UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
CAROLINA ESTHER KOTOVICZ ROLON
OS JOVENS E A ESCOLA
CURITIBA 2008
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CAROLINA ESTHER KOTOVICZ ROLON
OS JOVENS E A ESCOLA
Trabalho apresentado à Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Ciências Sociais. Orientador: Prof. Dr. Alexandro Dantas Trindade
CURITIBA 2008
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Aos meus pais, Vanessa e Carlos
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RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo investigar as expectativas dos jovens com a escola e seu futuro profissional, tendo como base a Teoria da Reprodução de Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron, e relacionando-a a algumas análises sobre Juventude no Brasil, em suas várias dimensões. A partir desse referencial teórico, desenvolvemos uma pesquisa de campo por meio de entrevistas com roteiro semi-estruturado, aplicada a três estudantes do 1º ano do Ensino Médio de uma escola pública de Colombo. Palavras-chave: Pierre Bourdieu; Teoria da Reprodução; Juventude; Escola; Desilusão Escolar.
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AGRADECIMENTOS O conhecimento é construído através do diálogo, com autores, teorias, professores e amigos. Agradeço aos professores que contribuíram para minha formação como cientista social. Em especial, à Professora Marlene Tamanini, minha professora de métodos, que me ajudou a formular um projeto de pesquisa, mas sua dedicação e entusiasmo não se restringiram a essas aulas. Obrigada por escutar as minhas inquietações e apontar caminhos que tornaram essa pesquisa possível. Agradeço também à Professora Anna Klamas, que leu meu trabalho, discutiu ele comigo, me apontou problemas e caminhos que enriqueceram essa pesquisa. Por fim, agradeço ao meu orientador Alexandro Trindade por suas contribuições do esboço da pesquisa à sua conclusão. Tive a sorte de ter como colegas de curso grandes amigos com quem além das festas e viagens pude compartilhar idéias, debater, discutir, concordar, discordar e pensar junto. Todas esses momentos foram importantes na construção da minha experiência acadêmica e pessoal. Um “obrigada” à Morgana, Stefania, Augusto, Diógenes, Walker, Felipe, Tiago, Daniel, Leonardo, Fernando, Michel: alguns que já seguiram seus caminhos para além da UFPR, outros que continuam presentes, mas todos que guardo com imenso carinho, respeito e admiração. Agradeço também às minhas grandes amigas Mariana , Giselle, Nicole e Karin com quem sempre pude, e posso, contar. Também ao Mathias que esteve ao meu lado nesses últimos meses e compartilhou desse processo monográfico. Agradeço aos meus irmãos, Felipe e Gustavo, pelo carinho. Um agradecimento especial aos meus pais pelo apoio, incentivo e amor sempre. Ao meu pai que sempre me incentivou a pensar, a pesquisar, a tentar olhar todas as coisas a partir de outros pontos. À minha mãe, que além de mãe é minha grande amiga, que compartilhou comigo todos os momentos dessa pesquisa, me ajudou a superar as inseguranças e a seguir em frente.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 7
2 UM BREVE BALANÇO DO TEMA JUVENTUDE........................................................ 11
2.1 OS ESTUDOS SOBRE JUVENTUDE EM EDUCAÇÃO........................................... 13
2.2 AS TEMATIZAÇÕES SOCIAIS DO JOVEM BRASILEIRO........................................ 16
2.3 AS RELAÇÕES ENTRE JOVENS E A ESCOLA....................................................... 25
2.4 JUVENTUDE E DESIGUALDADE SOCIAL............................................................... 31
3 A TEORIA DA REPRODUÇÃO.................................................................................... 36
3.1 O SURGIMENTO DAS TEORIAS DA REPRODUÇÃO............................................. 36
3.2 O SISTEMA DE ENSINO E A REPRODUÇÃO DA ESTRUTURA SOCIAL.............. 39
3.3 O CAPITAL CULTURAL E LINGÜÍSTICO NA EXPERIÊNCIA ESCOLAR................ 44
3.4 AS DISPOSIÇÕES EM RELAÇÃO À ESCOLA E À CULTURA................................. 48
3.5 O HABITUS NA REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES ESCOLARES................. 50
4 A PESQUISA DE CAMPO............................................................................................ 53
4.1 A APRESENTAÇÃO DOS DADOS............................................................................ 54
4.2 A ANÁLISE DOS DADOS........................................................................................... 58
CONCLUSÃO.................................................................................................................. 60
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 62
ANEXO............................................................................................................................ 63
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1 INTRODUÇÃO
A educação é vista há algum tempo como uma solução para a miséria e a
desigualdade social brasileira. São inúmeras as reportagens e programas sociais e
governamentais que enfatizam a importância de se investir na educação. Nas últimas
décadas, o sistema escolar brasileiro expandiu e novas parcelas da população, antes
excluídas da escola, hoje têm acesso ao ensino. Mas e quando a escola ‘libertadora’ não
atrai os estudantes, como entender essa desilusão escolar
A relação dos jovens com a escola despertou meu interesse durante um estágio de
observação para a disciplina de Didática realizado no Colégio Estadual São Pedro
Apóstolo, no Xaxim. Na época, 2007, freqüentei esse colégio durante um mês para
observar a dinâmica das aulas de Sociologia, assim como a postura do professor e dos
alunos. Durante uma das aulas conversei com um aluno e perguntei a ele se ele gostava
da aula de sociologia e ele respondeu que não. Perguntei de que matéria ele gostava e
ele me disse que não gostava de nenhuma. Quis saber então porque ele estava
estudando, ele respondeu que na gráfica onde trabalhava exigiam o segundo grau
completo, portanto precisava ir à escola para ter o diploma.
Essa conversa me fez pensar. A escola sempre foi importante para mim, me
dedicava aos estudos para conhecer, saber mais, e era incentivada a agir assim em casa.
Meus pais me diziam que a educação era a herança mais importante que iriam me deixar
e que através dela poderia ‘me virar’ em qualquer situação. Comecei a trabalhar com
dezesseis anos dando aula de inglês, desde então me envolvi com a educação. Ao longo
do curso de ciências sociais a relação com o conhecimento orientou minhas escolhas de
disciplinas, cursei uma disciplina de teoria do conhecimento na filosofia, além de
sociologia do conhecimento, epistemologia e sociologia da educação. Também optei em
fazer a licenciatura por acreditar na contribuição positiva da sociologia na formação dos
alunos do ensino médio. Por isso a conversa com o aluno no Colégio São Pedro Apóstolo
me motivou: como poderia entender tais diferenças na relação com a escola e o
conhecimento. Devia haver algo a mais do que o estereótipo: esses jovens não querem
saber de nada, não se interessam por nada, só videogame, novela e futebol. Fui procurar
abordagens que me ajudassem a pensar essa relação. Expondo minhas indagações ao
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meu orientador, ele sugeriu que eu lesse sobre as teorias da reprodução em educação,
que elas me ajudariam a articular melhor as questões que eu me colocava.
Através das análises de Bourdieu (2007; 2008) sobre o sistema de ensino pude
formular questões que orientassem minha pesquisa. Estudando o sistema escolar francês
na década de 60, Bourdieu mostra como as atitudes a respeito da escola, da cultura
escolar e do futuro oferecido pelos estudos são em grande parte expressão de um
sistema de valores implícitos e explícitos que os estudantes devem a sua posição social.
Para Bourdieu a atitude dos alunos em relação à escola é uma interiorização do destino
objetivamente determinado e medido pela estimativa empírica das possibilidades para o
conjunto da categoria social a qual o aluno pertence.
Em outros termos, a estrutura das oportunidades objetivas de ascensão social e, mais precisamente, das oportunidades de ascensão pela escola condicionam as atitudes frente à escola e à ascensão pela escola – atitudes que contribuem, por uma parte determinante, para definir as oportunidades de se chegar à escola, de aderir a seus valores ou a suas normas e de nela ter êxito; de realizar, portanto, uma ascensão social – e por intermédio de esperanças subjetivas (partilhadas por todos os indivíduos definidos pelo mesmo futuro objetivo e reforçadas pelos apelos à ordem do grupo), que não são senão as oportunidades objetivas intuitivamente apreendidas e progressivamente interiorizadas. (BOURDIEU, 2007, p.49).
A partir desse referencial, me interessei em saber como os jovens hoje articulam
sua relação com a escola e com o futuro oferecido pelo estudo. Para tanto, entrevistei
jovens do ensino médio de uma escola estadual na região metropolitana de Curitiba. Os
alunos pesquisados são jovens pobres, moradores da periferia de Curitiba. A maioria dos
pais destes alunos não cursou o ensino médio, mas eles têm acesso a esse nível do
ensino devido à sua expansão na última década no Brasil. Nesse contexto de
prolongamento da escolarização obrigatória procurei saber quais eram as disposições
desses jovens com relação ao futuro e qual o papel da escola na realização de suas
ambições efetivas. Outros estudos como de Dayrell (2007) e Almeida; Presta (2008) já se
debruçaram sobre essa questão. O primeiro pensando o papel da escola na socialização
dos jovens hoje e o segundo relacionando as experiências educativas e a construção das
disposições quanto ao futuro de jovens dos grupos populares e médios.
Baseado na pesquisa bibliográfica, organizei a pesquisa de campo buscando
entender o desinteresse dos jovens pela escola. A hipótese formulada a partir das leituras
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de Bourdieu é de que esse desinteresse é pré-determinado socialmente: a escola é
reprodutora da ordem social, os jovens pobres não investem na escola pois não vêem
chances de ascender socialmente, ou “melhorar de vida” através dos estudos, sua família
e seu meio social (colegas de classe, amigos, vizinhos) não incentivam esse investimento
escolar e o seu rendimento escolar fraco, expressão da distância entre a cultura que os
alunos herdam da sua primeira educação e a cultura legítima transmitida pela escola, é
tributado a uma inaptidão aos estudos ou a sua falta de ‘dons’.
Para apreender as relações entre as disposições em relação à escola expressa
pelos jovens com o futuro oferecido pelos estudos, a família e o meio social e o percurso
escolar, optei por acompanhar a trajetória escolar de cinco jovens alunos do 1º ano do
ensino médio de uma escola pública de Colombo através de entrevistas semi-
estruturadas. Essa técnica de pesquisa me permitiu explorar como os jovens foram
construindo suas disposições em relação à escola, à cultura escolar e ao futuro ao longo
de seu percurso escolar e história de vida. A análise diacrônica da relação do jovem com
a escola permite buscar a origem das disposições formuladas nos determinismos
primários de classe, e como esses determinismos foram retraduzidos através do sistema
de ensino. Também pretendi entender como os jovens se controem como sujeitos sociais
e qual o lugar que sua experiência escolar ocupa nessa construção.
Ao longo da pesquisa, algumas dificuldades surgiram. Durante a análise dos dados
me deparei com algumas dificuldades. Através das entrevistas, não consegui captar a
relação entre o capital cultural do aluno com a cultura transmitida pela escola. Como o
tempo da monografia é curto, não consegui dar conta dessa dimensão. Penso que a
técnica de pesquisa escolhida, entrevistas semi-estruturadas, não foi suficiente para
apreender essa relação. No entanto, entendo que essa relação é central para
compreender a desilusão escolar. Pretendo numa pesquisa futura aprofundar essa
questão, abordando a distância que separa a cultura do jovem da cultura transmitida pela
escola na produção da desilusão escolar através de outras técnicas de pesquisa e uma
revisão bibliográfica mais densa.
A monografia está organizada em três capítulos. No primeiro discuto as formas
como a juventude brasileira, assim como suas relações com a escola foram abordadas
nos estudos sociais contemporâneos. Começo fazendo um breve balanço do tema da
juventude. Então apresento uma análise das condições sociais, históricas e conceituais
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na produção acadêmica da juventude em educação no Brasil nas últimas duas décadas.
A seguir exponho como os cientistas sociais Abramo e Dayrell apresentam as formas
como a juventude foi tratada não apenas pela a acadêmica mas também pelo senso
comum e por outros atores sócias e como esse tratamento limita o entendimento do
jovem como um sujeito social. Apresento também a análise de Dayrell sobre a relação do
jovem contemporâneo com a escola e a pesquisa de Almeida; Presta sobre o lugar da
escola na manutenção das desigualdade sociais.
No segundo capítulo apresento a teoria da reprodução em educação de Bourdieu
como base conceitual orientadora da presente pesquisa. Começo fazendo uma
contextualização histórica do surgimento dessa teoria. Então sintetizo como Bourdieu
entende a forma como o sistema escolar contribui para a reprodução das relações entre
as classes sociais, apresento de que maneira o capital cultural e o ethos como um
sistema de disposições contribuem para essa reprodução e exponho como a teoria da
prática de Bourdieu e Passeron liga essas disposições à reprodução da ordem. No
terceiro capítulo é descrita a pesquisa de campo realizada assim como seus resultados.
Por fim, as conclusões dessa pesquisa.
Viso através da presente pesquisa contribuir para o entendimento do valor da
escola na construção do sujeito social e das disposições quanto ao futuro elaboradas
pelos jovens da classe populares. Meu objetivo é lançar um olhar sociológico sobre a
relação dos jovens com a escola.
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2 UM BREVE BALANÇO DO TEMA “JUVENTUDE”
Ao se propor a analisar a relação dos jovens com a escola, a primeira questão que
se coloca é a definição da categoria “jovem”, apresentando como esse jovem vem sendo
abordado nos estudos sociológicos contemporâneos, numa perspectiva histórica, e as
pesquisas que focam mais especificamente a relação do jovem brasileiro com a escola.
De acordo com Sposito (1997), a definição da categoria “jovem” é um problema
sociológico. A pesquisadora aponta que os critérios que constituem os jovens como
sujeitos são históricos e culturais, portanto os estudos sobre essa categoria também
sofrem as influências históricas e culturais ao escolher suas âncoras teóricas com suas
respectivas formas de aproximação do objeto.
Sposito ressalta que na maioria dos estudos sobre juventude há um consenso em
torno da condição de transitoriedade que caracteriza o jovem, todavia, a forma como se
dá essa passagem, sua duração e características variam, tanto nos processos concretos
como nas maneiras de abordar essa transitoriedade. JOSÉ PAIS citado por SPOSITO
(1997, p.38) define dois grandes blocos que indicam a construção social do campo de
estudos da juventude. De um lado, há os estudos que consideram a juventude uma fase
da vida enfatizando os aspectos geracionais. O outro bloco aborda a juventude a partir de
aspectos mais amplos e diversificados como as diferentes situações de classe.
Segundo OLIVER GALLAND, citado por SPOSITO (1997, p. 40) definiu um modelo
de instalação de passagem da infância para a vida adulta no início do século XX. Essa
passagem é caracterizada por ele através da partida da família de origem, a entrada na
vida profissional e a formação de um casal. Analisando como a passagem para a vida
adulta se dava para as diferentes classes sociais, Galland constatou que para os
operários as três etapas eram concomitantes e a passagem da condição infantil para a
vida adulta era instantânea. Já os burgueses adiavam o momento e as etapas da entrada
na vida adulta sem renunciar a certas formas de independência, estando esse adiamento,
ou diletantismo burguês, na origem de uma nova condição, a condição de jovem. Sposito
afirma que ao longo dos anos, esse modelo de passagem para a vida adulta foi superado
devido a processos históricos. O sistema de ensino se transformou, acolhendo novos
segmentos sociais e garantindo a permanência de mais jovens por mais tempo na escola.
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O mercado de trabalho também sofreu mudanças e condições diferenciais de acesso ao
trabalho surgiram. A pesquisadora aponta que devido a essas mudanças, os indivíduos
podem hoje começar a trabalhar e não necessariamente formar um novo casal ou
abandonar a casa dos pais.
Nesse novo cenário, JEAN-CLAUDE CHAMBOREDON citado por SPOSITO (1997,
p. 40) aponta a multiplicidade e a desconexão na entrada da vida adulta. Ele pensa a
descristalização e a latência como elementos importantes para entender os jovens atuais.
Chamboredon define a descristalização como uma dissociação no exercício de algumas
funções adultas, por exemplo, o exercício da sexualidade na puberdade dissociado de
suas funções reprodutivas e familiares. A latência é entendida pelo pesquisador como o
período que separa a posse de determinado atributo de seu exercício. A posse do
certificado escolar sem o imediato ingresso no mercado de trabalho é um exemplo da
latência. Chamboredon considera a multiplicidade e desconexão das diferentes etapas de
passagem para a vida adulta de indivíduos das diferentes classes sociais.
