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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS COLEGIADO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL FORMAÇÃO E DIPLOMA Um estudo sobre o Impacto no Mercado Regional Fábio Andrade Botelho Fabrício Pereira Santos Paulo Maurício Oliveira Correia

Formacao e diploma

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O estudo a seguir propõe refletir sobre a regulamentação dos profissionais da área de comunicação nos órgãos públicos (Prefeitura, Câmara de Vereadores, TvUesb, UesbFm e a Assessoria de Comunicação da Uesb), a partir de uma pesquisa feita em tais órgãos, através da aplicação de um questionário sobre a regulamentação do profissional em comunicação. Tais discussões foram provocadas pelo texto “Sem diploma – o trabalho precário”, de Elaine Tavares, em sala de aula para a disciplina “Comunicação e Mercado Regional”, oferecida pelo curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

COLEGIADO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

FORMAÇÃO E DIPLOMA

Um estudo sobre o Impacto no Mercado Regional

Fábio Andrade Botelho

Fabrício Pereira Santos

Paulo Maurício Oliveira Correia

Vitória da ConquistaMAIO 2010

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Resumo

O estudo a seguir propõe refletir sobre a regulamentação dos profissionais da área de comunicação

nos órgãos públicos (Prefeitura, Câmara de Vereadores, TvUesb, UesbFm e a Assessoria de

Comunicação da Uesb), a partir de uma pesquisa feita em tais órgãos, através da aplicação de um

questionário sobre a regulamentação do profissional em comunicação. Tais discussões foram

provocadas pelo texto “Sem diploma – o trabalho precário”, de Elaine Tavares, em sala de aula para

a disciplina “Comunicação e Mercado Regional”, oferecida pelo curso de Comunicação Social, com

habilitação em Jornalismo, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

Introdução

O ato de se comunicar admite várias definições, tais como: tornar comum, unir e travar ou

manter entendimento, conforme o dicionário Aurélio. Contudo, são conceitos que não abarcam todo

o seu vasto significado. O entendimento da comunicação como dialogia é, sem dúvida, um dos

modelos mais influentes da comunicação, que remonta à filosofia grega de Platão e Sócrates. Além

disso, podemos refletir sobre o emprego da palavra Comunicação para um novo campo da ciência

que vem se estruturando. Como Lopes (2005) afirma, o processo de automnomização científica do

campo da Comunicação é correlato à crescente autonomização da organização cultural nas

sociedades contemporâneas, ou seja, a constituição da cultura de massa e de seus principais agentes,

os meios de comunicação em massa (MCM).

Além disso, a necessidade de se comunicar mostra-se como inata à natureza humana, como

Santaella (2005, p. 11) afirma:

[...] em todos os tempos, grupos humanos constituídos sempre recorreram a modos de expressão, de manifestação de sentido e de comunicação sociais outros e diversos da linguagem verbal, desde os desenhos nas grutas de Lascaux, os rituais de tribos 'primitivas', danças, músicas, cerimoniais e jogos, até as produções de arquitetura e de objetos, além das formas de criação de linguagem que viemos a chamar de arte: desenhos, pinturas, esculturas, poética, cenografia etc.

A grande revolução que a escrita trouxe foi a forma de transmissão do conhecimento em si e a

tradução do conhecimento oral já existente para a forma escrita. À medida que cada tecnologia

emerge funciona como uma linguagem que trata e condiciona o sistema a novos padrões cognitivos

e perceptuais, exatamente como ocorreu com a poesia declamada na antiga Grécia, conforme afirma

Pereira (2004). A partir daí, as novas tecnologias que surgem a cada instante têm seus alicerces nas

antigas formas de comunicar: a escrita na fala, a imprensa na escrita e o rádio na imprensa, por

exemplo.

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Jornalismo enquanto profissãorevisitando sua história

No Brasil, diferentemente da França, há uma lei regulando o acesso de indivíduos ao

mercado de trabalho jornalístico. O decreto-lei nº 972, de 17 de outubro de 1969 estabeleceu a

exigência do diploma em curso superior de jornalismo para os que querem exercer a profissão.

Porém, obrigatoriedade da formação superior em Jornalismo nos permite discutir até que ponto os

sindicatos agiram no sentido de tentar constituir uma reserva de mercado no campo comunicacional

pondo os jovens jornalistas em disputa por fatias desse mercado com outros profissionais da

comunicação como relações públicas e radialistas, por exemplo. Quais seriam os motivos dessa

tensão?

