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1 Patrícia Cappuccio de Resende A “TRANSMISSÃO” FAMILIAR DA LEITURA E DA ESCRITA: UM ESTUDO DE CASO Projeto de monografia apresentado ao curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFMG. Orientador: Antônio Augusto Gomes Batista Belo Horizonte Agosto de 2004

Projeto monografia patrícia

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Patrícia Cappuccio de Resende

A “TRANSMISSÃO” FAMILIAR DA LEITURA E DA ESCRITA: UM

ESTUDO DE CASO

Projeto de monografia apresentado

ao curso de Pedagogia da Faculdade

de Educação da UFMG.

Orientador: Antônio Augusto

Gomes Batista

Belo Horizonte

Agosto de 2004

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Índice

1) Apresentação p. 03

2) Justificativa e fundamentação teórica p. 03

3) Objetivos

Objetivo geral p. 08

Objetivos específicos p. 09

4) Metodologia p. 09

Os sujeitos da pesquisa p. 10

Procedimentos Metodológicos p. 12

Como coletar os dados p. 12

Procedimentos de Análise p. 15

5) Cronograma p. 16

6) Referências bibliográficas p. 17

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3

Apresentação

Esta pesquisa situa-se no campo da Sociologia da Educação, mais especificamente no

cruzamento dos estudos das ciências sociais a respeito da família e de suas práticas de

transmissão cultural, sobretudo aquelas relacionadas à leitura e à escrita.

O projeto tem como objeto os modos pelos quais uma determinada família tem buscado

transmitir um conjunto de saberes, práticas e disposições que visam assegurar o sucesso

nas aprendizagens escolares da leitura e da escrita e a construção de um “gosto” pela

leitura, bem como o modo pelo qual, nessa configuração familiar específica, os filhos se

apropriam desses saberes, práticas e disposições.

Para isso, pretende-se estudar uma família pertencente às classes médias que apresenta

dois casos de sucesso escolar. Esta família é constituída por um professor do ensino

fundamental, médio e superior, o chefe da família, casado com uma dona-de-casa,

estudante do ensino superior. O casal tem três filhos: uma menina de 13 anos, outra de

dez anos, um menino de um ano e aguardam a chegada do próximo filho. As duas

primeiras filhas vêm apresentando trajetórias escolares de sucesso segundo a escola,

sendo que a primeira possui, de acordo com os pais, a escola e a própria criança,

considerável desenvoltura nas habilidades de leitura e escrita e gosto por essas práticas,

enquanto os interesses da segunda filha seguem outra direção, ligada à área de

Matemática.

Justificativa e fundamentação teórica

De acordo com Nogueira et al. (2003), diferentemente das produções estrangeiras, nas

quais há um grande número de pesquisas que buscam compreender os processos de

escolarização dos diferentes grupos sociais, as pesquisas brasileiras no campo da

Sociologia da Educação sobre as relações entre família e escola são ainda pouco

expressivas. Nesse tema, são ainda menos expressivas as pesquisas que se dedicam às

práticas educativas das classes médias brasileiras.

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Apesar dessa lacuna na produção científica, cabe salientar que a família não esteve

absolutamente ausente dos estudos educacionais. Conforme os mesmos autores, as teses

ambientalistas e deterministas do “handicap” sociocultural são exemplos de pesquisas

que consideraram a família. No entanto, segundo os autores, essas teses têm sido

denunciadas por serem discriminatórias e excludentes à medida que desqualificam

especialmente as famílias mais desfavorecidas.1

Por essa razão, os estudos recentes (tomando como dada a crítica às teses

ambientalistas)2 procuram “superar análises deterministas da relação entre as condições

sociais e escolares e se abrir para a capacidade de ação dos atores sociais” (NOGUEIRA

et al., 2003, p.11). Para isso, da mesma forma que tem sido feito em outros estudos, esta

pesquisa pretende privilegiar um olhar sociológico sobre as pequenas unidades de

análise, ou seja, pretende voltar-se para “domínios mais restritos da realidade social”,

como as práticas e as estratégias cotidianas de leitura e da escrita da família, de sua

transmissão e os significados que essas práticas assumem para o grupo familiar.

