe realizar o fim religioso. Por outro lado, a
motivação religiosa das singulares freiras, vista como superior a qualquer tipo de
remuneração econômica, acabava se convertendo em fonte de lucro daqueles que
utilizavam a mão de obra delas, que, querendo se livrar dos ditames dos superiores
masculinos, acabavam enredadas pelas tramas da sociedade capitalista. Isto, por
sua vez, tinha impacto direto na luta dos trabalhadores, os quais tinham nas freiras
suas concorrentes.
Na história do movimento congregacional, importante passo foi dado por Leão XIII,
que em 1900, através da Constituição Apostólica Conditae a Christo, chamada
também Carta Magna das Congregações, pôs fim à afirmação tridentina, de Pio V,
que reconhecia como religiosos(as) apenas os membros das Ordens contemplativas
(SASTRE SANTOS, 1993, 260-266). Todavia, o documento impunha que tais
organismos adotassem regras de vida semelhantes à vida claustral e definiu que os
organismos que ainda não houvessem obtido o reconhecimento pontifício deveriam
ser submetidos à jurisdição do bispo diocesano, significando dizer que este passava
a ser o superior da congregação. Com esta reforma, o processo de reconhecimento
pontifício se tornava mais complexo e lento, aumentando o período de domínio
episcopal sobre o organismo feminino, fato justificador da obediência e da
subserviência feminina às determinações romanas reverberadas pelos bispos
25 Ainda que tenha se referido a religiosas intelectuais, Agueda Bittencourt interpreta o fato de mulheres se fazerem religiosas como forma de também realizarem seus projetos pessoais! (2010, p. 10):
Monjas-mulheres, sob vestes-esconderijos que apagam a individualidade e escondem os desejos, revelam-se na letra das cartas e das crônicas normatizadas, nas discretas subversões dos textos canônicos e encaminham o leitor para um tipo de mulher desordeira, para Virginia Woolf, Lilian Helmann ou Clarisse Lispector e tantas outras.
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(KELLER; RUETHER, 2006). Essas orientações codificadas no documento
Normae26, de 1901, foram definitivamente implementadas pelo Código de Direito
Canônico (CDC) de 1917, incluindo uma secção sobre os direitos das mulheres
religiosas, no qual definiu minuciosas leis que regulamentavam e uniformizavam os
diferentes modos de ser religiosa (SASTRE SANTOS, 1993)27. Ainda que tais leis
tenham circunscrito e limitado a ação das freiras, a existência dessas normas
indicava, pelo negativo, o reconhecimento da expressiva presença delas na
sociedade, a ponto de a Igreja criar um conjunto de leis para regê-las.
3. A plástica reinvenção da organização religiosa
O principal desafio das organizações que assumiram o movimento congregacional
foi reinventar a sua identidade e redefinir o seu campo de ação. Diante das inúmeras
demandas indicadas pela sociedade civil, quanto mais flexível se apresentassem,
maiores seriam as possibilidades de ampliar suas bases de atuação. Na nova
configuração da sociedade liberal e republicana, os organismos eclesiais e seus
membros só existiriam se demonstrassem sua utilidade social e vivessem
plenamente a cidadania e a igualdade civil. Cabia, às organizações, ampliar e
deslocar as fronteiras do sagrado dos muros conventuais, como tentativa de
refundar a sociedade segundo a sua compreensão católica do mundo. Com a
institucionalização do movimento e o progressivo enrijecimento da Santa Sé, os
novos grupos passaram, estrategicamente, a incorporar na sua organização as
características de sucesso de cada um dos quatro modelos anteriores, dando origem
26 Normae secundum quas S. Congr. Espiscopurum et Regularium porcedere soet in approbantis novis institutis votarum simplicium, 28 jun 1901 (SASTRE SANTOS, 1993, 266-299) 27 O CDC de 1917, apesar de igualar as religiosas de vida ativa ao mesmo status canônico das irmãs de votos solenes, lhes impôs uma série de exigências próprias das Ordens Religiosas: vestes religiosas, atividades litúrgicas e clausura. No que diz respeito à independência das congregações religiosas, ele definiu que as congregações religiosas femininas seriam de direito diocesano, quando são submetidas ao bispo, e de direito pontifício, quando são submetidas à Santa Sé (CDC, 1917, § 488, 1951).
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a um modelo congregacional profundamente hierarquizado e clericalizado que se
sobrepunha às características de cada modelo28.
Uma das principais, quiçá a principal, estratégia adotada pelas congregações
femininas foi garantir a presença de um clérigo, tal qual ocorria nas pias uniões ou
ordens terceiras. Ao contar com o apoio de um membro do clero, o organismo
feminino gozaria de maior credibilidade em uma instituição dirigida por homens e
ainda teria a colaboração de quem, supostamente, conhecia os meandros
eclesiásticos, a fim de garantir a aprovação de suas solicitações. Não por acaso,
com o início das aprovações pontifícias, a figura do “cardeal protetor” foi reinventada
para promover o interesse das organizações aspirantes ao reconhecimento
religioso29. Outra estratégia de novos grupos foi a de apropriar-se da espiritualidade
das grandes famílias espirituais e, reinventando sua identidade religiosa, associá-los
a uma ação missionária (SASTRE SANTOS, 1997). Se, por um lado, isso implicava
em assumir o peso institucional que burocratizava os nascentes grupos, por outro,
apresentar-se como membro da histórica instituição se constituía como excelente
credencial em função da referência universal da Igreja Católica.
A terceira estratégia foi propor múltiplas possibilidades de atuação, em que a
ocupação dos espaços não era mais regulada pelo escopo da organização, mas
pela plasticidade segundo uma lógica racional. A Congregação da Sagrada Família
28 Laguna descreveu que as religiosas responsáveis pela articulação dos processos canônicos para a obtenção do direito pontifício:
... desarrollarán armas de habilidad, paciencia, ingenio, intuición y visión de la oportunidad. En esa Roma, con su tupida trama burocrático- administrativa en la que se iban a enredar “los asuntos de las monjas”, con su pulular de funcionarios eclesiásticos de todos los niveles y perfiles, juristas, abogados, canonistas(..).moviéndose por un sin fin de pasillos y despachos, y donde se cruzaban intereses (privados y colectivos, clericales y civiles, políticos de todo tipo(...) y chocaban jurisdicciones (papal, episcopal, la de los regulares, de las propias superioras de las comunidades(...), la civil y estatal en el horizonte), en esa Roma, a pesar de ello, o, incluso, gracias a ello, las religiosas podrán (hay que recordar que ellas no están presentes, sino que actuarán a través de sus intermediarios) encontrar espacios “entre líneas”, disponer de contactos, suscitar solidaridades o contradicciones, mover influencias(...). Les caracteriza su decisión de no retroceder, de ir ampliando, aunque fuese centímetro a centímetro, aunque fuera con repetidos fracasos e infinitas esperas, el ámbito de su acción autónoma y la garantía de futuro para la congregación. (LAGUNA, 2009, p. 38) * NA: Este texto é escrito em catalão!
29 O cardeal protetor tem sua origem na Idade Média como uma figura que defendia os interesses políticos de determinado rei cristão. Posteriormente o cardeal protetor passou a defender interesses de organizações religiosas.
45
de Bourdeaux representa um bom exemplo dessa plasticidade. Paula Leonardi
(2010, p. 64) destaca que essa associação, através de seus quatro ramos principais,
oferecia a seus membros diversas possibilidades de participação com o objetivo de
“formar uma família composta por membros desiguais”30.
Essa abertura a diferentes formas de vida se configurava, portanto, como estratégia
para atrair uma maior gama de pessoas que nela desejassem ingressar e oferecer
múltiplos serviços, constituindo-se como um empreendimento extremamente
moderno e atento à demanda do mercado dos bens de salvação.
A diversificação nas frentes de trabalho incluía, também, ofertar gratuitamente parte
daqueles serviços aos pobres, se configurando uma estratégia expansionista, que,
além dos aspectos materiais, almejava conquistas simbólicas, as quais muitas vezes
também se revertiam em apoio material. Como exemplo, citamos a Congregação
das Irmãs de São José de Chambéry, que, apesar da missão específica de se
constituir como educadora das filhas da elite na cidade de Itu, abriu um hospital na
cidade de Campinas, em 1870, e depois um orfanato para as meninas órfãs, em
1890.
De forma tangencial, Graziela Perosa (2005, p. 37) demonstrou que “o
empreendimento católico, no caso as escolas para a elite, tinha que se afirmar e ser
reconhecido como benemerência, doação de si, sacrifício para ter legitimidade” e,
por isso, muitas congregações, ao lado de seus empreendimentos, ofereciam
serviços gratuitos aos pobres, especialmente escolas. Ainda hoje, muitas mantêm
duplos serviços à sociedade. Servem à elite em boas escolas e oferecem apoio
escolar em contra turnos e creches em bairros da periferia. Ambos são constitutivos
da construção do patrimônio delas. O primeiro é responsável pelo provimento das
necessidades estruturais da organização, sendo a principal delas a manutenção das
religiosas e dos bens móveis e imóveis que as sustentam, especialmente em suas
atividades missionárias. O segundo constrói o patrimônio simbólico, um investimento
social e econômico feito pela organização, geralmente nas periferias, onde se
mostra benemerente e a serviço dos pobres. Isto objetiva granjear o apoio
30
A autora informa que o ramo Jesus congregava os clérigos; o ramo São José, os homens não clérigos; o ramo Maria congregava as religiosas que viviam nos conventos e o ramo das Filhas de Deus Só congregava as mulheres que viviam isoladamente.
46
socioeconômico e político da opinião pública que reconhece naquela organização
uma importante parceria no combate aos problemas sociais.
Com tamanha penetração social, os membros das congregações femininas
construíam uma nova representação social de religiosa, não mais a monja, dedicada
às práticas litúrgicas e espirituais do claustro, mas a irmã de caridade, aquela que se
consagra ao serviço dos pobres em diferentes frentes de trabalho, a clausura dos
séculos XIX e XX. Esta nova nomenclatura nasceu não apenas para distinguir uma
da outra, mas para afirmar que a segunda não possuía o status de religiosa. Apesar
de o CDC de 1917, reafirmar a Constituição Conditae a Christo, em que os membros
dos dois grupos eram considerados como verdadeiros religiosos, ele manteve e
oficializou a distinção entre as nomenclaturas: monjas, para identificar as religiosas
dos claustros e irmãs de caridade, as religiosas das obras sociais (CDC, 1917, §
488).
Langlois analisou o auge da vida congregacional entre 1800 e 1860. Ele indicou que,
nos 20 primeiros anos, houve o surgimento de uma média de 3,5 congregações por
ano e no período de 1820 a 1860, a média foi de 6 novas fundações ao ano. Depois
desse período, deu-se o início do declínio das fundações, chegando, em 1880, a 2,6
fundações por ano, índice abaixo do início do século (LANGLOIS, 1984). Para a
Itália, Giácomo Martina indica apenas que no século XIX foram fundados 183 novos
organismos. Se considerarmos o século todo, e em relação ao número de fundações
francesas, a média é baixa. Este autor ainda afirma que na primeira metade do
século XX o número de fundações italianas e francesas se equiparava, com 150
fundações cada, e uma média de 3 fundações ao ano (MARTINA, 1998).
4. As congregações religiosas imigradas no Brasil
Com a perda dos territórios pontifícios e as crescentes separações promovidas pelos
estados liberais, que impunham o fim da “Religião de Estado” e das regalias do
Antigo Regime, com a consequente perda de espaços considerados católicos na
Europa, deu-se início à construção de uma nova representação do papado, não
mais detentor de poder temporal mas, de um poder espiritual e moral que
47
submeteria todos os católicos e no qual mal algum prevaleceria contra a Igreja
(CAES, 2002).
A história da vida religiosa no Brasil, até o século XIX, se resume a não mais que
sete ordens masculinas e cinco femininas, sobrevivendo numa minguada situação
socioeconômica do Império que, apesar de católico, pouca atenção dedicava aos
mosteiros e conventos (BEOZZO, 1983). Maria Jose Rosado-Nunes resume bem a
situação da vida religiosa feminina na Colônia com a frase “Era proibido ser freira”,
pois a Coroa não estava disposta a autorizar e investir em novos conventos, que ela
deveria subsidiar, e porque o reduzido número de mulheres europeias estava
destinado à missão de procriar (ROSADO-NUNES, 1997). Restavam os
recolhimentos, instituições oficiosas, fundadas quase sempre por padres, onde se
abrigavam mulheres desviadas e as que desejavam seguir a vida religiosa, mas não
podiam ingressar nos poucos conventos existentes. Neles se desenvolvia uma forma
de vida religiosa marginal, na qual as mulheres, apesar de assumirem as práticas
das religiosas, não eram reconhecidas pela Igreja. A possibilidade de renovação da
vida religiosa veio com a política religiosa vaticana de promover as congregações
religiosas dispostas a serem missionárias, com o objetivo de ampliar a presença da
Igreja nos inúmeros países, antigas colônias e ex-colônias de nações europeias de
tradição católica, como foi o caso do Brasil. As congregações que aceitaram emigrar
para terras desconhecidas, submetendo seus membros a inúmeras provações, o
fizeram como parte do projeto de expansão da organização e investimento para o
crescimento e fortalecimento dos patrimônios material e simbólico. A política
iluminista de Dom Pedro II, que autorizou a entrada de organizações religiosas
francesas para a instalação de escolas e hospitais, associada ao projeto
expansionista do papado, se constituiu em propício campo para o movimento
congregacionista europeu. Entendendo que a motivação para a entrada de religiosos
no Brasil, basicamente europeus, não se dava apenas por questões caritativas,
liberais críticos da política ultramontana se puseram contra os organismos femininos
imigrados que, justamente por se assumirem representantes da Igreja, se colocavam
a serviço da ordem estabelecida. Foi o que manifestou o deputado liberal Pedro Luiz
Pereira de Souza, em 1864, sobre a presença dos religiosos europeus no Brasil.
Especialmente sobre a Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo,
ele discursou na sessão de 03 de março de 1864.
48
As irmãs de caridade têm grandes estabelecimentos à sua disposição: hospitais e colégios. Nos hospitais são enfermeiras tirânicas e administradoras absolutas. Nos colégios são professoras sem terem sofrido exames (...) Combato o jesuitismo, meus senhores, apareça como aparecer; combato o jesuitismo, venha ele com o burel do capuchinho, ou com a batina do lazarista ou com a touca branca da irmã de caridade. (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 03 mar.1864, p. 27-28))
A República, apesar da separação oficial entre o Estado brasileiro e a Igreja, acabou
sendo muito benéfica para a segunda, que, acolhendo a liberdade não desejada,
pôde, enfim, se internacionalizar. Na primeira Pastoral Coletiva do Episcopado
Brasileiro, de 1890, os bispos afirmavam que o “... modus vivendi (...) imposto pela
força das circunstâncias ...” lhes permitiria “...apreciar a liberdade da Igreja em si e a
liberdade (...) concedida pelo decreto”, para que pudesse gozar a liberdade de culto
e assim acatar as orientações do papado, alinhando-se com as diretrizes tridentinas,
“como ela nunca logrou no tempo da monarquia” (EPISCOPADO BRASILEIRO,
1890 apud RODRIGUES, 1981, p. 37. 39).
Em meio às disputas políticas e a uma ausência de projeto de coesão nacional, a
Igreja Católica se apresentava como elemento aglutinador da nação e colocava seus
préstimos a favor do governo, como se ainda fosse parte da estrutura do Estado.
Sérgio Miceli lembra que a separação dos dois poderes não significou ruptura entre
a Igreja e as elites locais, que compartilhavam mútuos interesses. Isso só foi
possível em função da reorganização da Igreja, na passagem do século XIX para o
XX, quando foram instaladas dioceses nas capitais, e depois nas grandes cidades,
descentralizando o poder eclesiástico, o que permitiria aos bispos dar à instituição a
configuração que perdura até os dias atuais (MICELI, 1988). Segundo a orientação
do papa Leão XIII, os bispos aceitavam a república e, apropriando-se do mesmo
liberalismo que a engendrou, passaram a reclamar a participação da Igreja nos
destinos da Nação. No ano seguinte ao da proclamação da República, os bispos
brasileiros lançaram a primeira Carta Pastoral coletiva do episcopado brasileiro, na
qual se percebe o poder de negociação que os bispos detinham:
... é daqui, do altar sagrado da religião que vamos dizer a esta nossa querida nação a verdade que a pode e a há de salvar ... ”
Basta que o Estado fique na sua esfera. Nada tente contra a Religião. Não só é impossível, nesta hipótese, que haja conflitos; mas pelo contrário, a ação da Igreja será para o Estado a mais salutar; e os filhos dela, os melhores cidadãos, os mais dedicados à causa pública, os que derramarão mais de boa mente o seu sangue em prol da liberdade da pátria.
49
(EPISCOPADO BRASILEIRO, 1900, apud RODRIGUES, 1981, p. 17 e p. 57 respectivamente)
Enquanto o governo francês, com a política de Émile Combes, em 1905, impunha a
laicização às congregações religiosas como expressão de um claro projeto de
Estado liberal, o governo brasileiro as aceitava de bom grado, justamente quando a
Igreja brasileira se “desnacionalizava” e se perfilava de acordo com as orientações
romanas (DELLA CAVA, 1976). Isso permite afirmar que o Estado, nada liberal,
reconhecia a força social da Igreja e que o seu projeto político em nada ameaçava
os interesses daqueles que fizeram a República sem o povo. Ao apropriar-se da
formação escolar intermediária destinada às classes médias e à elite, a Igreja
formava o cidadão católico, mas, não necessariamente, o cidadão republicano
brasileiro.
Assim, desde 1890, se assistiu a um forte processo de imigração de congregações,
atraídas, inicialmente, pela possibilidade de abrir escolas e, posteriormente, de
investir em outras frentes como saúde, cuidado de órfãos e de idosos.
Especificamente no caso das congregações italianas, havia também a motivação de
prestar assistência religiosa aos imigrantes. Todas elas vislumbravam expandir suas
frentes de trabalho, ampliar o quadro de religiosas e fazer crescer o patrimônio
material e espiritual da congregação. Desse movimento, a partir de 1849,
começaram a surgir as primeiras congregações brasileiras que reproduziram a
cultura congregacionista imigrada. Não por acaso, a Igreja viria a controlar os
hospitais e uma vasta rede de escolas particulares, administradas por congregações
que, inicialmente, se dedicavam à educação da elite e depois passaram a se ocupar
da educação das classes intermediárias (MICELI, 1988). Conforme o projeto
eclesiástico ultramontano, e depois romanizador, a educação formaria mentes e
corações segundo a doutrina católica.
No que diz respeito às concepções liberais para a educação, as poucas escolas de
matriz protestante que haviam se instalado no País possuíam propostas
pedagógicas mais inovadoras do que as católicas, mas estas não receberam apoio
senão de alguns poucos liberais, pois esse não era o projeto dominante, controlado
pelos católicos. Assim se referiu Fernando Azevedo, em 1944 (p. 348), quando
chamou tais inovações de “fermento novo”:
50
Nenhum fermento novo se introduziu na massa do ensino, a não ser o que se preparava nos colégios leigos ou se formava, nos fins do Império, com o aparecimento das primeiras escolas protestantes, como a Escola Americana, fundada em 1870, em São Paulo, para o ensino elementar e a que se acrescentou, em 1880, a escola secundária, ambas do "Mackenzie College", ou o Colégio Piracicabano (1881), para meninas, em São Paulo, e o Colégio Americano (1885), em Porto Alegre, ambos de iniciativa dos metodistas.
Em contraponto, a intelectualidade católica da década de 1920 e 1930 – ligada ao
Centro Dom Vital e liderada por Dom Leme –, através de Alceu Amoroso Lima,
buscou fazer frente aos Pioneiros da Escola Nova, cujo Manifesto de 1932 defendia
não só a escola pública, mas também a criação do Plano Nacional de Educação. E,
em última análise, por veicular um projeto de cultura nacional e livre, excluía as
pretensões católicas defendidas por esse grupo. Em razão disso, esses católicos
passaram a combater os líderes escolanovistas, dentre eles Fernando de Azevedo e
Anísio Teixeira, como forma de sugerir que tais propostas eram nocivas à
sociedade. Alceu de Amoroso Lima, um dos mais importantes intelectuais católicos
conservadores, em função de sua força e prestígio com o poder central, conseguiu,
ainda, obstaculizar a nomeação do primeiro para o cargo de diretor nacional de
Educação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1935 (XAVIER, 1988).
Contra os avanços conquistados por Anísio Teixeira na Reforma do Ensino no
Distrito Federal, à frente do Departamento Municipal de Educação, este líder
católico, através de carta ao ministro Gustavo Capanema, impôs, também em 1935,
a demissão de Anísio Teixeira, pois disso dependia a “catolicidade das instituições e
a paz social” (ARDUINI, 2015; BITTENCOURT, 2017; XAVIER, 1998). Também na
década de 1930, a Liga Eleitoral Católica, organismo leigo fundado por Dom Leme
para pressionar os constituintes, obteve sucesso em torno da defesa de vários
interesses católicos que foram contemplados na Constituição de 1934 (ARDUINI,
2015; CURY, 1988; SCHWARTZMAN, 2000).
Mesmo quando Getúlio Vargas, no Estado Novo, adotou medidas contra a
democracia, a Igreja, unida, continuou apoiando a luta contra o que classificava
como comunismo, por entender que, apesar de ferir as liberdades individuais,
Vargas ainda continuava com prestígio e com espaço para a formação da opinião
pública. Cabe lembrar que, em 1932, por ocasião da inauguração do monumento do
Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, Dom Leme retomou o tom de ameaça que fora
anunciado na primeira Carta Pastoral Coletiva:
51
E haverá ainda quem acredite ser lícito à República fingir que pode ignorar as crenças religiosas do povo?! Não, senhores! (...) O nome de Deus está cristalizado na alma do povo brasileiro. Ou o Estado reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhecerá o Estado. (AZZI, 1978, p. 64)
Cabe ressaltar que o processo de institucionalização do ensino brasileiro, iniciado no
final do século XIX, tomou força com a multiplicação das escolas particulares das
congregações religiosas, o que, por sua vez, possibilitou a participação da mulher no
espaço público. Paradoxalmente, como forma de resguardar a maternidade, tal
espaço foi ocupado por mulheres religiosas, as quais, apesar de controladas pelo
clero, abriram frentes para a presença feminina no campo educacional. Ainda que
seja possível considerar que tenha havido uma relativa valorização do papel social
feminino, contribuindo para uma nova representação social, também devemos
considerar que o fato de tal função ter sido associada à missão religiosa contribuiu
para emergir novas formas de preconceito e distinção social: subalternidade e
salários baixos.
Da mesma forma, isso ocorre quando se analisa a questão da presença feminina na
saúde. Enquanto a medicina era considerada ciência nobre, ao lado de advocacia e
engenharia, a enfermagem era vista como função subalterna à medicina, e, ao
mesmo tempo, com certo preconceito, pelo fato de manipular corpos. A história da
enfermagem no Brasil está vinculada à tradição cultural medieval católica europeia,
principalmente a portuguesa, que vinculava os cuidados com o corpo alheio,
considerados como tabu, à atividade exclusiva de mulheres que se consagravam a
Deus, como forma de proteger as mulheres casadas e solteiras. Inúmeras
congregações se ocuparam dessa profissão e, com o passar do tempo,
incorporaram também administração de hospitais. O aprendizado dessa ação, vista
como missão religiosa, assim compreendiam as freiras, se dava no próprio hospital
administrado pela congregação, que gradativamente introduzia o aprendizado
prático das religiosas ingressantes, de tal forma que o saber não vinha dos bancos
escolares, mas do tirocínio. Os hospitais conhecidos como “santas casas de
misericórdia” surgiram como instituições filantrópicas de matriz católicas para o
abrigo e cuidado dos moribundos. Elas eram administradas por associações leigas
como confrarias e irmandades que, por sua vez, contratavam profissionais
especializados. Na maioria das vezes, tais profissionais eram religiosos e/ou
religiosas que assumiam a gerência, os serviços médicos e os de enfermagem. Em
52
função das exigências da Circa Pastoralis, via de regra, estes espaço passaram a
ter uma área reservada ao convento das religiosas. Assim, além de serem hospitais,
quase todas as Santas Casas foram convertidas em conventos, nos quais, ao lado
das atividades claustrais, as irmãs exerciam o mandamento religioso de cuidar dos
doentes através do exercício da caridade. Nessa perspectiva, o hospital e convento
se misturavam na medida em que ambos se convertiam em diferentes modos de
clausura para as freiras. Em função dessa cultura, a enfermagem foi vista no Brasil,
até os anos de 1960, muito mais como obra de caridade, da abnegação das
religiosas, do que como atividade profissional, o que inclusive retardou o
reconhecimento desta profissão (VIANA, 2000).
A primeira tentativa de romper com essa tradicional representação caritativa se deu
no compasso do movimento modernista, ocorrido no Brasil na década de 1920, cujo
principal ícone foi a Semana de Arte Moderna. Diante dos graves problemas de
saneamento e de saúde pública, agravados pelas pandemias internacionais que
alcançaram o Rio de Janeiro, afetando a economia cafeeira, foi criado em 1920 o
Departamento Nacional de Saúde Pública, cujo expoente foi o médico sanitarista
Oswaldo Cruz. Nesse clima de modernidade, foi criada, em 1923, a primeira Escola
de Enfermagem e foram contratadas professoras americanas para implantar o
modelo anglo-americano, também conhecido como Sistema Nightingale, centrado na
formação técnica do profissional (PERES; PADILHA, 2014)31. Em 1926, na
formatura do primeiro grupo de enfermeiras, elegeu-se o nome de Anna Nery para
denominar a escola e, já naquele ano, foi criada a Associação Brasileira de
Enfermagem (ABEn), que assumiu a defesa e a regulamentação da profissão e dos
cursos de enfermagem no País.
Nota-se que, apesar da prática da enfermagem ter nascido como atividade paralela
dos conventos, a profissão de enfermeira emergiu como fruto da modernidade e
31 O Sistema Nightingale, responsável pela formação das enfermeiras inglesas e americanas, foi desenvolvido por Florence Nightingale (1820-1910), uma britânica do século XIX, que, rompendo com os padrões da época, rejeitou o casamento para se consagrar como enfermeira, sem, no entanto, estar vinculada a uma instituição religiosa. Tendo servido como enfermeira na Guerra da Criméia, ficou conhecida como a “Dama da Lâmpada” e passou a se dedicar à preparação de pessoas para assumir o ofício de enfermagem. In: Florence Nightingale Museum. Disponível em: <http://www.florence-nightingale.co.uk/>. Acesso em: 07 ago. 2016.
Anna Nery, baiana, nascida em 1814 e falecida em 1880, ofereceu-se para servir de “enfermeira” na Guerra do Paraguai. Em razão disso, é conhecida como a percussora da Enfermagem brasileira e foi homenageada, tendo seu nome atribuído à primeira Escola de Enfermagem.
53
através de pessoas laicas confessadamente não católicas. Mutatis mutandis, a
questão da enfermagem encontrava eco nas questões da educação; estava em jogo
a manutenção, ou não, de uma cultura católica responsável pelos destinos da
sociedade, e longas batalhas seriam empreendidas pelos defensores da majoritária
cultura católica, que defendia a irrelevância das escolas de enfermagem. Coincide
com este período o momento de formação das primeiras universidades no Brasil,
que, sem negar a importância do “saber fazer”, passaram a investir na formação e
na diversificação de quadros profissionais para responder às exigências sociais, o
que acontecia distante da Igreja e de seus prepostos. Dessa forma, a Associação
Brasileira de Enfermagem conseguiu dar os primeiros passos para a
regulamentação do exercício da profissão no Brasil, definindo que a função de
“enfermeira” só poderia ser atribuição de pessoas formadas. Articulada com a elite
conservadora, tradicionalmente católica e com certo poder político, a Igreja
conseguiu junto ao governo, em 1932, um Decreto regulamentando a situação das
freiras sem diploma que trabalhavam em hospitais, as quais passaram a ser
classificadas como “enfermeiras práticas”, desde que comprovassem o
conhecimento prático32. Tal lei só foi revogada em 1955, o que demonstrava a luta
das enfermeiras diplomadas, preteridas pelos hospitais que optavam pelos custos
menores das enfermeiras práticas. Não obstante, este fato desencadeou a
multiplicação de inúmeras escolas de enfermagem, que solicitavam a equiparação
com a Escola de Enfermagem Anna Nery, o que implicava a fixação de exigências
para as referidas escolas funcionarem. Não é difícil de imaginar os artifícios criados
para burlar tais exigências (BROTTO, 2014; OGUISSO, 2001).
A primeira escola paulista, a “Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo”, que
viria a ser o Curso de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, nasceu
em 1938, associada à Faculdade Medicina, hierarquicamente a ciência médica por
excelência, a serviço da qual estaria a enfermagem. Um dos pontos-chave do
projeto da “Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo” era definir o perfil dos
futuros profissionais, ligado aos dois modelos formativos predominantes no País: a
metodologia utilizada pela Escola de Enfermagem Anna Nery, centrada na
32 Decreto n. 22.257/1932, de 26/12/1932. “Confere às irmãs de caridade, com prática de enfermeiras ou de farmácia, direitos iguais às enfermeiras de saúde pública ou práticas de farmácia para o fim de exercem essas funções em hospitais”. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/norma/442592>. Acesso em: 02 mar. 2018.
54
“formação técnica e profissional”, e a metodologia das santas casas, administradas
por congregações religiosas e que mantinham “enfermeiras práticas”.
Diante do peso político e cultural, a segunda foi dominante. O vice-diretor da Escola
de Medicina, o médico Álvaro Guimarães Filho, representante da elite conservadora
e católica, endossou a opinião da Dr.ª Odete de Carvalho, ao expressar que um
curso idealizado segundo o modelo da Escola de Enfermagem Anna Nery estava
destinado a ser uma “escola de casamento”, para moças da classe média, as quais,
caso assumissem ofício, exigiriam altos salários, enquanto as escolas das
congregações seriam mais condizentes com a realidade da profissão, atraindo
religiosas desejosas de servir a sua organização e moças pobres e católicas
dispostas a trabalharem em troca de baixos salários. Diante desse quadro, a direção
aprovou ao vice-diretor estabelecer contato com Dom José Gaspar d'Afonseca e
Silva, arcebispo de São Paulo, que intermediou a vinda das freiras francesas da
Congregação Missionárias Franciscanas de Maria para serem as responsáveis pela
Escola, na qual assumiram a função de professoras, ao lado dos médicos. Foi
imposta às alunas uma organização típica de convento, como se também elas
fossem religiosas (VIANA, 2000). Enquanto as irmãs ali estiveram, predominou a
orientação caritativa expressa no lema cristão “não viver senão para servir”
(BROTTO, 2014).
Nessa história se cruzam múltiplos interesses. São motivações de ordem pessoal ou
de grupos que levam alguém a se comprometer com uma causa, sem uma
vantagem aparente33. A priori, é possível estabelecer a seguinte clivagem: de um
lado, estava o governo estadual paulista, que, necessitando resolver o problema da
saúde pública, acabou destinando verbas apenas para a construção das instalações
médicas e a provisão da infraestrutura física. Ademais, não assumiu o seu papel de
dirigente e defensor das leis em vigor. Mesmo tendo conhecimento de que a Escola
não adotava o padrão oficial, relativizava a presença de religiosos na instituição
pública. Por seu turno, o arcebispo de São Paulo desejava demonstrar ao governo
paulista que a Igreja estava disposta a colaborar nos negócios públicos. Seu projeto
era garantir a presença da Igreja como instituição de ensino de enfermagem, por
33 Pierre Bourdieu (1977), em “É possível um ato desinteressado?”, lembra que o “desinteresse” social não existe, pois aquele que serve o Estado e, por extensão, à sociedade, também deles se serve, o que implica afirmar que, de fato, o que existe são trocas entre diferentes poderes que constroem o capital simbólico e/ou econômico de cada grupo social.
55
meio de freiras clericalizadas, seu lugar-tenente, para formar profissionais da saúde
capazes de defender a doutrina católica e que, ao mesmo tempo, buscassem,
através do exercício profissional, ser bons católicos, bons cidadãos e construtores
da nação. Na sequência, as religiosas francesas desejavam garantir seu espaço
para implantar seus projetos, tal como aconteceu em 1939, quando o Dr. Álvaro
Guimarães Filho criou condições para a fundação do “Amparo Maternal”, uma
instituição que viria a ser administrada pela congregação francesa (BROTTO,
2014)34.
Nesse implícito pacto de múltiplos interesses, realizado por médicos, pelo arcebispo
e pelas freiras, a maior ausência foi a do Estado – desde a nascente República,
eximiu-se da estruturação que deveria garantir os direitos e os deveres iguais a
todos os cidadãos e permitiu que instituições eclesiais seguissem sendo
responsáveis pelos serviços sociais à população. No fundo, a opção pela escola das
religiosas se dava também por questões de ordem econômica e social, pois, manter
uma escola laica, com professores leigos, tinha um custo elevado. Já a escola
dirigida por freiras teria um custo menor, dada a mentalidade de que as freiras
exerciam tal atividade como abnegação. De outro lado, tendo o amparo econômico
institucional, as religiosas, ainda sem a consciência social, contribuíam para impedir
a percepção de que a enfermagem era uma profissão e que por isso deveria ser
remunerada, como qualquer outra.
5. As congregações imigradas segundo o modelo das associações oficiosas
Considerando as informações do Banco de dados para o período entre 1848 e 2000,
que indicam a imigração de 384 congregações religiosas femininas para o país, se
deduz que o modelo de vida religiosa congregacionista teve um impacto bastante
grande na reorganização da Igreja brasileira e consequentemente na sociedade
brasileira, que passou a conviver com este segmento social especialmente nas
escolas, creches, asilos e hospitais.
34 O Amparo maternal se tornou um centro especializado de cuidado neonatal e ficou sob a direção da Congregação “Missionárias Franciscanas de Maria” até 2008, quando foi assumido pela Congregação de Santa Catarina.
56
Quadro: 1 Congregações imigradas, por décadas
Década Nº
1840 1
1850 1
1860 1
1870 1
1880 2
1890 10
1900 23
1910 16
1920 21
1930 32
1940 15
1950 45
1960 71
1970 36
1980 31
1990 16
2000 3
S/I 59 Total 384
si = sem informação (Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
Ainda que a conventualização, promovida pela Santa Sé entre 1901 e 1917, tenha
imposto um forte enquadramento que uniformizou as congregações, é possível
perceber, em todas elas, mesmo nas fundadas no século XX, sinais dos modelos
que estiveram na base do movimento congregacionalista do século XIX35.
5.1. As congregações derivadas de ordens terceiras ou de ordens religiosas
35 Sobre a importância dos sinais e indícios na compreensão dos fenômenos sociais, consultar o texto Sinais, raízes de um paradigma indiciário (GINZBURG, 2012, p. 143-179).
57
As congregações derivadas das ordens religiosas foram altamente estimuladas pela
Santa Sé a emigrar para o Brasil, no projeto de catolicizar a nação, sendo, muitas
delas, trazidas e/ou convidadas pelas Ordens masculinas que estiveram ligadas ao
padroado. No Banco de dados verificamos o predomínio de três famílias espirituais:
a família franciscana, a família carmelitana e a família dominicana; dentre elas, o
núcleo identitário franciscano está presente em mais da metade das organizações.
Os principais sinais para identificar tais organizações são: a conversão de
associações de leigos em ordem terceira, segundo as contingências do momento da
fundação; a utilização do nome de uma das ordens religiosas, associado a uma
devoção moderna que lhes dava identidade e distinção; a participação de um
religioso de uma ordem como fundador ou cofundador. Com a ampliação das
demandas e da necessidade de imprimir confiabilidade, muitos grupos se
apropriavam de uma das referidas espiritualidades e se apresentavam como
herdeiros espirituais daquela família religiosa. Dessa forma, muitos padres
seculares, ao fundarem congregações, escolheram nomes e identidades
semelhantes às de ordens religiosas36. Como o número destas congregações é
grande, citamos apenas alguns exemplos:
Congregação das Irmãs Agostinianas missionárias, Congregação das Irmãs
Franciscanas do Sagrado Coração, Congregação das Irmãs Carmelitas Descalças
36 A Congregação de Nossa Senhora do Amparo é uma fundação brasileira, erigida canonicamente, em 1906, no Rio de Janeiro. A história da congregação tem sua origem com a criação da Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo, que fora fundada em 1871 pelo padre João Francisco de Siqueira Andrade, com apoio da elite da cidade de Petrópolis. O sacerdote encarregou sua sobrinha de organizar um pequeno grupo de mulheres pertencentes ao movimento ultramontano leigo “Filhas de Maria” para serem professoras segundo os moldes de uma “pia associação” e assim desonerar-se do custeio dos seus salários. Com sua morte, em nome de um pretenso testamento espiritual do falecido fundador, seu sucessor transformou o grupo em Ordem Terceira Franciscana e conseguiu a filiação à Ordem dos Capuchinhos, fato que a tornou mais conhecida e lhe abriu perspectiva para novas fundações. Dentro do programa romanizador. Dom João Francisco Braga, 1906, constatando a amplitude da obra, a transformou em congregação religiosa de direito diocesano e lhe impôs constituições próprias. No site da congregação consta informação sobre o suposto testamento: “Para cuidar da obra [educativa] surge a Congregação de Nossa Senhora do Amparo, como Filhas de Maria, em 23/03/1888; estas congregadas tornam-se franciscanas em 09/03/1889, atendendo ao desejo expresso do Padre Siqueira em seu testamento: ‘Que o pessoal docente, uma vez organizado, tome o título de Congregação de Nossa Senhora do Amparo, observando a Regra da Terceira Ordem de São Francisco da Penitência’”. Não nos ativemos a questionar a existência e a veracidade do testamento, mas apenas a perceber a intuição dos referidos padres em transformar um comum grupo de mulheres em ordem Terceira, o que lhe abriu novas e importantes perspectivas. No entanto, isso também descaracterizou a fundação original de mulheres leigas. Informação disponível em: <http://fraternidadecasapadresiqueira.blogspot.com.br/2009/03/um-pouco-da-nossa-historia.html >. Acesso em: 23 ago. 2017.
58
Servas dos Pobres do Brasil, dentre outras. Cabe lembrar que a Congregação objeto
desta tese foi fundada a partir de uma ordem terceira franciscana.
De outro lado, várias congregações afirmaram ter origem em Ordens terceiras, mas
apresentam datação anterior ao século XIX, como é o caso da Congregação das
Irmãs Franciscanas de Ingolstadt. Segundo informações obtidas no site da entidade,
trata-se de fundação franciscana medieval de 1271, na região da Baviera, e que no
século XV foi transformada em Ordem terceira franciscana, no século XVII foi
transformada em clausura, e, em 1800, por ser considerada ociosa pelos liberais, foi
proibida de receber noviças, fato que a impeliu a abrir uma escola para crianças e
assumir contornos congregacionistas. Em razão da perseguição nazista, veio para o
Brasil em 1947 como missionária e se instalou no interior de Minas Gerais se
dedicando a escolas e hospitais37.
5.2. As congregações derivadas das sociedades de vida comum
Com a avassaladora onda congregacional, as poucas sociedades de vida comum
compostas por mulheres, foram transformadas em congregações religiosas. A única
da qual temos notícia, foi a Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de
Paulo, que obtivera o reconhecimento pontifício em 1688, fato que explica ela não
ter se interessado em mudar o seu status religioso (ANAYA, 2010,3).
Dentre as congregações imigradas e identificadas no Banco de dados, três tiveram suas fundações vinculadas a sociedades apostólicas e assumiram tal identidade no século XIX. A principal característica delas é sua dependência de uma sociedade apostólica masculina e a cronologia da fundação, entre os séculos XV e XVIII. São elas: a Congregação das Irmãs Angélicas de São Paulo, fundada em 1535, como ramo feminino da Ordem dos Clérigos Regulares de São Paulo, conhecidos como barnabitas, que imigrou para o Brasil em 1925; a Congregação das Irmãs Teatinas da Imaculada Conceição, fundada em 1583, como ramo feminino da Ordem dos Clérigos Regulares de São Caetano, conhecidos como teatinos, dando nome à organização feminina e que imigrou para o Brasil em 1971; e a Congregação das Irmãs Oblatas do Menino Jesus, fundada em 1672 por Pe. Cosimo Berlinsani, membro da Sociedade de clérigos regulares da Mãe de Deus, para ser o ramo feminino daquela sociedade, a qual imigrou para o Brasil também na década de 1970.
37 Disponível em: http://www.acf.org.br/sobre-a-acf/historia/ Acesso em: 01 abr. 2018.
59
5.3. As congregações derivadas das pias uniões
A maioria das congregações imigradas foi fundada, ou derivada, segundo o modelo
das pias uniões. A principal forma de identificá-las no Banco de dados foi pela
presença de um fundador ou de um casal de fundadores, geralmente um padre e
uma leiga, posteriormente interpretada pela organização como se fora uma religiosa,
fato que, por si só, demonstra o desejo de apagar qualquer vínculo laical. Duzentas
e vinte e oito organizações explicitaram a presença de um fundador ou cofundador
clérigo. Subtraindo o número das congregações formadas a partir de ordens
terceiras, as quais também contaram com fundadores, deduzimos que 120
congregações foram formadas a partir de pias uniões. Verificamos dois tipos de
congregações associadas a tais associações leigas: as fundadas anteriormente ao
século XVIII e as fundadas a partir do movimento congregacionista do século XIX.
Segundo Laguna (2009), esses organismos e seus congêneres, anteriores ao século
XIX, integram a base do movimento congregacional e, possuidores de relativa
tradição, já bem estruturados na sociedade civil, tiveram suas vidas mudadas pelas
condições eclesiais durante as revoluções liberais. As necessidades sociais geradas
pela ausência de políticas públicas possibilitaram às organizações, especialistas em
educação, converter-se em forças sociais que não foram desprezadas pela Santa
Sé. A concessão do reconhecimento eclesial permitiu a essas organizações
fazerem-se missionárias em terras como o Brasil38.
38 Como exemplo, identificamos no mapa três congregações que nasceram como pias-associações: a Congregação de São José de Chambery, que foi fundada em 1650, pelo padre jesuíta Jean Pierre Medaille, talvez a mais famosa no Brasil; a Congregação das Irmãs de São Carlos de Lyon, fundada em 1680 pelo padre Charles Démia, um pedagogo que fundou uma rede de escolas e confiou a um grupo de mulheres a direção das escolas femininas; e a Congregação da Providência de Gap, fundada em 1762 pelo padre diocesano Jean Martin Moye, cujo principal escopo também foi a educação. Como exemplo, citamos, especialmente, a Congregação de São José de Chambery, que se tornou uma das principais congregações divulgadoras da cultura francesa no estado de São Paulo. Após ter recebido reconhecimento em 1857, ela chegou ao Brasil em 1858, trazida pelo também bispo ultramontano de São Paulo e, na cidade de Itu, instalou o Colégio Patrocínio, para educar as filhas da elite paulista (MANOEL, 1996, p. 70-72; WERNET, 1987). Com o apoio das elites de outras cidades e do clero, em menos de 40 anos ela fundou instituições de ensino em 7 cidades do interior paulista e também em 2 novas províncias: em 1900, no Rio Grande do Sul e, em 1901, no Paraná (MANOEL, 1996). Tais apoios, no dizer de Bourdieu (1977), não eram sem interesses, o que faz pensar que os grupos que imigravam eram escolhidos “a dedo” para realizar os projetos das elites, com as quais os bispos estavam profundamente integrados. No seu site podemos ler:
60
Quanto às congregações organizadas durante o movimento congregacional,
predominam aquelas fundadas pelo clero para realizar atividades subalternas e
clericais39. Diante desse fato, o principal objetivo dessas organizações foi construir e
manter vínculos clericais que lhes servissem de mediações com o governo, com a
elite e o povo das cidades onde se instalavam. Fica claro, então, que havia uma via
de mão dupla onde a relação entre as religiosas e o clero, diocesano e religioso, se
construía em movimentos de atração e retração, em que ambos buscavam fazer
avançar seus projetos. Se, de um lado, o clero colaborou com o processo de
imigração das congregações e facilitou os primeiros anos das congregações no
Brasil, é porque via nelas condições para ajudarem na implantação de seus projetos.
Por sua vez, as congregações se aproximavam do clero e contavam com seu apoio
porque sabiam ser o caminho necessário para estabelecerem-se junto do povo e da
elite. Associadas ao clero, elas participariam e também se serviriam de suas redes
de contato. Somente desse modo expandiriam a organização e, ao mesmo tempo,
construiriam condições para tornarem-se independentes do clero.
5.4. As congregações religiosas derivadas dos grupos leigos
No Banco de dados, 142 organizações apresentam-se como fundações
essencialmente femininas. Tal fato merece atenção, pois, como afirmamos, a
burocratização e a clericalização do processo para a obtenção do direito pontifício
..., [eis que] surge um Jesuíta missionário, jovem, dinâmico que, (...) na contemplação dos mistérios da Eucaristia e da Encarnação do Verbo (...) recebeu a feliz inspiração [de fundar um grupo]. Padre Jean Pierre conseguiu reunir algumas das jovens e viúvas com as quais se encontrara em seu trabalho missionário. No convívio, perceberam terem as mesmas aspirações. Decidiram, então, apoiar-se mutuamente na realização de um novo projeto. (Disponível em: <http://www.isjbrasil.com.br/congregacao>. Acesso em: 25 jun. 2017)
39 Nas congregações formadas a partir de pias uniões, já do século XIX, temos o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, fundado em 1872, por São João Bosco, fundador da Sociedade São Francisco de Sales, segundo os moldes das Sociedades apostólicas, mas já inserido no movimento congregacional masculino e com forte ênfase na prestação de serviços à sociedade – no caso, à educação. No site das Filhas de Maria Auxiliadora, se lê:
Dom Bosco ansiava pela criação de um instituto feminino que pudesse realizar o trabalho educativo e evangelizador, o que já era promovido para os meninos. Ao conhecer Maria Domingas Mazzarello e o trabalho que ela realizava, enxergou a possibilidade de tornar seu sonho realidade. Madre Mazzarello foi a co-fundadora e primeira diretora do Instituto. (Disponível em: <http://www.salesianos.br/familia-salesiana/animacao-dos-grupos/instituto-das-filhas-de-maria-auxiliadora/ >. Acesso em: 25 jun. 2017)
61
fizeram com que grupos, estrategicamente, optassem pelo apoio de um agente do
clero em sua fundação. Assim, com exceção das organizações imigradas cujas
fundações ocorreram entre 1800 e 1850, período em que se concentrou o maior
número de fundações essencialmente femininas (20% das congregações
classificadas pelo Banco de dados), a maioria delas foi oficialmente fundada por um
clérigo. É bastante provável que, a maioria das congregações que afirmam terem
sido fundadas por mulheres, tenha realizado o que Langlois (1984) denominou de
fondation réitérée, isto é, a prática da releitura realizada com o objetivo de recuperar
e destacar o papel das mulheres na fundação, historicamente atribuída a um clérigo.
Com isso, as organizações, sem negarem os aspectos jurídicos, deslocavam o foco
da instituição da congregação para o momento daquilo que teria sido a inspiração do
grupo, quando mulheres decidiram, de forma espontânea e, muitas vezes, sem a
clareza e a intenção de fundar uma organização, assumir um novo estilo de vida
religiosa.
Isto explica a razão de muitas congregações atribuírem a data de fundação anterior
ao próprio movimento congregacional, o que do ponto de vista cronológico seria um
anacronismo. Em razão disso, dependendo da forma como a organização concebe a
sua história, pode haver mais de uma data de fundação e, além do fundador oficial
eclesiástico, haver também uma fundadora. Mais que recuperar a pessoa da
fundadora, a releitura tinha a intenção de acentuar que o processo de
institucionalização desfigurara o ideal fundador.
Quando constatamos que a maioria das congregações imigradas já chegou ao Brasil
com o decreto de aprovação, 132 até o ano de 1970, com contratos de trabalho e
endereço certos, o que lhes possibilitou rápido crescimento (BANCO DE DADOS,
2017), compreendemos a razão de tais grupos terem buscado apoio de clérigos para
converterem-se em congregações. No entanto, ao lado das congregações já
estabelecidas e detentoras do direito pontifício, identificamos, entre os anos de 1849
a 1970, 91 congregações que obtiveram tal reconhecimento em terras brasileiras,
causando estranheza pois, justamente, essa fora uma das condições impostas pela
Santa Sé para constituir uma congregação missionária. Além do aumento na
demanda por tais organismos, o que levou a Santa Sé a dispensá-las de tais
exigências, tal fato pode ser explicado nas mudanças da política eclesiástica, na
busca de controlar e esvaziar a principal característica do movimento
62
congregacional: o poder da madre superiora. Enquanto poder feminino, submetida
ao direito diocesano, ainda que tal figura tenha continuado a existir, seu poder era
circunscrito ao interior da organização e condicionado ao poder do bispo.
Concluímos, portanto, que independentemente do momento em que imigraram e do
modelo em que foram formadas, todas as organizações estrangeiras aqui chegadas
reproduziram a mesma estrutura centralizada e hierárquica, aprovada pela Santa
Sé. Mesmo aqueles grupos isolados em uma pequena comunidade no interior do
País, ou aquelas que tiveram tão somente mulheres em sua base, cumpriam
fielmente as determinações eclesiásticas, as reproduzindo nas relações cotidianas e
nos vários círculos sociais a que pertenciam, através das estruturas de vigilância
propagadas pela doutrina católica, nas relações hierárquicas, inclusive femininas;
nas regras e nas constituições internas de cada organização. Essa associação de
regras e disciplinas construía a cultura do temor religioso, garantindo o controle das
mentes e dos corpos das religiosas (FOUCAULT, 1987).
Este modelo de congregação, burocratizado, clericalizado e hierárquico, associado
ao projeto do episcopado brasileiro, se converteu em uma fórmula de sucesso que a
maioria das congregações imigradas seguiu à risca. Ao colocarem-se a serviço do
episcopado, essas organizações obtinham a garantia de apoio e abertura de
oportunidades na sociedade, as quais, por sua vez, lhes davam excelentes retornos
econômicos. Além disso, assumir tarefas civis lhes rendia trocas simbólicas que
tornavam a organização religiosa mais conhecida e com maior facilidade para o
recrutamento de novos membros.
Quadro 2: Congregações imigradas no Brasil (por país ou continente)
Itália 174 França 56 Alemanha 21 Espanha 30 Holanda 10 Bélgica 12 Outros países europeus 24 América do Norte 21 Índia 3 Ásia 6 África 4 Outros países latinos 9 Sem informação 16 Total 384 si = sem informação (Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
63
6. O predomínio das congregações francesas e italianas
Ao analisarmos o quadro das congregações segundo a origem, confirmamos o
predomínio de congregações europeias no processo imigratório: 61% (327
congregações), com destaque para as congregações italianas (174) e as francesas
(56). Todavia, também é interessante observar a imigração de congregações
oriundas de países que historicamente receberam congregações missionárias: nove
latino-americanas de língua hispânica, três indianas, quatro africanas e seis
congregações originárias de países asiáticos, imigradas basicamente a partir de
1920, mas de forma intensa depois de 1950. Em nossa análise consideraremos os
dois maiores índices imigratórios: os das congregações francesas e italianas, que
totalizam 49,5% do conjunto de congregações imigradas, respectivamente com 56 e
174 congregações.
Quadro 3: Congregações francesas e italianas imigradas
Francesas Italianas
Década N.º N.º
1850 1 1860 0 1
1870 0 1880 2 1
1890 3 3
1900 10 8
1910 3 3
1920 2 8
1930 6 9
1940 2 11
1950 4 20
1960 9 30
1970 3 28
1980 3 21
1990 1 9
2000 1 0
S/i 7 23
Total 56 174 si = sem informação (Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
64
Ao compararmos os quadros das organizações francesas e italianas, verificamos
que as primeiras possuem três momentos fortes na imigração: o primeiro, ainda no
século XIX, com sete congregações; o segundo na década de 1910, com dez
congregações, e outro na década de 1960, com nove congregações, mantendo
média de quatro congregações por década. A partir da década de 1960 há uma
sensível diminuição de entradas no País.
Também entre as congregações italianas, há dois momentos fortes. O primeiro entre
1890 e 1950 com uma média de sete congregações por década e um paradoxal
aumento entre 1950 até o final de década de 1980, com uma média de 20
congregações por década, quando a maioria das congregações europeias fechava
casas no Brasil, em função do reduzido número de religiosas ou por eleger novas
áreas de missão ad gentes, como em países africanos e asiáticos (BANCO DE
DADOS, 2107). Desse quadro, a primeira observação é sobre as congregações
francesas: embora tenham causado impacto na sociedade brasileira, em função de
terem se ocupado da educação das filhas da elite, e porque, a seu tempo, elas
foram aquelas com maior expressão numérica, essa posição, a partir de 1920,
passou a ser ocupada pelas congregações italianas. Também o predomínio
numérico da década de 1910, com dez congregações, ocorreu em função do exílio,
quando Emile Combes teria impedido as congregações educadoras de continuarem
suas atividades, o que, para grande parte delas, comprometia a sua própria
existência. Aproximadamente 30.000 pessoas, um quinto de todas as religiosas
francesas, foram enviadas para terras estrangeiras, dentre elas o Brasil, como forma
de garantir a sobrevivência das organizações (CABANEL, 2005)40.
Cabe refletir, no entanto, que o exílio só foi possível em função da demanda do
papado, que convocava religiosos europeus para a implantação da romanização em
vários países. Sem negar as experiências traumáticas das pessoas, obrigadas a
emigrar, paradoxalmente, o exílio viabilizou a expansão e o crescimento das
congregações mais estruturadas, que viram inúmeras vantagens econômicas e
sociais na emigração. Sem negar que tenha havido perseguição política às
40 Ilustra esta interpretação uma informação presente no site da Congregação das Irmãs da Sociedade do Sagrado Coração de Jesus, que imigrou em 1904: “Foi somente, no início do novo século, quando leis injustas fecharam muitas casas na França, que a Reverenda Madre Digby ofereceu a Dom Joaquim Arcoverde, arcebispo do Rio de Janeiro, a primeira fundação nessa cidade, capital do país”. Disponível em: http://rscjbrasil.blogspot.com/p/nossa-historia.html Acesso em: 01 nov. 2018.
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congregações religiosas, Angela Xavier destacou como o exílio se constituiu uma
opção para o que ela chamou de a “elite das congregações”, pois, aquelas sem
condições econômicas e sem apoio de eclesiásticos, tiveram que se adequar às
exigências do governo e permanecer na França. Segundo ela, essa elite era “a mais
radical e ultramontana”, pois, para atingir seus objetivos, endossava as posições do
papado e se colocava a serviço do projeto da romanização (BRITO, 2010, p. 35)41.
A partir de 1920, a hegemonia educacional francesa entrou em declínio, quando
outras congregações, especialmente italianas, passaram a oferecer educação para
atender as classes sociais intermediárias, constituindo a formação de um mercado
educacional com preços acessíveis e em lugares distintos daqueles praticados pelas
tradicionais escolas francesas. Especialmente no Sudeste brasileiro, emergia uma
classe média italiana e seus descendentes, que buscavam escolas particulares para
seus filhos, como foi o caso do Colégio Santa Marcelina, fundado em 1924 na
promissora região de Perdizes, na cidade de São Paulo, por uma congregação
italiana que viera para a cidade de Botucatu, no interior de São Paulo, em 1912
(PEROSA, 2005)42. Esse movimento do interior para a capital indica como a
expansão das escolas particulares, atraíam congregações religiosas imigradas e, se
constituía em motivação para fundações brasileiras.
Por fim, a saída de cena das congregações francesas e a entrada maciça das
italianas revelaram a mudança da política eclesiástica da romanização. Sem
abandonar a educação da elite, a Igreja passou a incentivar as congregações para
que se dispusessem a contribuir na construção de um catolicismo de massa
(SOUZA, 1999). No final do século XIX, por orientação da Santa Sé, chegaram 12
congregações italianas ao Brasil, incluso as masculinas, superando as 10 francesas,
e inúmeros padres diocesanos italianos da Congregação dos Missionários de São
41 Entendemos que, para a referida autora, “elite das congregações” eram as congregações que obtiveram a aprovação pontifícia, aquelas com maior prestígio social e eclesial, com maior número de religiosas e com estabilidade econômica suficiente, que lhes permitiriam assumir uma missão estrangeira, colaborando com a romanização. 42 A congregação italiana das Irmãs de Santa Marcelina, fundada em pleno auge do movimento congregacional, em 1938, em Milão, foi idealizada pelo padre Luigi Biraghi para conduzir uma pequena escola. Em 1912, a convite do bispo de Botucatu, adotou a prática habitual das congregações religiosas de abrir uma escola particular para filhos de imigrantes e uma escola para os pobres; em 1924 abriram o Colégio Santa Marcelina em São Paulo, onde seria instalada também uma Faculdade. A partir de então, novas escolas foram fundadas em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Depois dessas experiências, novas escolas foram abertas em vários países (Disponível em: <http://www.marcelline.org/index.php/it/chi-siamo-it/storia-it> Acesso em: 01 set. 2017).
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Carlos Borromeo, com o objetivo de prestar assistência aos italianos que emigraram
para a América43.
Essa cifra foi intensificada pela presença das congregações femininas italianas,
cujos índices, a partir de 1920, já superavam as congregações francesas,
assumindo a dianteira. Todavia, o maior crescimento se deu apenas no início da
segunda metade do século XX. Em apenas três décadas, entre 1950 e 1979, o País
recebeu 78 congregações femininas italianas, superando o total das organizações
francesas. Se somarmos as congregações imigradas na década de 1980, 21,
alcançamos uma média de 25 congregações por década, o que significa dizer que o
movimento congregacional brasileiro nasceu fortemente marcado pelas
congregações francesas, mas seu desenvolvimento se deu com as congregações
italianas, presentes em maior número de Estados e com várias frentes de trabalho.
O predomínio das congregações italianas revela a opção dos bispos brasileiros
segundo as novas demandas da elite brasileira. Se, no século XIX e no início do XX,
os bispos se empenharam para trazer congregações educadoras da elite, a partir de
1920 o foco mudou para uma pastoral de massa fundada na espiritualidade
romanizadora, que construiria a nação católica. De fato, ainda que as congregações
italianas tenham assumido escolas e hospitais, elas se mostraram mais abertas para
as diversas frentes, especialmente no interior do País44.
7. As congregações brasileiras
A vinda de congregações europeias acabou criando uma demanda por serviços em
instituições de ensino, de cuidados de crianças, em hospitais, asilos e pensionatos,
43 A imigração maciça de italianos para o Sul e o Sudeste brasileiros, ocorrida entre os anos de 1885 a 1900, representou metade de toda imigração entre os anos de 1870 a 1930. Estima-se que, nesse período, 353.000 imigraram para o Brasil com o sonho de tornar-se proprietários rurais (FAUSTO, 1995). Marcus Levy Albino Bencostta (1999, Quadro 13) indica que no ano de 1914, de um total de 67 padres seculares na diocese de Campinas, 40 eram imigrantes, sendo 12 italianos. 44 O Banco de dados nos permitiu constatar que as congregações italianas tiveram forte influxo sobre as fundações brasileiras, que se apropriaram – e os ressignificaram – do modo de ser e das práticas sociais delas. Em contrapartida, apesar de significativa presença de congregações francesas, encontramos apenas uma derivada de organização francesa. Esta foi fundada em 1919, em Minas Gerais, por uma suposta religiosa da Congregação de Notre Dame de Fourvière, de Lyon. Trata-se da Congregação das Religiosas Missionárias de Nossa Senhora das Dores. Disponível em: http://www.rmnsd.com.br/quem-somos/nossa-historia/. Acesso em: 01 set. 2017.
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à qual elas mesmas não davam mais conta de responder, principalmente em função
do declínio nos recrutamentos. Além disso, a multiplicação das dioceses no Brasil
fez rarear as condições econômicas e o próprio apoio das elites para o custeio da
viagem, instalação e manutenção das religiosas nos primeiros tempos, até que as
congregações imigradas pudessem autossustentar-se 45. Em razão disso, ainda no
século XIX surgiram as primeiras congregações religiosas brasileiras fundadas por
eclesiásticos e segundo modelo predominante na Europa, a partir de associações de
mulheres católicas e ordens terceiras.
Quadro 4: Congregações brasileiras
Década N.º 1840 1 1850 1 1890 3 1900 3 1910 6 1920 11 1930 6 1940 9 1950 18 1960 12 1970 6 1980 7
s/i 3 Total 86
si = sem informação
(Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
A considerar pelo volume de congregações brasileiras no século XX, constatamos 3
picos expressivos, com um crescimento médio de 6 congregações a cada década. O
primeiro ocorrido na década de 1920, com 11 novos institutos; o segundo e o
terceiro nas décadas de 1950 e 1960, com 18 e 14 fundações, respectivamente. O
crescimento da década de 1920 pode ser compreendido pela novidade do
movimento congregacional, o qual já contava com a presença de mais de 50
congregações imigradas e 15 brasileiras. Já, a retomada do crescimento, em 1950 e
1960, pode ser explicada pelo surgimento e pela organização dos movimentos
sociais em prol do Estado de bem-estar social, sendo, por sua vez, muito propicio
para as organizações religiosas que abriram novas frentes de trabalho.
45Ao comunicar a nomeação ao episcopado e sua nomeação para a diocese do Espírito Santo, o bispo de São Paulo lembrava ao então padre João Batista Correa Nery que sua diocese era extensa, o que lhe exigiria percorrê-la a cavalo pelo sertão, e que ela era muito pobre (RIGOLO FILHO, 2006).
