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História do saber lexical e constituição de um léxico brasileiro

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USP – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOReitor: Prof. Dr. Adolpho José Melfi

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

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2002

José Horta Nunes e Margarida Petter

(Orgs.)

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Copyright © 2002 dos autores

É proibida a reprodução parcial ou integral,sem autorização prévia dos detentores do copyright

HUMANITAS FFLCH/USP

e-mail: [email protected].: 3091-4593

Editor ResponsávelProf. Dr. Milton Meira do Nascimento

Coordenação Editorial e CapaMª. Helena G. Rodrigues – MTb n. 28.840

Projeto Gráfico e DiagramaçãoMarcos Eriverton Vieira

Revisão organizadores

Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Filosofia, Letrase Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Esta publicação foi paga, parcialmente, com verba PROAP

N 972 Nunes, José HortaHistória do saber lexical e constituição de um léxico brasileiro /

José Horta Nunes, Margarida Petter. – São Paulo: Humanitas / FFLCH/ USP: Pontes, 2002.

253 p.ISBN 85-7506-066-X (Humanitas)ISBN 85-7113-154-6 (Pontes)

1. Lingüística (História) 2. Língua Portuguesa (Brasil) 3. Lexico-logia 4. Lexicografia I. Título II. Petter, Margarida

CDD 410

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Apresentação ................................................................................................... 7

DICIONÁRIOS

Dicionários portugueses, breve história ........................................................ 15Telmo Verdelho

A formação e a consolidação da norma lexical elexicográfica no português do Brasil ............................................................ 65

Maria Tereza Camargo Biderman

Um espaço de enunciação para dizeros brasileirismos ............................................................................................ 83

Sheila Elias de Oliveira

Dicionarização no Brasil: condições e processos ......................................... 99

José Horta Nunes

CONSTITUIÇÃO DE UM LÉXICO BRASILEIRO

Termos de origem africana no léxico do português do Brasil .................... 123Margarida Petter

Palavras de origem africana no português do Brasil:do empréstimo à integração ........................................................................ 147

Emilio Bonvini

Novas leituras sobre o Brasil: a construção de umsaber lexical no processo de escolarização indígena .................................. 163

Maria Aparecida Honório

Palavras de origem indiana no léxico da língua portuguesa –categorias topológicas dos processos de empréstimo vocabular ................ 191

Mário Ferreira

CONCEITOS E TECNOLOGIAS

Os conceitos de neologia e neologismo segundo as obraslexicográficas, gramaticais e filológicas da língua portuguesa .................. 203

Ieda Maria Alves

Um pouco da história da análise informatizada do léxico no Brasil .......... 223

Zilda Maria Zapparoli

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O saber lexical é um dos mais antigos de que temos conhecimento.Ele remonta a três milênios a.C., quando apareceram as primeiras listas depalavras na Babilônia (Auroux, 1992). As pesquisas realizadas no projetoHistória das Idéias Lingüísticas no Brasil, que deram origem a esta publi-cação, trabalham a história desse saber, objetivando mostrar seu modo deaparecimento no Brasil, seu desenvolvimento, suas transformações. Paraisso, considera o papel de teorias, instituições, obras, autores e aconteci-mentos relacionados à produção de saber lexical. Este é considerado emsuas diversas formas históricas de manifestação: listas de palavras, comen-tários, descrições lexicais, dicionários, teorias, conceitos, disciplinas, etc.

O projeto História das Idéias Lingüísticas no Brasil (HILB) é coor-denado no Brasil por Eni P. Orlandi (Unicamp) e Diana L. P. de Barros(USP), e na França por Sylvain Auroux (ENS). O objetivo geral é o conhe-cimento da história do saber metalingüístico no Brasil e da constituição deuma língua nacional. Neste livro serão apresentados resultados de uma daslinhas de pesquisa do projeto, denominada “constituição de um léxico bra-sileiro”. Durante a primeira etapa do projeto, sediada na Unicamp, algunstrabalhos se dedicaram à história dos dicionários brasileiros. Nesse senti-do, a contribuição de Francine Mazière, participante do projeto no ladofrancês, foi decisiva para impulsionar as pesquisas da equipe brasileira, jáque desenvolvia há algum tempo estudos sobre a história dos dicionáriosfranceses. Nesta segunda fase do projeto, dando continuidade aos traba-lhos, formou-se um subgrupo com o objetivo de compreender a constitui-ção de um léxico brasileiro. Além de pesquisas sobre os dicionários, inclu-íram-se aí os estudos da formação do léxico na relação do português comoutras línguas (africanas, indígenas, indianas), e a constituição de discipli-nas. A participação de pesquisadores da USP, que se inseriram nesta fasedo projeto, foi fundamental para a ampliação do campo de pesquisa.

Participam deste livro os seguintes membros do projeto: MargaridaPetter (USP) e Emilio Bonvini (CNRS), que estudam a relação do portu-guês com as línguas africanas, Mário Ferreira (USP), que estuda a incor-

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poração de termos de línguas indianas no português, Zilda Maria Zapparoli(USP), que elabora uma história dos estudos informatizados do léxico noBrasil, José Horta Nunes (UNESP), que realiza uma análise discursiva dodicionário, Maria Aparecida Honório (Pós-Doutorado/USP), que estuda osaber lexical em situações de contato do português com línguas indígenase Sheila Elias de Oliveira (UNICENTRO/doutoranda pela Unicamp), querealiza uma análise enunciativa do dicionário.

Contamos também com alguns colaboradores externos, aos quaisaproveitamos a oportunidade para agradecer a generosa contribuição. Ostrabalhos destes renomados especialistas em lexicologia, lexicografia e ter-minologia trazem subsídios de fundamental importância para a reflexãoque vem sendo efetuada no projeto. São eles: Telmo Verdelho (Universida-de de Aveiro, Portugal), Maria Tereza Camargo Biderman (UNESP) e IedaMaria Alves (USP).

Segundo a perspectiva sustentada no projeto, a produção de idéiaslingüísticas é remetida à sociedade e à história, de maneira que o saberlingüístico não é considerado independentemente das formações sociais edas instituições a ele relacionadas. Objetiva-se mostrar a especificidadedos saberes metalingüísticos que aparecem ou são introduzidos de deter-minada forma no território brasileiro, com especial atenção à constituiçãoda língua nacional. Para pensar este fato, opera-se com o conceito de hi-perlíngua (cf. “L´hyperlangue brésilienne”, Langages 127, 1997; e Auroux,“Língua e hiperlíngua”, Línguas e Instrumentos Lingüísticos, 1998), quese define pela estruturação de um espaço/tempo por competências indivi-duais, relações de comunicação em certos contextos, instrumentos lingüís-ticos (como gramáticas e dicionários), atividades sociais. Os trabalhos destelivro trazem mais elementos para compreender a estruturação da hiperlín-gua brasileira.

Os textos aqui apresentados reúnem-se em três seções temáticas. Naprimeira seção, temos trabalhos voltados para o estudo dos dicionários.Como eles aparecem no Brasil? Qual a relação com os dicionários portu-gueses? Quais os autores, as obras, instituições, as teorias, os aconteci-mentos relacionados? Sem o conhecimento sobre os dicionários portugue-ses, não é possível compreender a constituição histórica dos dicionáriosbrasileiros. O texto de T. Verdelho traz uma contribuição admirável nessesentido, com uma breve história dos dicionários portugueses, em que apre-senta um levantamento comentado das obras lexicográficas, desde os di-cionários bilíngües latino-portugueses até os diversos tipos de monolín-

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gües. Em seguida, M. T. C. Biderman aborda o caso brasileiro, mostrandoa formação e a consolidação de uma norma lexical no Português do Brasil,com especial atenção ao papel que os dicionários aí desempenham. Paraisso, trata no período colonial da emergência da variedade brasileira doportuguês, passa pelo surgimento da identidade nacional a partir de mea-dos do século XIX e aborda a publicação de obras lexicográficas sobre oportuguês brasileiro, desde os pioneiros até a atualidade.

A relação entre a lexicografia portuguesa e a brasileira é de identi-dades e diferenças. Se, por um lado, houve uma série de empréstimos dedicionários portugueses, sobretudo desde o Moraes (1789), houve tambémum processo de diferenciação que conduziu ao estabelecimento de umalexicografia própria. Grande parte desse processo desencadeou-se a partirda discussão sobre os brasileirismos. Sheila E. de Oliveira trata de ummomento de conflito na divisão entre português do Brasil e português eu-ropeu. Ela mostra, por meio de uma detalhada análise enunciativa, de quemodo um lexicógrafo português, Cândido de Figueiredo, toma como obje-to os brasileirismos nos prefácios e posfácios de seu dicionário, desde aprimeira edição, em 1899, até a última edição em vida do autor, em 1925.Um dos pontos observados por Oliveira nessa enunciação é a redução dasdiferenças históricas às geográficas, com a oposição entre a língua de civi-lização (a de Portugal) e a língua considerada sem civilização (do Brasil).

Completa essa seção o estudo acurado de José Horta Nunes sobrea história da constituição do dicionário monolíngüe no Brasil. O autorapresenta os momentos dessa dicionarização e analisa as condições desua produção, decorrentes, a seu ver, dos seguintes fatores: territorialidade,administração do território, urbanização, institucionalização, contatos lin-güísticos, identidade nacional, influência de teorias, domínios conexos etecnologias. Nunes alerta para o fato de que a forma do dicionário nuncacoincide com as condições que a determinam e que os sentidos por elaproduzidos estão sempre abertos à interpretação. Lembra que, na “unidadeimaginária” do dicionário monolíngüe, inscreve-se “uma série de relaçõesentre as línguas (de inclusão, exclusão, confronto, absorção, filiação, etc.),que convém explicitar e não apagar”.

A segunda seção aborda a relação do português com outras línguase reflete sobre o papel de dicionários, comentários e descrições lexicais naconstituição de um léxico brasileiro. Margarida Petter faz um levantamen-to dos registros do passado que nos informam sobre a presença de línguasafricanas no Brasil. Em seguida, aborda os registros lexicográficos em di-

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cionários gerais, dicionários especializados e dicionários etimológicos, alémde comentar os estudos especializados. A autora mostra como os “termosde origem africana” estão presentes nesses materiais e como eles são con-siderados, especialmente por meio das noções de brasileirismos e africa-nismos. E. Bonvini, tratando igualmente da presença de termos de origemafricana (sobretudo de origem banto), observa-os, de um lado, como em-préstimos, e de outro, como termos integrados ao português do Brasil. Operíodo examinado vai do século XV ao XVIII. Bonvini questiona a utili-zação do termo “influência” para se referir aos termos lexicais de origemafricana e levanta, com base na observação de dados, algumas hipótesespara explicar a multiplicidade de variantes dos empréstimos.

O texto de Maria A. Honório traz uma reflexão sobre como o léxicoé significado na produção textual de professores Sateré-Mawé. Nesta si-tuação, é estabelecida uma relação entre a língua indígena e a língua portu-guesa. Para compreender os materiais resultantes desta situação de conta-to, a autora considera diversos trabalhos sobre línguas indígenas desde aépoca colonial, dentre os quais, dicionários bilíngües e monolíngües queintroduzem termos indígenas. Operando o conceito de gramatização, Ho-nório aponta uma fase atual deste processo, marcada pelo aparecimento denovos sujeitos da história (os índios como sujeitos da escrita), o que trazconseqüências tanto para a constituição do léxico do português, como parao das línguas indígenas nessa situação de contato.

A partir de uma perspectiva metodológica de confronto dinâmico delínguas em contato, Mário Ferreira realiza um estudo das palavras indianasincorporadas ao léxico da língua portuguesa, identificando mecanismossemânticos de empréstimo vocabular. Ferreira estipula três categorias ti-pológicas relativas ao processo de incorporação, pela língua portuguesa,de bases lexicais indianas: as categorias de reiteração, reconfiguração edispersão semânticas, entendidas como graus progressivos de maior oumenor convergência interidiomática. Analisando obras de autores portu-gueses dos séculos XVI e XVII, Ferreira mostra que ocorrem diferentesprocessos de incorporação, conforme o domínio lexical. Por exemplo, osreferentes do universo material dos objetos exercem forte coerção de iden-tidade sobre os vocábulos vernáculos, ao passo que os referentes ideológi-cos encontram resistência à reconstrução e incorporação.

Na terceira seção temos, inicialmente, o texto de Ieda M. Alves,que, depois de apresentar as primeiras atestações dos termos neologia eneologismo, mostra como esses conceitos têm sido abordados nas obras

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filológicas, gramaticais e lexicográficas em língua portuguesa. Alves enfa-tiza que o enfoque desses conceitos é, não raro, acompanhado de critériosde aceitabilidade, particularmente no que concerne aos neologismos porempréstimo. Em seguida, Zilda M. Zapparoli elabora um histórico da aná-lise informatizada do léxico no Brasil, fazendo considerações sobre doisprogramas de computador para análise lingüística – WordSmith Tools (WSTools) e Stablex – e sobre o uso que alguns pesquisadores brasileiros, per-tencentes a duas instituições – PUC/SP e USP/SP – fizeram ou vêm delesfazendo para as análises informatizadas do léxico.

O saber lexical, em suas diversas formas, constitui-se através deprocessos históricos, muitas vezes de longa duração. Acreditamos que estapublicação traz avanços para a compreensão do aparecimento, do desen-volvimento e das transformações desse saber no Brasil. De início, porquerealiza uma série de apontamentos documentais e bibliográficos, algunsdos quais raramente mencionados na literatura. Depois, porque apresentareflexões que levam em conta a especificidade do léxico enquanto saberhistórico, produzido por e para sujeitos em determinadas circunstâncias.Salientamos, por fim, que nesta fase do projeto História das Idéias Lin-güísticas há o objetivo de abordar questões de ética e política lingüística.Nesse sentido, acreditamos que o livro traz elementos para se pensar ofazer lexical: por quê fazer um dicionário, para quem? Para que serve des-crever o léxico de uma língua? Que línguas são incluídas ou excluídas paraisso? Quais as condições e as conseqüências do aparecimento de conceitose disciplinas ligadas ao léxico? Em que medida tais práticas estão relacio-nados com as políticas: com o Estado, com a institucionalização dos sabe-res, com as normatizações, com a formação de uma língua nacional? Porfim, considerando-se a historicidade desses processos, o que fazer daquiem diante?

José Horta NunesMargarida Petter

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Telmo VerdelhoUniversidade de Aveiro

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A lexicografia começou a estruturar-se como disciplina linguísticadesde a primeira metade do século XVI, em vários centros humanísticoseuropeus. Foi inicialmente motivada pelas solicitações do ensino do latimcomo língua não materna, e encontrou na técnica tipográfica uma condiçãodeterminante para a sua configuração e difusão.

Podemos todavia recuar a génese dos dicionários para as escolasmedievais de latim. Desde o século XI produziu-se, sobretudo na Itália,uma espécie de pré-lexicografia que foi rapidamente divulgada entre asescolas monásticas de toda a Europa. Em Portugal conservam-se testemu-nhos manuscritos do Elementarium (c.1050) de Papias, que pode ser con-siderado como o primeiro arquétipo dos dicionários modernos; do Liberderivationum (fins do séc.XII) de Hugúcio de Pisa; do Catholicon (1286)de João Balbo; e de outros textos medievais com informação lexicográfica,essencialmente latina, mas que serviram de referência para o aparecimentodos primeiros glossários das línguas modernas (Verdelho 1995, 137).

A emergência da escrita entre os vernáculos europeus, desde a re-cuada Idade Média, paralelamente à escolarização do latim, deu natural-mente origem à dicionarização das línguas vulgares. Gerou-se em primei-ro lugar uma espécie de lexicografia implícita que tecia os próprios textose facilitava a compreensão do vocabulário característico da escrita, forço-samente mais amplo e menos quotidiano do que o da língua oral. Os textosque dão testemunho das primeiras tentativas do uso da escrita em vernácu-lo português e ainda quase toda a produção textual subsequente, até aostempos modernos, vêm marcados por esse esforço metalinguístico de cla-rificação e autodescodificação, próximo da informação lexicográfica. Mui-

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tos textos medievais portugueses parecem ser construídos com a preocu-pação de fornecerem um fácil acesso à significação do seu próprio léxico,apresentando um estilo parafrástico, enquadrado por muitas palavras re-dundantes e frequentemente entretecido por verdadeiras definiçõeslexicográficas. Os exemplos mais elucidativos poderão recolher-se nos tex-tos jurídicos de Afonso X, tais como as Partidas e o Foro Real traduzidosdo castelhano logo nos primeiros séculos da escrita em língua portuguesa(Ferreira 1980 e 1987).

Os textos da Casa de Avis, e muito especialmente o Leal Conselhei-ro de D. Duarte, oferecem também bons exemplos do fundo pré-diciona-rístico que acompanhou o início da memória textual portuguesa. O LealConselheiro apresenta-se mesmo como obra de tipo paralexicográfico nasdeclarações introdutórias do próprio autor (“E filhayo por hu �u A B C delealdade”) (Verdelho 1995, 172).

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O simples desenvolvimento do exercício da escrita não podia deixarde suscitar uma necessária reflexão gramatical e uma consequente produ-ção metalinguística, com natural relevo para a elaboração de tipo lexico-gráfico. Juntamente com a emergência da escrita vernácula, o confrontocom o latim, muito especialmente na instância escolar, deve ter provocadoimediatamente o aparecimento de glossários e outros materiais de apoio àintercompreensão das duas línguas, exercitando a sua equivalência lexical.

A língua portuguesa, pelo menos desde o século XIII, ao mesmotempo que tinha acesso à sistematização da escrita, começou a ser utili-zada numa produção pré-lexicográfica, baseada em listagens glossarísticasmedievais bilingues (latim-vernáculo) que eram já utilizadas por outraslínguas vulgares da Europa, desde a mais remota Idade Média, como auxi-liares da escolarização do latim. Estes vocabulários escolares, preferenci-almente baseados no “corpus” lexical do texto bíblico, eram organizadospor áreas temáticas ou por categorias gramaticais e aproximavam-se já daordenação alfabética. (Riché 1979, 232).

Entre o espólio paleográfico português hoje conhecido guarda-seapenas um pequeno texto residual e notícia de outro. É o pouco que resta

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do muito que poderá ter sido a pré-lexicografia medieval portuguesa. Odocumento conservado é um manuscrito alcobacense (códice CDIV/286),que se encontra na Bibl. Nac. de Lisboa e que foi publicado por HenryCarter (1953). Compõe-se de uma listagem quase alfabética de cerca de3000 verbos latinos, transcritos pelo início do séc. XIV, a que foram acres-centadas, por outra mão e eventualmente já no séc. XV, as formas equiva-lentes em português. O “corpus” lexical português apresenta cerca de 1100verbos diferentes com um total aproximado de 3.000 ocorrências. É umdocumento importante para a história da técnica lexicográfica e sobretudopara a história da língua portuguesa. (Verdelho 1995, p. 196-213).

Mais antigo do que este monumento da lexicografia portuguesa se-ria um “Vocabulário em 4º, que fora escripto pelos anos de 1170; ordenadopor alfabeto dava as significações dos nomes Latinos em Portugues”(Boaventura 1827, p. 74). Barbosa Machado, no t. III da sua BibliotecaLusitana (1752) atribui mesmo a Frei Martinho de Arraiolos, “Mongecisterciense que floreceo no anno de 1170”, a autoria deste Vocabulariumalphabetica methodo digestum significatione nominum latinorum adhibitae acrescenta “conserva-se na Biblioteca M.S. do Real Convento deAlcobaça”. O ms. era já lastimavelmente perdido quando Fr. Fortunato deSão Boaventura se lhe refere em 1827.

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A lexicografia da língua portuguesa, como a dos restantes vernáculoseuropeus, nasceu dos vocabulários bilingues que puseram em confronto olatim e as línguas vulgares. Por sua vez, a maior parte destes textos foramelaborados tomando como fontes de referência os grandes monumentos dalexicografia humanista e em especial: a obra de Nebrija (1492); o dicionáriopublicado a partir de 1502 sob o nome de Ambrósio Calepino; e o Tesouroda língua latina de Robert Estienne (1531). Os dicionários portugueses dosséculos XVI e XVII inserem-se também nesta genealogia lexicográfica, comespecial dependência em relação aos textos de Nebrija e de Calepino.

Os dicionários do humanista Jerónimo Cardoso (c.1500-c.1569)(Teyssier 1980) especialmente o Dictionarium ex Lusitanico in LatinumSermonem (1562) marcam o início da dicionarização da língua portuguesa.

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Neste dicionário Cardoso promoveu a primeira alfabetação do “corpus”lexical vernáculo e deu assim origem, com maior ou menor interferência, atodos os subsequentes dicionários do português, repercutindo-se efectivamen-te na técnica dicionarística, no levantamento das unidades lexicais, nareferenciação do seu valor semântico, e na fixação da sua imagem ortográfica.

A obra de Cardoso poderá ter sido precedida por outras tentativas deelaboração lexicográfica e de ordenação alfabética do vocabulário portu-guês. Temos notícia de um Dictionarium Lusitanum et Latinum atribuído aFrancisco Sanches de Castilho († 1558) que estaria pronto para impressãoà data do falecimento do autor. O nome do ortografista Duarte Nunes deLeão (c.1530-c.1608) aparece também associado a um “VocabularioPortuguez muy copioso com declaração da Origem de cada Vocabulo, e deque lingoa emanou” (Machado 1966, t. I, p. 738), e há ainda notícia vagade outros manuscritos (Verdelho 1995, p. 377 e s.) mas até ao presentenenhum desses textos foi encontrado e não foi possível recuar para além de1562 o início da alfabetação do português.

O pequeno dicionário de Cardoso deve ser assim considerado comoo padrão inicial da lexicografia do português. Não obstante a modéstia dassuas dimensões, oferece um “corpus” lexical interessante e muito signifi-cativo para a época, composto por cerca de 12.100 formas diferentes, dis-tribuídas por um pouco mais de 12.000 entradas a que foram ainda acres-centadas 728 na segunda edição (1569).

Sendo embora um dicionário bilingue, apresenta, para além das equi-valências latinas, uma abundante informação lexicográfica no respeitanteà língua vernácula. Salientaremos alguns aspectos que exemplificam o es-forço de elaboração de uma primeira metalexicografia portuguesa.

– As entradas em português desdobram-se frequentemente em paressinonímicos do tipo:

abafar s. cobrir....,

abarregado s. amancebado,

abater s. mingoar,

abominar s. amaldiçoar,

bisauoo ou bisdona,

boauentura ou dita.

– Alarga-se o âmbito da explicitação esclarecendo casos de polisse-mia ou salientando os valores semânticos determinados pelo contexto:

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abito s. costume, Abito de frade...,acordar-se... Acordar do sono... Acordar ao que dorme Acordar I.

auer conselho....

– Fornecem-se indicações de tipo gramatical:

Alemão...Alemoa, molher dAlemanha...Alemanisca cousa....

– No âmbito da informação gramatical, podemos notar a indexaçãodos adjectivos pela particula “cousa”, utilizada com valor estritamente me-talinguístico, servindo assim para destacar cerca de um milhar de adjecti-vos.

A obra lexicográfica de J. Cardoso deu origem, já em edição póstu-ma (1569/70), a um conjunto dicionarístico, preparado por SebastiãoStockammer, onde se atestam cerca de 24.000 formas diferentes do fundolexical português, inseridas num corpus bilingue, latino-português e portu-guês-latino. Este texto foi reeditado mais de uma dezena de vezes, até aofim do século XVII, com algumas variações ortográficas, mas sem altera-ções significativas, no que respeita ao corpus linguístico português. Serviude manual escolar e teve uma decisiva importância como fonte de referên-cia para o vocabulário da língua vernácula durante uma longa sesquicentúria,até aos alvores do séc. XVIII, assistindo à leitura latina, facilitando a tra-dução e modelando a escrita portuguesa.

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Nas origens da lexicografia portuguesa devem ainda incluir-se to-dos os restantes dicionários bilingues (latim – português e sobretudo por-tuguês – latim) publicados até ao século XVIII.

O primeiro de entre eles, de Agostinho Barbosa (1590-1649) (Bar-bosa 1611, edição única), para além do seu “corpus” latino ser autorizado,oferece muitos exemplos de acumulação sinonímica na parte portuguesa euma frequente textualização das entradas, com prejuizo da ordenação alfa-bética (“/Despontar, i. rebotar, ou desfazer, ou tirar a ponta... /Despor, aliàsordenar... /Despor aruores... /Desposição boa, i. saude... /Bem desposto, i.estar bem desposto, & ter saude... /Bem desposta cousa, i. que tem saude.../Má, ou roym desposição, aliàs pouca saude... /Mal desposta cousa, aliàs

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doentia, & que tem pouca saude... /Bem desposta cousa do corpo, aliàsbem feyta do corpo... /Desposição do corpo...”) (col. 378).

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Deve também incluir-se, entre a lexicografia das origens, a obra deAmaro Reboredo (Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1621, 444 ps) publicada noâmbito de um manual escolar para o estudo do latim, com o título Raizes dalingua latina mostradas em hum tratado, e diccionario: isto he, humcompendio do Calepino com a composição, e derivação das palavras, com aortografia, quantidade e frase dellas. Trata-se de um dicionário Latim / por-tuguês / espanhol (transparece uma certa indecisão na escolha do título – otermo “dicionário” não estava ainda optado para designar este instrumentometalinguístico). A nomenclatura do Calepino é enquadrada em famílias depalavras ligadas pelas raizes latinas de modo a descodificar-se a sua signifi-cação sem recorrer à forma equivalente portuguesa. Muitas entradas não têmglosa portuguesa, no entanto, os artigos com correspondência vernácula apre-sentam, por vezes, uma acumulação sinonímica muito informativa e outrosaspectos com interesse para a história do léxico português. Exemplo:

– “FELIX ... Ditoso, venturoso, prospero, bem afortunado. Hisp.Dichoso prospero, &c.”;

– “VER, veris. Verão, primavera, isto he, Março Abril e Maio. Hisp.Verano, primavera.

Esta obra oferece-nos o primeiro convívio lexicográfico entre o por-tuguês e o castelhano, correspondendo certamente a uma conjunturainterlinguística de dominação por parte da monarquia dual (entre 1580 e1640). Ainda que de modo pouco sistemático, as equivalências castelhanasaparecem em anotações esporádicas e muito abreviadas.

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Entre as origens da dicionarística portuguesa é devida especial refe-rência à produção lexicográfica dos Jesuítas. Desde a sua instalação emPortugal, nos meados do séc. XVI, empenharam-se na produção de ma-nuais escolares, especialmente voltados para a formação linguística, e cria-ram assim uma estudiosa escola de gramáticos e dicionaristas. Entre eles,

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avultam os dicionaristas das línguas de missão, no Brasil e no Oriente (lem-bre-se, a título de exemplo, a laboriosa investigação dicionarística publicadano Japão (Dictionarium, Amacusa 1595; Vocabulario, Nagasaqui 1603), ealém destes, no quadro mais específico da lexicografia latino portuguesa,temos notícia de trabalhos de Fernando Pires, António Velez, Manuel deGouveia, Manuel Barreto, Bento Pereira, Matias de S. Germano, AntónioFranco e José Caeiro. Alguns dos seus textos mantêm-se manuscritos eaguardam um estudo que os apresente ao público e que aprecie o seu inte-resse para a história da língua e da cultura portuguesa. É o caso do Vocabu-lario Lusitanico Latino de Manuel BARRETO (c. 1561-1620), “compos-to na Provincia de Japão”, concluído em 1607, que se guarda manuscritoem 3 volumes na Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.

A obra mais representativa da dicionarística dos Jesuítas ficou conheci-da pelo título de Prosódia publicada desde 1634, em sucessivas reedições até1750 sob a referência autoral de Bento Pereira (1605-1681). Era um volumosomanual escolar composto por um dicionário amplíssimo de latim-português,ao qual se juntou, a partir de 1661, um dicionário de português-latim Tesouroda língua portuguesa (que fora primeiramente publicado autónomo em 1647)e ainda um conjunto de textos paralexicais (Frases portuguesas a que corres-pondem as mais puras e elegantes latinas; Adágios portugueses com seu latimproverbial correspondente; e uma Tertia pars selectissimarum descriptionum,quas idem auctor vel olim a se compositas, vel a probatissimis scriptoribusemendicatas alphabetico ordine digessit) que serviam para aprendizagem es-colar e para exercitação da escrita e da oratória.

Neste conjunto deve salientar-se o Tesouro, como fonte de referên-cia para a fixação da nomenclatura lexical portuguesa. Revisto e ampliadoem sucessivas reedições durante o século XVII, fixou-se a partir de 1697,com mais de 20.000 entradas, prefigurando já toda a capacidade de inova-ção do vocabulário moderno (Verdelho 1987). O Tesouro tornou-se umaimportante referência normativa para a língua portuguesa; contribuiu cer-tamente para modelar a tradição ortográfica, e foi o primeiro “corpus” doléxico português formado a partir do património textual. Na 1ª. ed. cita-seum elenco de fontes textuais (“Authores portugueses os quaes todos seleram pera fazer este Vocabulario”), onde se nomeiam, entre outros, Camões,João de Barros, Diogo Bernardes, Heitor Pinto, Duarte Nunes de Leão,João de Lucena, Bernardo de Brito.

Os Jesuítas publicaram ainda dois pequenos dicionários escolares.O primeiro foi acrescentado, como anexo, em várias edições da Gramática

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de Manuel Álvares, desde o final do séc. XVI, com o título de Index totiusartis, atribuído a António VELEZ (1545-1609). O segundo, com o títulode Indiculo Universal, (editado em 1716) é um texto onomasiológico tra-duzido e adaptado do francês para português (Pomey / Franco), e integra-se numa galeria pouco preenchida na dicionarística portuguesa, de voca-bulários, ou nomenclaturas breves, de tipo enciclopédico, onde avulta aAmalthea (1673) de Frei Tomás da Luz (c. 1633-1713).

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Entre os vocabulários bilingues de origem renascentista e os dicio-nários monolingues modernos, situa-se a obra mais monumental da lexico-grafia portuguesa, o Vocabulario Portuguez e Latino (R.Bluteau 1712/28)que ao longo de 10 volumes “in folio”, confeccionados com especiosasencadernações e grande requinte tipográfico, recolhe um abundantíssimocorpus lexical português, com uma pormenorizada explicitação referenciale semântica. O latim é objecto de uma informação muito sumária e tãopouco significativa, no conjunto da obra, que pode ser considerada essen-cialmente monolingue.

O autor, Rafael Bluteau (1638-1734), nasceu em Londres, de famí-lia francesa, teve formação francesa e italiana (doutorou-se em Roma),beneficiando de uma enriquecedora experiência de multilinguismo. Envia-do para Portugal aos 30 anos como clérigo teatino aprendeu muito rapida-mente a língua portuguesa e começou a usá-la numa intensa actividadeoratória. Tornou-se um dos arautos da vernaculidade e da normalizaçãolexical e ortográfica, (Prosas portuguezas 1728).

O Vocabulário vem também acompanhado por uma alargada refle-xão de tipo teórico, apresentada em textos introdutórios e posfaciais emque se repercute o pensamento linguístico e a prática lexical da época.Entre outros aspectos salientaremos: a entronização das variedades linguís-ticas “nobres” autorizadas pelos bons escritores e pelo prestígio da corte;uma certa relativização do nacionalismo linguístico (todas as línguas “temsingulares excellencias, & cada nação lhe parece o seu idioma melhor detodos” – Prologo “ao leitor estrangeiro” –, Bluteau corrige a opinião da“maior parte dos estrangeiros” que então, na Europa, consideravam que oportuguês não era “lingoa de por si”, mas apenas uma “corrupçam do Cas-telhano” que não justificaria um investimento dicionarístico, e acrescenta:

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“As lingoas Portugueza & Castelhana são duas irmaans, que tem algumasemelhança entre si, como filhas da lingoa Latina; mas huma & outra lograa sua propria independencia & nobreza, porque nem do Portuguez se deri-va o Castelhano, nem do Castelhano descende o Portuguez.” – ib.); o apro-veitamento da tradição lexicográfica portuguesa (“Neste exercicio glorio-samente se ocuparam os Barbosas, os Cardosos, os Pereiras” – ib.),juntamente com um amplo reconhecimento da bibliografia europeia da épo-ca, anotada num “Vocabulario de vocabularios” (Suplemento, parte II 1728,535-548); uma síntese crítica da teorização lexicográfica do tempo, comdecidida opção por um modelo de dicionário autorizado, locupletíssimo(dando entrada a todas as terminologias técnicas e a um leque amplo devariedades – regionais, cronológicas e sócio-profissionais), mas sem per-der as características de um dicionário essencialmente de língua, com re-cusa da informação característica dos dicionários de história e de nomespróprios.

O Vocabulário actualizou e aumentou cinco vezes mais aproxima-damente o “corpus” lexical português até então dicionarizado (Verdelho1987, 163), e passou a constituir uma referência obrigatória e quase defini-tiva para toda a lexicografia subsequente.

A melhor síntese crítica do Vocabulário encontra-se na “Planta”introdutória do Dicionário da Academia apresentada (1780) pelo académicoPedro José da Fonseca. Depois de louvar a obra e de a escolher como fonteprivilegiada para o empreendimento da Academia, censura nela os pontosseguintes: “o titulo deste mesmo Vocabulario, a redundancia da sua prolixaerudição, a falta de innumeraveis vocabulos Portuguezes, e de autoridades,que na maior parte das suas accepções qualifiquem os mesmos, que traz,finalmente a mà eleição dessas taes poucas autoridades sem critica nemgraduação (...) hum sem conto de definições ou explicações de termos porvários modos defeituosas, muitas etymologias erradas ou pouco seguras,havendo outras certas ou mais provaveis, e não menos citações de AutoresPortuguezes impropriamente allegadas, ou em confirmação de significa-do, para que não servem, ou pelo modo viciado, com que estão transcritas;além de outros defeitos assàs notaveis ainda naquillo mesmo quedirectamente toca à lingoa Portugueza.” (Diccionario 1793, p. III).

Correspondendo a uma intenção do próprio Bluteau, e aproveitandomateriais deixados, depois da sua morte, foi decidida a publicação de umComplemento do Vocabulario portuguez de Bluteau que chegou a ser par-cialmente impresso sob a orientação e revisão de José Caetano (1690-post

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1757). Todo esse material terá desaparecido, incinerado sob os escombrosdo terramoto de 1755. L.A. Verney considerando o vulto e a pouca funcio-nalidade do Vocabulário, sugeria, em 1747, que “seria necessário que al-gum homem douto abreviasse o dicionário do P. Bluteau e o reduzisse àgrandeza de um tomo em folha, ou dois em 4º” (Verney 1949 (1747), I,128). António de Morais Silva encarregar-se-ia desta tarefa.

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A acumulação enciclopédica precede a elaboração dicionarística natradição greco-latina e mantém a sua especificidade ao longo da idade médiae durante a idade moderna e contemporânea, até aos nossos dias, com in-tensificada emergência a partir do séc. XVIII. Todavia, as suas caracterís-ticas para-lexicográficas conduziram a uma certa convergência entre a pro-dução dicionarística e a indexação enciclopédica, suscitando mesmo apublicação de dicionários enciclopédicos ou universais (cf. 6).

Em Portugal foram conhecidas enciclopédias medievais escritas emlatim, delas se guardam testemunhos manuscritos entre o espólio alcoba-cense da Biblioteca Nacional, e em outros fundos bibliográficos. Algunsdesses textos repercutiram-se na língua portuguesa em obras didácticascomo as da Casa de Avis, mas não é conhecida entre nós produção enciclo-pédica própria, até ao final do século XVII, se exceptuarmos o projectoapenas esboçado e inacabado de Rodrigues Lobo (c. 1575-1621), que en-saiou na Corte na Aldeia (1619), uma tentativa de roteiro do saber globaldo seu tempo. A primeira publicação caracterizadamente enciclopédica foiescrita por Fr. Fradique Espínola (falecido em 1708 em idade muitoprovecta) com o título Escola Decurial de Varias Lições. (em 12 vols. oupartes: I-1696; II-1697; III e IV-1698; V e VI e VII-1699; VIII-1700; IX-1701; X-1702; XI-1707; XII-1721; reeditadas entre 1733/36).

Ao longo do séc. XVIII, além da reedição da Escola Decurial, fo-ram publicadas em Portugal outras tentativas enciclopédicas que, integran-do-se ainda na sequência das compilações eruditas medievais, acrescen-tam já algum saber reconhecido durante os sécs. XVI e XVII. Entre essasobras deve destacar-se a de Fr. João Pacheco (1677 – post 1747) Diverti-mento erudito para os curiosos de noticias historicas, escholasticas enaturaes, sagradas e profanas, descobertas em todas as idades e estadosdo mundo ate o presente de que foram publicados 4 tomos (I-1734, II/III/

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IV-1738) de um conjunto previsto de 8, (parte do ms. inédito – segundoInocêncio Silva, vol. 3, p. 430 – subsistirá ainda na Biblioteca Nacional).Muitas séries onomásticas publicadas por Fr. João Pacheco, sobre váriosdomínios da realidade, foram integralmente compendiadas no Vocabuláriode Bluteau.

O mais completo projecto enciclopédico, elaborado em portuguêsno século XVIII, é devido ao oratoriano Teodoro de Almeida (1722-1804),com o título Recreação Filosófica. Publicado o primeiro volume em 1751,prolonga-se por mais uma dezena de volumes até ao início do século XIX,com reedições dos primeiros, correspondendo certamente a uma apreciá-vel solicitação do público. Trata-se de uma obra de divulgação, redigidasegundo o modelo platónico em diálogo, que tem por objecto a instruçãosobre “omni re scibile” (“a matéria é tão dilatada que não tem outros limi-tes senão os do universo”), e por motivação a valorização da língua portu-guesa na sua adequação para o conhecimento científico, “que não é menosabundante, nem menos propria para explicar estas matérias do que a latinaou francesa. (...) Nunca me agradou a opinião de alguns que fazem as ciên-cias anexas a algum idioma: Sempre julguei que a verdade era natural detodo o mundo: os povos ainda os mais rudes e barbaros a entendem; e nãosão outra cousa as ciências mais que o descobrimento da verdade” (Recre-ação, t. I, texto introdutório “Aos que lerem”).

Estas súmulas eruditas que se encontram quase totalmente esqueci-das, na memória cultural portuguesa, dão testemunho de um horizonte cien-tífico e cultural interessante, cheio de informações insuspeitadas e indis-pensáveis para o estudo da diacronia lexical, especialmente na incorporaçãoe aportuguesamento dos vocabulários técnicos e científicos.

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Na segunda metade do século XVIII e especialmente no fim do sé-culo, começaram a surgir os primeiros dicionários modernos monolinguesportugueses. Num ambiente de verdadeira efervescência lexicográfica (emque se vinha desenvolvendo também uma nova lexicografia bilingue quepunha o português em contacto com as línguas europeias, nomeadamenteo francês, o inglês e o italiano), são publicados os dicionários de BernardoBacelar (1783), de Morais Silva (1789), da Academia das Ciências de Lis-boa (1793), a par de um conjunto de vocabulários especiais, ortográficos

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(J. M. Madureira Feijó 1734, 39, 81, etc.; L. Monte Carmelo 1767; J. P.Freire da Cunha 1769) de arcaismos (Viterbo 1798), de arabismos (Sousa1789), e ainda outros expressamente orientados para o apoio à prática retó-rica e literária, dicionários poéticos (C. Lusitano 1765, DiccionarioExegetico 1781), de sinónimos (Bluteau 1712-1728, Suplemento, vol. 2;Saraiva 1821) e de rimas (Guerreiro 1784).5.1. O franciscano Bernardo de Lima e Melo Bacelar (ou Bernardo de

Jesus Maria c.1736 – p. 1787) usou pela primeira vez em Portugal otítulo moderno Dicionário da língua portuguesa. Trata-se, todavia,de uma obra falhada, que não contribuiu de modo apreciável para amodernização da lexicografia do português. O autor fundamentou otrabalho numa reflexão teórica que repercute o pensamento linguís-tico da época, valorizando a pesquisa lexical sobre todos os textosdocumentais do património escritural da língua, mas essa informa-ção não transparece de modo nenhum ao longo do dicionário. Pelocontrário, não se fornece qualquer indicação textual ou histórica parao “corpus” recolhido, a não ser uma abundante e inconsistente eti-mologia grecizante, com base no pressuposto preliminarmente afir-mado, de que o português tem a sua origem na língua grega. Estaperspectiva vicia grande parte da descrição etimológica e semânticado dicionário. O aspecto mais inovador encontra-se na tentativa desistematizar a apresentação e ordenação da nomenclatura através deuma rigorosa segmentação morfémica. De resto, a obra apresentaainda outras características que seriam muito louváveis (tais como aleveza e funcionalidade do volume e a abundância do “corpus”, omais copioso até então recolhido), se a selecção, fundamentação eredacção lexicográficas tivessem suficiente qualidade. O Diccionariode Bacelar, não obstante a sua originalidade, ocupa um lugar mo-desto e pouco lisonjeiro na história da lexicografia portuguesa.

5.2. António de Morais Silva (1755-1824) é um nome predominante etutelar na história da lexicografia portuguesa. A sua obra, em suces-sivas reedições, acompanhou a língua em Portugal e no Brasil (Mo-rais Silva era natural do Rio de Janeiro), ao longo de dois séculos,como a mais importante referência para o uso lexical. Na sua pri-meira edição, o Dicionário da língua portuguesa foi dado ao públi-co em 1789 como se se tratasse de uma reedição actualizada e redu-zida de dez a dois volumes, da obra de Bluteau (“composto peloPadre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio

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de Moraes Silva”). Só na 2. ed. (1813) M. Silva se atribui a plenaautoria mas, na realidade, a identificação da sua autoria é incontes-tável desde a primeira edição. É uma obra muito diferente da deBluteau na sua concepção, nos seus objectivos, no tratamento do“corpus” e até na própria fundamentação lexicográfica.Estamos perante o primeiro dicionário moderno da lexicografia por-tuguesa. M. Silva elimina um pouco mais de um quarto das entradasde Bluteau, correspondentes à nomenclatura enciclopédica, onomás-tica e histórica do grande Vocabulário, e acrescenta aproximada-mente um terço de entradas (cerca de 22.000) inteiramente novas,recolhidas em autores “portugueses castiços e de bom século pelamaior parte”, configurando assim, no espaço linguístico português,um modelo de dicionário de língua autorizado, com exclusão dainformação bilingue e da informação histórica e enciclopédica emgeral.Pela boa doutrina e pela funcionalidade da apresentação, o Diccio-nario de M. Silva teve uma rápida e copiosíssima divulgação aindaem vida do autor, e depois, sempre sob a sua designação autoral,preencheu a mais importante sequência editorial dicionarística por-tuguesa (cf. 6). Tornou-se assim, um testemunho privilegiado daevolução do vocabulário português e simultaneamente um factor dereferência e de padronização.

5.3. A Academia Real das Ciências de Lisboa, motivada, desde a suainstituição (1779), para os estudos da língua, determinou como umdos seus “utilissimos intentos, que a composição de hum Diccionarioda mesma lingoa fizesse parte dos seus primeiros trabalhos”. Emsessão de 4 de Julho de 1780 foi apresentada a “Planta para se for-mar o Diccionário”, e o primeiro tomo, que haveria de ficar único(com a nomenclatura começada por A-, terminando em “Azurrar”),foi publicado em 1793.Entre os académicos que mais eficazmente participaram na sua com-posição, destacam-se três professores do Colégio dos Nobres: PedroJosé da Fonseca (1737?-1816), que fora já o dicionarista encarrega-do de produzir os dicionários que deveriam substituir a Prosodia,suprimida pela reforma escolar pombalina, Bartolomeu Inácio Jor-ge (professor de filosofia e estudioso da literatura portuguesa e lati-na), e Agostinho José da Costa de Macedo (1745-1822). O primeiroescreveu os textos introdutórios, onde se explicita o “desenho, a or-

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dem, contextura e materia do Diccionário “, e foi também o princi-pal coordenador da selecção e do tratamento do “corpus”; o últimofoi o responsável “in totum” pela compilação e redacção do Catálo-go dos autores e obras que se lerão e de que se tomarão as autori-dades para a composição do Diccionario da Lingoa Portugueza.Trata-se de uma abundante recolha e apreciação bibliográfica (pro-longa-se por 150 páginas “in folio”) sobre os autores “classicos”portugueses e as suas obras, até ao final do séc. XVII. Segundo otestemunho de Inocêncio, são “triviaes os erros, lacunas e confu-sões de toda a espécie” neste Catálogo, e o seu autor limitou-se “aextrahir servilmente da Bibliotheca de Barbosa os nomes dosescriptores e indicações das obras” (I. Silva 1858, vol. 2, 55).O Diccionario da Academia dá testemunho de um saber lexicográ-fico moderno, apoiado em boa reflexão teórica, esclarecida pela ex-periência portuguesa e estrangeira. Oferece, além da copiosa no-menclatura de “vocabulos puramente Portuguezes” (Base VIII),rigorosamente alfabetados, uma boa estruturação dos artigos cor-respondentes a cada entrada. Compõem-se da classificação grama-tical, com informações complementares sobre o género, o número,as irregularidades e as regências dos verbos; indicação sobre o usoou variedade (“facultativa, forense, mechanica, de provincia, vul-gar, comica, proverbial, antiga ou antiquada”); a “definição, expli-cação ou descrição”; a etimologia; as variantes ortográficas (inclu-indo as variantes diacrónicas); a textualização autorizada; a abonaçãode epítetos para os substantivos, e de advérbios de modo (em -men-te) para os verbos; e, “no fim de cada vocabulo”, acrescentam-se“os Adagios ou Proverbios, que lhe tocarem” (Base XVII) (Casteleiro1981).O Diccionario da Academia é o mais significativo empreendimentoda exercitação normativa sobre a língua portuguesa, foi suscitadonum momento de teorização linguística intensa, de teor nacionalis-ta. O purismo, a defesa e o enriquecimento do idioma pátrio domi-nam o pensamento linguístico do final do séc. XVIII. O bom uso eas boas palavras portuguesas polarizam o convívio arcádico e ocu-pam as actividades da Academia das Ciências, que promove, a pro-pósito, vários concursos, não só para a elaboração da gramática filo-sófica, mas também para a pesquisa lexical e lexicográfica que deviaacompanhar a elaboração do grande Dicionário. Sirva de exemplo,

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o trabalho de António das Neves Pereira († 1818) Ensaio critico –“Sobre qual seja o uso prudente das palavras de que se servirão osnossos bons Escritores do Seculo XV, e XVI; e deixarão esquecer osque depois se seguirão até ao presente” (Pereira 1793).

5.4. No âmbito deste pensamento linguístico se enquadram também osvocabulários ortográficos acima referidos, bem como a obra de RosaViterbo e os vocabulários poéticos e para-literários, que merecemaqui um breve apontamento.O Elucidario (cf. Viterbo 1798/1799) de Fr. Joaquim de Santa Rosade Viterbo (1744-1822) feito com base (inconfesso furto) nos ms.de Fr. Bernardo da Encarnação (Fiúza 1965, 53 e s.), é um valioso(apesar de incompleto) dicionário do português arcaico, compiladopara facilitar a leitura do texto antigo documental. Forma, junta-mente com a obra (ainda actual) de Fr. João de Sousa (1734-1812),Vestigios da língua arábica em Portugal, ou Lexicon etymologicode palavras e nomes portuguezes, que tem origem arabica (1789) oprimeiro conjunto de lexicografia de tipo filológico, testemunhandoigualmente o interesse desta época pelos estudos lexicográficos emetalinguísticos.Sumamente interessantes, pela sua originalidade dicionarística e peloseu interesse linguístico, são os vocabulários feitos para socorro daprática literária.O Diccionario poetico (1765) de Cândido Lusitano (nome arcádicode Francisco José Freire 1719-1773) prolonga na língua portuguesaa tradição dos dicionários de sinónimos e de epítetos latinos (no-meadamente o Gradus ad Parnassum) que lhe serviram de modeloe também de fonte para numerosas formas que transfere do latim aoportuguês, contribuindo para acentuar a latinização da língua e dapoesia portuguesa (Verdelho, E. 1983).Entre os dicionários para-literários do séc. XVIII tem sido esqueci-do o Diccionario exegetico (1781), “dado ao publico por humanonymo” e que pode quase certamente ser atribuído ao tipógrafo eeditor Francisco Luís Ameno (1713-1793). Trata-se de um dicioná-rio in 8º pequeno, com cerca de 6.000 entradas distribuídas ao longode 296 páginas, mais 15 com uma breve colecção de “Adagiosselectos da lingua portugueza”. A nomenclatura foi cuidadosamen-te escolhida, segundo previne o autor no “Prolegomeno”, entre os“vocabulos menos vulgares”, “os vocabulos mais castigados e de

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que so usão os Doutos”. A par dos numerosos latinismos, grecis-mos, tecnicismos (sobretudo no âmbito da terminologia da retóri-ca) este vocabulário oferece-nos o mais significativo produto dateorização linguística e poética daquele tempo, com grande relevopara o critério purista e para a valorização da literariedade ao nívelda selecção lexical. Não teve reedições mas parece que era obramuito procurada ainda no séc. passado (I. Silva 1858-1958, vol. 2,135).O Diccionario de consoantes (1784) de Miguel do Couto Guerreiro(c. 1720-1793) é também um dos dicionários especiais auxiliares daexercitação literária, que começaram a aparecer na lexicografia por-tuguesa, a partir desta época. O apoio à prática versificatória era atéentão procurado em obras estrangeiras, e nomeadamente no tratadoe glossário do espanhol Rengifo de que se conhecem exemplaresem bibliotecas portuguesas. O Dic. de rimas de Guerreiro vem inte-grado num conjunto editorial com o título Tratado da versificaçãoportugueza, composto por três partes: um texto breve introdutório,sobre a técnica versificatória, segue-se o dicionário que se estendeao longo de 440 páginas (in 8º pequeno), e completa o volume umbreve texto posfacial, em verso, sobre a teoria poética. As listas in-findáveis de formas (mais de 30.000), subordinadas pela sua estru-tura rimática, poderão fornecer preciosas informações para a histó-ria do vocabulário e do universo poético e também para a história dalíngua, nomeadamente no que respeita à inovação e à criatividadelexical. Sirva de exemplo o conjunto de formas subordinadas à rima-ismo que anda pela meia centena. Este paradigma flexional iria de-senvolver-se sobretudo no séc. XIX.A lexicografia de apoio à exercitação poética foi preenchida nossécs. XIX e XX pela edição de vários dicionários de rimas (Eugéniode Castilho, Costa Lima, Visconde de Castelões, Duque-Estrada,Guimarães Passos – os dois últimos brasileiros) mas, até ao séc.XIX, parece ter sido muito escassa a sua produção em Portugal. Dofinal do séc. XVIII, ou um pouco antes, guarda-se manuscrito (Bibl.Geral da Univ. de Coimbra, ms.1082) um rimário feito sobre toda aobra de Camões (Verdelho 1984, 185).Neste conjunto de lexicografia para-literária, caberá ainda uma re-ferência aos dicionários de sinónimos que entraram no espaço me-talinguístico português pela mão de Bluteau. Este notável patrono

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da dicionarística portuguesa acrescentou à parte II do Suplementodo Vocabulário (1728), um Vocabulario de Synonimos, e PhrasesPortuguezas composto por mais de 2.000 entradas. Bluteau reper-cutiu em Portugal modelos recolhidos no contacto com o espaçocultural das suas raizes (nomeadamente dos franceses: A. deMontméran – Synonymes et Epythètes -1645, e Girard – Justesse dela Langue Française. Traité de Synonymes -1718) e deu assim ori-gem a uma especialização lexicográfica que tem uma assinalávelimportância para a exercitação literária em língua portuguesa e quefoi continuada pelas obras do Cardeal Saraiva (1821), de José daFonseca e Inácio Roquete (1830/1850, teve numerosas reimpressõesaté à actualidade), de Eduardo de Faria / Lacerda (1849/58), JoãoFelix Pereira (1885) e vários outros (Verdelho, E. 1981). Os dicio-nários de sinónimos são expressamente orientados para o apoio àescrita elaborada, literária ou para-literária. São obras “que o ho-mem de bom gosto poderá consultar com fruto, e em que o literato eo escritor público acharão mais recursos para variar a frase e darelegância ao estilo, do que em nenhum outro escrito deste género”(Roquete, Introdução ao Dic. de Synonymos).

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A produção lexicográfica monolingue portuguesa do século XIXfoi bastante abundante, sem todavia atingir um nível de qualidade e quan-tidade comparável ao de outras línguas europeias. Numa apreciação glo-bal, pode caracterizar-se pelos seguintes aspectos:

1) presença tutelar do dicionário de Morais Silva, que teve 7reedições ao longo do século (1813, 23, 31, 44, 58, 77/78, 91),sempre “acrescentadas e melhoradas”, segundo a declaração doseditores, e que serviu de fonte e de modelo teórico para os res-tantes dicionários ;

2) divulgação do dicionário de língua e sua adequação a manualescolar;

3) aparecimento de alguns grandes dicionários portugueses;4) escassa renovação teórica e insuficiente pesquisa lexicográfica

no âmbito da língua portuguesa.

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6.1. O Dicionário da língua portuguesa composto por António de Mo-rais Silva, ofereceu à lexicografia portuguesa um característico di-cionário de língua, que se manteve até ao presente como exemplarmanifestação de uma persistente tradição lexicográfica voltada paraa recolha do léxico patrimonial e para a verificação do seu uso auto-rizado. As sucessivas reedições limitaram-se a actualizá-lo comacrescentos no domínio da nomenclatura e com mais algumas cita-ções de novas palavras e frases que o “uso moderno dos bons escri-tores de todo o género” foi adoptando. O autor participou neste pro-cesso enriquecedor e actualizador, de maneira exclusiva até à 2a.ed. e, de modo mais indirecto, na 3a. (1823), que saiu “mais correctae accrescentada de cinco para seis mil artigos” sob a revisão de PedroJosé de Figueiredo (1762-1826), e na 4a. (1831) que, saindo emborapóstuma, foi “reformada, emendada e muito acrescentada” com baseem manuscrito do próprio M. Silva, e “posta em ordem, correcta eenriquecida de grande numero de artigos novos e dos synonimos”por Teotónio José de Oliveira Velho (1776?-1837?). Estes reeditores,que participaram de maneira activa no processo de mutação políticavivido em Portugal a partir de 1820, deram ao Dicionário um valortestemunhal sobre a importante renovação do léxico da vida públi-ca, das ideias e das instituições portuguesas.O Dicionário de M. Silva, com um formato sempre volumoso, divi-dido em 2 grossos tomos, deveria ser um livro caro, pouco acessívelao público em geral e de manuseio pesado. Não deixou mesmo as-sim de ter uma larga recepção como se pode constatar pelo reconhe-cido sucesso editorial. e por testemunhos frequentes entre os escri-tores e publicistas do séc. XIX (nomeadamente por Camilo CasteloBranco) que o designavam simplesmente por “o Morais”, num pro-cesso de antonomásia que revela bem a supremacia desta obra nopanorama dicionarístico português. Entretanto, a par deste e de ou-tros dicionários de vulto, novas exercitações de lexicografia mono-lingue são procuradas num mercado que se alarga consideravelmenteao longo do séc. XIX, acompanhando a democratização da frequênciaescolar e a generalização da comunicação pela escrita, com especialrelevo para a literatura romanesca e para o jornalismo.

6.2. Os dicionários práticos, funcionais e de fácil utilização, instituíram-se, a partir do início do séc. XIX, como livros escolares e manuaisauxiliares do uso quotidiano da língua. O primeiro publicado em

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Portugal foi o “Novo Diccionario da Lingua Portugeza, compostosobre os que até o presente se tem dado ao prelo, accrescentado devarios Vocabulos extrahidos dos Classicos Antigos, e dos Moder-nos de melhor nota, que se achão universalmente recebidos. Lisboa,na Typografia Rollandiana. 1806. Com Licença da Meza do De-sembargo do Paço.” O autor anónimo, claramente motivado pelosentido prático da sua obra, esclarece, num breve prólogo (cabe napágina inicial), que, “seguindo o exemplo de bons Diccionaristas”,omitiu neste dicionário “as numerosas citações e allegações queoccuparião huma boa parte do seu volume”, e limitou-se a “dar acada vocabulo as significações proprias e translatas, que se achãoem nossos classicos e são conhecidas dos eruditos”. Elaborou assimum volume in 4º pequeno, que não vai além das 850 páginas, (nãotem numeração de página) e que oferece cerca de 30.000 entradas,distribuídas, com grande legibilidade, em duas colunas. O anonima-to poderá justificar-se pela indissimulável proximidade em relaçãoao texto de M. Silva. Este dicionário teve pelo menos duas reedições(1817 e 1835) e deu verdadeiramente início à lexicografia portugue-sa monolingue de uso geral.Nas origens da lexicografia monolingue portuguesa podem aindaincluir-se: uma Encyclopedia Portugueza (1817) por N.P.O.S.D.E.S(Nicolau Peres ?) que não passou do 1º.tomo; um Diccionario Uni-versal da Lingua Portugueza “Por uma sociedade de Literatos” ini-ciado em 1818 e retomado em 1845 e que ficou igualmente inacaba-do (cf. infra, 6.3.1); e um Diccionario geral da lingua portuguezade algibeira “por tres Literatos Nacionaes” (1818-1821). Esta obrasofreu o desapreço de Inocêncio (cf. I. Silva, vol. 2, 136) e prova-velmente também do público, porque foi necessário relançá-la como rosto de uma 2ª. edição fictícia datada de1839. Trata-se em todo ocaso de um interessante documento lexicográfico, pela época emque foi feito, pela renovação e originalidade da nomenclatura (comespaço criterioso para a erudição, para os tecnolectos e para a neologiaem geral), pela precisão das definições e até pela redacção dos arti-gos.A produção de dicionários portugueses transferiu-se entretanto, nasua maior parte, e durante várias décadas, para França, e mais preci-samente para Paris, procurando, provavelmente, suprir a ausênciade recursos tipográficos suficientes para corresponder em Portugal

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à crescente solicitação deste género de textos. Esta circunstânciacoincide com a estadia em França (onde já viviam ou passaram aviver) alguns dos mais operosos dicionaristas portugueses, em con-dições de alargado contacto com a lexicografia estrangeira e de ine-vitáveis influências sobretudo francesas. Ali surgiram os decisivosmodelos dos dicionários práticos, publicados por José da Fonseca epor Roquete, entre outros, e o primeiro dicionário etimológico dalíngua portuguesa, assinado por Constâncio. Francisco Solano Cons-tâncio (c. 1772-1846), que publicara já 4 eds. de um dicionáriobilingue (franc.-port. e port.-franc., 1811/20/28/34), editou tambémum Novo diccionario critico e etymologico da Lingua Portugueza(1836), um dic. “mais amplo, completo e util que os ja existentes,posto que menos volumoso, e mais comodo no preço” (do textoprefacial “Advertencia”). Trata-se de um volume in 4º grande, comperto de mil páginas, que, na realidade, excede um pouco a expecta-tiva de um dicionário prático, quer pela sua configuração, quer pe-las características da sua composição e pelos elementos de informa-ção linguística que valoriza, especialmente a abundante acumulaçãosinonímica (“com reflexões criticas”), que preenche as glosas, e so-bretudo a análise etimológica. Sobretudo neste aspecto, o dicionaristarevela um bom conhecimento da lexicografia europeia do tempo (aprópria designação de “etimológico” começa a aparecer em dicio-nários franceses da década de 30). Cita na “Advertencia”, aludindoà dificuldade de estabelecer boa doutrina etimológica, a obra do “pro-fundo Horne Tooke” que “nem sempre acertou com a verdadeiraorigem das vozes” e os “Diccionários inglezes de Johnson, e o re-cente de M. Webster, em Francez a obra de Court de Gébelin e oDiccionario de M. Dubois de Roquefort, o italiano da Crusca, assimcomo o allemão de Wachter, e os trabalhos dos eruditissimos R. e H.Etienne e do celebre Vossio.” Todavia, o trabalho de Constânciomarca, neste ponto, e de um modo geral no respeitante à formaçãodas palavras, uma apreciada inovação na história da lexicografiaportuguesa. Sendo uma obra mista entre o prático e o erudito, podeconsiderar-se, em todo o caso, mais próxima do dicionário manual,e assim foi interpretado pelo público, visto que a solicitação comer-cial lhe garantiu mais de uma dezena de edições (quatro até 1852).A obra mais divulgada da lexicografia portuguesa parisiense e quepode ser tomada como referência modelo dos dicionários práticos,

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escolares, foi o Diccionario da Lingua Portugueza de José da Fon-seca, “feito inteiramente de novo e consideravelmente augmentado,por J.-I. Roquete”, publicado em 1848. José da Fonseca (c.1788-1866) assinara já antes (Paris 1829) a publicação de um Novo Dic-cionario da Lingua Portugueza, recopilado de todos os que até opresente se tem dado a luz”. Este dicionário foi reproduzido em va-rias reimpressões sem alteração (1830, 1831, 33, 36, 40, 43) e acom-panhado, a partir de 1833, por um Diccionario de Synonymos, domesmo autor como se fosse um 2º.vol. de uma única obra. Mas foicertamente José Inácio Roquete (1801-1870), apresentado comosegundo autor, o principal responsável pela qualidade e funcionali-dade do novo dicionário, publicado a partir de 1848, juntamentecom o 2º vol. – Diccionario dos synonymos, poetico e de epithethosda lingua portugueza. Os dois volumes mantiveram sempre umacerta autonomia. O 2º. tem sido profusamente reeditado até aos nos-sos dias, mas o 1º., que especialmente agora nos interessa, pareceter sido a obra que melhor correspondeu ao uso quotidiano, à solici-tação popular e à institucionalização do estudo da palavra, no ensi-no secundário liceal. O seu espaço de recepção alargou-se muitopara além dos “amantes da Litteratura Portugueza” (que os editoresdo Dic. de M.Silva identificavam como seus destinatários ), e, se-gundo o esclarecimento do autor, no “Prologo”, passou a integrar “ohomem de sociedade, o estadista, o orador parlamentar, o advoga-do, o publicista, o commerciante, o estudante de humanidades quenão têem tempo para longas investigações”. Todos estes devem dis-por “d’um diccionario que lhes explique succintamente a significa-ção das palavras portuguezas, e em que achem promptamente o quebasta para bem conhecer a sua lingua e evitar frequentes erros”.Roquete assumiu no “Prologo” da sua obra, a concepção do manualessencialmente utilitário : “Se o primeiro livro d’uma nação é, comodisse um sabio francez, o diccionario de sua lingua, o livro de maisgeral utilidade sera um diccionario manual em que, sem omittir ne-nhum dos vocabulos antigos e modernos, que são verdadeiramenteda lingua, se offereção aos nacionaes em volume commodo e porta-til todas as accepções de bom cunho, desembaraçadas de muitasantiquadas e obsoletas que tanto pejão os diccionarios maiores, eque o illustrado uso tem reprovado como superfluas e de mao gos-to”. O Dicionário de Roquete, com as suas 50.000 entradas, com a

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simplificação dos artigos, com uma renovada informação gramati-cal (que inclui, entre outros aspectos, os regimes e as conjugaçõesdos verbos irregulares), com uma opção ortográfica moderna e exem-plar, com um preço certamente acessível (visto que foi reimpressodurante anos sucessivos, pelo menos até 1875), tornou-se o mais in-fluente modelo para esta abundante produção dicionarística, que ge-neralizou o uso do dicionário na escola, em casa e nos locais de traba-lho. Eça de Queirós, dizem, manuseava o “Roquete” com assiduidade.Ainda em Paris, entre 1858 e 1879, foi impresso e reimpresso, emformato de bolso, um “Novo diccionario portatil da lingua portugue-za, compilado dos diccionarios mais modernos”, sob a direcção deMiguel Martins Dantas († 1910). Trata-se de um dicionário de sinóni-mos. Os artigos são preenchidos de modo esquemático com equiva-lências sinonímicas, recorrendo raramente a uma simplificada redacçãolexicográfica para explicar as palavras de significação gramatical.A tradição dos dicionários de língua breves e leves teve, no final doséculo passado e no início do presente, um renovado impulso, espe-cialmente motivado pela discussão ortográfica, pela actualização dosestudos filológicos e linguísticos, e sobretudo pelo incremento daescolarização. A par da designação geral de “Dicionários da línguaportuguesa”, apresentam em subtítulos um conjunto de qualifica-ções que apontam no sentido da valorização das informações lin-guísticas (“etimológico”, “morfológico”, “ortoépico”, “ortográfico”,“prosódico”), da sua orientação escolar (“académico”, “elementar”,“do estudante”, “escolar”) e da sua acessibilidade comercial (“po-pular”, “portátil”, “prático”). Poderão citar-se, neste âmbito, entrevários outros, os trabalhos de António José de Carvalho (?) e Joãode Deus (1830-1896), Francisco Adolfo Coelho (1847-1919), Agos-tinho de Campos (1870-1944), Francisco Torrinha (1879-1955),Augusto Moreno (1870-1955).