(NOGUEIRA et al., 2003, p.11).

Vale ressaltar que as novas pesquisas apontam que a transmissão cultural não acontece

de forma automática. Esta é uma idéia fundamental ao se estudar classes médias, já que,

sob este ponto de vista, o sucesso escolar de crianças pertencentes a famílias desse

grupo deixa de ser visto como resultado direto da transmissão do capital cultural e

escolar3 acumulado pela família. Assim, passa-se a pensar que:

“a transmissão dos capitais familiares requer condições adequadas e um trabalho de apropriação por parte do ‘herdeiro’, sem o que a cadeia da transmissão corre o risco de ser rompida.” (NOGUEIRA et al., 2003, p.11)

1 Sobre as teorias de deficiências culturais e lingüísticas de famílias de meios desfavorecidos, ver SOARES (2002). 2 Para uma crítica mais geral às análises das relações entre condições sociais de origem e desempenho escolar, cf. SOARES (2002). 3 “De acordo com o sociólogo francês Pierre Bourdieu citado em JOHNSON (1997, p.29), o capital cultural consiste em idéias e conhecimentos que pessoas usam quando participam da vida social. Tudo, de regras de etiqueta à capacidade de falar e escrever bem pode ser considerado capital cultural”. De acordo com a sociologia de Pierre Bourdieu, o capital cultural, embora seja, de certo modo, um arbitrário cultural, é visto como um bem em si mesmo e não como uma construção social.

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Outro fator que justifica a relevância do estudo refere-se às condutas das classes médias

quanto à escolarização dos filhos, comportamento que merece ser mais investigado.

Conforme Nogueira (1995), as famílias de classe média tendem a valorizar a

escolarização dos filhos, vendo nela a possibilidade de um futuro melhor. Assim,

utilizam diferentes recursos para que os filhos atinjam altos níveis de escolaridade:

“(...) as classes médias dão provas de uma imensa adesão aos valores escolares, e fazem da escolaridade dos filhos ‘o elemento central de seus projetos’”. (NOGUEIRA, 1995, p.17)

Além disso, pesquisas como as de Devouassoux-Merakchi (1975), Duru-Bellat e Van-

Zanten (1992), Nogueira (1991), Lienard e Servais (1982), Sirota (1994), Romanelli

(1994) indicam que as famílias de classes médias, especialmente as mais

intelectualizadas – como , de certo modo, é o caso da família a ser pesquisada, como se

verá, detalhadamente, mais à frente – “têm se revelado as mais capazes de incitar ao

êxito escolar” (NOGUEIRA, 1995, p. 12). Tal capacidade merece ser pesquisada a fim

de se compreender melhor em que sentido as classes médias diferenciam-se das demais

nos processos de transmissão do capital cultural e escolar que podem resultar na

escolarização bem sucedida dos filhos.

Dessa forma, para o desenvolvimento deste estudo, alguns conceitos desenvolvidos

pelas pesquisas no campo da Sociologia da Educação serão utilizados. O primeiro deles

é o conceito de configuração social desenvolvido por Norbert Elias e retomado por

Bernard Lahire (1997). De acordo com Lahire, a explicação para o sucesso escolar, bem

como para o fracasso, não está relacionada a um fator isolado. Para o sociólogo, as

explicações para o sucesso e para o fracasso4 são encontradas no modo como, em uma

configuração familiar específica, os indivíduos se apropriam dos saberes, práticas e

disposições transmitidas pela família (LAHIRE, 1997, p. 39-40). Lahire define

configuração social como o:

“Conjunto de elos que constituem uma ‘parte’ (mais ou menos grande) de realidade social concebida como uma rede de relações de interdependência humana.” (LAHIRE, 1997. p.39-40)

