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3 5 DE FEVEREIRO DE 2013 TERÇA-FEIRA WWW.DIARIOAVEIRO.PT AVEIRO Há quem queira os carros de volta à Rua Direita Inquérito feito pela Associação Comercial pergunta pela reabertura daquela artéria central ao trânsito Rui Cunha O que provocou a desertificação da Rua Direita? Há explicações para todos os gostos: a saída de ser- viços públicos, a perda de habitan- tes, a pedonalização da via, a cria- ção do Fórum Aveiro e de outros centros comerciais na cidade, a quebra do poder de compra… Não há uma resposta única para expli- car a decadência daquela que foi outrora uma das principais arté- rias comerciais de Aveiro. Mas perante o actual cenário de cada vez menos moradores, lojas ou cli- entes, há quem procure soluções para reanimar a rua. Uma delas pode ser a reabertura ao trânsito, defendem alguns comerciantes.PauloMarquesgosta- ria de ver carros a circular “dos CTT àPonte-Praça”edisse-onuminqué- rito que a Associação Comercial (ACA) promoveu junto dos lojistas locais. A “grande maioria” dos comerciantes é a favor desta iniciati- va,garanteodeputadomunicipaldo CDS. Paulo Marques defende, porém, uma circulação controlada, feita “a baixa velocidade” e sem aca- bar com a função pedonal da rua. Jaime Ramos, dono de um café aberto há 30 anos, será dos poucos contra o regresso do automóvel. “A única solução é trazer os serviços públicos de volta. Sem isso, nada feito”. “O que há de diferente ou de único que obrigue alguém de Esgueira ou de S. Bernardo a deslo- car-se aqui?”, interroga. Fernando Marques, presidente da Junta de Freguesia da Glória, eleito pela coligação PSD/CDS, é um dos defensores da reabertura ao trânsito. “Só não encabeço um movimento para que os carros vol- tem a circular nas ruas que foram pedonalizadas porque seria con- trário à minha posição anterior”, disse em Assembleia Municipal. Jorge Silva, presidente da ACA, não esconde “muitas preocupa- ções” com a situação do comércio na cidade, havendo “várias razões” para o actual definhamento. O inquérito aos vendedores - ainda sem resultados divulgados - inse- re-se num estudo que a associação tem em curso para fazer um diag- nóstico rigoroso e procurar saídas para a crise. A instituição lançou também o Cartão Espaço Aveiro, no âmbito da Agência para a Modernização e Revitalização do Centro Urbano, que garante van- tagens aos clientes do comércio tradicional. Falta um pólo de atracção O debate sobre o futuro da Rua Direita está aceso nos jornais ou nas redes sociais. “Ao passar pela Rua Direita contei as lojas vazias. Desde o início, nas pontes, até à Casa Martelo, contando com as da Praça Marquês de Pombal, são 19 lojas vazias. O que se passa com esta cidade? A crise não explica tudo”, assinala Rosa Pinho, investi- gadora da Universidade de Aveiro (UA). A reabertura aos automóveis não é solução. “No Fórum há sem- pre muita gente a andar a pé. Falta ali um pólo de atracção: uma repar- tição pública movimentada, uma feira de artesanato semanal, uns baloiços”. E critica o “culto do auto- móvel”, que “não existe em mais nenhumpaísdaEuropa”. Hugo Cavaleiro, um dos sócios do Fusion Cowork, um espaço de trabalho partilhado junto à Rua Direita, concorda. Não é por falta de carros que aquela artéria está a morrer, mas por causa do decrésci- mo de moradores, do abandono de serviços e da “total ausência de pro- posta de valor da maior parte do comérciopresente”. Para André Costa, membro da associação AgoraAveiro, “o proble- ma não é certamente a ausência do automóvel”. “A zona comercial mais activa em Aveiro é o Fórum, que reúne três condições similares à Rua Direita: zona pedonal, esta- cionamento subterrâneo pago, área central da cidade”. Então o que é o que o Fórum tem que a Rua Direita não tem? “Estratégia de marketing profissional, lojas- âncora com enorme capacidade de atracção, comerciantes com capa- cidade de se adaptarem por obriga- ção da entidade gestora às necessi- dades da população”, responde. André Costa apela a um “traba- lho concertado” da Câmara e da ACA, mas também à “capacidade e vontade dos comerciantes se adaptarem à mudança”. Um dos problemas, reconhece, é a dificul- dade em encontrar lojas-âncora que queiram investir. Mas acres- centa: “Nós também somos culpa- dos, pois alterámos os nossos hábitos e preferimos muitas vezes ir a grandes superfícies”. Gonçalo Fonseca, da empresa que durante oito meses explorou a esplanada na Praça Marquês de Pombal, o regresso dos automóveis parece uma “má ideia”. A escassez de clientes inviabilizou o negócio. “Todos os meses foi necessário pagar o que a falta de pessoas não pagou”, diz o deputado municipal do PS. “Estas são as alturas em que as entidades públicas e associativas mais devem intervir, porque é manifesta a incapacidade de con- sumo, porque os comerciantes não têm margem para pagar nem uma iluminação”, assinala. “Os comer- ciantes não se devem pendurar em ninguém, mas devem ser tratados como agentes económicos funda- mentais para uma boa vivência urbana”. Gonçalo Fonseca critica a ACA e a Câmara. “Não existem”, avalia, sustentando que “grande parte do que se pode fazer custa muitopoucodinheiroounenhum”. Terceira via Sugestões não faltam para dinami- zar a rua, como a instalação de um parque infantil na Praça Marquês dePombal.“EmcidadescomoMilão e Turim as galerias comerciais são uma animação. A Rua Direita podia ter uma cobertura e ser um espaço de passeio com conforto”, propõe, porsuavez,LuísSouto,ex-presiden- te da Associação para o Estudo e DefesadoPatrimónioNaturaleCul- turaldaRegiãodeAveiro. José Carlos Mota, investigador da UA na área do planeamento, pede que se encare uma terceira via. “Quando se discute o futuro da Rua Direita surgem normalmente dois tipos de propostas: a do regres- so ao passado (da rua comercial fer- vilhante) e a da aproximação ao modelo Fórum”. No entanto, “ne- nhuma delas é, neste momento, possível, quer por falta de investi- dores/consumidores, quer porque o modelo de gestão e de proprieda- de não são compatíveis”. O docente defende, por isso, uma “outra fun- ção, que não só a comercial”, para a rua, remetendo para “experiências interessantes” noutras cidades do mundo de acordo com o lema “low-cost”e“altoimpacto”. l VOZES A Rua Direita precisa de estar incluída numa rede urbana viva e com sentido, que alia comércio, serviços e habi- tação e estabelece rotinas de circulação e utilização do espaço público que lhe dão sentido” JOÃO MARTINS Os maiores erros que foram feitos em Aveiro foram colocar Finanças e Loja do Cidadão numa rua da Forca. A câmara deveria quase ofe- recer o espaço para a Loja do Cidadão ir para a zona norte da Avenida e as finanças para um outro local” JOÃO OLIVEIRA Não há milagres e há muitos anos que a Rua Direita está assim. Só se aguenta ainda algum comércio porque o tribunal lá se mantém” JOÃO OLIVEIRA A tal solução é só uma: devolver as pessoas à Rua Direi- ta. [Mas] há aqui um para- doxo muito forte e relevan- te: é que foram as próprias pessoas que abandonaram a Rua Direita” MIGUEL ARAÚJO HÁ QUEM DEFENDA que os automóveis regressem à Rua Direita EDUARDO PINA

