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CAPÍTULO VI REAL IRMANDADE DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ BARCELOS

Sc 6 de 8 capítulo vi

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CAPÍTULO VI

REAL IRMANDADE DO SENHOR BOM

JESUS DA CRUZ – BARCELOS

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Associação dos devotos do Senhor da Cruz

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Hoje como outrora, a mesa da irmandade desempenha um papel insubstituível na

salvaguarda dos valores patrimoniais e artísticos que a longa história do Senhor Bom

Jesus da Cruz encerra.

Este facto justifica, por si só, a importância desta corporação historicamente governada

por uma elite de notáveis, leigos e religiosos do sexo masculino, alguns de estirpe

superior – pessoas de “qualidade” e “homens bons”, isto é, destacados elementos da

comunidade local.

Uma cúpula de homens, desde o aparecimento da “Santa Confraria da Vera Cruz” até às

recentes eleições, realizadas em 2003, data em que pela primeira vez aparecem

mulheres na direcção da irmandade.

O cargo de juiz e/ou do provedor foi e é em geral confiado a um notável membro da

sociedade local ou regional. Nos séculos XVII a XIX, o cargo de juiz foi

frequentemente entregue, embora por vezes a título meramente honorífico, a elementos

da alta nobreza, do alto clero e até da realeza.

Quando o juiz passa a ser o próprio rei, desde D. Pedro IV, a chefia efectiva recai no

secretário “servindo de presidente” (tendo um carácter vitalício o cargo atribuído ao

monarca, os estatutos confirmados em 1873 criaram a figura do provedor, a quem

competia todas as funções do rei juiz), ainda que os restantes elementos da mesa sejam

chamados e comprometidos nos assuntos principais. Sobretudo o escrivão e o

tesoureiro.

Nas grandes decisões participam todos os irmãos, reunidos em Assembleia-geral.

Desde a sua provável fundação nos anos que se seguiram ao tão propalado milagre de

1504, a primitiva confraria viu reconhecido o seu prestígio e ganhou fama, quer no

contexto local e regional quer no plano nacional e até transnacional. A ela cabia, e

continua a caber, a gestão e administração da igreja que, no primeiro quartel do século

XVIII, se transformou no mais moderno e dinâmico templo de Barcelos.

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Antes de mais, cabe à mesa da real irmandade gerir aquele que é hoje justamente

considerado um ex-líbris da cidade, um templo que no passado se transformou num dos

mais importantes pólos devocionais de Portugal, com projecção transatlântica,

designadamente em várias cidades do Brasil.

De facto, pela via da expansão marítima e colonial, podemos verificar uma verdadeira

implantação nacional e intercontinental do culto ao Senhor Bom Jesus da Cruz. Com os

homens ligados ao trato marítimo e comercial, o pessoal administrativo e militar, os

missionários, que embarcavam nas naus com destino às antigas terras de Vera Cruz,

embarcava e expandia-se a devoção ao Senhor de Barcelos.

Credora de elevado prestígio, associado a esta portentosa invocação cristológica da

Época Moderna (séculos XVI a XIX), a Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz

contava com largas centenas de irmãos associados.

Não existem notícias seguras acerca da primitiva confraria ou irmandade. A sua

existência está documentada em 1609, data em que o papa Paulo V lhe terá concedido

indulgências, porventura extensivas a todos os devotos que frequentassem o templo nos

dias festivos. Todavia, estamos em crer que, nesta data, levava a velha confraria perto

de um século de existência. Os dados que a seguir se apresentam revelam uma

organização e um dinamismo que careciam de normas de conduta passando

necessariamente por um “compromisso” escrito ou estatutos.

Em 1627, a mesa da Santa Confraria da Vera Cruz, era assim que se chamava, mandou

registar em livro próprio os nomes dos irmãos associados e respectivas moradas. Nesta

data estavam inscritos como irmãos centenas de devotos de mais de trinta freguesias de

Barcelos, para além do numeroso núcleo da vila e seus arrabaldes e das muitas centenas

de crentes oriundos de freguesias e localidades como Esposende, Fão, Darque, Viana do

Castelo, Ponte de Lima, Prado, Braga, Póvoa de Varzim, Azurara, Matosinhos, S. João

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da Foz, Porto, Miragaia, Águas Santas, Leça, Maia, Vila Nova de Gaia e Coimbra. Isto

sem contar obviamente com os irmãos residentes nos territórios ultramarinos sob

dominação portuguesa.

Ao longo do século XVII e nas primeiras décadas do século XVIII, a influência da

irmandade foi-se ampliando, justificando-se o registo, em 1730, de um rol em livro

próprio dos 201 irmãos inscritos no Brasil, entre alguns naturais do actual território

brasileiro e muitos colonos da metrópole.

A sua leitura permite-nos verificar que, por via da expansão marítima e territorial, o

culto ao Senhor Bom Jesus da Cruz havia-se difundido por largas regiões dos territórios

peninsular e ultramarino, atingindo localidades como Vila Nova de Cerveira, Melgaço,

Póvoa de Lanhoso, Fafe, Famalicão, Guimarães, Mogadouro, Vila Real, Murça, Peso da

Régua, Pinhel, Lamego, Guarda, Montalegre, Chaves, Celorico de Basto, Coimbra,

Aljubarrota, Alcobaça, Lisboa, Sintra, Santarém, Alenquer, Bombarral, Condeixa,

Óbidos, Ilhas de S. Jorge e Terceira, Angola e várias cidades brasileiras, entre as quais

Baía, Pernambuco, S. Paulo e Rio de Janeiro.

Todas as pessoas contidas nesta lembrança são as que se assentaram por

irmãos da Irmandade do Bom Jesus da Vera Cruz de Barcelos e deram de

entrada para ficar em irmãos perpétuos na dita irmandade e que consta das

parcelas desta lembrança ainda que muitos as não deram logo e se

ausentaram sem as pagar e outros morreram antes de as satisfazerem. […]

Vila de S. João de El-Rei 15 de Junho de 1730. António Pereira Lopes1.

Este ímpeto expansionista do culto ao Senhor da Cruz virá a decair a partir do século

XIX, acompanhando a crescente laicização do Estado e da sociedade.

1 AISC, Caixa 1, Rol dos irmãos inscritos no Brasil em 1730.

Litogravura em pedra, para gravar os diplomas

dos irmãos. O desenho foi feito pelo pintor

barcelense Joaquim Borges de Queirós, que

recebeu 1.320 réis em 12 de Agosto de 1868

“por um desenho para patentes dos irmãos do

Senhor”.

A obra foi executada por Francisco J. C.

Amatucci, na Rua Formosa, Porto, pelo preço

de 27.000 réis, “pela pedra, abri-la para

litografar os diplomas, conforme o ajuste”,

despesa paga em 27 de Outubro de 1868.

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Pelo menos é o que se depreende da listagem elaborada em 1871 – nesta data a

organização contava com 457 irmãos inscritos, na sua larga maioria constituídos por

homens e por algumas mulheres de Barcelos, sobretudo da vila e de Barcelinhos – e do

recenseamento eleitoral efectuado em 28 de Junho de 1909, para a eleição dos órgãos

sociais – registando-se 268 irmãos com capacidade eleitoral, dos quais 141 eram de

Barcelos e 39 de Barcelinhos.

O recenseamento de 1933 revela a existência de 369 indivíduos inscritos e, um registo

posterior, feito a lápis, dá-nos conta de 276 pessoas pertencentes à irmandade, referidos

como irmãos de Barcelos e de Barcelinhos.

Porém, não nos equivoquemos: a espiritualidade em torno do Senhor da Cruz, mais ou

menos genuína, e condicionada pelos quadros mentais em permanente e lenta evolução,

está para durar. O apelo telúrico suscitado pelo mistério da Santa Cruz entrou no

terceiro milénio.

D. Jorge Ortiga, arcebispo primaz de Braga, sabe do que fala quando associa a tradição

das Cruzes de Barcelos às múltiplas cruzes da humanidade contemporânea. Acrescenta

pensamento, reflexão, solidariedade e compaixão ao legado lendário da cruz negra

aparecida no Campo da Feira há quinhentos anos ao sapateiro João Pires.

Pulsar económico-financeiro da irmandade

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Não estando no âmbito deste livro um estudo exaustivo da vida económica da

associação dos devotos do Senhor da Cruz, pareceu-nos inevitável uma breve

abordagem da sua importância enquanto instituição que, a exemplo de muitas outras

ligadas à Igreja, recorria à prática da usura, permitindo-se assim ampliar os seus réditos,

realizar as obras necessárias, incrementar solenidades aparatosas.

Seguindo o exemplo dado superiormente de que “tudo para Deus é pouco”, estava

legitimada a muito humana tendência para a acumulação. E o património do Senhor da

Cruz ia crescendo.

Das esmolas quotidianas, particularmente expressivas nos dias de festa, aos legados

instituídos pelos devotos em troca de capelas de missas que se prometiam dizer

eternamente; das doações de propriedades e da colecta de fundos para as obras do novo

templo e seu embelezamento interior, aos rendimentos dos capitais que circulavam a

juros pelas mãos de largas dezenas de fregueses, em cada ano que passava a irmandade

via aumentar o seu património, fosse ele constituído por propriedades rústicas, ou por

imagens e altares renovados, paramentaria dos melhores tecidos, os damascos, as sedas

e brocados, os galões e franjas de ouro e prata, as alfaias litúrgicas em metais preciosos

e outros objectos de elevado valor material, histórico, artístico e simbólico.

Como se viu aquando da abordagem do inventário de 1669, alguma luz fora projectada

acerca dos legados pios e da situação económico-financeira da irmandade que, nos

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séculos XVIII e XIX, se haveria de transformar numa importante instituição de crédito

de Barcelos.

Com efeito, enquanto o capital dado a juros em 1654 rondava os 500.000 réis, um

documento de 6 de Agosto de 1754, produzido a partir do livro dos juros e reportando-

se ao “tempo das escrituras, e notas donde foram feitas” esclarece-nos que a Irmandade

do Senhor Cruz trazia nesta data a juros mais de 20 contos de réis, distribuídos por 99

indivíduos que haviam recorrido a esta importante instituição da vila.

Muito deste dinheiro investido na prática da usura era proveniente das dezenas de

legados deixados por devotos, alguns remediados outros endinheirados, que desejavam

um lugar seguro no além.

Na segunda metade do século XVIII a situação financeira manter-se-á estável ou até em

crescimento. Em Maio de 1792 foi elaborado um rol de devedores pelo tesoureiro que

registou 165 empréstimos localizados em cerca de 60 freguesias de Barcelos e de outras

localidades, nomeadamente de Viana do Castelo, Esposende, Vila do Conde e Porto.

Nesta data o capital mutuado situava-se nos 21.941$20, montante que rendeu no mesmo

ano 3.051$90. É de salientar que a dívida localizada no Porto dizia respeito à

Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, registada por escritura pública

em 29 de Setembro de 1764, no valor de 1.600$00.

Volvidos 33 anos, em 1825, talvez pela necessidade de pôr a escrita em dia, registaram-

se os empréstimos a juros com as respectivas escrituras, ocorridos desde 1720, vindo o

registo a prolongar-se até à década de 1830. No mesmo livro anotaram-se também os

pagamentos de juros, por vezes respeitantes a várias décadas. Dá-se ainda notícia do

padrão de juro real, resultante de um dos legados de Inácio da Silva Medela: “deve-se a

esta irmandade por um padrão real de 4,5 por cento, oito contos de réis – 8:000:000”2.

Ainda quanto ao século XIX, o livro da escrituração do movimento dos capitais entre

1836 e 1843 não deixa margens para dúvidas: no ano de 1836 andava dinheiro a juros

nas mãos de indivíduos residentes em 90 freguesias. Será caso para suspeitar que,

enquanto decrescia a fé e a devoção ao Senhor da Cruz, numa sociedade mais liberal e

mais laica, crescia a prática da usura, mau grado os lamentos de dificuldades financeiras

lavrados em actas de meados do século.

Mas como veremos, tais dificuldades existiram mesmo.

2 AISC, Livro dos capitais de 1825, fl. 109.

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No entanto, os livros alusivos às rendas e foros provenientes de várias freguesias, e os

registos das receitas e das despesas relacionadas com as propriedades rústicas em Moure

(quinta de Balão) e em Palme, desde o primeiro quartel do século XVIII, para além dos

inúmeros legados de benfeitores e da constituição do mencionado padrão de juro real

em 1744, são bem expressivos da desafogada situação económica da irmandade. O

problema é que o capital andava fora de portas.

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QUADRO RESUMO DOS LEGADOS DA REAL IRMANDADE DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ, APURADOS EM 1888-18893

DATA

INSTITUIDOR

MORADA

OBRIGAÇÕES DA IRMANDADE

VALOR

DO

LEGADO

RENDIMENTO

ANUAL

(JUROS)

DESPESA

Administrativa Cumprimento

de condições

10/09/1654 Gaspar Pinheiro Lobo Barcelos Uma missa quotidiana e três no dia de Natal

(a primeira foi reduzida a 3 missas semanais

desde 1722).

500$000 25$000 12$500 12$500

06/05/1700 Ângela Pereira Barcelos Uma missa semanal aos sábados e três no dia

de Natal (reduzidas a 36/ano desde 1872).

240$000 12$000 6$000 6$000

21/06/1703

Padre Francisco de

Gouveia Mendanha,

Leonor de Andrade e

Bernardo Pinheiro.

Fralães

Uma missa semanal e três no dia de Natal.

361$250

18$062

9$031

9$031

1714 Padre Bonifácio António

Coelho.

Barcelos Duas missas anuais, uma no dia da Invenção

e outra no dia da Exaltação da Santa Cruz.

_

_

_

_

25/11/1716 Dr. Manuel da Rocha

Freire.

Barcelos Cinco missas com sermão anuais, celebradas

nas primeiras quintas-feiras da Quaresma.

300$000 15$000 5$500 7$500

1718 e 1728 Antónia Maria, viúva de

Manuel Martins.

Barcelinhos

Duas missas anuais, uma no dia da Invenção

e outra na da Exaltação da santa Cruz.

34$000 1$700 850 850

07/04/1718 Vivência Gomes,

solteira.

Barcelos Dois sermões, um na Quinta-feira maior e

outro na Sexta-feira Santa; 7 missas, 4 no dia

dos Fiéis Defuntos e 3 no dia de Natal.

_

_

_

_

31/08/1718 António de Freitas de

Amorim.

Barcelos Uma missa semanal. 300$000 15$000 7$500 7$500

06/08/1719 João Fiúza Cerqueira. Barcelos Doze missas, nove celebradas durante o ano

e três no dia de Natal.

_ _ _ _

06/10/1719 Gaspar de Almeida

Benevides, sua mulher

Barcelos

Nove missas anuais, ditas antes do Natal.

42$400

2$120

1$060

1$060

3 AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Tratado da redução de missas e obrigações dos legados do Bom Jesus da Cruz.

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Benta Gomes, mãe e

sogra destes, Maria

Fernandes de Assunção.

11/01/1721 Padre João Carvalho,

abade de Sanfins.

Tamel

Sanfins

Duas missas anuais. 150$000 7$500 3$750 3$750

31/01/1721 Antónia Luísa de Aguiar,

da Rua dos Carvalhos.

Barcelos Uma missa semanal dita às Sextas-feiras 300$000 15$000 7$500 7$500

14/12/1721 Antónia Luísa de Aguiar. Barcelos 51 missas anuais, ditas aos Sábados. 300$000 15$000 7$500 7$500

28/12/1723 Doutor Álvaro de Faria

Pinto.

Abade de

Cristelo.

Uma missa todas as Sextas-feiras celebradas

no altar do Senhor da Cruz e mais 3 missas

no dia de Natal.

400$000

20$000

10$000 10$000

04/05/1724 Diogo da Cunha e sua

mulher, Maria Nogueira.

Barcelos Uma missa em todos dos Domingos e dias

Santos e três no dia de Natal (reduzido a 75

missas/ano desde 1872).

