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saúdeentrevista
88 Mãe Ideal Janeiro 2009
Gostaria queme contasse um pouco a históriado seu filho…Há um ano atrás, eu, o meumarido e o meu filho fomos aos EUApa-
ra tirar um curso na ABC Real e gostámos tanto daquilo que vimos
que não conseguimos deixar de nos meter na aventura de trazer o Ap-
plied Behavior Analysis para Portugal. Já tínhamos alguma expe-
riência nesta área porque já participámos noutras Fundações e Asso-
ciações relativamente à problemática do autismo porque o nosso filho
tem o Síndrome de Asperger. Nos EUA, os especialistas conseguem
reabilitar um indivíduo autista em três meses. Nessa semana, o meu
Método ABAUma esperança para aautonomia dascrianças autistasNa Costa da Caparica, o primeiro Centro ABA em Portugal auxiliameninos autistas. Nesta edição, damos-lhe a conhecer o método ABA– Análise Comportamental Aplicada (Applied Behavior Analysis), cujoobjectivo é intervir em crianças e jovens autistas e que conta com váriosanos de aplicação nos EUA, entre outros países, com óptimosresultados. No ano de 2008, foi inaugurado o primeiro Centro ABA, emPortugal, sedeado no Colégio Campo de Flores, com o objectivo deajudar crianças autistas. Para o conhecermos melhor, entrevistámos aDra. Albertina Marçal, uma das grandes mentoras do projecto.
filho foi consultado por um especialista em Asperger e em duas horas
(tempo de duração da consulta) foi feita uma avaliação. A realidade
portuguesa é realmente diferente.
Ouvimais nessas horas do que em sete anos em Portugal. Ele começou
a ser trabalhado aos três anos.Não quer dizer que sejamosmenos com-
petentes mas eles têm um percurso histórico e um know-how que nós
Nos EUA, os especialistasconseguem reabilitar um indivíduoautista em três meses
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“Em determinadasáreas do autismo,
nós estamos adescobrir que a
diferença não temde ser umadeficiência”
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não temos. A área mais difícil do meu filho é a sociabilização que in-
terfere em tudo, como por exemplo, no processo de aprendizagem. O
meu filho cansa-se muito se estiver com outros meninos mas consegue
estar três horas seguidas ao final do dia com a explicadora de mate-
mática. Isto não quer dizer que ele não goste dos outros. Ele tem uma
performance cognitiva geralmente acima da média, o que não signi-
fica que não tenha problemas de aprendizagem. O meu filho é extre-
mamente inteligente e sensitivo. Há um grande especialista do Asper-
ger que diz que um indivíduo com Asperger tem um funcionamento
extremamente visual. Se a nossa aprendizagem é sobretudo baseada
na oralidade, é evidente que o meu filho está em grande diferença em
relação aos outros.
A ida aos EUA foi essencial para a abertura doCentro ABA?Em determinadas áreas do autismo, nós estamos a descobrir que a di-
ferença não tem de ser uma deficiência. Todos nós somos deficientes em
alguma coisa. Estes indivíduos podem ensinar-nos que a diferença não
tem de ser vista como algo negativo ou inferior. Estes indivíduos po-
dem desenvolver capacidades que não nos passam pela cabeça.
A nossa ida à Califórnia foi o culminar de um processo que temos vin-
do a caminhar. Temos trabalhado muito nestas áreas. Foi de lá que
trouxemos a ideia do ABA. Este projecto tem 30 anos lá fora. O meu
filho poderia ter beneficiado do mesmo aos três anos quando lhe foi
diagnosticado o Síndrome de Asperger. É espantoso que em Portugal
não se saibam destas coisas. O que nós sabemos ao nível da saúde men-
tal em Portugal é muito pouco. Estamos abaixo dos Filipinos.
