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OLHOS NUS CARMIM MPAC Maria da Penha Boina OL HOS NUS, CARMIM A ntologia P o é tic a Maria da Penha Boina MPAC EDITORA

Livro 1 - Olhos nus, carmim

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Livro de poesias - Olhos nus, carmim. Maria da Penha Boina (2013)

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Antologia Poétic aMaria da Penha Boina

MPAC EDITORA

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OLHOS NUS, CARMIM

Onde vês o espiritualSou laicaOnde vês o unoSou dicotômicaOnde vês o passionalObservo consumaçãoOnde vês a interaçãoEnxergo recusaOnde vês ódioPercebo excitaçãoOnde vês o latenteDescortino o manifesto.Veem os olhos antagônicosA maneira que se vê,É atração ShekespearianaDos olhos cinza e belosContra os meus olhosNus, carmim.

OLHOS NUS, CARMIM Antologia Poética

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MARIA DA PENHA BOINA

OLHOS NUS, CARMIMAntologia Poética

MPAC DESIGN EDITORA

Espírito Santo, 2013

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Edição original: 2013Copyright © by MPAC DESIGN LtdaCopyright © by Maria da Penha Boina

COLEÇÃO MPAC DESIGN - 2013Editores: Antenor Cesar Dalvi e Maria da Penha BoinaCapa: Antenor Cesar Dalvi e Maria da Penha BoinaFotos: divulgação

Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.02.1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida sob qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou sistemas magnéticos recuperáveis, sem permissão, por escrito, do Editor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

Direitos desta edição: MPAC DESIGN EditoraRua Dulce Brito Espíndula, 72, Jardim Camburi, Vitória - EShttp://vergeldebits.blogspot.com(27) 3336.4916Impresso no Brasil - 2013

Boina, Maria da Penha OLHOS NUS, CARMIM: antologia poética; Maria da Penha Boina; Vitória, ES.MPAC DESIGN Editora, 2013. 86p; 19 cm. ISBN Não requerido

1. Poesias Brasileiras 2. Poesias Capixabas

CDD-Não requerido

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...olhos nus, carmim, o título, é homenagem aos meu momentos de copos de vinho em meu metro quadrado, de frente para o mar, lugar único.

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SUMÁRIO

Introdução 13

MeMento I 19A cegueira 19Teatro 21O sonho 22Mente demente 23Odeio 24Eu e a mariposa 25Voo 26Oculto 27Mané 28Sem destino 29Odisseia 30Bem-te-vi 31Fuga a esmo 32Insignificância 33Lembranças perfeitas I 34Lembranças perfeitas II 35Lembrança perfeitas III 37Metáforas 38Descarte 39O homem avestruz 40Máscaras 41Indecisão 42Esquecimento 43Compreensão 45Romantismo 46Escrevo 47Passado e futuro 48Maria da Penha Boina - Autoestima 49Virtualidade 50Eles e as mulheres 51Pernambuco 52Amor reverso 53Sem destino I 54

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Sem destino II 55Psicopata 56A crise do lamento 57Assalto ao coração 58Telefone 59Ódio 60Paixão 61Perdi 62Aconchego 64Meus homens 65Lápide 66

MeMento II 67Omissão 67Amor amigo 68Insatisfação 69Quem tu és? 70Sonhos de menina mulher 71Tatuagem 72Amor 73Fera domada 74É Tarde (16/08/01) 75

MeMento III 77Novos tempos 77Setembro de 2003 em Portugal 78Meu Amigo Pedro (03/1998) 80Testamento do Amor de uma Mulher(02/2001) 81Sofrimento Virtual (10/1999) 82Condenação (03/2001) 84Telefone (03/2001) 85Poetisa Ferida (03/2001) 86Paulo (07/1989) 87Josino o gênio (1980) 88Tempo (1979) 89Pertencer (05/1979) 90

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Mestre

Um mestre instila informações nos seus discípulos, os bons discípulos serão aqueles capazes de contextualizar tais informações numa estrutura não elementar e, através de suas ações passarão a ter conhecimento, mas, para se tornarem mestres, terão de discernir o axiomático, transcendendo a sua máxima, e assim alçarem sabedoria.

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LIberdade

Tiram-me as algemas d’almaSinto-me em total liberdadeComo uma gaivota que alça vooAo mais alto dos ares.

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INTRODUÇÃO

Canto 0.

Um dia me perguntaram quem você é? Como você se vê?

Eis a minha humilde resposta.

Sou uma pessoa que adota certa severidade para comigo. A estranheza que tenho é a máscara do meu ser, o ser que é sempre acolhido pelos outros como um convidado, e que, todos tratam com amabilidade, sem nenhum sentimento, usando as suas máscaras da educação. Não tenho felicidade e nem infelicidade, nenhuma das situações podem me constranger, não tenho ânsia no trato por estes sentimentos. O que os outros querem de mim? Querem que o meu habitat e estilo estejam no modelo social, à imitação, portanto, não o serei, pois carrego o que me prometo, mas o que a mim faço, não posso muitas vezes cumprir pelo desejo. Desejar é um momento muito volátil e nesta inconstância do ambicionar não cumpre o que se desprende da alma e o corpo mente. Abstraio-me dos olhos dos outros, das ações de que necessitam transfigurar-se para a vivência que o natural lhes delineia, assim, corrompo com os estilos com o factual. Tenho a capacidade de abandonar uma vida material concreta e segura para passar anos distantes dos entes que julgo queridos na busca de novos valores para quando voltar. Procuro a cada dia aprender com a vida e com isso construir valores para alimentar a minha sabedoria. O meu desejo não é tentar compreender o incompreensível. Tenho como verdade que a menor porção de algo quando bem analisado e compreendido, pode explicar o todo complexo. Não sou inteiramente a favor do cartesianismo, mas Descarte na sua lógica procurou explicar deveras bem o que hoje à ciência se faz coçar em pelo. Fica assim claro que,

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dependendo do objeto em causa, aplicar modestamente um argumento e tê-lo verdadeiro, cumpre somente explicá-lo dentro desta verdade, o que vem a ser também bastante aristotélico. Poupo-me do óbvio, a religião já a faz por si há milênios com o objetivo da doutrina. Os livros de autoajuda já são muitos para consolidar as opiniões fracas, se posso dizer que mentes fracas têm alguma opinião e condição de crítica. Obstante a sua característica doutrinaria, são deveras importantes os pilares para a sustentabilidade à massa dominada que creem no livre arbítrio para depois se consultarem com os ícones personificados no subconsciente, salvaguardando uma idolatria que massageia o ego com o perdão imaginário. Brilhantes são as regras explicitas que comovem nações e povos, discorrendo regras conceituais de amor, ódio, perdão, caos, e tudo o mais, que traduz uma época, uma necessidade política, econômica e social para e pelo poder. O poder é o método capaz de controlar o caos que poderia acontecer sem a regulamentação doutrinária. A preguiça cerebral da humanidade propõe o melhor para cada ser. Não ter que pensar é a forma mais simples de passar pela vida, sofre-se menos por não conhecer, acreditando em tudo que é experienciado e viver pela fé, e assim estarão todos a salvos dos males. A leveza pela purificação das almas doutrinadas suplanta quaisquer obstáculos do mundo. Almas perfeitas e lavadas, os ícones pensam por essas almas, assim não existe nada de melhor para viver pensando que existe o livre arbítrio. O alívio das almas pela preguiça, pela ignorância, destitui grande parte da humanidade do compromisso de si e do outro. Suas almas já estão regulamentadas e controladas por suas crenças “vazias”, por significados não compreendidos, mas com fé. Acredito que na ignorância não se é capaz do autoconhecimento, e o que permanece é um objeto, o corpo biológico que acredita por ter nascido com um cérebro evoluído, já não é mais um ser limitado. Diante desse pensamento, não corroboro com o que os gregos antigos e os escolásticos acreditavam afirmando que, as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve ser.

