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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ Raquel Coneglian Franchito MÍDIA E ARTE NA PRODUÇÃO DO SENTIDO: da passividade do espectador à emancipação do homem pela criação Taubaté – SP 2009

Mídia e arte na produção do sentido

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ Raquel Coneglian Franchito

MÍDIA E ARTE NA PRODUÇÃO DO SENTIDO: da passividade do espectador à emancipação do

homem pela criação

Taubaté – SP 2009

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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ Raquel Coneglian Franchito

MÍDIA E ARTE NA PRODUÇÃO DO SENTIDO: da passividade do espectador à emancipação do

homem pela criação

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do Grau acadêmico pelo Curso de Psicologia do Departamento de Psicologia da Universidade de Taubaté. Área de concentração: Psicologia Social. Orientadora: Profª Drª Maria Regina Namura

Taubaté – SP 2009

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RAQUEL CONEGLIAN FRANCHITO

MÍDIA E ARTE NA PRODUÇÃO DO SENTIDO: da passividade do espectador à emancipação do homem pela criação

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do Grau acadêmico pelo Curso de Psicologia do Departamento de Psicologia da Universidade de Taubaté. Área de concentração: Psicologia Social. Orientadora: Profª Drª Maria Regina Namura

DATA:_____/_____/_____ RESULTADO:__________ BANCA EXAMINADORA Profª Drª Maria Regina Namura - Universidade de Taubaté Assinatura:__________________________________________ Profª Drª Cecília Pescatore Alves - Universidade de Taubaté

Assinatura:__________________________________________

Prof. Dr. Régis de Toledo Souza - Universidade de Taubaté

Assinatura:__________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os envolvidos direta e indiretamente na elaboração

deste trabalho.

Aos meus familiares e amigos pela paciência e perseverança que me

transmitiram.

Aos meus pais pelo apoio e investimento sem os quais a realização deste

trabalho seria impossível.

Ao meu irmão Vitor, pelo incentivo e entusiasmo.

Ao Lincoln, meu querido companheiro que colaborou e me acolheu ao

longo desta trajetória.

Aos professores do Departamento de Psicologia, em particular a Profª Drª

Maria Regina Namura por compartilhar comigo seu conhecimento, possibilitando

novas perspectivas em minha vida pessoal e acadêmica.

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RESUMO

O presente trabalho focaliza a discussão sobre a produção de sentidos do homem na atualidade, assumindo os pressupostos ontológicos e epistemológicos da tradição marxiana, que postula a necessidade do homem em dar um sentido à sua vida. Para realizar esse debate buscou-se a compreensão do contexto histórico-social em que este sentido está sendo construído, o que trouxe o questionamento sobre o papel da mídia e sua implicação na produção de sentido do indivíduo moderno. Partindo do estudo da categoria sentido segundo Vygotsky e a Psicologia da Arte, este trabalho teve como objetivo instaurar um diálogo entre os processos midiáticos presentes na sociedade contemporânea que participam da produção de sentidos do homem e a importância da arte como possibilidade de emancipação frente à fragmentação da vida nesse contexto. Utilizando o método bibliográfico em um estudo exploratório, apresentou-se a teoria vygotskiana com o intuito de recuperar uma concepção de produção de sentido por um sujeito singular, criativo, estético, ético-político, que na atualidade está sendo excluído e substituído pelo sujeito virtual, através do sentido midiático. Autores modernos e pós-modernos foram pesquisados para discutir o sentido midiático, entre eles Berger & Luckmann, que dissertam sobre a crise de sentido na modernidade, e Guy Debord, autor que concebe a mídia como principal fator para a alienação do sentido.

Palavras-chave: Produção de sentido, Mídia, Psicologia da Arte.

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ABSTRACT

This research focuses the discussion on humans’ sense production today, considering the ontological and epistemological foundations of the marxian tradition that support the humans’ need of giving life a meaning. To accomplish this debate, one searched the plain understanding of the historical and social context in which this sense is being built, what brought about the questioning on the media's role and its influence in the production of the modern individuals sense. Based on the study of the sense category, according to Vygotsky and the Psychology of Art, the objective of this work was to establish a dialogue between the media processes present in contemporary society that participate in producing humans’ senses, and the importance of art as a front for emancipation in view of the fragmentation of life in this context. Using the bibliographic method in an exploratory study, the vygotskian theory was introduced aiming to recover a sense production concept by a singular, creative, aesthetic, ethical-political individual who is currently being replaced by a virtual one through the media sense. Modern and postmodern authors have been asked to discuss the media sense, including Berger & Luckmann, who speak about the crisis of sense in the modernity, and Guy Debord, an author who conceives media as the main factor for alienation of sense.

Key-words: Production of sense, Media, Psychology of Art

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................1

CAPÍTULO 1 – A CATEGORIA SENTIDO NA PSICOLOGIA SÓCIO- HISTÓRICA...6

CAPÍTULO 2 – CRISE DE SENTIDO E MÍDIA .........................................................26

DISCUSSÃO FINAL ..................................................................................................38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................46

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho focaliza a discussão sobre a produção de sentidos do

homem na atualidade, assumindo os pressupostos ontológicos e epistemológicos da

tradição marxiana, que postula a necessidade do homem em dar um sentido à sua

vida. Desde as primeiras criações artísticas e dos relatos míticos, o homem se

questiona sobre o sentido da vida. Questões como: “O que é a vida? O que é a

morte? De onde viemos? O que é o universo? O que é o tempo?” são recorrentes

tanto nas comunidades civilizadas quanto nas primitivas e apontam a necessidade

de dar sentido e significado para o mundo, como visto em Brenman (2005, p. 21).

Namura (2003), sustentada na tradição lukácsiana, afirma que a busca do

sentido da vida é inerente à condição humana e essa busca transforma-se ao longo

do processo de desenvolvimento do homem, ou seja, os sentidos atribuídos pelo

homem mudam de acordo com seu processo histórico-social. As idéias, as

estruturas sociais e as concepções ideológicas que dão sentido à vida podem se

transformar, e essas mudanças nas relações sociais interferem nas concepções

vigentes de sentido.

Constituição e produção de sentido são processos relacionados às

funções psicológicas superiores do homem, postula Vygotsky. O sentido é uma

categoria ou uma função psicológica superior que faz a mediação do homem com a

realidade, com o mundo, com a vida e por isso a busca de sentido em tudo que nos

rodeia. Conhecer a categoria sentido buscando a compreensão do contexto

histórico-social em que esse sentido está sendo construído trouxe-me o

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questionamento sobre o papel da mídia e sua implicação na produção de sentido do

indivíduo contemporâneo: até que ponto o sentido da vida está sendo produzido pela

mídia ou até que ponto é imposto ao indivíduo pela mídia?

O termo mídia – meios de comunicação em massa – refere-se aos objetos

tecnológicos capazes de transmitir a mesma informação para um vasto público ou

para a massa (Chauí, 2006). São eles o rádio, o cinema, a imprensa, a publicidade

ou propaganda, a fotografia, a televisão e a internet. Considerando a mídia a

principal manifestação dos meios de produção e consumo, qual seu papel no que se

refere à atual banalização da vida, da expressão artística e intelectual, da

sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica? Estaria a

mídia impondo sua lógica de lazer e entretenimento, diversão e distração, no lugar

da cultura?

Vygotsky, interessado em construir uma ciência do homem, apresenta a

arte e a estética como constitutivas do sujeito. Este autor busca compreender a

criatividade do homem e escreve a obra Psicologia da Arte para compreender o

papel da arte na constituição do sujeito e na subjetividade humana. Nesta obra,

Vygotsky discute a categoria sentido apresentando a produção de sentido no caldo

cultural da arte como uma forma de emancipação humana. Este autor é estudado

neste trabalho com o intuito de recuperar uma concepção de produção de sentido

por um sujeito singular, criativo, estético, ético-político que na atualidade está sendo

excluído e substituído pelo sujeito virtual, através do sentido midiático.

O interesse pelo tema dos processos psicológicos relacionados com a

atividade criadora e a arte surgiu ao longo de minha formação. O contato que tive

com o estudo da música favoreceu o envolvimento e o interesse pelas formas de

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expressão artística, e ao ingressar na graduação em Psicologia, surge a idéia de

estabelecer um diálogo entre a ciência e a arte.

Em 2007 busquei o aprofundamento com a Arteterapia, em um curso de

extensão. No mesmo ano iniciei as atividades para a elaboração do projeto de

pesquisa para o trabalho de conclusão de curso. Entre os temas propostos pelos

professores-orientadores do Departamento de Psicologia constava “Psicologia da

Arte”. A minha inserção neste tema permitiu conhecer a obra de Vygotsky, que

compreende a criação humana e a arte em uma concepção materialista histórica

dialética, possibilitando uma compreensão da importância dos processos de reação

estética e catarse para a produção de novos sentidos para o homem.

Durante a elaboração da monografia, os estudos foram direcionados para

a categoria sentido, e outros autores foram pesquisados para cumprir as condições

metodológicas do processo de pesquisa, alterando o primeiro propósito. Se

anteriormente o questionamento era, exclusivamente, sobre a formação do sentido

pela recepção da arte, surge no decorrer das leituras outro aspecto instigante: a

pergunta pelo sentido da vida e a atual crise de sentido discutida por autores

modernos e pós-modernos. Essa questão foi instigada particularmente pelo livro

Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido, de Berger & Luckmann, em que os

autores explicam a relação entre a atual estrutura da sociedade contemporânea e a

crise de sentido.

