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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL RAPHAEL MAGNUS SILVA ORTIZ NO BALANÇO DO TREM: PERFIL DOS TRABALHADORES AMBULANTES DOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ Rio de Janeiro Março de 2013

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TCC - Serviço Social

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL

RAPHAEL MAGNUS SILVA ORTIZ

NO BALANÇO DO TREM: PERFIL DOS TRABALHADORES AMBULANTES DOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ

Rio de Janeiro

Março de 2013

1

RAPHAEL MAGNUS SILVA ORTIZ

NO BALANÇO DO TREM: PERFIL DOS TRABALHADORES AMBULANTES DOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ

Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação

apresentado à Faculdade de Serviço Social do

Centro de Ciências Sociais da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro para a obtenção do título

de Assistente Social

Orientadora: Profª. Drª. Rosangela Nair de Carvalho

Barbosa

Rio de Janeiro

Março de 2013

2

NO BALANÇO DO TREM: PERFIL DOS TRABALHADORES AMBULANTES DOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ

RAPHAEL MAGNUS SILVA ORTIZ

Aprovado em ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Rosangela Nair de Carvalho Barbosa (orientadora)

Profª. Drª. Adjunta da Faculdade de Serviço Social da UERJ

__________________________________________________

Cleier Marconsin Profª. Drª. Adjunta da Faculdade de Serviço Social da UERJ

__________________________________________________

Isabel Cristina da Costa Cardoso Profª. Drª. Adjunta da Faculdade de Serviço Social da UERJ

CONCEITO FINAL: _____________________

3

À Maria Regina da Silva, minha

vó, trabalhadora incansável (in

memoriam)

4

AGRADECIMENTOS

Tudo que começa, tem seu termo, quer as coisas boas, quer as ruins.

Mas para mim, não há nada de negativo, tanto a realização deste trabalho,

quanto do percurso deste curso, que tantas coisas me acrescentaram, pessoal

e profissionalmente.

Dizem que o conhecimento é o único bem que ninguém pode nos tirar, e,

de fato o é. No entanto, ele não pode, sobremaneira, ser considerado um bem

individual, pois ele só tem utilidade a mediada em que ele é colocado à

disposição de toda e qualquer pessoa que dele quiser usufruir e ―navegar por

mares nunca antes navegados!‖.

E neste processo de construção coletiva do conhecimento não posso

deixar de agradecer a algumas pessoas que colaboraram de uma forma ou de

outra, com a realização desse trabalho e desse curso.

Agradeço a minha família, que sempre me incentivou no prosseguimento

dos estudos, mesmo diante de alguns recomeços, sempre foi muito

compreensiva e generosa comigo. Em especial a minha querida mãe: mulher

guerreira! Admiro-te muito!

Agradeço a todos os mestres que passaram por minha vida, em especial

a todos os professores da Faculdade de Serviço Social da UERJ, que em maior

ou menor medida foram responsáveis pelo excelente nível de educação ao

qual eu tive acesso. A gratidão especial vai para a professora Rosangela, que

sempre pacientemente, foi uma verdadeira pedagoga, ao me guiar pelas mãos,

pelas ―estadas desconhecidas da pesquisa científica‖.

Agradeço aos meus colegas de faculdade, de maneira particular os de

turma, que nestes 5 anos de caminhada (quase que voou, não é mesmo?),

foram ―companheiros de viagem!‖

Meu agradecimento especial vai para Odenir, sem o qual a inspiração

para a realização desse trabalho jamais seria despertada, pois foi nos

deslocamentos constantes para sua casa, que me surpreendi com um mundo

5

até então desconhecido para mim: o trem. Como não me esquecer do misto de

estranheza e curiosidade ao ver que naqueles espaços, muitas vezes

desconfortável e intransitável, se dava um ―mundo de relações sociais‖, dignas

de uma investigação mais apurada. E entre todos os personagens dessa

trama, o ambulante como trabalhador entre os demais trabalhadores em seus

deslocamentos diários entre a casa e o trabalho.

Por fim, minha eterna gratidão a todos os trabalhadores que colaboraram

com a realização desta pesquisa, em especial os que nos concederam

entrevistas, muitas vezes, com a possibilidade de ―perderem‖ o seu tempo, que

para eles, de fato, é dinheiro, ou pior de ―perderem‖ suas mercadorias, nas

eventuais apreensões dos agentes administradores dos trens.

6

“É triste ver este homem, guerreiro

menino,

Com a barra de seu tempo por sobre

seus ombros. Eu vejo que ele berra, eu

vejo que ele sangra. A dor que traz no

peito, pois ama e ama. Um homem se

humilha se castram seu sonho.

Seu sonho é sua vida e a vida é trabalho.

E sem o seu trabalho,

um homem não tem honra.

E sem a sua honra, se morre, se mata”.

Raimundo Fagner – Guerreiro Menino

"Mas pra quem tem pensamento forte

O impossível é só questão de opinião”.

Chorão- Só os Loucos Sabem

7

RESUMO

Esta monografia tem como objeto o trabalho informal dos trabalhadores ambulantes, especificamente os que desenvolvem suas atividades laborativas nos trens do ramal de Santa Cruz no Rio de Janeiro. Temos por objetivo identificar os fatores que levam estes trabalhadores a adotarem esta atividade informal como sua ocupação. Nossa hipótese é que esta opção de trabalho decorre da facilidade com que esses sujeitos, através da atividade ambulante, encontram para adquirir uma renda, constituindo-se uma forma mais rápida de colocação no mercado de trabalho, assumindo assim, como uma estratégia de sobrevivência imediata, para além dos limites que caracterizam seu perfil, tais como a baixa escolaridade, a falta de qualificação e a faixa etária elevada. Para tal, partimos do acumulado teórico sobre o tema, tendo como instrumental metodológico a realização de entrevistas semi-estruturadas, com informantes-chave, bem como os trabalhadores ambulantes a fim de se delinear o perfil de cada um dos tipos de trabalho ambulante desenvolvido no espaço dos trens do ramal de Santa Cruz. Como resultados a pesquisa apresentou um quadro complexo de determinantes e situações que condicionam as escolhas e permanências neste tipo de trabalho.

Palavras-chave: Trabalho informal. Trabalho ambulante no trem. Segregação sócio-espacial.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................

9

Capítulo I AS MÚLTIPLAS FACES DA INFORMALIDADE E AS MUDANÇAS DO MUNDO DO TRABALHO............................

15

1.1- A informalidade e sua função estratégica no Capitalismo.......

15

1.2- Particularidades da informalidade do trabalho no Brasil.........

