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TCC - Serviço Social
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
RAPHAEL MAGNUS SILVA ORTIZ
NO BALANÇO DO TREM: PERFIL DOS TRABALHADORES AMBULANTES DOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ
Rio de Janeiro
Março de 2013
1
RAPHAEL MAGNUS SILVA ORTIZ
NO BALANÇO DO TREM: PERFIL DOS TRABALHADORES AMBULANTES DOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ
Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação
apresentado à Faculdade de Serviço Social do
Centro de Ciências Sociais da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro para a obtenção do título
de Assistente Social
Orientadora: Profª. Drª. Rosangela Nair de Carvalho
Barbosa
Rio de Janeiro
Março de 2013
2
NO BALANÇO DO TREM: PERFIL DOS TRABALHADORES AMBULANTES DOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ
RAPHAEL MAGNUS SILVA ORTIZ
Aprovado em ____/____/_____.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________ Rosangela Nair de Carvalho Barbosa (orientadora)
Profª. Drª. Adjunta da Faculdade de Serviço Social da UERJ
__________________________________________________
Cleier Marconsin Profª. Drª. Adjunta da Faculdade de Serviço Social da UERJ
__________________________________________________
Isabel Cristina da Costa Cardoso Profª. Drª. Adjunta da Faculdade de Serviço Social da UERJ
CONCEITO FINAL: _____________________
4
AGRADECIMENTOS
Tudo que começa, tem seu termo, quer as coisas boas, quer as ruins.
Mas para mim, não há nada de negativo, tanto a realização deste trabalho,
quanto do percurso deste curso, que tantas coisas me acrescentaram, pessoal
e profissionalmente.
Dizem que o conhecimento é o único bem que ninguém pode nos tirar, e,
de fato o é. No entanto, ele não pode, sobremaneira, ser considerado um bem
individual, pois ele só tem utilidade a mediada em que ele é colocado à
disposição de toda e qualquer pessoa que dele quiser usufruir e ―navegar por
mares nunca antes navegados!‖.
E neste processo de construção coletiva do conhecimento não posso
deixar de agradecer a algumas pessoas que colaboraram de uma forma ou de
outra, com a realização desse trabalho e desse curso.
Agradeço a minha família, que sempre me incentivou no prosseguimento
dos estudos, mesmo diante de alguns recomeços, sempre foi muito
compreensiva e generosa comigo. Em especial a minha querida mãe: mulher
guerreira! Admiro-te muito!
Agradeço a todos os mestres que passaram por minha vida, em especial
a todos os professores da Faculdade de Serviço Social da UERJ, que em maior
ou menor medida foram responsáveis pelo excelente nível de educação ao
qual eu tive acesso. A gratidão especial vai para a professora Rosangela, que
sempre pacientemente, foi uma verdadeira pedagoga, ao me guiar pelas mãos,
pelas ―estadas desconhecidas da pesquisa científica‖.
Agradeço aos meus colegas de faculdade, de maneira particular os de
turma, que nestes 5 anos de caminhada (quase que voou, não é mesmo?),
foram ―companheiros de viagem!‖
Meu agradecimento especial vai para Odenir, sem o qual a inspiração
para a realização desse trabalho jamais seria despertada, pois foi nos
deslocamentos constantes para sua casa, que me surpreendi com um mundo
5
até então desconhecido para mim: o trem. Como não me esquecer do misto de
estranheza e curiosidade ao ver que naqueles espaços, muitas vezes
desconfortável e intransitável, se dava um ―mundo de relações sociais‖, dignas
de uma investigação mais apurada. E entre todos os personagens dessa
trama, o ambulante como trabalhador entre os demais trabalhadores em seus
deslocamentos diários entre a casa e o trabalho.
Por fim, minha eterna gratidão a todos os trabalhadores que colaboraram
com a realização desta pesquisa, em especial os que nos concederam
entrevistas, muitas vezes, com a possibilidade de ―perderem‖ o seu tempo, que
para eles, de fato, é dinheiro, ou pior de ―perderem‖ suas mercadorias, nas
eventuais apreensões dos agentes administradores dos trens.
6
“É triste ver este homem, guerreiro
menino,
Com a barra de seu tempo por sobre
seus ombros. Eu vejo que ele berra, eu
vejo que ele sangra. A dor que traz no
peito, pois ama e ama. Um homem se
humilha se castram seu sonho.
Seu sonho é sua vida e a vida é trabalho.
E sem o seu trabalho,
um homem não tem honra.
E sem a sua honra, se morre, se mata”.
Raimundo Fagner – Guerreiro Menino
"Mas pra quem tem pensamento forte
O impossível é só questão de opinião”.
Chorão- Só os Loucos Sabem
7
RESUMO
Esta monografia tem como objeto o trabalho informal dos trabalhadores ambulantes, especificamente os que desenvolvem suas atividades laborativas nos trens do ramal de Santa Cruz no Rio de Janeiro. Temos por objetivo identificar os fatores que levam estes trabalhadores a adotarem esta atividade informal como sua ocupação. Nossa hipótese é que esta opção de trabalho decorre da facilidade com que esses sujeitos, através da atividade ambulante, encontram para adquirir uma renda, constituindo-se uma forma mais rápida de colocação no mercado de trabalho, assumindo assim, como uma estratégia de sobrevivência imediata, para além dos limites que caracterizam seu perfil, tais como a baixa escolaridade, a falta de qualificação e a faixa etária elevada. Para tal, partimos do acumulado teórico sobre o tema, tendo como instrumental metodológico a realização de entrevistas semi-estruturadas, com informantes-chave, bem como os trabalhadores ambulantes a fim de se delinear o perfil de cada um dos tipos de trabalho ambulante desenvolvido no espaço dos trens do ramal de Santa Cruz. Como resultados a pesquisa apresentou um quadro complexo de determinantes e situações que condicionam as escolhas e permanências neste tipo de trabalho.
Palavras-chave: Trabalho informal. Trabalho ambulante no trem. Segregação sócio-espacial.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................
9
Capítulo I AS MÚLTIPLAS FACES DA INFORMALIDADE E AS MUDANÇAS DO MUNDO DO TRABALHO............................
15
1.1- A informalidade e sua função estratégica no Capitalismo.......
15
1.2- Particularidades da informalidade do trabalho no Brasil.........
25
Capítulo II PENSANDO O TRABALHO INFORMAL NOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ......................................................
32
2.1- O trem e sua função estratégica na reprodução social..........
33
2.2- Um transporte pobre para os pobres: o processo de degradação dos trens urbanos do Rio de Janeiro..................
43
2.3- Trabalho ambulante como elemento integrante da sociabilidade nos trens............................................................
46
2.4- ―No fio da navalha‖: a insegurança do trabalho ambulante e a possibilidade de organização política..................................
60
Capítulo III TRAJETÓRIA DE TRABALHO DOS AMBULANTES DOS TRENS DE SANTA CRUZ.......................................................
70
3.1- Caracterização da pesquisa de campo para as entrevistas....
71
3.2- ―O retrato falado‖ dos ambulantes no trem: trabalho e trajetória de vida......................................................................
74
3.3- Quem são os trabalhadores ambulantes ligados às empresas?..............................................................................
86
3.4- Quem são os trabalhadores ambulantes ―soltos‖?.................
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................
143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................
147
ANEXOS................................................................................
154
9
INTRODUÇÃO
Esta monografia tem por objetivo apresentar resultados da pesquisa sobre o
trabalho informal realizado por trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de
Santa Cruz, no Rio de Janeiro.
Esta pesquisa foi gestada a partir de 2011, com os exercícios propostos na
Disciplina de Pesquisa Social sendo enriquecido, posteriormente nas Disciplinas de
Oficina de Pesquisa e concretizado nas Disciplinas de Seminário de Trabalho de
Conclusão I e Seminário de Trabalho de Conclusão II. Nesse processo, construímos
uma dinâmica que possibilitou que aprofundássemos conhecimento sobre o debate
contemporâneo acerca da produção acadêmica a respeito do trabalho informal.
O interesse pelo tema surgiu da observação aleatória sobre o considerável
quantitativo de trabalhadores neste transporte de massa popular, durante nossos
eventuais deslocamentos nesse núcleo urbano formado pela cidade do Rio de
Janeiro e área metropolitana. Percebemos que ali, além do grande número de
pessoas que recorrem a este tipo de trabalho, algumas outras características são
peculiares, e foram imediatamente percebidas, como a predominância de uma mão
de obra masculina e um perfil etário bastante diversificado. Estas particularidades
nos fizeram pensar os motivos que levam esta fração de trabalhadores a optarem
por tal atividade.
O trabalho de campo foi precedido da devida revisão teórica sobre a produção
relativa à temática da informalidade. A fim de ultrapassarmos a aparência do
fenômeno do trabalho ambulante no trem, recorremos ao acumulado teórico sobre a
10
temática do trabalho informal, o que possibilitou a reflexão sobre o tema e o
estabelecimento das devidas relações entre o dado singular desses trabalhadores
nos trens do Rio, sua ligação com o particular deste fenômeno no Brasil. Assim
como a visualização do panorama mais universal do trabalho no mundo, a partir das
atuais configurações do capital e suas inferências no mundo do trabalho.
Para tanto, a metodologia da pesquisa envolveu levantamento e análise
bibliográfica, aplicação de questionários e realização de entrevistas semi-
estruturadas. Portanto, contamos com fontes de dados primárias e secundárias. Do
confronto desses dados elaboramos reflexão no quadro da tradição crítico-dialética
da sociedade, procurando entender o tema dentro do contexto da crítica da
sociabilidade capitalista.
Escolhemos como amostra para apreciação empírica o trabalho ambulante
realizado nos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. A estratégia
escolhida para a coleta dos dados foi a de abordagem direta aos ambulantes, por
meio da aplicação de questionário, no qual foram colhidas informações objetivas que
possibilitem traçar um perfil geral de tais trabalhadores, bem como a captação de
percepções acerca do próprio trabalho realizado, entre outras questões
correlacionadas à atividade ambulante. Para além desses trabalhadores, outros
informantes chaves também foram entrevistados, a fim de que pudéssemos obter
informações preliminares acerca das problemáticas que envolviam o trabalho
ambulante nos trens, bem como de opiniões ―de fora‖ do núcleo duro da ação
ambulante no ramal de Santa Cruz.
Conforme se verá, a informalidade é um fenômeno anacrônico no interior da
sociedade capitalista, que passa a ser considerado um problema empírico e
11
conceitual somente a partir da década de 1970. Como a massificação do pleno
emprego não se tornou uma realidade em todos os países capitalistas, o trabalho
informal se fortaleceu como uma realidade latente, especialmente entre os
chamados países da periferia, dependentes no sistema mundial. A história mostrou
os limites das matrizes liberais burguesas do desenvolvimento geral dos povos, com
a incorporação aos benefícios dos avanços do desenvolvimento baseado no
crescimento produtivo.
Neste sentido, segundo esta perspectiva, a informalidade era um dado que não
combinava com os padrões de desenvolvimento capitalista, parecendo algo ―fora do
sistema‖, ou um sintoma do ―atraso das nações subdesenvolvidas‖. Assim sendo, a
Teoria da Marginalidade será o mote sobre o qual irão surgir os primeiros estudos
sobre este fenômeno.
A informalidade é muitas vezes apresentada aos trabalhadores como uma
alternativa para a geração de renda, diante da agigantada escala de desemprego.
Deste modo, ideologicamente, é possível se observar incentivos de cunho liberal
para que esta fração da população economicamente ativa constitua o ―seu próprio
negócio‖, alimentado-a com a ideia da independência e do protagonismo econômico.
No entanto, a realidade esconde a ―outra face desta moeda‖: os grandes sacrifícios
pessoais que estão embutidos no trabalho informal.
Por outro lado, para além do dado ideológico, e diante da necessidade imediata
de sobrevivência, o trabalhador informal necessita garantir o seu sustento e de sua
família, fazendo do recurso a este tipo de trabalho uma saída imediata para sua
situação.
12
Nesta pesquisa assumimos outra compreensão sobre a interpretação do
fenômeno da informalidade. Aqui assumimos o entendimento de que as próprias
atividades informais não são estranhas àquelas formais, de modo que não podem
ser percebidas sem a sua íntima relação com as formais, uma vez que àquelas, ao
contrário do que parece ser, não estão fora da dinâmica de acumulação capitalista.
A informalidade é uma ―produção‖ da extensão do capitalismo, e funcional para a
mesma (OLIVEIRA, 2003, p.33).
Assim, a monografia se propõe a pensar essa dialética no contexto do quadro
das novas configurações do mundo do trabalho, em consequência da reestruturação
do capital nas últimas décadas, que trouxe mudanças estruturais na sociedade como
um todo, desde o centro da economia do capital até sua periferia. Nesse contexto, o
Brasil, como nação aspirante a uma economia desenvolvida, reproduz as sequelas
deste sistema, acentuando ainda mais as disparidades socioeconômicas entre sua
população. No campo do trabalho, o fenômeno da informalidade, que já era presente
de forma cultural e institucional no país, agora se sedimenta como opção
estruturante da economia, servindo como uma ―alternativa‖ para abarcar uma massa
de trabalhadores presente de forma estrutural no desemprego.
Assim sendo, a hipótese deste estudo é a de que os fatores que levam os
trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz no Rio de Janeiro
a adotarem esta atividade como sua ocupação principal decorrem da facilidade com
que esses sujeitos, através dela, encontram para adquirir uma renda, constituindo-se
uma forma mais rápida de colocação no mercado de trabalho assumindo assim
como uma estratégia de sobrevivência imediata. A falta de perspectiva de reinserção
no mercado de trabalho formal devido aos vários fatores que compõem o perfil desta
13
população - a baixa escolaridade, a falta de qualificação e a faixa etária elevada ou
baixa - tendem a favorecer a inserção nesta atividade informal como sendo, em
muitos casos, a única alternativa para esses trabalhadores. Soma-se a isso, a
relativa autonomia que estes trabalhadores informais têm sobre o seu trabalho, no
que diz respeito ao horário de trabalho e a obtenção de um rendimento maior do que
teriam se estivessem empregados formalmente. Aliás, essa relativa e aparente
autonomia pode ser considerada fator de retenção e permanência do trabalhador na
própria atividade, como uma difícil sina de repetição em cada estação da vida. Estão
no trem por falta de emprego e por baixa escolarização, e estando no trem não têm
como superar esses limites porque o trabalho é penoso e fadigante.
Assim sendo, estruturamos a exposição esta pesquisa da seguinte forma: no
primeiro capítulo, apresentamos a revisão teórica acerca da informalidade do
trabalho e suas diferentes acepções, da década de 1970 até hoje. Na primeira parte
procuraremos demonstrar a funcionalidade estratégica da informalidade ao
capitalismo, mostrando que o baixo nível de renda aferido nestes empreendimentos
arcaicos representa custo de comercialização dos produtos industrializados e de
produtos agropecuários que são postos fora dos custos internos de produção e
reforçam a acumulação nas unidades centrais do sistema. Na segunda parte
abordaremos as peculiaridades do trabalho informal no Brasil, que diferentemente
de outras nações, mesmo antes das grandes mudanças estruturais do mundo do
trabalho, já apresentava, desde muito tempo, a concentração de consideráveis
contingentes não assalariados em atividades laborativas informais.
14
Em seguida, no segundo capítulo, nos deteremos na especificidade do trabalho
ambulante nos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Inicialmente,
faremos um resgate histórico do papel do trem na constituição e desenvolvimento da
cidade do Rio de Janeiro e da Região Metropolitana ao redor. Daremos ênfase ao
contexto das relações sociais desiguais construídas no processo de urbanização da
cidade. A seguir nos deteremos no trabalho dos ambulantes nos trens do ramal de
Santa Cruz, descrevendo a sociabilidade criada no interior deste espaço, bem como
as origens da organização política dos trabalhadores.
Esperamos, através deste capítulo, demonstrar a linha de proximidade da
vivência de precariedade social entre os trabalhadores ambulantes e os passageiros
dos trens, que coletivamente formam a classe subalterna, que compartilha as
precariedades cotidianas da vida e do trabalho na periferia urbana fluminense.
No terceiro e último capítulo desta monografia apresentaremos o trabalho
ambulante no trem através da análise do perfil de cada um dos tipos de trabalho
ambulante desenvolvido no espaço dos trens do ramal de Santa Cruz. Para isso
faremos, no início, um breve relato sobre o percurso metodológico empreendido no
trabalho de campo, e, logo após, faremos uma síntese das entrevistas realizadas,
destacando a vivência particular de cada ambulante com relação à trama maior do
trabalho informal na qual estão inseridos. Por fim, descreveremos o perfil tanto dos
ambulantes ligados às empresas, como os não ligados às mesmas.
Objetivamos neste capítulo, captar as semelhanças e diferenças entre esses
diferentes atores sociais, de modo a tornar mais visível as experiências vivenciadas
no trabalho ambulante no trem e a sua relação com o contexto estrutural do mundo
do trabalho, quando é possível tornar inteligível o fenômeno da informalidade.
15
Capítulo 1: AS MÚLTIPLAS FACES DA INFORMALIDADE E AS MUDANÇAS DO
MUNDO DO TRABALHO
“Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária.” MARX, Karl. O capital (livro III, 2º tomo). São Paulo: Abril, 1983, p. 271.
Neste capítulo pretendemos situar a temática da informalidade do trabalho,
recorrendo a algumas variantes históricas. Em primeiro lugar, procuraremos situar o
papel estratégico da informalidade no sistema capitalista. Para tal, remontaremos os
antecedentes históricos da construção social do termo, nos idos da década de 1960
do século passado, passando por algumas das vertentes teóricas que versam sobre
as questões relativas ao trabalho. Ao final apresentaremos, brevemente, algumas
características típicas do trabalho informal.
Seguidamente vamos nos deter, especificamente, no trabalho informal no
Brasil, procurando evidenciar as suas particularidades e a relação com o contexto
mais amplo, no âmbito do capitalismo globalizado.
De maneira geral, o que se deseja mostrar neste capítulo é a funcionalidade do
trabalho informal no sistema capitalista, na medida em que colabora com o processo
de acumulação, ainda que, aparentemente, apresente-se como um elemento
anacrônico à sociedade do trabalho assalariado.
1.1- A informalidade do trabalho e sua função estratégica no Capitalismo
Iniciamos essa reflexão situando que o tratamento do tema da informalidade
deita raízes nos esforços teóricos para explicar as disparidades socioeconômicas
entre os países. Alves e Tavares (2006) destacam a influência da teoria da
16
marginalidade, que orientou as políticas de governo dos países da América Latina
na década de 1960. Também conhecida como teoria do subdesenvolvimento, a
teoria da marginalidade apregoava que o trabalho informal, entendido como
―trabalho de tipo não capitalista‖ eram causas do subdesenvolvimento dos assim
chamados países do ―terceiro mundo‖. Para os teóricos dessa corrente ―a
urbanização dos países latino-americanos aconteceu sem que ocorressem
transformações econômicas capazes de absorver uma crescente oferta de força de
trabalho‖ (idem, p 426). O argumento é que o hiato entre os processos de
urbanização e industrialização provocariam a permanência de estruturas arcaicas,
sobreviventes e coexistentes com as práticas sociais mais tipicamente capitalistas.
Tal fenômeno fomentou uma desconcentração da força de trabalho no setor
secundário (industrial) e um superdimensionamento desta mesma força no setor
terciário (serviços), aumentando, por sua vez, as populações sobrantes vivendo em
situação de emprego e subemprego (OLIVEIRA, 2003, p. 54-57).
Posteriormente, quando os governos latino-americanos se colocaram o dilema
de equalizar o desenvolvimento econômico e social, recorreram a novas análises
sobre os espaços urbanos, cenários nos quais se concentravam o capital industrial e
um crescente contingente populacional.
Neste sentido, a Cepal (Comissão Econômica para América Latina)1
encarrega-se de elaborar esta nova análise sobre o subdesenvolvimento econômico.
1 ―Uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU) criada para
monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho ampliou-se para os países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social e sustentável.‖ Disponível em: http://www.cepal.org/cgi-in/getProd.asp?xml=/brasil/noticias/paginas/2/5562/p5562.xml&xsl=/brasil/tpl/p18f.xsl&base=/brasil/tpl/top-bottom.xsl Acesso em 24 de setembro de 2012).
17
Baseadas numa perspectiva estruturalista, os teóricos cepalinos buscaram explicar
tal subdesenvolvimento latino-americano, igualmente a partir de uma concepção
dualista da realidade, ou seja, para estes, ―a dependência econômica seria a causa
da marginalização de amplos setores da população urbana, impedindo a
incorporação deles no mercado formal de trabalho‖ (ALVES E TAVARES, 2006,
p.426).
Em oposição a estas teses, Kowarick (1981), apontava que no decorrer do
desenvolvimento do capitalismo, as formas de produção tradicionais, ―as economias
de subsistência, o artesanato e a indústria em domicílio‖ (1981, p.61), não foram
extintas. Mas ao contrário, foram incorporadas à divisão social do trabalho,
alimentando-se dela durante o processo de acumulação. Deste modo, este
fenômeno não deveria ser compreendido como algo distinto, mas, na verdade,
apresentava-se como ―inerente ao desenvolvimento do capitalismo latino-americano‖
(Ibidem). Assim sendo, o sistema de acumulação capitalista mantem formas
―tradicionais‖, bem como incorpora ―novas‖ formas de uso da força de trabalho
(idem, p. 54), e assim o fazendo produz-se o seu barateamento, tornando-se um
elemento positivo para o incremento do processo de acumulação.
Para ele, a teoria da marginalidade, de base funcionalista, privilegia a questão
do desenvolvimento sob o viés psicossocial da integração social dos indivíduos,
reiterando os ―termos da dualidade estrutural que opõe o ‗tradicional‘ ao ‗moderno‘, o
‗marginal‘ ao ‗integrado‖ (KOWARICK, 1981, p. 17).
Outro crítico das teorias da marginalidade e da dependência foi Oliveira (2003).
Para ele ―o desenvolvimento era um problema que também dizia respeito às
contradições sociais internas‖ (2003, p. 33). Ou seja, para o autor o modo de análise
18
dos ―teóricos do modo de produção subdesenvolvido‖ (ibdem) era insuficiente, pois
estes compreendiam a noção de atraso unicamente pelo viés da relação dos países
―subdesenvolvidos‖ latino-americanos com os desenvolvidos do hemisfério norte.
No entanto, segundo Oliveira, é necessário também compreender que o
problema desta dependência diz respeito igualmente aos problemas das classes
sociais internas dos países. Para o autor, um conjunto de fatores deixou de ser
percebidos pelos teóricos cepalinos: ―as imbricações entre agricultura de
subsistência e sistema financeiro‖ (idem p. 129), de modo que a atrasada agricultura
financiava a agricultura atrasada e a industrialização, ―a subordinação da nova
classe social urbana, o proletariado, ao Estado, e o ‗transformismo‘ brasileiro‖ que
opera uma ―revolução produtiva, sem uma revolução burguesa‖. Tais fatores,
segundo o autor conferem um ―caráter ‗produtivo‘ ao atraso‖ (idem p.130-131).
Enfatizando tal crítica ao conceito de desenvolvimento tão caro aos cepalinos
o autor assim expressa:
Penetrado de ambiguidade, o ‗subdesenvolvimento‘ parecia ser um sistema que se move entre sua capacidade de produzir um excedente que é apropriado parcialmente pelo exterior e sua incapacidade de absorver internamente de modo produtivo a outra parte excedente que gera (Idem, p.34).
Com a modernização das economias nacionais, na década 1970, evidenciam-
se as insuficiências das expectativas dos teóricos do subdesenvolvimento. Pois, a
despeito do crescimento econômico, um grande contingente populacional não foi
incluído no processo produtivo , bem como a hipótese de supressão das economias
típicas não capitalistas, tal como apregoado pelos teóricos cepalinos, não se fez real.
Para este autor
As atividades não tipicamente capitalistas eram resultantes e consequências do processo de acumulação capitalista, o qual mantinha parte da força de
19
trabalho na reserva, tendo por função pressionar a força de trabalho que estava na ativa (OLIVEIRA, 2003, p.69).
Assim sendo, mesmo as relações tipicamente não capitalistas de trabalho
colaboram para o aumento dos níveis de exploração e acumulação, na medida em
que elas reduzem o custo da reprodução da força de trabalho produtiva, e,
consequentemente, para o crescimento da proporção de trabalho não pago.
Pode-se então dizer que, longe de parecer algo estranho à própria constituição
econômica capitalista, estas ―formas de subsistências na economia periférica
urbana‖ são essenciais para a existência do próprio sistema capitalista, que tem em
seu próprio eixo funcional a relação de desigualdade das partes.
Esses setores que funcionam como satélites das populações nucledas nos subúrbios e, portanto, atendem a populações de baixo poder aquisitivo: por esta forma, os baixos salários dessas populações determinam o nível de ganho desses pseudo-pequenos proprietários (o que parecia uma operação de criação de ―bolsões de subsistência‖ no nível das populações de baixo poder aquisitivo); na verdade, o baixo nível desses ganhos representa custo de comercialização dos produtos industrializados e de produtos agropecuários que são postos fora dos custos internos de produção e reforçam a acumulação nas unidades centrais do sistema (Ibidem, grifo do autor).
Alves e Tavares (2006) situam no âmbito dos estudos sobre o problema da
empregabilidade, organizados pela OIT2 (Organização Internacional do Trabalho), a
elaboração das categorias economia ou trabalho informal, a partir da realização dos
estudos sobre o problema do emprego, no Quênia, em 1972.
Nesta pesquisa, a OIT classificou dois segmentos distintos na ordem
produtiva: um denominado setor formal, estruturado por unidades produtivas
organizadas; e outro, denominado setor informal, formado por unidades produtivas
2 A OIT é uma das instituições da ONU (Organização das Nações Unidas) responsável pelas
convenções internacionais acerca do trabalho em termos como: emprego, proteção social, recursos humanos, saúde e segurança no trabalho, entre outros. Disponível em: http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/ Acesso em 24 de setembro de 2012).
20
não organizadas, baixo capital e que eram pouco competitivas. Desde então se
popularizou o emprego dos termos nas análises econômicas, especialmente no que
diz respeito à economia urbana dos países dependentes (ALVES E TAVARES,
2006, p.427).
Particularmente, as análises e estudos sobre a América Latina,
especificamente por meio do Prealc (Programa Regional de Emprego para América
Latina e Caribe), no interior da CEPAL, formou-se o entendimento de que as
atividades de baixo nível de produtividade, bem como àquelas não reguladas por
uma legislação trabalhista seriam pertencentes ao setor informal. Assim sendo, tais
análises sobre o conceito de setor informal são vistas especialmente sob a ótica do
mercado de trabalho, especificamente no que diz respeito ao emprego e ao
subemprego.
No entanto, tais análises não faziam referência à estreita ligação entre o setor
informal e o funcionamento do sistema econômico. Esta concepção só foi elaborada
a partir dos anos de 1980, por Souza (1980) e Cacciamali (1983), que passam a
definir o setor informal como ―intersticial e subordinado ao movimento das empresas
capitalistas‖ (Idem, p. 428). As atividades informais se ampliam quando do
crescimento econômico geral, e se retraem quanto este entra em processo de crise.
As características de tal setor eram:
1)O trabalhador vivia de sua força de trabalho e, em alguns casos, utilizava-se do trabalho familiar ou, mais recentemente, subcontratava ajudantes como extensão de seu próprio trabalho; 2) tinha como objetivo a obtenção de renda para consumo individual e familiar, visando manter também sua atividade econômica; essa forma de trabalho não propiciava acumulação ao produtor direto; 3) o proprietário mantinha o domínio sobre a totalidade das etapas que compunham aquela produção (CACCIAMALI apud ALVES E TAVARES, 2006, p.428)
21
Tais características do trabalho informal conformam a vida laboriosa daqueles
indivíduos impossibilitados de acumular capital. No entanto, a partir da década de
1990, passam a ser incorporados nos estudos sobre a informalidade, também
aqueles trabalhadores inseridos nas crescentes ondas de precarizações no mundo
do trabalho empreendidas pelas políticas econômicas neoliberais. Assim sendo,
ganha maior força nos debates a respeito a relação dessas formas de trabalho
tipicamente não capitalistas e a própria acumulação de capital. Diante disso, faz-se
necessário superar a limitação do conceito de setor informal, circunscrito na ideia de
segmento à parte para o de informalidade.
