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Minas Editor: Amilcar Brumano - [email protected] CUIABÁ – A capital do Mato Grosso teve mui- tas desapropriações rela- cionadas à Copa do Mun- do em imóveis comer- ciais para a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Entretan- to, por pressão da comu- nidade do bairro Caste- lo Branco, a prefeitura desistiu do projeto de abertura da avenida do córrego do Barbado, on- de 400 famílias estavam ameaçadas de remoção. Apenas 33 que mora- vam em área de risco de inundação, na beira de um curso d’água, foram realocadas para a cons- trução de uma rotatória. A obra não faz parte da Matriz da Copa, mas in- diretamente está ligada ao Mundial. Para muitos morado- res, a mudança de ende- reço não é vista como ne- gativa. Mas o que os aflige é para onde foram leva- dos: um imenso conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida, o Altos do Parque, distante 14 quilômetros, onde não há escola para as crianças das mais de mil famílias. Segundo a presidente da Associação de Morado- res do Bairro Castelo Bran- co, Deumaci Freitas Afon- so, algumas famílias fo- ram para o conjunto habi- tacional “divididas”. “Como não há vagas pa- ra todo mundo nas esco- las próximas, houve quem deixasse os filhos com parentes aqui perto, para que continuem a es- tudar. Mas nem todos pu- deram fazer isso. Então, muitas crianças ficaram fora da escola”. A Secretaria da Copa do Mato Grosso (Secopa) não se manifestou sobre o caso até o fechamento des- ta edição. Segundo a Seco- pa, houve cerca de 700 de- sapropriações na capital mato-grossense. Crianças realocadas em conjunto habitacional sem escola em Cuiabá Bruno Moreno [email protected] SÃO PAULO – Desde pe- quena, Raquel*, de 14 anos, sonha ser atriz. Há quatro anos, ela conse- guiu uma bolsa no Thea- tro Municipal de São Paulo para estudar balé, um importante passo na futura carreira. Mas, em 2013, quase na metade do curso, abandonou o salão espelhado, as sapa- tilhas e o tutu. Antiga moradora do Buraco Quente, comunidade ao lado do aeroporto de Congonhas, a família da garota foi uma das desa- propriadas em função da obra do monotrilho Linha 17 – Ouro. Raquel deixou o balé por falta de tempo. Co- mo não conseguiu vaga em escola perto da nova moradia, gasta quase 5 horas no trânsito para es- tudar: sai de casa às 10h30 e volta às 20h. Por isso, a carreira artística fi- cou em segundo plano. O irmão mais velho de Raquel, Fábio*, de 17 anos, também foi impac- tado pela mudança. Em 2013, só encontrou vaga em uma escola distante de casa. Faltava dinhei- ro para ir à aula, e ele perdeu o ano. Em 2014, disse à mãe, a cabeleirei- ra Regina Almeida, de 35 anos, que não iria mais estudar. A indenização recebi- da devido à desapropria- ção permitiu à família comprar um lote na zo- na Sul de São Paulo, mas não erguer a casa. Hoje, Regina, o marido e os filhos moram de alu- guel no Jardim Selma, a 12 quilômetros do Bura- co Quente. Raquel e Fábio fazem parte do grupo de 57,3 mil a 76,5 mil brasilei- ros de zero a 19 anos que vivem nas cidades-se- de do Mundial de futebol e foram impactados pela Copa. Obrigados a mu- dar de casa, enfrentam dificuldades para conti- nuar estudando, como mostra o Hoje em Dia desde ontem. Não há le- vantamento de quantos estão nessa situação. De acordo com o MetrôSP, a Linha 17 – Ouro não tem relação com o Mundial de fute- bol. Entretanto, orçada em R$ 1,8 bilhão, a obra esteve na Matriz de Res- ponsabilidade da Copa até 2012, dois anos após o anúncio de que o está- dio do torneio na cidade seria o Itaquerão, e não mais o Morumbi. O últi- mo será atendido pela Li- nha 17 – Ouro. A assessoria do MetrôSP afirma que as desapropria- ções “respeitam os trâmi- tes judiciais”, mas não in- forma o valor da interven- ção ou quantas pessoas fo- ram removidas. No entan- to, no site da companhia consta que 161 famílias se- riam desapropriadas. Já o Comitê dos Atingidos pela Copa em São Paulo aponta mais de 430. Para a defensora pública de São Paulo, Anaí Aran- tes Rodrigues, é preciso ob- servar que o direito à mora- dia inclui outros. “Quando a pessoa vai parar em um lugar tão distante, onde não há como manter o fi- lho na escola, o direito de- la à moradia digna e a to- dos os outros direitos, sem dúvida, ficam prejudica- dos”, avalia. (*Os nomes são fictícios) > Em São Paulo, obra do monotrilho que passa junto ao estádio do Morumbi afetou 161 famílias LINHA 17 – Como o monotrilho paulista foi excluído da Matriz da Copa em 2012, a MetrôSP nega relação com o Mundial Novo endereço faz garota desistir de sonho e irmão largar estudo SEGUNDADEUMASÉRIE LONGE – Para a cabeleireira Regina, remoção foi ruim: clientes sumiram e filhos têm dificuldade para estudar ALTOS DO PARQUE – Por enquanto, salas de aula estão apenas no projeto COPA SEM ESCOLA COPA SEM ESCOLA FOTOS SAMUEL COSTA hojeemdia.com.br 29 BeloHorizonte,terça-feira,13.5.2014 HOJEEMDIA

Copa sem escola_13 05 14

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Série de reportagens "Copa sem escola", produzida pelo jornalista Bruno Moreno e o fotojornalista Samuel Costa. Terceira da série.