25

Capítulo II PENSANDO O TRABALHO INFORMAL NOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ......................................................

32

2.1- O trem e sua função estratégica na reprodução social..........

33

2.2- Um transporte pobre para os pobres: o processo de degradação dos trens urbanos do Rio de Janeiro..................

43

2.3- Trabalho ambulante como elemento integrante da sociabilidade nos trens............................................................

46

2.4- ―No fio da navalha‖: a insegurança do trabalho ambulante e a possibilidade de organização política..................................

60

Capítulo III TRAJETÓRIA DE TRABALHO DOS AMBULANTES DOS TRENS DE SANTA CRUZ.......................................................

70

3.1- Caracterização da pesquisa de campo para as entrevistas....

71

3.2- ―O retrato falado‖ dos ambulantes no trem: trabalho e trajetória de vida......................................................................

74

3.3- Quem são os trabalhadores ambulantes ligados às empresas?..............................................................................

86

3.4- Quem são os trabalhadores ambulantes ―soltos‖?.................

109

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................

143

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................

147

ANEXOS................................................................................

154

9

INTRODUÇÃO

Esta monografia tem por objetivo apresentar resultados da pesquisa sobre o

trabalho informal realizado por trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de

Santa Cruz, no Rio de Janeiro.

Esta pesquisa foi gestada a partir de 2011, com os exercícios propostos na

Disciplina de Pesquisa Social sendo enriquecido, posteriormente nas Disciplinas de

Oficina de Pesquisa e concretizado nas Disciplinas de Seminário de Trabalho de

Conclusão I e Seminário de Trabalho de Conclusão II. Nesse processo, construímos

uma dinâmica que possibilitou que aprofundássemos conhecimento sobre o debate

contemporâneo acerca da produção acadêmica a respeito do trabalho informal.

O interesse pelo tema surgiu da observação aleatória sobre o considerável

quantitativo de trabalhadores neste transporte de massa popular, durante nossos

eventuais deslocamentos nesse núcleo urbano formado pela cidade do Rio de

Janeiro e área metropolitana. Percebemos que ali, além do grande número de

pessoas que recorrem a este tipo de trabalho, algumas outras características são

peculiares, e foram imediatamente percebidas, como a predominância de uma mão

de obra masculina e um perfil etário bastante diversificado. Estas particularidades

nos fizeram pensar os motivos que levam esta fração de trabalhadores a optarem

por tal atividade.

O trabalho de campo foi precedido da devida revisão teórica sobre a produção

relativa à temática da informalidade. A fim de ultrapassarmos a aparência do

fenômeno do trabalho ambulante no trem, recorremos ao acumulado teórico sobre a

10

temática do trabalho informal, o que possibilitou a reflexão sobre o tema e o

estabelecimento das devidas relações entre o dado singular desses trabalhadores

nos trens do Rio, sua ligação com o particular deste fenômeno no Brasil. Assim

como a visualização do panorama mais universal do trabalho no mundo, a partir das

atuais configurações do capital e suas inferências no mundo do trabalho.

Para tanto, a metodologia da pesquisa envolveu levantamento e análise

bibliográfica, aplicação de questionários e realização de entrevistas semi-

estruturadas. Portanto, contamos com fontes de dados primárias e secundárias. Do

confronto desses dados elaboramos reflexão no quadro da tradição crítico-dialética

da sociedade, procurando entender o tema dentro do contexto da crítica da

sociabilidade capitalista.

Escolhemos como amostra para apreciação empírica o trabalho ambulante

realizado nos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. A estratégia

escolhida para a coleta dos dados foi a de abordagem direta aos ambulantes, por

meio da aplicação de questionário, no qual foram colhidas informações objetivas que

possibilitem traçar um perfil geral de tais trabalhadores, bem como a captação de

percepções acerca do próprio trabalho realizado, entre outras questões

correlacionadas à atividade ambulante. Para além desses trabalhadores, outros

informantes chaves também foram entrevistados, a fim de que pudéssemos obter

informações preliminares acerca das problemáticas que envolviam o trabalho

ambulante nos trens, bem como de opiniões ―de fora‖ do núcleo duro da ação

ambulante no ramal de Santa Cruz.

Conforme se verá, a informalidade é um fenômeno anacrônico no interior da

sociedade capitalista, que passa a ser considerado um problema empírico e

11

conceitual somente a partir da década de 1970. Como a massificação do pleno

emprego não se tornou uma realidade em todos os países capitalistas, o trabalho

informal se fortaleceu como uma realidade latente, especialmente entre os

chamados países da periferia, dependentes no sistema mundial. A história mostrou

os limites das matrizes liberais burguesas do desenvolvimento geral dos povos, com

a incorporação aos benefícios dos avanços do desenvolvimento baseado no

crescimento produtivo.

Neste sentido, segundo esta perspectiva, a informalidade era um dado que não

combinava com os padrões de desenvolvimento capitalista, parecendo algo ―fora do

sistema‖, ou um sintoma do ―atraso das nações subdesenvolvidas‖. Assim sendo, a

Teoria da Marginalidade será o mote sobre o qual irão surgir os primeiros estudos

sobre este fenômeno.

A informalidade é muitas vezes apresentada aos trabalhadores como uma

alternativa para a geração de renda, diante da agigantada escala de desemprego.

Deste modo, ideologicamente, é possível se observar incentivos de cunho liberal

para que esta fração da população economicamente ativa constitua o ―seu próprio

negócio‖, alimentado-a com a ideia da independência e do protagonismo econômico.

No entanto, a realidade esconde a ―outra face desta moeda‖: os grandes sacrifícios

pessoais que estão embutidos no trabalho informal.

Por outro lado, para além do dado ideológico, e diante da necessidade imediata

de sobrevivência, o trabalhador informal necessita garantir o seu sustento e de sua

família, fazendo do recurso a este tipo de trabalho uma saída imediata para sua

situação.

12

Nesta pesquisa assumimos outra compreensão sobre a interpretação do

fenômeno da informalidade. Aqui assumimos o entendimento de que as próprias

atividades informais não são estranhas àquelas formais, de modo que não podem

ser percebidas sem a sua íntima relação com as formais, uma vez que àquelas, ao

contrário do que parece ser, não estão fora da dinâmica de acumulação capitalista.

A informalidade é uma ―produção‖ da extensão do capitalismo, e funcional para a

mesma (OLIVEIRA, 2003, p.33).