Malaguti, caminha nesta direção ao definir que a informalidade é um conceito
muito mais amplo que o de setor informal. O autor aborda em sua pesquisa, alguns
casos, no qual seria possível constatar situações de trabalho informal por dentro de
uma aparente relação de formalidade:
O funcionário público que durante o expediente vende peças de roupas, perfumes e sabonetes; o assalariado de uma empresa multinacional que faz horas extras sem recebê-las; o mestre de obras de uma grande empreiteira que trabalha sem os utensílios de proteção etc (2000, p. 99).
Malaguti, deste modo, desconstrói a dualidade e a aparente separação entre a
formalidade e a informalidade no âmbito das relações de trabalho. Através dos
exemplos é possível perceber que até mesmo as relações reguladas pelo mercado
de trabalho, por meio das legislações trabalhistas, portanto, formalizadas, podem ser
permeadas por situações de informalidade. Deste modo, mesmo a carteira de
trabalho assinada – símbolo maior da formalidade- pode ser um mero ―documento
de fachada‖ (Ibdem), na medida em que escamoteia relações de trabalho
informalizadas em seu interior.
22
Entretanto, o autor continua a problematização da questão ao falar que o
inverso também é verdadeiro, ou seja, é possível também verificar elementos de
formalidade por dentro do ―setor‖ informal.
Uma situação exemplar é a do ambulante que é casado com uma funcionária pública [...] Independentemente do fato desta funcionária ajudar o ambulante em suas vendas, seu contracheque público é fundamental para a obtenção de crédito por parte do ambulante-marido. É através da situação relativamente estável de sua esposa que ele financia suas compras junto aos fornecedores (MALAGUTI, 2000, p.100).
Outro elemento importante levantado pelo autor para a constatação do
problema é que a informalidade pode ser construída tanto pela empresa ou
instituição, quanto pelo empregado ou funcionário (Idem, p. 101).
Tais elementos revelam a complexidade do binômio formalidade/informalidade,
de modo que, é estabelecida uma espécie de simbiose entre essas duas dimensões,
revelando ambas que o conteúdo do trabalho capitalista elucida a sua forma. Deste
modo, para efeitos de análise, uma forma não pode ser concebida sem a outra.
No entanto, apesar de seu caráter abrangente, o conceito informalidade não é
unívoco no debate acadêmico. Autores como Noronha (2003) e Machado da Silva
(2003), utilizam-se do termo com algumas reservas, ainda que não proponham outro
conceito mais apropriado. Para Noronha (2003) o termo informalidade é carregado
de ambiguidades, por não distinguir de imediato do que trata especificamente, pois
ele serve para descrever uma ―ampla gama de situações urbanas-industriais‖ (2003,
p. 116) muito diversas. Para ele, o problema do termo não é especificamente
acadêmico, mas institucional.
Neste sentido, para o referido autor a economia informal, ou simplesmente a
informalidade, é um termo por demais amplo, sendo preferível, para fins de estudo
23
acadêmico o conceito de informalidade do trabalho. É com esta acepção que
pretendemos nos referir, de agora em diante, neste presente trabalho.
Segundo este autor, as questões do subemprego ou da "informalidade" só
podem ser entendidas como resultantes da própria construção da noção de
"formalidade", que, por sua vez, está associada às noções de cidadania e de direito
social (NORONHA, 2003, p.113).
Por outro lado Machado da Silva (2003) chama atenção para outro aspecto que
figura no uso contemporâneo do termo informalidade. Segundo ele, dada as
presentes mudanças estruturais no mundo do trabalho, o conceito tem sido usado
quase como um sinônimo de ―empregabilidade‖, ou seja, como uma alternativa num
ambiente em que o processo produtivo encontra-se em retração, e,
consequentemente incorporando poucos trabalhadores no círculo do
assalariamento. Assim sendo, segundo o autor, o falacioso discurso do
―empreendedorismo‖, vem substituindo a noção de informalidade (2003, p.164-167).
Mas segundo o autor o que ocorre é que o debate acerca da empregabilidade por
meio do empreendedorismo tira de cena a questão da injustiça que, de certa forma,
o antigo debate da informalidade colocava.
Outros autores já preferem utilizar-se do conceito de ―processo de
informalidade‖, ao conceber que as mudanças estruturais da economia e da
sociedade levaram à redefinição da inserção do trabalho no processo de
reestruturação das economias em escala mundial, nacional e local. Cacciamali
apresenta quatro elementos para se pensar os condicionantes estruturais da
economia global, que irão incidir diretamente sobre o processo de informalidade:
1) os processos de reestruturação produtiva; 2) a internacionalização e expansão do mercado financeiros; 3) o aprofundamento da
24
internacionalização e a maior abertura comercial das economias; 4) a desregulamentação dos mercados (CACCIAMALI apud ALVES E TAVARES, 2006, p. 249).
Esses eventos afetam diretamente a economia e o emprego, pois geram uma
insegurança econômica que impacta negativamente sobre o crescimento econômico,
atingindo, consequentemente, o mercado de trabalho.
Para a autora duas categorias de trabalhadores fazem parte da informalidade:
―os assalariados sem registro‖, contratados de forma ilegal, portanto, sem as
garantias e direitos devidos; e, os ―trabalhadores por conta própria‖, que prestam
serviço e, eventualmente, contam com o auxilio familiar ou de outros ajudantes para
a obtenção de renda para sua reprodução (idem).
Em suma, podemos dizer que uma das consequências mais visíveis das
mudanças recentes do trabalho3 resulta aquilo que Havery (1992) denominou
―acumulação flexível‖4, forjando massas crescentes de trabalhadores sem emprego,
engrossando as fileiras daquilo que Marx denomina ―exército industrial de reserva‖.
Permanecendo nesse quadro de modo cada vez mais constante, e porque não dizer
permanentemente, aumentando o nível do desemprego estrutural no quadro da
população economicamente ativa.
É justamente nessa nova configuração do quadro do mundo do trabalho que
localizamos o objeto desta pesquisa, para pensar a subproletarização do trabalho
3 Essas mudanças estão situadas na chamada reestruturação produtiva que foi a resposta
dada pelo capital diante da crise iniciada no sistema produtivo a partir dos anos de 1970. Ela consiste numa série de ajustamento dos padrões de produtividade e de qualidade, readequando alguns dos princípios tayloristas/fordistas às novas condições do mercado, bem como introduziu novos formas mais competitivas ao processo produtivo, tal como a implantação da automação, flexibilidade, produção enxuta, qualidade total, descentralização produtiva, etc., derivados do método Toyotista (Havery,1992). 4 ―A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por confronto direto com a rigidez do
Fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fortalecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente de inovação comercial, tecnológica e organizacional‖ (Idem, p. 140).
25
que se manifesta nas ―formas de trabalho precário, parcial, temporário,
subcontratado, 'terceirizados', vinculados à 'economia informal', entre tantas
modalidades existentes‖ (ANTUNES, 1999, p. 44, grifo nosso).
Pela sua própria natureza, conforme já visto, o trabalho informal é uma
categoria complexa, que pode englobar diversas categorias de trabalhadores com
inserções ocupacionais bastante peculiares. O traço comum é a heterogeneidade, e,
por isso, Silva (2009) classifica este ―setor‖ em quatro grandes grupos: Os
trabalhadores autônomos ou por conta própria, os que vivem dos pequenos
empreendimentos domiciliares, os assalariados sem registro em carteira e os ligados
aos sistemas de cooperativa.
O desafio desta pesquisa é pensar uma experiência de trabalho concreta,
aquela dos trabalhadores dos ambulantes dos trens urbanos, ou seja, os
trabalhadores autônomos ou por conta própria5.
1.2- Particularidades da informalidade do trabalho no Brasil
Ao longo do século XX, o capitalismo consolidou seu padrão de
desenvolvimento por meio da massificação do modelo fordista-taylorista. Entretanto,
como é característica de sua lógica, a homogeneidade dos seus benefícios,
5 Cabe destacar que esta categorização engloba, além dos ambulantes, os trabalhadores sem
vínculo empregatício subordinados às empresas – tanto na produção, como é o caso de costureiras, como na distribuição, caso dos vendedores por comissão, marceneiros, pedreiros, pintores, encanadores, entre outros. Segundo o IBGE (2012), esta categoria forma o grupo mais expressivo dos trabalhadores informais, correspondendo a mais de 4/5 do total e 19% das pessoas ocupadas em 2012. Para efeitos metodológicos desagregou a população ocupada em
oito categorias: empregados com carteira assinada no setor privado; empregados sem carteira
assinada no setor privado; trabalhadores por conta própria; empregadores; trabalhadores domésticos; militares ou funcionários públicos estatutários; empregados com carteira assinada no setor público; e, empregados sem carteira assinada no setor público.
26
principalmente a incorporação de crescentes massas de trabalhadores no processo
de industrialização (a estratégia do pleno emprego associada à incorporação de um
número cada vez maior de consumidores), não se estendeu a todos os países de
economia capitalista.
Dentre os principais motivos deste fenômeno está o enfraquecimento do
―Welfare State‖ nos países centrais, e a sua parcial formação nos de economia
periférica. Sobretudo, a partir da crise, iniciada nos anos de 1970, quando o regime
de acumulação capitalista começou a dar sinais de esgotamento, através da queda
dos lucros, crise do padrão produtivo taylorista/fordista (superprodução) e da grande
concentração de capitais (através dos conglomerados monopolistas) (ANTUNES,
2000 p. 29 e 30).
Deste modo, o que evidenciamos na pesquisa é que os efeitos da expansão
do capital se dão de modo diferenciado em diferentes partes do globo. Assim sendo,
o que é realizado em um determinado tempo no centro produtivo (países com
economias mais desenvolvidas), reverbera seus efeitos, na periferia do sistema, em
momentos distintos.
O caso brasileiro parece se encaixar neste aspecto, já que o mercado de
trabalho, mesmo em seu auge industrial, nunca alcançou universalmente as massas
trabalhadoras.
Ainda que com algumas particularidades, conforme veremos adiante, na
aurora de sua industrialização tardia, foi preciso organizar e consolidar a massa de
trabalhadores conforme os novos padrões de desenvolvimento.
Neste sentido, a estratégia usada pelo Estado Novo varguista, na década de
1940, foi a de assegurar a seminal classe trabalhadora brasileira, um conjunto
27
normativo de proteção social vinculada ao status ocupacional6. Com isso criou-se
aquilo que Gomes (2002) denomina ―a invenção do trabalhismo‖, ou seja, a criação
ideológica de uma nova cultura política a respeito do trabalho, criando um vínculo
entre ―a ideia de cidadania e a existência de direitos sociais‖ (2002, p.33), isso
possibilitou o afastamento de um duplo perigo: o acirramento das questões sociais
advindas do conflito entre capital e trabalho e a ―sedução‖ do discurso comunista
suscitado em tal disputa.
Para a autora, as conquistas dos direitos sociais, dentre eles os relativos ao
trabalho, no caso brasileiro, é muito distinta daquela descrição linear elaborada por
Marshall (1967), especificamente referindo-se a experiência inglesa, no qual os
direitos civis, políticos e sociais, foram sendo conquistados sucessivamente ao longo
dos séculos XVIII, IXI e XX.
O Brasil, formado por uma diversidade de atores sociais e com interesses em
jogo, tornou a nossa experiência de alcance de cidadania um pouco mais distinta e
complexa, segundo a autora
Por razões históricas, os direitos sociais, especialmente os do trabalho, assumiram posição estratégica para a vivência da cidadania, o que se reforçou pela fragilidade dos direitos civis e pelo desrespeito aos direitos políticos, infelizmente muito praticado ao longo do século XX (GOMES, 2002, p.12).
Com isso, é conformado um novo padrão de acesso aos diretos sociais à
classe trabalhadora, uma ―cidadania regulada‖ (SANTOS, 1979 e 1998) fortemente
protegida pelo Estado, em função de sua função estratégica ao mercado.
6 Não é demais esclarecer que os direitos sociais relativos ao trabalho, não fazem parte de um
movimento unilateral de um dos atores que conformam a sociedade brasileira, no caso o Estado, ela também é fruto de lutas que se estabelecem socialmente entre classe trabalhadora, em suas reenvidicações, e o empresariado, na defesa da maximixação de seus lucros. No caso brasileiro, o que se verifica é a antecipação às demandas das classes subalternas, de moda a ―fazer a revolução, antes que o povo a faça‖(GOMES, 1979, p. 47).
28
Entretanto, mesmo a regulamentação desse mercado deixou também de fora
os trabalhadores rurais e muitas categorias de trabalhadores urbanos, que viviam
sem a formalização da carteira de trabalho. Segundo Noronha (2003), as noções de
formalidade e informalidade, se caracterizavam, no Brasil, pelo vínculo empregatício,
ou seja, pelo fato de ter ou não carteira de trabalho assinada, pois é ela que
comprovava a identidade de trabalhador, e, portanto, a sua cidadania.
A constituição de um ―mercado formal‖ de trabalho, no auge do período de
crescimento econômico, a década de 1970, atingiu apenas 50% da população
economicamente ativa empregada no meio urbano (POCHMANN, 2002). Esse
processo conviveu, concomitantemente, com o aumento de formas de trabalho
informal em pequenas empresas urbanas de pequeno porte, no campo, e nas
inúmeras e precárias formas de trabalho autônomo e doméstico, ―cujos padrões de
contratação e assalariamento passavam ao largo da legislação trabalhista e social e
de qualquer possibilidade de representação coletiva‖ (COSTA, 2010, p. 171, grifo da
autora).
Essa realidade se agrava sobremaneira na década de 1990 com as
mudanças estruturais na economia e nas instituições do mercado de trabalho. A
abertura econômica dos mercados e as privatizações de órgãos públicos,
pressionaram o processo de reestruturação produtiva sistêmica, sobretudo no setor
secundário, afetando não apenas o nível do emprego, mas também a sua qualidade,
com a flexibilização dos vínculos e dos regimes de trabalho.
Além desses aspectos político-econômicos, há ainda a necessidade de
acrescentar alguns outros aspectos históricos que conformam a estrutura social
brasileira no século XX. Chamamos atenção, em particular, para a herança recente
29
de passado escravista, que a despeito da abolição, não incorporou a recém-criada
―mão de obra livre‖ às incipientes estruturas de emprego à época.
Para efeito de ilustração, são clássicas as cenas retratadas por artistas como
Rugendas e Debret, que captaram a ocupação do espaço da rua pelos negros em
sua ―viração‖ no Rio de Janeiro do Século XIX (BATISTA, 2008, p.7-10; FERREIRA
e LEMOS, s/d. p.10). Este tipo de atividade desenvolvida por muitos escravos no
período anterior à abolição da escravatura, como escravos de ganho, ou aluguel,
permanecerá como uma das principais atividades da mão de obra negra urbana no
cenário urbano do Rio de Janeiro, após 1888. Mais ainda, os estudos como o de
Mattos (2007) apontam que este mesmo contingente populacional será decisivo nas
primeiras lutas de classe, por meio das greves sindicais do início do século XX.
Neste sentido, o fenômeno da informalidade, conforme sinalizado, não é algo
novo no Brasil. Existindo desde antes da estruturação do mercado de trabalho
assalariado e livre. Agora resta saber em que medida tal fenômeno se apresenta
posteriormente a esta estruturação e aos movimentos do capital e suas crises
cíclicas.
A partir da já citada conjuntura internacional da crise do capital, iniciada nos
anos de 1970, esse processo se complexifica. Neste sentido, é preciso ter em conta
que
iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal […]; a isso também seguiu um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vista a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores (ANTUNES, 2000, p.31, grifo do autor) .
Associadas a esse processo reativo do capital aliam-se a estruturação de
novas formas do domínio técnico científico, bem como as de gerenciamento da
30
força de trabalho. Como aludimos, tal processo tem seu início nos países de
economia mais desenvolvida, mas que em seu curso, também, incorporavam os de
economia periférica, numa relação de dependência e subordinação aos primeiros
(Idem, p. 32).
Cleps (2009) ilustra bem as consequências destas transformações, em nível
nacional, principalmente no que diz respeito ao trabalho informal, objeto desta
pesquisa:
As atividades econômicas informais estão cada vez mais presentes no cotidiano da sociedade brasileira. Seu crescimento deve-se, entre outras razões, às transformações sócio-econômicas resultantes da adoção de modelos flexíveis de gestão que se refletiram diretamente sobre o mercado de trabalho. Diante do aumento dos índices de desemprego e das baixas remunerações oferecidas no setor formal, a informalidade tem sido, na maioria das vezes, a única alternativa de trabalho para um expressivo contingente de mão-de-obra que se encontra fora dos padrões exigidos pelo mercado de trabalho (CLEPS, 2009 p. 327).
Uma das grandes consequências deste quadro é o processo de
desasalariamento e desemprego. Pochmann (2006) ao desenvolver estudos sobre
este fenômeno descreve que ―entre as décadas de 1940 e 1970 a cada dez postos
de trabalho gerados, oito eram empregos assalariados. Entretanto, nos anos 1990, a
cada dez empregos criados, somente quatro eram assalariados‖ (2006, p.61).
Desta forma há uma gradativa diminuição da participação dos empregos
assalariados e com registro, de modo que a maior parte das vagas abertas no
mercado de trabalho vem sendo preenchida por ―ocupações sem remuneração, por
conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, entre outras‖
(ibdem).
Assim sendo, as atividades informais, já praticadas no período anterior a
organização do mercado de trabalho livre, continua a coexistir com as formais,
reguladas por leis trabalhistas e organizadas pelo Estado. Com o agravante que
31
nesta atual conjuntura político-econômica, tal fenômeno ganha outro vulto, servindo
muitas vezes, como uma única alternativa de sobrevivência para um contingente
mais expressivo da população.
No entanto, conforme dito, as próprias atividades informais não podem ser
percebidas sem a sua íntima relação com as formais, uma vez que àquelas, ao
contrário do que parece ser, não estão fora do processo de acumulação capitalista,
ele é uma ―produção‖ da extensão do capitalismo (OLIVEIRA, 2003 p.33) e funcional
para a mesma.
Até aqui nos detivemos especificamente às questões relativas às polêmicas
conceituais acerca da informalidade. Procuraremos adiante explorar a realidade
específica de um tipo de trabalho informal, objeto desta monografia: o trabalho
informal dos trabalhadores ambulantes dos trens do Rio de Janeiro. Para isso
faremos uma breve recuperação histórica sobre as ferrovias no Rio de Janeiro, bem
como procuraremos discorrer sobre a sociabilidade empreendida no interior desse
meio de transporte de massa, onde se desenvolve a atividade ambulante.
32
Capítulo 2: O TRABALHO INFORMAL NOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ
“A estrada de ferro tritura ilusões, come planícies, bebe descampado e leva dentro dos seus vagões os homens e o gado. Um dia, sem discursos nem sermões, tudo foi confiscado e leiloado, descampado, planícies e vagões, planícies, vagões e descampado. Tudo como laranjas ou limões nas banquetas de um mercado. Tudo pra aumentar confusões, tudo com nevoeiro misturado - e quem comprou os vagões comprou os homens e o gado”. MURALHA, Sidônio. A ESTRADA DE FERRO, in: Os Olhos das criança. São Paulo, Indústria gráfica brasileira: 1963
O capítulo apresenta o trabalho ambulante desenvolvido no interior dos trens
dos subúrbios cariocas e da Baixada Fluminense, particularmente sobre o recorte
espacial do ramal de Santa Cruz.
Inicialmente, faremos um resgate histórico do papel do trem na constituição e
desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro e da área mais ampla chamada
Região Metropolitana. Enfocaremos esse quadro no contexto das relações sociais
desiguais construídas neste processo da urbanização fluminense.
Logo após nos deteremos no trabalho dos ambulantes nos trens do ramal de
Santa Cruz, descrevendo a sociabilidade criada no interior deste espaço - dividido
com diversos atores sociais - bem como as origens da organização política dos
trabalhadores.
Esperamos, através deste capítulo, demonstrar a linha de proximidade da
vivência de precariedade social entre os trabalhadores ambulantes e os passageiros
dos trens. Em conjunto, eles formam a classe subalterna, que compartilha as
precariedades cotidianas da vida e do trabalho na periferia urbana fluminense.
33
2.1- O trem e sua função estratégica na reprodução econômica e social no Rio de Janeiro
Embora a origem do transporte sobre trilhos remonte o século XVI, é no
século XVIII, com a revolução industrial inglesa, que ele irá assumir novo vigor.
Por meio da manipulação da energia a vapor, foi possível elevar o uso do
deslocamento sobre trilhos - até então utilizado com o auxílio de tração animal -
a um patamar mais elevado, a de um meio de transporte de massas, de fato.
Em 1825 foi inaugurada, na Inglaterra, a primeira ferrovia, que ligava a
cidade de Darlington ao norte do país. Em 1830, isto é, cinco anos depois, era
aberta a ferrovia Liverpool-Manchester, ligando as duas grandes cidades com
conglomerados industriais. Esta linha, segundo Rodriguez (2004) a primeira a
transportar passageiros, foi ―a precursora da era das ferrovias, pois trouxe
conhecimento público às potencialidades de tração a vapor sobre trilhos‖
(2004, p.13).
Rapidamente esta nova tecnologia se espalhou pelo mundo, sendo
fundamental para a consolidação do imperialismo inglês no século XIX.
O Brasil, quando do advento das ferrovias, estava sob o governo
regencial de Diogo Antônio Feijó, que procurava de algum modo equacionar o
problema das grandes distâncias entre a Corte e as capitais das províncias. A
necessidade da construção de estradas de ferro se fez um imperativo.
Para tanto, por meio da Lei Feijó, de 31 de outubro de 1835, foi aberta a
primeira ―concessão‖ para a criação de uma ferrovia que pudesse ligar o Rio de
Janeiro às capitais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia.
Cunha (2002) ressalta que tal lei não atraiu o interesse dos investidores,
especialmente os ingleses, que não viram vantagens nas contrapartidas do
34
governo brasileiro. Não obstante, segundo o autor, em alguns estados, entre
eles o Rio de Janeiro, algumas iniciativas isoladas de infraestrutura ferroviária
foram iniciadas
Embora não alcançando seu principal objetivo, o decreto de Feijó contribuiu para que algumas províncias também assumissem a responsabilidade de implantação de ferrovias em seus territórios. Esse foi o caso da Província do Rio de Janeiro, que, através da Lei nº 192, de 9 de maio de 1840, procurou estabelecer uma estrada de ferro entre a Vila de Iguaçu e um ponto da baía de Niterói (CUNHA, 2002, p. 48).
No entanto, para o autor, mais do que uma integração nacional, a ferrovia
era a real solução logística para o escoamento da produção cafeeira e sua
permanente migração para terras cada vez mais afastadas do litoral, em
especial, no Vale do Paraíba.
Assim, o transporte terrestre, que desde os tempos coloniais fora feito no
dorso dos muares, a cada dia se tornava mais caro e penoso. Sendo assim o
trem ―o verdadeiro milagre tecnológico, solução nova para um antigo problema‖
(idem, p. 49).
Mas apesar dos esforços de Feijó, e, posteriormente do próprio Imperador
Dom Pedro II, as experiências de implantação de ferrovias foram marcadas por
mais derrotas que vitórias. Mesmo o referido caminho de ferro, descrito por
Cunha entre a Vila Iguaçú e a baía de Niterói (atual baía de Guanabara) não se
concretizou, devido a seu alto custo e pouca participação de capital investidor
(OLIVEIRA, 2004, p. 18).
Este quadro só irá se alterar quando da entrada de um importante ator
que foi crucial para a implantação de um investimento de tamanha monta:
Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.
No ano de 1852 ele recebeu do governo da Província do Rio de Janeiro a
concessão para construir uma ferrovia ligando a Corte ao Vale do Paraíba do
35
Sul e em menos de dois anos ele inaugurava o primeiro trecho da Imperial
Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, ligando o
porto de Mauá, em Magé, até a Raiz da Serra. (CUNHA, 2002, p.51).
No entanto, é interessante notar que o mesmo fenômeno que provocou o
declínio das ferrovias no Brasil, no século XX, conforme veremos no item
seguinte, já se fazia presente em sua gênese. A competição com a via
rodoviária levou o Barão de Mauá, após sucessivos prejuízos, a sua venda,
alguns anos mais tarde. Além disso, conforme destaca Cunha
Não é difícil imaginar como se tornava complicado o transbordo das mercadorias dos trens para as carroças e vice-versa. A linha que deveria servir à zona cafeeira, que se situava a oeste, deslocara-se para outra direção. Urgia que se atingisse o Vale do Paraíba o mais depressa possível. Assim surgira a ideia de se construir uma outra ferrovia que, partindo diretamente do centro do Rio de Janeiro, pudesse atingir a zona cafeeira (2002, p. 54)
Desta forma, abre-se espaço para a construção da mais nova ferrovia
brasileira, a Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1858, ligando a Corte à
Queimados, num percurso de 48 quilômetros.
Esta estrada, que, posteriormente será chamada de Central do Brasil teve
um papel muito importante no desenvolvimento do país, pois ―facilitou a
circulação de riquezas e de pessoas na medida em que a fronteira econômica
se interiorizava‖ (RODRIGUES, 2004, p.20).
A ferrovia contava inicialmente com 5 estações: Corte (no Campo de
Santana), Cascadura, Maxambomba (Nova Iguaçú) e Pouso dos Queimados
(Queimados). Rodriguez destaca que no projeto original do traçado, o trecho
inicial tinha previsto como estação final a freguesia de Nossa Senhora de
Belém e Menino Deus (Japeri), mas devido a um surto de malária que vitimou
5.000 empregados chineses que trabalhavam na construção da referida
36
estação, a linha não chegou até Queimados, em sua inauguração (idem, p.20 e
21).
É curiosa a utilização de mão de obra estrangeira nesta obra, dada a
inexistência de mão de obra livre no país até então. Abreu (1997) irá destacar
esta relação contraditória entre as produções arcaicas, de base escravista, e a
formação desses novos projetos, essencialmente capitalistas, que aqui se
introduziam. A cidade do Rio de Janeiro do século XIX ―passa a ser movida por
duas lógicas distintas (escravista e capitalista), e os conflitos gerados por esse
movimento irão se refletir claramente no seu espaço urbano‖ (1997, p. 28).
Em 1861 foi inaugurado o serviço de trens de subúrbios para o transporte
de passageiros, pois até aquele momento a estrada servia exclusivamente ao
escoamento da produção cafeeira do Vale do Paraíba. Tal modalidade de
transporte era ofertada entre as estações da Corte à Cascadura,
compreendendo as estações de São Cristovão, São Francisco Xavier e
Engenho Novo (RODRIGUES, 2004, p.21).
Este serviço ferroviário possibilitou uma rápida ocupação por parte da
população das freguesias suburbanas atravessadas pela linha férrea. No
entanto, conforme destaca Weid (1994, p.1 e 2) ele não foi o único responsável
por esta expansão. Há de se acrescentar a esta ―revolução do transporte
urbano‖ (ABREU, 1997, p.37) o papel complementar dos bondes.
37
Ilustração 1: Mapa da rede da EFCB em 1969, no auge de sua extensão. No detalhe as linhas do centro, que atendiam os subúrbios cariocas. Entre elas o atual ramal de Santa Cruz, que na época tinha seu fim em Mangaratiba
Fonte: Acervo Revista Ferroviária.
38
Aliada ao maior investimento da Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1870, o
serviço de bondes, iniciado em 1868, começou a se consolidar, através da
implantação de inúmeras companhias que concorriam no uso do espaço
urbano.
O transporte de massa permitiu o desafogo do centro, onde se
concentravam tanto os ricos quanto os pobres. A ampliação do sistema de
transporte permitiu o início do processo de segregação social (Villaça, 1997,
p.6). Segundo o autor, por meio do processo de segregação social, as classes
dominantes controlaram a produção do espaço urbano, tanto pelo seu poder
econômico, quanto pelo controle sobre dinâmicas do Estado, bem como da
construção ideológica sobre o espaço. Deste modo, possibilitaram o paulatino
processo de ―expulsão‖ das camadas populares do centro urbano do Rio em
direção às periferias da cidade e da Baixada Fluminense, em especial das
áreas limítrofes às linhas férreas7.
