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Av. Abdias de Carvalho, 1855 – Prado – 50830-000 – Recife – PE Tel. 81 2129.4008/2129.4000 Fax 81 2129.4008 – E-mail: [email protected] A ÉTICA NO PENSAMENTO DE WITTGENSTEIN COMO LIMITE PARA A LINGUAGEM Faustino dos Santos * RESUMO O presente artigo faz a tentativa de expor a temática da ética no pensamento de Wittgenstein e, sobretudo no seu Tractatus Lógico- philosophicus. Levando em consideração o ambiente temporal que foi escrito o Tractatus, o artigo vai tratar de quais foram às influências que favoreceram ao autor desenvolvê-lo e o que levou o mesmo a abordar temas ético-metafísico, lógico-científico e a crítica da linguagem na sua primeira obra, sob influência de diferentes pensadores da sua época. Não fugindo do foco que é a questão ética, esse trabalho vai abordar como eixo central à crítica que Wittgenstein faz à ética, que é tida como valor e não como fato, e esta, por ser um valor não pode ser dita, pois a linguagem fala de fatos e não de coisas que estão além dos fatos. Portanto, a ética no Tractatus tem conotação transcendental, e, se a intenção dessa obra é dizer que os limites do pensamento é o limite do dizível, a ética está à margem justamente por ser indizível. Palavras-chave: Wittgenstein. Tractatus. Ética. Linguagem. Lógica. ABSTRACT This article makes an attempt to expose the issue of ethics in Wittgenstein's thought and, in particular his Tractatus Logico- * Redator em ciência e tecnologia formado pelo departamento de extensão da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), graduando trancado do curso de Turismo da UFAL e graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia (INSAF). Email: [email protected]

Ética no Tractatus

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Na obra de Wittgenstein

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Page 1: Ética no Tractatus

Av. Abdias de Carvalho, 1855 – Prado – 50830-000 – Recife – PE Tel. 81 2129.4008/2129.4000 Fax 81 2129.4008 – E-mail:

[email protected]

A ÉTICA NO PENSAMENTO DE WITTGENSTEIN COMO LIMITE PARA

A LINGUAGEM

Faustino dos Santos*

 RESUMOO presente artigo faz a tentativa de expor a temática da ética no pensamento de Wittgenstein e, sobretudo no seu Tractatus Lógico-philosophicus. Levando em consideração o ambiente temporal que foi escrito o Tractatus, o artigo vai tratar de quais foram às influências que favoreceram ao autor desenvolvê-lo e o que levou o mesmo a abordar temas ético-metafísico, lógico-científico e a crítica da linguagem na sua primeira obra, sob influência de diferentes pensadores da sua época. Não fugindo do foco que é a questão ética, esse trabalho vai abordar como eixo central à crítica que Wittgenstein faz à ética, que é tida como valor e não como fato, e esta, por ser um valor não pode ser dita, pois a linguagem fala de fatos e não de coisas que estão além dos fatos. Portanto, a ética no Tractatus tem conotação transcendental, e, se a intenção dessa obra é dizer que os limites do pensamento é o limite do dizível, a ética está à margem justamente por ser indizível.

Palavras-chave: Wittgenstein. Tractatus. Ética.  Linguagem. Lógica.

ABSTRACTThis article makes an attempt to expose the issue of ethics in Wittgenstein's thought and, in particular his Tractatus Logico-Philosophicus. Taking into account the temporal environment which was written the Tractatus, the article will focus on what were the influences which helped the author develop it and what it took to address ethical issues, metaphysical, logical science and critical language in his first work under the influence of different thinkers of his time. Not running away from a focus that is the ethical issue, this paper will address as the lynchpin to the criticism that Wittgenstein makes to ethics, which is regarded as value and not as fact, and this, being a value can not be said, because the language talk about facts and not things that are beyond the facts. Therefore, ethics in the Tractatus is transcendental connotation, and if the intention of this work is to say that the limits of thought is the limit of utterable, ethics are missing out just because it is unspeakable.

Keywords: Wittgenstein. Tractatus. Ethics. Language. Logic.