Assim, a monografia se propõe a pensar essa dialética no contexto do quadro

das novas configurações do mundo do trabalho, em consequência da reestruturação

do capital nas últimas décadas, que trouxe mudanças estruturais na sociedade como

um todo, desde o centro da economia do capital até sua periferia. Nesse contexto, o

Brasil, como nação aspirante a uma economia desenvolvida, reproduz as sequelas

deste sistema, acentuando ainda mais as disparidades socioeconômicas entre sua

população. No campo do trabalho, o fenômeno da informalidade, que já era presente

de forma cultural e institucional no país, agora se sedimenta como opção

estruturante da economia, servindo como uma ―alternativa‖ para abarcar uma massa

de trabalhadores presente de forma estrutural no desemprego.

Assim sendo, a hipótese deste estudo é a de que os fatores que levam os

trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz no Rio de Janeiro

a adotarem esta atividade como sua ocupação principal decorrem da facilidade com

que esses sujeitos, através dela, encontram para adquirir uma renda, constituindo-se

uma forma mais rápida de colocação no mercado de trabalho assumindo assim

como uma estratégia de sobrevivência imediata. A falta de perspectiva de reinserção

no mercado de trabalho formal devido aos vários fatores que compõem o perfil desta

13

população - a baixa escolaridade, a falta de qualificação e a faixa etária elevada ou

baixa - tendem a favorecer a inserção nesta atividade informal como sendo, em

muitos casos, a única alternativa para esses trabalhadores. Soma-se a isso, a

relativa autonomia que estes trabalhadores informais têm sobre o seu trabalho, no

que diz respeito ao horário de trabalho e a obtenção de um rendimento maior do que

teriam se estivessem empregados formalmente. Aliás, essa relativa e aparente

autonomia pode ser considerada fator de retenção e permanência do trabalhador na

própria atividade, como uma difícil sina de repetição em cada estação da vida. Estão

no trem por falta de emprego e por baixa escolarização, e estando no trem não têm

como superar esses limites porque o trabalho é penoso e fadigante.

Assim sendo, estruturamos a exposição esta pesquisa da seguinte forma: no

primeiro capítulo, apresentamos a revisão teórica acerca da informalidade do

trabalho e suas diferentes acepções, da década de 1970 até hoje. Na primeira parte

procuraremos demonstrar a funcionalidade estratégica da informalidade ao

capitalismo, mostrando que o baixo nível de renda aferido nestes empreendimentos

arcaicos representa custo de comercialização dos produtos industrializados e de

produtos agropecuários que são postos fora dos custos internos de produção e

reforçam a acumulação nas unidades centrais do sistema. Na segunda parte

abordaremos as peculiaridades do trabalho informal no Brasil, que diferentemente

de outras nações, mesmo antes das grandes mudanças estruturais do mundo do

trabalho, já apresentava, desde muito tempo, a concentração de consideráveis

contingentes não assalariados em atividades laborativas informais.

14

Em seguida, no segundo capítulo, nos deteremos na especificidade do trabalho

ambulante nos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Inicialmente,

faremos um resgate histórico do papel do trem na constituição e desenvolvimento da

cidade do Rio de Janeiro e da Região Metropolitana ao redor. Daremos ênfase ao

contexto das relações sociais desiguais construídas no processo de urbanização da

cidade. A seguir nos deteremos no trabalho dos ambulantes nos trens do ramal de

Santa Cruz, descrevendo a sociabilidade criada no interior deste espaço, bem como

as origens da organização política dos trabalhadores.

Esperamos, através deste capítulo, demonstrar a linha de proximidade da

vivência de precariedade social entre os trabalhadores ambulantes e os passageiros

dos trens, que coletivamente formam a classe subalterna, que compartilha as

precariedades cotidianas da vida e do trabalho na periferia urbana fluminense.

No terceiro e último capítulo desta monografia apresentaremos o trabalho

ambulante no trem através da análise do perfil de cada um dos tipos de trabalho

ambulante desenvolvido no espaço dos trens do ramal de Santa Cruz. Para isso

faremos, no início, um breve relato sobre o percurso metodológico empreendido no

trabalho de campo, e, logo após, faremos uma síntese das entrevistas realizadas,

destacando a vivência particular de cada ambulante com relação à trama maior do

trabalho informal na qual estão inseridos. Por fim, descreveremos o perfil tanto dos

ambulantes ligados às empresas, como os não ligados às mesmas.

Objetivamos neste capítulo, captar as semelhanças e diferenças entre esses

diferentes atores sociais, de modo a tornar mais visível as experiências vivenciadas

no trabalho ambulante no trem e a sua relação com o contexto estrutural do mundo

do trabalho, quando é possível tornar inteligível o fenômeno da informalidade.

15

Capítulo 1: AS MÚLTIPLAS FACES DA INFORMALIDADE E AS MUDANÇAS DO

MUNDO DO TRABALHO

“Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária.” MARX, Karl. O capital (livro III, 2º tomo). São Paulo: Abril, 1983, p. 271.

Neste capítulo pretendemos situar a temática da informalidade do trabalho,

recorrendo a algumas variantes históricas. Em primeiro lugar, procuraremos situar o

papel estratégico da informalidade no sistema capitalista. Para tal, remontaremos os

antecedentes históricos da construção social do termo, nos idos da década de 1960

do século passado, passando por algumas das vertentes teóricas que versam sobre

as questões relativas ao trabalho. Ao final apresentaremos, brevemente, algumas

características típicas do trabalho informal.

Seguidamente vamos nos deter, especificamente, no trabalho informal no

Brasil, procurando evidenciar as suas particularidades e a relação com o contexto

mais amplo, no âmbito do capitalismo globalizado.

De maneira geral, o que se deseja mostrar neste capítulo é a funcionalidade do

trabalho informal no sistema capitalista, na medida em que colabora com o processo

de acumulação, ainda que, aparentemente, apresente-se como um elemento

anacrônico à sociedade do trabalho assalariado.

1.1- A informalidade do trabalho e sua função estratégica no Capitalismo

Iniciamos essa reflexão situando que o tratamento do tema da informalidade

deita raízes nos esforços teóricos para explicar as disparidades socioeconômicas

entre os países. Alves e Tavares (2006) destacam a influência da teoria da

16

marginalidade, que orientou as políticas de governo dos países da América Latina

na década de 1960. Também conhecida como teoria do subdesenvolvimento, a

teoria da marginalidade apregoava que o trabalho informal, entendido como

―trabalho de tipo não capitalista‖ eram causas do subdesenvolvimento dos assim

chamados países do ―terceiro mundo‖. Para os teóricos dessa corrente ―a

urbanização dos países latino-americanos aconteceu sem que ocorressem

transformações econômicas capazes de absorver uma crescente oferta de força de

trabalho‖ (idem, p 426). O argumento é que o hiato entre os processos de

urbanização e industrialização provocariam a permanência de estruturas arcaicas,

sobreviventes e coexistentes com as práticas sociais mais tipicamente capitalistas.

