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Milton santos a globalização da comunicação

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A globalização da comunicação

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Coordenação EditorialIrmã Jacinta Turolo Garcia

Assessoria AdministrativaIrmã Teresa Ana Sofiatti

Assessoria ComercialIrmã Áurea de Almeida Nascimento

Coordenação da Coleção VerbumLuiz Eugênio Véscio

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Tradução

Laureano Pelegrin

A globalização da comunicação

Armand Mattelart

Page 5: Milton santos   a globalização da comunicação

ISBN 2-13-047945-6 (original)

Copyright© Presses Universitaires de France, 1996

Copyright© de tradução – EDUSC, 2000

Tradução realizada a partir da 1ª edição (1996).

Direitos exclusivos de publicação em língua

portuguesa para o Brasil adquiridos pela

Editora da Universidade do Sagrado Coração

Rua Irmã Arminda, 10-50Cep 17044-160 - Bauru - SP

Fone (0XX)14 - 235-7111 - Fax 235-7219e-mail: [email protected]

M4354g Mattelart,Armand.

A globalização da comunicação / ArmandMatttelart; tradução Laureano Pelegrin. - - Bauru,SP: EDUSC, 2000.

192 p. ; 19 cm. - - (Coleção Verbum)

ISBN 85-86259-97-7

Inclui bibliografia.Tradução de: La mondialisation de la

communication

1.Globalização. I.Titulo. II.Série

CDD 382

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Prefácio à edição brasileira

Introdução

Capítulo 1:As Redes da universalização

O Caudal do Iluminismo

Os Postos avançados do livre

comércio

A Formação da potência mundial

As Utopias da comunicação

universal

Capítulo 2:A Fábrica da cultura

A Indústria da informação

Rumo à industrialização da cultura

A Necessária interdependência

Capítulo 3:A Vez da propaganda

O Gerenciamento da opinião popular

A Ascensão irresistível dos Estados

Unidos

A Internacionalização das ondas

Capítulo 4:A Geopolítica bipolar das

tecnologias

Conquistar os corações e as mentes

Conquistar o espaço

Integrar o Terceiro Mundo

Sumário

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Capítulo 5:A Transnacionalização e a

razão geoeconômica

Rumo ao fim do monopólio dos

Estados nacionais

As Relações de força e as media-

ções nacionais

O Despertar da consciência

planetária

Capítulo 6:A Globalização: as redes da

economia pós-nacional

O Capitalismo mundial integrado

A Busca pelo mercado único de

imagens

A Guerra globalizada

Capítulo 7:A Diferença: por uma crítica

ao globalismo

Um Novo mapa das desigualdades

As Fronteiras da monocultura

Rumo a um novo “cosmopolitismo

democrático”?

Conclusão

Bibliografia

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"O que não se conquistou pela força podeser obtido por meio dos negócios": desde mea-dos da década de 80 a nova elite mundial temcontinuamente reivindicado o papel messiâni-co de novo agente da paz mundial. Onde o ecu-menismo religioso e as estratégias dos grandesimpérios falharam na unificação da "grandefamília humana" numa comunidade universal,esses mesmos líderes têm-se arrogado o papelde protagonistas da futura grande unificação.Numa entrevista incrível concedida em 1997ao canal francês Arte, Ted Turner, fundador daCNN, primeira rede de televisão planetária,extrapolou na expressão desse milenarismoque beira a megalomania: "Exercemos umpapel positivo. Desde a instalação da CNN,acabou a guerra fria, os conflitos na AméricaCentral cessaram, a paz na África do Sul acon-teceu etc. As pessoas finalmente compreende-ram que a guerra é uma coisa estúpida. Ora,ninguém deseja passar por estúpido. Por causada CNN, a informação começou a circular emtodo o mundo e ninguém mais quer parecerum idiota. Então eles preferem a paz, porqueesta é uma atitude mais esperta."

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Prefácio à ediçãobrasileira

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Nem bem dois anos se passaram, e a cruarealidade da guerra de Kosovo mostrou todo oridículo desse tipo de discurso que tem acom-panhado a saga do mercado global de imagens.O que começava a apresentar fissuras eram asdeclarações peremptórias assestadas, desde odesaparecimento do mundo bipolar, sobre o fimda história, das ideologias, das classes, do políti-co e da história,em proveito das novas "forças danatureza": o mercado e a técnica. A história serepetia e, com ela, a opacidade, a complexidadee a profundidade espaço-temporal dos fatos.

O projeto de planetarização da democra-cia de livre mercado, de instauração de uma"comunidade pacífica de democracias respon-sáveis, interligadas pelo comércio e pelos ideaisdo liberalismo", conforme o consagrado eufe-mismo, mostrou sua face obscura: trata-se deuma estratégia de segurança global, indispen-sável para garantir a realização e a estabilidadedas novas formas do mundo sob a dominação damarketização. A possibilidade da globalizaçãogeoeconômica, definida por seus ideólogoscomo uma "descentralização em nível plane-tário", somente é concebível com a concen-tração do poder geopolítico. Em jargãoestratégico, tal exigência já é expressa com umafórmula: unipolaridade-com-globalização. Que oargumento da "guerra humanitária" ou "guerramoral", executada como uma cruzada de defesados direitos humanos, tenha sido invocado paralegitimar o emprego da força, é um desvio

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perigoso que nos obriga a levar a sério a pre-ocupação dos que se opõem à intervenção mili-tar de evoluir o conceito estratégico da OTAN,sob a hegemonia do poderio americano, rumo aum papel de ingerência planetária, forçosa-mente seletiva, em detrimento da missão uni-versal que o conjunto da comunidade dosEstados-nação confiou à ONU com a finalidadede resolver os conflitos. Ao quebrar os discur-sos ingênuos sobre a globalização redentora esua resposta simplista a questões complexas, ascontrovérsias suscitadas pela última guerra doséculo XX fixou uma pauta de discussão políti-ca para o século XXI. Esta aceleração da históriados conflitos dos homens rumo a formas deintegração mais aperfeiçoadas nos remetempara muito longe dos refrões promocionais que,desde o início da desregulamentação, têm sem-pre anunciado o lançamento da globalizaçãocomo se ela fosse uma vulgar mercadoria: "Aglobalização chegou.Você consegue navegar naNova Ordem Mundial?".

As controvérsias sobre o sentido da guerrados Bálcãs têm mostrado toda a dificuldade dasclasses intelectuais que, em todas as latitudes,tentam caracterizar a natureza das mudanças derelações de força e da ordem antiga do mundo.O retorno forte, e acrítico, nesses períodos decrise aguda, dos pares conceituais historica-mente rotulados americanização/antiamerican-ismo ou imperialismo/antiimperialismo é umexemplo entre outros. Para aqueles que acredi-

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tam ser possível a construção de uma alternati-va de emancipação humana através da interli-gação das diversas sociedades, existe umaurgência em pensar juntos a reformulação dosconceitos e dos modos de análise que possibili-tariam uma reconciliação com a inteligibilidadepolítica de um mundo cada vez mais complexo.E esta tarefa nos parece inseparável da análisegenealógica. É esta a modesta intenção destaobra lançada originalmente em língua francesaem 1996, cuja publicação brasileira foi possívelgraças aos préstimos da nova editora univer-sitária EDUSC e ao empenho pessoal de seuassessor editorial, Luiz Eugênio Véscio.

Paris, março de 2000.

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Os sistemas de comunicação em temporeal determinam a estrutura de organização doplaneta. O que se convencionou chamar demundialização/globalização - o primeiro termo éfamiliar a todas as línguas neolatinas, o segundoé de origem anglo-saxônica - combina com a flui-dez dos intercâmbios e fluxos imateriais trans-fronteiriços. Este pesqueno livro pretende regis-trar essa nova fase de abertura do mundo,na his-tória das formas sociais que o processo de inter-nacionalização foi assumindo no correr do tem-po.A interconexão generalizada das economias edas sociedades é, com efeito, o resultado do mo-vimento de integração mundial que foi iniciadona virada do século XIX.Ampliando progressiva-mente o campo de circulação de pessoas, comotambém de bens materiais e simbólicos, os ins-trumentos de comunicação têm acelerado a in-corporação das sociedades particulares em gru-pos cada vez maiores, redefinindo continuamen-te as fronteiras físicas, intelectuais e mentais.

Diversas personagens, tanto da vida priva-da como da pública, têm colaborado para rede-senhar a topografia das redes e sistemas em es-cala mundial. Elas têm procedido inspiradas emideais e interesses os mais diversos: o universa-lismo de uma civilização predestinada,o ecume-nismo religioso, a preocupação generalizada das

Introdução

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nações com a segurança,o pragmatismo das em-presas e o imperativo categórico da divisão in-ternacional do trabalho ou,ainda,o bloco reivin-dicativo dos oprimidos. Figura de proa do pro-gresso,o universo reticular também impregnouas utopias. Eterna promessa, a rede de comuni-cações é símbolo de um mundo melhor, porquemais solidário. Da estrada de ferro até as “estra-das da informação”, esta crença foi se reavivan-do no decorrer das gerações tecnológicas.As re-des, porém, sempre estiveram no centro da lutapelo domínio do mundo.

A homogeneização das sociedades é ine-rente à unificação da economia.A fragmentaçãodas mesmas, seu corolário. Pois, entre a razãomercantil e as culturas, entre um sistema tecno-científico que se expande e o desejo de afirma-ção de pertença, a diferença aumenta.As dispari-dades transformam a marcha da humanidaderumo à integração num verdadeiro enigma.

Harmonizar-se com a genealogia do espa-ço internacional mostra-se tanto mais estratégi-co quanto as novas apelações como mundializa-ção/globalização são capciosas, sempre prontasa subir à cabeça. Portanto é de grande conve-niência adotar a dúvida metódica no presentecaso e refutar a idéia da a-topia social dos ter-mos que descrevem o mundo, para poder iden-tificar a procedência de seus idealizadores eoperadores. Pois estes termos deram a volta aomundo mesmo antes que sua definição fosseempregada como instrumento de análise. Seu

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vertiginoso aumento de poder, marcado pelascrises das bolsas e problemas ecológicos, pelasmissões militares, pelas solenidades esportivasou por outros acontecimentos transmitidospara todo o mundo, joga a História no esqueci-mento.Corre-se,portanto,um risco significativode haver uma dificuldade sempre maior de dis-tinguir entre fantasia e realidade, num campo jápor demais vulnerável às mitologias.

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As Redes da universalização1

A internacionalização da comunicação é fi-lha de dois universalismos: o Iluminismo e o li-beralismo. Dois projetos de construção de umespaço mundial totalmente fluido, ora opostos,ora convergentes, procuram concretizar-se. Deum lado, as “grandes repúblicas democráticas”da utopia revolucionária; de outro, a “repúblicamercantil universal” da economia clássica.

A comunicação internacional surge com onacionalismo moderno, para quem o território éa área geográfica que serve de fundamento à so-berania de uma determinada comunidade. Se-guindo o caminho traçado pela Revolução Fran-cesa,multiplicam-se os Estados nacionais,que sãouma forma peculiar de organização existente,emgerme, no tratado de Westfália (1648) que, umavez decretando o fim da ordem regida pelo Papa-do e pelo Sacro-Império Romano-Germânico,muito simbolicamente, havia tirado ao latim suahegemonia em proveito da língua francesa. Du-rante o século XIX começa a desenvolver-se umsistema de relações que liga essas novas entida-des nacionais entre si por meio de um direito co-mum. Adotando uma configuração definitiva, asfronteiras externas e as subdivisões administrati-vas internas do Estado nacional compõem o ce-

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nário natural da revolução industrial. Profunda-mente inserida na construção do espaço entre osEstados soberanos,surge uma nova ordem produ-tiva sob a égide da divisão internacional do traba-lho. Em 1802, a língua francesa ratifica esse novoprojeto de economia política mundial ao incor-porar o anglicismo “international”.

O Caudal do Iluminismo

1. Liberalização dos fluxos. - A invençãoda comunicação como ideal ocorreu sob o sig-no das idéias de modernidade e perfectibilidadedas sociedades humanas. Ela é fruto da esperan-ça no futuro.

O Iluminismo preparou seu advento aopropor o comércio como gerador de valores.Osengenheiros civis do Antigo Regime estiveramentre os primeiros a formalizar uma problemáti-ca da comunicação associada a um espaço na-cional e à formação de um mercado internoaplicando-a às estradas e canais.Ao lançar pon-tes e traçar estradas, eles acreditavam estar obe-decendo aos desígnios da razão.Ao domesticara “natureza selvagem”, irracional, que separa oshomens e impede a sua mútua compreensão,eles acreditavam estar contribuindo para otriunfo da “natureza civilizada”, racional, queune, liga e garante a fluidez dos fluxos de pes-soas e mercadorias.

Erigida em princípio de direito humano, a“liberdade de pensamento e de opinião” desafia

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as fronteiras.Apostrofando o censor, Denis Dide-rot (1713-1784) escreve em sua Carta sobre oComércio de Livros, em 1763: “Podereis ponti-lhar, prezado senhor, toda a extensão de vossasfronteiras com soldados, armá-los com baionetaspara que rechassem quaisquer possíveis amea-ças, mas estes livros, queirai perdoar-me a ex-pressão,passarão pelo meio de suas pernas e,sal-tando por suas cabeças, saberão chegar até nós.”

O paradoxo do Iluminismo é que, parailustrar os benefícios da livre circulação dasidéias e mercadorias, os autores da Enciclopé-dia não hesitam em invocar a seu favor a Chinado despotismo esclarecido.Voltaire (1694-1778)engrandece o papel desempenhado pelas gaze-tas de notícias da Corte de Pequim na gestão dacoisa pública enquanto François Quesnay(1694-1774), primeiro teórico dos fluxos da ri-queza, louva a perfeição das estradas e dos ca-nais no Império do Meio para legitimar a divisada escola fisiocrática: Laissez faire, laissez pas-ser (Deixai fazer, deixai passar).

2. Revolução na linguagem. - A França de1789 desejava concretizar a idéia do poder cria-dor do comércio. Universalizando as regras dodireito e a circulação do dinheiro, dos bens edas pessoas, ela construiu sua unidade e suaidentidade nacional ao mesmo tempo em queforjou uma identidade universal.

“Uma única nação. Uma única lei. Um sóidioma.”Ao suprimir a barreira lingüística entre

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aqueles que, por sua condição, eram os únicosque podiam comunicar-se fluentemente e todosos demais, tidos como ineptos para a comunica-ção entre si, a política revolucionária de unifica-ção lingüística visava absorver as diferenças ederrubar as barreiras dos particularismos rema-nescentes do feudalismo e das monarquias ab-solutas. Para o déspota, declara Bertrand Barèreem 1794 ante o Comitê de Saúde Pública,“eraimperioso isolar os povos, separar os países, en-fraquecer interesses, dificultar as comunica-ções, suspender a simultaneidade das idéias e aidentidade dos movimentos”.A unidade lingüís-tica libera as energias do “caudal do Iluminis-mo” e converte cada tipógrafo num “mestre pú-blico de língua e legislação”.

Para possibilitar as relações, era necessárionão apenas “acabar com os dialetos e adotar uni-versalmente a língua francesa” (título do relató-rio do abade Dom Gregório, em junho de 1794),mas também “revolucionar o próprio idioma”.Condorcet havia já há muito sonhado com uma“língua universal”, rigorosa como a geometria eque seria fruto da “aplicação dos métodos mate-máticos a novos objetos”. A política lingüísticados revolucionários é obcecada por um modelode “língua universal”: a linguagem de sinais. Alinguagem dos surdos-mudos, inventada peloabade de l’Epée e aperfeiçoada por Dom Sicard,exerce grande fascínio sobre muitos dentre eles.

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3. Comunicação por sinais. - A invençãodo telégrafo de tipo visual pelos irmãos Chappeinsere-se nessa busca por uma “linguagem de si-nais”. Este sistema repousa sobre um princípiolingüístico: quanto maior for a quantidade de si-nais disponíveis, menor será a quantidade ne-cessária para transmitir uma informação, e maisrápida será essa transmissão. Por ocasião dainauguração da primeira linha em 1794, Barèreexulta:“É um meio que tende a consolidar a uni-dade da república pela ligação íntima e imedia-ta com que favorece as partes. Os povos mo-dernos, pela invenção da imprensa, da pólvora,da bússola e da linguagem de sinais telegráficosconseguiram derrubar os grandes obstáculos àcivilização humana.”Surgem as especulações so-bre o possível emprego civil desta técnica; ospensadores revolucionários acreditavam quebastaria multiplicar as linhas e publicar seu alfa-beto cifrado para possibilitar a todos os cida-dãos da França “comunicar entre si suas idéias eanseios”. Ficariam assim reproduzidas, em esca-la nacional, as condições da ágora grega e, aomesmo tempo, o argumento de Jean-JacquesRousseau contra a possibilidade das “grandesRepúblicas democráticas” perderia todo seu va-lor.Assim, desde os primeiros tempos, a técnicada comunicação a distância ficou consagradacomo um sinal da nova democracia.

A seqüência da história é conhecida. O re-gime de exceção, que lhe havia destinado parauma finalidade exclusivamente militar e havia

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decretado o segredo dos códigos, tornou-se re-gra.A “linguagem de sinais telegráficos” perma-neceu por longo tempo um segredo de Estado.Foi necessário esperar quinze anos após a in-venção do telégrafo elétrico (1837) para que opúblico fosse autorizado a utilizar esse meio decomunicação. O socialismo utópico compensaesse ostracismo da expressão do cidadão confe-rindo às técnicas de comunicação um papel es-sencial na construção da Cidade comunitária.Precedendo a implementação do telégrafo elé-trico, Charles Fourier (1772-1837) transforma alinguagem de sinais em base da “unidade uni-versal” e inventa a “transmissão mirágica” que,retransmitida pelo planeta Mercúrio,estabeleceuma ligação entre Londres e a Índia em menosde quatro horas.

Construída em formato de estrela tendo acapital em seu centro,como todas as grandes re-des posteriores e como a rede de estradas que aprecedeu, a rede do telégrafo visual garante acomunicação com as importantes praças fortesdas fronteiras e do litoral e das grandes cidades.Sob o Império, ela chega até Viena,Amsterdã eMayence, somente perdendo sua importânciainternacional com a queda de Napoleão.

4. Padronização. - Comunicar significacolocar dentro da norma, suprimindo oaleatório. Se as normas de segurança impostaspelo Estado francês ao telégrafo visual contra-riam a dinâmica das relações tal como é postula-da pelo ideal da comunicação, outras disposi-

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ções contribuem para sua promoção e, dessemodo,para a elaboração de um corpo de normasintercambiáveis que possibilita a comunicação“universal”.É a função principalmente da unifor-mização do cálculo das medidas, cimento dastransações comerciais e base cadastral da fiscali-zação. A adoção do sistema métrico de pesos emedidas extingue as diversas medidas e costu-mes de uso exclusivamente local.A nova unida-de estável fundamenta-se no simbólico da comu-nicação. Durante a Convenção Nacional de1792, o astrônomo Joseph de Lalande apresentao metro como um “novo laço de fraternidadepara todos os povos que o adotarem”. O abadeDom Gregório o encarece e o saúda como umsímbolo da unidade nacional e uma “verdadebenfazeja destinada a tornar-se um laço de uniãoentre as nações,e uma das mais importantes con-quistas do ideal de igualdade”.Em 1875,e apesarde irredutibilidade do Império Britânico,o metroé adotado nas referências internacionais.A uni-versalização do sistema métrico abriu caminho àdivisão decimal da moeda. Decretado em 1795,este princípio de fracionamento monetário che-ga pouco tempo depois aos Estados Unidos.

Os Postos avançados do livre comércio

1.A Divisão internacional do trabalho. -Para o fundador da economia clássica AdamSmith (1723-1790),o mercador é um cidadão domundo. O mercado cosmopolita é chamado aderrotar as forças hostis das desavenças entre as

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nações e a abolir as antigas “sociedades milita-res”.Arauto da compreensão entre os povos e asnações, a “República mercantil universal” é cha-mada a unir o gênero humano numa comunida-de econômica composta por consumidores, aosquais os produtores oferecem seus produtos,procurando-se estimular a concorrência visan-do adquirir a maior quantidade possível de mer-cadorias, com a máxima qualidade possível pelomenor preço. Já em 1776, em sua obra sobre ariqueza das nações, o economista escocês fazdo individualismo e da livre concorrência nummercado único regulado pela divisão interna-cional do trabalho a pedra de toque de seu regi-me universal.A comunicação conjuga-se com di-visão do trabalho. Indispensável para organizaras operações internas de uma fábrica do melhormodo possível, ela tem a mesma importância naorganização do ateliê mundial.

“Produzir é movimentar”: tal máxima, tãocara a John Stuart Mill (1806-1873),estabelece ohorizonte comunicativo da economia política li-beral da segunda metade do século XIX.A regrado livre comércio vale tanto para a informaçãocomo para os meios de transporte. O princípiodo livre fluxo da informação é somente um co-rolário do da livre circulação das mercadorias eda mão-de-obra. É um ponto desenvolvido maispormenorizadamente por Mill em 1848 em seulivro Principes d’ économie politique, onde eledenuncia os impostos que atravancam os fluxosde informação ao onerar os anúncios publicitá-rios, os jornais e serviços postais.

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Ao lutar pela abolição dos “impostos so-bre o saber”, obstáculo a uma imprensa livre, afilosofia política do liberalismo mostrou nutrirum verdadeiro ideal emancipador.Ela postulavaa secularização da sociedade, colocava a liber-dade individual na base das instituições e pro-curava impor limites ao poder arbitrário do Es-tado. O livre comércio tendo-se tornado artigode fé, o liberalismo econômico eclipsa estestrês elementos e consagrou na prática o deter-minismo da economia mercantil. É a eclosão doque se chama market mentality, conforme aexpressão do historiador econômico Karl Po-lanyi, o nascimento de uma “nova sociedade”,onde os mecanismos do mercado se difundempor todo o corpo social.

O desdobramento das redes técnicas du-rante a segunda metade do século XIX acompa-nha o movimento de integração econômicamundial iniciado na virada do século XVII coma expansão da Companhia Holandesa das ÍndiasOrientais (1602), que detém o monopólio docomércio de especiarias. Num mundo que pare-ce ainda oferecer possibilidades ilimitadas dedescobertas e de exploração, as redes integram-se na nova divisão do planeta com economiasnacionais em plena fase de transformação.

2. O Primeiro espaço unificado dos flu-xos. - O telégrafo elétrico torna sem efeito o ar-gumento da segurança interior que, na França,havia vitimado o telégrafo de tipo visual. Ele

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abre caminho para os acordos bilaterais de co-municação. No final da década de 1840, assina-se um primeiro tratado entre a Prússia e a Áus-tria por ocasião do projeto do sistema telegráfi-co Berlim-Viena;ele é logo seguido por um agru-pamento regional, a União Telegráfica Austro-Alemã e uma associação entre a Bélgica, a Fran-ça e a Prússia. Neste campo, como no das estra-das de ferro e correios, a futura Alemanha reve-la-se pioneira nos projetos de unificação de re-des. Composta por um mosaico de territórios,sua unificação pelas técnicas de comunicaçãoantecipa sua unificação política.

A vocação transfronteiriça do telégraforesulta em 1865 na criação de uma instituiçãooriginal, a União Telegráfica Internacional. Estaorganização contrasta com a habitual políticade consultas então em vigor entre os Estadossoberanos. Diferentemente dos Congressos Di-plomáticos inaugurados em 1815 que se que-rem embrião do sistema político regular e mul-tilateral,mas que na verdade traduzem o embar-go das grandes potências do “Concerto Euro-peu”às relações internacionais, a União Telegrá-fica Internacional abre-se ao conjunto da “co-munidade das nações soberanas”. Destinada aresolver problemas que somente podem ser so-lucionados transcendendo-se as fronteiras doEstado Nacional ele prefigura, pelo mesmo mo-tivo, a moderna organização internacional. Suamissão: estabelecer procedimentos, normas, ta-rifas alfandegárias comuns aos Estados mem-

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bros, e fiscalizar os fluxos telegráficos.Ao con-trário das antigas formas de acordo intergover-namentais, as decisões tomadas estão munidasde garantias. A função executiva é exercidapelo secretariado ou escritório internacionalentregue aos cuidados de peritos e de enge-nheiros, e não mais aos diplomatas de carreira.

Esse tipo de organização é logo imitadopela União Geral dos Correios (1874), rebatiza-da quatro anos mais tarde como União PostalUniversal, a Comissão Internacional de Pesos eMedidas (1875), que marca o triunfo do sistemamétrico, a Convenção Internacional para a Re-gulamentação das Rotas Marítimas (1879), aUnião Internacional de Proteção da Proprieda-de Industrial (1883), a União Internacional paraa Proteção das Obras Literárias e Artísticas(1886), ou ainda o Congresso Internacional deEstradas de Ferro (1890).A fórmula aplicada nosmais variados campos da vida social e econômi-ca num momento em que pululam projetos depadronização. Segundo o historiador alemãoWerner Sombart, 17 acordos de cooperação in-tergovernamentais dessa natureza foram assina-dos entre 1850 e 1870,20 entre 1870 e 1880,31entre 1880 e 1890, 61 na última década, e 108na primeira década do século XX. Paralelamen-te à padronização facilitadora das relações inter-nacionais, inicia-se a partir da penúltima décadado século XIX a padronização dentro das com-panhias mais desenvolvidas que procuram tra-balhar com peças intercambiáveis.A grande de-

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manda provocada pela guerra, somada à baixaoferta de mão-de-obra qualificada, vai estimularainda mais este processo.

Por volta de 1870, são registradas aproxi-madamente 30 milhões de transmissões telegrá-ficas anuais. Na virada do século, ela mais quedecuplicou e os fluxos transfronteiriços repre-sentam um quinto desse total. O telégrafo já al-terou profundamente a importância econômicada informação, os métodos de coleta, tratamen-to e codificação.Ele forçou o especulador a pro-curar novas modalidades de intervenção nosmercados e integrou no fluxo econômico osrincões mais remotos da Europa. Na véspera daPrimeira Guerra Mundial, diz Sombart, as cota-ções das Bolsas de trigo de Berlim eram afixadastodas as manhãs nos vilarejos da Sibéria.

A liberalização das linhas internacionaisinaugura o primeiro espaço eletrificado unifica-do. Esta iniciativa contrasta com o protecionis-mo dos mesmos Estados contratantes quandose trata de eliminar os entraves ao fluxo de mer-cadorias e de aplicar ao pé da letra os tratadoscomerciais inspirados na doutrina do livre co-mércio, adotado pela Inglaterra desde os anos1840, e por seus concorrentes europeus desdea década de 1860. Se a convergência está na or-dem do dia em matéria de redes telegráficas, omesmo não ocorre com a integração econômi-ca. No mesmo ano em que se criava a União Te-legráfica, a França assinou um acordo de uniãomonetária, a União Latina, com a Bélgica, a Suíça

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e a Itália em torno do franco germinal.Em 1867,paralelamente à Exposição Universal de Paris, ogoverno convocava uma conferência interna-cional e propunha um alinhamento internacio-nal a esta “moeda única”. Em vão.

3. O Trem, símbolo do Estado nacionalindustrial. - A primeira estrada de ferro dignadeste nome aparece na Inglaterra em 1830. Aconstrução das malhas na Europa continentalchega ao apogeu nos anos 70.

O trem é, primeiramente, o símbolo doprogresso e da revolução industrial no períme-tro do Estado Nacional. Mais de meio século se-para a inauguração da primeira linha e a criaçãoda Associação Internacional das Estradas de Fer-ro. No que se refere ao padrão da bitola, en-quanto a maioria dos países europeus adotam anorma padrão do britânico Stephenson (inven-tor da locomotiva), Espanha e Rússia dão nega-tiva alegando razões de segurança nacional.

A padronização da bitola começa a efeti-var-se não somente nas colônias, mas tambémnos Estados soberanos independentes. Cada umdeles, ou mesmo cada construtor, adota um pa-drão diferente. Orientado exclusivamente emfunção das necessidades das metrópoles, o mo-delo de implantação das linhas ferroviárias é oda “via de penetração” funcional, obedecendoao imperativo do comércio e da exploração dosrecursos naturais. Estranha nas colônias africa-nas, onde o trem se instala no último quarto de

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século,essa territorialização excêntrica tambémcausa espécie nos grandes países politicamenteindependentes e economicamente subordina-dos. É o caso do Brasil onde, a exemplo dos ou-tros países do Cone Sul,a presença de interessesdos britânicos, e secundariamente dos france-ses, é um fator determinante: no fim do século,haverá nada menos que cinco malhas locais in-dependentes autônomas, cada uma abrindo-seem formato de leque, centralizada em algumporto e aberto para sua hinterland de minas eplantações.Esta construção orientada para o ex-terior prevaleceu igualmente na zona geopolíti-ca denominada “Mediterrâneo americano” (Ca-raíbas e América Central). Os contratos leoni-nos de concessão de linhas de telégrafo, detransporte marítimo e estradas de ferro arranca-dos, desde os anos 1880-1890, às oligarquias lo-cais pelas grandes plantations como a UnitedFruit, vanguarda dos modernos grupos agroali-mentares, estão estreitamente ligados à forma-ção do conceito de “república das bananas”. O“imbroglio” ferroviário atinge seu ápice no im-pério da China do final do século onde as viasque partem dos portos e concessões são cons-truídas segundo o padrão de bitola russo, japo-nês, anglo-americano, alemão e franco-belga.

4.O Horário universal das gerenciadoras.- A organização ferroviária é o prelúdio da instau-ração do horário universal. Porque a regulamen-tação do tráfego exigia a adoção de um horário

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nacional para pôr fim à confusão dos horários lo-cais, as estradas de ferro britânicas decidem ali-nhar seu “horário oficial”ao meridiano de Green-wich. Quando a comunidade internacional deci-de em 1884 sincronizar os diversos horários na-cionais, é esse mesmo horário de Greenwichque vai servir de referência ao cálculo do horá-rio universal. Para prejuízo de países como aFrança (que havia proposto o horário do meri-diano que passa pelo observatório de Paris),a Es-panha e o Brasil que interpretam essa medidacomo uma demonstração simbólica do poderiovitoriano, adotando-o somente em 1911.

A aventura ferroviária contribui com duasoutras matérias primas para a construção destaracionalidade do capitalismo moderno com vo-cação mundial. As associações ferroviárias - etambém,em certa medida, as telegráficas - repre-sentam as primeiras grandes empresas moder-nas. Elas sentem, antes de todas as outras, a ne-cessidade de inovar em matéria de organizaçãoa fim de administrar fluxos contínuos de bens,serviços e informações em larga escala, e tor-nam-se assim a cobaia dos métodos de gerencia-mento moderno.De fato,elas inventam o mana-gerial capitalism (ou capitalismo gestionário),segundo os termos do historiador das empresas,Alfred Chandler, que aí enxerga o nascimentodas companhias “multidivisionárias”, as primei-ras a empregar um grande número de adminis-tradores para coordenar, supervisionar e avaliaras atividades de várias unidades de exploração

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dispersas. Além disso, por exigir vultosos em-préstimos de dinheiro do exterior, a construçãodas redes de estradas de ferro em todo o mundoestimula a internacionalização dos mercados fi-nanceiros,e entrega o comando das empresas aocapital financeiro.A metade dos capitais exporta-dos durante o século XIX serve, com efeito, parafinanciar as linhas férreas, os portos, canais e ou-tras melhorias públicas; as minas, as plantações eas empresas industriais mal captam um terço dasoma total, e o restante fica com as instituiçõescomerciais,bancárias e outras.Os bancos comer-ciais que relegam ao segundo plano a Haute Ban-que começam a criar, em todo o mundo, suas re-des de agências.

