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TRADUÇÃO – Metodologia de Pesquisa em Comunicação Política (Patrícia Guimarães Gil) CAPÍTULO 17 – MÉTODOS PARA ANALISAR E MEDIR DELIBERAÇÃO EM GRUPO Autores: Laura W. Black – School of Communications Studies – Ohio University Stephanie Burkhalter – Department of Politics – Humboldt State University John Gastil – Department of Communication – University of Washington Jennifer Stromer-Galley – Department of Communication – University of Albany (SUNY) Em um capítulo sobre teoria da democracia deliberativa escrito para a Annual Review of Political Science, Chambers (2003) escreveu que “a teoria de democracia deliberativa moveu-se para além do estágio da declaração teórica para a fase de uma teoria prática”. Se isso era verdade em 2003, é ainda mais agora. Os autores deste capítulo têm dirigido suas pesquisas para apontar como a democracia deliberativa funciona na prática; especificamente, cada um de nós se perguntou se os ideais da democracia deliberativa se concretizam em arranjos coletivos moldados para a deliberação. O que nos motiva é a percepção de que o debate coletivo sobre importantes temas de interesse público, seja sobre políticas públicas ou em experiências de processos de tomada de decisão em júris, constitui um importante componente da democracia. Como pesquisadores empíricos, no entanto, nós, como vários outros interessados neste tema, continuamos a nos perguntar se, como e por que a democracia é aprimorada pela real discussão deliberativa.

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TRADUÇÃO – Metodologia de Pesquisa em Comunicação Política

(Patrícia Guimarães Gil)

CAPÍTULO 17 – MÉTODOS PARA ANALISAR E

MEDIR DELIBERAÇÃO EM GRUPO

Autores:

Laura W. Black – School of Communications Studies – Ohio UniversityStephanie Burkhalter – Department of Politics – Humboldt State UniversityJohn Gastil – Department of Communication – University of WashingtonJennifer Stromer-Galley – Department of Communication – University of Albany (SUNY)

Em um capítulo sobre teoria da democracia deliberativa escrito para a Annual Review of Political Science, Chambers (2003) escreveu que “a teoria de democracia deliberativa moveu-se para além do estágio da declaração teórica para a fase de uma teoria prática”. Se isso era verdade em 2003, é ainda mais agora. Os autores deste capítulo têm dirigido suas pesquisas para apontar como a democracia deliberativa funciona na prática; especificamente, cada um de nós se perguntou se os ideais da democracia deliberativa se concretizam em arranjos coletivos moldados para a deliberação. O que nos motiva é a percepção de que o debate coletivo sobre importantes temas de interesse público, seja sobre políticas públicas ou em experiências de processos de tomada de decisão em júris, constitui um importante componente da democracia. Como pesquisadores empíricos, no entanto, nós, como vários outros interessados neste tema, continuamos a nos perguntar se, como e por que a democracia é aprimorada pela real discussão deliberativa.

Os ideais da democracia deliberativa são numerosos. O argumento teórico básico é mais ou menos o seguinte: por meio da conversação política em grupos gerenciáveis (isto é, não muito grandes), os cidadãos que aderem às normas de reciprocidade e respeito igualitário constroem uma comunidade mais forte à medida que aprendem sobre as visões dos outros e ampliam ou sofisticam seu conhecimento político. O debate deliberativo conduz a um juízo político mais reflexivo e refinado do que um processo individualizado de informação. O engajamento no processo de discussão deliberativa poderia conduzir a mais investimentos na vida cívica e aumentar a legitimidade da tomada de decisões (Barber, 1984; Benhabib, 1996; Bohman, 1996; Cohen, 1989, 1997; Dryzek, 1990, 2000; Habermas, 1984, 1987; Fishkin, 1991, 1995; Gastil, 1993; Guttmann & Thompson, 1996; Warren, 1992). Existe um processo cíclico positivo implícito – alguns diriam que irreal – na teoria deliberativa: quanto mais os cidadãos deliberam, mais informados, participativos e respeitosos eles serão com os outros (Burkhalter, Gastil, & Kelshaw, 2002).

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À luz das afirmações da teoria deliberativa sobre os potenciais benefícios da discussão deliberativa, em uma revisão de 2005 sobre trabalhos empíricos em deliberação, Ryfe questionou: “A democracia deliberativa funciona?”. Em estudo recente sobre deliberação pública, Jacobs, Cook e Delli-Carpini (2009, p.21) afirmaram que “poucas áreas da vida pública americana receberam tão poucos estudos elementares como a deliberação cívica”. De fato, partidários e céticos da deliberação reivindicaram mais pesquisas empíricas sobre o processo usado em pequenos grupos (Delli-Carpini, Cook, & Jacobs, 2004; Fung, 2007; Gastil, 2008; Jacobs et al., 2009; Levine, Fung, & Gastil, 2005; Rosenberg, 2005, 2006). Tais pesquisas empíricas são desafiadoras porque, como Ryfe (2005, p. 49) sustenta, “a deliberação é uma forma de comunicação difícil e relativamente rara”. Além disso, a comunidade de pesquisadores empíricos ainda não concordou com uma definição de deliberação. Como Burkhalter, Gastil, e Kelshaw (2002, p. 329) indicaram, deliberação pública vem sendo fragilmente definida “para abranger o processo legislativo nos Estados Unidos (Bessette, 1994), uma forma não realizada de política cívica (Barber, 1984), ou até mesmo práticas midiáticas existentes (Page, 1996).” Apesar do entusiasmo de longo alcance pelo processo e pela proliferação de projetos deliberativos práticos em democracias ocidentais, não existe uma definição universalmente aceita – ou mesmo convencionalmente adotada – de deliberação pública em pequenos grupos, o que deixa à deriva um conjunto de medidas empíricas que derivariam desta definição (ver Burkhalter et al., 2002; Delli-Carpini et al., Jacobs et al., 2009; 2004; Stromer-Galley, 2007).

Na falta de uma definição consistente de deliberação pública em pequeno grupo, pesquisadores têm se apoiado em literaturas diversas para criar modelos de pesquisa voltados à captura de aspectos da deliberação. Neste capítulo, nós debatemos exemplos de pesquisa que operacionalizam concepções normativas da teoria democrática deliberativa para avaliar a “deliberatividade” das discussões em pequenos grupos. Em vez de providenciar uma longa revisão sobre os estudos empíricos, nós objetivamos apenas tornar maior a comunidade de pesquisadores deliberativos conscientes sobre um leque de modelos de medição atualmente utilizados1.

Nós começamos com uma breve explanação de um modelo de deliberação em pequeno grupo proposto por Burkhalter et al. (2002) e elaborado por Gastil e Black (2008) que proporcionou uma base para medidas em alguns desses estudos. Na nossa discussão subseqüente sobre medidas de deliberação, nós as dividimos entre dois tipos: aquelas que medem diretamente aspectos de uma definição teórica de deliberação (medição direta), e aquelas que tentam medir a deliberação ao estudar as variáveis que podem ser vistas nos processos deliberativos (medição indireta). Na conclusão, nós argumentamos que um avanço mais rápido em pesquisas em deliberação demanda uma definição mais consistente e uma respectiva operacionalização de deliberação em pequeno grupo. Medições precisam também levar em conta diferentes formas e cenários da deliberação e refletem as variações que devem ocorrer nos níveis de deliberação, dependendo dos diferentes tipos. A pesquisa empírica em deliberação com pequenos grupos ainda está em seus estágios iniciais, e nós esperamos que futuros estudos refinem consideravelmente as medições que nós revisamos aqui.

1 Boas revisões incluem Delli Carpini et al. (2004), Mendelberg (2002), and Ryfe (2005). A publicação online Journal of Public Deliberation é uma boa fonte de exemplos de estudos empíricos em deliberação.

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UM MODEO DE DELIBERAÇÃO PÚBLICA EM PEQUENOS GRUPOS

Burkhalter et al. (2002) oferece uma definição conceitual e um modelo teórico de deliberação pública em pequenos grupos que nós consideramos um bom ponto de partida para o desenvolvimento de medições confiáveis que poderiam ser amplamente utilizadas para expandir o corpo de pesquisas empíricas em deliberação. 2 O modelo desses autores define a deliberação ideal em pequeno grupo como “a combinação de uma análise cuidadosa de problemas e um processo igualitário no qual participantes têm adequadas oportunidades de fala e se engajam num processo atento de ouvir ou dialogar que transpõe formas diferentes de falar e conhecer” (p. 398). Uma inovação desse modelo é que a discussão em grupo é vista como mais ou menos deliberativa dependendo de como normas de deliberação são colocadas em prática e como participantes respondem àquelas normas. As normas básicas da deliberação moldam análises individualizadas e de grupos sobre uma questão política em discussão (por exemplo, um problema político ou suas potenciais soluções públicas), uma cuidadosa consideração sobre as informações, a provisão de oportunidades suficientes para os cidadãos falarem, e o reconhecimento e o respeito pelos diferentes pontos de vista abordados pelos participantes sobre os problemas – embora não necessariamente se concorde com eles. Reconhecimento e respeito por diferentes pontos de vista deveriam levar em conta diferentes formas de fala e entendimento entre os participantes.

O modelo de Burkhalter et al. (2002) identifica normas deliberativas como condições discursivas potencialmente mensuráveis que, quando encontradas, poderiam produzir determinados resultados. Esses resultados incluem especialmente mudanças entre os participantes após a deliberação, como reforçar hábitos deliberativos, a descoberta da partilha de valores e identidades que não eram previamente reconhecidos, um crescente senso de cidadania democrática (ou identificação comunitária), um aumento de habilidades analíticas e comunicativas que são necessárias para a reflexão política, e um crescimento nos sentimentos de eficácia política. Características de contexto, como a motivação para deliberar a percepção da existência de uma base comum, vão influenciar a habilidade do grupo para deliberar bem. Quanto mais motivados e envolvidos os participantes estão no processo, mais bem sucedida a deliberação será.

