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1 UMA INTRODUÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL Denis Borges Barbosa Segunda Edição Revista e Atualizada (Introdução, Aspectos Constitucionais, Direito Internacional, Teoria da concorrência, Patentes, Segredo Industrial, Cultivares, Topografias de Semicondutores, Proteção de Conhecimentos e Criações Tradicionais, Contratos de Propriedade Industrial e Transferência de tecnologia) Esta segunda edição, já não mais disponível nos estoques da Editora Lumen Juris, é disponibilizada segundo os termos da licença Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0 Generic (CC BY- NC-ND 2.0), conforme http://creativecommons.org/licenses/by-nc- nd/2.0/ Textos deste livro, muito alterado e atualizado, estão incluídos no Tratado da Propriedade Intelectual, Lumen Juris, 2010 (os três primeiros volumes)

Propriedade Intelectual

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  • 1. 1 UMA INTRODUO PROPRIEDADE INTELECTUAL Denis Borges Barbosa Segunda Edio Revista e Atualizada (Introduo, Aspectos Constitucionais, Direito Internacional, Teoria da concorrncia, Patentes, Segredo Industrial, Cultivares, Topografias de Semicondutores, Proteo de Conhecimentos e Criaes Tradicionais, Contratos de Propriedade Industrial e Transferncia de tecnologia) Esta segunda edio, j no mais disponvel nos estoques da Editora Lumen Juris, disponibilizada segundo os termos da licena Attribution-NonCommercial-NoDerivs 2.0 Generic (CC BY- NC-ND 2.0), conforme http://creativecommons.org/licenses/by-nc- nd/2.0/ Textos deste livro, muito alterado e atualizado, esto includos no Tratado da Propriedade Intelectual, Lumen Juris, 2010 (os trs primeiros volumes)

2. 2 ndice Sinttico UMA INTRODUO PROPRIEDADE INTELECTUAL...................................................................... 1 NDICE SINTTICO ...................................................................................................................................... 2 PREFCIO....................................................................................................................................................... 5 UMA INTRODUO PROPRIEDADE INTELECTUAL.................................................................... 10 O QUE PROPRIEDADE INTELECTUAL .......................................................................................................... 10 A LEGISLAO EM VIGOR ............................................................................................................................. 13 PORQUE PROPRIEDADE INTELECTUAL? ........................................................................................................ 23 PROPRIEDADE SOBRE O QUE? ....................................................................................................................... 33 DIREITO DE CLIENTELA ................................................................................................................................ 39 A PROPRIEDADE IMATERIAL: A IMATERIALIDADE DA REPRODUO............................................................. 71 A POSSE E A PROPRIEDADE NA CONCORRNCIA ............................................................................................ 77 PROPRIEDADE INTELECTUAL E PODER ECONMICO ...................................................................................... 81 BASES CONSTITUCIONAIS DA PROPRIEDADE INTELECTUAL.................................................... 85 A PROPRIEDADE INTELECTUAL NASCE DA LEI............................................................................................... 85 A TENSO CONSTITUCIONAL QUANTO PROPRIEDADE INTELECTUAL ......................................................... 90 A RAZOABILIDADE RESOLVE A TENSO........................................................................................................ 98 DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL EM GERAL .................................................................................................. 110 BASES CONSTITUCIONAIS DA PROTEO S TECNOLOGIAS ........................................................................ 112 O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DOS SIGNOS DISTINTIVOS........................................................................... 122 A PROTEO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS AUTORAIS........................................................................... 124 A PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO UM DIREITO DE CUNHO INTERNACIONAL........ 133 A PROPRIEDADE INTELECTUAL NOS DIAS DE HOJE ...................................................................................... 133 A INTERNACIONALIZAO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL...................................................................... 137 A IMPORTNCIA DOS TRATADOS ................................................................................................................ 152 CONVENO DA UNIO DE PARIS (PROPRIEDADE INDUSTRIAL) ................................................................ 164 DA CONVENO DE BERNA (DIREITOS AUTORAIS).................................................................................... 172 DO ACORDO TRIPS ..................................................................................................................................... 175 FORA DOS TRATADOS: A RECIPROCIDADE................................................................................................... 235 A LEI 9.279/96 E OS ATOS INTERNACIONAIS............................................................................................... 237 A DOUTRINA DA CONCORRNCIA ..................................................................................................... 242 A RAIZ NA CONCORRNCIA......................................................................................................................... 242 CONCORRNCIA DESLEAL........................................................................................................................... 255 OS ATOS DE CONCORRNCIA DESLEAL NA LEI EM VIGOR ............................................................................ 266 CONCORRNCIA INTERDITA: RESTRIES CONVENCIONAIS........................................................................ 274 AS DOUTRINAS DA CONCORRNCIA PARASITRIA E DA CPIA SERVIL........................................................ 279 PATENTES................................................................................................................................................... 295 O QUE UMA PATENTE ............................................................................................................................... 295 O QUE NO INVENO NEM INVENTO ...................................................................................................... 301 OS REQUISITOS DA PATENTE DE INVENO ................................................................................................ 318 TIPOS DE PATENTES .................................................................................................................................... 339 QUEM PODE PEDIR PATENTE ....................................................................................................................... 349 QUAIS INVENTOS NO SO PATENTEVEIS................................................................................................. 367 DO PEDIDO DE PATENTE ............................................................................................................................. 379 DA PUBLICAO......................................................................................................................................... 380 3. 3 PROCEDIMENTO.......................................................................................................................................... 385 CONCESSO DA PATENTE ........................................................................................................................... 399 CONTEDO DA EXCLUSIVIDADE DAS PATENTES ......................................................................................... 400 LIMITES DO DIREITO DE PATENTE ............................................................................................................... 413 LICENAS VOLUNTRIAS E CESSO............................................................................................................ 435 LICENAS COMPULSRIAS ......................................................................................................................... 436 MANUTENO E EXTINO DA PATENTE................................................................................................... 488 MODELO DE UTILIDADE ............................................................................................................................. 494 DESENHOS INDUSTRIAIS ............................................................................................................................. 499 REGISTRO SANITRIO E PATENTES.............................................................................................................. 510 BIOTECNOLOGIA E PROPRIEDADE INTELECTUAL........................................................................................ 514 PATENTE: UM INSTRUMENTO DE POLTICA INDUSTRIAL.............................................................................. 543 O VALOR SOCIAL DA PATENTE ................................................................................................................... 547 PIPELINE: UMA INCONSTITUCIONALIDADE PATENTE................................................................................... 552 CULTIVARES.............................................................................................................................................. 564 BASES CONSTITUCIONAIS DA PROTEO AOS CULTIVARES......................................................................... 577 O AUTOR E O TITULAR DO DIREITO ............................................................................................................ 579 OBJETO DE PROTEO ................................................................................................................................ 582 CONTEDO E LIMITES DO DIREITO.............................................................................................................. 589 DO PEDIDO DE PROTEO.......................................................................................................................... 598 DA LICENA COMPULSRIA E DO USO PBLICO ......................................................................................... 603 CIRCUITOS INTEGRADOS...................................................................................................................... 613 UM FOLHEADO CIBERNTICO..................................................................................................................... 614 O TRATADO DE WASHINGTON.................................................................................................................... 619 O EFEITO TRIPS......................................................................................................................................... 