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TEMPO COMUNIDADE, EDUCAÇÃO DO CAMPO E RESISTÊNCIA
CAMPONESA NO ASSENTAMENTO MILTON SANTOS
Ana Salles de Simas1
Danitielle Cineli Simonato2
Ellen Gallerani Correa3
José Simões Nunes4
Marcelo de Albuquerque Vaz Pupo5
Mayra Vergotti Ferrigno6
Theo Martins Lubliner71
RESUMO: A chamada Educação do Campo é estruturada em dois momentos pedagógicos: o
Tempo Comunidade (TC), compreendendo a vivência na comunidade rural, e o Tempo Escola
(TE). Ambas as etapas dessa proposta de educação (Pedagogia de Alternância) promovem
aprendizado e geram conhecimento. Mas é sobre o caráter de vivência do Tempo Comunidade
o principal foco desse artigo, realizado por estudantes de especialização lato sensu do curso
do PRONERA – Residência Agrária, da Faculdade de Engenharia Agrícola, UNICAMP. Já
percorremos dois Tempos Escola e no presente momento estamos no segundo Tempo
Comunidade. Pudemos escolher o Assentamento Milton Santos (ou Projeto de
Desenvolvimento Sustentável Comuna da Terra Milton Santos), que se localiza na região
metropolitana de Campinas para a vivência do TC. Motiva-nos o protagonismo que os
agricultores e agricultoras deste assentamento desempenharam durante as ofensivas jurídicas
ao longo do ano de 2012, quando, ameaçadas de desejo, as 68 famílias se manifestaram
através da ocupação do prédio do INCRA e do Instituto Lula, ambos na capital paulista. Estes
acontecimentos direcionam nossa integração junto à comunidade ao mesmo tempo que nos
oportunizam uma rica formação política. O processo de apreensão da realidade durante os
primeiros meses deste ano de 2014 nos indica a multiplicidade de fontes de informação e
intercessores que o território possui entre a gestão campesina de vida e trabalho e o canavial
sucroalcooleiro que circunscreve os 104 hectares conquistados em 2005. O presente artigo
propõe dialogar com a Educação do Campo, de forma que, juntos à comunidade, possamos
contribuir para efetivar práticas como estratégia de resistência e permanência na terra ocupada
e a produção sadia de alimentos.
1Residente Agrária - UNICAMP – [email protected]
2 Mestra em Agroecologia e Desenvolvimento Rural – UFSCar – [email protected]
3 Doutoranda em Ciência Política – UNICAMP - [email protected]
4 Mestrando em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável – UFFS - [email protected]
5 Doutorando em Ensino de Ciências – UNICAMP - [email protected]
6 Mestra em Antropologia Social – UNICAMP – [email protected]
7 Mestrando em Economia – UNICAMP - [email protected]
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1. INTRODUÇÃO
É possível conceber diversas formas de se estabelecer uma relação entre universidade
e setores da sociedade para fins de pesquisa e produção de conhecimento. O fato de que é
possível identificar uma pluralidade de formas com que pesquisadores atuam é notório,
portanto, na afirmação de que a universidade é palco permanente de disputas que incidem
diretamente nas posturas em jogo, principalmente entre àquelas pessoas diretamente
envolvidas na sistematização dos dados e na publicação de conhecimentos.
Ou seja, falamos aqui do método, do como, e de projetos político-pedagógicos que o
orientam.
Partindo desse pressuposto, pensemos então em dizer algumas palavras sobre como se
deu e se dá a relação entre os estudantes e o assentamento, atentando para o fato de que na
composição do grupo que atua no assentamento pela Residência Agrária contamos com um
morador do Milton Santos.
Esse fato implica numa certa inserção para se estabelecer os primeiros contatos e
aproximações com as famílias e com a comunidade, e de certa forma este é um dos fatores
que contribuem para que tenhamos apoio, boa acolhida e colaboração para com nossas
demandas enquanto educandos.