Em trabalho recente, Gastil e Black (2008) trabalharam sobre o conceito de Burkhalter et al. (2002) para apresentar um modelo mais detalhado do processo analítico e social ideal envolvido na deliberação pública. Como eles descrevem, os processos de análise da deliberação incluem construir uma base de informações, priorizar valores-chave, identificar soluções, pesar soluções e tomar a melhor decisão possível (se a situação demanda uma decisão). Os processos sociais incluem assegurar oportunidades iguais e adequadas de fala para os participantes do grupo, demonstrando mútua compreensão das perspectivas dos

2 Isso talvez não seja surpreendente uma vez que dois autores desse capítulo colaboraram para desenvolver o modelo!

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demais, considerando adequadamente as visões de outros participantes, e demonstrando respeito um pelo outro.3

Aquela definição geral alcança um amplo leque de práticas deliberativas, entre as quais a mais popular reúne os cidadãos para uma discussão focada face-a-face (ou online) sobre um determinado problema público. Sejam organizados formalmente como Júris Cidadãos (Smith & Wales, 2000), como Assembléias de Cidadãos (Warren & Pearse, 2008), Sondagens Deliberativas (Fishkin & Luskin, 1999) ou como quaisquer outros processos específicos, esses eventos se caracterizam pela troca de informação e experiência de relevância política, de testemunhos pessoais e de variáveis combinações de diálogo em grupos pequenos, discussão e/ou debate. Diferentemente de grupos focais, que tendem a incluir uma amostra de pessoas com os mesmos atributos demográficos, os fóruns deliberativos reúnem pessoas de uma grande variedade de conhecimentos e experiências prévias para formar um fórum público no qual diferentes perspectivas são colocadas à mesa (Jacobs et al., 2009). As experiências dos praticantes (isto é, aqueles que realmente moldam e orquestram os eventos deliberativos) sugerem que esses processos variam no grau em que realmente alcançam a deliberação (Gastil & Levine, 2005). Mas, como explicado acima, não existe consenso sobre como avaliar sistematicamente a qualidade deliberativa desses eventos.

Movendo-se da teoria para a medição

O estudo da deliberação em grupo é desafiador, para dizer o mínimo, o que é uma das razões pela qual a literatura empírica de uma ideia tão popular ainda não floresceu totalmente. As definições que progrediram com os estudos que Burkhalter et al. (2002) e Gastil e Black (2008) ofereceram conceitos que podem ser operacionalizados em estudos empíricos para examinar os processos deliberativos e suas conseqüências. No entanto, como a fundamentação conceitual de deliberação democrática é fundamentalmente normativa, é difícil determinar com precisão o grau limite que as variáveis devem alcançar para que as discussões em grupo sejam consideradas como deliberativas (Chambers, 2003; Cohen, 1989; Gastil, 2008;Mendelberg, 2002). Uma das mais importantes perguntas de pesquisa para estudos empíricos , então, é: Quando uma discussão em grupo é deliberativa (isto é, reflete normas da teoria deliberativa)? Além disso, se uma moldura da deliberação pode ser determinada a partir das medidas de alta qualidade, como se podem distinguir os graus variáveis de “deliberatividade” (por exemplo, níveis baixos, médios e altos de deliberação)?

Há muitos desafios inerentes no estudo de deliberação em grupo que são similares a aqueles enfrentados por outros pesquisadores de grupos. Por exemplo, pesquisadores que estudam deliberação em grupo enfrentam questões metodológicas como a interdependência de dados e a dificuldade de conseguir grupos suficientes para estudar, de maneira a se alcançar uma relevância estatística adequada (cf. Poole, Keyton, & Frey, 1999). Uma escolha que os

3 Gastil e Black (2008) e Gastil (2008) demonstram como essa definição pode ser estendida de forma significante para caracterizar as práticas deliberativas além dos pequenos grupos estabelecidos, desde conversações entre duas pessoas até governos, sistemas de mídia, processos eleitorais, e sociedades.

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pesquisadores precisam fazer quando examinam a deliberação em pequenos grupos é relativa à definição da unidade de análise mais apropriada para seu estudo.Três unidades distintas de análise que são comuns em estudos deliberativos são o indivíduo, o grupo, e unidades de discurso. Pesquisas que examinam a deliberação no nível individual vão analisar tipicamente mudanças nas variáveis de resultados assumidas como influenciáveis pelos processos deliberativos, tais como conhecimento político, atitudes ou eficácia (cf. Craig, Niemi, & Silver, 1990; Fishkin & Luskin, 1999; Gastil, Black, Deess, & Leighter, 2008; Jacobs et al., 2009; Morrell, 2005). Esta abordagem é útil para entender como a experiência da deliberação pode influenciar a perspectiva dos membros do grupo, o nível de informação, e o comportamento subseqüente.

Estudos que examinam a deliberação no nível de um grupo se preocupam tipicamente em medir resultados do grupo como qualidade da decisão (Sulkin & Simon, 2001), administração de conflito (Black, 2006), ou mudanças de resultados no nível individual como indicado acima. Ao medir essas mudanças no nível do grupo, pesquisadores puderam escolher entre somar resultados ou calcular médias individuais nos grupos, o que permite obter informação sobre como os membros de um grupo se comportaram e fazer comparações entre grupos (cf. Gastil, Black, & Moscovitz, 2008; Gastil & Dillard, 1999). No entanto, essas táticas poderiam mascarar diferenças potencialmente importantes entre grupos. Para enfrentar essa questão, pesquisadores podem escolher obter fornecer dados de grupos demonstrando a diversidade de resultados (scores) dentro de grupos específicos.

O último nível de análise que recebe uma atenção cuidadosa dos pesquisadores deliberativos é a unidade do discurso. As pesquisas que enfatizam as unidades de discurso dirigem atenção detalhada e sistemática para a comunicação que ocorre durante a discussão deliberativa. Exemplos incluem as tomadas de fala, unidades de raciocínio, histórias, respostas e argumentos (cf. Dutwin, 2003; Hart & Jarvis, 1999; Holzinger, 2001; Ryfe, 2006; Stromer-Galley, 2007). Essas unidades são melhor explicadas abaixo na nossa revisão de estudos. A pesquisa que usa categorias discursivas como unidade de análise é mais apropriada para responder questões sobre como a discussão deliberativa funciona e em que tipo de comunicação as pessoas engajam se quando estão reunidas para deliberar.

MEDIDAS DE DELIBERAÇÃO

Nas seções seguintes, nós discutimos estudos que tentaram medir a deliberação direta e indiretamente. Os que medem a deliberação diretamente examinam a discussão deliberação em si para determinar a medida em que a discussão corresponde às concepções teóricas da deliberação. Estudos que usam medidas indiretas avaliam a deliberação segundo seus antecedentes (por exemplo, medindo se estão presentes as condições necessárias para a deliberação) ou segundo os resultados da discussão deliberativa (por exemplo, ao comparar a as respostas dos participantes a sondagens realizadas antes e depois da discussão). As forças e as limitações de cada uma dessas abordagens são discutidas a seguir.

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Medição direta

A medição direta mais comum da deliberação em pequenos grupos é a que chamamos de análise da discussão, o que inclui uma gama de métodos usados para avaliar sistematicamente a comunicação engatada durante a discussão deliberativa. Outro método comum usado para o estudo direto da deliberação é perguntar aos participantes sobre suas avaliações sobre o processo deliberativo. Isso é tipicamente feito por meio de sondagens posteriores à deliberação ou entrevistas nas quais os respondentes refletem sobre sua experiência como participantes e respondem questões sobre a qualidade deliberativa da discussão. A última abordagem que nós revisamos é o estudo de caso.

Análise da discussão

A análise da discussão envolve tentativas de medir diretamente aspectos da deliberação por meio do exame sistemático da comunicação que ocorre durante o encontro deliberativo. Isso envolve tipicamente a análise de registros da interação preservados numa transcrição ou gravação em vídeo de um encontro face a face, ou transcrição palavra por palavra, automaticamente gravada numa discussão online.

O método de análise da discussão abrange tanto abordagens de micro-análise como macro. A micro-análise envolve a avaliação da qualidade deliberativa da discussão por meio de uma análise detalhada do conteúdo dos comentários das pessoas durante a deliberação. Métodos usados na abordagem da micro-análise incluem análise de conteúdo e de discurso. Diferentemente, a abordagem da macro-análise procura códigos para tirar conclusões resumidas da discussão como um todo. Nós chamamos isso de macro-análise porque, embora trate da qualidade do discurso deliberativo, já não trata tão diretamente da tomada de fala individual e da contribuição de cada membro do grupo na discussão.

Abordagens de micro-análise. Uma abordagem que vem se tornando incrivelmente comum para estudar deliberações políticas é a análise de conteúdo das discussões. Krippendorff (2004) define este tipo de análise como “uma técnica de pesquisa para tornar replicáveis e válidas as inferências de textos... para os contextos em que são usados” (p. 18). Uma afirmação elementar da análise de conteúdo é que textos (neste caso, discursos deliberativos) são significativos, mas o significado geralmente não é fixo. Em alguns casos, o pesquisador conta o número de vezes em que a pessoa fala, ou o número de palavras que são pronunciadas. Essas contas são fixas e “objetivas” de maneira que todos os analistas razoáveis podem concordar com os números de palavras ou declarações. A maioria das análises de conteúdo, no entanto, enfatiza elementos do conteúdo em que o sentido não está fixo. Isto é, o sentido não é encontrado ou identificado nos itens explícitos dos textos, mas devem ser interpretados por analistas e por participantes da deliberação. Além disso, contexto e propósito importam, à medida que o sentido é derivado do contexto em que o ato comunicativo ocorre (Krippendorff, 2004).