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Concluo este tema tão complexo de como sou e me vejo, tentando elucidar como analiso o meu eu no contexto social, nomeadamente como ser sociável e uno que se julga num contexto de crença puramente científica. Sucintamente e de forma mais simples, eu me vejo como um ser que admite internalizar as externalidades, mas com uma barreira de fogo bastante bem implementada.

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ANTOLOGIA DE 35 ANOS

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MeMento I

Canto 1.

A CEGUEIRA

Olha, olha não consegue ver.Você sabe que não ficou cegoMas não entende porque não enxergaMas você sabe que está sobre a ponteE sabe que o mar azul está adianteExistem navios no horizonteVocê tem consciência de tudoMas não consegue verEi? Não tente abrir mais os olhosVocê não vê por falta da visãoO muro é muito mais altoFaça o esforço para subir até o topoÉ muito alto, e você não suporta mais o cansaço?Tente mais uma vez.Sente-se fracoNão tem mais tempo?Dê mais uma gota do seu sangueSei que é a última gotaEstá quase, vai.Sente-se melhor agora?Você chegou ao topo.Mas o seu corpo é só dorVocê demorou demaisO muro é altoE não teve tempo de ver os naviosA correnteza mudou a cor do mar.Não salte agora.Use a sua imaginação.Tente enxergar assim mesmo.

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CONSCIÊNCIA

Você achou que o tempo não passaria?Tentou se convencer de que nada aconteceria?Fez com que o seu cérebro queimasse no alto-forno?Esqueceu-se de que o fogo queima?Mas o produto escorreuPetrificou com o arTentou a picareta para quebrar e nadaTentou um componente químicoMas a química não permitiu que se liquidificasse novamentePronto, você envelheceu e ficou pronto.Nada mais é capaz de modificarNem os vermes conseguirão devorar.E você ainda nem percebeuQue o tempo passou e se foi para bem longeNem é capaz de processar lembranças e a dor aumentaMas o que solidificou nem pensaSó sofre e nem sabe discernir em que consiste.

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TEATRO

O relacionamento acabou, mas existe amor?O ódio, a vingança se apresenta.E o vazio? Que tormenta!E chora-se e ri-se.O corpo fica esquálido.Os olhos não veem os campos, as ruas e as cidades.Não se escuta os cumprimentos, são sussurros desnexos.Quer-se a amizade?Não, não existe possibilidade – É amor.Sente-se a senhora de cetim negro, mais próxima.Caminha junto a todos os passos.Então o que é melhor?Lembrar-se que a vida é uma peça de teatro,E o vivido não foi mais que meio ato.

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O SONHO

Você corre, corre atrás de um sonho.Mas você não conhece o sonhoEntão, você vaga de um lado para o outro,Considerando as coisas pontuais como realizadasMas você volta para casaFica ali caladoFrioEmbutidoImundoMoribundoChora e ri embriagadoA noite caiO estomago enjoadoAdormeceE o sonho que sequer foi sonhadoMorre com o sonoO dia nasce novamenteE você volta a correr e corre atrás do sonho.

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MENTE DEMENTE

O corpo não menteO que mente é a menteVergar-se na mente que menteTem-se a mente dementeE na noa que vai além da hora por oraA mente que menteEstagna na imensidão do céu noturnoNa recordação do momento divinoNo sorriso amigoNa sensibilidade do choro ou sorrisoNo amor e na féMente que mente indeterminadamenteNo decifrar os enigmas das emoçõesOs pensamentos abstratos A consciência.Absurdo de mente demente.

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ODEIO

Odeio o sorriso pálidoOdeio os bons dias sem nexoOdeio os muito obrigadosOdeio o silêncio alheioOdeio quem muito falaOdeio a voz meiga massageadaOdeio quem desfila sem palcoOdeio aceitar o imperdoávelOdeio as sanguessugasOdeio as juras secretasOdeio o cheiro das flores mortasOdeio a políticaOdeio religiãoOdeio a falta de espiritualidadeOdeio quem reverenciaOdeio a inércia destemidaOdeio carros e casas de outrosOdeio gente fedorentaOdeio o perfeccionismoOdeio compromissos indigestosOdeio genteOdeio quem dissimula o ódioOdeio com todo o meu ódioÓdio de quem sabe odiar.

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EU E A MARIPOSA

Estou hoje de frente ao oceano cinzento,LindoDentro deste apartamento com o físico esquálidoObservei novamente a mariposa que na parede da sala,Estava há mais de semanas pousadaImaginei que ela, como euEstava meio mortaAo remexê-laEla se apossou de outro sítio.A expressão da mariposa e a minhaDeveria ser retratada em um filme.

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VOO

Se alçares vooDeverá ser para chegares o mais alto dos aresPara ver com outros olhos os mares,E sonhares.Mesmo que esteja longe a terraNão tenhas medo da quedaQue um dia estará por vir.Se não conseguires pousarEntão permaneça na correnteza quente dos aresCom as asas paradasE irás a outros lugaresSem te cansares.A vista de cima é das mais belasÉ lúdica, é singela.E quando conseguires um bom pousoPousa suaveOutros voos assimSão seculares.

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OCULTO

Fartei-me de mostrar o meu encantoDe cair em prantoDe elucidar minha ternura.Hoje sei de que nada adiantaO que me é sentimental.O que eleva o meu feitio eColoca noutro coraçãoA minha galhardiaÉ o meu intencional.

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MANÉ

Nasceu ignoranteSem berço para levá-lo adiante.Sem esforço,Descambou para a vida errante.Teve muitas amantes.Sua felicidade?Deitar-se com as Maneias,Eram as suas odisseias.Pensava só com o faloO que de mais honroso tinhas,Só poderia se tornar inábil.E agora Mané, que o seu corpo,Chegou ao desmonte?Desmoronou.Mas, o caminho já foi percorrido,A herança é da inconsequência,Restando os poucos fragmentosDa vida que você traçou.

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SEM DESTINO

Você deseja chegar?Você sabe que o caminho é longoE sabe que existe várias formar de ir.Mas não será assim tão fácil.Traça os objetivos e as metas para cada atoE você vê que é sofrível.Busque, o projeto está traçado.Já está em exaustão?Ou é medo da ação?Potencialize as energiasDeixa de lado a aflição.Não será mais um decadenteJuntando angústias e inquietação.Sei, o esforço é hercúleo,A ânsia é muitaQue causa náuseasE ainda nem deu o primeiro passo.Vai de bote?Decidiu,Fico aqui a ver da praia.Você foi, Vejo você distanteA sumir no horizonte.