Tal fenômeno fomentou uma desconcentração da força de trabalho no setor

secundário (industrial) e um superdimensionamento desta mesma força no setor

terciário (serviços), aumentando, por sua vez, as populações sobrantes vivendo em

situação de emprego e subemprego (OLIVEIRA, 2003, p. 54-57).

Posteriormente, quando os governos latino-americanos se colocaram o dilema

de equalizar o desenvolvimento econômico e social, recorreram a novas análises

sobre os espaços urbanos, cenários nos quais se concentravam o capital industrial e

um crescente contingente populacional.

Neste sentido, a Cepal (Comissão Econômica para América Latina)1

encarrega-se de elaborar esta nova análise sobre o subdesenvolvimento econômico.

1 ―Uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas (ONU) criada para

monitorar as políticas direcionadas à promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, assessorar as ações encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho ampliou-se para os países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social e sustentável.‖ Disponível em: http://www.cepal.org/cgi-in/getProd.asp?xml=/brasil/noticias/paginas/2/5562/p5562.xml&xsl=/brasil/tpl/p18f.xsl&base=/brasil/tpl/top-bottom.xsl Acesso em 24 de setembro de 2012).

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Baseadas numa perspectiva estruturalista, os teóricos cepalinos buscaram explicar

tal subdesenvolvimento latino-americano, igualmente a partir de uma concepção

dualista da realidade, ou seja, para estes, ―a dependência econômica seria a causa

da marginalização de amplos setores da população urbana, impedindo a

incorporação deles no mercado formal de trabalho‖ (ALVES E TAVARES, 2006,

p.426).

Em oposição a estas teses, Kowarick (1981), apontava que no decorrer do

desenvolvimento do capitalismo, as formas de produção tradicionais, ―as economias

de subsistência, o artesanato e a indústria em domicílio‖ (1981, p.61), não foram

extintas. Mas ao contrário, foram incorporadas à divisão social do trabalho,

alimentando-se dela durante o processo de acumulação. Deste modo, este

fenômeno não deveria ser compreendido como algo distinto, mas, na verdade,

apresentava-se como ―inerente ao desenvolvimento do capitalismo latino-americano‖

(Ibidem). Assim sendo, o sistema de acumulação capitalista mantem formas

―tradicionais‖, bem como incorpora ―novas‖ formas de uso da força de trabalho

(idem, p. 54), e assim o fazendo produz-se o seu barateamento, tornando-se um

elemento positivo para o incremento do processo de acumulação.

Para ele, a teoria da marginalidade, de base funcionalista, privilegia a questão

do desenvolvimento sob o viés psicossocial da integração social dos indivíduos,

reiterando os ―termos da dualidade estrutural que opõe o ‗tradicional‘ ao ‗moderno‘, o

‗marginal‘ ao ‗integrado‖ (KOWARICK, 1981, p. 17).

Outro crítico das teorias da marginalidade e da dependência foi Oliveira (2003).

Para ele ―o desenvolvimento era um problema que também dizia respeito às

contradições sociais internas‖ (2003, p. 33). Ou seja, para o autor o modo de análise

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dos ―teóricos do modo de produção subdesenvolvido‖ (ibdem) era insuficiente, pois

estes compreendiam a noção de atraso unicamente pelo viés da relação dos países

―subdesenvolvidos‖ latino-americanos com os desenvolvidos do hemisfério norte.

No entanto, segundo Oliveira, é necessário também compreender que o

problema desta dependência diz respeito igualmente aos problemas das classes

sociais internas dos países. Para o autor, um conjunto de fatores deixou de ser

percebidos pelos teóricos cepalinos: ―as imbricações entre agricultura de

subsistência e sistema financeiro‖ (idem p. 129), de modo que a atrasada agricultura

financiava a agricultura atrasada e a industrialização, ―a subordinação da nova

classe social urbana, o proletariado, ao Estado, e o ‗transformismo‘ brasileiro‖ que

opera uma ―revolução produtiva, sem uma revolução burguesa‖. Tais fatores,

segundo o autor conferem um ―caráter ‗produtivo‘ ao atraso‖ (idem p.130-131).

Enfatizando tal crítica ao conceito de desenvolvimento tão caro aos cepalinos

o autor assim expressa:

Penetrado de ambiguidade, o ‗subdesenvolvimento‘ parecia ser um sistema que se move entre sua capacidade de produzir um excedente que é apropriado parcialmente pelo exterior e sua incapacidade de absorver internamente de modo produtivo a outra parte excedente que gera (Idem, p.34).

Com a modernização das economias nacionais, na década 1970, evidenciam-

se as insuficiências das expectativas dos teóricos do subdesenvolvimento. Pois, a

despeito do crescimento econômico, um grande contingente populacional não foi

incluído no processo produtivo , bem como a hipótese de supressão das economias

típicas não capitalistas, tal como apregoado pelos teóricos cepalinos, não se fez real.

Para este autor

As atividades não tipicamente capitalistas eram resultantes e consequências do processo de acumulação capitalista, o qual mantinha parte da força de

19

trabalho na reserva, tendo por função pressionar a força de trabalho que estava na ativa (OLIVEIRA, 2003, p.69).

Assim sendo, mesmo as relações tipicamente não capitalistas de trabalho

colaboram para o aumento dos níveis de exploração e acumulação, na medida em

que elas reduzem o custo da reprodução da força de trabalho produtiva, e,

consequentemente, para o crescimento da proporção de trabalho não pago.

Pode-se então dizer que, longe de parecer algo estranho à própria constituição

econômica capitalista, estas ―formas de subsistências na economia periférica

urbana‖ são essenciais para a existência do próprio sistema capitalista, que tem em

seu próprio eixo funcional a relação de desigualdade das partes.

Esses setores que funcionam como satélites das populações nucledas nos subúrbios e, portanto, atendem a populações de baixo poder aquisitivo: por esta forma, os baixos salários dessas populações determinam o nível de ganho desses pseudo-pequenos proprietários (o que parecia uma operação de criação de ―bolsões de subsistência‖ no nível das populações de baixo poder aquisitivo); na verdade, o baixo nível desses ganhos representa custo de comercialização dos produtos industrializados e de produtos agropecuários que são postos fora dos custos internos de produção e reforçam a acumulação nas unidades centrais do sistema (Ibidem, grifo do autor).

