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Gestão Estratégica do Suprimento e o Impacto no Desempenho das Empresas Brasileiras Lições da crise: como ampliar o mercado em época de incerteza Áurea Helena Puga Ribeiro e Lívia Lopes Barakat A FE1303 Em tempos de intensa competitividade e busca de novos negócios, não é fácil, para nenhuma nação ou bloco econômico, ampliar sua fatia de mercado no mundo globalizado. Os avanços são lentos, e ampliar o market share torna-se um objetivo constante de todos os países – especialmente em tempo de crise, como a que afeta boa parte das nações desenvolvidas. Mas há um seleto grupo de países que vem obtendo resultados econômicos expressivos nesse contexto – o conjunto formado pelos BRICS, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. De acordo com recente relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), divulgado em março de 2013, a fatia do total mundial de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) recebida pelos BRICS saltou de 6%, em 2000, para nada menos que 20%, em 2012. No ano passado, os cinco países do grupo receberam US$ 263 bilhões em IED. A China abocanhou quase metade (46%) desse total. Em segundo lugar aparece o Brasil, com 25%, seguido por Rússia (17%) e Índia (10%). O fluxo de investimentos para fora desses países passou de US$ 7 bilhões, em 2000, para US$ 126 bilhões, em 2012, quando as nações do BRICS responderam por 9% do total mundial de investimentos. “Dez anos antes, essa fatia era de apenas 1%”, diz o documento da Unctad. O relatório informa que os investimentos feitos pelos BRICS estão voltados, principalmente, para a busca de mercados em países desenvolvidos ou no contexto de alianças regionais. Por sua vez, os países desenvolvidos foram o destino de 42% do total de IED para fora dos BRICS, sendo que a União Europeia foi responsável por 34%. Para compreender melhor esse surpreendente fenômeno que atinge a economia mundial, em que os BRICS aproveitam os tempos de incerteza no Primeiro Mundo para crescer, criando novo eixo geopolítico para o desenvolvimento econômico mundial, a Fundação Dom Cabral realizou, entre março e junho de 2012, uma ampla pesquisa com 173 executivos participantes de eventos e programas da FDC. Ela foi coordenada pelas professoras Áurea Helena Puga Ribeiro e Lívia Lopes Barakat e executada pelo Núcleo de Redes Colaborativas e Marketing B2B da instituição. companhe, a seguir, entrevista realizada com as professoras. Vocês poderiam falar um pouco sobre o contexto que levou à realização da pesquisa no ano passado? Nos últimos 20 anos, com a liberalização da economia, as empresas brasileiras reagiram ao movimento da globalização e iniciaram sua expansão internacional. O Investimento Brasileiro Direto no Exterior (IBD), que em 1994 não chegava a US$ 1 bilhão, em 2006 atingiu seu pico, com mais de US$ 20 bilhões, de acordo com dados do Banco Central. Entretanto, a partir do segundo semestre de 2008, com a crise econômico-financeira, muitas empresas passaram a focar no mercado interno como forma de se proteger da instabilidade dos mercados norte-americano e europeu. Tanto é que o IBD caiu para patamares negativos (menos US$ 1 bilhão) em 2011.

Lições da crise: como ampliar mercado em época de incerteza

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Em tempos de intensa competitividade e busca de novos negócios, não é fácil, para nenhuma nação ou bloco econômico, ampliar sua fatia de mercado no mundo globalizado. Os avanços são lentos, e ampliar o market share torna-se um objetivo constante de todos os países – especialmente em tempo de crise, como a que afeta boa parte das nações desenvolvidas. Mas há um seleto grupo de países que vem obtendo resultados econômicos expressivos nesse contexto – o conjunto formado pelos BRICS, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. De acordo com recente relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), divulgado em março de 2013, a fatia do total mundial de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) recebida pelos BRICS saltou de 6%, em 2000, para nada menos que 20%, em 2012. No ano passado, os cinco países do grupo receberam US$ 263 bilhões em IED. A China abocanhou quase metade (46%) desse total. Em segundo lugar aparece o Brasil, com 25%, seguido por Rússia (17%) e Índia (10%). O fluxo de investimentos para fora desses países passou de US$ 7 bilhões, em 2000, para US$ 126 bilhões, em 2012, quando as nações do BRICS responderam por 9% do total mundial de investimentos. “Dez anos antes, essa fatia era de apenas 1%”, diz o documento da Unctad. O relatório informa que os investimentos feitos pelos BRICS estão voltados, principalmente, para a busca de mercados em países desenvolvidos ou no contexto de alianças regionais. Por sua vez, os países desenvolvidos foram o destino de 42% do total de IED para fora dos BRICS, sendo que a União Europeia foi responsável por 34%. Para compreender melhor esse surpreendente fenômeno que atinge a economia mundial, em que os BRICS aproveitam os tempos de incerteza no Primeiro Mundo para crescer, criando novo eixo geopolítico para o desenvolvimento econômico mundial, a Fundação Dom Cabral realizou, entre março e junho de 2012, uma ampla pesquisa com 173 executivos participantes de eventos e programas da FDC. Ela foi coordenada pelas professoras Áurea Helena Puga Ribeiro e Lívia Lopes Barakat e executada pelo Núcleo de Redes Colaborativas e Marketing B2B da instituição.