68
Verificamos, pelas informações do Banco de dados, que 58% das congregações
brasileiras foram formadas segundo os modelos das pias uniões, geralmente ligadas
ao clero diocesano e/ou associadas a uma mulher ou um grupo de mulheres.
Identificamos que as restantes (42%) estão ligadas a nove famílias religiosas, sendo
19% ligadas à família franciscana, 7% ligadas à Companhia de Jesus, 6% à família
carmelitana e 10% ligadas a variadas famílias. Deste universo, 70% delas
declararam a presença de homens em sua fundação, como fundadores ou
cofundadores, e 24% afirmaram pertencer a fundações essencialmente femininas,
significando que também entre as congregações brasileiras ocorreu o fenômeno da
fondation réitérée, destacada por Langlois46.
Constatamos que as congregações fundadas no final do século XIX e na primeira
metade do século XX estão ligadas ao processo de urbanização, iniciado naquele
período em função da crescente demanda nos serviços públicos de educação e
saúde, mas também à lógica da ocupação espacial ditada pelo capital. Isso implica
afirmar que, coube a nascentes organizações, e aqui destacamos prioritariamente as
brasileiras, exercerem funções e ocuparem espaços que as congregações imigradas
não puderam ocupar, ou pelo reduzido número de religiosas ou porque não
quiseram assumi-las por já terem conquistado seus espaços. Muitas congregações
jovens, inclusas as brasileiras, conseguiram construir sua história aceitando obras
que as congregações imigradas não desejavam para si ou, ainda, que haviam
rejeitado.
Maria Aparecida Custódio identificou que, a possibilidade de crescimento da
Congregação das Filhas da Imaculada Conceição surgira justamente quando elas
aceitaram administrar o Asilo Sagrada Família, na região do Ipiranga, em São Paulo,
que fora rejeitado pela Congregação das Pequenas Irmãs da Divina Providência. Tal
fato se deu porque o idealizador da obra que as contratara, Vicente de Azevedo, não
46 Como exemplo, citamos o caso da Congregação Missionárias de Jesus Crucificado, fundada em Campinas, em 1928. Dois motivos históricos ilustram a presença do modelo romanizado em sua fundação. Apesar de ser claro que Maria Villac tenha tido um forte papel na fundação, Dom Francisco de Campos Barreto é ainda hoje considerado o seu fundador. O segundo fato é que, apesar de ter o mérito de ser a primeira a aceitar negras, a organização o fez mantendo-as na classe das oblatas. Isso não impediu o seu envolvimento com os movimentos populares, com a criação de nove cursos de Serviço Social, com o movimento de renovação da vida religiosa, tendo sido uma das principais articuladoras da fundação da Conferência dos Religiosos do Brasil e do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais. Em razão de sua história, é uma das congregações religiosas mais atuantes e com maior número de mulheres negras e indígenas (ALVES, 2008; BEOZZO, 2009; MUNIZ; SADER; SILVA, 2017; SILVA, 2016).
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cumprira o acordo de lhes enviar os subsídios econômicos necessários para a
manutenção do empreendimento. Sentindo-se desassistida e não querendo ou não
podendo investir recursos econômicos próprios, a organização italiana abandonou
aquela obra sem maiores dificuldades. Imediatamente, tal empreendimento foi
ofertado ao jesuíta responsável pela congregação brasileira, que vislumbrou a
possibilidade da pequena organização, que ele fundara, sair do Rio Grande do Sul e
vir para São Paulo (CUSTÓDIO, 2014). Vemos, portanto, o influxo de regras
socioeconômicas nas relações eclesiais, que via como natural uma congregação
imigrante negar-se a assumir uma obra em precárias condições e a mesma ser
oferecida a uma brasileira. Parecia natural a escalada que as congregações
consideradas outsiders deveriam trilhar para alcançar o seu sucesso. Considerando
que a sociedade era regida por tais veladas regras, houve um implícito
consentimento da organização, manifesto em sua aceitação.
Ao ter presente que as primeiras congregações brasileiras nasceram a quase meio
século da institucionalização do modelo congregacionista, seria de supor que elas
tivessem sido beneficiadas pelos avanços conquistados no século XIX. Entretanto,
como já destacamos, a reforma da vida religiosa, ocorrida entre 1900 e 1917, que
conventualizou as congregações, fez com que as organizações emergentes ou
fundadas naquele período fossem regidas pelo direito diocesano, implicando ter, no
bispo, o seu responsável e guardião. Ainda considerando que tal exigência tinha
como objetivo o amadurecimento da organização feminina, o fato de colocá-la sob a
tutela religiosa do bispo, era também dotá-lo de poder quase irrestrito sobre ela, a
ponto de decidir os rumos a serem tomados.
Ao compararmos as congregações nativas com as imigradas, julgamos que, mesmo
durante a romanização, as superioras gerais estrangeiras gozavam de maior poder
que as superioras das organizações brasileiras, o que parecia, naquele momento da
pesquisa, um preconceito com sua origem autóctone. Com o desenvolvimento da
pesquisa, constatamos de que o problema residia na sua condição canônica, e não
na sua origem. As congregações que gozavam de reconhecimento pontifício eram
desobrigadas de prestar contas à autoridade eclesial, a não ser em questões morais,
sendo, por isso, mais livres em relação àquelas regidas pelo direito diocesano. Tal
fato independia de sua nacionalidade.
70
Analisando as informações contidas no Bando de Dados, notamos que, até 1947,
todas as congregações brasileiras estavam sob a jurisdição do bispo diocesano.
Apresentamos alguns aspectos das duas primeiras organizações que receberam tal
reconhecimento naquele ano e destacamos o impacto das ações episcopais, as
quais, apesar de terem contribuído para a obtenção do direito pontifício, causaram
graves traumas na estrutura da organização: a Congregação das Irmãs do
Imaculado Coração de Maria e a Congregação das Irmãs da Imaculada Conceição
(BANCO DE DADOS, 2017).
O caso da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria é bastante
emblemático. Apesar de ser considerada a primeira fundação brasileira, ela foi
idealizada na Áustria, e suas primeiras religiosas eram europeias47. A oficiosa
agremiação religiosa, após empreender viagem rumo às Américas, teria chegado,
por acaso, ao Brasil em 1849 e se fixado no Rio de Janeiro, onde fundou uma
escola, sem muito sucesso. Buscando novas frentes, em 1860 fundou uma segunda
casa e uma escola na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde teria obtido
desenvolvimento maior que o grupo do Rio Janeiro. Apoiadas pelo bispo, Dom
Cláudio Ponce de Leão, o segundo grupo teria acolhido a sugestão de transferir a
sede da organização para aquela cidade e solicitado que ele a instituísse
canonicamente, à revelia da comunidade fundadora que estava na capital do País.
Ao ser comunicado sobre a fundação e receber a Constituição dada pelo bispo, o
grupo primitivo sentiu-se traído e se negou a aceitar outras regras que não fossem
as poucas normas ditadas pela suposta fundadora, que falecera em 1873. Um clima
cismático teria se instalado entre os dois grupos, pois o mais antigo se apegava ao
ideal proposto pela fundadora e o outro grupo se apresentava fiel às novas
orientações da Igreja emanadas pelo bispo.
Tudo indica que as mudanças ocorridas depois da morte da fundadora, as condições
sociais, o aumento no recrutamento e a consequente renovação de lideranças
formadas pela romanização, acabaram por definir a mudança da sede do Rio de
janeiro para o Rio Grande do Sul, onde pôde alcançar grande sucesso educacional,
47 Agueda Bittencourt (2018) pergunta se uma congregação fundada no Brasil, com conteúdo, arquitetura, regras estrangeiras pode ser considerada brasileira? Ela mesma aponta que o debate teórico sobre a circularidade cultural deve ser abordado pela Antropologia e pela Sociologia.
71
permitindo expandir-se para outras regiões48. Neste jogo de forças, pesou a figura
do bispo que, vislumbrando o serviço das freiras em sua diocese, tratou de instituí-
las canonicamente como congregação, dando-lhes as regras e ditando os rumos.
Não resta dúvida de que a organização cresceu, mas isso só foi possível porque o
grupo que estava na cidade de Pelotas, ainda que sem o consentimento do grupo
primitivo, avaliou que as condições oferecidas pelo bispo lhes eram convenientes,
como de fato foram. Tendo alcançado sucesso, as sucessivas releituras daquele fato
tiveram a função de evidenciar como os meios justificavam os fins e que tudo fora
feito para o bem da organização.
O segundo exemplo diz respeito à Congregação das Irmãs da Imaculada Conceição,
já citada aqui, quando se viu envolvida em um projeto eclesiástico. Ela fora fundada
a partir de um pequeno hospital no Sul do País e ali teria permanecido não fosse a
ação do jesuíta, diretor espiritual, que a convenceu a vir para São Paulo. Padre Luiz
Maria Rossi promoveu as devidas articulações com Dom Duarte Leopoldo e Silva e
com Vicente de Azevedo, católico tradicionalista, membro da Irmandade do
Santíssimo, proprietário de terras na região do hodierno bairro do Ipiranga49. Este
havia idealizado a criação de um complexo de obras católicas e diversas benfeitorias
naquela região, que nada mais eram do que um investimento na urbanização da
cidade, o qual reverteria em dividendos econômicos e simbólicos para si, para o
bispo e para a Igreja.
Neste jogo de interesses, havia também o desvelo religioso da pequena agremiação
de religiosas, que aspirava a se converter em congregação religiosa. A condição
passava pela prestação de serviço no Asilo idealizado e subvencionado pelo
filantropo, mas, fundamentalmente, pela ingerência política e administrativa do bispo
na nova casa. Em 1909, apoiado no direito canônico, o eclesiástico impôs um
projeto de reforma da organização, cuja primeira exigência fora a substituição da
fundadora e superiora, como forma de neutralizar as resistentes religiosas.
48 Essas informações, segundo a ordem citada, estão disponíveis em site da própria organização religiosa: <https://www.icm-sec.org.br/galeria-das-diretoras-gerais/1958-2/>; e <https://www.icm-sec.org.br/galeria-das-diretoras-gerais/1963-2/> . Acessos em: 02 jun. 2017. Paula Leonardi, em sua dissertação de mestrado, analisa a vinda desta congregação para a cidade de Rio Claro, onde foi fundado o Colégio Puríssimo Coração, dedicado a educar a elite da cidade (LEONARDI, 2002). 49 Pelos serviços prestados à Igreja, respondendo a solicitação do bispo de São Paulo, Pio XI, em 1935, concedeu a Vicente de Azevedo o título de Conde Romano (CUSTÓDIO, 2014).
72
Envolvida em uma trama na disputa de poder, Madre Paulina, aquela que viria a ser
a primeira religiosa canonizada no Brasil, foi afastada do governo e transferida para
o Sul do País. A Congregação cedeu e o bispo pôde implantar o seu projeto
romanizado, fazendo-a crescer e expandir-se. Apesar disso, não podemos afirmar
que as freiras tivessem aceitado tudo passivamente; “permanecendo outras no
interior do sistema”, algumas delas buscaram manter vivo o ideal primitivo, o qual
pode ser resgatado pelas releituras promovidas no período pós-concilio
(CUSTÓDIO, 2014).
A conventualização das congregações, ao dar-lhes uma formatação comum, um
conjunto de regras e leis canônicas, bem como uma metodologia de ação,
configurou-se na implantação de uma expertise construída pela Igreja e reproduzida
pelo movimento congregacional no mundo todo. A forte disciplinarização, ocorrida
mediante a ingerência dos bispos nas congregações submetidas à jurisdição
diocesana, tolheu-lhes suas singularidades e o desenvolvimento natural de cada
organismo. Neste aspecto, fica claro que o excessivo controle do bispo não se dava
apenas sobre as congregações brasileiras, mas sobre todas aquelas que ainda não
possuíam o status pontifício.
A questão não era, então, a distinção hierárquica entre congregações femininas
imigradas e brasileiras, mas uma política religiosa de controle sobre aquele
movimento feminino que, no século XIX, segundo Langlois, feminizou a Igreja
europeia e, no século XX, a brasileira. Ainda que a maciça presença das
congregações, imigradas ou brasileiras, tenha contribuído para romanizar as
práticas religiosas e catolicizar o País, não se pode esquecer que a tenacidade de
muitas freiras era considerada como obstáculo para os bispos realizarem seus
projetos, os quais julgavam ser necessário, a todo momento, deixar clara a função
subalterna delas.
7.1. As congregações religiosas brasileiras derivadas dos recolhimentos
No início do século XX, em razão do predomínio da romanização e da cultura
romanizada, essencialmente disseminada pelo clero, grande parte das organizações
religiosas femininas informais e brasileiras passou por reformas religiosas cujo
objetivo era enquadrá-las às diretrizes da Santa Sé, o que nos fez buscar indícios e
73
pistas sobre organizações anteriores a esse período.
No processo de compreensão do Banco de dados, identificamos uma organização
que atribui sua fundação ao ano de 1758, portanto, antes do movimento
congregacional europeu, a Congregação Nossa Senhora da Glória. Entretanto,
analisando os dados alusivos à sua condição canônica, verificamos que ela foi
instituída como Congregação, apenas em 1963, sendo, até o presente momento,
regida pelo direito diocesano. Trata-se, do remanescente do Recolhimento da Glória,
de Recife, fundado oficiosamente no século XVIII e que só adquiriu status eclesial no
século XX. Compreender o porquê uma instituição com 205 anos foi deixada de lado
pela tradição eclesiástica motivou a pesquisa sobre a possibilidade de outras
congregações derivadas de recolhimentos. Ao mesmo tempo, nos perguntávamos
sobre o destino de outras dessas instituições coloniais que não aceitaram ser
convertido em congregação religiosa. Atentos a possíveis indícios, encontramos a
informação de que a Congregação de Nossa Senhora dos Humildes, fundada em
1927, em Salvador, tem, dentre suas responsabilidades, a administração do Museu
dos Humildes, cujo nome nos fez pesquisar a existência de alguma ligação entre a
Congregação e o Museu, ambos chamados “dos Humildes”. Verificamos que, tal
qual na organização recifense, 1927 é a data em que o grupo herdeiro da tradição
remanescente do Recolhimento Nossa Senhora dos Humildes, fundado em 1813, foi
incorporado às estruturas da Igreja como Congregação Nossa Senhora dos
Humildes. A busca de compreensão dos indícios encontrados no Banco de dados e
a relação com o tema desta tese fizeram com que voltássemos nossa atenção para
a historiografia sobre os “recolhimentos”.
Os recolhimentos foram organizações de herança cultural religiosa portuguesa, que
se caracterizavam por referir-se a espaços de vida religiosa marginal e alternativos
aos conventos e mosteiros reconhecidos pelo Padroado. Tais espaços foram criados
por leigos e padres para recolher mulheres devotas a um estilo de vida religiosa em
comunidade e que não puderam ou não quiseram ingressar em conventos
tradicionais autorizados pela Coroa; ou ainda, para o confinamento de mulheres
desonradas ou impedidas de se casar. Com a promulgação do Direito dos
Religiosos, incluso no CDC de 1917, os recolhimentos deixaram de existir, tendo
sido alguns de seus remanescentes incorporados por ordens ou congregações e
outros, extintos.
74
O recorte temporal para o estudo historiográfico dessas instituições se volta para o
período colonial, quando surgiram, floresceram e, em sua maioria, despareceram.
Ao que parece, segundo nossas buscas até o presente momento, não há pesquisas
aprofundadas sobre o desaparecimento dos recolhimentos. A principal referência
continua sendo a obra Honradas e devotas: mulheres da Colônia (1993). Todavia,
de forma bastante circunscrita, pois seu recorte geográfico é a região sudeste. Leila
de Algranti Mezzan, a autora, se dedicou a compreender o surgimento dos
recolhimentos como espaço para a vida religiosa oficiosa e o seu papel na colônia,
contrapondo-os à vida religiosa oficial das Ordens Religiosas. Devido ao seu recorte
temporal, Algranti apenas indicou que grande parte dos recolhimentos da região
sudeste desapareceu ou foi incorporada por ordens religiosas, fazendo com que a
antiga instituição desaparecesse50. Dentre os incorporados em Ordens religiosas,
ela cita o Recolhimento de Santa Teresa, que passou a fazer parte da Ordem
Carmelita, os Recolhimentos de Macaúbas e o da Luz da Divina Providência, que
foram incorporados à Ordem das Concepcionistas (ALGRANTI, 1993).
Através do cruzamento de bibliografia e de indícios recolhidos em sites das
organizações religiosas femininas, verificamos como o projeto romanizado atingiu os
recolhimentos paulistas, pois, com a justificativa que deveriam reformá-los segundo
as leis da Igreja, os bispos confiavam sua direção às Ordens religiosas. Em 1913, o
arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo, entregou o Recolhimento de Santa
Tereza, fundado no século XVII – que em sua origem fora o Recolhimento do
Desterro –, às religiosas do convento carmelita de Santa Teresa, do Rio de Janeiro
para reformá-lo segundo aquela espiritualidade e adequá-lo à romanização51. Em
1929, o mesmo Dom Duarte agregou o Recolhimento de Nossa Senhora da
Conceição da Divina Providência, em São Paulo, conhecido como Mosteiro da Luz,
cuja fundação data do final do século XVIII e está ligada a Frei Antônio de Sant'Ana
Galvão, à Ordem da Imaculada Conceição, que passou a administrar o convento
tornando-o uma fundação vinculada àquela Ordem espanhola. No mesmo ano, o
50 Abordar a forma como instituições europeias assumiram as instituições brasileiras “Recolhimentos”, inserindo-as na tradição religiosa da Ordem, as razões do interesse dos bispos brasileiros e das respectivas ordens por determinados recolhimentos e o modo como se apropriaram de sua história, de seus religiosos e de seus bens constitui interessante tema de pesquisa. 51 Sobre o Mosteiro de Santa Teresa, as informações estão disponíveis em: http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/regiaoipiranga/paroquias/mosteiros-igrejas-historicas-oratorios-da-regiao-ipiranga/capela-santa-teresa-de-jesus.
75
primeiro bispo de Sorocaba, Dom José Carlos de Aguirre, conseguiu da Santa Sé
que o Recolhimento de Santa Clara, fundado em 1811 e que fora reformado por Frei
Galvão, fosse canonicamente transformado em Mosteiro e confiado à mesma ordem
espanhola52.
A pesquisa sobre as Congregações religiosas instituídas a partir de recolhimentos
nordestinos foi muito profícua. Comecemos pelo baiano. Conforme já citamos, nosso
primeiro contato com a história do Recolhimento Nossa Senhora dos Humildes se
deu através de uma dissertação em História da Arte sobre objetos religiosos
conservados no Museu do Recolhimento dos Humildes, em Santo Amaro, Bahia53.
Como o escopo da pesquisa foi sobre as maquinetas54 produzidas pelas religiosas, a
autora se restringiu a indicar que aquele recolhimento foi fundado pelo padre Inácio
Teixeira dos Santos e Araújo, em 1813, com o apoio da elite, e teria sido um dos
principais centros de educação feminina da Bahia e que teria sido “elevado” a
Congregação, com o mesmo nome, em 8 de dezembro de 1927, por Dom Augusto
Álvaro Silva”. Segundo a autora, “isso aconteceu em virtude das reformas
eclesiásticas empreendidas pela Igreja católica” (SILVA, 2010, p. 76-110).
Avançando em nossa pesquisa, encontramos outros dois estudos sobre outro
recolhimento baiano, cuja história esta vinculada a Congregação de Nossa Senhora
dos Humildes, pois ambos estavam sob a jurisdição do mesmo arcebispo55. Trata-se
do Recolhimento de Bom Jesus dos Perdões, que, ao sofrer o enquadramento
52 Sobre o mosteiro da Luz, as informações estão disponíveis em: <http://www.mosteirodaluz.org.br/inicio/mosteiro-da-luz/>. Sobre o Convento de Santa Clara, as informações estão disponíveis em: http://www.diariodesorocaba.com.br/noticia/219706 Acessos em: 18 ago. 2017.
Leila de Algranti Mezzan também identificou a interferência do clero na tentativa de romanizar os Recolhimentos e/ou entregar a direção deles às Ordens religiosas. Segundo a autora, Frei Galvão – que se tornaria o primeiro santo brasileiro –, teria convencido três recolhidas do Recolhimento da Divina Providência, que já estava bem avançado na reforma, a se transferirem para o Recolhimento de Sorocaba, para implantarem a vida monástica (ALGRANTI, 1993). A partir destes indícios é possível afirmar que a ação de Frei Antônio de Galvão de convidar monjas concepcionistas para reformar os Recolhimentos de São Paulo e Sorocaba contribuiu para que a referida Ordem fosse escolhida pelos bispos para assumi-los, oficialmente, em 1929. 53 Trata-se da dissertação: Menino Jesus do Monte: arte e religiosidade na cidade de Santo Amaro da Purificação no século XIX, de Edjane Cristina Rodrigues da Silva. 54 Segundo a tradição portuguesa “maquinetas” são pequenos oratórios feitos de papel dourado, com filetes de madeira e vidro onde se deposita o Santíssimo sacramento e em seu interior se colocava pequenas imagens religiosas, especialmente do menino Jesus (SILVA, 2010). 55 Trata-se das dissertações: O episódio dos perdões e a restauração católica na Bahia, de Patrícia Mota Sena e A Igreja Católica na Bahia, fé e política, de Solange Dias Santana Alves, ambas apresentadas na Universidade Federal da Bahia, Salvador
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canônico, resistiu e se tornou centro de uma celeuma que ilustra bem o interesse
eclesiástico sobre a vida religiosa feminina. Depois de ter convertido o Recolhimento
Nossa Senhora dos Humildes em congregação religiosa, o arcebispo de Salvador
teria determinado, em 1936, que as duas últimas religiosas e os bens do
Recolhimento de Bom Jesus fossem incorporados a esta última organização. Tudo
indica que, apesar do CDC ter determinado a extinção das organizações oficiosas
que não aceitaram se converter em congregação religiosa, muitas delas continuaram
a existir como se nada tivesse acontecido. Nos dois casos citados foi o arcebispo
baiano que determinou a mudança. Não obstante, ao contrário da submissão que o
arcebispo encontrara nas “freiras” do antigo Recolhimento de Nossa Senhora dos
Humildes, a regente Maria José de Senna não cedeu às suas pressões e acabou
sendo deposta da função religiosa e excomungada56. Na tentativa de manter seus
direitos, a regente deposta acabou movendo um processo civil contra o arcebispo,
alegando que o Recolhimento era uma instituição civil com fins religiosos e, portanto,
os seus bens não poderiam ser transferidos para a instituição religiosa, ligada à
arquidiocese, como determinara o arcebispo.
Em tese a ex-regente estava correta, pois se a Igreja não permitira que após a
promulgação do CDC de 1917 o Recolhimento continuasse a existir, reiterando que
seus membros eram leigos, o que parece não ter provocado mudança na vida das
“religiosas”. Da mesma forma, se até aquele momento a Igreja não reclamara a
posse daqueles bens, ficava claro que ela não os reconhecia como seu. No entanto,
o que ocorreu foi justamente o contrário. O arcebispo, provavelmente valendo-se do
sentimento religioso de algumas ex-recolhidas que aspiravam ser reconhecidas
oficialmente como religiosas57, impôs que as últimas também o fizessem, com a
esperança que os bens fossem incorporados na organização o que ele instituíra em
1927.
Enquanto a disputa ficou restrita à justiça baiana, a dirigente do Recolhimento,
defendida e apoiada por advogados contrários às reformas do arcebispo, ganhava a
56 O termo “regente” era utilizado para designar a superiora do Recolhimento, que agia em consonância com o bispo diocesano. 57 Cabe destacar que a reforma religiosa eclesiástica contou com o concurso das próprias religiosas do Recolhimento. Solange Dias Santana Alves, ao também pesquisar sobre o mesmo Recolhimento, cita um autógrafo de 1934, no qual uma jovem religiosa de nome Beatriz escreveu ao arcebispo, pedindo-lhe autorização para deixar o Recolhimento e ingressar na Congregação Nossa Senhora dos Humildes (SANTANA ALVES, 2003).
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causa. Entretanto em 1942, graças à conjuntural aliança entre setores da Igreja e o
governo de Getúlio Vargas, o arcebispo recorreu ao Tribunal de Justiça Federal, que
acabou dando ganho de causa à Arquidiocese de Salvador, pois não era
interessante naquele momento uma indisposição do Estado contra a Igreja (SENA,
2005: SANTANA ALVES, 2003). Vemos, neste fato, o quanto a velada aliança entre
Estado e Igreja ainda era forte, da qual os bispos souberam se servir para romanizar
as organizações que estavam sub sua jurisdição eclesiástica.
Para concluir nosso raciocínio, ao analisar o segundo Recolhimento nordestino,
citado acima, recorremos, para isso, à história do que deve ter sido o destino do
último Recolhimento pernambucano e da análise realizada por Eduardo Hoonaert.
Trata-se do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, em Recife, que teria sido
fundado por volta de 1758 para abrigar mulheres que tinham a missão de prestar
assistência religiosa e depois foram convertidas em professoras. A história do
Recolhimento foi silenciada até o ano de 1963, quando o bispo dom Carlos Gouveia
Coelho converteu o que dele restou em Congregação religiosa de direito diocesano,
mantendo o mesmo nome:
Dom Carlos Gouveia Coelho, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife, desejando constituir em Congregação Religiosa de Direito Diocesano a Pia Sociedade de nome "Irmãs de Nossa Senhora da Glória", há muitos anos fundada nesta Arquidiocese de Olinda e Recife, recorremos à Sagrada Congregação dos Negócios das Sociedades Religiosas de conformidade com o cânon 492 do Código de Direito Canônico. (HOONAERT, 1983, p. 72)
Se considerarmos o fato, já citado, de que os bispos romanizados estiveram atentos
ao que não se enquadrava nas diretrizes do CDC de 1917, e na consequente
extinção canônica do Recolhimento, pode-se supor que os sucessivos dirigentes da
arquidiocese de Olinda e Recife, da primeira metade do século XX, não viram
necessidade de transformá-lo em congregação, nem, especialmente, de garantir o
status canônico de religiosas a que aquelas mulheres teriam direito, pois, com a
extinção do Recolhimento, elas eram vistas pela Igreja como leigas, deixando-as à
própria sorte.
Entretanto, na lógica do que temos apresentado neste estudo, concluímos que, se o
grupo religioso não desapareceu, foi porque ele conseguiu coexistir e até sobreviver
aos interesses da romanização. Por outro lado, é possível pensar que, se ele não
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atraiu a atenção dos bispos e nem de congregações religiosas imigrantes, desejosas
de ocupar seus espaços sociais, parte dos motivos pode ser buscado no fato de ele
não ter importância socioeconômica, o que lhe permitiu uma sobrevida até às portas
do Concilio Vaticano II, quando as discussões sobre a vida religiosa foram
retomadas, e alguns grupos tiveram seu status canônico resolvido, bem como o de
seus membros. Dessa situação emergiu a Congregação de Nossa Senhora da
Glória, em Recife58.
Eduardo Hoonaert, um dos principais articuladores da Comissão de Estudos da
História da Igreja na América Latina e Caribe (Cehila)59, ao buscar reconstruir essa
história, vê, na atitude de dom Carlos Gouveia Coelho, uma reparação histórica
tardia; segundo ele, de cunho antropológico, pois aquelas mulheres teriam se
mantido fiéis aos propósitos em que acreditavam, na vida religiosa, mesmo durante
o período em que a Igreja lhes negou tal direito. Em razão disso, ele nomeou seu
artigo: “De beatas a freiras: Evolução histórica do Recolhimento da Gloria”.
Sabendo que o Cehila sempre assumiu posição crítica em relação à romanização,
soaria estranho Hoonaert fazer apologia da conventualização, o que, de fato,
inexiste em seu texto. Entendemos, então, que a palavra “evolução” foi
indevidamente utilizada, pois o texto não apresenta uma linearidade, mas uma
narração sobre os percalços seculares vividos por aquela organização, cujos
membros acabaram se submetendo à autoridade eclesial. Para o referido autor, o
extemporâneo reconhecimento eclesial repararia o direito religioso daquelas
mulheres de emitir o voto religioso, que sempre viveram, e o direito de retomar as
fontes que motivaram o surgimento do Recolhimento, segundo o que foi definido no
Decreto Perfectæ Caritatis, do Concilio Vaticano II (HOONAERT, 1983). De forma
58 Cabe destacar que, dentre os grupos religiosos considerados como extintos pela Reforma de 1917, muitos escolheram não se converter em congregação e se mantiveram como grupos periféricos, alimentando um estilo próprio de vida religiosa, que se negava a se enquadrar nos modelos oficiais. Alguns desses grupos optaram por se constituir como Institutos Seculares, os quais foram reconhecidos em 1947. Tal fato pode ser interpretado como o reconhecimento de que a Igreja fora inflexível no enquadramento imposto pelo CDC de 1917. Entretanto, destacamos que, quando se verifica que os Institutos Seculares são uma tentativa de diálogo com a sociedade moderna na mesma perspectiva da Ação católica, poderíamos pensar que eles são uma nova forma da Igreja se fazer presente na sociedade cada vez mais secularista. 59 O CEHILA, Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina e no Caribe, assim se define: “somos uma rede interdisciplinar internacional, formadas por pesquisadores que buscam regatar a dimensão histórica do cristianismo na América Latina e Caribe em toda a sua diversidade”. Sua atuação ocorreu de 1970 a 1985. Ainda hoje atua, mas em escala diminuta. Disponível em: http://www.cehila.org/cehila-brasil.html. Acesso em: 02 set. 2017.
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semelhante, a pesquisadora Edjane Cristina Rodrigues, talvez, por se ocupar pouco
da história do Recolhimento Nossa Senhora dos Humildes, em Salvador, tenha
cometido o mesmo equívoco que Hoonaert, quando afirmou que a organização foi
“elevada” à congregação em 1927.
Considerando que a transformação dos recolhimentos em congregações religiosas
fez parte das reformas eclesiásticas dos bispos romanizados, entendemos que eles
não foram elevados, antes, tiveram suas singulares histórias interrompidas e foram
convertidas em organizações institucionalizadas para executarem projetos que não
foram eleitos por aquelas mulheres. Cabe destacar, que especificamente nesta
última organização, as crises advindas das mudanças eclesiásticas interromperam a
tradição artística secular, que dava identidade ao Recolhimento Nossa Senhora dos
Humildes. Tendo sido instituídas como congregação, as religiosas passaram a se
dedicar a atividades educativas com órfãos e, na década de 1930, prestavam
serviços domésticos no seminário diocesano. Somente em 1980, com o apoio do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, as religiosas puderam retomar
a sua história quando fundaram o Museu Nossa Senhora dos Humildes, onde
conservam a importante coleção de “maquinetas” (LOSE; MAZZONI, 2016)60.
Esta discussão se reveste de suma importância, pois, a maioria das reflexões sobre
as arbitrariedades dos bispos contra as organizações leigas com funções religiosas,
como as irmandades e as confrarias do século XIX, se refere majoritariamente
àquelas masculinas. A ausência de estudos sobre as organizações e instituições
femininas demonstra o domínio sobre a escolha de instituições masculinas como
objetos de pesquisa, mas também o sucesso da romanização que erradicou a maior
parte dos sinais da presença da mulher na cultura religiosa brasileira daquela época.
Entendemos que o movimento da conventualização acabou servindo aos interesses
dos eclesiásticos brasileiros, fazendo com que bens acumulados durante o
padroado, sob a ação de organizações leigas femininas, passassem ao domínio da
Igreja. Da mesma forma que ordens e congregações masculinas se prestaram a
neutralizar, desqualificar e substituir a liderança dos leigos nas irmandades que
controlavam, santuários e igrejas, ordens religiosas e congregações femininas,
60 No ano de 2016, foram publicados os manuscritos do Recolhimento dos Humildes, que muito contribuem para a história. Os documentos registram que o referido Recolhimento, no século XVIII, possuía um patrimônio invejável, com o qual sustentava todas as recolhidas (LOSE; MAZZONI, 2016).
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desejosas de expandir suas obras, aceitaram reformar recolhimentos, o que fez
desaparecerem muitas dessas instituições.61 Portanto, a conventualização atingiu
não apenas organizações europeias, mas também brasileiras, as quais tiveram suas
histórias interrompidas e uniformizadas pela clericalização promovida pela
romanização. Este processo desconsiderou as experiências da vida religiosa local,
classificando o Brasil como tabula rasa, como se a história delas tivesse nascido no
século XX.
61 A Congregação das Irmãs de Santa Dorotéia, ligada à Companhia de Jesus, convidada a fundar a primeira casa em Olinda em 1866, recebeu do bispo Dom Manuel do Rego Medeiros a missão de reformar o Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição, em Recife (ALMEIDA, 2005).
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CAPÍTULO II
A institucionalização de uma proposta feminina
Este capítulo analisa as condições que permitiram a fundação, ocorrida na cidade de
Piracicaba, da comunidade religiosa ligada à Ordem Terceira, o seu breve período
de existência, a sua conversão como Congregação no ano de 1900 e o seu
desenvolvimento como organismo institucionalizado a serviço da romanização,
quando construiu o seu patrimônio material e espiritual. Para tanto, nos debruçamos
sobre o desenvolvimento socioeconômico e religioso das cidades de Piracicaba e
Campinas, onde nasceu e se desenvolveu a referida agremiação feminina; a
participação dos bispos Dom João Batista Correa Nery e Dom Barreto, primeiro e
segundo bispos de Campinas, bem como sobre a questão jurisdicional entre estes e
os frades capuchinhos, que também se julgavam responsáveis pela organização
feminina; e, ainda, sobre a metodologia utilizada por ela para construir seu
patrimônio. As principais fontes analisadas neste capítulo foram os Relatórios
enviados aos dois bispos de Campinas, especialmente as partes que lhes
informavam sobre o crescimento numérico de casas e obras, e, consequentemente,
sobre o seu crescimento patrimonial.
1. As transformações decorrentes da romanização
Como já destacamos no capítulo I, a presença das congregações europeias e o
surgimento das congregações brasileiras se inserem no processo de alinhamento da
Igreja do Brasil com a Santa Sé, iniciado no período do ultramontanismo. Para
implantar a cultura ultramontana, os bispos empreenderam uma série de reformas,
dentre as quais a escolha do seminário como lugar privilegiado para preparar
aqueles que multiplicariam as hostes católicas e assumiriam as futuras dioceses a
82
serem criadas (MICELI, 1988)62. Além dessa ação, os bispos trouxeram
congregações masculinas para reformar associações leigas ou irmandades e prestar
assistência religiosa aos imigrantes e congregações femininas, para fundar escolas
e administrar obras assistências e hospitais. Em São Paulo, o bispo, Dom Antônio
Joaquim de Mello, entre os anos de 1850 e 1860, com o apoio da elite monarquista
e ultramontana, empreendeu a reforma no Seminário Episcopal de São Paulo, onde
estudaram vários bispos. Em 1858, ele convidou a Congregação das Irmãs de São
José de Chambery para fundar o colégio Nossa Senhora do Patrocínio, para educar
as filhas da elite paulista da cidade de Itu, e, depois, para assumir também a
condução da Santa Casa da cidade. Anos mais tarde conseguiu que os jesuítas
fundassem, em 1867, o Colégio São Luís, para educar os rapazes. Estes dois
colégios fizeram da cidade de Itu um dos grandes centros educacionais da região
até o final daquele século (MANOEL, 1996; WERNET, 1987).
62 Esta reforma esteve ligada, nem sempre de forma direta, a cinco grandes centros formadores do clero de tradição europeia. O principal foi a Congregação da Missão, fundada em Paris, em 1625, por Vicente de Paulo que a idealizou para promover “missões populares” e para socorrer os pobres e doentes, segundo as orientações do Concílio de Trento. Entretanto, a marca efetiva desta organização se tornaria a formação dos futuros padres principalmente depois da supressão da Companhia de Jesus, em 1773, pois, até então, muitos bispos lhes confiavam a direção de seus seminários. No Brasil, os primeiros padres lazaristas vieram de Portugal, em 1820, a convite de Dom João VI, para assumir a Imperial Casa de Nossa Senhora da Mãe dos Homens e fundaram a sua primeira província brasileira e o Colégio Caraça, que se constituiria em uma escola de excelência, onde estudaram várias personalidades brasileiras, civis e eclesiásticas (PINTO, 2013). Nesse grupo estava o padre Antônio Ferreira Viçoso, escolhido por Dom Pedro II para ser o bispo de Mariana, o qual se tornaria um dos principais defensores do ultramontanismo. Consagrado bispo, Dom Viçoso incorporou os seus confrades nas estruturas de governo da diocese e lhes confiou, em 1853, a direção do seminário de Caraça, em Mariana, no qual implantaram os mais rígidos princípios do catolicismo (COELHO, 2007). Tomando conhecimento da formação oferecida pelos lazaristas, em Minas Gerais, Dom Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo de Salvador, conseguiu que padres lazaristas franceses assumissem a condução da formação dos futuros padres, atraindo a ira do clero regalista, que, após sua morte, em 1860, pôde despedir os padres franceses sem, no entanto, apagar as doutrinas veiculadas pelos formadores (SANTOS, 2014). Dessas duas experiências, os lazaristas foram convidados para assumir vários seminários brasileiros (PINTO, 2013). A segunda referência é a Companhia dos Padres de Saint-Sulpice, fundada na França, em 1646, que se especializou na formação de padres diocesanos. Nesse centro de formação ultramontana estudaram Dom Antônio de Macedo Costa e Dom Vital de Oliveira, os bispos envolvidos na “Questão Religiosa” de 1875; Dom Vital completou sua formação com os Frades Menores Capuchinhos, também na França, e Dom Macedo, na Universidade Gregoriana, em Roma (VIEIRA, 1980). A terceira referência é a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, da província francesa de Sabóia, que fora encarregada pela própria Santa Sé para dirigir o Seminário Episcopal de São Paulo, em 1856, a pedido de Dom Antônio Joaquim de Melo (WERNET, 1987). A quarta referência foi o Colégio Pio latino-americano, fundado em Roma, em 1858, com o objetivo de preparar padres e futuros bispos para a América Latina. Sua direção foi confiada aos jesuítas. Já no século XX, este colégio inspirou a idealização do Colégio Pio Brasileiro, em 1934, também em Roma, para preparar o clero brasileiro destinado ao episcopado. Para aprofundar sobre as origens e a formação do episcopado brasileiro, conferir o capítulo IV: “As matrizes sociais do episcopado” e o capítulo V: “A produção organizacional dos prelados” da obra A elite eclesiástica, de Sergio Miceli (1988).
83
Os bispos Dom Lino Deodato e Dom Joaquim Arcoverde trouxeram novas
congregações masculinas e femininas e intensificaram o trabalho das existentes,
para fortalecer a romanização da Igreja paulista.
Com a Proclamação da República, a Santa Sé pôde criar novas dioceses e constituir
novas arquidioceses63. As três primeiras dioceses elevadas como arquidioceses no
período republicano foram a de Mariana e a de Belém do Pará, em 1906; e a de São
Paulo em 1908. Essa última foi desmembrada em cinco novas dioceses: Taubaté,
Botucatu, Ribeirão Preto, São Carlos e Campinas, da qual fazia parte a cidade de
Piracicaba, berço da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.
No final da segunda metade do século XIX, a região do Oeste paulista, que
compreendia, de um lado, o território de Campinas até a região de Ribeirão Preto, e,
de outro, de Itu a Sorocaba, mereceu especial atenção da Santa Sé por dois motivos
complementares: o desenvolvimento econômico e a imigração italiana. A riqueza
produzida pelas plantações de café, na terra roxa do Oeste paulista, lançara a região
no cenário político brasileiro, de onde emergiram políticos ligados ao Partido
Republicano. Se, de um lado, o Clube Republicano no Rio de Janeiro lançou, em
1870, o Manifesto a favor do fim da Monarquia, no interior paulista, mais
especificamente em Itu, os republicanos paulistas, organizados em uma grande
“Convenção”, fundaram, em 1873, o “Partido Republicano Paulista”, que tomaria
importante papel na República Brasileira.
Já nas primeiras décadas do século XIX, a saída encontrada para suprir a falta de
mão de obra, decorrente da abolição da escravatura, foi a imigração de
trabalhadores estrangeiros, que demandou longas discussões políticas entre os
defensores da imigração de protestantes, para contrabalançar o domínio católico, e
os defensores da imigração de católicos, justamente para garantir o domínio da
Igreja. O crescimento econômico do Estado de São Paulo, associado ao processo
de branqueamento da população por meio da presença dos italianos, foi
fundamental para a construção da ideologia do nacionalismo brasileiro com fortes
matizes paulistas64. Para além da valorização da raça branca, da devoção austera
63Até então havia, no Brasil, apenas duas arquidioceses: Salvador, de 1676, e Rio de Janeiro, de 1892. 64Wlaumir Doniseti de Souza, ao estudar a ação da Congregação dos Missionários de São Carlos Borromeo, identificou a convergência de interesses da Igreja Católica e do Império brasileiro na
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ao trabalho e da disciplina da moral católica, se destacava a superioridade do estado
de São Paulo como condutor dos destinos da nação, em função da bravura e da
dedicação de seu povo ao trabalho, tão bem expressas na divisa “NON DVCOR
DVCO”, do brasão da cidade de São Paulo65.
Na região de Campinas e Piracicaba, as elites cafeicultora e açucareira, divididas
em monarquistas e liberais, discutiam, por meio da imprensa, questões ligadas ao
desenvolvimento do capital, da substituição de mão de obra escrava, do progresso,
da escolarização, entre outras. Não por acaso, os dois primeiros presidentes civis
serem da região: Prudente de Moraes, da cidade de Piracicaba, e, depois, Campos
Sales, da cidade de Campinas. Nesta última, em 1872, ligando-a à Jundiaí,
instalava-se a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que, três anos mais tarde,
chegaria a Rio Claro. Paralelamente, foram dados os primeiros passos para criação
da Companhia Mogiana, que ligaria Campinas a Minas Gerais.
Com o maior índice populacional depois da cidade de São Paulo, Campinas contava
com um acelerado processo de urbanização, custeado pelas riquezas do café, já
havendo, desde 1850, a presença de estrangeiros com predominância de
portugueses e ingleses, e uma pequena colônia de americanos (BASSANEZI, 1998).
Desde 1860 já havia escolas públicas e particulares, e, em 1871, enquanto havia
apenas quatro escolas públicas, o número de escolas particulares chegava a 10; em
1873, chegavam a 15 unidades, entre elas, o Colégio Americano, mantido por
presbiterianos norte-americanos, e, o Colégio Culto à Ciência, fundado pela elite
positivista, mas não havendo uma única escola católica (NASCIMENTO, 1999), o
que indicaria que os filhos da elite estudavam em Itu, no Colégio São Luís, dirigido
pelos jesuítas, ou, a partir de 1885, em São Paulo, no Colégio Coração de Jesus,
escolha dos imigrantes italianos para o projeto de branqueamento da população brasileira e substituição da mão de obra escrava na agricultura. Em minuciosa exposição, o autor aborda a disputa entre deputados liberais, que defendiam a imigração protestante, e deputados conservadores que defendiam a imigração dos italianos. A decisão pendeu para os segundos, considerados mais afeitos ao trabalho agrícola, demonstrando que a elite não estava disposta a investir nas novas formas de riqueza propaladas pela industrialização, pela oferta de subvenção do governo italiano, com o pagamento de passagens aos agricultores que aceitassem deixar a Itália, e pela garantia de assistência religiosa de irmãs e padres, que ajudariam a tornar o Brasil uma grande nação católica (SOUZA, 1999). 65 NON DVCOR DVCO: “Não sou conduzido, conduzo”. Trata-se de uma ideologia ligada ao bandeirantismo colonial e tomou força na Revolução de 1932. O enfraquecimento paulista foi arquitetado para diminuir a força do estado, o único com reais condições de contribuir nos rumos do Brasil, o qual, justamente por isso, sempre tivera pretensões separatistas. Os valores apregoados pela ideologia da paulistaneidade foram assumidos no protejo de construção da cultura nacional (CERRI, 1996).
85
dos salesianos. Marcus Levi Bencostta (1999) destaca que Dom Nery, o primeiro
bispo de Campinas, estudou nessa escola em 1874, graças ao apoio de Campos
Sales, na época, diretor do Colégio, e de maçons influentes.
Entre 1889 e 1892, Campinas foi devastada por quatro epidemias de febre amarela,
o que fez o número da população diminuir em 18%. Uma das causas que contribuiu
para que a cidade se recuperasse desse flagelo foi a presença dos imigrantes que,
em 1890, alcançava o número de 7045, quase um quarto da população da cidade
(BASSANEZI, 1998). Nesse período, diante de um grave problema social ignorado
pelas autoridades públicas, surgiram duas iniciativas de cuidados dos órfãos
atingidos pela epidemia, organizadas pela Igreja Católica com o apoio da elite da
cidade. Para o cuidado das meninas, o padre José Joaquim Vieira fundou o Asilo de
Órfãs, em 1890, junto à Santa Casa de Campinas, confiando a sua administração às
Irmãs de São José de Chambery, que mantinham na cidade de Itu um colégio para
formar a elite paulista. Para o cuidado dos meninos, o padre João Nery conseguiu
que o barão Geraldo de Rezende doasse uma propriedade onde fundou, em 1893, o
Liceu de Artes e Ofícios para a educação e a formação profissional dos meninos
pobres.
Percebemos, nesses dois casos, o jogo de interesses envolvendo o clero, a elite e
as duas congregações religiosas, cujo discurso e algumas ações caritativas,
fundamentados na defesa da infância, dos doentes e dos socialmente fragilizados,
acabavam se convertendo em bens simbólicos e econômicos (BOURDIEU, 1974,
1997; FREUND, 2003). A elite, ao financiar a obra, ganhava prestígio social e força
política para comandar os destinos da cidade. Não por acaso, os dois padres
idealizadores dessas obras, por intervenção da própria elite, foram indicados pelo
Império para serem bispos: o padre José Joaquim Vieira se tornaria bispo do Ceará,
em 1874, e o padre João Batista Corrêa Nery, nomeado bispo do Espírito Santo, em
1896 (NEGRÃO, 2002; MESCHIATTI, 2000).
2. A criação da diocese de Campinas
Em 1908, a diocese de São Paulo foi elevada a arcebispado, e seu território foi
dividido em cinco novas dioceses. Campinas foi uma delas. Em sua primeira carta
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pastoral, o bispo Dom João Batista Corrêa Nery fez menção ao empenho de uma
comissão de cafeicultores e eclesiásticos que apoiaram o projeto de Dom José de
Camargo Barros, bispo de São Paulo, para que a cidade de Campinas fosse
escolhida para ser diocese. Tal fato indica que o acordo, entre a elite e a Igreja, não
definiu apenas a cidade sede para a nova diocese, mas também o seu o bispo
(RIGOLO FILHO, 2006).
Dom Nery, formado no seminário episcopal de São Paulo, era um dos bispos mais
jovens e já havia administrado as dioceses do Espírito Santo e de Pouso Alegre.
Seu episcopado foi marcado pelas visitas pastorais, pela construção do seminário,
pela realização do congresso diocesano e por muitas cartas pastorais, através das
quais ele indicava o caminho da romanização. No que diz respeito à presença de
religiosos, constatamos que ele fez uso dessa força eclesial. Em 1918, havia seis
congregações masculinas na diocese, sendo quatro italianas, uma espanhola e uma
francesa; e dez congregações femininas – duas francesas, duas portuguesas, duas
italianas, uma espanhola, uma brasileira, uma austríaca e uma alemã –, as quais
dirigiam escolas e hospitais (BENCOSTTA, 1999, quadros 14 e 15) 66.
Uma das grandes preocupações do bispo de Campinas foi a presença dos
protestantes na diocese. Os presbiterianos norte-americanos, instalados em
Campinas desde 1873, haviam fundado o Colégio Americano; em Santa Bárbara do
Oeste e na Vila Americana, os norte-americanos fundaram igrejas batistas e
idealizavam fundar escolas.
A cidade de Piracicaba, historicamente ligada à produção açucareira, até o início da
segunda metade do século XIX era dominada por uma elite que, apesar de aspirar
às vantagens da economia moderna de urbanizar-se segundo o modelo das grandes
cidades, politicamente continuava defensora dos status quo. Como o Império se
desincumbia de custear grande parte das despesas públicas, esta elite passou a
66 Nesse período existiram, na diocese de Campinas, as seguintes escolas femininas: o Colégio Sagrado Coração de Jesus, da Congregação das Irmãs Calvarianas, na cidade de Campinas; o Colégio Puríssimo Coração de Maria, da Congregação das Irmãs do Coração de Maria, na cidade de Rio Claro; o Colégio Assunção, da Congregação das Irmãs de São José de Chambery, na cidade de Piracicaba; o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, da Congregação das Irmãs Salesianas, na cidade de Araras; e o colégio São Nicolau de Flüe, da colônia suíça, administrado pela Congregação das Irmãs Missionárias Beneditinas, em Helvetia. Quanto às escolas masculinas, apenas os Salesianos mantinham o Colégio Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, em Campinas. Além das escolas, a Congregação das Irmãs de São José de Chambery mantinha um Orfanato para meninas, em Campinas; a Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, mantinha orfanatos em Piracicaba e Descalvado e administrava uma creche em Campinas (BENCOSTTA, 1999).
87
financiar as instalações de infraestrutura necessárias para o escoamento da
produção. Dessa forma, vários fazendeiros se tornaram acionistas da Companhia
Paulista, para que fosse instalado um ramal da estrada de ferro na cidade,
inaugurado em 1877, e criaram a empresa de Navegação a Vapor para o
escoamento da produção do açúcar via fluvial (TORRES, 2009). Em razão disso, a
elite passou a defender a República, não por desejar um novo regime fundado na
participação popular, mas para garantir que as novas mudanças a beneficiassem.
Assim, o Barão Estevão de Souza Rezende, que fora líder do partido conservador, e
o futuro presidente Prudente de Moraes, que em 1864 assumira a presidência da
Câmara municipal pelo Partido Monarquista, tornaram-se republicanos para
defender seus interesses econômicos (TORRES, 2009).
Entre as décadas de 1870 e 1880, a cidade se modernizou, com a construção da
Santa Casa de Misericórdia, do Hospital de lázaros, da Loja maçônica, a chegada da
iluminação pública, dos primeiros jornais, do teatro, entre outros atrativos urbanos. A
educação, como sinal da modernidade e da riqueza, passou a ser preocupação a
partir de 1875. Entretanto, como em outras cidades, havia apenas três escolas
elementares. Os liberais se empenharam para que fossem fundadas escolas
públicas na cidade, pois entendiam que elas representavam uma aspiração da
sociedade brasileira, desejante de superar as marcas do colonialismo,
especialmente o analfabetismo. De modo bastante semelhante ao projeto
ultramontano, de construir a visibilidade da Igreja, a escola pública também dava
visibilidade aos projetos republicanos (FIGUEROA, 2008). De outro lado, a criação
das escolas particulares foi polarizada pelas disputas políticas e religiosas. Isso
implica dizer que a presença das congregações naquela cidade deve ser vista a
partir de dois projetos: o da elite que se afirmava liberal e o da elite monarquista,
ligada à Igreja católica. Ambos passavam pela discussão sobre a educação de seus
filhos, fato ilustrativo do que acontecia na sociedade brasileira.
Graças aos esforços do vereador Prudente de Moraes, no ano de 1881, chegaram
vários missionários metodistas. O interesse do vereador era aliar uma proposta
educativa moderna, aberta às inovações do capitalismo, para fazer frente aos
fazendeiros, que também idealizavam um colégio para suas filhas. Coube à
missionária educadora Martha Watts, ligada à missão de Santa Barbara e à vila dos
americanos, fundar, no ano de 1883, um colégio com o objetivo de educar as moças
88
brasileiras não católicas ou filhas daqueles que rejeitavam a metodologia de ensino
católico, segundo eles, contrária ao liberalismo.
Para fazer oposição aos liberais, a escola católica foi idealizada através da
articulação dos monarquistas católicos, com o apoio da liderança eclesiástica,
contrária à presença dos metodistas, que intermediou junto a Congregação feminina
São José de Chambery, dirigente do colégio Nossa Senhora do Patrocínio, em Itu, a
fundação de um colégio em Piracicaba, para educar as jovens católicas e filhas dos
monarquistas. Não por coincidência, sua fundação ocorreu em 1883, mesmo ano da
fundação do Colégio Metodista, também localizado na mesma rua: a Rua da Boa
Morte (MESQUITA, 1992; TORRES, 2009). A demora em escolher uma organização
francesa demonstra que não se tratava apenas de abrir uma escola católica
qualquer, mas de uma que fosse capaz de fazer frente ao colégio metodista e,
assim, diminuir sua ascendência na cidade.
3. Os franciscanos em Piracicaba
Dentro do projeto romanizador, a presença de italianos foi uma das justificativas
para os bispos trazerem organizações religiosas italianas a fim de prestar
assistência religiosa aos imigrantes, que chegavam para trabalhar nas fazendas de
café. Três grandes organizações masculinas construíram seus patrimônios material
e espiritual no estado de São Paulo. A Sociedade de São Francisco de Sales,
fundada em Turim, Itália, cujos membros são conhecidos como Salesianos,
chegaram ao Brasil dois anos após a fundação. Dom Lino Deodato, que idealizara a
construção do Santuário Sagrado Coração de Jesus e de uma escola, os convidou
para assumir o colégio Liceu Sagrado Coração de Jesus a fim de atender os filhos
dos cafeicultores e prestar assistência aos imigrantes e a seus descendentes. Em
1896, os salesianos também chegaram a Campinas, convidados a incumbir-se de
uma escola fundada anos antes, para abrigar e educar os órfãos da febre amarela
que assolara a cidade. A Congregação dos Missionários de São Carlos fora fundada
para prestar assistência religiosa aos italianos, que partiam em direção à América.
No Brasil, alguns desses religiosos se fixaram no Paraná, no Espírito Santo e em
São Paulo, substancialmente nos dois últimos estados, onde, inclusive, receberam
subsídios do governo para a manutenção da missão (AZZI, 1987).
89
A terceira organização foi a Ordem dos Frades Franciscanos Capuchinhos, da
província italiana de Trento, que chegou ao Brasil dias antes da proclamação da
República e pouco tempo depois, em 1890, se transferiu para a cidade de
Piracicaba, onde fixou sua missão. O registro de algumas correspondências
trocadas entre o superior geral e os frades daquela missão dão provas sobre o
projeto da Ordem e o início dos trabalhos. Segundo carta do responsável pela
missão, datada de fevereiro de 1890, o superior local, Frei Felix, explicava ao
provincial geral a opção por aquela cidade: ela possuía uma população com dez mil
pessoas, e havia outras trinta mil na região; era bem localizada, quase no centro do
estado de São Paulo, e nela havia apenas um padre; era muito religiosa (em função
da presença dos italianos); era muito rica e caridosa, e o bispo havia pedido que ali
se dirigissem, pois a cidade estava quase abandonada e contava com uma igreja e
um colégio protestante (BERTO, 1989).
Tal relato, ainda que hiperbólico, indica que o projeto da província trentina havia sido
muito bem arquitetado, e que a escolha daquela cidade não fora por acaso. Esses
frades vieram para o Brasil, com especial orientação da Santa Sé, para apoiar o
bispo de São Paulo no projeto de catolicizar sua diocese e suplantar qualquer
resquício do catolicismo popular. A missão, ainda, se revestia de um caráter militante
contra os metodistas e os liberais, que rejeitavam a ação dos frades defensores da
Igreja e dos direitos do papado. Isso fez o superior da missão escrever ao superior
geral:
É impossível descrever as calúnias, críticas, ameaças (...) que tivemos de suportar por três semanas nesta bendita cidade. Basta dizer que nesta última missão sofremos mais que em todas as outras que pregamos por três anos nas mais diversas cidades do estado de São Paulo e de Minas Gerais. (BERTO, 1989, p. 30)
Isso também foi confirmado por João Valerio Scremin (2009), ao demonstrar que a
cidade, reduto republicano, maçônico e metodista, lhes oferecia resistência, e,
especialmente, a imprensa lhes fazia sistemática oposição. O principal jornal da
cidade publicava frequentes ataques aos frades, associando-os à monarquia.
Entretanto, este mesmo pesquisador também demonstrou que o apoio social e
econômico recebido pelos frades, dos italianos, e a consequente divulgação da
espiritualidade da romanização, centrada nas devoções europeias, foram muito
maiores que qualquer ameaça sofrida, o que revela as dificuldades descritas pelos
90
frades como fruto da livre manifestação do pensamento de um grupo hostil, mas
com força política insuficiente para impedir o projeto da Igreja católica (GIRALDELLI,
1992; LEME, 1994; SCREMIN, 2009).
Com o apoio da elite e dos italianos, em menos de cinco anos os frades
inauguraram a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, que fora construída em terreno
cedido, em 1892, pela municipalidade, por interferência dos vereadores católicos
Manoel Morato de Carvalho, Fernando Ferraz de Arruda e Ricardo Pinto de Almeida
(NASSIF, 2013). A considerar pela rapidez da conclusão do empreendimento, a
posição sociopolítica dos “atores” envolvidos e a designação do orago não deixam
dúvida quanto à convergência dos interesses eclesiásticos de agentes
ultramontanos e do poder estabelecido. Também em 1896, fundaram, em
Piracicaba, a Ordem Terceira Franciscana, para congregar homens e mulheres que
se colocavam a serviço deles.
Segundo a expressão ecclesia semper reformanda, na qual se afirma que a
instituição busca adaptar-se às mudanças do tempo para continuar existindo, a
Igreja reinventava a ideologia do braço secular, para que os leigos realizassem as
ações em que clérigos estavam tendo dificuldades em função da pressão dos
liberais. Considerando os fatos que se sucederam, a fundação de uma organização
de leigos também parece ter sido idealizada para ampliar as bases da organização,
sem que isso atraísse a atenção dos liberais e maçons. Apesar disso, a abertura
dada às mulheres, para que elas também se tornassem terceiras, representou uma
novidade na cidade, pois, o espaço doméstico, a “família”, deixava de ser a única
possibilidade de atuação feminina. Embora extremamente restrito e sob o controle
hierárquico do clero, surgia, em pleno projeto ultramontano, um novo espaço de
atuação para as mulheres, possibilitando novas formas de socialização que, sob
muitos aspectos, contribuíam para a emancipação feminina na sociedade (PERROT,
1994). É dentro dessa perspectiva que vemos a criação de uma associação de
quatro mulheres terceiras, nos mesmos moldes das organizações femininas
marginais da primeira metade do século XIX, que se converteria em congregação
religiosa.
Os frades desejavam, também, construir um convento, mas acabaram,
momentaneamente, recuando devido a dois fatores: o primeiro, a já citada oposição
daqueles autodenominados liberais e maçons, que viam os frades como defensores
91
da monarquia, diante da qual a proposta da construção de seminário naquela cidade
foi protelada; o segundo fato dizia respeito ao projeto de expansão, que a Ordem
dos Capuchinhos ambicionava no Brasil, e que implicava na construção de um
seminário nos moldes europeus em uma cidade prospera que lhes garantisse
sucesso.
João Valério Scremin (2016), ao analisar o projeto de formação dos frades
capuchinhos, identificou a existência de visões opostas dentro da própria
organização. Segundo ele, parte dos frades teria sido contrária a tal proposta porque
isso desviaria o foco primeiro da missão, que era a evangelização dos indígenas.
Todavia, o projeto foi adiante, pois, ao ter sido implantado no período da
romanização, contou com os apoios da Santa Sé, do bispo de São Paulo e do
governo brasileiro. O primeiro seminário foi construído na cidade de Taubaté, onde o
bispo convencera os frades a abrirem uma nova frente missionária, antes, porém,
Dom Joaquim Arcoverde, oferecera aos frades o Convento Santa Clara, o qual
estava sob a administração da confraria de São Benedito. A missão deles seria
reformá-la segundo as recentes orientações da Igreja, buscando limitar a ação dos
leigos nas Irmandades67. Após a resistência da irmandade leiga, o bispo extinguiu a
confraria e confiou aos frades o convento, de propriedade dos leigos, para que
67 As ordens terceiras no Brasil remontam ao período colonial, quando elas, detentoras de relativo poder econômico, assumiam o custeio da construção de Igrejas e sua administração temporal, e tiveram importante papel de suplência eclesiástica (MARTINS, 2018). Tal fenômeno se formara em função da situação de abandono da Igreja no período colonial, em que aqueles, que efetivamente custeavam a manutenção das igrejas, acabavam detendo poder sobre elas. Nesta situação, os padres estavam a serviço dos administradores dos bens eclesiásticos. Isso explica os vários conflitos e disputas de poder religioso que, no fundo, escondiam questões de controle econômico entre irmandades, bispos e padres que tiveram na “Questão Religiosa” de 1872 o seu ápice (HOONAERT, 1997; VIEIRA, 1980). Por outro lado, a revogação da prisão dos dois bispos envolvidos, e as sucessivas reformas realizadas nas confrarias e irmandades, indicam que a Igreja estava em franco processo de recuperação de seu poder sobre a sociedade, conhecido como ultramontanismo. Em 1884, Leão XIII reformou as Ordens Terceiras dando-lhes a missão de colaborar na defesa da Igreja e na propagação da ação missionária, mas, ao mesmo tempo, a colocou sob o controle dos clérigos religiosos, sob pena de extinção, e lhes atribuiu funções especificamente religiosas (PONTIFICIA COMMISSIO PRO AMERICA LATINA, 1999, IV, título 11). Com a romanização, muitos bispos confiaram a catolicização das ordens terceiras desvirtuadas às congregações religiosas, as quais passaram a assumir as atividades exercidas por aquelas e a responsabilizar-se por elas. Tal como citamos antes, a Santa Sé se encarregou de que Ordens religiosas e congregações emigrassem para o Brasil com o objetivo de substituir a liderança dos leigos nas irmandades que controlavam igrejas e santuários, impondo o catolicismo de matriz europeia e branca (BITTENCOURT, 2018; GAETA, 1997). Percebe-se que a colaboração entre bispos e padres também se dava no plano das trocas de interesses mútuos, muitas vezes ligados à manutenção da própria organização religiosa. Nesse sentido, a política patrimonialista dos bispos em se apropriar das propriedades das confrarias e Ordens Terceiras, além de significar uma estratégia política para enfraquecê-las, acabava se configurando em moeda de troca para oferecer e seduzir as organizações europeias, inserindo-as no projeto da romanização (MICELI, 1988).