621 O PROJETO BRASILEIRO .............................................................................................................................. 623 SEGREDO INDUSTRIAL .......................................................................................................................... 626 O KNOW HOW. ............................................................................................................................................ 626 O SEGREDO DE FBRICA ............................................................................................................................. 636 DO SIGILO DOS TESTES PARA REGISTRO SANITRIO.................................................................................... 655 PROPRIEDADE INTELECTUAL DE CONHECIMENTOS E CRIAES TRADICIONAIS......... 679 APROPRIAO DE RECURSOS GENTICOS ................................................................................................... 681 PROTEO S CRIAES ESTTICAS TRADICIONAIS.................................................................................... 689 SIGNOS DISTINTIVOS.............................................................................................................................. 695 OS NOMES MGICOS ................................................................................................................................... 695 MARCA: A MAIS IMPORTANTE DAS PROPRIEDADES INTELECTUAIS ............................................................. 698 O QUE MARCA E O QUE PODE SER REGISTRADO........................................................................................ 700 PROCEDIMENTO DE MARCAS ...................................................................................................................... 725 A ESPECIALIDADE DAS MARCAS ................................................................................................................. 728 CONTEDO E LIMITES DO DIREITO DE MARCA REGISTRADA ....................................................................... 733 QUEM PODE SER PROPRIETRIO DE MARCAS............................................................................................... 743 EFEITOS DO USO SOBRE A MARCA............................................................................................................... 754 OS EFEITOS DA CONHECIMENTO DA MARCA PELO PBLICO ........................................................................ 759 DA LICENA E DA CESSO ......................................................................................................................... 775 PERDA DA MARCA...................................................................................................................................... 775 MARCAS COLETIVAS E DE CERTIFICAO................................................................................................... 779 MARCAS NO REGISTRADAS....................................................................................................................... 781 EXPRESSES E SINAIS DE PROPAGANDA...................................................................................................... 781 4. 4 TITULO DE ESTABELECIMENTO E INSGNIAS. RECOMPENSAS INDUSTRIAIS. ................................................ 791 INDICAES GEOGRFICAS ........................................................................................................................ 794 NOMES EMPRESARIAIS................................................................................................................................ 805 DOMNIOS NA INTERNET............................................................................................................................. 824 BIBLIOGRAFIA GERAL........................................................................................................................... 838 LEGISLAO ............................................................................................................................................. 855 NDICE ANALTICO.................................................................................................................................. 933 5. 5 Prefcio Satans suplicou ainda, sem melhor fortuna, at que Deus, cansado e cheio de misericrdia, consentiu em que a pera fosse executada, mas fora do cu. Criou um teatro especial, este planeta, e inventou uma companhia inteira, com todas as partes, primrias e comprimrias, coros e bailarinos. Ouvi agora alguns ensaios! No, no quero saber de ensaios. Basta-me haver composto o libreto; estou pronto a dividir contigo os direitos de autor. Machado de Assis, Dom Casmurro. O ttulo desta obra nasceu antes de seu texto. Ttulos so coisa importante em matria de Propriedade Intelectual: objeto de proteo especfica no campo do Direito Autoral, merecem at mesmo tutela dupla e cumulativa (se forem de peridicos), atravs de marcas. Ttulos de patentes, se enganosos ou fraudulentos, podem levar nulidade do privilgio. Assim, por hbito e coerncia, quem escreve sobre Propriedade Intelectual d ateno especial ao que vai na capa do livro. Uma Introduo Propriedade Intelectual. Uma, pois estou convicto de que muitos outros ngulos poderiam ser explorados como entrada ao campo da matria. A nfase no aspecto intelectual, e a pesquisa jus-filosfica quanto criatividade humana, poderiam levar a outro livro muito diverso. Se fosse dar ateno ao aspecto propriedade, e me abeberar na tradio romanstica do Direito Civil, ou na teoria do estabelecimento do Direito Comercial, ou no aspecto publicstico da defesa da concorrncia, ou ainda no enfoque prtico, necessrio ao advogado praticante - cada uma destas alternativas constituiria obra diversa. O enfoque, porm, foi o da introduo: a idia de escrever um texto inicial, um pouco didtico, um pouco terico, veio do material de aula utilizado nos cursos de ps-graduao em Direito da Fundao Getlio Vargas, da PUC/RIO, da Universidade Cndido Mendes e do IBMEC. O ttulo das apostilas de tais cursos reflete-se na postura deste livro: Uma cartilha intrincada. Cartilha, sim, mas para quem j tenha experincia e formao em Direito, e pretenda tomar este livro como base de pesquisas mais aprofundadas. Propriedade Intelectual, exatamente para fugir ao tratamento divisionrio que a matria tem recebido de todos autores brasileiros. Com exceo, claro, do mestre Pontes de Miranda, que no s tratou Direito Autoral, e Variedades de Plantas, e Patentes, e tudo mais, numa s obra, segundo uma perspectiva racional e unificante, quanto colocou todo este captulo da enciclopdia jurdica num monumental e insupervel Tratado de Direito Privado. As fontes desta obra so muitas: desde 1979, boa parte de minha prtica profissional tem se relacionado com a Propriedade Intelectual, seja como advogado pblico, seja na militncia privada, seja como autor ou professor. Introduzido neste campo pelo empenho do ilustre economista Antnio Luiz Figueira Barbosa, pensador agreste e polimorfo das questes da tecnologia, iniciei o trajeto pela indagao sobre o que seria know how, como objeto de direito. O primeiro trabalho sobre a matria, publicado na Argentina por este outro grande economista, escritor e advogado, Carlos Maria Corra, aponta como um dardo para a presente Introduo: todo o conceito de bem concorrencial est nele implcito. 6. 6 Sobre a mesma questo, tive ocasio de submeter minha dissertao de mestrado: Know How e Poder Econmico, defendida em 1982, sob a orientao insurgente, muitas vezes discordante e sempre crtica de Fbio Konder Comparato. Quase toda a parte introdutria deste livro, e boa poro do resto, reproduz o texto ento produzido. Quinze anos de reflexo no me fizeram mudar muito a perspectiva jurdica, ainda que, poca, extensamente profligada pela douta e exigente banca examinadora, inclusive quanto postura ideolgica. Arnold Wald exigiu, tambm como parte dos cursos de mestrado, minha anlise quanto aos aspectos societrios da propriedade intelectual, enfim publicada na Revista de Direito Mercantil em 1980. Das outras influncias intelectuais, o texto d notcia. Tulio Ascarelli e Paul Roubier so obviamente presenas marcantes, mas muito da viso concorrencial da Propriedade Intelectual vem do direito tributrio, em especial do Imposto de Renda: fonte algo surpreendente, mas precisa e realista do que, na verdade, o confronto da intelectualidade e o Direito. Assim, o estudo e o contato com meus professores de Direito Tributrio Internacional na Columbia Law School contriburam decisivamente para a viso que tento expressar aqui. Outras obras precederam a presente. O teor propriamente normativo, material imenso e complexo, ainda no reunido at 1982, o foi em um vade mecum, notvel, aos olhos de hoje, pela pouca importncia ento concedida aos aspectos autorais, e o enorme peso das questes tecnolgicas. Matria importantssima poca, e no menos agora, a questo tributria da Propriedade Intelectual conduziu a obra especfica de 1983, agora, sim, pela primeira vez, tocando em quase todos aspectos (ainda que num segmento especializado) que so objeto deste livro. Mais recentemente, dois livros vieram tratar das mudanas constitucionais relativas ao investimento internacional - inclusive quanto Propriedade Intelectual - e o efeito da Organizao Mundial de Comrcio de 1994. O leitor atento ainda encontrar, no texto, excertos de dezenas de artigos publicados sobre a matria. Os quase dez anos de prtica profissional junto ao INPI esto, igualmente, subjacentes a este livro. Um contencioso extenso, sempre em derrota, em favor da tecnologia e da capacidade econmica nacional. Como servidor da Unio, coube-me por anos um engajamento intenso nas questes da informtica, da Rodada Uruguai do GATT, das discusses internacionais quanto propriedade industrial e intelectual como um todo. Esta introduo ecoa, e muito, a militncia profissional e ideolgica de uma dcada perdida. No fora a nova postura dos acordos da Organizao Mundial do Comrcio, unificando o tratamento da Propriedade Intelectual no contexto do comrcio internacional, talvez no tivesse surgido a idia deste ttulo e da obra que o corporifica. Nela est, inconspcua, a soma de muitos passos perdidos nos corredores do Palais des Nations, de inmeros discursos sem eco no GATT, na UNCTAD ou na OMPI, e de infindos memorandos, difusos pelos escaninhos do Itamarati. A viso algo internacionalizante desta Introduo no deve ser tomada, assim, de nenhuma maneira como afetaes de erudio jurdica. A matria da Propriedade Intelectual mesmo internacionalizada, e nada mais enganoso do que se ater exclusivamente literatura jurdica ptria. As leis sobre propriedade intelectual so feitas, no Brasil (e, hoje, no mundo 7. 