Neste contexto de disputa e controle do espaço urbano, há de se destacar
a estratégia de domínio econômico de uma empresa, sobre o controle dos
serviços públicos: a Tramway Light and Power (atual grupo Light).
Esta companhia iniciou sua operação no Brasil em 1899, instalando-se,
primeiramente em São Paulo, com objetivo de geração de energia elétrica, a
partir da matriz hídrica. Em pouco tempo, também obteve concessão para a
7 O auge desse processo de reformulação do espaço urbano se dará nos primeiros decênios
do século XX, com a chamada Reforma Passos que promoveu grandes obras na infraestrutura urbana da cidade do Rio, com a construção de vários edifícios, segundo os ditames da ―belle époque‖ francesa, bem como a abertura de largas avenidas, em especial a Central (atual Rio Branco). Tudo isso com o custo social da política do ―bota à baixo‖, que promoveu a demolição de vários cortiços que serviam de habitação para a população trabalhadora urbana na cidade. O pano de fundo ideológico era a saúde pública da cidade, mas, na verdade, o que estava em jogo era o interesse econômico e a disputa pelo espaço e seu valor enquanto localização.
39
execução de serviço de exploração de transportes ferro-carris por tração
elétrica, bem como comprou as ações da Companhia de Água e Luz de São
Paulo.
Por meio da lógica de obtenção de lucratividade tanto na geração da
energia elétrica, quanto na execução dos serviços terminais, dependentes de
tal energia, a companhia conseguiu grande acúmulo de capital, em especial,
através de sua estratégia de formação de oligopólio, que lhe conferiu o apelido
de ―polvo canadense‖ (WEID, 2003).
Em pouco tempo, a Tramway Light and Power chega ao Rio, até então a
capital da República e um centro urbano muito mais importante que São Paulo
naquele momento. Entretanto,
A situação na Capital Federal era muito diferente da encontrada em São Paulo. A presença do poder central era muito forte, havia correntes políticas mais definidas além de animosidades e antagonismos que poderiam ser descarregados na proposta estrangeira, canalizando o sentimento nacionalista facilmente explorado pelos concorrentes. Para atuar nos serviços públicos da Capital, os empresários canadenses deveriam se entender, ao mesmo tempo, com o poder federal e o municipal. Além de precisarem recorrer ao governo estadual, pois era quem poderia atribuir concessões para o uso da força hidráulica de cachoeiras quando o rio tivesse todo o curso no território do estado (idem, p. 3).
Deste modo, a Companhia conseguiu transitar em meio a esse cenário
político complexo - inicialmente através da concessão de geração de energia
elétrica, em 1904, mas, paulatinamente, em ritmo bem mais lento do que o
empregado em São Paulo -, espalhando os seus ―tentáculos‖ sobre os demais
serviços públicos da cidade do Rio.
Segundo Oliveira (2012, p.4) a Light tinha interesse na operação das
atividades de transporte viário de bondes, utilizando energia das termoelétricas
existentes na cidade para eletrificar as linhas das principais companhias que
40
operavam na Zona Norte e no Centro8. Mas para isso foi preciso comprar as
concessões das empresas que operavam esses serviços.
Entre as empresas assimiladas pela Ligth a época estavam: Cia. Belga
Societé Anonyme Du Gaz, responsável pelo serviço de iluminação pública da
capital federal, bem como inúmeras empresas de transportes coletivos sobre
trilhos, como: a Cia Jardim Botânico, que dominava os transportes na zona sul
e orla marítima; a Cia. São Cristovão, que servia a Cidade Nova e a zona
portuária; a Cia. de Carris Urbanos, que circulava no centro; e a Cia. Vila
Isabel, pertencente ao grupo alemão Siemens & Halske Aktien Gesellschaft,
que tinha o controle da área da Tijuca, zona norte (idem, p.22-27).
Neste sentido, os bondes, conforme destaca Abreu
não só vieram a atender uma demanda já existente como, em
atendendo a essa demanda, passaram a ter influência direta, não
apenas sobre o padrão de ocupação de grande parte da cidade,
como também sobre o padrão de acumulação do capital que aí
circulava, tanto nacional como estrangeiro. O capital nacional,
proveniente de grande parte dos lucros da aristocracia cafeeira, dos
comerciantes e financistas, passou cada vez mais a ser aplicado em
propriedades imóveis nas áreas servidas pelas linhas de bonde. O
capital estrangeiro, por sua vez, teve condições de se multiplicar, pois
controlava as decisões sobre as áreas que seriam servidas por
bondes, além de ser responsável pela provisão de infra-estrutura
urbana. Os dois, entretanto, nem sempre atuavam separadamente,
aliando seus esforços em muitas instâncias, quando esta associação
era desejada, ou mesmo inevitável, como no caso da criação de
novos bairros (1997, p.36).
Assim sendo, tanto os bondes como os trens deflagraram a conturbada
relação centro-periferia urbana no Rio de Janeiro. Por meio dela, aprofundou-
se a distância social com o deslocamento das classes populares em direção à
zona oeste da cidade, por meio do trem, e o deslocamento das classes
dominantes na direção da zona sul, por meio dos bondes. Abreu citando
8 Os bondes das companhias que operavam até então eram movidos por tração animal de
cavalos ou burros (idem, p. 36; OLIVEIRA, 2012, p.9).
41
Santos ressalta os aspectos contraditórios desses transportes na constituição
da cidade:
Trem e bondes foram, sem dúvida, indutores do desenvolvimento urbano do Rio. Mas o caráter de massa destes meios de transporte tem de ser relativizado, como também devem ser relativizados os seus papéis frente ao ambiente urbano. É que trem, bondes e, mais tarde, ônibus (e os sistemas viários correspondentes) só vieram "coisificar "um sistema urbano preexistente, ou pelo menos um sis-tema de organização do espaço urbano, cujas premissas já estavam prontas em termos de representação ideológica do espaço e que apenas esperavam os meios de concretização. Em outras palavras, o bonde fez a zona sul, porque as razões de ocupação seletiva da área já eram "realidade" ... Já o trem veio responder a uma necessidade de localização de pessoas de baixa renda e de atividades menos nobres (SANTOS apud ABREU, 1997, p.37).
Lúcio Kowarick (2000) denomina esse processo desigual de acesso e
construção do espaço urbano de espoliação urbana. Ou seja, a reprodução das
desigualdades, funcionais ao próprio processo social capitalista repercutem
também na construção do espaço urbano. E o sistema de transporte é um
instrumento desses dramas sociais.
O autor destaca que tais desigualdades, que têm sua origem no mundo
do trabalho, não se resumem a elas. A este fator somam-se uma série de
outras dimensões da vida que fazem com que aumente a situação de
desigualdade. A este conjunto de fatores ele denomina espoliação urbana que
pode ser definida como
A somatória de extorsões que se opera pela inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo, que juntamente ao acesso a terra e a moradia apresentam-se como socialmente necessários para a reprodução dos trabalhadores e aguçam ainda mais a dilapidação decorrente da exploração do trabalho, ou pior, da falta desta (KOWARICK, 2000 p. 22).
Neste sentido, a noção de espoliação está intimamente ligada à
acumulação do capital e à expropriação do trabalhador.
42
No entanto, esta espoliação também decorre de um processo de lutas
sociais entre vários atores sociais pela conquista de suas demandas em
relação ao ―acesso à terra, habitação e bens de consumo coletivo‖ (idem, p.
23). Daí o papel estratégico do Estado, para o aumento ou diminuição do
―processo de especulação imobiliária e segregação social‖. Os investimentos
públicos ou a falta deles fazem aumentar ou diminuir a valorização da terra em
determinado espaço urbano.
Estes processos diferenciados de valorização do espaço aumentam o
elemento contraditório da espoliação urbana, na medida em que algumas
zonas só podem ser ocupadas por segmentos populacionais de maior poder
aquisitivo. Nestas regiões são ricas as estruturas e equipamentos públicos. Em
contrapartida, as regiões menos valorizadas, são as que são ocupadas pelos
seguimentos mais pauperizados, mas que, no entanto, sofrem pela falta de
estabelecimentos mais básicos, essenciais à subsistência (idem, p.27 e 28).
Tais elementos desiguais da ocupação do espaço urbano se manifestam
na vida dos atores abordados nesta pesquisa. É curioso notar neste sentido
que quanto mais distante do centro - em especial seguindo a direção à zona
oeste da cidade do Rio, tomando o caminho dos subúrbios, nos ramais do trem
de Deodoro e Santa Cruz - mais a estratificação social e os elementos que
compõem a segregação social e a espoliação urbana se fazem presentes. Nos
próximos itens exploraremos um pouco mais os efeitos desta condição na vida
dos trabalhadores.
43
2.2- Um transporte pobre para os pobres: o processo de degradação dos trens urbanos do Rio de Janeiro
A despeito da rica história dos trens e de seu papel fundamental na
formação social e econômica brasileira nos séculos XIX e XX, conforme
anteriormente exposto, houve uma paulatina substituição deste meio de
transporte, pela matriz rodoviária.
Pelo que pudemos apurar na pesquisa, tal fato se explica mais por uma
opção econômica do que uma mera substituição de tecnologia novecentista,
pela modernidade do automóvel, própria do século XX. Com o advento da
indústria automobilística, com forte lobby norte americano, o Estado brasileiro,
no seu inicial processo de industrialização, na década de 1940, privilegiou a
expansão da malha rodoviária nacional em detrimento das ferrovias9 e até do
incipiente sistema de hidrovias existentes, até então (RODRIGUEZ, 2004, p.9).
Este processo irá se intensificar a partir do governo de Juscelino
Kubitschek, que
pretendia com a abertura de estradas conquistar o mercado internacional para a nascente indústria de substituição de importações de automóveis, eletrodomésticos, siderurgia etc, que também implantara em seu governo, relegando o trem a um equivocado plano secundário (RODRIGUEZ, 2004, p. 9 e 10).
Tal processo de substituição, embora não explícito, deixou o sistema
ferroviário ―abandonado à sua própria sorte‖, por longos anos, o que explica em
grande medida a sua atual degradação física. No entanto, contraditoriamente,
9 O tamanho da malha ferroviária brasileira, em 1958, quando alcançou sua extensão máxima,
era de 37.967 Km. Sofre um decréscimo, desde então. Em contrapartida o sistema rodoviário tem um crescimento considerável em cerca de 40 anos: em 1954, o país apresentava cerca de 1.200 Km de rodovias pavimentadas e em 1989 saltou para 130.000 Km (RODRIGUEZ, 2004 p. 9 e 10)
44
este processo massivo de deteriorização, foi em parte freado, a partir da
privatização de trechos de ferrovias, empreendidos pelos sucessivos governos
neoliberais na década de 1990, nas esferas federal e estaduais10. Tais
concessões se deram especialmente nos trechos de transporte de passageiros
das regiões metropolitanas nacionais, entre as quais a do Rio de Janeiro.
No estado do Rio de Janeiro, no contexto das parcerias público-privado
neoliberais, foi vencedora na concorrência de concessão do transporte
ferroviário a empresa SuperVia. No ano de 1998 obteve a licença para a
exploração dos serviços de transporte ferroviário por um período de 50 anos.
No entanto, o acordo de concessão não compreendeu todas as linhas
operadas até então pela RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.) e pela
Flumitrens (Companhia Estadual de Trens Urbanos). Ficaram de fora os
trechos com ―pouco valor de retorno financeiro‖ e, deste modo, o trecho
correspondente de responsabilidade da nova companhia compreendia os
remanescentes urbanos de antigas companhias: as linhas dos ramais de
Deodoro, Santa Cruz e Japeri (da antiga EFCB); o ramal de Belford Roxo (da
antiga Compahia Rio D‘ Ouro) e o ramal de Gramacho (da antiga Companhia
Estrada de Ferro Lepoldina).
10
Tal processo foi facilitado em grande medida pelo princípio constitucional da Carta Magna de 1988, que instituiu a descentralização administrativa do governo federal em favor dos estados. Um princípio, que na verdade visava dar maior transparência e poder decisório à administração pública, acabou, no caso dos trens, por colaborar para o aumento do sucateamento e posterior facilitação de sua venda à iniciativa privada. Visando a implantação deste processo de descentralização, foi criada em 1994 a CBTU (Companhia Brasileira de Transportes Urbanos), retirando a administração direta da RFFSA. No caso do Rio, este processo de estadualização se deu de modo bem acelerado, pois em novembro do mesmo ano foi criada a Flumitrens, que preparou o sistema para sua concessão privada, quatro anos depois, incluindo um forte ―enxugamento‖ do quadro de funcionários do meio do programa de demissão voluntária (STAMPA, 2011, p.88-95).
45
Ilustração 2: Mapa dos ramais da SuperVia. Fonte: SuperVia/SA.
Fonte: www.supervia.com.br
Por outro lado, no âmbito nacional, em 2007 o Governo do, então,
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Governo Lula) extinguiu a RFFSA,
colocando praticamente um ―ponto final‖ no ideário de alargamento do sistema
ferroviário no Brasil11.
É dentro desta realidade contraditória e segregadora do espaço urbano
do Rio de Janeiro que se encontra o objeto desta pesquisa, o trabalho
ambulante, que pretendemos detalhar no próximo item, tendo como lócus
específico de abordagem o recorte espacial do Ramal de Santa Cruz.
11
Isto significa dizer que as linhas férreas que não sofreram processo licitatório para concessão privada, foram abandonadas.
46
2.3- Trabalho ambulante como elemento integrante da sociabilidade nos trens
Nesse contexto de instrumentalidade do veículo ferroviário nas periferias
urbanas é que gostaríamos de tratar, mais especificamente, as condições de
trabalho vivenciadas pelos sujeitos desta pesquisa, a saber, os trabalhadores
ambulantes. Particularmente o trabalho ambulante no espaço dos trens do
ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro12.
Para um passageiro menos assíduo a experiência de andar no trem pode
parecer um tanto quanto exótica. A primeira impressão mais marcante é a
situação degradante da maior parte das composições e das estações. A
superlotação também é um forte realce no retrato do paulatino processo de
abandono, conforme já destacado anteriormente. No entanto, é necessário
destacar que houve uma sensível melhora nos últimos três anos, em especial
com a reforma de algumas estações e principalmente com a compra de 34
novos trens chineses, que começaram a operar, paulatinamente, no decorrer
do ano de 2012.
Estes trens foram comprados pelo governo do estado do Rio de Janeiro a
partir de uma licitação, realizada em 2009, na qual saiu ganhadora a empresa
China National Machinery Import & Export Corporation13. A aquisição custou
US$ 188 milhões, financiados pelo Banco Mundial.
12
As descrições deste capítulo são, em sua maior parte, fruto da observação feita em campo, desde as excursões preliminares nos trens do Ramal de Santa Cruz, no ano de 2011, bem como na observação mais sistemática, com auxílio de roteiro de observação (Ver anexo), realizada ao longo do ano de 2012. 13
Interessante notar que, a despeito do discurso privatizante reinante nos sucessivos governos
de ideário neoliberal desde a década de 1990 do século passado, o Estado não fica totalmente isento de suas obrigações financeiras junto à empresa durante o período de concessão. O que é de fato privatizado é a exploração dos serviços, tendo como contrapartida a manutenção dos
47
Até então existiam apenas 38 trens climatizados: 20 de origem coreana
(adquiridos em 2005) e 18 trens elétricos reformados (frutos de uma reforma
ocorrida em 2004). O restante dos trens em circulação é composto pelos mais
antigos, 26 trens de aço inox, adquiridos na década de 1990, 65 trens de aço
inox, sem ar condicionado, datados da década de 1980, e 49 trens de aço
carbono, sem ar condicionado, fabricados no Brasil entre as décadas de 1950 e
196014. Estes últimos são os que se encontram em péssimo estado de
conservação.
Cabe ressaltar que esses trens atendem aos cinco ramais15 sob o comando
operacional da empresa SuperVia: Saracuruna/Gramacho, que segue pelo
subúrbio da Penha em direção à cidade de Duque de Caxias; Belford Roxo,
que segue pela rota suburbana de Del Castilho em direção as cidades de São
João de Meriti e Belford Roxo, ambas na Baixada Fluminense; Japeri, que
compartilha a rota dos subúrbios atendidos pelo ramal de Deodoro, mas
seguindo em direção à Baixada, servindo as cidades de Nilópolis, Nova Iguaçu,
Queimados e, finalmente, Japeri; e Santa Cruz, que segue em paralelo ao
ramal de Deodoro e Japeri, mas que diferente dos demais (com a exceção de
Deodoro, que finda neste bairro), não segue em direção aos municípios da
Baixada Fluminense, mas sim rumo à Zona Oeste da cidade.
serviços e da pequena infraestrutura. No entanto, para os investimentos de grande monta, o ônus permanece com Estado. Nada mais contraditório para pôr por terra a ideologia do ―privatizar o que dá prejuízo ao Estado‖. Outro elemento a ser registrado é que a aquisição dos novos trens se deu através de financiamento do Banco Mundial, subordinando ainda mais a dívida estatal ao capital internacional. 14
Fontes da própria SuperVia: HTTP://www.supervia.com.br. Acesso em setembro de 2012. 15
Sete se considerarmos os ramais de Vila Inhomirim e Guapimirim, no entanto, estes são uma extensão do ramal de Saracuruna, não operando na mesma linha deste por possuírem sistemas de bitolas de trilhos diferentes do restante da rede, exigindo, por sua vez, trens especiais. A SuperVia também opera o teleférico do Alemão, que apesar de não ser um transporte sobre trilhos, faz integração com os trens do ramal de Gramacho (Ver ilustração 2).
48
Os novos trens têm capacidade para 1.300 passageiros, além de câmeras
internas, bagageiros, televisões de plasma e comunicação direta com o centro
de controle operacional16.
Entretanto, não é demais lembrar que tais investimentos têm como foco
principal os eventos que a cidade sediará nos próximos anos: A Copa das
Confederações (2013); A Jornada Mundial da Juventude Católica (2013), que
terá algumas atividades no bairro de Santa Cruz; a Copa do Mundo de Futebol
(2014) e, por fim, os Jogos Olímpicos (2016).
Nesse sentido, mais do que uma melhoria para a população trabalhadora
usuária cotidiana, tais benefícios trazidos pelas reformas no sistema de
transporte, incluindo o trem, visam primordialmente à cobertura de tais eventos.
No entanto, o discurso oficial costuma justificar o investimento em tais ações
como um ―legado‖ para a cidade, portanto, para sua população.
Outro dado interessante a ser notado e que ilustra bem essa melhoria
diferenciada entre os ramais, é que tais benefícios, com a chegada dos trens
novos, estão resumidos em sua maioria aos ramais de Deodoro e em menor
escala, ao de Santa Cruz (ambas rotas de deslocamentos a serem utilizadas
nos eventos supracitados). Por outro lado os trens mais antigos, especialmente
os que se encontram em precário estado de conservação, foram
redirecionados para os demais ramais que atendem à Baixada Fluminense.
16
Fontes: http://oglobo.globo.com/rio/depois-de-dois-anos-de-espera-entra-em-operacao-novo-trem-da-supervia-4358867#ixzz2K7QjuagK Acesso em março de 2012. http://www.supervia.com.br/noticia.php?n=chineses-apresentam-primeiro-dos-34-trens-comprados-pelo-estado*&cod=41 Acesso em agosto de 2011.
49
Tais elementos são bastante elucidativos para evidenciar o modo como
as classes dominantes, no uso de sua influência hegemônica no âmbito do
Estado, se apropriam do uso social de um meio de transporte como o trem em
favor de seus interesses econômicos. De modo que os benefícios à classe
subalterna é uma mera consequência, e não um objetivo principal dos
negócios, e, via de regra, em situação de precariedade.
O segundo elemento marcante é a face sofrida dos passageiros,
evidenciando os anos de desgaste de trabalho, que com certeza não é
amenizada pelo desconforto da viagem. Não obstante a precariedade do
transporte, muitos dormem ―embalados‖ pelo balançar das composições ao
passar pelos velhos dormentes17 da estrada de ferro.
Muitos desses passageiros, para além da jornada de trabalho normal,
despendem em média, 3 horas e meia de transporte até o centro da cidade,
isso se contarmos somente transporte de trem18. Esses fatores, com certeza,
contribuem para a diminuição da qualidade de vida das classes populares
usuárias deste precário sistema de transporte. Se vivo estivesse, certamente o
poeta Castro Alves faria uma releitura de seu ―navio negreiro‖, que diferente de
outrora, não balança sobre as águas do Atlântico, mas sobre os trilhos dos
subúrbios metropolitanos.
Durante a pesquisa pude também experimentar na pele as péssimas
condições destes serviços, como: trens sujos, poucas lixeiras, janelas e portas
frequentemente quebradas. Observamos também a existência de sistemas de
alto-falantes (essenciais para a comunicação do maquinista com os
17
Estruturas, em geral de madeira, que servem para fixar os trilhos ao chão. 18
O trem costuma fazer o trajeto de Santa Cruz à estação Central do Brasil em 1h e 45m, quando o trem é parador e 1h e 30m, quando é direto.
50
passageiros e a sinalização do lado do respectivo desembarque)
constantemente inoperantes. A superlotação19 é uma realidade constante nos
horários de maior pico de passageiros em trânsito para o trabalho e para casa.
Mas, observamos também as rotineiras avarias dos trens, em decorrência de
depreciação técnica ou falta de manutenção, causando com isso muitos
transtornos para os passageiros, especialmente nesses horários de pico de
movimentação. Com certeza as viagens nos trens urbanos do Rio de Janeiro
são um misto de aventura e insegurança social.
Moisés e Martinez-Alier (1978) ao descreverem as revoltas populares
ocorridas na década de 1970, no Rio e em São Paulo, em plena ditadura
militar, observaram o descontentamento das massas suburbanas com essa
realidade de péssimos serviços públicos de transporte coletivo, em especial os
trens, materializada nos constantes atrasos, acidentes, descarrilamentos e
mortes.
O descontentamento em massa manifesto no fenômeno dos ―quebra-
quebras‖, mas do que um fato isolado de grupos era uma manifestação coletiva
da insatisfação das classes subalternas que sofrem cotidianamente as agruras
destes serviços.
19
―A superlotação é o problema mais comum nos trens da Supervia. Mas o incômodo em ter oito passageiros, onde cabe quatro, não é apenas a falta de conforto. Segundo o doutor em engenharia de transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Mac Dowell, o número excessivo de pessoas aumenta a chance de acidentes, uma vez que a composição pode ter mais dificuldade para frear, além de ter o vagão abaulado (deformado) por causa do peso, entre outras coisas‖. Disponível em: http://saopaulotremjeito.blogspot.com.br/2011/09/superlotacao-em-trens-da-supervia-rj.html Acesso em 31 de janeiro de 2013.
51
Deste modo, observam aqueles pesquisadores que eram pontuais e
simbólicos os ―alvos do vandalismo‖: o relógio, o quadro de horários dos trens,
as agressões aos agentes da companhia (representantes da empresa, do
Estado), e finalmente os próprios trens avariados (1978, p.33-40).
Diante da incapacidade dos trabalhadores de representar-se e fazerem
valer sua reclamação na cena pública, o ―quebra-quebra‖ aparece como única
resposta aos constrangimentos diários na vida dos sujeitos que no trabalho,
cotidianamente, têm que se desculpar: ―patrão, hoje o trem atrasou‖ (idem,
p.27).
Hoje, estas revoltas mais generalizadas não vêm tendo a mesma
expressão, mas o dia-dia do transporte não é isento de descontentamentos20.
A despeito de algumas melhorias, a demora dos trens, os atrasos e as avarias
dos mesmos ainda são uma constante. Ao perguntar certo dia do trabalho de
campo de pesquisa a um passageiro sobre o que ele achava do sistema de
trem ele disse: ―Meu filho, aqui a gente vive como gado em direção ao abate!
Você já viu quando se abrem as portas do trem na estação da Central? É um
passando por cima do outro, disputando meia dúzia de bancos quebrados!‖21
Outros elementos de precariedade se somam a estes. A maior parte das
estações não é provida de banheiros públicos, o que agudiza a precariedade
20
Em um pequeno levantamento dos eventos, fizemos uma busca na internet utilizando a sentença <Tumulto na SuperVia> da qual encontramos 396 mil registros. Seguem duas reportagens que descrevem eventos mais recentes de ―quebra-quebra‖: http://oglobo.globo.com/rio/atrasos-nos-trens-provocam-tumulto-na-estacao-da-mangueira-6144293. Acesso em janeiro de 2013. http://extra.globo.com/noticias/rio/manha-de-tumulto-em-estacoes-da-supervia-passageiros-ocupam-trilhos-andam-pendurados-nos-trens-promovem-quebra-quebra-3922581.html Acesso em janeiro de 2013. 21
Ao contrário da metodologia usada de abordagem aos vendedores ambulantes, no qual nos utilizamos de questionários semi-estruturados, no caso dos passageiros preferimos a abordagem aleatória sobre várias questões do cotidiano do trem.
52
das longas horas despendidas nos deslocamentos casa-trabalho. Muitos,
diante da inexistência de tais serviços fazem suas necessidades fisiológicas em
áreas das próprias estações: pilastras, debaixo das escadas, canto de paredes
ou na própria linha férrea. Contudo, não é raro ver as próprias composições
como equipamento sanitário das urgências fisiológicas.
No entanto, tal quadro precário ao qual é submetida à população
acontece à revelia de uma lei estadual sancionada em 2003 (Lei Nº 4131).
Passados todos esses anos, somente em 2011 a SuperVia começou a
implantar os banheiros22. Até o presente momento só foram instalados em 6
estações de um total 98 (103 se contar as 5 do teleférico do Complexo do
Alemão, também administrado pela empresa).
Outro dado que agrava as condições de vida desta população é o valor
gasto para estes deslocamentos diários quando comparados às perdas
salariais decorrentes da inflação.
Em recente pesquisa o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas) divulgou que as famílias brasileiras moradoras de áreas urbanas
comprometem cerca de 15% da renda mensal com transporte diário, sendo o
gasto com transporte privado cinco vezes maior que o montante despendido
com transporte público. Metade das famílias, nas capitais, têm despesas com
transporte privado, e a outra metade com transporte público. Nos colares
22
Veja comunicado do início dos serviços pela própria concessionária: http://www.supervia.com.br/noticia.php?n=central-do-brasil-ja-conta-com-banheiros-gratuitos&cod=81 Acesso em agosto de 2011.
53
metropolitanos, 67% dos domicílios pesquisados afirmam ter gasto com
transporte público23.
Nesta pesquisa do IPEA foram consideradas duas categorias de
transportes: público (serviços de ônibus, ferrovias, metrôs e trens
metropolitanos, transporte hidrográfico, táxi, mototáxi e transporte alternativo) e
privado (automóveis, motocicletas e caminhonetes, além das bicicletas). O
estudo mostra que o deslocamento coletivo mais usado é sistema de ônibus:
78,4% dos gastos são nessa modalidade, entre moradores das capitais. Nos
colares metropolitanos esse percentual chega a 88%. O uso do transporte
alternativo chega a 11,5% nas cidades interioranas, que é de 5,1% nas capitais
e 3,7% nos colares metropolitanos.
Entre janeiro de 2003 e de 2009, a inflação medida pelo IPCA24 aumentou
41,8%. Os preços da gasolina e do automóvel subiram bem menos: 27,5% e
19%. Em contrapartida, as tarifas cobradas dos usuários de transportes
urbanos ficaram 63,2% mais caras (IPEA, 2012, p.5-7).
A falta de investimentos nos transportes públicos aliada ao aumento de
crédito para população faz com que o uso e a procura por transportes
individuais cresçam. Ou seja, da maneira como funciona o sistema de
transporte no Brasil, penaliza-se o usuário que é obrigado a utilizar, quando
23
O universo do estudo compreendeu as nove regiões metropolitanas nacionais — São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Fortaleza, Salvador e Belém —, que são os grandes centros urbanos que enfrentam atualmente os maiores problemas com trânsito (IPEA, 2012, p.3) 24
O IPCA/IBGE verifica as variações dos custos com os gastos das pessoas que ganham de
um a quarenta salários mínimos nas regiões metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e município de Goiânia. O Sistema Nacional de Preços ao Consumidor. Este índice utiliza, para sua composição de cálculo, os seguintes setores: alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, vestuário, transportes, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação e comunicação. Fonte: http://www.portalbrasil.net/ipca_e.htm Acesso em Fevereiro de 2012.