6.3. A divulgação do dicionário de língua e a sua adequação ao uso quo-tidiano e à exercitação escolar, constitui o facto mais relevante nahistória da lexicografia portuguesa dos séculos XIX e XX. O dicio-nário, omnipresente e sempre disponível, instituiu-se como textofortemente padronizador da língua e como chave de acesso à signi-ficação de um vocabulário cada vez menos apoiado pela aprendiza-gem do latim, e cada vez menos imposto como exercício de memó-ria, na programação escolar.

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A democratização do dicionário não esgotou, todavia, a reelaboraçãoe o aprofundamento da pesquisa lexicográfica sobre a língua portu-guesa. Em Portugal surgem, a partir da segunda metade do séc.XIX,alguns dicionários que, sem atingirem dimensões impressionantes,podem ser considerados grandes, tendo em conta o espaço editorial,científico e nomeadamente o modesto investimento filológico noâmbito dos estudos da língua portuguesa. Entre eles, além do dic. deM. Silva, acima referido, podem incluir-se o Novo diccionario dalingua portugueza (1849) de Eduardo Faria e a correspondentesequência editorial de José Maria de Araújo Correia de Lacerda; oGrande Diccionario Portuguez ou Thesouro da Lingua Portugueza(1871/74) iniciado pelo Dr. Frei Domingos Vieira; o DiccionarioContemporaneo da Lingua Portugueza (1881) feito sobre um planode Francisco Júlio Caldas Aulete; o Diccionario Universal PortuguezIllustrado (1882ss.) editado por Henrique Zeferino de Albuquerque;o Novo Diccionario da Lingua Portuguesa (1899) por Cândido deFigueiredo; o Dicionário Geral e Analógico da Língua Portuguesa(1948/52/58) por Artur Bivar; e o Grande Dicionário da Língua Por-tuguesa (1949/59) sob o nome autoral de António de Morais Silva.Estudos monográficos sobre a elaboração destes dicionários (atéagora quase totalmente inexistentes), e em especial sobre os proble-mas suscitados pela sua dispendiosa confecção material, muito po-deriam contribuir para o esclarecimento da história da tipografiaportuguesa e para a compreensão do ambiente cultural e em espe-cial da linguisticografia. Estas obras, ainda que possam ser relacio-nadas com modelos da lexicografia estrangeira, afirmam uma certaoriginalidade no espaço linguístico português. Têm entre si valordesigual e características muito diferentes, e pode dizer-se, numaapreciação global, que preenchem com bastante mérito, a lexicogra-fia de uma língua que não chegou a produzir, durante dois séculos,um dicionário completo de academia.

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Entre o conjunto de obras citadas, a que oferece menos originalida-de é o dic. universal, editado por H. Z. de Albuquerque, coordenado erevisto primeiro por Francisco de Almeida (1838-1918) e a partir do 2º

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tomo por José Fernandes Costa Júnior (1848-1920), é um trabalho de tipoenciclopédico, como o título indica, e não especificamente linguístico. Foielaborado segundo o plano do Larousse, traduzindo em grande parte o tex-to francês. Teve todavia, a colaboração de “principaes escriptores” portu-gueses (entre os quais Camilo C. Branco que louvou publicamente a reali-zação) e brasileiros. Por sua vez, a informação linguística, lexicográfica egramatical, parece bastante criteriosa e abundante, com algum excesso determinologias técnicas. A relação com os dicionários Larousse continuar-se-ia, na lexicografia portuguesa com o Novo Diccionario EncyclopedicoLuso-Brasileiro organizado e publicado pela Livraria Lello em 2 vols. ecom muitas reedições.

Outros dicionários universais foram publicados em Portugal. Al-guns ficaram incompletos, mas reuniram ainda assim, um material lexico-gráfico considerável. O primeiro de entre eles foi o “Diccionario Univer-sal da Lingua Portugueza, no qual se acham: -1º Todas as vozes da linguaportugueza antigas e modernas, accentuadas segundo a melhor pronuncia,com as diversas accepções, etc. -2º os nomes proprios da fabula, historia egeographia antiga. -3º todos os termos proprios das artes, sciencias, officios,etc. -4º a etymologia das palavras, etc.” (Lisboa, na Imp. Régia, distribuídopor cadernos, com interrupções entre 1818 e 23) parece ter terminado naletra E- (“Ezteri...” p. 895). Dizia-se feito “por uma sociedade de litteratos”e julga-se que a edição foi inicialmente empreendida por Nicolau Perez(espanhol) e continuada por Inocêncio da Rocha Galvão († c. 1864 no Riode Janeiro).

Um segundo Diccionario Universal da Lingua Portugueza começoua ser publicado em 1844, (Lisboa, tip. António José da Rocha), por iniciativado editor José António Coimbra, e sob coordenação e redacção de PedroCiríaco da Silva († c. 1856) que tinha já colaborado no de 1818. A obra foidistribuída em “cadernetas” soltas com grandes interrupções até, pelo me-nos, 1859. Terá terminado pela letra L-, aquém das 1800 páginas.

O dicionário de Eduardo de Faria (1823-1860?) anunciava-se tam-bém como um dicionário universal, logo na página de rosto, em que, a parda informação linguística, naturalmente predominante (completada por umdic. de sinónimos anexado a quase todas as edições), se acrescentava tam-bém, além das terminologias técnicas e científicas, uma nomenclaturatoponímica – “Contendo todas as vozes da lingua portugueza, antigas oumodernas, com as suas varias accepções, acentuadas conforme à melhorpronuncia, e com a indicação dos termos antiquados, latinos, barbaros ou

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viciosos. – Os nomes proprios da geografia antiga e das principais terrasde Portugal. – Todos os termos proprios das sciencias, artes e officios, etc.,e sua definição analytica.” A informação enciclopédica era muito diminutanesta primeira edição. Todavia, a obra, não obstante a inospitalidade críti-ca com que foi recebida, beneficiou de uma importante e inopinada divul-gação com 7 reedições entre 1849 e 1874 (uma no Brasil). Correspondendoà crescente procura do público pela informação histórico-literária (verifi-cava-se, nesse tempo, uma grande rarefação e carência de lexicografia en-ciclopédica em Portugal, até Garrett foi convidado, em 20/1/1843, paracooperar na feitura de uma enciclopédia), os editores alargaram a nomen-clatura histórica, literária, e enciclopédica em geral, com prejuízo da infor-mação linguística. Nas últimas duas edições, assinadas por D. José M. A.A. Correia de Lacerda, (que reelaborara já grande parte do texto de Faria,desde a ed. de 1858) a obra passou mesmo a ser apresentada com o títulode “Diccionario Encyclopedico ou Novo Diccionario da Lingua Portu-gueza, para uso dos portuguezes e brazileiros, o mais exacto e mais com-pleto de todos os Diccionarios até hoje publicados.” E. de Faria (sem es-crúpulos de atribuição de autoria e de propriedade literária, segundo aopinião dos seus contemporâneos) compôs um característico dicionário deacumulação de nomenclaturas, como ele próprio confessa no “Prologo”:“Reuni todos os Diccionarios Portuguezes que pude alcançar e tomandopor base o melhor de entre elles, acrescentei-lhe todos os termos que nãocontinha e que achei nos outros”. Os artigos não têm citações, mas ofere-cem, por vezes, boas análises do espectro semântico dos lexemas. A obrafoi muito censurada por jornalistas e estudiosos do tempo (entre outras“accusações gravissimas” considerou-se o trabalho “uma compilação feitaao acaso”, denunciou-se o excessivo aproveitamento do francês Bescherelle,anotaram-se “definições confusas, muitas vezes defeituosas nas significa-ções dos vocabulos, e disparatadas quasi sempre nas dos termos technicosou scientificos; contradições flagrantes nas etymologias; etc.”; cf. I. Silva1858-1958, vol. 2, 222), mas não deixou de marcar uma forte presença noespaço dicionarístico português, e pode ser tomada como um excelenterepositório para a história da língua e do vocabulário da técnica e da ciên-cia nos meados do séc. XIX.

A última grande tentativa portuguesa de elaboração de um dicioná-rio universal teve lugar ja no inicio do séc. XX. Trata-se da EncyclopediaPortugueza Illustrada dirigida por Maximiano Augusto de Oliveira Lemos(1860-1923). Ao longo de 11 grandes volumes dá entrada a uma larga no-

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menclatura linguística com indicação de muitas etimologias, com registode frases fixas e com bastantes abonações.

As últimas grandes tentativas portuguesas de elaboração de grandesdicionários universais tiveram lugar já no início do séc. XX. Salientamosentre eles a Encyclopedia Portugueza Illustrada (cf. Lemos s. d.) dirigidapor Maximiano Augusto de Oliveira Lemos (1860-1923). Ao longo de 11grandes volumes dá entrada a uma larga nomenclatura linguística com in-dicação de muitas etimologias, com registo de frases fixas e com bastantesabonações. Com o mesmo número de volumes, foi publicado em fascícu-los, ao longo da 2a década, e destinado a um público popular, um Dicciona-rio Universal Illustrado Linguistico e Encyclopedico, dirigido por Eduar-do de Noronha, em que são predominantes a informação e nomenclaturaenciclopédicas (cf. Noronha s. d.).

Poderá ainda acrescentar-se uma referência à Grande EnciclopédiaPortuguesa e Brasileira que é também um dicionário de língua e que ini-ciou a publicação em 1935, prolongando-se por 40 volumes até 1960.

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A obra mais volumosa, de mais trabalho original e mais especifica-mente linguística, entre a lexicografia portuguesa do séc. XIX, é o GrandeDiccionario Portuguez ou Thesouro da Lingua Portugueza pelo Dr. FreiDomingos Vieira († 1854), publicado em 5 vols., no Porto, pelos livreirosErnesto Chardron e Bartolomeu H. de Moraes, 1871 (aliás 1872), 1873, e1874. O manuscrito de D. Vieira foi retomado, concluído e preparado parapublicação por um conjunto de colaboradores, entre os quais foram dadosa conhecer os nomes de Adolfo Coelho (1847-1919), já então conceituadocomo um dos “introdutores da ciência filológica em Portugal”, e de TeófiloBraga (1843-1924).

O dicionário apareceu a público, anunciado como um trabalho deciência renovada. O 1º tomo abre com dois importantes textos de informa-ção teórica e histórica, de cada um destes autores, respectivamente: “Sobrea lingua portugueza” e “Sobre litteratura Portugueza”. No início do 2º tomo,de modo a “não engrossar” a introdução do 1º, apresenta-se uma“Chrestomathia historica da lingua portugueza”. Estes textos, ainda queapresentados com uma certa autonomia em relação ao “corpus” lexicográ-fico, pressupõem entre os objectivos da organização do dicionário, um es-

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clarecido predomínio da componente linguística e simultaneamente a es-colha do texto patrimonial, com relevo para o literário, como fonte privile-giada para a pesquisa e caracterização do fundo lexical da língua portugue-sa. A nomenclatura aparece multiplicada com formas flexionadas de várioslexemas, documentadas frequentemente em extensas textualizações literá-rias. Um verbo, por exemplo, pode dar lugar a uma série de entradas, apartir das suas flexões, para além da forma do infinitivo, que se distribuempela respectiva ordem alfabética, com as suas glosas plenas de abonaçõesde “bons autores”.

Também esta obra suscitou ásperas dissensões no ambiente cultu-ral português, mas a maioria dos literatos receberam-na auspiciosamente.Camilo C. Branco é um dos apologistas, observa que Fr. D. Vieira deixa-ra o trabalho apenas bosquejado “e muito longe da sua plenitude em rela-ção a este nosso tempo muito mais exigente em estudos filologicos doque na epoca em que o douto frade organisava o seu vocabulario” e acres-centa, justificando a excessiva extensão das transcrições que autorizamalgumas formas: “Quem procura aquilatar o valor proximo e remoto dapropriedade de um termo, de certo se não enfada com vel-o repetido eabonado com a authoridade de vários authores. Esta satisfação é uma dasgrandes benemerencias do Grande Diccionario”. (Primeiro de Janeiro1875, 1 de Abril).

Entre as críticas da época, além da incriteriosa aceitação de formas“hapax” como “abrixa” e “agudar”, a que mais avulta é a que lhe atribuiuma excessiva dependência da informação etimológica alheia e das defini-ções do francês Littré.

O Grande Dicionario de D. Vieira, no que respeita à sua técnicalexicográfica, sofre de uma certa disformidade na selecção e estruturaçãoda nomenclatura e no equilíbrio das citações (tão extensas que, mais doque um dicionário, parece às vezes uma antologia literária), e ainda nesteaspecto, o que mais lhe retira modernidade e lhe prejudica o seu aproveita-mento actual é a deficiente qualidade e a insegurança no que respeita àlição do texto patrimonial citado nas abonações. Os autores estavam con-dicionados por um leque de edições pouco cuidadas sob o ponto de vistafilológico, e em número relativamente reduzido, se atendermos ao espaçoescritural da língua portuguesa entretanto recuperado.

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Publicado em 1881, em Lisboa na Imprensa Nacional, o “Dicciona-rio Contemporaneo da Lingua Portugueza – Feito sobre um plano inteira-mente novo”, foi o primeiro grande dicionário do séc. XIX que se manteveno mercado até à actualidade. Foi na sua maior parte elaborado por AntónioLopes dos Santos Valente (1839-1896), dando seguimento a um plano deCaldas Aulete (1823-1878) que faleceu quando a redacção do dicionário queele dirigia tinha apenas chegado ao final da letra “A”. O seu nome ficoutodavia a prevalecer como referência autoral. No texto introdutório (23 pági-nas longas), sob o título de “Plano”, Caldas Aulete esboça uma incipientereflexão lexicográfica que merece leitura, sobretudo pelo diagnóstico críticosobre “o estado em que se acham os estudos da sciencia lexicologica” portu-guesa. Trata-se de uma análise breve e não sistemática, nela se comparamexcertos dos dicionários de Roquete, de Lacerda e de Morais, e se recolhemainda muitos exemplos de erros de nomenclatura e de definições deficientes,repetidos em sucessivas edições, visto que os “diccionarios portuguezes ge-ralmente adoptados no uso e no ensino são machinalmente copiados uns dosoutros” (p. I). Este texto prefacial de Aulete (suprimido em todas as ediçõessubsequentes), define alguns objectivos do trabalho e adianta esclarecedorasinformações sobre as suas características, nomeadamente no que respeita aoâmbito muito alargado da sua nomenclatura. Não se trata de “um diccionarioexclusivamente classico”, limitado aos “vocabulos abonados pelos mestresda lingua”, pelo contrário, acolhe “os neologismos sanccionados pelo uso epela necessidade, e os termos technicos, que, com o desenvolvimento dainstrucção publica, tem passado para a litteratura e para a linguagem da con-versação” e também “os archaismos, que com mais frequencia se encontramnos classicos dos seculos XVI e XVII, e aquelles que são radicais de pala-vras derivadas existentes na lingua actual” (p. I). Na explicitação do “plano”,o autor distingue 4 “secções “ ou parâmetros lexicográficos (p. XVI/XXIII).

1) A “formação” das palavras, que inclui a via popular, a via literá-ria (erudita), e ainda os estrangeirismos, os neologismos resul-tantes do percurso histórico da língua, a onomatopeia, e as ter-minologias da ciência e da técnica. A propósito da “formação”,reflecte-se também sobre a analogia e sobre a etimologia.

2) A “orthografia” que se pretende predominantemente “fonética”para as “palavras populares” e “etymologica” para os “termos deorigem erudita e historica”.

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3) A “pronunciação”, para a qual se invoca a autoridade de AntónioJ. Viale e Gonçalves Viana, e que se baseia no princípio simplistae tradicional, lapidarmente enunciado: “São as pessoas eruditase illustradas da corte as que dão a lei e estabelecem o typo damais aprimorada pronunciação das linguas”. Parece ter tido es-cassa repercussão na feitura do dicionário .

4) A “significação” que se limita a uma brevíssima reflexão sobreas variações diacrónicas e estilísticas.

Além destes aspectos, o “plano” acrescenta ainda algumas orienta-ções para o tratamento da restante informação de índole gramatical e lexi-cográfica.

O dicionário de Caldas Aulete pode caracterizar-se em relação àdicionarística do seu tempo, por uma importante actualização da nomen-clatura lexical da língua portuguesa, por um esforço de rigor na utilizaçãoe nas referências das abonações, pela informação etimológica e gramaticale por uma cuidadosa classificação das variedades diacrónicas, geográficase estilísticas. O seu mérito pode em parte ser aferido pelo sucesso editorial.Teve as três primeiras edições em Portugal (1881, concluída por SantosValente; 1925, sob a direcção de J. Timóteo da Silva Bastos; 1948/52,actualizada por Vasco Botelho de Amaral e Frederico Guimarães Daupiás)e, pelo menos 5 edições no Brasil, a partir de 1958, consideravelmenteaumentadas.

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Publicado justamente no fim do século, completa o ciclo dos dicio-nários de acumulação, que se caracterizam pela excessiva valorização daquantidade da nomenclatura. Neste dicionário, segundo o testemunho doautor, na “Conversação preliminar”, retomam-se muitos textos do patri-mónio escritural português ainda inexplorados pelos dicionaristas anterio-res, especialmente de autores de teatro (António Prestes, Jorge Ferreira deVasconcelos, Simão Machado), de autores modernos (José Agostinho,Castilho, Latino, Herculano, Camilo) e outros (“Só em Antonio Vieira, seme depararam mais de quatrocentos vocabulos, que eu nunca vira em di-cionarios. Em Gil Vicente e Filinto, mais numerosa foi ainda acolheita”.”Conversação preliminar” VIII). Cândido de Figueiredo (1846-1925) alargou consideravelmente o espaço de inventariação do léxico por-

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tuguês, pesquisando, além dos clássicos e das palavras de boa nota, todosos arredores marginais da língua culta comum (“nada desperdicei do quefui colhendo: arcaismos e neologismos, derivações violentas e até erroneas,termos de significação duvidosa ou obscura, tudo alphabetei e reproduzi,julgando cumprir um dever”, ib. VIII). Especialmente abundante foi a re-colha de vocabulário coloquial e popular (“a linguagem popular mereceu-me longos e especiais cuidados, que reverteram na colheita de mais dequatro mil vocabulos e locuções, que não andavam nos diccionarios”, ibVII); de regionalismos (“provincianismos” na terminologia do autor); de“brasileirismos”; e de terminologias da “technologia scientifica”.

A abundância da nomenclatura, que logo na primeira edição se ele-vava a cerca de 110.000 entradas, distribuídas a duas colunas por dois vols.com 781 e 860 páginas (“muito mais de quarenta e quatro mil vocabulos,que não entraram nos mais recentes e menos imperfeitos dicionarios dalingua” – vol. 2, 879), é acompanhada pela ausência quase geral de cita-ções e por uma grande simplificação dos artigos, mantém todavia a infor-mação gramatical e etimológica. O redactor socorre-se de uma tabela de 237classificadores ou descritores, explicitados na “Chave de signaes e abrevia-turas” apresentada no início do 1º. volume, para facilitar a estruturação daglosa. Cândido Figueiredo retocou e ampliou ainda o seu dicionário nas edi-ções seguintes (2-1913; 3-1920/22) até à 4a. publicada já postumamente, em1926, mas ainda “corrigida e copiosamente ampliada” pelo autor, de modoque atingiu para cada volume 1110 e 1014 páginas com mais de 136.000entradas e ainda dois apêndices onomásticos: um “Indículo alphabético devários nomes geográphicos” e um “Appendículo alphabético de vários no-mes próprios pessoais, antigos e modernos”. A obra foi ulteriormente revistae acrescentada por J. Guimarães Daupiás e teve já cerca de 30 eds..

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O Dicionário geral e analógico de Artur Bivar (1881-1946) foi pu-blicado postumamente, sob a coordenação de Manuel dos Santos Ferreirae Maria Vitória Garcia dos Santos Ferreira. Compõe-se de duas partespublicadas separadamente mas planeadas para serem utilizadas de modointerligado. A primeira é o “dic. geral”, que ocupa dois grossos volumes decerca de 1500 p. cada um (1948 e 1952), e que retoma, com leitura e redacçãocuidadas, a nomenclatura e a substância lexical dos dicionários de Cândido

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Figueiredo e de Caldas Aulete. É um dicionário que pode ser qualificadode tradicional. A segunda parte é o “dicionário analógico”, um grosso vo-lume de cerca de 1800 p. (1958), que oferece, de modo inédito na históriada lexicografia portuguesa, uma tentativa de hierarquização semântica do“corpus” lexical. A estrutura lexicográfica aproxima-se de um classifica-dor enciclopédico. Todo o universo verbalizável, é organizado em grandesâmbitos semânticos (“noções gerais” / “matéria” / “matéria e espírito – ohomem” / “espírito”) que se subdividem em capítulos, secções e alíneas,num processo de análise e de crescente atomização, partindo do geral parao particular, de modo prático e sem constrangimento de doutrinas lógicasou filosóficas. As definições breves são acompanhadas pela acumulaçãode formas semanticamente relacionadas: sinónimos, parassinónimos,hiperónimos, antónimos, etc. “Em vez de traduzir palavras por outras pala-vras, numa sequência de puras tautologias inventariadas alfabeticamente,o dicionário analógico ordena o seu recheio por famílias de ideias, sugerin-do ao mesmo tempo as expressões que as traduzem em todas as modalida-des. Partindo da ideia para a palavra, resolve uma dificuldade muito maiore mais frequente que a de seguir da palavra para a ideia. O processo deagrupamento utiliza a analogia – daí lhe vem o nome, a analogia de caractersemântico, dispondo em torno de uma ideia central todas as que lhe estãoligadas por conexão, quer dizer pelas relações de contiguidade espacial etemporal, de sinonímia e antonímia, de variação, de tantas outras cujosliames a psicologia estuda no capítulo “associação de ideias” (Gaspar Ma-chado, “Prefácio”). O dicionário analógico é indexado por uma numeraçãoque se encontra referenciada nos artigos e nas acepções do dic. geral, per-mitindo uma fácil remissão entre as duas partes.

Este dicionário parece particularmente adequado para o apoio à ela-boração de texto escrito. Todavia, a sua volumosa configuração, devidasobretudo ao excessivo peso das terminologias técnicas e científicas, difi-culta o seu manuseio e retira-lhe grande parte da funcionalidade que costu-ma caracterizar os dicionários deste género. E assim, não obstante a suaoriginalidade, tem sido uma obra sem sequência editorial e, ao que julga-mos, com escasso aproveitamento.

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A “10a. edição revista, corrigida, muito aumentada e actualizada”(12 vols. 1949-59) do Grande dicionário da língua portuguesa constitui

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uma das últimas e, até ao momento, a mais importante realização da dicio-narística portuguesa. Foi levada a cabo por Augusto Moreno (1870-1955,assinala-se o seu falecimento a partir do vol. IX), José Francisco CardosoJúnior (1884-1969), teve também a seu cargo a “secção lexicográfica” daGrande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira) e José Pedro Machado (1914,que foi o mais operoso dicionarista português do século XX), retomando aobra do velho mestre do séc. XVIII, e acumulando a informação de grandeparte da lexicografia subsequente. Colige uma abundantíssima nomencla-tura (306.949 entradas), e assume-se como um dicionário geral da línguaportuguesa, autorizado e acentuadamente histórico. Oferece ainda a maiscompleta análise de acepções e a mais extensa recolha de “unidadesvocabulares compostas”, conjuntos locucionais, sintagmas fixos, formasproverbiais, etc.. O aspecto mais meritório deste empreendimento é justa-mente o da textualização sistemática e medianamente rigorosa do léxicoportuguês, variando e referenciando as abonações, recolhidas num alarga-do património escritural pancrónico, em que abundam também os autoresmodernos, portugueses e brasileiros. O XII volume compõe-se de uma“Adenda” onde se reedita o Epítome de Gramática Portuguesa de Antóniode Morais Silva, seguido do texto do Acordo Ortográfico de 1945 e de umasérie de vocabulários com destaque para o Vocabulário Onomástico e parauma Adenda de Novos Vocábulos e Sentidos Novos em VocábulosRegistados. A obra esgotou-se com relativa rapidez no mercado livreiro(teve uma tiragem de 5.000 exemplares) e não foi reeditada. Sob pretextode manuseabilidade, foi lançada a público uma versão parcial, designada“compacta” (“Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa. Ediçãocompacta do texto fundamental do Grande Dicionário da Língua Portu-guesa, segundo a 10a. edição revista...”) que é pouco menos que uma frau-de editorial, porque se excluíram dela totalmente as abonações, mantendouma configuração de 5 pesados volumes com uma nomenclatura entumes-cida por uma grande quantidade de vocabulários especializados, de utili-dade duvidosa, e que lhe retiram funcionalidade. Esta edição teve, entre-tanto, varias reimpressões.

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Com a 2ª ed. do Dicionário da língua portuguesa, a Academia dasCiências de Lisboa iniciou, em 1976, uma nova tentativa de publicação de

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um dicionário autorizado, institucional, da língua portuguesa. Tal comoem 1793, este empreendimento, ambiciosamente concebido, não passoudo 1º. vol. (678 p.) e foi suspenso antes de entrar na letra “B”. O plano foraapresentado por Jacinto do Prado Coelho, em Sessão Plenária da Acade-mia (9/7/59), e foi depois inserido, com algumas alterações, entre os textosintrodutórios do volume. Previa a elaboração de um “dicionário selectivo”da língua portuguesa contemporânea (sécs. XIX e XX), constituído por 3vols. duplos, num conjunto de 6 tomos. Ficou como texto documental,juntamente com toda a obra, a testemunhar, pela sua expectante incomple-tude, a necessidade, até então não preenchida, de um dicionário da línguaportuguesa contemporânea, “literária e corrente” e de um “dicionário dalíngua literária clássica” que servisse para manter a intercomunicação como património literário português, um “dicionário académico” que “deveriautilizar largamente as autoridades da língua para abonar e concretizar omais possível as acepções, os valores estilísticos e as circunstâncias contex-tuais do emprego” (p. XII). Um novo projecto do dicionário da Academia,coordenado por Malaca Casteleiro, foi entretanto concluído e publicadoem 2001 com o título: Dicionário da Língua Portuguesa Contemporâneada Academia das Ciências de Lisboa.

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A lexicografia portuguesa é uma das mais modestas entre as gran-des línguas europeias. Não foi considerada, nesta resenha panorâmica, aprodução do Brasil, que deve ser também apreciada como um contributointeressante para ampliar o espólio dicionarístico da língua portuguesa.Actualmente, o trabalho lexicográfico, em Portugal, como um pouco portodo o mundo, está implicado num processo de grandes transformações,condicionadas pelo rápido desenvolvimento das tecnologias de pesquisa ede tratamento informático. Entretanto a especialização das ciências da lin-guagem tem propiciado novas vias de análise do “corpus” léxico-gramati-cal, e tem dado lugar a uma elaboração dicionarística diversificada em fun-ção de objectivos específicos. A investigação lexicográfica tem sidoorientada no sentido de produzir múltiplos instrumentos de apoio à escola-rização da língua, ao estudo da sua história, ao levantamento das seriaçõese dos sistemas paradigmáticos, ao reconhecimento estatístico do vocabulá-

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rio mais frequente do uso comum, e ainda a um renovado acesso ao patri-mónio escrito e nomeadamente ao texto literário, indexando de modo exaus-tivo o “corpus” lexical de vários textos, de modo a facilitar a sua análisehistórica, estilística e poética, detectando incidências e coincidências atéao nível dos microsignificantes. No âmbito desta diversificação fecunda,ainda que muito menos ampla do que seria de esperar, devem referenciar-se alguns trabalhos que se destacam pela sua divulgação ou pela sua origi-nalidade e pelo seu interesse científico.7.1. A ortografia, a uniformização e fixação das soluções ortográficas, e

o apoio ao ensino e à pratica normalizada, preenchem o domíniomais abundante da lexicografia linguística especializada portugue-sa. A demora em instituir um código ortográfico oficial e legalmen-te sancionado (a primeira lei ortográfica portuguesa é de 1911), e assucessivas discussões e alterações a que foi sujeito, até ao presente,explicam bem a dificuldade em induzir uma consciência linguísticauniformizadora ao nível da prática individual da escrita. Assim, atéà reforma ortográfica de 1911, publicaram-se listas e vocabuláriosortográficos propondo soluções optativas de escrita. A obra maiscompleta, mais bem fundamentada, e que teve mais influência naulterior oficialização da ortografia, foi o Vocabulário ortográfico eortoépico da língua portuguesa (1909) de Aniceto dos Reis Gon-çalves Viana (1840-1914) que apresenta ao longo das suas 900 p.cerca de 80.00 formas, acompanhadas de uma esquemática infor-mação gramatical e de eventuais indicações ortoépicas.Entretanto, merecem também citação, neste âmbito, pelo seu inte-resse metalexicográfico, obras como: o Diccionario da maior partedos termos homonymos... (1842) de António Maria do Couto (1778-1843); a Chave dos dicionarios (1892), “por meio da qual se podemprocurar todas as palavras nos dicionarios , e se obtem a ortografiados vocabulos em todas as linguas, segundo o plano de P. Boissière,adaptada à indole e usos nacionais”, por A. P. do Amaral; e ainda oDiccionario Homophonologico da Lingua Portuguesa (1901), “(uni-co no genero em Portugal). Colligido, coordenado, annotado e exem-plificado, em harmonia com os mais recentes trabalhos orthoepicos,glottologicos, orthographicos, etymologicos, linguisticos, onoma-tologicos e logotechnicos”, por Augusto Pinto Duarte Vasconcelos.São trabalhos expressamente destinados a superar a relativa anar-quia ortográfica que dificultava o acesso aos próprios dicionários.

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Depois da reforma ortográfica de 1911, a Academia das Ciências deLisboa publicou, sob a direcção de Francisco da Luz Rebelo Gon-çalves (1907-1982), um cuidadoso Vocabulário Ortográfico da Lín-gua Portuguesa (1940). Regista, na primeira parte, cerca de 140.000entradas de vocabulário comum, com a respectiva informação gra-matical e algumas indicações ortoépicas, na segunda parte acres-centam-se 17.000 entradas de nomes próprios. Este vocabulário foiaceite como referência normalizadora para a fixação da nomencla-tura em quase todos os dicionários escolares e práticos publicadosapós a sua divulgação. A Academia publicou ainda, na sequência deuma recomendação da Conferência Luso-Brasileira (Protocolo deencerramento de 6 de Outubro de 1945, nº 3), um Vocabulário Orto-gráfico Resumido da Língua Portuguesa (1947, reed.1970), aceitetambém pela Academia Brasileira de Letras, que deveria constituir“o inventário das palavras básicas da Língua e o prontuário das alte-rações da escrita portuguesa consequentes do entendimento a que sechegara”.

7.2. A história da língua suscitou um bom número de trabalhos de índo-le lexicográfica. Entre eles devem lembrar-se os dicionários etimó-logicos de Antenor Nascentes (1932), de José Pedro Machado (1952-59, revisto e melhorado na 2. ed. 1967), de António Geraldo da Cunha(1982, 2. ed. 1986), e ainda o incompleto dicionário de AugustoMagne (1950-54), as anotações históricas de Ramón Lorenzo Sobrecronologia do vocabulário galego-português (1968), e o DictionnaireChronologique Portugais (1976) de Dieter Messner. Seria oportunoacrescentar aqui, se não foram tão numerosos, a notícia dos glossá-rios que têm acompanhado a edição de textos medievais e clássicos.Em todo o caso, espera-se que os recursos técnicos da moderna lexi-cografia tragam a este domínio, uma rápida melhoria de produção,em quantidade e qualidade e um fácil acesso aos materiais elabora-dos. Ainda neste âmbito, deve assinalar-se a próxima apresentaçãodo dicionário do português medieval coligido por António Geraldoda Cunha e precedido pela publicação parcial do Vocabulário Histó-rico-cronológico do Português Medieval, será certamente a maiscompleta e a mais documentada informação sobre o léxico do por-tuguês medieval.

7.3. Dicionários paradigmáticos ou morfológicos pode ser a designaçãoadoptada para as obras de teor lexicográfico que hieraquizam o voca-

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bulário por classes de palavras, por categorias gramaticais ou poroutros subsistemas morfológicos. Para o português, os mais divul-gados, até ao momento, têm sido os dicionários de verbos (Lopes1983; Nogueira 8a.1986), mas devem incluir-se também os dicioná-rios de rimas (Guerreiro 1784; Castilho 1874; Lima 1904?/1914;Castelões 1951 – cf. E. Verdelho 1990), os dicionários inversos (Wolf1971; Pardal ...), os de monossílabos (Casanovas 1968). Especialreferência é devida ao Dicionário Morfológico da Língua Portu-guesa (Evaldo Heckler, 1984) que oferece o mais completo levanta-mento de “famílias de palavras” na língua portuguesa (“85.456 pa-lavras classificadas em 5.489 famílias de cognatos”).

7.4. O Português fundamental (1984-1987) corresponde a um projectode pesquisa lançado pelo Centro de Linguística da Universidade deLisboa, com base na metodologia utilizada para a elaboração doFrancês Fundamental. Foi iniciado em 1969 e apresentou a públicoos primeiros resultados, um Vocabulário de 2217 palavras, em 1984,seguidos da publicação de textos complementares: Métodos e Do-cumentos, vol. z1: Inquérito de Frequência (1987), vol. 2: Inquéritode Disponibilidade (1987). Trata-se de uma investigação inteiramentenova, em Portugal, sob o ponto de vista lexicográfico, porque aceitaparâmetros essencialmente estatísticos de qualificação e de selecçãodo “corpus”, e porque toma como objecto de observação e de análi-se a língua comum, em realizações predominantemente oralizadas,e não tanto o léxico textualizado em realizações escritas e geral-mente literárias. Para além dos objectivos pedagógico-didácticos quenortearam a composição e delimitação do pequeno vocabulário fun-damental, a massa de dados recolhidos para este projecto, vem cons-tituindo uma fonte inexaurível, e desde então indispensável, paraqualquer empreendimento no âmbito da lexicografia geral da línguaportuguesa.

7.5. A lexicografia linguístico-literária que oferece o levantamento exaus-tivo do “corpus” lexical de textos literários, ou de toda a obra dosautores, é ainda incipiente, no espaço da língua portuguesa, e estámuito distante dos níveis quantiosos de produção que os novos re-cursos da informática vem oferecendo em outras línguas. Temosnotícia de muitos trabalhos parciais que foram abandonados ou seencontram inacabados e não foram ainda divulgados. Sirva de exem-plo a obra de Camões, que, na sua totalidade, foi objecto de uma

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alfabetação e indexação exaustivas, concluídas em 1985, por inicia-tiva de Aires do Nascimento, e todo esse conjunto de dados ficousem receber publicação. Foi justamente sobre a obra de Camões,mais precisamente sobre Os Lusíadas, que se realizaram os princi-pais trabalhos de lexicografia linguístico-literária da língua portu-guesa. Entre muitos outros (Verdelho 1984), salientam-se: o Dicio-nário d’Os Lusíadas de Afrânio Peixoto (1924), o Índice analíticodo vocabulário de Os Lusíadas de António Geraldo da Cunha (1966,2a. 1980), o Rimário de Os Lusíadas de Judith Brito de Paiva eSousa (1948, 2a. 1983) e o Índice Reverso de Os Lusíadas (Verde-lho 1981). Além dos trabalhos referentes à obra de Camões devecitar-se também um estudo pioneiro, ainda que muito parcelar, apre-sentado por Jean Roche: Sobre o vocabulário da poesia portuguesa(Paris 1975) em que se efectua um tratamento estatístico do vocabu-lário de 26 autores, de Sá de Miranda a Carlos Queirós.

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A actividade lexicográfica recobre hoje múltiplas modalidades deserviços linguísticos e condiciona a escolarização da língua, a sua disponi-bilidade e o seu funcionamento a todos os níveis de comunicação. Todavia,o acompanhamento lexicográfico dos idiomas, progressivamente alargadoe intensificado, parece corresponder, não tanto a um acerbamento do pro-cesso de comunicação verbal, mas sobretudo a uma instrumentação do di-cionário como chave hierarquizadora de toda a informação, e a uma cres-cente ampliação do “corpus” lexical, ultrapassando cada vez mais ascapacidades de memória dos falantes. Na realidade, os dicionários surgi-ram inicialmente e desenvolveram-se, em todos os grandes idiomas mo-dernos, sobretudo como instrumentos passivos, originariamente bilinguesem parceria com o latim, chaves de descodificação e de aprendizagem,apoiando a escolarização da língua, e especialmente a escrita e a leitura.Todavia, logo de início serviram também como instrumentos da estratégiaactiva da comunicação, apoiando a produção retórica e literária. Na histó-ria das lexicografias clássicas e modernas, muitas das obras mais interes-santes foram coligidas sob o signo da erudição linguística, e confessada-mente motivadas pelo enriquecimento da língua e da expressão, mais doque pela simples necessidade de acesso ao entendimento das palavras. No

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português essa tradição dicionarística foi também medianamente cultiva-da. A lexicografia de ilustração e de socorro ao ornamento escritural em-parceirou sempre com os dicionários práticos, que se limitavam a dar aces-so à compreensão e ao uso normal. O primeiro dicionário monolingueportuguês, lançado como volume autónomo e de manuseio aprazível, foium dicionário poético (Lusitano 1764), um dicionário activo, promotor daornamentação e da elegância.

A lexicografia portuguesa, no entanto, pelas suas modestas propor-ções, assume neste aspecto uma escassa representatividade. Foi condicio-nada pela urgência das necessidades básicas do ensino da língua. Assim, ouso intenso do dicionário monolingue desenvolveu-se em Portugal, com oinício da escolarização da gramática do português (manual de A. José dosReis Lobato – 1770/72), e verifica-se também que o aumento da produçãodicionarística (que oferecia apenas acesso à significação e a uma normaortográfica) acompanhou, a par e passo, o alargamento da instrução públi-ca e a democratização da escrita. Em todo o caso, a lexicografia linguísti-co-literária ocupou um lugar muito importante na história da produção dosdicionários de língua portuguesa e das outras grandes línguas.

Actualmente, as exigências da comunicação essencialmente infor-mativa, deixam pouco espaço para o cultivo da memória linguística eruditae ornamental. A procura lexicográfica actual é sobretudo determinada pe-las necessidades elementares de descodificação e de aramazenagem doconhecimento. Os dicionários são acumuladores de informação e agentespassivos da comunicação verbal e, nesta condição, são cada vez mais in-dispensáveis e necessários em maior número. O alargamento dos espaçosde interacção nas comunidades humanas e as dominantes científica e tec-nológica da civilização moderna, implicam as línguas em processos deespecialização, e de classificação e designação, produzindo quantidadesimensas de nomenclaturas, terminologias e inúmeros outros “corpus”lexicais particularizados. A lexicografia da língua portuguesa enfrenta nestaconjuntura uma perplexidade igual à que preocupa todas as grandes lín-guas e que atinge todo o processo de comunicação verbal do Planeta.

Entretanto, para além desta babel tecnológica e científica, a línguaportuguesa enfrenta também muitos outros problemas que resultam da suadispersão geográfica e internacional, da relativa marginalidade económicado seu suporte demográfico e de uma tradição de escasso cultivo diciona-rístico. Por estas e outras razões, carece urgentemente de uma decidida eampla pesquisa lexicográfica que lhe permita, pelo menos, a renovação e a

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elaboração desde a origem, de equipamento dicionarístico no domínio dalíngua histórica; do português moderno e contemporâneo; dos dicionáriospráticos; dos vocabulários escolares; dos glossários de paradigmas grama-ticais; das linguagens especializadas etc.. O idioma português se pôde fun-cionar e servir durante os primeiros três séculos da sua história de línguaescrita, sem dicionários, não pode agora, sem prejuízo grande da sua funci-onalidade e do seu enquadramento nacional e internacional, descurar a suaelaboração lexicográfica, instituindo-a, se tanto for necessário ao nível daresponsabilidade dos estados.

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Maria Tereza Camargo Biderman Universidade Estadual Paulista (UNESP)

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Nos primeiros séculos da colonização no Brasil processa-se lenta-mente a aculturação dos nativos por meio do idioma português, quando osjesuítas ensinavam os índios a falar português. O padre Anchieta informa-va seus superiores em Lisboa sobre o ensino do português aos índios, espe-cialmente aos meninos, dizendo que eles aprendiam bem o português (Sil-va Neto, 1976: 32). Contudo, nestes primeiros séculos, a língua portuguesaencontrara em terras brasileiras um forte concorrente, o Tupi, uma línguafranca, empregada em grande parte do território brasileiro. Essa línguageral era indispensável para a comunicação com os indígenas. Por outrolado, não só eles eram muito numerosos mas eram também os que conhe-ciam o país, levando assim vantagem sobre o colonizador português.

A língua geral, falada em toda a costa brasileira, “era simples e dereduzido material morfológico; não possuía declinação nem conjugação”(Silva Neto, 1976: 50). Os jesuítas usaram-na como instrumento de evan-gelização dos indígenas. Diz Teodoro Sampaio (1987: 69):

Até o começo do século XVIII, a proporção entre as duas línguas fala-das na colônia era mais ou menos de três para um, do tupi para o portu-guês. Em algumas capitanias como S.Paulo, Rio Grande do Sul, Ama-zonas e Pará, onde a catequese mais influiu, o tupi prevaleceu por maistempo ainda. (...) Mas naqueles tempos, quando o desbravamento dossertões apenas começava e as expedições para o interior se sucediam(...) o tupi era deveras a língua dominante, a língua da colônia. Chega-ra até mesmo a ser aprendido pelos negros escravos.

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Outro fator bastante importante que, nos primeiros séculos, concor-reu para a expansão do idioma tupi, convertendo-o numa língua franca, foia implantação das bandeiras. Partindo do litoral rumo à conquista do ser-tão, essas entradas e bandeiras conduziam um verdadeiro exército de ho-mens que falavam a língua geral.

As bandeiras quase só falavam o tupi. E se, por toda a parte onde pene-travam, estendiam os domínios de Portugal, não lhe propagavam, to-davia, a língua, a qual, só mais tarde se introduzia com o progressos daadministração, com o comércio e os melhoramentos (Sampaio, 1987:71).

Os bandeirantes iam nomeando, com vocábulos tupi, os acidentesgeográficos que descobriam e os povoados que fundavam (Oliveira, 1999:61). Juntamente com os topônimos,

... a incorporação de vocábulos indígenas ao léxico do português doBrasil foi motivada pela necessidade imperiosa de nomear uma reali-dade até então desconhecida (Oliveira, 1999: 61).

Silva Neto acha, e talvez com razão, que Teodoro Sampaio e todosque o endossaram, exageraram; de fato, não possuíam muitos testemu-nhos e documentos fidedignos. Mas Teodoro Sampaio se respalda emtestemunho do Padre Vieira de 1694, que afirmara que a língua que sefalava era a dos índios e que o português os meninos iam aprender naescola. Pelo testemunho de Vieira e de outros, S.Paulo seria um dos luga-res onde a língua geral perdurou por mais tempo e onde haveria maior emais profundo entrosamento entre colonos portugueses e índios, sobre-tudo tupis. O governador do Rio de Janeiro recomendava a el-rei queenviasse sacerdotes que soubessem a língua dos índios em 1698, dada asua importância como veículo de comunicação. “Chegara até mesmo aser aprendido pelos negros escravos, falando eles desembaraçadamente alíngua geral” (Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará, apud Sil-va Neto, 59).

Há outros testemunhos mais. Domingos Jorge Velho, o bandeiranteque ajudou os portugueses a destruir o quilombo de Palmares em Alagoas,em 1695, precisava de um intérprete por não falar bem o português.

Contudo, não era apenas em S.Paulo que se falava a língua geral,mas também no Maranhão e no Espírito Santo e até o final do século XVIII.

Em 1815 informava Koster, um viajante inglês:

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Todos os indígenas em Pernambuco falam o português, mas raros opronunciam bem. Há sempre um leve acento que faz descobrir ser ointerlocutor um indígena, mesmo que se ouça sem querer notar (apudSilva Neto, 1976: 33).

Vieira também comentava sobre a maneira como os índios falavama língua portuguesa que “a pronunciavam ou mastigavam a seu modo”.Vieira constatara ainda a interferência dos idiomas nativos sobre o portu-guês.

Sérgio Buarque de Holanda julgava que a decadência da língua ge-ral começara a intensificar-se por causa de maciça imigração de portugue-ses para o Brasil, atraídos pela descoberta das minas gerais. Nos primeirossessenta anos do século XVIII, teriam emigrado de Portugal e das ilhas doAtlântico cerca de 600 mil pessoas, em média anual de 8 a 10 mil (Fausto,1996: 98). A Coroa portuguesa chegara até a estabelecer normas para aemigração, preocupada com o grande êxodo populacional. Além da imi-gração proveniente da metrópole, ocorria também migração interna no Brasilem decorrência da corrida do ouro em demanda a Minas, a Goiás e a MatoGrosso.

O processo “civilizatório” iniciado pela Coroa e por Pombal ampliaa presença da burocracia oficial, dos militares bem como a expansão doclero. São criados governos municipais em Minas e em outras capitanias.

Preocupada com os vazios demográficos, a Coroa Portuguesa iniciaa política de ocupação e colonização. Usando de incentivos, Pombal teriapromovido o povoamento do Brasil e uma urbanização sem igual no perío-do colonial. O Marquês fizera de seu irmão, Mendonça Furtado, governa-dor do Pará na segunda década do séc. XVIII, incumbindo-o de iniciar umprograma de civilização na Amazônia, urbanizando as vilas. A coroa revi-talizava assim o programa de imigração que promovera anteriormente comaçorianos no Maranhão e no sul do Brasil. Conseqüentemente, o recensea-mento de 1776 registrou 319 769 habitantes em Minas Gerais (Silva, 1994:547). Desse total a maioria eram negros escravos (52%); brancos (22%) epardos (25%).

Em 1828 o viajante Hercule Florence informava que o tupi já nãoera falado pela maioria da população em S.Paulo; mas que ouvira testemu-nho de que 60 anos antes (1768) as mulheres conversavam nesta língua(apud Silva Neto, 1976: 55). No Rio de Janeiro e em Pernambuco extin-guira-se há mais tempo o uso da língua geral.

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Tanto o índio como o negro aprenderam o português por necessida-de, mas deixaram marcas profundas na língua falada no Brasil.

Muitos negros que chegaram ao Brasil nos primeiros séculos da co-lonização, provavelmente já falavam um dialeto crioulo-português, pois oportuguês foi língua franca nas costas africanas nos séculos XV, XVI eXVII (Silva Neto, 1976: 38). Não há documentos, porém, desse linguajardos negros nos primeiros séculos. Como se sabe, na nascente sociedadebrasileira, os negros tiveram convivência mais íntima com os brancos nointerior da casa grande e as crianças brancas cresciam brincando junto comas negras. Esse é um dos fatores que contribuiu para o surgimento de umasociedade híbrida no Brasil.

Por outro lado, os colonos portugueses tinham vindo de todos ospontos de Portugal. Apesar de o Brasil ter sido povoado por portuguesesoriginários de regiões muito diversas, admite-se que o português já apre-sentasse notável unidade no século XVI.

Quanto ao vocabulário, os colonos portugueses foram enriquecendoseu vocabulário acrescentando-lhes vocábulos designativos de seres, coi-sas e fatos sociais americanos.

O desaparecimento paulatino do tupi começou a intensificar-se quan-do a coroa portuguesa passou a proibir o uso da língua geral: em 1717,1722 e 1727 “ordens régias determinavam que os missionários ensinassemportuguês aos índios” (Silva Neto, 1976: 59). Em 1754 o uso da línguageral foi proibido pelo Marquês de Pombal com a determinação de que sesó se falasse português na colônia. Mas o português não se impôs aos nati-vos de modo violento. Impôs-se por causa de seu prestígio e por represen-tar uma civilização mais avançada que a dos aborígenes. E também porqueera a língua da escola, da administração e da comunicação com o resto domundo, pois foram eles, os portugueses, a ponte entre o Brasil e o resto dahumanidade. Entretanto, os idiomas indígenas deixaram profundas marcasno português, sobretudo no léxico.

A importação de escravos africanos para o Brasil que se iniciara noséculo XVI, continuaria até meados do século XIX. Nesses quatro séculosquatro milhões (ou mais) de africanos das mais variadas culturas e línguasingressaram no Brasil. Muitas foram as línguas e culturas africanas trazidaspelos escravos: iorubá (ou ioruba) e nagô (da Nigéria), gege (do Daomé),mina (da Costa do Ouro), mandinga e haussá (da Guiné e da Nigéria),línguas bantus (de Angola e do Congo), quicongo, cabinda, etc. Na forma-ção da sociedade e da cultura brasileiras foi enorme a influência africana

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nos costumes e na cultura em geral (cozinha, religião, música, atitudes). Édifícil precisar a extensão da influência das línguas africanas na formaçãodo português brasileiro, porque não existem pesquisas profundas a esserespeito, sendo Renato Mendonça um dos primeiros a tratar cientificamen-te esta questão (A influência africana no português do Brasil, 1935). Ofato é que a influência dos idiomas africanos sobre o português brasileirofoi muito grande, sendo que essa influência exerceu-se com certeza novocabulário, sendo grande o número de africanismos no português do Bra-sil.

Nesta primeira fase da história do português brasileiro deve-se su-por a existência de uma situação de bilingüismo que não foi ainda estudadapelos pesquisadores.

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Nos meados do século XIX começara o debate sobre a identidadedo português brasileiro. Os escritores românticos, sobretudo José de Alen-car, reivindicavam para os brasileiros autonomia lingüística, cultural e lite-rária. Movidos por um profundo nacionalismo, os românticos empenha-ram-se na defesa dessa autonomia.

Como informa E. P. Pinto (O Português do Brasil) Alencar se re-fere a um português alterado, transformado, chegando a falar de um “cis-ma gramatical”. Sem ter disso consciência, o romancista estava, de fato,propugnando o direito dos brasileiros de escreverem conforme a normabrasileira, abandonando a norma européia. Ele afirmava que tinha o di-reito de escrever adotando o uso popular brasileiro. De fato, porém, acausa de Alencar era “muito mais a da liberdade do artista em matéria delíngua, que a independência da variante brasileira ...” (Pinto, 1978:XXVIII). Contudo, Alencar continuava a valer-se dos dicionários publi-cados em Portugal que retratavam o português europeu e mesmo das gra-máticas tradicionais, para defender-se de acusações de incorreções emseus livros.

Crescia progressivamente a consciência da identidade brasileiramanifesta na produção literária autóctone, bem como se avolumava o de-

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bate sobre a personalidade própria do português brasileiro. A questão dosneologismos foi o ponto central das polêmicas da segunda metade do sécu-lo dezenove. Assim, o vocabulário típico do Brasil estava no centro dodebate. Mas o que os intelectuais brasileiros desse período defendiam real-mente era o uso de neologismos brasileiros, lexias essas que se situavamno nível do signo, ou seja, palavras designativas de referentes e conceitosbrasileiros. Assim esses intelectuais não “abriam mão do pressuposto doBrasil ser reduto de vernaculidade” (Pinto, 1978: XXXI). Também nãoaceitavam a “pecha de incorreção lançada pelos portugueses aos escritoresbrasileiros” (Pinto, 1978: XXXII).

“A designação da língua do Brasil, incerta como a sua vigência,oscilava entre dialeto brasileiro (Alencar, Macedo Soares, Araripe, Rome-ro), luso-brasileiro ( Macedo Soares, Batista Caetano, Paranhos da Silva),luso-americano (Romero), neoportuguês (Araripe), brasileiro (MacedoSoares), enfim, o “nosso idioma”... (Pinto, 1978: XXXII). E língua brasi-leira (Macedo Soares, Dicionário).

Vejamos o que diz Macedo Soares:

Em geral , falamos esse dialeto, mas procuramos escrever um portu-guês que às vezes não é entendido, porque... digamos com franqueza:o português de Portugal não é inteiramente a língua do Brasil, e é raroescrever bem não sendo na própria língua (Soares, 1954: XX).

Macedo Soares designa o português do Brasil às vezes como diale-to, às vezes como língua brasileira. Esse lexicólogo e lexicógrafo, emboratrabalhando empiricamente, dedicou-se à pesquisa de campo, recolhendoregionalismos vocabulares no Paraná, Minas e São Paulo.

José Veríssimo, menos exaltado que os demais, enunciava o concei-to de uma norma culta, padrão para a fala e para a língua escrita: “Nadaobsta, porém, que haja um tipo, padrão geral da boa linguagem portuguesa,obrigatório para todos os que se prezam de cultos, e principalmente obri-gatório para aqueles que escrevem”, pois, “que devemos escrever comofalam os cultos é uma regra que ninguém desconhece.” (Pinto, 1978: XLIII).

Na segunda metade do século XIX a consciência da peculiaridadedo nosso léxico levou alguns estudiosos a organizarem e publicarem cole-tâneas vocabulares de caráter regional tais como:

Coleção de vocábulos e frases usados na província de São Pedro doRio Grande do Sul de A. Pereira Coruja (1852);

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Vocabulario Brazileiro para servir de complemento aos diccionariosda lingua portuguesa de B.C. Rubim (1853);Vocabulario indigena em uso na Provincia do Ceará de P. Nogueira(1887);Diccionario Brazileiro da Lingua Portugueza de A. J. Macedo Soa-res (1888);Vocabulario dos termos technicos de construção naval [ anexo de:Ensaio sobre as construções navaes indigenas no Brasil) de A. A.Camara (1888);Vocabulário sul-riograndense de Romaguera Corrêa (1889);Dicionário de vocábulos brasileiros de Beaurepaire-Rohan (1889).

De fato, porém, a primeira tentativa de descrever o vocabulário bra-sileiro foi feita por Antônio Joaquim Macedo Soares. Ele seria o primeirodicionarista a descrever o português brasileiro se sua obra tivesse sido pu-blicada integralmente no século dezenove. Contudo, só a primeira parte,até a letra C, foi publicada em 1888. Seu dicionário contém definiçõesclaras e precisas bem como informações de natureza fonética e etimológi-ca. A posição nacionalista de Macedo Soares que pugnava pelo reconheci-mento da individualidade do português brasileiro está evidente nesta pas-sagem: “... no Brasil (...) todos (...) falamos e escrevemos nesta nossa línguaque os críticos de Lisboa censuram” (Soares, 1954: XXI). Afirma ainda noPrólogo da 1ª parte do dicionário, publicada em 1888, que “já é tempo dosbrasileiros escreverem como se fala no Brasil”. Desde os tempos em quefora juíz no interior do Paraná, Macedo Soares começara sua recolha devocábulos e expressões brasileiras, pretendendo preencher a lacuna relati-va a nosso léxico, que não era contemplado pelos dicionários produzidosem Portugal. Infelizmente, a publicação desta obra ficou inacabada. O di-cionário completo só será publicado em 1954-1955 pelo Instituto Nacio-nal do Livro. Da letra C em diante, o material recolhido por Macedo Soa-res foi compilado por seu filho, Julião Rangel de Macedo, que preparou osoriginais deste dicionário publicado em dois volumes já nos meados doséculo XX. O repertório dessa obra não é grande: cerca de 4.000 verbetes.Citarei dois verbetes para mostrar como Macedo Soares foi cuidadoso emseu trabalho lexicográfico, embora não se possa aceitar integralmente suasafirmações sobre as palavras-entrada aqui citadas.

andar de déu em déu loc. pop. Andar de festa em festa; passar a vidaaqui e ali em pagodes; suciar todos os dias. “Isto vai de déu em déu. E

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assim domingos passemos; De modo que sempre busquemos Diverti-mentos.” SR. I, 154 | | ETIM. Curiosa tradução pop. do hino festivo TeDeum laudamus da igreja, onde o ac. lat. te converteu-se na prep. port.de ; déum- déum- déum, repetido pelos cantores no coro, passou a déu-em-déu-em -déu , pela transformação da termin. um na prep. em; elaudamus verteu-se por lá vamos na boca de uns; e andamos na deoutros. | | Geogr. R. Jan. SP. Min. etc.

caipira s2., 1º morador de fora do povoado; gente que não vive nasociedade mais culta das vilas e cidades. “Em Pernambuco, chama-seaos homens da roça, do campo ou mato, matutos; o mesmo é emAlagoas. O matuto é o caipira de S.Paulo e o tabaréu da Bahia.” J.Aug.da Costa RBr2. IV, 348. “Vem peludo como um caipira.” Red. Brasil28 jul. 83 “Na roça, entre caipiras e matutos, é conhecida a interj. ehá!E outros cacoetes em que se ouve essa inspiração de sons.” B.Caet.Ens.Sc. 1,57. “Um caipira nobre não recua.” Aparte à conferência deJ.Patroc. ap. JC. 15 out. 88 | | 2º fig.. inculto, grosseiro, de maneirasacanhadas. | | Etim. tp.-guar.: s.caá mato + s. ïpïr = ïpï princípio, base;adj. primitivo, oriundo: filho do mato, originário da roça. Batista Cae-tano traduz caipira pele tostada, de cai queimado + pir pele; ou então,o homem corrido, envergonhado, abatido, submetido, de cai vergo-nhoso, acanhado, medroso. ABN. VI, 12. Rejeitamos a segunda expli-cação porque os brasis, muito precisos na nomenclatura, não tinhamem conta qualidades morais, que os induzissem a designações de obje-tos caracterizados por elas. E a primeira por se não adaptar o nome àcoisa. Caipira nunca significou trigueiro, moreno, fusco etc. ½½ Geogr.e SIN. 1º baiano, Piauí; caboclo 5º (?) , caburé, Goiás, M. Gr.; cabra,Ceará; casaca, Piauí; gaúcho, guasca, RGS; matuto, R. Jan..Pern.,Paraíba, RGN; restingueiro, mandioqueiro, roceiro, R. Jan.; tabaréu,R. Jan., Bah., Serg.; tapuia, Pará, Am. Em Port. campônio, camponês.2º peludo. Min.