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Gestão Estratégica do Suprimento e o Impacto no Desempenho das Empresas BrasileirasLições da crise: como ampliar

o mercado em época de incertezaÁurea Helena Puga Ribeiro e Lívia Lopes Barakat

A

FE1303

Em tempos de intensa competitividade e busca de novos negócios, não é fácil, para nenhuma nação ou bloco econômico, ampliar sua fatia de mercado no mundo globalizado. Os avanços são lentos, e ampliar o market share torna-se um objetivo constante de todos os países – especialmente em tempo de crise, como a que afeta boa parte das nações desenvolvidas.

Mas há um seleto grupo de países que vem obtendo resultados econômicos expressivos nesse contexto – o conjunto formado pelos BRICS, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

De acordo com recente relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), divulgado em março de 2013, a fatia do total mundial de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) recebida pelos BRICS saltou de 6%, em 2000, para nada menos que 20%, em 2012. No ano passado, os cinco países do grupo receberam US$ 263 bilhões em IED.

A China abocanhou quase metade (46%) desse total. Em segundo lugar aparece o Brasil, com 25%, seguido por Rússia (17%) e Índia (10%). O fluxo de investimentos para fora desses países passou de US$ 7 bilhões, em 2000, para US$ 126 bilhões, em 2012, quando as nações do BRICS responderam por 9% do total mundial de investimentos. “Dez anos antes, essa fatia era de apenas 1%”, diz o documento da Unctad.

O relatório informa que os investimentos feitos pelos BRICS estão voltados, principalmente, para a busca de mercados em países desenvolvidos ou no contexto de alianças regionais. Por sua vez, os países desenvolvidos foram o destino de 42% do total de IED para fora dos BRICS, sendo que a União Europeia foi responsável por 34%.

Para compreender melhor esse surpreendente fenômeno que atinge a economia mundial, em que os BRICS aproveitam os tempos de incerteza no Primeiro Mundo para crescer, criando novo eixo geopolítico para o desenvolvimento econômico mundial, a Fundação Dom Cabral realizou, entre março e junho de 2012, uma ampla pesquisa com 173 executivos participantes de eventos e programas da FDC.

Ela foi coordenada pelas professoras Áurea Helena Puga Ribeiro e Lívia Lopes Barakat e executada pelo Núcleo de Redes Colaborativas e Marketing B2B da instituição.

companhe, a seguir, entrevista realizada com as professoras.

Vocês poderiam falar um pouco sobre o contexto que levou à realização da pesquisa no ano passado?Nos últimos 20 anos, com a liberalização da economia, as empresas brasileiras reagiram ao movimento da

globalização e iniciaram sua expansão internacional. O Investimento Brasileiro Direto no Exterior (IBD), que em 1994 não chegava a US$ 1 bilhão, em 2006 atingiu seu pico, com mais de US$ 20 bilhões, de acordo com dados do Banco Central.

Entretanto, a partir do segundo semestre de 2008, com a crise econômico-financeira, muitas empresas passaram a focar no mercado interno como forma de se proteger da instabilidade dos mercados norte-americano e europeu. Tanto é que o IBD caiu para patamares negativos (menos US$ 1 bilhão) em 2011.

2Lições da crise: como ampliar o mercado em época de incerteza

Mas o IED também foi ampliado no Brasil...Sim. Fenômeno inverso verificou-se em termos do IED, que só aumentou depois da crise, saindo de US$ 25,6 milhões, em 2009, para US$ 66,6 milhões, em 2011. Esse número reflete a entrada de capitais estrangeiros no Brasil, na forma de aquisições e abertura de filiais.