A primeira tentativa de se estabelecer a obrigatoriedade da formação superior a para a

regulamentação do exercício profissional foi o decreto-lei 910, de 1938 assinado por Getúlio

Vargas. Ele dispôs sobre as condições de trabalho nas empresas (jornada diárias de 5 horas) e criou

as escolas de jornalismo. Houve forte resistência patronal e o decreto não vingou. A tentativa de

Vargas regulamentar a profissão aconteceu num momento em que a mesma tinha fragilidades: os

salários eram baixos e impontuais, sujeitando os jornalistas ao recebimento de vales. A categoria era

sujeita a grandes instabilidades, sem garantias de trabalho. O jornalismo ainda era visto como um

bico para pessoas de outras áreas profissionais. Alguns colaboradores eventuais utilizavam-se do

prestígio e status proporcionados pela atividade jornalística para fazer chantagem, subornar

comerciantes e empresários, em troca da visibilidade positiva dos seus negócios nos jornais

(Unidade, abril 1997: 11).

Essa imagem converge em grande parte com maioria os relatos de caráter memorialísticos e

bibliográficos produzidos nos anos posteriores. Eles dão conta que a produção jornalística existente

no período anterior a 1950 era submissa à esfera de influência política e literária, sintoma da

influência francesa no campo cultural. Daí essa época de predominância do jornalismo opinativo e

partidário ter entre suas características a improvisação e não o método, o clientelismo e não o

profissionalismo. Os jornalistas foram classificados de modo pejorativo como “boêmios, jogadores,

pessoas esquisitas” (Abramo, 1993:33) que não sabiam escrever porque “não eram jornalistas;

chegavam lá e escreviam uma coisinha...”(Dines in Ribeiro, 2000: 287).

Esse tipo de visão deu, evidentemente, um elevado grau de importância às propaladas

reformas produzidas nos anos 1950, quando um grupo de jornalistas do Diário Carioca importou e

adaptou as técnicas e os valores do jornalismo objetivo praticado dos Estados Unidos no Brasil. Isto

levou esse período a ser denominado como “imprensa em transição” se configurando um momento

de autonomização do jornalismo em relação a política e a literatura, sendo, neste sentido,

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considerado uma fase de profissionalização da imprensa.

Conforme Ribeiro (2000), a melhor estruturação salarial permitiu que o jornalismo deixasse

de ser, gradualmente, um bico, uma ocupação provisória. Segundo ela, aos poucos foi

desaparecendo a figura do aventureiro, que fazia do jornalismo apenas um lugar de

reconhecimento ou que buscava no jornal a possibilidade de ascensão social através de negociatas,

suborno e chantagem. Nas duas décadas seguintes, em meio à censura imposta pelo regime militar,

a defesa da objetividade e da responsabilidade social do jornalismo era, por parte dos profissionais,

um ato político de resistência e de construção afirmativa da identidade.

Na sequencia desse avanço no processo de profissionalização dos jornalistas, Jânio Quadros

publicou, em 1961, o decreto 51.218, regulamentando a lei 910 de 1938. A partir daí, só poderia ter

status de jornalista o profissional quem fosse portador do diploma ou habilitação expedida pela

universidade. O decreto, porém, reconhecia esse status aos filiados aos sindicatos e a Associação

Brasileira de Imprensa, ABI, ou aos que exerciam a profissão há mais de dois anos, com o registro

comprovado pelo departamento pessoal de alguma empresa. O decreto foi revogado menos de um

ano depois, pelo presidente João Goulart. A medida teve apoio não só do empresariado, mas

também da ABI e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, que viam no decreto

51. 218, um obstáculo ao trabalho livre nas empresas de comunicação.

O presidente João Goulart criou uma comissão para tratar da legislação e propor normas

para atender as reivindicações dos jornalistas. A comissão, composta por Pompeu de Souza (como

representante do Ministro do Trabalho), Franco Montoro e um dos comandantes das reformas

jornalísticas dos anos 1950, Antônio Ibrahim Haddad (Sindicato dos Proprietários de Jornais e

Revistas Profissionais), Fernando Segismundo (representante ABI) e Carlos Alberto Costa Pinto

(Federação Nacional dos Jornalistas), trabalhou sob a orientação do Ministério do Trabalho e da

Previdência Social. O resultado do trabalho da comissão foi o decreto 1177, de junho de 1962,

reconhecendo a formação autodidata do jornalista com estágio em alguma empresa e a

reconhecimento do jornalista do interior, onde não havia escolas de jornalismo (Ribeiro, 2000: 264).

