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Na obra de Wittgenstein
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A ÉTICA NO PENSAMENTO DE WITTGENSTEIN COMO LIMITE PARA
A LINGUAGEM
Faustino dos Santos*
RESUMOO presente artigo faz a tentativa de expor a temática da ética no pensamento de Wittgenstein e, sobretudo no seu Tractatus Lógico-philosophicus. Levando em consideração o ambiente temporal que foi escrito o Tractatus, o artigo vai tratar de quais foram às influências que favoreceram ao autor desenvolvê-lo e o que levou o mesmo a abordar temas ético-metafísico, lógico-científico e a crítica da linguagem na sua primeira obra, sob influência de diferentes pensadores da sua época. Não fugindo do foco que é a questão ética, esse trabalho vai abordar como eixo central à crítica que Wittgenstein faz à ética, que é tida como valor e não como fato, e esta, por ser um valor não pode ser dita, pois a linguagem fala de fatos e não de coisas que estão além dos fatos. Portanto, a ética no Tractatus tem conotação transcendental, e, se a intenção dessa obra é dizer que os limites do pensamento é o limite do dizível, a ética está à margem justamente por ser indizível.
Palavras-chave: Wittgenstein. Tractatus. Ética. Linguagem. Lógica.
ABSTRACTThis article makes an attempt to expose the issue of ethics in Wittgenstein's thought and, in particular his Tractatus Logico-Philosophicus. Taking into account the temporal environment which was written the Tractatus, the article will focus on what were the influences which helped the author develop it and what it took to address ethical issues, metaphysical, logical science and critical language in his first work under the influence of different thinkers of his time. Not running away from a focus that is the ethical issue, this paper will address as the lynchpin to the criticism that Wittgenstein makes to ethics, which is regarded as value and not as fact, and this, being a value can not be said, because the language talk about facts and not things that are beyond the facts. Therefore, ethics in the Tractatus is transcendental connotation, and if the intention of this work is to say that the limits of thought is the limit of utterable, ethics are missing out just because it is unspeakable.
Keywords: Wittgenstein. Tractatus. Ethics. Language. Logic.
*Redator em ciência e tecnologia formado pelo departamento de extensão da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), graduando trancado do curso de Turismo da UFAL e graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia (INSAF).Email: [email protected]
1 WITTGENSTEIN, O TRACTATUS E SUAS INFLUÊNCIAS
Tendo como companheiro por um longo tempo de sua vida um estranho
sentimento de proximidade com a morte, o que o tornara muito estranho e excêntrico,
Wittgenstein se tornaria um dos maiores representes da filosofia do século XX com a
ajuda da sua obra mais conhecida que é o Tractatus Lógico-Philosophicus.
Escrita quando Wittgenstein permanecia ainda em plena primeira guerra
mundial como soldado - fizera isso como tentativa de se suicidar – o Tractatus é
considerado uma obra de difícil compreensão; tem como eixo central a tentativa de
traçar um limite para a expressão do pensamento, ou seja, finalidade de explicar a
natureza das sentenças, pois existe um paralelismo entre o mundo dos fatos reais e as
estruturas da linguagem. Essa obra é dividida em proposições que vão de 1 a 7 de
acordo com o grau de complexidade existente nos argumentos.
Para ser mais bem entendido é importante ter clareza do ambiente que
favoreceu o autor Wittgenstein na sua célebre criação. O surgimento do Tractatus está
imerso numa atmosfera de grande influência intelectual, o que explica em muito
determinadas problemáticas abordadas nele.
Os temas levantados em sua obra, diz respeito, sobretudo as questões ético-
metafísica, lógico-científica e crítica da linguagem.
James, Tolstoi, Shopenhauer e Weininger são os representantes
influenciadores da tendência ético-metafísica, onde se dá ênfase ao misticismo como
experiência que dá sentido à vida; essa experiência mística só pode ser alcançada
quando há uma revolução pessoal ou ética interior.
É com Hertz, Boltzmann, G. Frege e B. Russell que a tendência lógico-
científica vai ser caracterizada. Esses pensadores crêem que os problemas da ciência e
da filosofia só serão resolvidos se submetidos a análise lógica da linguagem, acredita-
se que essa análise aponta os falsos problemas causados pela inadequação do uso
dos signos da linguagem, ou seja, uma proposição é clara quando antes é submetida
as regras da lógica da linguagem e quando ela pode ser entendida de forma que se
saiba que é um fato verdadeiro. Por razão disso, esses autores acreditam que esse tipo
de linguagem é capaz de descrever o mundo de maneira correta.
Ainda Mauthner influencia o pensamento Wittgensteiniano no campo que se
refere à crítica da linguagem. Ele defende um ceticismo exagerado onde a linguagem é
incapaz de descrever a realidade, e, portanto, como solução deve haver um suicídio da
linguagem e a redenção no silêncio total.