O contexto político dessa relação que agora se estabelece pelo curso do PRONERA,
no entanto, é mais amplo, fazendo com que alguns de nós já tivéssemos contato e atuação
conjunta com a organização do assentamento e algumas de suas lideranças, sejam do MST ou
não.
Esses dois fatores fizeram com que nosso contato inicial para efetivar o tempo
comunidade se desse por uma dessas lideranças, fator que influencia nosso trabalho até o
momento. Deixar claro nosso propósito enquanto educandos, nos apresentarmos como grupo
disposto a contribuir com os projetos em andamento e perceber as demandas locais e já
existentes foi uma preocupação que tivemos, buscando uma postura que possa assumir
responsabilidades que não se restrinjam às tarefas universitárias, mas que exercite a
solidariedade política que seja cabível e viável no transcurso do tempo que lá estivermos.
Essa intenção nos mobiliza a entrar em contato com outros núcleos de base e outros
sujeitos e lideranças locais, afim de que possamos visualizar da melhor maneira o cenário em
questão e seus conflitos. Acreditamos que estes, antes do que meros desvios de rota, são, ao
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contrário, elementos que reafirmam o processo democrático, e que distorções ocorrem quando
as decisões que incidem sobre a comunidade não contam ou contam pouco com a participação
direta das famílias envolvidas. As formas e canais de expressão onde o indivíduo ou grupo de
indivíduos possam se utilizar maneira que se sintam contemplados em seus desejos e
vontades, são, nesse sentido, essenciais à participação popular.
Ao mesmo tempo, recompor e reinventar as estruturas de representatividade política
não é uma tarefa fácil e elementar, e é exatamente por esse motivo que a canalização da
criatividade e dos esforços coletivos é imprescindível para que os problemas e os inevitáveis
abalos possam ser encarados em co-responsabilidade. Nesse sentido, os aprofundamentos
conceituais da prática associativa e cooperativa devem ser levados em conta. Como dizem
alguns autores, a autogestão da sociedade prepara-se na autogestão das lutas — os
assentamentos, entre outros territórios populares, são, portanto, vistos como espaços de
excelência na luta pela transformação social.
Esta assunção é uma das vertentes com as quais o núcleo de educandos do Milton
Santos pode contribuir e alocar disposição, o que nos remete a compreender as implicações
conceituais que geram interlocução entre o papel da universidade, a educação do campo e os
territórios camponeses. Como educandos nos interessa viver e estudar os significados postos
pelas pessoas do assentamento Milton Santos. Acreditamos que a aproximação com a base,
com as famílias e seu cotidiano, são essenciais para a formação que a Residência Agrária
proporciona.
E é este jogo de significados, os sentidos que nos promovem a reflexão sobre
produção de vida e alimento e suas implicações socioambientais, que têm a capacidade de
atenuar fronteiras e limites — culturais, econômicas, étnicas. Aproximação para promoção da
alteridade transformadora que refaz identidades.
Nesse âmbito de interação, a identificação de afinidades gera simpatia e afetividade;
respeito e amizade. Os propósitos se aproximam em planejamento e estratégias, em
cooperação, em parceria que satisfaz a razão acadêmica e a sensibilidade das emoções. Nem
toda prática pedagógica é um ato de amor, mas quando é ou tem chance de ser, ela torna-se
algo pra além da formalidade e da institucionalidade que a promove, ela torna-se a amálgama
de rotas de vida que reinterpreta a ação humana.
É, portanto na relação com os agrupamentos — famílias, jovens, grupo SAF-Horta,
rádio comunitária — onde repousa a essência organizativa do assentamento e onde
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pretendemos permanecer, fortalecendo os esforços na produção orgânica e em sua
comercialização, atividades que se vinculam à própria essencialidade de um assentamento
rural. Esta é a estratégia sociopolítica do grupo, fazer acontecer as atividades produtivas e
fazer valer canais de expressão e comunicação desse papel social que cumpre a comunidade,
dando visibilidade à agricultura familiar e camponesa e à agroecologia.