Porém, só em 1969 ser bacharel em jornalismo passou a ser condição obrigatória para o exercício

profissional. Evidentemente que o decreto 972 criou um fato. De um lado, incrementou a formação

superior. De outro, tornou as entidades de classe dos jornalistas interlocutores privilegiados no

debate sobre jornalismo nas décadas de 1970/80, pois criou uma reserva de mercado a ser

preenchida com os novos formandos nos cursos de comunicação social.

Sobre a formação superior, Weber (2000) mostrou que a primeira regulamentação do curso

de jornalismo ocorreu em 1962. Ele tinha um caráter humanístico baseado em disciplinas

abrangentes como filosofia, história e literatura, enquadravam o jornalismo como atividade

generalista de tendência romântico liberal, mas já encampava disciplinas relativas ao ensino dos

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telejornais. Em 1966 ocorreu a segunda regulamentação. O padrão de disciplinas começou a

expressar a hegemonia do modelo norte-americano tendo um forte viés empírico e funcionalista.

Essa nova estrutura curricular respondia a uma dupla exigência: 1) a importância da comunicação

sendo vital para a política de integração e segurança nacional (daí a preocupação da ditadura militar

em profissionalizar o campo); 2) atendia às exigências do mercado e das novas tecnologias da

comunicação com a ampliação do número de disciplinas e a introdução das técnicas jornalísticas

como fotografia, redação e produção de jornais etc.

Só com a regulamentação de 1969 é que o curso de jornalismo virou uma habilitação do

curso de comunicação social, junto com publicidade e propaganda, relações públicas e editoração.

Muito embora essa estratificação fosse uma exigência do mercado imposta pela ditadura militar, em

termos curriculares, a universidade ainda tratava a comunicação como jornalismo. Dois são os

motivos. O primeiro é que o ensino dessas outras habilitações não tinha docentes especializados. O

segundo é que não havia equivalência quantitativa em número de disciplinas entre as novas

habilitações e jornalismo. Assim, um aluno de comunicação podia obter diploma em propaganda e

relações públicas com o mesmo número de créditos que jornalismo, sendo esta a formação

priorizada no interior do curso.

A estrutura curricular criada para a comunicação em 1969 era reveladora, conforme Weber,

da influência norte-americana na estrutura do ensino universitário de jornalismo e perdurou, na

maioria dos cursos até a década de 1980. O número de cursos no país, por sua vez, chegou, em

1977, a 60, a maioria em escolas particulares. Estes dados, somados ao viés tecnicista da formação

universitária e a falta de distinção mais precisa entre as habilitações nas universidades, torna

bastante plausível a possibilidade de um conjunto expressivo de jornalistas com formação superior

ter transitado profissionalmente pelas diversas áreas da comunicação. O ambiente acadêmico,

porém, havia se tornado tanto um centro de resistência ideológica ao regime militar e ao projeto de

modernização conservadora do capitalismo brasileiro quanto lugar de formação profissional

(Weber, 2000: 175-179).

Essa ambigüidade pode ter dado uma abertura para os universitários e recém-formados

sofrerem a influência da esfera sindical. Smith (1997: 54-57), ao investigar os dois padrões de

funcionamento da censura à imprensa durante o regime militar, a censura prévia e a auto-censura,

constatou haver somente uma “solidariedade de imprensa” no interior dos jornais submetidos à

censura prévia. Nos demais havia sentimentos distintos entre os jornalistas. Os diretores de redação

e editorialistas eram os mais preocupados em preservar sua autonomia profissional e institucional

contra o controle do Estado ou dos empresários. Eles adotavam uma postura dúbia, pois ao mesmo

tempo em tinham que a ambição de exercerem esta autonomia promovendo o debate e a discussão

sobre o regime perante o público, eles eram empregados e as suas posições institucionais os

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privilegiavam na obtenção de informações noticiosas, fazendo-os permanecer e se sujeitar as

normas das empresas em que trabalhavam. Os repórteres, por sua vez, tinham pouca estabilidade e

não exerciam plenamente o controle sobre o produto final do seu trabalho. Muitos

complementavam seus vencimentos exercendo a função de assessoria de imprensa e relações

públicas no setor público ou privado. Eles se consideravam, no geral, mais empregados do que

compartilhando de uma identidade jornalística com os seus chefes.