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Portanto, a micro-análise das deliberações enfrenta a tarefa desanimadora de investigar elementos da deliberação diante de sentidos não fixados ou superficialmente fixados. Posto de outra forma, analistas que consideram que a análise de conteúdo das deliberações não deve ser feita com a visão de que pode apreender “a deliberação”, já que há vários aspectos da deliberação e apenas alguns desses aspectos serão capturados pela análise de conteúdo realizada. Além disso, freqüentemente há diversas formas de interpretar os mesmos elementos inseridos num evento deliberativo. Como resultado, a análise de conteúdo apresenta desafios aos acadêmicos que almejam analisar aspectos da deliberação e estão preocupados com validade e confiabilidade.

Para a análise de conteúdo ser confiável, ela precisa ser feita de tal maneira que as medidas “respondam ao mesmo fenômeno da mesma forma apesar das circunstâncias de sua implementação” (Krippendorff, 2004, p. 211). A abordagem aceita para se alcançar uma medida confiável deve, primeiramente, desenvolver um “livro de códigos”, que registrem os conjuntos de definições e operacionalizações das categorias ou elementos da deliberação a ser analisada. Em segundo lugar, dois ou mais analistas devem ser treinados para analisar a deliberação ao aplicar as regras do “livro de códigos”4. Em terceiro, o pesquisador deve avaliar a adequação dos códigos quando aplicados sobre o texto. Quanto maior a adequação existente entre os códigos, maior é a probabilidade de que o esquema de códigos é confiável (para descrições sobre as técnicas de medição em análise de conteúdo, ver Krippendorff, 2004, e Neundorf, 2002).

A confiabilidade entre códigos, no entanto, não garante a construção de validade. A validade no contexto da análise de conteúdo está relacionada a quão próxima a medida está do conceito teórico. É possível que dois códigos possam aplicar confiavelmente as regras do “livro de códigos” a um elemento da deliberação ainda que não capture realmente o fenômeno de interesse. Portanto, analistas deliberativos devem ser muito cuidadosos em manusear as definições e medidas que compreendam o “livro de códigos” para assegurar que estão fazendo o máximo para capturar acuradamente os conceitos de interesse.

Na aplicação, a análise de conteúdo tem sido usada para analisar diferentes aspectos da deliberação em grupo. A série de possibilidades inclui, por exemplo, os tópicos levantados e a eqüidade da participação (Durtwin, 2003; Gastil, 1993), o equilíbrio de opiniões (Barabas, 2004), os tipos de evidência possibilitados pelos deliberantes (Steenbergen, Bachtiger, Sporndli & Steiner, 2003), as discussões baseadas em argumentos versus barganhas (Holzinger, 2001), a freqüência de narrativas pessoais (Dutwin, 2002), o uso de declarações de identidade na argumentação (O´Doherty & Davidson, 2010), o clima da opinião do grupo deliberativo (Price, Nir, & Cappella, 2006), o uso de argumentos baseados em valores e interesses compartilhados (Carroll, 2002), os valores, objetivos e preocupações dos deliberantes (Hawkins & O´Doherty, 2010), e até mesmo a qualidade geral das deliberações (Stromer-Galley, 2007). Outras medidas deliberativas têm sido desenvolvidas para a análise de discurso na mídia ( Gerhards, 1997; Page, 1996) mas poderiam ser adaptadas para as análises de deliberação em grupos.

4 Cada vez mais, pesquisadores estão tentando automatizar as análises de textos usando softwares de computador. Tais esforços têm uma longa história, mesmo dentro do campo da comunicação (por exemplo, o programa DICTION de Rod Hart, www.dictionsoftware.com), que tem sido aplicado no contexto deliberativo (Hart e Jarvis, 1999). Até o momento, no entanto, nenhum desses programas provou-se adequado para medir a deliberação diretamente.

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Os esquemas de análise de conteúdo que têm sido desenvolvidos para avaliar a deliberação começam tipicamente com categorias baseadas na teoria política e medem a extensão em que essas categorias ocorrem na fala real dos participantes. Por exemplo, Hart e Jarvis (1999) analisam a comunicação que ocorreu durante pequenos encontros National Issues Convention de 1996. Seu esquema analítico é baseado nas características de pensamento político elaborado por um determinado número de teóricos democráticos – formação de coalizões, complexidade integrativa, ação racional, construcionismo social e republicanismo cívico. Em suas análises, eles argumentam que o padrão derivado dessas categorias, na forma como são encontradas nas discussões dos participantes, apresenta uma imagem do “modelo político” dos participantes, o que os caracteriza distintivamente como americanos (p. 64).

Há poucos estudos com análise de conteúdo deliberativo que merecem destaque em sua apresentação de esquemas de códigos que podem ser usados para outros fóruns deliberativos. Um deles é o Discourse Quality Index (DQI - Índice de Qualidade do Discurso), desenvolvido por Jurg Steiner e colegas (Steiner, inicialmente; Steiner, Bachtiger, Sporndli, & Steenbergen, 2004; Steenbergen et al., 2003) e usado em seu estudo sobre a deliberação do parlamento britânico. O DQI é um esquema de códigos desenvolvido a partir da noção de ética discursiva de Habermas (1987, 1995). Steenbergen et al. (2003) argumentam que o discurso de alta qualidade (isto é, deliberativa) deveria idealmente ser aberto à participação, requerer afirmações a serem justificadas, considerar o interesse comum, envolver respeito a todos os participantes, incluir política construtiva, e exigir autenticidade e honestidade. Eles traduzem essas construções teóricas para o esquema de códigos da análise de conteúdo, o que eles usam para codificar as demandas dos interlocutores sobre o que deveria ser feito (p. 27) durante suas falas políticas em deliberações parlamentares.

O DQI identifica diversas variáveis a serem medidas em cada categoria: participação (normal ou interrompida), níveis de justificação segundo os argumentos (nenhum, inferior, qualificada ou superior), o conteúdo da justificação apresentada, respeito por grupos de pessoas (nenhum, implícito ou explícito), respeito pelos contra-argumentos (contra-argumentos ignorados, degradados, naturalmente incluídos ou validados), e formulação construtiva de políticas ou consensos (políticas de situação, propostas alternativas ou propostas mediadoras). Steenbergen et al. (2003) mostram que o DQI é uma medida confiável, e vários de seus itens (aqueles que medem como pessoas justificam seus argumentos e a dimensão do respeito demonstrado pelos interlocutores por outros grupos) foram altamente correlacionados. Os autores argumentam que eles poderiam ser usados para criar uma escala de medida da qualidade do discurso deliberativo.

Um segundo estudo com análise de conteúdo que merece destaque foi realizado por Dutwin (2003), que investigou níveis de participação em meio a um contexto deliberativo e avaliou se conversações políticas prévias ou sofisticação política prepara melhor os participantes para engajar na deliberação. Dutwin contou o número de vezes que participantes falaram e o número de palavras que eles pronunciaram, assim como se os participantes produziram argumentos quando falaram. Dutwin desenvolveu um livro de códigos, que incluiu uma definição clara e a operacionalização do “argumento”. Os codificadores treinados por ele alcançaram altos níveis de concordância em suas avaliações, garantindo, portanto, um nível satisfatório de confiança para cada um dos elementos codificados.

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A análise de conteúdo permitiu a Dutwin (2003) examinar se características demográficas, como idade, gênero e níveis educacionais, estavam correlacionados com a produção de argumentos durante a deliberação. Os resultados sugeriram que os indivíduos que eram predispostos a engajar em conversações políticas em seus cotidianos eram mais propensos a produzir argumentos durante as deliberações. Além disso, Dutwin encontrou uma quantidade bastante equilibrada de participantes nas deliberações. Homens, por exemplo, não pareceram produzir mais argumentos que mulheres.

A análise de conteúdo tem suas limitações. Talvez a maior razão pela qual a análise sistemática de conteúdo não é conduzida mais freqüentemente seja o tempo e o esforço envolvidos. Dutwin (2003) reportou que o trabalho de codificação levou aproximadamente 100 horas, sem contar o tempo de treinamento dos codificadores ou o desenvolvimento do próprio livro de códigos. Um projeto de codificação do conteúdo deliberativo reportado por Stromer-Galley (2007) durou aproximadamente dois meses para ser desenvolvido, outras 40 horas para treinar o codificador, e então quase seis meses para executar a codificação. Parte da razão para um processo tão extenso foi a inclusão de 23 grupos no projeto, e cada grupo produziu aproximadamente 40 páginas de transcrições escritas. A quantidade substantiva de texto produzida por projetos deliberativos pode ser desanimadora. Para o projeto de Dutwin (2003), experientes repórteres foram contratados para fazer as transcrições da deliberação em curso. Esta forma de criar as transcrições é bastante inovadora. Os benefícios incluem uma transcrição quase instantânea das discussões. Inconvenientes incluem a possibilidade de uma transcrição pouco acurada, diante do desafio de transcrever as pessoas que falam junto com outras , e o custo de se contratar os transcritores. A maioria dos projetos não possui esses recursos financeiros. Ao invés disso, os projetos gravam as deliberações e depois transcrevem os resultados, o que também envolve custos consideráveis. Problemas de qualidade do áudio podem dificultar a transcrição, assim como a presença de múltiplas vozes em um único gravador.5

Além disso, há o risco de se propor um esforço de desenvolver um livro de códigos e treinar codificadores apenas para descobrir que eles não podem obter suficientes níveis aceitáveis de concordância – o que deveria servir como base para a análise estatística. Artigos publicados raramente incluem suas falhas. Nós avaliamos que alguns esforços para medir a deliberação diretamente falharam ao não nos chamar a atenção para seus erros. Além disso, enfrentam dificuldades para serem publicados. Um projeto não publicado pelo quarto autor desse capítulo, por exemplo, tentou codificar expressões de discordância numa deliberação online, mas descobriu que os codificadores não puderam concordar com o que deveria contar como uma expressão de discordância. Porque o sentido não está no texto, mas é construído na interação e interpretar isso é bastante diferente. É possível, então, que meses possam ser gastos sem obter qualquer informação útil para mostrar essa interação.