2. EDUCAÇÃO DO CAMPO E PRONERA
O processo de aprendizagem baseado na Pedagogia de Alternância é um dos pilares da
Educação do Campo, cujos princípios inspiraram o Programa Nacional de Educação da
Reforma Agrária (PRONERA) e, consequentemente, o curso de especialização lato sensu
Residência Agrária. Desta forma, para iniciar nossa reflexão sobre o tema, retomaremos
brevemente o processo de constituição da Educação no Campo no Brasil, bem como seus
principais fundamentos.
De acordo com Caldart (2008), a Educação do Campo nasceu como
mobilização/pressão de movimentos sociais por uma política educacional para comunidades
camponesas. Este processo de mobilização/pressão combinava tanto as lutas dos sem-terra
pela implantação de escolas públicas nas áreas de reforma agrária quanto as de diversas
organizações e comunidades camponesas para não perder suas escolas, suas experiências de
educação e seu próprio território. Em outras palavras, a Educação do Campo teve origem nas
experiências de luta pelo direito à educação e por um projeto político-pedagógico vinculado
aos interesses da classe trabalhadora no campo, a qual é composta por uma diversidade de
segmentos sociais: povos indígenas e da floresta, comunidades tradicionais e camponesas,
quilombolas, agricultores familiares, assentados, acampados, extrativistas, pescadores
artesanais, ribeirinhos e trabalhadores assalariados rurais (CALDART et al., 2012).
O movimento da Educação do Campo teve como ponto de partida o I Encontro
Nacional de Educadores da Reforma Agrária (ENERA) realizado em 1997 e a expressão
“Educação do Campo” foi cunhada posteriormente na I Conferência Nacional Por Uma
Educação Básica do Campo ocorrida em Luziânia/GO em 1998. Como resultado destes
espaços de discussão e articulação dos movimentos sociais e sindicais do campo, é criado o
PRONERA em 16 de abril de 1998 por meio da Portaria n. 10/98.
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A Educação do Campo tem como um dos seus fundamentos a construção de um outro
projeto de campo e de educação que seja alternativo à visão liberal de educação atualmente
hegemônica. Segundo Caldart (2008), um dos aspectos centrais deste novo projeto é a
proposta de uma visão alargada de educação em contraposição a uma visão “escolacentrista”,
que toma a escola como referência única em todos os processos formativos. Este aspecto da
Educação do Campo está diretamente relacionado ao tema de nossa discussão neste artigo.
Mais adiante, discutiremos algumas das dificuldades que essa nova proposta encontra para se
concretizar na prática, sobretudo quando ela se articula com o modelo tradicional de
construção do conhecimento das universidades, já que os cursos do PRONERA se dão pelas
parcerias com estas instituições de ensino.
Neste sentido, a visão alargada de educação reivindicada pela Educação do Campo
consiste em pensar a lógica da vida do campo como totalidade em suas múltiplas e diversas
dimensões. Ou seja, esta proposta pedagógica procura dar conta dos diversos processos
formativos que os sujeitos coletivos do campo estão envolvidos: processos econômicos,
políticos e culturais. Dentro desta concepção, a escola é um dos espaços onde estes processos
formativos ocorrem, mas não o único (CALDART, 2008). É dentro desta perspectiva,
portanto, que o método da Pedagogia da Alternância utilizado nos cursos do PRONERA se
insere. Seu objetivo é formar educadores e extensionsitas a partir da articulação do ensino
escolar (Tempo Escola) com a vivência na comunidade (Tempo Comunidade) com intuito de
promover esta “visão alargada de educação”.
