3
Dignidade da pessoa humana Thomás Freud de Morais Gonçalves E-mail: [email protected] Resumo O presente trabalho aborda a questão da Dignidade da Pessoa Humana sobre a perspectiva metafísica costumeira kantiana. Busca explanar conceitualmente a questão do valor humano como um fim em si mesmo, expandindo a ideia de um princípio fundamental da condição humana como um imperativo categórico visto no Direito como postulado básico para a fundamentação das normas do Estado com a finalidade de reconhecer esta condição inerente de todo ser racional. Palavras-chave Dignidade da pessoa humana; Imperativo Categórico; Reino dos Fins; Metafísica do Costume; Introdução DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA constitui-se em um imperativo categórico universal 1 que confere ao ser humano o reconhecimento de um valor que lhe é inerente, inalienável e tido como pressuposto de regra moral dialética comum aceita por seres dotados de razão e consciência, esta, corroborada pelo ideal de que, segundo assevera Kant 2 , as pessoas devem ser vistas como um fim em si mesmo, afastando-se qualquer ideia de que um ser racional possa ser visto como meio/objeto para consecução de quaisquer fins. No reino dos fins 3 os seres racionais encontram-se submetidos à lei que impera o princípio segundo o qual cada um deles não poderá, jamais, tratar a si mesmo ou ao próximo como meios, mas sempre, como um fim em si. Com isso, depreendemos que exista uma ligação sistemática de seres racionais por meio de leis objetivas comuns, “[...] é um reino que, exactamente porque estas leis têm em vista a relação destes seres uns com os outros como fins e meios, se pode chamar um reino dos fins” 4 . 1 O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade. Quando a ação é considerada como um fim em si mesmo, então ela é categórica. 2 Kant, I. (1970). Fundamento da Metafísica dos Costumes. (P. Quintela, Trad.) São Paulo: Edições 70. 3 Aqui, entendemos por Reino dos Fins, uma ligação sistemática de vários seres racionais por meio de leis comuns. Sendo assim, se considerarmos segundo as leis universais da razão que coordenam a vontade, se isolarmos, categorizarmos e conceituarmos das diferenças pessoais entre seres racionais e classificarmos todo o conteúdo que versa sobre seus fins particulares, poder-se-ia conceber em um conjunto dos fins, ou, um reino dos fins. 4 Kant, I. (1970). Fundamento da Metafísica dos Costumes. (P. Quintela, Trad.) São Paulo: Edições 70. P. 76

Dignidade da Pessoa Humana

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Dignidade da Pessoa Humana

Dignidade da pessoa humana

Thomás Freud de Morais Gonçalves

E-mail: [email protected]

ResumoO presente trabalho aborda a questão da Dignidade da Pessoa Humana sobre a perspectiva

metafísica costumeira kantiana. Busca explanar conceitualmente a questão do valor humano

como um fim em si mesmo, expandindo a ideia de um princípio fundamental da condição

humana como um imperativo categórico visto no Direito como postulado básico para a

fundamentação das normas do Estado com a finalidade de reconhecer esta condição inerente

de todo ser racional.

Palavras-chave

Dignidade da pessoa humana; Imperativo Categórico; Reino dos Fins; Metafísica do

Costume;

Introdução

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA constitui-se em um imperativo categórico universal1

que confere ao ser humano o reconhecimento de um valor que lhe é inerente, inalienável e tido como pressuposto de regra moral dialética comum aceita por seres dotados de razão e consciência, esta, corroborada pelo ideal de que, segundo assevera Kant2, as pessoas devem ser vistas como um fim em si mesmo, afastando-se qualquer ideia de que um ser racional possa ser visto como meio/objeto para consecução de quaisquer fins.

No reino dos fins3 os seres racionais encontram-se submetidos à lei que impera o princípio segundo o qual cada um deles não poderá, jamais, tratar a si mesmo ou ao próximo como meios, mas sempre, como um fim em si. Com isso, depreendemos que exista uma ligação sistemática de seres racionais por meio de leis objetivas comuns, “[...] é um reino que, exactamente porque estas leis têm em vista a relação destes seres uns com os outros como fins e meios, se pode chamar um reino dos fins” 4.

1 O imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra finalidade. Quando a ação é considerada como um fim em si mesmo, então ela é categórica.2 Kant, I. (1970). Fundamento da Metafísica dos Costumes. (P. Quintela, Trad.) São Paulo: Edições 70.3 Aqui, entendemos por Reino dos Fins, uma ligação sistemática de vários seres racionais por meio de leis comuns. Sendo assim, se considerarmos segundo as leis universais da razão que coordenam a vontade, se isolarmos, categorizarmos e conceituarmos das diferenças pessoais entre seres racionais e classificarmos todo o conteúdo que versa sobre seus fins particulares, poder-se-ia conceber em um conjunto dos fins, ou, um reino dos fins. 4 Kant, I. (1970). Fundamento da Metafísica dos Costumes. (P. Quintela, Trad.) São Paulo: Edições 70. P. 76

Page 2: Dignidade da Pessoa Humana

Neste universo sistemático de seres racionais interagindo por meio de leis comuns; tudo tem um preço ou dignidade. O produto dos desejos e inclinações unilaterais do homem possui um preço venal. Os objetos que podem ser pecuniariamente ou estimativamente avaliados podem ser substituídos por unidades equivalentes; são, portanto, providas de preço; por outro lado, quando algo não pode abaster-se de um preço, na verdade, está acima de qualquer preço e, consequentemente, não pode ser substituído por outra equivalente, então afirmamos esse ter dignidade.