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Outro conceito a ser utilizado é o de mobilização familiar, à medida que um

investimento familiar é necessário para que haja “conversão do capital cultural em

capital escolar” (NOGUEIRA, 2003. p.150), conversão esta positiva para o sucesso na

escola. Uma das possibilidades de abordar a mobilização familiar é entendê-la,

conforme Maria José Viana, como um investimento escolar familiar. Para a autora esse

investimento é

“um conjunto de práticas e atitudes voltadas intencionalmente para o rendimento escolar. Estas práticas e atitudes constituem-se, tanto de intervenções práticas (controle sistemático de atividades escolares, escolha dos estabelecimentos de ensino e das carreiras escolares, encaminhamento de atividades de reforço e para-escolares, comparecimento às reuniões pedagógicas e conselhos de classe, etc.), quanto de sustentação moral e afetiva (diálogos sobre a escola, apoio nos momentos mais difíceis).” (VIANA, 1998, p.67)

Além do conceito de mobilização familiar, convém ressaltar a importância da

mobilização dos próprios filhos na apropriação dos capitais familiares, já que a

“tradição sociológica nos habituou a pensar que a transmissão intergeracional de capital

cultural se fazia, à semelhança da herança biológica, por um processo quase que

automático de transferência do patrimônio” (NOGUEIRA, 2003, p.151).

Dessa forma, Nogueira refere-se ao sociólogo François de Singly que nos mostra que, se

por um lado, a mobilização da família na escolarização dos filhos é fator que influencia

o sucesso escolar, por outro, a mobilização dos filhos em se apropriar do capital cultural

familiar também é importante para trajetórias escolares de sucesso (NOGUEIRA, 2003,

p.151). Sobre o processo de herança, Singly aponta que “pour comprendre

l’appropriation de l’héritage par l’héritier, il faut prêter attention aux formes de la

transmission et aux manières dont elles sont perçues par les héritiers” (SINGLY, 1996,

p. 163). Neste estudo, pretende-se investigar as duas faces da mobilização: a da família

e a dos filhos.

No caso da leitura, quanto a sua transmissão na família, esta pesquisa baseia-se,

4 Evidentemente quando se passa da escala societária para a escala do grupo familiar e dos indivíduos.

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7

principalmente, no clássico trabalho de Shirley Brice Heath (1986). Neste estudo, a

autora aponta que a interpretação que as crianças fazem dos livros e a relação que

estabelecem entre o seu conteúdo e o mundo não são naturais, e sim aprendidas,

sobretudo no interior do grupo familiar.5

De acordo com esse estudo, são nos eventos de letramento6 (como ouvir histórias antes

de dormir, ler caixas de produtos alimentícios, placas, legendas na televisão e interpretar

instruções de jogos e brinquedos) que as crianças aprendem a dar significado aos

diversos tipos de escritos, formam-se como leitores, são inseridos no interior da cultura

escrita e em suas formas específicas de construir e compreender significados.

Evidentemente, tais eventos variam de família para família, de grupo social para grupo

social, levando as crianças a aprenderem diferentes procedimentos de interpretação do

que lêem e, logo, a reagirem diferentemente na aprendizagem da leitura e da escrita na

escola.

Ainda no caso da leitura, serão utilizados os trabalhos de Singly sobre a apropriação da

herança cultural, mais especificamente quando aborda a apropriação da leitura como

herança cultural.7 Para o autor, a herança cultural não pode ser comparada com um bem

de consumo, ela “est temoigne d’une histoire”, ela “est signe d’um lien” (SINGLY,

1996, p. 158). Suas pesquisas mostram que, ao contrário da herança econômica, a

herança da leitura deve ser, em razão das implicações geradas, nas sociedades

modernas, pela necessidade de construção de uma identidade individual, distinta da

identificação paterna ou materna, ”plutôt masque pour que lê plaisir puísse naître”

(SINGLY, 1996, p. 158) Em sua pesquisa, a maioria dos estudantes leitores filhos de

pais leitores têm dificuldade, tendo em vista a afirmação identitária, em assumir uma

herança direta.