640$000 32$000 16$000 16$000

05/10/1725 Manuel de Matos. Barcelos Vinte e quatro missas anuais. 120$000 6$000 3$000 3$000

02/12/1729 Domingos Benevides. Quiraz Duas missas semanais, no altar do Senhor da

Cruz.

960$000 48$000 24$000 24$000

11/03/1732 Inácio da Silva Medela. Rio de

Janeiro

Duas missas semanais celebradas às Sextas e

Sábados (reduzidas a 30/ano, em 1872).

216$000 10$800 5$400 5$400

30/01/1744 Dr. Manuel de Andrade e

Almada, sua mulher D.

Teresa Clara de Melo

Albim e sua sobrinha, D.

Ana Maria de Andrade.

Barcelos

Duas missas diárias (reduzidas a 250/ano,

desde 1872).

_

_

_

_

20/01/1752 Domingos Rodrigues

Juno.

Barcelos Uma missa semanal. 300$000 15$000 7$500 7$500

23/12/1753 Padre Luís Lopes de

Abreu.

Barcelos Uma missa semanal, às Sextas-feiras, no

altar do Senhor da Cruz.

300$000 15$000 7$500 7$500

30/08/1875 D. Rosa Pereira da

Fonseca, viúva.

Barcelos Treze missas durante o ano. 125$000 6$250 3$125 3$125

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Ao quadro apresentado teríamos ainda de juntar outros importantes e rendosos legados,

particularmente os de Inácio da Silva Medela, relacionados com a instituição e

funcionamento do coro.

No entanto, no século XIX as dificuldades parecem realmente evidentes, mormente

como reflexo de um cada vez mais apertado controlo e exigências do poder político,

nomeadamente em matéria de impostos e de empréstimos forçados, para além das

dificuldades patentes na recuperação de capitais mutuados. Como por vezes ainda

acontece, o próprio Estado não dava o melhor exemplo e, contra particulares, corriam

frequentemente demandas pela recuperação de dinheiros emprestados.

Quando da tomada de posse, em 31 de Julho de 1871, da mesa eleita para o biénio de

1871-1873, Anselmo António da Costa Leite (tesoureiro desde 1866 e que continuará a

sê-lo durante vários mandatos), descreveu a situação financeira da irmandade. Da

relação apresentada constata-se a existência de meios financeiros apreciáveis, não

andassem os dinheiros por mãos alheias ao Senhor da Cruz. A situação em 1871 era a

seguinte:

19.608$00 – Rubrica respeitante ao capital emprestado a juros (em geral a 5% ao

ano), incluindo 298$00 que existiam em cofre.

2.936$00 – Valor de um empréstimo forçado para a conversão em acções da

Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, através de Jerónimo

Beleza de Andrade com o qual a irmandade tinha a correr um pleito,

encontrando-se o processo pendente de uma “habilitação” no Supremo Tribunal

de Justiça.

8.000$00 – Valor nominal de um padrão de juro real, resultante do último

legado do instituidor do coro.

450$00 – Em apólices do “antigo papel-moeda”.

240$00 – Verba relativa a um “padrão de empréstimo ao governo”, que datava

de 18034.

4 AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 32.

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Demonstrando a precaridade dos recursos, o tesoureiro declarou aos restantes

colegas de mesa que era credor de 888$53, parte de um empréstimo que havia feito

à irmandade no valor de 958$50, sem a cobrança de quaisquer juros, dívida que lhe

continuará a ser paga em prestações, conforme conviesse à mesa administrativa5.

Este empréstimo tinha sido feito aquando de obras e aquisição de objectos

considerados indispensáveis, nos anos anteriores. Na reunião de 2 de Novembro de

1870, tinha-se registado um voto de agradecimento ao tesoureiro Costa Leite “pelo

adiantamento do dinheiro com que se realizaram as obras e despesas indispensáveis

e com que compraram os “diversos objectos” necessários, para se evitar o recurso ao

empréstimo anual de alfaias, ornamentos e opas, entre outros, que faziam falta à

pompa e à solenidade das festas e procissões.

Mas que objectos eram necessários e que obras foram então realizadas?6

5 Idem, Ibidem.

6 Ver Capítulo VII, Quadro 7 – Relação de despesas de 1868-1870.

Saída da igreja matriz da Procissão da Invenção da Santa Cruz, que

termina no templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, 3 de Maio de 2004.

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Antes de mais, atente-se na memória de pequenas mas significativas obras, sem

custos para a irmandade, de dádivas pias e promessas a cumprir, tão importantes ao

longo de toda a história da Igreja.

Em 1867, o comendador José António Monteiro, radicado no Rio de Janeiro mas em

visita à Metrópole, “mandou lavar à vassoura ou escova de arame toda a pedraria

exterior” do templo do Senhor da Cruz, uma obra que ajustou (antes de 28 de Julho)

pela quantia de 195.000 réis com o trolha da vila, Vicente José Ferreira,

supervisionada pelo tesoureiro Costa Leite7.

No mês anterior, na reunião de 20 de Junho de 1867, o tesoureiro comunicara à

mesa que o seu tio António José Rodrigues Leite, comerciante da vila, tinha

comprado a Carlos Maria do Vale Vessadas, de Barcelinhos, “as casas que este

possuía ao lado da cadeia e em frente ao Passeio das Obras” e que as ia reconstruir,

e “como nas ditas casas se achassem esculturadas as armas ou símbolo desta real

irmandade a quem as mesmas casas pertenceram em outro tempo, fizera apear as

referidas armas ou símbolo com a cautela devida para não sofrerem mutilação; e as

oferecia a esta real irmandade, a quem algum dia poderia servir, se fizesse aquisição

de alguma casa de que bem precisava”8.

Trataram-se de obras e de recuperação de emblemas escultóricos, decerto de grande

significado, mas que não acarretou qualquer despesa à mesa da irmandade.

Mas na reunião de 12 de Outubro do

mesmo ano, a mesa reconhece a

necessidade de se comprarem doze

opas de gorgorão (tecido encorpado

de seda, algodão ou lã), dois

cortinados de seda com seus galões

finos, sedas, galões e forros para

duas dalmáticas e ainda 18

tamboretes ou bancos9.

7 AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 13v.

8 Idem, fl. 13.

9 Idem, fl. 14.

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No ano seguinte, em 14 de Fevereiro de 1868, Costa Leite informou a mesa de que o

seu irmão, Custódio Rodrigues Leite, encabeçara a abertura de uma subscrição para

a compra de um lustre “para ser colocado no centro do templo, pendente na

abóbada” e que tal campanha estava em “bom estado”, sendo que o referido lustre

estava a ser feito “por um curioso” da vila, o pintor Joaquim Borges de Queirós e

que a obra ia bastante adiantada, havendo “bem fundadas esperanças de que já

estivesse colocado na ocasião da festividade das Cruzes”10

.

E, de facto, nas vésperas da Festa das Cruzes, na reunião de 28 de Abril, o tesoureiro

e o seu irmão Custódio Leite entregaram o candeeiro que foi logo colocado

“pendente debaixo da abóbada”.

Nesta ocasião, informaram que o lustre tinha custado 159.700 réis e que era produto

da subscrição organizada por Custódio Rodrigues Leite, o padre António

Bernardino da Silva Machado, o mesário Manuel Pereira Leite de Carvalho e

Manuel José de Sousa11

.

E os legados, donativos ou esmolas continuam, sendo aliás uma quase constante ao

longo da história do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos. “Tudo para Deus é

pouco”, recorde-se.

10

Idem, fl. 15. 11

Idem, fl. 15v.

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Outro exemplo, de 9 de Setembro de 1868 (uns dias antes da Exaltação da Santa

Cruz), data em que o tesoureiro comunicou à mesa que D. Maria José Fogaça,

mulher de Martinho António Gomes, da vila, “lhe participou que anteriormente à

festividade da Exaltação da Santa Cruz havia feito promessa de esmola ao Senhor da

Cruz, o valor das suas jóias, com aplicação a um resplendor para a imagem do

Senhor, e uma banqueta para o altar em que a sagrada imagem se venera: que as

referidas jóias, que consistiam em umas pulseiras e um par de brincos” foram

avaliados em 79.000 réis, quantia que a dita senhora havia já entregue ao tesoureiro.

Sequentemente, a mesa autorizou-o a encomendar o resplendor e a banqueta “dentro

das forças da esmola”, podendo mesmo entender-se com a benfeitora “acerca do

feitio e qualidade dos objectos a comprar12

.

Na mesma reunião, sempre presidida pelo secretário Silva Botelho, recomendou-se

que logo após a aprovação do orçamento “devia dar-se preferência ao conserto ou

reparo da entrada principal do templo com as escadas e soleiras novas, bem como ao

conserto da entrada lateral, o que tudo é de absoluta necessidade”13

.

Entre 1866 e 1870 realizaram-se algumas obras e aquisições importantes, algumas

das quais, nomeadamente as de 1868-70, devem ter sido pagas graças ao importante

empréstimo do tesoureiro Costa Leite, como atrás se referiu.

Em 30 de Setembro de 1868, comprou-se um velho lampadário de prata e “dois

resplendores pequenos do mesmo metal” à Junta da Paróquia de Balugães, pelo

preço de 186.120 réis.

A relação de despesas então elaborada

(Quadro 7 do Capítulo VII) descreve em

pormenor as alfaias litúrgicas compradas, a

intervenção no pedestal da imagem do

Senhor da Cruz, a compra de um esquife,

consertos na porta principal e nas da

sacristia, a aquisição de vários objectos de

prata e/ou a sua reconversão, enfim um

variado envolvimento de mestres e/ou

oficiais entalhadores, pintores, ourives,

12

Idem, fls. 16v-17. 13

Idem, fl. 17.

Cristo Morto, deitado num esquife que foi

comprado em Braga em 3 de Março de

1869.

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carpinteiros, pedreiros, ferreiros, alfaiates e

costureiras.

Alguns anos mais tarde, um grupo de devotos organizou-se para presentear Barcelos

– e uma das suas mais importantes igrejas, a do Senhor da Cruz – com mais uma

escultura de grande qualidade, figurando a imagem de Cristo com a cruz às costas,

que habitualmente sai nas procissões. Para suportar a imagem tinha-se encomendado

também um “majestoso andor”, destinados, aquela e este, à Procissão dos Passos.

Na reunião de 18 de Janeiro de 1875, convocada a pedido do tesoureiro, este

informou os restantes elementos da mesa da existência da subscrição para o

pagamento de uma escultura que havia sido encomendada em Roma, a um dos seus

“mais hábeis artistas”.

Tratava-se do escultor Giuseppe Berardi, como pode ler-se gravado na base da bela

e monumental imagem, bem ao alcance dos olhos que observam a mão esquerda do

Senhor dos Passos. Nesta obra, o escultor associou o classicismo e o realismo

estéticos, numa linguagem directa e simples, combinando serenidade com uma

tocante expressão do olhar de Cristo, que calmamente nos fita e nos envolve no Seu

caminho do Calvário. A clareza formal, o rigor anatómico e a paleta cromática

concorrem de igual modo para o classicismo realista da obra.

Por enquanto, afirmou o tesoureiro, não estava autorizado a revelar a identidade dos

“beneméritos irmãos”. E nunca se chegaram a registar os seus nomes, talvez devido

a desinteligências relacionadas com o ligeiro atraso da sua chegada a Barcelos,

frustrando expectativas.

Prevendo-se, pois, algum atraso na chegada da nova imagem do Senhor dos Passos,

a mesa decidiu adiar a procissão do segundo para o quarto Domingo da Quaresma (7

de Março), decisão tomada por unanimidade “tomando em consideração a

conveniência de anuir aos desejos de irmãos que à custa de tão avultadas despesas

procuram engrandecer a solenidade da Procissão dos Passos”.

Entretanto, junto da Santa Sé, moviam-se influências a fim de se obter uma bênção

especial da imagem, acompanhada de plenária indulgência.

Page 17: Sc 6 de 8 capítulo vi

Expôs [o tesoureiro], que entre alguns beneméritos irmãos desta real

irmandade, cujos nomes não tinha ainda licença para revelar, haviam

concebido o projecto de mandarem fazer um majestoso andor para a

Procissão dos Passos, e ao mesmo tempo uma imagem do Senhor dos

Passos para o mesmo andor: e que querendo que a imagem fosse digna

a todos os respeitos, resolveram que fosse feita em Roma, aonde tinha

sido encomendada a um dos mais hábeis artistas; e que haviam também

procurado obter que depois de pronta houvesse para ela bênção

especial de Sua Santidade, com indulgência plenária: e que o andor se

achava encomendado a artistas de provada perícia, e se achava em

estado bastante adiantado14

.

A procissão foi adiada mas a imagem não chegou a tempo, tendo sido tudo

preparado para a procissão sair “com a imagem antiga”. Porém, devido ao mau

tempo – “os dias precedentes têm estado chuvosos, e o de hoje se apresenta

ameaçador” –, não se realizou a tão expectante solenidade.

14

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 50.

Imagem do Senhor dos Passos, que sai nas procissões, feita em

Roma pelo escultor Giuseppe Berardi, 1875.

Page 18: Sc 6 de 8 capítulo vi

A imagem deve ter chegado a Barcelos pouco tempo depois. Curiosamente, o

acontecimento foi silenciado pela mesa da irmandade, composta pelo comendador

António de Mendanha Arriscado – provedor, o comendador David de Barros da

Silva Botelho – secretário; e Tomás Coelho da Costa, Francisco Vieira Veloso, João

Joaquim Lopes Fernandes, José Marques da Costa Freitas, Manuel Luís de Miranda,

Anselmo António da Costa Leite e Manuel José de Sousa – deputados. Algum mal-

estar deve ter-se instalado nos circuitos ligados à encomenda e à mesa. Nem sequer

a Procissão dos Passos foi referida nos anos de 1876 e 1877!

Das eleições realizadas em 15 de Julho de 1877, para o biénio de 1877-1879, foram

eleitos o comendador José Joaquim de Faria Machado – provedor, Manuel Luís de

Miranda – secretário; e Anselmo António Costa Leite, Marcelino Coelho da Silva,

Francisco Marques da Costa Freitas, José Maria Ferreira Pastor, João Pereira

Machado, Francisco Vieira Veloso e Domingos Miguel de Azevedo – deputados.

E, por conseguinte, na acta de 3 de Fevereiro de 1878 já se mencionou a Procissão

dos Passos, prevista para 17 de Março em conformidade com os estatutos, no

segundo Domingo da Quaresma.

A mesa da irmandade decidiu

então que a Procissão dos

Passos deveria fazer-se com o

máximo de aparato e esplendor

“atendendo à concorrência que

tem atraído pela riquíssima e

veneranda imagem do Senhor”.

O provedor ficou responsável por convidar para a pregação dos 2 sermões o padre

Dr. Domingos Moreira Guimarães, da cidade de Braga. Por seu lado, o tesoureiro

ficou incumbido de providenciar a “vinda dum destacamento da Guarda Municipal

do Porto para fazer as honras à procissão”, não apenas pelo aparato desejado, mas e

sobretudo porque no ano anterior a Guarda de Braga havia faltado, avisando os

irmãos da mesa apenas na véspera da função.

Pormenor da escultura de Giuseppe Berardi, 1875.

Page 19: Sc 6 de 8 capítulo vi

Ainda nesta reunião, mais decidiu a mesa constituir uma comissão para arranjar os

“Passos das Ruas” 15

.

Doação de S. Bento da Buraquinha à real irmandade

____________________________________________________________

A capela de S. Bento da Buraquinha, situada junto ao Campo de S. José, foi doada à

Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, em 20 de Janeiro de 1870. A notícia da

doação foi redigida pelo então secretário da mesa, David de Barros e Silva Botelho.

Eram proprietários da capela Ana Ludovina Duarte Fiúza e seu marido José Fernandes

Duarte e a irmã daquela, Maria da Conceição Duarte Fiúza16

.

Este gesto integrou-se na resposta piedosa desta família à

necessidade de um novo Passo, para a procissão promovida

pela irmandade, junto ao Campo de S. José (sendo de

aceitar eventuais divergências quanto à utilização da capela

da frontaria da antiga igreja de S. Bento, que fora cedida

pela Irmandade de Nossa Senhora do Terço, aquando da

demolição da capela do Espírito Santo, levada a efeito pela

Câmara Municipal de Barcelos).