Sposito ressalta que a juventude foi histórica e socialmente identificada como uma
fase de instabilidade e associada a problemas sociais, todavia os problemas a ela
associados variam nas diferentes épocas. A autora explica que nos anos 1960 a
juventude era um “problema social” pois protagonizava uma crise de valores e um conflito
de gerações, especialmente no terreno dos comportamentos éticos e culturais. Já na
década seguinte, problemas como o emprego e a entrada na vida ativa foram associados
à juventude. A pesquisadora também demonstra como a abordagem da juventude pela
sociologia norte-americana variou de acordo com a conjuntura histórica e social daquele
país. Os sociólogos da Escola de Chicago pesquisavam as gangues juvenis nos anos
1920. Nos anos 1960, o foco dos estudos sobre a juventude nos EUA passa a ser os
movimentos de contra-cultura. As gangues voltam a ser o foco dos sociólogos norte-
americanos nos anos 1980 devido ao aumento da violência juvenil e o declínio dos
movimentos de contra-cultura. Sposito entende que parte importante dos modos de
construção dos temas e categorias de análise se desvela na interação entre os processos
sociais e históricos com a dinâmica do campo de conhecimento, no qual matrizes
disciplinares co-existem, sendo cada uma ativa e relativamente eficiente.
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Por essas razões cabe realizar, no âmbito do exame da produção de conhecimento, a análise de como um determinado campo de estudos também vem construindo teórica e conceitualmente o tema da juventude enquanto objeto de investigação, seus modos de aproximação do fenômeno em questão, seus recortes principais e, se possível, suas relações com os processos históricos que permitem a visibilidade desse segmento na sociedade brasileira nos últimos anos. (SPOSITO, 1997, p. 39)
2.1 OS ESTUDOS SOBRE JUVENTUDE EM EDUCAÇÃO
A pesquisadora examinou a produção acadêmica sobre juventude no Brasil através
das dissertações de mestrado e teses de doutorados defendidas nos programas de pós-
graduação em educação em todo país durante o período de 1980-1995. Dentre as 651
teses e 5441 dissertações defendidas no período, 27 teses e 217 dissertações são sobre
juventude, o que corresponde a 4% da produção em educação. Embora Sposito constate
que o número de defesas sobre juventude cresceu no início dos anos 90, ela aponta que
o número de defesas em geral também cresceu e que portanto não pode a partir desse
fato concluir sobre um maior interesse no tema.
Para descrever e caracterizar a produção sobre juventude, Sposito analisou o
descritor utilizado nos trabalhos para se referir ao jovem e os temas pesquisados. A
pesquisadora aponta que a maioria dos trabalhos utilizou o descritor “aluno ou estudante”
(59,1%), seguido pelo descritor “estudante-trabalhador” (15,6%), “adolescente” (15,2%),
“jovem” (13,5%) e “adolescente em situação de risco” (9%). Entre os temas abordados, a
maioria dos trabalhos tratou da relação do jovem com a escola (44,8%), com a maioria
das pesquisas focando no ensino fundamental e no ensino médio. As pesquisas sobre
jovens no ensino superior no período examinado se debruçam sobre o destino
ocupacional e as espectativas profissionais dos alunos. Os estudos sobre os aspectos
psicossociais dos jovens (valores, julgamento moral, capacidade crítica, representações)
são 21,7% da produção nacional do período. Sposito ressalta que esses estudos utilizam
abordagens mais próximas da psicologia utilizando na maioria o descritor “adolescente”.
As relações entre trabalho e educação são o tema de 17,3% dos trabalhos, movimento
estudantil e participação política dos jovens correspondem a 4,9% da produção seguido
por estudos sobre projetos e instituições para adolescentes em situação de risco, 4,1%
dos trabalhos. Dentre os temas com menor expressão estão os estudos sobre jovens e a
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mídia (2,4%), grupos juvenis como gangues, galeras e grupos musicais (2%) e violência
(0,8%).
Ao analisar a seqüência temporal na utilização dos descritores, Sposito observa
que houve um decréscimo gradativo do descritor “adolescente”- de 18% no período de
1980-84 para 12,4% no período de 1990-95. Já o descritor “jovem” aumentou, foi utilizado
em 2% dos trabalhos do período de 1980-84, passando para 17,4% em 1990-95. Na
análise dos descritores utilizados, Sposito (1997, p. 47) destaca que, “de um lado parece
que a ênfase em categorias consagradas da Psicologia – adolescente - tende a diminuir,
envolvendo um movimento contrário de aumento da categoria jovem, mais próxima da
tradição sociológica.”
A pesquisadora também observa que o decréscimo na utilização do descritor
“estudante”, de 62% entre 1980-84 para 36,4% em 1990-95, foi acompanhado de um
aumento na utilização do descritor “estudante-trabalhador”, de 4% em 1980-84 para
21,5% em 1990-95, demonstrando uma mudança na forma de abordar o estudante. Ela
analisa o advento e disseminação da categoria “estudante-trabalhador” como uma busca
por mecanismos da aproximação da realidade escolar que integram outros aspectos das
relações sociais além das pedagógicas, sendo o mundo do trabalho uma dessas
dimensões. Na análise dos temas, Sposito ainda chama a atenção para uma pequena
recuperação do descritor “jovem em situação de exclusão” nos anos 1990. No período de
1980-84 esse descritor foi utilizado em 12% dos trabalhos, tendo pouca expressão nos
anos seguintes e voltando a ser alvo da atenção dos pesquisadores que utilizaram esse
descritor em 9% dos trabalhos entre 1990-95. De acordo com a pesquisadora, isso
demonstra o pequeno grau de permeabilidade da academia à problemática desses
segmentos e sua pequena contribuição crítica para a formulação de políticas públicas que
visam esses jovens.
Na análise sobre a seqüência temporal dos temas das pesquisas em educação
sobre juventude, Sposito ressalta o decréscimo na presença de estudos com abordagens
mais próximas à psicologia, o aumento nos estudos sobre a relação entre educação e
trabalho e a emergência, nos anos 1990, de temas sobre agrupamentos e formas de
violência na sociabilidade juvenil, como os estudos sobre gangues e galeras. Para a
pesquisadora essas novas abordagens ampliam os estudos sobre juventude.
Para Sposito, a dispersão e variação temática caracterizam os estudos sobre
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juventude em educação de 1980-1995. Ela observa que os temas são fragmentados
numa multiplicidade de subtemas e assuntos, os campos temáticos são pulverizados e há
uma descontinuidade na forma como os assuntos são tratados. Ele cita os resultados da
pesquisa de MIRIAN J. WARDE citada por SPOSITO (1997, p. 47) que constatou, na
produção acadêmica em pós-graduação em educação entre 1982-1991 uma preferência
por temas pedagógicos como metodologias, técnicas de ensino e didáticas. Warde
relaciona essa preferência à entrada de muitos professores e técnicos de ensino nos
programas de pós-graduação em educação durante a década de 1980. De acordo com
Warde, esses profissionais formados para atuar principalmente no ensino fundamental e
médio enfatizam em suas pesquisas os processos de aprendizagem e pouco se
interessam pela produção de conhecimento do aluno como sujeito ao qual a atividade
educativa se destina ou pelo diálogo com as outras ciências humanas.
Sposito chama a atenção para o fato de que a utilização, na maior parte dos
estudos, do descritor “aluno ou estudante” seria um aspecto reiterador, revelando uma
pequena capacidade das pesquisas em absorver outras dimensões da sociabilidade do
jovem que afetam sua experiência escolar. Para Sposito, essas pesquisas só desvelam a
condição mais visível desse sujeito: sua condição de aluno. A utilização do descritor
“estudante-trabalhador” aumentou no início dos anos 1990, assim como os estudos sobre
formas associativas e expressões culturais dos jovens. A pesquisadora pensa ser
significativa a emergência dessa forma de abordar o aluno numa época em que a
capacidade de intervenção socializadora da escola era questionada, revelando que para a
maioria da população escolar, que é de origem trabalhadora ou excluída, apenas a
categoria aluno não permitia aos pesquisadores uma aproximação mais global de suas
práticas escolares, interesses e formas de sociabilidade. Para Sposito, a produção
acadêmica sobre juventude aponta para um esgotamento das pesquisas de levam em
conta apenas a experiência pedagógica e distribuição do conhecimento escolar e o
aumento de pesquisas focando em outras dimensões e práticas sociais dos jovens.
Sposito conclui que a pesquisa em educação estaria mais aberta às ciências
sociais se estas tivessem desenvolvido mais estudos sobre os fenômenos educativos e a
juventude. Todavia, após um início promissor, com Antônio Cândido nos anos 1950 e
Marialice Foracchi na década seguinte fazendo contribuições importantes, a continuidade
de estudos sobre educação e, particularmente sobre juventude, no âmbito das ciências
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sociais brasileira careceu de sistematicidade. Houve apenas trabalhos isolados e raros
grupos de pesquisa. Sposito afirma que a visibilidade social dos jovens cresce no Brasil
apenas nos anos 90.
Só recentemente o tema da juventude tem aparecido no debate público e político, recoberto pelos processos de exclusão social que atingem crianças e adolescentes nas denominadas ‘situações de risco’. A ampla faixa que completa 18 anos só se constitui interesse pelos índices de violência associados a esse segmento.” (SPOSITO, 1997, p. 50).
De acordo com a autora, essa maior visibilidade foi acompanhada de um maior
interesse das pesquisas em educação, com a tendência de incorporar categorias
sociológicas para entender esses jovens, instaurando o diálogo entre a educação e as
ciências sociais.
2.2 AS TEMATIZAÇÕES SOCIAIS DO JOVEM BRASILEIRO
Nesse mesmo sentido, Abramo (1997) aponta que nos anos 1990 a atenção
dirigida aos jovens no Brasil aumentou. A pesquisadora analisa a partir de quais
perspectivas os jovens se tornaram alvo de maior atenção pela opinião pública, a
academia, os atores políticos e as instituições governamentais e não governamentais.
É essa a questão que me interessa desenvolver nesse artigo, [...]: a tematização da juventude pelo ‘senso comum’, apoiada em representações construídas pelo pensamento acadêmico, retrabalhadas e difundidas pelos meios de comunicação, por atores políticos, agentes culturais e trabalhadores sociais. (ABRAMO, 1997, p. 29).
A autora aponta que nos meios de comunicação de massa, vários produtos
dirigidos ao público adolescente e juvenil foram lançados, como revistas, cadernos teen
nos grandes jornais, programas de televisão. A maioria desses produtos foca nas culturas
e comportamentos juvenis. Abramo destaca que os jovens também passaram a ocupar
mais espaço no noticiário destinado aos adultos. Nessas matérias, os jovens são
vinculados a “problemas sociais” como violência, crime, exploração sexual e drogas.
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Esses problemas e formas de combatê-los são discutidos na mídia.
Abramo observa que a produção acadêmica sobre a juventude volta a ser tema de
pesquisa e reflexão após anos de quase total ausência na academia. A autora constata
que a tematização dos jovens pela academia privilegia os sistemas e instituições
presentes na vida desses jovens, como a escola, a família, os sistemas jurídicos e penais
para jovens em situação de risco, e pouco investiga como os próprios jovens vivem e
elaboram essas situações. Abramo aponta que apenas mais recentemente os estudos
sobre as considerações dos próprios jovens e suas experiências, percepções, formas de
sociabilidade e atuação vem sendo objeto de pesquisa.
A pesquisadora destaca que também é recente a preocupação das instituições
governamentais brasileiras com a juventude, pois o Brasil não tem tradição em formular
políticas públicas especificas para jovens, diferenciando-os das crianças. De acordo com
ela, há um avanço nesse quadro a partir dos anos 1990 através de uma maior
preocupação em todos os níveis governamentais, municipal, estadual e federal, com a
formulação de políticas públicas para os jovens. De outro lado, Abramo ressalta que as
instituições não governamentais, como ONGs, associações beneficentes e instituições de
assistência, estão há mais tempo envolvidas com projetos e programas destinados aos
jovens; no entanto, o número desses projetos e programas cresceu expressivamente na
década de 1990.
Abramo analisa criticamente a atuação dessas instituições não governamentais.
Essas instituições visam atender a adolescentes ‘carentes’, ou seja, pobres, ou
adolescentes em situação de risco: meninos de rua, jovens submetidos a exploração
sexual ou envolvidos com consumo e tráfico de drogas, através de programas de
ressocialização, promovendo a prática de esporte, atividades artísticas, oficinas
ocupacionais, ou de programas de capacitação profissional e de encaminhamento para o
mercado de trabalho. Segundo a autora,
[...] é necessário notar, porém, que em parte considerável desses programas, apesar das boas intenções neles contidos o que se busca, explícita ou implicitamente, é uma contenção do risco real ou potencial desses garotos, pelo seu ‘afastamento das ruas’ ou pela ocupação de ‘suas mãos ociosas’. (ABRAMO, 1997, p.26).
Abramo aponta que muitos desses projetos tomam os próprios jovens como
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“problemas” que precisam de ajuda e intervenção para serem salvos e reintegrados à
ordem social. Ela reconhece que essas ações imediatistas e desarticuladas são
favorecidas pela pouca elaboração de informação, conceituação e de metodologias
específicas para lidar com os jovens. Ela diz que há exceções, como os projetos
baseados no protagonismo juvenil que toma os jovens como colaboradores e partícipes
nos processos educativos.
Abramo observa a preocupação constante, embora não consistente, dos atores
políticos, partidos, sindicatos e movimentos sociais, com os jovens. Para a pesquisadora,
a preocupação maior é com a ausência dos jovens nos espaços e cenas de participação
política, ou seja, com a renovação dos quadros. Os atores políticos denunciam a falta de
interesse e participação política da juventude atual e interpretam esse desinteresse dos
jovens pela política como resultado da acentuação do individualismo e pragmatismo na
sociedade. Eles desconsideram os grupos juvenis que atuam no âmbito do
comportamento e da cultura como possíveis interlocutores por pensá-los difusos, pouco
formalizados, levantando questões impertinentes à agenda política. Entre os atores
políticos essas novas formas de atuação dos jovens são politicamente desqualificadas.
Reina entre eles a atuação da juventude estudantil dos anos 30 aos 70, que lutou a favor
dos processos de democratização do país e no combate às estruturas conservadoras,
como modelo ideal de atuação da juventude. Para Abramo, ao desqualificar a atuação
dos jovens atuais, esses atores políticos não se preocupam em entender nem em
formular ações dirigidas a eles.
Essa dificuldade em considerar efetivamente os jovens como sujeitos está
presente não apenas entre os atores políticos como também na maioria das abordagens
relativa aos jovens.
De um modo ligeiro e quase caricatural, podemos retomar o modo como a juventude veio sendo tematizada durante a segunda metade desse século para verificar como acabou sendo sempre depositária de um certo medo, categoria social frente à qual se pode (ou deve) tomar atitudes de contenção, intervenção ou salvação, mas com a qual é difícil estabelecer uma relação de troca, de diálogo, de intercâmbio. (ABRAMO, 1997, p. 30).
Abramo destaca a dificuldade em superar a consideração dos jovens como
“problemas sociais” e incorporá-los como capazes de formular questões significativas,
propor ações relevantes, dialogar e contribuir para o entendimento dos jovens enquanto
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sujeitos e protagonistas, ressaltando o quanto que essa negligência evidencia-se no
debate em torno da cidadania. O foco do debate é a denuncia de direitos negados, a partir
da ótica dos adultos, e a ausência de participação dos jovens, mas estes não aparecem
como sujeitos capazes de participar dos processos de definição, invenção e negociação
de direitos.
Abramo demonstra como uma visão de juventude pela ótica do problema social é
histórica, uma vez que, “a juventude só se torna objeto de atenção enquanto representa
uma ameaça de ruptura com a continuidade social: ameaça para si própria ou para a
sociedade.” (ABRAMO, 1997, p. 29) De acordo com a pesquisadora, essa concepção de
juventude proposta pela sociologia funcionalista que entende a juventude como um
momento crucial de transição da infância para a maturidade no qual o indivíduo se
integra, ou não, à sociedade através da aquisição de elementos apropriados da cultura e
a assunção de papéis adultos é corrente na sociologia em geral e genericamente
difundida na sociedade. Isso explica porque são enfatizados os processos de socialização
dos jovens e as possíveis disfunções desses processos. Abramo ressalta que a
problematização é quase sempre moral, preocupado com a integridade moral do jovem
como futuro membro integrado e funcional à sociedade.