Convém explicitar que esta pesquisa utiliza-se do conceito de classes médias em

Bourdieu. De acordo com Nogueira, “se a expressão ‘classes médias’ não deixa de ser

5 Ver também a respeito, SINGLY (1996). 6 De acordo com Heath, eventos de letramento são “ocasions in which writtten language is integral to the nature of participants’ interactions and their interpretive processes and strategies” (HEATH, 1986, p.98). 7 Ver, por exemplo, SINGLY (1993).

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utilizada por Bourdieu, é, sem dúvida, sobre o termo ‘pequena burguesia’ que recai sua

preferência” (NOGUEIRA, 1997, p.112). Internamente, a pequena burguesia, é dividida

por Bourdieu (citado por NOGUEIRA, 1997, p.113)8 em três frações: “a ‘pequena

burguesia em declínio’, a ‘pequena burguesia de execução’ (ou de promoção), e a ‘nova

pequena burguesia’”. Essas frações representam para Bourdieu o sentido da trajetória

social que o grupo está percorrendo9 (NOGUEIRA, 1997, p. 112).

Os primeiros contatos com a família a ser pesquisada evidenciaram traços sociais e

culturais relacionados à ‘pequena burguesia de execução’. Entre esses traços, destaco as

seguintes características que foram atribuídas por Bourdieu citado em Nogueira (1997)

a essa fração das classes médias:

“Ocupando uma posição central na estrutura capitalista e desfrutando

de uma posição relativamente estável no quadro das condições sócio-

econômicas presentes, essas frações caracterizam-se pela posse de um

capital cultural que, embora maior do que as frações anteriores, é

relativamente pequeno face aos quadros superiores (...). Mas é a esse

capital cultural que seus membros devem a posição que ocupam na

estrutura social, e o fundamento das expectativas de elevação social

que nutrem.”

Objetivos

Objetivo Geral

Descrever e analisar:

(i) os modos pelos quais uma determinada família busca transmitir um conjunto

de saberes, práticas e disposições que visam assegurar o sucesso nas

aprendizagens escolares da leitura e da escrita e a construção de um “gosto”

pela leitura;

8 BOURDIEU, Pierre. La Distinction, Paris: Minuit, 1979. 9 Para Bourdieu citado em Nogueira o sentido da trajetória que a família está percorrendo é importante já que se sabe que “as disposições (os habitus) tendem a expressar não as posições de classe, mas sim o sentido do trajeto (‘la pente’) que percorre o indivíduo ou o grupo ao qual pertence. (NOGUEIRA, 1997, p. 112)

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(ii) o modo pelo qual, em uma configuração familiar específica, os filhos se

apropriam desses saberes, práticas e disposições.

Objetivos Específicos

(i) Descrever a configuração familiar;

(ii) descrever o envolvimento dos pais e filhos com as práticas de leitura e

escrita da família;

(iii) reconstituir e apreender o processo de mobilização da família na transmissão

de saberes, práticas e disposições que visam assegurar o sucesso nas

aprendizagens escolares da leitura e da escrita e a construção de um “gosto”

pela leitura;

(iv) reconstituir e apreender o modo pelo qual os filhos se apropriam desses

saberes, práticas e disposições e como vêem esse processo.

Metodologia

Tendo em vista a natureza do problema deste estudo, que se volta, como já foi dito

anteriormente, para os processos familiares de transmissão e apropriação de um

conjunto de saberes, práticas e disposições que visam assegurar o sucesso nas

aprendizagens escolares da leitura e da escrita e a construção de um “gosto” pela leitura,

e considerando esse objeto uma tentativa de compreensão de fenômenos sociais

complexos, utilizarei o estudo de caso como estratégia de pesquisa. Essa escolha baseia-

se nos trabalhos de Yin, que nos diz que,

“a clara necessidade dos estudos de caso surge do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos, permitindo uma investigação que preserve as características holísticas e significativas dos eventos da vida real.” (YIN, 2001, p. 21)