Foi em 20 de Janeiro de 1870 que aqueles possuidores Ana Ludovina

Duarte Fiúza e marido e irmã e cunhada a cederam à mesa da Real

Irmandade do Bom Jesus da Cruz, gratuitamente, e para sempre, a fim de

ficar encorpada na mesma real irmandade, que procurava por aquele local,

15

Idem, fl. 63. 16

AISC, Caixa de S. Bento da Buraquinha, Livro de descrição e contas da capela, s/fl..

Page 20: Sc 6 de 8 capítulo vi

um sítio em que pudesse colocar um dos Santos Passos da Paixão do

Redentor por ocasião da solene Procissão dos Passos que anualmente

costuma fazer no segundo Domingo de Quaresma.

Na reunião da mesa da irmandade, de 31 de Julho de 1871, Silva Botelho informou os

restantes membros da mesa da doação desta capela que, segundo afirmou, estava há

muito tempo privada de qualquer culto; entretanto, no último mês de Junho do mesmo

ano, e contando com o empenho de alguns devotos, fizeram-se obras de recuperação

tornando possível a festividade e o arraial por ocasião do dia de S. Bento, padroeiro da

Europa; mais informou o secretário que os últimos proprietários da capela, acima

mencionados, a tinham herdado de Miguel José Fiúza, que por sua vez a “houvera por

cedência” de Domingos José Afonso, também da vila, em de 24 de Novembro de 1833.

Segundo as Memórias Paroquiais de 1758, esta capela do antigo arrabalde de S. Vicente

terá sido edificada em 1660, a mando do Dr. Gaspar Pinto Correia, cónego cura da

antiga colegiada de Barcelos. Em meados do século XVIII, terá sido propriedade de

Barnabé da Fonseca Vilas Boas.

Por conseguinte, a capela de S. Bento da Buraquinha, edificada pelo cónego da antiga

colegiada, Gaspar Pinto Correia, deve ter passado no século XVIII para Barnabé Vilas

Boas e deste para Domingos José Afonso que, por sua vez, a cedeu ou vendeu a Miguel

José Fiúza em 1833. Os herdeiros do velho Fiúza devem-na ter deixado ao abandono até

à sua entrega à Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz.

Na reunião acima citada, diz-nos Silva Botelho que a capela se encontrava em estado

ruinoso, tendo apenas “a imagem do santo, dois maus castiçais, e um crucifixo”, mas

que o tesoureiro Anselmo António da Costa Leite conseguiu reunir algumas pessoas que

tomaram a seu cargo a sua reedificação, tendo sido já celebrado naquele ano de 1871 o

dia de S. Bento com “grande decência”17

.

17

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 32v.

Page 21: Sc 6 de 8 capítulo vi

Pelo livro da descrição e contas da capela 18

conhecemos a sua gestão, liderada pelo

tesoureiro do Senhor da Cruz, Costa Leite, entre 1871 e 1881. Por outro lado, e segundo

refere o secretário da real irmandade, Silva Botelho, um grupo de devotos sob o

comando do referido tesoureiro, ter-se-á responsabilizado pelas obras na capela e pela

sua gestão, circunscrita à realização da festa anual.

Alguns devotos associados sob a direcção e zelo do tesoureiro da Real

Irmandade do Bom Jesus da Cruz o senhor Anselmo António da Costa Leite,

promoveram os meios para se fazerem na capela os concertos e reparos

precisos, e a levaram ao estado de decência em que presentemente se acha,

e formaram depois uma devoção composta de juiz festeiro e mordomos e

mordomas sem outra alguma gerência que não seja a de promover

donativos para a decoração da capela e veneração da imagem do santo19

.

E, com efeito, em 1871, no dia 11 de Julho, foi celebrada a festa em honra de S. Bento,

data em que se constituiu a comissão responsável pela festividade a realizar no ano

seguinte. Esta comissão era composta por 40 elementos de ambos os sexos: um juiz

festeiro, um secretário/zelador e dezoito mordomos, a que correspondiam igualmente

uma juíza festeira, uma zeladora e dezoito mordomas.

18

Recopilação da conta das despesas feitas com a festividade e arraial ao milagroso São Bento da

Buraquinha, que teve lugar no dia 11 de Julho de 1871, e bem assim das quantias recebidas dos juízes

festeiros, mordomos e mordomas – AISC, Caixa de S. Bento da Buraquinha, Livro de descrição e contas

da capela. 19

Idem, Ibidem.

Aspecto actual da fachada da capela de S. Bento da

Buraquinha, doada à Real Irmandade do Senhor Bom

Jesus da Cruz, em 20 de Janeiro de 1870.

Page 22: Sc 6 de 8 capítulo vi

De notar que o orçamento dependia dos donativos dos

membros que integravam a referida comissão, dos

peditórios que a mesma realizava e das esmolas

recolhidas nessa ocasião. Na festa de 1871 gastaram-se

49.205 réis.

Como propriedade do Senhor da Cruz, a capela de S.

Bento da Buraquinha foi gerida, pelo menos, entre

1871-1881, década que contou com uma contabilidade

organizada.

Fundada em honra de S. Bento, mas também em homenagem ao próprio cónego que a

fundou, a capela de S. Bento da Buraquinha serviu-lhe de última morada, já que o

fundador e “conhecido herói” radicado em Barcelos foi nela sepultado em 4 de Maio de

1666, estando previsto um bem expressivo epitáfio que, entretanto, parece ter sido

muito reduzidamente gravado na respectiva laje tumular20.

Gaspar Pinto Correia fora natural do bispado de Lamego, filho do Dr. Gaspar Vaz de

Sousa (desembargador do Paço e comendador da Ordem de Cristo) e de D. Maria

Correia, neto paterno de Afonso Vaz de Sousa, e materno de António Correia Pinto e de

Leonor de Matos, tudo “gente nobre e muito principal em suas terras”21

.

Este cónego penitenciário da colegiada de Barcelos estivera ligado à Companhia de

Jesus desde 15 de Fevereiro de 1610, com 14 anos de idade, e aí terá assistido durante

duas décadas; destacou-se nas “letras humanas e divinas” enquanto mestre de Retórica

no Colégio de Coimbra, e de Filosofia, no Colégio de Braga, tendo sido autor de

variadíssimas obras literárias. Para além de cónego cura da colegiada de Barcelos, foi

comissário do Santo Ofício, por provisão de 4 de Julho de 165022

.

20

“Hic jacet hic tacitus loquitur sine vou Magister. Multa loquiendo dedit plura tacend docet. Multa dedit

calamo et língua documenta per orbem, sed maiora brevis dat documenta lápis. Qui male vixit erit post

mortem mortuus idem. Post mortem vivus si bene vivit erit. Ars bene vivend et moriend est una viator sui

in eternum vivere, disce mori” – CAPELA, José Viriato e BORRALHEIRO, Rogério – Barcelos nas

Memórias Paroquiais de 1758, pp. 56-57. 21

Cf. CUNHA E FREITAS, Eugénio de Andrea da – O Cónego Gaspar Pinto Correia. Notas

bibliográficas, p. 1. 22

Idem, Ibidem.

Aspecto interior da capela de S.

Bento da Buraquinha.

Page 23: Sc 6 de 8 capítulo vi

Estatutos da real irmandade

____________________________________________________________

A historiografia tradicional refere a data de 1667 da confecção dos primeiros estatutos,

que foram confirmados a 12 de Setembro de 1669, pelo cabido da Sé de Braga. Porém,

o que na verdade se passou nesta data pode ter sido a reforma dos velhos estatutos que,

na nossa opinião, poderiam remontar ao século XVI.

Ao elaborar o inventário por si assinado em 21 de Outubro de 1666, o escrivão padre

Domingos Carvalho fez uma clara referência aos estatutos da confraria.

Tem mais esta confraria três livros novos com este a saber um dos

confrades, outro das eleições e inventário que é este, outro de recibo e

despesa, e juntamente o Estatuto da dita confraria, e mais dois livros velhos

que todos ficam em poder de mim escrivão, os quais entregarei ao novo que

vier, e de como assim passa me assino hoje 21 de Outubro de 166623

.

Por seu lado, um livro de receitas e despesas do século XVII refere a compra de um

“livro do estatuto” por 140 réis, que nos parece comprovar a sua existência anterior à

data tradicionalmente defendida, embora se possa admitir que a aquisição de um livro

novo pudesse estar relacionada com a necessidade de passar a escrito as normas que

vinham sendo transmitidas oralmente, hipótese que nos parece menos consistente, pois a

confraria era constituída por largas centenas de associados, cuja mesa administrativa era

escolhida anualmente, que recebia legados e emprestava dinheiro a juros, que era

certamente herdeira duma tradição de mais de 150 anos.

Podiam pois os velhos estatutos terem-se extraviado, como acontecerá com os

homologados em 1721.

Primitivamente intitulada Santa Confraria da Vera Cruz, a partir da segunda metade do

século XVII esta corporação começou a designar-se por Irmandade do Senhor Bom

Jesus da Cruz, ainda que ao longo da sua história apareçam, por vezes concomitantes,

23

AISC, Caixa 1, Livro 3 de inventários e eleições, fls. 2-2v.

Page 24: Sc 6 de 8 capítulo vi

diversas nomenclaturas: Santa Confraria, Venerável Irmandade, Irmandade dos Santos

Passos, Real Irmandade ou simplesmente Confraria.

Com a reforma dos estatutos iniciada em 1714 e completada com a sua confirmação

pela autoridade eclesiástica em 1721, surge na documentação o nome de Irmandade dos

Santos Passos, o que vem confirmar a inequívoca centralidade da Paixão e Morte de

Cristo, ritualmente celebrada pela Quaresma, tendo como momentos mais marcantes a

Procissão dos Passos e a Semana Santa.

Esta designação – Irmandade dos Santos Passos – deve ter surgido nos estatutos de

1721 já que, ao mencionar as receitas e despesas em 1722, o escrivão e cónego Manuel

da Costa Lopes menciona que Paulo Bessa e Meneses fora aceite em 21 de Fevereiro

deste ano como “irmão da Irmandade dos Santos Passos”, tendo pago a jóia de inscrição

no valor de 480 réis. Mais garante que o tesoureiro José Gomes Garcia recebeu do

“mordomo dos anais”, Damásio Pereira, 1.575 réis, verba dos “irmãos dos Santos

Passos do primeiro ano que se venceu em véspera dos Passos de 1722”.

Mas esta nomenclatura cairá em desuso antes dos meados do século XVIII (nos

documentos aparece, em geral, o nome de Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz),

passando a chamar-se no segundo quartel do século XIX Real Irmandade do Senhor

Bom Jesus da Cruz, possivelmente na sequência da atribuição do cargo de juiz a D.

Pedro IV, sendo certo que a partir de 1842, em pleno reinado de D. Maria II, o novo

nome aparece na documentação.

Extracto do documento onde se refere a despesa com a reforma

dos estatutos, 1714.

Page 25: Sc 6 de 8 capítulo vi

Justificação do real epíteto

____________________________________________________________

Este epíteto, o de real irmandade, justificava-se já que desde o último quartel do século

XVII que existia uma aparente aproximação entre esta prestigiada irmandade de

Barcelos e a família real, simbólica e honorificamente selada pela atribuição do cargo de

juiz ao monarca ou a algum príncipe.

Como é do geral conhecimento, ao longo do Antigo Regime proliferaram as empresas e

instituições, religiosas e laicas, com uma efectiva ou emblemática ligação à realeza,

realidade ainda hoje testemunhada, nos mais diversos domínios, pelas respectivas

nomenclaturas. O prestígio e eventuais favores da coroa estimulavam o estreitamente de

relações, ainda que meramente simbólicas.

Documentalmente registada, que saibamos, a primeira figura real a receber o titular

cargo dos irmãos devotos do Senhor da Cruz foi o príncipe e duque de Bragança D.

João, futuro rei D. João V (reinou entre 1706-1750), que foi juiz da irmandade entre 2

de Setembro de 1696 e 4 de Janeiro de 1698, conforme se pode ler no livro destinado

aos inventários e às eleições da mesa daquele tempo.

Esta aproximação à casa real não deve ter sortido grande efeito no século XVIII,

porquanto nada há nos documentos escritos e materiais que o indiciem.

Já no século XIX, em plena afirmação do liberalismo monárquico que tanto afectou os

interesses materiais da Igreja, o primeiro monarca e juiz vitalício da real irmandade foi

D. Pedro IV (regente em 1832-1834), cargo que lhe foi atribuído por uma portaria de 21

de Julho de 1834. Posteriormente, foi a vez do príncipe Augusto de Luchetenberg

(primeiro marido de D. Maria II), seguindo-se D. Fernando II (segundas núpcias desta

monarca) e depois o rei D. Luís I.

Também D. Manuel II, no último ano da Monarquia, veio a receber o diploma de juiz

vitalício da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, quando da sua visita a

Barcelos.

Page 26: Sc 6 de 8 capítulo vi

Da galeria dos benfeitores com direito à representação pictórica, constam D. Fernando,

cujo retrato foi afixado em 1852 (mas que substituiu um que já lá existia, pelo menos

desde 1840, conforme se depreende da leitura do inventário feito nesta altura no qual se

refere a existência do dossel do rei D. Fernando), aquando da sua visita a Barcelos e D.

Luís I, para quem a irmandade encomendou também uma tela com o respectivo retrato,

paga em 30 de Junho de 1888 ao barcelense Manuel António Esteves, conforme se pode

ver no livro de receitas e despesas da época.

Aquando da visita de D. Maria II às províncias do norte do país, em 1852, a mesa da

irmandade esmerou-se na recepção ao seu juiz vitalício, D. Fernando II, conforme pode

ler-se na acta da sessão de 15 de Abril de 1852, onde o assunto foi amplamente

discutido.

Como é natural, toda a vila e seus arrabaldes se engalanaram para receber a família real.

O presidente da Câmara Municipal foi autorizado pela vereação a fazer todas as

despesas necessárias e indispensáveis ao grande evento. As casas pintar-se-ão de

branco, das janelas hão-de pender cobertores; os lumes e o fogo de artifício colorirão a

noite. Arranjar-se-ão as estradas por onde passar a comitiva.

D. Maria II, que ao contrário do rei não se passeará pelas ruas da vila, escreveu no dia 6

de Maio à rainha Vitória de Inglaterra, sua amiga, transmitindo o que pensava acerca do

entusiasmo dos barcelenses.

Rei D. Fernando II, pintura sobre tela, 1852.

Page 27: Sc 6 de 8 capítulo vi

Amanhã, assistiremos a uma grande

festa de igreja, duma grande devoção

nesta província. Imagina tu que desde o

filho de D. João IV nenhum conde de

Barcelos veio aqui. Pedro é o primeiro

depois do filho de D. João IV que

assistirá a esta festa. Todo o mundo está

louco desde que se sabe que Pedro virá

para assistir24

.

Para a Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, a visita de suas altezas reais ao

seu templo foi encarada como uma honra e uma glória, pelo que todos os esforços

foram desenvolvidos para garantir uma recepção ajustada à eminência do “juiz perpétuo

desta irmandade”.

Para além das habituais obras de manutenção na igreja, havia que dar colorido à

cerimónia e brilho ao protocolo.

Havia que providenciar as opas necessárias, as vestes clericais e os uniformes militares,

sobretudo dever-se-ia mandar fazer uma opa com o emblema da irmandade e a coroa

real bordados a ouro, bem como de ouro seria a borla pendente do cordão da referida

opa, devendo escolher-se a pessoa mais habilitada para a sua confecção, na cidade do

Porto.

Era ainda indispensável a aquisição de uma vara de prata e um livro aveludado com

seus cantos do mesmo metal, destinado ao registo do termo com a assinatura do ilustre

visitante, e um quadro a óleo com a figura do rei.