7 todo) com uma democrtica participao de todos os interesses econmicos, e nada mais razovel, embora pouco esperado, que os interesses aliengenas, mais vigorosos, se reflitam na produo legislativa. a realpolitik dos tempos correntes. O romantismo fica por conta deste autor, que, ao elaborar o texto enfim introduzido no art. 5., inciso XIX da Carta de 1988, entreteve esperanas de que, efetivamente, a Propriedade Intelectual seria tutelada tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas. Romantismo que se alastrou numa segunda edio com muita nfase nos aspectos de Direito Constitucional da propriedade intelectual. Cumpre-me agradecer, finalmente, pelo tempo suprimido de nosso escritrio de advocacia e pela prtica comum nas reas deste livro, meus colegas Fabiani Li Rizzato de Almeida, Ricardo Beildeck, Ingrid Melania Rasmusen Amaya, Maria Regina de Toledo Mller, Tarcsio Neviani, Lucio Graziadio, Anita Vilardo, Silvia Salles, Flvia Neviani, Jaques Wurman, Paula Machado, Filomena Lecouls, Mariana Tpias, Marcelo Neves, Paula Bahiense, Ana Beatriz Barbosa, Lilian Jrio Delgado, Raul Amaya, e Graziela Soares Ferreira; de S.Paulo, Manoel Joaquim Pereira dos Santos, co-autor comigo de vrios projetos; de Los Angeles, Michael Krieger, um crtico feroz da coerncia lgica, em especial na sua rea de Direito da Informtica; Ana Cristina Martins da Costa e Catarina Martins, sem as quais no teria tempo para escrever e trabalhar. Cristina Moreira de Hollanda, por muito tempo colaboradora do grupo de Propriedade Intelectual do meu escritrio antes de ingressar na sua ps-graduao na London School of Economics, tem presena forte nessa segunda edio, como uma advogada interessada e militante, e uma doutrinadora surpreendente. No posso igualmente esquecer de Nelida Jazbik Jessen, que h tantos anos inspeciona, com sua viso incrdula do Direito, minhas tentativas de doutrinador. A segunda edio A segunda edio deste volume tem bem mais que o dobro de pginas da primeira; modificaes, ainda que desavisadas, do Cdigo de 1996, e o progresso das minhas reflexes e experincias como advogado e professor impunham uma reviso dos erros, incoerncias e incompleies anteriores; ainda que apenas para renov-las. Novos temas em anlise como a teoria do market failure como instrumento de compreenso da Propriedade intelectual, e os conhecimentos tradicionais mereceram sees prprias. Um desenvolvimento considervel dos temas da licena voluntria e compulsria de patentes, do contedo do privilgio, dos desenhos industriais, dos efeitos do TRIPs, da noo de mutabilidade das reivindicaes, a atualizao da bibliografia, e especialmente um revigoramento da anlise constitucional somaram certamente muitas pginas novas obra. O interesse por esses temas, e por quase todos outros (com bvia exceo do procedimento administrativo perante o INPI, como alis acontece com todo o direito adjetivo) transformou um pouco o enfoque do livro - est menos introdutrio, ainda que no tanto assim. 8. 8 Alguns temas mereceriam desenvolvimento mais alentado, como as licenas de marcas e de patentes. O leitor, acredito, poder esperar at uma terceira edio desta obra, dispondo dos excelentes textos de Pilar Martin Aresti e Cabanellas de las Cuevas sobre o assunto, cuja amplido e perfeio me desanimaram de intentar, neste momento, toda a elaborao merecida.. 9. 9 10. 10 Uma introduo Propriedade Intelectual O que Propriedade Intelectual A partir de 1967, constitui-se como rgo autnomo dentro do sistema das Naes Unidas a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI, ou, na verso inglesa, WIPO), englobando as Unies de Paris e de Berna, alm de perfazendo uma articulao com a recente Unio para a Proteo das Obtenes Vegetais, e a administrao de uma srie de outros tratados. A Conveno da OMPI define como Propriedade intelectual, a soma dos direitos relativos s obras literrias, artsticas e cientficas, s interpretaes dos artistas intrpretes e s execues dos artistas executantes, aos fonogramas e s emisses de radiodifuso, s invenes em todos os domnios da atividade humana, s descobertas cientficas, aos desenhos e modelos industriais, s marcas industriais, comerciais e de servio, bem como s firmas comerciais e denominaes comerciais, proteo contra a concorrncia desleal e todos os outros direitos inerentes atividade intelectual nos domnios industrial, cientfico, literrio e artstico. Antes da definio convencional, a expresso Propriedade intelectual aplicava-se, mais restritamente, aos direitos autorais; nesta acepo, encontramos extenso emprego na doutrina anterior. Em sua origem, porm, como concebido por Josef Kohler e Edmond Picard nos fins do Sec. XIX, o conceito correspondia ao expresso na Conveno da OMPI 1 . Tem-se, assim, correntemente, a noo de Propriedade intelectual como a de um captulo do Direito, altssimamente internacionalizado, compreendendo o campo da Propriedade Industrial, os direitos autorais e outros direitos sobre bens imateriais de vrios gneros. Porm, nem na Conveno da OMPI, meramente adjetiva, nem mesmo no mais recente Acordo TRIPs da Organizao Mundial de Comrcio, se tenta uma estruturao das normas jurdicas comuns a cada um e a todos captulos da Enciclopdia Jurdica. Os propsitos deste ltimo diploma internacional no so, alis, a construo de nenhum sistema jurdico, mas a derrubada da individualidade jurdica nacional, o que pode levar seguramente a uma harmonizao, mas no necessariamente a uma elaborao lgica de um substrato comum, a no ser indutivamente. 1 Stephen P. Ladas, The International Protection of Literary and Artistic Property 9-10 (1938), Arpad Bogsch, The First Hundred Years of the Paris Convention for the Protection of Industrial Property, 19 Indus. Prop. 191 (1983); Arpad Bogsch, The First Hundred Years of the Berne, Convention for the Protection of Literary and Artistic Works, 22 Copyright (W.I..P.O.) 291 (1986) 11. 11 O Cdigo de Propriedade Intelectual francs, de 1992 2 , tentativa inaugural de um corpo nacional integrado de normas sobre o tema, no foi, ainda, um parmetro de racionalidade e sistematizao comparvel ao Code Civil de Pothier. Cdigo em nome, na verdade consolidao de normas preexistentes, sem evidenciar-lhes o sistema comum, a norma francesa ser, possivelmente, um teste para o desenvolvimento de um Direito, no que hoje persiste sendo apenas um campo de prtica profissional e o objeto de instituies administrativas nacionais ou supranacionais. O tratamento integrado das questes da propriedade intelectual como um todo, sem diviso entre patentes, cultivares, e direitos autorais temas sujeitos a ministrios diversos na Administrao Pblica Brasileira -, vem de ser prestigiado pelo disposto no decreto de 21 de agosto de 2001, que Cria, no mbito da CAMEX - Cmara de Comrcio Exterior, o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual. Propriedade Industrial O que vem a ser Propriedade Industrial? Na definio da Conveno de Paris de 1883 (art. 1 2), o conjunto de direitos que compreende as patentes de inveno, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fbrica ou de comrcio, as marcas de servio, o nome comercial e as indicaes de provenincia ou denominaes de origem, bem como a represso da concorrncia desleal. A Conveno enfatiza que, conquanto a qualificao industrial 3 , este ramo do Direito no se resume s criaes industriais propriamente ditas, mas entende-se na mais ampla acepo e aplica-se no s indstria e ao comrcio propriamente ditos, mas tambm s indstrias agrcolas e extrativas e a todos os produtos manufaturados ou naturais, por exemplo: vinhos, cereais, tabaco em folha, frutas, animais, minrios, guas minerais, cervejas, flores, farinhas 4 . Ao momento da construo da Unio de Paris, a singularidade de tais direitos em face dos chamados direitos de autor permitia a elaborao de normas autnomas tanto no seu corpo normativo quanto no institucional: a Conveno da Unio de Berna regulou, desde a ultima dcada do sculo XIX, um campo complementar, mas separado do da Propriedade Industrial, com Secretaria e tratados diversos. A evoluo da estrutura institucional internacional reflete, a partir da, a crescente complexidade e amplido dos direitos 2 As citaes que se fazem provem do texto do Cdigo na edio Litec, de maro de 1996, preparado por Michel Vivante. 3 No entanto, como se ver, quando tratarmos da questo do requisito de utilidade industrial para a concesso das patentes, se ver que o conceito de industrial ter um entendimento mais restrito, embora no exatamente ligado ao setor industrial. Industrial, em tal contexto, significar relativo mudana nos estados da natureza, por oposio s simples operaes conceituais, aritmticas ou, em geral, abstratas. 4 A Conveno de Paris (...) dispe em seu Artigo I, 2o 2o. pargrafo o seguinte: "A proteo da propriedade industrial tem por objetivo os privilgios de inveno, os modelos de utilidade, os desenhos e modelos industriais, as marcas de fbrica e de comrcio, o nome comercial e as indicaes de procedncia ou denominaes de origem, bem como a represso da concorrncia desleal". 12. 12 pertinentes, nascidos nos sistemas nacionais ou, pouco a pouco, na prpria esfera supranacional. J o Cdigo da Propriedade Industrial em vigor (Lei 9.279 de 15 de maio de 1996) diz o seguinte: Art. 2 - A proteo dos direitos relativos propriedade industrial, considerado o interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pais, se efetua mediante: I - concesso de patentes de inveno e de modelo de utilidade; II - concesso de registro de desenho industrial; III- concesso de registro de marca; IV - represso s falsas indicaes geogrficas; e V - represso concorrncia desleal 5 . Novas formas de Propriedade Intelectual O recital do art. 2. do CPI no abrange, obviamente, a totalidade dos objetos da Propriedade Industrial, previstos em outras legislaes nacionais. O rol dos objetos legais menor que os dos objetos possveis na teia das relaes econmicas; como veremos adiante, no tratamento das definies constitucionais de outras criaes industriais e outros signos distintivos, haver amparo para a constituio futura de outros direitos do mesmo gnero. O novo CPI francs, por exemplo, elenca entre seus objetos os produtos semicondutores, as obtenes vegetais, os caracteres tipogrficos e as criaes da moda, em regimes prprios 6 . O Direito Americano abrange, alm das formas tradicionais, dois sistemas de patente de plantas, a proteo s topografias de semicondutores, a represso especfica publicidade enganosa, os direitos de publicidade e o princpio da submisso de idia, seja como criao legal ou jurisprudencial 7 . No cessam a as possibilidades. Com toda certeza, teremos no futuro mais e mais figuras jurdicas intermedirias entre o Direito Autoral, no que se poderia chamar hbridos jurdicos 8 . Uma forma curiosa de proteo jurdica de bens intelectuais o prefigurado pelo tratado de biodiversidade da Rio 92, objeto de captulo especfico. Tambm no mesmo campo genrico, est a proteo s informaes confidenciais para obteno de registro de 5 Um elemento inegavelmente integrante da propriedade industrial - o nome comercial, ou melhor, nome de empresa - no foi includo na Lei 9.279/96. Certamente deveria t-lo sido, pois subsistem todos os problemas de uma proteo mltipla, de base estadual, qual se soma a aplicao do art. 8o. da CUP, coisa que o novo cdigo civil de 2002 s fez agravar. Um verdadeiro caos. Apenas as singularidades institucionais (o INPI no cuida de nomes de empresa, as Juntas Comerciais e os Registros Civis de Pessoas Jurdicas no cuidam de marcas e, a rigor, nem dos nomes de empresa) e a diferena de prtica profissional entre o generalista, que faz os registros de pessoas jurdicas, e do especialista, advogado ou agente de propriedade industrial, preveniram a sistematizao, outrossim impositiva. 6 No ltimo caso, a lei especfica de 12 de maro de 1952 foi codificada no art. L.112-2 do CPI. 7 Chisum e Jacobs, Understanding Intellectual Property Law, Matthew Bender 1992, p. 6-1 a 6-90. 8 Uma impressionante avaliao destas formas no homogneas de propriedade intelectual pode-se ler no nmero especial da Columbia Law Review de dezembro de 1994 (94 Col.L.Rev. no. 8) 13. 