THALITA COELHO DANTES
O USO SOCIAL DO CURRÍCULO: RELAÇÕES ENTRE O SUCESSO ESCOLAR
DE ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA E O ENSINO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS GRADUADOS EM EDUCAÇÃO:
HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
PUC – SP
2012
THALITA COELHO DANTES
O USO SOCIAL DO CURRÍCULO: RELAÇÕES ENTRE O SUCESSO ESCOLAR
DE ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA E O ENSINO DE HISTÓRIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO como requisito
parcial à obtenção do grau de MESTRE em Educação: História,
Política e Sociedade, sob a orientação da Profa. Dra. Leda Maria
de Oliveira Rodrigues.
São Paulo
2012
ERRATA
Na página 4, onde se lê:
“(...) problemas do ensino de História em relação à historiografia, como em Selva
(2011)”.
Leia-se:
“(...) problemas do ensino de História em relação à historiografia, como em Fonseca
(2011)”.
Na página 98, onde se lê:
“Galzeroni”
Leia-se:
“Galzerani”.
Nas Referências Bibliográficas, página 122 inclui-se:
ABUD, Kátia (1998). Currículo de História e políticas públicas: os programas de
História do Brasil na escola secundária. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber
histórico em sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998, p. 28 – 41.
FONSECA, Selva Guimarães; BORGES, Vilmar José; SILVA Jr., Astrogildo
Fernandes. In: FONSECA, Selva Guimarães (org). Currículos, saberes e culturas
escolares. Campinas, SP: Alínea, 2011.p. 31 – 60.
PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi (2009). Por uma História prazerosa e
consequente. In: KARNAL, Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas
e propostas. São Paulo: Contexto, 2009. p. 17 – 36.
SCHMIDT, Ma. Auxiliadora & CAINELLI, Marlene. (2009). Ensinar História. São
Paulo: Scipione.
BANCA EXAMINADORA
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AGRADECIMENTOS
Toda lista de agradecimentos acaba por cometer injustiças, espero conseguir
agradecer a todos que partilharam dessa jornada de alguma forma.
Agradeço a minha orientadora Profa. Dra. Leda Maria de Oliveira Rodrigues
pela atenção que dedicou a minha pesquisa.
À Profa. Dra. Maria Carolina Bovério Galzerani pela participação na banca
qualificadora e pelas orientações e contribuições feitas no momento do exame de
qualificação.
Em especial ao Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno, pela contribuição
oferecida a este trabalho no exame de qualificação, mas principalmente por tudo que
aprendi em suas aulas e pelo acolhimento nos momentos mais difíceis.
À Elisabete Adania, secretária do EHPS, por sua paciência, gentileza e
disponibilidade.
À diretora da E. E. Profa. Zenaide Lopes de Oliveira Godoy que permitiu a
realização dessa pesquisa - em especial Wilma, professora de História assim como eu e
que abriu as portas de sua sala de aula e auxiliou na escolha dos alunos investigados.
Aos alunos e seus familiares que fizeram parte da pesquisa, partilhando seus
universos e suas opiniões.
Agradeço também aos colegas de trabalho da E.M.E.F Carlos Augusto de
Queiroz Rocha pelo incentivo e, em especial ao apoio e compreensão dado pela vice-
diretora, Rosiane Lopes.
À amiga de toda a vida, Ana Luiz O. Duarte, pelo incentivo nas horas mais
difíceis e pela cuidadosa leitura.
Agradeço à Ane Greice Valério, coordenadora do Colégio Jean Piaget, onde
iniciei minha trajetória como professora e que é grande responsável por muitas das
minhas escolhas.
À Mariana Rocha pelo apoio e ajuda na configuração do trabalho.
Aos amigos do EHPS, em especial Kelly, Eloá, Rafael e Álvaro cuja amizade
ultrapassou o ambiente acadêmico.
Agradeço aos amigos de toda a vida: Flávia Paniz, Andressa Santalucia, Arthur
Mendes, Daniel Yamaoka e Luciana Garcia por fazerem parte dela e não me deixarem
esmorecer.
Aos meus familiares, em especial, minha mãe Edith, meu irmão Matheus e meu
avô Antônio, pelo apoio, compreensão, carinho e por sempre acreditarem em mim.
Muito obrigada a todos!
DANTES, Thalita Coelho. 2012. O uso social do currículo: relações entre o sucesso
escolar de alunos de uma escola pública e o ensino de História. Dissertação de
Mestrado. Educação: História, Política, Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo.
RESUMO
O presente trabalho avalia qual relação alunos de uma escola pública da periferia de São
Paulo estabelecem com o ensino de História a ponto de serem bem sucedidos na
disciplina. A hipótese para tal desempenho se baseia na idéia de possibilidade de
rendimento do capital cultural, conforme proposto nos estudos de Pierre Bourdieu
(2010), sugerindo que esses alunos em situação de sucesso se apropriariam dos
conteúdos da disciplina de História como forma de conseguir algum uso social. Foram
utilizados para esse fim questionário e entrevista semi-estruturada com todos os alunos
investigados, além de quatro entrevistas realizadas com pais desses alunos. Nas
referências teóricas de apoio foram utilizados também, os estudos de Bernard Lahire
(1997) para composição dos “perfis familiares”, no sentido de compreender se existe
entre as famílias um investimento capaz de levar ao sucesso na disciplina de História.
Dessa forma, além de investigar como os alunos em situação de sucesso extraem sua
aprendizagem real, a pesquisa investigará a partir dos documentos oficiais o currículo
prescrito da disciplina de História, utilizando como referência os estudos de Michael
Apple (2006) sobre o currículo, a fim de analisar a relação em termos de adequação, os
objetivos da disciplina, confrontando o PCN e a Proposta Curricular do Estado de São
Paulo, averiguando, portanto, se oferecem possibilidade de uso. As entrevistas e
questionários, também serão utilizados para avaliar a relação dos indivíduos com o
conteúdo da disciplina na perspectiva do uso e das possíveis ações sociais previstas e sua
relação com o capital cultural de origem. Dessa forma, a análise dos documentos
demonstrou que apesar da consonância de pressupostos e objetivos, tanto o PCN quanto
a Proposta Estadual de São Paulo não permitem pela ênfase no saber acadêmico e nas
competências que os alunos sejam sujeitos de suas aprendizagens e estabeleçam vínculos
com a disciplina, considerando-a útil. Observou-se ainda que o desempenho dos alunos é
correlato ao capital cultural e a posição social familiar.
Palavras-chave: capital cultural; currículo de História; uso social; desempenho escolar.
ABSTRACT
The present study aims to assess what students regarding a public school in the outskirts
of São Paulo established with the teaching of history as to be successful in the grade.
The hypothesis for this performance is based on the idea of the possibility of return of
cultural capital, as proposed in the studies of Pierre Bourdieu (2010), suggesting that
these students who are in a successful situation would appropriate the content of the
discipline of history as a way to get some social use. Were used for this purpose
questionnaire and semi-structured interviews with all students surveyed, and four
interviews with parents of these students. In the theoretical references were also used to
support the studies of Bernard Lahire (1997) for composition of "family profiles" in
order to understand if there is an investment capable of leading families to success in
the discipline of history. Thus, in addition to investigate how students in a position to
successfully draw their real learning, the research will investigate the official documents
from the prescribed curriculum of the discipline of history, using as reference the
studies of Michael Apple (2006) on the curriculum, order to analyze the relationship in
terms of adequacy, the goals of discipline, confronting the PCN and the Proposed
Structure for the State of Sao Paulo, checking, if they offer the possibility of use. The
interviews and questionnaires will also be used to evaluate the relationship between
individuals and content of the discipline from the perspective of the use and possible
social actions envisaged and their strings to the cultural capital of origin. Thus, analysis
of documents showed that despite the consonance of assumptions and goals, both the
PCN and the State of Sao Paulo Proposal does not allow for emphasis on academic
knowledge and skills that students are the subjects of their learning and establish links
with discipline, considering it useful. It was also observed that the performance of
students is correlated to cultural capital and family status.
Keywords: cultural capital, curriculum, history, social use, school performance.
1
Sumário Introdução ..................................................................................................................... 3
Capítulo I - O papel do capital cultural e do currículo na reprodução social ................. 16
1. Capital cultural e seletividade .............................................................................. 17
2 – O Habitus como um esquema classificatório ..................................................... 22
3 – Currículo como distribuição desigual e capital cultural ...................................... 27
Capítulo II – Procedimentos de Pesquisa ..................................................................... 32
2.1 - Escolha dos alunos: ......................................................................................... 32
2.2 – Escolha da escola: .......................................................................................... 33
2.3 – Entrevistas e questionários:............................................................................. 34
2.4 – Análise de documentos: .................................................................................. 39
Capítulo III: Distribuição cultural e rendimento escolar............................................... 41
3.1 - A heterogeneidade como característica: descrição familiar .............................. 42
3.2 – Análise dos dados: patrimônio possuído e as diferenças de rendimento ........... 44
3. 3 - Perfis familiares: o papel das diferenças culturais no desempenho .................. 69
Capítulo IV: Para que serve a História? ....................................................................... 85
4.1 Organização geral das propostas: estrutura e pressupostos dos documentos. ...... 86
4.1.1 - Pressupostos dos documentos: ...................................................................... 90
4.2 – Como os documentos tomam a noção de conteúdo disciplinar ........................ 95
4.3 – A visão dos alunos ........................................................................................ 103
4.4 – A contradição dos saberes históricos escolares .............................................. 107
Considerações finais: ................................................................................................ 115
Referências bibliográficas: ........................................................................................ 122
Anexos: .................................................................................................................... 126
1 - Questionário sobre práticas culturais ............................................................... 126
2 – Roteiro de entrevista semi-estrutura para alunos .............................................. 133
3 – Roteiro de entrevista com pais de alunos ......................................................... 134
2
LISTA DE QUADROS E FIGURA
Quadro 1: Descrição familiar: pessoas com quem reside ...............................................41
Quadro 2: Interesse pelo ensino superior, curso e motivação para escolha .................. 43
Quadro 3: Escolaridade dos pais.....................................................................................43
Quadro 4: Rotina durante o tempo livre .........................................................................46
Quadro 5: Último livro lido e por quê? ..........................................................................47
Quadro 6: Já visitou museus? Em companhia de quem? ............................................... 53
Quadro 7: Lugares que frequenta ...................................................................................53
Quadro 8: Costuma frequentar cinema? Número de vezes por semestre. Critérios para
escolha do filme ............................................................................................................. 55
Quadro 9: Tem acesso a TV por assinatura? Quais programas costuma assistir? ..........57
Quadro 10: Estilos musicais ouvidos com maior frequência ........................................ 58
Quadro 11: Estilos musicais comuns à outros parentes.................................................. 58
Quadro 12: Lugar em que utiliza a internet. Ambientes virtuais frequentes ..................59
Quadro 13: Local onde ocorrem as atividades de Lazer ............................................... 60
Quadro 14: Costuma viajar com frequência? Para quais lugares já viajou? ................ 60
Quadro 16: Qual ou quais programas costuma fazer em companhia da família? ......... 61
Quadro 17: Categoria profissional do pai ou responsável .............................................64
Figura 1: Capital global segundo a chefia familiar ........................................................65
3
Introdução
Entre as principais discussões a respeito do ensino de História estão aquelas
relacionadas à temática dos currículos. Tal interesse deve-se ao fato de que o currículo
sistematiza as funções e os papéis de professores e alunos na construção do saber,
aglutinando questões referentes ao ensino e a aprendizagem, demandas políticas e sociais
além do um caráter ideológico da educação.
Como sugere Abud (1998) os currículos são responsáveis em grande parte pela
formação e pelo conceito de História dos cidadãos alfabetizados e por isso constituem o
instrumento mais eficaz das políticas públicas no ensino.
Nesse sentido, as discussões sobre o ensino de História têm o currículo como
principal pano de fundo, principalmente porque este incorpora os principais
questionamentos de professores e alunos.
No entanto, como coloca Abud (1998) tais incorporações são feitas de acordo com
os interesses dos grupos dominantes. Isso se verifica no ensino de História segundo a
autora, pela permanência de interesses, ligados a perspectiva de formar o cidadão nos
moldes dos interesses dominantes.
A autora coloca que um dos grandes problemas apontados pela literatura sobre o
assunto é a distância entre os saberes curriculares e a realidade dos indivíduos
envolvidos, sejam eles professores ou alunos.
Abud (1998) demonstra pelas mudanças curriculares a trajetória da História como
disciplina escolar e as razões para o debate sobre essa distância entre o conteúdo
curricular e a realidade dos indivíduos. Segundo a autora, a História como disciplina
escolar é contemporânea de sua versão acadêmica, quando da criação no mesmo ano,
1837, do Colégio Pedro II e do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), cuja
ligação entre as duas instituições levou a formulação de um objetivo comum tanto para a
história acadêmica quanto escolar: o fortalecimento do Estado e a conformação material
da nação (ABUD, 1998, p. 30).
Portanto, a História escolar adquiriu em consonância com a vertente acadêmica
um caráter de disciplina formativa, que colocava o Estado como responsável pela
formação da nacionalidade e pela direção povo. Dessa forma, construiu-se uma História
caracterizada pela linearidade do processo histórico e pelo distanciamento do locutor ao
4
hierarquizar quais fatos deveriam ser centros explicadores. Para Abud (1998), essa
concepção apesar das inúmeras reformas, pouco se alterou.
Ao avaliar as transformações sofridas a partir da década de 1960 com a
tecnização da formação escolar em consonância com as demandas econômicas daquele
momento, especialmente da indústria, o que aponta é a permanência nas orientações
governamentais de uma noção de cidadania voltada ao Estado.
Nesse sentido, as mudanças iniciadas pela abertura política, com a
redemocratização do país na década de 1980, permitiram novas propostas influenciadas
pela concepção de cultura e saber escolar, além de propor a reformulação da disciplina
tanto no ensino básico como universitário.
Essa reformulação buscava superar o caráter historicamente reprodutivista da
disciplina e o esvaziamento sofrido durante a ditadura militar. Buscou-se nesse contexto
redefinir o papel do ensino de História diante daquele novo momento da educação que
democratizava o acesso à escola.
Influenciada pelas mudanças no campo da pesquisa educacional e historiográfica,
a História como disciplina escolar tentou superar o afastamento colocando alunos e
professores como sujeitos históricos e produtores de conhecimento como forma de
recuperar o papel da disciplina como espaço para o ensino crítico (SCHMIDT e
CAINELLI, p. 14).
Nesse sentido, as pesquisas sobre o ensino de História têm nas relações
contraditórias do currículo com o público a que se destina sua principal área de
concentração. Demonstrando a importância de se conectar o presente vivenciado pelos
envolvidos, portanto suas realidades, com o passado para se superar tanto o desinteresse
pela disciplina quanto torná-la funcional.
Essas propostas elaboradas a partir dos anos de 1990 incorporaram as novas
perspectivas da pesquisa acadêmica cujos paradigmas eram mais adequados à
apropriação do conhecimento prévio do aluno, seu trabalho e sua historicidade como
objeto da disciplina. Tais procedimentos vistos como necessários para a superação do
desinteresse pela disciplina, a tornariam mais utilitária diante dessas demandas que a
democratização trazia.
Tal perspectiva de aproximação está presente tanto em Pinsky (2009) ao discutir
os problemas do ensino de História em relação à historiografia, como em Selva (2011),
cujo estudo buscou compreender como professores de História e Geografia reconstroem
5
em sala de aula os saberes históricos e geográficos e que investiga quais saberes os
professores consideram importantes de serem ensinados.
No entanto, Cerri (2004) demonstra que a noção de cidadania ligada aos
interesses do governo continua presente. Ao tratar da visão cristalizada da disciplina
como pouco utilitária, o autor avalia como presente a visão do senso comum, de
disciplina pouco prática para a contemporaneidade, voltada à racionalidade-técnica e a
formação para o trabalho. O autor cita como exemplo inclusive a nomenclatura adotada
nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio - Ciências Humanas e suas
Tecnologias, onde a tecnologia corresponde ao horizonte contemporâneo, portanto,
atualizando a disciplina.
Nesse sentido, a crítica ao currículo, evidencia que o debate sobre o que se
ensina e por quê ainda está em curso e que mesmo com as mudanças, permanecem as
mesmas questões: o currículo continua desconectado daqueles que se destina, de forma
que professores e alunos não são sujeitos da História, mas sim, estão sujeitos a ela,
tanto pela distância na elaboração dessas propostas quanto pela definição de identidade
e cidadania dada pelo Estado.
Dessa forma, esse trabalho ao orientar suas buscas para a relação que alunos de
uma escola pública de periferia estabelecem como ensino de História, focou o currículo
no sentido de avaliar que possibilidades oferece a esses alunos e como tais
possibilidades são sentidas por eles.
Para tal, buscou-se também em trabalhos recentes essa mesma perspectiva com o
intuito de avaliar a partir desses trabalhos de pesquisa, os principais argumentos que têm
sido desenvolvidos e discutidos nos estudos sobre o ensino de História atualmente.
Dos 400 resumos de trabalhos, retirados do Banco de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foram
selecionados 20 resumos que tratavam da disciplina de História e tinham como foco
principal essa relação dos alunos com os saberes históricos. Desses 20 resumos optei por
selecionar 10 trabalhos, cujas pesquisas tinham entre seus procedimentos o inquérito dos
alunos.
Essa opção se deve ao fato de que a grande maioria das pesquisas tem como foco
de análise os professores e suas metodologias para a relação dos alunos com o ensino de
História. E, principalmente, porque esta pesquisa busca compreender as variáveis de
comportamento e práticas em relação à escola, na perspectiva de avaliar como isso se
relaciona ao desempenho obtido pelos alunos e sua visão da disciplina de História.
6
Entre os principais temas dessas pesquisas recentes estão a forma como se dá a
aprendizagem e o desinteresse dos alunos pelo ensino de História. Em ―Eles não estão
nem aí: impactos da contemporaneidade sobre o ato de educar‖ (GUIMARÃES, 2008), é
avaliada a questão da desvalorização da História pelo viés da psicanálise. Partindo da
influência do mundo moderno nas transformações das relações sociais, a autora avalia a
escola como tributária do individualismo, da deterioração das relações de coletividade
que, em suma, descreditam o professor e deslocam a relação com o conhecimento, o que
causaria o desinteresse dos alunos.
Essa análise é feita com base em entrevistas com pais e professores que refletem
sobre os desafios da tarefa educativa nos dias de hoje e também com alunos que avaliam
a dificuldade em aprender. Estes últimos avaliam que dificuldade de aprender é própria
da dificuldade de transmissão desses saberes, avaliando-os como distantes de sua
realidade.
Em ―Representações de História na escola: construção do conhecimento histórico
e construção de si mesmo‖ (MEINERZ, 1999), a visão dos alunos também permite
refletir a questão do desinteresse pela disciplina, a partir de uma investigação sobre as
representações acerca do conhecimento histórico construídas por adolescentes em fase
de conclusão do Ensino Fundamental, investigando a relação das experiências
socioculturais e escolares dos sujeitos pesquisados com aprendizagem de História. Essa
pesquisa aponta como resultado para o desinteresse que o conhecimento histórico não
desenvolve a reflexão de natureza histórica entre os alunos, no que diz respeito à
possibilidade do sujeito pensar sobre si mesmo e o mundo.
Na mesma perspectiva de investigação da relação dos alunos com o saber
histórico, partindo da visão do aluno para compreensão da aprendizagem destes
enquanto sujeitos estão: ―O sentido que os alunos de uma escola da Rede Pública
Estadual Paulista atribuem ao ensino de História‖ (SILVA, 2008) e ―O jovem e o ensino
de História: a compreensão do conceito de História por alunos do Ensino Médio‖
(HOLLERBACH, 2007).
Em Silva (2008) é investigado, a partir das representações dos alunos a questão
da formação profissional do professor e de sua atuação política e humana para a reflexão
sobre sua prática. Essa questão também é discutida por Hollerbach (2007) que inclui em
sua investigação, além do significado de História entre os alunos, a influência das
condições sócio-econômicas que distinguem os sujeitos. No entanto a autora verifica que
não há indícios de interferência do meio social que se sobreponham aos efeitos do ensino
7
da História. Ambos acabam avaliando que a concepção tradicional de História é a mais
comum e constitui o fator decisivo para a permanência de práticas pouco
problematizadoras entre os alunos.
A formação e a experiência docente para a aprendizagem são objeto de estudo
de: ―(Des) Gostar de História: (des) (re) velado pela metaforização‖ (LEAL, 2001) e
―Diálogos na escola: o professor de História em fase de transição‖ (COSTA, 2006). Leal
(2001) considera a construção dos conteúdos e seus fundamentos teóricos para
compreensão da metodologia adotada pelos professores avaliando que se tratam de
inibidores do ―fazer histórico‖.
A mesma perspectiva é adotada por Costa, que, a partir de entrevistas com
professores e alunos, analisa o método de ensino dos professores como potencial
estímulo ou não ao ensino de História, na busca segundo ele, dos ―fatores causadores‖
do desinteresse pelo ensino de História. Para o autor, a metodologia estaria ligada a
formação e aperfeiçoamento profissional. Das constatações sobre os alunos, explica que
o clima de desordem das escolas de periferia analisadas influenciam a aprendizagem dos
alunos e que eles compartilham dos mais variados sentimentos em relação à disciplina.
A partir dos resultados da pesquisa o autor atribui ao carisma do professor o sucesso na
aprendizagem dos alunos.
A didática para o ensino de História também é considerada em: ―Despertando o
interesse dos alunos do ensino médio pela História: estratégias didático pedagógicas na
utilização da historiografia e dos recursos audiovisuais no processo
ensino/aprendizagem‖ (ALMEIDA, 2005), ―Um objeto de ensino chamado História: a
disciplina História nas tramas Didatização‖(ANHORN, 2005) e ―O Ensino da História –
uma narrativa aberta‖ (FORTUNA, 2001).
Almeida (2005) propõe uma valorização do aluno, levando em conta seu
imaginário, suas experiências e suas diferenças, como forma de construir o
conhecimento histórico apelando para experiências que sejam inovadoras,
exemplificando o uso da tecnologia nessa perspectiva de valorização e não apenas como
um recurso didático em si.
Já Anhorn (2005), foca sua análise no que chama de ―superação‖ de alguns
desafios referentes à problemática dos saberes situados no campo do ensino de história.
Ao reconhecer a relevância e complexidade do elemento saber no processo de ensino-
aprendizagem, oferece uma avaliação das permanências e mudanças do saber histórico
8
"a-ser-ensinado" e "ensinado" ao longo da trajetória de construção dessa disciplina,
confrontando os PCN’s com o que acontece em sala de aula.
Fortuna (2001), por meio de duas experiências de alunos, procura sistematizar
procedimentos metodológicos voltados para a construção de conceitos e categorias
explicativas do real e para experiências voltadas para a pesquisa e para a linguagem.
Dessa forma, ao tratar do aluno como foco principal, tais pesquisas sugerem o
desinteresse como algo inerente a disciplina e avaliam como causa, em sua maioria, a
metodologia como principal razão, condicionando ao professor, sua formação,
organização escolar, a responsabilidade por esse desinteresse e muito pouco ao
currículo. Além disso, essas pesquisas ignoram que a questão do desinteresse suscita
diferentes desempenhos.
Portanto, parece adequado para compreender a relação que os alunos estabelecem
com o ensino de História, principalmente a visão que compartilham da disciplina, avaliar
o significado político e social dos currículos para assim, compreender o direcionamento
da educação escolar e o papel das disciplinas para este chamado novo público, cuja
demanda por saberes apresentaria uma tendência mais utilitária e que é também o
principal argumento para as mudanças curriculares dos anos de 1990 (Bittencourt,
2009).
Essa perspectiva foi adotada porque esta pesquisa foi realizada em uma região
considerada periférica, posto que apresenta baixo IDH e os índices de conclusão do
Ensino Médio também estão entre os menores, portanto, pelos dados estatísticos, a
escola investigada atende a um público cujas relações com a escolarização não são
estreitas.
Nesse sentido, Bittencourt (2009) salienta que toda renovação curricular
incorpora aos conteúdos prescritos das disciplinas, valores, habilidades e competências
que fazem parte das práticas escolares e não apenas dos saberes históricos oriundos da
academia. O que segundo autora, deixa claro as intenções da escola, como instituição em
que além de conteúdos sistematizados pelas disciplinas, ensinam-se ―conteúdos sociais e
culturais associados a comportamentos, valores e ideários políticos‖ (2009, p. 103 –
106).
Por isso, o papel central atribuído a ―formação das identidades‖ pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais de História (PCN), ao propor como objetivo da disciplina ao
longo do Ensino Fundamental a instrumentalização do aluno para compreensão de sua
realidade, a partir do confronto com outras realidades históricas e outras vivências
9
sociais ao longo do tempo, para através disso fazer suas escolhas e estabelecer critérios
para orientar suas ações.
Tal centralidade na ―formação de identidades‖ também influencia a opção por
temas ou eixos temáticos, cujo objetivo seria flexibilizar os currículos à heterogeneidade
de públicos atendidos.
Para isso os PCN oferecem uma proposta para seleção dos conteúdos, cuja
eficácia e consonância com os objetivos gerais gera inúmeros debates e a acusação de
que tais conteúdos são pouco reflexivos em relação às realidades dos alunos.
Dessa forma, os trabalhos acima expostos evidenciam essa distância entre os
saberes históricos e a realidade dos indivíduos a quem se destinam. No entanto, apesar
de problematizar a distância dos saberes históricos escolares e o desinteresse que ela
gera, não observam as condições de apropriação desses sujeitos, ignorando que o
desinteresse leva a diferentes desempenhos, que depreendem diferentes níveis de
apropriação. Nesse sentido, se como apontam Abud (1998) e Bittencourt (2009) as
reformas do currículo tentaram aproximá-lo do público, a qual se destina, é necessário
investigar porque essa aproximação não acontece e por que se evidenciam então
diferenças de desempenho.
Diante disso e da aparente afirmativa de que os alunos pouco se interessam pela
aprendizagem dos saberes históricos, pois os objetivos, sistematizados pelo currículo da
disciplina pouco problematizam sobre suas realidades, o problema central dessa pesquisa
é compreender qual a relação que alguns alunos de uma escola pública da periferia do
município de São Paulo estabelecem com o ensino de História a ponto de alguns serem
considerados bem sucedidos. Portanto compreender o que motiva sua diferença de
desempenho. Busca-se para tal, compreender se o ensino de História, representado pelo
currículo da disciplina, tem servido para reiterar ou transformar o capital cultural desses
alunos.
Dessa forma, estão entre os objetivos dessa pesquisa analisar a seleção dos
conteúdos em relação à adequação entre seus objetivos e eixos temáticos e entre o uso
social descrito pelos Parâmetros Curriculares e o pretendido pelos alunos, com o objetivo
de compreender como tais alunos se relacionam com os conteúdos selecionados.
A partir dos documentos oficiais será possível analisar especificamente o que é o
currículo prescrito e regulado da disciplina. Avaliando em termos de adequação, os
objetivos do currículo da disciplina de História, conforme o proposto pelo PCN, em
relação às orientações da Secretaria Estadual de Educação (SEE/SP). Tal análise pretende
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indagar quais as práticas organizativas que tais documentos propõem, na perspectiva do
que deve ser ensinado e das intenções externas que carregam.
Busca também compreender como os indivíduos analisados extraem sua
experiência educativa real, da relação que estabelecem com o conteúdo do currículo de
História na perspectiva do uso e das possíveis ações sociais previstas pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Além disso, se espera averiguar a existência, entre os indivíduos
analisados, de práticas culturais que são mobilizadas de forma a alcançar o sucesso na
disciplina de História e se essas práticas são fruto de suas posições sociais. Assim, para
compreender as diferenças de desempenho dos alunos na disciplina de História e o papel
dos currículos nesse desempenho, parece adequado analisá-los sob a ótica do capital
cultural e seu papel para a distinção social.
Se o objetivo dos PCN é admissível, pelos conteúdos e eixos temáticos
propostos, há então um possível uso social dos saberes históricos escolares pelos alunos
e tais objetivos deveriam ser alcançados por todos. No entanto, a apropriação dos
conteúdos da disciplina é desigual. Dessa forma, a hipótese que se abre é a de que apesar
de frequentarem a mesma escola de periferia, o desempenho dos alunos mantêm relação
estreita com o capital cultural de sua origem social, tendo como consequência uma
diferença de apropriação diretamente proporcional a esse capital herdado.
Tal hipótese está baseada na teoria de Pierre Bourdieu sobre o campo social,
considerado por ele um espaço de luta no qual as classes ou frações de classe, buscam
por meio de estratégias de reprodução, manter ou melhorar sua posição social,
transformando um capital já existente em outra forma de capital considerada mais
rentável.
No entanto, essas estratégias dependem em grande parte do próprio capital
cultural que o indivíduo possui para reproduzir e do rendimento que os instrumentos
institucionalizados disponíveis de reprodução (do qual o sistema escolar é parte
integrante) podem oferecer.
Por isso, a análise do possível uso social do currículo de História depende
também da análise das condições objetivas que os indivíduos possuem. Tornando
possível compreender como esses indivíduos extraem sua experiência educativa e como
os currículos permitem essa interação e a reflexão sobre as diferentes realidades,
possibilitando ou não a orientação das ações para que sejam sujeitos ativos de sua
aprendizagem e de suas realidades.
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Para tal serão adotados como procedimentos metodológicos para análise das
diferenças de desempenho na disciplina de História a avaliação externa dos alunos
realizada pelo estado de São Paulo, o SARESP, que possibilitou a escolha da escola de
periferia bem classificada1.
O SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São
Paulo) é uma avaliação externa da Educação Básica, realizada desde 1996 pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, cuja finalidade, segundo a secretaria é
fornecer informações periódicas e comparáveis sobre a situação da escolaridade básica
na rede pública de ensino paulista. Seus resultados ―servirão como instrumentos de
melhoria dos processos de ensinar e aprender nas escolas, do monitoramento das
políticas públicas de educação e do plano de metas das escolas, diretamente vinculados à
gestão escolar e à política de incentivos da SEE/SP e ao cumprimento das metas
IDESP‖2.
O SARESP avalia as 2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e a 3ª série do
Ensino Médio, em provas construídas a partir das Matrizes de Referência da Avaliação,
baseadas no Currículo do Estado de São Paulo e que incluem as habilidades avaliadas no
SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Além da avaliação, também é
aplicado um questionário destinado aos pais e alunos, e demais agentes educacionais
(diretores, professores, professores-coordenadores e supervisores de ensino), em todas as
escolas estaduais, cujo objetivo é identificar as variáveis que interferem no desempenho
dos alunos.
A partir de 2007, o resultado do SARESP passou a ser comparado com os índices
nacionais obtidos pelo SAEB e pela Prova Brasil, bem como as próprias edições
anteriores. Em 2008, além de Matemática e Língua Portuguesa, o exame passou a incluir
nas escolas da rede estadual, as áreas de Ciências Humanas e da Natureza, que serão
intercaladas. Assim, em 2008 os estudantes foram avaliados em Matemática, Língua
Portuguesa e Ciências da Natureza (Ciências, Física, Biologia e Química) e em 2009,
além de Matemática e Língua Portuguesa também em Ciências Humanas (História e
Geografia).
1 A escola foi escolhida com base em sua classificação no SARESP de História realizado em 2009.
2 O governo estadual utiliza os resultados obtidos no SARESP como parte da composição do IDESP:
indicador oficial de qualidade das séries iniciais (1ª a 4ª séries) e finais (5ª a 8ª séries) do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio.
12
No final do primeiro semestre de 2010, o governo do estado de São Paulo
divulgou os níveis de proficiência e os resultados gerais obtidos pelos alunos nessa
primeira avaliação de Ciências Humanas, realizada em 2009. Segundo tais resultados, a
maioria dos estudantes avaliados em Ciências Humanas encontra-se no nível de
proficiência descrito como ―Suficiente‖, que corresponde à somatória dos níveis
―Básico‖ e ―Adequado‖, cujos percentuais de estudantes distribuem-se da seguinte
forma para os alunos da 8ª série do Ensino Fundamental: 31,2 % no nível ―Básico‖ e
49,5% no nível ―Adequado‖, o que para o governo os caracteriza como aptos para o ano
seguinte de escolarização.3
Essa avaliação faz parte da iniciativa de uniformização do currículo no estado de
São Paulo, orientada para uma maior integração com os objetivos dos Parâmetros
Curriculares Nacionais e a Lei de Diretrizes e Bases.
Nesse sentido, sua organização atual reflete os pressupostos teóricos adotados
pela Secretaria Estadual de Educação a partir de 2008 quando foi implementada a atual
proposta curricular.
Segundo a secretaria, a implantação e aprimoramento da avaliação se baseia na
necessidade de se diagnosticar e aperfeiçoar os currículos oferecendo um conhecimento
comum capaz de caracterizar a educação no estado de São Paulo como uma rede. Além
disso, busca organizar uma base comum de conhecimentos e das competências e
habilidades a serem efetivamente desenvolvidas pelos alunos na escola, cuja
transparência quanto às expectativas de aprendizagem e resultados ficaria evidente.
O diferencial da avaliação é sua organização em matrizes de referência que
foram constituídas a partir dos pressupostos do currículo estadual, que se estrutura em
cinco princípios: currículo é cultura; currículo referido a competências; currículo que
tem como prioridade a competência leitora e escritora; currículo que articula as
competências para aprender e currículo contextualizado no mundo do trabalho.
As matrizes não têm por objetivo diagnosticar tudo o que foi aprendido, mas sim
retratar as estruturas conceituais mais gerais das disciplinas e também as competências
mais gerais dos alunos, que se traduzem em habilidades específicas. Estas sim seriam
responsáveis pela aprendizagem segundo o documento.
Essas matrizes organizam-se em cinco temas: história, cultura e sociedade;
historia e trabalho; historia e temporalidade; fontes históricas e história, movimentos e
3 Os alunos no nível básico apresentam domínio mínimo das habilidades e competências exigidas, mas
apresentam condições de interagir com a proposta curricular do ano seguinte.
13
conflitos, que motivam cinco competências gerais que por sua vez se desdobram em
habilidades. Essas competências são: reconhecer que a formação das sociedades
contemporâneas é resultado de interações e conflitos de caráter econômico, político e
cultural; compreender as características essenciais das relações sociais de trabalho ao
longo da história; compreender, em seus contextos específicos, os conceitos básicos
relativos à temporalidade histórica; identificar as características fundamentais de fontes
históricas de variada natureza e compreender os processos históricos e sociais de
formação das instituições políticas e sociais.
A origem dessa organização é mais bem descrita nas propostas curriculares
implementadas a partir de 2008 na qual o SARESP se apoia, em que a escolha pela
abordagem por habilidades e competências é colocada como forma de priorizar a
aprendizagem.
Essa abordagem por competências privilegiaria não apenas os recursos
cognitivos, mas também os recursos afetivos e sociais pois, corresponderiam ao mínimo
necessário para que os alunos interpretem o mundo de forma crítica. Essa perspectiva de
resolução de problemas que o enfoque por competências traz é a forma encontrada para
abordar o mais geral dos objetivos tanto a nível federal quanto estadual do ensino e
especialmente do ensino de história, que é a formação das identidades. As competências
permitiriam conectar a escola aos problemas e vivências posteriores atuando, portanto,
na formação do indivíduo para a sociedade.
Outra preocupação da proposta em consonância com os PCN é o tratamento da
tecnologia e do trabalho pela escola. Desse modo, um dos objetivos da abordagem por
competências é a aproximação entre teoria e prática em cada área do currículo,
integrando a tecnologia como parte dessa aproximação, visto que essa preside a
produção moderna.
A proposta enfatiza que todos somos produtores de bens e serviços através do
trabalho e que essa é a melhor forma de conectar prática e currículo. Essa prioridade do
contexto do trabalho é atribuída a um valor filosófico que o trabalho desempenha na
sociedade, e também como forma de combater o que chama de ―bacharelismo
ilustrado‖.