54
pode, um transporte particular, em detrimento do coletivo, aumentando por sua
vez, os constantes engarrafamentos típicos das grandes metrópoles. Nesse
sentido, evidenciamos na pesquisa que, de fato, a mobilidade urbana é, hoje,
um desafio para a qualidade de vida nas cidades. Os trabalhadores tendem
ainda a ficar com o lado mais perverso desse caos urbano, como é o caso dos
usuários dos trens do ramal de Santa Cruz.
O terceiro elemento característico, que imediatamente chama atenção
nos trens é a atividade dos trabalhadores ambulantes. Primeiramente pelo seu
valor numérico, que a depender do horário forma um verdadeiro
―congestionamento‖ de vendedores no interior dos vagões, depois pelas
estratégias de venda que estes mesmos empreendem, muitas vezes à base do
grito, muito semelhante a dos feirantes de rua25.
Em sua maioria, esses trabalhadores são homens maduros, mas também
encontramos mulheres e jovens. Também, não raro ver a presença de crianças
como ambulantes. Algumas vezes verificamos que tais crianças são uma
espécie de auxiliares nas vendas dos pais também ambulantes. Outras vezes
percebemos que o trabalho era realizado unicamente pela criança, sem a
supervisão de familiares.
Essa feição da pobreza é adensada pela mendicância que é uma prática
corrente nos vagões. O apelo emocional é bem marcante na viabilização dos
potenciais passageiros colaboradores. É muito comum ver mães com bebês ao
colo, aos prantos pedindo dinheiro para compra do ―leite da criança‖. Há
25
Não existe um número preciso de quantos ambulantes atuam não só no ramal de Santa Cruz, bem como nos demais. Mas segundo as informações do presidente da associação que representa os mesmos, estima-se que este número gira em torno de 1.000. No entanto a sazonalidade é típica desse seguimento de trabalho, podendo aumentar ou diminuir de acordo com a conjuntura social e institucional.
55
também os apelos mais discretos, que utilizam pequenos cartões ou bilhetes
distribuídos entre os passageiros; pedidos silenciosos, mas não menos
dramáticos.
No entanto, há também a mendicância que não se utiliza da ajuda infantil.
Esta é feita mais especificamente pelos idosos e deficientes. É possível ver
idosas esmolando a fim de comprar o gás ou o medicamento, deficiente físico
(sem as pernas) arrastando-se pelo assoalho dos vagões em troca de algumas
moedas, e cegos batendo intermitentemente sua bengala no chão, quando não
no pé de alguém, conclamando a atenção dos passageiros: ―Uma esmolinha
para o cego, por favor!‖
Ambulantes e mendicantes disputam a atenção dos passageiros. Todo
esse universo de realidades aparentemente concorrentes de trabalho precário
e mendicância, na verdade são faces da experiência comum de subalternidade
social da qual também fazem parte os passageiros.
Outro dado interessante que ajuda a compor este quadro é o fenômeno
do pentecostalismo no interior dos trens. Mesmo depois de aprovada na 12ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio a proibição de cultos e
manifestações religiosas no interior de trens, por meio de uma ação civil
pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em 2007, é possível
constatar verdadeiros cultos durante a viagem. Estas atividades vêm sendo
promovidas pela Cruzada Evangelística Interdenominacional nos Trens das
Boas Novas. Segundo Lemos (2011), ao estudar este fenômeno nos trens da
CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitano), em São Paulo, este grupo
pentecostal existe desde 1980 realizando cultos diários no 4º vagão dos trens
56
da mesma Companhia, contando com a participação de aproximadamente 300
homens e mulheres.
A autora destaca que o referido grupo religioso construiu uma ―estratégia
de incorporação da cidade do Rio de Janeiro que tem como objetivo dar maior
visibilidade e legitimidade ao movimento, dada a clandestinidade com que vem
sendo tratado o culto no ambiente do trem‖ (Idem, 2011, p 475).
No Rio de Janeiro, tais atividades foram proibidas no espaço do trem
devido ao incômodo que o culto, religioso causa aos demais passageiros não
participantes do culto, o que motivou o Ministério Público do Estado do Rio a
impetrar a referida lei26. Todavia, a clandestinidade dos cultos torna essa
determinação um ―ato jurídico de papel‖ nos tão largados comboios.
Voltando especificamente à atividade dos ambulantes foi possível
constatar uma infinidade de produtos vendidos. Utensílios em geral (de uso
doméstico e pessoal): cortadores de unhas, tesouras, abridores de lata e
garrafa, esponjas, controles remotos universais, presilhas de cabelo, CDs e
DVDs (geralmente piratas), brinquedos, livretos infantis, lanternas pilhas entre
outros. Contudo, a maior parte dos ambulantes comercializa gêneros
alimentícios, como: água, refrigerantes, sucos, cerveja, salgados, biscoitos,
doces, entre outros.
A variedade é tanta quanto a cantada pelo compositor e cantor Pedro Luis
no seu Rap do Real:
Um real aí, é um real um real aí,
26
Interessante notar o aspecto restritivo da atividade religiosa neste espaço, visto que a atividade dos trabalhadores ambulantes também possui restrições legais, conforme detalharemos mais adiante, mas que, pelo menos do ponto de vista dos usuários, são mais toleradas.
57
é um real aí, é um real, um real, Vendo pilha, bateria, fita-cassete, biscoito paçoca, doce de abobora, doce-de-coco, rádio-relógio despertador do sono, não vendo é sonho, mas pode pedir, se não tenho sei quem terá. Vendo pano pra cortina. Vendo verso, vendo rima, carta pro rapaz e carta pra menina. Eu vendo provas de amores por minha poesia e fantasia: QUANTO VAI PAGAR? Um real aí, é um real, um real aí, é um real aí, é um real, um real Com quantos reais se faz uma realidade? Preciso muito sonho pra sobreviver numa cidade grande jogo de cintura entre estar esperto e ser honesto há um resto que não é pouca bobagem. Um real aí, é um real, um real aí, é um real aí, é um real, um real. (Pedro Luís & A Parede - Rap Do Real by Pedro Luis & Rodrigo Maranhão)
Ou ainda a diversidade cantada por Zeca Pagodinho, descrevendo
especificamente a realidade dos trens da Central do Brasil, que já no título,
Shopping Móvel, anuncia a diversidade deste comércio duplamente ambulante,
pois não obstante formado por vendedores que circulam entre vagões, estes
mesmos são deslocados sobre os trilhos:
Tem sempre tudo no trem que sai lá da central Baralho, sorvete de côco, corda pro seu varal Tem canivete, benjamim, tem cotonete, amendoim Sonho de valsa e biscoito integral Tem sempre tudo no trem que sai lá da central Chiclete, picolé do China e guaraná natural Tem agulheiro, paliteiro, desodorante, brigadeiro E um bom calmante quando a gente passa mal E quem quiser pode comprar o shopping móvel é isso aí É promoção desde a Central a Japeri E quem quiser pode comprar um bom pedaço de cuscuz E mastigar desde a Central a Santa Cruz CD pirata da Frank Sinatra a Zeca Pagodinho E até aquele veneno pra rato chamado chumbinho
58
Bala de côco, pirulito, suco de frutas no palito Cuscuz, cocada pasteizinhos de palmito Despertador, rádio de pilha ventilador e sapatilha Até peruca é possível se encontrar O pagamento é no cartão, vale-transporte ou refeição Qualquer pessoa, jamais fica sem comprar (Zeca Pagodinho - Shopping Móvel)
Esta multiplicidade de produtos é vendida pelos ambulantes dos trens
com muita criatividade, a ponto de poder causar inveja em qualquer profissional
de marketing. Aliás, diversos são os estudos sobre a temática.
Ostrower (2007) diz que o manejo de recursos retóricos e de estratégias
performáticas por parte dos ambulantes decorrem das ambiguidades das
atividades frente à formalidade da lei, o que faz com que estes atores sociais
sejam frequentemente confundidos com ―pedintes‖, ―malandros‖, ―um-sete-um‖,
―vagabundos‖. Neste contexto, o diferencial de seu discurso de venda, tem uma
função especial para permitir driblarem as regras e reelaborarem a moral
dentre outras formas de sociabilidade, práticas e saberes (2007, p.6).
Requena (2010), ao estudar o discurso dos vendedores ambulantes dos
trens de São Paulo, ressalta que a publicidade deste trabalho não se encontra
em veículos tradicionais como revistas, jornais, panfletos ou outdoors. Mas,
nos trejeitos dos trabalhadores, que por meio de uma retórica inventiva cumpre
os mesmos objetivos daqueles, ou seja, o de propagarem ideias e,
principalmente venderem os produtos.
Segundo a autora, os discursos dos vendedores, além de revelar um
ethos, mostra que ao encenar suas falas, eles criam um novo modelo de
publicidade. Muitos focam na retórica nos pontos negativos da mercadoria, ou
seja, ―o discurso que desqualifica seu produto (discurso do senso comum) a fim
de negá-los e mostrar que seu produto também é bom: ―é barato, mas não está
59
vencido, é original, é de qualidade‖ (Idem, p.2). A autora destaca que este novo
modelo de publicidade, instaura também um contrato compartilhado entre os
parceiros da situação de enunciação – vendedor e cliente, no qual o discurso
tem um papel estratégico de conquista do cliente para vender suas
mercadorias, inclusive usando a estratégia da emoção:
Pois sabemos que hoje a falta de emprego atinge uma parte da população que também circula no trem. Os passageiros comprando os produtos antes da fiscalização ―tomar‖ podem assim cooperar com os vendedores garantindo sua sobrevivência, que, indiretamente pode ser a deles também (IBDEM)
Matos (2006) chama a atenção para este aspecto do apelo emocional,
especialmente quando a população usuária dos transportes, igualmente
pauperizada se identifica com o vendedor, especialmente quando este é uma
criança:
Vendedores de balas, principalmente os menores, com menos de dez anos de idade, despertam grande atenção dos passageiros. Seja por seu tamanho, pela infância perdida, pela docilidade na voz e no olhar ou pela imagem invertida da idéia de "chefe de família‖ (2006, p.2).
De fato é empreendida uma relação empática entre esses atores sociais, que
não obstante o eventual incômodo causado pelos ambulantes no decorrer dos
deslocamentos urbanos, dividem o mesmo espaço coletivo numa relação mutualista.
A estratégia de marketing ambulante no trem, a construção de uma ―auto-
imagem empreendedora‖ e a sociabilidade criada com os ―passageiros patrões‖ é
um fato bem marcante nos trens do Rio de Janeiro27. De modo que é impossível
desconsiderar o trabalho ambulante na sociabilidade que atravessa as idas e vindas
dos trabalhadores urbanos pela cidade.
27
Um dos vários ―personagens‖ que ilustram tais características está o Gordo chato no trem. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=uBgbQYDfW0c . Acesso em: 1º de janeiro de 2013.
60
2.4 – “No fio da navalha”: a insegurança do trabalho ambulante e a possibilidade de organização política.
De maneira geral a atividade dos ambulantes os coloca numa situação
limítrofe entre o legal e do ilegal (TELLES, 2009). Isso não só por conta da
origem dos produtos vendidos, embora muitos sejam ―pirateados‖, ou seja, são
produzidos e comercializados ilegalmente. Mas, sobretudo, pela ausência de
autorização para exercer esta atividade em um espaço público e de uso
coletivo. Tenazmente, um dos referidos compositores, citados no item anterior,
captou a essência deste processo contraditório:
Com quantos reais se faz uma realidade? Precisa muito sonho pra sobreviver numa cidade grande, jogo de cintura entre estar esperto e ser honesto há um resto que não é pouca bobagem (Pedro Luís & A Parede - Rap Do Real by Pedro Luis & Rodrigo Maranhão).
De fato, segundo o decreto federal 1.832/1996, que regula a atividade
ferroviária no Brasil, especificamente no seu artigo 40: ―É vedada a negociação
ou comercialização de produtos e serviços no interior dos trens, nas estações e
instalações, exceto aqueles devidamente autorizados pela Administração
Ferroviária‖28.
Contrariando esta determinação, os trabalhadores ambulantes que atuam
no interior dos trens administrados pela SuperVia não possuem uma
autorização formal para o exercício da atividade de venda. A história, então, do
28
Não obstante essa legislação, datada de 1996, é preciso destacar que a atividade ambulante era reprimida historicamente nos trens. Três dos informantes que entrevistamos nesta pesquisa, para além dos ambulantes, confirmam essa informação, inclusive testemunhando situações tão ou mais graves que as atuais, com a ocorrência até de mortes no conflito entre ambulantes e Policiais Ferroviários. O primeiro desses testemunhos é do nosso informante-chave, que é ambulante nos trens, desde a década de 1980, conforme veremos mais adiante, os dois outros relatos são de ferroviários com larga experiência de trabalho nos trens de subúrbios e que também trouxeram em seu discurso as tensões entre o trabalho ambulante e a repressão do aparelho de segurança da ferrovia.
61
trabalho ambulante no trem é entrecortada por conflitos com os vigilantes e por
perda de mercadorias, alargando a penosidade deste trabalho.
Neste sentido, o licenciamento da atividade é considerado o ponto forte
do horizonte de melhorias humanitárias na área. Isso tem tamanha expressão
que motivou a articulação política dos trabalhadores ambulantes, fazendo
nascer, então, a ideia seminal de um sindicato.
Na etapa de estudo bibliográfico, a pesquisa tomou conhecimento dessa
iniciativa prática. A obra de Pires (2005) mencionava a existência de um
Sindicato dos Ambulantes dos Trens da Central do Brasil (SINDATREM). De
imediato, definimos a inclusão dessa iniciativa no campo da nossa pesquisa de
campo visando problematizar essa atividade absolutamente fora das
formalidades legais e que almejava uma organização política legal.
Neste sentido, viabilizamos contato para uma entrevista com um
informante-chave, que ofereceu o ―caminho das pedras‖ tanto para a realização
da pesquisa empírica, quanto para a compreensão da realidade objetiva do
cotidiano do trabalho ambulante nos trens. Realizamos, então, uma entrevista
semi-estruturada (roteiro em anexo), que procurou aspectos da etnografia do
trabalho ambulante no trem e o processo de organização política dos
trabalhadores.
O informante, que é o presidente da ASTRATERJ (Associação dos
Trabalhadores Ambulantes dos Trens do Estado do Rio de Janeiro)29 nos
29
Esta Associação será a herdeira do coletivo político-organizativo empreendido pelos trabalhadores ambulantes na tentativa frustrada de fundação de um sindicato para a categoria. Falaremos sobre isso mais adiante.
62
concedeu a entrevista na estação de Triagem, comum aos ramais de Belfod-
Roxo e Saracuruna, onde o referido entrevistado atua.
A mesma foi constituída por três partes: A primeira, anterior ao início da
gravação, iniciado por uma conversa espontânea com o entrevistado, que
naturalmente já foi discorrendo sobre as peculiaridades do trabalho ambulante
nos trens, o histórico do movimento dos ambulantes, a vinculação da entidade
à CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a desmobilização do movimento
dos ambulantes. A segunda parte foi constituída pela entrevista propriamente
dita (gravada e posteriormente transcrita), na qual foram retomados alguns
daqueles pontos da conversa espontânea.
Por fim, a terceira e última parte, foi realizada durante a espera do trem
em direção à estação Central do Brasil. Nesse momento, novamente, foram
abordados diversos temas como a questão político-partidária do entrevistado
(que na ocasião estava se candidatando a um cargo eletivo para a Câmara
Municipal de Duque de Caxias), bem como de sua inserção em outros grupos
comunitários, como o que vem tratando do diálogo com a SuperVia,
especialmente sobre o recente comando acionário da Odebrecht (ocorrido no
início de 2012); as mortes ocorridas no período de maior repressão aos
ambulantes dos trens; os conflitos e disputas dentro do próprio movimento
(período eleitoral); o envolvimento de alguns ambulantes com o crime e a
resposta dos companheiros a esta questão; sua opinião a respeito de questões
ambientais (lixo no interior dos trens e estações); aprofundamento das
questões referentes aos ―ambulantes ligados às empresas‖30 e seus
30
Existem basicamente dois tipos de ambulantes que atuam no espaço dos trens administrados pela SuperVia: os ―formalizados‖, que nesta pesquisa de agora em diante
63
agenciadores e a realidade do uso do espaço da linha férrea para o consumo
do Crack.
Outros dados coletados nesta entrevista nortearam a demarcação da
condução da pesquisa, evidenciando, por exemplo, a referência a captação das
possíveis diferenças entre estes dois tipos de ambulantes no espaço do trem.
Isso levou a pesquisa a indagar: Há disputa entre os mesmos? Os ambulantes
ligados às empresas tem algum tipo de limitação para o exercício de seu
trabalho? 31.
Mas, o que nos chamou atenção foi a mobilização política. O inicio da
mobilização dos ambulantes foi pela legalidade no interior do trem. Mas, o
elemento que impulsiona a organização da categoria de trabalhadores não é a
legalização da atividade em si mesma – mesmo porque este não era um desejo
de todos (PIRES, 2005, p. 123)- mas sim a contenção da violência
empreendida pelos agentes de segurança da SuperVia, que arbitrariamente faz
apreensão das mercadorias dos ambulantes.
Neste sentido a ideia inicial do coletivo de trabalhadores era a
constituição de sindicato para a categoria. A ideia tem origem na aproximação
desses trabalhadores do sindicato dos ferroviários do Rio de Janeiro e da a
CUT.
Deste modo o SINDATREM foi fundado no ano de 2000, mas logo esta
estratégia de organização política foi interrompida, pois o Ministério do denominaremos ―ambulantes ligados à empresa‖ e os ―informais‖, que denominaremos ―ambulantes soltos‖. Enquanto os primeiros gozam de liberdade para o exercício do seu trabalho, por parte da SuperVia, os demais são alvo constante das apreensões e de proibições da referida concessionária. 31
Nos questionários dirigidos a estes dois tipos de ambulantes podem ser vistas os conjuntos de perguntas dirigidas a eles, no anexo deste trabalho. A análise das entrevistas está sistematizada no capítulo 3.
64
Trabalho devolveu a documentação da entidade por causa da não regulação
da atividade ambulante na legislação trabalhista. A partir daí, até o ano de 2005
a entidade funcionou como um ―sindicato informal‖.
Visando a continuidade da luta e diante do aferrecimento da repressão da
concessionária aos ambulantes a embrionária entidade sindical foi
transformada em associação, a ASTRATERJ. Com o suporte organizativo da
CUT, continuou por meio de um diálogo contínuo com a SuperVia, a busca pela
legalização da atividade ambulante nos trens32.
Um dos instrumentos de luta utilizados, além das negociações com a
concessionária, foi o jornal informativo que era distribuído entre os ambulantes.
Através dele a Associação atualizava a classe trabalhadora ambulante sobre
as negociações a respeito da legalização, formação política, oferta de serviços
a preços especiais para os ambulantes e orientações acerca do uso do espaço
no interior dos trens.
A respeito especificamente deste último item, cabe um maior
esclarecimento, pois afim de quebrar os argumentos impeditivos da Supervia33
constantemente eram divulgadas, nos informativos, as chamadas ―normas de
conduta‖, que serviam para a criação de um novo ―ethos‖ profissional dos
ambulantes perante a concessionária:
32
Segundo o próprio informante, a Associação era chamada constantemente pela diretoria da Concessionária para reuniões e discussões sobre a regularização. Ainda segundo ele, o modelo dos ambulantes uniformizados, identificados e registrados (tal qual os ambulantes ligados às empresas), foi uma ideia da Associação levada à SuperVia. Mas, na implantação a concessionária deixou a associação de fora, oferecendo o serviço a empresas externas (como a Nestlè, a Agital, a PepsiCo entre outras). Deste modo, a própria concessionária colaborou para o aumento numérico dos ambulantes, sem incluir os que até então já atuavam nos trens. 33
O argumento impeditivo principal da empresa era que os ambulantes produziam muito lixo no interior dos trens e também nas linhas férreas. Em nossa pesquisa também descobrimos que o mesmo argumento era usado pelas antigas administrações da ferrovia, para a repressão à atividade ambulante, conforme aprofundaremos mais adiante.
65
Não jogar lixo na linha férrea;
Não travar as portas do trem;
Não andar pendurado;
Não andar sem camisa;
Não trabalhar fumando ou embriagado;
Não usar drogas;
Não falar palavrões;
Não praticar jogos de azar;
Não jogar lixo fora da lixeira;
Respeitar os nossos amigos e clientes;
Ajudar a conservar o nosso espaço de trabalho, o trem;
Não vender mercadorias vencidas (Isto dá cadeia);
Procurar trabalhar com a nota fiscal. (Informativo [da] ASTRATERJ. Rio de Janeiro, 2006. Outubro/mensal).
Nos moldes de um decálogo34, as normas de conduta revelam a
construção de uma auto-imagem da atividade ambulante na disputa por espaço
de atuação e pela legitimidade do trabalho. Demonstrando também que se trata
de uma disputa de significado cognitivo e moral sobre o trabalho ambulante.
Conforme já adiantamos, um dos pontos-chaves para a não permissão do
trabalho ambulante é a alegação de que tal atividade produz uma quantidade
muito grande de lixo, no interior das composições, por vezes, com lançamentos
dos mesmos pelas janelas colocando em risco a segurança ferroviária. Tal
preocupação é latente, como visto, nas ―normas de conduta‖ do trabalho
ambulante.
Em uma das entrevistas que fizemos a um ferroviário que atuou nos
ramais dos subúrbios cariocas, da década de 1970 até a privatização da
ferrovia, coletamos algumas informações que foram somadas a outros dados já
trazidos na entrevista com o presidente da ASTRATERJ. A principal delas é a
confirmação de que a restrição às atividades dos ambulantes no trem ocorria
mesmo antes da concessão, mas que foi agravada com esta. Ainda, segundo
34
Ou mandamentos bíblicos.
66
este ferroviário, haveria uma forte tendência para o aumento da repressão ao
trabalho ambulante, hoje, nos trens.
Um dado interessante trazido por ele foi à motivação do início das
restrições às atividades dos ambulantes nos trens. Segundo ele com a compra
de novos trens para a Rede, na década de 1970, a empresa (até então a
RFFSA) começou a se modernizar, começando as represálias aos ambulantes:
―A Rede comprou um trem elétrico japonês, que era o ultimo tipo aqui no
subúrbio e ele começou a entrar em 1976 e sei que em 1977, eles colocaram
no ramal de Santa Cruz‖ (H.S. 66 anos, ferroviário).
Segundo ele, o motivo da repressão era a sujeira causada pelos
ambulantes (mesmo motivo alegado pela SuperVia, atualmente):
O trem chegava no terminal todo sujo, o piso dele ficava cheio de papel de bala, lata de refrigerante, papel de sorvete e as viagens eram muito dinâmicas e, às vezes, não tinha nem tempo de limpar o trem na hora que ele chegava no terminal, então já começou a ter essa repressão. Mas esse pessoal, muito esperto, sempre fugiam do pessoal da segurança ferroviária, mas eu já , desde que começou essa repressão mais rigorosa, eu já tinha dito ao pessoal da ferrovia pra recorre ao cesto desses materiais, desses alimentos que o pessoal vendia no trem. Então eles recolhiam e depois entregavam nos postos, desde que os ambulantes assinassem um termo que não mais venderiam os produtos no interior do trem. Mas já no dia seguinte eles estavam vendendo, até porque era o seu meio de sobrevivência, então começou muito forte essa repressão e eles sempre davam aquele ‗jeitinho brasileiro‘, de que você tem que ter a tua sobrevivência (H.S. 66 anos, ferroviário).
Percebe-se através dessa fala que esta repressão vem sendo realizada desde
longa data. Ela não decorre somente da privatização da ferrovia, constituindo-se
como um fenômeno histórico no trem e o grande ponto de embates e conflitos entre
agentes públicos/privados e a organização política dos ambulantes.
Todavia, os dados levantados informam que o licenciamento não se
tornou uma realidade. Legalmente, perante a concessionária, somente os
67
serviços prestados pelos ambulantes cadastrados e ligados às empresas são
autorizados a desenvolverem o trabalho nos trens. No entanto, conforme o
depoimento coletado junto ao presidente da entidade representativa dos
ambulantes vivencia-se, hoje, um período de ―trégua‖ por parte da SuperVia, e
a abordagem e apreensão do material dos ambulantes soltos, não ligados às
empresas foi consideravelmente diminuída35.
Segundo este informante, esta diminuição da repressão deve-se muito à
judicialização do conflito, pois a própria Associação recomendava aos
ambulantes, quando aconteciam as apreensões para ―colocarem no pau‖, ou
seja, processar judicialmente a SuperVia.
O argumento principal, que levou à vitória judicial de muitos ambulantes,
por meio de ações individuais ou coletivas, teve base no mesmo artigo 40, da
já referida lei que regula o transporte ferroviário. Pois, segundo eles, a lei fala
de proibição, mas não autoriza a apreensão de mercadorias dos ambulantes,
muito menos o uso de violência contra os mesmos.
No entanto, ao mesmo tempo em que a SuperVia diminuiu a fiscalização
diminuiu também a participação política e de classe dos ambulantes, inclusive
a ―contribuição sindical‖ que servia para a manutenção da sede da Associação
e do boletim informativo. Segundo a própria fala do informante: ―Era uma coisa
mínima: R$ 10,00, por mês para ajudar a manter a Associação e o pessoal não
35
A repressão contra esta população não deve ser vista como algo isolado, pois ela é igualmente perversa em outros espaços, vide os camelôs de rua, os ambulantes de praias e eventos públicos, ou mesmo os ambulantes de ônibus. Ela também não é uma particularidade do Rio, visto que em outras metrópoles ela é tão ou mais severa que por aqui. Em São Paulo, por exemplo, a prefeitura vem abertamente restringindo os direitos dos ambulantes a ocupação do espaço público: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/05/kassab-revoga-decreto-que-permitia-ambulantes-em-ruas-de-sao-paulo.html Acesso em 31 de janeiro de 2013. http://ponto.outraspalavras.net/2012/06/05/fim-comercio-ambulante-ou-fim-dos-ambulantes/ Acesso: 19 de março de 2012.
68
continuou... quando a SuperVia afrouxou, correram‖ (J.G., ambulante, 25 anos
no trem). Hoje a Associação não tem mais sede, nem boletim informativo.
Interessante notar que o mesmo elemento que motivou o surgimento de
uma organização coletiva, ou seja, a repressão da atividade por parte da
concessionária, foi o mesmo que colaborou para o seu esfriamento, na medida
que passou a ser menos frequente.
Entretanto, importa dizer que estas apreensões ainda existem. Durante as
observações de campo, pudemos perceber as tensões constantes a que estão
submetidos estes trabalhadores. Destaco uma cena para efeito de ilustração:
dentro de um vagão, três adolescentes ambulantes colaboravam entre si na
venda de DVD´s, quando estes, após a venda, se preparavam para sair, mas
notaram que naquela estação havia a presença de um agente de segurança
que havia tomado a mercadoria de um deles, dias antes. Diante do obstáculo,
eles não desembarcaram naquela estação. Os reflexos desta tensão também
se fizeram presentes na dinâmica da realização das entrevistas, conforme se
verá no próximo capítulo.
Neste capítulo procuramos apresentar o panorama do trabalho informal a
partir do espaço dos trens do ramal de Santa Cruz. Para tanto, percorremos
historicamente o desenvolvimento deste tipo de transportes, e a sua função
estratégica no desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro e da região
metropolitana fluminense ao redor.
Outro elemento que demos destaque foi à descrição da sociabilidade que
envolve diversos atores sociais que convivem neste espaço do trem, entre eles,
o trabalho informal dos ambulantes, objeto de reflexão nesta pesquisa. No
69
próximo capítulo nos deteremos na especificidade da atividade ambulante no
trem, através da análise das entrevistas realizadas com os mesmos.
70
Capítulo 3 – A TRAJETÓRIA DE TRABALHO DOS AMBULANTES DOS
TRENS DE SANTA CRUZ
“O Espaço é curto quase um curral/ Na mochila amassada uma quentinha abafada/ Sou mais um no Brasil da Central/ Da minhoca de metal que corta as ruas/ É... como um concorde apressado cheio de força/ Que voa, voa mais pesado que o ar/ É o avião, o avião, o avião do trabalhador”.