Para Smith, essas diferenças no interior da imprensa se refletiam e ao mesmo tempo deviam

ser alimentadas pelos diversos entendimentos dos jornalistas a respeito do seu papel político e dos

valores que deveriam sustentar a autonomia profissional. As normas narrativas da objetividade

aparecem nos depoimentos como impostas pelas organizações. Mas, elas não eram aceitas por uma

parte dos jornalistas que procuravam exercitar um outro padrão de texto nos jornais alternativos

atuando nestes como repórteres ou simples colaboradores não remunerados. Para Smith, a retórica

predominante que justificava essas divisões era a classista.

Entre 1964 e 1985, jornalistas e diretores se enfrentaram mutuamente de lados diferentes da divisória de classes. A ação coletiva que impunha a existência de interesses comuns entre jornalistas, diretores, supervisores e donos, era, por conseguinte, inconcebível. A retórica da divisão de classes era dominante, inevitável e ajustou os termos do debate acima de qualquer identidade ou ação coletiva (Smith, 1997: 171).

Com isto, parte dos jornalistas se auto-referenciava como trabalhador e classificava os

chefes, editores e empresários como burgueses, interpretando os constrangimentos organizacionais

das empresas jornalísticas como censura patronal. A ideia se sustentava em torno do argumento de

que a busca do lucro dos jornais era incompatível com a sua função social, a de servir aos interesses

do conjunto da população. Deve-se entender que a representação do jornalista como trabalhador

não necessariamente se opunha a ideia de profissionalismo, como mostra um editorial do jornal do

Sindicato dos Jornalista Profissionais de São Paulo, o Unidade, em junho de 1980.

(...) os jornalistas lutam por uma legislação profissional movidos não por interesses mesquinhos e isolacionistas, mas por sentirem a necessidade de uma defesa eficaz contra a moderna exploração do trabalho dentro das redações, onde os jornalistas deixaram para trás o velho trabalho improvisado e se profissionalizaram compulsoriamente, se assalariando e exercendo com exclusividade uma função antes complementar de outras mais “nobres” como a medicina, a diplomacia, o direito etc. É que a empresa capitalista do tempo do laissez fairez foi substituída pela grande empresa do capitalismo monopolista e tanto o jornalista empresário como o jornalista eventual foram substituídos pelo grande empresário e pelo jornalista profissional de hoje.

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O discurso era uma resposta à acusação feita pelo jornalista Boris Casoy, editor-chefe da

Folha de S. Paulo, de ser uma exigência do diploma em jornalismo fruto de uma legislação

medieval e obscurantista, pois era extremamente restritiva, impedindo pessoas não formadas em

escolas de Comunicação de exercerem funções de jornalistas. Com isso, boa parte da inteligência

nacional estaria afastada das redações dos principais jornais e órgãos de comunicação do país.

Em vista disso, o Sindicato acentuava a sua defesa da regulamentação profissional tendo em

vista não questões vocacionais e de mérito, mas sim as modificações ocorridas no mercado de

trabalho jornalístico. Entre elas: as mudanças no perfil das empresas, de concorrenciais para

monopolistas, e na tipologia dos empresários correspondente a cada uma delas, com o empresário-

jornalista, afeito a improvisação e ao pessoalismo, sendo substituído pelo grande executivo, um

estranho à comunidade de jornalistas, gestor de um conglomerado de empresas, entre as quais se

incluem as diversas modalidades de produtos noticiosos. Daí, a profissionalização dos jornalistas

passar, na visão do Sindicato, não só pelo assalariamento, mas também pela luta em defesa da

modernização das relações de trabalho e do monopólio em torno do exercício profissional garantido

pelo diploma, mecanismos que fundamentados em lei, reduziria os jornalistas dos riscos e das

incertezas do mercado.

O discurso de viés classista se tornou presente quando o Sindicato procurou justificar a

causa da fragilidade do nosso jornalismo não na fragilidade do ensino universitário e nas barreiras

impostas pela obrigatoriedade do diploma, mas sim em dois grandes vilões: a concentração

empresarial e o controle do grande capital sobre os órgãos de imprensa.