O que mais chamou a atenção foi a introdução dos meios de

comunicação em massa (mídia) como principais comunicadores do sentido na

modernidade. Como seria o processamento e a transmissão do sentido pela mídia e

qual seu papel na “desorientação” do homem moderno? Essa questão também foi

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assinalada nas leituras de Guy Debord, autor que discorre sobre a alienação do

sentido na “sociedade do espetáculo”.

Utilizando Vygotsky como autor central para a compreensão dos

processos de produção de sentido, o objetivo deste trabalho não é “demonizar” a

mídia, mas sim instaurar um diálogo entre os processos midiáticos presentes na

sociedade contemporânea que participam da produção de sentidos do homem e a

importância da arte como possibilidade de emancipação frente à fragmentação da

vida nesse contexto. Como a mídia e a arte participam da formação do sentido e da

significação da realidade e da vida pelo indivíduo?

Definido o problema, para buscar respostas a essas perguntas decidiu-se

realizar um estudo exploratório que, segundo Gil (1991), visa proporcionar maior

familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses.

Foi utilizado o método bibliográfico, visto que nessa metodologia utilizam-se

categorias teóricas já trabalhadas por outros autores e seus textos tornam-se fontes

dos temas a serem pesquisados (Severino, 2007). A principal vantagem da pesquisa

bibliográfica é o fato de permitir ao pesquisador uma cobertura muito mais ampla de

inúmeros fenômenos do que aquela que ele poderia pesquisar diretamente (Gil,

1999).

Para desenvolver o tema, no capítulo 1 apresentamos a concepção da

psicologia social crítica de Vygotsky sobre a constituição e a produção de sentido,

introduzindo a obra Psicologia da Arte e sua importância para o estudo psicológico

do sentido.

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O capítulo 2 aborda a atual crise de sentido e sua relação com os meios

de produção/consumo e a mídia, buscando compreender as ideologias e os

processos midiáticos presentes na sociedade contemporânea que participam da

produção de sentido do homem.

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CAPÍTULO 1 – A CATEGORIA SENTIDO NA PSICOLOGIA SÓCIO-

HISTÓRICA

O percurso de Vygotsky das artes à Psicologia

Iniciar a apresentação da categoria sentido pela obra Psicologia da Arte

tem por objetivo destacar a mediação dos afetos e das emoções na constituição da

categoria sentido. Esta obra pode ser considerada o protótipo da teoria vygotskiana,

especialmente o pressuposto de que os afetos são o motor do desenvolvimento do

pensamento e da cognição.

Alguns autores acreditam que a entrada de Vygotsky na Psicologia se deu

pela busca da resolução de problemas da arte e da cultura - como mostra Blanck

(1996) – continuando, durante toda a sua vida, a direcionar o tema da arte em uma

perspectiva psicológica. Por meio dessa busca Vygotsky traz à psicologia do início

do século XX a questão da consciência como uma totalidade complexa, formada por

cognição, motivações e sentimentos emocionais (Blanck, 1996). Trata-se de uma

questão pouco explorada na época e de onde emerge a proposição dos processos

psicológicos superiores, dentre eles o processo de criação da arte e da vida e a

produção e constituição do sentido, objeto de interesse neste trabalho. Conhecendo

um pouco de sua vida pessoal, é possível compreender o interesse do autor por

essas questões.

Lev S. Vygotsky nasceu em Orsha (Bielo-Rússia), em 1896, filho de um

casal da comunidade judaica de Gomel (Japiassu, 1999), cidade com uma vida

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cultural intensa, onde ele passou sua infância e juventude. Sua família era uma das

mais cultas da cidade. Assim, Vygotsky cresceu em um ambiente propício às suas

reflexões: as conversas na sala de jantar, a organização de uma biblioteca pública

pela família, a educação primária que Vygotsky recebeu em sua própria casa

(Blanck, 1996) demonstram o incentivo dado a Vygotsky no desenvolvimento de

suas idéias.

Quando adolescente, mostrou grande interesse pelos estudos sobre

Hamlet, de Shakespeare – o que veio a ser sua monografia de Direito e Literatura

em Moscou e posteriormente reestruturado e incorporado à Psicologia da Arte

(Japiassu, 1999). Apreciava a poesia, a literatura e durante toda a sua vida

expressou um grande amor pelo teatro. Segundo Blanck (1996), a relação de

Vygotsky com o teatro tem dois aspectos: seu trabalho com a dramaturgia - elaborou

críticas teatrais e a psicologia dos atores - e seu comportamento romântico e teatral,

tendo interesse principalmente pelas grandes tragédias.

Após a revolução russa, passou a lecionar em escolas estaduais em

Gomel, onde ocupou posições de destaque na vida cultural da cidade e coordenou

um círculo de estudos literários em que se discutia a produção teatral de

Shakespeare, Goethe, Tchekov e outros. Em Moscou, em 1925, Vygotsky publicou

seu livro intitulado Psicologia da Arte, alterando a elaboração de 1915 sobre a

estética da tragédia.

Para Freitas (1994, apud Britto, 2007), a pergunta chave desse trabalho é

“o que faz uma obra de arte ser artística?”. Vygotsky responde esta pergunta

apresentando-se contra a redução da arte como mera expressão de vivências

emocionais. O intelecto e o emocional (pensamento e sentimento) são os dois

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fatores movedores da criação humana. Portanto, a arte na visão de Vygotsky é um

produto da atividade humana, como trabalho, ou seja, um ato de criação do homem

que envolve aspectos da cognição e da linguagem usadas para exprimir a arte.

A produção vygotskiana surge no contexto de um dos mais importantes

movimentos intelectuais do século XX (Blanck, 1996). Japiassu (1999) esclarece que

nas primeiras décadas do século XX, assim como a Psicologia, as artes

necessitavam adequar-se à concepção materialista histórica da realidade e do

mundo. Na Rússia pós-revolucionária os artistas e a intelectualidade estavam

empenhados em discutir as bases ideológicas e estéticas sobre os quais deveriam

se assentar as ciências e as artes da nova sociedade socialista soviética. As artes,

principalmente o cinema e o teatro, deveriam assumir-se como espaço de luta onde

seriam travadas batalhas de idéias, pensamentos e concepções da organização

sociopolítica e econômico-cultural do país.

Segundo René Van Der Veer e Jaan Valsinei (1996, apud Japiassu,

1999), Vygotsky encontrava-se regularmente com cenógrafos e diretores, como

Berthold Brecht e principalmente Eiseinsten, para discutir como as idéias abstratas

do materialismo histórico poderiam ser representadas em imagens de cinema (Cole,

1979, apud Namura, 2003). O teatro fundado dramática e cenicamente pela

vanguarda russo-soviética era um veículo para a propaganda explícita dos valores

estéticos e dos pressupostos marxistas.

Vygotsky investiga a problemática psicológica da produção artístico-

cultural e desenvolve, de acordo com os princípios do materialismo histórico, uma

análise da criação artística em seu caráter da ação psicofísica da obra de arte sobre

o funcionamento mental dos seres humanos que a produzem e a consomem em

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determinado contexto sócio-histórico (Japiassu, 1999). Ele destacava a importância

dos vetores histórico-culturais na organização do funcionamento psicológico humano

e idealiza a construção de uma psicologia que se adequasse ao pensamento de

Marx.

Segundo Freitas (1994, apud Britto, 2007), o interesse de Vygotsky era

chegar à síntese psicológica pela análise da arte. Sua inspiração era compreender a

função da arte na vida da sociedade e na vida do homem como ente sócio-histórico.

Para Vygotsky (1972, apud Japiassu, 1999), os sentimentos disputados pela obra de

arte eram sentimentos socialmente determinados. A criação estética era um

construto simbólico elaborado consciente e deliberadamente pelo artista. São como

estímulos organizados no intuito de provocar um tipo específico de reação no

público: a reação estética.

Sentido e Psicologia da Arte

O sentido é uma função psicológica superior que se manifesta ao longo

do desenvolvimento humano e diferencia os homens dos animais, permitindo ao

homem pensar, refletir e criar. Em sua obra intitulada Psicologia da Arte, Vygotsky

se apropria de seu conhecimento sobre a arte e a estética para pensar a categoria

sentido. Essa obra, conforme Namura (2003), é essencial para se compreender a

gênese estética da categoria sentido em Vygotsky. A gênese estética do sentido

contribui para a compreensão da constituição do sentido conforme os aportes do

livro A Construção do Pensamento e da Linguagem, revelando os antecedentes

teóricos e o contexto histórico em que a teoria foi construída.

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Falar de arte é falar de criação humana, daquilo que diferencia os homens

dos animais: “a arte não é uma complementação da vida mas decorre daquilo que

no homem é superior à vida.” (Vygotsky, 2001, p. 340). Segundo Vygotsky (1990), a

atividade criadora do homem é uma função vitalmente necessária. Também

chamada de imaginação ou fantasia, é através dela que se manifestam todos os

aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica. A

arte, na abordagem vygotskiana, é vista como uma dimensão essencial para a

constituição do sujeito e da subjetividade, ou seja, para a produção de sentido.