Nesta situação, é possível deslocar a análise da contagem sistemática de elementos em uma deliberação para uma abordagem temática interpretativa para analisar as deliberações. Ryfe

5 Por exemplo, o projeto Virtual Agra (Muhlberger, 2005), que produziu as deliberações que Stromer-Gally avaliou por meio de análise de conteúdo, teve tanto uma condição presencial (face-a-face) quanto online; em virtude da baixa qualidade do áudio gravado dos encontros presenciais, as transcrições não puderam ser feitas.

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(2006), por exemplo, analisou cinco National Issues Forums e descobriu que uma forma básica de se apresentar razões era a narrativa de histórias pessoais (storytelling). Ele analisou o papel que esta facilidade realiza para promover narrativas como uma forma de apresentar razões aos argumentos. Ele também especulou por que a história de vida é um aspecto tão proeminente do conteúdo da deliberação. Trabalhos semelhantes (Black, 2008; Hendricks, 2005; Polletta, 2006; Polletta & Lee, 2006) examinam a narrativa de vida como um importante aspecto da deliberação e argumentam que histórias pessoais são recursos discursivos importantes que participantes moldam durante a discussão deliberativa. Tal análise interpretativa, embora menos comum do que análise sistemática de conteúdo, é uma abordagem útil para analisar o que constitui a deliberação. Análise interpretativa é ainda mais efetiva quando situada como parte de um estudo de caso, um método discutido mais à frente nesse capítulo.

Outro tipo de micro-análise foca nas interações dos processos discursivos envolvidos na deliberação. Enquanto a análise de conteúdo mede aspectos das contribuições dos participantes de acordo com um esquema de códigos pré-determinado e analisa os dados quantitativamente, a análise de discurso usa uma abordagem mais qualitativa para examinar a comunicação que ocorre em cada encontro deliberativo. As abordagens de análise de discurso focam na interação ao examinar como as pessoas se comunicam umas com as outras. Algumas das tradições predominantes em análise de discurso incluem a análise conversacional, a etnografia da comunicação, a análise crítica de discurso (para uma visão geral das análises de discurso, ver Jaworski & Coupland, 1999).

Há um corpo crescente de trabalhos com análise de discurso no campo maior da comunicação política que devem ser relevantes para os estudiosos em deliberação (como Townsend, 2006; Tracy, 2007; e a edição temática especial de 2009 do International Journal of Public Participation chamada “The Practice of Public Meetings” – A Prática dos Encontros Públicos), mas muito pouca pesquisa tem sido conduzida para medir diretamente os aspectos da deliberação dessa forma. Numa reflexão recente sobre os desafios das abordagens qualitativas no estudo da deliberação, Haug e Teune (2008) apresentam uma moldura geral para realizar a “observação participante comparativa” (p. 6) entre diversos grupos. Esses autores argumentam que a observação participante é um bom caminho para acessar e compreender o discurso deliberativo. No entanto, pesquisadores que desejam estudar vários grupos e comparar resultados entre os casos devem lidar com as questões da confiabilidade, tanto quanto aquelas enfrentadas pelos analistas de conteúdo, como descrito anteriormente.

Haug e Teune (2008) oferecem uma moldura para guiar os observadores participantes a registrar as notas no trabalho de campo e facilitar a comparação confiável entre os casos. Primeiramente, eles indicam que os pesquisadores devem dar mais atenção nas “discussões controversas sobre temas conflituosos” (Haug & Teune, 2008, p. 9), o que ajuda a estreitar o foco dos observadores. Na seqüência, eles recomendam aos observadores criar três tipos de documentos: 1) um “retrato de grupo” que descreve uma impressão geral sobre o grupo, que é completado ao final da observação do pesquisador, 2) um “reporte de sessão” que serve a descrição de um encontro particular, e 3) “protocolos de controvérsia”, que os pesquisadores preenchem para cada controvérsia que ocorra durante uma sessão observada (Haug & Teune, 2008, p. 23). Ao final do período de observação, cada grupo terá um retrato de grupo, diversos

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reportes de sessão (um para cada encontro) e vários protocolos de controvérsia (em número correspondente à quantidade de controvérsias observadas). Formalizar as notas do trabalho de campo dessa forma direciona as preocupações com a confiabilidade ao capacitar os pesquisadores a fazer comparações apropriadas entre os casos.

Outro exemplo de uma abordagem de análise de discurso na deliberação é a investigação de Black (2006) sobre como membros de um grupo deliberativo contam e reagem a histórias pessoais durante discordâncias. Black analisou quantitativamente a comunicação de dois grupos envolvidos num fórum deliberativo online para explorar e descrever padrões interativos relacionados à narrativa de histórias de vida, identidade coletiva, e conflito. Ela distinguiu quatro tipos de histórias, cada uma com uma função discursiva diferente. E apontou que diferentes tipos de histórias indicaram diferentes ideias sobre a identidade do narrador das histórias e sua conexão com o grupo, e que o uso de diferentes tipos de histórias pelos membros do grupo também conduziria a diferentes estratégias de gestão do conflito.

Algumas análises sistemáticas de conteúdo se utilizam da análise de discurso para ajudar a construir categorias de códigos. Black (2006) se utiliza dos resultados de um estudo qualitativo sobre histórias de vida em fóruns deliberativos online para criar um esquema de códigos que analise quantos diferentes tipos de histórias contadas pelos participantes geraram padrões de respostas que resultaram em diferentes resultados na gestão de conflitos. Codificadores foram treinados para avaliar aspectos das histórias em si, mas também olharam para as respostas a estas histórias para avaliar aspectos da interação, como concordância, uso de declarações sobre identidade coletiva, e gestão de conflito. De forma similar, Stromer-Galley (2007) usou uma pesquisas pré-existente sobre expressões de concordância e desacordo com análise de conteúdo (ver, por exemplo, Pomerantz, 1984). Ela também abordou os códigos da deliberação a partir da perspectiva de uma interação. Codificadores foram treinados para analisar a deliberação ao avaliar o pensamento expresso no contexto que precedeu a fala.

A abordagem do discurso analítico permite aos pesquisadores prestar uma maior atenção na comunicação real ocorrida e a discernir sobre padrões e sentidos que parecem mais relevantes para o caso em questão. O inconveniente dessa abordagem é que consome tempo significativo e exige tipicamente uma atenção maior a um número menor de grupos, o que limita a generalização dos resultados. No entanto, traduzir os resultados de um estudo de análise de discurso para um esquema de códigos de análise de conteúdo permite aos pesquisadores examinar um número bem maior de exemplos e testar hipóteses que podem não ter sido bem aplicadas em estudos qualitativos de análise de discurso realizados em menor escala.

Abordagens de macro-análise. Os métodos e as medidas dos estudos discutidos até então foram todos operacionalizados no nível da micro-análise, ao enfatizar a comunicação de uma unidade pequena de análise (isto é, a tomada da palavra, o argumento, a unidade de pensamento, uma história, uma resposta). Por outro lado, a abordagem da macro-análise para a análise discursiva dá um passo atrás para observar a conversação como um todo. Neste tipo de análise de conteúdo, os codificadores são treinados para avaliar globalmente as transcrições e para expressar uma opinião sintética sobre a qualidade da deliberação realizada. Assim como a análise de conteúdo no nível micro, codificadores devem ser bem treinados nos

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conceitos e regras de codificação, e precisam alcançar um nível razoável de confiança entre codificadores.

Gastil, Black, e Moscovitz (2008) usam essa abordagem ao pedir que os codificadores leiam as transcrições das discussões em grupo e avaliem as discussões segundo seis dimensões da deliberação, baseadas na definição conceitual apresentada por Burkhalter et al. (2002). Por exemplo, para avaliar a dimensão “consideração” da deliberação, codificadores dão uma nota a cada discussão entre 1 (“discorda totalmente”) e 7 (“concorda totalmente”) para uma resposta a uma declaração, como: “O grupo considerou cuidadosamente o que cada participante tinha a dizer”. Nesse estudo, as seis dimensões foram combinadas para dar a cada discussão uma nota global para o nível da deliberação, de acordo com a avaliação dos observadores treinados. Em outro exemplo, Black, Welser, DeGroot, e Cosley (2008) operacionalizaram a definição de Gastil e Black (2008) para avaliar a deliberação de algumas discussões sobre a construção de políticas da Wikipedia. Para complementar um esquema de códigos de micro-análise de conteúdo que era usado para avaliar a discussão de cada post, codificadores foram treinados para ler a linha da discussão como um todo e a apontar quanto ela incorporou os processos sociais e analíticos da deliberação.

A abordagem em nível macro não oferece informação detalhada sobre a deliberação que está disponível na análise de discurso no nível micro. No entanto, ela permite aos pesquisadores um olhar mais acurado para a interação, além de ser capaz de capturar aspectos importantes da interação que não são evidentes por meio do estudo de cada comentário separadamente. Ambos os estudos aqui revisados usam ratings globais para complementar outras medidas, como a micro-análise de conteúdo ou relatórios produzidos pelos próprios participantes da discussão em grupo. Por exemplo, Black et al. (2008) combinam os resultados de suas análises de conteúdo com análises de redes sociais para descrever tanto o conteúdo quanto a estrutura da discussão deliberativa.

A combinação de medidas permite aos pesquisadores examinar a deliberação de uma forma multifacetada ao oferecer detalhes da interação, uma nota global para a sessão e as próprias perspectivas dos participantes. Um desafio para a abordagem da micro-análise é que diferentes abordagens de mensurações podem produzir diferentes conclusões e resultados de diferentes medidas podem não se correlacionar fortemente uns com os outros. Como Gastil et al. (2008) pontuam, falta de associação entre medidas indica que “um grande desafio enfrentado por aqueles que esperam definir operacionalmente a deliberação de uma forma que seja significativa para todos os participantes, praticantes e também pesquisadores” (p.39).