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ODISSEIA

LevantouAlçou vooViu com encantoTodos os recantosAs maravilhas dos camposAs luzes das metrópolesOs índios, as florestas,As acrópolesOs oceanos.Aterrissou.Viu a guarda inimigaO sangue e a falta de comidaA doença, a má sorte.

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BEM-TE-VI

Bem-te-vi, bem-te-vi...Bem me viu e eu não te vejo?Não quero este bem, não o desejo,Que me vês e eu não o vejo.Abra as tuas asasPouse na minha arcadaSaia do anonimato.Não sou assim tão tolerantePara que fiques de longeFustigado a minha alma.Se assim continuaresVou armar o meu arcoE a esmo, disparo,Levando na ponta da flecha de açoO que será o seu último abraço.

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FUGA A ESMO

Fez juras que não pode cumprir,Agiu como se conhecesse o futuro,Criou expectativas no outro,Conjeturou promessas em devaneios,Gritou com sentimento único,Humilhou-se,Iludiu-se,Destituiu-se,Faltou-lhe o poder de mostrar a própria força,À sua amante prepotente.Atuou de fato,Uniformizou o atoTornou-se dependente de haveres.Impotente, buscou a própria acepção.Foi certo na escolha,Estás agora no seu impressionante cenário,Hilário.Não tens mais juras a fazer.Uniu-se a pessoa de iguais atributos,Num Estado de quinta classe,No país de terceiro mundo,Florescendo da história de um passadoDas coisas habituais.Nada notável,Escondeu-se.

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INSIGNIFICÂNCIA

Cura a sua dor meu caroAssim sai da latência do imaginário,Honra-te da insignificância.O trabalho é pouco,Mas tens um teto com palmos medidos,A abrigar os teus prazeres.És tão apoucadoQue esta choçaO torna ancho.Não lutaste pelo abundante,E a pouca monta em que tu te apoiasIrá satisfazer-te.

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LEMBRANÇAS PERFEITAS I

O seu mundo não se move mais pelas lembranças?Então por que, se sentir assim todo o tempo?E tenta corromper com esse sentimento de angústia.Mas não consegue!É mais forte que você.Vai ao mar? Estou láVai à montanha? Também estou láVai à beira do rio? Sentes falta de mim.Deita-se na cama e pela janela vês as estrelas?Eu sou uma delas.Atravessou o oceano para sentir a mesma coisa de antes?Errou. Nada é igual.O cheiro é diferenteO diálogo é diferenteA música é diferenteE então, a poesia? Bem diferente.È débil demais, não é?São muitas as tentativas do esquecimento,Mas você não consegue me esquecer.

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LEMBRANÇAS PERFEITAS II

O semáforo da ponte no lugar desconhecido não dá o verde, e a espera é longa?Não sabíamos que deveria apertar o botão.Estamos no carro há horas e temos fome e sem dinheiro?Comemos pão com chouriça.A sapateira é só moscas?Não se come sapateira a beira rio.Os portais dos castelos e outras obras milenares são magníficos?Esquecemos novamente da máquina fotográfica.As idas de férias são cansativas e curtas?Mas vale a pena o oceano com um espeto de churrasco a pescar,Ou um mergulho com os corpos equipados a beira mar.A lida dos dias é exaustiva?Mas compensa no fim da noite.O frio é insuportável na serra?Mas a profissão é o resgate.Repetimos as idas nos mesmo sítios?Mas as cores são sempre diferentes.As músicas no carro podem vir do rádio ou CD e se repetirem?Mas é a hora de dizer que nos amamos.A Leiria ficou próxima a Coimbra?É o prazer da espera.Cada percebe e ameijoa ingerida?Tudo sabe bem.Cada montra apreciada?É tudo lindo com a loja fechada.Cada compra realizada para a casa?Horas e horas de apreciação.Cada taça de vinho consumida sentados à mesa da cozinha com os corpos nus?É o diálogo doravante do delírio dos melhores amantes.Cada pescaria sem nexo no frio intenso?

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A melhor das pescarias.Sentados na areia da praia depois de consumirmos carapau seco?Que viagem!Os bocejos no carro no fim da noite?Uma praga que pega.E depois de tudo as lembranças,E ri-se e ri-se sem parar, das mais fúteis e idolatradas conquistas.

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LEMBRANÇA PERFEITAS III

É tarde de outono,O oceano, da janela do apartamento, se apresenta mais cinzento.O homem nada todos os dias no mesmo lugar,Deve ser norma do seu médico, pois água está fria.Mergulha e, em cada braçada quando,A cabeça vem à tona para respirarÉ você a nadar no meu mar.Corro à varandaFixo bem os olhos para distinguir quem realmente é,Leva tempo para decifrar.O cérebro está condicionadoPara enxergar o que desejoQue deveria além do horizonte estar.Depois de algumas horasCom olhos a transmitir ao cérebro a real imagem,Conscientiza a interpretação,É outra pessoa a se exercitar e, já caminhando,Ele sai do meio da nuance preguiçosa da estação. Achei que seria possível ser você vindo a nado,Mas você já cá está a nadar em outro mar. Talvez, mesmo sendo outono,Seja um mar mais significante e mais brilhanteQue o mar que lhe tenho a ofertar.

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METÁFORAS

Os galos da Dona LenaCantam muito cedoUns às vezes morremOutros passam a cantarNoutros terreiros.

Quase não sonhoPasso a ter sonhos confusos e difusosCom o ator quando ele,Despe-se de seu papel.

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DESCARTE

Descarte a carta que te prende ao jogoA angústia do egoísmo evasivoPor abnegação o incontestávelA patente vulnerável.

Descarte meu caroA serenidade do rio onde tu lamentasA seriedade de como tu gargalhasO triste riso do palhaço.

Descarte a empáfiaO rigor não excessivoO ato fastidiosoA clarividência do fato.

Descarte a literatura sem censuraO rito benevolenteO peso ao revésA desafinação da autoria.

Descarte o lhanoQue de cândido e despretensioso nada tem.DescARTENão, a arte de Descartes.

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O HOMEM AVESTRUZ

O homem que fortemente criticou o que lhe era desconhecidoSentia-se o maior dos protegidosE sem nenhum escrúpulo, julgou o ser amado,E acabou se acabrunhando no silêncio.Num momento sequer esperadoViu-se totalmente desamparadoTeve medo da recusa e de ficar ilhado.Sua autoconsciência saiu da inércia, da paralisia,Tudo agora se podia.O desconhecido que por ora criticadoTorna-se o recanto mais privilegiado, a zona de conforto, a sua nova ilha.Como o novo encontrado é o diferenteTenta a amnésia afetiva para adiar decisões,Coloca-se em territórios movediçosCriando armadilhas para sua própria dignidade.O que o move agora é o inconscienteCom esperança no que lhe é variado,O que lhe trava a nostalgia.Para não incorrer no perigo de fazer a história irreconciliávelE por medo da verdade que na ponta de seu nariz se encontraCobre a cabeça como a avestruz, sentindo-se protegido.Criando um inimigo eloquente demais, que para um poeta,Não existe comentário.O seu amado, agora o seu inimigo imaginário,Avança meticulosamenteE quando da sua passagem da opulência e da felicidade à pobreza e desgraçaSerá o único que estará a seguir os seus passosPara te elevar do seu estado de aflição, do seu infortúnio e desventura,Da calamidade em que se encafuou.