A abordagem por competências conectaria currículo e prática buscando
democratizar o conhecimento e permitindo ao indivíduo construir competências a partir
de suas experiências para uma participação mais efetiva em seu próprio grupo social,
tomando parte de processos de crítica e renovação social.
14
A efetivação desses objetivos será analisada não apenas em termos de adequação,
mas de percepção dos próprios indivíduos aos quais se dirige. Essa etapa da pesquisa
utilizou questionários e entrevistas com o objetivo de verificar o capital cultural
disponível dos alunos e também para compreensão das expectativas desses alunos em
relação à possibilidade de uso social dos saberes históricos escolares.
A princípio foi aplicado aos alunos um questionário formulado tendo como
referência o questionário proposto por Pierre Bourdieu em ―A Distinção‖. Esse
instrumento tem como finalidade investigar as práticas culturais desses alunos. O intuito
era verificar se os alunos em situações opostas de rendimento possuíam também um
capital cultural diferente.
Nessa etapa da pesquisa os alunos foram entrevistados de forma objetiva, com
perguntas sobre seu capital cultural mobilizado para o ensino de História (consumo de
bens culturais, lazer, categoria profissional dos pais, gostos, entre outros), procurando
compreender o capital cultural, como um pré-requisito que instrumentalizaria e
adequaria tais alunos aos saberes propostos pelo currículo, possibilitando-os maior
aptidão ou não em relação a eles.
Os alunos em situações opostas em termos de desempenho escolar na disciplina de
História foram entrevistados a partir de um roteiro semi-estruturado. Na perspectiva de
verificar sua relação com os saberes históricos escolares disponíveis e a aplicabilidade
de tais saberes, no sentido de compreender o possível uso social pretendido por tais
alunos.
De acordo com Thiollent (1982) a entrevista semi-estruturada realizada com um
pequeno número de sujeitos – uma amostragem dos alunos em situações opostas na
disciplina de História e com perguntas de grande abertura – permite captar informações
mais profundas, de caráter mais afetivo do que cognitivo. Tal perspectiva interessa à
pesquisa, pois, é uma preocupação investigar as expectativas desses alunos em relação à
disciplina de História.
Os pais dos alunos em situações opostas também foram entrevistados de forma a
tentar compreender a configuração familiar e se nessas famílias há um investimento
escolar que criaria uma disposição social capaz de levar ao sucesso escolar na
aprendizagem de História.
A combinação das técnicas de questionário e entrevista, enquanto procedimento da
enquete sociológica se baseia na necessidade de estabelecer um contato efetivo com os
indivíduos implicados no problema a ser estudado, visto que se pretende não apenas a
15
verificação dos objetivos da disciplina de História, que poderia ser feita com a base na
análise documental, mas também a crença dos indivíduos estudados em relação a tais
objetivos, seus sentimentos em relação a eles e seus padrões de ação4.
Tal combinação permite, portanto uma maior profundidade das informações
captadas na obtenção das representações ou descrições de elementos das realidades
sociais dos indivíduos investigados, buscando explorar o universo cultural desses
indivíduos em relação ao grupo ao qual pertencem.
Dessa forma, com a combinação das enquetes sociológicas e a análise
documental procuramos compreender, em parte, o que está por trás do sucesso na
disciplina de História em alunos de periferia, pretensamente homogêneos.
Para isso, serão apresentados no primeiro capítulo alguns dos conceitos que
orientam essa pesquisa, como capital cultural e currículo hegemônico, entendidos como
mecanismos de seletividade. No capítulo 2, são apresentados os procedimentos
metodológicos utilizados destacando a escolha da escola, dos indivíduos e a forma
como foram inqueridos, além dos critérios de análise das práticas culturais utilizados no
capítulo 3. Esse capítulo averigua o capital cultural possuído pelas famílias e sua relação
com o rendimento dos alunos. Por fim, o Capitulo 4, apresenta uma descrição das
propostas (PCN e Proposta Curricular do Estado de SP) e suas principais orientações,
confrontando as possíveis dissonâncias entre elas, além de uma análise das
possibilidades que oferecem em relação aos sujeitos a que se destina, avaliando se os
objetivos da disciplina são percebidos por tais sujeitos, portanto se o que se propõe tem
consonância com o que se efetiva.
4 THIOLLENT, Michel J. M. (1982) Crítica Metodológica, Investigação Social e Enquete Operária.São
Paulo, SP: Polis. p. 31 a 39.
16
Capítulo I - O papel do capital cultural e do currículo na reprodução
social
Quais os efeitos da classe ou da fração de classe sobre seus indivíduos? Como o
currículo hegemônico e o capital cultural de classe se relacionam de forma a produzir o
sucesso ou o insucesso escolar de estudantes da periferia? Essas são algumas das
perguntas que orientam a investigação que se propõe este trabalho, a saber, a
possibilidade de uso social dos saberes históricos escolares por indivíduos da periferia.
Tais questionamentos nascidos da prática cotidiana de professora, indagada
sobre a utilidade dos saberes históricos, se rebuscaram no contato com os conceitos
teóricos desenvolvidos por Bourdieu (2006 e 2008) e Apple (2006). De forma que quilo
que parecia uma indagação própria de alunos pouco interessados revelou – a partir dos
estudos desses autores – que o destino desses alunos tem forte relação com sua origem
social. Isso demonstra que a pergunta aparentemente infantil do ―por que estudar
História?‖, tem de fato muito valor se pensada em relação a esses alunos, cuja origem
social parece inadequada em relação à cultura privilegiada pela escola.
Em seus estudos Bourdieu (2008a) coloca que a herança cultural, ou seja, o
capital cultural herdado por um aluno é responsável pela apropriação da experiência
escolar e, portanto por seu sucesso ou insucesso. Desse modo, a distribuição desigual do
capital cultural entre as classes e frações de classe condiciona os diferentes
desempenhos escolares.
Isso significa dizer que aquilo que um indivíduo pode ou não vir a ser depende
da escola que chancela se a herança que esse indivíduo carrega é ou não adequada e se
permite ou não o sucesso escolar.
Assim, para investigar como alguns alunos conseguem sucesso na disciplina de
História é necessário investigar quais mecanismos determinam a eliminação de uma
maioria. Possibilitando compreender a seleção condicionada pela herança, ou seja, pelo
capital cultural familiar e também a seleção imposta pelo conhecimento legítimo, ou
seja, o currículo.
Nessa perspectiva, aos estudos de Bourdieu (2008a) se somam os estudos de
Apple (2006) sobre o currículo, como forma de investigar que interesses sociais a
17
seleção e a organização dos currículos carregam. A análise de Apple possibilita
demonstrar a distribuição de poderes por meio da imposição de significados –
sistematizado pelo currículo – cujo acesso pela distribuição cultural existente privilegia
as classes dominantes colocando-se como um obstáculo às classes populares. Portanto,
não é possível ignorar que o sistema de ensino contribui para a reprodução da estrutura
social ao sancionar ou não o capital cultural herdado.
1. Capital cultural e seletividade
Compreender, portanto, o conceito de capital cultural é fundamental para uma
análise do rendimento desigual obtido por sujeitos cuja origem social é aparentemente
igual.
O capital cultural é para Bourdieu (2008b) a noção que permite explicar a
diferença de desempenho escolar de indivíduos provenientes de diferentes classes
sociais e frações de classe, relacionando, portanto, distribuição desigual do capital
cultural aos benefícios específicos que podem ser obtidos no mercado escolar.
Para compreender como indivíduos sujeitos as mesmas condições (escola e
residência), obtêm rendimentos distintos é necessário averiguar o investimento cultural
feito pelas famílias, que é expresso por seu capital cultural, posto que o volume e a
estrutura de seu capital possibilitam lucros diferenciados em relação aos diferentes
mercados, inclusive o escolar.
Essa perspectiva de análise orienta esse trabalho, tendo por intuito averiguar se
os indivíduos residentes na periferia - pretensamente homogêneos – e que obtêm
sucesso na disciplina de História, o fazem por conseguirem a partir de seu capital
cultural assimilar os objetivos do ensino de História e por sua vez destinam um possível
uso desse conhecimento.
Esse uso não se caracteriza por uma aplicação imediata, que gere um lucro
objetivo, mas sim a possibilidade de instrumentalização do aluno para compreensão de
sua realidade. No confronto com outras realidades históricas e outras vivências sociais
ao longo do tempo. Dessa forma, suas escolhas e critérios de suas ações seriam
influenciados por tais objetivos, tendo implicação direta na noção de identidade e
reconhecimento desses indivíduos.
18
Esse reconhecimento de si e do outro, compõe uma rede de relações que é o
produto de estratégias de investimento social consciente ou inconscientemente
orientadas para a transformação de relações possíveis. Tais relações são eletivas, ou seja,
passíveis de lucro, cuja possibilidade advém da própria noção de pertencimento ao
grupo, e é nesse sentido que a realização dos objetivos do ensino de História por parte de
alguns alunos demonstra um conjunto de recursos atuais ou potenciais, capazes de
distingui-los dos demais.
Torna-se necessário investigar o que fundamenta essa noção de pertencimento,
ou seja, os esforços e o tempo que são dispendidos. Para tal, se busca averiguar o capital
cultural herdado que possibilita a esses indivíduos distinção em relação à outros.
Essa perspectiva de transmissão doméstica do capital cultural é para Bourdieu
(2008a) o mais determinante e oculto investimento educativo. Pressupõe um
investimento em tempo e em capital cultural dissimulando que a possibilidade de lucro
depende do volume e estrutura do capital cultural familiar e não apenas da vontade do
indivíduo.
Essa importância do capital cultural destacada por Bourdieu (2008a) permitiu
desvelar alguns pressupostos em relação ao rendimento desigual dos alunos,
demonstrando que as oportunidades reais de aproveitamento do sistema de ensino estão
atreladas ao volume e estrutura do capital possuído para investimento. Portanto, a
pretensa democratização do sistema de ensino não permite à grande maioria dos alunos
das classes populares as mesmas oportunidades dos alunos da classe média e da elite.
A democratização do sistema de ensino com a entrada das classes populares na
escola serviu de esteio para teoria do capital econômico e da ideologia do ―dom‖. Essas
teoria aponta que o lucro objetivo do sistema de ensino é correlato ao investimento
educativo e econômico possível a todos pela universalização do ensino. Por essa teoria
as chances de lucro seriam dadas a todos, porém alguns teriam mais condição de
alcançar o sucesso escolar por sua disposição individual, vista como uma espécie de
dom.
O que Bourdieu (2008a) aponta é que essa teoria desconsidera que no momento
de partida – quando ingressam no sistema de ensino – os indivíduos não apresentam
chances iguais, pois têm em sua bagagem diferentes heranças culturais familiares.
Portanto, a distribuição desigual do capital cultural tem parte no rendimento possível do
indivíduo, de forma a condicionar sua aptidão ou não ao sistema de ensino.
19
Em outras palavras, a teoria do capital humano e seu forte cunho economicista
ignoram o papel fundamental do sistema de ensino na reprodução da estrutura social.
Dessa forma as heranças desiguais do capital cultural familiar projetam diferentes
rendimentos escolares que são sancionados pela escola como uma maior ou menor
aptidão do aluno.
(...) ― capital humano‖ que, apesar de suas conotações ―humanistas‖,
não escapa ao economicismo e ignora dentre outras coisas, que o
rendimento escolar da ação escolar depende do capital cultural
previamente investido pela família e que o rendimento econômico e
social do certificado escolar depende do capital social- também
herdado-que pode ser colocado a seu serviço. ( BOURDIEU, 2008 - b
p. 74)
Essa diferença no momento de partida é explicada por Bourdieu como tributária
da diferença de capital cultural dos indivíduos e é definitiva no desempenho da grande
maioria dos alunos.
O capital cultural corresponde aos bens culturais, que previamente investidos
pela família, definem a forma como esta lida com a cultura disponível. Ele é
pessoalmente incorporado pelo indivíduo, sendo parte de um sistema de disposições
duráveis e gerador de práticas, chamado de habitus, que em suma, traduz as condições e
os condicionamentos de uma classe e que garante determinadas posições e rendimentos.
O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se
fez corpo e tornou-se parte integrante da ―pessoa‖, um habitu.
(BOURDIEU, 2008 – b, p. 75)
Para Bourdieu (2008b) o capital cultural pode existir em três formas: no estado
incorporado, na forma de disposições que se fazem corpo; no estado objetivado sob a
forma de bens culturais e no estado institucionalizado sob a forma de um diploma.
O estado incorporado exige tempo – ao contrário do capital econômico que pode
ser transmitido instantaneamente – o que torna sua aquisição inconsciente e
marcadamente dissimulada pelas condições primeiras em que foi transmitido. Desse
modo, a incorporação de capital cultural por parte do indivíduo depende não apenas do
volume do capital cultural a ser incorporado, mas também do tempo e da forma de
incorporação desse capital.
20
O tempo de aquisição desse capital não pode nunca ser reduzido ao tempo de
escolarização, mas sim como primordialmente tributário da educação familiar. Ela, de
acordo com o volume de capital cultural e habitus de classe pode favorecer a etapa
escolar ao inculcar e estimular disposições favoráveis a aprendizagem formal. Ou, ao
contrário, pode significar um atraso ou retardo, no sentido de um tempo perdido, visto
que será necessário criar na criança as disposições exigidas pelo mercado escolar.
Esse aproveitamento do tempo denota a própria diferença de capital cultural e
econômico entre as classes e seu funcionamento como capital simbólico. As famílias de
forte capital econômico, possuidoras de um maior capital cultural dispõem não apenas
da possibilidade de iniciar a transmissão e acumulação de capitais mais precocemente
como também possuem maior tempo livre para investimento em práticas culturais que
por serem prolongadas e acumuláveis exigem do indivíduo um comportamento diletante.
(...) o tempo durante o qual determinado indivíduo pode prolongar seu
empreendimento de aquisição depende do tempo livre que sua família
pode lhe assegurar, ou seja, do tempo liberado da necessidade
econômica que é a condição da acumulação inicial (tempo que pode
ser avaliado como tempo em que se deixa de ganhar). (BOURDIEU,
2008b , p. 76)
Essa exploração e utilização do tempo de aquisição do capital cultural demonstra
sua dissimulação enquanto estratégia de reprodução muito maior que o capital
econômico, funcionando de forma muito mais efetiva como capital simbólico.
Um bem cultural pode ser apropriado de forma material, pressupondo um
determinado capital econômico e de forma simbólica, pressupondo um capital cultural.
Tal apropriação do bem cultural como simbólico constitui a relação que o capital
cultural objetivado mantém com sua forma incorporada.
Assim, o capital cultural em estado objetivado se define por sua materialidade
(por exemplo, pinturas, monumentos, suportes materiais escritos, etc), cujas
propriedades dependem do capital incorporado – apenas a posse jurídica de um bem
cultural não assegura sua incorporação e utilização como capital simbólico.
Sua eficácia como capital simbólico depende da forma como esse capital é
incorporado pelo indivíduo que o recebe, ou seja, sua eficácia ideológica depende de
uma lógica de transmissão, pois essa forma de capital só existe e subsiste como forma de
21
distinção na condição de ser apropriado pelos indivíduos, portanto do domínio que dele
possuem.
Esse domínio que é sua própria lógica de transmissão vai além da posse de
instrumentos de produção ou bens, mas corresponde a um trabalho de apropriação
desses instrumentos e bens, portanto define-se pela relação que estabelece com a forma
incorporada do capital cultural. Em suma, significa dizer que é necessário dispor de um
capital cultural em seu estado incorporado, para que os instrumentos objetivos de
dominação (como instrumentos de produção e bens) tornem-se instrumentos simbólicos
para este fim.
Assim como em seu estado incorporado o capital cultural objetivado – apesar de
determinado por uma herança familiar – apresenta também um caráter individual. Isso
porque um indivíduo só detêm um certo número de propriedades simbólicas se estas
forem pessoalmente investidas, ou seja incorporadas pelo indivíduo. Dessa forma os
benefícios possíveis do domínio desse capital objetivado dependem da medida como ele
é incorporado.
Por isso, entre os objetivos desse trabalho está o levantamento do capital cultural
das famílias investigadas. Busca-se compreender se há diferenças de capital cultural em
seu estado objetivado e incorporado que sejam significativas para a aprendizagem dos
saberes históricos escolares.
Bourdieu (2008b) define ainda outra forma de capital cultural, o
institucionalizado. Esse estado compreende a raridade conferida pelo título escolar e se
aplica aos objetivos dessa pesquisa por possibilitar compreender e relativizar o valor da
escolaridade para essas famílias, no sentido de diferenciação.
Isso porque o reconhecimento institucional encerra o indivíduo em um grupo
teoricamente homogêneo, o dos possuidores de um certificado escolar, e institui uma
diferença de essência entre a competência estatutariamente reconhecida e garantida e o
simples capital cultural, constantemente intimado a demonstrar seu valor (BOURDIEU,
2008b, p. 78).
Além disso, o capital cultural em seu estado institucionalizado na forma do
certificado escolar permite a comparação e seleção dos indivíduos conforme o diploma
que possuem. Possibilita compreender desse modo a taxa de convertibilidade entre o
capital econômico e cultural e o rendimento possível do capital escolar, estabelecendo
no plano do capital cultural o valor do detentor do diploma em relação aos outros
detentores e seu valor objetivo pelo qual pode ser trocado no mercado de trabalho.
22
O estado institucionalizado do capital cultural – que em tese poderia ser
alcançado por todos aqueles considerados aptos aos estudos – compreende o ponto
máximo de dissimulação do capital cultural. Ele demonstra a dissimulação que se opera
por dentro e pela própria escola, pois o indivíduo ao alcançar um diploma se coloca em
uma condição homogênea, mas também de diferenciação, já que os benefícios materiais
de seu diploma dependem de sua raridade em relação à outros certificados.
Essa raridade por sua vez depende do investimento escolar e, portanto, do capital
econômico. Isso significa que já no momento de partida há uma diferenciação, cuja
tendência se potencializa ao longo da escolarização, pela própria lógica de
funcionamento do sistema de ensino, que classifica os indivíduos em função do capital
que podem mobilizar.
2 – O Habitus como um esquema classificatório
Analisar o volume de capital cultural de um indivíduo ou de um grupo de
indivíduos, como essa pesquisa se propõe, tem por objetivo conhecer não apenas o que
os diferencia entre si – o que explicaria a diferença de desempenhos entre indivíduos em
condição social aparentemente homogênea – mas também permite avaliar os sistemas
classificatórios que permeiam as classes.
Os sistemas classificatórios (BOURDIEU, 2006) são com efeito a garantia da
eficácia da divisão de classes, pois abarcam as práticas e os julgamentos produzidos
pelos indivíduos sobre sua posição e a dos demais, permitindo compreender seu lugar
no espaço social.
O espaço social é o lugar que as classes ou frações de classe ocupam no mundo
social. Esse lugar é determinado pelo volume e estrutura do capital (cultural e
econômico) que seus integrantes possuem, como conjunto de recursos ou poderes
efetivamente utilizáveis e que são por sua materialidade objetivamente classificáveis.
No entanto, os indivíduos só se percebem como membros de um mesmo espaço
social pelos esforços que empregam em determinadas práticas que consideram
adequadas a suas posições, ou seja, da abstração que fazem do seu lugar no espaço
social.
Essa adequação de práticas permite compreender como a questão do espaço é
formulada no próprio espaço, pois possibilita enxergar as distâncias mantidas pelos
indivíduos em relação a outros. Enquanto instrumento de análise, o espaço como uma
23
abstração social construída pelo pesquisador permite observar aquilo que os indivíduos
consideram ser necessário conservar ou modificar para se manter no espaço social
engendrado que é na verdade uma abstração social construída.
No entanto, para compreender as práticas que geram essa abstração, que é em si
uma representação, é necessário conhecer o princípio que as gera: o habitus.
O habitus é ao mesmo tempo princípio gerador de práticas objetivamente
classificáveis como também sistema de classificação de tais práticas. Assim sendo, o
habitus é capaz de produzir práticas e obras classificáveis, como também de produzir a
capacidade de diferenciar e apreciar essas práticas e seus produtos, os gostos que
determinam os estilos de vida.
A partir do habitus é possível compreender a relação entre a condição
econômica e social e os traços distintivos, produto da posição ocupada pelo indivíduo
no mundo social. Encarado como um princípio gerador, o habitus permite justificar as
práticas e os produtos classificáveis, assim como os julgamentos, que por sua vez são
classificados e que constituem um sistema de sinais distintivos.
Assim, esses sinais distintivos se convertem em disposições gerais – o habitus.
Isso significa dizer que o esquema do habitus é capaz de criar a partir de práticas
estruturantes (o que organiza as práticas, seus sinais distintivos), o estruturado (o que
faz parte do indivíduo), demonstrando assim sua sistematicidade na construção do
mundo social representado, ou seja, o espaço dos estilos de vida.
Nesse sentido, compreender o lugar da classe no mundo social representado é:
(...) Retornar ao principio unificador e gerador das práticas, ou seja, ao
habitus de classe, como forma incorporada da condição de classe e dos
condicionamentos que ela impõe; portanto, construir a classe objetiva,
como conjunto de agentes situados em condições homogêneas de
existência, impondo condicionamentos homogêneos e produzindo
sistemas de disposições homogêneas, próprias a engendrar práticas
semelhantes, além de possuírem um conjunto de propriedades comuns,
propriedades objetivadas, às vezes, garantidas juridicamente - por
exemplo, a posse de bens ou poderes – ou incorporadas, tais como os
habitus de classe – e em particular, os sistemas de esquemas
classificatórios. (BOURDIEU, 2008, p. 97)
Além disso, essa sistematicidade permite compreender a experiência comum do
mundo social como um reconhecimento da posição do indivíduo em uma estrutura.
Porém, aparentemente o que é espontâneo – esse reconhecimento do indivíduo – é na
24
verdade gerado pelo esquema do habitus, que também é responsável pela definição da
identidade social desse indivíduo, pois o circunscreve no sistema de diferenças que os
diferentes habitus objetam, ou seja, a identidade social define-se e afirma-se na
diferença de habitus.
Essas diferenças de práticas que constituem o esquema do habitus são princípios
de diferenciação por serem propriamente produto de práticas diferentes, que fazem parte
de uma ordem baseada no reconhecimento, pela procura intencional de determinadas
práticas da classe ou da fração de classe. Porém a necessidade desse reconhecimento é
ignorada e é o que torna essa procura natural e observável do ponto de vista das classes.
A dialética das condições e dos habitus é o fundamento da alquimia
que transforma a distribuição do capital, balanço de uma relação de
forças, em sistema de diferenças percebidas, de propriedades
distintivas, ou seja, em distribuição de capital simbólico, capital
legítimo, irreconhecível em sua verdade objetiva (BOURDIEU, 2006,
p. 164).
Isso significa, que o habitus não é uma resposta mecânica à estruturas
estruturantes, antes envolve formas de classificação, que permitem tanto a integração
quanto a distinção. São, portanto, estratégias de construção e avaliação do mundo social
estruturadas - logo produto de sua própria participação na construção de esquemas de
pensamento e expressão, ou seja, de disposições duráveis geradoras de práticas.
(...)Habitus permite estabelecer uma relação inteligível e necessária
entre determinadas práticas e uma situação, cujo sentido é produzido
por ele em função de categorias de percepção e de apreciação; por
sua vez, estas são produzidas por uma condição objetivamente
observável (BOURDIEU, 2006, p. 96)
Essa condição objetivamente observável que corresponde ao habitus de classe é
a condição incorporada da classe e dos condicionamentos que ela impõe e constrói,
produzindo condições e disposições homogêneas, além de propriedades e poderes. Estes
de acordo com os instrumentos simbólicos, o domínio do mundo social e o lugar
ocupado nele, permitem compreender as distâncias em relação a sua classe e as demais.
Esse domínio do mundo social depende de sistemas classificatórios, que
funcionam como imposições ideológicas ao atribuírem um sentido ao mundo social de
forma a parecerem legítimas. Por isso as tentativas das classes para imporem a sua
25
definição do que é o mundo social - a partir das estruturas estruturadas - refletem sua
luta na hierarquização do espaço social.
Isso significa dizer que os sistemas classificatórios só exercem seu poder
simbólico pela própria estrutura onde são produzidos, ou seja, pela própria relação entre
os detentores do poder e os que estão sujeitos a ele. Esta é a própria lógica da estrutura
do espaço social que é estruturante de sua própria condição, posto que já está
estruturada pelas disposições que carrega por herança da classe a que pertence.
É em torno desse poder simbólico, garantido pelas condições e propriedades
homogêneas geradas pelo habitus e pelo capital cultural, que as classes utilizam o
sistema de ensino para garantir sua reprodução.
Dessa forma, os estudos de Bourdieu verificam que as classes mais favorecidas
obtêm um maior rendimento do sistema escolar, em grande parte porque fazem a
reconversão de capital, alcançando assim títulos mais valorizados e obtendo, portanto,
um maior uso social do sistema de ensino, o que lhes assegura a manutenção de suas
posições.
Esse esquema classificatório do sistema de ensino é utilizado como parte das
estratégias de reconversão na luta contra a desclassificação, que não atingem apenas as
classes mais favorecidas, mas também as classes populares.
A entrada de frações, até então fracas utilizadoras da escola, na corrida e na
concorrência pelo título escolar, tem tido como efeito obrigar as frações de
classe, cuja reprodução era assegurada principal ou exclusivamente pela escola,
a intensificar seus investimentos para manter a raridade relativa de seus
diplomas e, correlativamente, sua posição na estrutura de classes; nesse caso, o
diploma, e o sistema escolar que o confere, tornam-se assim um dos objetos
privilegiados de uma concorrência entre as classes que engendra um
crescimento geral e contínuo da demanda por educação e uma inflação dos
títulos escolares (BOURDIEU, 2008a, p. 148)
No entanto, mesmo que a entrada das classes populares altere as estruturas
sociais e as oportunidades de lucros garantidas pelos capitais disponíveis, as classes mais
favorecidas têm maiores condições objetivas de evitar a desclassificação e de se
apropriarem do sistema de ensino para garantir sua raridade. Isso se deve as suas
propriedades e práticas mais adequadas ao sistema de ensino – historicamente marcado
por saberes e condicionamentos oriundos das classes mais favorecidas.
26
Dessa forma, para observar os diferentes desempenhos desses alunos como esse
trabalho se propõe, é necessário não apenas compreender as diferenças de capital
cultural dos indivíduos, mas também sua mobilização.
Nesse sentido, as diferenças de desempenho serão analisadas a partir do trabalho
de Lahire (1997) que propõe que ―não se trata de capitais que circulam, mas de seres
sociais que, nas relações de interdependência e em situações singulares, fazem circular
ou não, podem ―transmitir‖ ou não, as suas propriedades sociais‖ (p. 32 - 33). Portanto,
as diferenças de rendimentos não são objetivadas apenas pela propriedade de capitais ou
recursos, em que diferentes capitais objetam diferentes rendimentos, mas sim pelas
relações estabelecidas entre meio social e indivíduo.
Nessa perspectiva para que se possa compreender o rendimento desigual de
alunos da periferia é necessário analisar como ocorre a transmissão do capital cultural na
constituição de disposições sociais, esquemas mentais e comportamentais compatíveis
com as modalidades de socialização escolar.
A nosso ver, só podemos compreender os resultados e os
comportamentos escolares da criança se reconstruirmos a rede de
interdependências familiares através da qual ela constituiu seus
esquemas de percepção, de julgamento, de avaliação, e a maneira pela
qual estes esquemas podem ―reagir‖ quando ―funcionam‖ em formas
escolares de relações sociais. (LAHIRE, 1997, p.19)
Portanto, para analisar as razões do sucesso escolar na disciplina de História em
alunos da periferia, será analisado o que Lahire chama de ―configurações familiares‖, a
fim de compreender como tais alunos e famílias se relacionam com os saberes
disponíveis e usos possíveis que objetam para a disciplina de História.
Colocando-nos no nível das redes de interdependência entre seres
sociais concretos, entre estruturas de coexistência e formas que
assumem as relações entre seres sociais singulares, percebemos de
uma maneira mais precisa aquilo que as grandes pesquisas
estatísticas traçam em linhas gerais. (LAHIRE, 1997, p.39)
Em outras palavras, o que Lahire propõe para explicar o ―sucesso‖ é uma relação
entre as configurações familiares e o espaço escolar. Essas relações são capazes de criar
disposições sociais que dependem de um processo de socialização específico, segundo a
capacidade da família de ajudar a criança na realização dos objetivos que lhe são fixados
27
em relação à escola. A perspectiva de Lahire amplia a noção de investimento escolar
possibilitando compreender situações particulares como as que essa pesquisa investiga.
A teoria de Lahire sobre sucesso e investimento escolar, também permite
investigar o lugar que o ensino de História ocupa nessas famílias a fim de compreender o
uso social da escolarização na tentativa de reconversão, conforme a proposta de
Bourdieu.
Nesse sentido, a análise do currículo proposta por Apple (2006) permite avaliar
como os alunos bem sucedidos no ensino de História compreendem as possibilidades de
sua escolarização e os possíveis usos sociais dessa disciplina de acordo com a descrição
do PCN, de que o ensino de História possibilitaria a ampliação gradativa da
compreensão da realidade dos alunos. Estes ao confrontarem e relacionarem sua
realidade com outras realidades históricas tem segundo as orientações do PCN maior
possibilidade de fazer suas escolhas e mais critério para orientar suas ações.
Tal perspectiva de compreensão das possibilidades de escolarização se baseia não
só em Apple (2006), mas tanto nas investigações de Bourdieu (2008a) como de Lahire
(1997) sobre o papel do capital cultural em relação ao desempenho escolar. Posto que o
capital cultural herdado é muitas vezes inadequado do ponto de vista da cultura legítima,
corroborando o desempenho insuficiente das classes populares em relação a escola.
Essa cultura legítima, sistematizada na organização do currículo, interfere na
distribuição cultural, agindo como mecanismo de eliminação e reprodução social. Trata-
se de uma seleção feita a partir de critérios das classes dominantes, de forma que estes
podem assim manter sua raridade, pela distância que tal conhecimento tem da cultura
popular.
Dessa maneira, para avaliar a diferença de desempenho de alunos da periferia
bem sucedidos na disciplina de História é preciso investigar além de seu capital cultural
familiar, a forma como esses alunos se relacionam com esse outro capital cultural que é
o currículo.
3 – Currículo como distribuição desigual e capital cultural
Para Michael Apple (1989), os currículos são um espaço de luta, pois são
produto social de forças conflitantes e que acaba por unir classes, frações de classe e
28
movimentos sociais de forma contraditória, pois, para obter legitimidade, precisa
incorporar as demandas desses novos utilizadores da escola.
Na realidade, o fato de que as escolas são na verdade parte do
Estado, parte do aparato político da sociedade, fornece algumas das
condições para uma tal seleção mais ampla de cultura, dada a
necessidade relativamente autônoma de legitimação por parte do
Estado. Não há nenhuma garantia, entretanto, de que essa seleção
mais ampla resultará em vantagens apreciáveis para os grupos que
usualmente não tem poder significativo ( por exemplo, grupos da
classe trabalhadora), uma vez que frequentemente o currículo é
resultado de conflitos, dentro do Estado e entre as classes médias e
a elite. (APPLE, 1989,p. 52)
Para o autor, os currículos têm um importante papel na construção dos esquemas
de pensamento e de ação, na medida em que estabelecem uma relação de mediação
entre a escola e a comunidade ao dissimular o caráter meritocrático e supostamente
igualitário do sistema de ensino.
A escola auxiliaria nos processos de reprodução, empreendendo a seleção e
hierarquização dos alunos ao ensinar valores culturais, normas e habilidades de acordo
com a classe, raça e sexo dos diferentes grupos a qual se destinaria.
No entanto, enquanto agências legitimadoras, as escolas também necessitam ser
―legitimadas pelos governados‖, por isso mantêm um funcionamento contraditório
diante das pressões econômicas, políticas e educacionais e de suas próprias demandas –
contradição, expressa, sobretudo, nos currículos tanto em seu estado prescrito como
real.
Em outras palavras, a escola precisa fazer tudo isso parecer natural.
Uma sociedade baseada no capital cultural técnico e na acumulação
individual de capital econômico precisa parecer ser o único mundo
possível. (APPLE, 2006, p. 126)
Apple e King (1989), em trabalho sobre a consonância entre o que ensinam as
escolas e os objetivos das classes dominantes, apontam que a motivação para a criação
das escolas foi justamente o propósito de ensinar normas e objetivos institucionais.
Essas normas e objetivos constituem o currículo oculto e as escolas cumprem o papel
que lhes caberia na imposição de disposições úteis para a vida em uma ordem social e
econômica complexa e estratificada como são as sociedades industriais modernas.
Apple (1989 e 2006) observa que existe uma relação entre os conhecimentos
escolares e os fenômenos extraescolares que determinam as relações de poder, e que
29
traduzem a estrutura das relações econômicas. Da mesma forma que há uma
distribuição desigual do capital econômico há também uma distribuição similar do
capital cultural e são as escolas nas sociedades industriais as principais reprodutoras
dessa desigualdade.
De certa forma, o que se ensina está de acordo com a distribuição dos bens e
serviços da sociedade, contudo o que se ensina, ou seja, o currículo representa e
responde aos recursos ideológicos e culturais das classes dominantes na tentativa de
controle social.
Para o autor, ao analisar a constituição do currículo enquanto área de
concentração de conhecimentos é necessário considerar que sua raiz está no controle
social, posto que seus objetivos configuram-se em identificar procedimentos para a
seleção e organização dos saberes escolares e procedimentos que devem ser ensinados,
portanto formas de controle social.
Nesse sentido, o controle social se tornou o aspecto mais evidente do estudo do
currículo, mesmo que, tratando de uma resposta às regularidades das interações
humanas, o domínio dessa seleção cultural que é o currículo, é essencial para a
preservação de privilégios sociais, dos interesses e do conhecimento dito legítimo.
Dessa forma, os estudantes recebem através dos currículos determinados significados,
que são as prerrogativas para manutenção do afastamento de grupos menos poderosos.
A análise do currículo oculto - as normas e valores implícitos - permite delinear
a relação histórica entre o que ensinam as escolas e o contexto mais amplo de
instituições que as rodeiam. Apple (1989) lembra que aquilo que consideramos oculto
foi a função das escolas durante grande parte de seu funcionamento como instituições,
porém ao longo do século XIX a crescente diversidade nos meios culturais reafirmou o
papel da escola para homogeneização, criando também certas expectativas de
inculcação relativas a eficiência e funcionalismo em algumas classes por uma elite
industrial.
Historicamente o ajuste entre o consenso normativo e o econômico, se
constituiu dentro da estrutura da educação formal. A escola incorporaria como função a
seleção e generalização de qualidades pessoais e de significados normativos que
proporcionariam aos alunos uma suposta oportunidade de obter recompensas
econômicas.
30
O currículo é, portanto carregado de ideologia que se relaciona ao saber escolar
na medida em que forma parte nas estruturas de poder e na distribuição dos recursos
econômicos, tal qual a distribuição do capital cultural dentro da classe.
Dessa forma, as escolas tem uma papel decisivo no controle do conhecimento e seu
uso, através do currículo oculto, para dominação de classes menos favorecidas, numa
demonstração de que o currículo está dominado por um consenso ideológico que
privilegia as classes dominantes, ao enunciar-se como neutro. Assim, além de não agir
de forma neutra, também despolitizaria os indivíduos ao sugerir o consenso, ignorando
o conflito como uma característica essencial da sociedade.