Avaliação de participantes. Outra forma diferente de avaliar aspectos da deliberação é pedir aos próprios participantes seus comentários sobre suas experiências. Em vez de examinar detidamente o conteúdo dos encontros, os métodos de avaliação dos participantes dão aos deliberantes a chance de refletir sobre sua experiência na discussão. Embora isso não seja baseado na primeira observação do pesquisador, nós categorizamos a avaliação participante como uma medida direta da deliberação porque as questões indicadas pelos participantes são cuidadosamente manuseadas para corresponder intimamente a definições teóricas de deliberação como o nível de respeito entre os participantes, eqüidade relativa de oportunidades de fala, e consideração e compreensão de diversos pontos de vista durante a

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discussão. Pesquisadores pedem tipicamente aos participantes para fazer suas avaliações por meio de questionários de sondagens de opinião depois de finalizadas as discussões (Gastil, Black, Deess, & Leighter, 2008; Halvorsen, 2001; Reykowski, 2006). Em vez de sondagens, entrevistas em profundidade são mais tipicamente usadas como parte de um estudo de caso mais profundo (Grogan & Gusmano, 2005; Mansbridge, 1980), de maneira que o foco aqui é nas avaliações baseadas nos questionários.

Um dos esforços mais recentes para se medir a deliberação por meio de sondagens após os encontros é a tese de doutorado de Nabatchi (2007). Diante da falta de consenso em torno de uma definição a partir da qual se deve trabalhar, ela construiu uma escala confiável de 10 itens denominada como Índice de Qualidade Deliberativa (Deliberative Quality Index). Os participantes estudados concordaram/discordaram com itens relacionados a uma gama de questões, como consenso (“Os participantes se esforçaram para a construção de consenso diante das questões?”), políticas discutidas (“Um conjunto variado de políticas foi discutido”), valores (“As discussões identificadas compartilharam valores na comunidade”), e consideração (“As discussões me ajudaram a considerar outros lados das questões”). Os itens também incluíram medidas do contexto percebido (diversidade), do processo (iguais tomadas de fala) e resultados (mudança da opinião de alguém). Ao final, o índice não provou mudanças previsíveis na eficácia política dos participantes, embora Nabatchi (2007) tenha especulado que isso pode estar relacionado com a variância limitada em seu Índice de Qualidade Deliberativa, um tema ao qual retornarmos para concluir a seção deste capítulo.

Comparado ao conjunto amplamente diverso de itens na sondagem proposta por Nabatchi (2008), Gastil (2006) tentou acertar em um elemento único e central da deliberação. Sua escala baseada em um único item para a avaliação dos participantes de encontros públicos nas atividades do Los Alamos Laboratories se baseia na seguinte questão:

Algumas vezes os encontros públicos ou discussões em grupos são dominadas por pessoas que tomam todo o tempo do encontro e não deixam os outros falarem. Em geral, os encontros públicos dos quais você participou foram dominados por pessoas favoráveis ao Lab, dominados por pessoas contrárias ao Lab, ou nenhum grupo foi dominante no encontro?

Um encontro público deliberativo foi aquele em que participantes reportaram que nenhum grupo dominou a discussão. (Isso é análogo, ou inspirado, na clara distinção que Page [1996] e Zaller [1992] fazem entre debate equilibrado ou baseado no argumento unilateral da elite na mídia.) Gastil (2006) descobriu que esses encontros pareciam produzir mais ganhos com o aumento de conhecimento relevante do que aqueles encontros que eram dominados por um lado ou outro.

Medidas como essa podem adquirir confiabilidade, mas ter uma validade limitada para a totalidade dos indicadores do processo da deliberação em grupo. Nem enfatiza exclusivamente a qualidade da interação, e a medida proposta por Gastil (2006) poderia ser incapaz de distinguir um fórum deliberativo equilibrado daquele que é meramente uma disputa justa, ainda que uma disputa mordaz e contra produtiva.

Uma tentativa mais promissora de avaliação pelos próprios participantes foi realizada por Gastil e Sawyer (2004). Esse estudo ainda não publicado foi inusitado porque seu principal

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objetivo era estabelecer uma validade convergente entre a avaliação de participantes e de observadores da deliberação. Os pesquisadores reuniram 106 alunos de graduação em 15 grupos, e cada um discutiu uma proposta de lei sobre assédio sexual em escolas de ensino médio. Três medidas diferentes de deliberação foram tomadas: (1) os próprios participantes responderam à sondagem de opinião incluindo 49 itens de avaliação após a discussão; (2) os moderadores do fórum, todos alunos graduados em um seminário sobre deliberação, completaram uma avaliação após a discussão contento seis itens; e (3) outros alunos de graduação receberam 15 minutos de treinamento e então foram enviados para observar a discussão em times de três pessoas, completando a mesma avaliação com seis itens, adicionada apenas por uma folha de conferência que eles tinham usado durante a discussão para anotar momentos deliberativos.

Simplificando a apresentação dos resultados do trabalho de Gastil e Sawyer (2004), três aspectos da deliberação foram medidos usando esses instrumentos: o rigor do processo analítico (Rigor); o grau segundo o qual os participantes se entenderam e consideraram os argumentos dos outros (Ouvir); e a eqüidade de oportunidades de fala entre os participantes (Eqüidade)6. Para medir as respostas dos participantes, foram usadas três escalas com itens variados, todas com suficiente confiabilidade (alfa mínimo = 0.84), enquanto a medida dos moderadores e observadores incluiu escalas com combinações com o conjunto menor de itens avaliados. Todas as pontuações individuais foram então calculadas na média para se criar três grupos de classificações para a deliberação em grupo – uma para os participantes, uma para os observadores, e uma para os moderadores do fórum.

A tabela 17.1 mostra as associações entre as nove classificações. Diante do pequeno tamanho da amostra (N=15), apenas algumas das associações foram significantes estatisticamente, mas houve indicações claras de que para cada abordagem de mensuração, as diferentes dimensões foram relacionadas positivamente.

TABELA 17.1

6 Esses indicadores correspondem , de forma mais ou menos aproximada, aos elementos presentes na definição de deliberação elaborada por Burkhalter et al. (2002), e os elementos “Ouvir” e “Eqüidade” são paralelos aos que Reykowski (2006) desenvolveu em sua Deliberative Functioning Scale (“Escala de Funcionamento Deliberativo”), um instrumento de avaliação do participante com múltiplos itens de análise.

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Correlações entre Índices de Observadores, Moderadores e Participantes de Rigor Analítico, Ouvir Atencioso, e Igualdade de Oportunidade de Fala

Índices de Observadores Índice de Moderadores Índice de Participantes

Rigor Ouvir Eqüidade Rigor Ouvir Eqüidade Rigor Ouvir

Observador Ouvir 0.30Índices Eqüidade 0,09 0.25

Moderador Rigor 0,17 -0,11 -0,15Índices Ouvir 0,09 0,04 -0,11 0,33

Eqüidade -0,02 0,31 0,56* -0,22 0,17

Participante Rigor -0,20 0,44* 0,39 -0,20 -0,25 0,07Índices Ouvir -0,09 0,71** 0,07 -0,36 -0,04 0,30 0,44*

Eqüidade 0,24 0,72** -0,28 -0,09 -0,02 0,06 0,28 0,40+

Nota: Para alfa de 1, ** p< 0,001, * p< 0,05, + p< 0,10. N=15

Os três índices de participantes foram moderadamente correlacionados (média r=0,37). Para ambos os índices de moderadores e observadores, a escala Ouvir foi modestamente correlacionada com Rigor e Eqüidade (média r=0,26). Moderadores e observadores, no entanto, não tiveram uma associação positiva clara entre Rigor e Eqüidade (com a correlação tendendo ao negativo no caso dos índices dos moderadores).

Comparando as dimensões deliberativas entre as três abordagens de mensuração, outros padrões também apareceram. No caso do indicador de Rigor, houve pouca concordância ente os métodos, com moderadores e observadores apresentando pontuações positivas relacionadas ao Rigor (r=0,17) e ambos tendo idênticas associações negativas com os índices de Rigor na auto-avaliação dos participantes (rs = -0,20). Moderadores e observadores tiverem ainda maiores concordâncias nos índices de Eqüidade (r=0,56) e não apresentaram claras associações com os índices dos participantes. No caso do indicador Ouvir, porém, as pontuações dos moderadores não tiveram associações com as dos observadores e dos participantes, enquanto as dos observadores e dos participantes tiveram alta associação (r=0,71).

Esta última associação está relacionada apenas às últimas correlações entre métodos e medidas. O índice Ouvir na avaliação dos observadores após a deliberação foi um sinalizador de todas as três pontuações dos participantes, incluindo a correlação mencionada anteriormente, além da média de pontuação dos participantes no indicador de Eqüidade (r=0,72) e de Rigor (r=0,44).7

7 A pontuação dos observadores no indicador “Ouvir” foi baseada nas respostas a dois itens: “Os participantes da discussão foram capazes de compreender as ideias expressas pelos demais” e “De forma geral, o grupo NÃO considerou realmente o que os participantes tinham a dizer” (reverso). As respostas foram registradas numa escala de cinco pontos definidos como Discorda Totalmente, Discorda, Neutro, Concorda, e Concorda Totalmente.

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Em síntese, o estudo de Gastil e Sawyer (2004) sugere que as avaliações dos participantes sobre sua experiência deliberativa pode diferir consideravelmente daqueles índices alcançados pelos moderadores de fóruns e por observadores treinados. Há pelo menos algum nível de correspondência, no entanto, entre as avaliações de participantes e aquelas realizadas por observadores neutros com um nível de conhecimento prévio semelhante.8

Estudo de Caso Integrado. O método final que nós categorizamos como uma medida direta da deliberação é o que nós chamamos de estudo de caso integrado. O estudo de caso utiliza tanto observação direta da interação e avaliações de participantes quanto mede aspectos da deliberação que estiveram presentes no grupo. Estudos de caso tipicamente envolvem um envolvimento prolongado com um grupo que está sendo estudado, à medida que o pesquisador se engaja numa observação participante dos encontros do grupo ao longo do tempo.