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MÁSCARAS

Eu vivo com as minhas seis máscaras que confeccionei.O dia da máscara de político para poder lidar com uma sociedade medíocre.O dia da máscara de palhaço para fazer rir pessoas que não conseguem observar a tristeza do meu eu mais profundo.O dia da máscara da fantasia para consolar os sonhos, alheio.O dia da máscara da verdade para que duvidem de mim.O dia da máscara da extravagância para que vejam, a minha versatilidade, a minha intolerância e a minha sabedoria, para que assim, eu seja reconhecida.O dia da máscara da bondade e da feminilidade para que sintam a minha fragilidade.São seis máscaras para cada um dos seis dias da semana que fazem a minha sobrevivência neste mundo insano.A sétima máscara eu não consegui criar, nesse dia sou eu na minha performance real e louca que só uma pessoa no mundo conhece.

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INDECISÃO

Essas dores!!!Vou, porque tenho de ir;Volto por não poder ficar.Se pudesse, nem iria e nem ficaria.Dói-me por demais a carne e ossos que compõe a estrutura de uma alma;Pasmo sempre, por ir e não voltar.

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ESQUECIMENTO

O homem que esquece a poesiaEsquece os gestos e as maniasDilacera com os ancestrais.

O homem que se passa pelo caprichoEsquece a filosofiaQuebra os cristais.

O homem que se derrama em lágrimasMas se esquece da sociologiaDilacera com a dicotomia.

O homem que dramatiza uma históriaEsquece que na luta pode-se chegar à vitóriaMortifica a glória.

O homem que foge da realidadeLuta pela unicidadeDifama sentimentos da igualdade.

O homem que utiliza o seu olho cegoVagueia na hipotética realidadeRasga as páginas da história.

O homem que se esquece da empatia simbióticaRelega as variáveis pela ausência do eventoDesvia a relevância.

O homem que rompe com a pintura abstrataDeseja o que vêPerde a imaginação.

O homem que a isto demonstraAcomoda-se na ignorânciaRompe com a esperança.

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O homem que ignora a realidadeDesconsidera o papel que o caos inevitável temConjectura outra objeção.

O homem que se exime de toda culpaExtingue a projeção imagináriaElucubra em si.

O homem que imagina possuir com perfeição destinadaEsquece experiências compartilhadasDespedaça o brio do porvir.

O homem que assim se colocaTorna-se acre e esmaece à conquista.E qualquer paixão lhe diverte.

O homem com essas atitudesPerde todas as suas possesE chora desgraçado.

Este homem não pode ser meu.

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COMPREENSÃO

Existem coisas que não compreendoComo a morteNão entendo o romantismo barato pelo telefoneNão compreendo indecisão.Não consigo entender o verbo amar vazioNem o sorriso forçado.Não compreendo a virtude pelo interesse.Muito menos as pessoas que deixam de viverPara viver a vida de alguém.O que menos entendo mesmo é o silêncio.Será que morri?

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ROMANTISMO

Gostaria que soubesse:O que se vive juntos não passaPortanto, não diga que eu matei a nós.Meu ser não consegue assassinar o que abastece o sentimento.A minha poesia fica guardada em minha almaSerá a você passada pelos meus abraços e beijos aqui preservados.Fico lucubrando para reter o estágio de loucura.Toco na jovial borboleta para sentir a seda da sua peleInclino-me à rosa para recuperar o seu cheiro e revivenciar a sua beleza.Só não posso dar a você o que não possuoE o que possuo, talvez não o satisfaça.Perdão por eu ser tão inferior.Na minha frágil e inconstante sabedoriaPara não dizer literalmente, ignorância,Alimento-me deste amor que sinto por você.Não sou a súcubo como você me intitula e queima na fogueira.Mate-me de forma mais misericordiosa.Já que soube matar o seu amor do seu euSaiba então matar o seu ódio.Preserve de nós algo de bomSe alguma coisa boa realmente existiu para você.Aprenda ao menos, a não cumprir o seu ritual de horror.Colocaste-me no túmulo ainda viva.Desculpa-me, tira-me daqui.Deixa-me inspirar só um pouco de ar.Não me mate assim, vivo ainda por respirar você.

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ESCREVO

Na segunda-feira, escrevo;Na terça e quarta, também;Às vezes escrevo na quinta eNa sexta quando sinto que convém.Escrevo nos fins de semanaNos feriados escrevo quando me apetece;Em momento de orgulhoNo mundo que é só meuFaço a hora de escrever.Pasmo sempre quando leioAdmito que não seja eu.Mas escrevo que importa?Mais me admira quem não o faz,Nada sente nada pensa, poisNada tem por dizer.Faço sentir nas palavrasMomentos obscuros de reflexão;De amor e ódio sou cúmplice;Hoje entendo o que escrevo, amanhãTalvez, não.Que importa então?Não entendo muito das palavras,Não sou poetisaE seria muita audáciaSe a quisesse ser.

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PASSADO E FUTURO

Sem passado o presente não terá futuro.Quem somente vive intensamente no presente e não examina o passado não será capaz de prognosticar o futuro. Passa a pensar o futuro como a possibilidade de tudo e o passado, como a realidade do nada.Assim, não tem esperanças nem saudades, e o presente tornará a vida contrária do que desejaria.Sem que prevaleça a história no cérebro de um homem, o que poderá ser a vida amanhã se não a pode presumir?É através do passado empírico que se mantém o controle do que se quer, do que acontece de fora, exercendo a própria vontade.Quem repudia o legado do passado, arreda-se de si, levando ao desejo inútil de repeti-lo, com a sensação do momento.A rejeição do passado modifica o espectro da sensibilidade, pelo fato elementar de consciência provocado pela modificação de um sentido externo e ou interno.Sem conhecimento do passado, o presente é um simulacro de si, vive-se de aparência sem realidade.O presente descalçado é a ilusão transcendendo as premissas das incertezas do futuro, o qual vivenciará como já fora um dia.A simulação do futuro torna-se fantasmagórica e o texto se repetirá.E ri-se íncubo.

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MARIA DA PENHA BOINA - AUTOESTIMA

Sempre achei que fosse censurada pelos meus defeitosComecei a mensurá-los para corrigi-losNão os defeitos físicos, estes são o meu patrimônio.Quanto mais corrigia as minhas imperfeições moraisMais repreensão acontecia.Demorei a compreender tanta condenaçãoFoi o tempo que me elucidouNão existiam intrigas sobre as minhas deformidadesA aversão que de mim sentiamNão eram sob o ponto de mira que eu imaginava Os agulhões estavam direcionados eram para a minha excelência.