Ademais, ao tentar reduzir todo o conhecimento que é ensinado a
comportamentos atomizados, como é freqüente o caso hoje, muitas
práticas escolares reduzem também a esfera cultural (a esfera do
discurso democrático e das compreensões coletivas) à aplicação de
regras e procedimentos técnicos. Em essência, também nesse caso
questões referentes ao ―por quê‖ são transformadas em questões
referentes ao ―como―. Quando isso se combina como o fato de que o
ensino do conflito está usualmente ausente do currículo, o debate e a
conscientização política e ética são substituídas pelas ideologias
instrumentais. (Apple, 1989, p. 49).
A análise do conflito é particularmente importante, pois o currículo atua na
formação da consciência dos indivíduos. Assim, não ensinar o conflito leva ao consenso
e à aceitação da distribuição de poder existente, pois impede os alunos de
desenvolverem uma perspectiva em relação à mudança dentro de uma sociedade
desigual e das dinâmicas de poder.
Para Apple, (2006, p.42) é importante observar que as escolas não são neutras
como se apregoa. Essa idéia é corroborada segundo o autor pelo próprio currículo – que
enquanto seleção feita fora da prática educativa compreende a uma escolha feita a partir
de um universo muito maior de conhecimentos e princípios sociais disponíveis, o que o
caracteriza como uma forma de capital cultural, uma mercadoria filtrada por
condicionamentos econômicos e ideológicos das classes dominantes. Assim, o autor
demonstra que a manutenção da hegemonia depende não apenas da propriedade
econômica, mas também da propriedade simbólica – esta última dada pela distribuição
cultural que a escola autoriza pelo currículo de acordo com a classe do indivíduo a que
ela se destina.
Sacristán (1998, p.124) corrobora a perspectiva de Apple sobre distribuição
cultural, ao colocar que o currículo age como um mecanismo pelo qual o conhecimento
31
se diversifica socialmente ao interagir com diferenças de idade, sexo, raça e origem
social e que as decisões tomadas em relação a ele compreendem a um problema de
repartição da cultura selecionada em relação as classes distintas. Isso significa dizer que
na escolarização não se aprende tudo e nem todos aprendem o mesmo, por isso tanto
Apple quanto Sacristán apontam a investigação do conteúdo por meio do currículo
como fundamental para compreender a reprodução cultural.
Dessa forma, essa pesquisa pretende ao analisar o currículo prescrito da
disciplina de História, aquele que é delimitado pela instância governamental,
compreender que projeto educativo é pretendido, que tipos de efeitos se pretende
despertar nos indivíduos aos quais esse projeto se dirige, procurando avaliar se há por
parte dos alunos uma percepção desse projeto e se esse seria possível pelos objetivos
propostos tanto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) quanto pelo currículo
proposto pela Secretaria de Educação Estadual (SEE).
Portanto, confrontar os documentos em termos de adequação de objetivos e
organização permitir compreender o prescrito e sua realização na visão dos alunos, ou
seja, do que compreendem ser sua experiência educativa real na disciplina de História.
32
Capítulo II – Procedimentos de Pesquisa
2.1 - Escolha dos alunos:
Os alunos participantes da pesquisa foram escolhidos conforme dois critérios: a
participação na avaliação do SARESP, realizada em 2009, quando cursavam o 9º ano do
Ensino Fundamental e seu rendimento em relação à disciplina, buscando aqueles que
apresentavam rendimentos opostos segundo as avaliações da própria unidade escolar5.
Dessa forma, foram investigados aqueles que têm representatividade diante do
objeto da investigação, ou seja, o sucesso escolar na disciplina de História entre os
alunos da periferia. Para isso, foram escolhidos por amostragem, alunos em faixas
contrárias de desempenho – os que apresentaram maior e menor desempenho – desde a
realização da avaliação do SARESP da disciplina de História em 2009 e que, portanto
estavam cursando o 2º ano do Ensino Médio em 2011.
Para o cumprimento desse critério a pesquisa contou com os apontamentos da
professora regente da disciplina, que acompanha tais alunos desde o 1º ano do Ensino
Médio e das médias obtidas pelas turmas no 1º bimestre de 2011.
Foram selecionados então, 13 alunos – 7 alunos com bom desempenho na
disciplina, dos quais 1 apenas não obteve autorização dos pais para participação na
pesquisa e outros 6 que se encontravam em uma faixa oposta, apresentando baixo
rendimento na disciplina de História – destes 6, apenas 3 foram autorizados à
participarem – totalizando 9 alunos que foram submetidos a um questionário e
entrevistados por meio de um roteiro estruturado.
Nessa etapa verificou-se que dos alunos selecionados apenas 3 haviam
participado avaliação do SARESP de 2009, pois a maior parte dos alunos analisados são
oriundos da rede municipal de educação e ingressaram na escola no primeiro ano do
Ensino Médio.
Dessa forma, apresento a análise de dados coletados entre esses nove sujeitos,
cujos dados foram obtidos a partir de um questionário, que avalia o capital cultural
desses indivíduos participantes. Apresento também a análise dos dados obtidos por
entrevista semi-estruturada realizada com cinco desses nove alunos participantes e suas
5 Consideramos as notas da própria unidade escolar pois as notas obtidas pelos alunos na avaliação do
SARESP não são divulgadas, o governo do estado divulga apenas o resultado geral.
33
respectivas famílias, cujo rendimento na disciplina de História encontra-se em posições
contrárias, ou seja, apresentam rendimento acima e abaixo da média na disciplina.
2.2 – Escolha da escola:
A ideia de procurar diferentes desempenhos em relação ao ensino de História na
periferia baseou-se na pretensa homogeneidade que dados estatísticos como o Índice de
Desenvolvimento Municipal (IDH –M) fornecia.
Esse índice foi coletado através do Atlas do Trabalho e Desenvolvimento da
Cidade de São Paulo, que compila além do IDH-M, dados de demografia, educação,
renda, habitação, trabalho e o Índice de Vulnerabilidade Social (IPVS). Este índice
apresenta indicadores relativos à educação e chefia do domicílio segundo renda e faixa
etária.
De posse da classificação das subprefeituras e, portanto dos bairros que as
compõem, a prioridade de investigação foi dada a região da subprefeitura de Cidade
Ademar, cujas escolas pertencem a diretoria estadual da Zona Sul 1.
A escolha dessa subprefeitura se deve ao fato da região se encontrar entre os dez
menores IDH’s da cidade. Essa região ocupa a sexta posição entre os menores índices de
adolescentes entre 15 a 18 anos cursando o Ensino Médio. Além disso, nessa região
apenas 6,95% dos jovens de 18 a 22 anos tem acesso ao Ensino Superior e 46,62% dos
adolescentes entre 15 e 18 tem menos de oito anos de estudo6, evidenciando assim a
relação entre renda e escolarização.
Embora o IDH-M não possibilite afirmar com clareza a classe ou classes que se
encontram na periferia, seu cálculo, enquanto medida comparativa demonstra uma
pretensa homogeneidade.
Nesse sentido, ao escolher uma escola da periferia imaginava-se que seu alunado
fosse homogêneo e pertencente às classes populares, dada a precariedade dos dados
fornecidos pelo IDH-M.
Optou-se pela diretoria de ensino com o maior número de escola nessa
subprefeitura. A diretoria estadual da Zona Sul 1, possui 87 escolas das quais 36
6 Ver Atlas do Trabalho e Desenvolvimento da Cidade de São Paulo, disponível em
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/trabalho/informacoes/atlas_municipal/index.php
?p=613: Consulta em: 14/03/ 2011.
34
pertencem à subprefeitura escolhida, dentre elas foi selecionada a Escola Estadual
Professora Zenaide Lopes de Oliveira Godoy, que obteve o melhor desempenho entre
essas 36 escolas na avaliação de História realizada pelo SARESP em 2009.
A escola, construída há quase cinquenta anos atende segundo a diretora um
público heterogêneo, que pertence não apenas ao bairro de Cidade Ademar, mas aos
demais bairros da subprefeitura.
Segundo a diretora, a escola é mais antiga que o próprio bairro em que se localiza
e hoje atrai o público do entorno, além de receber muitos alunos oriundos da rede
municipal7. Localizada em um terreno plano, possui apenas um andar e não recebeu
nenhuma grande intervenção estrutural ao longo dos anos. Com 17 salas de aulas, atende
aproximadamente 1700 alunos em três períodos: cerca de 900 pertencentes ao Ensino
Fundamental II e pouco mais de 750 no Ensino Médio.
O histórico recente da escola assinala dificuldades em relação à segurança e a
violência. A atual diretora, no cargo há três anos, aponta como principais dificuldades a
falta de recursos financeiros, que obriga a escola a promover eventos para arrecadar
recursos muitas vezes destinados a atividades culturais ou adaptação dos espaços, como
a reforma do refeitório que era descoberto e estava instalado no meio do pátio ou as
reformas da sala de vídeo e dos laboratórios.
Essas modificações são apontadas pela diretora como um dos principais fatores
para o aumento da participação dos pais e da própria confiança da comunidade – a
diretora relembra que antes era necessário um trabalho de aproximação entre a unidade
escolar e a escola municipal para que os pais matriculassem seus filhos na escola.
Hoje, ela avalia que a participação dos pais chega a 80% e que o ponto forte da
escola se deve ao corpo docente, composto por uma maioria de efetivos, dos quais mais
de 40% estão na escola há mais de dez anos, muitos ex-alunos da escola e até mesmo
moradores do bairro.
2.3 – Entrevistas e questionários:
O uso da enquete sociológica, por meio de questionário e entrevista semi-
estruturada foi a forma encontrada para explorar de forma mais ampla o objeto dessa
pesquisa: a relação de alunos da periferia com a disciplina de História.
7 Há uma parceria entre rede estadual e municipal para que as escolas próximas recebam os alunos
conforme a necessidade de vagas. Assim, muitos dos alunos do Ensino Médio são oriundos da rede
municipal pois esta tem vagas limitadas para essa etapa.
35
O questionário composto por perguntas fechadas, estabelece a priori algumas
categorizações, permitindo obter dados mais uniformes, já a entrevista semi-estruturada
é menos rígida. Propondo um roteiro previamente elaborado que garante ao mesmo
tempo que os participantes respondam as mesmas questões, portanto mantêm a temática,
e possibilita também outras perguntas e intervenções, para melhor exploração dessa
temática, além da adaptação aos entrevistados.
Essa escolha foi feita também como forma de confirmar ou refutar a hipótese que
orienta essa pesquisa – ou seja, alunos em situação oposta de rendimento tem também
um capital cultural diferenciado, portanto aqueles que obtêm sucesso operam a
reconversão do capital cultural que já possuem.
Nesse sentido, foi aplicado um questionário – entrevista com perguntas
estruturadas, que além de características socioeconômicas familiares, buscava conhecer
as práticas culturais, de lazer e de gostos, dos indivíduos e suas famílias.
Dessa forma, foi possível traçar as consonâncias e dissonâncias em termos de
capitais entre os alunos que apresentavam rendimentos acima e abaixo da média em
História.
Para mensurar o capital cultural foi utilizado como base o questionário proposto
por Pierre Bourdieu em ―A distinção‖ (2006), adaptado à realidade brasileira e as
especificidades dessa pesquisa, que contempla conforme descrito anteriormente não uma
amostragem, mas um grupo de alunos.
Essa opção justifica-se por essa pesquisa buscar, assim como nos estudos de
Bourdieu, ―a análise das variações das práticas e das opiniões segundo unidades sociais
suficientemente homogêneas‖ (2006, p. 461). Tal homogeneidade se refere nesse caso ao
critério obtido a partir dos dados do IDH-M. Entendeu-se a princípio que estudando na
mesma escola e residindo na mesma região periférica, os indivíduos participantes
pertencem à mesma classe.
Assim, o que se buscou foi averiguar se a heterogeneidade de desempenhos
também correspondia à diferenças de posições sociais, permitindo desvelar a pretensa
homogeneidade sugerida pelo IDH – M.
O questionário de Bourdieu (2006) parte da hipótese de unidade dos gostos
perante a classe a qual os indivíduos pertencem e a partir da avaliação desses dados
propõe uma série de proposições e relações, que serviram para a análise dos dados,
possibilitando as seguintes relações:
36
a) Relação entre escolaridade e ocupação:
Essa proposição será analisada a partir das questões 10 a 15 que tratam da
escolaridade e ocupação profissional dos pais, buscando assim compreender a relação
entre a categoria profissional e a escolaridade. Além disso, serão avaliadas as questões 3
e 4 do bloco 2, sobre a escolarização pretendida pelos alunos. Buscando identificar se os
alunos almejam destinos de acordo ou não com a escolaridade parental.
b) Práticas culturais de lazer e escrita;
Os tipos de práticas de lazer serão verificados a partir das questões 16 e 17, que
indagam sobre a rotina dos estudantes no tempo livre e nas férias. Também serão
avaliadas as práticas de leitura em seu conteúdo, a partir das questões 23 e 24, sobre a
leitura não escolarizada e as questões 28 a 33, sobre o tipo e a frequência da leitura dos
familiares (pai, mãe e irmãos). Objetivando compreender a relação entre manejo da
linguagem e desempenho escolar.
Essa análise a partir dos questionários pretendeu investigar, pela frequência, a força
das disposições homogêneas entre os grupos. No entanto, essa pesquisa busca
compreender a efetiva ação dos indivíduos sobre cada domínio cultural pertinente às
diferenças de rendimento. Para compreender a qualidade das práticas e a circulação dos
capitais, investigou-se também os gostos em termos de consumo cultural, tanto de bem
legítimos, como o acesso a museus até bens culturais mais difundidos como o
conhecimento em música, cinema e programação de TV.
Além do questionário foi feita uma entrevista semi-estruturada com os alunos e
seus familiares, a fim de compreender se os perfis familiares objetam diferentes
rendimentos.
A entrevista foi realizada pela própria limitação do questionário em relação aos
resultados que possibilitava. O questionário buscava identificar a sistematicidade do
habitus ao demonstrar os produtos, julgamentos e práticas comuns, com o fim perceber
as dissonâncias e consonâncias entre os indivíduos investigados. Tal combinação entre
questionário e entrevista é proposta inclusive por Bourdieu (2006):
tratando-se de captar sistemas de gostos, a pesquisa por meio de
questionário nunca deixa de ser uma solução insatisfatória, imposta pela
37
necessidade de obter um número importante de informações comparáveis
sobre uma população suficientemente numerosa para autorizar o
tratamento estatístico: em primeiro lugar, ela deixa escapar quase
completamente o que diz respeito à modalidade das prática; ou, em um
domínio que é aquele da arte, entendido no sentido de maneira de ser e de
fazer particular, como na ―arte de viver‖, a maneira de efetuar as práticas
e a maneira de falar sobre elas, desabusada ou desenvolta, série ou
apaixonada, fazem muitas vezes toda a diferença (pelo menos todas as
vezes em que estivermos diante de práticas comuns, como a televisão ou
o cinema). ( BOURDIEU, p 464).
A entrevista semi-estruturada também foi escolhida pela necessidade de
averiguar a relação desses indivíduos com o ensino de História, com o intuito de
compreender se existem práticas familiares que especificamente mobilizadas favorecem
a aprendizagem dos saberes históricos escolares, ou seja, o lugar da referida disciplina
para essas famílias e entre os estudantes, na tentativa de inferir se os objetivos do PCN
são percebidos ou não.
Para compreender as ações singulares das famílias entrevistadas foram utilizadas
como base as análises de Lahire (1997), que propõe a construção de perfis para
demonstrar o comportamento dos indivíduos em relação à seu grupos.
Cunhando a ideia de variações intra-indivíduos como presente em todos os
indivíduos, não apenas entre aqueles de classes diferentes, Lahire propõe um
questionamento dos mecanismos de transferências de disposições, que em suma
permitem questionar as trocas entre os diferentes campos, no sentido de demonstrar a
fronteira entre as práticas culturais legítimas e ilegítimas que permeiam os indivíduos e
seus grupos e por isso tais análises interessam a essa pesquisa na busca pelas
particularidades do capital cultural possuído pelas famílias.
O objetivo é compreender se entre os indivíduos analisados há perfis destoantes
e se esses perfis dependem da forma com que incorporam as realidades sociais, ou seja,
da pluralidade de disposições a que são sujeitos em diferentes campos de práticas.
Para tal, foram criados perfis familiares através das entrevistas de cinco
indivíduos em situação oposta na disciplina de História e seus familiares: quatro
indivíduos que apresentavam desempenho acima da média na disciplina e um cujo
desempenho era abaixo da média.
Dessa forma, a metodologia adotada teve por objetivo compreender as práticas
culturais de indivíduos teoricamente homogêneos, pois residem na mesma região e
38
estudam na mesma escola pública, suas dissonâncias e os mecanismos que as impõem,
dividindo-se em duas etapas:
Na primeira, as práticas culturais e as características das famílias foram
ordenadas segundo dois grupos, organizados a partir do rendimento desses alunos.
Compõem o grupo 1, os alunos que apresentam rendimento acima da média e no grupo
2 estão os alunos abaixo da média. Dessa forma, buscou-se compreender se os alunos
com rendimentos opostos apresentavam semelhanças em relação às práticas culturais e
características familiares. Essa etapa foi realizada a partir do cruzamento dos dados
fornecidos pelo questionário aplicado a todos os alunos envolvidos (nove no total).
Na segunda etapa foram construídos perfis culturais, a partir das entrevistas
realizadas com cinco indivíduos e seus respectivos familiares, de forma a perceber as
preferências e dissonâncias culturais que permitiram classificar esses perfis quanto a
atitude em relação à escola e à cultura legítima.
Além dessa relação, a entrevista semi-estruturada foi utilizada para compreender
não apenas os perfis familiares, mas também a relação desses alunos com ensino de
História, no sentido de verificar se há uma atitude diferenciada em relação à disciplina.
Dessa forma, parte da entrevista semi-estruturada realizada com alunos liga-se a
análise do currículo. Para isso, foram construídas perguntas abertas sobre a
aprendizagem dos saberes históricos e seu possível uso na visão dos alunos, o objetivo
era verificar se o discurso dos alunos converge com os pretensos efeitos do PCN nesses
alunos.
Dessa forma os instrumentos utilizados – questionário e entrevista semi-
estruturada – tentaram mediar as opiniões e atitudes individuais em função dos
condicionamentos exercidos pelo capital cultural.
A análise metodológica desse trabalho articulou-se em torno da problemática do
ensino de História. Tal afirmativa se faz necessário, para justificar o tratamento que os
dados receberam. Como lembra Thiollent (pp. 15 a 17), o uso de questionários e
entrevistas individuais já foi alvo de inúmeras críticas, sob a acusação de que as
medições de opinião e as atitudes individuais captam apenas uma realidade parcial se
não forem problematizadas no sentido do que é uma opinião pública e em relação às
estruturas sociais. Nesse sentido, tomando o capital cultural como hipótese, a análise,
buscou explicar os dados coletados.
39
2.4 – Análise de documentos:
A análise de documentos nesta pesquisa tem o objetivo de subsidiar as
afirmações acerca da relação que os alunos estabelecem com a disciplina de História.
Portanto, para compreender algumas das afirmações recolhidas optou-se por explorar
alguns domínios do currículo para indagar se há ou não um impacto real deste na
aprendizagem dos saberes históricos escolares.
Posto que a sistematização do conhecimento que compreende ao currículo, por si
só não garante a aprendizagem dos saberes históricos escolares, seria necessário
investigar não apenas o capital cultural familiar, mas também o papel dos docentes nessa
aprendizagem. No entanto, esse trabalho tem como foco a percepção dos alunos e,
portanto, optou-se por investigar apenas o currículo prescrito, avaliando apenas suas
possibilidades – essas presentes no que é estabelecido pelos documentos.
Essa perspectiva de possibilidade do currículo foi escolhida como forma de
compreender o produto dessa escolarização nesses alunos. Assim, a análise de
documentos permitiu mapear os principais pressupostos do currículo e avaliá-los
segundo a percepção dos indivíduos investigados.
Os critérios para análise do que é currículo prescrito da disciplina de História
basearam-se nas concepções cunhadas por Sacristán (1998). Dessa forma, além de
compreender as principais proposições, foi possível também avaliar a consonância entre
os documentos produzidos nos níveis federais e estaduais no sentido de averiguar o grau
de conformidade entre PCN, as orientações curriculares estaduais, dirigidas à disciplina
de História.
Sacristán (p.120 – 122) avalia que não considerar os conteúdos junto à análise
das atividades significa esfacelar o ensino como objeto de estudo. Para ele, a didática se
ocupou muito mais das atividades, ou seja, do ―como ensinar‖, passível de ser medido e
observado do que dos conteúdos, ou seja, ―o que ensinar‖, pois estes carregam interesses
externos. Para o autor essa ―divisão de funções‖ não permite compreender o objetivo
fundamental da investigação sobre a prática de ensino, a saber: como se cumpre a função
cultural das escolas.
Os documentos foram avaliados quanto a seus objetivos e organização (eixos-
temáticos e subtemas para os PCN e conceitos principais para a Proposta Curricular do
Estado de São Paulo) confrontando as visões desses documentos sobre o papel do ensino
de História, seus objetivos e a metodologia para implantá-los.
40
O que se pretendeu foi relacionar o ensino de História aos interesses exteriores
que carrega. Não se trata com isso de diminuir o papel da socialização própria do
ambiente escolar e que efetivamente torna o currículo real. Optou-se apenas por um
recorte do problema curricular, que pudesse ser relacionado aos traços culturais dos
alunos, pois como lembra Sacristán (1998) citando Jackson: ―o currículo oculto tem uma
relação mais estreita com as dificuldades do aluno do que com seus sucessos, afirmava
esse autor, porque é aí que melhor se apreciam as exigências de adaptação aos
requerimentos que propõe aos estudantes (p.132)‖. E esse é o sentido pretendido por este
trabalho: compreender o que impele ou repele a aprendizagem dos saberes históricos
escolares em um determinado grupo.
41
Capítulo III: Distribuição cultural e rendimento escolar
Nesse capítulo serão analisados os dados retirados dos questionários respondidos
pelos alunos a fim de compreender se há entre os indivíduos de faixas opostas de
rendimento na disciplina de História, práticas culturais também diferenciadas.
Para isso, buscou-se conhecer algumas das práticas culturais que diferenciam
esses indivíduos quanto ao capital cultural herdado.
Essa noção de capital cultural herdado como forma de explicar a diferença de
desempenhos, se baseia nas análises de Bourdieu (1997) sobre a contradição entre o
projetado pelas famílias no sentido de conservação social e as possibilidades para essa
realização.
Bourdieu (1997) avalia que a herança familiar é a matriz da trajetória social de
um indivíduo e as contradições dessa trajetória variam quanto a seu grau de
discordância entre as disposições do herdeiro e o destino que a herança carrega.
Nesse sentido, avaliar como alunos da periferia obtêm sucesso, significa
compreender as possibilidades de sua herança e a contradição que ela encerra em
relação aos projetos familiares. Os objetivos que tais famílias vislumbram para sua
conservação ou ascensão.
No entanto, essa ascensão depende da chancela do sistema escolar e muitas
vezes o que é herdado, apesar do projeto familiar não condiz com as disposições que a
escola exige.
A escola é, portanto a instituição que corrobora a dominação, impedindo a
realização dos projetos parentais, atuando de forma traumática ao reativar traumatismos
iniciais, ou seja, relativos à origem e ao projeto parental. Os julgamentos negativos
produzidos pela escola que afetam a imagem de si encontram um reforço, que é variável
de acordo com a herança e acabam por obrigar a criança ou o adolescente a se submeter
ou sair do jogo, por diferentes formas de negação, compensação ou regressão.
(BOURDIEU, 1997, p.589).
A realização do projeto de ascensão, que em suma é um projeto de sucessão,
visto que carrega as expectativas familiares, é fonte de outra contradição ligada ao
interior do indivíduo. Ainda segundo Boudieu (1997), essa contradição é exposta a
partir da ambivalência de sentimentos que o projeto familiar experimenta diante do
afastamento do filho de sua classe social de origem. Assim, o pai camponês deseja que
42
o filho tenha sucesso, portanto o ultrapasse, mas ao mesmo tempo mantenha sua
identidade social de origem – nas palavras do autor significa viver entre a altivez, da
realização do projeto, portanto do sucesso e o fracasso de ser deixado para trás pela
origem.
Dessa forma, analisar como indivíduos oriundos da periferia, pretensamente
homogêneos, obtêm sucesso na disciplina de História significa observar esse tipo de
contradição, entre o possível e o realizado, que longe da explicação interior, tem para
Bourdieu (1997) uma explicação exterior.
Para o autor, essas tensões aparentemente individuais expõem as próprias
estruturas do mundo social, que criadas pelo habitus, estruturam elementos simbólicos
de poder e a própria estratificação social nos indivíduos.
Nesse sentido, é a escola quem vai reafirmar a identidade social inicial, a partir
da adequação ou não da herança e aqueles que obterão sucesso serão aqueles cujas
exigências explícitas e implícitas do sistema de ensino foram melhor compreendidas
pela família, no sentido de um ―contrato pedagógico‖8.
Assim, para analisar as diferenças de desempenho dos indivíduos oriundos da
periferia é necessário analisar essa herança, também no sentido da transmissão do
capital cultural.
É nesse sentido que se organiza esse capítulo ao avaliar o capital cultural
possuído pelas famílias e sua relação com o rendimento dos filhos.
3.1 - A heterogeneidade como característica: descrição familiar
Para efeito de maior compreensão, os alunos participantes dessa pesquisa foram
divididos em dois grupos identificados como 1 e 2 e que correspondem respectivamente
aos indivíduos que apresentam rendimento acima e abaixo da média na disciplina de
História.
Os dados apresentados nesse capítulo foram retirados dos questionários
aplicados aos nove indivíduos com rendimentos opostos na disciplina de História e tem
por objetivo verificar se há algum investimento específico que leve ao sucesso na
disciplina de História.
8 Esse contrato pedagógico compreende o julgamento e o conhecimento do sistema de ensino, que acaba
por objetivar expectativas de ascensão pela escola.
43
Para tal cabe antes apresentar de forma concisa as particularidades familiares
desses alunos e o porquê se considerou inicialmente que eram homogêneos. Conforme
descrito no capítulo anterior sobre os procedimentos metodológicos, tais alunos foram
considerados homogêneos por frequentarem a mesma escola pública e residirem na
mesma região considerada periférica segundo os dados do IDH municipal9, portanto
entre outros critérios, temos a renda per capita também entre as menores. Isso fez com
que acreditássemos que tais alunos teriam configurações e práticas familiares muito
próximas, no entanto, algumas dissonâncias merecem ser melhor apresentadas.
Entre elas, cabe destacar a constituição familiar inter e intra grupos. Não há um
perfil familiar, no sentido de configuração, comum ao grupo.
Quadro 1: Descrição familiar: pessoas com quem reside
Grupo 1
Giovana Pais e duas irmãs Sérgio Mãe, 2 irmãs, 3 sobrinhos Iago Pais e duas irmãs Tais Mãe, padrasto e 2 irmãos Bruno Mãe, padrasto e irmão Daniela Pais e 2 irmãos
Grupo 2
Ricardo Avó e dois tios Márcia Pai, mãe, avó e 3 irmãos Vinicius Pais, irmão e casal de tios Fonte: questionários preenchidos pelos alunos10.
No caso dos indivíduos do grupo 1, três famílias são constituídas por pai e mãe e
limitadas a no máximo três filhos, outras duas também apresentam um universo
limitado de filhos, mas de um segundo casamento, sendo formadas por mãe, irmãos
desse novo casamento e padrasto e uma única família é monoparental, sendo a chefia
familiar da mãe, além do número limitado de filhos a três. Já entre os indivíduos que
apresentam um desempenho ruim a configuração familiar é ainda mais dispersa – em
cada família há uma particularidade – mesmo o no caso de Vinícius11
que mora com os
pais e um irmão, há a presença de um casal de tios; Ricardo mora com a avó e dois tios,
não tem contato com o pai e visita a mãe que mora em outro estado nas férias, e Márcia
9 A região em que se localiza a escola se encontra entre os dez menores IDH’s de São Paulo, ocupando a
sexta posição. 10
Todos os quadros foram construídos a partir das informações fornecidas pelos alunos no questionário. 11 Cabe lembrar que todos os nome utilizados nessa pesquisa são fictícios.
44
que declara viver com os pais e três irmãos tem mais dois irmãos de um primeiro
casamento do pai.
Mesmo no grupo 1, que aparentemente apresenta uma organização familiar
maior no sentido da configuração dos papéis familiares, não é possível considerar esse
dado como generalizável dada as diferenças intragrupais. Assim, as características que
podem ser mobilizadas em função da escolaridade e que parecem mais relevantes estão
melhor descritas nas análises que se seguem.
Para Bourdieu (2008a) a ação do meio familiar é quase que exclusivamente
cultural, por isso justifica-se essa pesquisa para compreender o papel dessa transmissão
do capital cultural e sua relação com o desempenho. Nesse sentido, o autor coloca que a
antiguidade da escolaridade dos pais e até mesmo da família extensa acaba por separar
os indivíduos, já que a própria antiguidade proporciona maior investimento escolar e
permite outras categorias profissionais e isso se reflete na escolha dos filhos quanto às
escolhas futuras.
A escolha da residência também está ligada à categoria profissional e depende
da escolarização. A residência proporciona mais ou menos acesso a bens culturais,
como no caso do campo e da cidade. No entanto, como os alunos pesquisados, são
habitantes da mesma região e estudantes da mesma escola, o que parece ser
determinante é a heterogeneidade das famílias.
O que se procurou averiguar diante da heterogeneidade da estrutura das famílias
foi justamente as sutilezas diante das práticas culturais e dos níveis de escolaridade dos
membros do universo familiar próximo, ou seja, daqueles com quem esses alunos
residem.
3.2 – Análise dos dados: patrimônio possuído e as diferenças de rendimento
a) Escolaridade dos pais: a relação com o capital cultural institucionalizado
A perspectiva de futuro, inscrita no interesse e escolha da carreira universitária
pretendida permite compreender a diferença de capital cultural e principalmente a
diferenciação na trajetória.
Para Bourdieu (2008c), essas escolhas não são aleatórias, fazem parte do que ele
chama de ―causalidade do provável‖, a noção de futuro está estruturada pelo que já está
45
apropriado, portanto pelo que é possuído pela classe a que pertence e cuja identificação
do indivíduo se dá pela existência de outros indivíduos em oposição.
Isso significa dizer que a escolha por determinadas carreiras é condicionada pela
herança, que é também um conjunto de direitos de precedência sobre o futuro, sobre as
posições passíveis de serem ocupadas e a própria maneira de ser (Bourdieu, 2008c, p.
96), que é dado pelo lugar ocupado no espaço social12
.
Dessa forma, segundo Bourdieu, no que chama de ―ordem de sucessões‖ optar
por carreiras mais prestigiadas e portanto, mais exigentes quanto as condições para
alcançá-las significa assumir um risco e isso só é feito quando se tem certeza de que não
é possível fracassar, quando se possui um capital (econômico , cultural ou social) que
permita ocupar determinado espaço social. Diante das possibilidades delimitadas pelo
espaço possível de ser ocupado é que se define o sentimento de fracasso ou sucesso e
que o indivíduo vislumbra a categoria profissional possível.
Quadro 2: Interesse pelo ensino superior, curso e motivação para escolha:
Grupo 1
Giovana Sim Química Habilidade em exatas Sérgio Sim Área de humanas Facilidade; interesse Iago Sim Filosofia Interesse Tais Sim Direito Familiares na área Bruno Sim Não sabe Não respondeu Daniela Sim Gastronomia Interesse.
Grupo 2
Ricardo Sim Faculdade Não respondeu Márcia Sim Pedagogia Interesse Vinicius Sim Gestão financeira Habilidade em exatas e interesse
Quadro 3: Escolaridade dos pais:
Pai Mãe
Grupo 1
Giovana Pós- Graduação Ensino Superior
Sérgio* Ensino Superior (tios) Ensino Médio
Iago Ensino Fundamental E. Fundamental (até a 7ª série)
Tais Ensino Médio (padrasto) Ensino Superior (em curso)
Bruno Ensino Médio (padrasto) Ensino Fundamental
Daniela Ensino Fundamental E. Fundamental (até a 5ª série)
Grupo 2
Ricardo* Ensino Médio (tios) Analfabeta (avó)
Márcia E. Fundamental (5ª série) E. Fundamental (5ª série)
Vinicius . Médio incompleto E. Médio Incompleto
*Esses alunos não têm contato com os pais.
12 O espaço social corresponde a uma abstração, pois compreende o lugar que ocupa a classe, sendo
portanto dependente do habitus e do volume do capital econômico.
46
Embora todos os alunos tenham declarado interesse pelo ensino superior, as
carreiras escolhidas demonstram a incorporação dessa limitação em relação ao espaço
social. Entre os alunos do grupo 1 caracterizados pelo bom rendimento, apesar de um
dos indivíduos não ter escolhido ainda o curso pretendido (Bruno), e de outro ter
escolhido apenas a área pretendida (Sérgio) o que se nota é uma maior correspondência
entre a escolha de cursos mais privilegiados e o nível mais alto dos pais ou parentes
próximos quanto a escolaridade e que portanto demonstra um maior conhecimento e
familiaridade do sistema de ensino.
Taís optou por um curso que além de privilegiado é tradicional, o de Direito,
mas mesmo no caso de alunos como Giovana e Iago, que optaram por Química e
Filosofia o conhecimento da rentabilidade de cursos mais privilegiados fica evidente,
pois além da licenciatura as escolhas possibilitam o bacharelado ou a carreira acadêmica
tradicional, mesma lógica da opção de Daniela por gastronomia, um curso relativamente
novo, muito mais próximo das classes médias e elites, pelo público a qual se dirige do
que das classes populares.
Assim, o que se evidencia na maioria desses casos para esse conhecimento do
ensino superior é a relação entre a escolaridade de pais ou parentes próximos. No caso
de Giovana, pai e mãe cursaram o ensino superior, sendo que o pai cursou ainda duas
pós-graduações, Sérgio tem tios historiadores e a mãe concluiu o Ensino Médio. Assim
como os padrastos de Bruno e Taís que também concluíram o Ensino Médio. No caso
de Taís, a mãe e o irmão mais velho estão cursando o ensino superior, assim como os
irmãos de Daniela, que embora tenham interrompido essa etapa chegaram ao ensino
superior. Desse grupo apenas Iago não remete contato com parentes no ensino superior.
Nesse sentido, a perspectiva de Bourdieu de desconhecimento do sistema de
ensino, no sentido de sua rentabilidade quanto a reconversão de capital cultural,
portanto escolar em econômico, ou seja, em escolha profissional, fica evidente nas
escolhas dos indivíduos do grupo 2, composto por alunos que apresentam um
desempenho ruim na disciplina de História. Entre esses alunos, apenas Vinícius tem
contato com o ensino superior através do irmão, optando pelo mesmo curso que este.
No entanto, o curso pretendido demonstra uma outra característica desse
desconhecimento, a que Bourdieu (2008c) chama de ―apropriação por um bem
desvalorizado‖.
47
O autor avalia que sem um capital econômico que permita rendimentos ou um
capital cultural que mobilizado permita escapar ao fracasso, as classes populares se
apropriam apenas do que já está difundido e, portanto desvalorizado.
Dessa forma, Vinicius optou por um curso cuja duração é menor, dois anos e
Márcia por um curso de Pedagogia, ambos desvalorizados na hierarquia profissional,
seja pela qualidade dos cursos ou pela própria carreira, como no caso da carreira de
professor. Essa difusão também fica evidente na escolha de Ricardo e que optou por
―faculdade‖, demonstrando assim seu desconhecimento em relação a organização do
Ensino Superior, não distinguindo curso, faculdade e universidade, apenas escolhendo
aquilo que já está posto como uma opção.
Nesse grupo, a escolarização dos pais ou parentes próximos é menor do que a
dos indivíduos acima da média na disciplina de História, demonstrando não apenas um
menor conhecimento do sistema de ensino como também um universo cultural limitado.