No início do século XX intensificaram-se as publicações de estudose glossários sobre o léxico brasileiro. A famosa obra de Teodoro SampaioO tupi na geografia nacional veio à luz em 1901. A ela se segue em 1905Chermont de Miranda,que publicou um glossário de 340 vocábulos de ori-gem tupi, peculiares à Amazônia e especialmente à Ilha de Marajó.

Em 1915 Rodolfo Garcia publicou um Dicionário de Brasileiris-mos. Peculiaridades pernambucanas. Garcia busca distinguir os vocábu-los em 4 categorias: 1) luso-brasileiros; 2) panamericanos; 3) pan-brasilei-ros; 4) locais ou regionais. Na primeira categoria situam-se os termos quejá estavam em desuso em Portugal mas continuavam correntes no Brasil.A segunda categoria inclui termos que designam elementos da flora e da

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fauna americana entre outros. Entre os vocábulos pan-brasileiros ressalta-seo papel irradiador da Bahia e do Rio de Janeiro em função do papel políticoque estas regiões exerceram como centros do governo geral. Por fim o autordá destaque aos termos usuais em Pernambuco. Fez questão de afirmar que,no capítulo relativo aos elementos da fauna (aves por exemplo), buscou in-cluir a designação científica do referente para melhor identificá-lo. Para abo-nar serviu-se de jornais e escritores pernambucanos. Cf. exemplário de ver-betes descritos e abonados no seu dicionário: atocaiar, azeite-de-dendê,azucrinar, bafafá, baita, bangüê, bate-boca, biboca, branca e branquinha(aguardente de cana), cafajeste, calango, capoeira, carne-de-sol ou car-ne-do-sertão, coivara, coroca, cuia, cururu, embaúba, embromar, farofa,frevo, galpão, gambá, garapa, guandu, guará, guarantã, guaxuma, ingá-cipó, inhame, jaburu, jabuti, jaçanã, jacarandá, jagunço, etc.

Em 1937 Pereira da Costa publicou seu excelente trabalho: Vocabu-lário Pernambucano de 755 páginas, obra bem documentada que contacom registros autênticos das duas primeiras décadas do século XX. Estevocabulário é ainda mais abrangente do que o de R. Garcia. Os verbetestêm uma definição detalhada, tendo como fontes as melhores obraslexicográficas que o precederam, assim como referência circunstanciadade numerosos autores do período colonial e daqueles que descreveram aspeculiaridades do dialeto brasileiro e da nossa cultura. Há também umaabundante abonação, sobretudo de publicações pernambucanas, já que odicionarista pretendia registrar as idiossincrasias do dialeto pernambucano.Alguns verbetes são tão extensos que ocupam uma página e meia ou mes-mo duas. Citarei dois exemplos para ilustrar pelo menos:

Bafafá – azáfama, confusão, agitação, reboliço. “Ninguém mais recei-os tenha de haver grande bafafá” (Lanterna Mágica n. 459 de 1895).“Com a morte do caixeiro andava o boticário num bafafá desesperador.”(A Pimenta n. 30 de 1902). “A orquestra executou o sinal para umaquadrilha. Foi um bafafá de todos os diabos.” (Idem, n. 57)1

O verbete transcrito, a seguir, foi reduzido para não estender demaiseste texto:

Frevo – efervescência , agitação, confusão, reboliço; apertão nas reu-niões de grande massa popular no seu vai-vem em direções opostas,

1 Atualizei a ortografia por não me parecer essencial mantê-la para os objetivos deste traba-lho.

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como pelo carnaval, e nos seus acompanhamentos de procissões, pas-seatas e desfilar de clubes carnavalescos. “ O apertão do frevo, nessedescomunal amplexo de toda uma multidão que se deslisa, se cola, seencontra, se roça, se entrechoca, se agarra.” (Jornal do Recife, n. 65 de1916) “O frevo que mais consola,/ O que mais nos arrebata,/ É o frevoque se rebola/ Ao lado de uma mulata (Diário de Pernambuco, n. 66de 1916). Etc.

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Nos contínuos e intensos debates sobre a individualidade do por-tuguês brasileiro foi-se formando um pensamento crítico a respeito dalíngua, que se consolidou, pouco a pouco, na primeira metade do séculoXX.

No início do século XX recrudescera a polêmica sobre a questão da“língua brasileira”. Formaram-se partidos pró e contra, tanto entre os es-critores como entre os gramáticos e filólogos. Na contra-corrente, em 1922,em meio aos grandes debates nacionalistas a respeito da “língua brasilei-ra”, o lingüista Antenor Nascentes, com grande clarividência, se posicio-nava: o português brasileiro não é uma língua distinta do português euro-peu como afirmavam nacionalistas como Monteiro Lobato, Mário deAndrade e outros, mas apenas uma variedade da língua-mãe. O capítuloinicial da obra O linguajar carioca de 1922 chama-se “O dialeto brasilei-ro”. Endossando a posição de Nascentes, lembremos que o português doBrasil constitui uma variedade do português no plano da norma e, não, dosistema, sobretudo no domínio do léxico, área em que as duas variedadesdo português mais se diferenciam.

Em 1922 Monteiro Lobato publicara um artigo sobre “O dicionáriobrasileiro” em que ele debatia a autonomia do português brasileiro de modobelicoso, como era de seu estilo. Contudo, reconhece que, em matéria dedicionários, os brasileiros dependiam totalmente de Portugal, razão porque era urgente produzir um dicionário sobre o português brasileiro queele chamava de “língua brasileira”. Como se celebrava então o centenárioda Independência do Brasil, ele proclamava que a comemoração mais sig-nificativa desta data nacional seria a elaboração e publicação de um Dicio-nário Brasileiro. Esse feito realmente consolidaria a proclamação da inde-pendência do Brasil (Pinto, 1981: 58-61).

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Dado o papel do dicionário em relação à norma social, por registrara linguagem aceita e valorizada na comunidade dos falantes e também porser o depositário do acervo lexical da cultura, ele é uma referência básicapara uma comunidade. Por isso o dicionário é um instrumento indispensá-vel e imprescindível na fixação do léxico de uma língua e ferramenta fun-damental na consolidação de uma língua escrita e literária. Por essas ra-zões, durante um século, a sociedade brasileira ansiara por um dicionárioque registrasse o seu léxico e a sua norma.

Na 1ª sessão da Academia Brasileira de Letras em 1898, Machadode Assis já programava a elaboração de um dicionário de brasileirismos.Na cerimônia de instalação da ABL, em seu discurso inaugural, JoaquimNabuco afirmava a profunda diversidade das variedades do português bra-sileiro e do português europeu.

Em 1926/27 a Academia Brasileira de Letras começara a imprimir ea rever a primeira parte de um manuscrito incompleto, relativo a esse dicio-nário de brasileirismos, elaborado por acadêmicos. Entretanto este projetonão logrou a aprovação da própria ABL e não foi publicado. Posteriormen-te houve tentativas sucessivas e frustradas de retomar o empreendimento,sem jamais se lograr publicar o dito dicionário.

Um problema correlato – o da fixação da forma gráfica, ou seja, aortografia – também se inclui entre os primeiros desiderata da ABLpropugnado por José Veríssimo em uma de suas primeiras sessões. Em1901 Medeiros e Albuquerque propôs à ABL que nomeasse uma comissãopara elaborar um projeto de Reforma Ortográfica. E Rui Barbosa elaborouum substitutivo ao projeto de Medeiros e Albuquerque no intuito de “pôrordem em sua grafia.” A ortografia, porém, ainda percorreria um longocaminho até fixar-se em 1943.

Em 1924, Laudelino Freire, neófito na ABL, apresentara um projetopara a elaboração do “Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa”. Nessaproposta afirmava que a produção de um dicionário é tarefa básica queincumbe a uma academia da língua como se constata na história de outrasacademias como a francesa, a italiana (Accademia della Crusca). Para Freire,mais importante que fazer um Dicionário de Brasileirismos, o desideratumde Machado de Assis, seria elaborar uma obra maior, um dicionário doidioma. Como o projeto da ABL não avançava, Laudelino Freire decidiu,

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de motu proprio, elaborar um dicionário com a colaboração de váriosfilólogos, dispensando o aval da ABL. Concluída a obra, ela foi publicadaem 5 tomos sob o nome de Grande e Novíssimo Dicionário da LínguaPortuguesa (1939-1944).

Este dicionário prima pela riqueza vocabular, com a inclusão demuitas locuções e expressões, neologismos e termos técnicos, além de ou-tras qualidades como numerar as acepções das palavras-entrada. Entre ou-tros problemas apresenta o de não ter cuidado com a inclusão de vocábulosmeramente virtuais e não documentados na língua. Na Introdução de seudicionário diz Laudelino Freire que “... o Brasil, país civilizado e de vidamais que quatro vezes secular, ainda não possui o seu dicionário, sendo umdos poucos ou talvez o único nestas condições.” Embora o Grande e No-víssimo Dicionário buscasse preencher uma lacuna cultural brasileira, defato tentou atender a consulentes do Brasil e de Portugal, ignorando o pro-blema posto pelas divergências existentes entre as duas variedades do por-tuguês, tanto no domínio lexical, onde elas são mais abundantes, comotambém no gramatical e sintático. “Feito principalmente para brasileiros,este dicionário não precisa da indicação de brasileirismo para conhecimen-to da linguagem falada no país. Além disso, não é fácil definir o que sejabrasileirismo.” Entretanto, incluiu um grande número de brasileirismos emsua obra. Convém lembrar que gramáticos e livros didáticos da época (dé-cada de 30, 40) inseriam brasileirismos na seção destinada a “Vícios deLinguagem”. Laudelino Freire indicou os vocábulos usados em Portugalcomo lusitanismos, bem como os do português da África e da Ásia. Odicionário procurou padronizar a ortografia, usando a grafia resultante doacordo de 1931, de que Laudelino Freire fora relator. Este dicionário, comsuas virtudes e defeitos, não chegou a ocupar o lugar que poderia ter ocupa-do, devido talvez ao fato de ser um dicionário volumoso em cinco tomos e,logo, caro, não satisfazendo às condições do momento no que concerne cus-to de produção e dificuldade de distribuição. Não teve uma segunda edição.

Entrementes, a ABL ainda não cumprira um dos fins que constavado 1º artigo de seus Estatutos – a produção de um dicionário. Afrânio Pei-xoto propõe em 1940 que a Academia incumba um especialista da elabora-ção do dicionário. Escolheu-se o já então renomado filólogo, Antenor Nas-centes, para esta missão. Foi alocada uma verba de 60 contos para cobrir asdespesas da elaboração do dicionário e escolhido como modelo o dicioná-rio da Real Academia Espanhola (DRAE). Em 1943 Nascentes entregou omanuscrito à Academia Brasileira de Letras, o qual foi aprovado para pu-

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blicação. Passaram-se ainda anos até que este dicionário fosse publicado –1961-1967 – em 5 volumes. A nomenclatura do dicionário de Nascentestotaliza aproximadamente 100.000 verbetes. Não há abonações; quandonecessário para o entendimento da definição, o dicionarista cria exemplos,que são, porém, raros. No que concerne os brasileirismos, Nascentes usoucomo fontes de informação os pesquisadores que o antecederam. Apesardas muitas qualidades deste dicionário, ele também não teve grande fortu-na. Primeiro porque foi publicado muitos anos depois de concluído e nãohá nada que envelheça mais do que o léxico; segundo porque resultou emobra volumosa e o público comprovadamente prefere compulsar uma obralexicográfica em apenas um volume e que lhe custe menos.

Em 1938 publicou-se o Pequeno Dicionário Brasileiro da LínguaPortuguesa (PDBLP), em um volume, uma obra de porte reduzido, na suamacroestrutura e na sua microestrutura. Ora, esse modesto dicionário veiopreencher a lacuna ressentida pelos brasileiros em relação à sua variedadelingüística. Foi um sucesso editorial desde o início. Vejamos rapidamenteo conteúdo deste obra. Tinha 1045 páginas incluindo mais de 72.000 ver-betes, pouco elaborados, contendo informações sucintas sobre o lema; emgeral, apenas a definição. A grafia já era simplicada; os autores indicaram,porém, a grafia etimológica como em: hipo (hippo) primeiro elemento devários compostos; hipo (hypo) pref. gr.; hipocampo (hippocampo); hipo-condria (hypocondria); hiperglicemia (hyperglycemia), etc. Lembre-se queeste dicionário é anterior à reforma ortográfica de 1943. Há um grandenúmero de termos técnicos e científicos da medicina, da botânica, etc. Osautores preocuparam-se com suprir a ausência do léxico típico do Brasil deque se ressentiam os consulentes brasileiros dos dicionários de língua por-tuguesa. Assim, encontramos um grande número de entradas relativas nãosó à realidade brasileira (fauna, flora,costumes, cultura em geral) mas tam-bém o registro de usos e expressões típicas do Brasil. Vou elencar umapequena lista destas palavras-entrada (verbetes) só para fornecer um indi-cador do estilo da nomenclatura:

• abalador (que comove), abará, abaúna, brocador, bugreiro, caipira,caipora, danado (hábil, esperto), daninhar, debenturagem, debenturar,debochar (zombar), deboche (troça, zombaria), jangada, jirau, jururu,leva-e-traz, mamulengo, matuto, molecote, moleque, muque, pagé, pé-de-boi, pé-de-moleque, perrengue, pindaíba, potoca, pussá, quebradei-ra, ranzinza, resfriadeira, retovo, roceiro, samburá, sertão, sertanista,

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sítio (chácara, fazendola), sitiante, tapera, terçado (facão), tijuco, tora,troço, ubá, umbanda, viralata, zumbi;

• termos designadores de referentes da fauna: acará (cará), bororó (vea-do), itapema (ave), jacu, jacundá (peixe), jaó (ave), jararaca, juriti,macuco, maritaca, muriçoca, maruím, periquito, piaba, saúva (saúba),suçuarana, tanajura, tapir, tatu, teiú, tico-tico, tuiuiú, urubu, etc.

• as expressões idiomáticas registradas são poucas; por exemplo: dar bolo,dar quinau, dar murro em ponta de faca, dar o fora, dar o desespero,fazer arte, tocar fogo na cangica, virar bicho, uma ova ! etc.

A segunda edição do PDBLP tinha pouco mais de 1084 páginas eteve uma tiragem de 50.000 exemplares. A 3ª edição de 1942, mais aumen-tada ainda, já contou pela primeira vez com a colaboração de AurélioBuarque de Holanda Ferreira, que acabou por se tornar seu principal reda-tor. A Nota dos Editores diz o seguinte:

“O Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa é uma obraque já se incorporou ao patrimônio da cultura nacional de que se podeconsiderar, nas suas ambições limitadas, um índice realmente expres-sivo. Não se planejou, de fato, senão para ser um “pequeno dicioná-rio”, de fácil manuseio e ao alcance de todos os que se interessampelo estudo da língua portuguesa falada no Brasil. Não tendo preten-sões a obra de erudição, fartamente documentada, eliminou desde aprimeira edição as palavras e expressões arcaicas como as citaçõesde exemplos colhidos nas fontes clásicas e destinadas a esclarecer oemprego dos vocábulos, nas diferentes fases de evolução da língua eda literatura. Que a idéia de um PEQUENO DICIONÁRIO genuina-mente brasileiro, atendia a uma aspiração geral e já estava amadure-cida para ser posta em execução, basta para prová-lo o extraordinárioêxito que logrou, atingindo, nas suas três edições, cem mil exempla-res em quatro anos.”

Sucederam-se inúmeras edições dessa obra que os brasileiros aco-lheram como o seu dicionário.

O PDBLP foi um fenômeno editorial para o Brasil rural e atrasadode então. Na época da publicação da 1ª, 2ª e 3ª edições a população brasi-leira não totalizava 45.000.000 pessoas. Foram seus redatores: Hildebrandode Lima, Gustavo Barroso, Manuel Bandeira, José Baptista da Luz, AntenorNascentes, C. Mello-Leitão, Francisco Venâncio Filho, C. Delgado de Car-valho e José Baptista da Luz e Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, alémde outros colaboradores nas edições posteriores.

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A última edição, a 11ª, de 1967, interrompeu a carreira vitoriosa doPDBLP porque os militares fecharam a editora que o publicava – a EditoraCivilização Brasileira.

Julgo que o PDBLP está na gênese do Novo Dicionário da LínguaPortuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira cuja primeira ediçãoé de 1975. Quando não mais se publicou o PDBLP, os brasileiros se viramnovamente órfãos de um dicionário de sua variedade lingüística. Assim, oAurélio pode ocupar a lacuna deixada pela morte do PDBLP, o que explicaem parte o grande sucesso desse dicionário. O Aurélio vem sendo um cam-peão inconteste como o dicionário padrão da sociedade brasileira. Ates-tam-no não só as diversas edições do dicionário geral, o grande Aurélio(1986, 2000) e as duas versões informatizadas, mas e sobretudo, os mi-lhões de exemplares do Mini Aurélio vendidos para as escolas. Não voutratar dos demais dicionários que se publicaram no século XX com menorsucesso que o Aurélio: o Michaelis/Melhoramentos em suas várias gran-des edições, particularmente a última de 1999 e de sua versão informatizada.Vários outros dicionários concorrem hoje no mercado, particularmente osminis, que disputam encarniçadamente um espaço no panorama educacio-nal do Brasil, pois seu valor como obra de referência é reduzido.

Aurélio B. de H. Ferreira fundamentou-se certamente nos originaisdo PDBLP. Contudo, ampliou consideravelmente as informações contidasnos verbetes sobretudo com respeito aos verbos e substantivos de alta fre-qüência, palavras geralmente polissêmicas. Esse tipo de verbete inclui abo-nações dos autores brasileiros registrados no rol das referências.

Quanto à questão do vocabulário típico do português brasileiro, as-sunto de maior importância, conviria ressaltar que Aurélio Buarque deHolanda Ferreira foi responsável pelos brasileirismos na 6ª e 9ª edições doPDBLP. Ora, no dicionário conhecido pelo seu nome, o Aurélio, dos115.243 verbetes da edição de 1996, 24.632 entradas são rotuladas de bra-sileirismos. Portanto, quase um quarto do dicionário.

A tese de doutoramento de Ana Maria P. P. de Oliveira (UFMGS)intitulada O Português do Brasil: Brasileirismos e Regionalismos exa-minou bem esta questão. Esse minucioso estudo, baseado em extensa pes-quisa por minha orientada, centrou-se no dicionário Aurélio, extraindo deletodos os verbetes rotulados com estas marcas sociolingüísticas. Pela análi-se dos dados tentou-se extrair os critérios adotados por Aurélio na suaclassificação. Constatamos que muitos senões existem neste dicionárioquanto a essa matéria, não sendo o menor deles, o próprio critério de brasi-

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leirismo. De um modo geral, Aurélio classificou como brasileirismos ossignos que nomeiam os referentes da fauna e da flora do Brasil. Freqüente-mente trata-se de indigenismos. Ora, um problema de grande relevânciasão as fontes em que Aurélio recolheu os regionalismos que registrou. Re-colheu-os provavelmente em vários vocabulários regionais, publicados nosséculos XIX e XX e já referidos. Não se pode ter certeza porque Aurélionão registrou as suas fontes quanto a este tópico. A proeminência dada porAurélio aos brasileirismos em seu dicionário, pode ser atribuída à proble-mática que povoou os debates sobre a identidade do português brasileirodesde a segunda metade do século XIX até a primeira metade do séculoXX e ao ideal lingüístico e lexicográfico da sua geração.

A sociedade brasileira ainda não possui um dicionário geral do por-tuguês do Brasil elaborado dentro de critérios lexicográficos científicos ebaseado em sólida teoria lexical. Além do Aurélio, os dois outros dicioná-rios gerais que aspiravam à exaustividade – o Michaelis e o recém-publi-cado (2001) Dicionário Houaiss – carecem dessa fundamentação lingüís-tica. Para a difícil empreitada de elaborar um thesaurus do portuguêsbrasileiro contemporâneo seria necessário reunir uma grande equipe deespecialistas com boa formação lingüística e com bons conhecimentos deLexicologia, Lexicografia e Terminologia. Tal equipe deveria ser assesso-rada por especialistas em informática que pudessem ajudar na elaboraçãode programas de computador que fornecessem suporte ao lexicógrafo naseleção dos lemas e no tratamento de questões complexas como a identifi-cação de unidades complexas e a sistematização das acepções de lexiaspolissêmicas. De fato, o computador constitui uma ferramenta básica eimprescindível para se fazer um bom dicionário. Além disso, tal obra de-veria basear-se em um grande corpus da língua falada e escrita (com pre-dominância desta última), corpus esse que representasse todas as varieda-des de discurso, ou seja os mais variedados gêneros, bem como uma vastae diversificada recolha de textos técnicos e científicos para poder integrar agigantesca pletora de terminologias que caracterizam o léxico do portu-guês brasileiro contemporâneo.

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Sheila Elias de OliveiraUNICENTRO (Doutoranda – Unicamp)

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Na segunda metade do século XIX, inicia-se a gramatização1 brasi-leira da língua portuguesa. Até o final dos anos 30 do século XX, estaprodução é marcada pela caracterização de uma diferença entre o portu-guês brasileiro e o europeu.2 Neste movimento, a categoria dos brasileiris-mos se sobressai como um lugar de especificidade lingüística brasileira: nalexicografia, são publicados dicionários de brasileirismos, como os deMacedo Soares e de Beaurepaire-Rohan,3 de 1888 e 1889, respectivamen-te; nas gramáticas, dois exemplos de sua inclusão são as de Pacheco daSilva Jr.: a Grammatica Historica da Lingua Portugueza, de 1879, e aGrammatica da Lingua Portugueza, de 1887, em co-autoria com Lameirade Andrade, as quais, segundo Guimarães (2000), os integram como fatolingüístico que configura um sujeito coletivo brasileiro que dá novo senti-do à língua portuguesa.

* Esta reflexão se constrói como parte de minhas pesquisas de doutoramento, financiadas pe-las bolsas concedidas pela Capes tanto para o percurso realizado na Unicamp como para oestágio na ENS/LSH de Lyon.

1 Por gramatização, Auroux (1992: 65) entende “o processo que conduz a descrever e a ins-trumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares do nossosaber metalingüístico: a gramática e o dicionário”.

2 Ver a esse respeito a periodização dos estudos do português do Brasil realizada por Guima-rães em Guimarães e Orlandi (orgs.), 1996: 127-38.

3 Pode-se antever o conflito de que tratarei aqui na semântica da própria nomeação dos doisdicionários: o de Soares – Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – afirma um lugarbrasileiro de fala sobre a língua portuguesa; já o de Rohan – Dicionário de Vocábulos Brasi-leiros – afirma uma especificidade vocabular brasileira, sem sequer nomear a língua com aqual estes vocábulos são postos em relação, seja de pertencimento, seja de oposição.

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Interessa-me aqui, como parte deste momento em que os brasileiris-mos são argumento para a afirmação da identidade lingüística brasileira,tomá-los enquanto objeto de uma enunciação portuguesa. O locutor é Cân-dido de Figueiredo, lexicógrafo que os inclui em seu dicionário. O dizerdeste autor sobre a língua portuguesa e os brasileirismos será analisado noprefácio do seu Novo Diccionário da Língua Portuguesa, presente desde aprimeira edição, de 1899, e nos posfácios que acompanham as outras edi-ções em vida do autor: de 1913, 1922 e 1925.

Parto da consideração de que os dizeres se dão em espaços de enun-ciação, tal como estes são definidos por Guimarães (2002: 21):

espaços de funcionamento de línguas, constituídos pelo equívoco pró-prio do acontecimento entre a deontologia que organiza e distribui ospapéis sociais dos falantes e o conflito que os redivide segundo osdireitos ao dizer e aos modos de dizer.

A partir daí, entendo que os brasileirismos, ao passo que afirmamum lugar de identidade lingüística brasileira, instabilizam uma certa nor-matividade de sentidos da língua portuguesa, dos quais elenco os que meparecem mais importantes na enunciação do lexicógrafo português: 1. en-quanto língua do povo português – e isto em um momento histórico emque as línguas nacionais são fator importante de identificação de um povoe seu país; 2. enquanto língua de colonizadores, aí entendidos: 2.1. umdireito superior ao dizer a/sobre a língua e por essa via sobre seus falantes;2.2. o prestígio de uma língua também medido pelo número de seus falan-tes, o que sinaliza a importância da unidade lingüística entre estes.

Este conflito está no cerne da divisão entre português do Brasil eportuguês europeu. Quando o direito à palavra sobre a língua portuguesacomeça a se dividir, quando o direito a diferentes modos de dizer a/dalíngua começa a se afirmar, há uma enunciação portuguesa que se significaneste fato lingüístico-político. E é como gesto próprio do político que Fi-gueiredo inscreve seu dizer neste espaço enunciativo. Concebo o políticoaqui tal como caracterizado por Guimarães (2002: 17), “pela contradiçãode uma normatividade que estabelece (desigualmente) uma divisão do reale a afirmação de pertencimento dos que não estão incluídos”. Ao predicara língua portuguesa e os brasileirismos, Figueiredo reafirma um certopertencimento dos portugueses em relação ao saber a/da língua. Será ana-lisado o modo como estes sentidos se tecem nos fios da argumentação nasdiferentes cenas enunciativas.

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As cenas são “especificações locais dos espaços de enunciação” e“se caracterizam por constituir modos específicos de acesso à palavra dadasas relações entre as figuras da enunciação e as formas lingüísticas” (Gui-marães 2002: 28). As figuras da enunciação são: o Locutor (L), que serepresenta como o “eu” da enunciação; o locutor-x, lugar social do qualfala L (nas cenas aqui analisadas, o de lexicógrafo português); e o enuncia-dor, lugar de dizer que pode ser individual, universal, genérico ou coletivo.

A imbricação do político na enunciação da forma específica comoGuimarães o formula diz respeito a sua concepção do dizer como históri-co, este tal como definido na Análise de Discurso Francesa. Assim, oagenciamento da língua e dos sujeitos na enunciação se sustenta em posi-ções no interdiscurso, em formações discursivas determinadas.4 É, então,uma abordagem da relação constitutiva entre a divisão dos falantes na enun-ciação, a textualização do dizer e sua sustentação histórica que será reali-zada nas análises que seguem.

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Vejamos alguns excertos do prefácio de 1899, mantido nas ediçõesem vida do autor:

1 “Mas o português não é sómente a língua de Portugal e de suas pos-sessões: 2 fala-o uma grande nação, que se emancipou da nossa velhasoberania, mas que não enjeitou o idioma, com que levámos a civili-zação europeia aos sertões da América do Sul” (1899, apud 1939:1322).

3 “Succede porém que o português do Brasil não é precisamente o por-tuguês europeu: recebeu numerosos termos da população indígena, eo tupi entrou como elemento constituinte no organismo da modernalinguagem brasileira. 4 Ora, desde que um diccionário é destinado atodos os povos que falam português, não pode prescindir dos termosbrasílicos, que são inseparáveis da linguagem portuguesa, praticadaalém do Atlântico” (1899, apud 1939: 1322).

4 Segundo Pêcheux (1975: 160), uma formação discursiva é aquilo que, numa formação ideo-lógica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determina o quepode e deve ser dito.

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5 “Note-se entretanto: nem todos os termos, a que eu apponho a nota debrasileirismos, e que como taes são considerados pelos mais conspí-cuos vocabularistas, como Beaurepaire-Rohan, provieram dos Tupisou foram criados por brasileiros. 6 Muitos dêlles são velhos portugue-sismos, que partiram daqui com os descobridores e colonizadores dasterras de Santa Cruz, e que lá vivem e prosperam ainda, sendo aqui jáesquecidos ou mortos.” (1899, apud 1939: 1322)

7 (...) A geriza, o agir, o faneco (pedaço de pão), a alfafa ou alfaifa, oguaiar, etc. são bons e velhos vocábulos portugueses, de que nós nosesquecemos quási, mas que os Brasileiros, para vergonha nossa, sa-bem alimentar e prezar. 8 Sob êste ponto de vista, a inscripção demuitos vocábulos brasileiros equivale, creio eu, á rehabilitação públi-ca de alguma coisa, injustamente condemnada pela ingrata pátria...”(1899, apud 1939: 1323).

9 (Referindo-se à dificuldade ortográfica dada a ausência de escritatupi) Sobretudo longe do Brasil, não é nada fácil decidir qual das va-riantes de um vocábulo brasílico é a exacta ou, pelo menos, a preferí-vel. Em taes condições, julgo que andei bem avisado, registando asvariantes que se depararam, e remetendo o leitor para a fórma vocabular,que mais corrente se me afigurava. 10 A exegese dos eruditos brasi-leiros, – que os há e muitos, – poderá resolver a dúvida em últimainstância, e os seus acórdãos acatarei como devo. (1899, apud 1939:1323, em nota da segunda edição).

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Nas diferentes cenas enunciativas, também nos posfácios, Cândidode Figueiredo fala do lugar social de lexicógrafo português. Este lugar delocutor, cuja legitimidade para falar sobre a língua é instabilizada pelo es-paço de enunciação em que se inscreve, é reafirmado na própria enuncia-ção do lexicógrafo, marcadamente na divisão do enunciador.

Este desliza entre três formas, que produzem sentidos diferentes naenunciação: a primeira, a universal, que faz com que os argumentos pas-sem como verdades encadeadas no fio do dizer, é a predominante: um exem-plo é a predicação da língua em 1: “fala-o uma grande nação, que se eman-cipou da nossa velha soberania, mas que não enjeitou o idioma, com quelevamos a civilização européia aos sertões da América do Sul”. O apaga-

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mento da historicidade deste enunciado pode ser pontuado na contraposi-ção entre as designações “civilização européia” e “sertões da América doSul” ou ainda na relação “se emancipou...mas não enjeitou o idioma”, queapaga as razões históricas da inscrição e da manutenção do português comolíngua oficial do Brasil.5

A segunda forma que toma o enunciador é a individual, que aquiproduz o efeito de afirmação do lugar de saber do locutor sobre a língua; asocorrências são: em 5: “termos a que eu aponho a nota de brasileirismos”;em 7: “equivale, creio eu...” e em 9: “julgo andei bem avisado”. Há aindauma ocorrência em 10: “e os seus acórdãos acatarei como devo”, na qualeste uso tem um funcionamento especial: o de afirmar o direito do locutorpela afirmação do direito do erudito brasileiro. Isso porque a afirmaçãoúnica de acatamento dos acórdãos dos eruditos brasileiros no que respeitaà ortografia de termos tupis tem como efeito a restrição do direito à palavradestes ao que é indígena, àquilo na língua que não é comum aos portugue-ses.

Finalmente, o enunciador toma a forma da coletividade dos ‘portu-gueses’, ‘povo português’, assumindo um ‘nós’ que faz face a um outro narelação com a língua: os brasileiros. As ocorrências são as seguintes: em 1,“com que levamos a civilização européia...”; em 7, “bons e velhos vocábu-los portugueses de que nos esquecemos quase”. Este efeito de uma coleti-vidade portuguesa em relação a um ‘outro’ brasileiro é reforçado pelasreferências espaciais, que tomam como ponto de origem Portugal, relacio-nando os dois países; são elas: em 2, “levamos”; em 4, “além do Atlânti-co”; em 6, “daqui/lá /aqui”; em 9, “longe do Brasil”.

Tem-se, então, três movimentos principais na divisão das figuras daenunciação: 1. o efeito de “textualização da verdade”; 2. a afirmação dolugar social do locutor enquanto lugar de direito à palavra sobre a língua,com a restrição deste direito para o erudito brasileiro; 3. a divisão entre um‘nós portugueses’ e um ‘outro’ brasileiro. Vejamos como estes movimen-tos significam nos fios da argumentação na relação com as predicações dalíngua portuguesa e dos brasileirismos.

5 Lembre-se aqui do édito do Marquês de Pombal, de 1757, que obriga o ensino do portuguêsnas escolas, e da discussão legislativa sobre o nome da língua – ‘brasileira’ ou ‘portuguesa’– nos anos 30 e 40 do séc. XX. (Sobre esta discussão, v. Dias (1996).

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Já no enunciado que introduz o dizer sobre os brasileirismos, a lín-gua aparece nomeada: “o português”. O sentido deste nome vai se tecendopelas predicações que recebe:

1. não é somente a língua de Portugal e de suas possessões/2. fala-o umagrande nação, que se emancipou da nossa velha soberania, mas quenão enjeitou o idioma com que levamos a civilização européia aossertões da América do Sul/3. o português do Brasil não é precisamen-te o português europeu/3a. recebeu numerosos termos da populaçãoindígena, e o tupi entrou como elemento constituinte no organismo damoderna linguagem brasileira/4. português/ 4a. linguagem portugue-sa, praticada além do Atlântico

A predicação está sendo aqui considerada como um procedimentode reescritura (Guimarães, 1998: 4), pelo qual a estabilização entre as for-mas se faz a partir da deriva dos sentidos, do trabalho histórico do equívo-co na língua. Como tal, a relação predicativa não se restringe aos limites dafrase; ela é concebida como passível de se dar em qualquer ponto do texto.Vejamos, então, como os sentidos vão derivando e produzindo efeitos naargumentação.

Neste conjunto de predicações, a orientação argumentativa predo-minante é a que vai em direção à unidade da língua portuguesa. Tem-se aío espaço enunciativo de divisão da língua produzindo sentidos. Observe-mos em mais detalhe como este espaço vai se inscrevendo na enunciação.

A construção 1 significa a mudança de uma normatividade – a deque o português é a língua de Portugal e de suas possessões – formuladapela sua negação parcial, por meio de não somente. A afirmação da eman-cipação da “grande nação” brasileira sinaliza o litígio, a necessidade deredivisão da língua e de seus falantes.

Em 2, a unidade lingüística é afirmada em dois movimentos: o pri-meiro, a partir da construção em ‘mas’: “se emancipou mas não enjeitou oidioma”, que tem como argumento predominante a não rejeição do idio-ma 6 pela nação brasileira; o segundo, pela predicação da língua como oidioma com que Portugal trouxe a civilização ao sertão brasileiro. Tem-seaí o argumento da oposição entre a língua civilizada e a língua bárbara,

6 Refiro aos estudos do mas realizados por Anscombre e Ducrot (1983).

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largamente utilizado na Idade Moderna na oposição entre as línguas euro-péias e as indígenas das colônias.7 Este argumento é reforçado na predicação3, em que a divisão da língua é formulada nas designações “português doBrasil” e “português europeu”; é a assimetria morfológica e semântica en-tre os dois especificadores – não se tem ‘do Brasil’ e ‘de Portugal’ mas ‘doBrasil’ e ‘europeu’ – que faz significar a mesma direção de valorização dalíngua de civilização. Tanto mais porque a justificativa apresentada paraesta divisão logo em seguida (em 3a) é a entrada da língua indígena – otupi – na linguagem brasileira.

Junta-se a esse argumento em favor da unidade do português a ca-racterização da relação lingüística entre Portugal e Brasil como um deslo-camento geográfico; este sentido já está em 2, na representação de umalíngua que é levada da civilização para a barbárie; e também em 4a, nadesignação “linguagem portuguesa, praticada além do Atlântico”.

Já se pode observar que a afirmação da unidade lingüística se for-mula de maneira tal que a relação entre falantes portugueses e brasileiros éconstruída de forma assimétrica: entre bárbaros e civilizados, entre os queestão lá e os que estão cá, com os que foram e não são mais possessãoportuguesa.

Na direção dessa assimetria, cabe remarcar a especificidade semân-tica que aqui adquire o uso de ‘linguagem’, em 4a: “linguagem portuguesa,praticada além do Atlântico” e em 3a: “moderna linguagem brasileira”.Este vocábulo, usado somente para designar a língua do Brasil, significaem oposição à “língua”, usado para designar a língua de Portugal ou aunidade entre as duas. Para esta língua que é definida como um desloca-mento espacial do português europeu, “linguagem” significa modo de fa-lar, um “regionalismo”, como será formulado mais adiante.

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Vejamos como as predicações da língua entram em relação com asdos brasileirismos, abaixo:

7 Este tratamento do outro como bárbaro, sabemos, tem sua origem documentada na GréciaAntiga, onde todos os povos que não falavam grego assim eram considerados. O interessan-te é que etimologicamente ‘bárbaros’ eram aqueles que não falavam, já que não falavam ogrego e, portanto, não produziam nada além de ruídos (v. Calvet, 1987), o que nos mostracomo a questão do direito à palavra se inscreve na memória dos dizeres sobre a língua e daspolíticas sociais.

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3. numerosos termos da população indígena/ 3a. o tupi entrou como cons-tituinte da moderna linguagem brasileira/ 4. termos brasílicos, que sãoinseparáveis da linguagem portuguesa, praticada além do Atlântico/5. nem todos os termos, a que eu aponho a nota de brasileirismos, eque como tais são considerados pelos mais conspícuos vocabularistas,como B-R, provieram dos Tupis ou foram criados por brasileiros/ 6.velhos portuguesismos, que partiram daqui com os descobridores ecolonizadores das terras de Santa Cruz, e que lá vivem e prosperamainda, sendo aqui já esquecidos ou mortos/ 7. bons e velhos vocábulosportugueses de que nos esquecemos quase mas que os brasileiros paravergonha nossa sabem alimentar e prezar/ 8. a inscrição de muitosvocábulos brasileiros equivale à reabilitação de alguma coisa injusta-mente condenada pela ingrata pátria/ 9. Sobretudo longe do Brasil,não é nada fácil decidir qual das variantes de um vocábulo brasílico éa exata ou, pelo menos, a preferível/ 9a. registando as variantes que sedepararam e remetendo o leitor para a forma vocabular que mais cor-rente me afigurava

Este conjunto de predicações estabelece uma divisão entre os bra-sileirismos: 3, 3a, 4, 9 e 9a os significam como termos do tupi; já 6, 7 e 8como termos outrora utilizados em Portugal e que os brasileiros “reabili-taram”. O enunciado 5 realiza a transição entre os dois tipos, ao mesmotempo formulando a única inclusão de uma possibilidade de criação bra-sileira: “ou foram criados por brasileiros”, que não é repetida, desenvol-vida ou exemplificada, como são as dos outros dois tipos. A divisão dualentre os brasileirismos é ainda reforçada pela especialização dos sentidosentre ‘brasílico’ referindo-se ao que é do tupi, e ‘brasileiro’ ao que é doportuguês, em “termos brasílicos” (4)/ “vocábulo brasílico” (9) e “vocá-bulos brasileiros (8)”. Constrói-se a imagem de um sujeito de língua bra-sileiro que não cria, apenas recupera portuguesismos ou integra tupinis-mos.

Nesta direção, o encadeamento das predicações concernentes aosportuguesismos significa em uma contradição: é justamente o movimentode enaltecimento do povo brasileiro x depreciação do povo português queesvazia o sentido de um sujeito lingüístico brasileiro criador. Isso porqueeste movimento (predicações 6, 7 e 8) se constrói pelo enaltecimento darecuperação de vocábulos portugueses pelos brasileiros.

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Os diferentes lugares em que o espaço enunciativo de litígio portu-guês do Brasil/português de Portugal significa na enunciação de Figueire-do estabelecem uma direção que se sustentará ao longo dos posfácios: aafirmação de uma unidade lingüística contraditória, no interior da qual seconstrói uma hierarquia entre falantes brasileiros e portugueses.

Nas predicações da língua portuguesa e dos brasileirismos, a diferen-ça entre a língua do Brasil e a de Portugal é reduzida ao geográfico; dessaforma, a primeira é significada como uma “linguagem”, um modo de falarda “língua” européia. A partir deste argumento, podem-se caracterizar osbrasileirismos sem a especificidade de uma identidade lingüística brasileira,divididos entre tupinismos e portuguesismos. O próprio geográfico se cons-trói sobre um sentido de assimetria entre os falantes, espacializados entre a“civilização européia” e os “sertões da América do Sul”. Une-se a língua,hierarquizando-se o direito à palavra nela e sobre ela, seja pelos falantescomuns, seja pelos eruditos. Eis os discursos colonizador e eurocêntrico pro-duzindo efeitos nesta redivisão da língua para reafirmar uma certanormatividade: a de que os brasileiros falam a língua do povo português.

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11 (Referindo-se à necessidade de apresentar a ortografia mais usualem Portugal e no Brasil) “E falo do Brasil, porque em Portugal nãopodemos nem devemos escrever só para Portugueses: 12 há além doAtlântico vinte milhões de indivíduos, que falam a língua portuguesa/ e a quem não podemos insular dos escrúpulos e cuidados que nosmerece o idioma commum” (1913, apud 1939: 1342).

13 “A minha terra e ao Brasil, especialmente aos homens de letras esciências, consagro, nesta obra, o produto de largos annos de trabalhoe o documento de minha inteira dedicação ás letras e á língua do povoportuguês” (1913, apud 1939: 1343).

14 “...alguns e desambiciosos serviços prestei devotàdamente á língua dePortugal e do Brasil” (1922, apud 1939: 1346).

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No posfácio da segunda edição (enunciados 11 e 12), uma mudançana textualidade aumenta o grau de explicitude da política que vinha sedelineando em relação ao instrumento lingüístico. Esta mudança consisteem dois movimentos: 1. passa-se do predomínio do enunciador universalao do enunciador individual; 2. introduz-se no dizer uma justificativa parase falar do Brasil em um dicionário de Português feito em Portugal, qualseja, a de que os brasileiros não podem ser insulados pelos portugueses doscuidados e escrúpulos com o idioma comum. Nessa formulação, o dizersobre a língua vem dos portugueses para os brasileiros e o efeito de redu-ção da diferença lingüística entre os dois países ao geográfico persiste,pelas locuções “em Portugal” e “além do Atlântico”. Este efeito de assime-tria entre falantes brasileiros e portugueses se reduplica, ainda, na contra-dição entre a dedicação da obra a dois países: “à minha terra e ao Brasil” ea afirmação dos serviços prestados a um só povo concernido pela língua:“às letras e à língua do povo português” (enunciado 13).

A redução ao geográfico, tendo como ponto de origem Portugal,reafirma a divisão dos falantes entre portugueses e seu ‘outro’ brasileiro.Na divisão das figuras da enunciação, as formulações em que aparece oenunciador coletivo contribuem para este efeito. Este lugar de dizer estános enunciados 11 e 12, em duas ocorrências entrecortadas pela entradaúnica do enunciador universal: “porque em Portugal não podemos nemdevemos escrever só pra Portugueses” / “há além do Atlântico vinte mi-lhões de indivíduos, que falam a língua portuguesa” / “...e a quem nãopodemos insular dos escrúpulos e cuidados que nos merece o idioma co-mum”. Na predicação universal, por sua vez, é enfatizada a quantidade defalantes no Brasil; este dizer entra em relação parafrástica com a designa-ção “uma grande nação” do prefácio e sinaliza a importância de se mantera unidade da língua num país grande e já populoso como este.

Nos dois posfácios, a afirmação da unidade lingüística entre Brasile Portugal se marca nas designações anafóricas do nome da língua: em 12,“o idioma comum”; em 14, “a língua de Portugal e do Brasil”.

As ocorrências do enunciador individual são: “e falo do Brasil”, em11; “consagro, nesta obra” / “minha inteira dedicação”, em 13; “presteidevotadamente”, em 14. O funcionamento de afirmação do lugar de lexi-cógrafo português se mantém, mas a direção desta afirmação muda emrelação ao prefácio: se lá a ênfase se põe sobretudo no respaldo que estelugar social imprime ao locutor, aqui está no respaldo que o trabalho indi-vidual deste último imprime ao lugar de lexicógrafo português. Tal mu-

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dança, junto ao predomínio do enunciador individual, compõe um movi-mento em que o locutor se atribui cada vez mais autoridade.

Os posfácios de 1913 e 1922 apresentam, então, algumas regulari-dades em relação ao prefácio estruturadas a partir da afirmação da unidadeassimétrica da língua. Nesta direção argumentativa que se repete, a políticapara o dicionário calcada na assimetria entre os falantes é mais explícita.Na distribuição das figuras da enunciação, a predominância do enunciadorindividual é indício do aumento na autoridade atribuída pelo locutor a sipróprio. Este efeito se acentua no posfácio de 1925.

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O posfácio da última edição em vida de Figueiredo é também lugarde justificativas e de predomínio do enunciador individual. A auto-atribui-ção crescente de autoridade pelo locutor é acentuada com o direcionamen-to da interlocução: antes o locutor se dirigia ao leitor do dicionário de for-ma geral; agora há um interlocutor específico – os críticos à forma deinclusão dos brasileirismos no dicionário. Desse modo, o litígio do direitoà palavra entre falantes brasileiros e portugueses é aqui mais explícito.

15 “Assim é que esta quarta edição do Novo Diccionário da Língua Por-tuguesa, afora várias e indispensáveis correções, regista pela primeiravez muitos centenares de vocábulos, colhidos uns em obras de escri-tores exemplares, e recebidos outros da linguagem falada de differentesregiões de Portugal e do Brasil” (1925, apud 1939: 1347).

16 “A propósito de linguagem regionalista, verifica-se, sem vaidade, quenenhum diccionário além do meu registou coisa que se parecesse commais de dez mil brasileirismos, a que deu cabida em o Novo Diccioná-rio da Língua Portuguesa” (1925, apud 1939: 1346).

17 E contudo, havendo-se nos últimos tempos publicado, em revistas eopúsculos, algumas colleções de vocábulos numerosos, que os res-pectivos colleccionadores averbam de brasileirismos, não tem faltadoquem me accuse de não registar mais espécimes da linguagem brasi-leira, chegando a inventar disparatadamente má vontade minha paracom o Brasil, onde certamente não há dois homens sensatos que taldisparate perfilhem.

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18 “As responsabilidades do diccionarista não são coisa que se ponha delado, para lisonjear seja quem fôr. Ora, se o autor do presente diccio-nário reproduzisse cègamente quanto tem visto em revistas e opúscu-los com a designação de brasileirismos, seria um grande Marcelo paraos colleccionadores, mas teria lavrado a mais formal condemnação dasua própria obra” (1925, apud 1939: 1346).

19 “De facto, entre os próprios pontífices das letras brasileiras ainda nãose estabeleceu acôrdo sôbre o que deva entender-se por brasileirismo,sendo portanto naturaes e legítimas, em tal assumpto, quaisquer hesi-tações de quem não é pontífice nem ao menos propheta menor” (1925,apud 1939: 1347).

20 “Succede até que, sem sombra de dúvida, numerosos vocábulos, quese registam como brasileirismos, são meras expressões da linguagemgeral, conhecidíssimos do povo português”.

21 Muitos outros supostos brasileirismos são outras tantas corruptelas devocábulos do uso geral; e, se tivéssemos de registar num diccionárioda língua as corruptelas de tal género, seriam taes e tantas as que sepoderiam colher em todas as regiões portuguesas e brasileiras, que ovocabulário geral ficaria apoucado e afogado em meio a essas escurri-lidades.

22 “O diccionarista aceitou e registou quanto a tal respeito não lhe ofere-cia dúvidas, importando-se pouco ou nada de quem as não tivesse nosmuitíssimos casos em que êlle as tinha” (1925, apud 1939: 1347).

Nestas predicações dos brasileirismos, há dois movimentos argu-mentativos. Nos enunciados 15 e 16, o locutor se vangloria da grande quan-tidade de brasileirismos de seu dicionário. O enunciado 17 tematiza as crí-ticas recebidas justamente em sentido contrário, ou seja, pelo baixo númerode brasileirismos incluídos. A partir deste enunciado de transição, os se-guintes se dirigem a justificar a posição do autor.

Na divisão das figuras da enunciação, os lugares de dizer indivi-dual, universal e coletivo estão novamente presentes. O enunciador indivi-dual é marcado pela 1ª e a 3ª pessoas do singular: em 16, “nenhum dicioná-rio além do meu”; em 17, “não tem faltado quem me acuse” / “má vontademinha para com o Brasil”; em 18, “se o autor do presente dicionário”; em19, “quaisquer hesitações de quem não é pontífice nem ao menos profetamenor”; em 22, “o dicionarista aceitou e registrou” / “muitíssimos casosem que ele as tinha”.

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As predicações acima, à exceção de 17, em que não há tal explicita-ção, fazem referência ao lugar social do locutor, seja como lexicógrafo(16, 18, 22) ou como português (19). Esta relação entre o lugar de dizer e olugar social produz um efeito de reafirmação da legitimidade deste último.Ao mesmo tempo, nesta representação do enunciador individual em 3ª pes-soa, o ‘eu’ do locutor significa tomado pelo seu lugar social de dizer. Um‘eu’ que fala representando no dizer o lugar que lhe permite falar, e nãomais simplesmente o de indivíduo. Num duplo movimento, este ‘eu’ serespalda no lugar que lhe autoriza o dizer, atribuindo autoridade a estelugar e, por essa via, a si próprio enquanto locutor.

O efeito de auto-atribuição de autoridade pela afirmação do lugar so-cial do locutor no jogo entre a primeira e a terceira pessoas se repete em duasmarcas que transitam entre o lugar de dizer individual e o coletivo: se há umacoletividade significada, não é mais a dos portugueses, como até então; éjustamente a dos lexicógrafos, representada entre a 3ª pessoa do singular e a1ª do plural: “as responsabilidades do dicionarista não são coisa que se po-nha de lado” (18); “se tivéssemos que registrar num dicionário” (21).

As três ocorrências do enunciador universal, por sua vez, se dão emlugares que significam a assimetria entre os falantes na direção de esvazi-amento de um caráter lingüístico brasileiro. Em 15, é formulado o sentidode ‘linguagem regionalista’, designação que aparece em 16; em 20, o sen-tido é o de repetição de termos usados em Portugal; e, finalmente, em 21, osentido é o de corrupção da língua portuguesa. Vejamos em mais detalhecomo as designações dos brasileirismos, ditas do lugar do universal ounão, compõem o quadro de assimetria entre os falantes:

15. muitos centenares de vocábulos, colhidos uns em obras de escritoresexemplares, e recebidos outros da linguagem falada de differentes re-giões de Portugal e do Brasil/ 16. linguagem regionalista/ 17. algumascolleções de vocábulos numerosos, que os respectivos colleccionadoresaverbam de brasileirismos/ 17a. espécimes da linguagem brasileira/18. quanto tem visto em revistas e opúsculos com a designação debrasileirismos/ 19. o que deva entender-se por brasileirismo/ 20. nu-merosos vocábulos, que se registam como brasileirismos, são merasexpressões da linguagem geral, conhecidíssimos do povo português/21. Muitos outros supostos brasileirismos são outras tantas corruptelasde vocábulos do uso geral/ 21a. as corruptelas de tal género, seriamtaes e tantas as que se poderiam colher em todas as regiões portugue-

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sas e brasileiras/ 21b essas escurrilidades/ 22. quanto a tal respeitonão lhe oferecia dúvidas.

Há nestas designações três movimentos semânticos. Num primeiromovimento, os brasileirismos são significados como regionalismos (em 15e 16), o que reforça o sentido do português do Brasil como um desloca-mento geográfico do português da matriz.

O segundo movimento pode ser observado em 17, 18, 19 e 22: põe-se em dúvida quais elementos podem ser identificados como brasileiris-mos. O lugar da dúvida é também o lugar instituído de saber sobre a lín-gua, pois quem a formula são os colecionadores de brasileirismos, odicionarista, os pontífices das letras brasileiras. Faz-se aí uma nova divi-são: o povo diz na língua, mas o dizer sobre ela é restrito ao especialista.

No terceiro movimento, a dúvida cede lugar à certeza. Em 20, 21,21a e 21b, o locutor toma a palavra sobre os brasileirismos e os redivideentre “meras expressões da linguagem geral, conhecidíssimos do povoportuguês” e “corruptelas de vocábulos do uso geral” / “escurrilidades”. Aprimeira designação significa os brasileirismos enquanto portuguesismos.A segunda não é restrita aos brasileirismos, mas se aplica aos regionalis-mos (aí incluídos os de origem portuguesa), os quais põe em um lugarmarginal em relação a uma certa norma lingüística. Entre a primeira e asegunda designação, uma regularidade semântica: de um lado, brasileiris-mos não brasileiros; de outro, regionalismos não regionais, ambos pendu-rados nas arestas da norma lingüística portuguesa.

Neste posfácio, a explicitação do litígio entre falantes do portuguêspõe de forma decisiva a afirmação da unidade lingüística assimétrica. Osbrasileirismos, designados como regionalismos, deslizam entre portugue-sismos e corruptelas de vocábulos do português. E até o falante erudito e oordinário, mesmo portugueses, são divididos, quando se restringe ao pri-meiro o direito às dúvidas e certezas sobre a língua e, por essa via, ao lugarde saber sobre ela.

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Nas diferentes cenas enunciativas analisadas, a divisão dos lugaresde dizer significa a tríade entre o lugar da verdade (universal), o das comu-nidades dos portugueses e dos lexicógrafos (coletivo) e o do locutor en-

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quanto fonte do seu dizer (individual). Esta divisão funciona de modo alegitimar a autoridade do locutor enquanto lexicógrafo português na toma-da da palavra sobre a língua portuguesa e os brasileirismos.

Ancorado nestes lugares, ao predicar a língua e os brasileirismos,Cândido de Figueiredo realiza uma redivisão do acesso à palavra entre falan-tes brasileiros e portugueses, redivisão esta imposta pelo litígio português doBrasil/português europeu. Há, então, em sua enunciação, um movimento deafirmação da supremacia portuguesa sobre a língua falada no Brasil, em duasinstâncias: a primeira, que toca ao especialista, diz respeito ao lugar desaber e de deliberação sobre a língua relacionado à definição e manutençãoda norma; a segunda, que toca ao falante comum, está ligada ao lugar dacriação lingüística, de um caráter subjetivo de povo marcado na língua.

Neste movimento, o locutor reduz as diferenças históricas entre alíngua do Brasil e a de Portugal ao geográfico. Definida pelo mero deslo-camento espacial, a mesma língua integra o diferente, sem recusar o anti-go, sem criar o novo. Isto porque geografia e cultura estão imbricadas: emPortugal, há uma língua de civilização, há uma civilização para a língua;nos sertões da América do Sul, não há civilização, portanto não há povo outampouco saber legitimado. A palavra do brasileiro é significada como ade um outro, indígena ou português, sempre inferior, sempre nas bordas danorma portuguesa.

Os brasileirismos, desse modo, que na enunciação dos estudiososbrasileiros constituem uma diferença lingüística utilizada como argumentopara a afirmação da identidade nacional, no dizer do lexicógrafo portuguêssão um alheio que o brasileiro interioriza na justa medida que lhe permite asua inferioridade enquanto sujeito de língua. A “grande nação que se eman-cipou da velha soberania portuguesa”, sua língua, seu povo são aqui defi-nidos ainda pela velha voz soberana inscrita no velho discurso colonizadoreurocêntrico...

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José Horta Nunes Universidade Estadual Paulista (UNESP)

Como mostram Auroux (1992) e Schlieben Lange (1993), uma sé-rie de trabalhos têm sido dedicados nas últimas décadas à história do saberlingüístico, não somente para legitimar uma certa teoria, mas para com-preender os processos envolvidos na produção desse saber, em suas diver-sas formas. Acompanha tal movimento um interesse em discutir questõesteóricas e metodológicas.1 Dentro dessa perspectiva, e em relação com aanálise do discurso, alguns trabalhos abordam o caso brasileiro, procuran-do levar em conta o papel de teorias, acontecimentos, instituições ligados àprodução de saber lingüístico, especialmente na forma de gramáticas e di-cionários (ver Auroux, Mazière, Orlandi, 1998 e Orlandi, 2001). Dentrodessa perspectiva, vamos nos ater neste artigo a questões relacionadas àdicionarização, ou seja, à descrição e instrumentação da língua na base dodicionário.

Em trabalhos anteriores, ligados ao projeto História das Idéias Lin-güísticas no Brasil, tenho analisado de uma perspectiva discursiva a produ-ção de um conjunto de dicionários no Brasil desde a Época Colonial até oséculo XIX (Nunes, 1996, 1998). Considerando o dicionário como um objetodiscursivo, conforme a perspectiva de Mazière (1997), procuro explicitaras condições de sua produção em determinadas conjunturas, relacionandoas formas dicionarísticas às condicionantes históricas. Proponho agora re-tomar alguns passos percorridos, trabalhando os resultados dessas análisesem vista de uma história da dicionarização. Acrescento para este artigoalguns elementos relativos ao século XX. As reflexões que seguem não

1 Encontramos discussões a esse respeito nas revistas Histoire Epistémologie, Langage (PressesUniversitaires de France, Paris) e Historiographia Lingüística (J. Benjamins, Amsterdan). NoBrasil, desde 1998, temos a revista Línguas e Instrumentos Lingüísticos (Pontes, Campinas).

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têm nenhuma pretensão de exaustividade quanto à listagem de obras, auto-res, acontecimentos, etc. O que se tem em vista é o modo de construirinterpretações trabalhando-se as séries de condições históricas relativas àprodução lexicográfica.

Para se compreender a historicidade dos dicionários, propomos le-var em conta as condições específicas de sua produção. Daí resulta umaescrita atenta aos fatores históricos que fazem aparecer o saber lexical naforma do dicionário. Nesta escrita, efetua-se uma remissão do texto lexi-cográfico a suas condições de produção, de modo que o saber lexical não étomado independentemente dessas condições, como um saber ideal ou atem-poral. Esta maneira de ler o dicionário, com base na análise do discurso,tem conseqüências produtivas, a nosso ver, para a história do saber lexical,incluindo-se aí a construção das periodizações e a interpretação dos fatosligados à dicionarização.

Compreender a história da dicionarização nos traz elementos aindapara abordar questões de ética e de política lingüística, levando-se em con-ta os processos de produção dos dicionários, com os diversos fatores só-cio-históricos aí envolvidos.

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Os historiadores das ciências da linguagem têm refletido sobre seuobjeto, revendo trabalhos já realizados, propondo novas abordagens,retornando a mesmas questões sob outras perspectivas, levantando novosfatos. Um dos pontos que resultaram disso foi o questionamento do quesejam as ciências da linguagem. A posição que sustentamos aqui, com baseem Auroux (1992), é a de que o saber lingüístico é um produto histórico,localizado em um tempo e em um espaço:

Todo conhecimento é uma realidade histórica, sendo que seu modo deexistência real não é a atemporalidade ideal da ordem lógica dodesfraldamento do verdadeiro, mas a temporalidade ramificada da cons-tituição cotidiana do saber (Auroux, 1992: 11).