Ao recuperar, em linhas, gerais a forma como a juventude foi tematizada a partir da
segunda metade do século XX, Abramo mostra como ela foi sempre uma categoria
depositária de medo. Nos anos 1950, a juventude era identificada com os “rebeldes sem
causa”, os jovens operários e da classe média que cometiam atos “delinqüentes”. Assim,
a juventude aparecia como uma categoria social potencialmente delinqüente por sua
própria condição etária. Abramo diz que a sociologia abordou esse problema tratando a
cultura juvenil como antagônica à cultura adulta, e assim propondo medidas educativas
para controlar a delinqüência. Quando os sociólogos funcionalistas constataram que a
maioria dos jovens acabava se integrando de forma normal à sociedade, muitos passaram
a pensar a cultura juvenil como parte do processo de integração à sociedade adulta,
assim o comportamento delinqüente passa a ser tratado como fonte de inovação e
revigoramento social. Desta forma, a atenção voltou-se aos jovens estruturalmente
anômalos que precisam ser ‘controlados’ e ‘ressocializados’.
Nos anos 60 e 70 toda uma geração ameaçava a ordem social ao questionar a
ordem estabelecida e buscar transformá-la nos planos da política, da cultura e da moral.
20
Abramo afirma que esses jovens eram fonte de medo, pois eram vistos como uma
categoria com possibilidade de transformar profundamente a sociedade. Os adultos
temiam que esses jovens, ao não conseguir as transformações pelas quais lutavam, se
recusassem a se adaptar e se enquadrar ao funcionamento normal da sociedade.
Segundo Abramo, é nessa época que a juventude ganha maior visibilidade social no
Brasil. Os jovens estudantes de classe média se engajavam na luta contra o regime
autoritário e nos movimentos culturais que questionavam os padrões de comportamento.
Nesses dois casos os jovens foram perseguidos. Abramo aponta que na época, setores
da esquerda viam esses jovens como uma esperança de transformação, mais como fonte
de energia utópica do que com um poder efetivo de mudança. Muitos partidos comunistas
e sindicatos tradicionais pensavam as manifestações juvenis como ações pequeno-
burguesas inconseqüentes que mais atrapalhavam do que colaboravam para a
transformação efetiva da ordem. Abramo diz que apenas quando esses movimentos
estudantis entraram em refluxo é que sua imagem foi reelaborada e transformada num
modelo ideal de juventude: idealista, generosa, criativa, rebelde, utópica. A juventude dos
anos 80 aparecia então como patológica, pois oposta à de 60. Os jovens dos anos 80
eram considerados individualistas, consumistas, conservadores, apáticos. Eles eram
considerados “problemas” ao negarem o papel socialmente definido de juventude como
fonte de mudança e inovação.
Abramo destaca que a visibilidade social do jovem nos anos 90 mudou pouco em
relação à dos anos 80. A juventude dos anos 90 é relacionada com o individualismo, a
fragmentação e a violência. São “problemas sociais” os meninos de rua, os arrastões, as
gangues. A atenção se concentra as questões comportamentais que atrapalham a
integração social dos jovens como as drogas, o envolvimento com a criminalidade, os
comportamentos anti-sociais. Os jovens aparecem como vítimas e promotores da
dissolução do social numa sociedade extremamente desigual, com uma cultura que
estimula o individualismo e o hedonismo. Abramo pensa essa visibilidade social dos
jovens como uma forma da sociedade depositar seu medo na impossibilidade de
construção de parâmetros éticos e de eqüidade nessa categoria social, enfatizando que é
forte a imagem do jovem que ameaça a integridade social, vítima dos processos de
exclusão, do aprofundamento do individualismo e do hedonismo, que se comporta de
modo desregrado, amoral, e afirma:
21
Podem tornar-se, assim, junto com o medo, objeto da nossa compaixão e de esforços para denunciar a lógica que os constrói como vítimas e de ações para salva-los dessa situação. Mas dificilmente como sujeitos capazes de qualquer ação propositiva, como interlocutores para decifrar conjuntamente, mesmo que conflituosamente, o significado das tendências sociais do nosso presente e das saídas e soluções para elas. (ABRAMO, 1997, p. 36).
Abramo afirma que a tematização social do jovem brasileiro nos anos 90 não
favorece sua construção como sujeito social e conclui que esses jovens permanecem
semi-invisíveis apesar de estar cada vez mais presentes, especialmente nos meios de
comunicação de massa.
A construção do jovem como sujeito social é problematizada por Dayrell (2003),
que coloca em questão as imagens socialmente construídas da juventude que interferem
na maneira de compreender os jovens. De acordo com ele, uma das imagens mais
arraigadas é a da juventude como condição de transitoriedade. Nessa visão o jovem é um
vir a ser que tem no futuro, na vida adulta, o sentido das suas ações no presente. O
pesquisador diz que essa representação favorece o tratamento da juventude na sua
negatividade, do jovem como um ser humano que ainda não chegou a ser um sujeito, e
nega o presente por eles vivido. Dayrell aponta que essa maneira de tratar o jovem está
muito presente na escola em que o aluno é um vir a ser traduzido pelo diploma e pelos
projetos para o futuro, negligenciando o presente vivido na instituição escolar como um
espaço válido de formação e experiência.
Dayrell (2003) destaca também a visão romântica da juventude que vem sendo
formulada a partir dos anos 60. Essa visão compreende a juventude como um tempo de
liberdade, de prazer e de expressão de comportamentos exóticos. A juventude é vista
como um tempo de moratória marcada pelo hedonismo e individualismo, onde o ensaio e
o erro são permitidos. O pesquisador aponta que há uma tendência mais recente dentro
dessa visão que tende a reduzir o jovem ao campo da cultura, “como se ele só
expressasse a sua condição juvenil nos finais de semana ou quando envolvido em
atividades culturais.”(DAYRELL, 2003, p.41)
O pesquisador destaca também a representação da juventude como sendo um
momento de crise, uma fase difícil em que os jovens entram em conflitos com sua auto-
estima e personalidade e se distanciam da família, com alguns autores apontando para
22
uma crise nas instituições socializadoras como a família, a escola e o trabalho, que
estariam perdendo o papel de orientação de valores para a juventude atual. Dayrell
questiona esses modelos socialmente construídos da juventude:
Torna-se necessário colocar em questão essas imagens, pois, quando arraigados nesses ‘modelos’ socialmente construídos, corremos o risco de analisar os jovens de forma negativa, enfatizando as características que lhes faltariam para corresponder a um determinado modelo de ‘ser jovem’. Dessa forma, não conseguimos apreender os modos pelos quais os jovens, principalmente se forem das camadas populares, constroem as suas experiências. (DAYRELL, 2003, p. 41).
O autor define a juventude como sendo ao mesmo tempo uma condição social e
um tipo de representação. Ao pensar a diversidade de modos de lidar e representar com
as transformações físicas e psicológicas de determinada faixa etária que dependem das
condições sociais, culturais e de gênero, o autor trabalha com juventudes, no plural. Para
ele a juventude é parte de um processo de crescimento mais totalizante. “A juventude
constitui um momento determinado, mas não se reduz a uma passagem; ela assume uma
importância em si mesma. Todo esse processo é influenciado pelo meio social concreto
no qual se desenvolve e pela qualidade das trocas que este proporciona.” (DAYRELL,
2003, p. 42).
Dayrell articula essa noção de juventude com a noção de sujeito social definida por
Bernard Charlot. De acordo com CHARLOT citado por DAYRELLL (2003, p. 42), o sujeito
social é um ser humano que possui uma historicidade, portador de desejos e por eles
movidos, e que está em relação com outros seres humanos, eles também sujeitos sociais.
Essa noção articula a dimensão social e singular dos indivíduos: social, pois o sujeito
possui determinada origem familiar, ocupa determinado lugar na sociedade e está
inserido em relações sociais; e singular, pois ele tem uma história, interpreta o mundo e
dá sentido a esse mundo, à posição que nele ocupa, às suas relações com os outros, à
sua própria história e à sua singularidade. Dayrell destaca o processo de construção
social do sujeito social: ele age no mundo, se produz e é produzido através das relações
sociais em que se insere, ele é uma construção e se constitui na relação com o outro.
Dayrell pensa uma dentre as várias maneiras de se construir como sujeito social
que caracteriza grande parte da juventude brasileira: no contexto de desumanização em
que o ser humano é privado de desenvolver suas potencialidades e viver plenamente sua
23
condição humana. A raça, o gênero e a classe social desses jovens são dimensões que
interferem na sua produção como sujeitos sociais, independente de sua ação: “não é que
eles não se construam como sujeitos, ou o sejam pela metade, mas sim que eles se
constroem como tais na especificidade dos recursos de que dispõem.” (DAYRELL, 2003,
p. 43) Eles se apropriam do social e o transformam em representações, aspirações e
práticas, interpretando e dando sentido ao seu mundo e às relações que mantém.
Dayrell, através da trajetória de vida de dois jovens, analisa a forma como eles
constroem um determinado modo de ser jovem que questiona os modelos de juventude
corrente na sociedade brasileira. O pesquisador visa compreender esses dois jovens,
moradores da periferia de Belo Horizonte, um rapper e o outro funkeiro, como sujeitos
sociais através de suas relações com a família, o trabalho, a escola, a música, suas
preocupações e aspirações para o futuro.
Dayrell aponta que a forma como os jovens pesquisados vivem suas juventudes e
se constroem como sujeitos sociais questionam o modelo da juventude como uma fase
transitória. O pesquisador constatou que para esses jovens, a juventude não é uma época
de preparação para o futuro. De acordo com Dayrell, uma das razões para isso é que o
futuro que se apresenta a eles não é atraente. Eles vivem a juventude no presente: a
diversão, o prazer, os encontros, as trocas afetivas, e também as angústias e as
incertezas na luta pela sobrevivência. Seus sonhos e desejos nem sempre se concretizam
em projetos de vida. “Assim, eles se centram no presente e nele vão se construindo como
jovens, não acreditando nas promessas de um futuro redentor” (DAYRELL, 2003, p. 49).
O modelo de distanciamento da família também é questionado. Para os jovens
pesquisados, a família é um espaço de experiências estruturantes. Através das relações,
da qualidade das trocas, dos conflitos e dos arranjos para garantir a sobrevivência de
cada família, os jovens traduzem o mundo social e decifram inicialmente o lugar que nele
ocupam. Suas experiências também questionam a imagem da família de origem popular
desestruturada. As famílias desses jovens são chefiadas pelas mães, não têm a
presença do pai, mas garantem com esforço a reprodução física e moral de seus
membros. Dayrell aponta que o que define o grau de ‘estruturação’ da família é a
qualidade das relações que se estabelecem e as redes sociais com as quais podem
contar, e não a presença ou não do pai. Na fala dos jovens, eles apresentam o desejo de
dar às mães uma vida mais confortável, e Dayrell interpreta essas falas como um
24
reconhecimento dos esforços realizados por essas mães em garantir a reprodução de sua
família.
Dayrell constata que os jovens pesquisados não demonstram uma crise na entrada
da juventude, mas sim na sua saída. O pesquisador diz que esses jovens têm uma
imagem negativa da vida adulta, pois para eles ser adulto é ter que trabalhar para
sustentar a família, ter um trabalho subalterno e ganhar pouco, ser ‘sério’ e dispor de
menos tempo para as festas, os encontros, abrir mão do estilo de vida que levam. Dessa
forma a passagem para vida adulta é marcada por tensões e angústias.
O pesquisador ressalta que esses jovens têm uma vida dura, marcada por
dificuldades concretas de sobrevivência, com tensões com o trabalho e a escola, o que
questiona o modelo romântico da juventude. Ele aponta que o trabalho precarizado atinge
esses jovens pobres que vivem de ‘bicos’. O trabalho aparece a eles como uma obrigação
necessária e um empecilho para suas atividades nos grupos musicais dos quais
participam. Dayrell conclui ser esse o motivo para os jovens pesquisados sonharem com
um trabalho ligado à música, no qual possam se realizar pessoalmente, recusando
provisoriamente as condições de inserção social que a sociedade lhes oferece. Dayrell
destaca que o trabalho na vida dos jovens pobres não contribui para sua humanização e
construção como sujeitos sociais, assim como a escola. “Já as experiências escolares
desses jovens evidenciam que a instituição escolar se coloca distante dos seus interesses
e necessidades, não conseguindo entender nem responder às demandas que lhe são
colocadas, pouco contribuindo também em sua construção como sujeitos.” (DAYRELL,
2003, p. 50).
O autor analisa a relação dos jovens pesquisados com a escola. Ele cita que para
João, excluído da escola na 5ª série do ensino fundamental após três reprovações, a
escola não despertava mais seu interesse. Todavia, o jovem reconhece que a falta de
diploma diminui suas possibilidades no mercado de trabalho. Dayrell conclui que o
abandono dos estudos é fonte de arrependimento e contribui para minar a auto-estima
desse jovem. Dayrell também interpreta a visão da escola para o outro jovem pesquisado,
Flavinho, que cursava o primeiro ano do segundo grau na época. Esse jovem pensa a
escola como impermeável à realidade vivenciada pelos alunos fora dela. Ele apóia essa
visão no fato dos professores de sua escola desconhecerem o estilo funk, ignorarem que
muitos alunos gostam desse estilo, não saberem que ele escreve letras de funk, segundo
25
ele ‘nem o de Português sabe que eu escrevo letras.’
Dayrell enfatiza a importância do estilo musical, rap ou funk, no processo de
construção de modos próprios de ser jovem. Ele observa que para os jovens
pesquisados, esses estilos são referências na elaboração e vivência de suas juventudes.
É através do estilo rap ou funk que os jovens pesquisados ampliam o circuito e as redes
de troca, se introduzem na esfera pública e constroem formas de sociabilidade próprias.
Dayrell também constata que é através do rap ou do funk que eles tentam alongar ao
máximo sua juventude, pois o estilo cria, possibilita e legitima esse período de moratória
no qual eles podem ter uma relação mais frouxa com o trabalho e dispor de mais tempo
para a sociabilidade e as trocas afetivas. Outro aspecto do estilo na vida desses jovens
que o pesquisador encontrou foi que ele lhes permite sonhar com outras alternativas para
o futuro, mesmo sendo pequenas as possibilidades efetivas de profissionalização e
sobrevivência pela carreira musical.
Através da análise da trajetória de vida desses dois jovens, Dayrell aponta para o
surgimento, no Brasil, de novos lugares para os jovens se constituírem como sujeitos
sociais, sendo esses lugares quase sempre articulados em torno da cultura. A cultura se
apresenta a esses jovens como mais democrática, possibilitando espaços, tempos e
experiências para sua construção como sujeitos sociais. “Se a cultura se apresenta como
um espaço mais aberto é porque os outros espaços sociais estão fechados para eles.
Portanto, não podemos cair numa postura ingênua de supervalorização do mundo da
cultura como apanágio para todos os problemas e desafios enfrentados pelos jovens
pobres.” (DAYRELL, 2003, p.51).
Dayrell enfatiza a necessidade de políticas públicas que garantam aos jovens das
classes populares o direito de se constituir como sujeitos em todas as esferas e assim
viver plenamente sua juventude.
2.3 AS RELAÇÕES ENTRE OS JOVENS E A ESCOLA
Tomando os jovens como sujeitos sociais, Dayrell (2007) busca entender sua
relação com a escola. Ele inicia abordando a forma como a crise na instituição escolar é
26
interpretada pelos diversos agentes diretamente envolvidos na relação pedagógica: os
professores e profissionais situam o problema nos alunos que são individualistas,
hedonistas e irresponsáveis, características que contribuiriam para o desinteresse pela
educação escolar. Já na ótica dos jovens, é a escola que está distante de seus
interesses, com professores que pouco acrescentam à sua formação, tornando-se uma
‘obrigação’ necessária pois ‘precisam’ do diploma. A hipótese de Dayrell é de que as
tensões e desafios na relação dos jovens com a escola são expressões de mudanças
profundas que estão ocorrendo na sociedade ocidental e que afetam diretamente as
instituições e processos de socialização dos jovens, interferindo na sua produção como
sujeitos.
Dayrell ressalta que as práticas e símbolos dos jovens atuais questionam o sistema
de ensino, suas ofertas e posturas pedagógicas. Para o pesquisador, essa mudança de
postura em relação à escola é expressão de mudanças ocorridas nos vários processos de
socialização. O jovem mudou, mas a escola não acompanhou essa mudança. Para
Dayrell, a escola tem que ser repensada para responder aos desafios que a juventude
atual se coloca. Ele destaca que os jovens enfrentam tensões e desafios ao se
constituirem como alunos num cotidiano escolar que não leva em conta sua condição
juvenil. O pesquisador foca os jovens estudantes de escolas públicas, pobres e
moradores de periferia que vivem num contexto de profunda desigualdade social, mas
ressalta que muitas das questões levantadas por esses jovens ultrapassam as barreiras
de classe e podem contribuir para uma compreensão da relação da juventude brasileira
com a escola em geral.