Além disso, este me parece ser o tipo de abordagem metodológica adequada, uma vez

que o foco da pesquisa encontra-se “em fenômenos contemporâneos inseridos em um

contexto da vida real.” (YIN, 2001, p.21) A adequação ao estudo de caso se justifica,

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ainda, por último, em razão de os processos a serem analisados nesta pesquisa

confundirem-se com o próprio contexto familiar. Nas palavras de Yin (2001):

“Um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.” (p. 32)

Os sujeitos da pesquisa

A família a ser pesquisada mora na cidade de Contagem, região metropolitana de Belo

Horizonte. A residência se localiza no bairro Jardim Riacho, considerada, ao que tudo

indica, região de prestígio médio. A família se constitui de cinco pessoas e aguarda a

chegada de mais um filho.10 Para se compreender melhor os traços culturais e sociais da

família, segue um quadro com a idade, escolarização, ocupação, local de nascimento e

local onde passou a maior parte da vida dos membros da família (geração 2 e 3)11 e da

geração anterior (geração 1):

Geração 3

Sujeitos Filha mais velha Filha do meio

Idade 13 anos 11 anos

Escolarização Cursando 7ª série do Ensino.

Fundamental

Cursando 4ª série do Ensino.

Fundamental

Local de nascimento Belo Horizonte Belo Horizonte

Local onde passou a

maior parte da vida

Contagem Contagem

Geração 2

Sujeitos Mãe Pai

Idade 39 anos 39 anos

Escolarização Técnica em eletrônica, cursando Técnico em eletrônica, licenciado

10 Evidentemente, no que diz respeito ao controle da natalidade, a família parece não apresentar traços de famílias de classes médias, muito atentas a esse controle em razão dos investimentos educacionais. Essa característica da família, entretanto, será um interessante aspecto a ser melhor explorado, estando, talvez, relacionado, como se verá mais adiante, à trajetória em ascensão da família. 11 Os dados do filho mais novo não estão presentes no quadro, já que este possui apenas um ano e ainda não freqüenta a escola.

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Pedagogia na UFMG. em Matemática pela UNI-BH, pós-

graduado em Educação Matemática

pela UNI-BH, mestrando em

educação na UFMG.

Ocupação Dona-de-casa, professora de aula

particular de matemática.

Professor de matemática dos níveis

fundamental e médio (rede

particular e municipal – BH),

professor do Ensino Superior

(Curso de Pedagogia – UEMG),

coordenador e professor esporádico

do curso de especialização em

Psico-pedagogia (UEMG).

Local de nascimento Belo Horizonte Belo Horizonte

Local onde passou a

maior parte da vida

Belo Horizonte Belo Horizonte

Geração 1 (Avós paternos)

Sujeitos Avô Avó

Idade 70 anos 64 anos

Escolarização 4ª série do Ensino Fundamental 4ª série do Ensino Fundamental

Ocupação Aposentado como mestre de obras

da Manesman

Dona-de-casa

Local de nascimento Moeda – MG Belo Vale – MG

Local onde passou a

maior parte da vida

Belo Horizonte e Belo Vale Belo Horizonte e Belo Vale

Geração 1 (Avós maternos)

Sujeitos Avô Avó

Idade Falecido em 1998 com 63 anos. 69 anos

Escolarização 4ª série do Ensino Fundamental 6ª série do Ensino Fundamental

Ocupação Vendedor de consórcio médico

hospitalar e posteriormente

atendente e administrador de uma

farmácia da família.

Dona-de-casa

Local de nascimento Rochedo de Minas – MG Juiz de Fora – MG

Local onde passou a

maior parte da vida

Belo Horizonte Belo Horizonte

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Convém ressaltar que as filhas do casal freqüentam uma escola particular de prestígio

de Contagem, mesma instituição na qual trabalha o pai como professor de matemática

dos níveis fundamental e médio.

A escolha deste caso justifica-se uma vez que se trata de uma família com uma

considerável diferença de capital escolar entre as duas primeiras gerações. Enquanto os

avós tiveram poucos anos de escolarização (4 a 6 anos), seus filhos (pai e mãe da

família pesquisada) chegaram ao nível superior ou até mesmo à pós-graduação, no caso

do pai.