A imprensa brasileira não se desenvolve em seu conteúdo e não se democratiza porque a sua modernização não se deu sobre o controle das classes populares e sim sob o controle do grande capital e foi baseada numa forte concentração do poder de informar nas mãos de poucas e grandes empresas (...). Por que as empresas iriam se preocupar e gastar com um jornalismo investigativo, polêmico, audacioso e de qualidade, se para manter o púbico leitor que garanta o crescimento econômico do empreendimento basta ter um eficiente departamento de vendas por assinatura e um bom sistema de distribuição nas bancas?

Talvez aí estejam os vestígios saudosistas de uma época tida como “romântica” do

jornalismo brasileiro. Mas as novas relações de classe, pelo contrário, impediam a permanência dos

vínculos de pessoalidade e familiaridade que estiveram presentes num passado remoto no ambiente

jornalístico brasileiro. Assim, para o Sindicato, o diploma era um instrumento necessário para os

jornalistas sobreviverem e darem conta da impessoalidade do ambiente do mercado. Segundo o

militante sindical Antônio Carlos Félix Nunes, foi a partir de 1969 que adquirimos a condição real

de profissionais, que há tempo já identificava categorias niveladas à nossa como médicos,

engenheiros, dentistas e advogados. A luta pela reserva de mercado obrigou os Sindicatos dos

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Jornalistas Profissionais como o de São Paulo, a se engajarem em atividades de natureza

corporativa para ocupar os espaços num território que, se por um lado encolhia nas redações dos

principais jornais do país, por outro crescia nas áreas de assessoria e empresarial. A entidade

sindical paulista criou uma Bolsa de Empregos, em 1975, com a intenção de ampliar e garantir o

mercado de trabalho para os jornalistas reconhecidos pela instituição. Com a intenção de suprir as

necessidades das empresas de comunicação e outras em geral, seja para trabalho fixo, temporário ou

mesmo de free-lancers, o Sindicato encaminhava currículos de profissionais como, repórteres,

revisores, redatores, fotógrafos e diagramadores, propondo a estas a criação de jornais ou

assessorias de imprensa, que ficariam sob responsabilidade dos profissionais encaminhados pela

Bolsa.

Não havia assim uma distinção clara entre os diversos papéis exercidos pelos profissionais

no âmbito da comunicação, principalmente entre relações públicas, cuja atividade era confundida

com a de assessores e de jornalistas, como mostra o depoimento de José Hamilton Ribeiro,

jornalista dirigente do Sindicato de São Paulo:

O Sindicato...trabalha com a ideia de que o assessor de imprensa é antes de tudo um jornalista. Assim está obrigado, pelo código de ética da categoria, a usar o seu conhecimento, a sua técnica e informações de que dispõe para esclarecer os fatos. Teoricamente, não deve agir como a Publicidade, que ilumina uns poucos aspectos e leva a escuridão a outros, de forma a confundir e a iludir o distinto público (Hamilton Ribeiro, 1998: 162).

Porém, o discurso de Hamilton Ribeiro era o de um idealista. O código de ética na realidade

não continha o avanço dos jornalistas nas atividades de relações públicas. Glauco Carneiro, assessor

e consultor de Relações Públicas no Rio de Janeiro escreveu, em 1972, para os Cadernos de

Jornalismo do Jornal do Brasil , o seguinte:

Com efeito, o profissional de Relações Públicas ou é egresso do jornalismo ou de todas as outras áreas. Quando procede dos jornais ou emissoras ele pertence a duas categorias: realizado no jornalismo, caso em que ser relações públicas assume uma feição de complementação do êxito, tendo ele, então, um relacionamento maduro e adequado com a imprensa, ou frustrado no jornalismo, caso em que encontrou nas relações públicas uma nova oportunidade de tentar o sucesso não encontrado na redação.

Qual então a diferença entre assessor de imprensa e relações públicas? A imprecisão

nessas fronteiras tornara os atritos entre os jornalistas que trabalhavam em assessorias e o Conselho

Regional de Relações Públicas pelo monopólio da divulgação de informações relativamente

comuns. Porém, o Sindicato de Jornalistas de São Paulo, em 1980, via a questão de outra forma:

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A verdade é que, por falta de maior empenho dos jornalistas em defender essa faixa do mercado de trabalho, as assessorias de imprensa muitas vezes estão nas mãos não só de pessoas formadas em Relações Públicas como de outros setores profissionais. É o caso, por exemplo, de algumas assessorias de empresas automobilísticas, onde o trabalho do jornalista é feito por pessoas de outras áreas. A revista Sua Boa Estrela, editada pelo Departamento de Propaganda da Mercedez-Benz do Brasil, tem cinco redatores, nenhum deles jornalistas. Somente o editor da revista é formado em jornalismo. A assessoria da empresa tem um único jornalista, responsável apenas pela confecção de releases (Unidade, junho de 1980, p. 10).