*Redator em ciência e tecnologia formado pelo departamento de extensão da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), graduando trancado do curso de Turismo da UFAL e graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia (INSAF).Email: [email protected]

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1 WITTGENSTEIN, O TRACTATUS E SUAS INFLUÊNCIAS

Tendo como companheiro por um longo tempo de sua vida um estranho

sentimento de proximidade com a morte, o que o tornara muito estranho e excêntrico,

Wittgenstein se tornaria um dos maiores representes da filosofia do século XX com a

ajuda da sua obra mais conhecida que é o Tractatus Lógico-Philosophicus.

Escrita quando Wittgenstein permanecia ainda em plena primeira guerra

mundial como soldado - fizera isso como tentativa de se suicidar – o Tractatus é

considerado uma obra de difícil compreensão; tem como eixo central a tentativa de

traçar um limite para a expressão do pensamento, ou seja, finalidade de explicar a

natureza das sentenças, pois existe um paralelismo entre o mundo dos fatos reais e as

estruturas da linguagem. Essa obra é dividida em proposições que vão de 1 a 7 de

acordo com o grau de complexidade existente nos argumentos.

Para ser mais bem entendido é importante ter clareza do ambiente que

favoreceu o autor Wittgenstein na sua célebre criação. O surgimento do Tractatus está

imerso numa atmosfera de grande influência intelectual, o que explica em muito

determinadas problemáticas abordadas nele.

Os temas levantados em sua obra, diz respeito, sobretudo as questões ético-

metafísica, lógico-científica e crítica da linguagem.

James, Tolstoi, Shopenhauer e Weininger são os representantes

influenciadores da tendência ético-metafísica, onde se dá ênfase ao misticismo como

experiência que dá sentido à vida; essa experiência mística só pode ser alcançada

quando há uma revolução pessoal ou ética interior.

É com Hertz, Boltzmann, G. Frege e B. Russell que a tendência lógico-

científica vai ser caracterizada. Esses pensadores crêem que os problemas da ciência e

da filosofia só serão resolvidos se submetidos a análise lógica da linguagem, acredita-

se que essa análise aponta os falsos problemas causados pela inadequação do uso

dos signos da linguagem, ou seja, uma proposição é clara quando antes é submetida

as regras da lógica da linguagem e quando ela pode ser entendida de forma que se

saiba que é um fato verdadeiro. Por razão disso, esses autores acreditam que esse tipo

de linguagem é capaz de descrever o mundo de maneira correta.

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Ainda Mauthner influencia o pensamento Wittgensteiniano no campo que se

refere à crítica da linguagem. Ele defende um ceticismo exagerado onde a linguagem é

incapaz de descrever a realidade, e, portanto, como solução deve haver um suicídio da

linguagem e a redenção no silêncio total.

2 O INTERESSE DE WITTGENSTEIN PELA ÉTICA

A princípio, a ética que é considerada um objeto de significação universal

importante e valiosa para cada pessoa.

Em sua conferência sobre a Ética elaborada em 1929/30, Wittgenstein faz

uso da descrição feita por George E. Moore na obra Principia Ethica, quando diz que “a

ética é a investigação geral sobre o que é o bem”. Porém, o filósofo não se limita a essa

definição, ele menciona nessa conferência que “a ética é a investigação sobre o que é

valioso, ou sobre o que realmente importa, ou ainda (...) que é a investigação sobre o

significado da vida ou daquilo que faz com que a vida mereça ser vivida ou sobre a

maneira correta de viver”.

Não por acaso há acima o ponto da vida de Wittgenstein que fala de sua

participação na guerra. Há quem diga que foi a partir das fortes e marcantes

experiências na guerra que o jovem Wittgenstein, próximo da morte, descobre o

verdadeiro sentido da vida. Ele, influenciado e crente no Eterno Presente do

cristianismo de Tolstoi, esse cristianismo prega o alcance do verdadeiro sentido da vida

na contemplação do eterno presente, por meio da vitória do Espírito, que é associado

ao sujeito transcendente fora do espaço e do tempo, sobre a carne, que corresponde

ao sujeito individual ou empírico que são os fenômenos mundanos. Mesmo crente

nisso, e ainda sob a influência das idéias de Weininger, que prega o dever interior de

renunciar a si próprio para encontrar o sentido da vida, antes de ir pra guerra,

Wittgenstein sentia a vontade de experimentar essa vivência tolstoiana do eterno

presente para se tornar um homem completo, pois até então o que ele tinha, como

descrito acima, era somente a companhia do sentimento de proximidade com a morte.

