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REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 O FUNCIONALISMO SISTÊMICO NAS TEORIAS SOCIAL E ORGANIZACIONAL: EVOLUÇÃO E CRÍTICA Renato Santos de Souza 1 Prédio 40 - Campus Camobi CEP: 97105-900 Santa Maria/RS Brasil E-mail: [email protected] 1 Universidade Federal de Santa Maria - UFSM Centro de Ciências Rurais Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural CEP: 97105-900 Santa Maria/RS Brasil Resumo O presente artigo pretende proporcionar uma visão geral sobre o desenvolvimento do funcionalismo sistêmico nas teorias sociais, bem como suas implicações mais recentes nas teorias organizacionais, a partir da teoria dos sistemas e do paradigma da complexidade. O texto propõe três fases na evolução do pensamento funcionalista sistêmico nas teorias sociais: (1) a fase do funcionalismo sociológico clássico; (2) a fase pós Teoria Geral dos Sistemas, a qual chamou-se de ‘novo funcionalismo’; e (3) a fase derivada do novo paradigma da complexidade, a qual denominou-se neste artigo de ‘a nova fronteira do novo funcionalismo’. No final do texto faz-se uma abordagem crítica do funcionalismo sistêmico nas teorias sociais, com base em três argumentos: (1) a dicotomia ‘norma, integração e ordem’ versus ‘poder, dominação e conflito’; (2) as críticas de Habermas ao funcionalismo, sobretudo à teoria social de Luhmann; e (4) o uso inadequado de conceitos dos sistemas naturais pelas teorias sociais e organizacionais. Palavras chaves: funcionalismo, teoria dos sistemas, paradigma da complexidade

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O FUNCIONALISMO SISTÊMICO NAS TEORIAS SOCIAL E ORGANIZACIONAL:

EVOLUÇÃO E CRÍTICA

Renato Santos de Souza 1 Prédio 40 - Campus Camobi

CEP: 97105-900 Santa Maria/RS Brasil E-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Santa Maria - UFSM Centro de Ciências Rurais Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural CEP: 97105-900 Santa Maria/RS Brasil

Resumo

O presente artigo pretende proporcionar uma visão geral sobre o desenvolvimento do

funcionalismo sistêmico nas teorias sociais, bem como suas implicações mais recentes nas teorias

organizacionais, a partir da teoria dos sistemas e do paradigma da complexidade. O texto propõe

três fases na evolução do pensamento funcionalista sistêmico nas teorias sociais: (1) a fase do

funcionalismo sociológico clássico; (2) a fase pós Teoria Geral dos Sistemas, a qual chamou-se

de ‘novo funcionalismo’; e (3) a fase derivada do novo paradigma da complexidade, a qual

denominou-se neste artigo de ‘a nova fronteira do novo funcionalismo’. No final do texto faz-se

uma abordagem crítica do funcionalismo sistêmico nas teorias sociais, com base em três

argumentos: (1) a dicotomia ‘norma, integração e ordem’ versus ‘poder, dominação e conflito’;

(2) as críticas de Habermas ao funcionalismo, sobretudo à teoria social de Luhmann; e (4) o uso

inadequado de conceitos dos sistemas naturais pelas teorias sociais e organizacionais.

Palavras chaves: funcionalismo, teoria dos sistemas, paradigma da complexidade

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

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O FUNCIONALISMO SISTÊMICO NAS TEORIAS SOCIAL E ORGANIZACIONAL:

EVOLUÇÃO E CRÍTICA

Introdução

O objeto deste texto é o funcionalismo sistêmico nas teorias sociais e suas

implicações para as teorias organizacionais. O objetivo principal é fazer um resgate histórico-

crítico das fundamentações do funcionalismo sistêmico, passando pelas suas grandes fases

evolutivas e pelos desdobramentos das suas influências nas teorias sociais, particularmente na

sociologia e na teoria organizacional. Assim, identificou-se nesse artigo três grandes etapas

teóricas do funcionalismo sistêmico.

A primeira delas compreende o que se pode chamar de funcionalismo clássico , e

manifesta-se na sociologia por meio de uma longa construção teórica que vai de Spencer até

Parsons, este último, sem dúvida, a figura mais importante desta fase e que representa, de certa

forma, uma síntese deste momento. Esta fase se caracteriza pela construção dos conceitos de

função, de integração, e pela introdução da analogia dos sistemas sociais com sistemas orgânicos

biológicos. Porém, embora exista freqüentemente esta analogia, o funcionalismo clássico

procurou um caminho próprio para a sociologia, pela construção de conceitos surgidos do próprio

campo social.

A segunda tem como evento principal o surgimento da Teoria Geral dos Sistemas,

que inaugurou o que se poderia chamar de um ‘novo funcionalismo’. Com isto, surgem nas

teorias sociais os conceitos ligados à cibernética. Para se ter uma idéia das relações entre esta fase

e o funcionalismo clássico, Parsons é considerado por muitos como um precursor da teoria dos

sistemas. A Teoria Geral dos Sistemas caracteriza-se, então, por concentrar-se essencialmente no

sistema - considerado como uma unidade unificadora de todas as ciências -, buscando

explicitamente nas leis dos sistemas naturais as regras de funcionamento dos demais sistemas,

inclusive os sociais.

A terceira etapa surge com as mais novas descobertas, também nos sistemas naturais

(autopoiesis, teoria do caos, física quântica, estruturas dissipativas, etc.), que propõem

modificações nas teorias sistêmicas para incluírem com vigor decisivo a incerteza, a

indeterminação, a auto-produção e a complexidade. Trata-se do esboço de um novo paradigma,

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autodenominado de ‘paradigma da complexidade’. Conforme argumenta-se no decorrer do texto,

tanto a Teoria Geral dos Sistemas quanto o ‘paradigma da complexidade’, quando aplicados às

teorias sociais, passam a representar novas formas de funcionalismo.

Na verdade, este tema é muito amplo; portanto, teve-se que fazer alguns recortes e

optar por um tipo específico de abordagem neste trabalho. Assim, tratar-se-á pouco das diferentes

nuanças e discussões dentro e fora da abordagem sistêmica e funcionalista em cada fase, para

poder prender o texto na evolução e nos aspectos que mantiveram a identidade do paradigma

sistêmico funcionalista no tempo, desde os sociólogos pré-funcionalistas até os teóricos da

complexidade. Assim, apesar de existir muitas diferenças significativas internas ao funcionalismo

sistêmico, procurou-se perseguir ma is a sua identidade de forma a manter a coerência e o

propósito do trabalho face às limitações de espaço.

É fundamental aqui, ressaltar a importância do funcionalismo sistêmico sociológico

para as teorias organizacionais. A organização, com cada vez mais freqüência, é caracterizada

como um sistema social, e a sociologia funcionalista se dedicou exatamente ao estudo deste tipo

de sistema. Na verdade, em um certo sentido, a teoria organizacional pode ser considerada um

ramo da sociologia. Muitos autores da sociologia trataram de estudar as organizações (Max

Weber, Talcot Parsons, Robert Merton, Neil Smelser, Walter Bucklei e Karl Deush por exemplo)

e muitos autores da administração consideraram estas – as organizações - como sistemas sociais

(Mary Parker Folle t, Chester Barnard, Katz e Kahn, Helton Mayo, James March e Herbert

Symon, por exemplo).

Apesar de muitos sociólogos as terem estudado, considera-se que foi o trabalho de

Merton na década de 40 que colocou as organizações como um objeto distinto e merecedor de

estudo sociológico, como atores sociais independentes na sociedade moderna (Tolbert e Zucker,

1999). Do lado das teorias organizacionais ou administrativas, Mary Parker Follet e Chester

Barnard foram precursores em considerar as organizações como sistemas sociais, noção esta que

foi fundamental para o ingresso da sociologia e da psicologia no campo das teorias

organizacionais. Esta concepção se sedimentou com a escola das Relações Humanas, e fez parte

de quase todas as teorias organizacionais posteriores, como a comportamentalista e a teoria

institucional, dentre outras. Assim, o campo da sociologia funcionalista sistêmica é central para

as teorias organizacionais em um duplo sentido: o estudo das organizações tem espaço

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privilegiado neste paradigma sociológico, assim como este mesmo paradigma é extremamente

influente nas teorias organizacionais propriamente ditas.

Neste artigo apresenta-se uma tese básica. Em parte, se reconhece o funcionalismo

como uma abordagem útil e ainda promissora nas ciências sociais. Por outro lado, se têm uma

visão crítica em relação a alguns métodos do funcionalismo, sobretudo a partir da Teoria Geral

dos Sistemas, pela excessiva utilização de analogias entre os sistemas sociais e os sistemas

naturais. Invariavelmente, todos os conceitos novos que são propostos para as teorias sociais

inspirados nas teorias dos sistemas e no ‘paradigma da complexidade’ (homeostase, retroação,

entropia, auto-produção, organização, autopoiesis, caos, etc.) são oriundos de descobertas na

física, na química, na biologia e na termodinâmica. Considera-se, assim, que a crescente

utilização de conceitos e leis dos sistemas naturais para explicar fenômenos sociais empobrece o

próprio funcionalismo, e desvia a atenção dos fenômenos sociais como tais para tentar adequá-los

a estes conceitos e leis. De certa forma, portanto, o funcionalismo estaria regredindo no

reconhecimento da singularidade dos sistemas sociais e das forças que determinam a sua

dinâmica, para refugiar-se em conceitos alheios à realidade do mundo social, e que pouco lhe

acrescentam em conhecimento.

O pensamento sistêmico e a evolução do funcionalismo clássico nas teorias sociais

Como se irá caracterizar neste item, três elementos fundamentais acompanham a

sociologia desde a sua fundação, e caracterizam o pensamento funcionalista sistêmico: a noção de

sistema e a concepção de sociedade como um sistema social; a recorrência à metáforas

comparativas de tais sistemas com os sistemas orgânicos das ciências naturais, caracterizando a

existência de ‘leis sociais naturais’; e a concepção das categorias funcionais necessárias a

manutenção da estabilidade relativa de tais sistemas. Função, sistema e organismo biológico são

três das principais ferramentas com que o funcionalismo sistêmico trabalha. Procurar-se-á neste

item apresentar uma evolução do pensamento funcionalista clássico nas teorias sociais,

destacando a presença destas três características. Posteriormente, se abordará como estas

características persistem e mesmo aprofundam-se com a teoria dos sistemas e o paradigma da

complexidade.

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O primeiro autor na sociologia a tratar o conceito de sociedade como um sistema e

um organismo foi Herbert Spenser. Considerado, junto com Durkhein, como um pré-

funcionalista, Spencer caracterizou a sociedade como um sistema social relativamente estável. A

estabilidade, para ele, era um imperativo da idéia de sociedade, razão pela qual ele rejeitou o

nome de sociedade a grupos sempre mutáveis formados pelo homem primitivo. Em seu

Princípios de Sociologia, Spencer caracteriza a sociedade como um organismo; à medida que ela

cresce, suas partes vão se diferenciando, sua estrutura fica mais complicada e as partes

diferenciadas assumem funções também diferenciadas.

Nas palavras de Spencer, “A analogia de uma sociedade com um organismo torna-se

ainda mais surpreendente quando se vê que todo o organismo de apreciável volume é uma

sociedade,... Ainda que o organismo e a sociedade difiram em que o primeiro existe no estado

concreto e o segundo no estado discreto, e ainda que haja uma diferença nos fins servidos pela

organização, isto não determina uma diferença em suas leis” (Spencer, 1977, p.149). Aqui,

Spencer claramente identifica as leis que regem uma sociedade com aquelas que regem o

organismo vivo, colocando, já no início da sociologia, as principais características do

funcionalismo e da teoria sistêmica: a analogia com o organismo, a existência de leis sociais

naturais, o imperativo das funções e a integração entre as partes do sistema. Outra característica

desta analogia na sociologia de Spencer foi comparar a evolução humana com as leis de evolução

das espécies darwinianas, o que ficou conhecido neste autor como ‘darwinismo social’.

René Worms, outro pré-funcionalista, caracteriza da mesma forma a sociedade como

um organismo vivo. “O organismo é um todo composto de partes também vivas. Seguramente,

esta fórmula convém, do mesmo modo, à sociedade, porque esta se compõe de partes vivas, os

indivíduos, e ela mesma é um todo que tem sua vida própria” (Worms, 1977, p.149). Desta

forma, em seu trabalho intitulado Organismo e Sociedade , Worms esforça-se para criar uma

analogia entre o funcionamento de uma sociedade e o funcionamento de um organismo. Este

autor mostra que as sociedades, como os seres vivos, são sistemas abertos, que interagem com

seu meio ambiente e satisfazem, assim, suas funções de nutrição e reprodução.