Ainda conforme Auroux, a origem do saber metalingüístico nãoconcerne a um acontecimento, mas a um processo num intervalo tempo-ral aberto, às vezes longo, e ela pode ser espontânea (como as tradiçõeshindu, chinesa e grega) ou resultar de uma transferência tecnológica (como

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a tradição latina, a gramática hebraica, o estudo dos vernáculos euro-peus, ameríndios, africanos). Ao tratar da questão da origem e do desen-volvimento do saber lingüístico, Auroux sustenta a tese de que “a escritaé um dos fatores necessários ao aparecimento das ciências da lingua-gem”. Assim, o saber metalingüístico pressupõe a escrita, cujo adventocorresponde à primeira grande revolução tecnológica das ciências da lin-guagem, iniciada em 3.000 a.C. A segunda grande revolução seria a da“gramatização”, ou seja, o “processo que conduz a descrever e a instru-mentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje ospilares de nosso saber metalingüístico: a gramática e o dicionário”. Talprocesso avança amplamente no século XVI: “o Renascimento europeu éo ponto de inflexão de um processo que conduz a produzir dicionários egramáticas de todas as línguas do mundo na base da tradição greco-lati-na”.

O dicionário, segundo Auroux, é um “instrumento lingüístico”, ecomo tal ele “prolonga a fala natural”, dando acesso a formas que nãofiguram na “competência” de um locutor. Trata-se de um “instrumento tec-nológico” que não corresponde a algo que estaria inscrito na mente dosujeito, mas a algo que lhe é exterior. Quanto à sua constituição histórica,Auroux considera os processos, de longo prazo, que levaram ao apareci-mento e ao desenvolvimento de tais instrumentos. Assim, por exemplo,foram necessários séculos para a passagem das primeiras listas de palavras(a partir de 3.000 a.C.) aos glossários medievais e depois aos dicionáriosmonolíngües das línguas nacionais a partir do século XVI.

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Como aparece um saber dicionarístico no Brasil? Esta questão sus-cita uma série de apontamentos, conforme um ou outro critério. Se consi-deramos a unidade da palavra, desde os primeiros relatos de viajantes te-mos um saber que se volta para os termos empregados no Brasil, sejam asnomeações em língua portuguesa, desde Caminha (1500), sejam termosindígenas traduzidos e comentados, desde Pigafeta, em 1519, como apontaNeiva (1940). Se consideramos a forma acabada do dicionário, os bilín-gües português-tupi foram os primeiros a aparecer, na Época Colonial (séc.XVI-XVII). Se consideramos o dicionário monolíngüe, o de Moraes (1789)foi o primeiro a ser amplamente utilizado, inaugurando a série de trans-

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ferências2 de dicionários portugueses, que seguirá com Aulete (1881), Fi-gueiredo (1899) e outros. Ainda quanto ao monolíngüe, se consideramos aprodução local, destacam-se na segunda metade do século XIX os dicioná-rios de complemento, como o de Costa Rubim (1853), os de regionalis-mos, como o de Antônio Coruja (1856) e os de brasileirismos, como os deMacedo Soares (1888) e Beaurepaire Rohan (1889). Se temos em vista,finalmente, o dicionário brasileiro de língua portuguesa, podemos indicarnas décadas de 1930 e 40 o aparecimento dos primeiros dicionários delíngua portuguesa apresentados como brasileiros: Lima e Barroso (1938) eFreire (1939-43). Se levamos em conta ainda outras tipologias (etimológi-cos, escolares, literários, etc.), teremos uma série de outros critérios e obras.Para nossos objetivos neste artigo, vamos nos ater ao caso do dicionáriomonolíngüe, procurando explicitar elementos de sua constituição em umprocesso histórico. Trataremos de outras formas textuais (relatos, listas,dicionários bilíngües) apenas na medida em que elas participam do proces-so de dicionarização do monolíngüe. Pois nesse processo, tanto os relatosde viajantes quanto os dicionários bilíngües serviram de matéria prima paraa constituição dos monolíngües.

Do ponto de vista em que nos situamos, o saber lexicográfico resul-ta de um longo processo de instrumentação, cuja origem não está em umacontecimento isolado, mas em uma série de fatos inter-relacionados. Comrelação às formas textuais, podemos resumir os momentos de dicionarizaçãonos seguintes itens:

a) transcrição e comentário de termos;b) listas temáticas de palavras;c) dicionários bilíngües;d) dicionários monolíngües.

A fim de comentar estes itens, apresentamos no quadro abaixo algu-mas séries de fatores que indicam acontecimentos, instituições, autores,teorias, obras ligados à produção dicionarística. Consideramos em sua in-terpretação dois períodos de dicionarização, que correspondem a proces-

2 Segundo Auroux, uma tradição lingüística pode se originar de forma espontânea ou resultarde uma transferência tecnológica (A revolução tecnológica da gramatização, 1992: 21).

3 Utilizamos aqui a distinção de Auroux entre exo-gramatização e endo-gramatização: “Pordefinição, o processo de gramatização que nos interessa aqui corresponde pois a uma trans-ferência de tecnologia de uma língua para outras línguas, transferência que não é, claro,

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sos distintos de gramatização. No primeiro, predomina a exo-gramatiza-ção,3 com a produção de listas de palavras e dicionários bilíngües. No se-gundo, predomina a endo-gramatização com a produção de dicionáriosmonolíngües:4

nunca totalmente independente de uma transferência cultural mais ampla. Importa levar emconta a situação dos sujeitos que efetuam a transferência, segundo eles sejam ou não locuto-res nativos da língua para a qual ocorre a transferência. Falaremos respectivamente deendotransferência e de exotransferência. Lingüisticamente teremos igualmente ou umaendogramatização ou uma exogramatização (A revolução tecnológica da gramatização, 1992:74).

4 Consideramos aqui a predominância desses processos em determinadas conjunturas. Não sedeve perder de vista, no entanto, que fatos de endo-gramatização ocorrem desde a ÉpocaColonial. É o caso, por exemplo, em relatos de viajantes, de listas de palavras e definições determos portugueses utilizados no Brasil. Do mesmo modo, fatos de exo-gramatização, comoa dicionarização de línguas indígenas, continuam durante o século XIX e XX, e até a atuali-dade.

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A lista que segue complementa o quadro, apresentando datas e fatosrelacionados à dicionarização no Brasil:5

1500 Descoberta1549 Chegada dos jesuítas1585 Viagem à Terra do Brasil, de Jean de Léry1587 Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa1621 Vocabulário da Língua Brasílica, anônimo-jesuítas1724 Fundação da Academia Brasileira dos Esquecidos1757 Promulgação do Édito dos Índios (obrigatoriedade da língua portu-

guesa)1759 Expulsão dos jesuítas1789 Dicionário da Língua Portuguesa, de Antônio de Moraes e Silva1808 Chegada da Família Real

Estabelecimento da ImprensaFundação da Biblioteca NacionalPrimeiros jornais brasileiros: Gazeta do Rio de Janeiro, CorreioBrasiliense

1822 Independência do Brasil1837 Fundação do Colégio Pedro II, início da escola pública1838 Fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro1839 Revista do IHGB1852 Coleção de Vocábulos e Frases usados na Província de São Pedro

do Rio Grande do Sul, de Antônio Álvares Pereira Coruja.1853 Vocabulário Brasileiro para servir de complemento aos dicionários

da língua portuguesa, de Braz da Costa Rubim1858 Dicionário da Língua tupi chamada língua geral dos indígenas do

Brasil, de Gonçalves Dias1859 Chrestomathia da Lingua Brazilica, de Ernesto Ferreira França1865 Léxico de brasileirismos anexo ao romance Diva, de José de Alencar.1888 Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, de A. J. de Macedo

Soares

5 Para a feitura desse quadro recorremos parcialmente a algumas periodizações já realizadas,especialmente as que se encontram em S. Auroux, F. Mazière e E. P. Orlandi (“L´hyperlanguebrésilienne”, Langages 130, Larousse, Paris, 1998) e em E. Guimarães (Sinopse dos estudosdo português no Brasil, in Língua e cidadania, E. Guimarães e E. Orlandi (Orgs)). Em nossocaso, limitamo-nos à dicionarização.

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1889 Proclamação da RepúblicaDicionário de Vocábulos Brasileiros, de Beaurepaire-Rohan

1897 Fundação da Academia Brasileira de Letras1937 Fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP1938 Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, de H. Lima

e G. Barroso1939 Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, de L. Freire

(1939-44)1943 Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa1961 Dicionário da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes, pela ABL

(1961-67)1965 A Lingüística é introduzida no currículo dos cursos de Letras1969 Dicionário Melhoramentos da Língua Portuguesa, Editora Melho-

ramentos1975 Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio B. de Holanda2001 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto Antônio Houaiss

Nos relatos de viajantes, aparecem os primeiros comentários sobretermos utilizados no Brasil: nomeações em português e termos indígenastraduzidos e comentados. Ainda nos relatos aparecem listas de palavrasorganizadas tematicamente, pequenos glossários e verbetes de tipo enci-clopédico. Os bilíngües português-tupi dos jesuítas inauguram os dicioná-rios de língua e realizam a primeira alfabetação (colocação em ordem alfa-bética) do português em dicionário brasileiro. Note-se que essa alfabetação,que podemos apontar no Vocabulário na Língua Brasílica (século XVI,provavelmente, ou início do XVII) se dá muito proximamente à primeiraalfabetação em Portugal, que, conforme Verdelho (1995), ocorre com oprimeiro bilíngüe português-latim, de Jerônimo Cardoso (1562). Assim,enquanto em Portugal tínhamos a relação português-latim, no Brasil eratrabalhada a relação português-tupi.

A passagem da exo-gramatização à endo-gramatização na segundametade do século XVIII constitui uma virada. O dicionário de Moraes marcauma mudança significativa devido a vários fatores: expulsão dos jesuítas,influência da Gramática Geral, obrigatoriedade do estudo do português, sur-gimento de novas instituições, como as academias, e de um contingente debrasileiros que realizava estudos em Portugal. A partir daí, esse dicionário eem seguida outros que o seguirão servem de referência para a produção bra-sileira. Ele permite a partir daí que se observem as semelhanças e diferenças,

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as “faltas” e “omissões”, desencadeando-se assim a produção de dicionáriosbrasileiros. Quanto aos bilíngües, há uma tendência de inversão da ordem:de português-tupi (ordem utilizada pelos jesuítas) para tupi-português, de modoa definir os termos do tupi que passam a ser considerados do português bra-sileiro. Surgem, em seguida, primeiramente os dicionários de complemento,de regionalismos e de brasileirismos durante o século XIX, e em seguidaos dicionários brasileiros de língua portuguesa no decorrer do século XX.

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Uma posição historicista coloca que o saber é um produto histórico,resultante de uma série de causas e que pode ser situado em determinadasconjunturas espaço-temporais. Como afirma Auroux:

Que todo saber seja um produto histórico significa que ele resulta acada instante de uma interação das tradições e do contexto. Não hánenhuma razão para que saberes situados diferentemente no espaço-tempo sejam organizados do mesmo modo, selecionem os mesmos fe-nômenos. É o reconhecimento deste fato que constitui nossa posiçãoresolutamente historicista, ao mesmo tempo que fornece o interesseheurístico de todo trabalho histórico (Baratin & Desbordes, apudAuroux, 1992: 14).

Este posicionamento conduz a dizer que temos no Brasil um modoespecífico de organização do saber dicionarístico, que se dá em um certocontexto e em um certo espaço-tempo. Ainda conforme Auroux, “as cau-sas que agem sobre o desenvolvimento dos saberes lingüísticos são extre-mamente complexas. Pode-se notar conjuntamente: a administração dosgrandes Estados, a literalização dos idiomas e sua relação com a identida-de nacional, a expansão colonial, o proselitismo religioso, as viagens, ocomércio, os contatos entre línguas, ou o desenvolvimento dos conheci-mentos conexos como a medicina, a anatomia ou a psicologia.” (Auroux,1992: 28). A partir da perspectiva discursiva em que nos situamos, acres-centamos que as determinações causais estão relacionadas com as condi-ções de produção do discurso: quem produz o dicionário, como, onde, paraquem, em que circunstâncias? Analisando o caso brasileiro, levantamos asseguintes condições de produção: a territorialidade, a administração do ter-ritório, a urbanização, a institucionalização, os contatos lingüísticos, a identi-dade nacional, a influência de teorias, os domínios conexos, as tecnologias.

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a) territorialidadeO saber lingüístico toma formas específicas conforme o território

em que aparece, estabelece-se e transforma-se. No Brasil, com o descobri-mento e a colonização, o contato dos europeus com uma natureza e socie-dades específicas levam ao aparecimento de formas dicionarísticas singu-lares. A questão da referência logo se coloca, com os processos de nomeação,tradução, glosa, definição, ou seja, as formas lingüístico-discursivas queestarão na base do texto dicionarístico. Decorre daí o aparecimento e acirculação de “nomes do Brasil”, com seus diversos modos de definição eexplicação. Tal fato se dá juntamente com a literalização dos nomes delínguas indígenas e a textualização na forma de relatos. Esses nomes aindanão estão organizados alfabeticamente; eles aparecem pontualmente nosdiscursos ou ordenados tematicamente, na forma de um saber enciclopédi-co, que trata da natureza, do índio, das situações de colonização. A territo-rialidade se relaciona a um real que constantemente clama por sentidos, ecuja interpretação estabelece limites espaço-temporais nos quais se inse-rem os sujeitos. Na Época Colonial, a dicionarização realizou-se nas re-giões de fronteira ou contato. A região da “costa do Brasil” era apontadapelos jesuítas como local de gramatização, em que sujeitos europeus e ín-dios se relacionavam. Podemos dizer que as diversas frentes de contatovão definindo as formas de territorialidade.6

b) administração do territórioDo fator (a) decorre um segundo, que é a administração do territó-

rio, nas suas diversas maneiras de realização: colonização, governo, Esta-do. Acompanha esse fator um outro que lhe está relacionado, a saber, ainstitucionalização. Tais fatores colocam em pauta a questão da unidade/diversidade de línguas e a definição de políticas lingüísticas, das quaisresultam determinadas formas dicionarísticas. Parece bastante plausível re-lacionar algumas formas dicionarísticas a formas de administração do ter-ritório. Assim, nos governos coloniais, com a política lingüística da colo-nização, temos os dicionários bilíngües, que serviram como instrumentosde catequese e colonização. Com o Estado Monárquico, no século XIX, e oobjetivo de atribuir uma identidade e uma história aos habitantes do Brasil,

6 Sobre as diversas formas de contato e a relação com a produção de saberes lingüísticos noBrasil, ver ORLANDI Eni Puccinelli. (1990), Terra à vista, Cortez: São Paulo/Unicamp:Campinas.

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temos os dicionários bilíngües do “tupi antigo”. Com a República, os di-cionários de brasileirismos, que tomam por objeto a fala do “povo brasilei-ro”. E com as transformações da República no século XX, os dicionáriosbrasileiros de língua portuguesa, em que são introduzidos mais amplamen-te elementos socioculturais relativos ao Brasil.

c) urbanizaçãoDesde a Época Colonial, os dicionários aparecem em núcleos for-

madores de cidades. É o caso de Piratininga (atual São Paulo), onde osjesuítas implantaram suas escolas; e de Salvador que, com a chegada deescravos, aumenta sua população (ver nota 9 mais adiante). No século XVIIIe mais ainda no XIX, com o crescimento urbano em algumas localidades,ampliam-se fatores decorrentes desse fato: escolarização, instituições ad-ministrativas, ampliação da cultura letrada e do público leitor. O olhar ur-bano, em oposição ao rural, pode ser notado desde o dicionário de Coruja(Coleção de Vocábulos e Frases usados na Província de São Pedro do RioGrande do Sul). Publicado em 1852 pelo IHGB, suas definições, repletas delocativos, apresentam uma distinção entre o campo e a cidade: o dicionáriode regionalismo é construído a partir de uma posição de lexicógrafo queobserva tanto o campo quanto a cidade, como se vê nos seguintes verbetes:

Peão, s. m. homem ajustado para fazer o serviço do campo: esta designação seentende até aos escravos exclusivamente ocupados no serviço das estâncias.Perneira, s. f. espécie de bota de couro cru garroteado, que os cavaleirosusam no campo, e que tiram inteiriça da perna do potro; pelo que tambémchamam botas de potro.Pingo, s. m. vulg. diz-se de um bom cavalo; que bonito pingo! rebenqueiao pingo, etc. usa-se tanto na campanha, como nas cidades.Pracista, adj. (deriv. de praça) o que vivendo no campo, mostra mais al-guma civilização por ter feito viagens às cidades e ter nelas praticado compessoas de educação.

O dicionário constrói assim uma imagem da cidade enquanto lugarde civilização e de escolarização, em oposição ao campo, onde encontram-se moradores e trabalhadores. Deste modo, a dicionarização vai confor-mando a imagem de um “sujeito urbano escolarizado”.7 Outro momento

7 Retomamos aqui a expressão utilizada por C. Pfeiffer (2001). Refletindo sobre as relaçõeslíngua/Estado, civilidade/não-civilidade, sujeito/espaço, unidade/dispersão, escolarização/

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que podemos apontar é o do Rio de Janeiro de finais do século XIX. Odicionário de M. Soares (1889) introduz uma série de discursividades pró-prias do contexto urbano: instituições públicas, administração, comércio,espaço público, jornalismo, sujetividade urbana. O lexicógrafo, portanto,volta-se mais decididamente para a observação das práticas urbanas. Oséculo XX foi palco de uma urbanização sem precedentes, da qual decor-reu uma ampliação da rede escolar, o aparecimento de universidades, osurgimento de editoras e a conseqüente ampliação do público letrado. Po-demos considerar esse fator uma das causas do aparecimento dos primei-ros dicionários brasileiros de língua portuguesa, com a produção diciona-rística de grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo.

d) institucionalizaçãoAs formas administrativas e a urbanização são acompanhadas de

processos de institucionalização. A Companhia de Jesus, na Época Coloni-al, é a primeira instituição a produzir dicionários: os bilíngües português-tupi. Tal produção acompanha o aparecimento e o declínio dessa institui-ção, respectivamente em 1547 e 1757. Na primeira metade do século XVIIIsurgem as primeiras academias brasileiras, que, apesar de não produziremdicionários, tiveram um papel regulador no estabelecimento do portuguêsde Portugal.8 Elas surgem sob a influência do Iluminismo, que acarretouigualmente mudanças no sistema escolar e no estabelecimento de institui-ções jurídicas. Note-se que nesse período as universidades portuguesas ti-veram um papel importante na formação das elites brasileiras. Não parecefora de propósito associar esse fator à formação do dicionarista Moraes,que deixa o Brasil em 1774 rumo a Portugal. Lá faz um curso jurídico naUniversidade de Coimbra. Em seguida, elabora seu dicionário, publicadoem 1789 em Lisboa. No Brasil Monárquico, a Biblioteca Nacional (1808)

urbanização, Pfeiffer estuda a constituição no Brasil de um sujeito urbano escolarizado: “oprocesso de escolarização e o de urbanização funcionam, ambos, como instrumentos, doEstado, de normatização, estabilização, regulamentação dos sentidos do sujeito e dos senti-dos para o sujeito ocupar a cidade.” (Cidade e sujeito escolarizado. In Cidade atravessada:os sentidos públicos no espaço urbano, Eni P. Orlandi (Org.). Campinas: Pontes, 2001).

8 B. Mariani mostra que as academias que surgiram no Brasil no século XVIII tiveram umafunção reguladora que levou a combater a língua geral e defender o português: “Les académiesfonctionnent comme des ‘pré-institutions’, dont la fonction régulatrice majeure serait demettre en oeuvre l´écriture d´une histoire officielle du Brésil, en utilisant le portugais de lamétropole comme instrument permettant d´éviter toute ‘échappée” de sens.” (Langages 130,Paris: Larousse, 1998, p. 84).

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e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) promoveram a pro-dução e publicação de dicionários bilíngües, dentre os quais os de Gonçal-ves Dias (1858) e Ferreira França (1859). Tais obras trazem como marca acolocação do português em uma ligação histórica com o “tupi antigo”. OIHGB segue até o período republicano, quando promove a publicação dedicionários de brasileirismos. Com a República, surge a Academia Brasi-leira de Letras (1897), cujo dicionário, depois de muitas discussões e pro-jetos, fica pronto em 1943 e é publicado em 1961-1967 (o de AntenorNascentes). A ABL teve um papel fundamental na formação de lexicógra-fos, na concepção de projetos dicionarísticos e na normatização ortográfi-ca. Podemos apontar ainda uma passagem da concepção histórica e regio-nal dos dicionários, que prevalecia com o IHGB, para uma concepção quetende para o dicionário da língua geral tomada em sincronia. A escolarizaçãoé um fato importante. No Colégio Pedro II, em finais do século XIX einício do XX, atuaram alguns dicionaristas. Mencione-se, na primeira me-tade do XX, Antenor Nascentes. A ampliação do ensino escolar nesse pe-ríodo levou à produção de dicionários compactos e adaptados ao contextobrasileiro. Concorreu também para este fato a consolidação de um merca-do de livros. O aparecimento de editoras nas décadas de 30 e 40 abre cami-nho para as publicações independentes e para a série de dicionários denomes próprios. Segundo H. Pontes (1989: 364), com a Revolução de 30,uma nova configuração “se expressou nos mais variados setores da vidacultural do país: na instrução pública, nas reformas do ensino primário esecundário, na criação de novas faculdades e das primeiras universidadesbrasileiras, na produção artística e literária, nos meios de difusão culturale, sobretudo, na ênfase aos estudos e ao conhecimento da realidade nacio-nal”. Nessa nova configuração, as editoras ocuparam um lugar significati-vo, com a publicação de estudos sobre a realidade nacional. Dentre taiseditoras está a Civilização Brasileira. Fundada pelo acadêmico GustavoBarroso, ela publica o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portu-guesa, do próprio G. Barroso e de H. Lima. Este pequeno dicionário, comdefinições breves e sem exemplos ou citações, teve grande sucesso edito-rial, inaugurando a série de dicionários brasileiros de língua portuguesa.De 1939 a 1944, a editora A Noite publica no Rio de Janeiro o Grande eNovíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire. Men-cionemos ainda, dentre outras, a editora Delta, do Rio de Janeiro, que pro-move edições brasileiras do dicionário de C. Aulete (1958, 1970, 1980), aMelhoramentos, de São Paulo, que publica seu dicionário desde 1969, atual-

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mente denominado Michaelis, e a editora Nova Fronteira, do Rio de Janei-ro, que desde 1975 publica o Aurélio. Ainda na série das instituições, te-mos também nas décadas de 30 e 40 o aparecimento das universidades,com a fundação das faculdades de Letras (em 1937, surge a Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras da USP). As conseqüências desse fato come-çam a aparecer nas últimas décadas. Podemos mencionar, com relação aosdicionários gerais, a elaboração em curso do Dicionário de Usos do portu-guês Contemporâneo (ver Borba, 1997), realizada com base em um corpuseletrônico da língua escrita.

e) contatos lingüísticosO contato entre europeus e índios motivou as primeiras produções

lexicográficas no Brasil. Em um meio multilíngüe ocorre um processo deexo-gramatização, com as línguas indígenas sendo dicionarizadas por fa-lantes europeus. Ainda que pouco documentado, podemos apontar um pro-cesso semelhante com relação às línguas africanas.9 Com as medidas pom-balinas, a política monolíngüe se estabelece e temos a introdução do primeirodicionário do português, seguida da endo-gramatização brasileira. Nesse pro-cesso, as diferenças lingüísticas passam a ser tratadas como diferenças inter-nas: regionalização, “influência” de outras línguas (sobretudo indígenas eafricanas) no português brasileiro, reconhecimento dos brasileirismos. Assemelhanças e diferenças entre o português brasileiro e o português de Por-tugal também levam a certos projetos lexicográficos e modos de inclusão/exclusão. Com respeito aos contatos do português com outras línguas, taiscomo as de imigrantes, parece-nos que seria pertinente um estudo da histó-ria dos dicionários bilíngües, bem como do modo como os monolíngüestratam tais línguas. É interessante notar ainda, após o período de diferen-ciação/identificação em relação ao português de Portugal, um movimentode ampliação com relação aos demais países de língua portuguesa.10

9 E. Bonvini e M. Petter, analisando a documentação sobre as línguas africanas no Brasil,indicam a existência do Vocabulário Português-Angolano, redigido por Pedro Dias em 1694.O mesmo autor também publica, em Lisboa, em 1697, Arte da língua de Angola, em quedescreve a língua quimbundo, falada em Salvador por escravos originários de Angola(Portugais du Brésil et langues africaines, Langages 130, Paris: Larousse, 1998).

10 Analisando diversos dados sobre os contatos culturais e lingüísticos Brasil/África, M. Pettermostra que a edição de 2000 do Aurélio passa a incluir angolanismos, cabo-verdianismos,guineensismos, moçambicanismos e santomensismos. (A constituição do léxico nacional:problemas de línguas em contato, trabalho apresentado no XLIX Seminário do GEL, Marília,2001).

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f) identidade nacionalA atribuição de uma identidade nacional constitui um fator motivador

da produção de dicionários. Podemos remeter os dicionários bilíngües tupi-português da Época Imperial aos processos de identificação do brasileiroque tomaram o índio como antepassado deste. Gonçalves Dias, autor doDicionário da Língua tupi chamada língua geral dos indígenas do Brasil,foi encarregado de elaborar uma história das línguas indígenas e elegeu otupi como língua dos antepassados brasileiros. Ressalte-se dessa produçãoo aparecimento de reflexões etimológicas que ligavam termos do tupi anti-go a termos do português brasileiro. Desta maneira, os termos tupi vãosendo incorporados ao português. Outro momento associado à identidadenacional está na produção de dicionários de brasileirismos, no final doséculo XIX, quando se buscava uma identidade para o povo brasileiro, nãoapenas pela influência indígena, mas por diversas condições sociais. Asconseqüências disso são observáveis na constituição da nomenclatura des-ses dicionários, com a inclusão de uma série de termos relativos à conjun-tura brasileira: designativos de raça e grupo social, termos culturais, ter-mos do cotidiano das cidades. Os movimentos nacionalistas na década de20 também estão na base de construções de identidade nacional. Podemosafirmar que isso levou à introdução, nos dicionários de língua portuguesafeitos no Brasil, de elementos culturais próprios desse contexto.

g) influência de teoriasExaminando a produção dicionarística brasileira, é possível em gran-

de escala relacioná-la com teorias lingüísticas desenvolvidas em conjuntu-ras determinadas. Os dicionários muitas vezes não explicitam as filiaçõesteóricas, sobretudo quando não apresentam prefácios ou indicações de fi-liações. Resta ao analista o procedimento de detectar as teorias implícitas.Considerando-se estas condições, vamos indicar a influência de cinco gran-des correntes teóricas. A primeira é a da Gramática Latina. Os dicionáriosbilíngües jesuítas tinham uma forma muito próxima da gramática. Grandeparte dos verbetes trazia comentários gramaticais, com presença marcanteda Gramática Latina, que serviu de base também para a elaboração da gra-mática de Anchieta. Há uma intertextualidade visível entre esta gramáticae o Vocabulário na Língua Brasílica.11 Desenvolveu-se aí um saber con-

11 Ver J. H. Nunes (Dicionário e instrumentos lingüísticos no Brasil: dos relatos de viajantesaos primeiros dicionários, tese de doutorado, Unicamp, 1996).

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trastivo entre a língua indígena e a língua portuguesa, tendo a GramáticaLatina como metalinguagem teórica. A marca mais flagrante desse saberestá na reflexão sobre as partes do discurso no interior dos verbetes doVLB. Com a virada que consistiu na interrupção da produção jesuíta e noempréstimo do dicionário de Moraes, sai de cena a Gramática Latina eentra a gramática geral ou filosófica. Tal influência é explicitada a partir dasegunda edição, quando se introduz nos preâmbulos desse dicionário umagramática com base na Gramática Geral. A relação pode ser observada namudança estrutural da obra, que elimina os comentários etimológicos quehavia em Bluteau e torna as definições menos extensas, além de deixar odicionário mais compacto. Com isso, segue o modelo iluminista da “clare-za” e “concisão”, passando do dicionário de grandes autores ao dicionáriodo “modo de pensar”. Em meados do século XIX, a influência da lingüís-tica histórica se faz observar nos dicionários bilíngües tupi-português e narelação que se estabelece entre o tupi antigo e o português, relação apoiadapela corrente romântica. Note-se que os dicionários de G. Dias e F. Françaforam publicados em Leipzig, onde vigorava o comparatismo alemão. Nocaso dos dicionários tupi-português, ocorreu menos uma genealogia daslínguas,12 mas uma explicação histórica que incluiu a construção de umsaber etimológico ligando o tupi antigo ao português falado. No final doséculo XIX e entrando pelo XX, temos a influência da gramática da línguanacional. A defesa da língua nacional tem como conseqüência imediata amodificação da nomenclatura dos dicionários, com a inclusão de brasilei-rismos nos dicionários portugueses e a elaboração de dicionários de brasi-leirismos. A questão semântica também é colocada, ressaltando-se os ca-sos de homonímia e polissemia. Estabelecem-se ainda marcações dedomínio (brasileirismo, regionalismo, popular, etc.). No século XX, os es-tudos sincrônicos tiveram uma grande influência, cujas conseqüências ain-da estão em curso. Podemos apontar o aparecimento dos dicionáriosmonolíngües como reconhecimento de uma língua brasileira, com umafonética, uma morfologia, uma sintaxe, uma semântica, embora na polê-mica sobre o nome oficial da língua tenha prevalecido por razões diversaso nome “língua portuguesa”.13 Acompanha esse processo uma separaçãomais delineada entre o dicionário de definição e o dicionário histórico ou

12 Uma reflexão sobre a genealogia das línguas encontra-se nos vocabulários comparativos delínguas indígenas elaborados por Martius.

13 A esse respeito ver L. F. Dias (Os sentidos do idioma nacional. Campinas: Pontes, 1996).

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etimológico: os dicionários de brasileirismos, como os de Soares (1888) eRohan (1889), dedicavam um espaço significativo para a etimologia, en-quanto os dicionários brasileiros de língua portuguesa limitam esse espaçoà indicação da origem.14

h) domínios conexosO saber lexicográfico se constitui na relação com diferentes domí-

nios conexos, tais como ciência, literatura, história, religião, mídia, etc..Por isso, ele se apresenta com diversas configurações conforme as aliançase fronteiras que se estabelecem entre esses domínios. Na Época Colonial,os relatos traziam uma forma de conhecimento que aliava ciência, política,religião, descrição de costumes, compondo um saber enciclopédico queserviria em seguida de fonte para a lexicografia. Com os jesuítas, a relaçãocom a religião determinou em grande medida as formas lexicográficas.Assim, temos na nomenclatura do VLB a presença de um vocabulário reli-gioso e de cenas enunciativas próprias da situação de catequese. Em Moraes,o domínio jurídico ganha terreno, o que acarreta, além da mudança na for-ma da definição, como apontamos no item anterior, a inclusão ou atualiza-ção do vocabulário das instituições, dos sujeitos e das concepções jurídicase políticas, com as modificações discursivas que daí decorrem. Enquantono Moraes o jurídico ganha espaço, nos bilíngües publicados pelo IHGB odicionário está aliado à história, tal como promovida pelo Estado Monár-quico. Assim, o binômio direito/história funciona distribuindo as signifi-cações em espaços discursivos específicos. O discurso da história, no en-tanto, começa a declinar na segunda metade do século XIX, enquanto osdomínios da sincronia (estudos da língua falada, ciências socias, folclore,além de diversas áreas científicas) passam a se estabelecer. As conseqüên-cias dessas transformações se observam na produção dicionarística do sé-culo XX: definição de termos em uso no Brasil, introdução e acréscimo deacepções científicas, marcação de domínios (brasileirismo, regionalismo,folclore, familiar, vulgar, coloquial, gíria, etc.), transcrição fonética.15 Ou-tro domínio que a partir do século XIX começa a ser introduzido é o dojornalismo. O dicionário de Soares (1888) inclui, entre suas fontes, vários

14 Note-se que o recém-lançado Dicionário Houaiss da língua portuguesa não segue esse pro-cedimento, dedicando mais espaço aos comentários etimológicos, introduzidos no interiordos verbetes.

15 No Dicionário da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes (1961), editado pela AcademiaBrasileira de Letras, apresenta-se uma transcrição fonética dos termos.

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jornais em circulação no país. Tal procedimento se intensifica no séculoXX, não apenas com o jornalismo, mas também com outras formas demídia, de modo que no prefácio do dicionário de Ferreira (1975) aparece,dentre as caracterizações da língua a ser dicionarizada, a seguinte: “línguados jornais e revistas, do teatro, do rádio e televisão”. A literatura teve umpapel importante na produção brasileira a partir da elaboração de léxicosanexos a romances, como em Diva de José de Alencar (1865). A introdu-ção mais sistemática da literatura brasileira nos dicionários gerais, no en-tanto, precisou esperar o decorrer do século XX, com os dicionários brasi-leiros de língua portuguesa. Isto ocorreu juntamente com a introdução dediversos aspectos culturais relativos ao contexto nacional. Também no sé-culo XX, as diversas ramificações da ciência ganham espaço no dicioná-rio, fato que leva à ampliação de definições científicas, com marcações dedomínios de especialidade. A distinção ciência/literatura traça suas fron-teiras, de maneira que estas duas tendências concorrem na elaboração deprojetos lexicográficos.

i) tecnologiaA questão da técnica pode ser considerada ao menos de duas for-

mas. A primeira diz respeito à técnica textual através da qual o dicionáriose constitui. Incluímos aí as operações de alfabetação, disposição em colu-nas, recursos gráficos, numeração das acepções, marcações de domínio,etc. A segunda concerne à tecnologia de escrita e impressão. Incluímosnesse caso as técnicas manuscritas, as de impressão e mais atualmente asde informatização. De fato, essas duas formas da técnica estão estreita-mente relacionadas, mas vamos comentar aqui apenas a segunda. Os dicio-nários dos jesuítas, produzidos no período entre 1549 a 1759, eram manus-critos. Como se sabe, a Imprensa no Brasil só é introduzida com a vinda daFamília Real em 1808. Este fato explica a existência, na Época Colonial,de várias versões manuscritas de um mesmo dicionário (caso do VLB), avariação ortográfica e algumas diferenças de um manuscrito a outro. Aintrodução da Imprensa, no século XIX, possibilita a publicação de dicio-nários: primeiramente os bilíngües português-língua indígena e em segui-da os de brasileirismos. Tais publicações ocorrem em instituições ligadasao Estado, tais como o Instituto Histórico e Geográfico e a Biblioteca Na-cional. Como vimos no item “institucionalização” mais acima, as editorasnão estatais passam no século XX a ter um papel importante na publicaçãode dicionários, isto é, o domínio da técnica alcança outros lugares que não

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os diretamente ligados ao Estado. Na segunda metade desse século, quan-do tem início a informatização, novas possibilidades técnicas aparecem,cujas implicações apenas começam a se apresentar. Uma delas é a constru-ção de corpora eletrônicos a partir dos quais se pode produzir uma série dedicionários. Editoras e universidades preparam seus bancos de dados emvista dessas novas condições tecnológicas. Mencionemos a esse respeito oCentro de Estudos Lexicográficos (CEL) da UNESP, campus de Araraqua-ra, onde foi construído e está sendo ampliado um corpus da língua escritaque compreende literatura romanesca, jornalística, dramática, técnica eoratória. Uma das conseqüências mais visíveis da informatização nos di-cionários é a mudança nas formas de busca. Ultrapassando os limites daordem alfabética, temos várias outras possibilidades, como a busca em sub-domínios, por segmentos da palavra-entrada, pelo texto dos verbetes, porautor citado, etc.

Dicionarização: interpretação, ética e políticaConsiderar o dicionário como um objeto histórico nos leva a dizer

que sua constituição é determinada por uma série de fatores causais, que sepodem explicitar analisando-se as condições de sua produção. Este seriaum primeiro ponto a se considerar nas práticas éticas e políticas ligadas àanálise e produção de dicionários. É a partir da analise dessas condições deprodução e das periodizações e interpretações daí resultantes, que pode-mos falar em uma “tradição lexicográfica”, ou antes, em uma história dadicionarização, tendo por objeto um conjunto polêmico de saberes consti-tuídos na base do dicionário e ligados a determinadas conjunturas sócio-históricas. Esta perspectiva conduz também a questionar a evidência dasformas dicionarísticas, abrindo-se espaço para sua interpretação. Tal inter-pretação não estaria nunca estabelecida de uma vez por todas, mas sempresujeita a retomadas e reconstruções. Como afirma Pêcheux (1988: 293-304), ao trazer Lacan para refletir sobre a relação sujeito/ideologia, “só hácausa daquilo que falha”. A forma dicionarística, tal como construída pelosujeito lexicográfico, nunca coincide com as condições que a determinam.Daí o fato de que os sentidos que o dicionário produz sempre podem seroutros, estando abertos à interpretação.

O segundo ponto que gostaríamos de levantar diz respeito à oposi-ção unidade/diversidade. Vimos que o dicionário monolíngüe constitui-secomo resultado de uma política lingüística que, enquanto trabalhava o do-mínio do português brasileiro, muitas vezes silenciava outras línguas fala-

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das no território. Refletindo sobre questões de ética e política lingüística,Orlandi coloca que “ao invés de considerar uma oposição estrita entre uni-dade e diversidade, consideramos essa relação como uma relação necessá-ria e dinâmica. As políticas lingüísticas são o lugar material de realizaçãodessa relação historicamente necessária em uma sociedade como a nossa”(Orlandi, 1998: 13). Uma das conseqüências desta reflexão para a concep-ção do dicionário monolíngüe parece-nos ser a de considerar a relação di-nâmica entre as línguas no interior mesmo do dicionário de “uma língua”.Apesar de o dicionário monolíngüe apresentar uma unidade imaginária (nocaso, do português brasileiro), de fato há inscrita nele uma série de rela-ções entre as línguas (de inclusão, exclusão, confronto, absorção, filiação,etc.), que convém explicitar e não apagar.

Concluindo, diremos que a busca das causas da dicionarização étambém um trabalho político da memória e do esquecimento16 da(s)língua(s), tais como produzidas e instrumentadas pelos sujeitos em deter-minadas conjunturas. Do nome próprio de autor às diversas formas de re-presentação coletiva ou institucional do dicionário, o lugar do lexicógrafo,assim como o do próprio objeto-dicionário, constitui-se no interior de umasérie de fatos inter-relacionados, cuja historicidade procuramos explicitar.Realizamos, desse modo, um trabalho de atualização da memória do saberdicionarístico, sem negar os gestos de interpretação aí envolvidos, mas simreconhecendo-os como tomadas de posição na própria construção da(s)história(s) da dicionarização.

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16 De acordo com J-J. Courtine, “Memória e esquecimento são indissociáveis na enunciaçãodo político” (O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento naenunciação do discurso político. In: Os múltiplos territórios da Análise do Discurso, F.Indursky e M. C. L. Ferreira (Orgs). Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999).

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Margarida PetterUniversidade de São Paulo (USP)

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A diversidade do léxico do português do Brasil foi notada pelosprimeiros viajantes e tornou-se matéria de estudo lingüístico no século XIX.Os primeiros trabalhos sobre a diferença entre o português de Portugal e oportuguês brasileiro (PB) observaram que a variedade nacional se distin-guia da língua da antiga metrópole pela incorporação de termos de origemindígena e africana, decorrente do contato dos falantes de línguas diversase da necessidade de denominar realidades novas encontradas na América.Segundo Arthur Neiva, os brasileirismos – como tais peculiaridades passa-ram a ser reconhecidas – surgem logo nos primeiros trabalhos escritos sobreo Brasil e talvez os primeiros vocábulos registrados sejam os que constam dalista de doze palavras colhida por Pigafetta, cronista da expedição de FernãoMagalhães, em 1519, entre as quais estão: pindá “anzol, gancho, fisga, gar-ra” e ui “farinha” (Neiva, 1940: 3, apud Theodoro Sampaio).

Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, a língua portuguesa jáhavia entrado em contato com as línguas africanas, como se observa emdocumentos portugueses dos séculos XVI e XVII (Bonvini, 1996) que re-velam o uso de termos emprestados principalmente do quimbundo, refe-rentes à escravidão, ao tráfico, à vida militar e ao quotidiano. No Brasil,talvez um dos registros mais antigos do uso de palavras oriundas de lín-guas africanas seja o de Piso (1957 [1658], apud STUTZ, 2001), que apon-ta o emprego de nomes de animais e vegetais trazidos pelos africanos:

Como os europeus um dia transportaram para a América as plantas esementeiras que julgaram lucrativas, assim os africanos, entre as ervas

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úteis para aqui trazidas, cuidadosamente cultivam ainda a chamada peloslusitanos Belingela, e pelos angolenses africanos Tonga ou Macombo,bem como as duas outras Quigombó e Sésamo. Segue-se a primeira emais preciosa espécie africana Quigombó, a que os lusitanos deram onome bastante apropriado de Quigombó de cheiro, isto é, cheiroso, porcausa da semente moscada. [...] A Segunda árvore Quigombó, chama-da Quigombo pelos íncolas, em toda parte, e pelos angolenenesQuillobo. [...] A quarta era trazida pelos etíopes, daquela parte da Áfri-ca denominada Congo, erva chamada Girgilim pelos lusitanos, semnome entre os indígenas, é considerada por nós uma espécie de sésamo.(Piso, 1957[1658]: 441-5)

A menção de palavras africanas em textos com objetivos variados,como o supra citado – parte de uma obra de história natural – e em outrostrabalhos, como relatos de viajantes, revela, principalmente, a preocupa-ção com o referente, o interesse em retratar o novo, o original. Embora nãoseja explícita nesses textos uma intenção lingüística, as citações de termosvindos da África constituem uma fonte importante para a história do regis-tro do contato cultural e lingüístico ocorrido no Brasil: ao mesmo tempoem que consignam o conhecimento e o uso dos termos, indicam os interes-ses e as apreciações dos falantes. Ao lado desses documentos, encontram-se os registros lingüísticos intencionais, representados por textos orienta-dos pela identificação e busca de traços africanos na realidade nacional:listas lexicais, léxicos e dicionários especializados. A investigação dessematerial permite identificar os interesses de seus autores, articulados aocontexto da época em que foram produzidos e nos leva a questionar osresultados e a metodologia utilizada na elaboração de tais registros. Estetexto analisará, sem pretender a exaustividade, trabalhos que registraram apresença de termos oriundos de línguas africanas no léxico do portuguêsdo Brasil (PB), situando-os no contexto histórico e analisando a contribui-ção que deram ao conhecimento do que passou a ser identificado como“africanismos” no PB.

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Nenhuma língua africana é falada, atualmente, no Brasil. Temos al-guns registros do passado que nos informam indiretamente que tal práticadeve ter ocorrido em lugares e situações especiais. No século XVII, 1697,publica-se em Lisboa a Arte da lingua de Angola, oeferecida a Virgem

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Senhora N. do Rosario, Mãy & Senhora dos mesmos Pretos, pelo P. PedroDias da Companhia de Jesu (como aparece no frontispício). Seu autor,português de origem, vivia no Brasil desde a infância; era jesuíta, jurista emédico. Trata-se de uma gramática da língua quimbundo, a primeira gra-mática sistemática dessa língua. Destinava-se a facilitar o trabalho dos je-suítas que lidavam com os negros, com o objetivo de facilitar-lhes o apren-dizado dessa língua. Esse trabalho testemunha o emprego corrente naquelaépoca de uma língua africana, o quimbundo, pelos escravos oriundos deAngola. Não se sabe se tal língua era falada em outras localidades e porfalantes não africanos. No entanto, há um fato importante que pode levar aconclusões mais abrangentes: o trabalho de Pedro Dias foi redigido em1694(publicado em 1697), data bem próxima à da destruição de Palmares (1695).Poderia, então, ter sido o quimbundo, como pensam muitos estudiosos, alíngua africana utilizada naquela comunidade constituída em sua maioriade negros fugitivos (Bonvini & Petter, 1998: 75).

No século XVIII, em 1731/1741, Antonio da Costa Peixoto redige,em Ouro Preto, um manuscrito sob o título Lingoa gªl de Minna, traduzidaao nosso Igdioma, por Antonio da Costa Peixoto, Curiozo nesta Sciencia,e graduado na mesma faculdade:E.º. – título que aparece no frontispícioda Obra Nova da Língua Geral de Minna. Esse documento retrata umasituação lingüística particular, resultante da concentração, no quadriláteromineiro de “Vila Rica – Vila do Carmo – Sabará – Rio dos Montes”, de100.000 escravos – regularmente renovados durante um período de 40-50anos – originários da costa do Benim (designada “Mina” e situada, grossomodo, entre Gana e Nigéria). Essa situação deu origem a um falar veiculartipologicamente próximo das línguas africanas dessa mesma costa, desig-nadas hoje como gbe, do grupo “kwa”, do phylum Níger-Congo. No sub-grupo gbe há uns 50 falares, dos quais os mais conhecidos são o ewe, o fon,o gen, o adja, o gun e o mahi.

Esse manuscrito do século XVIII, só publicado em 1945, em Lis-boa, é o documento mais importante e “precioso” sobre as línguas africa-nas no Brasil, porque testemunha a existência de uma língua veicular afri-cana designada como Língua Geral, provavelmente em referência à línguageral indígena (Bonvini & Petter, 1998: 75-6).

No século XIX, duas obras revelam a existência de um plurilingüis-mo africano no Brasil. A primeira, divulgada em primeira mão por Bonvini(2001: 397-8), dá conta de um trabalho do início do século – Atlasetnographique du globe, de Adrien Balbi (1826: 226), que apresenta um

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quadro de três listas de 26 palavras, conforme a ortografia portuguesa, detrês línguas do grupo banto: ‘masanja’, ‘tzochoambo’, ‘matibani’, a pri-meira falada em Angola – um falar quimbundo de Cassanje, conformeBonvini – as duas outras de Moçambique (chwabo e inhambane, provavel-mente). Essas palavras foram recolhidas por Maurice Rugendas junto aescravos brasileiros. Balbi lamenta não poder apresentar palavras de ou-tras línguas coletadas por Rugendas (‘mina’, ‘molua’, etc.), por ter perdidoo manuscrito. O segundo texto, de Nina Rodrigues, é do fim do século XIX(1890; 121-52), traz um quadro sinótico de 120 palavras de cinco línguasafricanas, faladas ainda correntemente na Bahia em sua época: “grunce”(gurunsi), “jeje” (maí?) (ewe-fon), “haussá”, “kanuri” e “tapa’ (nupe). NinaRodrigues não faz um inventário completo, porque não menciona o quim-bundo, língua usada em alguns cultos na Bahia, cuja existência é mencio-nada por Rugendas.

A partir de então, nenhuma notícia se encontra sobre outras situa-ções em que línguas africanas fariam parte da prática lingüística brasileira.No século XX, na década de 80, após a “descoberta” do Cafundó, em 1978,são publicados trabalhos sobre duas comunidades negras rurais isoladas –Cafundó e Tabatinga.

O Cafundó foi pouco a pouco desvendado e divulgado em artigospublicados em revistas especializadas, de 1978 até 1982. Em 1996, Vogt eFry organizam todo o material produzido, apresentando-o no livro Cafundó:a África no Brasil: linguagem e sociedade .

A “língua do Cafundó”, cupópia ou falange, denominações pelasquais é conhecida, não é uma língua africana, corresponde ao emprego determos de origem banto (quimbundo e quicongo, na maioria) na sintaxe doportuguês local, o dialeto rural de Salto de Pirapora, na região de Sorocaba(SP). Seu uso cumpre uma função de língua especial, secreta, que permitea comunicação somente entre os conhecedores da “língua”, afastando osestranhos a seus “segredos”. Sua vitalidade está ameaçada pelo empregomais freqüente do português pelos mais jovens, que desconhecem os pou-co mais de 167 termos “africanos” que a constituem. Esses termos sãoapresentados num glossário, no final da obra, com a análise de seu étimoafricano provável e o registro dos casos de uso em outras regiões (Patrocí-nio e Milho Verde).

Em 1998, Sônia Queiroz publica Pé preto no barro branco: a lín-gua dos negros da Tabatinga, texto de sua dissertação de mestrado defen-dida em 1983. Analisando a “língua da costa”, denominação pela qual tam-

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bém é conhecida essa expressão lingüística, em referência à costa africana,e comparando-a à do Cafundó, com quem compartilha – além do uso comoforma de “ocultação” – muitos elementos lexicais e gramaticais, a autoraconclui que a Língua do Negro da Costa funciona como “um sinal diacríti-co que marca o grupo de negros da Tabatinga por oposição aos brancos docentro da cidade” (1998: 106). Os 169 termos “africanos” que a consti-tuem são apresentados num glossário, acompanhados de seu étimo e daindicação dos casos de registro feito por outros autores.

Se nos voltarmos para as comunidades religiosas, representadas so-bretudo pelas comunidades-terreiros de candomblé, encontraremos váriostrabalhos de cunho antropológico e sociológico, principalmente, que abor-dam, indiretamente, a linguagem utilizada nos cultos e que registram, numglossário em anexo, as palavras de origem africana, com o respectivo sig-nificado em português. Essas obras são importantes porque confirmam ouso de termos já identificados em trabalhos lingüísticos e sugerem, muitasvezes, novos vocábulos não registrados.

Dentre os trabalhos de cunho lingüístico e etnológico destacam-seos textos de Yeda Pessoa de Castro (1968, 1978, 1980, 1998), que anali-sam a contribuição africana no português do Brasil e, com maior profundi-dade, a presença de línguas africanas na Bahia.

Em 1989 publica-se a dissertação de mestrado de Ruy Póvoas, sobo título A Linguagem do Candomblé – níveis sociolingüísticos de integraçãoafro-portuguesa. Nessa obra o autor demonstra com detalhes como se dá ainteração entre o português e o nagô (iorubá) no candomblé, a partir depesquisa de campo em Itabuna, Ilhéus e na Baixada Fluminense. Destacaas funções que desempenha cada idioma, as interferências mútuas, no campoléxico e semântico, sobretudo. Embora o nagô seja a língua-alvo de todosos adeptos do culto, o que ocorre é que a maioria dos fiéis utiliza o portu-guês coloquial, com alguns elementos do léxico nagô. Por outro lado, mes-mo o nagô das situações especiais não é uma língua plenamente africana,já que sofre muitas interferências do português. Seus usuários privilegia-dos não possuem competência lingüística para utilizá-lo fora das situaçõesrituais. O que permanece da língua africana é o léxico, que o autor apresen-ta sob a forma de glossário, em que as entradas lexicais estão em nagô, naortografia atual do iorubá, seguidas da grafia em português e do seu signi-ficado.

De línguas plenas, documentadas nos séculos XVII e XVIII (quim-bundo e ‘língua de mina’, respectivamente), as línguas africanas transfor-

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maram-se, no Brasil, em línguas especiais – secretas ou rituais – que resis-tem hoje como um repertório lexical, cujo uso e difusão para outros domí-nios lingüísticos só ocorre com os termos utilizados nos cultos religiosos.

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Os primeiros registros lexicográficos da peculiaridade do PB sãopublicados na segunda metade do século XIX (cf. Biderman, neste volu-me). São vocabulários, dicionários do português de uso geral no país ouem alguma região do Brasil.

Nessas obras a maioria dos vocábulos específicos ao Brasil são deorigem indígena, ou correspondem a usos diferentes dos de Portugal, iden-tificadores de uma marca nacional brasileira, atendendo ao objetivo ex-presso de seus autores, que trabalhavam em sintonia com o momento his-tórico de consolidação da individualidade brasileira. Essas palavras passama constituir os brasileirismos – termo que passou a rotular as inovaçõeslingüísticas do PB desde o dicionário de Moraes e Silva, de 1789, persis-tindo até hoje como uma classificação para verbetes nos dicionários delíngua. Nesse contexto, as palavras de origem africana surgem como umasubcategoria dos brasileirismos, concorrendo em situação desfavorável comos termos de origem tupi (indígena), em razão da inferioridade numéricados africanismos registrados e do fato de ser a realidade nativa o foco dointeresse dos estudiosos, preocupados, também, em valorizar o elementoindígena, símbolo da nacionalidade, provedor de sentidos e nomes diferen-tes para aprender.

Macedo Soares (1888, 1943) destaca-se entre seus contemporâneospela extensão e profundidade de seu trabalho lexicográfico e pela defesado “dialeto brasileiro”, reconhecendo que:

o elemento negro não deixou de contribuir, posto que mais parcamenteainda que o índio, para a formação do dialeto brasileiro (1943: 60)

No estudo “Sobre algumas palavras africanas introduzidas no por-tuguês que se fala no Brasil”, quarto capítulo da obra supra citada (1943),Macedo Soares apresenta termos de origem africana, discute sua etimolo-gia e algumas vezes contraria interpretações de certos termos, dados comode origem indígena, argumentando em favor de sua procedência africana,como tanga, justificada por uma longa explicação (p. 54-6).

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Também as gramáticas do final do século XIX incluíam brasileiris-mos, como as obras de Pacheco Silva: Grammatica Historica da LinguaPortugueza (1879) e Grammatica da Lingua Portugueza (1887), que apre-sentavam como tópicos de estudo provincianismos, brasileirismos, indige-nismos e africanismos (Orlandi & Guimarães, 1998: 16). O registro dessestermos em obras não lexicográficas demonstra a importância que o léxicorepresentava como forte argumento da defesa da originalidade do PB.

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No século XX assiste-se à abertura de um debate mais organizadosobre a presença africana no PB. Em 1933, publicam-se as obras A influên-cia africana no português do Brasil, de Renato Mendonça, e O elementoafro-negro na língua portuguesa, de Jacques Raimundo. Os dois trabalhosretraçam o itinerário da origem dos africanos transplantados para cá, deorigem banto e sudanesa, e apresentam uma relação de aspectos do PB queconsideram de origem africana, identificados na fonologia, na morfologiae na sintaxe. Embora não tenham expressamente um objetivo lexicográfico,apresentam glossários que ainda hoje, apesar de bastante restritos, são re-conhecidos como uma fonte importante sobre termos de origem africana.

O trabalho de Mendonça (1933) teve uma segunda edição, aumen-tada e ilustrada, em 1935, e outra em 1974, que reproduz ainda uma classi-ficação de línguas africanas já superada pelos trabalhos de Greenberg (1963).A obra contém um glossário com 375 termos de origem africana que, seapresentam étimos africanos discutíveis (iorubá ou quimbundo, unicamen-te), revelam, no entanto, um aspecto positivo: a indicação do contexto so-ciocultural de uso dos itens compilados.

Raimundo (1933) identifica 309 palavras de origem africana pre-sentes no PB, e acrescenta ao seu levantamento 132 topônimos. Da mesmaforma que Mendonça, a etimologia de todos esses itens lexicais é encon-trada nas línguas iorubá e quimbundo, predominantemente. Em 1936, omesmo autor oferece na obra O Negro Brasileiro e Outros Estudos, umalista aumentada de termos considerados de origem africana.

Outros trabalhos, indiferentes à defesa da participação africana noPB, apontam, também, a presença em nosso léxico de palavras de origemafricana. Mário Marroquim considera ter sido numerosa a contribuição paraa língua do nordeste, principalmente na denominação de objetos e coisas

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africanas que passaram a batizar acidentes geográficos (1934: 155-6). XavierMarques afirma que “elementos tupis e africanos resvalam pelo léxico,produzindo uma ou outra alteração morfológica e deixando imune a sinta-xe da língua” (1933: 65).

João Ribeiro, no seu texto “A língua nacional”, que teve primeirapublicação em 1921 e segunda em 1933, reconhece que a língua nacionalé essencialmente a portuguesa, mas enriquecida e livre em seus movi-mentos. Não elenca termos de origem africana, cuja origem reconheceser difícil remontar, mas observa a presença cultural dos negros, que trou-xeram para o Brasil muito de sua literatura popular. Apresenta um estudosemântico de provérbios brasileiros que têm correspondente africano,afirmando que não é só a presença de palavras de origem africana queatestam a identidade, mas o fato de que há provérbios semelhantes naÁfrica.

Nesse período surgem os primeiros trabalhos especializados norastreamento de africanismos, como se observa nos títulos das obras que sepublicam a partir de então:

• 1934 – Africanismos na linguagem brasileira, de Nelson Senna;• 1936 – Os africanismos no dialeto gaúcho, de Dante de Laytano;• 1938 – Africanos no Brasil. Estudos sobre os Nêgros Africanos e In-

fluências Afro-Nêgras sobre a Linguagem e Costumes do Povo Brasi-leiro, de Nelson Senna;

• 1944: O Negro e o Garimpo em Minas Gerais, de Aires da Mata Ma-chado Filho;

Nos anos que se seguem são publicados poucos títulos sobre a pre-sença africana no PB, refletindo o declínio do interesse pelo debate daespecificidade da língua nacional, em cujo bojo se inseria a investigaçãosobre as línguas africanas no Brasil.

Na década de 70, surgem três trabalhos:

• 1974: Répertoire des Vocables Brésiliens d’Origine Africaine, de J. P.Angenot, J. P. Jacquemin e J. Vincke;

• 1976: De l’intégration des apports africains dans les parlers de Bahia,au Brésil, de Yeda Pessoa de Castro;

• 1977: Dicionário de cultos afro-brasileiros, com origem das palavras,de Olga Gudolle Cacciatore.

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Destacam-se, dentre esses, dois trabalhos publicados desenvolvidos porafricanistas que introduzem nova abordagem metodológica, fundamentada napesquisa de campo no Brasil, de cunho lingüístico e cultural, confrontada àrealidade atestada atualmente na África. Ambos foram produzidos na Uni-versidade Nacional do Zaire (atual República Democrática do Congo):

• 1974 – Répertoire des Vocables Brésiliens d’Origine Africaine, de Jean-Pierre Angenot, Jean-Pierre Jacquemin e Jacques L. Vincke. Trata-sede um levantamento lexical efetuado a partir de fontes escritas disponí-veis na época. Registra 1 500 palavras, além de muitas formas varian-tes e topônimos. Apresenta na introdução o estado em que se encon-tram as pesquisas dos africanismos e esboça uma metodologia apropriadapara o domínio banto, em particular.

• 1976 – De l’intégration des apports africains dans les parlers de Bahia, auBrésil, de Yeda Pessoa de Castro. É uma tese de doutoramento ainda inédi-ta, defendida na mesma Universidade do Zaire. A autora tem outros tra-balhos publicados (1967, 1968, 1978, 1980) sobre a presença de línguasafricanas no Brasil e de sua participação na constituição do PB, baseadaem pesquisas de campo realizadas na região do Recôncavo Baiano. Emseus trabalhos a autora defende a importância da presença banto:

A antigüidade dessa presença favorecida pelo número superior do ele-mento banto na composição demográfica do Brasil colonial, tanto quan-to por sua concentração em zonas rurais, isoladas e naturalmente con-servadoras, onde o recurso de liberdade era a fuga para os quilombos,foram importantes fatores de ordem social e geográfica que tornaram aparte da influência banto tão extensa e penetrante na configuração dacultura e da língua representativas do Brasil que aportes de origembanto terminaram integrados ao patrimônio nacional como símbolo debrasilidade (1998).

Após um novo e longo silêncio, publicam-se novos trabalhos espe-cializados na identificação de africanismos no PB:

• 1991: Dictionary of African Borrowings in Brazilian Portuguese, deJohn Schneider

É o mais recente e completo sobre os empréstimos de línguas afri-canas no português do Brasil. Reúne 2500 entradas lexicais, incluindo de-rivados e compostos que se formaram a partir da integração completa doafricanismo no português do Brasil. Sua listagem leva em conta os africa-

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nismos presentes no Novo Dicionário Aurélio (1978), além de extensa pes-quisa bibliográfica sobre o tema. Segundo informa na introdução (1991:XI–XIII), para elaborar o dicionário o autor considerou, também, outrasfontes escritas e orais.

As entradas datadas são, na maioria, recolhidas do Dicionário Eti-mológico Nova Fronteira, (Cunha, 1982). Schneider faz uma ampla com-pilação da etimologia a partir da consulta de diversas obras, sem assumir,no entanto, a defesa de nenhum étimo; afirma claramente que a responsa-bilidade é do autor que a propõe. No caso de a fonte citada ser um dicioná-rio de língua africana, a semelhança encontrada na forma e no significadoresulta de sua própria investigação, sem qualquer interferência dos autoresdos dicionários citados. A informação etimológica é bastante completa,indica a família ou grupo lingüístico e língua específica de que provém ovocábulo. Quando não dispõe de dados sobre a etimologia, o autor sim-plesmente registra o termo com sua definição, evitando discutir o grau decerteza a respeito de sua proveniência; visto estar implícita sua origemafricana pela inclusão na obra.