A Formação da potência mundial

1.O Cabo submarino e a Pax Britannica.- O século XIX assiste à ascensão do Império Bri-tânico como novo pólo econômico e financeiropara o qual convergem os grandes fluxos de ri-quezas e também de comunicação a distância.Londres torna-se o centro de uma “economia-mundo”, tal como é entendida por FernandBraudel.Um centro a partir do qual as outras po-tências, as zonas intermediárias e as regiões pe-riféricas se organizam e se distribuem hierarqui-camente. O cabo submarino é um dos exem-plos mais eloqüentes da hegemonia vitoriana.

O primeiro cabo submarino é inauguradoem 1851, ligando Calais a Douvres, e Paris à pra-ça financeira de Londres. Quinze anos mais tar-

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de, após três tentativas frustradas, instala-se oprimeiro cabo transatlântico. Uma linha diretaentre Malta e Alexandria abria o contato diretoentre Londres e a Índia. Na década de 1870, arede britânica estende-se para o Sudeste Asiáti-co, Austrália, e China; e também para as Antilhase América do Sul. O cabeamento chega à Africaum pouco mais tarde, no fim da década de 1880e começo de 1890. O último elemento da redemundial britânica, a Transpacífica, é posto em1902. Nesta data, o sistema de cabeamento doimpério vitoriano representa dois terços darede mundial e sua frota de barcos cabeadores édez vezes maior que a francesa.Do ponto de vis-ta geoestratégico o fato de que, diferentementeda França onde ele é responsabilidade do Esta-do, o cabo submarino britânico seja assunto dascompanhias privadas nada muda no caso, tão es-treitos são os laços entre as lógicas comerciais eas diplomáticas. Escorada pelo Almirantado epelo know-how de seus serviços cartográficos,a expansão das companhias privadas apóia-sesobre o controle das matérias primas (cobre eborracha), o poder financeiro, o domínio detodo o processo tecnológico de cabeamento(fabricação, instalação, exploração), que nadamais faz além de unir-se à supremacia da Navy(Marinha) e das grandes linhas marítimas a va-por estabelecidas em Londres.O sistema britâni-co é um intermediário obrigatório para as co-municações oficiais dos outros governos.Assim,quando em 1898 estoura a crise da Fachoda,onde afrontam-se o império colonial francês em

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sua expansão oeste-leste e o império britânicoem sua expansão norte-sul, Paris somente con-segue comunicar-se com o Sudão e com o capi-tão da expedição francesa através de ligaçõescontroladas por seu rival.

Os primeiros sinais de protesto contra ahegemonia britânica surgem nos anos 1890. OPost Office (Correios) recusa a autorização deimplantação em seu território de um cabo tran-satlântico alemão e Berlim opta por apertar opasso para dominar todo o processo tecnológi-co, desde a fabricação até sua implementação eoperação efetivas. Em 1900, o Kaiser inaugura oprimeiro cabo Emden-New York via Açores eum segundo cabo dois anos mais tarde. Em1903, os Estados Unidos instalam seu própriocabo transpacífico ligando São Francisco, viaHonolulu e Guam a Manila. Cinco anos antes,eles haviam arrebatado as Filipinas a um impé-rio espanhol moribundo.

2. A Designação das freqüências. - Em1901, Guglielmo Marconi inaugura a era das ra-diocomunicações, irradiando através do Atlân-tico os sinais correspondentes à letra ‘s’. ANavy, o War Office e o Post Office são os pri-meiros a se interessar pelas patentes do enge-nheiro italiano. Sua aquisição exclusiva pelaempresa britânica Marconi Co. marca o inícioda tentativa vitoriana de garantir um marcoinstitucional para a internacionalização dessanova tecnologia, inspirada no mesmo esquema

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vigente para o cabo submarino. A Alemanha,porém, que dispõe das patentes elaboradas pe-las suas empresas Siemens e AEG, funda em1903 a Telefunken para explorá-las, interpõe-se. Por iniciativa sua, acontecem em Berlimduas conferências internacionais, em 1903 e1906.A tese inglesa da necessidade de adoçãode um aparelho padrão para a transmissão dossinais é aceita por uma minoria, e abre-se a li-vre concorrência no interior do seleto clubedos proprietários de patentes de uma tecnolo-gia que será de uso exclusivamente militar atéo final da Primeira Guerra. A reunião de 1906cria a União Radiotelegráfica Internacional. Elaregulariza o problema das interferências e es-boça as bases de uma ordem desigual da comu-nicação mundial.As potências marítimas, prin-cipais usuárias dessas tecnologias, impõem aregra de natureza imperialista do “o primeiro achegar é servido primeiro”. Basta notificar àUnião sua intenção de utilizar uma faixa de on-das, para o país tornar-se seu beneficiário. Talprática quase resulta na monopolização dos ca-nais radiofônicos por uma minoria. Ela expri-me, no campo das comunicações, “a desigual-dade de relações”; esta diferença entre ossistemas produtivos vai aumentando com odesenvolvimento científico e técnico. Em1800, a diferença entre o produto internobruto per capita do Norte e do Sul era insigni-ficante; no final da Era dos Impérios (1875-1914), a diferença é de 3 por 1.

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Desde os primeiros anos do século XX, osmeios socialistas de todos os matizes procura-vam definir a natureza dessa lógica do valor detroca que caracteriza o desenvolvimento desi-gual. Surge, então,o conceito de “imperialismo”.Na base de suas análises: a formação dos gran-des cartéis e trustes para dominar o mercado,ou seja, a limitar essa concorrência que paraAdam Smith deveria ser livre;em primeiro lugar,os cartéis da indústria eletrotécnica, os trustesda energia elétrica, bem como as companhiasdas estradas de ferro, aliadas às siderúrgicas.

Por ocasião da Conferência de Berlim, em1906, a regulamentação internacional do telefo-ne, patenteado por Edison em 1876 e regidopor acordos bilaterais, mostra-se menos compli-cada que a questão das radiocomunicações. Épreciso observar que a internacionalização des-sa rede naquele momento é ainda limitada. Aprimeira transmissão entre Paris e Bruxelasocorreu em 1887,e a Londres três anos mais tar-de.O telefone adquire uma dimensão realmentemundial somente em setembro de 1956, com ainauguração do primeiro cabo telefônico sub-marino transatlântico, pouco antes do lança-mento do primeiro satélite artificial.

3. A Guerra e a geopolítica. - Há uma es-treita ligação entre o desabrochar das tecnolo-gias de comunicação e os conflitos que estou-ram na segunda metade do século XIX.A guerrada Criméia (1853-1856) assiste à instalação do

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primeiro cabo através do Mar Negro, e o estabe-lecimento de linhas telegráficas diretas, tantosobre o campo de operações como entre os es-tados-maiores e os governos de Londres e Paris.A invasão do México pelo seu vizinho do Norte- quando pela primeira vez será formulada ex-plicitamente a doutrina expansionista do Mani-fest Destiny (Destino Manifesto) - deixou evi-dente, a partir de 1846, a utilidade do telégrafoelétrico nas operações militares e transmissãode notícias. Mas é a Guerra de Secessão (1861-1865) que dá aos estrategos militares as liçõesmais importantes sobre o uso do “cavalo de fer-ro” e das linhas telegráficas. Vários exércitos, acomeçar pelo prussiano, aí buscam inspiraçãopara seu projeto logístico, esta arte de movi-mentar exércitos, e armam-se de “tropas de co-municação”.Antes de eclodir o primeiro confli-to mundial, duas guerras, a dos Boers (1899-1902) e, a russo-japonesa (1904-1905) confir-mam, a primeira, o peso decisivo do trem e dotelégrafo e a segunda, o papel da radiocomuni-cação. A Inglaterra procura aprender rapida-mente as lições proporcionadas por esse confli-to e transforma a radiotelegrafia em monopólioestatal, tornando-a atribuição do Post Office,que por sua vez obedecia ao Almirantado.

É impossível controlar complexos geoco-municacionais sem provocar tensões nacionaise internacionais. Na China, o movimento pelareaquisição e nacionalização das ferrovias queexige a construção de linhas para as capitais das

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províncias, converge para a insurreição republi-cana de Wuhan,e derruba,em 1911,um impériomilenar. No quadro da famosa “Questão Orien-tal”, o Império Otomano, ao outorgar ao impé-rio alemão, na virada do século, a concessão deum cabo ligando Constância à Constantinopla euma linha de estrada de ferro para Bagdá e, emtempo,para o Golfo Pérsico,põe em ebulição osimpérios rivais.A Inglaterra e a França aí enxer-gam a expressão do projeto expansionista dopangermanismo que procura colocar em práti-ca sua divisa Drang nach Osten, ao consolidarsua posição numa região que se abre aos cam-pos petrolíferos. Provocar um curto-circuito doimpério britânico ao contornar o Canal de Suezé uma obsessão constante das estratégias de ex-pansão ferroviária para o Oriente. Subjacente aoprojeto pangermanista, ela dirige igualmente aconstrução da Transiberiana. Iniciada em 1891 eterminada em 1903, a ligação Moscou-Vladivos-tok (8.156 km) abre uma janela para o ExtremoOriente e coloca o império czarista numa posi-ção estratégica de primeira ordem.

É no contexto do pangermanismo que Frie-drich Ratzel publica, em 1897, o primeiro trata-do de geopolítica intitulado Politische Geogra-phie,que lança as bases de uma “ciência do espa-ço”,precursor da ciência das redes.As redes “oxi-genam” o território. O autor havia compreendi-do sua importância fazendo, primeiramente,uma comparação com o espaço americano empleno dinamismo. Forjando o conceito de “po-

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tência mundial”, este texto teórico aborda a di-mensão espacial das relações internacionais deum ponto de vista planetário. Observa-se igual-mente a emergência de uma ideologia de fundobiológico, a “ideologia espacialista” com suasidéias de “espaços vitais” ou de “fronteiras natu-rais”, fonte de legitimidade para muitos expan-sionismo futuros:o espaço vital como expressãodas leis do território animal que justifica a guer-ra, as conquistas e a dominação.

As Utopias da comunicação universal

1. A Associação universal. - Desde a pri-meira metade do século XIX, vão se consolidan-do, na França, os alicerces da ideologia redento-ra da comunicação em sua mobilidade interna-cional. “Abraçar o mundo”;“Tudo pelo vapor epela eletricidade”: são as palavras de ordem dosdiscípulos do filósofo francês Claude-Henri deSaint Simon (1760-1825).

À visão economista da divisão internacio-nal do trabalho proposta por Smith, acusada deaumentar a diferença entre ricos e pobres,Saint-Simon propõe, na virada da década de 1820, autopia da “Associação universal sob o ponto devista da indústria”, a exploração do globo terres-tre por “homens associados”, trabalhando ani-mados pelos mesmos objetivos, para a consecu-ção do bem comum. O planeta, pensa Saint-Si-mon, deve ser “administrado” por industriaiscomo “uma grande sociedade industrial”, e não

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mais “governado” por um Estado tutelar. Esteaxioma está na base da ciência positivista ou “sa-ber positivo” que propõe uma nova maneira degerenciamento dos indivíduos.Nesse projeto dereestruturação, a rede torna-se a figura simbóli-ca da nova organização social.

Essa teoria reorganizadora deve ser a solu-ção para a sociedade contemporânea que se de-bate numa dupla crise. Primeiramente, a criseque se prolonga desde 1789 e que tem suas raí-zes no “saber negativo” do Iluminismo e seusdesvarios revolucionários. Legítima quando setratava de solapar a ordem do Antigo Regime, aatitude crítica tornou-se contraproducente paraa criação uma nova ordem social e para garantira “passagem do sistema feudal e teológico ao sis-tema industrial e científico”. Em segundo lugar,a crise oriunda do fato de uma “Europa desorga-nizada”, incapaz de reconstituir um “sistema depaz internacional”, perdido desde a desagrega-ção do mundo cristão.

2. O Determinismo das redes. - Saint-Si-mon auto definiu-se como um homem da redede estradas, admirador da engenharia civil. Em1832,sete anos após sua morte,seu discípulo Mi-chel Chevalier (1806-1879), um dos fundadoresda efêmera igreja saint-simoniana adere a umaconcepção determinista das redes da “civilizaçãocirculante”.A ferrovia e a locomotiva, no entan-to, ainda estão longe de revelar todo seu poten-cial de estruturação espacial. Somente dois anos

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antes a Inglaterra inaugura a primeira estrada deferro digna deste nome. As autoridades france-sas, por seu lado, estão sempre dispostas a ques-tionar os méritos de tal ocorrência. Será precisoesperar até 1842 para que seja votada, em Paris,a lei que estabelece a rede nacional.Naturalmen-te, Chevalier alçou-se à posição de vidente.

Exatamente como seu mestre, ele acreditaque as “redes imateriais” ou de crédito financei-ro e as “redes materiais”ou de comunicação têmuma importante função de coesão deste vastocorpo que é o organismo social.As malhas ferro-viárias, articuladas às linhas marítimas e de co-municação à longa distância serão, pensa ele, osvetores da Associação Universal;uma associaçãoque deve começar pela formação de um “siste-ma mediterrâneo”, cujos engenheiros e operá-rios serão recrutados das fileiras do exército,agora dedicado a finalidades civis. Viático desubstituição da religião (do latim religare, quesignifica religar), comunicação tem, como ela, afunção de “religar” os membros dispersos deuma comunidade distante e tirar de seu torporcivilizações adormecidas, da Grécia à Ásia Me-nor, da Espanha à Rússia.A solução consiste em“colocar junto às mesmas exemplos de um ex-traordinário movimento, em excitá-las por meiode um espetáculo de prodigiosa velocidade, econvidá-las a entrar no circuito que ora lhesbate às portas”. A questão da democracia, quepara Chevalier é uma variável subordinada dodesenvolvimento técnico e industrial,está longe

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de ser o centro de suas preocupações de geren-ciamento do planeta. Mas isso não impede decantar uma vitória: a comunicação encurta asdistâncias não somente entre dois pontos, masentre uma classe e outra.Aperfeiçoar as comuni-cações, pois, é necessariamente “praticar aigualdade e a democracia”.

Uma vez dissolvida a igreja saint-simonianae encerrada a época militante com suas pers-pectivas grandiosas, o saint-simonismo limita-sea defender uma primeira versão de pensamentoadministrativo e simboliza o espírito empresa-rial da segunda metade do século XIX.A ideolo-gia redentora das redes, criadoras de um laçouniversal, legitima o positivismo gestionário. Osnovos empresários do industrialismo lançam asbases do espaço reticular internacional ao criaras companhias de estradas de ferro e as linhasmarítimas, ao abrir companhias de crédito e aotraçar canais interoceânicos.

3.A Internacionalidade das redes sociais.- Fiéis ao ideal de uma sociedade mais justa con-forme sonhava Saint-Simon, os dissidentes dosaint-simonismo renunciam à visão tecnicista darede, tida como determinante de uma nova so-ciedade. Muitos deles passam para as fileiras dosprecursores do socialismo que colocam nas re-des sociais todas as suas esperanças de “abraçaro mundo”.Vários deles se reconhecerão nas pro-postas de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1864)em sua obra intitulada Des réformes à opérer

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dans l’exploitation des chemins de fer (1855),onde critica os que confundem “movimentaçãomercantil” com “movimentação intelectual”: “Oque faz circular as idéias,como se diz,não são osmeios de transporte, mas os escritores, a discus-são política, a imprensa livre...A rede ferroviáriafrancesa foi triplicada e, apesar disso, não vemoscircular uma única idéia sequer.”

É na órbita de um pensamento centraliza-do sobre a rede social que surge em 1843 a no-ção de “internacionalidade”, na pena de umapioneira do feminismo, Flora Tristan (1803-1844), ela mesma fruto de cruzamento de cultu-ras, sendo filha de mãe francesa e pai peruano.Na base de seu projeto de união operária, cons-tava o “novo princípio do internacionalismo”(idéia que reaparece cinco anos mais tarde noManifesto Comunista de Marx e Engels). No ín-dice do projeto do hebdomadário da UniãoOperária, o primeiro título é:“Dos interesses ge-rais, ou seja, dos interesses internacionais euro-peus e de todo o mundo”. O “cosmopolitismodemocrático” torna-se o grito de guerra de nu-merosos movimentos que, unindo palavra eação, criam sua própria imprensa; muitas vezestêm seus próprios compositores e cruzam as es-tradas para difundir seus ideais de “confraterni-dade” e de “solidariedade entre as nações e osindivíduos”.A Primeira Internacional dos traba-lhadores se institucionaliza em Londres, em1864. Em seus estatutos lê-se: “A emancipaçãodo trabalho, não sendo um problema nem local

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nem nacional, mas social, envolve todos os paí-ses onde desenvolveu-se a sociedade moderna,e necessita, para sua completa solução, da coo-peração teórica e prática dos países mais avan-çados...A Associação foi fundada para criar umponto central de comunicação e de cooperaçãoentre as sociedades operárias dos diferentes paí-ses que aspiram às mesmas realizações, ou seja:a cooperação mútua, o progresso e a completaemancipação da classe operária.” Dez anos maistarde a Primeira Internacional é dissolvida. Opensamento universalista entra em crise apósum triplo fracasso: a guerra franco-prussiana fazressurgir os sentimentos de patriotismo;o esma-gamento da Comuna de Paris anuncia a derrotada minoria dos “internacionalistas”e de sua divi-sa “A bandeira da Comuna é a da República uni-versal”; a idealização da máquina estatal, os ob-jetivos e os meios de ação causam confusão en-tre os diversos elementos do movimento operá-rio. Dessas divergências logo vai brotar o mapadas grandes federações sindicais e de suas alian-ças internacionais. Antes de se dissolver, a Pri-meira Internacional assistiu ao embate entreduas concepções do Estado em torno da idéiade “serviço público” aplicada ao gerenciamentodas malhas ferroviárias.

Simpatizante da primeira versão do saint-si-monismo,o romancista Eugène Sue propaga pormeio de seus folhetins, entre 1830 e 1875, suautopia de reforma social e de reconciliação pací-fica entre os ricos e os pobres.As histórias desse

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antigo médico da marinha, profundamente in-fluenciado, a princípio, pela escola inglesa doromance gótico, e sua representante máxima,Ann Radcliffe, popularizam um novo gênero,precursor da cultura de massa e da indústria cul-tural e uma das primeiras expressões da literatu-ra em série destinada a ultrapassar as fronteiras.Júlio Verne, através das façanhas dos heróis pro-metéicos do progresso por ele criados entre1860 e 1906 nas redes do vapor e da eletricida-de que entrelaçam o globo, faz eco aos sonhosambiciosos dos primeiros socialistas utópicos.

4. As Exposições universais. - Um meiograças ao saint-simonismo e que contribui para aformação do imaginário comunicacional: asgrandes Exposições Universais. Estes aconteci-mentos transformam Paris (onde se realizam cin-co delas) na “capital cultural do século XIX”.Nestes “bolsões pacíficos do progresso”não ape-nas são expostos os produtos das economias dediversos países, mas também um considerávelnúmero de associações internacionais, governa-mentais e não governamentais tornam-se conhe-cidas e realizam congressos a respeito dos maisvariados assuntos.Exposições e invenções técni-cas esbarram-se na propaganda da retórica dapaz e da fraternidade entre os povos:“Todos oshomens tornam-se irmãos.” Cada geração tecno-lógica proclama os grandes temas da concórdiauniversal e a superação dos antagonismos so-ciais sob a égide da civilização ocidental. Bastan-

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te simbolicamente, a primeira Exposição, abriga-da pelo Crystal Palace de Londres em 1851, inau-gura o primeiro cabo submarino internacional,entre Douvres e Calais.A que encerra o século,em Paris, em 1900, assiste ao triunfo do cinema.

Por causa do filme, a mitologia da comu-nicação universal vai invadir a era da imagem,que se torna outro símbolo da superação das de-sigualdades entre classes, grupos e nações.“Osfilmes animados, escreverá o romancista ameri-cano Jack London (1876-1916) na revista Para-mount Magazine de fevereiro de 1915, derru-bam as barreiras da pobreza e do ambiente queeram obstáculo à educação, e propagam o sabernuma linguagem acessível a todos.O trabalhadorcom vocabulário limitado fica em pé de igualda-de com o sábio...A mensagem é a educação uni-versal... Os efeitos do tempo e da distância fi-cam suspensos pela fita mágica que aproxima ospovos do mundo... Olhai, transidos de horror, ascenas de guerra, e vos tornareis arautos da paz...Por este processo mágico, os pontos extremosda sociedade dão um passo no caminho irrever-sível do reequilíbrio da condição humana.”

5.As Novas arcádias da eletricidade. - An-tes mesmo de ter sido aplicada no âmbito indus-trial e doméstico, a energia elétrica alimentou oimaginário da comunicação. Em 1852, um livroem língua inglesa, The Silent Revolution, entre-via a harmonia social da humanidade com baseem uma “rede perfeita de filamentos elétricos”.

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No final do século XIX, o anarquista e geógraforusso Pierre Kropotkin (1842-1921) e o sociólo-go escocês Patrick Geddes (1864-1932), críticosacerbos das devastações provocadas pelo indus-trialismo, transformam a eletricidade no pontode partida da era neo-técnica.

À noção liberal da divisão do trabalho quesepara grupos, classes, povos e nações, e à inter-pretação neodarwinista da história como lutapela sobrevivência, Kropotkin sugere a históriadas formas sucessivas da “cooperação mútua erecíproca”, a história da integração progressivados agrupamentos humanos. Único parâmetro,em sua opinião, para compreender a evoluçãodo planeta rumo a uma comunidade global. Aenergia elétrica é um meio de reconciliar-secom a história desta lógica comunitária que tor-na solidários os humanos. Deixando para trás aslimitações da era paleotécnica, caracterizadapelo mecânico, pelas concentrações e pelos im-périos, nessa nova etapa da história da humani-dade surgirá uma sociedade horizontal e trans-parente. Apenas o modelo industrialista conse-guiu impedir o desabrochamento dessas poten-cialidades libertadoras da eletricidade. Descon-centração e descentralização: a nova forma deenergia abre a era da reconciliação entre a cida-de e o campo, entre o trabalho e o lazer, entre ointelecto e o trabalho braçal. Contribuindo paraa reflexão sobre a organização regional, essemovimento ideológico exercerá uma influênciaduradoura sobre as utopias do urbanismo.

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Existe um contraste flagrante entre o dis-curso utópico de promessas de um mundo me-lhor por meio da técnica e a realidade das lutaspelo controle dos dispositivos de comunicação,a hegemonia sobre as normas e os sistemas. Nodespertar da era neotécnica,em 1881,aconteciaem Paris a primeira Exposição Internacional daEletricidade. No âmbito desse acontecimento,reuniram-se os delegados das potências interna-cionais, proprietárias das patentes da invenção,com a finalidade de estabelecer as unidades demedida universais, como o ampère, o volt etc.Ao contrário das Exposições Universais, ne-nhum Estado soberano da zona periférica foiconvidado para este encontro.

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A Fábrica da cultura2

O século XIX inventa a news e, com ela, oideal da informação instantânea. Entre 1830 e1850 criam-se as grandes agências. A partir de1875, começam a formar-se os grupos de im-prensa.Surgem os primeiros gêneros escritos daprodução cultural de massa. Antes mesmo daPrimeira Guerra, as indústrias do cinema e damúsica revelam seu potencial de exportação.

A Indústria da informação

1. Os Agentes da news value. - No centrodo sistema mundial de notícias existe o disposi-tivo de coleta e de difusão das agências de notí-cias. Elas não somente envolvem o globo comsuas redes de correspondentes, como intervêmnos projetos de cabos submarinos.

A Agência Havas, ancestral da Agence Fran-ce Presse (AFP) é fundada em 1835. A alemãWolff é inaugurada em 1849 e a britânica Reu-ter em 1851.A Havas faz uma combinação entrenotícias e produção publicitária. A Reuter, porsua vez, dá prioridade ao noticiário econômico.As agências americanas AP (Associated Press) eUP (United Press) são lançadas respectivamenteem 1848 e 1907. Apenas as três agências euro-

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péias têm porte internacional. Por meio de umasérie de alianças concluídas em 1870, essa tría-de divide o mundo em “territórios”ou esferas deinfluência. É a eclosão de um mercado da infor-mação pensado em âmbito mundial orientadopor interesses geopolíticos.Todas se comprome-tem a não divulgar notícias no “território”alheio. Reuter reserva-se o Império Britânico, aHolanda e suas colônias, a Austrália, as ÍndiasOrientais e o Extremo Oriente. À Havas cabemFrança, Itália, Espanha, Portugal, o Oriente, Indo-china e América Latina. Wolff concentra-se naEuropa central e setentrional (mercados que lhesão retirados ao final da guerra de 1914-18). De-terminados territórios, como o Império Otoma-no e o Egito, estão incluídos num acordo de ex-ploração comum, enquanto outros, como os Es-tados Unidos, são declarados “neutros”. Esta or-ganização oligopolística reforça o monopólio decada agência sobre seu próprio mercado nacio-nal.A regra dos cartéis e dos “territórios”funcio-nará por mais de meio século.

O aparecimento tardio das agências nosEUA no cenário mundial não impede o modelode imprensa americano de influenciar o desen-volvimento da imprensa francesa no períodoparticularmente crucial em que os cotidianos,franqueados pela lei dita da liberdade de im-prensa de 1881, procuram conquistar um mer-cado popular. Em 1883, um jornal de língua in-glesa, Morning News, é criado em Paris. Em1884, inspirando-se nessa curta experiência,

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funda-se o Le Matin, animado por uma equipede jornalistas com vários ingleses e americanos.Pouco tempo depois, o New York Herald lançauma edição européia na capital francesa.Para oscotidianos parisienses e a agência Havas, queainda ocupam-se preponderantemente com onoticiário político e diplomático, parte mais no-bre da profissão, isso foi um verdadeiro choque.Eles deparam-se com um tipo de jornalismopriorizando a chamada news value, o humaninterest. Uma informação pontual, rápida, conci-sa como uma mensagem telegráfica,útil,que tra-ta de generalidades. De acordo com o historia-dor da mídia Michael Palmer, é deste primeiroencontro com o modelo profissional do outrolado do Atlântico que surge a noção da “ameri-canização”. Essa idéia começa a fazer escolatambém no campo do entretenimento. Durantea Exposição Universal de 1889, desembarcamBúfalo Bill e sua trupe sarapintada de “Peles Ver-melhas”. A imprensa parisiense arrisca umacomparação entre os dois estilos de lazer: SarahBernhardt ou o “Napoleão das pradarias”, Cor-neille ou as cavalgadas fantásticas.

Ano crucial no processo de legitimação dainformação internacional é 1898, em que ocor-rem três acontecimentos ricos em “interesse hu-mano”: Fachoda, o caso Dreyfus e o desembar-que dos Marines na ilha de Cuba.Para precipitara guerra na ilha das Caraíbas, uma das últimaspossessões de um império espanhol moribundodebatendo-se com um rebelião dos nativos, a im-

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prensa sensacionalista de William RandolphHearst, cópia do Cidadão Kane, imortalizadomais tarde por Orson Welles, desencadeia umagigantesca campanha de intoxicação que encon-tra apoio nas manifestações populares. Imagensde miséria e fome, mulheres e crianças esquelé-ticas cercadas pelos exércitos espanhóis emcampos de concentração, os reconcentrados,para evitar qualquer contato com os agitadores:os clichês desta mobilização das emoções espa-lham-se por todo o mundo e tornam-se o álibi deuma nova modalidade de intervenção imperialis-ta, de tipo não colonial. É conhecida a passagemque resume bem aquele momento inusitado.Hearst envia para Havana um repórter e um co-nhecido desenhista, Frederic Remington que, dacapital cubana, manda um telegrama a seu pa-trão: “Nada diferente. Tudo calmo. Não haveráguerra. Gostaria retornar.” Hearst responde-lheincontinenti:“Peço que fique. Forneça-me os de-senhos que eu cuidarei de fazer a guerra.”Duran-te a Primeira Guerra Mundial, esses produtos daimprensa sensacionalista servirão de referênciaao estado-maior francês para a legitimação dacensura em tempos de guerra.

Decisivas na relação guerra/informação, asúltimas décadas o são igualmente no plano da in-formação financeira.Em 1888,cerca de um sécu-lo após o lançamento do Times,deão dos moder-nos cotidianos, o Financial Times publica seuprimeiro número em Londres. No ano seguinte,lança-se em Nova Iorque o Wall Street Journal.

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2. A Informação estratégica. - Paralela-mente à informação de imprensa, são estabele-cidos os primeiros dispositivos de observaçãoe análise do mercado internacional. Em 1899, aagência americana J.Walter Thompson, arquéti-po das atuais agências de publicidade, que forafundada aproximadamente quarenta anos an-tes, abre em Londres um escritório de consul-toria para os industriais europeus desejosos deexportar para os Estados Unidos. Em 1888, essaagência havia lançado o primeiro catálogo bi-língüe (francês-inglês) para iniciar os europeusnos arcanos do mercado e da imprensa dos Es-tados Unidos. Ela criou também, em seu escri-tório central, um departamento especializadoem América Latina. As primeiras campanhaspublicitárias de produtos americanos na Euro-pa pela filial londrina acontecerão somente apartir da década de 1920.

As empresas de informações comerciais(que no início ocupam-se sobretudo das infor-mações relativas a crédito e a solubilidade dasempresas) são criadas na década de 1830 na In-glaterra, por volta de 1840 em Nova Iorque, em1857 na França e três anos mais tarde na Alema-nha. Nas vésperas da Primeira Guerra, Berlim ésede de uma das maiores empresas mundiais deinformações estratégicas, fruto da fusão, em1887, da sociedade W. Schimmelpfeng e daBradstreet Co. Em 1890, esta firma que cuidatanto dos arquivos sistemáticos sobre empresasa partir de estatísticas publicadas como das ati-

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vidades de espionagem industrial, empregava106 pessoas; em 1914, contava com 2400 e onúmero de filiais subira de 15 para 100.Essa cul-tura da informação estratégica, modelada con-forme os métodos do estado-maior do impérioalemão, transferiu-se para o corpo consular, inte-gralmente reestruturado.

