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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Disciplina: Cognição e processos de subjetivação Professora: Cleci Maraschin Estudante: Raquel Salcedo Gomes Data: 29/06/2016 Bergson e Maturana em minha tese sobre o linguajar e as tecnologias móveis Quais as especificidades do linguajar em tecnologias móveis? Este é meu problema de pesquisa. Penso que é um problema verdadeiro, segundo o sistema filosófico de Bergson (2006) e seu método da intuição, pois procurei formulálo em termos de duração, no intuito de acompanhar processos linguageiros engendrados com celulares e tablets e, assim, “captar realidades”, como diz Bergson, e “não aperfeiçoar convenções” (2006, p. 21). Busquei construir um problema positivo, isto é, me perguntar sobre a natureza do uso da linguagem nessas tecnologias, querendo investigar o que acontece ao usarmos tais dispositivos para nos comunicarmos. Acredito não ser um pseudoproblema, pois não estou concebendo uma falta, um vazio, um nada, não estou visando à produção de uma crítica ou ao mero encaixe, a posteriori, de possíveis. Estou tentando "ver para ver e não para agir" (BERGSON, 2006, p. 29). Essa forma de ver pode me colocar, portanto, na duração. A duração é, para Bergson, o absoluto, o tudo em que somos. Esse tudo é uno e múltiplo. É uno porque indivisível, inquantificável na experiência da vida, a não ser que o espacializemos, transformandoo numa representação de si mesmo. E é múltiplo porque difere. Difere constantemente de si a fim de seguir sendo. Como a vida psicológica está na duração, assim também está o linguajar. Pensado como virtualidade, mais em termos mais de tempo do que de espaço, o linguajar dura. Dura porque é decorrência do elán vital e da memória, que também estão na duração. A memória empurra o passado para o presente. Não há formatação do HD. Tudo o que foi experimentado permanece conosco como memória. O elán vital subverte a matéria inerte em matéria organizada. Com a formação do ente biológico, emerge o linguajar como potência. O linguajar é como Maturana denomina a linguagem. Ele toma esse verbo como substantivo para enfatizar o caráter acional desse fenômeno humano. O linguajar é uma forma de ação. É um operar sons, gestos e formas para fazer coisas com os outros e consigo mesmo. Maturana (2001, p. 70) fala em “coordenações de coordenações de ações”, ou seja, fazer coisas juntos para se remeter a coisas que são feitas junto. Assim, o linguajar também é recursivo e recorrente, como a própria autopoiese. Como linguista de formação, a vantagem inicial que vejo em adotar a concepção de linguagem da teoria autopoiética reside no fato de que o linguajar abriga todos os sistemas de comunicação, não apenas a linguagem oral ou a escrita, como geralmente ocorre nas teorias que estudei da área. Sempre cultivei um apreço pelo estudo da linguagem em um sentido mais amplo, e tive de me munir de certas justificativas teóricas para fazêlo. Adotando uma epistemologia da imanência, como a que é suscitada em Bergson e Maturana, tais justificativas são desnecessárias, pois a linguagem já é mais que a fala e a escrita em sua origem.

Bergson e Maturana em minha tese

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Disciplina: Cognição e processos de subjetivação Professora: Cleci Maraschin Estudante: Raquel Salcedo Gomes Data: 29/06/2016

Bergson e Maturana em minha tese sobre o linguajar e as tecnologias móveis

Quais as especificidades do linguajar em tecnologias móveis? Este é meu problema de pesquisa. Penso que é um problema verdadeiro, segundo o sistema filosófico de Bergson (2006) e seu método da intuição, pois procurei formulá­lo em termos de duração, no intuito de acompanhar processos linguageiros engendrados com celulares e tablets e, assim, “captar realidades”, como diz Bergson, e “não aperfeiçoar convenções” (2006, p. 21). Busquei construir um problema positivo, isto é, me perguntar sobre a natureza do uso da linguagem nessas tecnologias, querendo investigar o que acontece ao usarmos tais dispositivos para nos comunicarmos. Acredito não ser um pseudoproblema, pois não estou concebendo uma falta, um vazio, um nada, não estou visando à produção de uma crítica ou ao mero encaixe, a posteriori, de possíveis. Estou tentando "ver para ver e não para agir" (BERGSON, 2006, p. 29). Essa forma de ver pode me colocar, portanto, na duração. A duração é, para Bergson, o absoluto, o tudo em que somos. Esse tudo é uno e múltiplo. É uno porque indivisível, inquantificável na experiência da vida, a não ser que o espacializemos, transformando­o numa representação de si mesmo. E é múltiplo porque difere. Difere constantemente de si a fim de seguir sendo.