3. TEMPO COMUNIDADE: UM MOMENTO DE APROXIMAÇÃO
Segundo o Manual de Operações do PRONERA (Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária) 2012, os projetos devem apresentar uma estratégia de ação para o Tempo
Comunidade. Neste período, os educandos devem atuar nas áreas de assentamento em equipes
interdisciplinares para realizar uma vivência com as famílias e realizarão um diagnóstico, na
perspectiva de compreensão da realidade local. Nesse sentido é importante compreender que o
objetivo central desse primeiro momento é o estabelecimento de uma relação de confiança e
companheirismo entre residentes e assentados e não um “diagnóstico da realidade local”. Para
tanto é imprescindível que haja um entendimento coletivo da equipe de educandos de que essa
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relação não se trata de mais um projeto de pesquisa, mas sim de uma relação de solidariedade
entre diferentes sujeitos da luta pela terra.
Nossa aproximação com o assentamento se deu através de um dos membros da equipe
e de uma assentada, ambos companheiros de luta pela terra na Região de Campinas, ou seja,
essa relação se construiu não de um diagnóstico ou simplesmente por uma boa intenção de
algumas pessoas em contribuir com o desenvolvimento do assentamento, mas por uma
ligação orgânica de companheirismo através da luta pela existência do Assentamento Milton
Santos e por uma luta maior.
Através desse contato, a ideia inicial era conhecermos com maior propriedade o
assentamento e a vida dos assentados. Para tanto, resolvemos estabelecer uma conversa com
as famílias, as lideranças e os coordenadores da associação do assentamento, para conhecer as
atividades que estão sendo desenvolvidas no assentamento e com as quais poderíamos
contribuir. Foi na aproximação dessas atividades que começamos a conhecer melhor o
assentamento e os(as) assentados(as).
Ao contrário de uma prática comum, seja na extensão, da pesquisa ou da pesquisa-
ação, de realização de questionários ou entrevistas, optamos por conversas informais,
participação em espaços coletivos, espaços de confraternização e de trabalho/mutirão.
Optamos por não aplicar as diretrizes como um questionário fechado, ou uma conversa formal
cheia de perguntas, pois consideramos esse tipo de intervenção constrangedora a qual boa
parte dos assentados já estão saturados, como relatados por muitos. Boa parte dos assentados
está cansada de pesquisadores que usufruem de informações dos assentamentos, enquanto a
realidade do assentamento em nada melhora, ou piora. Nosso objetivo era, portanto, criar um
laço de respeito, confiança e solidariedade, em vez de insistirmos em obter informações a
qualquer custo.
Para obter outros dados que nos eram necessários para compreender aquela realidade,
optamos por ver alguns trabalhos (monografias, artigos, teses, dissertações, vídeos,
documentários) que já foram feitos sobre o assentamento, inclusive alguns deles pelos
próprios assentados.
4. ALGUNS DADOS E RELATOS SOBRE O ASSENTAMENTO MILTON SANTOS
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O Assentamento Milton Santos está localizado no município de Americana, na Região
Sudeste do Estado de São Paulo. Está situado na bacia do córrego Jacutinga, entre os
municípios de Americana e Cosmópolis e foi homologado em 23 de dezembro de 2005.
O assentamento é composto atualmente por 68 famílias, distribuídas ao longo de uma
área de aproximadamente 104 hectares, cada lote tem cerca de 0,97 hectares, este também
possui duas áreas sociais de um hectare aproximadamente, sendo uma no município de
Americana e outra no município de Cosmópolis.
O assentamento foi criado a partir de uma nova proposta de assentamento vislumbrada
pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o PDS (Projeto de
Desenvolvimento Sustentável). Os PDS foram criados pela Portaria Inteministerial nº. 01, do
Ministério de Desenvolvimento Agrário e o Ministério do Meio Ambiente, de 24 de janeiro
de 1999, e consistem na produção de alimentos mesclada com a produção florestal, por meio
da implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), além do manejo destas áreas para a
extração de essências, óleos, madeiras, palmito, etc. (JULIO, 2006).