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VIRTUALIDADE

A vida, amigos, amantes, exposições,Tudo virtual.As músicas, poesias, filosofias, psicologias,Tudo virtual.Os sonhos, as flores, as paixões e os amores,Tudo virtual.As religiões, as crenças os mitos e ritos,Também virtual.Ódios, rancores, dissabores, Mundo virtual.E quando tudo isso foi real?

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ELES E AS MULHERES

Eles são passionais às Joanas, Cristinas e Helenas.Suas vidas não passam além das que vivem das mesmas penas.Compartilham compaixões com as Joanas,Colocam os seus dotes de aparências nas Cristinas,Fantasiam como mães as Helenas.Nomes que lembram filhas, netas, enteadas, amigas de seus círculos virtuosos. Que indubitavelmente não são mais que as suas amantes eQue se contorcem em suas camas usando formas sensuais.Mas no cair da realidade,As Joanas, que eles acham carismáticas, se encontram nos bordeis.As Cristinas, de seus reinos de cuidados têm as almas disfarçadas de damas da traição.As Helenas, que imaginam a súbita certeza do seu amor,São as suas imaculadas serpentes São seus impérios sem futuroSeus mantos de amarguraQue na medida exata de suas primeiras fragilidadesElas os colocam para fora de suas camasComo um rebuçado desgastadoBaldeando-se em outros méis.E agora, como pobres desgraçados,Irão dar glória, glória as suas subestimadas Marias.

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PERNAMBUCO

Conhecer Pernambuco é giro, como se diz na boa gíria de Portugal.Baila-se cavalo marinho pra esquecer-se a lida negreiraNos batentes dos pandeiros, da rebeca e do ganzá.Na colheita e na caçada indígena A velocidade impetuosa do ganzá a arrebentar maracatu.Pólvora, cachaça e limão.Mamulengo, que delícia, dá pra ri e pra chorar.Da quadrilha, do maxixe e do galope, vem o frevo se exaltar.É alegria da tesoura da pernada do carrossel nos passinhos a sublimar.Tem a coco a pastoril a cirandaÉ pra tudo o carnavá.Além da linda Oh! Linda tem RecifeDe arrecifes de corá.

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AMOR REVERSO

Num belo dia eu ouvi falarFizeram-te uma imprecação de malesComo prenúncio de morte.Praga de gente sórdida.Que nocividade é essa?Uma árvore nascer dentro de mim?Para que eu exploda?Não entendi a malícia.Fiquei torpe.Predestinei à aversão.E o infortúnio aconteceu.A árvore nasceu, cresceu e criou raízes.Dissipou dentro de mim.Gerou frutos maravilhososAs raízes entranharam-se no coraçãoEra a praga do amor reversoDe um amante em solidão.

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SEM DESTINO I

Não, não é assim que você é,Você é mais, muito mais de tão pouco,É o verão que está a consumir o seu pensamento.O outono já vem,E logo, logo o inverno, para esfriar a sua irreflexão.Quando fores refletir no invernoSentirás como foi o infernoDe como o verão te encolheu.Não te aflijas por enquantoO inverno tem os seus encantosDe curar os desencantos,De um verão discricionário.Não, não é culpa sua,Faltou-lhe a decência plenaDe um homem que não cresceu.

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SEM DESTINO II

Viveu e viu as façanhas da vidaArmou-se em seu campo de forçaArrebanhou todas as ovelhasCaricaturou a própria vida.Fumou, bebeu, iludiuConstruiu e destruiuSem arregaçar as mangas.Vida fácil, vida bruta,Enquanto encontrou certezasQue não fez por merecer.Agora, homem, chegou a verdadeDas incertezas incondicionais.Ontem o seu passadoHoje o seu futuro impensadoResultando na sua tormenta.Escreveu a vida e criou os próprios tropeçosDevido o seu desajeito e negligênciaDa sua bússola desordenadaQue insistiu seguir.Não tem como seguir mais caminhoVai navegar sozinhoNo mundo único que construiu.

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PSICOPATA

Leva anos e anosDelineando a sua armadilhaEstudando a sua vítima.Falante, charmoso, simpático, sedutor, Capaz de impressionar e cativar rapidamente as pessoas. Bonzinho, educado e inofensivo, é impecável.É só fachada, um teatro muito bem engendrado,Que esconde seus atributos perturbadores.Capaz de enganar com suas mentiras repetidas,À obtenção de seu lucro ou prazer. Desrespeitador e imprudente,Até da sua segurança e a dos outros.Irresponsável de suas obrigações.Sem nenhum sentimento de remorso,Culpa por ferir, maltratar, Roubar, enganar ou mesmo matar.Nada disso faz parte do seu íntimo.Inteligente, mas insensível, frio manipulador.Fingidor de sentimentos perfeitos.Quando descoberto? Mestre inversor do jogo.Agora vítima de convencerDe que foi mal interpretado.É consciente de todos os seus atos.Não desiste é incansável eCom seu charme e bem humoradoVem o golpe da sua lâmina fatal.Vai-se embora dissimuladamenteParte para a próxima ação, sacrificar.

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A CRISE DO LAMENTO

Apoio os dedos finosDas mãos enrugadas no tecladoNenhum, encanto vejo acontecerNada surge em palavras

Lá vão dias e noites, adentroPescoço cansadoOmbros caídosE dedilhando com os dedos finos no teclado

Não inspira, nenhum lamentoSerá que também há criseNo sentimento?Que lamento!

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ASSALTO AO CORAÇÃO

Bateram em minha portaEu a abri com um sorrisoE para a minha surpresaEra um assalto.Fiquei estarrecidaNuma mistura de êxtase e medoMas, durante aqueles momentosTentei fazer todas as leituras possíveis.Mas, quando a porta se fechouNotei que o meu estômago não mais aceitava a comidaOs meus pulmões já não queriam respirarO meu coração sangrava.As minhas pernas paralisavamOs meus dedos começaram a esfriar.Mas, na fuga do sentimento a razão sobressaiuPensei então…Cometi um grande erroAbri a porta desprevenidaDeixei entrar com um sorrisoQuem me era desconhecido.

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TELEFONE

Estou concentrada e, num disparate, o sustoUm trim, trim, trimÉ o telefone a tocarEsvazia-se momentaneamente o meu cérebroInusitadamente, inconscientementeComo um afogamento é a sensaçãoRaiva, ódio, sofrimentoMas tenho que falarAlô, Oi, Sim, sei lá o quêDo outro lado, um “como vai você”?Então reflito, falarComo vou? Nada mudouVou indo, sem pensarNum presente indecenteCom um muro a minha frenteMas o que interessa, como vou?Vou a pé, de trem, de ônibusVou como bem me apetecerComo posso também, não irVou bem, vou malQue diferença fazQue farás por mimIndependente da resposta que receber?Mas depois que me deixou por um momento, no vazioMinhas respostas se tornam monossilábicasComo tu queres ser perfeitoCom seu tosco telefonema?Atrapalhando o meu estado criativoMinha concentração perfeitaMeu invólucro intransponívelQuebrado por um telefonema inútil.