O autor afirma que atualmente a condição juvenil no Brasil difere das gerações
anteriores. Dayrell define condição juvenil como o modo como a sociedade constitui e
atribui significado a esse momento do ciclo da vida numa dimensão histórico-geracional, e
na forma como essa condição é vivida a partir das especificidades de classe, gênero,
etnia, que caracterizam cada jovem. Tanto a dimensão simbólica quanto as dimensões
materiais, históricas e políticas são consideradas nessa análise sobre a construção social
da juventude. Para o pesquisador, a condição juvenil atual vem sendo produzida num
contexto de profundas transformações sócio-culturais.
Dayrell pensa a ressignificação do tempo e do espaço que vem ocorrendo na
sociedade ocidental mais ampla e as transformações no mundo do trabalho brasileiro que
27
afetam a inserção dos jovens no mercado de trabalho de maneira específica. Ele destaca
as altas taxas de desemprego, o desassalariamento e o aumento na precarização do
trabalho que, ao atingirem especialmente os jovens das classes populares, delimitam
suas experiências e possibilidades. O pertencimento à classe popular, com suas
condições específicas de vida, determina em parte os limites e as possibilidades para a
construção de determinada condição juvenil. O autor ressalta que a juventude nas
camadas populares é dura e difícil, e que a dupla condição desses jovens, ser jovem e ser
pobre, interfere nas possibilidades e sentidos que assumem sua vivência juvenil. Eles se
confrontam constantemente com o desafio de garantir a sobrevivência, desfrutar de
prazeres e gratificações imediatas e pensar possíveis projetos para o futuro.
Dayrell aponta as múltiplas dimensões que caracterizam a condição do jovem da
classe popular brasileira. Na dimensão do trabalho há uma diversidade de situações e
posturas. Para a maioria desses jovens, a juventude não é um período de moratória do
trabalho, como o é para a maioria dos jovens europeus. No Brasil, muitos jovens só
podem vivenciar sua condição juvenil, ou seja, ter um mínimo de recursos para o lazer, o
namoro, o consumo, porque trabalham. A forma como esses jovens articulam o trabalho e
o estudo em suas vidas varia, depende principalmente do momento do ciclo da vida e das
suas condições sociais.
Dayrell destaca a dimensão cultural na vida dos jovens atuais. A cultura é uma
dimensão simbólica e expressiva cada vez mais utilizada pelos jovens para comunicar e
se posicionar diante da sociedade. Dayrell afirma que através das múltiplas culturas
juvenis os jovens se articulam e procuram marcar uma identidade juvenil. Os grupos
culturais tem ganho relevância nos meios populares. Esses grupos abrem espaço para as
práticas, relações, símbolos que constroem uma auto-estima e identidade positiva a esses
jovens. São formas de resistir e até negar a identidade subalterna que a sociedade lhes
impõe.
Dayrell ressalta outra dimensão central na vida dos jovens: a dimensão da
sociabilidade. A turma de amigos é uma referência diante do mundo adulto. As relações
tem diferentes gradações, como os amigos ‘do peito’ ou os colegas, e são dinâmicas, os
jovens circulam entre diferentes turmas ou galeras. A sociabilidade pode ocorrer tanto no
fluxo cotidiano, como no tempo livre e de lazer, como no interior das instituições, como
durante as aulas ou o trabalho. A dimensão da sociabilidade responde às necessidades
28
dos jovens de comunicação, solidariedade, democracia, autonomia, trocas afetivas e
identidade.
Dayrell articula essas múltiplas dimensões da condição juvenil com o espaço onde
são constituídas e o tempo em que são vividas. O pesquisador afirma que o espaço é o
suporte e a mediação das relações sociais, investido de símbolos próprios e âncora de
memórias individuais e coletivas. Para Dayrell, os jovens transformam espaços físicos em
espaços sociais ao dar significado a eles. Dessa forma, a periferia onde a maioria dos
jovens pobres mora, não é apenas um espaço violento sem equipamentos públicos
básicos. Ela é também o lugar das interações afetivas e simbólicas: o bar da esquina, a
rua, a praça- locais da sociabilidade onde os jovens expressam a cultura por eles
elaborada, e assim, carregados de sentidos. O autor também destaca que é característico
desses jovens o domínio do espaço urbano mais amplo. Eles saem de seus bairros e vão
para outras regiões e o centro da cidade fazer shows, se apresentar, “curtir” uma festa.
Dayrell interpreta essa mobilidade como uma afirmação do lugar desses jovens na cidade
que os exclui.
Quanto ao tempo vivido por esses jovens, Dayrell constata que predomina o
presente:
Aliada ao espaço, a condição juvenil expressa uma forma própria de viver o tempo. Há o predomínio do tempo presente, que se torna não apenas a ocasião e o lugar, quando e onde se formulam questões às quais se responde interrogando o passado e o futuro, mas também a única dimensão do tempo que é vivida sem maiores incômodos e sobre a qual é possível concentrar atenção. (DAYRELL, 2007, p. 1112).
Dayrell descreve as formas diferentes de vivenciar o tempo de acordo com o
espaço: nos espaços institucionais como o da escola, do trabalho, da família, reinam os
horários e a pontualidade; já nos espaços de lazer, de tempo livre, predomina a
aleatoridade. Esse tempo do lazer é vivenciado preferencialmente a noite, longe do tempo
rígido da escola e do trabalho, criando uma ilusão libertadora.
Dayrell destaca que a lógica da reversibilidade está presente na condição juvenil
atual. Na dimensão da sociabilidade, os jovens circulam por diferentes turmas de amigos,
por diferentes estilos musicais, por diferentes formas de lazer. No dimensão do trabalho,
eles arranjam diferentes bicos. Essa reversibilidade está presente na postura baseada na
experimentação, na busca por aventuras e excitações que superem a monotonia do
29
cotidiano. Para o pesquisador, é nesse movimento que os jovens constroem modos
próprios de vivenciar sua condição juvenil.
Para Dayrell a nova condição juvenil expressa mudanças nos processos de
socialização caracterizadas pelo processo de desinstitucionalização do social. FRANÇOIS
DUBET citado por DAYRELL (2007, p. 1115) caracteriza esse processo de
desinstitucionalização como o fim da autonomia das instituições e a extensão da ação
socializadora dessas instituições para a ação dos próprios indivíduos sobre si mesmos.
Dayrell analisa a escola nesse contexto. Ele constata que a escola está mais permeável
às influências sociais. Ele descreve as transformações ocorridas no ensino médio
brasileiro a partir dos anos 1990, quando as camadas populares passam a freqüentar o
ensino médio. Antes, a escola pública de ensino médio acolhia predominantemente a
classe média. Com a massificação desse nível de ensino, os jovens de classe média vão
para a rede privada e a escola pública se torna uma escola para pobres, com menos
poder, prestígio e zelo pela qualidade. O ensino médio da rede pública passa a receber
um público mais heterogêneo, marcado pela desigualdade social e pelos altos índices de
pobreza e violência. Dayrell afirma que essas condições delimitam as relações possíveis
entre esses jovens e a escola. Esse novo público escolar traz conflitos e contradições da
estrutura social excludente para dentro da escola, colocando novos desafios.
O autor aponta que com a universalização do ensino médio, seu sentido também
muda. Antes o ensino médio se destinava às camadas altas e médias que tinham a
universidade como caminho natural. Agora ele é uma etapa obrigatória de escolarização e
para muitos jovens o final do percurso escolar.
Dayrell enfatiza que a escola não se adequou a nova realidade de seu público. Os
projetos político-pedagógicos não foram redefinidos para criar pontes de diálogo com os
sujeitos e sua realidade. Dayrell coloca que a questão central para compreender a relação
do novo público escolar com a escola é como esses jovens se constituem como alunos.
“Os jovens pobres estão, cada vez mais, transpondo os seus muros, trazendo suas
experiências e novos desafios. Dentre eles, uma questão central passa a ser as
transformações nas formas desses jovens se constituírem como alunos.” (DAYRELL,
2007, p. 1119). Ele aponta que na escola ainda domina a concepção de aluno que vai à
escola para interiorizar uma disciplina escolar e investir na aprendizagem de
conhecimentos. Ele diz que essa visão é homogeneizante, trata todos os alunos de
30
maneira igual. Dayrell ressalta que com o processo de desinstitucionalização e o acesso
de um novo público, a escola é invadida pela vida juvenil, com seu visual, seus gostos, as
amizades, os namoros. Nesse novo quadro, ele pensa o processo de tornar-se aluno
como não sendo apenas a submissão às normas e disciplinas escolares, mas sim a
construção da sua experiência como aluno e o sentido atribuído a ela. Dayrell ressalta
que os jovens definem a utilidade social dos seus estudos, o sentido das aprendizagens e
seus projetos para o futuro, buscando motivação e sentidos para a experiência escolar.
Mas ele diz que esse processo de constituir-se como aluno é marcado por tensões, entre
fatores externos à escola, como o lugar social do jovem, sua realidade familiar, o espaço
onde vivem, e fatores internos, como a infra-estrutura da escola, seu projeto político-
pedagógico, sua relação com os professores. Essa tensão se concretiza em práticas e
valores que marcam o percurso escolar e o sentido atribuído a escola pelo jovem.
Dayrell observa que a tensão entre ser jovem e ser aluno é visível na sala de aula.
Neste espaço o jovem vive o dilema entre seguir as regras para ser um ‘bom aluno’ e
afirmar sua subjetividade através das interações, valores e posturas que orientam seu
grupo. Na relação com os professores, os jovens não estão mais dispostos a reconhecer
automaticamente a autoridade estatutária. Os professores é que precisam construir sua
própria legitimidade entre seus alunos.
Dayrell descreve a ambigüidade na relação dos jovens com o conhecimento e com
a aprendizagem. Enquanto poucos se encaixam nos extremos, a recusa de ser aluno e a
aderência integral ao estatuto de aluno, a maioria tem dificuldade de articular seus
interesses pessoais com as demandas escolares. Dayrell destaca que embora eles
valorizem o estudo como uma promessa de um futuro melhor, falta-lhes o sentido de
estudo no presente, percebem que as possibilidades de mobilidade social são pequenas,
mas a sociedade lhes diz que a responsabilidade sobre seu futuro é do jovem, ela lhe dá
acesso à escola, mas cabe a ele estudar, se esforçar, para ter um futuro melhor. Assim,
os jovens são responsabilizados por seu fracasso escolar e pessoal.
31
Dessa forma, a relação dos jovens pobres com a escola expressa uma nova forma de desigualdade social, que implica o esgotamento das possibilidades de mobilidade social para grandes parcelas da população e novas formas de dominação. Neste caso, a sociedade joga sobre o jovem a responsabilidade de ser mestre de si mesmo. Mas, no contexto de uma sociedade desigual, além deles se serem privados da materialidade do trabalho, do acesso às condições materiais de vivenciarem a sua condição juvenil, defrontam-se com a desigualdade no acesso aos recursos para a sua subjetivação. A escola, que poderia ser um dos espaços para esse acesso, não o faz. Ao contrário, gera a produção do fracasso escolar e pessoal. (DAYRELL, 2007, p. 1123).
Nos últimos anos novas propostas para melhorar o ensino público surgiram.
Muitas dessas propostas visam dialogar com os jovens através das culturas juvenis,
trazendo essas expressões culturais para dentro da escola. Dayrell aponta que elas se
restringem ao período do recreio ou das atividades extra-escolares e não são
incorporadas ao currículo. Sua capacidade de envolver e dialogar com os alunos fica
reduzida.
Dayrell ressalta que só a escola não resolve as desigualdades sociais, os jovens
precisam de redes sociais de apoio mais amplas, com políticas públicas variadas e que
garantam desde recursos básicos para sua sobrevivência até o acesso a bens culturais.
Dayrell conclui que a escola está menos desigual mas continua injusta, principalmente ao
não considerar as experiências, demandas e necessidades de seu novo público.
2.4 JUVENTUDE E DESIGUALDADE SOCIAL
A persistência dos altos índices de desigualdade na sociedade brasileira é
problematizada no estudo de Almeida e Presta (2008). As sociólogas pesquisam a
dinâmica da desigualdade brasileira através das experiências educativas dos jovens e a
construção de fronteiras sociais. Através do conceito ‘dinâmica da desigualdade’, elas
articulam duas dimensões: a de desigualdade e a de pobreza. As pesquisadoras apontam
que essas duas dimensões tem sido estudadas separadamente; de um lado a
desigualdade brasileira é amplamente teorizada, principalmente por economistas
preocupados em formular políticas públicas que enfrentem essa questão, do outro, a
pobreza é objeto de estudo de cientistas sociais que privilegiam os modos de vida das
32
pessoas, mas deixam de examinar os processos que mantém essas pessoas na pobreza.
As autoras utilizam o conceito de dinâmica da desigualdade que articula as noções de
fronteira social e de fronteira simbólica, tal como formuladas por LAMONT E MOLNÁR
citados por ALMEIDA e PRESTA (2008, p. 403). A noção de fronteira social é a repartição
desigual das riquezas coletivamente produzidas numa sociedade enquanto as fronteiras
simbólicas são as interpretações coletivas dessas desigualdades. “A noção de ‘fronteira’
[...] explicita a intenção de tratar as separações entre os grupos como algo mais dinâmico
e permeável do que a noção de desigualdade normalmente o faz, chamando a atenção
para os processos de dominação e exploração que as constroem.” (ALMEIDA; PRESTA,
2008, p. 403).
As pesquisadoras buscam compreender a gênese das fronteiras simbólicas que
fundam para os indivíduos os universos dos possíveis e impossíveis, do desejado e do
indesejado e as condições que tornam essas fronteiras possíveis.
O estudo acessa as fronteiras simbólicas através das disposições quanto ao futuro
de adolescentes das classes populares e médias, captando seus desejos e negações. A
noção de experiências educativas é utilizada para articular as condições de existência
com o trabalho socializador realizado pelas famílias, escola e outras instituições no
processo de construção das fronteiras simbólicas nas novas gerações. A pesquisa foi
realizada em três bairros de Campinas, SP, um bairro de famílias de baixa renda, um de
classe média e outro com famílias tanto de classe média quanto de classe popular. Foram
realizadas entrevistas sobre a história de vida e planos para o futuro com 14 jovens entre
13 e 14 anos e 17 responsáveis por esses jovens. Essas entrevistas permitiram coletar
dados sobre as disposições quanto ao futuro e as experiências educativas desses jovens
e sobre o percurso social de suas famílias, ascendente, descendente ou estagnado. Com
esses dados as pesquisadores problematizaram a associação entre as disposições e as
experiências educativas assim como as condições que as tornam possíveis.
As pesquisadoras encontraram um forte e recorrente ajustamento entre as
disposições e as chances objetivas, mas ressaltam que esse ajustamento não é tão
evidente. À primeira vista as disposições parecem muito homogêneas, todos os jovens
demonstram a intenção de chegar ao ensino superior. “Isso deve ser interpretado como
um dos efeitos da expansão da escolarização ocorrida na sociedade brasileira na última
década, que traz em seu bojo uma modificação significativa na maneira como as
33
fronteiras presentes no interior do sistema de ensino são percebidas.” (AMEIDA;
PRESTA, 2008, p. 407).
As pesquisadoras ressaltam que os grupos antes excluídos do ensino superior têm
suas chances de chegar a ele aumentadas e assim mudam suas percepções. Todavia,
elas percebem as diferenças entre o desejo de um jovem da classe média e um da classe
popular de chegar ao ensino superior na forma como esse desejo é formulado: os jovens
da classe média falam do ensino superior como algo natural, quase automático ao fim do
ensino médio, com bastante familiaridade e conhecimento de causa, já os jovens das
classes populares falam do ensino superior como algo possível, desejável, que deve ser
garantido mas que talvez esteja acima de suas forças
A diferença entre os desejos também é captada pelas autoras na forma como os
jovens expressam o percurso até o ensino superior. Elas pensam um continuum onde
num extremo estão os jovens que expressam planos detalhados, no outro os que
expressam apenas disposições abstratas de chegar ao ensino superior, utilizando
expressões tais como “se der” e “talvez”. Os jovens também diferem quanto a suas
disposições relativas ao trabalho. As diferenças estão no momento em que eles
pretendem procurar emprego. Uns pensam o trabalho como um futuro imediato, assim
que tiverem a idade legal para ter um contrato de trabalho procurarão um emprego.