A legitimação da informação econômica naEuropa do século XIX perfaz um longo caminho.Ela confirma a hipótese do historiador america-no David Landes, para quem um dos fatores doprogresso das “sociedades ocidentais”no proces-so de industrialização foi a “paixão de aprendercom os outros”. Inovação rimando com imita-ção, a prática da espionagem industrial correininterruptamente ao longo da história modernada Europa, tanto mais quanto outras sociedadestinham menos espírito de iniciativa neste pontoe faziam progressos consideráveis nos domíniosmais importantes da técnica. Isso explica, porexemplo, o itinerário das importações da China(a manivela, a pólvora, o compasso, o papel, emuito provavelmente a imprensa).

Rumo à industrialização da cultura

1. Os Primeiros gêneros da cultura demassa. - A literatura produzida em série ou “lite-ratura industrial”, conforme a expressão da épo-ca, toma forma definitiva na França a partir de1830-1840. As leis do gênero encontram-se naencruzilhada das tradições da literatura popular

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de culturas tão diferentes como as da Inglaterrae Espanha. Primeira fórmula de exportação deuma cultura destinada ao grande público, o fo-lhetim torna-se o vetor de uma verdadeira “inter-nacional do sentimento”. Traduzido em váriaslínguas, seu original é adaptado à mentalidadedos leitores dos países onde é publicado.A cris-talização do gênero está ligada à história da im-prensa,pois ele nasce de seu seio como meio deelevar as tiragens, do mesmo modo que a publi-cidade lança outro gênero pioneiro, os comics.

Se a Europa lega à cultura industrializada ogênero melodramático, os Estados Unidos, porsua vez, contribuem com os comics. Esse tipode história em quadrinhos aparece nos suple-mentos dominicais de cotidianos do último ter-ço do século, em meio a uma violenta luta entreos magnatas da imprensa de Nova Iorque, Jo-seph Pulitzer e William Randolph Hearst. Os co-mics começam a adquirir seu formato caracte-rístico por volta de 1895. Divisão do trabalho epadronização da produção vão de par com a in-ternacionalização. Esta fica garantida por ummecanismo inovador, o syndicate, um interme-diário onipotente. Proprietário exclusivo dos di-reitos autorais, ele tem o direito de retocar, mo-dificar os diálogos e escolher outros autores.Práticas semelhantes que conferem os direitosde copyright unicamente ao produtor, explicama recusa obstinada dos Estados Unidos de filiar-se à União Internacional de Berna para a prote-ção das obras literárias e artísticas, ratificada em

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1886 por apenas dez Estados. Um século maistarde, os Estados Unidos continuarão contestan-do o conceito de “direito moral” autoral, pedraangular da Convenção de Berna, que teve entreseus primeiros protagonistas Victor Hugo.

O primeiro syndicate, International NewsService, foi criado por Hearst em 1909.Além deseus desenhos em quadrinhos,a agência vende àimprensa os direitos de reprodução e traduçãode materiais diversificados, artigos, reportagens,jogos ou palavras cruzadas. O grupo Hearst fun-da um segundo syndicate, em 1915, o King Fea-ture,destinado a tornar-se o mais importante dis-tribuidor internacional de comics. Em 1929, porsua vez, a agência de notícias United Press vaimunir-se de um syndicate:o United Feature.Pri-meira revista em quadrinhos a atingir o mercadointernacional: a family strip de George McMa-nus, proprietário do King Feature, Bringing UpFather. O fato de se tratar de um produto desti-nado a um público majoritariamente familiar epôr em cena uma família está longe de ser neu-tro. Esta escolha temática moral que se faz emdetrimento de outros produtos da época menospadronizados e conformistas surge como umdos primeiros denominadores comuns para cap-tar um público internacional heterogêneo.

Os historiadores dos quadrinhos ressaltamque, muito antes do aparecimento dos quadri-nhos, um outro tipo de narração por desenhos,seqüências gráficas, havia nascido na Europa.Continuando a tradição da caricatura da qual a

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Inglaterra teve a primazia no século XVIII e co-meço do XIX, o suíço Rodolphe Töpffer (1799-1846), romancista, dramaturgo e desenhista, ha-via lançado ao final dos anos 1820, um novo gê-nero chamado “histórias em estampas” que en-quanto o autor ainda vivia tiveram além de suasedições originais em francês, diversas ediçõesno exterior.Não é por suas tiragens limitadas oupor sua modesta rede de difusão que esta pré-história das histórias em quadrinhos interessado ponto de vista da internacionalização.Seu in-teresse está nas questões que Töpffer suscita apropósito da tipologia ou caracterização dosseus personagens, sua individualização por tra-ços permanentes diferenciadores. Questõestambém debatidas pelos mestres do folhetim namesma época.Sabe-se que Balzac,em sua Comé-die Humaine (A Comédia Humana), e Sue, emLes Mystères de Paris, inspiraram-se em perso-nagens estabelecidos pela morfopsicologia,mui-to em voga desde as últimas décadas do séculoXVIII.Esta pseudociência pretendia estabeleceruma relação entre o “lado visível”e “a parte invi-sível” da pessoa, estabelecer relações entre aface e a personalidade, repertórios de expres-são. Sabe-se igualmente dos excessos cometidosnas tentativas de decodificação psicológica pelaaparência, quando a antropologia criminal apro-pria-se da técnica no último quarto do séculopara esboçar o “perfil”do “criminoso”. Em 1845,Töpffer redige um ensaio crítico premonitóriosobre o emprego das tipologias gráficas padro-

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nizadoras, onde ele discute os riscos inerentes àesquematização e à simplificação.

2. Som e desenhos animados. - Em 1877,Edison apresenta ao mundo o fonógrafo. Na vi-rada do século, a substituição do cilindro pelodisco de 78 rotações estabelece definitivamentea nova indústria. Em 1895, os irmãos Lumièreprojetam o primeiro filme.As indústrias fonográ-fica e cinematográfica já nascem com um alcan-ce internacional.

Em 1897, Pathé Frères lançam-se na indús-tria da música.A sociedade britânica,The Gramo-phone Company, e a alemã, Deutsche Gramo-phon, são fundadas em 1898.A americana VictorTalking Machine, em 1901. No ano seguinteacontece a primeira gravação bem sucedida. Elaé realizada por Enrico Caruso. O primeiro discoa ultrapassar o milhão de cópias é a obra do mes-mo cantor de ópera gravada em 1904, em Milão.Cruzando o oceano, ele estabelece um laço deunião entre os imigrantes italianos e a pátria-mãe. Desde os primeiros anos do século XX, asgrandes companhias fonográficas montam umarede internacional de agentes locais. Prefiguran-do um tipo de indústria cultural de interessescruzados,The Gramophone Co., solidamente es-tabelecida no mercado europeu, instala em 1908uma fábrica em Calcutá e estúdios em Bombaim,que exportam para a África oriental.

O cinematógrafo difunde-se tão velozmen-te que vários países da Ásia e América Latina to-

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mam conhecimento desta técnica ao mesmotempo que a Europa e os Estados Unidos. Filma-se em países tão diversos como Egito, México,Brasil, China ou Índia.Todavia, mesmo neste úl-timo país que devia em seguida recuperar seumercado interior e tornar-se um dos maioresprodutores mundiais, a construção progressivade um mercado internacional do filme vai im-por a diminuição da produção local.

Símbolo da empresa internacional do pe-ríodo anterior à guerra, Pathé abre em 1904 su-cursais em Nova Iorque, Moscou e Bruxelas, enos seis anos seguintes em Berlim,Viena,São Pe-tesburgo, Amsterdã, Barcelona, Milão, Londres,Budapeste, Istambul,Calcutá,Varsóvia e Rio.Pro-dutora e distribuidora de filmes, a sociedadefrancesa controla todo o processo: compra sa-las, fabrica e vende aparelhos e películas.Antesde 1914, o monopólio de fato dos produtoresfranceses Pathé e Gaumont é tal que a única al-ternativa que resta aos países como Inglaterra eAlemanha é fazer esforços unicamente no senti-do da distribuição ou exploração comercial.Com poucas exceções, os filmes devem ser im-portados da França. Bem atrás vêm a Dinamarcae a Itália, que possuem duas sociedades de pro-dução de certa importância. Nos Estados Uni-dos, após o fracasso da tentativa de unificaçãohorizontal e vertical, o período pré-guerra é so-bretudo caracterizado pelo surgimento deHollywood. Desligada de Los Angeles em 1913,a futura capital do cinema americano é criada

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graças à guerra das patentes (1909-1914) porprodutores independentes que recusavam pa-gar as licenças e estavam interessados em dis-tanciar-se de Nova Iorque e estabelecer-se numlugar não muito distante de alguma fronteirapara aí transferir rapidamente sua aparelhagemem caso de confisco.A exemplo desse meio icô-nico que são os comics, o desenho animado re-vela-se como instrumento poderoso para amal-gamar as populações imigrantes. A PrimeiraGuerra Mundial transporta o filme americanopara além de suas fronteiras nacionais.

3.A Natureza dos públicos. - O advento daimprensa destinada às grandes maiorias fixa ostermos de um debate sobre a emergência da de-mocracia de opinião.Neste momento ressurgemos estereótipos de uma tradição conservadoranascida em oposição à Revolução Francesa. Alembrança das desordens da explosão revolucio-nária, associada a uma selvageria coletiva desen-cadeada por turbas convulsionadas, estabeleceuma representação do coletivo como “popula-cho”. Evocada a cada sublevação, movimentogrevista ou manifestação violenta, ela é revalida-da na última década do século XIX pela “psicolo-gia das massas”. Aliada aos pressupostos da an-tropologia criminal, esta análise do coletivo quepretende explicar em termos de psicopatologiasocial a irrupção das massas na vida da Cidadeimpregna o debate sobre os “efeitos” do desen-volvimento das liberdades de imprensa e de as-

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sociação. Conforme essa concepção, as novasformas de agrupamento e de reunião são vistoscomo uma ameaça à ordem estabelecida, e tor-nam-se sinônimos de “regressão cultural”. Pois amultidão só pode reagir como um sonâmbulo,hipnotizado, alucinado, passível de ser contagia-do, impulsivo, crédulo e irracional. É, por exem-plo, a posição de Gustave Le Bon (1841-1931)em sua Psychologie des foules (1895).

Outros autores pensam, diferentemente,que as multidões são fenômeno do passado, eque o(s) público(s) são fenômeno do futuro. Asociedade divide-se cada vez mais em públicos,que se sobrepõem à divisão religiosa, econômi-ca, estética, política, em corporações, em seitas,em escolas, em partidos. Em contato com a in-ternacionalização, esses novos tipos de agrupa-mento social ficariam ainda mais complexos.Pois, como escreve Gabriel Tarde (1843-1904)em L’opinion et la foule (1901) o jornalismo éuma “bomba aspiradora e centrifugadora de in-formações propagadas nos quatro cantos doglobo”. Conforme o mesmo escritor, o fato deque alguns grandes jornais, como o Times e LeFigaro, ou determinadas grandes revistas já te-nham leitores em todo o mundo faz pensar noadvento de públicos“essencialmente e constan-temente internacionais”.

É também verdade que nas vésperas daGrande Guerra o debate sobre a natureza do pú-blico, e aquele que lhe é seu corolário, a forçapersuasiva da imprensa sobre os leitores, é do-

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minado por uma representação chamada difu-sionista: o raio de influência parte sempre deum centro decisório que impõe sua visão demundo às diversas periferias. Nas cidades, ooperário toma como modelo o burguês;na zonarural, o camponês toma como ponto de referên-cia o operário.No cenário internacional,para sa-ber como será seu futuro, as nações “menos de-senvolvidas” devem contemplar indiscutivel-mente aquelas que já atingiram elevado grau de“civilização”. A idéia de influência em sentidoúnico é consubstancial à ideologia do progressolinear e contínuo. Ela inaugura o conceito domi-nante de civilização.

4.A Imprensa missionária. - À margem daimprensa popular continuam a se desenvolver asredes da imprensa missionária católica, encruzi-lhada importante de representações internacio-nais.Neste campo a França,“filha primogênita daIgreja” é um pivô. Em 1822, foram criados emLyon os Annales de la propagation de la foi,com as bênçãos da correspondente Congrega-ção em Roma. Esta publicação bimestral é por-ta-voz de uma vasta rede de coleta de donativose esmolas que coopera com a Igreja Católica natarefa que lhe fora confiada pelo papa após aqueda de Napoleão: “envolver o mundo numarede de missões”. Adotando no início a práticatradicional, iniciada no século XVII pelos jesuí-tas, também eles franceses, de publicar as cartasdos missionários,os Annales transformam-se em

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hebdomadário em 1868 com o título Les Mis-sions Catholiques, e vão se adaptando à evolu-ção do jornalismo ao incorporar mais e mais in-formações concretas sobre a “gloriosa marchado apostolado”. Traduzido em várias línguas, operiódico lionês é tido como modelo por outrasnações da catolicidade.Após a Primeira Guerra,calcula-se existir no mundo mais de 400 revistasmissionárias católicas em diferentes línguas.

Este vigor da imprensa confessional estáem contraste com a doutrina oficial do Vaticanoem matéria de liberdade de expressão.A IgrejaRomana havia posto no Index a Enciclopédia;no século seguinte, ela opunha-se à reivindica-ção dos católicos liberais franceses em favor daliberdade de imprensa.

A Necessária interdependência

1. O mundo como uma gigantesca socie-dade de seguros. - O século XIX consagra a co-municação como “fator civilizatório”. As redestransmitem a impressão de que o mundo é um“vasto organismo” onde todas as partes seriamsolidárias. A noção biomórfica de “interdepen-dência” - à imitação da interdependência das cé-lulas - ratifica este sentimento generalizado deinterconexão dos indivíduos e das sociedades.O próprio termo “internacionalização” conquis-ta direito de cidadania no final do século. Pri-meiramente na língua inglesa, e depois nas lín-guas latinas que adotam o termo.

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Esta dependência geral de todos e detudo, no espaço e no tempo, esta solidariedadeorgânica, indicam o caminho rumo a um novotipo de organização social, que garante o aces-so universalizado ao seguro e à divisão dos ris-cos por todos. A nação e o planeta tornam-seum tipo de gigantesca sociedade de seguro mú-tuo gerida pelos Estados que, calculando os ris-cos e fixando os prêmios a serem pagos a cadaum, funcionam com base na reciprocidade.Talprincípio, oriundo da aplicação do cálculo dasprobabilidades na gestão da coisa pública, mar-ca o início, no perímetro do Estado Nacional,do Estado previdenciário e seu regime de segu-ros sociais e, no campo das relações internacio-nais, prepara a doutrina que servirá de funda-mento,no final da Primeira Guerra, à legitimida-de do primeiro sistema internacional de solida-riedade e reciprocidade calculadas, o primeirodispositivo encarregado de garantir a seguran-ça mútua: a Sociedade das Nações e a Confede-ração Internacional do Trabalho.

2. A Uniformização do planeta: ficçãocientífica? - A idéia de que a interdependênciadas nações conduz inexoravelmente o mundopara sua unificação cultural toma arranque navirada do século. É o debate iniciado, em seuensaio Anticipations, pelo romancista GeorgeHerbert Wells (1866-1946) a partir da seguintequestão:qual será a língua dominante no Tercei-ro Milênio, na Europa e no mundo? E juntocom a língua, lugar privilegiado de definição da

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identidade nacional, qual das culturas vai im-por-se? A questão é, de fato, efervescente. Naordem dos fatos, a França,cujo idioma fora a lín-gua franca das relações internacionais poraproximadamente 250 anos já sentiu os golpesinflingidos por outros idiomas à sua predomi-nância lingüística. Para enfrentar esta “seleçãonatural” pela hegemonia lingüística, foi criada,em 1883, a Aliança Francesa, declarada “associa-ção nacional para o ensino da língua francesanas colônias e no exterior”.

Wells discorda inteiramente das Cassan-dras,para quem a supremacia da língua inglesa écoisa indiscutível. Segundo ele,no ano 2000 ape-nas duas ou três línguas “poderão aspirar ao tro-no do mundo”. O embate principal,porém, serátravado entre as línguas inglesa e francesa. Fren-te a seu rival imediato, a língua francesa dispõede importantes armas para ganhar. A começarpela Europa, onde o 3º Milênio começará com arealização do sonho da União Européia previstajá no começo do século XIX por filósofos comoSaint-Simon. E quem reinar sobre o continentetutelar da civilização universal, terá ascendentemundial garantido. O idioma francês deverá sermais importante porque o público influenciadopor sua cultura “ultrapassa em muito as frontei-ras de seu sistema político”. A grande vantagemdo francês não estaria exemplificada pelas obraspublicadas na França, que são de alto nível cien-tífico, filosófico e literário? A situação é muito di-ferente nos países de língua inglesa, e sobretudo

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na Inglaterra, onde predominam os “romancesadaptados à mentalidade feminina ou infantil, oudos homens de negócio superocupados, histó-rias destinadas mais a distrair do que estimular areflexão, sendo o único tipo de literatura lucrati-va ao editor e ao autor”. A menos que haja um“renascimento cultural”e uma mudança de hábi-to da “reduzida classe que monopoliza o destinodos negócios, incapaz de compreender o senti-do político da questão do idioma”, o inglês nãopode pretender deslocar a língua francesa de suaposição. São conhecidas as conseqüências damaré da industrialização da cultura.

Todavia, ainda conforme Wells, todas essasforças contrárias ao “equilíbrio dos sistemas so-ciais locais” e que conduzem o mundo à adoçãode uma ou das duas “línguas dominantes”, e queele deduz extrapolando a realidade de seu tem-po (o pan-americanismo, o panlatinismo, o pan-germanismo, o paneslavismo), não implicam ne-cessariamente em homogenização. Pois “quantomaior for o organismo social, mais complexas ediversificadas serão as partes, mais indecifráveise variados serão os jogos combinatórios da cul-tura e dos cruzamentos”. No ano 2000, a multi-plicação das formas mais diversificadas de comu-nicação - contatos, viagens, transportes - terá for-çado à adoção de “transações bilíngües”;cada co-munidade falará uma língua universal e uma ou-tra própria de sua esfera particular.

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A Vez da propaganda3

A Grande Guerra conferiu à propagandaseu título de nobreza. A paz a consagra comométodo de governo. No período entre-guerras,a ambição hegemônica dos Estados Unidos co-meça a preocupar os criadores europeus noque tange a cultura comercial. Já próximo dasegunda conflagração mundial, as estratégiasde propaganda dão o tom na internacionaliza-ção do rádio.

O Gerenciamento da opinião popular

1. Uma Guerra de informação. - Primei-ra guerra de âmbito mundial, a guerra de 1914-18 para alguns significou um “despertar dasconsciências”,ao passo que para outros ela foi“pura enganação”, um imperativo maior. Guerrapolítica, econômica e ideológica, este conflitode proporções mundiais não se limitou apenasao palco das operações militares. Os beligeran-tes criam organismos oficiais de propaganda ecensura. O mais ativo no exterior é a britânicaCrewe House.Sua equipe é composta por jorna-listas como Lord Northcliffe, proprietário do Ti-mes, ou romancistas como G. H. Wells ou Rud-yard Kipling. Centro de emissão de despachos,

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Londres é a referência técnica para a transmis-são mundial de notícias da guerra. O governodos Estados Unidos cria o Committee on PublicInformation ou o Comitê Creel,nome do jorna-lista que o dirige. É neste comitê que EdwardBernays (1895-1990), futuro fundador da indús-tria das relações públicas, começa sua carreira.A dose de rumores, de notícias fabricadas e declichês enganadores postos em circulação é di-retamente proporcional ao rigor adotado pelosdispositivos de censura.

Para a França, que não fica atrás no rigordas medidas de censura interna,a Primeira Guer-ra é uma ocasião de constatar o atraso do dispo-sitivo diplomático na área dos “meios de ação in-telectual no exterior”, conforme uma expressãomuito em voga na época.Associando jornalistase editores, uma “Maison de la Presse” (Casa daImprensa) é criada com correspondentes nasembaixadas.Na primavera de 1918,é acrescenta-do um comitê especial criado sob a égide do Mi-nistério da Educação e das Belas Artes, cuja mis-são é orientar a “propaganda artística no exte-rior”.Um de seus figurantes mais notáveis é a câ-mara sindical da alta costura.

Após a grande derrota em Verdun, o altocomando do exército do Kaiser pede, em 1917,que seja criada a UFA (Universum Film AG). Jun-to com os bancos e as grandes empresas, os mi-litares agrupam as empresas do ramo que estãodispersas e fundam uma sociedade cujo campode atividade engloba todos os “setores do cine-ma, bem como a fabricação e o comércio de

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qualquer atividade ligada à indústria do cinemae da imagem luminosa”. A idéia subjacente énão apenas transformá-la em arma de propa-ganda, mas dotar o país de uma indústria cine-matográfica capaz de garantir-lhe o controle domercado interno dominado pelas companhiasestrangeiras. Em fevereiro de 1916, o governohavia baixado diversas medidas como as quecriavam a exigência de uma autorização espe-cial para a importação de filmes. Um ano maistarde, todas as importações ficavam proibidas.Pela primeira vez na História um país desafiavaas leis do livre comércio com base nas necessi-dades da indústria cultural.

A UFA torna-se a primeira sociedade cine-matográfica no mundo a integralizar verticalmen-te suas atividades. O Reich inventa o conceito de“cinemas do fronte”, de “trupes cinematográfi-cas” e de “oficiais do cinema”. Mas não haverátempo suficiente para mobilizar todos os recur-sos deste projeto nascido sob o signo do gigantis-mo e, definitivamente, exageradamente militar.Após a declaração do armistício,os estrategos ale-mães verão na eficiente propaganda aliada umadas principais causas da derrota de suas tropas.

2. A Revelação da propaganda. - Con-forme fora verificado pelos dois campos anta-gonistas, a importância da propaganda na de-flagração do conflito fora tal que chega a servista com todo-poderosa. Os discursos apolo-géticos dos publicitários e cientistas políticos,fundadores da sociologia americana da mídia,

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transferem para o tempo de paz essa experiên-cia dos tempos de guerra. Cria-se a convicçãode que a democracia não consegue sobreviversem as técnicas modernas de “gerenciamentoinvisível da sociedade maior”, no interiorcomo no exterior do perímetro do Estado Na-cional. Daquele momento em diante, já esti-mam os primeiros especialistas em “relaçõesinternacionais”, a diplomacia deverá contarmais com a “psicologia de massa” do que como “poder do charme”e os “acordos secretos”.

Em 1922, o americano Walter Lippmann(1889-1974) lança o Public Opinion. Nestaobra, destinada a tornar-se texto de referêncianas escolas de jornalismo das universidadesamericanas, ele deduz do comportamento dosmeios de comunicação durante a guerra e noimediato pós-guerra uma primeira teoria da opi-nião pública em sua relação com a paz interna-cional. Baseado em sua experiência de capitãodo fronte da propaganda e conselheiro da dele-gação americana na Conferência de Paz, ele fazuma primeira reflexão sobre a natureza da infor-mação e os esteriótipos que impedem a com-preensão entre os povos. Esta teoria havia sidotestada por ele mesmo em “A Test of the News”,um extenso artigo publicado em relatório de 42páginas num suplemento do New Republic de 4de agosto de 1920. Escrito com a colaboraçãode seu compatriota e colega de profissão Char-les Merz, igualmente antigo oficial, o trabalhoanalisa como o New York Times forjou, entre1917 e 1920, a imagem do “perigo vermelho”.

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Os dois autores chegam a pensar em uma cam-panha sistemática de desinformação destinadaao público americano. É, em todo caso, combase em esteriótipos semelhantes que o Depar-tamento de Justiça e o FBI vão apoiar-se para de-sencadear a primeira caça às bruxas contra os“agentes e conspiradores de Moscou”, os cha-mados “Reds”, que termina em 1927 com a exe-cução dos imigrantes italianos Sacco e Vanzetti,símbolo de um erro judiciário provocado pelapressão de uma opinião pública atiçada.

No mesmo ano, Harold Lasswell (1902-1978) publica um livro fundador da sociologiafuncionalista da mídia: Propaganda Techniquesin the World War.Como o próprio título indica,o material de reflexão é tirado da Grande Guer-ra. Sob a lupa do cientista político, a propagan-da assume uma aura de eficácia infalível.

3. Alta cultura ou marketing? - Logoapós a assinatura do armistício, a Casa Brancadissolve o Comitê Creel. Ignorando as lições daguerra, e bloqueando qualquer tentativa de pro-longar no exterior o trabalho de informacão ofi-cial, será brutalmente despertada de seu sonocom os assaltos da propaganda nazista.

O governo britânico, por sua vez, cria umimpério chamado Marketing Board, com a mis-são de promover a venda dos produtos do impé-rio (Buy British). Uma sub seção do serviço“Publicidade e Educação” é encarregada da pro-dução cinematográfica. Seu diretor, o escocêsJohn Grierson (1898-1972),que passou a guerra

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num navio caça-minas e em seguida viajou paraos Estados Unidos para observar não somente aprodução dos primeiros filmes de Robert Fla-herty, mas os primeiros passos da indústria derelações públicas, transforma-a num viveiro daescola do documentário britânico, com a qualcineastas estrangeiros são convidados a colabo-rar. Grierson é também o mentor do projeto decriação do British Council e de sua rede de an-tenas culturais, ambicioso plano de ação “para aprojeção da Inglaterra”onde a propaganda cine-matográfica ocupa lugar de destaque.

Quanto à França, ela não aprende nemcom o desenvolvimento das técnicas audiovi-suais, nem com o papel estratégico da informa-ção e da propaganda. Confiante na vocação uni-versal da cultura do Iluminismo, ela reformulaas linhas gerais de sua política de “relações cul-turais internacionais”. Convencida de que suainfluência exterior se mede pela captação daselites dos países visados, ela multiplica o enviode missões universitárias de ensino.

A Ascensão irresistível dos Estados Unidos

1. A Base do poder das comunicações. -Durante a Primeira Guerra são aperfeiçoadas astécnicas de codificação e decodificação de men-sagens secretas e aperfeiçoam-se o telégrafo e otelefone.Principalmente,porém, ela confirma opapel das radiocomunicações e a primazia in-dustrial da Grã-Bretanha nessa indústria.

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Logo após a guerra, a US Navy,em nome deinteresses estratégicos da nação, procura contra-balançar essa posição dominante. Por sugestãosua, em 1919, a American Marconi, filial local daBritish Marconi, é absorvida pelo consórcio for-mado pelos gigantes dos equipamentos elétricose das telecomunicações: General Electric,ATT eWestinghouse, ao qual acrescenta-se a UnitedFruit.A operação resulta na criação de uma firmaespecializada em técnicas de radiocomunicação,a RCA (Radio Corporation of America).A partirde 1926, esta firma começa a construir a primei-ra rede telefônica dos Estados Unidos (NBC).Símbolo do poderio crescente dos Estados Uni-dos na rede mundial da comunicação a distânciana virada dos anos 30, é a International Tele-graph & Telephone (ITT) que arranca às compa-nhias britânicas o monopólio de ligações inte-rurbanas na América do Sul,que detinham desdea instalação dos primeiros cabos submarinos.

A oportunidade da aliança industrial sob aégide dos militares já é visível desde o final dadécada de 1920 nos acontecimentos internacio-nais. Nessa época, a integração das diversas téc-nicas de transmissão a distância está no centrodos debates sobre a regulamentação das redesinternacionais. Em 1932, a União Telegráfica e aUnião Radiotelegráfica se fundem e surge aUnião Internacional das Telecomunicações. Pelaprimeira vez emprega-se oficialmente o termo“telecomunicação”, inventado por um enge-nheiro francês no começo do século. Também

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pela primeira vez o termo “informação” deixa aórbita exclusiva do jornalismo (e dos procedi-mentos judiciários) e se converte em unidadede medida numa teoria estatística do sinal queabre caminho ao código binário.

2. O Fantasma de Hollywood. - Em 1919,90% dos filmes exibidos nos cinemas europeusprovinham dos Estados Unidos. A supremacia daindústria francesa fica apenas na lembrança. Atransferência de Pathé para Nova Iorque duranteo conflito mundial, considerável redução de suasatividades, perda dos mercados externos e domercado interno,– a primeira sociedade francesanunca se recuperará completamente do choqueda guerra. Em 1927, ela se transforma em Kodak-Pathé.Com um fundo de recessão econômica ge-neralizada, o advento do cinema falado aprofun-da ainda mais a crise da indústria francesa.

As sociedades americanas ocuparam osmercados disponibilizados pelas hostilidades. Aredução dos preços de revenda dos filmes emseu próprio mercado interno e nos mercados vi-zinhos mais restritos ainda revela-se desde já umavantagem de primeiro plano. Considerada como“benefício suplementar”,a distribuição estrangei-ra pode praticar uma grande variação de preçospara exportação.Tanto mais que a indústria ame-ricana se reestrutura em volta das cinco majors(Paramount, Metro-Goldwyn-Mayer, 20th CenturyFox,Warner, RKO) e formula suas próprias estra-tégias de negociação quando se trata de consoli-

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dar suas parcelas de mercado no exterior. Juntocom os filmes começam a chegar os primeirosprodutos derivados. Encabeçando, as produçõesWalt Disney. Desde 1930, pouco mais de trêsanos após sua criação, Mickey Mouse conquistaum espaço para seus quadrinhos nas colunas doPetit Parisien, e em 1933 inaugura seu Journal.

A única indústria do cinema que os produ-tores americanos encontram pela frente é a ale-mã. Mais que sobre os filmes, com o advento dosom,a luta entre as duas potências gira em tornodas patentes. Em 1930, o acordo de Paris assina-do pelas empresas alemãs e americanas divide omercado mundial em duas zonas de influência.Os benefícios da exploração dos aparelhos sono-ros revertem-se unicamente aos grupos financei-ros dos dois contratantes.O acordo está baseadosobre o de 1907, assinado pelos grandes da in-dústria eletrotécnica mundial, para limitar a con-corrência num setor altamente concentrado.

Este acordo sobre o material não compro-mete o poder de Hollywood. No plano da pro-dução de filmes, a luta contra a concorrênciadas majors continua desigual. Um número cres-cente de países preocupados com o desenvolvi-mento de sua indústria local procura criar medi-das de proteção. A Alemanha da República deWeimar renova a decisão imperial de limitar aentrada de filmes americanos. Nesse curto pe-ríodo pós-guerra, quando se assiste a um ex-traordinário desabrochamento das artes e dasletras, os estúdios de Neubabelsberg da UFA

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acolhem intelectuais e artistas do mundo todonuma Alemanha que igualmente faz inovaçõesno campo do fotojornalismo, ao criar um novogênero,o das grandes revistas ilustradas de atua-lidades.A crise financeira de 1927 obriga, toda-via, a indústria cinematográfica alemã a fazerconcessões às majors.Conforme o acordo Paru-famet, as empresas dos Estados Unidos deve-riam contribuir com as produções alemãs, e aAlemanha ampliaria a cota de filmes americanospermitidos para a exibição. Paradoxalmente, éem Hollywood que os grandes produtores do ci-nema alemão poderão desenvolver sua arte. Aascensão do nazismo ao poder, em 1933, e seucontrole total da UFA, dois anos mais tarde, for-çam, com efeito, vários deles ao exílio. De modosemelhante, o caráter autoritário do novo regi-me para com a imprensa provoca o exílio de umgrande número de fotógrafos que haviam garan-tido o lançamento das grandes revistas de atua-lidades. O gênero criado na Alemanha é retoma-do pela revista Life, fundada em 1936, após terinspirado a revista francesa Vu em 1928.