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ÓDIO

Amo alimentar o meu ódioQuero beber deste ódio eternamente.É ele que nutre a minha existênciaSem essa lâmina não consigo enxergar a indiferença.Na indiferença dos outrosEncontro a minha sensatezA minha filosofia do amor que pensaNa ciência que investigaNo estudo que analisa.Ao me alimentar do ódioEstudo a paixão que desequilibraO orgulho que enlouquece as pessoasO sensualismo que envenena.Necessito do ódio para saberLidar com a indiferença.Pode vir de terno, vir com olhos, boca, coração e cérebroNada, nada mesmo dará conta dessa presençaMuito menos da ausência. Por isso preciso beber mais ódioPois é neste ódio que preciso de um coraçãoDe uma frieza, de um raciocínioMesmo que doente.Preciso aprender, e o ódio é a matéria-prima dessa ânsia que alimento.Este alimento está no objeto do ódioAlimenta o meu rancor, a minha iraO meu pouco humor eA minha pouca sabedoria para entenderE aturar.Quero o ódio para mim, dessa formaNunca serei indiferente.

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PAIXÃO

Sê como amigo,O mais verdadeiro.Sê por gratidão,com a maior vontade.Sê por justiça,bem feita.Sê por teimosia,com orgulho.Sê por caridade,de coração.Sê por ganância,para valer o esforço.Sê por obrigação,para o certo.Sê por paixão,a mais intensa.Sê por impulso,sem arrependimentos.Sê por amor, irás ao céuSê assim, que com o manto de minha paixãote doutrinarei.

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PERDI

PerdiSei que é minha culpaNão contemplei e não mensurei as consequênciasDeduzi que todos seriam fortes como eu.Sempre fui dura para suportarDores, ódios, amarguras e saudades.Mas hoje sinto o pranto em minha facePois perdi o amor maior que Deus me deu.Para mim o tempo sempre foi e será relativoNunca me acomodo pelo tempo perdidoMas sinto que ninguém pensa assim.Vou cortar meus pulsos ou tomar aquela caixa de comprimidosPor deixar a emoção dominar a razãoE sufocar pela morte a dor que sinto em meu coração.Tenho culpa, não escondoDeixei-te só e sofridoE o tempo foi capaz de trazer-te novos caminhos.Viva, então, seja felizPois não sou nenhuma imperatrizSou comum, uma reles infelizQue confiou em ti e num horrendo erroCai do pedestal, para os servis.Algo me dizia, que eu ouviria somente de tiA desistência da luta da nossa união.Mas, em pelo, em febre e em duras penasOutros dedos foram os que teclaram Para dizer que estavas afastadoDos nossos sonhos, amor e paixão.O teu adeus não precisava ser assimPodias ter confiado em mimPois quem julga e o indicador apontaEsquece de ver que os outros dedos para si confrontam.Errei e bato em meu peito

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Mas fui sincera e continuo a serJamais apontarei um erro seuPois nunca fizestes por merecer.Fostes e agora estou só Sem chão, com pés descalçosPor perder o meu amor maior, Que se foi sorrateiro e apático.O gosto de fel em minha boca é docePerante a facada dissimulada que recebi.

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ACONCHEGO

Que belo o que ousas proclamar,Mesmo que seja em nome alheioDe ti, nunca vou me separarPois um grande amor é sempre verdadeiro.Se sou rosa e tenho espinhosTu és um cravo macio em que posso me aconchegar.

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MEUS HOMENS

Estou cansada das reverênciasTenho como liberdadeO antissocialA minha própria forma de pronunciar.Não quero nada que seja comedido.Quero a relevância do meu próprio ato.Quero os meus homensE desejo amá-los a todos.E nada que seja singular e exclusivista.Nada de domínio público Que exaurem os meus recursos mentais. Não os quero fisicamenteDesejo-os de pés assentesMas sem muita intelectualidade.Imagino-os com as suas esposas e amantesSuas ternurinhas errantes e eu,Os quero pelas suas melhores partes,Aos meus pés pela minha genialidadeNa libertinagem de pensamentos,Para que tenham sonhosDe um dia possuir, a mim,A mulher intensidade.E que ambicionem a minha extravagância,Para que não morram as minhas nostalgiasE alimente as suas agoniasDaquilo que lhes é imparcial.Que minha autenticidadeSempre os deixem na buscaDa minha real personalidade.

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LÁPIDE

Lapidei durante toda uma vidaAs coisas mais coloridasNas artes que criei.Hoje, já quase morta,Em preto e branco vou tentardeixar em minha futura portaOs dizeres que nunca pronunciarei.- Aqui jaz uma niilista agnóstica quealmas fez sofrer e nem se deu por isso-.Nenhum dizer será mais importanteIncrustado no granito frioQue também da natureza vem.E se abrirem a minha nova portaNão terei como recebê-los, poisem nenhum lugar estarei.

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MeMento II

Canto 2.

OMISSÃO

Proibiu as suas palavras de me visitarem, teus olhos de me enxergarem, teus ouvidos de me escutarem. Improvisou outra voz mísera que descarinhosamente negou, escondendo de mim o que vivias. As promessas não falam por mime já trouxe o amanhã para o hoje confessando que pela compleição débil o destino errou. Desisto de lutar pela faculdade de perceber. Prendi a palavra, fechei os olhos. O que há mais de existir? Um mundo desbotado e sem pessoas, uma ave que não voa nada mais de mim..., nada!

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AMOR AMIGO

Amor amigo é aquele que existe sem interesse,sem querer nada em troca.É o amor perfeitonão anedota.

Amor amigo não aconselhaNão se envolve no âmagodo que mais belo o seu dito amigo já construiu.Amor amigo é participação exponencial.

Amor amigo não chora mágoaspela compaixão.Amigo não aceita por devoçãotudo que lhe é dito.

Amor amigo discute se defende,possuem pontos de vista diferentes,combatem os seus princípiose vontades.

Ser seletivo na amizadeé o estado da arte.O amigo não é só meu,É da vida pelo amor da amizade.

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INSATISFAÇÃO

O teu elogio não cura mais a minha insatisfação.As tuas ideias consomem a minha alegria.O teu juízo desapareceu sem harmonia.Os teus gestos declaram sempre falta de emoção.

Tudo em ti é insosso.Tudo que praticas não é natural.Tudo o que demonstras é em razão de um esforço hercúleo. Tu não tens opinião.

Tu és um fantoche.Não possuis uma personalidade definida.Um adulto cheio de mentiras.Não és capaz de atuar com a razão.

És um ser sem atitude, mas cheio de malícias.És uma criatura que esconde sentimentos.És o que trai na defensiva.És sempre a vítima em cada situação.

Ser imundo que não satisfaz.Verme maldito do pecado.Traidor dos que o amam,Fere sem compaixão.

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QUEM TU ÉS?

Quem és tu?Em que mundo tu vives?Quais são os teus sonhos?O que queres?

Porque tropeças tanto?Porque não pulas os obstáculos?Não vês que estás a cairA definhar e a sumir!

Fala alguma coisaDiga o que queresMate o teu medo Estirpe o teu ódio.

