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Escola E. B. 2,3/s de Mora Português Recensão Crítica “A Aia” Mora, 26 de Maio de 2009 Realizado por: Ana Margarida Pinto Nº3 10ºA

Recensão crítica - a aia

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Page 1: Recensão crítica - a aia

Escola E. B. 2,3/s de Mora

Português

Recensão Crítica

“A Aia”

Mora, 26 de Maio de 2009

Realizado por:

Ana Margarida Pinto

Nº3

10ºA

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Recensão crítica

“A aia”

O conto “A aia” está incluído na obra Contos de Eça de Queirós. Eça de Queirós que foi um importante romancista português do século

XIX, considerado ainda nos dias de hoje como um dos principais representantes do realismo português, assim, como um dos escritores enquadrado no movimento Realista-Naturalista. Com este estilo, Eça pretendia fazer uma crítica ao Homem e ao seu comportamento, para expor e condenar, de forma realista, o que havia de mau na sociedade do seu tempo.

No conto “A aia”, o escritor retrata valores como a fidelidade e lealdade (Aia), mas também, a ganância e ambição (Tio). A personagem Aia, pretende evidenciar que a lealdade e fidelidade se pode sobrepor à ganância e aos bens materiais, já a personagem do Tio, demonstra que por vezes a ganância e ambição cerram o coração e, que quem tudo quer tudo perde.

Neste conto, narra-se um episódio em que depois da morte do rei, a aia de um príncipe, para o salvar das mãos do seu tio, sacrifica o filho, e, depois, quando a rainha a leva à sala do tesouro para escolher uma peça que seria o preço da sua abnegação, epicamente enterra um punhal no peito.

Desta forma, estamos perante uma narrativa fechada, pois apresenta um desenlace irreversível. A articulação das sequências narrativas (momentos de avanço) faz-se por encadeamento – a morte do rei, depois a morte do escravozinho em vez da do principezinho e, como consequência, a morte da Aia. Os momentos de pausa abrem e fecham a narrativa e interrompem, por vezes, a narração com descrições (espaço, objectos, personagens).

A narração é constituída por uma personagem principal - a Aia, que no fim do conto se torna uma personagem modelada, uma vez que adquire uma densidade psicológica elevada – e cinco personagens secundárias e planas – o rei, a rainha, o tio, o príncipe e o escravo – estas personagens não são identificadas com um nome próprio pois remetem para a intemporalidade da história.

Ao longo do texto está presente caracterização directa mas também caracterização indirecta (que é deduzida a partir do comportamento das personagens). A personagem principal é caracterizada como uma “bela e robusta escrava” e com “seus olhos brilhantes”, ela que é uma mulher dedicada ao filho e ao príncipe - “E, como se o amasse mais por aquela humildade ditosa, cobria o seu corpinho gordo de beijos pesados e devoradores – dos beijos que ela fazia ligeiros sobre as mãos do seu príncipe”, “A leal escrava, porém, a ambos cercava de carinho igual” -, e aos reis prova, com o gesto da troca das crianças, ser leal e nobre - “ela tinha a paixão, a religião dos seus senhores”, “ama leal parecia segura”, “Serva sublimemente leal”-, perspicaz, decidida e corajosa - “Então, rapidamente, sem uma vacilação, uma dúvida, arrebatou o príncipe do seu berço de marfim (…)”- mas, anteriormente, aquando da morte do rei demonstra ser também venerável e sofredora, “Nenhum pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei morto”. O rei “moço” e “formoso”, era um homem “valente”, rico - “senhor de um reino abundante em