No caso do assentamento Milton Santos, sua construção baseou-se em uma nova
concepção de Reforma Agrária: a Comuna da Terra, na qual os títulos da terra não são
concedidos individualmente, mas passados para todos os assentados, como uma forma de
evitar a evasão dos assentados e irregularidades no acesso a terra como a compra/venda de
lotes.
egundo ilva “a Comuna da erra possuiria alguns elementos diferenciais em
relação aos assentamentos antigos, nos uais a valori ação da comunidade enfati ada,
buscando a construção de um espaço social e político comum”.
As famílias se organizam através da formação de núcleos, além de disporem de um
espaço destinado a atividades coletivas, que corresponde à área de uso comum do
assentamento, local onde acontecem as mais diversas atividades, como oficinas, seminários,
reuniões, místicas, festas, cerimônias religiosas etc (SILVA, 2007).
O assentamento é formado por famílias, em sua maioria de origem urbana, que
viveram muitos anos em cidades próximas como Limeira, Sumaré e Campinas, e a área do
assentamento está inserida em uma região tradicional de latifúndios monocultores de cana-de-
açúcar.
Por vezes, a demanda de assistência técnica é necessária, visto que as famílias viviam
em áreas urbanizadas. Sabemos que de fato há assistências técnicas positivas, com trocas de
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conhecimentos entre a equipe que vai ao assentamento e os assentados. Por outro lado, há
muitas visitas técnicas negativas, pois a experiência diária dos assentados não é considerada
como conhecimento a ser compartilhado e o conhecimento científico do profissional técnico
acaba por atravessar outros tipos de saberes. Mesmo que algumas famílias tenham origem
urbana, a vivência desses agricultores no assentamento as capacita diariamente. O técnico
apenas complementaria essa experiência.
A pesquisa de SALIM (2007) nos conta uma história de luta até a conquista da terra
pelos assentados.
A conquista do Pré-Assentamento Comuna da Terra Milton Santos foi o
resultado de quarenta e dois dias de luta e ocupações por um grupo de
famílias em busca do acesso a terra. Muitos deles já faziam parte do
movimento e tiveram participação em outros acampamentos em sua
trajetória de vida e luta.
Este processo de luta, as informações sobre as ocupações e a descrição do
pré-assentamento foram levantadas a partir de entrevistas realizadas ao longo
dos trabalhos de campo com os integrantes do MST. Entrevista com
funcionários do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP);
consultas à reportagens de periódicos e bibliografia sobre o assunto.
O grupo que realizou os acampamentos foi formado através de um trabalho
de base realizado por integrantes do MST no segundo semestre de 2005, na
Região Metropolitana de Campinas (RMC) e município de Limeira.
Os militantes do MST se espalharam nos bairros dos municípios divulgando
que estariam realizando um trabalho de base, explicando a situação, que a
luta pela reforma agrária começa debaixo da lona preta, com vento, chuva e
sol.
Desta forma, na manhã do dia 12 de novembro de 2005 cerca de 100
famílias, juntamente com estudantes e sindicalistas, entre outros apoiadores,
ocuparam a fazenda Santo Antônio em Limeira, da antiga Granja Malavazzi.
Até o início de dezembro, o acampamento acolheu mais pessoas, chegando
ao número de 300 famílias.
A fazenda Santo Antônio está situada no bairro Jardim da Lagoa Nova,
próximo à antiga estrada ue liga Limeira à anta Bárbara d’ Oeste e possui
uma área de 230 hectares, sendo que apenas uma parte da propriedade foi
utilizada para o acampamento.
A alegação dos integrantes do movimento era que a granja Malavazzi havia
falido e não realizou o pagamento dos encargos trabalhistas, estando
penhorada e no poder da justiça, portanto a fazenda poderia ser utilizada para
a reforma agrária.
Na primeira assembleia do acampamento foi escolhido o seu nome,
Acampamento Milton Santos, homenageando o geógrafo (in memorian), que
ocupou a posição de embaixador no governo do Jânio Quadros,
comprometido com as causas populares e com discussões referentes à
globalização. De acordo com o líder do assentamento Elias Antônio dos
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antos, “Gordo”, o MST normalmente escolhe nomes de pessoas que
lutaram contra o capitalismo e a favor da erradicação da pobreza.