Alves e Tavares (2006) situam no âmbito dos estudos sobre o problema da

empregabilidade, organizados pela OIT2 (Organização Internacional do Trabalho), a

elaboração das categorias economia ou trabalho informal, a partir da realização dos

estudos sobre o problema do emprego, no Quênia, em 1972.

Nesta pesquisa, a OIT classificou dois segmentos distintos na ordem

produtiva: um denominado setor formal, estruturado por unidades produtivas

organizadas; e outro, denominado setor informal, formado por unidades produtivas

2 A OIT é uma das instituições da ONU (Organização das Nações Unidas) responsável pelas

convenções internacionais acerca do trabalho em termos como: emprego, proteção social, recursos humanos, saúde e segurança no trabalho, entre outros. Disponível em: http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/ Acesso em 24 de setembro de 2012).

20

não organizadas, baixo capital e que eram pouco competitivas. Desde então se

popularizou o emprego dos termos nas análises econômicas, especialmente no que

diz respeito à economia urbana dos países dependentes (ALVES E TAVARES,

2006, p.427).

Particularmente, as análises e estudos sobre a América Latina,

especificamente por meio do Prealc (Programa Regional de Emprego para América

Latina e Caribe), no interior da CEPAL, formou-se o entendimento de que as

atividades de baixo nível de produtividade, bem como àquelas não reguladas por

uma legislação trabalhista seriam pertencentes ao setor informal. Assim sendo, tais

análises sobre o conceito de setor informal são vistas especialmente sob a ótica do

mercado de trabalho, especificamente no que diz respeito ao emprego e ao

subemprego.

No entanto, tais análises não faziam referência à estreita ligação entre o setor

informal e o funcionamento do sistema econômico. Esta concepção só foi elaborada

a partir dos anos de 1980, por Souza (1980) e Cacciamali (1983), que passam a

definir o setor informal como ―intersticial e subordinado ao movimento das empresas

capitalistas‖ (Idem, p. 428). As atividades informais se ampliam quando do

crescimento econômico geral, e se retraem quanto este entra em processo de crise.

As características de tal setor eram:

1)O trabalhador vivia de sua força de trabalho e, em alguns casos, utilizava-se do trabalho familiar ou, mais recentemente, subcontratava ajudantes como extensão de seu próprio trabalho; 2) tinha como objetivo a obtenção de renda para consumo individual e familiar, visando manter também sua atividade econômica; essa forma de trabalho não propiciava acumulação ao produtor direto; 3) o proprietário mantinha o domínio sobre a totalidade das etapas que compunham aquela produção (CACCIAMALI apud ALVES E TAVARES, 2006, p.428)

21

Tais características do trabalho informal conformam a vida laboriosa daqueles

indivíduos impossibilitados de acumular capital. No entanto, a partir da década de

1990, passam a ser incorporados nos estudos sobre a informalidade, também

aqueles trabalhadores inseridos nas crescentes ondas de precarizações no mundo

do trabalho empreendidas pelas políticas econômicas neoliberais. Assim sendo,

ganha maior força nos debates a respeito a relação dessas formas de trabalho

tipicamente não capitalistas e a própria acumulação de capital. Diante disso, faz-se

necessário superar a limitação do conceito de setor informal, circunscrito na ideia de

segmento à parte para o de informalidade.

Malaguti, caminha nesta direção ao definir que a informalidade é um conceito

muito mais amplo que o de setor informal. O autor aborda em sua pesquisa, alguns

casos, no qual seria possível constatar situações de trabalho informal por dentro de

uma aparente relação de formalidade:

O funcionário público que durante o expediente vende peças de roupas, perfumes e sabonetes; o assalariado de uma empresa multinacional que faz horas extras sem recebê-las; o mestre de obras de uma grande empreiteira que trabalha sem os utensílios de proteção etc (2000, p. 99).

Malaguti, deste modo, desconstrói a dualidade e a aparente separação entre a

formalidade e a informalidade no âmbito das relações de trabalho. Através dos

exemplos é possível perceber que até mesmo as relações reguladas pelo mercado

de trabalho, por meio das legislações trabalhistas, portanto, formalizadas, podem ser

permeadas por situações de informalidade. Deste modo, mesmo a carteira de

trabalho assinada – símbolo maior da formalidade- pode ser um mero ―documento

de fachada‖ (Ibdem), na medida em que escamoteia relações de trabalho

informalizadas em seu interior.

22

Entretanto, o autor continua a problematização da questão ao falar que o

inverso também é verdadeiro, ou seja, é possível também verificar elementos de

formalidade por dentro do ―setor‖ informal.

Uma situação exemplar é a do ambulante que é casado com uma funcionária pública [...] Independentemente do fato desta funcionária ajudar o ambulante em suas vendas, seu contracheque público é fundamental para a obtenção de crédito por parte do ambulante-marido. É através da situação relativamente estável de sua esposa que ele financia suas compras junto aos fornecedores (MALAGUTI, 2000, p.100).

Outro elemento importante levantado pelo autor para a constatação do

problema é que a informalidade pode ser construída tanto pela empresa ou

instituição, quanto pelo empregado ou funcionário (Idem, p. 101).

Tais elementos revelam a complexidade do binômio formalidade/informalidade,

de modo que, é estabelecida uma espécie de simbiose entre essas duas dimensões,

revelando ambas que o conteúdo do trabalho capitalista elucida a sua forma. Deste

modo, para efeitos de análise, uma forma não pode ser concebida sem a outra.

No entanto, apesar de seu caráter abrangente, o conceito informalidade não é

unívoco no debate acadêmico. Autores como Noronha (2003) e Machado da Silva

(2003), utilizam-se do termo com algumas reservas, ainda que não proponham outro

conceito mais apropriado. Para Noronha (2003) o termo informalidade é carregado

de ambiguidades, por não distinguir de imediato do que trata especificamente, pois

ele serve para descrever uma ―ampla gama de situações urbanas-industriais‖ (2003,

p. 116) muito diversas. Para ele, o problema do termo não é especificamente

acadêmico, mas institucional.

Neste sentido, para o referido autor a economia informal, ou simplesmente a

informalidade, é um termo por demais amplo, sendo preferível, para fins de estudo

23

acadêmico o conceito de informalidade do trabalho. É com esta acepção que

pretendemos nos referir, de agora em diante, neste presente trabalho.