2 O INTERESSE DE WITTGENSTEIN PELA ÉTICA
A princípio, a ética que é considerada um objeto de significação universal
importante e valiosa para cada pessoa.
Em sua conferência sobre a Ética elaborada em 1929/30, Wittgenstein faz
uso da descrição feita por George E. Moore na obra Principia Ethica, quando diz que “a
ética é a investigação geral sobre o que é o bem”. Porém, o filósofo não se limita a essa
definição, ele menciona nessa conferência que “a ética é a investigação sobre o que é
valioso, ou sobre o que realmente importa, ou ainda (...) que é a investigação sobre o
significado da vida ou daquilo que faz com que a vida mereça ser vivida ou sobre a
maneira correta de viver”.
Não por acaso há acima o ponto da vida de Wittgenstein que fala de sua
participação na guerra. Há quem diga que foi a partir das fortes e marcantes
experiências na guerra que o jovem Wittgenstein, próximo da morte, descobre o
verdadeiro sentido da vida. Ele, influenciado e crente no Eterno Presente do
cristianismo de Tolstoi, esse cristianismo prega o alcance do verdadeiro sentido da vida
na contemplação do eterno presente, por meio da vitória do Espírito, que é associado
ao sujeito transcendente fora do espaço e do tempo, sobre a carne, que corresponde
ao sujeito individual ou empírico que são os fenômenos mundanos. Mesmo crente
nisso, e ainda sob a influência das idéias de Weininger, que prega o dever interior de
renunciar a si próprio para encontrar o sentido da vida, antes de ir pra guerra,
Wittgenstein sentia a vontade de experimentar essa vivência tolstoiana do eterno
presente para se tornar um homem completo, pois até então o que ele tinha, como
descrito acima, era somente a companhia do sentimento de proximidade com a morte.
Com o seu voluntariado em participar da guerra no exército austríaco, Wittgenstein
assume uma postura ética condizente com a questão da crítica radical da linguagem
que ele herdou da influência dada por Mauthner, com seu testemunho ele faz uma
autocrítica de que não basta se limitar a questão da linguagem, tão bem expressa na
sua obra, ela deve ser complementada por um correspondente exemplo de vida (aqui já
percebemos grande indício do seu interesse ético).Com toda essa ousadia Wittgenstein
acaba vivenciando o que ele chama de experiência mística, isso é expresso no
aforismo 6.522: “o místico existe e é inexprimível”. Inicia-se, portanto uma questão que
não compartilha da idéia central do Tractatus que é a tentativa de reduzir à linguagem
as expressões do pensamento.
A ética a partir daí passa a desempenhar uma função peculiar no
desenvolvimento intelectual do filósofo que se tornaria a ser um dos mais importantes
do século XX.
3. A ÉTICA E OS LIMITES DA LINGUAGEM
Em meio a sua definição de que a ética é a busca pelo real sentido da vida,
Wittgenstein distingue que a ética é usada em duas instâncias, a saber: relativa e
absoluta. O valor relativo diz respeito a um simples enunciado de fatos, exemplificando
podemos dizer: “ele é um aluno bom”, ou ainda, “ele é um exímio padre”; no primeiro
exemplo podemos referir que ele é um bom aluno por que tira boas notas nas provas,
ou participa sempre das aulas, e no segundo que o padre é exímio por que celebra
suas missas como estabelecido pela igreja ou confessa sempre como combinado com
os seus fiéis, etc. esses exemplos são de valor relativo por que correspondem a certas
normas estabelecidas de fatos, diferentemente se fosse exposto o seguinte exemplo:
“Você deve se comportar bem”, aqui, portanto fala de um valor absoluto, pois não se
refere a algo que esta posto no mundo, não fala de um fato, é tratado portanto de um
valor. Se, portanto, é valor e não fato, e no aforismo 1.1. do Tractatus é dito que “O
mundo é a totalidade dos fatos e não das coisas” podemos inferir que a ética, sendo um
valor não pode ser dita. Isso Wittgenstein já reconhecia no aforismo 6.421: “É claro que
a ética não se deixa exprimir. A ética é transcendental”. Para ficar claro quando é
referido sobre o juízo de valor absoluto que é tido como o verdadeiro valor ético,
Wittgenstein estabelece três vivências específicas:
1. Do espanto diante da existência do mundo;
2. Da sua vivência da certeza absoluta ou do eterno presente;
3. Do sentimento de culpa de uma pessoa mediante a desaprovação do
comportamento por Deus;
Fazendo uma análise mais minuciosa dessas vivências temos:
Diante da existência do mundo é levantada a questão a respeito do ser, já
vivenciada por alguns pensadores como Schelling e Heidegger, essa experiência
provoca espanto por que suscita a pergunta primária sobre o mundo, o que há nele, ou
o que ele é. Possui valor absoluto por que o espanto não pode ser dito, afinal No
mundo tudo o é como é e acontece como acontece (TLP 6.41)
A vivência da segurança ou certeza absoluta, do eterno presente ocasiona
uma experiência mística que perpassa qualquer temor com relação a fatos do mundo, é
uma sensação de segurança aconteça o que acontecer, sentimento de que fazemos
parte do tudo e tudo faz parte de nós.