92
atendessem o povo. Ainda nesse convento foi instalado o seminário São Fidelis, que
funcionou por 30 anos, quando foi finalmente transferido para Piracicaba cumprindo
o sonho dos primeiros frades. Ali também puderam fundar a Ordem Terceira de São
Francisco (BERTO, 1989).
4. De Associação de mulheres à Congregação, um projeto capuchinho
A Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria tem sua história ligada
à Ordem Terceira Franciscana, quando uma mulher, Antônia de Macedo, tivera a
seguinte inspiração:
Anda na minha mente, Rosa Cândida, uma ideia que não sei se será de Deus ou tentação. Desejava arranjar uma casa onde, morando com algumas irmãs terceiras, pudéssemos, além de levar uma vida de oração e trabalhos, nos dedicar ao apostolado das almas, auxiliando os nossos capuchinhos em suas árduas missões. (PEDROSO, 1996, p.15)
A convergência das fontes pesquisadas mostrou que, como a maioria das
fundadoras, Irmã Cecília possuía um relativo capital social, cuja pequena parte fora
construído pela sua familiares. Seu pai, Pedro Liberato de Macedo, foi um pequeno
proprietário rural e produtor de açúcar, proprietário de 21 escravos que trabalhavam
em um pequeno engenho, onde se produzia uma média 400 arrobas de açúcar por
ano, além de outras plantações e alguns poucos animais. Como tantos outros
proprietários que se mudaram para a cidade, atraídos pelo processo de urbanização
financiado pela elite, em 1847, comprou uma casa na área urbana, onde criou seus
nove filhos. Além de ser produtor rural, desempenhou o cargo de secretário da
Câmara Municipal, foi Juiz Municipal suplente e participou do brado republicano
ocorrido em Piracicaba, em 1870. Sua rede de contatos e inserção política lhe
rendeu razoável prestígio social junto aos republicanos, os quais, por ocasião de sua
morte, custearam as despesas de seu funeral e o homenagearam postumamente,
atribuindo seu nome a uma rua da cidade, em 1930.
Antônia Martins de Macedo, nascida 07 de julho de 1852, fora a sexta filha e a
segunda piracicabana, crescendo na efervescência cultural e política de uma das
principais cidades paulistas do final do século XIX. Teve acesso à formação escolar
comum às moças de seu estrato social e se fez costureira, profissão que exerceu
93
por longos anos, mesmo depois de haver enviuvado. Segundo a tradição patriarcal,
após intensa pressão, contraiu núpcias com Francisco José Ferreira, de profissão
carpinteiro, mas após cinco anos de matrimônio, em 1893, ficou viúva. Teve três
filhos: Rosa de Macedo Ferreira, nascida em 1889; João Macedo Ferreira, nascido
em 1891 e Antônio de Macedo Ferreira, nascido em 1893. Os três ficaram com ela
até 1900, quando os dois filhos foram enviados para o internato Liceu Coração de
Jesus, dos Salesianos, em São Paulo, graças ao apoio econômico de um membro
da elite de Piracicaba. A filha Rosa, que teria sido cega, surda e com transtornos
mentais, foi conservada com ela durante toda a sua vida (PEDROSO, 1996).
Desejando destacar a santidade de Irmã Cecília, seu biógrafo buscou associar a
fundação daquela organização com a retomada de uma suposta vocação religiosa
existente desde a juventude e que fora reprimida. Segundo ele, antes mesmo de se
casar ela teria desejado ingressar no Convento da Luz, em São Paulo, na Ordem da
Imaculada Conceição, tendo sido impedida pelo pai, que lhe impôs casamento, ao
que ela consentiu. Tendo ficado viúva, ela teria retomado seu projeto, quando
ingressou na Ordem Terceira Franciscana e assumiu o nome religioso que a
consagrou. Foi como terceira que ela teria proposto a suas amigas de viverem juntas
e se colocarem a serviço dos frades. Eis, então, que procuram Frei Luiz Maria de
São Tiago para que ele as orientasse (PEDROSO, 1996)68.
O conjunto de mulheres se constituiu como o mais importante capital social com o
qual frei Luiz contou para atrair a atenção e o apoio da sociedade piracicabana para
a execução de um projeto da sua Ordem. Ao aceitar a proposta dos frades, elas
seriam incorporadas, ainda que perifericamente, na Ordem Capuchinha e seriam
reconhecidas como herdeiras espirituais de Francisco de Assis. Bastava-lhes seguir
fielmente as orientações dos frades. Para isso, uma característica se impunha: a
organização deveria ser criada segundo as novas exigências sociais da vida
religiosa oficiosa, ou seja, o exercício do apostolado. Segundo a biografia da ex-
superiora, o frade teria respondido ao grupo:
68 Frei Luiz Maria de São Tiago nasceu em 26 de abril de 1862 em uma aldeia denominada San Giácomo, nos Alpes austríacos, que posteriormente foi integrada à Itália. Professou os votos solenes na Ordem dos Frades Capuchinhos e foi ordenado padre em 1884. Em 1889 foi designado, juntamente com outros três frades, para integrar a primeira missão da Província de Trento, no estado de São Paulo, na cidade de Piracicaba, mas também foi missionário em Taubaté, para onde foi em agosto de 1898, por motivos de doença, e de onde partiu para a Itália em 1902, vindo a falecer em 24 de julho de 1910, com 48 anos (PEDROSO, 1996).
94
Não é loucura, minhas filhas, é vontade Deus. E até digo mais. Já tenho uma candidata para o Recolhimento. Somente a finalidade é que não está bem clara. Para agradar melhor a Deus, devem dedicar-se à caridade, acolhendo e dedicando-se a órfãs e crianças desvalidas. Desse modo, também o povo as ajudará de boa vontade. (PEDROSO, 1996, p. 15)
Interpretamos, portanto, que os dois excertos citados indicam a existência de um
movimento essencialmente feminino, domesticado pelo frade. Ainda que a única
forma encontrada pelo grupo tenha sido acolher a proposta do clero, ficam claras a
novidade e a força de um movimento periférico que desperta o interesse da Igreja.
Considerando que isso ocorreu no final do século XIX, é necessário destacar o
importante papel da mulher na sociedade e na Igreja, naquele momento, percebido
pelos frades como mais importante que a própria presença deles. Embora não possa
ser esquecido o contexto social, altamente dominado por homens, o fato de a
sociedade piracicabana reconhecer a força emergente de um grupo de mulheres,
até então não oficializada na estrutura da Igreja, representava uma novidade da
futura Congregação. Não fosse isso, ela não teria feito o sucesso que fez em
Piracicaba. Nisso se confirma a percepção de Maria Rosado-Nunes de que a
inserção das mulheres na vida da Igreja não teve a intenção de promovê-las, mas de
reafirmar seu “estatuto subordinado”, como executoras de projetos eclesiásticos
alinhados com a romanização (ROSADO-NUNES, 1997).
Nesta perspectiva, entendemos a condição de vulnerabilidade social de Antônia de
Macedo, mulher, viúva e mãe de três filhos menores, em uma sociedade marcada
pela tradição patriarcal do final do século XIX, levada em conta por ela e, talvez, até
pelo frade italiano, na escolha daquele oficioso estilo de vida. É possível pensar que
ela tenha associado o desejo de ser religiosa à necessidade de encontrar um abrigo
institucional que protegesse a si e a seus filhos. Ademais, ambos sabiam que as
congregações já estabelecidas dificilmente acolheriam uma mulher nas condições
sociais em que ela se encontrava69. A solução seria tomar parte em uma
organização que lhe permitisse ser mãe e religiosa. O convite do frade lhe permitiu
isto.
As razões eclesiais para a fundação de uma obra caritativa podem ser buscadas em
fundamentos complementares:
69 Ainda que se considere a existência de muitas viúvas que foram religiosas naquele momento de forte reafirmação da catolicidade, a Igreja Católica insistia na virgindade como sinal de consagração.
95
- A Ação Social da Igreja, proposta pelo papa Leão XIII, apesar de ter sido
apresentada como a dimensão social de socorro aos necessitados, o que,
inclusive, foi expresso na Encíclica Rerum Novarum de 1891, deve ser
entendida como a afirmação da posição política da instituição, não aceitando
ser reduzida ao âmbito privado da religião, como defendiam os liberais, mas
impunha-se como um organismo vivo e atuante na sociedade, o que implicava
na defesa do Estado pautado em princípios religiosos católicos (NEGRI,
1994).
- Era preciso que o novo projeto desse a sua contribuição à sociedade, pois,
sem isso, estaria fadado ao fracasso. Como mentor intelectual do grupo, o
frade escolheu um escopo específico e diametralmente oposto tanto ao
objetivo da única congregação feminina existente na cidade, que se dedicava
ao ensino das filhas da elite piracicabana, no Colégio Assunção, quanto ao da
Igreja Metodista, que também fundara o Colégio Piracicabano para educar os
filhos dos protestantes e dos liberais, que desejavam outro estilo de educação
a seus filhos. Com isso, o frade sinalizava a existência de um campo social,
descoberto pelas duas escolas confessionais e pela própria sociedade
piracicabana, que seria suprido através daquelas religiosas. Ao vincular o
nascente grupo religioso à sua Ordem, o frei Luiz Maria de São Tiago
pretendia afirmar aos liberais que ela também servia a sociedade.
- Se, na República, oficialmente, a Igreja já não podia mais receber benefícios
do Estado e, para todos os efeitos, nenhuma daquelas mulheres possuía os
bens necessários para estabelecer uma organização religiosa, era preciso
capitalizar recursos que possibilitassem a montagem de uma estrutura
mínima para acolher as religiosas. Daí a necessidade de um escopo social
para que o grupo pudesse contar com apoio econômico da elite da cidade.
- Por fim, era preciso que as religiosas se apresentassem como pobres. Para
isso, a especificidade da tradição missionária dos franciscanos no
acolhimento da pessoa humana, especialmente o pobre, foi fundamental para
o sucesso da obra.
Destaque deve ser dado à última frase de Frei Luiz: “Desse modo, também o povo
as ajudará de boa vontade”. A estratégia utilizada pelo frade foi construir uma
representação de que aquela associação de mulheres nascia pobre e nada pedia
96
para si, mas para as meninas pobres. Coube ao pároco, Francisco Galvão de
Barros, subscrever uma petição com a qual as futuras religiosas solicitariam doações
para a construção de um asilo para meninas pobres, nomeado de Asilo [de] Nossa
Mãe (MARCON, 1992)70. Os potenciais doadores podem ser divididos em dois
grupos: o primeiro consistia na rede de contato pessoal de Antônia Martins de
Macedo, especialmente sua família. Para garantir o apoio da sociedade, a petição já
indicava que duas pessoas de uma mesma família da elite católica doariam o
terreno onde seria construído o asilo71. Isso ocorreu, provavelmente, porque Maria
das Dores Morato foi terceira franciscana e uma das fundadoras do Asilo. Além de
seu empenho pessoal, ela conseguiu fazer com que outros membros de sua família
ajudassem a nascente organização religiosa (Jubileu Áureo das Irmãs Franciscanas
do Coração de Maria, 1940).
O segundo grupo agia de forma mais direta, pois compunha uma diretoria
administrativa, formada pelas esposas dos “homens bons”, que garantiriam nada
faltar ao Asilo (Jubileu Áureo das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1940).
Secundado pelo apoio da elite piracicabana, em menos de dois anos, o grupo
conseguiu a doação de dinheiro suficiente para construir um prédio com duplo uso:
abrigo para as órfãs e convento para as religiosas, que assumiram a administração
da obra (MARCON, 1992). Para demonstrar que a estratégia dos frades fora
acertada, Scremin (2009) destacou que o Jornal Gazeta de Piracicaba,
assumidamente republicano e anticlerical, e que tantas vezes criticou a atuação dos
frades trentinos, divulgou apelos para sensibilizar a sociedade a efetuar doações em
favor do Asilo72, chegando a publicar os valores das doações e estampou os nomes
70 No Dossiê consta uma declaração que indica haver 11 títulos diferente para denominar o Asilo de Nossa Mãe. Da mesma forma que as mudanças no nome da Congregação, as principais justificativas são as mudanças canônicas e as civis. Desde 1952 o Asilo é denominado de LAR ESCOLA CORAÇÃO DE MARIA NOSSA MAE (MARCON, 1992, IV, 113-114). 71 Consta na subscrição que Manoel Morato e Maria das Dores Morato contribuíram com dois terrenos no valor de Rs 10:000$000. Nos documentos reunidos na Dossiê verificamos que a doação de Maria das Dores foi verbal, pois ela só foi registrada em 1898, dois anos depois da subscrição (Primeiro Tabelionato da Cidade de Piracicaba, Livro 141, fl 65, apud MARCON, 1992, IV, 117-118). Ela mesma doaria um segundo terreno ao Asilo em 1906 (Primeiro Tabelionato da Cidade de Piracicaba, livro 171, folha 59, apud MARCON, 1992, IV, 119-120). 72 Em agosto de 1896, o jornal publicou o valor arrecadado - Rs 33.506$000 – e em outubro esse valor chegou a Rs 39.910$000 (GAZETA DE PIRACICABA, n. 2290, de 16/08/1896, e n. 2311, de 07/10/1896, respectivamente, apud SCREMIN, 2009, p. 57).
97
dos beneméritos doadores, dando “ênfase a seus feitos caridosos” (SCREMIN,
2009) e, assim, enaltecer seus próprios apoiadores.
É possível aqui estabelecer uma relação com a “sociologia das relações de poder”,
analisada por Norbert Elias. De um lado, o poder dos “estabelecidos” política e
economicamente: a elite piracicabana, que até certo momento negava espaço para
os outsiders, os frades imigrantes; de outro, de forma reversa, a força institucional
que fazia desses os novos “estabelecidos”, os donos do poder clerical, os únicos
capazes de dar reconhecimento ao grupo de doadores do Asilo como católicos
benemerentes (ELIAS; SCOTSON, 2000).
Nesse jogo que envolvia múltiplos interesses, a associação de terceiras franciscanas
assumiu-se protetora das órfãs, adotando para si essa identidade sociorreligiosa,
fazendo dela o elemento-chave de sua identidade religiosa. Tal estratégia se
mostrou muito profícua, pois a obra religiosa era vista com bons olhos pelo poder
público e pela elite da cidade, que, além de desonerá-los de suas responsabilidades
sociais, contribuiria para a formação das órfãs, futuras cidadãs sabedoras do seu
lugar social e construtoras do Brasil (NEGRÃO, 2002).
A existência da petição ou subscrição demonstra que a precedência na criação do
Asilo foi uma estratégia geradora das condições para que a organização religiosa,
recém-fundada, pudesse levar adiante seus projetos e acolher as irmãs. Não fosse
seu caráter de serviço de benemerência, a elite piracicabana não teria se
interessado em ajudar um projeto eclesial, ainda mais para ser a sede de uma futura
organização religiosa. Convencidas pela proposta do eclesiástico, aquelas mulheres
aceitaram assumir o Asilo para meninas órfãs idealizado por ele e que seria
construído a expensas da elite católica da cidade e com o trabalho dos irmãos
terceiros. Em 2 de fevereiro de 1898, o Asilo estava pronto para acolher as terceiras,
Irmã Cecília, Irmã Nazária, Irmã Virginia e Irmã Valéria, que se mudaram com duas
órfãs para o Asilo, além dos três filhos da fundadora, os quais provavelmente se
misturavam às outras crianças do Asilo (PEDROSO, 1996). A considerar o número
de órfãs acolhidas como ínfimo, menor inclusive que o número de filhos da própria
Irmã Cecília, é possível questionar se, de fato, naquele momento inicial, o escopo da
instituição eram, realmente, as meninas pobres, pois se esperaria que já no dia da
inauguração o instituto estivesse repleto de órfãs, que perambulavam pela cidade, o
que não aconteceu.
98
Antes mesmo do lançamento da pedra fundamental do prédio, Frei Luiz tratou de
dar-lhe um Estatuto, o qual foi registrado em 27 de fevereiro de 1896, tendo um
pequeno excerto publicado no Diário Oficial, n. 18.492, em 01/11/1896, segundo as
exigências da lei, o qual traz em seu primeiro artigo: “Com a denominação de Asilo
de Nossa Mãe fica fundado, com sede e estabelecimento na cidade de Piracicaba,
um instituto destinado a educar e sustentar meninas desvalidas, órfãs ou não, sem
distinção de cor ou de classe” (MARCON, 1992, IV, Artigo 1º, capítulo I, p. 131).
Causa impressão que, em menos de três meses de funcionamento, o Estatuto do
Asilo tenha sido modificado, conforme pode ser verificado na “Ata da Assembleia
Geral Extraordinária das Benfeitoras do Asilo do Coração de Maria Nossa Mãe, para
adoção da Reforma dos novos estatutos”, datada de 28 de maio de 1899 (MARCON,
1992, IV). O motivo era definir que o patrimônio material do instituto permanecesse
em uma organização religiosa católica.
Da comparação entre eles, destacamos três pontos:
a. Desde a primeira redação do Estatuto definiu-se que, mesmo sendo uma
instituição construída pela da sociedade civil, o Asilo era “um instituto
religioso” e sua diretoria seria composta por religiosas, reconhecidas como
“mestras” e por leigas, reconhecidas como “benfeitoras” (ESTATUTO, 1896,
Artigos 32, 10 e 23, respectivamente, apud MARCON, IV, 1992). Ele também
definia que o nome para a função de diretora deveria ser escolhido dentre os
membros do primeiro grupo. O fato de não ter havido manifestações
contrárias das leigas se justifica pela cultura engendrada pelo catolicismo,
que legitimava o que Weber identificou de “dominação tradicional”, pois,
pessoa alguma ousaria contestar o status quo religioso. Todavia, o fato de o
segundo Estatuto ter insistido nisso, esmiuçando-o em três artigos, parece
indicar o temor de questionamentos contrários, daí a necessidade de se
instaurar a dominação legal-racional, isto é, explicitar que a diretora deveria
ser religiosa.
b. Em ambas as redações, os poderes atribuídos à diretora eram “amplos e
ilimitados” (ESTATUTO, 1896, artigo 4 apud MARCON, IV, 1992).
Pressupomos que a existência de uma diretoria teria como fundamental
obrigação controlar possíveis desmandos da diretora. Apesar disso,
constatamos explicitado no segundo Estatuto justamente o contrário: as
99
mestras e as benfeitoras, enquanto associadas, concederam amplos e
irrestritos poderes à Diretora, para que ela usasse dos bens móveis e imóveis
da forma que melhor lhe conviesse (ESTATUTO, 1889, artigo 5 apud
MARCON, IV, 1992). Percebemos, então, que o novo Estatuto expressava a
articulação política das freiras para que o poder permanecesse concentrado
nas mãos da diretora de forma estatutária e, portanto, legal.
c. Para garantir que o patrimônio permanecesse sob o controle da Igreja, o novo
Estatuto alterou o texto sobre uma possível dissolução da entidade. O
primeiro texto definia que “os bens do Instituto (...) passarão a uma das
instituições de caridade que existir em Piracicaba ou se criar no futuro”
(ESTATUTO, 1986, Artigo 38 apud MARCON, IV, 1992). No estatuto
reformado se lê: “No caso de extinguir-se o Asilo Coração de Maria Nossa
Mãe, seus bens se devolverão à Diocese, para dele dispor o Bispo
Diocesano, como entender, em favor de qualquer outra instituição pia desta
Diocese” (ESTATUTO, 1899, 14 apud MARCON, IV, 1992). Dentro da lógica
de nossa análise, é bastante provável que o frade dirigente tenha orientado a
diretoria do Asilo a alterar o artigo sobre a dissolução dos bens, de forma a
garantir que o imóvel fosse transferido à Igreja e ficasse à disposição do
bispo, claro sinal da romanização e do controle do clero.
Constatamos, portanto, que o Estatuto reformado de 1899 sinalizava a
institucionalização e a consequente clericalização da organização feminina. Apesar
de ambos os Estatutos insistirem na distinção entre mestras (as religiosas) e
benfeitoras (as leigas), perante o direito da Igreja, até então, aquela era uma
associação leiga. Ainda que tais documentos tenham usado a nomenclatura
“religiosas”, todas aquelas mulheres eram igualmente leigas, e, do ponto de vista
canônico, eles não tinham validade alguma. Talvez, justamente por essa razão, o
redator do Estatuto de 1896, frei Luiz, tenha se valido da estratégia de não explicitar
esta diferença como foi feito no Estatuto de 1899, fato que teria facilitado o seu
registro no Cartório como um organismo leigo. O Estatuto de 1899 se antecipava e
dava um segundo e gradativo passo que definia o destino eclesiástico do patrimônio
do Asilo, que nascera leigo e era gerido por uma organização leiga. Há, nele, o peso
moral de que a Igreja gozava, a ponto de os funcionários do cartório não atentarem
100
para as mudanças ocorridas no novo estatuto, favorecendo aquelas que aspiravam
tornar-se oficialmente religiosas e a própria Diocese. Vê-se, portanto, que, com o
registro daquele patrimônio, a proposta do grupo leigo, orientada pelo frei, já
sinalizava a institucionalização do grupo leigo, e, sendo o prédio, construído para
abrigar o Asilo, transformado em convento para as freiras.
Ainda que Pedroso tenha buscado construir uma continuidade entre as ações de frei
Luiz Maria de São Tiago e frei Bernardino de Lavalle, afirmando que o primeiro teria
querido fundar uma congregação, a sucessão de fatos após a transferência deste
para Taubaté, em agosto de 1898, indica o contrário73. Relacionado com o que já
expusemos no capítulo I, é possível pensar que os próprios frades tivessem
concepções diferentes sobre a vida religiosa feminina. É bastante provável que
alguns tivessem opinião igual à de muitos fundadores do século XIX, não querendo
que suas fundações se emancipassem, para não perderem a ascendência sobre
elas. Já outros, mais romanizados, haviam internalizado a irreversibilidade do
processo da conventualização do movimento congregacional74. Ainda que tal
processo significasse a diminuição da ascendência da Ordem masculina sobre a sua
fundação, frei Bernardino de Lavalle, especialmente, deve ter avaliado que a
institucionalização da organização feminina se constituiria na única possibilidade
dela continuar existindo e de sua Ordem continuar a tirar algum proveito disso. Esta
era a nova realidade. Entendemos que frei Bernardino fazia parte do segundo grupo,
pois uma das primeiras providências tomadas por esse frade foi modificar o Estatuto,
o que ocorreu em maio de 1899, quando passou a ser o novo diretor de consciência
das terceiras. Foi também este frade a conseguir que o bispo de São Paulo
aceitasse instituir o grupo como congregação religiosa, em Piracicaba, para
assegurar que o patrimônio material do Asilo, parte integrante do projeto dos
73 Segundo Pedroso, Frei Luiz Maria de São Tiago teria sido, em 1898, “afastado da congregação, primeiramente por obediência e depois, pela enfermidade”. Mas Pedroso mesmo, ao informar a existência de uma carta enviada ao superior geral, que teria sido mostrada a frei Luiz e continha denúncias e calúnias contra ele, induz o leitor a concluir que teria havido outro motivo (PEDROSO, 1996). Na biografia de frei Luiz, Pedroso (2003, p. 48) foi mais enfático ao interpretar que, além das dificuldades materiais, a “inveja também concorreu para afastar Frei Luiz Maria”. Estabelecendo ligação entre o fato de ter sido transferido seis meses após ter fundado a associação de mulheres e, em 1900, desse grupo ter sido convertido em congregação religiosa, sua doença acabou se constituindo como um importante álibi para afastá-lo de Piracicaba. 74 Entendemos que Frei Bernardino de Lavalle tinha este perfil: nasceu em 1843, em um pequeno vilarejo nos Alpes suíços. Recebeu formação adequada, o que lhe possibilitou ser constituído provincial. Em 1894 veio para o Brasil e se manteve em Piracicaba até 1907, como superior da missão brasileira. Faleceu em 1930, em São Paulo (PEDROSO, 1996).
101
capuchinhos, não caísse em mãos de outra instituição. Assim, em uma cerimônia em
1900, em nome do bispo de São Paulo, ele recebeu os primeiros votos de todas as
religiosas. Nascia naquele dia a Congregação das Irmãs Franciscanas.
Para compreender melhor a formação do patrimônio material, avancemos um pouco
no tempo para aprofundar nossa hipótese. Tendo sido fundada a Congregação, o
próximo passo seria alterar novamente o Estatuto, para selar definitivamente a
posse eclesiástica do patrimônio. Isso ocorreu em 10 de dezembro de 1913. Na ata
da assembleia, lavrada em cartório, lê-se: “O Asilo de Nossa Mãe, dedicado ao
Imaculado Coração de Maria, com estatutos inscritos no registro civil de Piracicaba,
sua sede, deliberou reformar sua organização pela fórmula seguinte: Estatutos da
Congregação das Franciscanas de Piracicaba” (MARCON, 1992, IV, p. 225-228).
Estava fundada a organização civil Congregação das Franciscanas de Piracicaba, a
qual incorporava o patrimônio do Asilo construído com o apoio do povo e da elite de
Piracicaba. Da mesma forma, em 1931, após alterar seu nome para Congregação
das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, foi realizado novo registro civil. Por
fim, em 13 de junho de 1945, novas leis civis impuseram que a organização
assumisse um nome civil. Naquele dia, era fundado o “Instituto Feminino de
Educação e Serviço Social”. No seu objetivo apresentado se lê:
Educação e instrução da infância e da juventude, bem como assistência hospitalar em geral e outras obras de assistência social e garantir no presente e no futuro, por todos os meios ao seu alcance a subsistência de todos os membros da Congregação das Irmãs Terceiras Franciscanas do Coração de Maria, de Campinas, da qual é um prolongamento... (sic) (DIÁRIO OFICIAL DE SÃO PAULO, 13 de junho de 1945, n. 125, Ano 55, p. 22, grifo nosso).
Notamos que, apesar de secundado, o objetivo de garantir a subsistência das
religiosas se constituía também como foco da organização, que disponibilizava um
conjunto de serviços sociais de interesse público. O Instituto teria a função de gerar
as condições econômicas que manteriam a estrutura e o “quadro funcional” da
organização religiosa. Tal proposta já aparecia sinalizada pelo frade, em 1896,
quando ele indicou ao nascente grupo religioso a necessidade de ter um escopo
social.
102
5. A disputa jurisdicional entre os bispos e os frades sobre a Congregação
De acordo com o Banco de dados, a Congregação das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria é a sexta fundação brasileira (2017)75. Com exceção do grupo
austríaco, que deu origem à primeira organização congregacionista brasileira, em
1848, e se afirma ser uma fundação estritamente feminina, todas as outras, apesar
de também destacarem a presença feminina, foram efetivamente fundadas por
clérigos a partir de organizações paroquiais como: os grupos de catequistas, de
leigas terceiras; os grupos marianos, cujos objetivos eram de cunho social –
educação, saúde e cuidado de vulneráveis. Assim foi com a organização
piracicabana, que ora analisamos. No cotidiano dos primeiros anos, a
institucionalização da organização leiga em congregação, aparentemente, nada
mudou na vida daquelas mulheres terceiras, que continuaram vivendo no Asilo junto
com as órfãs às quais se dedicavam (PEDROSO, 1996). Todavia, grandes
mudanças ocorreriam em função da romanização. Com a morte de Dom Alvarenga
em 1903, somente em 1905 o novo bispo de São Paulo, Dom José de Camargo
Barros, aprovou os Estatutos disciplinares das Irmãs Franciscanas, que deveriam
ser seguidos juntamente com a regra da Ordem Terceira (MARCON, 1992, IV;
PEDROSO, 1996)76. Cabe destacar que, apesar da regra conter as principais
orientações disciplinares, em comum acordo com o bispo, frei Bernardino, que fora o
autor do Estatuto civil, citado acima, elencou outras precisas regras que mudariam
75 Em ordem cronológica, são: Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, fundada em 1849 por Barbara Maix; Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do Bom Conselho, fundada em 1853 por Frei Caetano Messina; Congregação das Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade, fundada em 1892 por padre Domingos Evangelista; Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, fundada em 1895 por Amábile Visitandiner; Congregação das Irmãs Carmelitas da Divina Providência, fundada em 1899 por Madre Maria das Neves; Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, fundada em 1898 por Irmã Cecília do Coração de Maria. A inserção do nome de uma mulher como fundadora já é fruto da releitura do final do século XX.
O Banco de dados ainda indica a existência de uma fundação anterior a todas essas: a Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Glória, que teria sido fundada em 1738, por Madre Lourença do Rosário. Entretanto, a data de fundação diz respeito à fundação do Recolhimento da Glória, cujo remanescente foi convertido em congregaçãoem 1963 (Conferir Capítulo I). 76 O motivo do bispo de São Paulo não ter lhe dado uma regra é que, como consta no preâmbulo do documento, a nascente organização deveria seguir a regra da Ordem Terceira de São Francisco, o que garantiria aos frades capuchinhos a ascendência espiritual sobre a nova congregação. Vemos que, apesar de a Constituição Conditiae a Cristo (1900) ter igualado juridicamente as congregações com as ordens religiosas, na prática, elas continuavam a ser tratadas pelos eclesiásticos como organizações leigas.
103
os planos de Irmã Cecília e de frei Luiz. Dentre essas, três questões merecem nossa
atenção.
No capítulo I dos Estatutos, “Da admissão, do noviciado e da profissão”, indicava
que as aspirantes deveriam ter “idade nunca inferior a dezesseis anos e superior a
trinta e cinco anos completos, livres de dívidas e promessa de futuro matrimônio”
(MARCON, 1992, IV). Segundo as novas leis de admissão, a própria superiora, que
professara os primeiros votos aos 48 anos, não teria sido aceita na organização. O
texto não vetava a entrada de viúvas e tampouco a presença de filhos. O fato é que
Irmã Cecília conservou consigo sua filha que, por ser especial, precisava de seus
cuidados. Esta teria sido a principal causa da tumultuada vida da freira, que preferiu
se afastar dos ofícios inerentes à vida religiosa e viver em prédio contíguo ao Asilo
para cuidar de sua filha, sem, no entanto, renunciar aos votos proferidos.
A segunda questão, que devemos destacar sobre o primeiro Estatuto do Instituto, diz
respeito à governança da Congregação e, especialmente, da superiora geral, o que
também se ligava à interferência dos religiosos capuchinhos na organização. No seu
III capítulo, o Estatuto discorre sobre o processo de eleição da superiora e indica
que aconteceria em uma assembleia denominada “capitular” ou, simplesmente
“Capítulo”, em que representantes das religiosas elegeriam a equipe de governo
para dirigir a organização77. A eleição da superiora geral pelos seus pares se
mostrou uma pragmática e moderna solução para os problemas dos governos
vitalícios, presentes nas ordens religiosas, o que se configurou como importante
característica indenitária do movimento congregacional. Entretanto, não demorou
muito para que as pessoas envolvidas no processo percebessem que, além das
vantagens, havia também desvantagens, principalmente ligadas à implantação dos
projetos da organização. Dependendo dos interesses em jogo, era possível manter
práticas antigas, sob a aparente renovação, através da eleição do(a) superior(a),
como forma de se manter o poder nas mãos do grupo dominante, ou seja, através
da democrática eleição, mudava-se para nada mudar. Como forma de impedir a
perpetuação do poder, não demorou muito para que a Santa Sé obrigasse as
organizações a incluir em suas constituições um artigo que limitasse a possibilidade
77 Segundo o modelo congregacionista, todas as religiosas são responsáveis pela organização e devem elaborar, ou aceitar, quando proposto pelo diretor espiritual ou pelo próprio bispo, o conjunto de regras que regerão a congregação, denominado simplesmente de Regras ou Constituições.
104
de reeleições e bloqueasse a interferência dos religiosos que estiveram presentes
na fundação da organização.
Nos Estatutos da Congregação de Piracicaba, ficou definido que o tempo de
governo da superiora seria de três anos, e poderia haver apenas uma reeleição,
desde que seus votos superassem os dois terços do sufrágio. Um terceiro mandato
seria possível apenas com a autorização do bispo (ESTATUTOS DISCIPLINARES,
1905, art.1, capítulo III apud MARCON, 1992, IV). Com isso, ficava definido o tempo
máximo de governo de Irmã Cecília em seis anos, com uma remota possibilidade
para um terceiro mandato. Ela seria superiora por um tempo limitado, depois voltaria
a ser uma simples religiosa78.
Uma terceira questão, ainda ligada ao primeiro Estatuto do Instituto, dizia respeito a
real autoridade da superiora geral, diante do poder irrestrito do bispo, sobre todas as
organizações de sua diocese, inclusas as congregações religiosas, tal como
abordamos no capítulo I. Segundo este regimento religioso, a presidência do
capítulo competia ao bispo ou a um delegado seu. Também na vida cotidiana das
casas religiosas, o bispo passava a ter autonomia para fazer visitas pastorais,
nomear confessores capelães, ratificar os desligamentos de religiosas e candidatas,
e a receber prestação de contas no final de cada governo (ESTATUTOS
DISCIPLINARES, 1905, art.3 e 4, capítulo III apud MARCON, 1992, IV). Por essas
informações fica claro, então, que, depois de 1900, o bispo passou a ser, de fato, o
superior da organização. E isso foi sentido, sobremaneira depois de 1908, com a
presença de Dom Nery, o primeiro bispo da recém-criada diocese de Campinas. Se,
até então, o bispo Dom Antônio Alvarenga dera carta branca para os capuchinhos
dirigirem a Congregação que eles fundaram, dom Nery fez opção contrária79. Em
1906, a primeira assembleia capitular foi presidida por frei Bernardino de Lavalle,
que fora nomeado pelo bispo de São Paulo. Irmã Cecília teve votação unânime de
seus pares para o seu primeiro mandato oficial como a superiora geral, ratificando a
78 As duras palavras do bispo de São Paulo dirigidas a madre Paulina, por ele deposta do governo da congregação, em 1913, expressavam a realidade das ex-superioras gerais: “viva e morra como uma simples súdita” (CUSTÓDIO, 2014). 79 Pedroso narra que, tendo ido a São Paulo, no ano de 1901, Irmã Cecília e Irmã Virgínia foram cumprimentar o bispo dom Alvarenga. Ao não se lembrar da autorização dada, este as teria acusado de ter professado os votos sem licença dele. De imediato, “Mamãe Cecília lembrou-lhe que tudo tinha sido feito através de frei Bernardino de Lavalle. Ao ouvir o nome do frade, o bispo serenou e lhes deu a benção ...” (PEDROSO, 1996, p. 60).
105
função que ela exercia na comunidade das terceiras desde a sua fundação em 1898.
Em 1909, um ano após a criação da diocese de Campinas, o bispo, Dom Nery,
embora tivesse autoridade, agiu com discrição, não se opôs que o frade Camilo de
Valda presidisse o Capítulo que acabou reelegendo a superiora (PEDROSO, 1996).
Entretanto, em 1912, quando ocorreu a terceira eleição, ao invés de referendar a
nomeação de um frade capuchinho para presidir aquela assembleia, o que já era
quase uma tradição, dom Nery preferiu nomear seu vigário geral, Padre Antônio
Reimão, e fez dos capuchinhos meros escrutinadores. Segundo Pedroso, o vigário
geral teria desaconselhado as religiosas de elegerem a madre geral para um terceiro
mandato, e uma jovem religiosa, Irmã Ignez Meneghetti, foi escolhida pelos seus
pares para ser a superiora geral80. Apesar da legitimidade da eleição, a memória
congregacional afirmou que Irmã Cecília fora destituída pelo bispo. Pedroso
contribuiu com isso, quando intitulou o oitavo capítulo de sua biografia com este
adjetivo. Em um jogo de palavras, ele escreveu: “não houve propriamente uma
destituição, porque estava mesmo terminando o mandato. Acredita-se, entretanto,
que as irmãs a elegeriam mais uma vez se não tivesse havido uma intervenção de
fora (sic)” (PEDROSO, 1996, p. 71).
Pedroso deixa entrever que, se um dos capuchinhos tivesse presidido o Capítulo, a
ex superiora teria sido reeleita. Eis o que ele chamou de “intervenção” e, de forma
hiperbólica, no seu livro, de “destituição” da superiora. Entendemos que, apesar de o
autor do texto assumir uma posição pró-Irmã Cecília, a questão da intervenção
parece estar mais ligada à ascendência da organização masculina sobre a feminina
do que propriamente na recondução do mandato da superiora atual, pois apesar dos
pesares, aquela superiora era fiel aos frades. Estava em jogo, então, uma das
questões mais candentes do movimento congregacionista do século XIX: a
manutenção do controle da organização fundadora sobre a fundada, realidade que a
Constituição Conditae a Christo passara para as mãos do bispo diocesano e,
80 Dom Nery pode não ter concedido um terceiro mandato a Irma Cecília, em 1912, pelo fato que além de superiora, ocupava, contemporaneamente, a função de diretora de uma instituição católica que, em razão de sua origem, era também civil. Ao substituir a superiora geral, trocava-se também a diretoria do Asilo. Dessa forma ele realinhava as duas organizações segundo as normas da romanização. Convém destacar que a substituição do(a) superior(a) geral fazia parte das reformas da vida religiosa justamente para evitar que uma mesma pessoa ficasse tanto tempo no cargo. Além disso, essa reforma passou a impor a divisão do poder entre o(a) superior(a) geral, o(a) ecônomo(a) e os(as) conselheiros(as) (ESTATUTO DISCIPLINAR, 1905, II, § XII apud MARCON, IV, 1992).
106
justamente por isso, os religiosos – no caso, os capuchinhos – tentavam, a todo
custo, garantir meios de interferir na organização.81
Não por acaso, a nova superiora eleita foi uma jovem que não fazia parte do grupo
fundador e, apesar de ser irmã de um dos frades capuchinhos, foi extremamente
obediente ao bispo diocesano, talvez até como forma de realizar o seu projeto
pessoal. De outro lado, é preciso, pois, considerar que aquela eleição era a
expressão de uma nova configuração eclesial, da qual o bispo, apesar de seu
destacado papel, era apenas um dos atores sociais. A Igreja mudara, a
Congregação crescera e contava com novas e jovens religiosas que, por não terem
sido membros de ordens terceiras, tinham uma compreensão da vida religiosa
segundo a romanização, e, talvez justamente por isso, consentiram e/ou se
convenceram de que mudanças deveriam ocorrer para que a organização
crescesse82. Naquela nova configuração eclesial, a interferência dos frades e,
especialmente, a manutenção de Irmã Cecília, parecem ser vistos como obstáculos
para o projeto do bispo, que tratou de neutraliza-los.
Para assegurar que não houvesse interferências no governo da nova superiora
geral, o bispo impôs que ela se transferisse e permitiu que escolhesse qualquer das
outras comunidades, o que a levou a se mudar com sua filha para a comunidade do
Hospital, na cidade de Jundiaí, onde foi nomeada superiora local permanecendo lá
até 1916, quando teria decidido renunciar seu ofício de superiora local e voltar para
Piracicaba, oficialmente, para cuidar de sua saúde, pois fora operada do olho
esquerdo. Entretanto, sua volta se constituía como uma desobediência e tal fato
teria levado dom Nery a determinar que ela optasse entre permanecer na
comunidade religiosa sem sua filha ou renunciasse à vida religiosa83. Eis que as
próprias religiosas teriam proposto ao bispo que ela e sua filha fossem transferidas
para um pequeno sobrado, situado no fundo da Casa Geral, romanticamente
81 O CDC definiu que, ainda que fundadora, a Ordem masculina não poderia interferir em questões jurisdicionais da organização nascente, que estava sob o direito diocesano (CDC, 1917, 1951, § 488). 82 Analisando os fatos e, especialmente, os quadros das superioras gerais que se sucederam, vemos que apenas depois de 1920, quando a congregação se estabilizou e os capuchinhos foram definitivamente afastados, religiosas membros do grupo fundador puderam ser eleitas como superioras gerais. Pedroso afirma que o fato de Irmã Gertrudes Maria do Divino Amor, que fora membro do grupo fundante, não ter sido eleita como segunda superiora, é porque ela era brasileira (PEDROSO, 1996). 83 Madre, (...) cumprimentos. Se a senhora puder conservar os seus filhos do locutório para fora, poderá ficar em qualquer casa; do contrário, ficara dispensada da comunidade, em lugar onde possa recebê-los e cuidar deles. (PEDROSO, 1996, p. 86)
107
denominado “chalé”. Ali, ela permaneceu de 1916 a 1948, quando, doente, após ter
pedido para ser reintegrada, voltou a viver na comunidade religiosa. Em 1950,
meses antes das comemorações do Jubileu de ouro da Congregação, faleceu
(PEDROSO, 1996; VEIGA, 1991)84.
Em 3 de agosto de 1920, o frade capuchinho Salvador Cavendine, diretor de
consciência das religiosas, enviou uma carta ao superior geral, em Roma, com o
objetivo de reintroduzir a Ordem dos Frades Capuchinhos na trajetória da
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Não por acaso, isso
ocorria seis meses após a morte de Dom Nery, que obstaculizou a ascendência dos
frades sobre aquela organização. Em meio a pedidos de orientação de como
conduzir o seu trabalho durante o período de vacância episcopal, ele buscava obter
informações de como as religiosas deveriam fazer para solicitar a agregação à
Ordem Franciscana. Para reforçar tal pedido, de forma velada, ele denunciou que
aquela organização religiosa não fora canonicamente constituída em 1900,
resultando ser ela ainda uma organização de leigas terceiras franciscanas. O fato é
que o bispo de São Paulo, Dom Antônio Candido de Alvarenga, ao conceder, em
1900, a autorização para que as religiosas professassem os primeiros votos,
condição somente possível em uma Congregação, não a erigiu canonicamente. O
frade ainda deixava entrever que o bispo Nery, apenas em 1916, o teria incumbido
de dar os primeiros passos para regularizar a situação dela e esboçar a sua primeira
Constituição85 (BERTO, 1989; PEDROSO, 1996), o que nos permite deduzir que
Dom Nery sabia disso e nada fizera, até porque isso lhe era vantajoso.
Pelo teor do texto, vê-se que o referido frade dava a entender que o governo de sua
Ordem deveria aproveitar-se da vacância do bispo na diocese de Campinas para
antecipar a regularização daquela fundação franciscana ou prover meios que
garantissem ao novo bispo não furtar-se às suas obrigações. A rapidez com que a
carta foi respondida dá mostras de que tal assunto fazia parte da pauta de
interesses dos Capuchinhos. Em 50 dias, o secretário geral enviou resposta,
comunicando a possibilidade de tudo aquilo vir a ser realizado, mas informou que
apenas o novo bispo tinha poder para dar os devidos encaminhamentos (BERTO,
84 Abordaremos a questão da transferência de Irmã Cecília para o chalé no capítulo IV. 85 Apesar de ser uma única constituição, o texto é chamado oficialmente de Constituições. Mantivemos os dois nomes.
108
1989). Não perdendo tempo, o referido frade apressou a conclusão das
Constituições, o documento que regeria a organização, e instruiu as religiosas sobre
os passos a serem dados, tão logo o novo bispo fosse nomeado.
Três fatos, ocorridos em pouco mais de seis meses, foram de suma importância para
a vida da organização; eles nos fazem pensar que aquela troca de correspondências
entre os franciscanos surtiu efeito. Em janeiro de 1921, o novo bispo de Campinas,
Dom Francisco de Campos Barreto, com apenas dois meses de empossado, se fez
autor jurídico das primeiras Constituições da Congregação, que haviam sido
elaboradas por frei Salvador Cavendine, e autorizou que o Instituto enviasse
solicitação de sua agregação à Ordem dos Frades Capuchinhos, além de definir que
em maio daquele ano ocorresse a profissão perpétua de 38 irmãs, dentre as quais
as do grupo primitivo das terceiras.
Após a autorização concedida pelo bispo, em menos de quinze dias, a superiora
geral enviou, ao padre geral dos capuchinhos, correspondência em que apresentava
o pedido formal de agregação e os documentos necessários para tal solicitação:
cópias das Constituições e as aprovações dos bispos cujas dioceses abrigavam
casas da Congregação. Nesse documento se apresentava um breve histórico da
organização, explicitando haver dúvidas sobre a legalidade canônica da
organização, as quais “em função de ideias mal compreendidas pelo bispo” não
foram elucidadas, mas que, apesar disso, continuara a cumprir as normas,
orientadas por frei Salvador Cavendine. Por fim, indicava haver no Instituto 54 irmãs,
distribuídas em 8 casas (CAMARGO, 1992; MARCON, 1992, IV)86. Em 25 de agosto
de 1923, das mãos do bispo Dom Barreto, a superiora geral recebeu o documento
de agregação à 1.ª e à 2.ª Ordens Franciscanas, datado de 05 de agosto de 1923.
Junto deste, há um texto intitulado “Pro-memória”, da Procuradoria Geral dos
Capuchinhos, em Roma, com cinco observações: que o processo de agregação fora
concluído com sucesso; que as Constituições aprovadas pelos bispos, onde havia
casas, não podiam ser modificadas; que não restava dúvida de que a organização
gozava de plena aprovação eclesial desde 1900, mas, se não havia certeza da
86 Pelo fato desta documentação conter informações relativas ao estado canônico da organização, semelhantes àquelas da carta enviada pelo frei Cavendine, em 1920, é de se supor que as irmãs soubessem do conteúdo dela ou o próprio frade as houvesse assessorado na elaboração desta petição de 1921. Tal hipótese se reforça pelo fato de terem incluído na petição as informações alusivas ao número de religiosas e de casas existentes, pois esta era uma das exigências da Santa Sé.
109
existência de um documento de registro da fundação, seria preciso pedir ao bispo de
Campinas que o fizesse; que a organização era de direito diocesano e que deveria
continuar assim ainda por alguns anos, pois era preciso que o Instituto tivesse ao
menos 100 irmãs e que desse prova de vitalidade e de prosperidade; que as
constituições aprovadas precisariam ser analisadas por um canonista, para fazer as
adequações necessárias segundo as exigências da Santa Sé; somente depois,
obteria o reconhecimento pontifício (MARCON, 1992, IV). Eis a razão de a superiora
geral ter citado os dados numéricos em sua petição.
O fato de Dom Barreto ter aprovado as Constituições e concedido o direito de emitir
os votos solenes sem conhecer as religiosas, e, ter autorizado o pedido de
agregação, pareceria um voto de confiança na organização. Ainda que a
Congregação tenha este bispo em alta conta, como um protetor que teria contribuído
para o seu engrandecimento, tais ocorrências demonstram o jogo político entre o
poder episcopal e o poder da Ordem dos Capuchinhos. A concessão da agregação
à 1.ª e à 2.ª Ordens Franciscanas não fora uma distinção concedida pelo bispo, mas
o cumprimento de uma disposição eclesial como um direito da organização
brasileira. Embora a principal justificativa para a agregação tenha sido reunir
múltiplas congregações nas poucas famílias espirituais, entendemos, a partir do que
aconteceu em Piracicaba, que ela tinha como objetivo também devolver a
ascendência, ainda que simbólica, que as ordens religiosas tinham sobre os grupos
religiosos femininos. Os frades de Piracicaba deixavam claro para o bispo que, se de
fato era ele quem possuía a jurisdição sobre a organização, cabia a eles garantir o
cumprimento dos direitos daquela filha espiritual franciscana. Evidente que tal
interesse não era tão desinteressado assim. (BOURDIEU, 1997).
Isso também parece ficar claro na ausência da constituição canônica do Instituto,
denunciada pelos frades, conforme citava o terceiro item do “Pro-memória”. Não
restou, portanto, ao bispo Dom Barreto, senão conceder tal documento, no qual se
afirmava que a Congregação, então, “não fora canonicamente ereta a seu tempo”, e,
que através daquele documento “sanava radicalmente todos os atos nulos e
irregulares provenientes da falta de ereção canônica no passado” (Decreto de
Ereção Canônica apud MARCON, 1992, IV, p. 277-278). Não obstante, o fato de o
bispo ter atrasado cinco anos para cumprir a determinação da Santa Sé, parece ter
sido uma demonstração de força que deixava claro que ele era responsável por ela.
110
Com relação ao quarto item do documento, verificamos que, em 1928, ano em que
Dom Barreto constitui a organização, ela já estava em condições de obter o direito
pontifício. Em seu relatório, a superiora geral Irmã Gertrudes Maria do Divino Amor,
informava que o contingente de religiosas naquele sexênio alcançava o número de
111 irmãs, ultrapassando o número exigido de religiosas (RELATÓRIO, 1927).
Talvez na eminência de uma nova denúncia, o bispo tratou de instituí-la. Já os
encaminhamentos para solicitação daquele direito romano, – dos quais a
Congregação também dependia dele –, ainda seria preciso esperar mais de uma
década. Talvez porque, para o bispo, ainda faltasse o amadurecimento religioso e a
solidez patrimonial.
Paradoxalmente, nesse processo de estrondoso crescimento, em razão de seus
interesses, os eclesiásticos contribuíram para o sucesso da Congregação, quando
eles mesmos acabavam por fornecer os meios para elas alcançarem o
reconhecimento pontifício. Sem diminuir os méritos das superioras gerais, as quais
também possuíam seu poder social, não podemos esquecer que suas ações foram
potencializadas pelo apoio dos frades capuchinhos e depois dos sucessivos bispos
de Campinas, cada qual com seus interesses, que com elas compartilhavam sua
rede de contatos, especialmente com a elite da região. Neste quesito, dom Barreto
se empenhou para diminuir a ascendência dos frades sobre ela, o que pode ser
comprovado ao verificarmos que, entre 1921 e 1930, oito casas foram abertas,
dentre elas quatro em Campinas e apenas uma – o Colégio Coração de Maria – em
Penápolis, em 1925, cidade cuja paróquia era de responsabilidade dos frades.
Dentre os documentos encontra-se uma carta em que o bispo, ao saber que uma
nova casa seria aberta em Penápolis, onde havia frades, escreveu à superiora,
admoestando-a sobre o que julgava como ingerência deles na organização. Como
forma de enfrentamento, o bispo sugeriu que a superiora nomeasse para aquela
nova casa uma irmã com “pulso forte”: “Temo que os frades queiram governar a
casa, irmãs e tudo. É contra o espírito. Não é isso que estou ensinando à
congregação. Todo respeito nos merecem os frades, mas cada um no seu lugar. Do
contrário sai atrapalhado o negócio e com grande perigo para todos (sic)”.
(CAMARGO, 1992, p. 78, grifo nosso). Segundo o bispo, a função de definir como
deveriam ser organizadas as casas e conduzidos os trabalhos era atribuição dele.
Considerando que o Colégio rendia proventos para a organização religiosa, Dom
111
Barreto julgava que os frades tinham interesses econômicos, por isso sugerira uma
religiosa de pulso forte. Assim, cremos ser possível tomar a palavra “negócio”, da
última frase, em seu sentido literal, expressava quem tinha a ascendência sobre a
organização feminina e definia quem ganharia com isso; mais uma vez, deixando
claro que era ele. É fato que, durante o período em que a Congregação permaneceu
sob o direito diocesano, houve uma sensível diminuição de obras nas paróquias dos
frades.
Novo estreitamento de laços com os frades capuchinhos voltaria a ocorrer apenas
em 1946, não mais com os frades de Piracicaba, mas com frades de outra província,
no Sul do País. Paradoxalmente, após ter recebido a sinalização de que o direito
pontifício estava a caminho, a Congregação, vendo o fim da tutela dos bispos e dos
religiosos, começava a sentir que aquela dependência lhe faria falta. A oportunidade
surgiu quando os frades de Santa Catarina lhe propuseram uma nova frente
missionária.
Por fim, destacamos que, ao propor a transferência da sede da Congregação para
Campinas e depois sugerir a construção do Colégio Ave Maria, Dom Barreto rompia
o elo que ainda ligava aquela organização com o seu passado da Ordem Terceira.
Com razão, Irmã Cecília teria protestado veementemente contra essa decisão,
porque teria vislumbrado nela o último ato que a afastava de qualquer participação
no governo da organização em que, por respeito ou mesmo devotamento pessoal,
as superioras gerais recorriam a ela, ouvindo seus conselhos (PEDROSO, 1996).
6. A organização da Congregação: uma rede de casas com diversificados serviços
Enquanto as Ordens religiosas eram identificadas como única, com um governo
centralizado, dotado de autonomia religiosa e política sobre seus domínios
territoriais, quando esses ainda existiam, e voltadas predominantemente para a vida
silenciosa e contemplativa no claustro, as congregações religiosas adotavam uma
organização e um estilo de vida totalmente oposto e com características rizomáticas
responsáveis por uma identidade singular. Através de uma rede de múltiplas células
e/ou casas, mas com igual modo de ser e agir, cada uma dessas partes revelava o
112
todo da congregação, como uma espécie de filiais unificadas em torno de um(a)
superior(a) geral e sua equipe de governo, que, via de regra, se concentravam na
sede de governo, também chamada de “casa mãe” ou casa geral. Como na maioria
das casas havia capelas, principalmente nos finais de semana eram realizados
diversos serviços religiosos, dos quais a vizinhança participava. Esses momentos,
quando as religiosas exerciam a função de pregação, através da catequese das
crianças, de jovens e adultos, foram fundamentais para a ampliação das redes de
contatos com a população. Essa realidade lhes permitia construir uma identidade
social bastante próxima do comum das pessoas que compunham a sociedade, de
forma que, sob muitos aspectos, as religiosas aparentemente não se diferenciavam
do restante da população (LANGLOIS, 1984).
Junto a cada casa havia a obra e/ou “empreendimento” com a qual as religiosas
exerciam práticas sociais educadoras e/ou caritativas, e, com as quais também
sustentavam a comunidade religiosa. Langlois distingue as casas e obras “ocupadas
e possuídas”, das casas e obras somente “ocupadas”, isto é, pertencentes a outrem
e cedidas a organização feminina (LANGLOIS, 1984, 345). Na Congregação das
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, verificamos que a maior parte dos
documentos se refere às várias células como “casas” e/ou “comunidades” e a
“obras” como instituições. Todavia, em dois relatórios de uma mesma superiora geral
aparecem a sui generis distinção entre “filiais” as casas da organização, e “casas de
administração”, àquelas cujas obras e as casas eram cedidas por terceiros para
abrigar as religiosas, que lhes prestavam serviços (RELATÓRIO 1945-1951, ANEXO
8, 1951-1957, 27,28).
Entendemos que os termos usados pela superiora, e especialmente “filiais” causam
certa confusão porque, ainda que se possa dizer que as “casas de administração”
gerenciavam as estruturas pertencentes a outrem, a comunidade religiosa que a
dirigia era também parte dela e, portanto, idêntica às outras comunidades, sendo,
por isso, também uma filial. Entendemos, segundo Langlois, que o fato delas
ocuparem mas não serem possuidoras das estruturas, não as tornavam casas e/ou
comunidades inferiores e nem diferentes daquelas que ocupavam estruturas
possuídas pela Congregação87. Na melhor das hipóteses, o termo filial poderia ser
87 A partir daqui usaremos a distinção “casas com obras próprias” e “casas com obras conveniadas”.
113
entendido como referência a cada uma das casas, tal qual a utilizou a primeira
superiora geral, quando se referiu as várias casas e/ou comunidades integrantes da
Congregação, independente se estavam em obras possuídas ou simplesmente
ocupadas, o que fazia de cada célula igual parte do todo (FONTES HISTÓRICAS,
1985, 56).
O patrimônio material das congregações se divide em bens imóveis, que são as
casas com obras próprias, compradas ou doadas, e os recursos financeiros, como
as doações em espécie por membros da elite católica e os repasses das reservas
econômicas das várias casas. Esse dinheiro era usado para o custeio de despesas
não pagas pelo contratante e as reservas econômicas acumuladas eram revertidas
para um caixa central administrado pelo governo geral, e utilizadas para a
manutenção das religiosas em funções de governo, das religiosas idosas e doentes,
das casas de formação e para as novas casas subsidiadas. Justamente por isso, o
número de casas com obras ocupadas e possuídas foi inferior ao das casas apenas
ocupadas, pelo simples fato de que era preciso acumular posses para adquiri-las, ou
contar com a benemerência de algum doador. Já as casas ocupadas, mas não
possuídas, chamadas pela superiora geral de “conveniadas”, eram casas cedidas e
regidas por um “contrato”, na maioria das vezes informal, firmado entre as partes, no
qual se fixava o número de religiosas que assumiriam a responsabilidade pela
execução dos trabalhos. Em contrapartida, como forma de retribuição, o contratante
repassava à superiora local o valor pré-fixado correspondente ao trabalho de cada
irmã e assumia o compromisso de lhes fornecer moradia, capela, alimentação e
assistência médica.
Tal como uma rede de empreendimentos, as múltiplas células, ou casas, espalhadas
pelas cidades reproduziam o mesmo estilo de vida, de modo a formar uma única
organização, em que as religiosas se empenhavam na mesma causa: o
desenvolvimento da organização em vista do reconhecimento pontifício. Via de
regra, a multiplicação das casas congregacionais dependia basicamente de quatro
fatores complementares: a emergência de uma demanda social, a capacidade para
respondê-la com qualidade profissional, a existência de um excedente nos quadros
de religiosas e a mediação de membros do clero e/ou da elite das cidades na
articulação dos vários interesses e na construção de um consenso possível para
ambas as partes. Os clérigos assumiam a função social de agenciadores, os quais,
114
através de sua rede de contatos, agiam como facilitadores segundo seus próprios
interesses ou da instituição que representavam. Por outro lado, não se pode dizer
que as congregações fossem ingênuas, mas, sim, sabedoras de sua condição na
estrutura eclesial e social. Restava-lhes agir com prudência e adotar estratégias que
lhe abririam perspectivas.
Quadro 1: Número de casas e de irmãs nos sucessivos governos88
Governos N.º de irmãs
% de crescimento N.º de casas
Média de irmãs /casas
1900-1906 7 75,0 % 1 7,0 1906-1909 16 128,6% 4 4,0 1909-1912 19 18,8% 5 3,8 1912-1915 33 73,7% 6 5,5 1915-1918 40 21,2% 7 5,7 1918-1921 54 35,0% 8 6,8 1921-1927 82 51,9% 14 5,9 1927-1933 111 35,4% 17 6,5 1933-1939 144 29,7% 19 7,6 1939-1945 187 29,9% 27 6,9 1945-1951 215 15,0% 28 7,7 1951-1956 264 22,8% 32 8,3 1956 -1963 302 14,4% 35 8,6 1963-1969 312 3,3% 34 9,2 1969-1973 254 -18,6% 37 6,9 1973-1979 246 -3,1% 37 6,6 1979-1985 213 -13,4% 32 6,7 1985-1991 202 -5,2% 30 6,7 1991-1997 188 -6,9% 31 6,1 1997-2003 177 -5,9% 31 5,7 2003-2009 158 -10,7% 31 5,1 2009-2014 136 -13,9% 25 5,4 (Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
A partir da primeira casa, em Piracicaba, foram abertas aproximadamente 117
casas, em 63 cidades de 11 estados brasileiros e 2 em Moçambique, na África89.
Neste estudo nos fixaremos apenas nas casas abertas até a década de 1960,
88 Este gráfico foi organizado a partir de informações de fontes complementares. As informações do número de religiosas desde a fundação, isto é, de 1896 até 1920, foram extraídas do Livro de Registro de Admissão das Religiosas e do Livro denominado “Irmãs Franciscanas do Coração de Maria”, que traz um elenco das religiosas de cada governo até 1920. Para as informações posteriores a 1920, coletamos as informações nos relatórios alusivos a cada período. Como esses não seguem uma rígida padronização, consideramos a hipótese de possíveis erros, que em nada alteram o objeto de nossa análise. 89 Foi verificada certa imprecisão na contabilização das casas, pois, via de regra, até 1950 a congregação contabilizava cada casa com sua respectiva obra própria como uma única casa. Depois da década de 1940, especialmente nas obras conveniadas, algumas casas passaram a ser separadas de suas obras, o que acabou causando certa confusão no lançamento de duas unidades.