A Teoria da Reação Estética e o conceito vygotskiano de Catarse

consistem no ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento psicológico

deste autor (Japiassu, 1999). Segundo Vygotsky (1999), a Reação Estética e a

Catarse são processos psicológicos de nível superior e participam da constituição

dos sentidos humanos. A fruição da arte, a reação estética propriamente dita

implicam emoções, afetos e significados que se processam continuamente, entram

em oposição, contradição e são submetidos a certa descarga: a catarse. As

emoções, os afetos e os significados que participam desse processo são destruídos

e transformados, promovendo uma síntese psicológica na consciência do

sujeito/fruidor, isto é, um novo sentido.

Para formular os conceitos de reação estética e catarse, Vygotsky inspira-

se no pensamento hegeliano que concebe a estética não apenas como um

ornamento da vida, mas como criadora de formas nas quais experimentamos o

sentido profundo da vida (Namura, 2003). Para Vygotsky (apud Sawaia, 2006), a

arte demonstra que o homem é mais rico que sua vida cotidiana. Os sentimentos do

homem em relação à arte são diferenciados dos outros sentimentos. Vygotsky (apud

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Japiassu, 1999, p. 53) denomina-os “sentimentos inteligentes”, característicos do ser

humano. “As emoções das artes são emoções inteligentes”

As concepções idealistas da contemplação do belo e as hedonistas do

puro prazer estético configuram a Psicologia da Arte tradicional. Vygotsky critica

essas concepções porque são marcadas ou atravessadas por tendências do

subjetivismo e do objetivismo. A primeira pretende atingir a percepção estética

interpretando a personalidade do autor e seu processo de criação como se revela na

obra. A segunda propõe que a soma de pequenos prazeres estéticos podem atingir

a complexidade da emoção estética do espectador/leitor. Como mostra Namura

(2003), ambas tomam a arte como produto e não como processo, ignorando a idéia

central, o próprio mecanismo de ação da obra de arte que possui leis próprias e

permite elucidar o sentido do efeito e do encanto da obra de arte no receptor,

isolando assim o fenômeno psicológico do seu contexto, da totalidade, da relação

obra/leitor.

A partir dessa crítica, Vygotsky demonstra a necessidade de

fundamentos psicológicos na arte e de a psicologia explicar o comportamento

humano para analisar os problemas da reação estética e da criação artística.

Segundo Vygotsky (apud Namura, 2003), o objetivo de sua Psicologia da Arte é

rever a Psicologia tradicional da arte e indicar um novo campo de pesquisa,

levantando o problema, oferecendo o método e o princípio psicológico básico de

explicação. A Psicologia da Arte de Vygotsky diferencia-se de outras abordagens,

pois seu foco é a pesquisa do efeito que a obra tem sobre o fruidor, ou seja, a

síntese psicológica que os mecanismos da obra de arte provocam na construção do

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sentido (Namura, 2003). Seu objetivo, portanto, é buscar a autoimplicação entre os

mecanismos da arte e o funcionamento do psiquismo social.

“O psiquismo, como tal, não está na obra de arte, isto é, não nos é dado diretamente, mas por vias indiretas. O sentido só se evidencia quando ao analisar “a estrutura dos estímulos” [a obra de arte e seus mecanismos] pode-se recriar “a estrutura das respostas” [os mecanismos psicológicos correspondentes]” (Namura, 2003, p. 73)

Assim, Vygotsky elabora o método objetivo analítico. Esse método

proporciona a análise da ação psicofísica exercida pelos mecanismos da obra de

arte sobre o funcionamento mental do indivíduo em um determinado contexto sócio-

histórico.

A emoção estética, segundo Vygotsky (2001), pressupõe

necessariamente a existência de três momentos: uma estimulação, uma elaboração

e uma resposta. Apesar de ser um modelo de reação comum, trata-se de uma

atividade construtiva sumamente complexa, em que o próprio receptor constrói e cria

o objeto estético para o qual se voltam as suas posteriores reações. “Se uma

melodia diz alguma coisa a nossa alma é porque nós mesmos sabemos arranjar os

sons que nos chegam de fora.” (Vygotsky, 2001, p. 334). Para Vygotsky, é

necessário compreender a diferença entre a reação estética e as outras reações

biológicas do organismo. Conforme Japiassu (1999) esclarece, o simples esquema

estímulo-resposta não é suficiente. A resposta ao público ao estímulo da obra de

arte é baseada em mecanismos complexos de percepção da totalidade da obra de

arte.

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Segundo Namura, (2003), o sentido decorrente da obra de arte é

propiciado pela Reação Estética, que é uma reação especificamente humana em

que a contradição suscita sentimentos opostos uns aos outros e provoca um “curto

circuito” que aniquila esses sentimentos. Trata-se de uma complexificação do

pensamento e da vida afetiva. Ao dissertar sobre a reação estética, Vygotsky (2001)

mostra que seu objetivo não é repetir alguma reação, mas superá-la a vencê-la.

A catarse, palavra tomada da poética de Aristóteles para designar a

expressão sensível e afetiva produzida pela recepção da obra, e que não se limita à

expressão das emoções ou à resolução de tensões afetivas, trata-se, basicamente,

da reorganização das funções psicológicas superiores, mediadas pelo sentimento e

pela fantasia, impacto cognitivo e afetivo que se produz no sujeito (Sawaia, 2006).

Como define Vygotsky (2001, p. 340), catarse é a “libertação do espírito diante das

paixões que o atormentam”.

Vygotsky (2001) afirma que a percepção de uma obra de arte é uma

atividade interior sumamente complexa. Ele denomina essa atividade de ato

estético, um trabalho difícil e cansativo do psiquismo. Este autor considera uma

premissa psicológica fundamental a identidade entre os atos da criação e a

percepção da arte. “A criação é a necessidade mais profunda do nosso psiquismo

em termos de sublimação de algumas espécies inferiores de energia” (2001, p. 337).

Para Vygotsky, os processos de percepção são tidos como processos de repetição e

recriação do ato criador.

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Influências e antecedentes teóricos: contextualizando a obra de

Vygotsky

O materialismo histórico dialético é a corrente filosófica que permeia o

olhar vygotskiano da realidade. Marx apresenta uma concepção de homem ativo,

que não tem sua vida determinada pela própria consciência, mas, ao contrário, sua

consciência é determinada por sua vida. Conforme Engels (apud Triviños, 1987), a

dialética é a ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo externo quanto

do pensamento humano. Marx e Engels partem da dialética de Hegel; no entanto,

são materialistas. O materialismo dialético reconhece como essência do mundo a

matéria, que, de acordo com as leis do movimento, se transforma. A matéria é

anterior à consciência e a realidade objetiva e suas leis são cognoscíveis. É através

da consciência que o homem conhece o mundo, pois esta é produto da matéria.

Outro corolário da dialética materialista é que a realidade existe independente da

consciência.

Vygotsky adota o conceito marxista de consciência e o incorpora ao seu

pensamento ao teorizar sobre a constituição do sujeito como uma forma de

apropriação da significação da realidade, e não diretamente da realidade em si

mesma, como mostra Namura (1996). Evitando uma visão de homem que considera

o ser humano como reflexo imediato do meio social, como um ser passivo,

desprovido de criatividade, Aguiar (2000) disserta sobre a categoria consciência

conforme a abordagem sócio-histórica, compartilhando uma visão de homem como

ser histórico: “para a psicologia sócio-histórica, o homem é um ser ativo, social e

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histórico. Essa é a sua condição humana, a qual lhe permite constituir suas formas

de pensar, sentir e agir, ou seja, constituir sua consciência.” (p.128)

Para Marx as relações sociais, interações e mediações são vistas como

produtoras e transformadoras de comportamento, condutas e formas de pensar

humano no decorrer da história. É importante captar os significados dessas relações

em uma sociedade capitalista. O social de Vygotsky é voltado para a revolução e a

construção do projeto coletivo socialista, portanto existem distinções entre as

condições atuais da sociedade capitalista, cujo projeto é o neoliberalismo (Tuleski,

2000). No entanto, as interpretações contemporâneas da obra de Vygotsky acabam

por reduzir o social às interações individuais ou em pequenos grupos, o que distorce

o conteúdo histórico da obra deste autor.

Como mostra Namura (1996), Vygotsky procura na Psicologia uma

concepção de homem para a reconstrução de uma sociedade, portanto é necessário

entender o processo de criação humana e o homem como construtor de sua cultura,

ou seja, é necessário compreender os processos de transformação e mudança do

homem. Conhecendo as grandes questões que a sociedade russa tinha que

resolver, as críticas e retaliações sofridas por esse autor no governo de Stalin, é

possível perceber o quão imprescindível é abordar a influência marxista em sua obra

(Tuleski, 2000).

Além de Marx, uma grande influência para Vygotsky foi Espinosa.

Segundo Sawaia (2006), a concepção monista deste autor ajudou Vygotsky a

superar as dicotomias clássicas da Psicologia no início do século XX e introduziu a

questão da afetividade. Para Espinosa (apud Sawaia, 2006), a afetividade é a

capacidade do homem de afetar e ser afetado: o homem é o resultado corpóreo e

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mental dessas afecções. Este autor concebe o sujeito como um grau de potência de

expansão a qual corresponde certo poder de ser afetado. Isso significa que o sujeito

é uma potencialidade em ato, cuja realização se dá exclusivamente nos encontros

(experiências). Espinosa critica Darwin afirmando que sobreviver é mais que se

conservar vivo e reproduzir, é expandir-se.

A força de expandir a vida é potência. A potência de vida é aumentada ou

diminuída nos encontros com outros corpos e outras mentes, sofrendo a ação de

idéias, superstições e ações dos outros. É o afeto que faz essa transição, a

passagem de um estado de potência para o outro (Sawaia, 2006). Nessa

perspectiva, o afeto promove a passagem da heteronomia passiva à autonomia

corporal e intelectual.