Além disso, a família (geração 2), que, ao que tudo indica, iniciou sua mobilidade social

na primeira geração, está em marcado processo de acumulação, ainda que

extemporâneo, de capital cultural de conquista de uma nova posição no espaço social,

transmite com êxito os capitais cultural e escolar, já que as filhas mais velhas são casos

de sucesso escolar. A designação de sucesso escolar está baseada nas afirmações dos

pais, através de conversas informais, e da escola, através dos elogios nas reuniões de

pais, dos prêmios recebidos, bem como das notas das duas filhas.

O caso apresenta ainda uma peculiaridade interessante, já que a filha mais velha

exprime considerável gosto e desenvoltura nas práticas de leitura e escrita escolares,

enquanto a filha mais nova prefere à matemática. Tal diferença no gosto e envolvimento

das filhas, que provavelmente receberam investimentos familiares muito semelhantes,

torna o caso singular.

Procedimentos metodológicos

Como coletar os dados

A coleta de dados será feita por meio de entrevistas e da observação. As entrevistas, que

serão gravadas e transcritas, constituirão a estratégia privilegiada para a recolha de

dados e irão se basear em alguns temas determinados previamente, conforme se verá

mais adiante. Para evitar a inibição dos sujeitos, optarei por realizar “perguntas que

exigem exploração” do entrevistado. Esta escolha está baseada nas considerações de

Bogdan e Biklen a respeito das estratégias para um pesquisador qualitativo:

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“É evidente que uma estratégia-chave para um investigador qualitativo no campo do trabalho consiste em evitar, tanto quanto possível, perguntas que possam ser respondidas com ‘sim’ e ‘não’. Os pormenores e detalhes são revelados a partir de perguntas que exigem exploração.” (BOGDAN & BIKLEN, 1994, p. 136)

Acredito que os temas a serem tratados nas entrevistas deverão estar voltados para a

apreensão dos traços sócio-culturais da família, de suas disposições éticas e culturais,

bem como de seu percurso. Uma possibilidade seria priorizar os traços pertinentes à

leitura sociológica desenvolvidos por Lahire (1997). São eles:

• “As formas familiares da cultura escrita”, procurando apreender as diferentes

práticas de leitura e escrita da família, bem como a freqüência com que ocorrem.

• “Condições e disposições econômicas”, buscando conhecer melhor as condições

econômicas da família que, por sua vez, conforme Lahire (1997) influenciam na

constituição da cultura escrita familiar e de uma moral da perseverança e do

esforço. (LAHIRE, 1997, p.24)

• “A ordem moral doméstica”, investigando a existência e importância de uma

moral familiar baseada nos bons comportamentos e no respeito às autoridades

escolares.

• “As formas de autoridade familiar”, procurando conhecer as diferentes formas

de exercício da autoridade familiar que, segundo Lahire (1997) influenciam no

respeito às regras escolares. (LAHIRE, 1997, p. 28)

• “As formas familiares de investimento pedagógico”, tentando apreender como a

família se mobiliza para a escolarização dos filhos.

Além desse traços, a pesquisa pretende estar atenta, ainda,

• as interações entre pais e filhos e avós, e as formas de uso da linguagem (mais

próximas ou menos próximas da escrita, mais ou menos explícitas) nelas

presentes, uma vez que estudos clássicos sobre socialização primária e uso da

linguagem evidenciam a importância da oralidade na construção de disposições

em relação à linguagem..

Inicialmente, para apreender todos esses dados, as entrevistas serão realizadas com os

avós, os pais e as filhas. A opção em ouvir as três gerações decorre do interesse em

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realizar uma genealogia da família. Decorre, em primeiro lugar, da constatação,

compartilhada entre historiadores, de que “uma dinâmica social se faz no mínimo em

duas gerações, jamais em uma”.12 Além disso, em segundo lugar, o trabalho com a

genealogia parece ser valorizado por pesquisas no campo da Sociologia da Educação:

Maria José Viana (2003), referindo-se a Laurens (1992)13, afirma que “algumas práticas

e significados escolares só se tornam compreensíveis quando colocados no contexto da

genealogia familiar.” (p.48)

Nas entrevistas, procurarei deixar os indivíduos à vontade para falar sobre suas histórias

de vida. Minhas intervenções serão no sentido de pedir descrição dos aspectos

relacionados à escolarização e à leitura.