A França opta também por uma políticaprotecionista de seu mercado cinematográfico,primeira atitude que virou tradição nacional.Em 1928, o decreto Herriot estabelece umacota anual de 120 filmes americanos, cifra quecorresponde à produção anual média francesano período anterior à guerra. Na Grã-Bretanha,a lei obriga os arrendatários de cinemas a exibir

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30% de longa metragens nacionais e 25% decurtas. Desde essa época a política de cotas écontornada por parte das majors que estimu-lam as produções locais ou intensificam as co-produções.Todas se aproveitam da definição de“filme nacional”, que dá ampla margem de in-terpretação.Assim, para a lei inglesa é conside-rado nacional um filme mesmo sendo produzi-do por uma companhia americana,com diretor,cenário e atores americanos, onde exista umacerta proporção de custos trabalhistas por con-ta de técnicos britânicos.

A conquista do mercado internacional dofilme pelas empresas dos Estados Unidos, bemcomo sua defesa a favor do livre comércio namatéria tem correspondente no campo da im-prensa.As agências de notícias americanas apro-veitam-se do enfraquecimento dos concorren-tes durante a guerra. É mais particularmente ocaso da UPI que aproveita a ocasião para assu-mir o controle dos jornais da América Latina, ter-ritório de Havas desde 1870. Por toda parteonde tenta penetrar, ela tira partido de uma in-formação pluralista, diferente daquela que éemitida sob as condições da censura. Em 1930,a AP e a UPI livram-se definitivamente do jugodo cartel europeu em nome de um novo princí-pio estratégico de internacionalização que aca-ba com a legitimidade do conceito de territó-rios protegidos: deve existir livre acesso à infor-mação em todo o mundo.

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3.A primeira onda publicitária. - A guerratransformou a nação devedora que eram os Esta-dos Unidos em credores do mundo. Por volta dofim dos anos 20,a economia fordista vai deslocaro capital britânico de numerosas posições no ex-terior, e o dólar substituirá a libra esterlina comomoeda lastro. Nasce uma nova economia mun-dial centralizada em Nova Iorque. Com a curvaascendente dos investimentos das companhiasamericanas no exterior, cresce a presença exte-rior das agências de publicidade que se tornamas cabeças-de-ponte da cultura comercial.

Em 1927, a montadora automobilística Ge-neral Motors convida J. Walter Thompson a re-presentá-la internacionalmente e a instalar-se emtodos os lugares onde houver cadeias de monta-gem e distribuição de seus veículos. Enquanto arecessão atinge em cheio as receitas publicitá-rias nos Estados Unidos, Thompson soma filialatrás de filial:em Anvers e Madri em 1927,em Pa-ris e Berlim no ano seguinte, em Montreal, Bom-baim,São Paulo,Buenos Aires,Estocolmo e Cope-nhague em 1929, na Austrália e África do Sul em1930,no Rio de Janeiro e Toronto em 1931.Apósa General Motors,é a vez de Eastman-Kodak,Kel-logg’s, Ford, RCA, Chesebrought-Ponds torna-rem-se seus clientes. Uma segunda rede,McCann-Erickson, chega a Paris e Londres em1927, e a Berlim em 1928 a serviço de uma úni-ca grande marca: Esso. Fã ardoroso da publicida-de, o escritor Blaise Cendrars a celebra como“uma arte que apela para o internacionalismo,

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ou poliglotismo”. Salvo uma ou duas agênciasbritânicas,naquela época não existe no mercadointernacional nenhuma agência de outra nacio-nalidade.A França continua ainda na era do “re-clame”.E é em Nova Iorque que o criador da pri-meira agência moderna, Publicis, e inventor dapublicidade radiofônica na França debuta nosanos 20.Nessa época,nesses Estados Unidos queinventam a noção de “parcela de mercado”e pro-duzem os primeiros estudos mercadológicossistemáticos,a indústria do marketing está se tor-nando um órgão de base das estratégias fordistasde gestão empresarial e do conjunto das rela-ções sociais via incorporação das grandes mas-sas à nascente sociedade de consumo.Após as fi-liais publicitárias, desembarcam em Londres eParis, na segunda metade dos anos 30, as primei-ras sociedades de pesquisas de mercado e depesquisas de opinião. A guerra interrompe essaprimeira onda,pelo menos nas nações beligeran-tes, pois em outros lugares a expansão das agên-cias americanas continua. Seu alvo principal é aAmérica Latina que oferece duas vantagens aomesmo tempo: a maioria dos países que a com-põem optou por uma estruturação comercial deseus veículos de comunicação e o conjunto daregião é a terra de eleição do capital americanoentre 1930 e 1950. É somente a partir desta dataque os fluxos de investimentos diretos prove-nientes dos Estados Unidos se reorientam para aEuropa. É, portanto, sob os auspícios das agên-cias e dos anunciantes estrangeiros que as radio-

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novelas e, em seguida, as telenovelas começam,muito antes que os produtores e diretores dosdiversos países latino-americanos lhes dêemuma forma autônoma.

Porém, desde o período anterior à declara-ção da guerra, já é possível detectar os fatoresaglutinadores de uma organização corporativacom pretensões mundiais. Em 1924 ocorre aaproximação entre a associação das agências depublicidade britânicas e sua parenta dos EstadosUnidos.Em 1938 cria-se em Nova Iorque a Inter-national Advertising Association (IAA), primeiraorganização de defesa dos interesses profissio-nais dos três componentes dessa indústria(agências,anunciadores,patrocinadores).Um deseus objetivos é moralizar a atividade publicitá-ria impondo o cumprimento das normas do“Código Internacional de Práticas Publicitárias”.Esse código de conduta foi elaborado em 1937pela Câmara Internacional de Comércio, criadalogo após a Primeira Guerra pelos responsáveisdas grandes empresas européias e americanas afim de participar da formação de uma nova or-dem econômica mundial. Veiculadas por estacarta deontológica profissional, as idéias de au-to-regulamentação e autodisciplina, opostas àsde controle pela autoridade pública,começam afazer escola no mercado internacional. E comelas surge outra idéia que faz uma ponte entre ademocracia e o democratic marketplace, a li-berdade de expressão dos cidadãos e a “liberda-de de expressão comercial”, ou simplesmente a

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liberdade, e a livre circulação de bens e merca-dorias. Todos argumentos recuperados pelasmajors reagrupadas na MPEA (Motion PictureExport Association) que bem desejam extirparos ferrolhos protecionistas que dificultam a cir-culação de seus filmes.

4. Americanização ou crise de civiliza-ção? - A irrupção das redes financeiras dos Esta-dos Unidos e dos produtos da cultura do enter-tainment sobre os mercados europeus é vistaem certos meios artísticos e intelectuais comouma agressão à tradição da alta cultura que G.H.Wells havia considerado, um quarto de séculoantes, como a melhor garantia da presença fran-cesa no exterior.As idéias de “americanização”ede “americanismo” passam a representar umaameaça exterior à alma européia. Maquinismo,democracia gregária, nivelamento por baixo,doutrinamento, materialismo, todas estas acusa-ções são feitas para definir os impasses dessaconfrontação com a “selva americana”e seu cul-to ao poder do dinheiro.“O americanismo estános submergindo, clama Luigi Pirandello, Prê-mio Nobel de Literatura em 1934. Penso que setenha acendido um novo farol da civilização na-quelas distantes paragens. O dinheiro que circu-la no mundo é americano e, por trás desse di-nheiro, existe todo um universo de vida e decultura.”Rompendo com essa concepção das re-lações entre a Europa e o Novo Mundo marca-das pela defesa da alta cultura, o filósofo Anto-

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nio Gramsci pressente estar ocorrendo, sob a le-gitimidade crescente do fordismo e seu ideal deracionalização da produção industrial, altera-ções prestes a transbordar da reorganização daempresa para atingir o conjunto dos mecanis-mos de regulação social.

Em 1930, em sua obra Malaise dans la Ci-vilisation (Mal-estar na Civilização), SigmundFreud passava em revista as “causas do desen-canto”e sublinhava o caráter ambivalente da “re-cente conquista do tempo e do espaço”. Ele seinterrogava principalmente sobre o significadoda fotografia e do disco como “materializaçõesda capacidade concedida ao homem de se lem-brar, também chamada de memória”. “O ho-mem, escrevia ele, tornou-se um tipo de deusprotético, deus este certamente admirável seestá equipado com todos os seus instrumentosauxiliares; estes, porém, não cresceram juntocom ele e normalmente causam-lhe numerosasdificuldades... O futuro distante um dia nos tra-rá, neste campo da civilização, novos e conside-ráveis progressos, de uma importância pratica-mente impossível de ser corretamente avaliada;eles acentuarão sempre mais os traços divinosdo homem... Não podemos absolutamente es-quecer que,por mais que ele se assemelhe a umdeus, o homem de hoje não está feliz.”

Inaugurado pela visão apocalíptica do ale-mão Oswald Spengler do “declínio do Ociden-te”,o período entre-guerras se conclui com a re-flexão de Paul Valéry sobre a “crise do espírito”.

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Para o escritor francês, esta crise confunde-secom a crise da identidade européia e da univer-salidade, e não é produto de fatores exógenos.Ela é causada pela destruição do “capital cultu-ral”, ou a rarefação desses homens que “sabemler, virtude esta que já se perdeu”, desses ho-mens que “sabem ouvir e até escutar”, que “sa-bem ver, reler, reescutar e rever”.

A Internacionalização das ondas

O advento do rádio dá novo alento às es-tratégias de internacionalização da propagandagovernamental. Um país está na dianteira: aUnião Soviética que inicia, já em 1929, transmis-sões regulares de programas em alemão e fran-cês, e no ano seguinte, em inglês e neerlandês.Éo prolongamento lógico de uma estratégia deexportação da revolução, formulada em 1921num documento programático intitulado “Tesessobre a Organização e a Estrutura dos PartidosComunistas”, no III Congresso da InternacionalComunista. A criação do Komintern como es-trutura centralizada mundial permite assentar asbases de uma formidável rede de “comunicaçãointernacional”, os partidos irmãos servindo deintermediários e de ponto de apoio. Em 1923, oEstado-partido reorganiza sua agência de im-prensa que recebe o nome de Agência Tass.

Em 1931, a Igreja Católica equipa-se comum instrumento poliglota, a Rádio Vaticana. É daAlemanha,não obstante,que parte a real dinâmi-ca da internacionalização radiofônica. Leitmotiv

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de Mein Kampf, o poder nazista inventa o con-ceito de “guerra psicológica” e o aplica em suapolítica externa. Em 1933, é inaugurada a esta-ção de ondas curtas de Zeesen,nos arredores deBerlim, que irradia programas destinados a nu-merosas comunidades de alemães imigrados etambém em inglês, para os Estados Unidos.Trêsanos mais tarde,quando dos Jogos Olímpicos deBerlim, ela chega a emitir em 28 línguas diferen-tes. Em 1935, o fascismo de Mussolini provacompreender antecipadamente o valor do rádiona propaganda proselitista ao transmitir progra-mas em árabe para a África e o Oriente Médio.Em 1936, durante a guerra civil espanhola, a uti-lização do rádio em línguas estrangeiras pelosdois campos faz pressentir o papel estratégicodesse novo meio de propaganda.

Primeira reação às transmissões de Ber-lim: em 1934, pouco antes de ser assassinadopelos nazistas, o chanceler social-cristão daÁustria,Englebert Dollfuss,decreta a interferên-cia na freqüência de canais. Os múltiplos esfor-ços encetados pela Sociedade das Nações paraunir os diversos países da comunidade interna-cional em pactos de “não-agressão radiofônica”- a primeira convenção é assinada em 1936 pelamaioria dos membros - são votados ao fracasso.Neste campo como em muitos outros, a Socie-dade das Nações não chega a impor-se como a“tribuna da opinião pública” (Court of PublicOpinion), ou a “consciência do mundo”, con-forme a expressão de um de seus iniciadores, opresidente americano Wilson (paradoxalmente

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seu país, convertido ao isolacionismo, recusa-seobstinadamente a fazer parte dos esforços). AUnião Internacional da Radiodifusão, criada em1925, já perdeu seu poder de influência. Estaorganização, sob a influência preponderante daAlemanha, é a única instituição internacional amanter suas atividades durante a Segunda Guer-ra Mundial. A efervescência em torno do em-prego propagandístico da rádio não impede areciclagem das ideologias salvadoras da comu-nicação.Em 1934,Lewis Mumford (1895-1990),historiador americano das técnicas e das cida-des, além de tudo bastante esclarecido quantoao potencial de “aliciamento de massa” destatécnica, prolonga as utopias de Kropotkin e deGeddes. Ele imagina um emprego diferente dasredes de radiodifusão, transformados em meiode restabelecer os laços com a ágora das meno-res cidades da Grécia antiga.

Apenas tardiamente a Grã-Bretanha e osEstados Unidos compreenderam a importânciaestratégica das redes de propaganda do Estadonacional-socialista. Em 1938, a BBC - que estavachamada a exercer um papel catalisador nocombate entre as potências do Eixo e a contra-balançar seu poderio com suas emissões em 23idiomas - cria um programa em língua alemãpara em seguida começar a transmitir em espa-nhol e português para a América Latina. Nomesmo ano, a Casa Branca começa a mobilizaras redes de emissoras particulares dos EstadosUnidos para neutralizar a crescente influênciaalemã nos países da América Latina onde estão

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instaladas importantes colônias de imigrantesparticularmente ativas na propaganda dosideais do regime hitleriano. As produções WaltDisney, as revistas Time e Life e o Reader’s Di-gest seguem os passos da causa antifascista.Fundada em 1922, a revista Reader’s Digest éum dos primeiros periódicos a publicar, desde1940, edições em línguas estrangeiras, no casoo espanhol e o português, com o objetivo dedesestabilizar a influência do Eixo na AméricaLatina. Time, por sua vez, lança suas primeirasedições regionais em inglês, também para cir-culação nos países sul-americanos.

Em fevereiro de 1942,Washington toma olugar das empresas de radiodifusão privadas emonta uma rádio oficial, Voice of America. Apropaganda no exterior fica a cargo de dois or-ganismos: o Office of War Information (OWI),encarregado da propaganda aberta (overt pro-paganda), e o Office of Strategic Service (OSS),encarregado das operações clandestinas (covertpropaganda). Diferentemente da guerra ante-rior, à qual se consagraram, sobretudo, jornalis-tas e escritores, essas novas instituições de pro-paganda recrutam seus especialistas entre osprofissionais das agências de publicidade e rela-ções públicas e junto aos sociólogos, psicólogose antropólogos das universidades.A maioria dospioneiros da sociologia funcionalista dos meiosde comunicação aí perfaz seu aprendizado dasrealidades internacionais.

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A Geopolítica bipolar das tecnologias

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O cenário da guerra fria prolonga a con-cepção propagandística da comunicação. Eledetermina os modelos de implantação dos siste-mas de satélite. O eixo Norte/Sul vai encontrar-se implicado no eixo Leste/Oeste, visto que aconquista o Terceiro Mundo transforma-se nogrande impasse do embate entre os dois siste-mas políticos. Na luta contra o subdesenvolvi-mento, a comunicação torna-se sinônimo demodernização.

Conquistar os corações e as mentes

Ao final das hostilidades, o OSS se meta-morfoseia em CIA (Central IntelligenceAgency), enquanto o OWI transforma-se emOffice of International Information e em segui-da USIA (US Information Agency) em 1953. Àsua rádio oficial Voice of America, Washingtonacrescenta outras duas clandestinas:Radio FreeEurope (1950) que transmite para os países doLeste europeu e Radio Liberty (1953) dirigidaà União Soviética.Ambas são financiadas no co-meço pela CIA e, ao contrário da Voice ondeos jornalistas são americanos, elas são operadaspor emigrados dos países do bloco socialista.

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No Leste, se Stalin aceita dissolver em 1944 oKomintern em troca do apoio dos Estados Uni-dos e Inglaterra e substitui o canto da Interna-cional por um hino nacional hagiográfico emsua própria glória, a Rádio Moscou não conti-nua menos ativa na propaganda ideológica doEstado-partido no exterior.

Duas concepções sobre a regulamentaçãodos fluxos internacionais opõem-se num rigoro-so frente a frente: o princípio do Free Flow ofInformation, derivado da doutrina liberal da li-vre circulação de bens e mercadorias, ratificadopelo Congresso e elevado à categoria de doutri-na oficial pelo Departamento de Estado ameri-cano que a incorpora em 1944 no campo béli-co; a doutrina do Kremlin que, preocupado emevitar a influência da mídia ocidental sobre seuscidadãos, dissimula seus imperativos de segu-rança interna sob expressões pomposas como“soberania nacional” e interpreta a intromissãodas ondas internacionais como “ingerência deuma potência estrangeira nos negócios internosde um Estado nacional”. Tão antiga quanto a re-volução, a idéia de “agressão ideológica” com-plementa a auto-representação da União Soviéti-ca como uma “cidadela assediada”.

Em 1947,a União Internacional das Teleco-municações (UIT) é incorporada, na qualidadede “organismo técnico”, como a União PostalUniversal, ao novo sistema das Nações Unidas. Ésob sua égide que vão se desenrolar as polêmi-cas sobre o emprego dos canais radiofônicos.A

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Conferência de Atlantic City, ocorrida no mes-mo ano, simplesmente homologa o “direito deanterioridade de emprego”em matéria de distri-buição de canais de freqüências, imposto pelaspotências navais no começo do século. Trêsanos mais tarde, porém, a tese soviética que le-gitima o recurso dos Estados à interferência sis-temática nas emissões do exterior passa para se-gundo plano. O debate está apenas começandoe só terminará com a queda do muro de Berlim.Alternando-se entre simpatias e ameaças, Mos-cou e seus satélites incriminam a escuta deemissões estrangeiras e bloqueiam o desenvolvi-mento da indústria civil da radiocomunicação.

Em ambos os lados da cortina de ferro, asteorias do complô e da manipulação tornam-semanual de instrução para decifrar os movimen-tos do adversário.As partes acreditam estar en-gajadas numa luta pela “conquista dos coraçõese das mentes”, segundo a expressão criada pe-los psychological warriors.No início de 1953,asociologia funcionalista da mídia dos EstadosUnidos reconhece a importância do impasse eabre um novo campo de estudos batizado ofi-cialmente “comunicação internacional”. As hi-póteses aí levantadas são tanto mais marcadaspelo maniqueísmo quanto muitos de seus prota-gonistas são pesquisadores que, durante a Se-gunda Guerra Mundial, serviram como peritosem guerra psicológica junto ao OSS e OWI. Al-guns deles,além disso,continuaram trabalhandocomo conselheiros permanentes da Voice of

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America ou acompanham as tropas americanasna guerra da Coréia (1950-1953). É o caso prin-cipalmente do futuro fundador do célebre Insti-tute of Communication Research da Universida-de de Stanford,Wilbur Schramm, co-autor do li-vro The Reds Take the City (1951), sobre o pa-pel das operações psicológicas na invasão co-munista em Seul.

No Leste, as doutrinas do Estado-partidocatalogaram de uma vez por todas os autores da“agressão ideológica”, rotulando o conjunto dosveículos de comunicação ocidentais com onome genérico de “meios de propaganda bur-gueses”. Mas a variedade lingüística das trans-missões soviéticas para o exterior - em 1970,por exemplo, a Rádio Moscou irradia 235 horassemanais para a África em 15 línguas contra 130horas em 4 línguas pela Voice of America - nãocompensa a univocidade da linguagem burocrá-tica. Cada vez mais em desacordo com a realida-de tal como é vivida pelos ouvintes, na própriaopinião dos conselheiros da USIA, a mídia sovié-tica já não faz mais sentido, a não ser para osconvencidos de sempre.

Conquistar o espaço

1. O Complexo militar-industrial. - Se oimperativo da defesa contra a “ameaça externa”constituiu para a União Soviética, desde sua ori-gem, um dos principais argumentos de legitima-ção do regime e um dos motores centrais de sua

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economia, em compensação, para os EstadosUnidos, ele é uma novidade trazida pela entra-da na guerra fria.

Em 1947,esta situação inédita se institucio-naliza pelo National Security Act. Este decretofornece as bases legais que permitem manter amobilização excepcional dos anos da guerra, im-pedindo, assim, uma desmobilização capaz deprovocar uma recessão semelhante à dos anos30. Na ordem dos fatos, ele elimina as barreirasentre particular e público, entre civil e militar,entre pesquisa aplicada e pesquisa fundamental,os laboratórios industriais e os centros de ensinoe de pesquisa universitários. Ele renova assim asexperiências de sinergias testadas durante a Se-gunda Guerra Mundial e que resultaram no aper-feiçoamento,por exemplo,de sistemas balísticosdirecionados por enormes calculadoras eletrôni-cas, primeira geração da informática. Um índice,entre outros, da participação maciça do Estadoamericano nas despesas com pesquisa e exten-são das empresas de equipamentos eletrônicos eaeroespaciais, berço das tecnologias de informa-ção e de comunicação:em 1930,o orçamento daUnião previa apenas 14% para a pesquisa priva-da e pública; em 1947,ele salta para 56%.As lógi-cas do enfrentamento planetário reduzem ao si-lêncio as análises do inventor da cibernéticaNorbert Wiener que,em 1948,via no advento da“sociedade da informação” uma garantia da eli-minação definitiva da barbárie ocorrida na Se-gunda Guerra Mundial.

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O afluxo de fundos provenientes do Pen-tágono, renovado a cada etapa das guerras asiá-ticas, desempenha um papel decisivo na inven-ção do primeiro computador de transistoresem 1959 pela IBM.Os subsídios são gastos prio-ritariamente com a construção das primeirasredes intercontinentais, a princípio concebidasem função da estreita coordenação entre ne-cessidades militares e produção industrial. Nes-ses mesmos anos 50 constrói-se, a pedido da USAir Force, a rede de defesa continental SAGE(Semi-Automatic Ground Environment). Ao li-gar cada computador a uma unidade da radarque registra as trajetórias dos vôos e ao conec-tar por telefone todos os computadores do sis-tema, este dispositivo inaugura a transmissãode dados em tempo real, a “teleinformática”.Outra aplicação que nos aproxima do fim doséculo XX: em 1958 iniciam-se as primeiras ex-periências de conexão entre computadores decentros de pesquisas a serviço do Departamen-to de Defesa. Em 1968, com o mesmo patrocí-nio, instala-se a primeira rede de transmissão dedados: a ARPANET (Advanced Research ProjectAgency Network) liga entre si os departamen-tos de cálculo das universidades e estes, via sa-télite, com Londres e a área do Pacífico via Ha-vaí. Desde sua concepção no quadro da segu-rança nacional, esse sistema preserva a idéia ini-cial de uma rede de calculadoras interconecta-das de tal modo que o encaminhamento dos da-dos digitais possa se efetuar por vias diferentes

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e que o conjunto não sofra um impacto muitoforte com a eventual destruição de um ou maiscentros de cálculo. Nos anos 90, ele servirá dereferência principal para a rede mundial decomputadores Internet.

2. O Intelsat. - O primeiro satélite artificialSputnik, lançado em 1957 pela União Soviética,abre um novo front na guerra fria: a corrida es-pacial. Para fazer frente ao desafio, o PresidenteEisenhower funda, nesse mesmo ano, a NASA(National Aeronautics and Space Administra-tion), cujo objetivo primordial é inegavelmentelevar o homem à Lua, mas também estabelecerum sistema de ligações mundiais.

Em 1962, o satélite Telstar faz a ligação en-tre Europa e Estados Unidos.Em 1965,Early Birdé posto em órbita. É o primeiro satélite geoesta-cionário de telecomunicações comerciais da redeinternacional de satélites Intelsat ou InternationalTelecommunications Satellite Consortium. Esteconsórcio é a forma institucional, aprovada peloCongresso, que em 1964 a NASA e a indústria ae-roespacial americana propõem aos “países domundo livre”para associá-los à exploração de umsistema de comunicação mundial. O controleamericano sobre o Intelsat é,no começo,total.Deum lado, ele é administrado por uma sociedadeprivada de tipo particular, a Comsat, cujos quatrogigantes detêm 45% das ações: ATT, ITT, RCA eGTE (General Telephone & Electronics). A outrametade se divide entre uma miríade de pequenosacionistas e as 163 demais empresas da indústria

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da comunicação americana. Em seu conselho ad-ministrativo, além dos representantes dos acionis-tas, contam-se três delegados da Casa Branca. Deoutro lado,os Estados Unidos são proprietários de60% das partes do Intelsat, porcentagem propor-cional à utilização que essa nação efetivamentefaz do mesmo.A Grã-Bretanha,a França e a Alema-nha Federal detêm 20% e o restante fica divididoentre 15 outras nações industriais. Nenhuma na-ção do Terceiro Mundo tem representação entreos parceiros do consórcio. Em compensação, fielà doutrina do Estado securitário internacional, oIntelsat oferece a todas as nações em desenvolvi-mento uma tarifa reduzida cujo custo é transferi-do para os países industrializados.

Em 1965,a União Soviética abre a seus par-ceiros do mundo socialista o acesso a seu pró-prio sistema, Intercosmos. Seis anos mais tarde,ela institui um organismo de caráter comercial,Intersputnik.

A corrida espacial, qual novo faroeste, durapouco mais de dez anos.A era da distensão fezflorescer projetos de acoplamento de astronavesdas duas potências (Soyuz).A indústria espacialamericana inicia sua readaptação acelerando asaplicações com finalidades úteis a curto prazo.Embora o Pentágono não gaste menos em maté-ria de satélites espiões, o montante mais signifi-cativo do orçamento da NASA passa a ser desti-nado ao lançamento de satélites de comunica-ção,observação meteorológica, auxílio à navega-ção aérea e marítima ou de observação dos re-cursos naturais. Em julho de 1972, a NASA lança

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o primeiro satélite civil de observação da Terra,o ERTS-1 (Earth Resources Technology Satellite),rebatizado mais tarde como Landsat-1.

As autoridades da União Soviética, ao con-trário, não estão preocupadas em desenvolveraplicações civis para seus sistemas militares. Osistema de poder, baseado sobre a retenção deinformações, continua a ser orientado pela lógi-ca prioritária e exclusiva da defesa. Se o parqueindustrial soviético teve condições de inventarem 1947 a célebre Kalachnikov, a arma utiliza-da pelos franco-atiradores do mundo todo, foiincapaz de inventar o transistor, este outro ob-jeto que, popularizado a partir da segunda me-tade dos anos 50, transformou a vida cotidianae a geopolítica. Para dificultar ao máximo a es-cuta de programas estrangeiras pelos seus cida-dãos, a União Soviética promoveu a escuta co-letiva e fabricou a fio aparelhos incapazes decaptar os canais de rádio do exterior.

A conquista do espaço foi por longo tem-po um assunto exlusivamente russo-americano.Somente nos anos 80 a Europa conseguiu fazerfrente à indústria americana dos lançadores e dossatélites de telecomunicações.A reação america-na não se fez esperar: o Presidente Ronald Rea-gan desregulamenta o sistema intergovernamen-tal Intelsat, colocando-o em concorrência diretacom os satélites particulares e revogando a cláu-sula que oferece tarifas reduzidas aos países doTerceiro Mundo usuários do Intelsat. Nos outroscampos de aplicação da tecnologia espacial, oslançamentos bem-sucedidos dos primeiros satéli-

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tes civis de observação da Terra (Spot-1,2,3) ocor-rem entre 1986 e 1993. Em matéria militar, a de-pendência em relação aos satélites de serviço deinformações dos Estados Unidos, como Keyholee Lacrosse, permanece durante os anos 70 e 80.Ela se faz sentir mais particularmente na guerrado Golfo (1990-1991),e na Bósnia,e começa a serresolvida apenas em 1995, data do lançamentodo primeiro satélite espião do programa Helios,primeiro passo de um projeto de rede espacialeuropéia de informações estratégicas. Entremen-tes, o clube das potências espaciais não-euro-péias também cresceu, passando a incluir novospaíses-membros como a China e a Índia.

Integrar o Terceiro Mundo

1. Comunicar para desenvolver. - Em1949, no discurso sobre o estado da União, tam-bém conhecido como “Ponto Quatro”, o presi-dente Harry Truman estabelece como priorida-de a luta contra o “subdesenvolvimento”.O con-ceito de “desenvolvimento”, que antes da guer-ra relacionava-se principalmente com o grau de“cultura” e de “civilização” conquistados poruma nação, assume uma conotação econômicae anima um vasto programa de mobilização dasenergias e da opinião pública em torno dosgrandes desequilíbrios que ameaçam “fazer acama do comunismo mundial”. Tendo sido ini-ciado nos anos 50, nas regiões ultra-sensíveis doOriente Médio, atormentado pelas tentativas denacionalização dos poços de petróleo, este pro-

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grama é efetivamente aplicado na década se-guinte na América Latina. Para conter a revolu-ção castrista (1959), Washington convida seusvizinhos do Sul a formar uma “Aliança para oProgresso”, uma “revolução em liberdade”.

Com base no aprendizado de sua partici-pação nas operações psicológicas no exteriorem tempos de guerra e dos progressos do mar-keting industrial na prática realidade,os sociólo-gos das universidades americanas extrapolamos métodos desses profissionais da persuasão.Aquestão do desenvolvimento é definida comoum processo de difusão da “inovação”. A metadas estratégias de persuasão é de “fazer evoluir”as atitudes das populações em estado de “subde-senvolvimento”, ou seja, de fazê-las passar deuma cultura e de uma sociedade ditas tradicio-nais para uma cultura e uma sociedade ditas mo-dernas. O clichê da “ocidentalização” (westerni-zation) resume todas as qualidades próprias da“atitude moderna” e dos “gostos cosmopolitas”.