Mansbridge (1980) apresenta um exemplo mais antigo de um estudo de caso integrado. Seu estudo de encontros realizados em cidades da Nova Inglaterra e de uma organização não-lucrativa na área de saúde oferece uma descrição detalhada de processos deliberativos e de condições estruturais que ajudam a facilitar a deliberação. Assim como outros estudos de caso integrados em deliberação (por exemplo, Edwards, Hindmarsh, Mercer, e Rowland, 2008; Gastil, 1993; Grogan e Gusmano, 2005; Karpowitz e Mansbridge, 2005; Mendelberg e Oleske, 2000; Nishizawa, 2005; Wilson, Payne, e Smith, 2003), Mansbridge usa uma combinação de métodos de pesquisa para oferecer uma descrição rica dos lugares estudados e explica suas implicações para a teoria deliberativa.

Alguns exemplos recentes de estudos de caso em deliberação incluem a investigação de Tracy (2010) em encontros de conselhos escolares no Colorado, o estudo de Ryfe (2007) de uma cidade chamada “Civicville”, a pesquisa de Hartz-Karp de fóruns realizados na Austrália Oriental (2007), e o profundo estudo de Polletta (2006, 2008; Polletta e Lee, 2006) do “Listening to the City”, encontro sobre a cidade do século 21 do AmericaSpeak, realizado em Nova York depois do 9 de setembro. (Para mais informações sobre esse tipo de fórum, ver Lukensmeyer, Goldman, e Brigham, 2005). Todos esses protótipos de estudos de casos partilham de um engajamento profundo com o lugar em que o estudo se realiza, o que é parcialmente evidenciado pelo fato de que cada um acompanhou os grupos em questão durante vários anos. Outra questão importante sobre os estudos de caso integrados é o uso de múltiplos métodos. Ryfe (2007) combina observação etnográfica com entrevistas em profundidade e análise da cobertura noticiosa em jornais. Os métodos de Polletta (2006, 2008) incluem observação, entrevistas, e análise de conteúdo tanto em discussões presenciais quanto online. O estudo de Gastil (2003) envolveu observação participante, análises de transcrição de vídeos, questionários aplicados aos participantes, e entrevistas em profundidade durante as quais os debatedores assistiam a uma parte do vídeo com a gravação de seus encontros para uma imediata reflexão crítica sobre aqueles momentos da deliberação.

Ocasionalmente, pesquisadores em deliberação se vêem atuando com dois papéis, tanto o de pesquisador quanto de consultor ou facilitador da deliberação em grupo. Por exemplo, além 8 Como um indicador de validade convergente, as pontuações dos participantes foram fortemente associadas com a avaliação de um participante independente que combinaram medidas gerais de satisfação, percepção de justiça, e eficácia de grupo (Gastil e Sawyer, 2004, p. 16).

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de entrevistar os participantes de um fórum depois do encontro, Polletta (2008) colaborou com o comitê dirigente das organizações que ela estava estudando. Ela também “trabalhou como facilitadora, ajudou a planejar os workshops e a sintetizar ideias geradas nessas ocasiões para elaborar o esboço de algumas visões, e entrevistou organizadores” (p. 6). De forma semelhante, Hartz-Karp (2007) atuou como consultora da organização que sediou os fóruns estudados. Esse duplo papel de pesquisador e consultor / facilitador pode de tornar uma armadilha porque há um potencial de conflito entre os objetivos e a expectativas dessas duas funções. Hartz-Karp se decreve como “andando na corda bamba” entre os papéis e as condições. “Naturalmente não é possível pra mim ser completamente objetiva na análise de um processo de cuja execução e aconselhamento eu participei. No entanto, não reportar o trabalho em que eu estava envolvida representaria um desperdício de anos de experiência e de um conhecimento obtido com muito trabalho” (p.8). Nessas situações, a abordagem do estudo de caso integrado pode se aproximar de um tipo de paradigma em pesquisa ação porque envolve a colaboração com os praticantes para endereçar uma questão social específica, assim como questões de pesquisa que interessam aos estudiosos.

Medição indireta

As pesquisas debatidas até aqui apresentam modelos para a mediação direta de aspectos da deliberação a partir da atenção focada nos processos envolvidos na deliberação. Diferentemente destes, muitos pesquisadores medem a deliberação indiretamente ao avaliar indicadores de que a deliberação pode ocorrer ou ocorreu. Medidas indiretas são geralmente usadas quando antecedentes ou resultados da deliberação são as melhores informações (ou as únicas) a serem medidas.

Por exemplo, em casos de deliberações reais ocorridas em pequenos grupos institucionalizados, como um comitê parlamentar de deliberação, os pesquisadores podem não ter acesso à deliberação real ou mesmo aos participantes. Em deliberações em júris, pesquisadores podem ter acesso aos participantes após os encontros deliberativos – mas não ao conteúdo em si dos encontros. Estes são exemplos válidos de uma deliberação regularizada, mas em virtude de limites práticos e institucionalizados, só se pode saber se as condições para a deliberação foram satisfeitas de maneira que o grupo deve realmente ter deliberado.

Antecedentes

Alguns grupos de instituições governamentais afirmam com freqüência que deliberaram antes de tomar decisões finais, pesando méritos de propostas de mudanças de regras administrativas ou uma resolução para ir à guerra, por exemplo. Freqüentemente, no entanto, essas deliberações não estão disponíveis para que os pesquisadores as observem, ou o acesso pode até mesmo ser proibido. Burkhalter (2007) teve o desafio de examinar as condições para

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a deliberação presente em seis instâncias parlamentares de elaboração de projetos de lei. Algumas das condições para a deliberação são sagradas no Congresso norte-americano por meio do que é chamado como “ordem regular”; no entanto, como Burkhalter descobriu, essa “ordem regular” é geralmente ignorada, assim como a consideração de diversos pontos de vista em locais como as audiências legislativas. Burkhalter demonstrou que quando uma mensagem pública do partido majoritário sobre um ponto da legislação era importante, a probabilidade de uma deliberação tendia a cair. A probabilidade de que a deliberação ocorresse era medida pelas condições encontradas para tal em cada caso estudado.

Mais comumente, quando o assunto são os encontros públicos em que participantes podem compartilhar seus pontos de vistas, os pesquisadores simplesmente assumem que uma forma de deliberação ocorreu (Mendelberg e Oleske, 2000). A presença desta variável então é dada como certa para que a deliberação tenha ocorrido, sem nenhuma medida variável entre as observações. Essa abordagem tem também sido usada em estudos que consideram como discussões deliberativas aquelas conversações que ocorrem em circunstâncias bem planejadas, tipicamente mediadas por facilitação profissional, fóruns públicos, como em estudos sobre os National Issues Foruns (por exemplo, Gastil, 2004; Gastil e Dillard, 1999; Ryfe, 2006) e Deliberative Polls – sondagens deliberativas – (Fishkin e Luskin, 1999; Luskin, Fishkin, e Jowell, 2002; Sturgis, Roberts, e Allum, 2005).

Pesquisadores experimentais definiram condições estruturais que, segundo eles, modelam suficientemente a presença ou ausência de uma ou mais características deliberativas, e então comparam os resultados entre subgrupos deliberativos e não-deliberativos em experimentos. Assim, Morrell (205) comparou um grupo com foco na argumentação (isto é, em que os participantes trocam argumentos, como um debate parlamentar) com um grupo focado na busca de acordos (isto é, em que os participantes são encorajados a procurar preferências convergentes). Sulkin e Simon (2001) reduziram a questão ainda mais, simplesmente tratando da interação comunicativa como deliberativa sob determinadas condições experimentais e comparando-a com circunstâncias sob as quais os participantes não podem falar uns com os outros. Num caso extremo, a deliberação é simplesmente redefinida como simples oportunidade para comunicar, certamente a condição estrutural mínima para que a deliberação ocorra.

Mais promissora é a abordagem utilizada por Reykowski (2006), que comparou três condições experimentais – condições mínimas para a deliberação, introdução de normas deliberativas, e suporte para tais normas. Na primeira condição, o facilitador apenas aconselhava os participantes no início a se manter no tópico da discussão, a não ofender, e não dar a todos a chance de falar. Na segunda, o facilitador apresentou um conjunto mais completo e detalhado de normas deliberativas (não diferentes daquelas utilizadas por Burkhalter at al., 2002), que também foram entregues por escrito a cada participante. A terceira condição acrescentou a intervenção ativa do facilitador, quando necessário, para reiterar ou reforçar aquelas normas. Infelizmente, a análise post hoc das discussões revelou que as condições experimentais não foram “bem sucedidas em diferenciar as condições para os debates”, com todos os grupos demonstrando “algumas formas de funcionamento deliberativo” (p. 344).

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Um inconveniente claro dos métodos de mediação indireta da deliberação é que pesquisador pode somente tirar conclusões relacionadas à presença ou à ausência de antecedentes e não pode afirmar definitivamente se a deliberação realmente ocorreu, e não avalia como ela ocorreu. Contudo, ao medir as condições para a deliberação, os pesquisadores podem apresentar sugestões relacionadas aos processos do grupo que devem ser ajustados para torná-los mais próximos do que será uma discussão deliberativa em grupo. Isso é importante para garantir legitimidade à decisão final de grupos inseridos em governos que afirmam ter deliberado sobre diferentes opções de políticas ou ações e o fazem entre portas fechadas ou sobre a mesma temática em diferentes momentos no tempo.