Devia também mandar-se fazer uma vara de juiz, de prata, visto não

permitir o estado da casa que fosse de ouro como a comissão desejava, e

que esta vara devia apresentar em ponto pequeno algum dos emblemas da

irmandade entrelaçados e por cima a coroa, o que devia ser encomendado a

um dos artistas do Porto mais conhecidos. Que sendo muito natural que sua

majestade uma vez resolvido a visitar o templo como juiz se dignasse entrar

24

Cf. PINHO, Victor – A visita da rainha D. Maria II a Barcelos, in Barcelos Revista, N.ºs 9/10, Edição

da CMB, 2002, pp. 53-115.

Gravura da rainha D. Maria Pia,

século XIX.

Page 28: Sc 6 de 8 capítulo vi

na casa da mesa era de absoluta necessidade colocar nela e debaixo do

respectivo dossel o real busto em meio corpo e encaixilhado

convenientemente, pois que o que actualmente se achava na casa de mesa

além de não ter semelhança com o original, e de não corresponder em coisa

alguma ao que cumpria que correspondesse, não devia ali ser conservado,

mesmo porque era visivelmente conhecida a grossura de tintas que o

tornavam impróprio para ocupar o lugar em que se achava: que o

desempenho deste novo retrato devia também ser confiado a um pincel

conhecido como apto. Que dado o caso da entrada de sua majestade na

casa da mesa, também se devia ter pronto um livro com capa de veludo, e

competentes cantos de prata para nele se exarar tão-somente o auto ou

termo por onde conste da entrada de sua majestade na casa da mesa, e ser

depois arquivado sem que nele se possa mais escrever, pois que assim este

livro como os demais objectos acima mencionados feitos expressamente

para este acto e para este único fim não podem mais servir a outro qualquer

fim, sendo arquivados para memoria e recordação histórica25

.

Com a morte de D. Fernando II, e aproximando-se a visita de D. Luís I (reinante entre

1861-1889) ao norte do país, tornou-se imperioso entregar o diploma de juiz da real

irmandade ao novo monarca.

Na reunião de 9 de Outubro de 1887, justificou-se em acta da reunião da mesa que

desde D. Pedro IV o rei de Portugal é juiz da irmandade; informava-se que este rei foi

titular do cargo por portaria de 21 de Julho de 1834 (que estaria transcrita na folha 24v

do livro 6 das actas), tendo-se-lhe seguido o primeiro marido de D. Maria II (o príncipe

D. Augusto) “e, logo depois o rei artista” D. Fernando, que entretanto falecera, ficando

o cargo de juiz vago, pelo que “tinha hoje incontestável direito o nosso actual monarca o

senhor Dom Luís primeiro – esse rei tão popular e bondoso a quem o Minho, o nosso

belo Minho, saúda com todo o seu leal entusiasmo”26

.

Assim, o provedor – comendador José Marques da Costa Freitas – propôs que sua alteza D.

Luís I fosse considerado o novo juiz vitalício da irmandade e que “a mesa ou uma

comissão por ela escolhida, fosse à cidade de Braga aonde o mesmo augusto senhor se

acha, pedir-lhe a especial graça de aceitar o cargo, e de se declarar protector da mesma

25

AISC, Livro das actas de 1842-1861, fl. 14v. 26

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fls. 99v.

Page 29: Sc 6 de 8 capítulo vi

irmandade, entregando-lhe por essa ocasião o respectivo diploma”. Acto contínuo,

decidiu-se oficiar ao governador civil que providenciasse junto do rei a tão desejada

audiência27

.

O encontro com o rei foi marcado para o

dia 19 de Outubro de 1887, no Bom Jesus

do Monte, em Braga, onde a família real

se encontrava.

Em Barcelos, no templo do Senhor Bom

Jesus da Cruz, organizou-se uma comissão

presidida pelo Dr. Joaquim Gualberto de

Sá Carneiro, que se deslocou a Braga para

entregar o diploma de juiz vitalício a D.

Luís I.

Convidado pelo provedor José Marques da Costa Freitas, e na qualidade de presidente

da comissão, o Dr. Sá Carneiro – que tinha sido admitido como irmão na reunião de 30

de Julho de 1887, data em que o provedor Vilas Boas Sarmento “conferiu posse” deste

cargo ao “excelentíssimo comendador Marques”28

– participou na sessão da mesa de 27

de Outubro de 1887, a fim de apresentar formalmente os resultados da audiência

concedida pelo monarca.

Depois de declarada aberta a sessão e aprovadas as actas anteriores, foi

pelo mesmo digno provedor dito: que a comissão por toda a mesa de bom

grado nomeada para dar cumprimento ao deliberado na sessão de nove do

corrente mês, comissão composta dos dignos deputados – Manuel Luís da

Silva Falcão – Joaquim da Assumpção Ferreira Vale – Narciso Alves de

Macedo – José António de Oliveira e Matos – João Joaquim Fernandes e

ele provedor; tendo por seu presidente o irmão desta real irmandade –

Exm.º Dr. Joaquim Gualberto de Sá Carneiro, desta vila, havia ido ao Bom

Jesus do Monte de Braga no dia dezanove do corrente mês, cumprir sua

missão. Que do resultado da mesma missão, achava justo e até necessário

27

Idem, fls. 99v-100. 28

Idem, fl. 98.

Retrato do Dr. Joaquim Gualberto de Sá

Carneiro.

Page 30: Sc 6 de 8 capítulo vi

que esta mesa tivesse conhecimento, e por isso convidava aquele presidente

da comissão também presente a que o declarasse, narrando o que se

passou: e tomando então o mesmo presidente a palavra disse; que era

efectivamente dever seu e obrigação contraída informar, fielmente esta

mesa do resultado daquela missão, tão importante como delicada, e

fazendo-o declarava cheio de comoção e júbilo, que em resultado não podia

ser mais honroso para esta real irmandade; porquanto sua majestade el-rei,

recebendo com a maior distinção e benevolência todos os membros da

comissão, na presença de sua majestade a rainha, e de seus augustos filhos,

[…] houve por bem responder, que com verdadeira satisfação aceitava o

cargo […] e se declarava protector desta real irmandade, acrescentando

que era de sua vontade que o mesmo cargo continuasse sempre em sua

família29

.

O acontecimento teve eco na imprensa, nomeadamente no jornal local Folha da Manhã

(cuja cópia da notícia nos foi cedida pelo Dr. Vasco de Faria) que noticiou a deslocação

a Braga pela comissão chefiada pelo Dr. Sá Carneiro, a fim de entregar ao rei o diploma

que lhe conferia o título de juiz vitalício, uma “honra que desde antigas eras é sempre

recebida dos monarcas”. Segundo o jornal citado, D. Luís não só aceitou o cargo como

solicitou à comissão lhe indicasse “todas as festividades que no real templo” se faziam.

Também é referido o interesse suscitado pela rainha, que esteve presente no acto solene

da entrega do diploma e leitura da acta de nomeação do novo juiz, e que terá solicitado

“diplomas de irmãos” para todos os membros da família real, diplomas que viriam a ser

enviados à posteriori, conforme o compromisso então assumido30

.

No ano seguinte, em 30 de Junho de 1888, foi paga ao pintor barcelense Manuel

António Esteves a conta de 111.500 réis pelas pinturas a óleo dos “benfeitores desta

irmandade e o de sua majestade el-rei D. Luís I”31

.

29

Idem, fl. 101v. 30

Jornal Folha da Manhã, N.º 430, 27 de Outubro de 1887. 31

AISC, Livro das receitas e despesas de 1879-1888, fl. 295.

Page 31: Sc 6 de 8 capítulo vi

Da mão do mesmo pintor devem ter saído as demais pinturas retratando alguns dos

benfeitores da real irmandade, salientando-se, pois, que nem todos tiveram direito à

fixação da imagem na tela.

Aliás, a ideia de retratar os amigos principais da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus

da Cruz era recente. Datava de meados do século XIX, quando o retrato de D. Fernando

II foi pintado e colocado na sala das sessões da mesa, pela ocasião da sua visita a

Barcelos em 1852.

Mas, por exemplo, Inácio da Silva Medela – o maior dos benfeitores e que muito

beneficiou o Senhor da Cruz na primeira metade do século XVIII – não constava da

galeria dos retratados. Em breve, porém, alguma justiça foi reparada, tanto mais que se

mantinha em funcionamento um coro que funcionava a expensas do legado instituído

por Medela na década de 1720.

Quando, na reunião de 28 de Maio de 1887, a mesa decidiu mandar celebrar a 8 de

Junho uma missa pela alma de António Joaquim de Miranda Vilas Boas (convidando

toda a Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz e também a Real Irmandade da

Santa Casa da Misericórdia, já que este benfeitor deixou em testamento a estas duas

corporações, em partes iguais, “a sua avultada fortuna”, com reserva do usufruto

vitalício para a viúva), aprovou também aquilo que era prática de muitas instituições –

“que mandam expor à consideração do público os retratos” dos principais benfeitores.

Por conseguinte, deveriam fazer-se logo que possível os retratos de Inácio da Silva

Medela, de D. Rita Maria Pedroso Gavinho, de D. Eugénia Maria de Araújo e Sousa e

de António Joaquim de Miranda Vilas Boas (retratos pintados em 1887-1888), todos a

serem colocados na sala das sessões da mesa da irmandade, até se encontrar um “lugar

Page 32: Sc 6 de 8 capítulo vi

mais próprio”32

. A encomenda depois alargou-se à figura do juiz rei D. Luís I, sendo

todas as telas da responsabilidade do pintor barcelense Manuel António Esteves.

Até hoje não se encontrou o dito local mais apropriado. E o mais adequado será um

espaço museológico, onde de forma criteriosa se deverão expor, não apenas os retratos

mas o conjunto apreciável do espólio histórico e artístico da Real Irmandade do Senhor

Bom Jesus da Cruz de Barcelos.

Como atrás se disse, D. Manuel II, o último rei da Monarquia portuguesa, também foi

agraciado com o diploma de juiz vitalício. Uma certidão (passada em 24 de Fevereiro

de 1911) de um orçamento extraordinário elaborado para o ano económico de 1908-

1909 diz respeito, entre outros aspectos, à visita que D. Manuel realizou a Barcelos.

Todavia, talvez devido à queda do regime em 5 de Outubro de 1910, nem tempo houve

para lhe mandar fazer o retrato, ou, se retrato houve, desapareceu na voragem da

revolução.

Ficou-nos a certidão do orçamento onde se enumeraram as despesas com a visita de sua

majestade ao templo do Senhor Bom Jesus da Cruz.

Visita de sua majestade el-rei ao templo desta irmandade: a) uma rica pasta

de veludo e com emblemas de prata que se lhe ofereceu = cinquenta e sete

mil réis; b) diploma de juiz perpétuo, que se lhe ofereceu = nove mil réis; c)

32

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 95v.

Page 33: Sc 6 de 8 capítulo vi

armação no templo = doze mil réis; d) aluguer de bandeiras = dois mil

quinhentos e cinquenta réis; e) pintura de pedestais = três mil réis; f)

jornais a carpinteiros = cinco mil réis, digo, cinco mil cento e setenta réis;

g) carretos e despesas miúdas quatro mil setecentos noventa e cinco réis33

.

Processo de reforma dos estatutos: 1865-1873

____________________________________________________________

A intenção de reformar os estatutos era já antiga, seguramente desde a década de 1850.

Com efeito, a decisão de dar os primeiros passos para a sua elaboração foi tomada na

reunião de 27 de Fevereiro de 1852, uma vez ponderada a inexistência de “estatuto ou

compromisso escrito”, e sabendo-se que havia existido no passado mas que o mesmo

“sofrera descaminho”, havendo mesmo “voz de que nunca o houvera”.

O certo é que as sucessivas mesas administrativas iam pautando a sua conduta pelas

luzes da tradição e do costume. Havia, porém, que iluminar mais os passos do caminho

a trilhar, das condutas a regular, por isso, “era da mais urgente necessidade coordenar

um estatuto, e resolveu-se que cada um dos vogais tratasse de informar-se com miudeza

e circunspecção das diversas providências que deviam formar corpo de estatuto para que

se coligissem, e se organizasse depois um compromisso para ser discutido pela

irmandade e ser submetido à aprovação competente”.

Conforme pode observar-se no livro de actas de 1842-1861, em 14 de Setembro de 1855

o secretário e mais deputados tinham decidido continuar na gestão da real irmandade

“visto darem-se os mesmos motivos do ano findo, durante o qual não foi possível

liquidar e concluir os negócios entre mãos; e visto que não foi possível levar a efeito a

reforma ou confecção dos estatutos”.

33

AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Certidão de orçamento suplementar.

Page 34: Sc 6 de 8 capítulo vi

Em 1865 estava pronto o anteprojecto para ser discutido e aprovado na reunião geral

que então se convocou para o dia 31 de Julho. Esta reunião foi presidida por David de

Barros da Silva Botelho “por ser este o costume desta irmandade, que tem por seu

cabeça e chefe o secretário, em atenção a ser el-rei o juiz perpétuo”34

, mas a falta de

quórum (compareceram 48 dos 149 irmãos inscritos) levou à convocação de nova

reunião para 13 de Agosto.

Da reunião que então se realiza fica a saber-se que Silva Botelho assumira o cargo de

secretário havia pouco tempo, substituindo o anterior, João de Matos de Faria Barbosa,

que entretanto faleceu. Pela intervenção de Silva Botelho subentende-se que o seu

antecessor não tinha dinamizado a confecção dos Estatutos “em consequência da

prolongada moléstia” de que padecera mas ele (já na qualidade de secretário), havia

colocado na sala das sessões da mesa o anteprojecto a discutir, aprovar e enviar ao

governador do distrito que, segundo informou, tinha prorrogado o prazo de 20 dias, a

partir daquele, para a entrega do projecto dos estatutos, que careciam de aprovação

régia.

Como alguns dos 84 irmãos presentes nesta segunda reunião se pronunciassem

favoráveis à constituição de uma comissão (proposta avançada por António Bernardino

de Sousa), formou-se um grupo responsável pela apresentação duma versão final a

apresentar em Braga até 2 de Setembro e que ficou constituído pelos seguintes

elementos: João Luís Arriscado, Manuel Maria de Vilas Boas Truão, João Evangelista

de Lima, José António Machado Júnior e o presbítero Francisco José Durães, tendo este

pedido escusa por motivos de saúde pelo que foi substituído por Manuel da Costa

Santos35

.

No final da sessão marcou-se uma reunião do grupo de trabalho para 27 de Agosto,

contra a vontade de Silva Botelho, que não podia estar presente e quereria, logicamente,

coordenar os trabalhos da comissão nomeada (mas a reunião foi feita e surgiu um

manuscrito de nove meias folhas para servir de projecto estatutário). No entanto, na

reunião magna entretanto convocada para 30 de Agosto, Silva Botelho convenceu a

assembleia de que o anteprojecto elaborado pela comissão não correspondia aos

“princípios estabelecidos”, e porque o prazo dado pelo Governo Civil se estava a

34

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 2. 35

Idem, fls. 3-3v.

Page 35: Sc 6 de 8 capítulo vi

esgotar, acabou por se enviar o anteprojecto por si apresentado na reunião de 13 de

Agosto36

.

Mas o processo de elaboração e aprovação dos novos estatutos (recorde-se que tinham

levado descaminho os elaborados em 1714 e confirmados pela autoridade eclesiástica

em 1721) teve algumas e desagradáveis vicissitudes.

Aguardava-se a decisão do poder político. No dia da Exaltação da Santa Cruz, 14 de

Setembro de 1865, data tradicional da eleição da nova mesa, decidiu-se esperar pelo

resultado do envio do estatuto e depois proceder-se em conformidade com as novas

regras nele estipuladas. Na reunião de 30 de Dezembro dá-se conta de que nenhum

fumo branco viera ainda de Braga e preparou-se o novo ano, com destaque para os

sermões da Quaresma, a Procissão dos Passos, os ofícios da Semana Santa e a

celebração da Invenção da Santa Cruz, de 1 a 3 de Maio – um “tríduo com Exposição e

sermão” em que num deles haverá música instrumental e, nos restantes dois, haverá

música de órgão e vozes37

.