Os índices de modernização são calculadospelo cruzamento das taxas de alfabetização, in-dustrialização, urbanização e exposição às mí-dias; traçam-se curvas e definem-se tipologias demodernização que situam cada país do TerceiroMundo na escala conforme o aumento da rendaper capita. Durante aproximadamente 25 anos,esse gráfico determinará o rumo das relaçõesNorte/Sul. Ele reflete um espírito do tempo. Es-tando no âmago da cooperação para o desenvol-vimento das políticas governamentais,ela perpas-sa a filosofia das Nações Unidas.A UNESCO preo-

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cupa-se assim em traduzir em diversos idiomasos textos fundamentais dessa sociologia instru-mental, enquanto seus funcionários estabelecemcatálogos de “padrões mínimos”:para livrar-se dosubdesenvolvimento, para “dar a arrancada”, umpaís deve dispor de dez exemplares de jornal,cinco aparelhos de rádio,dois televisores,dois as-sentos de cinema para cada 100 habitantes. Por-tadores de “atitudes modernas”, os veículos decomunicação são vistos como agentes inovado-res. Mensageiros da “revolução das esperançascrescentes”,eles propagam os modelos de consu-mo e aspirações simbolizadas pelas sociedadesque já atingiram uma etapa superior de evolução.Esta crença cega num progresso exponencial ena capacidade modernizadora das mídias nãopassa de simples atualização das velhas concep-ções etnocêntricas das teorias difusionistas do sé-culo XIX. O “primitivo” agora é “subdesenvolvi-do”, e sua única opção é imitar os modelos dosmais adiantados. Esta concepção impregna a uti-lização das mídias audiovisuais posta ao serviçoda “racionalização” das atitudes dos camponeses(técnicas de cultivo e adubação) e das mulheresdas camadas populares em matéria controle danatalidade.Assumida pelas autoridades locais, elacria experiências de utilização dos satélites parafins educativos em países muito grandes como aÍndia e o Brasil. O cúmulo é o caso do regime di-tatorial deste último país que,recusando-se a ado-tar campanhas de alfabetização e de mobilizaçãomaciça do regime por ele derrubado, apela nosanos 70 aos especialistas da engenharia de educa-

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ção de Stanford para um experimento efêmerona região mais pobre do Nordeste e, inversamen-te, priva da cátedra ou força ao exílio seus pró-prios sociólogos, pedagogos e antropólogos.

2. Insurgir-se. - Em abril de 1955, a Confe-rência Afro-Asiática de Bandung (Indonésia)inaugura o Movimento dos Países Não-Alinha-dos.Três anos antes, o demógrafo Alfred Sauvy eo antropólogo Georges Balandier deram o apela-tivo de Terceiro Mundo a este terceiro estado in-ternacional.A rádio torna-se um instrumento deluta nas mãos dos movimentos de libertação. Amais conhecida, La Voix des Arabes (A Voz Ára-be), é inaugurada em 1953 pelo regime instaura-do pelo coronel Nasser no Egito.Transmitindo apartir do Cairo, ela torna-se porta-voz da revolu-ção pan-árabe. Em 1956, La Voix de l’AlgérieCombattante (A Voz da Algéria Lutadora) irriga asociedade algeriana a partir de Túnis.As autorida-des francesas respondem provocando interfe-rências nessas emissões e proibindo a venda deaparelhos receptores e pilhas. Dois anos maistarde é a vez da Radio Rebelde dos guerrilheiroscastristas que, por iniciativa pessoal de ErnestoChe Guevara, irradia sua primeira mensagem dosterritórios libertados da Sierra Maestra.

O conflito algeriano é uma verdadeira aulasobre os meios de comunicação. Os especialis-tas franceses em contra-revolução descobrem onovo papel dos meios de comunicação na legi-timação dos objetivos de um movimento de ins-surreição ante a opinião pública internacional.

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Particularmente comprometidos pelo compor-tamento de certos meios de comunicação dametrópole e da imprensa internacional duranteo conflito algeriano, eles os acusam de teremfeito o jogo do inimigo.

Mais tarde, ao final de outra guerra contra-revolucionária, a guerra do Vietnã, numerososconselheiros do Pentágono defendem as mesmasidéias.Apesar dos grandes investimentos em ope-rações psicológicas,declaradas ou clandestinas, ede outras campanhas de “pacificação”, as estraté-gias de propaganda não conseguiram contrapor-se eficazmente aos movimentos de opinião públi-ca.Esta é ao menos a constatação,no mesmo ano(1975) da queda de Saigon, do geopolítico Sa-muel P. Huntington, que discute principalmenteo novo poder nacional que são as networks, asnews magazines, o Washington Post e o NewYork Times. Generalizando os ensinamentos des-se período de guerra, Huntington incrimina a li-berdade de tom das mídias e a transforma numadas causas da crise e da ingovernabilidade das de-mocracias ocidentais. Estes termos aparecem in-clusive no título da reportagem que ele mesmoredige,com a colaboração do francês Michel Cro-zier e o japonês Joji Watanuki, para a ComissãoTrilateral, este “grupo de cidadãos particulares”,fundada em julho de 1973 por iniciativa de DavidRockefeller, presidente do Chase ManhattanBank, e composta por mais de duzentas persona-lidades das três regiões (América do Norte, Euro-pa Ocidental e Japão), que assumiu a missão deencontrar soluções para sair dessa crise.

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A Transnacionalização e a razãogeoeconômica

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A representação geopolítica do mundo, fo-mentada pela guerra fria, serviu para encobrir aslógicas geoeconômicas. Sua força de estrutura-ção do espaço mundial somente começa a evi-denciar-se no decorrer da década de 70. Contes-tando a ordem internacional da economia e dacomunicação, o novo sujeito histórico “TerceiroMundo” traz a público os múltiplos prolonga-mentos do desequilíbrio comercial. Por seulado, os Estados Nacionais europeus esboçamuma reação contra a ameaça de desestabilizaçãode suas políticas culturais e tecnológicas pelassociedades multinacionais.

Rumo ao fim do monopólio dos Estados nacionais

Dois tipos de processo aceleram o empre-go das redes de interações e de transações nãoestatais como agentes da integração mundial.De um lado, a elaboração das políticas indus-triais no quadro da integração regional, essen-cialmente, na Comunidade Européia; de outrolado, as resistências das grandes companhias es-trangeiras aos países do Terceiro Mundo queiniciam um processo de nacionalização dos se-

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tores estratégicos de suas economias. Um pro-cesso extremado denuncia sua lógica: a estraté-gia de embargo econômico e ideológico ao re-gime socialista do presidente chileno SalvadorAllende entre 1970 e 1973, por parte de umaaliança objetiva entre as forças de oposição in-terna, as forças armadas, as sociedades multina-cionais (entre as quais a International Telegraph& Telephone) e os órgãos de informação do go-verno dos Estados Unidos.Nos meses que se se-guem ao golpe de estado militar, esse complôtorna-se público e notório devido às confissõesde seus protagonistas durante as Hearings ouaudiências organizadas ante as comissões adhoc do Senado americano.

Progressivamente,o esquema de análise domovimento de integração mundial atinge as per-sonangens e as interações não estatais, transna-cionais ou transgovernamentais.As redes de co-municação se encontram na vanguarda desta re-formulação. Falta, todavia, dar nome a essas per-sonagens. A presença da maioria das empresasde manufatura no exterior, estando ligada ao de-senvolvimento de seus fluxos de exportação, osconceitos de “empresa internacional”e de “inter-nacionalização” pareceram por muito tempo ca-pazes de designar a expansão destas firmas forade seu país de origem. Nos anos 60, tais noçõesjá se mostram inadequadas para abordar as per-sonagens que alimentam os fluxos de investi-mento e implantação no exterior. Surge, então, oconceito de “empresa multinacional”.

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A conscientização do papel que estas em-presas desempenham na economia e na políti-ca internacionais mudam as cartas. Encarrega-dos de estudar o modo de regulação das ativi-dades das empresas estrangeiras, os peritos dasNações Unidas propõem a substituição do ter-mo “multinacional” por “transnacional”. A idéiade “multinacionais” daria a impressão que estasempresas eram ao mesmo tempo a soma de vá-rias nacionalidades e cada nacionalidade emparticular.Em resumo,que elas estavam profun-damente ancoradas no território anfitrião. Aopreferir o termo “empresas transnacionais”,eles pretendem provocar uma apreciação polí-tica diferente. O novo prefixo coloca em relevoa não-coincidência territorial e a gestão centra-lizada destas empresas. Buscando flexibilidade,razão do bom desempenho, a empresa transna-cional aproveita-se das vantagens proporciona-das pelas condições favoráveis - naturais, finan-ceiras, políticas e jurídicas - prevalentes emcada uma das nações hospedeiras ou, ao contrá-rio, procura driblar as que são vistas como des-favoráveis a seus interesses. A palavra “multina-cional” neutralizaria o caráter polêmico da ex-pansão dessas novas unidades do capital supra-nacional transformando a economia mundialnum mosaico de economias locais. O termo“transnacional” que implica a existência de ummovimento de conjunto rumo à integraçãomundial pretende significar que existe umafonte virtual de conflitos entre os interesses

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das macro-empresas e os territórios onde asmesmas se instalam.Conscientes desses proble-mas, as Nações Unidas instauram em 1974 umaComissão sobre as Sociedades Transnacionais,ligada ao Conselho Econômico e Social, e umCentro de Estudos sobre o mesmo tema, sob adireção imediata do secretariado. Sua missão éclara. Em termos administrativos, trata-se de “fa-cilitar a conclusão de acordos internacionaiseficazes relativos às atividades das sociedadestransnacionais objetivando facilitar sua contri-buição aos objetivos nacionais de desenvolvi-mento e ao crescimento econômico mundial,controlando e eliminando ao mesmo temposeus efeitos nocivos”. O Centro começa a rece-ber solicitações de exames técnicos tanto so-bre as estratégias das sociedades farmacêuticase agroalimentares como sobre as redes publici-tárias ou os fluxos internacionais de dados.

Pragmáticos e guardando uma certa dis-tância da polêmica conceitual, os manuais demarketing internacional classificam as empresascom operações no exterior a partir de três per-fis comportamentais conforme sua entrada nomercado. A empresa é etnocêntrica (ou mono-cêntrica) quando as filiais estrangeiras estão es-treitamente ligadas à identidade nacional dasede central. A empresa “geocêntrica” é aquelacujas filiais estão “fortemente envolvidas na pes-quisa de uma estratégia ‘optimal’ numa perspec-tiva cosmopolita”. A empresa “policêntrica” tempoucas filiais no exterior, bem integradas mas

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com administração descentralizada. Essa no-menclatura encobre evidentemente modalida-des de transnacionalização múltiplas que evoluí-ram no tempo e em função dos setores de ativi-dade das mesmas empresas.

As empresas transnacionais da comunica-ção estão entre as primeiras a conscientizar-seda relação conflituosa entre o local, o nacional eo transnacional.Atuando no campo ultra-sensíveldas identidades particulares,ora se esquivam,oraadaptam-se às mesmas,aprendendo rapidamentea tornar-se dóceis adeptas do darwinismo.

As Relações de força e as mediações nacionais

1. A Expansão das redes publicitárias. -Se, após a guerra, o Plano Marshall é a alavancaque recoloca uma Europa devastada nas vias docrescimento, ele é também o cavalo de Tróia da“americanização da sociedade”. Ele abre o ca-minho à modernização do parque industrial dospaíses envolvidos e serve de pano de fundo àreestruturação social. Como explica Luc Bol-tanski em seu livro sobre equipes de trabalho, épor essa brecha que se engolem sistemas de va-lores, tecnologias sociais e modelos de excelên-cia que resistiram ao tempo nos Estados Unidos.A human engineering e o gerenciamentoacompanham a formação de um tipo de gestão.

A modernização do parque publicitário naEuropa do pós-guerra fez parte dessas muta-

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ções estruturais. Suas fases sucessivas ilustramas reviravoltas do processo de transnacionaliza-ção do marketing. A publicidade que a princí-pio era vista como uma “técnica de moderniza-ção dos métodos de venda”tornou-se,no correrdo tempo, o indicador da comercialização doconjunto dos modos de comunicação e, comotal, uma figura, agora indispensável, da esferapública. Local privilegiado da produção do“acontecimento técnico”,ou seja,daquilo que écriado a partir de recursos visuais ou sonoros,provocando uma alteração brusca que rompe acontinuidade de uma informação e reestimula aatenção das audiências, ela é o laboratório devanguarda da cultura de massa.

Se excluirmos as redes inauguradas naépoca da Grande Depressão, a primeira grandeonda de internacionalização das agências na Eu-ropa começa na década de 50, para atingir seuápice na década seguinte, chamada do “desafioamericano”. Fase imperial onde os protagonis-tas principais provêm dos Estados Unidos e se-guem os fluxos de investimentos diretos desuas empresas industriais. Sua chegada massa-crante dizima as agências locais na maioria dospaíses onde as filiais se instalam. Apesar do re-forço da presença americana, a França é o únicopaís europeu a conservar uma parte majoritáriade seu mercado interno graças às suas duas figu-ras históricas de proa (Havas e Publicis).As fi-liais das agências dos Estados Unidos trabalhamassim,sobretudo,para os clientes de sua própria

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nacionalidade.Em vários países,e principalmen-te na França, elas estão excluídas dos orçamen-tos publicitários das grandes empresas e insti-tuições públicas. Somente existe uma fraca inte-ração entre as diversas filiais nacionais. No res-tante do mundo, elas constituem-se em centrosde aprendizagem de um know-how exclusivo.Consciente desta onipresença, o porta-voz dasagências americanas, Advertising Age, concede-lhes o honroso título de “diplomatas oficiososda nação”. Pois elas “representam o estilo devida do país de maneira muito mais intensa erealista que o Departamento de Estado ou as re-presentações diplomáticas”.

A segunda geração das redes internacio-nais aparece nos anos 70. Nesta década em quese consolidam os mercados nacionais da publi-cidade, as agências locais, onde elas ainda sub-sistem, criam dificuldades às redes americanasna disputa dos mesmos clientes e dão início auma tímida internacionalização. O crescimentodos mercados internos estabelece novas rela-ções de força entre os profissionais locais e asagências americanas.Além do mais, em todas aslatitudes, governos começam a baixar uma sériede medidas de contenção das agências estran-geiras em nome da proteção do mercado deemprego, da preservação da língua e cultura na-cionais, e mesmo da moral. Frente ao que elasinterpretam como novas formas de nacionalis-mo, as agências americanas propõem modalida-des de associação com participação minoritária

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e recrutam talentos locais.Ainda por cima, elaspassam a reconhecer a existência de “diferençasculturais” e tentam levá-las em consideração. Acoordenação entre filiais nacionais para admi-nistrar o orçamento de uma firma transnacionalno plano regional ou mundial é ainda uma exce-ção que confirma a regra da justaposição dasagências. É somente como as “redes globais”dosanos 80 que se dá início a um plano de conjun-to. Esta terceira geração merece de fato o nomede rede e personagem geoestratégico.

2. Uma Estratégia de resistência institu-cional: o cinema francês. - Como retribuiçãopela ajuda econômica proporcionada pelo pla-no Marshall, o negociador solicita ao governofrancês que diminua as restrições impostas à im-portação de filmes americanos em vigor desdeos anos 20. Em maio de 1946, é assinado emWashington o acordo Blum-Byrnes, nome do re-presentante francês, Léon Blum, e do secretáriode Estado americano, James Byrnes. O acordorevoga as medidas do decreto Herriot.À cota deexportação ele estabelece uma cota “écran”(tela), ficando esta última reservada por quatrosemanas, a cada trimestre,para a exibição exclu-siva de filmes franceses. Uma medida de francoretrocesso se comparada à anterior, pois suaaplicação dá, na realidade, um tempo de ocupa-ção das telas equivalente a 31% , ao passo queantes de guerra chegava a 50%. Em outras pala-vras, a nova cota não esgota todo o potencial da

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produção cinematográfica francesa. Em 1946, aFrança conseguiu produzir 96 filmes;no ano se-guinte,74.A crise que se abate sobre os diversosramos do setor joga atores, diretores e produto-res, defendidos pela imprensa, no olho da rua eobriga a Assembléia Nacional a rever os acor-dos.As negociações com Washington terminamnum acordo modificado, assinado em setembrode 1948.Coloca-se na pauta de discussões o sis-tema de cotas de importações que ele comple-menta com o do tempo “tela”. Dos 186 filmesautorizados anualmente a entrar no país, 121poderão ser de procedência americana. O tem-po “tela”altera-se de quatro para cinco semanas,o que resulta num aumento de 31% para 38% .Aimportação de filmes que não sejam dos EUA sevê submetida a restrições leoninas. Apenas 65são permitidos. O que provoca vivos protestosdos produtores britânicos. Em 1948, as medidasde proteção são acompanhadas de uma verda-deira estratégia de encorajamento para a produ-ção de filmes. No centro do novo apoio: o Cen-tro Nacional da Cinematografia (CNC) que tementre suas finalidades garantir o reinvestimentona produção nacional de uma parte das receitasobtidas na França pelos filmes estrangeiros.

O resultado dessa estratégia de proteção ede produção do cinema nacional transformará aFrança num dos raros países da Europa e domundo a conseguir preservar em suas telas umcerto pluralismo. Ao escolher o caminho opos-to, a Grã-Bretanha viu seu cinema nacional pra-

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ticamente desaparecer. Se ela conseguiu preser-var uma indústria do cinema é porque, há mui-to tempo, seus maiores clientes eram os produ-tores de filmes publicitários. Os cineastas britâ-nicos, como Adrian Lyne, Tony Scott, Allan Par-ker, Ridley Scott tiveram como única saída mu-dar-se para a Califórnia para rodar seus filmes,após terem sido iniciados no cinema rodandospots em seu próprio país. A Itália que haviaconseguido, através de uma política oficial deincentivo à produção, preservar seu cinema na-cional, assistirá impotente nos anos 80 a seu de-clínio sob as pressões da desregulamentação eda privatização de seu audiovisual.

3. A Flexibilidade das revistas. - A guerrahavia lançado Time e Newsweek na órbita inter-nacional.Em 1946,a primeira lançava 14 ediçõese a segunda, 5. Invariavelmente em língua ingle-sa. O Readers’ Digest foi uma exceção e decidiupublicar edições em outras línguas nacionais. Àsedições latino-americanas acrescentaram-se asedições para a França,Espanha e Portugal,para aSuécia e Finlândia. Esta publicação foi por muitotempo o modelo de produto editorial transfron-teiriço. A Reader’s adapta rapidamente seus con-teúdos à diversidade de estilos nacionais: umaprudente dosagem entre os artigos preparadospor um centro mundial de coordenação estabe-lecido perto de Nova Iorque, adaptações aos “in-teresses e culturas locais”, e material produzidoregional ou localmente. Quarenta anos depois

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do lançamento da primeira edição estrangeira,circulavam no mercado mais de trinta milhõesde exemplares em cerca de vinte idiomas. Poraproximadamente um quarto de século Time,Newsweek e Reader’s Digest são as únicas publi-cações a cruzar fronteiras.

As revistas, estando entre as mais famosasScientific American,Cosmopolitan,Family Cir-cle, Playboy, Glamour, Good Housekeeping, seinternacionalizam a partir dos anos 60, seguin-do o sistema de franquias.A sociedade proprie-tária do título cede a um editor nacional o direi-to de utilização do mesmo sob condições preci-sas, em troca do pagamento de royalties. Graçasa esta fórmula resultante de uma reflexão estra-tégica sobre a tensão virtual entre o “nacional”eo “transnacional”, o franqueado filia-se a umarede, um know-how comum, uma linha comumde artigos, os mesmos anunciantes, e ocasional-mente sessões de “tempestades cerebrais” comas equipes editoriais de outras versões locais.Tratando-se de um processo flexível, cada publi-cação exibe modalidades específicas de associa-ção com a sede central, que tem direito absolu-to sobre o destino do título, e não hesita em pôros pingos nos is. Um mesmo título não se inter-nacionaliza uniformemente em todos os luga-res. Existem aqueles que vão na dianteira e osque ficam na retaguarda. Às vezes, certos paísesdo Terceiro Mundo recebem publicações antesdos grandes países industrizalizados (existe umamargem de oito anos entre as primeiras edições

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latino-americanas de Cosmopolitan, lançadasem 1966, e a edição francesa).Algumas revistasnem chegam a ser publicadas em determinadospaíses. Enfim, o alvo das versões locais de matri-zes internacionais é majoritariamente a “classemédia”, ou seja, a classe média alta.

Nos anos 70, diversas publicações originá-rias dos EUA começam a deparar-se com a con-corrência direta das similares fabricadas local-mente em vista da ampliação dos parques edito-riais nacionais. Os grupos franceses e alemãescomeçam a cavar um nicho no mercado mun-dial no final da década. Elle multiplica as edi-ções estrangeiras e tem a ousadia de conquistaro mercado americano. Invariavelmente, o públi-co alvo é a “jovem urbana ocidental”.A impren-sa financeira também fisga sua parte de merca-do transnacional. Em 1976, Wall Street Journallança em Hong Kong uma edição asiática. Em1979, Financial Times publica uma edição eu-ropéia.E seu concorrente americano irá imitá-loquatro anos mais tarde.

O Despertar da consciência planetária

1.Por uma nova ordem mundial da infor-mação e da comunicação. - Os anos 70 marcamuma virada histórica da aproximação simultâneaentre os mecanismos industriais que governam aprodução da informação e da cultura de massa, ea dos desequilíbrios internacionais dos fluxos edos intercâmbios. É a idade de ouro da crítica.

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Um primeiro foco surge a partir do Movi-mento dos Países Não Alinhados.A quarta confe-rência desse grupo de países, em 1973, em Al-ger, lança os primeiros fundamentos da reivindi-cação por uma “nova ordem mundial da infor-mação e da comunicação”. O palco das princi-pais discussões será a UNESCO, organismo ofi-cial da comunidade das nações para a cultura,comunicação, educação e ciência. Esses debatessão equivalentes aos que ocorrem, na Assem-bléia Geral das Nações Unidas, a partir de 1974pelo “Grupo dos 77” (equivalente dos não-ali-nhados economicamente) para obter a revisãodo sistema internacional de comércio e lançaras bases de uma “Nova Ordem Econômica” (re-forma das instituições financeiras, transferênciareal de recursos para financiar o desenvolvi-mento, acesso aos mercados do Norte, transfe-rência de tecnologias).A idéia básica subjacenteà iniciativa no campo das comunicações é deque existe um “imperialismo cultural” e a situa-ção de “dependência cultural” que ele ocasionanão é fruto de manipulação ou complô, mas umfato estrutural. Os efeitos de dominação estãona raiz do princípio do desequilíbrio dos inter-câmbios entre o centro e a periferia.

Em 1969, a UNESCO, então presidida pelofrancês Jean Maheu, havia convocado, a pedidodos países membros, uma reunião de peritos emMontreal.Na pauta de discussões: fazer um levan-tamento completo de todo o conhecimento dis-ponível sobre a matéria e sugerir linhas de pes-

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quisa. No centro dessa reunião: um debate sobrea “comunicação de mão única” que estaria carac-terizando as relações entre os países em via dedesenvolvimento e os outros, e que por sua uni-lateralidade arriscava-se “causar problemas para amútua compreensão entre as nações”. Em 1972,por iniciativa da delegação soviética, a UNESCOprimeiramente, e depois a Assembléia Geral dasNações Unidas, empenharam-se em propor umaconvenção com o objetivo de normatizar astransmissões de satélites de difusão direta (quenão precisam de retransmissão terrestre). Porocasião da votação sobre os princípios, os Esta-dos Unidos foram os únicos a dar voto contrário.

O debate sobre a Nova Ordem Mundialabre-se com a crítica à “cobertura freqüentemen-te tendenciosa, inexata, não objetiva e não adap-tada feita pelas quatro grandes agências de im-prensa dos países desenvolvidos que monopoli-zam o mercado mundial de notícias”.As agênciasamericanas, cuja parcialidade fica claramentecomprovada por suas atitudes frente ao regimedo presidente do Chile, Salvador Allende, são asmais especificamente visadas. Com o tempo, odebate amplia-se num leque de reclamações so-bre questões tão amplas quanto a designaçãodos canais de freqüências e a construção de in-fra-estruturas nacionais de comunicação. Em1977,um relatório é solicitado pelo novo diretorda UNESCO,o senegalês Amadou Mahtar M’Bow,a uma Comissão Internacional de Estudos dosProblemas da Comunicação,presidida pelo irlan-

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dês Sean MacBride, Prêmio Nobel e Prêmio Lê-nin da Paz. O relatório definitivo é publicado em1980. Este é o primeiro documento oficial publi-cado em nome de um organismo representativoda comunidade internacional onde fica posta“preto no branco” a questão do desequilíbriodos fluxos dos despachos das agências, progra-mas de televisão, filmes e outros produtos cultu-rais, bem como equipamentos.

O relatório MacBride torna-se objeto deamplo debate na Conferência Geral da UNESCOem Belgrado, no final de 1980. Vários fatoresconduzem ao impasse. Intransigentes ao extre-mo, os Estados Unidos da era Reagan procuraimpor a qualquer custo sua doutrina do FreeFlow of Information. Quanto aos países do blo-co comunista, eles procuram tornar as coisasmais difíceis ao apoiar a reivindicação legítimade emancipação cultural do Sul para confirmarmais uma vez sua oposição a qualquer aberturade seus próprios sistemas de comunicação demassa. Para as autoridades do Leste, o momentoé particularmente crucial.Ao fantasma do satéli-te de recepção direta, acrescenta-se a realidadepalpável de um sistema de controle social que,apesar de todas as medidas de interferência nosprogramas de rádio, os veículos de comunica-ção transfronteiriços tornam cada vez mais per-meável. Retransmitidas pelos movimentos dedissidentes internos, as rádios e as televisõesocidentais, e logo os videocassetes vão minandoininterruptamente o terreno expondo à luz do

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dia modos de vida em contradição com a econo-mia de miséria e os slogans empregados na pro-paganda do Estado-partido. Enfim, existe nãoapenas a extrema heterogeneidade tecnológicados países não alinhados,mas também suas con-tradições políticas internas. Determinados regi-mes utilizam essa tribuna internacional paraapontar os bodes expiatórios exógenos e assimreabilitar-se de suas próprias transigências e de-feitos em matéria de liberdade de expressão deseus jornalistas e criadores.Apesar dessas nume-rosas limitações, os debates transformam-se noprimeiro grito de alerta sobre a desigualdade detransferência de imagens e informações. Paraalém de sua retórica, por vezes violenta, eles ex-primem uma contestação ao modelo de desen-volvimento, e portanto de um tipo de relaçãoNorte-Sul,materializado pelas estratégias de mo-dernização desde os anos 50. Críticos dos es-quemas verticais de comunicação estabelecidospelo difusionismo,eles colocam a questão da re-lação entre democracia e desenvolvimento, co-municação e participação dos interessados emseu próprio desenvolvimento. Eles são uma oca-sião de trazer à tona a memória enterrada de fi-losofias e pensadores do Terceiro Mundo que ra-ciocinam de modo totalmente contrário à visãoprodutivista e racionalista do desenvolvimento.Objetivamente a filosofia da Nova Ordem Mun-dial inspirou a criação de agências de notíciasnacionais ou pools de agências regionais bemcomo políticas setoriais, como as que foram ci-

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tadas anteriormente, visando a regulamentaçãodas agências de publicidade estrangeiras oumesmo as que estabelecem reservas de merca-do e políticas de cotas para proteger a produçãocinematográfica nacional.

Em 1985, sob pretexto de riscos de uma“politização”dos problemas de comunicação,osEstados Unidos batem às portas da UNESCO, se-guidos por Singapura e a Inglaterra de MargaretThatcher. Washington ameaça, sob o mesmopretexto, de fazer o mesmo à União Internacio-nal das Telecomunicações que,desde 1979,esta-va encarregada de organizar a Conferência Ad-ministrativa Mundial do Rádio (CAMR). Pela pri-meira vez, 142 delegações foram convidadas amudar, para grande surpresa da delegação ame-ricana, a regra do “direito de prioridade de em-prego”em matéria de divisão das freqüências decanais, imposta no começo do século pela mãode ferro das grandes potências marítimas.

As discussões sobre a Nova Ordem Mun-dial tiveram indubitavelmente uma função dedespertar estratégico. Para as redes de defesados interesses corporativistas, como a Interna-tional Advertising Association (IAA) ou a Socie-dade Interamericana dos Proprietários de Im-prensa (SIP) que são lobistas particularmenteativos, é o ponto de partida de uma reorganiza-ção institucional para enfrentar um “desafio”que para eles é “global” e está longe de ser con-juntural. O mesmo ocorre quanto às organiza-ções não governamentais que,desejando ir além

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das petições de princípio dos Estados, tomaminiciativas paralelas às oficiais. É principalmenteo caso das ONGs que, entre 1974 e 1976, or-questram com sucesso um boicote internacio-nal à Nestlé por causa de campanhas publicitá-rias e promocionais barulhentas em favor doconsumo de produtos em substituição ao leitematerno no Terceiro Mundo.

2.A Europa: o avesso das políticas cultu-rais. - Uma segunda fonte onde se formula umadoutrina sobre as conseqüências da internacio-nalização dos produtos culturais se encontra naEuropa, e nela a França desempenha um papelde primeiro plano.

No final de 1978, os ministros europeusdas pastas da Cultura falam explicitamente das“indústrias culturais, multinacionais por nature-za”e reconhecem que os instrumentos jurídicosde regulamentação empregados pelo Estado na-cional são insuficientes para contê-las. Pouco an-tes, a noção de “indústrias culturais” fora adotadapor obra dos peritos franceses do Ministério daCultura nos textos do Conselho da Europa. Sub-jacente a esta noção:um balanço sobre o comba-te desigual entre os objetivos da política públicade democratização dos bens culturais e a ascen-são irreprimível de uma outra forma de demo-cratização pelo mercado através de produtos decultura de massa; um balanço também sobre osriscos que a ruptura das fronteiras do Estado na-cional representam para a identidade nacional.

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Entre o grito de alerta do Sul e as advertên-cias dos grandes responsáveis pela cultura na Eu-ropa não existe nenhuma continuidade nos anos70. Será preciso esperar o clima de abertura dosprimeiros tempos da presidência socialista naFrança para que um governo europeu advogueabertamente uma política capaz de “garantir aospaíses do Sul os meios de dominar seus veículosde comunicação e as mensagens por eles veicu-ladas” (discurso do presidente François Mitter-rand no Grupo dos 7,Versailles, junho de 1982)e propor uma “verdadeira cruzada contra a domi-nação do imperialismo financeiro e intelectual”(discurso do Ministro da Cultura, Jack Lang, du-rante a Conferência Mundial da UNESCO sobrepolíticas culturais, México, julho de 1982). Emoutubro de 1981, na Conferência Norte/Sul emCancun (México), o presidente francês afirmouque “o livre mercado não permite nenhum cres-cimento a não ser o das empresas multinacionaisque criam no Terceiro Mundo fluxos de riquezaem meio a um oceano de miséria”.

No final da década de 70, porém, uma coi-sa já é clara: as soluções oferecidas pelas institui-ções internacionais aos novos problemas estãomuito aquém das expectativas de ambos os la-dos. Poucos projetos de recomendação são real-mente aplicados.É principalmente o caso do có-digo de boa conduta das empresas transnacio-nais elaborado pela ONU.A crescente legitimida-de das políticas neoliberais, avessas a qualquer

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idéia de controle e regulamentação das ativida-des das firmas transnacionais pelos poderes pú-blicos, sela definitivamente sua sorte na décadade 80. A Comissão e o Centro encarregados dedefinir o regulamento são dissolvidos. Quandochega o momento de se debater a adoção de umcódigo pelas delegações governamentais, comofoi o caso do código de regulamentação das cam-panhas de marketing para a venda de produtosem substituição ao leite materno, proposto pelaOrganização Mundial da Saúde e votado unani-memente com exceção dos EUA,surge a questãoda ausência de força jurídica obrigatória. Semcontar que as sociedades transnacionais reagi-ram mais que rapidamente ao promulgar seuspróprios códigos de auto-regulamentação.