Filogênese e Ontogênese do sentido: A mediação semiótica e a

internalização das funções psicológicas superiores

Vygotsky ressalta a mediação entre o método materialista histórico

dialético e os fenômenos psíquicos. Conforme essa concepção, o homem apreende

o mundo a sua volta através da consciência. Esse processo ocorre pela mediação

de signos (mediação semiótica), que capacitam o homem a interpretar, significar a

realidade e dar sentido a ela. Segundo Sousa & Sousa (2009), a mediação semiótica

da realidade acontece por meio de signos que são construídos pelo homem em sua

relação com seus semelhantes a partir de suas emoções e ações, no contexto de

sua cultura. A realidade passa a ser conceituada e reconhecida a partir de

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significações, e tanto os significados quanto os sentidos se modificam e se

enriquecem a partir dos contextos em que constituem.

Para compreender a categoria sentido é necessário entendê-la a partir de

sua filogênese (história da espécie) e da ontogênese (história do grupo cultural).

Segundo Pino (2006, p. 54), Vygotsky pretende mostrar a relação dialética que “une

e separa ao mesmo tempo a ordem biológica e a ordem cultural/simbólica do ser

humano”. Para isso, o autor russo utiliza o conceito de medição semiótica, conceito

central em sua obra, inspirado na teoria marxiana.

O termo mediação, como define Pino (1991), refere-se a toda intervenção

de um terceiro elemento que possibilita a interação entre os termos de uma relação.

Na psicologia sócio-histórica, o termo é utilizado para designar a função dos

sistemas de signos na comunicação entre os homens e na construção de um

universo sociocultural. Essa mediação dos sistemas de signos é chamada mediação

semiótica. Seu uso por parte dos homens permite transformar e conhecer o mundo,

comunicar suas experiências e desenvolver novas funções psicológicas.

Signos são “instrumentos psicológicos” que controlam as ações

psicológicas do indivíduo ou de outras pessoas. São interpretáveis como

representações da realidade e podem referir-se a elementos ausentes do espaço e

do tempo presentes, representando ou expressando outros objetos, eventos,

situações (Oliveira, 1995).

Como explica Oliveira (1995), o que torna o homem diferente das outras

espécies animais é o trabalho – que propicia o desenvolvimento da atividade

coletiva, possibilitando a emergência das relações sociais, da cultura, da história

Page 25: Mídia e arte na produção do sentido

18

humana e também da criação e utilização de instrumentos. Existem no mundo

animal “sistemas sinalíticos” pelos quais são transmitidos informações. Entretanto,

com o início da caça pelos ancestrais do homem, entra-se no estado da cultura. Isso

acontece por causa das novas habilidades que a caça requer do homem

(instrumentos, cooperação social, organização, sistema de comunicação). As pistas

de caça são os precursores dos signos (Pino, 1991).

Vygotsky compreende que a ação transformadora entre o homem e a

natureza realizada por meio do trabalho se sofistica a partir do momento em que o

homem passa a utilizar instrumentos e signos como formas de mediação. A

invenção e o uso de signos para solucionar um problema (lembrar, comparar,

relatar, escolher) são análogos à invenção do uso de instrumentos de trabalho, só

que no campo psicológico. Tanto o signo quanto o instrumento têm uma função

mediadora (Vygotsky, 2007).

Para demonstrar isso, Pino (2006) fala sobre o fenômeno da imagem, que

permite ao homem captar a realidade externa tornando-a experiência interna. O que

é captado são os sinais físicos e químicos que a realidade emite/reflete, que são

processados pelo cérebro e dão origem à imagem sensorial. A imagem não tem

apenas a esfera biológica, mas também é um processo simbólico em que a

significação permite recriar uma nova realidade externa semelhante à física. E é

esse processo que nos interessa, já que ele proporciona ao ser humano, como

mostra Pino (2006), o processo de criação.

Toda produção cultural tem uma idéia ou significação, o que faz dela um

objeto de conhecimento: o saber não está no objeto, mas no que o caracteriza.

Essas características tornam-se presentes ao sujeito pela imagem que nele se faz

Page 26: Mídia e arte na produção do sentido

19

do objeto. O que define uma criação como cultural é a significação que ela tem para

seu autor e que pode ser captada por outros humanos (Pino, 2006). Saber e fazer

são atividades semióticas. As características do objeto (forma, figura, design,

discursos, textos escritos, etc.) são componentes semióticos que permitem captar e

interpretar a significação da obra – o que o autor quis fazer ou dizer (Pino, 2006).

Este processo de transformação permite ao homem passar do biológico

ao cultural e social, ou seja, dos processos psicológicos inferiores aos superiores.

(Namura, 1996). A função psicológica superior ou o comportamento superior é a

combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica. A operação com

o uso de signos depende inicialmente dos signos externos. Ao desenvolver-se, a

operação da atividade mediada (como a memorização) passa a ser um processo

totalmente interno (Vygotsky, 2007). A internalização, segundo Vygotsky, é uma

transformação da atividade que utiliza os signos para o desenvolvimento da

inteligência prática, da atenção voluntária e da memória.

A Psicologia sócio-histórica concebe o psiquismo humano como uma

construção social decorrente do processo de interiorização das funções psíquicas

desenvolvidas ao longo da história social dos homens (Pino, 1991). O ser humano,

em seu processo de hominização, tem que reconstituir quando criança aquilo que já

é aquisição da espécie. Como esclarece Oliveira (1995), o uso de signos como

marcas externas vão se transformar em processos internos de mediação, o que

Vygotsky chama de internalização. Por meio desses processos, são desenvolvidos

sistemas simbólicos, que organizam os signos em estruturas complexas e

articuladas, o que é essencial para o desenvolvimento dos processos mentais

Page 27: Mídia e arte na produção do sentido

20

superiores e evidencia a importância das relações sociais entre indivíduos na

construção dos processos psicológicos.

Esses princípios sustentam o desenvolvimento psíquico do sujeito por meio

das interações sociais, portanto as funções psíquicas humanas têm sua origem nos

processos sociais. São decorrentes dos processos de interiorização, das

significações e da objetivação – comportamento verbal ou uma ação que expressa

os significados das coisas e produz novas significações porque ocorre na interação

social -, formas de mediação especificamente humanas. É pela mediação dos

signos que a criança incorpora-se progressivamente à comunidade humana,

internalizando sua cultura e tornando-se um indivíduo social, humanizado (Pino,

1991).

Internalização, como explica Namura (1996), é a reconstrução interna de

uma operação externa, utilizando o exemplo de Vygotsky sobre o gesto de apontar

da criança – um processo interpessoal transformado em intrapessoal. Pino descreve

o processo de internalização como um processo de significação da ação e dos

objetos, portanto um processo de natureza semiótica.

Pensamento e Linguagem, Significação e Sentido

A linguagem é o centro das investigações de Vygotsky. Como mostra

Namura (1996), a linguagem é constituidora do sujeito. Pensamento e linguagem se

inter-relacionam em um processo dinâmico de conexão através do significado da

palavra. A linguagem é uma mediação semiótica entre os signos das palavras. E é

Page 28: Mídia e arte na produção do sentido

21

através da linguagem que pode existir a relação com os outros – produzindo

significados.

O desenvolvimento da significação e do sentido pelo homem ocorre com

a aquisição da linguagem. Vygotsky (2005) apresenta o significado das palavras

como um fenômeno do pensamento verbal ou da fala significativa – uma união da

palavra e do pensamento. Para Vygotsky (2005, p. 152), “Não é simplesmente o

conteúdo de uma palavra que se altera, mas o modo pelo qual a realidade é

generalizada e refletida em uma palavra”. Ou seja, a própria estrutura do significado

e a sua natureza psicológica também mudam ao longo da evolução histórica da

linguagem.

Para Vygotsky, todo pensamento é uma generalização e passa a existir

por meio das palavras. “O pensamento passa por muitas transformações até

transformar-se em fala. Não é só expressão que encontra na fala, encontra a

realidade e a sua forma.” (2005, p 158).

Entendemos que o pensamento expresso na palavra é uma generalização

da realidade. Vygotsky (2005) ainda afirma que o significado das palavras evolui.

Portanto, Namura (1996) esclarece que a alteração do significado das palavras se

processa para além do seu conteúdo porque traduz e reflete a realidade em

constante movimento, lembrando que a realidade se altera conforme as condições

de produção da realidade social, na história do homem e suas práticas sociais.

Da mesma forma, Sousa & Sousa (2009) explicam que o homem e sua

cultura são resultado do desenvolvimento da capacidade de significar. Vimos

anteriormente que, por meio da mediação semiótica, o sujeito se apropria não da

Page 29: Mídia e arte na produção do sentido

22

realidade em si mesma, mas da significação da realidade e que a significação não é

algo pronto a ser captado e internalizado através dos signos, mas sim objeto de re-

elaboração em função das condições históricas próprias a cada pessoa ou grupo. A

significação é o fio condutor de todas as funções psíquicas com a função de

interligar as funções psicológicas, sempre produzindo mudanças e transformações

dos processos psíquicos (Namura, 1996).

A constituição do sujeito acontece nas e pelas relações com os sujeitos

que compartilham dos significados socialmente estabelecidos e, por uma série de

experiências e vivências, o sujeito é também capaz de interpretar e significar suas

próprias ações, seus sentimentos e seus pensamentos – daí a relação entre

significado e sentido:

O sentido de uma palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas umas das zonas de sentido, a mais estável e precisa. Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido. (Vygotsky, 2005, p.181).