Apenas os tios de Ricardo completaram o Ensino Médio, no entanto, sua responsável
direta, a avó é analfabeta, já os pais de Vinícius não completaram essa etapa da
escolarização, sendo que os pais de Márcia tem a menor escolarização dos grupos, tendo
cursado o ensino fundamental até a 5ª série.
Nesse sentido, a opção pela carreira universitária, demonstra para além da
―causalidade do provável‖ o papel do capital cultural institucionalizado, posto que esse
capital institui uma diferenciação a quem o possui, possibilitando um reconhecimento
mais claro e uma rentabilidade mais efetiva. O que se pode depreender é que os
indivíduos do grupo 1 por sua antiguidade em relação a escolarização, no sentido de
maior escolarização familiar e portanto maior conhecimento sobre ela buscam títulos
mais raros, portanto mais rentáveis.
Como avalia Bourdieu (2008a), a escolarização dos pais ou parentes próximos é
determinante para que alunos com níveis econômicos aproximados tenham
desempenhos diferentes na escola, ou seja, a posse de um capital cultural
institucionalizado presume um maior conhecimento do sistema escolar, permitindo,
portanto o acesso a um capital social, visível pelo projeto vislumbrado para os filhos a
partir desse contato e que redunda em um maior investimento na escola.
b) Práticas culturais individuais e familiares:
48
Se escolaridade dos familiares tem papel importante no conhecimento do sistema de
ensino e distingue decisivamente os membros das classes e frações de classe quanto às
escolhas futuras, pouco é possível inferir a partir dessa relação sobre o conteúdo das
práticas culturais familiares que a compõem.
Assim, parece adequado verificar se entre as práticas culturais dos indivíduos
investigados encontram-se aquelas que são rentáveis ao sistema escolar.
Nesse sentido, além do conhecimento do mundo universitário, Bourdieu avalia que
o sucesso dos estudantes está ligado a facilidade verbal e a cultura livre adquirida nas
atividades extra-escolares (2008a, p. 44).
Quadro 4: Rotina durante o tempo livre
Grupo 1
Giovana esportes, leitura (N.E.), filmes em casa e conversa com familiares.
Sérgio esportes, leitura (N.E.), filmes em casa e no cinema. Iago Pratica esportes, tv, internet e cinema.
Tais Leitura (N.E), internet, cinema, filmes em casa, conversa com amigos.
Bruno Pratica esportes, leitura (N.E), internet, conversa com amigos. Daniela Ouvir música, leitura (N.E), internet, conversa com familiares.
Grupo 2
Ricardo Ouvir musica, pratica de esportes, jogos eletrônicos e internet.
Márcia Ouvir música, leitura (N.E), peças /espetáculos/ shows13 e conversa com familiares.
Vinicius Ouvir música, jogos eletrônicos, filmes em casa, conversa com familiares.
Os dados obtidos pelo questionário nos dois grupos demonstraram que o uso do
tempo livre apresenta algumas diferenças importantes em relação a cultura livre, ou
seja, exterior à escola.
Nessa questão, onde poderiam escolher mais de uma alternativa, um dado chamou a
atenção e se constitui como indicativo da diferença entre esses grupos: dos seis
indivíduos do grupo 1 - aqueles que apresentam melhor desempenho na disciplina de
História - cinco apontaram entre as principais atividades da rotina extra-escolar a leitura
de livros não escolares, enquanto que apenas um indivíduo do grupo 2, Márcia, apontou
a leitura como atividade rotineira. Nesse grupo, o hábito comum a seus participantes é
13 Essa informação foi refutada pela irmã de Márcia, Camila durante a entrevista. Ela coloca que Márcia
tem pouco tempo livre e assim como a família não frequentam esse tipo de evento.
49
ouvir música, enquanto que entre os indivíduos do grupo 1, essa atividade é destacada
por apenas uma investigada, Daniela.
A diferença entre os grupos fica ainda mais clara quando perguntados se fazem
leituras além das obrigatórias, não sugeridas pela escola e na análise da leitura entre os
familiares.
A exceção de Daniela, todos os alunos que apresentam bom desempenho no ensino
de História leem livros além dos obrigatórios, enquanto que, entre os alunos com
desempenho ruim na disciplina, apenas Márcia aponta a leitura não obrigatória como
prática. Outra diferença entre esses grupos em relação à leitura está nos motivos para
escolha dessa leitura.
Os dois grupos foram questionados sobre o último livro que leram e por quê. Entre
os alunos com bom desempenho, apenas Daniela e Iago apontaram como motivação
para leitura a obrigatoriedade escolar, no entanto, em outra questão em que era
perguntado se preferiam algum autor em especial, Iago, junto a Sérgio e Taís, foram os
únicos que apontaram um autor de preferência, o que demonstra certo grau de
apropriação.
Já entre os alunos que apresentaram desempenho insuficiente, Ricardo, alegou não
ler nem mesmo quando é exigência da escola, enquanto Márcia coloca como motivação
a indicação de um amigo e Vinícius alega a obrigatoriedade como motivação.
Quadro 5: Último livro lido e por quê?
Grupo 1
Giovana Pelas portas do coração - identificação com a história
Sérgio Crônicas de Nárnia - interesse por romances épicos e mitológicos
Iago Dom Casmurro - leitura obrigatória
Tais Poliana - interesse pela história
Bruno O hobbitt – interesse
Daniela Morte e Vida Severina - leitura obrigatória
Grupo 2
Ricardo Não respondeu - não lê
Márcia Um amor pra recordar – indicação
Vinicius Navio negreiro - leitura obrigatória
Para Bourdieu (2008a) o manejo da linguagem literária está ligado ao manejo da
língua escolar, que segundo autor não é natural para os alunos de classes populares. A
língua é, portanto o obstáculo mais notório e sua influência está presente durante todo
percurso escolar – sua manipulação será sempre considerada em qualquer carreira
50
universitária ou até mesmo científica – além de fornecer os julgamentos primeiros feitos
pela escola.
Enquanto herança cultural, a ação da língua escolar é tão eficiente quanto
dissimulada pois transmitida de maneira ―osmótica‖ pelos membros das classes médias e
elite, sem que haja ação metódica para isso, posto que essas classes têm maior
propriedade da cultura escolarizada, reforça a convicção de que seu domínio é inato,
portanto um dom, algo que independe da aprendizagem.
(...) a língua não é um simples instrumento, mais ou menos eficaz, mais
ou menos adequado do pensamento, mais fornece- além de um
vocabulário mais ou menos rico – uma sintaxe, isto é um sistema de
categorias mais ou menos complexas, de maneira que a aptidão para o
deciframento e a manipulação das estruturas complexas , quer lógicas,
quer estéticas, parece função direta da complexidade da estrutura da
língua inicialmente falada no meio familiar, que lega sempre uma parte
de suas características à língua adquirida na escola.(BOURDIEU, 2008a,
p.46)
Nesse sentido, o que se observa é uma correspondência entre o manejo da língua,
observável pelos hábitos de leitura familiares - mesmo insuficientes se comparados às
classes médias e elites - e o rendimento dos alunos investigados.
Essa ―cultura livre‖ da qual os hábitos de leitura fazem parte, é na verdade
produto da herança, portanto do que é inculcado pelo capital cultural familiar. Observou-
se que entre os indivíduos investigados que obtêm bom desempenho na disciplina de
História, há maior inclinação em alguns membros dessas famílias à leitura.
Essa inclinação foi observada a partir das questões que perguntavam aos alunos
se era comum ver parentes lendo em casa e que tipos de leitura faziam. Nos dois grupos,
a relação do pai com a leitura é muito próxima – a exceção de Bruno14
e Daniela, cujos
pais são vistos lendo documentos do trabalho, os demais não são vistos lendo pelos
filhos. No entanto, entre as mães a situação é oposta – entre os alunos com bom
desempenho apenas a mãe de Iago não é vista lendo, mas perguntada sobre este assunto
durante a entrevista, alega ler, porém pouco, dada a falta de tempo, enquanto que entre
os alunos com desempenho ruim, apenas a mãe de Vinícius lê em casa.
Dessa forma, esse gosto pela leitura parece em grande parte fruto do próprio
contato familiar. Entendido como tributário das condições primeiras de existência, ou
14 No caso Bruno e Taís, as questões relacionados ao pai foram respondidas em relação aos hábitos do
padrasto com quem vive, pois não tem contato com o pai.
51
seja, das próprias características materiais das famílias e da classe a qual pertencem, o
que se nota é que o gosto pela leitura se alinha nesses indivíduos, ao que Bourdieu
(2006) chama de gostos de luxo.
Para ele, a renda determina o consumo15
, assim as classes populares atendem
apenas aos ―gostos de necessidades‖, ou seja, o que é condicionado e permitido pelas
suas condições materiais. Não há, portanto liberdade de escolha como se presume em
relação aos gostos, e a diferenciação admissível pela inclinação aos gostos de luxo só é
possível pela posse de um determinado capital, nesse caso a leitura familiar acaba por
encerrar uma predisposição que é entendida na prática cotidiana como um gosto de luxo,
uma distinção no sentido de uma aptidão maior.
c) Estilos de vida: estilos de classe.
Questionar o gosto é para além de comprovar a evidência de que ele é produto
das condições sociais, investigar porque a relação com o capital escolar permanece forte
em campos não abrangidos pela educação formal. Para Bourdieu (2006), os grupos
mantêm relações diferentes com a cultura tributárias das condições em que seu capital
cultural foi adquirido e dos mercados em que este obterá mais lucro. Em outras
palavras, de acordo com as posições em determinado campo, determinam-se os
interesses relativos a cada posição bem como a forma e o conteúdo pelos quais
exprimem seus interesses.
Ao investigar a competência cultural e a disposição culta verifica-se que os
gostos em sua natureza e forma de consumo variam conforme as posições sociais dos
indivíduos e os terrenos aos quais elas se aplicam. Nesse sentido, Bourdieu verifica as
relações que unem as opiniões culturais (práticas) ao capital escolar (diploma) e à
origem social (categoria profissional).
Quanto maior for o reconhecimento das competências avaliadas pelo
sistema escolar, e quanto mais ―escolares‖ forem as técnicas utilizadas
para avaliá-las, tanto mais forte será a relação entre o desempenho e o
diploma que, ao servir de indicador mais ou menos adequado ao
número de anos de inculcação escolar, garante o capital cultural, quase
completamente, conforme ele é herdado da família ou adquiridos na
escola; por conseguinte trata-se de um indicador desigualmente
adequado deste capital (BOURDIEU, 2006, p. 19)
15
Tal proposição é melhor explicitada a propósito das diferenças entre o consumo alimentar das classes populares em ―A distinção‖, p. 167 – 170)
52
Nesse sentido, o que se observou a partir dos gostos foi uma variação da
disposição culta de acordo com o capital escolar familiar e a categoria profissional dos
pais e que corresponde, portanto à diferentes posições de classe.
Em seus estudos, Bourdieu (2006) avalia que há uma hierarquia de bens
culturais conforme seu grau de legitimidade, sendo a arte, especialmente em campos
como a música e a pintura o mais legítimo deles. Para ele, esses campos são o que
melhor determinam a classe posto que além de distintivos permitem produzir distinção e
divisão de acordo com a subdivisão em gêneros, épocas, maneiras de executar, autores,
etc.
Essa determinação da classe via bens culturais só é possível porque Bourdieu
(2006) utiliza para além dos dados estatísticos uma análise relacional, e é a própria
relação que constitui seu objeto de estudo. Nesse sentido, averiguar a relação entre a
variável independente, aquelas que exprimem efeitos muito diferentes como a profissão,
sexo, idade e profissão do pai, moradia e a variável dependente, que enuncia as
disposições - que por sua vez são correlatas as variações de classe produzidas pelas
variáveis independentes - significa explicitar os sentidos múltiplos e contraditórias que,
em determinado momento essas obras de arte assumem para o conjunto de indivíduos e
para as categorias que os distinguem e opõem por seu intermédio (BOURDIEU, 2006)
O cálculo puramente estatístico das variações de intensidade da
relação entre tal indicador e esta ou aquela prática não autoriza
dispensar o cálculo propriamente sociológico dos efeitos que se
exprimem na relação estatística e cuja descoberta pode ocorrer com a
contribuição da análise estatística quando ela está orientada para a
busca de sua própria inteligibilidade. Mediante somente um trabalho
que, tomando a própria relação como objeto, questiona sua
significação sociológica e não a significatividade estatística, é que se
pode substituir a relação entre uma variável supostamente constante e
de diferentes práticas por uma série de efeitos diferentes, relações
constantes sociologicamente inteligíveis que se manifestam e se
dissimulam, a um só tempo, nas relações estatísticas entre o mesmo
indicador e diferentes práticas. (BOURDIEU, 2006,p. 26)
Bourdieu busca ultrapassar a relação fenomenal simples, que vincula certas
variáveis a noções comuns do mundo social para compreender o que chama de ―nexo
exato de conceitos bem definidos‖ no sentido de compreender os efeitos registrados.
Dessa forma, o nexo entre os títulos de nobreza (entendidos como propriedade de bens
culturais legítimos e distintos da cultura popular) atribuídos pelo sistema de ensino e
53
pelas práticas que eles implicam, serviram como referência para análise feita do capital
cultural dos investigados e seu desempenho escolar.
O sistema de ensino via capital escolar – este produto dos efeitos acumulados da
transmissão cultural garantida tanto pela família quanto da transmissão garantida pela
escola – contribui para constituir a disposição geral e transponível em relação à cultura
legitima ―que adquirida à propósito dos saberes e das práticas escolarmente
reconhecidos, tende a aplicar-se para além dos limites do ―escolar‖, assumindo a forma
de um propensão ―desinteressada‖ para acumular experiências e conhecimentos que
nem sempre são rentáveis diretamente ao mercado escolar‖. (BOURDIEU, 2006, p. 27).
Essa propensão desinteressada ou tendência para a disposição culta é uma das
características da filiação a burguesia e a instituição escolar com a imposição de títulos
acaba por atribuir ao indivíduo um título (diploma) correlato à classe de origem. Assim,
aqueles cujo capital cultural de origem não tem certificação escolar, como membros das
camadas populares sofrem uma espécie de estigmatização por serem identificados
apenas pelo o que fazem, ao passo que aos membros da burguesia, cuja cultura geral é
mais próxima da escolar, são valorizados, ―enobrecidos‖ nas palavras de Bourdieu pois
à eles só precisam ser o que já são, ou seja, ―filhos de suas obras culturais‖.
Definidos pelos títulos que os predispõem e os legitimam a ser o que
são, que transformam o que fazem na manifestação de uma essência
anterior e superior a suas manifestações, segundo sonho platônico da
divisão das funções baseada em uma hierarquia dos seres, eles estão
separados , por uma diferença de natureza, dos simples plebeus da
cultura que por sua vez, estão votados ao estatuto duplamente
desvalorizado, de autodidata e substituto. (BOURDIEU, 2006, p. 28).
Essa visão essencialista é fechada em si, ou seja, impõe classificações próprias -
aquelas que ninguém poderia exigir senão os pertencentes a ela. No entanto, há de se
notar o papel das classificações escolares para valorizar ainda mais os títulos que
carregam.
Para Bourdieu (2006), quanto mais se eleva na hierarquia escolar mais se exige
uma cultura geral, que, no entanto só tem valor se certificada por um diploma.
Aparentemente contraditória, a cultura livre ilegítima, fruto de conhecimentos
autodidatas ou da experiência, portanto fora a instituição escolar, só tem valor prático,
sem nenhum valor social. Por outro lado, junto as competências autorizadas presumidas
pela posse de um determinado diploma está implícita a posse de uma cultura geral, o
54
que acarreta um valor simbólico, posto que representam um estatuto a qual na posse do
diploma, passa-se a possuir intrinsicamente.
Essa posse de um estatuto se manifesta durante toda a trajetória escolar,
operacionalizada pelo próprio sistema de ensino ao orientar os alunos para posições
mais prestigiosas ou desvalorizadas de acordo com a imagem da posição considerada e
as possibilidades objetivas para realizá-la, a que Bourdieu, chama de alocação.
Este efeito de alocação – e o efeito de atribuição estatutária implicado
nele – contribui sem dúvida, em grande parte, para fazer com que a
instituição escolar consiga impor práticas culturais que ela não
inculca, nem sequer exige expressamente, mas que estão incluídos nos
atributos estatutariamente associados às posições que ela concede, aos
diplomas que confere e às posições sociais, cujo acesso é obtido por
diplomas (BOURDIEU, 2006,p.29).
Dessa forma, a tendência para reconhecer um conjunto de obras legítimas do
ponto de vista escolar se estende aos domínios menos legítimos, mas que por sua
singularidade de traços estilísticos, desempenham a mesma função distintiva das obras
legitimas.
Portanto, essa tendência para reconhecer a legitimidade de uma obra, que é em si
uma competência, é produto de uma aprendizagem, uma disposição adquirida tanto pela
família quanto pela escola da cultura legítima. Assim, essa competência compreende a
um conjunto de esquemas de percepção e apreciação de aplicação geral, e que por isso
permite tentar outras experiências culturais, percebendo e classificando conforme as
referências e a classificação legítimas já possuídas.
É através do diploma que são impostas certas condições de existência, tanto para
a aquisição do diploma quanto para a disposição estética16
. A disposição estética
constitui a maior fronteira da cultura legítima e associa-se ao diploma, tanto pela origem
burguesa quanto pelo modo de vida quase burguês resultante do prolongamento dos
estudos, ou dos dois – forma mais comum, onde as duas propriedades estão reunidas.
O diploma é, portanto, a forma pela qual se manifesta determinada origem
social. Tidas como variáveis independentes, instrução e profissão determinam a posição
ocupada no espaço social e mais do que isso são correspondentes, posto que não só a
profissão depende do diploma, como também o capital cultural assegurado pelo diploma
16
“A disposição estética como aptidão para perceber e decifrar características propriamente estilísticasas é, portanto, inseparável da competência propriamente artística: adquirido por uma aprendizagem explicita
ou pela simples frequência das obras‖. BOURDIEU, 2006, p.51.
55
depende também da profissão ocupada e esta objetiva a manutenção ou crescimento do
capital adquirido na família e/ou na escola.
Ao analisar práticas de lazer familiar, como viagens e frequência a restaurantes,
combinadas as rotinas e aos gostos culturais tanto familiares quanto individuais, como
música e programação da televisão, foi possível compreender a diferença de estilos de
vida dos dois grupos e refutar assim, uma das premissas desse trabalho, de que por
cursarem a mesma escola pública de periferia e residirem próximos, esses alunos seriam
homogêneos quanto a classe ocupada – ao contrário o que se verificou foi uma
correspondência entre disposições culturais e posições sociais diferentes.
Essa correspondência foi evidenciada pela relação entre capital escolar e
profissão dos pais e os hábitos culturais familiares em relação aqueles tidos como
legítimos. Assim, a frequência à museus e os lugares que costumam frequentar
evidenciaram a distinção das famílias quanto à posição social.
Quadro 6: Já visitou museus? Em companhia de quem?
Grupo 1
Giovana Sim. Com familiares.
Sérgio Sim. Com a escola e familiares.
Iago Sim. Com familiares.
Tais Sim. Com escola e familiares.
Bruno Não.
Daniela Não.
Grupo 2
Ricardo Sim. Com a escola.
Márcia Sim. Com a escola.
Vinicius Não.
Quadro 7: Lugares que frequenta
Grupo 1
Giovana Eventos em família e restaurantes
Sérgio Eventos em família, restaurantes e jogos esportivos.
Iago Espetáculos de teatro e eventos em família.
Tais Festividades escolares, shows, eventos família, restaurantes.
Bruno Bares e lanchonetes, shows, festas, eventos em família
Daniela Eventos em família
Grupo 2
Ricardo Festas e baladas
Márcia Restaurantes
Vinicius Festas e baladas
Entre os alunos com melhor desempenho há maior diversidade de atividades
realizadas, chamando atenção a participação familiar. Nesse grupo apenas Bruno e
56
Daniela não frequentaram museus e no grupo abaixo da média apenas Vinicius. A
escola é predominante nos dois grupos, no entanto, nota-se entre os alunos acima da
média que além da escola, foram feitas visitas com a família.
Bourdieu (2006, p. 33) coloca que o museu de arte é a disposição estética
constituída em instituição e, portanto mais comum à escola, posto que a justaposição de
obras cujas funções originais são diferentes ou até mesmo incompatíveis exige uma
determinada atenção, em que se observe a forma e não a função, a técnica ao invés da
temática, a estilística, se opõem a estética familiar, de cunho realista, tal qual o sistema
de ensino que a reproduz de forma escolarizada. O museu representa a autonomização
da atividade artística e por seu afastamento da estética cotidiana, de caráter funcional,
encerra um alto grau de legitimidade que serve as classes mais favorecidas - mais
propensas pelo capital herdado a esse tipo de bem cultural – como um fator de distinção.
Os pais dos alunos com melhor rendimento na disciplina de História são também
aqueles que obtiveram um grau de certificação maior (diploma) e sendo o museu a
forma de arte mais legítima do ponto de vista escolar, o que se observa é que a
valorização do museu é correlata aos anos de estudo no sentido de inculcação dessa
aprendizagem. Ao contrário, a não valorização do museu por parte dos alunos com
desempenho abaixo da média coincide com a escolarização precária dos pais.
Bourdieu (2006) avalia que a arte para as classes populares tem um valor
funcional - deve responder à realidade da coisa representada ou às funções que a
representação pode desempenhar. Esse interesse primordialmente informativo que
resume a relação das classes populares com as obras de arte não autonomiza a imagem
do objeto em relação ao objeto da imagem. Assim, para eles, o valor de determinada
obra está ligada a sua legibilidade de intenção ou função.
Isso acontece pela falta de uma competência estética constituída, fazendo com
que os objetos artísticos sejam julgados então pelos esquemas de percepção comum.
Daí resulta uma ―redução‖ sistemática das coisas da arte às coisas da
vida, a exclusão da forma em benefício do conteúdo ―humano‖,
barbarismo por excelência do ponto de vista da estética pura.
(BOURDIEU, 2006, p. 45)
Quanto aos lugares que frequentam, chama atenção os eventos em família
citados por todos os alunos com bom desempenho, além da frequência à restaurantes ou
lanchonetes, como Bruno - um hábito que exige um certo investimento em capital
57
econômico. Nesse grupo, apenas Daniela não faz outras atividades além dos eventos
familiares e Iago apesar de não frequentar restaurantes, afirma frequentar espetáculos de
teatro, assim como Tais e Bruno que citam os shows como uma prática.
Ao contrário disso, no grupo abaixo da média, Márcia afirma frequentar
restaurantes, mas pela entrevista da irmã isso se deve mais ao fato de trabalhar fora e
por isso precisar se alimentar, do que um padrão familiar. Da mesma forma, Vinicius e
Ricardo, frequentam festas e baladas e não fazem nenhuma menção à eventos culturais.
O que é possível depreender desses dados é a forte presença familiar nos eventos
ligados ao lazer dos filhos e um padrão de lazer ligados à atividades culturais.
Essa consonância entre lazer e atividades culturais, se confirma também pelas
práticas individuais relativas a escolha de filmes, programação da TV, o gosto musical,
além do tipo de uso feito da internet pelos alunos investigados. A análise de tais
preferências permite compreender a transposição da competência cultural à domínios
não escolarizados e o grau de legitimidade cultural desses domínios.
Quadro 8: Relação com o cinema:
Costuma frequentar cinema?
Número de vezes por semestre.
Critérios para escolha do filme.
Grupo 1
Giovana Sim 10 vezes Comentários/ crítica da imprensa especializada.
Sérgio Sim 4 vezes Comentários/ crítica da imprensa especializada.
Iago Sim 4 vezes Comentários/ crítica da imprensa especializada.
Tais Sim 4 vezes Indicação de amigos, atores do filme.
Bruno Sim 3 vezes Comentários/ crítica da imprensa especializada, Indicação de amigos, propagandas na TV e Internet.
Daniela Não 4 vezes Propagandas na TV e na internet.
Grupo 2
Ricardo Sim 4 vezes Indicação de amigos, atores do filme
Márcia Sim 5 vezes Indicação de amigos.
Vinicius Sim Propaganda na TV.
Comparada às artes plásticas, o cinema pode ser considerado menos legítimo, no
entanto, a relação com o cinema e a televisão permite avaliar as diferenças de
apropriação e de esquemas de percepção adotados. À exceção de Giovana, a frequência
ao cinema entre os alunos é muito próxima, em média 4 a 5 vezes por semestre, o
mesmo se verifica em relação à posse de tv por assinatura, apenas Márcia relata não ter
acesso a esse tipo de programação.
58
No entanto, a proximidade entre esses alunos é apenas aparente. Ao serem
observados os conteúdos dessas práticas, fica evidente a transposição de um esquema de
percepção. Entre os alunos com melhor desempenho, a escolha dos filmes se dá
principalmente por comentários e críticas especializadas. Enquanto que entre os alunos
com desempenho abaixo da média o motivo mais comum é a indicação de amigos, além
dos nomes de atores e propagandas.
A crítica é produto de uma classificação e de um discurso mais próximo da
disposição legítima, enquanto que o conhecimento do nome dos atores e/ou a
propaganda é mais comum e ligado ao cotidiano, disponível, por exemplo, via
programas de variedades e celebridades. Por outro lado, a crítica pressupõe veículos
especializados e um trabalho de apropriação ligado à acumulação de experiências
culturais para comparação e classificação.
A mesma relação com o conteúdo é verificável em relação às preferências em
termos de televisão.
Quadro 9: Tem acesso a TV por assinatura? Quais programas costuma assistir?
Grupo 1
Giovana Sim. Programas científicos e históricos, saúde e culinária.
Sérgio Sim. Telejornais, filmes, seriados, programas de variedades.
Iago Sim. Programas esportivos e debates.
Tais Sim. Seriados.
Bruno Sim. Filmes, programas esportivos, telejornais.
Daniela Sim. Novelas, filmes e telejornais.
Grupo 2
Ricardo Sim. Programas humorísticos, filmes e esportes.
Márcia Não. Novelas e desenhos.
Vinicius Sim. Programas científicos e humorísticos.
Entre os alunos com desempenho acima da média, à exceção de Tais e Giovana,
chama a atenção a preferência por telejornais e debates. No entanto, entre os alunos com
desempenho inferior a prática comum são os programas humorísticos - entre Vinicius e
Ricardo - enquanto que Márcia que tem acesso apenas a TV aberta vê novelas e
desenhos. O que se nota nesse grupo mesmo quanto a diferença de acesso a TV por
assinatura é uma opção por programas de grande audiência, enquanto que entre os
alunos do grupo oposto, mesmo no caso Giovana, que opta por programas científicos e
ligados a saúde, há uma distinção, relativa a escolha por programas úteis à seu estilo de
vida.
59
Nesse sentido, da mesma forma que o esteta se apropria do gosto popular, os
alunos com melhor desempenho compartilham um bem comum aos alunos de
desempenho oposto: o acesso a televisão por assinatura, no entanto o uso feita desse
mesmo bem difere tal qual o gosto popular é apropriado pelo esteta. Ele introduz assim
como esses alunos, um distanciamento, uma diferença ―em relação à percepção de
―primeiro grau‖, deslocando o interesse do ―conteúdo‖ - personagens, peripécias, etc. -
, em direção à forma, aos efeitos propriamente artísticos que se apreciam apenas
relacionalmente pela comparação com outras obras, completamente exclusiva da
imersão na singularidade da obra imediatamente dada‖. (BOURDIEU, 2006,p.37).
Essa mesma relação pode ser estendida ao domínio musical dos alunos.
Bourdieu propõe em ―A distinção‖ (2006) uma série de testes que objetivam classificar
os gostos segundo a legitimidade do bem e a escolaridade, ou seja, a partir da matéria
(bem cultural) designar o modo de aquisição e grupo a qual se destina.
Para construir essa classificação em música os testes incluíam a preferência por
artistas e gêneros específicos, cujas opções apresentavam diferenças quanto ao conteúdo
que em suma, significavam diferentes níveis de apropriação. Em um dos inquéritos, os
entrevistados poderiam optar por três obras musicais clássicas que, no entanto
distinguiam-se por sua raridade e apropriação ligada à escolaridade e que cujas escolhas
refletiam a classe de origem.
Nessa pesquisa parte das questões foram abertas por não se ter um indicador
fundamentado sobre essas preferências culturais. Dessa forma, ao invés de oferecer
opções analisamos as escolhas livres acreditando poder assim contar com maior
veracidade sobre essas preferências.
A análise que se segue sobre as preferências musicais dos investigados foi
relacionada às preferências musicais familiares, de forma a tentar um nexo entre as
escolhas e um trabalho de apropriação familiar.
Quadro 10: Estilos musicais ouvidos com maior frequência.
Grupo 1
Giovana Pop rock nacional e internacional e MPB.
Sérgio Rock, Heavy Metal.
Iago Sertanejo, pagode e eletrônico.
Tais Rock, sertanejo, pagode.
Bruno Rock, pop rock e rap.
Daniela Sertanejo, black e mpb.
Grupo 2
Ricardo Rock e sertanejo.
Márcia Pagode e sertanejo.
Vinicius Eletrônico, funk e black.
60
Quadro 11: Estilos musicais comuns à outros parentes.
Grupo 1
Giovana Músicas dos anos 90 e MPB.
Sérgio Rock.
Iago Sertanejo e samba.
Tais Rock.
Bruno Nenhum.
Daniela Sertanejo e mpb.
Grupo 2
Ricardo Sertanejo.
Márcia Nenhum.
Vinicius Eletrônico e funk
O que se notou foi uma maior pertinência social dos estilos musicais ouvidos
pelo grupo dos alunos com melhor desempenho em relação às escolhas familiares. Entre
esses alunos chama a atenção a escolha pelo rock como gênero preferido, que mesmo se
tratando de um gênero que tem uma vertente nacional, a sua origem internacional,
denota uma maior raridade posto que suscita busca por informações, época e traços
estilísticos. Além disso, o rock não é associado às classes populares, inclusive por sua
inteligibilidade de origem, ligada a origem estrangeira (idioma) quanto nos recursos que
exige, instrumentos mais caros e específicos, que não permitem muita improvisação.
Já entre os indivíduos com desempenho abaixo da média na disciplina de
História, apesar da escolha de Ricardo pelo rock, o que se nota são estilos menos
privilegiados quanto a pertinência social: principalmente a escolha por funk e pagode,
oriundos das classes populares
Nesse sentido, se não foi possível averiguar a legitimidade dos estilos com
clareza, a opção por estilos cuja origem não é popular é o indicador mais pertinente
desse dado. Assim, mesmo optando por samba, Daniela faz uma escolha de maior
legitimidade que o pagode, posto que o samba serve de influência para gêneros tidos
como mais legítimos como a MPB e seu conhecimento, ligado a sua historicidade
denota um maior investimento.
Já a relação com os ambientes virtuais permite inferir além da diferença de
práticas, a diferença de capital econômico.
Quadro 12: Lugar em que utiliza a internet. Ambientes virtuais frequentes.
Grupo 1
Giovana Em casa. E-mail, chats, redes sociais, sites institucionais e busca e pesquisa.
Sérgio Em casa. E-mail, chats, sites institucionais e busca e pesquisa
61
Iago Em casa. E-mail, chats, redes sociais. Tais Em casa. E-mail, redes sociais e sites de busca e pesquisa. Bruno Em casa. E-mail, redes sociais e sites de busca e pesquisa. Daniela Em casa. Redes sociais e sites de busca e pesquisa.
Grupo 2 Ricardo Em casa. Redes sociais e chats. Márcia Lan Houses. Sites de busca e pesquisa. Vinicius Casa de Amigos. Sites de busca e pesquisa.
Os indivíduos pertencentes ao grupo com melhor desempenho acessam a internet
em sua própria casa, enquanto que entre os indivíduos com desempenho oposto apenas
Ricardo possui acesso à internet em sua casa. Assim, o acesso define as formas de
utilização, portanto o conteúdo. Além de sites de busca e pesquisa e redes sociais,
chama a atenção o uso do email pelos indivíduos do grupo com melhor desempenho.
Nesse item o que parece relevante é a variedade de ambientes, o que demonstra
um maior domínio dessa ferramenta. Ao contrário de Marcia e Vinicius, a restrição a
sites de busca e pesquisa, evidencia a falta desse domínio, limitado tanto pela falta de
acesso quanto pela limitação cultural, orientando seu acesso apenas ao necessário – no
caso desses alunos o uso da internet é feito apenas para pesquisa escolares. Já no caso
de Ricardo, apesar da possibilidade de acesso, a limitação cultural orienta a utilização
apenas para práticas distantes da escola, contrário do que acontece no grupo com melhor
rendimento que explora mais possibilidades, inclusive visitando sites institucionais
como Giovana e Sergio.
É possível constatar uma diferença entre as práticas dos indivíduos quanto à sua
natureza. Entre os alunos com desempenho acima de média é possível notar uma forte
presença da família nas atividades desenvolvidas e uma maior variedade de atividades,
portanto um maior trabalho de apropriação. Isso foi possível pela combinação das
questões que inqueriam sobre os lugares que mais frequentavam e o tipo de programa
que realizavam – de tal forma que os alunos com maior média apontam a casa como um
dos locais onde ocorrem as práticas de lazer com frequência, indicando também lugares
públicos e privados como uma opção para a maioria, sendo que tais atividades são
realizadas em companhia da família.
Quadro 13: Local onde ocorrem as atividades de Lazer
Grupo 1
Giovana Em casa, lugares privados (clubes, shopping, por ex)
Sérgio Em casa, casa de familiares
Iago Em casa, lugares públicos (parques, quadras, praças)
62
Tais Em casa
Bruno Casa de amigos, lugares privados (clubes, shopping, por ex)
Daniela Em casa, casa de familiares
Grupo 2
Ricardo Lugares públicos e privados
Márcia Casa, lugares privados( clubes, shopping, por ex.)
Vinicius Em casa
Quadro 14: Costuma viajar com frequência? Para quais lugares já viajou
Grupo 1
Giovana Sim. Bahia, Rio Grande do Norte, Paraty e Peruíbe.
Sérgio Sim. Maceió, Macapá e Belo Horizonte.
Iago Sim. Bahia, Aracaju.
Tais Sim. Nordeste e interior de São Paulo.
Bruno Não. Curitiba, Brasília, Ceará, Piauí, litoral e interior de São Paulo.
Daniela Não.
Grupo 2
Ricardo Não.
Márcia Não.
Vinicius Sim. Litoral de SP e Minas Gerais.
Quadro 15: Motivação e característica das viagens:
Grupo 1
Giovana
Viagens de longa duração em companhia da família para conhecer
lugares turísticos.
Sérgio Viagens de curta duração em companhia da família para conhecer
lugares turísticos.
Iago Viagens de longa duração em companhia da família para visitar parentes
Tais Viagens de curta duração em companhia da família para visitar parentes
Bruno Viagens de longa duração em companhia da família para visitar
parentes.
Daniela Viagens de curta duração em companhia da família para visitar parentes.
Grupo 2
Ricardo Viagens de curta duração em companhia da família para visitar parentes.
Márcia Viagens de curta duração em companhia da família para visitar
parentes
Vinicius Viagens de curta duração em companhia de amigos para visitar parentes.
Quadro 16: Qual ou quais programas costuma fazer em companhia da família?
Grupo 1
Giovana Viagens e passeios.
Sérgio Assistir à filmes.
Iago Visitar parentes e parques.
Tais Ir ano cinema e viajar.
Bruno Ir à pizzarias, bares e lanchonetes.
Daniela Visitar parentes (avó).
Grupo 2
Ricardo Ir à festas de familiares.
Márcia Quase nenhum.
Vinicius Jogar cartas.