Como a vida psicológica está na duração, assim também está o linguajar. Pensado como virtualidade, mais em termos mais de tempo do que de espaço, o linguajar dura. Dura porque é decorrência do elán vital e da memória, que também estão na duração. A memória empurra o passado para o presente. Não há formatação do HD. Tudo o que foi experimentado permanece conosco como memória. O elán vital subverte a matéria inerte em matéria organizada. Com a formação do ente biológico, emerge o linguajar como potência.

O linguajar é como Maturana denomina a linguagem. Ele toma esse verbo como substantivo para enfatizar o caráter acional desse fenômeno humano. O linguajar é uma forma de ação. É um operar sons, gestos e formas para fazer coisas com os outros e consigo mesmo. Maturana (2001, p. 70) fala em “coordenações de coordenações de ações”, ou seja, fazer coisas juntos para se remeter a coisas que são feitas junto. Assim, o linguajar também é recursivo e recorrente, como a própria autopoiese. Como linguista de formação, a vantagem inicial que vejo em adotar a concepção de linguagem da teoria autopoiética reside no fato de que o linguajar abriga todos os sistemas de comunicação, não apenas a linguagem oral ou a escrita, como geralmente ocorre nas teorias que estudei da área. Sempre cultivei um apreço pelo estudo da linguagem em um sentido mais amplo, e tive de me munir de certas justificativas teóricas para fazê­lo. Adotando uma epistemologia da imanência, como a que é suscitada em Bergson e Maturana, tais justificativas são desnecessárias, pois a linguagem já é mais que a fala e a escrita em sua origem.

Os objetos empíricos de minha tese serão atividades de linguagem produzidas no âmbito de três projetos de pesquisa dos quais venho participando nos últimos anos. São os projetos: 1) “Oficinando em rede: processos de aprendizagem e jogos locativos”, desenvolvido pelo grupo de pesquisa NUCOGS (Núcleo de Ecologias e Políticas Cognitivas), coordenado por minha orientadora, Profa. Dra. Cleci Maraschin; 2) “Intercâmbio Brasil­Moçambique­Portugal: conversas virtuais”, desenvolvido pelo grupo de pesquisa Escrita na Tela, coordenado por minha orientadora de mestrado, Profa. Dra. Dinorá Moraes de Fraga; e, 3) “Perambulinguajando pelo câmpus com tecnologias móveis”, desenvolvido por um grupo de professores e estudantes do qual faço parte no Instituto Federal Sul Rio­Grandense.

Os três projetos abordam, de alguma maneira, a relação entre tecnologias digitais móveis e a educação. No projeto n. 1, foi desenvolvido um jogo móvel de localização para ser jogado com tablets percorrendo­se o território do Jardim Botânico de Porto Alegre e plantando sementes digitais, um objeto de aprendizagem lúdico sobre o parque, que é, em si, um espaço educativo. No projeto 2, estamos propondo abordar a relação entre a vida urbana, o trabalho e as tecnologias digitais junto a um grupo de estudantes adultos dos três países, criando uma comunidade de troca de experiências e de saberes culturais, na perspectiva de uma internacionalização da língua portuguesa. No projeto 3, estamos produzindo uma cartografia do uso das tecnologias móveis no câmpus do instituto, elaborando relatos, gravações e conversas sobre vivências em que estas tecnologias se fizeram presentes no cotidiano daquele território. Minha intenção é estudar de que forma o uso linguageiro de tecnologias móveis produz outros sentidos sobre os espaços, sobre o próprio linguajar e sobre os processos de ensino e aprendizagem. Assim, os espaços, os sistemas semióticos e os processos de ensino e aprendizagem são meus eixos de pesquisa.

No que concerne aos espaços, quero refletir sobre a relação entre o físico e o digital e sua hibridização a partir das tecnologias móveis, como argumentam alguns autores (LEMOS, 2010; DE SOUZA E SILVA, 2004, 2013). Me interessam as telas como superfícies planas bidimensionais com conteúdos moventes, as quais são por vezes transportadas por territórios físicos, nos quais são capturados conteúdos sobre esses territórios e transpostos para as telas, e nas quais se criam territórios digitais que representam um adendo aos territórios físicos, em uma metonímia espaço­temporal.