Resultados

Uma abordagem voltada aos resultados convencionalmente usa questionários de sondagens de opinião, mas invés de pedir aos participantes que comentem sobre o processo deliberativo, os instrumentos são desenhados para medir as variáveis assumidas como definidoras de alta qualidade deliberativa. A revisão da literatura elaborada por Muhlberger (2007) mostra que os participantes de fóruns deliberativos demonstram crescente conhecimento e raciocínio político, assim como um senso ampliado de cidadania. Essas variáveis têm sido medidas por uma ampla gama de estudos, que tipicamente utilizam sondagens antes e depois da deliberação para comparar os níveis variantes9. O estudo de Gastil, Deess, Weiser, e Mead (2008) sobre o impacto civil da deliberação em júri compara a experiência desses jurados após tais experiências cívicas com aqueles que estiveram na sala do júri durante o julgamento, mas foram dispensados sem ter a chance de deliberar juntos.

Uma forma de determinar se o conhecimento político do indivíduo cresceu como resultado da discussão deliberativa é apresentar questões específicas aos participantes sobre temas políticos relevantes imediatamente após de ele ter participado das discussões em grupo. Fishkin e colegas usam essa abordagem em Deliberative Polls (Sondagens Deliberativas) ao comparar o conhecimento dos participantes do fórum ao nível geral de conhecimento político de um grupo de controle que não deliberou (Fishkin e Luskin, 1999; Luskin, Fishkin, e Jowell, 2002).

Uma medida relacionada co conhecimento político é o que Cappella, Price, e Nir (2002) chamam de “repertório argumentativo”. Esses autores argumentam que “aqueles que conseguem identificar múltiplas explicações com uma genuína evidência sobre elas, contra-argumentos para suas próprias explicações, e uma opinião a favor de sua própria explanação possuem os índices mais altos de conhecimento sobre o tema em discussão” (p. 275). Cappella e seus colegas medem a habilidade dos participantes em articular suas próprias opiniões sobre um assunto político assim como opiniões e argumentos apresentados por outros. Eles acham que o repertório argumentativo é um bom indicativo de participação na conversação deliberativa, e que a deliberação também pode levar ao aumento do repertório argumentativo de alguém. (Para uma abordagem diferente sobre o repertório argumentativa, ver Lustick e Miodownik, 2000).

9 Muito dessas variáveis correspondem aos resultados que constaram como hipóteses no trabalho de Burkhalter et al. (2002), e que fazem sua definição de deliberação especialmente útil por considerar esse conjunto correspondente de medidas de resultados da deliberação.

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De forma semelhante, atitudes políticas podem ser medidas ao se questionar o grau de concordância dos participantes sobre declarações relacionadas a temas relevantes como: “os Estados Unidos deveriam continuar a se envolver em cooperação militar com outras nações para enfrentar problemas marcantes no mundo” (Fishkin e Luskin, 1999, p. 24). Estudos que investigam mudanças de atitude (por exemplo, Gastil, Black, Deess, e Leighter, 2008; Gastil e Dillard, 1999; Sturgis, Robers, e Allum, 2005) usam um desenho de pesquisa antes e depois do fórum para examinar de que maneira a participação nos fóruns deliberativos altera as atitudes dos participantes sobre tópicos políticos.

Outro resultado da deliberação que tem sido estudo com freqüência é o da eficácia política, que é o grau em que um indivíduo se sente confiante de que pode efetivamente tomar uma ação política. Craig, Niemi, e Silver (1990) apresentam uma medida de eficácia que tem sido utilizada por estudiosos da deliberação para examinar o grau em que deliberar com um grupo de cidadãos influencia o nível de eficácia política (por exemplo, Fishkin e Luskin, 1999; Gastil, Black, Deess, e Leighter, 2008; Morrell, 2005).

Algumas medidas usadas pelos pesquisadores da deliberação que são relevantes para identificar um senso de político incluem interesse em política (Verba, Schlozman e Brady, 1995), assim como identidade política, confiança em outros cidadãos e confiança nas instituições de governo (Gastil, Black, Deese, e Leighter, 2008; Muhlberger, 2005, 2007). Itens de pesquisa desenvolvidos para medir essas variáveis avaliam diferentes aspectos do senso de identidade e responsabilidade dos participantes como cidadãos, o que pode ser influenciado pela participação da discussão deliberativa.

Parte do resultado positivo implicado no modelo de Burkhalter et al. (2002) é que a participação na deliberação pode influenciar os hábitos cívicos futuros dos participantes. Um desses hábitos é o voto. Numa série de estudos, Gastil e colegas (Gastil, Deess, Weiser e Meade, 2008) descobriram que a participação num júri criminal aumentou os índices futuros de participação eleitoral entre os indivíduos quando eles tiveram a oportunidade de deliberar (se comparado com aqueles jurados que foram definidos como suplentes ou participaram de julgamentos que terminaram antes mesmo do início da fase deliberativa). Essa linha de pesquisa oferece uma contribuição metodológica digna de nota para a pesquisa em deliberação ao combinar dados obtidos de questionários respondidos pelos jurados com o histórico individual subseqüente de participação eleitoral, que é disponível publicamente. A maioria dos estudos deliberativos que examinam resultados conta quase tão somente com medidas obtidas de surveys, mas os estudos com júris mostram que dados secundários podem ser usados para complementar as técnicas de pesquisa primária.

Uma abordagem final com foco em resultados dá um passo atrás na deliberação em si para enfatizar a relação entre o apoio dos participantes a diferentes razões e políticas antes e após a deliberação. Niemeyer (2006) usa essa abordagem para estudar a mudança de avaliação pelos cidadãos sobre políticas em eventos como os júris de cidadãos (Citizen Juries). Na visão de Niemeyer, “o acordo perfeito em torno de uma preferência somente deveria ocorrer quando há também concordância no nível de razões” e “o desacordo no nível de preferências deveria refletir um nível semelhante de desacordo no nível básico de razões” (p. 9). Então, Niemeyer revisa estudos de caso deliberativos e encontra evidência de que a deliberação

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ocorreu devido à forte correspondência entre as razões e as preferências dos participantes depois das discussões realizadas.

Medir indiretamente a deliberação por meio de questionários de opinião que avaliam os efeitos da deliberação tem seus benefícios. Os métodos e medidas associados com a pesquisa tipo survey estão bem estabelecidas e podem ser estendidos a um número maior de participantes. Essas grandes amostras permitem aos pesquisadores investigar um número de hipóteses relacionadas à deliberação e apresentar conclusões generalizáveis. A confiabilidade dessa abordagem está no fato de que os pesquisadores precisam ser cautelosos para afirmar que uma variável, como mudança de atitude, é tanto um indicador da deliberação como causado por ela. Além disso, não pode ser feita uma afirmação automática de que a deliberação produz um conjunto de resultados que nós destacamos aqui, e é possível que qualquer número de resultados surja de um atributo dos participantes que não foi medido ou resulte de atos comunicativos que pouco se adequam ao que poderia ser considerado como deliberação. Por último, estudos baseados exclusivamente em medir resultados da deliberação não serão úteis na avaliação do impacto da deliberação nesses mesmos resultados, a não ser que componham uma falácia tautológica.

RESUMO E RECOMENDAÇÕES

Sem uma concordância em torno da definição e das respectivas medidas da deliberação, surgem questões relacionadas à possibilidade de que a deliberação em pequeno grupo realmente alcance as condições normativas e os resultados que a teoria democrática deliberativa imagina (Levine et al., 2005; Rosenberg, 2005). A falta de acordo em torno de uma definição uniforme de deliberação a partir da qual medidas empíricas confiáveis poderiam derivar já causou um impacto no campo dos estudos empíricos em deliberação. Por exemplo, alguns observadores empíricos, confiando nas conceitualizações prévias sobre uma deliberação pública ideal articuladas por teóricos como Habermas (1984) e Cohen (1997), acabaram encontrando deliberações públicas reais que se adequam pouco à visão normativa (Mendelberg, 2002; Mendelberg e Oleske, 2000; Rosenberg, 2006; Sanders, 1997; Sturgis et al., 2005; Sulkin e Simon, 2001).

Um objetivo do projeto de Gastil e Black (2008) era distinguir entre diferentes tipos de deliberação pública, sendo as deliberações baseadas em grupos o tipo mais conhecido. A partir disso, pesquisadores deliberativos poderiam reconhecer que nem todos os tipos de pequenos grupos organizados para deliberação pública são idênticos: é absolutamente possível que diferentes e nítidos desenhos deliberativos possam alcançar níveis diferentes de deliberação, tanto dentro como entre os diferentes desenhos. Em outras palavras, há certamente um tipo diferente de discussão em um National Issues Forum, se comparado com uma Deliberative Poll, se comparado a um júri criminal ou a um encontro municipal. Além disso, há certamente uma variação considerável na qualidade deliberativa de diferentes eventos que são todos considerados como National Issues Forums.