63
O direcionamento e variação das atividades de lazer com a família é
característica do grupo de alunos com melhor desempenho. Tal perspectiva fica ainda
mais evidente quando combinada aos dados relativos ao lazer, como viagens e
atividades realizadas na companhia dos familiares.
Em relação às viagens, no grupo dos alunos com rendimento acima da média
apenas Daniela e Iago afirmam que não viajam com frequência. No entanto, Iago aponta
inúmeros lugares nos quais já esteve. Entre os alunos abaixo da média apenas Vinicius
afirmar viajar com frequência. Além disso, a diferença entre os grupos fica ainda mais
evidente quando observados a quantidade de lugares visitados pelos alunos com melhor
desempenho e principalmente a natureza e a duração das viagens.
Entre os alunos com desempenho acima da média, as viagens são sempre de
longa duração e além de visitar parentes em outros estados - como no caso de Iago, Taís
e Bruno - nos casos de Sérgio e Giovana apontam como motivos frequentes para
viagens a visitação a lugares turísticos. Além disso, Giovana e Taís alegam viajar com
frequência para a casa de praia e o sítio da família, respectivamente.
Nesse sentido, fica evidente uma organização maior nesse grupo, tanto material
quanto temporal, pois essas viagens exigem pela duração, um investimento tanto em
tempo quanto material. Assim, é possível inferir a exceção de Daniela que viaja pouco e
Igor, cujo pai é comerciante, que pelos pais dos demais alunos serem funcionários de
empresas privadas tem direito por lei à férias remuneradas, que além do ganho extra,
garantem também esse tempo necessário.
A presença familiar e as atividades realizadas nesse grupo de alunos indica uma
maior percepção do que é consumido em termos culturais. Tal percepção e apropriação
evidencia a relação entre o que é consumido e consumidores e a posição social ocupada,
ou seja, os gostos variam necessariamente segundo as condições econômicas e sociais
de sua produção e por intermédio de seus produtos constroem suas diferentes
identidades sociais.
Assim, a ação pedagógica da família e da escola exerce-se tanto pelas condições
econômicas e sociais que oferece a condição de seu exercício quanto pelos conteúdos
que inculca.
Portanto, explicar o crescimento, com o capital escolar, da aptidão ou ao menos
da pretensão em apreciar uma obra independente de conteúdo, portanto percebendo
64
características transponíveis em relação a forma, significa uma naturalização de tal
aptidão de modo que os investimentos nesse campo pareçam desinteressados e gratuitos
como são as obras legítimas.
Tal aptidão depende não apenas de instrumentos linguísticos e referências
oriundos da aprendizagem escolar, mas também da dependência em relação as
condições materiais de existência, passadas e presentes, que são a condição tanto de sua
constituição, quanto de sua implementação, além do acúmulo de um capital cultural que
só pode ser adquirido mediante uma espécie de retirada para fora da necessidade
econômica (BOURDIEU, 2006,54)
Nesse sentido, ao analisar a disposição estética, ou seja a representação, o estilo
percebido e apreciado em comparação com outros, através dos dados recolhidos junto
aos questionários demonstra a própria relação do indivíduo com o mundo social e com
os outros.
A aprendizagem da cultura legítima, seja ela implícita como no caso da
aprendizagem familiar ou explicita como é a aprendizagem escolar, necessita a
supressão da necessidade econômica bem como da urgência em relação a prática e que
em suma são o fundamento do distanciamento objetivo e subjetivo em relação aos
grupos. Dessa forma, o que evidenciou foi uma correspondência entre as tomadas de
posição estéticas e a posição ocupada no espaço social, ou seja, evidenciou-se a
presença de diferentes classes.
d – A classe desconstruída: a ilusão da homogeneidade entre os indivíduos da
periferia
A noção de classe social para Bourdieu (1996) é apenas a uma delimitação de
um conjunto e é exclusivamente lógica e teórica. Para ele, a existência real da classe
teórica só seria possível por um trabalho político de mobilização, portanto o que existe
na verdade é a classe realizada, fruto da luta de classificação para impor uma visão do
mundo social. Isso significa admitir como fundamental a existência de diferenças e
diferenciações.
Essas diferenças e diferenciações constroem o espaço social, esse espaço de
distinção oriundo da relação entre as estruturas objetivas e as construções subjetivas e
que é também espaço de lutas, posto que a representação que se faz dele comanda as
tomadas de posição para conservá-lo ou transformá-lo.
65
O espaço social não é visível, trata-se de uma construção que busca compreender
como as práticas e as representações dos indivíduos permitem agrupamentos, no sentido
de estabelecer distâncias entre eles. O que Bourdieu (1996) propõe, portanto, é uma
reflexão sobre o conceito de classe, relativizando a questão da classe teórica, portanto
construída por um determinado recorte teórico com a sua existência real.
(...) as classes sociais são apenas classes lógicas, determinadas, em
teoria e, se se pode dizer assim, no papel, pela delimitação de um
conjunto - relativamente – homogêneo de agentes que ocupam
posição idêntica no espaço social, elas não podem se tornar classes
mobilizadas e atuantes, no sentido da tradição marxista, a não ser
por meio de um trabalho propriamente político de construção, de
fabricação – no sentido que E.P. Thompson fala em The making of
the english class – cujo êxito pode ser favorecido, mas não
determinado, pela pertinência a mesma classe sócio-
lógica.(BOURDIEU, 1996, p 29)
Dessa forma, os indivíduos se alocam no espaço social de acordo com o volume
global de capital (econômico e cultural) e com o peso desses diferentes tipos de capital
no volume global de seu capital, ou seja, de acordo com a estrutura do capital que
possuem. Assim, aqueles com maior volume global, como por exemplo, empresários,
profissionais liberais e professores universitários se opõem globalmente aos operários,
posto que estes detêm tanto menor capital econômico quanto cultural em relação aos
primeiros. No entanto, empresários e professores universitários se opõem quanto à
estrutura, ou seja, o peso de cada capital no volume global de capital que os caracteriza.
Essas oposições são definidas pelas diferenças de disposições, ou dito de outra
forma, diferenças de habitus, que engendram diferentes posições sociais, que se
traduzem em um espaço de tomada de decisões.
(...) a cada classe de posições corresponde uma classe de habitus (ou
gostos) produzidos pelos condicionamentos sociais associados à
condição correspondente e, pela intermediação desses habitus e de
suas capacidades geradoras, um conjunto sistemático de bens e de
propriedades vinculadas entre si por uma afinidade de
estilo.(BOURDIEU, 1996,p.21).
66
O habitus é essa unidade de estilo de vincula um indivíduo ou classe, pela
própria estrutura que fornece a posição social na qual ele mesmo é estruturado, portanto
princípio gerador e unificador de uma posição social.
O habitus não apenas fornece práticas distintas como também esquemas
classificatórios na medida em que orienta princípios de visão de mundo - o que é
distinto para um, pode ser pretencioso para outro e ainda vulgar para um último. Ele
também orienta as categorias de percepção que se traduzem em diferenças simbólicas,
que percebidas pela existência da oposição, são incorporadas, tal qual as diferenças
objetivas.
Nesse sentido, se a posse de um diploma, significa a posse de uma cultura geral,
confirmada pela diferença de apropriação dos bens de consumo, é possível colocando os
indivíduos segundo a categoria profissional dos pais no espaço social, alocar o peso
relativo de seu capital cultural e econômico demonstrando assim as diferentes posições
sociais que ocupam.
Quadro 17: Categoria profissional do pai ou responsável
Grupo 1
Giovana Engenheiro mecânico
Sérgio Auxiliar administrativa (mãe)
Iago Comerciante
Tais Mestre de obras (padrasto)
Bruno Fiscal tributário
Daniela Autônomo (comércio de carvão)
Grupo 2
Ricardo Aposentada (comerciante - avó)
Márcia Autônomo (empresa de dedetização)
Vinicius Autônomo (motoboy)
Para isso, Bourdieu (1996, p. 21) sugere um diagrama que representa o espaço
social e suas oposições. O espaço social segundo ele, se retraduz em um espaço de
tomadas de posição pela intermediação do habitus. Isso significa que cada classe de
posições corresponde uma classe de habitus produzidos pelos condicionamentos sociais
associados à sua condição correspondente e pela intermediação desses habitus e de suas
propriedades geradoras - conjunto de bens e práticas conectadas por uma afinidade de
estilo.
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Nesse sentido, o espaço social representado corresponde a essas duas dimensões:
volume global e peso relativo – onde o eixo vertical corresponde ao volume global
(total) e o eixo horizontal ao peso relativo de cada capital (econômico e cultural) para a
estrutura. Dessa forma, Giovana, cujo pai é engenheiro tem um capital global maior do
que os demais se opondo aos integrantes de quadros médios administrativos como
Sérgio o e Bruno, cujos responsáveis, mãe e pai respectivamente trabalham em
escritórios e cuja categoria profissional depende do capital cultural.
Comparados à categoria profissional do pai de Giovana os responsáveis de
Silvio e Bruno tem menos capital econômico do que o de Giovana e também cultural, se
verificada a escolaridade, ou seja, o diploma que chancela a categoria profissional.
68
A mesma relação pode ser aplicada à Tais, cujo padrasto é mestre de obras,
portanto um operário qualificado, cuja posição também depende de um capital cultural,
um diploma, mas que é menor do que o de Giovana.
Por outro lado, os responsáveis de Iago e Ricardo, como pequenos comerciantes
se opõem além de Giovana também à Sérgio e Bruno, pois diferente desses dois. Nesse
caso, o capital econômico exerce maior peso em seu capital global e dele depende em
maior parte. O peso menor do capital cultural, no caso de Vinícius e Ricardo, fica
evidente pela escolaridade dos responsáveis: os pais de Vitor completaram o ensino
fundamental e Ricardo, embora resida com os tios que concluíram, é a avó analfabeta
sua responsável direta.
É possível alocar ainda os alunos cujos pais são autônomas17
(Daniela, Márcia e
Vinicius) pelo estilo de vida e ocupação abaixo dos demais, posto que a categoria
profissional denota falta de estabilidade, portanto menor capital econômico e menor
capital cultural evidenciado pelos diplomas dos responsáveis: os pais de Márcia e
Daniela não concluíram o ensino fundamental e os pais de Vinicius não concluíram o
ensino médio.
O que se evidencia é uma correspondência entre capital cultural e rendimento,
posto que os alunos com desempenho abaixo da média na disciplina de História são
aqueles cujo capital cultural é baixo, seja pelo peso relativo desse capital ao volume
global, como no caso de Ricardo ou pelo capital total (econômico e cultural) fraco,
como no caso de Márcia e Vinícius.
Ao contrário, os alunos de melhor desempenho são aqueles cuja família tem
maior capital global, caso de Giovana ou maior peso do capital cultural em relação ao
capital global, como Sérgio, Bruno e Taís, as exceções ficam por conta de Iago, cujo
capital econômico tem predominância em seu capital global e Daniela cujo capital
global é fraco e cujos pais têm pouco escolarização.
Nesse sentido, a relação entre posição social e rendimento escolar evidencia
como as diferenças primeiras são mantidas ao longo da escolarização, ou seja, permite
compreender as estruturas e os mecanismos que atuam na construção do espaço social.
No entanto, os traços distintivos são relacionais, pois só existem em relação a
outras propriedades, por isso além de avaliar a relação entre o capital escolar (diploma)
17 Embora essa categoria não exista no diagrama original, as condições materiais e culturais dessas
famílias são inferiores as demais por isso sua alocação abaixo dos demais tanto em capital econômico
como cultural.
69
e a posição social (classe ou fração de classe) é necessário avaliar essa relação, no
sentido da circulação do capital cultural como forma de compreender as exceções, como
Iago e Daniela.
Para isso, foram construídos quatro perfis familiares que além de evidenciar as
diferentes posições sociais, explicam como em alguns casos, apesar da relação estreita
entre posição social e desempenho é possível escapar ao fracasso escolar e obter
desempenho acima da média na disciplina de História.
3. 3 - Perfis familiares: o papel das diferenças culturais no desempenho
A análise de dados descrita acima permite compreender as variáveis que
permeiam o universo social dos alunos investigados no sentido de avaliar como ―família
e escola constituem redes de interdependência estruturadas por relações sociais
específicas‖. (LAHIRE, 1995, p.19).
Por isso, construir ―perfis‖ das famílias dos alunos investigados é para Lahire
(1995) uma continuidade da abordagem de Bourdieu, pois permite a partir da leitura dos
traços originais perceber o que é generalizável, demonstrando assim traços pertinentes
de análises gerais. Dessa forma optou-se por reunir quatro perfis a fim de compreender
a relação entre as estruturas e as formas como estas se manifestam nos indivíduos, ou
seja, a influência do mundo social e seus condicionamentos (classe, campo e espaço)
nesses indivíduos.
Nesse sentido os perfis foram organizados com o objetivo de compreender como
a intervenção positiva da família nas práticas escolares permite domínios escolares, o
que Lahire chama de domínios periféricos – aqueles que preparam consciente ou
inconscientemente para uma boa escolarização.
Para o autor, a organização pela família de um ethos, entendido como uma visão
de mundo e de si, útil a escola, por meio de um universo materialmente e
temporalmente ordenado permite ao aluno, sem perceber, adquirir métodos de
organização, estruturas cognitivas ordenadas e predispostas a funcionar como estruturas
de ordenação do mundo.
Assim, os perfis que se seguem pretendem avaliar essa ordenação e as
determinações sociais que as compõem. Para isso, foram utilizadas cinco entrevistas
com familiares de alunos em situação oposta de rendimento na disciplina de História: as
70
mães de Giovana, Iago, Bruno e Taís - alunos que apresentam bom rendimento e a irmã
de Márcia, no lugar da mãe, aluna cujo rendimento em História está abaixo da média.
A) Perfil 1: A limitação para se apropriar de universos culturais
A entrevista com a irmã mais velha de Márcia aconteceu em sua própria casa,
pois no dia reunião de pais do primeiro bimestre quando foram realizadas algumas
entrevistas a mãe não pode comparecer. Sua ausência nessa data foi justificada pelo
trabalho que a deixa fora de casa durante todo o dia e que a impossibilitou de ser
entrevistada. Optou-se então por entrevistar um membro da família, Camila, a filha mais
velha que representa a mãe na maior parte dos eventos e atividades escolares dos
irmãos.
Camila tem 18 anos, não trabalha e não estuda para cuidar de seus dois filhos
pequenos e dos dois irmãos menores que Márcia, mesmo motivo pelo qual ela preferiu
ser entrevistada em casa ao invés de comparecer à escola como a mãe de Giovana.
A exceção de Camila que interrompeu os estudos no primeiro ano do Ensino
Médio por causa da gravidez, todos os seus irmãos estudam – Márcia de 15 anos cursa o
segundo ano do Ensino Médio, a irmã mais nova, de 12 anos cursa a sexta série do
Ensino Fundamental e o irmão mais novo, de 7 anos cursa o segundo ano do Ensino
Fundamental, antiga primeira série.
Quanto à escolaridade dos antepassados ela sabe pouco, o pai segundo ela
estudou até a quinta série do Ensino Fundamental, não sabendo informar a escolaridade
tanto da mãe quanto dos avôs maternos e paternos.
A pouca escolaridade se reflete na categoria profissional dos pais. A mãe é
auxiliar de limpeza, trabalhando anteriormente como empregada doméstica e diarista, já
o pai tem uma pequena empresa de dedetização, resultado da experiência adquirida
nesse ramo e não de alguma profissionalização nessa área. Além deles, Márcia também
trabalha como vendedora em uma loja do bairro, segundo a irmã para pagar suas
despesas pessoais.
O lazer familiar é restrito. Os membros da família não costumam sair de casa
para lazer, apenas Márcia muito esporadicamente visita alguma amiga, por isso não
visitam pontos turísticos ou parentes na própria cidade ou viajam.
Ela relata ainda que não realizam atividades em companhia da mãe, e ela mesma
pelos afazeres domésticos não acompanha os irmãos menores em atividades de lazer.
71
Nem mesmo a televisão e o rádio são formas de lazer em comum. Apesar de alegar que
―ouvem de tudo‖ nada é compartilhado, como no caso da programação da televisão,
onde cada um assiste a um tipo de programação (os menores assistem programas
infantis e ela novelas) ou não assistem, como Márcia e sua mãe, pois chegam em casa
tarde da noite.
Quanto às práticas de leitura, Camila e Márcia são muito próximas, pois os
livros que leem são comprados por Márcia. Camila relata gostar de ler, mas não
conseguiu apontar de forma aproximada o número de livros que possui nem mesmo
descrever o tipo de literatura favorita – quando perguntada sobre suas preferências e
frequência de leitura, ela apontou um livro de auto-ajuda, pequeno, próximo de um
folheto e que pelo tamanho reduzido poderia segundo ela ser lido em apenas um dia o
que possibilitava também que lesse cerca de dez desses livros por mês.
Em relação à escrita as práticas também são parecidas. A família não troca
bilhetes ou orientações em geral, apenas Camila costuma anotar os recados para o pai e
Márcia utiliza a internet em lan houses, pois a família não possui computador para
escrever e-mails.
A escolha do estabelecimento de ensino também não é criteriosa. Camila que
estudou na mesma escola, alega que tanto ela quanto Márcia gostam da escola e que a
irmã ao falar dela, a avalia como sendo boa. Os irmãos menores estudam em outras
escolas: o irmão em uma escola estadual, considerada boa por ela, posto que ele apesar
de não ler já escreve e a irmã estuda em uma escola da rede municipal, que apesar de ser
considerada por ela ruim, dada a falta de fluência na leitura da irmã, é mantida nessa
mesma escola por conta da distribuição de leite feita pela prefeitura aos alunos da rede
municipal.
Para Camila, Márcia é estudiosa tanto pelos hábitos de leitura quanto pelos de
estudo. A irmã enfatiza como positiva a independência de Márcia em relação aos
estudos, visto que ela não recebe auxílio em suas tarefas e não é acompanhada em suas
atividades.
Ela coloca ainda que a família só fica sabendo das atividades ou notas porque
Márcia faz questão de deixá-las para que a mãe veja nos finais de semana, quando tem
mais tempo, mas que esse hábito não é uma exigência da mãe. Segundo ela, a mãe
também não ajuda os irmãos mais novos que só recebem auxílio dado por ela quando é
solicitada, portanto de forma não sistemática.
72
Sobre as condições e investimento escolar, a família não dispõe de um lugar
adequado para os estudos e apesar de ambas, Camila e Márcia terem iniciado cursos
extra-curriculares estes não foram concluídos, além disso na rotina dos irmãos menores
também não apresenta nenhuma atividade ligada a regularidade do estudo ou
investimento em atividades extras.
Nesse sentido, ela relata que as conversas sobre a escola restringem-se aos
problemas, como o desempenho ruim da irmã mais nova, não sendo comum, inclusive
pela falta de tempo da mãe. Inquerida sobre o que acha da escola e o que Márcia relata,
Camila afirma que a escola depende do aluno, da forma como ele se porta e que pouco
conversam pois a irmã não tem problemas de desempenho e que no geral fala bem da
escola e gosta de todas as matérias.
Ao insistir na questão do desempenho, Camila, atribuiu as notas ruins recebidas
pela irmã aos professores que teriam contabilizado tais notas de forma errada,
interpretando o comportamento, ao ―não dar problema‖ como bom desempenho, no
sentido de que assumir uma postura de submissão a autoridade escolar é uma qualidade
inerente aos estudantes que apresentam bom desempenho e portanto a irmã seria um
deles.
B) Perfil 2: Iago - a supervalorização dos universos culturais.
Laura, mãe de Iago é dona de casa e acompanha a vida escolar dos filhos de
perto, tanto que a entrevista foi realizada após a reunião bimestral, chamando atenção o
fato da mãe ter pedido que a aguardasse para que antes pudesse falar individualmente
com alguns professores. Além de Iago, ela tem mais duas filhas, uma bebê de um ano e
meio e uma adolescente de doze anos.
O pai tem um comércio, um mercadinho no bairro em que residem. O casal
cursou apenas o ensino fundamental. Migrantes, vieram da Bahia ainda pequenos e seus
pais eram analfabetos, sendo que o pai de seu marido teria cursado o primário de forma
incompleta.
Mesmo com a limitação escolar o lazer familiar é variado, sendo comum a visita
a pontos turísticos, parques, inclusive museus. Além disso, a família viaja todos os anos
para visitar os parentes no nordeste. A mãe relata ainda a tv como um programa comum
73
aos filhos, especialmente em relação as filhas, pois elas são menores que Iago, e que as
acompanha, enquanto ele, por ser adolescente tem agora outros programas.
Apesar de não usar a internet, mesmo tendo acesso em casa, que se restringe aos
filhos, a mãe tem práticas de escrita constantes, deixando bilhetes com instruções e
escrevendo cartas para parentes distantes.
Há também uma forte relação com a leitura, a mãe alega ler pouco, mas que
gosta muito de revistas e que tanto a filha do meio quanto Iago leem com frequência,
influenciados principalmente por uma tia que lê muito e indica livros para seus filhos e
um tio que escreve poesia – gênero literário preferido por Iago segundo ela. A família
possui ainda livros além dos escolares e frequenta bibliotecas para pesquisa quando
necessário.
Mesmo com capital escolar limitado a mãe acompanha de perto as atividades do
filho, relatando que além de comparecer às reuniões é comum conversar sobre a escola
e acompanhar as atividades dos filhos, auxiliando quando necessário. Para isso, ela
conta também com a ajuda do irmão, tio de Iago.
A atitude da mãe em relação à escola é de orientação quanto à postura ideal do
filho como aluno. Laura relata que Igor tem acesso a internet em seu quarto, que é
também organizado para estudos com mesa, luz e sem barulho. Essa orientação fica
clara ao relatar a rotina do filho fora da escola. Ela lembra que Iago estuda todos os dias
pouco mais de uma hora, mas que poderia estudar ainda mais.
Entrevistadora: O quarto é adequado quanto a luz, barulho?
Laura – Tem, tem, ás vezes eu até reclamo com ele porque tem aquele som baixinho.
Porque tá atrapalhando.
E – mas ele tem uma mesinha? Ele tem computador no quarto?
L – Tem sim.
Outro dado importante na valorização da escolaridade são os critérios em relação
a escolha da escola, Laura coloca a segurança como fator importante, mas também a
qualidade dos professores. Mesmo assim, a mãe reconhece as deficiências do sistema de
ensino, apontando a falta de professores como o maior problema, mas reconhecendo
que isso se deve aos baixos salários e falta de incentivos que leva muitos professores ao
esgotamento e constantes licenças.
Outro dado que corrobora o envolvimento com as atividades escolares é o relato
da mãe de que as conversas sobre a rotina escolar são constantes, apontando inclusive as
preferências em relação as disciplinas e os motivos para essas preferências.
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Chama atenção também a relação funcional com a educação - ao ser perguntada
sobre os conteúdos de ensino, Laura avalia que matérias como português e matemática
merecem mais atenção pois estão em ―tudo que se precisa fazer‖. Sobre o ensino de
História a mãe reconhece não saber sua utilidade específica, pois não estudou muito,
mas diz ser importante, considerando inclusive que a entrevista serviu para lhe ―abrir a
cabeça‖ sobre essa possibilidade e que dali em diante nas conversas recorrentes se
inteiraria mais sobre a relação entre a disciplina de História e a realidade social.
C) Perfil 3: Bruno e Tais – o superinvestimento como forma de ascensão social.
A - Bruno
A entrevista com Claudia, mãe de Bruno ocorreu após a reunião de pais. Casada
pela segunda vez, Claudia tem além de Bruno outro filho desse segundo casamento. Ela
trabalha em uma fábrica, como operadora de máquina e o marido, padrasto de Bruno e
que o cria segundo ela, desde bebê, é fiscal tributário.
Claudia cursou apenas o ensino fundamental, enquanto o marido concluiu o
ensino médio, especializando-se em uma espécie de curso técnico para analista fiscal,
que o habilita a trabalhar como fiscal. Seus pais são originários do nordeste e pela
necessidade de trabalhar para ajudá-los interrompeu os estudos, já os pais de seu marido
tem segundo ela um pouco mais de escolaridade, no entanto não sabe o quanto e
viveram desde crianças em São Paulo.
A influência desse segundo casamento é bastante forte nas projeções escolares
da mãe. Assim, como o padrasto, Bruno cursa um curso técnico (redes de computação),
que apesar de não ser a área pretendida, conforme dados fornecidos por ele na entrevista
é visto com bons olhos tanto por ele quanto pela mãe.
Além disso, a mãe valoriza a escola e reforça constantemente seu valor nas
conversas com o filho, enfatizando a necessidade dos estudos para que tenha uma
profissão mais valorizada, diferente da dela.
Claudia considera que trabalhando tem menos tempo do que gostaria, mas que
participa de todos os eventos da vida escolar do filho, sendo presente em reuniões e
acompanhando as tarefas de casa. Nesse aspecto, ela relata que até o fim do ensino
fundamental auxiliava o filho com frequência, mas após a entrada no ensino médio, essa
função fica a cargo do padrasto.
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então assim, quando ele precisa, às vezes meu marido, como ele trabalha
assim... já lê bastante, eu digo: “ pergunta pro teu pai”. No caso assim, é o pai dele de
criação, mas o trata muito bem, aí vai ajuda bastante. Liga pra ele dizendo “tô com tal
problema”, às vezes, pede pra trazer uma pesquisa, tal tal...geralmente quando eu não
posso o pai ajuda.
Além disso, a mãe relata uma organização familiar propícia ao estudo. Bruno
tem acesso a internet, um espaço com mesa em seu quarto, além da posse de muitos
livros segundo a mãe. Claudia não sabe precisar quantos, mas afirma que muitos são
relacionados ao trabalho do pai e agora ao curso de Bruno, que além desses livros lê
outros que empresta na biblioteca da escola. Nesse sentido as práticas de leitura do pai
são constantes, enquanto ela lê apenas revistas e jornais quando tem segundo ela mais
tempo. Quanto às práticas de escrita a mãe afirma que não escreve muito, pois seu
trabalho – embalar remédios – não exige e que a escrita fica por conta do filho e do
marido e são relacionadas a escola e ao trabalho, respectivamente.
Chama a atenção também nesse sentido, o envolvimento da família com a
religião e as práticas de leitura e escrita relacionadas à esse envolvimento, posto que as
funções ocupadas por Bruno e o padrasto exigem ambas constantemente. A família
participa fortemente das atividades da igreja, o pai é diácono, Bruno é coroinha e a mãe
participa na organização das missas – grande parte das práticas de lazer seguem esse
mesmo padrão, são feitas em família.
Claudia se define como muito exigente em relação à escola, mesma descrição
dada por Bruno. As conversas são constantes, a mãe aponta as disciplinas que Bruno
mais gosta e porquê, além de características dele como aluno em sala de aula. E apesar
de alegar não valorizar nenhuma matéria em especial, admite que português,
matemática e até mesmo inglês são importantes para a vida profissional.
Não, no meu ponto de vista todas as matérias são importantes...mas é como eu
falo, nós seres humanos se identifica mais com uma do que com outra, mas o essencial
hoje em dia é como sempre português, a pessoa deixa muito pra trás o inglês,
especialmente no dia de hoje, a matemática que tá em tudo... as pessoas não prestam
muita atenção, mas assim o principal mesmo é a pessoa saber falar, por escrito...o
português mesmo...
Essa mesma visão se manifesta em relação a disciplina de História, o valor da
disciplina está para mãe mais na cultura geral que fornece do que na capacidade
reflexiva.
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Até porque através de uma curiosidade você aprende outras, passa pra outras
pessoas: “nossa eu não sabia, corri tanto atrás disso”. Então é legal você saber, que
desenvolve mais a mente das pessoas. Como eu falo pro Bruno: quando eu falo pra
você conversar mais com as pessoas, ouvir mais, não é pra você é saber mais ou menos,
simplesmente saber lidar com as pessoas, por que que a pessoa é assim, se você for
arrumar um emprego você vai ter que lidar com diferentes pessoas.
Por fim, a preocupação com a escolarização se manifesta na escolha do
estabelecimento de ensino. Claudia relata que Bruno passou a estudar na escola em que
está, pois estavam retornando de um período no nordeste e esta foi a única vaga que
conseguiu, e que imaginava transferi-lo ao fim daquele ano, mas o filho permaneceu
tanto pelas boas relações que estabeleceu, como pelo ensino de qualidade.
B: Taís
Ivone mãe de Taís é auxiliar de enfermagem e no dia da entrevista trabalhou no
turno da noite e havia ido direto para a reunião de pais do bimestre. Além de Taís, ela
tem mais dois filhos, um mais velho que Tais e que cursa a faculdade de ciências da
computação e um mais novo, de três anos do segundo casamento.
O padrasto de Tais concluiu o ensino médio e trabalha como mestre de obras, a
mãe, faz faculdade de enfermagem e apesar do pouco tempo, visto que trabalha e
estuda, prioriza o acompanhamento das atividades escolares da filha.
Além de conversar com professores quando necessário e comparecer às reuniões
é ela quem auxilia nas tarefas de casa quando necessário. Destacando o uso da internet
para pesquisas quando não sabe o conteúdo necessário.
Quando ela me pergunta, me mostra, eu sempre tento, sento junto com ela, pra
maneira mais fácil dela pesquisar.
O lazer é uma prática familiar, além de passeios em shoppings e cinemas, a
família viaja com frequência para um sítio de parentes. A leitura é uma atividade
frequente para Taís e para a mãe, que alega ter pouco tempo, mas que está sempre
lendo, desde livros espíritas, romances, livros científicos, indicados pela faculdade até
livros de história infantil que conta para o filho menor.
Ela é também quem escreve com mais frequência, deixando bilhetes, além de
seus próprios trabalhos da faculdade, assim como o filho mais velho, cuja escrita
restringe-se as atividades universitárias.
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Além da escola, Taís faz dois cursos, um de informática, duas vezes por semana
e todas as noites faz um curso de técnica de enfermagem, o mesmo de sua mãe. Nesse
sentido, as escolhas da mãe tem grande peso sobre sua rotina.
A escola foi escolhida pois a mãe cursou o ensino supletivo nessa mesma escola
para que pudesse cursar o curso técnico.
Escolhi essa escola, porque assim, eu escolhi essa escola porque eu fui aluna
aqui a noite, falavam muito mal daqui. Então assim, eu oriento minha filha todo dia
quando ela vem pra escola.
Essa perspectiva utilitária, fica ainda mais explícita quando perguntada sobre o
conteúdo das conversas que tem sobre a escola e as preferências de Taís em relação à
elas.
Assim, ela gosta bastante de português, geografia, inglês, antes ela reclamava
um pouco de sociologia, mas agora se adaptou, a única matéria que não é que ela não
goste, é que a professora não explicava direito pra ela, é a matemática, que é
fundamental...Português e matemática é pra sempre. Independente da profissão que ela
vá buscar é essencial pra profissão dela.
Hoje em dia se você vai arrumar um emprego, se você não souber falar direito
você tá fora, se você for fazer uma prova com certeza vai ter uns cálculos lá. É
concurso, ENEM, vestibular. História também tem que entender um pouco...
Nesse sentido, o utilitarismo das disciplinas e a valorização da escola para o
futuro pela mãe reflete-se no discurso da filha:
Acho que assim...porque a gente é assim uma classe média baixa, aí você vê
tantas pessoas, porque assim :os de classe média alta mandam na gente, porque eles
são os nossos chefe: “aí, um dia vou ser aquilo, vou mandar nas pessoas, vou fazer o
possível pra mudar de vida...”
D) Perfil 4: a interiorização das regras do jogo.
A entrevista com a mãe de Giovana foi realizada na própria escola, após um
primeiro contato na reunião de pais.
A mãe, Marta, é dona-de-casa, mas assim como o marido possui nível
universitário, tendo cursado Pedagogia, mas nunca trabalhou na área. O marido
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engenheiro, tem também duas especializações ligadas a gestão, área essa ligada ao cargo
que ocupa na empresa de engenharia de grande porte em que trabalha.
Além de Giovana, o casal tem mais duas filhas, uma mais velha que cursa
engenharia em uma conceituada faculdade particular e uma mais nova, que estuda na
mesma escola que Giovana.
Tanto o casal quanto os filhos nasceram em São Paulo, mas seus pais são
originários do interior de São Paulo. Além disso, a escolarização dos avós foi precária –
os pais de Marta são analfabetos e no caso dos pais de seu marido, o pai frequentou a
escola até a quarta série, enquanto a mãe também não foi alfabetizada.
Na rotina do tempo livre, Marta destaca o planejamento - quando não viajam ao
litoral, a família se programa pra visitar parques, exposições e pontos turísticos.
Outro aspecto planejado, é a atitude da mãe em relação a programação de TV.
Marta coloca que a TV não é um hábito, mas que acompanha telejornais e
principalmente documentários e que incentiva as filhas a assistí-los quando acha
interessante e embora não proíba nenhum tipo de programa, ela acompanha o que as
filhas assistem no sentido de orientá-las quanto a adequação ou não.
Quanto aos hábitos de leitura, Marta afirma ler jornais quase todos os dias, sendo
assinante de dois grandes jornais, além disso assina uma revista mensal e lê cerca de um
livro por mês. Ela alega que lê devagar, mas que está sempre lendo algo, assim como o
marido, chegando inclusive a citar os dois últimos livros lidos por ele.
A escrita também faz parte do cotidiano da família, Marta diz que não é muito
de escrever, mas que trocam bilhetes, e que as filhas e o marido escrevem com
frequência: a escrita das filhas está ligada às atividades escolares enquanto que o marido
escreve e-mails e redige documentos profissionais.
Sobre o que a filha fala sobre a escola, Marta diz que ela não reclama, dizendo
―é chata‖, mas que avalia depender do empenho pessoal. Ela também acompanha de
perto as tarefas e notas das filhas, ajudando quando necessário.
A família possui muitos livros destinados à pesquisa escolar, além disso, Marta
coloca que já fizeram uso de bibliotecas, inclusive para lazer, mas que devido a
quantidade e atualização buscam também informações na internet.
A mãe comenta ainda a constituição da biblioteca familiar, avaliando que
compram muitos livros, mas destaca a propriedade individual dos livros ao revelar que
cada membro tem seus próprios livros, o que demonstra não apenas as preferências, mas
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também a valorização, como quando fala da filha mais velha que está iniciando um
curso universitário e tem agora ―seus próprios livros‖.
Quanto à rotina para os estudos, Marta destaca a presença do pai no auxílio das
atividades das filhas e o espaço para os estudos. Na casa há duas áreas, sem barulho,
preparadas com mesa, computador e outros as quais as filhas podem utilizar para os
estudos.
A rotina das filhas após a escola é orientada para os estudos. A mãe destaca que
todas as filhas tem por hábito estudar após a escola, que Giovana estuda em média
quatro horas por dia e que essa atitude é um hábito familiar:
“Quando não estamos trabalhando, estamos lendo, conhecendo alguma coisa. Jornal,
eu adoro jornal – folha, leio todinho, leio todos os cadernos, mesmo esporte, adoro
esporte no jornal – gosto muito de economia, leio de tudo”
“ (...)pra nós estudar...não diria nem estudar, diria buscar um conhecimento – que nem
outro dia: vi um negócio na televisão e falei “ vou pesquisar melhor, esse negócio me
intriga, vou procurar saber”. Eu não sei vou procurar me informar, de qualquer
maneira.”
Perguntada sobre o que acha da escola em geral, Marta demonstra conhecer o
sistema de ensino avaliando não apenas os problemas da escola das filhas. Nesse
sentido, a mãe coloca que a escolha da escola se deu por dois motivos: a qualidade dos
professores, apesar dos problemas sociais que escola enfrentou, como a violência
recente e o fato de não acreditar nas escolas privadas, que segundo ela ― são meramente
capitalistas. Lá é dinheirinho, mais nada. Muito preocupado com a aparência, deixa
muito a desejar‖.