13 comercializao de produtos sob vigilncia sanitria ou ambiental, introduzida por legislao recente 9 . A legislao em vigor Propriedade Industrial Desde 14 de maio de 1996 vigora entre ns a Lei 9.279, cuja vacatio legis (salvo alguns dispositivos especficos do chamado pipeline) foi de um ano. A lei se peja de chamar-se Cdigo, embora o seja. Desde 1945, quando a primeira lei geral brasileira sobre Proprie- dade Industrial foi promulgada atravs do Decreto Lei 7.903, a denominao sempre correspondeu realidade: tivemos o Cdigo da Propriedade Industrial de 1945, o de 1967, o de 1969 e - finalmente - o de 1971. Nunca se lhes contestou a natureza de Cdigo. Fazem-no, agora, e no difcil perceber a razo. Diz o Art. 64 4. da Carta da Repblica que no sero sujeitos a prazo de urgncia os projetos de Cdigo. Ao Poder Executivo, porm, convinha fazer voar o projeto, sem o trmite que a Carta impe. Da rebatizar o Cdigo - tentando frustar o espao de participao e debate que o povo brasileiro e, em particular, o setor industrial, tinha um interesse, constitucionalmente reconhecido, de exigir. A existncia de pelo menos dois outros projetos anteriores - o PL 207/91 do Deputado Luiz Henrique e a iniciativa do deputado Jos Coutinho - possivelmente tambm motivou o Executivo a desnaturar seu projeto e a solicitar a urgncia indicada. Com efeito, o trmite legislativo da mensagem seria afetado pela precedncia do outro projeto, do qual em boa parte passaria a depender, segundo as regras de procedimento do Congresso. As razes histricas da legislao brasileira de propriedade industrial Temos uma lei de patentes desde 28 de abril de 1809, um Alvar de D. Joo VI aplicvel somente ao Estado do Brasil, o que nos coloca como uma das quatro primeiras naes, no mundo, a ter uma legislao sobre o tema. Tal Alvar Rgio foi possivelmente tambm o nosso primeiro Plano de Desenvolvimento Econmico. Com a chegada da Corte, estvamos num momento em que se teria de fazer a reforma patrimonial do Estado. Os privilgios que ento havia, monoplios de explorao de indstrias tradicionais, tinham de ser reformados, de forma a faz-los trabalhar por um objetivo determinado, o desenvolvimento econmico, em particular o desenvolvimento industrial. O Plano utilizou-se de trs instrumentos principais: o primeiro foi a criao do drawback, ou seja, a eliminao dos impostos incidentes sobre a importao de determinados insumos, quando se tornassem esses insumo necessrios para viabilizar o aumento de exportaes ou de abastecimento do mercado interno dos setores primordiais. O segundo ponto era o 9 Medida Provisria no. 69, de 27 de setembro de 2002. 14. 14 controle das compras estatais, basicamente do Exrcito, direcionado a compra de seu fardamento para as indstrias txteis nacionais. Em terceiro lugar, criava-se o sistema de incentivos ao desenvolvimento da tecnologia, atravs de patentes industriais de concesso prevista em lei, em substituio ao sistema de privilgios individualizados, anteriormente existentes - com vistas a trazer para o Brasil novas indstrias. Assim dispunha o Alvar: Sendo muito conveniente que os inventores e introdutores de alguma nova mquina e inveno nas artes gozem do privilgio exclusivo, alm do direito que possam ter ao favor pecunirio, que sou servido estabelecer em benefcio da indstria e das artes, ordeno que todas as pessoas que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento Real Junta do Comrcio; e que esta, reconhecendo-lhe a verdade e fundamento dele, lhes conceda o privilgio exclusivo por quatorze anos, ficando obrigadas a fabric-lo depois, para que, no fim desse prazo, toda a Nao goze do fruto dessa inveno. Ordeno, outrossim, que se faa uma exata reviso dos que se acham atualmente concedidos, fazendo-se pblico na forma acima determinada e revogando-se todas as que por falsa alegao ou sem bem fundadas razes obtiveram semelhantes concesses. Na srie de leis que se sucederam a de 1809, especialmente importante sublinhar a relao entre a inventiva nacional e o capital estrangeiro. Sob a lei de 28 de agosto de 1830, na prtica s ao inventor nacional era deferida a patente; se ficasse provado que o inventor havia obtido, pelo mesmo invento, patente no exterior, a concesso brasileira ficaria nula 10 . Para os introdutores de indstria estrangeira, ou seja, quem se estabelecesse no Brasil com tecnologias novas para o pas, a lei previa um subsdio, no um monoplio; mas nunca foi votada verba necessria, o que levou os ministros da rea a passar a conceder patentes a estrangeiros, ad referendum do poder legislativo. Assim, apesar da proibio, em 1878, foi concedida uma patente a Thomaz Edison para uma mchina denominada phongrapho. Quando terminaram as negociaes da Conveno de Paris, em 1882 11 , j havia uma nova lei, to afeioada aos fluxos tecnolgicos internacionais que nenhuma adaptao se precisou fazer aps a assinatura do tratado. O resultado foi imediato: enquanto nos oito anos finais da lei de 1830 foram concedidos 434 privilgios (33% de estrangeiros em 1882, nos oito anos da lei de 1882 o foram 1 mil 178 (66% de estrangeiros em 1889). Parecia, aos olhos de ento, justificado o ponto-de-vista do Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras pblicas de 1876, ao propor a elaborao da nova lei: Nao nova, dotada de grandes e variados elementos de riqueza, oferecendo tantas facilidades para a aquisio dos meios de subsistncia, o Brasil no pode contar to cedo, para o progresso de sua indstria, com o esprito de inveno que, como sabido, somente 10 Art. 10. Toda a patente cessa, e nenhuma: (...) 4. Se o descobridor, ou inventor, obteve pela mesma descoberta, ou inveno, patente em paiz estrangeiro. Neste caso porm ter, como introductor, direito ao premio estabelecido no art. 3. 11 Lei n 3.129, de 14 de outubro de 1882 15. 15 na luta da necessidade contra os elementos e contra condies de vida e estmulos para seu desenvolvimento. Votados, pela geografia, ao subdesenvolvimento, s uma legislao liberal que protegesse os monoplios de importao poderia assim nos fornecer objetos novos da tecnologia mundial. No tivemos tal tipo de evoluo quanto s marcas. At 1875 no havia qualquer legislao tratando do assunto e, quando entrou em vigor a Conveno, foi apontada uma srie de modificaes necessrias para compatibilizar a norma interna ao novo ato. Supria-lhe, talvez a falta o uso dos nomes de empresa, nas condies do Cdigo Comercial: o primeiro caso conhecido de contrafao de marcas data de 1873, e se refere a uma indstria baiana de rap. Uma srie de leis extravagantes regulou a matria de marcas, patentes e, eventualmente, de concorrncia desleal, do fim do sc. XIX at 1945, quando tivemos o nosso primeiro Cdigo de Propriedade Industrial, o Dec. lei 7.903/45. Esta excelente pea legislativa, cuja elaborao demonstra sofisticao tcnica infinitamente maior do que toda legislao anterior, subsistiu - em seus aspectos penais - por mais de meio sculo, at o incio de vigncia deste novo Cdigo de 1996. Ao contrrio dos seus antecessores de 1945, 1967 e 1969, todos decretos-lei, o Cdigo de 1971 foi votado pelo Congresso Nacional, em discusses com a indstria nacional e estrangeira e os advogados especialistas, documentadas nos Anais ento publicados. Exerccio democrtico, a votao da lei no escapou das intervenes informais, at mesmo folclricas, propiciadas pelo clima poltico e ideolgico da poca, mas tambm refletia a influncia tcnica, especialmente alem, propiciada pelo incio do programa de assistncia da Organizao Mundial da Propriedade Industrial. Origem do projeto da Lei 9.279/96 A origem do processo de mudana da lei de propriedade industrial , indubitavelmente, a presso exercida pelo Governo dos Estados Unidos, a partir de 1987, com sanes unilaterais impostas sob a Seo 301 do Trade Act. No obstante aplicadas no Governo Sarney, apenas no mandato seguinte se iniciaram as tratativas oficiais com vistas elaborao de um projeto de lei. Consentnea com tal momento histrico, a poltica do Governo Collor 12 para com o setor tecnolgico, embora ressoando as propostas da Nova Poltica Industrial do Governo anterior, no levada prtica desde sua formulao em 1988, importou na prtica em conteno dos meios pblicos aplicados no desenvolvimento tecnolgico e em reduo dos mecanismos de proteo ao mercado interno, em especial no setor de informtica. Desta postura derivam as propostas de reforma do Cdigo da Propriedade Industrial, da Lei de Software, da Lei de Informtica, da Lei do Plano Nacional de Informtica e Automao 12 A diretriz ao setor industrial e tecnolgico foi delineada pela Portaria Interministerial no. 346 de julho de 1990. 16. 16 (PLANIN), a elaborao de um anteprojeto sobre topografia de semicondutores e a extino de praticamente todos incentivos fiscais ao desenvolvimento tecnolgico (esses, posteriormente ressuscitados). Neste contexto poltico, constitucional e internacional, proliferaram os projetos de reforma da legislao. Nem todos os projetos em curso tiveram sua origem no Poder Executivo: notam-se, por exemplo, a iniciativa do Deputado Luiz Henrique de reestruturao da Lei de Software 13 e a do Deputado Jos Carlos Coutinho de modificao da legislao de patentes 14 . Tambm do Deputado Luiz Henrique foi o Projeto de Cdigo da Propriedade Industrial, calcado em boa parte no texto ento vigente, que foi apresentado ao Congresso no incio de 1991, com o fito de preceder regimentalmente o projeto do Governo 15 Coube Comisso Interministerial instituda pela Portaria Interministerial no. 346 de julho de 1990 a tarefa de elaborar o projeto de lei. Em suas vrias subcomisses, o grupo reuniu representantes do Ministrio da Justia, da Economia, das Relaes Exteriores, da Sade e da Secretaria de Cincia e Tecnologia, alm dos tcnicos do INPI e de consultores externos - inclusive, por certo tempo, o autor. O propsito do trabalho, assim como seu resultado, estava alis prefigurado no texto da Portaria Interministerial e nas Diretrizes de Poltica Industrial e de Comrcio Exterior expedidas na mesma ocasio. A reviso tinha por finalidade dar patente s invenes qumicas, farmacuticas e alimentares; e tal, obviamente, o que resulta do Projeto.Coube Comisso instituda pela Portaria Interministerial no. 346 de julho de 1990 a tarefa de elaborar a Lei 9.729/96, em seu primeiro projeto. Em suas vrias subcomisses, o grupo reuniu representantes do Ministrio da Justia, da Economia, das Relaes Exteriores, da Sade e da Secretaria de Cincia e Tecnologia, alm dos tcnicos do INPI e de consultores externos - inclusive, por certo tempo, o autor. Em vrias ocasies, a Comisso ouviu as associaes, empresas e entidades governamentais interessadas, inclusive a Associao Brasileira da Propriedade Industrial e a Associao Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial. Em suas vrias verses, o 13 Modificando a Lei n 7.646, 18 de dezembro de 1987 - Lei do "Software" - e d outras providncias. 14Projeto de Lei da Cmara no. 1.217 de 1991, do Deputado Jos Carlos Coutinho, cuja ementa : "Suprime dispositivos do Cdigo da Propriedade Industrial". 