Rodo Cotidiano- O Rappa
No presente capítulo apresentaremos o trabalho ambulante no trem
através da análise do perfil de cada um dos tipos de trabalho ambulante
desenvolvido no espaço dos trens do ramal de Santa Cruz.
Para isso faremos, inicialmente, um breve relato sobre o percurso
metodológico empreendido no trabalho de campo e logo após faremos uma
síntese das entrevistas realizadas, destacando a vivência particular de cada
ambulante com relação à trama maior do trabalho informal na qual estão
inseridos.
Por fim, descreveremos o perfil tanto dos ambulantes ligados às
empresas, como os não ligados às mesmas.
Objetivamos neste capítulo captar as semelhanças e diferenças entre
esses diferentes atores sociais, de modo a tornar mais visível as experiências
vivenciadas no trabalho ambulante no trem e a sua relação com o contexto
estrutural do mundo do trabalho, ao qual estão submetidos os trabalhadores
informais.
71
3.1- Caracterização da pesquisa de campo para as entrevistas
O trabalho de campo para as entrevistas aconteceu quase que ao mesmo
tempo das demais fases desta pesquisa. Isto permitiu a visualização na
realidade concreta das situações vivenciadas pelos trabalhadores ambulantes,
junto com a apreciação do acervo teórico sobre o tema da informalidade do
trabalho.
Conforme já destacado anteriormente, esta fase compreendeu o exercício
de observação da realidade, com o auxílio de um roteiro de observação de
campo. Seguidamente, o cume deste processo de trabalho de campo foi à
realização das entrevistas com os ambulantes que atuam nos trens do ramal
de Santa Cruz. As entrevistas foram realizadas entre o dia 30 de novembro e
26 de dezembro de 2012.
Também como já destacado, existe uma heterogeneidade entre esses
atores, no que diz respeito às condições de atuação neste espaço. Para isso,
foi preciso nesta pesquisa captar as peculiaridades destes dois tipos de
trabalhadores ambulantes, que nesta pesquisa denominamos: os ambulantes
ligados às empresas e os ambulantes soltos.
Os primeiros gozam de certa estabilidade de atuação por parte da
concessionária, tendo autorização da mesma para exercer a atividade
comercial. Os segundos são alvo frequente das operações e fiscalizações,
tendo muitas vezes, as mercadorias apreendidas em razão da ausência desta
permissão.
72
Entretanto, essa é só uma diferença a respeito das condições de
exercício de trabalho, pois outros fatores, conforme veremos nos próximos
itens, são muito semelhantes.
O processo de realização das entrevistas foi bem conturbado como já era
previsto. A situação irregular do trabalho cria um ambiente de desconfiança
para a abordagem dessa natureza. Devido ao ―clima repressivo‖, obtive muitas
negativas às entrevistas em diversas abordagens aos ambulantes,
especialmente entre os estratos dos ambulantes soltos. Ao todo realizamos 39
abordagens aos ambulantes (entre legalizados e não legalizados), destas
conseguimos 12 entrevistas (6 de ambulantes ligados às empresas e 6 de
ambulantes soltos, não ligados às empresas). De fato foram 23 recusas e 4
entrevistas interrompidas, por desistência dos próprios informantes.
O grande número de recusas é bastante sintomático, pois revela o
constante estado de tensão ao qual estão submetidos esses trabalhadores no
dia a dia de seu trabalho. Cabe destacar que todos os ambulantes que se
recusaram a participar da entrevista, ou desistiram, eram trabalhadores
ambulantes soltos. Dois fatores estão por trás desse fenômeno. O primeiro, e
principal é a questão da segurança; a possibilidade de perder a mercadoria nas
ações de segurança da SuperVia, faz com que esses sujeitos sejam, e com
razão, desconfiados em qualquer abordagem que não seja a venda de seus
produtos. O segundo diz respeito ao próprio processo de trabalho desses
ambulantes, que tendo tão somente o seu sustento através do ganho de suas
vendas, o fator tempo é um aliado indispensável, de modo que ―tempo é
dinheiro‖, conforme um mesmo justificou-se ao recusar a entrevista.
73
Estes fatores foram um obstáculo ao desenvolvimento desta etapa do
trabalho de campo da pesquisa, conforme antevisto na preparação da mesma.
Entretanto, tivemos que nos utilizar de alguns artifícios para lograr êxito na
concretização da pesquisa. Para tanto tivemos que parecer mais ―parte do
meio‖ no qual eles estavam inseridos, de modo a conquistar a confiança
destes. Percebemos que ao fazer a abordagem trajando vestimentas mais
despojadas, obtínhamos mais sucesso de aproximação. Outra estratégia usada
foi à abordagem indireta, começando por uma conversa informal como mais um
passageiro consumidor de seus produtos, conquistando, aos poucos a
confiança dos mesmos.
Entre os trabalhadores ligados às empresas, a dificuldade de angariar
informantes não foi uma realidade, dada a situação mais confortável que estes
dispõem para o exercício de seu trabalho nos trens.
Outra adaptação que tivemos que fazer foi a da não realização das
gravações das entrevistas, visto que muitos dos ambulantes não permitiram,
pelos motivos acima relatados. Mesmo as que conseguimos gravar, não
ficaram com boa qualidade para a posterior transcrição, em razão da
quantidade de ruídos nas estações e trens, bem como as constantes
interrupções causadas pelos passageiros e ambulantes, que, muitas vezes,
continuavam a trabalhar durante a realização das entrevistas36.
No próximo item apresentamos uma síntese do conjunto das entrevistas
realizadas com os ambulantes. Cabe destacar que a ordem das mesmas,
36
Por este motivo, conforme se verá, ao destacarmos as falas dos entrevistados, mantivemos as aspas nas respostas literais dadas pelos mesmos. No entanto, quando a o registro da fala não pode ser capitado em sua íntegra, fizemos um apanhado da resposta, que apresentaremos nas respostas sem as devidas aspas.
74
segue a ordem cronológica da realização, e não o tipo de vinculação que estes
ambulantes possuem com as empresas que operam o comércio informal no
interior da SuperVia.
Nos itens 3.3 e 3.4 é que iremos examinar separadamente as
peculiaridades de cada um desses tipos de trabalhadores ambulantes no
interior deste espaço.
3.2- “O retrato falado” dos ambulantes no trem: trabalho e trajetória de
vida
Deolinda37
Deolinda é uma trabalhadora ambulante ligada à empresa PepsiCo38.
Negra, de idade avançada mas ainda trabalhando,72 anos. Em outras
condições já estaria a esta altura da vida gozando do merecido descanso de
sua aposentadoria. No entanto, mesmo já tendo exercido na vida várias
ocupações, a maior parte delas não fez com que esta senhora fosse, de fato,
uma ―cidadã completa‖: a ausência de regulação formal de trabalho e a longa
permanência em vínculos precários de trabalho retardaram o seu direito ao
37
Resguardando o sigilo das informações dos sujeitos desta pesquisa, utilizamos o recurso do codinome para denominá-los. Para isso nos utilizamos de nomes comuns brasileiros. 38
A PepsiCo é um conglomerado norte-americano fundado em 1965, da fusão resultante entre fusão entre a Pepsi e a Frito-Lay. Seus principais produtos são a bebida homônima à sua empresa, Pepsi, o repositor Gatorade e os salgados Elma Chips. A PepsiCo está entre as cinquenta maiores empresas do mundo e no Brasil alguns de seus produtos são distribuídos pela Ambev. Em novembro de 2011 o grupo comprou, em sua totalidade, as indústrias de biscoito da Mabel, com a intenção de reforçar o portfólio de produtos do conglomerado americano no Brasil
. Entre
as principais marcas controladas pela empresa estão, além das já citadas: a Toddy, Toddynho, Sukita, Quaker Oats, Clube Cheetos, H2OH!, TEEM, Lucky, Trop Coco, Kero Coco e a Frutzzz.
Fonte: www.pepsico.com.br/ Acesso em: Março de 2013.
75
merecido descanso e ócio do não-trabalho. Por isso agora, mesmo apesar da
idade, inseriu-se no trabalho ambulante no trem.
Orgulhosa de sua condição trabalhadora, apesar de sua precariedade,
revelou-me: ―já fiz de tudo na vida, só nunca roubei e matei!‖ Com os poucos
rendimentos que ganha nesta atividade paga a previdência social,
individualmente, como autônoma, ainda restando 10 anos para poder gozar do
direito à aposentadoria, ou seja, quando tiver 82, se ainda estiver viva.
Ela tem o ensino fundamental incompleto, tendo cursado somente a
primeira série, entretanto, não completou o letramento, sendo, na verdade
analfabeta funcional.
Moradora de Paciência, ingressou no trabalho no trem há pouco tempo (1
ano), por meio de ―conhecimento‖ do filho, que também é ambulante, mas não
ligado à empresas; o filho é ambulante solto. Ela conta com a ajuda deste para
o transporte de suas mercadorias, tanto na hora do início do trabalho, quanto
para a retirada, no final do dia.
Vende produtos que pertencem ao conglomerado da PepsiCo (balas,
biscoitos, água e refrigerantes). Na verdade, quando lhe perguntei para qual
empresa trabalhava, não soube informar, apontando para uma das logomarcas
estampadas em seu colete azul – característico deste tipo de ambulante ligado
à empresa- na verdade a marca sinalizada era a “Elma Chips”, uma das
dezenas de marcas comerciais controladas pela companhia PepsiCo.
Ela realiza essas vendas, sem se deslocar, mas de maneira fixa, na
estação terminal de Santa Cruz, ainda que não tenha uma barraca para a
exposição das mercadorias. No entanto, utiliza-se dos bancos de concreto da
76
própria estação para instalar-se. Gasta em média seis horas por dia nesta
atividade sacrificante, para uma senhora de sua idade, e o ganho advindo
deste trabalho serve para sua própria subsistência, uma vez que mora sozinha,
no bairro de Paciência.
Emanuel
É um ambulante solto, não tendo ligação com nenhuma empresa. Negro,
43 anos, é morador de rua desde que perdeu a casa em um incêndio e não
tinha mais família e ninguém com quem contar. Precisando ―ganhar o pão de
cada dia‖ para continuar vivendo, conforme sua própria fala, ingressou neste
trabalho.
No trabalho do trem já se encontra há 11 anos, mas possui experiência
anterior de vínculos estáveis de trabalho (com carteira assinada), que deixou
por problemas de saúde, decorrentes da atividade laborativa que realizava. Ele
era pintor e adquiriu uma doença respiratória incapacitante para o trabalho,
permanecendo por anos em auxílio doença, até ser definitivamente afastado do
trabalho. Não está satisfeito com o trabalho no trem, que segundo ele é ―um
sofrimento, vida louca!‖, mas diz-se sem possibilidades de ―outras escolhas‖,
pois possui baixa escolaridade (4ª do ensino fundamental), é doente e um ―sem
teto‖. Inclusive, este último dado é fator impeditivo que ele acesse os serviços
de saúde, uma vez que ele não tem um endereço certo.
Eduardo
Trabalhador ambulante ligado à empresa do grupo O Dia (jornal Meia
Hora). Branco, 23 anos, possui experiência anterior de trabalho formalizado,
77
mas não menos precário, como atendente da rede mundial de fast food Mc
Donalds, bem como de trabalhos concomitantes ao realizado nos trens.
No trem vende jornais, fora é faxineiro, fazendo diárias em
estabelecimentos comerciais em Bangu. Ou seja, acumula atividades
informalizadas, uma vez que somente com a soma das quantias financeiras de
todas elas, é possível manter um padrão mínimo de subsistência. Além disso,
também vende jornais, eventualmente, na banca de um amigo. Ele mora com a
namorada, que depende financeiramente dele. No trem costuma faturar em
torno de R$ 500,00 - variando conforme a frequência39 - fora do trem ganha
aproximadamente a mesma quantia, a depender também do número de faxinas
que consegue fazer na semana. Inseriu-se no trabalho no trem por meio de um
―agenciador‖, mas não quis entrar em muito detalhe a respeito. Manifestou
descontentamento com a atividade realizada nos trens, mas disse precisar do
dinheiro que ganha.
Domingos
É um trabalhador ambulante solto. Pardo, 56 anos, possui uma longa
trajetória de experiências diversas de trabalho (ajudante de pedreiro,
verdureiro, porteiro e faxineiro), tendo iniciado a vida laborativa aos 16 anos.
No entanto, não conseguiu mais se inserir no mercado formal de trabalho,
por insuficiências de escolaridade. Ele possui o ensino fundamental completo,
todavia, para as suas duas últimas funções trabalhadas com vínculo
empregatício – porteiro e auxiliar de serviços gerais- passou a exigir o ensino
39
Discorreremos sobre esta peculiaridade no item 3.3.
78
médio40. Tendo seis pessoas dependentes de seu trabalho, para ―poder
sobreviver‖ teve que, conforme a fala do próprio ―se virar como pode para
sustentar sua família‖.
Já dividiu o trem com outras experiências de trabalho, quando tinha ―um
vínculo mais independente‖ (ajudante de pedreiro e pintor) para complementar
a renda, mas deixou de fazer este ―bico‖ quando ―começou a trabalhar de
carteira assinada‖.
Domingos não quer continuar no trabalho ambulante no trem, por isso
retornou aos estudos, almejando reinserir-se nas suas antigas atividades
laborativas. A experiência dele parece não ser um fato isolado, uma vez, que
muitos trabalhadores ambulantes vislumbram a atividade no trem como algo
temporário, mas que acaba sendo, na verdade, prolongada por um período
cada vez mais longo, quando não, servindo de atividade eventual, entre os
intervalos de atividades de trabalhos mais estáveis, ou concomitantemente a
outros trabalhos.
João
Trabalhador ambulante ligado à empresa Nestlè41. Pardo, 47 anos. O
trem não foi a sua primeira experiência de trabalho, tendo já trabalhado como
40
Vê-se a partir destas novas exigências, as transformações técnico–informacionais que se operaram no mundo do trabalho, requerendo, por sua vez, mão de obra cada vez mais qualificada. Pense-se, por exemplo, das requisições de um porteiro há 20 anos, antes da incorporação da informática, e as habilidades exigidas deste mesmo trabalhador, quando estas novas tecnologias são incorporadas em seu processo de trabalho. 41
A Nestlé é uma empresa Suíça, fundada em 1866, quando Henri Nestlé lançou a farinha láctea, um alimento especial para crianças, à base de cereais e leite. A Nestlé atua em doze segmentos de mercado: leites, cafés, culinários, achocolatados, cereais, biscoitos, nutrição, chocolates, refrigerados, sorvetes, food services e pet care. Em 1905, uniu-se à Anglo-Swiss Condensed Milk Co. que desde 1866 era um importante fabricante de leite condensado. Um dos carros chefe da empresa, o leite condensado, começou a ser produzido no Brasil ao lado da farinha láctea. Voltada essencialmente para a nutrição humana, a Nestlé diversificou suas atividades a partir da década de 1970 [época do auge da reestruturação produtiva], passando
79
vigia noturno para algumas lojas em Bangu, bem como outros ―bicos‖.
Ingressou no trabalho ambulante no trem após situação de desemprego, sendo
indicado por meio de um amigo sobre a possibilidade de ―trabalhar na Nestlè‖.
No trem vende biscoitos, chocolates, água, entre outros produtos da
referida empresa. Possui mulher e filhos que dependem diretamente de seus
rendimentos, que giram em torno de R$ 500,00 e R$ 600,00 ao mês,
dependendo do número de vendas. Ao contrário do que pensara, não é um
empregado da Nestlè, mas, no entanto, colabora para o acúmulo de capital
desta empresa, tanto ou mais do que qualquer outro funcionário desta
companhia. Dado o seu vínculo não empregatício com a empresa, por
exemplo, não há a obrigatoriedade de recolhimento previdenciário, que no caso
é feito individualmente pelo próprio trabalhador.
Gosta do trabalho que realiza, mas diz que se tivesse uma oportunidade
em um trabalho melhor, aceitaria. Costuma trabalhar, em média, 9 horas por
dia, 6 dias por semana.
Antônio
Ambulante ligado à empresa Nestlè. Negro, 63 anos. Deficiente físico, ele
trabalha no trem há 14 anos. Este não é seu primeiro contato com o trabalho
ambulante no interior dos trens, pois, quando criança, exerceu a atividade no
local, vendendo mariola para completar a renda da família. Quando retornou
aos trens, após o acidente que o deixou paraplégico, era alvo constante das
também a atuar nos segmentos farmacêutico (Alcon), cosmético (L´Oreal) e de alimentos para animais de estimação (Friskies Alpo e Ralston Purina). Fonte: http://www.nestle.com.br/site/home.aspx Acesso em: Abril de 2013.
80
apreensões de mercadorias dos agentes de segurança da SuperVia, uma vez
que, devido a dificuldade de acesso às composições, costumava vender nas
plataformas das estações. De fato, cadeira de rodas e ―pega de rapa‖ não
combinam.
Por causa de sua nova condição teve que optar pelo ―trabalho sem
riscos‖, se vinculando a empresa. Não está contente com o trabalho, mas
resigna-se com o que tem para sobreviver, mesmo ganhando menos do que
poderia ganhar como um ―ambulante autônomo‖.
Joana
Ela é uma ambulante ligada à Tim42 (vende chips de celulares desta
operadora de telefonia móvel). Branca, 27 anos.
Joana, vendo-se diante de uma situação de sobrevivência imediata,
instalada em sua vida a partir da morte do pai de sua filha, encontrou no
exercício do trabalho ambulante no trem, a possibilidade de equacionar o
sustento próprio, mas principalmente de sua filha. A partir daí, outras
mudanças se operaram em sua vida, como a necessidade de deixar a casa na
qual morava, por não conseguir sustentá-la sozinha e o imperativo do retorno à
casa de sua mãe; necessitando trabalhar para dividir as despesas domésticas.
Entre todos os entrevistados, Joana, é a que possui maior grau de
mobilidade, atuando em vários ramais (Deodoro, Japeri e Santa Cruz). Hoje ela
42
A Telecom Italia Mobile (TIM) é uma empresa de telefonia celular com sede na Itália, atuante
também no Brasil. Na Europa faz parte da FreeMove alliance. No Brasil a TIM é formada por duas empresas: TIM Celular S.A. e Intelig. Ambas pertencem à TIM Participações, que é controlada pela TIM Brasil S.A. A holding brasileira, com sede na cidade do Rio de Janeiro, é subordinada à TIM International. Fonte: www.tim.com.br Acesso em março de 2013.
81
exerce outras atividades laborativas concomitantes ao trabalho no trem, como
o trabalho nos fins de semana como ―fritadeira‖ em festas infantis.
Tem o trabalho no trem como algo temporário na sua vida: ―É uma
oportunidade interessante para se trabalhar, mas não é algo que se pode se
dizer ‗decente‘. Para mim é uma coisa temporária, até conseguir algo melhor‖.
Mas é grata pela chance que o trem lhe deu nestes 5 anos de trabalho: ―há
uma certa oportunidade interessante para se trabalhar, pois possibilita uma
liberdade, principalmente em relação aos horários de trabalho‖. A triste sina da
liberdade constrangida pela necessidade que é comum nas narrativas dos
trabalhadores ambulantes.
Severino
Trabalhador ambulante solto. Pardo, 16 anos e já há dois anos
trabalhando nos trens. O adolescente, ainda em idade escolar, sendo arrimo de
família, diante da extrema pobreza da mesma (composta por 4 pessoas entre
irmãos e mãe), vê a sua situação ficar mais dramática, após a morte do pai,
que era o provedor do lar. Deste modo, a ―obrigação moral‖ do filho mais velho
(mesmo que este filho mais velho tenha apenas 14 anos) falou mais alto. De
uma hora para outra se tornou homem adulto e trem foi o cenário desse novo
estágio de vida antecipado.
Disse estar prestes a deixar a escola (está na 8ª série do ensino
fundamental), pois não gosta de estudar. Os sonhos juvenis e o gosto da
liberdade de ―ser um homem‖ já parecem dominar o rapaz, que já não enxerga
mais na escolarização a possibilidade de outros horizontes de vida e de
superação de desigualdades. Para ele, o trabalho no trem é ―um divertimento,
82
uma distração‖, mas destaca as suas dificuldades com os agentes de
segurança da SuperVia, que segundo suas palavras, empreendem um
verdadeiro ―jogo de gato e rato‖. Para além de uma imposição da vida, o
trabalho no trem guarda certa impressão lúdica aos olhos desse jovem que mal
deixou de ser criança.
Vilma
Trabalhadora ambulante ligada à empresa Nestlè. Parda, 46 anos.
Ingressou no trabalho ambulante no trem após desemprego e separação do
marido. Foi babá de três famílias, antes de entrar no trem. Também passou por
várias atividades informais de trabalho, até entrar no trem, onde atua há 6
anos.
Não vê vantagens no trabalho ambulante do trem, diz que é um trabalho
muito pesado, só o faz por necessidade. Afirma que esta atividade é transitória,
só aguarda o tempo de se aposentar, pois quer abrir o seu ―próprio negócio‖
(um pequeno comércio de doces). O ―bicho‖ da ―ideologia empreendedora‖,
muitas vezes incutida no trabalhador ambulante, parece ter ―picado‖ esta
trabalhadora, de tal modo que almeja ser a dona de seu próprio negócio.
Marina
Trabalhadora ambulante não ligada às empresas. Negra, 37 anos. Fixou-
se no trabalho no trem há 10 anos, após perder o suporte financeiro do marido
que a deixou para contrair uma nova relação conjugal. Antes deste trabalho,
vendia bijuterias, autonomamente, mas foi obrigada a deixar esta atividade
comercial por exigência do marido à época, vivendo, desde então, sobre a
dependência econômica dele.
83
No trem ela vende DVDs ―pirateados‖, uma atividade lucrativa, mas
perigosa, por se tratar de ―algo ilegal‖. Costuma faturar, por mês cerca de R$
1.200,00, com o qual sustenta sua casa com duas filhas adolescentes. A filha
mais velha, a auxilia na reprodução das cópias da mercadoria, não recebendo
nada por isso, pois segundo ela ―a comida na mesa já é o bastante!‖ O auxílio
de mão de obra não paga, especialmente familiar, não é um fenômeno
estranho ao modo de trabalho informal. Isso em uma dimensão particular
parece uma estratégia de sobrevivência e colaboração. Na esfera mais ampla
colabora com a maximização dos lucros do capital e a contínua pressão sobre
o restante da força de trabalho.
Não tem outras perspectivas com relação ao trabalho, pois para ela, o
trabalho no trem ―é algo difícil, mas com o tempo me acostumei, sabe como é,
a necessidade se torna a nossa vontade‖.
Francisco
Trabalhador ambulante solto, não ligado a nenhuma empresa. Trata-se de
um adolescente, negro, 16 anos, que há dois anos está trabalhando como
ambulante nos trens. Começou a exercer a atividade desde que o pai deixou a
família: ―tive que ajudar minha mãe, a gente estava numa situação difícil‖.
Novamente a questão de gênero ligada a ―obrigação moral do filho homem‖
aparece como determinante no ingresso precoce ao mundo do trabalho.
Com os seus ganhos ele é um importante componente para o sustento de
sua casa, por mês colaborando com cerca de R$ 400,00, que são somados à
renda da mãe, que assim como o filho, vende empadinhas. Ela como
ambulante na rua. Ele como ambulante no trem. O restante da família participa
84
da produção, sem remuneração ―só não vem para a rua porque são novos e
minha mãe não deixa‖. Acha o trabalho no trem divertido, seu corpo franzino
avança com destreza entre os passageiros no interior dos vagões. Quem o vê
alegre, entre piadas e jingles não advinha, que apesar do corpo magro e
pequeno, com a coluna vertebral levemente deformada pelo peso da caixa de
isopor, que aquele não é menino de 11 anos, mas um adolescente com
grandes responsabilidades de adulto.
Ele diz manter os estudos (está na7ª série do ensino fundamental) e
pretende concluir o ensino médio, não tendo, por hora, dificuldades na
manutenção destas duas atividades na sua vida. Resta ao futuro testemunhar
se a realidade dura da vida no trem não diminuirá o ânimo pela escolarização.
Maria
É uma trabalhadora ambulante solta. Branca, 21 anos. Veio para o Rio
atrás de ―melhores chances de emprego‖, deixando para isso, sua terra natal,
Alagoas. Devido a sua ―falta de referências e escolaridade‖, como disse, não
conseguiu melhores ocupações. Por usar o trem e morar próximo da estação
―uniu o útil ao agradável‖, inserindo-se, então no trabalho no trem.
Interessante destacar que a mesma já tinha experiência de trabalho
informal no nordeste, como vendedora de praia. Assim, os ―sonhos de
melhores condições‖ de sobrevivência em outro estado, logo foram frustrados.
No Rio de Janeiro não encontrou nada de diferente do que já vivenciara em
seu lugar de origem. Desta forma, passado e presente parecem formar um
tempo contínuo, sem perspectivas de mudanças. Atua no ramal de Santa Cruz,
85
mas eventualmente também no ramal de Japeri, não vendo diferenças no
exercício de trabalho entre ambos.
Embora tenha abandonado os estudos, vê neste um ―trampolim‖ para
conseguir melhores oportunidades de trabalho além do trem ―É muito difícil (o
trabalho ambulante no trem), mas eu quero mais, pois isso não é vida não. Mas
como não tenho estudo é o que sobrou para mim, por isso pretendo estudar
mais para poder sair daqui‖.
Também recebe ajuda de familiares na compra e preparação de seus
produtos de venda: ―Minha tia e minhas primas ajudam a embalar os produtos
(amendoim e balas) e também compram as mercadorias para mim‖, não
recebendo remuneração por isso. Relatou situações de violência por parte dos
agentes de segurança, bem como de conflitos entre os próprios ambulantes.
***
Estas são as sínteses das histórias de vida de todos os trabalhadores
ambulantes entrevistados nesta pesquisa. Nossa intenção foi apresentar um
panorama sobre as particularidades de cada experiência de vida e de trabalho,
que de algum modo, em maior ou menor medida, faz com que a experiência
social do trabalho informal se assemelhem, não obstante algumas
particularidades distintas, conforme apresentaremos a seguir.
86
3.3- Quem são os trabalhadores ambulantes ligados às empresas?
Neste item faremos um traçado do perfil dos trabalhadores ambulantes
ligados às empresas e, para isso, apresentaremos alguns gráficos,
confeccionados a partir de 20 variáveis divididas em blocos temáticos:
Bloco1 (dados gerais): gênero; faixa etária; cor/raça; empresa
contratante/fornecedora; escolaridade e bairro onde reside.
Bloco 2 (trajetória de trabalho): motivos da inserção no trabalho
ambulante no trem; o trem como primeira experiência de trabalho; tempo de
trabalho no trem; ramal de atuação; concomitância de trabalho paralelo ao do
trem.
Bloco 3 (A relação das empresas fornecedoras e os ambulantes): tipo de
vínculo com a empresa; como tomou conhecimento do trabalho; rendimentos
mensais; produtos; pessoas que dependem da renda.
Bloco 4 (Percepções sobre o trabalho no trem e a relação com os demais
ambulantes não ligados às empresas): vantagens/desvantagens do trabalho;
horas de trabalho; dias de trabalho; diferenças entre os demais ambulantes não
ligados às empresas.
87
Bloco 1: Dados gerais
GRÁFICO 1
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Há entre os trabalhadores da amostra uma paridade entre homens e
mulheres, ainda que na realidade, conforme na observação de campo exista
uma predominância de um perfil masculino entre os ambulantes. No entanto,
quando comparado com os demais ambulantes não ligados as empresas
(conforme veremos no próximo item) há entre os ligados às empresas uma
composição feminina mais significativa.
GRÁFICO 2
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
50%50%
GÊNERO
Masculino (3)
Feminino (3)
34%
33%
33%
Faixa etária
23 a 30 anos
31 a 59 anos
60 a 72 anos
88
.
Na amostra há uma paridade entre as faixas etárias, contendo dois em
cada uma: a primeira faixa composta de jovens de 23 a 30 anos (um ambulante
com 23 anos, outra com 27), a segunda formada por adultos de 31 a 59 anos
(uma ambulante com 46 anos e outra com 46) e a terceira faixa
compreendendo pessoas mais idosas 60 a 72 (um ambulante com 63 anos e
outra com 72).