Outros pensam terminar o ensino superior para só então começar a trabalhar. As
diferenças são visibilizadas na ocupação ou modo de exercício dessa ocupação que os
jovens consideram interessantes ou desejáveis, num extremo os jovens que querem
ocupar posições de comando e autonomia, do outro os que pretendem evitar o tipo de
trabalho extenuante desempenhado pelos adultos que os cercam. As diferenças entre as
disposições expressas pelos jovens variam de acordo com as posições sociais ocupadas
por suas famílias. As pesquisadoras ressaltam como isso comprova o realismo no qual os
jovens vivem.
Almeida e Presta examinam as condições objetivas nas quais as disposições
quanto ao futuro são formuladas. Elas apontam o quadro de individualização no qual os
jovens desejam ser independentes, ter dinheiro para consumir e sair com os amigos. Esse
quadro é mais forte entre os jovens das classes populares. Relevante também na
formulação das disposições quanto ao futuro é a tensão na incorporação da linhagem
familiar que faz com que os desejos formulados pelos jovens tenham como referência os
34
adultos que os cercam. As condições objetivas de existência do grupo familiar e suas
transformações ao longo do tempo, ou seja, as experiências de abundância, estabilidade
e instabilidade vividas pelas famílias, são apreendidas na pesquisa através dos recursos
materiais de que elas dispõem ao longo do tempo e da escolarização dos membros da
família que indicam a proximidade com a cultura “legítima”. As pesquisadoras relacionam
as condições objetivas das famílias com os investimentos educativos por elas realizados.
Uma associação estreita entre o percurso social da família com as disposições
quanto ao futuro dos jovens foi constatada na pesquisa. Os jovens mais ambiciosos
vinham de famílias em ascensão social por no mínimo duas gerações. Os jovens menos
ambiciosos pertenciam a famílias que estavam lutando para evitar a miséria. As
sociólogas analisam as disposições e trajetórias familiares de dois jovens, um de classe
média e outro da classe popular, para evidenciar as relações entre as disposições quanto
ao futuro e as condições objetivas de existência.
O jovem da classe popular expressa a disposição de terminar o ensino médio e ir
para o exército porque o pai, pintor autônomo, lhe disse que é uma boa saída para
arrumar um emprego que não canse muito. Estudar, para Fábio, significa não ter que ficar
igual ao pai. Todavia, sua disposição quanto ao futuro é construída num contexto de
constrangimentos diferentes. De um lado, sua família o incita a estudar, acompanha seus
estudos, suas amizades e suas saídas. Por outro lado, ele está exposto a
constrangimentos econômicos o que fazem começar a trabalhar assim que tiver a idade
legal, 15 anos. O pai já o leva para trabalhar como pintor nos finais de semana, pagando-
lhe a diária. O desejo de cursar o ensino superior só é expresso por ele como resultado
de uma pergunta direta de pesquisadora, ele diz que talvez faça faculdade.
A disposição do jovem de classe média, Paulo, é de fazer faculdade de
mecatrônica e operar na bolsa de valores. Seu pai, filho de funcionários públicos de nível
superior, é engenheiro elétrico. A mãe de Paulo, filha de funcionários públicos de nível
médio, é psicóloga. Os pais de Paulo devem a mobilidade ascendente da família às suas
credenciais escolares. Essas credenciais são percebidas como resultado de um forte
investimento pessoal e de suas famílias que investiram na escolarização dos filhos. Da
mesma forma, eles priorizam os investimentos educacionais para seus filhos. A família de
Paulo utiliza de forma racional todos os recursos que controla: ela escolhe as melhore
escolas para os filhos estudarem, garantem o intercâmbio no exterior ao participar de uma
35
associação transnacional que promove essas experiências e orienta os filhos no controle,
planejamento e gasto do dinheiro da mesada que recebem. Assim as disposições
expressas por Paulo demonstram seu desejo de ser como o pai, e continuar a trajetória
ascendente de seu grupo familiar.
As pesquisadoras ressaltam que a correlação entre a posição social da família e as
ambições dos alunos só não se confirmam quando a escola dá um veredito inesperado.
A força do veredito escolar faz com que famílias de classe média façam investimentos
mais modestos quando seu filho acumula fracassos escolares. O movimento contrário
também ocorre: jovens das classes populares que têm um desempenho acima da média
são estimulados por professores, pedagogos ou diretores a investir nos estudos,
possibilitando-lhes seguir nos estudos além do que iriam apenas com os recursos que
suas famílias podem mobilizar.
Almeida e Presta examinaram os mecanismos que contribuem para a produção de
visões de mundo que orientam os investimentos dos indivíduos em determinada direção,
definindo proibições e possibilidades. As desigualdades são pensadas como construídas
diariamente, como parte de interações concretas entre os indivíduos. As disposições
quanto ao futuro expressa pelos jovens são vinculadas à história concreta de seu grupo
familiar que, por sua vez, é atrelada à sua posição de classe. No entanto, as disposições
podem negar os destinos de classe previamente traçados, evidenciando um espaço de
indeterminação. As pesquisadoras ressaltam a necessidade de estabelecer as condições
necessárias para esse espaço ser politicamente trabalhado com políticas públicas que
permitam aos jovens desafiar as fronteiras, reais e simbólicas, que interferem em seus
destinos.
36
3 A TEORIA DA REPRODUÇÃO EM EDUCAÇÃO
A teoria da reprodução em educação de Bourdieu permite pensar como as práticas,
representações subjetivas e disposições quanto ao futuro dos jovens são expressão de
uma desilusão e desesperança em relação à escola, à cultura escolar e ao futuro
oferecido pelos estudos. Nesse capítulo é apresentado o contexto histórico no qual essa
abordagem surgiu e foi desenvolvida. Em seguida é sintetizada a concepção de Bourdieu
sobre o sistema de ensino e então exposta sua teoria do habitus, uma teoria da prática
que orienta as ações, representações e ambições dos estudantes.
3.1 O SURGIMENTO DAS TEORIAS DA REPRODUÇÃO
Nogueira (1990) aponta em linhas gerais o quadro social e a conjuntura teórica em
que emergiram as teorias da reprodução, tanto sua vertente cultural com Bourdieu e
Passeron quanto sua vertente de filiação marxista com Althusser, Baudelot e Establet. A
autora aponta que na teoria da reprodução cultural a escola em seu funcionamento
reprodutor tem certa margem de independência em relação à esfera da vida material. Na
teoria da reprodução de filiação marxista a ênfase é na participação do aparelho escolar
na reprodução das relações sociais de produção.
De acordo com Nogueira (1990), a constituição da sociologia da educação como
um campo de pesquisa e sua afirmação como um dos principais ramos de pesquisa nos
países industrialmente desenvolvidos deu-se nas décadas de 1950 e 60. A autora ressalta
que a ampliação do aparelho escolar e a universalização do ensino secundário colocaram
o Estado frente a problemas para a administração do sistema de ensino, gerando a
necessidade de conhecer a população escolar e o funcionamento do sistema escolar,
inclusive para planejar suas ações. Nogueira relata que os financiamentos para pesquisas
em educação se multiplicaram nos países anglo-saxões, que têm a tradição de respaldar
reformas institucionais em grandes levantamentos de dados empíricos e que a
penetração das ciências sociais no campo da educação coincidiu com um aumento
37
enorme dos gastos públicos com escolas e universidades, mais de 10% ao ano entre
1950 e 1960.
Nessa época, os países industrializados passavam por uma fase de prosperidade
econômica. Houve uma explosão escolar no pós-guerra. Nogueira observa que o
aumento da população escolarizada correspondeu a um aumento demográfico, mas que
outros fatores também contribuíram para essa explosão escolar: O Estado financiava
generosamente os gastos públicos com a instrução movido pela necessidade de mão de
obra qualificada já que as mudanças tecnológicas na estrutura ocupacional exigiam
habilidades cada vez mais complexas
Nogueira enfatiza que as mudanças na composição social do público escolar
também garantiram avanços no processo de democratização do ensino, mas, no decorrer
da década de 60, constatou-se que a expansão e transformação do aparelho escolar não
corresponderam com uma modificação das estruturas sociais nem com uma redução
significativa das desigualdades de oportunidades educacionais ou com a alteração
importante das relações que cada grupo social mantém com a cultura escolar.
Com efeito, o crescimento não beneficiava igualmente a todos, e o mito da igualdade de oportunidades e da democratização do ensino passou, então, a ser fortemente contestado a partir do final da década de 60, bem como a visão da educação como investimento produtivo própria dos economistas partidários da teoria do capital humano. O clima de otimismo cedia lugar ao desencanto. (NOGUEIRA, 1990, p. 52)
A autora ressalta que nos anos 1950 e 60, a prosperidade econômica
correspondeu com o avanço das ciências sociais em geral e da sociologia em particular
com a penetração dos estados nacionais no setor das ciências sociais e a criação de
grandes organismos internacionais como a UNESCO e o OCDE. Nogueira observa que a
sociologia da época buscava responder às questões que a sociedade em processo de
reconstrução, mutação social e em vias de modernização se colocava, sendo tema-chave
dessa sociologia a mudança social.
Alain TOURAINE, citado por NOGUEIRA (1997, p. 54) faz um balanço no final dos
anos 1960 da sociologia da época e a denomina a “era da suspeita” devida à crise da
ideologia modernizadora com a ruptura do processo de crescimento e o desencanto com
as reformas sociais que levaram à idéia emergente que o homem é o produto de
estruturas que o determinam e não sujeito de sua ação. Touraine aponta que a vida
social passa a ser estudada como discurso, ideologia dominante, mecanismos de
38
inculcação e de legitimação do poder absoluto, e o ator social é deixado de lado.
Touraine credita a propagação das teorias da reprodução e sua transformação em
ideologia dominante nos meios universitários nos anos 1970 ao peso do desenvolvimento
das esquerdas, do pensamento e ideologias marxistas, principalmente estruturalista.
Assim, ele constata que o tema-chave da sociologia passa a ser o da reprodução das
estruturas sociais.
Nogueira descreve o desenvolvimento das pesquisas em sociologia da educação:
No pós-guerra, dominou a corrente do empirismo metodológico nas pesquisas
educacionais com investigações empíricas, frequentemente quantitativas. O objeto de
pesquisa eram as desigualdades educacionais e a democratização do ensino. Calculava-
se taxas de escolarização segundo categorias socio-econômicas e estabelecia-se
relações entre desempenho escolar e idade, sexo, habitat, profissão dos pais, etc... A
autora destaca que o objetivo dessas pesquisas era identificar os elementos
responsáveis pela carência cultural das crianças de grupos sociais desfavorecidos para
se chegar a soluções compensatórias através de análises em nível macroscópico
focando as grandes relações entre o sistema educacional e outras instituições sociais,
mas não entrando no interior dos processos de ensino.
Na França a prática dominante de estudos empíricos em sociologia da educação
deu-se através da demografia escolar, de acordo com Nogueira. A demografia escolar
teve origem nos trabalhos desenvolvidos pelo Institut National d´Études Demographiques
(INED). Nestes estudos a atenção voltava-se para as características e a evolução das
populações escolares. Através da descrição estatística buscava-se conhecer as
condições de seleção e de frequência ao sistema escolar e os mecanismos de orientação
no interior do sistema escolar. Através do estudo da estratificação social das
escolaridades, relacionava-se o lugar ocupado pelo educando com uma série de
variáveis como idade, sexo, tamanho da família, ocupação e nível de escolaridade dos
pais, etc... O INED desenvolveu uma série de estudos longitudinais, o mais famoso
sendo a enquête de 1962-72. Uma coletânea de textos publicados em 1970 deu
visibilidade a esses estudos. Nogueira ressalta a importância desses trabalhos para a
sociologia da educação francesa: O estoque de pesquisas apresentavam o fato
estatístico irrecusável das disparidades sociais quanto às oportunidades de acesso e de
sucesso na escola e, a partir daí, os estudos das desigualdades educacionais passaram
39
a ocupar o lugar central na sociologia da educação.
Nogueira enfatiza que é nesse contexto desencantado do final dos anos 60 surge
o paradigma da reprodução com teorias para explicar as relações entre a escola e a
estrutura social. A pesquisadora coloca os grandes contornos do paradigma da
reprodução que reúne várias vertentes sob mesma classificação. Primeiro é a integração
dos dados empíricos fragmentários e descritivos numa análise mais abrangente e numa
teoria mais globalizante capaz de dar conta da complexidade das relações entre o
sistema escolar e outras instituições sociais. Nogueira diz: “o paradigma da reprodução,
mais do que uma inovação científica, propriamente dita, consistiu-se numa ‘nova maneira
de olhar velhos dados’, isto é, numa reinterpretação – radical, é bem verdade – de fatos
já anteriormente estabelecidos.” (NOGUEIRA, 1990, p.57) A autora afirma que através do
pensamento estruturalista, sempre numa perspectiva macroscópica, a teoria da
reprodução em educação interpreta os fracassos dos ideais de democratização do ensino
e contrapõe ideologia reformista da pesquisa e das políticas de combate às
desigualdades escolares.
3.2 O SISTEMA DE ENSINO E A REPRODUÇÃO DA ESTRUTURA SOCIAL
Bourdieu (2007) e Passeron (2008) analisam as relações entre o sistema de
ensino e a estrutura das relações entre as classes sociais que contribuem para a
reprodução da ordem estabelecida. Bourdieu utiliza as estatísticas para anunciar o fato
da desigualdade de acesso das diferentes classes sociais ao ensino superior francês da
década de 1960, mas ressalta que apenas enunciar o fato da desigualdade não é
suficiente. Através da elucidação dos laços que unem o sistema de ensino à estrutura
das relações entre as classes sociais ele apreende suas funções e as práticas dos
diferentes agentes em relação a ele.
Bourdieu define o sistema de ensino como a instituição que conserva e transmite a
cultura legítima. Sua função própria é de inculcar uma cultura e uma relação com a
cultura, que é a das classes dominantes. Todavia, o autor ressalta que a pedagogia
tradicional usada nas escolas se dirige apenas às crianças que devem seu capital cultural
40
e lingüístico ao seu meio.
Ora, se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal à qual obedece todo o sistema escolar é injusta de fato, e que, em toda sociedade onde se proclamam ideais democráticos, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios. (BOURDIEU, 2007, p.53)
Bourdieu afirma que a constatação da função social de conservação da estrutura
das relações entre as classes sociais do sistema de ensino desmente a ideologia
jacobina da equidade das oportunidades escolares que trata a escola como um fator de
mobilidade social.
Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. (BOURDIEU, 2007, p. 53)
O autor ressalta que o sistema de ensino aparece como uma instituição neutra
caracterizado pela equidade formal com que trata todos os alunos, mas que desta forma,
ele esconde sua autonomia relativa e dependência relativa em relação à estrutura das
relações entre as classes sociais. Bourdieu e Passeron afirmam que é pela sua
autonomia relativa que o sistema de ensino contribui para a reprodução das relações
entre as classes sociais.
Bourdieu e Passeron definem a autonomia relativa do sistema de ensino como sua
capacidade de impor às exigências externas retraduções sistemáticas conforme a sua
própria lógica. De acordo com os autores, a evolução de determinado sistema de ensino
depende da resistência que ele pode opor aos acontecimentos, de seu poder de
selecionar e reinterpretar os acasos e as influências de acordo com os princípios que o
definem enquanto sistema. Através de sua organização e funcionamento, o sistema de
ensino retraduz continuamente as desigualdades sociais ligadas à origem social do aluno
em desigualdades escolares.
Bourdieu e Passeron elucidam a autonomia relativa do sistema de ensino através
da seleção e a hierarquização escolar que ele opera. Segundo os autores, a seleção e
hierarquização escolar parecem obedecer unicamente à lógica escolar, todavia, elas
conservam e consagram o poder e os privilégios. O sistema de ensino reinterpreta a
exigência imposta a ele pelo mercado de trabalho de indivíduos qualificados e adaptados
41
às exigências da economia, fazendo dessa exigência uma oportunidade para impor suas
hierarquias e legitimar sua ação. A elevação da qualificação técnica que as profissões
demandam não reduz o desvio entre a qualificação técnica que o exame garante e a
qualificação social que ele outorga.
Se o princípio ‘para trabalho igual, salário igual’ pode servir para justificar hierarquias que, tomado ao pé da letra, ele pareceria contradizer, é que o valor de uma produção profissional é sempre socialmente percebido como solidário do valor do produtor e esse por sua vez como resultante do valor escolar de seus títulos. (BOURDIEU e PASSERON, 2008, p.203)
Os autores ressaltam que o sistema de ensino transforma hierarquias sociais em
hierarquias escolares e assim dissimula a seleção social que ele opera.