Segundo Vygotsky (2005), tanto os significados quanto os sentidos são

dinâmicos, pois ambos se modificam e se enriquecem a partir dos contextos em que

se constituem. Entretanto, os significados diferenciam-se dos sentidos por serem

coletivizados. Esses estão presentes nas diversas formas na subjetividade e nas

relações sociais, por exemplo nas ideologias compartilhadas por um grupo ou uma

comunidade. Os significados têm dimensões universais como representações,

crenças e ideologias e têm também sentidos singulares. (Sousa & Sousa, 2009)

Page 30: Mídia e arte na produção do sentido

23

Conclui Namura (1996) que as significações se concretizam nas relações

entre os sujeitos e transitam nas diferentes dimensões desses sujeitos, perpassando

o pensar, o agir, o criar, o falar, o sentir, o realizar, o desejar, impulsionando novas

conexões na estrutura da consciência.

Os sentimentos, as vivências e as experiências humanas se interpõem

aos significados, constituindo os sentidos, processo que se constitui na consciência

humana. Em síntese, os significados das palavras são reconstruídos nas relações

sociais com as variações da experiência pessoal do sujeito nas interações sociais,

isto é, possibilita a emergência do sentido nas relações dinâmicas entre significado e

sentido e da consciência, mediada semioticamente (Sousa & Sousa, 2009).

Conforme Aguiar & Ozella (2006), Vygotsky concebe o homem como

constituído na e pela atividade, revelando em sua existência e em todas as suas

expressões a sua singularidade: o novo que é capaz de produzir, os significados

sociais e os sentidos subjetivos. Ao apreender as mediações sociais constitutivas do

sujeito é possível sair da aparência (imediato) e ir à busca do processo (sentido).

Segundo esses autores, significado e sentido são constituídos pela

unidade contraditória do simbólico e do emocional. Os significados contêm mais do

que aparentam, e por meio de um trabalho de análise e interpretação caminha-se

para as zonas de sentido, nas quais ocorre a articulação dos eventos psicológicos

que o sujeito produz frente a uma realidade. A categoria sentido exprime a

singularidade historicamente construída e é um ato do homem mediado socialmente.

Berger & Luckmann (2005), também influenciados pela teoria marxista,

concebem o sentido e a significância como motivadores do agir humano e afirmam

Page 31: Mídia e arte na produção do sentido

24

que por meio dessas categorias é possível compreender a suposta crise da

modernidade. Esses autores, ao fazerem algumas considerações antropológicas

sobre a significância da vida humana, explicam que “o sentido se constitui na

consciência humana”. No entanto, a consciência tomada em si não é nada: a

consciência existe somente quando há um objeto intencional, que é constituído pela

síntese na consciência das percepções, memórias ou imaginações.

Essas afirmações nos remetem a Vygotsky, que nos explica a base

afetivo-volitiva do pensamento. Ou seja, para entender o pensamento de uma

pessoa é necessário entender sua base afetivo-volitiva:

O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. (...) Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua base afetivo-volitiva (Vygotsky, 2005, p.187).

Conclui-se que, para apreender os sentidos do sujeito, é preciso

apreender suas necessidades, seus motivos, seus afetos e suas emoções, que são

configuradas a partir das relações sociais como um processo único, singular,

subjetivo e histórico. Ou seja, o sentido se configura na consciência humana, e

são os motivos, as necessidades e os interesses (base afetivo-volitiva) que

orientam o pensamento do homem. E essa base afetivo-volitiva é constituída a

partir das relações sociais, das ações dos homens no seu cotidiano.

Berger & Luckmann (2005) apresentam uma posição semelhante à

vygotskiana. Para esses autores, por meio das vivências do sujeito pode surgir o

sentido, depois que essas vivências se tornam experiências delineadas. “Sentido é a

Page 32: Mídia e arte na produção do sentido

25

consciência de que existe uma relação entre as experiências.” (p.15). Dessa

afirmação podemos apreender que sentido é a relação da experiência atual com as

experiências passadas, que são armazenadas no conhecimento subjetivo.

Entretanto, se é nas vivências puramente subjetivas de uma pessoa que se constitui

o sentido, Berger & Luckmann (2005) mostram que para haver uma estrutura mais

complexa do sentido subjetivo é necessária uma objetivação do sentido subjetivo no

agir social.

É nas diferentes dimensões de sentido que se constrói a significância

complexa do agir social e das relações sociais. A constituição do sentido na

consciência do indivíduo não trata de um sujeito isolado. A identidade pessoal do

indivíduo se forma nas múltiplas sucessões do agir social da vida cotidiana (Berger

& Luckmann, 2005).

Há também um acervo social de conhecimentos (elementos de sentido

modelados historicamente nas vertentes mais antigas do agir social – tradições) de

onde são tomados componentes para o acervo subjetivo de conhecimento. Os

problemas de um indivíduo podem ser objetivados e tornados acessíveis a outros de

diversas formas, sobretudo na linguagem (Berger & Luckmann, 2005).

Page 33: Mídia e arte na produção do sentido

26

CAPÍTULO 2 – CRISE DE SENTIDO E MÍDIA

Como vimos anteriormente, a produção de sentido é um processo

decorrente da internalização das funções psicológicas superiores do homem, cuja

função principal é fazer a mediação do homem com a realidade. Sendo a produção

de sentido uma forma de mediação semiótica com a realidade, questionamos neste

capítulo a atuação da mídia perante a significação da realidade pelo homem.

Para compreender a questão do sentido no contexto contemporâneo, é

preciso considerar que as relações sociais em um movimento direcionado pelo

individualismo exacerbado inerente ao pensamento liberal recriam as necessidades

humanas e trazem uma concepção de indivíduo como resultado de sua própria

vontade e de suas competências pessoais (Namura, 2003). Esse processo pode

gerar uma crise de sentido, pois este se torna descolado da realidade e o que ocorre

é a sua instrumentalização: por meio da tecno-ciência midiática, o sentido torna-se

também midiático, “promovendo a idéia de que as relações reais e a realidade

concreta e objetiva não têm sentido e, portanto, buscar o sentido da vida é

simplesmente encontrar a interpretação que convém a cada um”, dissimulando que

o sentido é explorado e depende dos meios de produção e de consumo (Namura,

2003, p. 16).

A instituição dos órgãos de imprensa e da mídia aparece como principal

manifestação dos meios de produção/consumo na atualidade, que passam a

transmitir a idéia contraditória de que o sentido da vida deve ser alcançado no plano

Page 34: Mídia e arte na produção do sentido

27

individual. Podemos considerar os meios de comunicação em massa e os órgãos de

imprensa instituições controladoras do sentido na contemporaneidade. Entretanto,

não se trata de uma criação da mídia, como apontam Berger e Luckmann (2005). A

crise de sentido está na estrutura da sociedade.

As instituições sociais (econômicas, políticas e religiosas) que têm por

tarefa o reprocessamento social do sentido e como função principal o controle da

produção e transmissão de sentido existiram em quase todas as sociedades. Essas

instituições realizam o reprocessamento social do sentido no qual o sentido objetivo

é transmitido pelos acervos sociais do conhecimento que são colocados à

disposição e comunicados pelas instituições. Esse processo tem como função

principal o controle da produção e transmissão de sentido e acaba por moldar o agir

do indivíduo, por meio da pressão das instituições para o acatamento do sentido

transmitido. Assim, o sentido do agir e da vida é imposto como regra óbvia de

conduta de vida, que a todos obriga, definindo as formas de relação social nas quais

os desvios são tidos como desvios da norma (Berger & Luckmann, 2005).

As instituições dos meios de comunicação de massa, desde a atividade

editorial até a televisão, desempenham um papel chave na comunicação de sentido,

conforme afirmam Berger & Luckmann (2005). A mídia atua como intermediária

entre a experiência coletiva e a individual, “oferecendo interpretações típicas para

problemas definidos como típicos” (p.68). Nas palavras de Berger & Luckmann:

Tudo o que as outras instituições produzem em matéria de interpretações da realidade e de valores, os meios de comunicação selecionam, organizam (empacotam), transformam, na maioria das vezes no curso desse processo, e decidem sobre a forma de sua difusão (2005, p. 68).

Page 35: Mídia e arte na produção do sentido

28

Os meios de comunicação de massa obviamente são utilizados

explicitamente por empresários de diferentes categorias para seus próprios fins,

afirmam Berger & Luckmann (2005), esclarecendo que os conteúdos da

comunicação de massa têm quase sempre uma carga moral, às vezes implícita, às

vezes mais clara. Às vezes, são tematizados conscientemente aspectos morais da

vida individual e da sociedade.

Berger & Luckmann (2005) apontam a pluralização moderna como

importante fator para a crise de sentido. O que caracteriza a pluralização moderna é

o choque de diferentes ordens de valores e concepções de mundo em uma

sociedade onde convivem diferentes formas de vida sem referência a uma ordem de

valor comum. Isso acontece num contexto em que o crescimento populacional e a

migração resultam no aumento das cidades, e a economia de mercado e a

industrialização misturam pessoas dos mais diferentes tipos, forçando-as a chegar a

um entendimento pacífico por meio do estado de direito e da democracia.