Após diálogos com o ITESP, com a Polícia Militar e com a liminar de
reintegração de posse, no dia 07 de dezembro de 2005, às 19h, os integrantes
do movimento desocuparam a fazenda.
A reintegração de posse foi baseada na alegação de esbulho possessório por
parte do proprietário do imóvel. O esbulho possessório baseado na “[...]
acusação de ato ilegal triplificado no artigo 161, parágrafo 1º, inciso II, do
Código Penal”. FELICIANO, 6, p. 1 6 .
No mesmo dia as famílias realizaram uma nova ocupação, próxima à rodovia
que liga Limeira a Arthur Nogueira, a fazenda Santa Júlia, no bairro Ferrão,
com área de 90 hectares. Os membros da coordenação do movimento
continuavam não querendo confrontos com a Polícia Militar, mas esperavam
queo INCRA encontrasse uma área para que as famílias fossem assentadas,
já que, não tinham para onde ir.
Os integrantes do acampamento reivindicaram a questão da improdutividade
da fazenda Santa Júlia, uma vez que a mesma não estava cumprindo sua
função social. A liminar de reintegração de posse foi novamente concedida,
mas a desocupação não ocorreu, pois os acampados aguardavam a decisão
do INCRA referente a uma nova área para realizar o assentamento das
famílias.
No dia 23 de dezembro de 2005, após duas liminares de reintegração de
posse nas áreas ocupadas, o INCRA organizou a retirada das famílias da
fazenda Santa Júlia que foram acompanhadas pela Polícia Militar Rodoviária
até uma nova área definitiva, próxima ao bairro Antônio Zanaga, em
Americana.
O INCRA já havia regularizado a compra desta área em Americana, na
região conhecida como Pós-represa, para fins de reforma agrária em
fevereiro de 2004, quando a mesma foi ocupada pelo acampamento Terra
Sem Males.
A área utilizada para o novo assentamento corresponde ao sítio Boa Vista,
confiscado e incorporado ao patrimônio do Instituto Nacional de Previdência
Social (atual Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS) e comprado
pelo INCRA para fins de reforma agrária (SALIM, 2007).
4.1 Assentamento Milton Santos: Resistência e Luta!
Com o assentamento consolidado e em plena produção, em julho de 2012, uma
situação inesperada veio tirar o sossego dos assentados do Assentamento Milton Santos.
Historicamente a área que hoje corresponde ao assentamento fora comprada pela
família Abdalla, mas por dívidas trabalhistas com a União a área foi repassada ao INSS,
através do Decreto 77.666/1976, em 1976 como forma de pagamento. Porém a área era usada
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irregularmente pela Usina Ester, para a monocultura de cana de açúcar, embora a usina não
tivesse o título de propriedade.
A família Abdalla entrou na justiça solicitando a posse da área, alegando que o
patrimônio arrecadado era maior que a dívida. A partir desse fato, o juiz emitiu uma liminar
de despejo para o INCRA. A liminar concedia 30 dias para saída da área, mas conseguiram a
prorrogação do prazo para mais 90 dias, somando 120 dias a partir de 04 de julho de 2012.
Nesse embate, as famílias começaram um processo de resistência e luta contra o
despejo, realizando reuniões, acordos com os governos estadual e federal, mas sem sucesso.
As famílias, então, em parceria com organizações e entidades elaboraram um dossiê
com vários documentos, denunciando a grilagem de terras na região. Foram feitas assembleias
abertas ao público, com os representantes do INCRA e da Presidência da República.
De acordo com a pesquisa de Nunes (2013), na época, os assentados declararam que
não sairiam do Assentamento, pois se a Usina Ester ameaçasse plantar cana-de-açúcar na área,
seria por “cima dos corpos dos assentados”, pois eles estariam dispostos a lutar pelos seus
direitos e pelo dever do Estado.