Bourdieu e Passeron demonstram que a seleção através do exame inspira a todos
o reconhecimento da legitimidade dos vereditos escolares e das hierarquias sociais que
eles legitimam. Ela produz a identificação dos que foram eliminados com os que
malogram, já os aprovados tem a comprovação de um dom ou mérito seu. Os autores
demonstram que a mobilidade social de alguns indivíduos contribui para a reprodução da
estrutura das relações de força entre as classes sociais pois dá credibilidade à ideologia
da mobilidade social da escola libertadora. De acordo com Bourdieu e Passeron, o
sistema de ensino, através da equidade formal, permite às classes dominantes justificar
porque elas ocupam os cargos mais altos, ganham mais e tem mais poder e contribui
para manter os membros das classes desfavorecidas em posições subalternas levando-
os a perceber como inaptidões naturais e falta de dons a sua condição.
Os pesquisadores afirmam que a autonomia relativa e a dependência relativa do
sistema de ensino em relação à estrutura das relações entre as classes sociais
dissimulam a função de conservação social que ele desempenha, permitindo-o de
desempenhá-la de forma mais eficaz. Bourdieu e Passeron apontam as diversas formas
pelas quais essa autonomia relativa não foi percebida. Uma delas é que a percepção das
funções de classe do sistema de ensino está associada a uma representação
instrumentalista das relações entre a escola e as classes dominantes. Os autores
entendem que não se esgota o sentido de qualquer elemento do sistema de ensino
quando ele é relacionado diretamente com uma definição reduzida de interesse das
classes dominantes e quando não se pergunta qual a contribuição que esse sistema de
ensino traz à reprodução da estrutura das relações de classe.
42
As denúncias esquemáticas da 'Universidade de classe' que estabelecem, antes de toda análise, a identidade ‘em última análise’ da cultura escolar e da cultura das classes dominantes, da inculcação cultural e do doutrinamento ideológico, da autoridade pedagógica e do poder político, impedem a análise dos mecanismos através dos quais se realizam, indireta e mediatamente, as equivalências tornadas possíveis pelas defasagens estruturais, os duplos jogos funcionais e os deslocamentos ideológicos. (BOURDIEU e PASSERON, 2008, p.230)
Por outro lado, Bourdieu e Passeron afirmam que as análises das características
da estrutura e do funcionamento que o sistema de ensino deve à sua função própria de
inculcação muitas vezes ignoram as relações entre a escola e as classes sociais
Ao construir o sistema das relações entre o sistema de ensino e os outros
sistemas, como o econômico ou o de valores, e especificar essas relações de acordo
com a estrutura das relações de classe, os pesquisadores evidenciam que a autonomia
relativa do sistema de ensino é sempre a contrapartida de uma dependência relativa às
classes sociais. Segundo os autores, o sistema de ensino, ao cumprir sua função própria
de inculcação, preenche também sua função social de reprodução das relações de classe
e sua função ideológica de dissimular essa função social criando a ilusão de sua
neutralidade e autonomia absoluta.
É, com efeito, à sua aptidão particular para autonomizar seu funcionamento e obter o reconhecimento de sua legitimidade garantindo a representação de sua neutralidade que o sistema escolar deve sua aptidão particular para dissimular a contribuição que ele traz à reprodução da distribuição do capital cultural entre as classes, a dissimulação desse serviço não sendo o menor dos serviços que sua autonomia relativa lhe permite prestar à conservação da ordem estabelecida. (BOUDIEU & PASSERON, 2008 , p.236)
Ao analisar o rendimento informativo diferencial para as diferentes classes sociais
da comunicação pedagógica, Bourdieu e Passeron apreendem o sistema de relações
entre o sistema de ensino e a estrutura das relações entre as classes sociais. Nessa
análise, a escola é entendida como a instituição de reprodução da cultura legítima com
um modo legítimo de imposição e inculcação da cultura escolar. As classes sociais são
caracterizadas pelas distâncias desiguais em relação à cultura escolar e pelas
disposições diferentes em reconhecer e adquirir essa cultura.
De acordo com os pesquisadores, a escola só pode cumprir sua função de
inculcação enquanto é mantido um mínimo de adequação entre a mensagem pedagógica
e um público com capital cultural e lingüístico suficiente para decifrá-lo. Bourdieu e
43
Passeron enfatizam que o sistema de ensino consagra e exige esses capitais sem jamais
transmiti-los metodicamente ou exigi-los expressamente. Os autores apontam que com o
aumento nos níveis de escolarização, muitos alunos não satisfazem a essas exigências
implícitas do sistema de ensino e, portanto, não conseguem compreender a mensagem
pedagógica que lhes é transmitida. Os autores, ao analisar o sistema de ensino francês
na década de 1960, constataram que a mudança na morfologia e composição social do
público escolar não foi acompanhada de uma mudança pedagógica e que o trabalho
pedagógico tradicional mantido ignora e exclui o cálculo racional dos meios mais
adequados para preencher sua função de inculturação.
Bourdieu e Passeron afirmam que o sistema de ensino exige de todos os alunos
que eles tenham a relação com a cultura e com a linguagem que é a das classes
dominantes, mas não dá a eles os meios para a adquirirem. Segundo os pesquisadores,
os alunos que não satisfazem de imediato as exigências implícitas do sistema de ensino
se fecham numa atitude negativa em relação à escola: como o sistema de ensino,
através da ação dos educadores e da pedagogia utilizada, não se adapta a esse novo
público, reina o laisser-faire. Os autores ressaltam que mesmo quando a mensagem
pedagógica tende a se anular, o sistema de ensino serve às classes dominantes.
De acordo com Bourdieu e Passeron, o sistema de ensimo perpetua e consagra o
privilégio cultural das classes dominantes ao reconhecer a cultura e a relação com a
cultura que elas impõem como legítimas. As classes dominantes detêm o monopólio das
condições de aquisição dessa cultura e relação com a cultura já que ela só pode ser
adquirida por familiarização. As classes dominantes não devem à escola sua cultura e
relação com a cultura, mas precisam dela para legitimar escolarmente seu monopólio
cultural. “É pela maneira particular segundo a qual ele realiza sua função técnica de
comunicação que um sistema escolar determinado realiza, além disso, sua função social
de conservação e sua função ideológica de legitimação.” (BOURDIEU; PASSERON,
2008, p. 134)
44
3.3 O CAPITAL CULTURAL E LINGÜÍSTICO NA EXPERIÊNCIA ESCOLAR
Bourdieu (2007) demonstra como a posição das diferentes classes sociais em
relação ao sistema de ensino depende do capital cultural e do capital lingüístico que elas
detêm. O autor define os estados incorporado e objetivado do capital cultural. No estado
incorporado, o capital cultural toma a forma de disposições duráveis do organismo. Nesse
estado ele está ligado ao corpo, tornando se parte integrante da pessoa. Esse capital não
pode ser transmitido instantaneamente, seja por doação ou venda. Ele é adquirido de
forma dissimulada e inconsciente e, por isso, consegue acumular os prestígios de uma
propriedade inata da pessoa, de um dom natural. O autor diz que “é, sem dúvida, na
própria lógica da transmissão do capital cultural que reside o princípio mais poderoso da
eficácia ideológica dessa espécie de capital.” (BOURDIEU, 2007, p.76) Em famílias com
um forte capital cultural, o tempo de acumulação desse capital engloba todo o tempo de
socialização. Quanto mais tempo a família puder liberar seu filho da necessidade de
trabalhar e ganhar dinheiro, mais tempo ele terá para incorporar esse capital.
O autor ressalta que a incorporação do capital cultural depende do capital cultural
objetivado, ou seja, dos objetos e bens culturais que a família possui e que exercem um
efeito educativo pela sua simples existência e por todas as formas de transmissão
implícitas. Bourdieu diz que capital cultural no estado objetivado toma a forma de bens
culturais transmissíveis em sua materialidade, mas que, para se apropriar e utilizar esses
bens, é necessário dispor de capital cultural incorporado. O capital cultural objetivado só
existe e subsiste como um capital ativo e atuante, material e simbolicamente, quando é
apropriado pelos agentes e utilizado, sendo seus benefícios proporcionais ao domínio, ou
seja, incorporação, que os agentes têm deles.
Bourdieu analisa a influência do capital cultural na prática cultural, assim como o
papel da escola na incitação dessa prática. O autor aponta que o enfraquecimento das
diferenças econômicas e das barreiras de classe e a ação dos meios de comunicação de
massa não resultaram numa homogeneização cultural. O acesso às obras culturais
continua privilégio das classes cultivadas. Como exemplo, Bourdieu cita a freqüência a
museus: o museu não é caro, mas os indivíduos com maiores oportunidades de
freqüentá-los são os dotados de cultura, e os indivíduos com cultura são os que mais
freqüentemente cresceram num meio culto. O autor diz que a escola não contribui de
45
maneira sistemática para diminuir essas disparidades em relação à prática cultural ao
observar que sua ação direta, no ensino artístico e nos diferentes tipos de incitação à
prática, como visitas a museus, é fraca, deixando de dar a todos o que só alguns herdam.
Com efeito, somente uma instituição cuja função fosse transmitir ao maior número possível de pessoas, pelo aprendizado e pelo exercício, as atitudes e as aptidões que fazem o homem “culto”, poderia compensar (pelo menos parcialmente) as desvantagens daqueles que não encontram em seu meio familiar a incitação à prática cultural. (BOURDIEU, 2007, p.61).
Bourdieu contesta a ideologia que apresenta como universal, por ser mais
acessível, as práticas culturais ligadas ao rádio e à TV dizendo que a escolha de
programas e a atenção dedicada a eles variam segundo o nível de instrução. Segundo o
autor, as pessoas não recebem de maneira igual uma mesma mensagem pois uma
recepção adequada depende da adequação entre a aptidão do receptor e a natureza da
mensagem: o conteúdo da mensagem efetivamente recebida tende a ser mais pobre
quanto mais pobre a cultura do receptor. Bourdieu conclui que a homogeneização das
mensagens emitidas não leva à homogeneização das mensagens recebidas nem à
homogeneização dos receptores; portanto, é uma ficção que a comunicação de massa
seja capaz de homogeneizar grupos sociais transmitindo uma cultura de massa igual
para todos e percebida de forma igual por todos.
Bourdieu também põe em dúvida a ação dos centros culturais e de educação
popular. Segundo o autor, esses centros têm uma função política: investe-se nesses
centros ao invés de obrigar e autorizar a escola a desenvolver em todos, sem distinção, a
aptidão às práticas culturais que a sociedade considera como as mais nobres. A
extensão da escolaridade ou o aumento da parte consagrada nos programas escolares
ao ensino artístico levaria mais gente ao teatro e museu do que todas as técnicas de
ação direta juntas. O autor ressalta que enquanto perdurarem as desigualdades frente à
escola, que é a única instituição capaz de criar uma atitude cultivada, as iniciativas só vão
disfarçar as desigualdades culturais que não podem reduzir.
Nas pesquisas feitas com estudantes de letras do ensino superior francês,
Bourdieu (2008) analisa a influência do capital cultural que as crianças das diferentes
classes sociais herdam de seu meio familiar na experiência escolar. O autor constatou
que o capital cultural mais diretamente rentável na vida escolar eram informações sobre o
46
mundo universitário e o percurso escolar, a cultura livre adquirida nas experiências extra-
escolares e a facilidade verbal. Um jovem da classe dirigente tem familiaridade com as
posições mais raras do sistema de ensino por conviver com parentes que ocupam essas
posições e dessa forma ele pode adotar estratégias racionais sem ter que pensá-las como
um projeto explícito de vida. As crianças das classes privilegiadas também herdam
saberes e um 'bom gosto', atitudes que lhes rendem mais quanto mais forem atribuídas a
um dom natural. A vantagem desses alunos em matéria de cultura é mais marcada a
medida em que se afasta dos domínios diretamente ensinados e controlados pela escola,
por exemplo, quando se vai da literatura escolar ao jazz. Já a facilidade verbal é a parte
mais inatingível e a mais atuante da herança cultural. As razões para tanto, de acordo
com Bourdieu, são que a influência do meio lingüístico de origem jamais cessa de se
exercer, sendo a riqueza e fineza de expressão sempre consideradas em todos os níveis
do percurso escolar, e que essa facilidade verbal se transmite sem esforço metódico ou
qualquer ação manifesta, só pela linguagem utilizada no meio familiar.
Bourdieu aponta que a língua escolar, apesar de não ser a língua materna para
nenhuma classe, está desigualmente afastada das línguas efetivamente faladas pelas
diferentes classes sociais. O valor no mercado escolar do capital lingüístico de um aluno
depende da distância entre o tipo de dominação simbólica da língua que a escola exige e
o domínio prático da linguagem que o aluno deve a sua primeira educação. O
pesquisador observou que os obstáculos culturais mais graves com os quais as crianças
das classes populares se defrontam são os relacionados com a língua falada no meio
familiar. Esses obstáculos são sentidos principalmente nos primeiros anos da
escolaridade quando a compreensão e manejo da língua é o ponto de atenção principal
na avaliação dos professores, mas influenciam toda a experiência escolar:
A língua não é um simples instrumento, mais ou menos eficaz, mais ou menos adequado, do pensamento mas fornece – além de um vocabulário mais ou menos rico – uma sintaxe, isto é, um sistema de categorias mais ou menos complexas, de maneira que a aptidão para o deciframento e a manipulação de estruturas complexas, quer lógicas quer estéticas, parece função direta da complexidade da estrutura da língua inicialmente falada no meio familiar, que lega sempre uma parte de suas características à língua adquirida na escola. (BOURDIEU, 2007, p.46)
O pesquisador diz que os princípios das variações da relação com a linguagem
escolar estão na distância entre o domínio prático da língua transmitida pela primeira
educação e o domínio simbólico da língua exigida pela escola e nas condições sociais de
47
uma aquisição mais ou menos completa desse domínio verbal exigido pela escola.
Segundo o autor, a relação com a linguagem e com a cultura resume o conjunto das
relações que unem o sistema de ensino à estrutura das relações entre as classes. Para
estabelecer outra relação com a linguagem no conjunto das práticas escolares seria
necessária outra relação com a linguagem e com a cultura subordinada aos interesses
objetivos de um público diferente e de professores recrutados e formados para satisfazer
a esses interesses só seria possível em outro sistema de ensino que servisse a outro
sistema de funções externas e a um outro estado de relação de força entre as classes
sociais.
Através dessas análises, Bourdieu e Passeron demonstram como o rendimento
escolar da ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela família.
Além do investimento em tempo e em capital cultural feito pela família, os autores
exploram outro fator determinante na aptidão para os estudos e o sucesso escolar do
aluno: o ethos de classe que lhe é transmitido.
3.4 AS DISPOSIÇÕES EM RELAÇÃO À ESCOLA E À CULTURA
Bourdieu e Passeron pensam o ethos como um sistema de valores implícitos e
explícitos que os estudantes devem à sua posição social. As disposições em relação à
aprendizagem, à autoridade escolar, aos valores escolares; as relações com a linguagem
e com a cultura; as esperanças subjetivas de acesso à escola, de êxito escolar e da
ascensão pela escola são, em grande parte, expressões do ethos do aluno. De acordo
com os pesquisadores, a condição de classe do aluno (seu capital cultural e ethos, assim
como residência, condições materiais de existência e características demográficas) define
as atitudes a respeito da escola, da cultura escolar e do futuro oferecido pelos estudos,
assim como as probabilidades objetivas dele ter êxito na escola e de ascender através
dela.
Bourdieu e Passeron apontam que um dos mecanismos que contribui para que as
probabilidades objetivas sejam realizadas é a esperança subjetiva.
48
O conceito de esperança subjetiva, concebido como o produto da interiorização das condições objetivas que se operam segundo um processo comandado por todo sistema das relações objetivas nas quais ele se efetua, tem como função teórica designar a interseção de diferentes sistemas de relações, as que unem o sistema de ensino à estrutura das relações de classe e as que, ao mesmo tempo, se estabelecem entre o sistema dessas relações objetivas e o sistema das disposições (ethos) que caracteriza cada agente social (indivíduo ou grupo), na medida em que este se refere sempre, mesmo sem saber, quando ele se determina, ao sistema de relações objetivas que o determina. (BOURDIEU e PASSERON, 2008, p.191)
Bourdieu distingue as ambições sonhadas das esperaças subjetivas. As ambições
sonhadas, principalmente pelos mais carentes, têm base no desejo e na necessidade.
