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5. Paleomagnetismo: uma nova pista A CIÊNCIA DO PALEOMAGNETISMO CONTRIBUIU PARA o APERFEIÇOAMENTO DA TEORIA DA DERIVA. POR ESSE RECURSO, I - TORNOU-SE POSSIVEL DETERMINAR A POSIÇAO DAS ROCHAS EM - I I RELAÇAO AOS POLOS TERRESTRES NA EPOCA EM QUE FORAM FORMADAS E COMPARÁ-LA COM SUA POSIÇÃO ATUAL. O "CALENDÁRIO" DE INVERSÕES MAGNÉTICAS MOSTROU UMA CONTÍNUA RENOVAÇÃO DAS ROCHAS DO FUNDO DO MAR. Uma pequena recapitulação e ordenação dos fatos Imagine você o espanto do navegante português João de Castro, vice- rei da Índia, quando, em 1538, viajando pelo Mar Arábico, nas proximi- dades de Bombaim, tendo atracado em uma pequena ilha, colocou sua bússola sobre o rochedo e verificou que a agulha se inverteu: apontava para o sul em vez de apontar para o norte! A única coisa que o bravo navegador poderia fazer era anotar o incidente em seu diário de bordo e, provavelmente, trocar de bússola. Mas a informação, meticulosamente registrada, embora ficasse esque- cida durante séculos, veio a ser redescoberta e, finalmente, a colabo- rar poderosamente na explicação da deriva dos continentes e, o que é 58 59 A DERIVA DOS CONTINENTES mais importante, na fixação das datas em que os fenômenos principais se verificaram. Comecemos a ordenar novamente nossos dados. Temos, na verda- de, algumas peças importantes, conquistadas pela geofísica e geoquími- ca recentes, concorrendo para a comprovação da hipótese lançada por Wegener. Ele já sabia que as rochas que formam os continentes têm menor densidade que as rochas que compõem o manto e o fundo do mar. O que ele não podia ter adivinhado é que aquelas rochas leves, de silicato de alumínio, eram a espuma do manto, destacada há bilhões de anos e acumulada na superfície. Ele adivinhava, entretanto, que, flutu- ando sobre o magma meio mole e mais denso, os continentes eram como que iceberqs, com a maior parte afundada no magma e uma pequena par- te aflorando acima da superfície. Experiências têm sido feitas utilizando modelos físicos (ou o computador) em que blocos de material com densidade igual a 2,8 (densidade dos granitos) são colocados sobre um líquido de densidade 3,2 (densidade do magma): os blocos são independentes, de modo que possam deslocar-se para cima ou para baixo, de acordo com os empu- xos previstos pela Lei de Arquimedes. O resultado é semelhante ao que se observa na figura a seguir e já havia sido utilizado por Suess e outros autores anteriores aWegener para explicar os movimentos ver- ticais observados na crosta em decorrência da redução ou aumento de cargas sobre os continentes. Por exemplo: há muito se observou que a Península Escandinava vem subindo à medida que derrete progressi- vamente o gelo que se acumulou sobre suas montanhas nos períodos de glaciação, quando a temperatura da Terra era mais baixa que hoje. A descoberta da "espuma" confirma, pois, a possibilidade suposta por Wegener de que os continentes, flutuando, possam estar se deslocan- do numa ou noutra direção, tal como os iceberps sobre o mar. Outro dado importante - que Wegener nem sequer suspeitou - é que o assoalho dos oceanos anda. Wegener não atinou com isso, mas o grande geólogo inglês Arthur Holmes, adepto da idéia da deriva, levan- tou a hipótese em 1929.

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5. Paleomagnetismo: uma nova pista

A CIÊNCIA DO PALEOMAGNETISMO CONTRIBUIU PARA

o APERFEIÇOAMENTO DA TEORIA DA DERIVA. POR ESSE RECURSO,

I -TORNOU-SE POSSIVEL DETERMINAR A POSIÇAO DAS ROCHAS EM

- I IRELAÇAO AOS POLOS TERRESTRES NA EPOCA EM QUE FORAM

FORMADAS E COMPARÁ-LA COM SUA POSIÇÃO ATUAL.

O "CALENDÁRIO" DE INVERSÕES MAGNÉTICAS MOSTROU UMA

CONTÍNUA RENOVAÇÃO DAS ROCHAS DO FUNDO DO MAR.