A lamúria da entidade sindical pode ser entendida em dois eixos: no primeiro, a ameaça ao

nicho de mercado, garantido pela lei aos jornalistas, derivava da falta de luta dos jornalistas. No

segundo, a ocupação deste mercado por um conjunto de novas funções “inventadas” pelas empresas

decorria da própria imprecisão do decreto-lei 972 em definir aquilo que caracterizaria o trabalho

jornalístico. O decreto, em vez disso, listava um conjunto de funções de “natureza” jornalística que

eram evidentemente limitadas e por isso mesmo não tinham como acompanhar a mestiçagem e o

mimetismo do mercado de trabalho. Na ausência da lei, os próprios agentes criavam denominações

para as novas funções. Veja como o Sindicato explicitou o problema:

O jornalista que trabalha em assessoria de imprensa enfrenta ainda o problema de ser registrado em funções não jornalísticas, o que impede o registro profissional no Ministério do Trabalho. É comum algumas empresas inventarem denominações para as funções jornalísticas diferentes daquelas fixadas em lei – coisas do tipo auxiliares de divulgação, redatores-técnicos ou técnicos de comunicação. Como essas funções não constam da lei de regulamentação da profissão, o jornalista acaba sendo impedido de se sindicalizar e, consequentemente, de gozar do dissídio e das datas-base da categoria (idem).

Esses “não jornalistas” se apresentaram na FENAJ, em 1986, para um debate com o

jornalista Audálio Dantas, presidente da instituição. Na pauta, os conflitos com os Conselhos

Regionais de Relações Públicas, que agiam, por via judicial, tentando abarcar todo o mercado de

trabalho no interior de assessoria das empresas privadas e públicas para os seus profissionais. Os

jornalistas, todos de terno e gravatas, pareciam executivos. Queriam saber o que a FENAJ faria por

eles. Eles não viam os relações públicas como pares ou companheiros, mas como estranhos e

inimigos. O discurso de Audálio era de que todos eram trabalhadores e por isso seria buscado um

acordo. Qual, não se sabe, pois ainda hoje, Jornalismo e Relações Públicas são campos em conflito.

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A Formação do Jornalista

A educação dos jornalistas desafia a sociedade brasileira há mais de um século. A demanda

floresceu no caldo de cultura gerado pela industrialização da imprensa. Os jornais deixavam de ser

correias de transmissão dos partidos políticos para se converter em empresas auto-sustentáveis. A

sociedade requeria profissionais competentes para produzir a síndrome da antena parabólica. São

notícias de interesse coletivo e comentários sintonizados com as aspirações do público leitor.

Já em 1908, Gustavo de Lacerda, ao fundar a Associação Brasileira de Imprensa -

ABI, reivindicava uma escola de jornalismo para formar repórteres. Em 1935, o educador Anísio

Teixeira atendeu a essa demanda, criando o primeiro curso de jornalismo do país, experiência que

se frustrou

com o fechamento da Universidade do Distrito Federal pela truculência do Estado Novo. Em

consequência, a academia só abriu suas portas aos jornalistas nos anos 40, quando o ensino de

jornalismo foi oficializado e as primeiras escolas foram autorizadas a funcionar em São Paulo

(1947) e no Rio de Janeiro (1948).

Estima-se que atualmente sejam mais de 300 cursos superiores de jornalismo em

universidades e outras instituições de ensino superior em todo o país. Essa rede educacional

beneficiou-se do acervo pedagógico legado pelos idealizadores do nosso modelo de ensino de

jornalismo. Tanto Cásper Líbero, em São Paulo, quanto Danton Jobim, no Rio de Janeiro, pensaram

estruturas didáticas sintonizadas com as experiências consolidadas em outras partes do mundo,

porém destinadas a formar profissionais para atuar nas empresas jornalísticas do país, o que lhes

deu consistência metodológica.