O que se pode concluir a partir desses números apontados pelo relatório divulgado pela Unctad, levando em conta, também, a pesquisa de vocês?De fato, o mercado brasileiro tem se mostrado interessante em época de incerteza. Isso acontece também com os demais países do grupo dos BRICS. Essa foi, portanto, a grande motivação para a realização da nossa pesquisa.

Quais foram as grandes questões que nortearam o estudo de vocês?Formulamos quatro perguntas essenciais para tentar buscar respostas para o fenômeno ou a tendência em estudo. São elas, basicamente:

• Será que as empresas brasileiras estão preparadas para lidar com a crescente competição de empresas estrangeiras?

• O foco no mercado interno é uma estratégia de blindagem contra a crise ou armadilha em longo prazo?

• Como ganhar ou manter competitividade frente a crises econômicas?

• Como as empresas ajustaram suas estratégias e ações de marketing frente à crise?

E como foram os resultados?É interessante notar que a maior parte dos executivos – 54% deles – percebe que sua empresa foi pouco afetada com a crise, e 10% alegam que não foi afetada. Esse dado ajuda a explicar o fato de que muitas empresas passaram a focar no mercado interno no contexto da crise. De fato, o desempenho das transnacionais brasileiras foi melhor no mercado doméstico do que no mercado internacional, como indica outra pesquisa da Fundação Dom Cabral (Ranking das Transnacionais Brasileiras 2012).

Entretanto, esse otimismo em relação ao mercado interno pode fazer com que as empresas percam a visão de longo prazo e se voltem para dentro, perdendo oportunidades de expansão e, por vezes, se tornando menos competitivas em relação às estrangeiras.

Quadro 1 - O quanto as empresas foram afetadas pelas recentes crises mundiais

Mas, quando se fala em mercado externo, há o tradicional entrave do chamado custo Brasil...Sem dúvida. Os produtos brasileiros têm perdido competitividade para os importados devido ao alto custo Brasil, que se reflete no valor dos impostos, na infraestrutura precária, na burocracia e no custo de energia. Isso tudo eleva os custos de logística, aumentando diretamente os custos dos produtos.

Então, com todos esses fatores, vale a pena produzir no Brasil? Ou, em outras palavras, como se manter competitivo frente a perdas de escala em função do aumento do protecionismo e da intensificação da concorrência, a exemplo da China e da Coreia?Exatamente por esse motivo, o Núcleo de Redes Colaborativas e Marketing B2B realizou a pesquisa, procurando investigar as estratégias adotadas pelas empresas para manter o crescimento e prosperar em época de incertezas. Queríamos saber, por exemplo, se a competição mais acirrada e as pressões por resultados de curto prazo fizeram as empresas se renderem à comoditização de suas ofertas, priorizando ações que levam à redução sistemática de preços.

3FDC Executive

Quais foram, por exemplo, as estratégias corporativas adotadas pelas empresas para fazerem frente a tais desafios?Essa questão é relevante. Ao questionar as empresas sobre a estratégia corporativa adotada no pós-crise, observa-se que as respostas foram bastante variadas. Grande parte das empresas pesquisadas, ou seja, 43% delas, preferiu focar na redução de custos, mas é interessante notar que parte considerável da amostra buscou a diferenciação de produtos e serviços (26% do total) e a intimidade com o cliente (31% das respondentes).

Quadro 2 - Estratégia corporativa adotada em época de incerteza

Qual outra questão relevante foi levantada pela pesquisa?Os executivos também foram questionados sobre os investimentos em gestão de mercado nos últimos anos. Os principais focos de investimentos identificados foram ênfase na lucratividade da produção; gestão de clientes estratégicos; prospecção de novos clientes; parceiras com clientes e agregação de serviços aos produtos.

É interessante notar que os itens citados refletem as três estratégias corporativas adotadas. Desta forma, as empresas que priorizaram a estratégia de custos fizeram investimentos para aumentar a lucratividade da produção, enquanto as demais estratégias estão em sua maior parte relacionadas a empresas que buscaram diferenciação e intimidade com o cliente.

E quais as áreas que receberam menos investimentos?Segundo a pesquisa, as áreas relacionadas às políticas de crédito, treinamentos em marketing e marketing online são as que recebem menor investimento por parte das empresas em época de crise.