Alguns verbetes são acompanhados da indicação “Braz.”, brasilei-rismo, com a informação do local onde seu uso é mais corrente. A pronún-cia de todos os itens lexicais é indicada por uma transcrição fonética parti-cular, seguindo uma convenção inusitada para alguns sons, como, porexemplo, a transcrição da nasal palatal (nh, ortograficamente) transcrita #.

Há alguns aspectos da organização e do conteúdo de sua extensalista de empréstimos que podem ser questionados:

• a multiplicação de verbetes: indicando a polissemia do termo, caso dechocho (1 entrada como substantivo e 7 como adjetivo), ou refletindo ainstabilidade da fala pela notação de formas variantes, como: quezila,quezília, quijila, quizília;

• a etimologia controversa de alguns termos, com forte evidência de tra-tar-se de tupinismos, como beiju e tipóia, entre outros, considerados deorigem tupi, tanto por Buarque de Holanda Ferreira (1978) como porA. G. Cunha (1982), mas incluídos por Schneider entre os termos deorigem iorubá e banto, respectivamente;

• a não inclusão de muitos termos que têm origem africana reconhecidapelos textos consultados, como abadá , afonjá, etc.

Apesar das ressalvas, esse dicionário destaca-se por demonstrar bomconhecimento sobre as línguas africanas, baseado na compilação extensa

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de obras de lingüistas africanistas, dicionaristas, folcloristas, antropólogose estudiosos de religiões afro-brasileiras (Petter, 2001).

• 1994, Nouveau Dictionnaire Etymologique Afro-Brésilien: afro-brasilérismes d’origine ewe-fon et yoruba, de Lébéné Philippe Bolouvi

O autor propõe desenvolver um estudo etimológico criticando o quejá foi feito e apresentando uma reflexão atual sobre a problemática da lin-güística afro-brasileira numa perspectiva negro-africana. Seu estudo en-volve três das línguas da África Ocidental, duas do grupo gbe – ewe e fon– e uma do grupo benuê-congo, o iorubá. Seu objetivo não é apenas olevantamento correto do étimo, mas também o resgate da história a partirdo léxico, permitindo que os afro-brasileiros restabeleçam os laços comseus ancestrais africanos (op. cit. p. 3). As explicações etimológicas sãobaseadas em dados obtidos em pesquisa de campo no Brasil (Bahia eMaranhão) e na África (Golfo do Benim). As fontes dos verbetes registradossão escritas: o repertório lexical de Yeda Pessoa de Castro (1976, tomo 2);uma lista lexical de Sérgio Ferretti, glossário anexo a sua obra Querenbentamde Zomadonu, um estudo antropológico da Casa da Mina (1986); o voca-bulário de cinco línguas africanas de Nina Rodrigues (1922, 5ª ed. 1977:143-6) e as listas lexicais inéditas do Projeto LAB do Departamento delínguas vernáculas do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia,de 1983, que contêm palavras e frases em língua africana, com o significa-do em português, coletados em Salvador e, segundo o autor, também pre-sentes no levantamento de Pessoa de Castro.

Na introdução, há comentários de ordem lingüística sobre caracte-rísticas fonológicas e morfossintáticas das línguas africanas e as conseqü-ências de sua transposição para o léxico do PB. São, na maioria, observa-ções pertinentes que podem corrigir e explicar muitas das supostas origensapresentadas para muitos vocábulos, como a aparente homofonia, geradapor termos africanos idênticos no nível segmental, mas portadores de tonsdiferentes que se perderam no português, mas que os distinguiam comounidades lexicais diferentes na língua de origem. Entre as observações lin-güísticas, no entanto, há um sério equívoco de ordem histórica, no tópico“problème de segmentation”, onde o autor critica a dificuldade de segmen-tação dos constituintes que as línguas africanas apresentaram aos estudio-sos brasileiros. O questionamento é pertinente, mas os textos utilizadospara ilustrar o fato situam-se em épocas diversas das apresentadas. CitaNina Rodrigues (1890, 1932) como “contemporâneo” de Antonio da Costa

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Peixoto, autor do manuscrito sobre a lingua de mina, de 1933 e 1941(!)(Bolouvi, 1994: 14). O manuscrito é do século XVIII, 1731/1741.

Os 439 termos consignados pertencem aos mais diversos campossemânticos, mas a terminologia concentra-se nas religiões africanas, lugarde manifestação, conservação e de difusão do legado lingüístico negro-africano, conforme o autor (p. 9), que concorda com a maioria dos estudio-sos africanistas que vêem na religião o foco de irradiação e transmissão doléxico de origem africana no PB.

A entrada de cada verbete é constituída pela palavra grafada emportuguês, seguida de sua transcrição fonética, acompanhada, eventual-mente, de outras formas variantes de grafia ou de pronúncia. Após a de-finição são apresentadas as informações etimológicas (Et.), com a indi-cação da língua fonte; a forma escrita atual (visto que as três línguasafricanas, ewe, fon e iorubá possuem escrita ortográfica); a transcriçãofonética; os sentidos originais na situação africana, quando diferentesdos significados assumidos em português. Para um número significativode entradas são oferecidas informações de ordem histórica ou sociolin-güística (Hist). Alguns itens lexicais são acompanhados de informaçõesa respeito de seu estatuto lexicológico atual no Brasil (Lex.) a partir dedados fornecidos por dicionários brasileiros. A rubrica NB precede parti-cularidades a respeito de alguns itens em que pode haver confusões naanálise da palavra, seja por se encontrar semelhanças fonéticas ou se-mânticas.

Apesar de algumas restrições quanto à grafia e à definição dos itenslexicais em português, a obra tem o mérito de esclarecer o étimo de muitosvocábulos e de corrigir muitas impropriedades e falsos conceitos sobre aslínguas africanas.

• 1993-1995: Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes

O autor compartilha a mesma visão de Pessoa de Castro quanto àprecedência e importância da presença banto no Brasil; insiste no registrode termos associados a práticas religiosas que é por muitos consideradaexclusivamente de origem iorubá. Consigna todos os inquices “divindadesdos cultos de origem banta correspondentes ao orixá nagô” (p. 131) e trazinformações detalhadas sobre outros elementos do culto Angola. Há umlevantamento exaustivo de vocábulos oriundos de línguas do grupo bantopresentes no PB, a partir de “suspeitas” (cf. p. 21) sobre a possível origembanto de palavras com as seguintes características:

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a) iniciadas com sílabas: ba, ca, cu, fu, ma, um, qui, como: candango,curinga, etc.;

b) presença dos grupos consonantais mb, nd, ng, etc., no interior dosvocábulos, como sunga, catinga;

c) terminadas em aça, ila, ita, ixe, ute, uca, etc., como cafute, bazuca.

Esse critério – partir da forma da palavra, prioritariamente – levou àsupervalorização da presença de termos de origem africana (banto): 5 122verbetes, e à inclusão de muitos itens lexicais com justificativas etimológicaspouco convincentes, como no verbete:

MANO, s.m. Tratamento respeitoso entre os antigos sambistas cario-cas “Mano Elói”, “Mano Décio”, etc. Possivelmente, do umbundoomanu, homem; se não estiver na acepção de “irmão” (p. 162).

O autor apresenta hipóteses etimológicas para a maioria das entra-das lexicais, a partir de pesquisa em dicionários de quimbundo, quicongo,umbundo, ronga, suaíli, macua e outras línguas do grupo banto. Incorporaem seu trabalho o conhecimento especializado que se acumulou na área,desde os primeiros trabalhos sobre brasileirismos, de Beaurepaire-Rohan(1889), Macedo Soares (1889); passando pelos estudos sobre a presençaafricana de Jacques Raimundo e Renato Mendonça, considerando até ostrabalhos sobre o léxico de Angenot et alii (1974), Pessoa de Castro (1976)e Schneider (1991), ao lado de estudos sobre cultura e religiões africanas.Seu esforço de compilação é notável, pois reuniu todas as informaçõesdisponíveis; sua busca por novas fontes etimológicas, no entanto, nem sem-pre chega ao mais provável étimo africano; o afã de justificar qualquer“suspeita” de termo banto leva o autor a desconsiderar fortes evidências deque o vocábulo tenha outra origem.

A coletânea de vocábulos é apresentada como um universo lingüísticopróprio do PB, em geral, sem qualquer informação sobre o domínio de usodas unidades lexicais, sejam os diferentes registros – linguagem ritual, fa-miliar, coloquial ou formal – seja a identificação dos locais de uso. Tam-bém não há menção sobre a vitalidade do termo: se está em desuso ou se éde emprego corrente. A omissão desses dados contribui para criar a falsailusão de que o contato das línguas africanas com o português do Brasilnão se condicionou às circunstâncias da história e que o resultado desseencontro permaneceu imutável, em qualquer região do país e em todas assituações de comunicação.

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Dentre os poucos dicionários etimológicos da língua portuguesa fi-gura com destaque a obra Dicionário Etimológico da Língua Portuguesade José Pedro Machado (1ª ed. 2 vol., 1952-1959, 2ª ed. 3 vol. 1967-1973,3ª ed. 5 vol. 1977), publicado em Lisboa e citado por todos os trabalhos damesma espécie que surgiram posteriormente. No Brasil, o trabalho maisrecente e completo é o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, deAntônio Geraldo da Cunha (1ª ed.1982, 2ª ed. 1986).

O dicionário de A. G. Cunha, apesar de informar na introdução quepairam ainda muitas dúvidas “em torno das origens e da história de boaparte de nosso vocabulário”, procura oferecer um amplo registro do léxicoportuguês, com a inclusão de “inúmeros termos de procedência arábica,(...)muitas centenas de vocábulos oriundos dos idiomas indígenas da Áfri-ca, da Ásia e da América, introduzidos na língua portuguesa a partir dasegunda metade do século XV...”, apresentando para todos os vocábulosestudados – nem sempre com étimo identificado – a data provável de suaprimeira ocorrência na língua portuguesa.

Para a datação dos termos o autor procurou ampliar os dados forne-cidos pelas poucas obras disponíveis sobre o português, baseando-se noDicionário Etimológico de José Pedro Machado, consultando outras obraspara períodos específicos e completando com referências, entre outras, dodicionário de Morais (5ª e 6ª edições, principalmente), citações de Domin-gos Vieira (1871-1874) e suas próprias pesquisas. Não faz nenhuma men-ção a dicionários de línguas africanas, mas apresenta, num Suplementoanexado à segunda edição, a indicação de textos-fontes das datações, ondese incluem obras sobre a África. Estão aí relacionadas duas obras impor-tantes: de António Oliveira de Cadornega, História Geral das GuerrasAngolanas, [Tomos I e II: texto de 1680; Tomo III: texto de 1681] e Arqui-vos de Angola. Publicação oficial editada pelo Museu de Angola, 2ª série.Vol I. Luanda, 1943 (Petter, 2001).

Não estão explicitamente indicados os africanismos, mas pode-mos identificá-los por meio de algumas indicações: (i) a definição- querevela o uso em “cultos afro-brasileiros”; (ii) a datação, que remete aobras publicadas no Brasil ou (iii) a referência explícita ao fato de o vo-cábulo, apesar de ser documentado em textos quinhentistas, ter-se difun-dido intensamente no período colonial, em razão do convívio dos bran-cos com os africanos.

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Os termos de origem africana constituem um total de 191 entradas.Desse total, praticamente a metade (96) tem sua ascendência comprovadapela identificação de seu étimo (60 do quimbundo, 24 do iorubá e os res-tantes de topônimos ou línguas isoladas). Os demais (95) – de étimo inde-terminado – possivelmente, provavelmente de origem africana, talvez se-jam oriundos de alguma língua africana.

Dois aspectos apresentados pelo dicionário de A G. Cunha: incerte-za quanto à atribuição de origem africana a grande parte do léxico e reco-nhecimento de duas línguas africanas como maiores fontes provedoras deempréstimos – quimbundo e iorubá – serão reiterados nos dicionários ge-rais da língua portuguesa.

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Os dicionários gerais do português vão refletir na sua elaboração oestado do conhecimento sobre a participação das línguas africanas na cons-tituição do léxico nacional. Seria de esperar que os trabalhos especializa-dos, embora de qualidade desigual, e o avanço dos estudos sobre as línguasafricanas fosse incorporado a esses repertórios mais amplos do léxico deuma língua. Entretanto, há o desconhecimento dessas novas pesquisas erepetem-se as mesmas informações do passado. Dentre as muitas publica-ções do gênero, duas obras foram selecionadas para análise: o Novo Auré-lio, século XXI (1999) e Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001),por serem as mais completas e de maior difusão no país.

No Novo Dicionário Aurélio, edição de 86, há 159 termos com étimoidentificado, sendo 148 do quimbundo e 11 do iorubá, além de alguns ter-mos de origem ambígua: 4 do cafre e 5 do daomeano. Também são reco-nhecidos 5 luso-africanismos (Bonvini, 1994). Outros 104 verbetes apare-cem matizados por expressões modalizadoras ou por pontos de interrogação:“do africano”, “do africano?”, “de origem africana” – “de origem africa-na?” “de origem africana decerto” – “de possível origem africana” – “deprovável origem africana” – “talvez de origem africana” (Petter, 2000):

A edição XXI inclui, ao lado do português do Brasil e de Portugal, oportuguês da África, identificado regionalmente como: angolanismo, cabo-verdianismo, guineensismo, moçambicanismo e santomensismo. Compa-rada à edição anterior, a atual revela um melhor conhecimento das palavras

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de origem africana, observado na ampliação do número de verbetes, nacorreção de algumas definições, na inclusão de novos étimos, reconhecen-do outras línguas africanas além do iorubá e do quimbundo, e no ajuste deetimologias equivocadas encontradas no dicionário de 86. Persistem, ain-da, as mesmas incertezas na atribuição de origem para a maioria dos verbe-tes da versão anterior, porém as expressões modalizadoras adquirem maisuniformidade, resumindo-se a duas etiquetas: de origem africana ou deorigem africana, possivelmente.

O termo africanismo, embora permaneça definido pelo dicionárioda mesma forma que em 86, “palavra ou expressão oriunda de alguma daslínguas africanas”, é empregado como rubrica para identificar somente osverbetes que contenham palavras usadas no continente africano: 26 itens,dos quais 22 são palavras do português com um uso diferenciado e 4 ape-nas são oriundos de línguas africanas. Do total, 17 têm também o uso com-provado no Brasil, sendo, então, classificados como africanismos e brasi-leirismos. Dentre esses figuram papai, pau, pilão, moleque. As demaispalavras de origem africana empregadas no Brasil aparecem sob a rubricade brasileirismo ou, simplesmente, têm seu étimo africano reconhecido,sem nenhuma outra categorização.

Os angolanismos, cabo-verdianismos, guineensismos, moçambica-nismos e santomensismos recebem apenas a identificação da região ondesão de uso corrente, não se apresentam sob a rubrica genérica de africanis-mos. São termos de origem diversificada: africana, portuguesa, brasileira(tupi) e indiana, entre outras.

As referências etimológicas apresentam um progresso em relação àedição de 86. Foi acrescentado um repertório maior de línguas fornecedo-ras de empréstimos; além do quimbundo e iorubá, estão consignados ter-mos oriundos do hauçá, jeje, umbundo, quicongo, fon, ewe.

O Novo Aurélio século XXI registra um número expressivo de lín-guas africanas, ausentes na edição anterior. Encontram-se termos referen-tes às denominações das quatro famílias (PHYLA) lingüísticas africanas:níger-congo, nilo-sahariana, coissã (khoisan, para os lingüistas africanistas)e camito-semítica (afro-asiática, na denominação mais atual) como tam-bém designações individuais de línguas pertencentes aos diferentes gru-pos, como uolofe, ibo, ijó, igala, diúla, nupê, songai, tapa, hutu, axanti,entre outras. Tal fato é notável, pois revela um melhor conhecimento douniverso lingüístico africano, desconhecido e raramente referido de formacorreta até em manuais de lingüística geral.

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A grafia adotada não obedece a critérios uniformes. Muitas vezessão consignadas várias formas, como hauçá, haúça, haussá, haússa. Ou-tras vezes nota-se incoerência na atribuição do acento da palavra e do tim-bre vocálico em português, como no aportuguesamento da forma utilizadapor africanistas, nas denominações das línguas: senufo, dyula, nupe, ijo,que se tornaram em português: senufo, diúla, nupê, ijó: não se justifica aescolha de acentos em posições diferentes, como também não se explica aescolha do timbre dos nomes oxítonos.

A forma aportuguesada dos etnônimos e glossônimos foi inspiradana obra A enxada e a lança, de Alberto da Costa e Silva (1996), que tam-bém serviu como única fonte para as abonações dos termos referentes alínguas e povos africanos.

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa também define afri-canismo como “palavra, construção ou expressão tomada de empréstimode qualquer das línguas africanas”, mas incorpora o sentido não explícito,porém depreendido pelo uso da rubrica ‘africanismo’ na classificação dosverbetes no Novo Aurélio: “qualquer fato de linguagem (fonético, mórfico,sintático, lexical) privativo do português de alguma das ex-colônias portu-guesas na África, em contraste com o de Portugal ou do Brasil; os fatoslexicais distintivos do português da África, não usuais em Portugal ou noBrasil” (op. cit. p. 107). Para brasileirismo Houaiss oferece uma definiçãoextensa: “em sentido lato, qualquer fato de linguagem (fonético, mórfico,sintático, lexical, estilístico) próprio do português do Brasil; sob o pontode vista lexical, palavra ou locução (dialetismo vocabular) ou acepção(dialetismo semântico) privativa do português do Brasil” (p. 507).

As categorias de brasileirismo e africanismo raramente coincidemnos dois dicionários. Para o Novo Aurélio, capiango, “gatuno hábil e astu-to”, termo de “origem africana”, sem outra indicação etimológica maisprecisa, é brasileirismo e africanismo. Houaiss considera o vocábulo comoum brasileirismo somente, cujo étimo é o quicongo kapiangu (cf. NeiLopes).

As fontes utilizadas por Houaiss para estabelecer a datação e a eti-mologia dos vocábulos são bastante amplas, incluindo até a 3ª edição dodicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. No que concerne es-pecificamente às línguas africanas, além de vários arquivos e livros depoucos autores africanos, foram referidas apenas cinco obras: O negro nacivilização brasileira (1956), de Artur Ramos; Dicionário Banto do Brasil(1993-1995), de Nei Lopes; Dicionário de cultos afro-brasileiros (1977),

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de Olga Cacciatore; Os falares africanos na Bahia (no prelo), de YedaPessoa de Castro e Dictionnarie bilingue portugais-français – Guinée-Bissau (1996, 2 vol.) de Jean Michel Massa.

A datação dos vocábulos, quando disponível, informa o primeiroregistro conhecido ou estimado da palavra, indicando a fonte ou a primeiraobra lexicográfica que a registrou. O dicionarista procurou indicar o étimopróximo dos vocábulos do português e, em alguns casos, também o remo-to, mostrando os elementos mórficos que o constituem. Para a grafia dosétimos de origem africana foi adotado um sistema de transliteração, paratentar resolver as oscilações existentes nas fontes consultadas. A grafiados etnônimos e glossônimos baseia-se em dois critérios: em alguns casossegue-se a convenção internacional, como para a família lingüística Khoisane o grupo Kwa, mas também se informa que há as formas portuguesascoisã e cuá; em outros casos adota-se a forma aportuguesada já existente(ou propõe-se uma nova), indicando inclusive algumas variações para ela,como ioruba, iorubá, iorubano (subs. e adj.).

Também se observa insegurança na indicação de muitos étimos, in-dicados pelas expressões: etimologia provavelmente africana, de origemcontroversa, de origem obscura, ou simplesmente etimologia africana. Emmuitos desses casos, sem comprometer-se com a informação, o dicionárioapresenta um autor que “sugere” um étimo, como:

sambango- aquele que é fraco, que não tem forças Etim prov. de ori-gem africana; Nei Lopes sugere o umbundo samba ‘pobre, carente,mendigo’ + -ngo ‘ordinário’.

O procedimento de transcrever a etimologia apresentada por outrosautores, mesmo que nem sempre referidos, é a norma geral dos dicionáriosgerais, o que comprova não ter havido nova pesquisa na área dos termos deorigem africana por parte dos lexicógrafos.

Entretanto, apesar de um critério pouco rigoroso na escolha das fon-tes e de não haver investigação inédita, há verbetes bem documentados, noDicionáio Houaiss, como o referente a quizila , em que se indica a data e afonte do primeiro registro (1681. Cf. AOCad. – [António Oliveira de Ca-dornega. História das Guerras angolanas]), o étimo – quimbundo kijila,os diferentes significados e as formas variantes seguidas das fontes históri-cas. Apresenta-se até uma informação discordante: Silveira Bueno consi-derava o termo uma criação portuguesa e não africana.

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O registro em obras lexicográficas das palavras do PB provenientesde línguas africanas, desde o final do século XIX até meados do séculoXX, esteve associado à reivindicação da identidade da língua nacional.Embora fossem ‘termos estrangeiros’ do ponto de vista do português euro-peu, constituíam, na perspectiva brasileira, ao lado dos indigenismos, osbrasileirismos, contribuindo com sua parcela de originalidade para a defe-sa do argumento da autonomia do português do Brasil. Assim como osafricanos se incorporaram à paisagem americana no século XVII, sendoconsiderados como habitantes naturais da América – haja vista pinturasseiscentistas –, as unidades lexicais africanas também são percebidas comoautóctones pelos defensores do PB.

À medida que estudos especializados se desenvolviam – Mendonça(1933), Raimundo (1933), Nelson Senna (1934), Dante de Laytano (1936),e outros – os termos de origem africana foram ganhando autonomia, cons-tituindo uma classe importante entre os brasileirismos, distinguindo-se comoafricanismos. Ainda que continuassem a instrumentalizar os defensores dadiferença do PB em relação ao português europeu, há uma mudança deperspectiva: o foco da atenção não é mais o brasileirismo do PB, mas apresença africana nessa variedade de português. A partir de então desen-volve-se o argumento da africanidade do PB, que inspirou muitos traba-lhos, como as publicações recentes de Bolouvi (1994) – sobre os afro-brasileirismos oriundos do contato com as línguas da África Ocidental – ede Nei Lopes (1993-1995) – sobre a presença preponderante das línguasdo grupo banto no léxico do PB.

Outros estudos, de cunho não lexicográfico, também vão atuar nainvestigação da África no Brasil, como os trabalhos de Vogt e Fry (1996) eQueiroz (1998), que vão trazer elementos empíricos que mostram traçosda presença dos povos bantos ainda presentes em algumas comunidadesrurais. Em contrapartida, os estudos sobre as religiões africanas no Brasil,como o de Cacciatore (1977) e Póvoas (1989) vão revelar a apropriação dacultura e das línguas africanas da África Ocidental, pela reelaboração erecriação dessa herança, que vai produzir uma mescla lingüística afro-bra-sileira especializada no uso ritual.

Os deslocamentos de sentido manifestados na percepção atual dosafricanismos nos dicionários – de ‘estrangeiros’ ao português europeu, mas‘elementos da nacionalidade’, no português brasileiro, a entidades autôno-

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mas brasileiras ou afro-brasileiras – refletem as condições sócio-históricasdo período de total independência política e cultural em relação à ex-me-trópole, momento em que a identidade lingüística não é mais questionadanem questionável a partir da diferença lexical. Hoje, o debate lingüísticofocaliza, preferencialmente, os traços distintivos da sintaxe do PB.

Os dicionários gerais da língua portuguesa de Ferreira (1999) eHouaiss (2001) vão refletir as oscilações de sentido na percepção que setem hoje dos termos de origem africana no PB: africanismos ou brasileiris-mos? Apesar da incoerência entre a definição da entrada lexical africanis-mo e o uso da rubrica “africanismo” como uma categoria identificadora daetimologia do termo, as palavras oriundas de uma língua africana em usono PB não são classificadas como africanismos, nos dois dicionários; sãobrasileirismos; são identificados como “africanismos” somente os termospróprios do português da África. Muito embora a análise seja semelhante,deve-se ressaltar que Houaiss apresenta maior coerência, pois acrescenta,explicitamente, na definição de “africanismo” a acepção de “fatos lexicaisdistintivos do português da África, não us. em Portugal ou no Brasil”, aolado do sentido amplo de “palavra, construção ou expressão tomada deempréstimo de qualquer das línguas africanas”.

Excetuando-se alguns itens lexicais preferencialmente utilizados nocontexto religioso afro-brasileiro, os “termos de origem africana” não sãomais percebidos como africanismos, ou seja, estrangeirismos, pois, na suamaioria, estão totalmente integrados ao português brasileiro: participaramda constituição do PB e adquiriram cidadania brasileira, formando umaparcela importante dentro da pluralidade de fontes do léxico do portuguêsbrasileiro. Entretanto, os “termos de origem africana” em uso no PB recla-mam, ainda, uma investigação lingüística mais atenta e criteriosa, que nãose limite a repetir sem discutir as informações obtidas em autores do passa-do.

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Emilio BonviniCentre National de la Recherche Scientifique (CNRS)

O presente texto propõe-se a tratar da presença de termos oriundosde línguas africanas no português do Brasil de um duplo ponto de vista:esses termos são antes de tudo empréstimos feitos às línguas africanas, emseguida, eles foram formalmente integrados gradualmente ao português doBrasil. Mais precisamente, propõe-se examinar os termos de origem bantoque se considera pertencer aos empréstimos mais antigos e melhor integra-dos. Com esse objetivo, será focalizado o período que vai do século XV aoXVIII, inclusive. Com base nessas observações, formulam-se hipótesessobre a identificação da língua de origem. Por outro lado, não está no obje-tivo deste trabalho tratar dos empréstimos feitos a partir das línguas daÁfrica Ocidental. Esses, por mais numerosos que sejam, são geralmentemais recentes, menos integrados à língua portuguesa e, sobretudo, empre-gados no âmbito de uma língua de especialidade, a saber, a língua ritual devários cultos afro-brasileiros, em particular os candomblés.

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O texto de M. Petter, aqui publicado, dá uma visão de conjunto dostrabalhos que se consagraram ao levantamento sistemático dos termos oriun-dos de línguas africanas, atestados no léxico do português do Brasil. Retraça,além disso, o histórico da problemática suscitada pela presença desses ter-mos, considerados ora como ‘brasileirismos’, ora como ‘africanismos’, eàs vezes também como testemunhas de um impacto (« influência ») noportuguês falado no Brasil e que teria chegado a abalar a identidade desseúltimo.

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Aqui uma precisão se impõe: o emprego do termo ‘influência’ apropósito dos termos lexicais de origem africana é metodologicamente ina-dequado e contestável, pois esses termos são, em qualquer situação, em-préstimos, e resultam, por isso, de um fenômeno sociolingüístico consecu-tivo aos contatos de línguas. Nesse contexto, eles fazem parte de uma trocabilateral entre as línguas em presença. Mais precisamente, para os termosaqui focalizados, deve-se supor que, durante essa troca bilateral, os locuto-res de origem africana certamente trouxeram termos de línguas africanas,mas ao mesmo tempo apropriaram-se de uma terminologia portuguesa en-quanto aprendizes do português. Contrariamente às aparências, não se tra-ta de forma alguma de «influência» de língua « fonte » (aqui, línguas afri-canas) sobre uma língua « alvo » (o português do Brasil). Se se insiste emutilizar um conceito de preponderância (peso, poder, pressão ?) é antes oinverso que se deveria focalizar: tratar-se-ia antes da capacidade da línguaportuguesa apropriar-se dos termos necessários a sua própria expressividade,seja qual for sua origem (Bonvini & Petter, 1998: 79-80). Mas isso não étotalmente correto, porque se constata na África, para a época considerada,o mesmo processo que conduziu as línguas africanas a apropriarem-se deuma terminologia portuguesa, com uma única diferença: nos países dedominância portuguesa (antigas colônias portuguesas) esse processo bila-teral não deixou de coexistir. É preciso acrescentar, também, no caso doBrasil, que essa bilateralidade de contatos « línguas africanas – português »operou-se de forma simultânea e conjunta, embora em graus diversos notempo e no espaço, paralelamente a outros contatos lingüísticos, dos quaiso principal mas não exclusivo é manifestamente o que se operou entre aslínguas ameríndias, tupi-guarani em particular, e o português. A esse res-peito cabe destacar que, por mais numerosas que sejam, as palavras deorigem africana são claramente em número inferior às de origem indígena.(Bonvini, 1997: 294).

Uma outra observação que se impõe é o fato que o processo dosempréstimos, estreitamente ligado aos contatos de línguas, diversificou-seconforme o espaço e o tempo. Existe uma cronologia dos empréstimos euma geografia também. No caso do Brasil, no que se refere aos contatos‘línguas africanas – língua portuguesa’, seria muito restritivo considerarsomente o período da escravidão propriamente dita, ou ainda somente oespaço exclusivamente brasileiro. O que ocorreu no Brasil é apenas umaparte de um processo mais amplo. Contatos regulares entre línguas africa-nas e a língua portuguesa precederam ou acompanharam, na África ou fora

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da África, o fenômeno do empréstimo, de maneira que hoje se deve levan-tar a hipótese de que certos empréstimos atestados no Brasil são de fatoapenas empréstimos de segunda ou talvez terceira geração. Em nome mes-mo da história, torna-se indispensável relacionar os empréstimos atual-mente atestados no português do Brasil aos processos análogos anterioresou concomitantes, que aconteceram tanto em Portugal quanto na África, epara esta conforme as épocas e os lugares. Com efeito, os dados históricosparecem mostrar que o processo do empréstimo diversificou-se, conformeas épocas e em importância, diferentemente na África ocidental e na Áfri-ca austral. O objeto deste artigo limitar-se-á essencialmente ao emprésti-mo às línguas do grupo banto.

Uma última observação toca o próprio empréstimo, mais exatamentesua identidade e seu futuro enquanto empréstimo, quando ele deixa de ser sóe simplesmente um termo da língua de partida para se inserir progressiva-mente numa outra língua. É todo o processo da integração da palavra em-prestada na língua que a toma emprestado que se faz de modos muito diver-sos, de acordo com as palavras, as circunstâncias e, também para a mesmapalavra, conforme as épocas, resultando em formas muito variadas que tes-temunham uma integração progressiva e mais ou menos completa.

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O fenômeno do empréstimo das línguas africanas atestado no Brasilé somente o resultado de um processo que começou no exterior do Brasil eque foi progressivamente se instalando em Portugual a partir do séculoXV, paralelamente e de modo concomitante às descobertas do contienteafricano e das línguas africanas (Bonvini, 1996). Esse processo prosseguiuao longo dos séculos seguintes. O levantamento dos empréstimos efetuadosnesse primeiro período não foi ainda estabelecido de uma maneira siste-mática com base em documentos disponíveis (relatos de viagens, crônicas,textos literários, peças de teatro...). A título exploratório e de forma pano-râmica, levantamos pessoalmente, por exemplo, em João de Barros, na 1a

Decada (1552) os termos ‘banzeiro’ (fol. 27, col.1), fulo (fol. 66, col. 2),furna (fol. 11 col. 1) e mozimos (fol. 193, col. 3), na 3a Decada (1563) ostermos ganda (fol. 53. col. 3), inhame (fol. 255, col. 3), moxâma (fol. 70,col. 4) e muxama (fol. 67, col. 4).

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É possível estabelecer um primeiro inventário desses empréstimosno dicionário de Bluteau (1712). Encontram-se 91 termos, dos quais 15que ele estima serem originários de Angola (bumba, candonga,candongueiro, catinga, macaco, marakutâ, minha minha, moxinga,mubango, palava’, pombeiro, quîgila, quiminha, quiseco, quitumbata), 7termos como atestados no Brasil (beijú, cacimbas, macuma, maribonda,mazombo ~ muzombo, mocama’os e molêque) e 4 termos como tendo umaorigem castelhana (cogoté, mochila, mondongo, mondongueira), mas quefiguram hoje entre os termos considerados como originários de línguasafricanas. O que é mais surpreeendente é o fato de aparecerem por volta de70 termos do inventário de Bluteau ainda hoje na maioria dos dicionáriosdo português falado no Brasil ou nos repertórios especializados das pala-vras de origem africana constituídos a partir do início do século XIX. Comointerpretar essa passagem de 7 a cerca de 70 termos? Seria devido a umainformação insuficiente da situação brasileira por parte de Bluteau, o que ébem possível, ou seria o resultado de um crescimento real do número deempréstimos realizados no Brasil depois do aparecimento da obra deBluteau ? Mas então como prová-lo? Uma terceira hipótese ou melhor umainterrogação, no entanto, merece ser apresentada: esse crescimento nãoseria antes o resultado de uma miragem ligada a um processo de fabricaçãode dicionários ? Com efeito, em 1789, Antonio Morais Silva publica emLisboa sua primeira edição (redigida fora do Brasil) de seu Diccionario daLingua Portuguesa, que será objeto no século XIX de edições sucessivas(1813, 1823, 1831, 1844, 1858, 1877, 1890) e que servirá amplamente dereferência a partir de então. Para nosso propósito convém citar o títulocompleto da primeira edição: Dicionario da lingua Portugueza compostopelo padre D. Raphael Bluteau, reformado, e acrescentado por Antonio deMoraes Silva Natural do Rio de Janeiro. Ora, nessa primeira edição, MoraesSilva retoma a quase totalidade dos termos de Bluteau (1712), acrescen-tando somente uma dezena de novos termos atestados no Brasil, dos quaistrês são formas derivadas: bugiganga, cachaça, cafuné, calhambola,encafurnar-se, mamona, mandingueiro, marimbar, matombo, mogangueiro,mucama e parapanda. Assim, não é inconcebível pensar que, a partir des-sa data, termos que até então faziam parte do estoque lexical comum deempréstimos atestados no português de Portugal tenham sido contabilizadoscomo pertencendo ao português do Brasil, o que é contrário à realidade, jáque esses mesmos termos foram emprestados numa época anterior e nãono Brasil.

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No que se refere aos empréstimos feitos às línguas da África australatestados no português falado em Angola, a documentação é mais extensae testemunha ao mesmo tempo a extensão e a consolidação de um processode recurso ao empréstimo às línguas africanas pelo português, mas dessavez realizado em Angola.

B. Heintze (1985: 114-30) reuniu uma importante documentaçãoreferente aos vocábulos africanos atestados nos textos relativos à Angolapara o período de 1622-1635. Seu levantamento comporta 105 termos, dosquais 16 somente figuram entre os atestados no Brasil (cf. Novo Aurélio-Século XXI): casimba, fuba, ganga, infuca, libambo, macota, macuta, malafo(marafa, marafo), *moleca, moleque, *pombeiro, querimbo (carimbo),quilombo, quitanda, senzala, tanga e zimbo, dos quais 2 (casimba e mole-que) foram reconhecidos como tais por Bluteau (1712).

O segundo texto comportando um número significativo de termos(161) emprestados às línguas africanas é o de A. de Oliveira Cadornega(1680: 611-22). Trata-se, na maioria, de termos do vocabulário militar.Desses, 15 são igualmente atestados no Brasil, às vezes sob uma formaaproximativa: ambundo, banzar, calunga, casima, fuba, ganga, gonges,libambos, makaia, macotas, mucama, pombeiro, quilombo, quitanda, zombi.Os termos novos em relação aos precedentes são: ambundo, banzar, calunga,gonges, makaia e zombi. Nenhum termo militar, no entanto, chegou aoBrasil.

O terceiro texto que convém levar em consideração é a obra de G.A. Cavazzi (1687, 2:469-482) que apresenta o duplo interesse de compor-tar um vocabulário muito extenso e ter sido escrito em italiano. Assim,torna-se interessante ver quais são os termos emprestados às línguas afri-canas locais e que se encontram eventualmente no Brasil. Trata-se de umvocabulário com temas muito variados (botânica, zoologia, dados etnográ-ficos e históricos), mas onde predomina entretando a terminologia da reli-gião tradicional. É constituído de 349 termos. Dentre esses, somente 16termos coincidem, com algumas variantes, com os que são atestados noBrasil. Trata-se de: badé, bolo, cacimbas, calunga, fuba, ganga, ganga--ia-nzumba, libata, macota, marimba, moringa, mulemba, quijila, quilom-bo, zambi-a-mpungu, e zimbo. Nessa lista, badé, bolo, ganga-ia-nzumba,libata, marimba, moringa, mulemba, quijila, zambi-a-mpungu, represen-tam uma terminologia nova em relação aos aportes precedentes.

O último documento que importa considerar é o de E. A. Silva Corrêa(1782). Apresenta a vantagem de ter sido escrito por um brasileiro que

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viveu em Angola. O levantamento sistemático dos termos utilizados foiefetuado por M. A. F. d. Oliveira (1983: 273-91). Contam-se 89 termos.Com 20 termos inventoriados, é sem nenhuma dúvida o repertório quecontém o maior número de empréstimos atestados no Brasil: aloá, calham-bola, cubata, entanga, fuba, ganga, libata, libambo, macotas, macuta,milongo, mucambas, pango, pumbeiros, quilombo, quitanda, quitandeira,sanzala, tungas, zimbo. Notam-se em particular os termos aloá, calham-bola, cubata, milongo, pango, quitanda, quitandeira e tungas. A respeitode aloá, é interessante destacar que o autor faz uma distinção entre a formautilizada em Angola e a que vigora no Brasil. Ele nota com efeito que emAngola « reduzem o Milho em hu�a bebida fermentativa, a ��. dão o nomede Oállo », enquanto que « no Brasil se tem apurado melhor esta bebidaextraida de Arròs, e temperada com assucar, a ��. o vulgo em lugar lhechama Aloá » (Silva Corrêa, 1782: I, 130, n. 2). O termo quimbundo éuâlua «garapa, cerveja» (Assis Junior, 1941).

Esses quatro documentos, mas sobretudo o de E. A. Silva Corrêa(1782) têm em comum o fato de comportar um número significativo determos atestados ainda hoje no português falado em Angola como: arimo,banza, bondo, cacimbo, ginguba, etc.

Nesse sobrevôo do conjunto dos documentos que cobrem o períodoque vai do século XV ao XVIII, parece que o processo dos empréstimos àslínguas africanas começou muito cedo em Portugual. Ele prosseguiu emseguida em Angola com um crescimento regular de termos emprestados,todavia segundo modalidades distintas. Em Angola, o crescimento dos ter-mos emprestados ocorreu paralelamente à necessidade de dispor, confor-me as épocas, de vocabulários cada vez mais especializados: militares, re-ligiosos, mas também vocabulário ligado ao tráfico. Entretanto, os termosde especialidade desapareceram à medida que a necessidade desta especi-alização diminuía com o tempo, a ponto de cessar totalmente. Apenas ovocabulário ligado às necessidades quotidianas, mais restrito em número,manteve-se até nossos dias. Constata-se, também, que entre os termosemprestados em Angola durante esse período, somente um número bemreduzido foi exportado para o Brasil. Trata-se de termos preferencialmenteligados à vida quotidiana, dos quais alguns, entretanto, fazem referência àreligião ou ao tráfico.

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Como o recurso ao processo de empréstimo efetuou-se em épocas elugares diferentes, é útil ver, com base nos mesmos documentos, como seoperou a integração na língua portuguesa dos termos emprestados.

Uma primeira dificuldade foi a da integração das classes nominais,que caracterizam os substantivos das línguas do grupo banto e cujo suporteformal (« classificador », ou « morfema de classe ») de tipo afixal, é umprefixo (« prefixo nominal »), diferentemente de outras línguas africanascom classes, pertencentes a outras famílias, onde o suporte pode ser de tipoprefixo e sufixo, ou sufixo somente. Essas classes se deixam agrupar ge-ralmente duas a duas (« gênero »), em oposição binária, em relação comum valor semântico específico, principalmente o número, embora não ex-clusivamente, o que significa que há habitualmente um prefixo de singulardistinto do de plural. O número de classes varia entre 12 ou 14 e 20 confor-me as línguas. A título de exemplo, o quimbundo comporta 18 classifica-dores distintos, agrupados em 9 « gêneros » (Bonvini, 1996b: 80) : 1 mu-/2 a- (mùtù « pessoa »/ àtù « pessoas ») ; 3 mu-/4 mi- (mùxì « árvore »/mìxì « árvores ») ; 5 di-/6 ma- (dìzwì « língua »/ màzwì « línguas ») ; 7 ki-/8 i- (kìnù « pilão »/ ìnù « pilões ») ; 9 i- ou ø/10 ji- (hòmbò « cabra »/jihòmbò « cabras ») ; 11 lu- (lùmbù « parede ») ; 12 ka-/13 tu-(kàmbwà« cãozinho »/ tùmbwà « cãezinhos ») ; 14 u-(ùkàmbà « amizade ») ; 15 ku-(kùyà « ir ») ; 16 bu- (bùlù « no céu »)/ 17 ku-( kùkù « por aqui ») / 18 mu-(mùbàtà « em casa »).

É com relação a sistemas classificadores desse tipo de línguas quefoi feita a adaptação ao português dos termos emprestados das línguas afri-canas do grupo banto. Daí o interesse de tentar compreender o mecanismode integração, ao menos em suas grandes linhas, tal como se efetuou emdiferentes épocas e em lugares diferentes como evocamos. É evidente quepara restituir a forma original, importa analisar cada empréstimo caso acaso.

O trabalho de Bluteau (1712) é um pouco posterior ao de Cadornega(1680) e ao de Cavazzi (1687). Com relação às palavras de empréstimoque ele contém, nota-se que os prefixos nominais são geralmente respeita-dos, mas são prefixos já desconectados de sua função inicial de « classifi-cadores ». Por exemplo, Bluteau cita duas formas que não vão juntas(« mazombo » ou « muzombo ») e ele não reconhece a função de pluralizadordo prefixo /ma- / porque ele acrescenta regularmente o sufixo /-s/ do por-

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tuguês para a formação do plural tanto para as formas do singular(muchindos, cacimbas) quanto para as do plural (marimbas). Observa-setambém o emprego do derivativo /-eiro/ (banzeiro, candongueiro) e a con-cordância com o gênero feminino para ‘marimbondo’: « maribonda :Especie de vespa do Brasil ».

Nos textos recolhidos por Heintze (1985), que são mais antigos dequase um século em relação à obra de Bluteau (1712), constatam-se osseguintes fatos: a) tendência a pronunciar as vogais fechadas /i, u/ comomeio-abertas /e, o/, em sílaba não acentuada: bambes (no lugar doquicongo mbámbi ‘fronteira’), moenho (ao invés do quimbundo muénhu[mwènyù]‘alma’), querimbo (em vez do quimbundo kirímbu ‘marca, si-nal’). Cabe notar que quando se trata de passar do português ao quicongoo movimento é inverso, as vogais meio-fechadas são pronunciadas fe-chadas: ‘cobre’ > kobidi (quicongo) ou cobre > kóbiri (quimbundo) (Bal,1979: 63); b) tendência a substituir a consoante nasal /N-/ por uma vogalprotética seguida de –n: infuca, emfuca (no lugar do quicongo: mfuka‘divida’) ; c) emprego preferencial da forma do plural no lugar do singu-lar: quimbundo macota (mákota) (em vez de rikota ‘o mais velho de umalinhagem’).

Em Cadornega (1680), encontram-se as mesmas tendências (engoma,no lugar do quimbundo ngoma ‘tambor’), mas com mais dois fatos novos,embora não sistemáticos: a) perda (aférese) do prefixo de classe: empregode duas formas possíveis para o singular do substantivo, uma com o prefi-xo de classe, a outra sem o prefixo de classe: ditemo ou temo ‘enxada’,difuta ou futa ‘pêgo’, entambi ou tambi ‘enterro’1 ; b) adjunção mais fre-qüente, senão sistemática, da marca do plural português /-s/ aos substanti-vos plurais da língua africana, o que implica o não reconhecimento dosmorfema do plural de classe: Ambundas (no lugar de Ambundu ‘nome depovo’), macotas (no lugar de makota ‘os mais velhos de uma linhagem’),malungas (no lugar de malunga ‘argolas de ferro’).

Quanto a Cavazzi (1687), encontramos quase os mesmos fenôme-nos, exceto a marca do plural do português /-s/ que é freqüentemente subs-tituída pela do italiano /-e, -i/: cassimbe (ao invés de cacimba), makoti (aoinvés de makota). Um fenômeno inesperado é o acento que muito freqüen-temente o autor nota sobre a última sílaba de certas palavras: mbulú (ao

1 Nota-se o fenômeno inverso para as palavras portuguesas emprestadas do quimbundo: gaio-la > Ngaiola, garfo > Ngalufu.

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invés de mbulu ‘chacal’). Não se pode deduzir nada de verdadeiramentesignificativo dessa grafia. Trata-se de uma maneira de notar o tom altopróprio das línguas africanas, ou se trata antes do que se convencionouchamar ‘deslocamento de sílaba do acento da palavra’ (acutização) que seconstata, por exemplo no Brasil, em alguns termos emprestados das lín-guas africanas ? Nada permite fazer essa afirmação.

A obra de Silva Corrêa (1782) confirma e amplia os diversos proce-dimentos de integração dos empréstimos, sobretudo para as formas do plu-ral (libongos, pl. de lubongo, ‘paninho de palha’; mucambas, pl. de múkâma,‘escrava que é amásia do seu senhor’). Mas o que é novo nesse autor sãodois procedimentos: a) uma diferenciação maior dos derivados: cambola-dores (do quimbundo rikómbo ‘capataz’), empacasseiro (do quimbundopakása ‘búfalo’); b) emprego do singular da forma original do plural dosubstantivo emprestado (isto é, com o prefixo de classe do plural), e acrés-cimo a essa mesma forma do sufixo do plural do português /-s/ parar ex-pressar o plural: malunga2 (pl. de rilúnga) ‘argola de ferro que prende asmãos a uma comprida corrente’ (sg.) e malungas3 ‘finas argolas de cobre,prata, ouro e ferro’ (pl.).

Esse último exemplo é típico da integração total da palavra empres-tada.

Em conclusão, pode-se afirmar que, nos traços essenciais, o proces-so de integração ao português de palavras emprestadas das línguas africa-nas de tipo banto foi progressivamente se implantando e chegou ao seutérmino em Angola mesmo, e antes do século XVIII. Em seguida, esseprocesso foi mantido e também consolidado no Brasil, principalmente pordois aportes maiores: um se situa no plano semântico, graças a uma espe-cialização da significação de partida da palavra, e também, às vezes, gra-ças à adoção de uma significação nova; a outra diz respeito ao plano for-mal, graças à profusão de formas derivadas, como:

Calunga > calungage(m): ‘vagabundagem’ ; calungueira: ‘barcos de pes-ca’ ; calungueiro: ‘pescador de pargo’ ; encalungar: ‘lançar uma sorte’.

Moleque > molecada, molecagem, molecão, molecar, molequear,molequeira, molequice, molequinho, molecòrio, molecote,emmolecar-se.

2 ‘Argola de ferro ��. prende as maons a huma comprida corrente’ (I, 96, n. 2).3 ‘Humas malungas’ (I, 280, n. 1).

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A presença no Brasil de empréstimos de línguas africanas traz àbaila o problema de sua origem, o que implica a identificação da língua departida e, tanto quanto possível, o reconhecimento do país de origem. Essaidentificação torna-se difícil porque as fronteiras lingüísticas antigas nãocoincidem mais obrigatoriamente com as atuais. Quanto às fronteiras polí-ticas, elas submeteram-se a mudanças freqüentes ao longo dos séculos.

Apesar de numerosos escritos consagrados hoje ao problema dosempréstimos (cf. nesta publicação o texto de M. Petter) os resultados sãopouco satisfatórios. Há muitas razões para isso. As principais, além de umcerto amadorismo, são de duas ordens: por um lado a incerteza que pesasobre os dados levantados no Brasil, em particular a ausência de um inven-tário sistemático de empréstimos cobrindo toda a extensão do país, mastambém a não distinção, que é no entanto necessária, entre os termos usu-ais, integrados, hoje, totalmente no estoque lexical do português do Brasil,falado ou escrito, e os termos de especialidade, notadamente os atestadosnos cultos ditos afro-brasileiros ; por outro, a insuficiência de conhecimentosdiretos dos dados lingüísticos do continente africano. Esse comporta comefeito uma realidade lingüística movediça e diversificada, constituída porum número considerável de línguas e variantes dialetais (por volta de 2000,segundo o último levantamento do Summer Institut of Linguistics (SIL)(Grimes, 1996), mesmo se esse levantamento é às vezes discutível no deta-lhe). Muitas dessas línguas estão além de tudo em via de desaparecimentorápido, em conseqüência do fenômeno de urbanização, notadamente nospaíses ditos ‘Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa’. Esse fenô-meno se acelerou e ampliou após os deslocamentos maciços de popula-ções, ligados às guerrras e cuja duração se prolongou por muitas décadas.Nesse contexto muitas línguas desapareceram ou desaparecem, sobretudoas minoritárias e que nunca foram objeto de descrição sistemática. Toda-via, com base em textos antigos, é possível identificar um certo número determos que se encontram atualmente no Brasil. Alguns deles são comuns aextensas zonas geográficas e lingüísticas. É o caso das línguas do grupobanto. Outros são limitados a zonas areais mais restritas.

É importante enfatizar uma característica dos empréstimos atesta-dos no Brasil e que nos parece importante: os empréstimos se apresentammuitas vezes com numerosas variantes. Haja vista os exemplos seguintestirados de Angenot, Jacquemin, & al. (1974):

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aluá = aruá: bebida de milho cozido, arroz ou cascas de abacaxi, fermenta-da.andaro = undaro = undaru = ondara = anduro: fogo.birimbau = berimbau = marimbau = marimba: instrumento musical.bongar = pongar: buscar, procurar.caçula = caçulo = caçulê: filho mais novo.cacunda = cacundo = carcunda = corcunda: bossa, protuberância nas costas.cafife = cafifa = canfinfa: azar.calunga = carunga = calungo: mar, peixe, morte.canjerê = canjirê = conjerê = canjira: dança negra de caráter religioso.canzaca = casaca = canzá = ganzá = cassaca: instrumento musical.dengo = dongo = dengue = ndengue = ndongo: choradeira, manha, faceirice.

Poderíamos multiplicar à vontade esses exemplos.Como explicar essa multiplicidade de variantes ? Aparentemente,

nenhum estudo foi feito a esse respeito. Pode-se, entretanto, emitir algu-mas hipóteses. É possível, certamente, atribuir essas variantes ao fato queelas resultam essencialmente de uma transmissão oral. Por isso, desde oponto de partida, elas teriam sido submetidas aos acasos de uma pronúnciae de uma percepção individuais e, em conseqüência, elas se teriam fixadoem favor de um contexto coletivo, de tipo religioso (cultos ditos ‘afro-brasileiros’), ou lúdico (‘capoeira’, ‘carnaval’…) ou eventualmente pro-fissional (exploração agrícola de matérias-primas – ouro, diamantes). Nes-sa eventualidade, torna-se então difícil fazer uma escolha entre as variantese a seleção de uma delas no lugar de outra corre o risco de ser fundamenta-da em critérios estatísticos ou subjetivos.

Pode-se, também, formular uma segunda hipótese: muitas dessasvariantes – mas seguramente não todas e uma verificação caso a caso seimpõe nesse domínio – seriam o testemunho de uma forma lingüística queteria existido numa língua africana previamente, antes de sua adoção pelalíngua portuguesa, uma espécie de fóssil lingüístico que testemunharia aorigem lingüística que lhe é específica. A consideração da forma brasileirapermitira remontar até a especificidade da língua fonte (língua, dialeto oufalar). Uma comparação formal com outras variantes do mesmo tipo, paraoutras formas emprestadas, e sobretudo uma comparação efetuada in loco,em terra africana, com as formas atestadas, principalmente antigas, mastambém atuais, poderia confirmar ou contestar essa hipótese. No caso de

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confirmação, seria então justificável falar de origem a respeito de tal ou talempréstimo.

É essa segunda hipótese que estimamos útil explorar. A título deexemplo, serão examinadas aqui duas séries de variantes atestadas no Bra-sil e que correspondem cada uma a um empréstimo distinto, mas que sãona realidade relativamente próximos no plano semântico:

aluá = aruá: bebida de milho cozido, arroz ou cascas de abacaxi, fermenta-da.

marafo = marufo = marafa = malafa = malavo = malavra = maluvo =maruvo: bebida alcoolizada, vinho de palma.

Se se observa a realidade africana, principalmente a das línguas detipo banto, constata-se que essa duas séries partilham a noção semântica de‘vinho de palma’, como aparece claramente em diferentes documentosantigos. Entre as diversas raízes das línguas banto que correspondem aessa noção, encontram-se duas séries de termos cujos radicais se aproxi-mam daqueles atestados no Brasil (Cf. Johnston, 1919 e 1922, exceto paraos nomes de línguas e sua classificação que atualizamos):

a) -rwa, -arwa, -lua, -alwa ; essas formas são atestadas como radicais prin-cipalmente nas línguas que pertencem aos seguintes grupos: -rwa: Haya-kwaja (J.20 – Tanzânia) ; -lua: masaba-luya (J.30 – Uganda, Quênia) ;-arwa: Chokwe-Luchazi (mbunda) (K.20 - Angola, Zaire, Zâmbia ); -alwa: cokwe-lukazi (ganguela) (K 20 - Angola, Zaire, Zâmbia); luba(ciluba) (L. 30 – Zaire) ; salampasu-ndembo (lunda) (K 30) (Zaire, An-gola, Zâmbia).

As duas últimas formas concernem diretamente ao Brasil, onde elassão atestadas com um acento no final e cuja explicação seria ou umareminiscência do tom alto nas línguas africanas de onde provêm (in-felizmente, a documentação em nosso poder não permite afirmá-lo comclareza), ou uma outra causa e que seria estrangeira às línguas africanas.

Em qualquer desses casos, o tipo de empréstimo representado pelasduas últimas formas teria sido realizado a partir de línguas situadaspreferencialmente na parte leste de Angola, ou ainda nos países imedi-atamente limítrofes num eixo norte – sul.

b) -lovu, -luvu, -lufu, -lavu, -lafu, -rafo ; essas formas são atestadas prin-cipalmente nas seguintes línguas: -lovu: subia (K.40 – Zâmbia,Botswana,) ; -luvu: Chokwe-Luchazi (cokwe) (K.10 - Angola, ex-Zaire,

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Zâmbia ); mbundu (quimbundo) (H. 20 – Angola); luba (ciluba, kanyoka)(L 30 – ex-Zaire) ; -lufu: mbundu Sul (nkumbi, nyaneka) (R 10 – An-gola) ; songye (L.20 – ex-Zaire) ; -lavu: kongo (kisikongo) (H.10 - An-gola) ; -lafu: sira (lumbu) (B. 40- Congo) ; Luba (hemba) (L.30 – ex-Zaire); -rafo: Chokwe-Luchazi (Mbunda) (K.10 - Angola, ex-Zaire,Zâmbia ); -rufu : ; salampasu-ndembo (lunda) (K 30) (Zaire, Angola,Zâmbia).

Deve-se notar que quase todos os empréstimos que correspondem àsegunda série são também oriundos de línguas que se encontram na maio-ria em regiões situadas no eixo norte-sul do leste de Angola, ou incluindopaíses imediatamente limítrofes, ex-Zaire (RD Congo) e Zâmbia em parti-cular.

Dessas formas, as que são atestadas no Brasil são : -luvu (maluvo) ,-lavu (malavo), -rafo (marafo) e –rufu (marufo). É preciso, provavelmen-te, incluir aqui a forma maruvo como realização possível de maluvo. Emcontrapartida, convém excluir as formas que terminam em /-a/ (marafa,malafa, malavra) dos empréstimos que inventoriamos para Angola, poisessa terminação é estrangeira aos substantivos das línguas africanas de tipoCVCV correspondente à raiz focalizada. O sufixo /-a/ ‘singular feminino’manifesta um grau suplementar de integração ao português, provavelmen-te a partir do decalque de garapa ‘bebida feita de cana, caldo da cana des-tinado à destilação’ ou cachaça ‘pinga’. Sua presença no Brasil, pelo me-nos para marafa e malafa, poderia ser interpretada como uma integraçãode segunda geração, ou melhor, um empréstimo de segunda geração. Nãoparece ser o mesmo o caso de malavra que indica antes uma corrupção dapalavra resultante de uma pronúncia deformada.

A eventualidade da existência de um empréstimo de segunda gera-ção no Brasil não deve ser excluída e ela tampouco é surpreendente. Oexemplo citado acima referente a macota [Do quimb. mákota, ‘os maio-res’., mas que no Brasil corresponde a ‘S.m. Bras. Com o sentido de «ho-mem de prestígio e influência», «o maior de todos, o mais importante»]tenderia a prová-lo. Com efeito, esse termo já era atestado, como assinala-mos, em Cadornega (1680), como seria também um século mais tarde emSilva Corrêa (1782). Nos dois autores, entretanto, a forma era /macotas/, oque correspondia melhor ao sentido de /makota/ que é em quimbundo aforma do plural de /dikota/ ‘mais velho’. A forma atual do singular /macota/atestada no Brasil, enquanto empréstimo, é assim ela própria uma forma

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derivada de um empréstimo mais antigo, um empréstimo de segunda gera-ção e, a esse título, é significativo encontrá-la no historiador brasileiro deAngola, Silva Corrêa (1782).

Como mostra este breve ensaio, a utilização judiciosa das variantesde empréstimos que encontramos no português falado no Brasil permitechegar a sólidas hipóteses sobre a origem dos empréstimos oriundos delínguas africanas, sobretudo as que são do tipo ‘banto’. Esses empréstimosapresentam a vantagem de serem mais amplamente atestados e tambémmais antigamente integrados. Este trabalho, entretanto, assenta-se sobreduas condições prévias: por um lado, um levantamento sistemático de to-das as formas de empréstimos atestadas no Brasil e, paralelamente, umconhecimento aprofundado e extenso das línguas faladas na África.

Esta abordagem não exclui os casos de ambigüidade, ela pode, aocontrário, colocá-los em evidência. É o caso quando um dado termo podeser interpretado como procedente de um empréstimo de uma língua africa-na ou de um empréstimo da língua tupi. Veja-se o seguinte exemplo: for-malmente, /mulungu/ [Do tupi murun’gu.] pode tanto ser uma palavra deorigem banto quanto tupi, com uma única diferença, o acento, que não é omesmo para cada uma das línguas : /mu’lungu/ (banto) no lugar de /murun’gu/ (tupi) ; /r/ et /l/ são intercambiáveis em muitas línguas africa-nas. No plano semântico, as duas origens também são possíveis, já que oNovo Aurélio século XXI dá três acepções diferentes, duas indígenas e umaafricana : «1. V. corticeira. 2. V. flor-de-coral. 3. Espécie de ingome, deorigem africana, que produz sons retumbantes». Não é de espantar queessa semelhança formal tenha sido fonte de confusão desde a partida e queela tenha causado uma espécie de « leitura » bi-direcional: o indígena bra-sileiro interpretando a palavra africana segundo o modelo tupi, o africanointerpretando a palavra tupi conforme o modelo banto. A hesitação do lo-cutor encontra-se com a do descritor de hoje face a essa palavra estrangei-ra. Uma verdadeira análise sistemática dos dois tipos de empréstimo traria,a nosso ver, um esclarecimento importante sobre os contatos de línguas noperíodo da escravidão e, finalmente, sobre a identidade lexical do portu-guês falado atualmente no Brasil.

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Maria Aparecida Honório Universidade de São Paulo (Pós-doutorado/USP)

Com o intuito de contribuir com os estudos sobre a constituição doléxico no Brasil, focalizaremos, neste nosso trabalho, o processo de gra-matização brasileira2 do português e das línguas indígenas, tendo em vistaa história de contato. Considerando que a construção dos saberes sobre aslínguas no país foi sendo produzida a partir de um trabalho duplo – o deleitura de arquivo e o de coleta de dados in loco –, analisaremos, em pri-meira instância, as condições históricas que possibilitaram a construção deunidades lingüísticas imaginárias.

Posteriormente, procuraremos compreender de que modo o léxicovem sendo significado nas práticas atuais de produção da escrita pelos in-dígenas. Refletiremos, neste caso, sobre a produção textual de professoresSateré-Mawé,3 caracterizada pela retomada do léxico indígena (ou de ori-gem indígena) em seus textos produzidos em português.