Elas tendem a reproduzir a estrutura social no sentido inverso, as posições mais raras são
as mais comuns no desejo. Já as esperanças subetivas estão fundadas e encontram seus
limites no poder, nas chances de saciar o desejo e satisfazer a necessidade. Elas
orientam realmente as práticas pois tem uma probabilidade razoável de ser seguida por
efeitos. Elas incluem a referência às condições sociais de sua realização e assim tendem
a ajustar-se às potencialidades objetivas; são disposições adquiridas dentro de certas
condições sociais. O autor cita um exemplo de esperanças subjetivas que orientam as
práticas: a propensão para abandonar os estudos que cresce a medida que para sua
classe de origem são mais fracas as chances objetivas de acesso aos níveis mais
elevados do cursus escolar (permanecendo iguais outros fatores com êxito escolar). Os
alunos são tanto mais modestos em suas ambições escolares e na avaliação de seus
resultados quanto mais fracas forem as oportunidades escolares oferecidas a sua
categoria social.
Bourdieu e Passeron afirmam que é impossível separar as disposições e
predisposições das condições sociais de sua produção. As esperanças, aspirações,
motivações e vontades dependem das condições objetivas que as determinam e do grau
em que podem ser satisfeitas. Disposições e predisposições negativas como a
autodepreciação, a desvalorização da escola e de suas sanções e a resignação ao
fracasso são antecipações inconscientes das sanções que a escola reserva objetivamente
às classes dominadas. De acordo com os pesquisadores, a relação entre a esperança
subjetiva e as oportunidades objetivas ajuda a esclarecer a mortalidade escolar das
classes populares, a sobrevivência escolar de uma parte da classe popular, o tipo
particular de atitude dos sobreviventes em relação ao sistema de ensino e a variação das
49
atitudes dos alunos das diferentes classes sociais em relação ao trabalho ou ao êxito
segundo o grau de probabilidade ou de improbabilidade de sua perpetuação num
determinado ciclo de estudos. Bourdieu e Passeron observam que os alunos que residem
em áreas urbanas são caracterizados pela heterogeneidade dos grupos de inter-
conhecimento e que as classes populares têm uma taxa de escolarização mais alta
nessas áreas. Os autores explicam que a esperança subjetiva dessas classes depende
da probabilidade objetiva do grupo de inter-conhecimento, o que inclui o grupo de
referência ou de aspiração e que isso contribui para aumentar as oportunidades escolares
das classes populares, desde que o desvio entre as probabilidades objetivas do grupo de
referência ou de aspiração e as probabilidades objetivas da classe popular não se afirme
de tal forma a desencorajar toda identificação e a reforçar a resignação à exclusão com o
pensamento de que “isso não é para nós”.
Bourdieu e Passeron ressaltam que um futuro objetivo particular é mais ou menos
provável para um indivíduo na medida em que constitui o futuro objetivo e coletivo de sua
classe social ou de sua categoria.
Eis porque a estrutura das oportunidades objetivas da ascensão social em função da classe social de origem e, mais precisamente, a estrutura das oportunidades de ascensão pela Escola, condiciona as disposições relativamente à Escola e à ascensão pela Escola, disposições contribuem por sua vez de uma maneira determinante para definir as oportunidades de se ter acesso à Escola, de aderir às suas normas e de nela ter êxito, e por conseguinte as oportunidades de ascensão social. (BOURDIEU e PASSERON, 2008, p.190)
Os autores demonstram que o conjunto de características sociais que definem a
situação de distribuição dos alunos das diferentes classes sociais no sistema de ensino
deve ser considerada para se compreender o que as probabilidades diferentes de se ter
determinado destino escolar representam para os alunos oriundos de classes sociais
diferentes assim como qual o significado para um aluno de determinada classe social
estar numa situação mais ou menos provável para sua categoria. A adesão às hierarquias
escolares e ao culto escolar da hierarquia depende da posição que a escola outorga ao
indivíduo em sua hierarquia e do grau em que o valor mercantil e a posição social desse
indivíduo depende da garantia escolar. Essa adesão também depende do sistema de
valores que determinado agente deve á sua classe de origem, sendo o valor atribuído à
escola nesse sistema dependente de quanto o interesse dessa classe está ligada à
escola. O sistema de ensino consegue impor o reconhecimento de seu valor e do valor de
50
suas hierarquias às classes sociais ou frações de classe que não conseguem lhe opor
nenhum outro princípio de hierarquização. Os autores exemplificam: as classes médias e
frações intelectuais da grande burguesia tiram proveito econômico e social de seus títulos
escolares enquanto outras frações da grande burguesia, que tem melhores condições de
relativizar os julgamentos escolares, elevarm-se na hierarquia do dinheiro ou do poder
3.5 O HABITUS NA REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES ESCOLARES
Para compreender o sistema de relações entre as estruturas e as práticas,
Bourdieu e Passeron propõem a teoria do habitus. O habitus é o sistema de relações
circulares que une as estruturas às práticas, ele é o princípio que gera estratégias
objetivas como sequências de práticas estruturadas e que são orientadas por referência a
funções objetivas. O habitus permite compreender ações que trazem a marca da razão
sem serem conscientemente organizadas em relação a um fim explicitamente constituído,
que são inteligíveis sem serem provenientes de uma intenção inteligente e de uma
decisão deliberada e que são ajustadas ao futuro sem serem o produto de um projeto ou
plano.
Os autores afirmam que as práticas que o habitus engendra são comandadas pelas
condições passadas da produção do habitus. Essas práticas podem parecer
determinadas pela antecipação do futuro e de suas consequências por estarem
previamente adaptadas às condições objetivas, mas isso só ocorre quando as condições
em que o habitus funciona são iguais ou similares às condições na qual o habitus se
constituiu. Esse caso dá a ilusão de finalidade ou mecanicismo auto-regulado porque o
ajustamento das práticas às condições objetivas é perfeito e bem-sucedido.
Bourdieu e Passeron elucidam que a correspondência imediata entre as estruturas
e o habitus é um caso particular do sistema de casos possíveis de relações entre as
estruturas objetivas e as disposições. Quando as disposições correspondem às condições
objetivas, elas engendram expectativas e práticas que são objetivamente compatíveis
com as condições objetivas e previamente adaptadas com suas exigências objetivas.
Entretanto, no habitus há remanência do efeito dos condicionamentos primários. A
histerese do habitus pode levar à defasagem entre as expectativas e as condições
51
objetivas, explicando os casos em que as disposições funcionam a contratempo e as
práticas são inadaptadas às condições presentes pois estão ajustadas a condições que
não mais existem. Como exemplo disso, Bourdieu cita o caso em que detentores de
certificados escolares desvalorizados mas que nominalmente permanecem os mesmos
esperam obter as vantagens reais que na época anterior estavam vinculados a esses
certificados.
Bourdieu e Passeron afirmam que o habitus tende a engendrar todas as práticas
razoáveis que são possíveis dentro dos limites dessas regularidades, excluindo as
loucuras que são negativamente sancionadas por serem incompatíveis com as exigências
objetivas. Essas práticas razoáveis tendem a assegurar a correspondência imediata entre
a probabilidabitusade a priori e a probabilidade a posteriori ligada a um evento
estabelecidas através da experiência passada, e fora de todo cálculo racional ou
estimativa consciente das chances de êxito. Segundo os autores, as práticas que o
habitus engendra são ajustadas às condições objetivas quando o habitus for o produto de
condições semelhante às quais deve responder, quando as estruturas e mecanismos que
reproduzem as condições objetivas e/ou a situação dos agentes em relação a essas
estruturas não sofreu uma alteração importante. Nesse caso, as expectativas
correspondem com as probabilidades de saciá-las.
Os pesquisadores ressaltam que os agentes tem um sentido da realidade e um
senso das realidades que os leva a viver de acordo com sua condição, tornando-se
através de suas práticas inconscientemente cúmplice dos processos que tendem a
realizar o provável. As práticas dos agentes dependem da relação entre a estrutura
objetiva e a estrutura de distribuição dos diferentes capitais entre as classes. O habitus
tende a realizar o provável ao estabelecer a relação entre as chances médias de lucro e
as chances ligadas à classe da qual o agente faz parte. Bourdieu afirma que o habitus
guia-se por índices que está predisposto a perceber e decifrar, engendra práticas que se
antecipam ao futuro objetivo e assim gera respostas previamente adaptadas a todas as
condições objetivas iguais ou homóligas às condições de sua produção. Para o autor é
vão procurar o encadeamento linear de causas no emaranhado de relações significativas
que levam a uma prática adaptada ao provável. Exemplificando: o êxito escolar funciona
como um estímulo que redobra a propensão a investir na escola e reforça o efeito de
consagração exercido pela sanção escolar, portanto, reforça a adesão à autoridade
52
escolar. O futuro objetivo, em potência no presente só pode advir com a colaboração e
uma prática que, por sua vez, é comandada por esse futuro. Ter chances positivas ou
negativas e ser, ter ou fazer qualquer coisa predispõe a agir de forma que essas chances
se realizem.
Bourdieu analisa a influencia dos diferentes capitais (cultural, social e econômico)
nas disposições em relação ao futuro. De acordo com o autor, essas disposições
dependem do futuro objetivo do patrimônio considerando a posição atual e potencial do
agente ou grupo de agentes na estrutura de distribuição dos capitais econômico, social e
cultural. Portanto as disposições em relação ao futuro dependem do poder do agente
sobre os instrumentos de produção e de reprodução. O mundo econômico e social
apresentá-se aos agentes como um campo imediatamente estruturado, de um lado o que
já está apropriado pelos outros, do outro, o que pertence ao universo normal do que é
evidente. “Ter o poder é possuir em potência o uso exclusivo e privilegiado de bens ou
serviços formalmente disponíveis a todos: o poder dá o monopólio de certos possíveis,
formalmente inscritos no futuro de todo agente.” (BOURDIEU, 1998, p. 96). De acordo
com o autor, as diferentes classes tem poderes diferentes sobre o sistema de ensino,
sobre os lucros materiais e simbólicos proporcionados pelos diplomas, sobre os diferentes
privilégios que ele transmite. As classes despossuídas tendem a estabelecer uma
proporção entre os investimentos escolares e os lucros prometidos, antecipando os
vereditos do sistema escolar e assim contribuindo inconscientemente para a manutenção
do poder das classes dirigentes sobre o sistema de ensino. Bourdieu resslta que não se
herda apenas bens econômicos, mas também posições sociais possíveis de serem
ocupadas e maneiras possíveis de ser homem.
53
4. A PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa de campo foi realizada no Colégio Estadual Antônio Lacerda Braga
localizado no bairro Alto Maracanã de Colombo, região metropolitana de Curitiba. O
colégio tem turmas de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental à tarde, com turmas da 8ª
também no período da manhã, e do 1º ao 3º ano do Ensino Médio nos turnos da manhã e
da noite, assim como Ensino Técnico em informática à noite. São ao todo 2.300 alunos
matriculados no ano letivo de 2008. A escola tem biblioteca, sala de informática e ginásio.
Todas as salas contam com uma televisão enviada pelo Governo do Estado. O estado de
conservação do colégio é precário.
O primeiro contato com o Colégio Lacerda Braga deu-se no início de 2008. Como
requisito da licenciatura, precisava lecionar 10 aulas de sociologia para uma turma do
Ensino Médio. Devido a compatibilidade de horários, fiquei responsável em lecionar as 10
aulas na turma do 1º ano da professora Eliandra. Primeiro observei algumas aulas da
Prof. Eliandra e então lecionei as 10 aulas para uma de suas turmas da manhã, o 1º E.
Durante o primeiro semestre de 2008 fui várias vezes à escola, conheci as pedagogas e o
vice-diretor.
Em Outubro de 2008, voltei ao colégio para realizar as entrevistas com os alunos.
Conversei com o vice-diretor Nelson e ele permitiu que eu fizesse as entrevistas no
colégio sem nenhum problema. Circulando pelo colégio, fui perguntando aos alunos se
eles estavam dispostos a conversar comigo. Entrevistei cinco alunos, quatro meninos e
uma menina, de 15 à 17 anos que estavam cursando o 1º ano de Ensino Médio. Os
entrevistados foram escolhidos por sua disposição em relatar suas experiências escolares
e planos para o futuro. As entrevistas foram realizadas no colégio durante o recreio e
aulas vagas.
O objetivo da pesquisa era entender a relação desses jovens com a escola, a
cultura, e suas disposições em relação ao futuro. Analiso essas disposições através de
suas relações com o percurso escolar, o trabalho e a família desses jovens. De acordo
com Bourdieu (2007), o sentido dessas relações só é apreendido através de análises
diacrônicas, portanto analisei o percurso escolar e história de vida desses jovens.
54
4.1 APRESENTAÇÃO DOS DADOS
Marlon, 15 anos, nunca reprovou mas fica de recuperação e já passou por
conselho de classe. De acordo com ele suas notas “ são ruins. 50, 30.” Quando perguntei
porque ele achava que passou no conselho de classe, ele disse “A escola precisa ganhar
dinheiro né, daí ela não pode reprovar muitos alunos, daí fica fácil passar no conselho.”
Embora seu rendimento escolar seja fraco, ele valoriza o ensino escolar. Isso é
evidenciado por seu percurso escolar. Marlon relata que começou a estudar com 5 anos
na pré-escola, foi então estudar em outro colégio estadual de Colombo, o Guaraituba, e
na 7ª série transferiu para o Lacerda Braga. Ele diz que o motivo da transferência é que o
ensino no Lacerda Braga é melhor. “O Guaraituba era bom só que muito fraco o ensino
[...] os professores faltavam demais. Tinha professor que chegava na escola e falava bem
assim: ah, hoje eu não quero passar nada, abre o caderno e fingi que está copiando
alguma coisa. Daí eu resolvi vir para o Lacerda. Aqui é melhor só que é mais difícil passar
de ano, né. [...] Cobram mais.”
O pai de Marlon é pedreiro e sua mãe professora de 1ª a 4ª que segundo ele “ta
parada agora. [...] Parou por um tempo. É que enche o saco os alunos”. O menino estuda
de manhã e trabalha à tarde. “Eu faço um monte de coisas. Tem vezes que eu vou lá
entregar panfleto. Tem vezes que vou lá ajudar os caras no material de construção.” Ele
relata já ter comprado um videogame com seu dinheiro. Ele diz não ter o hábito de
estudar em casa e raramente fazer as lições de casa pois está muito cansado quando
chega do trabalho.
Marlon diz que sua mãe o ajuda com as lições do colégio. É ela também que mais
o cobra. “ela quer que eu passe de ano. Geralmente os pais sempre falam assim, se você
não passar de ano e chegar em casa, oh, já leva, né. Daí ela cobra bastante. Meu pai já é
menos. Pouco, né, porque ele não estudou muito. Não cobra muito.” Ele diz que vai
terminar o 2º grau “com certeza” e depois pretende fazer faculdade de veterinária.
Quando perguntado pelo motivo dessa profissão ele disse, “um hobby [...] eu gosto de
bicho, tem bastante cachorro lá em casa, gato tem um monte.” Mas a convicção em fazer
uma faculdade não é tão grande como a de terminar o 2º grau. Ele diz “acho que dá, dá
né [fazer faculdade]”. Ele diz que terminar o 2º grau pra ele representa “conseguir um
55
emprego bom. Quem não tem segundo grau hoje, até pra gari tem que ter 2º grau.”
As disposições de Marlon são construídas num contexto ambíguo. De um lado ele
percebe que a escola é uma forma dele conseguir um emprego melhor do que o pai, de
outro, ele já trabalha e não investe seu tempo nos estudos. A veterinária é um sonho,
terminar o 2º grau para não ter que exercer um trabalho tão extenuante como o do pai é a
ambição concreta que orienta suas ações. Nesse contexto há também o papel da mãe,
que o incentiva, o ajuda e cobra um mínimo desempenho no colégio (passar de ano).
O percurso escolar de Alan, 17 anos, é um pouco mais atribulado. Ele relata não
ter reprovado até a 8ª série, mas quando entrou no 1º ano no Lacerda “me envolvi com a
galera, ia pro colégio e ficava de zoação, tava indo mal e parei. No outro ano foi a mesma
coisa.” Este ano ele estava cursando e 1º ano de ensino médio pela terceira vez e suas
notas eram fracas, mas ele esperava passar de ano. Ele diz que pretende terminar o
ensino médio. Quando perguntei quais eram seus planos para o futuro ele disse, “ ah, não
sei. Agora não penso em nada.”
Alan trabalha num buffet infantil cuidando das crianças num brinquedo. “é bem de
boa lá. Trabalho três horas e meia por festa e ganho 30 reais. (com o dinheiro) compro de
tudo, roupa, tênis, saiu bastante.” Sua irmã mais velha trabalha como coordenadora do
buffet e o levou para trabalhar lá.