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35 DE FEVEREIRO DE 2013 TERÇA-FEIRAWWW.DIARIOAVEIRO.PT

AVEIRO

Há quem queira os carros de volta à Rua DireitaInquérito feito pela AssociaçãoComercial pergunta pela reabertura daquela artéria central ao trânsito

Rui Cunha

� O que provocou a desertificaçãoda Rua Direita? Há explicaçõespara todos os gostos: a saída de ser-viços públicos, a perda de habitan-tes, a pedonalização da via, a cria-ção do Fórum Aveiro e de outroscentros comerciais na cidade, aquebra do poder de compra… Nãohá uma resposta única para expli-car a decadência daquela que foioutrora uma das principais arté-rias comerciais de Aveiro. Masperante o actual cenário de cadavez menos moradores, lojas ou cli-entes, há quem procure soluçõespara reanimar a rua.

Uma delas pode ser a reaberturaao trânsito, defendem algunscomerciantes. Paulo Marques gosta-ria de ver carros a circular “dos CTTà Ponte-Praça” e disse-o num inqué-rito que a Associação Comercial(ACA) promoveu junto dos lojistaslocais. A “grande maioria” doscomerciantes é a favor desta iniciati-va, garante o deputado municipal doCDS. Paulo Marques defende,porém, uma circulação controlada,feita “a baixa velocidade” e sem aca-bar com a função pedonal da rua.

Jaime Ramos, dono de um caféaberto há 30 anos, será dos poucoscontra o regresso do automóvel. “Aúnica solução é trazer os serviçospúblicos de volta. Sem isso, nadafeito”. “O que há de diferente ou deúnico que obrigue alguém deEsgueira ou de S. Bernardo a deslo-car-se aqui?”, interroga.

Fernando Marques, presidenteda Junta de Freguesia da Glória,

eleito pela coligação PSD/CDS, éum dos defensores da reaberturaao trânsito. “Só não encabeço ummovimento para que os carros vol-tem a circular nas ruas que forampedonalizadas porque seria con-trário à minha posição anterior”,disse em Assembleia Municipal.

Jorge Silva, presidente da ACA,não esconde “muitas preocupa-ções” com a situação do comérciona cidade, havendo “várias razões”para o actual definhamento. Oinquérito aos vendedores - aindasem resultados divulgados - inse-re-se num estudo que a associaçãotem em curso para fazer um diag-nóstico rigoroso e procurar saídaspara a crise. A instituição lançoutambém o Cartão Espaço Aveiro,no âmbito da Agência para aModernização e Revitalização doCentro Urbano, que garante van-tagens aos clientes do comérciotradicional.