Não mates a mimÉ o que fazes um pouco a cada dia.Sejas menos cruel.Dá-me mais alegria.

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SONHOS DE MENINA MULHER

Fantasiei quando meninaCasar e ter meus filhosUm menino e uma meninaDe olhos bem clarinhos

Não foi fantasiaFoi um sonho realizadoTive um casalzinhoDe olhos clareados

Sonhei também como mulherFantasias até perversasDe viver com o meu companheiroComo amantes exotéricos

Neste sonho gloriosoQuis conhecer lugaresFazer coisas loucasSem traição, na liberdade

Mas este companheiro? Não tiveNão acompanhou a minha ilusãoAchou melhor a acomodaçãoSobre o mesmo colchão

Não cativou a amadaPara viver os mesmos valoresPreferiu afagar os seus sonhos Com a mulher da vida errada.

Neste caso, só agradeçoAo sonho que tive com os filhosPois o sonho de mulherCaiu no precipício.

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TATUAGEM

Vou tatuar o meu corpoCom um EscorpiãoPorque sou racional,Mas destrutiva de coração.

Não, não - Vou tatuar Ideograma japonês.Representando a minha índole refinadaPelo meu bom gosto estéticoFidelidade e amor.

Oras! O Coração em chamasPara mostrar o meu domínioTipificar este poderApenas cognitivo do meu ser.

E o Tubarão?Caminho na solidãoCuriosa por missãoSem submissão.

Vou, é tatuar um DragãoPara sentir o meu controleMeu desejoMinha autoafirmação.

Ou caio na esparrela Tatuando os símbolos TribaisNeste motivo abstratoVoltar-se-ão olhares que sinto escasso.

Ou uma Lagartixa?Para manter o meu autocontroleE a contenção dos sentimentos?Que lamento! Tatuagem.

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AMOR

Amor é somar, dividir e multiplicarNunca, jamais, subtrair.

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FERA DOMADA

Nasci fera e fui domadapelas chicotadas da vida.E para cada chicotadaUma literatura inteira foi percebida.

Aprendi comportamentos, ética e filosofiasociologia social e psicologia.Mesmo tendo tudo inato, em cada chicotadaos conceitos postos em prática afloraram dia-a-dia.

Reconheço no silêncio alheioa não cumplicidade,se não fala é por comodismopor rancor e por maldade.

Estes seres mal iluminadosutilizam por efeito a alienaçãoa desculpa depressivacomo doença mental pela preguiça.

Analiso nos seres que se dizem ingênuos,no abafo da sua sublimar inteligência,achando que nesta obstinaçãoserá capaz de não transmitir o seu real sentimento.

Oh! Fraqueza mental amadora, Oh! Inteligência fataldo erro que não toleroé o ser que é capaz de confundirconceitos das palavras sem contexto.

As chicotadas me acresceram conhecimentos,sou seletiva por excelência,só compreendoconceitos verdadeiros.

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É TARDE (16/08/01)

De que adianta seu amor agoraSe quando te amei você nem ligouO quê me importa seu carinho agoraSe já é tarde para eu te amarO quê me interessa seu sofrimento agoraSe quando eu lhe quis você nem mesmo soube dar amorO que me leva a pensar da tristeza em seu olharTêm-se mais tristezas no meuDe que valem suas palavras agoraSe quando as disse você nem ouviuDe que valem seus sentimentos agoraSe os meus já se esvaíramDe que vale meu perdão agoraSe não existe mais essência para perdoarO que me leva ter que sofrer por você agoraSe sempre sofri e você nunca percebeuO que me vale ser cedo para você agoraSe para mim você já morreu.

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MeMento III

Canto 3.

NOVOS TEMPOS

Acordo e começa o corre-correPara chegar, não sei aonde.Durante o dia, trabalhoA noite também.

Nos pequenos espaços diáriosEstudoDepois o “stress” o cansaçoPor não saber se o dinheiro vem…

As vezes vêm o mal presságioSerá que amanhã vou ter trabalho?Então, estudoMesmo sem o dinheiro para fazer o itinerário.

Não tenho tempo, sem tempoMas com tempoNão concentroHoje isso, amanhã aquilo.

Para relaxar, escrevoPerdendo tempoDeveria mesmo estar lendoReverenciando os mestres.

Mas não me façam críticasEu gosto dos novos tempoMesmo sem tempo, dê-me tempoPara ler poesias.

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SETEMBRO DE 2003 EM PORTUGAL

Está um lindo diaO sol brilhante o céu sem nuvensDá vontade de sair.Imagino o mar deve estar magníficoMas estou presa as raízesDos meus sonhos infantis.

Coisas que idealizeiMomentos que reveleiDecisões que tomeiEstão agora reflectidosEm minha face lânguidaDa perversidade que não imaginei.

Sofro ora agoraPelo destino que me deiQue outrora não consegui, livrar-me.Chora meu coraçãoPela empatia que concebePelo outro sofrimento.

O quê deu errado?Quem foi o culpado?Que magia negra foi esta?Que consegue sempre me consternarColocando-me com o ego arrependidoDaquilo que não quis fazer?

Foram erros de placentaQue a regressão não consegue explicar.Concepção talvez indesejadaQue reflecte na pessoa mal amadaDe forma desesperadaMas não consegue se livrar.

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Passo agora este mal presságioPara os entes mais queridosQue no futuro se acharão esquecidosDo ventre que os gerouMoribundos e mal amadosNa mesma cadeia de valor.

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MEU AMIGO PEDRO (03/1998)

A adolescência conta históriasE nestas histórias loucas, tem a do Pedro.Ah! Meu amigo PedroAmigo de amoresIncertezas também.

Nada de grandiosoTambém nada vulgarBom meninoQue mesmo em minha inocênciaJá sentia, já sabia que iria afundar.

Não sei se no despreparo da criaçãoTalvez no gene da transformaçãoDesvirtuou aquele meninoDesprovido de amorNão vingou.

Drogas, sexo e muito maisDesenfreou e quebrou as virtudesDo homem que se tornou.Por quê? Por quê?Eu te avisei e você não acreditou.

Foi-se assim tão cedo e drasticamenteAmigo Pedro, ferro e fogo te feriramNão amou a ti mesmoE com isto fizestes sofrerPessoas que queriam ver-te florescer

E o carrasco, ferrenho e sem amorQue te fez sentir no peito o peso da dorTenho a satisfação de saberQue o lugar onde estásAmigo, será capaz de reflorescer.

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TESTAMENTO DO AMOR DE UMA MULHER (02/2001)

Mulher não pode amarna essência da palavraSomente pode ser amadana fadiga doutrinária.

Por isso compreendo agorao meu grande erro na vidaErro ou experiência?Erro, experiência éa degradante escusa do desacerto.

Amei, então erreina essência da palavraNo desacerto perdio amor da pessoa amada.

Quando a mulher amaverdadeiramenteTorna-se cúmplice deum amor decadente.

No âmago do ser amadodepois do alcance da conquista pleiteadaexaure da sua alma todo o amor, e logo depoisvulgariza sua amada.

Quer ele ser o caçador perpétuoda pureza nunca conquistadaQue desatinado e exasperado é este serque jamais poderá ser amado?