3. O Desafio telemático. - Os países do Ter-ceiro Mundo que podem e querem, criam osmeios para uma política autêntica em matéria detransferência de tecnologias. É principalmente ocaso do Brasil e da Índia que iniciam deliberada-mente um processo de corte das importações afavor de uma indústria nacional de informática eaeroespacial, e também de armamentos. Limitan-do as condições de acesso de seu próprio mer-cado aos grandes fabricantes estrangeiros, elesfazem alianças com empresas que aceitam nego-ciar a transferência de seu know-how em vistade um encaminhamento progressivo rumo à in-dependência tecnológica da nação.

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A questão da soberania nacional em rela-ção às novas tecnologias da informação e da co-municação é estudada também pelas autorida-des dos grandes países industrializados. Para sepreparar para enfrentar os desafios, os governosdo Japão,Austrália e Canadá solicitam que seusperitos procedam a um exame da situação. NaFrança,o relatório oficial sobre a “informatizaçãoda sociedade” entregue em 1978 ao presidenteGiscard d’Estaing por Simon Nora e Alain Minc -e destinado a alcançar repercussão internacional- defende abertamente uma política de indepen-dência nacional através da reapropriação das re-des de telemática,neologismo que eles inventampara denominar a convergência técnica. Uma in-dependência todavia já ameaçada, segundo eles,pela monopolização da informação pelos ban-cos de dados de uma única potência.“O saber,advertem eles, terminará sendo modelado,comosempre aconteceu, sobre os estoques de infor-mações. Deixar a outros, ou seja, aos bancos dedados americanos,a tarefa de organizar essa “me-mória coletiva”, tornando-se simples cliente seu,equivale a aceitar a alienação cultural; a forma-ção de bancos de dados constitui, portanto, umimperativo da soberania nacional.”Uma vez feitaesta advertência, os autores se reconciliam coma visão redentora das redes, garantidoras de umademocracia de base.“O palavreado informatiza-do e seus respectivos códigos,escrevem eles,de-vem recriar uma ágora informacional, tão amplaquanto a nação moderna.”

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A França instaura uma Comissão sobre osfluxos transfronteiriços de dados que prevê:“Aprincipal tarefa continua sendo a planificaçãoterritorial em escala mundial e, especialmente alocalização das atividades terciárias avançadas: océrebro do planeta.” Enfim, um relatório enco-mendado a Jacques Rigaud, então alto funcioná-rio do Estado e futuro responsável da RTL1,sobreas “relações culturais exteriores” atesta as defi-ciências das estratégias privadas e públicas dasindústrias culturais francesas no mercado inter-nacional, e discute uma concepção histórica dacultura e do serviço público.

4. Rumo a uma “sociedade global”? - Aavaliação das restrições transnacionais pelosperitos franceses não é necessariamente aceitapor todos. E, para muitos, ela deixa de lado oque é mais importante. Pois as novas tecnolo-gias vêm alterar o modo de ver o planeta. Em1968, o canadense Marshall McLuhan e seu co-lega Quentin Fiore, baseando suas análises naprimeira guerra transmitida ao vivo pela TV, aGuerra do Vietnã, já apostaram na imagem ele-trônica. Graças ao poder que a televisão possuide mobilizar o sentido das audiências, o adven-to da “aldeia global”, a comunidade que se reen-contra na telinha está a caminho, segundo eles,

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1. Nota do Tradutor: Radio-Tele-Luxemburgo, um dosprimeiros grupos de comunicação audiovisuais euro-peus.

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de reduzir a zero as ameaças de guerra, de aca-bar com a divisão entre militares e civis, e de“fazer progredir a grandes passos todos os ter-ritórios não industrializados, como a China, Ín-dia e África”. Na mesma época, o teórico da ad-ministração Peter Drucker, menos propenso aaceitar a utopia comunicativa, acredita ver nanova fase da integração econômica mundial aentrada definitiva na era do global shoppingcenter e da global factory, apontando comoexemplo as redes de produção da IBM.

Quanto ao americano de origem polonesaZbigniew Brzezinski, futuro animador da Co-missão Trilateral e futuro conselheiro do presi-dente Carter para assuntos de segurança nacio-nal, ele fala antes em “cidade global”. Pois o in-divíduo está arriscado a ver-se jogado num es-paço anônimo. Em seu livro sobre a “revoluçãotecnotrônica” editado em 1969, ele insiste so-bre a nova “interdependência” provocada pela“revolução das comunicações”. A “diplomaciada força”, acredita ele, cede lugar à “diplomaciadas redes”. O conceito de imperialismo torna-se assim insuficiente para explicar as relaçõesentre os Estados Unidos e as outras nações. Seas coisas são assim, é porque a superpotênciaamericana tornou-se, ao contrário da outra su-perpotência atolada em dificuldades e na penú-ria, a “primeira sociedade global da história”.Centro de propagação da revolução tecnotrôni-ca, ela é a sociedade que se comunica mais quequalquer outra, visto que 65% de toda a comu-

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nicação no mundo partem dela. Esta onipresen-ça a transforma naturalmente no protótipo deum “modelo global de modernidade”, indicadordos modos de comportamento e dos valores aserem adotados em todo o mundo. E no cadi-nho dessa globalidade que transcende às “cultu-ras firmemente enraizadas”, às “identidades na-cionais diferenciadas” e às “religiões tradicio-nais solidamente estabelecidas” que se vai for-mando uma “nova consciência planetária”.

O fato é que no final dos anos 70 o Estadonacional se encontra assediado pelos dois flan-cos. Questionado por ser muito grande para re-solver os pequenos problemas da existência, eletambém é acusado de ter-se tornado muito pe-queno para os grandes problemas. É nestes ter-mos que o sociólogo americano Daniel Bell, co-nhecido por seus trabalhos sobre a “sociedadepós-industrial”, se dirige aos participantes docolóquio “Informática e Sociedade”, organizadono outono de 1979, em Paris, na seqüência dorelatório Nora-Minc. Para escapar ao duplo im-passe, as redes de informação e comunicaçãotornam-se a panacéia.

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A Globalização: as redes daeconomia pós-nacional

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As lógicas transfronteiriças são diferen-tes dos fundamentos institucionais dos siste-mas de comunicação dos Estados nacionais.Orientando-as pelos critérios das redes plane-tárias, o processo de desregulamentação re-quer uma profunda alteração do modelo eco-nômico e social. Para delimitar esta fase de in-tegração mundial iniciada nos anos 80, surgiuum novo conceito: globalização.Tomado à lín-gua inglesa, exatamente como a palavra “inter-nacionalização” no final do século XIX, elepretende descrever o processo de unificaçãodo campo econômico e, por extensão, carac-teriza estado geral do planeta.

O Capitalismo mundial integrado

1.A Vanguarda geofinanceira. - A globali-zação dá seus primeiros passos na área do inter-câmbio financeiro. Os sistemas nacionais que-braram. Antes regulamentadas, compartimenta-das, as praças financeiras passam a integrar ummercado global totalmente fluido,graças à inter-conexão generalizada de tempo real. Esta esferafinanceira imprime seu dinamismo a uma eco-nomia dominada pelos movimentos especulati-

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vos dos capitais que evoluem num contexto desuperaquecimento permanente. Com os altos ebaixos da “bolha especulativa”, a função finan-ceira ficou autônoma frente à economia ditareal e passou a dominar a produção e o investi-mento industriais.A onda de choque provocadapelo menor erro propaga-se por todo o planeta,prefigurando as origens de crises provocadaspela ausência de mecanismos supranacionais decontrole.Primeiro setor da ciber-economia a terrealizado sua integração, a geofinança e seus es-paços abstratos e desterritorializados anunciama desarticulação geral da organização econômi-ca mundial em relação ao território sobre o qualassenta-se a soberania nacional.

Sistema logístico de transações globais, asredes de informação das bolsas e do sistema fi-nanceiro se multiplicaram e colocaram em nú-meros o mundo dos fluxos monetários. Em1983, o grupo Dow Jones lançou nos EstadosUnidos a The Wall Street Journal Television parao continente americano,e um ano depois,a AsiaBusiness News baseada em Singapura. Em 1995,o grupo americano implanta seus serviços na Eu-ropa. Sua rival, a agência Reuter, que igualmentecompreendeu a importância da TV ao comprar aVisnews, realizou sua ambição financeira de 150anos. Cotada na bolsa desde 1984, Reuters Hol-ding Plc. teria, dez anos mais tarde, 93% de seusnegócios na difusão de informações econômicas(mercados de câmbio, operações a prazo e mer-cados de ações).A agência de notícias tornou-se

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assim a principal fornecedora dos electronic tra-ders. Existe uma imagem mais adaptada do per-petuum mobile dos fluxos midiáticos em escalaplanetária do que sua coexistência numa mesmaempresa com os fluxos rápidos e constantes dodinheiro desmaterializado?

2.Uma Filosofia da empresa. - A globaliza-ção é, primeiramente, um modelo de administra-ção de empresas que, respondendo à crescentecomplexidade do ambiente da concorrência,procede da criação e da exploração de compe-tências em nível mundial, objetivando maximi-zar os lucros e consolidar suas fatias de mercado.A globalização é, de alguma maneira, a grade deleitura do mundo própria dos especialistas emadministração e marketing. A palavra de ordemque rege esta lógica empresarial é a integração.Esta palavra indica uma visão cibernética da or-ganização funcional das grandes unidades eco-nômicas. Em inglês, o termo “global” é sinônimode holistic.Diferentemente da palavra “mundiali-zação” e suas variações nas diversas línguas lati-nas que se limitam à dimensão geográfica doprocesso, ela remete explicitamente a uma filo-sofia holística, ou seja, à idéia de unidade totali-zante ou unidade sistemática.A empresa global éuma estrutura orgânica onde cada parte é pro-gramada para servir ao todo. Qualquer falha na“interoperabilidade” entre as partes ou na livretroca dos fluxos pode bloquear o sistema.A co-municação, portanto, deve ser uma constante.

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Integração dos espaços da criação, da pro-dução e da comercialização. A implicação totaldo empregado convertido em seu próprio pa-trão e marketer, e a elevação do consumidor àqualidade de “pró-somador”ou “co-produtor”sãoduas de suas ramificações mais importantes.Masexiste também e, sobretudo, a integração escalarque prenuncia um novo modo de relação com oespaço-mundo.As redes de informação e de pro-dução sobre as quais repousa a organização dacirculação interna e externa da empresa global atransformam numa “empresa-rede”. À distribui-ção hierárquica das tarefas e de poderes numaempresa sob o fordismo corresponde uma sedi-mentação dos espaços geográficos; o local, o na-cional, o internacional ficam representadoscomo patamares, incomunicáveis, compartimen-tados.Ao passo que a nova concepção relacionalda empresa e do mundo onde ela opera (en-quanto rede) supõe uma interação entre os trêsníveis. A estratégia da empresa-malha deve serao mesmo tempo global e local. É esta interfacepermanente que os teóricos japoneses da admi-nistração exprimem por meio do neologismoglocalize, contração de “global” e de “local”.

O objetivo da dupla interação,no plano in-terno como no externo, torna indispensável orecurso às técnicas da administração simbólica,podendo ser denominadas “cultura empresarial”ou “marketing”.

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3. Padronização/segmentação. - A menosque se concorde com a hipótese extremada fei-ta em 1983 pelo diretor da revista BusinessHarvard Review, Theodor Levitt, de uma “pa-dronização universal” e de seu corolário,“a ho-mogeneização das necessidades mundiais”, aglobalização dos mercados, dos sistemas produ-tivos e dos sistemas técnicos se conjuga com asegmentação. Estes são os dois termos de umarelação dialética. A massificação alterna-se coma desmassificação,e esta contribui também parafazer recuar os limites da primeira, derrubando-se resistências à “padronização universal”. Mes-mo as empresas classificadas como etnocêntri-cas aplicam esta fórmula: um marketing mun-dial com certa margem de manobra às filiais.

A análise unificada em nível estratégicocombina-se com as modalidades táticas de umaautonomia capaz de adaptar-se às reviravoltasde um território ou de um contexto particular.De um lado,a adaptabilidade das ferramentas deprodução às demandas particulares graças àstecnologias flexibilizadas permite a produçãode séries mais reduzidas de produtos, e portan-to, de sua diferenciação, e permite acompanharseu ciclo de vida cada vez mais curto. Por outrolado, os “freios culturais” da performance da fir-ma são levados em consideração pelas gerencia-doras que não dissociam globalização e condi-ções específicas do lugar. Os especialistas emcomunicação intercultural aplicada à adminis-tração introduziram em sua taxinomia a idéia de

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“mestiçagem”para indicar a necessidade de evi-tar um choque frontal de culturas no interior daempresa global. Enfim, o marketing e a publici-dade segmentam os mercados e os objetivos aomodular as intervenções segundo as diferentesescalas para melhor aproveitar as oportunida-des de penetração das redes, produtos e servi-ços.A otimização acrescida do investimento pu-blicitário acarreta um enfoque cada vez maispreciso das mensagens. Isso pode ser facilmen-te provado pelas aplicações das novas tecnolo-gias de manipulação de imagens pelo “virtual”.Graças a um programa de tratamento de ima-gens, é perfeitamente possível substituir os pla-cares publicitários colocados na arena esporti-va por outros, visíveis somente para os teles-pectadores de determinado país ou região. An-tes mesmo da promulgação de regras deontoló-gicas, a indústria publicitária surge como um la-boratório das novas técnicas.A segmentação domercado de consumo aumenta na medida doaperfeiçoamento dos bancos e das bases de da-dos e de outras técnicas informatizadas de ma-peamento socioeconômico dos públicos-alvos.

4.A Nova posição da função “comunica-ção”. - Na transição para o modelo de gerencia-mento global, a multiplicação de riscos transfor-mou a função “comunicação” em uma das ferra-mentas da gestão estratégica. A exigência degrande visibilidade transformou a personagemempresa em um protagonista político direta-

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mente implicado na administração da Cidade. Ogerenciamento simbólico dos diversos públicospela empresa se profissionalizou,e as profissõesda comunicação se diversificaram.A antiga fun-ção de “relações públicas” ampliou-se ao pontode tomar o novo nome de “negócios públicos”,termo que as grandes empresas do setor nos Es-tados Unidos já haviam adotado desde os anos70, período em que haviam sido submetidas aum ataque geral, para melhor marcar a entradada empresa no terreno político-estratégico.

Reestruturações, fusões, demissões emmassa, conflitos sociais, catástrofes ecológicas(vazamentos de produtos tóxicos nos rios, nau-frágio de navios cargueiros, acidentes em cen-trais nucleares, explosões com produtos quími-cos), ameaças de terrorismo, acidentes e inci-dentes de todos os tipos, constituem-se em fon-tes de tensão que exigem uma resposta imedia-ta da comunicação chamada de crise, que tentasugerir soluções ao propor técnicas preventivasde vigilância e de observação social, bem comoinstrumentos de diálogo e de negociação com opessoal, os acionistas, os clientes, o grande pú-blico, o poder legislativo e o governo.Todas es-tas situações-limites ou “altos riscos tecnológi-cos”, conforme a expressão técnica, forçaram aempresa a pensar o gerenciamento das crises.Acrise não é mais apenas aquele momento ultra-sensível em que a empresa deve identificar ur-gentemente a “célula em crise” e mobilizar-separa contrarrestar o evento disfuncional queperturba seu dinamismo intra ou extra muros.

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Agora, a crise é interiorizada e inspira um modocontínuo de organizar a empresa e seu disposi-tivo comunicacional em tempo “normal”.

O modelo gerencial de comunicação e deconstrução da corporate image impôs-se aoconjunto da sociedade como a única possibili-dade de comunicação. A comunicação assimconcebida é considerada como uma excelentetecnologia da gestão social.Um bom exemplo éa irradiação do modelo de comunicação geren-cial no sentido das instituições estatais, das co-letividades territoriais e das associações huma-nitárias, que têm redefinido sua relação com oscidadãos ou a sociedade civil, apelando para oknow-how e o imaginário do marketing.

5. A Inteligência econômica. - O quadromovediço e imprevisível da globalização dastrocas transformou o papel da informação eco-nômica e da pesquisa e do tratamento da infor-mação científica e tecnológica na definição daestratégia das empresas e dos atores públicos eparapúblicos. A missão da Competitive Intelli-gence é ajudar a identificar os movimentos daconcorrência externa. Simples indício da im-portância crescente das operações de coleta einterpretação sistemáticas de qualquer dadoque possa explicar os comportamentos daspersonagens privadas e públicas: a nova funçãodos organismos de informação governamen-tais, após a queda do muro de Berlim.Pois, se osmanuais de inteligência econômica a definemcomo o conjunto das ações coordenadas de pes-

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quisa, tratamento, distribuição e proteção da in-formação útil às personagens econômicas, e ob-tida legalmente, não é menos verdadeiro que asatividades clandestinas fornecem com freqüên-cia o precioso elemento que permite interpre-tar o estoque das “informações abertas” (coló-quios, conferências, publicações, bancos de da-dos). Isso pode ser demonstrado pelas tentativasde corrupção de altos funcionários por agentesda CIA, objetivando descobrir a estratégia fran-cesa em matéria de telecomunicações e do au-diovisual no momento do GATT (Acordo Geralde Tarifas e Comércio).

A nova versão do Código Penal francês,emvigor desde 1994, ilustra esta idéia de que, nocontexto da concorrência internacional exacer-bada, o “risco de agressão é atualmente mais detipo econômico do que militar”. Entre os “aten-tados aos interesses fundamentais da nação”passam-se a incluir “os elementos essenciais dopotencial científico e econômico”. Isso explicaas instruções de prudência dadas no ano seguin-te pelo Ministério do Ensino Superior e da Pes-quisa, num guia destinado a pesquisadores, inti-tulado Proteção da criação científica e técnicae vulnerabilidade da informação, com a finali-dade de se evitar uma “apropriação ilegal de in-formações estratégicas”.

6.A Legitimidade da perícia. - A importân-cia fundamental adquirida pela empresa alteraas relações de força entre a pesquisa com finali-

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dade operacional ou administrativa e aquela ca-paz de tomar a distância em relação a seu obje-to (sem por isso isolar-se numa torre de mar-fim). Neste caso também, na captação dos vivei-ros de cérebros, postos até então à margem dosvalores capitalistas, joga-se a sorte da integração.A mobilização das energias em torno da compe-titividade precipita os lugares tradicionais deprodução e difusão do saber, como a univerda-de, ao encontro das necessidades das persona-gens econômicas a fortiori nas realidades ondeos círculos intelectuais estruturaram-se histori-camente em torno da crítica das instituições so-ciais.As sinergias que, ainda ontem,pareciam ca-sar a água e o óleo se unem, procurando colo-car a geografia, a história, a etnologia, a psicaná-lise,a sociologia ou a lingüística a serviço do me-lhor desempenho das empresas.O problema sãomais os termos da troca do que a aproximaçãomais propriamente dita. O risco desta contratua-lização da pesquisa em ciências humanas é delegitimar o violento retorno das múltiplas for-mas de empirismo. Enquanto a classe dos quedetêm o poder de decisão, a World BusinessClass, pensa em termos de totalidade, os “inte-lectuais integrados”, conforme a expressão pos-ta em voga por Umberto Eco nos anos 60, queos opunha aos “intelectuais apocalípticos” oucríticos, estão concatenados a observações fun-cionais a pedido dos patrocinadores, porém ato-mizados e descontextualizados em relação aojogo da mutação do modelo econômico e social.

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Apoiando-se em vasta rede transnacional de en-sino (público e privado) das ciências da admi-nistração, em best sellers da reengenharia admi-nistrativa ou na sociedade da terceira onda, deworkshops, de lobismo e de organizações cor-porativas, a Global Business Community vai setransformando na nova elite mundial naturalizaconceitos que podem ser empregados por todospara designar o mundo “oficial”.

A Busca pelo mercado único de imagens

1. Grupos e redes de comunicação. - Acriação de um mercado único de imagens é umdos desafios da busca de uma cultura dita glo-bal. Mal anunciado o lançamento dos grandesblocos comerciais, os grupos de comunicação eas redes planetárias (como a CNN) ou regionais(pan-americanas, pan-árabes, pan-asiáticas oupan-européias) abriram a temporada de caçaaos “universais culturais”. Com a ajuda da inte-gração das operações de comunicação, a tercei-ra geração de redes publicitárias, as redes ditasglobais, lhe seguiram no encalço, em resposta àinterconexão dos mercados.Um dos axiomas dabusca do denominador comum mundial é a“convergência cultural dos consumidores”, pro-duto de investimentos destilados no correr dosanos pela cultura de massa no imaginário dosconsumidores pertencentes às culturas mais di-versas.“Suportes naturais da universalidade”, as

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indústrias culturais dos Estados Unidos apare-cem sempre na atitude pretensiosa de fixar osparâmetros da globalidade.

A construção destes grupos e redes globaisde comunicação exigiu uma radical desregula-mentação das estruturas comunicacionais nacio-nais, o que afetou igualmente os sistemas do âm-bito do serviço público e do setor do comércio.Se estes grupos e redes continuam essencial-mente no âmbito das grandes nações industriais,outras personagens têm surgido no mercado au-diovisual. Os dois exemplos clássicos são o gru-po brasileiro Globo (o nome lhe calha bem) e ogrupo mexicano Televisa, cujos seriados e tele-novelas são exibidos muito além de seus paísesde origem. Um pouco em todos os lugares domundo,além disso, surgiram mercados emergen-tes e mercados secundários do audiovisual. Oacontecimento maior, no entanto, é sem dúvidanenhuma a incorporação das grandes zonas ur-banas da China e da Índia à rede de satélites porintermédio dos grupos globais.

A uma primeira onda de concentraçõespor aquisições-fusões nos anos 80, sucedeu umaoutra na década seguinte, estimulada pelas pro-messas de digitalização simbolizada pelas auto-estradas da informação. Como todo produto tra-duzido em linguagem digital pode circular emqualquer transportador, operou-se uma conver-gência nos Estados Unidos entre operadores decabo e estúdios de cinema,companhias telefôni-cas e grupos de comunicação. Após a primeira

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etapa de desregulamentação dos sistemas audio-visuais que, em 1982, tornou mais maleável o re-gime de concentração dos canais e das estações,o Congresso americano recomeçou o processosuprimindo as fronteiras entre os industriais docabo e do telefone e entre os produtores de pro-gramas (para o cinema e a televisão) e os distri-buidores. As networks encontravam-se, de fato,impedidas legalmente de produzir seus própriosprogramas de ficção e de variedades. O desejode reagrupar o maior número possível de indús-trias daquela natureza para mobiliar as poucascentenas de canais prometidos a cada país fo-mentou a aproximação entre os estúdios e asnetworks (Disney,ABC), bem como a megadifu-são dos grupos de comunicação (Time-Warner-Turner).A busca das sinergias industriais, no en-tanto,nem sempre corresponde ao esperado,e acorrida das aquisições-fusões está pontilhada deerros estratégicos. O fracasso da fusão entre aMatsushita e a Universal, que para o público ni-pofóbico americano representava a violação da“alma americana”, é disso uma grande prova.

Um dos sinais do atual movimento de inte-gração são os neologismos surgidos na lingua-gem técnica: advertorials (contração de adver-tising e editorials), infomercials (informatione commercials), infotainment (information eentertainment) e edutainment. Hibridação depalavras que corresponde à hibridação das tec-nologias da informação e da comunicação emvirtude do desenvolvimento da informática.

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2. Da televisão sem fronteiras à exceçãocultural. - Se a maior parte dos governos não ali-nhados desertaram do campo da contestaçãopara aderir à lógica neo liberal, em compensa-ção a regulação dos fluxos de produtos cultu-rais provocou nos países da União Européia rea-ções de nível institucional. Um balanço presidiuesta estratégia decidida: o déficit comercial doaudiovisual europeu, transformado no mercadosolvente mais importante da indústria do cine-ma, da televisão e do vídeo dos Estados Unidos.Ano após ano, com a ajuda da desregulamenta-ção dos sistemas audiovisuais, televisão e vídeoagravaram o déficit europeu.Conforme o relató-rio anual do Observatório Europeu do Audiovi-sual, de todos os programas de ficção (seriados,filmes para televisão e cinema) importados en-tre 1994 e 1995 por 88 televisões da União Eu-ropéia, cerca de 69% provinham dos EstadosUnidos. Quanto à exploração comercial dos fil-mes nos cinemas, os mercados exteriores foramse tornando cada vez mais vitais para as majorsque embolsavam em média mais de 70% da re-ceita cinematográfica européia único país a terpreservado uma fatia substancial do mercadopara seu cinema. A França deve, não obstante,enfrentar a maré crescente de filmes america-nos na programação dos cinemas que deu,entre1979 e 1993, um salto de 31% para 57%.

O primeiro movimento de uma estratégiacomum surge em 1989.O Grupo dos Doze apro-va o texto final de uma Diretiva para a Televisão

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Sem Fronteiras, que havia iniciado suas opera-ções cinco anos antes.O artigo 4 convida os paí-ses membros a reservar às produções européias(filmes de ficção e documentários) a maior par-te do tempo de antena,“sempre que isso for exe-qüível”. Publica-se, quatro anos mais tarde, umconjunto de medidas estruturadores de uma in-dústria audiovisual européia ( o “Plan Médias”).

Em 1993, o debate interno da União Euro-péia transforma-se em mundial por ocasião dasnegociações com o GATT.Sendo classificada poreste organismo como “serviço”, a comunicaçãoabre caminho para um embate direto entre aUnião Européia e os Estados Unidos.A chamadatese da “exceção cultural”, defendida pelo gover-no francês,opõe-se à extensão das regras liberaisdo comércio internacional às produções audio-visuais (da mesma maneira que a saúde pública,o meio ambiente ou a segurança interna a um Es-tado). Diversas razões explicam a importânciado envolvimento francês neste caso: a longa tra-dição de defesa do cinema nacional, enraizadanuma determinada concepção da cultura,do “au-tor” e do papel do poder público na matéria,bem como na consciência, das múltiplas organi-zações da profissão num país que, fazendo-seuma média entre os anos bons e ruins, produzentre 100 e 120 longas metragens e onde o setorrepresenta aproximadamente 70.000 empregos;mas também o receio do Estado de ver o dispo-sitivo de “irradiação da cultura francesa” perderainda mais seu peso na Europa e no mundo. Se

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os profissionais - e mais precisamente as associa-ções de atores-diretores-produtores - estiveramna linha de frente desta mobilização francesacontra o projeto, notória foi a ausência de posi-cionamento dos grupos de comunicação france-ses de âmbito europeu ou mundial, opostos defato a qualquer política de cotas. O argumentoda exceção cultural possuía, no entanto, um an-tecedente histórico:nas discussões sobre o Acor-do de Livre Comércio Estados Unidos-Canadá,Washington teve que reconhecer ao governo deOttawa o direito de proteger a identidade cultu-ral canadense. Conhecido pelo nome de cláusu-la de “exceção cultural”, o artigo 2005 abrange ocinema, a radiodifusão, as gravações sonoras e asedições musicais.

A aplicação das regras do livre comércioproposta pelo GATT exigia a eliminação dos di-ferentes dispositivos adotados pela Europacomo um todo e cada país europeu em particu-lar para reserva de um espaço audiovisual pró-prio. Fundos de apoio ao cinema em nível na-cional como ao da União, fixação de cotas paraa transmissão de obras de ficção de origem eu-ropéia ou nacional na televisão estavam, con-forme essa lógica, condenados a desaparecerem nome da liberdade de concorrência nummercado livre.

O braço de ferro com o GATT terminouem dezembro de 1993 com o reconhecimentodo princípio da exceção cultural.Saudado comouma vitória, tratava-se apenas de uma simples

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prorrogação. Hollywood, o Congresso e a CasaBranca adotaram uma postura pragmática. Aomesmo tempo em que consolidam seu lobismona Organização Mundial do Comércio (OMC),que substituiu o GATT, e nos governos nacio-nais, eles evitam engajar-se em qualquer debatede tipo “filosófico”.Apostam no poder de digita-lização que permite multiplicar as capacidadesde retransmissão dos satélites, ultrapassando asfronteiras nacionais.

No decorrer das negociações sobre a exce-ção cultural, a posição do governo francês este-ve longe de conquistar a unanimidade entre osparceiros da União Européia, pois a maioria de-les continua em busca de uma solução minimal,convencidos que estão de que as tarifas alfande-gárias são a médio prazo apenas uma ilusóriabarreira de contenção. O mesmo foi dado a en-tender novamente em novembro de 1995, aovotar pelo statu quo no debate sobre a reformadas Diretivas da Televisão Sem Fronteiras. Trêsmeses mais tarde, o Parlamento Europeu susten-tou exatamente o contrário e votou pelo refor-ço das cotas. No final de 1996, entretanto, os eu-rodeputados voltaram atrás em sua decisão.

3. As Auto-estradas da informação. - Aoproblema da dependência das indústrias daimagem somou-se rapidamente o das novas re-des de informação e dos serviços multimídia.Ao retirar a imagem do reino da indústria do la-zer, as redes digitais projetam-na bem no cora-

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ção da reorganização dos modos de produção ede distribuição das sociedades humanas. Ogrande canteiro de infra-estruturas telemáticascompreende, ele também, a soberania cultural,pois trata-se nem mais nem menos de desenvol-ver uma indústria forte o bastante para impedirque as novas redes e serviços enviem apenasprogramas fabricados pelos gigantes do multi-mídia, e que se reproduza a situação deficitáriadas indústrias culturais. Esta é uma outra etapado jogo euro-americano.

Em fevereiro de 1993, o governo do presi-dente Clinton anuncia o Plano Gore (nome dovice-presidente Albert Gore) de construção desuperhighways da informação. No final destemesmo ano, o Livre Blanc , preparado por Jac-ques Delors,então presidente da União,dá o chu-te inicial ao projeto europeu de infovias. Cresci-mento, competitividade, emprego, são os trêsleitmotivs deste programa de mobilização doconjunto do parque industrial europeu.Em maiode 1994, um grupo de vinte grandes industriais,presidido pelo Comissário Martin Bangemann,entrega um relatório intitulado L’Europe et la so-ciété de l’information planétaire contendo a di-reção estratégica e financeira do projeto.