115
quando predominaram 4 frentes missionárias, que foram assumidas pelas casas
com obras próprias e através das casas com obras conveniadas:
Quadro 2: Distribuição das casas fundadas, por estado e país
Localização por estado/país
Total de casas abertas
Total de casas fechadas
São Paulo 79 49 Paraná 9 8 Goiás 2 1 Amazonas 4 2 Piauí 2 2 Rio de Janeiro 3 3 Bahia 3 2 Minas Gerais 7 7 Mato Grosso 1 1 Rio Grande do Sul 3 3 Santa Catarina 2 2 Moçambique/ África 2 0 Total 117 80 (Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
Quadro 3: Distribuição das casas segundo as diferentes missões e os dois tipos de casas
Obras próprias
Obras conveniadas Total
Instituições escolares 15 13 28
Hospitais 23 23
Asilos 11 11
Pensionato 1 1
Casas Pastorais 15 41 56
Total 31 88 119
% 26,5% 73,5% 100% (Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
Quadro 4: Estado atual das casas e obras da Congregação
Obras próprias
Obras conveniadas Total
Instituições escolares 9 1 10
Hospitais 0 0 0
Asilos 1 1 2
Pensionato 0 0 0 Casas Pastorais ou Fraternidades 10 14 24
Casa de Retiro 1 1
Total 21 16 37
% 55,26% 44,74% 100,00% (Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
116
7. As diferentes frentes da missão
O projeto de expansão das congregações religiosas foi condicionado mais pelas
necessidades sociais que pelo campo de ação, que cada qual elegera como
carisma. Assim, ainda que grande parte das congregações imigrantes tenha
declarado ao governo brasileiro seu interesse pelo trabalho escolar, nem todas
puderam abrir escolas de imediato. Isso lhes exigiu dedicarem-se a outras funções
que lhes garantissem o sustento até que pudessem alcançar o objetivo traçado, o
que, por sua vez, lhes abria novos campos missionários (LEONARDI, 2011).
Na Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, quatro foram as
frentes de ação: a educação, a saúde, o cuidado de idosos em asilos e a
administração de um pensionato. Embora analisemos as quatro frentes, nos
deteremos sobre as duas primeiras, por terem sido as mais duradouras e mais
importantes na construção do patrimônio material e espiritual da organização,
também porque indicam o seu grau de participação na organização do Estado
Nacional.
Desde o início, a Congregação experimentou um extraordinário florescimento em
forma de crescente espiral. À medida que o número de religiosas crescia, a
superiora deveria arranjar destinação para elas; isso a impelia a abrir novas casas e
novas obras em lugares ou cidades distintas, não só abrigando as religiosas, mas
também construindo a visibilidade da organização, estabelecendo novas redes de
contatos com a sociedade em geral, gerando novas doações e possibilidades de
recrutamentos. Entre 1900 e 1912 houve uma grande expansão, triplicando o
número de religiosas e quintuplicando o número de casas.
Por intermédio dos frades, a Congregação foi convidada pelo padre Manoel Rosa,
responsável pela Santa Casa de Descalvado, em 1904, para assumir a primeira
casa conveniada, onde três religiosas receberiam moradia, assistência religiosa e
uma côngrua proporcional entregue mensalmente à superiora local90. O mesmo
padre a convidou para a fundação da segunda casa e obra, o Lar Escola Imaculada
90 Optamos por nos referir a contribuição mensal utilizando a palavra “côngrua”, a qual expressa a contribuição concedida aos ministros religiosos; por extensão, às religiosas. Ela não deve ser confundida com salário, pois, as freiras não eram empregadas. No capítulo III aprofundaremos a temática.
117
Conceição. Em 1906, por intermédio do diretor da Associação Vicentina Nossa
Senhora do Desterro, de Jundiaí, três irmãs assumiram a direção do Hospital São
Vicente daquela cidade. Igualmente, em 1910, Dom Nery sugeriu que a organização
religiosa assumisse a direção da Creche Bento Quirino, em Campinas. Estas duas
últimas se configuraram como a segunda e a terceira casas conveniadas (MARCON,
1992).
Nos dois governos de Irmã Ignez Meneghetti apenas três obras foram abertas,
sendo duas por contrato: a Santa Casa de Misericórdia e o Lar dos Velhinhos,
ambos abertos em 1917 em Piracicaba, e uma nova casa e obra, o Lar Escola Santa
Verônica, em 1919, na cidade de Taubaté. Essa fora idealizada pelos membros da
Ordem Terceira de Taubaté, os quais, convencidos pelos frades capuchinhos,
convidaram a Congregação piracicabana para assumir a escola para meninas
pobres, que eles haviam fundado e estava com dificuldades econômicas e
pedagógicas para se manter (PEDROSO, 1996). Esta última obra possui um
significado emblemático, pois foi a primeira obra aberta junto aos capuchinhos
depois de quase 20 anos de fundação e, coincidentemente, um ano antes da morte
de dom Nery. Este fato pode ser analisado sob duas perspectivas complementares:
o fato de os frades terem preferido contar com religiosas, na direção do Lar Santa
Verônica, demonstra a orientação eclesiástica, praticada desde a segunda metade
do século XIX, de substituir as administrações leigas, ainda que formadas por
membros da ordem terceira, por religiosas. As principais razões para isso foram os
problemas econômicos ligados à manutenção da escola, dado que a ordem terceira
cedia o prédio, mas não tinha como pagar os professores. As irmãs se constituíam
em uma saída econômica, pois não lhes seria preciso pagar salários e, além disso,
seriam mais submissas e obedientes que os leigos. De outro lado, na questão
jurisdicional entre os religiosos e o bispo na ascendência e controle da congregação,
já sinalizada por nós, ela acabou sendo beneficiada por aquele que gozava de maior
poder, o bispo. Isto ficou claro, em função de seus múltiplos interesses.
Dom Barreto, por sua vez, investiu no crescimento da Congregação porque, de
alguma forma, ela também contribuía para a consecução de seu projeto, fato que,
por si só, demonstra a crescente importância social desse organismo feminino na
diocese de Campinas. Já nos sete primeiros anos, o bispo criou meios para que ela
assumisse cinco obras irrecusáveis: Vila São Vicente, em Campinas, em 1921;
118
Penido Burnier, em Campinas, em 1924; Pensionato Nossa Senhora de Lourdes, em
Campinas, em 1924; Lar Escola Divina Providência, em Amparo, em 1924;
Patronato São Francisco, em Campinas, em 1927, todas, obras conveniadas.
Dessas, apenas a primeira lhe dava pouco retorno econômico, mas, ao mesmo
tempo, era um importante espaço para construir o patrimônio simbólico e espiritual
de religiosas pobres e devotadas aos necessitados, o que lhes renderia outros tipos
de ganhos (BOURDIEU, 2007). Três delas se constituíram como obras próprias e
foram fundamentais para fortalecer o patrimônio da organização: o Pensionato
Nossa Senhora de Lourdes para moças, o Patronato São Francisco, ambos em
Campinas, e o orfanato Lar da Divina Providência, em Amparo. Esta última fora
idealizada e fundada por Ana Bernardino de Campos que, por indicação do clero,
confiou-lhe a direção daquela obra e algum tempo depois, em 1924, lhe doou aquela
obra (FONTES HISTÓRICAS, 1985).
Cremos que este fato demonstra que o aumento dos convites para assumir obras e
receber doações não residia apenas na expertise que a Congregação conseguiu
acumular, nos seus 25 anos de existência, mas no fato de ela ter sido incorporada à
estrutura da Igreja, “como clero feminino”, tanto que, ao ser procurado pela doadora,
o padre da cidade de Amparo logo lhe sugeriu a Congregação piracicabana. Aqui é
possível verificar que a estrutura da diocese de Campinas e o seu clero contribuíram
para a abertura de novas casas, e, delas obtiveram retornos religiosos, tal qual em
uma espécie de patrimonialismo religioso91. Tal fato revela o peso de uma sociedade
ancorada em uma cultura católica assistencialista e filantrópica, a qual relegava às
mulheres funções subalternas na Igreja; todavia, como destacou Maria José
Rosado-Nunes, isso não impediu que elas, ainda que controladas pelo clero,
construíssem ali representações femininas (ROSADO-NUNES, 1996).
91 Pedroso alude à existência de um registro no Livro Tombo da Santa Casa de Descalvado, que informa: “A superiora Geral [Irmã Cecília] tratou de adquirir casa e terreno para a instalação de uma obra dedicada às crianças pobres. O Sr. Vigário, Revmo Pe Rosa, que foi também o fautor dessa iniciativa, envidou todos esforços para conseguir a realização” (sic) (PEDROSO, 1986). Na confrontação das fontes, verificamos que Luiz C. A. Kastein indica que o fundador da obra foi o padre. Independentemente de quem tenha sido o fato é que a Congregação recebeu ajuda econômica para abrir o orfanato (KASTEIN, 2015).
119
7.1 A ação missionária na área educacional
A considerar pela intuição de frei Luiz, a inserção da organização feminina na área
educacional se deu pela ausência de cuidados do poder público para construir uma
presença social e religiosa, a qual, por ter sido reconhecida pela sociedade e pela
Igreja, acabou se transformando em Congregação religiosa. Dessa primeira intuição
nasceu o Asilo Maria Nossa Mãe, na cidade de Piracicaba, que logo depois passou
a se chamar de Lar Escola para o cuidado de meninas órfãs. Ao verificarmos a
existência de 20 obras voltadas para este tipo de cuidado, e apenas 7 colégios, fica
claro que estes foram fundados para prover meios econômicos para a manutenção
daqueles, que retorno econômico algum davam para a organização feminina. Com
raras exceções, os espaços de cuidado infantil não foram pensados para gerar bens
monetários, no entanto, também, não se configuraram como ônus para a
organização, pois a própria sociedade acabava contribuindo para a manutenção
deles. Além disso, eles foram responsáveis pela produção de bens altamente
simbólicos e, justamente por isso, foram conservados ao longo da trajetória da
organização como provas vivas da inspiração fundante de 1896. Especialmente o
Asilo de Piracicaba, que, ao longo do tempo, assumiu novos nomes e sofreu
reformas, ainda mantém a mesma arquitetura, tal como se o tempo, ali, tivesse
parado.
É preciso considerar que no projeto ultramontano, se, por um lado, a Igreja desejou
mostrar sua capacidade de educar e formar a elite brasileira, por outro, ela também
oferecia seus préstimos para sanar as mazelas da sociedade, decorrentes dos maus
costumes, dos problemas sociais provocados pelo capitalismo e também das
catástrofes modernas, a exemplo das pandemias que quase destruíram cidades
inteiras, dizimadas pela febre amarela, por exemplo, como foi o caso da região de
Campinas. Fiéis às orientações do papado, muitas congregações viram no grande
número de órfãos a possibilidade de dedicarem-se a eles, através de orfanatos e
liceus profissionalizantes, e assim construírem o patrimônio cultural de suas
organizações. Se tal trabalho não lhes gerava benefícios econômicos, lhes rendia
prestígio social e reconhecimento pelos serviços beneméritos. Das instituições
voltadas especificamente ao cuidado infantil, atualmente, a Congregação mantém
apenas cinco unidades próprias e uma obra contratada. A maioria dessas
instituições funciona como creches destinadas às crianças que ainda não
120
frequentam a escola, e, duas delas funcionam como contra turno, ofertando reforço
escolar às crianças da periferia. Na trajetória da organização, aparecem seis
identificações para expressar o cuidado com as crianças menores: asilo, lar escola,
orfanato, educandário, creche, e casa da criança. Se as quatro primeiras
expressavam a realidade de crianças órfãs, as duas últimas se referiam a problemas
de ordem socioeconômica que atingem as famílias pobres, as quais recorrem a
instituições de amparo e cuidado de seus filhos92.. Diante dos avanços das políticas
públicas, hoje o número de órfãos é diminuto, mas é ainda alto o número de crianças
que precisam de amparo e proteção social e outras de reforço escolar.
Quadro 5: Instituições educacionais93
Funda ção
Instituição Tipo de obra
Cidade Situação Ano
1898 Asilo Nossa Mãe Própria Piracicaba/SP A 1909 Asilo e Externato Imaculada
Conceição Própria Descalvado/SP A
1910 Creche Bento Quirino Conveniada Campinas/SP F - 1993 1919 Lar Escola Santa Verônica Própria Taubaté/SP A 1921 Vila Vicentina (Escola/creche) Conveniada Campinas/SP F -1948 1924 Lar Escola Divina Providência Própria Amparo /SP A 1925 Colégio Franciscano Coração de Maria Própria Penápolis/SP A 1927 Patronato São Francisco Própria Campinas/SP F -1999 1930 Colégio Franciscano Ave Maria Própria Campinas/SP A 1940 Externato Nossa Senhora Aparecida -
Casa Coração de Jesus Própria São Paulo/SP F -1972
1941 Patronato da Cruzada Senhoras Católicas
Conveniada Santos/SP F -1967
1941 Patronato Cardoso Ribeiro (anexo Orfanato Santa Verônica)
Própria Taubaté/SP A
1949 Educandário São José Própria Herval d'Oeste/SC
F -1958
1951 Lar Escola Nossa Senhora Perpétuo Socorro
Conveniada MontesClaros/ MG
F -1974
1952 Escola Sagrado Coração Própria Irati / PR F -1989 1953 Educandário Santa Maria Goreti Própria São Lourenço
d’Oeste/ SC F -1955
1953 Educandário Nossa Senhora Aparecida (Divina Pastora)
Própria Uraí/ PR F -2009
1953 Escola Franciscana Santa Isabel Própria Bandeirante/PR A 1955 Educandário Nossa Senhora das
Graças Própria Ibiaçá /RS F -1964
1956 Escola Normal Nossa Senhora de Fátima
Conveniada São José do Ouro/RS
F -1971
92 A luta pelo direito à creche foi reconhecido e garantido pela Constituição Cidadã, de 1988. Em 1996 a Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei 9.394/96) estendeu o direito à educação as crianças de 0 à 5 anos, o que acabou desencadeando uma mudança na classificação da creche como entidade assistencial para educacional. 93 Os nomes de algumas instituições e de algumas cidades sofreram mudanças.
121
1957 Creche Irmã Maria Ângela Própria Campinas/SP A 1957 Casa da Criança Conveniada Rio de Janeiro/
RJ F -1957
1958 Educandário Santa Terezinha Conveniada Carapicuíba/SP F -1967 1962 Educandário Santa Rosa de Lima Conveniada Iturana /SP F -1987 1964 Creche Carolina Mota e Silva Conveniada Carapicuíba/SP F -1967 1976 Casa Anjo da Guarda Conveniada Penápolis/SP A 2008 Centro Educacional e Assistência
Social Coração de Maria Própria Campinas/SP A
(Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados)
Legenda A: Aberta F: Fechada
As décadas de 1920 e 1930 representam um período fundamental para a
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Foi quando ela se
aventurou no campo educacional, abrindo duas importantes escolas, que, além de
se converterem em importantes fontes de renda, promoveram a entrada do grupo
religioso no seleto clube das congregações mantenedoras de colégios destinados às
filhas das classes mais abastadas. As principais justificativas para a entrada de uma
congregação no campo educacional podem ser explicadas pelo aumento da
demanda causada pelo enriquecimento do interior paulista e que as congregações
educadoras, anteriormente já instaladas, não davam contas de suprir. Eis que surgia
um mercado educacional religioso atento aos diferentes níveis sociais, o que pode
ser notado pela ocupação dos espaços pelas diferentes escolas, que iam do centro
em direção às regiões mais afastadas do estado e das cidades (PEROSA, 2005).
Na cidade de Penápolis, região noroeste do estado de São Paulo, os frades
capuchinhos iniciaram seu trabalho pastoral em 1906, com a construção de uma
igreja dedicada a São Francisco de Assis. Apoiados pela elite da cidade, eles
idealizaram a construção de um colégio particular, mas, de forma semelhante à elite
de Taubaté, também aquela não estava disposta a contratar professores. Coube aos
franciscanos convencer as religiosas para que assumissem o empreendimento, que
inicialmente recebeu o nome de Colégio Santa Clara e foi fundado em 1925; depois,
com a presença das religiosas, passou a ser chamado de Coração de Maria
(PEDROSO, 1996).
Quando Dom Nery assumiu a diocese de Campinas, em 1908, convidou a
Congregação francesa Nossa Senhora do Calvário para fundar o Colégio Sagrado
122
Coração de Jesus. Ao se tornar o segundo bispo da mesma diocese, Dom Barreto
convenceu a superiora geral a trazer a sede de governo da Congregação de
Piracicaba para Campinas, onde também lhe propôs fundar o Colégio Ave Maria, o
segundo colégio feminino católico em Campinas. A cidade crescera, e eis que
emergia uma classe média oriunda de funções intermediárias, desejosa de formar
bem seus filhos. Este bispo também já havia providenciado meios para que isso
ocorresse, ao lhes alugar por um baixo valor o Pensionato Nossa Senhora de
Lourdes, em 1924, e o Patronato São Francisco, em 1927, os quais se converteram
como importantes fontes de renda94. Ela também contou com a vultosa doação de
uma rica senhora católica que, sozinha, doou mais de 50% do valor correspondente
ao total do custo do terreno onde construiria o Colégio Ave Maria. Igualmente,
recebeu doações anuais de vários médicos do Instituto Penido Burnier
(RELATÓRIO, 1927-1933).
O Colégio Ave Maria, apesar de ter sido o segundo colégio da Congregação, é, até
hoje, um ícone da organização, não só porque está localizado no mesmo terreno da
casa do governo geral, no centro da cidade de Campinas, o que lhe garante
visibilidade eclesial, como é também uma das mais tradicionais e importantes
escolas da cidade. Essa opção foi muito bem planejada em função da obtenção do
reconhecimento papal. Em tese, isso em nada alterava a opção da singular
identidade, proposta por frei Luiz, de cuidar de meninas órfãs, que continuava sendo
mantida em outras obras; antes, esta poderia se converter em meio para a
realização daquela. Além disso, dedicar-se à educação particular a aproximava das
outras congregações que faziam sucesso como educadoras; e isso fazia diferença
na sociedade em processo de modernização. O colégio da cidade de Penápolis já
havia demonstrado a possibilidade de ingresso no mercado educacional e as
facilidades de granjear dividendos econômicos e simbólicos, o que fora, mais tarde,
comprovado com o colégio campineiro, o Ave Maria. Entretanto, o fato de a
organização ter voltado a fundar escolas apenas depois de 1946, e somente no
interior dos estados do Sul do País, demonstra que o mercado de São Paulo já não
era tão propício quanto fora no início de século, e que mudanças na política
94 Constatamos que o Pensionato representou, de 1930 a 1950, a maior fonte catalisadora de recursos econômicos para a organização. Especialmente o Relatório do sexênio 1946-1951 indicou que somente o repasse do Pensionato ao caixa central da organização havia superado a contribuição de todas as casas e obras conveniadas (RELATÓRIO 1946-1951, Anexos 8 e 9).
123
educacional estavam para ocorrer. Os principais motivos eram as pressões dos
educadores, que exigiam do governo maior rigor no reconhecimento das escolas, e
as exigências para o exercício do magistério. Se, até então, as religiosas mais
capacitadas exerciam o magistério, as novas leis educacionais exigiam diplomas.
Com o avanço da laicização do ensino e da crescente normatização das escolas,
verificamos, nos Relatórios, a preocupação das madres superioras em garantir apoio
político para a manutenção e a aprovação das escolas e, também, em administrar a
formação do quadro de professores. No Relatório de 1945-1951 (p. 12 e 13,
respectivamente), a superiora geral informa que, apesar dos vários apoios políticos,
havia demorado quase um ano para obter a autorização para a abertura do curso
ginasial nos colégios Ave Maria, em Campinas, e Coração de Maria, em Penápolis.
Também a partir de 1951, os Relatórios passaram a trazer informações sobre os
cursos que as irmãs eram incentivadas a seguir, principalmente em pedagogia e
enfermagem, o que demonstrava que as superioras estavam atentas às mudanças
legislativas nas duas profissões. A duras penas, a Congregação tomava consciência
de que a transferência da sede para Campinas, e a ajuda da elite e do clero, não
foram capazes de superar a significativa insuficiência que a impedia de intensificar
sua presença naquele campo, a saber, a precária situação pedagógica devido à
limitada escolarização das religiosas, de forma que as poucas professoras formadas
foram destinadas às duas escolas particulares e às obras de cuidado infantil.
7.2 A ação missionária na área da saúde
Além das práticas educativas, a identidade congregacionista é marcada pelo
cuidado com a saúde, ambas vistas como práticas caritativas. Em razão disso, as
congregações dedicadas ao campo da saúde foram muito valorizadas pelas
sociedades de tradição católica. Dirigir e manter hospitais públicos já fazia parte da
tradição ibérica, onde são conhecidas e reconhecidas as Santas Casas. Nessas
instituições, organizadas como hospital e casa religiosa, viviam freiras que se
dedicavam diuturnamente ao cuidado de outrem, sem receber pagamento pelo seu
trabalho, a não ser moradia, alimentação e assistência religiosa.
Em função do domínio católico, muitas congregações puderam assumir instituições
de saúde, mesmo sem a devida formação de seus quadros, o que era compensado
124
pela dedicação e pela austeridade das religiosas, que se fizeram administradoras e
enfermeiras práticas. Isso significa dizer que o interesse das congregações e das
religiosas por aqueles postos não se resumia a questões econômicas. Tendo
garantidos a subsistência e o abrigo, o retorno simbólico de serem reconhecidas
pela sociedade em posição social ao lado dos médicos era algo de muito prestigio
em uma sociedade hierarquizada. Por outro lado, é de se compreender o grande
interesse das Santas Casas, das Irmandades religiosas, dos padres e das elites que
contratavam congregações religiosas para assumirem os trabalhos em instituições
falidas e/ou com mínimas estruturas para o seu funcionamento. Tal demanda
significou oportunidade real para que as congregações se expandissem,
construíssem sua visibilidade e ocupassem suas religiosas. Estima-se que, na
década de 1930, havia dez mil religiosas atuando nos hospitais brasileiros
(BARBIERI; RODRIGUES, 2010).
Para ampliar a sua presença na sociedade, a Congregação das Irmãs Franciscanas
do Coração de Maria, sem renunciar ao projeto inicial de dedicar-se à educação,
ampliou a noção de cuidado e dedicou-se à área da saúde através dos serviços de
administração e enfermagem. O fato de ter assumido, entre os anos de 1904 e 1991,
23 obras ligadas ao cuidado médico, sendo 16 hospitais e 2 escolas de
enfermagem, dentre os quais 9 Santas Casas e 1 da Ordem Terceira Franciscana, 3
sanatórios, 3 clínicas ou casas de cuidado infantil e 1 ambulatório, deixa entrever
que esta foi a segunda atividade. Apesar disso, todas essas obras foram assumidas
como obras conveniadas através de contratos com terceiros, o que talvez explique o
fato de não haver, atualmente, casa alguma ligada a esse importante campo
pastoral que marcou a sua história.
Via de regra, as condições desses contratos eram precárias, com instalações
deficientes e repasses econômicos bastante baixos, principalmente nas Santas
Casas. Segundo registros memorialísticos, os quais consideramos com certa
prudência, a situação em que as irmãs encontraram o Hospital de Descalvado, em
1904, era tão drástica que, para limpar o prédio onde morariam, foi necessário uso
de enxada para remover a sujeira (FONTES HISTÓRICAS, 1985)95. Ainda que tenha
95 Realidade semelhante foi identificada na primeira congregação brasileira, Filhas da Imaculada Conceição, cujo núcleo fundador da organização, ao assumir sua primeira obra social na área de saúde, a encontrou tão precária, que a denominou de “hospitalzinho” (CUSTÓDIO, 2014).
125
havido certo exagero narrativo, tal descaso com instituições hospitalares não se
constituía como exceção.
Quadro 6: Instituições na área da saúde
Fundação
Instituição Tipo de obra
Cidade Situação Ano
1904 Santa Casa de Misericórdia Conveniada Descalvado/SP F - 1980
1906 Hospital São Vicente de Paula Conveniada Jundiaí/SP F -1973
1915 Santa Casa de Misericórdia Conveniada Piracicaba/SP A
1922 Santa Casa Conveniada Sorocaba/SP F - 1950
1924 Instituto Penido Burnier Conveniada Campinas/SP F - 1970
1927 Sanatório Imaculada Conceição Conveniada Tremembé/ SP F - 1933
1934 Santa Casa Conveniada Penápolis/SP F -1968
1935 Santa Casa Conveniada São Pedro/SP F - 1965
1935 Santa Casa Conveniada Mogi-Mirim/SP F -1983
1935 Santa Casa Conveniada São Sebastião da Grama/SP
F -1992
1938 Sanatório Esperança Conveniada São Paulo/SP F -1942
1938 Santa Casa Conveniada Limeira/SP F -1971
1941 Ambulatório Nina Faria Conveniada Santos/SP F -1967
1943 Hospital Santa Cruz Conveniada São Paulo/SP F - 1991
1944 Casa de Saúde Dr. Francisco Guimarães
Conveniada Rio de Janeiro /RJ
F - 1946
1945 Gota de Leite Conveniada Santos/SP F -1947
1948 Clínica Santo Antônio Conveniada Campinas/SP F - 1960
1949 Centro de Puericultura Conveniada Campinas/SP F - 1970
1950 Sanatório São Vicente de Paula Conveniada Campos do Jordão/SP
F - 1956
1950 Hospital Santa Lucinda e Escola de Enfermagem Coração de Maria
Conveniada Sorocaba/SP F - 1969
1955 Hospital Santa Filomena (Pio XII) Conveniada Ibiaçá / RS F - 1964
1959 Clínica Infantil Santa Lídia Conveniada Ribeirão Preto/SP
F - 1967
1962 Santa Casa de Misericórdia Conveniada Vinhedo/SP F - 2000
1991 Hospital da Venerável Ordem Terceira Franciscana
Conveniada Rio de Janeiro/RJ
F - 2016
(Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados) Legenda A: Aberta F: Fechada
O Quadro 6 confirma que o período áureo das obras na área de saúde situa-se entre
as décadas de 1930 a 1950, com a fundação de 13 casas conveniadas em hospitais
ou clínicas. Dois fatos explicam isso: o primeiro, ligado à trajetória da própria
Congregação, que, no final da década, investiu seus recursos na transferência da
sede de governo e na abertura de duas novas obras próprias educadoras; e isto
126
porque, com um elevado índice nos recrutamentos, que fizeram dobrar o número de
religiosas nesta vintena, e sem condições de abrir novas casas locais, foi
extremamente necessário investir na abertura de novas casas para acolher e dar
uma destinação para as novas religiosas. O segundo fato é que a organização
religiosa acabou se beneficiando da pressão da Igreja Católica sobre o governo, que
concedeu o status de “enfermeiras práticas” às freiras que, mesmo sem serem
enfermeiras diplomadas, poderiam trabalhar nos hospitais, desde que
comprovassem conhecimento empírico no que faziam. Em função disso, os hospitais
e as Santas Casas passaram a se interessar por este tipo de profissional, com custo
menor que os enfermeiros [diplomados] (BROTTO,2014). De outro lado, também
para a Congregação isto se revelava extremamente atraente, pois, dessa forma,
poderia dar destinação a suas religiosas, mesmo sabendo que as remunerações
seriam baixas. Tal realidade pode ser verificada no Quadro 6, especialmente no
interior de São Paulo, onde havia um “mercado” disposto a contratar religiosas
enfermeiras sem a formação exigida.
Tendo clareza da pressão do governo, ainda que tardiamente, a madre Maria São
Francisco do Divino Coração indicou no relatório conclusivo de seu governo que, em
1940, comprara uma casa na Vila Clementino, em São Paulo, que foi denominada
de Casa Coração de Jesus, para abrigar três religiosas que estudariam na Escola de
Enfermeiras do Hospital São Paulo. O mesmo documento informa que, em 1944, a
Congregação abriu a sua primeira casa de administração na cidade do Rio de
Janeiro, na Casa de Saúde Dr. Francisco Guimarães, onde as irmãs trabalhariam
como enfermeiras e “algumas postulantes estuda[ria]m na Escola de Enfermagem
Luiza de Marillac” (RELATÓRIO 1939-1945, p. 2 e 3, respectivamente). Na mesma
perspectiva, a madre Angelina Maria da Sagrada Face comunicou, no Relatório de
1945-1951, que, por sugestão de Dom Paulo de Tarso, o bispo de Campinas, nove
superioras locais, que estavam à frente de hospitais, fizeram, no ano de 1945, um
curso intensivo de administração hospitalar no Rio de Janeiro para prevenir futuras
exigências dos poderes governamentais.
Vemos, por essas ações, que a Congregação estava muito bem consciente das
exigências do governo em relação à regulamentação da profissão e do
funcionamento dos cursos, bem como disposta a colaborar na construção de um
modelo de escola católica de enfermagem. Isso fica claro quando Dom José Gaspar
127
de Afonseca, e depois dom Carmelo Mota, diferentemente de dom Duarte Leopoldo
e Silva, abandonaram o projeto de colaborar na Escola de Enfermagem de São
Paulo e resolveram fundar uma escola estritamente católica, a Escola de
Enfermagem São Francisco de Assis, em 1943, confiando a sua direção às Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria, que também administravam o Hospital Santa
Cruz (CYTRYNOWICZ; CYTRYNOWICZ, 2016; RELATÓRIO 1939-1945)96. Não
temos condição de avaliar a catolicidade do projeto e quais as concepções dos
bispos sobre o lugar político das religiosas, mas, é certo que a criação de uma
escola católica de enfermagem era uma clara reação aos avanços do secularismo
no campo da saúde, que ameaçava o lugar ocupado até então pela Igreja com as
freiras católicas.
Em 1948, a família Ermírio de Moraes e a Prefeitura de Sorocaba idealizaram
transformar a maternidade Santa Lucinda, recém-construída pelo empresário, na
primeira Faculdade de Medicina do interior do estado de São Paulo. Os interessados
na Escola de Medicina trataram de criar a Fundação Sorocaba, que ficaria
responsável pelas reformas e ampliações necessárias, bem como por conseguir
junto aos poderes públicos as verbas necessárias para a sua implantação. Em 15 de
abril de 1950 a Faculdade foi autorizada pelo governo federal (ROSSINI, 2015).
Vencida essa etapa, era preciso que uma instituição acadêmica assumisse tal
responsabilidade. Coube ao prefeito procurar o arcebispo Dom Carmelo Mota,
responsável pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, e oferecer
parceria na fundação das Escolas de Medicina. A contrapartida daquela
universidade seria prover o hospital com um corpo administrativo que se
responsabilizasse também pela Escola de Enfermagem, o que foi aceito de imediato.
Aproveitando o ensejo, o arcebispo tratou logo de inserir a recente Escola de
Enfermagem São Francisco de Assis nas negociações. Ele acertou com a diretoria
do Hospital Santa Lucinda e com a Fundação Sorocaba que a Congregação das
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria assumiria a administração do Hospital e a
96 “Verificadas grandes dificuldades em manter o Hospital com enfermeiras leigas, consegui com o auxílio do inesquecível Arcebispo Metropolitano, Dom Jose Gaspar de Affonseca e Silva, a colaboração das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, que assumiram em janeiro de 1943, a direção de Enfermagem e dos serviços domésticos, trazendo para o Hospital Santa Cruz, entre outras, apenas licenciadas, três irmãs diplomadas em Escola de alto padrão, sendo uma especializada em obstetrícia”. (CYTRYNOWICZ; CYTRYNOWICZ, 2016, p. 99)
128
direção da Escola de Enfermagem, passando, então, a se chamar Escola Coração
de Maria. Para tanto, o arcebispo determinou que a Escola de Enfermagem São
Francisco e toda a comunidade religiosa responsável por ela fossem transferidas
para Sorocaba. Assim a madre descreveu a transferência delas para Sorocaba:
Havendo a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo criado em Sorocaba, a Escola de Medicina, a qual devia ter anexada uma Escola de Enfermagem, a autoridade eclesiástica de São Paulo achou conveniente que passasse para Sorocaba a Escola de Enfermeiras São Francisco de Assis (...). A Congregação honrada com este convite transferiu o corpo docente da escola que funcionava no Hospital Santa Cruz para a nova escola (...) no Hospital Santa Lucinda. A 22 de fevereiro seguiu para Sorocaba a comunidade que assumiu a direção interna do referido Hospital e da escola de Enfermagem “Coração de Maria”, (...), inaugurada em 5 de agosto [de 1950] (sic). (RELATÓRIO 1945-1950, p. 12-13)
Por quase duas décadas a Congregação não parece ter tido maiores problemas
para conduzir o hospital escola, ou, pelo menos as superioras nada registraram em
seus Relatórios. Apenas no Relatório de 1963-1969 a superiora geral registrou que
as religiosas daquela comunidade estavam tendo uma série de dificuldades na
condução da instituição, mas explicitou apenas que a maior delas era a exigência
acadêmica imposta pelo governo para o exercício da enfermagem, fato que levava o
governo geral a pensar em desistir da direção do hospital e da Escola de
Enfermagem. Tendo comunicado tal decisão à direção e aos representantes da PUC
e da Igreja em 1968, a superiora geral foi convencida a manter a comunidade
religiosa por mais um tempo. Todavia, em 1969, sem ver solução para os problemas
apontados no ano anterior, a organização deixou o Hospital e a Escola de
Enfermagem. Diante da desistência da Congregação de continuar, a Fundação
Sorocaba, responsável pelo Hospital e a Escola de Enfermagem doou todo o seu
patrimônio à Fundação São Paulo, mantenedora da PUC de São Paulo, com a
condição de que aquela Universidade assumisse integralmente o hospital e os
cursos de Medicina e Enfermagem (RELATÓRIO 1963-1969, 1969-1973)97.
Entendemos, entretanto, que a organização feminina não poderia justificar a sua
desistência daquelas obras em função das novas exigências governamentais, pois,
97 Disso depreendemos, que a formação do patrimônio de Faculdades e Universidades Católicas se aproxima muito da forma como muitas congregações católicas constituíram os seus, o que permite entrever que o apoio da elite, dos políticos e eclesiásticos não era uma concessão feita propriamente a elas, mas um meio de realizarem seus projetos.
129
se ela aceitou hospital e a escola de enfermagem era porque possuía um número
razoável de freiras diplomadas para assumir as funções administrativas e
pedagógicas. O indício para tal afirmação foi encontrado no Relatório da superiora
geral, Irmã Angelina Maria, que, ao mencionar que um dos motivos era “a falta de
elementos qualificados”, acrescentou também: “... e, infelizmente mais ainda, faltava
a necessária união entre os membros da comunidade” (RELATÓRIO 1969-1973).
Tal afirmação indica que a superiora geral se deparou com a resistência das
religiosas daquela comunidade, não convencidas de que deveriam permanecer à
frente das duas instituições, devido às precárias condições oferecidas pela diretoria
da Fundação Sorocaba. Considerando que, historicamente, as congregações
religiosas assumiam hospitais e santas casas com abnegada vontade de servir, sem
se importar com o desinteresse para com a saúde pública e, muitas vezes, com a
avidez dos diretores, que buscavam obter lucros através dos baixos proventos, é
bastante provável que esta fosse a situação daquelas duas instituições e, por mais
que as religiosas se esforçassem, elas não conseguiam resolver os problemas,
principalmente os econômicos.
Entendemos, nesta perspectiva, como as religiosas começavam a se dar conta do
que representavam para os grupos que as contratavam. Ainda que a madre
superiora tenha tido o cuidado de dar poucas informações no seu relatório, deixando
entrever, inclusive, até certa crítica àquelas religiosas, entendemos que o maior
problema foi a falta de recursos econômicos e a consequente desvalorização do
trabalho delas, as levando a recusa em continuar trabalhando naquelas condições.
Somou-se a isso a revolução causada pela secularização e a laicização, e pelo
Concilio Vaticano II, que motivou as religiosas a questionarem se o lugar social delas
era, de fato, nos hospitais e nas escolas. Isso fez com que muitas delas preferissem
trabalhar diretamente com o povo nas paróquias e nas missões, ressignificando,
assim, o lugar e o modo de ser religiosa no mundo (ROSADO-NUNES, 1997). Tais
fatos também provocaram a deserção de um número significativo de religiosas,
especialmente dentre as diplomadas, que vislumbraram sua independência
econômica e religiosa. Analisando a série de Relatórios, verificamos que, entre 1963
e 1973, 70 religiosas abandonaram a Congregação. Toda esta sequência de
acontecimentos a levaria a repensar o seu modo de ser e de estar no mundo.
130
7.3 A ação missionária junto às jovens estudantes
O terceiro campo de ação da Congregação foi o trabalho com jovens estudantes na
administração do pensionato Nossa Senhora de Lourdes, que desde o início se
configurou como um negócio lucrativo.
Era relativamente comum, desde a Europa, que as congregações religiosas
femininas alugassem parte do espaço ocioso de suas casas para moças estudantes
ou trabalhadoras. A implantação de obras desse tipo estava associada à crescente
urbanização e ao consequente êxodo rural, que impelia mulheres para as cidades
em busca de oportunidades de trabalho e de estudos. Nessa configuração, o
pensionato católico era entendido como um espaço de proteção para as jovens,
como uma espécie de extensão da família, onde as irmãs cuidavam e impunham
limites às moças, substituindo o papel de seus pais e, em alguns casos,
“convertendo-as” à Igreja por meio da catequese e da comunhão tardia; portanto, um
espaço idealmente justificado para a realização de missão religiosa.
Em 1924, a Congregação assumiu, a convite do bispo Dom Barreto, a direção do
Pensionato Nossa Senhora de Lourdes, na cidade de Campinas, como uma de suas
obras próprias, com a responsabilidade de pagar o aluguel do prédio, que pertencia
à diocese. Não obstante a rigidez disciplinar, o pensionato manteve uma média
anual de 80 pensionistas, o que lhe rendia boas receitas, pois não demandava
gastos excessivos e nem exigia um número grande de religiosas em sua
administração.
Em função do crescimento da cidade, e com a criação das Faculdades Católicas em
1942, o organismo vislumbrou a possibilidade de expandir o pensionato. A
oportunidade veio quando Dom Paulo de Tarso Campos, ao resolver construir um
novo palácio episcopal, propôs à Congregação a compra daquele imóvel e do prédio
cedido a ela desde 1924, o que foi aceito e visto como um bom negócio, até porque
a Cúria Metropolitana de Campinas havia facilitado a forma de pagamento
(RELATÓRIO 1945-1951). Considerando que o Balancete de 1945-1951 tenha
lançado em seus rendimentos apenas os valores recebidos pelas pensionistas,
calcula-se que cada uma das 80 moças pagava o equivalente a 1,1 salários mínimos
mensais por sua estadia (RELATÓRIO 1945-1951, Anexo 8).
131
Segundo os relatórios, no Pensionato Nossa Senhora de Lourdes havia a prestação
de serviços religiosos e a catequese das pensionistas. Ao comparar alguns quadros
relativos ao movimento religioso daquela instituição, verifica-se que, apesar do
aumento no número de pensionistas, o número de participantes nos ofícios
religiosos se manteve na média de um terço das residentes. Além disso, não se
verificou nos relatórios nenhuma ação eclesial para promover um maior
envolvimento das pensionistas com a Igreja e, tampouco, com as causas da
organização religiosa, tal como cita Paula Leonardi sobre a Congregação das Irmãs
da Sagrada Família, instalada em São Paulo, em 1908, que se empenhara para que
as pensionistas se engajassem em uma das diversas associações femininas
(LEONARDI, 2009). Um fator a ser considerado é que esta última pesquisa tem seu
recorte nas primeiras décadas do século XX, enquanto a análise sobre o Pensionato
Nossa de Lourdes, de Campinas, é da década de 1950, quando se percebiam os
primeiros sinais da secularização, os quais também atingiram a Igreja.
O Pensionato existiu até 1973, quando foi fechado e o prédio desapropriado pela
Prefeitura Municipal de Campinas para reurbanizar a área central da cidade. O
dinheiro recebido pela desapropriação foi utilizado em outras frentes de trabalho e
em reformas patrimoniais (RELATÓRIO, 1973-1979).
7.4 A ação missionária junto aos idosos
Por fim, o quarto bloco, de casas de administração, esteve ligado à perspectiva do
cuidado aos idosos. Desde 1917, a Congregação administrou dez asilos para idosos
ou entidades congêneres. Essas casas sempre deram pouco retorno econômico,
mas o suficiente para manter as irmãs que lá trabalhavam e, ainda, para que elas
contribuíssem com o caixa central da organização. Além da questão econômica, as
obras caritativas construíam a visibilidade de um organismo que se apresentava
devotado aos pobres, lhes rendendo inúmeros bens simbólicos.
Quadro 7: Obras assistenciais ligadas ao cuidado de idosos
Data Instituição Tipo de obra Cidade Situação 1917 Lar dos Velhinhos de Piracicaba Conveniada Piracicaba/SP A 1923 Asilo de Velhos Conveniada Botucatu F- 1926 1945 Vila Vicentina Conveniada Poços de Caldas/MG F- s/d 1951 Asilo dos Inválidos Conveniada Campinas/SP F- 1953 1973 Cidade Vicentina – Frederico Conveniada Jundiaí/SP F- 1992
132
Ozanan 1974 Lar Nossa Senhora das Graças Conveniada Palmas-PR F- 1989 1974 Lar de Velhos- Penápolis Conveniada Penápolis/SP F- 1970 1975 Casa de Velhos Conveniada Dracena/SP F- 1982 1976 Lar São José Conveniada Leópolis /PR F- 1979
2008 Instituto de Longa Permanência para Idosos Conveniada Campinas/SP A
(Quadro elaborado pelo autor com base no Banco de dados) Legenda A: Aberta F: Fechada Da mesma forma, como ocorreu na maioria das outras obras, o decréscimo no
recrutamento, as mudanças ocorridas na Igreja e a própria reorganização da
Congregação, fizeram com que a organização religiosa fechasse a maioria dessas
obras. Atualmente, ela administra o Lar dos Velhinhos, na cidade de Piracicaba, e
um abrigo para homens idosos, denominado Instituto de Longa Permanência para
Idosos, em Campinas, que foi aberto em 2008, cuja direção está a cargo da
organização religiosa e conta com subsídios públicos para as despesas com
funcionários e alimentação.
133
·.
Capítulo III
A ressignificação do trabalho como patrimônio
Este capítulo analisa como o novo estilo de vida religioso, surgido no século XIX,
chamado também de “vida ativa”, foi fundamental para o desenvolvimento de uma
ideologia, do ponto de vista religioso, uma espiritualidade para que a Congregação
das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria pudesse concretizar seu projeto. Ao
ressignificar a noção de trabalho – nas obras das congregações e das organizações
contratantes – como forma de consagração religiosa, tal espiritualidade se constituía
como meio para justificar a necessidade de constituir um patrimônio material, o qual,
por sua vez, permitiria a organização cumprir as metas determinadas pela Santa Sé,
a fim de atingir o reconhecimento eclesiástico. Na construção desta ideologia –
espiritualidade –, era fundamental que a proposta da organização fosse assumida
pelo conjunto das religiosas, em suas múltiplas subjetividades. Para esta parte da
tese, as principais fontes que fundamentam o nosso argumento são os relatórios que
cada superiora geral deveria entregar ao bispo ao final de seu mandato98.
1. As condições sociais propícias ao desenvolvimento das congregações
As distintas formas de vida religiosa emergem como respostas a questões próprias
do seu tempo e, por isso, muitas vezes acabam assumindo tais características
(ROCCA, 2015). Sendo estruturas humanas, elas tendem a acomodar o seu
propósito religioso àquelas circunstâncias, enquanto julgam ser possível beneficiar-
se delas e resistir a toda possibilidade de mudança que as ameace. O cristianismo
sempre considerou a educação e o cuidado com os doentes como obras religiosas:
a primeira como forma de conduzir as pessoas ao conhecimento da Verdade, ao
98 Como indicamos na introdução estes deveriam apresentar o estado da Congregação em quatro quesitos: pessoal, econômico, religioso e recrutamento e formação.
134
próprio Deus; o segundo, como se fosse um cuidado dirigido ao próprio Cristo. A
Igreja Católica os definiu como obras de misericórdia. Nas sociedades marcadas por
esta cultura religiosa, o envolvimento com tais obras ultrapassava as relações de
troca entre trabalho e salário, porque eram vistas como missão religiosa.
Com a emergência do Estado moderno e liberal, tais ações passaram a ser vistas
como serviços públicos prestados à sociedade. Assim, em um Estado laico,
composto por membros com iguais direitos, as instituições deveriam também ser
igualmente laicas, e todos, indistintamente, deveriam receber tais serviços,
independentes de seu credo, e Igreja alguma deveria controlá-los.A saída
encontrada por políticos ligados aos interesses da Igreja foi enfatizar que se o
Estado era laico, o povo era religioso e por isso os católicos tinham o direto de ter
instituições confessionais. Como várias organizações católicas já possuíam
expertise e estrutura nessas áreas, muitas delas passaram a receber algum tipo de
subsídio público, com a condição de assumir programas laicos, o que acabou sendo
muito propício para a expansão das congregações religiosas (MARTINA, III, 1988).
A ocorrência desses fatos só foi possível por duas razões que se convergiram: a) a
existência de grupos que se interessavam em realizar tais serviços, em função de
seus projetos religiosos; b) a permanência de uma sociedade conservadora e
culturalmente católica, que ainda concebia que tais serviços – diferentemente das
outras profissões –, pelo fato de estarem ligados à caridade cristã, não se
configuravam como atividades merecedoras de retribuição econômica. Havia,
portanto, a confluência de interesses múltiplos, que possibilitava ganhos materiais e
simbólicos para os dois grupos (BOURDIEU, 1997, 2007).
As atividades sociais desenvolvidas nas várias frentes missionárias detinham
características de produção: havia rotinas cotidianas, jornadas a serem cumpridas,
responsabilidades organizacionais e metas a serem alcançadas. Inseridas,
basicamente, na sociedade urbana, as nascentes congregações, sem posses e nem
rendimentos, não tinham condições de organizar sua vida sociorreligiosa como os
mosteiros. Eis, então, que as atividades religiosas, como a educação e o cuidado de
doentes, passavam a se configurar também como meio para garantir a existência e
a sobrevivência da organização feminina.
Uma das principais razões do sucesso do movimento congregacionista foi o espírito
comunitário da vida religiosa, fazendo com que seus membros se sentissem
135
responsáveis pela vida da organização, pelo seu sustento e pela realização de seus
projetos. A espiritualidade, que veiculava práticas de despojamento, de pobreza, de
austeridade e de trabalho abnegado, além de produzir bens simbólicos e espirituais,
se constituía em uma importante justificativa para o acúmulo de pequenos capitais,
os quais, multiplicados pelas casas, possibilitavam rendimentos a serem investidos
no custeio das despesas de manutenção da organização religiosa e na ampliação e
abertura de outras frentes missionárias. Tal economia, fundada em princípios
religiosos, teria se constituído na principal fórmula de sucesso das congregações
para a obtenção do direito pontifício.
Disso decorrem duas conclusões convergentes: a) o sucesso econômico das
congregações não deve ser visto tão somente como mérito pessoal das religiosas,
mas como fruto da conjuntura social e política próprias dos séculos XIX e XX, no
caso brasileiro – as quais as organizações congregacionais, especialmente as
femininas, souberam usar a seu favor; b) a compreensão religiosa de que o
“trabalho” desenvolvido em obras próprias, ou de outrem, tinha um fim religioso, a
missão, e não se restringia ao mero recebimento de salários (LANGLOIS, 1984).
2. A formação para a missão
Giancarlo Rocca afirma que, o modelo congregacional, como “vida religiosa ativa”,
não se configura como um novo modo de vida religiosa, na medida em que não
apresenta novidade teológica alguma, mas tão somente uma adequação das
organizações religiosas às condições impostas pelas sociedades. Segundo ele, a
força desse movimento não residiria em características religiosas próprias, mas
naquelas impostas pelos governos liberais para que tais organismos pudessem
existir, o que implicava em sérios problemas para a compreensão teológica da
identidade da consagração religiosa. Isso significa dizer que, a intensa relação de
proximidade com a sociedade, mediada pelo episcopado durante a romanização, foi
incorporada como “modo de ser” da vida religiosa congregacional, reconvertendo os
problemas sociais em apostolado, o que era reproduzido pelas congregações a se
espalharam pelo mundo, e serviram como modelo para o surgimento das
congregações locais (ROCCA, 2016). Também no Brasil, a emergência dessas
organizações estava ligada aos flagelos sociais, e sua sobrevivência estava
136
condicionada a manutenção da precariedade social do Estado. Entretanto, à medida
que a sociedade se empenhou para construir um Estado cada vez mais
comprometido com o bem-estar social, as possibilidades de presença das
congregações naqueles espaços diminuíam e comprometiam a sua multiplicação, o
que, por sua vez, exigia uma continua reinvenção de si para continuarem existindo.
Nesse modelo congregacional, de organização prestadora de serviço, a
espiritualidade e a formação das religiosas deveriam seguir um programa coerente
com os fins a serem obtidos. No que diz respeito à formação espiritual, o
investimento feito nas congregações foi muito baixo, pois a obediência, vista como
condição feminina naturalizada, e a espiritualidade devocional e pietista romanizada,
especialmente mariana, foram vistas como suficientes para a realização das práticas
de apostolado. Não obstante tal limite, tal condição revelava um catolicismo com
características populares porque conduzido por mulheres que se misturavam ao
povo e, na maioria das vezes, possuía formação igual ao comum das pessoas.
Especificamente na organização estudada, o primeiro ato de consagração do grupo
de terceiras, que assumiu o Asilo, foi feito através de uma oração de consagração
piedosa ao Sagrado Coração de Maria (PEDROSO, 1996).
A formação espiritual delas consistia na leitura e na meditação frequente de trechos
das obras Imitação de Cristo, de Tomas Kempis, do século XV e Exercício de
perfeição e de virtudes cristãs, do jesuíta Afonso Rodrigues, do século XVII, e na
récita das Horas Marianas ou do Oficio menor da Santíssima Virgem, do também
jesuíta Francisco de Jesus Maria Sarmento, escrito em 1776 (FONTES
HISTÓRICAS, 1985; PEDROSO, 1996)99. Não por acaso, a maioria dos livros
devocionais serem ligados a espiritualidade inaciana, cujo principal pilar era voto de
obediência100. Nas Constituições de 1921 se verifica a multiplicação de orientações
para as práticas espirituais ligadas aos votos religiosos, mas, ao mesmo tempo,
totalmente desvinculadas da realidade cotidiana das irmãs que prestavam
99 Pela datação vemos que não se via razão para edições atualizadas, dado as três obras terem como objetivo divulgar a cultura espiritual tridentina, que vigorava em todos os organismos religiosos. Para aprofundar o assunto, conferir Villalta (2012). 100 Assim, se a ratio studiorum passou a fazer parte dos programas pedagógicos a serem executados nas escolas católicas, os exercícios espirituais e as obras devocionais jesuíticas formavam aquelas que conduziriam as organizações escolares e formariam os novos católicos. Nesse sentido, tal como destacamos no capitulo I, ainda que a Companhia de Jesus não tenha criado ramos femininos, a presença da cultura jesuítica na formação das congregações femininas foi, e, ainda, é, profundamente intensa.
137
assistências às meninas abandonadas e aos doentes (CONSTITUIÇÃO de 1921,
cânones 47 a 110)101.
A espiritualidade, que nutria os membros das congregações religiosas missionárias
do final do século XIX e da primeira metade do XX, era a mesma ensinada ao povo.
Roger Aubert, conhecido historiador eclesiástico, definia a espiritualidade da
romanização como marcadamente individualista, caracterizada pela piedade
externa, sem fundamentação bíblica e litúrgica, mágica e devocional, que enfatizava
uma moral individualista e cumpridora dos mandamentos da Igreja. Dessa forma, se
mantinha os católicos submissos e dóceis às autoridades da Igreja, mas, ao mesmo
tempo, extremamente frágeis diante daqueles que faziam oposição a ela. Essa
espiritualidade colocava a Igreja na posição de perseguida pelos liberais, que se
negavam a reconhecer a realeza de Jesus, o rei do Universo, a quem a Igreja havia
consagrado o mundo, de forma que as ofensas dirigidas à Igreja eram interpretadas
como ofensas dirigidas ao próprio Cristo, daí a consagração do mundo ao Sagrado
Coração de Jesus (RIGOLO FILHO, 2006)102.
Nesta visão, todas as forças católicas, dentre elas, especialmente, as congregações
religiosas, eram vistas como milícia cristã na defesa dos valores católicos, onde quer
que estivessem. Compreendemos que a espiritualidade que deu às congregações a
alcunha de “congregações de vida ativa”, fora definida pela atuação das religiosas
em situações nevrálgicas, desvelando os problemas sociais, o que para elas era
motivação para a caridade cristã. Ainda que a concepção claustral tridentina sobre a
vida religiosa tenha sido mantida, é mister destacar os eclesiásticos como
101 Especial distinção era dada para a austeridade de vida e a radicalidade dos exercícios de mortificação, os quais se compunham de jejuns e privações, exercícios disciplinares, autoflagelação, silêncio, exercícios de piedade compostos pela missa, confissão, orações à Virgem Maria, exame de consciência e exercícios espirituais, também chamados de retiros. 102 É preciso considerar que a espiritualidade do final do século XIX e do início do XX teve como principal escopo contrapor-se aos resquícios do movimento jansenista de matriz semipelagiana, que insistia em uma religião para poucos, apesar de sua condenação em 1713. Isso se deu através de grandes movimentos devocionais cristológicos e marianos, dos quais as devoções ao Sagrado Coração de Jesus e à Imaculada Conceição de Maria devem ser consideradas como balizas, pois enfatizam a fidelidade religiosa em contraposição ao racionalismo. O golpe derradeiro foi dado pelo Papa Pio X, que autorizou a comunhão das crianças, em 1910, enfatizando que a participação nos sacramentos pertence ao campo da fé religiosa e não da racionalidade. No Brasil o jansenismo não teve grandes repercussões em função do padroado. Sua influência se deu especialmente no período pombalino, quando os jesuítas foram expulsos e depois supressos (MELO, 2014).
138
incentivadores das congregações a assumirem prestações de serviços públicos.
Dessa forma, elas colaboravam para a construção da visibilidade da Igreja103.
Com o avanço da laicização, foi apenas por volta dos anos 1940 que a organização
feminina passou a se preocupar com a questão da formação dos quadros, o que se
configurava como um grande desafio. Na mentalidade da cristandade, a Igreja e
seus representantes, clero e religiosos, se colocavam acima do mundo e não seria,
pois, necessária a capacitação de quadros para além da formação religiosa para o
trabalho nas obras de caridade. Ainda que tenha havido cuidados com a formação
das futuras religiosas, isto não aparece explicitado em suas Constituições até o ano
de 1958. O que se vê nesses documentos são os elencos das minuciosas
obrigações e deveres a serem cumpridos pelas religiosas. Ainda que o grupo da
Ordem Terceira, que deu origem à Congregação, tenha agido sob a inspiração do
carisma franciscano para realizar uma ação específica de serviço à sociedade, não
se verificou a existência de um programa de formação aplicado às pessoas que
aceitaram ser terceiras e depois religiosas franciscanas. O biógrafo da fundadora
explicita que ela mesma pouco sabia sobre Francisco e sobre o carisma franciscano.
Se, como religiosa, não recebera tal formação, muito menos isso deve ter ocorrido
no período em que foi leiga terceira.
Após a conversão do grupo em Congregação em 1900, ele passou a ser regido pelo
direito diocesano, cabendo ao bispo de São Paulo e depois ao de Campinas,
assumir a responsabilidade sobre ela. Alheios à identidade do carisma religioso,
especialmente o feminino, seja por questões políticas, seja por razões práticas, os
mandatários do poder eclesiástico viam as congregações religiosas femininas como
meros instrumentos úteis à execução de seus projetos. Raros foram os que criaram
condições para a construção da identidade e da espiritualidade próprias dos
organismos que estavam sob suas autoridades.
103 Cabe recordar que a memória reproduzida pelas freiras indica que, para Antônia de Macedo, a finalidade do grupo deveria ser de acordo com a concepção predominante da religiosa, isto é, claustral. Foi frei Luiz que tratou de impor um escopo pragmático e com forte apelo social: cuidar de meninas abandonadas. Não bastando isso, foi que ele articulou com a elite para que esta construísse o asilo que veio a se tornar o primeiro patrimônio do nascente grupo (PEDROSO, 1996). Foi dom Barreto quem, desejando dotar sua diocese de mais uma escola religiosa, impôs que a Congregação transferisse o governo geral da cidade de Piracicaba para Campinas e ali fundasse a segunda escola católica para moças, o Colégio Ave Maria.
139
Em breves acenos, indicamos que o primeiro esquema de uma regra/estatuto, de
1898, não continha mais que 2 páginas. O Estatuto de 1906 saltou para 15; a
Constituição de 1922, para 60; a de 1932, para 80 e assim sucessivamente. A
Constituição vigente, do ano de 1988, contém 155 cânones e uma série de
apêndices, o que demonstra a complexificação das regras e normas a serem
seguidas. Apesar de haver, também, a Regra Franciscana, que, em tese, unia e
formava a família dos seguidores de Francisco, as exigências e as imposições das
Constituições acabavam se sobrepondo àquela, pois na prática, a Congregação
deveria obedecer ao bispo e não aos franciscanos, de modo a esta última ser, de
fato, a lei que regia a organização religiosa. Assim, se compreende que a pertença
ao movimento franciscano era mais um sentimento de pertença pessoal e afetiva do
que real, demonstrando como a romanização era um movimento mais político e
centralizador do que espiritual.
Apesar de as estruturas formativas terem sido incentivadas já a partir da primeira
Constituição de 1921, somente depois de 1930 é que foi construído o noviciado em
Campinas, e também a escola Ave Maria a qual, além de desenvolver uma ação
educadora junto à sociedade campineira, tinha também a função de ser um espaço
para a formação das candidatas que eram arregimentadas. Ainda que, a partir dos
relatórios de 1945, se veja um esforço grande em fazer com que as religiosas
estudassem, constatamos que a Congregação acabou perdendo postos
fundamentais em escolas, hospitais e escolas de enfermagem por falta da adequada
formação exigida pelo Estado, e, principalmente, por não se ter pensado em um
projeto mais consistente e mais duradouro que lhe propiciasse a manutenção em
postos chave na sociedade.
3. A ressignificação do trabalho como nova clausura e como forma de pregação
No romântico projeto de Antônia de Macedo não havia instituição, e, por isso, não
havia necessidade de bens. Esta é a história da maioria das organizações religiosas.
Na inspiração fundante, o testemunho das pessoas dispostas a consagrar-se à
missão religiosa bastaria ao grupo. Entretanto, ao comunicar seu projeto a frei Luiz,
dele recebeu a reformulação da proposta, segundo as exigências do seu tempo e a
140
expertise eclesiástica: “Para agradar melhor a Deus, devem dedicar-se à caridade,
acolhendo e dedicando-se a órfãs e crianças desvalidas. Desse modo, também o
povo as ajudará de boa vontade” (PEDROSO, 1996, p.15).
A fórmula de sucesso do novo empreendimento religioso não estava na vivência
monástica do claustro, mas na “caridade” expressa no serviço às órfãs e às crianças
desvalidas. Tal proposta revelava o lado sombrio do desenvolvimento econômico e
social de uma das regiões mais prósperas do estado de São Paulo, na passagem do
século XIX para XX: a existência de crianças abandonadas. Coube à sociedade
católica, através das organizações religiosas, criar espaços de acolhimento
institucional, que, se, de um lado, protegiam os vulneráveis dando-lhes abrigo e
alimentação, de outro, legitimavam a construção de uma ordem social simbólica que
definia os lugares sociais daqueles que deveriam ser gratos por terem sido
resgatados pela caridade da sociedade cristã (NEGRÃO, 2002; SCREMIN, 2009)104.
Para o sucesso da obra que frei Luiz fundaria, a sociedade civil católica daria o
necessário apoio, o qual seria, também, o início do patrimônio material e espiritual
da nascente Congregação. Era imperioso que tal obra tivesse como alicerce o
trabalho. Assim, desde o primeiro Estatuto do Asilo, redigido, em 1896, pelo frei Luiz
Maria de São Tiago e em vigor até 1905, quando era também a única regra da
organização religiosa, o trabalho foi definido como elemento-chave das fundações
da organização religiosa e da entidade civil. “O Asilo será mantido com o trabalho
das mestras e meninas, com as esmolas, donativos e legados que lhes forem feitos
e rendimentos que vier a possuir” (ESTATUTO do “Asilo Nossa Mãe”, 1986, capítulo
V, artigo 34 apud MARCON, 1992, IV). Constava também que, por ser uma
fundação benemérita, ela contava com “esmolas, donativos e legados que lhes
forem feitos e rendimentos que vier a possuir” (p.131). Caberia, portanto, ao
pequeno grupo de terceiras, prover os meios para a manutenção daquela obra. Era
a idealização de que a organização nascia trabalhadora.
104 Era o que fazia a Congregação dos padres salesianos nos oratórios, espaços para educar os meninos pobres para serem bons cristãos e também lhes ensinar ofícios subalternos para servir às indústrias, legitimando a divisão da sociedade entre pobres e ricos. Dom Bosco, o fundador, tendo sua obra alcançado a cidade de Buenos Aires em 1877, assim justificava a necessidade da criação de novos oratórios: “... a experiência nos persuadiu de que este é o único meio para sustentar a sociedade civil: tomar conta dos meninos pobres. Recolhendo meninos abandonados, aqueles que seriam para sempre um flagelo da sociedade civil tornam-se bons cristãos, honestos cidadãos, glória dos lugares onde moram, ganhando honestamente o pão da vida com o suor e com o trabalho” (RIGOLO FILHO, 2006, p. 27).
141
A questão é que, em menos de dois anos, o Asilo, que nascera com um objetivo civil
bem definido, foi convertido em congregação religiosa, com objetivos muito maiores
do que prover meios para a manutenção de uma casa para acolhida de órfãs. Para
além da prestação de serviços, era preciso também buscar alternativas para o
sustento das irmãs, até porque aquele Estatuto não previa, explicitamente, que elas
seriam mantidas por aquela obra social, embora assim ocorresse. Naquele biênio, o
número de terceiras já havia quase dobrado e indicava a necessidade da
organização expandir-se. Havendo religiosas disponíveis e demanda de novos
serviços, a abertura de mais uma casa e nova obra se mostravam duplamente
vantajosas. Ao dar destinação missionária ao excedente de irmãs, além do “nobre e
excelso serviço” prestado à sociedade e à Igreja, o qual, por sua vez, renderia vários
bens simbólicos ao grupo, a abertura da nova casa a desoneraria de suas
responsabilidades econômicas com o sustento das religiosas. Assim, em 1904, foi
aberta a segunda casa e obra, na cidade de Descalvado.