Danton Jobim teve oportunidade de debater a via brasileira para educar jornalistas

profissionais com os professores de outros países (França, Estados Unidos e América Latina). Tal

esforço para construir uma pedagogia brasileira de jornalismo foi continuado por Luiz Beltrão, na

cidade do Recife, onde implantou um modelo alternativo para regiões em fase de desenvolvimento.

Por isso mesmo, ele foi imediatamente chamado a compartilhar essa inovação com outros países

latino-americanos. Na seqüência histórica, outras universidades do país aperfeiçoaram e

consolidaram tais métodos e processos de ensino-aprendizagem.

Portanto, o Brasil acumula, há pelo menos seis décadas, experiência na formação

universitária de jornalistas, tendo construído uma matriz pedagógica que lhe confere singularidade

em nível mundial. Tanto assim que a revista Journalism: Theory, Practice and Criticism, publicada

simultaneamente em Washington, Londres, Nova Déli e Cingapura, dedica o Vol. 10-1, de 2009, ao

caso brasileiro.

Mesclando o padrão europeu (estudo teórico) com o modelo americano

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(aprendizagem pragmática), logramos consolidar uma via crítico-experimental de ensino-pesquisa.

No entanto, a partir da entrada em vigor da Resolução CNE/CES 16, de 13 de março de 2002, os

Cursos de Jornalismo estão referenciados pelas “Diretrizes Curriculares Nacionais para a área de

Comunicação Social e suas habilitações”. Desde o título, e por todo o texto, as diretrizes em vigor

conduzem a interpretações equivocadas, ao confundirem a área acadêmica da comunicação com os

cursos de graduação voltados para a formação das profissões que dela fazem parte. É

provavelmente um caso único de diretrizes formuladas para uma área, pois a Lei 9131, de 25 de

novembro de 1995, estabelece em seu Art. 9o § 2o que as diretrizes devem ser formuladas “para os

cursos”.

A importância da pesquisa acadêmica na formação profissional

Quando se faz referência ao compromisso da Universidade com uma formação sólida e

crítica, seja na sua dimensão humanística ou mesmo técnica, invariavelmente acreditamos na

importância da pesquisa para o cumprimento dessa prerrogativa.

Pela pesquisa o educando tem a possibilidade de ultrapassar o “já estabelecido” que é

“ensinado” pelos educadores e mergulhar num universo marcado pela busca permanente de novas

ou aprofundadas respostas para suas inquietações e interrogações. Trata-se de assumir uma

dinâmica marcada pelo “educar pela pesquisa”.

Antes de qualquer coisa, considerar a pesquisa como força motriz dos processos

educacionais exige ampliar o próprio conceito de pesquisa. Neste sentido, concordamos com as

afirmações de Pedro Demo quanto à necessidade de “superar a visão unilateral de considerar

pesquisa apenas seus estágios sofisticados, representados pelos produtos solenes do mestre ou do

doutor”. Segue o autor:

Pesquisa precisa ser internalizada como atitude cotidiana, não apenas como atividade especial, de gente especial, para momentos e salários especiais. Ao contrário, representa sobretudo a maneira consciente e contributiva de andar na vida, todo dia, toda hora. Por outra, pesquisa não é qualquer coisa, papo furado, conversa solta, atividade largada. Seu distintivo mais próprio é o questionamento reconstrutivo. Este é o espírito que perpassa a pesquisa, realizando-se de maneiras diversas conforme o estágio de desenvolvimento das pessoas. (DEMO, 1997, p.10)

O reconhecimento de que a pesquisa é uma atitude cotidiana modifica sobremaneira a

perspectiva simplista que normalmente se atribui à pesquisa. Quaisquer tempo e lugar são

apropriados para o exercício da pesquisa, bem como qualquer indivíduo pode exercer a condição de

pesquisador.

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No entanto, o próprio autor pondera que não se trata de uma “atividade largada”; isso

significa que é necessário exercê-la sob condições apropriadas e o seu realizador deve estar

devidamente consciente da atividade que desenvolve. É nesse momento que passamos a

compreender e admitir distintas formas e condições para o ato de pesquisar.

Quando pensamos nos processos de pesquisa acadêmica devemos considerar que o

movimento deve seguir a lógica da inserção do aluno num trabalho de pesquisa previamente

desenvolvido pelo professor pesquisador. E aqui reside um primeiro problema e grande desafio.