Uma pequena recapitulação e ordenação dos fatos

Imagine você o espanto do navegante português João de Castro, vice-rei da Índia, quando, em 1538, viajando pelo Mar Arábico, nas proximi-dades de Bombaim, tendo atracado em uma pequena ilha, colocou suabússola sobre o rochedo e verificou que a agulha se inverteu: apontava

para o sul em vez de apontar para o norte!A única coisa que o bravo navegador poderia fazer era anotar o

incidente em seu diário de bordo e, provavelmente, trocar de bússola.Mas a informação, meticulosamente registrada, embora ficasse esque-cida durante séculos, veio a ser redescoberta e, finalmente, a colabo-rar poderosamente na explicação da deriva dos continentes e, o que é

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A DERIVA DOS CONTINENTES

mais importante, na fixação das datas em que os fenômenos principaisse verificaram.

Comecemos a ordenar novamente nossos dados. Temos, na verda-de, algumas peças importantes, conquistadas pela geofísica e geoquími-ca recentes, concorrendo para a comprovação da hipótese lançada porWegener. Ele já sabia que as rochas que formam os continentes têmmenor densidade que as rochas que compõem o manto e o fundo domar. O que ele não podia ter adivinhado é que aquelas rochas leves, desilicato de alumínio, eram a espuma do manto, destacada há bilhões deanos e acumulada na superfície. Ele adivinhava, entretanto, que, flutu-ando sobre o magma meio mole e mais denso, os continentes eram comoque iceberqs, com a maior parte afundada no magma e uma pequena par-te aflorando acima da superfície.

Experiências têm sido feitas utilizando modelos físicos (ou ocomputador) em que blocos de material com densidade igual a 2,8(densidade dos granitos) são colocados sobre um líquido de densidade3,2 (densidade do magma): os blocos são independentes, de modo quepossam deslocar-se para cima ou para baixo, de acordo com os empu-xos previstos pela Lei de Arquimedes. O resultado é semelhante aoque se observa na figura a seguir e já havia sido utilizado por Suess eoutros autores anteriores aWegener para explicar os movimentos ver-ticais observados na crosta em decorrência da redução ou aumento decargas sobre os continentes. Por exemplo: há muito se observou que aPenínsula Escandinava vem subindo à medida que derrete progressi-vamente o gelo que se acumulou sobre suas montanhas nos períodosde glaciação, quando a temperatura da Terra era mais baixa que hoje.A descoberta da "espuma" confirma, pois, a possibilidade suposta porWegener de que os continentes, flutuando, possam estar se deslocan-do numa ou noutra direção, tal como os iceberps sobre o mar.

Outro dado importante - que Wegener nem sequer suspeitou - éque o assoalho dos oceanos anda. Wegener não atinou com isso, mas ogrande geólogo inglês Arthur Holmes, adepto da idéia da deriva, levan-tou a hipótese em 1929.

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POLEMICA

Continente,: Água:domaMontanhas.

(A) (8)

o princípio da isostasia: (Ai cada relevo do continente é compensa-do, em profundidade, por uma "raiz", tal como um iceberg na água;(8i modelo teórico construído com ajuda de uma série de blocoscom densidade 2,8 flutuando em um líquido com densidade 3,2.

Holmes, na verdade, não estava muito convencido das explicaçõesde Wegener para as causas da deriva. Estudando a fundo a questão doaquecimento interno da Terra pela radioatividade de suas rochas, nãoencontrava uma explicação muito satisfatória para a transferência que seobserva desse calor das regiões profundas para a superfície terrestre.

A simples transferência através dos vulcões era insuficiente. Deve-riam, segundo Holmes, existir correntes de convecção, isto é, corren-tes de magma aquecido que subiriam das regiões centrais da Terra paraas regiões supe~ficiais, levando o calor para cima e depois voltando parao fundo, à medida que resfriassem. Esse movimento circulatório domagma, além de aquecer as rochas da superfície, empurraria os conti-nentes. O afundamento de magma resfriado, de volta às regiões profun-das, explicaria ainda a existência dos grandes buracos ou fossas abissais

oceânicas existentes nas bordas do Pacífico, por exemplo, enquanto asmargens dos continentes, nesses locais de fricção com a corrente demagma que se afunda, tenderiam a levantar-se formando as cordilhei-ras. Evidentemente, o próprio atrito dessa corrente de encontro ao con-tinente poderia constituir a origem dos terremotos, tão mais freqüen-tes nessas regiões que em outras. A descoberta, realizada trinta anosdepois, do deslocamento do fundo dos oceanos a partir das dorsais veioconfirmar plenamente a suspeita de Holmes.