Na prática, o que é o ABA?Originalmente, chama-se Applied Behavior Analysis. Em portu-
guês, significa Análise Comportamental Aplicada. Este processo foi
um pouco guiado por Deus. No dia de Natal, começámos a trabalhar
e em Maio lançámos na Universidade Lusófona, o primeiro curso pa-
ra pais e o primeiro curso para técnicos. Correu de tal maneira bem que
resolvemos avançar para o Centro propriamente dito. Antes de irmos
para a Califórnia, já tínhamos a ideia de avançar com o Centro. Te-
mos o projecto escrito há muito tempo. Pensámos aplicá-lo em algumas
associações mas não foi possível porque nos faltava um background.
Tivemos a ajuda da Escola Americana. Eles gostaram do nosso tra-
balho. A Escola tem filiais espalhadas por todo o mundo.
O projecto era integrado por duas fases: a primeira, composta pelos cur-
O meu filho cansa-se muito seestiver com outros meninos masconsegue estar três horas seguidasao final do dia com a explicadorade matemática
“Há um grande especialista do Aspergerque diz que um indivíduo com Aspergertem um funcionamento extremamentevisual. Se a nossa aprendizagem ésobretudo baseada na oralidade, éevidente que o meu filho está em grandediferença em relação aos outros”
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sos que correram muito bem, e a segunda pela abertura do Centro. Is-
to foi tudo muito rápido porque tivemos o aval dos americanos para
avançarmos no final de Junho. Perante o trabalho que nós desenvol-
vemos, os americanos chegaram à conclusão que a formação, nos pri-
meiros tempos, não seria paga por nós, o que fez toda a diferença.
No dia 18 de Janeiro deste ano, já tinha o espaço, o Colégio Campo de
Flores que nos cede as instalações a título gratuito.
A Escola americana trabalha em rede com a Universidade, com o Es-
tado da Califórnia e com as organizações ligadas ao autismo. Cá em
Portugal, trabalhamos sozinhos com eles. O projecto português tem su-
pervisão técnica total. Em termos técnicos, são os americanos que coor-
denam tudo. Há um primeiro grupo de crianças, na sua maioria, mui-
to pequenas para apresentar os tais resultados. Nas crianças mais ve-
lhas, a reabilitação é muito mais difícil. Nós trabalhamos crianças a
partir dos dois anos e meio, três e quatro. Este é o grupo maioritário.
Temos ainda outro menino com cinco, outro com seis e outro com dez.
Os profissionais são todos portugueses.
Qual é o tipo de aprendizagem que fazem?O Centro Terapêutico tem uma intensidade terapêutica que não exis-
te em mais lado nenhum. Duas horas por semana de terapia da fala,
por melhor que seja a terapeuta da fala, é uma operação de cosmética.
Meninos com três anos que não falam, não passam a falar com ape-
nas duas a três horas semanais de terapia da fala. Portanto, eles estão
lá cinco horas diárias em terapia, das 8h30 às 13h30. É tudo feito de
uma forma muito especial. Entra-se e vê-se uma sala aparentemente
como outra qualquer. Há muitos pais que entram e que consideram que
aquela não é uma escola de meninos autistas e nem têm noção que ne-
nhuma daquelas crianças fala. Há meninos sentados a trabalhar co-
mo se fosse numa escola perfeitamente normal.
Existe um técnico para cada criança. Depois, há um professor que não
tem crianças e observa como é que a aprendizagem é efectuada pelas
crianças e um técnico que observa como é que as técnicas estão a ser ope-
racionalizadas. Isto obedece à técnica de psicologia comportamental
que pressupõe um grande esforço para os técnicos.
A ideia é que as crianças evoluam de forma que não sintam que estão
ali há cinco horas a trabalhar. Estão como se fosse numa sala de aula
normal. Isto exige um trabalho muito grande. Há uma formação prá-
tica dos técnicos em que eles trabalham directamente com as crianças.
Cada criança tem o seu perfil, apesar do grupo ser mais ou menos ho-
mogéneo. Têm quase todos a mesma idade e as mesmas competências.
Neste momento, temos onze crianças connosco que ficam também da
parte da tarde em actividades de tempos livres. Assumimos essas ac-
tividades sem qualquer custo, o que facilita imenso a vida dos pais
porque eles trabalham e não têm disponibilidade para os colocar nou-
tros sítios.