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cidades e searas”- “alegre”, poderoso, sonhador e ambicioso – “levado no seu sonho de conquista e de fama”. O tio, irmão bastardo do rei, um “homem enorme” de “face mais escura que a noite”, que era mau, terrível, cruel, selvagem e que a riqueza ambicionava – “homem depravado e bravio, consumido de cobiças grosseiras, desejando só a realeza por causa dos seus tesouros e que havia anos vivia num castelo sobre os montes, com uma horda de rebeldes, à maneira de um lobo que, de atalaia, no seu fojo, espera a presa.”, “tio cruel”, “bastardo cruel”. A “rainha desventurosa” era “solitária e triste”devido à partida do rei, com a morte deste, tornou-se uma mulher chorosa - “A rainha chorou magnificamente o rei. Chorou ainda desoladamente o esposo (…), sobretudo, chorou ansiosamente o pai que assim deixava o filhinho desamparado”, “e chorar sobre ele a sua franqueza de viúva”-, depois do assalto, a rainha ficou surpreendida ao ver que o seu filho se encontrava no berço – “A mãe caiu sobre o berço, com um suspiro”, “a rainha, deslumbrada, com lágrimas entre risos, ergueu nos braços, para lho mostrar, o príncipe que despertara” -, e ficou muito grata por a Aia o ter salvado – “a mãe ditosa, emergindo da sua alegria extática, abraçou apaixonadamente a mãe dolorosa, e a beijou, e lhe chamou irmã do seu coração…”. O principezinho que tinha cabelo “louro e fino” era frágil – “pensava na sua fragilidade”- e inseguro – “a presa agora era aquela criancinha”-, já o escravozinho que “tinha o cabelo negro e crespo” era simples e livre – “a sua alma simples e livre de escravo”- e estava seguro – “Esse, na sua indigência, nada tinha a recear da vida.”-, e ambas as criancinhas tinham olhos reluzentes - “os olhos de ambos reluziam”. As crianças estão, no conto, marcadas pela sua posição social: “o berço de um magnífico e de marfim entre brocados”, e o “berço do outro pobre e de verga”. À hora da morte é por essa marca que o inimigo vai identificar o futuro rei. O príncipe não intervém directamente na acção, mas é o centro das atenções de todas as personagens. A personagem escravo existe para salvar a vida do príncipe.

Para localizar a acção no tempo existem somente algumas expressões – “lua cheia”, “começava a minguar”, “noite de Verão”, “antes de adormecer”, “uma noite, noite de silêncio e de escuridão”, “luz da madrugada”, “já o Sol se erguia” e “onde subiam os primeiros raios de Sol”. A noite que pode significar a escuridão onde o conhecimento toma forma e também a preparação de um novo dia, mas, neste caso, é durante a noite que tudo acontece, a morte do rei - “A lua cheia que o vira marchar”-, o nascimento do príncipe e do escravo - “Ambos tinham nascido na mesma noite de Verão”-, o ataque ao palácio, a troca das crianças - “Ora uma noite, noite de silêncio e de escuridão (…) avistou homens, um clarão de lanternas, brilhos de armas…”-, as mortes do escravo, do tio e da sua horda. É na escuridão que a Aia tudo compreende e, corajosamente, decide trocar as crianças de berço. Mas, a acção fecha com o suicídio da Aia já de madrugada – “onde subiam os primeiros raios de Sol”. O núcleo central da acção centra-se numa noite. A condensação de um tempo da história tão longo, numa narrativa curta (conto) implica a utilização de sumários ou resumos e de elipses (eliminação, do discurso, de períodos mais ou menos longos da história). Quanto à ordenação dos acontecimentos, predomina o respeito pela sequência cronológica.

A acção da história localiza-se num reino grande e rico “abundante em cidades e searas” e decorre num palácio. Toda acção decorre nesse espaço, sendo que alguns recantos do palácio são sobrevalorizados por oposição a outros, por

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exemplo, a câmara onde o príncipe e o filho da escrava dormiam e a câmara dos tesouros. No entanto, alguns espaços exteriores adquirem alguma importância como por exemplo: o primeiro espaço é onde o rei é derrotado e consequentemente morto – “à beira de um grande rio”- o segundo acaba por ser o local onde vive o irmão bastardo – “e que havia anos vivia num castelo sobre os montes, com uma horda de rebeldes, à maneira de um lobo que, de atalaia, no seu fojo, espera a presa.” Estas características são determinantes no clima que se vive no palácio, que denota temor e insegurança.