Os fósseis e as diferenças de composição das rochas de superfícieem diferentes regiões do globo - especialmente junto às costas oceâni-

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A DERIVA DOS CONTINENTES

cas dos diversos continentes, hoje separados pelo mar - constituíramtestemunhos importantes para atestar a identidade dessas porções quese separavam. Mas não havia nenhum testemunho do caminho seguidonessa separação, isto é, da história de cada fragmento da crosta terrestreem sua viagem flutuando sobre o magma. Além disso, não havia maneirade medir, com exatidão, a velocidade com que caminhava o tapete ro-lante de basalto empurrando os continentes. Foram as anomalias mag-néticas, como a observada pelo português João de Castro no século XVI,que vieram resolver o problema.

o magnetismo fóssil

Fabrica-se um Ímã colocando um pedaço de ferro puro em um campomagnético. Quando o campo é retirado, o ferro permanece com certo graude irradiação residual. Dessa mesma maneira são fabricadas, por exemplo,as agulhas magnéticas das bússolas. Desde os tempos do antigo império chi-nês, sabe-se que essas agulhas imantadas, colocadas sobre um eixo ou mes-mo molhadas em óleo e flutuando sobre a superfície da água, apontam sem-pre para uma mesma direção da Terra, que foi chamada norte magnético ecorresponde mais ou menos ao norte geogréifico ou norte verdadeiro.

A natureza fabrica Ímãs há milhões de anos, pelo menos desdequando a própria Terra se tornou um grande campo magnético, prova-velmente por imantação de seu núcleo de ferro fundido, provocada porum grande corpo magnético como o Solou outro corpo celeste.

As lavas vulcânicas que contêm ferro, principalmente na for-ma de magnetita, tornam-se imantadas no decurso do seu resfria-mento, adquirindo a mesma orientação norte-sul do campo ter-restre que originou a imantação. Seria de supor, pois, que os pe-quenos Ímãs assim formados, nas rochas vulcânicas de qualquer lu-gar da Terra e de qualquer idade, tivessem a mesma orientaçãomagnética, isto é, indicassem a direção norte-sul. A não ser queessas rochas, depois de imantadas, tivessem sofrido uma rotação, oque realmente acontece!

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POL~MICA

A imantação das lavas vulcânicas foi descoberta em 1853. Esseachado adquiriu grande importância em relação aos estudos do magne-tismo terrestre, por constituir um registro fóssil, como que "congela-do", do magnetismo de milhares de milhões de anos passados, quandoda formação das lavas: uma verdadeira "memória magnética" da Terra.

Com a invenção, por volta de 1950, de aparelhos muito sensi-

veis para avaliação do magnetismo terrestre, denominados magnetô-

metros, algumas equipes de cientistas começaram a medir sistemati-camente o magnetismo de rochas em diferentes partes do mundo,com o fito de obter datações que permitissem traçar a história domagnetismo terrestre e determinar a sua origem. Esse estudo, de-nominado pa1eomagnetismo, adquiriu grande importância em relação

à comprovação da deriva.O primeiro desses estudos sistemáticos, realizado na Inglaterra em

rochas pertencentes ao Triássico, isto é, datadas de aproximadamente200 milhões de anos, trouxe a enorme surpresa: a orientação do campomagnético daquelas rochas não coincidia com a direção norte-sul, istoé, com a orientação do campo magnético terrestre que o havia origina-do. Isso significava o quase absurdo de dizer que a própria Inglaterra,formada por aquelas rochas, havia sofrido uma rotação durante esses200 milhões de anos! Absurdo realmente, se não se considerasse o fenô-meno da deriva, o que transformava não apenas a ilha britânica comotambém os maiores continentes em verdadeiras jangadas de pedra des-

locando-se sobre o mar de magma.Os ingleses do Imperial College, entre espantados e entusiasma-

dos, decidiram confirmar essa hipótese em outros locais do mundo. Pas-saram a estudar o paleomagnetismo das rochas de países do império bri-tânico como África do Sul, Austrália, Canadá, Índia, localizados em vá-rios continentes. Puderam observar, então, em rochas magnetizadas dediferentes idades, que sua orientação magnética variava de forma contí-nua ao longo dos tempos, o que só poderia significar que os próprioscontinentes onde se localizavam tivessem sofrido movimentos de deslo-camento angular em relação aos pólos magnéticos da Terra.

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A DERIVA DOS CONTINENTES

Alguns cientistas, na época, resistentes à idéia de Wegener, propuse-ram uma conclusão alternativa: que os pólos magnéticos tivessem mudadolentamente de posição e não os continentes. Mas isso não explicaria os des-locamentos angulares ocorridos na Europa, comprovados pelos dados paleo-climáticos apontados por Wegener e já aqui referidos, demonstrando que aAmérica do Sul e a África já estiveram muito mais próximas do pólo do quehoje (pois já foram parcialmente cobertas de gelo). Na mesma época, ainda,o continente europeu passeava pelos trópicos, o que é evidenciado pelosdepósitos de carbono fóssil da Inglaterra e outras regiões frias.