A pesquisa indica ainda que vocês identificaram questões que têm a ver com o relacionamento das empresas com o cliente, certo?Sim. A despeito da estratégia corporativa adotada pela empresa em época de incerteza, um ponto interessante que chamou a atenção na pesquisa foi exatamente o que ser refere às ações focadas no relacionamento com o cliente. Elas são, por sinal, as que mais geram impactos positivos no desempenho das empresas. Em nossa pesquisa identificamos cinco importantes tipos de estratégias de marketing. As ações agrupadas como estratégias de relacionamento com clientes foram as únicas que geraram aumentos significativos na percepção de desempenho em relação à média do setor. Estas ações são: gestão de contas-chave, parceria com clientes, suporte ou serviço aos clientes e compartilhamento de informações com os clientes.

E quais são os demais tipos de estratégias de marketing em destaque?Além do relacionamento com os clientes, identificamos outros tipos de estratégias: estratégias relativas à políticas de vendas e canais de distribuição; ao desenvolvimento de novos produtos e mercados; à comunicação; e ajustes de produtos às necessidades do mercado.

4Lições da crise: como ampliar o mercado em época de incerteza

Quadro 3

Qual o impacto dessas ações no mercado?As estratégias de relacionamento com clientes, têm potencial para aumentar em 30% a performance da empresa, em termos de crescimento das vendas, market share, lucratividade e fluxo de caixa. Os outros grupos de estratégias não impactararm de forma significativa o desempenho das empresas. Vale destacar, ainda, que as estratégias relacionais têm sido cada vez mais utilizadas como forma de gerar valor aos clientes.

Podemos citar ainda outra pesquisa do Núcleo de Redes Colaborativas e Marketing B2B, segundo a qual o 42% do faturamento projetado das empresas para os próximos 5 anos virá em decorrência da prática de estratégias relacionais com os clientes.

Quadro 4 – Cinco Grupos de Estratégias de Marketing Identificadas

Estratégias Ações correlacionadas

Relacionamento com clientes

Programas de gestão de contas-chave;Parceria com clientesServiço aos clientes/ suporte;Compartilhamento de informações com clientes

Políticas de canais e de vendas

Autonomia da força de vendasDesenvolvimento de parcerias com canaisPoliticas de créditoPromoção de vendas e descontos

Comunicação Marketing direto sustentado em dataminingMarketing digital/ on lineConstrução de marcas

Desenvolvimento de novos clientes e mercados

Prospecção de novos clientesAmpliação da atuação geográficaAmpliação dos segmentos de mercados atendidos

Ajustes em produtos e mercados

Pesquisas de MercadoAjustes no número de linhas de produtos e SKU´sDesenvolvimento de ofertas combinando produtos e serviçosNovos desenvolvimento de produtos

Vocês poderiam citar algumas conclusões ou impressões importantes que a pesquisa permitiu aferir nesse contexto dos investimentos em novos mercados em tempos de incertezas?Sem dúvida. A construção de um relacionamento próximo, pautado na confiança e benefícios mútuos é uma forma importante de gerar valor superior aos clientes, diferenciando as empresas de seus concorrentes. Em época de incertezas, esse parece ser um aspecto ainda mais relevante para a prosperidade dos negócios, tendo em vista a tendência de comoditização em muitas empresas. Deparando-se com ofertas muito similares, muitos clientes passam a buscar o “algo mais” que irá mantê-lo na relação.

É o que está acontecendo no Brasil, nesse momento?Tudo isso é ainda mais determinante em países emergentes como o Brasil, em que o contexto das transações, ou seja, o que vai além da oferta básica é muito valorizado nas decisões de compra. Isso se deve aos traços de coletivismo e pessoalidade, que fazem com que as práticas focadas em relacionamentos próximos e duradouros se tornem um ponto de diferenciação.

Como fica o papel dos gestores nesse processo?Gestores que adotam essas práticas tentam rentabilizar sua base de clientes, criando soluções que aumentam os custos de mudança e criam novas oportunidades de negócios. Eles oferecem soluções decorrentes de um conhecimento mais próximo dos clientes, de seus processos e desafios.

Por fim, vale deixar uma reflexão para os leitores: a partir de uma maior diferenciação, baseada em relacionamentos, quem sabe as empresas passariam a estar mais bem preparadas para competir com as estrangeiras que entram no Brasil ou até para se internacionalizar e competir em nível global?