Em 1905, quando a organização foi reconhecida pelo bispo de São Paulo, o seu
estatuto religioso deixou claro que sua manutenção econômica deveria ser a mesma
de quando os seus membros ainda eram ‘simples’ leigas. Apesar de terem sido
institucionalizadas como religiosas, o Estatuto isentava a Igreja e seus prepostos de
sustentá-las: “... as Irmãs se manterão com o produto de seu trabalho, com as
esmolas, donativos e legados que lhes forem feitos e com os rendimentos dos bens
que vierem a possuir” (ESTATUTOS DISCIPLINARES, 1905, II, § XII apud
MARCON, 1992, IV).
O autor do Estatuto, frei Bernardino de Lavalle, apropriou-se do texto de 1896,
cuidando apenas de substituir no novo texto o vocábulo “mestras”, do texto civil, por
“irmãs”. Tal como o povo, cabia às irmãs sustentarem com o seu trabalho as casas
onde viviam. Enquanto trabalhavam, também se empenhavam para recrutar novas
adeptas e novas trabalhadoras. Com 20 anos de existência, o número de religiosas
passou para 40, distribuídas em 7 casas e em 4 cidades distintas: Piracicaba,
Descalvado, Campinas e Jundiaí. A obra espiritual se fundamentava, então, na vida
ativa de irmãs, que se dedicavam ao cuidado das crianças pobres, dos doentes e
dos idosos. Não obstante, a motivação religiosa para tais ações, o patrimônio
material, aumentava e financiava o desenvolvimento espiritual da organização.
142
Ainda que se considere a conventualização da vida religiosa como impositora da
clausura e das “obrigações de coro” a todos os religiosos, indistintamente, ela não
interrompeu a dinâmica da economia religiosa vivenciada pela Congregação das
Irmãs Franciscanas105. Fundamentada nessas orientações, sua primeira
Constituição, de 1921, indicou que o trabalho apostólico, interpretado como
expressão do “espírito de caridade e de sacrifício ao bem do próximo”, deveria se
secundado pelo “consagrar-se inteiramente no serviço do Senhor, dirigindo tudo a
Deus” e cumprir a “fiel observância dos Divinos Mandamentos, dos Preceitos da
Igreja e da Santa Regra, unida às Constituições” (CONSTITUIÇÕES DAS IRMÃS
TERCEIRAS FRANCISCANAS DE PIRACICABA, 1921, cap. 2, § 22). Para todos os
efeitos, segundo a lógica vaticana, o modelo de vida consagrada continuava sendo o
monacal. Ao valorizar as práticas espirituais em detrimento das apostólicas, o
Código de Direito Canônico, de 1917, realçava a desvalorização das religiosas
congregadas em relação às monjas. Prova disso é que, em 1948, foi reeditado um
documento de 1910, no qual, os bispos, que tanto recorriam ao trabalho das
religiosas congregadas, enfatizavam a superioridade da vocação monacal:
O mundo, ainda que nem sempre lhes preste seus favores, acolhe de bom grado os Institutos de caridade de mulheres, e às vezes se ufana de proclamar que reconhece neles a expressão perfeita da religião (...).Certo, porém é que a vida no claustro é a mais perfeita das que se podem seguir no seio da Igreja; que esta tem, nesses privilegiados refúgios das almas escolhidas seu mais precioso ornamento e a melhor mostra de sua vitalidade sobrenatural. (EPISCOPADO BRASILEIRO, 1950, cânones 1321-1322, grifo nosso)
Para não comprometer a tradicional definição tridentina sobre a vida religiosa, a
Igreja, que havia promovido e incentivado as congregações religiosas, passou a
utilizar o artifício discursivo de afirmá-lo, mas ao mesmo tempo negá-lo. Agindo
dessa forma, a Igreja afirmava que, em tese, para ela só havia um estilo de vida
105 Tradicionalmente o termo “clausura” dizia respeito ao estilo de vida monástica, com a separação total do mundo. O CDC de 1917 distingue “clausura comum”, que passa a ser identificada como uma área reservada da casa ou convento, destinada apenas aos religiosos e que ninguém podia adentrar sem a licença do bispo. As “obrigações do coro” dizem respeito aos ofícios litúrgicos de que os religiosos devem participar, segundo as “horas canônicas” distribuídas ao longo do dia e da noite. O pouco tempo que lhes restava era dedicado a atividades secundárias, as quais deveriam, em tese, ser divididas entre todos os monges e monjas. Como os mosteiros reproduziam a estratificação social, havia também dentro deles uma divisão social que separava os bem-nascidos e os intelectuais, dos pobres e incultos. Os primeiros eram chamados de “coristas” e os segundos, de “oblatos” (CDC, 1917, can. 604 e 610, respectivamente).
143
religiosa, e que a concessão feita fora circunstancial. Foi justamente o que fez Dom
Barreto. Ainda que o Código de Direito Canônico determinasse a retomada de
práticas conventuais, o bispo estimulava as irmãs a abrirem novas casas para
assumirem novos postos de trabalho. Ele sabia que todo o contingente das irmãs
estava envolvido em atividades externas, em oito obras assistenciais, as quais, por
sua vez, garantiam o sustento da estrutura religiosa da organização e construíam a
visibilidade da Igreja. Sabedor da força social das congregações religiosas, ele não
descumpre as determinações do Código de Direito Canônico e, ao impor a
Constituição de 1921, segundo as determinações do CDC de 1917, deixa às irmãs a
responsabilidade de interpretar e cumprir as determinações conventuais. Não
aparecem, nos documentos pesquisados, determinações exigindo o cumprimento
daquelas leis e, tampouco, sanções disciplinares, deixando entrever uma velada
distinção entre a lei e a prática social.
As exigências impostas pelo CDC, e integralmente reproduzidas nas primeiras
constituições, selavam a efetivação da conventualização, que começara na
transformação do organismo leigo em congregação religiosa. Para além do ato
canônico, era preciso que as congregações assumissem os contornos desejados
pela Igreja e rompessem com seu antigo passado, assumindo o projeto eclesial, o
que, de certa forma, rompia com as principais características do movimento
congregacional. Nesta perspectiva, o problema não eram as atividades laborais, mas
o que o exercício delas, no mundo, poderia despertar nas religiosas. A
conventualização da vida congregacional não impôs às religiosas deixarem o mundo
e irem para clausura, o que era impossível. Ela impunha que as religiosas vivessem
no mundo como se estivessem enclausuradas e se comportassem como monjas,
dando especial interpretação ao mandamento evangélico: “estais no mundo, mas
não sois dele!” (Jo 15,19). Nessa nova interpretação, a clausura deixa de ser um
espaço para ser um modo de vida e, para o fiel cumprimento disso, a obediência aos
ditames eclesiásticos era peça chave.
Não se pode esquecer que uma das principais características do movimento
congregacional foi o envolvimento das religiosas com a realidade do mundo do
trabalho, o que a Igreja tratou de regrar na medida em que institucionalizou suas
organizações. Para evitar o envolvimento das religiosas com essa realidade, a
instituição fez uso de uma espiritualidade que descaracterizava toda possibilidade de
144
identificação com a luta dos trabalhadores, tornando o lugar social delas mais
próximo ao dos donos do capital. Recorrendo a espiritualidade monacal, expressa
através do lema “ora et labora”, vivenciada nos mosteiros medievais ligados a
tradição beneditina, enfatizou a atividade laboral como fruto da espiritualidade e vista
como meio para garantir a sobrevivência e autonomia das religiosas. A questão é
que, entre a economia comunal medieval dos mosteiros e o tempo do movimento
congregacional, havia a modernidade, a urbanização e especialmente o capitalismo,
centrado não apenas no capital, mas também no trabalho, na disciplina e na
austeridade de uma vida ascética, legitimada pela moral religiosa (WEBER, 2001).
Ainda que Weber tenha analisado o impacto da ética calvinista no capitalismo,
também os fautores da Contrareforma católica e, especialmente, os jesuítas,
contribuíram para o sucesso dele. Buscando garantir meios para se manter na
sociedade liberal, a Igreja Católica, através da fiel obediência disseminada em suas
organizações, legitimava a ordem social estabelecida.
Dentre essas, papel fundamental tiveram as congregações, as quais, através das
instituições escolares e caritativas, se dispuseram a contribuir na formação de um
povo disciplinado, ordeiro e trabalhador. Para isso, foi fundamental o sentimento de
pertença à instituição, que fazia com que as religiosas assumissem como seus os
interesses eclesiais, de forma que, sendo possuídas, se tornavam também
possuidoras da organização. (LAGROYE, 2009). Em razão disso, a dedicação
integral à atividade pastoral, ou à vida ativa, vivenciadas pelas congregações
religiosas, não poderiam ser classificadas como relações trabalhistas, compreendida
como venda da mão de obra ao dono dos meios de produção, pois, sendo membro
e, também, possuidoras da organização religiosa, elas se beneficiavam daquela
realidade, pois, acreditavam piamente em uma economia religiosa, onde tudo
pertencia à organização, responsável por todas106. Nessa perspectiva, as religiosas
não se compreendiam como “assalariadas”, pois não vendiam sua força de trabalho,
e, apesar de muitas vezes se referirem às côngruas recebidas das obras onde
106 Embora devamos respeitar as devidas proporções temporais, a reflexão de Karl Marx presente no texto “Introdução à contribuição à Critica da Economia Política”, no qual o autor apresentava o seu livro “Contribuição à Critica da Economia Política”, publicado pela primeira vez por Kautsky, em 1903, lança luzes para compreender o sucesso de uma economia religiosa, tal qual a citada acima. Ele destaca que a produção moderna quando associada à ideologia do sistema comunal, - a qual exige a plena confiança dos membros, que abrem mão de sua individualidade em detrimento do grupo -, possibilita um acúmulo de riqueza coletivo justamente porque o processo “do ganhar” ultrapassa o interesse individual do “ganho” (MARX, 2008, 237-268)
145
prestavam serviços em nome da Congregação como salários, elas não dependiam
dele para sobreviver. Essa espiritualidade fazia com que as freiras, embora próximas
das realidades do mundo do trabalho, fossem destituídas do lugar político de
trabalhadoras. Eram elas sabedoras que, tendo consagrado toda sua vida à
organização e se colocado a serviço dela, através da vivência dos três votos
religiosos, nada lhes faltaria; realidade bem diferente do operário, que dependia tão
somente de seu salário.
Em síntese, a conventualização era a garantia de que as ex-organizações leigas,
convertidas em congregações, se perfilariam ao lado da Igreja e dos interesses
sociais que lhe beneficiavam, e não ao lado dos trabalhadores.
De outro lado, podemos observar também, que, para além de uma economia
religiosa, havia uma “mística” que alimentava a consagração das freiras, fundada no
ato de trabalhar diuturnamente. A dedicação ao trabalho se constituía, então, no
meio como as congregações religiosas provavam à Igreja que a dedicação e
pertença eclesial das religiosas eram tão intensas quanto às das monjas de
clausura. Se estas consagravam suas vidas às atividades litúrgicas nos claustros, as
congregacionistas consumiam as suas no serviço social nas escolas, nos orfanatos,
nos asilos e nos hospitais, suas novas clausuras. Essa nova forma de viver a
consagração se constituía em uma nova representação da pregação. Se o clero
fazia uso da palavra para pregar e, apenas em alguns momentos, as religiosas
pregavam cotidianamente com suas práticas corporais (LEONARDI, 2010). Se as
primeiras transportavam o mundo para dentro dos conventos, as segundas
transformaram os lugares públicos em conventos.
Para além do retorno econômico, ao se confessarem pobres para servir os pobres e
viverem de forma simples como eles, as religiosas alcançavam reconhecimento
social dos católicos e até daqueles que viam suas obras como práticas de
benemerência altruísta, importante capital social em uma sociedade dominada por
relações econômicas ditadas pelos homens.
146
4. O franciscanismo, a pobreza e o trabalho
Para construção de uma representação de congregação trabalhadora, a pertença ao
movimento franciscano foi fundamental. Expressão de uma das maiores famílias
espirituais, o franciscanismo empresta a muitas ordens e congregações religiosas o
nome, o modo de ser e pensar, enfim, todo o seu patrimônio. A própria Ordem dos
Frades Menores Capuchinhos, à qual pertencia o fundador ou cofundador da
Congregação que estudamos, é fruto de uma reforma franciscana do século XVI
movida por um grupo de frades, que se atribuíam como autênticos herdeiros da
espiritualidade franciscana, se constituindo o terceiro ramo ao lado dos Frades
Menores Franciscanos Conventuais e dos Frades Menores Franciscanos
Observantes (MARTINA, 1997).
Dentre as mais de cem congregações imigradas que se instalaram no Brasil, entre
1830 e 1930, um quinto delas se afirmava vinculada à família franciscana.
Estrategicamente, elas adicionavam um complemento espiritual próprio da
espiritualidade do seu tempo, o que fazia delas uma nova organização franciscana
(BEOZZO, 1986): Franciscanas do Sagrado Coração de Jesus, Franciscanas
Missionárias do Santíssimo Sacramento, Franciscanas da Imaculada Conceição,
Franciscanas de São José, dentre outras. Até como proposta de reforma religiosa,
essa prática acabou sendo incentivada pela Santa Sé, quando definiu que as novas
congregações deveriam assumir um vínculo mais estreito como uma das tradicionais
famílias religiosas; isto lhes daria uma identidade mais definida, reconhecida pela
sociedade e pela Igreja. Em razão disso, muitas congregações brasileiras, até sem
vínculo oficial com uma das Ordens franciscanas, também se afirmam herdeiras
espirituais de São Francisco de Assis (SASTRE SANTOS, 1997)107.
107 Um dos casos mais interessantes é o movimento religioso conhecido como Toca de Assis, fundado em 1994, na cidade de Campinas, que nasceu como uma associação de fieis, recebendo o nome de Fraternidade de Aliança Toca de Assis. Sem possuírem vínculo algum com ordem ou congregação franciscana, eles se afirmam seguidores de Francisco de Assis e se fazem próximos dos excluídos da sociedade, especialmente as pessoas em situação de rua. Não obstante, trata-se de um movimento religioso extremamente conservador. Apresentam-se como novidade, mas são tradicionalistas. (PORTELLA, 2009).
147
Sendo organizações recentes, apresentam-se como uma novidade fundada em uma
suposta tradição, em algo a que Hobsbawn denominou “tradição inventada”108.
Segundo este autor, a Igreja Católica é uma das instituições que mais faz uso da
tradição inventada, pois esta é a forma de ela se manter como continuidade: “Houve
adaptação quando foi necessário conservar velhos costumes em condições novas
ou usar velhos modelos para novos fins.” (HOBSBAWN, 1997, p. 12).
Na Congregação estudada, a pertença à família franciscana precede a sua fundação
oficial. Já na formação do grupo de terceiras, definiu-se a identificação ao
franciscanismo reinterpretado pelos frades capuchinhos. Foram eles, então, os
responsáveis pela divulgação de uma representação cultural franciscana no final do
século XIX, supostamente apresentada como herdeira daquela espiritualidade
medieval. Em se tratando de um novo tempo, de um novo espaço, de novos
desafios e novos atores sociais, a espiritualidade romanizada era apresentada como
continuidade da medieval. Do franciscanismo original, pouca coisa restava. Para
todos os efeitos, aquele grupo de mulheres se apresentava como franciscano. Isso
ficou patente na agregação realizada à primeira e à segunda ordem franciscanas
(MARCON, IV, 1992). A partir daquele momento, a organização religiosa feminina
era reconhecida como membro da família franciscana, todavia sob a vigilância dos
bispos e dos capuchinhos. Fora feita franciscana, mas profundamente
institucionalizada.
O principal pilar da espiritualidade congregacional era a vivência dos três votos:
castidade, pobreza e obediência; porém, o segundo sempre fora o principal
identificador daquela ordem religiosa, que esteve na base do movimento
mendicante, como crítica social ao fausto do alto clero. Justamente por se propor a
viver a radicalidade do Evangelho, Francisco teria proposto a seus companheiros
serem os menores entre os menores, clara referência ao nome da nova ordem (LE
GOFF, 2001).
Quando, portanto, na cidade de Piracicaba, no final do século XIX, frei Luiz
apresentou àquelas leigas terceiras a proposta de cuidarem das crianças pobres,
108 “Por ‘tradição inventada’ entendemos um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas: tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado” (HOBSBAWN, 1997, p. 8).
148
ainda que isso estivesse em profunda sintonia com a proposta de sua ordem
religiosa, de forma implícita e, ao mesmo tempo, muito enfática, ele a associava aos
problemas e resistências enfrentados pelos capuchinhos com relação àqueles que
se afirmavam liberais. Ao associar o escopo do nascente grupo a uma das mazelas
causadas pela sociedade liberal que se modernizava, a orfandade, o frei
apresentava uma nova representação daquela espiritualidade. Da mesma forma que
o franciscanismo medieval emergira de um apelo muito concreto da realidade, ele
propunha que aquele grupo não fosse um mero grupo de religiosas auxiliares das
missões capuchinhas, como elas pretendiam, mas que exercessem uma missão
descurada da sociedade piracicabana, o cuidado das meninas órfãs da cidade. Ao
definir como o grupo viveria, ele lhe apresentou a necessidade de ser pobre e de
trabalhar para viver. Tal proposta era também uma veemente resposta à sociedade
liberal piracicabana, que via na Ordem Franciscana a evocação das decadentes
ordens religiosas sustentadas pela Coroa. Todavia ele, e aquele novo grupo
feminino, eram franciscanos, mas eram outros, portanto, diferentes daqueles que os
liberais criticavam. Aquele grupo nada possuía, e viveria da caridade daquela
sociedade, e ainda a ajudaria a resolver um dos mais graves problemas sociais da
época: a infância desvalida.
Em 1921, a segunda superiora geral, em seu primeiro relatório, sem se preocupar
em fornecer informações sobre as receitas e as despesas da organização, de forma
sumária escreveu: “... pode-se afirmar que a pobreza franciscana foi observada
regularmente em todas as casas, não faltando, às irmãs, o necessário, e nada
possuindo elas de supérfluo” (RELATÓRIO 1918-1921, §3). Vinte e cinco anos
depois, a madre superiora, Irmã Maria São Francisco do Divino Coração, enviou o
Relatório de 1945, no qual informava ao novo bispo de Campinas, Dom Paulo de
Tarso Campos, o crescimento numérico de religiosas e o balancete detalhado.
Assim ela escreveu:
Tenho a satisfação de apresentar a V. Excia um relatório que dará a conhecer em geral o movimento financeiro, o religioso das casas, e uma pequena estatística dos membros da Congregação. O que mais se salientará de tudo isso, creio ser a predominância da santa pobreza, o que constitui a maior riqueza para as filhas do pobrezinho de Assis. (sic). (RELATÓRIO de 1939-1945, p. 1, grifo nosso)
149
Se tirássemos as referências cronológicas dos dois discursos, poderíamos dizer que
são atemporais e fundados na mesma perceptiva de uma economia religiosa, fruto
do trabalho disciplinado e de uma rígida austeridade em prol da organização. Em
nenhum deles há menção ao acúmulo de bens materiais; no entanto, o que
verificamos na sequência de relatórios é a existência de uma curva sempre
crescente no número de religiosas e de bens materiais. Neste sentido, os textos são
falaciosos, pois o fato de afirmar que as irmãs eram pobres não significa dizer que a
organização tenha se mantido pobre, pois os mesmos relatórios, desde 1909, já
afirmavam que tinha havido crescimento econômico. A questão não era o acúmulo
de bens, mas como a Congregação interpretava o uso dele, como isso repercutia no
cotidiano das religiosas e na sociedade.
O segundo texto faz um jogo de palavras, permitindo entender que a pequena
côngrua recebida pelo trabalho de cada uma das religiosas franciscanas, nas casas,
fez a riqueza da Congregação. Entretanto, o que a madre superiora não disse foi
que grande parte daquele patrimônio advinha, também, das doações dos
beneméritos, que viam como necessária a manutenção do status quo de uma
sociedade pretensamente católica. Na medida em que a sociedade se secularizou,
as doações diminuíram drasticamente. Além disso a questão central não residia na
austeridade de vida, pois se supõe que tal prática fizesse parte da essência da vida
religiosa, mas na interpretação de que o acúmulo de bens, para custear as obras da
Organização, era fruto do trabalho das religiosas que viviam a radicalidade da
pobreza franciscana. Aquele estado de espírito legitimava a dedicação das
religiosas, que transformavam seus locais de trabalho em verdadeiros claustros. Ao
invés da contemplação, o trabalho diuturno. Tal espiritualidade justificava, e
“autorizava”, que cada singular irmã visse o fruto de seu trabalho não na perspectiva
do acúmulo de bens, mas na perspectiva religiosa, como um fim religioso para
aquela prática mundana.
Por fim, destacamos que a interpretação dada pelas religiosas destoava da teologia
franciscana. Enquanto essa aponta que a essência daquela espiritualidade afirmava
não bastar trabalhar e viver como pobre, mas que os bens materiais, como fruto do
trabalho e dons de Deus, ao invés de serem acumulados, deveriam ser totalmente
distribuídos aos pobres, aquelas entediam, e reproduziam, que o trabalho exercido
nas obras tinha como objetivo criar meios para as irmãs servirem os pobres.
150
5. A espiritualidade da pobreza e a gestão racionalizada das obras
É consenso para a Congregação das irmãs Franciscanas do Coração de Maria que,
nos seus 12 anos como superiora geral, Irmã Cecília se dedicou ao seu crescimento.
Um dos documentos mais significativos sobre este tema é uma troca de
correspondências entre ela e o bispo. Em uma de suas cartas, no ano de 1909, ela
pedia a interferência de Dom Nery, para que ela pudesse cobrar do padre da cidade
de Descalvado o que com ele fora acordado:
... Tenho em Belém do Descalvado três irmãs para o serviço da Santa Casa e elas recebem mensalmente o ordenado de 150$000 reis, mas o Revmo vigário daquela paróquia é de parecer que a quantia que elas ganham a devolva em beneficio do Asilo que ele mesmo fundou e dirige e no qual tenho também cinco outras imãs; de modo que no ano passado ele recebeu da superiora local um 1.500$000 sem eu nada saber se não depois do fato completo.
Ora a mim me parece que continuar dessa maneira não é possível, pois está exclusivamente a meu cargo a compra de fazenda de lã, que é caríssima, para vestir as Irmãs de todas as casas sem contar as múltiplas despesas comuns que tenho e por isso me parece que todas as pequenas economias das Irmãs das casas filiais deveriam ser devolvidas à casa matriz de Piracicaba que tem despesas para todas, como porquanto me consta, é também a praxe de todas as outras congregações. Outrossim, chamo a atenção de V. Exma. Revdma. que nesta casa matriz temos as noviças e postulantes que acarretam não poucas despesas e além disso em breve devo mandar construir uma nova sala de trabalho e outras acomodações desde muito tempo reclamadas, mas que não foi possível até agora por falta de recursos (sic). (FONTES HISTÓRICAS, 1985, p. 56, grifo nosso)
Ao que o bispo manifestou: “Acho muito justo a ponderação que faz Vossa Caridade
a respeito da contribuição de casas filiais para as despesas da casa mãe. Escreva,
pois ao vigário de Descalvado significando isso mesmo” (FONTES HISTÓRICAS,
1985, p. 56).
Nesses dois textos vêm, expostas, as finalidades com as quais se realizam os
convênios: subsidiar as despesas da organização religiosa com a manutenção da
estrutura, das irmãs, das formandas, e com a expansão do projeto. Era isso que
estava, inclusive, na base da proposta feita pelo fundador/cofundador: As irmãs
deviam trabalhar. Além disso, a nascente congregação adotava o modelo e a
expertize de uma gestão racionalizada e disseminada pelas congregações
imigradas, que reproduziam fielmente as orientações eclesiásticas, o que faziam
delas micro esferas, células reprodutoras do projeto macro da instituição,
151
Ainda que Irmã Cecília tenha usado indevidamente a expressão “salário” ao se
referir à côngrua que a superiora local recebia relativa às atividades desenvolvidas
pelas irmãs, ela expressou a realidade de exploração vivida pelas congregações
religiosas, contratadas pelo próprio clero, pelos poderes públicos ou por empresas
privadas, os quais, em nome da caridade, não lhes repassavam os valores devidos.
A firmeza da superiora geral revela sua resistência em aceitar que as religiosas
fossem reduzidas a meros instrumentos da ação caritativa do vigário de Descalvado.
Ela afirmava a importância do trabalho das religiosas para fazer face às despesas
comuns de manutenção da Congregação. Segundo ela, tais despesas deveriam ser
pagas com as economias das casas, o que indicava a austera vida das religiosas,
fato que pode ser depreendido na referida carta, ao indicar que naquele ano as
religiosas daquela comunidade haviam devolvido Rs 1.500$000 ao padre, resultando
que as mesmas fizeram uso de apenas Rs 300$000. Essa informação também se
fez implicitamente presente no relatório da superiora geral, do ano de 1921, quando
afirmou “que nada faltava às irmãs, mas também nada possuíam de supérfluo”
(RELATÓRIO de 1921, §3).
A carta apresenta uma velada denúncia contra a atitude do padre da cidade e, por
extensão, à cultura clerical e patriarcal que ainda via o trabalho das religiosas como
caridade, e, considerava que elas não precisavam de dinheiro para sobreviver.
Entretanto, cabe lembrar que a própria superiora reproduzia tal cultura, pois ela
reclamava do padre em razão de ele ter tomado de volta o dinheiro repassado, mas
não pelo fato de explorar o trabalho das religiosas como forma de montar os
serviços de cuidados a custos baixos, e, como uma boa saída para sanar as crises
deficitárias de tais instituições109. Assim, no jogo de múltiplos interesses, as
religiosas, ainda que obtivessem ganhos materiais e simbólicos menores, podiam
avançar e construir o seu patrimônio cultural. Esta era a dinâmica dos interesses que
moviam a sociedade (BOURDIEU, 1997).
109 Luciana Mendes Gandelman, ao estudar a Santa Casa da Misericórdia, do Rio de Janeiro, informa que Clemente Pereira, membro da irmandade de Nossa Senhora da Misericórdia e provedor da Santa Casa, que fora também ministro do império, em 1852, trouxe religiosas da Companhia de São Vicente de Paula, de Paris, para serem “enfermeiras” no Hospício Pedro II, as quais ensinavam as noções práticas de enfermagem às futuras religiosas. A autora destaca que a administração desse provedor é considerada uma das mais eficientes, por haver conseguido ampliar o número de serviços ofertados e, ao mesmo tempo, aumentar as finanças (GANDELMAN, 2001).
152
Com a primeira Constituição em 1921, fixava-se a praxe de que as superioras
deveriam, ao final de seu governo, prestar contas sobre toda a vida da organização
em seus relatórios, ficando evidente a força da jurisdição episcopal, que tudo vigiava
e controlava, incluso o poder das superioras gerais (CONSTITUIÇÃO, 1921, 137).
Como, após o reconhecimento pontifício, obtido em 1956, a Congregação foi
desobrigada de prestar contas ao bispo diocesano, nos deteremos a analisar os
relatórios do período de 1921 a 1951, quando ela estava sob o direito diocesano e
assumiu plenamente o projeto da Igreja, tornando-se sua fiel reprodutora110.
Ao nos debruçarmos sobre o estado econômico, encontramos, nos vários relatórios,
os demonstrativos sobre a movimentação econômica e as contribuições que cada
casa repassava para o governo central, para custear a manutenção da organização
e socorrer as casas deficitárias. A simples existência de controles econômicos em
uma instituição religiosa, o que não é apanágio apenas desse organismo mas de
uma expertise construída pela Igreja e reproduzida pelo movimento congregacional,
demonstra o crescente grau organizacional que as congregações desenvolveram ao
longo de sua história.
A crescente padronização na inserção de precisas informações sobre as entradas e
as saídas de todas as casas, bem como a permanência dessa prática, mesmo
depois de ter sido desobrigada em 1956, indicam a assimilação que se fazia
necessária para medir o crescimento material da organização, primeiro aos
sucessivos bispos, e, depois, às próprias religiosas. Apesar de não haver, nos
Arquivos, relatórios de todos os governos gerais, os existentes trazem importantes
informações que ajudam a compreender como o crescimento econômico possibilitou
a implantação do projeto religioso da organização que tinha como escopo formar o
seu capital espiritual-cultural que lhe permitisse desenvolver sua missão.
Quadro n.º 1 - Relação dos bispos, período, madres e balancetes entre 1921 e 1951
Bispo Período Madre superiora Envio de Relatório
Dom Francisco Barreto
1921-1927 Ir. Gertrudes Maria do Divino Amor Não 1927-1933 Ir. Gertrudes Maria do Divino Amor Balancetes anuais 1933-1939 Ir. Maria São Francisco do Divino Coração Não
110 Lembramos que ao receber a aprovação pontifica no ano de 1956, a Congregação foi desobrigada de enviar relatório ao bispo diocesano, muito embora passou a apresentá-lo à Assembleia Capitular realizada no encerramento de cada governo.
153
1920-1941 1939-1945 Ir. Maria São Francisco do Divino Coração Relatórios anuais 1940, 1942,1945
Dom Paulo de Tarso 1942-1968 1945-1951 Ir. Angelina Maria da Sagrada Face completo
(Quadro elaborado pelo autor com base nos Relatórios)
Considerando que as duas madres superioras que governaram a Congregação entre
1921 e 1945 tiveram seus governos duplicados, apesar de descumprirem a
obrigação de apresentar relatórios, entendemos que ambas foram amplamente
apoiadas por Dom Barreto. A parcial, ou total ausência desses documentos indicam
que o bispo se preocupou mais com os resultados finais que com a formalidade da
lei. Entretanto, verificamos que Irmã Maria São Francisco do Divino Coração, que
não havia enviado relatório de seu primeiro governo, tratou de fazê-lo logo após
chegada do novo bispo, Dom Paulo de Tarso Campos, que assumiu a diocese de
Campinas em 1942. Se ela só o fez naquele momento, pode ter sido por não desejar
colocar em risco o processo da aprovação pontifícia, que a Congregação esperava
desde a sua fundação. Na mesma linha de raciocínio, parecem ficar claras as razões
da prestação de contas da madre Irmã Angelina Maria da Sagrada Face, de 1951,
ser a mais completa de todas, com indicações de rendimentos e detalhes que
relatório algum apresentou.
Constatamos que, além das costumeiras prestações de contas, as duas referidas
superioras apresentaram relatórios sobre o ativo e o passivo, para demonstrar ao
bispo a autossuficiência alcançada, fato a ser relatado à Congregação dos
Religiosos, em Roma (RELATÓRIOS 1941, 1945-1951, Anexo 6). Cabe lembrar que
a primeira aprovação, denominada “Decreto de Louvor e Recomendação”, se deu
em 1945, quando havia apenas três anos que o novo bispo, dom Paulo de Tarso,
chegara a Campinas, o que poderia significar como a eloquência dos números
superava o pouco conhecimento do eclesiástico sobre ela, permitindo que ele
enviasse suas recomendações à Santa Sé111.
Apesar de não haver Relatórios e balancetes dos 29 primeiros anos da organização,
buscamos relacionar informações esparsas contidas em vários documentos. A
111 Os dois documentos que foram emitidos são: Decreto Pontifício de Louvor e Recomendação da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, emitido em 02 de dezembro de 1945, e o Decreto de Aprovação Definitiva das Constituições da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, emitido em 06 de dezembro de 1956 (MARCON, 1992, IV).
154
primeira delas é que, as 3 primeiras superioras gerais que a governaram, fundaram
16 obras, sendo 7 próprias e 9 conveniadas. Dois documentos indicam os valores
acordados com os contratantes na fixação da côngrua das religiosas. A carta da
superiora geral, enviada ao bispo em 1909, informa que as 3 irmãs do Hospital de
Descalvado recebiam Rs 150$000. A segunda informação procede do testemunho
dos frades sobre a abertura da obra no Asilo de Idosos, em Piracicaba, no ano de
1917, onde quatro irmãs recebiam um benefício de Rs 120$000 mensais, além da
manutenção da casa, capela e assistência médica (MARCON, 1992, IV). Paula
Leonardi confirma essa média de repasses econômicos às religiosas, ao indicar, em
sua pesquisa Além dos espelhos, que, por volta de 1910, ao chegar à cidade de
Campinas, a Congregação das Irmãs Calvarianas recebeu de um padre a oferta de
um “salário de cinquenta réis para cada irmã”, o que, segundo a autora,
correspondia ao salário de uma cozinheira (LEONARDI, 2010)112.
Ao compararmos tais valores com uma planilha de pagamentos – a dos funcionários
da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, do Rio de Janeiro, de
outubro de 1910 – que indica os vencimentos de várias categorias de trabalhadores,
vimos que o valor repassado às freiras era baixo. Naquela instituição, um servente
da Escola ganhava Rs 100$000; um operário com baixa qualificação, ganhava de Rs
100$000 a Rs 150$000; um escriturário, Rs 2400$000 e um professor de desenho,
Rs 3600$000113. Vemos, por essas informações, que, mesmo as irmãs francesas,
devotas ao ensino das filhas da elite de Campinas, recebiam metade do valor pago a
um servente da referida escola do governo, fato já indicado por Paula Leonardi.
Entretanto, cabe destacar que, enquanto os trabalhadores contavam apenas com
seus salários para suas despesas, as côngruas das religiosas, ainda que menores,
eram livres das despesas com moradia, alimentação, e com os serviços litúrgicos
gratuitos, que estavam sob a responsabilidade dos contratantes, cabendo a elas, tão
somente, o custeio de despesas pessoais, que, segundo a informação da carta de
1909, girava em torno de 20%. Embora não tenhamos informações sobre todos os
itens do custo de vida da época, encontramos dados de que, na cidade do Rio
112 Vemos, por esta citação que o uso da expressão “salário” era comum para se referir à côngrua das religiosas. Através do cruzamento com outras fontes, cremos que a referida autora se houvesse equivocado no lançamento da informação. Se assim for, onde se lê “cinquenta réis” deve ser lido “cinquenta mil réis”. 113 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-8319-20-outubro-1910-517122-anexo-pe.pdf Acesso em: 05 jan. 2016)
155
Janeiro, em 1903, o aluguel de uma casa para quatro pessoas girava em torno de
Rs 35$000 a Rs 50$000, e o aluguel de um quarto de cortiço custava por volta de Rs
12$000, enquanto o salário de um operário tecelão girava em torno de R$ 78$000
(LOBO, 1971). Tais valores demonstram que apenas o aluguel de uma casa
consumia quase metade do salário de um operário, sem contar alimentação e outras
despesas. Como as religiosas ganhavam a côngrua e mais a manutenção da casa, é
necessário destacar que o valor total acabava sendo maior e, em alguns casos,
talvez até ultrapassasse o ganho de um operário. Todavia, conforme o tempo foi
passando, embora tenha havido um aumento no número de religiosas e de casas e
da própria inflação, que teria contribuído para um aumento, a proporção individual
das côngruas diminuía (MUNHOZ, 1997).
Quadro 2: Lançamentos anuais das contribuições das casas
A B C D E 1927 17 Rs 24:287$400 82 Rs 24$682 1932 19 Rs 46:843$300 111 Rs 35$167 1940 26 Rs 87:554$200 165 Rs 44$219 1941 26 Rs 127:561$900 167 Rs 63$653
(Quadro elaborado pelo autor com base nos Relatórios)
Legenda: A- Ano B- Número de obras (próprias e conveniadas) C- Contribuição anual das Casas D- Universo de irmãs na organização E- Média mensal per capita das contribuições
A partir dessas informações, concluímos que:
a) Apenas em 1941 o valor repassado ao governo geral ultrapassou a média
das côngruas recebidas em 1909, no Hospital de Descalvado, que fora de Rs
50$000. Se considerarmos a informação da carta de Irma Cecília, de que,
naquele ano, o padre teria sequestrado 1500R$000, entendemos que aquelas
religiosas retiveram para si, algo em torno de 20% do valor recebido. Ainda,
se considerarmos que as religiosas de 1941 retiveram 50% para si, o valor
médio não passaria de 120R$000, quando a média de salário girava em torno
de Rs 220$000. Cabe lembrar que, no final de 1942, foi criada a nova moeda,
o cruzeiro, com objetivo de diminuir os zeros e assim mascarar o processo
inflacionário. Fica claro, então que os valores repassados pelos contratantes
era cada vez menor.
156
b) Apesar das entradas terem se mantido em níveis baixos, o número das
religiosas cresceu, o que se justifica em função da exigência da Santa Sé, de
que as congregações tivessem ao menos cem irmãs para pedir o
reconhecimento pontifício. Tal informação nos levou a concluir que, se o
número de religiosas aumentou e os repasses para o caixa central se
mantiveram baixos, menores ainda foram os valores atribuídos aos trabalhos
de cada religiosa.
c) Não obstante, o montante do valor total repassado ao caixa central aumentou
em função do número de religiosas, o que, por sua vez, estimulava o de
recrutamento de quadros, pois quanto maior o número de religiosas, ainda
que exploradas, mais as entradas aumentavam.
d) Como consequência de um volume maior de entradas, em tais balancetes se
verificou que, progressivamente, as contribuições das casas foram capazes
de suprir as despesas ordinárias da Casa Geral. O balancete de 1941 indica
que tais contribuições cobriram 90% das despesas, e, as outras entradas,
como donativos, juros e dividendos, legados e outras rendas, permitiam
saldar os 10% restantes e ainda constituir reserva monetária de
aproximadamente 30% das contribuições das casas (RELATÓRIO, 1941).
e) A opção por trazer a sede da Congregação para Campinas colaborou para
que a organização atingisse seus objetivos políticos e fizesse crescer os bens
simbólicos, mas o pesado e necessário investimento econômico acabou
impedindo-a de investir em novas frentes missionárias próprias
(RELATÓRIO,1927-1933).
f) O crescimento numérico da Congregação também exigiu forte investimento
econômico na formação de quadros, principalmente, na manutenção
econômica das candidatas. Analisando as informações relativas à entrada de
jovens apresentadas nos relatórios de cada governo geral, contabilizamos
que, entre 1920 e 1950, houve uma média anual de 72 candidatas
integralmente mantidas pela organização, isso perdurou até o final da década
de 1970; por sua vez, isso demandava um custo pesado para a organização.
Apesar desse alto investimento, já presente na carta de Irmã Cecília ao bispo
de Campinas, em 1909, a superiora geral, em 1945, afirmava que a maior
riqueza da organização era a pobreza das religiosas. Eis o fruto da economia
157
religiosa fundada na austeridade e no trabalho das religiosas, nas diversas
obras e/ou emprendimentos. Essa era a forma como a rígida regra da
pobreza franciscana se tornava meio para um dos fins mais importantes da
organização religiosa feminina: a obtenção do direito pontifício e, com ele, a
esperança da autonomia política, econômica e religiosa.
6. O “sacrifício” imposto às casas com obras conveniadas
Por razões políticas já sinalizadas acima, o Relatório do período entre 1946 e 1951 é
o único, em toda a série, que traz balancetes detalhados da movimentação
econômica da Congregação. Em razão disso, é possível verificar com precisão o
quanto cada casa angariava com o trabalho das religiosas, as suas despesas e o
quanto economizava para o envio ao caixa central. Isso nos possibilitou estabelecer
um nível de comparação revelando uma sensível diferença entre os dois tipos de
casas. Para tal verificação, analisaremos o balancete a partir de três óticas: primeiro
a partir do conjunto das informações; depois, especificamente, a partir do balancete
das casas com obras próprias, e, por fim, das casas com obras conveniadas, para
compreender qual a participação delas na formação do patrimônio monetário, bem
como as possíveis diferenças entre elas.
O relatório do governo de 1946-1951 informa que naquele sexênio havia 29 casas,
próprias e conveniadas, com um universo de 215 religiosas. Considerando que nos
72 meses daquele período todas as casas repassaram para o caixa central o total de
Cr$ 3.614.847,50, deduzimos que a media mensal per capita das contribuições foi
de Cr$ 233,51.
A partir dessas informações, tem-se a percepção de que a realidade do conjunto das
casas não mudou muito. Embora tenha havido uma elevação no valor médio das
contribuições, tais valores não se distanciaram muito do valor proporcional ao ano
de 1909. Se considerarmos que a côngrua devida a cada religiosa correspondia a
50% do salário mais baixo pago a um funcionário da Escola Superior de Agricultura
e Medicina Veterinária do Rio de Janeiro, o valor repassado às religiosas, em 1951,
pelas direções das respectivas obras, acrescido de 20% correspondentes às
despesas pessoais das religiosas, deduzimos que tais côngruas se aproximavam de
158
73% do salário mínimo da época, Cr$ 380,00, o que representaria um aumento de
23%. Entretanto, é preciso recordar que, já no ano seguinte, em 1952, o valor do
salário mínimo saltaria para Cr$ 1.200,00, indicando uma forte defasagem causada
pelo processo inflacionário dos últimos anos, o que, por sua vez, provocava
sucessivas greves gerais contra a carestia do custo de vida (CACHAPUZ, 2010;
FAUSTO, 1995).
Quadro 3 - Demonstrativo das casas com obras próprias 1946-1951
A B C D E F G Asilo Nossa Mãe – Piracicaba 19 Cr$ 2.083.720,70 76,16 4,00 Cr$ 2.056.105,20 Cr$ 22.264,90
Asilo Imaculada Conceição – Descalvado 7 Cr$ 577.417,70 21,1 3,01 Cr$ 543.900,70 Cr$ 13.458,00
Orfanato Santa Verônica – Taubaté 12 Cr$ 2.744.858,00 100,3
2 8,36 Cr$ 2.620.574,80 Cr$ 121.920,70
Orfanato Divina Providência - Amparo 9 Cr$ 2.516.171,60 91,97 10,21 Cr$ 2.375.981,10 Cr$ 137.500,00
Educandário Coração de Maria – Penápolis 15 Cr$ 2.241.961,50 81,94 5,46 Cr$ 2.086.965,10 Cr$ 152.746,00
Casa Coração de Jesus - São Paulo 5 Cr$ 430.991,20 15,75 3,15 Cr$ 355.765,50 Cr$ 68.304,70
Patronato São Francisco – Campinas 12 Cr$ 1.026.314,80 37,51 3,12 Cr$ 746.307,00 Cr$ 270.873,60
Instituto Nossa Senhora de Lourdes – Campinas 12 Cr$ 2.444.428,50 89,34 7,44 Cr$ 949.315,70 Cr$ 1.495.034,00
Educandário São José – Santa Catarina 5 Cr$ 74.963,30 2,74 0,54 Cr$ 65.584,20 0,0
Ttotal 96 Cr$ 14.140.827,30 Cr$ 11.800.499,30 Cr$ 2.282.101,90
(Quadro elaborado pelo autor com base nos Relatórios)
Quadro 4: Demonstrativo das casas com obras conveniadas: 1946-1951
A B C D E F G
Hospital Santa Cruz - São Paulo 6 Cr$ 379.609,00 13,87 2,3 Cr$ 130.141,40 Cr$ 249.541,70 Hospital São Vicente – Jundiaí 7 Cr$ 198.192,00 7,24 1,0 Cr$ 72.845,10 Cr$ 125.900,00
Clínica Santo Antonio - Campinas 4 Cr$ 71.831,00 2,63 0,7 Cr$ 15.445,70 Cr$ 56.350,00
Santa Casa - Piracicaba 11 Cr$ 197.873,40 7,23 0,7 Cr$ 42.404,70 Cr$ 155.400,00 Santa Casa - Sorocaba 14 Cr$ 203.396,90 7,43 0,5 Cr$ 40.555,40 Cr$ 162.801,50
Instituto Penido Burnier - Campinas 8 Cr$ 243.274,40 8,89 1,1 Cr$ 109.243,40 Cr$ 133.765,00
Santa Casa - Penápolis 5 Cr$ 73.688,90 2,69 0,5 Cr$ 20.123,40 Cr$ 53.900,00 Santa Casa - São Pedro 5 Cr$ 79.336,60 2,9 0,6 Cr$ 23.296,10 Cr$ 54.950,00
Santa Casa de Mogi Mirim 5 Cr$ 57.746,30 2,11 0,4 Cr$ 28.652,30 Cr$ 27.340,00 Santa Casa - Grama 5 Cr$ 44.486,50 1,63 0,3 Cr$ 9.486,50 Cr$ 32.500,00 Santa Casa - Limeira 6 Cr$ 102.661,70 3,75 0,6 Cr$ 44.955,40 Cr$ 57.000,00
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Faculdade de Medicina - Sorocaba 4 Cr$ 30.910,00 1,13 0,3 Cr$ 5.815,10 Cr$ 24.700,00
Santa Casa - Descalvado 5 Cr$ 40.006,80 1,46 0,3 Cr$ 12.282,80 Cr$ 28.100,00 Casa de Saúde – Dr. Francisco
Guimarães – RJ 4 Cr$ 28.947,00 1,06 0,3 Cr$ 10.859,70 Cr$ 18.454,90
Creche Bento Quirino - Campinas 8 Cr$ 49.307,70 1,8 0,2 Cr$ 17.847,50 Cr$ 31.802,00
Asilo de Velhos - Piracicaba 3 Cr$ 23.860,10 0,87 0,3 Cr$ 11.848,60 Cr$ 12.000,00 Vila São Vicente - Campinas 5 Cr$ 18.685,30 0,68 0,1 Cr$ 10.308,50 Cr$ 8.650,00
Cruzadas das Senhoras Católicas - Santos 6 Cr$ 252.418,00 9,23 1,5 Cr$ 168.155,70 Cr$ 83.043,00
Gota de Leite - Santos 5 Cr$ 29.391,80 1,07 0,2 Cr$ 24.491,80 Cr$ 4.900,00 Sanatório São Vicente –
Campos do Jordão 3 Cr$ 18.368.40 0,67 0,2 Cr$ 805,707,70 Cr$ 11.658,00
Total 119 Cr$ 2.143.992,00 Cr$ 805.707,70 Cr$ 1.332.755,60 (Quadro elaborado pelo autor com base nos Relatórios) Legenda: A- Casas e Obras B- Número de irmãs em cada casa/ obra C- Receitas do sexênio (72 meses ) D- Número de salários mensais por casa E- Média de salários por freira F- Despesas do sexênio de cada casa G- Contribuição do sexênio ao caixa da Congregação114 A partir dos quadros elaborados com os dados dos balancetes, constatamos as
seguintes conclusões:
a. O número de religiosas nas casas com obras próprias, salvo algumas
exceções, era bem superior ao das casas com obras conveniadas. Uma
justificativa possível é que, nas últimas, o número era definido pelo contrato, o
qual, por sua vez, estava condicionado ao valor a ser repassado para cada
casa. Disso decorre afirmar que, o contrato exigia que as religiosas
designadas fossem jovens, produtivas e, na medida do possível, qualificadas
para o escopo daquela obra. Isso não significa afirmar haver duas classes de
religiosas: as destinadas às obras próprias e outras às obras conveniadas;
ou, pelo menos, nada encontramos sobre isso, até porque haveria certa
lógica em reservar as religiosas mais capacitadas para o trabalho nas obras
próprias da Organização. Entretanto, também é fato que, especialmente os
convênios com os hospitais, progressivamente passaram a exigir que as
religiosas nomeadas para aquelas funções tivessem algum conhecimento na
114 Este valor não resulta simplesmente da diferença entre C e F, pois algumas casas retinham uma pequena reserva para o mês seguinte ou acrescentavam um pequeno montante para aumentar o valor da doação.
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área, o que, exigia um investimento não previsto até então. As casas com
obras próprias possuíam mais religiosas porque a gerência da obra era da
Congregação, sendo ela a definir o número das religiosas a serem destinadas
para cada obra. Por outro lado, também estas casas eram reservadas para
acolher as religiosas idosas, doentes e afastadas por quaisquer motivos,
aquelas que não tinham condições de assumir integralmente os trabalhos nas
casas com obras conveniadas.
b. As casas com obras próprias movimentaram grandes somas de dinheiro e
seus recursos tinham origens distintas. As obras voltadas para o cuidado de
vulneráveis recebiam, basicamente, subsídios públicos115 e doações; as
organizações escolares particulares possuíam receitas advindas de
matrículas, e o Pensionato recebia o aluguel das pensionistas. Na maioria
dessas obras, parte das entradas era investida na conservação do patrimônio
e no aumento dele, fato que não acontecia nas conveniadas, que recebiam
pouco mas também eram muito econômicas, o que demonstra a austeridade
das religiosas. Todo o dinheiro poupado era repassado ao caixa central, que,
embora pouco individualmente, na somatória das 20 casas, era uma quantia
significativa.
Cabe destacar que, pelo fato de o Colégio Ave Maria não estar vinculado a
nenhuma comunidade todos os seus rendimentos foram lançados no
balancete geral como obra da própria organização. Isso indica que, já naquela
época, se vislumbrava que tal escola tinha também como objetivo custear o
governo geral e lhe dar maior independência das casas (RELATÓRIO 1945-
1951, Anexo 7). Em razão disso, o valor de Cr$ 582.431,80 superava as
contribuições de todas as escolas, assumindo o lugar de segundo maior
rendimento lançado no Caixa central, depois do Pensionato Nossa Senhora
de Lourdes, que continuava sendo a maior fonte de renda116. Com a
desapropriação do Pensionato Nossa Senhora de Lourdes pela Prefeitura de
115 Os balancetes indicam que desde 1945, oficialmente, algumas casas também recebiam recursos públicos (BALANCETE, 1945-1951, Anexo 7). 116 Segundo aquele balancete, o Pensionato Nossa Senhora de Lourdes, sozinho, repassou o equivalente a 54 salários mínimos para o Caixa geral, o que correspondeu a 41,35% do montante das contribuições oriundas das obras próprias (RELATÓRIO 1945-1951, Anexo 5).
161
Campinas, em 1974, o Colégio Ave Maria passou a ser a principal fonte de
renda (RELATÓRIO 1997-2003, Anexo A, 3). Apesar das baixas entradas das
casas, com exceção do Educandário São José, todas as casas enviaram a
sua contribuição mensal ao Caixa central. Essa contribuição tinha também a
função pedagógica e/ou catequética confirmada na carta que Irmã Cecília
enviou ao bispo diocesano em 1909, quando escreveu que “todas as casas
deveriam devolver as economias feitas”.
c. Como as casas com obras conveniadas não tinham grandes despesas, as
suas contribuições, ainda que pequenas, serviam para manter as despesas
comuns da Congregação. Com exceção do Instituto Nossa Senhora de
Lourdes, as outras quatro maiores fontes de receitas estiveram ligadas à área
da Educação, e especialmente à promoção de crianças pobres.
Comprovamos, então, que os bens simbólicos produzidos pelo trabalho das
religiosas, que despendiam suas vidas em prol dos necessitados, no dizer de
Bourdieu, “desinteressadamente”, também se convertiam em rendimentos
econômicos para as casas, indicando que a mudança imposta pelo fundador
e/ou cofundador, no escopo da organização, para que ela cuidasse de órfãs,
se converteria em motivo para ela receber apoio econômico da sociedade. Os
balancetes demonstram que, apesar de o volume de entradas ter crescido, o
número de obras próprias não evoluiu na mesma proporção, isto é, passou de
8 obras próprias em 1927 para 11 obras em 1951, enquanto o número de
casas com obra conveniadas quase triplicou, sendo a maioria delas em
hospitais. Há aqui uma mudança de estratégia na gestão da organização, a
qual pode ser explicada pela diminuição de reservas, devida ao alto
investimento feito na transferência da sede do governo para Campinas e na
construção do colégio Ave Maria; e, também ao fato de as doações não terem
aumentado na mesma proporção, o que teria impossibilitado novas
fundações. Todavia, quando se analisa o investimento nas casas da
organização, onde se alimentava o seu escopo fundacional, isto é, na
educação, não se pode afirmar que tal opção tenha sido apenas porque tais
obras eram lucrativas. Ainda que não fossem, elas conservam vivo o ideal
fundante da organização, a fonte inspiradora da formação do seu patrimônio
cultural religioso.
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Isso parece claro quando se verifica que, a maioria das obras conveniadas,
com exceção de duas, foi fechada117. Salta aos olhos o fato da Congregação
ter estado à frente de 25 hospitais, sem que nenhum deles fosse efetivamente
seu. Não encontramos, nos arquivos, justificativas plausíveis para tal fato,
mas arriscamos afirmar que, embora tenha eleito a área da saúde como sua
segunda opção pastoral, ela o elegeu em função das oportunidades que
foram surgindo. Nesse sentido, deduzimos que as casas com obras
conveniadas, e, especialmente, os hospitais, foram investimentos feitos em
circunstâncias conjunturais, próprios da época em que iam surgindo.
Claramente, outras razões, também válidas, foram apresentadas: a exigência
de pessoal cada vez mais qualificado, especialmente nos hospitais, fazendo
com que a maioria dos contratantes rompesse o contrato; os baixos valores
das côngruas; a mudança de perspectiva pastoral por ocasião do Concílio
Vaticano II, quando se enfatizou o exercício do apostolado nas paróquias; a
diminuição nos quadros, que, por sua vez, exigiu a redistribuição deles para
garantir a manutenção das obras próprias. Com relação à média dos recursos
das várias casas, conforme já destacamos no Quadro 12, pela análise do
Relatório feita sem distinguir as casas com obras próprias das com obras
conveniadas, a média dos valores repassados era aquém dos salários
vigentes. Todavia, analisadas separadamente as duas modalidades, as
diferenças passavam a ser gritantes. Ao estabelecermos uma média
hipotética das entradas das casas filiais, em proporção ao salário mínimo
vigente, verificamos que, apesar do número elevado de religiosas nessas
casas, todas tiveram média de entrada superior a três salários mínimos por
religiosa. A única exceção foi o Educandário São José, em Santa Catarina,
que acabara de ser inaugurado, o que explica, pelos menos em parte, o seu
baixo rendimento. Entretanto, quando analisamos a média das casas com
obras conveniadas, avaliamos que pesava sobre elas uma grande exploração
do trabalho das religiosas. Somente quatro dessas instituições contratantes
repassaram côngruas com médias superiores a um salário mínimo per capita:
o Hospital Santa Cruz, em São Paulo (2,3); a Cruzada das Senhoras
117 O Asilo de Velhos e a Santa Casa, ambas em Piracicaba continuaram funcionando. Entretanto, em função dos recentes contratos, nas comunidades a forma de atuação das religiosas não corresponde mais ao passado.
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Católicas, de Santos (1,5); o Hospital São Vicente, de Jundiaí (1); a clínica
Penido Burnier, de Campinas (1,1). Já a clínica Santo Antônio, em Campinas,
e a Santa Casa, de Piracicaba, repassaram média de 0,7% salários; a Santa
Casa de São Pedro e a Santa Casa de Limeira repassaram, 0,6% cada; a
Santa Casa de Sorocaba e a Santa Casa de Penápolis, meio salário mínimo
cada. Já a Santa Casa de Mogi Mirim, 0,4%; a Santa Casa de São Sebastião
da Grama, a Faculdade de Medicina, em Sorocaba, a Santa Casa de
Descalvado, a Casa de Saúde Francisco Guimarães, no Rio Janeiro e o Asilo
de Velhos, em Piracicaba, 0,3% cada. A Creche Bento Quirino, em Campinas,
a Gota de Leite de Santos e o Sanatório S. Vicente, em Campos do Jordão,
0,2% cada; e a Vila S. Vicente, em Campinas, repassou a média de 0,1%
salário mínimo per capita. Especialmente, na Santa Casa de Descalvado e no
Asilo de Velhos, em Piracicaba, as irmãs recebiam, proporcionalmente,
menos que os valores acordados nos respectivos contratos de 1904 e 1918.
Entretanto, cabe destacar que a realidade das religiosas que trabalhavam em
hospitais não era característica apenas da congregação brasileira. Também
as religiosas da Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria,
contratadas como professoras da Escola de Enfermagem de São Paulo, que
se tornou a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, recebiam
salários baixos. A pesquisa de Maria Regina Guimarães Silva (2007) sobre
essa Escola, que também teve o contrato firmado em 1939, fixou que a
superiora da casa e as religiosas enfermeiras diplomadas receberiam uma
côngrua de Rs 200$000 e as outras irmãs, Rs 120$000. Em 1942, duas
enfermeiras leigas foram contratadas por Rs 800$000 (SILVA, 2007). Ainda,
se considerarmos que as irmãs tinham garantia de moradia, alimentação,
assistência médica e aumento proporcional no ano de 1942, a diferença
salarial era grande. Não obstante, tais irmãs recebiam mais do que aquelas
religiosas que atuavam na Escola de Enfermagem de Sorocaba, onde, cada
uma delas, recebia apenas a terça parte de um salário mínimo. Nesse
sentido, é mister destacar a cobrança feita pela Irmã Cecília, em 1909, ao
bispo de Campinas, sobre a dura condição das religiosas no hospital de
Descalvado, não sendo exceção, indicava que isso seria recorrente em sua
trajetória. Ainda que se justifique a saída das irmãs dos hospitais pela falta da
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formação adequada, os quadros aqui expostos revelam que perdurava uma
cultura de que a atividade profissional realizada pelas freiras não se
enquadrava como trabalho profissional. As baixas côngruas indicavam a
precariedade das condições em que se encontrava o Hospital e as escolas de
Medicina e Enfermagem, sendo bastante provável que tal situação tenha sido
um dos motivos que culminaram na saída das irmãs daquela instituição
(RELATÓRIO 1969-1973).
7. A expansão ao Sul: uma nova frente missionária
Ao analisar os governos gerais, causa impressão o fato de que, nos seus primeiros
70 anos, apenas 7 religiosas estiveram à frente da Congregação, em mandatos
triplos e duplos permitidos pela lei canônica118. O fato de o governo geral ter estado
concentrado nas mãos de poucas mulheres que controlaram a organização e, nessa
condição, garantiram a eleição das sucessivas superioras afinadas com o projeto
eclesiástico, só foi possível porque isso interessava aos sucessivos bispos de
Campinas, os reais superiores gerais119. A manutenção da superiora geral por um
118 Até 1906 a fundadora foi a superiora geral. Em 1905 a Congregação recebeu o seu primeiro Estatuto que deliberou que os mandatos seriam por três anos, sendo permitida uma única reeleição, e um terceiro seria permitido, com licença especial do bispo diocesano. Em 1906, a Irmã Cecília foi eleita pela primeira vez e reeleita em 1909. Dom Nery não permitiu a sua terceira reeleição e, em 1912, assumiu o governo Irmã Ignez Maria de Jesus. Esta governou a organização por três mandatos consecutivos: 1912 -1915, 1915-1918 e 1918-1921, com licença eclesiástica. Com a segunda Constituição, imposta por Dom Barreto, os governos passaram a ter duração de seis anos, sendo permitida a reeleição. Assim, Irmã Gertrudes Maria do Divino Amor e Irmã Maria São Francisco do Divino Coração governaram por dois mandatos consecutivos, 1921-1933 e 1933-1945 respectivamente, permanecendo, portanto, doze anos à frente da organização; tempo superior aos mandatos das duas primeiras superioras. Irmã Angelina Maria da Sagrada Face, a governou por três mandatos consecutivos, sendo que o terceiro foi com a concessão da Santa Sé: 1945-1951; 1951-1957; 1957-1963. Por fim, Irmã Maria Julia, governou a Congregação entre 1963-1969. 119 Notamos, então, neste fato, a rejeição dos bispos a uma das características mais controversas da vida religiosa: a eleição relativamente democrática das superioras. Desde o seu primeiro Estatuto há a determinação de que as religiosas que comporiam o governo sejam eleitas pelos seus pares através de voto escrito. (Estatuto 1905 apud MARCON, 1992, IV, 193-206). A eleição era relativa porque controlada por um delegado do bispo. Isso acabou acontecendo em 1912, quando o delegado do bispo Nery induziu as religiosas a escolherem outra religiosa para o governo, quando a eleição de Irmã Cecília era dada como certa. O fato, então, conforme abordamos no capitulo I, é que as superioras gerais só se tornaram plenamente superioras gerais apenas depois de 1956, quando a Congregação passou a ser regida pelo direito pontifício. Até 1945, aquele organismo fora tutelado pelos sucessivos bispos de Campinas, de forma que foram eles que definiram os rumos da organização.
165
longo período era garantia de estabilidade política, pois evitava que o grupo viesse a
sofrer impactos que comprometessem o projeto eclesiástico.
Não é de estranhar que um ano após a promulgação do Decreto pontifício, em 1957,
com plena possibilidade de seguir seu caminho, o grupo que controlava a
Congregação conseguiu que o bispo Dom Paulo de Tarso solicitasse especial
autorização da Santa Sé para que a superiora Irmã Angelina Maria da Sagrada
Face, que cumprira seus dois mandatos permitidos pela lei canônica (1945-1951,
1951-1957), fosse mantida por mais um governo, integralizando 18 anos à frente da
organização. Esta era a garantia de que, apesar da plena independência e
autonomia, e das mudanças políticas derivadas da laicização, aquele governo
reproduziria e daria continuidade à tradição institucional centralizada, hierárquica e
autoritária do projeto episcopal que ao longo dos 50 anos dirigiu a organização.