Segundo este autor, as questões do subemprego ou da "informalidade" só

podem ser entendidas como resultantes da própria construção da noção de

"formalidade", que, por sua vez, está associada às noções de cidadania e de direito

social (NORONHA, 2003, p.113).

Por outro lado Machado da Silva (2003) chama atenção para outro aspecto que

figura no uso contemporâneo do termo informalidade. Segundo ele, dada as

presentes mudanças estruturais no mundo do trabalho, o conceito tem sido usado

quase como um sinônimo de ―empregabilidade‖, ou seja, como uma alternativa num

ambiente em que o processo produtivo encontra-se em retração, e,

consequentemente incorporando poucos trabalhadores no círculo do

assalariamento. Assim sendo, segundo o autor, o falacioso discurso do

―empreendedorismo‖, vem substituindo a noção de informalidade (2003, p.164-167).

Mas segundo o autor o que ocorre é que o debate acerca da empregabilidade por

meio do empreendedorismo tira de cena a questão da injustiça que, de certa forma,

o antigo debate da informalidade colocava.

Outros autores já preferem utilizar-se do conceito de ―processo de

informalidade‖, ao conceber que as mudanças estruturais da economia e da

sociedade levaram à redefinição da inserção do trabalho no processo de

reestruturação das economias em escala mundial, nacional e local. Cacciamali

apresenta quatro elementos para se pensar os condicionantes estruturais da

economia global, que irão incidir diretamente sobre o processo de informalidade:

1) os processos de reestruturação produtiva; 2) a internacionalização e expansão do mercado financeiros; 3) o aprofundamento da

24

internacionalização e a maior abertura comercial das economias; 4) a desregulamentação dos mercados (CACCIAMALI apud ALVES E TAVARES, 2006, p. 249).

Esses eventos afetam diretamente a economia e o emprego, pois geram uma

insegurança econômica que impacta negativamente sobre o crescimento econômico,

atingindo, consequentemente, o mercado de trabalho.

Para a autora duas categorias de trabalhadores fazem parte da informalidade:

―os assalariados sem registro‖, contratados de forma ilegal, portanto, sem as

garantias e direitos devidos; e, os ―trabalhadores por conta própria‖, que prestam

serviço e, eventualmente, contam com o auxilio familiar ou de outros ajudantes para

a obtenção de renda para sua reprodução (idem).

Em suma, podemos dizer que uma das consequências mais visíveis das

mudanças recentes do trabalho3 resulta aquilo que Havery (1992) denominou

―acumulação flexível‖4, forjando massas crescentes de trabalhadores sem emprego,

engrossando as fileiras daquilo que Marx denomina ―exército industrial de reserva‖.

Permanecendo nesse quadro de modo cada vez mais constante, e porque não dizer

permanentemente, aumentando o nível do desemprego estrutural no quadro da

população economicamente ativa.

É justamente nessa nova configuração do quadro do mundo do trabalho que

localizamos o objeto desta pesquisa, para pensar a subproletarização do trabalho

3 Essas mudanças estão situadas na chamada reestruturação produtiva que foi a resposta

dada pelo capital diante da crise iniciada no sistema produtivo a partir dos anos de 1970. Ela consiste numa série de ajustamento dos padrões de produtividade e de qualidade, readequando alguns dos princípios tayloristas/fordistas às novas condições do mercado, bem como introduziu novos formas mais competitivas ao processo produtivo, tal como a implantação da automação, flexibilidade, produção enxuta, qualidade total, descentralização produtiva, etc., derivados do método Toyotista (Havery,1992). 4 ―A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por confronto direto com a rigidez do

Fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fortalecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente de inovação comercial, tecnológica e organizacional‖ (Idem, p. 140).

25

que se manifesta nas ―formas de trabalho precário, parcial, temporário,

subcontratado, 'terceirizados', vinculados à 'economia informal', entre tantas

modalidades existentes‖ (ANTUNES, 1999, p. 44, grifo nosso).

Pela sua própria natureza, conforme já visto, o trabalho informal é uma

categoria complexa, que pode englobar diversas categorias de trabalhadores com

inserções ocupacionais bastante peculiares. O traço comum é a heterogeneidade, e,

por isso, Silva (2009) classifica este ―setor‖ em quatro grandes grupos: Os

trabalhadores autônomos ou por conta própria, os que vivem dos pequenos

empreendimentos domiciliares, os assalariados sem registro em carteira e os ligados

aos sistemas de cooperativa.

O desafio desta pesquisa é pensar uma experiência de trabalho concreta,

aquela dos trabalhadores dos ambulantes dos trens urbanos, ou seja, os

trabalhadores autônomos ou por conta própria5.

1.2- Particularidades da informalidade do trabalho no Brasil

Ao longo do século XX, o capitalismo consolidou seu padrão de

desenvolvimento por meio da massificação do modelo fordista-taylorista. Entretanto,

como é característica de sua lógica, a homogeneidade dos seus benefícios,

5 Cabe destacar que esta categorização engloba, além dos ambulantes, os trabalhadores sem

vínculo empregatício subordinados às empresas – tanto na produção, como é o caso de costureiras, como na distribuição, caso dos vendedores por comissão, marceneiros, pedreiros, pintores, encanadores, entre outros. Segundo o IBGE (2012), esta categoria forma o grupo mais expressivo dos trabalhadores informais, correspondendo a mais de 4/5 do total e 19% das pessoas ocupadas em 2012. Para efeitos metodológicos desagregou a população ocupada em

oito categorias: empregados com carteira assinada no setor privado; empregados sem carteira

assinada no setor privado; trabalhadores por conta própria; empregadores; trabalhadores domésticos; militares ou funcionários públicos estatutários; empregados com carteira assinada no setor público; e, empregados sem carteira assinada no setor público.

26

principalmente a incorporação de crescentes massas de trabalhadores no processo

de industrialização (a estratégia do pleno emprego associada à incorporação de um

número cada vez maior de consumidores), não se estendeu a todos os países de

economia capitalista.

Dentre os principais motivos deste fenômeno está o enfraquecimento do

―Welfare State‖ nos países centrais, e a sua parcial formação nos de economia

periférica. Sobretudo, a partir da crise, iniciada nos anos de 1970, quando o regime

de acumulação capitalista começou a dar sinais de esgotamento, através da queda

dos lucros, crise do padrão produtivo taylorista/fordista (superprodução) e da grande

concentração de capitais (através dos conglomerados monopolistas) (ANTUNES,

2000 p. 29 e 30).