Para a mãe as diferenças vivenciadas pelas filhas na escola pública formam
caráter, o que não é possível na escola privada onde há um grande acervo de
conhecimento sem valores. Além disso, o diálogo sobre a escola é constante, a mãe
relata as preferências e o conhecimento das atividades realizadas pelas filhas, o que
denota uma preocupação com a carreira escolar.
3.3. 1 – A análise dos perfis:
A construção dos perfis permitiu compreender como a circulação ou não do
capital (econômico e cultural) acaba por definir trajetórias diferentes. Assim, a análise
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que se segue não pretende isentar a escola, pelo contrário indaga sobre sua incapacidade
de romper com a insuficiência das condições primeiras que os alunos de diferentes
classes ou frações de classe na periferia trazem, acabando por impor à esses alunos o
fracasso, no sentido não apenas real, mas também interiorizado.
A escola ignora que as classes sociais têm concepções diferentes de cultura e que
a cultura exigida e aceita pela escola não é partilhada por todos. Assim, ao dissimular a
diferença cultural no momento de partida, ou seja, na entrada no sistema de ensino, a
escola encerra o destino do indivíduo, pois ao longo de sua trajetória não compensa essa
diferenciação inicial. Dessa forma, com o passar dos anos, a cultura exigida pela escola
se mostrará tão distante da cultura que é conhecida e partilhada por herança, que o
fracasso será incutido ao indivíduo, à sua aparente inabilidade e falta de ―dom‖ para os
estudos.
A análise desses perfis demonstra como a escola perpetua as diferenças iniciais,
num ciclo reprodutor interminável que ela mesma alimenta ao ignorar essas diferenças e
referendar os julgamentos familiares que são em suma produto da posição social que
estas famílias ocupam.
A atitude diante da escola está de acordo com os valores da classe ou fração de
classe a qual o indivíduo pertence, ou seja, os indivíduos fixam seus objetivos diante
das condições que herdam.
Assim, a análise dos perfis corrobora as diferenças de classe ao demonstrar quais
são as diferenças que engendram destinos sociais tão díspares.
Ao avaliar a transmissão do capital cultural, Bourdieu (2008a) coloca a
necessidade de avaliá-lo além do núcleo familiar próximo (pai e mãe), estendendo-o aos
avós também. Nos perfis construídos os avós dos alunos investigados apresentavam
semelhanças: pouca ou nenhuma escolaridade e a exceção dos pais do padrasto de
Bruno, não são oriundos de São Paulo.
A região de origem, no sentido da residência é determinante para o acesso a
determinados bens culturais. O que se nota entre os pais dos alunos investigados, à
exceção de Giovana - cujos pais nasceram já na capital paulista e cujos avós são
oriundos do interior do estado – é que vieram quando crianças para São Paulo e são
originários do nordeste. Assim, o que se pode concluir é que a vinda anterior para um
local com maiores recursos culturais proporciona maior incorporação desses recursos.
Isso se reflete também na valorização da escolarização por parte dessas famílias
– oriundos de meios rurais, a incorporação dos padrões urbanos faz com que invistam
81
na escolarização como forma de ascensão, caso dos pais de Giovana que foram
incentivados a estudar, ao contrário dos pais dos demais alunos que mesmo migrando
ainda crianças não concluíram os estudos, pois iniciaram muito precocemente no
mercado de trabalho, o que provocou diferenças quanto ao destino econômico da
própria família.
A possibilidade de continuar nos estudos permitiu aos pais de Giovana uma
estabilidade econômica que lhes fornece hoje, condições para investir materialmente em
sua escolarização, seja pela habitação mais confortável, ou ainda pela possibilidade de
comprar livros.
Além disso, o capital econômico permite outra forma de investimento, o tempo
necessário à escolarização, posto que não precisando trabalhar para ajudar nas despesas
da casa como Márcia, Giovana pode experimentar um comportamento mais diletante em
relação ao tempo e aos bens que possuí.
Nesse sentido, é possível inferir uma diferença de condições objetivas (culturais
e materiais) anterior a própria geração dos indivíduos investigados. Essas diferenças de
condições acabam por determinar as referências que essas famílias fazem de si e do
mundo, pois o êxito de seus objetivos depende dessas condições.
Portanto, os desejos em relação ao futuro não são segundo Bourdieu (2008a)
isentos, eles representam na verdade a ―necessidade interiorizada‖ no sentido do que é
possível de ser realizado, ou não, pela incorporação do sucesso ou fracasso das gerações
anteriores - isso explica porque as classes populares fixam objetivos em relação à escola
mais baixos que a classe média, por exemplo, por acharem não ser possível a eles,
quando na verdade, essa atitude é resultado do ciclo da própria estratificação social que
a escola reproduz.
Assim, as condições objetivas, principalmente aquelas ligadas às oportunidades
de sucesso em relação escola, como o capital cultural, permitem aderir mais facilmente
aos valores e as normas escolares e obter êxito, portanto realizando os objetivos fixados
pelo projeto parental e que podem ser progressivamente ampliados.
Essas condições objetivas e a visão de si no mundo social que compreendem o
que Bourdieu (2008c) chama de ethos de classe, pode se manifestar de forma ascética
em algumas classes ou frações de classe a ponto de fixar objetivos acima dos de sua
classe de origem. Essa é a explicação para que as classes menos favorecidas em capital
seja, econômico ou cultural acabem por aderir aos valores escolares para ascender
socialmente.
82
Esse ethos ascético parece acompanhar a família de Giovana desde os avós,
tanto por parte de pai como mãe, que vislumbraram na maior escolarização dos filhos
uma possibilidade de ascensão e assim a reconversão do capital cultural (tanto adquirido
junto a família pelo incentivo, quanto o adquirido pela maior escolarização) em capital
econômico possibilitando à família um investimento continuo na escolarização dos
descendentes.
O contrário também fica claro ao observarmos a família de Márcia, onde a falta
de capital cultural dos avós e pais, acaba por engendrar atitudes em relação à escola
pouco rentáveis, e que na verdade são produto do próprio julgamento e expectativas que
o ethos produz.
O ethos ascético (BOURDIEU, 2008c), é ainda o que explica os perfis de Bruno,
Tais e Iago, que limitados seja do ponto de vista do capital cultural ou econômico,
aderem a práticas ou disposições que não condizem com esse capital.
Essas famílias fazem investimentos educativos desproporcionais à seus recursos
tal qual os pequenos burgueses ascendentes são definidos pelo fato de se determinarem
em função de chances objetivas que não teriam se não tivessem a pretensão de obtê-las
e se não acrescentassem aos seus recursos em capital econômico e cultural, recursos
morais.
Isso explica a exigência das mães em relação ao desempenho dos filhos.
Nenhum deles é classificado como ―exemplar‖ ou ―brilhante‖, as mães os classificam
como bons alunos, mas que ainda assim podem se dedicar mais, posto que o rendimento
depende do aluno - como no caso de Tais e Bruno que além da escola cursam
concomitantemente cursos técnicos, havendo portanto um superinvestimento.
Essa postura é característica das frações em ascensão, que adotam o que
Bourdieu (2008c) chama de rigorismo ascético, cujas práticas são avaliadas quanto a
contribuição que podem trazer a ascensão social.
Como exemplo as três mães (Iago, Taís e Bruno) acompanham as atividades
escolares dos filhos como forma de maximizar seu rendimento e avaliam como mais
úteis ao mercado de trabalho as disciplinas de português e matemática, o que mostra
uma pretensão sobre o futuro e uma projeção de seus próprios desejos nos filhos. Como
coloca Bourdieu:
Por estar condenado às estratégias de várias gerações, que se impõem
toda vez que o prazo de acesso ao bem cobiçado excede os limites de
uma vida humana, ele é o homem do prazer e do presente adiados que
serão vividos mais tarde ―quando houver tempo‖, ―quando tudo
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estiver pago‖, ―quando terminar os estudos‖, ―quando as crianças
estiverem crescidas‖ ou ―quando estiver aposentado. (2008 c, p. 103).
Por outro lado, esse rigorismo das três famílias se opõe a naturalidade das
práticas familiares de Giovana, cuja explicação repousa sobre a as diferenças de classes
entre eles. Enquanto as famílias de Bruno, Iago e Tais estão em ascensão e se
comportam como pequeno-burgueses, a família de Giovana cujo ascetismo é anterior
aos pais, encontra-se já estabelecida econômica e culturalmente, comportando-se tal
qual a naturalidade burguesa, sem exigir lucros imediatos das práticas.
Essa naturalidade é observável pela rotina escolar e as práticas de leitura e
escrita. Enquanto Tais e Bruno tem uma rotina extra escolar e Iago é incentivado pela
mãe a estudar mais, Giovana estuda sem nenhuma imposição familiar – o conhecimento
ao invés dos estudos é objetivo da família, segunda a mãe.
A posse de livros também é diferenciada, enquanto nas famílias de Tais, Bruno e
Iago eles são considerados investimentos – seja para aperfeiçoamento do trabalho, como
Bruno e Tais ou para aumento da cultura geral, como no caso de Iago, para a família de
Giovana é um hábito corrente, teoricamente desinteressado, mas que na verdade faz
parte de seu princípio de visão e divisão de classe, ou seja, de uma visão burguesa.
Já a família de Márcia é tipicamente popular, suas práticas domésticas em
relação a escola são fracas. Não há acompanhamento das tarefas, a família não costuma
investir em práticas culturais e de lazer utilizáveis pela escola, além de um
desconhecimento da própria escolarização, denunciada não apenas pelo não
acompanhamento das atividades como também pela falta de diálogo sobre a escola.
Portanto, a falta dessas condições objetivas tanto em capital econômico quanto
cultural estabelece uma distância grande demais em relação à cultura escolar. Porém
muitas vezes essa distância não é percebida, o que parece ser o caso de Márcia.
Aluna da rede municipal, Marcia nunca foi reprovada, pois a prefeitura adota a
progressão continuada e como apresenta um ―bom comportamento‖, para a família ela é
uma excelente aluna. No entanto, seu rendimento na disciplina de História, apesar de
seu esforço é ruim.
Essa caracterização é ao mesmo tempo uma forma de se reconhecer. No caso de
Márcia, dizer-se como boa aluna evidencia sua limitação em relação ao mundo cultural
e sua posição de origem, tendo chegado longe demais, já no caso de Bruno, Tais e Iago,
traduzir-se como esforçado, dedicado é incorporar uma caraterística moral tipicamente
pequeno burguesa, de que a necessidade nesse caso se transformou numa virtude, como
84
enuncia a fala de Tais ao avaliar-se como pertencente a classe média baixa, cuja escola é
a única forma de acesso à posição dos patrões, a classe média alta.
É que eles não tem somente a moral de seu interesse, como todo o
mundo, mas interesse pela moral: para esses denunciadores dos
privilégios, a moralidade é o único diploma que dá direito a todos os
privilégios.(BOURDIEU, 2008c, p. 103).
Dessa forma, diante do mesmo estabelecimento de ensino o que determina a
diferença de dessempenho é, pelas informações obtidas, a diferença de capital cultural
que permite a Giovana, Tais, Bruno e Iago, pela incorporação de um ethos ascético um
melhor desempenho, ao passo que Márcia pela limitação desse capital, tem também um
rendimento escolar limitado.
Isso permite afirmar que, o papel determinante do capital cultural só se efetiva
pela escola reprodutora, que não compensa as diferenças culturais dos indivíduos e as
utiliza como mecanismo de eliminação, ao considerá-las pouco legítimas a escola,
transferindo assim a inaptidão para os indivíduos, que incapazes de acompanhar não
tem o ―dom‖ daqueles que conseguem – portanto à esses só resta o rótulo do fracasso e
a eliminação futura.
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Capítulo IV: Para que serve a História?
Aparentemente infantil essa pergunta tão comum dá título a este capítulo por se
tratar da questão central na relação que os alunos estabelecem com o ensino de História.
Além disso, a opção por tal título deve-se também aos objetivos específicos desse
capítulo, que pretende analisar o currículo da disciplina de História quanto a seus fins
propostos.
Foram confrontados para tal, os principais documentos que orientam a disciplina
de História: os Parâmetros Curriculares Nacionais de História para o Ensino
Fundamental II18
e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina de
História.
Tais documentos serão descritos quanto a sua consonância ou não e seus
principais pressupostos e objetivos. Dessa forma, a análise que se segue buscou
caracterizar tais documentos do ponto de vista organizacional, confrontando a
consonância ou dissonância dessa organização de forma a compreender se as
orientações curriculares mantêm os mesmos objetivos e organizam-se a partir dos
mesmos pressupostos.
A Proposta Curricular de São Paulo recebeu maior atenção durante a análise em
alguns itens, por se tratar não apenas do currículo efetivo do estado, como também por
fornecer como parte de suas orientações uma proposta de material didático, o Caderno
do Professor19
, que contêm o que deve ser ensinado a todos os alunos, além de ser o
documento elaborado posteriormente ao PCN, o que mostraria a consonância ou não de
princípios.
Além disso, este capítulo busca também a relação dos objetivos propostos20
por
tais documentos e o aprendido pelos alunos. Averiguando se tais objetivos são
compreendidos pelos alunos investigados nessa pesquisa e se há correspondência entre
o rendimento desses alunos e seu capital cultural, ou seja, busca compreender se o
18
Optou-se por analisar o PCN do Ensino Fundamental ao invés do PCN da disciplina para o Ensino Médio, pois os alunos investigados ainda não concluíram o Ensino Médio e portanto não teriam
interiorizado completamente os objetivos dessa etapa 19
Foram consultados além da Proposta Curricular, o Caderno do Gestor e os 4 volumes do Caderno do Professor da 8ª série do Ensino Fundamental I. 20
Sacristán (1998) chama de currículo prescrito os documentos oficiais produzidos para orientar professores e alunos. Nesse sentido as propostas curriculares correspondem a essa forma de currículo.
86
capital cultural funciona como uma disposição para a aprendizagem dos saberes
históricos escolares.
Essa perspectiva de análise se baseia nas abordagens de Apple (2006) e
Sacristán (1998) que sugerem que o currículo significa uma imposição de significado,
portanto uma forma de controle e segregação social.
Como coloca Sacristán21
, analisar o currículo é compreender o projeto educativo
e a parcela de cada disciplina específica nesse projeto. Esse entendimento da educação
como um projeto se deve ao fato de que ela tem certas consequências nos alunos e,
portanto é preciso compreender os conteúdos como parte de um projeto de socialização
maior que pretende efeitos e cuja concepção liga-se a agentes e elementos externos e
internos à escola.
Além disso, é preciso entender o currículo e o projeto que dele se depreende à
luz do que ele representa enquanto conteúdo selecionado quanto ao capital comum
disponível numa sociedade. Posto que a partir dele, é possível avaliar como se reparte
socialmente a cultura selecionada às distintas coletividades sociais que frequentam o
sistema educativo em seus diferentes níveis e especialidades.
Isso é possível, tanto para Apple como Sacristán, porque as decisões sobre o
currículo implicam um problema de distribuição cultural, ou seja, as escolhas
curriculares referendam como e qual parte da chamada ―cultura legítima‖ será
distribuída.
Por isso, a análise do que se aprende ou não em História demonstra a dimensão
política e social que o currículo guarda, mesmo que de forma oculta, no sentido do que
se propõe a inculcar.
4.1 Organização geral das propostas: estrutura e pressupostos dos documentos.
O objetivo desse item é apresentar as características organizacionais dos
documentos possibilitando nos itens seguintes a avaliação de concepções específicas.
Para isso, segue uma breve descrição da estrutura das propostas, os principais
pressupostos dos documentos sobre o ensino de História.
21 Ver ―O currículo: os conteúdos de ensino ou uma análise da prática?‖. In: SACRISTÁN, J. Gimeno e
GÓMEZ, A. I. Pérez.(1998) Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed.
87
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)22
foram promulgados em 1998
como parte das mudanças educacionais promovidas a partir da Lei de Diretrizes e Bases
aprovada em 1996, seu o objetivo era atender as novas demandas de ensino,
especialmente em relação a democratização e expansão do ensino, que incorporou à
escola brasileira, públicos e diferenças até então inexistentes.
O PCN foi criado com o intuito de permitir aos estados a organização de
propostas que atendessem e respeitassem a diversidade e as necessidades locais,
fornecendo em suas orientações, discussões sobre a disciplina, reflexões sobre a prática
pedagógica e procedimentos metodológicos que serviriam para a análise e seleção dos
conteúdos de acordo com as particularidades locais.
O referido documento se organiza em duas partes interdependentes: na primeira
apresenta uma caracterização da área de História e na segunda uma proposta de
currículo, ao propor os conteúdos por ciclo e os eixos temáticos e subtemas que podem
ser desenvolvidos.
A partir da caracterização da área como ciência, o PCN remonta a História como
disciplina escolar, recontando sua trajetória de disciplina, em termos de mudanças de
objetivos e de algumas normativas, confrontando o histórico da disciplina às tendências
historiográficas e ao contexto de mudanças politicas no país de forma a estabelecer os
objetivos para a disciplina, definindo como fundamental o papel da disciplina na
formação e a difusão da identidade.
Além dessa caracterização da área, o documento explicita seus objetivos para o
ensino fundamental e os conteúdos e objetivos específicos para cada ciclo.
Acompanham esses objetivos os conteúdos divididos segundo os eixos temáticos e os
subtemas em que se desdobram.
Para o terceiro ciclo é estabelecido o eixo-temático, História das relações sociais,
da cultura e do trabalho e para o quarto ciclo, História das representações e das relações
de poder. Tais eixos são divididos em subtemas que devem ser escolhidos pelo
professor a partir do diagnóstico dos conhecimentos prévios dos alunos, daquilo que
avalia como sendo importante para ser ensinado e que repercutirá na formação histórica,
social e intelectual, além das problemáticas contemporâneas que julga pertinente para a
localidade em que leciona. Com esses critérios o professor poderá escolher os conteúdos
que cada subtema desdobra, cada ciclo tem também critérios específicos de avaliação.
22
Para essa pesquisa foram consultadas as versões em PDF disponibilizados pelos governos (estadual e federal). Assim, as páginas utilizadas nas referências correspondem a essas versões.
88
O PCN apresenta ainda um conjunto de orientações metodológicas e didáticas
no sentido de métodos e recursos importantes à prática de ensino como: materiais
didáticos e pesquisas escolares, trabalhos com documentos, visita a exposições, museus
e sítios arqueológicos, estudo do meio e uma reflexão sobre o estudo do tempo (tempo
cronológico, tempo da duração, ritmos de tempo), cujo objetivo é sugerir a reflexão
sobre o conhecimento histórico e suas relações com a realidade social.
Ao contrário do PCN que estabelece um documento específico para cada nível
(Fundamental I e II e Ensino Médio) e área de conhecimento, a Proposta Estadual de
São Paulo apresenta uma base comum a todas as disciplinas. Além disso, a proposta
estadual é mediada por dois documentos complementares: o Caderno dos Gestores e o
Caderno do Professor – material didático desenvolvido a partir da proposta e destinado
aos professores.
Lançada em 2008, a Proposta Curricular de São Paulo faz parte de um conjunto
de mudanças em relação à educação no estado visando a melhoria na qualidade de
ensino por meio da uniformização do currículo, do material didático e da avaliação em
larga escala, o Sistema de Avaliação de Rendimento do Estado de São Paulo
(SARESP).
A maior parte desse documento é comum as demais disciplinas23
, apresentando a
concepção de currículo que as propostas seguem e das áreas de conhecimento que
compõem essas propostas, descrevendo brevemente essas outras áreas (ciências da
natureza e humanas, linguagens e matemática24
). A Proposta justifica essas orientações
comuns a todas as áreas pela necessidade de se relacionar os currículos das disciplinas
com a contemporaneidade e em relação à cidadania.
Para isso, adota como princípio que ―todos os conteúdos disciplinares, nas
diversas áreas, são meios para a formação dos alunos como cidadãos e como pessoas.
As disciplinas são imprescindíveis e fundamentais, mas o foco permanente da ação
educacional deve situar-se no desenvolvimento das competências pessoais dos alunos.‖
(SÃO PAULO, 2008,p.34).
23
Tanto a proposta de curricular de História quanto de Matemática possuem 56 páginas e apenas na página 41 iniciam-se as orientações específicas sobre as disciplinas. 24 A nomenclatura adotada para as áreas na proposta é a seguinte: área de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias, área de Ciências Humanas e suas Tecnologias, área de Ciências da Natureza e suas
Tecnologias e Matemática. A proposta destaca a Matemática como uma área específica, em parte pela
tradição pedagógica do ensino e por possibilitar, se entendida como uma linguagem própria, a
incorporação crítica dos recursos tecnológicos.
89
O documento também lista em suas últimas páginas, a proposta curricular para a
disciplina de História, explicitando os conceitos fundamentais para o ensino
fundamental II: Tempo e Sociedade; História e Memória; História e Trabalho e Cultura
e Sociedade; para o Ensino Médio: História e Diversidade; História e Trabalho e
Cultura e Sociedade e os conteúdos de cada série por bimestre.
A responsabilidade pela implantação da proposta é dada aos gestores e a eles é
destinado um caderno de orientações, o Caderno dos Gestores. Um documento
complementar a Proposta, que entre outras coisas estabelece os critérios de avaliação,
que permitirão formular as diretrizes das quais os professores partirão, além de sua
responsabilidade para com a formação dos docentes, é recomendado a estes que
implementem entre os professores uma ―comunidade aprendente‖, onde devem aplicar
aos docentes o que recomendam aos alunos.
A Proposta é ainda mediada pelos Cadernos do Professor. Entendido pela
Secretaria de Educação como principal instrumento pedagógico do professor, esses
cadernos comporiam a base estrutural das aprendizagens fundamentais a serem
desenvolvidas pelos alunos. (Caderno do Professor, 8ª série, v. 4, p.30).
Organizado por bimestres, conforme os conteúdos sugeridos pela Proposta
Curricular, o ―Caderno do Professor‖ é composto por orientações e situações de
aprendizagem, que são comuns aos cadernos do aluno. Nessas orientações, além de uma
pequena explanação sobre os temas trabalhados, são listadas as habilidades e
competências gerais, comuns a todos os volumes e que seguem a matriz do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM)25
.
Cada conteúdo bimestral tem uma situação de aprendizagem com orientações
próprias sobre o tema para o professor, além de um conjunto de questões para avaliação
e uma proposta de recuperação.
As situações de aprendizagem são compostas em sua maior parte por pesquisas e
cabe ao professor, segundo o caderno orientar tais pesquisas. As situações segundo o
documento baseiam-se nas orientações estabelecidas pela LDB e pelo PCN e tem como
foco: a inserção dos alunos na sua realidade social, valorizando o direito de cidadania
dos indivíduos; o reconhecimento de que o conhecimento histórico é um conhecimento
25
As competências são: domínio da norma culta e de diferentes linguagens; construção e aplicação de conceitos em diferentes áreas; selecionar, organizar, representar e interpretar dados e informações para
tomar decisões e enfrentar situações problema; relacionar informações representadas de diferentes formas
para construir argumentações consistentes; recorrer aos conhecimentos escolares para elaboração de
propostas de solidariedade e de intervenção na realidade social, respeitando a diversidade sociocultural e
considerando os valores humanos.
90
interdisciplinar e o estabelecimento de relações entre conteúdo e atitudes para o
reconhecimento dos alunos como agentes na construção do processo histórico.
A proposta coloca que as situações compreendem a um ―saber fazer‖ em que os
alunos recorrem a esquemas de pensamento para resolução de situações problema.
Cada situação recebe orientações próprias, mas estruturadas da mesma forma.
Em todas é destacado o papel dos conhecimentos prévios e que as situações de
aprendizagem são parte da abordagem do tema e da metodologia, sendo sugerido
inclusive uso de livros didáticos e aulas expositivas26
.
As situações iniciam como uma proposta de ―sondagem e sensibilização‖, cujo
objetivo é detectar os conhecimentos prévios dos alunos, em seguida há uma atividade
ligada à leitura e análise de texto ou algum tipo de produção e um roteiro para avaliação
dessa atividade.
A avaliação corresponde a um roteiro de observação de como a atividade foi
executada e se os objetivos foram atingidos, nos moldes do processo de avaliação
proposto pelo PCN. Há ainda ―propostas de questões para avaliação‖ que assim como a
sondagem e a atividade proposta pela situação de aprendizagem são comuns ao caderno
do aluno, mas com outra denominação: como exercícios de uma seção chamada de
―Você aprendeu?‖. Apenas a proposta de recuperação, sempre em duas opções, não é
comum ao caderno do aluno.
4.1.1 - Pressupostos dos documentos:
Esse item pretende discutir quais pressupostos orientam os documentos de forma
a compreender o que é priorizado em termos de ensino. A descrição acima evidencia
que a organização dos documentos é diferente, mas os fins para a disciplina de História
são os mesmos. Dessa forma, ao apontar os pressupostos dos documentos é possível
avaliar como tais podem ser atingidos e a consonância ou não entre eles.
Enquanto o PCN foca suas orientações na problematização dos temas e
conteúdos sugeridos, a Proposta Estadual sugere orientações para o currículo, focando
essas orientações em como o currículo deve fomentar a construção de competências e
habilidades.
26
No volume 2 é sugerido o uso do livro didático para o conceito de ―New Deal‖ e no volume 1 a situação 1 (imperialismo e neocolonialismo) é sugerido o uso de aulas expositivas sobre o tema.
91
Para Perrenoud (1999), construir uma competência significa aprender a
identificar e a encontrar os conhecimentos pertinentes, no sentido de mobilizá-los para
diferentes situações e não apenas de forma operatória para um contexto específico,
permitindo segundo o autor enfrentar um conjunto de situações.
Dessa maneira, ao alcançar determinadas competências o aluno saberia em que
circunstâncias e momento mobilizaria seus conhecimentos. Para o autor é nessa
possibilidade de relacionar os conhecimentos prévios e os problemas que se reconhece
uma competência. Nesse sentido, as competências seriam ―metas da formação, que
permitiriam responder as demandas sociais impostas pelo mercado e suas mudanças,
além de fornecer meios para compreender a realidade e não ficar indefeso nas relações
sociais‖ (PERRENOUD, 1999, p. 32).
Não há no PCN nenhuma menção a importância da construção de competências
ou habilidades. No entanto, o documento também oferece a possibilidade de construção
de estruturas mentais, a partir da formação de noções.
Essa perspectiva cognitiva da aprendizagem está presente, ao oferecer como uma
das possibilidades pedagógicas para autonomia e consequentemente a cidadania a
construção de noções.
O documento propõe que a construção de noções interfere nas estruturas
cognitivas do indivíduo, alterando a forma como ele compreende os elementos do
mundo e as relações de interdependência entre eles e o sujeito. O ensino de História
teria parte importante nesse processo ao focar essa construção a partir do confronto de
diferentes temporalidades (diferença, semelhança, permanência e transformação).
Essas (temporalidades) são noções que auxiliam na identificação e na
distinção do ―eu‖, do ―outro‖ e do ―nós‖ no tempo; das práticas e
valores particulares de indivíduos ou grupos e dos valores que são
coletivos em uma época; dos consensos e/ou conflitos entre indivíduos
e entre grupos em sua cultura e em outras culturas; dos elementos
próprios deste tempo e dos específicos de outros tempos históricos;
das continuidades e descontinuidades das práticas. (BRASIL, 1998,
p.34).
Conforme descrito no item anterior, o PCN lista uma série de conteúdos
oriundos de escolhas por eixo-temático, apresentando como pressuposto para a seleção
de conteúdos a problematização das diferentes temporalidades históricas.
92
Tal pressuposto como critério para escolha dos conteúdos permitiria segundo o
PCN propiciar aos alunos o dimensionamento de si mesmos e de outros indivíduos e
grupos em temporalidades históricas.
O PCN também oferece uma proposta para efetivação desse critério ao
estabelecer as intenções em relação ao aluno e professor27
sugerindo que seja feita a
diagnose das realidades e a problematização pelo professor do mundo do aluno para
confronto com diferentes realidades históricas.
Tal perspectiva demonstra outro pressuposto: a interface com o saber acadêmico.
Para o PCN, o diálogo com o saber histórico acadêmico, amplia a perspectiva da
disciplina, ao valorizar o papel dos sujeitos, de forma que os alunos como sujeitos
históricos tomem sentido em sua aprendizagem de forma a se tornarem sujeitos da
mesma.
Já para a Proposta Estadual há a necessidade de um currículo que não apenas
melhore o desempenho dos alunos, mas também ofereça uma educação de acordo com
as demandas sociais, culturais e profissionais, da sociedade contemporânea. Para isso, a
Proposta adota como objetivo promover competências que possam ser transpostas a
vida extra-escolar.
Tal perspectiva se baseia não apenas nas orientações do PCN para o Ensino
Fundamental, mas também nos PCN’s para o Ensino Médio, que incorporam a
tecnologia e o mundo do trabalho à suas orientações, sugerindo que a formação cidadã e
a identidade se relacionam ao futuro e a demanda social.
Dessa forma, a Proposta sugere que aprender na escola é a forma de exercitar as
competências sociais e cognitivas necessárias à integração produtiva. Por isso, a
reformulação do currículo estadual para fornecer uma educação mais significativa e os
pressupostos que orientam a concepção de currículo.
Esse currículo que atenda as demandas sociais exige segundo a Proposta que
sejam incorporados os seguintes princípios: ―a escola que aprende, o currículo como
27 As intenções do PCN para os alunos são: contribuir para a formação intelectual e cultural dos
estudantes; favorecer o conhecimento de diversas sociedades historicamente constituídas, por meio de
estudos que considerem múltiplas temporalidades; propiciar a compreensão de que as histórias
individuais e coletivas se integram e fazem parte da História e quanto ao professor que ele promova a importância da construção de relações de transformação, permanência, semelhança e diferença entre o
presente, o passado e os espaços local, regional, nacional e mundial; a construção de articulações
históricas como decorrência das problemáticas selecionadas; o estudo de contextos específicos e de
processos, sejam eles contínuos ou descontínuos.
93
espaço de cultura, as competências como eixo de aprendizagem, a prioridade da
competência de leitura e de escrita, a articulação das competências para aprender e a
contextualização no mundo do trabalho‖ (SÃO PAULO, 2008, p.11).
A ―escola que aprende‖ aponta a necessidade de transformação da escola diante
da tecnologia e a escola como instituição deve aprender a ensinar. Focando sua função
no aproveitamento do que é ensinado – não basta apenas ensinar é preciso que
determinados resultados sejam alcançados.
O ―currículo como espaço de cultura‖ é a concepção que pretende acabar com a
noção de que cultura é algo pitoresco e folclórico e que conhecimento é saber. Ao invés
disso, a proposta entende como cultura tudo o que foi produzido a nível artístico,
científico e humanístico, transposto para uma situação de aprendizagem.
Já adoção das competências como referência segue segundo o documento os
pressupostos da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que prioriza o direito a aprender,
retirando o que chama de foco tradicional de ―cultura do ensino‖ para ―cultura da
aprendizagem‖. As competências - assim como as noções valorizadas pelo PCN – se
baseiam na perspectiva cognitiva e referem-se tanto ao modo de ser, agir e pensar,
quanto a tomada de decisões em contextos de problemas, tarefas ou atividades, portanto
pressupõem não só as habilidades dos alunos, mas o processo de construção dessas
habilidades, ou seja, a sua relação com o conhecimento, o conteúdo propriamente dito.
A definição de habilidade aparece apenas na Matriz de Referência do SARESP,
que define tal noção como situações de aprendizagem que reúnem os conteúdos e as
competências. Assim competências junto aos conteúdos formariam as habilidades que
são ao contrário das competências, mensuráveis (SÃO PAULO, 2008b, p.15).
Essa idéia de que as competências são mais gerais e constantes e os conteúdos
são mais específicos e variáveis orienta ainda outro pressuposto: articulação das
competências para aprender, focando em competências para a vida, ou seja, focalizando
a idéia de que a competência de aprender ao longo da vida é a competência mais
importante que a escola pode ensinar, priorizando a competência da leitura e da escrita
como fundamental para que se desenvolvam as demais competências.
A relação com o mundo do trabalho também acompanha as orientações contidas
na Lei de Diretrizes e Bases e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio. Tendo por objetivo segundo a Proposta, aproximar a teoria da prática por meio
de uma educação tecnológica, ou seja, da inserção da tecnologia em todas as áreas e não
como disciplina específica que serviria mais ainda a separação entre teoria e prática.
94
Tal tema perpassa os conteúdos curriculares, como forma de atribuir sentido aos
conhecimentos específicos das disciplinas. Tal pressuposto sugere que uma educação
tecnológica permite compreender a tecnologia como inerente a história humana, como
elemento tanto da cultura, como das práticas sociais, culturais e produtivas (SÃO
PAULO, 2008, p. 24), permitindo também a compreensão científica dos processos
produtivos e, portanto uma melhor incorporação a eles.
Já a prioridade à competência leitora e escritora, entendida como ponto central
da proposta, se baseia nas competências para aprender do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM). A Proposta justifica a centralidade dessas competências não apenas do
ponto de vista normativo, mas também ideológico, ao propor que sem estas
competências não é possível desenvolver as demais.
Assim, contemplar diferentes sistemas simbólicos forma competências e
habilidades na medida em que atua na formação dos sentidos, inclusive o histórico.
Portanto, o que se evidencia em relação aos dois documentos é uma certa
consonância de objetivos e até mesmo de procedimentos. Fruto de seu momento de
produção, posto que o documento foi elaborado dez anos antes da Proposta Estadual, o
PCN fornece à Proposta Estadual a base para a reformulação de seu currículo.
Mesmo o PCN não tratando de competências ou habilidades, a perspectiva
cognitiva é forte influência para a valorização do aluno que o documento pressupõe e é
incorporada pela Proposta Estadual a partir da centralidade das competências e
habilidades, que por sua vez, além do PCN e sofreu influência de outros documentos
produzidos ou modificados posteriormente.
Dessa forma, mesmo que uma das justificativas para a elaboração da Proposta
Estadual de São Paulo seja a ruptura com o conhecimento propedêutico, e por isso a
opção por formar estruturas mais gerais como competências e habilidades para a vida, a
opção por fundamentar-se em conteúdos conforme a estrutura do PCN não impede que
a dimensão de uso para vida se realize, ao contrário, o PCN fornece orientações
metodológicas para que se faça a conexão entre o conhecimento histórico e sua utilidade
para a vida, o que evidencia sua consonância com a Proposta.
Ao sugerir como pressuposto ―a escola que aprende‖ e ―o currículo como espaço
de cultura‖ essa aproximação fica mais evidente. O currículo como espaço de cultura,
que retira o caráter pitoresco valoriza o papel do saber acadêmico, que junto à escola
que aprende, ou seja, que compreende as necessidades dos alunos que atende, os
valoriza como sujeitos de sua própria aprendizagem, o que explica a adoção pelas
95
competências que assim como as noções podem são estendidas a vida extra escolar.
Portanto, ambos sugerem as mesmas metas para formação.
No entanto, Apple28
alerta que metas de formação compreendem um processo de
socialização maior, que tem por objetivo a formação da consciência dos indivíduos e
nesse sentido o currículo não agiria de forma neutra, pelo contrário, colaboraria para um
aparente consenso, pois despolitizaria a reflexão ao ignorar o conflito como uma
característica essencial da sociedade.
Segundo as análises de Apple (2006), o ensino de habilidades compreende uma
sequência de vários ―como fazer‖, que estudadas como uma construção social deixam de
lado a análise do ―porque determinada existência‖, ou ―como ela se mantêm ou quem se
beneficia‖ (p. 37 – 46), portanto despolitizados e desprovidos de sentido.
Dessa forma, o item a seguir pretende analisar qual o conteúdo de ensino, aquele
que pode ser efetivamente ensinado a partir desses pressupostos.