Pode-se dizer que Emile Durkheim foi o fundador do método sociológico tal como se

desenvolveu hegemonicamente na sociologia empirista-positivista-funcionalista até os anos 60. O

fundamento do seu método sociológico, exposto em As Regras do Método Sociológico , era o

tratamento dos fatos sociais como “coisas”, ou seja, uma realidade que é dada e que se impõe

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externamente ao observador. Assim, os fatos sociais impunham-se ao conhecimento científico

como o objeto central de estudo dos sociólogos. Durkheim desenvolve também os conceitos

relativos à observação e ao estabelecimento da causalidade no estudo dos fatos sociais,

delineando um caminho de objetividade, neutralidade e empirismo ao estudo sociológico. O seu

método, assim como a tradição empirista-positivista-funcionalista que o sucedeu, se baseava em

um levantamento cuidadoso dos dados sobre uma realidade social dada, na construção de

hipóteses causais e na testagem destas hipóteses mediante o tratamento estatístico dos dados para

se chegar a correlações de causa e efeito. De certa forma, Durkheim é o fundador da corrente

sociológica que se hegemonizou mais tarde nos Estados Unidos, que dava mais ênfase ao estudo

empírico quantitativo da realidade do que à teorias gerais sobre a sociedade.

Mas, para administrar a pesquisa das relações de causalidade, bem como para

construir uma utilidade normativa para a sociologia, Durkheim precisava trabalhar o conceito de

sociedade bem como interpretar os fatos sociais dentro desta sociedade, para o que ele cria os

conceitos de normal e patológico. Aqui, então, surge com evidência a sua aproximação

funcionalista sistêmica. Durkheim descreve a sociedade como algo que se impõe acima dos

indivíduos. Contrariando os idealistas, ele advoga que a sociedade não é o resultado das

consciências individuais, mas ao contrário, forma tais indivíduos; assim, não se deveria buscar

explicação para os fatos sociais olhando para a natureza humana, mas sim para a própria

sociedade. Para Durkheim, a sociedade é algo maior do que a manifestação das consciências

individuais. Desta forma, colocando alguns elementos que mais tarde seriam a essência da análise

sistêmica, ele diz que “a sociedade não é uma simples soma de indivíduos, mas o sistema

formado pela associação deles representa uma realidade específica que tem seus caracteres

próprios” (Durkheim, 1999, p. 105). Esta realidade específica característica dos sistemas de

interação é o que mais tarde os teóricos de sistemas chamariam de ‘totalidade’ (Bertalanffy) ou

então de ‘emergência’ (Edgar Morin). Ainda segundo Durkheim, “um todo não é idêntico à soma

das partes, ele é alguma outra coisa cujas propriedades diferem daquelas que apresentam as

partes de que é formado” (idem, p.105).

O caráter sistêmico-funcionalista-normativo da obra de Durkheim se revela

claramente na sua distinção entre fenômenos sociais ‘normais’ e ‘patológicos’. Segundo ele, se

pudéssemos distinguir objetivamente entre o normal e o patológico, a sociologia poderia servir

para orientar a ação prática sem perder o seu caráter científico. Esta distinção, porém, no decorrer

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de todo As Regras do Método Sociológico, provém quase que exclusivamente de analogias feitas

com os sistemas orgânicos, com a relação dos órgãos em um organismo, e com os conceitos de

saúde e doença de tal organismo. A distinção de Durkheim acerca do normal e do patológico

permite identificar nele os elementos do positivismo e do funcionalismo sistêmico. Embora

durante toda a exposição de seu método Durkheim relute em caracterizar como estado ‘normal’

aquilo que é útil ou funcional, ele acaba caindo em uma armadilha em que não consegue

estabelecer o caráter de normalidade fora dos conceitos de funcionalidade e utilidade.

Contrariando alguns pré-funcionalistas como Spencer, para Durkheim “mostrar em que um fato é

útil não é explicar como ele surgiu nem é explicar como ele é o que é” (idem, p.92); porém, mais

adiante ele completa, “entretanto, se a utilidade do fato não é aquilo que o faz existir, em geral é

preciso que ele seja útil para poder se manter” (idem, p.99).

Durkhein, então, opta por considerar como normal tudo aquilo que está adaptado ao

meio, e que se encontra com certa generalidade, da mesma forma que considera como patológico

aquilo que perturba a adaptação ao meio e prejudica a estabilidade do sistema. Interessante,

porém, é observar que esta adaptação ou não ao meio é exatamente o que Robert Merton mais

adiante chamou de ‘funcional’ ou ‘disfuncional’, o que demonstra ser essencialmente

funcionalista o conceito de ‘normal’ e ‘patológico’ de Durkheim, mesmo que ele não o quisesse.

Assim, como foi dito acima, apesar de não atribuir diretamente à função ou à utilidade o estado

normal, Durkheim não consegue se livrar das armadilhas do funcionalismo sistêmico que as

analogias com os sistemas naturais, recorrentes em seu trabalho, tendem a armar para ele.

Após Durkheim, o funcionalismo sistêmico despontou explicitamente como uma

abordagem dominante nas teorias sociais, e vários autores encarregaram-se de colocar cada pedra

na sua construção. Dois dos principais fundadores da antropologia contemporânea, Bronisllaw

Malinowski e Radcliffe-Brow, trabalharam e desenvolveram os pressupostos funcionalistas.

Malinowski é quem primeiramente põe a prova o funcionalismo. A sua mais importante

contribuição funcionalista foi definir a ‘função’ a partir da satisfação de uma necessidade.

Segundo ele, “a função significa sempre a satisfação de uma necessidade, desde a simples ação

de comer até a execução sacramental, em que o fato de receber a comunhão se inscreve em todo

um sistema de crenças, determinadas pela necessidade cultural...” (Malinowski, 1977, p.155).

Assim, a função da família seria a de alimentar a comunidade de cidadãos, a função da família

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ampliada seria de permitir a melhor exploração dos recursos, o aumento da influência política, e

assim por diante.

Radcliffe-Brow, por sua vez, em seu livro intitulado Uma Ciência Natural da

Sociedade , adiciona o conceito de coerência funcional, que designaria a interdependência das

partes e as ligações recíprocas em um sistema social. Assim, o autor introduz na idéia de função

um conceito essencialmente sistêmico, que salienta a inter-relação entre os diferentes elementos,

e o fato das funções operarem em consonância umas com as outras. (Radcliffe-Brow, 1977).

Mas, a medida em que nos aproximamos de Parsons, sem dúvida alguma o centro do

desenvolvimento teórico funcionalista na sociologia, o paradigma sistêmico funcionalista passa a

receber adições mais significativas e a conformar uma teoria de alcance mais geral. Robert

Merton, um dos mais importantes funcionalistas depois de Parsons, tenta formular, na verdade, o

esboço de tal paradigma. Segundo Birnbaum e Chazel (1977), Merton não apresenta

propriamente uma teoria, mas um método interpretativo a seguir, um método de como e o que

observar. Para estes autores, o trabalho apresentado por Merton é um paradigma formal, ou seja,

um contexto vazio que deve ser essencialmente apreciado, dentre outras coisas, em função de seu

poder eurístico.

Do ponto de vista do recorte que se propôs neste trabalho, duas questões colocadas

por Mertom chamam a atenção: a necessidade de explicitar a unidade servida pela função, e a

distinção entre função manifesta e função latente. Com relação à primeira questão, ele observou

que a sociedade global não é a única escala possível para uma aproximação funcional, razão pela

qual se deve definir qual é a unidade servida pela função. Em razão disto, é necessário examinar

uma gama de unidades afetadas por um elemento dado, quais sejam, indivíduos que ocupam

diversos status, grupos, sociedades globais, sistemas culturais, etc. Enfim, Merton reconhecia as

dificuldades e as limitações que a análise das funções em uma sociedade continha, dado que

elementos poderiam ser funcionais para certos indivíduos e para certos agrupamentos, e

disfuncionais para outros. Na verdade, ele entendia que o funcionalismo até então incorria em

dois problemas principais, de um lado tendia a limitar as análises apenas às contribuições

positivas (funcionais) dos elementos para o sistema social ou cultural a que pertencia, e de outro

tendia a confundir a categoria ‘motivo’ com a categoria ‘função’.

Em razão disto, Merton procurou deter-se ma is no conceito de função e nas suas

peculiaridades. Para ele as funções são as conseqüências observadas que contribuem para a

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adaptação ou para o ajustamento a um dado sistema, e as disfunções, as que atrapalham esta

adaptação ou este ajustamento. Um elemento pode ter concomitantemente conseqüências

funcionais e disfuncionais, o que dá origem ao problemas crucial e difícil de estabelecer o saldo

líquido do feixe de conseqüências (Merton, 1977).

A outra confusão a que Merton referiu -se, entre motivo e função, leva-o a desenvolver

os conceitos de função manifesta e função latente. As funções manifestas representariam as

conseqüências objetivas que, contribuindo para o ajustamento ou para a adaptação do sistema,

são compreendidas e desejadas pelos participantes do mesmo, ao passo que as funções latentes

representariam as conseqüências não compreendidas nem esperadas. As funções manifestas

estariam, portanto, representando intenções subjetivas dos elementos do sistema. A tendência

observada por Merton, de se considerar apenas as funções manifestas e as conseqüências

positivas, levaria à confusão entre ‘motivo’ e ‘função’. Porém, considerando-se também as

funções latentes e as conseqüências inesperadas, a categoria ‘motivo’ tenderia a se afastar da

categoria ‘função’. Ele, de certa forma, resolveu o dilema de Durkheim no estabelecimento do

que seria ‘normal’ e ‘patológico’.

Antes de se entrar na seara da Teoria Geral dos Sistemas e de sua influência nas

teorias sociais e organizacionais, resta apresentar o pensamento da figura central do

funcionalismo sistêmico clássico na sociologia: Talcot Parsons. Se a maioria dos autores que se

tratou até aqui em relação ao funcionalismo sociológico apresentou aportes teóricos de alcance

médio, Talcot Parsons ofereceu uma teoria verdadeiramente geral. Ambicionando bem mais do

que os empiristas americanos de sua época que, herdeiros do método objetivista de Durkheim se

enfronhavam nos dados empíricos para arrancar diretamente da realidade a explicação dela

mesma com o mínimo possível de abstração teórica, Parsons procurou recuperar para o

funcionalismo o papel da grande teoria, da teoria geral, capaz de oferecer hipóteses lógicas sobre

a realidade e orientar o trabalho do sociólogo indicando-lhe o que buscar em suas pesquisas. Face

a isto, ele é figura central na teoria sociológica funcionalista, razão pela qual se irá analisá-lo

mais detidamente.

O ponto central da teoria sociológica de Parsons é a noção de ação social, entendida

como sendo “toda a conduta humana motivada e guiada pela significação que o ator descobre

no mundo exterior, significações que leva em consideração e às quais responde ” (Rocher, 1972,

p. 250). Ou ainda, ação consiste em “estruturas e processos através dos quais os seres humanos

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formam intenções significativas e, com maior ou menor êxito, as executam em situações

concretas” (Parsons, in Castro e Dias, 1992, p. 218). O termo ‘significativo’ refere-se ao fato de

que a ação social supõe um nível simbólico ou cultural de representação e referência. Parsons,

desta forma, desenvolve toda a sua análise teórica, partindo da ação social, por meio de uma

abordagem sistêmica. Segundo ele, a abordagem sistêmica tornaria mais científica as ciências

humanas, dado que a ação humana apresenta as características de um sistema. Assim, os

diferentes elementos que compõem uma ação social estão inter -relacionados e constituem uma

totalidade complexa, ou seja, um sistema de ação.

O sistema de ação social global seria formado, por sua vez, por três subsistemas: a)

sistema cultural, compreendido como sendo “os valores, crenças e gostos comuns dos atores

(sejam sujeitos ou objetos), os quais interagem através de sistemas de símbolos” (Parsons, in

Castro e Dias, 1992, p. 225); b) sistema social, constituído pela inter-relação de uma pluralidade

de pessoas e formado pelas relações que têm lugar entre os atores individuais (ídem, p. 220); e c)

sistema de personalidade , que corresponde ao conjunto de construtos individuais que formam a

personalidade, e que estão relacionados, em sua constituição, ao sistema cultural e às expectativas

formadas em relação aos papeis sociais dos indivíduos no processo de socialização. Assim, os

sistemas social, cultural e da personalidade são, na verdade, os ambientes onde se dão a ação

social. O sistema social tem por objeto as condições compreendidas na interação de pessoas

humanas reais, que constituem coletividades concretas, ao passo que o sistema cultural tem como

centro os modelos de significação, isto é, de valores, de normas, de conhecimentos e de crenças

organizadas (Parsons, 1977).

Em Parsons, os sistemas sociais são considerados sistemas abertos, engajados em

complexos processos de permuta com os sistemas circundantes, que incluem os sistemas cultural

e da personalidade, o comportamento e outros sub-sistemas do organismo e do meio ambiente

físico. Mas, se o sistema social é considerado um sistema aberto, então deve-se considerar que ele

possui limites. Os limites do sistema, por sua vez, tem a ver com a sua estrutura. Quando um

conjunto de fenômenos interdependentes entra em um molde suficientemente definido e

testemunha uma estabilidade no tempo, então pode-se dizer que ele tem uma estrutura e que é

produtivo tratá-lo como um sistema. Neste sentido, o limite significa que existe uma diferença

significativa entre a estrutura e os processos internos do sistema e os que lhe são exteriores; esta

estrutura e processos internos existem e tendem a manter-se (idem). Assim, a noção de sistema de

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Parsons implica também uma noção de estabilidade, algo que tende a manter-se (manter a

estrutura e os processos); isto não implica que Parsons não tenha sido sensível à mudança no

sistema, porém, esta não era considerada mais importante que a estabilidade.