Com o seu voluntariado em participar da guerra no exército austríaco, Wittgenstein

assume uma postura ética condizente com a questão da crítica radical da linguagem

que ele herdou da influência dada por Mauthner, com seu testemunho ele faz uma

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autocrítica de que não basta se limitar a questão da linguagem, tão bem expressa na

sua obra, ela deve ser complementada por um correspondente exemplo de vida (aqui já

percebemos grande indício do seu interesse ético).Com toda essa ousadia Wittgenstein

acaba vivenciando o que ele chama de experiência mística, isso é expresso no

aforismo 6.522: “o místico existe e é inexprimível”. Inicia-se, portanto uma questão que

não compartilha da idéia central do Tractatus que é a tentativa de reduzir à linguagem

as expressões do pensamento.

A ética a partir daí passa a desempenhar uma função peculiar no

desenvolvimento intelectual do filósofo que se tornaria a ser um dos mais importantes

do século XX.

3. A ÉTICA E OS LIMITES DA LINGUAGEM

Em meio a sua definição de que a ética é a busca pelo real sentido da vida,

Wittgenstein distingue que a ética é usada em duas instâncias, a saber: relativa e

absoluta. O valor relativo diz respeito a um simples enunciado de fatos, exemplificando

podemos dizer: “ele é um aluno bom”, ou ainda, “ele é um exímio padre”; no primeiro

exemplo podemos referir que ele é um bom aluno por que tira boas notas nas provas,

ou participa sempre das aulas, e no segundo que o padre é exímio por que celebra

suas missas como estabelecido pela igreja ou confessa sempre como combinado com

os seus fiéis, etc. esses exemplos são de valor relativo por que correspondem a certas

normas estabelecidas de fatos, diferentemente se fosse exposto o seguinte exemplo:

“Você deve se comportar bem”, aqui, portanto fala de um valor absoluto, pois não se

refere a algo que esta posto no mundo, não fala de um fato, é tratado portanto de um

valor. Se, portanto, é valor e não fato, e no aforismo 1.1. do Tractatus é dito que “O

mundo é a totalidade dos fatos e não das coisas” podemos inferir que a ética, sendo um

valor não pode ser dita. Isso Wittgenstein já reconhecia no aforismo 6.421: “É claro que

a ética não se deixa exprimir. A ética é transcendental”. Para ficar claro quando é

referido sobre o juízo de valor absoluto que é tido como o verdadeiro valor ético,

Wittgenstein estabelece três vivências específicas:

1. Do espanto diante da existência do mundo;

2. Da sua vivência da certeza absoluta ou do eterno presente;

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3. Do sentimento de culpa de uma pessoa mediante a desaprovação do

comportamento por Deus;

Fazendo uma análise mais minuciosa dessas vivências temos:

Diante da existência do mundo é levantada a questão a respeito do ser, já

vivenciada por alguns pensadores como Schelling e Heidegger, essa experiência

provoca espanto por que suscita a pergunta primária sobre o mundo, o que há nele, ou

o que ele é. Possui valor absoluto por que o espanto não pode ser dito, afinal No

mundo tudo o é como é e acontece como acontece (TLP 6.41)

A vivência da segurança ou certeza absoluta, do eterno presente ocasiona

uma experiência mística que perpassa qualquer temor com relação a fatos do mundo, é

uma sensação de segurança aconteça o que acontecer, sentimento de que fazemos

parte do tudo e tudo faz parte de nós.

O sentimento de culpa, ao menos para os que são marcados pela

religiosidade, é tido quando há um descumprimento ou o desrespeito dos mandamentos

estabelecidos, o que acarreta num peso na consciência por uma suposta desaprovação

de Deus.

As declarações até aqui alcançadas dizem respeito à natureza da ética que

tomam importante lugar para a sua compreensão no pensamento Wittgensteiniano.