Tornamos a chamar a atenção para a presença de uma idosa, de 72
anos, ainda em exercício de trabalho. O ―leque de opções‖ de trabalho precário
que lhe foi oferecido ao longo da vida, não foram suficientes para que ela,
nesta altura de sua vida, pudesse já estar aposentada.
GRÁFICO 3
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Neste item também verificamos um equilíbrio entre as classificações,
contendo (2) trabalhadores em cada categoria.
34%
33%
33%
Cor\raça
Negra (2)
Parda (2)
Branca (2)
89
Cabe destacar que na realização das entrevistas seguimos a mesma
metodologia empregada pelo IBGE que define cor ou raça segundo as
―características declaradas pelas pessoas de acordo com as seguintes opções:
branca, preta, amarela, parda ou indígena‖43.
Este equilíbrio entre os perfis étnicos não será o mesmo quando
analisarmos os trabalhadores ambulantes soltos (GRÁFICO 3B), no qual se
verificará um maior percentual de negros e pardos.
GRÁFICO 4
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Metade dos entrevistados (3) tem contrato com a empresa Nestlè, os
demais estão ligados a outras empresas: a companhia telefônica Tim (1), ao
grupo O Dia comunicações – jornal Meia Hora (1) e a companhia PepsiCo do
Brasil (1).
43
Conforme IBGE, disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm. Acesso em Fevereiro de 2013.
50%
16%
17%
17%
EMPRESA CONTRATANTE/FORNECEDORA
Nestlè (3) Tim (1) O Dia (Meia Hora) (1) PepsiCo (1)
90
A amostra reflete bem a realidade observada em campo, donde é mais
perceptível a visualização, entre os ambulantes ligados às empresas, dos que
possuem coletes de identificação da Nestlè.
No entanto, o caráter desse ―pertencimento‖, ou seja, do vínculo
empreendido entre as empresas e os ambulantes analisaremos mais adiante
(GRÁFICO 12).
GRÁFICO 5
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Entre os trabalhadores com ensino fundamental incompleto está a
ambulante mais velha, de 72 anos, tendo estudado até o primeiro ano do
ensino fundamental. O outro de 47 anos cursou até a 7ª série do mesmo
segmento.
No grupo dos trabalhadores com ensino fundamental completo tem um
ambulante de 63 anos e outro, o mais jovem dos entrevistados, com 23 anos.
Entre os trabalhadores que possuem ensino médio incompleto (2),
encontram-se 2 mulheres: uma de 27 anos e outra de 46.
34%
33%
33%
Escolaridade
Fundamental incompleto (2) Fundamental Completo (2)
Médio incompleto (2)
91
Tais dados parecem apontar uma interessante relação entre escolaridade,
geração e gênero, donde se verifica, em geral, menor escolaridade entre os
mais velhos. Seguindo tendência inversamente proporcional entre as mulheres
mais jovens, que em relação aos homens da mesma idade, tendem a ter mais
anos de estudo.
GRÁFICO 6
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
A maior parte dos entrevistados (83%) mora em bairros atendidos pelo
ramal de Santa Cruz (Aldeia da Prata, Guilherme da Silveira e Senador
Camará, esses pertencentes à região da grande Bangu; e Vilar Carioca e
Paciência, nas imediações de Campo Grande). Somente 1 (17%), reside em
Ricardo de Albuquerque, bairro coberto pelo ramal de Japeri.
Este dado parece ser a primeira demonstração de fixação da realização
do trabalho nas proximidades de casa, revelando pouca diversidade de
mobilidade no exercício da atividade laboral em pontos mais distantes da
habitação. Aprofundaremos mais essa questão adiante, quando analisarmos o
ramal de atuação desses trabalhadores.
83%
17%
Bairro onde reside
Bairros atendidos pelo ramal de S. Cruz (5) Bairro não atendido pelo ramal (1)
92
Bloco 2: Trajetória pessoal de trabalho:
GRÁFICO7
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Embora tenhamos feito a distinção entre desemprego e necessidade de
sobrevivência é evidente que em todas as respostas estão subjacentes a
necessidade imediata de subsistência. No entanto, aqui fizemos uma
separação das respostas em que a situação de desemprego apareceu na fala
mais claramente, como algo determinante, mas sabemos, que em maior ou
menor medida este dado também está presente nas demais respostas.
Entre os entrevistados, foi constatada a presença de um retorno à
atividade ambulante no trem: Antônio, 63 anos, 14 anos no trem, que, quando
criança, trabalhou nos trens vendendo mariola para complementar a renda da
família. Retornou à atividade, após tornar-se deficiente físico, aos 49 anos de
idade. Interessante notar que quando retornou ao trabalho ambulante, exercia
a atividade nas estações, mas por ser ―irregular‖ perdia as mercadorias com
33%
50%
17%
Motivos da inserção no trabalho ambulante no trem
Desemprego (2)
Necessidade de sobrevivência imediata (3)
Retono a atividade anteriormente exercida (1)
93
frequência, pois não podia correr. Então decidiu trabalhar para a Nestlé, apesar
de ganhar menos.
GRÁFICO 8
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
A maior parte dos entrevistados (4) não tem o trabalho ambulante como a
primeira experiência de trabalho:
Não. Trabalhava anteriormente como vigia noturno para algumas lojas em Bangu, bem como outros ―bicos‖ (João, 47 anos, 7 anos no trem).
Passou a trabalhar depois da separação do marido. Foi babá de três famílias, antes de entrar no trem (Vilma, 46 anos, 6 anos no trem).
Não, trabalhou no Mc Donalds e em uma lanchonete perto de casa (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).
Não. Já foi faxineira, agricultora, diarista, entre outros... ―Só nunca roubou e matou‖ (Deolinda, 72 anos, 1 ano no trem).
Somente dois entrevistados (32%) da amostra disseram ser o trem a
primeira experiência de trabalho. O primeiro caso (Antônio) deu-se na infância,
conforme já destacado na análise do gráfico anterior. O segundo foi a de
33%
67%
O trem como primeira experiência de trabalho
Sim (2)
Não (4)
94
Joana, 27 anos, que há 5 anos inseriu-se no trabalho no trem para o sustento
próprio e o da filha, órfã de pai.
GRÁFICO 9
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Metade dos ambulantes ligados às empresas, trabalham entre 5 e 7 anos
no trem (Joana, 5; Vilma, 6 e João, 7). Dois exercem a atividade há menos
tempo (Deolinda, 1 ano e Eduardo 2 anos), são os casos da mais velha e do
mais jovem da amostra. Somente um registra longos anos na mesma atividade
(Antônio, com 14 anos no trabalho ambulante).
33%
50%
17%
Tempo de trabalho no trem
1 a 4 anos (2)
5 a 7 anos (3)
Mais de 7 anos (1)
95
GRÁFICO 10
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Todos os ambulantes entrevistados exercem a atividade no ramal de
Santa Cruz, no entanto, destes três o fazem exclusivamente neste único ramal;
outros dois revezam-se entre o de Santa Cruz e Deodoro; e há o caso de uma
ambulante, que exerce a atividade em três ramais (Santa Cruz, Deodoro e
Japeri). Há de se destacar que neste caso a trabalhadora em questão reside
em Ricardo de Albuquerque (conforme GRÁFICO 6), que fica próximo da
convergência dos três ramais, na estação de Deodoro, facilitando, portanto, o
seu deslocamento.
50%
17%
33%
Ramal de atuação
Somente S. Cruz (3)
Santa Cruz, Deodoro e Japeri (1)
Santa Cruz e Deodoro (2)
96
GRÁFICO 11
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Metade dos entrevistados afirmou acumular mais de um trabalho no
momento, dividindo o trabalho no trem com outras atividades laborativas:
Sim. Trabalha também numa casa de festas como fritadeira de
salgados nos finais de semana. (Joana, 27 anos, 5 anos no trem)
Sim. É vendedora de produtos cosméticos (Jequiti) (Vilma, 46 anos, 6
anos no trem).
Sim. Vende Jornais em banca de jornal, na parte da manhã e faz
―bicos‖ de diárias de faxina em estabelecimentos comerciais
(Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).
A insuficiência nos ganhos advindos do trabalho no trem, conforme
veremos, mais adiante, no GRÁFICO 14, parecem ser determinantes para o
acúmulo de outras funções igualmente precarizadas de trabalho.
50%50%
Concomitância de trabalho paralelo ao do trem
Sim (3)
Não (3)
97
Bloco 3: A relação das empresas fornecedoras e os ambulantes
GRÁFICO 12
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Os ambulantes não possuem vínculos empregatícios com as empresas,
mas somente fazem um contrato no qual é acordada algumas regras sobre o
fornecimento de materiais de acondicionamento de produtos, bem como de
fornecimento dos materiais a serem vendidos.
Os vendedores ambulantes recebem um percentual sobre as vendas que
realizam que varia de acordo com a empresa contratante:
Não existe vínculo formal como eu tinha antes, com a carteira assinada, existe um contrato que a gente assina que fala sobre a consignação dos produtos da empresa e o nosso percentual de ganho sobre as vendas (Vilma, 46 anos, 6 anos no trem).
Este dado é interessante, pois apesar de não haver vínculo formal de
trabalho com a empresa, há uma exigência característica de um trabalhador
com este vínculo.
Todos os ambulantes disseram não ter a carteira de trabalho assinada
pelas respectivas empresas contratantes. Nada mais oportuno às empresas do
Sem vínculo empregatício
100%
Tipo de vículo com a empresa
98
que ter ―funcionários‖ trabalhando, sem ter ônus quase nenhum para à sua
manutenção. Com isso é larga a maximização de seus lucros, dada a
economia que fazem com pagamento de pessoal, direitos trabalhistas e demais
compromissos contratuais.
As respectivas empresas contratantes não fazem recolhimento
previdenciário, no entanto, quando perguntamos aos trabalhadores se o faziam
individualmente quatro responderam que sim e dois não.
Conforme destaca Tiriba (2003) a informalidade sempre foi um ―bem
necessário‖ à flexibilização das relações entre capital e trabalho – processo
que, embora agudizado com as políticas neoliberais, acompanha toda a história
do capitalismo (2003, p 45).
Neste sentido, conforme vimos, as empresas contratantes (GRÁFICO 4),
entre elas grandes aglomerados empresariais, souberam utilizar-se muito bem
deste artifício de barateamento de força de trabalho, de modo que promovem a
circulação de suas mercadorias, sem o ônus salarial de uma mão de obra
trabalhadora tradicional.
99
GRÁFICO 13
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
O objetivo dessa variável era captar o modo de inserção neste tipo de
trabalho, visto que por meio da entrevista exploratória que fizemos com o
presidente da ASTRATERJ, o mesmo apontava a presença de agenciadores
ou conforme ele mesmo disse ―gatos‖, que intermediariam a contratação dos
ambulantes junto à empresa (no caso ele falou especificamente em relação à
empresa Nestlè).
Por isso também perguntamos se alguma taxa sobre os ganhos era
devida a alguém. De fato, a presença destes ―agenciadores‖ foi identificada nas
respostas dos ambulantes, no entanto, por meio das respostas dadas não foi
possível entender a complexidade dos atores envolvidos nesse processo:
―Estava desempregado e um amigo indicou e falou sobre essa
possibilidade‖ (João, 47 anos, 7 anos no trem).
―Estava precisando trabalhar e um amigo lhe falou sobre a
oportunidade de vender jornal no trem ‗dava um dinheirinho‘, aí me
interessei‖ (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).
Por meio de conhecimento do filho (Deolinda, 72 anos, 1 ano no
trem).
83%
17%
Como tomou conhecimento do trabalho
Por indicação de amigos e terceiros (5)
Não especificado (1)
100
No entanto, as respostas empreendidas não são conclusivas para
identificar a real função destes ―agenciadores‖. As respostas evasivas foram
mais evidentes no próximo gráfico, onde além da questão principal,
perguntamos se há pagamentos de taxas a alguém.
Entramos em contato com a SuperVia, pois pelas informações em seu
sítio eletrônico, é a própria concessionária quem organiza o trabalho das
empresas contratantes. No entanto, não logramos êxito nestes
esclarecimentos.
GRÁFICO 14
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Os dados desta questão complementam os do representado no
GRÁFICO 4. Na medida em que nas respostas dadas pelos trabalhadores
ambulantes, revelou-se o caráter do vínculo contratual empreendido entre eles
e as empresas. Conforme já destacado, apesar de inexistir vínculo que
caracterize emprego, é exigido dos trabalhadores um compromisso funcional,
16%
17%
67%
Rendimentos mensais
Não especificado (1) R$ 300 a R$ 500 (1) R$ 500 a 600 (4)
101
implicando, inclusive menor percentual de ganho se o mesmo faltar algum dia
de serviço:
―Dá para tirar uns R$ 500 por mês, mas ou menos, varia conforme o mínimo de faltas no mês‖ (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).
Os ganhos são variáveis segundo o volume de vendas e,
consequentemente, sobre o percentual devido à empresa contratante. Este
sistema mercantil compartilhado apareceu em todas as repostas dos
entrevistados.
Ainda que se trate de um quantitativo financeiro altamente variável entre
um mês e outro, é possível, de qualquer forma dizer que os ganhos são bem
pequenos. A maior parte dos entrevistados (67%) disse ganhar entre R$
500,00 e R$ 600,00, por mês, o que é bem pouco, considerado o crescente
aumento do nível do custo de vida. Especialmente nos grandes centros
urbanos, como o Rio de Janeiro, onde é marcante a elevação de preços de
produtos e serviços, especialmente através do aumento dos impostos indiretos,
que tem enorme impacto sobre as classes populares.
Um ambulante disse receber entre R$ 300,00 e R$ 500,00 por mês. Outra
não especificou o quantitativo aproximado de ganho mensal, mas somente
referiu-se ao sistema percentual sobre os ganhos (Ganha 20% sobre as
vendas).
102
GRÁFICO 15
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Como podemos ver, os produtos mais vendidos são os de gênero
alimentício, que por sinal, são também os mais comercializados entre os
demais ambulantes, não ligados às empresas.
Há que se destacar, que no caso desta amostra, composta pelos
ambulantes ligados às empresas, os produtos são condicionados em relação
ao tipo de mercadoria comercializado segundo o gênero da empresa, por isso
estes dados seguem a mesma tendência do GRÁFICO 4 (Juntando-se PesiCo
e Nestlè).
A metade dos ambulantes ligados às empresas relatou que seus
rendimentos de trabalho servem à subsistência de (3) pessoas, incluindo os
próprios. Dois dos entrevistados disseram que são (2) as pessoas dependentes
economicamente de seus ganhos, e somente uma, disse servir unicamente ao
próprio sustento.
67%
16%
17%
Produtos
Alimentícios (biscoitos, doces, água, refigerante etc.) (4)
Jornais (1)
Chips para celulares (1)
103
GRÁFICO 16
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Levando-se em consideração os rendimentos declarados (GRÁFICO 14),
oriundos do trabalho no trem, revela-se a insuficiência destes para a
subsistência de seus dependentes financeiros, o que explica também a
necessidade de acúmulo de outras atividades de trabalho fora do tem
(GRÁFICO 11).
17%
33%
50%
Pessoas que dependem da renda
Uma (1)
Duas (2)
Tres (3)
104
Bloco 4: Percepções sobre o trabalho no trem e a relação com os demais ambulantes não ligados às empresas
GRÁFICO 17
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
A maior parte dos entrevistados demonstra descontentamento com a
atividade ambulante que realiza (67%), não obstante, reconhecer que é ―uma
oportunidade para quem não tem nada‖ (Antônio, 63 anos, 14 anos no trem).
Uma quase-escolha no terreno social da não-escolha, que é o que resta aos
trabalhadores constrangidos na sociedade mercantil, em especial, aos mais
empobrecidos.
Associa-se a questão representada neste gráfico (14 do questionário) a
antecedente (13), que indagava a respeito da avaliação do trabalho realizado
no trem, a transitoriedade ou não deste trabalho e as expectativas futuras em
termos de trabalho. Devido à pluralidade de respostas trazemos abaixo, a
íntegra do que foi coletado no depoimento dos informantes, a fim de captar a
riqueza trazida em cada fala:
16%
67%
17%
Vantagem/desvantagem do trabalho ambulante
Sim (1)
Não (4)
Não sabe (1)
105
É bom. Não sabe dizer se algo definitivo, mas diz que se tivesse oportunidade de algo melhor aceitaria (João, 47 anos, 7 anos no trem).
―É uma oportunidade interessante para se trabalhar, mas não é algo que se pode se dizer ‗decente‘. Para mim é uma coisa temporária, até conseguir algo melhor‖ (Joana, 27 anos, 5 anos no trem).
―É transitória, só estou trabalhando para completar o tempo e a idade para se aposentar. Aí pretendo abrir meu comércio, em casa mesmo. Já estou até comprando material de construção‖ (ela quer abrir um comércio, barraca de doces); (Vilma, 46 anos, 6 anos no trem).
―É difícil, mas é necessário para o pobre, né?! Para mim é o fim da linha, não tenho outra alternativa‖ (Antônio, 63 anos, 14 anos no trem).
―É muito pesado, enquanto aguentar eu fico por aqui, mas eu queria mesmo ter um emprego com carteira assinada e com todos os direitos, folga e tudo mais‖ (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).
Difícil, pois acha muito ‗custoso‘, pois lhe exige muita energia física (visto que já é bem idosa). Diz ser transitória, trabalha por necessidade de sobrevivência, portanto, até morrer, ou quando conseguir se aposentar. Ela paga autonomia (faltam 10 anos para se aposentar, por tempo de contribuição); (Deolinda, 72 anos, 1 ano no trem).
Há aqui uma tendência a se pensar o trabalho no trem como algo
temporário em suas vidas, de modo que as dificuldades enfrentadas são só um
―peso momentâneo‖, tendo em vista outras perspectivas. E o horizonte é
razoavelmente modesto, não almejando mais que um assalariamento, uma
aposentadoria de final de vida ou um ―micro negócio‖ de fundo de quintal.
Problematizaremos mais a respeito quando examinarmos a mesma questão
junto aos ambulantes soltos (GRÁFICO 18 B).
106
GRÁFICO 18
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
O número de horas trabalhadas é bastante diferenciado entre os
informantes. Conta nessa disparidade a variedade dos produtos vendidos e a
sozanalidade de suas vendas, ao longo do dia. A venda de jornais pela manhã,
por exemplo, ou a venda maior de picolés, água e refrigerantes em horários de
maior calor ou mesmo a necessidade de aumento da renda para cumprir
compromissos familiares. Tanto num caso como nos outros, observa-se maior
dispêndio de horas de trabalho. Tendo somente a si, o trabalhador pode
dispensar um maior número de horas de trabalho ao longo do dia, ou da
semana, caso queira e precise aumentar o rendimento.
O contrário também é verdadeiro. Condições sazonais dos produtos
(clima, por exemplo) e de saúde do trabalhador podem impactar a venda ou
não de determinado produto. No caso específico dos ambulantes ligados às
empresas – principalmente, os da Nestlè e PepsiCo, que trabalham, sobretudo
com produtos com maior venda em dias quentes (picolés, refrigerantes e água)
17%
33%33%
17%
Horas diárias de trabalho
3 a 4 horas (1)
5 a 6 horas (2)
7 a 8 (2)
9 horas (1)
107
-, este vêm suas vendas frustradas em dia de chuva, ou frio. Neste caso, ao
contrário dos ambulantes soltos, não tem a opção de trocar de produto
(guarda-chuvas, por exemplo), uma vez que só vendem uma mesma tipologia
restrita de produtos das marcas das referidas empresas.
GRÁFICO 19
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Este dado também se relaciona ao anterior na medida em que revela a
necessidade de maiores possibilidades de renda na medida em que aumenta
proporcionalmente os dias de trabalho. Na verdade, a fadiga e a sobrecarga de
horas de trabalho compõem a imagem invertida do espelho da liberdade do
trabalho informal.
Mas, é preciso ter em conta também, conforme já destacado no
GRÁFICO 12, que algumas empresas, mesmo inexistindo o vínculo formal de
trabalho, exigem o cumprimento de certas regras condicionadas a um maior
percentual de pagamento sobre as vendas, dentre elas, o desconto sobre as
16%
50%
17%
17%
Dias de trabalho no trem
5 dias (1)
6 dias (3)
7 dias (1)
Não disse
108
faltas. Isto explica a média de 6 dias trabalhados, como uma forma de
frequência mínima.
GRÁFICO 20
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Todos os trabalhadores entrevistados foram unânimes em constatar as
diferenças entre as condições de trabalho dos dois tipos de ambulantes, no
entanto sinalizam motivos diversos. Um primeiro grupo manifestou a questão
da melhor vantagem que os trabalhadores ligados às empresas dispõem para o
exercício de seu trabalho, em contraposição à perseguição que os outros
sofrem pelos agentes de segurança:
―Sim claro, eles passam muitos apertos, por causa dos seguranças
da SuperVia, é bem difícil... como nós temos autorização é mais fácil‖
(Vilma, 46 anos, 6 anos no trem).
―Sim. Pois os que são de empresa são mais ‗tranquilos‘, pois não tem
suas mercadorias apreendidas‖. (Deolinda, 72 anos, 1 ano no trem)
Há um segundo grupo que destaca a desvantagem que eles,
trabalhadores ligados às empresas, têm em relação a maior possibilidade de
faturamento, que os ambulantes não ligados às empresas dispõem:
Sim100%
Há diferenças entre os demais ambulantes não ligados às empresas?
109
―Acho que o pessoal ‗independente‘, mas livres, pois não tem que pagar taxas a ninguém‖ (Joana, 27 anos, 5 anos no trem).
Por fim, existe um terceiro posicionamento, que mescla os dois anteriores,
destacando ―os prós e os contras‖ da atividade ambulante daqueles que não
são ligados às empresas:
―Há, claro! Quanto a eles, os seguranças ‗batem‘ em cima... mas eles também tem vantagens, pois tem mais mobilidade nos trens, podendo ganhar mais‖ (João, 47 anos, 7 anos no trem).
―Sim, muita. Temos mais tranquilidade para trabalhar, mas ganhamos menos, por ser limitado‖ [refere-se a restrição da atividade às plataformas das estações] (Antônio, 63 anos, 14 anos no trem).
―Há sim, eles sofrem mais com o pessoal da segurança, mas também tem mais liberdades para vender seus produtos em diversos lugares‖ (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).
Todos relataram não ter problema com os seguranças da concessionária,
mas ressaltaram que o mesmo não acontece com os demais ambulantes.
No que diz respeito à relação que estes informantes têm com estes outros
trabalhadores ambulantes disseram que não existem conflitos e disputas entre
eles, que no geral há uma boa relação.
3.4- Quem são os trabalhadores ambulantes soltos?
Neste item faremos um traçado do perfil dos trabalhadores ambulantes
soltos, ou seja, daqueles não ligados às empresas, e, portanto, que têm tolhida
a autorização para o exercício da atividade ambulante nos trens. Para isso,
apresentaremos alguns gráficos, confeccionados a partir de 25 variáveis,
divididas nos seguintes blocos temáticos:
Bloco 1 (Dados gerais): gênero; faixa etária; raça/cor; naturalidade; bairro
onde reside.
110
Bloco 2 (Condições de vida): situação de moradia; quantidade de pessoas
por habitação; escolaridade; acesso aos serviços de saúde e educação dos
membros da família.
Bloco 3 (Trajetória de trabalho): motivos da inserção no trabalho no trem;
o trabalho como primeira experiência de trabalho; ocupações exercidas antes
do trabalho no trem.
Bloco 4 (Percepções sobre o trabalho no trem): ramal de atuação;
rendimento mensal; horas de trabalho no trem; dias de trabalho no trem;
pessoas que dependem da renda; transferência de renda; trabalho no trem
como transitório; auxílio de terceiros na realização do trabalho; vantagens do
trabalho no trem, desvantagens do trabalho no trem; contribuição à
Previdência, o que poderia melhorar no trabalho no trem; conhecimento sobre
a organização política dos ambulantes; conhecimento das ―normas de
conduta‖.
Bloco 1: Dados gerais
GRÁFICO 1 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
67%
33%
GÊNERO
Masculino (4) Feminino (2)
111
A maioria da amostra é masculina: quatro homens (67%) contra duas
mulheres (33%). Deste modo, segue a tendência percebida em observação de
campo, bem como também destacado em outra pesquisa que versa sobre o
trabalho ambulante no trem (SILVA, 2009, p.60).
Um dos ferroviários entrevistados, por ter trabalhado por longos períodos no
cotidiano da rede ferroviária, como eletricista (possui 31 anos de ferrovia), pôde dar
mais detalhes sobre as diferenças de perfil dos trabalhadores do passado e na
atualidade. Disse-nos ele que percebeu um aumento de mulheres entre os
ambulantes, tanto jovens como idosas. Mas, que no quadro geral dos ambulantes,
antigamente eram mais numerosos.
GRÁFICO 2 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
A faixa etária é predominantemente adulta, entretanto verifica-se a
presença de (2) adolescentes de 16 anos, que já estão nesta atividade há dois
anos.
Conforme já destacado, a presença destes adolescentes, inseridos tão
precocemente no mundo do trabalho, revela uma questão de gênero, bastante
33%
17%17%
33%
Faixa etária
16 a 20 anos (2)
21 a 30 anos (1)
31 a 40 anos (1)
41 a 56 anos (2)
112
comum entre as classes populares, ou seja, o da obrigação moral do sustento
da família, por parte do filho homem, na ausência do pai. Lembrando que um
dos adolescentes, o Francisco, 16 anos, 2 anos no trem, ingressou no trabalho
por causa do abandono do pai, que deixou a família, sobrando para ele o ônus
da ajuda no sustento da casa. História semelhante é a do Severino, 16 anos, 2
anos no trem, que desde os 14 anos ajudava o pai que faleceu a pouco tempo.
Seu trabalho junto com os rendimentos da mãe é essencial à subsistência de
sua família.
Um elemento importante para se compreender esse fenômeno é o fato de
que uma possível absorção no mercado formal de trabalho, para um
adolescente nessa idade44, geralmente é quase improvável, visto que as
empresas evitam esse tipo de contratação, por causa da possibilidade de
incorporação do jovem às Forças Armadas, quando da obrigatoriedade do
alistamento militar, aos 18 anos.
A experiência de nosso informante chave da Associação também não
foge a este aspecto. Ele relata que só conseguiu trabalhar com vínculo
empregatício após o serviço militar:
Foi depois que eu saí do quartel. Com carteira assinada, porque
antes não consegui emprego com carteira por causa disso (...) Saí do
quartel e fui trabalhar na indústria gráfica, comecei na oficina, da
oficina para o escritório de importação e exportação. Depois veio a
guerra das Malvinas e quebrou a minha empresa, pois exportava para
Argentina. O México também passou a comprar somente com Peso
Mexicano o que acabou prejudicando (J.G., ambulante, 25 anos no
trem).
44
A legislação brasileira permite a contratação de adolescentes, antes dos 18 anos somente na condição de aprendizes.
113
Como se pode perceber, através do seu relato, é possível identificar os
impactos que as contínuas mudanças estruturais do capital tiveram na sua vida
laborativa. Esses eventos nos mostram o fio de ligação das mudanças
estruturais com a vida pequena que desemboca nesse balanço no trem. A
superpopulação relativa fica, efetivamente, a mercê de pequenas e sofridas
receitas de sobrevivência.
GRÁFICO 3 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Entre os ambulantes não ligados às empresas não encontramos nenhum
que se denominou branco. Pode-se classificar toda amostra como composta
unicamente por afrodescendentes (50% de negros, 50% de pardos).
Apesar da amostra não representar a totalidade da realidade dos
trabalhadores ambulantes, pois há a presença de outros perfis étnicos, este
dado revela uma forte tendência entre os trabalhadores ambulantes nos trens,
especialmente entre os soltos. Associado a este dado uma observação deve
ser levada em conta: a forte concentração de Negros e Pardos autodeclarados
50%50%
Cor/raça
Negra (3)
Parda (3)
114
no estado do Rio de Janeiro: 12,4%, o que corresponde a 2 milhões de
pessoas. Deste modo, correspondendo numericamente como o segundo
estado em que as pessoas se autodeclaram assim45. No entanto, cabe
destacar, que no Brasil, a desigualdade também carrega um forte viés étnico,
que acomete em grande medida estas populações, e, talvez seja isso o que
estamos vendo nos dados sobre os ambulantes soltos do trem.