Ao encerrar o seu terceiro mandato, em janeiro de 1963, a superiora geral, Irmã
Angelina Maria da Sagrada Face, apresentava um balanço muito positivo do estado
geral da organização:
1º Estado pessoal: (...) somos ainda poucas em vista das obras existentes e sempre em desenvolvimento - poder-se-ia objetar: por que então foram aceitas novas obras, se há falta de pessoal. Vários são os motivos e, entre eles um que foi bem ponderado: se não se alargar o campo de trabalho de nossa Congregação, poderia ficar ainda mais limitado o número de vocações, como prova o fato de que ultimamente as candidatas nos têm vindo, em sua maioria, das casas mais distantes e recentes – (...), portanto a todos os membros da Congregação cabe grande responsabilidade, pois muito maior poderia ter sido e deve ser o número deles. ...
2º Estado disciplinar. A regular observância (...) tem se mantido em relativo vigor - entretanto também aqui devemos nos empenhar a que a Regular observância tenha sempre um brilho especial em nossa congregação. (...)
3º Estado Econômico - Com mágoa o confessamos: nos dois itens antecedentes – estado pessoal e disciplinar - não tivemos a graça, não soubemos merecer seu florescimento, [mas] Nosso Senhor houve por bem ser pródigo para com nossa congregação na parte material. (RELATÓRIO 1957-1963, p. 2-3)
A excelente posição econômica, apesar de ter sido justificada pela “prodigalidade de
Deus”, era, na verdade, fruto do investimento que a Congregação vinha fazendo no
tradicional modelo centrado na abertura de casas prestadoras de serviço, em função
do recrutamento. Também, parte daquele sucesso se devia à austera disciplina (item
2.º), própria da cultura religiosa desenvolvida com a vivência dos votos religiosos, o
que, por sua vez, dava identidade à vida consagrada. De forma discreta, a superiora
geral arriscou indicar, no quesito disciplinar, a falta de “um pouco de brilho”,
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deixando entrever que, no seu entendimento, as mudanças políticas, sociais, que se
acumulavam a cada ano, atingiam o cotidiano e provocavam instabilidades na vida
congregacional. De certa forma, ela sinalizava que cabia à organização avaliar os
ganhos e as perdas de uma possível mudança no projeto escolhido há décadas.
No primeiro item, sem referenciar nominalmente, ela indicava que a principal
mudança instaurada em seus três governos se deu na política de expansão da
Congregação em direção ao Sul do País. Segundo ela, isso se devia à necessidade
de aumentar o recrutamento, pois o número ainda era insuficiente. A informação de
que as vocações vinham de lugares distantes revela que o bem mais precioso,
responsável pela manutenção e pelo crescimento da Organização, começava a se
tornar escasso, o que justificaria a política de expansão assumida desde o final de
seu primeiro governo. Ao analisar os dados referentes aos ingressos de candidatas,
observamos que o recrutamento em 1963, apesar de ainda ser razoavelmente
significativo, com 77 candidatas, era inferior ao número de ingressos em alguns
períodos anteriores. Foram contabilizadas, por exemplo, 101 ingressantes em 1956.
Portanto, apesar do relativo sucesso no recrutamento, este diminuía a cada governo,
sinalizando que o projeto de expansão para a região Sul não surtiu o efeito
esperado, pois, apesar daquela região ainda conservar a fama de ser celeiro de
“vocações”, também lá se observava progressivo declínio dos recrutamentos. Diante
disso, outra razão deve ser buscada.
Ao analisar a dinâmica de manutenção das organizações, Pierre Bourdieu analisa
vários tipos de investimentos, os quais constroem o capital cultural e social que as
impulsiona em busca de sobrevivência e que são justificados em função de um
determinado objetivo, os quais, por sua vez, também escondem outros (BOURDIEU,
2001). Esse investimento implica em uma avaliação bem precisa dos passos a
serem dados, pois, como os investimentos e os objetivos quase sempre são
múltiplos, a perda em uma dimensão pode significar ganho em outra, o que resulta
em relativo equilíbrio na vida de uma organização, e, isso acaba justificando sua
existência.
Se até 1945 a Congregação havia se constituído com solidez no eixo São Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro, o que permite interpretar não sentir necessidade de
buscar novas frentes, no ano de 1949, ela partiu para uma política de expansão em
167
direção ao Sul do País, começando por Santa Catarina, depois Paraná e, por fim,
Rio Grande do Sul.
No relatório de governo, a madre geral Angelina Maria da Sagrada Face
comunicava:
... a conselho do bispo Diocesano Dom Paulo de Tarso Campos, a bem do aumento das vocações, havíamo-nos empenhado em abrir uma casa no Estado de Santa Catarina (...) Entramos em contato com o Superior dos Capuchinhos da Província do Paraná (...) Em janeiro de 1949 teve início a fundação do educandário de S. José de Barra Fria. (RELATÓRIO 1945-1951, p. 10)
Entendemos que a opção pelo Sul do País, iniciando por Barra Fria, Santa Catarina,
se deveu a três razões: a) a existência de um campo de trabalho com possibilidade
de crescimento na área da educação, sem muita concorrência; b) a presença dos
capuchinhos italianos, o que representava certa segurança para aquele grupo que
nada conhecia daquela região120; c) a fama de que o Sul, em razão do processo
imigratório europeu, era uma região tradicionalmente católica e, portanto, por ser
mais resistente à secularização, ainda despertava vocações religiosas. Estas três
razões demonstram que a dinâmica na expansão geográfica obedecia a um critério
de relativo investimento, feito na esperança de retorno em várias dimensões.
Ao analisar o relatório do período 1951-1957, constatamos que o investimento no
Sul foi grande, pois, das nove casas abertas pela organização naquele período,
apenas duas foram em São Paulo. Entretanto, para que as sete casas sulinas
fossem abertas, foi necessária uma flexibilização nos novos contratos. De 5 acordos
realizados com os frades para que ela pudesse assumir escolas, quatro foram
condicionados à obrigatoriedade do trabalho nas paróquias e, um deles, em um
pequeno hospital. Além disso, a Congregação se comprometeu a abrir duas outras
casas, uma para o serviço de economia doméstica no seminário e outra para o
trabalho pastoral em uma paróquia.
O grande desafio das novas comunidades foi constituir redes de apoio junto à elite
das cidades, com os capuchinhos e com o clero local, para que as ajudassem na
execução de seu projeto, o que nem sempre aconteceu da forma como esperavam.
120 Os frades do Paraná e Santa Catarina integravam a Missão capuchinha da província italiana de Veneza, na região da Savoia e, portanto, não pertenciam à mesma província dos frades de Piracicaba.
168
Diante de um catolicismo bastante tradicional, as condições para a inserção das
religiosas naquela realidade tiveram que ser totalmente diferentes daquelas de São
Paulo. No trabalho nas escolas, a realidade encontrada no Sul do País, se, de um
lado, parecia ser um campo bastante promissor em função da força do catolicismo
presente no povo, de outro, se mostrou uma novidade diante do controle exercido
pelos capuchinhos nas escolas paroquiais. A duras penas, as irmãs tiveram que se
adaptar à nova realidade, servir-se de estratégias para que o projeto da
Congregação fosse em frente.
Segundo Adriana Salvaterra Pasquini, as escolas paroquiais geridas por aqueles
frades escapavam da peculiaridade de serem geridas pelas comunidades
imigrantes121. Essa realidade teria mudado com a política romanizadora de Dom
João Francisco Braga, nomeado bispo de Curitiba em 1908, que se apropriou da
rede de escolas e paróquias e convidou os frades capuchinhos para gerenciá-las e
padronizá-las segundo os interesses eclesiásticos (PASQUINI, 2017). Tal projeto
teria interessado aos frades como estratégia para estenderem sua ação em todo
território paranaense e catarinense122. Assumir aquele projeto lhes permitia não só
aumentar a visibilidade da Ordem como também possibilitar o aumento de bens
materiais e simbólicos, que seriam fundamentais para o projeto de independência da
121 Para entender a questão das escolas paroquiais, característica específica da região Sul, nos apropriamos da análise de Dallabrida, que afirma que tais instituições nasceram ainda no século XIX, pela ação de imigrantes alemães e italianos, inclusos os padres presentes nas várias comunidades de imigrantes, com o objetivo de fornecer a educação elementar, a qual era transmitida aos filhos de católicos. A principal característica dessas escolas era fornecer acesso à educação a crianças que não só não falavam a língua portuguesa, mas também não eram atendidas pela rede oficial de ensino. Especialmente nas colônias europeias, dirigidas por padres europeus, as escolas tiveram maior duração. O impulso para o crescimento das escolas paróquias foi dado pela Carta Pastoral Coletiva Meridional de 1901, que congregava as dioceses das regiões que hoje denominamos Centro, Centro Oeste, Sul e Sudeste, e incentivava que os padres criassem, em suas paróquias, escolas para que, ao lado do ensino da catequese, se oferecesse também ensino básico. A carta ainda sugeria que os padres responsabilizassem as religiosas pelo ensino. Especialmente nas colônias europeias, dirigidas por padres europeus, as escolas tiveram maior duração (DALLABRIDA, 2011). 122 Cabe destacar que, apesar de aqueles frades capuchinhos terem alcançado Santa Catarina, eles não foram os únicos que assumiram as escolas paroquiais. Também a Ordem dos Frades Menores possuía uma Missão naquele estado, com projeto missionário diferente da Ordem dos Frades Capuchinhos venezianos. O principal exemplo foi a criação da escola paroquial em Rodeio, Santa Catarina, em 1913, pelo frei Polycarpo Schuhen, o qual confiou a escola paroquial a um grupo de moças, filhas de Maria; grupo que depois foi transformado em uma congregação religiosa (BITTENCOURT, 2007). Este fato indica que, apesar de seguirem as mesmas propostas romanas, as Ordens religiosas tinham interesses próprios, os quais, por sua vez, determinavam o quanto cada uma delas se vinculava aos projetos dos bispos da região.
169
província veneziana123. Vemos, portanto, que, desde 1908, houve uma progressiva
apropriação e ressignificação das escolas paróquias, esvaziando o sentido original e
reformando-as, para que elas assumissem cada vez mais contornos romanizados.
Nesse novo formato, a gerência era controlada pelos capuchinhos, que convidavam
congregações femininas para assumirem a parte pedagógica. Ao contrário da
experiência de autonomia vivenciada em São Paulo pela Congregação, as religiosas
perceberam que naquelas escolas elas seriam apenas executoras do projeto dos
frades, o que fez com que desistissem delas e fossem para outras cidades, em
busca de outras experiências.
Entendemos que devia ter havido outros motivos para tão forte investimento em
Santa Catarina124. Essa hipótese baseia-se em uma informação da mesma superiora
geral, de que, naquele sexênio, ela recebera mais de 90 pedidos para novas
fundações, cuja maioria foi negada porque não havia religiosas disponíveis
(RELATÓRIO 1951 – 1957)125. Por que, afinal, insistir na mal sucedida missão do
123 A Missão capuchinha foi instalada no Paraná em 1854 e foi elevada à Custódia, em 1937; a Comissariado Provincial em 1957 e, somente em 1969, foi elevada a Província de São Lourenco de Brindesi. 124 A primeira missão sulina da Congregação foi na cidade de Barra Fria, no ano de 1949, onde foi aberto o Educandário São José, o qual durou menos de cinco anos e foi fechado em 1954 (RELATÓRIO, 1945-1951, 1951-1956). No governo de 1951-1957 foram abertas outras sete frentes de trabalho. A segunda obra foi aberta na cidade Herval do O’Este, a convite de um frade capuchinho, para o trabalho em atividades paroquiais. Também em 1952, aceitou assumir a “economia doméstica” do Seminário dos frades em Irati, Paraná, onde as religiosas puderam se dedicar à pastoral. Como contrapartida, recebeu a doação de um terreno ao lado do seminário para instalar suas obras. Em 1953, ela abriu uma nova missão em Uraí, no Paraná, acordando com os frades capuchinhos que ela assumiria as atividades pastorais em uma colônia japonesa, onde poderia também abrir uma Escola a ser construída em terreno doado pela colônia. No mesmo ano, assumiu também atividades pastorais na cidade de Bandeirantes, no Paraná, com a promessa de poderia implantar uma escola particular. Em 1955 alcançou o Rio Grande do Sul, a convite do bispo da Prelazia de Vacaria, Dom Candido Maria Bampi, também capuchinho, para abrir um casa em Ibiaçá, onde se responsabilizou por uma escola e um pequeno hospital. No ano seguinte, estendeu sua ação até São José do Ouro, RGS, onde abriu escolas (RELATÓRIO 1951-1957).
Apesar de a superiora geral ter chamado a primeira obra em Barra Fria de “Educandário”, ela era uma escola paroquial. Um quadro, elaborado por Pasquini, indica que nem todas as instituições receberam a identificação de escolas paróquias. Algumas foram chamadas simplesmente de escolas, outras de colégios, outras de educandário (PASQUINI, 2017). 125 O referido relatório não informa a origem dos pedidos. Todavia, entre os anos de 1955 a 1964, a Revista da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) veiculou uma série de anúncios de organizações públicas e/ou administradas por entidade civis que ofereciam oportunidades de gerenciamento, para pessoal qualificado, às congregações interessadas em se instalar em inúmeras cidades. Apesar dos anúncios ainda se concentrarem nas regiões Sudeste e Sul, a grande maioria das ofertas estava em cidades interioranas onde a religião ainda mantinha a coesão social e onde havia carência de profissionais, dois efeitos da secularização. O êxodo de profissionais para as grandes cidades se caracterizava como oportunidade para as religiosas, ainda que sem a devida formação. Dentre os campos requisitados, contabilizamos os dois mais tradicionais: hospitais e
170
Sul, quando havia inúmeros convites em outras regiões? O que ganhava a
Congregação, quando aparentemente ela só perdia? (BOURDIEU, 1997) 126.
A missão no Sul se configura como emblemática, pois ela traz à luz como a
implementação de uma política educacional laica e democrática, - que tinha como
um dos objetivos ampliar a oferta de educação pública - , atingia o projeto político
das escolas católicas, que se mantinha, até então, lucrativo justamente em função
do caos educacional vivenciado no País. Prestes a receber o reconhecimento
pontifício, a Congregação franciscana se viu forçada pelas novas politicas a sair de
sua zona de conforto, para ir a uma região desconhecida e, ainda, ficar sob a tutela
dos frades sulistas.
Apesar de abrir algumas escolas e conseguir mantê-las, a grande novidade da
missão no Sul resultou na inserção de algumas religiosas nas atividades paroquiais,
o que viria a se constituir o principal campo de atuação da Congregação a partir de
1970. Interpretamos, pois, que o assumir atividades paroquiais se deu em razão da
necessidade de dar destinação ao excedente de religiosas, que as casas existentes
escolas, com 61 e 42 ofertas, respectivamente, o que demonstra um relativo, mas circunscrito, campo de atuação para as religiosas. Também nesses anúncios, constatamos a presença de 15 solicitações para o trabalho das irmãs em paróquias.
N.º de solicitações por ano ano n.º 1955 8 1956 39 1957 28 1958 17 1959 23 1960 12 1961 11 1962 15 1963 2 1964 1
156
Solicitações por Estado Estado N.º MG 52 SP 25 RJ 24 ES 2 RGS 14 SC 5 PR 4 BA 9 MA 5 CE 3 PB 1 AL 1 GO 6 MT 4 RO 1 Total 156
N.º de solicitações por área Hospitais 61 Escolas 42 Obras sociais 29 Apostolados paroquiais 15 Asilos 5 Trabalhos domésticos 4
156
Quadros elaborados pelo autor a partir de anúncios publicados na Revista da CRB A Revista da Conferência dos Religiosos do Brasil começou a ser publicada mensalmente, em julho de 1955. Na década de 1970 passou a se chamar Revista Convergência, e existe ainda hoje. O acervo digital da Revista pode ser acessado em: http://crbnacional.org.br/acervo-digital/ 126 Com exceção de duas escolas, uma na cidade de Uraí e outra em Bandeirantes, todas as outras foram fechadas.
171
não tinham mais condições de absorver. Somamos a isso o fato de que a
organização pouco se preocupara com o nível de escolaridade das recrutadas. Uma
das justificativas de Dom Barreto, para que a organização transferisse para
Campinas o governo geral e a casa de formação, era oferecer estudo para as
formandas (RELATÓRIO 1927-1933). Todavia, como as congregações tinham
relativa autonomia para gerir suas obras sem a interferência do governo estadual,
durante anos as religiosas que se dedicavam ao trabalho de educação, mas também
as que se dedicavam à enfermagem recebiam a formação, não nos bancos
escolares, mas através do tirocínio, no exercício cotidiano do trabalho. Prova isto
uma informação relatada pela superiora geral, de 1951-1957, que, das cinco
religiosas que fizeram os exames de habilitação, na cidade de Florianópolis,
promovido pela Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário
(CADES), para poderem continuar lecionando no segundo grau, apenas uma foi
aprovada127. Ainda segundo a superiora, esta era a realidade de numerosas
congregações (1951 e 1957). Tal realidade se tornou mais complexa com o avanço
das exigências do Estado e da sociedade, que, a partir de 1960, passou a dificultar e
mesmo impedir que religiosas sem formação adequada permanecessem em escolas
e hospitais, o que exigia buscar novos campos de atuação para as religiosas.
Disso resultou que, o aumento no recrutamento sem a qualificação necessária, criou
uma situação inusitada para a organização: o excedente número de religiosas a
obrigou a abrir novas casas em regiões capazes de absorver aquele perfil de
religiosas. Ao mesmo tempo, progressivamente, se via obrigada a fechar casas em
que as religiosas não se enquadravam nas exigências impostas pelos governos
estaduais, que exigiam quadros profissionais habilitados. Vendo-se impossibilitada
de manter o tradicional perfil da organização, a Congregação teria sido obrigada a
aceitar convites para serviços que não impunham exigências acadêmicas, como foi
o caso dos numerosos convites para que as religiosas exercessem atividades
paroquiais, nas quais ainda gozavam de algum prestígio, fruto das atividades
127 O CADES (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário) foi criado em 1953, pelo Ministério da Educação e Cultura, para acelerar o número de professores aptos para lecionar no ensino secundário. Cursos intensivos eram oferecidos a professores não diplomados que, ao final do curso, prestavam um exame para serem habilitados. Ainda que com ressalvas, ela deve ser vista como continuidade da Reforma da educação de Capanema, de 1942 (PINTO, 2000).
172
catequéticas. Essa tendência foi confirmada no seguimento do Concílio Vaticano II,
quando, incentivadas pelos bispos, muitas congregações fecharam obras
tradicionais para enviar religiosas a trabalhar diretamente com os fiéis nas
paróquias.
De outro lado, a nova frente de trabalho nas paróquias, apesar de colocar as irmãs
em contato direto com o povo, não correspondia à noção de vida religiosa daquelas
que viveram parte de suas vidas confinadas nas escolas e nos hospitais, e isso
também gerou crise nas freiras, pois, para muitas, se aquele estilo de vida vivido até
então passava a ser classificado como errado, em vão teria sido a consagração
religiosa da maioria delas. Além disso, ainda que se reflita como tais trabalhos
construíam uma imagem menos associada às classes dominantes e as
aproximavam do franciscanismo, a realização de tarefas comuns aos leigos
impactaram nas tradicionais representações da vida religiosa conventual presentes
no imaginário popular, o que comprometeu o recrutamento de jovens, que viam na
vida religiosa uma distinção social e uma proteção em relação à luta pela vida no
universo masculino (GROSSI, 1990).
Por fim, especialmente a expressão “economia doméstica” foi o eufemismo utilizado
pelas superioras para comunicar que algumas irmãs trabalhariam como empregadas
domésticas nos seminários franciscanos e na casa de clérigos, o que era uma
realidade que a Congregação não vivera nem nos primeiros anos de fundação128. A
desfavorável situação socioeconômica e a condição feminina mostraram que a
fraternidade franciscana não passava de um valor espiritual que não resistia às
culturas locais. Cabe ressaltar que esse novo campo de trabalho, ainda que fosse
visto a partir da espiritualidade do serviço, repercutia no recrutamento de futuras
religiosas, pois, uma vez desprovidas do poder simbólico decorrente da presença
nas escolas e nos hospitais, as religiosas deixaram de ser vistas como modelos para
outras jovens129.
128 Nesta mesma perspectiva, na década de 1960 três irmãs foram liberadas para trabalhar com os frades no seminário São Fidelis, em Piracicaba. Uma para colaborar na equipe responsável pela admissão dos jovens ao seminário e as outras duas para assumir os serviços de lavanderia e cozinha do seminário (RELATÓRIO 1963-1969). 129 Todas as congregações religiosas se depararam, entre as décadas de 1950 a 1970, com um processo de secularização cada vez mais avançado, que se fazia perceber na forma como os novos responsáveis pelas antigas instituições civis parceiras se desinteressaram em manter seus serviços nas mesmas condições de outrora. Com os avanços sociais, com a emancipação das mulheres, com
173
Ao constatarmos que, às vésperas do Concílio II, a organização se via obrigada a
abandonar postos importantes para se dedicar à vida pastoral nas paróquias do Sul
do País, entendemos que esta opção foi uma das alternativas para resolver um
problema estrutural. Identificamos que a cultura de arregimentação dos quadros
partia do pressuposto de que não era preciso fazer uma seleção das candidatas, e
essa visão pautou a política de 1945 a 1963, quando a expansão estava acima de
qualquer outra questão. Não obstante, com o acesso das mulheres à instrução, a
entrada no mercado de trabalho e a liberalização dos costumes, que marcaram a
revolução social dos anos 1960, é possível verificar que, apesar de todo cuidado em
não mudar drasticamente o modus vivendi da Congregação, a superiora geral, para
o governo de 1963-1969, muito se empenhou para uma seleção mais rigorosa das
candidatas. Assim, em seu Relatório, madre Maria Julia, apesar de adotar a mesma
perspectiva do governo anterior, sublinhando o pequeno número de candidatas,
destacava:
Como todas sabemos, (...) é exíguo o número de Irmãs. Acresce que, apesar dos ingentes esforços empregados para dar um preparo à altura da vida religiosa e dos deveres a assumir (...) é ainda insuficiente o número de irmãs aptas ao desempenho dos compromissos que temos. Além disso, a fim de adquirirem maior conhecimento intelectual que as capacite a compreender melhor o que a Igreja e o mundo de hoje delas esperam, tivemos que retardar o ingresso no Noviciado das nossas vocacionadas, assim como, achamos mais prudente fazer maior seleção na aceitação de novas candidatas, que se apresentam em número relativamente bom, porém, sem o preparo, atualmente indispensável (Sic). (RELATORIO, 1963-1969, p. 2)
o maior acesso aos cursos profissionalizantes, as instituições de assistência social, escolares e hospitalares passaram a profissionalizar seus quadros. A presença das singulares religiosas não era mais garantida por acordo entre Estado e Igreja, mas unicamente pela isonomia profissional com outros profissionais. A partir de 1960, a duras penas, tais organismos, por não terem à disposição os profissionais qualificados que o Estado exigia, se viram obrigados a renunciar a grande parte dos postos que conquistara há décadas e dar outra destinação ao seu quadro de religiosas. Um segundo aspecto da secularização foi sua vertente cultural, que atingiu também as organizações eclesiásticas femininas. Os movimentos sociais libertários, especialmente a luta das mulheres pela sua emancipação das estruturas masculinas, hierárquicas, ecoaram nas casas religiosas, pois as religiosas presentes na sociedade reverberavam no interior dos conventos os debates que viam e ouviam sobre a secularização, nos locais em que atuavam. Houve uma velada e progressiva conscientização das religiosas, o que revelava que a vida congregacional não era tão isonômica quanto se apresentava e que as opções políticas e econômicas das organizações a que pertenciam impunham não poucos sacrifícios às singulares religiosas. A somatória desses fatores contribuiu para o esvaziamento e a perda de sentido da vida religiosa ativa, pois o convento não se configurava mais como lugar exclusivo para aquelas mulheres que não desejavam o casamento e buscavam espaço para desenvolver suas habilidades pessoais. A secularização abria espaços para a realização pessoal e profissional das mulheres, o que, por sua vez, colocava em xeque as razões de as religiosas viverem enclausuradas, ainda que através da vida ativa (GROSSI, 1990). Diante deste quadro, entre 1960 e 1980 houve um forte êxodo das congregações religiosas que até o tempo presente não foi superado.
174
A superiora se perguntava pela capacidade da Congregação para construir uma
presença social que fosse significativa e singular. A permanência em determinados
espaços sociais se dava mais em função da qualidade de seus membros do que em
função do número, pois as condições sociais de uma sociedade urbana e moderna
exigia que a Organização se preparasse para responder aos desafios impostos pelo
trabalho especializado e não se refugiasse apenas nos espaços onde o catolicismo
ainda tinha algum peso. Nesses lugares os serviços solicitados não correspondiam à
essência da vida religiosa. Se, de um lado, garantiam alguma entrada econômica,
aumento de patrimônio, de outro, eles impactavam diretamente na qualidade do
recrutamento. Para realizar atividades que quaisquer pessoas pudessem executar,
não havia necessidade de ser religiosa. Este tipo de “vocação”, que muitas vezes
representava apenas a possibilidade de fuga da situação de pobreza da vida rural,
não lhes servia. No fundo, a superiora perguntava o que queria a Congregação com
aquela política de recrutamento.
Segundo Mirian Pilar Grossi, os recrutamentos que ainda restavam eram
essencialmente da área rural e grande parte das candidatas não tinha formação
adequada. Ademais, a visão delas sobre vida religiosa era de uma vida religiosa
idílica e, muitas vezes, como possibilidade de ascensão social (GROSSI, 1990).
Com essa reflexão, em plena sintonia com o Decreto Conciliar, a superiora geral
perguntava quais rumos a Congregação desejava trilhar. Constatamos que o
discurso de mudança não foi suficiente para provocar alterações no projeto da
organização. Tendo ultrapassado já os 70 anos de existência, a maioria das
religiosas era idosa. É compreensivo entender a existência de uma força
conservadora em seu interior, que optou por não enfrentar a secularização. Com a
abertura dos novos postos, ela acabou contribuindo para um revigoramento no
recrutamento, que se estendeu até os anos de 1970. Entretanto, a deserção de
candidatas nas várias etapas de formação se manteve elevada, indicando que o
problema não se restringia ao recrutamento, mas alcançava também a estrutura
formativa, que se mantinha fechada.
175
8. O trabalho como dote religioso
Tal qual nos casamentos, uma jovem, ao entrar num convento, tinha a obrigação de
entregar um dote130. Tal qual o civil, o dote religioso era parte de um acordo entre a
família da futura religiosa e a Igreja, com o objetivo de garantir a subsistência da
futura freira. Ao abordar a participação econômica das religiosas na vida da
congregação, além de possíveis doações de heranças familiares, Langlois cita que
havia duas formas delas contribuírem: através das taxas cobradas para a
manutenção das jovens no noviciado e o dote. Como o primeiro era mais recorrente,
o segundo caiu em desuso, até porque a tradição do dote religioso era uma forma
das Ordens religiosas, que não tinham rendimentos monetários para manter a
religiosa. Como as congregações recebiam subsídios e recebiam pelos serviços que
prestavam, também não havia mais razão de pedir o dote, mas, mesmo assim, tal
prática continuou existindo. (LANGLOIS, 1984, p .365, 369)
A análise das várias Constituições da Congregação das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria, mostrou que, até 1958, quando foi publicada a terceira
Constituição, o dote religioso foi mantido. A Constituição de 1921 fixou o valor em Rs
1.000$000; a Constituição de 1932 alterou-o para Rs 2.000$000 e a Constituição de
1958 fixou que “... cada postulante deve trazer o próprio dote no valor pecuniário
estabelecido pelo Capítulo Geral...” (CONSTITUIÇÃO de 1921, I, § 8, 26-27;
CONSTITUIÇÃO de 1932, II § 5, 46-47; CONSTITUIÇÃO de 1958, §18 e 19 27-28,
respectivamente).
Vários relatórios informaram a entrada do montante recebido de valores respectivos
aos dotes, mas não o número de candidatas. O valor proveniente dos dotes era
aplicado em apólices e em ações da Companhia Paulista de Estradas de Ferro
(RELATÓRIO 1941). No balancete do período 1945-1951, consta no demonstrativo
do passivo a existência de Cr$ 129.975,00 (RELATÓRIO1945-1951, Anexo 7).
Contudo, cabe destacar que as Constituições de 1921 e na de 1958, sinalizavam a
possibilidade do dote ser trocado por alguma competência profissional que a futura
130 O dote foi uma prática social que perdurou do período colonial até o início do século XX. Ele era parte do acordo nupcial, no qual a família da futura esposa entregava uma determinada soma em dinheiro à família daquele que a recebesse em casamento.
176
candidata pudesse ter. A Constituição de 1921 determinou: “... Caso, porém, ela [a
candidata] possua alguma habilidade especial ou diploma de professora, poder-se-á
dispensar o dote... (sic)”. A Constituição de 1958 deliberou: “A superiora geral tem a
faculdade de dispensar todo ou parte do dote, em vantagem daquelas aspirantes
que estão desprovidas de recursos financeiros, mas possuem títulos de estudo,
diplomas reconhecidos pela autoridade civil ou habilidades especiais que as tornem
úteis à Congregação ...” (CONSTITUIÇÃO de 1921, I, § 8; CONSTITUIÇÃO de 1958,
§18 e 19, respectivamente).
Tal informação nos levou a pesquisar sobre o dote religioso. Até o presente
momento nada encontramos. Entretanto, uma pesquisa sobre as mudanças culturais
nesta prática nos chamou a atenção. Elizabeth Sousa Abrantes (2010) aponta que,
na passagem do século XIX para o XX, especialmente na formação da República, o
dote econômico, apesar de continuar existindo, foi ressignificado e adquiriu um valor
social ligado a uma nova função da mulher na sociedade. Para isso, ela recupera a
obra O ensino público, de 1873, do deputado maranhense republicano Antônio
Almeida Oliveira, especialmente no seu último capítulo, “Das mães de família”, no
qual o autor destaca a importância das matriarcas na formação da família e da
nação republicana. Segundo ele: “Quem educa não é obrigado a dotar, porque o
dote é a educação” (sic). A autora pondera que se tratava de um momento
fundamental para a nação brasileira, quando a mulher culta cumpriria a função de
educar seus filhos, os futuros brasileiros. Assim, o dote cultural passava a ser mais
importante que o dote pecuniário (ABRANTES, 2010).
A autora não fez referência alguma ao dote religioso, mas sua abordagem nos
permitiu estabelecer uma relação entre eles, de forma a compreender as mudanças
ocorridas nos dois. Como já destacamos, foi também através do trabalho das
religiosas que a Igreja pôde ocupar o espaço conquistado na sociedade brasileira.
Ousamos, então, estabelecer uma relação entre o papel da mulher na sociedade e o
papel da religiosa na Igreja. Ambas deveriam assumir funções colaborativas às dos
homens na construção da nação brasileira.
No processo de multiplicação da visibilidade da Igreja, as congregações precisavam
de candidatas para os diversos serviços nas obras e, em razão disso, não puderam
rejeitar as que não podiam dar o dote. Percebemos, então, que surgia nas
congregações o dote social, isto é, aquele substituía – e passava a ser mais
177
importante que ele – o dote econômico, dado apenas por ocasião da entrada no
convento. Isso já havia ficado claro nos Estatutos de 1906, que definira que
deveriam ser “... amantes do trabalho ...”. (ESTATUTOS DISCIPLINARES, 1905, I,
§1 apud MARCON, 1992, IV).
Entretanto, na Constituição de 1921, quando o projeto da Congregação buscou
acentuar o escopo educacional, além do amor ao trabalho, o “diploma de professora”
era muito bem-vindo, o que se aproximava mais do dote cultural, proposto pelo
deputado maranhense (CONSTITUIÇÕES de 1921, I, §8). Como isso nem sempre
era possível, Dom Barreto, como responsável pela direção da organização,
determinou que a organização transferisse a sua sede para Campinas e abrisse o
Colégio Ave Maria, que serviria também para preparar mais adequadamente as
candidatas à vida religiosa, mas também fazer delas professoras. Vemos, por esta
atitude, que o bispo a convenceu a investir na formação adequada de quadros. No
entanto, diante do projeto de expansão, não havia como rejeitar as não diplomadas,
além do que grande parte dos serviços prestados eram ensinados através do
tirocínio. Isso fica claro nas Constituições de 1932 e de 1958, nas quais, menos
seletiva, retoma o Estatuto de 1906: “Exige-se que as aspirantes sejam: (...) De
reputação incensurável, amantes do trabalho e da concórdia ...” (CONSTITUIÇÕES
de 1932, II, §5f; 1958, III, §31). Diante desta constatação, podemos concluir que a
opção por assumir casas e obras contratadas, com prestação de serviços não afins
com o tradicional escopo, foi vista como algo temporário, até que ela tivesse
condições de assumir as escolas e espaço para destinar as religiosas não
diplomadas. Mas, como nem tudo ocorre conforme o planejado, o temporário se
prolongou por mais de 30 anos e só foi interrompido por razões alheias a sua
vontade. O específico escopo da educação, definido claramente nas Constituições
de 1921, teve que ser ampliado para acolher um maior número de candidatas, ainda
que sem dote econômico ou profissional. Em alguma das quatro frentes de trabalho,
a candidata amante do trabalho se encaixaria.
178
Figura 1: Piracicaba – 1890
Figura 2: Campinas final século XIX
179
Figura 3 - Fotografia de Frei Luiz Maria de São Tiago, recém-chegado à cidade de Piracicaba
Figura 4 - Fotografia de Irmã Cecília, fundadora e primeira superiora geral da Congregação
180
Figura 5: Igreja Sagrado Coração de Jesus, construída pelos frades franciscanos capuchinhos - Piracicaba
Figura 6 - Asilo Maria Nossa Mãe - Piracicaba
181
Figura 7- Fundadoras do Asilo Maria Nossa Mãe, de Piracicaba
182
Figura 8 – Santa Casa - Descalvado
Figura 9: Crianças do Asilo Imaculada Conceição – Descalvado
183
Figura 10 - Irmã Cecília e funcionários da Santa Casa - Jundiaí
Figura 11 - 1ª turma de votos perpétuos – 1921 (Irmã Cecilia na primeira fila, a quarta a partir da esquerda)
184
Figura 12: Chalé onde Irmã Cecília morou com sua filha (1916 - 1947)
Figura 13 - Irmã Cecília e sua filha Rosa
185
Figura 14 - Sede do Governo Geral e Colégio Ave Maria (década de 1930)
Figura 15: Irmãs estudantes de Enfermagem
186
Figura 16- Irmã Cecília, já idosa, em meio às crianças do Asilo
Figura 17- Irmã Cecilia em meio às Irmãs do Asilo (década 1940)
187
Figura 18 - Irmã Cecilia (1946)
188
Figura 19: Educandário Divina Pastora, Cidade de Uraí - Paraná
Figura 20 - Quarto onde Irmã Cecília viveu seus últimos dias, Asilo Maria Nossa Mae -Piracicaba
189
CAPÍTULO IV
A Urupuca da Cabocla – Releituras
Este último capítulo analisa o processo de reinterpretação, feito pelas religiosas da
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, de sua história entre os
anos de 1950 e 1990, e, especialmente, da vida de sua pretensa fundadora, depois
de seu falecimento. Esta releitura foi desencadeada em função das mudanças
decorridas na sociedade, em função do avanço da secularização, a qual, por sua
vez, desencadeou, no âmbito eclesial, o Concílio Vaticano II, que se propôs atualizar
a Igreja diante dos avanços da secularização. Essas mudanças desencadearam
rupturas que impuseram a reordenação de vários organismos eclesiais,
especialmente as congregações religiosas.
Com isso, avançamos no quadro que estamos compondo desde o início desta tese,
quando nos propusemos a analisar a formação do seu patrimônio, não só material,
mas, principalmente, o espiritual e simbólico, resultando no único patrimônio, o
cultural. Como em outras congregações, a releitura ocorreu em resposta aos apelos
do Concílio Vaticano II, que sugeria a seus organismos se atualizarem e se
renovarem com vistas a tornarem-se abertos ao diálogo e às mudanças do mundo,
em um processo conhecido internamente como aggiornamento131.
A inspiração para este capítulo vem de três obras. A primeira é do medievalista
Jacques Le Goff, que, ao reunir vários ensaios sobre Francisco de Assis, preocupou-
se em situá-lo no seu tempo, nas questões colocadas pela sociedade, na crise da
131 O Concílio Vaticano II, 1962-1965, realizado em Roma, emanou quatro constituições, nove decretos e três declarações. Apenas as constituições Dei Verbum, sobre a relação da Sagrada Escritura e a Tradição e Lumen Gentium sobre a constituição da Igreja, são dogmáticas, isto é, doutrinárias e com caráter dogmático e definitivo; as outras duas: Sacrossantum Concilium, sobre a Liturgia, e Gaudium ets spes, sobre a ação da Igreja no mundo, são pastorais e, portanto, apenas exortativas. A Constituição Dogmática Lumen Gentium definiu a noção eclesiológica de Igreja como Povo de Deus; e a Constituição Pastoral Gaudium et Spes estimulava os cristãos a participarem da construção da sociedade. Já os Decretos, em número de nove, são determinações e orientações para os vários organismos da Igreja responsáveis pelo ecumenismo, pelas Igrejas Orientais, pelas missões, pela formação dos padres, pelos bispos, pela renovação dos religiosos, pelos leigos e pelos meios de comunicação social. Por fim, há as Declarações, que expressam reflexões e opiniões eclesiais sobre a educação, sobre a liberdade religiosa, sobre os direitos da pessoa humana e sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs.
190
Igreja e, especialmente, na origem do movimento mendicante. Ao fazer isso,
também questionou as várias representações construídas sobre o santo e intitulou o
ensaio principal da obra de “Em busca do verdadeiro Francisco”. Estabeleceu, ali,
profunda conexão entre as representações e o tempo em que elas foram geradas,
as quais, então, explicam as escolhas feitas pela organização (LE GOFF, 2001). A
segunda é de Claude Langlois, que, ao abordar a reconstrução da fundação das
congregações, indicou que esse momento surgiu como necessidade de legitimar as
escolhas feitas e seus autores, implicando em desconstruir interpretações forjadas
pela cultura eclesiástica que teria cooptado e clericalizado grupos femininos laicos
(LANGLOIS, 1984). A terceira vem de Michel de Certeau, ao afirmar que toda
interpretação pertence ao passado que a gerou. Ao fazer uma analogia entre uma
dada interpretação/texto e a morte de Jesus Cristo, ele afirmava que, da mesma
forma que o evento da morte de Jesus autoriza o evento de sua ressureição, a
interpretação, ou o texto pronto finalizado, morto, autoriza que novas leituras sejam
feitas, impondo uma ruptura instauradora. Nessa dinâmica, importa não o texto em
si, que pertence ao passado e, por isso, é morto, mas o leitor, o sujeito que o
reinterpreta e lhe dá vida, atualizando-o segundo seus interesses, tornando-o um
novo texto, criando uma nova interpretação para que ele tenha uma função no
tempo presente (CERTEAU, 2006)132.
Entendemos que o Concílio Vaticano II, ao propor uma releitura do passado, não
desejava apenas rememorá-lo, mas lançar luzes sobre questões hodiernas que
preocupavam as organizações religiosas, para que elas pudessem atualizar-se,
apresentarem-se como novas e reinventarem-se, em tempos novos.
Demonstraremos como se deu esse processo de releitura, qual o seu objetivo e
quais os caminhos escolhidos para tal consecução. As principais fontes desse
capítulo foram os relatórios das superioras gerais, os volumes III e IV do Dossiê
enviado a Santa Sé, as Revistas comemorativas dos Jubileus da Congregação e a
biografia Um coração de Maria. Vida de Madre Cecília do Coração de Maria, escrita
pelo frei José Carlos Pedroso.
132 Na obra A ordem dos livros, Roger Chartier (1994) se apropria de forma implícita dessas ideias, para indicar que o leitor é mais importante que o texto e seu autor, pois, através de sua leitura lhe dá nova vida.
191
Como já expusemos nos capítulos anteriores, a extrema dedicação do grande
contingente das religiosas foi importante para o crescimento da organização, mas o
contexto sociopolítico, que pautava as relações entre Igreja e Estado na primeira
metade do século XX, não pode ser negligenciado. Ele foi extremamente favorável
às congregações religiosas, que se dispuseram a assumir, como missão, o serviço
social nas escolas, nos hospitais, nas creches e nos asilos. Isso nos permite afirmar
que, embora as congregações justifiquem religiosamente suas escolhas, é inegável
que a ausência do poder público nessas áreas acabou se constituindo uma alavanca
para o desenvolvimento delas. A condição para tais ações, então, não foi definida
pela Igreja, ou pelas próprias congregações, mas pela sociedade, que lhes indicava
o espaço e o tempo para atuarem, e acabava determinando o modus vivendi da
organização. Esse modo de ser, sedimentado ao longo do tempo, constituiu uma
cultura e modos de dominação, que passaram a ser reproduzidos pelas religiosas
que assumiram os postos de comando na organização (BOURDIEU, 1994). Tal
situação começou a mudar a partir dos anos 1940-1950 do século XX, quando
novos paradigmas atingiram a sociedade e a própria Congregação.
1. Os impactos da secularização e da laicização na Congregação
O avanço da secularização não atingiu a Igreja, e suas organizações, apenas nas
políticas laicistas do Estado, mas também culturalmente, pois, o fato de as religiosas
estarem em estarem em maior contato com o mundo acabou levando, para dentro
de suas casas, tudo aquilo que presenciavam nas ruas. Desta forma, a questão da
profissionalização, a discussão sobre a participação política e democrática, e o
feminismo, dentre outros aspectos, acabaram se constituindo em questões de ordem
nas casas religiosas. Tendo constituído um patrimônio material e espiritual na
primeira metade do século XX, o grande desafio da segunda metade foi
redimensionar esse patrimônio e dar-lhe uma nova identidade, uma nova destinação
e, acima de tudo, atribuir um novo sentido de pertença pessoal das religiosas à
organização (LAGROYE, 2009).
Dirigido aos religiosos, o Decreto conciliar Perfectæ Caritatis propunha a renovação
dos organismos religiosos a partir da recuperação da proposta fundacional, com o
192
objetivo de atualizar a prática missionária deles133. Esse decreto não se referia
apenas a uma renovação espiritual, mas sugeria que os organismos religiosos se
adaptassem “às novas condições dos tempos”, e isso implicava em debruçar-se
sobre sua trajetória, sobre suas escolhas e a vida do(a)(s) fundador(a)(es). O que
ele propunha correspondia à percepção da Organização feminina desde o final da
década de 1940, as mudanças ocorridas na sociedade, as quais, além de impor
novas exigências para o funcionamento de suas obras, também atingiam o
recrutamento de novas candidatas, o que a levou a empreender o projeto de
expansão ao Sul. Mais do que transferir religiosas, tais mudanças comprometeram a
forma como a organização era gerida e impuseram, às vésperas do Concílio, a
eleição uma nova superiora geral, depois de 23 anos de manutenção da mesma
madre geral. Carregada do desejo de mudanças, esta eleição foi um divisor de
águas na vida da Congregação, exigindo novos modos de ser, os quais não
aconteceram sem crises e conflitos.
Entendemos que esse Decreto deve ser visto como contraponto das reformas
empreendidas na vida religiosa pela romanização, entre os anos de 1900 e 1917,
que a conventualizou, conforme já destacamos no capítulo I. As mudanças ligadas
aos processos de secularização da sociedade e a crescente laicização do Estado
comprometeram o modus operandi das congregações, o que lhes exigiu a
reordenação de seus projetos e lhes impôs a necessidade de reinventarem-se. Em
função da cultura construída na primeira metade do século XX, que conferiu à
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria uma identidade
extremamente conservadora e eclesiástica, esse processo de ressignificação
demorou quatro décadas para se concretizar, e, mesmo assim, não de forma plena.
133 Do Decreto, destacamos.
A conveniente renovação da vida religiosa compreende não só um contínuo regresso às fontes de toda a vida cristã e à genuína inspiração dos Institutos, mas também a sua adaptação às novas condições dos tempos. Esta renovação, sob o impulso do Espírito Santo e a orientação da Igreja, deve promover-se segundo os princípios seguintes: a) Dado que a vida religiosa tem por última norma o seguimento de Cristo proposto no Evangelho, deve ser esta a regra suprema de todos os Institutos. b) Reverte em bem da Igreja que os Institutos mantenham a sua índole e função particular; por isso, sejam fielmente aceitas e guardados o espírito e as intenções dos fundadores bem como as sãs tradições, que constituem o patrimônio de cada Instituto. [....] (Decreto Perfectæ Caritatis. 1966, § 2) (grifo nosso).
193
Em todo caso, uma vez imposta a ruptura, restou às religiosas, e especialmente às
superioras, assumirem, entre acertos e erros, os novos rumos da organização.
Na primeira metade do século XX, apesar de o Estado ser politicamente laico, a
religião católica continuou tendo forte influxo sobre a sociedade. A mudança dessa
realidade começou a ser sinalizada quando novas compreensões sobre o lugar das
organizações, e sobre o papel do Estado, emergiram, possibilitando mudanças
políticas, isso já a partir da emergência do Estado Novo. O avanço das políticas
laicistas tomou força quando parte da sociedade, incluindo alguns católicos, passou
a ver com escrúpulo a atuação de grupos religiosos em serviços considerados
públicos, pelo fato de seus membros serem apenas religiosos, isto é, sem terem a
devida formação profissional, mesmo quando atuavam em suas próprias
organizações.
Em razão disso, muitas congregações, para não perderem os espaços conquistados
nas primeiras décadas do século XX, adaptaram-se à nova realidade secularizada,
constituindo-se como entidades civis, de acordo com exigências do Estado. Como
contrapartida, elas passaram a contar com subsídios públicos para custeio da obra
social, especialmente para o pagamento dos funcionários. Dessa forma, as
congregações mantinham a direção da obra, mas a maioria dos profissionais passou
a ser composta por leigos contratados e pagos com os subsídios governamentais.
Assim, saíram as irmãs e entraram as(os) professoras(es), as(os) assistentes
sociais, as(os) enfermeiras(os), etc.
Especificamente na Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,
isso pode ser constatado a partir dos relatórios de 1945, quando as superioras
gerais passaram a indicar o envio de religiosas para cursos técnicos ou superiores,
e, com a construção de moradias estudantis, a exemplo da abertura da Casa
Coração de Jesus, fundada em 1942 como residência exclusiva para três estudantes
de enfermagem, em São Paulo (RELATÓRIO, 1945). De forma semelhante, o
relatório do sexênio seguinte informa que 75 religiosas conseguiram obter o registro
dos governos federal e estadual para lecionar; 9 haviam realizado o curso intensivo
de administração hospitalar no Rio de Janeiro; e, outras 11 seguiam o curso
acadêmico de enfermagem. Indica também que 94 religiosas frequentavam cursos
profissionalizantes. (RELATÓRIO 1946-1951, Anexo IV). Tal decisão se dava por
194
forças contingenciais sinalizando que mudanças precisavam ser empreendidas para
que a organização pudesse continuar presente na sociedade134.
Por sua vez, a atualização da Igreja, através do Vaticano II, ao propor um olhar
crítico sobre os problemas políticos e socioeconômicos das décadas de 1960-1970,
trazia em sua base questões antropológicas, colocadas pela sociedade moderna,
que também alteravam a forma de a instituição se posicionar na sociedade, assim
como no interior de suas organizações: a defesa das liberdades individuais e os
movimentos emancipatórios, especialmente o feminino, que tocariam no cerne da
vida religiosa. Diante da valorização das liberdades individuais, o vínculo de
pertença institucional era definido pela subjetividade, que se conflitava com as
rígidas estruturas de poder de muitas congregações, as quais tiveram que enfrentar
questionamentos internos sobre o lugar, a forma e as práticas religiosas da
organização e das singulares religiosas, o que acabou se configurando “um novo
jeito de ser freira”, a partir da ressignificação dos votos religiosos (GROSSI, 1990).
O pedido de atenção às novas condições dos tempos, às necessidades do
apostolado, às exigências da cultura e às circunstâncias sociais e econômicas,
tocava no núcleo da Doutrina Social da Igreja, sinteticamente expressa como a
afirmação do direito da presença pública da Igreja na sociedade em um Estado laico.
Assumindo os elementos da modernidade, especialmente a liberdade, tal doutrina
afirma que a Igreja é uma realidade presente na sociedade por meio do conjunto dos
católicos, os quais, sendo cidadãos, possuem o direito a liberdade religiosa e, como
cristãos, devem assumir o compromisso de defender a concepção eclesial e católica
de homem, de sociedade e de Estado (NEGRI, 2013). Especialmente na América
Latina, setores significativos da Igreja, e, especialmente, muitas congregações
religiosas, majoritariamente femininas, se perfilaram ao lado dos movimentos
libertários, na defesa da dignidade humana, das Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) e da Teologia da Libertação. Isso foi fundamental para a renovação da vida
religiosa, fato que desencadeou uma profunda revisão sobre o modo de ser de
134 Atendendo a um insistente apelo da autoridade eclesiástica do Rio de Janeiro, e seguindo o conselho do Exmo. Sr. Bispo diocesano de Campinas, para prevenir futuras exigências dos poderes governamentais, o conselho geral, embora com ingente sacrifício, determinou afastar nove das superioras locais que regiam [hospitais] para se dedicarem, na capital Federal, a um curso intensivo de Administração hospitalar, de abril a maio de 1945. Munidas de seu certificado, poderiam exercer o cargo de administradoras no momento em que governo exigisse essa habilitação (RELATÓRIO 1945-1951).
195
muitas congregações e fez com que, muitas delas, adequassem seus carismas de
acordo com as novas exigências sociais (ROSADO-NUNES, 1997).
Isso não significa dizer, entretanto, que tais organizações, e as religiosas que as
governavam, tenham abandonado as posições políticas que fundamentaram sua
institucionalização. Na maioria das vezes, elas acolheram as sugestões conciliares
sem abrir mão do modo de ser e agir, e das estruturas que construíram na primeira
metade do século XX, assumindo, portanto, uma adesão formal às exigências
conciliares. Isso nos pareceu bastante claro, ao refletirmos sobre a tese doutoral, Do
hábito ao ato. Vida religiosa ativa no Brasil (1960-1985), de Caroline Jaques Cubas
(2014b). Ao desejar destacar a existência de uma nova postura congregacional de
acordo com propostas conciliares, a autora buscou, desde o título, analisar uma
nova representação de religiosas, que passavam a se envolver com as
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) nas lutas populares e, inclusive, no
engajamento político. O desenvolvimento da tese mostrou que isto ocorreu em
muitas congregações, mas não na maioria e, mesmo assim, naquelas que
assumiram tal proposta, isso se deu forma parcial135.
Na Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, a superiora geral
relatou, em 1969, que no ano de 1963 recebera um “insistente pedido” de uma das
religiosas, para integrar “uma caravana de irmãs adjuntas da JEC e algumas
jocistas”, a fim de conhecer as experiências de comunidades rurais no Nordeste
brasileiro; e que, após o retorno dessa irmã, os padres responsáveis pela Equipe
Nacional do Mundo Melhor teriam solicitado que fossem liberadas duas religiosas
para integrar uma Comunidade Eclesial intercongregacional (RELATÓRIO 1963-
1969)136. A narração feita pela superiora geral deixa entrever que, naquele período
135 A autora cita a Congregação das Religiosas da Assunção, a Congregação do Sagrado Coração de Maria, a Congregação das Irmãs de Santa Cruz, a Congregação das Oblatas do Espírito Santo e a Congregação das Missionárias de Jesus Crucificado (CUBAS, 2014b). Teria sido interessante relacionar este número relativo ao universo absoluto das congregações existentes no Brasil naquele período. 136 JEC é sigla utilizada para designar o movimento “Juventude Estudantil Católica”, e a expressão jocista se refere aos membros da Juventude Operária Católica (JOC), tal como para os membros da JEC seria jecista. JEC e JOC foram dois movimentos religiosos de jovens leigos originários da Ação Católica Brasileira (AC). Composto basicamente por cinco grupos, segundo o conjunto das vogais. Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC), esses grupos foram fundamentais para o dinamismo da Igreja na década de 1960. Em função das represálias do governo militar, os cinco grupos despareceram. A JEC, ao lado da JAC, teve forte repercussão no Nordeste brasileiro, na formação do Movimento de Educação de Base (MEB), que
196
da efervescência conciliar, abria-se o precedente de uma relativa horizontalidade
nas relações entre as religiosas e o governo geral, permitindo que qualquer uma
delas sugerisse mudanças nas práticas da organização, fato, até então, não
registrado pelas superioras em seus relatórios. O governo geral aprovou tal
solicitação porque, ainda que aquela nova prática social abrisse para espaço para
novas reflexões sobre o modo de ser da própria organização, ela também contribuía
para divulgar e promover a Congregação, criando, portanto, uma nova imagem dela,
fazendo aumentar o seu capital social. Paradoxalmente, aquelas Irmãs só foram
convidadas para ir ao Nordeste, também, em função do prestígio que a organização
gozava, especialmente na CRB. Assim, apesar de as práticas discursivas e os
critérios racionais da estrutura utilizados se apresentarem totalmente distintos das
novas práticas das religiosas inseridas, ambos tinham o mesmo objetivo, pois, sendo
faces de uma mesma moeda, objetivavam manter viva a organização, as primeiras
pela defesa da tradição, as segundas pela renovação. De outro lado, também
podemos interpretar que a anuência para que um grupo de religiosas integrasse
aquela missão se caracterizava como diversificação nos investimentos feitos pela
organização que também beneficiaria os dois grupos (BOURDIEU, 1997)
Também não podemos esquecer que, se a opção de assumir o trabalho de
evangelização nas paróquias, nas comunidades periféricas e nas áreas de missão,
se configurava como renovação para muitas congregações, tal percepção nem
sempre coincidiu com os projetos dos clérigos, que viam as religiosas como agentes
qualificados para substituí-los nos serviços pastorais. Entendemos, que isso
representava um retrocesso, pois, tal opção, embora justificada pelos apelos
conciliares, na maioria das vezes ocorria em função de suplência, dado que, diante
do insuficiente número de padres para o trabalho pastoral, muitos bispos e padres
recorreram a essas organizações para que elas colaborassem na evangelização.
Dependentes da estrutura eclesiástica, muitas congregações femininas, inclusive
fora fundado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1961, para o projeto de erradicação do analfabetismo adulto, segundo o projeto pedagógico do educador Paulo Freire. Logo após a criação da CNBB, Dom Helder Câmara, presidente da entidade, conseguiu que o Padre jesuíta italiano Riccardo Lombardi, que havia fundado o movimento Mundo Melhor, em 1952, visitasse e implantasse o movimento no País, em 1953. Este tinha como objetivo atualizar a Igreja brasileira na dinâmica da renovação eclesial segundo os desafios da modernidade, o que foi fundamental para a implantação do Plano de Pastoral de Conjunto e das orientações conciliares na década de 1960. Para a realização desse projeto de renovação, fundamental papel tiveram a CNBB, inúmeros bispos, religiosos e, especialmente, religiosas, o que é confirmado pelo relato da superiora geral citada aqui (FARIAS, 2005; SOUZA, 2006).
197
àquelas que já haviam conquistado o direito pontifício, voltavam à condição de
subserviência ao clero. Entendemos que, em função de circunstâncias internas, na
exigência de se dar destino às religiosas alocadas em obras que precisaram ser
fechadas, ou ainda, tiveram seus contratos encerrados, muitas delas acabaram
enredadas pelos organismos eclesiais, em nome das propostas conciliares,
convocaram-nas para perfilarem-se nesse trabalho. Nem mesmo a CRB, organismo
criado para promover e defender os religiosos e as religiosas, se empenhou para
que as congregações religiosas se mantivessem em postos-chave e importantes da
sociedade que haviam conquistados ou, ainda, que assumissem novos.
Para ilustrarmos isso, citamos um fato narrado pela superiora geral da Congregação
das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, no ano de 1968, quando o arcebispo
de Campinas, Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, convidou algumas
congregações para integrar a Comissão de Vilas Planejadas e abrir casas na
periferia da cidade de Campinas. Em tendo aceitado a proposta, foi acordado que a
nova casa seria na Vila Costa e Silva, onde suas religiosas instalariam e se
responsabilizariam pela organização de uma comunidade (RELATÓRIO 1963-
1969)137. O modelo implantado foi o das Comunidades Eclesiais de Base, ligado a
Teologia da Libertação, no qual as novas comunidades religiosas seriam
integralmente geridas pelas religiosas, as quais teriam o apoio da equipe de padres
que coordenava aquela Comissão, e se revezariam no atendimento sacramental.
Todavia, não bastando assumir os serviços religiosos específicos do clero, coube à
organização arcar com a compra do imóvel. Fica claro no relato da superiora geral
que, apesar de ocuparem uma importante e nova frente de trabalho, que produziu
muitos bens simbólicos, as religiosas assumiram funções subalternas e substitutivas
ao clero, fato que passava a ser cada vez mais recorrente. Na década de 1980, com
o aumento de padres, aquele projeto foi progressivamente desmontado, e àquelas
CEBs foram paulatinamente dando lugar às novas paróquias. Em razão disso,
algumas dessas comunidades de freiras foram fechadas, pelo desinteresse em
assumir os novos trabalhos, ou, ainda, porque muitos clérigos acabaram rompendo
137 A Comissão de Vilas Planejadas foi criada pelo arcebispo de Campinas para gerir o atendimento religioso de várias vilas planejadas construídas pela Companhia de Habitação, durante o governo militar, para as quais não dispunha de padres para o atendimento. Para tanto, o arcebispo convocou as superioras gerais das Congregações que possuíam casas em Campinas e propôs que cada uma delas assumisse uma daquelas Vilas, que implantasse nelas a estrutura das CEBs e se responsabilizassem pelo trabalho pastoral.
198
contrato com as congregaçoes, o que as obrigou a fecharam àquelas casas e
transferir as religiosas para outros trabalhos.
2. O franciscanismo como facilitador das necessárias rupturas
Apesar de nunca ter perdido o vínculo com os frades franciscanos, a Congregação
das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, em função de ter se convertido em
organização regida pelo direito diocesano, acabou seguindo mais as orientações dos
sucessivos bispos que as dos frades, os quais foram relegados ao papel de diretores
de consciência das religiosas (PEDROSO, 1996). Foram os bispos, dom Nery e
especialmente dom Barreto, que impulsionaram a organização a assumir
caraterísticas racionalizadas e pragmáticas, nas áreas da educação e saúde. Tais
práticas propiciaram o crescimento e o consequente alcance do direito pontifício, em
1956. Pelo fato da romanização ter sido um movimento internacional, também os
frades imigrantes, em sua maioria clérigos, assumiram, de forma naturalizada,
aquele projeto e se puseram a serviço dos bispos, pois esse era o meio de
concretizar a proposta da Ordem138. Dessa forma, apesar das dificuldades criadas
pelos sucessivos bispos de Campinas, a Ordem dos Frades Capuchinhos buscou
construir uma política de proximidade com eles, lhes permitindo se constituir como
peça-chave no processo de sua agregação à Primeira e à Segunda Ordens
Franciscanas em 1921 e, depois, a partir de 1940, no processo de reconhecimento
pontifício. (PEDROSO, 1996).
Jacques Le Goff, em sua obra Francisco, demonstrou que o movimento franciscano,
antes mesmo do falecimento do seu fundador, já havia se distanciado do projeto
inicial. Não obstante, a morte de Francisco de Assis marcou a ruptura entre criador e
criatura, a qual se emancipava e tomava novas dimensões. O autor identificou uma
tensão entre a identidade indicada na protorregra, dada pelo santo em 1221, e
aquela construída pelos seus confrades com o apoio do cardeal Ugolino, que foi
ratificada pelo papa Honório na Regra Bulada de 1223, essencialmente
138 Ilustra tal fato o testemunho de Frei Salvador Cavedine, diretor espiritual, que enviou ao seu superior geral, em Roma, no ano de 1920, uma carta na qual descreve a história da organização, destacando o papel dos frades no processo de conventualização da Congregação (PEDROSO,1996). Vide cap II.
199
eclesiástica139. Assim sendo, as chamadas fontes franciscanas se sobrepuseram
aos poucos traços que Francisco teria deixado e serviram de base para a construção
de outras interpretações sobre os supostos ensinamentos franciscanos. Dentre elas,
predominou uma religiosidade idílica e extremamente plástica, que amoldava
Francisco aos diversos modelos eclesiais, o que servia, inclusive, para autorizar
posturas criticadas pelo próprio santo, as quais se consideravam a mais genuína
tradição franciscana140. Na perspectiva de Certeau, podemos inferir que, a cada
nova interpretação do franciscanismo, ainda que totalmente desterritorializada e
atemporalizada, uma nova representação de Francisco era construída com o
objetivo de legitimar novas fundações. Assim, qualquer pequena e ignota
congregação do século XX que se afirmasse franciscana passava a ter
reconhecimento social e eclesial, tal qual as mais antigas organizações
franciscanas, fazendo delas herdeiras da tradição franciscana, confirmando a tese
da “tradição inventada” de Hobsbawn.