No dia 14 de Setembro de 1866, não havendo ainda nenhum veredicto do Governo Civil

quanto aos estatutos, procedeu-se à eleição da mesa da irmandade, que ficou assim

constituída: David de Barros da Silva Botelho – secretário, António Joaquim de

Miranda Vilas Boas – tesoureiro, João José de Azevedo Fernandes, Domingos José

Vieira de Araújo, Manuel José Alves Redondo da Cruz, Anselmo António da Costa

Leite, José Marques da Costa Freitas, Sebastião Maria dos Santos, Manuel Leite Pereira

de Carvalho, João António da Costa Guimarães, Eduardo Pereira Coelho Lima e

Manuel José da Silva Ramos38

.

Na tomada de posse que ocorreu a 3 de Outubro, Anselmo António da Costa Leite

acabou por substituir, nas funções de tesoureiro, António Joaquim de Miranda Vilas

Boas, devido à “multiplicidade de afazeres” deste. Nesta sessão participou também o

tesoureiro cessante, José Luís de Carvalho, que fez a entrega dos livros, títulos do

dinheiro a juros, o padrão de juro real e dinheiro em papel; decidiu-se formar um grupo

para se proceder ao inventário da real irmandade, constituído por Anselmo António da

Costa Leite, António Joaquim de Miranda Vilas Boas e Manuel José Alves Redondo da

Cruz39

. (Na reunião de 13 de Outubro, para além de se decidir admoestar os capelães do

36

Idem, fls. 4-5. 37

Idem, fls. 5v-6. 38

Idem, fl. 7v-8 39

Idem, fl. 8v.

Page 36: Sc 6 de 8 capítulo vi

coro, que “tinham caído em grande desleixo”, a mesa fixou o novo valor para a entrada

de novos irmãos: 4.500 réis)40

.

Pela acta de 9 de Setembro de 1868, fica-se a saber que o projecto dos estatutos tinha

ardido aquando de um incêndio no edifício do Governo Civil de Braga, mantendo-se a

mesa em funções até resolver o ambicionado projecto41

. O incêndio devastador deve ter

ocorrido em 1867, já que a 23 de Outubro deste ano deparámos com uma carta do padre

Francisco José Durães a declinar o convite para integrar uma comissão para elaborar e

“examinar o projecto de estatuto”, alegando o padre Durães os seus “habituais

padecimentos, recentemente agravados” e os afazeres da sua vida pessoal.

Ou seja, no Outono de 1867 andavam os mesários do Senhor da Cruz novamente às

voltas com um novo anteprojecto de estatutos.

O novo grupo de trabalho foi constituído por

David de Barros da Silva Botelho, padre Manuel

Sebastião de Almeida Peixoto, Anselmo António

da Costa Leite e, aparentemente, pelo governador

civil José Barbosa da Costa Lemos. Este grupo

deve ter concluído os trabalhos em 1869, pois é

esta data que aparece no frontispício do chamado

“livro de ouro” da real irmandade. Antes de 16 de

Fevereiro de 1870 todos os irmãos voltaram a ser

convocados para uma reunião magna a fim de se

pronunciarem sobre o novo documento. Assim o

esclarece um rascunho de ofício que foi

certamente remetido a alguma personalidade de

relevo.

Ilustríssimo Senhor.

Tendo sido convocada a Irmandade do Bom Jesus da Cruz, desta vila, para o

dia 20 do corrente pela uma hora da tarde, para a discussão dos Estatutos

que se acham patentes desde o dia... (sic) também do corrente para poderem

ser estudados e examinados, como se fez saber a cada um dos irmãos da

mesma irmandade na carta de convocação, tenho a honra de o comunicar

40

Idem, fl. 9v. 41

Idem, fl. 16v.

Page 37: Sc 6 de 8 capítulo vi

assim a V. Ex.ª para os devidos efeitos, e para o caso de V. Ex.ª querer honrar

com a sua presença aquele acto que deve ter lugar no templo da mesma

irmandade. Deus guarde a Vossa Excelência. Barcelos 16 de Fevereiro de

187042

.

Para além da convocatória enviada aos irmãos, e porque era forçoso garantir a presença

da maioria dos seus membros, a reunião foi divulgada através de editais afixados e de

anúncios nos jornais, que também informavam os interessados de que poderiam

consultar o projecto, que se encontrava disponível para esse efeito na sala de sessões da

mesa.

Efectivamente, a Assembleia-geral teve lugar no dia 20 de Fevereiro de 1870, no templo

do Senhor Bom Jesus da Cruz e nela participaram 161 dos 230 irmãos em pleno gozo

dos seus direitos de participação.

Na acta então elaborada reconheceu-se a falta de normas escritas, sentida fazia tempo

por diferentes executivos, que tentaram sem êxito dotar a irmandade dos estatutos

necessários, e sabido era que os referidos estatutos que lhes serviam de governo

datavam de 1714 mas que “haviam sofrido descaminho e extravio na calamitosa época

da invasão dos franceses” – motivo pelo qual as sucessivas mesas se vinham orientando

pela tradição, regendo-se portanto por normas consuetudinárias –, “até que a mesa

actual compenetrada de que aquele estado anormal não podia continuar sem descrédito e

detrimento da irmandade, passou a nomear uma comissão dentre os irmãos que lhe

pareceram competentes, e lhe incumbiu a confecção de um projecto de estatuto”.

De seguida, e para o bom funcionamento do plenário, elegeu-se um secretariado

constituído pelos irmãos João António da Costa Guimarães e Manuel Pereira Leite de

Carvalho. Procedeu-se então à leitura e aprovação do projecto, primeiro na generalidade

e depois na especialidade, sendo aprovados por unanimidade todos os 86 artigos,

distribuídos pelos 12 capítulos que integram o documento.

Ainda antes da acta ser assinada pelos 161 irmãos presentes decidiu-se que os estatutos

aprovados fossem enviados a sua majestade el-rei D. Fernando II, para que sua alteza

declarasse, na qualidade de juiz vitalício, “se há a fazer neles alguma alteração, ou se

lhes presta sua real aprovação”.

42

AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Rascunho de ofício de 16 de Fevereiro

de 1870.

Page 38: Sc 6 de 8 capítulo vi

Assim, com a data de 12 de Maio de 1870, um ofício assinado por toda a mesa

administrativa foi dirigido ao rei, devidamente acompanhado pelo livro dos estatutos, a

fim de receber a sua aprovação, o que veio a verificar-se a 30 de Agosto do mesmo ano.

No dia da assinatura de D. Fernando, o conde de Campanhã escreveu a David de Barros

e Silva Botelho, secretário servindo de presidente da mesa da irmandade.

Ilustríssimo Senhor.

Tenho a satisfação de participar a V. Ex.ª que sua majestade el-rei o senhor

D. Fernando, meu augusto amo, assinou hoje 30 de Agosto do corrente ano

o estatuto da Real Irmandade do Bom Jesus da Cruz, que V. Ex.ª se dignou

me dirigir pelo senhor Manuel Pereira Leite de Carvalho o qual depois da

entrega se ausentou, ficando eu ignorando quem seja o portador que deve

apresentar a V. Ex.ª o estatuto.

Deus guarde a V. Ex.ª. Paço das Necessidades em 30 de Agosto de 187043

.

Entretanto, no dia 2 de Setembro o mesmo conde de Campanhã envia uma comunicação

telegráfica dirigida a David de Barros e Silva Botelho onde reafirma que “no dia 30 do

mês findo foi assinado o Estatuto” e acrescenta: “sirva-se V. Ex.ª mandar avisar o meu

procurador para vir receber o referido estatuto”.

Todavia, falta ainda ao processo dos novos

estatutos dar algumas voltas, nomeadamente

uma rigorosa conferência por parte das

estruturas político-administrativas e a

confirmação do prelado de Braga. Assim, em

3 de Outubro é enviado ao governador do

distrito um ofício, que se encontra transcrito

no referido livro dos estatutos, através do

qual se informa que o projecto em apreço

fora discutido, aprovado e submetido à

aprovação do rei D. Fernando na sua

qualidade de juiz perpétuo da irmandade,

restando “agora para poder sortir os efeitos

43

Idem, Carta do conde de Campanhã de 30 de Agosto de 1870.

Livro dos estatutos da Real Irmandade do

Senhor Bom Jesus da Cruz, 1869-1873.

Page 39: Sc 6 de 8 capítulo vi

devidos, a sanção competente, a qual pede a

V. Ex.ª se sirva prestar-lhe em conselho de

distrito”.

Tudo estaria bem, aparentemente, sendo mesmo lavrado o alvará de aprovação pelo

Governo Civil de Braga, em 22 de Junho de 1871, assinado pelo seu governador, o

bacharel em direito pela Universidade de Coimbra, José Barbosa da Costa Lemos, que

concordou com o parecer do conselho administrativo do distrito, exarado em sessão de

9 de Junho, o qual aprovava os estatutos da irmandade nos termos do artigo 2.º do

Decreto-Lei de 22 de Outubro de 1868, “com a condição de ser aplicada a décima parte

do remanescente da receita, – e líquido da despesa, para actos de beneficência”.

Mas, afinal, nem tudo estava conforme a legislação recentemente aprovada. Uma

certidão de 10 de Dezembro de 1872, passada pelo escrivão da administração do

concelho de Barcelos, dá-nos conta de uma restrição imposta à posteriori pelo monarca,

em 14 de Julho de 1871.

Tal restrição deveu-se ao parecer emitido pela Procuradoria-Geral da Coroa e Fazenda,

que obrigava a excluir o artigo 74.º por este contrariar o estipulado na portaria de 21 de

Junho de 1870, onde se determinava “que as corporações administrativas deviam

sempre aceitar as heranças a beneficio de inventário”.

Finalmente, uma vez adequados os estatutos ao quadro jurídico instituído pelo

liberalismo monárquico, em 19 de Maio de 1873 foi feita a provisão de aprovação

assinada pelo arcebispo de Braga, D. José Joaquim de Azevedo e Moura.

Principais normas estatutárias

____________________________________________________________

Page 40: Sc 6 de 8 capítulo vi

A promoção do culto regular a Deus e a ajuda espiritual e material aos irmãos mais

carenciados constituíam as finalidades fundamentais previstas no primeiro capítulo dos

estatutos confirmados em Maio de 1873.

Nos capítulos segundo e terceiro estabeleceram-

se os direitos e as obrigações, quem e em que

circunstâncias poderia ser admitido como irmão.

Eram considerados membros da irmandade

todos os elementos do sexo masculino inscritos

e registados no livro para esse efeito criado,

podendo admitir-se a inscrição de mulheres

desde que as mesmas fossem autorizadas pelos

maridos ou pelos pais.

Os novos aderentes deveriam ter 21 anos completos ou serem emancipados (mas, neste

caso, não podiam interferir nos negócios da irmandade, até atingirem a maioridade) e

gozar de boa reputação cívica, moral e religiosa. No acto de admissão ficavam

obrigados ao pagamento de uma jóia no valor de 5.000 réis, a efectuar antes do

juramento (admitia-se a possibilidade de uma jóia de valor inferior, mas, em tal

situação, ficavam sujeitos ao pagamento de 20 réis anuais); o juramento incluía o dever

de obediência aos estatutos e regulamentos dele derivados; eram ainda obrigados a

participar nos enterramentos de irmãos, nos termos a definir pela mesa e deviam aceitar

os cargos para os quais fossem eleitos.

Uma vez admitidos e cumprindo com as suas obrigações, cada irmão tinha os seguintes

direitos: eleger e ser eleito para os cargos da corporação, mas sobretudo tinha direito a

eleger já que, como pode ler-se no artigo 59.º, estavam impedidos da eleição, entre

outros, os irmãos “que não sejam chãos e abonados e pagarem de contribuição predial

quantia inferior a mil réis”; tinha direito ao sinal, isto é, ao toque de finado badalado nos

sinos da igreja e a ser acompanhado até à última morada, no caso da mesma se situar

nos limites da vila e/ou em Barcelinhos; aquando do falecimento cada irmão tinha ainda

direito a 20 missas celebradas no templo, isto no caso de ser solteiro, porque, se fosse

casado, rezavam-se-lhe apenas 10, ficando as restantes para o cônjuge vivente, a menos

que ambos estivessem inscritos na irmandade (neste caso cada um tinha direito às 20

missas).

Page 41: Sc 6 de 8 capítulo vi

No mês de Novembro, todos os anos, o colectivo dos irmãos e os benfeitores que

tivessem partido deste mundo beneficiavam de um ofício solene.

Para se inscrever, o candidato a irmão deveria elaborar (ou pedia a quem lho fizesse) um

requerimento, no qual registava o nome, idade, filiação, profissão, estado civil,

naturalidade e residência (e o nome da consorte, na situação de casado); no caso de ser

mulher ou menor de 21 anos, deveria o requerimento ser instruído “com o

consentimento do respectivo superior”.

Em sessão da mesa, competia ao provedor apresentar os requerimentos dos candidatos

que viriam a ser aceitos como irmãos, isto no caso de, no escrutínio que para o efeito se

realizava, obtivessem o sim de dois terços dos mesários presentes. Se viesse a ser

recusada a sua entrada, o candidato deveria aguardar pelo menos um ano até nova

proposição que, na eventualidade de ser de novo recusada, teria então de esperar três

anos. (Note-se que o artigo 17.º previa que no caso de se tratar da admissão de pessoas

em perigo de vida, tanto o provedor como o secretário e o tesoureiro tinham poderes

para aceitar as suas inscrições, sem o cumprimento daquelas formalidades, devendo no

entanto assumir as responsabilidades por eventuais abusos que viessem a ser

cometidos).

A Assembleia-geral dos irmãos deveria reunir ordinariamente de dois em dois anos para

proceder à eleição da mesa (haveria lugar a reuniões extraordinárias, sempre que o

provedor e a mesa o entendessem necessário). Competia também à irmandade excluir os

irmãos que apresentassem um comportamento desleal e indigno da pertença à

corporação, decidir sobre a aquisição ou alienação de bens de raiz e proceder às

alterações dos estatutos sempre “que o tempo e a experiência mostrarem precisas”.

A mesa – cuja eleição bianual ocorreria a 15 de Julho, no fim dos actos corais do turno

da manhã –, era constituída por um juiz (que sendo vitalício, não carecia de eleição), um

provedor, um secretário, um tesoureiro e seis deputados (devendo ser candidata uma só

lista, com os nomes do provedor e do secretário, enquanto os restantes 7 elementos

eram designados por mesários ou deputados) e deveria reunir na primeira Segunda-feira

de cada mês na sala das sessões, podendo haver lugar a reuniões extraordinárias, tantas

quantas as necessárias.

O tesoureiro deveria participar em todas as reuniões da mesa, ou então fazer-se

representar por um colega capaz de prestar os esclarecimentos que lhe fossem

solicitados.

Page 42: Sc 6 de 8 capítulo vi

À mesa cabia, naturalmente, toda a gestão administrativa, económica, financeira e

religiosa, apresentada no artigo 27.º. Eram suas atribuições, no essencial: nomear o

tesoureiro e autorizá-lo nas despesas ordinárias e extraordinárias, devidamente

aprovadas nos orçamentos (que a mesa organizava e aprovava); acompanhar os irmãos à

última morada e comparecer nos demais actos para, com o seu exemplo, estimular o

zelo religioso dos restantes irmãos; decidir sobre a correcta aplicação dos fundos

financeiros; executar e fazer executar com religiosa fidelidade as prescrições dos

estatutos e dos regulamentos, nomeadamente o do coro; cumprir as resoluções da

irmandade e pedir a aprovação régia sempre que necessário; nomear os empregados e

estabelecer-lhes os salários correspondentes; adquirir paramentos, alfaias e mais

objectos para o culto divino e para o serviço da irmandade (devidamente registados em

inventário), de modo a não precisar de recorrer a empréstimos de tais objectos; garantir

a solenidade de determinadas funções e que as mesmas fossem “celebradas com a

pompa e esplendor compatíveis, e que são tradicionais”, muito natural e especialmente a

da Invenção da Santa Cruz; propor a eventual exclusão dos irmãos que apresentassem

um comportamento desconforme com os estatutos e a dignidade da corporação; propor a

aquisição ou a alienação de bens de raiz; requerer em juízo ou fora dele (pleitos ou

demandas), na defesa dos interesses da irmandade e constituir para isso os procuradores

necessários; prover em conformidade com a respectiva instituição os lugares do coro e

zelar pela observância do seu regulamento; enfim organizar e aprovar as tabelas

relativas aos toques de sinos, às festividades, aos enterramentos, às sepulturas e ao

aluguer de alfaias e paramentos.