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CUIABÁ – A capital doMato Grosso teve mui-tasdesapropriações rela-cionadasàCopadoMun-do em imóveis comer-ciais para a implantaçãodo Veículo Leve sobreTrilhos (VLT). Entretan-to,porpressãoda comu-nidade do bairro Caste-lo Branco, a prefeituradesistiu do projeto deabertura da avenida docórrego do Barbado, on-de 400 famílias estavamameaçadas de remoção.Apenas 33 que mora-

vam emárea de risco deinundação, na beira deum curso d’água, foramrealocadas para a cons-truçãode uma rotatória.A obra não faz parte daMatriz da Copa, mas in-diretamente está ligadaao Mundial.Para muitos morado-

res, a mudança de ende-reçonãoévistacomone-

gativa. Mas o que os afligeé para onde foram leva-dos: um imenso conjuntohabitacional do programaMinha CasaMinha Vida, oAltos do Parque, distante14 quilômetros, onde nãohá escola para as criançasdas mais de mil famílias.Segundo a presidente

da Associação deMorado-resdoBairroCasteloBran-co, Deumaci Freitas Afon-

so, algumas famílias fo-ram para o conjunto habi-tacional “divididas”.“Comonãohávagas pa-

ra todo mundo nas esco-las próx imas , houvequem deixasse os filhoscom parentes aqui perto,para que continuem a es-tudar.Mas nem todos pu-deram fazer isso. Então,muitas crianças ficaramfora da escola”.A Secretaria da Copa do

Mato Grosso (Secopa)não semanifestou sobre ocasoatéo fechamentodes-taedição.SegundoaSeco-pa,houvecercade700de-sapropriações na capitalmato-grossense. l

Crianças realocadas emconjunto habitacionalsemescola emCuiabá

BrunoMoreno

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SÃOPAULO –Desde pe-quena, Raquel*, de 14anos, sonha ser atriz. Háquatro anos, ela conse-guiuumabolsanoThea-tro Municipal de SãoPaulo para estudar balé,um importante passo nafutura carreira. Mas, em2013, quase na metadedo curso, abandonou osalãoespelhado,as sapa-tilhas e o tutu. Antigamoradora do BuracoQuente, comunidade aolado do aeroporto deCongonhas, a família dagarota foi uma das desa-propriadas em funçãoda obra do monotrilhoLinha 17 – Ouro.Raquel deixou o balé

por falta de tempo. Co-mo não conseguiu vagaem escola perto da novamoradia, gasta quase 5horasnotrânsitoparaes-tudar: sai de casa às10h30evoltaàs20h.Porisso,acarreiraartística fi-cou em segundo plano.O irmãomais velho de

Raquel, Fábio*, de 17anos, tambémfoi impac-tado pela mudança. Em2013, sóencontrou vagaem uma escola distantede casa. Faltava dinhei-ro para ir à aula, e eleperdeu o ano. Em 2014,disse àmãe, a cabeleirei-ra Regina Almeida, de35 anos, que não iriamais estudar.A indenização recebi-

dadevidoàdesapropria-ção permitiu à famíliacomprar um lote na zo-na Sul de São Paulo,mas não erguer a casa.Hoje, Regina, o maridoeos filhosmoramdealu-guel no Jardim Selma, a12quilômetrosdoBura-co Quente.Raquel e Fábio fazem

parte do grupo de 57,3mil a 76,5 mil brasilei-ros de zero a 19 anosquevivemnascidades-se-dedoMundialde futebole foram impactados pelaCopa. Obrigados a mu-dar de casa, enfrentamdificuldades para conti-nuar estudando, comomostra o Hoje em Diadesde ontem. Não há le-vantamento de quantosestão nessa situação.De aco rdo com o

MetrôSP, a Linha 17 –Ouro não tem relação

com o Mundial de fute-bol. Entretanto, orçadaem R$ 1,8 bilhão, a obraesteve na Matriz de Res-ponsabilidade da Copaaté 2012, dois anos apóso anúncio de que o está-dio do torneio na cidadeseria o Itaquerão, e nãomais o Morumbi. O últi-mo será atendido pela Li-nha 17 – Ouro.A assessoria doMetrôSP

afirmaqueas desapropria-ções “respeitam os trâmi-tes judiciais”, mas não in-forma o valor da interven-ção ou quantas pessoas fo-ram removidas. No entan-to, no site da companhiaconstaque161 famílias se-riam desapropriadas. Já oComitê dos Atingidos pelaCopaemSãoPauloapontamais de 430.Para a defensora pública

de São Paulo, Anaí Aran-tesRodrigues,éprecisoob-servarqueodireitoàmora-dia inclui outros. “Quandoa pessoa vai parar em umlugar tão distante, ondenão há como manter o fi-lho na escola, o direito de-la à moradia digna e a to-dos os outros direitos, semdúvida, ficam prejudica-dos”, avalia. l(*Os nomes são fictícios)

l> EmSão Paulo, obra domonotrilho que passa junto ao estádio doMorumbi afetou 161 famílias

LINHA17–Comoomonotrilhopaulista foiexcluídodaMatrizdaCopaem2012,aMetrôSPnegarelaçãocomoMundial

Novoendereço faz garotadesistirde sonhoe irmão largar estudo

SEGUNDADEUMASÉRIE

LONGE–ParaacabeleireiraRegina, remoção foi ruim:

clientes sumiramefilhos têmdificuldadeparaestudar

ALTOSDOPARQUE–Porenquanto,

salasdeaulaestãoapenasnoprojeto

COPA SEM ESCOLACOPA SEM ESCOLA

FOTOS SAMUEL COSTA

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