O espaço é descrito do geral para o particular, do exterior para o interior. Primeiramente, é nos apresentado “um reino abundante em cidades e searas”, onde se situa um palácio, habitado por um príncipe frágil que é protegido no seu berço pela sua ama. À medida que se desenrolam os acontecimentos, o espaço vai-se concentrando cada vez mais, acabando a Aia por se suicidar na câmara dos tesouros. Verifica-se um afunilamento do espaço.No exterior, no alto, encontramos um “castelo sobre os montes”, “o cimo das serras”, povoado pelo tio bastardo e a sua horda, que vigiam a presa – o príncipe que vivia no palácio. Cá em baixo, “na planície, às portas da cidade” existe um palácio, onde a população e o príncipe estão desprotegidos e são presa fácil. No interior da “casa real” há uma câmara com um berço, um pátio, a galeria de mármore, a câmara dos tesouros, onde estão a rainha, a aia, o príncipe e o escravo. Quanto ao espaço social temos a descrição de um ambiente da corte – palácio, rei, rainha, aias, guardas.

O conto termina com o suicídio da Aia que grita “- Salvei o meu príncipe – e agora vou dar de mamar ao meu filho!”, isto porque a Aia pensava que a morte é apenas uma transição e, por isso, ela deixou o seu filho, pois acreditava que se iriam rever. Sabia também que o príncipe era necessário na terra, pois cabia a ele governar todo o reino de seu pai. Esta frase é em discurso directo pois pretende salientar e dar força ao acto da Aia. A crença espiritual que alimenta o seu gesto demonstra uma simplicidade de pensamento que coloca acima de tudo o dever de escrava e o dever de mãe. O desejo da Aia de provar que a cobiça e a ambição podem estar arredadas de um coração leal, fez com que ela escolhesse um punhal para pôr termo à sua vida – “E cravou o punhal no coração”. Trata-se de um objecto pequeno, certeiro que remete para o carácter decidido da personagem e que era o maior tesouro que aquela mulher ambicionava, pois, esse objecto lhe abriria caminho para o encontro com o seu filho, para cumprir o seu dever de mãe, dando-lhe de mamar.

Ao longo de todo o conto, o escritor, faz uso da ordem directa da frase, para que a realidade seja transmitida sem alterações e, emprega frases curtas para que os factos e emoções apresentadas sejam transmitidos objectivamente – “A ama ficara imóvel no silêncio e na treva.”, “A mãe caiu sobre o berço, com um suspiro, como cai um corpo morto.”, “E cravou o punhal no coração”.

Quanto aos tempos verbais, a predominância é do pretérito imperfeito do indicativo, do gerúndio e do pretérito mais-que-perfeito, que tornam presentes as acções realizadas no passado, para que desta forma, também quem está a ler possa ser “testemunha” daquilo que se está a passar –, “criava”, “era”, “amamentava”, “chalrava”, “vinha”, “reluziam”, ”seria”, “tinha”, “faltava”, ”estaria”, “lançavam”; “reinando”, “morrendo”, ”deixando”, “espreitando”,

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“atirando”, “tombando”; “partira”, “vira”, “descera”, “ficara”, entre muitos outros.Existe um uso muito frequente de adjectivos e advérbios. A utilização da

adjectivação, muitas vezes dupla, contribui para dar expressividade e ritmo, realçando a caracterização do substantivo. Com isto, Eça de Queirós, pretende não só sugerir relações entre o nome que qualifica e outros, excitando vivamente a imaginação, como também, mostrar a dupla faceta da realidade que observa (por um lado mostra o que vê mas, por outro, revela a impressão que lhe fica do que observa) – “(…) um rei, moço e valente (…)”, “(rainha) solitária e triste)”, “(rei) formoso e alegre”, “homem depravado e bravio”, “bela e robusta escrava”, “principezinho (…) cabelo louro e fino, (…) escravozinho (…) cabelo negro e crespo”, “existência (…) preciosa e digna”, “beijos pesados e devoradores”, “passos pesados e rudes”. O advérbio de modo mantém as mesmas funções do adjectivo já que, mais do que caracterizar a acção/verbo, o advérbio de modo incide sobre o sujeito. Este também contribui para modificar o sentido do verbo, tornando as expressões mais específicas e, desta forma, estimular a imaginação do leitor – “A rainha chorou magnificamente (…) desoladamente (…) ansiosamente.”, “correra mais sentidamente”, “corpo tombando molemente”, “Descerrou violentamente a cortina”, “rapidamente (…) arrebatou o príncipe”, “Bruscamente um homem enorme (…) surgiu”, “Serva sublimemente leal!”, “escutou ansiosamente”.