Em dezembro de 2012, as famílias intensificaram a luta contra o despejo e ocuparam o
escritório da presidenta Dilma, em São Paulo, também ocuparam o INCRA e fizeram
passeatas na capital e no município de Americana.
No dia 20 de dezembro de 2012, as famílias ocuparam a via Anhanguera, uma das
principais rodovias do Estado (Figuras 1 e 2), solicitando que a presidenta assinasse a
desapropriação por interesse social, entendendo que seria a única medida a permitir a
permanência das famílias.
Figura – 1 Ocupação da Rodovia Anhanguera em dezembro de 2012
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Fonte: José Simões Nunes, 2012
Em luta, as famílias permaneceram esperando o despejo que estava marcado para ser
entre os dias de Natal e Ano Novo. A resistência dessas famílias foi intensa, e pode ser
constatada na construção de grandes barreiras de pneus nas entradas do assentamento (Figura
2).
Já no começo do ano 2013, movimentos sociais diversos, estudantes, professores
universitários, pastorais de igrejas se mobilizaram e somaram-se ao coletivo na luta pela causa
do Assentamento Milton Santos. O suporte para essa mobilização se deu através de notícias
veiculadas pela internet, em redes sociais, pela televisão, por rádio entre outros meios de
comunicação.
Figura – 2 Formação das barricadas na entrada do Assentamento Milton Santos em dezembro de 2012
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Fonte: José Simões Nunes, 2012
As famílias também ocuparam o Instituto Lula, a fim de divulgar a injustiça pela qual
estavam passando e fi eram a Campanha “ omos odos Assentamento Milton antos” ue
surtiu efeito positivo, pois a Juíza Federal Louise Filgueira emitiu uma suspensão da liminar
de despejo até que fossem julgados os processos da área e determinou o recolhimento
provisório do mandado de reintegração de posse expedido em primeira instância (NUNES,
2013).
Esse processo ainda corre na justiça nos dias atuais (2014), e os assentados ainda
aguardam a decisão final, portanto a RESISTÊNCIA e LUTA para permanecer na terra.
5. A RELAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE E OS ASSENTAMENTOS: ALGUNS
APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE O TEMPO COMUNIDADE
Sabemos que as práticas de ensino, pesquisa e extensão da universidade pública têm
como objetivo promover a pesquisa e o conhecimento, bem como formar seu quadro discente.
Na maioria das vezes, esse fim justifica quaisquer meios utilizados. Dito em outros termos,
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muitas vezes não são de fato questionados os métodos para o alcance daquele objetivo e a
falta de compreensão das realidades a serem analisadas compromete a eficiência
metodológica, que se torna a simples obtenção de dados, pouco discutidos e refletidos pela
comunidade acadêmica. Isso acontece tanto com aqueles que produzem conhecimento para o
agronegócio como com aqueles que produzem para a agroecologia. A chave desta questão
parece estar para além do caráter mercantilista ou humanista da formação e do conhecimento.
A pergunta que surge é: o que estamos construindo com essas práticas? Cabe nesse artigo
problematizar o caminho daqueles que veem na universidade uma possibilidade de
transformação da sociedade. Compreender esse caminho significa poder visualizar onde
poderemos ou não chegar.
Quando nos propomos a construir um curso de educação do campo e agroecologia, ou
seja, de luta pela terra, devemos nos perguntar se o caminho que estamos seguindo é correto
ou se nossos esforços são suficientes para nossos objetivos. Perguntamos: deveria ser o
objetivo central de um curso como esse a boa formação de quadros para o setor público, ou
essa poderia ser a consequência de um curso que constrói junto aos verdadeiros sujeitos (os
assentados) uma nova forma de fazer ciência? A educação do campo, a extensão rural e a
pedagogia da alternância não poderiam quebrar paradigmas ao invés de reproduzir uma lógica
universitária?