A perda da autoevidência com a pluralização moderna traz

questionamentos ao indivíduo no que se refere à orientação de sua vida. Berger &

Luckmann (2005) mostram que se nas sociedades pré-modernas a vida social e a

existência do indivíduo fluíam de acordo com as expectativas da sociedade, sem

maiores questionamentos, graças à autoevidência do sentido; com o fenômeno do

pluralismo moderno, o homem encontra-se desorientado. Mundo, sociedade, vida e

identidade podem ser submetidos a várias interpretações, nenhuma delas

inquestionavelmente corretas. A perda de autoevidência é um fenômeno global.

Page 36: Mídia e arte na produção do sentido

29

Quando a autoevidência é perdida, interpretações firmes da realidade

tornam-se hipóteses. Ocorrem diversas mudanças na consciência, que criam a

impressão de superficialidade. Nesse contexto, as instituições foram criadas

para aliviar o indivíduo da necessidade de reinventar o mundo a cada dia e ter

de se orientar dentro dele, fornecendo padrões para as pessoas orientarem

seu comportamento (grifo meu). Com isso a pessoa aprende a cumprir as

expectativas ligadas a certos papéis, como “casado”, “pai”, “consumidor”, etc. Dessa

forma, o indivíduo cumpre os papéis atribuídos a ele pela sociedade na forma de

esquemas institucionalizados de ação e conduz sua vida de forma pré-moldada

socialmente e com alto grau de autoevidência.

Então, podemos observar que as instituições tentam conservar a

autoevidência, controlando os indivíduos. Entretanto, o pluralismo moderno dificulta

isso, colocando sempre alternativas que obrigam à reflexão, abalando a

autoevidência e obrigando o indivíduo a escolher a cada instante.

Os meios de comunicação de massa exibem constantemente e com

insistência uma pluralidade de modos de pensar e viver, já que desempenham um

papel chave na comunicação do sentido. Berger & Luckmann (2005) apontam a

passagem na sociedade moderna do destino para as possibilidades de escolha e

para a compulsão de escolher:

O pluralismo não só permite que escolhamos (profissão, esposo ou esposa, religião, partido), mas obriga a isto, assim como a oferta moderna de consumo obriga a decisões (sabão Minerva ou Omo, carro Volkswagen ou Renault). Já não é possível não escolher, pois é impossível fechar os olhos diante do fato de que uma decisão tomada poderia ter sido diferente. (2005, p.59).

Page 37: Mídia e arte na produção do sentido

30

Alguns autores pós-modernos, como Lipovetsky (2000), consideram a

atual sociedade do consumo libertadora, inclusive a mídia, com suas capacidades

emancipadoras. Esse autor considera que a comunicação e o consumo acentuam o

individualismo. Entretanto, acredita que a sensação de solidão não resulta da mídia

nem da tecnologia, mas sim da própria dimensão das cidades. Lipovetsky (2000)

afirma que “o individualismo equivale ao desenvolvimento da emancipação” (p. 10),

já que implica em tolerância, liberdade de escolha e comprometimento sem

imposição, isto é, de menor regulamentação moral.

Certamente, existem aqueles que suportam essas condições e seguem

seu caminho. Entretanto, o que ocorre é uma moralização às avessas, ou seja, esta

liberdade pode ser sentida como um peso para alguns indivíduos. Como esclarecem

Berger & Luckmann (2005) ao dissertarem sobre o fenômeno do pluralismo, ao

mesmo tempo que esse processo é sentido como libertação, como uma abertura de

novas possibilidades de vida, é também sentido como um peso: uma exigência ao

indivíduo para que abra sempre maior espaço para o novo e o desconhecido em sua

realidade (Berger & Luckmann, 2005).

Conforme Belloni (2003), a obra A sociedade do espetáculo de Guy

Debord prenuncia o século XXI, sendo relevante para a compreensão das questões

propostas por Berger & Luckmann (2005) no que se refere à implicação do

fenômeno do pluralismo moderno na difusão de sentido através da mídia. Utilizando-

se das categorias do marxismo hegeliano como alienação, falsa consciência,

reificação, fetichismo da mercadoria, etc. para trazer idéias sobre a sociedade

contemporânea, Debord (1997) esclarece que o que acontece na sociedade do

espetáculo é o afastamento do mundo vivido em imagens que o representam. Isto é,

Page 38: Mídia e arte na produção do sentido

31

na sociedade contemporânea, a criação de um mundo de imagens automizadas

escapa ao controle do homem, daí o conceito de espetáculo, uma inversão da vida

assistida passivamente pelo sujeito moderno. O que acontece é a cisão entre

imagem e realidade: a vida na sociedade do espetáculo torna-se fragmentada já que

imagens foram destacadas de cada aspecto da vida, fundindo-se num fluxo comum,

no qual a unidade dessa mesma vida já não pode ser restabelecida. A realidade

considerada parcialmente vira objeto de mera contemplação.

Debord (1997), ao apresentar seu conceito da sociedade do espetáculo,

compreende as mídias como as ferramentas mais importantes da alienação do

sentido. O espetáculo é um fenômeno total, compreendido pela categoria da

totalidade da dialética hegeliana. Nas palavras de Andrade (1999, p.16): “espetáculo

é uma forma de relacionamento humano com os objetos exteriores em que ocorre

uma contemplação, uma exposição de significados sem uma condição de

experiência correspondente por parte dos espectadores”.

Os meios de comunicação de massa são, conforme Debord (1997), “a

manifestação superficial mais esmagadora do espetáculo” (p. 20). Não se trata

apenas de uma simples e neutra instrumentação da sociedade. Como esclarece

Belloni (2003), essa manifestação faz parte da totalidade do espetáculo sendo a

forma mais espetacular da sociedade. Para Debord “a administração desta

sociedade e todo o contato entre os homens já não se podem exercer senão por

intermédio deste poder de comunicação instantâneo” (1997, p. 21).

Compreendendo a mídia como a instituição social mais importante na

difusão do sentido, o homem moderno passa a se identificar com as imagens

transmitidas pelos meios de comunicação em massa. E dentre uma pluralidade de

Page 39: Mídia e arte na produção do sentido

32

imagens transmitidas, distante da realidade real e concreta, este homem sente-se

desorientado. Debord (1997) esclarece que o espetáculo aparece nas mídias como

um modelo socialmente dominante pela lógica da produção industrial e do consumo

de massa ao afirmar que “o espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou

totalmente a vida social” (p. 30). Enfatiza Debord (1997) que o princípio do

fetichismo da mercadoria se realiza no espetáculo, no qual o mundo sensível é

substituído por uma seleção de imagens que existe acima dele. No espetáculo, o

mundo da mercadoria domina tudo o que é vivido e resulta no afastamento dos

homens entre si e em relação a tudo que produzem. O consumo alienado torna-se

para as massas um dever suplementar à produção alienada. O consumidor real

torna-se consumidor de ilusões. A pseudonecessidade imposta pelo consumo

moderno não pode ser contrastada a nenhuma necessidade ou desejo autêntico que

não seja, ele mesmo, produzido pela sociedade e sua história.

Como afirma Belloni (2003), Debord destacava a evolução histórica do

conceito marxista de alienação: ao longo da história ocorre uma degradação do “ser”

pré-moderno ao “ter” capitalista, da modernidade, para chegar ao “parecer” do

espetáculo. No espetáculo o que ocorre é o empobrecimento da vida cotidiana:

“Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (Debord, 1997, p.

13). Para esse autor, a base da sociedade existente é a alienação recíproca entre

espetáculo e realidade. A realidade surge no espetáculo e o espetáculo é real. O

espetáculo é uma afirmação da aparência e de toda vida social como simples

aparência. Conforme Debord (1997), quando o mundo real se transforma em

simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes

de um comportamento hipnótico.

Page 40: Mídia e arte na produção do sentido

33

É importante salientar, como esclarece Chauí (2006), que a dimensão do

espetáculo não foi criada pela comunicação de massa e o espetáculo não é um

malefício para a cultura, pois é próprio da obra de pensamento e da obra de arte

oferecerem-se e exporem-se ao pensamento, à sensibilidade e à imaginação de

outrem para que lhes confira sentido e as prossiga. Para a autora, a questão não se

coloca diretamente sobre os espetáculos, mas sobre o que sucede ao espetáculo

quando capturado, produzido e enviado pelos meios de comunicação de massa.

Afinal, Debord (1997) afirma que a cisão entre imagem e realidade faz o

espetáculo aparecer como finalidade do modo de produção reinante, quando na

verdade o espetáculo é muito mais que seu modo de funcionamento: o espetáculo é

uma relação social mediatizada por imagens. Essa afirmação nos remete a Berger &

Luckmann (2005), que consideram a crise de sentido na atualidade como resultante

da estrutura da sociedade. Isto é, as interações sociais e a maneira como a

sociedade contemporânea se organiza, com as instituições econômicas, políticas e

religiosas transmitindo e difundindo o sentido por meio da mídia, mantêm o homem

aprisionado quando obtém uma significação da realidade que não é a sua. Através

dos meios de comunicação de massa, o espetáculo representa todos os aspectos

importantes da vida dos quais os indivíduos estão separados e incapacitados de

viver diretamente. “Sob todas as suas formas particulares – informação ou

propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos -, o espetáculo

constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade.” (Debord, 1997, p. 14).