Figura 1 ­ Para o desenvolvimento do jogo, fotografamos espaços físicos do Jardim Botânico e os inserimos

nas telas que contêm as missões a serem realizadas.

Figuras 2, 3 e 4 ­ Metonímia espaço­temporal: o grupo no WhatsApp foi confundido com o grupo que se

reúne semanalmente, tomando­se a parte pelo todo. No que diz respeito aos sistemas semióticos, minha maior curiosidade recai sobre o

sincretismo de linguagens nas telas e as modalidades conversacionais proporcionadas por aplicativos de mensagens instantâneas, como Messenger, WhatsApp, Skype, FaceTime e os próprios fóruns e chats do MOODLE. Nesses ambientes, recriamos espaços conversacionais, mas o formato das conversas possui características específicas, moduladas pelos sistemas informáticos que lhes produziram. As conversas online atuais são repletas de emojis, emoticons, abreviaturas, interjeições e onomatopéias, que produzem um linguajar singular.

Figuras 5, 6, 7 e 8 ­ Emojis incompatíveis entre o Android e o IOS provocam uma situação inusitada.

Por fim, me interessam os sentidos produzidos sobre os próprios processos de ensino e

aprendizagem dentro e fora das salas de aula. O que se aprende jogando com tablets no Jardim Botânico? O que os professores dizem que se aprende? O que dizem os estudantes? E os pesquisadores? E, na escola, o que muda nos processos em sala de aula, quando se pode tirar uma foto do conteúdo do quadro, de um recado do professor? Quando se pode agendar a data da prova no calendário e colocar um alarme para despertar um dia antes para estudar? Quando se fotografa a resposta de um exercício e se distribui essa foto no grupo online da turma? Quando se usa o celular como “cola” durante uma apresentação oral?

"Um número grande de alunos da turma foi mal na prova porque estudaram apenas uma parte do processo de resolução dos exercícios de estatística, que

geralmente têm mais do que uma etapa. Eles tiraram foto só da primeira parte do cálculo que estava no quadro, compartilhando no WhatsApp e, na hora da prova, não conseguiram resolver o problema até o final. Tive que fazer uma revisão e recuperação na semana seguinte. Mas, tem muitos momentos em que o celular é bom, porque às vezes os alunos faltam e eles conseguem acesso ao conteúdo através do grupo no Whats."

Esse relato foi feito pelo professor de estatística do Instituto Federal, que contou sobre

efeitos positivos e negativos do uso dos grupos no WhatsApp para a aprendizagem de sua disciplina. O celular exerce agência nesses processos, pois permite uma “presença ausente” dos estudantes na aula, que têm acesso aos conteúdos expostos no quadro­negro pela divulgação de colegas, mas cujo acesso por vezes implica em resultados negativos nas avaliações, quando a reprodução dos conteúdos é incompleta. O uso linguageiro do celular parece fomentar outras situações de aprendizagem, em que releva sobremaneira o modo como é feita e divulgada a reprodução/simulação do que foi visto em aula.

Enfim, espero, com minha tese, cartografar, compilar, aglutinar e produzir sentidos sobre a produção de sentidos que emergem com o uso linguageiro de dispositivos digitais móveis em contextos educacionais, olhando para essas produções como processos virtualizados do linguajar que se atualizam nessas mídias em diferentes contextos de ensino e aprendizagem, engendrando espaços, linguagens e processos sucessivos, que constantemente prosseguem e diferem. Referências

BERGSON, Henri. Memória e vida. Textos escolhidos por Gilles Deleuze. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

DE SOUZA E SILVA, Adriana Araujo. Interfaces móveis de comunicação e subjetividade contemporânea: de ambientes de multiusuários como espaços (virtuais) a espaços (híbridos) como ambientes de multiusuários. Tese de Doutorado em Comunicação e Cultura. Rio de Janeiro: UFRJ/CFCH/ECO, 2004. _____________. Tecnologias móveis de posicionamento: abordagens históricas, sociais e espaciais. Verso e Reverso. Volume 27, número 64, p. 19­23, janeiro­abril, 2013. LEMOS, André. Jogos Móveis Locativos. Cibercultura, espaço urbano e mídia locativa. Revista USP. Volume 86, p. 54­65, 2010.

MATURANA, Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização de Cristina Magro e Victor Paredes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.