Falta um pólo de atracçãoO debate sobre o futuro da RuaDireita está aceso nos jornais ounas redes sociais. “Ao passar pelaRua Direita contei as lojas vazias.Desde o início, nas pontes, até àCasa Martelo, contando com as daPraça Marquês de Pombal, são 19lojas vazias. O que se passa comesta cidade? A crise não explicatudo”, assinala Rosa Pinho, investi-gadora da Universidade de Aveiro(UA). A reabertura aos automóveisnão é solução. “No Fórum há sem-pre muita gente a andar a pé. Faltaali um pólo de atracção: uma repar-tição pública movimentada, uma

feira de artesanato semanal, unsbaloiços”. E critica o “culto do auto-móvel”, que “não existe em maisnenhum país da Europa”.

Hugo Cavaleiro, um dos sóciosdo Fusion Cowork, um espaço detrabalho partilhado junto à RuaDireita, concorda. Não é por falta decarros que aquela artéria está amorrer, mas por causa do decrésci-mo de moradores, do abandono deserviços e da “total ausência de pro-posta de valor da maior parte docomércio presente”.

Para André Costa, membro daassociação AgoraAveiro, “o proble-ma não é certamente a ausência doautomóvel”. “A zona comercialmais activa em Aveiro é o Fórum,que reúne três condições similaresà Rua Direita: zona pedonal, esta-cionamento subterrâneo pago,área central da cidade”. Então o queé o que o Fórum tem que a RuaDireita não tem? “Estratégia demarketing profissional, lojas-âncora com enorme capacidade deatracção, comerciantes com capa-cidade de se adaptarem por obriga-ção da entidade gestora às necessi-dades da população”, responde.

André Costa apela a um “traba-lho concertado” da Câmara e daACA, mas também à “capacidade evontade dos comerciantes seadaptarem à mudança”. Um dosproblemas, reconhece, é a dificul-dade em encontrar lojas-âncoraque queiram investir. Mas acres-centa: “Nós também somos culpa-dos, pois alterámos os nossoshábitos e preferimos muitas vezesir a grandes superfícies”.

Gonçalo Fonseca, da empresaque durante oito meses explorou aesplanada na Praça Marquês dePombal, o regresso dos automóveisparece uma “má ideia”. A escassezde clientes inviabilizou o negócio.“Todos os meses foi necessáriopagar o que a falta de pessoas nãopagou”, diz o deputado municipaldo PS. “Estas são as alturas em queas entidades públicas e associativasmais devem intervir, porque émanifesta a incapacidade de con-sumo, porque os comerciantes nãotêm margem para pagar nem umailuminação”, assinala. “Os comer-ciantes não se devem pendurar emninguém, mas devem ser tratadoscomo agentes económicos funda-

mentais para uma boa vivênciaurbana”. Gonçalo Fonseca critica aACA e a Câmara. “Não existem”,avalia, sustentando que “grandeparte do que se pode fazer custamuito pouco dinheiro ou nenhum”.

Terceira viaSugestões não faltam para dinami-zar a rua, como a instalação de umparque infantil na Praça Marquêsde Pombal. “Em cidades como Milãoe Turim as galerias comerciais sãouma animação. A Rua Direita podiater uma cobertura e ser um espaçode passeio com conforto”, propõe,por sua vez, Luís Souto, ex-presiden-te da Associação para o Estudo eDefesa do Património Natural e Cul-tural da Região de Aveiro.

José Carlos Mota, investigadorda UA na área do planeamento,pede que se encare uma terceiravia. “Quando se discute o futuro daRua Direita surgem normalmentedois tipos de propostas: a do regres-so ao passado (da rua comercial fer-vilhante) e a da aproximação aomodelo Fórum”. No entanto, “ne-nhuma delas é, neste momento,possível, quer por falta de investi-

dores/consumidores, quer porqueo modelo de gestão e de proprieda-de não são compatíveis”. O docentedefende, por isso, uma “outra fun-ção, que não só a comercial”, para arua, remetendo para “experiênciasinteressantes” noutras cidades domundo de acordo com o lema“low-cost” e “alto impacto”.l

VOZES

A Rua Direita precisa

de estar incluída

numa rede urbana

viva e com sentido, que alia

comércio, serviços e habi-

tação e estabelece rotinas

de circulação e utilização

do espaço público que lhe

dão sentido”

� JOÃO MARTINS

Os maiores erros

que foram feitos em

Aveiro foram colocar

Finanças e Loja do Cidadão

numa rua da Forca. A

câmara deveria quase ofe-

recer o espaço para a Loja

do Cidadão ir para a zona

norte da Avenida e as

finanças para um outro

local”� JOÃO OLIVEIRA

Não há milagres e

há muitos anos que

a Rua Direita está

assim. Só se aguenta ainda

algum comércio porque o

tribunal lá se mantém”

� JOÃO OLIVEIRA

A tal solução é só

uma: devolver as

pessoas à Rua Direi-

ta. [Mas] há aqui um para-

doxo muito forte e relevan-

te: é que foram as próprias

pessoas que abandonaram

a Rua Direita”

� MIGUEL ARAÚJO

HÁ QUEM DEFENDA que os automóveis regressem à Rua Direita

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