Uma vez aceito pela realeza, o cargo de juiz tinha um carácter evidentemente

honorífico, porquanto dizia o artigo 29.º que as funções da “presidência e direcção e

demais actos inerentes ao juiz serão exercidos pelo provedor da irmandade”, enquanto o

artigo anterior preceitua o seguinte:

Tendo-se sua majestade el-rei o senhor D. Fernando dignado declarar juiz

perpétuo desta irmandade, não pode este título ser conferido a outra pessoa

durante a sua preciosa vida, e na sua falta só o poderá ser a pessoas reais.

Assim, atendendo à natureza honorífica do cargo de juiz, criou-se o cargo de provedor

para orientar e super-visionar toda a acção executiva. Porém, ficavam reservados para o

Page 43: Sc 6 de 8 capítulo vi

juiz “todos os lugares de honra e distinção”, sempre que este se dignasse participar nos

actos da irmandade.

O provedor também tinha como insígnia uma vara de prata, mas, o seu a seu dono,

deverá esta ser “diversa da do juiz, que fica sendo privativa”.

De resto, e embora todos os membros da mesa tivessem responsabilidades formais ao

nível da direcção e da administração (participavam nas reuniões e em eventuais

comissões, ajudavam nas deliberações, substituíam colegas ausentes), as principais

funções cabiam ao provedor, ao secretário e ao tesoureiro. Porventura os que melhor

soubessem ler, escrever e fazer contas. Antes da aprovação e confirmação dos estatutos,

em 1873, e sendo já o rei o juiz da irmandade, o secretário exercia as funções de

presidente.

Estatutariamente, o provedor detinha as seguintes atribuições: convocava e presidia às

sessões da mesa e da Assembleia-geral; propunha a admissão de novos irmãos;

despachava o expediente e propunha aos irmãos medidas a tomar na salvaguarda dos

interesses da irmandade; abria, numerava e encerrava os livros ou delegava no

secretário tal função; zelava pela boa organização do arquivo; cumpria e fazia cumprir

os estatutos, os regulamentos e as deliberações da irmandade; vigiava o correcto

desempenho dos empregados, a “regularidade e decência” dos exercícios do coro e do

culto divino em geral e a limpeza do templo e todas as dependências a ele associadas.

Nas decisões a tomar, caso se verificasse algum empate, o provedor tinha um voto de

qualidade.

Nas festividades, ocupava o primeiro lugar, no lado do Evangelho e nas procissões

seguia atrás do palio; já quanto aos enterramentos de irmãos, tomava o seu lugar no

final dos membros da irmandade, entre as duas alas do cortejo fúnebre.

O secretário, que tomava o seu lugar à direita do provedor, era o responsável pelo

registo e leitura das actas, elaborava os inventários, fazia as cópias necessárias das actas,

lavrava os termos de entradas de irmãos, redigia a correspondência que lhe fosse ditada

pela mesa ou pelo provedor, enfim cumpria as solicitações do provedor e as

determinações dos estatutos e regulamentos. À sua guarda ficavam os livros de actas,

termos de admissão de irmãos, inventários e o arquivo em geral, que deveria apresentar

à mesa sempre que esta o solicitasse.

Page 44: Sc 6 de 8 capítulo vi

Ao tesoureiro, que tomava o seu lugar à esquerda do provedor aquando dos actos da

mesa ou da irmandade, cabia, na prática, a maior responsabilidade. Tratava obviamente

de toda a contabilidade; recebia as jóias dos novos irmãos e os anuais daqueles cuja

“entrada” fora inferior a 5.000 réis; arrecadava as esmolas dos devotos e os capitais

“que houverem de dar entrada”, emprestava dinheiro a juros, com autorização da mesa

(note-se que nenhum mesário nem seus parentes até ao terceiro grau podiam recorrer a

empréstimos da irmandade) e cobrava os respectivos rendimentos; comprava as alfaias

litúrgicas e outros objectos, depois de autorizados pela mesa e devidamente aprovados

em orçamentos. O tesoureiro devia também guardar e zelar pelas alfaias, paramentos e

demais objectos do culto e da irmandade; gerir a arrecadação e distribuição da cera

pelos irmãos, utilizada nos actos religiosos; mandar dar os “sinais” pelos irmãos

falecidos e providenciar os sufrágios pelas respectivas almas; preparar os arranjos

necessários para as festividades e para o ofício de aniversário; apresentar os balancetes

trimestrais e os orçamentos dentro dos prazos previstos e, até 24 de Julho de cada ano,

apresentar à mesa as “contas gerais devidamente documentadas, e lançadas no

respectivo livro”.

Os estatutos previam a existência de três

empregados: um capelão da sacristia,

que deveria ser um “eclesiástico de boa

vida e exemplares costumes”, um servo

da igreja e um servo andante, cada qual

com as suas funções perfeitamente

definidas.

No capítulo das festividades, figuravam as seguintes, de realização obrigatória: a

Invenção da Santa Cruz, os sermões das tardes das Sextas-feiras da Quaresma, a

Procissão dos Passos no segundo Domingo da Quaresma, a Exaltação da Santa Cruz em

Setembro e o Ofício de Defuntos, em Novembro, pelos irmãos e benfeitores

desaparecidos.

Page 45: Sc 6 de 8 capítulo vi

A pompa e a solenidade aplicadas nestes dias festivos dependiam dos meios financeiros

da irmandade. Quanto às restantes festividades do calendário religioso, “continuarão a

celebrar-se, circunscrevendo-se aos meios que privativamente lhes são destinados”.

Reconhecendo a existência de legados pios, cujas contrapartidas deveriam continuar a

cumprir-se em função dos seus rendimentos, os estatutos autorizavam a mesa a aceitar

novos legados (gratuitos ou onerosos) e a requerer a redução “naqueles legados

onerosos cujo cumprimento absorva dois terços dos rendimentos que lhes foram

consignados na sua instituição”. Nada de prejuízos, evidentemente.

Finalmente, previa-se a fundação de um hospital e de um cemitério privativos da

irmandade. Ir-se-iam criando os fundos necessários, ficando estatutariamente

autorizadas as futuras direcções ou mesas para a aquisição de um edifício e terrenos

próprios para esse fim; a mesa em exercício ficava autorizada a organizar e a aprovar os

regulamentos para a administração e gestão dos referidos hospital e cemitério.

Como veremos, o projecto de hospital será concretizado 20 anos depois e terá escassa

vida. Por sua vez, a ideia de um cemitério privativo acabou por cair, passando os

enterramentos dos irmãos a fazer-se no cemitério municipal, inaugurado em 1879.

Nos casos omissos dos estatutos a que nos vimos referindo, a mesa dever-se-ia orientar

pelos da Real Irmandade da Santa Cruz de Braga.

Confirmados os novos estatutos em 19 de Maio de 1873, eles permaneceram em vigor

até à queda da Monarquia, se descontarmos uma ligeira mas importante alteração

operada em 1907.

Pormenor da Procissão da Invenção da Santa Cruz, 3

de Maio de 2004.

Page 46: Sc 6 de 8 capítulo vi

Tratou-se da supressão do número 3 do artigo 59.º, uma espécie de pilar interno desta

democracia censitária, no que respeita ao acesso aos cargos da corporação, porquanto

determinava, como atrás referimos, que não podiam ser eleitos os irmãos que não

fossem “chãos e abonados”, isto é, proprietários cuja tributação predial fosse inferior a

1.000 réis/ano.

Porque tal situação, para além de injusta, de todo prejudicava a própria constituição de

mesas administrativas, realizou-se uma Assembleia-geral de irmãos no dia 30 de Junho

de 1907, convocada pelo presidente da comissão administrativa, Adolfo José Pereira

Cibrão, e que contou com a presença de apenas 19 irmãos, na qual se reconheceram as

dificuldades que então atravessavam os irmãos realmente irmanados.

Na acta então lavrada defende-se que a honestidade e a competência não são exclusivos

dos grandes proprietários.

Há anos que se vem notando a necessidade de eliminar a disposição do

número terceiro do artigo cinquenta e nove dos estatutos desta Real

Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, pela dificuldade que ela

representa e estorvos que ocasiona, impedindo muitas vezes que irmãos

honestos e competentes sirvam os cargos da mesa, pelo simples facto de não

pagarem contribuição predial – dificuldade que convém fazer desaparecer,

principalmente agora, não só por haver falta de irmãos com os demais

requisitos exigidos pelos Estatutos, mas também pela relutância que em

alguns se encontra, mormente depois dos acontecimentos derivados da

administração do ex-tesoureiro Manuel Luís da Silva Falcão, como é do

domínio público44

.

A proposta de Adolfo José Pereira Cibrão foi

aprovada por unanimidade, seguindo para o

governador civil de Braga, Manuel Inácio de

Amorim Novais Leite, que assinou o alvará de

aprovação a 13 de Julho de 1907.

44

AISC, Livro dos estatutos da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz 1873, fls. 49v-50.

Page 47: Sc 6 de 8 capítulo vi

Suprimido que estava o número 3 do artigo 59.º,

todo o restante conteúdo se manteve em vigor até

1912, ano em que se empreende a revisão que havia

de adequar o documento ao espírito e às leis da

República.

Projecto de hospital privativo

__________________________________________________________

A ideia de se fundar um hospital privativo da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da

Cruz apareceu, como vimos, registada nos estatutos confirmados em 1873. Há já alguns

anos, porém, que o projecto figurava na mente dalguns membros da mesa.

Na reunião de 20 de Novembro de 1870, o secretário esclareceu que “tendo vogado por

vezes entre alguns dos mesários a ideia da fundação de um hospital para os irmãos

pobres desta real irmandade serem nele tratados de moléstia aguda, e não havendo

meios alguns para se começar um tal estabelecimento, não se deveria deixar de tentar a

caridade e generosidade de pessoas que pelo seu conhecido amor pela humanidade

talvez concorressem com donativos que ainda que não permitissem já o começo de tal

obra, poderiam permiti-lo mais tarde depois de reunidos donativos em quantidade”45

.

Embora a acta que acabamos de citar não refira os nomes das pessoas contactadas ou a

contactar, a verdade é que existia já uma carta datada de 8 de Outubro do mesmo ano,

que foi enviada ao conde da Estrela, residente no Rio de Janeiro, pela qual se invocava a

sua pia generosidade e o seu patriotismo, visando o patrocínio para a fundação de um

hospital privativo, classificado na carta como um “monumento religioso”.

45

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fls. 27-27v.

Cópia do alvará de aprovação da

alteração aos estatutos, 1907.

Page 48: Sc 6 de 8 capítulo vi

Depois de resumir a história sagrada do Senhor da Cruz de Barcelos, a suplicante

missiva lamentava a carência dos meios financeiros necessários para a concretização

deste projecto, que se considerava fundamental para o cumprimento da vertente

assistencial da irmandade.

O objectivo era pois o da criação de “um hospital em que se alimentem os pobres e

favoreçam os filhos desta ilustre povoação”. Uma povoação que, continua o documento,

encontrava “na escassez de meios e na falta de donativos um escolho terrível”,

ameaçando o referido projecto, razão pela qual se apelava à benfeitoria do conde da

Estrela. Como é habitual, e no caso do conde corresponder às expectativas, a mesa da

irmandade oferecia contrapartidas.

Dignando-se pois vossa excelência atender à nossa sentida súplica, não

reconheceremos apenas a dívida de gratidão, que só Deus pode satisfazer,

inscrevendo o honrado e ilustre nome de V. Ex.ª na página mais nítida dos

primeiros benfeitores da confraria ensinaremos este abençoado nome às

criancinhas e aos pobre, que um dia se aproveitarem dele, para que o

pronunciem sempre, com respeito e com amor e peçam ao Senhor Bom

Jesus, nosso padroeiro, que lhe dê em anos dilatados, em prosperidades

constantes, e em júbilos perduráveis, aquilo que houverem recebido em

amparo, em protecção, em esmola, em caridade46

.

Na mesma data, uma outra carta foi enviada (assinada por Manuel José Alves Redondo

da Cruz), a José Bento Rodrigues Monteiro, sobrinho do conde da Estrela, pela qual se

lhe pedia a entrega da primeira carta ao tio, bem como o exercício de influências junto

do mesmo para que correspondesse ao pedido da mesa. Pede-se também a José

Monteiro que se associe ao patrocínio destinado à fundação do hospital, com o

argumento de que “nesta terra há um único hospital” – o da Santa Casa da Misericórdia

–, destinado aos “desvalidos da fortuna” e que a Real Irmandade do Senhor da Cruz é a

única entidade que poderá instituir um hospital para os seus irmãos.

Redondo da Cruz expressa o desejo de “ver ainda mesmo em princípio que fosse, esta

obra humanitária”; porém, continua, “o meu amigo sabe do que estas coisas demandam;

e por muito veementes que sejam os meus desejos, e os de alguns amigos, não é

46

AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Carta I da mesa da real irmandade ao

conde da Estrela.

Page 49: Sc 6 de 8 capítulo vi

possível realizá-los, sem um auxílio vigoroso”; e acrescenta que uma vez reservado “a

seu excelentíssimo tio, o lugar de fundador, não duvido que a obra progrida e que em

pouco tempo dê os resultados que se esperam, porque há de haver quem se associe a

esta grande obra, logo que se veja começada”47

.

A resposta à primeira carta foi dada em 5 de Janeiro de 1871, com um donativo de

200.000 réis48

, quantia decerto muito aquém da esperada, ainda que na sessão de 4 de

Fevereiro (data em que o dinheiro chegou ao Senhor da Cruz) a mesa tenha registado

em acta a “caridade e filantropia” do conde da Estrela49

.

No dia 15 de Fevereiro, passaram-se as cartas de patente dos irmãos beneméritos – o

conde e a condessa da Estrela50

– e, em data posterior, quiçá em Maio, acrescentou-se

no documento a seguinte nota: “passou-se outra [carta patente] igual para o Exm.º José

Bento Rodrigues Monteiro, Rio de Janeiro aos 21 de Abril de 1871”51

, confirmando-se a

notícia dada pelo tesoureiro na reunião de 20 de Abril de que, neste dia, José Alves

Redondo da Cruz lhe tinha entregado 200.000 réis, no cumprimento de ordens do

sobrinho do conde, o mencionado José Monteiro52

.

Na carta de agradecimento ao conde, datada de 24 de Fevereiro de 1871, referiu-se o

“valioso donativo de 200$000” e a convicção de que “esta preciosa quantia, que por ora

fica à espera de outras beneficentes adições, será a primeira abençoada a mais largos e

numerosos donativos”. E pedia-se ao conde o envio do seu retrato, a fim de ser incluído

na galeria dos principais benfeitores do Senhor da Cruz, alegando-se dificuldades

financeiras para mandar executar o quadro.

Dizendo-se afortunada com o donativo, a mesa considera que uma só coisa “veio afectar

os ânimos desta real associação”: a falta do “precioso e respeitável retrato de V. Ex.ª,

entre as imagens de seus ínclitos benfeitores e a impossibilidade em que a irmandade se

acha de poder realizar este trabalho artístico, em uma terra pobre, que carece de todos os

elementos para isso”. Todavia, afirma-se esperançosa “que o seu augusto retrato venha

ornar as paredes desta secretaria, como perpétuo relevo de grandes virtudes e notável

estímulo a grandes exemplos”53

, conquanto o conde o mandasse executar.

47

Idem, Carta I a José Bento Rodrigues Monteiro. 48

Idem, Carta do conde da Estrela à mesa da real irmandade. 49

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fls. 27v-28. 50

AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Carta de patente do irmão conde da

Estrela. 51

Idem, Ibidem. 52

AISC, Livro das actas de 1865-1893, fl. 29. 53

AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Carta II da mesa da real irmandade ao

conde da Estrela.