Da perspectiva que procuraremos analisar a questão, que é discursi-va, este tipo de produção caracteriza uma nova fase de construção de sabersobre o léxico brasileiro. Observando seu modo de aparecimento no fio

1 Este trabalho representa um diálogo de algumas das reflexões produzidas na pesquisa pós-doc (USP) no âmbito do Projeto História das Idéias Lingüísticas no Brasil com os resulta-dos da pesquisa desenvolvida no projeto recém-doutor (UFSCar).

2 Entendendo gramatização como o processo que conduz a descrever uma língua na base deduas tecnológicas, a gramática e o dicionário (Auroux, 1992).

3 Na literatura recente esta grafia ainda não está totalmente padronizada. Encontramos: Satere-Maue, Sateré, Satere-Mawe, Satere Mawe. Estamos adotando a grafia utilizada com maisfreqüência pelos próprios professores indígenas desta etnia.

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discursivo, procuraremos então compreender o funcionamento do léxico emrelação a outros campos de memória: o dos missionários e o dos viajantes.

Conforme já observou Nunes (1996), os relatos de viajantes e mis-sionários produzidos no período colonial contribuíram para a construçãode um léxico brasileiro. Em suas descrições sobre o país, uma infinidadede itens lexicais das línguas faladas na Costa – de origem Tupi4 – serviramde base para a produção de instrumentos lingüísticos: gramáticas e dicio-nários. Esta produção, caracterizada como uma extensão da relação dofalante com a língua (Auroux, 1992) mobilizou as práticas linguajeiras nopaís, redefinindo o espaço enunciativo brasileiro.

Os instrumentos lingüísticos, produzidos nos primeiros séculos decolonização, favoreceram a expansão de um certo conhecimento sistemati-zado sobre a língua, ao mesmo tempo em que trabalharam a normatizaçãoe a redução do uso de outras línguas indígenas. As línguas faladas porgrupos Tupi passaram a ser representadas, após o contato, por uma grandeunidade imaginária, o Tupi jesuítico.5

As primeiras décadas de contato europeu com a diversidade lingüís-tico-cultural brasileira foram marcadas pela necessidade de aprender aslínguas faladas neste território, condição para as práticas expansionistas.Esta tarefa centrou-se na figura do língua: pessoas enviadas ao Brasil paraaprenderem a língua dos índios e servirem de guias nas expedições portu-guesas. Com a entrada da Companhia de Jesus no país, foram os jesuítasque passaram a exercer este papel. Neste caso, a aprendizagem da línguavinculou-se às práticas de catequese. É neste contexto que se produzem osprimeiros instrumentos lingüísticos, em meados do século XVI, a Gramá-tica de Anchieta – Arte da língua mais usada na costa do Brasil (1595), oVocabulário na Língua Brasílica e o Dicionário Português-Brasiliano (anô-nimos). Com estes instrumentos criam-se condições para o aparecimentode uma literatura jesuítica baseada no Tupi ‘colonial’.

Em relação aos dicionários bilíngües do período imperial, sua pro-dução foi marcada por um trabalho de intertextualidade: a leitura de arqui-

4 Considerando as línguas de origem Tupi em oposição às línguas Tapuyas, os viajantes emissionários passaram a designá-las “língua da terra”, “língua brasílica”, “língua dos brasis”,etc., processo que propiciou a construção de uma imagem de língua indígena única, unívoca.

5 O Tupi-jesuítico representa, segundo Câmara (1978), o trabalho de literatura missionárioescrito na língua mais usada na costa do Brasil. Podemos dizer que este trabalho produziu oque Orlandi & Souza (1988) designam de uma língua imaginária: aquela fixada na sua sis-tematização, em oposição à língua fluída, que escapa dos sistemas e fórmulas.

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vo referida aos discursos dos viajantes e missionários, por parte de estu-diosos vinculados a institutos históricos, em particular, o Instituto Históri-co Geográfico Brasileiro (IHGB).

Conforme já analisou Nunes (1998), muitos itens lexicais presen-tes nos textos dos relatos foram incorporados nos dicionários, explicitandoum certo modo de ‘ler o arquivo’:6 a retomada do léxico, não se restrin-gindo à mera cópia de manuscritos da época colonial, foi significada porprocedimentos de acréscimos, notificações, explicações, atualizando oléxico com vistas a produzir uma certa história do Brasil, fundamentadano discurso imperial. Nesta prática lexicográfica constrói-se um sabersobre o léxico organizado pela relação palavra/palavra, em oposição aosaber produzido nos dicionários jesuíticos, centrado na situação de enun-ciação.

Veremos, em nosso trabalho de análise sobre a produção escrita dosprofessores Sateré-Mawé, que a retomada de alguns itens lexicais em seustextos, já presentes no discursos de viajantes e missionários, configuraráum novo modo de produção de sentidos sobre o léxico brasileiro. Estaprodução, organizada por uma outra perspectiva enunciativa, expõe o léxi-co a um outro olhar.

Ainda no século XIX, paralelamente a este tipo de produção, cons-truída na base da exogramatização,7 um outro conjunto de produção lexi-cográfica brasileira começa a organizar-se: são os dicionários de ‘brasilei-rismos’,8 para servir de ‘complemento’ aos dicionários de língua portuguesa(Nunes, 1998).

Estes dicionários contemplam uma série de palavras de origem Tupiincorporadas no português e significadas como especificidades do portu-guês do Brasil. Esta produção marca um certo tipo de trabalho de leitura dearquivo, que caracteriza a endogramatização: gramatização do português

6 Entendemos estes trabalho de leitura de arquivo, tal como concebido por Pêcheux (1994:57): leitura de um campo de documentos pertinentes e disponíveis sobre uma questão. Lei-tura esta que implica gestos de interpretação sobre o arquivo; práticas de exclusão, desloca-mentos, silenciamentos de sentido.

7 Consiste na transferência de uma tradição lingüística no processo de gramatização de umalíngua desconhecida. Para melhor compreensão deste processo, ver também conceito de gra-matização (Auroux, 1992).

8 Câmara (1978) aponta como principal causa do brasileirismo ‘a separação geográfica dalíngua portuguesa, distribuída em dois territórios isolados, de que resultou a não-coincidên-cia absoluta de evolução.’ (p. 67).

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feita por falantes brasileiros (idem, ibidem, 238).9 Nesta produção, a ques-tão da língua é orientada enquanto signo de nacionalidade. (Orlandi & Gui-marães, 1998).

Observa-se, na segunda metade do século XIX, a retomada de tra-balhos sobre a linguagem oral, pelas expedições científicas promovidaspelo IHGB. São publicadas nesta época lendas, mitos, descriçõesetnográficas não só do Tupi antigo, mas também estudos da Língua GeralAmazônica (Nheengatú ou tupi moderno) e de outras línguas indígenas. Édeste período a iniciativa de descrição do tupi moderno, com destaque paraos trabalhos de Gonçalves Dias (Vocabulário da língua geral usada hojeem dia no alto Amazonas, 1852, e Dicionário da língua tupi chamada lín-gua geral dos indigenas do Brasil, 1858), Couto de Magalhães (O Selva-gem, 1867) e Barbosa Rodrigues (Poranduba Amazonense, 1887).

Não obstante, a produção lingüística dirigida às línguas indígenasocupa, no contexto da gramatização do português, um lugar marginal,quando não voltados à formação da língua nacional. Propagam-se, nestaépoca, “as abordagens sociológicas que vêem nas manifestações popu-lares e no folclore um outro sentido de nacionalidade” (Nunes, 1996:62).

No processo de consolidação do desenvolvimento social, produzidopela Revolução de trinta, as produções IHGB são relidas – especialmenteas obras de Gilberto Freyre –, em favorecimento da construção de umaidentidade brasileira. Dentro deste quadro, as teorias sobre a questão racialtornam-se obsoletas; “era necessário superá-las, pois a realidade socialimpunha um outro tipo de interpretação do Brasil” (Ortiz, 1994, p. 40).Neste período, são reeditados ainda alguns relatos, como por exemplo asDuas Viagens ao Brasil (1557), de Staden, com anotações e revisões doléxico feitas por Theodoro Sampaio, que dialogando com sua própria obra– já publicada na Revista do Instituto: O Tupi na Geographia Nacional(1901) – e outros cronistas, produz um trabalho de releitura.

No início do século XX, outras missões católicas, com destaque paraas salesianas – em contato com povos indígenas da Amazônia desde 1916–, realizam trabalhos de caráter etnográfico no Alto Rio Negro, coletandomaterial lingüístico que, arquivado por algum tempo, seria retomado mais

9 De acordo com análise de Nunes (1997), neste quadro inserem-se os trabalhos de Beaurepaire-Rohan (Dicionário de Vocábulos Brasileiros) e Macedo Soares (Dicionário Brasileiro daLíngua Portuguesa).

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tarde na produção de instrumentos lingüísticos das línguas faladas naquelaárea: Pequena Gramática e dicionário da língua Tucana (s/d); Gramáticae dicionário Tucano (Frei Antonio Jaconi, 1947). A gramatização destalíngua indígena favoreceria a redução da diversidade lingüística da região.Falantes de várias línguas da família Tucano (Dessana, Wanano, Tuyuka,bem como a própria língua Tucano e o Nheengatú, dentre outras lá faladas)passariam a organizar-se a partir de uma nova unidade imaginária: o Tuca-no ‘oriental’10 ou geral. Estas missões atuariam também na escolarizaçãoindígena, pela presença das chamadas escolas das missões, caracterizadascomo escolas agrícolas.

Pararelamente à atuação dos salesianos, oficializa-se, em meadosdos anos cinqüenta, a entrada de missões protestantes, principalmente naregião amazônica. As Novas Tribos do Brasil, representadas pelo SIL,11

produzem um volumoso material de descrição lingüística e instituem, comautorização do Estado o ensino bilíngüe em área indígena.

A produção destes instrumentos serviu de base para novas produ-ções dos missionários: tradução do Novo Testamento em línguas indígenase material lingüístico-pedagógico, que caracterizarão um certo tipo de es-cola: a escola para índios.

A partir da década de oitenta, um número expressivo de organiza-ções indígenas no país12 surgirá como movimento de resistência a estapolítica de línguas e ensino. Estas organizações, tomando a escola comopalco político, criarão condições para o aparecimento da escola dos índios.Serão símbolos desta nova escola, a figura do professor indígena, e os li-vros didáticos produzidos pelos índios. Constituídos como sujeito bilingües,os professores indígenas passam a fazer a ‘releitura’ do Brasil. Mobiliza-dos por um outro tipo de política, diferente daquela dos intérpretes do pe-ríodo colonial, estes novos atores sociais ressignificam o léxico, funda-mentados em outros campos da memória.

10 Ramirez (1997) divide as línguas da família Tukano em três grupos: Tukano ocidental (dia-letos: orejón, sekoya, siona, koreguaje), Tukano central (kubewa), Tukano oriental, em quese incluem as línguas mencionadas no texto, além de outras.

11 O SIL, hoje denominada Sociedade Internacional de Lingüística, compõe um grupo de mis-sionários americanos, ligados a uma vertende evangélica fundamentalista.

12 Atualmente, o Amazonas conta com mais de 50 organizações indígenas, representando vá-rias etnias. Surgindo em defesa da autonomia dos povos indígenas, terá na Escolas seu lugarde atuação. Sobre essa atuação ver Honório (2000), Silva (1998).

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A partir de 1988, com a garantia do ensino das línguas indígenasaos índios, pela nova constituição brasileira, a escolarização indígena pas-sa a ser incorporada na LDB (1996). O Estado, determinando que a educa-ção escolar indígena deve ser inter-cultural e bilingüe,13 institui aobrigatoriedade do ensino em língua portuguesa e também em língua indí-gena ou ‘materna’: “O ensino fundamental regular será ministrado emlíngua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utili-zação de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.”(Constituição, 1988).

Este tipo de discursividade, atravessado pelo imaginário de que paraser índio é preciso falar uma língua indígena, produz uma injunção políti-ca, desconsiderando o real histórico de cada povo indígena em particular,com seus projetos políticos específicos.14 Se é certo que a garantia oficialdo ensino das línguas nas escolas indígenas constitui um avanço, aobrigatoriedade do ensino bilingüe, tendo o português como ‘centro’, cons-titui a contradição deste avanço.

Segundo Auroux (1992) “A velha correspondência uma língua, umanação, tomando valor não mais pelo passado mas pelo futuro, adquire umnovo sentido: as nações, transformadas, quando puderam, em Estados, es-tas vão fazer da aprendizagem e do uso de uma língua oficial uma obriga-ção para os cidadãos” (p. 49).

No embate entre duas línguas, circunscrito neste atual contexto deensino bilingüe, tem-se, de um lado, o sólido terreno da língua nacional, e,de outro, não importa qual língua, desde que indígena ou materna. Essediscurso, garantindo ‘para sempre’ o lugar da língua, a portuguesa, reduz ocampo das línguas indígenas que falam no mesmo povo.

Lá mesmo onde a nação se une – na língua – é o lugar de separação.Esta disjunção no fio discursivo, polarizada na relação LP/LI apaga o fatode que falam-se línguas. Explicando. No Brasil, há comunidades indíge-

13 Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, II – Princípios Gerais,1993.

14 Sabemos que nem todos os povos indígenas têm interesse em alfabetizar-se em língua indí-gena ou em português. Os Yanomami, por exemplo, há pouco tempo, defendiam a escritasomente em português, preferindo manter-se na posição de sociedade de tradição oral. Já osWaimiri-Atroari defendiam o ensino do português somente como língua instrumental, alfa-betizando-se somente na sua língua indígena.

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nas que falam mais de uma língua indígena, e mesmo, mais de uma língua denação – situação característica dos povos dos Alto Rio Negro – e, ainda, háaquelas que, mesmo falando somente uma língua indígena, falam diferente.

Em relação aos Sateré-Mawé, sabemos que muitos deles falam, alémda língua SM, o Nheengatú, que, neste caso, é apagado no espaço escolar.Soma-se ainda o fato de que o Estado, ao administrar uma unidade de es-crita para a língua Sateré-Mawé, também tem operado de modo excludente.A maior parte dos livros escritos pelos Sateré-Mawé, tanto em língua indí-gena quanto em português, tem sido produzida pelos professores da regiãodo Marau, nos cursos de formação promovidos pela Secretaria da Educa-ção – o Projeto Pira-Yawara/Programa de Capacitação de ProfessoresIndígenas Satere-Mawe. Ressalta-se também que a área do Marau contacom apoio lingüístico direto. Este fato tem provocado embates entre pro-fessores das duas áreas geopolíticas (a área do Andirá e a do Marau). Umdesses embates tem sido apresentado como razão aparentemente técnica,dissimulando as razões sócio-políticas que o determinaram: a discórdiados grupos acerca da ortografia que vem sendo fixada nesta escrita. Umexemplo: o emprego do ‘j’, cristalizado na escrita Novo Testamento naLíngua Sateré-Mawé (SIL) sob a forma do ‘u’.

Conforme adverte Mori (1995), é importante levar em conta, naspolíticas de definição de ortografia, não só os princípios técnico-científi-cos, mas, prioritariamente, as reivindicações sociopolíticas das nações in-dígenas, porque fala-se o Sateré-Mawé, mas fala-se diferente.15

A despeito do que diz o professor Enilson Wapixana: “...o Brasil éuma nação constituída por muitos povos de diferentes etnias, com histó-rias, saberes, culturas e línguas próprias...” (RCN/Indígenas, 1998), é aindarelevante analisar, do ponto de vista da política de línguas, de que modovem se dando a ‘negociação’ dessa diversidade na unidade.

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Como vimos, a nova conjuntura de escolarização indígena, garanti-da pela Constituição e LDB, cria condições para uma extensa produção de

15 A reflexão sobre situação sociolingüística dos povos indígenas está presente nos Referen-ciais Curriculares Nacionais/Indígenas. No entanto, conforme reflete Orlandi em seu artigo“Ética e Política Lingüística (1998), faz-se necessário analisar também esta questão em rela-ção à unidade lingüística do Estado brasileiro.

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textos de caráter pedagógico por parte dos professores indígenas, no pro-cesso de sua formação: serão publicados livros didáticos em versão bilín-güe, em língua indígena ou em português.

Este fato nos permite considerar este tipo de produção como partedo processo de endogramatização brasileira, que funciona em duas dire-ções: na endogramatização do português e na endogramatização das lín-guas indígenas.

No que diz respeito ao material que analisaremos, observamos quea presença de palavras em língua indígena no texto em português configu-ra-se como um certo saber metalingüístico e, neste sentido, estenderemoso conceito de instrumento lingüístico proposto por Auroux (1998) para aprodução lingüístico-pedagógica dos professores indígenas.16

Nesta fase, emerge um outro ‘leitor’ do/no Brasil: os escritores indí-genas, bilíngües. A presença do léxico indígena na língua é significada nãomais em razão da construção de uma nacionalidade. O surgimento do léxi-co de outras línguas indígenas na língua portuguesa é trabalhado comonecessidade simbólica de distinção das diversidades na diversidade: trata-se de mostrar a especificidade de cada língua indígena falada em territóriobrasileiro pela própria unidade lingüística do país. E neste jogo entra emquestão: que línguas são representadas pelo léxico nesta escrita em línguaportuguesa?

O processo de gramatização passa então a desestabilizar o sentidodo português como unidade: a diversidade, representada pelo léxico dasdiferentes línguas indígenas, reinterpreta os ‘brasileirismos’. Os sentidosdas palavras de origem Tupi incorporadas no português migram (Orlandi,1996). Este léxico funciona aqui como lugar de indistinção entre o que épróprio da(s) língua(s) indígena e o que é próprio da(s) língua portuguesado Brasil. Tanto o português, quanto o Tupi, enquanto línguas imaginári-as, começam a ceder espaço para as línguas fluidas – a língua Sateré-Mawé,no caso específico – ainda não cristalizadas, produzindo deslizes.

Na atual política de línguas e ensino, em que professores indígenas,transformados em escritores de livros didáticos em português, retomam a

16 Auroux (1992) considera como instrumento lingüístico as gramáticas e dicionários. Acres-centamos os livros didáticos de ensino de línguas como instrumentos lingüísticos própriosdeste processo de endogramatização brasileira tendo em vista que, tal como assinala o pró-prio autor, ‘deve-se fazer começar a gramatização com o aparecimento do primeiro sabermetalingüístico de uma língua dada (por exemplo, quando se começa a citar palavras ouexpressões em um texto de uma outra língua) p. 73.

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produção lexical indígena, os modos de dizer o mesmo começam a produ-zir diferenças: movimentando a língua, introduzem um novo capítulo nahistória da escrita no Brasil. Na escrita desta história, em que surgem ou-tros modos de ler o arquivo, o homem pode desviar o caminho.

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Concebemos esta fase de produção lingüística, promovida pela es-colarização indígena, como parte do processo de endogramatização noBrasil, caracterizada pela produção de livros didáticos por parte de umoutro falante brasileiro: os falantes nativos das línguas indígenas e do por-tuguês do Brasil, sujeitos bilíngües.17

No momento em que a questão enunciada pelo Estado é reconhecere ‘preservar’ a diversidade lingüístico-cultural do país, a estabilização desentidos para o que é próprio das sociedades indígenas e o que é própriodas não indígenas encontra um terreno movediço. Neste espaço de defini-ção de limites está em jogo a relação de confronto entre as línguas indíge-nas, já que o ensino do português funciona, imaginariamente, como lugarestabilizado. Que língua indígena ensinar? Que concepção de língua (ma-terna) tem determinado a ‘escolha’ da língua a ser ensinada? E, finalmente,que língua se está ensinando e o que se está ensinando/produzindo por essalíngua?

Importante aqui pontuar que, até onde se tem acesso, as sociedadesindígenas ainda não produziram dicionários monolíngües em línguas indí-genas. O que se tem são, ora textos com características predominantemen-te descritivas – aqueles que descrevem principalmente a natureza (fauna eflora) e objetos da cultura material; ora textos de natureza narrativa – quese desdobram em dois tipos: aqueles que priorizam os temas do cotidiano eoutros que narram lendas/mitos indígenas. Observa-se ainda o fato de que,em alguns casos, esta produção tem sido representada através de algumasformas textuais específicas: em forma de poema e de história em quadri-nhos. A exemplo, temos, na língua SM: Poesias Satere-Mawe (1998), or-ganizada pelo modelo canônico da poesia, e Satere-Mawe – mowe’eg hap

17 É importante distinguir que grande parte destes ‘autores’ (os professores indígenas) perten-cem a uma nova geração de índios que cresceu em ambiente bilíngüe. É uma geração dejovens, que foi alfabetizada nas duas línguas – indígena/português.

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(1997) e Satere-Mawe mowe’eg hap (1998), cartilhas que contêm históriasem quadrinhos.

Um dos problemas que nos colocamos, em termos de políticas delínguas, é quem define, e como se define as línguas indígenas a serem ensi-nadas e o que ensinar em cada língua, neste novo contexto do ensino bilín-güe. Quanto ao primeiro questionamento, este embate, em muitos casos,tem sido regulado pelo imaginário nome do povo/nome da língua. Em rela-ção ao povo Sateré-Mawé, em que encontramos comunidades em diferen-tes situações sociolingüísticas,18 a prática do bilingüismo, sendo homoge-neizada para todos, produz como efeito, ora a poda do excesso (de línguas),ora o plantio da (língua que) falta.

Num território em que o real é interditado, o simbólico e o imaginá-rio trabalham na definição do que é próprio do político. A ordem do dis-curso, de que trata Foucault (1970), aqui funciona não só na relação entreo que pode ou não ser dito, mas em que língua se pode dizer “o que podeou não ser dito”.

Mas é justamente pelo jogo entre um dizer e/sobre o outro, umalíngua e/sobre a outra que surgem vestígios de resistência indígena, possi-bilidades de deslizes: as práticas de línguas (escrita, oral) vão deslocandosentidos sobre que língua se fala, quem fala o quê. Lugares indistintosentre uma língua e outra, um dizer e outro, vão trabalhando a constituiçãode um léxico brasileiro. As línguas silenciadas adquirem voz naquilo que épróprio da língua e do sujeito, a incompletude. Porque históricos.

Da perspectiva da Análise do discurso (AD), a língua, enquanto lu-gar do simbólico, é o lugar, irremediavelmente, da incompletude, e é esteespaço de falta (lugar em que a língua pode “falhar”) que se abre comopossibilidade para outros dizeres a serem incorporados.19 Esses lugares sãomarcados, na produção lingüística que analisaremos, pelas modalizações

18 Em algumas aldeias Sateré-Mawé a comunidade é falante da língua SM e do português, emoutras, a língua mais falada é a portuguesa, em outras o Nheengatu ‘mistura-se’ com o SM.Caso semelhante é o dos Ticuna, do Médio e Alto Solimões. Em visita a algumas de suasaldeias no Médio Solimões (1998), identificamos um contraste: em uma das aldeias todoseram monolíngües em português; não havia nenhum falante da língua Ticuna, em outra rela-tivamente muito próxima, a maioria deles só falava em Ticuna.

19 Orlandi (1996) ao formular a questão da abertura do simbólico na relação paráfrase (repeti-ção) e polissemia (diferença), considera estes eixos como constitutivos da produção de sen-tidos. Pensar desta posição é considerar a dimensão discursiva da língua e não a língua comosistema abstrato. É desta tomada teórica que também entendemos a relação entre línguas. Aoutros, como os WA, a língua portuguesa interessa como língua estrangeira.

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autonímicas (Authier, 1998). Funcionamento que projeta outros dizeres,outros modos de significar o léxico brasileiro nos textos em português.

Segundo Authier (idem), a modalização autonímica, concebida comoreflexividade metaenunciativa, concerne a um elemento do dizer uma ou-tra maneira de dizer. Neste processo, “as formas de representação dos fa-tos de não-coincidência enunciativa manifestam – não de modo intencio-nal – “a negociação obrigatória de todo enunciador com o fato dasnão-coincidências fundamentais que atravessam seu dizer” (negrito do au-tor). Esta negociação, derivando de um trabalho de ‘denegação’, circuns-creve o diferente (outra língua, outro dizer) no um, pela emergência de umsujeito metaenunciativo, constituído, ilusoriamente, como aquele que con-trola o seu dizer.

Analisando a presença do outro, deste campo teórico, explicitaremoso funcionamento do léxico no processo de produção de sentidos, tendo emvista a presença de outras línguas na língua e de outros dizeres na língua,que configuram um espaço de não-coincidência.

Observaremos o modo de aparecimento de novos discursos sobre oléxico, explicitando, ao mesmo tempo, os procedimentos de construção dosaber lexical no Brasil produzidos pelos viajantes e missões salesianas,que contribuíram para a fixação de uma imagem do Tupi como língua ge-ral.

Neste momento em que outros falantes reivindicam o reconheci-mento de outras línguas, o jogo entre o geral que homogeneiza e o especí-fico que separa, parece-nos um lugar privilegiado para compreendermosde que perspectiva se organiza aquilo que estamos entendendo como novoespaço de produção lingüística brasileira, marcado pelo aparecimento deescritores indígenas. Interessa-nos explicitar, neste espaço de línguas emcontato, os modos de significar os termos indígenas relativamente ao por-tuguês. Que discursos têm determinado este retorno do dizer sobre o léxi-co, e que efeitos se produzem?

Para compreendermos os efeitos de sentido produzidos pelo/no lé-xico, no cruzamento de discursos, analisaremos os textos que se caracteri-zam pela presença de modos de dizer as línguas na língua: nomeando,traduzindo. Um dos pressupostos que nos orientará é o de que “há limitesmuito frágeis e nuançados entre línguas diferentes em situação de contato,o que resulta na presença de toda forma de mistura em seus modos indis-tintos” (Orlandi, 1998: 7).

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Estaremos ainda considerando o léxico presente nas produções dosprofessores indígenas como discurso (Maziere, Collinot, 1990, 1987), talcomo vem sendo desenvolvidos no Projeto História das Idéias Lingüísti-cas, particularmente pelos trabalhos de Nunes (1996, 1998).

Refletiremos sobre essa produção lingüístico-pedagógica como umacontecimento (Pêcheux) que faz parte das políticas de línguas e de ensino(Projeto HIL), procurando identificar os modos de ressignificação do por-tuguês e das línguas indígenas, no processo instaurado pelo confronto en-tre a unidade e a(s) diversidade(s) lingüística brasileira, representado nesteespaço enunciativo particular.

Procuramos contribuir com o conhecimento do português do Brasil,através da análise de processo enunciativo de designação, lugar no qual anomeação e a referência fazem parte de sua significação.

Preocupa-nos, nesta medida, entender a relação do sujeito com alíngua pautados em uma perspectiva discursiva de compreensão do papeldas línguas (indígenas) e da língua no processo de identificação do sujeitocomo índio brasileiro. Esta tomada de posição leva em conta a necessidadede se incluir o histórico e o político no âmbito das políticas de ensino delínguas. Implica considerar a língua no âmbito da vida social (Projeto His-tória das Idéias).

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Na história da educação escolar indígena, o ensino do portuguêscomeçou a fazer parte de uma política explícita do governo brasileiro, legi-timada pelo Decreto Pombalino (1757),20 que assinalou sua obrigatoriedadenas escolas, ao mesmo tempo em que proibiu o uso da língua geral.21

Em 1852, Gonçalves Dias, convidado a fazer um levantamento so-bre os programas educacionais desenvolvidos na província do Amazonas,conclui que as escolas deveriam insistir no ensino da língua portuguesa naregião, tendo em vista sua fraca difusão entre os habitantes.

20 Sobre a política pombalina, ver Mariani, Langage 130, (1998).21 Para uma compreensão do funcionamento desta designação, ver Horta & Borges, Langage

130, 1998 e Rodrigues, Línguas nº 1 (1998).

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Os projetos de educação dos salesianos, implantados no Amazonasa partir de 1915, e apoiados pelo Estado brasileiro, também tinham comoprerrogativa a imposição da língua portuguesa e de padrões culturais euro-peus. A história de escolarização dos Sateré-Mawé (doravante SM) é for-temente marcada pela presença dessa missão católica, ainda atuante na área.

Em meados da segunda metade do século, a missão evangélica No-vas Tribos do Brasil inicia seu trabalho de evangelização em área indíge-na, através da introdução do programa de Ensino Bilíngüe. Alguns estudossobre esta língua, encaminham sua instrumentalização. O SIL, através dotrabalho de seus missionários-lingüistas,22 produz descrições gramaticaise o Dicionário Sateré-Português/Português-Sateré (1982). Este materialirá servir de base para a tradução da Bíblia em língua SM: em 1986 épublicado o Tupana Ehay – Satere Mawe Pusupuo: o novo testamento.

Nesta mesma década, materiais lingüístico-pedagógicos produzidospelos salesianos também são publicados, com o apoio da Secretaria daEducação do Estado do Amazonas: a Cartilha Sateré-Mawé e o livro AsBonitas Histórias Sateré-Maué, ambos em versão bilíngüe.

Neste discurso que ‘promove’ o encontro de línguas, as culturas semovimentam. Mas a direção deste percurso não é ao acaso. Na descriçãohistórica sobre os Sateré-Mawé, em Bonitas Histórias, nomes e sentidospara os deuses são enunciados. O léxico, na busca de sinonímias ou equi-valentes, funde imagens, produzindo o efeito sincrético. Nomes são re-ditos, em nome do ‘eterno’ retorno ao Universal.

O termo animista para a ciência da fenomenologia religiosa refere-seaos povos que acreditam na presença (criadora-protetora e mantenedora)do espírito (Man) em tudo o que vive, cresce e movimenta-se. Esteespírito universal é também chamado Ser Supremo que para os Sateré-Maué tem o nome de Tupana da Tradição Tupi (Tupã-Tupana é a forçado trovão um Deus forte e poderoso), mas os nomes e atributos deDeus mais usados nos mitos da criação e das origens da tribo sãoWASSIRI-ANUMAWATO. (As Bonitas Histórias, p. 11)

Na definição do termo ‘animista’, retomadas do dizer não referem-se ao próprio termo; este é remetido ao referente: “os povos que acredi-

22 Sobre a relação entre NTB e SIL ver Orlandi (“Os falsos da forma”, em Palavra, Fé, Poder,1987), e Tese de Doutorado de M. C. Drumond Barros (Unicamp, 1994). Atualmente, outrasigrejas protestantes, como a Igreja Batista e a Assembléia de Deus vêm provocando divisõesentre o povo Sateré-Mawe em função das filiações religiosas. (Ver Honório, 2000)

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tam...”. As retomadas se dão no léxico do domínio religioso, que é traduzi-do/nomeado em LI, procedimento que trabalha o efeito de equivalêncialexical palavra/palavra: espírito (Man), ser supremo, que para os Sateré-Maué tem o nome de Tupana da Tradição Tupi (Tupã-Tupana é a força dotrovão um Deus forte e poderoso), Tupana, Deus, Wassiri-Anumawato. Oefeito de unidade é construído pela circularidade que, ao procurar aproxi-mar sentidos, pelos nomes, confunde palavras e coisas: xamada X, quepara SM tem o nome de Y (Y é X), mas os nomes...são Y. O científico,representado pela ciência da fenomenologia, funciona como pretexto paraa construção de um discurso religioso fundado na unidade cristã que, aoredizer o nome, ‘engole’ a diferença.

Esta determinação do discurso religioso na produção de um saberlexical sobre as línguas indígenas é substituída por outra, quando então oEstado assume oficialmente a educação escolar indígena (em 1993). Àsmargens, o trabalho das missões continua.

Em 1996, o IER/AM-Instituto de Educação Rural do Amazonas23

implanta um programa específico de capacitação de professores índios di-rigido aos SM – o Projeto Pira-Yawara –, nível de 1º grau. Como já mos-tramos anteriormente, neste novo contexto de escolarização, os professo-res indígenas têm produzido volumoso material lingüístico-pedagógico,através de cursos de formação. São publicados, em 1998, pela Secretariada Educação do Estado, vários livros na língua Sateré-Mawé e em portu-guês. Neste cenário, em que escritores indígenas são legitimados,24 inten-sificam-se as produções monolíngües ao lado das versões bilíngües. Ostextos em português projetam a expansão de leitores: os próprios SM eoutros falantes do português (índios e não-índios). Neste processo, cons-trói-se, ainda, o sujeito bilíngüe no Brasil.

O material que iremos analisar corresponde aos textos escritos emportuguês pelos professores indígenas e inseridos nos livros da série SeresVivos, organizados em três volumes – Nossas Árvores/O Guaraná, NossasAves/Animais da Floresta, Nossos Peixes/Pequenos Animais –, e o livroOs Sateré-Mawé e a Arte de Construir.

23 Atualmente IERI-AM, Instituto de Educação Rural e Indígena do AM), órgão ligado à Se-cretaria Estadual de Educação.

24 Recentemente, a UFMG inseriu na lista de livros de literatura obrigatórios para o vestibular olivro “Shenipabu Miyui: história dos antigos” (2000), em versão bilíngüe, coordenado peloProfessor Joaquim Mana Kaxinawá, e escrito por vários professores indígenas. Este livro foipublicado pela Organização dos Professores Indígenas do Acre, em parceria com a Ed. UFMG.

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Consideramos que a produção destes textos, mobilizada pela me-mória histórica (das línguas, dos povos), reorganiza as fronteiras entreuma língua e outra, instituindo novas relações entre povos, sujeitos, lín-guas, enfim, diferentes modos de ler o arquivo lingüístico-cultural brasi-leiro.

O aparecimento de outras línguas indígenas, além do Tupi, no dis-curso de nomeação sobre as coisas do país, reorganiza as relações entresujeitos e línguas, representando, na perspectiva que estamos procurandopensar a questão, uma outra fase do processo de gramatização do portu-guês do Brasil.25

A constituição de um novo espaço de produção lingüística se mate-rializa na produção de instrumentos lingüístico-pedagógicos, nesta fase atualde escolarização indígena. Nesta produção, a presença do léxico indígena(ou de origem indígena) nos textos escritos em português aponta lugaresde deslocamento de sentidos, lugares possíveis de construção de uma his-tória do Brasil vista de outra perspectiva: a indígena. Neste percurso, abrem-se possibilidades de historicização do índio.

Trata-se de compreender o sentido das diversidades na diversidade,tanto em relação às línguas indígenas faladas no país – cerca de 170 –,quanto ao modo de falar essas línguas na língua. Práticas que convocam à(re)construção de nossa identidade lingüística, tirando a língua e nós mes-mos do lugar.

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Estas condições de produção de escrita, marcam o aparecimento deformas de nomeação que reconfiguram o espaço enunciativo26 brasileiro.Novos percursos metaenunciativos vão emergindo: as palavras, os nomes,os sentidos ‘já-ditos’ escorregam sobre as ‘coisas’ do Brasil. O sujeito daenunciação, desdobrado em outros não descreve as coisas a saber; antes,constrói imagens que se configuram como tentativa interminável de pro-dução de coincidências entre palavras e coisas. E de que modo o faz? Tran-sitando nas redes da memória, vai tecendo uma nova trama com o mesmofio, o da memória.

25 Sobre este assunto ver Orlandi e Guimarães (1998), Langages, e outros textos.26 Sobre este conceito, ver Guimarães (1994, 1997) e Honório (2000).

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Concebendo, como Pêcheux (1969) que o discurso é sempre rela-ção, remetendo a outro, como diferença, observamos que, no texto de Staden(1557), o sujeito da enunciação, ao construir seu discurso, explicita umanão coincidência-enunciativa, ‘mostrando-nos’ a heterogeneidade que cons-titui seu dizer. A diferença é trabalhada no interior de uma grande unidadede sentido: a do colonizador europeu. A visibilidade das coisas é parame-trizada pelo de fora: nomes, medidas, categorias do velho mundo desfilamno discurso de produção de uma transferência lingüístico-cultural ampla.No discurso do descobrimento, visões de similares aproximam as coisasde ‘cá’ com as coisas de ‘lá’:

Avía alguns [peixes] tambem do tamanho de arenques, que tinham azasde ambos os lados como as dos morcegos; (Staden, 1892, p. 269, grifonosso)

Em uma noite, quando estavamos acampados no lugar xamado Ubatuba,apanhamos muitos d’esses peixes brati, os quaes são do tamanho dossalmões. (1892, p. 317, grifo nosso)

O seo idolo é uma especie de cabaça, quazi do tamanho de uma medidade meia canada: é ôca, adaptam-lhe um cabo, abrem-lhe uma fenda asimilhança de boca, e depois põem-lhe dentro pedras miudas; com oque produzem certo ruido, quando cantam ou dansam. A este instru-mento denominam tamaracá, e cada omem tem o seo. (Staden, 1892,p. 345, grifo nosso)

Na construção de imagens sobre o espaço o locutor expõe ainda oconfronto entre sujeitos da nomeação. Em sua enunciação, entram em cenadois sujeitos da nomeação: locutores indígenas e locutores europeus. Na re-gência destas vozes, o maestro organiza os nomes dos lugares descobertos:

Estaes no porto, que os Indios xamam Xerimirin, e para que compre-endaes melhor acrescentarei, que os seos primeiros descobridores de-ram-lhe o nome de bahia de Santa-Catarina. (idem, p. 278)

São Vicente é uma ilha mui proxima do continente, a qual tem 2 aldei-as; uma é pelos Portuguezes xamada São-Vicente, e pelos IndiosOrbioneme... (idem, p. 283)

Um navio francez entrou na bahia, que os Portuguezes xamam Rio deJaneiro, e os Indios Iterrone. (idem, p. 315)

Quando xegaram a um dia de distancia do sitio, onde contavam de-zembarcar, ocultaram-se nos bosques perto de uma ilha, a que xamamMeienbipe, e os Portuguezes dão o nome de São-Sebastião. (idem, p.317)

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Desde a (des)coberta, os índios já não podem mais nomear sozi-nhos. Diríamos que o discurso da descoberta institui um lugar a partir doqual se pode nomear. A clareza do novo mundo parece só ser possível peloretorno aos nomes do mundo cristão, ou melhor, pelo retorno ao centro.27

Locutores ocidentais ‘importam’ de seu país para o Brasil os nomes já-lá:Santa-Catarina, São-Vicente, São-Sebastião. Neste jogo paralelístico detopônimos os santos (re)batizam os ‘lugares próprios do indígena’. A vozdo outro é falada, para, em seguida, ser apagada. Com este procedimento,sacralizam-se os nomes, afugentando os ‘espíritos’ que obscurecem o pa-raíso.

E de que modo os sujeitos indígenas, agora investidos de ‘responsa-bilidade’28 do dizer, trabalham este domínio da memória? De que modoestas vozes ecoam (ou não) neste sujeito bilíngüe, representado como pro-fessor indígena, autor de textos?

No caso específico da designação da fauna marítima aquele que diz‘eu’ (SM), assume a responsabilidade pela nomeação: x nós chamamos deY. O outro, marcado pela modalização autonímica (itálico), não tem o ‘di-reito’ de nomear. Neste espaço de enunciação, a diferença é trabalhada oraem relação ao não índio (‘o brasileiro’), ora em relação a outros gruposindígenas (não Sateré-Mawé). Os nomes vão sendo enunciados: a) pelolocutor-universal, (x xamado Y) b) pelo locutor-indígena em 3ª pessoa (parax os SM deram o nome de Y). Neste orquestramento de vozes, o europeuperde seu lugar de centro do dizer: já não diz quem nomeia e nem é ditocomo aquele que nomeia.

A nomeação ora se universaliza, ora se particulariza, no dizer destenovo sujeito da enunciação. A busca de palavra(s) para a ‘palavra’ e para a‘coisa’ dá-se de retomadas, ressignificações, tensões internas. Este jogoabre fissuras no outro e no um.

A diferença na unidade é trabalhada nesta nova discursividade nãomais pelo confronto dentro/fora do Brasil. O que está em jogo são as dife-rentes vozes e línguas brasileiras ditas da perspectiva de dentro do país.

27 Tendo em vista o discurso das ‘des-cobertas’, Orlandi (1990) analisa que os europeus, ao nosconstruírem como o seu “outro”, posicionando-se sempre como o “centro”, produzem nossoapagamento.

28 Contrapondo-se à posição benvenistiana que concebe o sujeito como o responsável e donodo dizer, a análise do discurso, teoria a qual nos filiamos, interpreta este lugar enunciativocomo um efeito, lugar necessário para que o sujeito falante possa se constituir como tal, eassim, sem o saber, repetir o dito, na ilusão de ser o centro.

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Nos enunciados marcados por procedimentos metaenunciativos de nomea-ção, este processo se formula no jogo parafrástico entre nomes. As coisas eos nomes das coisas em língua indígena têm neste espaço enunciativo seulugar garantido pelo discurso bilíngüe:

Os peixes sem escamas nós chamamos de pira sym’i ou peixes lisos.(Seres Vivos/Nossos Peixes, p. 12)

Ele recebe vários nomes, como: traíra, bongo, trangola e na nossa lín-gua chamamos de tere’yra. (Seres vivos/Nossos Peixes, p. 20)

Eles se locomovem através de suas nadadeiras e de sua cauda que nóssateré-mawé chamamos de huwaipype. (Seres Vivos, Nossos peixes, p.12)

Nestas relações parafrásticas, a explicitação dos diferentes modosde nomear a mesma ‘coisa’ substituem as diferentes vozes (de lá e de cá)que nomeiam as mesmas coisas.

Se no discurso ocidental a relação era: uma ‘coisa’/vários sujeitospara nomeá-la, o discurso indígena organiza uma outra relação: ‘um sujei-to que nomeia (indígena)/’várias línguas’.

Poderíamos dizer que esta produção lingüística por parte dos pro-fessores indígenas começa a organizar uma espécie de bilingüismo ‘inter-no’, tecido pelas relações entre as línguas (e as vozes) do Brasil. Espaçoque projeta possibilidades de novas relações sinonímicas no português doBrasil.

O sujeito da nomeação ganha corpo social na construção de um sa-ber etnográfico e enciclopédico que se estrutura pelas marcas de subjetivi-dade, configurando um lugar enunciativo diferente daquele dos viajantes emissionários. A imagem do país se constrói pelos confrontos internos,referenciados pelos dêiticos:

Este peixe é muito encontrado nos rios e igarapés da nossa região. Elerecebe vários nomes: ... (Seres Vivos/Nossos Peixes, p. 20, grifo nosso)

Os nossos rios possuem vários tipos de peixes: peixes com escamas epeixes sem escamas (Seres Vivos/Nossos Peixes, p. 12, grifo nosso).

A questão do domínio territorial investe-se aqui de um outro senti-do, diferentemente daquele circunscrito pela cenografia do relato. EmStaden, a posse de terra era enunciada do interior do discurso de coloniza-dor. Desta perspectiva, o sujeito da enunciação emergia em um espaço

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‘preciso’: a localização do sujeito se construía por parâmetros ocidentais:unidades de medidas, nomes universais: estavamos a quazi 23 milhas deuma ilha xamada São-Vicente, e o paiz abitado pertencia ao rei de Portu-gal (Staden, 1889, p. 276). As ‘novas descobertas’ (da ciência iluminista)favoreciam a ‘conquista’.

Nos textos dos SM a cena muda de lugar: é enunciada a posse indí-gena, da perspectiva indígena. Nesta discursividade, o conhecimento dosnomes ‘santos’ dado aos lugares vai sendo substituído pelo conhecimentoda geografia física específica; designações que particularizam os lugaresda região relativamente ao universo espacial indígena (igarapés, várzea,etc) vão significando diferentemente a terra (re)descoberta. As escalas dosviajantes (léguas, medidas) e a relação terra firme/água (mar/rio), come-çam a ser substituídas por relações terrestres internas, expandindo os limi-tes da terra ‘firme’ em terrenos movediços.

O papagaio se reproduz através de ovos, nos buracos das árvores queficam às margens dos rios. (Seres Vivos – Nossa Aves, p. 24)

O tucano é encontrado nas matas altas e baixas. (Seres Vivos – NossasAves, p. 22)

E na nossa língua chamamos tere’yra. O bongo se reproduz através deovas. Eles costumam desovar nas cabeceiras dos igarapés. (Seres Vi-vos/Nossos Peixes, p. 20)

Procedimentos de referencialização espacial explicitam-se nas mar-cas de subjetividade que configuram a instância da enunciação. Nos enun-ciados que seguem, o ‘aqui’ configura-se como uma relação entre as diver-sidades na diversidade. Ou seja, ao dizer ‘aqui’, o sujeito da enunciaçãoestá se posicionando em relação a uma divisão dentro da própria unidadeterritorial dos povos Sateré-Mawé. Desta posição, o confronto interno ter-ra indígena/terra não-indígena, desloca-se para um outro confronto inter-no, circunscrito do interior da área SM: a área do Marau e a do Andirá.29

Fala-se de uma outra unidade em divisão.

Aqui no rio Marau, para construção de casas, nós Satere-Mawe, toma-mos as seguintes providências...(Os Sateré-Mawé e a Arte de Cons-truir, p. 26, grifo nosso).

29 Os SM organizam-se socialmente em duas grandes áreas, delimitadas pelos rios que lhes dãonome: Área do Marau e Área do Andirá. Estas duas áreas em conjunto representam o territó-rio SM demarcado, diga-se, oficializado pela FUNAI como área Sateré-Mawé.

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Este peixe é chamado de acará-pucu. Nós pegamos muito cará-pucucom malhadeira durante à noite e nesse tempo de vazante dá muitoaqui no rio Marau. (Seres Vivos – Nosso Peixes, p. 28)

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Refletindo sobre os lugares enunciativos em relação aos domínioslexicais, poderíamos sintetizar as regularidades encontradas nos textos SMda seguinte forma: diríamos que a fauna e a flora são convocadas à nome-ação, enquanto que a cultura material sucumbe à tradução.30

Como já vimos nos enunciados das análises anteriores, a nomeaçãode alguns elementos da fauna marítima, tematizada em um dos livros (Se-res Vivos – Nossos peixes) funciona pela figura do locutor-indígena (em 1ªpessoa). Já em relação aos itens lexicais concernentes à flora, embora nãotematizados como título, são recortados no fio do discurso pela voz dolocutor universal:

A flecha nós fazemos de uma planta chamada flechal. (A Arte de cons-truir, ‘A construção de Arco’, p. 25)

A peneira é feita de um vegetal chamado waruma (arumã). (A Arte deconstruir, ‘A construção de Arco’, p. 9)

Quanto aos procedimentos de tradução, que organizam os sentidosdo mundo cultural, encontramos funcionamentos que configuram imagensdiferenciadas de tradutor, construindo leitores também diferenciados: a)aquele que mobiliza a tradução organizando, no fio discursivo, uma espé-cie de dicionário bilíngüe palavra/palavra (LI/LP); b) aquele que traduzum termo em LP a partir de um tradutor virtual que ‘explica’ o termo pelapalavra equivalente em LI. Neste mecanismo, mobilizam-se expressões dotipo ou seja. Estes discursos marcam a presença de leitores ‘do léxico’ paraquem não basta saber o português. Em alguns casos (5 e 6) é preciso saberum certo tipo de português (o ‘brasileiro’) e uma certa língua indígena.

30 Nos estudos que estamos realizandos dos relatos de Staden, notamos uma outra regularida-de, presente na reedição de 1930: os locutores indígenas são postos em posição daquele quenomeia o domínio do natural (fauna, flora) somente quando a retomada do dizer é legitima-da da perspectiva do discurso testemunhal-sensorial: Há também umas raízes a que chamamJettiki, que têm bom gosto. (p. 176).

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(1) Pensando no futuro de seus filhos é recomendado que as meninasaprendam o preparo dos fios de algodão para a fabricação de yni (re-des). Tipos de redes: yni tig (redes pintadas), sahu ape’i (casco de tatu)(Os Sateré-Mawé e a Arte de Construir, p. 8)

(2) Para se tecer o panaku é preciso descascar o cipó titica. Parte-secom a ajuda do kyse (faca) em três partes, e só se aproveita as costas docipó, que é a parte lisa (idem, p. 13).

(3) O tronco é partido bem ao meio com o ywyhap (machado) (p. 32).

(4) Para fazer yara (cascos) e apukuita (remos), temos que ter mate-riais apropriados (idem, p. 32).

(5) Serve de apoio para colocar a cuia onde é ralado o guaraná, ou seja,o sapo (idem, p. 11).

(6) Para construção de casco usamos as seguintes ferramentas: ywyhap,kyse’yp (terçado)...(idem, p. 32)

Um outro tipo tradutor também emerge nestes textos: aquele queorganiza os sentidos através de relações de similitude. Mobilizam-se ex-pressões espécie de, tipo de, ‘aproximando’ palavras desconhecidas comsentidos conhecidos. Neste caso, o sentido não se esgota na palavra, oumelhor, a estabilidade designativa se constrói (ilusoriamente) pela explica-ção dos termos. Aqui, o outro para quem se traduz é aquele que desconhe-ce tanto o português do Brasil (‘brasileirismo’) quanto a língua indígena.Este jogo parafrástico explicita um processo de endogramatização afetadopela memória ocidental. Fala-se de dentro para fora, em que o fora, nestaconjuntura, configura um espaço enunciativo marcado pelas relações in-ternas.

A gy’i (taquara), que é um outro tipo de bico de flecha, é feito de taboca.(idem, p. 23)

Panaku (jamaxim) – É uma espécie de bolsa onde os antigos Sateré-Mawé carregavam suas bagagens. Algumas pessoas ainda usam opanaku hoje em dia. (idem, p. 13)

Patrona (poko) – Patrona ou poko é uma espécie de bolsa muito usadapelo povo Sateré-Mawé para guardar cartucho, esqueiro, tabaco, fós-foro, balas de chumbo, um pouco de farinha e outros produtos. (idem,p. 14)

Contrapondo ainda estes procedimentos de tradução àqueles produ-zidos no contexto das missões salesianas, observamos um mecanismo se-

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melhante aos descritos acima. A retomada do dizer, operando aqui peladescrição, satura a palavra. Este funcionamento se dá tanto nos enunciadosnarrativos quanto descritivos. Na passagem da narração oral para a escritaproduz-se um gesto de interpretação em que a tradução marca-se por umaoutra estrutura lingüística, os sintagmas nominais.

Você o guaraná, vai estar presente quando tomar sapo (guaraná raladona água) (As Bonitas Histórias, p. 40, texto narrativo, negrito do au-tor).

Quem te conhecer irá fazê-lo na cuia em cima do patavi (suporte emfibras vegetais da cuia do guaraná) (As Bonitas Histórias, texto narra-do pelos SM, p. 41, negrito do autor).

No poder divinatório os pajés consomem bebidas como o caxiri (man-dioca fermentada com mistura de outras ervas), tarubá (bebida fermen-tada do mato) e guaraná (As Bonitas Histórias, texto narrado pelosSM, p. 14, negrito do autor).

A tradução, produzida da perspectiva do discurso religioso, trabalhaa ‘unificação’ dos leitores, transformando a palavra em ‘palavras’: sintagmasnominais descritivos. Aqui, a garantia da unidade não está nas mãos doEstado. Está nas mãos de ‘Deus’, pai de todos. A fala do padre salesiano,autor do livro, é ilustrativa:

Este trabalho foi motivado pelo grande respeito e amor aos patrimôni-os humano e cultural da humanidade, ameaçados de extinção não sófísica-cultural mas também pelo esquecimento (Apresentação, As Bo-nitas Histórias, Pe. Henrique Uggé).

Que o índio, o caboclo e o branco descubram novos laços de encontroatravés do intercâmbio cultural. E que o único Deus e Pai de todos ospovos e nações seja a fonte de união e paz universal (Apresentação, AsBonitas Histórias, Pe. Henrique Uggé).

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A imagem do Tupi como língua imaginária, cristalizada, sem sujei-ção à história, começa a ser desconstruída pelos novos escritos. A presençado léxico indígena nos textos dos professores indígenas produz como efei-to um espaço indistinto entre o que é e o que não é Tupi. A diferença étrabalhada, tanto em relação ao português, quanto em relação às línguas de

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origem Tupi. A língua Sateré-Mawé, classificada como pertencente às lín-guas da família Tupi-Guarani (Rodrigues, 1998), (con)funde-se com oNheengatu (Tupi Moderno) nesta relação de pertencimento lexical.

Mais do que responder à questão este léxico representa qual lín-gua?, interessa-nos explicitar o funcionamento deste léxico na língua, jáque, do nosso ponto de vista, as palavras de todos e de todas as línguastransitam na língua pelas imagens que se constroem delas, significando apartir de certas condições de produção. Léxico Tupi, Sateré, Português?Bem, essa verdade ‘original’ já não mais nos pertence. Falamos por ima-gens, usamos e mencionamos palavras outras determinados por certas re-presentações de língua. Do ponto de vista discursivo, que é o nosso, essasrepresentações imaginárias da(s) língua(s) que falam no sujeito são cons-truídas a partir de um conjunto de discursos possíveis definidos a partir decertas condições de produção. (Pêcheux, 1993 [1969]).

Analisando a produção SM deste lugar argumentativo, entendemosque o sentido do léxico é produzido não pela literalidade, mas pelas rela-ções entre o ‘inventário’ lexical de cada língua e as representações imagi-nárias construídas pelos discursos postos em funcionamento.

A presença do léxico de origem Tupi, ora funciona como memóriade língua indígena ora como memória de língua portuguesa. Os títulos in-seridos no livro Os Sateré-Mawé e a Arte de Construir, apresentados emversão ‘bilíngüe’, materializam o confronto entre memórias de línguas.Neste espaço de relação, funciona mais o discurso imaginário do que oempírico. As palavras transitam de uma língua a outra, e, neste trânsito,deslocam-se sentidos. Analisemos alguns destes enunciados que represen-tam os títulos:

1) Peneira – (panane)2) Paneiro – (yt’a)3) Panaku – (Jamaxim)

Tal como os títulos estão apresentados no Sumário e no início decada texto, o primeiro item estaria representando as palavras em portuguêse o segundo seu equivalente em língua indígena. Mas como se estaria pro-duzindo a significação dessa(s) língua(s), como processo de fixação daspalavras nas línguas?

Considerando o modo de organização dos títulos como gesto de lei-tura que fixa o ‘diferente’ como se fosse o ‘mesmo’, o que funciona, em

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termos de sentido, é a relação LP/LI como fato discursivo, e não comodado empírico. Trava-se um confronto entre memórias em que vestígios deescrita indígena se manifestam: no item (3), funciona a norma da línguaindígena; substitui-se o c pelo k. No Aurélio Sec. XXI este item, designadocomo ‘brasileirismo’ aparece lexicalizado como panacum [var. de panacu].

Em relação a outra palavra do par (jamaxim), se no texto SM elafunciona como LI, configurando a relação LP(panaku)/LI(jamaxim), noDicionário do Tupi Moderno31 dialeto Tembé-tenê-téhar, o sentido destaspalavras reorganiza-se pela relação sinonímica: tem-se a diversidade (deformas) na unidade da língua indígena. Diferentemente do Aurélio, em queo termo aparece como ‘brasileirismo’, importa aqui distinguir o Tupi ‘ge-ral’, do ‘específico’, falado em uma certa região. A língua, neste caso, é alíngua indígena. O conflito é no interior da língua indígena.

JAMAXIM: manaku – panacu (Restivo)

Panaku ~ panaku ~ panakú (Restivo)

Zamati (idem): zamatzi

Analisando um outro conjunto de títulos, novas leituras vão se dan-do: que imagens essas seqüências produzem sobre as línguas? Qual é alíngua?

1) Banco – Amyap2) Akari bodó – wakari3) Tipiti – Mohoro

A evidência de que se sabe que língua se fala, sendo trabalhada daperspectiva indígena, estaria sendo produzida pelo apagamento do sentidode que fala-se a mesma língua mas fala-se diferente. Pensando na organi-zação textual, tal como se apresenta pelos títulos, de que lugar enunciativoakari bodó estaria sendo significado como termo da língua portuguesa?

Nesta nova conjuntura de escolarização indígena, marcada pelaoficialização do ensino bilíngüe, a interpretação dos itens lexicais estariasendo determinada pelo imaginário falou língua indígena é índio (orien-tando a interpretação LP/LSM). Discurso que predomina sobre um outro:um povo/uma língua (que orientaria a leitura LP/LI). Neste tipo de funcio-

31 Dicionário do Tupi Moderno: dialeto Tembé-tenê-téhar do alto do rio Guarupi, de Max H.Boudin, 1978.

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namento, está em jogo explicitar que o índio sabe uma língua indígena(nomear em léxico indígena, traduzir termos indígenas para o português).E aqui não interessa colocar em questão se ele sabe em que língua ele falae as línguas que falam nesta língua. O saber sobre está apenas em constru-ção.

Na discursividade indígena os diferentes nomes disponíveis circu-lam em terreno movediço. Nesta divisão, o particular, transitando na uni-dade, redefine o próprio na relação com as outras línguas brasileiras e como outro brasileiro (outros índios e não-índios).

Entre sons, letras e palavras, presentes nos diferentes instrumentoslingüísticos, gestos de interpretação se produzem. Estes gestos explicitammenos a evidência do Tupi que empiricamente se fala (Língua Geral oulínguas da família Tupi, em que a Sateré-Mawé é uma delas) e mais osefeitos produzidos nesta nova ordem32 das línguas. No discurso da ciência,baseado em vários critérios taxionômicos, o mesmo movimento que pro-duz a divisão das línguas, produz sua unificação. É assim que as línguas,aprisionadas em seus nomes e classificações, são menos ouvidas e maisjulgadas. O surgimento de novos fatos lingüísticos são lidos, muitas vezes,por velhos paradigmas: classificações são fixadas pela evidência da trans-parência dos conceitos.

O que mobiliza a classificação? O que permite as várias tornarem-se uma? Se considerarmos que o real das línguas está no nível doinalcançável, o que está em jogo nesta determinação são as relações depoder, o próprio domínio do político, em que a ciência e a escola tem seulugar de responsabilidade. Nesse campo, o imaginário é mais real do quese possa imaginar. Línguas, dialetos, brasileirismos; que falem então ou-tros olhares brasileiros sobre os fatos.

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A análise dos instrumentos lingüístico-pedagógicos produzidos pe-los professores indígenas Sateré-Mawé permitiu-nos identificar dois mo-dos de funcionamento discursivo relativamente à construção de um sabersobre o léxico no Brasil: o de nomeação e o de tradução, constituindo-se apartir de novos lugares de interpretação.

32 Sobre ordem e organização ver Orlandi (1996).

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Os processos metaenunciativos, instaurados no espaço de confrontoentre sujeitos e entre línguas, começam a orientar uma outra leitura doléxico brasileiro, da perspectiva da(s) diversidade(s).

Do ponto de vista da História das Idéias, este acontecimento expli-cita uma nova fase da endogramatização brasileira, marcada pelo apareci-mento de outros sujeitos da história, organizando a unidade na dispersãonecessária que o constitui (sujeito/língua). O processo de formação dosíndios como ‘brasileiros’ e como sujeitos da escrita cria condições paranovas leituras do/no Brasil, mobilizando a própria escrita da história dopaís.

Esta prática institucionalizada produz outro efeito: projetam-se no-vos leitores. Novas relações sinonímicas vão desestabilizando os sentidosdicionarizados.

Neste espaço de significação, as delimitações imaginárias ganhamoutros contornos, pelos modos de circulação das palavras no espaço enun-ciativo. Ressignifica-se a língua pela relação com as línguas, no espaçomultilíngüe brasileiro. O sentido da diversidade também desliza: na con-juntura atual, marcada pela forte presença de movimentos indígenas, quecoloca os povos indígenas em novos confrontos, a diversidade não é maisconcebida como um bloco homogêneo; apresenta-se como diversidades. OEstado, por seu turno, tem procurado controlar esse real transformando omultilíngüe em vários blocos bilíngües, determinados por um lugar co-mum: a língua portuguesa.

Esta prática nos leva a pensar na emergência de se considerar, naspolíticas de línguas e ensino, outros leitores ‘nossos’ do arquivo brasileiro,postos em cena nesta nova conjuntura de escolarização brasileira.