Desta forma, a noção de sistema de Parsons implica basicamente em duas condições

fundamentais: a primeira delas é a existência de uma estrutura, qual seja, aquelas modalidades de

organização do sistema e de seus elementos que constituem componentes relativamente estáveis e

que podem ser utilizadas como referências de análise do sistema; a segunda é a existência de

funções, que significa que para que o sistema seja estável e tenda a se manter, determinadas

necessidades elementares devem ser supridas. Por fim, um sistema é também constituído de

processos internos do sistema, que representam as suas atividades, mudanças e evolução que não

são produzidas ao acaso mas que obedecem a regras estruturais e funcionais.

A estrutura seria composta de quatro elementos básicos: o papel (unidade conceitual

do sistema social, o papel é um complexo de condutas de um indivíduo regulado de maneira

normativa); os valores (modelos compartilhados de cultura normativa); a norma (diferentemente

do valor, que representa componentes normativos compartilhados, a norma representa o

componente específico de um determinado papel); e a coletividade (sistema formado pela

interação dos participantes, na medida em que ele compartilha uma cultura normativa comum e

se distingue de outros sistemas pela participação específica dos atores).

De outro lado, o sistema teria uma série de necessidades a serem atendidas para que

se mantivesse estável, que representariam as funções. Parsons descreveu basicamente quatro

imperativos funcionais de um sistema social: a) função de manutenção dos modelos (refere-se à

manutenção da estabilidade dos modelos de cultura institucionalizada definidores da estrutura do

sistema); b) função de realização dos fins (diz respeito à realização do sistema de finalidades de

um sistema social, e relaciona-se com o sistema de personalidade dos indivíduos); c) função de

adaptação (diz respeito à contribuição dos recursos necessários à realização dos fins); e d) função

de integração (diz respeito ao ajustamento mútuo das unidades ou subsistemas, do ponto de vista

das suas contribuições para o efetivo funcionamento do sistema como um todo).

Assim, com a descrição dos sistemas que formam o sistema de ação social, com

descrição da sua estrutura e de suas funções, Parsons adota uma postura claramente funcionalista,

ao mesmo tempo em que leva ao limite a abordagem sistêmica ao nível de uma teoria sociológica

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geral. Por esta razão, ele é figura central no funcionalismo e seminal na teorização sistêmica da

sociologia 1, assim como é considerado um dos precursores da Teoria Geral dos Sistemas.

A Teoria Geral dos Sistemas e o ‘novo funcionalismo’

A Teoria Geral dos Sistemas (TGS) foi desenvolvida pelo biólogo alemão Ludwig

Von Bertalanffy, e sintetizada em 1968 em uma influente obra sua, de mesmo nome (apesar de

várias publicações do autor sobre a teoria serem encontradas desde 1950). A TGS implicou em

um ponto de inflexão no funcionalismo sociológico, e a partir dela pensadores contemporâneos,

como Niklas Luhmann, desenvolveram abordagens sociais que se inserem neste arcabouço

teórico, preocupando-se menos com as funções e mais com o sistema em si. A TGS, como o

próprio nome diz, é uma teoria geral, que pretende ser aplicável a qualquer sistema, seja ele

composto de pessoas, órgãos, pensamentos, ou qualquer outro elemento. Face a isto, a TGS passa

a ter uma influência crescente em diferentes campos da ciência, passando pela administração,

pela economia com as abordagens evolucionárias, pela teoria do desenvolvimento rural com a

teoria dos sistemas agrários, pela psicologia com a Gestalthterapia, e assim por diante em todas as

ciências.

Um exemplo claro da teoria sociológica sistêmica que surge juntamente com a TGS,

é o livro de Pitirin Sorokin intitulado Sociological Theories of Today (a tradução em português

chama-se Novas Teorias Sociológicas), de 1967 (quase simultâneo à TGS de Bertalanffy). O livro

é um minucioso trabalho de apologia da sociologia sistêmica contra o que ele chama de correntes

atomistas-singularistas que haviam se hegemonizado no decorrer deste século nas ciências sociais

(referindo-se especialmente ao empirismo americano na sociologia). Recorrendo a uma série de

exemplos das mais diferentes disciplinas para defender as abordagens sistêmicas que passavam a

assumir vulto nas décadas de 50 e 60, no capítulo VI Sorokin afirma que “a concepção sistêmica

dos fenômenos sócio -culturais tem sido, desde o mais remoto passado até a época presente, uma

das principais correntes de pensamento na filosofia, no direito, nas humanidades e nas ciências

psicossociais” (Sorokin, 1969, p. 147). Sorokin adverte, entretanto, que embora o termo ‘sistema’

sempre tenha sido utilizado nas diferentes ciências - e mesmo em todo o funcionalismo clássico

como já se mostrou anteriormente - como um conceito que expressava um complexo de

1 Na verdade, como já demonstrou-se, a noção de sistema social acompanha a sociologia desde a sua aurora, mas

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componentes interagentes, nem sempre se referiam a um sistema unificado. Um sistema

unificado é, na verdade, “uma totalidade de objetos cuja interação gera novas qualidades

integrativas, ausentes das suas partes isoladas” (idem, p. 129). Este já é um conceito das teorias

de sistemas das décadas de 50 e 60, consolidadas na TGS de Bertalanffy.

Na verdade, a TGS pretendia representar uma contraposição a duas características

básicas das ciências normais até então, inclusive do próprio funcionalismo: o reducionismo

analítico, que significa a decomposição dos objetos a seus elementos fundamentais para estudá-

los e compreendê-los, e posterior recomposição do todo a partir da soma ou agregação de suas

partes constituintes; e o mecaniscismo , que representa o estabelecimento simples e linear de

relações de causa e efeito (a causa era considerada necessária e suficiente para explicar o efeito).

Em contraposição a estas características, a abordagem sistêmica traz consigo três

mensagens fundamentais: (a) a realidade é complexa e integrada e não se pode separar os

fenômenos e as coisas entre si, nem do seu ambiente, para estudá-los, visto que todos os

elementos estão interligados; (b) a compreensão correta da realidade, dado que ela é sistêmica,

somente pode ser alcançada por meio de uma abordagem não disciplinar, pois os limites

disciplinares produzem reducionismos inconsistentes com o mundo real, ao enfocar

separadamente as suas diferentes dimensões; e (c) os elementos que compõem uma realidade

concreta ou abstrata possuem uma sinergia, o que significa que eles operam simultaneamente

para produzir algo maior do que a soma de suas individualidades; ou seja, a teoria dos sistemas

indica que ‘o todo é maior do que a soma das partes’. O conjunto destas premissas, portanto,

implica em uma abordagem sistêmica, e a partir delas desenvolveu-se a TGS, que representa,

então, a tentativa de organizar esta abordagem em uma estrutura analítica da realidade dos

sistemas.

Resumidamente, para Bertalanffy (1977) um sistema é simplesmente um conjunto de

elementos em interação. Os sistemas, na verdade, existiriam dentro de outros sistemas (se de um

lado, por exemplo, uma empresa existe dentro de um sistema econômico, de outro, é formada por

subsistemas técnicos, culturais, etc.). Por outro lado, os sistemas são normalmente abe rtos, ou

seja, como fazem parte de outros sistemas maiores que compõem o ambiente onde estão

inseridos, eles normalmente recebem algo (energia, materiais, informações, etc.) de outros

sistemas, processam e descarregam novamente algo no ambiente (produtos, energia, resíduos,

apenas em Parsons ela ganha os contornos teóricos abrangentes de uma teoria geral.

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informações, etc.). Pode-se dizer, assim, que um sistema é um conjunto de elementos

relacionados e organizados sinergicamente com vistas a realizar um propósito. O sistema interage

com o ambiente circundante, reage às alterações deste me io e busca sempre a adaptação e o

equilíbrio dinâmico (homeostase) que permita por mais tempo a realização dos seus propósitos.

Este é um conceito importante da TGS, o fato de que os sistemas têm mecanismos de

retroalimentação e de informação que lhes permitem adaptar-se dinamicamente, reagindo sempre

ao desequilíbrio que o meio lhes impõe na busca de uma nova síntese de equilíbrio.

Com a intenção de discernir melhor a analogia para com os sistemas naturais que se

faz na análise sistêmica, James Miller apresentou uma classificação entre os diferentes tipos de

sistemas: abertos e fechados; vivos e não vivos; abstratos e concretos; conceituais, e assim por

diante. Esta distinção, se por um lado adverte para o fato de que deve-se especificar de que tipo

de sistema se está falando, por outro denuncia a pretensão da TGS de oferecer elementos de

análise para qualquer tipo de sistema. Assim, o ‘isomorfismo’, a partir das leis da natureza, que a

TGS enxerga entre as diferentes esferas e níveis da realidade, é levado, de certa forma, ao

extremo. Ilustrativo desta radicalidade analítica do isomorfismo é observar a descrição de Miller

(1965) de um sistema conceitual, por exemplo, utilizando as mesmas categorias funcionalistas

dos sistemas orgânicos: as unidades, as relações, a variável, a função, o estado do sistema, a

identidade, etc. As unidades, por exemplo, seriam palavras, números, símbolos; as relações

seriam expressas por palavras (verbos comuns por exemplo) ou por símbolos lógicos ou

matemáticos; uma função seria a correspondência entre duas variáveis de forma que uma

dependesse da outra, e assim por diante. Ou seja, a TGS seria um recurso eurístico formal, uma

estrutura conceitual onde se poderia enquadrar toda e qualquer dimensão da realidade, desde que

feitos os ajustes para o tipo de sistema a que se referisse. Nas palavras do próprio Bertalanffy, a

TGS representava “uma tendência geral para a integração das diversas ciências, naturais e

sociais” (Bertalanffy, 1977, p.276). Para ele, “o mundo, ou seja, o conjunto de acontecimentos

observáveis, apresenta uniformidades estruturais que se manifestam nos diversos níveis, ou nas

diversas disciplinas, por traços de ordem isomorfos” (idem, p.286).

Inúmeras contribuições anteriores e posteriores, sobretudo da parte dos modelos

cibernéticos, ampliaram o escopo e aprofundaram a precisão da TGS. Magoroh Maruyama, em

texto intitulado The Second Cybernetic: Deviation-Amplifying Causal Processes, de 1963,

introduziu na teoria dos sistemas o conceito de retroação positiva, que amplificaria as tensões do

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sistema e o conduziria à mudança antes do que ao equilíbrio. O termo ‘segunda cibernética’ no

texto de Maruyama refere-se exatamente a idéia de retroação positiva, considerado pelo autor

como “a rede de relações causais mútuas amplificadoras do desvio” (Maruyama, 1963, p. 165),

o que ele chamou de ‘morfogênese’ (até então, a cibernética trabalhava fundamentalmente com a

idéia de retroação negativa, que leva a adaptação, ‘homeostase’). Walter Bukley, em seu

Sociology and Modern System Theory, também trabalhou a idéia de ‘argola de retroação’ e dos

modelos cibernéticos como mecanismos fundamentais de regulação e de controle dos sistemas

sociais. Procurou, desta forma, fazer deles o fundamento de um modelo de realização de

objetivos societais e organizacionais, nos casos em que os objetivos e alvos sejam explícitos,

conscientes e desejados (Buckley, 1976). Outros autores, como Karl Deutsch e Amitai Etzioni,

trabalharam respectivamente conceitos de comunicação e controle nas organizações , sob o

enfoque sistêmico-cibernético, e os mecanismos de consenso em sistemas sociais.

Como já se pode demonstrar, a maioria dos elementos que constituem a abordagem

sistêmica não são novos nem foram introduzidos na ciência por Bertalanffy. Todo o

funcionalismo sociológico clássico que se descreveu no item anterior já trabalhara em cima de

uma concepção sistêmica, de funções, de integração e de organicidade dos sistemas sociais.

Também a noção sistêmica de complexidade já havia sido colocada em pauta tanto nas ciências

sociais (Max Weber, Torsthein Veblen e Parsons por exemplo) como nas ciências naturais (a

exemplo da concepção dos ecossistemas de Aldo Leopold, um dos fundadores do movimento

conservacionista, na década de 30). Da mesma forma, a concepção sistêmica de que ‘o todo é

maior do que a soma das partes’ já havia sido abordada pela dialética marxista com a sua noção

de totalidade, assim como por Durkheim e boa parte dos sociólogos funcionalistas clássicos ao se

referirem à sociedade como algo substancialmente maior do que a soma dos indivíduos, e

também pela teoria Gestáltica da personalidade 2 na psicologia desde o final do século XIX.

Assim, o próprio Bertalanffy reconhecia que os seus conceitos sistêmicos não eram

novos, o que o levou a afirmar que “a teoria geral dos sistemas é, pois, uma ciência geral

daquilo que, até hoje, era considerado como um conceito vago, brumoso e semimetafísico, a

‘totalidade’ ” (Bertalanffy, 1977, p.276). Esta é, portanto, uma interessante forma de ver a TGS:

ela trabalhou conceitos já correntes em diversas áreas (complexidade, totalidade, sistema, função,

2 A psicologia da Gestalt foi desenvolvida desde o final do século XIX na Austria e Alemanha, como protesto contra a tentativa de compreender a experiência através de uma análise atomística, e teve seu maior expoente na psicologia com Frederick Perls (1893-1970), fundador da Gestalt-Terapia (ver Fadiman, J. & Frager, 1986).

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interação, sinergia), e organizou-os em uma teoria geral aplicável a todas as dimensões da

realidade e a todos os campos do conhecimento, utilizando para isto um conjunto de leis da física,

química e biologia. Assim, Bertalanffy propôs que havia homologias de funcionamento entre

todos os tipos de sistema, de modo que uma TGS permitiria ligar as ciências naturais e exatas às

ciências sociais. Ora, se a teoria se propunha a ser geral, então ela deveria estar apoiada em leis

que fossem generalizáveis pela sua suposta ‘naturalidade’, que é o caso das leis de sistemas

naturais das quais deriva a TGS. Mas, talvez a questão mais importante da TGS seja de que,

apesar de ter trabalhado com conceitos que já haviam sido colocados em diversas áreas do

conhecimento, ela fez implicar este conjunto de conceitos sobre a forma de interpretar a realidade

e de gerar conhecimento, contrapondo-se, assim, ao que chamou de reducionismo e mecanicismo.

Pode-se dizer, então, que do ponto de vistas das teorias sociais, a TGS representa uma nova

forma de funcionalismo, que a partir da radicalidade das analogias com sistemas naturais fornece

implicações sobre o próprio método funcionalista clássico, caracterizado a partir de então, muitas

vezes, também como mecanicista e reducionista.

Na verdade, na própria TGS encontra-se todos os elementos correntes do

funcionalismo que se procurou mostrar até aqui, quais sejam, a idéia de funcionalidade, de

sistema, de integração, de adaptação, e a analogia com sistemas orgânicos. Diferentemente do

que fazia o funcionalismo até então, porém, que se preocupava com as funções do sistema ou de

algumas de suas partes, a TGS passa a se preocupar com o próprio sistema, com seus

mecanismos de adaptação e com as transformações que daí decorrem. Para isto, utiliza

freqüentemente modelos cibernéticos que trabalham a informação e o feedback que

proporcionariam tal adaptação. Paul Lazarsfeld afirmou que a teoria dos sistemas contribuiu de

duas formas para a sociologia funcionalista: primeiro, permitiu reduzir a distância entre a

sociologia e outras ciências; e segundo, permitiu dar maior importância à questão da mudança

social, da comunicação e da influência (Lazarsfeld, 1977). Funcionalista reconhecido, Lazarsfeld

discordou de Buckley de que a TGS opunha novas concepções ao funcionalismo; para ele, ao

contrário, “seria mais justo conceber a Teoria Geral dos Sistemas como uma nova etapa da

exigência intelectual fundamental, que inspira o funcionalismo em sociologia” (idem, p.312). No

mesmo texto, o autor chama a atenção para o fato de que a TGS aparece freqüentemente na

literatura como um ‘novo funcionalismo’; segundo ele “este é, justamente, o caso da Teoria

Geral dos Sistemas” (idem, p.312).

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Assim, é desta mesma forma que se vê, neste artigo, a TGS quando aplicada à análise

social: como um ‘novo funcionalismo’, que trabalha sobre os mesmos elementos que o

funcionalismo clássico já trabalhava, mas detém-se mais no conceito de sistema e trata mais a

fundo das homologias que teriam todos os demais sistemas com os sistemas naturais e suas leis.

De outro lado, aprofunda as implicações da noção de complexidade sistêmica para rejeitar o

reducionismo e o mecaniscismo que muitas vezes encontravam-se no próprio funcionalismo

clássico.

O ‘paradigma da complexidade’: a nova fronteira do ‘novo funcionalismo’

Não se pode deixar de falar, por fim, da nova fronteira da abordagem sistêmica e do

funcionalismo, que atende pelo nome de ‘paradigma da complexidade’. Este novo paradigma

respalda -se fundamentalmente nas novas descobertas feitas nos campos da física, da química e da

biologia, sobretudo com a passagem da física newtoniana para a física quântica, das descobertas

da ‘teoria do caos’, da termodinâmica do não equilíbrio e dos novos sistemas ‘autopoiéticos’ na

biologia celular.

As raízes históricas do chamado paradigma da complexidade remontam às pesquisas

desenvolvidas no Biological Computer Laboratory da Universidade de Illinois, em 1956. Neste

laboratório, em companhia de grandes nomes da ciência, Heinz von Foerster aprofundou estudos

sobre temas como causalidade circular, auto-referência e o papel organizador do acaso,

mesclando conhecimentos da biologia e da cibernética. Nos anos 60, com a descoberta do

‘programa genético’, desvenda-se a célula como uma ‘máquina viva’, uma máquina que constrói

a si mesma (Serva, 1992). Mais tarde, a introdução do conceito de ‘autopoiesis’ nos sistemas

biológicos pelos neurocientistas chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, como a

“característica de sistemas vivos de renovarem-se continuamente e regularem este processo de

tal modo que a integridade de sua estrutura seja mantida” (Jantsch, citado por Coats 1992, p.

357), adiciona elementos novos à teoria dos sistemas complexos, sobretudo no que diz respeito à

organização e à auto-produção. Soma-se a estes trabalhos a publicação de O Acaso e a

Necessidade, de Jaques Monod, como um grande momento na construção deste paradigma.

Pesquisando juntamente com outros pesquisadores no campo da bioquímica celular e recorrendo

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a uma espécie de ‘cibernética microscópica’ no estudo da reprodução das células, Monod recebeu

o Nobel de Fisiologia e Medicina em 1965.

Após estas incursões da biologia, um segundo movimento na constelação de temas

que convergem para o paradigma da complexidade provém, a partir da década de 70, de campos

como a física, a química e a termodinâmica, que descobrem que os movimentos espontâneos da

matéria conduzem-na à auto-organização. Os avanços da física quântica, da termodinâmica do

desequilíbrio e, especialmente, o trabalho do Nobel de química Ilya Prigogine, em 1977, pela

teoria das estruturas dissipativas são significativos desta fase.

Na verdade, os resultados das pesquisas que fizeram emergir o ‘paradigma da

complexidade’ não previam, a princípio, exceder os limites temáticos que os envolviam, quais

sejam, a bioquímica celular, a biologia molecular, a física, a termodinâmica e a química. Porém,

mais recentemente, provavelmente por conta da abertura metodológica pós -moderna e da eterna e

irresistível atração que o homem sente em transpor as leis dos sistemas naturais para as ciências

humanas, estes resultados se fizeram influenciar nas ciências sociais. Para citar apenas alguns

exemplos, pode-se visualizar a influência da teoria dos sistemas dinâmicos na psicologia social

em Watters, Ball & Carr (1996), a influência da teoria dos sistemas autopoiéticos na economia

evolucionária em Coats (1992) e na teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann (que será

tratado a seguir), e a influência do paradigma da complexidade na análise organizacional em

Serva (1992) e na filosofia não linear em Provost Jr. (2000).

Estes e outros exemplos são uma pequena mostra da penetrante influência que os

resultados trazidos pela biologia, física e química modernas trouxeram para as ciências sociais e

humanas. Subjacente tanto à teoria dos sistemas quanto ao paradigma da complexidade, encontra-

se a regra considerada tácita por seus teóricos (que não precisa nem pode ser justificada

logicamente) de que, ‘se assim ocorre no mundo físico, então também deve ocorrer no mundo

social’. Em alguns casos, a utilização destes resultados das ciências naturais pelas ciências sociais

são postos com uma naturalidade espantosa, que beira a ingenuidade. Por exemplo, no texto de

Coats (1992) o autor afirma que “uma das características dos sistemas de autopoiesis e das

estruturas dissipativas é o fato de que eles são encontrados nos mundos físico e biológico tanto

quanto na esfera social, transcendendo assim a infindável discussão acerca das semelhanças e

diferenças entre as chamadas ciências naturais (ou físicas) e as sociais (ou humanas)” (p.355).

Esta pretensa naturalidade com que os autores transitam as leis de sistemas naturais para os

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sistemas sociais, surpreendentemente dispensa-os de dar qualquer explicação sobre as razões

pelas quais devemos aceitar que o sistema social se comporta como o sistema natural, e que as

leis do segundo são adequadas ao primeiro.

A obra do filósofo francês Edgar Morin, sobretudo O Método, é um exemplo, de certa

forma fascinante, da tentativa de fazer esta passagem entre as novas descobertas das ciências

naturais e as ciências humanas e sociais. Mais precisamente, o esforço de Morin é uma tentativa

de generalização do paradigma da complexidade para todos os campos do conhecimento. Mesmo

nele, um teórico da área das humanidades, todos os argumentos em defesa da ‘complexidade’

provém de observações e ilustrações acerca do funcionamento do mundo físico, nunca do mundo

social em si. Em uma passagem de O Método, ele nos proporciona uma visão quase poética do

que vem a ser esta ‘complexidade organizada’ de que fala o novo paradigma; diz ele “o que é

digno de nota é o caráter polissistêmico do universo organizado. Este é uma espantosa

arquitetura de sistemas que se edificam uns sobre os outros, uns entre os outros, uns contra os

outros, implicando-se e imbricando-se uns nos outros, com um grande jogo de aglomerados,

plasmas, fluídos de microssistemas circulando, flutuando, envolvendo as arquiteturas de

sistemas” (Morin 1987, p.97).

Assim, as principais mensagens que constituem o centro deste ‘novo paradigma’

podem ser resumidas da seguinte forma: (a) incerteza e indeterminação, que traduz a idéia de que

não podemos ter controle sobre o futuro dos eventos, e de que eles não se comportam mecânica e

linearmente de forma que possamos prevê-los; (b) auto-produção e auto-organização , que indica

que os sistemas vivos têm a capacidade de gerarem a sua própria organização e de mantê-la; e (c)

complexidade, que implica que os sistemas são compostos de relações complexas, recíprocas e

indeterminadas, que existem entre os sub-sistemas e os elementos que os compõem. Assim, a

noção de complexidade conduz a uma epistemologia que deveria contemplar a incerteza, a

indeterminação e a subjetividade.

O ‘novo funcionalismo’ e a teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann

A utilização da analogia biológica e das novas teorias dos sistemas naturais para

caracterizar os sistemas sociais encontrou sua máxima expressão com o sociólogo Niklas

Luhmann. Em 1981, Luhmann publicou o seu principal trabalho, Social Sistem, em que pretendia

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

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fundar uma ciência verdadeiramente geral sobre a sociedade. Ele sugeriu utilizar a análise

sistêmica para revelar a estrutura e os processos que caracterizam o sistema social.

Na verdade, a apreciação de Luhmann sobre a sociedade deriva diretamente da Teoria

Geral dos Sistemas. Diferentemente de outros autores, porém, ele produz uma teoria social

baseada em uma concepção de sistemas auto-referenciados, o que se havia chamado

anteriormente de ‘sistema autopoietic’. Esta denominação deve -se à utilização de uma versão

nova da TGS, a chamada ‘teoria dos sistemas autopoietics’, cujo desenvolvimento deveu-se

principalmente aos neurocientistas chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela 3 e, como já

se tratou acima, representou um marco no ‘paradigma da complexidade’. Diferentemente da TGS

tradicional, que centra-se na descrição das estruturas e relações entre os elementos do sistema e

destes com o ambiente, a teoria dos sistemas de ‘autopoiésis’ centra sua análise nos mecanismos

de auto-produção e auto-organização do sistema. O conceito de Maturana e Varela toma o

sistema como uma entidade unificada em si mesma, e dispensa toda a especulação sobre o

‘motivo’ ou ‘função’, para a qual a teoria tradicional funcionalista emprega o ponto de vista do

observador, e que segundo os autores não corresponderia necessariamente à fenomenologia do

sistema. Quando se trata de sistemas vivos (aqueles que tem capacidade de produzir a si mesmos

por reproduzir seus elementos enquanto mantém uma organização daqueles elementos que são

característicos da sua auto-produção) o modo de se obter o verdadeiro conhecimento de tais

sistemas é focar sobre os muitos processos de auto-produção e auto-organização (Maturana e

Varela, 1980).

Luhmann deu o primeiro passo na adoção da análise sistêmica de Maturana em seu

trabalho de 1968, intitulado Society or Social Tecnology: What is the Mecanism That Mantains a

Sistem?, quando introduziu o conceito de significado. Dois tipos de sistemas, na teoria de

Luhmann, operariam através da mediação do significado: o sistema psíquico (ligado à mente) e o

sistema social. O significado seria um modo para experimentar e lidar seletivamente com o

mundo. O segundo passo foi dado quando Luhmann assumiu que o sistema psíquico produz a si

mesmo por produzir pensamentos e idéias, da mesma forma que o sistema social é capaz de

produzir comunicações; ambos, pensamento e comunicação, possuem o significado exatamente

do mesmo modo (Viskavotoff, 1999).

3 Ver tal teoria em Maturana & Varela (1980).

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REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 21

A idéia de ‘sistema social’ de Luhmann é de um sistema que abrange todos os outros

(político, cultural, econômico, etc.). Ele argumenta que desde Aristóteles até aproximadamente

1800, o conceito de sociedade era quase que totalmente identificado com o que ele chama de

sistema social, o qual perdeu um pouco o sentido durante a moderna industrialização. Houve uma

segmentação entre os âmbitos da política, cultura e economia, que de certa forma utilizam uma

parte da realidade para explicar o todo. A utilização da análise sistêmica, por sua vez, permitiria

revelar as estruturas e processos que caracterizariam o sistema social, o mais abrangente sistema

que incluiria todos os outros.

Segundo Luhmann,

Sistemas sociais são sistemas auto -referenciados baseados em comunicações

significativas. Eles usam comunicações para constituir e interconectar os eventos

(ações) que constróem o sistema. Neste sentido, eles são sistemas ‘autopoietic’. Elas

existem apenas para reproduzirem os eventos que servem como componentes do

sistema... O ambiente dos sistemas sociais inclui outros sistemas sociais (o ambiente

da família inclui por exemplo, outras famílias, o sistema político, o sistema

econômico, o sistema médico, e assim por diante). Desta forma, comunicações entre

os sistemas sociais são possíveis; e isto significa que o sistema social é também um

sistema de observação, estando apto para usar, por meio de comunicação interna e

externa, uma distinção entre si mesmo e o seu ambiente, percebendo os outros

sistemas como o seu ambiente (Luhmann, ci.tado por Provost Jr., 2000, p. 23).

Este parágrafo demonstra explicitamente a utilização por Luhmann da abordagem dos

sistemas ‘autopoietic’ de Maturana e Varela. Por outro lado, para Luhmann a evolução da

sociedade teria transformado as comunidades antigas, que eram diferenciadas espacialmente, em

sociedades modernas, diferenciadas funcionalmente. A sociedade moderna teria acentuado a

complexidade do sistema social. A “moderna sociedade tornou possível, ou mesmo faz cumprir,

a autonomia de áreas funcionais separadas; isto é realizado pela diferenciação de um sistema

operacionalmente fechado, autopoietic. A diferenciação funcional, desta forma, impõe ao

sistema uma obrigação de refletir sobre a sua própria singularidade e insubstitubilidade”

(Luhmann, 1994, p.1).

Mas, a noção de auto-referencialidade e auto-produção originária da teoria dos

sistemas têm uma dimensão político-normativa na teoria de Luhmann. De certa forma, ela é uma

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

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opção política. Concebendo o sistema social como o mais abrangente dos sistemas vivos, e uma

vez que este é auto-referenciado e capaz de produzir a si próprio, Luhmann considera ser

impossível planejar a sociedade. Segundo ele, nenhuma sociedade esteve apta para organizar a si

mesma, ou seja, para escolher a sua própria estrutura e para utilizá-la para admitir ou dispensar

membros. Desta forma, nenhuma sociedade pode ser planejada, de modo que o planejamento não

pode fazê-la atingir suas metas; ele (o planejamento) têm conseqüências não antecipadas e seus

custos excederiam os seus benefícios. Impor um plano à sociedade é inviável porque isto criaria

um estado em que o planejado e outras formas de comportamento conviveriam lado a lado e

certamente reagiriam entre si (Luhmann, citado por Provost Jr. 2000).

Esta sua visão em relação ao planejamento da sociedade revela-se, na verdade, uma

investida contra as pretensões do planejamento central socialista da época. Isto significa,

portanto, que Luhmann não quer dizer que não se usa ou não se deve usar o planejamento em um

sistema social; na verdade, em qualquer sistema social ou político vê-se cidades sendo

planejadas, políticas educacionais, sistemas de tráfego, e muitas outras coisas. Isto não implica,

porém, que a sociedade desenvolve-se de um modo planejado. Ao contrário, para Luhmann os

sistemas sociais somente poderiam mudar a sua estrutura por meio da evolução. Evolução

pressuporia reprodução auto-referenciada e mudanças nas condições estruturais de reprodução

por diferentes mecanismos de variação, seleção e estabilização. Assim, o planejamento não

poderia substituir a evolução, o que nos faria mais dependentes de um desenvolvimento

evolucionário não planejado. (Provost Jr. 2000).

Na verdade, há duas formas de se interpretar a concepção de Luhmann sobre a

evolução social e a sua contrariedade em relação ao planejamento: a primeira é dizer que ela

deve-se, diretamente, à opção sua pelo modelo sistêmico de ‘autopoiésis’ (auto-organização), e é

decorrência, então, das leis de evolução dos sistemas biológicos (ou seja, sua posição normativa é

decorrência de sua opção teórica); a segunda, é dizer que ela é uma opção política e que a sua

opção pelo modelo sistêmico de ‘autopoiésis’ é decorrência desta opção política, por ser mais

adequada a ela. Confesso que sou mais inclinado a aceitar a segunda hipótese, por pensar que, em

geral, primeiro as pessoas têm uma visão de mundo e fazem uma opção política, depois elas

escolhem o referencial teórico que harmoniza esta opção com o mundo do conhecimento. Em

Luhmann isso parece bastante claro.

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Renato Santos de Souza

REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 23

Abordagem sistêmica nas teorias organizacionais

A influência da teoria dos sistemas na administração produziu várias abordagens

distintas. Na verdade, pode-se dizer que, assim como na sociologia, desde o seu começo as

teorias organizacionais também carregaram traços sistêmicos e funcionalistas de abordagem das

organizações, sobretudo quando se passou a reconhecer, após as teorias transitivas de Mary

Parker Follet, Elton Mayo e Chester Barnard, que estas organização caracterizava-se como

sistemas sociais. Barnard, Follet, a escola das Relações Humanas e os comportamentalistas já

haviam feito emergir vários aspectos de uma abordagem sistêmica na administração. Estas

concepções, porém, ainda eram essencialmente centradas nas pessoas, nos sujeitos sociais,

diferentemente das abordagens sistêmicas mais contemporâneas que, já sob a influência da TGS,

concentram-se fundamentalmente no sistema e na sua racionalidade interna, seus objetivos e

metas, e seus mecanismos de controle. Desta forma, pretende-se abordar rapidamente esta última

vertente, a começar pela aplicação da cibernética na administração.

Originada dos trabalhos de Norbert Wiener no início dos anos 40, a cibernética é

compreendida como uma ciência diretiva que visa integrar conhecimentos de várias outras

ciências para resolver problemas complexos. Apesar de ter uma origem eclética em termos

científicos (como já demonstrou-se, vários autores trabalharam com ela no âmbito da teoria geral

dos sistemas e da sociologia), a cibernética na administração desenvolveu-se bastante no sentido

de integrar os computadores e microprocessadores ao mundo das organizações, entendidos estes

como sistemas complexos capazes de contemplar alguns conceitos chaves desta ciência, como

por exemplo retroação (capacidade de retroalimentar-se com informações geradas pelo sistema

para corrigir o seu curso em direção ao alvo), homeostasia (tendência a adaptar-se

dinamicamente para manter-se em equilíbrio) e comunicação (elemento de codificação,

transmissão e recepção das informações). Assim, além de inovações no campo de organizações e

métodos, a aplicação da cibernética na administração resultou na introdução crescente da

robótica, da automação e da computação nas organizações e em toda a teoria e prática voltada

para os chamados Sistemas de Informações Gerenciais (SIGs). Estes, os SIGs, que têm a

informação como insumo básico da tomada de decisão e da retroação que levaria à entropia

negativa e à homeostase, têm sido o ‘carro chefe’ da cibernética na administração.

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 24

Cabe destacar aqui o trabalho de Stafford Beer publicado na década de 70, cujo nome

em português é Cibernética na Administração (o título original em inglês era The Brain of the

Firm - O Cérebro da Firma ). O título original deste livro permite compreender melhor toda a sua

concepção metodológica, baseada em uma minuciosa analogia do sistema organizacional com o

sistema cerebral. A tomada de decisão e controle nas organizações foi considerada por ele como

análoga à funcionalidade do cérebro humano. Segundo ele, “tanto o neurônio quanto o

administrador tem que executar uma tarefa realmente básica: decidir. No neurônio, é preciso

disparar ou não um pulso descendente ao longo da fibra do nervo de entrada, o axônio. Quanto

ao administrador, sua função principal é também dizer sim ou não” (Beer, 1979, p. 85).

Na verdade, a tese fundamental de Stafford Beer é bastante interessante. Ao contrário

da grande maioria das analogias feitas pelo funcionalismo sistêmico, em que os autores não

oferecem nenhuma justificativa pela qual deveríamos aceitar as leis que regem os sistemas

naturais como válidas para os sistemas sociais (simplesmente as utilizam como se tal

transferência de conceitos fosse tão natural que dispensasse qualquer justificação), Stafford Beer

nos oferece uma. E é a seguinte: se existem leis naturais que governam os sistemas viáveis – no

caso, o cérebro humano -, então todos os sistemas viáveis a elas devem obedecer. É uma espécie

de ‘em time que está ganhando não se mexe’. Bastante lógico e, de certa forma, satisfatória para

os objetivos de Beer. Sistemas viáveis, para ele, são aqueles que sobrevivem, são coerentes,

integrais, que apresentam equilíbrio homeostático interno e externo, e oportunidades para crescer,

aprender, envolver-se e adaptar-se ao meio ambiente.

Na última parte de seu livro, Stafford Beer empenha-se em desenvolver um modelo

organizacional aplicável a qualquer organização, coerente com as regras do controle cibernético e

com os mecanismos de funcionamento cerebral. Ele seria composto dos seguintes subsistemas:

Diretoria Divisional, responsável por exercer o controle sobre uma divisão específica da

organização; Centros Reguladores Corporativos , responsável por monitorar e coordenar os

Centros Divisionais; Diretoria de Operações, com a função de controlar e fazer interagir as

divisões, proporcionando estabilidade interna à organização; Diretoria de Desenvolvimento da

organização, vinculada ao ambiente externo e ao universo das informações que auxiliam na

tomada de decisão; e Direção Superior , responsável por estabelecer os destinos da organização.

Embora esta abordagem apresente alguma semelhança com a estrutura piramidal fayolista, Beer

defende que o seu modelo caracteriza-se pela flexibilidade e deve prender -se mais aos fluxos de

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Renato Santos de Souza

REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 25

informações decisionais. É, acima de tudo, uma tentativa de propor uma organização formal

baseada nos princípios sistêmicos de funcionamento neurocitológicos que, segundo o autor,

apresentaria maior probabilidade de ser viável. Neste sentido, é preciso ressaltar que a

justificativa oferecida por Beer e descrita acima sobre a pertinência da analogia entre a

organização e o sistema cerebral é válida apenas no contexto das suas proposições, uma vez que o

seu trabalho é essencialmente ‘normativo’ (as coisas como elas deveriam ser) e não ‘positivo’ (as

coisas como elas são). Em resumo, ele propõe que as organizações ‘deveriam funcionar’ como

cérebros, não que elas ‘funcionam’. Neste sentido, a analogia é válida.

Adicionalmente às concepções da cibernética na administração, a teoria sistêmica

produziu uma nova abordagem conceitual das organizações: a organização vista como um

sistema aberto. Nesta perspectiva, a organização seria composta de inúmeros elementos

constituintes (que poderiam ser considerados subsistemas), integrados entre si e que se

relacionam funcionalmente com vistas à realização de um ou mais propósitos organizacionais.

Este sistema-organização estaria em relação dinâmica com o seu ambiente circundante, buscando

adaptar-se a ele e manter-se em equilíbrio interno. A organização-sistema receberia, de um lado,

imputs do ambiente (energia, materiais, informações, etc.) e os transformaria em outputs

(produtos, materiais, informações, resíduos, etc.) que seriam novamente devolvidos ao ambiente.

Um dos modelos mais completos de aplicação da TGS para a análise organizacional

está contido no célebre livro de Daniel Katz e Robert L. Kahn, intitulado Psicologia Social das

Organizações. Neste livro, os autores propõem que as teorias organizacionais se libertem das

restrições e limitações das abordagens anteriores, e passem a utilizar a TGS. Utilizar a TGS nas

teorias organizacionais implicaria, principalmente, em duas questões: considerar, por um lado, as

organizações como sistemas abertos, e por outro, como sistema social. Para os autores, as teorias

organizacionais tradicionais caracterizavam-se por considerar a organização como um sistema

fechado. O principal problema de assim considerá-las é a falha em reconhecer que a organização

depende continuamente de imputs do meio ambiente. Segundo Katz e Kahn (1976), “os modelos

típicos em teorização organizacional concentram-se em princípios de funcionamento interno,

como se estes problemas fossem independentes de mudanças no meio ambiente, e como se não

afetassem a manutenção de imputs de motivação e de moral” (p. 42). Outro problema de se

considerar as organizações como sistemas fechados seria o não reconhecimento da

eqüifinalidade, ou seja, de que um objetivo pode ser alcançado por diversos meios, dependendo

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

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das condições. Neste sentido, as teorias organizacionais tradicionais sempre pregaram a

existência de um melhor meio de se alcançar um objetivo. Além disso, “pensar nas organizações

como sistemas fechados resulta na falha em desenvolver a inteligência ou a função de feedback

para obter informações adequadas sobre as mudanças nas forças do meio” (idem, p. 43).

De outro lado, as organizações deveriam ser vistas como sistemas sociais. Ou seja,

para os autores, as organizações constituem uma classe de sistemas sociais, os quais, por sua vez,

constituem uma classe de sistemas abertos. Assim, uma vez que constituem-se em uma classe de

sistemas abertos, as organizações compartilham de propriedades comuns a todos os sistemas

abertos, tais como entropia negativa, retroinformação, homeostase, diferenciação e

eqüifinalidade. Mas, os sistemas sociais têm também as suas peculiaridades, por exemplo, não

têm limitação de amplitude; têm a sua natureza planejada, são feitos pelo homem e são

imperfeitos; apresentam maior variabilidade que os sistemas biológicos; são compostos

principalmente de funções, normas e valores (aqui eles se aproximam muito de Parsons); e

apresentam inclusão parcial dos indivíduos mediante os papéis que cada um tem na organização.

Com relação aos papéis dos indivíduos na organização, Katz e Kahn afirmam que a

organização pode ser vista como uma ‘estrutura de papéis’. O papel, na verdade, é o conjunto de

atividades solicitadas de um indivíduo que ocupa uma determinada posição em uma organização.

A organização, assim, pode ser considerada como consistindo em papéis ou aglomerados de

atividades dos indivíduos e de conjuntos de papéis ou de grupos que se superpõem, cada qual

formado de pessoas que têm tais expectativas quanto a um determinado indivíduo. Também na

sua concepção dos papéis como a expectativa comum que se têm sobre o indivíduo, Katz e Kahn

aproximam-se claramente de Parsons.

Para finalizar, cabe dizer que tem havido recentemente algumas tentativas de

integração também do ‘paradigma da complexidade’ às teorias organizacionais. Serva (1992) fez

uma resenha deste paradigma e apresentou uma série de trabalhos que supostamente estariam

enfocando as organizações sob a ótica da complexidade. Cita, por exemplo, o trabalho de

Morgam (Imagens da Organização); muitos trabalhos com organizações alternativas (não

econômicas) que têm evidenciado nestas uma racionalidade não instrumental, e, portanto, não

adequadas à análise pelos métodos tradicionais da administração; e vários trabalhos na área de

organizações públicas, que têm acentuado a complexidade das ações de um Estado que não

poderia ser considerado nem como a expressão de uma classe social, nem como uma entidade

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Renato Santos de Souza

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benevolente e reguladora da socialidade humana. O autor conclui que “trabalhar com o

paradigma da complexidade, seus conceitos, sobretudo sua lógica pluralista, pode ser frutuoso

para aqueles que se aventuram na análise organizacional” (p. 30).

Particularmente, segundo este autor, tal paradigma permitiria tratar melhor os

aspectos da mudança organizacional, da complexidade e dos paradoxos existentes nas

organizações e destas com seu meio, permitiria dar um tratamento analítico àquelas organizações

atualmente marginalizadas pelas análises organizacionais (organizações alternativas,

beneficientes, não governamentais, etc.), que se movem por uma lógica não econômica e não

linear, e permitiria resgatar as partes em relação ao todo. Como disse Edgar Morim, o holismo

que se instalou com algumas concepções vulgares de sistemas elevou o todo acima das partes; “o

todo tornou-se uma noção eufórica... funcional, lubrificada... uma noção néscia ” (Moran 1987,

p.120). Assim, para Morim, da mesma forma que o cartesianismo promoveu uma redução às

partes, o holismo promoveu uma redução ao todo.

Para finalizar, pode-se citar o representativo chamamento do professor Chanlat para o

paradigma da complexidade: “as noções de complexidade, de incerteza e de ambigüidade se

impõem cada vez mais como parâmetros associados a todo o fenômeno oraganizacional”

(Chanlat & Seguinbernard, citados por Serva, 1992, p. 31); e mais, “ordem, desordem, auto-

organização a partir do ruído, acaso organizador, catástrofe... e outras noções novas lembram à

teoria e aos teóricos das organizações que eles não podem mais por muito tempo ignorar o novo

paradigma em gestação” (Chanlat, citado por Serva, 1992, p. 31). Chanlat tem sido um

proeminente defensor do ‘paradigma da complexidade’ nas teorias organizacionais (ver Séguin &

Chanlat, 1992).

Uma visão crítica do funcionalismo sistêmico nas teorias sociais e organizacionais

Após fazer esta apresentação dos caminhos do funcionalismo sistêmico, dos pré-

funcionalistas até o ‘paradigma da complexidade’, cabe fazer algumas considerações críticas a

respeito de tais fundamentações. Na verdade, as abordagens sistêmicas contemporâneas possuem

méritos e qualidades, apesar de possuírem também muitos defeitos. Como qualidade, pode-se

dizer que a abordagem sistêmica representa uma persuasiva visão sobre os limites do

conhecimento. Ao ressaltar a diversidade e a complexidade dos sistemas, a inter -relação e a

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

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sinergia que existe entre os seus diferentes elementos e sua interação dinâmica com o ambiente, a

abordagem sistêmica adverte para a fragilidade das explicações reducionistas e mecaniscistas da

realidade; ao separar a parte do todo, estas explicações negligenciam as inúmeras inter-relações

que existem entre as diferentes partes, e delas com o ambiente. Por outro lado, para se chegar a

relações de causalidade simples (meca niscismo), normalmente se estabelece um conjunto tão

grande de pressupostos e axiomas (aquilo que só valida a explicação se for considerado

constante) que jamais poderão ser observados na realidade. Deste modo, a abordagem sistêmica e

também o ‘paradigma da complexidade’ correspondem a uma reorientação saudável da visão do

observador para a diversidade, a incerteza, a complexidade, as inter-relações e os mecanismos de

adaptação que ocorrem no sistema e entre ele e o ambiente. Assim, ela deveria conduzir (embora

isto quase nunca ocorra) a uma posição de maior humildade do homem perante o mundo.

Não obstante a isto, muitas críticas podem ser feitas ao funcionalismo sistêmico de

uma maneira geral. A seqüência deste texto tratará de algumas delas.

‘Norma, integração e ordem’ versus ‘poder, dominação e conflito’

Uma das principais críticas feitas às teorias funcionalistas sistêmicas diz respeito ao

fato de que, por enfatizarem tanto os aspectos de integração, organização, funcionalidade,

propósito, evolução e inter-relacionamento sistêmico, deixam de fora da análise toda e qualquer

noção de poder, conflito e dominação. Elas subtraem, sobretudo, a idéia de que uma organização

social não é um sistema simétrico, onde todos têm o mesmo papel na realização dos fins, mas sim

um sistema onde existem disputas de poder, onde alguns membros, mais do que outros, são os

responsáveis pela determinação dos propósitos, e alguns são cooptados e controlados pela

organização social. Por outro lado, cada elemento que participa da organização social é um

sujeito político, possui livre arbítrio e pode arcar com as conseqüências de suas decisões; ou seja,

em uma organização existem relações sociais e de poder que em nada podem se identificar com

relações orgânicas (de órgãos em um or ganismo).

As críticas feitas em relação à pouca (ou nenhuma) ênfase dada às relações de poder,

de dominação e de controle na configuração dos arranjos sociais e na própria evolução da

sociedade é normalmente oriunda de correntes da filosofia crítica. Há, portanto, muitos

intelectuais que acentuam em suas teorias mais o trinômio ‘poder-dominação-conflito’ como o

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Renato Santos de Souza

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centro da análise para entender a sociedade, do que propriamente o trinômio ‘norma-integração-

ordem’, que de certa forma acompanha as análises do funcionalismo sistêmico nas teorias sociais

desde a sua fase clássica.

Estas críticas, porém, muitas vezes provém de dentro do próprio funcionalismo. Na

análise da Teoria dos Sistemas Sociais de Parsons, David Lackwood já colocava o problema

ainda em relação ao funcionalismo clássico. Para ele, em seu funcionalismo, Parsons havia

concentrado-se excessivamente nos elementos normativos da ação social. Para Parsons, a

existência de uma ordem normativa comum reguladora da ‘guerra de todos contra todos’ (o

estado de natureza de Hobbes) é o que torna a socialidade possível frente a possibilidade do

conflito. A ordem normativa suplantaria o conflito. Para Lockwood, porém, a existência de uma

ordem normativa ou de um sistema de valores comuns não significa que o conf lito tenha

desaparecido; ao contrário, a própria existência de uma ordem normativa reflete a permanente

potencialidade do conflito. A cada vez que se evocaria a estabilidade ou a instabilidade do

sistema social, estaríamos falando, antes de tudo, do bom ou do mau êxito da ordem normativa

em regular os conflitos de interesse (Lockwood, 1977). O autor se interroga também sobre como

se poderia explicar a mudança social sem considerar na explicação a análise do poder e dos meios

de produção? Assim, ele conclui que “à sociologia é impossível evitar a análise sistemática do

fenômeno de ‘poder’ como parte de seu esquema conceitual” (idem, p.216)

Os teóricos do conflito vêem, de uma maneira geral, que as normas e o poder devem

ser considerados como modos gerais e alternativos de institucionalização de relações sociais.

Também consideram os potenciais conflitos de interesse como endêmicos em todos os sistemas

sociais que institucionalizam as relações de poder, dado que o poder (e a autoridade) é a mais

corrente forma de ‘bem raro’, e ao mesmo tempo um bem raro apenas inerente às sociedades e

não aos sistemas biológicos. Assim, se os potenciais conflitos de interesse entre os que exercem o

poder e aqueles sobre quem o poder é exercido se revestem de um caráter normal na organização

social, então a desinstitucionalização do poder e o uso do mesmo para manter instituições são

possibilidades sempre presentes. Desta forma, toda a visão realistas e dinâmica da

institucionalização deveria atribuir um interesse capital ao papel do poder, simultaneamente na

origem e no controle do conflito (Lockwood, 1977, p. 418).

O poder, a dominação e o conflito, desta forma, assumem um papel central na

configuração e na dinâmica das organizações sociais. Por outro lado, o poder, o conflito e a

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

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dominação são características exclusivas das sociedades e não têm nenhum similar nos sistemas

naturais, porque provém de relações intencionais, políticas e morais. Assim, além de inverter o

foco de prioridade de análise da sociedade do trinômio ‘norma -integração-ordem’ para ‘poder-

dominação-conflito’, esta posição também destitui qualquer possibilidade de analisar os sistemas

sociais com as regras dos sistemas naturais. Poder-se-ia, é claro, dizer que nos sistemas naturais

também existe conflito e contradição (como, aliás, o faz o ‘paradigma da complexidade’). Há

milhões de anos, por exemplo, um asteróide atingiu a terra e destruiu boa parte dos sistemas

vivos aqui existentes (e não é seguro de que isto não possa acontecer novamente); ou seja, os

sistemas naturais também não são apenas organização e harmonia. Porém, não se pode dizer que

este asteróide que atingiu a terra o fez intencionalmente, porque queria destruir a vida em nosso

planeta. Não, para os ateus foi apenas uma obra do acaso, e para os crentes, ele pode ter sido

jogado pela mão de Deus para fazer prevalecer aqui a vida humana, ou para puni-la como no

Dilúvio. Ou seja, a idéia de poder, dominação e conflito remete também para um tema que se irá

tratar mais adiante, de que as organizações socia is são formadas de homens, e, tanto para os ateus

quanto para os crentes, estes homens são entidades diferenciadas porque têm livre arbítrio,

vontade, intencionalidade, e agem política e moralmente. Isto deveria indicar que a organização e

a evolução da sociedade advém destas qualidades. Somente isso já comprometeria toda e

qualquer analogia com os sistemas naturais, que, como vimos, é corrente em todo o

funcionalismo sistêmico, sobretudo a partir da TGS.

Apesar de os teóricos da complexidade julgarem que devolveram aos sistemas sociais

as possibilidades de contradição e conflito (julgam mesmo ter proporcionado uma integração

entre os dois principais paradigmas das teorias sociais, o ‘crítico’ - de conflito – e o

‘funcionalista’ – de integração; ver a este respeito Segün & Chanlat, 1992), eles o fizeram dentro

das possibilidades das suas analogias com os sistemas naturais. Assim, na teoria da

complexidade, as contradições e os conflitos são como o asteróide que alcançou a Terra; são

categorias inanimadas, não humanas, não morais, não políticas e não intencionais em relação às

disputas de poder, tal como o são nos sistemas naturais. O conflito e a contradição são apenas

outras formas de expressão da ordem e da organização. Por isto mesmo, o paradigma da

complexidade não deixou de ser funcionalista; ao contrário, ele inaugura, junto com a TGS, um

funcionalismo renovado, mas empobrecido.

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Renato Santos de Souza

REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 31

Habermas e a crítica do funcionalismo e da teoria dos sistemas sociais de Luhmann

Uma das mais importantes crítica feitas ao funcionalismo e à aplicação das teorias

sistêmicas às ciências sociais provém do filósofo alemão Jürgem Habermas, a qual, por esta

importância, pretende-se analisar mais profundamente neste texto. Na construção da sua teoria da

ação comunicativa, Habermas polemizou com o funcionalismo e com a extrapolação para a

sociologia da noção de sistemas cibernéticos. Na construção sociológica de Habermas, o sistema

tinha um lugar muito definido. Era associado à crescente burocratização e autodeterminação que

se opunha à autonomia do mundo vivo. O sistema integraria diversas atividades, de acordo com

os objetivos de adaptação à sobrevivência econômica e política, mediante a regulação por

mecanismos de mercado que limitam o escopo das decisões voluntárias. O mundo vivo, por sua

vez, contribuiria para manter a identidade social e individual por meio de ações organizadas em

torno de valores compartilhados. O mundo vivo, portanto, estaria ligado aos mecanismos de ação

provenientes da argumentação racional no campo da comunicação e dos consensos dela

resultantes. Assim, o mundo vivo e o sistema seriam vistos por ele como pertencendo a reinos da

sociedade absolutamente separados: a família e as esferas públicas ao mundo vivo, e as empresas

e os órgãos do Estados ao sistema (o termo sistema, para ele, designa o sistema econômico e o

macro-sistema institucional que nos envolve, que envolve o mundo vivo).

A crítica de Habermas à modernidade vai no sentido de que os mecanismos cada vez

mais autônomos do sistema nas sociedades modernas – a crescente burocratização e a

automatização dos mecanismos de mercado – teriam crescentemente suprimido os espaços do

mundo vivo responsáveis pela elaboração de ações voluntárias mediadas pela comunicação. Ou

seja, a evolução da autorregulação e autodeterminação dos mecanismos do sistema produzidos

pela modernização teriam confiscado os espaços da ação comunicativa que havia sido liberada

pela própria modernização. Esta é, portanto, a delimitação que o termo sistema assume na

filosofia de Habermas.

As suas críticas ao enfoque sistêmico na sociologia, presentes sobretudo na sua

Teoria da Ação Comunicativa , foram endereçadas aos funcionalistas sistêmicos de modo geral, e,

mais tarde (no Discurso Filosófico da Modernidade ), ao principal formulador da teoria dos

sistemas sociais no pós TGS: Niklas Luhmann.

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

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As críticas iniciais de Habermas às abordagens sistêmicas funcionalistas têm como

ponto de partida a crítica metodológica de Hempel e Nagel. Eles sustentavam que, sem um

conhecimento das leis causais que governam as sociedades, as condições necessárias para

formular explicações funcionalistas não poderiam ser satisfeitas. Mais ainda, Nagel observou que

só se pode provar a necessidade funcional de um processo para preservar determinado sistema, se

os limites deste sistema, o estado no qual ele tende a se manter, as funções necessárias para a sua

manutenção e os processos alternativos para o desempenho destas funções forem especificados

empiricamente. Estas condições, segundo ele, não são encontradas nos sistemas sociais. Haveria,

portanto, na especificação dos sistemas sociais, o problema da identificação das metas (ou

estados-meta) e dos limites fisiológicos, geográficos ou políticos, que nos sistemas biológicos

podem ser definidos empiricamente. Mesmo que as metas fossem identificadas como a

manutenção da estrutura por exemplo, haveria ainda o problema de que, nos sistemas sociais,

mudanças estruturais de grande magnitude ocorrem sem perda aparente de identidade (Ingrand,

1994).

Para Habermas, “quando os sistemas se mantém pela alteração tanto das fronteiras

como da continuidade estrutural, sua identidade perde a nitidez. Uma mesma modificação do

sistema pode ser concebida como um processo de aprendizagem e mudança ou, igualmente bem,

como um processo de dissolução e colapso do sistema” (Habermas, citado por Ingrand, 1994,

p.179). A principal implicação destas concepções críticas à abordagem sistêmica funcionalista, é

de que esta não pode estabelecer condições de continuidade estrutural (que implicaria determinar

limites, estados-meta e de mudanças) sem despir-se das pretensões empírico-analíticas a que

aspiram (como saber, por exemplo, se um movimento social é uma disfunção ou uma reação

necessária para alcançar uma meta sistêmica superior? Quais são as metas de um sistema social?

Quem as estabelece?). O estabelecimento destas condições, por ser impossível definir

empiricamente nos sistemas sociais, ficam necessariamente ao sabor do interesse do pesquisador.

Ou seja, eles teriam que recorrer a pressupostos abstratos que, em última análise, representariam

as suas opções políticas. Com isso, toda a pretensão empírica do funcionalismo sistêmico se

esvai, e ele se transforma em um arcabouço político normativo.

A abordagem sistêmica funcionalista está ligada a uma noção de estabilidade, de

equilíbrio. Fariam parte do sistema os elementos que se interrelacionariam funcionalmente para

produzir um fim. A ruptura seria identificada, a exemplo de um sistema orgânico, como uma

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Renato Santos de Souza

REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 33

patologia que ameaça o equilíbrio. Para Habermas, portanto, haveria a necessidade de uma teoria

da evolução social ex ante, pra determinar limites e ‘estados-meta’ dos sistemas, para determinar

as faixas de variação estrutural e para identificar as situações em que a ruptura da tradição e as

conseqüentes manifestações de patologia social indicam crises genuínas, que ameaçam a

identidade, ou indicam condições necessárias à evolução. Isto, no entanto, transcende as

pretensões empírico-analíticas de tal abordagem.

Na crítica da teoria dos sistemas sociais de Luhmann, por sua vez, Habermas foi bem

mais áspero. Dedicou a este intento as últimas palavras do seu Discurso Filosófico da

Modernidade (capítulo XII do livro)4.

Parece que os principais problemas da teoria dos sistemas sociais de Luhmann, aos

olhos de Habermas, é a tendência a considerar os sistemas sociais como subsistemas auto-

referenciados e que elaboram o seu próprio sentido. A nada Habermas é mais avesso do que à

auto-referência. Idealizador de uma teoria da ação social baseada na comunicação, onde a relação

entre sujeito e o objeto auto-referenciada no sujeito cognoscente é substituída por uma relação

sujeito-sujeito mediada pela linguagem, ele propõe uma saída para a armadilha em que havia se

confinado a própria ‘filosofia do sujeito’. Para ele, é absurda, portanto, uma saída que propõe

substituir o sujeito auto-referenciado pelo sistema auto-referenciado. Ora, segundo Habermas,

“sistemas que funcionam na base da consciência e da comunicação não poderiam constituir

mundos circundantes uns para os outros” (Habermas, 1990, p. 345).

Para Habermas, o paradigma sistêmico representa uma revisão filosófica da tradição

ocidental que se fixa no ser, na verdade e no pensamento. No seu projeto de conhecimento, “a

teoria dos sistemas de Luhmann procede um movimento de pensamento que passa da metafísica

para a metabiologia” (idem, p. 339). Segundo Habermas, uma vez que a teoria sistêmica tenha

buscado a auto-referência no próprio mundo da vida, ela acaba por renunciar a todo o tipo de

pretensão a razão. A crítica da razão, portanto, é uma característica marcante das teorias

4 Não é apenas de Habermas, porém, que a teoria dos sistemas sociais de Luhmann tem sofrido críticas. Segundo Viskovatoff (1999), a natureza das críticas em relação à obra de Luhmann tem sido variada. Primeiro, existem aqueles que rejeitam a teoria como sendo especulativa e não científica, insuficientemente conectada com a verificação empírica. Ora, como se pode ver, esta é uma crítica provinda de teóricos empiristas e positivistas, que desacreditam o arcabouço teórico de Luhmann por ser impossível testá-lo empiricamente. Segundo, há uma crítica da teoria a partir da própria Teoria Geral dos Sistemas, com o argumento de que o constitutivo da sociedade não é a comunicação, mas estruturas neurais ou outras entidades biológicas. E terceiro, pode-se ressaltar como a mais importante crítica aquela provinda de teóricos críticos, dado que a teoria de Luhmann abstrai totalmente do sistema a razão individual e os valores emancipatórios e humanísticos. Habermas é o principal representante desta crítica e desenvolve, sem dúvida, a mais profunda oposição à teoria de sistemas sociais de Luhmann.

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O Funcionalismo Sistêmico nas Teorias Social e Organizacional: Evolução e Crítica

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sistêmicas. Sob o nome de racionalidade sistêmica, a razão desprende-se do sujeito cognoscente

para tornar-se o “conjunto das condições proporcionadoras da conservação do sistema” (idem,

p. 339). Tal razão, portanto, limita-se ao papel coadjuvante de reduzir a complexidade. Mas, é

apenas por meio da “consciência comum, por muito difusa e em si controversa que seja, que a

sociedade global pode ganhar, de modo normativo, distanciamento de si própria e reagir a

percepções de crise” (idem, p. 342-343). Como se viu no próprio Luhmann, a teoria sistêmica

nega esta possibilidade. Se ao sistema corresponde já uma racionalidade, para a sua sobrevivência

bastaria a evolução, o que dispensaria reflexões normativas externas a ele. Luhmann, desta forma,

descarta a possibilidade de uma razão substantiva que seja capaz de pensar ética e moralmente a

convivência social.

Enfim, a substituição da razão cognoscente pela racionalidade sistêmica, a crença na

auto-referencialidade do sistema que elabora o seu próprio sentido, a reação em relação à

possibilidade de uma razão (substantiva) normativa, a transformação do pensamento metafísico

em pensamento metabiológico que transfere para os sistemas sociais modelos cibernéticos dos

sistemas orgânicos, seriam traços epistêmicos significativos que surgem nas entrelinhas das

abordagens sistêmicas, e que revelam o seu conteúdo conservador, positivista e metafísico.

O problema da analogia com sistemas naturais

Por fim, um último problema do funcionalismo sistêmico e que talvez seja a raiz de

todos os outros, diz respeito às inapropriadas analogias feitas pelas ciências sociais com os modos

de funcionamento dos sistemas naturais. Como se viu anteriormente, esta recorrência aos

conceitos das ciências naturais acompanha o conceito de sistemas desde o funcionalismo clássico

até o ‘paradigma da complexidade’, intensificando-se a partir da TGS. Se por um lado no

funcionalismo clássico a analogia com os sistemas naturais era utilizada de forma geral para

indicar o caráter sistêmico e orgânico da sociedade, por outro, até pelo fato do conceito de

‘sistema’ não ter sido ainda precisado naquela época pelas ciências naturais, ele (o funcionalismo

clássico) não deixou de estabelecer uma teoria sociológica genuinamente social.

A partir da TGS, porém, criou-se uma expectativa extremamente pretensiosa, e uma

ambição de que a teoria dos sistemas deveria constituir–se numa metanarrativa que, como a

ciência mãe de toda uma nova geração de ciências integradas, pretendia ser adequada à análise de

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Renato Santos de Souza

REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 35

qualquer sistema, seja ele social ou natural, material ou abstrato, de um passado remoto ou então

atual, que abrangesse desde uma célula até o sistema solar, passando pelos sistemas sociais, pelas

economias nacionais, o cérebro ou qualquer outra estrutura organizada que contivesse elementos

constituintes interrelacionando-se para realizar um propósito, seja ele qual fosse. Esta é a

primeira implicação negativa que a TGS tem sobre o funcionalismo sistêmico. Ou seja, uma

ciência que entenda ser produtivo utilizar as mesmas categorias analíticas da ciências naturais

(função, homeostase, entropia, autopoiesis, retroação, adaptação, evolução, etc.) para estudar

realidades tão distintas como uma organização social, uma floresta, um molusco ou uma célula

por exemplo, não pode passar incólume pelo crivo crítico da razão. Assim, pela ambição de

querer que tudo caiba em seu escopo teórico, a teoria sistêmica passa a sensação de que nada é

capaz de explicar; ela oferece a estrutura, a linguagem, os conceitos, mas as explicações da

realidade continuam e continuarão sendo dadas por aquelas disciplinas e métodos que ela própria

pretendia combater.

Edgar Morin afirmou que “a idéia de sistema social permanece trivial: a sociologia,

que usa e abusa do termo sistema, nunca o elucida: explica a sociedade como sistema sem saber

explicar o que é um sistema” (Morin, 1987, p. 98). Isto que Morin vê, a partir do ‘paradigma da

complexidade’, como um defeito do funcionalismo clássico, pode-se ver hoje como uma

qualidade daquele em relação às construções das teorias sociais e humanas a partir da TGS e do

próprio ‘paradigma da complexidade’. Na verdade, a teorização do conceito e das características

dos sistemas a partir de Bertalanffy e seus seguidores na cibernética e na TGS, bem como a

recolocação destes conceitos pelo próprio Edgar Morin e pelo ‘paradigma da complexidade’ mais

recentemente, apenas contribuiu para aprofundar a transposição das regras de funcionamento dos

sistemas naturais para as organizações sociais. A partir da TGS, estas regras foram

institucionalizadas e sistematizadas como as regras gerais de todos os sistemas. Estas analogias

produziram um empobrecimento da teorização social, fazendo com que muitos teóricos sociais

tentassem simplesmente enquadrar as categorias encontradas nas organizações sociais naquelas

de descrição dos sistemas naturais: Luhmann, por exemplo, comparava as funções e o fluxo das

comunicações nos sistemas sociais ao ‘fluxo de energia’ dos sistemas naturais, e extraiu do

conceito de ‘autopoiesis’ dos sistemas vivos biológicos a idéia de auto-organização dos sistemas

sociais; outros autores analisaram a tendência à desorganização e ao desvio em relação ao

planejado como uma ‘entropia’ (um conceito da termodinâmica) dos sistemas sociais; os papéis

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em uma organização foram comparados às funções de ‘órgãos em um organismo’ biológico; as

concepções de muitos economistas clássicos de que era inútil tentar aumentar o nível de vida da

classe trabalhadora foi comparado por Maruyama ao conceito de ‘morfogênese’ da segunda

cibernética; Buckley comparou o controle social aos mecanismos de ‘retroação’ da cibernética, e

assim por diante. E assim muitas transposições simplistas de conceitos foram feitas das teorias de

sistemas para as organizações sociais.

Alberto Guerreiro Ramos, em seu célebre livro A Nova Ciência das Organizações,

chamou a constante influência que as teorias organizacionais sofriam de toda a ordem de

disciplinas de ‘colocação inapropriada de conceitos’. Segundo ele, isto ocorre quando uma

disciplina utiliza inapropriadamente conceitos de outras disciplinas, da mesma forma como tem-

se defendido aqui. Segundo Ramos (1989), “toda a disciplina deve ter um mínimo de intolerância

em suas transações com as outras, ou perderá a sua razão de ser. Ter identidade e caráter é,

num certo sentido, ser intolerante” (p.69). Ramos dá uma série de exemplos dos problemas que

esta ‘colocação inapropriada de conceitos’ das teorias de sistemas causam para as teorias

organizacionais, como por exemplo: (a) é muito comum que percam de vista a necessária tensão

entre as pessoas e os sistemas projetados (as empresas, por exemplo) apoiando-se numa

concepção de sistemas demasiado holística; (b) reificam o sistema organizacional dando ênfase à

dependência das partes sobre o todo, em vez de tratar com precisão da interdependência das

partes internas e externas que constituem o todo; (c) os planejadores de sistemas de orientação

mecaniscistas e organísmica não questionam as regras operativas inerentes aos sistemas

institucionalizados, e a luz do staus quo , tratam de explicar como os grupos humanos tentam se

adaptar ou de fato se adaptam ao mundo em que se encontram; e (d) o analista de sistemas (nas

teorias sociais) está apenas interessado na capacidade que a comunidade tem de atingir as suas

metas, enquanto as dimensões éticas de tais metas não é de seu interesse (Ramos, 1989). Para

Guerreiro Ramos, em última análise, nenhuma das teorias sistêmicas funcionalistas é capaz de

expressar o que realmente uma pessoa é em sua natureza. Em suas palavras, “uma pessoa não é

parte funcional constitutiva de um sistema”. E, citando a definição de Kant, “uma pessoa não

está sujeita a nenhuma outra lei senão aquelas que (isoladamente, ou pelo menos em conjunto

com outras pessoas) estabelece para si própria. Desta forma, pode acontecer que uma pessoa se

encontre num sistema sem ser, necessariamente, parte funcional dele” (Idem, p. 81)

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Renato Santos de Souza

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Neste sentido, ao contrário do que pensa Morin, as abordagens sistêmicas mais

modernas aplicadas às teorias sociais empobreceram o próprio funcionalismo, pois

descaracterizaram-no como uma construção teórica baseada nas realidades sócio-culturais

mesmas, como até certo ponto o funcionalismo clássico fazia. Ou seja , o fato de não terem

tentado ‘explicar o que é um sistema’ como sugeriu Morin, permitiu aos sociólogos

funcionalistas clássicos prenderem-se minimamente à peculiaridade e singularidade das

organizações sociais enquanto agrupamentos de pessoas, mesmo quando buscavam analogias

com sistemas naturais. Sem disporem de uma teoria geral de sistemas que proclamasse as leis dos

sistemas naturais como leis gerais, os funcionalistas clássicos olhavam primeiro para os sistemas

sociais, e identificavam neles algumas similaridades com sistemas naturais. Após a influência da

TGS, porém, o ‘novo funcionalismo’ olhava para os sistemas sociais já com a visão viesada pelas

leis e regras dos sistemas naturais que esta professava. Assim, apenas fizeram transposições de

conceitos (ou ‘colocações inapropriadas de conceitos’ como definiu Ramos), empobrecendo o

conteúdo teórico das teorias sociais.

A grande pergunta que se faz é, por que razão deveríamos crer que as leis que regem

os sistemas naturais servem aos sistemas sociais? Admitir que, em algum nível, esta transposição

de conceitos é possível e adequada não implica em ver os sistemas sociais como casos específicos

de sistemas naturais? Não implica em admitir um status de naturalidade a qualquer tipo de

organização social? Não implica em dissimular a história, destituir o livre arbítrio, a vontade, a

intencionalidade e a razão que habita o espírito humano (e não habita as células, os átomos, os

planetas ou qualquer outra unidade componente de sistemas naturais)? Não implica, assim como

parece ter sido a conclusão de Habermas, uma opção política pela conservação, seja de qualquer

ordem dada (e mais, uma conservação não baseada em valores, mas em uma inexorável

naturalidade da ordem geral estabelecida)?

Ora, imagine se fosse feito o contrário, se fossem transpostos conceitos das teorias

sociais para as ciências naturais, isto faria algum sentido? Vamos pensar na tendência à queda da

taxa de lucro do Marxismo, ou nos conceitos de cultura e de valores comuns do funcionalismo

clássico. Será que após os biólogos ou físicos estudarem Marx e Parsons por exemplo, eles

chamariam a ‘entropia’ da termodinâmica de ‘tendência a queda da taxa de lucro’, ou então

chamariam o código genético de ‘cultura, ou de valores comuns’ das células que formam um

organismo, em alusão ao conceito de ‘ordem normativa’ de Parsons? Isto faria algum sentido

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para os cientistas da física ou biologia molecular? Acrescentaria alguma substância ao

conhecimento da entropia ou do código genético? Por que, então, tem que fazer sentido para as

ciências sociais esta transposição de conceitos no sentido contrário? Qual a razão para pensar que

os sistemas sociais se comportam como os sistemas naturais?

Na verdade, nenhum autor que fez uso das teorias sistêmicas para transpor conceitos

dos sistemas naturais para os sistemas sociais se preocupou em dar explicação sobre isto. As

transposições são feitas sem nenhum constrangimento aparentando uma naturalidade imanente,

que dispensa explicação. Assim, o paradigma da complexidade, por exemplo, toma como eixo de

argumentação todas as novas descobertas em relação aos sistemas naturais na física, na química,

na biologia e na termodinâmica para derramar um novo paradigma sobre todas as ciências, sem

nunca se perguntar se isto é adequado ou mesmo necessário. Os teóricos dos sistemas não podem

oferecer uma justificativa para as suas transposições de conceitos porque ela não existe.

Considerar o comportamento dos sistemas sociais como análogo aos sistemas naturais é uma

questão de crença; parafrazeando Mintzberg e seus colaboradores, é como crer que as pessoas são

felizes: se você crê em felicidade irá encontrá-la em todo o lugar, se não crê, não irá encontrá -la

em parte alguma (Mintzberg et al. 2000). Mas, para os teóricos dos sistemas esta é uma crença

cômoda, pois eles alimentam a ilusão de que, refugiando-se em leis supostamente ‘naturais’,

estão a salvo dos dilemas epistemológicos e morais que assombram as ciências sociais desde o

seu nascimento. Porém, o grande pecado desta crença dos teóricos dos sistemas é que, de certa

forma, estas transposições de conceitos ‘zeraram’ as ciências sociais, ignorando todo o

conhecimento precedentemente acumulado nas suas diferentes áreas no decorrer do tempo,

conhecimentos estes baseados em genuína reflexão sobre o social, o cultural e o econômico como

espaços singulares de expressão do homem social, político e econômico.

Considerações finais

No presente trabalho, procurou-se traçar a evolução e os desdobramentos do

funcionalismo sistêmico nas teorias sociais, propondo uma linha de identidade onde existe

aparente diversidade e mesmo divergência. As noções de sistema, de funções, de integração e de

organização, geralmente extraídas de analogias com o funcionamento de sistemas naturais, são as

linhas que nos guiam para a identidade dentro da diversidade em que se apresentam tais

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REAd – Edição 19 Vol. 7 No. 1, jan-fev 2001 39

abordagens. Assim sendo, não há problemas em tratar os teóricos dos sistemas e da complexidade

como ‘novos funcionalistas’, mesmo que muitos assim não se considerem.

De outro lado, apesar das críticas aqui desenvolvidas em relação ao pensamento

funcionalista sistêmico, acredita-se que ele merece um espaço importante dentro das ciências

sociais. Este texto deteve -se mais nas críticas porque as qualidades falam por si. Na verdade, o

propósito do funcionalismo de estudar as razões da integração, da organização e da conservação

social representa um mérito teórico, afinal, as organizações sociais apresentam estas

características, ao menos por algum tempo. A ordem normativa de que nos fala Parsons, portanto,

é um elemento essencial desta conservação. Desta forma, não deveria haver uma dicotomização

teórica tão grande, com a perspectiva de ‘conflito-mudança’ de um lado e de ‘integração-

conservação’ de outro. Como afirmou Ramos (1989), “não existe fluxo indefinido do nada para o

nada” (p. 55); “a mera mudança sem conservação é uma passagem do nada para o nada. A mera

conservação sem mudança não pode conservar” (Whitehead, citado por Ramos, 1989, p. 55).

Neste sentido, são sábias as palavras de Lockwood (1977) quando diz que “de uma parte... não é

possível conceber a sociedade sem um certo grau de integração por meio de normas comuns; e,

portanto, que a teoria sociológica deve preocupar-se com processos que contribuem para a

manutenção dessa ordem. De outra parte... não se pode conceber a sociedade sem um certo grau

de conflito proveniente da distribuição de recursos raros, e a análise sociológica vê cometer-se-

lhe a tarefa de estudar os processos que estruturam e exprimem as divergências de interesse” (p.

212). Não se pode negar, porém, que esta dicotomização exagerada se alimenta de visões de

mundo e de interesses políticos e morais diversos, muitas vezes irreconcilháveis, que se

escondem por detrás de concepções teóricas aparentemente neutras.

Não obstante estes interesses e visões de mundo, ambos os binômios ‘integração-

conservação’ e ‘conflito-mudança’ fazem parte de uma organização social, razão pela qual o

funcionalismo é útil para a análise destas organizações. O grande problema do funcionalismo

sistêmico, porém, reside exatamente no conceito de sistema e nas transposições de conceitos dos

sistemas naturais para as organizações sociais. É bem verdade que a idéia de sistema nos trouxe

uma visão realmente nova e importante para a metodologia das ciências, ao mostrar as

fragilidades do mecaniscismo, do reducionismo e do atomismo que imperavam (e ainda

imperam) em todos os campos do conhecimento, e ao mostrar que o saber que se pretende

universal mas que perde a noção do contexto, da complexidade e das inter-relações que ocorrem

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em cada sistema, não pode dar conta da realidade. Este mérito não se pode tirar da abordagem

sistêmica e realmente transformou a ciência. Aqui, portanto, é necessário separar ‘abordagem

sistêmica’ de ‘teoria de sistemas’. Se por um lado a ‘abordagem sistêmica’ foi fundamental para

uma nova visão da ciência, a ‘teoria de sistemas’ trouxe conseqüências não tão saudáveis para as

teorias sociais, fundamentalmente porque, forjada a partir da observação do funcionamento dos

sistemas naturais, acabou ‘engessando’ as teorias sociais por conceitos supostamente universais.

Analisar a conservação em razão da ordem normativa, que implica uma cultura

institucionalizada e valores comuns, como fazia Parsons, por exemplo, é muito diferente do que

simplesmente transpor para os sistemas sociais conceitos de sistemas naturais, que se conservam

e auto-organizam por leis da natureza: autopoiesis, retroação, homeostase, e assim por diante. A

ordem normativa, a cultura e os valores são características da socialidade humana, e não têm

paralelo nos sistemas naturais por algumas razões simples: o homem pensa, tem livre arbítrio,

tem vontade, produz ações intencionais, e é capaz de fazer julgamentos morais e éticos. Por esta

razão, a organização humana é antes de tudo uma organização política, e isto não cabe em

nenhum conceito de sistema proveniente das ciências naturais. Assim sendo, o ‘novo

funcionalismo’ surgido a partir da TGS e do ‘paradigma da complexidade’, empobreceu o

próprio funcionalismo, pois concentrou nos conceitos de sistemas oriundos das ciências naturais

toda a teoria social. Mesmo as idéias de mudança e conflito trazidas pelos ‘novos funcionalistas’

são extraídas destes conceitos sistêmicos, tornando-se despolitizadas e ahistóricas.

Se o funcionalismo sistêmico tem o mérito de concentrar-se nas razões da integração-

conservação, tem também o demérito de ter deixado deslizar para dentro dos conceitos de

sistemas naturais toda a explicação sociológica, revogando as teorias passadas que se construíam

sobre a própria realidade social, e relegando ao próprio funcionalismo clássico o caráter de um

mero rascunho das modernas teorias de sistemas sociais. De certa forma, portanto, os novos

funcionalistas pretendem ‘zerar’ toda a teoria social para erguer em seu lugar aquilo que, alegam,

seria uma teoria verdadeiramente sistêmica, que abranja a complexidade, a incerteza e a

multidimensionalidade dos sistemas sociais, tal como a física, a química, a biologia e a

termodinâmica têm caracterizado os sis temas naturais. Face a isto, entende-se que é preciso

resgatar a teoria social clássica contra esta subserviência à uma suposta ‘ordem natural de todas

as coisas’, e para que voltemos a enxergar as organizações sociais como sistemas singulares,

políticos, morais, intencionais, históricos, humanos, compostos de culturas, valores, disputas de

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poder, enfim, de todas estas características que não cabem aos sistemas naturais. Para o bem do

próprio funcionalismo e das teorias sociais e organizacionais.

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