4.2 – Como os documentos tomam a noção de conteúdo disciplinar
O objetivo desse item é compreender o que é possível de ser ensinado em termos
de conteúdo oferecido aos alunos. No entanto não será possível apontar com segurança
o que efetivamente é ensinado, ou seja, o currículo real, aquele que se realiza a partir de
muitas interações em sala de aula, principalmente sob a influência do trabalho do
professor. Em suma, o que se pretende ao longo desse item é apontar as possibilidades
que o currículo prescrito oferece e que podem ser recusadas ou não no dia-a-dia da
escola.
Dessa forma, para avaliar o que os documentos recomendam é necessário
primeiro retomar sua organização. O PCN apresenta um rol de conteúdos, baseados em
um eixo temático e subtemas, cuja escolha e manuseio tanto pelos sistemas estaduais
quanto por seus professores deve levar em conta a relevância desses conteúdos para a
realidade do aluno. Dessa forma, o PCN recomenda que se parta dessa realidade e a
problematize em relação a outras realidades históricas, o que possibilitaria ao aluno a
crítica e orientação para tomada de decisões.
É essa perspectiva de variar os conteúdos de acordo com a realidade dos alunos
que fundamenta as escolhas da Proposta Curricular de SP e permite que oriente o ensino
28 APPLE, Michael W (2006). Sobre a análise da Ideologia. Ideologia e Currículo. Porto Alegre:
Artmed.p. 35 – 60.
96
de acordo com aquilo que considera mais pertinente as necessidades dos alunos. Assim,
a Proposta coloca como central o baixo rendimento dos alunos e por isso orienta as
mudanças curriculares para esse fim.
Ao propor conteúdos, o PCN não prevê um mínimo, mas sim rol de
possibilidades, por isso recorre a problematização da seleção, justificando suas escolhas
no diálogo com o conhecimento histórico acadêmico.
Segundo o documento, a História como campo de pesquisa enfrenta um
permanente debate que suscita novas abordagens e modelos analíticos. A principal
caraterística desse debate é a crítica à construção do conhecimento histórico, entendido
como uma representação socialmente construída, de acordo com a época e as relações
estabelecidas entre os grupos.
O que propõe como perspectiva central, a idéia de que não é possível esgotar
completamente as análises históricas, e no caso dos saberes históricos escolares
fundamenta o pressuposto de que não é possível privilegiar um sujeito em detrimento de
outro, servindo, portanto de base à perspectiva de construção da identidade como
objetivo dos saberes históricos escolares.
Dessa forma, ao tratar das diferentes perspectivas de análise do conhecimento
Histórico29
o documento avalia que a principal influência do saber histórico acadêmico
é fornecer ao saber escolar novos recursos didáticos e metodológicos – oriundos das
mudanças nos métodos de pesquisa que passaram a considerar para reconstrução do
passado muito mais do que os documentos oficiais e o valorizar o aluno como sujeito
ativo de sua aprendizagem, perspectiva que pode ser atribuída em parte ao papel dos
sujeitos na História.
As abordagens teóricas que problematizam a realidade social e
identificam a participação ativa de ―pessoas comuns‖ na construção da
História — nas suas resistências, divergência de valores e práticas,
reelaboração da cultura — instigam, por exemplo, propostas e
métodos de ensino que valorizam os alunos como protagonistas da
realidade social e da História e sujeitos ativos no processo de
aprendizagem. (BRASIL, 1998, p. 33).
Além disso, o PCN avalia que os conteúdos também são reelaborados de acordo
com o contato do saber histórico acadêmico com outras ciências humanas, incorporando
29
Ver Parâmetros Curriculares Nacionais, p. 30 a 33.
97
a esses conteúdos novas problemáticas contemporâneas e permitindo assim, estudos
sobre as transformações ligadas a elas, colaborando para a ampliação da perspectiva de
que os alunos devem ser sujeitos de suas aprendizagens, ao permitir confrontos com
essas diferentes problemáticas culturais e sociais (BRASIL, 1998, p.33).
As situações de aprendizagem também recebem a influência das tendências
historiográficas ao levar em conta que o conhecimento histórico é fruto de seu tempo.
Portanto, apresentar a diversidade de documentos de que se utilizam as pesquisas
históricas, possibilita explorar diferentes fontes de informação como material didático e
desenvolver aprendizagem de procedimentos de pesquisa e análise.
Essas são experiências e vivências importantes para os estudantes
distinguirem o que é realidade e o que é representação, refletirem
sobre a especificidade das formas de representação e comunicação
utilizadas hoje e em outros tempos e aprenderem a extrair informações
de documentos (das suas formas e conteúdos) para o estudo, a reflexão
e a compreensão de realidades sociais e culturais. (BRASIL, 1998,
p.33).
A incorporação dessas perspectivas permite reelaborar o papel social da
disciplina, redimensionando seu sentido em relação à sua função e sua responsabilidade
para a construção da identidade30
.
Os diálogos entre o ensino de História e o conhecimento científico
redimensionam, assim, a importância social da área na formação dos
estudantes. Sinalizam e fundamentam possibilidades de estudos e
atividades que valorizam as atitudes intelectuais dos alunos, o seu
envolvimento nos trabalhos e o desenvolvimento de sua autonomia
para aprender.
Instigam, também, a reflexão crítica na escola e na sala de aula sobre
suas práticas, seus valores e seus conhecimentos, aprofundando as
relações do seu cotidiano com contextos sociais específicos e com
processos históricos contínuos e/ou descontínuos. (BRASIL, 1998,
p.34).
Dessa forma, a importância da aproximação entre os saberes históricos
acadêmicos e escolares permitiria que os alunos confrontassem e analisassem suas
30
Como lembra o documento a construção da identidade já foi entendida como a formação do ―cidadão patriótico‖, do ―homem civilizado‖ ou da ―pessoa ajustada ao seu meio, ou ainda ligada a pátria, ao
mundo civilizado ou do trabalho para o desenvolvimento do país. p. 34
98
realidades em relação a outras, orientando suas ações, servindo, portanto à construção
da identidade e da cidadania.
Além disso, o documento sugere que o papel do ensino de História - favorecer a
partir da identificação das permanências ou transformações da realidade histórica a qual
está inserido, a participação crítica diante da realidade social e política - não é
autorrealizável, depende das escolhas pedagógicas feitas pelas escolas e pelos
professores, bem como da análise do que é a cidadania hoje e sua dimensão histórica.
No entanto, Galzerani (2005) em artigo que procura contextualizar os
documentos (PCN e DCN) para discutir as políticas educacionais e as relações sociais e
politicas que carregam, discute além do papel do Estado e suas relações com o
capitalismo contemporâneo, como suas exigências influenciam as politicas públicas e a
predominância nesses documentos de contradições.
O PCN apesar de representar um avanço31
, ao incorporar a idéia de que o
conhecimento histórico é plural, o que ampliou a noção de objeto (documentos) e de
tempo histórico (dimensões, ritmos e temporalidades como curta, média e longa
duração), além de incorporar contribuições da psicologia, especialmente do
construtivismo e a noção de cultura escolar e saberes históricos escolares, não deixa de
ser contraditório.
Ao mesmo tempo em que propõe uma maior problematização da disciplina,
contra o esvaziamento que a caracterizou, Galzeroni avalia que há um esmaecimento
das contradições, no sentido que Apple dá para o ―conflito‖ nas problemáticas sociais
abordadas. A autora avalia que as sugestões temáticas para os ciclos são genéricas,
modelizadas e modelizadoras. Fruto da incorporação da História Nova como tendência
historiográfica principal. Essa tendência recebe críticas por desconsiderar a História
Política e considerar ―tudo como história‖ – e que favorece no PCN o esmaecimento
dos embates como proposto por Galzeroni.
A História Nova tem sua origem nos embates travados pela ―Escola dos
Annales‖, que acompanhando o quadro de mudanças pelas quais as ciências humanas
passavam em relação ao século XIX propunha renovação integral, estabelecendo como
fundamental sua mudança em relação à tradições antigas e sólidas (LE GOFF, 1988, p.
26).
31
Uma das principais influências para o PCN foram as discussões incorporadas na proposta curricular do estado de São Paulo de 1986, durante o governo Franco Motoro, e que foi fruto de discussões entre
sindicatos, entidades de classe e professores de diferentes níveis.
99
Os Annales propunham o fim das barreiras entre disciplinas (história política,
social, militar, etc), alegando que isso acabou por confinar o conhecimento histórico,
propondo em contrapartida uma interface com outras ciências, como forma de suprimir
as barreiras e ao mesmo tempo oferecendo uma perspectiva de história ―total‖ ou
―global‖.
Essa história total segundo Le Goff (1988) trata de compreender histórias plurais
dentro de um domínio histórico globalizante como norteador. Trata, portanto de não
considerar a pluralidade de forma sintética, mas de enxergá-la tanto numa perspectiva
de objeto globalizante, como interdisciplinar.
Nesse sentido, a História Nova é uma tentativa de história total, pois além de
interagir com outras ciências, ao introduzir a noção de ―longa duração‖, refuta
compartimentações como a História Política. Le Goff (1988, p. 45) avalia que a longa
duração é a mais fecunda das contribuições da História Nova, pois apesar das rápidas
mudanças, as forças da história só atuam e se deixam apreender no tempo longo, ou
seja, no tempo da estrutura.
Essa perspectiva está presente no PCN ao privilegiar as diferentes
temporalidades, focalizando as permanências e mudanças. Para a História Nova, isso
não é possível pela história do curto prazo, por exemplo, como a História Política que se
pauta pelas mudanças de governo (Le Goff, 1988, p.45).
Outro paradigma da História Nova presente no PCN é a noção de documento
histórico, ao compreender que os documentos históricos eram variados e iam além dos
escritos. Le Goff (1988, p. 28) coloca que ―a História Nova ampliou o campo do
documento histórico; ela substituiu a história de Langlois e Seignobos, fundada
essencialmente nos textos, no documento escrito por uma história baseada numa
multiplicidade de documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados,
produtos de escavações arqueológicas, documentos orais, etc‖.
Tal proposição é incorporada ao PCN tanto no papel do aluno como pesquisador,
no manuseio desses documentos, quanto em relação ao professor que deve incorporar
essa perspectiva a sua prática.
A revolução documental orienta ainda outro pressuposto da História Nova, a que
Le Goff chama de ―desejo de se interessar por todos os homens‖, posto que um número
maior de fontes retira o foco do fato para o dado, permitindo assim um maior número de
sujeitos históricos.
100
Apesar de significar um avanço em termos de proposição para o ensino, a
incorporação de conceitos da História Nova demonstra ainda outra contradição que diz
respeito à produção do conhecimento pelo aluno. Ao conceituar identidade e impor-se
como um parâmetro, o PCN desconsidera as particularidades dos sujeitos envolvidos
como sujeitos históricos, o que predomina com as orientações em relação ao professor é
a valorização dos procedimentos acadêmicos, desvalorizando os conhecimentos dos
alunos, oriundos do ―senso comum‖ e que devem, portanto ser resignificados diante dos
conhecimentos acadêmicos.
Assim, Galzerani avalia um ―prevalecimento da racionalidade instrumental,
técnica, esta que hierarquiza os saberes, rotula os conhecimentos experienciais como
―senso comum‖, determinando à escola o papel de transmutá-los em saberes escolares,
científicos, verdadeiros‖ – isso é possível pelos paradigmas da História Nova como
orientação principal do PCN.
Nesse sentido, ao adotar as perspectivas do PCN a Proposta Estadual também
apresenta contradições em relação a seus fins.
Embora sugira poucos conteúdos, focando um mínimo a ser aprendido como
resposta ao baixo rendimento, a proposta não lista o que será ensinado, mas sim o que
deve ser aprendido. Essa perspectiva de ―direito a aprender‖ apoia-se na própria Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).
Apoiada pela LDB e DCN a prioridade sobre o que será aprendido é dada a
aprendizagem de competências e habilidades mínimas que permitiriam em situações
gerais mobilizar conhecimentos.
Incorporadas pelos alunos, essas competências e habilidades não se limitariam à
escola, mas poderiam ser mobilizadas e aproveitadas em diversas situações,
especialmente no mundo do trabalho.
Dessa forma, a proposta organiza-se em um ―currículo referido a competência‖,
que possibilitaria a articulação entre conhecimentos próprios de cada disciplina
articulados às competências e habilidades dos alunos. No entanto, não há no documento
uma descrição clara dessa articulação. Como exposto anteriormente, os conteúdos são
listados no final da Proposta, e as competências descritas referem-se às que são comuns
a todas as outras propostas, quanto às habilidades não há nenhuma descrição do que se
tratam.
Essa listagem de conteúdos é justificada pela abertura que possibilitariam em
termos de diferentes aprendizagens e para garantia de um mínimo a ser aprendido. Esse
101
mínimo compõe as situações de aprendizagem presentes no Caderno do Aluno e do
Professor, que poderia além desse mínimo, sugerido pelo caderno propor outros
conteúdos. No entanto, a organização das situações de aprendizagem do material
permite pouca inserção de outras problemáticas e as competências visadas não dialogam
com os objetivos específicos da disciplina de História.
Para Ciampi (2009), em artigo desenvolvido pelo grupo de trabalho de ensino de
História da Associação Nacional de História (ANPUH), as atividades não são
contextualizadas historicamente e a análise das proposições é acrítica. Isso ocorre
porque as situações de aprendizagem centram-se em competências que não são
específicas à disciplina de História. As competências visadas são essencialmente ligadas
à leitura e a escrita e as situações de aprendizagem se reduzem na maioria das vezes a
leitura de texto ou pesquisas.
A autora avalia que isso já é suficiente para questionar esse material, posto que
se a competência leitora e escritora deve ser desenvolvida por todas as disciplinas, como
a área de História poderia colaborar para melhorar leitura e compreensão de textos em
outras áreas se na disciplina não há trabalho especifico em relação a isso.
A centralidade na competência leitora e escritora está segundo Ciampi alinhada
com as orientações transversais do PCN, que propõe a interdisciplinaridade. No entanto
o que se nota é uma subordinação à linguagem, ou como propõe Ciampi, a disciplina de
Língua Portuguesa orienta o trabalho com textos e consequentemente sua leitura.
Isso fica ainda mais evidente se analisado os conteúdos propostos. Embora
busque uma perspectiva de História Integrada (História do Brasil e Geral juntas)
demonstrando relações de continuidade, casualidade e simultaneidade, a ordenação dos
conteúdos é linear, privilegiando a história ocidental.
Dos quinze temas sugeridos para a 8ª série/ 9º ano apenas 4 referem-se a História
do Brasil. As escolhas pelos temas também não são problematizadas, como no caso do
tema (conteúdo) ―Revolução Russa e Stalinismo‖. Nas orientações da situação de
aprendizagem correspondente não há nenhuma referência historiográfica que justifique
a junção desses dois temas, a justificativa é apenas ―melhor aproveitamento da aula‖
(Caderno do Professor 8ª série, v. 1,p.8).
Portanto, o que se nota é que a seleção não tem critérios claros – pelo menos não
para os professores, principais agentes desse material. Os cadernos estabelecem por
meio das situações de aprendizagem um conteúdo fechado, uma espécie de ―pacote
fechado‖ que cabe ao professor aplicar.
102
O ―pacote fechado‖ de conteúdos e a problemática particular dessas situações
limitam a autonomia do docente e desconsidera a cultura trazida pelos alunos.
Cada passo da atuação do professor é orientado - desde a forma como deve
conduzir a sondagem e a sensibilização, cujas questões propostas a ele nas orientações,
correspondem na maioria das vezes as questões propostas aos alunos - os temas e
conteúdos selecionados, competências e habilidades a serem desenvolvidas, tempo de
realização das situações até os recursos matérias, formas de avaliação e recuperação32
.
Além disso, como avalia Ciampi, os cadernos do professor não permitem os
critérios do PCN em relação à organização dos conteúdos como também em relação ao
papel do docente se realize.
Nesse sentido, ao focar as orientações em questões ligadas à execução o que se
nota é apesar do discurso de autonomia, das recomendações para que faça adaptações de
acordo com sua realidade escolar, há pouca flexibilidade, posto que há uma agenda de
procedimentos a serem cumpridos, inclusive em tempo determinado e mais, há pouco
espaço para reflexão nessas propostas sobre porque determinada seleção de um
conteúdo em relação a outro.
Dessa forma, o papel do docente como produtor de conhecimento sobre sua
disciplina e sua prática é negligenciado, tal qual a própria disciplina que sem refletir
sobre o conhecimento que elabora acaba por não refletir sobre seu papel, nem tampouco
por demonstrar objetivos claros.
Assim, se tomadas como referência as análises de Apple33
sobre a hegemonia
que os currículos possibilitam e que propositalmente desconexo da população a qual se
destina, serve a uma perspectiva hegemônica, é possível avaliar o caráter tecnocrático
da Proposta Estadual.
Ciampi corrobora essa idéia, ao avaliar que diante de um discurso de abertura e
autonomia, o que se percebe na reforma proposta pelo estado de São Paulo é um caráter
centralizador, portanto tecnocrático, no sentido das mudanças terem sido propostas fora
da prática. Para Apple, manter um caráter tecnocrático, supõe uma neutralidade que é
32
O caderno prevê 2 a 3 aulas para cada situação de aprendizagem, em média são necessárias 17 aulas para execução das atividades previstas nos cadernos por bimestre, de um total de 32 previstas, posto que
na 8ª série são previstas 4 aulas semanais. Aparentemente razoável, essa previsão de tempo recebe críticas
dos professores, pois as situações demandam mais tempo que o previsto e ainda é necessário aulas
complementares às situações propostas. 33
Ver ―Sobre a análise da hegemonia‖. In: Apple, Michael W. (2008). Ideologia e currículo. Porto Alegre: Artmed. p. 35 a 61.
103
em suma inexistente, posto que impõe um modelo de comportamento seja para o
professor ou para o aluno.
A ―responsabilidade final‖ (accountibility) atribuída por meio de
análise comportamental, o modelo sistêmico de gestão e outras coisas
tornam-se representações hegemônicas e ideológicas. Ao mesmo
tempo, as considerações sobre a justiça da vida social são
progressivamente despolitizadas e transformadas em problemas
supostamente neutros que podem ser resolvidos pela acumulação de
fatos empíricos neutros, os quais, quando reinseridos em instituições
neutras como as escolas, poderão ser orientados pela instrumentação
neutra dos educadores. (APPLE, 2006, p. 42).
Isso permite inferir que o currículo que se realiza tem seus objetivos pouco
claros para professores, posto que as orientações se encontram dispersas em diferentes
documentos e principalmente porque seu papel aparece apenas diante da aplicação dos
conteúdos curriculares, via ―Caderno do Professor‖. Portanto, enquanto principal
agente, o professor tem autonomia quanto ás escolhas pedagógicas, mas diante do
material que deve ser aplicado suas escolhas ficam restritas.
Essa restrição, no entanto, não é exclusiva da Proposta. A orientação de que
professores e alunos são sujeitos de seu conhecimento e que é o principal pressuposto
do PCN também não se cumpre nesse documento. Em ambos o que se nota é apesar do
discurso, há uma atuação diminuída dos professores, posto que as normativas impõem
procedimentos que impedem a autonomia, fazendo tanto dos professores quanto dos
alunos elementos e não atores desses documentos.
Apesar da incorporação das novas problemáticas e perspectivas, esses
documentos subordinam seus agentes ao invés de valorizá-los como propõem em seu
texto. Há assim, uma enorme contradição entre o que é proposto e o que deve ser
realizado, que fica evidente quando relacionadas à visão dos alunos sobre a disciplina de
História.
4.3 – A visão dos alunos
A possibilidade de verificar se o ensino de História é útil aos alunos no sentido
de orientar e redimensionar suas opções envolveria situações específicas, pouco claras e
principalmente para muito além da escola. O que parece possível avaliar é a visão que
alunos em situação oposta de rendimento na disciplina têm sobre o conhecimento
104
histórico, tentando promover uma aproximação entre essa visão, capital cultural e
currículo, como forma de compreender como o currículo atua entre esses alunos,
portanto se cumpre seus objetivos, ou seja, como realiza o que é proposto.
Para isso, foram utilizadas as opiniões retiradas de entrevistas com os dois
grupos de alunos em situação oposta de rendimento (acima e abaixo da média na
disciplina de História). Ambos alunos da mesma série, foram entrevistados assim como
seus pais a partir de um roteiro semi-estruturado, que objetivava caracterizar a relação
desses alunos com os saberes históricos e as possibilidades de uso social vislumbradas
por eles, no sentido da perspectiva do PCN, ou seja, da possibilidade de comparar suas
realidades com outras.
Conforme descrito anteriormente, os alunos investigados têm perfis familiares
muito distintos quanto aos capitais possuídos. Nesse sentido, o que se tentou averiguar
partiu da idéia de que os objetivos do PCN eram possíveis de serem alcançados pelo
currículo, e que os alunos conseguiriam mobilizar seu capital individual em função do
currículo da disciplina, para assim obter algum uso social, ou seja, conseguiriam
comparar sua realidade com outras a fim de orientar suas ações.
Nesse sentido, nas entrevistas com os alunos não foi destacado o papel do ensino
de História para compreensão e comparação de diferentes realidades sociais, o que
permite indagar que a atuação da disciplina não é sentida34
.
Os alunos apresentam relações muito diferentes com a escola. Os indivíduos
pertencentes ao grupo com desempenho acima da média na disciplina de História são
aqueles cujos pais tem maior escolaridade e, portanto, maior capital cultural, exceção
apenas de Daniela e Iago, cujos pais tem pouca escolaridade, comparável aos pais dos
alunos com desempenho abaixo da média.
Essa relação do capital cultural com o conhecimento do sistema de ensino é
verificável também pela entrevista com os alunos. Os alunos com desempenho abaixo
da média são aqueles que apresentam maior dificuldade em objetivar alguma crítica em
relação ao ensino de História, sua utilidade e até organização, no sentido do que é
ensinado.
34
O roteiro de perguntas aplicado a esses alunos visava compreender não apenas o papel do ensino de História, mas também as relações estabelecidas com a escola, no sentido de investimento. Assim, optou-
se por perguntas abertas sobre a disciplina para que os alunos pudessem expor livremente suas opiniões.
No entanto, muitas das respostas foram insatisfatórias para análise.
105
Márcia tem dificuldade em compreender porque determinados conteúdos e
tarefas são ensinados e depende muito mais dos professores do que os alunos com bom
desempenho.
Perguntada sobre o que está aprendendo, Márcia fez uma descrição da última
aula, apontando sem nenhuma crítica o conteúdo que foi estudado. Apesar disso, a aluna
consegue apontar que o estudo do passado relaciona-se ao presente, mas em momento
algum deixa possibilidade de inferir que consegue perceber-se como sujeito, no sentido
de identidade, como prevê o PCN.
A compreensão que a aluna tem do ensino de História se restringe a um caráter
pitoresco. Por exemplo, ao apontar a preferência pelas curiosidades ou contagem dos
séculos – portanto numa perspectiva acrítica do saberes históricos. O que a aluna
aponta como preferência pode ser adquirido fora da escola, mas em contato com os
saberes históricos escolares pode ser reorganizado e resignificado como parte inclusive
da perspectiva que prima pelo aproveitamento da realidade do aluno e seus
conhecimentos prévios, mas que parece também não acontecer.
Vinicius e Ricardo não conseguiram articular uma resposta sobre a utilidade do
ensino de História. Quando perguntados se poderiam confrontar suas realidades com
outras classes sociais, por exemplo, alegaram não ter esse tipo de contato e que isso era
indiferente, sem, portanto demonstrar alguma noção de identidade social.
Para esses dois alunos a disciplina de História junto à de Filosofia são as que
menos gostam, identificando como motivo a necessidade de interpretação dos textos. É
possível inferir que a limitação de capital cultural desses alunos é um entrave à
apropriação desses saberes, posto que as dificuldades que expressam correspondem a
competências básicas do ensino.
Nesse sentido, o próprio objetivo da Proposta Estadual, relacionado as
competências parece não se efetivar nesses alunos. Enquanto Márcia destaca a
necessidade de fatos para o ensino de História, Giovana, aluna com desempenho acima
da média, rechaça sua importância, o que talvez indique que o currículo que se realiza
em sala de aulas está mais alinhado com uma concepção de História Tradicional,
centrada em fatos e datas. No entanto, a fala de Giovana possibilita inferir a dificuldade
dos alunos em atingir as competências esperadas ao apontar a fragilidade da leitura dos
colegas, o que obriga a professora a interpretar e produzir conclusões sem que os alunos
o façam espontaneamente.
106
Entre os alunos com melhor desempenho apenas Sérgio aponta História como a
disciplina favorita e embora reconheça a utilidade da disciplina, considera outras
disciplinas como Geografia e Sociologia como mais reflexivas. Embora Bruno avalie
que a comparação com outras realidades é importante e isso é possível a partir da
disciplina de História, citando inclusive a compreensão da Revolução Industrial para os
atuais processos sociais, avalia que é necessário interessar-se por todo o tipo de
conhecimento para objetivar uma crítica:
“Cara, acho que tudo que é conhecimento é bom, tudo que vier de conhecimento
pra ele, ele tem que se interessar: por política, por história. Ver como a sociedade
envolve...por economia, tem que estar sempre antenado no que tá acontecendo...”
A fala de Bruno parece indicar, que apesar do exercício da crítica, ao separar a
política e a economia dos objetos do ensino de História, não há compreensão das
diferentes estruturas a quais a disciplina se propõe a avaliar. Ainda reconhecendo a
utilidade do ensino de História, Daniela apresenta um argumento ainda mais genérico,
de que a escolarização é um fator distintivo entre os indivíduos e por isso merece ser
valorizada em todas as formas, inclusive a disciplina de História.
Bruno ainda coloca que as disciplinas que exigem reflexão como História e
Sociologia, são desvalorizadas frente à escola. Outro dado mencionado é a possibilidade
de compreender o presente a partir do passado, tanto Sérgio quanto Bruno apontam essa
possibilidade sem, no entanto, particularizar essa crítica, relacionando-a a sua
identidade, no sentido de orientar ações.
Taís e Iago enfatizam o papel da sociologia para compreensão das diferentes
realidades, especialmente no que concerne às desigualdades sociais. Ambos avaliam que
as atividades de História são fechadas, limitando-se a temática trabalhada.
O mesmo é apontado por Giovana que também considera Sociologia uma
disciplina mais crítica e avalia que na disciplina de História muitas atividades tem fim
em si mesmo, como a biografia de imperador por exemplo35
. Para ela o mais
interessante é o processo a qual um acontecimento se relaciona:
“História tem muito a ver com sociologia e geografia, então eu acabo até
gostando. Eu não consigo lidar muito com esse negócio de data assim, acontecimentos
35 A atividade central da situação de aprendizagem Revolução Russa e Stalinismo é confecção de
biografias dos líderes da revolução.
107
e nomes de imperadores, mas sim a essência de uma guerra, o que aconteceu, qual é o
reflexo hoje, isso é básico...”
Mesmo não sendo possível apontar o currículo real, aquele que se efetiva em
sala de aula, é possível inferir que a falta crítica da Proposta Estadual quanto aos
conteúdos e o papel genérico da disciplina pode ser uma das causas para que na visão
dos alunos, o objetivo do PCN assim como as competências não sejam percebidas. Isso
porque a questão da tomada de posições, fundada na comparação com outras realidades
não é apontada por esses alunos.
Por fim, cabe destacar o papel do capital cultural. Enquanto Márcia, Vinícius e
Ricardo enfatizam a empatia pela professora, no caso de Márcia ela ressalta ainda que a
professora faz reflexões permitindo que ela compreenda o contexto que permeia os
fatos, os alunos do grupo com melhor desempenho na disciplina de História destacam a
crítica como uma atividade corrente, incorporada e habitual, isso pode ser tanto fruto de
uma competência quanto do capital cultural. No entanto, pela diferença de rendimento,
posto que ambos os grupos estão sujeitos às mesmas situações de aprendizagem escolar
- mas as compreendem de forma diferente - parece possível afirmar que o capital
cultural tem papel central nessa apropriação das críticas possíveis.
Dessa forma, se evidencia que a disciplina de História parece pouco útil a esses
alunos e que seus objetivos ligados à crítica não se realizam, tanto pela diferença de
capital cultural entre os investigados, quanto pelo currículo que não oferece
possibilidades para compensação dessas diferenças, apesar de sugerir em seu texto tais
diferenças como mediadoras e motivadoras das aprendizagens.
4.4 – A contradição dos saberes históricos escolares
Esse item pretende problematizar a contradição que os documentos apresentam
ao se basearem em referências que postulam a existência de uma cultura escolar, que
valoriza papel dos sujeitos (professor e aluno) inclusive recomendando essa valorização,
ao mesmo tempo que prescrevem suas ações e hierarquizam os conhecimentos desses
sujeitos como secundários em relação aos saberes acadêmicos.
Para isso serão confrontados os conceitos propostos por Chervel (1990) sobre a
―cultura e o saber escolar‖ e que servem de referenciais teóricos para ambos os
documentos, com as pesquisas de Zamboni (2003) e Monteiro (2001), sobre o saber que
se ensina, bem como as análises propostas nesse capítulo.
108
Chervel (1990) avalia que existe uma visão corrente de que os conteúdos de
ensino são impostos à escola pela sociedade e que ela ensina as ciências cujas
descobertas estão em um campo distante do escolar. Assim, a noção de ensino escolar é
associada à imagem da pedagogia, que operaria através de seus métodos uma
vulgarização ou uma lubrificação das ciências para que fossem assimiladas em sua
maior porção possível pelos alunos. Por essa concepção largamente difundida as
disciplinas escolares seriam apenas combinações de saberes e métodos pedagógicos.
O que Chervel demonstra é uma especificidade dos saberes escolares, correlata à
própria escola, historicamente criada por ela, na e para a escola, portanto tributária de
uma cultura própria. Assim, os estudos históricos das disciplinas escolares, da
especificidade do que é ensinado, demonstrou que por vezes há um afastamento das
ciências de referência e que isso ocorre porque a escola carrega finalidades específicas
ligadas à sociedade.
A concepção de escola como puro e simples agente de transmissão de
saberes elaborados fora dela está na origem da ideia, muito
amplamente partilhada no mundo das ciências humanas e entre o
grande público, segundo a qual ela é, por excelência, o lugar do
conservadorismo, da inércia, da rotina. Por mais que ela se esforce,
raramente pode-se vê-la seguir, etapa por etapa, nos seus ensinos, o
progresso das ciências que se supõe que deva difundir. (CHERVEL,
1990, p. 182).
Essa história dos conteúdos de ensino é grande influência das novas propostas
surgidas a partir dos anos de 1980 e principalmente do PCN que adota como
nomenclatura ―saber escolar‖ para designar o conhecimento próprio da escola, adotando
assim uma perspectiva de valorização da cultura escolar, onde a idéia de saber
específico, criado na e pela escola demonstra a criatividade e o papel ativo dos sujeitos
(professores e alunos) no processo de escolarização.
Porque são criações espontâneas e originais do sistema escolar é que
as disciplinas merecem um interesse todo particular. E porque o
sistema escolar é detentor de um poder criativo insuficientemente
valorizado até aqui é que ele desempenha na sociedade um papel a
qual não se percebeu que era duplo: de fato ele forma não somente
indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez penetrar,
moldar, modificar a cultura da sociedade global. (CHERVEL, 1990,
p.184).
109
Tal proposição fica clara no PCN na apresentação que faz da disciplina ao longo
do tempo. Ao apresentar as mudanças que a disciplina passou, o PCN coloca esse papel
dos estudos em educação, cujas percepções sobre o processo de aprendizagem, do papel
material didático, dos instrumentos e significados da avaliação, das funções sociais e
culturais atribuídas à escola e ao professor têm estreitado as relações entre currículo
formal e o currículo real. (BRASIL, 1998, p.28).
O PCN lembra a ainda a interface que ocorre entre o saber escolar e o saber
acadêmico, ao avaliar que as mudanças do ensino buscam diminuir a distância entre o
que é ensinado na escola e a produção acadêmica, de tal forma que a escola acaba por se
envolver no debate historiográfico, como também incorpora parte de suas tensões.
Dessa forma, além da incorporação da diminuição da distância entre o saber
escolar e o acadêmico - preocupação compreensível se pensada em relação ao período
anterior, especialmente a ditadura militar, em que a disciplina sofreu um esvaziamento -
o documento expõe a influência da produção acadêmica, especialmente ligada a história
das disciplinas escolares, os estudos da nova sociologia da educação e da própria
psicologia.
Essas concepções, oriundas da produção científica, explicitam, portanto os
objetivos propostos e a centralidade no sujeito ativo. No entanto, se problematizadas
diante de sua própria referencia teórica, a história das disciplinas escolares é possível
reconhecer a contradição desse documento.
Tal referência avalia que as disciplinas escolares misturam conteúdo cultural e
formação do espírito, daí seu caráter disciplinador, de modos de transmissão cultural
que se dirigem aos alunos (CHERVEL, 1990, p.186). Dessa forma, na história do
ensino avaliar a história dos conteúdos permite compreender as finalidades, as
mudanças pedagógicas e a aculturação que a escolarização opera diante das mudanças
dos interesses sociais:
A historia dos conteúdos é evidentemente seu componente central (da
história do ensino), o pivô ao redor do qual ela se constitui. Mas seu
papel é mais amplo. Ela se impõe colocar esses ensinos em relação
com as finalidades às quais eles estão designados e com os resultados
concretos que eles produzem. Trata-se então para ela de fazer aparecer
a estrutura interna da disciplina, a configuração original, a qual as
finalidades deram origem, cada disciplina dispondo, sobre esse plano
de uma autonomia completa, mesmo se analogias possam se
manifestar de uma para a outra. (CHERVEL, 1990, p.187).
110
Chervel avalia que a história das disciplinas escolares oferece a história do
ensino uma investigação não apenas sobre o plano das finalidades do ensino, mas
também o processo de instauração e funcionamento de uma disciplina e o plano da
aculturação que promove.
Nesse sentido, a história das disciplinas escolares propõe entre outros objetivos a
identificação, classificação e a organização desses objetivos ou dessas finalidades que
deram origem a cada disciplina. Isso porque ao longo da história, as finalidades variam
(religiosas e sociais no Antigo Regime, psicológicas, ou seja, em relação à socialização
no século XIX, por exemplo), mas sempre carregam os grandes objetivos da sociedade e
mais do que qualquer outra influência o que se observa é que tais finalidades
determinam os conteúdos do ensino e suas grandes orientações estruturais.
Observar essas finalidades, ou seus estágios como coloca Chervel (1990, p.188),
permite compreender a instituição escolar em sua totalidade de educar e instruir e a
oposição que essas características carregam. Para o autor, a escola carrega em si uma
função educativa e apenas uma parte dessa função é dedicada à instrução. Em suma, o
que defende é o papel das disciplinas escolares para esse fim, ou seja, cabe as
disciplinas colocarem um conteúdo de instrução a serviço da educação36
.
É a partir desses aspectos valorizados pelo PCN oriundos principalmente da
história das disciplinas escolares que se pode avaliar a contradição que o documento
carrega. Se a incorporação do termo ―saber escolar‖ pressupõe no documento e na
Proposta Estadual, a criatividade e a ação dos envolvidos no processo de escolarização,
ou seja, do papel de professores e alunos como sujeitos ativos de seu conhecimento, as
orientações descritas ao longo dos documentos contradizem essa intenção.
Isso porque o PCN valoriza na maior parte do tempo a interação com o
conhecimento acadêmico e o papel do professor fica restrito à um mediador desse saber.