Deste modo, o que evidenciamos na pesquisa é que os efeitos da expansão

do capital se dão de modo diferenciado em diferentes partes do globo. Assim sendo,

o que é realizado em um determinado tempo no centro produtivo (países com

economias mais desenvolvidas), reverbera seus efeitos, na periferia do sistema, em

momentos distintos.

O caso brasileiro parece se encaixar neste aspecto, já que o mercado de

trabalho, mesmo em seu auge industrial, nunca alcançou universalmente as massas

trabalhadoras.

Ainda que com algumas particularidades, conforme veremos adiante, na

aurora de sua industrialização tardia, foi preciso organizar e consolidar a massa de

trabalhadores conforme os novos padrões de desenvolvimento.

Neste sentido, a estratégia usada pelo Estado Novo varguista, na década de

1940, foi a de assegurar a seminal classe trabalhadora brasileira, um conjunto

27

normativo de proteção social vinculada ao status ocupacional6. Com isso criou-se

aquilo que Gomes (2002) denomina ―a invenção do trabalhismo‖, ou seja, a criação

ideológica de uma nova cultura política a respeito do trabalho, criando um vínculo

entre ―a ideia de cidadania e a existência de direitos sociais‖ (2002, p.33), isso

possibilitou o afastamento de um duplo perigo: o acirramento das questões sociais

advindas do conflito entre capital e trabalho e a ―sedução‖ do discurso comunista

suscitado em tal disputa.

Para a autora, as conquistas dos direitos sociais, dentre eles os relativos ao

trabalho, no caso brasileiro, é muito distinta daquela descrição linear elaborada por

Marshall (1967), especificamente referindo-se a experiência inglesa, no qual os

direitos civis, políticos e sociais, foram sendo conquistados sucessivamente ao longo

dos séculos XVIII, IXI e XX.

O Brasil, formado por uma diversidade de atores sociais e com interesses em

jogo, tornou a nossa experiência de alcance de cidadania um pouco mais distinta e

complexa, segundo a autora

Por razões históricas, os direitos sociais, especialmente os do trabalho, assumiram posição estratégica para a vivência da cidadania, o que se reforçou pela fragilidade dos direitos civis e pelo desrespeito aos direitos políticos, infelizmente muito praticado ao longo do século XX (GOMES, 2002, p.12).

Com isso, é conformado um novo padrão de acesso aos diretos sociais à

classe trabalhadora, uma ―cidadania regulada‖ (SANTOS, 1979 e 1998) fortemente

protegida pelo Estado, em função de sua função estratégica ao mercado.

6 Não é demais esclarecer que os direitos sociais relativos ao trabalho, não fazem parte de um

movimento unilateral de um dos atores que conformam a sociedade brasileira, no caso o Estado, ela também é fruto de lutas que se estabelecem socialmente entre classe trabalhadora, em suas reenvidicações, e o empresariado, na defesa da maximixação de seus lucros. No caso brasileiro, o que se verifica é a antecipação às demandas das classes subalternas, de moda a ―fazer a revolução, antes que o povo a faça‖(GOMES, 1979, p. 47).

28

Entretanto, mesmo a regulamentação desse mercado deixou também de fora

os trabalhadores rurais e muitas categorias de trabalhadores urbanos, que viviam

sem a formalização da carteira de trabalho. Segundo Noronha (2003), as noções de

formalidade e informalidade, se caracterizavam, no Brasil, pelo vínculo empregatício,

ou seja, pelo fato de ter ou não carteira de trabalho assinada, pois é ela que

comprovava a identidade de trabalhador, e, portanto, a sua cidadania.

A constituição de um ―mercado formal‖ de trabalho, no auge do período de

crescimento econômico, a década de 1970, atingiu apenas 50% da população

economicamente ativa empregada no meio urbano (POCHMANN, 2002). Esse

processo conviveu, concomitantemente, com o aumento de formas de trabalho

informal em pequenas empresas urbanas de pequeno porte, no campo, e nas

inúmeras e precárias formas de trabalho autônomo e doméstico, ―cujos padrões de

contratação e assalariamento passavam ao largo da legislação trabalhista e social e

de qualquer possibilidade de representação coletiva‖ (COSTA, 2010, p. 171, grifo da

autora).

Essa realidade se agrava sobremaneira na década de 1990 com as

mudanças estruturais na economia e nas instituições do mercado de trabalho. A

abertura econômica dos mercados e as privatizações de órgãos públicos,

pressionaram o processo de reestruturação produtiva sistêmica, sobretudo no setor

secundário, afetando não apenas o nível do emprego, mas também a sua qualidade,

com a flexibilização dos vínculos e dos regimes de trabalho.

Além desses aspectos político-econômicos, há ainda a necessidade de

acrescentar alguns outros aspectos históricos que conformam a estrutura social

brasileira no século XX. Chamamos atenção, em particular, para a herança recente

29

de passado escravista, que a despeito da abolição, não incorporou a recém-criada

―mão de obra livre‖ às incipientes estruturas de emprego à época.

Para efeito de ilustração, são clássicas as cenas retratadas por artistas como

Rugendas e Debret, que captaram a ocupação do espaço da rua pelos negros em

sua ―viração‖ no Rio de Janeiro do Século XIX (BATISTA, 2008, p.7-10; FERREIRA

e LEMOS, s/d. p.10). Este tipo de atividade desenvolvida por muitos escravos no

período anterior à abolição da escravatura, como escravos de ganho, ou aluguel,

permanecerá como uma das principais atividades da mão de obra negra urbana no

cenário urbano do Rio de Janeiro, após 1888. Mais ainda, os estudos como o de

Mattos (2007) apontam que este mesmo contingente populacional será decisivo nas

primeiras lutas de classe, por meio das greves sindicais do início do século XX.

Neste sentido, o fenômeno da informalidade, conforme sinalizado, não é algo

novo no Brasil. Existindo desde antes da estruturação do mercado de trabalho

assalariado e livre. Agora resta saber em que medida tal fenômeno se apresenta

posteriormente a esta estruturação e aos movimentos do capital e suas crises

cíclicas.

A partir da já citada conjuntura internacional da crise do capital, iniciada nos

anos de 1970, esse processo se complexifica. Neste sentido, é preciso ter em conta

que

iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal […]; a isso também seguiu um intenso processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vista a dotar o capital do instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores (ANTUNES, 2000, p.31, grifo do autor) .

Associadas a esse processo reativo do capital aliam-se a estruturação de

novas formas do domínio técnico científico, bem como as de gerenciamento da

30

força de trabalho. Como aludimos, tal processo tem seu início nos países de

economia mais desenvolvida, mas que em seu curso, também, incorporavam os de

economia periférica, numa relação de dependência e subordinação aos primeiros

(Idem, p. 32).