GRÁFICO 4 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Esta questão foi proposta para a captação de possíveis movimentos
migratórios em razão de trabalho, no entanto somente uma trabalhadora veio
de outro estado em busca de melhores oportunidades de trabalho. A partir
desse dado pudemos verificar que os trabalhadores mais empobrecidos são do
estado mesmo.
45
Dados do IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=rj Acesso
em Março de 3013.
83%
17%
Naturalidade
Rio de Janeiro (5)
Alagoas (1)
115
Talvez em outras décadas, este fenômeno fosse mais presente do que
hoje, quando vemos as desigualdades regionais se reproduzirem em territórios
também economicamente mais dinâmicos.
GRÁFICO 5 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Todos os entrevistados moram em bairros atendidos pelo ramal de Santa
Cruz, o que reitera a pesquisa de Pires (2005, p. 101), que constatou a mesma
tendência: os ambulantes trabalham em situação estratégica para sua
locomoção para casa.
Interessante notar, que em comparação com os ambulantes ligados às
empresas, estes residiam em bairros próximos, mas não eram atravessados
pelas linhas do trem. Aqui nesta amostra, todos os bairros o são: Antares,
Cesarão (2 entrevistados moram neste bairro), Senador Camará, Padre Miguel
e Vila Vintém. Este dado parece revelar o quanto que a proximidade da
residência e do trem pode facilitar o ingresso no trabalho no trem, bem como a
economia em possíveis deslocamentos, por meio de outros meios de
transportes até o acesso ao trem.
100%
Bairro onde reside
Bairros atendidos pelo ramal de Santa Cruz
116
Bloco 2: Condições de vida:
GRÁFICO 6 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Metade dos entrevistados informou que habitam em casa própria, outros
(2) revelaram morar em casas cedidas por parentes (Francisco, que mora com
sua família em casa cedida pela avó e Domingos, que habita casa cedida pela
sogra). Um ambulante disse não ter casa, pois é morador de rua – sem teto-
(Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).
Apesar da informação do grande quantitativo de respostas positivas à
habitação em casa própria, é preciso relativizar esta pretensa positividade, pois
sabe-se que, entre as classes populares, tal ―conquista da casa própria‖ se faz
por meio de uma das expressões da ―espoliação urbana‖, ou seja, através do
fenômeno da ―autoconstrução‖ (KOWARICK, 2000).
Segundo Oliveira (2003 e 2006), a autoconstrução rebaixa os custos da
produção e da força de trabalho, sobretudo ao extrair dos custos da
construção, a mão de obra não paga familiar empregada em momentos
50%
33%
17%
Situação da moradia
Própria (3)
Cedida (2)
Não tem (1)
117
reservados ao descanso e não ao trabalho gratuito. Desta forma ―os gastos
com a habitação são um componente importante para deprimir os salários reais
pagos pelas empresas‖ (OLIVEIRA, 2003, p. 59).
Por outro lado, a pesquisa não conseguiu aferir exatamente a situação
jurídica dessa resposta ―residir em casa própria‖, na medida em que pode ser
uma ocupação irregular, não podendo ser revertida em propriedade privada de
fato, passível de virar capital ou rendimento.
GRÁFICO 7 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Metade dos entrevistados declarou coabitar, em média, (6) pessoas em
sua casa. Famílias numerosas que, muitas vezes, dispõem de espaços
pequenos de moradia, em geral, desprovida de infraestrutura mínima para o
bem estar de todos os seus membros.
Nesta questão também perguntamos a respeito do acesso ao saneamento
básico. Somente dois responderam. Severino (16 anos, 2 anos no trem) disse que
16%
17%
17%
50%
Quantidade de pessoas na habitação
1 (1)
3 (1)
4 (1)
6 (3)
118
sua casa não tem nem água, sendo necessária a ajuda dos vizinhos para o
abastecimento da mesma. Marina (37 anos, 10 anos no trem) afirmou que sua
casa possui esgoto e água. No entanto, no quadro geral, sabemos que a
população do Rio de Janeiro sofre com a precariedade destes serviços básicos
que impactam diretamente a qualidade de vida da população, em especial sobre
as camadas mais populares da periferia.
GRÁFICO 8 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Nesse retrato, vimos se repetir a cena da precariedade social puxada pelo
distanciamento dos ambulantes dos bancos escolares. O grau de escolaridade
diz muito da trajetória de ocupações de cada qual, em geral uma história de
postos de trabalho com baixa qualificação, baixa remuneração e frágeis
relações de trabalho.
Um dado preocupante, entre os mais jovens é a tendência à evasão
escolar, devido a concomitância do trabalho penoso nos trens. Um dos
informantes (Severino, 16 anos, 2 anos no trem) manifestou esse desejo de
83%
17%
Escolaridade
Ensino fundamental incompleto (5) Ensino fundamental completo (1)
119
abandonar os estudos, como que num desalento pela miséria da vida tocada
em qualquer nota.
Na questão 19 perguntamos a respeito das expectativas em relação aos
estudos no passado e se houvesse oportunidade, se daria continuidade; a
seguir apresentamos as respostas:
―Era preguiçosa, não gostava de ir para aula. Tinha que acordar cedo acabei abandonando. Mas se fosse hoje, voltaria atrás. Vou retomar os estudos para ser alguém na vida‖ (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
Ainda estuda. Pretende estudar até concluir o ensino médio (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).
―Penso em desistir‖ (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).
Não continuou os estudos, pois não ―conseguia acompanhar a turma‖, acabou largando, mais se diz arrependido. Segundo ele ―estudar é importante‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).
―Era má aluna, repeti várias vezes, aí desanimei se eu tivesse tempo voltaria a estudar‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).
Entre os ambulantes soltos, ao contrário dos ligados às empresas
(GRÁFICO 5), não se verifica uma intenção clara de perspectiva de retorno aos
estudos, apesar da baixa escolaridade e do reconhecimento da importância da
escolarização.
120
GRÁFICO 9 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Indagados sobre o acesso aos serviços de saúde e de educação, quase
todos informaram que acessam aos serviços públicos; eles próprios e os filhos,
que em geral estão estudando. Também possuem acesso aos serviços de
saúde nas clínicas da família e UPA`s (Unidades de Pronto Atendimento), que
estão bem disseminadas na região da zona oeste da cidade.
Somente um entrevistado disse ter dificuldade de acesso, em especial
aos serviços de saúde. Por ser morador de rua, diz não conseguir se matricular
no posto, por falta de endereço. Só consegue atendimento no ―pronto socorro‖,
mesmo assim é ―mal atendido‖, inclusive relatando uma situação em que quase
morreu por demora no atendimento médico de crise de apendicite.
No entanto, se o acesso a esses serviços públicos de saúde e educação
é quase massificado, a avaliação dos mesmos não é tão positiva:
Todos os irmãos estudam, mas a escola não é boa: ‗falta professor, merenda e tudo‘. (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem)
83%
17%
Acesso aos serviços de saúde e educação dos membros da família
Sim (5)
Não (1)
121
É atendido na Clínica da Família, mas diz que um dos filhos está na
fila há mais de um ano para uma cirurgia ortopédica (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
De modo que as condições precárias de trabalho se somam à aventura
de reprodução social por meio dos serviços públicos básicos de infra-estrutura
urbana, saúde e educação. O que faz as suas vidas retratos mal tirados de
sobrevivência.
Bloco 3: Trajetória de trabalho
GRÁFICO 10 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Aqui seguimos a mesma linha interpretativa feita a partir dos dados dos
trabalhadores ambulantes ligados às empresas (GRÁFICO 7). Segue abaixo a
súmula das respostas:
Veio para o Rio em busca de oportunidade de trabalho tinha
esperança de conseguir emprego em ―casa de família‖, mas não tinha
referências e experiências, por usar o trem e morar próximo da
estação ―uniu o útil ao agradável‖ (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
―Meu pai foi embora deixando eu e meus irmãos, tive que ajudar
minha mãe, a gente estava numa situação difícil‖. (Francisco, 16
anos, 2 anos no trem).
Trabalha desde os 14 anos, ajudava o pai que faleceu recentemente.
Seu trabalho junto com os rendimentos da mãe é que sustentam a
família (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).
17%
83%
Motivos da inserção no trabalho no trem
Desemprego (1)
Necessidade de sobrevivência (5)
122
Estava com dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, por
causa da baixa escolaridade (por isso voltou a estudar). Para ―poder
sobreviver‖ teve que ―se virar‖ como pode para sustentar sua família
(Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
Por necessidade. Perdeu a casa em um incêndio e não tinha mais
família e ninguém com quem podia contar. Precisava ―ganhar o pão
de cada dia‖ para continuar vivendo (Emanuel, 43 anos, 11 anos no
trem).
Perdeu a mãe, e logo depois, foi deixada pelo marido e ficou sem
suporte financeiro, teve que ―ir à luta‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no
trem).
GRÁFICO 11 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Quatro dos seis entrevistados afirmaram que o trem não foi à primeira
experiência de trabalho. Entre os dois que declararam ser o trem a primeira
atividade, estão os dois jovens ambulantes (Francisco, 16 anos, 2 anos no
trem) e (Severino, 16 anos, 2 anos no trem). Entretanto, uma das informantes
que, apesar de não ser o trabalho no trem sua primeira experiência, teve
vivência anterior de trabalho informal em Alagoas, seu estado de origem, onde
vendia bronzeadores na praia (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
33%
67%
O trem como primeira experiência de trabalho
Sim (2)
Não (4)
123
TABELA I – Últimas 5 ocupações exercidas antes do trabalho no trem
Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada
Sim Não
2008\2009 Vendedora de praia Mais ou menos um ano e meio xxx
(Maria, 21 anos, 2 anos no trem)
Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada
Sim Não
Não possui experiência anterior de trabalho
(Francisco, 16 anos, 2 anos no trem)
Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada
Sim Não
Não possui experiência anterior de trabalho
(Severino, 16 anos, 2 anos no trem)
Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada
Sim Não
1967 Ajudante de pedreiro 7 anos xxxx
1974 Ajudante de pintor 7anos xxxx
1981 verdureiro 6anos xxxx
1987 porteiro 10anos xxxx
1997 faxineiro 15 anos xxxx
(Domingos, 56 anos, 1 ano no trem)
Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada
Sim Não
1983 Ajudante de sapateiro + ou – 5 anos xxxx
1988 Ajudante de pintor 3 anos xxxx
1991 pintor 10 anos xxxx
(Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem)
Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada
Sim Não
1994 Vendedora de bijuterias 2 anos xxxx
(Marina, 37 anos, 10 anos no trem)
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
O quadro acima aponta a trajetória de trabalho exercida pelos (6)
informantes desta pesquisa. É perceptível que a passagem pelo trabalho
informal é uma constante em todas as experiências vividas, mesmo entre os
dois únicos trabalhadores que tiveram trânsito no mercado formal de trabalho,
inclusive tendo relação de assalariamento.
Também neste bloco perguntamos aos ambulantes se possuíam outra
ocupação concomitante ao trabalho no trem (questão 7). Todos foram
unânimes em afirmarem que não. Este dado difere bastante da resposta dada
pelos ambulantes ligados às empresas no GRÁFICO 11; metade dos
entrevistados afirmou acumular mais de um trabalho, dividindo o trabalho no
124
trem com outras atividades laborativas. Há de se considerar neste sentido, a
leve desvantagem destes ambulantes, no que diz respeito aos ganhos
financeiros, conforme veremos na análise do GRÁFICO 13 B.
Outra pergunta relacionada foi a questão 8, na qual indagamos sobre os
motivos da perda do último trabalho e se gostavam desta última ocupação
exercida. Abaixo relacionamos as respostas dos que possuíram experiências
anteriores:
Deixou porque ―não dava lucro‖, veio para o Rio com a intenção de
ter um emprego mais estável, ter segurança financeira. Disse que
gostava porque era na praia, mas só por isso, o trabalho em si não
era bom. (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
A empresa faliu (empresa de serviços terceirizado de limpeza).
Gostava da ocupação principalmente pela ‗segurança de um salário
certo no final do mês‘ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
Por problema de saúde. Ficou algum tempo no seguro saúde, mais
foi demitido por não poder mais mexer com tinta. Gostava de
trabalhar pois lhe garantia uma melhor condição de vida (Emanuel, 43
anos, 11 anos no trem).
Parou de vender bijuterias por exigência do marido quando se casou.
Disse que gostava, mas que naquela época era mais uma distração
do que uma necessidade, enquanto foi casada não teve necessidade
de trabalhar. (Marina, 37 anos, 10 anos no trem)
Também perguntamos se tivessem uma nova oportunidade neste último
trabalho, se voltariam. Abaixo apresentamos as respostas dos que possuíram
experiências anteriores:
―Não, penso coisas maiores para mim‖. (Maria, 21 anos, 2 anos no trem)
―Com certeza! Qualquer coisa é melhor do que esta insegurança (financeira) que vivo, pois por isso estou estudando, pois agora as empresas pedem mais estudos‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
―De certa forma voltei, mas não com o mesmo produto, pois não posso correr o risco de ‗perder‘ um produto de valor no trem né?‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).
125
Há, portanto, um misto de desejo de retorno ao antigo trabalho, com a
frustração por não ter ainda encontrado o seu ―lugar ao sol‖.
Bloco 4: Percepções sobre o trabalho no trem
GRÁFICO 12 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Metade dos entrevistados, disse desenvolver suas atividades somente no
ramal de Santa Cruz, a outra parte disse exercer predominantemente no ramal
de Santa Cruz, mas que, eventualmente, costuma ir vender nos trens do ramal
de Japeri.
Percebe-se com isso um grau de mobilidade que parece ser algo novo,
visto que segundo as informações obtidas na entrevista exploratória com o
presidente da ASTRATERJ, havia no passado uma restrição da atividade de
ambulantes em outros ramais que não os de atuação habitual.
50%50%
Ramal de atuação
Santa Cruz (3)
Santa Cruz e Japeri (3)
126
GRÁFICO 13 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Os ganhos com o trabalho ambulante destes informantes são
relativamente maiores quando comparados aos dos ambulantes ligados às
empresas (GRÁFICO 14).
Dois ambulantes, em resposta a questão 28 manifestam bem o peso que
a questão econômica tem sobre a determinação de permanência neste tipo de
atividade, inclusive quando comparadas a ―maior tranqüilidade‖ do exercício do
trabalho ambulante dos ligados às empresas:
―Se eu pudesse seria como eles, você sabe, pra eles não tem
perseguição, mas o lance de dar comissão não é vantajoso...‖
(Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).
―Eles tem a vida mais tranquila que a nossa, pois não são
incomodados pelos guardas, mas no trem lucro muito pequeno com
as vendas, não trocaria meu trabalho pelo deles nunca‖ (Marina, 37
anos, 10 anos no trem).
33%
33%
17%
17%
Rendimento mensal
R$ 200 a R$ 300 (2)
R$ 400 a R$ 700 (2)
R$ 800 a R$ 1.100 (1)
mais de R$ 1.200
127
GRÁFICO 14 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Assim como os ambulantes ligados às empresas (GRÁFICO 18), há aqui
uma grande variedade de tempo dispendido no trabalho ambulante no trem. Os
motivos também são bem diversos, conforme se pode verificar nas respostas
apresentadas no próximo gráfico, que é um desdobramento deste.
GRÁFICO 15 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Diz evitar os horários ‗mais cheios do trem‘, pois não dá para circular,
por isso começa a partir das 9h e segue até umas 17h ou 18h (Maria,
21 anos, 2 anos no trem).
―Trabalho à tarde, estudo de manhã‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos no
trem).
50%
33%
17%
Horas de trabalho no trem
4 a 5 horas (3)
6 a 8 horas (2)
mais de 9 horas (1)
16%
17%
67%
Dias de trabalho no trem
5 dias por semana (1)
6 dias por semana (1)
todos os dias da semana (4)
128
―À tarde, pois estudava pela manhã‖ (Severino, 16 anos, 2 anos no
trem).
Manhã e tarde. Mantêm sempre o mesmo horário por causa dos
estudos à noite (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
―Trabalho entre 9 e 16 horas no meio da semana, 13 e 18 horas no
fim-de-semana. No meio da semana é o melhor horário para circular
no trem sem ―perturbação‖. No fim-de-semana é o que dá mais lucro‖
(Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).
―Não tem muito horário é a hora que dá para circular no trem com
tranquilidade, sem incomodar as pessoas‖. (Marina, 37 anos, 10 anos
no trem).
É significativo o percentual dos trabalhadores que trabalham todos os dias
da semana, sem nem mesmo tirarem um dia de folga. Dado bem sintomático
da característica do trabalho ambulante, cujos ganhos só se dão única e
exclusivamente pelo trabalho direto, ausente qualquer tipo de remuneração
indireta ou benefícios adicionais, característicos de um trabalho regulado e
protegido publicamente.
GRÁFICO 16 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
17%
33%
17%
33%
Pessoas que dependem da renda
1 (1)
3 (2)
5 (1)
6 (2)
129
É bem diverso o número de dependentes financeiros destes ambulantes
variando de 3 a 6 membros familiares. Somente um disse ser a realização do
trabalho à própria subsistência. Aliada a essa questão está a de número 15, no
qual foi perguntado se alguma outra pessoa possuía renda na família:
O tio e a prima (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
A mãe, eles fazem empadinhas, ela vende em casa para a vizinhança
e ele no trem (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).
A mãe (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).
Dois filhos trabalham. A esposa é aposentada (Domingos, 56 anos, 1
ano no trem).
[não possui família] (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).
Não, ela é a única com renda. (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).
A complementação de renda dos demais membros da família garante um
melhor grau de ―alívio financeiro‖ ao núcleo familiar da maior parte dos
entrevistados.
GRÁFICO 17 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
67%
33%
Transferência de renda
Sim (4)
Não (2)
130
A maior parte dos entrevistados está coberta por algum tipo de política de
transferência de renda PBF (Programa Bolsa Família), BPC (Benefício de
Prestação Continuada) e o Bolsa Carioca46, evidenciando que este grupo
pertence aos quadros mais pauperizados da população, alvos das políticas
públicas de assistência, que servem para complementar os em geral,
insuficientes rendimentos advindos do trabalho informalizado.
GRÁFICO 18 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Assim como os trabalhadores ambulantes ligados às empresas
(GRÁFICO 17), há também aqui, entre os trabalhadores ambulantes soltos a
46
O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. Garantindo um complemento financeiro para as famílias com renda per capita inferior a R$ 70 mensais. Já o BPC é um benefício da Política de Assistência Social, que integra a Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS não necessitando o usuário ter contribuído com a Previdência Social. Ele assegura a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. Em ambos os casos, devem comprovar não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família. A renda mensal familiar per capita deve ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente. Fonte: http://www.mds.gov.br Acesso em março de 2013.
50%
33%
17%
Trabalho no trem como transitório
Sim (3)
Não (2)
não sabe (1)
131
tendência a pensar o trabalho no trem como algo temporário em suas vidas.
Como se fosse uma ―oportunidade momentânea‖ enquanto não encontram algo
melhor para trabalhar.
O presidente da Associação também mencionou essa expectativa
temporária, que parece ser na verdade, o anseio de todo ambulante recém-
chegado no trem. Situação que sempre marcou o mercado de trabalho
brasileiro: a informalidade como um amortecedor para os períodos de maior
crise que o trabalhador espera ser alavancado com outra ocupação mais
segura.
Ao contrário desse ilusório tempo curto, Druck e Oliveira (2007) ao
analisarem o trabalho informal nos espaços urbanos, na atualidade, irão
identificar esta condição ―provisória permanente‖ dos trabalhadores informais:
A marca do trabalho informal nos dias atuais de ―modernidade‖ neoliberal é que seu caráter transitório se tornou permanente, o que antes era visto como um caso atípico do mercado trabalho urbano, agora passa a ser uma regra do mercado flexível, se transformando numa forma de inserção, que engloba a maioria da ―classe-que-do-vive-do-trabalho‖ (2007, p.2).
Abaixo seguem as respostas empreendidas pelos trabalhadores:
―É muito difícil, mas eu quero mais, pois isso não é vida não. Mas,
como não tenho estudo é o que sobrou para mim, por isso pretendo
estudar mais para poder sair daqui‖. (Maria, 21 anos, 2 anos no trem)
Acha até divertido, diz possuir muitos amigos no trem, mais não sabe
dizer se é uma coisa permanente em sua vida. (Francisco, 16 anos, 2
anos no trem)
―É uma aventura, o pessoal é legal e gosto da atividade. Não penso
em outro trabalho, esse tá maneiro pra mim, já que não quero
estudar.‖ (Severino, 16 anos, 2 anos no trem)
―É um trabalho duro, mais digno, pelo menos não estamos por ai
roubando, né? Sempre transitório, quero terminar os estudos para ter
algo melhor‖. (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem)
―Não foi uma escolha, mas uma imposição da vida era isso ou
morrer‖! (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem)
132
―É algo difícil mais com o tempo me acostumei, sabe como é a
necessidade se torna a nossa vontade‖. [Diz não ter outras
perspectivas futuras] (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).
Também perguntamos a respeito das expectativas que estes
trabalhadores têm em relação ao futuro trabalho dos filhos. Como somente dois
entrevistados possuíam filhos, seguem as respostas dos mesmos:
―Que estudem mais para serem alguém na vida‖ (Domingos, 56 anos,
1 ano no trem).
―Espero que elas sejam muito melhores do que eu, que não
dependam de homem, que sejam lutadoras e independentes‖
(Marina, 37 anos, 10 anos no trem).
De certa forma, esperam que os filhos vinguem o que a vida lhes deixou
se estruturando com mais autonomia. Para um, isso seria possível pela
escolarização, para outra pela independência afetiva e financeira de afetos
masculinos.
Conforme já era de se esperar, as suas expectativas são sempre de
superação das próprias limitações que eles mesmos experimentam em sua
vida, desta forma o trabalho de seus filhos, será uma consequência da
superação das histórias vividas por eles próprios, esperando que elas não se
repitam.
133
GRÁFICO 19 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Quase todos os ambulantes, com exceção de um, disseram receber ajuda
de terceiros na realização de seu trabalho, quer na colaboração na compra de
mercadoria, quer na preparação, confecção dos mesmos. Todos foram
unânimes ao afirmarem que este auxílio se dá por mão-de-obra não paga:
―Minha tia e minhas primas ajudam a embalar os produtos (amendoim
e balas) e também compram as mercadorias para mim‖. [Não
recebem por isso] (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
―Sim todos em casa participam, só não vem para a rua porque são
novos e minha mãe não deixa‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).
[Não recebe ajuda] (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).
―Sim, toda família ajuda como pode, um filho compra os produtos,
outro organiza as finanças, todo mundo se ajuda‖ (Domingos, 56
anos, 1 ano no trem).
Às vezes, tem que pedir dinheiro para outros ambulantes ou
passageiros para comprar as mercadorias (Emanuel, 43 anos, 11
anos no trem).
Sim. A filha mais velha ajuda na ―reprodução‖ das cópias do DVD em
casa. Não recebe remuneração por isso ―a comida na mesa já é o
bastante!‖. (Marina, 37 anos, 10 anos no trem)
83%
17%
Auxílio de terceiros na realização do trabalho
Sim (5)
Não (1)
134
GRÁFICO 20 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Cabe destacar que nesta questão, cada ambulante citou várias
vantagens, por isso o número maior de variantes qualitativas. Metade elegeu
as ideias que giram em torno da liberdade de trabalho, a flexibilidade e a
autonomia como as maiores vantagens do trabalho ambulante no trem:
trabalhar no horário em que se deseja e ―não ter um patrão‖ ideias que
seduzem um número considerável de trabalhadores, e elas parecem ser
representativas da preferência destes ambulantes na confirmação de seu
trabalho. Muito embora o desejo de maior segurança por meio de relações de
trabalho reguladas na forma emprego seja um desejo manifesto. De toda
forma, o que nos fica na pesquisa é o movimento titubeante dos trabalhadores
entre a penosidade da informalidade e as normativas autoritárias do emprego.
Uma seara de quase-não-escolha.
A oportunidade de conhecer pessoas (dois depoimentos), bem como o
espírito coletivo e a ajuda mútua entre os ambulantes aparecem logo em
50%
25%
12%
13%
Vantagens do trabalho no trem
Liberdade de trabalho/ flexibilidade/ autonomia (4)
Oportunidade de conhecer pessoas (2)
Espírito coletivo de trabalho/ ajuda mútua (1)
Nenhuma (1)
135
seguida, como motivadores para o trabalho ambulante. Um dos informantes
disse não haver vantagem alguma, pois segundo ele o trabalho no trem ―é um
sofrimento. Vida louca!‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem). Como se
quisesse dizer que é um não-lugar para o trabalho digno.
GRÁFICO 21 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Em contraposição ao gráfico anterior, também perguntamos a respeito
das desvantagens do trabalho ambulante no trem. A maior parte das citações
dizem respeito ao temor em perder as mercadorias. Mais uma vez o elemento
resultante da repressão versus ilegalidade parece exercer grande impacto
sobre o exercício da atividade desses ambulantes, confirmando os
depoimentos do presidente da Associação, nosso informante-chave, bem com
dos ferroviários, que enfatizaram aspectos da repressão da atividade
ambulante destes trabalhadores no trem.
Na questão seguinte (23), perguntamos sobre quais seriam os dois
fatores (as vantagens e as desvantagens) mais determinantes para
permanência ou não nos trens. Abaixo seguem as respostas conferidas:
9%
9%
9%
9%
27%
37%
Desvantagens do trabalho no tremInsegurança/ irregularidade no que diz respeito à vida financeira (1)
Concorrência/ competitividade (1)
Desgaste físico (1)
Falta de civilidade dos clientes (1)
136
―As vantagens, pois é preciso ganhar um dinheirinho mesmo que
seja pouco‖ (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
[não soube responder] (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).
―As vantagens, pois agente tem que ganhar a vida‖ (Severino, 16
anos, 2 anos no trem).
―Por enquanto as vantagens, mais as desvantagens tem pesado na
balança‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
Mesmo com as desvantagens tem que ―suportar‖ o trabalho, por
necessidade (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).
―As vantagens, é claro. Das desvantagens damos um jeito e fazemos
vista grossa‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).
Com isso, entre pós e contras, as vantagens se sobrepõem às
dificuldades encontradas no exercício do trabalho, inclusive a repressão por
parte da SuperVia.
GRÁFICO 22 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
Quase a totalidade dos ambulantes não ligados às empresas declarou
não contribuir com a Previdência Social. A ausência de regulação do trabalho
irá algum dia impactar, de algum modo, os gastos públicos com a assistência
desta população, que não podendo gozar dos benefícios estendidos aos
Contribuição à Previdência
Sim (1)
Não (5)
137
demais trabalhadores do ―mercado formal‖ (exceto os que contribuem
individualmente, como autônomos), dependerão do amparo legal destinado à
assistência dos despossuídos de possibilidades de auto-sustento, tanto na
velhice, quanto na eventual invalidez física ou psíquica, incapacitante ao
trabalho.
Yazbek classifica esses sujeitos, alvo da assistência, como uma fração da
população
Marcadas por um conjunto de carências, muitas vezes desqualificados pelas condições em que vivem e trabalham, enfrentando cotidianamente o confisco de seus direitos mais elementares, buscam na prestação de serviços sociais públicos, alternativas para sobreviver (YAZBEK, 2009, p.95).
GRÁFICO 23 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
A legalização do trabalho ambulante no trem aparece como a principal
demanda dos informantes acerca da melhoria de seu trabalho (67%). Um dos
entrevistados respondeu, seguindo a mesma linha dos demais, no entanto
enfatizando a necessidade da mediação do poder público nesta questão.
67%
16%
17%
O que poderia melhorar no trabalho no trem?
Legalização da atividade (4)
Intervensão do poder público (1)
Nada (1)
138
Curiosamente, houve quem respondesse que nenhuma melhoria
necessitaria ser feita. Talvez o desalento ou a resignação perante a precária e
sofrida vida alimente a sensibilidade a respeito do balanço do trabalho no trem.