15 O projeto em questo, que na sua justificativa identificava-se como sendo da Associao Brasileira da Indstria de Qumica Fina garantia a patente para os setores de frmacos, alimentos e produtos qumicos, mas com a previso de um prazo de 10 anos para o incio da proteo de processos e quinze para de produtos; aps tal perodo, o prazo se estenderia, como hoje, por quinze anos. A proposta previa que as obtenes vegetais e animais, assim como os microorganismos continuariam sem proteo, cabendo a desapropriao no s nas hipteses habituais, como no abuso de poder econmico. Mantinha a proposta as exigncias de fabricao no pas dos itens patenteados, em prazos relativamente curtos. Apresentado o projeto do Governo, com pedido de urgncia - embora inconstitucional - a proposta do Deputado Luiz Henrique perdeu-se no cipoal legislativo. 17. 17 texto levava em conta, ainda que no incorporasse, as vrias correntes de opinio existentes sobre os temas regulados; vale dizer, no era uma proposta radical nem subjetiva, ainda que tenha as claras motivaes acima indicadas. Pelo menos no que se refere ao Ttulo I, que trata das patentes, a o projeto do Executivo foi, em linhas gerais, bem concebido e redigido, com diretrizes tcnicas bastante claras, ainda que discutveis quanto constitucionalidade, convenincia e oportunidade. Alm da diretriz poltica que se imps reviso da legislao ento em vigor, desde incio, as seguintes condicionantes tambm desempenharam claro papel na elaborao do texto: a) o aperfeioamento tcnico e administrativo que se impunha aps quase 20 anos de experincia com o Cdigo anterior; b) as modificaes do contexto tecnolgico e econmico brasileiro; c) os exerccios de padronizao, ditos de harmonizao, dos sistemas nacionais de patentes e marcas realizados na OMPI; d) o estgio das negociaes do GATT no momento da concluso da redao. e) a necessidade, percebida pelos tcnicos do INPI, de melhorar sua interface com o pblico, especialmente os inventores nacionais, propiciando uma inter-relao ainda mais dialtica e cooperativa entre o escritrio de propriedade industrial e os seus usurios . Enviado a 2 de maio de 1991 ao Congresso, em regime de urgncia, o Projeto recebeu srias oposies regimentais, eis que segundo a Carta de 1988, um Cdigo no pode ser votado em ritmo acelerado. Foi formada Comisso Especial na Cmara dos Deputados para examinar a proposta, que seguiu procedimento rpido, mas no de urgncia. Numerosos grupos de presso atuaram junto aos congressistas, tendo-se realizado, alm disto, vrios congressos e seminrios, inclusive no prprio Congresso, para discutir o tema. Em 1992, uma das maiores especialistas na matria assim se expressava sobre a situao do projeto, em face da contempornea negociao do acordo TRIPs: A partir de 1986, com o incio da Rodada Uruguai do GATT, aquilo que eram sinais de mudana tornaram-se claros marcos das novas posturas dos pases desenvolvidos, cristalizando-se, em dezembro de 1991, com o texto de GATT-TRIPs (Trade Related Aspects on Intelectual Property). Evidentemente, tal iniciativa de trazer ao GATT matrias substantivas da Propriedade Intelectual, anteriormente confinada Organizao Mundial da Propriedade Intelectual, no se fez isoladamente. Assim que, no prprio mbito da OMPI, desde o incio da dcada dos oitenta, vinham sendo impulsionadas certas discusses, como a da proteo jurdica dos programas de computador (encerradas abruptamente por uma concluso dos trabalhos dos expertos que no se coadunava com o encaminhamento das reunies at ento realizadas) e a proteo jurdica dos microchips (em que, tendo-se atingido um texto final de tratado internacional, no se obteve, at o momento, nenhuma providncia - e a OMPI no tem se esforado minimamente nesse sentido - para sua assinatura e adeso). Ainda na OMPI, foram surgindo outras propostas de mecanismos reguladores, tais como as de tratados de harmonizao de patentes, harmonizao de marcas, soluo de 18. 18 controvrsias, harmonizao de designs e um protocolo Conveno de Berna, para direitos autorais e conexos. Demais disso, as direes do COCOM foram consideravelmente alteradas nos ltimos anos, sem que os pases em desenvolvimento lhe prestassem qualquer ateno. J no to claros, os resultados das negociaes bilaterais conduzidas prioritariamente pelos EUA (consideradas por aquele pas como bastante mais eficazes que as multilaterais) se mostram diretamente nas iniciativas de alterao das legislaes domsticas dos pases visados, dos quais o Brasil apenas um de muitos. (...) Numa anlise menos que perfunctria, o que se nota a tentativa dos pases desenvolvidos de retornarem a uma situao de mera exportao do produto final objeto da patente (seja a patente fim, intermediria ou de meio) e de bloqueio jurdico e fctico da informao tecnolgica, numa espiral que nos recoloca na mesma vertical do incio do sculo. Em conseqncia, surgiram proibies como a j mencionada da reviso de Estocolmo da CUP e tambm conceitos novos, de que se destacam o de discriminao, expresso pela primeira vez em GATT-TRIPs, e o da dita reverso do nus da prova. (...) Alm da Lei no. 8383/91, que alterou as normas de remessa e dedutibilidade, uma das primeiras mudanas a serem implementadas (apesar de ser a mais recente iniciativa) foi a adeso do Brasil ao texto da reviso de Estocolmo (1967), o qual traz, em seu bojo, a proibio de serem extintos privilgios de patentes no explorados pelo titular sem uma concesso de licena compulsria anterior. (...) A perda da capacidade de os pases selecionarem reas tecnolgicas de como no-concesso de privilgios e a recusa de introduzir no PL 824/91 os mecanismos de exceo que o GATT admitiu, a retroao da possibilidade de depsito de patente (pipeline), muito mais amplo do que a negociada em GATT-TRIPs, o abandono do perodo de transio admitido em TRIPs e uma srie de outras escolhas, menos flexveis para o Pas, devem ser cuidadosamente vistas, pois demonstram at uma certa relao de divergncia entre os nveis multi e bilaterais. Tambm a questo do segredo da indstria, regulado de maneira pfia no PL 824/91, e a introduo da matria no GATT, bem como sua transformao, ao longo das negociaes, at o conceito de undisclosed information (que, alis, tem passado desapercebido), do mais alto interesse para a aquisio de conhecimento tecnolgico e para a produo de bens que utilizem certas inovaes tecnolgicas, especialmente nas reas de frmacos e alimentos. A imposio de certos caminhos judiciais, inclusive com aspectos inadmissveis no nosso direito (de que o dispositivo sobre a pseudo reverso de nus da prova exemplo) que aparecem em GATT-TRIPs e na Harmonizao de Patentes (em contraste aos inspidos dispositivos constantes do PL), a determinao da proteo das bases de dados, a possibilidade de limitao da circulao de informaes existentes em bibliotecas e mesmo o novo conceito de reproduo de obra so condicionantes inevitveis para a inovao tecnolgica 16 . 16 Nelida Jazbik Jessen, estudo tcnico para a Universidade de Campinas, 13 de outubro de 1992. 19. 19 O texto enfim editado tem, marcadamente, o sinal do impacto desses interesses econmicos e polticos. Como comentamos em cada captulo seo especfica, o Cdigo da Propriedade Industrial de 1996, um Cdigo que se envergonha de seu ttulo, cabe mal no contexto constitucional brasileiro, e necessita de interpretao vigorosa de jeito que se lhe imponha alguma compatibilidade com a regra bsica. Direitos autorais Com a Lei de criao das Faculdades de Direito de Olinda e de So Paulo, de 11 de agosto de 1827, num projeto de Cardoso Pereira de Melo, Janurio da Cunha Barbosa e Antnio Ferreira Frana, teve-se a primeira tutela no Brasil do privilgio aos autores: Art. 7. - Os Lentes faro a escolha dos compndios da sua profisso, ou os arranjaro, no existindo j feitos, contanto que as doutrinas estejam de acordo com o sistema jurado pela Nao. estes compndios, depois de aprovados pela Congregao, serviro interinamente; submetendo-se porm aprovao da Assemblia Geral, e o Governo os far imprimir e fornecer s escolas, competindo aos seus autores o privilgio exclusivo da obra, por dez anos Note-se que a primeira legislao portuguesa sobre a matria data de 4 de julho de 1820, com previso incorporada na Constituio lusa de 1826 17 . Imediatamente aps, em 1830, o nosso primeiro Cdigo Criminal estabelecia sanes penais para os infratores de contrafao; apenas na Carta Republicana de 1891 subiu a matria ao nvel constitucional. Em 1898, a Lei 494, chamada Lei Medeiros de Albuquerque, elaborou pela primeira vez um tratamento mais abrangente. De 1917 a 1973, a regncia legal da matria passa ao Cdigo Civil. No mesmo ano, Paulo Barreto, o Joo do Rio, funda a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais/SBAT. Um relevante diploma para o tratamento dos direitos conexos a Lei 4.944/66. A Lei 5.194/66 criou o registro autoral das obras de arquitetura e engenharia como incumbncia dos Conselhos Profissionais da categoria. Com a Lei 5.988, de 1973, o regime legal saiu do Cdigo para uma lei especfica, que instituiu o Conselho Nacional de Direitos Autorais e o Escritrio Central de Arrecadao de Direitos Autorais. Num dispositivo constante numa lei de regulamentao profissional das categorias artsticas (Lei 6.533/78, em seu artigo 13), passou-se a cercear a cesso ou promessa de cesso de direitos autorais e conexos decorrentes da prestao de servios profissionais. A atual Lei Autoral, 9.610/98, foi promulgada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 20 de fevereiro de 1998, e entrou em vigor 120 dias aps. Mantm a tradio de ser norma especial, muito embora o novo Cdigo Civil de 2002 se propusesse como lei genrica do Direito Privado. 17 Para Jos Oliveira Asceno, somente a Carta de 1838 e a Lei Almeida Garret de 1851 efetivamente preceituaram quanta a matria em Portugal; cf. Direitos de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, 1992, p. 17. 20. 20 A Lei de Software Direito autoral? Matria prpria a um tertius genus, nem patente nem direito autoral? Muita discusso ocorreu antes da remessa do projeto de lei de nossa primeira Lei do Software, atravs da respectiva Mensagem (no. 777/86), ao Poder Legislativo, em dezembro de 1986. O contexto normativo inclua, a poca a elaborao legislativa de 1987, o teor do Art. 43 da Lei 7.232 de 29 de outubro de 1984, que remetia para legislao especial, a ser submetida ao Congresso Nacional, a matria relativa aos programas de computador e a documentao tcnica associada (software). No meio do mais quente da discusso jurisprudencial 18 , a lei foi fruto de uma definio poltica pelo internacionalismo; alinhando-se com o disposto no Trade Act de 1974 19 , o CONIN, em sua reunio de 26 de agosto de 1986, havia se manifestado pelo direito autoral como meio de proteger o software, em voto unnime dos representantes da Unio, contra a tendncia de escolher outro regime de proteo 20 . Quanto ao regime de Propriedade Intelectual, o regime de proteo dos programas de computador seguia, em parte, o da Lei 5.998/73, que protegia ento no Brasil os Direitos Autorais. No entanto, com as muitas alteraes introduzidas pela projeto de Lei, especialmente a supresso dos direitos morais, e a natureza claramente tecnolgica dos programas de computador, seria possvel afirmar que se teve, na Lei 7.646/87, na presena de um tertius genus, a maneira de certos Direitos Conexos, cuja regulao acompanha talvez, na esfera internacional, o da Conveno de Berna - vale dizer, o da matriz internacional dos Direitos Autorais - no que com ela no contraste. Do ponto de vista de poltica industrial, a tendncia que acabou por prevalecer - com base, alis, em pr-projeto do qual o autor participou na elaborao - foi de aplicar s importaes de software estrangeiro o exame de similaridade que, de suas razes 18 A criao da proteo da idia tecnolgica pelo copyright comeou a ser evolvida nos Estados Unidos por Whelan v. Jaslow, 797 F.2d. 1222 at 1238 (3d Cir. 1986), e por Digital Communications Association v. Softklone Distribution Corp., 659 F.2d 449 at 457 (N.D.Ga. 1987). Mas a opo pela proteo do software pelo copyright j tinha sido formalizada pela lei americana de 1980. A definio legal a da Seo 101 do ttulo 17 do United States Code (alterado pela Public Law 96-517 de 12.12.80): "A computer programs is a set of statements or instructions to be used directly or indirectly in a computer in order to bring about a certain result". 