Com a orientação do Decreto Perfectæ Caritatis, de retomada do idealismo
fundacional, houve a ressignificação da essência franciscana na maioria das
organizações que assumiram aquela espiritualidade. Na América Latina, foi fundado,
no Chile, em 1965, o Centro de Estudos Franciscanos e Pastorais para a América
139 O autor destaca: “... a maior parte das citações do Evangelho da Regra de 1221 foi suprimida, como foram suprimidas as passagens líricas, em favor das jurídicas. (...). Francisco, a morte na alma, aceitou essa regra deformada” (LE GOFF, 2001, p.86). 140 Não por acaso, há uma querela em torno do termo / adjetivo “menor”, presente no título de sua ordem. Jacques Le Goff, ao discutir a historiografia franciscana, lembra que a interpretação recorrente de “menor”, interpretado como [aquele(a) que se faz] “submisso a todos”, é de Tomas de Celano, o qual escreveu a obra Prima vita, por solicitação do Papa Gregório XI, por ocasião da canonização de Francisco, dois anos depois de sua morte e, portanto, marcada pela ótica eclesiástica, daí a importância dada a submissa obediência. No entanto, o medievalista francês destaca que, para Francisco, os frades deviam ser “menores para serem próximos dos descategorizados: as pessoas vis e desprezadas, os pobres e fracos, os doentes, os leprosos” (LE GOFF, 1999, p. 142). Em 2006, o Capítulo Geral Extraordinário da Ordem dos Frades Menores, reunido em Assis, assim resgatou a interpretação da minoridade franciscana:
O adjetivo “menor”, que Francisco tira do Evangelho (...), é um adjetivo de relação: somos menores em relação a alguém. (...) O modelo da minoridade é Cristo, que “não se apegou à sua igualdade com Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo”. (...). Nossa tradição é firme e abundante em proteger a dignidade do outro a partir de uma minoridade pessoalmente assumida, como caminho de salvação comunitária. O relacionamento fraterno caracteriza não só as relações entre os frades, mas, de forma mais ampla, também as relações com cada criatura humana. (Documento do Capítulo Geral Extraordinário, 2006, 28, 29 e 30)
200
Latina (CEFEPAL), e, no ano seguinte, a sua sucursal, o CEFEPAL-Brasil, com
vistas a promover formação e divulgação do franciscanismo141. Pudemos perceber,
nos Relatórios de vários governos, a indicação de que a Congregação passou a
enviar religiosas para os diversos cursos em Belo Horizonte, e, no ano seguinte,
passou a contar com a presença de religiosos franciscanos, especialmente
capuchinhos, para franciscanizá-la (RELATÓRIOS, 1963-1969; 1973-1979). Todos
estes fatos autorizavam releituras e modos de compreender a vida religiosa, a Igreja
e o mundo.
Tal processo foi aos poucos desvelando que a Congregação pouco tinha de
franciscana, com exceção do nome. No Relatório do governo que se findava no ano
de 1985, a superiora geral, Irmã Inês Magali Rossi, ao relatar à assessoria do diretor
do CEFEPAL-Brasil, em mais um estudo da “espiritualidade franciscana”, declarava
que ele contribuía para “captar a indefinição do carisma fundacional”, o que,
segundo ela, persistia na década de 1980 (RELATÓRIO 1979-1985). O que a
superiora chamou de “indefinição” era o descompasso entre interpretações, isto é, o
franciscanismo assimilado pelas religiosas ao longo de sua história pouco tinha a ver
com o movimento renovado, apresentado pelo diretor do CEFEPAL-Brasil.
De outro lado, não podemos esquecer que o embate com a secularização também
contribuía para isso, pois, aquele estudo demonstrava a coexistência, entre as
religiosas, de diferentes formas de conceber-se como franciscanas, resultado da
crescente valorização das subjetividades. Pelo fato daquele movimento ter
autorizado múltiplas leituras fundacionais, onde a compreensão eclesiástica se
apresentava como mais uma delas, a orientação dada pelo CEFEPAL, naquele
momento, foi levada em consideração porque politicamente isso interessava ao
governo da organização.
O que ocorria, então, além da disputa pela “verdadeira” franciscanização, ou pela
“verdadeira vida religiosa”, se configurava também como uma disputa de poder e de
definição dos rumos da organização. Isso é constatado no discurso que a superiora
141 O CEFEPAL se caracterizou pelo retorno às fontes franciscanas, publicando-as e provendo cursos de atualização teológica e franciscana. Apesar de terminação “AL”, referente à organização continental, no Brasil manteve-se o nome com o acréscimo “-Brasil”, o qual existiu até 1994, quando o organismo passou a ser denominado “Família Franciscana do Brasil” e, em 2015, “Conferência da Família Franciscana do Brasil”. Informações do site http://ffb.org.br/quem-somos. Acesso em: 24 fev. 2018.
201
geral fez sobre a obediência, em um dos momentos mais complexos e tensos da
vida da Congregação, no pós Vaticano II:
... conscientes de nossos compromissos, reflitamos, (...), e vejamos (...) como temos vivido os elementos básicos do franciscanismo: vida fraterna minorítica, de oração, trabalho e apostolado, que se nutrem na contemplação. Sabemos como, os que têm senso de maturidade, procuram tomar consciência das responsabilidades assumidas. (RELATÓRIO 1969-1973, p. 63, grifo nosso)
Apelando aos elementos próprios do movimento franciscano, a superiora incluía em
seu discurso determinações morais e disciplinares, como se tudo fizesse parte da
espiritualidade citada. Ao recorrer ao franciscanismo, seu discurso era marcado não
pelo resgate humanista, capaz de compreender as diferenças entre as religiosas e a
influência da modernidade na vida de cada pessoa, mas pelo reforço da autoridade,
da centralização e da hierarquia, fundamentado na romanização, o que justificava as
opções por aquele determinado modo de conduzir a organização, pautado na
disciplina eclesiástica, que elegia Francisco como modelo de obediência
eclesiástica142. Francisco de Assis não era resgatado, mas inventado segundo as
hodiernas necessidades do governo geral.
Por outro lado, não foram apenas os cursos de renovação da vida religiosa,
promovidos pelo CEFEPAL, pela CRB e pela própria Congregação, que provocaram
novas leituras. Estes representam a menor parcela. O que desencadeou novas
leituras sobre o mundo, sobre a vida religiosa e, consequentemente, sobre o lugar
de cada pessoa na organização foram a movimentação das religiosas nas diferentes
casas; o contato com outras áreas de missão, especialmente a realidade das CEBs;
o crescente contato com o mundo secularizado, que relativizava as verdade
religiosas; o movimento feminista, que questionava a mentalidade patriarcal
presente na sociedade. Essa realidade, que não fora privilégio apenas da
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, instaurava progressivas
cisões que exigiram a ressignificação da organização. Não obstante a esses
esforços, mas também, a momentos de intensa resistência do governo geral, a
Congregação assistiu a deserção de significativo número de religiosas.
142 No Relatório citado anteriormente, a superiora geral expressava sua indignação contra três irmãs que teriam se negado a cumprir suas ordens relativas às transferências.
202
3. A intervenção pontifícia como resposta a resistência às mudanças
No final da década de 1960, dois grupos disputavam o poder: o que sustentava o
governo geral, liderado por Irmã Maria Julia da Eucaristia, o qual, por assumir as
propostas conciliares e por desejar continuar o projeto de renovação da
organização, articulava sua reeleição, e o grupo que tentava, a todo custo, fazer
voltar ao governo da Congregação a Irmã Angelina Maria da Sagrada Face, que
completava naquele ano o interstício de seis anos, o que lhe autorizava reassumir o
governo, caso eleita143. Em janeiro de 1969, pela primeira vez na história da
Congregação, não foi concedida a reeleição ao governo vigente e a candidata Irmã
Angelina Maria foi eleita como a nova superiora, em clara manifestação de força de
um grupo de religiosas que desaprovavam às mudanças promovidas naquele
mandato que se findava. Em nossa análise, isso não afirmava que o governo de
Irmã Maria Julia tenha sido rejeitado porque fora revolucionário, pois, sua eleição em
1963, só fora possível porque grupo dominante consentiu, não vendo nela uma
ameaça. Irmã Maria Julia, talvez, até por que nunca governara, não possuía a
racionalidade própria daquela que estivera 18 anos à frente da organização. Mais
que isso, foram as circunstâncias vivenciadas diante da secularização, e o
consequente clima que antecedeu o Vaticano II, que impuseram o acontecimento
das mudanças. A desaprovação àquele governo começou quando a superiora geral
promoveu uma ampla consulta com as religiosas para que indicassem a melhor
forma de aplicar as decisões conciliares, que se converteriam em um plano de ação
para os próximos governos. Segundo informações contidas no relatório, essa
consulta desencadeou duas medidas: divulgar e incutir nas religiosas as mudanças
ocorridas na Igreja e oferecer condições para que as superioras locais participassem
de cursos, e, assim, elas mesmas se transformassem em multiplicadoras
(RELATÓRIO 1963-1969).
Este processo foi altamente fecundo, pois, ao final do seu mandato, aquele governo
apresentava um projeto de reforma que se constituía, também, em um programa de
143 Segundo a tradição indicada na Constituição da Congregação, a reeleição era permitida uma única vez. Em 1956, tendo cumprido o seu segundo mandato, Irmã Angelina Maria da Sagrada Face, apoiada pelo bispo de Campinas, conseguiu que a Santa Sé lhe autorizasse um novo e extraordinário governo. Em razão disso, ela governou a organização por 18 anos ininterruptos. Em 1963, foi obrigada a deixar aquela função...
203
governo para o próximo mandato144. Para além dos assuntos costumeiros da
assembleia capitular, como, a eleição do novo governo geral, as reflexões em torno
das atividades nas obras educacionais e hospitalares da Congregação, decidiu-se,
também, que o seu objetivo seria discutir a Renovação da organização, à luz do
Vaticano II, disposta em cinco temas (RELATÓRIO 1963-1969, p. 37):
a) retornar às fontes do franciscanismo; b) voltar à inspiração primigênia dos fundadores; c) ajustar a Congregação às necessidades da Igreja de hoje; d) adaptar a Congregação às novas condições dos tempos; e) reorganizar a vida fraterna.
A considerar pelo conteúdo das propostas apresentadas, e pela sua rejeição
manifesta na eleição, vemos a tensão vivenciada por um governo legítimo, que
sofria sistemática oposição do grupo que, de fato, governava a Congregação desde
1945 e fora surpreendido pelas mudanças ocorridas naquele governo, eleito para ser
transitório até que Irmã Angelina Maria pudesse retomar o poder. Embora não
tivéramos condições de avaliar todas as razões que levaram a organização a retirar
o apoio ao governo que aspirava ser eleito, fica evidente ter se tratado de uma
manifesta disputa de poder entre o tradicional grupo que a conduzira até 1963,
segundo a romanização, e o grupo aberto às propostas conciliares, que sustentava
Irmã Maria Júlia.
O fato é que, legitimamente eleita, Irmã Angelina Maria assumiu o governo em 1969,
que se estenderia até 1975. Todavia, por adotar medidas anacrônicas e, portanto,
contrárias às irreversíveis mudanças em curso, foi interrompido em 1973, em função
de uma intervenção pontifícia que, após fazer inúmeras consultas e averiguações
junto às religiosas, impôs a eleição de uma nova superiora geral. Nas
comemorações do centenário, assim a secretaria geral, Irmã Terezinha Catarina
Andreola, recordou aquele episódio:
As capitulares se encontravam em uma conferência com o Pe. Marcelo de Azevedo, S.J., quando a superiora geral Madre Angelina Maria da Sagrada Face, recebeu da Nunciatura Apostólica um documento vindo do Vaticano suspendendo o Capítulo, pois haveria na Congregação uma Visita Apostólica para a qual foi nomeado S. Exma. Dom Agostinho José Sartori,
144 No final de 1968 deu-se início aos trabalhos preparatórios do próximo capítulo, que seria realizado em janeiro de 1969, com a convocação de Encontro preparatório de todas as capitulares, de 30 de outubro a 2 de novembro do mesmo ano. Nesse encontro, o governo e as capitulares decidiram o programa da assembleia capitular e criaram grupos para preparar os subsídios necessários para aquele evento.
204
bispo de Palmas, exprovincial dos frades Menores Capuchinhos do Paraná (Revista do Centenário 2000, p. 41-43)145.
As informações que nos levaram a compreender aquela intervenção são dadas, em
detalhes, pela própria Irmã Angelina, no Relatório apresentado no final de seu
governo, que se concluía dois anos antes do previsto146. Interpretamos que o
governo geral eleito para aquele sexênio expressava a força política do grupo
majoritário, que controlava a Congregação, o qual conseguiu interromper as
mudanças sugeridas pelo governo anterior, mas a interdição sofrida deixa claro que
tal controle não era hegemônico. Subjaziam as sementes plantadas pelo governo
anterior, mas principalmente a própria situação pela qual passava a sociedade, que
questionava as religiosas. Para compreender o ocorrido, elencamos cinco
informações presentes naquele Relatório:
1) Em março de 1972, a Santa Sé nomeou o bispo capuchinho, Dom Agostinho
Sartori, como interventor e visitador para averiguar as denúncias que, de
alguma forma, chegaram até a Nunciatura. As razões para essa intervenção
não são claras, mas tudo indica que tal fato tenha ocorrido em razão da forma
como Irmã Angelina Maria conduzia o governo geral. A interrupção do governo
anterior, que introduzira mudanças de acordo com as orientações do Vaticano
II, da CNBB e da CRB, e, especialmente, da franciscanização, indica a
existência de uma velada, porém forte, resistência a tudo o que pudesse
introduzir mudanças de planos e projetos.
145 Também aqui indicamos que os documentos que poderiam elucidar o caso são a Ata da Assembleia Capitular, de janeiro de 1969 e o Livro Tombo, referente àquele período, ambos custodiados no Arquivo Geral, e os documentos enviados pelo bispo Dom Agostinho à Santa Sé, que seguramente estão no Arquivo da Congregação dos Religiosos, em Roma. Tendo solicitado autorização para acessar os dois primeiros, ambos nos foram negados pela Superiora Geral, por conter informações sobre pessoas que ainda vivem. Quanto aos documentos enviados a Roma, e que estão na Congregação dos Religiosos, buscamos construir meios de acessá-los, mas uma das exigências daquele organismo vaticano era a necessidade de uma carta da superiora geral, autorizando a pesquisa e apresentando o pesquisador; porém, mais uma vez tivemos nosso pedido negado. Nunciatura é a representação da Santa Sé presente na maioria dos países, com dois objetivos: Do ponto de vista político é a embaixada da Santa Sé nos países que mantêm relação com o Estado do Vaticano. Do ponto de vista religioso é como uma sucursal que intermedeia a relação dos organismos religiosos com as várias secretarias romanas, chamadas também discastérios, e com o papa. Age em nome do papado e sua direção é exercida pelo núncio apostólico. 146 Comparamos este fato com a interferência havida no governo de Irmã Cecília, na segunda década daquele século. As duas superioras gerais sofreram sanções eclesiásticas em seus governos e ambas acataram fielmente as determinações impostas.
205
2) Devemos considerar que as determinações conciliares geraram uma crise de
identidade nas religiosas, especialmente naquelas formadas no espírito da
romanização, que o concebiam como único possível. A identidade da maioria
delas fora forjada por uma concepção da cristandade, a de uma Igreja acima
do Estado147, e especialmente as religiosas que exerceram o cargo de
superioras e, até então, tiveram como modelo as antigas superioras, as quais
se julgavam detentoras de pleno poder e autonomia, quando, na verdade,
eram submissas ao bispo de Campinas148. Essa foi a lógica adotada por
aquelas que, desejando realinhar a Igreja ao modelo romanizador,
orquestraram a retomada do poder por Irmã Angelina Maria, depois da
abertura proposta pelo governo de 1963-1969. A rigidez da romanização as
impediu perceberem que a mudança proposta pelo Concílio Vaticano II não
era uma revolução, mas tão somente uma reforma, segundo o mote tridentino
da ecclesia sempre reformanda.
3) Em março de 1973, o bispo visitador enviou uma carta à superiora
determinando encaminhamentos necessários para a convocação do capítulo
que elegeria sua sucessora. Nesta, o bispo admoestava, de forma dura e até
desrespeitosa, as religiosas, indicando os caminhos para retomarem a vida da
organização:
Estou profundamente convicto de que a hora presente é uma hora de graça para Congregação, desde que as Irmãs não queiram se tornar cegas, surdas e mudas diante das contínuas e insistentes manifestações de predileção que Deus tem tido para com a Congregação...
... Chegou, então, o momento, a hora, em que cumpre esquecer os ressentimentos, as agruras, os egoísmos, os interesses pessoais, para nos voltarmos inteiramente ao Cristo, (...), e que nos desafia a lhe recompormos o Sagrado corpo, despedaçado por tantas crises que tem açoitado nos últimos tempos a Santa Igreja, (...), . Mais do que nunca, a responsabilidade da Congregação repousa sobre os ombros de cada uma (...). Esta deve ser uma hora de humildade, de ideias claras, de decisão, de fidelidade
147 Por ocasião daquela interdição, a Congregação, com 70 anos de existência, contava com 250 religiosas, sendo que mais da metade dessas tinha mais de 50 anos e pelo menos um quinto delas havia nascido no século XIX. 148 Exemplo disso foi a trajetória de vida da superiora geral, irmã Angelina, que governara a Congregação de 1945 a 1963. Nascida em 1899, ela ingressou na organização em 1919, foi eleita superiora geral, incorporando em seu governo as práticas herdadas das ex-superioras e, muito provavelmente, não concebia o exercício de sua função de superiora geral sem a direção episcopal. Com a concessão do direito pontifício, em 1956, ela se tornou, de fato, a primeira superiora religiosa com plenos poderes. Apesar disso, é compreensível que ela tenha mantido a mesma forma de exercer o governo de quando assumira em 1945, isto é, sendo centralizadora, autoritária e vertical.
206
incondicional, de despojamento total e de total entrega ao ideal de vida que se abraçou... (RELATÓRIO 1969-1973, p. 68)
Ao responsabilizar as religiosas pelos problemas da Congregação, o bispo
preferiu desconsiderar, como o próprio Concílio indicava, que as mudanças
desencadeadas pela secularização e pelos problemas políticos e econômicos
atingiam a instituição e repercutiam em suas organizações. Além disso, ele
isentava a Igreja e seus prepostos no processo histórico que a enrijecera.
4) Aumento do número de religiosas com poder de voto no Capítulo, a instância
máxima de poder na eleição da nova superiora geral. No referido Relatório, a
superiora registrou que a Santa Sé determinara mudanças no número de
eleitoras, devendo passar de 27 para 50, potencializando a participação,
ainda que indireta, das religiosas que estavam na base (RELATÓRIO, 1969-
1973). Interessante destacar, no pós-Vaticano II, que o aumento de
representantes das religiosas passava a ser visto como meio para prevenir
problemas de disputas internas de poder. O interventor lembrava que o
número de capitulares eleitoras precisava ser proporcional ao número de
religiosas, indicando que a manutenção do número reduzido de eleitoras se
constituíra como estratégia do grupo dominante que controlava a
Congregação.
5) Verificamos, ainda no mesmo relatório (Relatório, 1969-1973), uma narrativa
que demonstrava o empenho das defensoras de Irmã Maria Angelina em
apresentar ao bispo interventor e visitador outra representação da superiora
investigada. Trata-se da comunicação de que ela, fora agraciada com o título
honorário de cidadã campineira, fazendo dela a primeira religiosa a receber
aquele título na cidade de Campinas. Como, normalmente, este título é
concedido às pessoas que tenham prestado relevantes serviços à cidade,
concluímos que se desejou afirmar que a sociedade campineira reconhecia-a
como acumuladora daquele capital social, o qual era apenas dela, mas da
organização da qual fazia parte149.
149 Segundo o autor do projeto de concessão do título de cidadã campineira à Irmã Angelina Maria, o vereador Luis Rafael Lot, justificava-se o título pelos “relevantes serviços prestados durante anos no setor filantrópico e de assistência social ...” (RELATÓRIO 1969-1973).
207
A partir dessas informações, entendemos que a principal razão da intervenção da
Santa Sé se deu em função da resistência do grupo, que sustentava o governo
geral, e da própria superiora em alterar o rígido projeto romanizador, o que incluía
rejeitar a recuperação da identidade congregacional segundo a primitiva
configuração do movimento do século XIX. Tal qual destacamos no capítulo I,
entendemos que o movimento congregacional do século XIX foi assumido e
institucionalizado pela Igreja, não porque ela o reconhecesse como modelo, mas
porque ele, com suas práticas sociais, até então negadas, relançava o catolicismo.
Por mais paradoxal que possa parecer, o interventor recorria à necessidade da
colegialidade, da unidade e da responsabilidade, que se constituem nas principais
referências presentes no movimento congregacional, amplamente assumidas pelo
Vaticano II150.
Tais fatos não podem ser vistos como contradição da Igreja, mas como a percepção
da necessidade de mudanças para continuar presente na sociedade. A intervenção
pontifícia revelava que, a rigidez e a fidelidade à romanização de Irmã Angelina
Maria e de seu grupo, eram, naquele momento, consideradas anacrônicas.
Obedecer à Igreja, naquela circunstância, consistia, então, em acatar as decisões do
Vaticano II, pois, naquele momento, um governo centralizador, rígido e autoritário
pouco contribuía para a construção de uma Igreja renovada151.
Essas determinações foram acolhidas pelo conjunto das religiosas e pela superiora
geral, a Irmã Anna de Mattos Castilho, que assumiu o governo na extraordinária
assembleia presidida pelo interventor em 1973. No seu Relatório, inexistem
referências sobre o ocorrido, dando a impressão de que aquilo não passara de um
incidente, sendo fielmente seguido pelas outras superioras gerais, que silenciaram
sobre a tumultuada intervenção. Tal constatação pode ser verificada nas
homenagens feitas às superioras gerais na Revista do Centenário da Congregação.
Ao apresentar um breve histórico do governo da superiora geral, Irmã Anna de
150 Não há como não associar tais referências aos princípios modernos de sociedade, de liberdade e de democracia, tão caros aos liberais e veementemente condenados pelo ultramontanismo e pelo processo de romanização (NEGRI, 1994). 151 O estudo da história da Igreja revela que o apego demasiado à ortodoxia é contrário à política eclesiástica que busca, as vezes a todo custo, manter-se presente na sociedade. Inúmeros grupos e pessoas foram proscritos por se negarem a acatar as mudanças eclesiais, mesmo quando defendiam proposições, até então, consideradas validas. Aqui desconsideramos as justificativas teológicas para tais mudanças, por não ser este o escopo da tese.
208
Mattos Castilho, que assumira depois da intervenção, há um sepulcral silêncio sobre
as circunstâncias e as condições em que ela foi eleita. Da mesma forma, a Revista e
os Relatórios das superioras gerais silenciaram sobre o destino de Irmã Angelina152.
Nem mesmo a sua morte, ocorrida em 15 de dezembro de 1988, mereceu uma
simples menção no Relatório da superiora geral do período 1985-1991. Seu nome
aparece apenas citado no necrológio apresentado na Revista do Centenário (2000)
que homenageou, de forma genérica, as religiosas falecidas. Entendemos que tais
narrações assumem as características próprias dos textos eclesiásticos, ocultando
mais do que revelando. O objetivo da Revista foi construir a imagem de uma
organização harmônica, sem tensões ou contradições, onde tudo era visto como
linearidade. Apresentam organizações uníssonas, superiores e acima dos conflitos
mundanos e das pessoas que contribuíram em sua constituição. As pessoas
passam, as instituições e suas organizações permanecem.
Por fim, apesar de não termos optado pela história oral, pudemos constatar, nos
vários contatos informais que tivemos com algumas religiosas, durante a coleta de
dados para pesquisa documental, que, a maioria delas ignora o ocorrido e que
aquelas que o vivenciaram parecem minimizá-lo. O motivo talvez resida no cuidado
em não macular a imagem da Irmã Angelina Maria, considerada a mais famosa e
importante religiosa depois de Irmã Cecília.
4. As releituras sobre a Congregação
De acordo com o que expusemos no primeiro capítulo, quando abordamos o
processo de institucionalização das congregações, indicamos haver uma série de
ajustes eclesiásticos para que os grupos oficiosos pudessem ser reconvertidos. O
mais significativo deles se dá na figura do responsável eclesiástico pela fundação,
que, na nova configuração, era convertido em fundador, fazendo da protagonista
idealizadora e carismática um mero coadjuvante. Em consequência disso, quase
sempre a data e o lugar da fundação também sofriam mudanças.
152 Apenas no Relatório do governo que a sucedeu há duas informações: Ela tomou parte em uma das equipes de reorganização da Congregação e ajudou na montagem do quarto museu em homenagem a Irmã Cecília (RELATÓRIO, 1973-1979).
209
Claude Langlois (1984) denominou tal fato de fondation réitérée, o que, em uma
tradução livre, se aproximaria de “fundação refeita” ou “refundação”. Segundo este
autor, a discussão entre o “discurso sobre a fundação” e a “fundação” é fundamental
para se compreender a história do movimento congregacional, pois o primeiro, ao se
apresentar como a “fundação”, se sobrepõe ao segundo com o claro objetivo de
apresentar uma leitura uniforme e com certa plasticidade, justificando as mudanças
ocorridas durante o processo de institucionalização. Isso impôs que se apresentasse
um modelo de discurso legitimador das históricas opções sobre a fundação, o qual
passaria a ser apresentado como único. Se, de um lado, tal discurso perenizava
aquela que foi institucionalizada, de outro lado, negava, apagava, o que se
constituíra como motivação primitiva, aquilo que lhe imprimiu identidade e justificou a
sua fundação como algo novo e singular.
Ao analisar os documentos produzidos pela Congregação das Irmãs Franciscanas
do Coração de Maria até 1940, notamos que a romanização fez do frade capuchinho
Luiz Maria de São Tiago o seu fundador e de Irmã Cecília, sua auxiliar naquele
projeto. Em 1940, por ocasião do jubileu de 40 anos da organização, foi publicado,
pelas irmãs e por um frade capuchinho, uma poliantéia em comemoração ao
aniversario da organização, denominado pela superiora geral, em seu relatório, de
“pequeno ensaio histórico da Congregação” (AS IRMÃS FRANCISCANAS DO
CORAÇÃO DE MARIA 1900-1940; RELATÓRIO 1942-1945)153. Esta publicação
apresenta a história da organização, com vários textos breves e ufanistas,
construídos segundo a estrutura narrativa eclesiástica vigente. As apresentações do
fundador e de sua cooperadora contêm traços hagiográficos que fazia deles os
eleitos para atuarem em um mundo carente de Deus e santos, por se esvaziarem da
condição humana para que a Igreja aparecesse em todo o seu esplendor. Apesar de
citar os feitos dos homenageados, o texto não lhes destaca os dotes pessoais; ao
contrário, faz deles instrumentos da ação da Igreja, o grande sujeito da ação de
Deus no combate ao mal presente no mundo e a serviço dos pobres.
153 Poliantéia é uma coletânea de textos sobre uma instituição ou pessoa, geralmente escritos em prosa ou verso por múltiplos autores, com objetivos laudatários e ufanistas. Sergio Miceli, em sua tese de livre-docência A elite eclesiástica, foi um dos primeiros historiadores a eleger este material como fonte de pesquisa. O estilo ufanista e elogioso da/daquele(a) que se homenageia revela a cultura e a mentalidade da época e das pessoas que o produziram (RIGOLO FILHO, 2006).
210
O que chama mais atenção é a construção narrativa sobre o fundador e sua auxiliar,
realizada no tempo passado. Especificamente, no caso de frei Luiz, tal leitura
espiritual e devocional era até necessária, pois falecera em 1910, na Itália. Sua
morte autorizava uma nova interpretação de sua vida; a imagem veiculada era
aquela que fora construída pelos frades capuchinhos e pelas primeiras religiosas
que com ele conviveram: alguém resignado, austero, disciplinado e devoto da
Virgem (AS IRMÃS FRANCISCANAS DO CORAÇÃO DE MARIA 1900-1940). No
caso de Irmã Cecília o discurso era mais formatado segundo a prescrição oficial,
uma vez que ela ainda vivia e viveria por mais dez anos. A narração se fixava nas
ações daquela que, como terceira franciscana, auxiliou frei Luiz na fundação e foi a
primeira superiora geral até 1912. Inexistem, naquela publicação, referências
posteriores a essa data.
Se, em 1916, a transferência para o chalé se constituiu em uma alternativa para
contemporizar a situação da ex-superiora, que, sem deixar a vida religiosa continuou
assumindo sua função materna, é muito provável que a desconsideração pelas
possíveis consequências daquela escolha tenha se revelado um problema,
principalmente em função do ingresso de novas religiosas, que não entendiam
aquela situação e questionavam o lugar que ocupava a cofundadora/fundadora na
organização. Entendemos, portanto, que a longa vida de Irmã Cecília, que faleceu
aos 98 anos, exigiu à Congregação construir uma representação dela ainda
enquanto vivia. Dar destaque aos feitos da cofundadora/fundadora e da superiora
geral, nos primeiros 12 anos, foi a saída para contornar o silêncio institucional sobre
a sua particular situação canônica, que reinava desde 1916. Seu ocultamento
indicava que sua permanência na casa mãe, em Piracicaba, era, de alguma forma,
incômoda.
Com o seu falecimento, ocorrido em 06 de setembro de 1950, 24 dias antes do
jubileu áureo, a Congregação pôde, enfim, construir uma imagem integral segundo
seus interesses. A morte da ilustre desconhecida foi publicada nos jornais da região,
de São Paulo e Rio de Janeiro, fazendo com que inúmeros bispos, padres e
políticos, em se escusando de participar das exéquias e das várias celebrações
fúnebres ocorridas, enviassem telegramas de condolências. Os festejos do Jubileu,
ocorrido logo em seguida ao seu passamento, tiveram sua programação marcada
pelo luto, sendo dado, em todos os eventos, o devido destaque à sua morte. Tal
211
episódio foi registrado na segunda publicação histórica oficial, uma poliantéia sobre
o Jubileu da organização (JUBILEU ÁUREO DAS IRMÃS FRANCISCANAS DO
CORAÇÃO DE MARIA 1900-1950)154.
A dinâmica de ressignificação da imagem de Irmã Cecília se inseria em um
movimento maior de releitura da organização, que parece ter se polarizado em torno
de duas correntes interpretativas: a primeira, mais institucional e promovida pelo
grupo de religiosas que integrava o governo geral, o qual, percebendo a
irreversibilidade da reconstrução da história da Organização, tomou a dianteira para
controlá-la, tentando construir uma imagem espiritualizante e ufanista da fundadora,
evocando uma religiosa atemporal e desterritorializada. A segunda corrente,
formada por religiosas mais conscientes da irreversibilidade da secularização e da
necessidade de uma renovação da Igreja, e de seus organismos, defendia uma
releitura de suas fontes originais, na qual implicaria refletir sobre a fundação e
necessariamente, sobre a participação da ex-superiora. Apesar de possuir pequena
força política, esta corrente sinalizava a existência de uma tensão interna sobre os
rumos da organização e da própria Igreja, e dos rumos da instituição que se
manifestaram no Concílio Vaticano II. No desenrolar da história, estas duas
correntes não se mostraram tão claras assim, pois uma acabou assumindo
elementos da outra, de acordo com os seus interesses. A releitura predominante,
comum nas organizações eclesiásticas, acabou pendendo para o conservadorismo,
indicando que a organização, embora parecesse reconhecer a necessidade de
mudanças, temia colocar em risco todo o patrimônio social, econômico e cultural que
acumulara.
Nesta última poliantéia há dois textos sobre a falecida religiosa. O primeiro e mais
importante, bastante semelhante ao texto de 1940, tinha como título: “Nossa
Inesquecível fundadora: Irmã Cecília do Coração de Maria”. Contendo apenas cinco
páginas, em três destas se veem dez fotografias da ex-fundadora ao lado de
crianças, noviças e religiosas155. O texto indica que tais fotos foram produzidas no
154 A publicação da polianteia, um ano depois do evento, não só se constituía apenas em necessidade de dar notícias sobre as comemorações jubilares, mas era também uma forma de prolongar aquele evento e construir, inclusive, documentalmente, a visibilidade da organização. 155 Considerando que a raridade de fotos antigas se dava também em função do elevado custo, chama a atenção o número de fotografias da fundadora – pois não encontramos mais que a foto oficial de cada superiora geral –, o que demonstra a estável situação econômica da organização e o
212
dia 02 de fevereiro de 1948, no Jubileu de ouro do Asilo Maria Nossa Mãe, seis
meses depois que ela foi reintegrada na Congregação e dois anos e meio antes de
seu falecimento, quando já estava idosa e debilitada. (JUBILEU ÁUREO DAS
IRMÃS FRANCISCANAS DO CORAÇÃO DE MARIA 1900-1950)156. A seleção das
fotografias publicadas indica a construção de uma narrativa singular sobre a
fundadora. Não por acaso, as poses escolhidas, em cadeiras de rodas ou sentada,
com terço nas mãos, e as pessoas fotografadas ao lado dela, especialmente as
crianças e a superiora geral, revelam a representação como transformação do real.
Elas apresentavam uma religiosa profundamente espiritualizada, integrada a sua
comunidade e elo de união entre posições contrária, uma religiosa doce, amada
pelas crianças e por aquela que exercia o governo. Uma idílica visão.
O texto escrito em prosa apresentava a leitura espiritual da falecida, como religiosa
exemplar e cumpridora de seus deveres157. De forma semelhante, na poliantéia e
Revista comemorativa de 1940, os dois primeiros parágrafos citados fazem
referência ao período inicial da Congregação, até o ano de 1912, quando Irmã
Cecília deixou de ser superiora. Eles a mostram extremamente capaz e dinâmica, a
responsável pelo sucesso que a Congregação alcançara até meados da segunda
década do século XX. Os dois últimos parágrafos a retratam já romanizada e
investimento feito como forma de construir uma determinada imagem da fundadora. Na sala de visitas da casa do governo geral, em Campinas, podemos ver o conjunto de fotos das superioras gerais, as quais foram reproduzidas na Revista do Centenário da Congregação no ano 2000. 156 Não há indicativo dos motivos que levaram a Congregação a aceitar a volta de Irmã Cecília ao convento em 1947. A versão oficial afirma que ela teria pedido para voltar, o que teria sido aceito imediatamente, fato que isentaria a responsabilidade da organização, como se ela tivesse vivido os 30 anos no prédio dos fundos por vontade própria. Ao fazer o cotejamento das fontes, principalmente o Relatório daquele período e a biografia escrita por Pedroso, constatamos que em 22 de março de 1947 falecera Irmã Maria do Carmo, a religiosa escolhida para viver ao lado dela desde quando foi impedida de permanecer no convento. Idosa, doente e sem religiosa disponível para cuidar dela e de sua filha, não se viu problema em que ela fosse reintegrada à vida conventual.
157 ...Nosso Senhor pôs-lhe sobre os ombros a tarefa ingente de construir os alicerces e elevar essa obra que, de Piracicaba, irradiou-se por numerosas plagas brasileiras, uma nova congregação Franciscana de Irmãs de Caridade. (..) Suave na energia e forte na ternura, legou às suas filhas exemplos de preclaros virtudes (...) obediência submissão (...) assim como na juventude curvara-se de coração submisso à vontade paterna, (...) soube colocar-se à obediência da Autoridade eclesiástica (...) deixando o generalato, mostrou-se sempre edificante na obediência às Superioras gerais que lhe sucederam, querendo ser tratada como uma simples irmã. (...). Sua fé e confiança na Divina Providência eram inabaláveis (...) e quando já não lhe pesavam mais os encargos da vida ativa, tinha sempre nas mãos seu amado terço (...) ao saber que o S. S. Papa Pio XII consagrara o mundo ao Coração de Maria dirigiu-se a capela para rezar um rosário em ação de graças e, desde então continuou a rezar diariamente um terço especialmente por intenção do Santíssimo Padre.... (JUBILEU ÁUREO DAS IRMÃS FRANCISCANAS DO CORAÇÃO DE MARIA, 1900-1950, p. 61)
213
cumpridora de seu principal papel como religiosa: rezar pelo mundo. Tal como uma
monja enclausurada, ela se tornava partícipe da ação do Papa Pio XII, que
consagrara o mundo ao Coração de Maria. Este primeiro texto parece ter sido
produzido antes da morte de Irmã Cecília, e teria sido o único sobre ela caso ela não
tivesse falecido,
Em função do seu falecimento, um segundo texto foi inserido: “In memoriam Madre
Cecília do Coração de Maria”. Longo, escrito em forma de panegírico, apresenta
uma freira terna, preocupada com as crianças pobres, fiel zeladora de suas irmãs
religiosas e devota do Imaculado Coração de Maria – um claro modelo de religiosa
segundo a romanização. Este texto, colocado no final da Revista, interpretava o
primeiro e as fotografias. (JUBILEU ÁUREO DAS IRMÃS FRANCISCANAS DO
CORAÇÃO DE MARIA, 1900-1950).
O segundo passo empreendido pelas partidárias de uma memória celebrativa
ocorreu no centenário de seu nascimento, celebrado no mês de agosto de 1952,
quando foi colocado no jardim do convento, e escola, um monumento que trazia um
medalhão de bronze de Irmã Cecília, encimado por uma imagem do Coração de
Maria (RELATÓRIO 1951-57). A escolha de um monumento em honra de Nossa
Senhora e, em um segundo nível, de um medalhão para homenagear a fundadora
expressa o investimento que a Congregação fazia, e indicava a sugestiva
associação entre aquela religiosa e a Virgem Maria, considerada modelo, por
excelência, das religiosas. Para coroar aquela representação, em 1959, foi feito o
traslado dos restos mortais da fundadora para o monumento marial. Esses dois
passos indicavam a importância de construir uma representação de sua santidade, o
que já se anunciava como necessário investimento para a organização,
especialmente com o incentivo ao culto sagrado158. Apesar disso, buscando
referências sobre estes eventos no Relatório daquele período, verificamos que toda
esta movimentação não mereceu destaque por parte da superiora geral em
exercício, indicando que, apesar de consentir, como superiora geral, que tudo aquilo
fosse feito, não concordava. Isso se evidencia naquele mesmo documento, quando
ela deu grande destaque às comemorações do centenário de nascimento de frei
Luiz de São Tiago, o que permitiria deduzir que, para ela e para outras religiosas,
158 É sabido que, na tradição da Igreja católica, objetos, pertences pessoais e, principalmente, os restos mortais são venerados como relíquias sagradas.
214
que a apoiavam, esse era o fundador e que a discussão sobre a fundação era
desnecessária.
As mudanças ocorridas depois de 1970 impuseram a retomada das origens da
Congregação. O dinamismo próprio da vida da organização e a percepção de que a
secularização era um fato irreversível, impulsionaram uma nova e segunda corrente
interpretativa das origens, a qual, sem desconstruir a anterior, de forma gradativa,
buscava resgatar a proposta de reconstruir a história da organização159. O caminho
escolhido começou ser desenhado na Assembleia Capitular de 1979, a qual, além
de eleger Irmã Ignez Magali Rossi como superiora geral, decidiu dar os primeiros
passos para pedir a beatificação da fundadora. Justificando não ter condições
econômicas e por falta de pessoal, o governo eleito comunicou que protelaria os
encaminhamentos daquela decisão (RELATÓRIO, 1973-1979). Cabe lembrar que,
naquela época a Igreja católica brasileira vivia uma forte ebulição causada pela
confluência dos problemas sociais e pelas reflexões propostas pelas Conferências
Episcopais Latino-Americanas de Medellín (1968) e de Puebla (1979), que
incentivaram o resgate das propostas do Concílio Vaticano II e o engajamento das
religiosas nas CEBs e nas questões sociais.
Entendemos, então, que diante de tal contexto, a proposta de reconstruir a história
da Congregação era visto com cuidado e prudência, até porque ainda era viva a
lembrança da intervenção e o realinhamento imposto pela Santa Sé em 1973.
Embora as justificativas da superiora possam ser consideradas plausíveis, a
aprovação e, ao mesmo tempo, o seu protelamento devem ser vistos como uma
estratégia de, sem negar a proposta, tomar tal responsabilidade para si com o claro
objetivo de controlá-la. Coube a Assembleia Capitular de 1985, constituir a formação
da Comissão Histórica que se responsabilizaria por este trabalho. Nela, papel
fundamental tiveram a superiora geral, Irmã Armanda Franco Gomes de Camargo e
o frei Jose Carlos Pedroso, que levaram adiante as propostas da Assembleia de
1979, que por sua vez, resgatava a de 1969. Causaria estranheza ver tanta demora
em se levar adiante a proposta de encaminhar o pedido de Santidade de uma
159 O fato de esta proposta ter sido abortada pelo Capítulo de 1969, pelo grupo que estivera no poder por 18 anos, demonstrava o esgotamento de um grupo que não se renovara, e a sua incapacidade de implantar mudanças mínimas que lhe garantiriam a permanência no poder. Todavia, a traumática intervenção pontifícia de 1972, se de um lado impôs a necessária releitura, de outro cerceou o desenvolvimento da organização, o qual foi feito de forma lenta e cuidadosa que atrasou quase duas décadas sua retomada.(RELATÓRIO, 1973- 1979).
215
fundadora, não fosse o tabu que envolvia o período que ficou conhecido na
Congregação como Exílio. Reconstruir a sua história implicava em se perguntar
pelas razões daquele isolamento no prédio conhecido como chalé. A principal razão
é que, dos 54 anos em que a Irmã Cecília foi religiosa, 31 foram vividos ocultamente
no chalé, o qual, não por acaso, fora demolido no governo de 1963-1969,
possibitando-nos interpretar tal fato como destruição de fontes160. Não tendo fonte,
adotamos a metodologia da história a “contrapelo”, abordada por Walter Benjamim,
quando destacou a importância dos sinais na reconstrução da história dos vencidos,
e a de Carlo Ginsburg, ao enfatizar a importância dos sinais e indícios na história
cultural (LOEWI, 2010-2011; GINSBURG, 1989).
A única informação alusiva àquela demolição aparece na narração construída por
Irmã Armanda Franco do Amaral, que em 1985 interpreta uma entrevista com a
superiora daquela época, Irmã Maria Júlia, a qual, em memória da fundadora, teria
relatado: “Era vergonhoso, ridículo para o futuro, aquele casebre tão acanhado,
onde muitos diziam ter sido a 'prisão de Mamãe Cecília’, a casa de uma Fundadora.
E como precisasse de reparos, trocar as janelas e outros consertos, optaram por
demolir.” (COMISSÃO HISTÓRICA, 1992).
Na ausência de fontes, a memória da idosa ex-superiora trazia duas representações
já interiorizadas na Congregação: a imagem da fundadora construída na década de
1950 e a inusitada imagem de Mamãe Cecília, construída entre 1916 a 1947 e
relançada na década de 1980. Por ora, basta destacar que, para Irmã Maria Júlia, as
interpretações antagônicas convergiam como releituras da mesma Irmã Cecília.
Cabe destacar também que a representação romântica do chalé, predominante na
memória coletiva, foi implodida pela memória de uma das próprias superioras gerais
da Congregação. Eis o indício de que a memória institucional, apesar de seu peso
político, não era compartilhada pela maioria das religiosas e começava ser
questionada. Ainda que tenha partido daquela ex-superiora a ordem para destruir o
160 Não há como não associar tal fato com a querela chamada “queima de arquivos”, que teria sido ordenada por Rui Barbosa. Américo Jacobina Lacombe pôs fim à acusação a Rui Barbosa de que ele, abolicionista, teria mandado queimar os arquivos da Escravidão para apagar tal fato da história. Segundo Lacombe, tal determinação tinha fins políticos e econômicos, pois seu objetivo era destruir provas que pudessem levar escravocratas a pedir indenização da República com a promulgação da lei de 1888, que pusera fim à escravidão. Entretanto, ele a considerou como “pedra de escândalo, em nossa história cultural”, por contribuir para o desaparecimento de provas históricas da escravidão (LACOMBE; SILVA; BARBOSA, 1988; MOURA, 2004).
216
chalé, ela indicava também uma nova releitura da vida da fundadora. Em suas duras
palavras, ele era um “casebre acanhado” e uma “prisão para Mamãe Cecília”.
Destruí-lo seria uma forma de resguardar e promover a fundadora. A “contrapelo”, a
questão do chalé vinha à tona, e com ela vários indícios sobre a vida oculta de Irmã
Cecília.
Dentre os debatedores sobre a memória, citamos Pierre Nora, que se refere aos
espaços e aos objetos como “lugares de memória”, que cristalizam a memória e
evocam um acontecimento, um período histórico, principalmente quando as fontes
documentais são escassas ou inexistem. As memórias dizem sobre o tempo e o
olhar de quem as perenizou, revelando para o tempo posterior a sua interpretação
histórica. O contato com tais lugares ou objetos permite às pessoas, novos
intérpretes, construir representações de um tempo que não viveram e não
conheceram (NORA, 2012). Descobriram isso as religiosas que, não tendo mais o
chalé, elegeram como lugar de memória, um simulacro dele, “o quarto do convento”,
onde viveu Irmã Cecília seus últimos dias. Não se tratava apenas de uma visão
romântica e religiosa que retomava memórias afetivas, mas da construção de uma
representação que evocava um período que, para aquele grupo, não podia ser
negligenciado na história da organização. Não bastando isso, depois que a Santa Sé
aceitou o pedido de abertura de beatificação da fundadora, a Congregação pôde
eleger o espaço onde havia o prédio do chalé não só como um novo lugar de
memória, mas, para além disso, lhe dava interpretação religiosa como uma espécie
de lugar santo e passível de peregrinação, o que seria fundamental para a promoção
de sua santidade. Segundo o que apontou Certeau (2006), ao se consolidar a
interpretação de que era necessário valorizar aquele período, tal fato permitiria que
novas questões fossem colocadas e, assim, possibilitassem uma nova reconstrução
– a hagiográfica – de Irmã Cecília.
A demolição do chalé foi a segunda destruição de fontes ocorrida. A primeira refere-
se ao desaparecimento dos documentos relativos aos últimos anos de governo da
primeira superiora, sobre sua transferência e permanência no chalé. Esse vazio
documental foi identificado por Irmã Armanda Franco do Amaral, que integrou a
Comissão Histórica e catalogou as fontes escritas para compor o Dossiê enviado à
Santa Sé. (CAMARGO; COMISSÃO HISTÓRICA,1992b). Uma terceira tentativa,
parcial, de destruição de fontes ocorreu na década de 1980, quando se produziu um
217
texto que, segundo a autora, seria reservado ao estudo das religiosas por ocasião
dos 80 anos da Congregação, denominado: Mamãe Cecília, um pouco de nossa
história (CAMARGO, 1992b). Segundo a organizadora desta obra, o texto original e
as fontes de pesquisa teriam sido entregues à superiora geral, que os teria
confiscado e se encarregado de selecionar o que deveria ser divulgado. Esta
informação pôde ser parcialmente verificada no Relatório da própria censora, Irmã
Ana de Mattos, que confirmou a publicação daquele livreto (RELATÓRIO 1979-
1985).
Ainda que o contexto das destruições seja diferente, as três demonstram a
existência de conflitos e disputa de controle sobre a narrativa histórica.
Especialmente a terceira é mais emblemática, pois a organização, desde 1973, fora
convencida pela Santa Sé que era preciso adequar-se às exigências conciliares, o
que implicava reinventar-se. Era o que os autores daquele livreto tentaram fazer,
mas, justamente, por essa razão, ele desapareceu.
Buscando interpretar as razões que levaram a superiora da década de 1980 a
censurar uma publicação, pusemo-nos a buscar indícios que nos permitissem
reconstruir algumas possibilidades de leitura. Uma informação encontrada na
publicação das comemorações jubilares de 1940 lança luzes para rediscutirmos a
questão da fundação. Dentre os tantos textos, um deles, intitulado “Albores”,
abordava a perspectiva tornada oficial, de que a Congregação nascera do grupo
responsável pelo Asilo. Nele, quatro fotografias, com suas respectivas legendas e
um destaque sobre elas, podem ser vistas como indícios reveladores. Nas
fotografias, identificam-se duas religiosas, cujas legendas indicam ser Irmã Cecília e
Irmã Nazária, e duas mulheres com vestes comuns, identificadas nas legendas
como Dona Luísa Josefina de Matos e Dona Maria das Dores Morato. Acima das
fotografias lê-se: “Fundadoras” (AS IRMÃS FRANCISCANAS DO CORAÇÃO DE
MARIA 1900-1940).
Ainda que o texto e as fotografias façam referência à fundação do Asilo Senhora
Nossa Mãe, aquele título não mereceu atenção da superiora, do censor eclesiástico
e nem do bispo daquele período; isto é, tais autoridades não viram perigo no fato de
que o conjunto do texto e as fotografias pudessem levar os leitores, especialmente
as religiosas, a associarem a fundação do Asilo com a fundação da organização
religiosa e assim questionarem a afirmação de uma fundação única e eclesiástica.
218
Retomamos, aqui, a ideia de que a cultura romanizada reproduzia um modus vivendi
ou, no dizer de Bourdieu, um habitus, indicando a sedimentação da estrutura
clericalizada que impedia as religiosas de assumirem a leitura da fundação. Ainda
que elas vissem as fotografias de quatro mulheres, sendo duas leigas, e lessem a
descrição afirmando serem as fundadoras, não se tem notícia de que alguma
religiosa tenha pensado naquela possibilidade, pois, em sua maioria, continuavam
reproduzindo a interpretação oficial de que a fundação masculina era necessária.
Atentos às observações de Langlois sobre a fundação recriada, identificamos, na
organização piracicabana, a cristalização de um discurso sobre a fundação que
legitimava as opções feitas ou consentidas pela organização a partir de 1900. Essa
leitura passou a ser interessante para ela na medida em que, ao se apresentar como
estrutura vertical e hierárquica, participava das benesses do acordo dos bispos com
setores da elite, que requisitavam congregações para administrar escolas e
hospitais. Assumir o modelo oficial era a garantia de sucesso para fazer crescer e
expandir a organização. Pelo menos, até a década de 1960, com efeitos nas
décadas seguintes, a organização detinha postos garantidos que lhe valiam fazer
crescer seu patrimônio material e simbólico e seu efetivo. Nem mesmo a sugestão
do Decreto Perfectæ Caritatis, a franciscanização, os cursos da CRB, dentre outros,
foram capazes de produzir uma leitura da história que correspondesse à fundação
de 1896, ainda que isso nunca tenha sido negado. Isso fica patente na biografia da
fundadora, escrita por Frei Pedroso, trazendo supostas palavras da própria Madre
Cecília:
Anda na minha mente, Rosa Cândida, uma ideia que não sei se será de Deus ou tentação. Desejava arranjar uma casa onde, morando com algumas Irmãs Terceiras, pudéssemos, além de levar uma vida de oração e de trabalhos, nos dedicar ao apostolado das almas, auxiliando os nossos capuchinhos em suas árduas missões. (sic) (PEDROSO, 1996, p. 15, grifo nosso)
No mesmo livro, em outra passagem, o autor apresenta a mesma história, porém o
faz com algumas nuances espiritualizantes:
No memorável dia 6 de janeiro de 1896, achavam-se nesses entretenimentos, as Irmãs Cecília, Nazária, e juntamente d. Luizinha, quando o Senhor se digna a conceder também a elas uma epifania toda particular. Em meio à palestra, (...), vem-lhes subitamente o pensamento de auxiliarem os capuchinhos na sua obra missionária, e procurando ao mesmo tempo levar uma vida mais perfeita. Mas como? Ora, fundariam um
219
Recolhimento de moças que trabalhariam em comum em tudo o que pudesse coadjuvar os frades... (PEDROSO, 1996, p. 39, grifo nosso)161
Se no primeiro excerto, citado acima, a inspiração é de Irmã Cecília, no segundo, é
tripla e, na Revista de 1940, é quádrupla. Nas três narrações está ausente a figura
de Frei Luiz. Nelas, a expressão “Irmãs” e as fotografias das duas religiosas, da
publicação ao Jubileu de 1940 são anacrônicas, pois somente em 1900 elas foram
transformadas em freiras, até então, todas eram tão somente leigas da Ordem
Terceira. Na segunda narração, aparece a palavra “Recolhimento”, o que nos
permite deduzir que essa concepção alternativa de vida religiosa pode ter sido vista
como uma possibilidade.
Na base da fundação do Asilo, e do que viria a ser a Congregação, havia três
mulheres solteiras e uma viúva, cujo ingresso como religiosa em congregações
existentes era impossível. Na formação da comunidade do Asilo, quando as leigas
passaram a viver o modo de vida das religiosas, uma delas, Maria das Dores
Morato, preferiu não integrar o grupo. Da mesma forma, em 1900, quando da
criação da Congregação, Luísa Josefina de Matos, que estivera presente na
fundação da comunidade de leigas e nela viveu até então, também optou por deixá-
la e não proferiu os votos religiosos.
Pelas informações contidas no segundo excerto, é bastante provável que o projeto
de transformar aquele grupo em uma congregação tivesse sido idealizado por frei
Bernardino de Lavalle, que aos poucos deve ter inserido pessoas que desejavam ser
religiosas, de forma que dois anos depois, o número destas era superior àquelas
que nunca pensaram em ser freiras, o que, por sua vez, comprometia o projeto
fundador e especialmente a situação de Antônia de Macedo162. Considerando que
uma das características do movimento congregacional acolhia a prática democrática
de fazer valer a vontade da maioria, não demorou muito para que o grupo fosse
incorporando práticas que as institucionalizavam. Entendemos que, a assembleia
eletiva que alterou o Estatuto primitivo do Asilo definindo que sua diretora deveria
ser escolhida dentre as habitantes da organização, contou com o peso das que
161 D. Luisinha é Luísa Josefina de Matos. 162 Segundo Pedroso (1996), Irmã Virgínia teria manifestado seu desejo de ser religiosa. Segundo o autor, essa seria uma prova de que o referido frade desejou fundar uma Congregação religiosa.
220
desejavam a sua institucionalização. Este foi o primeiro passo deste grupo, que viria
a se constituir como congregação, no intuito de assumir o controle da organização e
buscar meios para isso. Tal fato fez Pedroso (1996, p. 50) afirmar: “Em 1900, já
passou tudo para as mãos das Irmãs”. No dizer de Langlois (1984), emergia um
“clero feminino” que, sob a orientação dos frades, alterou a proposta inicial para que
a organização pudesse ser concretizada. Esta foi a primeira ressignificação daquele
grupo, que, por não ter sido compartilhada por todas, desencadeou a saída de duas
fundadoras do Asilo163. O fato de essas duas mulheres terem se constituído
protetoras e financiadoras daquela instituição, indica que possuíam autonomia social
e, especialmente, financeira, condições que lhes teriam permitido abandonar o
grupo, quando perceberam que o projeto fora alterado. Independentes, elas não
precisariam submeter-se às determinações canônicas e, especialmente, às dos
clérigos, encerrando suas vidas em uma organização religiosa feminina que não se
configurava como escolhas suas, o que pode não ter sido realidade na vida das
outras mulheres, especialmente na vida de Irmã Cecília, que não tendo opção,
acabou assumindo-se oficialmente como freira.
Por fim, como bem destacou Leonardi (2010), a escolha da data e do tipo de
fundação passava por várias negociações, em função das constantes releituras da
história. Também isto pôde ser verificado na Congregação estudada. Até 1950 a
interpretação predominante afirma ter sido fundada por frei Luiz Maria de Santiago,
coadjuvado por Irmã Cecília. Todavia, havemos de considerar que, se a data oficial
de sua instituição foi 1900, a atribuição da fundação a frei Luiz Maria de Santiago é
anacrônica, pois naquele ano já havia sido transferido para Taubaté. Nesse caso, o
fundador deveria ser Frei Bernardino de Lavalle, autorizado pelo bispo de São Paulo
a receber os votos das primeiras religiosas. Entretanto, isso não foi visto como
problema, pois, para a romanização, o efeito canônico documental se constituía
como superior ao momento inspirador. Na mentalidade legalista, fundamentada
teologicamente no Concílio de Trento, este, sem aquele, resultava ilícito, isto é,
dentro de uma cultura majoritariamente católica, só existia aquilo que a Igreja
163 Em 1898, as primeiras integrantes do Asilo foram: Irmãs Cecília, Albina, Nazária, Virgínia, Alexandra e Theophila (PEDROSO, 1996). Albina foi o nome escolhido por d. Luísa de Matos, porém ela não continuou no grupo quando ele foi transformado em Congregação em 1900, e, por isso, no texto de 1940, ela aparece identificada apenas com o seu nome laico.
221
chancelava ou reconhecia. Por sua vez, a personificação da ação eclesial se
materializava na pessoa do bispo diocesano, que, agindo em nome da Igreja,
concedia o status de organismo religioso àquele que lhe dirigia tal súplica.
Na perspectiva da romanização, embora não tivesse sido negada a origem espiritual
da organização, ela somente passava a ser reconhecida quando o bispo autorizasse
sua existência legal. Dito em outras palavras, era filha da Igreja. Tal fato pode ser
confirmado nos inúmeros documentos emanados pelos sucessivos bispos, nos quais
inexistem referências nominais aos fundadores. No decreto de ereção da em 1928, o
bispo Dom Barreto cita apenas que a organização fora “fundada por um reverendo
padre capuchinho” (cf cap. II). A mesma coisa fez, em 1920, o diretor de consciência
da organização feminina, frei Salvador de Cavedine, quando ao escrever ao superior
geral de sua Ordem, assim se referiu à suposta fundadora: “O meio que Deus se
serviu para fundar a Congregação foi muito humilde, uma senhora viúva, que ainda
vive na congregação, muito ativa e de boa vontade, mas de pouca instrução
religiosa e que bem pouco entendia de educação verdadeiramente claustral” (sic)
(PEDROSO, 1996, p. 75-78).
Fica claro nos textos do bispo e de frei Cavedine que, para a romanização, o
fundador ou a fundadora pouco importavam. No segundo texto, Irmã Cecília fora tão
somente “um meio”, pois, mais importante era a ação da Igreja. De outro lado, não
se pode negligenciar a existência de uma progressiva cultura católica que via como
naturalizadas as ações romanizadas expressas pelo clero. Dessa forma, também
aquelas mulheres, inclusive Antônia de Macedo, se convenceram, ou foram
convencidas, de que o grupo também se beneficiaria se aceitasse ser enquadrado
pelas leis da Igreja e se convertesse em uma organização religiosa. Evidentemente,
havemos de considerar o grande peso institucional, e, com a oficialização do direito
dos religiosos, emanado no CDC de 1917, as agremiações religiosas que não
aceitaram converter-se em congregações foram marginalizadas, como foi o caso dos
remanescentes dos recolhimentos brasileiros (ver capítulo I).
Nas análises sobre la fondation réitérée, Langlois destaca que em muitas
congregações a definição do nome da fundadora foi escolhido posteriormente à
fundação, em razão dos interesses da política eclesiástica (LANGLOIS, 1984). Isso
nos levou a considerar a importância do capital social da pessoa a quem se atribuía
a fundação. Na Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, ainda
222
que por muito tempo não tenha sido dado destaque à participação de Irmã Cecília,
sua presença sempre foi marcante. Não por acaso, frei Luiz faz de Antônia de
Macedo ministra diretora da Ordem Terceira, depois, responsável pelo Asilo e,
posteriormente, frei Bernardino de Lavalle a confirma no cargo de superiora geral
por dois mandatos; igualmente, Dom Nery, assumindo a diocese de Campinas em
1908, espera até 1912 para, de acordo com as leis canônicas, criar meios para que
ela não fosse reeleita como superiora geral; da mesma forma, é significativo o fato
dele concordar com a decisão das religiosas de mantê-la dentro dos muros do
convento quando a pressionou para separar-se da filha; outrossim, as próprias
religiosas concederem espaço e voz àquela que, para todos os efeitos canônicos,
fora privada de poder religioso. Antônia de Macedo, depois Irmã Cecília, era
detentora de importante capital social que não pôde ser negligenciado pelos clérigos
nem pelas religiosas. Também eles souberam tirar proveito desse capital social em
favor de seus projetos.
5. As releituras sobre Irmã Cecília
Na Assembleia Capitular de 1985, foi aprovada a formação da Comissão Histórica,
responsável por escrever a História da Organização, e foram definidos os temas a
serem tratados: “1) Fontes históricas; 2) O que dizem de mamãe Cecília as pessoas;
3) Vida de nossas Irmãs; 4) Fioretti de nossa Congregação” (RELATÓRIO, 1985-
1991). Também nessa mesma assembleia ficou autorizado que fossem dados os
primeiros encaminhamentos para o pedido de beatificação da fundadora
(PEDROSO, 1996). Entretanto, apenas os primeiros temas foram considerados,
indicando que a recuperação histórica seria iniciada pela releitura da vida de Irmã
Cecília. A metodologia também estava posta: a hagiografia. O próprio modelo a ser
apresentado na nova imagem da fundadora fora definido: Mamãe Cecília. De 1985 a
1992, o governo da Congregação priorizou o projeto da montagem do Dossiê que
seria enviado à Santa Sé para dar provas de que ela deveria receber as honras do
altar.
223
5.1. Irmã Cecília, de leiga a religiosa
Do volumoso material reunido nesses sete anos, fez parte um pequeno livro
publicado apenas em 1996, quatro anos depois da abertura do processo de
canonização: Um coração de Maria, vida de madre Cecília do Coração de Maria,
hoje considerado a biografia da fundadora (PEDROSO, 1996)164 Embora o objetivo
dessa publicação fosse divulgar a ilustre desconhecida e criar condições para que o
seu culto fosse implantado, e as primeiras provas de santidade fossem colhidas,
havia ainda o intuito de promover a própria organização. Dentro da lógica
eclesiástica, esse seria o coroamento da aprovação pontifícia, o que, por sua vez,
comprovaria que as opções da organização foram acertadas. Entendemos que, na
dinâmica própria das congregações, buscou-se construir uma mescla da história da
própria organização e da homenageada, de forma a naturalizar o processo que
conventualizou o grupo leigo fundador. Tal operação historiográfica buscou
contornar releituras que pudessem trazer problemas para a continuidade do projeto
institucional (CERTEAU, 2002).