A comparação desses deslocamentos completou perfeitamente oquadro: os continentes não são fixos, plantados eternamente em lugarespredeterminados do globo terrestre. Mas isso ainda não foi suficiente paraas cabeças mais irredutíveis. Um dos mais teimosos, Harold ]effreys, pas-sou a afirmar que o magnetismo das rochas nada tinha que ver com omagnetismo terrestre: era induzido pelo martelo do geólogo, quando esteretirava as lascas de pedra levadas como amostra para o laboratório ...

o relógio magnético terrestre

Os pólos magnéticos daTerra não sofrem deslocamentos lentos ao lon-go dos tempos. Eles sofreram inversões bruscas, com certa freqüência, desdea origem da Terra até hoje. Isto é, o pólo norte de hoje já esteve no sul,depois retornou ao norte, sucessivas vezes, sempre em mudanças bruscas-para não dizer instantâneas. Foi isso que denunciou a bússola do navegadorportuguês em Bombaim, no ano de 1538: a rocha sobre a qual colocara seuaparelho datava de uma época em que os pólos estavam invertidos. Vejamoso que esse português, extremamente cauteloso e movido por uma curiosi-dade verdadeiramente científica, registrou em seu diário de bordo:

Quando eu coloquei minha bússola sobre uma grande rocha

para verificar a orientação da ilha, a agulha magnética subitamente

girou indicando norte onde antes era o sul. Quando vi isso, eu su-

pus que a agulha houvesse saído do seu eixo e retirei novamente a

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POL~MICA

bússola daquela rocha para colocá-Ia em ordem. Quando o fiz, su-bitamente a agulha girou e o norte retornou ao seu lugar original!Concluindo que essa estranha ocorrência deva ser causada pelanatureza da rocha, eu retirei e recoloquei o instrumento repetidasvezes, e em todas elas o fenômeno se repetiu. Muitosurpreso como incidente, eu caminhei por todo aquele monte colocando a bús-sola em cada rocha que encontrava, mas não ocorreu nenhumavariação. Encontrei apenas um matacão próximo àquele primeirode idêntica natureza, mas nele a agulha não fez um giro tão com-pleto (The Sciences, da Academia de Ciências de Nova York).

Fenômenos como esse foram observados outras vezes, como na Ín-dia, durante o século XIX, e na França e Japão, no início do século XX.Muitos cientistas procuraram, então, dar explicações para o fenômeno,alguns imaginando que se tratasse de algum mineral com propriedadespeculiares presente nas rochas em questão, outros que se tratasse deefeito de raios. Poucos foram os que suspeitaram que o fenômeno serevestia de maior importância, relacionada com a própria história geo-lógica do planeta. Só em 1963 é que isso veio a ser comprovado.

Durante aquele ano, duas equipes de cientistas trabalhando inde-pendentemente - uma da Universidade Nacional Australiana, em Cam-berra, e a outra do Serviço de Levantamento Geológico dos EstadosUnidos, em Menlo Park, Califórnia - descobriram que rochas proce-dentes das mais variadas partes do globo, mas todas de mesma idade,apresentavam polaridade invertida. E, o que era mais importante, essainversão ocorrera várias vezes durante a história da Terra: pelo menos25 vezes durante os últimos 5 milhões de anos! Os cientistas puderamconcluir, pois, que periodicamente os pólos magnéticos da Terra se in-vertem e que as rochas vulcânicas que se formam nesses períodos con-servam o magnetismo inverso até hoje, como se fossem verdadeiros=e=» fósseis, fornecendo não só sugestões da direção como tambémda intensidade relativa do magnetismo terrestre em cada período da his-

tória da Terra.

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A DERIVA DOS CONTINENTES

Conseqüências e causas da inversão magnética

Em média, a inversão ocorreu a cada 200 mil anos nos últimos 5milhões de anos. O mais curioso é que a última registrada nas rochasteve lugar há mais de 700 mil anos, o que significa estar demorandomuito para haver outra.

Você já imaginou o que representaria para o mundo de hoje umatal inversão?

Em primeiro lugar, todo o sistema de orientação de navios, aviõese mísseis entraria em colapso. Além disso, há um grande número deseres vivos - bactérias, peixes, insetos e aves - que se orienta pelo cam-po magnético e provavelmente não encontraria mais o caminho de casa.O clima também sofreria grandes mudanças: as partículas radiantesemitidas pelo Sol em direção à Terra permanecem afastadas centenas dequilômetros do campo magnético terrestre enquanto se encaminhamem direção a um dos pólos; durante o processo de inversão, ocorreriaum enfraquecimento temporário do magnetismo, permitindo que aspartículas atravessassem a atmosfera superior e dessem origem a núcle-os para o crescimento de cristais de gelo, provocando assim a formaçãode imensas massas de nuvens de gelo que poderiam produzir invernosrigorosos e chuvosos.