19 Que determinava sanes comerciais, literalmente, contra os pases que no adotassem em suas legislaes de software o direito autoral. 20 O episdio, em toda sua robustez anedtica, merece ser narrado aqui. Um dia antes o autor, juntamente com um ilustre servidor do Itamarati, posteriormente Ministro das Relaes Exteriores, haviam participado de um seminrio nacional sobre a questo, afirmando ambos que a adoo de um regime especfico para o software era a soluo acertada para o pas. De volta a Braslia, o autor reunira-se com o Ministro da Indstria e Comrcio, de quem era assessor junto ao CONIN, para aconselhar o voto, na reunio da manh seguinte, pelo tertius genus - nem direito autoral, nem patente, ao que o ministro concordou. Na solene sesso da manh de 26 de agosto, doze Ministros de Estado presentes, surge um ajudante de ordens do Presidente da Repblica, com documento sigiloso, que repassa, sem entregar, a cada um dos titulares, no instante exato da votao. Ao iniciar-se a tomada de votos, o Ministro da Indstria e Comrcio, para a surpresa absoluta do autor e dos representantes da empresa privada nacional, pronunciou-se pela adoo do direito autoral - o que resultou na Lei 7.646/87. 21. 21 aduaneiras, veio a se implantar tambm no campo da importao de tecnologia desde a dcada de 70'. Base deste exame a noo de equivalncia funcional, constante do Art. 10 da Lei 7.646, que engloba a originalidade do programa, a identidade de caractersticas de desempenho e similaridade de equipamento e de ambiente de processamento; o software nacional funcionalmente equivalente barrava a entrada do estrangeiro. Na prtica, a idia do exame de similaridade se mostrou inoperante. Com a pusilanimidade demonstrada j desde o Governo anterior perante as presses dos Estados Unidos, em particular do escritrio do U.S. Trade Representative, tanto a Secretaria Especial de Informtica quanto, em segundo grau, o Conselho Nacional de Informtica e Automao, tinham deixado de reconhecer a equivalncia funcional de produtos brasileiros mesmo em situaes em que isto seria um imperativo tcnico inescapvel. Ou seja, injunes polticas ocasionais impediram o correto funcionamento do mecanismo que, dentro do desgnio legal, serviria para controlar adequadamente o fluxo de software estrangeiro para o mercado nacional. A convico dos que apoiavam o modelo da similaridade era exatamente que a ductilidade poltica da similaridade levaria a um maior equilbrio nas decises, considerados todos os interesses em jogo; mas a postura fragilizada dos ltimos dois Governos brasileiros, em desacordo com os padres de independncia e responsabilidade mantidos pela Poltica Externa do Pas pelos vinte cinco anos precedentes, impediu que se fizesse o julgamento ponderado que se esperava. Os fatos deram razo, assim, aos defensores da tese oposta ao exame de similaridade, especialmente ASSESPRO, associao das empresas nacionais produtoras de software. Para a entidade, ao invs de uma exame de equivalncia funcional, caberia mais a imposio de nus tributrio, que assegurasse uma vantagem ao produtor nacional, sem vedar o acesso ao software estrangeiro. Assim foi que, pouco tempo aps sua promulgao, a Lei do Software passou a sofrer propostas de alterao, inclusive atravs do envio ao Congresso de uma Mensagem visando o processamento de Projeto de Lei do Executivo. Antes da remessa de tal Projeto j estava em discusso no Congresso, outro projeto, de sentido bastante divergente. O deputado Luiz Henrique, do PMDB de Santa Catarina, foi Ministro da Cincia e Tecnologia durante a votao da Lei do "Software", e ressuscitou atravs de seu projeto de lei a uma das mais discutidas questes durante a apreciao legislativa da futura Lei n 7.646: a do controle do acesso do software estrangeiro ao mercado nacional. O Projeto do Executivo, alterando a Lei do Software visava adequar a antiga legislao s tendncias desregulamentadoras que prevaleceram a partir do Governo Collor. O exerccio tinha como objetivo ostensivo a erradicao do procedimento de cadastro, na verdade de outorga, que regulava o acesso ao mercado interno segundo parmetros que favoreciam o desenvolvimento da indstria de capital nacional; mas, para evitar o agravamento da ansiedade nas relaes bilaterais com outros pases, tal trabalho exigiria o mnimo possvel de modificao no texto. Com a proposta, extinguiu-se o processo de outorga dos direitos de comercializao do software, caracterstica principal do regime anterior, e objeto do Projeto Luiz Henrique . 22. 22 Alm de promover a proteo dos direitos intelectuais, a proposta assegura alguns direitos aos usurios enquanto consumidores dos programas de computador e tratava, como o fazia a lei anterior, da matria tributria e cambial relativa aos programas de computador. A Lei 7.646/87 veio a ser sucedida pela 9.609/98, publicada contemporaneamente com a corrente Lei Autoral, 9.610/98. A lei de Cultivares Com a fundao em 1961 de um Organismo Internacional destinado assegurar a proteo de variedades de plantas, sob o nome de UPOV (Union Internationale pour la Protection des Obtentions Vegetales), a Blgica, Sua, Dinamarca, Finlndia, Inglaterra, Itlia, Holanda, Noruega e Espanha cristalizavam, em esfera internacional, a necessidade desse tipo especfico de proteo, surgida nas leis nacionais, como forma de patente ou outra modalidade, a partir dos anos 20. O Brasil membro da verso de 1978 da UPOV desde 23 de maio de 1999. Em cumprimento ao disposto no Art. 27, item 3 b) de TRIPs, segundo o qual e os Pases- Membros tero que proteger as variedades de plantas por patentes, por leis sui generis, ou pela combinao das duas modalidades, o Poder Executivo enviou mensagem em 1995, que veio a transformar-se em projeto de lei , aglutinao dos projetos n 1325 de 1995 e n 1457 de 1996. Os projetos incorporavam dispositivos das verses de 1978 e de 1991 da UPOV. A Lei 9.456/97 entrou em vigor em 28 de abril de 1997. Proteo de informaes confidenciais Tal modalidade de proteo a segredos, prevista no Acordo Trips, veio a ter longa discusso e enfim proposta de norma, expedida como Medida Provisria em setembro de 2002. Vide, quanto questo, o captulo sobre Segredo Industrial. Bibliografia: uma histria da Propriedade Intelectual Chaves, Antnio, Evoluo da propriedade intelectual no Brasil, Revista dos Tribunais, So Paulo, vol. 81 n 685 p 236 a 242 nov. 1992. Silveira, Newton, O ensino do direito intelectual nas universidades, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, vol. 78 p 48 a 51 jan./dez 1983. Hammes, Bruno Jorge, Origem e evoluo histrica do direito de propriedade intelectual, Estudos Jurdicos, vol. 24 n 62 p 105 a 115 set./dez 1991 Gama Cerqueira, Tratado de Propriedade Industrial, 1952. Varella, Marcelo Dias, Propriedade Intelectual de setores emergentes, Atlas, 1996 23. 23 Porque Propriedade Intelectual? A acelerao do processo informacional e o desenvolvimento da economia industrial passou a exigir, desde o Renascimento, a criao de uma nova categoria de direitos de propriedade. Tal se deu, essencialmente, a partir do momento em que a tecnologia passou a permitir a reproduo em srie de produtos a serem comercializados: alm da propriedade sobre o produto, a economia passou reconhecer direitos exclusivos sobre a idia de produo, ou mais precisamente, sobre a idia que permite a reproduo de um produto. A estes direitos, que resultam sempre numa espcie qualquer de exclusividade de reproduo ou emprego de um produto (ou servio) se d o nome de Propriedade Intelectual. J ao segmento da Propriedade Intelectual que tradicionalmente afeta mais diretamente ao interesse da indstria de transformao e do comrcio, tal como os direitos relativos a marcas e patentes, costuma-se designar por Propriedade Industrial. Nos pases de economia de mercado 21 a propriedade industrial sempre consistiu numa srie de tcnicas de controle da concorrncia, assegurando o investimento da empresa em seus elementos imateriais: seu nome, a marca de seus produtos ou servios, sua tecnologia, sua imagem institucional, etc. Assim, quem inventa, por exemplo, uma nova mquina pode solicitar do Estado uma patente, que representa a exclusividade do emprego da nova tecnologia - se satisfizer os requisitos e se ativer aos limites que a lei impe. S o titular da patente tem o direito de reproduzir a mquina; e o mesmo ocorre como uso da marca do produto, do nome da empresa, etc. de notar-se que, no obstante a expresso propriedade ter passado a designar tais direitos nos tratados pertinentes e em todas as legislaes nacionais, boa parte da doutrina econmica a eles se refira como monoplios. Tal se d, provavelmente, porque o titular da patente, ou da marca, tem uma espcie de monoplio do uso de sua tecnologia ou de seu signo comercial, que difere do monoplio 21 No aconteceu assim, como bvio, nos pases socialistas. Mas as tcnicas de proteo no concorrencial em tais contextos passaram a ter apenas importncia histrica ou prospectiva, se se leva em considerao as propostas alternativas de incentivo ao desenvolvimento tecnolgico que no criem monoplios instrumentais. Descreve Intellectual Property Law in the European Union - Prof. Bryan Harris, em , visitado em 9/10/02: A well-known, but now largely outdated, challenge was presented by the ideology of the Eastern European countries, to whom the very concept of private property was repugnant; and a consequence of the challenge was that, instead of patent rights, the old Soviet Union and certain other countries had a system of inventors certificates, under which the right to the invention vested in the state and the payment for the right was a form of more or less arbitrary reward to the inventor. 24. 