Page 50: Sc 6 de 8 capítulo vi

De notar que a correspondência enviada ao conde foi, aparentemente, assinada por todos

os elementos da mesa, a saber: David de Barros e Sousa Botelho, Manuel José Alves

Redondo da Cruz, João António da Costa Guimarães, José Marques da Costa Freitas,

Sebastião Maria dos Santos, Domingos José Vieira de Araújo, António Joaquim de

Miranda Vilas Boas, Manuel Pereira Leite de Carvalho e Anselmo António da Costa

Leite.

José Bento Ribeiro Monteiro, sobrinho do conde da Estrela, enviou igualmente um

donativo de 200$00 para a fundação do hospital, cujo agradecimento lhe foi endereçado

em 21 de Abril de 1871 e a quem, de igual modo, se pediu o retrato.

Na mesma acta em que fez honrosa menção do generoso donativo de V. Ex.ª

a mesa tomou a deliberação de inscrever o seu nome no catálogo dos seus

mais beneméritos irmãos, cujo diploma muito se honra em lhe remeter.

A mesa, antevendo que a obra projectada, só com o decurso de anos poderá

realizar-se; e desejando deixar à posteridade uma memória dos primeiros

fundadores deste monumento de caridade cristã, ousa esperar da bondade

de vossa excelência que se dignará enviar-lhe o seu retrato, atenta à

impossibilidade em que a mesa se acha de poder possui-lo de outra sorte54

.

Não nos parece, no entretanto, que quer o conde da Estrela quer o seu sobrinho José

Monteiro tenham correspondido ao solicitado, pois as suas figuras não constam da

galeria de retratos que se encontram na antiga sala de sessões da mesa da irmandade.

Ou, quem sabe, terão desaparecido quando a “montanha pariu um rato”?!

Não há dúvida de que o hospital privativo chegou a inaugurar-se, mas 20 anos depois,

tendo contado para o seu funcionamento clínico com a colaboração de alguns médicos

da vila, nomeadamente: o Dr. António Martins de Sousa Lima que, em resposta de 9 de

Abril de 1890 a uma carta/ofício do então provedor, Rodrigo de Sousa Azevedo,

disponibilizou-se para a prestação de serviços a título gratuito – “tenho a dizer”, disse o

médico, “que sustento o meu oferecimento e que desde já estou disposto a praticar

gratuitamente os meus serviços profissionais” no Hospital da Irmandade do Senhor

Bom Jesus da Cruz55

; também o Dr. José Joaquim Duarte Paulino se disponibilizou no

54

Idem, Carta II a José Bento Rodrigues Monteiro. 55

Idem, Carta de António Martins de Sousa Lima.

Page 51: Sc 6 de 8 capítulo vi

mesmo sentido, através de uma carta enviada ao provedor, com data de 10 de Abril de

189056

.

A inauguração do hospital da Santa Cruz ocorreu em Maio de 1890. Mas como veremos

será sol de pouca dura.

Foi criado um livro volumoso para os registos de internamentos, mas nele não foram

registadas mais que 4 internamentos: o de Francisco José Leite de Sousa, viúvo, com 51

anos, alfaiate do Lugar de S. José, Barcelos, que permaneceu no hospital entre 14 e 27

de Julho de 1890 (em 3 de Fevereiro de 1891, José Leite de Sousa volta a ser internado,

vindo a falecer a 15 do mesmo mês); um terceiro internamento diz respeito a João

Evangelista, viúvo, de 59 anos, vendeiro de Esposende, com alta passada a 1 de

Novembro de 1891; o último a ser registado foi o de Joaquim Alves Moreira, viúvo, de

54 anos, da freguesia de Famalicão, sem a indicação de qualquer data57

.

Num livro de contas, com registos de 1893 a 1901, justifica-se uma despesa de

2.879$80, correspondente ao valor de 7 títulos transferidos “para novo dono em

satisfação do resto do empréstimo para a compra da casa destinada a um hospital”,

operação autorizada por um Decreto de 2 de Maio de 189358. Na coluna das receitas

refere-se que da “conta do fundo” da real irmandade, no valor de 16.660$933, havia

sido retirado aquele valor dos referidos títulos pelo que restavam 13.718$13359.

Para além dos legados do conde da Estrela e do seu sobrinho José Bento Ribeiro

Monteiro, de 200$00 cada, há notícias de outros donativos a favor do hospital, todos de

reduzida expressão. Foi o caso do comendador José Joaquim de Faria Machado,

falecido em Braga a 19 de Novembro de 1889, cujo testamento terá sido exarado na

56

Idem, Carta de José Joaquim Duarte Paulino. 57

AISC, Livro de registo dos doentes do Hospital da Irmandade do Senhor da Cruz. 58

AISC, Livro de receitas e despesas de 1893-1901, fl. 3v. 59

Idem, Ibidem.

Page 52: Sc 6 de 8 capítulo vi

repartição competente da Administração do Concelho (livro 62, fl.17), que doou

100.000 réis para “ajuda do projectado hospital”.

Pelo mesmo testamento, o comendador terá legado ao Senhor da Cruz 500.000 réis,

devendo rezar-se-lhe duas missas, em cada aniversário da sua morte, “no altar do

Senhor estando descerrado durante a celebração das missas”60

. Seria caso para dizer, se

um comentário nos fosse autorizado, que o comendador se preocupou 5 vezes mais com

a sua alma, face ao projecto hospitalar.

Lourenço José Gomes legou igualmente uma quantia para o hospital, porquanto, no

livro de contas de 1893-1901, surge a indicação de que a irmandade pagou a este

legatário 1.250 réis “do legado que ofertou para o hospital com reserva de meio juro

durante a sua vida” pelo que, presume-se, os juros vencidos reportar-se-iam a um ano e

o legado rendia anualmente 2.500 réis.

Mas um projecto hospitalar, por muito modesto que fosse, exigia meios muito mais

avultados, apoios mais vigorosos do ponto de vista financeiro. Na sua ausência ou

escassez, a mesa recorreu a um empréstimo legalmente autorizado para a aquisição das

instalações e contou, como dissemos, com a prestação de serviços clínicos a título

gratuito. Porém, a fragilidade do fundo financeiro adstrito ao projecto rapidamente

inviabilizou o seu funcionamento.

Um relatório de 6 de Fevereiro de 1895 (que nos foi cedido pelo Dr. Victor Pinho),

elaborado pela mesa administrativa eleita a 19 de Agosto de 1893, com tomada de posse

a 23 do mesmo mês, é suficientemente esclarecedor acerca da debilidade desta unidade

de saúde inaugurada em Maio de 1890.

Trata-se de um documento que pretende desmascarar as gestões danosas do passado,

sobretudo “desde 1760 em diante”, data a partir da qual a ambição e a cobiça terão

levado à decadência da irmandade. Nele se apontam as debilidades financeiras e se põe

a nu a fragilidade do projecto hospitalar.

Por este relatório ficamos a saber que o

prédio para o hospital do Senhor da Cruz

tinha sido comprado na sequência de um

decreto de 28 de Outubro de 1890, que

concedeu autorização para “aquisição de

60

AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Informação do testamento do

comendador José Joaquim de Faria Machado.

Aspecto actual da moradia que esteve destinada ao

hospital privativo da Real Irmandade do Senhor

Bom Jesus da Cruz de Barcelos.

Page 53: Sc 6 de 8 capítulo vi

uma casa e quintal” situados entre a

antiga Rua da Estrada e o antigo Campo

de Touros, propriedade pertencente a

José António Fernandes Duarte e sua

mulher.

Mais adiante o documento esclarece que, por outro decreto publicado em 2 de Maio de

1893, a gerência da irmandade foi autorizada a proceder ao levantamento de 3.000$00

para o pagamento do mencionado prédio, “devendo a mesma quantia ser reposta ao

cofre da irmandade em 20 anos, em prestações anuais de 175$00, além do juro anual”

que, nos termos da lei, não poderia exceder os 5%.

Havia, porém, um problema relacionado com a habitação do prédio, pois o mesmo

apenas ficou devoluto em Junho de 1894, seguindo-se as obras inerentes à sua

reutilização como unidade de saúde. Esclarecimentos adicionais desataram os fios

cruzados deste malogrado projecto hospitalar, cujo funcionamento não deve ter

ultrapassado os dois anos.

Demos voz ao documento… A Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz possuía,

em 1895:

Uma morada de casas no Campo dos Touros fazendo frente ao jardim e à

Rua da Estrada, destinada pela gerência transacta para instalação de um

hospital exclusivo para tratamento dos irmãos enfermos: só nos falta saber

o modo e forma de praticar tão sublime ideia sem meios; e é esse o ponto

capital desta reunião da irmandade.

Esse prédio achava-se na posse do arrendatário João José Cardoso, que

havia feito contrato […] com seu antigo possuidor José António Fernandes

Duarte, contrato que findou somente em Agosto de 1893, vindo contudo a

deixá-lo devoluto em Junho de 1894, num estado tal que logo obrigou a

proceder a uma limpeza pelo menos de vassoura e depois a valiosos reparos

que ainda continuam.

A gerência transacta como é público e notório, fez inaugurar em Maio de

1890, a abertura solene de um hospital para os seus irmãos enfermos, na

casa dos herdeiros de João António Alves Ferraz, sita à Porta Nobre, desta

vila, e passado algum tempo fê-lo remover para a casa de Manuel José

Cardoso, no Campo da Feira, onde foram tratados de moléstia alguns

irmãos e aonde alguns faleceram.

Page 54: Sc 6 de 8 capítulo vi

Um ou dois anos depois, querendo o dono da casa vir residir para ela, e

não tendo ainda terminado o contrato de arrendamento da outra, própria

desta irmandade, teve a mesma gerência transacta de terminar com o

hospital, fazendo guardar todos os móveis e mais objectos dele em casa

particular, deixando assim de existir o chamado hospital.

Neste estado viemos encontrar as coisas, tudo numa singeleza espantosa;

procuramos saber o que haveria próprio do hospital, tendente a meios

pecuniários para seu custeio, por que de supor era que quem se resolveu a

dar um passo tão agigantado inaugurando uma casa hospitalar, que nós

classificamos um fenómeno, estivesse prevenido com os preciosos meios

pelo menos para o seu custeamento ordinário e com um rendimento certo,

maior ou menos que fosse. Mas apenas encontramos recebidos uns

pequenos legados que montavam a 200$000 réis aplicados para hospital

[…]. Existe mais incluído no mesmo fundo a quantia de 650$000 réis que já

de há muitos anos vinha em saldo proveniente de esmolas noutras eras para

começo dum hospital – o que tudo monta a 850$000 réis.

Nada mais encontrámos de fundo destinado ao chamado hospital: se houve

peditórios e subscrições pecuniárias foram elas, a nosso ver, empregadas

em mobílias e tratamento de doentes61.

A questão que se punha à Assembleia-geral da irmandade era a de decidir da possível

alienação da casa, hipótese considerada desastrosa, porquanto tratar-se-ia de uma

“venda forçada”, sendo defendida pela mesa administrativa a ideia de que um

compartimento do edifício poderia ser utilizado como armazém de alfaias, mobília e

outros utensílios, “porquanto também se poupará o aluguer dum armazém que se está

pagando”, enquanto os restantes espaços do prédio poderiam ser arrendados por um

“preço razoável”.

Estamos em crer que os irmãos que acorreram à reunião magna da irmandade, em 6 de

Fevereiro de 1895, concordaram com as propostas apresentadas. Finou-se a ideia do

hospital privativo.

61

Relatório da Actual Mesa da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos, Tipografia da

Folha da Manhã, 1895, pp. 8-10.

Page 55: Sc 6 de 8 capítulo vi

Mas o fundo legalmente criado para tão ambicionado projecto apenas veio a ser

desbloqueado aquando das obras realizadas em 1909-1910.

De facto, uma derradeira notícia sobre o malogrado projecto hospitalar foi-nos dada por

um papel avulso, referindo uma portaria de 15 de Março de 1909 pela qual a Real

Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz foi autorizada a aplicar nas obras projectadas

para a sua igreja e adro, a quantia de 1.820.673 réis, verba que estivera destinada à

construção de “um hospital privativo da irmandade”62

.

Nova reforma dos estatutos: 1912-1914

____________________________________________________________

A queda da Monarquia e a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, teve

como consequência imediata a elaboração da Lei da Separação do Estado da Igreja. O

celebrado fim do casamento entre o trono e o altar, vigente desde os fundamentos do

país, tiveram consequências profundas em toda a sociedade e suas instituições.

Havia que adequar as normas e as práticas das instituições ao carácter laico do novo

sistema político saído da revolução. É sabido que a laicização do Estado, por parte do

regime republicano e parlamentar, deixou marcas profundas na sociedade em geral, na

educação, na cultura, nas instituições religiosas. Os privilégios e direitos tradicionais da

Igreja foram abolidos e por consequência os seus interesses foram profundamente

afectados, daqui resultando fundas feridas que o século XX teve de sarar.

62

AISC, Caixa de documentos diversos do século XX, Papel avulso.

Page 56: Sc 6 de 8 capítulo vi

É pois no contexto revolucionário e de adequação às leis

do regime republicano que surge a reforma dos

estatutos, operada no cumprimento de um “decreto com

força de lei” de 20 de Abril de 1911, conforme pode ler-

se no documento do governador civil de Braga dos

finais de 1914, que os aprovou.

É elucidativa a ausência da autoridade religiosa na confirmação dos novos estatutos.

Como veremos, o arcebispo de Braga apenas confirmará o novo documento, com a

imposição de importantes alterações, nos inícios de 1926, numa altura em que a

chamada 1.ª República agonizara.

Discutidos e aprovados pela assembleia de irmãos que reuniu a 11 de Setembro de

1912, os novos estatutos foram, sem dúvida, submetidos à aprovação do governador

civil de Braga, em 15 de Dezembro de 1914, que lhe introduziu ligeiras restrições,

nomeadamente ao artigo 26.º (relativo ao recebimento de heranças ou legados); mandou

o governador que se substituíssem as palavras “sem necessidade de licença”, pelo texto

“com prévia autorização do governo nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do decreto de 25

de Maio de 1911”63

.

A autoridade eclesiástica bracarense

parece ter sido ignorada na confirmação

dos novos estatutos. Apenas em 12 de

Janeiro de 1926, curiosamente uns meses

antes da queda do regime republicano e da

instauração de uma ditadura militar, o

arcebispo de Braga D. Manuel Vieira de

Matos assinou a competente provisão de

confirmação.

Nesta reforma estatutária de 1912 foi notória a adaptação ao novo regime político.

63

AISC, Livro dos estatutos da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz 1914.

Page 57: Sc 6 de 8 capítulo vi

Desde logo, a organização dos devotos do Senhor da Cruz perdeu o epíteto de real,

ainda que no capítulo primeiro – ao tratar da sua constituição e dos seus fins – se diga

que a corporação “continuará subsistindo com a mesma denominação”, a verdade é que

o termo real nunca é utilizado.

Tratou-se de submissão ao novo regime político ou de vontade própria de mudança da

nomenclatura? De libertação face à realeza e à rígida autoridade eclesiástica? Apenas os

“irmãos” do após 1910 poderão responder a estas interrogações.

Sabido é que as preocupações sociais e educativas dos republicanos integram

claramente o novo documento orientador da acção da Irmandade do Senhor Bom Jesus

da Cruz. Esta, com efeito, “deixará de limitar a sua acção exclusivamente à piedade,

para se tornar também em corporação de assistência e beneficência efectivas, em

harmonia com as disposições da Lei da Separação do Estado das Igrejas”.

Enquanto corporação piedosa, promove o culto católico na observância preferencial dos

sufrágios pelos irmãos, a satisfação dos legados e as festividades alusivas à “exaltação

do padroeiro e devoções subsidiárias”. Enquanto corporação de carácter assistencial e

de beneficência, há-de preocupar-se com os irmãos mais carenciados e respectivos

agregados familiares, com os viúvos ou viúvas e com os menores, prestando-lhes

assistência médica e medicamentosa e atribuindo-lhes subsídios pecuniários nos casos

de extrema pobreza; contribuirá para a escolaridade dos filhos dos irmãos mais

humildes, criando condições de persuasão e estímulo e fornecendo os meios

indispensáveis como o “facto, roupas de baixo, calçado, livros e aprestos escolares e,

ainda, alimentação”. Na morte, caberia à irmandade assegurar o serviço fúnebre,

embora o “mais modestamente possível”, de acordo com os costumes locais.