Uma vez estabelecidas algumas formas de sua natureza, em consonância a isso há o

aparecimento de outras problemáticas que são importantes e estão intimamente ligadas

a questão ética no seu cerne. Discorrendo a respeito disso, com descrito no início

desse trabalho, os aforismos do Tractatus surgem de acordo com o grau de

complexidade das proposições que aparecem. A ética, que aparece nessa obra dentro

do aforismo 6 e suas ramificações trás consigo uma série de pequenos ou talvez

grandiosos temas que são de suma importância para a compreensão do que ela

realmente é, alguns deles dizem respeito a questão da vontade do indivíduo

transcendental, que estabelece um papel essencial na compreensão dos limites e do

sentido do mundo e as demais são temáticas que mesmo de passagem já foram ao

menos citadas no texto.

Fazendo um rápido percurso sobre o que até agora foi visto e sobre pontos

aparentemente obscuros, podemos inferir o seguinte:

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As proposições lingüísticas só conseguem descrever fatos do mundo,

para tanto não se referem ou dizem da ética uma vez que é

“sobrenatural”.

O sentido do mundo deve estar fora dele, e, se o valor não é efetivo ele

esta fora do mundo, pertence ao transcendental;

Descrever a ética é impossível por que ela trata justamente de questões

para além do natural;

A vontade individual transcendental seja ela boa ou má só pode alterar os

limites do mundo e não dos fatos;

A ação ética constituída pela vontade do sujeito transcendental pertence a

própria ação, para tanto a boa vontade gera felicidade e a má vontade a

infelicidade, o que prediz que existe apenas o homem feliz e o infeliz, e,

somente o que é feliz é capaz de ser verdadeiramente ético ou que

encontra o real sentido da vida;

E, portanto, quem descobre o sentido da vida, o sujeito transcendental, é

aquele que contempla o eterno presente, sente a sensação da absoluta

segurança.

Todas essas situações possuem algo em comum e que de maneira alguma

foge do foco de atenção levantada por Wittgenstein, afinal todos são problemas que

não podem ser descritos.

Mesmo não podendo dizer dessa experiência e de tantas outras por que são

tidas como não-naturais ou sobrenaturais, e uma vez que a linguagem humana foi feita

para afigurar os fatos do mundo, que são fatos naturais, Wittgenstein não considera a

ética e as demais experiências desse tipo irreais ou falsas, é, em síntese apenas para

além do verbalizável, portanto a ética transcende o mundo e os limites da linguagem

objetiva.

Portando-me novamente para a conferência sobre a ética realizada por

Wittgenstein, ele encerra sua palestra dizendo que a ética, na tentativa de dizer do

sentido último da vida (...) não pode ser uma ciência; sobre o que ela diz nada

acrescenta ao conhecimento, pois já que se trata de uma tendência do espírito humano

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que nada pode dizer a não ser respeitar profundamente. E mesmo que a intenção do

Tractatus seja de estabelecer os limites para a expressão do pensar, é feito um

percurso de muita delicadeza que exige por fim um silêncio total estabelecido pela

superioridade transcendental da ética. Com essas palavras é que Wittgenstein encerra

sua fabulosa obra que é o Tractatus no aforismo 7: “Sobre o que não se pode falar,

deve-se calar”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

HALLER, Rudolf A ética no pensamento de Wittgenstein / Rudolf Haller – Artigo da Conferência do mês do IEA/USP, 28 de novembro de 1990.

MARGUTTI, Paulo Roberto O Tractatus de Wittgenstein como obra de Iniciação / Paulo Roberto Margutti – Revista Filosofia Unisinos, 2004. nº 8 – vol. 5.

LOPARIC, Zeljko Sobre a ética em Heidegger e Wittgenstein / Zeljko Loparic – Artigo, Departamento de Filosofia da Unicamp, Curso de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP

WITTGENSTEIN, L. Tractatus Lógico-Philosophicus / Ludwig Wittgenstein. – 2 ed. – São Paulo, SP: Edusp / Tradução de Luis Henrique Lopes dos Santos

_______________ A Lecture on Ethic / Ludwig Wittgenstein – Conferência sobre ética. Cambridge, 1929.