Os aspectos que até então haviam sido negligenciados ou negados, entre 1940 e
1980: o estado laico inicial, a maternidade e o consequente período do chalé, foram
trazidos à luz sob o filtro da espiritualidade com o objetivo de fazer de fundadora
uma predestinada à vida religiosa. Nesta lógica, todas as incompreensões, as
dificuldades e as sanções impostas a ela passavam a ser vistas quase como uma
necessidade para o sucesso da Congregação e da própria santificação dela165. A
heterodoxia de sua vida foi colocada em segundo plano a fim de destacar a
164 Em sua obra sobre São Francisco de Assis, Jacques Le Goff (2001) destaca que as historiografias produzidas pelos eclesiásticos objetivaram construir um santo que muito se distancia do “verdadeiro Francisco” encontrado em seus escritos e outras fontes e sinais do seu tempo. Se aplicarmos a lógica utilizada por Le Goff às biografias dos fundadores de congregações, escritas pelas próprias organizações ou a pedido delas, veremos que elas buscam mais legitimar as escolhas feitas pelas organizações. Via de regra, todos eles são interpretados como fiéis discípulos da própria obra nascida por sua inspiração, e eles próprios teriam sérias dificuldades de ser aceitos nelas no tempo presente. Nesse processo, os papéis sociais se invertem: de criadores, eles passam a criaturas; de definidores, eles passam a cumpridores de regras institucionais. 165 Este recurso não foi usado apenas nesta organização. Segundo Aparecida Custódio, Riolando Azzi, ao escrever a história de Madre Paulina, interpretou a imposição do bispo de São Paulo para que ela se afastasse do governo geral e se mudasse para o Rio Grande do Sul como a narração bíblica do “sacrifício de Abraão”. “Era necessária uma vítima para que a congregação pudesse sobreviver. E o bispo havia pedido 'a vida' de Amabile. De modo análogo a Abraão, ele conduz sua filha espiritual à imolação. Faltou, porém uma presença angélica que no último momento impedisse a consumação do sacrifício” (CUSTÓDIO, 2014, p. 22).
224
tenacidade de Irmã Cecília em se manter religiosa e mãe. Ainda que Pedroso tenha
se empenhado em considerar as condições sociopolíticas, econômicas e culturais
em que viveu aquela freira, o lugar de onde escrevia – membro da Ordem religiosa
que tutelou a nascente organização feminina, a sua ligação com aquela organização
feminina e sua concepção sobre a vida religiosa – acabou condicionando a sua
leitura da biografada. Pedroso ordenou os capítulos com a finalidade de harmonizar
e apresentar a leitura definida pela organização para que as religiosas, em especial
as ingressantes, passassem a reproduzi-la como naturalizada memória dela.
Evidentemente, tal intenção não produziria efeito mecânico nos leitores, pois, apesar
de apresentar o sentido definido pelo autor, o texto, após sua publicação, só adquire
sentido quando o leitor interpreta e questiona a ordem, a seleção das fontes, das
informações e a conclusão apresentadas pelo autor (BOURDIEU, 1986; CHARTIER,
1994).
A obra é escrita em linguagem indireta e composta em 97 páginas, divididas em 11
breves capítulos, seguidos de um quadro cronológico das 73 obras e casas abertas
até a data da publicação, e da cronologia da vida de Irmã Cecília, acrescida dos
fatos ocorridos na organização após a sua morte. Sendo leitor, também nós
apresentamos três divisões da obra de Pedroso.
Ao abordar, nos cinco primeiros capítulos, a origem de Antônia Martins de Macedo,
o contexto em que viveu, sua vida matrimonial e o falecimento de seu esposo, seu
ingresso na Ordem Terceira de São Francisco e a fundação do Asilo – onde ela foi
diretora e passou a viver com outras mulheres –, o autor traz à luz as mudanças
ocorridas na vida religiosa brasileira na passagem do século XIX para o século XX.
A ausência de ordens religiosas se convertia em terreno fértil para o
desenvolvimento de congregações religiosas estrangeiras e para o surgimento de
organizações brasileiras, segundo as determinações da romanização que pretendia
catolicizar o País166.
Sendo uma obra encomendada em plano hagiográfico, a imagem de Antônia foi
construída como uma mulher de fé religiosa, cumpridora de seu papel de filha,
esposa, mãe, obediente às convenções patriarcais e, portanto, submissa ao marido,
166 Frei Pedroso destaca a situação canônica daquelas mulheres que tinham a vivência dos costumes da vida religiosa sem o serem de fato: “Elas, porém, não eram freiras. Simplesmente moravam juntas, viviam uma vida religiosa em comum e cuidavam da mesma obra” (PEDROSO, 1996, p. 47).
225
aos frades capuchinhos e, depois, aos sucessivos bispos de Campinas. Ao mesmo
tempo, apresenta-a como predestinada à vida religiosa e sugere que o fato de ela ter
contraído casamento não a teria impedido de concretizar o que concebia como
chamado religioso.
No sexto capítulo, o autor apresenta Antônia de Macedo como fundadora da
organização. Sem negar a participação de frei Luiz, ele o denomina cofundador,
invertendo a ordem estabelecida até 1950, indicando a precedência de uma leitura
feminina que condicionava a sua interpretação (PEDROSO, 1996). Nesse capítulo,
Pedroso permite vislumbrar as diferentes concepções sobre a vida religiosa,
existentes na época, expressas na visão dos dois frades. Conforme já sinalizamos,
apesar de veemente apresentação de Frei Bernardino de Lavalle como continuador
da obra de Frei Luiz Maria de Santiago, o autor dá mostras da existência de
diferentes concepções eclesiásticas entre eles, o que implicava em diferentes
compreensões sobre a vida religiosa. Ao mesmo tempo, ele tentou estabelecer
unidade onde havia divisão, de forma a ver, na fundação do Asilo, a pré-fundação da
Congregação, quando eram organizações totalmente díspares. Colocar Antônia de
Macedo como fundadora daquilo que fora institucionalizado era, no mínimo, um
anacronismo.
No capítulo sete, o autor discorre sobre a liderança da fundadora na condução da
nascente Congregação, nos 12 anos em que foi superiora geral. Apresenta o quadro
das 36 religiosas, as 4 obras/emprendimentos, abertos após o Asilo, e das 2
assembleias capitulares que a mantiveram no poder. Assumindo uma leitura pró-
Irmã Cecília, quase a protestar contra as razões que a impediram de ser mantida no
poder, ele também expôs as principais mudanças ocorridas naquele organismo em
função do enquadramento produzido pela romanização. Sem citar nomes, é possível
deduzir pela cronologia que essas mudanças estavam ligadas à criação da diocese
de Campinas. Ainda que o autor não tenha destacado, essas últimas mudanças
canônicas já sinalizavam que a organização se conventualizava e que os seus dias
à frente do governo geral estavam contados.
O implícito anúncio, realizado no final do capítulo sete, foi explicitado nos capítulos
oito e nove, o núcleo do livro. No oitavo capítulo, intitulado “Destituída”, o autor
assume a perspectiva das religiosas que construíram a imagem de Irmã Cecília
deposta pelo fato de ser brasileira e de ter mantido consigo sua filha especial.
226
Embora tais fatos não possam ser negados, pois a Irmã que a substituiu era ítalo-
brasileira, a expressão “destituída” é inapropriada, pois, se assim o bispo tivesse
desejado, o teria feito em 1909, na segunda assembleia capitular. É mister destacar
que Dom Nery, extremamente legalista, mas também sabedor do capital social dela,
julgou oportuno aguardar o tempo necessário para o cumprimento da lei canônica.
Em 1912, pôde, por fim, efetivar a “destituição” de forma “branca”.
Uma das explicações para a construção dessa representação, de alguém que foi
vítima, ter sido amplamente desenvolvida no capítulo nove, foi a intenção de compor
uma representação hagiográfica da fundadora. Segundo a lógica proposta, o autor
não se ocupou em narrar fatos históricos, mas em elaborar uma representação
hiperbólica para induzir seus leitores, especialmente as futuras religiosas, de que
aquele período fora primordial para a santificação de Irmã Cecília. Os ricos e
minuciosos detalhes dos supostos sofrimentos impostos à fundadora, que parecem
ter sido testemunhados pelo autor, assemelham-se às narrativas da obra medieval
Legenda Aurea, de Jacopo de Varazze (1988). Eles revelam que, apesar dos apelos
do Decreto conciliar Perfectæ Caritatis, da franciscanização e de todo o movimento
de renovação da Igreja latino-americana, segundo as decisões das Conferências de
Medellín e Puebla, a escolha feita pela Comissão Histórica foi o modelo de
santidade romanizado, que enaltecia as injustiças, os sofrimentos daqueles que
defendiam a Igreja dos ataques do mundo moderno, especialmente os eclesiásticos
e os religiosos. Ainda que a Congregação tenha eleito seu principal escopo ligado ao
grave problema da infância desvalida, ela não viu nisso a possibilidade de promover
uma representação de Irmã Cecília, comprometida com a defesa da vida, ou ainda,
a injustiça social contra os pobres, as mulheres e os doentes, etc., tal como têm sido
enaltecidos os recentes modelos de santidades, como o caso de Madre Teresa de
Calcutá e, no Brasil, Irmã Dulce, religiosas que devotaram sua vida aos pobres167.
167 A notícia de que Irmã Dulce será canonizada em 13 outubro de 2019 demonstra que o atual papado tem tais critérios em alta conta. Cabe lembrar que Irma Dulce faleceu em 1992 e foi beatificada em 2011.
227
5.2 Irmã Cecília e a urupuca da cabocla
Outra questão que comporta discussão é o modo como as religiosas viam o fato de
Irmã Cecília ter vivido no prédio dos fundos, do convento168. No texto de Pedroso há
duas interpretações sobre o Chalé: segundo ele, as Irmãs sempre denominaram
aquele prédio de chalé, o que permite interpretá-lo como um lugar bucólico,
aprazível, próprio para o descanso. Todavia, ela também destaca que naquele
prédio, Irmão Cecília sofreu muito por ter sido separada de suas irmãs, fato que foi
corroborado por Irmã Maria Júlia, que o desqualificou denominando-o de “casebre” e
“prisão”, sinalizando-o como um “não lugar”, no qual a fundadora teria sido obrigada
a passar a maior parte de sua vida. Ora, se na nova interpretação da Congregação e
do autor da biografia optou-se por lançar luzes sobre aquele espaço como um não
lugar, a romântica imagem daquele prédio, expressa no seu título deveria ter sido
descontruída. Se não o fizeram é porque julgaram que a antiga representação fazia
sentido, ao menos na lógica espiritualista, de forma que aquela circunstância fora
vista necessária para a construção de sua santidade e para o desenvolvimento e o
crescimento da organização.
Atentos aos sinais e indícios, identificamos na obra de Pedroso uma quase
desapercebida alusão a uma terceira imagem do chalé, atribuída a Irmã Cecília, a
qual teria denominado aquele prédio de “urupuca da Cabocla”169. Sem maiores
explicações, Pedroso diz apenas que tal sobrado pertencera a “uma tal ‘Nhá Eva’ e
que de lá vinha sempre muito barulho”, o que justificaria o esforço de incorporá-lo ao
patrimônio da organização com o objetivo de tornar aquela região digna de acolher
um convento. Para esse pequeno sobrado foram transferidas Irmã Cecília, sua filha
Rosa e Irmã Maria do Carmo, nomeada para ser companheira e auxiliar dela.
Ousamos interpretar a expressão “urupuca da Cabocla” como uma metáfora que
bem pode revelar a situação dela, mas também do catolicismo brasileiro na
passagem do século XIX para o XX. Especialmente a expressão “Cabocla”, por sua
vez, pode ser entendida como uma metáfora para identificar a situação da Igreja
168 A expressão “fundos” indica a relação entre o convento e o chalé. No Encarte de fotos, é possível verificar que o chalé tinha entrada independente pela atual Rua São Francisco de Assis, 75 anos de Presença, Amor e Serviço, Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1975, p. 34. 169 Urupuca ou arapuca é uma expressão indígena brasileira para denominar uma armadilha construída com gravetos, de forma quadrangular e em formato piramidal, para capturar pássaros e/ou pequenos animais.
228
brasileira, a qual, durante todo o padroado, construiu uma identidade muito peculiar
de um catolicismo distante de Roma que, justamente por isso, foi combatido pelo
clero ultramontano imigrado, classificado por Eduardo Hoonaert (1991) como
“cristianismo moreno”. Ela também pode ser entendida como uma metáfora para
identificar a situação das oficiosas organizações religiosas de mulheres sem o
devido reconhecimento eclesial: os recolhimentos, os beatérios, as ordens terceiras,
etc. Todas elas foram “pegas na urupuca” do movimento ultramontano, e pela
romanização, e foram domesticadas e clericalizadas, transformadas em
congregações religiosas reconhecidas pela Igreja. Caboclas foram as mulheres
brasileiras que ousaram fundar, ou simplesmente integrar, agremiações religiosas
femininas em tempos de redefinições da Igreja na Europa, que, em função da
internacionalização da instituição, alcançaram o Brasil. Cabocla foi a piracicabana
Antônia de Macedo que acreditou ser possível assumir a vida religiosa e continuar
cuidando de sua filha. Na mesma lógica, vemos as expressões chalé e “urupuca”
como metáforas para expressar a Igreja, que, se de um lado, prendeu Irmã Cecília,
de outro, também a protegeu e a preservou de outras possíveis urupucas, pois, por
mais paradoxal que pareça, não pode ser negado lhe terem sido dadas condições
para que se mantivesse religiosa e cuidasse de sua filha. Nesta perspectiva, cabe
ainda recordar, como já citamos em capítulos anteriores, a existência de inúmeros
indícios de que ela não viveu isolada, como Pedroso tentou construir. Ele mesmo
sinalizou que, por várias vezes, ela teria acompanhado as superioras gerais em suas
visitas, participado de momentos festivos na organização. Era consultada
informalmente e, em vários momentos, teria agido como superiora, sendo
considerada por aquelas que lhe devotavam respeito.
5.3 Irmã Cecília, candidata a santidade
Os capítulos décimo e décimo primeiro coroam o objetivo da obra: afirmar a trajetória
de santidade vivida por Irmã Cecília. Trata-se de uma leitura teleológica do período
denominado pelo autor de Exílio, onde tentou justificá-lo tal como remédio amargo
para saúde do corpo. Dessa forma, ele indicava que o fim justificava os meios. Para
ele, os 32 anos vividos no chalé teriam sido como um longo retiro, no qual ela teria
se purificado e compreendido o que significava ser religiosa franciscana. Em busca
de justificar aquele período, ele resgatou que uma Irmã teria dito: “... o maior milagre
229
realizado na vida de Mamãe Cecília é o da sua própria conversão: de brava e
geniosa, ela se tornou carinhosa e meiga” (PEDROSO, 1996). Ainda que se
compreenda o enfoque teleológico pretendido, a afirmação traz sérios problemas
para uma compreensão teológica da trajetória de uma candidatada à santidade,
pois, reduz a conversão a aspectos comportamentais e sentimentais. Os binômios
braveza e gênio forte, e, carinho e meiguice, nunca foram atributos cristãos e
tampouco expressam oposição entre si. Além do que, o primeiro não é apanágio dos
homens e o segundo, das mulheres. Tal frase, então, esconde uma questão de
gênero.
Eis que surge uma concepção unívoca sobre o feminino, sobre a vida religiosa e
sobre o franciscanismo, extremamente convergente com o perfil esperado de uma
religiosa: submissa, delicada, meiga e obediente. A firmeza das posições da
fundadora parece ter sido vista como enfretamento e rispidez, comportamentos
considerados normais para homens e inapropriados para uma religiosa, e ainda
mais para uma religiosa, os quais teriam sido burilados durante o período em que
ficou isolada no chalé. Eis a transformação do Chalé, como não lugar, em lugar
propiciador da santidade. Da mesma forma, ao invés de abordar a vida de Irmã
Cecília a partir de um modelo de religiosa moldado pela romanização, o autor
poderia ter recorrido à gênese do franciscanismo, que destacou as santas
franciscanas, especialmente, Clara de Assis, a quem a história não pôde negar a
firmeza e a tenacidade da primeira mulher a pertencer ao movimento mendicante, e
que fundou a Ordem das Clarissas e lhe compôs uma regra própria.
Por fim, à medida que aquele período denominado como Exílio passa a ser visto
como um tempo de provação, ela é promovida a formadora, doutrinadora de novas
religiosas: “... diga a essas jovens que, para ser franciscana, é preciso conhecer e
viver o mistério da cruz” (PEDROSO, 1996, p. 92). Neste enfoque, todo o trabalho
realizado entre 1898 e 1912 parece ter sido desvalorizado. Se Irmã Cecília se
santificou em vida, isso teria ocorrido durante o período do chalé.
No último capítulo, “A semente e a árvore”, o autor faz um balanço espiritual da vida
da biografada. Pelo uso das metáforas “semente” e “árvore”, ele se refere ao
patrimônio construído a partir do que interpretou como projeto religioso da
fundadora, como a semente responsável pela “árvore frondosa da Congregação das
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria”, de onde brotam novas sementes. Coroa,
230
então, a obra, a representação da fundação do organismo leigo como a semente,
que traz no seu interior a Congregação como uma única realidade espiritual.
Coerente com a lógica eclesiástica, mais calcada nos fundamentos da romanização
do que no Concílio Vaticano II, Pedroso tira o foco das realidades humanas e lança
luzes na realidade espiritual. A sinuosa trajetória do organismo leigo foi reconvertido
em congregação, se esvaziava como ela existira desde sempre.
5.4. De ex-superiora à Mamãe Cecília
Uma das questões que mais nos intrigaram, desde o início da pesquisa, foi o
destaque dado pelo biógrafo à expressão “Mamãe Cecília”, para se referir a religiosa
que fora fundadora, superiora geral e responsável pelo alicerce da organização leiga
e depois religiosa. Maior surpresa ainda foi verificar, ao longo da pesquisa, que tal
representação fora resgatada pelas religiosas depois de 1980, quando havia outras
representações a serem destacadas para aquela a quem se aspirava a declaração
de santidade. Também soa estranho o fato de que, diante de tantos atributos
alusivos à vida religiosa, a Congregação tenha optado pela representação feminina
da maternidade. Ainda que grande parte das religiosas tenha buscado evidenciar a
maternidade espiritual, modelo e mestra de suas inúmeras filhas religiosas, causa
impressão o destaque dado no Dossiê ao seu devotamento à filha. Sem negar que
ela fora religiosa, afirma-se que ela fora uma religiosa mãe. Mas por que, então, na
década de 1980, as religiosas passam a destacar a figura de Mamãe Cecília?
Foi na assembleia capitular de 1985 que as religiosas aprovaram a formação de
uma “Comissão de Estudos” que, enfim, completaria o projeto – abortado em 1969 –
de realinhar a organização com as diretivas conciliares (RELATÓRIO, 1979-1985).
Parece ficar claro o convencimento da organização acerca das propostas feitas pelo
governo encerrado em 1969, de estarem corretas e ser preciso retoma-las, a fim de
atualizar o seu carisma para retomar sua história. Todavia, os encaminhamentos
dados pela referida Comissão histórica nos pareceram extremamente restritos. Para
analisá-los, elaboramos um quadro que coteja as propostas de 1969 com as de
1985:
231
Propostas apresentadas no Capítulo de 1969 Propostas apresentadas no Capítulo de 1985 Retornar às fontes do franciscanismo Fontes históricas Voltar à inspiração primigênia dos fundadores
O que dizem de mamãe Cecília as pessoas
Ajustar a Congregação às necessidades da Igreja de hoje
Adaptar a Congregação às novas condições dos tempos
Reorganizar a vida fraterna Vida de nossas Irmãs
Fioretti de nossa Congregação
Quadro com o cotejamento das propostas construído partir dos Relatórios 1963-1969 e 1985-1991
Ao comparar as duas propostas, verificamos que a segunda, de 1985, apesar de 26
anos de atraso, não adotou a perspectiva renovadora da primeira. São ausentes as
referências, tão caras ao Concílio, à atenção “às necessidades da Igreja” e “às
condições dos tempos”, expressas na segunda e na terceira propostas de 1969. Na
nova proposta, a organização se colocava fora da realidade e, consequentemente, a
percepção de sua missão no mundo resultava totalmente desvinculada dos
problemas sociais, políticos e econômicos da sociedade170. Em suma, apesar de
aderir formalmente às reformas ditadas pela Congregação dos Religiosos, afastava-
se completamente das propostas de 1969 e sinalizava por onde passaria a
construção de sua renovação, a saber, a apresentação de uma sui generis leitura da
fundadora: a Mamãe Cecília. Para a construção dessa específica representação,
além dos documentos arquivados, a Comissão Histórica, alegando o
desaparecimento de boa parte daqueles referentes a Irmã Cecília, definiu-se pela
realização de uma série de entrevistas com as pessoas que conheceram a religiosa
ou que possuíam algum vínculo com sua história. Com os relatos colhidos, foram
organizados os dois primeiros livros do Dossiê, a ser enviado a Santa Sé, contendo
os “Testemunhos sobre a Serva de Deus”, sendo o primeiro com relatos de
170 É bastante provável que esta opção tenha sido tomada em função do declínio que a Teologia da Libertação começava a sofrer desde 1984, pela ação da Congregação da Doutrina da Fé, presidida pelo, então, cardeal Ratzinger, importante preposto do papa João Paulo II. Essa mudança de orientação ditada pelo papado e reverberada por bispos e superiores de Ordens e Congregações presentes no Brasil ou brasileiras, fez com que muitos padres, religiosos e religiosas se afastassem de práticas ligadas a esta Teologia, e especialmente das CEBs. Esta definição eclesiástica acabou por exigir uma tomada de posição mais clara, deixando entrever a real opção de cada organismo religioso feminino (ROSADO-NUNES, 2006; VIGIL, 2006).
232
sacerdotes e leigos, e o segundo com relatos de religiosas, ex-religiosas e ex-
candidatas da Congregação (MARCON, 1992)171.
Entendemos as memórias como interpretações próprias de um tempo e espaço, as
quais se constituem como fontes para novas interpretações e, justamente por isso,
devem ser consideradas como produtos historiográficos (CERTEAU, 2002). Nesse
sentido, as memórias construídas sobre Irmã Cecília, e reproduzidas no citado
Dossiê, apesar de serem variadas, possuem a mesma base cultural, pois a maioria
daquelas pessoas, especialmente as religiosas, viveu quase na mesma época, no
mesmo lugar e sofreu os mesmos influxos sociopolíticos e religiosos. Assim, as
inúmeras memórias coletadas sobre ela, apesar de serem pessoais, estavam
carregadas da memória institucional reproduzida no cotidiano da organização.
Vemos, portanto, que a opção por reconstruir a sua história como “Mamãe Cecília”
tinha um claro objetivo teleológico: dar como definido o fato de que a fundação da
organização foi obra de uma religiosa, portanto única. Ainda que no Dossiê haja a
defesa de uma religiosa que abriu mão da vida religiosa para cuidar de sua filha
especial, sem, no entanto, afastar-se dos compromissos que a vida religiosa lhe
impunha, o enfoque foi dado à religiosa e não à mãe. Como forma de arrematar a
representação construída naquele Dossiê, coube à biografia escrita por frei Pedroso
dar ampla publicidade àquela nova representação da fundadora. Oscilando entre a
maternidade física e a espiritual, José Pedroso constrói a imagem da mãe que se
tornou religiosa e avança na construção da maternidade espiritual, fazendo dela a
mãe de todas as religiosas172. “Ela foi batizada com o nome de Antônia, adotou
como religiosa o nome de Irmã Cecília, mas todas as Irmãs da Congregação
franciscana que fundou sempre a chamaram, e chamam até hoje, de Mamãe
Cecília” (sic) (PEDROSO, 1996, p. 13). Entendemos que o advérbio “sempre”, citado
acima é uma hipérbole que teve a intenção de construir uma imagem que não era
171 Segundo relato dessa Comissão, esta opção foi considerada válida pelo fato de o organismo pontifício responsável pelo acolhimento do pedido de beatificação valorizar os testemunhos pessoais, proferidos sob juramento, que testificam a santidade e as virtudes dos candidatos. 172 A hagiografia sobre religiosas reconhecidas como santas que exerceram a maternidade é bastante conhecida, principalmente na Idade Média. Na maioria delas há uma supervalorização da vocação religiosa sobre o casamento e da obediência da mulher dentro do modelo patriarcal, o que resulta no ofuscamento da vida anterior a seu ingresso na vida religiosa e na supervalorização daquela que, mesmo tardiamente, assumiu a vida conventual. Ainda, como ilustração de religiosas mães, citamos o texto: “Quem disse que mães não podem ser santas? 10 exemplos em seu dia”, disponível em: https://www.acidigital.com/noticias/quem-disse-que-maes-nao-podem-ser-santas-10-exemplos-em-seu-dia-65235. Acesso em: 02 mar. 2018.
233
dominante na história da Congregação e, tampouco, usada desde o início da
fundação. Pedroso buscou ver na expressão ”mamãe” a tradução de “madre”, com a
qual Frei Luiz, italiano com pouca habilidade na língua portuguesa, teria se referido,
em alguns textos, à superiora e responsável pelo Asilo (PEDROSO, 1996). Embora
Pedroso tenha tentado estabelecer ligação entre as expressões, afirmando que,
para Frei Luiz, Irmã Cecília cuidava das casas e das irmãs como uma “mãe”, tal
alcunha não significava a mesma coisa que a expressão: “mamãe”, própria da
intimidade doméstica. Ainda que aquele frade tenha induzido as irmãs a chamarem
a fundadora de Mãe, é muito improvável que, a partir da institucionalização dela, os
primeiros reformadores, Frei Bernardino Lavalle e Dom Nery, tivessem permitido que
as religiosas se referissem à superiora geral utilizando aquele vocativo doméstico.
De fato, não verificamos citações alusivas a essa representação neste período173.
Nesta mesma linha de raciocínio, entendemos que Irmã Cecília passou a ser
chamada de “Mamãe Cecília” a partir do enquadramento imposto por Dom Nery, em
dezembro de 1916, no qual ela deveria optar entre a vida religiosa ou o cuidado da
filha especial. Na interpretação construída pela Congregação, a decisão salomônica,
sugerida pelas próprias irmãs, de que ela pudesse ser transferida para o prédio
contíguo ao Asilo, denominado chalé, deve ser lida como uma estratégia para que
ela cumprisse a determinação episcopal sem deixar a vida religiosa, e,
contemporaneamente, pudesse cuidar de sua filha e receber a visita dos filhos, que
estavam em São Paulo (PEDROSO, 1996).
Uma observação de Irmã Armanda Franco Gomes de Camargo, superiora geral,
responsável pela organização do Dossiê enviado a Santa Sé, ajuda a precisar o
período em que foi criada aquela expressão nominativa: “... ganhou o bonito
cognome de ‘Mamãe Cecília’. Mas teve que curti-lo na solidão do Chalé...” (sic)
(CAMARGO, 1992b, p. 140)174. A leitura da superiora se mostra reveladora, pois
indica que a expressão foi cunhada para designar distintivamente aquela que, por
determinação episcopal e com o seu consentimento, não podia mais assumir
funções religiosas. Do ponto de vista canônico, ela fora a fundadora, a superiora
173 Cabe lembrar que, no documento “Relato Histórico”, a autora destacou que boa parte dos documentos que poderiam ajudar compreender o ocorrido foram destruídos (CAMARGO, 1992b). 174 Frei Pedroso, ao incluir este trecho em seu livro, assim o traduziu: ”Ganhou o nome bonito de ‘Mamãe Cecília’, porém teve de amargá-lo numa casinha solitária, ouvindo, até o fim, os gritos da filha Rosa” (PEDROSO, 1996, p. 92).
234
geral e, por último, a superiora local do Hospital de Jundiaí, ou seja, as funções que
construíram a sua identidade sociorreligiosa pertenciam ao passado. Restava-lhe
tão somente a identificação de seu estado materno. Apesar da proibição de manter
os seus filhos afastados do convívio com as outras religiosas, Irmã Cecília não
deixou de frequentar o convento e de envolver-se nos assuntos religiosos. Seu livre
acesso e trânsito, sem o ônus de uma função religiosa instituída, fez dela detentora
de relativa autoridade moral, respeitada pelas jovens candidatas, pelas religiosas e
até pelas superioras que se aconselhavam com ela, que as levavam consigo em
suas buscas de apoio político e econômico175. Não havendo um vocativo religioso
para designá-la, ela era chamada pelo “bonito cognome” de “Mamãe Cecília”, com o
qual passou a ser identificada.
De Irmã Cecília, mãe de uma filha especial, as religiosas construíram a
representação de uma mãe que, além de cuidar de sua filha, era reconvertida em
mãe espiritual das religiosas, as quais acolhia e as abençoava. Segundo o modelo
de religiosa proposto pela romanização, ela lhes ensinava os valores espirituais da
abnegação e da obediência. Como franciscana, ela se fazia pregadora do
franciscanismo e se constituía intercessora espiritual da Congregação, na medida
em que realizava a função por excelência da vida consagrada: a oração.
Com sua morte, em 1950, a organização pôde reconstruir a imagem da “fundadora”.
Segundo o ideal religioso da romanização, a imagem doméstica de “Mamãe Cecília”
passou a ser um problema e uma contradição, o que justifica a inexistência desse
título nos Relatórios dos sucessivos governos entre 1950 e 1980. As exigências
impostas pela intervenção pontifícia, na década de 1970, obrigaram a organização a
retomar as origens, mas, ao invés de se voltar às fontes do movimento feminino
leigo que resultou em fundação mista de quatro mulheres, transformada em
Congregação em 1900, aquela Comissão retomava a interpretação da fundação
construída em 1950, de que ela fora fundada por aquela religiosa, mas a reconstruiu
compondo uma unidade onde, até então, havia distinção: “Mamãe Cecília” se
tornava a outra faceta da Irmã Cecília, a “fundadora”.
175 Na carta da Congregação enviada ao bispo Dom Barreto, pedindo autorização para encaminhar a solicitação de anexação à Ordem Franciscana, em Roma, Irmã Cecília assinou o documento logo após a superiora Irmã Ignez e antes da equipe de governo, composta por quatro irmãs. No documento enviado anexo, aparece sua assinatura em primeiro lugar, seguida da identificação “Fundadora”, e somente depois vêm as assinaturas da superiora geral e das irmãs que compunham a equipe de governo (MARCON, IV, 1992).
235
Disso concluímos que, acatar a leitura de uma fundação leiga parece ter sido visto
como ameaça àquela arquitetura construída durante toda a romanização, a qual
permitira a formação de significativo patrimônio, não só material, mas especialmente
simbólico. Melhor seria manter a leitura de Irmã Cecília como fundadora e importante
formadora da organização. A saída foi espiritualizar o período conhecido como chalé
e demonstrar como a singela representação religiosa de “Mamãe Cecília”
reconstruía a unidade religiosa da organização.
Por fim, trazemos à luz um pequeno livreto que parece revelar a disputa entre os
defensores da figura de fundadora e da de Mamãe Cecília. Trata-se da obra A
alegria de viver, do frei carmelita Patrício Sciadini, primeiro postulador da causa de
beatificação176. Apesar do conteúdo do livreto não ser original, pois é baseado nas
informações do Dossiê e na biografia escrita por Pedroso, ele elegeu como objetivo
de sua obra destacar a maternidade física, chegando mesmo a sugerir que ela
pudesse ser aclamada santa protetora das mães de filhos especiais ou com
deficiência (SCIADINI, 2000). A considerar o fato de o postulador ter sido
substituído, e, que o acento à maternidade física acabou sendo deixado de lado, é
de supor que a Congregação avaliou como tal proposta destacaria mais a figura da
mãe que a da fundadora, e, portanto, tal representação deixou de ser promovida e
incentivada.
Ao nos aproximarmos da segunda década, do segundo século da fundação vemos
que essa decisão revelava a opção da organização em continuar a ser pela
institucionalização. Isso é bastante compreensível, porque, de fato, a sua identidade
foi assim constituída; em uma Igreja clericalista, ela se fez clericalizada e continuou
confirmando essa escolha. Todavia, arriscaríamos concluir que o reconhecimento da
santidade de uma religiosa, que optou por exercer a função materna sem deixar de
ser religiosa, reaproximaria muito mais a Congregação de suas origens, pois,
quando foi fundada, o fato de Antônia de Macedo ser mãe não lhe fora um
empecilho.
176 Postulador da causa é a figura (bispo, padre ou leigo) que assume a função de advogar a favor da causa do candidato a Santo. Cabe a ele buscar meios de promover a santidade através das provas colhidas. Tendo o processo e as virtudes heroicas sido aceitos pela Santa Sé, já se obtém a declaração de Venerável. A comprovação de ao menos um milagre permitirá que aquele venha a ser declarado beato e, por fim, a comprovação de outros milagres permitirá a declaração de sua santidade.
236
7. A Congregação religiosa, herdeira de Mamãe Cecília
Os balancetes indicam que algumas irmãs deixaram heranças para a Congregação.
Essa realidade passou a existir depois que os estados liberais impuseram às Ordens
religiosas e às congregações que seus membros deveriam conservar o direito de
receber e transmitir doações (CDC de 1917, § 569). A saída encontrada pelo
Concílio Plenário Latino-Americano, de 1889, para receber candidatos, foi permitir
que todos os religiosos conservassem a posse de seus bens, sem, no entanto,
poder administrá-los, pois deveria ser confiado a outro religioso testamenteiro,
geralmente da própria organização religiosa a qual pertencia (PONTIFICIA
COMMISSIO PRO AMERICA LATINA, 1989). Isso não impediu que religiosas
deixassem seus poucos bens às suas congregações, o que pode ser comprovado
em vários balancetes que trazem registros de legados de irmãs falecidas. No ano
1951, consta que o montante acumulado por meio de heranças de religiosas era de
Cr$ 347.720,54. Não se tratava de uma grande quantia, mas o correspondente à
metade das despesas com alimentação da Casa Mãe e do Noviciado naquele último
sexênio (RELATÓRIO de 1945-1951, Anexos 6 e 7, respectivamente).
Dentre os documentos de doações recebidas, destaca-se o testamento da ex-
superiora, realizado em 1940. Após saber que era herdeira de seu primogênito, que
faleceu em 1939, partilhou seus bens entres os membros de sua família, destinando
a quarta parte da herança para seus netos, outra quarta parte para sua filha Rosa e
as duas partes restantes para suas filhas espirituais. A condição imposta para tal
doação foi de que a Congregação assumisse o cuidado de sua filha, Rosa Martins
de Macedo Ferreira, após sua morte. O testamento indicava que a parte destinada à
filha, correspondente a 25% da herança, ficaria sob a responsabilidade do Asilo,
para o custeio de suas despesas até a morte desta, e o que sobrasse passaria a
fazer parte dos bens da instituição (VEIGA, 1991)177. Algumas cartas e documentos,
existentes no Arquivo da Congregação, indicam algumas razões do prolongado
processo de partilha, que durou quatro anos, o que nos permite deduzir que, em
177 Testamento público de Antônia Martins de Macedo, lavrado em 02 de novembro de 1940 e registrado no 1º Tabelião de Notas, livro 318 folhas 98, 99 e 100. Sua filha, Rosa Macedo Martins, faleceu em 18 de julho de 1956 e seu outro filho, Antônio Macedo Ferreira, falecera em 1924, deixando esposa e três filhos, netos de Irmã Cecília, os quais se tornaram parte dos herdeiros.
237
razão de sua idade avançada, Irmã Cecília optou por assegurar o direito de seus
herdeiros através de testamento. Numa trama digna de um folhetim, emergem os
interesses de seus netos na partilha, os quais acabaram recebendo apenas a quarta
parte178.
O fato de ela ter doado, imediatamente, 50% de seus bens à suas filhs espirituais e
indicado que outros 25%, correspondentes à parte da filha especial, também
integrariam a doação à organização, nos faz pensar, tanto no devotamento que ela
tinha às Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, como também em uma
preocupação bastante prática. A cultura da vida religiosa faz com que o consagrado
estabeleça uma ruptura com os laços familiares, de forma que, mesmo na velhice,
continue vivendo no convento. Tendo vivido a maior parte de sua vida como
religiosa, pode ter-lhe parecido indevido pedir a seus demais familiares que
cuidassem de sua filha após sua morte. Nem mesmo a situação em que Irmã Cecília
se encontrava, desde 1916, fez com que ela deixasse a Congregação. Não é
possível, também, afirmar que seus netos não tenham querido assumir a avó idosa e
a tia doente, mas inexistem documentos que provem o contrário. Não descartamos,
portanto, que tal doação possa ser vista como fruto de seu interesse para que sua
filha fosse cuidada. No seu testamento, a doadora enalteceu as virtudes de suas
irmãs religiosas no cuidado desinteressado aos necessitados. Tal inserção não
parece indicar apenas regra de etiqueta e respeito religioso, mas o desejo de
lembrar às suas irmãs o fundamento da vida religiosa. Ainda, cabe lembrar que a
doação realizada por ela em nada mudou a sua situação como afastada de suas
178 Algumas cartas, reproduzidas no Dossiê enviado à Santa Sé, indicam as razões do prolongado processo e os motivos que poderiam justificar a antecipação da partilha. O primeiro deles é que o seu falecido filho tivera uma companheira ilegítima, que acabou disputando parte da herança. Várias correspondências entre a irmã Cecília e seu sobrinho, Antenor Liberato de Macedo, testemunham que essa contenda, iniciada em 1940, só foi resolvida no início de 1942, através de um formal de partilha, com intervenção judicial (MARCON, 1992, III, 436, 437). O segundo motivo foi a pressão de uma das netas da religiosa, filha de seu outro filho falecido, que, sabendo da herança, recorria à avó dizendo-se necessitada de ajuda. O Dossiê reproduziu três cartas escritas entre abril e outubro de 1943, das quais reproduzimos parte da primeira:
Vovó, (…) A senhora bem podia dar ordem ao Antenor para ele nos dar mensalmente o aluguel de uma das casas da senhora. Isto seria de grande ajutório para nós. A vida aqui em São Paulo está muito difícil (...). Vovó, a senhora podia arranjar para nós uns 200$000 para pagarmos as matrículas da escola e comprarmos livros. (Carta 4/4/1993 MARCON, 1992, III, 423- 424).
Uma carta de Rubens Silveira, seu advogado, indica que lhe coube cinco casas em São Paulo, que foram vendidas por Cr$ 90.000,00 e um terreno em Suarão – São Vicente/SP e Cr$ 22.835,40 em dinheiro como parte das apólices e letras de câmbio (MARCON, 1992, Livro III, 444)
238
funções religiosas e, tampouco, provocou sua transferência para o convento, o que
veio a acorrer apenas em 1948. Ela não pedia para si, mas para sua filha.
Por outro lado, na perspectiva que adotamos nesta tese, é possível pensar que à
escolha feita pela Congregação de afirmar-se herdeira de uma fundação única, obra
de Irmã Cecília, a doação que esta fizera se configura como a representação do
ideal de religiosa, que se pretenda enaltecer como aquela que se doa por inteiro,
sem que nada altere seu propósito. Nada em sua vida alterou o seu projeto; nem a
transformação da organização terceira em organização religiosa, nem mesmo os
embates que teve com Nery, tampouco o afastamento de suas funções e o período
vivido no chalé a afastaram do desejo de ser religiosa. Por meio daquela
organização religiosa, ainda que por caminhos tortuosos, ela recebeu os meios para
viver as suas duas opções de vida, a vida religiosa e a maternidade. Agradecida,
aquilo que Mamãe Cecília doou era sinal da oblação de sua vida, o que fazia dela o
maior patrimônio da Organização que fundara. Afinal, o que eram aqueles poucos
bens, perto de todo o patrimônio espiritual que ela acumulou desde o dia em que
entrou na comunidade religiosa da Ordem Terceira de São Francisco? Assim a
Revista do Jubileu de Ouro construiu a narração de um dos seus últimos dias:
Nos derradeiros dias de sua existência, em dado momento, desconhecera onde estava, pedindo que a levassem para o Asilo, e a madre local que lhe fazia companhia, sossegou-a dizendo: A senhora está no Asilo. Veja tudo isto foi a senhora que fez. E ela volveu logo: "Fiz e dei ao Coração de Maria. Dei tudo a Ela, sou sua escrava...”. (JUBILEU ÁUREO DAS IRMÃS FRANCISCANAS DO CORAÇÃO DE MARIA, 1900-1950, p. 61, grifo nosso)
Em todas as releituras da vida de Antônia de Macedo, depois Irmã Cecília, ela foi o
primeiro e grande patrimônio daquela que veio a ser a Congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria. Da manutenção de sua memória, depende, e
dependerá a organização que fundou.
239
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em função das exigências acadêmicas, concluímos o trabalho de escrita da tese de
acordo com o projeto traçado. Com Michel de Certeau aprendemos que, após o aval
da comunidade acadêmica e as necessárias adequações, ele será concluído e,
finalmente, irá para as mãos de leitores interessados neste argumento. Encerrado,
ele autorizará aos novos leitores lhe darem vida, interpretando-o cada qual a seu
modo, e, possibilitando novas leituras e novos textos. Esta é a função da narração.
Ela não encerra toda a compreensão.
Começamos indicando que boa parte das pesquisas sobre as congregações
religiosas apontam que, a principal razão de elas terem colaborado na construção do
Estado nacional reside em uma aliança da Igreja com o poder estabelecido, na qual
ela teria colocado suas organizações a serviço da construção de uma nação
católica. Nesta visão, Estado e Igreja se revezariam, como sujeitos aliados, na
condução das subservientes organizações, dentre elas as femininas. Tendo elegido
este objeto, intentamos demonstrar que, embora as congregações brasileiras, de
fato, tenham servido aos propósitos eclesiásticos – e nem poderia ter sido diferente
–, esses objetivos escondiam a razão que as motivava, o desejo religioso de serem
reconhecidas pela Igreja e ver suas práticas sociais legitimadas pela sociedade.
Isso nos levou a olhar, e nos debruçar sobre as fontes, a partir de quatro questões
que brotaram durante o processo de construção desta tese: a relação entre a
estrutura e a identidade de uma congregação religiosa brasileira do século XX, e, a
de uma organização imigrada do século XIX; a independência da organização
vivenciada pela madre geral, tão propalada por Langlois; as reais motivações para a
construção do seu patrimônio material; e, por fim, a importante questão da releitura
feita na segunda metade do século XX, que a relançou.
Com relação à primeira questão, demonstramos que as organizações femininas
brasileiras, como as estrangeiras, não nasceram instituídas como congregações.
Elas nasceram de movimentos leigos femininos, como ordens terceiras, associações
pias ou piedosas, associações de mulheres católicas, etc. Demonstramos que, o fato
240
de a Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria ter nascido às
portas da romanização como movimento leigo, fez dela uma organização já
enquadrada pelas reformas religiosas do início do século XX; portanto, mais
ortodoxa que as imigradas. Ao aceitar a institucionalização, a ordem terceira, que
tão breve vida teve, de movimento leigo foi convertida, quase imediatamente, em
clero feminino, a serviço dos bispos.
Ao contrário das congregações do início do século XIX, que nasceram e viveram
muitos anos como organizações leigas, e escolheram ser institucionalizadas, ela não
teve muitas escolhas até porque, sendo filha de uma ordem masculina, já nasceu
controlada pelos frades capuchinhos. Ali começava a construção de uma
representação feminina da congregação religiosa em um mundo de clérigos, pois
era preciso assumir os contornos definidos pela romanização, e, ao mesmo tempo,
garantir que a origem do movimento leigo fosse perpetuada. Entendemos que a
inserção de Irmã Cecília teve este objetivo. Ainda que todo o processo vivido por ela,
e por suas irmãs religiosas, passe uma imagem de extrema subserviência daquelas
mulheres, uma análise mais atenta fez com que percebêssemos que as religiosas
souberam arranjar meios de conservar mãe e filha com elas. Não se tratou apenas
de gesto de caridade. Elas a mantiveram por perto e souberam fazer uso do seu
capital social e simbólico a favor da organização.
A segunda questão, sobre a independência – tão propalada por Langlois – da
organização vivenciada pela madre geral, que não víamos nas congregações
religiosas brasileiras, tem sua explicação nas formas de controle que a Santa Sé
criou para conter o movimento congregacional. Demonstramos que, à medida que o
número de congregações reconhecidas crescia, as exigências impostas para tal
benefício se tornavam cada vez mais complexas, principalmente a que impôs que os
novos institutos deveriam ter um período de provação para alcançar o direito
pontifício. Para impedir o controle dos religiosos fundadores, a saída foi colocar as
congregações sob o direito diocesano. Isso se configurou em uma questão de
política eclesiástica que envolveu os dois primeiros bispos de Campinas e os frades
capuchinhos, na disputa da direção e controle do instituto feminino, o que foi muito
profícuo para a organização. Se, nos primeiros 20 anos, a presença dos frades foi
muito intensa, e graças a eles a Congregação conseguiu a agregação à Primeira e à
Segunda Ordens Franciscanas e depois obteve o documento que legitimava a sua
241
fundação, de outro lado, a presença dos bispos foi fundamental para a abertura de
novos postos de trabalho, especialmente nas escolas, e, depois, na transferência da
sede de Piracicaba para Campinas. Dotados de poder simbólico, religioso e político,
os frades e os bispos lhe emprestaram sua rede de influências junto às elites. Na
perspectiva apontada por Bourdieu, os múltiplos interesses deles e da Igreja
promoveram os interesses da organização feminina.
A questão do poder da madre não residia, então, no fato de ser uma organização
brasileira, mas no fato de ser uma congregação recém fundada e que, naquele
momento, estava sob o direito diocesano. Avaliamos que, os 50 anos sob o domínio
episcopal, a condicionaram de tal forma, que a madre geral, que recebeu o
documento do direito pontifício, continuou agindo como se ainda estivesse sob as
ordens do bispo.
Desde o início de nossa pesquisa nos perguntávamos pela justificativa do patrimônio
material. Quais as razões de tanto empenho para multiplicar as obras e construir um
sólido patrimônio material, se o senso comum indicava que a função das
organizações religiosas era espiritual? Cabia à Congregação, constituir reservas
econômicas que lhe assegurassem o bem-estar de todos, manter suas estruturas
para o bom funcionamento de suas obras e garantir meios para sobrevida em
tempos de dificuldades. Ainda que tais justificativas tenham se mostrado plausíveis,
o simples desejo não lhe permitiria tal acúmulo de bens. Era, pois, preciso encontrar
as estratégias e as práticas que lhe permitiram este sucesso.
Em um primeiro momento, interpretamos que a razão do acúmulo de bens advinha
da convergência de dois fatores: a possibilidade que a organização teve angariar
fundos, ao fazer parcerias com setores do governo e com a elite, nos serviços que
assumira; e, a rígida disciplina imposta às religiosas, nas quais os votos de
obediência e pobreza teriam incutido a prática da poupança. Analisando
prolongadamente os demonstrativos econômicos e financeiros, constatamos que
realmente isso aconteceu, mas não na perceptiva individualista apontada por Weber.
Entendemos que o modelo vinha da tradição medieval dos mosteiros autônomos,
em que todos os monges se empenhavam na construção de reservas para tempos
difíceis. Ao assumirem uma economia urbana, ligada à produção industrial, as
religiosas se fizeram “trabalhadoras” para construir o patrimônio da organização.
Todavia, elas não foram capazes de identificar-se com a condição dos
242
trabalhadores. Durante muito tempo, induzidos pelas fontes, utilizamos a expressão
“salário” para nos referir às côngruas, que as religiosas recebiam como contrapartida
por seus trabalhos nas obras de outrem. Ficou claro que, sendo elas associadas ao
empreendimento onde trabalhavam, não eram elas empregadas; talvez “sócias”
beneficiárias de uma organização comunal ou familiar. Fiéis ao voto de pobreza e a
espiritualidade franciscana, as Irmãs religiosas viveram a pobreza extrema,
enclausuradas nas escolas, orfanatos, asilos e hospitais. Na contribuição de cada
religiosa, o sucesso econômico da Congregação tinha um objetivo espiritual, de
ampliar as frentes da missão e, ao receber o reconhecimento pontifício, se colocar a
serviço da Igreja. Esse reconhecimento significava a libertação de muitas amarras
eclesiásticas, mas, principalmente, era a aprovação da Igreja de que aquele modelo
de vida, nascido leigo, da organização das mulheres católicas, em função dos
desafios sociais, era uma obra religiosa. Ele selava a certeza de que, apesar dos
caminhos tortuosos, o instituto nascera religioso.
Por fim, a importante questão da releitura realizada pela organização.
Paradoxalmente, quando a Congregação alcançou o tão esperado reconhecimento,
que lhe daria possibilidade de, ela mesma, se tornar missionária e se expandir mais
ainda, o tempo se lhe demonstrou desfavorável. Tendo nascidas quando o
movimento congregacionista europeu perdia força, em razão das muitas mudanças
políticas e sociais que já anunciavam a secularização e a laicização, as
congregações brasileiras não tiveram o mesmo tempo e as mesmas condições para
expandir-se como congregações do século XIX. As tradicionais áreas que a Igreja
ocupara, quase que sozinha, através das congregações religiosas, passavam a ser
consideradas, inclusive pela opinião pública, como de responsabilidade do governo
– hoje, as chamadas políticas públicas –, e isso acabou reduzindo a possibilidade
das religiosas continuarem naqueles espaços exercendo as mesmas funções e nas
mesmas condições daquela época. Também não pode ser esquecido, que o
Vaticano II, ao propor a releitura do lugar dos organismos católicos, levou as
religiosas a se perguntarem se as tradicionais obras, como escolas e hospitais,
eram, de fato, seus lugares, até porque interpretaram que a organização da qual
faziam parte estivera naqueles espaços mais em razão do baixo custo para a
sociedade do que pela sua contribuição religiosa.
243
Isso não significa dizer que a secularização e a laicização tenham levado ao fim as
congregações, mas, ao fim de um modelo organizacional que não mais correspondia
aos anseios da sociedade. Não tendo tantas possibilidades de atuar em serviços
sociais, não tendo grandes ondas de recrutamento, a organização voltou a crescer
no ritmo próprio de qualquer outro organismo religioso. Se o declínio de ofertas para
a abertura de novos empreendimentos nos pareceu, em um primeiro momento, o
declínio da Congregação, logo percebemos ser o contrário. A sua nova situação
social, em uma sociedade secularizada, impôs que ela se reinventasse. Da mesma
forma, as congregações do século XIX assumiram uma plasticidade capaz de
amoldá-las para cumprir as exigências que emergiram naquela época; também, as
organizações brasileiras se reinventaram e se relançaram como missionárias em
uma sociedade cada vez mais secularizada. Assim preconizara o Vaticano II,
através do Decreto conciliar Perfectæ Caritatis, que propôs a todos os organismos
revisitar a sua origem e recuperar a fonte inspiradora que o lançou na sociedade, no
final do século XX.
Não negamos que esta tese nasceu motivada pelo estudo do patrimônio material da
Organização, mas, tal como em um iceberg, descobrimos que, o que se vê, a sua
materialidade, é menos importante que aquilo que está escondido. O não dito do
patrimônio material revela imenso patrimônio cultural, construído ao longo da história
da organização. Se o patrimônio material tornou-se menos intenso em razão do
movimento congregacional ter se diluído na sociedade secularizada, o que a
sustenta e a motiva são as heranças espirituais dos fundadores, do franciscanismo e
a ação de cada grupo de religiosas que, a cada dia, reinventava o modo de se ser
religiosa na Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Assim,
mais importante que todo o patrimônio material, foi a construção da representação
de um organismo franciscano, composto de irmãs pobres, que contava com as
doações dos beneméritos da sociedade para socorrer os pobres dessa mesma
sociedade. Bem expressou a madre Maria São Francisco do Divino Coração, na
carta enviada ao bispo, em 1945, quando afirmou que a pobreza das irmãs se
constituía na maior riqueza da organização. A pobreza das religiosas construíra o
patrimônio material e espiritual da Congregação. Destarte, seu maior patrimônio foi
conseguir construir uma cultura religiosa essencialmente feminina, não tanto porque
as religiosas tivessem consciência das lutas do movimento feminista, mas por terem
244
se mantido mulheres, outras, em um sistema masculino, na Igreja ou na sociedade,
que lhes reconheceu aquele espaço.
No processo de releitura da organização, emergiu também a figura e o lugar de sua
fundadora. Como organização religiosa, a representação de Irmã Cecília caminhou
da imagem da fundadora, candidata a santa, à mulher que soube se manter firme no
cuidado de sua filha. A releitura uniu as duas e fez, da mulher, a mãe de Rosa, a
mãe das religiosas, a Mamãe Cecília. Claro, em uma história contada por religiosas,
predominaria a representação da figura da religiosa. Todavia, a abertura e a
construção do processo de beatificação revelam dupla representação: a fundadora e
a mãe. Mais do que um impasse, a Congregação optou pelas duas, reconstruiu Irmã
Cecília como fundadora, mãe das religiosas e modelo de freira, a ponto de
apresentá-la como candidata aos altares, fazendo dela seu importante patrimônio e
atualizando o seu carisma.
As mudanças ocorridas na sociedade exigiram que a organização também mudasse.
Ao se considerar que a identidade das congregações está associada às demandas
sociais, ainda há campo para ela existir. Tais desafios se configuram como fonte e
motivação para a continua renovação do patrimônio cultural da Congregação das
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.
A tese, que aqui se encerra, trouxe inúmeros questionamentos que foram surgindo
ao longo da elaboração do texto. Nem todos puderam ser aprofundados, mas se
abrem, a nós e aos leitores, como novas perspectivas de pesquisas. Oxalá,
possamos nos voltar a eles brevemente.
245
REFERÊNCIAS
I Fontes Documentais
1. Documentos Eclesiásticos brasileiros:
EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Coletiva de 1890. In: RODRIGUES, Ana
Maria Moog (org.). A Igreja na República. Brasília. Biblioteca do Pensamento Político
V. 4, Câmara dos Deputados: UNB, 1981.
EPISCOPADO BRASILEIRO. Nova Edição da Pastoral Coletiva. Adaptada ao
Código de Direito Canônico, ao Concílio Plenário Brasileiro e às recentes decisões
das Sagradas Congregações Romanas. Rio Grande do Sul: Tipografia La Salle,
1950.
2. Documentos eclesiásticos estrangeiros:
Código de Derecho Canónico , 1917 (Ed. Bilingue Espanhol -Latim). Biblioteca de
Autores Cristianos. Madrid, 1951.
Código de Direito Canônico, 1983,(Ed. Bilíngue Português - Latim) Edições Loyola,
São Paulo, 1983.
Decreto Perfectæ Caritatis. In: Documentos do Concílio Vaticano II: constituições,
decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 1966.
Documento do Capítulo Geral Extraordinário, O Senhor nos fala na caminhada,
Roma, 2006 Disponível em: https://www.franciscanos.org.br/wp-
content/uploads/2011/08/documentofinal.pdf Acesso em: 26 de novembro de 2017.
3. Publicações da Congregação:
3.1. Relatórios
Relatório da Congregação das Irmãs Terceiras Franciscanas de Piracicaba, 1918 -
1921
246
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
ano ao período 1927-1933.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
ano de 1941.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
ano de 1945.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
período 1945-1951.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
período 1951-1957.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
ano ao período 1957-1963.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
período 1963-1969.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
período 1969-1973.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
período 1979-1985.
Relatório da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, relativo ao
período 1985-1991.
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, Relatório do sexenio
1997- 2003.
.3.2. Constituições:
1921 - Constituições das Irmãs Terceiras Franciscanas de Piracicaba, Piracicaba,
1921
1932 - Constituições das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, Campinas.
1958 - Constituições das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, Campinas.
3.3. Outro documento
247
Livro de Registro de Admissão das Religiosas: “Irmãs Franciscanas do Coração de
Maria”, Arquivo geral da Congregação, Campinas, s/d
4. Revistas Comemorativas
As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria 1900-1940, Campinas, 1940.
Jubileu Áureo das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria 1900-1950, Campinas,
1940.
Recordações Franciscanas, Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de
Maria, Campinas, 1962.
Revista 75 anos de Presença, Amor e Serviço, Congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria, Campinas, 1975.
Revista do Centenário, 2000.
5 Documentos relativos ao processo de canonização
CAMARGO, Armanda F. Gomes de. Cronologia histórica II. Campinas - SP, 1992.
CAMARGO, Armanda F. Gomes de. Comissão Histórica. Campinas- SP, 1992b.
FONTES HISTÓRICAS da Congregação das irmãs Franciscanas do Coração de
Maria. 1985. Campinas- SP (mimeo).
MARCON, Christina Libera (org.). Canonizationis Servae Dei Cecíliae a Corde
Mariae. Piracicaba: [s. n.], 1992. v. I, II, III IV, V e VI.
PEDROSO, José Carlos Corrêa. Um coração de Maria. Vida de Madre Cecília do
Coração de Maria. São Paulo: Loyola, 1996.
SCIADINI, Patrício. A alegria de viver. Madre Cecília do Coração de Maria. São
Paulo: Loyola, 2000.
6 Outros Documentos
Revista da Conferência dos Religiosos do Brasil – 1955 a 1964. Acervo digital.
Disponível em: http://crbnacional.org.br/acervo-digital/ Acesso em: 26 de outubro de
2017.
248
BANCO DE DADOS, Congregações Católicas, Educação e Estado Nacional, 2012-
2017, Focus, UNICAMP, 2017. Disponível em:
https://www.focus.fe.unicamp.br/projetos-tematicos/congregacoes-catolicas-
educacao-e-estado-nacional. Acesso em: 28 de novembro de 2017.
ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS 03/03/1864, p. 23-68. Disponível em:
<http://imagem.camara.leg.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=A&Datain=3/3/1864#/
> Acesso em: 01 out. 2016.
II. Livros, Teses e Artigos
ABRANTES, Elizabeth Sousa. O dote é a moça educada: mulher, dote e instrução
em São Luís na Primeira República. Tese (Doutorado em História) Universidade
Federal Fluminense, NITEROI, 2010.
ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da Colônia. São Paulo:
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Jesus Crucificado e a Escola de Serviço Social Padre Anchieta em Maceió em
tempos de AI5. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade
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ANAYA, Juan Miguel. Tenemos vino neuvo, ¿necessitamos odres nuevos?.
Cuadernos Maristas, Roma, n. 28, 2010. Disponível em:
http://issuu.com/champagnat/docs/28_es Acesso em: 23 fev. 2015.
ARDUINI, Guilherme Ramalho. Em busca da idade nova. Alceu Amoroso Lima e os
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Paulo, 2015.
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III - Gravuras
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Figura 3 - Fotografia de Frei Luís Maria de São Tiago, recém chegado à cidade de
Piracicaba. As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria 1900-1940, Campinas,
1940, p. 6
Figura 4 - Fotografia de Irmã Cecília, fundadora e primeira superiora geral da
Congregação. As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria 1900-1940, Campinas,
1940, p. 31.
Figura 5 - Igreja Sagrado Coração de Jesus, construída pelos frades franciscanos
capuchinhos – Piracicaba. Igreja dos Frades: Arte e história de um dos mais belos
templos paulistas. A Província (Jornal eletrônico). Disponível em:
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historia-de-um-dos-mais-belos-templos-paulistas-5863/ Acesso em 24 de mar. 2019.
Figura 6 - Asilo Maria Nossa Mãe – Piracicaba. Jubileu Áureo das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria 1900-1950, Campinas, 1950, p. 30
Figura 7 - Fundadoras do Asilo Maria Nossa Mãe, de Piracicaba. As Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria 1900-1940, Campinas, 1940, p. 11
Figura 8 - Santa Casa – Descalvado. Jubileu Áureo das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria 1900-1950, Campinas, p. 75
Figura 9 - Crianças do Asilo Imaculada Conceição - Descalvado. Arquivo do Asilo
Nossa Mãe, Piracicaba. s/d.
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Figura 30 - Irmã Cecília e funcionários da Santa Casa – Jundiaí. Jubileu Áureo das
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria 1900-1950, Campinas, 1950, p. 76
Figura 11 - 1ª turma de votos perpétuos – 1921 (Irmã Cecília na primeira fila, a
quarta a partir da esquerda). As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria 1900-
1940, Campinas, 1940, p. 28
Figura 12 – Chalé onde Irmã Cecília morou com sua filha (1916 - 1947). Revista 75
anos de Presença, Amor e Serviço, Congregação das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria, Campinas, 1975, p. 34
Figura 13 - Irmã Cecília e sua filha Rosa. Revista 75 anos de Presença, Amor e
Serviço, Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, Campinas,
1975, 21.
Figura 14 - Sede do Governo Geral e Colégio Ave Maria. Jubileu Áureo das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria 1900-1950. p. 33.
Figura 15- Irmãs estudantes de Enfermagem. Recordações Franciscanas,
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1962, Campinas, p.45
Figura 16 - Irmã Cecília, já idosa, em meio às crianças do Asilo. Jubileu Áureo das
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria 1900-1950, Campinas, p. 60.
Figura 17- Irmã Cecília em meio as Irmãs do Asilo (década 1940). Jubileu Áureo das
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria 1900-1950, Campinas, p. 128.
Figura 18 - Irmã Cecília (1946). Jubileu Áureo das Irmãs Franciscanas do Coração
de Maria 1900-1950, p. 59.
Figura 19 - Educandário Divina Pastora, Uraí – Paraná. Recordações Franciscanas,
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1962, Campinas, p.47.
Figura 20: Quarto onde Irmã Cecília viveu seus últimos dias, Asilo Maria Nossa Mãe
– Piracicaba. Arquivo Geral da Congregação, s/d.