Constituída pelos irmãos associados, a irmandade afirma-se como “a legítima detentora

da soberania da corporação” procedendo às alterações estatutárias sempre que as

circunstâncias ou as leis gerais o exijam. Permanecem como insígnias as opas

tradicionais, que serão utilizadas apenas em actos de culto. Nos actos civis, podia

“adoptar outro distintivo”. Era obrigada a fazer-se representar, “devidamente

encorpada”, nos funerais dos irmãos e assistir aos responsos na igreja e no cemitério,

devendo, caso não houvesse impedimento legal, tomar parte no acompanhamento do

defunto.

A Assembleia-geral era constituída pela maioria dos irmãos adultos e do sexo

masculino e deveria reunir ordinariamente de dois em dois anos, a 15 ou a 23 de Junho

– para eleger a mesa e a “comissão revisora de contas” – e anualmente, a 15 ou a 23 de

Page 58: Sc 6 de 8 capítulo vi

Setembro – para discutir e aprovar o relatório e contas do ano económico respectivo e

do parecer da referida comissão revisora. Reuniria extraordinariamente, sempre que o

provedor o entendesse, por iniciativa da mesa ou por requerimento de qualquer mesário

ou, ainda, a requerimento de 20 ou mais irmãos interessados.

A mesa era o órgão executivo, de eleição bianual (devendo tomar posse a 1 de Julho),

sendo constituída por um provedor, um secretário e 7 mesários, dos quais um poderá ser

nomeado tesoureiro. Desaparecia, assim, o cargo de juiz. As atribuições da mesa (bem

como as da assembleia de irmãos) eram muito semelhantes às previstas nos estatutos de

1873, acrescentando-se algumas de carácter mais civilista ou laico.

Como atrás se disse, o arcebispo de Braga apenas confirmou estes estatutos em 12 de

Janeiro de 1926. No entanto, D. Manuel Vieira de Matos introduziu-lhe importantes

alterações, recolocando a irmandade na dependência estrita das autoridades religiosas.

Antes de mais, o prelado da arquidiocese aprovou os estatutos com a salvaguarda dos

direitos paroquiais existentes, determinando que as eventuais alterações hão-de

depender da aprovação ou confirmação da autoridade eclesiástica; que tanto as

aquisições como as alienações dos bens da irmandade, bem como o levantamento de

capitais para as despesas correntes, carecem de prévia autorização eclesiástica; que

todos os anos sejam prestadas contas à cúria arquiepiscopal, nos termos da lei canónica;

que só pode ser admitido como irmão quem for católico, apostólico e romano; e que a

nomeação e a exoneração do capelão pertencem ao ordinário, autoridade junto de quem

algum irmão eventualmente excluído poderá sempre recorrer.

Alvará de confirmação dos estatutos – 1926

D. Manuel Vieira de Matos, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica

Arcebispo e Senhor de Braga, Primaz das Espanhas e Assistente ao Sólio

Pontifício, etc.

Atendendo ao que nos foi representado por parte da mesa administrativa

da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz da vila de Barcelos, deste

nosso arcebispado, pedindo-nos a aprovação dos estatutos de 20 de

Outubro de 1712 e constam de onze capítulos e 54 artigos; e visto o

parecer do muito reverendo cónego promotor da justiça, com o qual nos

conformamos: havemos por bem, salvaguardando sempre os direitos

paroquiais e de terceiro, aprovar os referidos estatutos, com as seguintes

Page 59: Sc 6 de 8 capítulo vi

alterações: 1.º) ao artigo 4.º acrescentar – que as alterações do estatuto

dependem de aprovação da autoridade eclesiástica; 2.º) ao artigo 6.º

acrescentar – que da exclusão do irmão há sempre recurso para o

Excelentíssimo Ordinário, e que tanto as alienações e oneração dos bens

da irmandade como o levantamento de capitais para despesas correntes,

dependem de autorização eclesiástica; 3.º) ao artigo 17.º acrescentar – que

só pode ser irmão, aliás que só pode ser recebido para irmão quem for

católico apostólico romano, bem comportado, isento de censuras e alheio a

sociedades condenadas pela Igreja; 4.º) ao artigo 25.º, n.º 23.º, acrescentar

– que a irmandade deve prestar contas anuais na cúria arquiepiscopal, na

forma da lei canónica; 5.º) ao artigo 47.º acrescentar – que tanto a

nomeação como a exoneração do capelão pertencem ao Excelentíssimo

Ordinário; e 6.º) finalmente, sobre as restrições constantes do n.º 51, deve

declarar-se que elas são inaceitáveis por contrariar a índole da instituição

e ofensivas dos direitos dos irmãos. E para assim constar mandamos

passar a presente provisão que será registada. Dada em Braga, sob o

nosso sinal e selo das nossas armas, aos 12 de Janeiro de 1926 e seis. E eu

arcebispo Manuel Vieira de Matos a subscrevi.

Manuel, arcebispo primaz.

Os estatutos de 2003

____________________________________________________________

Quase um século volvido após a reforma de 1912-1914, na qual a irmandade perdeu o

epíteto de real, impunha-se a actualização dos seus estatutos. Ainda que se considere as

alterações impostas pelo arcebispo Manuel, em Janeiro de 1926, limitando-lhe a

autonomia face à hierarquia eclesiástica e afastando-a da tutela política.

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Nos estatutos aprovados em 2003 recuperou-se, antes de mais, o nome que ligava a

irmandade ao regime monárquico – Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz –,

conferindo-se-lhe como insígnias a opa roxa com uma cruz dourada aposta no seu lado

esquerdo e uma medalha encimada por uma coroa e uma cruz no centro, tendo na base a

inscrição da nomenclatura recuperada oficialmente; a medalha, suspensa por uma fita

roxa, contém os mesmos dizeres gravados a ouro.

De notar que o uso destas insígnias foi fixado no regulamento para o efeito aprovado

em sessão da mesa administrativa, realizada em 4 de Fevereiro de 1992, conforme

esclarece o artigo 9.º dos actuais estatutos.

A sua leitura denota uma inequívoca articulação e/ou cumprimento das Normas Gerais

para a Regulamentação das Associações de Fiéis, aprovadas pela Conferência Episcopal

Portuguesa, nas Assembleias Plenárias de Novembro de 1986 e de Abril de 1987, com

entrada em vigor em 15 de Março de 1988. Logicamente, nos casos omissos, o

documento remete para as referidas normas e para o direito canónico.

Como órgãos sociais ou corpos gerentes, os estatutos consagraram a Assembleia-geral,

a mesa administrativa, o conselho fiscal e o órgão de vigilância, este constituído pelo

delegado do prelado da arquidiocese. A leitura das Normas Gerais não deixa quaisquer

dúvidas: a Igreja quer acautelar, de forma quase excessiva, o escrupuloso cumprimento

das suas directrizes doutrinárias e administrativas, entrando mesmo nas margens da

escassa autonomia, nomeadamente ao impor a figura do órgão vigilante, que se pode

transformar num fiscal da direcção da irmandade e do seu património.

A reforma dos actuais estatutos deveu-se, sem dúvida, ao Dr. Vasco de Faria, provedor

da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz ao longo de 14 anos.

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Trata-se de um prestigiado homem de Barcelos, um Juiz Desembargador (jubilado a 8

de Janeiro de 2001) que desempenhou funções relevantes, quer na vida profissional quer

na vida político-administrativa local e regional: desde professor na Escola Comercial e

Industrial de Viana (1966-1967) a presidente da Câmara Municipal de Barcelos (1967-

1972) e governador do distrito de Viana do Castelo (1972-1974); desde juiz de direito

em vários Tribunais de Trabalho, e desembargador no Tribunal da Relação de Évora, a

presidente do Tribunal da Relação do Porto (1994-2001), o emérito cidadão Vasco de

Faria constitui um depositário de rara e lúcida sabedoria. É um homem discreto, mas

dinâmico e atento ao que se passa no mundo. Muito tem ainda a ensinar aos que com ele

privam!

A sua participação na vida cívica e humanitária destaca-se desde tenra idade em várias

organizações: na Académica de Coimbra, na Junta Nacional de Educação, no sector de

turismo da Comissão de Planeamento da Região Norte, na Misericórdia de Barcelos, na

Associação de Dadores de Sangue de Barcelos, nos Bombeiros Voluntários de

Viatodos, entre outros.

Acompanharam o Dr. António Vasco Machado Maciel Barreto Alves de Faria, no

elenco da respectiva mesa administrativa da irmandade, responsável pelos novos

estatutos, as seguintes personalidades: Joaquim Augusto Matos de Almeida Viana

Lopes, António Araújo Ferreira, José Maria da Silva Freitas, João Maria Ferreira

Cardoso, José Macedo Gomes, António Amor Divino Lopes Vilas Boas, Francisco José

da Silva Cardoso e Joaquim da Silva Falcão.

Os novos corpos gerentes, saídos das eleições realizadas em 18 de Outubro de 2003,

tomaram posse no dia 14 de Dezembro no decurso de uma cerimónia de elevado

simbolismo, servida de uma missa solene presidida pelo então arcebispo primaz D.

Eurico Dias Nogueira.

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Líder da actual mesa administrativa, o Dr. João Vale Ferreira é um Professor jubilado

do ensino da língua de Camões, que tanto preza, conforme o seu currículo, o seu

comunicar e o seu conviver inequivocamente esclarecem.

Trata-se de um prestigiado homem de letras barcelense, com uma formação

multifacetada: cursou Humanidades Clássicas na Universidade Católica, equiparou-se

em Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, fez o curso de

Direito da Comunicação na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e o de

Teologia no Seminário Arquidiocesano de Braga. Exerceu a docência em vários graus

de ensino, estudou filosofia e jornalismo e destacou-se na formação de educadores,

professores e jornalistas, no âmbito do Departamento de Educação Básica, do Centro de

Associação de Escolas de Barcelos e do Instituto Português de Imprensa Regional.

Desempenhou vários cargos ligados à direcção, gestão e administração escolares;

fundou e coordenou diversos clubes e revistas escolares de Barcelos, co-fundou o jornal

Falcão do Minho e fundou a Tertúlia Barcelense. Escreveu em 15 jornais da imprensa

regional.

Amante das letras clássicas e modernas, o Dr. Vale Ferreira é autor de várias obras

literárias, em poesia e prosa: em 1994 publicou Questões de Português e Flamas, em

2001 publicou Perfis I e Calimares; tem ainda o seu nome na antologia Poetas de

Sempre, nos volumes de 2000 e 2001.

Para além de provedor da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, o Dr. Vale

Ferreira é presidente do conselho fiscal do Círculo Católico de Operários de Barcelos e

da assembleia-geral do Instituto Português de Imprensa Regional. É ainda comendador

de mérito social pela Universidade Minhota do Autodidacta, desde Julho de 2000.

A actual mesa administrativa da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz entrou

em funções no dia 14 de Dezembro de 2003, com a seguinte composição e pelouros:

Dr. João Vale Ferreira – provedor; Dr. Vítor Pinho – vice-provedor; Dra. Luísa Vila-

Chã – secretária; Dr. António Novais – tesoureiro; Dra. Joana Matos – adjunta da

provedoria para os assuntos culturais e sociais e subsecretária; Emília Pereira –

Tomada de posse da nova mesa da Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz, em 14 de Dezembro de

2003: o Dr. Vasco de Faria entrega a vara e a opa do provedor ao Dr. Vale Ferreira. O então capelão do

templo do Senhor da Cruz e prior da antiga colegiada (o reverendo Manuel Ferreira de Araújo), assiste e

ajuda nos actos da cerimónia.

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responsável pelos assuntos fiscais da tesouraria e pelo arranjo floral do templo; Manuel

Carones – adjunto da provedoria para a tesouraria, inventariação do património,

realização de obras no templo e no prédio da Rua D. Diogo Pinheiro, propriedade da

real irmandade; Manuel Carvalho – responsável pela dinamização da criação do futuro

Museu do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos e pelo apoio às obras no templo e no

prédio da Rua D. Diogo Pinheiro; Joaquim Falcão – responsável pela dinamização coral

e do órgão; José Gomes – responsável pelo arranjo dos altares e paramentos e tapetes de

flores, aquando da Festa das Cruzes de 1 a 3 de Maio; António Vilas-Boas – além de

coadjuvante do mesário do culto, é o responsável pela conservação do património

móvel; Joaquim Fiúza – mesário dos actos na igreja, procissões e protocolo; e Francisco

José Cardoso – responsável pela promoção turística e coadjuvante da organização do

referido museu.

A capelania do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, bem como a titularidade do cargo

definido como um “órgão vigilante”, foram da responsabilidade do prior da colegiada, o

reverendo Manuel Ferreira de Araújo, durante vários anos, tendo cessado ali as suas

funções no dia 25 de Setembro de 2004. A partir desta data, estas funções passaram a

ser exercidas pelo padre Dr. Abílio Cardoso, conforme nomeação do arcebispo D. Jorge

Ortiga.

O novo provedor, Dr. João Vale Ferreira,

discursa no almoço de 3 de Maio de 2004,

dia da Invenção da Santa Cruz, com a

presença do novo arcebispo de Braga, D.

Jorge Ortiga e do presidente da Assembleia

da República, Dr. Mota Amaral.

No decurso do almoço de 3 de Maio, o Dr. Vale

Ferreira entrega ao seu antecessor, Dr. Vasco de Faria,

uma medalha comemorativa dos Quinhentos Anos do

Milagre das Cruzes.

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Com o apoio de várias entidades, e em parceria com a Câmara Municipal de Barcelos, a

actual mesa administrativa presidida pelo Dr. João Vale Ferreira deu início, ainda em

Dezembro de 2003, a um vasto programa religioso e cultural para assinalar os

Quinhentos Anos do Milagre das Cruzes.

Entre as iniciativas deste ano de comemorações (Dezembro de 2003 a Dezembro de

2004) contam-se importantes celebrações litúrgicas – com particular ênfase nos dias das

festividades, sobretudo a da Invenção da Santa Cruz, nos três primeiros dias de Maio –,

concertos de grupos corais e música ecoada do magnífico órgão de tubos.

Realizaram-se conferências sobre o significado das Cruzes e sobre o património do

Senhor da Cruz e da necessidade da sua conservação e divulgação.

Realizou-se uma exposição de Arte Sacra – que

integra o riquíssimo espólio patrimonial, religioso e

artístico do templo do Senhor da Cruz e da sua

irmandade –, no salão nobre da Câmara Municipal

de Barcelos.

Houve ainda tempo para um belo recital de poesia

alusiva ao tema da cruz, versada por poetas e

Pormenor da exposição alusiva ao

Senhor Bom Jesus da Cruz, 15 de

Maio a 13 de Junho de 2004.

Pormenor da procissão evocativa da Invenção da Santa

Cruz, 3 de Maio de 2004.

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poetisas de desvairadas latitudes do mundo onde se

fala e escreve em português.

Enfim, integrou-se a temática do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos nas Jornadas

de História Local dos dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 2004 e perspectivou-se a divulgação

do trabalho de investigação em curso, do qual resultou este livro.

Mas a Festa das Cruzes foi, sem dúvida, o momento mais alto das comemorações,

servida de um vasto programa religioso, lúdico e cultural.

Realizada nos dias 1, 2 e 3 de Maio, a festividade em honra do Senhor da Cruz –

incorporando uma vertente fortemente profana e mercantil – contribuiu para reafirmar a

cidade de Barcelos como um espaço encantatório e digno de visitar-se.

Quem entrou no templo, compactado de gente em pausado movimento, pôde admirar os

belos tapetes de flores que anualmente se fabricam, dedicados ao patrono e à Sua mãe, a

Senhora das Dores.