Prevendo-se novos desafios tecnológicosoriginados pela multiplicação dos canais de dis-tribuição, o “Livre Blanc” foi seguido por um Li-vre Vert com as “Opções estratégicas para a revi-talização da indústria dos programas no contex-

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to da política audiovisual da União Européia”.Sua finalidade: estabelecer um regulamento euma base financeira confiável que sustente asegmentação dos mercados e das empresas doaudiovisual europeu e assim empregar melhor as“potencialidades da revolução digital”, em viasde transformar “o mercado europeu no impassedos mais importantes de todas as lutas sobre omercado mundial”, tentar converter a favor daEuropa o que até hoje havia sido visto comouma fraqueza: a diversidade cultural dos países-membros da União. A perspectiva diretamenteimplicada nas preocupações expostas no LivreBlanc é a promessa de criação em cinco anos de2 a 4 milhões de empregos numa Europa que,nadata do relatório, contava 18 milhões de desem-pregados. Se a cifra estampada neste documentooficial é, na opinião de muitos economistas, ilu-sória, uma coisa é certa: o fantasma da crise lan-ça a questão do emprego no âmago das contro-vérsias sobre a defesa das identidades.

Em fevereiro de 1995,o G7,grupo dos setepaíses mais industrializados, reuniu-se em Bruxe-las para uma conferência sobre as novas tecnolo-gias da informação e da comunicação. Os Esta-dos Unidos foram representados pelo seu Vice-Presidente. Convidados pela primeira vez a umareunião deste porte, 45 diretores-chefe de em-presas americanos, europeus e japoneses estive-ram de acordo quanto à necessidade imperiosade apressar a desregulamentação dos serviçosde telecomunicação e a supressão dos monopó-

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lios públicos a fim de acelerar a extensão das fu-turas artérias eletrônicas.As deliberações do G7,bem como as recomendações do relatório Ban-gemann concordam que a iniciativa privadadeve ser o “motor da sociedade da informação”.A suspensão de “qualquer entrave à livre concor-rência”resulta, portanto, na liberalização, a curtoprazo, da infra-estrutura telefônica. O título daintervenção de Albert Gore em Bruxelas era umprograma em si: Toward a Global InformationInfrastructure:The Promise of a New World In-formation Order. Em julho de 1997, o Presiden-te Clinton adotou uma postura francamente libe-ral sobre a Internet ao propor transformar o co-mércio eletrônico em “zona global de livre co-mércio”, deixando a auto-regulação agir.

4.A “liberdade de expressão comercial”. -Da União Européia ao GATT, da OMC ao G7. Onovo sistema global da filosofia administrativafez deslizar o centro de gravidade das negocia-ções internacionais para os fluxos de dados ima-teriais. Este deslocamento de lugares encobreoutro: o deslocamento da própria definição de“liberdade de expressão”.A liberdade de expres-são dos cidadãos ganha um outro concorrentedireto com a “liberdade de expressão comer-cial”, apresentada como um novo “direito huma-no”. Começa-se a assistir a uma tensão constan-te entre o “poder do consumidor” e a vontadedos cidadãos garantida pelas instituições demo-cráticas. Em torno desta reivindicação da liber-

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dade de expressão comercial tem-se estrutura-do, entre outros, o lobismo das organizações in-terprofissionais (anunciantes, agências publici-tárias e patrocinadores) desde os primeirosbate-bocas sobre a televisão sem fronteiras. Estareivindicação, transformada em leitmotiv à me-dida que os debates foram acontecendo, procu-ra fazer recuar os limites impostos pela socieda-de civil ao “emprego da máquina pública com fi-nalidades publicitárias”, como diria o filósofoalemão Jürgen Habermas.

A idéia central é a necessidade de não co-locar entraves à livre concorrência num merca-do livre onde indivíduos têm liberdade de esco-lha. Ela pode ser basicamente exprimida assim:“Deixem as pessoas procurarem o que lhes inte-ressa. Deixem-nas livres para apreciarem o quequiserem. Confiemos em seu bom senso.A úni-ca lei a ser aplicada a um produto cultural deveser seu fracasso ou seu sucesso no mercado.”Daí a legitimar a subordinação cultural de cer-tos povos e culturas, o que habitualmente eraconhecido até o final dos anos 70 como “impe-rialismo cultural” é só um passo, que será dadotão mais rapidamente quanto esta idéia fizercausa comum com uma outra.A liberdade de ex-pressão comercial, novo eixo de ordenamentodo mundo é, com efeito, indissociável do velhoprincípio do Free Flow of Information. Alémdisso, ao reciclar este princípio, a doutrina daglobalização, dá nova legitimidade, em nome dafluidez da era da informação à concepção, estri-

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tamente economista e anglo-saxônica, de que ocopyright inclui somente os direitos do produ-tor, negligenciando-se assim o direito moralmais que legítimo do autor.

5. Da democracia ao “Global DemocraticMarketplace”. - Mascarando as causas das lutaspelo controle da arquitetura e dos conteúdosdas redes de saber, a geopolítica retoma os dis-cursos messiânicos sobre as virtudes democráti-cas da tecnologia. O inventor das superhigh-ways da informação, Albert Gore, recupera asapóstrofes dos profetas que o precederam des-de o final do século XVIII, ao expor à “grande fa-mília humana” seu projeto mundial de “rede deredes”: a Global Information Infrastructure.Dirigindo-se, em março de 1994, aos delegadosda União Internacional das Telecomunicaçõesreunidos em conferência plenária em BuenosAires, declarava o vice-presidente americano:“Oobjetivo é assegurar um serviço universal queseja acessível a todos os membros de nossas so-ciedades e assim permitir uma espécie de con-versação global em que todos terão direito à pa-lavra... A Global Information Infrastructure(GII) não será somente uma metáfora da demo-cracia em funcionamento; ela vai encorajar naprática o funcionamento da democracia, desta-cando a participação dos cidadãos no processode tomada de decisões. Ela aumentará a capaci-dade de cooperação entre as nações.Nela possoenxergar uma nova era ateniense da democracia

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forjada nos fóruns que a GII criará.” Ferramentade desenvolvimento e de solidariedade, as redesnas mãos das personagens particulares deverão,segundo ele, cooperar para a eliminação dosgrandes desequilíbrios sociais e econômicosque afetam o planeta.

O círculo está fechado. Há pouco mais dedois séculos,a noção de comunicação entrou namodernidade pela estrada. O advento da erapós-moderna das redes imateriais e dos fluxosintangíveis realiza-se sob o signo da metáforadas redes de auto-estradas, qual eco da memó-ria coletiva dos grandes trabalhos públicos quepossibilitaram uma nova dinâmica econômicanos Estados Unidos dos anos 50.

A Guerra globalizada

A concorrência econômica ressuscitou,nos anos 80, as metáforas guerreiras.Várias teo-rias de gerenciamento global extraem explicita-mente das obras de Sun Tse e Karl von Clause-witz ensinamentos para driblar a “guerra econô-mica”. Colocando estes discursos mercantis emsua justa proporção, o embate dos exércitos naguerra do Golfo (1990-1991) permitiu avaliar,com mais realismo, a perenidade das lógicas mi-litares numa paisagem comunicacional que adécada precedente havia colocado exclusiva-mente em termos de geo economia. O queaconteceu nesta situação-limite lançou luzes so-bre as zonas obscuras dos sistemas de informa-

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ção que tendemos a esquecer em tempos depaz, ajudados nisto pela exigência de transpa-rência da nova “sociedade da comunicação”.

A guerra do Golfo pode ser qualificada deguerra da comunicação por dois motivos. Pri-meiramente, pelo adoção de estratégias de in-formação e censura do Pentágono (formação depools de jornalistas, escolhidos com extremacautela, que iam para o campo, acompanhadosde um oficial - batizado de Public Affairs Officer- que escolhia e preparava as tropas a serem en-trevistadas, controlava as filmagens para televi-são, examinava as fotos e revisava as reporta-gens escritas, não hesitando em suprimir sem-pre que necessário qualquer informação julgada“delicada” e alterar sua redação). A guerra doGolfo, e especialmente a operação DesertStorm, iniciada a 17 de janeiro de 1991, consti-tui de alguma maneira a revanche dos estados-maiores. Os peritos em guerra psicológica tira-ram as lições da guerra do Vietnã. Em 1982, porocasião da guerra das Malvinas, o exército britâ-nico havia feito o mesmo ao entravar o fluxo deinformação. Em 1983, quando os Marines inva-diram a ilha de Granada, o Pentágono cercaraigualmente o teatro de operações.

A guerra do Golfo é também uma guerradas tecnologias da informação e da comunica-ção, dos “armamentos inteligentes”. Sobre o ter-reno, atrás dos “ataques de precisão cirúrgica”,descobrem-se os mísseis pilotados por seus pró-prios computadores de bordo, os satélites de re-

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conhecimento, os sistemas de comando instala-dos em todos os aparelhos de combate e atémesmo nas próprias armas e redes de neurô-nios. Inclusive, na retaguarda do teatro das ope-rações, por meio de sua logística de apoio, aguerra do Golfo é o primeiro grande conflito ase gerir com “fluxos estendidos”, aplicando osmétodos de gerenciamento de fluxos elabora-dos pelas montadoras automobilísticas japone-sas. Na prática do “fluxo estendido”, o produtornão estoca, ou estoca muito pouco, os produtosque não têm escoamento garantido; ele fabrica,na medida do possível, conforme a quantidadede encomendas.A informática permite transmi-tir instantaneamente a encomenda do distribui-dor ao montador, e às vezes diretamente aoeventual subcontratante.

A guerra muda de natureza. É uma guerra“global”, conforme a expressão de Paul Virilio,não tanto pelo alcance tranzorizontal e de lon-go alcance dos aparelhos, mas pela transferên-cia das responsabilidades para a programaçãoindustrial e econômica:Shoot and forget (“Atiree esqueça”).

Sistemas como esses trazem à mente quebem antes que a semântica globalizante fizessefortuna sob a bandeira da geofinança, ela já ha-via recebido os elogios dos estados-maiores. Ocomunismo era o “inimigo global” e as tecnolo-gias de observação deste inimigo eram chama-das de “globais”.Veja-se o exemplo do sistemade rastreamento de posição por satélite GPS

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(Global Positioning System), em funcionamen-to desde a década de 70. Como resultado insta-lou-se uma rede de 24 satélites garantindo umavisibilidade permanente de qualquer ponto doglobo,e uma tecnologia digital destinada a equi-par o soldado do futuro. Graças ao receptorGPS, o soldado pode saber a qualquer momentosua exata posição.Sobre o mapa projetado na vi-seira de seu capacete, materializam-se sua posi-ção e a de seus companheiros. E o quartel gene-ral nada ignora do que se passa, pois eles emi-tem um sinal de rádio IFF (Identifying Friendor Foe). Durante o combate, sobre a viseira, fi-cam agrupados todos os comandos de suas ar-mas. Um telemetro fornece-lhe a distância doalvo.Captadores biológicos transmitem até mes-mo aos chefes, em tempo real, as condições deseu estado fisiológico.

Foi somente na década de 90, ou seja, vin-te anos após sua adoção pelos militares, que osprocedimentos de rastreamento digital de posi-cionamento foi empregado com finalidade civil(Standard Positioning System), para encontrarcaminhantes perdidos, sem todavia apresenta-rem o mesmo desempenho do GlobalPositioning System.

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A Diferença: por uma crítica aoglobalismo

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“Dar nome errado às coisas torna o mundomais infeliz”, costumava dizer Albert Camus. Aglobalização é uma destas expressões insidiosasa integrar o jargão das noções instrumentaisque, em virtude das lógicas mercantis e à reve-lia dos cidadãos, adquiriram direito de cidadaniaa ponto de tornar-se indispensáveis para a co-municação entre pessoas de culturas diversas.Esta linguagem funcional constitui um prêt-à-porter ideológico que mascara os desvios danova ordem mundial.Também é hora de distin-guir entre o que é mitologia globalista e o que érealidade concreta no atual momento de inte-gração internacional. Contrastando com a visãoeconomista de um mundo unificado pelo livrecomércio, surge a ruptura entre sistemas sociaisespecíficos e um campo econômico unificado,entre culturas singulares e as forças centraliza-doras da “cultura global”.

Um Novo mapa das desigualdades

1. A “comunicação-mundo”: o tropismodos fluxos globais. - A integração das economiase dos sistemas de comunicação conduz ao surgi-mento de novas disparidades entre países ou re-

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giões, e entre os grupos sociais. O conceito de“comunicação-mundo” pretende caracterizartais lógicas de exclusão. Ao inverso do que fazcrer a representação igualitária e globalista doplaneta, ele permite analisar o sistema em via demundialização sem transformá-lo num fetiche,ouseja, restituindo-lhe sua concretude histórica. Elevolta a considerar a história das relações mun-diais em suas desigualdades. Tributário da idéiade “economia-mundo”de Fernand Braudel,ele re-lembra que as redes, inseridas como estão na di-visão internacional do trabalho, hierarquizam oespaço e conduzem a uma polarização sempremaior entre o(s) centro(s) e a(s) periferia(s).

Três mudanças importantes estão envolvi-das na redistribuição dos desnivelamentos doespaço mundial: a irrupção dos novos países in-dustrializados, em particular dos “tigres asiáti-cos” (Coréia, Hong Kong, Singapura, Taiwan), eseus êmulos no Sudeste asiático; a formação degrandes blocos de livre comércio em torno dospólos do “poder triádico” (América do Norte,Ásia Oriental e União Européia); e recuperaçãodo “Terceiro Mundo” como sujeito da história.Mas se a linha divisória Norte/Sul já não bastapara definir o atual estado do planeta, as desi-gualdades estruturais das décadas anterioresnão sumiram assim. O que perturbou a repre-sentação maniqueísta do mundo foi que o Nor-te descobriu seu próprio território dos Suis eque, no coração mesmo do Sul, emergiram Nor-tes que trazem consigo seus Suis.

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De maneira generalizada, as novas formasde concorrência colocam os territórios em con-fronto, e produzem usos diferenciados delasmemas. Em meio à organização do espaço eco-nômico e à luta pela utilização optimal dos dife-rentes territórios, existem duas tendências con-traditórias postas em ação: de um lado, um pro-cesso de deslocalização/relocalização em dire-ção às zonas de mão-de-obra de baixo custo(processo de rotação relativamente rápida, a darcrédito às estratégias de expatriação das empre-sas da Coréia do Sul para a China ou para o Su-deste asiático nos anos 90,que coloca o risco deromper o modelo de desenvolvimento nacionaldos “tigres”, sem contar os efeitos desestabiliza-dores da crise financeira de 1997); de outro, umprocesso de metropolização ou de concentra-ção das implantações sobre territórios inovado-res, com competências diversificadas e de altadensidade tecnológica. Às economias de escalaou de ganhos de produtividade ligadas ao tama-nho da empresa, às economias de envergaduraque lucram com a diversificação de suas ativida-des, acrescentam-se as economias de aglomera-ção. A concentração em torno de pólos e a or-ganização da economia mundial em redes depólo a pólo, em detrimento dos espaços inter-mediários menos favorecidos e,portanto,expos-tos ao risco de marginalização e desertificação,são portadores de risco de dualização da econo-mia mundial e de uma geografia social de duasvelocidades. É a “economia de arquipélago” (P.

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Veltz) ou o “tecno-apartheid global”(R.Petrella).Nos quatro cantos do globo, em graus variadosconforme os continentes e os países, essasmega-cidades-regiões, lugares nodais dos merca-dos e redes mundiais,engendram tropismos quese inscrevem no mapa das linhas e fluxos de te-lecomunicação. Na Tailândia, êmulo dos quatro“tigres”, Bangkok detém 68% do total das linhastelefônicas disponíveis no país. E a densidadeem matéria de tecnologias de informação e decomunicação no pólo centralizado em São Pau-lo (Brasil) está próxima do “triângulo de ouro”europeu e anos-luz à frente de Recife. Mesmoquando a megalópole de São Paulo possui suaprópria periferia urbana caracterizada pela “ru-ralização”, fenômeno típico das grandes cidadeslatino-americanas.

As geoestratégias de segmentação ou decriação de “grupos de consumo” (consumptioncommunities) do marketing levam em conside-ração esse tipo de dado. Estimando que as variá-veis de estilos e de níveis de vida são mais im-portantes que a proximidade geográfica e a per-tença a uma tradição nacional, a indústria publi-citária procura construir vastas comunidadestransnacionais de consumidores que têm em co-mum os mesmos “socioestilos”, preferências deconsumo e práticas culturais. De alguma manei-ra, estas tipologias de alvos salta-fronteiras só fa-zem confirmar um desequilíbrio estrutural: aproliferação dos símbolos ubiqüitários da “cul-tura global” e a diminuição da proporção dos

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beneficiários reais das mercadorias e do estilode vida como é exibido por seus defensores.

A reprodução das fortes tendências de se-gregação entre os grupos data rich e os demais,data poor, é um risco apontado até nos docu-mentos mais oficiais e refere-se tanto à conexãocom a infra-estrutura mundial da informaçãoquanto à elaboração de bancos de dados pró-prios.Assim o relatório do Banco Mundial,publi-cado em 1996 e intitulado Increasing InternetConnectivity in Sub-Saharian Africa, preocu-pa-se com o fato de que a maior parte dos paí-ses desta região não estão ligados à Internet (emcomparação com o crescimento explosivo ob-servado desde 1988 não apenas nos grandespaíses industriais, mas também no Leste euro-peu, América Latina e Sudeste Asiático). O dis-curso dos autores do documento oscila entreexpectativas radiosas da “revolução da informa-ção” que oferece uma “ocasião ímpar de dar umsalto para o futuro, rompendo dessa maneiracom décadas de estagnação ou de declínio”, eas mornas perspectivas para os “países que nãotirarão proveito e não surfarão sobre esta gran-de onda de mudanças tecnológicas”, e estão ar-riscados a serem varridos por ela.

2.As Redes parasitárias. - Os geopolíticosas denominam “novos fronts planetários da de-sordem”, “lugares de trevas”, “anti-mundos”.Fronts do meio ambiente,circuitos da economiasubterrânea ou informal, redes mafiosas e tráfi-

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cos ilícitos (de drogas a crianças, passando-sepelo contrabando de eletro-eletrônicos), frontesdo integrismo, fronts das seitas, fluxos transna-cionais das diásporas e das correntes migrató-rias do trabalho, regular e clandestino, rumo apaíses e regiões ricas, frontes dos novos flagelosetc. Estes fronts dissonantes e universos parale-los constituem um revelador das crises, confli-tos e desequilíbrios que atingem nossas socieda-des em mutação, colocando-as sob o risco per-manente do colapso ou da catástrofe. Bastam al-guns casos para se ter uma idéia da amplitudedas manifestações destes fronts disseminadosda desordem mundial.

Os especialistas do mundo virtual acre-ditam que a economia em via de desmaterializa-ção e a generalização das ciber-empresas, deslo-calizadas, virtualizadas, escapando ao controlefiscal e social de Estados Nacionais habituados aadministrar um território “real”, favorecem aemergência de “paraísos fiscais virtuais”, “lote-rias virtuais” e “cassinos cibernéticos”. Utilizan-do os territórios onde o jogo é legalizado, Inter-net Casinos já oferece uma rede entre Las Vegas,Toronto,Amsterdam,Kuala Lumpur,Hong Kong,Londres, Saint-Martin, Cuba, Barbados e Bermu-das. A extraterritorialidade abre também novasredes de lavagem de dinheiro.

Os satélites de captação, os radares fixose móveis, os monitores, os rastreadores de posi-cionamento e os aviões de vigilância com baseno sistema de vigilância ecológica (SIVAM) que o

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Brasil está implementando na região amazônica,não estão apenas destinados a preservar o equilí-brio do “pulmão do mundo”e a biodiversidade.Afunção deste complexo dispositivo é também de-tectar o tráfego aéreo irregular e impedir crimescomo o narcotráfico e o contrabando.

Ao proibir a instalação de antenas para-bólicas individuais, os governos saudita e ira-niano procuram impedir o acesso de seus cida-dãos a qualquer tipo de expressão cultural quedesagradem aos mollahs. Na França, a grandequantidade de antenas nas casas dos Emigra-dos do Maghreb causou temor a certas autori-dades da periferia parisiense, de que umaavalanche de propaganda islâmica incontrolá-vel provocasse uma política de criação de umcanal de língua árabe a cabo, não deixando ter-reno livre ao satélite.

Frente aos crescentes fenômenos de ex-clusão e ao aumento da violência dos excluídos,a lógica securitária tende a impor-se em nível,individual ou coletivo, nacional ou internacio-nal. Este imperativo de segurança exerce umainfluência direta sobre o modo de inserção so-cial das novas tecnologias da informação e co-municação. O boom do mercado de aparelhoseletrônicos de segurança é, sem dúvida, seu in-dicador mais claro. Mas existem outras modali-dades menos evidentes. Por exemplo, a veloci-dade de expansão da rede de telefonia celularnos setores da classe média de Caracas deixabem para trás as grandes capitais da União Euro-

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péia. A razão não é apenas a carência de redesde telecomunicações públicas “fixas”,mas o fatode que esta técnica de sinalização de posiciona-mento mostra-se um instrumento precioso deprevenção e defesa pessoal e familiar contra adelinqüência urbana, com índices entre os maiselevados do mundo.

Estes conflitos potenciais estão projetadosnum mundo onde o equilíbrio ecológico setransforma em questão de sobrevivência para ahumanidade, e onde ronda o fantasma da “crisealimentar”. Ameaçados por erosões provocadaspelo empobrecimento do solo, pelo desmata-mento, pelo esgotamento dos recursos hídricose das terras cultiváveis e pela exploração inten-siva dos recursos marinhos,e não podendo maisresponder ao crescimento demográfico, os pró-prios ecossistemas locais se transformaram emfonte de crises sociais.“Registraram-se mais con-flitos marítimos apenas em 1995 do que emtodo o século XIX!”, observava, numa entrevistaao jornal Le Monde de 27 de fevereiro de 1996Lester R.Brown, responsável pelo principal cen-tro internacional de pesquisas ecológicas, oWorldwatch Institute de Washington.

As Fronteiras da monocultura

1. McMundo ou Jihad? - Este dilema foi in-vadindo cada vez mais as reflexões sobre o futu-ro da cultura no planeta, sob o impulso dos uni-versais simbólicos do consumo de massa e das re-

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des de tempo real.Alguns acreditam ser inevitá-vel a instauração de um McMundo, sendo a mo-nocultura o resultado lógico do livre comércio eda formação dos grandes blocos econômicos. Osantípodas desta representação coletiva pensamque a homogeneização nem está em pauta de dis-cussão num mundo dilacerado por desníveis so-ciais e econômicos e pelos espasmos nacionalis-tas. Para estes, o Jihad seria um reflexo mais au-têntico do estado atual do planeta.

Até que ponto estas imagens divididas en-tre dois extremos explicam a complexidade dofuturo da cultura, das culturas? Como situar estafase histórica da evolução de nossas sociedadessem cair nas facilidades e armadilhas das “pala-vras-valises”, declinações sucessivas das noçõesde homogeneização, de padronização e de mas-sificação, que têm aumentado constantemente?

2. As Vicissitudes da “aldeia global”. - Ahistória encarregou-se de apontar, em diversasocasiões, as falhas das representações baseadasna “aldeia global”que têm alimentado o imaginá-rio do grande público sobre o futuro da comu-nidade humana e que, na realpolitik das empre-sas, têm, sobretudo, constituído uma fonte ines-gotável de legitimação das grandes sagas da con-quista do mercado mundial.

Se é certo que o peso adquirido pelos veí-culos de comunicação mudou radicalmente osprocedimentos e representações de guerra, astransmissões dos conflitos em rede mundial não

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têm contribuído certamente para derrubar omuro entre militares e civis.Tampouco têm osveículos de comunicação globais colaboradocom os países em desenvolvimento a “recuperaro atraso” em relação ao pelotão de frente domundo industrial.

A mobilização de ajuda humanitária para aSomália, chamada de operação Restore Hope,entre 1992 e 1994, cuja midiatização extremacontrasta com a conspiração do silêncio em tor-no do reembarque embaraçoso das tropas eseus equipamentos hipersofisticados, não deuaos cidadãos a possibilidade nem a vontade demudar esse estado de coisas. Desde a Bósnia atéa Chechênia, passando pela Libéria, a exibiçãorotineira de imagens chocantes da barbárie hu-mana tem contribuído para embotar as cons-ciências.A humanidade ainda aguarda o cumpri-mento das profecias de Marshall McLuhan e deJack London sobre a revolução social e pacifistapela imagem animada.

A multiplicação dos global events - aconte-cimentos catárticos que reúnem em torno de sinotícias, reportagens e programas, os públicosnacionais e locais os mais diversificados - reve-lou não ser necessariamente o melhor instru-mento para a instauração de uma “comunidademundial”. Os comentários dos jornalistas dosdiversos países durante as grandes disputas es-portivas mundiais até podem dar a impressãocontrária por nos distanciarem significativa-mente do mito da aldeia global, jogando-nos no

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domínio do chauvinismo. O que é tanto maispreocupante quanto o modo como são apresen-tadas as competições esportivas serve cada vezmais de referência ou modelo ao tratamento dasinformações sobre os conflitos.

Pode-se também duvidar seriamente dasnovas versões do mito do “fim das ideologias”,que ressurgiram com a queda do muro de Ber-lim, pois para elas a globalização da cultura demassa é um argumento central. Francis Fukuya-ma o reciclava sob a forma do mito do “fim dahistória” no final do ano de 1989. O fato de queos transistores tinham se transformado em bugi-ganga na República Popular da China, Mozartem música ambiente nos supermercados japo-neses e o rock seria usado como símbolo deuma revolta contra uma ideologia stalinista mo-ribunda, representava para esse diretor adjuntoda divisão estratégica do Departamento de Esta-do americano um sinal indiscutível da homoge-neização democrática do mundo sob a bandeirado novo liberalismo. Desde então, a idéia foicriando raízes na retórica do livre comércio: aexpansão dos produtos da indústria do enter-tainment traz consigo a liberdade civil e políti-ca.Tudo acontece como se ser consumidor sig-nificasse ser cidadão.

3. A Hibridação ou a modernidade emquestão. - Desde o princípio da história dos in-tercâmbios, os modelos culturais e institucio-nais veiculados pelas potências hegemônicas

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têm se deparado com povos e culturas que re-sistiram à anexação, se contaminaram, mimeti-zaram ou desapareceram. Esses cadinhos decultura foram o berço dos sincretismos.Ao uti-lizar, por exemplo, de modo diferente do quehavia sido programado, as liturgias, os modosde representação ou as leis ditadas pelos con-quistadores da Nova Espanha, as etnias indíge-nas os subtraíam do controle daqueles mesmosque os haviam criado. Esta reterritorialização éum elemento central da mestiçagem e da von-tade barroca. Michel de Certeau deu uma desuas maiores contribuições ao lembrar, em suaobra Arts de faire: L’invention du quotidien(1980), este incessante movimento de intera-ção entre um sistema imposto e seus usuários,extrapolando totalmente as formas de remedia-ção dos dispositivos disciplinares, estabeleci-dos pelo “homem mediano” atual.

Se a mundialização/globalização é umcomponente da cultura contemporânea, issonão significa que ela seja a única lógica capazde definir os destinos do planeta. A década de80, que assistiu ao florescimento das doutrinasda globalização financeira e da padronizaçãocultural, conheceu igualmente um movimentode idéias que sublinha a defasagem entre as for-ças centrípedas e aglomerantes da lógica mer-cantil e a pluralidade das culturas, e concebe afragmentação e a globalização como dois fato-res em tensão onde se joga a decomposição/re-composição das identidades sociais e culturais.

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Novas questões surgem: o que significa para ascomunidades as ligações com as redes planetá-rias? Como essas mesmas comunidades podemresistir, adaptar-se, ou sucumbir? Questões des-sa natureza já se faziam presentes nas previsõesde G. H.Wells na aurora do século XX, quandoele discutia a hegemonia lingüística. Novosolhares sobre os entrelaçamentos do “global” edo “local” desmentiram a idéia anterior da fata-lidade da monocultura.

Vários antropólogos têm retomado a críticado discurso consagrado da relação entre os flu-xos culturais internacionais e as culturas locais.Para eles, a intensificação da circulação dos flu-xos culturais, a existência inegável de uma ten-dência à globalização da cultura não resultam nahomogeneização do planeta, mas num mundocada vez mais mestiço. Os conceitos de hibrida-ção e mestiçagem explicam estas combinações ereciclagens dos fluxos culturais internacionaispelas culturas locais.Assim, o antropólogo india-no Arjun Appadurai acredita que os instrumentosde homogeneização (armamentos, técnicas pu-blicitárias, a hegemonia de certos idiomas, amoda) trazidos pela globalização ficam de fato“absorvidos pelas economias políticas e cultu-rais locais, unicamente para serem repatriadoscomo diálogos heterogêneos de soberania nacio-nal, de livre iniciativa e de fundamentalismoonde o Estado tem um papel cada vez mais deli-cado”. A excessiva abertura aos fluxos globaisprovoca para o Estado nacional o risco da ocor-

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rência de revoltas (é a síndrome chinesa); muitopouca abertura significará que o Estado estaráexcluído da comunidade das nações (é o caso daCoréia do Norte, o último regime autárquico doplaneta). Esse antropólogo arrisca-se até a falarem “modernidade alternativa” e de “explosão demodernidades culturais”, que de Bombaim, Tó-quio,Rio de Janeiro ou Hong Kong,como de LosAngeles, Nova Iorque, Londres e Paris emergeme testemunham a multiplicidade de vias de aces-so das diversas idiossincracias às novas formasdo cosmopolitismo. Desmistificando o conceitode modernização como projeção unívoca da ex-periência euro-americana que comandou sozi-nha as referências sobre a defasagem desenvolvi-mento/subdesenvolvimento até a década de 70,os novos conceitos querem mostrar que, longede desaparecerem do mapa, as culturas locais sereformulam, ligam “moderno” ao “tradicional”,elaborando assim as bases de suas próprias in-dústrias culturais e de seu próprio campo decriação artística. Isso fica claramente demonstra-do por fenômenos tão diversos como a penetra-ção da indústria da telenovela brasileira no mer-cado mundial e a vitalidade comprovada da arteda dança em certos países da África negra.Os cli-chês do miserabilismo, todavia, impedem a cons-cientização desses fenômenos. A velocidade deadaptação dos países asiáticos e latino-america-nos às tecnologias digitais e às vantagens obtidascom sua utilização, de um lado para fins de de-sempenho no mercado mundial, e de outro lado

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para o lançamento em rede de projetos sociaisou de pesquisa científica, é um índice que ques-tiona a imagem unívoca desta vasta região domundo. Mas, não é mais possível negar, essas no-vas fontes de modernidade coexistem - direito eavesso de uma mesma realidade - com um pro-cesso galopante de empobrecimento e de exclu-são de amplas camadas da população. As novashipóteses sobre as relações interculturais indi-cam que iniciou-se, um pouco por toda parte,um processo de revalorização das culturas parti-culares,condição indispensável para a criação deum modelo econômico e social menos submissoaos ditames do mercado externo.