Os recursos expressivos são muitas vezes utilizados para enriquecer o conto. Alguns dos presentes, são: comparação – “Uma roca não governa como uma espada.”, A mãe caiu sobre o berço, com um suspiro, como cai um corpo morto”, “Os olhos de ambos reluziam como pedras preciosas.”, “Um corpo tombando molemente sobre lajes, como um fardo.”, “vivia num castelo (…) à maneira de um lobo”, “de face mais escura que a noite e coração mais escuro que a face”, “fosse ao menos do tamanho de uma espada”; metáfora – “acendeu um maravilhoso e faiscante incêndio de ouro e pedrarias”; personificação – “a luz da madrugada, já clara e rósea”, “era para ele que os seus braços corriam com um ardor mais feliz.”; enumeração (para intensificar e ritmar) – “O príncipe lá estava, quieto, adormecido, num sonho que o fazia sorrir, lhe iluminava toda a face entre os seus cabelos de ouro.”, “Do chão de rocha até às sombrias abóbadas, por toda a câmara, reluziam, cintilavam, refulgiam os escudos de ouro, as armas marchetadas, os montões de diamantes, as pilhas de moedas, os longos fios de pérolas, todas as riquezas daquele reino, acumuladas por cem reis durante vinte séculos.”, “O seu cavalo de batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele às alturas.”, “ao fundo da galeria, avistou homens, um clarão de lanternas, brilhos de armas…”, “Então calada, muito lenta, muito pálida, a ama descobriu o pobre berço de verga…”; aliteração e anáfora (para intensificar e ritmar, tal como a enumeração) – “(…)sem um braço que o defendesse, forte pela força e forte pelo amor.”, “Então calada, muito lenta, muito pálida, a ama descobriu o pobre berço de verga…”, “Ao lado dele, outro menino dormia noutro berço.”; perífrase – “trespassado por sete lanças entre a flor da sua nobreza”; antítese – “principezinho (…) cabelo louro e fino, (…) escravozinho (…) cabelo negro e crespo”, “para conservar a vida ao seu príncipe, mandara à morte o seu filho…”, “o berço de um magnífico e de marfim entre brocados (…) berço do outro pobre e de verga”; sinestesia – “era para ele que os seus braços corriam com um ardor mais feliz.”

Eu gostei muito de ler este conto. Primeiro, porque acho que é

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muito acessível de ler e de perceber e, assim, não há espaço para dúvidas. Depois, a forma como Eça de Queirós escreve, caracterizando as personagens e passagens do texto com muitos adjectivos e advérbios, torna possível “criar” as cenas e tudo o que elas envolvem na nossa cabeça. E por fim, nunca imaginei, quando comecei a ler o conto, que ele iria acabar com o suicídio da personagem principal. Ficando, assim, muito surpreendida, pela positiva, com o seu final, já que só é perceptível mesmo na altura da sua morte. Acho também, muito interessante a forma como se desenrolam os acontecimentos (a Aia só se suicida porque o seu filho está morto, em que isso, por sua vez, apenas aconteceu para salvar o principezinho que ia ser morto pelo seu tio, pois o rei tinha sido morto).

Apesar do conto ser de um escritor do século XIX, acho que, de certa forma, ele podia ser transportado para o século XXI. A ganância e ambição, que põem de lado os valores morais, continuam presentes, e tudo é válido quando se fala em dinheiro e riqueza. Por sua vez, a lealdade e fidelidade é cada vez menor, e são poucos os que põem os valores acima de tudo, muito menos de deixar o filho ser morto sem ganhar nada em troca.