Têm algum projecto para o futuro?Em Fevereiro, vamos abrir um novo desafio. Vamos arrancar um gru-
po de meninos mais velhos. O trabalho vai ser ao nível da autonomia
da sociabilização para os meninos mais velhos. Estes meninos serão
integrados no Centro Paroquial da Costa da Caparica.
Este projecto tem 30 anos lá fora.O meu filho poderia ter beneficiadodo mesmo aos três anos quando lhefoi diagnosticado o Síndrome deAsperger. É espantoso que emPortugal não se saibam destas coisas
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Exercícios e actividades por alunoUma das formas de facultar oportunidades de aprendizagem é o
adulto apresentar uma série de exercícios/actividades ao aluno.
Cada um deles tem uma pista ou uma instrução específica, cons-
tituindo uma oportunidade para o aluno responder e dependen-
do da resposta, o adulto aplicar a consequência que será o reforço,
no caso de resposta correcta. Estes exercícios são chamados "dis-
crete trials" e são essenciais para a construção de muitas compe-
tências importantes em alunos com autismo. É adoptada uma es-
tratégia positiva e de sucesso, ou seja, os exercícios são adequados
para que o aluno consiga responder o mais correctamente possí-
vel sentindo-se motivado a trabalhar, sempre que necessário com
ajuda do instrutor. Os reforços, bem como as ajudas para a con-
cretização das tarefas, vão sendo gradualmente reduzidos e elimi-
nados uma vez que o que se pretende é a autonomia.
Nos programas ABA de qualidade, os procedimentos de alteração
comportamental são especificados claramente. As instruções, as
pistas, os reforços, os materiais e procedimentos que são utiliza-
dos para desenvolver/criar cada competência são adaptados indi-
vidualmente a cada aluno.
Existe umprograma escrito ou um conjunto de instruções para en-
sinar cada competência; o analista comportamental
responsável pelo programa treina todas as pes-
soas que trabalham com o aluno para im-
plementar estes programas consistente-
mente. A família tem um papel funda-
mental na medida em que deve pro-
mover a generalização das compe-
tências adquiridas, nas sessões de en-
sino, a todas as situações do dia-a-dia,
incentivando a criança a adaptar-se a
novos contextos.
Os programas ABA devem ser dirigidos
por profissionais com formação avançada em
análise comportamental e experiência supervisio-
nada no desenho e implementação de programas ABA para alu-
nos com autismo. Para mais informações, consulte o site:
http://www.autismoescolaaba.org/ MI
Um programa ABA consiste numa terapiaintensiva que pode ir até 40 horas semanais, porum período de aproximadamente de dois anos,em contexto escolar e/ou doméstico. Osterapeutas (normalmente três técnicos por cadaaluno) trabalham com a criança na proporção deum para um, durante cinco a oito horas por dia,cinco ou sete dias por semana.Inicialmente é realizada uma avaliação cuidadosae aprofundada para determinar as competênciasque o aluno possui e as que estão ausentes.Para cada aluno, as competências a seraumentadas e os problemas a ser reduzidos sãoclaramente definidos em termos observáveis emensuráveis através de observação directa, comverificação independente por um segundoobservador. A definição dos objectivos daterapia/intervenção é feita com base nos dadosda avaliação inicial, de um currículo base e dasequência de aquisição de competências emtodos os domínios (aprender a aprender,comunicativo, social, académico, auto--cuidado, motor, brincar e divertimento,etc.), os quais são decompostos empequenos passos, sendo estesdesenvolvidos sequencialmente, oudos mais simples para os maiscomplexos.O objectivo final é ajudar cada aluno adesenvolver competências que lhepermitam ser o mais independente e bemsucedido na sua vida possível. Sãoutilizados abundantemente reforços positivosque são identificados individualmente durante aavaliação inicial e são permanentementeactualizados.
Em que consiste um programaABA?
Escola ABC Realem Sacramento
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