24 stricto sensu pelo fato de ser apenas a exclusividade legal de uma oportunidade de mercado (do uso da tecnologia, etc.) e no - como no monoplio autntico - uma exclusividade de mercado. Exclusividade a que muito freqentemente se d o nome de propriedade, embora prefiramos usar as expresses descritivas monoplio instrumental ou direitos de exclusiva. Seguramente isso acontece porque o estatuto da propriedade tende a ser um dos conjuntos mais estveis de normas de um sistema legal, permitindo a formulao da poltica de longo prazo, aumentando a segurana dos investimentos e direcionando a evoluo tecnolgica para os objetivos que a comunidade elegeu como seus. Vale tambm lembrar que, segundo a Constituio Brasileira vigente, a propriedade, e especialmente aquela resultante das patentes e demais direitos industriais, no absoluta - ela s existe em ateno ao seu interesse social e para propiciar o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas. No h, desta forma, espao para um sistema neutro ou completamente internacionalizado de propriedade industrial no Brasil. A tutela dos direitos autorais, de outro lado, no to ligada, no texto constitucional, s claras e especficas razes nacionais, pois se volta, pelo menos no que toca esfera moral de tais direitos, s noes de tutela dos direitos da pessoa humana, de cunho, assim, natural e universal, ainda que, como toda propriedade, sujeita obrigao de um uso socialmente adequado. No fosse a industrial cultural uma das maiores fontes de ingressos dos pases desenvolvidos, e um fator estratgico inestimvel. A posio dos pases europeus e, em particular, da Frana, na longa discusso dos acordos da OMC relativos aos bens culturais 22 demonstra, no entanto, que a posio da Carta de 1988, ingenuamente voltada idia do homem de Rousseau vai, na verdade enfraquecendo os direitos dos criadores nacionais, em face de uma cultura global. O argumento contra a propriedade intelectual The implication of this analysis is that intellectual property cannot be justified on the basis of the marketplace of ideas. The utilitarian argument for intellectual property is that ownership is necessary to stimulate production of new ideas, because of the financial incentive. This financial incentive is supposed to come from the market, whose justification is the marketplace of ideas. If, as critics argue, the marketplace of ideas is flawed by the presence of economic inequality and, more fundamentally, is an artificial creation that serves powerful producers of ideas and legitimates the role of elites, then the case for intellectual property is unfounded. Intellectual property can only serve to aggravate the inequality on which it is built. () In a society without intellectual property, creativity is likely to thrive. Most of the problems that are imagined to occur if there is no intellectual property -- such as the exploitation of a small publisher that renounces copyright -- are due to economic arrangements that maintain 22 Vide, quanto aos interesse da individualidade cultural canadense sob o NAFTA, Trebilcock e Hose, The Regulation of International Trade, Rutledge, Londres, 1995, p. 12 e seg. 25. 25 inequality. The soundest foundation for a society without intellectual property is greater economic and political equality. This means not just equality of opportunity, but equality of outcomes. This does not mean uniformity and does not mean leveling imposed from the top: it means freedom and diversity and a situation where people can get what they need. () Intellectual property is only one technique of many by which powerful groups control information in order to protect and expand their positions and wealth. Challenging intellectual property is only one part, though an important part, of challenging inequality. 23 A primeira de todas as propriedades intelectuais For a couple of centuries prior to 510 B.C., when its enemies destroyed it, there was a Greek colony in Southern Italy called Sybaris, notorious for its voluptuous life style. A Greek writer of around 200 B.C. named Athenaeus, quoting from a much earlier historian named Phylarcus, wrote the following about the Sybarites: Phylarcus, I say, states that The Sybarites, having given loose to their luxury, made a law that...if any confectioner or cook invented any peculiar and excellent dish, no other artist was allowed to make this for a year; but he alone who invented it was entitled to all the profits to be derived from the manufacture of it for that time; in order that others might be induced to labour at excelling in such pursuits . . Remarkably, this law, in common with our patent system, gave inventors statutory rights to exclude others from making, for a limited time, a new and useful invention, in order to promote a useful art, by providing an economic incentive24 . Por que propriedade? Entende-se, conforme as leis civis de tradio romanstica, por propriedade (de bens corpreos) a soma de todos os direitos possveis, constitudos em relao a uma coisa: a plena in re potestas. Uma definio analtica (como a do nosso Cdigo Civil de 1916 e do de 2002, art. 1.228) seria: o direito constitudo das faculdades de usar a coisa, de tirar dela seus frutos, de dispor 23 Brian Martin, Against intellectual property. University of Wollongong, NSW 2522, Australia. Department of Science and Technology Studies, encontrado em http://www.eff.org/IP/against_ip.article , site visitado em junho de 2002. 24 Giles S. Rich, Circuit Judge, Court of Appeals for the Federal Circuit, The Exclusive Right Since Aristotle. Vide Foyer e Vivant, Le Droit des Brevets, PUF, 1991: Pourtant, la seule loi antique connue organisant la protection dune cration de l'esprit est celle, voque, de Sybaris. cit de Grande Grce dont on sait peut-tre qu'elle fut dtruite par les Crotoniates en 510 avant Jsus-Christ (la mention de cette loi se trouve chez Athne, dans Le banquet des sophistes: sur celle-ci. on pourra lire M_F., Una legge sulle invenzioni del' 500 a.c., Rivista di diritto indusiriale, 1965. 155) . Os mesmos autores dizem, quanto s marcas : A rester sur le terrain des proprits intellectuelles, ce qu'on dnommerait marque en langage juridique moderne a connu une floraison bien plus prcoce. Ce sont les potiers de Condatomagos (La Graufesenque, en Aveyron) qui impriment la marque de leur atelier sur leurs productions et dont on retrouve une cargaison qui venait d'arriver dans les ruines de Pompi, ce sont, pour passer du ct des pirates. prcurseurs des modernes Singapour ou Taiwan, les marchands nordiques inondant partir de la fin du XVIe. la Mditerrane de produits bon march frapps de sceaux vnitiens frauduleusement imits . 26. 26 dela, e de reav-la do poder de quem injustamente a detenha. Os direitos reais diferentes da propriedade seriam exerccios autnomos das faculdades integrantes do domnio, de parte deles, ou limitaes e modificaes. A emergncia das novas formas de propriedade exige, porm, que se analise tal fenmeno jurdico sob o ngulo da estrutura dos direitos em geral, levando em conta, inclusive, a natureza dos objetos deste mesmos direitos 25 . Em termos muito genrico, propriedade poderia ser definida como controle jurdico sobre bens econmicos. A palavra controle tem a acepo de regulamento, alm da de domnio, ou soberania; a segunda significao que cabe ao conceito ora expresso 26 . Falando dos fundamentos de uma economia de mercado, Jaquemim e Schrans 27 lembram: Em geral, um bem no adquire uma utilidade econmica, ou ainda, uma coisa no se converte em bem, seno graas aos direitos que se tm sobre ela. Assim, uma certa forma de propriedade est na base das trocas. Esta propriedade confere, com efeito, um controle do bem ou do servio, de forma que haja uma relao entre o fato de adquirir e o de dispor. Assegura a possibilidade de excluir, at certo grau, a utilizao por outrem. Alm disso, comporta o direito de ser transferida. Quanto mais estritos so os princpios de exclusividade e de transferncia da propriedade de um bem, mais o valor comercial desse bem tender a subir. Em suma, o verdadeiro bem menos a coisa do que os prprios direitos. As caractersticas econmicas da propriedade sero, assim, o controle sobre o bem (inclusive o bem-servio ou o bem-oportunidade), e a possibilidade de excluir a utilizao por outrem. Mas a tradio tem reservado a palavra propriedade ao controle sobre coisas, ou bens tangveis; por uma extenso relativamente moderna, admite-se falar de propriedade intelectual, propriedade industrial, propriedade comercial, etc., para descrever direitos exercidos com relao a certos bens intangveis. Propriedade e funo Como se ver abundantemente no captulo dedicado ao Direito Constitucional da Propriedade Intelectual, o contexto e eficcia da instituio jurdica da Propriedade mudou radicalmente desde a noo romana da plena in re potestas. Esculpida como um direito- funo, com fins determinados, confiada a cada titular para realizao de objetivos socialmente importantes, a propriedade em geral tem seu estilo novo no desenho do Cdigo Civil de 2002 - da seguinte forma: Art. 1.228. O proprietrio tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reav-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. 25 Vide Foyer e Vivant, Le Droit des Brevets, PUF 1991, p. 263 e seg., num resumo essencial das discusses sobre o tema. Vide nossa dissertao de mestrado Know How e Poder Econmico, UGF 1982. 26 Fbio Konder Comparato, O Poder de Controle nas S.A., Ed. Revista dos Tribunais, 1976, pg. 11. 27 Jaquemim e Schrans, O Direito Econmico. Ed. Vega (Lisboa) pg. 13. 27. 27 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonncia com as suas finalidades econmicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilbrio ecolgico e o patrimnio histrico e artstico, bem como evitada a poluio do ar e das guas. 2o So defesos os atos que no trazem ao proprietrio qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela inteno de prejudicar outrem. 3o O proprietrio pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriao, por necessidade ou utilidade pblica ou interesse social, bem como no de requisio, em caso de perigo pblico iminente. (...) A raiz histrica e os fundamentos constitucionais da propriedade intelectual so muito menos naturais e muito mais complexos do que a da propriedade romanstica; como se ver, disto resulta que em todas suas modalidades a propriedade intelectual ainda mais funcional, ainda mais condicionada, ainda mais socialmente responsvel, e seguramente muito menos plena do que qualquer outra forma de propriedade. Propriedade como exclusividade O controle jurdico de que fala o conceito acima proposto melhor expresso em direito pela palavra poder; o poder de ao, conferido pela ordem jurdica a uma pessoa, para que possa alcanar um interesse prprio o direito subjetivo. Costuma-se analisar tal noo de forma a evidenciar a existncia de um sujeito ativo, que detm o poder; de um sujeito passivo, a quem cabe um dever; de uma relao jurdica entre os dois plos subjetivos; e de um bem, objeto desta relao. Este poder de agir por vezes se exerce sobre um sujeito passivo determinado, cujo dever, alm da obrigao genrica de respeitar o poder do plo ativo, de realizar uma prestao, uma atividade positiva ou negativa. Tal atividade , ao mesmo tempo, o objeto da relao, e a forma de se executar o poder. Quando se d, da maneira descrita, uma coincidncia entre dever do sujeito passivo e o objeto do poder, tem-se o direito subjetivo de crdito. Quando a atividade negativa de um sujeito determinado consiste em abster-se perante o exerccio do poder do sujeito ativo, tm-se os chamados direitos potestativos que so direitos subjetivos de crdito cujo contedo se esgota no prprio poder 28 . Quando ao poder do sujeito ativo no corresponde um dever, especfico, de nenhum sujeito ativo, a no ser aquele de respeitar a juridicidade do exerccio do mesmo poder, h um direito absoluto. Quanto ao objeto dos poderes, os direitos absolutos sero de natureza econmica ou no- econmica. Se o bem sobre o qual se exerce um poder exclusivo for objetivamente necessrio, escasso, alm de legalmente e materialmente disponvel, ou seja, se for um bem econmico patrimonial, estaremos perante um direito de apropriao, gnero que abrange, 28 Passarelli: op. cit. pg. 50s 0seg. 28. 