Abramo (2003) explica que a manipulação da informação pela mídia

transforma-se em manipulação da realidade. A sociedade é cotidiana e

sistematicamente colocada diante de uma realidade artificialmente criada pela

Page 41: Mídia e arte na produção do sentido

34

imprensa e que se contradiz dominando a realidade real que o sujeito vive e

conhece. Fragmentado no leitor ou telespectador individual, o público só percebe a

contradição quando se trata da infinitesimal parcela de realidade da qual ele é

protagonista e que, portanto, conhece. A realidade é assim captada por meio da

imagem artificial e irreal da realidade criada pela imprensa e esta é a parte da

realidade que o sujeito não percebe diretamente mas aprende por conhecimento. “A

maior parte dos indivíduos, portanto, move-se num mundo que não existe, e que foi

artificialmente criado para ele justamente a fim de que ele se mova nesse mundo

irreal.” (Abramo, 2003, p. 24).

Nas sociedades existe uma estrutura histórica respectiva do reservatório

social do sentido. Berger & Luckmann (2005) mostram que, no decorrer da história,

a subjetividade de problemas experiência e ação que resultam nas objetivações do

sentido tornaram-se intersubjetivamente recordáveis através da comunicação com

os outros. Esses processos, quando controlados por instituições, fazem com que

uma parte das objetivações consideradas significativas sejam destacadas enquanto

outras são consideradas insignificantes e outras descartadas como inadequadas ou

perigosas. Sistemas significativos são transmitidos para gerações futuras. Observa-

se esse processo, visto que, nas sociedades, peritos especialmente escolados para

isso exerceram a censura, a canonização, a sistematização e a pedagogização.

Esses meios de reprocessamento do sentido podem ser observados

também nas seleções que os órgãos de imprensa executam para direcionar as

informações para o público espectador. É importante observar, como coloca Abramo

(2003), que não é todo material que toda imprensa manipula sempre. Entretanto,

observa-se a manipulação da informação exercida pelos órgãos de imprensa em

Page 42: Mídia e arte na produção do sentido

35

alguns padrões pelos quais se realiza a produção jornalística. Discutindo os padrões

de manipulação na grande imprensa, Abramo (2003) explica que os órgãos de

imprensa, ao manipular a informação, manipulam a realidade. O material oferecido

ao público não reflete a realidade, mas tem relação indireta com a realidade,

distorcendo-a. Esse fato é observado diariamente na imprensa, pois alguns

assuntos quase nunca são tratados, enquanto outros aparecem quase todos os dias.

Alguns segmentos sociais são vistos pela imprensa apenas sob alguns poucos

ângulos, enquanto permanece na obscuridade toda a complexa riqueza de suas

vidas e atividades. A realidade é assim dividida pela imprensa em realidade do

campo do Bem e realidade do campo do Mal, e o público é induzido a acreditar que

será assim eternamente, sem possibilidade de mudança.

Na também chamada “sociedade do descarte”, a publicidade comercial

propagada pela mídia passou a vender imagens e signos e não as próprias

mercadorias. Segundo Chauí (2006), com a passagem da sociedade industrial para

a pós-industrial, o poder da propaganda dependia da capacidade de manipular

desejos do consumidor e até mesmo criar desejos nele. A propaganda passou a

vender não o produto propriamente dito, mas os desejos que ele realizaria. Como

escreve Chauí (2006), na televisão, imagens são produzidas e transmitidas para

repetir sempre a mesma mensagem: “eu sou você”. No contexto midiático, “a

imagem não é uma mediação, um signo que nos remete a uma realidade distinta de

nós, mas instaura uma relação imediata conosco, e essa relação só pode ser

imediata se é uma relação de identificação” (Chauí, 2006, p. 53). A televisão

também é um bem selecionado para o reforço constante das condições de

isolamento das “multidões solitárias”, como afirma Debord (1997).

Page 43: Mídia e arte na produção do sentido

36

Isto é, a mídia atua como um estímulo ao narcisismo, pois imagens são

produzidas e transmitidas pela programação e pela propaganda para que ocorra

identificação com os atores, âncoras de jornal, entrevistadores, etc. (Chauí, 2006).

Ao dissertar sobre a atual “sociedade do espetáculo”, afirma Jappe (1997) que os

indivíduos são obrigados a contemplar e a consumir passivamente as imagens de

tudo o que lhes falta em sua existência real. Têm de olhar para outros (estrelas,

homens políticos etc.) que vivem em seu lugar. O que acontece é uma alienação do

sentido, como explica Debord (1997): quanto mais o espectador contempla, menos

vive, e quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade,

menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. A realidade torna-se

uma imagem, e as imagens tornam-se realidade; a unidade que falta à vida,

recupera-se no plano da imagem. (Jappe, 1997)

Veiculando informações através de novelas, notícias, músicas, romances,

jogos, etc., a mídia, assegura Chauí (2006, p. 49), transmite pelo rádio e pela

televisão “o mundo inteiro em um instante, mas o fazem de tal maneira que o mundo

real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade

desprovida de raíz no espaço e no tempo.” A desinformação, continua Chauí (2006),

é o resultado da maioria dos noticiários de rádio e televisão porque de modo geral,

as notícias são apresentadas de maneira a impedir que o ouvinte e o espectador

possam localizá-los no espaço e no tempo.

Chauí (2006) exemplifica com as notícias sobre crimes, que os órgãos

dos meios de comunicação de massa o fazem sem estabelecer qualquer relação

entre a criminalidade e suas causas possíveis, como os problemas do crime

organizado, os problemas postos pela economia e suas conseqüências sociais. Só é

Page 44: Mídia e arte na produção do sentido

37

transmitida a idéia de que criaturas más, saídas de parte nenhuma, estão postas a

ameaçar a vida e os bens de cidadãos honestos e desprotegidos. O espectador se

encontra em uma posição em que é incapaz de compreender o verdadeiro

significado dos fatos noticiados, pois o que ocorre é uma saturação de informação

que traz a ilusão de que fomos informados sobre tudo.

Page 45: Mídia e arte na produção do sentido

38

DISCUSSÃO FINAL

Após um breve percurso na revisão de literatura pela trajetória intelectual

de Vygotsky, foi possível compreender a visão de homem deste autor, cujo

embasamento no materialismo histórico dialético de Marx e Engels e o interesse em

decifrar o processo de criação do homem permitiram que Vygotsky trouxesse sua

contribuição à Psicologia com o estudo da categoria sentido, tema deste trabalho.

Para Vygotsky, o homem é um ser ativo e histórico, o que lhe permite

constituir sua consciência (Aguiar, 2009). De acordo com a visão materialista

histórica dialética da realidade, esta existe independentemente da existência da

consciência. Entretanto, o sujeito se constitui não a partir da apropriação da

realidade em si mesma, mas a partir da apropriação da significação da realidade

(Namura, 1996), Esse processo implica a mediação semiótica da realidade. Dentro

de seu contexto cultural, a mediação semiótica da realidade acontece por meio de

signos que são construídos pelo homem na relação com seus semelhantes a partir

de suas ações e emoções. A realidade passa a ser representada e reconhecida a

partir de significações, e tanto os significados quanto os sentidos se modificam e se

enriquecem a partir dos contextos em que se constituem (Sousa & Sousa, 2009).

Isso implica que os significados são reconstruídos nas relações sociais

com as variações da experiência pessoal do sujeito (seus sentimentos e suas

vivências) nas interações sociais, possibilitando a emergência do sentido. As

Page 46: Mídia e arte na produção do sentido

39

relações dinâmicas entre significado e sentido, formadas a partir da apreensão da

realidade, permitem a emergência da consciência. Portanto, o processo de produção

de sentido transpõe o imediatismo e a aparência dos fenômenos sociais. O

significado é compartilhado socialmente, já o sentido articula outros eventos

psicológicos que o sujeito vive ou experimenta frente a uma realidade. As vivências

dos sujeitos nas relações sociais promovem experiências, sentimentos e emoções

que motivam o pensamento. Essa é a inserção da base afetivo-volitiva - as

necessidades, os motivos, os afetos e as emoções do sujeito, que orientam o sujeito

e constituem o sentido.

Compreendida a questão da significação da realidade, podemos indagar a

atuação da mídia nesse processo no contexto e no sujeito da modernidade

contemporânea, já que, segundo Berger & Luckmann (2005), os meios de

comunicação em massa são os principais difusores do reprocessamento, do

controle, da produção e da transmissão de sentido que as instituições sociais

imprimem no indivíduo contemporâneo. Vimos com Berger & Luckmann (2005) que

a crise de sentido está na estrutura da sociedade e conforme Namura (2003) que as

idéias, as estruturas sociais e as concepções ideológicas que dão sentido à vida

podem se transformar, e essas mudanças nas relações sociais se inscrevem nas

concepções vigentes de sentido. Portanto, é preciso identificar quais mudanças nas

relações sociais contemporâneas se interpõem na produção de sentido, já que, a

crise de sentido acomete o indivíduo na medida em que “as estruturas da sociedade

tornam-se estruturas da consciência” por meio dos processos de socialização

(Berger & Luckmann, 2005, p. 56).

Page 47: Mídia e arte na produção do sentido

40

O presente trabalho focaliza as relações midiáticas na

contemporaneidade, coincidindo com a afirmação de Abramo (2003) de que a

grande mídia oferece um material ao público que não reflete a realidade, mas tem

relação indireta com ela, distorcendo-a. Esse fato acaba por direcionar o público a

aceitar passivamente as informações, sem perspectiva de mudança.