Alan também faz um curso de auxiliar administrativo aos sábados de manhã. Ele
diz que entraram em contato com ele e disseram que ele tinha ganho uma bolsa para
fazer o curso, por isso resolveu fazer. Ele paga 90 reais por mês, e estuda das 8 às 11 da
manhã aos Sábados. Mas ele não se mostra muito entusiasmado com o curso nem com o
futuro que o curso possa lhe oferecer. “Eu vou lá porque já paguei. Lá tem estágio, mas
estágio é duzentão. Tinha um estágio lá pra trabalhar com cobrança mas daí era seis
horas por dia e ganhava 200 reais por mês. Daí eu pensei, ah vou ficar lá (no buffet
infantil) que eu ganho mais e trabalho menos.”
Alan não percebe na escola ou no curso uma possibilidade para ter uma condição
financeira melhor ou uma realização pessoal. O contexto familiar no qual suas
disposições foram formuladas não estimulam o investimento escolar. Ele relata que sua
irmã, 27 anos, com quem trabalha, estudou até o 1º ano de ensino médio. “ela diz assim,
‘ah eu não preciso de estudo, eu já tenho um trabalho.” A mãe de Alan estudou até a 6ª
série e trabalha como camareira num hotel. Ele diz que ela não cobra um desempenho
56
seu no colégio. “ela só quer saber se eu vou passar de ano. Daí eu falo ‘ah mãe acho que
vai dar, ou não. Ela não cobra, ela só pergunta.” Os pais de Alan são separados, ele
morou com o pai até um ano de idade. O pai lhe paga pensão. “como eu trabalho, daí eu
dou o dinheiro para a minha mãe.” Alan diz que nenhum conhecido seu fez faculdade,
quando perguntado e gostaria de fazer ele diz “agora não penso. Acho que vou pensar só
quando tiver no 2º, 3º ano”. Ele não sonha com nenhuma profissão e diz não fazer planos
para o futuro.
Kelly, 16 anos, está cursando o 1º ano pela segunda vez. Ela descreve seu
percurso escolar, “ da 1ª à 7ª série eu fui super bem, daí quando cheguei na 8ª série eu
comecei a vacilar, bagunçava, matava aula, daí eu acabei reprovando. No outro ano eu
passei direto. Mas no 1º ano eu mudei aqui pro Lacerda, era mais puxado, eu tinha duas
matérias a mais, daí eu reprovei. To aqui agora tentando passar né. Tá difícil.” Assim
como Marlon, Kelly também pensa o colégio atual como mais ‘puxado’. “Os professores
cobram mais, Química assim, a professora cobra pra caramba, ou você aprende ou você
aprende. A maioria é assim sabe.”
Kelly é casada há um ano e se mudou a pouco tempo com o marido para uma casa
no Alto Boqueirão, bairro que fica bem longe de Colombo. Sobre sua relação com o
trabalho ela diz, “ trabalhei num mercadinho perto da minha casa mas agora não to
trabalhando. Ano que vem pretendo começar a procurar. Esse ano não porque quero
muito viajar.” Ela recebe pensão de seu pai que é separado de sua mãe. Assim como
Alan, ela faz um curso de auxiliar administrativo aos sábados de manhã. Sobre como
decidiu fazer o curso ela diz, “ é um curso particular. Eu foi sorteada pela Ipiranga e
ganhei meia bolsa lá. É 110 reais por mês e tenho sete meses grátis.” Ela já faz o curso a
um ano e oito meses e diz que já está terminando. Ela pretende arranjar um trabalho
nessa área. O curso não tem convênio com nenhuma empresa para encaminhar para
estágios, apenas coloca em edital as ofertas. A relação de Kelly com o curso é diferente
da relação do Alan. Alan compara os estágios que ofertam com o emprego que já tem.
Ele compara o salário e o tempo de trabalho. nos seus cálculos não entram perspectivas
de promoção, de aprendizado ou de realização pessoal. Tanto o trabalho no buffet como
o estágio na empresa de cobrança não trazem essas dimensões para ele. Ao comparar a
carga horária e o salário, ele prefere ficar no buffet. Já Kelly compara o estágio com seu
antigo trabalho como caixa no supermercado. Ela se entusiasma com o curso e diz, “eu
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gosto muito de lá. Agente mexe bastante no computador, faz planilha, gráfico, é bem
legal. [...] Eu acho que lá é um aprendizado a mais porque aqui no colégio agente não
aprende isso, não tem o costume de ficar indo pro laboratório [de informática]”
Kelly diz querer terminar o segundo grau. Quando perguntei se ela pretendia fazer
faculdade ela disse, “antes eu queria fazer medicina e agora eu quero fazer psicologia.
Até lá eu decido.” O marido de Kelly trabalha como pedreiro, fazendo reformas junto com
o seu pai. Ele não concluiu o segundo grau, parou de estudar para trabalhar. O pai de
Kelly é segurança e também não concluiu o segundo grau. A mãe de Kelly é babá e
voltou a estudar agora para concluir o ensino médio. Kelly diz que tanto sua mãe quanto
seu marido a incentivam a estudar. Sobre os incentivos de seu marido ela diz, “ele me
cobra porque, bom, ele parou de estudar porque ele quis, porque a mãe dele cobrava um
monte ele. Ele não quer que eu fique aí trabalhando de empregada doméstica. Ele fala
que eu tenho que estudar para ter um futuro melhor.”
4.2 A ANÁLISE DOS DADOS
O primeiro fato a observar é que nenhum desses jovens teve um desempenho
escolar excepcional que fizesse com que eles investissem nos estudos. Os desempenhos
variam do jovem que nunca reprovou, mas passa de ano com recuperações e conselho
de classe, até o jovem que já abandonou o colégio no meio do ano duas vezes e está
cursando o 1º ano de ensino médio pela terceira vez.
Os três jovens percebem como responsabilidade sua esses resultados escolares:
Alan e Kelly dizem que o motivo pelo qual reprovaram é que ficaram ‘de zoação’. Na fala
de Marlon, percebe-se que ele se culpa pelo seu fraco desempenho na resposta à
pergunta sobre qual matéria mais gostava e qual menos gostava. Ele diz que gosta mais
de História e de Química “porque me dou bem, consigo aprender alguma coisa”, e gosta
menos de Matemática e Português porque “é difícil de aprender”. Alan diz que vai mal
porque “tem bastante trabalho e eu não faço”. A responsabilização do fracasso escolar
nos alunos aparece na fala de Kelly quando ao perguntada se a professora de
Matemática tinha alguma influência no fato dela não gostar da matéria e não entendê-la,
58
ela diz, “ a sala não ajuda, fica bagunçando, daí a professora se estressa”. Esses jovens
interiorizam seu fracasso escolar como uma incapacidade sua de apreender a matéria
ensinada e como uma culpa sua de não prestar mais atenção e estudar mais.
Embora todos tenham um rendimento escolar fraco, suas perspectivas em relação
ao futuro através da educação variam. Marlon, que expressou a disposição mais forte em
investir nos estudos e continuá-los para além do ensino médio, tem como referência o pai
pedreiro e que não concluiu o ensino fundamental e a mãe professora que concluiu o
ensino médio. A mãe o incentiva a investir na escola, ela o ajuda nas lições e cobra seu
desempenho no colégio, pois deve sua profissão ao seu investimento escolar. Marlon
conta que tem uma irmã mais nova de 12 anos que estuda no Guaraituba e também
deseja mudar para o Lacerda Braga porque o colégio é ‘mais forte’. Quando perguntei se
ele tinha algum parente ou vizinho que cursou ou estava cursando o ensino superior ele
respondeu, “acho que não”. Marlon disse que quando terminar o terceiro ano vai fazer
cursinho, mas ele não sabia onde havia um cursinho, ou se havia um em Colombo.
Também não sabia qual faculdade iria prestar vestibular para Veterinária. O fato de não
conviver com pessoas que tenham seguido a carreira escolar e, no cotidiano, não circular
por lugares onde há faculdades, restringe suas informações sobre o percurso escolar para
além do ensino médio. Assim, ele não tem nenhuma estratégia formulada explicitamente
para chegar à universidade, demonstrando que sua vontade em fazer veterinária é mais
um sonho do que uma esperança subjetiva, tal como definidos por Bourdieu e Passeron.
Alan tem a mãe e as irmãs como referência. Sua mãe estudou até a sexta série do
ensino fundamental. Ela não o incentiva e acompanha vagamente seus estudos. Ele tem
duas irmãs mais velhas, uma que é dona de casa e terminou o ensino médio, e a outra
que abandonou os estudos no primeiro ano do ensino médio, alegando não precisar mais
estudar pois já tinha um emprego bom. Ele também diz não ter ninguém no seu círculo
social que tenha ido para a faculdade. Alan afirma não pensar no futuro e não fazer
planos. Essa falta de planos pode ser entendida através das colocações de Dayrell de
que os jovens vivem o presente porque o futuro que lhes é apresentado não é atraente.
A desilusão desses jovens em relação à um futuro redentor através da escola
demonstra que eles apreendem as condições objetivas de vida de suas famílias e
vizinhos e suas preocupações maiores são em evitar a pobreza, o desemprego e as
profissões desvalorizadas, mal remuneradas e extenuantes . Embora alguns sonhem com
59
o ensino superior e profissões de prestígio, nenhum jovem tem um conhecido que tenha
cursado o ensino superior. A faculdade é mais um sonho, um futuro distante. A
preocupação mais eminente é em ter um emprego que possa suprir suas necessidades
de sobrevivência e de consumo, poder comprar roupa, tênis, um videogame, sair. A
escola é mais uma etapa obrigatória para conseguir um emprego do que um investimento
para ascender socialmente. Freqüentá-la e terminá-la é a preocupação no momento.
Um novo aspecto surgiu com as entrevistas: os cursos particulares de auxiliar
administrativo que recrutam jovens estudantes de escolas públicas. A forma como esses
cursos atuam, como eles abordam os jovens, os conteúdos que transitem e porque esses
jovens investem tempo e uma quantia significativa de seus orçamentos nesses cursos são
questões que precisam ser melhor pesquisadas. Uma hipótese é que esses cursos
privados de auxiliar administrativo são um investimento a mais para tentar garantir um
emprego que não seja extenuante e desvalorizado, já que os jovens sentem que o
investimento escolar, com a conclusão do ensino médio, não é suficiente. Dessa forma,
esses cursos corroboram a visão desiludida da escola e do futuro por ela oferecido.
60
CONCLUSÃO
Essa pesquisa contribui para a discussão sobre a desilusão dos jovens com
relação à escola e ao futuro oferecido pelos estudos. Ela comprova, ainda que
parcialmente, algumas das hipóteses dos autores apresentados na revisão bibliográfica,
dentre as quais, particularmente, a de que o desinteresse pela educação é pré-
determinado socialmente. Nesse sentido, a teoria da reprodução escolar, de Bourdieu
(2007, 2008), foi o que me permitiu, inclusive, elaborar um questionário e desenvolver
uma pesquisa de campo.
Um primeiro passo que empreendi foi apresentar e dialogar com uma bibliografia
que problematizasse os múltiplos significados da categoria “jovem”, em suas várias
dimensões: no âmbito da cultura, na sua relação com a escola, com a família, com o
trabalho. Dessa discussão apresentada, tomo como definição de jovem, aquela
apresentada por Dayrell (2003, 2007), segundo a qual o jovem é um sujeito social que se
constrói enquanto tal na especificidade dos recursos de que dispõe.
Esta interpretação permitiu-me incorporar a teoria bourdiana da reprodução social,
uma vez que, no caso dos jovens pesquisados, em sua totalidade, jovens pobres de
periferia, os sentidos elaborados por eles para dar conta de sua experiência escolar, em
grande parte eram determinados pelas condições objetivas, presentes em suas
trajetórias. No entanto, até para que essa incorporação fizesse sentido para minha
pesquisa, empreendi um conjunto de leituras que abordaram o contexto histórico no qual
a teoria da reprodução de Bourdieu surgiu e se desenvolveu, bem como expus algumas
de suas implicações mais diretas com relação ao meu objeto.
Por fim, acompanhei um pouco da trajetória escolar e vivencial de três jovens,
alunos do 1º ano do ensino médio, buscando compreender o sentido que estes davam
não só à escola, mas também ao futuro profissional. Passo extremamente importante da
pesquisa, embora, a meu ver, incompleta: se, por um lado, busquei compreender esses
jovens em sua totalidade, desvencilhando-me de um conjunto pre-definido de estereótipos
e representações, por outro, creio que a pesquisa focou apenas num dos aspectos dessa
desilusão, que são as disposições desses jovens com relação ao seu futuro e o que a
escola representa para a realização de suas perspectivas.
Outros aspectos igualmente importantes da desilusão escolar, como a relação dos
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jovens com a cultura transmitida pela escola e a distância dessa cultura escolar da cultura
que herdam do seu meio familiar não foram, contudo, abordadas.
Como apontei na introdução, uma das dificuldades da pesquisa foi justamente a
compreensão da relação entre o capital cultural do aluno e sua família, e o capital cultural
escolar, questão central para o entendimento da dimensão da desilusão. No entanto, creio
que, enquanto exercício de pesquisa, essa monografia cumpriu com um aspecto
importante, ao menos para mim: perceber onde estão as lacunas e o que é preciso para
superá-las.
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REFERÊNCIAS
ABRAMO, H. W. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil: In. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 5-6, p. 25-36, 1997. ALMEIDA, A. M. F.; PRESTA, S. Fronteiras imaginadas: experiências educativas e construção das disposições quanto ao futuro por jovens dos grupos populares e médios. In. Educação e Sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, p. 401-424, maio-ago. 2008. BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2007. p.39-64. BOURDIEU, P. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 72-79 BOURDIEU, P. Futuro de classe e causalidade do provável. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. Pierre Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2007. p.81-126. BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2008. DAYRELL, J. O jovem como sujeito social. In. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 24, p. 40-52, 2003. DAYRELL, J. A escola “faz” as juventudes: reflexões em torno da socialização juvenil. In. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1105-1127, out. 2007. NOGUEIRA, M. A. A sociologia da educação no final dos anos 60-início dos anos 70: o nascimento do paradigma da reprodução. In. Em Aberto, Brasília, n. 46, abr. jun. 1990. SPOSITO, M. P. Estudos sobre juventude em educação. In. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 5-6, p. 37-52, 1997.
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ANEXO
ROTEIRO DE PERGUNTAS
Percurso Escolar:
Com quantos anos começou a estudar? Como era a escola? Quais eram as atividades?
Como era sua relação com os outros alunos, com a professora? O que se lembra dessa
fase?
Em quais escolas estudou? Como foram suas notas? Reprovou alguma vez?
Como é seu relacionamento com os colegas da escola? Tem alguma turma? Se
encontram fora da escola? O que faz no recreio? Participa de alguma atividade extra-
classe?
Como é seu relacionamento com os professores, diretores, pedagogos? Quais matérias
mais gosta? Quais menos gosta? Por que?
Capital Cultural:
Como é seu cotidiano?
O que faz no tempo livre? Pratica algum esporte? Sai para dançar? Que tipo de música?
Joga algum jogo? Se encontra com os amigos? Onde?
Que tipo de música você gosta? Toca algum instrumento?
O que escutam na sua casa?
Que programas assiste na TV? Quanto tempo assiste TV?
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Quais sites acessa na internet? Fica quanto tempo na internet? Desde quando acessa a
rede?
Você gosta de ler? O que você lê? (gibi, revista, jornal, livros? Quais?) Você frequenta
alguma biblioteca? E a da escola? Com qual frequência? Quais livros empresta? Na sua
casa, o que lêem?
Gosta de filmes? Quais? Onde assiste aos filmes? Com quem? Quais seus preferidos?
Futuro:
Pretende terminar o segundo grau?
O que pretende fazer depois?
O que o diploma de conclusão do segundo grau representa para você?
Qual a importância do estudo para seu futuro?
Com que pretende trabalhar? Tem metas, projetos, estratégias para conseguir isso?
Disposições
Qual a importância da escola na sua vida? Que papel ela ocupa? Quanto tempo se dedica
aos estudos fora da sala de aula?
Seus pais/responsáveis acompanham seus estudos? Te cobram boas notas? Te
incentivam a estudar? O que eles desejam para você com relação à escola?
Como é sua família (pai, mãe, irmãos, etc...) Eles estudaram até que série? Trabalham
com que?
Seus amigos e vizinhos estudaram até que série? Trabalham com que? Qual a relação
entre sua escolaridade e seu trabalho? Fizeram algum curso profissionalizante?