4. Uma Antropologia da contemporanei-dade. - A crise da ideologia do progresso/moder-nidade invade também os trabalhos dos antropó-logos das grandes sociedades industriais. A opi-nião sobre o outro mudou, pois a crise do senti-do social (as significações instituídas e simboliza-das da relação com o outro) generalizou-se sobretodo o mundo. Agora cada indivíduo tem cons-ciência de ser parte do planeta. Todos são con-temporâneos uns dos outros, embora em meio auma pluralidade. Como pensar num planeta uni-ficado se ele é constituído por tantos mundos pa-ralelos? Tal é a questão subjacente à nova concep-ção antropológica sobre a complexidade domundo. Distanciando-se das sociedades e cultu-ras remotas,“exóticas”, objetos de estudos da an-tropologia social clássica, o interesse voltou-se

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para a pesquisa da atualidade contemporânea,como resposta à aceleração da história e às mu-danças de escala,ao encolhimento do planeta e àindividualização dos destinos e das referências.Citemos Marc Augé cuja trajetória de pesquisas -da etnologia das sociedades africanas à etnologiada Euro-Disney, do metrô ou das megalópoles - éexemplo desta iniciativa que não ignora as “novasformas de simbolização atuantes em escala plane-tária:“Estas modalidades apelam aos sistemas deinformação que são os instrumentos por excelên-cia dos dispositivos rituais ampliados, as elabora-ções particulares dos indivíduos mais ou menosintegrados a essas redes, e todo um conjunto deinstituições oficiais e oficiosas que se esforçampor construir significações de compromissos en-tre os sistemas e os indivíduos. Deste ponto devista, um profeta-curandeiro africano, um grupode arquitetos trabalhando num projeto ou umajunta médica decidindo qual a melhor forma deintervenção em determinado ambiente consti-tuem realidades de uma mesma natureza.” E con-clui assim seu trabalho Pour une anthropologiedes mondes contemporains (1994): “Adaptar-seàs mudanças de escala não significa deixar de pri-vilegiar a observação das pequenas unidades,mas levar em consideração os mundos que asperpassam, as ultrapassam e, assim fazendo, nãocessam de reconstruí-las e de reconstituí-las.”

O antropólogo propõe dois pares de con-ceitos para descrever os espaços e o mundocontemporâneo: o par lugar/não lugar e o par

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modernidade/pós-modernidade. O lugar é tri-plamente simbólico: identitário, relacional e his-tórico. Ele simboliza a relação de cada um deseus ocupantes consigo mesmo, com os demaisocupantes e com sua história comum. A multi-plicação dos não-lugares é uma característica domundo contemporâneo: espaços de circulação(auto-estradas, vias aéreas), de consumo (hiper-mercados) e de comunicação (telefone, fax, tele-visão, redes). Nesses não-lugares coexiste-se, co-habita-se sem haver vida em comum.A condiçãode consumidor ou de passageiro solitário passapor uma relação contratual com a sociedade.Es-tes não-lugares empíricos que geram um novopensamento e novos tipos de relações com omundo pertencem à “pós-modernidade”, defini-da em contraste com a modernidade. Pois ela seapresenta como um “ponto central, nó de rela-ções, de emissões e de recepção na vasta redeque constitui hoje o planeta”,a grande metrópo-le atual é o cruzamento dos lugares da moderni-dade e dos não-lugares da pós-modernidade.

O mérito desta “etnologia normal” é susci-tar um questionamento radical do conceito et-nocêntrico sobre os outros. Em virtude destedeslocamento, um certo retorno abrupto deperspectivas torna-se possível: o centro como évisto pela periferia, os “Nortes” tais como sãovistos pelos “Suis”.

5.A Teoria posta à prova pelo livre comér-cio. - O interesse pela singularidade das culturas

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também suscitou novas maneiras de se pensarem os processos de recepção individual e coleti-va dos bens culturais transnacionais nos diversosmeios consumidores.A recepção de bens emble-máticos da globalização midiática,como os seria-dos tipo Dallas ou Dinastia, tornou-se dessemodo objeto de uma atenção particular.As teo-rias de base behaviorista sobre os “efeitos”unívo-cos dos programas de televisão foram substituí-das por outras explicações que desvelam as me-diações na construção do sentido e colocam emevidência as leituras diferenciais conforme ogrupo de pertença do destinatário.

O reconhecimento que tende a se genera-lizar dos “meios” e das “mediações” está na raizde uma renovação das orientações teóricas rela-tivas às análises das relações entre as culturas.Alguns, porém, aproveitam-se dessa aberturapara decretar o fim das relações de sujeição decertas culturas frente a outras e celebrar o ad-vento de um consumidor soberano, navegandono universo da cultura global tendo por únicocritério seu livre arbítrio. Expurgadas do campoda analise cultural as relações de forças e asdeterminantes socioeconômicas, evapora-se, en-tão, qualquer possibilidade de inteligência polí-tica do mundo, e surge o hiper-relativismo cul-tural. Desse modo os novos conceitos fazem opapel de biombo, sendo associados a toda sortede acomodamentos e de compromissos com aordem social e produtiva vigente. Portanto se sedeseja conservar toda a força heurística dessas

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ferramentas, convém manejá-las com a vigilân-cia epistemológica necessária numa fase emque o espírito do tempo do livre comércio con-seguiu impregnar todo o conjunto das ciênciassociais.A interrogação crítica por parte de cer-tos etnólogos frente à possibilidade de utiliza-ção operatória de suas pesquisas da contempo-raneidade está lá para não deixar cair no olvidoa condição ambígüa destas mudanças de óticana análise do cotidiano, dos usos e dos usuáriosdos “lugares”e dos “não-lugares”.

Esta ênfase sobre as mediações e as intera-ções não pode deixar no esquecimento o fatode que a universalização contemporânea de umsistema produtivo e tecno-científico continua,mais que nunca,marcado pelo desequilíbrio dasrelações.Em outras palavras, é preciso dizer queo poderoso movimento que empurra os povose as nações a se reapropriar de sua história ecultura é muito ambivalente. Este movimentopode,com efeito, levar às tentações extremas dofechamento em sua própria identidade: o retor-no ao tribalismo, à pureza das identidades etno-culturais e às múltiplas manifestações de intole-rância para com o estrangeiro. Todas estas for-mas radicais de exclusão do Outro podem tam-bém ser interpretadas como reações confusasàs exclusões inerentes às lógicas segregacionis-tas da globalização da economia?

6. Uma Guerra entre civilizações? - Partealguma do mundo está livre da tentação etnocul-

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tural que,dedicada ou brutalmente, a crise insta-la nas práticas e nas teorias. Novas visões mani-queístas do planeta se formam em seqüência àguerra fria, a partir da noção de “civilização”, in-terpretada como comunidade de história, lín-gua, cultura, tradição e, sobretudo, religião. Elasintroduzem a idéia de que é preciso erguer “for-talezas” para se defender do Outro. Pode-se per-ceber a recaída em desvios de um certo pensa-mento geopolítico que, extrapolando as liçõesde conflitos locais de importante dimensão cul-tural, como são as guerras da Bósnia e do Cáuca-so, transforma o sentimento de pertença a umacivilização a principal causa das guerras do ter-ceiro milênio. Tal é o argumento desenvolvidopor Samuel P.Huntington,que acredita que as fu-turas guerras não serão causadas por motivoseconômicos ou ideológicos, mas em nome dadefesa das “fronteiras da civilização”. Sete ouoito grandes civilizações vão se confrontar nofuturo, a saber: as “civilizações ocidental, confu-cionista, japonesa, islâmica,hindu,eslavo-ortodo-xa, latino-americana e, talvez,a africana”.Ao foca-lizar as “fronteiras sangrentas do Islã”, ao enxer-gar na aliança entre a civilização islâmica e aconfuciana o nascimento de pólos “potencial-mente perigosos para o Ocidente”,“desafiandoo poderio e os valores do Ocidente”, Hunting-ton aponta o “novo inimigo global” e exorta ospaíses integrantes da “civilização ocidental” a re-fletir sobre as conseqüências desse fato sobresua própria segurança.A “política mundial” deve

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não somente reafirmar os laços entre os países eos grupos defensores dos mesmos valores e in-teresses, mas também garantir “a permanênciada superioridade militar americana na ÁsiaOriental e no Sudoeste Asiático”.

Esta prospectiva culturalista e securitárianão somente exonera as fontes estruturais deexclusão econômica e social no mundo, masvela o fato de que o perigo na era do aumentodas pressões internacionais sobre as realidadeslocais e nacionais não provém principalmentede uma guerra civil entre as civilizações, mas doconflito no interior mesmo de cada cultura, lu-gar nodal onde se joga realmente a sorte da dia-lética mundialização/fragmentação.

Rumo a um novo “cosmopolitismo de-mocrático”?

1. As Causas planetárias. - As organiza-ções não governamentais irromperam no cená-rio da realidade internacional. Minoritárias atéentão, seu número multiplicou-se consideravel-mente; seus protagonistas, suas redes e sua ra-zão social diversificaram-se.

Esse fenômeno surgiu nos anos 60-70 apartir de três áreas principais:direitos humanos,as políticas das sociedades multinacionais noTerceiro Mundo e a proteção ao meio ambiente.De modo geral, essas associações provinhamdos países anglo-saxônicos.Assim, a Amnesty In-ternational fundada em 1961 por um grupo de

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juristas,entre os quais o irlandês Sean MacBride,e que se auto definiu como uma “organizaçãomundial de defesa dos direitos humanos, não fi-liada a qualquer governo ou ideologia”.A Inter-national Organization of Consumers Union(IOCU) foi criada em 1960 por associações deconsumidores de cinco países (Estados Unidos,Austrália, Reino-Unido, Bélgica e Países Baixos).Mais de 150 organizações estabelecidas emaproximadamente 60 países agora participamdo movimento. Esta organização, que dispõe detrês sedes regionais (Haia,Montevidéu,Penang),já iniciou diversas campanhas, principalmentecontra as estratégias de marketing das compa-nhias agroalimentares e farmacêuticas,da indús-tria de pesticidas e, mais geralmente, contra asmazelas do atual modelo de desenvolvimento.OGreenpeace nasceu em Vancouver em 1971 emmeio aos protestos contra os testes nucleares(americanos) e à guerra do Vietnã. Oito anosmais tarde começavam suas campanhas real-mente internacionais a favor da “paz verde” econtra os Estados ou empresas que ameacem oequilíbrio do meio ambiente.

Inventores da fórmula Think globally-Actlocally (Pense globalmente, atue localmente), asorganizações não governamentais representa-ram, na época um estilo novo, de intervençãosocial. Enquanto a maioria das organizações po-líticas e sindicais ainda hesitam em ocupar-se daquestão dos meios de comunicação, essas asso-ciações comprovadamente profissionais elabo-

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ram seu próprio dispositivo de comunicação,apropriam-se das mídias e conseguem transfor-mar sua causa em sujeito do acontecimento.Suaforça está na articulação de atividades de base enas pressões exercidas sobre autoridades gover-namentais e internacionais. Suas redes são umexemplo concreto da flexibilidade que tanto fal-ta à máquina central, estatal ou privada. O em-prego das novas tecnologias para a coleta, esto-cagem e análise das informações e para abrir in-tercâmbios não é mais segredo para elas.

Os anos 80 representam para a causa hu-manitária a emergência do charity business eda escalada midiática num contexto marcadopelo retraimento do Estado previdenciário e aderrocada das políticas públicas de ajuda ao de-senvolvimento. Para levantar fundos, as organi-zações aplicam intensivamente métodos depersuasão da comunicação lucrativa e outrastécnicas de mailing, e não hesitam em empre-gar os mesmos expedientes dos mestres emvenda por correspondência. O espírito de em-presa penetra tanto nas antigas organizaçõescomo nas novas.A palavra de ordem da comu-nicação chega até a organização fundadora daajuda humanitária moderna, a Cruz Vermelha,que se encontra na raíz do conceito jurídico de“espaço humanitário neutro”, aprovado pelaConvenção de Genebra em 1864. Antepassadadas organizações de apoio ao desenvolvimento,a OXFAM (Oxford Committee for Famine Re-lief), inaugurada em 1942, funde seu departa-

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mento de marketing e comunicação e remode-la as 850 lojas de sua cadeia de distribuição deprodutos comprados sem intermediários, dire-tamente dos produtores do Terceiro Mundopela Oxfam Trading e vendidos sob sua supervi-são. Os conceitos de fundo de “incentivo ao de-senvolvimento” são definitivamente abandona-dos e a nova onda de organizações não gover-namentais adota nomes mais tocantes, comoSave the Children, Foster Parents Plan, Méde-cins sans frontières, mais conhecidos em ou-tros países como French Doctors.

Nessa mesma década de 80, decênio porexcelência do mito da comunicação, a crescen-te influência da mentalidade administrativa pro-voca controvérsias. Na França, inicia-se o debatesobre os perigos das lógicas midiáticas.As obje-ções vão crescendo aos poucos.A exibição dasseqüelas da pobreza e das múltiplas formas deviolência produziam uma visão especial domundo,e sua capacidade de comover as audiên-cias definiria os temas e lugares de ação.A esco-lha das situações de emergência seria feita emdetrimento da ação a longo prazo e a despeitoda responsabilização do benévolo doador.O “de-ver de ingerência humanitária”oporia à comple-xidade das soluções políticas uma equação atermo único que tem a seu favor o mito da pro-ximidade do terreno, parâmetro de eficiência.

Os debates de grande visibilidade sobre aajuda emergencial têm, não obstante, ocultadooutras rupturas menos evidentes surgidas nas

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relações entre as sociedades civis. Movidas poruma filosofia do desenvolvimento que questio-na os termos do intercâmbio, surgiram novasformas de “cooperação descentralizadas” e deredes de trocas recíprocas do saber. O modelodifusionista da comunicação persuasiva perdeu,assim, lugar para uma reflexão sobre a “demo-cracia participativa”e sobre o papel que aí exer-cem os diversos veículos de comunicação. Énesta agitação que nasceu em 1983, a partir deQuebec, uma associação mundial que colocouem rede os autores das rádios comunitárias(AMARC). Esse entroncamento de radiodifusãoreúne rádios alternativas da América do Norte,rádios locais da Europa, rádios rurais da África,rádios populares da América Latina e da Ásia, e,ainda, rádios de movimentos sociais específicoscomo o movimento feminista.Mais recentemen-te,a emergência de formas inéditas de reagrupa-mentos suprafronteiriços (como as Euro-re-giões, o Arco Mediterrâneo, o Arco Atlânticoetc.) suscitou novas modalidades de coopera-ção não institucional, abrindo espaço não so-mente a diversos intercâmbios culturais, mas auma interrogação original sobre a identidade su-pranacional das regiões periféricas.

2. Rumo a uma “sociedade civil interna-cional”? - O balanço (provisório) da contribui-ção das ONGs ao aggiornamento internacio-nal é necessariamente parcial. Sua ação é am-bivalente. De um lado, elas servem de álibi aos

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governos e grandes instituições financeirascomo o Banco Mundial que apóiam seus proje-tos de organizações de base nos campos daeducação e da saúde. Sem dúvida, uma ótimaoportunidade se reabilitar facilmente suas polí-ticas globais de austeridade que provocam a ex-clusão social. A organização de base amortecede alguma forma os tratamentos de choque im-postos de cima em nome de uma racionalida-de financeira que ignora o custo social das me-didas impostas. Além disso, o modelo ONG re-presenta esta força que, pela sua concepção dedemocracia tal como é vivenciada,e pelas preo-cupações concretas, demonstra o vazio das fór-mulas abstratas dos discursos oficiais sobre ademocracia. A organização de assembléias pa-ralelas às conferências intergovernamentais -no Rio de Janeiro, em 1992, o “fórum mundial”do meio-ambiente e o desenvolvimento susten-tável, e em Pequim, em 1995, a conferência so-bre a mulher, está lá como prova. Mesmo se orisco encantatório espreita a cada instante estenovo modo de intercâmbio entre os povos.

Pela sua própria ambivalência, o surgimen-to de redes de ONGs, por sua origem e escopoos mais variados, constitui um fenômeno impor-tantíssimo da segunda metade do século XX.Elestraduzem uma aspiração a um tipo de espaçomundial diferente.No entanto,seria ilusório pen-sar que o mundo assiste ao advento de uma nova“sociedade civil internacional”. A difusão da

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concepção organizacional das ONGs significatambém a extensão de uma forma de interven-ção social de tradição anglo-saxônica,harmônicacom o empirismo – ambiente e inclinada a des-prezar a complexidade das sociedades contem-porâneas em termos de poder/contra-poder.

A possibilidade de uma sociedade civil in-ternacional continua dependendo, em grandeparte,das relações de força internas aos Estadosnacionais e de pressões exercidas a partir destesterritórios.Até prova em contrário, a menos quese acredite no mito do “fim do Estado” típico da“República mercantil universal”, o território na-cional continua sendo o lugar da construção dacidadania. O lugar de onde, sacudindo comple-tamente a concepção jacobina do papel do po-der estatal, a sociedade civil organizada pode re-cusar o movimento de desengajamento do Esta-do que conduz à totalidade neoliberal.Repensaresta articulação é, sem dúvida, o melhor modode contrabalançar o populismo e suas formasnacionais que se aproveitam da representaçãosimplista de um Estado abstrato e maléfico,oposta a uma sociedade civil idealizada, espaçoaberto de comunicação entre indivíduos plena-mente soberanos.

3. As Reações ao globalismo. - Os indiví-duos de todas as latitudes começaram a se sen-tir interpelados pela globalização. Somente umavisão midiacêntrica poderia fazer acreditar quea ligação ao horizonte planetário se resume a

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uma maior exposição às marcas, informações,programas e servidores transfronteiriços. A co-nexão ao mundo realiza-se também e, sobretu-do, na ordem do vivido. Ela ocorre baseada namutação do modelo econômico e social exigidapela integração de cada sociedade particular aoespaço mundial. Este abalo estrutural é interio-rizado pelos indivíduos na medida em que elesficam prejudicados diretamente em seu direitoao trabalho, à previdência social e aos serviçospúblicos. Nos grandes países industrializados,um número cada vez maior de pessoas começaa compreender a relação entre sua situação e osdeslocamentos industriais, a concorrência in-ternacional, a chamada obrigação financeira.Nos outros, freqüentemente há muito tempo,vários países descobriram as leis da economiamundial através do emprego de políticas de aus-teridade e de liberalização dos setores estratégi-cos da economia nacional, impostas pelos pro-gramas de “estabilização macro-econômica” e“ajuste estrutural” apadrinhados pelas institui-ções financeiras supranacionais,como condiçãodo reescalonamento de sua dívida externa.Taisreformas querem esvaziar as sociedades nacio-nais de seu conteúdo ao propor novos modelos“padrões”de instituições (educativas,comunica-tivas, sanitárias, urbanas etc.), conformes à lógi-ca da fluidez mercantil da globalização. Frenteao projeto de economia globalizada, as manifes-tações contrárias nem sempre seguem um úni-co padrão. Alguns exemplos de revoltas sãoapresentados a seguir.

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Ao saquear esporadicamente os templosdo consumo, os excluídos da globalização que,nas grandes cidades da América Latina, conhe-cem perfeitamente os códigos do universo doconsumo sem ter acesso a seus produtos, res-pondem de modo selvagem a um capitalismoque, em si, tem se mostrado cada vez mais de-vastador.

Ao protestar contra a transferência de li-vrarias e creches do centro para a periferia vi-sando aumentar o valor dos imóveis, a popula-ção de Chengdu, na província de Sechuan, e deoutras grandes cidades do sudoeste da Repúbli-ca Popular da China, manifestou, em 1994 e1995, sua preocupação frente a um modelo dedesenvolvimento de livre comércio essencial-mente voltado para a exportação, e centralizadoem “zonas econômicas privilegiadas”.

Rompendo com os métodos dos movi-mentos revolucionários dos anos 60, a guerrilhado Estado de Chiapas abriu, no México, umnovo espaço de discussão sobre o futuro daidentidade nacional na era da constituição daimensa zona de livre comércio com os EstadosUnidos e Canadá. Esta talvez tenha sido a pri-meira rebelião armada, aliando habilmente umaestratégia de comunicação nacional, compatívelcom o alto grau de “alfabetização midiática” dasociedade mexicana, e a ligação internacionalcom a rede Internet. Esta rebelião é tanto maisemblemática quanto o México foi por muitotempo celebrado como o melhor aluno do Ban-

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co Mundial, antes que o estouro de uma crise fi-nanceira precipitasse o país à beira de uma con-vulsão social. Projetada no cenário internacio-nal, esta rebelião tornou-se o símbolo de umamodalidade de resistência ou modelo neolibe-ral. Ela é um desses “bolsões de resistência” deque fala o sub-comandante Marcos, núcleos deresistência que os excluídos da modernidade,os“descartáveis”, formam por todo o planeta.

Na França, as manifestações de um movi-mento grevista tenaz que mobilizou, no final de1995, os trabalhadores dos diversos setores pú-blicos (transportes, correios, gás e eletricidade,escolas e hospitais) foram interpretadas como aprimeira revolta de um país do G7 contra a mun-dialização telecomandada pelos mercados finan-ceiros. Como escrevia no auge da crise para ojornal Le Figaro de 15 de dezembro, o historia-dor britânico Theodore Zeldin:“O que está acon-tecendo na França é de importância universal...As pressões na raiz dessas turbulências têm cau-sas planetárias. É uma época que chega ao seufim.” Sinal da ambigüidade das revoltas contra oglobalismo onde existe uma linha divisória ne-cessariamente estreita entre o entrincheiramen-to identitário e a busca de uma via alternativa deacesso ao “universal”: nesse movimento reivindi-cativo de caráter sindical que visa redefinir ostermos do contrato social, novos processos deaquisição de uma identidade social, no seio deorganizações em plena recomposição, têm coe-xistido com práticas corporativistas antiquadas.

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A unificação da economia coloca um de-safio maior em relação às formas de contesta-ção. Ela exige organizações sociais ancoradasnum território historicamente situado, mascom capacidade de alargar seu horizonte alémde seu enclave natural para reencontrar aquiloque as une às outras realidades. Mais de 150anos depois do debate entre os defensores dasredes universalizantes do industrialismo e osdefensores das redes de solidariedade socialcomo fundadores do “cosmopolitismo demo-crático”, a questão da edificação da internacio-nalidade ressurge mais atual que nunca, no ras-tro da globalização. Num planeta onde se di-versificou o leque das personagens suscetíveisde lhe conferir uma forma, mas onde, parado-xalmente, não cessaram de se acentuar as bar-reiras à comunicação, ao entendimento mútuoapesar das fronteiras sociais ou culturais, e asdificuldades de reconhecer a capacidade cria-tiva entre as diferenças.

4.O Rompimento técnica/sociedade. - Emvirtude dos progressos tecnológicos sempremais acelerados, o desencontro entre técnica esociedade não cessou de crescer e foi de parcom o agravamento do desnivelamento mundial(e com o agravamento daquilo que Freud cha-mava de doença civilizatória do homem trans-formado em “deus protético”) . Uma das tarefasprimordiais é, sem dúvida, reconciliar os cida-dãos com um sistema técnico que lhes é, atual-

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mente, em grande parte, estranho e, como o de-fendia o filósofo e psiquiatra Felix Guattari pou-co antes de seu falecimento em 1992,“criar no-vos universos de referência a fim de abrir cami-nho à reapropriação e uma ressimbolização doemprego dos instrumentos de comunicação einformação fora das fórmulas repisadas do mar-keting”. Mas não é menos imperativo transpor-tar a questão da apropriação em nome da cida-dania além do domínio individual do instrumen-tal multimídia, levando-a lá onde se define a ar-quitetura dos sistemas de comunicação. Pois, seé certamente um abuso esperar que a técnicasalve o planeta, não é menos verdadeiro que elaconstitui um ponto chave na redefinição docontrato social e das instituições no plano locale em escala mundial.

É urgente tomar consciência daquilo queo filósofo Bernard Stiegler denominou como“processo global de exteriorização da memó-ria”. Os sistemas de estruturação do sentidopela digitalização do saber supõem um modelogeocultural que pode impor como critério deuniversalidade um modo particular de pensar ede sentir, uma maneira própria de “organizar amemória coletiva”, como já diziam Simon Norae Alain Minc ao diagnosticar a ameaça de mono-polização dos “estoques de informação” poruma única potência. Com o desdobramento dociberespaço global, coloca-se a questão da mo-delização do saber por uma sociedade hegemô-nica que corre o perigo de praticar uma divisão

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seletiva quanto à sua própria memória coletiva.Que a decisão histórica, tomada em 1995, deconfiar cegamente na totalidade mercantil, parafavorecer a expansão das autovias da informa-ção, não tenha sido legitimada senão pelo sagra-do princípio da competitividade,deveria ser umsério motivo de reflexão para o homem hones-to do século XXI. O que é ainda mais importan-te quando se sabe que os organizadores dessaprimeira Conferência do G7 sobre a sociedadeplanetária da informação recusaram-se colocarem pauta de discussão o tema do “conteúdo”,ou seja,a diversidade cultural,porque é conside-rada “por natureza, muito polêmica”.

Assim pouco a pouco, com a conivênciados Estados nacionais e de seus representantessupranacionais, e protegidos da curiosidade dasociedade civil, fica confirmada a condição depersonagem política da empresa privada quereivindica para a Global Business Communityum lugar de importância nas decisões que vi-sam a instauração das regras gerais que orienta-rão seus negócios.

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Conclusão

Em Mutianyu (China),ao pé da escada quedá acesso à Grande Muralha, foi posto, em maiode 1989, um bloco de granito onde pode serlido:“Destinada no passado a proteger seus ha-bitantes contra os ataques do inimigo, a GrandeMuralha reúne hoje os povos do mundo.Ela per-manecerá como sinal de amizade para as gera-ções futuras.” O logotipo da empresa multina-cional européia que financiou a restauração des-sa parte da obra monumental está colocado aci-ma da inscrição em três línguas, onde se desta-ca sobretudo a inglesa.

Esta marca de uma empresa multinacionalem parte de um monumento é uma parábolaem si. Ela fala sobre a pretensão das persona-gens chamadas a reger a nova economia, a fazera história e a tomar as rédeas na construção dasligações sociais universais. Ela confirma a ambi-güidade das relações estabelecidas entre o uni-verso empresarial e o mundo da Cidade. Reabi-litadas como instituições sociais, as grandes uni-dades econômicas não cessaram de estenderseu império além da simples esfera de produçãoe de proclamar sua vocação cósmica. Mas esta-ria a empresa global à altura da nova missão queela se autoconfere?

“A globalização significa que nunca maisalguém poderá dizer que se está sozinho”,escre-

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veu em 1994 o jornalista e escritor mexicanoCarlos Monsivais. Símbolo do processo geral dedespersonalização e de desnacionalização, olaço global esvazia o mundo de suas persona-gens sociais.A força de se pensar como socieda-des de responsabilidade ilimitada, administrado-ras da totalidade social, e de pretender regula-mentar o conjunto da Cidade acreditando na au-todisciplina do mercado,as grandes unidades daeconomia mundial tornaram-se sociedades des-responsabilizadas. Sua aspiração ao “universal”esconde, de fato, uma fuga para diante. No finaldos anos 50, analisando as mitologias de seutempo, Roland Barthes falava da burguesiacomo uma “sociedade anônima”.Hoje,esse rótu-lo pode ser aplicado à World Business Class.

Núcleo central dos discursos sobre a so-ciedade da informação, a argumentação globa-lista não extrapola menos a questão das redestécnicas e o círculo das empresas mundiais. Elaencarna um modo generalista de abordar osproblemas da geopolítica e de exorcisar os peri-gos que ameaçam o planeta.Antes de inaugurara noção de “infra-estrutura global da informa-ção”,Albert Gore adaptou o tratamento global àcrise ecológica,ao propor um plano Marshall domeio ambiente que evita cuidadosamente tocarno princípio produtivista do modelo de desen-volvimento da economia mundializada.O gover-no dos Estados Unidos tem agora um subsecre-tário de Estado para os “negócios globais”.E nãoserá um acaso se a noção de Global Human

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Security tornar-se uma característica recorren-te dos discursos sobre o futuro do mundo pelasinstâncias internacionais.

Para fazer calar suas próprias incertezas,osmentores ideológicos do globalismo impõemcomo verdade científica a questão do processocujo futuro pode ser qualquer coisa, menos es-tar escrito em pedra. Em nome do imperativocategórico geo-tecno-financeiro, as sociedadessão obrigadas a curvar-se à ordem de aceitar asdesregulamentações do estado de direito comoalgo indiscutível. Apresentados aos cidadãoscomo fatos acabados, estes decretos os privamde sua voz e, por isso mesmo, fazem recuar osumbrais da tolerância democrática. Aproveitan-do-se da angústia individual e coletiva frente aum mundo que transformou o trabalho num pri-vilégio, a globalização da ameaça à pobreza éutilizada como argumento de autoridade paraimpedir que se adote uma posição crítica frenteao rumo das coisas.

Ao longo de toda sua trajetória, a interna-cionalização tem sido uma promessa e um ris-co. E continua sendo mais do que nunca. Frágilé o projeto de unificação do planeta que trata amudança social como um produto derivado daeconomia generalizada e da market mentality,e confia ao monetarismo a incumbência de es-truturar a sociedade digital. Ilusória é a “soluçãoglobal” que deixa à Pandora o cuidado da rees-truturação do mundo e nega à sociedade dos ci-dadãos o direito de pensar em outros caminhos

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de integração supranacional e para uma cons-ciência planetária que esteja à altura do desafiode civilização representado pelo momento his-tórico. Frente ao realismo de fachada represen-tado pela “República mercantil universal”, nun-ca será demais dizer que somente a busca deuma interdependência capaz de liberar as diver-sas comunidades humanas da obsessão dasidentidades únicas e de derrubar as cercas men-tais da intolerância atiçada tanto pelos naciona-lismos exclusivistas como pelo mundialismodos triângulos de ouro do livro comércio mere-ce que se consagre a ele a aspiração da “grandeRepública democrática”.

“Um dia tudo estará bem, eis nossa espe-rança! Tudo está bem agora, eis nossa ilusão!”,exclamavam Voltaire e os Iluministas.Neste finalde século, quando começa a se desgastar a ideo-logia do progresso e das grandes utopias políti-cas de emancipação, substituídas pela utopia daprótese cibernética, digamos antes com EdgarMorin: “Nossa esperança deve abandonar qual-quer possibilidade de salvação. É por isso queprefiro falar em esperança trágica.”

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Sobre o livro

Formato: 12 x 19 cmMancha: 17 x 32.5 paicasTipologia: Garamond Book (texto)Papel: Ripasa - Dunas 75g/m2 (miolo)

Equipe de Realização

Coordenadora ExecutivaLuzia Bianchi

Produção GráficaRenato Valderramas

Edição de TextoCarlos Valero

RevisãoMariza Inês Mortari RendaJosé Romão

Projeto GráficoCássia Letícia Carrara Domiciano

Criação da CapaMarcos Horta

CatalogaçãoValéria Maria Campaneri

DiagramaçãoHilel Hugo de Oliveira Mazzoni