A distorção e a interferência da mídia na significação da realidade do

homem moderno fazem dos meios de comunicação de massa o principal fator para

alienação do sentido, como afirma Debord (1997). Ao retomar a visão vygotskyana

que concebe a gênese e o desenvolvimento psíquico do homem através das

interações sociais, é possível um olhar crítico no que se refere à produção de

sentido no contexto midiático.

O pressuposto de que o afeto decorrente dos encontros e das

experiências nas interações sociais proporcionam a expansão da vida (Sawaia,

2006), possibilita a observação de que na atualidade as experiências que ocorrem

nas relações sociais, promovendo a emergência de sentidos e o enriquecimento

humano, são substituídas pelas relações midiáticas, que esvaziam o contato do

sujeito com sua própria existência. O contexto midiático dificulta a expansão da vida,

na medida em que o fenômeno da alienação do sentido esvazia a compreensão da

própria existência do sujeito, que passa a contemplar e reconhecer-se nas imagens

midiáticas.

No contexto midiático, o sentido é transmitido e difundido pelos meios de

comunicação em massa, incidindo no processo de significação da realidade, e esta

é apresentada de maneira distorcida, de acordo com os interesses econômicos das

instituições sociais, bombardeando o sujeito com informações sem que exista uma

Page 48: Mídia e arte na produção do sentido

41

experiência correspondente àquela difundida nas imagens midiáticas. Isso implica

em uma produção de sentido que dificulta o processo emancipatório. Sabemos que

a realidade existe independentemente da consciência. A consciência se forma a

partir das significações da realidade, da práxis e dos signos processados pelo

sujeito, produzindo sentido. O contato do sujeito com a realidade que a mídia

transmite, uma realidade midiática e distorcida, resulta em um distanciamento do

contato do sujeito com sua própria existência.

No decorrer da pesquisa deparamo-nos com o pensamento de

Lipovetsky. Sem o intuito de investigar a fundo sua obra, apresentamos brevemente

no capítulo dois sua visão sobre a mídia em contraposição aos autores modernos

até então estudados. Para Lipovetsky (2000) a mídia acentua o consumo e o

individualismo e o autor considera esses aspectos emancipadores na medida em

que implicam na tolerância e na liberdade de escolha com menor regulamentação

moral.

No livro A tela global, Lipovetsky & Serroy (2009) tratam especificamente

do cinema e sua implicação em diversos tipos de mídia, particularmente das “telas”:

do computador, dos videogames, da internet, do celular e das máquinas fotográficas.

O que acontece segundo os autores é uma cinematografização do mundo feita da

combinação do grande espetáculo, das celebridades e do divertimento. Essa

afirmação evidencia nossa indagação inicial sobre a atuação da mídia e seu papel

na banalização da vida, onde a lógica do lazer e do entretenimento substitui a

cultura.

Contudo, Lipovetsky & Serroy (2009) ao abordarem a questão do cinema

afirmam que em todas as épocas de sua história não faltaram filmes convencionais e

Page 49: Mídia e arte na produção do sentido

42

de péssima qualidade, ao lado de produções autênticas, mas sempre menos

numerosas obras-primas. A colocação desses autores é de que a produção de

filmes medíocres, hiperespetaculares, com personagens uniformes não é novidade e

não deve ocultar o desenvolvimento de um cinema inovador, personalizado, menos

previsível. Em uma sociedade mais fragmentada, o cinema atual leva em conta

problemas e temas outrora descartados ou tratados segundo estereótipos

convencionais. Agora, estilos de vida mais heterogêneos como casais divorciados,

idosos, solteiros, homossexuais, negros, deficientes, desviantes, etc., são tratados

por eles mesmos.

Em uma sociedade marcada pelo pluralismo, a mídia reproduz aquilo que

está na estrutura da sociedade, exibindo constantemente e com insistência uma

pluralidade de modos de pensar e viver. Na maioria das vezes os processos

midiáticos afastam o sujeito na busca de uma interpretação para sua própria vida e

não apontam possibilidades de transformação. Porém, Lipovetsky adverte para que

não se reduza o contato do sujeito com a mídia à total passividade. Vimos com

Andrade (1999) que no espetáculo o homem se relaciona com os objetos exteriores

contemplando-os, mas sem existir uma condição de experiência correspondente por

parte dos espectadores. Lipovetsky & Serroy (2009) não negam a existência de

filmes hiperespetaculares difundidos pela mídia, mas apontam a existência de

algumas obras que aproximam o sujeito de realidades antes não exploradas pela

mídia. Nas palavras dos autores: “O que se anuncia é um cinema global

fragmentado, pluri-identitário, multiculturalista. Afirmar que o cinema caiu em um

conformismo padronizado é enunciar um clichê em que ele mesmo é conformista”

(Lipovetsky & Serroy, 2009, p. 17).

Page 50: Mídia e arte na produção do sentido

43

Sem o intuito de “demonizar” a mídia ou repetir clichês, buscamos neste

trabalho inicialmente compreender a categoria sentido. No contexto contemporâneo

é impossível ignorar a implicação da mídia na produção de sentidos do homem.

Como visto anteriormente, o sentido é uma categoria ou uma função psicológica

superior que faz a mediação do homem com a realidade, com o mundo, com a vida

e por isso a busca de sentido em tudo que nos rodeia. Não podemos ignorar o fato

de que a mídia rodeia o homem por toda a parte na vida contemporânea, implicando

assim na sua produção de sentido. Seja pela principal ferramenta da “sociedade do

espetáculo” anunciada Debord (1997) ou pela “telas globais” que anuncia Lipovetsky

(2009), buscamos nesse trabalho uma reflexão sobre a produção de sentidos do

homem contemporâneo que se distancia do sentido de sua própria existência,

emergido no contexto midiático.

Se a teoria vygotskiana concebe a arte como um dos fenômenos

constituintes do sujeito, afirmando que por meio dela o sujeito pode experimentar o

sentido profundo da vida (Namura, 2003), apresentamos a proposta de Vygotsky

com a Psicologia da Arte como uma retomada do homem no contexto da

transformação. Vygotsky, sustentado no pensamento marxista, busca entender o

homem como ser criativo e como construtor de sua cultura. Interessado

principalmente na dramaturgia e na literatura, afirma que a arte enriquece a vida do

indivíduo; a atividade criadora do homem é uma função vitalmente necessária, pela

qual se manifestam todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação

artística, científica e técnica. Esse autor procura, com a Psicologia da Arte, estudar a

síntese psicológica que os mecanismos da obra de arte provocam na construção do

Page 51: Mídia e arte na produção do sentido

44

sentido. Para ele, a reação estética e a catarse são processos psicológicos

superiores que participam da constituição dos sentidos humanos.

Ao estudar os processos de recepção da arte e suas implicações na

produção de novos sentidos para o sujeito, Vygotsky definiu a Catarse como uma

reorganização das funções psicológicas superiores, mediadas pelo sentimento e

pela fantasia, impacto cognitivo e afetivo que se produz no sujeito (Sawaia, 2006). E

a Reação Estética como uma reação especificamente humana em que a contradição

suscita sentimentos opostos uns aos outros, provocando um “curto circuito” que

aniquila esses sentimentos (Namura, 2003).

Vygotsky afirma que “as nossas possibilidades superam a nossa atividade

[...] e a criação cobre inteiramente o resíduo que fica entre as possibilidades e a

realização, o potencial e o real em nossa vida” (2001, p. 337), por isso a importância

de se estudar os processos de recepção da arte, que são vistos por esse autor como

processos de repetição e recriação do ato criador. Para Vygotsky (2001), a arte

constitui um “mecanismo biológico permanente e necessário de superação de

excitações não realizadas na vida e é um acompanhante absolutamente inevitável

da existência humana” (p. 338)

Por isso a concepção de que a recepção da arte é uma atividade

complexa do psiquismo humano, uma criação, produtora de novos sentidos. Ao

compreender o processo de criação como “a necessidade mais profunda do nosso

psiquismo em termos de sublimação de algumas espécies inferiores de energia”

(Vygotsky, 2001, p. 337) é possível afirmar o potencial de expansão que a arte traz à

vida do homem.

Page 52: Mídia e arte na produção do sentido

45

A arte atua diretamente na base afetivo-volitiva (necessidades, desejos,

emoções e afetos do sujeito), proporcionando a produção de novos sentidos e

enriquecendo a consciência do sujeito, ou seja, o sujeito caminha rumo à sua própria

representação da realidade, enriquecendo a capacidade de refletir sobre sua

existência ao se deparar com o estranhamento que a arte proporciona. Essa

experiência implica em ressignificações do outro e de si próprio, suas necessidades

e desejos, amplia o repertório de conhecimento sobre a realidade, revela

intencionalidades, pois seja qual for o estado da arte, as mutações de forma e

conteúdo que ela sofreu com o tempo, as leis da estética vygotskiana continuam

produzindo o “curto circuito” que aniquila sentimentos opostos e instaura novos

sentidos.

Neste trabalho apresentamos questionamentos que apontam a

necessidade da realização de estudos mais aprofundados sobre a produção de

sentidos do homem contemporâneo. Por isso, destacamos a obra Psicologia da Arte

como imprescindível para a compreensão da categoria sentido segundo o

pensamento de Vygotsky. A partir do questionamento sobre a implicação da mídia

na produção de sentidos do homem, frente à fragmentação da realidade em uma

sociedade multiculturalista, destacamos também a importância do estudo da

categoria sentido para a compreensão dos fenômenos sociais contemporâneos.

Page 53: Mídia e arte na produção do sentido

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