É necessário compreender que a formação crítica e engajada politicamente dos
residentes e de universitários em geral deve ser consequência e não o objetivo de uma
intervenção da universidade em um assentamento seja essa intervenção de pesquisa, de
pesquisa-ação ou de extensão. Na atual lógica, os sujeitos (assentados) são tratados como
objetos de estudo enquanto aqueles que deveriam ser os apoiadores (estudantes) são tratados
como sujeitos.
O assentamento não é simplesmente um local de pesquisa, mas a casa e a vida de
muitas pessoas. Portanto, é também um local de construção política e social, que promove e
articula diversos saberes e novos conhecimentos. Deixar algum legado, seja papel ou
concreto, no assentamento não só não garante a melhoria da condição de vida daquelas
pessoas, como pode significar a piora.
6. CONCLUSÃO
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A Universidade é um local de análise de dados que são coletados, em geral, fora dela;
um lugar de discussão de ideias; uma estrutura vinculada a uma estrutura maior que a
organiza (mercado que pode financiar pesquisas e estudos; políticas públicas, que podem
direcionar as verbas e estabelecerem currículos) e um conjunto de práticas cotidiano formado
por todas as pessoas que ali trabalham e estudam. Isso gera tanto um potencial interessante de
suscitar transformações, como de reproduzir realidades.
Conhecimentos predominantemente urbanos e de tradição estrangeira (sobretudo
europeia, na origem, e estadunidense, atualmente) acabam por estruturam o funcionamento e
o conteúdo de grande parte da Academia. No entanto, esse é apenas um olhar possível.
Momentos de Tempo Comunidade, em uma pedagogia mais aberta a diferentes modos de
conhecer, geram um conhecimento profundo, pois proporcionam trocas entre realidades
distantes. É na diferença de visões de mundo que questionamos o nosso modo de pensar. É no
contato direto com outras práticas cotidianas, que o nossos referência particulares se
multiplica e começam a dialogar umas com as outras.
A pedagogia da alternância da Educação do Campo, ao se abrir de uma certa forma
para a realidade rural e local, pode proporcionar o questionamento de algumas estruturas dos
modos de pensar que predominam na academia. Ainda assim, a força maior de muitas
experiências contrárias, vistas como hegemônicas, num meio onde pessoas supostamente mais
semelhantes se relacionam entre si, reproduzem estruturas que ainda silenciam vozes de
sujeitos que (ainda) dizemos estar às margens. Margem de que? Econômica, se for em um
mundo ue supervalori a o “material”; margem da “educação”, em um mundo ue valori a a
escrita como forma de conhecimento, ao invés da tradição oral; a empresa ou da escola, ao
invés do aprendizado familiar e comunitário; da saúde pela ciência e pelos hospitais, ao invés
da experiência e dos usos medicinais de muitos anciãos que aprendem com as plantas e com
tantos elementos que observam da natureza. São esses sujeitos, agricultores, assentados,
quilombolas, povos da floresta e tantos outros, justamente aqueles que nos forcem o arroz e
feijão que consumimos os nomes dos lugares que visitamos e modos de pensar o mundo e a
natureza, por um olhar menos mercantilizado e mais baseado nos vínculos solidários.
7. REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERNARDO, J. A autogestão da sociedade prepara-se na autogestão das lutas. Piá Piou!,
São Paulo, v. 3, n. 1, p.1-3, nov. 2005.
15
FELICIANO, C. A. Movimento Camponês Rebelde - A Reforma Agrária no Brasil.
São Paulo: Contexto, 2006.
JULIO, J. E. Dinâmicas regionais e questão agrária no estado de São Paulo.
São Paulo: INCRA, 2006.
NUNES, J. S.. Produção agroecológica e o fornecimento à alimentação institucional: a
experiência do Assentamento Milton Santos, Americana, SP. 2013. 75 f. TCC
(Graduação) - Curso de Licenciatura em Educação no Campo, Departamento de Instituto de
Educação, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2013.
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história de luta. IV Simpósio sobre Reforma Agrária e Assentamentos Rurais: controvérsias
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SILVA, L. H. da. Práticas organizativas do MST e relações de poder em
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