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Mário FerreiraUniversidade de São Paulo (USP)

Não obstante numeroso e diversificado, o rol de palavras indianasincorporadas ao léxico da língua portuguesa constitui, no domínio dos es-tudos lingüísticos, objeto de investigação ainda pouco explorado, mormenteno que respeita à identificação dos mecanismos semânticos de empréstimovernacular. Com efeito, embora já mapeado (sobretudo, nas obras de Dal-gado [1919/1921] e Nimer [1943]), o léxico português oriundo de línguasindianas não tem sido estudado na perspectiva metodológica – potencial-mente produtiva – de um confronto dinâmico de línguas em contato, a qualsupera, neste sentido, a mera identificação das bases etimológicas no âm-bito das línguas confrontadas e estipula, como foco de análise, o estudo deinterseções nem sempre contíguas ou simétricas entre visões de mundo eos sistemas de designação que lhes correspondem.

O presente artigo, adotada a perspectiva de método referida, tempor objetivo estipular três categorias tipológicas, relativas ao processo deincorporação, pela língua portuguesa, de bases léxicas indianas – a saber,as categorias de reiteração, reconfiguração e dispersão semântica, aquientendidas como graus progressivos de maior ou menor convergência inte-ridiomática. As palavras estudadas pertencem, sem exceção, a obras deautores portugueses redigidas nos séculos XVI e XVII.1

1. É quantitativamente numeroso o rol de palavras do português que de-rivam de línguas indianas. No Glossário luso-asiático, de Sebastião

1 Não obstante tal recorte, ver, adiante, a nota 5.

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Rodolfo Dalgado (1919/1921) – obra que constitui trabalho de refe-rência fundamental –, contam-se, no universo de 5640 vocábuloselencados, pelo menos 2150 palavras cujo étimo deriva de idiomasindianos.2 São múltiplos os campos semânticos configurados pelosvocábulos em estudo, abrangendo eles domínios diversos, como os domundo material, os das instituições sociais e os dos conceitos éticos emetafísicos. Como um todo, tais empréstimos vocabulares dão contado intenso processo de interação cultural havido entre as civilizaçõesem contato.

Eis uma diminuta seleção de vocábulos, referidos por alguns pou-cos campos semânticos:

elementos do mundo vegetal: cânfora, do sânscrito [= scrto.]karpura;3 bogari (espécie de arbusto ornamental), do scrto. mugdara,pelo concani mogri; bangue (espécie de cânhamo de que se extrai ohaxixe), do scrto. bhangâ, “cânhamo”; copra (amêndoa de uma es-pécie de coco oleaginoso), do scrto. kharpara, através do hindustanikhopra; angelim (espécie da família das leguminosas), do tâmil anjili;jaca, do malaiala chakha; bétele (planta aromática da família daspiperáceas), do malaiala vettila; rota (junco-da-Índia), do malaialarotan;elementos do mundo mineral: coríndon (sexquióxido de alumí-nio), do sânscrito kuruvinda, “pedra semelhante ao rubi”, através dotâmil kurundan;elementos do mundo animal: cauri (pequeno molusco gastrópode),do hindustani kauri; meru (veado), do scrto. mrga, “gazela”; mandali(cobra venenosa), do tâmil mandali;alimentos: açúcar, do scrto. çarkara, “grão de areia”; açúcar cândi,do concani khadî sâkar; canja, do malaiala kanji; caril, do concanikadhi; nele (tipo de arroz com casca), do malaiala nel;

2 Entre estes, destacam-se o hindi, o hindustani, o malaiala, o marata, o tâmil – e, sobretudo,o sânscrito, base lexicogênica, por sua vez, dos idiomas referidos.

3 Na transcrição das palavras indianas, empregam-se caracteres redondos nos vocábulos emitálico ou – pelo critério contrário – caracteres itálicos em vocábulos em redondo, para assi-nalar, quando necessário, uma distinção diacrítica. Assim, em mandali, o [n] e o [d] redon-dos marcam, respectivamente, a nasal dental cacuminal e a dental surda cacuminal, por opo-sição à nasal dental [n] e à dental surda [d]. O acento circunflexo indica o alongamento dasvogais.

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tecidos: cáqui, do urdu kâkî; chita, do scrto. citra, “matizado”;objetos: palanquim, do scrto. palyanka, “assento para o corpo”;andor, do scrto. hindola, “balanço processional”, pelo malaialaandola; rovô (instrumento de tortura = ferro-caldo), do concani ravó;medidas: mercar (medida de secos e molhados), do tâmil marakhâl;aná (moeda particionária da rúpia), do hindustani ânâ; raja (moedado Malabar), do malaiala râja;qualificações de casta: brâmane, do scrto. brâhmana; chátria, doscrto. ksatriya; vaixiá, do scrto. vaiçya; sudra, do scrto. çûdra; bogar(casta de pedreiros), do marata bogâr;qualificações funcionais: cornaca (guia e tratador de elefantes), docingalês kuruneka; bico (monge budista), do scrto. bhiksu, pelo pálibikku); painim (aguadeiro do campo), do concani pâhanî; rajava,“bailarina”, do malaiala râchau; neiquebari (chefe de aldeia), doscrto. nâyaka, pelo marata nâyakavâdî;conceitos do domínio religioso: deva (divindade masculina), doscrto. deva, “deus”, “o que brilha”; carma (a ação e sua conseqüên-cia), do scrto. karman, “ato”; avatar (reencarnação divina), do scrto.avatâra, “descida”; saniássi (asceta), do scrto. sannyâsin;domínios diversos: cama, camão (aldeia), do scrto. grâma, pelotâmil kâman; bolca (imposto incidente sobre pérola pescada), dotâmil valakku; bangalô, do concani bangló.

Por pequena que seja esta amostra, que não recupera decerto os cam-pos semânticos possíveis da lista,

(...) permite ela entrever o intenso processo de interação cultural havi-do entre as civilizações em contato. É lícito com efeito afirmar que ariqueza das trocas interidiomáticas – desdobradas sobretudo no âmbitoda representação do mundo material – denuncia o processo de circula-ção dos signos – das palavras e das coisas, pode-se dizê-lo –, no domí-nio da interação entre o colonizador e o colonizado. É lícito tambémafirmar que os processos de reconfiguração semântica havidos na rela-ção entre os idiomas testemunham a incapacidade da civilização por-tuguesa de aferir com parâmetros neutros de referência os traços sim-bólicos das culturas do Oriente. (Ferreira [2000: 431]).

2. Toda interação interidiomática, sabe-se, desdobra-se no âmbito de com-plexo processo de configurações semânticas, no qual exercem papeldiretivo os vetores de designação, comandados pelas coerções do uni-

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verso material simbolizado e pelas injunções dos eixos de valores ide-ológicos. No caso do rol em estudo, articula-se ele, de modo bastanteevidente, no espaço de interseção de dois universos díspares e assimé-tricos, marcados pelo contraste de eixos opositivos diversos, como,para citar apenas três, e assumindo a perspectiva portuguesa, cristia-nismo X hinduísmo, metrópole X colônia, civilização X barbárie, ade-mais das oposições entre os sistemas de designação inscritos nas lín-guas em confronto. Parece correto – estabelecido tal confronto devalores – estipular que a construção dos empréstimos vernaculares seefetua, de acordo com uma convergência maior ou menor dos traçossemânticos das bases léxicas, no percurso língua de partida → línguade chegada.

3. Propõe-se, nestes termos, estabelecer uma gradação tipológica das pa-lavras em estudo, em consonância com o grau aferido de interseçãointeridiomática, conforme as descrições a seguir.

3.1. Reiteração semântica. Sob tal tipo, integram-se os empréstimosconstruídos em conformidade com estrita reprodução dos vínculosentre significado e referente do vocábulo de partida, apresentando ovocábulo vernáculo procedimentos diversos de acomodação fonéti-ca. Enquadram-se na categoria palavras designativas de significadosausentes do léxico português e desprovidas de vocábulo próprio cor-respondente. No que segue, uma amostra de tais palavras, organizadaspor campos semânticos e acompanhadas das indicações etimológicase das abonações textuais:

elementos do mundo vegetal:nele (arroz em casca, não polido), do malaiala nel [Ab(onação):

(1687)4 “(...) crendo que quem lhe fizer sacrifício de casca de nele marî(nele he arroz com casca), e de azeyte de coco, fará logo acordar.” – Queiroz(1912: 7)];

maçoi (árvore cuja casca aromática se emprega na produção defármacos), do malaiala masui [Ab.: (1560) “Em Amboino ha muitosChristãos do nosso tempo, e muito maçoi, que parece canela braua.” –Rebello (1839: 190)];

4 Os números entre parênteses indicam a data de redação (efetiva ou provável) do texto trans-crito.

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ola (folha de palmeira), do malaiala ola ou do tâmil olei [Ab.: (1561)“A necessidade nos ensinou a buscar de outra parte ola, que achámos mui-to boa, e que é uma folha como de espadana, com que nestas partes costu-mam cobrir as casas.” – Henrique Dias, História trágico-marítima (1561:III, 86), apud Dalgado (1921: s.v.];

elementos do mundo animal:mandali (cobra venenosa), do tâmil mandali [Ab.: (1516) “Ha outra

sorte de cobras muyto mais peçonhentas, ha que hos Indios chamaommandalis; que saom tam uenenosas, que em mordendo mataom, sem hapesoa ha que mordem em lhes chegando poder mais falar, nem fazer geitode morrer.” – Duarte Barbosa, Livro de relação (: 217), apud Dalgado (1921:s.v.)];

meru (veado de grande porte), do sânscrito mrga, através do concanimerûm [Ab.: (1609) “Ha muitos merús, que são como asnos, mas tem cor-nos, e unha fendida, como veados, cuja carne he muito boa para comer.” –Santos (1891: I, 128)];

elementos do mundo mineral:quiniguilão (safira de cor escura), do malaiala karin-kallu-nîlam [Ab.:

(1616) “Achase igualmente em Ceilão outra especie de safiras não tão gran-des, a que chamão queniguilam” – Duarte Barbosa, Livro (1616: 341), apudDalgado (1921: s.v.)];

nomes de medidas:mercar (moeda particionária da rúpia), do tâmil marakkâl [Ab.:

(1554) “Cada cota tem 24 mercares, medidas da terra; e d’outros mercares,mais pequenos, 32 fazem hua cota. E manteya e azeite huum mercar tem 2½ canadas.” – Livro dos pesos (1554: 36), apud Dalgado (1921: s. v.)];

roio, do marata kirâya (imposto anual sobre colheitas) [Ab.: (1635)“Tomando por achaque um certo foro chamado roio, que os nossos costu-mavam pagar ao Melique, dos palmares que tinham nas suas terras.” –Bocarro (1876: XIII, 17)];

nomes de objetos diversos:manchua (embarcação provida de um mastro com vela quadrada),

do tâmil mañji (ou do marata manchvâ) [Ab.: (1539) “Se embarcou logo

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com trinta soldados no batel, e em manchuas em que os inimigos vierão.”– Pinto (1983: cap. 40)];

pataca (faixa de seda, utilizada à volta do pescoço), do sânscritopattika, através do hindustani pattakâ [Ab.: (1552) “A pedraria das ore-lhas, barrete da cabeça, pataca, cingida, e bracelletes dos braços, e pernas,erão estas cousas de tão grande estima que não avião inueja as joyas dosnossos.” – Barros (1982: I, v, 5)];

rabana (instrumento de percussão, provido de pequenos tímbalesde ferro), do malaiala rabâna [Ab.: (1613) “E as donzellas chamadas vajanassão bailadeiras e cantoras de canto brando e suave que bailão e cantão comarmonia ao som de attambores ou rabanas, com que são muy apraziveisaos malayos nobres.” – Manuel G. de Erédia, Declaraçam de Malaca (1613:fl. 31), apud Dalgado (1921: s.v.)];

pataia (caixa de madeira, utilizada para guardar cereais diversos),do malaiala pattâyam [Ab.: (1525) “E umas pataias, em que se recolhebate, que tambem são de sua alteza.” – Botelho (1868: 216)].

3.2. Reconfiguração semântica. Enquadram-se neste tipo os empréstimosvernaculares que reiteram a relação entre referente e significante dovocábulo de partida, conferindo-lhe, contudo, novo recorte de signifi-cado. A reconfiguração do sentido do vocábulo de chegada resulta dareorientação ideológica dos estímulos do contexto cultural observado,e envolve estratégias semânticas diversas. Entre estas, destacam-se,no percurso de construção dos empréstimos, a translação de contextos(assim, do sagrado para o profano ou do profano para o sagrado) e aredução ou ampliação dos campos semânticos (decorrentes, estas, daimpermeabilidade, maior ou menor, dos valores axiológicos dos idio-mas em contato). Eis alguns exemplos:

mali (jardineiro, ortelão), do sânscrito mâlin, através do hindi mâli.Em hindi, mâli designa o devoto (principalmente, dos cultos visnuítas)encarregado de adornar, com flores e confeitos, seguindo procedimentosestipulados tradicionalmente, o espaço sagrado de manifestação (avatâra)ou de contemplação (darçana) duma dada divindade. Observa-se que, napalavra portuguesa, se apaga a referência ao cunho ritualístico da ação doagente, conservando-se apenas o traço “cuidado com flores num jardim”.[Ab.: (1563) “Os que nós chamamos ortelãos, que são os que cultivão asortas e pomares, chamão elles malis” – Garcia da Orta, Colaçom, LIV,apud Dalgado (1921: s.v. mali)];

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pandito (médico). Do hindi pandit, que designa, especificamente, ohomem de casta brâmane, versado na tradição textual da seita à qual per-tence e encarregado de difundi-la, como um mentor, aos discípulos que lhesão confiados. O sentido da palavra portuguesa reduz a função multiformedo pandit à de um conselheiro médico, cujos saberes são, no mais dasvezes, postos sob suspeição. [Abs.: (1663) “Ha na India alguns Bramenesmedicos, e são chamados panditos” – Godinho (1663: 25); (1673) “Fingipois estar doente com febre, trouxeram-me logo um pandito ou medicogentio, que sem custo achou o meu pulso alterado, e tomando como verda-deira a febre que eu fingira, me mandou sangrar” – Dellon, Narração dainquisição (1673: 129), apud Dalgado (1921: s. v.)];

andor. Do sânscrito hindola, “balança ou liteira ornados, em que secarregam no crepúsculo imagens de Krsna, por ocasião do Festival do Ba-lanço, no mês çravana [= estação das chuvas]” (cf. Monier-Williams [1899:s.v. hindola]), através do malaiala andola, “base com que se conduzemimagens de divindades (sobretudo, Krsna e Râma)”. Observa-se que a pa-lavra portuguesa (na medida em que designa o palanquim em que se con-duzem imagens de santo) incorpora os traços semânticos da forma e dafunção do objeto indiano, o qual se translada para o universo das práticascristãs, reconfigurando-se o contexto de manifestação da sacralidade (comefeito, hindola é transporte de divindades afetas a ritos de fertilização, re-alizados para benefício das terras e das mulheres, e estranhos, por conse-guinte, aos sacramentos cristãos); assinale-se também que a homologação,válida na língua portuguesa, mas não no malaiala, entre andor = “base paraconduzir dignatários”, constitui processo de apagamento do valor semânti-co básico do vocábulo indiano;

canja. Do malaiala kañji, “sopa de arroz”. Reconfiguração por acrés-cimo: a palavra portuguesa conserva os traços “caldo quente + arroz”, es-pecíficos da culinária predominantemente vegetariana do Malabar, com ajunção do traço “carne de galinha”, próprio da culinária onívora portugue-sa;

neiquebari (chefe de aldeia, arrecadador de impostos). Do sânscritonâyaka, “chefe de aldeia, encarregado da posse do bastão (danda) da or-dem”, pelo marata nâyakavâdi. Exemplo de apagamento de traços semân-ticos (no caso, referentes à função do brâmane, regente de aldeia, que re-presenta a ordem, simbolizada pela posse do bastão da lei) e de fixaçãoredutiva de sentido (por meio da qual o chefe de aldeia é assemelhado a umarrecadador de impostos). [Ab.: (1553) “E o modo entre si de se partir este

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foro, he que os neiquebaires cabeceiras de aldeia que vem da linhagem dosmais principaes daquella pouoação, fazem cada anno lançamento por todolosmoradores” – Barros (1982: II, v, 1)].

3.3. Dispersão semântica. Classificam-se aqui, por fim, os empréstimosem que a reconfiguração semântica, apontada em 3.2., reordena o si-gnificado do vocábulo, para além do campo de sentido do signo departida. Trata-se de palavras vinculadas amiúde ao campo da ética eda religião, nas quais, de modo claro, se revelam as dificuldades deinteração entre as culturas em contato. Exemplos:

ramerrão (ruído monótono e continuado); ramerrameiro (retrógra-do; oposto ao progresso). Da expressão sânscrita râma râma, “Ó Râma! ÓRâma!”, invocação ao protagonista do épico Râmâyâna, celebrado comoavatara de Visnu, utilizada, por toda a Índia, como forma cortês de sauda-ção, através da fórmula pan-indiana Râm Râm. Processo evidente de dis-persão semântica, marcado pelo apagamento, no substantivo vernáculo, doconteúdo devocional da expressão indiana e pela projeção, no adjetivo, dotraço de “contrário ao progresso”, como característica daquele que, ao con-trário do falante português, emprega a fórmula de cortesia;

saniassi (asceta). Do sânscrito samnyâsin, “aquele que renuncia aomundo”, adjetivo que designa o homem, devoto ou não, e não necessaria-mente pertencente à casta dos brâmanes, que renuncia aos vínculos de per-tença à sociedade constituída, passando a viver de modo errante, em buscade saberes diversos. O estado de samnyâsin representa um estágio de vida(a saber, o quarto, abraçado por muitos indianos, sobretudo após a maturida-de) e não consiste em escolha exclusiva de uma ordem religiosa, entendidaesta no sentido de organização dogmática e institucional. A imprecisão nadefinição do termo, conforme se pode observar nos textos portugueses,denuncia a ausência de quadro referencial adequado para a compreensãodo significado do termo indiano. [Ab.: (1608) “Na outra casa mora o padreRoberto Nobili (...) o procedimento seu he (quanto no exterior se podecompadecer com nossa santa religiam) ao modo dos sacerdotes daquelagente, que elles tem por santos, e a que chamam gorús, que he o mesmoque mestres e saniassa, que he o mesmo que homens santos e recolhidos.”– Fernão Guerreiro, Relaçam Annual (1608: 84), apud Dalgado (1921: s.v.);(1687) “Fazem cortesia aos seus mestres espirituaes, e aos seus saniazos,que neste Industan são seus religiosos.” – Queiroz (1912: 62)];

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paracxati (mulher suprema). Do sânscrito paraçakti, força materialfeminina – complementar de purusa, o princípio masculino puro, não con-dicionado –, responsável pelo desdobramento das potencialidades do mun-do manifesto. Na abonação abaixo, como na de saniassi, nota-se a impro-priedade do recorte do vocábulo, decorrente da assimilação paraçakti =mulher, com o que o conceito indiano, metafisicamente complexo, ficaprivado de seu sentido nuclear. [Ab.: (1687) “Dizem em seus Vedaos, queouue hua mulher chamada paracxati, que vai excelentissima, e superiorpotencia, a qual teue três filhos.” – Queiroz (1912: 61)];

rocossa (demônio). Do sânscrito râksasa, nome de uma subclassede divindades noturnas, que se ocupam com transtornar a realização deritos, assediar seres humanos e perambular em cemitérios. Nas abonaçõesdo termo, constata-se a redução dispersiva da palavra indiana, transpostaem vernáculo nos moldes da demonologia cristã e, nesta perspectiva, asso-ciada à necromancia. [Ab.: (1687) “Ali se exercitarão de tal modo na ne-gromancia, que forão reputados por demonios, e por esta causa chamãoaquela terra Rocosabumi, que quere dizer terra habitada dos demonios.” –Queiroz (1687: 6)].

4. Postuladas tais categorias, parece ser lícito estabelecer que o processode incorporação, pela língua portuguesa, nos séculos XVI e XVII, devocábulos de origem indiana, resulta da seleção dos estímulos semân-ticos das palavras de partida, configurando-se os empréstimos, em grausmaior ou menor de fidelidade, de acordo com as coerções dos referen-tes observados. Cabe, neste sentido, propor que os referentes relativosao universo material dos objetos, devido à sua relativa neutralidadeaxiológica, exercem forte coerção de identidade sobre os vocábulosvernáculos, ao passo que os referentes próprios do universo ideológi-co encontram forte resistência no que respeita à sua reconstrução eincorporação interidiomática. Pode-se, por fim, propor que o eixo rei-teração–dispersão semântica, nos termos de classificação propostos, eem função do índice de permeabilidade das línguas em contato, expli-ca a desproporção, no rol de palavras portuguesas em estudo, dos vo-cábulos referentes aos campos das coisas e seres (bastante numero-sos), relativamente àqueles próprios do domínio dos valores (escassosou quase ausentes).5

5 A tipologia proposta neste escrito refere-se, como se assinalou, ao processo de incorporaçãovernacular havido, na língua portuguesa, nos séculos XVI e XVII. Diversa é a tipologia de

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BARROS, João de. Décadas. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1982.

BOCARRO, António. Década 13 da História da Índia. Lisboa: Academia Real dasSciencias, 1876.

BOTELHO, Simão. O tombo do Estado da Índia. Lisboa: Academia Real das Sciencias,1868.

DALGADO, Sebastião Rodolfo. Glossário luso-asiático. Coimbra: Imprensa da Uni-versidade, vol. I, 1919; vol. II, 1921.

FERREIRA, Mário. “Considerações sobre o léxico indiano na língua portuguesa –Uma questão de línguas em contato”. In: Estudos lingüísticos. Assis: n. XXIX, p.429-36, 2000.

GODINHO, Manuel. Relação do novo caminho que fez por terra e mar vindo da Índiapara Portugal no ano de 1663. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1974.

MONIER-WILLIAMS, Monier. A Sanskrit-English Dictionary. Oxford: ClarendonPress, 1899.

NIMER, Miguel. Influências orientais na língua portuguesa. São Paulo: [edição doautor], 1943, 2 vols.

PINTO, Fernão Mendes. Peregrinações. Lisboa: Imprensa Nacional, 1983.

QUEIROZ, Fernão de. Conquista do Ceylão. Coimbra: Imprensa da Universidade,1912.

REBELLO, Gabriel. Informação das cousas de Maluco. Lisboa: Academia Real dasSciencias, 1839.

SANTOS, João dos. Ethiopia oriental. Lisboa: Bibl. de Clássicos Portugueses, 1891.

empréstimos, no que respeita à incorporação de termos indianos, ocorrida a partir de 1950.Em função, mormente, dos movimentos de contracultura da época, marcados por forte in-corporação de conceitos e práticas orientais, a tipologia dos empréstimos inverte os padrõesaqui propostos, na medida em que predomina a reconfiguração semântica, de cunho positi-vo, de vocábulos pertinentes ao domínio religioso. Alguns exemplos: nirvana – do scrto.nirvâna, “extinção”, designativo, no budismo, do estado de consciência marcado pela au-sência de conteúdos ideativos, e ressignificado como “estado beatífico de máximo gozo ouprazer”; ioga – do scrto. yoga, designação genérica de práticas diversas, que visam à inte-gração da matriz fenomênica no princípio incondicionado, ressignificado como “prática físi-ca objetivando o relaxamento físico e psíquico”; guru – do scrto. guru, “mentor [religioso deum discípulo]”, ressignificado como designação de todo e qualquer orientador; carma – doscrto. karman, “ação ritual que causa uma reação cósmica”, ressignificado como “causa-razão pretérita de uma situação existencial – sobretudo dramática – presente. Exemplo dedispersão semântica: marajá – do scrto. mahârâja, “grande regente”, designação do chefereligioso e administrativo de uma unidade política, incorporado, a partir dos anos 1980,como designativo do funcionário público que aufere, de modo escandaloso, vencimentosvultosos.

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Ieda Maria AlvesUniversidade de São Paulo (USP)

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A respeito das primeiras atestações do termo neologismo, Giraud(1974, p. 200) informa-nos que o termo alemão Neologismus e em seguidao inglês neologism designaram por muito tempo uma nova doutrina, inspi-rada sobretudo em Spinoza e propagada pelos teólogos racionais, assimchamados por Leibniz. Segundo essa doutrina, deve-se confiar apenas narazão e admitir nos dogmas religiosos somente o que ela reconhece comológico e adequado, de acordo com a nova luz (lumière nouvelle).

Machado, em seu Dicionário etimológico da língua portuguesa(1989, vol. 4, p. 207), escreve que o termo português neologismo é atesta-do no século XVIII, em Filinto Elísio. Cunha (1982, p. 547) data tambémdesse século a atestação do termo. Já neologia, segundo esse Autor, é data-do de 1853. Em francês, néologisme nasceu no século XVIII para designaruma afetação mundana quanto à maneira de expressão e o termo néologie,alguns lustros depois, foi criado para designar a arte de inovar segundo oprogresso das idéias (Deroy, 1971, p. 5). Jean Giraud (op. cit, p. 200-1)especifica os primeiros empregos de: néologue, em carta datada de 06-11-1723, escrita por J.-B. Rousseau ao abade d’Olivet; néologique, emDictionnaire néologique, publicado em 1726 por Pierre-François GuyotDesfontaines e Jean-Jacques Bel; néologisme, em L’ennuyeux persiflageet le néologisme (Le pour et contre), vol. 6, p. 1735; neólogien, sinônimoefêmero de néologue, em Le sage (La valise trouvée), datado de 1740 (cf.

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também Guilbert (1977, p. 113-5). Segundo o Dictionnaire de l’Académie,que registra néologisme e néologie na edição de 1762, “La néologie est unart. Le néologisme est un abus” (Teppe, 1964, p. 357).

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Os conceitos de neologia e de neologismo transparecem em nossasobras lexicográficas. Os termos não são registrados por Bluteau (1712-28), porém um século depois já encontramos neologismo no Diccionarioda lingua portugueza (1813, vol. 2, p. 340), de Moraes Silva, que o definecomo “o uso frequente de palavras novas”.

Os dois termos são também definidos pelo Grande diccionárioportuguez ou Thesouro da lingua portugueza, de Frei Domingos Vieira(1871-4, vol. 4, p. 425): neologia – “invenção ou introducção de termos oulocuções novas em um idioma”; neologismo – “innovação de palavras ephrases”; assim como neologo – “o que usa com frequencia de termosnovos; o que affecta uma linguagem nova”. A introdução desse dicionário,escrita por Adolpho Coelho, também faz menção ao fenômeno neológico:

Ao passo que as linguas perdem palavras muitas novas vão apparecendon’ellas. O neologismo é uma outra phase da sua metamorphose. Emcada uma das linguas modernas há hoje milhares de palavras que emvão se buscarão nos escriptores dos seculos precedentes. Essas pala-vras saem ou 1) do fundo de cada lingua, isto é, são produzidas pornovas combinações de seus elementos proprios, ou 2) são tiradas jáformadas das linguas classicas ou produzidas pelas combinaçõesd’elementos principalmente d’essas linguas (o grego e o latim), o quese dá principalmente na technologia scientifica, ou 3) são introduzidasdas outras linguas modernas. (Adolpho Coelho, 1871-4, vol. 1, p. XXV)

A 10a edição do dicionário de Morais Silva (1949-59, vol. 7. p. 246)registra os termos neologia e neologismo, porém atribui-lhes uma relaçãosinonímica, sem distinguir o processo do produto: neologia – “invenção,introdução, emprego de termos novos; o mesmo que neologismo”. No ver-bete referente a neologia é citado Mário Barreto (Novíssimos estudos, cap.25, p. 323), que emprega o termo com o significado de “palavras novas”:“...à espera de outras ideas novas, inventos e descobrimentos, e por conse-guinte, de outras palavras novas ou neologias”. O termo neologismo alude

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também ao emprego das palavras: “emprego de palavras novas ou palavrasdesviadas do seu sentido natural ou do seu uso vulgar”. Outros termos damesma família etimológica constituem entradas no referido dicionário: decaráter nominal (neológico, neologista, neólogo, neologófobo), verbal (neo-logismar = “fazer neologismos”) e adverbial (neològicamente).

O Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa, de LaudelinoFreire (1957, vol. 4, p. 3592), também não distingue neologia de neologis-mo, ou seja, o processo do produto: neologia – “o mesmo que neologis-mo”; neologismo – “palavra ou frase nova, ou palavra antiga com sentidonovo”. A distinção entre os dois termos vai transparecer na obra de CaldasAulete (1970, vol. 4, p. 2491): neologia – “introdução de palavras novasou de novas acepções, introdução de doutrinas novas numa ciência”; neo-logismo – “palavra ou frase nova numa língua, doutrina nova”. Além dostermos da mesma família etimológica apresentados como entradas na 10a

edição do dicionário de Morais Silva, Caldas Aulete introduz neologofobia,que representa o “sentimento de aversão ao neologismo” e ainda neologo-filia, a doutrina do neologófilo, ou seja, aquele “que gosta de neologis-mos”. O Novo dicionário da língua portuguesa, de Ferreira (1986, p. 1189),apresenta a mesma distinção: neologia – “emprego de palavras novas, oude novas acepções”; neologismo – “palavra, frase, ou expressão nova, oupalavra antiga com sentido novo”. O dicionarista registra ainda, no verbeterelativo a neologismo, a acepção “nova doutrina, sobretudo em teologia”,acepção que já transparecia no termo alemão Neologismus e no inglêsneologism.

O Dicionário Houaiss da língua portuguesa (2001, p. 2009) registra– além de neologia, neologismo, neológico, neólogo, neologista e neolo-gismar – o adjetivo neologizante e o verbo neologizar, sinônimo de neolo-gismar.

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Gramáticos e filólogos portugueses e brasileiros referem-se ao ter-mo neologismo, opondo-o, muitas vezes, ao arcaísmo. Assim, neologismoé o contrário de arcaísmo, pois consiste no emprego de palavras novas,criadas pela ciência e organizações modernas, como autódromo, telégrafo,velocímetro... (Almeida, 1952, p. 418). Para Silveira Bueno (1954, p. 248),

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neologismos e arcaísmos resultam da necessidade de expressão dos grupossociais: o neologismo nasce quando se tem necessidade dele; quando anecessidade já não existe, a unidade lexical desaparece (cf. também Albu-querque, 1940, p. 36; R. Vasconcelos, 1900, p. 95).

A definição do termo neologismo está sempre vinculada a uma tipo-logia, ou seja, são os tipos de formação neológica que vão determinar oconceito desse termo. Procurando, assim, determinar o que é um neologis-mo, vários estudiosos estabeleceram também uma tipologia neológica.

Coelho (1874, p. 50; 1881, p. 33) refere-se aos neologismos for-mais, que começam a ser empregados em uma língua, e aos semânticos,para os quais um significado novo é atribuído. R. Vasconcelos (op. cit., p.85) denomina neologismo de vocábulo a introdução, no acervo lexical doidioma, não somente de uma nova formação vernacular, mas também deuma unidade lexical de origem estrangeira. Considera ainda o neologismode significação, o neologismo de caráter semântico. A esse respeito, Al-meida (1919), que também distingue o neologismo de palavra e o neolo-gismo de sentido, escreve:

Devemos distinguir entre o neologismo de palavra e o neologismo desentido. O apparecimento de uma palavra nova na vida historica dalingua é phenomeno já estudado; estudamos agora a innovação de sen-tido ou a addição de sentido novo em palavras já existentes, que é oque denominaremos neologismo semantico. (Almeida, 1919, p. 261)

Horta (s.d., p. 30) divide igualmente os neologismos em formais esemânticos (neologismos de vocábulo e neologismos de sentido ou semân-ticos) e, quanto à origem, classifica-os em científicos (constituídos por ele-mentos gregos ou latinos para as formações técnico-científicas), literários(elementos novos, introduzidos na língua por via literária) e populares (cria-dos pelo povo). Essa mesma divisão transparece em Silveira Bueno (1963,p. 215-6), que ainda os classifica em neologismos completos, que inovamquanto à forma e ao significado, neologismos incompletos, os que apenasintroduzem um novo significado, e neologismos estrangeiros, os proveni-entes de um outro idioma (cf. também Silveira Bueno, 1939, p. 29-30).

Maciel (1922, p. 262-4) e Pereira (1933, p. 189), levando em contaapenas as inovações formais, classificam os neologismos em intrínsecos(formados no âmbito da própria língua) e extrínsecos (provenientes de umoutro sistema). Já Rodrigues Lapa (1968, p. 44), de forma análoga a Vas-concelos e Horta, considera neológicas as criações formais e semânticas,

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enfatizando que a língua não cria, mas sobretudo transforma, operandocom o material já disponível no sistema.

Considerando apenas a fonte dos neologismos, Albuquerque (1940,p. 35) classifica-os em científicos ou literários (como também Carneiro(1957, p. 15)), se formados por sábios ou literatos, e em populares – os quecontribuem preponderantemente para o aumento do acervo lexical –, quandoformados pelo povo. Estudando apenas os neologismos de cunho literário,Pádua (1949, p. 145-55) distingue os criados pela busca do ineditismo e dovalor expressivo (estreloso, ruflante) dos provenientes da necessidade deexpressão da língua (açucenal, violinar). Coutinho (1958, p. 360) incluiainda a gíria entre as fontes de criação neológica. Extrapolando o âmbitodo léxico, Mattoso Câmara (1977, p. 175-6) inclui entre as inovações neo-lógicas não apenas as lexicais, mas também as de caráter sintático.

Essas buscas de caracterização do conceito e da tipologia neológicanão chegaram, no entanto, à constituição de uma teoria. Na verdade, osestudos sobre a neologia lexical ganharam um grande impulso graças aosestudos efetuados, sobretudo, por lexicólogos franceses – Matoré (1952) eGuilbert (1975) – e pelo canadense Boulanger (1979), que têm definido oconceito de neologismo por meio de uma oposição entre aspectos formaise semânticos. Assim, segundo Boulanger, neologismo constitui uma uni-dade do léxico, palavra, lexia ou sintagma, cuja forma significante ou arelação significante / significado não estava realizada no estágio imediata-mente anterior de um determinado sistema. Neologismo constitui, assim,uma unidade lexical de criação recente, uma acepção nova atribuída a umelemento existente, ou então uma unidade recebida de um outro código.De acordo com essa definição, o Autor estabelece três tipos de neologismos:formais – criados com base na derivação, composição, formação por siglas,redução de palavras ou ainda na criação de um radical inédito; semânticos –resultantes de um novo significado atribuído a um significante já existente;por empréstimo – oriundos da adoção de uma unidade lexical estrangeira.

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Sabemos que, uma vez criada, a unidade lexical pode ou não serincluída no acervo lexical do idioma. O processo de difusão do neologis-mo possui um caráter social, e vários fatores contribuem para a aceitaçãoou não da nova unidade lexical. O filólogo Silva Neto (1970, p. 5), men-

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cionando Schuchardt, lembra-nos de que em toda inovação lingüística deve-se distinguir a criação e a coletivização, pois a “mudança depende da su-cessão e da combinação da iniciativa individual com a aceitação coletiva”.

A integração das unidades lexicais neológicas à língua suscita umaoutra controvérsia: renovação lexical versus conservadorismo lingüístico.

Saussure, no Cours (1969, p. 108-9), caracteriza o signo linguísticocomo imutável e, ao mesmo tempo, mutável. Na verdade, os dois fatos sãosolidários: o signo muda porque ele se fundamenta sobre o princípio dacontinuidade; desse modo, o que determina toda alteração é a persistênciada matéria antiga e, assim, a infidelidade ao passado é relativa.

A renovação neológica das línguas sempre sofreu reações puristas,que, com base na tradição das línguas, manifestam-se contrariamente aoemprego de neologismos ou aceitam-nos sob certas condições.

Na língua portuguesa, o emprego de neologismos tem suscitado di-ferentes posições, ora favoráveis, ora desfavoráveis.

Alguns autores enfatizam que as inovações vocabulares freqüente-mente resultam de uma necessidade das línguas (Oiticica, 1933, p. 20;Barreto, 1954, p. 91). A esse respeito, lemos em Carneiro Ribeiro (1919):

Como os turbilhões concebidos por Descartes, as línguas estão emmovimento perpétuo; não param nem se fixam em sua marcha: sua leié a mobilidade perenne, que as faz revolutear, como as ondas do ocea-no, agitando-as sempre lenta e surdamente, é verdade, mas de modofatal. (Carneiro Ribeiro, 1919, p. 221-2)

Outros as caracterizam como condenáveis, se podem ser substituí-das por elementos já introduzidos no acervo lexical do idioma (Carreiro,1918, p. 135; Nascentes, 1930, p. 89; Austregésilo, 1936, p. 156; JoaquimRibeiro,1964, p. 93).

Lemos, assim, em Mário Barreto (1914):

Admitamos as palavras novas que forem necessárias; mas condene-mos os inventos de palavras inúteis. Não basta que os neologismos nãosejam contrários á analogia: podem ser inatacáveis no ponto de vistagramatical, não pecar pelo lado morfológico, e, não obstante, são derejeitar por supérfluos totalmente. (Barreto, 1914, p. 317)

Observa-se, assim, a polarização já mencionada por Matoré (1952,p. 88), em relação ao francês, a respeito do neologismo: ora uma criaçãonecessária, ora uma criação de luxo.

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Os primeiros gramáticos da língua portuguesa pronunciaram-se demaneira favorável ao emprego de neologismos. Fernão de Oliveira, autorde nossa primeira gramática, editada em 1536, refere-se às dicções novas,“aquelas que novamente ou de todo fingimos ou em parte achamos”. Cita olatino Quintiliano, para quem achar novos vocábulos constitui um perigo,pois, se são bons, não há louvor, porém, se não prestam, são um motivo deescárnio. Por essa razão, as dicções novas devem ser formadas com muitosresguardos e seu uso deve ser aprovado pelos que mais sabem (1975, p.95-7).

Duarte N. de Leão, na Origem da lingua portugueza, cuja primeiraedição data de 1606 (1945, p. 235-6), escreve que umas inovações vocabu-lares são voluntárias, enquanto outras são necessárias, “por a invençaõ dascousas, a que he necessario darlhe seus vocabulos. De que temos exemplonos muitos que os Latinos tomaraõ dos Gregos, por as artes e disciplinasque delles receberaõ, como se ve na medicina, que, sendo em arte, & me-thodo pelos Gregos, & mui ignorada dos Romanos. Veo a elles & delles anos cõ grande enchente de vocabulos de doeças, como paralysis, erysipelas,apoplexia, epilepsia, chiragra, podagra, arthiris, ischias, icteros /.../ &infinito numero de vocabulos outros, que, soo de doeças particulares deolhos, dizem que ha perto de cento”.

No Methodo grammatical para todas as lingvas (1619), de Roboredo,lemos:

Se se imita a frase Grega discordante de outra lingva se diz Grecismo,Hellenismo, ou Antiptosis: a qual figura alguas vezes he solecismo emoutra lingva: como na Latina. (Roboredo, 1619, p. 76-7).

Esse mesmo autor refere-se, na Porta de lingvas (1623), à organiza-ção de um vocabulário, que na primeira parte apresentará derivados e com-postos e, na segunda, abrangerá

as palavras raras, e Gregas já entrodozidas na lingva Latina, e as Ec-clesiasticas, e as de Dereitos, Filosofia, e Medicina, e as barbaras, enovas. (Roboredo, 1623, Dedicatoria)

Trabalhos gramaticais e filológicos posteriores referem-se tambémao emprego de unidades lexicais neológicas.

Em Noções de grammatica portugueza, cuja primeira edição datade 1887, Pacheco da Silva e Lameira de Andrade aceitam as inovações

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lexicais, considerando-as uma conseqüência das mudanças pelas quais passauma língua. Lemos, assim, na mencionada obra:

2. – Não bastava ao portuguez as expressões, idéas e imagens recebi-das do latim pela tradição oral; outras idéas agitaram-se no espiritopopular, e força foi augmentar o vocabulario. O lexico está sempre emmobilidade: ora registra palavras novas, ora apresenta-as sob novosaspectos.

3. – Muitos são os factores neologicos, os centros formadores de pala-vras: a politica, a moda, o quartel, as officinas, a lavoura, ... Tudo con-corre para opulentar o vocabulario e renoval-o. “São tantos os centrosde neologismos quantos os grupos naturaes de pessoas e de ocupa-ções.” (1887, p. 349) 1

O mesmo ponto de vista é manifestado por Said Ali (1930a, p. 298).Souza Lima (1937, p. 277) aceita igualmente as criações lexicais, resguar-dando-se, no entanto, o fato de que sejam adequadas às regras de formaçãoda língua portuguesa.

Diferentemente dessas manifestações, Julio Ribeiro, em sua Gram-matica portugueza (1914), condena o emprego de unidades lexicais neoló-gicas:

A mania do neologismo é das mais detestaveis. O neologismo só sejustifica pela necessidade de uma denominação nova, para uma desco-berta que tambem é nova, para um novo instrumento, ou então quandovem apadrinhado por um nome respeitado na lingua. Os neologistasnão passam de deturpadores da lingua. (Ribeiro, 1914, p. 353)2

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A história da língua portuguesa mostra-nos que a reação contra oemprego de neologismos tem sido dirigida mais particularmente contra osempréstimos, as unidades lexicais importadas de outros sistemas lingüísti-cos. Se, de um lado, sabemos que o acervo lexical do português se enrique-ceu por meio de empréstimos íntimos – de substrato (línguas ibéricas pré-românicas), de superstrato (elementos germânicos) e de adstrato (elementosárabes, africanismos e tupinismos) – e culturais (sobretudo elementos do

1 Cf. Pinto (1978, p. 277-87), a respeito dos mesmos autores.2 Cf. Leão (1961, p. 46-7), em relação ao mesmo autor.

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provençal, do francês, do italiano e, mais contemporaneamente, do inglês),devemos também reconhecer que os empréstimos franceses foram cultu-ralmente muito importantes a partir do século XVIII (Mattoso Câmara,1975, p. 198-201), como reflexo da influência que a França exercia sobrenossos costumes, particularmente no Rio de Janeiro.

Holanda et alii (1971, p. 153), Debret (1975, p. 126) e Freyre (1977,p. 57) relatam-nos, a esse respeito que, no início do século XIX, a rua doOuvidor, na referida cidade, era comumente comparada à rua Vivienne, deParis, por causa de seu comércio bem-sortido de artigos de procedênciafrancesa. Corroborando essa afirmação, encontramos em Renault (1969)vários anúncios escritos em francês referentes a atividades (comércio,governantas, aulas particulares) desenvolvidas no Rio de Janeiro.

Essa relevante influência francesa suscitou, como conseqüência, umaatitude denominada purista:

A attitude hostil, e não raro exagerada, contra os vocabulos que che-gam por via franceza deve-se á reacção purista de alguns escriptoresde fins do seculo XVIII e principios do seculo XIX, impressionadoscom o gosto que se vinha tomando pelo falar do civilisado povo d’além-Pyreneus. Termos francezes sem necessidade alguma se iam já substi-tuindo a expressões usadas desde tempos immemoriaes. (Said Ali,1930b, p. 120).

À guisa de exemplo, citaremos algumas vozes, portuguesas e brasi-leiras, que se insurgem contra essa influência francesa, sobretudo nos sé-culos XIX e XX.

Trabalhos específicos sobre os empréstimos do francês, os galicis-mos, foram escritos: Glossario das palavras e frases da lingua franceza,que por descuido, ignorancia, ou necessidade se tem introduzido na locu-ção portugueza moderna; com juizo critico das que são adotaveis nela, deFr. Francisco de São Luiz (1827); Gallicismos, palavras e frases da linguafranceza introduzidas por descuido, ignorancia ou necessidade na linguaportugueza, de Norberto Silva (1877); Diccionario de gallicismos, de CarlosGóis (1920); Gallicismos, de Laudelino Freire (1921); Galicismos léxicose fraseológicos, de Leonardo Pinto (1936); Galicismos, de Tenório de Al-buquerque (1937), entre outros. Apesar da controvérsia, os autores que semanifestaram contra os galicismos em geral aceitam uma parte deles, con-siderada necessária para nomear novos referentes (cf. também Costa, 1908,p. 185-9; Albuquerque, 1937, p. 22; Bouchardet, 1939, p. 82-4).

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Nesses trabalhos, encontramos manifestações específicas sobre de-terminadas unidades lexicais emprestadas do francês: Tullio (1874, p. 3-16) classifica barricar como um galicismo desnecessário, aceita ascen-dente mas rejeita ataque; Castro Lopes, autor de Neologismos indispensaveise barbarismos dispensaveis com um vocabulario neologico portuguez(1909), trata como indispensáveis os empréstimos avalanche, cache-nez,ouverture, entre outros, porém condena adresse, debutar, festival, marron;Figueiredo (1924, p. 55) propõe ramo de flores e ramilhete em lugar dofrancês bouquet; Nunes (1928, p. 7-24) rejeita destacar, destaque, gesto, overbo abandonar-se com o significado de “dar-se”, “entregar-se”...; Cam-pos (1938, p. 82-4, p. 125-30; 1944, p. 61-6) mostra-se indignado com oemprego de crèche e étape; Fernandes (1947, p. 124-32) combate alta cos-tura, calembour, chauffeur, controle, matinée, soirée; Machado Filho (1965,p. 65) aceita o emprego de boîte – ou a forma adaptada buate –, posto queo português não dispõe de uma unidade lexical correspondente.

Em sua obra Os estrangeirismos (1913) assim se manifesta Cândi-do de Figueiredo sobre os galicismos:

Há galicismos, que no decurso dos séculos têm passado para o domí-nio da nossa língua e fazem hoje parte integrante dela; há galicismos,que vão entrando na língua por conveniência ou necessidadeindeclinável; há galicismos, que são inúteis ou dispensáveis, por ter-mos no erário da nossa linguagem moéda correspondente; e há tam-bém galicismos absolutamente disparatados ou ridículos, procedentes,quase sempre, do influxo da moda ou da sombra da ignorância. (Fi-gueiredo, 1913, vol. 1, p. 7)

Gramáticos e outros estudiosos da língua também opinam a respeitode galicismos desnecessários. Pereira, por exemplo (1958, p. 273-4), in-surge-se contra o emprego de galicismos léxicos (abat-jour por quebra-luz, sombreira ou pantalha; afixe por edital; nuança por matiz...) e degalicismos fraseológicos (boa manhã por madrugada; feito sobre modelopor feito conforme o modelo). O mesmo é observado em Almeida (1967, p.463-6), que classifica tanto os galicismos léxicos (afixe em lugar de edital,chefe-de-obra por obra-prima...) como os sintáticos (guardar o leito porestar de cama, mais eu penso, mais me convenço por quanto mais penso,mais me convenço...) entre os vícios de linguagem.

Sequeira (s.d., p. 10-3) considera aceitáveis as unidades lexicais estran-geiras desde que esses elementos sejam despojados de “todo o exotismo foné-tico”. Propõe, para isso, regras de aportuguesamento dos estrangeirismos france-

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ses: o fonema final -e fechado passa a -a nas palavras femininas: bayonnette >baioneta; o sufixo -ette passa a -eta... (cf. também Torrinha (1952, p. 293).

Seguindo as orientações de Gonçalves Viana, que em seu Vocabulá-rio ortográfico acolheu apenas os estrangeirismos aportuguesados, C.Michaëlis de Vasconcelos (1932, p. 152) condena igualmente os galicis-mos que não são recomendados por esse lexicógrafo, pois podem ser subs-tituídos por elementos vernáculos: português sobrescrito, entrevista, pre-conceito, lenço de pescoço... em vez dos francesismos enveloppe,rendez-vous, parti-pris, cache-nez.

Em relação ao inglês, a proposta de substituição de football porludopédio (composição com base no latim ludus, i, e pes, pedis), porKubitschek (1922, p. 135-9), tem bastante repercussão mas não é aceitapelos falantes de nosso idioma, que apenas aportuguesaram essa unidadelexical designativa do mais popular esporte brasileiro.

Alguns autores mostram-se tão indignados com o uso de estrangei-rismos, sobretudo os de origem francesa, que apelam até para a falta depatriotismo por parte dos divulgadores desses elementos (Vasconcellos,1926, p. 357; Nogueira, 1934, p. 174; Vaz, 1959, p. 55). Dentro dessa at-mosfera purista, é proposta em Portugal, em 1943, a criação de um Institu-to da Língua Portuguesa, que, entre outras finalidades, deveria proteger alíngua portuguesa contra o uso abusivo de estrangeirismos (Boléo, 1944,p. 1-87; Amaral, 1944, p. 59; 1950, p. 567-84).

Algumas vozes insurgem-se contra essas manifestações puristas,como R. Vasconcelos (1900, p. 119) e Said Ali (1930ba), que assim resu-me o longo período do purismo:

Veio porém no seculo XVIII a campanha exagerada contra o que oidioma vinha recebendo da civilisação de França. Desorientaram-seentão os criticos sobre a noção de classicismo e deram ao vocabulo“pureza” a estreita e absurda accepção de linguagem que se contenta esatisfaz, durante trezentos ou quatrocentos annos consecutivos, comelementos domesticos e vocabulario recebido dos escriptores da renas-cença. Deu-se assalto a uns poucos de gallicismos grosseiros; mas aomesmo tempo outros muitos, bem necessarios, penetravamsubrepticiamente na lingua portugueza. /.../ Era assim que se provava apureza e a riqueza. Nem por isso vieram mais abundantes as idéas emais puras, nem se fez mais energica a frase, nem o estilo mais elegan-te. Mas a lingua portugueza, apesar das extravagancias e caprichos dealguns, e das torturas que padeceu, continuou lentamente a progredircomo dantes. (Said Ali, 1930a, p. 314-5)

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A partir de meados do século XX, a influência francesa vai cedendolugar à do inglês, ocasionada, sobretudo, pelo desenvolvimento crescentedas ciências e das técnicas nos Estados Unidos da América. Com a impor-tação de tecnologias e de produtos, termos ingleses são também importa-dos. A reação contrária ao emprego de estrangeirismos tem-se voltado,então, para o inglês, conforme lemos em Malanga (1969):

O tema é vasto. /.../ Assim, por uma questão de síntese e de respeito aoamável auditório, procurarei focalizar apenas um aspecto da defesa dalíngua, e justamente aquele que me parece mais importante: o abuso deestrangeirismos, notadamente de anglicismos. /.../ A inquietação queme torturou, por muitos anos, poderia ser resumida na seguinte frase:Haveria em português termos equivalentes aos usados pelos publicitá-rios brasileiros para se expressarem em relação a assuntos técnicos, ouprecisariam continuar a servir-se, por empréstimo, de vocábulos ingle-ses. (Malanga, 1969, p. 87)

Já na década de 90, escreve José Pedro Machado, nas Notas soltasque introduzem a obra Estrangeirismos na língua portuguesa (1994, p. 9),que se deve combater o estrangeirismo desnecessário, quando realmentedesnecessário, “que o é quando houver no nosso léxico elemento capaz decom exatidão designar a mesma idéia, sem o perigo de se confundir comoutro vocábulo local”. Deve-se também mencionar o Projeto de Lei 1 676,de 1999, de autoria do deputado federal Aldo Rebelo, que, atualmente emtramitação, “dispõe sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da lín-gua portuguesa e dá outras providências”.

A lexicografia em língua portuguesa mostra-nos, igualmente, evi-dências dessa reação purista.

Em uma análise que efetuamos com seis dicionários de língua edita-dos no Brasil ou que tiveram uma edição brasileira entre 1957 e 1975 (Alves,1984), pudemos observar que o empréstimo inglês ou francês é diferente-mente considerado segundo o lexicógrafo. Freire (1957), Caldas Aulete(1958) e Silveira Bueno (1972) revelam-se bastante contrários ao empregode unidades lexicais estrangeiras, sobretudo francesas. Alguns exemplos:Freire propõe a substituição dos galicismos abajur por abaixa-luz, alparluz,bandeira, guarda-luz, guarda-vista, lucivelo, lucivéu, pentalha, quebra-luz, refletidor, sombreira ou tapa-luz; acerelado por acerado; abatis porestacada, talas ou abatida. No Dicionário contemporâneo da língua por-tuguesa, de Caldas Aulete, lê-se em alguns verbetes uma observação decaráter prescritivo: debutar – “galicismo inútil”; detalhar – “galicismo

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unanimemente repelido pelos puristas mas de grande vulgaridade na lín-gua”; detalhe – “galicismo condenado pelos puristas mas de grande vulga-ridade na língua”. O mesmo ocorre com O novíssimo dicionário da línguaportuguesa, de Silveira Bueno. Dentre os galicismos considerados conde-náveis pelo Autor estão: complô, constatar, controle, descontrolado,desilusionar, destacar, destaque, detalhar, detalhe.

De maneira contrária a esses lexicógrafos, Oliveira (1967), os auto-res do Grande dicionário Melhoramentos (1975) e Ferreira (1975) demons-tram uma tendência mais descritiva em relação aos elementos estrangei-ros, sobretudo o último lexicógrafo, que em nenhum verbete referente aosempréstimos franceses ou ingleses emprega os termos metalingüísticosgalicismo e anglicismo – em muitas obras definidos preconceituosamente–, preferindo assinalar a origem (francesa, inglesa ou outra) das unidadeslexicais emprestadas.3

Apesar dessas manifestações puristas, pode-se afirmar que, no de-correr do século XX, a reação contra o emprego de neologismos vai-setornando menos acentuada do que em épocas anteriores. Assim, tomandocomo parâmetro a literatura, diz-nos Pinto (1988, p. 21) que, se os neolo-gismos constituem um traço marcante da literatura desse século, “o queocorreu foi a dessacralização do vocábulo. Enquanto no século XIX osescritores que se atreviam a inovar nesse terreno, e não detinham a autori-dade de um Rui Barbosa, eram obrigados, como Alencar, a ‘legitimar’suas criações mediante malabarismos gramaticais e filológicos, e a justifi-car a necessidade de importar palavras, os escritores do século XX não sepreocupam, quer com os gramáticos, que já não os censuram, quer com opúblico, que os aceita sem a menor restrição”.

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Concluímos este estudo, em que expusemos as concepções deneologia e neologismo apresentadas por diferentes estudiosos da línguaportuguesa, citando as palavras do lexicólogo francês B. Quemada (1971,p. 137-8), que nos lembra que uma língua de cultura, moderna, necessari-amente científica e técnica, não pode ver na neologia lexical apenas ummal inevitável. É a primeira condição a partir da qual o idioma pode per-

3 Cf. também Alves (2000).

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manecer um instrumento de comunicação nacional, mesmo internacional,e não ser apenas uma língua viva. Deve até considerar a criatividade lexi-cal como parte responsável pela sua riqueza imediata, como o sinal evi-dente de sua vitalidade. Uma língua que não conhecesse nenhuma formade neologia seria uma língua morta e, em suma, a história de todas as nos-sas línguas constitui a de sua neologia.

Desse modo, podemos concluir, com Quemada, que a criação neo-lógica é parte da história das línguas e constitui uma evidência inequívocade vitalidade, essencial para suprir as necessidades e as condições de co-municação dos idiomas.

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Zilda Maria ZapparoliUniversidade de São Paulo (USP)

No contexto de contínuas e aceleradas mudanças, vividas pela Erada Informação, a absorção das novas tecnologias, como não poderia deixarde ser, também se faz presente nas Ciências Humanas, embora mais tardiae lentamente do que nas Ciências Exatas, exigindo do pesquisador um novotipo de posicionamento frente ao seu objeto de estudo.

As mais diversas áreas beneficiam-se, atualmente, dos recursos quea Informática coloca à sua disposição. Também nos estudos da linguagem,são indiscutíveis as vantagens da utilização do computador no armazena-mento, processamento e recuperação quantitativa e qualitativa de informa-ções, sobretudo em tarefas em que se manipulam grandes volumes de dados.

A pesquisa à base de textos informatizados facilita e otimiza a bus-ca, organização e análise de dados lingüísticos, tornando, por conseguinte,mais rápido e seguro o acesso ao material de análise. A exploração degrandes quantidades de dados textuais em formato eletrônico (corpora ele-trônicos) mediante programas de análise lingüística abre ilimitadas possi-bilidades aos estudiosos da linguagem e impõe novas diretrizes ao ensino eà pesquisa de línguas naturais nos mais diversos campos de investigação,desde o léxico e a gramática até o processamento de língua natural e oensino virtual.

Apesar disso e embora cada vez mais cresça o uso do domínio datécnica informática relacionada à análise lingüística, a aplicação de novastecnologias na lingüística ainda é incipiente no Brasil, sendo o tratamentoinformatizado do léxico o mais privilegiado entre nós.

Para o tratamento e análise do léxico, objeto deste artigo, as tecno-logias computacionais constituem indispensáveis recursos. Mesmo as pes-

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quisas baseadas em corpora eletrônicos, gerados em computadores de grandeporte, os chamados mainframes, já representaram um avanço significativoem relação ao trabalho moroso, cansativo e pouco seguro de compilação eanálise manuais de corpora.

Na década de 1970, o tratamento computacional de nossas pesqui-sas para o doutorado – Análise do comportamento fonológico da junturaintervocabular no português do Brasil (variante paulista): uma pesquisalingüística com tratamento computacional – foi desenvolvido em compu-tadores de grande porte, o que exigiu uma equipe de profissionais da com-putação – analistas de sistemas (para a definição do modelo lógico e fun-cional do sistema de informação e especificação do conjunto de programasa serem executados pela máquina), programadores (para a elaboração ecodificação de programas numa determinada linguagem), operadores (paraa operação e supervisão da máquina através de comandos ao sistema ope-racional), perfuradores de cartões (para a transcrição dos dados ou infor-mações para cartões perfurados a partir de planilhas ou documentos ma-nuscritos, elaborados pelo pesquisador) –, além de estatistas (para adefinição de testes estatísticos apropriados a cada procedimento de análi-se, a partir de programas especialmente desenvolvidos para pesquisas emCiências Humanas, mas não para o tratamento de línguas naturais). Acres-cente-se que o tratamento computacional foi executado em computadoresdiferentes – Borroughs B-6700, IBM/370-155 e IBM/3- modelo 10 –, por-que em três centros de processamento de dados – Centro de ComputaçãoEletrônica da USP, Centro de Processamento de Dados do Instituto dePesquisas Energéticas e Nucleares do Estado de São Paulo (IPEN) e Cen-tro de Processamento de Dados da Pontifícia Universidade Católica deCampinas –, em virtude do volume grande de dados para processamentoem relação à limitada cota de que o pesquisador dispunha na USP e danecessidade de programas estatísticos adequados ao tratamento dos dados,como o SPSS (Statistical Package for Social Sciences) e o SAS (StatisticalAnalysis System).

Após mais de cinqüenta anos da invenção dos primeiros computa-dores eletrônicos de grande porte e mais de vinte anos da criação dosmicrocomputadores PC – Personal Computers –, cada vez menores e maispotentes, o lingüista conta com programas de análise lingüística, especial-mente desenvolvidos para o trabalho com textos, extremamente interativose amigáveis, e que integram recursos informáticos, matemáticos e estatís-ticos. Com seu computador pessoal e com um programa para análise lin-

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güística, dá conta, sozinho, do trabalho que, na era dos mainframes, exigiauma equipe. Além disso, a utilização da técnica informática, matemática eestatística relacionada à análise lingüística garante maior confiabilidade àsanálises dos dados de suas pesquisas.

Para o manuseio de bases de dados textuais, o pesquisador tem, pois,à sua disposição, uma variedade de programas de computador, que facili-tam o estudo e a aplicação dos dados informatizados. Há programas dispo-níveis que são indexadores, produzem concordâncias e servem para a bus-ca textual – permitem a indexação das palavras de um texto, ou seja, aidentificação de sua localização no texto, a recuperação por listagens emforma de concordâncias (o conjunto de ocorrências de cada palavra, emordem alfabética, com seu contexto imediato e sua localização). Possibili-tam, também, a busca de colocados (de combinações de palavras) e depadrões de colocados, bem como a pesquisa de grupos de palavras (com ouso de coringas e expressões lógicas, é possível a busca de palavras queguardam alguma relação). Os programas ainda permitem um tratamentoquantitativo dos dados e alguns, quantiqualitativo.

Ao longo dos últimos anos, vimos realizando um trabalho de levan-tamento desses programas. Entre outros, podemos relacionar: Folio Views,Kwic-Magic, MicroConcord, Mini-Concordancer, NoteBuilder, Stablex,TACT, The Etnograph, Hyperbase, Varbrul, WordCruncher, WordSmithTools.