A prática da pesquisa acadêmica, infelizmente, é tratada diferentemente por universidades

públicas e privadas. As instituição particulares de ensino, na sua grande maioria (ressalvadas

importantes exceções), relegam a pesquisa a uma atividade secundária, expropriando do aluno a

possibilidade de uma vivência acadêmica mais instigante proporcionada pela pesquisa.

No caso das universidades públicas, apesar do incentivo e de condições mais propícias para

a prática da pesquisa, nos deparamos, não raras vezes, com uma situação de inércia e mesmo

descompromisso de alguns professores. Mesmo depois de atingir a plena maturidade para o

exercício da pesquisa acadêmica pela obtenção do título de doutor, muitas vezes subsidiado pela

própria instituição, alguns professores ocupam sua carga horária contratual quase exclusivamente

com atividades de ensino.

Dentre aqueles professores que exercem na prática a sua condição de pesquisador,

reconhecemos a sua efetiva contribuição no cumprimento do compromisso acima referido. Ao

oferecer a possibilidade ao aluno de participar de projetos de pesquisa, tanto numa condição de

iniciação científica como na condição de colaborador, o professor pesquisador instrumentaliza o

educando para a prática investigativa e constitutiva do saber.

À medida que se estabelece uma prática de pesquisa coletiva, envolvendo professores e

alunos num mesmo objetivo de investigação, os pressupostos de uma educação pela pesquisa se

materializam e passam a valer os pressupostos apontados por Pedro Demo.

A pesquisa aplicada em Vitória da Conquista

O fato do diploma em jornalismo ter sido derrubado como premissa necessária para o

exercício da profissão, no dia 17 de junho de 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), fez

repercutir um debate até então inexistente nas faculdade de comunicação e no seu respectivo campo

de trabalho: sendo o jornalismo um exercício de expressão intelectual, social e cultural, por que só

quem enfrenta uma universidade é apto a realizar trabalhos desse porte? A controvérsia se instalou e

o mercado de trabalho, segundo alguns, ficou ameaçado devido tal liminar.

Trabalhar com essa nova “problemática” constituiu nosso objeto de pesquisa. Um tema novo

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que necessita ainda ser muito explorado, estudado quantitativamente e, principalmente,

qualitativamente, analisando a sua nova conjuntura. Utilizamos para tanto, uma pesquisa de cunho

social e descritiva, na qual buscamos, através de questionários a profissionais e estagiários da área

de comunicação em órgãos públicos e estatais, avaliar como estes se encontram na sua área de

trabalho pós decreto da não obrigatoriedade do diploma em jornalismo, e como estes têm observado

a atual situação do mercado de trabalho.

A natureza dos questionários foi de seis perguntas abertas, os quais foram distribuídos nos

seguintes espaços da região de Vitória da Conquista: assessoria da prefeitura da cidade; assessoria

da câmara dos vereadores; e Tv, rádio e assessoria da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

(UESB). Dentre de todos estes locais, com estimativa de 40 profissionais trabalhando na área de

comunicação, apenas 4 questionários foram respondidos, da Tv e rádioFM da Uesb, sendo que nos

demais, lamentavelmente tivemos respostas negativas para o preenchimento das questões, sem

contribuição suficiente para maiores conclusões à pesquisa.

Ao menos, percebeu-se que o campo de trabalho até então não foi afetado pelo decreto

judicial no município circunscrito. As informações a respeito da regulamentação da profissão de

jornalismo parecem não serem tão claras aos questionados, sem saberem distinguir a

regulamentação da formação acadêmica.

Considerações Finais

Podemos inferir que em um mercado em que ainda predomina a presença de profissionais

com diploma, originado da academia, que deveria ter como sua base a pesquisa, formando um

profissional reflexivo, não apareceu na pesquisa. Através da recusa na contribuição de suas opiniões

os profissionais nos colocam dúvidas acerca do futuro da pesquisa em comunicação em outro

contexto. Desta forma podemos imaginar que tipo de mercado pode ser formado sem a cultura da

pesquisa em um mercado com inserção de “não diplomados”. A pesquisa para o jornalista

acadêmico deveria servir para reavaliar a sua práxis, assim como a um aumento do conhecimento

sobre o que é comunicação, quem determina ou condiciona a informação, para quem ela serve,

quando este conhecimento é necessário para transformações sociais, onde se pretende chegar com a

utilização destes conhecimentos, respondendo a questão do por que comunicar.

Page 14: Formacao e diploma

Referências

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Fontes Primárias

Unidade – Órgão Oficial do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo