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Funcionalismo em perspectiva

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A 4a edição da revista Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará dá continuidade ao trabalho da Profa. Claudete Lima, e é produto dos estudos realizados pelos alunos da disciplina de Linguística: Funcionalismo, no semestre 2011.2, com base nas teorias aprendidas em sala de aula, e nas teorias de Linguistas associados ao funcionalismo como Dik, Halliday, Hopper, Thompson e Givón.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 5

SEÇÃO 1: O EMPREGO DO ARTIGO E O ESTATUTO INFORMACIONAL................... 6

O emprego dos artigos definido e indefinido em títulos noticiosos da Inglaterra,

Espanha e Brasil. ................................................................................................... 7

SEÇÃO 2: A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO ........................ 14

A modalidade deôntica no discurso político. ............................................................ 15

SEÇÃO 3: GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO ......................................... 28

Gradação: um fenômeno discursivo. ....................................................................... 29

SEÇÃO 4: A GRADAÇÃO NA WEB ....................................................................... 39

Por uma perspectiva funcional: a gradação e o seu uso nas redes sociais. .................. 40

Gradação na Web: as ocorrências de gradação no microblog Twitter. ......................... 51

SEÇÃO 5: A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR ............................................. 63

A gramaticalização do verbo dar. ............................................................................ 64

A gramaticalização do verbo dar. ............................................................................ 75

A gramaticalização do verbo dar no presente e no pretérito perfeito do indicativo. ........ 89

Análise sincrônica da gramaticalização do verbo dar................................................ 103

SEÇÃO 6: A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO ........................ 113

A função interpessoal em textos de opinião ............................................................ 114

SEÇÃO 7: OS PLANOS DISCURSIVOS NA OBRA DE ESOPO............................... 128

Os planos discursivos figura e fundo na fábula, “O Burro que vestiu a pele de

um Leão”, de Esopo. ........................................................................................... 129

Page 3: Funcionalismo em perspectiva

5

APRESENTAÇÃO

A 4ª edição da revista Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade

Federal do Ceará dá continuidade ao trabalho da Profa. Claudete Lima, e é

produto dos estudos realizados pelos alunos da disciplina de Linguística:

Funcionalismo, no semestre 2011.2, com base nas teorias aprendidas em

sala de aula, e nas teorias de Linguistas associados ao funcionalismo como

Dik, Halliday, Hopper, Thompson e Givón.

Os trabalhos apresentados nesta edição foram produzidos e

organizados pelos próprios alunos da disciplina, que se dividiram em três

equipes: de revisão, de formatação e de edição, com orientação da

professora Claudete, e sã trabalhos que investigam fenômenos da língua

portuguesa e como eles se dão no dia a dia, estudando-os através do

ponto de vista funcional.

Esperamos que com esses trabalhos possamos mostrar as

produções dos alunos para outros estudantes, e não só servir de base

para suas eventuais pesquisas, mas também incentivá-los a iniciar suas

próprias produções acadêmicas.

Gratos,

A Edição

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6

SEÇÃO 1

O EMPREGO DO ARTIGO E O ESTATUTO INFORMACIONAL

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7

O EMPREGO DOS ARTIGOS DEFINIDO E INDEFINIDO EM

TÍTULOS NOTICIOSOS DA INGLATERRA, ESPANHA E

BRASIL

Carlos del Río González1

Resumo: O presente artigo pretende expor e refletir sobre as diferenças de uso dos artigos definido e indefinido nos títulos dos jornais Folha de São Paulo, The Guardian e El País, escritos em língua portuguesa, inglesa e espanhola respectivamente. Para isso, baseamo-nos nas guias de estilo dos jornais e comparamos os títulos das notícias sobre o terremoto e tsunami no Japão em março de 2011, entre as datas 11/03/2011 e 21/03/2011. Palavras-chave: Artigo definido, indefinido, notícia, títulos. Abstract: This text presents and thinks upon the differences in use of definite and indefinite article in headlines from the Folha de São Paulo, The Guardian and El País newspapers, written respectively in Portuguese, English and Spanish. In order to do that, we take base in the newspapers’ style guides and compare the news headlines on the earthquake and tsunami occurred in Japan in March 2011, between 11 March 2011 and 21 March 2011. Keywords: Definite article, indefinite, news, headlines. Introdução

Em orações do português, o emprego do artigo está fortemente

relacionado com o estatuto informacional do SN, que está, por seu lado,

relacionado com o valor semântico que a oração possui. Os artigos

dividem-se, geralmente, em definido e indefinido, e há algumas

subdivisões que devem ser levadas em conta.

De maneira geral, define-se o artigo definido como aquele que

“trata de um ser já conhecido do leitor ou ouvinte, seja por ter sido

mencionado antes, seja por ser objeto de um conhecimento de

experiência” (CUNHA;; CINTRA, 2008, p. 219). Depreende-se dessa

definição que o valor mais destacado do artigo definido é o anafórico. Já o

artigo indefinido “trata de um simples representante de uma dada espécie

ao qual não se fez menção anterior” (idem, ibidem).

1 Graduando em Letras-Português / Espanhol – UFC.

Page 6: Funcionalismo em perspectiva

8

Embora os artigos, ambos o indefinido e o definido, possuam

outros valores específicos, o que interessa a este trabalho não são esses

outros valores, mas a omissão dos próprios artigos.

Para estudar a diferença de uso do artigo em textos noticiosos,

este trabalho tomou os títulos das notícias sobre o terremoto que

aconteceu no Japão no começo do ano e as consequências que ele trouxe.

Os jornais escolhidos são o brasileiro Folha de São Paulo, o britânico The

Guardian e o espanhol El País. As datas das notícias estão limitadas entre

o 11/03/2011 e o 21/03/2011.

Para coletar os dados, foram acompanhados os títulos dos três

jornais e escolhidos aqueles que tratavam o tema de maneira mais

parecida. Em seguida, fez-se a comparação e estudou-se o uso dos

artigos, tanto dos definido quanto dos indefinido.

Como Deve Ser Usado o Artigo

As normas gramaticais para usar artigo definido ou indefinido

desviam-se, as vezes, um pouco do padrão original quando aplicadas a

textos jornalísticos, já que estes têm um forte compromisso com a forma

como a informação é dada.

Para títulos de jornais brasileiros, o Manual de redação e estilo do

Estado de S. Paulo reza que o artigo definido “pode ser dispensado, na

maior parte dos casos, para economizar sinais” (apud ZAMPONI, 2000).

Portanto, um título fictício como:‘Barcelona ganha Liga dos Campeões’,

não precisaria de artigos, pois são subentendidos;; ‘O Barcelona’ e ‘a Liga

dos Campeões’. Porém, esse subentendimento só pode ser dado por

conhecimento de experiência, isto é, só aqueles que saibam que a Liga

dos Campeões é um torneio de futebol saberão que ‘Barcelona’ refere-se

ao time de futebol catalão e não a outros times de outros esportes nem à

própria cidade.

Passando à imprensa britânica, o Guardian Style Guide não faz

profunda menção ao uso do artigo. Para o indefinido, limita-se a dizer:

Page 7: Funcionalismo em perspectiva

9

“utilize an antes de H mudo”2 (tradução nossa); quanto ao definido reza

que “deixando de fora o/a/os/as frequentemente faz com que se leia como

gíria: diga “a conferência aceitou fazer alguma coisa”, não “conferencia

aceitou”;; “o governo tem de fazer”, não “governo tem de fazer”;; “a Super

Liga” (rugby), não “Super Liga. ”3 (p. 289, grifo nosso).

No caso da imprensa espanhola, o Manual de estilo del diario El

País de España dá mais especificações quanto ao uso de artigo. A primeira

norma que o manual cita é que “não se podem suprimir os artigos ou

adjetivos que forem impostos pela lógica da linguagem”4 (p. 35). O mais

interessante, porém, é quando comenta que “nunca será sacrificada a

sintaxe à brevidade. Isto é, não se podem suprimir artigos ou preposições

de maneira que o texto pareça redigido em estilo telegráfico.”5 (p. 27).

Mais adiante, agrega: “os títulos hão de ser quão concisos for possível –o

ideal é que não perpassem uma linha de composição–, mas nunca será

sacrificada a sintaxe castelhana ou sua compreensão informativa. Não

podem ser suprimidos, portanto, artigos ou preposições.”6 (p. 27, grifo

nosso). Todavia, mais adiante lemos: “quando um título começa com um

artigo, este nunca deve ser omitido”7 (p. 71)

Percebe-se uma posição quase antagônica com o manual do jornal

brasileiro; neste, prioriza o sentido do título e se leva muito em

consideração a participação do leitor; naquele, a sintaxe predomina se

sobrepõe à pragmática.

Comparação de Casos

2 Use an before a silent H. 3 Leaving “the” out often reads like jargon: say the conference agreed to do something, not “conference agreed”;; the government has to do, not “government has to”;; the Super League (rugby), not “Super League”. 4 No se pueden suprimir los artículos o adjetivos que imponga la lógica del lenguaje. 5 Nunca se sacrificará la sintaxis castellana a la brevedad. Es decir, no se pueden suprimir artículos o preposiciones de manera que el texto parezca redactado en estilo tele-gráfico. 6 Los títulos han de ser lo más escuetos posible —lo ideal es que no sobrepasen una línea de composición—, pero nunca se sacrificarán la sintaxis castellana o su comprensión informativa. No pueden suprimirse, por tanto, artículos o preposiciones. 7 Cuando una cabecera comience con un artículo, éste nunca debe omitirse.

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10

Começamos a comparação de casos das notícias que abordaram o

tsunami no Japão, no começo deste ano, entre os jornais Folha de São

Paulo (FSP), The Guardian (TG) e El País (EP).

No 11/03/2011 encontramos os seguintes títulos:

Vemos que a FSP omite os artigos, tanto o primeiro quanto o

segundo, que deveriam ser indefinidos (Um terremoto / um tsunami).

Como diz Zamponi, a omissão do artigo pode ser devida à intenção de não

querer assumir informações dadas frente a leitores que podem não estar

cientes de notícias passadas relacionadas com o assunto. Neste caso,

como a informação é nova, poderia ser usado o artigo indefinido.

Recorremos, então, ao Manual de redação e estilo do Estado de S. Paulo e

sua recomendação de omitir artigos para economizar sinais.

O TG também omite os artigos, desobedecendo às recomendações

da Guardian Style Guide. Mas, de qualquer modo, percebemos que a

omissão de artigos é algo recorrente na língua inglesa, não sendo tão

usados como no português ou no espanhol.

O EP é o único a usar o artigo indefinido para introduzir uma

informação nova, como dita a sintaxe castelhana. Neste caso, a norma é

seguida, e o artigo não é suprimido.

Ainda no 11/03/2011 encontramos o seguinte:

FSP: Terremoto seguido de tsunami deixa ao menos 32 mortos no

Japão

TG: 8.9 magnitude earthquake hits Japan, numerous aftershocks

EP: Una ola de muerte y destrucción

Page 9: Funcionalismo em perspectiva

11

De novo, a FSP omite os artigos. Neste caso, podemos supor que

os omitem para não assumir informações dadas;; se fosse ‘Após o tremor’,

um leitor que recentemente teve contato com a notícia poderia perguntar-

se ‘que tremor?’.

O TG, seguindo a tendência de uso inglesa, omite os artigos. O que

podemos destacar deste título é que caracteriza o terremoto como

japonês;; então, o que poderia ser “Earthquake in Japan forces(…)” é

simplificado à forma que vemos acima.

O título do EP, publicado no 12/03/2011 recorre à sintaxe para

utilizar os artigos. Embora o risco nuclear seja uma informação nova,

emprega-se o artigo definido. Entendemos que essa utilização é devida à

intenção de particularizar o risco nuclear.

No 14/03/2011 lemos:

Vemos que a FSP e o TG omitem de novo todos os artigos,

economizando sinais e simplificando o título. Já no EP percebemos o uso

FSP: Após tremor, Japão irá retirar moradores próximos a usina

nuclear

TG: Japan earthquake forces thousands to evacuate in nuclear

plant emergency

EP: El riesgo de fuga nuclear obliga a evacuar a miles de personas

FSP: Japão tenta controlar pane em reator após 2ª explosão em

usina nuclear

TG: Explosion at Japanese nuclear plant

EP: Los niveles de radiación suben en Japón, tras una nueva

explosión y un incendio

Page 10: Funcionalismo em perspectiva

12

rigoroso de artigos. Vendo o cumprimento do título, pensamos que o uso

da sintaxe se impõe à concisão. Todavia, podemos ver aqui a não omissão

do artigo no começo do título.

Ainda no 14/03/2011, podemos ver os seguintes títulos:

Agora vemos que a FSP omite os artigos, mesmo os definidos antes

dos países, estes supostamente conhecidos já por todos os leitores.

Atribui-se esta omissão a um recurso estilístico jornalista mais do que a

um motivo gramatical.

O TG não só omite os artigos como o verbo que, gramaticalmente,

seria preciso, i.e., ‘Germany is likely to suspend…’. Aqui pode-se ver o

estilo telegráfico, próprio dos jornais de países de língua inglesa, que o

Manual de estilo de El País condena.

Vemos que no título do EP não há, de novo, omissão de artigo nem

simplificação da informação; fazendo ele, mas uma vez, o mais comprido

dos três.

Considerações Finais

O uso de artigo, definido ou indefinido, na imprensa espanhola é

claramente mais abundante que na brasileira e na britânica.

Depreendemos deste fenômeno uma teoria que desejamos aprofundar em

futuros trabalhos: embora o português e o espanhol sejam línguas irmãs,

com uma grande proximidade linguística, a aplicação da língua portuguesa

em textos jornalísticos assemelha-se mais à forma inglesa do que à

FSP: Alemanha e Suíça suspendem projetos nucleares; Reino Unido

diz ser cedo

TG: Germany likely to suspend nuclear plant plans

EP: Merkel suspende el plan para alargar la vida de las centrales

nucleares en Alemania

Page 11: Funcionalismo em perspectiva

13

espanhola. Fica destacada a similitude sintática entre os títulos da FSP e

do TG, fator que poderia fazer possível uma relação de tradução literária

entre eles. Já os do EP estão rigidamente presos à sintaxe castelhana,

diferenciando-se assim do estilo telegráfico que seu manual de estilo

condena.

Percebe-se que os jornais britânico e brasileiro priorizam os planos

semântico e pragmático nos seus textos. Seus títulos são concisos,

economizando em palavras e partículas da sintaxe que são desnecessárias

para a compreensão, de maneira que o leitor pode apreender a

informação rapidamente. Já no jornal espanhol, vemos que a prioridade é

a sintaxe, embora as palavras sejam escolhidas para passar a informação

de maneira efetiva.

Um estudo mais aprofundado pode ser feito com relação à

influência da imprensa de língua inglesa no Brasil. Alem disso, poderíamos

pensar em fazer um contraste entre jornais de diferentes países com o

mesmo idioma, para poder destacar divergências de uso dos artigos

definido e indefinido.

REFERÊNCIA

CUNHA, Celso, CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. EL PAÍS. Manual de estilo del diario El País de España. 11ª edição. 1996. Disponível em: <http://www.slideshare.net/guesta87028/manual-de-estilo-de-el-pais>. THE GUARDIAN. Guardian Style Guide. Bodmin: Guardian Branded, 2007. ZAMPONI, G. A propósito da definitude em expressões nominais de textos

noticiosos. In: 4º Encontro do CELSUL, 2000, Curitiba, 2000.

Page 12: Funcionalismo em perspectiva

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SEÇÃO 2

A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO

Page 13: Funcionalismo em perspectiva

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A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO

Hiáscara Sales de BARROS8

Resumo: Este artigo abordará a modalidade deôntica encontrada no discurso político, mostrando que por intermédio deste o enunciador pode persuadir o seu público alvo, no caso, os eleitores. O uso da modalidade deôntica è grande por políticos que querem obter o voto dos candidatos. Esta pesquisa abordará tanto a definição e função da modalidade deôntica, quanto o porquê do rico uso dessa modalidade por políticos, focando-se na atual presidente Dilma Rousseff em seu discurso durante seu período de campanha. Palavras-chave: Modalidade Deôntica, Discurso Político, Enunciador, Candidato, Público-Alvo. Introdução

Este artigo é uma reflexão acerca da modalidade deôntica

encontrada no discurso político apresentado no pronunciamento da

candidata de Dilma Rousseff no período de eleição. Sendo o corpus

analisado, três trechos de um dos discursos proferidos na concorrência à

presidência da Dilma Rousseff. A análise feita é resultante de inúmeros

questionamentos acerca de como o tema proposto poderia ser abordado

nesta pesquisa, por já ter conhecimento acerca do Discurso Político e este

ser um bom campo para utilização das modalidades, pois nele podemos

ver, muitas vezes, de forma clara a hierarquia existente entre enunciador

e o enunciatário, bem como as intenções estabelecidas pelo enunciador. O

discurso de Dilma Rousseff foi eleito para análise e estudo deste trabalho.

A motivação para o estudo proposto é a de que o discurso

supracitado permite ao enunciador fazer inferências e escolhas nos seus

enunciados para atrair e persuadir seu público alvo. Vale salientar que,

como todo político pertence a um partido, existe a relação da linguagem

verbal e não-verbal, no que condiz na escolha e semiologia de slogans e

bandeiras para um determinado partido político. Objetiva-se encontrar

nesta pesquisa os tipos de modalidades presentes no discurso

supracitado, e principalmente, as marcas deônticas.

8 Graduanda pela Universidade Federal do Ceará.

Page 14: Funcionalismo em perspectiva

16

Vale salientar que os enunciados com valor deôntico exprimem

juízos através dos quais o locutor procura agir sobre o seu interlocutor

impondo, proibindo ou autorizando a realização da situação representada

pelo conteúdo proposicional, num tempo necessariamente posterior ao

tempo de emissão do juízo deôntico.

A princípio, exporemos as teorias funcionalistas de Halliday (1978),

mostrando a função textual interpessoal, pois esta é a marca da

modalidade. Objetivando estabelecer contato com o interlocutor, é

necessário moldarmos o nosso discurso de acordo com a nossa maneira

de ver a realidade. A seguir faremos uma breve explanação sobre o

discurso político.

Finalmente, baseando-se nas leituras das teorias estudadas,

analisaremos o corpus proposto, de maneira crítica e analisando a

ocorrência e os tipos de modalidade. Assim objetivamos explicitar a

relação e a influência do discurso citado no leitor.

Discurso Político-DP

O discurso político dá-se no espaço público e se refere ao campo do

público, do que deve ser conhecido por todos. Sendo argumentativo,

busca convencer, persuadir, mostrando bondades e aspectos negativos

que apresentam razões contrárias.

Segundo Neto, assim como todos os discursos, o discurso político é

também um discurso situado. Significa dizer que se encontra numa rede

interdiscursiva, onde lá residem outros discursos que se apresentam como

determinadas condições de produção para sua organização,

funcionamento e possibilidades de efeitos de sentido.

Os políticos, para melhor atrair a atenção dos ouvintes, valem-se

da persuasão e da eloquência. Dessa forma, usos da modalidade nos

enunciados políticos são bastante recorrentes, uma vez que a modalidade

deôntica é uma modalidade de intersujeitos, pressupondo uma relação

hierárquica entre o locutor, origem deôntica; e o interlocutor, alvo

deôntico.

Page 15: Funcionalismo em perspectiva

17

Na persuasão os políticos ordenam os pensamentos levando o

ouvinte a aceitar seus pontos de vista de modo suave; na eloqüência,

exaltam o otimismo, o entusiasmo e a vivência no país melhor, apesar das

dificuldades aparentes. Por saberem que a mente humana condiciona-se

melhor à afetividade, apelam mais à emoção do que à razão. Toda palavra

pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo

que ela diz e não diz. A análise do DP engloba não só o texto, mas

também mensagens e intenções que as transmitem; tal análise

desconstrói o discurso proposto atendo-se aos detalhes como a

organização retórica, isto é, como se constroem os argumentos com os

quais se espera convencer, dissuadir ou atrair àqueles a quem se dirige

um texto, o receptador.

Assim mesmo, trata de evidenciar as responsabilidades pelas

afirmações, sugerências, acusações, interpretações e informações que se

apresentam no discurso (Potter, 1992; Monteiro-Rodrigues 1998).

Modalidade

Ao estudarmos a modalidade, podemos compreender seu uso por

parte do enunciador em prol de suas intenções e interpretações esperadas

por parte do enunciatário. De acordo com Britto, a expressão de atitude é

a marca desse recurso, pois existe uma preocupação com a forma de

emitir o enunciado para que o produtor do discurso transmita sua

mensagem com êxito e o interlocutor reaja de alguma maneira, positiva

ou negativa, em relação àquilo que está ouvindo.

No caso do discurso político, no qual o locutor tem o objetivo de

persuadir e convencer o interlocutor, o político, na maioria das vezes e em

essência, almeja aspectos positivos e total concordância com as sua

idéias. Portanto, a modalidade é utilizada de forma significativa e, se pode

dizer, de forma pensada ou propositalmente com intuito de persuasão.

Uma vez que a modalidade deôntica é uma modalidade de

intersujeitos pressupõe uma relação hierárquica entre o locutor, origem

deôntica, e o interlocutor, alvo deôntico.

Page 16: Funcionalismo em perspectiva

18

Segundo Halliday (1978), há três tipos principais de funções sociais

envolvidas na comunicação: ideacional, textual e interpessoal. Essas

funções são manifestadas como uma forma de transmitir o potencial

significativo das representações lingüísticas. A interpessoal é função

marca da modalidade.

Contudo, o artigo foca-se unicamente na função interpessoal.

Como já mencionado anteriormente, é essa função a marca da

modalidade. Portanto, exemplificaremos somente tal função. A mesma

envolve a participação do sujeito na expressão das ações sobre os outros

no contexto social, desencadeando novas ações. Sempre houve uma

interação comunicacional entre o “eu” e “você” no contexto social de

comunicação. Halliday ensina que esse processo é na realidade uma

macro-função, pois envolve todos os usos da língua a fim de estabelecer

relações sociais e pessoais. Essa é a marca da modalidade e do modo,

considerando que no enunciado ocorre uma seleção de um papel na

situação de fala do falante, a forma pela escolha de papéis para o receptor

da modalidade.

A mesma está inserida na função interpessoal, pois tem como

finalidade a expressão de nossas crenças de valores ou opiniões a respeito

de um determinado assunto, como interação com o outro, mostrando

critérios de valor e verdade (Pinto, 1994).

Corroborando com Lock (1996), podemos ver dois modos de

modalidades de forma ampla e restrita. Na forma ampla, o autor

considera todas as expressões que mostram interação entre as pessoas. A

forma restrita se aplica aos auxiliares modais, que são os seguintes

verbos: “poder”, “querer” e “dever”. É a partir dessa perspectiva que

analisaremos o corpus mencionado anteriormente.

Os interesses e as intenções quanto às tarefas da enunciação

referem-se diretamente às atitudes individuais e sociais, às condições e às

participações do interlocutor no ato comunicativo, conforme a teoria de

Halliday. Já os valores deônticos subdividem-se tradicionalmente em

valores de obrigação e valores de permissão.

Page 17: Funcionalismo em perspectiva

19

Todo enunciado apresenta em essência uma intenção por parte do

locutor, e esta é marcada pela vontade, entre outros fatores. Na

comunicação de nossas intenções, podemos manifestar uma ordem, um

desejo ou até mesmo um pedido.

Os tipos de modalidade

De acordo com a teoria de Pinto (1994), podemos dividir a

modalidade em tipos pautados nas operações envolvidas no

estabelecimento das interações das relações entre emissor e o receptor da

mensagem, as posições nos enunciados com base nos valores de verdade

e na criação dos outros enunciados envolvidos na suposta conversação.

O autor subdivide a modalidade em declarativa, representativa,

declarativa-representativa, expressiva, compromissiva e diretiva.

Pautados na teoria mencionada especificamos cada uma dos tipos de

modalidade.

A modalidade declarativa consiste no fato de os enunciados serem

comprometidos com a transparência ou com a verdade do discurso. A

representativa envolve a provável verdade do enunciado; a declarativa-

representativa tem a posse da fé pública. Há uma mesclagem da

declaração e da representação num enunciado com o tom da verdade e da

responsabilidade pelos fatos. A expressiva tem o caráter afetivo na

expressão de juízos de valor do emissor em relação a estados das coisas

ou entidades participantes do discurso. A compromissiva envolve o

comprometimento do emissor diante do enunciatário que se refere a uma

obrigação, a cumprir algo no futuro. Por fim, a diretiva se refere a um

enunciado com intuito de conduzir o receptador a um comportamento ou a

concordância com sua explanação. Nesse tipo de modalidade existe uma

gradação de imposição do emissor que vai desde uma ordem aos

requerimentos e pedidos.

Pinto (1994) afirma que a modalidade dos enunciados compreende

a incidência de dicto, ou seja, as relações lógicas semânticas entre valores

Page 18: Funcionalismo em perspectiva

20

modais; temos entre os valores modais as seguintes modalidades:

ônticas, aléticas, epistêmicas, deônticas e axiológicas.

As modalidades ônticas são realizadas com a manifestação do ser

humano em enunciados com factualidade, contrafactualidade, hipótese e

não-factualidade. Segundo Pottier (2000), nessas modalidades ônticas,

que o autor chama de factuais o sujeito enunciador fala de intenções em

relação o seu “dizer” e ao seu “fazer” utilizando seu “poder” e o seu

“dever”.

“Todo enunciado com modalidade enunciativa de declaração é

onticamente factual” (Pinto, 1994, p.102).

As modalidades aléticas são expressas em enunciados declarativos

pelos adjetivos “necessário”, “possível”, “impossível” e por substantivos,

verbos e advérbios. Já Pottier afirma que a modalidade alética é a

modalidade que se refere ao possível, ao necessário e revela a forma

independente de o sujeito enunciador se manifestar em relação ao que

enuncia. Baseado em Neves (1996) tal modalidade é mais relacionada

com a verdade, contudo a possibilidade de verdade no discurso. Isto é, de

acordo com intenções do falante, pode haver ou não enunciados com

conteúdos realmente verdadeiros ou parcialmente verdadeiros e até não-

verdadeiros.

Já as modalidades epistêmicas são encontradas na modalidade

enunciativa de representação (Pinto, 1994: p.107), indicando os sentidos

certo, plausível, excluído e contestável. Entretanto Pottier diz que, na

modalidade epistêmica, o sujeito enunciador transforma o seu

pensamento em palavras através do seu croire (crer) e o seu savoir

(saber). De acordo com Neves (2006), ela refere-se à apreciação do

falante no que tange a uma proposição ser ou tornar-se verdadeira.

As modalidades deônticas ocorrem em enunciados com modalidade

diretiva e são transmitidas por verbos auxiliares modais, pelo modo

imperativo, indicativo e subjuntivo, sendo que o primeiro é proferido com

Page 19: Funcionalismo em perspectiva

21

a modalidade deôntica facultativa, o segundo indica obrigação ou

proibição e o terceiro marca permissão ou facultatividade (Pinto 1994). De

acordo com Neves (1996) esta modalidade implica mais em controle do

enunciado em relação aos valores de permissão, obrigação e volição. Os

valores deônticos subdividem-se tradicionalmente em valores de

obrigação e valores de permissão. As modalidades axiológicas são as

modalidades baseadas no valor, entendido em termos de presença ou de

juízos conforme Pinto afirma em sua teoria. Já para Pottier o sujeito

enunciador valoriza suas palavras em torno do vouloir (querer) e do valoir

(valer). Nesse artigo enfocaremos a função interpessoal e objetaremos

sua análise a partir dos tipos de modalidade apresentados.

Metodologia

Para tal pesquisa foi utilizado o discurso politico da atual presidente

em processo de campanha, disponível no site

http://mais.uol.com.br/view/n8doj4q93lke/eu-quero-ser-presidente-do-

brasil, visto este demostrar melhor o caráter de persuasão e

convencimento do discurso politico. O corpus será composto por trechos

do discurso de Dilma Rouseff que apresentam a modalidade deôntica.

Análise do Corpus

No discurso político, observa-se que cada partido volta-se, direta

ou indiretamente, para um determinado “público”, que pode ser

representado pelas classes mais baixas ou mais altas. Objetivando

agradar tal classe, bem como persuadir essa classe a concordar com suas

ações, semioticamente o partido assume essa relação com seu

determinado público no seu próprio slogan ou na sua bandeira, como é o

caso do PT. Geralmente a presidente Dilma Rousseff inicia seus

pronunciamentos com o seguinte vocativo: “minhas amigas e meus

amigos,” uma forma de aproximação com seu público, o eleitor brasileiro,

ou seja, está presente o uso da função interpessoal. Não podemos

esquecer que o presidente anterior utilizava-se do mesmo método

Page 20: Funcionalismo em perspectiva

22

iniciando seus pronunciamentos com um vocativo similar “companheiros e

companheiras”, tal uso remete ao emissor mais do que só receptor do

determinado enunciado atribui semanticamente à característica de amigo,

conhecido. Uma aproximação maior que sugere a interpretação de

preocupação e real interesse pelos problemas do receptor. Com relação ao

PT, Partido dos Trabalhadores, observa-se que o grande apelo do partido

direciona-se às “massas”, à classe operária, aos trabalhadores brasileiros.

Na obra relacionada à Análise do Discurso, Michel Pêcheux define o

que é formação discursiva, de modo que a mesma refere-se ao que em

uma determinada formação ideológica determina o que pode ou não ser

dito numa situação específica (BARONAS, 2004).

No seu primeiro discurso, Dilma Rousseff faz uso da linguagem

formal, porém compreensível ao público brasileiro em geral. No decorrer

de sua enunciação, ela vai se adequando verbalmente à situação de

comunicação na qual está inserida.

Análise I

“Companheiras e Companheiros do meu partido,

A minha emoção é muito grande. Mas a minha alegria também é muito grande

por esta festa estar tão cheia de energia, tão cheia de confiança e esperança. Sei que

esta festa não é para homenagear uma candidata. Aqui nós estamos celebrando, em

primeiro lugar, a mulher brasileira. Aqui se consagra e se afirma a capacidade de ser, de

fazer da mulher brasileira.

Em nome de todas as mulheres do Brasil, em especial, da minha mãe e da

minha filha, recebo essa homenagem e essa indicação para concorrer à Presidência da

República. Ser a primeira mulher presidente do meu País é o que eu almejo. É também

em nome delas que eu repito, eu abraço essa missão deferida pelo meu partido, o

Partido dos Trabalhadores, e pelos partidos da nossa coligação que hoje estão aqui

presentes.”

Nota-se que o discurso proferido inicia-se com “companheiros e

companheiras”, o que, segundo as teorias explanadas no decorrer do

artigo acerca aos tipos de modalidade, situa-se na modalidade declarativa.

Além disso, semanticamente ela se pauta na figura da mulher, dando uma

Page 21: Funcionalismo em perspectiva

23

maior importância ao fato de que poucas mulheres ao redor do mundo

alcançaram à presidência. O uso de tal figura é uma ferramenta

interdiscursiva com objetivo de se aproximar de um novo público-alvo, no

caso o público feminino brasileiro. Além disso, è buscada uma forma de

aproximação com suas eleitoras, uma vez que a mesma é uma figura

feminina e assim coloca-se no mesmo grupo que seu público feminino.

Sua condição de mulher torna a ser inserida no discurso, para

reforçar a construção da sua eloquência no que condiz ao seu otimismo

acerca da vitória conquistada “pelas mulheres brasileiras”. Assim, como

reforça a verdade no seu enunciado, vemos presente a modalidade

declarativa além da expressiva.

Análise II

“O nosso presidente Lula mudou o Brasil. E o Brasil, por causa dessa mudança,

quer seguir mudando. A continuidade que o Brasil deseja é a continuidade da mudança,

que é isso que nós conseguimos mudar. É seguir mudando para melhor, mudando para

melhor o emprego, a saúde, a segurança, a educação.

É seguir mudando com mais crescimento e inclusão social. É seguir mudando para

que outros milhões de brasileiros saiam da pobreza e entrem na classe média, como nós

conseguimos durante o governo do nosso presidente Lula.”

Novamente citamos a eloquência do locutor, que vai apresentando

gradativamente os valores positivos acerca do desenvolvimento do país,

nisso ela apresenta um argumento de consenso com base em provas

concretas dos feitos do governo anterior. Além disso, o locutor utiliza-se

do verbo “desejar”, mostrando o valor de volição na carga semântica do

contexto, no qual o verbo foi utilizado. Neste trecho pode-se notar a

intenção do locutor em atrair o receptor, bem como relembrar ações

passadas para que este concorde com suas idéias e, além disso, o apóie.

Evidencia também as responsabilidades e informações acerca do governo

e partido através de suas afirmações, ao qual o enunciador pertence.

Vale salientar que a preocupação do enunciador acerca das

interpretações surgidas no receptor é aparente e identificável. Espera-se

Page 22: Funcionalismo em perspectiva

24

que enunciatário reaja de forma positiva a tal enunciado. Se

considerarmos o verbo “desejar” como tendo o mesmo valor de um verbo

modal, podemos afirmar que o locutor nesse trecho utiliza-se da

modalidade na sua forma restrita. O enunciador continua utilizando a

modalidade declarativa, uma vez que esta é comprometida com a verdade

e transparência. Para tanto, o produtor do enunciado analisado apresenta

exemplos e fatos que podem ser comprovados e, portanto, são

verdadeiros. Além disso, está presente a modalidade declarativa-

representativa, pois o mesmo enunciado apresenta uma mesclagem da

declaração e da representação num enunciado com o tom da verdade e da

responsabilidade pelos fatos.

Além das duas modalidades citadas em nossa análise, consideramos

também a modalidade expressiva, já que o trecho tem o caráter afetivo

na expressão de juízos de valor do emissor em relação a estados das

coisas ou entidades participantes do discurso, no caso, o governo

brasileiro.

Análise III

“Mas, para ampliar o que nós conquistamos, precisamos reforçar” (linha 84)

“Esse trabalho terá como prioridade” (linhas 89-90)

“Mas é também preciso dar aos professores uma remuneração condizente com a

importância deles.” (linhas 94-95)

“É importante, companheiros, que os nossos professores, sobretudo, sejam

respeitados.” (linha 96)

“É necessário qualificar o ensino universitário” (linha 104)

“Quero dizer para vocês uma coisa: se eleita presidente, eu vou liderar sem

descanso esse progresso. Esse processo de levar a educação a todos os brasileiros e

brasileiras.” (linhas 108 e 109)

Neste trecho o locutor utiliza-se da modalidade alética, que é

expressa em enunciados declarativos pelos adjetivos “necessário”,

“possível”, “impossível”. Como se nota, no inicio de cada enunciado temos

um desses adjetivos. Assim como se percebe semanticamente além da

promessa, conseqüência da condição, expressado na partícula “se”, há a

Page 23: Funcionalismo em perspectiva

25

obrigação e o comprometimento do locutor com o receptor, dessa forma

apresenta-se a modalidade compromissiva. Assim, observa-se que uma

das principais pressuposições que moldam o discurso político, nesse caso,

é a de que o voto deve ser conquistado, o locutor nesse discurso necessita

inspirar confiança, simpatia e credibilidade no seu interlocutor,

Vale salientar o uso do verbo modal “querer”, utilizado na primeira

pessoa do discurso, a marca deôntica para reforçar a vontade e obrigação

do locutor para com o receptor. Refere-se a uma obrigação, a cumprir

algo a ser feito no futuro. Nesse caso, o uso da modalidade novamente foi

o uso restrito, de acordo com Lock (1996).

Por fim, apresenta-se a diretiva que se refere a um enunciado com

intuito de conduzir o receptador a um comportamento ou a concordância

de sua explanação, nesse caso, a eleição do sujeito enunciador. Nesse tipo

de modalidade existe uma gradação de imposição do emissor que vai

desde uma ordem aos requerimentos e pedidos. Apresentados em cada

enunciado no qual o respectivo produtor argumenta acerca das

necessidades do país.

É importante citar que, no decorrer de seu discurso a autora do

mesmo utiliza-se do argumento de competência lingüística, isto é, apesar

da adequação verbal feita pelo locutor para atingir os públicos

pertencentes à todas as classes sociais, o mesmo obteve sucesso no uso

formal e culto da língua, conferindo confiabilidade e veracidade ao que se

diz na situação de comunicação no qual o texto analisado está inserido.

Ocorrência referência valor Forma 1 Companheiras e Companheiros do meu partido

Analise I declaração substantivos

2. Aqui se consagra e se afirma a capacidade de ser, de fazer da mulher brasileira.

Analise II capacidade Substantivo

3. É seguir mudando para melhor, mudando para melhor o emprego, a saúde, a segurança, a

Analise III desejo Verbo seguir

Page 24: Funcionalismo em perspectiva

26

educação. 4. A continuidade que o Brasil deseja é a continuidade da mudança, que é isso que nós conseguimos mudar

Analise III obrigação Verbo desejar

5“É importante, companheiros, que os nossos professores, sobretudo, sejam respeitados.” (linha 96) “É necessário qualificar o ensino universitário” (linha 104)

Analise IV necessidade Adjetivo necessário

Considerações Finais

A modalidade está inserida constantemente em nossos enunciados,

em nosso cotidiano, e assim nos discursos políticos de propagandas,

entrevistas ou pronunciamentos políticos, sendo este um campo vasto

para estudo tanto da modalidade como da semântica, semiótica e da

analise do discurso. Exprimir e escolher palavras para atingir a intenção

pretendida através de um enunciado pelo enunciador acontece desde

primórdios do uso da eloquência e da oratória. O convencimento e a

concordância do receptor foram almejados pelos grandes oradores gregos

e esperados por todo sujeito enunciador, e existem formas para camuflar

as intenções e as possíveis verdades de um texto.

O uso das modalidades é o meio de atingir tal intuito. Usando-a

como recurso para persuasão e convencimento, não só os políticos

conseguem a corroboração de muitos eleitores com suas idéias, mas

qualquer falante possui o poder para moldar seus enunciados de acordo

com suas intenções. O objetivo desse artigo foi apresentar de forma geral

o que são essas modalidades e como estas podem e são utilizadas no

Discurso Político. Dessa forma, os usos da modalidade e das marcas dessa

modalidade no Discurso Político revelam a intenção do político de

promover a atitude de concretizar o ato de votação do eleitor, almejando

vantagens e a concordância do mesmo com suas idéias.

Page 25: Funcionalismo em perspectiva

27

REFERÊNCIAS

BRITTO, Vanessa da Silva. As Marcas da modalidade em publicidade. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/iiijnlflp/textos_completos/pdf/As%20marcas%20de%20modalidade%20na%20Publicidade%20-%20VANESSA.pdf>.

DISCURSO DE DILMA ROUSSEFF NA CONVENÇÃO DO PT. Disponível em: < http://mais.uol.com.br/view/n8doj4q93lke/eu-quero-ser-presidente-do-brasil 040299396EDCA113A6?types=A&>.

HALLIDAY, M. A. K. As bases funcionais da linguagem. In: DASCAL, Marcelo. Fundamentos metodológicos da lingüística. São Paulo: Global, 1978.

LOCK, Grahan. Functional English Grammar: na introduction for second lenguage teachers. Cambridge: Cambridge Language Education, 1996.

NEVES, Maria Helena de Moura. A modalidade. In: KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça (org.). Gramática do português falado. Campinas: UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1996.

PINTO, Milton José. As marcas lingüísticas da enunciação: esboço de uma gramática enunciativa do português. Rio de Janeiro: Numen, 1994.

4 Estudos das modalidades. Disponível em: <www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510575_06_cap_04.pdf>.

Page 26: Funcionalismo em perspectiva

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SEÇÃO 3

GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO

Page 27: Funcionalismo em perspectiva

29

GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO

Paulo André Lucena ALVES¹

INTRODUÇÃO

A abordagem tradicional, através de suas normas, limita-se a

prescrever o fenômeno da gradação apenas em nível lexical, ou seja, no

grau dos substantivos, adjetivos e advérbios, numa perspectiva

semântico-formal, deixando a abordagem discursivo-funcional de fora.

Considera-se, neste artigo, que este fenômeno está para além do uso

formal da língua e do nível vocabular, desempenhando um papel

importante na interação entre interlocutores, na construção e organização

do texto.

O objetivo desse trabalho é, portanto, mostrar e discutir como o

uso da gradação se constrói no discurso, com valores além daqueles

propostos pela norma culta, atentando para uma visão funcional na qual,

segundo Halliday (1976; 1985), a gradação se relaciona às funções

ideacional, textual e interpessoal, apresentando explicações para a

realização desses processos conforme será demonstrado. Dessa forma

pode-se obter uma compreensão melhor da linguagem.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Parte-se da interpretação de Halliday sobre função. Ele explica e

divide as funções da linguagem, denominando-as metafunções, que são

três: a ideacional, a textual e a interpessoal. A ideacional diz respeito à

forma como o falante manifesta seu conteúdo, ao seu aspecto cognitivo e

ao mundo experiencial com o qual, este se relaciona. É através dessa

função que ele é capaz de operar e entender cada ato linguístico,

transportando para a língua a realidade que o cerca. Através da

Page 28: Funcionalismo em perspectiva

30

linguagem, o indivíduo também organiza seus conhecimentos,

experiências e idéias, assim como a maneira de ver as coisas. Em um

segundo momento, Halliday distingue dois subcomponentes inseridos na

função ideacional: o experiencial e o lógico. O primeiro permite a

interseção entre a linguagem e a participação do indivíduo no mundo

experiencial. Já o segundo subcomponente “corresponde à expressão de

estruturas linguísticas recursivas, derivadas apenas indiretamente da

experiência” como explica José Romerito em seu artigo.

A segunda função é a interpessoal, que está ligada às relações

sociais. Ela revela como se realiza a interação entre seus participantes e o

que é produzido entre estes a cerca do discurso. Nesta função, a

linguagem se apresenta como instrumento de interação e de formação da

personalidade dos indivíduos, como participantes de um determinado

grupo social. Dentro desta função são diagnosticados dois componentes

que, segundo Marmelotta (1996 p.204), se dividem em: de orientação

para o falante, que expressa a posição deste em relação àquilo que fala, e

o de orientação para o ouvinte, que manifesta a intenção do falante em

atuar sobre o ouvinte no ato comunicativo, dando-lhe pistas para que

decifre seu discurso e ao mesmo tempo monitorando as informações,

além de dirigi-lo para um entendimento desejado.

E por fim, a função textual. Ela se relaciona com a própria

linguagem, através de elementos presentes no texto e de sua organização

nas diversas situações. O indivíduo é capaz de determinar quais são os

elementos necessários para cada tipo de discurso, quais as regras de

transitividade, os conectores adequados, etc., numa cadeia de sentenças.

Esses elementos se apresentam de forma coerente e coesiva.

METODOLOGIA

Foram selecionadas e analisadas 80 ocorrências retiradas do corpus

Discurso & Gramática da língua falada da cidade de Natal, constituídas por

vários tipos de gradativos que se encaixam na pesquisa proposta. Em uma

Page 29: Funcionalismo em perspectiva

31

primeira etapa essas ocorrências foram coletadas em seu contexto e, em

seguida, categorizadas, observando-se os fatores dos intensificadores:

tipo (superlativo absoluto, relativo, comparativo, aumentativo e

diminutivo); expressão (morfológica prefixal, sufixal, uso de advérbios,

repetições de um nome, redundância quando aparecer em mais de uma

forma, locuções); sentido (dimensional ou afetivo) e base (substantivo,

adjetivo e advérbio). Em uma segunda etapa, foram calculadas as

frequências desses gradativos em cada fator, avaliadas as relações que

estabelecem entre si, para, finalmente, a partir da análise desses dados,

chegar-se a alguns resultados.

ANÁLISE DOS DADOS

Inicialmente, pretende-se analisar a ocorrência da gradação na

língua falada. É possível demonstrar que o discurso oral, por ser

conduzido livremente entre interlocutores, mantenha uma carga informal

e/ou afetiva muito mais recorrente em relação à língua escrita e,

portanto, utiliza-se da exposição de vários níveis de gradação como

demonstrado no desenvolvimento desse trabalho.

De acordo com a visão de Halliday (1976), através da função

ideacional, o falante “incorpora na língua a sua vivência com os

fenômenos da realidade que o cerca”. Sendo assim, por que não dizer

que, o uso da gradação nada mais é do que a expressão da forma como o

falante vê o mundo, a forma como ele apreende e se relaciona com a sua

realidade?

Outro ponto importante se baseia na função interpessoal, que se

refere às relações sociais: “a linguagem se caracteriza propriamente não

só como instrumento de interação, mas também contribui na

manifestação e desenvolvimento da personalidade dos indivíduos como

participantes de um determinado grupo social” (p.137)

Page 30: Funcionalismo em perspectiva

32

Ao interagirem, os interlocutores modalizam seu discurso, a eles

intrinsecamente ligado, adotando a intensificação, sobretudo na língua

falada, pois esta sugere certa informalidade.

Os números, ainda que, de forma pouco representativa, revelam,

por exemplo, a preferência do falante pelo uso do superlativo absoluto

com prefixação, como se pode observar na tabela abaixo.

Tabela 1

prefixo sufixo advérbio repetição redundância locução outros total

superlativo absoluto 23 1 8 0 6 2 1 41

superlativo relativo 0 0 1 0 0 1 0 2

comparativo 0 0 1 0 0 0 0 1

aumentativo 0 2 1 0 1 0 0 4

diminutivo 0 26 1 0 5 0 0 32

total 23 29 12 0 12 3 1 80

Seguem alguns exemplos:

(1) “... também muito bem feito né? [a cirurgia plástica] o

médico lá era ... era muito bom ...”

Neste primeiro exemplo, em uma entrevista informal, na qual o

informante relata sobre seu acidente e posterior intervenção corretiva, ele

intensifica esse episódio, pois o considera em um nível superior ao de um

fato quotidiano, conforme explica José Romerito em seu artigo: “o

emprego do grau intensivo relaciona-se à expressão da idéia de

encarecimento, atribuída a uma determinada realidade, em que esta é

considerada em um nível além da situação normal.”

Isto é percebido pela ênfase dada quando se refere ao sucesso da

cirurgia. Certamente ele apreciou o resultado final e quer convencer ou

ouvir, também, a opinião de seu interlocutor, em conformidade com a

função interpessoal de Halliday.

Page 31: Funcionalismo em perspectiva

33

Observa-se, também, de acordo com a tabela abaixo, que as

ocorrências deste superlativo verificam-se, sobretudo, em adjetivos e em

alguns advérbios, quer sejam de sentido afetivo, quer de dimensão.

Tabela 2

Provavelmente, a maior incidência se dá sobre os adjetivos porque

o falante tem intenção de potencializar seu valor semântico, utilizando-se

do fenômeno da gradação e, ao fazê-lo, ele parte do princípio de que sua

realidade se encontra além da situação normal. Segue outro exemplo:

(2) “as salas do... do... do primeiro prédio [...] não são muito

boas não... apesar de ser limpinhas e tudo bem

conservado...”

Como se pode perceber, neste ultimo exemplo, o informante

demonstra que as salas encontram-se em condições diferentes daquela

que ele considera normal e, por isso, ressalta a sua descrição.

O diminutivo é outra forte marca de intensificação, conforme

exposto na tabela 1. O falante também o usa ao interagir, porém,

diferente do superlativo absoluto, cujas manifestações são mais

frequentes no adjetivo, o diminutivo se realiza, também, nos substantivos

e até nos advérbios, segundo a tabela a seguir.

Tabela 03

substantivo adjetivo advérbio total

superlativo absoluto 2 31 9 42

substantivo adjetivo advérbio total

dimensional 9 24 9 42

afetivo 11 24 3 38

total 20 48 12 80

Page 32: Funcionalismo em perspectiva

34

superlativo relativo 1 1 0 2 comparativo 0 0 1 1 aumentativo 3 1 0 4 diminutivo 13 12 6 31

total 19 45 15 80

Nesse próximo exemplo, ao narrar um filme, o informante atenta

para o padrão de beleza que já possui cognitivamente como referência, e

procura resgatá-lo através de seu pronunciamento sobre a personagem.

Isso está relacionado à função ideacional.

(3) “aí o menino que era muito fofinho ... muito bonitinho (...)

tava na ... intertido lá con/ conversando lá dizendo brincadeira...”

Estes outros exemplos trazem a intensificação do substantivo e do

advérbio:

(4) “... o pai deles [dos meninos] iam pra casa do velho lá... tomar

uma cervejinha...”

Neste trecho acima, o informante continua narrando uma cena do

filme. O fato de ele usar o diminutivo para a palavra cerveja não é por se

tratar de um objeto de dimensões pequenas, mas pela afetividade com

que se refere a um elemento que faz parte de uma tradição de sua

cultura, da realidade que o cerca.

No próximo fragmento, o informante relata uma viagem que fez e

opta por usar também o diminutivo em um advérbio. Ele quis enfatizar,

com essa intensificação, que o período já havia transcorrido e estava

chegando ao seu fim. Era o final da tarde.

(5) “foi na volta [da cidade]... é:: à tardezinha aí ... a gente ia

num ... num jipe né...”

Page 33: Funcionalismo em perspectiva

35

Há também casos de ocorrência da gradação com o uso de

redundâncias, ou seja, o uso de mais de um termo com valor

intensificador. O falante procura dar ênfase superelevada ao enunciado.

Neste exemplo, ao ensinar uma receita culinária, o informante tem

a preocupação de que seu ouvinte não perca nenhum detalhe do passo a

passo da preparação da iguaria gastronômica.

(6) “quando tiver já bem assim um pouco consistente [a mistura

da receita]... aí eu tiro a colher e mexo com as mãos né?”

Neste outro trecho, o informante relata um preeminente desastre

em uma cena de um filme. A vítima seria um garoto.

(7) “o menino ia atravessar a rua e vinha um carro... era bem

pequenininho aí chegaram na ... na ... na .... e gritaram pelo

menino”

Esta última construção é a combinação de quatro elementos

intensificadores: o prefixo adverbializado bem, a palavra pequeno e o seu

grau diminutivo nininho, duas vezes intensificado, pois poderia bastar

pequenino. Talvez o informante tenha pensado na ingenuidade e

vulnerabilidade a que a criança estava exposta e, portanto, usou todo

esse conjunto de palavras para se expressar. Pode-se deduzir também

que o informante usou os gradativos por querer exprimir uma carga

afetiva ao menino.

É o que acontece no próximo trecho, retirado de uma narração:

(8) “bem... eu vou falar sobre uma cidade que se chama Espírito

Santo... ela se localiza próximo a Goianinha... nessa região Oeste...

é uma cidadezinha pequenininha... poucos habitantes...”

Page 34: Funcionalismo em perspectiva

36

O próximo trecho, narrado pela informante, é o relato da

demonstração que recebera de um experimento químico realizado por um

professor em um laboratório.

(8) “ele [o professor] me mostrou uma coisa bem interessante

que... pegou um béquer com meio [litro] d'água e colocou um

pouquinho de cloreto de sódio pastoso... então foi aquele fogaréu

desfilando... aquele fogaréu...”

Pode-se deduzir que o procedimento causou uma impressão muito

forte na informante. Ela utilizou, inicialmente, o pronome demonstrativo

aquele que neste caso há o valor semântico gradativo de superelevação

do substantivo a que se refere. Em seguida, o próprio substantivo fogo

sofre a gradação aumentativa. Achando que não tinha expressado a

intensidade do fogo a contento, ela repetiu o a expressão intensificadora,

procurando transmitir o mesmo assombro que teve ao seu ouvinte.

É o que Martelotta falou sobre a orientação para o ouvinte, como já

apresentado acima. Trata-se de um dos componentes da função

interpessoal. É a intenção do falante em atuar sobre o ouvinte a fim de

dar-lhe as “pistas” do discurso, bem como dirigir seu comportamento para

um determinado fim.

Portanto, é provável que a intenção da informante, ao relatar o

experimento com o fogo, fazendo-o por meio de intensificadores, era

manipular o comportamento do entrevistador para que esse fosse

cúmplice das mesmas sensações vividas no instante da queima dos

produtos químicos.

Este último exemplo mostra um bloco de intensificadores. Trata-se

de uma informante que ensina uma receita, como preparar um peixe.

(9) “... então eu pego essa panela e boto com óleo... deixo esse

óleo ficar bem quente... bem quente mesmo (...) eu coloco essa

posta de peixe... eu coloco pra fritar...”

Page 35: Funcionalismo em perspectiva

37

A informante utilizou o advérbio bem, repetiu a expressão e, ao

final, acrescentou a palavra mesmo. A intenção era comunicar qual a

temperatura ideal do óleo para se obter uma boa fritura, e ela o fez

utilizando-se de intensificadores.

A partir da pesquisa realizada, dos dados e da análise desses

trechos, pode-se constatar que o uso da gradação não está restrito a

convenções ou regras gramaticais, mas se constrói no discurso, na

interação de seus participantes. As situações e os contextos proporcionam

à língua falada, na maioria das vezes, certa motivação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste artigo, tentou-se flagrar as manifestações da

gradação na língua oral, numa perspectiva funcionalista, mostrando que

não se trata, apenas, de aspectos semânticos e formais da tradição ou

que se limite ao nível lexical, no grau dos substantivos, adjetivos e

advérbios, mas utilizou-se dos fundamentos teóricos de Halliday para

explicar alguns processos que se realizam durante a conversação e a

escolha do falante com respeito ao uso dos intensificadores em uma visão

funcionalista.

As suas principais contribuições utilizadas para analisar as

ocorrências de intensificadores na língua oral foram, o que ele chama de

metafunções: ideacional, interpessoal e textual. Neste trabalho, abordou-

se, principalmente, as duas primeiras funções para explicar a relação

entre o falante e seu mundo experiencial e a relação entre os próprios

interlocutores. No entanto, a função textual também se configura na

perspectiva de atender às demandas das demais funções.

Os dados coletados não representam uma quantidade ideal para se

chegar a um resultado concreto e satisfatório a respeito do uso da

gradação. Os informantes, apesar de serem de sexos diferentes, são da

mesma cidade, o que poderia significar que é um fenômeno isolado. Além

Page 36: Funcionalismo em perspectiva

38

disso, não foi feita uma comparação com a língua escrita, a fim de

verificar se nela existem as mesmas ocorrências ou se é um fenômeno

exclusivo da língua falada.

Ainda não é possível estabelecer, dada a grandeza teórica do

assunto e uma pesquisa muito restrita, se esse fenômeno se realiza de

maneira homogênea entre todos os falantes, sejam homens ou mulheres,

jovens ou adultos, de uma classe ou de outra. Este trabalho apenas paira

sobre a superficialidade dos fatos, mas que poderá contribuir de maneira

significativa para a compreensão da linguagem, vista de forma para além

dos limites de uma gramática normativa e prescritiva, mas para uma

visão panorâmica de cunho discursivo-funcional.

REFERÊNCIAS

HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London:

Edward Arnold, 1985.

MARTELOTTA, M. E. Gramaticalização em operadores argumentativos. In:

________.; VOTRE, S. J.; CEZARIO, M. M. (Orgs.). Gramaticalização no

português do Brasil: uma abordagem funcional. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1996. p. 191-220.

SILVA, José Romerito da. A intensificação numa perspectiva funcional.

Page 37: Funcionalismo em perspectiva

39

SEÇÃO 4

A GRADAÇÃO NA WEB

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40

POR UMA PERSPECTIVA FUNCIONAL: A GRADAÇÃO E O

SEU USO NAS REDES SOCIAIS

Áurea Virginia Xavier de ARAÚJO9 Juliane de Sousa ELESBÃO

Resumo: Este artigo trata da gradação e de como ela se apresenta nas redes sociais. Para tanto, coletamos dados de sites como Orkut e Facebook e, a partir daí, analisamos as ocorrências por um viés funcional. Dessa forma, identificamos indícios de afetividade, dimensionalidade, entre outros, além de observar seus aspectos semânticos e qual grau de intensidade (crescente/decrescente) é mais frequente nesse ambiente virtual e de interação. Palavras-chave: gradação, redes sociais, afetividade Introdução

A gradação é um fenômeno lingüístico bastante recorrente, tanto

na fala quanto na escrita, na qual se encontram presentes indícios de

subjetividade, julgamentos, valores, entre outros, expressos através de

marcas lingüísticas, como, por exemplo, sufixos, repetições, leves

comparações, entre outros. Entretanto, verifica-se a reprodução de tal

recurso lingüístico na Web, especialmente em redes sociais,

caracterizados pela interconexão e interação entre inúmeras pessoas, as

quais compartilham experiências, trocam idéias, constroem

relacionamentos, reencontram pessoas, dentre outros exemplos,

utilizando-se de várias semioses, especialmente os da escrita, para se

comunicarem com outras pessoas.

Este trabalho limitou seu corpus aos scraps (recados trocados entre

os usuários) do Orkut e Facebook. De forma geral, nosso objetivo é

analisar esse corpus verificando a subjetividade dos indivíduos, os

julgamentos, os indícios de afetividade, seus aspectos semânticos e o

modo como eles são apresentados, ou seja, de que forma os usuários

utilizam, ou operam, os recursos da gradação para interagirem. Adotamos

9 Alunas de graduação do curso Letras - Universidade Federal do Ceará - Fortaleza - Ceará.

Page 39: Funcionalismo em perspectiva

41

uma perspectiva funcionalista pelo fato de as ocorrências de gradação em

nosso corpus possuírem como base determinados propósitos

comunicativos, ou seja, por desempenharem certas funções, devido à

situação de interação, alicerçados, por tendências subjetivas oriundas dos

interlocutores, o que acarreta em mudanças na estrutura gramatical da

língua, como se afirma na seguinte citação:

O pólo funcionalista caracteriza-se pela concepção da língua como um instrumento de comunicação, que, como tal, não pode ser analisada como um objeto autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical. (MARTELOTTA; AREAS, 2003, p.22)

Para tanto, a priori, mostraremos como se deu o andamento da

coleta do corpus e a metodologia empregada neste trabalho; discutiremos

o conceito de gradação e seus processos para, posteriormente,

estudarmos os dados coletados e, por fim, apresentarmos conclusões

acerca do referido fenômeno e sua manifestação na Web.

Metodologia

Partindo da busca do corpus em scraps das redes sociais,

especificamente, do Orkut e do Facebook, utilizou-se nesse trabalho o

método de análise comparativo-descritiva, após a identificação da

gradação nos dados coletados

Para alcançar os objetivos deste trabalho, atentamos para uma

pesquisa exploratória e inscrevemo-nos numa perspectiva qualitativo-

interpretativa, além de preferirmos fazer um estudo geral dos dados em

detrimento de procedimentos quantitativos de análise.

Selecionamos um corpus composto de frases enviadas em forma

de scraps, do Orkut e Facebook, que apresentavam algum exemplo de

gradação. A busca pelos exemplos que constituíriam o corpus realizou-se

da seguinte maneira: 1) os pesquisadores, com contas pessoais nos sites

de relacionamentos Orkut e Facebook, acessavam o scrapbook de outros

usuários das referidas redes sociais de forma aleatória, a fim de identificar

alguma ocorrência de gradação em seus recados; 2) após essa coleta,

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42

categorizamos os dados com o propósito de facilitar nosso estudo, para

que pudéssemos perceber em qual forma (crescente/decrescente) a

gradação ocorria com maior freqüência e de observar quais estratégias os

usuários utilizavam para se expressarem em relação ao outro. Além disso,

atentamos também para os indícios de afetividade, dimensionalidade,

conceitos pertencentes a uma memória coletiva, etc.

Dessa forma, após a apresentação da condução da análise feita

acerca dos dados coletados para esta pesquisa, sigamos para o estudo em

si e das reflexões acerca do fenômeno da gradação em scraps da Web.

A Gradação e suas Implicações

De acordo com a gramática de Cunha & Cintra (2008), a gradação

consiste nos graus dos adjetivos, dos substantivos e dos advérbios,

apresentando-se, na língua portuguesa, por processos sintáticos e

morfológicos. Vale ressaltar que nessa gramática, bem como na maioria

delas, tal abordagem tende ao padrão culto da língua, restringindo-se ao

nível morfossintático e lexical. Entretanto, tal concepção nos será útil para

fins didáticos, com o propósito de facilitar a compreensão concernente ao

referido fenômeno.

O uso da gradação estará ligado a determinado propósito

comunicativo. Ademais, tem-se o valor estilístico da gradação, o que nos

permite qualificar, caracterizar, tantos os seres quanto os objetos. No

nosso caso, observamos que prepondera a qualificação dos seres, visto

que os dados coletados são oriundos de páginas que contem perfis de

usuários, isto é, indivíduos que estão em interação, portanto, o fenômeno

da gradação, geralmente, se refere à outra pessoa e não a um objeto.

Por outro lado, baseando-nos em autores como José Romerito

Silva, Carla Maria de Oliveira e Giselda Costa, além de leituras do livro

Linguística Funcional: teoria e prática (2003)10, veremos que o uso de tal

fenômeno estará ligado também a um contexto maior e que não se

10 Ver referência completa na bibliografia deste trabalho.

Page 41: Funcionalismo em perspectiva

43

restringe somente ao léxico. A subjetividade, a afetividade, entre outros,

também motivam a utilização da gradação e dos recursos usados para

manifestá-lo. Tratando da intensidade por um viés funcional, José

Romerito de Sousa afirma que:

(...) um olhar mais atento sobre a atribuição de intensidade no discurso, verificará que esta não se limita tão somente à manifestação de conteúdo cognitivo, tampouco se restringe apenas ao nível vocabular. Também se relaciona com determinadas estratégias de organização informacional do texto, estendendo-se, algumas vezes, para além dos limites lexicais, bem como desempenha papel indispensável no jogo interativo estabelecido entre os interlocutores.11 (SOUZA, 2008)

Pode-se trazer o pensamento acima para a gradação de um modo

geral, pois esta se serve de termos, repetições, morfemas, por exemplo,

que intensificarão ou não seu grau. Isto implica, necessariamente, ao

propósito comunicativo de quem está enunciando e que está atrelado à

sua subjetividade, a sua capacidade de organizar as idéias, do modo como

esse enunciador vai operar os recursos possibilitados pela língua, entre

outros. Tal manifestação indicará o valor de juízo, afetividade,

dimensionalidade, desempenhando uma função específica no contexto em

que ele se encontra, além de apresentar a progressão/regressão presente

no próprio enunciado.

É sabido que o modo como a gradação se apresenta na escrita e na

fala não será tal qual no ciberespaço. Haverá semelhanças, mas são

verificáveis algumas diferenças. A partir de então, partiremos para as

análises a fim de discutir acerca das formas de como a linguagem pode

ser tratada e que papel funcional ela desempenha no espaço virtual de

interlocução, além de verificar qual progressão (crescente/decrescente) é

predominante no espaço virtual, especificamente, no Orkut e no

Facebook.

Análise do Corpus

11 Esse trabalho encontra-se disponível em:

http://www.cchla.ufrn.br/odisseia/numero1/arquivos/LINO1_PT03.pdf

Page 42: Funcionalismo em perspectiva

44

A priori, a gradação estará vinculada à expressão de uma idéia

acerca de algo da realidade. Entretanto, muitas vezes, essa expressão

pode indicar um sentimento, uma afetividade, espelhando a subjetividade

do enunciador em relação ao outro. Observemos o exemplo a seguir:

1) Amigo não se cala, não questiona e nem se rende, somente

entende! Bjs!

Neste exemplo, vemos a gradação expressando o conceito que o

enunciador tem de amigo e, assim, mostrando implicitamente que o seu

destinatário enquadra-se na referida definição. É reconhecida a ressalva

feita no final do exemplo (“somente entende!”), enaltecendo, de forma

crescente, a característica da compreensão que rege uma amizade e que

parece ser essencial para aquele que está enunciando.

Esse mesmo ponto de vista também está presente no próximo

enunciado:

2) Um amigo é uma jóia, uma estrela, é o sol em nossas vidas. Um

amigo verdadeiro nos ajuda a levantar, a caminhar, a seguir em

frente, e assim vc é pra mim, bjs!!!!

Vemos, através do emprego dado às palavras “jóia”, “estrela” e

“sol”, a expressão da idéia de intensidade, também crescente, e de

luminosidade que caracteriza o ser amigo e pela preciosidade que é tê-lo

na vida do enunciador, sendo definido por este como aquele que ajuda “a

levantar”, “a caminhar” e “a seguir em frente”, tarefas estas atribuídas ao

amigo e que satisfaz a expectativa e o conceito de amizade do

enunciatário. De acordo com José Romerito de Sousa, do “ponto de vista

semântico, o emprego do grau intensivo relaciona-se à expressão da idéia

de encarecimento, atribuída a uma determinada realidade, em que esta é

considerada em um nível além da situação normal”. No caso acima, é

conferida ao amigo uma dimensão crescente que vai do tamanho e brilho

Page 43: Funcionalismo em perspectiva

45

de uma “jóia” ao entorno espacial e abundância de luz do grande astro, o

“sol”, isto é, vemos uma gradação intensa, a qual ultrapassa os limites da

normalidade, presente no referido exemplo.

Percebe-se a afetividade e a dimensionalidade subjetiva

manifestada no uso da gradação nos exemplos anteriores, referentes a

outro ser (ou a outro interlocutor), visto que, a Web, no nosso caso, as

redes sociais Orkut e Facebook, caracteriza-se pela interação entre

pessoas, que se conhecem ou não, com interesses em comum, a fim de se

lançarem em relacionamentos de amizade, de amor, profissionais, entre

outros. Portanto, elas se sentem “livres” para expor suas emoções, seus

afetos, seus sentimentos em relação a outrem nesses ambientes virtuais.

Já no exemplo a seguir percebemos a gradação conjugada a outra

figura de linguagem: a sinestesia, destacada em itálico.

3) Vc tem cheirinho de passarinho quando canta, de sol quando

levanta, de chuva na terra seca ...

Como é bom te sentir!!! Bjs!

Nesse caso, a gradação é dirigida ao ser amado por uma

adolescente, que manifesta um sentimento, o qual se traduz por meio do

aspecto sensorial (“cheirinho”), expressado pelo scrap em questão. Assim,

o que a usuária sente a satisfaz como um “passarinho quando canta”, o

“sol quando levanta” e a “chuva na terra seca”. Estas sensações (audição,

visão e, podemos dizer, tato), por sua vez, a atingem através do olfato,

fazendo-a se sentir bem e a gostar de ter esta sensação do outro. Por

isso, verificamos que a sinestesia se encontra presente no referido scrap

juntamente à gradação, a fim de manifestar a sensação experimentada

pela enunciadora ao estar com seu companheiro.

Até o momento, podemos observar que a gradação não se limita

somente aos aspectos cognitivos e lexicais, mas que tem como alicerce

parâmetros de aspecto subjetivo. Por outro lado, a carga semântica

manifestada, segundo José Romerito Silva (2008), “está também

Page 44: Funcionalismo em perspectiva

46

diretamente vinculada às potencialidades expressivas da língua, através

das quais o falante expõe seu mundo interno (isto é, um estado de sua

consciência) e exerce um juízo de valor”.

No próximo exemplo, podemos observar a gradação através do uso

de adjetivos que qualificarão o referente:

4) Mas apesar de tudo ela é uma pessoa maravilhosa, uma amiga

obstinada e fiel!!

Vemos que, nesse caso, haverá uma sutil qualificação crescente

devido à série de adjetivos utilizados, os quais funcionarão como

intensificadores que mostram o quão o destinatário desse scrap é

importante para o enunciador. Além de um acentuamento dado pela

expressão “uma amiga”, a fim de reforçar o caráter de quem está se

falando e o juízo referente a ela. A gradação nesse exemplo vai

contribuindo sempre para acentuar a crescente admiração do locutor pelo

interlocutor. A referida figura de linguagem é muito usada em redes

sociais com a finalidade de manifestar todos os tipos de pensamentos,

emoções e sensações entre os usuários dessas redes.

Alguns scraps, especialmente os do Facebook, se dirigem a

qualquer pessoa que o leia, com o intuito de atingir a determinado

número de usuários em comum com o enunciador, ou convencendo-os, ou

comovendo-os, entre outros, como veremos no exemplo abaixo:

5) Eu poderia estar roubando, me prostituindo, me drogando, mas

estou aqui só pedindo um pouco mais de paciência para terminar de

elaborar uma avaliação. rsrsrsrs

Percebemos que o scrap não se dirige a alguém especificamente e

que a expressão gradativa se constrói em torno de três verbos que se

sucedem a um nível cada vez mais decrescente, apresentando uma

“queixa”, a fim de que os “leitores” se comovam com a situação na qual a

enunciadora se encontra. Dessa forma, a seqüência em negrito expõe a

idéia de que a locutora poderia estar fazendo quaisquer outras coisas, as

Page 45: Funcionalismo em perspectiva

47

quais, do que se pode inferir, são consideradas por ela mais “fáceis”, cujo

lucro ou satisfação viria mais rápido e em maior quantidade do que

elaborar uma avaliação.

Vemos no scrap anterior, que esta concepção pertence à memória

coletiva das pessoas, ou seja, boa parte dos indivíduos compartilha dessa

mesma ideia, pois:

(...) a significação não se baseia numa relação entre símbolos e dados de um mundo real de vida independente, mas no fato de que as palavras e as frases assumem seus significados no contexto, o que implica a noção de que os conceitos decorrem de padrões criados culturalmente. (MARTELOTTA; AREAS, 2003, p.22).

Portanto, o conceito de que roubar ou se prostituir pode garantir

mais “vantagens” financeiras, por exemplo, em relação à profissão de

professor, cuja inferência se faz pela expressão “elaborar uma avaliação”,

permeia pelo pensamento dos indivíduos e seu significado se constitui de

uma idéia padrão, ou sócio-histórica, que será expressa através da

gradação, no nosso caso. Ademais, é notório o empréstimo que se faz dos

termos em negrito, os quais são utilizados em enunciações humorísticas,

para citar um exemplo, justamente para conferir um caráter risível a uma

“reclamação”, ou protesto feito de forma camuflada por meio do humor, e

que só confirma a presença desse pensamento na memória coletiva dos

indivíduos pertencentes a determinada sociedade.

É muito comum, especialmente entre os usuários das redes sociais,

o empréstimo que se faz de frases famosas, humorísticas, como

observamos no exemplo anterior, clichês ou letras de músicas que possam

conter a gradação em sua composição e que também ocorre como uma

estratéfia no scrap a seguir:

6) Você vacilou..pisou na bola, errou comigo..E agora chora,

chora....Tudo tem volta.aguarde..

No exemplo acima, a usuária do Facebook tomou a frase do refrão

de uma música de forró, a qual expressa bem a situação em que a mesma

Page 46: Funcionalismo em perspectiva

48

se encontra em relação a uma pessoa que “pisou na bola” com ela. Em

uma sucessão descendente de ações, a enunciadora se mostra

descontente com atitudes manifestadas pelo destinatário deste scrap.

Percebemos que os verbos empregados seguem uma escala gradual de

intensidade decrescente (que vai do “vacilou” ao “errou”), refletindo,

assim, o baixo nível de erros cometidos pelo referente do enunciado em

questão, cujo ápice é alcançado pelo verbo “chorar”, reforçado pela sua

repetição. Inferimos, portanto, que o papel dessa gradação, além de

expressar o descontentamento por parte da enunciadora, é deixar o

destinatário ciente do que fez e avisado de que “tudo tem volta”, ou seja,

de que ele sofrerá as conseqüências em decorrência das suas atitudes

errôneas.

A partir das análises anteriores, podemos observar que a

manifestação da gradação vai se alternar, de um modo geral, numa

progressão ou crescente ou decrescente. Visualizamos o gráfico abaixo

para entender melhor essa alternância:

É notório o uso mais freqüente da gradação crescente devido ao

reforço, ao acentuamento dado ao enunciado dos usuários das referidas

redes sociais, pois, esta intensidade está atrelada ao propósito

comunicativo de quem enuncia, isto porque, conforme Oliveira (2010), “a

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Gradação crescente Gradação decrescente

Orkut

Facebook

Page 47: Funcionalismo em perspectiva

49

opção de uso de um ou de outro (...) está associada à situação

comunicativa, ao contexto em que o formativo está inserido e com a real

intenção do falante”, ou seja, o uso feito da gradação, crescente ou

decrescente, por parte dos usuários do Orkut ou do Facebook, no nosso

caso, mostrará indícios do que pretende os mesmos, além de apresentar

manifestações afetivas, dimensionais, subjetivas, dentre outras.

Percebe-se também que a gradação decrescente ocorre em menor

freqüência tanto no Orkut, quanto no Facebook, sendo que nesta última

tal grau se torna bem menos usual em comparação àquela primeira.

Conclusão

Vemos que a gradação se constitui por uma distribuição

progressiva de informações, de um modo geral, características,

qualificações, em ordem crescente, a caminho de um clímax, ou em

ordem decrescente que, por sua vez, se orienta a um momento

denominado anticlímax. A partir das referidas classificações, podemos

analisar de modo mais sistêmico a gradação nos scraps extraídos do Orkut

e do Facebook.

Verificamos que o uso da gradação é uma possibilidade linguística

utilizada, de certa forma inconsciente, por usuários do Orkut e do

Facebook aplicando-se a diversas situações discursivas: na composição

dos seus scraps, ao enumerarem elementos numa ordem progressiva ou

regressiva, ao se referirem a um outrem, enaltecendo ou não algo próprio

do destinatário do enunciado ou que esteja diretamente ligado àquele,

entre outros, evidenciando, assim, que as virtudes retóricas da gradação,

a par de outras figuras semelhantes, são decisivas em qualquer discurso

que pretenda ordenar e enfatizar, por meio da intensidade gradual, os

termos dispostos nos enunciados e a força dos argumentos.

Os resultados obtidos evidenciaram o modo amplo da ação dos

processos gradativos, os quais podem ser expressos de forma crescente

ou decrescente, por meio de recursos de natureza morfossintática, lexical,

semântica, funcional, além dos fatores extralinguísticos. Com base nas

Page 48: Funcionalismo em perspectiva

50

análises, construimos um gráfico, no qual podemos visualizar a freqüência

das ocorrências gradativas nos scraps postados em grau crescente e/ou

decrescente.

A descrição feita neste artigo, acerca dos processos gradativos nos

scraps das referidas redes sociais, fundamentou-se numa avaliação

objetiva e sistemática dos elementos que se apresentavam como

gradação.

REFERÊNCIAS

COSTA, G. dos S. O Livro Didático de Inglês: Usos de Intensificadores em Diálogo. Dissertação de Mestrado em Lingüístico - Orientador: Prof. Doutor. Francisco Gomes de Matos.UFPE-2002. Disponível em: <http://www.giseldacosta.com.br/artigos/capitulo4.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011. CUNHA, Celso; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do portugês conemporâneo. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. CUNHA, Maria. A. F. da; OLIVEIRA, Maria. R. de; MARTELLOTA, M. E. (Orgs). Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. OLIVEIRA, Carla M. Gradação de afetividade nos formativos -inho (a) e -zinho(a) a partir do estudo de gramaticalização. In: Revista Icarahy, UFF-RJ, nº 2, fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www.revistaicarahy.uff.br/revista/html/numeros/2/dlingua/Carla_Maria_de_Oliveira.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011. SILVA, J. R. A intensificação numa perspectiva funcional. In: Revista Odisséia. v. 1, p. 1-18, 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/odisseia/numero1/arquivos/LIN01_PT03.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011.

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51

GRADAÇÃO NA WEB: AS OCORRÊNCIAS DE GRADAÇÃO

NO MICROBLOG TWITTER

Bárbara Amaral de Andrade Furtado12

José William da Silva Netto13

Resumo: O artigo apresentado explora do uso da gradação por falantes da língua portuguesa em ambiente virtual, focando no microblog Twitter, usando diversos parâmetros como, por exemplo, expressão, sentido e base, e de que forma esse fenômeno se dá através de cada parâmetro, quais acontecem com maior freqüência, e o que influência essa frequência. Nosso estudo foi baseado nas pesquisas de José Romerito Silva e Mattoso Câmara (2004). Palavras-chave: gradação, microblog, funcionalismo. Abstract: The article presented below explores the use of gradation by speakers of the Portuguese language on the internet, focusing on the microblog Twitter, using several parameters, such as type, expression, meaning and base, and how this phenomenon happens through each parameter, which of those happen more frequently, and what influences this frequency. Our study was based on the work of José Romerito Silva, and Mattoso Câmara (2004).

Keywords: gradation, microblog, functionalism.

Introdução

O presente artigo tem como objetivo principal estudar um

fenômeno bastante comum entre os falantes de uma língua, a gradação.

Este tipo de fenômeno pode ser encontrado em diversos tipos de discurso

e, desta forma, é possível sua analise tanto em fontes escritas como em

fontes faladas.

Este estudo se originou a partir do interesse em saber de que

maneira o fenômeno da gradação auxilia e/ou transmite sentidos

diferentes em um determinado contexto comunicativo.

Assim, os falantes de uma língua se expressam a partir de suas

necessidades, instaurando verbalmente suas opiniões e até mesmo

explicitando duvidas. Desta maneira, entendemos que, uma vez que o

enunciador faz uso de determinada forma sintática e não de outra

12 Graduanda do curso de Letras, UFC.

13 Graduando do curso de Letras, UFC.

Page 50: Funcionalismo em perspectiva

52

(paradigma), essa escolha pode acarretar em uma mudança de

significado.

Então, é nesse contexto comunicativo que nossa investigação irá

ter suas bases. Porém, como buscamos um ambiente mais informal (uma

vez que gradação é encontrada em maior uso nesse contexto), iremos

utilizar como corpus do nosso artigo o microblog Twitter, caracterizado por

utilizar apenas 140 caracteres em cada postagem.

O motivo pelo qual buscamos adentrar nesse conteúdo, embasados

nesse corpus, pode ser justificado por: a) informalidade textual, b) maior

incidência da característica da expressividade e, por fim c) fácil acesso ao

conteúdo, assim como sua abundância.

Fundamentação Teórica

Com a finalidade de enriquecer nossa investigação, baseamo-nos

nos estudos de Câmara (2004).

Em seu trabalho, Câmara (2004) abordará a questão da derivação

como meio de expressão. Para ele, tamanha é a ocorrência desse

fenômeno que, em muitos casos, há a criação de novos vocábulos. Esse

estudioso também falará sobre o superlativo dos adjetivos onde, em

muitos casos, são utilizados não somente como representação de

superioridade ou inferioridade, mas como um meio espontâneo e/ou

afetivo de expressão.

Em primeiro lugar, não há obrigatoriedade no emprego do adjetivo com esse sufixo de superlativo, ou grau intenso. É a rigor uma questão de estilo ou de preferência pessoal. Ou, antes, trata-se de um uso muito espaçado e esporádico, em regra, e de tal sorte que certa freqüência nele logo parece abuso e excentricidade. (CAMARA, 2004, p.47)

Segundo o excerto acima, um sufixo qualquer pode expressar tanto

idéia de extensão, em ‘que casa grandona’, ou possuir um sentido mais

esporádico e/ou afetivo, tal qual em ‘acho lindo pessoas grandonas’. Desta

maneira, Câmara deixa claro que os adjetivos, na sua forma superlativa,

são capazes de assumir diversas conotações, dependendo da intenção do

enunciador.

Page 51: Funcionalismo em perspectiva

53

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Câmara discorre a

respeito do uso de derivações do tipo diminutivo e aumentativo, não

somente presentes em adjetivos, como estavam em destaque, mas

também relacionadas a substantivos. A esse respeito, ilustramos com a

seguinte passagem:

Na realidade, o que se tem com os superlativos é uma derivação possível em muitos adjetivos, como para os substantivos há possibilidade dos diminutivos e para alguns (não muitos) a dos aumentativos. Anote-se a propósito que o conceito semântico de grau abrange tanto os superlativos como os aumentativos e os diminutivos. (CAMARA, 2004, p. 47)

Assim, corroborando com o estudo de Câmara (2004), aplicamos

esse conceito de derivação dentro do campo da gradação, uma vez que

gradação por derivação é um fenômeno bastante recorrente na língua

portuguesa.

Análise

Para falarmos das ocorrências comunicativas, é importante

primeiro falarmos da plataforma em que elas se encontram, enquadrando-

as em um contexto lingüístico-social, focando-se também na pragmática,

ou seja, na situação e na intenção do falante, para caracterizar o uso da

gradação, assim como as propriedades semânticas da língua.

O microblog Twitter é uma plataforma social de interação entre

usuários que, por sua vez, se comunicam através de postagens de até 140

caracteres, partindo da pergunta chave do próprio site, “What’s

happening?” (ou, o que está acontecendo, em português). Desta forma, a

comunicação se dá através de respostas diretas que aparecem no que é

chamada de a “timeline” do usuário. O Twitter, por ser uma página

pessoal onde as pessoas postam o que acontece no seu dia a dia, seus

pensamentos e desejos, torna-se um meio pelo qual seus usuários

escrevem espontaneamente, ou, na linguagem mais popular, escrevem

sem parar para pensar. Por essa razão, observa-se o uso freqüente de

intensificadores na linguagem para demonstrar a intensidade de seus

sentimentos e pensamentos, caracterizando, desta forma, a gradação.

Page 52: Funcionalismo em perspectiva

54

A gradação é uma função da linguagem que está primeiramente

relacionada a essa percepção do individuo em relação à sociedade. José

Romerito da Silva fala em seu artigo que a gradação se baseia em

padrões estabelecidos pelos indivíduos ou pela sociedade. Assim, tomando

como referencia os padrões pré-estabelecidos, verifica-se que o fenômeno

em estudo situa-se em níveis superiores ou inferiores ao padrão, ou seja,

está além dele.

Isto tem sua fonte nas impressões pessoais do indivíduo, a partir do contato deste com o mundo que o cerca, baseadas em parâmetros comparativos estabelecidos por ele próprio ou socialmente convencionados. (Silva, p.5)

É tudo, na verdade, uma questão de percepção. Quando o

indivíduo percebe algo como sendo superior ou inferior ao padrão, ele

utiliza, visto sua necessidade de expressar sua percepção, elementos

lingüísticos e semânticos para intensificar sua visão acerca do mundo, e,

nesse caso, faz-se uso da gradação.

A partir de então, analisaremos alguns exemplos provenientes do

microblog Twitter. O primeiro deles diz respeito a uma garota que postou

algo acerca de um bolo de chocolate que ela mesma havia preparado, e

que, em sua opinião, ficou extremamente gostoso. Porém, ela também

falou sobre o fato do bolo estar exageradamente doce, fato esse que a

levou a acreditar que seu aumento de peso é proveniente desse bolo.

(1) hoje fiz um super ultra mega bolo de chocolate ++ meu deus acho

que engordei 98765894 toneladas, tinha muuuuuito doce:|

5 Nov

Na enunciação feita pela garota, podemos perceber que adjetivos

intensificadores foram acrescentados ao substantivo “bolo”, para, desta

maneira, mostrar o quanto ele estava saboroso. Nesse caso, estamos

diante do grau superlativo analítico, uma vez que a enunciadora faz uso

dos termos “super”, “ultra” e “mega”. Em seguida, ela atribui

características a toneladas, que, nesse caso, é intensificada

Page 53: Funcionalismo em perspectiva

55

pragmaticamente, mas, semanticamente, a garota utiliza números e a

figura de linguagem hipérbole para fazer essa gradação. E, por fim,

intensifica o adjetivo doce com o advérbio “muito”, que também constitui

o uso do grau superlativo analítico, ainda levado ao exagero pela

repetição da vogal “u” no referido adverbio, para mostrar ainda mais

intensidade.

O caso (2) mostra que o enunciador é um grande admirador da

banda RBD e, como meio de verbalizar essa preferência, ele utiliza-se do

advérbio de intensidade ‘mega’. Logo, há o uso de superlativos absolutos

transmitindo sentido afetivo. Em contrapartida, o enunciador expressa

também seu gosto pela banda RBR, só que dessa vez, ele utiliza-se do

advérbio ‘super’, sendo posto como forma de repetição:

(2) Assim ... Eu era mega fã de rbd tinha tudo e tudo... mas também sou

super super super fã de rbr , gosto até mas de rbr ,mas ficar xingando +

Nov 5

No próximo exemplo, podemos ver um caso de repetição

exagerada, em que a garota da enunciação declara seu amor para o

namorado.

(3) Eu te amo muito muito muito muito muito muito muito muito muito

muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito <3

15 Nov

Nesse caso, a menina repete o advérbio de intensidade “muito”

diversas vezes, advérbio esse que se refere à oração “ Eu te amo”. Ela

utiliza-se desse recurso com a finalidade de mostrar ao garoto o quanto

ela verdadeiramente o ama (como já foi mencionado anteriormente, o

microblog é, muitas vezes, utilizado sem filtros, por ser uma página

pessoal). Esse também é um caso do grau superlativo analítico.

Page 54: Funcionalismo em perspectiva

56

A enunciação abaixo trata de outra menina também declarando seu

amor ao namorado. Essa, no entanto, não repetiu a mesma partícula

tantas vezes.

(4) eu te amo muito mas muito muito mesmo mesmo meu amooor *-*

seu olhar o mais sincero , seu sorriso mais encadecente s2

15 Nov

A garota desse último exemplo, ao invés de repetir somente o

advérbio de intensidade “muito”, se utiliza de outros elementos

semânticos, como a partícula adversativa “mas” e o advérbio “mesmo”.

Esses elementos se relacionam a “Eu te amo” e constituem um caso de

grau superlativo absoluto analítico. A seguir, no entanto, a garota

continua a usar elementos gradativos, dessa vez, listando as

características do namorado. Para isso, ela utiliza o advérbio “mais” como

partícula intensificadora, constituindo, assim, um caso de grau superlativo

relativo de superioridade.

Os casos de gradação não são apenas de intensidade superlativas.

Também podemos ver com freqüência casos de intensificação em que os

indivíduos se utilizam de partículas de diminutivo para expressarem-se.

Como no exemplo abaixo, em que uma garota conta do seu dia no

shopping com a mãe.

(5) shopping com a minha mãezinha foi tão bom, cineminha e

comprinhas com o meu amorzinho ! #éoquehá

15 Nov

A garota acima utiliza a sufixação, o diminutivo “inha” e “inho”

para expressar o carinho pela mãe, a quem se refere como “amorzinho”.

Aqui, a morfologia sufixal, um recurso semântico, foi utilizada por uma

questão pragmática, de contexto, para expressar os sentimentos pela mãe

e felicidade pelo passeio que teve.

Page 55: Funcionalismo em perspectiva

57

(6) Meu Deus, o meu amoreco acabou de sair daqui. Ele me disse tanta

coisa linda, tanta...

Nov 15

Nesse caso, notamos que o enunciador possui laços estreitos com a

pessoa que está sendo referida. Como prova disso temos o substantivo,

também expressando idéia de gradação, que foi acrescido de um sufixo ‘-

eco’, tornando assim a oração mais afetiva. Interessante notar que, a

palavra ‘amor’ em si já trás consigo o sentido afetivo, porém, quando a

mesma é utilizada com o sufixo ‘-eco’, ocorre uma ênfase que recai sob o

nome ‘amor’, tornando-o assim muito mais expressivo.

Na enunciação abaixo, por exemplo, também podemos ver traços

dessas partículas de diminutivo. O contexto do post a seguir é de uma

adolescente pedindo a Deus por sua amiga que havia terminado como o

namoro.

(7) “Deus, cuida da minha melhor amiga. Cuida da minha pequena,

minha vadiazinha, meu amorzinho. Cuida Deus,...

15 Nov

A menina utiliza-se da morfologia sufixal, tornando a palavra

diminutiva, para expressar carinho pela melhor amiga. Também utiliza a

repetição dos pronomes possessivos “meu” e “minha” para enfatizar esse

carinho, e o adjetivo “pequena”, também, como um termo afetivo. Até

“vadiazinha”, que seria, em outras circunstâncias, considerado pejorativo,

nessa enunciação está como uma expressão de carinho. Isso reforça a

idéia mencionada previamente de José Romerito da Silva, que fala que a

gradação mais tem a ver com a pragmática, com a intenção do falante e

com sua percepção, se comparados com a semântica e os termos da

oração por si mesmos.

Page 56: Funcionalismo em perspectiva

58

Outro recurso utilizado para expressar a gradação, além dos

superlativos, aumentativos e diminutivos, é a comparação. Como no

exemplo abaixo, onde um homem fala sobre um jogador do time de

futebol que pensa em largar a seleção.

(8) E outra, se ele quiser ir embora do Ceará, que vá, quem ele pensa

que é? Ceará é muito maior que vc meu caro, mas muito maior mesmo.

15 Nov

O rapaz da enunciação utiliza a partícula “muito maior que você”,

que apresenta grau comparativo de superioridade e, em seguida, utiliza o

advérbio de intensidade “muito”, seguido da repetição do adjetivo “maior”

e do advérbio “mesmo”, intensificando a gradação e apresentando um

caso de grau superlativo absoluto analítico.

(9) Você acha que ocupa um certo espaço na vida das pessoas,quando

vai ver esse espaço é bem menor do que você imaginava.

15 Nov

Na postagem (9), observamos que a pessoa que a escreveu

estava, provavelmente, se queixando do quão injusto é o julgamento que

temos das pessoas ao nosso redor. Então, como característica que

graduará a sentença, observou-se o uso da partícula comparativa “menor

do que”, a qual se relaciona ao termo ‘espaço’. Uma vez que tal oração

expressa a subjetividade do enunciador – visto que exprime o modo como

ele enxerga os demais indivíduos- temos propriedade pra dizer que ela

trás consigo o sentido de afetividade.

(10) Engraçado como nos Feriados a incidência de pessoas ativas no

Twitter é bem menor que na semana normal, supostos dias de trabalho...

=P

15 Nov

Page 57: Funcionalismo em perspectiva

59

No exemplo (10), temos uma incidência bastante similar ao (xx),

onde o enunciador se utilizou de uma partícula comparativa para

verbalizar sua crença a respeito dos usuários do Twitter. Para ele, o

numero de pessoas que usam o referido site é mais elevado nos dias de

trabalho, se comparado a feriados. Logo, no intuito de fazer essa

comparação, o autor da sentença utiliza a partícula “bem menor que”

(mesmo ocorrência encontrada no caso anterior).

A partir do nosso corpus e das nossas pesquisas, chegamos a

resultados referentes à frequência das gradações no microblog Twitter. De

acordo com a Tabela 1 (abaixo), podemos analisar que, em relação ao

tipo, a ocorrência do grau Superlativo Absoluto foi dominante na formação

de gradação, ficando em primeiro lugar, seguido do uso do Diminutivo

como recurso gradativo assim, ocupando a segunda posição. Em terceiro

lugar, as ocorrências do Superlativo Relativo. Também existiram casos

que não se aplicaram a nenhuma das categorias como construções do tipo

“superlegal” que, por não constituírem vocábulos da língua portuguesa,

não enquadramos em nenhuma categoria.

Por último, o grau comparativo como recurso gradativo. A

dominância do Superlativo Absoluto Analítico sobre o Sintético se deve,

em grande parte, à informalidade do meio. Palavras como

“agradabilíssima” ou “amicíssima” não fazem parte do tipo de vocabulário

padrão da rede social. Muitas vezes, os usuários preferem, inclusive, usar

colocações gramaticalmente erradas a usar palavras “difíceis”.

TABELA 1

Page 58: Funcionalismo em perspectiva

60

De acordo com a Tabela 2 (abaixo), podemos observar que, em

relação à expressão, o uso de advérbios veio em primeiro lugar, tendo

assim, a grande maioria da porcentagem (superior a 51%). Como

partícula gradativa, houve uma maior utilização da morfologia sufixal, ou

seja, da adição de um sufixo, que veio em segundo lugar. O terceiro lugar

diz respeito à repetição do nome, e em quarto lugar a morfologia prefixal,

ou seja, a adição de um prefixo.

TABELA 2

TABELA 3

Page 59: Funcionalismo em perspectiva

61

Analisando a Tabela 3, podemos ver que o sentido afetivo é

amplamente dominante sobre o sentido dimensional. Isso é bastante

influenciado pela escolha do corpus. Como mencionado previamente, o

microblog Twitter é uma página pessoal onde as pessoas expõem seus

pensamentos e sentimentos mais íntimos, portanto, as postagens são

realmente mais influenciadas pela afetividade.

TABELA 4

E, por último, em questão de base, adjetivos foram dominantes em

relação a substantivos, tomando mais de 75% das ocorrências.

Conclusão

No decorrer desse artigo, pudemos ver diversas formas de

gradação que ocorrem no microblog Twitter. Pragmaticamente, vimos

como elas são influenciadas pela percepção dos indivíduos em relação ao

ambiente ao qual estão interagindo, bem como maneira a qual são

utilizadas: emocional e/ou afetivamente. Com essas variáveis, podemos

perceber que a gradação é um fenômeno freqüentemente presente na

web, utilizado como recurso para expressar graficamente os sentimentos

para o receptor da mensagem, que a receberá através da tela do

computador, e não verá a linguagem corporal, o tom da voz, a expressão

facial. A gradação, um intensificador gramatical, acaba substituindo esses

intensificadores físicos dos sentimentos do enunciador. Vale ressaltar, que

Page 60: Funcionalismo em perspectiva

62

esses resultados são diretamente influenciados pela escolha do corpus.

Talvez, se tivéssemos nos focado em, por exemplo, blogs sobre tricô,

tivéssemos obtidos resultados diferentes. Já no campo semântico, vimos

que o grau superlativo absoluto analítico é dominante, que o uso de

advérbios é o preferido para a expressão, e que o adjetivo é a base

principal.

REFERÊNCIAS

CÂMARA, J.M. Estrutura da Língua Portuguesa. 36 ed. Petrópolis: Vozes, 2004. SILVA, José Romerito. A intensificação numa perspectiva funcional. Disponível em: <http://claudetelima.webnode.com.br/products/a%20grada%c3%a7%c3%a3o%20na%20web/>. Acesso em: 15 de Novembro de 2011.

Page 61: Funcionalismo em perspectiva

63

SEÇÃO 5

A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR

Page 62: Funcionalismo em perspectiva

64

GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR

Maria Melka Freitas SILVA14

Resumo: Levando em consideração as constantes transformações linguísticas, as quais acontecem de acordo com os mais variados fatores, sejam eles regionais, individuais, temporais [...], estudamos, no presente artigo, o fenômeno da gramaticalização restrito ao verbo dar, com o objetivo de constatar os graus que o processo tem alcançado no português do Brasil. Enveredando por um viés funcionalista, valemo-nos de autores como Martelotta e Givón para embasamento teórico. Analisamos ocorrências de expressões contendo o verbo, presentes em dois corpora fornecidos pelo Grupo de Pesquisa Discurso e Gramática, sendo um referente à fala e escrita no Rio de Janeiro e outro de Natal, as quais apontam para um produtivo uso do verbo dar discursivo atualmente.

Palavras-chave: gramaticalização, funcionalismo, discursivização.

Introdução

Os objetivos que norteiam o presente artigo são: verificar os níveis

de gramaticalização que o verbo dar tem alcançado na língua falada de

português do Brasil e sugerir hipóteses que apontem os fatores

motivadores desse processo. Não correspondem aos nossos propósitos

investigar e/ou relacionar fatores diacrônicos, e sim aqueles que convivem

numa mesma seção temporal.

Abordamos aqui nosso objeto de estudo de forma gradual, pois

partimos de noções mais gerais, como a de gramaticalização e suas

premissas, princípios e por fim, partimos para o caso do verbo em foco.

Embora dicionários apresentem significados um tanto restritivos

para definições de elementos linguísticos, sabemos que estes assumem

valores que sobrepujam aqueles previstos por tais publicações. Isso

ocorre pelo caráter flexível de qualquer língua viva, pois seus usuários são

responsáveis, quase sempre inconscientemente, por modificarem-na a

cada nova combinação palavra – significação.

Fatores cognitivos e extra linguísticos podem ser os principais

desencadeadores desse fenômeno, do qual são bons exemplos as

diferenciações no emprego de uma mesma palavra portuguesa devidas

14 Aluna de graduação de Letras - Universidade Federal do Ceará - Fortaleza - Ceará.

Page 63: Funcionalismo em perspectiva

65

tão somente à distanciação geográfica entre falantes, que passam a usá-

la com variados sentidos não compartilhados com comunidades distantes.

Enquanto rebolar no mato um nordestino compreende como algo mais

próximo de “descartar, lançar fora”, para um paulista, por exemplo, o

significado seria “dançar no meio do mato”. Junto aos aspectos espacias,

estão os sociais, cuja influência também é significativa para o processo de

mudança linguística. Talvez os primeiros atuem como promovedores dos

últimos, que se relacionam com as necessidades comunicativas de cada

comunidade.

Assim como, segundo Darwin, grupos de animais de mesma

espécie que vivessem geograficamente afastados, adquiririam diferenças

físicas e/ou biológicas em razão da adaptação a situações ambientais

distintas, da mesma forma ocorre no processo de variação lexical: o fato

de falantes da mesma língua estarem fisicamente afastados está

intimamente ligado ao fato de que estarão também em sociedades

divergentes com outras necessidades comunicativas, então teremos como

resultado a diversificação das funções das palavras.

Dentre os processos de mudanças mais estudados encontra-se a

gramaticalização, caracterizado pela alteração: elemento lexical >

gramatical ou gramatical > mais gramatical. Muitos autores defendem a

unidirecionalidade nesse processo, a qual é, inclusive, reforçada pela

análise de dados realizada no presente trabalho, já que o maior número

de ocorrências de dar encontradas nos corpora aponta para um uso mais

discursivo desse verbo em português brasileiro.

Fundamentação Teórica

Sem perder de vista os aspectos extra linguísticos de situações

comunicativas, estudamos o processo de gramaticalização como um

mecanismo motivado pelas necessidades comunicativas que surgem a

cada situação em que se deseja expressar ideias, ou seja, toma-se como

elemento desencadeador do processo o uso do léxico feito pelos falantes,

Page 64: Funcionalismo em perspectiva

66

o que está de acordo com Martelotta, autor cujos escritos nos serviram de

embasamento teórico.

O uso da língua nas situações reais de comunicação motiva as transformações que sofrem os elementos linguísticos e essas transformações apresentam unidirecionalidade: caminham do discurso para a gramática. (MARTELOTTA, 2003, p.59).

Ainda pudemos encontrar fundamentação teórica em Givón (2003,

apud Martelotta e Areas) e partimos de algumas de suas premissas para

caracterizar a linguagem, considerando-a, sob uma ótica funcionalista,

como instrumento de comunicação entre seus usuários.

Metodologia

Com o fim de conseguirmos dados para análise, colhemos dos

corpora Discurso e Gramática – a língua falada e escrita na cidade de

Natal e A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro, cinquenta

ocorrências do verbo dar, as quais foram tabeladas e classificadas em

categorias como: modo, tempo e tipo verbal, este último podendo ser

modal, lexical, aspectual, discursivo ou pertencente à categoria outros,

que abriga casos diversos não enquadrados em nenhuma das

classificações acima. A partir das frequências de cada categoria,

formulamos a hipótese aqui apresentada para explicar o fenômeno

linguístico por que passa o verbo dar.

Gramaticalização

Dizer que uma língua é viva não implica simplesmente em seu uso

por determinada comunidade, mas também nas transformações inerentes

a esse estado. Aqueles que fazem uso da linguagem sempre terão algo

novo a dizer, porém nem sempre os termos de que dispõem lhes

parecerão suficientes. Como ocorre desde os tempos mais remotos,

quando o homem tentava manter contato com seu clã por gritos, a reação

humana é sempre a mesma perante situações semelhantes à descrita

acima: buscar elementos que expressem o conteúdo que se deseja

Page 65: Funcionalismo em perspectiva

67

compartilhar. Historiadores afirmam que grunhidos, pulos e gritos eram

usados de forma combinada ou isolada conforme o propósito comunicativo

do homem primitivo; o sistema por eles usado era, certamente, muito

resumido, cheio de carências expressivas, e esse deve ter sido um dos

principais desencadeadores do surgimento e evolução da fala, que

também está ligada à criação de signos linguísticos. Desde então, assim

como nossos ancestrais, o que fazemos com a geração de novas formas

ou funções são nada mais que tentativas de preenchimento de lacunas

que nosso léxico abriga.

Exemplo clássico é o substantivo saudade, disponível apenas na

língua portuguesa, cujo vocábulo simples para designar o estado de “ter

saudade” é inexistente, ou seja, não temos um verbo que cumpra tal

papel; temos, entretanto, uma perífrase – sentir saudade. É justamente o

inverso do que ocorre em outras línguas: elas normalmente possuem o

verbo (to miss, extrañar, vermissen), mas não o substantivo. É provável

que, impulsionadas pela insatisfação dos nativos, surjam usos novos para

um substantivo já existente – ou quem sabe novas palavras - com o fim

de nomear o sentimento.

Fatos dessa natureza já eram previstos por Givón (2003, apud

Martelotta e Areas), quando propôs algumas premissas referentes à

linguagem, entre as quais a de que a gramática é emergente. Assim,

nunca se chega a um estancamento de suas formas, pois está sujeita às

inúmeras experiências situacionais nas quais são aplicadas, fato que ainda

se relaciona com outra característica afirmada pelo mesmo autor: a que

qualifica o ato da comunicação como atividade sociocultural.

Além disso, não raro, palavras que outrora eram usadas com a

utilidade de expressar coisas mais concretas comumente ganham

significados mais abstratos, o que contribui também para transformações

das línguas, pois se multiplicam os usos de seus signos, sem

necessariamente caírem em desuso as formas mais antigas. A esse

fenômeno chamamos gramaticalização e acontece sempre caracterizado

Page 66: Funcionalismo em perspectiva

68

por sua inidirecionalidade. Para ilustar isso podemos observar o percurso

seguinte:

Concreto abstrato

A seta aponta apenas para uma direção, a do caráter abstrato, e

não há outra apontando para a direção contrária, o que significa que

palavras com valores semânticos mais consistentes, passam a adquirir

valores nocionais ou perdem significação, sem ser recorrente o percurso

inverso.

Vejamos o caso do verbo ter. No seu uso primitivo carregava

sentido de posse [Você tem um notebook], mas passou a assumir outros,

como o sentido temporal [Tem quatro anos que ele se foi], além de seu

uso composto, em que assume papel de auxiliar e perde significação

própria tornando-se apagado pela forma nominal [Ele tinha comprado um

presente]. Levando ao esquema:

Ter1 ter2 ter3

(posse) (tempo) (auxiliar)

Há autores que defendem a ideia de que para estudar

gramaticalização se faz necessário privilegiar uma linha de pensamento

diacrônico, visto que as variações estão muito mais justificadas pelas

pressões sofridas ao longo do tempo, sendo assim um componente

indispensável para estudo histórico da língua. Por outro lado, Hopper e

Traugott (1993, apud FRAGOSO.) admitem como possíveis as duas

perspectivas temporais: tanto a sincrônica quanto a diacrônica. A primeira

levará em consideração que outros elementos, além dos temporais,

podem ocasionar alterações semânticas de vocábulos. Indispensável dizer

que o sistema comunicativo é passível de modelações impostas, a

exemplo, pelo meio sociocultural no qual se insere.

Os Princípios da Gramaticalização

Hopper (1991, apud FRAGOSO) apresenta cinco princípios que

perpassam as mudanças tipicamente gramaticais. São eles:

Page 67: Funcionalismo em perspectiva

69

1. Camadas: várias formas passam a ser adotadas para cumprir uma

mesma função. As formas mais antigas tendem a desparecer se não

forem mais usadas, mas nem sempre isso acontece e é provável

que elas coexistem no sistema.

Ex.: Eu precisava de uma boa noite de sono.

Eu estava precisando de uma boa noite de sono.

Temos duas formas se referindo ao passado imperfeito e

expressando a mesma significação verbal.

2. Divergência: inversamente ao princípio de camadas, o da

divergência sublinha o fato de uma mesma forma servir a vários

papéis, depois de sofrer gramaticalização.

Ex.: O noivo deu à noiva um anel de brilhantes.

Marcos agora deu para acreditar em fantasmas.

Tomara que dê tudo certo.

Na primeira frase temos o verbo no seu sentido de origem, que

possui carga semântica equivalente a transferência de posse. Na

segunda, em forma de perífrase, deu é enfraquecido

semanticamente, exerce papel modalizador; já na terceira, integra

uma expressão fixa: dar certo, em que dar distancia-se ainda mais

do seu sentido primeiro. Verificamos então, funções diversas de

uma única forma.

3. Especialização: na fase pós-gramaticalização, um item tende a

tornar-se específico no que diz respeito a seu sentido. Algumas

formas podem coexistir com uma equivalência meio caricata, mas

possuem diferenças suficientes para impedir seu uso em

determinados contextos.

4. Persistência: é comum que unidades lexicais gramaticalizadas

conservem aspectos de sua forma embrionária, embora a previsão

de estudos linguísticos seja que a função se distancie de tal forma,

que esses resquícios semânticos desapareçam.

Ex.: A garota queimou todas as cartas dele.

Não quero queimar nenhuma etapa da vida.

Page 68: Funcionalismo em perspectiva

70

Ele só pensa em queimar calorias.

A polícia acredita que aquele homicídio tenha sido queima de

arquivo.

Em todos os casos a marca própria do uso original do verbo - ligada

à ideia de destruição – está presente.

5. Descategorização: quando verbos ou substantivos, categorias

plenas, se gramaticalizam, assumem o papel de categorias

secundárias.

Ex.: Qual o seu tipo de pele?

Deveríamos fazer... tipo... um dia de lazer.

Enquanto no primeiro caso tipo é substantivo, no segundo, como

resultado de mudanças lingüísticas, passa a atuar como marcador

discursivo, categoria secundária.

Análise de Dados

Atentos aos princípios que regem o fenômeno, apresentados

acima, percebemos que o verbo dar já adquiriu diversas faces na língua

portuguesa, estabelecendo relações várias na esfera semântica. Porém, a

maioria dos dicionários traz definições para o verbo que privilegiam seu

valor mais básico, aquele referente à fase pré-gramatical. Em

Dicionárioweb, por exemplo, encontramos o verbete: “Transferir ou ceder

gratuitamente o que se possui;; doar, presentear”. No Priberam temos:

“ceder gratuitamente;; fazer doação de;; presentear com;; fazer esmola de;;

entregar;; conceder”. E se consultarmos o Aulete nos depararemos com:

“Ceder, transferir (bens, posses, alago que se tem à disposição) sem

remuneração; doar”.

Os usos já expandiram para outros o tipo lexical de dar, cujo

significado nossos dicionários conferem maior atenção. Deparamo-nos

com pelo menos cinco: lexical, metafórico, modal, aspectual e discursivo.

Carregando cada um deles respectivamente as características:

transferência de posse; transferência de posse metafórica; antecessor de

Page 69: Funcionalismo em perspectiva

71

oração infinitiva; componente de dar + uma ada; componente de

expressões fixas do tipo dar + SN .

Vejamos alguns casos.

a) deixe eu dar um exemplo ... (D&G, PO1 – RO1, p. 117)

Não podemos entender como uma doação de coisa concreta o caso acima,

pois o objeto direto do verbo é de caráter abstrato e, portanto, ninguém

pode tomar posse de algo assim. Estaríamos falando, nesse caso, de uma

tranferência de posse metafórica.

b) minha mãe passava ... meu almoço no liquidificador ... aí dava

pra comer ... mas bem devagarinho ... sabe? (D&G, PO1 – NEP1, p. 107)

Exemplo de verbo modal, esse está muito mais ligado à ideia de possibilidade que de concessão.

c) me dá uma raiva tão grande ... (D&G, PO1 - DL1, p. 120)

Um dos usos que vem se tornando frequente em português falado, o dar

modal pode estar, muitas vezes, relacionado ao conceito de

acontecimento ou pode dizer respeito a um estado mental, a depender do

SN que segue o verbo.

Sem deixar passar despercebido certos detalhes, vejamos que a

função mais usada pelos falantes distancia-se da original de tal maneira

que vai se esvaecendo semanticamente como se caminhasse para o

esvaziamento de sentido.

Passemos então, aos resultados aos quais chegamos.

Tabela1: Categorização verbal

Tempo verbal

Formas

nominais

Modo verbal Codificação Tipo de dar

34%

presente

87%

infinitivo

52%

indicativo

88%

dar+SN

42%

discursivo

O fato de a maioria das ocorrências estarem no presente do

indicativo pode ser explicado pelo tipo e forma de discurso em que o texto

foi expresso: relato de opinião oral. Se estivessem narrando fatos, por

exemplo, tenderiam a usar o pretérito perfeito do indicativo, mas quando

Page 70: Funcionalismo em perspectiva

72

se emite um parecer, o falante conjuga esse parecer no presente porque é

o pensamento dele na atualidade. E o porquê do indicativo? Se o falante

tem certeza sobre o que diz, então o modo verbal mais provável será

mesmo o utilizado no exemplo.

Percebemos ainda, que, embora o contexto seja narrativo, não

raro, os informantes fazem uma pequena interrupção para emitir seu juízo

de valor sobre o que se conta e por isso voltam a fazer uso do presente do

indicativo.

Ex.: ... às vezes eu chego de sete e meia ... oito horas e minha

mãe já fica perguntando ... “onde é que tu tava?” me dá uma raiva ... né?

porque... olha ... eu detesto essas coisa ... eu num admito também... que

mãe ... namorado ... fica ... sabe? pressionando ...é...controlando ...

Apresentamos na tabela anterior somente os elementos mais

produtivos de cada categoria, a título de informação, mas para suporte

estatístico de nossa hipótese nos detivemos mais à última categoria: tipo

verbal.

Tabela 2: Cruzamento de categorias

Dar discursivo

Tipos de dar

discursivo

metafórico

lexical

modal

outros

Page 71: Funcionalismo em perspectiva

73

Pret. Perf. 33%

Indicativo 47,6%

Dar+SN 100%

A predominância de usos de dar discursivo nos direciona para o

fenômeno de formação de expressões fixas da língua portuguesa,

encontradas na forma dar + SN, como é o caso de “dar certo”, “dar

zebra”, “dar ouvido de mercador”. O verbo analisado, ao mesmo tempo

que perde força semântica dentro dessas expressões, também torna-se

menos variável, uma vez que já fora enquadrado em funções

determinadas pela comunidade linguística, verificação assegurada por

Martelotta.

Com a gramaticalização, o elemento tende a se tornar mais regular e mais previsível em termos de seu uso, pois perde a liberdade sintática característica dos itens lexicais, quando penetra na estrutura tipicamente restritiva da gramática. (MARTELOTTA, 1996)

Constatamos, dessa forma, que o verbo dar segue uma trajetória

de gramaticalização na língua portuguesa e encontra-se num estágio que

se aproxima do enquadramento liguístico, se entendermos como tal a

obtenção de valores sintático-semânticos específicos de determinadas

funções. Necessário se faz lembrar que os novos empregos do verbo não

eliminam seu valor primitivo, mas este pode desaparecer ao longo do

tempo.

Acreditamos que esse enquadramento seja característico do

processo de gramaticalização e esteja intimamente ligado às necessidades

linguísticas no âmbito da oralidade, pois falantes, no uso corrente da

língua, preferem expressões informais às formais. Pareceria meio artificial,

por exemplo, um amigo falar para outro que “logrou êxito” ou “foi bem

sucedido” em sua entrevista de emprego;; usará, mais provavelmente, um

“deu certo”, expressão fixa para qual não existem verbos sinônimos

correspondentes próprios da informalidade. Essa poderia ser uma

evidência que explica o fator motivador de sua origem.

Page 72: Funcionalismo em perspectiva

74

Considerações Finais

Através das investigações aqui expostas, compreendemos que o

verbo dar encontra-se em processo de gramaticalização e caminha para o

esvaziamento semântico típico da manifestação discursiva, que, nos

corpora examinados foi a mais produtiva. Não perdemos de vista as

restrições a que nossos resultados estão sujeitos, pois a quantidade de

ocorrências analisadas não seria a mais indicada, no entanto, acreditamos

que nossas pesquisas sejam úteis ao estímulo de novos trabalhos na área.

REFERÊNCIAS

BRITO, R. H. P. de. Teoria dos Protótipos: um princípio funcionalista. Revista Todas as Letras. V. 1 N. 1. 1999. Disponível em: <http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/tl/article/viewFile/881/643>. Acesso em: 20 nov. 2011 ESTEVES, G. A. T. A gramaticalzação de dar: de predicador a verbo suporte. Rio de Janeiro: CiFeFiL, 2008. ESTEVES, G. A. T. Estudo comparativo dos níveis de gramaticalização deter, dar e

fazer. Revista Estudos Linguísticos, São Paulo, V. 39 N. 1, 2010. ESTEVES, G. A. T. Construções com DAR + Sintagma Nominal: a gramaticalização desse verbo e a alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples. 2008. 334f. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas. Área de Concentração: Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. MARTELOTTA, M. E; AREAS, E. K. A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: FURTADO DA CUNHA, M. A; OLIVEIRA, M. R; MARTELOTTA, M. E.(Org.). Linguística

funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 17-28. MARTELOTTA, M. E. Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. PASQUARELLI, M. L. R. Normas para a apresentação de trabalhos acadêmicos

(ABNT/NBR-14724, agosto 2002). Osasco: Edifieo, 2004. VELLOSO, M. M. Um estudo da idiomatização da construção modal co o verbo dar no protuguês do Brasil. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2007. Disponível em: <http://www.dicionarioweb.com.br/dar.html>. Acesso em: 18 nov. 2011; <http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital&op=loadVerbetepesquisa=1&palavra=dar>. Acesso em: 18 nov. 2011; <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=dar> Acesso em: 18 nov. 2011.

Page 73: Funcionalismo em perspectiva

75

GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR

Paulo Sérgio Fernandes FÉLIX¹

Universidade Federal do Ceará

Resumo: Este artigo pretende mostrar, numa abordagem funcionalista, o emprego do verbo dar. Para tanto, observou-se a gramaticalização desse verbo, considerando-se os fatores de tempo verbal, modo verbal, codificação, formas nominais do verbo e tipos de dar. Coletaram-se, para a pesquisa, dados de dois corpora constituídos de usos orais e escritos. Os dados foram analisados conforme os seus contextos. Os resultados das frequências foram organizados em tabelas. Conclui-se que as ocorrências mais significativas foram as da modalidade oral, já que nessa modalidade a ocorrência do verbo dar foi mais frequente. Conclui-se também que o uso frequente de expressões que contêm dar perdem seus elementos, permitindo que esse verbo apareça sozinho na frase. Palavras-chave: Gramaticalização; Funcionalismo; Verbo dar. INTRODUÇÃO

O verbo dar, como outros verbos que apresentam

polifuncionalidade, quando analisados até mesmo de forma superficial,

passa pelo processo de gramaticalização de verbo predicador a verbo-

suporte. Ao analisar frases com dar, percebemos que esse verbo possui

comportamento sintático-semântico, pois ele pode mudar de item lexical

para categoria de elemento gramatical em determinadas situações

discursivas. Além disso, ele também pode tornar-se mais gramaticalizado,

perdendo, desse modo, sua força semântica primitiva, ou seja, o verbo

dar se esvazia semanticamente, apresentando novas funções e

significados. Não podemos, portanto, preconizar o verbo dar como se ele

possuísse apenas a categoria de verbo pleno como o fazem gramáticas e

dicionários portugueses.

O processo de gramaticalização, como não ignoramos, é um

fenômeno linguístico que pode ser vinculado à visão funcionalista de

linguagem. Tal processo pode ser motivado pela frequência de uso de

itens linguísticos. Segundo Bybee (2003), a gramaticalização, fenômeno

linguístico que se mostra unidirecional, além de ser motivada pela

frequência, também origina esta.

Page 74: Funcionalismo em perspectiva

76

O uso de uma língua deve ser analisado conforme seu contexto

social, pois devemos considerar os falantes e suas intenções. A

gramaticalização que tem a ver com o uso de formas linguísticas

O artigo objetiva mostrar os resultados de uma pesquisa feita

acerca do verbo dar. Como sabemos, esse verbo apresenta, em diversos

contextos sociais, polifuncionalidade muito relevante para o estudo do

processo da gramaticalização. Procuramos, neste trabalho de âmbito

acadêmico, orientar-nos pela concepção funcionalista de linguagem.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este trabalho pauta-se na óptica funcionalista (Cunha, Oliveira e

Martelotta, 2003), já que esta acredita que a linguagem é instrumento de

comunicação social. Cremos que é necessário analisar o uso das formas

linguísticas em contextos sociais, isto é, em situações comunicativas. Para

o funcionalismo, corrente linguística que se opõe ao formalismo, o

principal escopo da língua é estabelecer relações comunicativas entre os

falantes.

Como as formas linguísticas podem passar pelo processo de

gramaticalização de acordo com as necessidades de uso da língua,

podemos vincular o estudo de tal processo à visão funcionalista de

linguagem.

Segundo Heine et alii (1991), a gramaticalização é um processo de

transferência de itens lexicais à categoria de elementos gramaticais ou

como um fenômeno de mudança de itens menos gramaticais a itens mais

gramaticais. Muitos autores estão de acordo de que a frequência não é

somente fator motivador para o fenômeno da gramaticalização, mas

também é resultado desta.

METODOLOGIA

Ao escrever este artigo, procuramos, primeiramente, coletar

ocorrências de frases com o verbo dar em dois corpora. Um de Natal e

outro do Rio de Janeiro. Houve textos escritos e falados. Depois,

Page 75: Funcionalismo em perspectiva

77

precisamos identificar cada ocorrência coletada. Ao todo, coletamos 50

ocorrências que foram categorizadas conforme as cinco variáveis

seguintes:

1. Tempo verbal 2. Modo verbal 3. Codificação 4. Tipos de dar 5. Formas Nominais do Verbo

ANÁLISE DOS DADOS

Quanto às frequências simples de cada grupo de fatores, elas

foram calculadas para que fosse possível relacionar os fatores entre si.

Analisamos o contexto em que apareceram. O resultado foi organizado em

tabelas.

Os quadros a seguir demonstram a porcentagem dos fatores da pesquisa.

Frequências simples de cada grupo de fatores

(total de ocorrências de dar: 50)

1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem

1.1. Presente 18 9%

1.2. Pret. perfeito 12 6%

1.3. P. +-q-perfeito 2 1%

1.4. Imperfeito 8 4%

1.5. Fut. Presente 2 1%

1.6. Fut. Pretérito 0 0%

Tabela 1: Fator tempo verbal

2. Modo Verbal Ocorrência Porcentagem

2.1. Indicativo 37 18,5%

2.2. Subjuntivo 6 3%

2.3. Imperativo 0 0%

Tabela 2: Fator modo verbal

Page 76: Funcionalismo em perspectiva

78

3. Codificação Ocorrência Porcentagem

3.1. DAR + ORAÇÃO INF 1 0,5%

3.2. DAR UMA + ___-ADA 0 0%

3.3. DAR + SN 38 19%

3.4. DAR + SN ZERO 11 5,5%

Tabela 3: Fator codificação

4. Tipo de DAR Ocorrência Porcentagem

4.1. dar lexical

(=transferência de posse)

14 7%

4.2. dar modal (dar +

oração INF)

1 0,5%

4.3. dar aspectual (dar

uma __ada)

0 0%

4.4. dar discursivo (dar a

SN= expressão fixa)

33 16,5%

4.5. outro 2 1%

Tabela 4: Fator tipos de dar

Formas Nominais do Verbo

Ocorrência Porcentagem

Infinitivo 3 1,5% Gerúndio 4 2%

Tabela 5: Fator Formas Nominais do Verbo

Na tabela 1, percebemos que o tempo verbal que se sobressaiu foi

o presente do indicativo, antecedendo o pretérito perfeito. Quanto ao

futuro do presente e futuro do pretérito, somente o primeiro apareceu nos

dois corpora. Entre pretérito imperfeito e o mais-que-perfeito, este

ocorreu menos que aquele. O pretérito perfeito sobressaiu-se com 3% do

total, enquanto o pretérito mais-que-perfeito teve somente 1% do total

das ocorrências.

Page 77: Funcionalismo em perspectiva

79

Pode ser que o destaque do presente seja por causa de uma

análise sincrônica dos corpora. Se a análise fosse diacrônica, talvez outro

tempo verbal se sobressairia.

Na tabela 2, como vemos, o modo indicativo destacou-se com 17%

das ocorrências. Em seguida, sobressaiu-se o modo subjuntivo. O modo

imperativo não apareceu nos corpora.

Apesar de uma análise sincrônica, o modo imperativo não

apareceu nos corpora. A explicação, para tal acontecimento, talvez seja o

fato de termos escolhido mais textos narrativos para nossa investigação.

Como sabemos, o modo indicativo aparece com muita frequência em

textos de caráter narrativo.

Já na tabela 3, percebemos que a maior ocorrência da categoria do

fator codificação dos corpora foi a de DAR + SN com 16,5% do total das

ocorrências. Depois desse resultado, sobressaiu-se DAR + SN ZERO com

5,5%. A categoria DAR + ORAÇÃO INF ocorre somente uma vez,

ocupando 0,5% das ocorrências. A menor ocorrência foi a categoria DAR

UMA + ___-ADA com 0%.

Quanto aos tipos de dar, o dar discursivo se destacou dos outros

com 16,5% do total. O dar lexical ocupou segundo lugar com 7% do total

das ocorrências. Ele foi seguido de um dar que classificamos como outro.

O destaque desse verbo foi de 1%. Depois desse tipo de dar, sobressaiu-

se o dar modal com 0,5% do total. O dar aspectual não demonstrou

nenhuma porcentagem.

Podemos inferir que o dar discursivo ocupou destaque nas

ocorrências por fazer parte da categoria de item gramaticalizado.

Como sabemos, quanto gramaticalizado for um item maior sua ocorrência.

Também sabemos que, segundo Bybee (2003), a frequência é elemento

motivador do processo de gramaticalização verbal.

Na tabela 5, quanto às formas nominais do verbo analisadas, duas

apareceram. Destas, a que teve maior destaque foi a de gerúndio com 2%

das ocorrências, enquanto a forma menos destacada apresentou apenas

1,5% do total.

Page 78: Funcionalismo em perspectiva

80

Comparação geral dos fatores entre si

1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem

1.1. Presente 18 34,5%

1.2. Pret. perfeito 12 23%

1.3. P. +-q-perfeito 2 3,8%

1.4. Imperfeito 8 15,3%

1.5. Fut. Presente 2 3,8%

1.6. Fut. Pretérito 0 0%

Tabela 6: Fator tempo verbal

2. Modo Verbal Ocorrência Porcentagem

2.1. Indicativo 37 71%

2.2. Subjuntivo 6 11,5%

2.3. Imperativo 0 0%

Tabela 7: Fator modo verbal

3. Codificação Ocorrência Porcentagem

3.1. DAR +ORAÇÃO INF 1 1,9%

3.2. DAR UMA + ___ ADA 0 0%

3.3. DAR + SN 38 72,9%%

3.4. DAR + SN ZERO 11 21,1%

Tabela 8: Fator codificação

4. Tipo de DAR Ocorrência Porcentagem

4.1. dar lexical

(=transferência de posse)

14 26,8%

4.2. dar modal (dar +

oração INF)

1 1,9%

4.3. dar aspectual (dar

uma __ada)

0 0%

4.4. dar discursivo (dar a

SN= expressão fixa)

33 63,3%

4.5. Outro 2 3,8%

Page 79: Funcionalismo em perspectiva

81

Tabela 9: Fator tipos de dar

Formas Nominais do Verbo

Ocorrência Porcentagem

Infinitivo 3 5,7% Gerúndio 4 7,6%

Tabela 10: Fator Formas Nominais do Verbo

As tabelas 6,7,8,9 e 10 são uma comparação geral dos fatores

entre si. Os resultados dessas tabelas apresentaram igualdade em relação

às tabelas anteriores, visto que os destaques dos fatores permanecem em

sua ordem de hierarquia. Somamos as ocorrências dos fatores entre si. O

resultado da soma obtido foi 192. Depois de somarmos as ocorrências,

tiramos a porcentagem de cada fator e chegamos à conclusão de que não

houve mudança, de modo algum, no destaque dos fatores.

Modalidades escrita e oral dos dados

Modalidade Escrita

1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem

1.1. Presente 1 0,5%

1.2. Pret. perfeito 2 1%

1.3. P. +-q-perfeito 0 0%

1.4. Imperfeito 0 0%

1.5. Fut. Presente 0 0%

1.6. Fut. Pretérito 0 0%

Tabela 11: Fator tempo verbal

2. Modo Verbal Ocorrência Porcentagem

2.1. Indicativo 3 1,5%

2.2. Subjuntivo 0 0%

2.3. Imperativo 0 0%

Tabela 12: Fator modo verbal

3. Codificação Ocorrência Porcentagem

3.1. DAR +ORAÇÃO INF 0 0%

Page 80: Funcionalismo em perspectiva

82

3.2. DAR UMA +___ADA 0 0%

3.3. DAR + SN 5 2,5%

3.4. DAR + SN ZERO 0 0%

Tabela 13: Fator codificação

4. Tipo de DAR Ocorrência Porcentagem

4.1. Dar lexical

(=transferência de posse)

4 2%

4.2. Dar modal (dar +

oração INF)

0 0%

4.3. Dar aspectual (dar

uma __ada)

0 0%

4.4. Dar discursivo (dar a

SN= expressão fixa)

1 0,5%

4.5. Outro 0 0%

Tabela 14: Fator tipos de dar

Formas Nominais do Verbo

Ocorrência Porcentagem

Infinitivo 2 1% Gerúndio 0 0%

Tabela 15: Fator Formas Nominais do Verbo

As tabelas 11,12,13,14 e 15 apresentam os resultados da

modalidade escrita dos corpora. As próximas tabelas apresentarão os

resultados da modalidade oral, modalidade também analisada por nós.

Na tabela 11, observamos que o tempo verbal que se destaca é o

pretérito perfeito. Esse resultado se distingue do resultado da tabela 1 em

que o tempo que se sobressai é o presente. Em relação a este tempo, ele

ocorre em segundo lugar. Outros tempos verbais não possuem ocorrência

na tabela 11. Quanto ao tempo verbal em destaque, encontramos a

seguinte frase:

(1). “Ela foi até a mesa e me deu outra prova”.

Page 81: Funcionalismo em perspectiva

83

Na tabela 12, o modo indicativo é destaque. Os outros modos não

aparecem. Como foi dito antes acerca do modo indicativo, pode ser que

esse resultado se deva ao fato de nos corpora existirem textos narrativos.

Podemos exemplificar o que foi dito com a seguinte frase dos corpora:

(2). “Chegando na escola, a professora começou a dar a prova

para todos”.

Na tabela 13, aparece, somente, a categoria DAR + SN. Esse

resultado apenas demonstra a frequência de ocorrência que essa

categoria possui tanto em textos orais quanto em escritos. Os resultados

da análise que fizemos confirmam isso. Exemplificando, temos:

(3). “eu quero que você me dê... sua opinião sobre... ou namoro...

amizade... religião... né?”.

Os resultados da tabela 14 mostram somente dois tipos de dar, o

lexical, o mais destacado, e o discursivo. Este ocorre muito na fala. Por

isso, apresentou-se com pouca frequência na modalidade escrita.

Esse resultado revela que a modalidade é fator relevante para a

ocorrência ou não da frequência de um item. Tal resultado contrariou a

hipótese de que quanto mais gramaticalizado for um item maior sua

frequência de ocorrência em relação a itens lexicais (BYBEE, 2003).

Na fala, podemos dar o seguinte exemplo:

(4). “Eu acho que não estão dando prioridade à escola nenhuma

para os alunos.”

Exemplificando o dar lexical, temos:

Page 82: Funcionalismo em perspectiva

84

(5). “E de repente, eu fiquei por último, e a professora não tinha

mais prova para me dar.”.

Na tabela 15, das formas nominais verbais analisadas, somente o

infinitivo apareceu. Esse resultado se diferencia do da tabela 5 em que a

forma nominal verbal gerúndio se sobrepõe à forma nominal verbal

infinitivo. O exemplo pode ser o que se segue: “E de repente, eu fiquei

por último, e a professora não tinha mais prova para me dar.”.

Modalidade Oral

1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem

1.1. Presente 17 8,5%

1.2. Pret. perfeito 10 5%

1.3. P. +-q-perfeito 2 1%

1.4. Imperfeito 8 4%

1.5. Fut. Presente 2 1%

1.6. Fut. Pretérito 0 0%

Tabela 16: Fator tempo verbal

2. Modo Verbal Ocorrência Porcentagem

2.1. Indicativo 34 17%

2.2. Subjuntivo 6 3%

2.3. Imperativo 0 0%

Tabela 17: Fator modo verbal

3. Codificação Ocorrência Porcentagem

3.1. DAR + ORAÇÃO INF 1 0,5%

3.2. DAR UMA + ___ADA 0 0%

3.3. DAR + SN 33 16,5%

3.4. DAR + SN ZERO 11 5,5%

Tabela 18: Fator codificação

4. Tipo de DAR Ocorrência Porcentagem

Page 83: Funcionalismo em perspectiva

85

4.1. Dar lexical

(=transferência de posse)

10 5%

4.2. Dar modal (dar +

oração INF)

1 0,5%

4.3. Dar aspectual (dar

uma __ada)

0 0%

4.4. Dar discursivo (dar a

SN= expressão fixa)

32 16%

4.5. Outro 2 1%

Tabela 19: Fator tipos de dar

Formas Nominais do

Verbo

Ocorrência Porcentagem

Infinitivo 1 0,5%

Gerúndio 4 2%

Tabela 20: Fator Formas Nominais do Verbo

Os resultados da tabela 16 opõem-se aos da tabela 11. Nesta, o

tempo verbal que se sobressai é o pretérito perfeito, enquanto naquela o

tempo verbal em destaque é o presente. Essa diferença pode ser por

causa das modalidades expressivas em análise.

Analisando dados escritos e falados de um corpus, percebemos que

sempre aparecem diferenças entre uma modalidade expressiva e outra.

Ao analisar os corpora para este artigo, tivemos que considerar o contexto

em que seus elementos apareceram, visto que o mesmo pode influenciar

nos resultados.

A tabela 16 também se diferencia da tabela 11 por apresentar

ocorrências em outros tempos verbais. Apesar disso, as tabelas 16 e 11 se

assemelham com relação aos tempos verbais presente e pretérito

perfeito, já que ambos os tempos se destacam em relação aos outros.

Na tabela 17, podemos observar a sobreposição do modo indicativo

ao modo subjuntivo. Talvez, isso aconteceu por ser o modo indicativo

preferido nas modalidades escrita e falada. O indicativo se destaca tanto

Page 84: Funcionalismo em perspectiva

86

na análise dos corpora falados quanto na dos corpora escritos. No

entanto, ao analisar as duas modalidades, observamos que o indicativo da

modalidade oral se sobrepõe ao da modalidade escrita. Talvez, por serem

corpora distintos, a ocorrência não tenha sido quantativamente igual.

Devemos levar em conta a quantidade dos corpora escritos e falados se

quisermos analisar bem, visto que a diferença quantitativa pode

influenciar o resultado dos dados.

Na tabela 18, a categoria do fator codificação que se destaca é a de

DAR + SN, seguida da de DAR + SN ZERO. Essa categoria tem destaque

tanto na modalidade oral quanto na escrita. O seu destaque, nos corpora

em análise, pode ser pelo fato de ela sempre aparecer, no estudo da

gramaticalização, como forma prototípica. Sabemos que quanto mais

gramaticalizado é um item maior é sua frequência.

(6). “quando dou conta ele estava dando um maior show lá na

frente...”.

Esse exemplo apresenta a expressão “dou conta” que foi

classificada como DAR + SN.

Quanto a DAR + SN ZERO, sua ocorrência ocupou segundo lugar

nos corpora. Pudemos observar que os elementos que vêm depois do

verbo dar nessa categoria são subentendidos. Talvez, o uso excessivo de

expressões com dar explique esse acontecimento.

(7). “... era um namoro assim... muito... no dia que dava... dava...

no dia que num dava... num dava...”

Percebemos que o termo certo estava implícito nessa frase.

Os resultados na tabela 19 demonstram que o dar discursivo e o

dar lexical se assemelham em relação a destaque. No entanto, ao analisar

esses tipos de verbo, nas duas modalidades expressivas da língua,

Page 85: Funcionalismo em perspectiva

87

podemos perceber que o primeiro ocorre mais que o segundo em relação

à modalidade oral. Isso se deve ao fato de o primeiro aparecer com maior

frequência nessa modalidade.

Na tabela 20, as formas nominais do verbo diferenciaram-se das da

tabela 15. Enquanto nesta o infinitivo se sobressaiu, naquela, o gerúndio

teve destaque maior. Ambas as tabelas não apresentaram o imperativo.

“dando o maior show... não vou sair com ele não...”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos que o verbo dar, em quase todas as suas categorias

fatoriais ocorreu com mais frequência na modalidade oral da língua.

Quanto à modalidade escrita, percebemos que o verbo dar como

discursivo apareceu pouco, já que ele é mais recorrente na modalidade

oral linguística. No entanto, notamos que, nas duas modalidades

analisadas, o modo imperativo não ocorreu de modo algum. Podemos

concluir, com esses resultados, que o contexto das ocorrências foi

relevante para nossa pesquisa. Concluímos também que a modalidade

também é fator importante para a ocorrência da frequência de um item.

A investigação das ocorrências do verbo dar possibilitou a

percepção do comportamento sintático-semântico desse verbo. Pudemos

observar que dar, ao ser usado muitas vezes com elemento que não

pertence à classe gramatical substantivo, aparece sozinho.

Outras pesquisas podem ser relevantes para o estudo do processo

da gramaticalização. A investigação não se exaure aqui. Ela deve ser

continuada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BYBEE, Joan. Mechanisms of change in grammaticization: the role of frequency. In: Joseph, Brian & Janda, Richard(eds). A handbook

Page 86: Funcionalismo em perspectiva

88

of historical linguistics. Blackweel, 2003, p. 602-623. FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica; OLIVEIRA, Mariangela Rios de; MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Lingüística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. HEINE, Bernd et alii. Grammaticalization: a conceptual framework. Chicago: University of Chicago Press, 1991.

Page 87: Funcionalismo em perspectiva

89

A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR NO PRESENTE E

NO PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO

Leidimara Soares BATISTA15

Leila Mara Martins VIANA16

Resumo: A gramaticalização é um fenômeno que ocorre nas línguas naturais contribuindo para a variação e para a mudança lingüística. O presente trabalho tem por objetivo analisar a gramaticalização pela qual passa o verbo dar nos tempos presente e pretérito perfeito do indicativo. Para fundamentar nossa pesquisa utilizamos autores que caracterizaram e analisaram o processo de gramaticalização como: Mario Eduardo Martellota, Luis Carlos Travaglia; Giselle Aparecida Toledo Esteves. Ao analisarmos nosso corpus observamos que o verbo dar na maioria dos contextos, de fala, perdeu sua função inicial de designador do processo de transferência de posse para a função de verbo auxiliar, complementando o sentido funcional da sentença à qual está inserido. Este processo, entretanto, ocorreu de maneira mais frequente no pretérito perfeito. Palavras-chave: Gramaticalização, Dar, Presente, Pretérito Perfeito. Abstract: The grammaticalization is a phenomenon that occurs in natural languages contributing to the variation and linguistic change. This study aims to analyze the grammaticalization of the verb to give in the present and past perfect tenses.To support our research we used authors who characterize and analyze the process of grammaticalization as: Mario Eduardo Martellota, Luis Carlos Travaglia, and Giselle Aparecida Toledo Esteves. In analyzing our corpus to observe that the verb to give, in most of the speech contexts, lost its initial function of designator of the transferring process to the function of the auxiliary verb, complementing the functional sense of the sentence to which it belongs. This process, however, occurred more frequently in the past tense.

Keywords: Grammaticalization, To give, Present, Past Perfect.

Introdução

Saussure, em seu Curso de Linguística Geral (1916), afirma que a

língua é uma instituição social, ou seja, uma convenção adotada pelo

corpo social. Ao aceitarmos essa afirmação como um fato, podemos tecer

algumas considerações sobre a língua baseando-nos nas outras estruturas

15Graduanda em Letras-Espanhol da Universidade Federal do Ceará. Pacajus-Ce.

[email protected]

16Graduanda em Letras-Português da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-Ce.

[email protected]

Page 88: Funcionalismo em perspectiva

90

sociais. As mais importantes delas seriam: as variações que as línguas

teriam, de sociedade para sociedade, e as mudanças que elas sofreriam

com a passagem do tempo, já que como organismos vivos as sociedades

tendem a evoluir levando essa evolução para todos os níveis de sua

organização.

O fenômeno de gramaticalização é, portanto, um dos processos

que manifestam esse aspecto não-estático da língua e, por conseguinte,

da gramática, entendida como o conjunto de regularidades encontradas

nas línguas naturais, decorrentes de seu uso. Esse processo ocorre de

duas maneiras: a primeira denominada stricto sensu, responsável pelas

mudanças discursivas do léxico para a gramática e a latu sensu, que

explica as mudanças que ocorrem dentro da própria gramática (FURTADO

DA CUNHA; OLIVEIRA; MARTELLOTA, 2003).

(1) Maria andou até sua casa.

(2) Maria anda muito triste ultimamente.

Ao analisarmos as sentenças acima observamos que na primeira

oração, o verbo andar está em sua forma plena, designando o

deslocamento espacial de alguém, Maria, para algum lugar, sua casa. Já

na segunda oração, o deslocamento apresentado pelo verbo refere-se ao

estado do sujeito. Esta acumulação de funções, deslocamento espacial e

de estado, ocorre primeiramente no discurso e devido a sua regularidade

e frequência se converte em norma e adentra a gramática.

Neste trabalho focaremos nossas pesquisas na gramaticalização do

verbo dar nos tempos presente e pretérito perfeito do indicativo, já que

este verbo, dependendo do contexto de fala, muda de verbo predicador

pleno, cuja função é designar transferência de posse, para verbo suporte

destituído de autonomia, já que a força semântica está no componente

não verbal.

Page 89: Funcionalismo em perspectiva

91

Utilizaremos em nossa investigação amostras orais do Português,

do século vinte, das cidades de Recife e São Paulo retiradas do Corpus do

Português online.

Fundamentação Teórica

O estudo do fenômeno da gramaticalização não é algo novo dentro

dos estudos funcionalistas. Ao longo do tempo, diversos teóricos

empreenderam estudos acerca deste processo de variação e mudança

linguística. Nosso trabalho fundamenta-se nos estudos de alguns desses

teóricos.

De acordo com Heine et al. (1991) apud Esteves (2008), o

fenômeno da gramaticalização pode ser compreendido como um processo

de transferência de itens lexicais à categoria de elementos gramaticais ou

como um fenômeno de mudança de itens menos gramaticais a itens mais

gramaticais.

Através desse processo, itens lexicais e construções sintáticas

passam a assumir funções referentes à organização interna do discurso ou

a estratégias comunicativas. Assim, identificamos o fenômeno da

mudança associado ao contexto comunicativo.

Ao centrarmos nossa pesquisa na gramaticalização do verbo dar,

um novo campo teórico se abre, uma vez que, outros pesquisadores

trataram desse tema especificamente. Travaglia (2003) apesar de não ter

se fixado no verbo em questão trouxe grandes contribuições com seus

estudos sobre as mudanças sofridas pelos verbos. Para ele os verbos

gramaticais são resultado de um processo de mudança lingüística, mais

amplo, chamado gramaticalização.

O referido autor, voltando atenção para a gramaticalização dos

verbos, chama de verbos gramaticais aqueles cuja função primeira não é

expressar situações (ações, fatos, fenômenos, estados, eventos, etc) e

sim marcar categorias verbais, exercendo funções ou papéis discursivo-

textuais determinados, indicando noções bastante gerais e abstratas tais

como resultatividade, cessamento, repetição, atribuição, etc.

Page 90: Funcionalismo em perspectiva

92

Outra contribuição muito importante sobre o tema de nossa

pesquisa foi a de Esteves (2008), que estudou a gramaticalização do

verbo dar em seus artigos. Em um deles expôs quatro categorias do

verbo em questão: verbo predicador pleno, verbo predicador não-pleno,

verbo predicador a verbo-suporte e verbo suporte. Sendo a categoria

“verbo predicador pleno” a mais lexical e “verbo suporte” a mais

gramatical.

Nos contextos comunicativos, os verbos tanto podem manter seu

papel pleno ao expressar situações quanto, abandonando esse papel,

expressar novas funções, passando, portanto, pelo processo de

gramaticalização.

Gramaticalização do verbo dar: Verbo pleno a verbo suporte

O verbo dar originalmente em língua portuguesa é autônomo, ou

seja, independe de outros para apresentar um sentido completo. Também

apresenta por função a de marcador de transferência de posse. Essas

características podem ser percebidas facilmente no exemplo abaixo:

(3) uma roupa é - né? - ou que está faltando um pão e você dá

um um pão a ela? - é uma alegria bacana - a gente se (224

19Or:Br:LF:Recf).

Entretanto, na sentença abaixo observamos uma mudança na

função exercida pelo verbo:

(4) que chama -se - em português chama-se boldo parece é uma

planta que dá uma seiva açucarada - da qual se faz uma rapadura que

aliás é deliciosa e (493 19Or:Br:LF:SP).

Neste caso o verbo dar perde sua noção de transferência tornando-se apenas um suporte do elemento não-verbal que ele acompanha.

O “verbo-suporte” [...]. Partilha com o elemento não-verbal a função de atribuir papel temático ao(s) argumentos do predicado complexo, porém a força léxico-semântica do predicado complexo resultante dessa operação está no componente não-verbal. (ESTEVES, 2008. p. 11).

Page 91: Funcionalismo em perspectiva

93

Metodologia

No intuito de verificar os valores e o grau de gramaticalização do

verbo dar, analisamos o corpus do Português online e selecionamos

ocorrências de fala de Recife e de São Paulo, totalizando 100 ocorrências.

Tais ocorrências apresentam o verbo dar conjugado no Pretérito Perfeito e

no Presente do Indicativo.

Na categorização dos dados, consideramos as seguintes variáveis:

tempo verbal; codificação do verbo dar e tipo de dar. A categoria modo

verbal foi desconsiderada, pois ambos os tempos utilizados em nossa

análise são do modo indicativo.

Examinamos nossas amostras separadamente: primeiro o pretérito

perfeito e depois o presente. Em seguida, criamos tabelas para mostrar

nossos resultados nas categorias codificação e tipo de dar.

Posteriormente, relacionamos essas categorias entre si, para então

cruzarmos os resultados dos dois tempos pesquisados.

Análise dos dados

Verbo dar no Pretérito Perfeito

Ao analisarmos as ocorrências, nas quais o verbo dar aparece no

pretérito perfeito do indicativo, nas variáveis codificação e tipo de dar,

conseguimos os seguintes resultados:

Análise da codificação

1. A estrutura DAR+SN foi predominante visto que apareceu em

quarenta e duas das cinqüenta ocorrências analisadas;

2. A estrutura Dar + Uma + ____ -ADA apresentou uma única

ocorrência no corpus selecionado;

3. 14% das orações apresentaram a codificação de Dar + Oração

Infinitiva.

Tabela 01: Codificação dos dados

PRETÉRITO PERFEITO DO

INDICATIVO

Page 92: Funcionalismo em perspectiva

94

Dar + SN

84% 42/50

Dar + UMA + __-

ADA

2% 1/50

Dar + Oração

Infinitiva

14% 7/50

Observamos que tais estruturas influenciam na classificação do tipo

de dar e que a estrutura predominante (DAR+SN) relaciona-se com o

verbo dar quando este atua como verbo suporte e como verbo pleno.

Exemplos

(5) de cabeça muito intelectual - sabe? - com doze anos meu pai

me deu a coleção de Jorge Amado - sabe? esse lance de inglês meu

pai queria (146 19Or:Br:LF:Recf)

(6) do mundo - certo? mas esse por exemplo Todas as mulheres do

mundo já deu origem a uma série de filmes aí - infelizmente não

puderam acompanhar o mesmo padrão (188 19Or:Br:LF:SP)

Nos exemplos, a estrutura DAR+SN é identificada por “deu a

coleção de Jorge Amado” e “deu origem”. Na ocorrência 5 o verbo dar

mantém o significado de transferência de posse diferentemente da

ocorrência 6, na qual observamos um afastamento desse significado

pleno, resultando na estrutura DAR+SN com verbo suporte.

Análise dos Tipos do verbo Dar no Pretérito Perfeito do Indicativo

Ao analisarmos os Tipos de Dar no corpus utilizado para a

pesquisa, encontramos os seguintes resultados:

1. Das cinquenta amostras analisadas 58% são categorizadas como

dar discursivo;

2. O dar modal sobrepõe-se ao dar lexical aparecendo em 12% das 50

amostras;

3. O dar aspectual foi encontrado em apenas uma ocorrência,

representando 2% do total:

Page 93: Funcionalismo em perspectiva

95

(7) pode ser criticado por todo mundo - uma criança que deu

uma risada é que ela gostou da peça você se sente feliz acabou –

(195 19Or:Br:LF:SP)

4. A porcentagem de 20% da categoria outro se refere as dez

ocorrências que não foram enquadradas nas variáveis determinadas

anteriormente.

Tabela 02: Tipo de Dar

Relações entre a Codificação e os Tipos de Dar no Pretérito Perfeito do

Indicativo

Tabela 3: Relação entre a estrutura Dar+ SN e Tipos de Dar

A partir dessa relação, observamos que a estrutura DAR+SN

favorece, principalmente, a existência do dar lexical e do dar discursivo.

Tabela 4: Relação entre a estrutura Dar+ Or. Infinitiva e Tipos de Dar

PRETÉRITO PERFEITO

DO INDICATIVO

Dar Lexical 8% 4/50

Dar Modal 12% 6/50

Dar

Aspectual

2% 1/50

Dar

Discursivo

58% 29/50

Outro 20% 10/50

Dar + SN

Dar Lexical 4/42

Dar Modal 0/42

Dar Aspectual 0/42

Dar Discursivo 28/42

Outro 10/42

Dar + Or. Infinitiva

Dar Lexical 0/7

Dar Modal 6/7

Dar Aspectual 0/7

Page 94: Funcionalismo em perspectiva

96

Compreendemos que, nas situações comunicativas de fala do

pretérito perfeito, o verbo dar afasta-se do seu significado pleno, pois não

transmite a idéia de transferência de posse. Assim podemos observar no

seguinte exemplo:

Ex. – (8) dar saída que ele vai lá em cima mesmo - e o rapaz

simplesmente deu primeira no carro e foi embora - né? e fomos todos lá

dentro – (156 19Or:Br:LF:Recf).

É importante ressaltar que o dar discursivo pode ser substituído

por outra palavra. No caso do exemplo acima, poderíamos substituir deu

por “engatou”, o que nos mostra a ausência do significado pleno de

transferência de posse.

Verbo dar no Presente do Indicativo

Ao analisarmos as amostras das construções oracionais em que o

verbo dar aparece no presente do indicativo nas categorias de codificação

e tipo de dar, obtivemos os seguintes resultados:

Análise da codificação do verbo dar no presente do indicativo

1. Das cinquenta orações examinadas no presente do indicativo a

maior frequência, trinta e quatro delas, apresentaram a estrutura

Dar+SN.

(9)” - um dá uma conotação mais ativa e outra mais passiva

à participação - um fica muito mais”.(202 19Or:Br:LF:Recf)

2. A estrutura Dar + Uma + ____ -ADA não apresentou nenhuma

ocorrência no corpus selecionado;

Dar Discursivo 1/7

Outro 0/7

Page 95: Funcionalismo em perspectiva

97

3. 32% das orações apresentaram uma estruturação de Dar + Oração

Infinitiva.

(10) “? - rosbife - presunto - embora eu goste muito de mortadela

- agora não dá mais pra comer muito nâo porque - fica é muito pesada

né? – mortadela.” ( 591 19Or:Br:LF:SP)

Tabela 5: Codificação do verbo Dar

Podemos inferir desses resultados que nos contextos comunicativos

os falantes dão prioridade à utilização da estrutura: Dar + SN. Sendo que,

nesta forma o verbo dar apresenta como função a de verbo suporte, já

que toda a carga semântica está concentrada no elemento posterior a ele.

(11)- que alguém já colocou em automóvel várias pessoas já

colocaram - e: dizem dá um bom rendimento - inclusive com economia

até superior a do álcool - é verdade(209 19Or:Br:LF:Recf)

Na oração acima o verbo dar destituído de sua noção de

transferência perde também sua autonomia, pois toda a força léxico-

semântica está no elemento não-verbal: “bom rendimento”.

Análise dos Tipos do verbo Dar no presente do Indicativo

Ao analisarmos os Tipos de Dar presente no corpus utilizado para a

pesquisa encontramos os seguintes resultados:

1. Das cinquenta amostras analisadas 48% são categorizadas como

dar discursivo;

2. O dar modal foi encontrado em apenas 16 ocorrências,

contabilizando 32% do total;

3. O dar lexical apareceu em 8 das 50 amostras;

4. O dar aspectual não foi categorizado em nenhuma das sentenças;

PRESENTE DO INDICATIVO

Dar + SN

68% 34/50

Dar + UMA + ____-

ADA

0% 0/50

Dar + Oração Infinitiva 32% 16/50

Page 96: Funcionalismo em perspectiva

98

Tabela 6: Tipo de Dar

Nossos resultados demonstram uma preferência do falante na

utilização em seus contextos comunicativos da tipologia dar discursivo.

Essa frequência pode ser explicada pela ampliação semântica do referido

verbo, que essa categoria proporciona.

Observação:

Das amostras investigadas duas no presente e dez no pretérito

perfeito não puderam ser enquadradas nas categorias estudadas, já que o

verbo dar mantém nestas ocorrências sua noção de transferência, porém

relacionada com elementos abstratos que não estão de fato na posse do

falante. Vale ressaltar que todas estas ocorrências deram-se na estrutura

Dar+SN.

(12) porque mae trabalhando pai trabalhando os filhos ficam

entregue - a empregadas - é não dá aquele amor né? - exato então as

crianças a e a futura juventude futuros(214 19Or:Br:LF:Recf).

(13) ninguém - liga não - vai uma senhora com uma criança uma

senhora grávida ninguém dá mais o lugar não - cada um que se cuide -

é um por si (219 19Or:B r:LF:Recf).

(14) mas - para mim o - que eu faço atingiu lógico está - me deu

visão ampla eu - hoje eu - leio um jornal eu sei o que eu (185

19Or:Br:LF:SP).

PRESENTE DO

INDICATIVO

Dar Lexical 16% 8/50

Dar Modal 32% 16/50

Dar

Aspectual

0% 0/50

Dar

Discursivo

48% 24/50

Outro 4% 2/50

Page 97: Funcionalismo em perspectiva

99

(15) enorme - só que a gente não estudou - mas é um dom que

Deus deu - porque eu mesma - não seria capaz de passar bem uma

roupa – só (154 19Or:Br:LF:Recf).

Relações entre a Codificação e os Tipos de Dar no Presente do Indicativo

Ao relacionarmos a estrutura Dar+SN com os tipos de dar

observamos uma predominância da categoria dar discursivo sobre as

demais. Já que, vinte e quatro amostras das trinta e quatro desta

estrutura apresentaram esse tipo de verbo restando apenas dez

ocorrências para as demais categorias, como nos mostra a tabela abaixo:

Tabela 7: Relação entre a estrutura Dar+ SN e Tipos de Dar

Se nos detivermos na análise da estrutura Dar + Oração Infinitiva

obteremos um resultado completamente diferente. Esta estrutura não

apresenta variação nos tipos de dar presente nas sentenças, já que, ao

contrário da estrutura anterior essa codificação apresentou um único tipo

de dar nas 16 amostras analisadas: dar modal.

Tabela 8: Relação entre a estrutura Dar+ Oração Infinitiva e Tipos de Dar

Dar + SN

Dar Lexical 8/34

Dar Modal 0/34

Dar Aspectual 0/34

Dar Discursivo 24/34

Outro 2/34

Dar + Or. Infinitiva

Dar Lexical 0/16

Dar Modal 16/16

Dar Aspectual 0/16

Dar Discursivo 0/16

Outro 0/16

Page 98: Funcionalismo em perspectiva

100

Podemos concluir então que a estrutura Dar+SN favorece o

aparecimento do dar discursivo, enquanto que a estrutura Dar+Or.

Infinitiva condiciona a presença da variação dar modal.

Relação entre o Presente e o Pretérito Perfeito do Indicativo

Ao compararmos os dados obtidos com as análises dos tempos

estudados constatamos os seguintes resultados:

1. Com relação à codificação a estrutura Dar+SN predomina nas

ocorrências dos dois tempos verbais. Sendo que a presença no

pretérito perfeito é superior a do presente como podemos observar

nas tabelas 1 e 5.

2. No que se refere ao tipo de dar encontramos as cinco categorias no

pretérito perfeito destacando-se a categoria dar discursivo, 58%

(tabela 2). Tal destaque ocorre também no presente do indicativo,

48% (tabela 6), porém nas ocorrências deste tempo a categoria dar

aspectual não foi encontrada.

3. Ao fazermos o cruzamento das variáveis “codificação e tipo de dar”,

constatamos que:

a. A estrutura Dar+Sn encontra-se mais relacionada ao dar discursivo

tanto no presente quanto pretérito perfeito do indicativo, tabelas 3 e

7.

b. A estrutura Dar+Oração Infinitiva está associada ao dar modal

sendo predominante tal relação nos dois tempos verbais uma vez

que há apenas uma ocorrência, no pretérito perfeito, com tal

estrutura relacionada ao dar discursivo.

Considerações Finais

O presente estudo nos possibilitou reafirmar e comprovar as

características do fenômeno da gramaticalização, principalmente, no que

se refere ao fato de tal fenômeno manifestar o caráter não-estático da

língua.

Page 99: Funcionalismo em perspectiva

101

Observamos que o tipo de “dar lexical” está relacionado com o

conceito de verbo predicador pleno, visto que as ocorrências com o dar

lexical refletiam o significado de transferência posse.

Seguindo essa relação, constatamos que há um afastamento desse

significado pleno, quando identificamos, inicialmente, sentenças que

apresentavam o verbo dar com um significado de transferência de posse

de elementos abstratos.

Esse distanciamento foi totalmente constatado nas ocorrências que

apresentam o “dar discursivo”, uma vez que havia possibilidades de

substituição do verbo dar por outra expressão.

Relacionamos o dar discursivo, associado à estrutura DAR+SN,

com o conceito de verbo-suporte, pois nas sentenças com tal tipo de dar

verificamos a perda de autonomia desse verbo e uma concentração de

força léxico-semântica no elemento não-verbal.

É importante ressaltar que tais observações ocorrem nos contextos

de fala do Presente e do pretérito Perfeito do Indicativo. Podemos então

reafirmar uma das características do processo do processo de

gramaticalização: um processo de mudança que ocorre do discurso para a

gramática.

Convergimos assim com pesquisadores do assunto, citados no

presente trabalho, que também mostram a perda da autonomia do verbo

dar e reafirmam os aspectos da gramaticalização. Por isso, nossa

pesquisa contribui para dar continuidade ao estudo da gramaticalização do

verbo dar.

Reconhecemos que diante da análise de um corpus recortado, o

presente estudo, posteriormente, pode ser ampliado para aumentar as

contribuições ao assunto pesquisado.

REFERÊNCIAS

COSTA, Marcos Antonio; CEZARIO, Maria Maura. Pressupostos teóricos fundamentais. In: FURTADO DA CUNHA, M.A., OLIVEIRA, M.R., MARTELOTTA, M.E. Linguística Funcional:

teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. P89-121.

Page 100: Funcionalismo em perspectiva

102

ESTEVES. Giselle Aparecida Toledo. A Gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo suporte. In: Cadernos do CNLF, vol. XI, n° 12. Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2008. MARTELOTTA, M.E. A mudança lingüística. In: FURTADO DA CUNHA, M.A.,OLIVEIRA, M.R. MARTELOTTA, M.E. Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. P57-71. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. 279 p. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Gramaticalização de verbos. In: HENRIQUES, Claudio Cezar. (Org). Linguagem, conhecimento e aplicação: estudos de língua e linguística. 1ª ed. Rio de Janeiro: Europa, 2003. P.306-321

Page 101: Funcionalismo em perspectiva

103

ANÁLISE SINCRÔNICA DA GRAMATICALIZAÇÃO DO

VERBO DAR

Janne Maria Carvalho MESQUITA17 Sayonara Bessa CIDRACK18

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de gramaticalização do verbo dar do Português falado no Brasil, de forma a verificar se a ocorrência do uso do verbo aqui em destaque se dá de maneira lexical, modal, aspectual ou discursiva. A metodologia nele desenvolvida utiliza como base os autores: Esteves (2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003). Os resultados sinalizam para o fato de que a maior frequência do uso do verbo dar ocorre de modo discursivo. Concluímos, portanto, que o verbo aqui destacado perde a sua carga semântica principal e assume outros sentidos, passando a funcionar como verbo suporte para a expressão posterior. Palavras-chave: análise sincrônica, gramaticalização, verbo dar. Abstract: The following aims to analyze the grammaticalization process of the verb to give as it spoken in Brazil, verifying if the occurrence of its use takes so prominent lexical, modal, aspectual or discourse. The methodology developed uses the following authors as basis: Esteves (2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003). The results points to the fact that verb to give uses more frequently the discourse form. We conclude that the verb to give loses its meaning semantic and admits others meanings, acting like a support verb. Keywords: synchronic analysis, grammaticalization, to give.

Introdução

O estudo funcionalista trata a língua como instrumento de

interação social, na qual a língua é fluida e flexível, ou seja, ela passa por

transformações ao decorrer do tempo, pois possui um caráter dinâmico,

heterogêneo e variável.

Um dos fenômenos estudados no Funcionalismo é a

gramaticalização dos verbos, processo que se dá quando um verbo perde

sua função primeira e passa a ser usado de forma fixa, ou seja, mais

gramatical.

Tal fenômeno é discutido no presente trabalho que tem por

objetivo analisar o processo de gramaticalização do verbo dar no

17 Graduanda do Curso de Letras com Habilitação em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. [email protected]. 18 Graduanda do Curso de Letras com Habilitação em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. [email protected].

Page 102: Funcionalismo em perspectiva

104

Português falado nas capitais Recife e São Paulo, a partir de um estudo

sincrônico, verificado no século XX.

O verbo dar é frequentemente utilizado no Português falado

brasileiro com o significado de ceder, entregar ou oferecer algo a alguém.

No entanto, em outras ocasiões, ele perde o seu significado pleno e passa

a assumir outras funções menos lexicais e cada vez mais gramaticais.

As hipóteses sinalizam para o fato de que as maiores ocorrências

dos tipos do verbo dar manifestam-se de maneira lexical (transferência de

posse), modal (dar + oração infinitiva), aspectual (dar uma ___ada) e

discursiva (dar + sintagma nominal = expressão fixa).

Fundamentação Teórica

Em contextos de interação social é possível verificar a

polifuncionalidade do verbo dar no português falado e o surgimento de

novas categorias funcionais. Partindo do pressuposto de que o objetivo

essencial da língua é permitir relações comunicativas entre os falantes,

devemos explorar seu uso no plano discursivo (ESTEVES, 2008).

O verbo dar possui diferentes características, pois quanto mais

assume a forma gramaticalizada, maior será a frequência de ocorrência,

sendo que esta deve acontecer regularmente no sistema da língua

portuguesa (ESTEVES, 2008).

Ferreira (2007) cita em sua tese intitulada “Gramaticalização e

auxiliaridade: um estudo pancônico do verbo chegar” que Meillet (1912)

considera a expressividade e o uso como fatores responsáveis pela

mudança linguística;; destacando que o Autor define “o termo

‘gramaticalização’, como a ‘atribuição de característica gramatical a uma

palavra anteriormente autônoma’”. (MEILLET, 1912 apud FERREIRA,

2007, p. 46)

No âmbito funcional “a gramaticalização e a discursivização são

fenômenos associados aos processos de regularização do uso da língua.

Ou seja, relacionam-se à variação e à mudança lingüísticas” (FURTADO

DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p. 49-50).

Page 103: Funcionalismo em perspectiva

105

O processo de gramaticalização segue o princípio de

unidirecionalidade, pois se direciona em um único sentido, não voltando a

sua ação inicial, ou seja, “segundo o qual itens lexicais e construções

sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções

gramaticais, e uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas

funções gramaticais” (FURTADO DA CUNHA, 2008, p. 173).

Outro princípio significativo para o estudo de gramaticalização é a

descategorização, Ferreira (2007) baseada em Hopper (1991) afirma que

este princípio refere-se à diminuição ou perda do estado categorial dos itens gramaticalizados. Por exemplo, um verbo, quando lexical, tem propriedades sintáticas e semânticas, como o número de argumentos implicados, a categoria morfossintática e a função semântica desses argumentos, além das restrições de seleção para sua realização lexical. Quando se gramaticalizam, os verbos assumem atributos das categorias secundárias e perdem a propriedade de, por exemplo, selecionar argumentos com os quais vão se combinar. (HOPPER, 1991 apud FERREIRA, 2007, p. 59)

Portanto, utilizaremos os conceitos aqui abordados como base para

a investigação das ocorrências mais frequentes em nossa análise.

Metodologia

A presente pesquisa é classificada como exploratória, cujo objetivo

de análise consiste na identificação da gramaticalização do verbo dar no

presente e no pretérito perfeito do modo indicativo do Português falado

em Recife e em São Paulo, durante o século XX.

Foram analisadas cem ocorrências, retiradas do Corpus do

Português Online, dos usos do verbo em questão, divididos da seguinte

forma: vinte e cinco no presente e vinte e cinco no pretérito perfeito,

ambos do modo indicativo em Recife, e as mesmas quantidades, nos

mesmos tempos e modo verbal em São Paulo.

Utilizamos como base para a nossa pesquisa os autores: Esteves

(2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha,

Costa e Cezario (2003).

Page 104: Funcionalismo em perspectiva

106

O exame dos dados observados no decorrer de nossa análise será

apontado na próxima seção, de modo a analisar as ocorrências do verbo

dar.

Análise do Corpus

Para cumprir com o nosso objetivo, no que diz respeito à

metodologia, utilizamos uma pesquisa exploratória e avaliamos a

gramaticalização do verbo dar no português falado no Brasil, destacando

as maiores ocorrências desse verbo, mostrando de que maneira (lexical,

modal, aspectual e discursiva) ele mais se manifesta.

A tabela abaixo exemplifica o modo selecionado para a divisão das

ocorrências analisadas, a fim de obter os resultados previstos na nossa

introdução.

Tabela 1: Divisão das ocorrências

Tempo Verbal Modo

Verbal

Local Ocorrências

Analisadas

Presente Indicativo Recife 25

São Paulo 25

Pretérito

Perfeito

Indicativo Recife 25

São Paulo 25

Total: 100

Podemos afirmar que o verbo dar é lexical quando apresenta

sentido pleno, transmitindo a ideia de transferência de posse. Possui carga

semântica equivalente a ceder, entregar ou oferecer algo a alguém, como

aponta os exemplos abaixo:

Exemplo 1: Assina por exemplo um cheque - e retira o dinheiro -

você mesmo - ou dá a uma pessoa que vai ao banco e retira diretamente.

Page 105: Funcionalismo em perspectiva

107

Exemplo 2: Com doze anos meu pai me deu a coleção de Jorge

Amado.

O verbo dar modal expressa a atitude e a intenção do falante em

relação ao que fala, manifestando uma possibilidade ou um desejo. Veja

os exemplos a seguir:

Exemplo 3: Você conhece assim algum museu no exterior que

tenha lhe chamado atenção? – conheço - - dá para descrever (aqui) para

a gente?

Exemplo 4: Áh não tem problema deu vontade de perguntar se

deu tempo.

O referido verbo é aspectual quando traz na sua base o sentido de

duração, movimento ou pontualidade do evento, podendo transmitir uma

noção parcial.

Exemplo 5: Uma criança que deu uma risada é que ela gostou da

peça.

Além da hipótese estimada para a codificação (dar uma + ___ada)

obtivemos dados não esperados para o dar aspectual, pois encontramos

expressões que se enquadram no conceito, mas não possuem o mesmo

sufixo. Observemos os exemplos abaixo:

Exemplo 6: Bom a gente prepara essa as carnes – em panela

separada – então você dá uma – uma fervura nelas – pra tirar um pouco

da gordura.

Exemplo 7: Não sei se vocês já repararam que num caso desses o

funcionário do banco dá uma carimbadinha assim com duas linhas em

diagonal – ele cruza o cheque.

Page 106: Funcionalismo em perspectiva

108

O verbo dar é discursivo quando este perde o seu sentido pleno

assumindo uma significação diferenciada dentro do discurso, pois sua

carga semântica irá ganhar outras conotações. Veja os casos:

Exemplo 8: Agora eu nunca levei – pra casa boa-noite que dá

muito aquela – roxa e branca – tem roxa e branca.

Exemplo 9: Minha mãe me deu com o machucador e o machucador

deu em mim.

1. Categorização dos dados em Recife

As tabelas abaixo demonstram as quantidades e o percentual da

codificação e dos tipos de dar observados durante o estudo dos usos

desse verbo na cidade de Recife, a partir do Corpus do Português Online.

1.1. Presente do Indicativo

Conforme os dados que as tabelas (2) e (3) apresentam, notamos

que a frequência maior do uso do verbo dar no presente do indicativo

ocorre na codificação DAR + SN, equivalendo a 88% das ocorrências, e o

tipo de dar é discursivo.

1.2. Pretérito Perfeito do Indicativo

CODIFICAÇÃO

Dar + Oração

Infinitiva

1/25 4%

Dar + UMA +

____ADA

0/25 0%

Dar + SN 22/25 88%

Outro 2/25 8%

TIPO DE DAR

Lexical 1/25

Modal 1/25

Aspectual 0/25

Discursivo 21/25

Outro 2/25

Tabela 3: Os tipos de dar no presente,

em Recife

Tabela 2: O uso do dá em Recife

Page 107: Funcionalismo em perspectiva

109

Os resultados das tabelas (4) e (5) mostram que o uso do verbo

dar no pretérito perfeito do indicativo acontece com mais veemência na

codificação DAR + SN, equivalendo a 80% das ocorrências, e o tipo de dar

é discursivo.

A partir do exposto acima, observamos que no presente e no

pretérito perfeito do modo indicativo não foi possível categorizar 8%, de

cada tempo, em nenhuma codificação e em nenhum tipo de dar.

2. Categorização dos dados em São Paulo

As tabelas a seguir expõem quantitativamente e percentualmente o

modo como o verbo dar apresenta sua codificação e os seus tipos, a partir

da observação realizada durante o estudo dos usos desse verbo na cidade

de São Paulo.

2.1. Presente do Indicativo

CODIFICAÇÃO

Dar + Oração

Infinitiva

3/25 12%

Dar + UMA +

__ADA

0/25 0%

Dar + SN 20/25 80%

Outro 2/25 8%

TIPO DE DAR

Lexical 6/25

Modal 3/25

Aspectual 0/25

Discursivo 14/25

Outro 2/25

CODIFICAÇÃO

Dar + Oração

Infinitiva

6/25 24%

Dar + UMA +

____-ADA

0/25 0%

Dar + SN 18/25 72%

Outro 1/25 4%

TIPO DE DAR

Lexical 5/25

Modal 6/25

Aspectual 3/25

Discursivo 10/25

Outro 1/25

Tabela 2: D

Tabela 4: O uso do deu em Recife

Tabela 5: Os tipos de dar no pretérito,

em Recife

Tabela 6: O uso do dá em São Paulo

Tabela 7: Os tipos de dar no presente,

em São Paulo

Page 108: Funcionalismo em perspectiva

110

Os dados apresentados nas tabelas (6) e (7) denotam uma maior

intensidade do uso do verbo dar no presente do indicativo na codificação

DAR + SN, correspondendo a 72% das ocorrências, e aponta para o tipo

de dar discursivo.

2.2. Pretérito Perfeito do Indicativo

O levantamento dos dados das tabelas (8) e (9) indicam que o uso

do verbo dar no pretérito perfeito do indicativo é mais frequente na

codificação DAR + SN, apresentando 72% das ocorrências, e o tipo de dar

sendo discursivo.

Em nossa análise não foi possível encaixarmos o aparecimento de

4% das ocorrências do presente e de 16% do pretérito perfeito do modo

indicativo nas categorias já expostas e nem indicarmos uma nova

categorização.

3. Relação total entre as codificações e os tipos de dar nas duas capitais

CODIFICAÇÃO

Dar + Oração

Infinitiva

0/25 0%

Dar + UMA + __-

ADA

3/25 12%

Dar + SN 18/25 72%

Outro 4/25 16%

Tipo de dar

Lexical 2/25

Modal 0/25

Aspectual 3/25

Discursivo 15/25

Outro 4/25

Dar + Or. Infinitiva

Lexical 0/10

Modal 10/10

Aspectual 0/10

Discursivo 0/10

Dar + UMA + ____ADA

Lexical 0/3

Modal 0/3

Aspectual 3/3

Discursivo 0/3

Tabela 10: Dar + or. Infinitiva e os tipos de dar

Tabela 8: O uso do deu em São Paulo

Tabela 9: Os tipos de dar no pretérito,

em São Paulo

Tabela 11: Dar + uma + ___ada e os tipos de dar

Page 109: Funcionalismo em perspectiva

111

A relação total das ocorrências, como mostram as tabelas (10),

(11) e (12), aponta para o fato de que foi possível o cruzamento de

noventa e uma delas a partir da categorização exposta, não sendo

suficiente para categorizar nove.

É perceptível que a relação da codificação DAR + SN ligada ao tipo

de dar discursivo é a mais freqüente, comprovando, portanto, que a

gramaticalização do verbo em questão vai ocorrer quase igualitariamente

nas duas capitais, mostrando que o processo é contínuo e que o verbo dar

está perdendo o sentido pleno, assumindo expressões fixas.

A partir da análise de um corpus do português falado no Brasil,

verificamos que a modalidade fala influenciou o resultado, pois este

evidencia que o dar discursivo é o mais usual.

Considerações Finais

O artigo que aqui se conclui apresentou e explicou o processo de

gramaticalização do verbo dar com as codificações e os tipos mais

recorrentes, mas sem esgotar as possíveis análises desse fenômeno.

Percebemos, então, que no decorrer da análise, a maior frequência

dos usos do verbo aqui destacado perde a sua carga semântica principal e

assume outros sentidos, passando a funcionar como verbo suporte para a

expressão que vier a seguir.

O estudo minucioso das ocorrências, retiradas do Corpus do

Português Online, foi de grande relevância para a compreensão das várias

formas dos usos do verbo dar na modalidade fala. Portanto, chegamos ao

Dar + SN

Lexical 14/78

Modal 0/78

Aspectual 3/78

Discursivo 61/78

Tabela 12: Dar + SN e os tipos de dar

Page 110: Funcionalismo em perspectiva

112

nosso objetivo, mas deixamos em aberto a análise desses e outros

aspectos.

REFERÊNCIAS

ESTEVES, Giselle Aparecida Toledo. A Gramaticalização de Dar: de Verbo-predicador a Verbo-suporte. In: Cadernos do CNLF, vol. XI, n° 12. Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2008. FERREIRA, Ediene Pena. Gramaticalização e auxiliaridade: um estudo pancônico do verbo chegar. 2007. 270 f.: Tese (doutorado) - Universidade Federal do Ceará, Departamento de Linguística, Fortaleza-CE, 2007. FURTADO DA CUNHA, M. A. F. da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, M. E. Manual de

Linguística. São Paulo: Contexto, 2008. FURTADO DA CUNHA, M. A. F. da, COSTA, M. A., CEZARIO, M. M. Pressupostos Teóricos Fundamentais. In: CUNHA, M. A. F. da, OLIVEIRA, M. R., MARTELOTTA, M. E. Linguística Funcional: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

Page 111: Funcionalismo em perspectiva

113

SEÇÃO 6

A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO

Page 112: Funcionalismo em perspectiva

114

A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO

Naéliton Souza Freitas19

Vitória Régia Santos Ferreira20

Resumo: A manifestação da avaliação em textos opinativos é algo constante, uma vez que o produtor do texto, por meio desse recurso, pode posicionar-se de maneira negativa ou positiva em relação ao que deseja transmitir ao leitor. Isso acontece devido ao caráter argumentativo dos gêneros, nos quais os textos que expressam opinião estão inseridos. Considerando esse recurso utilizado pelos produtores de textos opinativos, objetiva-se por meio deste trabalho, estudar e avaliar as manifestações da avaliação em textos de natureza opinativa, observando e registrando os recursos avaliativos utilizados com maior freqüência. Para isso, foram coletadas frases de um editorial do Jornal Diário do Nordeste e uma coluna da revista Época, os quais compõem o corpus desta pesquisa. As ocorrências foram recolhidas do referido corpus e organizadas em uma tabela contendo os seguintes fatores: tipo de julgamento, recurso do julgamento e a codificação do julgamento. Os dados, após serem coletados, foram analisados com base nos fatores mencionados. Centramos nossa fundamentação teórica no artigo de White (2004) intitulado Valoração - A linguagem da Avaliação e da perspectiva. Depois de avaliados, os dados foram relacionados entre si e tiveram suas freqüências devidamente calculadas. Dessa forma, pôde-se constatar quais recursos de avaliação foram mais utilizados nos textos analisados, coluna e editorial. Palavras-chave: Valoração, avaliação, textos opinativos.

Introdução

Pretende-se, mediante este trabalho, estudar e analisar a

manifestação da avaliação em textos de caráter opinativo, com a

finalidade de verificar os recursos utilizados com maior frequência pelos

produtores desses tipos de textos. Os elementos que compõem o corpus

desta pesquisa são do gênero jornalístico, a saber, uma coluna da revista

Época e um editorial do jornal Diário do Nordeste. Os referidos textos

foram escolhidos devido à presença constante da avaliação em seus

conteúdos e serão estudados com base na teoria da Valoração, a fim de

verificar as ocorrências da avaliação na superfície textual.

19 Graduando do Curso de Letras pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. [email protected].

20 Graduanda do Curso de Letras pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. [email protected].

Page 113: Funcionalismo em perspectiva

115

A teoria da Valoração, segundo White (2004), é uma abordagem

utilizada para analisar a avaliação em textos escritos, que surgiu a partir

da Linguística sistêmica funcional. Tendo essa teoria como base teórica,

avaliaremos algumas frases que indicam uma noção de julgamento no

corpus anteriormente citado, pertencente a gêneros que têm como

característica a natureza argumentativa.

Geralmente, esses textos tratam de assuntos que tiveram grande

repercussão na sociedade e permitem que haja posicionamentos diversos

acerca desses acontecimentos. É importante enfatizar que não há uma

verdade absoluta em relação aos fatos abordados, por isso o autor do

texto argumenta com veemência para sustentar o ponto de vista que está

sendo defendido. Para isso, o agente textual vale-se de dados, provas e

evidências, na tentativa de justificar suas afirmações sobre o ponto de

vista defendido, demonstrando a veracidade e a credibilidade de sua

informação.

Assim, apoiados nessa teoria, avaliaremos as ocorrências, com o

objetivo de organizar as informações para atingir o objetivo desta

pesquisa. Através dessas análises, serão comparados os dois gêneros

textuais, coluna e editorial, com a finalidade de demonstrar quais são os

recursos mais frequentes nos dois textos, expondo as semelhanças e as

diferenças detectadas durante o estudo do corpus.

Metodologia

A metodologia deste trabalho pode ser dividida em três etapas. Na

primeira etapa, foram feitas pesquisas, nas quais foram selecionados

alguns textos sobre a abordagem da Valoração, que compõe a base

teórica da pesquisa. Em seguida, foram selecionados dois textos

jornalísticos, uma coluna da revista Época intitulada O mito e o trofeu,

que tem como tema a morte de Osama Bin Laden, e um editorial do Jornal

Diário do Nordeste intitulado Saneamento e gestão, que discute acerca

dos problemas referentes ao saneamento básico no Brasil.

Page 114: Funcionalismo em perspectiva

116

Na segunda etapa, foram extraídas do corpus da pesquisa frases

que codificam expressões de opinião, sejam elas explícitas ou implícitas.

Depois de coletarmos as ocorrências, as frases foram organizadas em uma

lista e, em seguida, classificadas em uma tabela que continham os

seguintes fatores: ocorrência, referência, codificação, tipo de julgamento e

recurso do julgamento.

As ocorrências são as frases selecionadas e extraídas do corpus

que expressam ideias de opinião. Já a referência remete ao número da

linha do texto, na qual as frases podem ser encontradas. A codificação,

por sua vez, refere-se ao modo como o julgamento pode ser expresso, ou

seja, codificado em forma de substantivos, adjetivos, advérbios, verbos ou

expressões. O tipo de julgamento se refere à forma como o produtor do

texto expressa sua opinião, uma vez que ele pode declarar algo, como de

sua autoria, ou atribuir um ponto de vista a terceiros. Por último, temos o

recurso de julgamento, que pode ser expresso da seguinte forma:

capacidade, usualidade, tenacidade, veracidade e propriedade.

A terceira etapa da pesquisa consiste na comparação dos dados

extraídos do corpus, para que fosse alcançado o objetivo da pesquisa.

Cada fator, anteriormente citado, teve suas frequências simples

calculadas. Depois de calculados, os fatores foram relacionados entre si e

avaliados com base no contexto em que aparecem. Por fim, realizada a

análise, os dados foram novamente organizados em uma tabela, na qual

contém a porcentagem de cada fator em relação a sua frequência.

Fundamentação Teórica

Como já mencionamos, a teoria da Valoração originou-se a partir

da Linguística sistêmica funcional, tendo como objetivo principal analisar a

avaliação e a perspectiva em textos diversos. Essa abordagem oferece

estratégias para que o leitor possa observar e visualizar como a avaliação

e a perspectiva atuam em textos escritos de diferentes gêneros.

Segundo White (2004), a abordagem da Valoração propõe que os

significados atitudinais, que compreendem avaliações positivas e

Page 115: Funcionalismo em perspectiva

117

negativas, podem ser agrupados em três grandes campos semânticos que

são:

1. Afeto: esse significado atitudinal está relacionado à emoção, uma

vez que os produtores do texto expressam, através de suas opiniões

emocionais, visões positivas ou negativas. Há a possibilidade

também de expressar a opinião de terceiros.

2. Julgamento: esse significado atitudinal implica em uma visão da

aceitabilidade do comportamento de indivíduos. O julgamento é

dividido em dois tipos: o de sanção social e o de estima social.

3. Apreciação: esse significado atitudinal faz avaliações de

fenômenos semióticos e naturais através de referências ao seu valor

estético.

Os significados atitudinais podem ser ativados de duas maneiras:

direta ou implícita. Na ativação direta, os significados são ativados,

mediante termos atitudinais que se encontram explícitos na superfície

textual. No caso da ativação implícita, os significados são ativados

mediante inferências feitas pelo leitor, que, de acordo com seus valores,

pode interpretar os dados apresentados pelo agente textual como

positivos ou negativos.

Ainda, segundo White (2004), as avaliações implícitas levantam

sérios problemas teóricos e analíticos. O leitor tem que levar em conta, na

análise das informações, a pragmática e o contexto social para ativar os

significados que operam no contexto. Isso ocorre pelo fato do julgamento

não estar explícito no corpo do texto, e, por essa razão, o leitor tenta

recuperar os significados atitudinais mediante diferentes estratégias.

Dessa maneira o leitor tem de sair do campo semântico, recorrendo à

pragmática, uma vez que os textos serão analisados dentro de seus

respectivos contextos.

Page 116: Funcionalismo em perspectiva

118

A avaliação atitudinal tem como objetivo verificar os diversos

significados que operam no discurso. Dentre esses significados, está o

afeto que tem os seus valores codificados em formas de qualidades

(adjetivos), processo (verbos), comentários e entidades abstratas

nominalizadas.

Outro significado bastante importante é o Julgamento, pois através

dele podemos construir valores sobre o comportamento de uma pessoa,

de acordo com perspectivas e valores exigidos pela sociedade. O

julgamento, como já mencionamos, é dividido em sanção social e

aceitabilidade social. O primeiro implica questões de legalidade social e

moralidade, enquanto que o segundo não implica questões legais ou

morais, mas avaliações de aceitação social. O julgamento de sanção social

está ligado à veracidade e a propriedade. Já o julgamento de estima

social, por sua vez, está relacionado à normalidade, capacidade e

tenacidade.

A apreciação está ligada a significados utilizados normalmente para

construir avaliações sobre um determinado objeto ou edificações, os quais

são produtos do trabalho humano. Através da apreciação o agente textual

atribui valores negativos ou positivos em relação à estética de um objeto

que está sendo avaliado.

Por último, temos o engajamento que é uma estratégia que indica

o comprometimento do agente textual, ou seja, o quanto o indivíduo está

engajado em um determinado discurso. Assim, o produtor do texto

demonstra o seu comprometimento mediante as seguintes ações:

1. Declarar: o agente textual apresenta ao leitor um ponto de vista

como válido e confiável, na tentativa de tornar o seu relato verídico

e ganhar credibilidade com leitor. A voz textual não dá margem para

outros pontos de vista.

2. Refutar: o agente textual expressa sua opinião de forma

contrária, rejeitando um argumento.

Page 117: Funcionalismo em perspectiva

119

3. Considerar: o agente textual apresenta várias posições

diferentes, consideradas alternativas dialógicas. Nesse caso,

Transmitem-se ao leitor outros pontos de vistas que se apresentam

como aceitáveis.

4. Atribuir: o agente textual atribui um ponto de vista a uma voz

externa ao texto, sendo que essa opinião é apenas uma dentre

várias opiniões existentes, que podem ser analisadas pelo leitor

como aceitáveis ou não.

Análise de Dados

Durante a análise dos dados, foi possível observar algumas

diferenças entre os textos estudados nesta pesquisa, coluna e editorial,

que serão mais bem explicadas a posteriori. Verificamos que, em relação

à coluna, há um alto grau de engajamento por parte do agente textual

quanto aos fatos transmitidos para os leitores, uma vez que o produtor do

texto apresenta sua opinião na tentativa de torná-la aceitável e verídica

aos olhos do leitor, enquanto no editorial, há um grande uso de

atribuições por parte do agente textual. Dessa maneira, o texto do

colunista demonstra um alto grau de persuasão.

No processo de construção dos textos, os autores demonstram sua

opinião, através de declarações diretas e implícitas. Podemos constatar

que, na coluna, a declaração direta foi utilizada com maior freqüência em

comparação com o uso de declarações implícitas, dessa maneira, entende-

se que o autor pretende expor sua opinião claramente. Outro fato

bastante expressivo, no que diz respeito ao julgamento, foi o pouco uso

de atribuições por parte do colunista, assim, entende-se que o autor tem

o interesse de explicitar ao máximo o seu engajamento, por essa razão

não atribui, com frequência, opiniões a terceiros. O número de

declarações foi muito mais expressivo, atingindo um percentual de

81,24% do total do tipo de julgamento usado pelo agente textual,

enquanto o recurso da atribuição atingiu um percentual de apenas

18,75%.

Page 118: Funcionalismo em perspectiva

120

Fig.1 Tipos de julgamento encontrados na coluna

Um fato que se mostrou bastante significativo foi à codificação do

julgamento utilizado pelo colunista, que codificou a maioria de seus

julgamentos em forma de adjetivos (39,1%), seguido de verbos (18,8%),

substantivos (15,9%), expressões (15,9%) e, por último, advérbios

(10,1%) que foram utilizados em um menor número.

Fig.2. Codificação de julgamento retirados da coluna

Vejamos alguns exemplos de frases, nas quais os julgamentos

foram utilizados em forma de adjetivos:

(1) O povo americano é nacionalista, protecionista e imperialista

[...]

(2) Ele deixou de ser um líder tíbio, relutante.

(3) Seu ótimo slogan “Yes we can” era vago o bastante para ser

completado de maneira mais conveniente a cada um.

(4) O acerto de contas foi americano.

Atribuição

Declaração

AdjetivosVerbossubstantivosExpressõesAdvérbios

Page 119: Funcionalismo em perspectiva

121

Em relação ao recurso de julgamento feito pelo autor do texto,

podemos observar um maior número de julgamento de normalidade que

atingiu um percentual de 28,3% do total. Esse tipo de julgamento,

caracterizado como sendo de estima social, refere-se ao costume, ou seja,

se o comportamento do indivíduo é usual ou não na sociedade em que ele

está inserido. Já o julgamento de propriedade atingiu um percentual de

28,3%. Esse tipo de julgamento, considerado de sanção social, refere-se à

ética do individuo diante da sociedade. O julgamento de capacidade, que

está classificado dentro do julgamento de estima social e referente à

capacidade do indivíduo, alcançou um percentual de 22,9%. O julgamento

de tenacidade, que é considerado de estima social, alcançou um

percentual de 10,8%. Esse tipo de julgamento refere-se à confiabilidade

ou a disposição do indivíduo. Por fim, temos o julgamento de veracidade

que é classificado como julgamento de sanção social e diz respeito à

honestidade do indivíduo, que obteve 9,7% do total.

Fig.3 Recurso de julgamentos encontrados na coluna

A seguir, temos alguns exemplos dos tipos de julgamento,

retirados da coluna:

(5) Essa foi a reação normal. Por um motivo simples: o terror e o

fanatismo distorcem o islã. (normalidade)

(6) Todos lembramos o que fazíamos quando, há quase dez anos,

um atentado bárbaro matou cerca de 3 mil inocentes nas torres

gêmeas. (propriedade)

Normalidade

Propriedade

Capacidade

Tenacidade

Veracidade

Page 120: Funcionalismo em perspectiva

122

(7) [...] Ele poderia continuar um cadáver apresentável, não?

(capacidade)

(8) Ele deixou de ser um líder tíbio, relutante. (tenacidade)

(9) Podemos fingir que o mundo estará mais seguro e melhor a

partir de agora? Ninguém acredita nisso. (veracidade)

Os recursos de julgamento foram codificados de formas diferentes

na coluna. Variando bastante em número entre expressões e as seguintes

classes gramaticais: substantativos, advérbios, verbos e adjetivos, que,

como foi mostrado anteriormente, foi usado com maior freqüência.

Observamos esses dados na seguinte tabela:

Codificação Capacidade Normalidade Tenacidade Veracidade Propriedade

Substantivo 0% 27,2% 9,0% 0% 63,6%

Adjetivo 18,5% 33,3% 18,5% 7,4% 33,3%

Advérbio 0% 14,2% 0% 14,2% 71,4%

Expressão 36,3% 54,5% 9,0% 9,0% 0%

Verbo 61,5% 15,3% 7,6% 23,0% 0%

Codificação do recurso de julgamento (coluna)

Na análise de dados do editorial, podemos notar que o autor, que

geralmente fala por sua empresa ou equipe, não expôs sua opinião

diretamente, uma vez que o autor não demonstra um comprometimento

com o que está sendo abordado. Assim, podemos notar que não há um

alto grau de engajamento do agente textual com os fatos relatados. Uma

vez que o autor sempre expõe seu ponto de vista, se apoiando na

avaliação feita por terceiros. Como podemos ver na oração a seguir:

(10) no curto período de quatro anos, mais da metade das cidades

brasileiras terá sérios problemas com o abastecimento de água,

segundo levantamento divulgado pela Associação Nacional de Água

(ANA).

Page 121: Funcionalismo em perspectiva

123

Podemos observar que o autor do texto, apóia sua afirmação nas

informações apresentadas pelo levantamento divulgado pela (ANA)

mostrando-se menos comprometido com a afirmação transmitida ao

leitor.

No processo de construção do texto, o autor demonstra sua

opinião, através de declarações diretas e implícitas, assim como na

coluna, mas com algumas diferenças. Podemos observar que a declaração

direta foi utilizada com maior freqüência em comparação com o uso de

declarações implícitas.

Em relação ao tipo de julgamento, foram utilizadas quase o mesmo

número de atribuições e de declarações por parte do autor. Assim,

entende-se que o autor tem o interesse de explicitar ao máximo o seu

engajamento, mas sem se comprometer totalmente com as informações

expostas na superfície textual, por essa razão atribui, frequentemente,

julgamentos a terceiros. O número de declarações não se mostrou muito

expressivo no editorial, se comparado com a coluna. Não houve muita

diferença entre o uso de declarações e atribuições. A declaração atingiu

um percentual de 57,1%, enquanto a atribuição atingiu um percentual de

42,8%.

Fig.4 Tipos de julgamento encontrados no editorial

Em relação à codificação do julgamento, podemos observar que o

agente textual codificou a maioria dos seus julgamentos na forma de

Atribuição

Declaração

Page 122: Funcionalismo em perspectiva

124

adjetivos (45,2%), seguido de expressões (21,4%), advérbios (14,2%),

substantivos (11,9%) e, por último, verbos (7,14%).

Fig.5 Codificação do julgamento do editorial

Vejamos algumas frases, nas quais os julgamentos foram utilizados

em forma de adjetivos:

(11) Nesse valor total, não se encontram incluídos os recursos

imprescindíveis para resolver o crônico problema do saneamento

básico, com seus necessários sistemas de coleta de esgoto e

estações de proteção das fontes onde se faz a captação de água

para o consumo humano.

(12) [..] Ainda de acordo com o documento da ANA, será necessário

investir, com urgência, 22 bilhões de reais em obras de

infraestrutura, construção de sistemas de distribuição, novas

estações de tratamento e recuperação de antigas redes já

deterioradas com o passar do tempo.

Em relação ao recurso de julgamento, que já foi explicado

anteriormente, feito pelo autor do texto, podemos observar um maior

número de julgamento de normalidade e capacidade que atingiram um

percentual de 30,7%. Os recursos de julgamento, tenacidade e

propriedade, também alcançaram porcentagens similares, 7,6% do total.

O único recurso de julgamento que não foi utilizado pelo agente textual foi

à veracidade com 0%.

Adjetivos

Expressões

Advérbios

Substantivos

Verbos

Page 123: Funcionalismo em perspectiva

125

Fig.6 Recursos de julgamento encontrados no editorial

A seguir, temos alguns exemplos dos recursos de julgamento

ultilizados no editorial:

(13) Apesar de muitos avanços ocorridos na área, nos últimos anos,

constata-se a lamentável evidência de que 13% dos brasileiros não

têm um banheiro em casa. (normalidade)

(14) O ministério do Meio Ambiente parece ter se conscientizado de

quão importante deve ser o desenvolvimento de estratégias

adequadas para garantir segurança no abastecimento. (propriedade)

(15) Estudiosos do problema asseguram que, especificamente no

caso brasileiro, a questão da água está muito mais ligada a

deficiências no campo da gestão do que quanto à escassez

propriamente considerada. (capacidade)

(16) [...] Promove campanhas no sentido de alertar a população

contra o desperdício e a má utilização da água, sobretudo nas

grandes cidades e zonas industriais. (tenacidade)

No editorial, os recursos de julgamento, assim como na coluna,

foram codificados de formas diferentes. Variando bastante em número

entre expressões e as seguintes classes gramaticais, como foi exposto

anteriormente. O adjetivo também foi utilizado com maior freqüência pelo

agente textual do editorial. Observamos esses dados na seguinte tabela:

Normalidade

Capacidade

Propriedade

Tenacidade

Page 124: Funcionalismo em perspectiva

126

Capacidade Normalidade Tenacidade Veracidade Propriedade

Substantivo 20% 20% 20% 0% 40%

Adjetivo 21,0% 31,5% 0% 0% 47,3%

Advérbio 16,6% 66,6% 0% 0% 16,6%

Expressão 33,3% 22,2% 22,2% 0% 22,2%

Verbo 0% 33,3% 0% 0 66,6%

Codificação do recurso de julgamento (editorial)

Com base nos dados expostos na tabela, infere-se que o produtor

do texto, codificou seus julgamentos de acordo com elementos

pertencentes a uma determinada classe gramatical, de acordo com o a

sua intenção de expressar o seu ponto de vista com maior expressividade.

Por exemplo, para expressar capacidade, o autor codificou seus

julgamentos, na maioria das vezes, através de expressões, seguidas de

adjetivos, advérbios e, por último, substantivos.

Considerações Finais

Diante das informações apresentadas neste trabalho, podemos

constatar como a avaliação é algo importante para a produção dos

gêneros textuais destacados nesta pesquisa, pois esse recurso dá suporte

à argumentação do agente textual.

Os recursos avaliativos foram utilizados com frequências diferentes

nos dois textos, assim, constata-se que a utilização do recurso de

julgamento irá variar dependendo das necessidades do produtor do texto

de expressar sua opinião e torná-la crível diante do leitor.

Observamos que existem algumas diferenças entre os dois textos,

uma vez que, através da análise das avaliações, a colunista mostrou-se

mais engajada e demonstrou também um maior comprometimento em

relação às informações transmitidas aos leitores, através do texto.

Enquanto o autor do editorial apresenta sua opinião, na maioria das

vezes, apoiada em afirmações de terceiros. Dessa forma, se distanciando

da informação veiculada.

Page 125: Funcionalismo em perspectiva

127

Algo que se mostrou bastante significativo, foi a forma como os

agentes textuais codificaram os seus julgamentos, pois ambos usam em

maior número adjetivos. Essa classe gramatical se apresentou de maior

utilidade para que os produtores textuais pudessem expressar as suas

ideias, concordando ou discordando dos fatos expostos na superfície

textual.

Esta pesquisa, não conseguiu abarcar os fatores relacionados ao

tema em sua totalidade, porém foram apresentados os dados e os

resultados básicos para que possamos entender como a avaliação opera

dentro dos textos opinativos, assim como as formas de julgamento são

codificadas pelos produtores do texto. É válido ressaltar que não podemos

afirmar que haja um padrão de uso do julgamento, bem como as suas

formas de codificação, pois a pesquisa foi feita com a utilização de um

pequeno corpus.

Esse estudo deixa lacunas que podem ser, possivelmente,

preenchidas com outras pesquisas sobre o tema, visto que a avaliação é

um assunto bastante rico e amplo e tem um grande campo a ser

explorado. Acreditamos que a avaliação é utilizada de acordo com as

necessidades do agente textual de expressar de forma mais conveniente e

contundente sua opinião, não havendo dessa maneira, um formula

especifica para a sua utilização em textos opinativos.

REFERÊNCIAS

CABRAL, Sara Scotta. A mídia e o julgamento com base na teoria da valoração. 2007. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Maria, 2007. WHITE, P. R.R. Valoração - A linguagem da Avaliação e da perspectiva, 2004.

Page 126: Funcionalismo em perspectiva

128

SEÇÃO 7

OS PLANOS DISCURSIVOS NA OBRA DE ESOPO

Page 127: Funcionalismo em perspectiva

129

OS PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO NA FÁBULA

“O BURRO QUE VESTIU A PELE DE UM LEÃO”, DE ESOPO

Jéssica Fontenele SALES21

Resumo: Este trabalho propõe-se a apresentar uma análise acerca dos planos discursivos de Figura e Fundo na fábula “O burro que vestiu a pele de um leão”, de Esopo, segundo as regras de classificação funcionalistas propostas por Paul Hopper e Sandra Thompson (1980), explicitando em que contextos narrativos se encontram presentes. De acordo com a referida teoria, a transitividade é vista como característica do conjunto oracional e não apenas da categoria dos verbos, é uma propriedade escalar e varia de acordo com certos parâmetros. Nossa hipótese era de que o plano discursivo Figura, que se caracteriza como principal devido a sua alta transitividade, estaria concentrado na complicação, na ação e na resolução; enquanto o Fundo, de baixa transitividade, constituiria o todo acessório do texto: orientação e moral.

Palavras-chave: Funcionalismo, figura, fundo, literatura, fábula.

Introdução

Dentre os elos teóricos que unem diversas correntes de estudos

linguísticos sob o título de Funcionalismo, o principal e mais basilar, sem

dúvida, é aquele que diz respeito à investigação da língua em seus usos

efetivos ou, em outras palavras, à língua situada em seus diversos

contextos comunicativos (CUNHA, 2008).

Diante disso, podemos deduzir que uma teoria funcionalista

somente deveria tomar como corpus ou referência dados linguísticos reais

(que podem ser de fala ou escrita), através dos quais possamos identificar

as funções extralinguísticas que os influenciam e condicionam.

É importante pontuar, no que concerne a esse aspecto, que as

correntes funcionalistas costumam ser classificadas de acordo com seu

extremismo ou não em relação à influência das funções externas sobre o

sistema linguístico propriamente dito.

De acordo com Cunha (2008), “Uma postura mais moderada

admite uma interação entre forma e função”, enquanto “A postura mais

21 Graduanda do Curso de Letras-Inglês pela Universidade Federal do Ceará.

Page 128: Funcionalismo em perspectiva

130

radical propõe que as funções externas (tais como os propósitos

comunicativos dos interlocutores) definem as categorias gramaticais”.

Dá a entender ainda a autora que, se tomarmos uma posição

teórica extrema, chegaremos ao ponto de negação da sintaxe. Assim, não

haveria argumentos a favor da definição de categorias linguísticas, já que

elas apenas existiriam em relação aos vários contextos comunicativos,

tendo como característica primordial a fluidez.

É no trabalho intitulado Transitivity in Grammar and Discourse

(1980), dos americanos Hopper e Thompson, que podemos encontrar as

bases teóricas originais para análises funcionalistas do discurso com foco

nos planos discursivos de Figura e Fundo.

Os referidos autores pertencem à linha mais radical do

Funcionalismo, sobre a qual já falamos há pouco, e fornecem o aparato

teórico para a presente análise.

Fundamentação teórica

Para que se compreenda a caracterização dos planos discursivos de

Figura e Fundo proposta por Hopper e Thompson, é necessário que se

tenha em mente o conceito de transitividade segundo os mesmos.

Para facilitar a apreensão deste conceito, é comum que se trace

um paralelo entre a referida transitividade, funcionalista, e a

transitividade que nos é apresentada pela Gramática Tradicional.

Segundo a GT, a transitividade é uma característica exclusiva da

categoria dos verbos. Podem eles, de acordo com o complemento que

exigem, serem classificados como transitivos diretos (complemento não-

preposicionado; amar alguém ou algo), transitivos indiretos (complemento

preposicionado; gostar de alguém ou de algo) ou bitransitivos

(complementos preposicionado e não-preposicionado; dar algo a alguém).

Os verbos chamados de intransitivos não exigiriam nenhum complemento,

sustentando-se semanticamente por si (morrer).

Embora alguns gramáticos tradicionais admitam existir relatividade

quanto à transitividade dos verbos (assim, o emprego de cada um em

Page 129: Funcionalismo em perspectiva

131

dada situação é que determinaria seu tipo de transitividade), ela continua

sendo uma característica definida de forma absoluta na GT: não se pode

conceber um verbo “mais” ou “menos” transitivo de acordo com tal visão.

Já para Hopper & Thompson (1980), a transitividade “é entendida

como uma propriedade contínua, escalar, não inerente ao verbo, mas

manifestada na totalidade da oração.” (NASCIMENTO, 2010, p. 4).

Podemos imaginar, por exemplo, que exista um agente que, por

meio de uma ação, se torna causador de uma mudança; ou um estado,

que não envolve mudanças de nenhuma forma.

O nível de transitividade de uma oração é determinado a partir de

dez parâmetros, os quais Silva (2007) dispõe em forma de tabela. São

eles:

Componentes Alta transitividade Baixa transitividade

Participantes 2 ou mais (Agente e

Objeto) Um

Cinese Ação Não-ação (estado)

Aspecto Télico Atélico

Punctualidade Pontual Não-pontual

Volitividade Proposital Não-proposital

Polaridade Afirmativa Negativa

Modalidade Realis Irrealis

Agentividade Mais agente Menos agente

Afastamento do objeto Objeto totalmente

afetado

Objeto parcialmente

afetado

Page 130: Funcionalismo em perspectiva

132

Individualização do

objeto

Objeto muito

individualizado

Objeto pouco

individualizado

O plano narrativo Figura, por possuir alta transitividade, é

considerado o centro da narrativa. É ele que constitui o enredo e as ações

essenciais.

O plano do Fundo, ao contrário, possui baixa transitividade e,

dessa forma, constituiria, por assim dizer, os adornos, os acessórios da

narração.

Utilizamo-nos, neste estudo, de dois dos parâmetros

recomendados pelos autores para a classificação das cláusulas

componentes do corpus: aspecto verbal e modalidade.

O parâmetro aspecto diz respeito às classificações do verbo de

acordo com o tempo em que se encontra: será perfectivo se o verbo

estiver no pretérito perfeito ou mais-que-perfeito; será imperfectivo se o

verbo se encontrar no infinitivo, presente, pretérito imperfeito ou futuro.

A modalidade está relacionada com a intensidade da assertividade

(CONCEIÇÃO, 2010) e com a efetividade da ação (SILVA, 2010): verbos

no modo indicativo e na forma afirmativa são marcas da modalidade

realis, e, portanto, tendem a expressar concretude. A modalidade irrealis,

por sua vez, possui como marcas o modo subjuntivo e a negação de ações

ou estados. Assim, temos:

Tabela 1: Planos discursivos e suas marcas fundamentais

Figura Fundo

Aspecto verbal perfectivo Aspecto verbal imperfectivo

Modalidade realis Modalidade irrealis

Page 131: Funcionalismo em perspectiva

133

Metodologia

O objeto de nossa análise consiste na fábula “O burro que vestiu a

pele de um leão”, de Esopo, que teve sua estrutura narrativa dividida em

quatro porções que se sucedem temporalmente.

Essas porções não são encontradas em todas as narrativas em sua

totalidade. No texto em questão, porém, podemos constatar a presença

de todas. São elas: orientação, na qual o personagem e o cenário nos são

apresentados; complicação, na qual os conflitos da narrativa são

semeados; ação, na qual esses conflitos se intensificam e o clímax se dá;

resolução, na qual os conflitos são pacificados; e moral, a porção-

ensinamento canônica do gênero fábula.

Sendo uma narrativa curta, a fábula em questão é composta por

apenas 8 frases. Estas, por sua vez, totalizam 27 cláusulas. Uma vez

isoladas, as cláusulas foram organizadas em uma tabela e classificadas

segundo os seguintes parâmetros: localização na estrutura narrativa,

aspecto e modalidade e, por fim, plano discursivo.

Nossa hipótese era a de que as porções narrativas “complicação”,

“ação” e “resolução” seriam, no referido texto, compostas essencialmente

por cláusulas-figura, já que formam o enredo propriamente dito e

possuem notável relevo discursivo. Já as porções “orientação” e “moral”,

por constituírem o todo acessório do texto, seriam marcadamente

compostas por cláusulas-fundo.

Resultados e discussão

Ao fim de nossa pesquisa, chegamos aos seguintes resultados: das

27 cláusulas que compõe a fábula, 14 se apresentam como cláusulas-

figura e 13 como cláusulas-fundo.

Esse aparente equilíbrio entre os planos narrativos pode ser

explicado, em parte, pelo tamanho reduzido do texto. Ao examinarmos os

Page 132: Funcionalismo em perspectiva

134

resultados mais detalhadamente, tivemos condições de compará-los à

hipótese aqui apresentada.

Os resultados detalhados de nossa pesquisa encontram-se

condensados na tabela seguinte, que relaciona a quantidade de cláusulas-

figura e cláusulas-fundo com suas respectivas localizações na estrutura

narrativa do texto:

Tabela 2: Porções narrativas e respectivas composições

Porção

narrativa

Número total

de cláusulas

Cláusulas-

figura

Cláusulas-

fundo

Orientação 2 2 0

Complicação 7 2 5

Ação 12 9 3

Resolução 3 1 2

Moral 3 0 3

Quanto à porção “orientação”, na qual esperávamos encontrar

cláusulas-fundo em maioria justamente por ser a porção introdutória e de

apresentação de personagens e cenário, constatamos que apresentou

unicamente cláusulas-figura, com verbos perfectivos e na modalidade

realis:

(1) “Um burro encontrou uma pele de leão que um caçador tinha

deixado na floresta.” (ESOPO, 1994, p. 70)

Os resultados relativos às porções “complicação” e “ação”

corroboraram com a hipótese inicial de que apresentariam, em sua

Page 133: Funcionalismo em perspectiva

135

maioria, cláusulas-figura, por sustentarem o enredo da fábula e

concentrarem a essência da narrativa:

(2) “Na mesma hora o burro vestiu a pele (...)” (ESOPO, 1994, p.

70)

(3) “Ouvindo aquilo, uma raposa que ia fugindo com os outros

parou, virou-se e se aproximou do burro rindo (...)” (ESOPO, 1994, p.

70)

Entretanto, aqui, nos deparamos com uma revelação inesperada: A

frase inicial do parágrafo da ação, que se constitui num período composto,

tem suas orações subordinadas servindo como cláusulas-figura, e não

cláusulas-fundo, como era esperado:

(4) “O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir dele

correndo que começou a se sentir o rei leão em pessoa e não conseguiu

segurar um belo zurro de satisfação.” (ESOPO, 1994, p. 70)

Os resultados relativos à porção narrativa “resolução” nos

permitem constatar uma maioria de cláusulas-fundo, ao contrário do que

prevemos em nossa hipótese.

Ainda que em muitas narrativas seja a resolução composta de

ações efetivadas pelos personagens, em nosso caso ela se desenrola em

forma de uma fala-lição da raposa, que faz uma suposição acerca do

comportamento do burro:

(5) “– Se você tivesse ficado quieto, talvez eu também tivesse

levado um susto. Mas aquele zurro bobo estragou sua brincadeira!”

(ESOPO, 1994, p. 70)

Ao observarmos os resultados relacionados à porção “moral”,

constatamos uma confirmação parcial de nossa hipótese inicial, já que,

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136

neste caso, a moral apresenta uma composição absoluta de cláusulas-

fundo.

Por sustentar um ensinamento, um aconselhamento de acordo com

a situação mostrada pela fábula é que a moral é, naturalmente, composta

de verbos imperfectivos na modalidade irrealis: não há ações efetivas,

realizadas, mas apenas considerações.

(6) “Um tolo pode enganar os outros com o traje e a aparência,

mas suas palavras logo irão mostrar quem ele é de fato.” (ESOPO, 1994,

p. 70)

Além das conclusões essenciais, julgamos pertinente dar

publicidade, ao findar de nossa análise, a outras observações. A primeira

delas diz respeito à relação entre aspecto verbal e modalidade.

Na grande maioria das cláusulas, aspecto verbal perfectivo e

modalidade realis, assim como aspecto imperfectivo e modalidade irrealis,

são propriedades coincidentes.

No entanto, em 3 das cláusulas constatamos haver verbos de

aspecto imperfectivo e modalidade realis, como no exemplo seguinte:

(7) “O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir dele

correndo (...)” (ESOPO, 1994, p. 70)

Nesse caso, o verbo destacado, apesar de estar no infinitivo e,

consequentemente, classificar-se como imperfectivo, denota uma ação

plena no enredo da história.

Tal classificação se justifica pelo fato de os animais estarem

realmente fugindo do burro, praticando uma ação, razão pela qual se

encontra presente a modalidade realis.

Considerações finais

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137

Prontificamo-nos, neste trabalho, a explicitar, segundo a visão

funcionalista de Hopper e Thompson, a relação entre os planos discursivos

Figura e Fundo e porções narrativas na fábula “O burro que vestiu a pele

de um leão”, de Esopo.

Tal objetivo cumpre-se na constatação de que cláusulas-figura são

maioria nas porções “orientação” e “ação”, enquanto cláusulas-fundo são

mais recorrentes na “complicação”, “resolução” e “moral”.

Devido ao tamanho reduzido da fábula e até mesmo às suas

peculiaridades textuais, temos plena consciência de que nossas conclusões

não devem ser generalizadas nem representar um modelo teórico para

análises de todo tipo de narrativa.

Esperamos, com este trabalho, contribuir para o crescimento do

interesse em pesquisas que tomem como base a teoria da transitividade

do discurso, estabelecendo um paralelo entre a ciência lingüística e a arte

literária.

REFERÊNCIAS

CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Planos Discursivos em Diferentes Níveis de

Escolaridade: Estudo de Recontagem de Figura e Fundo. 2010. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010. ESOPO. O burro que vestiu a pele de um leão. In: ASH, Russel; HIGTON, Bernard (Comp.). Fábulas de Esopo. Tradução de Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1994. FURTADO DA CUNHA, Angélica. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (Org.). Manual de lingüística. São Paulo: Contexto, 2008. NASCIMENTO, Simone Maria Barbosa Nery. Planos Discursivos e Estatuto

Informacional em Combinações Hipotáticas Adverbiais Causais de Elocuções

Formais. Anais do 4º Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários. UEM, Maringá: 2010. SILVA, Anderson Godinho. Transitividade e os Planos Discursivos Figura e Fundo

nas Orações Subordinadas Adverbiais Modais. Cadernos do CNLF, Série X, nº10, s/d.