A observação, por sua vez, será utilizada como estratégia secundária para a recolha de

dados. Seu objetivo será o de recolher dados descritivos sobre a forma como a família se

organiza. Assim, durante as visitas na casa da família, procurarei registrar em um

caderno de campo algumas observações, tais como:

• a organização do espaço, descrevendo a residência da família: número de

quartos, presença de cômodos para o estudo, situação do imóvel (alugado ou

próprio),

• a organização do tempo, buscando apreender os tempos na família: o tempo do

trabalho, do estudo, do lazer, da leitura, etc,

• as práticas de leitura da família que venham a ocorrer nos momentos da visita,

• a organização dos materiais de leitura da família, observando se há um espaço

específico para esses, como estantes ou biblioteca, e também buscar observar

como é o acesso dos filhos a esses materiais,

• a relação das filhas com as outras crianças, observando se há restrições quanto

ao contato com algumas crianças.

12 De acordo com Jean HÉBRARD (notas de seminário de pesquisa; Ceale/Fae/UFMG, 17/08/2004) 13 LAURENS, Jean-Paul (1992). 1 sur 500 – La réissite scolaire em milieu populaire. Tolousse, Presses Universitaires du Mirrail.

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Procedimentos de análise

Os procedimentos de análise acontecerão concomitantemente à recolha de dados através

da construção de um perfil sociológico. Essa escolha está baseada nos trabalhos de

Lahire (1997) que, comentando sobre sua pesquisa “Sucesso Escolar nos Meios

Populares”, aponta que “se tivéssemos abordado separadamente traços, teríamos

perdido de vista o que nos parece o mais importante a destacar, ou seja, que esses traços

(características, temas) se combinam entre si e só têm sentido sociológico, para nosso

objeto, se inseridos na rede de seus entrelaçamentos concretos” (LAHIRE, 1997, p. 72).

O mesmo pode ser tipo para a presente pesquisa. Abordar separadamente os traços que

evidenciam o processo de transmissão e apropriação de um conjunto de saberes,

práticas e disposições que visam assegurar o sucesso nas aprendizagens escolares da

leitura e da escrita e a construção de um “gosto” pela leitura significaria desconsiderar

que esses traços só existem na relação uns com os outros.

Finalmente, para a construção do perfil, a pesquisa procurará considerar as exigências

que este tipo de análise sugere, conforme Lahire:

O perfil, como gênero científico livremente inspirado no gênero

literário, comporta duas exigências fundamentais: de um lado, baseado

em ‘dados’ e preocupado com a crítica dos contextos de sua produção,

é a pintura, diferente portanto do discurso literário, de um modelo

particular existente na realidade. Por outro lado, deve deixar

transparecer claramente a maneira específica de pintar, o ponto de

vista a partir do qual o pintor observa e explicita o mundo.” (LAHIRE,

1997, p. 15)

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Cronograma

Set

2004 Out

2004 Nov 2004

Dez 2004

Jan 2005

Fev 2005

Mar 2005

Abr 2005

Mai 2005

Jun 2005

Leituras X X X X X X X Coleta de

Dados (entrevista

s e observaçã

o)

X X X X X

Transcrição dos Dados

X X X X X X

Análise dos Dados e Redação

da Monografi

a

X X X X X

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Referências Bibliográficas

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qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Tradução de Maria

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DE SINGLY, François. Les jeunes e la lecture. In: Les dossiers: education, formation.

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Formatado

Formatado

Excluído: ¶

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In: NOGUEIRA, Maria Alice (et al). Família e escola: trajetórias de escolarização em

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