Monteiro (2001, p. 122), coloca que tanto no modelo tradicional, que privilegia a
relação professor-saber, quanto no modelo não-diretivo, que privilegia a relação aluno-
saber, o saber não é questionado, é na verdade dado como uma categoria à parte, que
está posto. Assim, as discussões que se fazem sobre o que é ensinado limitam-se a
36 Cabe lembrar que muitas das funções educacionais se manifestam de forma implícita e que nem todas
as finalidades explícitas em documentos se realizam, no entanto o papel das disciplinas escolares segundo
o autor é reconduzir as disciplinas a finalidade à qual está associada. Distinguir finalidades reais (por que
a escola ensina o que ensina) de objetivo ( relação entre os objetivos e as realidades pedagógicas) pouco
claro nos documentos.
111
questões organizacionais e didáticas, portanto a idéia de ação dos sujeitos é
escamoteada – se o saber já está posto, não há interação com os saberes acumulados a
priori.
O mesmo pode ser dito em relação à Proposta Curricular do Estado de São
Paulo, Chervel aparece como uma das referências da proposta, no entanto, o professor
acaba pela centralidade dada as competências e as situações de aprendizagem restritivas
do Caderno do Professor, traduzido em um mero executor – com uma diferença no
entanto, apesar da orientação para que produza conhecimento sobre sua disciplina, sua
principal função não é de saber o que deve ensinar, mas sim o que o aluno deve
aprender – uma flagrante contradição em relação a produção do conhecimento (SÃO
PAULO, 2008, p.15).
No mesmo sentido, ainda que o PCN e a Proposta Estadual proponham a ideia
de se partir dos saberes dos alunos para os saberes escolares, essa proposição esconde
na verdade, uma hierarquização que evidencia os problemas relativos à legitimidade
cultural.
Enquanto o PCN propaga seu caráter mais ativo e plural, o que fica evidente
com as orientações curriculares especialmente em relação ao uso de procedimentos
científicos, é a idéia de uma hierarquia que se sobrepõe, pois o conhecimento dos
estudantes é tratado como algo vulgar e incipiente que deveria, via escolarização, ser
transformado pelo contato com o saber acadêmico em uma forma legítima de
conhecimento. Da mesma forma, a direção das atividades de pesquisa e a sondagem dos
conhecimentos prévios, relativos ao conteúdo na Proposta Estadual, demonstra essa
mesma hierarquia de saberes.
Além disso, a hierarquização dos saberes, ao privilegiar o cientifico, instala
outra contradição, relativa a finalidade do ensino de História, ou seja, a formação da
identidade, seja pessoal ou nacional.
Zamboni (2003) em um artigo sobre a construção do conhecimento escolar
avalia a questão da identidade nacional e da formação da consciência histórica nos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Para isso, relembra que a idéia de identidade e
nação sempre estiveram presentes nas diretrizes governamentais para o ensino de
História e estavam ligadas a uma pedagogia da nação voltada à formação de uma
consciência histórica de caráter unitário e hegemônico.
A autora avalia que o documento atual deixa muito mais evidente que os
anteriores os temas ―identidade‖ e ―cidadania‖, no entanto para Zamboni (2003, p.374)
112
essa questão aparece nos currículos de forma muito simplista ligada a caracterização dos
aspectos culturais e sociais, nos seus traços mais aparentes do grupo a que pertencem.
No caso da Proposta Estadual, a identidade e cidadania são apenas citadas como
objetivos, sem haver qualquer tipo de explanação sobre que identidade e cidadania são
essas. Isso porque a proposta alega a consonância de objetivos com PCN,
demonstrando, portanto, a mesma perspectiva simplista do documento federal.
Zamboni avalia ainda que identidade social e formação da consciência histórica
carregam uma relação temporal, ―um processo contínuo de mudanças e cada individuo
faz parte desse processo de transformação, pois o passado nos constitui, forma o nosso
social; nós nos encontramos imersos nesta dimensão temporal‖ (2003, p.375).
Dessa forma, o que é possível evidenciar a partir das observações da autora e da
análise dos atuais PCN e consequentemente sua influência sobre a Proposta Estadual, é
que apesar da orientação voltada para procedimentos científicos, inclusive com a
orientação para valorização de diferentes temporalidades, o papel dos sujeitos é
escamoteado.
A formação da sua identidade é colocada em relação apenas a grupos, portanto
de forma consensual, hegemônica, o que pode servir de impedimento para a
identificação dos alunos com os saberes históricos, posto que se encontram
generalizados em suas características culturais e sociais e os conhecimentos que trazem
são colocados de lado diante da hierarquia que os documentos acabam por efetivar ao
valorizar o conhecimento acadêmico.
Nesse sentido, parece possível afirmar que o conceito de ―saber escolar‖
proposto por Chervel e pela história das disciplinas escolares exerce influência na
concepção de conhecimento histórico visada. Porém, a metodologia proposta em ambos
os documentos - tanto na ênfase a História Nova proposta pelo PCN, quanto na
centralidade das competências da Proposta Estadual - não permite a realização dessa
concepção, pois sugere uma hierarquização dos saberes e uma transposição do
conhecimento científico ao ambiente escolar.
Isso fica evidente pelo papel dado ao professor, que deve manusear o que é
proposto, ou seja, ele aplica a transposição, mas não a realiza, posto que a seleção – ao
menos em relação ao currículo prescrito - é feita pelas diretrizes que orientam o ensino
de História.
Segundo Forquin (1992 e 1996), a ―transposição didática‖, é na verdade um
substituto – não se ensina um saber diretamente, mas sim um substituto didático, o que
113
distancia necessariamente o saber acadêmico do saber escolar. Para o autor, há um
trabalho de reorganização e reestruturação didática do saber acadêmico, cujos
imperativos didáticos denotam traços e morfológicos e estilísticos característicos dos
saberes escolares (1992, p. 34).
Dessa forma, o que Forquin (1996) sugere é que avaliar os saberes escolares
apenas como produto de uma seleção e de uma transposição efetuada a partir de um
corpo cultural ignora a escola como produtora e criadora de configurações cognitivas e
de habitus originais – no sentido adotado por Bourdieu – que compõem o elemento
nuclear de uma cultura original.
O que o autor defende é que a escola apesar de ser um local e a matriz de saberes
típicos e formas típicas das atividades intelectuais, não permanecem fechados, antes
produzem por seu poder de modelagem do habitus a capacidade de influenciar as
práticas culturais e os modos de pensamento que predominam num país, num dado
momento (FORQUIN, 1996, p.196) . A escola não é, portanto um ―império dentro de
um império‖ ou a matriz onde a cultura das sociedades modernas encontraria uma
espécie de começo absoluto, mas é preciso levar em conta a autonomia relativa da
escola e a eficácia própria da dinâmica cultural escolar com relação á outras dinâmicas.
É possível concluir que apesar de pretendida e enunciada, a participação dos
sujeitos, professor e aluno, de forma ativa na construção do saber histórico escolar não é
possível tanto pela valorização do saber acadêmico, quanto pela noção de identidade e
cidadania genérica, que acabam por dificultar a identificação dos alunos como
participantes de um processo histórico, impedindo, portanto a formação da consciência
histórica, criando uma identidade enfraquecida quanto aos objetivos propostos - no
sentido de uma educação política37
- que permitiria a tomada de consciência e a
orientação das ações.
Tal conclusão denota que a proposta dos saberes escolares como autônomos é
pelas prescrições e medidas centralizadoras deixada de lado. Portanto, o que é
pretendido não condiz com as orientações que mesmo propagando autonomia não
permitem sua realização pelos procedimentos centrados em saberes acadêmicos, no caso
o PCN, ao valorizar a História Nova ou no caso da Proposta Estadual centrada em
competências. Ambos acabam por se tornar impedimentos à identificação dos alunos
37 Zamboni identifica como ―educação política‖ essa formação da identidade, da consciência pela noção
de pertencimento que é possível pela História.
114
com a disciplina, verificável pela visão que os alunos estabelecem do ensino de
História.
Independente do que é oferecido em termos de aprendizagem, no sentido do
currículo real ou prescrito, apenas os possuidores de algum capital cultural conseguem
relacionar-se com essa outra forma de capital, que é o currículo, de forma a obter
sucesso, mais ainda – independentemente do desempenho (acima ou abaixo da média) -
entre os alunos investigados o papel da disciplina para compreensão de sua realidade
não é sentido, evidenciando que a formação da identidade não sofre influência, pelo
menos, não de forma percebida pelos alunos e que o currículo tem parte nessa não
identificação.
A perspectiva de Apple, que avalia o currículo como uma forma de capital
cultural, que presta um serviço de socialização parece explicar a situação dos dois
grupos diante dos desempenhos obtidos. O currículo parece hegemônico conforme
sugerido pelo autor, no sentido de desconsiderar os conflitos como inerentes as
diferentes realidades por meio de problemáticas genéricas como o PCN ou situações
fechados como a Proposta Estadual.
Dessa forma, o que se propôs ao analisar o currículo prescrito era compreender
suas possibilidades para a formação de uma identidade calcada no reconhecimento de si
e de outras realidades, evidenciando que os documentos que orientam o currículo por
desconsiderar a cultura própria da escola e privilegiar referenciais acadêmicos não
oferece, no sentido prescrito, essas possibilidades. Essa possibilidade fica restrita ao
currículo real, que se realiza em sala, por meio dos professores, no entanto, os
documentos demonstram primordialmente a tentativa de controlar e centralizar as ações
reais, felizmente como aponta Chervel e Forquin, há uma autonomia relativa – resta a
esperar que essa autonomia para ação da escola seja suficiente, o que infelizmente não
se evidencia pela relação entre o rendimento escolar e sua correspondência com o
capital cultural herdado dos alunos investigados.
115
Considerações finais:
O presente trabalho pretendeu averiguar a relação que alunos de uma escola
pública de periferia mantêm com a disciplina de História. Nesse sentido, a pergunta que
orientou tal pesquisa partiu do aparente consenso de que por ser pouco problematizador
da realidade o saber histórico escolar não despertaria o interesse dos alunos da periferia,
no entanto como seria possível explicar então aqueles que apresentavam sucesso na
disciplina?
Nesse sentido, a hipótese que se abriu foi a de que os alunos que apresentavam
desempenho acima da média se apropriavam dos objetivos para o ensino de História
conforma a descrição do PCN. No entanto, se os objetivos do PCN eram possíveis,
deveriam ser apropriados por todos, o que não acontecia – nesse sentido a hipótese que
orientou a pesquisa foi a de que o desempenho dos alunos mantinha uma relação estreita
com o capital cultural de origem, tendo como consequência uma diferença de
apropriação.
Para averiguar tal hipótese era necessário verificar além desse capital de origem,
se o currículo da disciplina permitia essa apropriação de objetivos. Assim, o currículo
foi analisado no sentido de compreender se suscitava ou não essa possibilidade e se elas
eram percebidas pelos alunos, e mais – se havia entre os indivíduos investigados uma
disposição, no sentido de um capital cultural, que explicasse porque nem todos
obtinham o mesmo desempenho na disciplina.
A primeira constatação foi a correspondência entre práticas culturais e
patrimônio possuído e as diferenças de rendimento. O que se observou foi que os alunos
com melhor desempenho na disciplina de História tem práticas culturais semelhantes
e/ou diferenciadas em relação aos alunos cujo desempenho é insatisfatório. Tal
diferenciação permitiu a segunda constatação, de que o rendimento dos indivíduos era
correlato a classe ou fração de classe a que se pertencia, demonstrando portanto que não
é possível homogeneizar os indivíduos da periferia.
Entre os dados averiguados notou-se que os alunos com melhor desempenho
optam por carreiras universitárias mais prestigiosas ou que permitem alguma distinção.
Isso porque a perspectiva de futuro, ou seja, a fixação de objetivos depende da classe a
qual se pertence, ou seja, o habitus de classe estrutura as tomadas de posições de tal
forma que os indivíduos decidem-se por aquilo que corresponde a seu habitus.
116
Essas diferenças de habitus, são em si diferenças de classe, ficaram evidentes
pela relação entre a categoria profissional dos pais e sua escolarização. Os pais dos
alunos que apresentavam desempenho acima da média tinham maior escolaridade em
relação aos pais dos alunos na faixa oposta.
Tal diferença de escolaridade proporcionou a esses pais categorias profissionais
mais rentáveis e consequentemente um capital econômico e cultural maior do que o das
famílias cujos alunos apresentavam desempenho abaixo da média na disciplina de
História.
Portanto, a escolaridade dos familiares tem papel importante no conhecimento
do sistema de ensino e distingue decisivamente os membros das classes e frações de
classe quanto às escolhas futuras.
Além desse conhecimento do sistema de ensino, as diferenças de classe ou
fração de classe também se verificaram em relação as práticas culturais. Os indivíduos
com melhores desempenhos apresentaram práticas culturais mais rentáveis ao sistema
de ensino, como por exemplo, o manejo da linguagem literária. Vista como marca de
distinção mais visível e primeira da escola, a facilidade verbal desses alunos era
originária não apenas da escolarização como também da cultura livre familiar.
A análise das práticas culturais no sentido dos gostos comprovou a evidência de
que ele é produto das condições sociais e de sua relação com o capital escolar, mesmo
em campos não abrangidos pela educação formal.
O que se observou em relação aos indivíduos com melhor desempenho foi uma
maior disposição culta, no sentido de uma competência cultural.
Essa competência corresponde a esquemas de pensamento que permitem
reconhecer a legitimidade de uma obra e é produto de uma aprendizagem, uma
disposição adquirida tanto pela família quanto pela escola da cultura legítima. Isso
explica porque nesse grupo além da frequência a objetos culturais mais legítimos, como
os museus, as práticas culturais menos escolarizadas, como gosto musical, preferências
em relação ao cinema e TV também se distinguem das práticas dos indivíduos cujo
rendimento é insatisfatório na disciplina de História, ou seja, os alunos com melhor
desempenho tem uma competência estética construída e fazem a transposição de seus
esquemas de julgamento a outros objetos, escapando à esquemas de pensamento
funcionais – característicos das classes populares.
Verificou-se, portanto um nexo entre as escolhas e um trabalho de apropriação
da cultura legítima entre os alunos com melhor desempenho, no sentido de uma
117
correspondência entre as tomadas de posição estéticas e a posição ocupada no espaço
social, ou seja, evidenciou-se a presença de diferentes classes.
Tal evidência refutou portanto umas das premissas dessa pesquisa – a de que
indivíduos da periferia são homogêneos quanto a classe social, ao contrário o que se
notou pela distribuição do capital (tanto econômico quanto cultural) foi inclusive a
existência de classes globalmente opostas.
As diferenças de posições sociais que tais indivíduos ocupam foram confirmadas
pela construção dos perfis familiares. Enquanto os indivíduos (Bruno, Taís e Iago) que
apresentam desempenho acima da média na disciplina de História demonstram um
universo materialmente ordenado e um conhecimento do mundo social, inculcando uma
atitude ascética em relação à classe social de origem, o indivíduo com desempenho
abaixo da média (Márcia) não consegue superar as condições primeiras de existência,
visíveis pelas fracas práticas domésticas rentáveis a escola.
Limitados seja do ponto de vista do capital cultural ou econômico, as famílias
desses indivíduos que apresentam desempenho acima da média aderem a práticas ou
disposições que não condizem com esse capital, fazendo investimentos educativos
desproporcionais a seus recursos tal qual os pequenos burgueses ascendentes.
Essa postura é característica das frações em ascensão, que adotam o que
Bourdieu (2008c) chama de rigorismo ascético, cujas práticas são avaliadas quanto a
contribuição que podem trazer a ascensão social. Por outro lado a naturalidade das
práticas familiares e o volume global de seu capital, Giovana demonstra que ao
contrário dos outros indivíduos que apresentam bom rendimento, sua família já
ascendeu socialmente, comportando-se tal qual a naturalidade burguesa.
Portanto, além de indivíduos tipicamente populares como são os alunos cujo
desempenho na disciplina de História é abaixo da média, há na periferia indivíduos em
ascensão e estabelecidos, próximos à burguesia.
Nesse sentido, buscou-se averiguar as relações desses alunos com o currículo de
História como forma de compreender se as diferenças de desempenho correspondiam às
diferenças de capital cultural.
Dessa forma, procedeu-se a uma análise que buscou caracterizar o currículo
prescrito da disciplina, quanto as suas possibilidades para compreensão de seus fins (o
que é possível de ser ensinado) e do que é incorporado pelos alunos.
Para isso foram confrontados os principais documentos que orientam a disciplina
a nível federal e estadual: o PCN e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo.
118
A caracterização de tais documentos do ponto de vista organizacional,
demonstrou em primeiro lugar que a organização dos documentos é dispare. Enquanto o
PCN estabelece um documento específico para cada nível e disciplina a Proposta
Estadual, influenciada pela idéia de educação de qualidade e que para isso deveria
oferecer um mínimo comum, coloca suas orientações de forma unificada.
A maior parte da proposta curricular de História é comum às demais disciplinas.
Não há orientações metodológicas nem mesmo discussões específicas. A disciplina é
colocada em relação às demais e há ênfase nas habilidades e competências que a escola
deve desenvolver, por outro lado o PCN enfatiza a problematização da disciplina,
estabelecendo orientações metodológicas, que vão desde procedimentos até critérios
para seleção de conteúdos.
Apesar das diferenças de orientação, é possível inferir que há entre PCN e a
Proposta Estadual mais consonâncias do que dissonâncias: ambos focam questões como
a cidadania e a identidade – orientações estas presentes na LDB e na DCN - com a
diferença de que a Proposta estadual não define o que entende por ambos, alegando se
basear nas orientações do PCN.
Além disso, a perspectiva de manuseio dos conteúdos pelo professor conforme a
realidade dos alunos acompanha os dois documentos. Essa liberdade quanto a atuação é
uma pretensão comum também, no entanto, seja pelas orientações específicas do
Caderno do Professor ou pelos critérios de seleção impostos pelo PCN o que se pode
inferir sobre os documentos é que apesar da valorização do professor como produtor de
conhecimento suas atividades são prescritas pelos documentos, portanto havendo uma
contradição em ambos.
Essa ênfase no trabalho do professor evidencia ainda outra perspectiva, a do
fracasso ou sucesso dos alunos – ao enfatizar o papel do professor ambos os
documentos deslocam a culpa pelo fracasso dos sistemas de ensino para o professor ou
ainda para os gestores, no caso de São Paulo, cuja função é fazer com a que a Proposta
seja cumprida pelos professores.
Além disso, o manuseio do currículo pelo professor encerra uma das maiores
contradições dos documentos. Baseado no PCN, a Proposta curricular estabelece que os
conteúdos devem ser manuseados de acordo com a realidade dos alunos, no entanto, as
situações de aprendizagem propostas tanto no caderno do aluno quanto no caderno do
professor são acríticas e descontextualizadas historicamente.
119
No entanto, se não há possibilidade de escolha dos conteúdos por conta das
orientações do material didático, a pretensa problematização e autonomia do PCN em
relação ao professor escamoteia o mesmo problema. Embora considere que o professor
deve partir da realidade do aluno, em suas orientações o PCN valoriza na verdade o
papel do conhecimento acadêmico, de forma que o conhecimento dos alunos é colocado
como uma vulgarização que via escolarização seria transformado.
A importância da aproximação entre os saberes históricos acadêmicos e
escolares permitiria que os alunos confrontassem e analisassem suas realidades em
relação a outras, orientando suas ações, servindo, portanto, à construção da identidade e
da cidadania, no entanto as sugestões temáticas para os ciclos são genéricas.
Essa noção do aluno como sujeito de sua aprendizagem em consonância com a
própria noção de sujeito histórico se alinha com os pressupostos da História Nova como
tendência historiográfica principal. No entanto, apesar de incorporar avanços quanto a
noção de documento e pluralidade histórica, essa tendência ao defender a
compartimentação, desconsidera, por exemplo, a História Política, o que no PCN
favorece o esmaecimento dos embates e portanto do conflito como propõe Apple (2006)
como conteúdo de ensino, apresentando portanto uma visão de conhecimento histórico
consensual.
Ao conceituar identidade e impor-se como um parâmetro, o PCN desconsidera
as particularidades dos sujeitos envolvidos como sujeitos históricos, o que predomina
com as orientações em relação ao professor é a valorização dos procedimentos
acadêmicos.
Ambos os documentos adotam como influência a idéia de cultura e saber
escolar, mas orientam em seus procedimentos para uma espécie de transposição dos
saberes acadêmicos. Enquanto para o PCN o professor é um mediador do saber
acadêmico, na proposta estadual, pela centralidade dada à linguagem com a ênfase nas
competências, o professor também é desvalorizado, figurando como um mero executor
das situações de aprendizagem.
Portanto, o papel dos sujeitos, professor e aluno, de forma ativa na construção do
saber histórico escolar não é possível tanto pela valorização do saber acadêmico, quanto
pela noção de identidade e cidadania genérica, que acabam por dificultar a identificação
dos alunos como participantes de um processo histórico, impedindo, portanto a
formação da consciência histórica e favorecendo uma identidade enfraquecida.
120
A hipótese de que os alunos fazem uso social dos saberes históricos, no sentido
de compreensão e comparação de diferentes realidades sociais, permite indagar que a
atuação da disciplina não é sentida, posto que nas entrevistas com os alunos não foi
destacado o papel do ensino de História.
O que se evidenciou da relação dos alunos com o conhecimento histórico passa
por além de uma não identificação, em termos de reconhecimento, conforme os
objetivos do PCN, a um rendimento correlato à seu capital cultural.
Os alunos com desempenho abaixo da média são aqueles que apresentam maior
dificuldade em objetivar alguma crítica em relação ao ensino de História, sua utilidade e
até organização, no sentido do que é ensinado.
Ao contrário, os alunos do grupo com bom desempenho são capazes objetivar
uma crítica ao ensino de História. No entanto, ambos os grupos não apontam a
disciplina de História como reflexiva ou problematizadora de suas realidades, a visão
corrente é que a disciplina é fechada, limitada as temáticas – mesmo os alunos com
melhor desempenho que reconhecem a disciplina como útil, apontam outras disciplinas
como Geografia, Sociologia e Filosofia como mais reflexivas.
Além dos objetivos do PCN serem pouco percebidos é possível questionar ainda
a centralidade da linguagem na proposta curricular de SP – dois dos alunos pertencentes
ao grupo com desempenho abaixo da média apontam o excesso de leitura como
principal entrave à compreensão da disciplina de História. Embora não seja possível
averiguar a metodologia utilizada pela professora da escola, a fala de outra aluna,
pertencente ao grupo contrário, coloca como essa dificuldade em relação a linguagem
está presente.
Nesse sentido, o que foi possível averiguar demonstra que a relação entre os
indivíduos e a aprendizagem dos saberes históricos, no sentido de sujeitos históricos não
é clara – nenhum dos alunos aponta a disciplina como fundamental a reflexão ou a sua
identidade, o que evidencia que o rendimento na disciplina alinha-se muito mais a uma
disposição geral para escola – essa, dada pelo capital cultural familiar – do que aos
conteúdos ensinados pela escola.
O que se pode concluir é o papel determinante do capital cultural para o bom
desempenho na disciplina de História, provavelmente generalizável as demais
disciplinas, o que demonstra que tanto a escola mantêm as diferenças iniciais como
também o currículo prescrito, apesar de suas alegações, mantêm a diferença entre a
cultura legítima e a cultura dos alunos. Dessa forma, o capital cultural continua a ser
121
determinante para o desempenho escolar, fazendo com que alunos com diferentes
capitas mantenham relações diferentes com a escola e obtenham diferentes resultados.
122
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126
Anexos:
1 - Questionário sobre práticas culturais
Público alvo: alunos do 2º ano do Ensino Médio que tenham cursado o 9º ano na escola
em 2009.
Bloco I: Dados pessoais e familiares
1. Nome:
2. Idade:
3. Há quanto tempo estuda na escola?
4. Bairro em que reside atualmente:
5. Há quanto tempo reside nesse bairro?
6. Exerce alguma atividade remunerada?Qual?
7. Quantas pessoas vivem em sua casa? (Indique o grau de parentesco)
8. Quantos irmãos (as) você têm? (indique sua posição em relação à eles).
9. Qual a escolaridade de seus irmãos (as)?
10. Algum deles interrompeu os estudos? Em que série?
11. Qual a escolaridade de seu pai?
12. Qual atividade seu pai exerce atualmente? (se aposentado ou desempregado
indique a última atividade que desenvolveu ou se aposentou).
13. Especifique em que tipo de lugar seu pai trabalha (empresa pública ou privada,
comércio, escritório, indústria, etc.)
14. Qual a escolaridade de sua mãe?
15. Qual atividade seu mãe exerce atualmente?(se aposentado ou desempregado
indique a última atividade que desenvolveu ou se aposentou, em caso de dona de
casa, especifique se ela trabalhou anteriormente e há quanto tempo não trabalha
mais).
16. De acordo com a resposta anterior, especifique em que tipo de lugar sua mãe
trabalha (empresa pública ou privada, comércio, escritório, industria, etc.)
Bloco 2: Da relação com a escola
1. Desde que ano e série você estuda na escola?
2. Você estudou em alguma escola particular? Em caso de resposta afirmativa,
especifique por quanto tempo e o motivo da saída.
3. Você pretende fazer um curso superior (faculdade)?
4. Qual o curso pretendido?
5. Caso tenha respondido sim às questões 3 e 4, explicite os motivos que o (a)
levaram a escolher esse curso?
127
Bloco 3: Práticas culturais e de lazer
6. Assinale as duas alternativas mais frequentes em relação ao local onde ocorrem
suas atividades de lazer.
o Em sua própria casa
o Casa de familiares
o Casa de amigos
o Lugares públicos (praças, parques, quadras poliesportivas)
o Lugares privados (clubes, shopping, por exemplo)
7. Você costuma fazer refeições fora de casa aos finais de semana?
o Sempre
o Algumas vezes
o Poucas vezes
o Nunca
8. Você já visitou museus
o Sim
o Não
o Em caso de afirmativa, qual ou quais museus já visitou?
9. A maioria das visitas aconteceram com:
o Escola
o Familiares
o Amigos
o Outros. Especifique:
10. Você freqüenta ou freqüentou algum tipo de curso fora da escola (curso de
línguas, informática, dança, pintura, música, atividade física, etc)? Qual ou quais?
Onde?
11. Você viaja com freqüência?
o Não
o Sim
Em caso de afirmativa, especifique os lugares para o qual já viajou:
12. As viagens acontecem geralmente:
o Em companhia da família
o Em companhia de amigos
o Sozinho (a)
13. Das alternativas abaixo especifique as que correspondem aos motivos mais
freqüentes de suas viagens:
o Visitar parentes
128
o Conhecer lugares turísticos
o Trabalho
14. As viagens geralmente são:
o Curta duração (fins de semana, por exemplo)
o Longa duração.
15. Quando viaja onde costuma se hospedar?
16. O que você costuma fazer nas férias escolares?
17. O que você costuma fazer em seu tempo livre (marque as 4 alternativas que
acontecem com maior freqüência).
o Ouvir música
o Pratica esportes
o Jogos eletrônicos (vídeo game, computador, celular)
o Jogos (tabuleiro, cartas)
o Leitura (não indicada pela escola)
o Assiste televisão
o Internet
o Cinema
o Peças de teatro, espetáculos, shows
o Assiste filmes em casa (dvd)
o Conversa com amigos
o Conversa com familiares
Bloco 4: Gostos e práticas culturais
18. Quais os estilos musicais você ouve com mais freqüência. Cite ao menos três.
19. Cite ao menos três cantores, bandas e/ou grupos que você mais gosta.
20. Você prefere:
o Artistas nacionais
o Artistas estrangeiros
21. Você se identifica com o estilo musical de algum parente? Especifique com qual
parente e o estilo musical em comum.
22. Quais os estilos musicais escutados em sua casa?
23. Você costuma ler livros além dos obrigatórios?
o Sim
o Não
24. Sobre seus hábitos de leitura, selecione os gêneros que mais gosta.
129
o Romance (policial, aventura, ficção cientifica, etc)
o Poesia
o Espirituais/ religiosos
o Revistas
o Jornais
o História em quadrinhos
o Outros:________________________________________
25. Você prefere autores:
o Nacionais
o Estrangeiros
26. Você tem algum autor preferido?
o Sim
o Não
Em caso de afirmativa, especifique quem é seu autor favorito.
27. Qual o último livro que você leu e por quê?
28. Você vê seu pai lendo em casa?
o Sim
o Não
29. Assinale que tipo de leitura você vê seu pai fazendo em casa:
o Documentos do trabalho
o Manuais em geral
o Bilhetes escritos por familiares
o Contas
o Livros
o Jornais
o Revistas
30. Você vê sua mãe lendo em casa?
o Sim
o Não
31. Assinale que tipo de leitura você vê sua mãe fazendo em casa:
o Documentos do trabalho
o Manuais em geral
o Bilhetes escritos por familiares
o Contas
o Livros
o Jornais
o Revistas
130
32. Você vê seus irmãos lendo em casa?
o Sim
o Não
33. Assinale que tipo de leitura você vê seus irmãos fazendo em casa:
o Documentos do trabalho
o Manuais em geral
o Bilhetes escritos por familiares
o Contas
o Livros escolares
o Livros não escolares
o Jornais
o Revistas
34. Qual ou quais programas costuma assistir na TV?
35. Tem acesso a TV à Cabo? Que tipo de programas assiste com mais freqüência?
36. Indique o lugar em que você utiliza a internet com maior freqüência:
o Em casa
o Apenas na escola
o Lan houses
o Casa de amigos
o Casa de parentes
o Outros:___________
37. Quando faz uso da internet quais dos ambientes abaixo visita mais
frequentemente:
o Email
o Sites de relacionamento (orkut, facebook, twitter)
o Chats e bate papos (MSN, Skype)
o Sites institucionais (museus, teatros, universidades, lojas, etc)
o Sites de busca e pesquisa (Google, por exemplo)
38. Você costuma frequentar cinemas?
o Não
o Sim
Em caso de afirmativa, quantas vezes por semestre?
39. Quanto ao tipo de filmes assinale os 4 gêneros que mais lhe agradam
o Drama
o Comédia romântica
o Aventura
131
o Policial
o Terror, suspense
o Musical
o Guerra
o Históricos
o Documentários
o Biográficos
40. Quais os últimos 2 filmes que você assistiu no cinema?
41. Você costuma a assistir filmes em casa? Em caso de afirmativa, especifique com
que frequência e como costuma conseguí-los.
42. Ao escolher um filme você leva em consideração:
o Indicação de amigos
o Propagandas na TV
o Propagandas no cinema
o Propagandas em jornais e revistas
o Propagandas na internet
o Comentários/criticas da imprensa especializada
o Titulo do filme
o Atores do filme
o Diretor do filme
o Premiações que recebeu
43. Sobre os lugares que freqüenta
o Festividades promovidas pela escola
o Bares e lanchonetes
o Shows de música
o Espetáculos de dança
o Espetáculos de teatro
o Festas e baladas
o Jogos esportivos
o Eventos em família
o Restaurantes
44. Qual ou quais programas você costuma fazer com sua família?
45. Você realiza alguma atividade na companhia de seu pai? Especifique.
46. Você realiza alguma atividade na companhia de sua mãe? Especifique.
47. Você recebe mesada
132
o Todos os meses
o Sim, mas não todos os meses
o Só recebo quando peço
o Nunca recebo
48. Como você gasta esse dinheiro?
o Para sair com amigos, festas e baladas
o Freqüentar shows, cinema, teatro
o Comprar presentes
o Comprar objetos pessoais (roupas, sapatos)
o Livros e revistas
o CDs e DVDs
o Jogos ou artigos esportivos
o Artigos eletrônicos
o Gastos com celular
o Outros:_____________________________________________
133
2 – Roteiro de entrevista semi-estrutura para alunos
Relação entre a aprendizagem dos saberes históricos e seu uso social na visão dos
alunos
1. O que você acha da escola? E por que a escolheu?
2. Em sua casa é comum conversar sobre a escola? O que seus pais falam sobre ela?
3. Como você se definiria como estudante?
4. Você valoriza alguma matéria em especial, ou seja, considera que algumas matérias
merecem mais dedicação do que outros? Quais e por quê?
5. O que você acha do ensino de História? Considera útil? Por quê?
6. Você considera que os saberes históricos ajudam a compreender e comparar a sua
realidade com outras? Justifique.
7. Você considera importante compreender diferentes realidades sociais? O que isso
pode acrescentar em sua vida?
8. Quais são as características de uma boa aula de História?
134
3 – Roteiro de entrevista com pais de alunos
Bloco 1: Descrição familiar
1. Quantas pessoas entre adultos e crianças moram em sua casa? Qual a idade de
cada um?
2. Qual a origem de vocês (pai e mãe)? E de seus pais?
3. Onde nasceram seus filhos?
4. Qual a escolaridade de cada um de vocês?
5. Qual a escolaridade de seus pais e dos pais de seu marido ou esposa?
6. Qual a sua profissão e do seu marido/esposa?
7. Como aprendeu essa profissão? Já trabalhou em outra profissão? Qual ou quais?
8. Quantas e quais pessoas trabalham na casa? O que fazem?
Bloco 2: Práticas de lazer e escrita familiares
9. Vocês participam de alguma associação, sindicato, comunidade, igreja ou outro
grupo?
10. O que vocês fazem no tempo livre, finais de semana, por exemplo?
11. Vocês costumam visitar parentes ou pontos turísticos da cidade?
12. Costuma viajar? Para que lugares? E com que frequência?
13. Qual a programação da TV e rádio vocês assistem e ouvem mais?
14. Existe algum programa de TV que o sr(a) proíbam seus filhos de assistirem e
por quê?
15. A sra (o) costuma assistir algum programa com seus filhos? Quais e por quê?
16. Além da TV e do rádio a sra (o) faz alguma outra atividade com seus filhos?
Qual?
17. A sra (o) costuma ler livros, revistas ou jornais? O que prefere? Exemplifique
alguns de seus favoritos.
18. Algum membro da família lê com freqüência? Qual tipo de leitura esse familiar
faz?
19. Algum membro da família escreve com freqüência? Qual tipo de escrita esse
membro da família faz?
20. Costumam trocar bilhetes com recados ou orientações?
21. Sua família tem acesso à internet? Em qual lugar costumam acessar a internet?
22. Escrevem cartas ou emails para familiares ou amigos?
23. Além de seus filhos, vocês (pai e mãe) utilizam a internet? Para que?
Grupo 3: Práticas escolares familiares
24. Seu filho fala da escola? O que?
25. Costuma acompanhar as notas de seu filho e o andamento das atividades que ele
relata?
135
26. Como faz para ajudar seu filho nas tarefas de casa? Costuma ajudá-lo nas tarefas
da disciplina de História? De que forma?
27. Seu filho costuma pesquisar em livros, Internet, bibliotecas?
28. Além dos livros escolares, há outro tipo de livros em sua casa? Quantos
aproximadamente?
29. Quem da família costuma auxiliar seu filho nas lições de casa? Ele tem um local
próprio para estudar? Onde ele estuda e em que condições (barulho, luz,
mobiliário)?
30. Como é a rotina de seu filho em casa?
31. Além de ir a escola seu filho faz alguma outra atividade fora de casa, por
exemplo, esportes ou cursos? Onde?
32. Como a sra (o) definiria seu filho como estudante?
Grupo 3: Impressões acerca da escola
33. O que a sra (o) acha da escola?
34. Por que escolheu essa escola?
35. A sra (o) costuma conversar com seu filho sobre a escola? Isso é freqüente?
Sobre o que falam?
36. Seu filho costuma conversar sobre os professores e suas preferências em relação
aos conteúdos ensinados?
37. A sra (o) sabe quais são as matérias em que seu filho se sai melhor e as que mais
gosta?
38. Ele identifica algum motivo para a preferência de algumas matérias ou
conteúdos?
39. A sra valoriza alguma matéria em especial, ou seja, considera que algumas
disciplinas merecem mais dedicação do que outras? Quais e por quê?
40. O que seu filho relata sobre o ensino de História?
41. O que sra acha do ensino de História? Considera útil? Por quê?