Amei, então errei e sofrona essência da palavra, masSou feliz por ter amadoMesmo sendo vulgarizada

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por deixar-me ser conquistada.

SOFRIMENTO VIRTUAL (10/1999)

Nas noites escuras e friasNão se faz mais barquinhos de papelComo antigamente se faziaPara encher de satisfação e alegriaEsta vida de aluguel.

Hoje nas noites, finge-seFazer amigos virtuaisAmigos, amantes e tudo maisPara encher mais de saudade os coraçõesPois eles, assim como os barquinhos não voltam jamais.

Ficando no coraçãoO frio denso de uma ilusãoQue talvez em uma noite de verãoPossa tornar realidadeos sonhos dos amantes virtuais.

Sufocando toda uma vidaAcreditando em curar uma feridaQue na verdade não será vencidaE cresce cada vez maisEm cada noite de despedida.

Mas quando se torna realidadeQue satisfação! Até amedrontaFicando registrado nas faces

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A alegria do dado impasseDe vencer o que aparecia vencido.

Mas a tormenta não terminaA dor é mais intensaQuando na despedidaVendo um amor que ficaNa dura hora da partida.

Quanto arrependimentoE que no íntimo do ser vem o lamentoSabendo assim que era menor o sofrimentoDa despedida virtualE a maldita ferida nunca será vencida.

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CONDENAÇÃO (03/2001)

É ímpar, é demais poder amarMas amor é como o satanásFaz proteger o nome do condenadoPrecisando usar codinome para o ser amado

A sociedade não permiteUm amor assim tão alvoTão leve, tão solto, tão verdadeiroMas que nada tem de arbitrário

O satanás quem criou o dinheiroQuem criou os valores materiaisMas Deus criou o amorPara combater o satanás

Quem é o homem?Que se julga capaz de condenarUm amor assim tão presenteNo íntimo de um ser?

A liberdade existeMas na insensatezA sociedadeProtege-se com DeusE ama o satanás

Como um carrascoUsando sua lâmina afiadaCravando no coração amanteMata morbidamente este amor tão presente.

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TELEFONE (03/2001)

Estou escravizadaPor este aparelho maldito,Fico constantemente a esperaQue ele me chame do longínquo lugar.Aquele toque lusitanoQue só eu sei decifrar.O som mais lindo que já pude ouvir em minha vida,Sem instrumentos, mas é uma verdadeira sinfoniaQue me faz delirar.Os prazeres já me tocamQuando em seu visor malocaO número além mar.A prata da voz que sussurra do outro lado,Transforma em ouro o meu coração.É uma magia este som de notas poucasQue atinge um grau de maestriaE transforma-se em melodiaE quando silencia me faz chorar.

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POETISA FERIDA (03/2001)

Sempre fui poetisa da alegriaDas grandes virtudes e glóriasComo um poeta deve ser. Mas uma grande decepção Sem compaixão e com precisão Feriu as palavras do meu ser.Neste momento escrevo as tristezasQue a vida nos pregaDe maneira irônica e desprezível. Os sonhos e realidades incompletas Por minha insensatez Pregou-me esta peça.Que fraqueza a minhaCai na própria armadilhaDe que tanto dava gargalhada e contestava. Cedo ou tarde Nunca faltará essa realidade No íntimo de cada ser.Esta droga malditaQue me colocou em delíriosQue não é injetada e nem bebida. A ânsia me devora Mas no grito da vitória Vou me safar dessa agonia.Mas neste momentoDesafogo em lamentosMinha dor contraída. Perdoai então Meu momento sofrível De poetisa ferida.

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PAULO (07/1989)

Paulo FernandoNa intimidade - PauloQue no telefone brincavaE cá, também eu.Que em um encontro nosso mais tardeDe mentiras escrotasUm enrolo só, nos envolveu.Risos e sonhos concebidosLevou-me a sérioE sofreu.Eu não tinha consciênciaDo sofrimento que lhe causavaEntão, seu pai experienteColocou Paulo em um aviãoIndecenteE na AustráliaDesapareceu.Encontrei Paulo muito tempo depoisvagandoE de mais nada fiquei sabendoDo que em sua vida aconteceu.

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JOSINO O GÊNIO (1980)

Josino pequeninoJosino tão inocenteAquele moleque trapoJosino transumano.

Josino cresceuPois criança cresceHomem, Josino continuou maltrapilho.Mas com o coração de Josino.

E hoje, aquelesQue brincaram com JosinoAh! JosinoBrinca com eles.

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TEMPO (1979)

Mestre e correto é o tempoTodas as coisas norteiam o tempoAté o sobrenatural dependeDo tempo

O querer é algo com que sonhamosO querer é o precisarO morrer não é o quererÉ o ter é o depender.

Maldito tempoFaz-nos mendigar na vidaE traz-nos o necessitarPor ser um cruel inimigo em apoiar.

Deveríamos fugirDo maldito tempoPois dele não podemosVingar.

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PERTENCER (05/1979)

Santo, peregrino faceiroPeco e Tu perdoa-meForma que Tu, qualidade divinaMostras o que és.

Brilhar na vidaSer faceiro peregrinoÉ ser Santo?Ou pertencer a satã?

Com crueldade e pertinênciaUsando da nossa inocênciaFaz com que sejamos pecaminososTalvez para fazer mostrar sua qualidade de Santo.

E nos coloca em uma roda vivaEnvolvendo o mundo com justiçaPara ser Rei hoje e amanhãE em cada manhã seguinte é Santo pelas idiotices.

Como há séculosPeregrino e Santo faceiro,Pertenço a TiAssim como a humanidade diz pertencer.

De um farsantePeregrinoQue se diz CristoEm cada amanhecer.

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CÓLOFON

Cantos escritos de 1979 a 2013, em estações e sítios bastantes diferenciados, na tentativa apenas, de compreender o mundo.

Explicit.Este livro foi composto em fonte Life BT corpo 11, e paginado em InDesign. A impressão e o acabamento foram feitos por Gráfica MPAC, em Vitória -ES, O papel utilizado na impressão do livro é o alcalino original, alto alvura, opacidade 92 e gramatura 90 g/m², na cor branca e com espessura de 110 µm em março de 2013.

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A cegueira

Olha, olha não consegue ver.Você sabe que não ficou cegoMas não entende porque não enxerga Mas você sabe que está sobre a ponteE sabe que o mar azul está adianteExistem navios no horizonteVocê tem consciência de tudoMas não consegue verEi? Não tente abrir mais os olhosVocê não vê por falta da visãoO muro é muito mais altoFaça o esforço para subir até o topoÉ muito alto, e você não suporta mais o cansaço?Tente mais uma vez.Sente-se fracoNão tem mais tempo?Dê mais uma gota do seu sangueSei que é a última gotaEstá quase, vai.Sente-se melhor agora?Você chegou ao topo.Mas o seu corpo é só dorVocê demorou demaisO muro é altoE não teve tempo de ver os naviosA correnteza mudou a cor do mar.Não salte agora.Use a sua imaginação.Tente enxergar assim mesmo.