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Para pegar apenas um exemplo, as armadilhas de uma discussão desestruturada levaram muitos praticantes da deliberação a concluir que para predefinir um encontro a partir da teoria democrática deliberativa normativa, pequenos grupos deliberativos deveriam ser estruturados para incluir um facilitador treinado para orientar os participantes quanto às normas deliberativas (Levine et al., 2005). Como Ryfe (2006) sustenta, a facilitação estabelece normas e encoraja os participantes a aderir a elas. Participantes que estiveram envolvidos na supervisão ou facilitação de projetos deliberativos parecem concordar que grupos precisam de facilitação para alcançar resultados deliberativos (Guttmann, 2007; Mansbridge et al., 2006). Reykowski (2006) demonstrou que a mera presença de um facilitador neutro que articula até mesmo normas deliberativas básicas pode ajudar os grupos a alcançar pelo menos um mínimo de deliberação. Ainda sobre essa concordância, há diferentes visões sobre o que o facilitador deveria fazer para estruturar a discussão, e persistem aqueles que tratam a ideia da facilitação como um todo.10

Segundo Guttmann (2007, p. 417), “há profundas diferenças na forma como diferentes iniciativas concebem as determinações normativas” da teoria democrática deliberativa. Fung (2007) incita os pesquisadores a criar definições conceituais uniformes e expectativas empíricas para as teorias da democracia porque, a partir do ponto de vista da teoria democrática, é importante testar a teoria deliberativa para entender quando diferentes práticas e desenhos institucionais podem promover ou minar os princípios democráticos. Além disso, nós deveríamos evitar sustentar a democracia deliberativa como um padrão de perfeição absoluta, algo que não é esperado de outras formas regularizadas de participação política (por exemplo, voto, escrever uma carta para um membro do Congresso, expressar a própria opinião em um encontro do conselho municipal). Grimes (2008) pode estar certo ao afirmar que mesmo processos “imperfeitos” podem produzir os benefícios cívicos que os teóricos atribuem à deliberação, mas a questão principal é abandonar a ideia de que uma discussão deliberativa encontrará integralmente as pré-condições ideais quando a teoria deliberativa fundamental será confrontada com a observação empírica.

Tudo isso é para dizer que o grau da deliberação que ocorre em encontros de grupos certamente varia, provavelmente em grandes níveis se nós começarmos a estudar a ampla fama de práticas de grupo além dos locais e eventos deliberativos construídos cuidadosamente. Se nós pretendemos medir efetivamente a deliberação em grupo no futuro, nós acreditamos que os estudos devem levar em conta as diferentes dimensões dos processos deliberativos, se as normas da deliberação são explicitamente estabelecidas e quanto elas estão bem aderentes à discussão deliberativa.

TABELA 17.210 Sobre o sentido da fama de diferentes práticas deliberativas, ver o National Coalition on Dialogue and Deliberation (www.thataway.org). David Mathews, presidente da Kettering Foundation, que começou o programa National Issues Forums, manifestou-se, em mais de uma ocasião, veementemente contrário à ideia de “facilitar” um fórum público.

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Principais benefícios e limitações de diferentes abordagens para medir a deliberação em grupo

Medida Principais benefícios Principais limitaçõesMedidas diretas

Análise de conteúdo Atenção focada no conteúdo da deliberação. Pode incluir amostra ampliada.

Demanda tempo e pode ser difícil obter confiabilidade entre codificadores.

Análise de discurso Atenção focada na interação, padrões que são relevantes no grupo.

Amostras pequenas limitam a generalização dos resultados.

Classificações globais Avaliação integrada da deliberação.

Encobre distinções entre diferentes facetas da deliberação.

Pesquisa de opinião com participantes

Avaliação sistemática pelos próprios participantes da deliberação.

Submete-se às ideias pré-concebidas e aos desejos dos participantes de agradar organizadores e pesquisadores

Entrevistas em profundidade com participantes

Aponta a deliberação na linguagem dos próprios participantes.

Dificuldade de comparação de experiências entre indivíduos e grupos.

Estudo de caso integrado Integra as vantagens de diferentes medidas. Envolvimento prolongado permite rico detalhamento.

Demanda tempo e complica a comparação entre diferentes grupos.

Medidas indiretasAntecedentes / condições Fácil comparação entre

contextos e ampla validade de dados.

Ausência de conhecimento sobre o conteúdo ou processo real da discussão.

Conseqüências Foca nos resultados da deliberação que originalmente justificam seu uso.

Incapaz de avaliar independentemente o impacto da deliberação.

Na tabela 17.2, nós resumimos os prós e contras entre as diferentes abordagens de mensuração que revisamos. A tabela indica que uma abordagem única para medir a deliberação poderá empobrecer o campo, à medida que cada método tem sua armadilha. Ao mesmo tempo, vários métodos têm suas vantagens convincentes, o que os tornam bons candidatos para compor o “kit de ferramentas” de medição deliberativa. A única exceção, nós acreditamos, é o uso de medidas de resultados como um indicador da deliberação, uma medida que impossibilita aos pesquisadores testar se aqueles mesmos indicadores são, de fato, resultados regulares da deliberação. A história da pesquisa até o momento mostra que a deliberação, assim como eventualmente todas as outras tônicas cívicas, contribui com alguns, mas não com todos os benefícios que os teóricos mais otimistas imaginaram (Delli-Carpini et al., 2004; Mandelberg, 2002; Ryfe, 2005).

O que é necessário é uma gama de técnicas de mensuração adequadas para os diferentes objetivos. De um lado, nós acreditamos que os estudos de casos sempre serão a melhor forma

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de se estudar intensivamente espaços e eventos deliberativos específicos. Esta é realmente uma abordagem guarda-chuva, que pode incorporar observação participante, entrevistas em profundidade e até mesmo sondagens de opinião e análise formal de conteúdo. Como forma de fazer observações simultâneas em níveis micro e macro sobre os processos deliberativos em toda a sua complexidade, nós avaliamos que a abordagem do estudo de caso é o mais proveitoso como mecanismo gerador, contribuindo para a teoria deliberativa.

Para a verificação empírica dos requerimentos teóricos, amostras maiores são necessárias. Mas isso, por sua vez, pode tornar impraticáveis os estudos de caso, com suas análises intensas de conteúdo e discurso. Nesses casos, nós acreditamos que será necessário classificar globalmente a deliberação e aplicar surveys com participantes. Os instrumentos atuais de pesquisa de opinião não têm sido suficientemente testados na prática, o que demandará um trabalho de validação destes diante de técnicas mais intensivas de estudo de caso e diante de diferentes contextos deliberativos.

O estudo de Gastil e Swayer (2004) ilustra apenas uma parte desse processo – comparando avaliações com participantes contra as de observadores neutras11. São necessários muitos outros trabalhos de validação e tanto publicações como o Journal of Public Deliberation and Communication Methods and Measures, como a comunidade maior de estudiosos deliberativos, serão receptivos a esses esforços de produção.

Nós também gostaríamos de insistir no valor potencial de se desenvolver versões abreviadas de ferramentas de avaliação do participante. Muitas das pesquisas de opinião descritas aqui usaram escalas confiáveis com variados itens, mas os participantes de eventos deliberativos podem ser levados a sacrificar escalas formais de confiabilidade para aplicar pesquisas mais curtas após a deliberação. Se, por exemplo, um pesquisador quisesse adicionar medidas convencionais às surveys produzidas pelos National Issues Forums, é improvável que mais do que um par de questões poderá ser utilizado, dados os objetivos pré-estabelecidos e as limitações de logística dessas surveys. Dessa forma, seria ideal contar com uma versão longa e outra curta de qualquer instrumento de medição.

Ao mesmo tempo, nós acreditamos que pesquisadores devem continuar a pensar a deliberação em suas diferentes dimensões, o que nós duvidamos que possa ser limitado a uma medida para uma única dimensão. Dados os desafios práticos enfrentados por qualquer envolvido em pesquisa com grupos deliberativos, pode ser prudente que os pesquisadores escolham focar seus estudos no rigor analítico de um processo deliberativo, em sua natureza igualitária nas relações entre os participantes, no nível de respeito demonstrado durante a discussão, ou em outro elemento do processo, mais do que em todos simultaneamente. A abordagem mais generalista sacrifica a precisão conceitual e sua medição, o que é particularmente trabalhoso se ficar provado que os diferentes aspectos da deliberação estão associados a diferentes resultados deliberativos.

11 Aquele estudo também comparou as pesquisas de opinião entre participantes com as avaliações do moderador do fórum. É provável que a carga cognitiva presente na moderação de um fórum, ainda que mínima, seja grande demais para esperarmos índices confiáveis da deliberação na visão dos próprios facilitadores.

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Para as abordagens que simplesmente relacionam os antecedentes ou as condições estruturais da deliberação, nós acreditamos que variações particulares têm seu valor e tem contribuído para o campo. Os estudos proveitosos usando esse método chamam a atenção para o fato de que determinadas condições são muito propícias para a deliberação. Isso se torna um problema quando pesquisadores observam as variações da qualidade deliberativa entre grupos já bem construídos, como notou o estudo de Nabatchi (2007) sobre desenhos deliberativos elaborados e também os desenhos experimentais de Reykowski (2006). Ao final, uma variável só é útil para ser usada quando gera variâncias suficientes. Aqueles que utilizam a abordagem da medição dos antecedentes estruturais – e aqueles que consideram que determinados grupos foram suficientemente deliberativos em função das circunstâncias – parecem ter pelo menos alguma base para seus desenhos de pesquisa.

No entanto, nós esperamos que haja uma maneira melhor de formalizar a abordagem de pesquisa sobre os antecedentes, de maneira que se possa avaliar o potencial deliberativo de uma ampla gama de grupos a partir de critérios semelhantes. Um método pode ser usado para avaliar o grau em que normas deliberativas, como foi articulado por Burkhalter et al. (2002) ou outros, se refletem nas características institucionais do grupo ou são incorporadas por pessoas que possuem algum grau de autoridade sobre o processo. Características institucionais podem incluir um grupo formal legalizado ou cartazes impressos colados na parece de um espaço de encontro, e pessoas com autoridades no processo podem variar entre os facilitadores principais ou os próprios membros numa discussão igualitária.

Essas recomendações relacionadas às abordagens discutidas nesse capítulo deveriam ajudar os estudiosos a avançar em suas pesquisas sobre deliberação, e eles deveriam também ajudar outros praticantes a sistematizar seus programas de avaliação. Trabalhando juntos, os pesquisadores deliberativos e os “reformistas cívicos” deveriam até mesmo usar métodos como esses para superar a distância entre os estudos acadêmicos formais e os estudos de campo mais orientados para a prática que tão raramente aparecem nas publicações acadêmicas. Por último, nós devemos juntar essas pontas se nós estivermos dispostos a honesta e integralmente analisar o valor da deliberação pública como forma de se avançar no projeto democrático.