Alguns desses programas, relacionados a seguir, foram objeto depalestra-demonstração por pesquisadores brasileiros na Oficina de Traba-lho realizada no dia 25 de março de 1994, na FFLCH/USP, sob nossa coor-denação juntamente com a da Profª Leila Barbara (PUC/SP), por recomen-dação do Seminário sobre a Informatização de Acervos da LínguaPortuguesa, UNICAMP, coordenação de Ataliba Teixeira de Castilho, 4 e5 de outubro de 1993:

– Folio Views (Folio Corp., Provo, Utah): Francisco da Silva Borba,UNESP/Araraquara;

– MicroConcord (Mike Scott e Tim Johns, Oxford University Press, 1993):Heloísa Collins, PUC/SP;

– NoteBuilder (Pro/Tem Software Inc.): Leland Emerson McCleary,FFLCH/USP;

– Stablex (André Camlong e Thierry Beltran, Univ. de Toulouse II, ver-são 1.0 para Macintosh, 1991): Zilda Maria Zapparoli, FFLCH/USP;

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– TACT (John Bradley, Univ. de Toronto, Canadá): Ivone Isidoro Pinto,UFRJ;

– The Etnograph (John Seidel, Rolf Kjolseth e Elaine Seymour, Univ. daCalifórnia, 1985): Roxane Helena Rodrigues Rojo, PUC/SP;

– Varbrul (David Sankoff e Susan Pintzuk): Ruth E. Lopes Moino, UFSC;– WordCruncher (Electronic Text Corporation de Provo, UT): Leland

Emerson McCleary, FFLCH/USP;– Wordlist Suite (Mike Scott, versão 1.0, 1994): Heloísa Collins, PUC/SP.

Não é objetivo deste artigo fazer uma retrospectiva sobre corporado português do Brasil, nem sobre pesquisas do léxico baseadas em corpuspara a geração de glossários e de dicionários de freqüência, aspectos jácontemplados no trabalho de Berber Sardinha (2000): numa retrospectivada Lingüística de Corpus, o Autor relaciona os principais corpora compi-lados, ou em compilação, da língua inglesa, francesa, alemã, chinesa eportuguesa, bem como programas de computador disponíveis para sua aná-lise e exploração, dando relevo ao processamento da língua inglesa.

As investigações do léxico no Brasil vêm sendo especialmente agraci-adas pelo uso dos novos recursos. Neste artigo, damos, portanto, uma aten-ção especial a trabalhos que usam o instrumental computacional com vis-tas a investigações do comportamento do léxico, tecendo consideraçõessobre dois programas de computador para análise lingüística – WordSmithTools (WS Tools) e Stablex – e sobre o uso que alguns pesquisadores bra-sileiros, pertencentes a duas instituições – PUC/SP e USP/SP –, fizeram ouvêm deles fazendo para as análises informatizadas do léxico.

Trata-se de programas desenvolvidos especialmente para análise lin-güística e que reúnem recursos computacionais, matemáticos e estatísticosnum só aplicativo, podendo, assim, ser manipulados pelo próprio pesqui-sador a partir de um computador pessoal. São programas que fazem maisdo que um tratamento meramente quantitativo de textos, pois já realizamuma análise preliminar dos dados a partir de um tratamento quantiqualita-tivo, de forma a submeterem ao analista informações em bases seguras,porque pautadas em procedimentos objetivos, para a sua tarefa de interpre-tação a partir dos pressupostos teóricos adotados.

Assim sendo, esses programas respondem, de forma satisfatória, àsnecessidades do pesquisador cujo objeto de trabalho é o texto, por possibi-litarem não somente a busca, organização e quantificação, mas também aanálise de dados lingüísticos.

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As informações apresentadas a seguir retratam as vozes dos pesqui-sadores que serão citados, aos quais agradecemos o envio dos relatos sobreseu conhecimento e uso de programas de análise lingüística para os estu-dos do léxico. Em vários momentos, reproduzimos seus textos, por veicu-larem, de forma mais fiel, os seus discursos, e, pois, o que significam suasexperiências.

O programa de análise lexical WS Tools, de autoria de Mike Scott([email protected]), da Universidade de Liverpool, e publicado pelaOxford University Press há cerca de sete anos, é distribuído via World WideWeb (www.liv.ac.uk/~ms2928). Disponível para PC/Windows 3.x, 95, 98,NT em sua terceira versão, pode ser aplicado a texto em formato ASCII eANSI, bem como SGML e HTML. Possui interface gráfica. A quarta ver-são para Windows 95, 98 e NT está em andamento.

WS Tools começou a ser disponibilizado aproximadamente em 1995,quando era composto por ferramentas separadas – Wordlist, Concord,Keywords. Hoje, consiste num conjunto integrado de recursos para análiselexical: três ferramentas (as três citadas, que ainda são o centro do progra-ma) e quatro utilitários (Splitter, Text Converter, Dual Text Aligner, Viewer),que, juntos, disponibilizam dezessete instrumentos de análise.

Segundo Berber Sardinha (2001: 17),

o programa coloca à disposição do analista uma série de recursos, osquais, se bem usados, são extremamente úteis e poderosos na análisede vários aspectos da linguagem. Entre esses aspectos, estão a compo-sição lexical, a temática de textos selecionados e a organização retóri-ca e composicional de gêneros discursivos.

Enfatiza

(...) a contribuição que as concordâncias (disponibilizadas pela ferra-menta Concord) podem trazer para a análise da padronização, central àLingüística de Corpus, bem como à aplicação pedagógica da pesquisabaseada em corpus.

Cada um dos recursos do programa é usado para tarefas específicasde análises de textos:

– Wordlist: gera listas de palavras em ordem alfabética e em ordem defreqüência, e listas de estatísticas dos textos (dimensões e densidadelexical);

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– Concord: ferramenta, por excelência, para análise lexical, cria concor-dâncias das palavras de busca (listas de palavras em contexto), geralistas de colocados (listas das palavras que ocorrem à esquerda e à di-reita da palavra de busca selecionada, em ordem de freqüência), listasde padrões de colocados (frases comuns), listas de agrupamentos lexicais,e exibe um mapa gráfico que mostra onde a palavra ocorre no corpus;

– Keywords: lista palavras-chave de um dado texto através de compara-ções entre listas de palavras de arquivos diferentes quanto à sua fre-qüência relativa, procedimento que permite a caracterização de um tex-to ou de um gênero. Exibe um mapa gráfico que mostra onde cadapalavra-chave ocorre no corpus;

– Splitter: divide grandes arquivos em diversos menores;– Text Converter: recurso de procura e substituição, reformata um núme-

ro grande de textos; indicado, por exemplo, para a mudança de acentode caracteres, retirada de espaços, etc., podendo, também, ser usadopara renomear arquivos;

– Dual Text Aligner: alinha dois textos, possibilitando a sua comparaçãopor períodos ou parágrafos;

– Viewer: exibe o texto de origem.

O programa permite a configuração para línguas diferentes, bemcomo a abertura de janelas com textos de diferentes línguas, o que facilita,por exemplo, a comparação de palavras cognatas. Conta, ainda, com menude ajuda, que inclui uma introdução geral ao conjunto de recursos e instru-ções pormenorizadas com exemplos para cada um dos procedimentos doprograma.

Mike Scott lecionou no Programa de Pós-Graduação em Lingüísti-ca Aplicada ao Ensino de Línguas (LAEL) da PUC/SP durante os anos dadécada de 1980. De volta à Inglaterra, continuou mantendo vínculo com aPUC/SP por meio do projeto DIRECT – Development of InternationalResearch in English for Commerce and Technology, (http://lael.pucsp.br/direct) –, criado em 1991 por convênio entre a PUC-SP/LAEL e a Univer-sidade de Liverpool/AELSU, voltado à análise do discurso empresarial derelevo para o Brasil, oral e escrito, em língua portuguesa e em língua ingle-sa. Visita, com freqüência, o Brasil.

Em função disso, o programa tem uso particularmente intensivo noLAEL, sendo seus principais disseminadores os professores Heloísa Collins,

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Leila Barbara e Tony Berber Sardinha, que o vêm utilizando desde suacriação, em pesquisas individuais e de equipe, com publicações nacionaise internacionais delas decorrentes, além de trabalhos de orientação de mes-trado, doutorado e iniciação científica.

Tony Berber Sardinha, PhD pela Universidade de Liverpool e pro-fessor do Departamento de Lingüística da PUC/SP e do LAEL, é especia-lista de renome em Lingüística de Corpus, usuário do programa desde oinício e seu grande divulgador junto a colegas e alunos que desenvolvempesquisas sob sua orientação. É com satisfação que, em seu relato, fala-nosda sua experiência de trabalho com o autor do programa: “(...) tive a felici-dade de trabalhar com o prof. Mike Scott tanto no Brasil quanto em Liver-pool, na Inglaterra (durante meu PhD)”.

Berber Sardinha disponibiliza, em seu site – http://lael.pucsp.br/~tony–, vários textos de sua autoria que tratam do WS Tools e de como ele podeser usado:

Trazem noções introdutórias ao programa:

– WordSmith Tools. Computers & Texts, 12: 19-21. Oxford, 1996. [tif]– Search tools for corpus exploration. I Encontro de Estudos de Corpus.

São Paulo, USP, 1999. [pdf]– Usando WordSmith Tools na investigação da linguagem. DIRECT

Papers 40. São Paulo, LAEL-PUC/SP / United Kingdom, AELSU-University of Liverpool, 1999, ISSN 1413-442x.

– Using KeyWords in text analysis: Practical aspects. DIRECT Papers42. São Paulo, LAEL-PUC/SP / United Kingdom, AELSU-Universityof Liverpool, 1999, ISSN 1413-442x.

Trazem noções avançadas do programa:

– O banco de palavras-chave. DIRECT Papers 39. São Paulo, LAEL-PUC/SP / United Kingdom, AELSU-University of Liverpool, 1999,ISSN 1413-442x.

– Um ponto de corte generalizado para listas de palavras-chave. DIRECTPapers 41. São Paulo, LAEL-PUC/SP / United Kingdom, AELSU-University of Liverpool, 1999, ISSN 1413-442x.

– A influência do tamanho do corpus de referência na obtenção de pala-vras-chave. DIRECT Papers 38. São Paulo, LAEL-PUC/SP / UnitedKingdom, AELSU-University of Liverpool, 1999, ISSN 1413-442x.

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Mostram aplicações do programa:

– Semantic prosodies in English and Portuguese: a contrastive study.Cuadernos de Filología Inglesa, 9, 1: 93-110. Spain, Murcia, 2000. [pdf]

– Word sets, keywords, and text contents – an investigation of text topicon the computer. DELTA, São Paulo, v. 15, n. 1: 141-9, 1999. [html]

– Computador, corpus e concordância no ensino da léxico-gramática dalíngua estrangeira. In: As palavras e sua companhia: o léxico na apren-dizagem das línguas, Leffa, V, 45-72. Pelotas, RS: EDUCAT, Universi-dade Católica de Pelotas, 2000. [pdf]

Sob a orientação de Heloísa Collins, Leila Barbara e Tony BerberSardinha, pós-graduandos do LAEL usaram ou vêm usando WS Tools parao processamento dos dados de suas dissertações e teses; as já concluídasestão disponíveis no site http://lael.pucsp.br. Relacionamos, a seguir, algu-mas delas:

Alice Cunha de Freitas, Doutorado, América mágica, Grã-Breta-nha real e Brasil tropical: um estudo lexical de panfletos de hotéis, 1997.Orientadora: Heloísa Collins.

A pesquisa integra o Projeto DIRECT e situa-se no âmbito do Ensi-no de Línguas para Fins Específicos. Tem por principal objetivo descreveros padrões léxico-gramaticais de panfletos de hotéis produzidos no Brasil,Estados Unidos da América e Grã-Bretanha. O corpus assim constituídopossibilitou uma análise contrastiva em função de contextos culturais dife-rentes, bem como do inglês como língua materna ou como língua estran-geira, a partir das informações obtidas pela aplicação dos recursos do WSTools – palavras-chave, concordâncias e colocações. A observação de pa-drões léxico-gramaticais regulares e recorrentes permitiu estabelecer a con-figuração lexical do gênero Panfletos de Hotéis, ao lado de diferenças de-terminadas pelo fator sociocultural.

Tais Bittencourt da Rocha Bressane, Mestrado, Construção de iden-tidade numa empresa em formação, 2000. Orientadora: Heloísa Collins.

Integrado ao Projeto DIRECT, o trabalho analisa, a partir de umareunião administrativa, a construção de identidade numa empresa por meiode escolhas léxico-gramaticais. Para a atribuição de uma identidade para ogrupo e para cada participante, o programa WS Tools foi utilizado noseccionamento topical (tópicos e subtópicos) e na busca de unidades léxi-co-gramaticais.

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Maria Eugênia Batista, Mestrado, E-mails na troca de informaçãonuma multinacional: o gênero e as escolhas léxico-gramaticais, 1998.Orientadora: Leila Barbara.

Inserido no Projeto DIRECT, o estudo tem por objetivo a análisedos aspectos léxico-gramaticais da linguagem veiculada em 203 mensa-gens eletrônicas em inglês, produzidas por funcionários de uma empresamultinacional do ramo eletroeletrônico e automação na comunicação in-terna com seus colegas na Europa, América do Norte e América Latina.Para a análise dos dados, adota-se a abordagem sistêmico-funcional deHalliday e os pressupostos metodológicos da Lingüística de Corpus a par-tir da aplicação do WS Tools. Na configuração do gênero e-mail de troca deinformação, observaram-se aspectos das modalidades da linguagem escri-ta e falada, formal e informal.

Maria Silvia Fernandes da Silva, Mestrado, Análise lexical de fo-lhetos de propagandas de escolas de línguas e as representações de ensi-no, 1999. Orientadora: Leila Barbara.

Vinculado ao Projeto DIRECT, em um corpus constituído de 79 fo-lhetos, o estudo analisa o discurso de propagandas de escolas de línguas,com a intenção de verificar a sua visão do processo de ensino-aprendiza-gem. As informações obtidas pela aplicação do WS Tools são analisadascom base nos pressupostos teóricos de Halliday.

Marcia Costa Bonamin, Mestrado, Análise organizacional e léxico-gramatical de duas seções de revistas de informática, em inglês, 1999.Orientadora: Leila Barbara.

A partir de um corpus constituído de artigos de revistas especializa-das da área da Informática, o trabalho descreve, analisa e interpreta pa-drões de comunicação escrita do discurso jornalístico, com o objetivo delevantar suas características léxico-gramaticais. Para a análise dos dados,adota-se a abordagem sistêmico-funcional de Halliday. Os resultados dapesquisa oferecem contribuições para o ensino do inglês para fins específi-cos.

Maria Cecília Lopes, Mestrado, Homepages institucionais em por-tuguês e suas versões em inglês: um estudo baseado em corpus sobre as-pectos lexicais e discursivos, 2000. Orientador: Tony Berber Sardinha.

A pesquisa, vinculada ao Projeto DIRECT, investiga a organizaçãolexical do discurso de homepages institucionais em português e suas ver-sões em inglês. Os resultados fornecidos pela aplicação do programa WS

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Tools ao corpus de trabalho foram avaliados com base nos pressupostosteóricos da Lingüística de Corpus e da Análise do Discurso.

Marli Aparecida da Silva Martins Beraldi, Mestrado, Uso de corpuscomputadorizado na identificação de inovações lexicais na língua portu-guesa, 2001. Orientador: Tony Berber Sardinha.

O objetivo da investigação consiste na identificação de inovaçõeslexicais na língua portuguesa a partir da exploração de corpus eletrônico,composto por quatro anos de publicação do jornal Folha de São Paulo noperíodo de janeiro de 1994 a dezembro de 1997. Adota-se a abordagemda Lingüística de Corpus e o programa WS Tools para o processamentodos dados. A pesquisa, que se baseia em estudos de caso, examina oemprego característico das inovações lexicais selecionadas e sua classi-ficação quanto aos processos de formação de palavras. Dentre as inova-ções estudadas, destacam-se bug do milênio, aborrescente e quarenta equatro palavras formadas através do sufixo –ódromo, como bumbódromoe fumódromo.

Claudia Cecilia Blaszkowski de Jacobi, Mestrado, Lingüística deCorpus e ensino de espanhol a brasileiros: descrição de padrões e prepa-ração de atividades didáticas (decir/hablar; mismo; mientras/en cuanto/aunque), 2001. Orientador: Tony Berber Sardinha.

Com base nos pressupostos da Lingüística de Corpus e através dautilização do programa WS Tools, o trabalho descreve a preparação e utili-zação de material didático para o ensino de espanhol a brasileiros. Estu-dam-se os padrões de decir/hablar/falar; mesmo/mismo e mientras/encuanto/aunque, a partir dos quais se elaboram atividades didáticas basea-das em concordâncias.

Venilton A. Santos, Doutorando, CNPq, A fraseologia de livros deinformática e de processamento de dados: um estudo baseado em corpus.Orientador: Tony Berber Sardinha.

A sua pesquisa, que objetiva descrever a fraseologia de livros deinformática e de processamento de dados, insere-se num projeto mais am-plo de estudo da organização léxico-gramatical de livros desses campos.

Alguns pesquisadores da FFLCH/USP vêm, também, fazendo usodo WS Tools em seus estudos:

Sandra Regina Turtelli, Profª de Língua Inglesa da UNESP de Baurue Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Semiótica e LingüísticaGeral do Departamento de Lingüística da FFLCH/USP, sob nossa orienta-

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ção, também vem fazendo uso do WS Tools para o tratamento computacionaldos dados de suas pesquisas.

Sandra foi aluna de Mike Scott em duas disciplinas do curso demestrado do LAEL, Projetos e processos em lingüística aplicada, em 1988,e Tópicos de descrição de línguas – Análise do Discurso, em 1989, tendo,também, assistido à palestra que ele ministrou – A text focus for corpusanalysis – nas Segundas do LAEL, em 1996.

Utilizou o programa WS Tools pela primeira vez, em 1994, na disci-plina Metodologia de pesquisa: questões teóricas e aplicadas a três mo-mentos do processo de pesquisa, ministrada por Heloisa Collins, LAEL.

A sua tese de doutorado, Estudo de um evento esportivo numa abor-dagem sócio-léxico-computacional, em fase de conclusão, objetiva anali-sar o léxico utilizado por mídias eletrônicas – duas emissoras de rádio eduas de televisão das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro – na transmis-são de um evento esportivo – uma partida de futebol – e a forma comoessas mídias constroem a realidade social daquele evento através do dis-curso de seus narradores. As diretrizes teóricas e metodológicas são daLingüística de Corpus e da Sociologia (Berger & Luckmann).

Desenvolveu, também, o trabalho Análise lexical de textos em in-glês da área de Arquitetura, apresentado à CPRT da UNESP em 1997.Inserido na área de aplicação de corpora ao ensino de línguas, o estudoapresenta insumos provenientes do uso de metodologia computadorizada– Lingüística de Corpus – como mais um auxílio ao professor no ensino/aprendizagem de língua estrangeira. No processamento dos dados do corpusde estudo, composto por sete artigos científicos da área de arquitetura quefazem parte dos Anais do Seminário Internacional Nutau/96, da FAU/USP,utiliza o WS Tools para a geração dos seguintes produtos: estatística descriti-va de cada texto; lista de palavras-chave (key-words) de cada texto; lista depalavras chave-chave e concordância de palavras de busca em cada texto.

Está, ainda, em andamento, o trabalho Um estudo em textos da áreade Relações Públicas com auxílio de computador, também inserido noâmbito da pesquisa baseada em corpus, mediante o emprego do WS Toolspara o processamento dos dados de um corpus composto por textos emlíngua inglesa da área de Relações Públicas. Seu objetivo é estudar o voca-bulário específico da área de Relações Públicas e realizar um levantamen-to de campos lexicais e semânticos, utilizando o produto final para prepa-ração de material didático.

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Stella Esther Ortweiler Tagnin, Profª Associada do Departamentode Letras Modernas da FFLCH/USP, área de Língua Inglesa e LiteraturasInglesa e Norte-Americana, tomou conhecimento do WS Tools no congres-so Practical Applications in Language Corpora – PALC ‘99, Polônia. Vemfazendo dele uso recente em pesquisas com alunos do Curso de Especiali-zação em Tradução. Em corpora de duzentas mil palavras de diversas áre-as, em inglês e em português, construídos pelos alunos, a ferramenta Wordlisté utilizada para a extração de termos “diferenciados”.

O programa Stablex (Toulouse, Teknea, 1991), para Macintosh, de-senvolvido especialmente para aplicações lingüísticas – indexação, trata-mento estatístico, extração de seqüências e concordâncias e criação auto-mática de dicionários –, foi criado por André Camlong e Thierry Beltranno Laboratório de Inteligência Artificial do Centre de Recherches IbériquesContemporaines – CRIC – da Universidade de Toulouse II (Le Mirail):STA – de statistique, TAB – de tableaux, LEX – de lexique e T...EX – detexte). É compatível com programas disponíveis para processamento detextos, banco de dados, planilha eletrônica e editoração, tais como Word,Excel, Hypercard.

Estendemo-nos mais na parte dedicada ao Stablex e aos pesquisado-res que o utilizaram ou que o vêm utilizando em suas investigações, nãopor privilegiarmos um programa em detrimento do outro, mas pela oportu-nidade que tivemos de melhor conhecer o Stablex e o método de análise detextos para o qual serve de ferramenta e, conseqüentemente, pelos usosque deles vimos fazendo em nossas pesquisas, bem como pelas orienta-ções e assessorias que vimos prestando para suas aplicações em diferentescorpora e áreas.

O programa Stablex, em sua versão 2.0, compõe-se de quatromódulos complementares: (TurboStab, Table, Extraction, Hyperdico) e detrês pastas (Lexiques, Transit, Historiques). Há, ainda, a MacroStab: umapasta (onde estão as macros) que acompanha o programa e que funcionacom o Excel, facilitando um conjunto de operações.

Cada um dos módulos destina-se a tarefas específicas:

– TurboSTAB – realização de léxicos: levantamento exaustivo do voca-bulário e elaboração automática de dois léxicos, um em que os vocábu-los são classificados por ordem alfabética e outro, por ordem de fre-qüência decrescente, acompanhados de suas ocorrências no corpus enas variáveis do corpus;

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– TABLE – preparo de dados para a análise estatística: confecção automá-tica de Tabelas de Distribuição de Freqüências – TDF –, que fornecemo “status” da população lexical, sistematicamente convertidas em Ta-belas de Desvios Reduzidos – TDR –, que põem em evidência o con-junto dos traços característicos da distribuição;

– EXTRACTION – levantamento de seqüências: extração automática dasseqüências textuais ou das concordâncias relativas a cada vocábulo ouradical, respeitando-se a ordem de ocorrência no texto;

– HYPERDICO – manipulação e consulta de dicionários: criação auto-mática dos dicionários desejados, com a possibilidade de enriquecê-lose manipulá-los à vontade.

A análise quantitativa de textos – ponto de partida para a análisequalitativa – é fornecida pelos dois primeiros módulos e por programas deanálise estatística que aceitam arquivos no formato ASCII. O desenvolvi-mento completo das operações com um perfeito encadeamento dos módulospermite a análise lexical de um texto e a confecção de dicionários.

Destaca-se o fato de o programa ter sido desenvolvido em função dométodo matemático-estatístico-computacional de análise de textos de AndréCamlong, descrito na sua obra Méthode d´analyse lexicale textuelle et discursive(1996): utilizando técnicas computacionais de última geração, o método inte-gra fundamentos lingüísticos, matemáticos e estatísticos, a partir dos quaispropõe novas perspectivas de análises do discurso. Trata-se, pois, de um méto-do que põe ferramentas informáticas, matemáticas, estatíscas e gráficas a ser-viço da descrição de léxicos e de textos e da análise do discurso, algumas vezescorroborando, outras corrigindo e orientando nossa leitura do texto.

Em publicação em co-autoria com Camlong (2002, no prelo), enfa-tizamos que “as propostas do método estão fundadas na Análise do Discur-so: a análise dos textos parte das relações internas, ou seja, das relaçõesentre os elementos lexicais, e o conhecimento da constituição lexical dostextos remete ao próprio discurso”.

André Camlong, de formação filosófica, lingüística, matemática eestatística, é Professor Titular na Universidade de Toulouse II e Diretor noCRIC, Maison de la Recherche, da mesma universidade. Desde 1994, apartir de visita de colaboração à FFLCH/USP, a nosso convite e através deauxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, vemprestando assessoria a pesquisadores brasileiros na utilização do programae do método de sua autoria.

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A visita de Camlong incluiu a ministração do Curso Análise Com-putacional de Textos (FLL 820, aprovado pela Câmara de Pós-Graduaçãoem 02/08/1994, com oferecimento de quatro créditos) junto ao Progra-ma de Pós-Graduação em Semiótica e Lingüística Geral do Departa-mento de Lingüística, no período de 26 de setembro a 15 de outubro de1994, a assessoria a projetos de pesquisa e seminários. O seu programade visita estendeu-se à Pontifícia Universidade Católica de Campinas poriniciativa de Geraldina Porto Witter, então Pró-Reitora de Pós-Gradua-ção.

As atividades desenvolveram-se em ambiente de informática, emsala equipada com três computadores da plataforma Macintosh, quadra605 4/160, cedidos, por empréstimo, pela APPLE Latin America, por in-termédio do Sr. Tomas Fischer, Assessoria de Comunicação, e abordaramas fases indispensáveis ao domínio da técnica informática e estatística emrelação com a análise lingüística. Delas participaram dezesseis pesquisa-dores, entre docentes e pós-graduandos (docentes: Maria Adélia FerreiraMauro, Masa Nomura e Zilda Maria Zapparoli; pós-graduandos: AlessandraSallum, Christiane Michaela Balluff, Edna Camille Blumenschein, EdsonLuiz de Oliveira, Elisabete Aparecida Damasceno da Cunha, ElizabethHarkot de La-Taille, Elizabeth Young Chin, João Martins Ferreira, JoséMaurício T. Ferro Costa, Marcelo Adolfo Teixeira da Silva, Márcio Aze-vedo Vianna Filho, Maria Beatriz Fairbanks de Sá, Maria Cristina Pereirada Cunha Marques). Maurício Pereira Nunes, analista de sistemas do Cen-tro de Informática da FFLCH/USP, prestou apoio técnico ao professor, como intuito de adquirir os conhecimentos necessários para dar assessoria aouso do programa por outros pesquisadores.

O professor, em sua visita, abriu possibilidades de intercâmbio paraformação e reciclagem de pesquisadores nos laboratórios de que faz parte,o que se concretizou, até o momento, para três dos participantes do curso –João Martins Ferreira, Maria Adélia Ferreira Mauro e Zilda Maria Zapparoli–, além de duas outras pesquisadoras – Daniela Fregonese Bragazza, apre-sentada por João Martins Ferreira, e Letícia Lessa Mansur, por nós.

Apresentamos, a seguir, pesquisadores que vêm utilizando o méto-do matemático-estatístico-computacional de análise de textos de Camlongpara a descrição e análise da tessitura lexical, textual e discursiva de lín-guas naturais em função de diferentes interesses de estudo.

Iniciamos com o nosso relato. Somos Profª Associada Aposentada eProfª Orientadora do Curso de Pós-Graduação em Semiótica e Lingüística

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Geral do Departamento de Lingüística da FFLCH/USP e pesquisadora doCNPq com Bolsa de Produtividade em Pesquisa desde 1991.

A nossa trajetória na utilização de recursos computacionais para osestudos do léxico é bem anterior ao conhecimento de Camlong. Há cercade trinta anos, a partir de quando iniciamos as nossas investigações comvistas ao doutoramento, desenvolvemos pesquisas na área de LingüísticaInformática, mediante a utilização de recursos da Informática no armaze-namento, processamento e recuperação de informações lingüísticas.

Para a tese de doutoramento – cujos dados foram processados emcomputadores de grande porte, quando não contávamos com programasespeciais de análise lingüística, conforme já mencionado no início desteartigo –, a partir de uma pesquisa de campo desenvolvida no Estado de SãoPaulo – Capital e duas regiões do interior do Estado, Campinas e Itu –,num total de 216 informantes e de 54 horas de gravação, gerou-se um CorpusInformatizado do Português Falado do Brasil (variante paulista), com aconstituição de um Banco de Informações Lingüísticas, Ortográficas eFonéticas. No arquivo-base, com cerca de 180.000 registros, todos os da-dos de cada um dos informantes que forneceram material lingüístico paraanálise são apresentados pela ordem de registro de gravação e estruturadosconforme variáveis extralingüísticas controladas na sua seleção (região deorigem, sexo, escolaridade, faixa etária e nível socioeconômico) e variá-veis lingüísticas relativas às especificidades da língua falada.

Diante das inúmeras possibilidades de recuperação das informaçõescontidas nesse Banco, geraram-se diferentes Dicionários de Freqüênciado Português Falado em São Paulo. A título de exemplificação, citamos:

– Dicionário Ortográfico-Fonético dos Informantes: em ordem alfabéti-ca de transcrição ortográfica, as unidades lexicais do universo lingüísti-co objeto de estudo são apresentadas com as suas diferentes realizaçõesfonéticas. A transcrição fonética é acompanhada por sua divisão silábi-ca com marcação do acento de intensidade. Anotam-se a freqüênciatotal de cada realização fonética e a freqüência parcial e acumulada datranscrição ortográfica correspondente. Este dicionário revela não só aspalavras mais freqüentes da língua, como também a realização fonéticamais freqüente de cada unidade lexical;

– Dicionário de junturas intervocabulares: resultante de um exame dosencontros fônicos que se dão na juntura lexical, ou seja, nos limites deduas ou mais fronteiras de palavras, contém a transcrição ortográfica

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das ocorrências vocabulares de juntura e a correspondente transcriçãofonética silábico-lexical, sendo a sílaba realçada marcada por um após-trofo subseqüente. Está classificado por categoria de juntura, tonicidadedas sílabas intervocabulares, ordem alfabética de segmento final de vo-cábulo por segmento inicial. As freqüências do relatório são apresenta-das por ocorrência de cada seqüência vocabular.

O trabalho Lexicografia Computacional, como parte da tese, foiapresentado no XVII Congresso Nacional de Informática da SUCESU (So-ciedade de Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários), Riode Janeiro, e publicado em Anais (Zapparoli: 1984), tendo sido seleciona-do entre os dezoito melhores do evento.

Como membro do Projeto NURC/SP – Projeto de Descrição da Nor-ma Culta do Português Falado em São Paulo –, procurando tornar acessí-vel aos pesquisadores do Projeto uma amostragem do material gravado emsuporte eletrônico, em 1993 e 1994, informatizamos o corpus mínimo oraldo Projeto, conforme transcrito e publicado em três volumes: ElocuçõesFormais (seis inquéritos), Diálogos entre Dois Informantes (seis inquéri-tos), Entrevistas – Diálogos entre Informante e Documentador (nove inqu-éritos).

A partir desse corpus e aplicando o método de Camlong, passamosa desenvolver estudos sobre a análise lexical e a estrutura discursiva doportuguês falado culto de São Paulo, que incluem: constituição de vocabu-lários de freqüência e de tabelas de distribuição de freqüências (cálculoaritmético – tratamento quantitativo); constituição de vocabulários prefe-renciais, normais e diferenciais a partir de tabelas de desvios reduzidos(cálculo algébrico – tratamento quantiqualitativo); aplicação de testes es-tatísticos (normalidade de distribuição, correlação, entre outros); geraçãode fichas eletrônicas para diferentes objetivos de análise.

Além de responsável pela visita de colaboração de Camlong em 1994,de 5 de janeiro a 4 de fevereiro de 1997 e de 29 de janeiro a 27 de fevereirode 1998, estagiamos no CRIC, a seu convite. O estágio possibilitou-nos oaperfeiçoamento do uso de métodos, técnicas e programas especiais detratamento e análise matemático-estatístico-computacional de textos, para:de um lado, transferir a experiência adquirida, como agente multiplicador,junto a curso de pós-graduação que ministramos já no primeiro semestrede 1998; de outro, efetuar tratamento de amostras do corpus do ProjetoNURC/SP, objeto do projeto de pesquisa de Bolsa de Produtividade emPesquisa do CNPq.

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Por acreditarmos na contribuição do método para a atualização e oaperfeiçoamento da teoria e análise lingüística e para cumprirmos a funçãode transferir a experiência adquirida, após nosso primeiro estágio emToulouse, criamos, em 1997, e passamos a coordenar o Núcleo Interdisci-plinar de Pesquisa em Novas Perspectivas de Análises do Discurso, inte-grado por docentes e pós-graduandos da USP, que passaram a aplicar ométodo na análise de diferentes tipologias de textos (orais, escritos, técni-cos, literários, jornalísticos, publicitários, patológicos) para diferentes fi-nalidades (ensino, pesquisa, diagnóstico).

Em 1997, tivemos o texto Considerações sobre a utilização de no-vas tecnologias na análise do léxico do português falado culto de São Paulopublicado no livro O Discurso Oral Culto, organizado por Dino Preti eeditado pela Humanitas FFLCH /USP.

Na disciplina de pós-graduação A utilização de Novas Tecnologiasna Lingüística (FLL 5015-1), que ministramos no Programa de Pós-Gra-duação em Semiótica e Lingüística Geral, Departamento de Lingüística daFFLCH/USP, no 1º semestre de 1998, os alunos puderam, em função deseus projetos de pesquisa, desenvolver a análise de diferentes tipologias detextos através da utilização do método de Camlong. Participaram do curso:Abner José de Almeida, Cynthia Aparecida Patrício da Silva, Maria CristinaHennes Sampaio, Maria do Perpétuo Socorro Cardoso da Silva, MonikaPalkoski Scheffelmeier, Renné Panduro Alegria, Sandra Regina Turtelli,Ubirajara Inácio de Araújo.

Visto que o foco do curso foi a aplicação do método de Camlongmediante o uso do programa STABLEX, o curso só se viabilizou dada adisponibilidade da Profª Drª Sueli Mara Soares Pinto Ferreira, então coor-denadora do Núcleo de Informática em Comunicações e Artes (NICA) daEscola de Comunicações e Artes da USP, em ceder a Sala Macintosh doNICA. As atividades contaram com a assessoria técnica da analista de sis-temas Katia Cristina Pinto.

Anunciamos, ainda, a publicação, em breve, do volume Do léxicoao discurso pela Informática, no prelo pela EDUSP / FAPESP, em co-autoria com André Camlong. O volume aborda a aplicação do método naanálise lexical, textual e discursiva do português falado culto de São Paulo.Além da tarefa de divulgação do embasamento teórico do método, o traba-lho pretende disponibilizar a descrição lexical resultante da aplicação dométodo como materiais de estudo para finalidades diversas, portanto, mate-riais para estudos do português falado não na forma de dados, mas já como

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resultados de uma análise preliminar. Assim sendo, as tabelas, elaboradasa partir do tratamento e análise dos textos objetos de estudo, serão divulgadasna forma de livro, acompanhado de CD-ROM. A publicação das tabelasem CD-ROM facilitará aos estudiosos o acesso às informações, que pode-rão ser manipuladas em função de seus objetivos de estudo a partir deprogramas de uso geral, como o Excel.

Com esse volume, inicia-se a publicação da Série Lingüística Infor-mática, com o intuito de divulgar não somente outros trabalhos que apli-cam o mesmo método em diferentes corpora e em diferentes áreas, mastambém outras aplicações que se situam na interação Lingüística e Infor-mática.

Maria Adélia Ferreira Mauro, Profª Drª Aposentada e Profª Orienta-dora do Curso de Pós-Graduação em Semiótica e Lingüística Geral doDepartamento de Lingüística da FFLCH/USP, a convite de Camlong, rea-lizou estágio no CRIC, em âmbito de pós-doutorado, no período de 6 dejaneiro a 4 de fevereiro de 1997. O estágio incluiu a participação no Semi-nário Intensivo de Análise Computacional e Discursiva, com o objetivoprincipal de discutir os princípios fundamentais que orientam o método deanálise lexical, textual e discursiva e a sua aplicação a um corpus constituí-do por editoriais de dois jornais paulistas – OESP (O Estado de São Paulo)e FSP (Folha de São Paulo) –, repartidos em oito grupos de “textos”, qua-tro para cada jornal, com vistas ao tratamento da argumentação.

A escolha dos editoriais para análise foi determinada pelo tema elei-ções na época das eleições presidenciais de 1989. A estrutura temática dodiscurso dos editoriais foi estudada com base na determinação da normali-dade da distribuição das variáveis, na análise da estrutura do léxico globale do léxico das oito variáveis, no teste de correlação das variáveis segundoos períodos de publicação dos editoriais e na aplicação da técnica dalematização e da extração de seqüências. Isso permitiu observar o compor-tamento de cada texto no interior de seu próprio grupo e em relação aosdemais do outro grupo, segundo os princípios de que “as operações estatís-ticas se desenvolvem e se encadeiam de maneira lógica e coerente: tudoparte do texto e tudo volta ao texto” (Camlong, 1996: 22).

Letícia Lessa Mansur, Profª Drª do Curso de Fonoaudiologia – Gra-duação e Pós-Graduação – da Faculdade de Medicina da USP, vem apli-cando o método de Camlong na avaliação de aspectos lexicais e discursi-vos da linguagem de pacientes com demência do tipo Alzheimer (DA).

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No relato que nos enviou, Letícia conta-nos que o seu primeiro con-tato com o método de análise de Camlong foi pela leitura do texto de nossaautoria Considerações sobre a utilização de novas tecnologias na análisedo léxico do português falado culto de São Paulo (Zapparoli, 1997: 151-73):

A par do caráter de modernidade da tecnologia, chamou-me a atençãoa possibilidade de aplicação para análise de discursos em lesados cere-brais e o destaque dado ao léxico como chave para penetração no tex-to.

No desenvolvimento de meus estudos sobre o discurso de indivíduoscom demência de Alzheimer, afásicos e outras alterações da comuni-cação de etiologia neurológica, deparei-me freqüentemente com pu-blicações que enfatizavam aspectos lexicais. Em algumas dessas do-enças, de cunho degenerativo, enfatizavam, como principal perda delinguagem, característica desses pacientes, a dissolução do conheci-mento semântico.

Letícia introduziu-se, então, no conhecimento do método e na suaaplicação através do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Novas Pers-pectivas de Análises do Discurso. Alguns ensaios de análise motivaram-naa aprofundar os conhecimentos diretamente na fonte. A convite de Camlong,realizou estágio no CRIC, com auxílio da FAPESP, no período de 17 dejaneiro a 17 de março de 1998, para tratamento do corpus mínimo de seuprojeto de estudo dos discursos patológicos.

Chegando ao Brasil, aplicou o método na análise do léxico de ido-sos e de indivíduos com DA, com o objetivo de caracterizar o desempenhode indivíduos com DA em situações de produção discursiva com grausdiversos de restrição e de indução à produção lexical. Expôs os resultadosde suas experiências no artigo Aplicação de tecnologia na avaliação dalinguagem de pacientes com demência do tipo Alzheimer: aspectos lexicaise discursivos, publicado em co-autoria (Mansur, 1998: 122-32), e na ses-são de comunicação coordenada Método Matemático-Estatístico-Compu-tacional de Análise de Textos do I ENAPOLINF (Mansur, 2001: 28-9).

Letícia enfatiza que

o Professor Camlong considera o método de análise estatístico-computacional absolutamente vinculado a pressupostos de análise dediscurso, cujas bases foram expressas de forma completa entre os pen-sadores gregos Aristóteles e Platão e filósofos de Port-Royal, em que

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se podem verificar as bases para estudos semióticos contemporâneos.Sem eles, o método computadorizado torna-se “mera manipulação” decomandos do software. Ressalta ainda que o método de análise estatís-tica toma dados numéricos do léxico, os quais não têm nenhuma exis-tência em si mesmos, estando diretamente relacionados aos vocabulá-rios e aos textos de onde provêm, que constituem a referência paratoda a análise.

Conclui o seu relato, salientando as vantagens do estudo computa-dorizado na área de lesados cerebrais:

rapidez, possibilidade de estudo de grande número de dados, organiza-ção dos dados segundo critérios que combinam pressupostos lingüísti-cos, estatísticos e computacionais. Sua aplicação à área de lesados ce-rebrais pode evoluir para o auxílio de diagnósticos e possivelmenteaplicações em terapias de linguagem.

João Martins Ferreira, Prof. Dr. do Curso de Informática da Univer-sidade Ibirapuera e da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco, vem uti-lizando o método de análise de textos de Camlong especialmente para es-tudos literários. Merece destaque o seu doutorado em Estudos Comparadosde Literaturas de Língua Portuguesa, com a tese O Discurso de FernandoPessoa em Mensagem, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas daFFLCH/USP, 2000, em que aplica o método em escritos do poeta portu-guês, reunidos em Mensagem,

buscando as palavras-chave que direcionam seu discurso na totalidadeda obra, a partir das quais é possível a sistematização do discurso emduas estruturas semióticas de relações lógicas, que demonstram a redede tensões dialéticas, no aspecto dos símbolos, que fundamenta o li-vro. (Martins Ferreira, 2001: 24)

A leitura de sua tese é um bom exemplo de como o analista, a partirdo levantamento e análise dos campos temáticos que fundamentam o dis-curso, pode interpretar os apontamentos exatos fornecidos pelo método e,por conseguinte, da contribuição da Informática para os estudos literáriosfundamentados na investigação do léxico.

Cabe acrescentar que as aplicações que Martins Ferreira faz do mé-todo não se restringem ao discurso literário, nem mesmo à linguagem ver-bal: aplicou-o, também, com êxito, à linguagem musical.

Transcrevemos Memórias de Martins Ferreira, que constam do rela-to que nos enviou, às quais chama de Captando o Capitólio – um elogio e

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um agradecimento a Toulouse (La Ville Rose) que nos acolheu e ao Mestreque nos deu a mão para o aprendizado do método:

“-Alô! Por favor, eu gostaria de informações sobre o curso de AnáliseComputacional de Textos, da Pós-graduação.”

Foi assim, num simples telefonema ao Centro de Informática da Facul-dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, no ano de 1994,que comecei a ter contato com tecnologias avançadas na área deInformática e com métodos sofisticados na área de Lingüística. Malsabia naquele instante (aliás, nem me preocupava com isso) que, en-tão, iniciava uma longa, trabalhosa e fascinante pesquisa que me leva-ria à França, em 1995, e faria com que eu conquistasse, ou intensifi-casse, ricas amizades durante os anos seguintes.

Solicitaram-me que aguardasse, pois a professora doutora Zilda MariaZapparoli, diretora do Centro de Informática, iria me atender e esclare-cer a respeito. E assim foi. Desse modo, vi-me sentado numa sala deaula, operando com computadores Macintosh, adentrando por um mun-do novo para mim: os números, em suas mais elevadas aplicações. Umprofessor simpático, muito inteligente e impaciente começava a nosfalar em português, com um forte sotaque francês: André Camlong.Era difícil para alguns alunos acompanhar a profundidade de sua linhade raciocínio, que articulava as mais diversas fontes do conhecimentoe da sabedoria humanas. Apesar de, a princípio, parecer tudo muitoconfuso, comecei a dar meus primeiros passos pelos caminhos da Es-tatística. Guiado pelas mãos daquele grande mestre, confiando nele,associando tudo o que ele explicava, ou exemplificava, com aquiloque eu já conhecia em técnicas de composições musicais (contraponto)e de construções de textos literários. O convívio intenso e breve com omestre mostrou-me que os números não eram algo demasiadamenteassustadores, que a Matemática e a Estatística conversavam com a Fi-losofia, com o Grego, com as Artes e assim por diante. Acabei fazendoum ótimo curso, atingindo conceito máximo, o que me valeu um con-vite de Camlong para aperfeiçoar meus estudos nas técnicas do méto-do de análise de textos desenvolvido por ele na Universidade deToulouse II. (...)

Em 1995 viajei com um grupo de apicultores do Brasil para participardo Congresso Mundial de Apicultura na Suíça. Na agenda, o compro-misso de ficar durante um mês em Toulouse, estudando o método epesquisando textos de Mário de Andrade. A seguir, três meses em Lis-boa, estudando Fernando Pessoa, tema de minha tese de doutorado.

O contato com Camlong e com a cultura européia não poderia ter sidomais produtivo. (...) Quando cheguei a Toulouse, vindo de Paris, peloTGV, ele havia providenciado antecipadamente minha reserva em um

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hotel bastante econômico. (...) No momento, fatigado pela viagem, nãocaptei, mas Camlong hospedara-me defronte ao Capitólio – imponenteprédio da cidade –, no Hotel du Grand Balcon, de propósito: era nocentro, perto de tudo, perto da “História” e, principalmente, perto da“Literatura”, pois fora ali a moradia de Saint-Exupéry, criador da obraLe petit prince. (...)

Chegou o dia de minha partida. (...) Fui para Lisboa e me dediqueitotalmente aos estudos pessoanos. Minha mente estava fatigada pelosnúmeros, mas havia descoberto preciosidades nos textos de Mário deAndrade analisados por meio do método, que me era, agora, bem maisfamiliar.

Retornando para o Brasil, apliquei esse método de análise de textos deCamlong em textos de Fernando Pessoa e fui explorando as resultan-tes. Somei-as a todo o material recolhido em Portugal. Refleti sobre oassunto. Pesquisei mais e mais. Escrevi e concluí com êxito minha tesesobre O discurso de Fernando Pessoa em ‘Mensagem’, em 2000, naárea de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, pelaFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. (...)

Após esses anos de estudos, aprendizados e pesquisas pessoais inces-santes, em que novos programas computacionais voltados ao estudode textos foram surgindo e, sumariamente, por mim analisados, pude,cada vez mais, constatar a qualidade excelente do método criado porAndré Camlong. Independente de seu caráter, de sua personalidadeinconfundível, autêntica, ou da admiração, gratidão e respeito pessoaisque tenho para com sua pessoa, afirmo que desconheço qualquer mé-todo que tenha ido tão longe e que seja tão preciso e eficiente como odele. Sua proposta não é apenas de um programa que roda em umamáquina, mas, sim, trata-se de um método do qual o programacomputacional é um dos elementos integrantes. Portanto, ela é abran-gente, lógica, inteligente, profunda e eficiente e, por isso tudo, tam-bém muito complexa, o que dificulta seu acesso imediato por muitosinteressados. (...)

Martins Ferreira vem divulgando o método e suas aplicações empublicações, congressos latino-americanos, seminários internacionais, pa-lestras em diversas universidades brasileiras e para colegas das áreas deLetras e Lingüística.

Maria Cristina Hennes Sampaio, Profª Drª do Departamento de Le-tras, Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambu-co, utilizou o programa Stablex e, pois, o método de Camlong, para o trata-mento dos dados de sua tese de doutorado Democracia, cidadania eprodução de um espaço público democrático em tempos de globalização:

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práticas discursivas entre Estado-Sociedade no movimento grevista da edu-cação em Pernambuco (1987-1990), 2002, Programa de Pós-Graduaçãoem Semiótica e Lingüística Geral do Departamento de Lingüística daFFLCH/USP, sob a orientação da Profª Drª Elisabeth Brait.

Cristina conheceu o método de Camlong através da disciplina Utili-zação de novas tecnologias na lingüística, por nós ministrada em 1998.Naquela oportunidade, deparava-se com o problema de como processaro tratamento do extenso corpus discursivo de seu projeto de pesquisa dedoutorado. Anteriormente, já havia trabalhado com um programa de pro-cessamento de textos que não incluía análise estatística. Interessou-se pelométodo de Camlong pelos seus pressupostos teóricos de tratamento quan-tiqualitativo de dados lexicais, textuais e discursivos cientificamente des-critos. Como trabalho de final de curso, aplicou o método a uma pequenaamostra de seus dados, cujos resultados favoráveis a levaram a adotá-lopara o tratamento integral dos corpora de sua pesquisa.

Na tese, estuda os significados de práticas discursivas de três atoressociais – o governo do estado de Pernambuco de Miguel Arraes, o movi-mento sindical dos trabalhadores em educação e a mídia –, inscritas emdiscursos institucionais sobre o movimento grevista dos trabalhadores emeducação no estado de Pernambuco, na Nova República, no período de1987-1990.

Com base na abordagem quantiqualitativa, sua análise do discursopressupõe duas dimensões, uma micro e uma macroanálise: a primeira,que inclui procedimentos de descrição, fornece pistas significativas para asegunda, ou seja, para o trabalho de interpretação do analista do discurso,no caso, para a análise dos significados das práticas discursivas dos trêsatores sociais objetos de estudo.

Ouçamos diretamente Cristina através do relato que nos enviou, porjulgá-lo particularmente importante para o reconhecimento da pertinênciada abordagem teórica quantiqualitativa proposta por Camlong:

Em relação aos resultados quantiqualitativos observados, o que meimpressionou foi o fato de os mesmos expressarem as relações de for-ça (que por sua vez expressam as relações de poder entre frações declasses sociais) subjacentes às práticas discursivas dos atores em ques-tão), o que sugere que a linguagem e, por conseguinte, o discurso, éuma entre outras formas de trabalho nas relações sociais de produção.

Existe ainda um segundo aspecto interessante a salientar em relaçãoaos resultados obtidos e que proporcionou uma dimensão nova e ex-

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tremamente interessante à análise e interpretação de meus dados. Atéo exame de qualificação eu havia concluído a análise e interpretaçãode apenas uma amostra de dados, que pareciam evidenciar que, embo-ra eu trabalhasse com três arquivos (governo, mídia e sindicato), osquais eu designava como “atores” do estudo em questão, na verdadetratava-se de apenas dois atores – governo e sindicato, com a mídiadesempenhando apenas um papel secundário, de porta-voz. Essa foi aobservação feita por um dos membros da banca, o professor Fiorin. Aoconcluir a análise quantiqualitativa do restante dos dados, e com eles jáem forma de gráficos, observei, em relação à mídia, uma tendência sem-pre negativa dos pesos observados em relação a todos os temas em estu-do, quando comparados com os outros dois atores. O que isso significa-va? Essa dúvida levei comigo para a França. Lá encontrei muitos estudosdiscursivos interessantes sobre a mídia, bem como um livro de Habermas:Le space public. Voltei ao meu cap. 3 (Plano Experimental) e me deiconta de que a caracterização dos meus atores era insatisfatória, ou seja,eles se situavam em esferas distintas: o governo, relacionado ao Estado;o sindicato, à sociedade. E a mídia? Nem um nem outro. Voltei ao títulodo meu estudo: Relação Governo-Sindicato na Gestão Arraes: discursospúblicos sobre a greve. Dei-me conta, no decorrer da análise e interpre-tação dos dados, de que os discursos circulavam em um espaço público,mas que esse público funcionava de forma diferente nas três variáveisem questão. Habermas me ajudou a refazer a questão conceitual.

Voltei aos dados e juntei com a teoria. Só então vim a compreender queessa negatividade insistente em relação aos dados da mídia indicavauma dispersão, ou seja, a pulverização dos atores que compareciam(ou eram autorizados a comparecer) no espaço público midiático. Umadas conclusões às quais cheguei transcrevo abaixo:

(...) observamos que o papel da Mídia consistiu muito mais em articu-lar um jogo de poder na alteridade que constrói, ao inserir inúmerasvozes no discurso, e definir posições enunciativas e os papéis ocupa-dos por cada um dos atores sociais envolvidos no espaço de interlocu-ção do que propriamente captar e dar visibilidade aos interesses coleti-vos de ambos os atores, ampliando o debate com a troca de argumentosracionais em torno de questões substanciais do movimento grevista eda educação no estado, favorecendo o pluralismo de opiniões. Consta-tação que foi reforçada pelos dados quantitativos observados – relati-vos ao tratamento dispensado pela Mídia a diversos temas – os quaisapresentaram, em sua quase totalidade, uma tendência marcadamentenegativa em relação à escala de pesos. Essa negatividade reflete, con-forme já vimos anteriormente em nossas análises, uma certa instabili-dade na produção discursiva, ou seja, na forma como os múltiplos,diferentes e contraditórios sentidos são produzidos e veiculados pelaMídia ao público-leitor em função dessa pulverização de atores sociais

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e de suas respectivas comunidades discursivas nas quais se inscreveminteresses políticos e econômicos distintos e contraditórios. Ao orga-nizar o espaço de interlocução entre diversas comunidades discursivasque lhe são exteriores, a Mídia instaura uma produção discursiva pró-pria, com características particulares e, assim sendo, constitui-se, elaprópria, não só em uma comunidade discursiva distinta e à parte, mastambém constrói em seu entorno uma memória discursiva midiática.Daí que o corpus discursivo do arquivo institucional da Mídia ter nospermitido observar as características e as formas do intercurso socialpelo qual o significado é realizado: a articulação sócio-discursiva ins-crita nas condições de produção e de circulação temática dos sentidosdos discursos sobre o movimento grevista no espaço de uma memóriadiscursiva histórica. Todas as considerações feitas em relação ao ar-quivo institucional da Mídia nos levam a concluir que as relações depoder (no presente estudo, sobretudo de poder político) que subjazemas condições de produção e de circulação temática dos discursos con-duzem à produção de práticas discursivas controladas pelo espaço pú-blico midiático (Sampaio, 2002: 268-9).

Ubirajara Inácio de Araújo, Doutorando do Programa de Pós-Gra-duação em Semiótica e Lingüística Geral do Departamento de Lingüísticada FFLCH/USP, sob nossa orientação, com trabalho já concluído, e pro-fessor do Curso de Letras da Universidade Ibirapuera, tomou conhecimen-to do programa Stablex em 1994, quando o Prof. Camlong ministrou cursona Universidade de São Paulo.

Em 1998, freqüentou a disciplina de pós-graduação sob nossa res-ponsabilidade; para trabalho de conclusão de curso, aplicou o programa aocorpus de sua dissertação de mestrado, com a intenção de confrontar osresultados obtidos nas duas análises. A grande proximidade dos resultadoslevou-o a adotar os pressupostos teóricos do método de Camlong e, pois, oprograma Stablex, na sua pesquisa de doutorado, intitulada Análise do Su-jeito numa abordagem léxico-discursivo-computacional sobre o discursodo trabalho, em que explora os sentidos que os sujeitos atribuem ao traba-lho a partir da análise lexical de um corpus constituído de redações doExame Supletivo de 1999, cujo tema foi O trabalho nos dias atuais.

Ubirajara enfatiza que “a proposição e elaboração do método ba-seiam-se em otimizar os recursos das novas tecnologias. (...) Evitam-se,assim, as tradicionais análises impressionistas, subjetivas, dedutivas, tau-tológicas e arbitrárias” (Araújo, 2001: 27).

Daniela Fregonese Bragazza, Doutoranda do Programa de Pós-Gra-duação em Semiótica e Lingüística Geral do Departamento de Lingüística

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da FFLCH/USP, sob nossa orientação, é bolsista do CNPq para o desen-volvimento do projeto de pesquisa Contribuições de um método matemá-tico-estatístico-computacional para o estudo dos contos de Machado deAssis.

Daniela conta-nos, em seu relato, como chegou a Toulouse para umamaîtrise na Universidade de Toulouse sob a orientação de Camlong:

Em 1991, após concluir o curso de Graduação – Bacharelado e Licen-ciatura em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-manas da Universidade de São Paulo –, mudei-me para Stuttgart, Ale-manha, com meu marido.

Em 1996, recebemos a visita de um amigo, João Martins Ferreira, dou-torando e ex-colega de turma na FFLCH. Sua ida à Europa relaciona-va-se a uma pesquisa que vinha desenvolvendo sobre Fernando Pes-soa. Contou-me, entusiasmado, sobre sua estadia em Portugal e naFrança, bem como sobre os avanços de seus estudos. Nessa ocasião,João falou-me, também, sobre um método matemático-estatístico-computacional inovador para o estudo de textos de diversas naturezas,com o qual havia trabalhado, incentivando-me a conhecer algumasnovidades em nossa área.

Fiz, então, o primeiro contato telefônico com o Prof. Dr. AndréCamlong, autor desse método e professor na Université de Toulouse leMirail, que, muito atencioso e receptivo, forneceu-me todas as infor-mações necessárias para que eu pudesse iniciar um curso nessa univer-sidade.

Assim, após outros contatos telefônicos, a preparação e o envio dadocumentação requerida, uma entrevista em Toulouse e a aprovaçãoda Comissão Pedagógica, mudei-me para lá, onde fui recebida peloProf. Camlong e sua equipe. Tive, então, a oportunidade de iniciar, noLaboratório de Pesquisas Avançadas da Université de Toulouse, umamaîtrise sob sua orientação – Os contos de Machado de Assis: análiselexical e discursiva –, cujo principal objetivo foi a realização de umapesquisa que se utilizou do programa Stablex como instrumento ouferramenta de armazenamento, processamento e recuperação das in-formações textuais. O corpus, de natureza literária, constituiu-se denove contos de Machado de Assis: O espelho, O alienista, O enfermei-ro, Noite de Almirante, A cartomante, A causa secreta, Uns braços,Missa do Galo e Cantiga de esponsais.

Além de freqüentar um curso de Pós-Graduação na Universidade, pas-sava grande parte do tempo no Laboratório, com o Prof. Camlong eoutros orientandos seus, onde me familiarizava com o método e discu-tia os resultados parciais da pesquisa.

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De volta ao Brasil, após aproximadamente um ano, com o intuito dedar continuidade à sua pesquisa, aprofundando o universo de análise doscontos de Machado de Assis, Bragazza ingressou, em 1999, no Programade Pós-Graduação em Semiótica e Lingüística Geral do Departamento deLingüística da FFLCH/USP.

Numa abordagem, por excelência, interdisciplinar, que inclui, dolado das Ciências Humanas, a Lingüística e a Literatura e, do lado dasCiências Exatas, a Matemática, a Estatística e a Computação, dedica-se aoestudo de um corpus constituído de oito contos de Machado de Assis: dePapéis Avulsos (1882), os contos D. Benedita e O espelho; de Históriassem data (1884), os contos A senhora do Galvão e Singular ocorrência; deVárias Histórias (1896), os contos Uns braços e D. Paula; e, finalmente,de Páginas Recolhidas (1899), os contos Missa do galo e O caso da vara.

Fazemos referência, ainda, à pesquisa coordenada pelo Prof. Dr.Alfredo José Mansur, Professor Doutor da Faculdade de Medicina da Uni-versidade de São Paulo: Expressão de Sintomas por Doentes com Insufi-ciência Cardíaca. Em fase inicial de desenvolvimento, o estudo busca avali-ar, no contexto do tratamento médico atual, a expressão verbal da limitaçãofísica em portadores brasileiros de insuficiência cardíaca. A avaliação pres-supõe o relacionamento de diferentes expressões verbais com indicadoresclínicos e funcionais da função cardíaca e com a sobrevida. Os dados serãofornecidos por trezentos pacientes portadores de insuficiência cardíaca degrau avançado, atendidos no Instituto do Coração do Hospital das Clíni-cas, selecionados segundo variáveis clínicas e demográficas. O projeto,subsidiado pela FAPESP, conta com a participação de Roberto IglesiasLopes, aluno de Iniciação Científica. Dele também participamos com afunção de prestar assessoria no tratamento computacional dos dados peloStablex e na aplicação do método informatizado de análise de textos deCamlong.

Para concluir o painel histórico sobre a análise informatizada doléxico no Brasil, lembramos que WS Tools e Stablex foram tema de sessõesde comunicações coordenadas no I Encontro dos Alunos de Pós-Gradua-ção em Lingüística Informática – I ENAPOLINF: Lingüística de Corpus,sob a coordenação de Tony Berber Sardinha, e Método Matemático-Esta-tístico-Computacional de Análise de Textos, sob nossa coordenação. Oevento, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Semiótica e Lin-güística Geral do Departamento de Lingüística da FFLCH/USP no dia 22de outubro de 2001, abordou temas por excelência interdisciplinares, rela-

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cionados a novas tecnologias na pesquisa lingüística: análise informatizadade textos, tecnologias interativas, Educação a Distância, aplicações emmultimídia e análise fonética por computador.

Nessa oportunidade, propusemos a Berber Sardinha, proposta acei-ta, um trabalho-conjunto de submissão de um mesmo corpus à análise pe-los dois programas aqui contemplados – WS Tools e Stablex – para levan-tamento de seus pontos comuns, divergentes e complementares. Esperamosque esse trabalho possa constar de uma próxima retrospectiva sobre asanálises informatizadas do léxico no Brasil.

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Ficha Técnica

Divulgação LIVRARIA HUMANITAS-DISCURSO

Mancha 11 x 18,5 cm

Formato 14 x 21 cm

Tipologia Times New Roman e Gill Sans

Papel pólen soft 80 g/m2 (miolo)

e cartão supremo 250 g/m2 (capa)

Impressão e acabamento PROVO DISTRIBUIDORA E GRÁFICA LTDA.

Número de páginas 256

Tiragem 500