Não há, porém - segundo os cientistas -, perigo de um cataclismodesses ocorrer sem aviso prévio. Embora se acreditasse, a princípio, quea inversão seria quase instantânea, hoje se sabe que é precedida de mu-danças graduais, anomalias magnéticas que ocorrem durante séculos.Atualmente, algumas anomalias nas camadas mais profundas - de ferroderretido - da Terra sugerem que uma nova inversão dessa ocorra, po-rém não antes dos próximos 2 mil anos!

Sabe-se hoje que cerca de 90% do magnetismo terrestre possuiuma orientação semelhante à que seria encontrada em uma gigantescabarra de ferro imantada que correspondesse ao eixo de rotação do pla-neta. Esse gigantesco dipolo magnético (assim como seis outros bemmenores, responsáveis por 10% do magnetismo) é gerado pelo movi-

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POL~MICA

mento incessante do ferro em fusão que existe no centro da Terra, amilhares de quilômetros de profundidade. Assim como em um caldei-rão de mingau aquecido, o núcleo de ferro é mais quente no centro,produzindo movimentos de convecção em direção às regiões periféri-cas, onde o ferro pastoso se resfria; mergulhando novamente, ele origi-na ondas com cerca de 150 quilômetros de diâmetro.

A partir do momento em que, há alguns bilhões de anos, o núcleorecebeu uma forte dose de magnetismo de uma fonte externa como oSol (sabe-se que o Sol já teve um campo magnético muito mais forteque o de hoje), o ferro que o constitui passou a gerar eletricidade, comoqualquer condutor elétrico, ao mover-se através do campo magnético.Essa corrente elétrica intensifica o campo magnético, que, por sua vez,aumenta a corrente elétrica, formando um círculo vicioso tal comoacontece nos antigos dínamos usados para acender o farolete das bici-cletas. Ocorre, porém, que o dipolo assim formado não está alinhadoexatamente ao eixo terrestre, e as ondas de ferro derretido variam deamplitude em cada direção. Assim, a posição do pólo magnético depen-de da predominância dessas ondas em uma ou outra direção '.

Todas essas descobertas, aparentemente sem importância para aquestão da deriva dos continentes, vieram, entretanto, a constituir maisuma importantíssima peça a ser encaixada no grande quebra-cabeça.Elas permitiram estabelecer com precisão as datas em que ocorreram asprincipais mudanças bem como a velocidade com que se dá o alarga-mento dos oceanos.

3 Pesquisas recentes vêm sugerindo que o grande núcleo de ferro do Terra comporto-se como um imensocristal, com volume semelhante 00 do lua e tõo quente quanto o superfície do Sol, girando de modoindependente (e com maior velocidade) como se fosse um "planeta autõnomo", dentro de um "lubrifi-cante" representado pelo camada de ferro líquido que o envolve.

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6. A medida das idades geológicas

A DETERMINAÇÃO DA IDADE DAS ROCHAS CONSTITUI IMPORTANTE

FATOR PARA COMPROVAR O DESLOCAMENTO DOS CONTINENTES.

A IDADE DE ROCHAS SEDIMENTARES PODIA SER CALCULADA PELA

CONTAGEM DE CAMADAS SOBREPOSTAS. FINALMENTE OS MÉTODOS

BASEADOS NA RADIOATIVIDADE DE ALGUNS COMPONENTES DAS

ROCHAS VIERAM COMPLEMENTAR E DAR MAIOR PRECISÃO

I

AOS METODOS ANTERIORES.

Lyell e o processo estratigráfico

O grande cientista Charles Lyell, em 1828, viajando pelo interiorda França, na região do Auvergne (famosa pelos seus presuntos), tevesua atenção despertada por rochas de origem sedimentar formadas pordeposição de lodo muito fino no fundo de antigos lagos. Desaparecidosos lagos há milhões de anos, restou uma rocha constituída de inúmerascamadas muito finas, dispostas como as delgadas folhas de certas tortasque os confeiteiros fazem e a que dão o nome sugestivo de "mil-folhas"ou "massa falhada". Essas rochas são assim chamadas Jolhelhos ou xis tos .

Lyell descobriu que, naquele caso particular, cada folha milimétri-ca representava um período de um ano de deposição de argilas no antigo

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