28 entre outras coisas, os direitos reais sobre coisas tangveis e as propriedades intelectuais, comerciais, etc 29 . Apropriao natural e apropriao por operao de lei A prpria natureza corprea de uma coisa, bem econmico, em seus atributos de individualidade e atualidade, condiciona a exclusividade dos direitos que se exercem em relao a ela (direito real). Tal no acontece com uma outra categoria dos bens econmicos, os incorpreos. No so eles unos e iguais a si mesmos,30 nem atuais, no sentido oposto ao virtual (o que Cicero descrevia como quod intelleguntur, ou, na noo de Blackstone, as they exist only in contemplation). O detentor desses bens incorpreos, em princpio, pode assegurar sua exclusividade de fato. S uma restrio de direito assegura a apropriao. Tal dificuldade se agrava especialmente quando h a possibilidade de duplicao autnoma do bem incorpreo ou de sua realizao material. O fato de que, utilizando-se de uma mesma planta de uma mquina, engenheiros possam reproduzir ilimitadamente tanto o blue print quanto o prprio artefato, tende a negar idia desta mquina (descrita na planta) a natureza de bem econmico. Tal se d porque a possibilidade de reproduo irrestrita de bens fsicos (ou servios) a partir do bem incorpreo idia da mquina (o que Alois Trller chama de regra de reproduo) retira de tais bens a escassez. Tal como as praas pblicas ou o ar atmosfrico, que so bens extra commercium porque no so escassos, tambm o esprito, a cultura, e a inventividade humana so juridicamente res communes omnium; e, nas economias que adotam a liberdade de iniciativa, tambm o o mercado. Numa interveno, em julho de 2000, num simpsio sobre tecnologia,31 assim se discutiu o tema: ...num regime econmico ideal, as foras de mercado atuariam livremente e, pela eterna e onipotente mo do mercado, haveria a distribuio natural dos recursos e proveitos. No entanto, existe um problema: a natureza dos bens imateriais, que fazem com que, em grande parte das hipteses, um bem imaterial, uma vez colocado no mercado, seja suscetvel de imediata disperso. Colocar o conhecimento em si numa revista cientfica, se no houver 29 Comparato, op. cit., p.98. A definio acima presume a noo de apropriao, que a aquisio da possibilidade de destinar um bem ao atendimento exclusivo dos fins prprios de uma pessoa. A idia mais abrangente do que a de propriedade, pois, de um lado, admite uma possibilidade de fato de apropriar-se de um bem; e, de outro, no se limita ao poder sobre bens corpreos ou bens imateriais; e, finalmente, abrange o bem atividade do sujeito passivo determinado. Enfim, apropriar-se um conceito mais filosfico do que tcnico-jurdico, mas tem sua funcionalidade cientfica no seu prprio campo. 30 Hegel, Principles de Philosophie du Droit, n. 69 31 O texto de uma palestra de Denis Barbosa in Anais do III Encontro de Propriedade Intelectual e Comercializao de Tecnologia, Rio de Janeiro, 24, 25 e 26 de julho de 2000, Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro, Associao Brasileira das Instituies, de Pesquisa Tecnolgica - ABIPTI, Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI., e foi transcrito diretamente da gravao, com as peculiaridades de um improviso oral. 29. 29 nenhuma restrio de ordem jurdica, transforma-se em domnio comum, ou seja, ele se torna absorvvel, assimilvel e utilizvel por qualquer um. Na proporo em que esse conhecimento tenha uma projeo econmica, ele serve apenas de nivelamento da competio. Ou, se no houver nivelamento, favorecer aqueles titulares de empresas que mais estiverem aptos na competio a aproveitar dessa margem acumulativa de conhecimento. Mas a desvantagem dessa disperso do conhecimento que no h retorno na atividade econmica da pesquisa. Consequentemente, preciso resolver o que os economistas chamam de falha de mercado, que a tendncia disperso dos bens imateriais, principalmente aqueles que pressupem conhecimento, atravs de um mecanismo jurdico que crie uma segunda falha de mercado, que vem a ser a restrio de direitos. O direito torna-se indisponvel, reservado, fechado o que naturalmente tenderia disperso. Desta forma, o direito subjetivo absoluto sobre o invento, sobre uma obra literria, ou sobre uma posio no mercado s pode se tornar propriedade atravs de uma restrio legal de direitos e liberdades. Isso se d atravs de uma exclusividade criada juridicamente: como ou propriedade industrial, ou propriedade literria ou um monoplio mesmo. A exclusividade jurdica da utilizao de um bem imaterial, idia, forma, ou posio no mercado do uma mnima certeza de que se ter a vantagem econmica da escassez. Direitos de exclusiva Numa outra perspectiva da mesma questo, os direitos absolutos podem ser exclusivos ou no exclusivos conforme seja materialmente ou juridicamente impossvel fazer incidir outros direitos idnticos sobre um mesmo bem-fim. So direitos exclusivos, por exemplo, os chamados direitos reais sobre coisas fsicas, cujos predicados de seqela (jus persequendi) e disponibilidade (jus abutendi) podem ser explicados pela natureza do direito (absoluto), somadas pelas qualificaes naturais do objeto fsico (individualizado e atual), consagradas finalmente pelo objetivo da apropriao. Em se tratando de tais bens corpreos patrimoniais, os atributos fsicos de individualidade e atualidade (corporales sunt quae sunt, no dizer de Ccero), se acrescidos pelo propsito de apropriao, fazem naturalmente que ao direito absoluto se some a qualidade de exclusivo A noo de direitos exclusivos, aplicada a bens imateriais, merece reflexo especial. Pontes de Miranda 32 , ao tratar exatamente do segredo de fbrica, refere-se eficcia erga omnes, mas no real daquela figura jurdica. Ao usar tal expresso, algo paradoxal, o autor reconhecia que h no caso eficcia absoluta (erga omnes) mas no um poder de excluir terceiros com os mesmos direitos erga omnes (por exemplo, o de ter a oportunidade de usar uma estrada pblica), ou seja, no um direito exclusivo 33 . Alis, os direitos relativos a uma oportunidade so todos deste tipo, pressupondo um bem- meio (a oportunidade) e um bem-fim (a estrada pblica); a existncia ou no de 32 Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. XVI, 2005. Borzoi Ed. 1971. 33 Carvalho Santos, Cdigo Civil de 1916 Interpretado, vol. II, 1964, pg. 154. Jurisprudncia RJ 468/87-88. 30. 30 exclusividade refere-se, de fato, ao bem-fim, pois o bem-meio ser sempre exclusivo, sob pena de inexistir direito erga omnes. Concebe-se, tambm, que haja, poderes que no se exercitem em interesse prprio, mas para atender objetivos ao menos parcialmente alheios. o caso do poder tutelar, do poder marital, e do exerccio da jurisdio pelo magistrado: so poderes-funo, em que existe um dever-poder, um exerccio no voluntrio de um poder de agir. Tais poderes no sero direitos subjetivos, mas potestades. Entre os direitos de contedo no patrimonial, so absolutos e exclusivos os de personalidade, os polticos, os chamados direitos humanos, etc. De outro lado, so insuscetveis de direitos exclusivos a res communes omnium tais como as vias pblicas, ou o mercado (o espao jurdico onde se tecem as relaes econmica 34 ); as coisas ou bens de uso inexaurvel, como o ar atmosfrico, que no entanto se transformam em objetos possveis de direito exclusivo se parceladas e individualizadas; e todos os bens inapropriveis, em relao quelas pessoas que no podem apropriar-se deles 35 . Como melhor veremos abaixo, certos bens, inclusive e especialmente os produtos da inventiva industrial ou da criao esttica, denominados usualmente imateriais, carecem dos atributos das coisas corpreas, objeto natural dos direitos reais: no so individualizadas e atuais, no sentido de que podem ser reproduzidos ou recriados por uma outra pessoa, diversa do criador original. Embora suscetveis de serem objetos de direitos absolutos exclusivos, esta exclusividade no impede, a rigor, a reproduo ou a recriao, que so processos de produzir objetos idnticos, mas diferentes 36 . Por fico, o Direito tem atribudo a tais bens as mesmas qualidades das coisas sob direito real, fazendo prevalecer a exclusividade do direito mesmo sobre bens idnticos de criao absolutamente autnoma 37 . Direitos de exclusiva e expectativas de comportamento Numa atmosfera de concorrncia entre empresas, a titularidade ou uso de um dos objetos da propriedade intelectual d exclusividade no uso de certos bens imateriais, de forma que s seus titulares possam explorar a oportunidade perante o mercado, configurada pela utilizao privativa de tais bens. Assim, a exclusividade neste contexto de carter concorrencial. Mas a abrangncia da propriedade intelectual no se resume aos direitos exclusivos, ou direitos de exclusiva. Tambm se tutelam posies jurdicas, na teia das relaes privadas 34 Vale lembrar o art. 219 da Constituio Federal que declara ser o mercado interno patrimnio nacional... 35 Bevilacqua, op. cit. p. 221. 36 Hegel, Principes de Philosophie du Droit, Gallimard, 1963, pg. 127. 37 No nos referimos, aqui, peculiaridade do direito autoral, que protege at mesmo criaes (e no coisas) idnticas - duas composies de rock - idnticas, desde que cada uma seja concebida originalmente. 31. 31 de concorrncia, que no so exclusivas. Como se ver, tratando da noo de direitos de clientela, e mais adiante, tratando da doutrina da concorrncia, os agentes econmicos concorrentes podem deter oportunidades total ou parcialmente idnticas, sem que o Direito exclua qualquer deles do uso lcito do item em questo. Isso acontece, por exemplo, quando uma empresa tem um conhecimento tcnico no patenteado, que no seja livremente acessvel; saber fazer um pudim de po que algum seu concorrente no saiba (embora outros restaurantes tenham o mesmo pudim no cardpio) d ao que sabe uma oportunidade vantajosa na competio perante o que no sabe fazer o doce, e a possibilidade de pelo menos empatar com os demais, que sabem fazer o mesmo pudim que o primeiro. No h nesse caso um direito de exclusiva. O que pode haver, conforme a situao ftica, a garantia de um comportamento leal na concorrncia. No posso evitar que o concorrente que no saiba fazer o pudim, um dia aprenda pelo ensaio e erro, e empate comigo na oportunidade de mercado. O que posso impedir que ela aprenda por um mtodo desleal, por exemplo, subornando meu chef para conseguir a receita do pudim. No tenho exclusividade, mas tenho uma garantia jurdica de um comportamento conforme ao que espero no mercado. Tomando uma comparao provavelmente til para esclarecer esses direitos contrastantes, num prdio constitudo em condomnio, h exclusividade das reas privativas, e uso comum de partes do imvel; quando vrios condminos se utilizam do mesmo play ground, vigem expectativas de comportamento no uso comum. Essas expectativas, frequentemente (mas no necessariamente) incorporadas a regulamentos e convenes, podem ser asseguradas at por via judicial. Assim, h direitos impostas a cada um usurio, embora nenhum dos condminos tenha exclusividade do uso do play ground. Propriedade ou monoplio? Porque o amor um exclusivista terrvel; foi ele que inventou o monoplio e o privilgio. Jos de Alencar,As asas de um anjo Os direitos de propriedade intelectual, ao tornar exclusiva uma oportunidade de explorar a atividade empresarial, se aproximam do monoplio. O monoplio a situao ftica ou jurdica em que s um agente econmico (ou uma aliana entre eles) possa explorar um certo mercado ou segmento desse. Mas faz sculos que se admite a exclusividade jurdica do uso de uma tecnologia, desde que nova, til e dotada de certo cl