GRÁFICO 24 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
A maior parte dos ambulantes disse conhecer os movimentos
reivindicatórios promovidos pela ASTRATERJ, com exceção de dois deles, os
informantes mais jovens. Possivelmente este já seja um sintoma do
―esfriamento político‖ que passa essa categoria no presente, fazendo com que
―as novas gerações‖ de ambulantes já não conheçam a trajetória político-
organizativa do segmento ao qual pertencem.
Na questão 31 perguntamos sobre a opinião que eles tinham a respeito
da organização política dos ambulantes. Os depoimentos evidenciam mais uma
espécie de cooperação desorganizada, do que de fato uma ideia político-
organizativa, de fato:
38%
62%
Conhecimento sobre organização política dos ambulantes
Sim (2)
Não (4)
139
―Acho que a gente se socorre como pode, mas não tem muita
organização, acho que isso seria muito bom, se acontecesse‖ (Maria,
21 anos, 2 anos no trem).
―Pelo que vejo todos se ajudam como pode, se tem um com
dificuldades, quem pode contribuir para comprar as mercadorias,
interar no dinheiro... sempre fazem. Aqui é assim, uma família‖
(Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).
―Acho que aqui para sobreviver tem que ser esperto, para vender as
coisas certas para não ser pego, para ser criativo nas vendas‖
(Severino, 16 anos, 2 anos no trem).
―É fraca, as pessoas estão mais ocupadas em defender seus
interesses particulares‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
―Alguns colaboram, outros são mais na dele, não se misturam muito...
mas, sempre que há necessidade o pessoal socorre‖ (Emanuel, 43
anos, 11 anos no trem).
―Não tem organização, cada um se vira como pode, na verdade quem
ajuda agente são os passageiros, que quando agente perde tudo nos
ajudam com dinheiro para repor o prejuízo‖ (Marina, 37 anos, 10 anos
no trem).
GRÁFICO 25 B
Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.
No entanto, contraditoriamente, com o declínio do movimento político
representado pela entidade ASTRATERJ, os dados parecem evidenciar que os
princípios que regulam internamente a atividade nos trens, parecem subsistir:
67%
33%
Conhecimento das "normas de conduta"
Sim (4) Não (2)
140
[Não conhece] (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
―Sim, o pessoal que está há mais tempo fica enchendo com isso ‗olha
a qualidade dessa empadinha aí‘ (risos)‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos
no trem).
[Não conhece] (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).
Sim. Tinha acesso ao jornalzinho da Associação, bem como era
divulgado entre os ambulantes antigamente. Diz procurar seguir, pois
acha que é importante. Citou a norma relativa a qualidade dos
produtos e a limpeza nos trens (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
―Sim. O pessoal mais antigo sempre diz para os mais novos sobre o
modo de trabalhar, da limpeza dos trens, de não vender produtos
estragados, essas coisas‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).
―Sim, quem é das antigas conhece sim, os mais velhos vão passando
pros novatos. A que mais me lembro é a do respeitos aos
passageiros , que são nossos patrões , por isso o cuidado com a
validade e a qualidade dos produtos‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no
trem).
Também nesta entrevista perguntamos sobre o relacionamento
empreendido entre os próprios ambulantes (questão 27). As respostas dadas
revelam um pouco desta convivência evidenciando desde relacionamentos
dentro e fora do ambiente de trabalho no trem, bem como de conflitos comuns
no convívio cotidiano:
―O pessoal se dá bem, tem briga sim, pois cada um tem que ganhar
seu pão, mas quando acontece vem sempre alguém para trazer a
paz. Ainda hoje aconteceu uma situação desse tipo, um companheiro
estava vendendo DVD não respeitou o espaço do outro que também
estava com o mesmo produto, mas tinha chegado antes, a foi aquela
discussão sorte que tinha um outro companheiro mais velho que
chamou atenção dos dois, aí foi um para o seu lado‖ (Maria, 21 anos,
2 anos no trem).
―É boa, o pessoal é bem legal, muitos são vizinhos, então agente se
vê sempre, saímos juntos e tal. É claro que às vezes tem ‗zueira‘ mas
todo mundo se entende, no final‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos no
trem).
―O pessoal é legal, todos irmãos. Temos convivências fora sim,
saímos para a noitadas, festas,aniversários. Conflitos acontecem mas
o pessoal se entende, principalmente por causa das concorrências‖
(Severino, 16 anos, 2 anos no trem).
141
―É boa quase todos são amigos, fora daqui não tenho muito convívio
por causa do tempo corrido‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
―A relação é boa. Todos se ajudam, mas, não tem relações fora do
espaço do trem. Conflitos existem como em todos os ambientes de
trabalho, mais os companheiros vem sempre para conciliar. Lembro
de uma vez, que um rapaz veio me questionar a respeito de uma
mercadoria que segundo ele eu devia (empréstimo). Falei que já tinha
devolvido, mas ele foi ficando violento, ai veio um companheiro que
acalmou os ânimo do rapaz. Você sabe como é, todos somos
trabalhadores temos que viver na paz‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos
no trem).
―É boa, em geral o pessoas tem sim convivência também fora, eu que
não participo muito por causa do tempo, tenho que me dividir aqui e
em casa também (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).
Também questionamos sobre a relação destes com os demais
ambulantes, ligados às empresas (questão 28). Em geral, as respostas giraram
em torno de uma relação amistosa, com exceção de uma resposta, que revelou
indiferença. Mas o mais curioso foi à ênfase da afirmação da própria condição,
mesmo sabendo exercer uma atividade ilegal no espaço do trem, entre pós e
contra, não ―trocariam de lugar‖ com os ―legais‖.
―Todos são trabalhadores e tem seu espaço, só que eles têm a segurança deles, coisas que nós não temos‖ (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).
―Eles ficam na deles, e nós aqui, não vejo muito ligação não‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).
São como nós, todos trabalhadores estamos todos na mesma situação, agente tem que se ajudar (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).
―Quem olha eles pensa que são melhores que nós, mas no fundo são uns coitados, mais explorados que nós. A única vantagem que eles tem é não ser incomodados‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).
―Se eu pudesse queria seria como eles, você sabe pra eles não tem perseguição, mas o lance de dar comissão não é vantajoso...‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).
―Eles tem a vida mais tranquila que a nossa, pois não são incomodados pelos guardas, mas no trem lucro muito pequeno com as vendas, não trocaria meu trabalho pelo deles nunca‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).
Deste modo, mesmo com suas particularidades e diferenças, tanto
trabalhadores ambulantes soltos quanto trabalhadores ambulantes ligados às
142
empresas, são parte de um único universo de trabalho precário e subalterno,
no qual são submetidas às classes populares urbanas.
***
Neste capítulo nos propomos a traçar a trajetória do trabalho ambulante
nos trens do ramal de Santa Cruz. Inicialmente apresentamos as linhas gerais
que nortearam o trabalho de campo, os limites encontrados na pesquisa e as
estratégias empreendidas para superá-los. Depois fizemos um breve relato do
drama e da trama da experiência do trabalho informal vivenciada por cada
ambulante entrevistado nesta pesquisa. Por fim, apresentamos o perfil de cada
um dos tipos de trabalho ambulante exercidos no interior dos trens
fluminenses: a realidade dos ambulantes ligados às empresas e dos
ambulantes soltos.
143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa apresentada neste trabalho proporcionou uma proveitosa
aproximação da realidade empírica no campo científico, contribuindo para o
nosso enriquecimento em relação à temática do trabalho informal nos trens do
ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Para tanto, buscou-se compreender
quem eram os ambulantes dos trens, sua trajetória laborativa, a inserção no
trabalho no trem e o perfil que os caracterizam. Deste modo, procuramos fazer
a distinção entre os dois tipos de ambulantes que exercem sua atividade
laborativa no interior dos trens. Um grupo em pleno gozo de uma aparente
liberdade de trabalho – em razão da associação grande capital e companhia
ferroviária -, e outro, vivendo as vicissitudes do mesmo exercício, ao desafiar
sua permanência nos trens, mesmo sem autorização para fazê-lo.
Tomando como ponto de partida o estudo sobre a informalidade do trabalho no
âmbito de uma sociedade capitalista que por natureza é desigual e excludente,
examinamos as diferentes matrizes interpretativas que versam sobre o tema.
Relegando os paradigmas da Teoria da Marginalidade, assumimos o
posicionamento da economia crítica, que ao contrário da interpretação dualista entre
os pares formal/informal, concebe o fenômeno da informalidade como um elemento
constitutivo e altamente funcional à manutenção do sistema capitalista, sendo-lhe
ao, mesmo tempo, essencial e intrínseco. Mesmo entendida como ―relação
tipicamente não capitalista de trabalho‖, a informalidade do trabalho colabora para o
aumento dos níveis de exploração e acumulação, na medida em que reduz o custo
da reprodução da força de trabalho produtiva, e, consequentemente, para o
crescimento da proporção de trabalho não pago. Cabe ressaltar igualmente que os
144
sujeitos desta pesquisa são fundamentais no processo de circulação da mercadoria,
pois comercializam produtos, em sua maior parte, industrializados, contribuindo
sobremaneira para o processo de acumulação do capital.
Aliados a essa digressão teórica, somam-se as recentes mudanças no
mundo do trabalho que impactaram no aumento do contingente de
desempregados e causaram a ampliação do trabalho informal.
A informalidade é entendida nesta monografia como trabalho precário,
sem proteção social já que realizada sem amparo público do Estado, mas que
são muitas vezes absorvidas pelas grandes empresas capitalistas. Como
pudemos mostrar através da situação atípica dos ambulantes ligados às
empresas, mas sem custos trabalhistas e sociais.
Diante da segregação do mercado de trabalho, a saída válida, muitas
vezes, é a ocupação de espaços públicos, como os trens gerando, com isso,
um cotidiano conflituoso marcado pela disputa de poder e sacrifícios.
A pesquisa descreveu a dura realidade ao qual são submetidos esses
trabalhadores, no cotidiano de seu trabalho, que muitas vezes são alvos da
dura repressão da concessionária de serviços ferroviários. No entanto, a
necessidade de sobrevivência empurra esses trabalhadores a permanecerem
lá, no fio da navalha da luta cotidiana pelo ―ganha pão‖.
Vimos que este trabalho é realizado dentro de um espaço de muitas e
históricas perversidades urbanas a que estão submetidas às classes populares
usuárias dos trens urbanos. Passageiros e trabalhadores se misturam numa
cena social de precariedade social acentuada. Neste sentido, verificamos que
145
existe uma relação de mútua cooperação entre passageiros, potenciais
consumidores de seus produtos, e trabalhadores ambulantes, que necessitam
destes para sobreviverem, tal como disse um dos informantes desta pesquisa
―os passageiros são a razão de nossa existência no trem‖ (J.G.).
Os resultados da pesquisa mostram que o ambiente conflituoso,
especialmente entre ambulantes soltos e agentes de segurança da SuperVia,
foi o estopim para o surgimento de um movimento político-organizativo, que
articulou por algum tempo grande parte dos ambulantes dos trens. Ao mesmo
tempo, tomamos conhecimento que a diminuição desta repressão foi a causa
do esvaziamento do movimento. Este dado nos chamou muito atenção, pois
demonstrou o quanto que uma categoria desprotegida, mesmo em meio às
suas debilidades estruturais, conseguiu, minimamente, construir uma
resistência coletiva, a despeito de sua pretensa ilegalidade enquanto um
trabalho legalmente reconhecido no quadro das ocupações nacionais. Ao
mesmo tempo percebemos que a insegurança com o rapa - e as atrocidades
cometidas pela ausência de regulação - é que mobiliza, cria a liga entre os
trabalhadores em favor de uma ação pública organizada.
Outra questão relevante evidenciada na pesquisa é a situação de
precariedade vivida pelos trabalhadores ambulantes ligados às empresas. Pois,
apesar de sua aparente vantagem sobre os ambulantes soltos - no que tange a
sua ―legalidade‖ -, os seus ganhos, são consideravelmente menores do que os
demais, de modo que mesmo em constantes sobressaltos no exercício de seu
trabalho, ―os soltos‖ dizem não querer ―trocar de lado‖. No entanto, mesmo
mantendo as peculiaridades que são próprias tanto aos trabalhadores
146
ambulantes soltos, quanto trabalhadores ambulantes ligados às empresas, eles
são parte de um único universo de trabalho precário e subalterno, relegado às
classes populares das grandes cidades.
Deste modo, a nossa hipótese geral, diante dos dados obtidos, parece se
confirmar, pois os trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz no
Rio de Janeiro, não obstante as dificuldades próprias do exercício de seu trabalho,
de modo geral, mantêm esta atividade como sua ocupação principal, por causa das
facilidades com que esses sujeitos, através dela, encontram para adquirir uma
renda, tendo como principal motivação a própria subsistência e de sua família. O
perfil levantado a respeito destes trabalhadores - a baixa escolaridade, a falta de
qualificação e a faixa etária – confirmaram a nossa hipótese. A aparente liberdade e
autonomia, típicas deste tipo de trabalho, foram consideradas determinantes nos
depoimentos para a retenção e permanência destes trabalhadores nesse tipo de
atividade, pois são vistos por eles como vantagens, a despeito da ausência de
direitos e garantias trabalhistas. Aliás, condicionalidades sociais nem sempre
valorizadas pelos mesmos. O ambiente de viração e o tempo reduzido do aqui e
agora parecem ser a régua e compasso do horizonte de vida desses trabalhadores
precarizados dos trens.
147
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155
ANEXO 1- Roteiro de observação de campo:
I- Questões ambientais:
Quais as condições (estruturais) dos trens?
Há variação da qualidade dos mesmos em função do horário?
Verificam-se as questões colocadas como queixas que, em tese, são os obstáculos para a legalização do comércio ambulante no trem? (a questão da limpeza e do barulho) – Cf. PIRES, 2005 e SILVA, 2009-
Persistem as práticas de apreensão dos materiais de venda dos ambulantes por parte dos agentes de segurança da Super Via, ou mesmo da polícia?
II- Sociabilidade no trem:
Como se estabelecem as relações entre passageiros e ambulantes? Ela acontece apenas no nível da compra e venda de produtos, ou se estabelecem relações de empatia e solidariedade?
Como se dá a relação entre os próprios ambulantes? Ela se dá no nível concorrencial (divisão espacial de atuação) ou é possível identificar parcerias entre eles?
Como os passageiros reagem e percebem as crianças em situação de trabalho infantil? (tanto na condição de trabalho, como de pedinte)
Como os passageiros interagem, ou reagem diante das manifestações religiosas no trem?
III- Dinâmicas do trabalho ambulante no trem:
Quais as estratégias estabelecidas pelos ambulantes para empreender suas vendas? (o grito, o preço entre outros)
Ainda se verificam a ―camuflação‖ de mercadoria no ingresso dos vendedores nas estações e composições de trem? (Cf. SILVA, 2009)
Há diferenciação de produtos vendidos conforme o horário?
Há diferenciação entre produtos vendidos por mulheres e crianças/adolescentes?
Há diferenciação do perfil etário em diferentes horários?
Existe hierarquização entre os ambulantes no que diz respeito a maior tempo de atuação? (―antiguidade é posto‖ cf. PIRES, 2005)
156
ANEXO 2 – Roteiro de entrevista exploratória
Identificação
NOME: ____________________________________ IDADE:____
PROFISSÃO/OCUPAÇÃO:__________________________________
Trajetória pessoal
1) Como se deu sua inserção no comércio ambulante nos trens da Central? 2) Foi sua primeira experiência de trabalho? 3) Ainda trabalha como ambulante nos trens? Em que ramal? 4) Possui outro trabalho, no momento? Em caso negativo, já possuiu algum
dia, concomitantemente ao trabalho nos trens?
Trajetória político-organizativa
5) Como surgiu a criação de um sindicato para os trabalhadores informais dos trens? Qual foi sua motivação? Tratou-se de uma iniciativa individual ou coletiva?
6) Como foi a experiência do SINDATREM, durante sua existência? Como se deu a transformação em uma associação (ASTRATERJ)?
7) Em que medida a ASTRATERJ dá continuidade as lutas empreendidas pelos trabalhadores?
Realidade e desafios dos trabalhadores ambulantes da Central
8) Em relação a situação descrita por Lenin Pires, em sua tese (início da década de 2000, como está, atualmente, a realidade dos trabalhadores nos trens da Central? O que mudou de lá para cá?
9) Como está a relação com a concessionária Super Via? Ainda há apreensões de mercadoria por parte de seus agentes de segurança? Há diálogo da ASTRATERJ com a empresa?
10) Como se dá a participação dos trabalhadores ambulantes na ASTRATERJ? Há representações de trabalhadores de todos os ramais? Relate sua dinâmica.
11) Em sua opinião, a partir de sua experiência e contato com os trabalhadores ambulantes de vários ramais, há diferenças entre os ramais no que diz respeito às dificuldades encontradas, perfis etários, interesse e participação política entre outros?
Indicação de informantes-chave
12) Em relação especificamente ao ramal de Santa Cruz, há algum representante com quem poderíamos contar para nos indicar trabalhadores daquele mesmo ramal para nossas entrevistas?
157
ANEXO 3- Roteiro da entrevista aos ferroviários
Objetivo: Resgatar a memória do trabalho ambulante informal nos trens do Rio
de Janeiro
Identificação
NOME: ____________________________________ IDADE:_____
PROFISSÃO/OCUPAÇÃO:__________________________________
FUNÇÃO NO SINDICATO:__________________________________
ESCOLARIDADE:_________________________________________
SINDICATO______________________________________________
Trajetória pessoal
1) Em que ano começou a trabalhar na companhia ferroviária? Qual Companhia? 2) Em quais ramais atuou?
Resgate histórico do trabalho informal nos trens?
3) Já era uma realidade, nesta época, o trabalho dos ambulantes nos trens? 4) Percebe diferenças significativas no trabalho ambulante daquela época e o de
agora? (Perfil, quantidade, produtos, idade etc...) 5) Como era a relação da Companhia no trato destes trabalhadores? Havia algum
tipo de restrição ao trabalho?
Relação entre as categorias de trabalhadores
6) Como era a relação dos trabalhadores ferroviários com os ambulantes? 7) Houve ou há algum tipo de suporte, por parte do Sindicato (ferroviários), aos
trabalhadores ambulantes? Se sim como ele aconteceu, ou acontece? 8) Como vê o conflito com os ambulantes? 9) Percebe mudança em relação ao trabalho ambulante nos trens antes e depois
do processo de privatização dos trens?
158
ANEXO 4- Questionário das entrevistas dos trabalhadores
ambulantes ligados às empresas
Objetivos: Entender a relação destes trabalhadores com as empresas
contratantes, as peculiaridades deste trabalho e a relação com os demais
trabalhadores ambulantes no trem;
Identificação
NOME: ____________________________________________________ IDADE:_____SEXO:_______ COR/RAÇA_________________________
PROFISSÃO/OCUPAÇÃO:_____________________________________
EMPRESA CONTRATANTE/FORNECEDORA:______________________________
ESCOLARIDADE:____________________________________________
BAIRRO ONDE RESIDE_______________________________________
Trajetória pessoal
1) Como se deu sua inserção no comércio ambulante nos trens da Central? __________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
2) Foi sua primeira experiência de trabalho? __________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
3) Há quanto tempo trabalha no trem? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
4) Em que ramal costuma atuar? __________________________________________________________
________________________________________________________
159
5) Possui outro trabalho, no momento? Em caso negativo, já possuiu algum dia, concomitantemente ao trabalho nos trens? __________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
_________________________________________________________
Relação empresa fornecedora e ambulante formalizados
6) Que tipo de vínculo de trabalho você tem com (empresa em questão)? __________________________________________________________
________________________________________________________
7) Possui carteira de trabalho assinada pela mesma? __________________________________________________________
________________________________________________________
8) Como ficou sabendo desse trabalho? Quem te inseriu? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
9) Passou por algum treinamento por parte da empresa? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
10) Qual o seu rendimento mensal/semanal nas atividades ambulantes? Há pagamento de taxas sobre as vendas? A quem ela é devida? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
11) Que tipo de produtos vende? São sempre os mesmos? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
12) Quantas pessoas dependem direta ou indiretamente dos rendimentos de seu trabalho? __________________________________________________________
________________________________________________________
Percepções sobre o trabalho no trem e relação com os demais
ambulantes “informais”
160
13) Como avalia o seu trabalho ambulante no trem? É algo transitório ou permanente em sua vida? Quais as expectativas futuras em termos de trabalho? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
14) Há vantagens neste tipo de atividade? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
15) A empresa contratante/fornecedora faz o recolhimento previdenciário? Em caso negativo, você o faz de modo ―autônomo‖ (contribuinte individual)? __________________________________________________________
_________________________________________________________
16) Quantas horas diárias você gasta no trabalho no trem? Quantos dias na semana? __________________________________________________________
_________________________________________________________
17) Como é a relação com os agentes de segurança da SuperVia? Há conflitos? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
18) Na sua avaliação há diferenças entre o seu trabalho e a dos demais ambulantes não ligados a empresas? __________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
19) Como é a relação com os demais trabalhadores ambulantes que não estão ligados a empresas? Há conflitos, ou disputas com estes? __________________________________________________________
__________________________________________________________
________________________________________________________
161
ANEXO 5- Questionários das entrevistas aos ambulantes ―soltos‖
Objetivos: Entender a percepção destes trabalhadores sobre seu trabalho nos trens,
as peculiaridades deste trabalho, bem como a definição de seu perfil;
Identificação
NOME: ____________________________________
IDADE:_____SEXO:_______ COR/RAÇA_________
PROFISSÃO/OCUPAÇÃO:_____________________
NATURALIDADE:___________________________ (Se for de outro estado, indicar o ano de fixação no RJ):_________BAIRRO ONDE RESIDE:_____________________
Condições de vida
13) Qual a situação de sua moradia? (Própria, alugada, cedida...) Quantas pessoas moram na casa? Possui acesso a saneamento básico? ______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
____________________________________________________________________
14) Até que série estudou? ____________________________________________________________________
15) Todos em sua residência possuem acesso aos serviços de saúde e educação? Como avalia esses serviços? ______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
____________________________________________________________________
Trajetória pessoal
16) Como se deu sua inserção no comércio ambulante nos trens? ______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
____________________________________________________________________
17) Foi sua primeira experiência de trabalho?
162
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____________________________________________________________________
18) Cite seus últimos cinco trabalhos e o tempo que passou trabalhando em cada um:
Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada
Sim Não
19) Possui outro trabalho, no momento? Em caso negativo, já possuiu algum dia, concomitantemente ao trabalho nos trens? Por que saiu? ______________________________________________________________________
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20) Por que deixou ou perdeu o seu último trabalho? Gostava da ocupação? Por quê? ______________________________________________________________________
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21) Se tivesse uma nova oportunidade neste último trabalho, voltaria? Por quê? ______________________________________________________________________
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Percepções sobre o trabalho no trem
22) Em que ramal costuma atuar? Existem diferenças entre eles no que diz respeito a qualidade de seu trabalho? ______________________________________________________________________
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23) Qual o seu rendimento mensal/semanal nas atividades ambulantes? ______________________________________________________________________
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24) Quantas horas diárias você gasta no trabalho no trem? Quantos dias na semana?
163
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25) Em qual horário costuma trabalhar? Esse horário muda de acordo com os dias da semana? Por quê? ______________________________________________________________________
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26) Quantas pessoas dependem direta ou indiretamente dos rendimentos de seu trabalho? ______________________________________________________________________
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27) Alguma outra pessoa da sua família possui renda? ______________________________________________________________________
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28) Você ou alguém de sua família está inserido em programas de transferência de renda (PBF, BPC, Bolsa Carioca etc.), ou recebe pensão? ______________________________________________________________________
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29) Como avalia o seu trabalho no trem? É algo transitório ou permanente em sua vida? Quais as expectativas futuras em termos de trabalho? ______________________________________________________________________
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30) Qual a sua expectativa para o trabalho de seus filhos (Caso tenha)? ______________________________________________________________________
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31) Como eram suas expectativas em relação ao estudo, no passado? Se tivesse oportunidade, daria continuidade? ______________________________________________________________________
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32) Na realização/preparação do seu trabalho, obtêm ajuda de outras pessoas? São parentes? Recebem uma remuneração por isso? ______________________________________________________________________
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33) Cite algumas vantagens no trabalho ambulante nos trens: ______________________________________________________________________
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34) Cite algumas desvantagens no trabalho ambulante nos trens:
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35) Considerando as vantagens e as desvantagens, quais são as mais determinantes para sua permanência ou não nos trens? ______________________________________________________________________
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36) Você contribui para a Previdência como ―autônomo‖ (contribuinte individual)? ______________________________________________________________________
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37) Como é a relação com os agentes de segurança da SuperVia? ______________________________________________________________________
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38) Percebe mudanças ocorridas no trem a partir das diferentes gestões da ferrovia? (Antes e depois da privatização, bem como dos diferentes controladores acionários). ______________________________________________________________________
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39) Como é a relação com os demais trabalhadores ambulantes nos trens? Há convivência mesmo fora do trem? Como ela ocorre? Já aconteceu algum conflito nesta relação? Cite duas últimas situações a esse respeito: ______________________________________________________________________
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40) Como você avalia a presença dos ambulantes ―legalizados‖ ligados a empresas? Como é a relação dos demais ambulantes (informais) com estes? ______________________________________________________________________
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41) O que acha que poderia melhorar no seu trabalho como ambulante no trem? Como ele poderia acontecer? Já fez algo para que isso acontecesse? Alguém já fez? ______________________________________________________________________
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______________________________________________________________________
42) Tem conhecimento de alguma organização coletiva dos ambulantes nos trens? Faz parte dela? De que forma?
165
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43) Como avalia a organização política dos ambulantes dos trens no enfrentamento de suas dificuldades de trabalho? ______________________________________________________________________
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44) Participa de algum movimento comunitário, ou ainda de outros movimentos em prol da melhoria dos trens? Conhece o Movimento pela de Aceleração do Transporte Ferroviário? ______________________________________________________________________
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45) Conhece as ―normas de conduta‖ do trabalho ambulante no trem? Por meio de quem você tomou conhecimento? Tais normas são praticadas no seu cotidiano? Cite algumas delas. ______________________________________________________________________
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ANEXO 6- Termo de consentimento
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PESQUISA: „No Balanço do Trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz‟
Prezado(a) senhor(a),
O senhor(a) está sendo convidado(a) para participar da pesquisa ―No Balanço do Trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz”. Os resultados desta pesquisa vão contribuir para conhecer melhor esse tipo de trabalho em nossa realidade social.
O senhor(a) foi selecionado pelo fato de ser trabalhador da área. Sendo
assim, poderá, a qualquer momento pedir maiores esclarecimentos e/ou
desistir de fazer parte da pesquisa sem qualquer tipo de prejuízo à sua pessoa.
Além disso, o senhor (a) não terá nenhum tipo de despesa ao participar da
pesquisa.
As informações prestadas são sigilosas, isto é, seu nome não será divulgado em hipótese alguma. Neste caso, somente o pesquisador terá acesso à identificação das pessoas entrevistadas.
Em momento oportuno, apresentaremos os resultados desta pesquisa e, na ocasião, informarei a data, local e hora para que o senhor(a), caso deseje, participe deste momento de reflexão sobre trabalho.
O(a) senhor(a) receberá uma cópia deste documento onde consta o telefone e o endereço do pesquisador, podendo tirar dúvidas sobre o projeto e sua participação.
__________________________, ______ de ____________de 2012.
_________________________________________
Nome e assinatura do pesquisador Raphael Magnus Silva Ortiz
Matricula UERJ 200810060211 Celular 92323937
UERJ/ Faculdade de Serviço Social: Rua São Francisco Xavier, 524, sala 3020,
bloco D, Maracanã- Rio de Janeiro, RJ.
Declaro que entendi os objetivos de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
Sujeito da pesquisa
167
ANEXO 7- Fotos dos trens:
Interior dos novos trens chineses (acervo pessoal) Interior dos velhos trens de aço-carbono (acervo pessoal)
Trem em aço-carbono em avançado estágio de deterioração Estação de Cosmos (acervo pessoal) (acervo pessoal)
Exterior do trem de origem chinesa (acervo pessoal) Cabine do maquinista- trem de aço-carbono (acervo pessoal)
Trem coreano visto por fora (Imagem do Google) Trem coreano por dentro (Imagem do Google)