O sentimento de culpa, ao menos para os que são marcados pela
religiosidade, é tido quando há um descumprimento ou o desrespeito dos mandamentos
estabelecidos, o que acarreta num peso na consciência por uma suposta desaprovação
de Deus.
As declarações até aqui alcançadas dizem respeito à natureza da ética que
tomam importante lugar para a sua compreensão no pensamento Wittgensteiniano.
Uma vez estabelecidas algumas formas de sua natureza, em consonância a isso há o
aparecimento de outras problemáticas que são importantes e estão intimamente ligadas
a questão ética no seu cerne. Discorrendo a respeito disso, com descrito no início
desse trabalho, os aforismos do Tractatus surgem de acordo com o grau de
complexidade das proposições que aparecem. A ética, que aparece nessa obra dentro
do aforismo 6 e suas ramificações trás consigo uma série de pequenos ou talvez
grandiosos temas que são de suma importância para a compreensão do que ela
realmente é, alguns deles dizem respeito a questão da vontade do indivíduo
transcendental, que estabelece um papel essencial na compreensão dos limites e do
sentido do mundo e as demais são temáticas que mesmo de passagem já foram ao
menos citadas no texto.
Fazendo um rápido percurso sobre o que até agora foi visto e sobre pontos
aparentemente obscuros, podemos inferir o seguinte:
As proposições lingüísticas só conseguem descrever fatos do mundo,
para tanto não se referem ou dizem da ética uma vez que é
“sobrenatural”.
O sentido do mundo deve estar fora dele, e, se o valor não é efetivo ele
esta fora do mundo, pertence ao transcendental;
Descrever a ética é impossível por que ela trata justamente de questões
para além do natural;
A vontade individual transcendental seja ela boa ou má só pode alterar os
limites do mundo e não dos fatos;
A ação ética constituída pela vontade do sujeito transcendental pertence a
própria ação, para tanto a boa vontade gera felicidade e a má vontade a
infelicidade, o que prediz que existe apenas o homem feliz e o infeliz, e,
somente o que é feliz é capaz de ser verdadeiramente ético ou que
encontra o real sentido da vida;
E, portanto, quem descobre o sentido da vida, o sujeito transcendental, é
aquele que contempla o eterno presente, sente a sensação da absoluta
segurança.
Todas essas situações possuem algo em comum e que de maneira alguma
foge do foco de atenção levantada por Wittgenstein, afinal todos são problemas que
não podem ser descritos.
Mesmo não podendo dizer dessa experiência e de tantas outras por que são
tidas como não-naturais ou sobrenaturais, e uma vez que a linguagem humana foi feita
para afigurar os fatos do mundo, que são fatos naturais, Wittgenstein não considera a
ética e as demais experiências desse tipo irreais ou falsas, é, em síntese apenas para
além do verbalizável, portanto a ética transcende o mundo e os limites da linguagem
objetiva.
Portando-me novamente para a conferência sobre a ética realizada por
Wittgenstein, ele encerra sua palestra dizendo que a ética, na tentativa de dizer do
sentido último da vida (...) não pode ser uma ciência; sobre o que ela diz nada
acrescenta ao conhecimento, pois já que se trata de uma tendência do espírito humano
que nada pode dizer a não ser respeitar profundamente. E mesmo que a intenção do
Tractatus seja de estabelecer os limites para a expressão do pensar, é feito um
percurso de muita delicadeza que exige por fim um silêncio total estabelecido pela
superioridade transcendental da ética. Com essas palavras é que Wittgenstein encerra
sua fabulosa obra que é o Tractatus no aforismo 7: “Sobre o que não se pode falar,
deve-se calar”.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
HALLER, Rudolf A ética no pensamento de Wittgenstein / Rudolf Haller – Artigo da Conferência do mês do IEA/USP, 28 de novembro de 1990.
MARGUTTI, Paulo Roberto O Tractatus de Wittgenstein como obra de Iniciação / Paulo Roberto Margutti – Revista Filosofia Unisinos, 2004. nº 8 – vol. 5.
LOPARIC, Zeljko Sobre a ética em Heidegger e Wittgenstein / Zeljko Loparic – Artigo, Departamento de Filosofia da Unicamp, Curso de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP
WITTGENSTEIN, L. Tractatus Lógico-Philosophicus / Ludwig Wittgenstein. – 2 ed. – São Paulo, SP: Edusp / Tradução de Luis Henrique Lopes dos Santos
_______________ A Lecture on Ethic / Ludwig Wittgenstein – Conferência sobre ética. Cambridge, 1929.