Dado isso, depreendemos ser a dignidade algo natural, do qual toda pessoa, simplesmente por existir no mundo, a possui. É um valor máximo.

Dignidade da Pessoa Humana na Abordagem JurídicaNO ÂMBITO JURÍDICO, o conceito de dignidade da pessoa humana não se difere da metafísica dos costumes5, na verdade é tido como fundamento principal que deriva em condicionante do processo legislativo, este que visa, quando estabelece leis comuns, observar que cada individuo é único e com fim em si mesmo, membro do reino dos fins, referencial e observador, influenciador que envolve e é envolvido de forma dialética com os demais seres racionais e dotado de vontade que deve ter preservada a autonomia dessa vontade sem, com isso, ferir a moralidade comum.

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos6.

O princípio da dignidade da pessoa humana confere ao indivíduo um valor moral inviolável que leva em consideração a autonomia de sua vontade e o direito de participar das decisões que vão implicar diretamente sobre sua condição existencial no meio o qual vive, portanto a Constituição Federal de 1988 o adotou como um dos princípios fundamentas constitucionais o qual é referência para toda a estrutura do Estado e reconhecimento dos direitos fundamentais dos cidadãos.

A dignidade da pessoa humana não é vista, por muitos autores, como um direito, mas como um princípio que concede ao indivíduo um status, que faça com que ele seja reconhecido como um cidadão de direito, deste modo, ela é condição e imperativo que torna o ser

5 Filosofia baseada em princípios a priori que não se aglutinam ao empirismo, mas limita-se a determinados objetos do entendimento o que lhe foge o caráter puramente Lógico da filosofia. É. Pois, a filosofia que procura encontrar na razão princípios normativos que conferem um caráter de dever moral às condutas adotadas por seres racionais. 6 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62.

Page 3: Dignidade da Pessoa Humana

consciente alguém de direito e implica, ao mesmo tempo, sobre o Estado, uma obrigação de se fazer cumprir esse pressuposto.

O Professor Alexandre de Morais, revelando sua concepção a respeito deste princípio afirma:

[...] dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência do individuo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição federal exige que lhe respeitem a própria7

No universo dos fins, para que seja reconhecida a dignidade, o homem deve participar do conjunto o qual compõe, deve estar introduzido e ser reconhecido como parte deste reino, deliberando sobre as decisões tomadas, sendo, também, reconhecido, por conta do princípio da autonomia da vontade8, como um legislador de seu meio. Para ter dignidade, o cidadão necessita participar, estar incluso na sociedade, dentro dos padrões básicos para suprir suas necessidades, ter cidadania, ter seus direitos preservados.

Cabe ressalvarmos que, o conceito de autonomia da vontade deve ser harmonizado ao de heteronomia9, do contrário o cidadão, sendo legislador de si mesmo, mesmo seguindo os princípios universais da moralidade, não poderia transgredir seu dever moral e nem as leis objetivas. Sendo assim,

ConclusõesA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA não é um direito absoluto, é, pois, um princípio que identifica um hiato de integridade e moralidade que deve ser identificado e reconhecido em todas as pessoas pelo simples fato de existirem no mundo. É um respeito a origem natural humana, independente das especulações a seu respeito.

Tal princípio relaciona-se tanto com a liberdade e valores espirituais como com as condições materiais existenciais. É necessário tomar tal postulado em sua dimensão ético/abstrata como condicionante de motivação racional para a fundamentação de normas jurídicas de modo que estas procurem sempre ir ao encontro dos ideais que permitam conferir ao ser humano uma existência digna e respeitada, que seja visto como parte integrante do Estado e não como propriedade deste.

7 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral comentários aos artigos 1º. A 5º. Da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, pp. 50, 51.8 Autonomia da vontade é a propriedade da vontade segundo à qual: a vontade é para si mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objectos do querer). O princípio da autonomia é portanto: escolher de modo a que as inclinações da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal.9 Aqui, entenda-se por Heteronomia a faculdade deliberada que o indivíduo tem de buscar nas leis objetivas da natureza condição para assumir seus comportamentos, deste modo ele estabelece a harmonia entre sua vontade e seu dever moral. Faz o certo porque é o certo a se fazer e não forças de seu Ego.