Cleps (2009) ilustra bem as consequências destas transformações, em nível

nacional, principalmente no que diz respeito ao trabalho informal, objeto desta

pesquisa:

As atividades econômicas informais estão cada vez mais presentes no cotidiano da sociedade brasileira. Seu crescimento deve-se, entre outras razões, às transformações sócio-econômicas resultantes da adoção de modelos flexíveis de gestão que se refletiram diretamente sobre o mercado de trabalho. Diante do aumento dos índices de desemprego e das baixas remunerações oferecidas no setor formal, a informalidade tem sido, na maioria das vezes, a única alternativa de trabalho para um expressivo contingente de mão-de-obra que se encontra fora dos padrões exigidos pelo mercado de trabalho (CLEPS, 2009 p. 327).

Uma das grandes consequências deste quadro é o processo de

desasalariamento e desemprego. Pochmann (2006) ao desenvolver estudos sobre

este fenômeno descreve que ―entre as décadas de 1940 e 1970 a cada dez postos

de trabalho gerados, oito eram empregos assalariados. Entretanto, nos anos 1990, a

cada dez empregos criados, somente quatro eram assalariados‖ (2006, p.61).

Desta forma há uma gradativa diminuição da participação dos empregos

assalariados e com registro, de modo que a maior parte das vagas abertas no

mercado de trabalho vem sendo preenchida por ―ocupações sem remuneração, por

conta própria, autônomo, trabalho independente, de cooperativa, entre outras‖

(ibdem).

Assim sendo, as atividades informais, já praticadas no período anterior a

organização do mercado de trabalho livre, continua a coexistir com as formais,

reguladas por leis trabalhistas e organizadas pelo Estado. Com o agravante que

31

nesta atual conjuntura político-econômica, tal fenômeno ganha outro vulto, servindo

muitas vezes, como uma única alternativa de sobrevivência para um contingente

mais expressivo da população.

No entanto, conforme dito, as próprias atividades informais não podem ser

percebidas sem a sua íntima relação com as formais, uma vez que àquelas, ao

contrário do que parece ser, não estão fora do processo de acumulação capitalista,

ele é uma ―produção‖ da extensão do capitalismo (OLIVEIRA, 2003 p.33) e funcional

para a mesma.

Até aqui nos detivemos especificamente às questões relativas às polêmicas

conceituais acerca da informalidade. Procuraremos adiante explorar a realidade

específica de um tipo de trabalho informal, objeto desta monografia: o trabalho

informal dos trabalhadores ambulantes dos trens do Rio de Janeiro. Para isso

faremos uma breve recuperação histórica sobre as ferrovias no Rio de Janeiro, bem

como procuraremos discorrer sobre a sociabilidade empreendida no interior desse

meio de transporte de massa, onde se desenvolve a atividade ambulante.

32

Capítulo 2: O TRABALHO INFORMAL NOS TRENS DO RAMAL DE SANTA CRUZ

“A estrada de ferro tritura ilusões, come planícies, bebe descampado e leva dentro dos seus vagões os homens e o gado. Um dia, sem discursos nem sermões, tudo foi confiscado e leiloado, descampado, planícies e vagões, planícies, vagões e descampado. Tudo como laranjas ou limões nas banquetas de um mercado. Tudo pra aumentar confusões, tudo com nevoeiro misturado - e quem comprou os vagões comprou os homens e o gado”. MURALHA, Sidônio. A ESTRADA DE FERRO, in: Os Olhos das criança. São Paulo, Indústria gráfica brasileira: 1963

O capítulo apresenta o trabalho ambulante desenvolvido no interior dos trens

dos subúrbios cariocas e da Baixada Fluminense, particularmente sobre o recorte

espacial do ramal de Santa Cruz.

Inicialmente, faremos um resgate histórico do papel do trem na constituição e

desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro e da área mais ampla chamada

Região Metropolitana. Enfocaremos esse quadro no contexto das relações sociais

desiguais construídas neste processo da urbanização fluminense.

Logo após nos deteremos no trabalho dos ambulantes nos trens do ramal de

Santa Cruz, descrevendo a sociabilidade criada no interior deste espaço - dividido

com diversos atores sociais - bem como as origens da organização política dos

trabalhadores.

Esperamos, através deste capítulo, demonstrar a linha de proximidade da

vivência de precariedade social entre os trabalhadores ambulantes e os passageiros

dos trens. Em conjunto, eles formam a classe subalterna, que compartilha as

precariedades cotidianas da vida e do trabalho na periferia urbana fluminense.

33

2.1- O trem e sua função estratégica na reprodução econômica e social no Rio de Janeiro

Embora a origem do transporte sobre trilhos remonte o século XVI, é no

século XVIII, com a revolução industrial inglesa, que ele irá assumir novo vigor.

Por meio da manipulação da energia a vapor, foi possível elevar o uso do

deslocamento sobre trilhos - até então utilizado com o auxílio de tração animal -

a um patamar mais elevado, a de um meio de transporte de massas, de fato.

Em 1825 foi inaugurada, na Inglaterra, a primeira ferrovia, que ligava a

cidade de Darlington ao norte do país. Em 1830, isto é, cinco anos depois, era

aberta a ferrovia Liverpool-Manchester, ligando as duas grandes cidades com

conglomerados industriais. Esta linha, segundo Rodriguez (2004) a primeira a

transportar passageiros, foi ―a precursora da era das ferrovias, pois trouxe

conhecimento público às potencialidades de tração a vapor sobre trilhos‖

(2004, p.13).

Rapidamente esta nova tecnologia se espalhou pelo mundo, sendo

fundamental para a consolidação do imperialismo inglês no século XIX.

O Brasil, quando do advento das ferrovias, estava sob o governo

regencial de Diogo Antônio Feijó, que procurava de algum modo equacionar o

problema das grandes distâncias entre a Corte e as capitais das províncias. A

necessidade da construção de estradas de ferro se fez um imperativo.

Para tanto, por meio da Lei Feijó, de 31 de outubro de 1835, foi aberta a

primeira ―concessão‖ para a criação de uma ferrovia que pudesse ligar o Rio de

Janeiro às capitais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia.

Cunha (2002) ressalta que tal lei não atraiu o interesse dos investidores,

especialmente os ingleses, que não viram vantagens nas contrapartidas do

34

governo brasileiro. Não obstante, segundo o autor, em alguns estados, entre

eles o Rio de Janeiro, algumas iniciativas isoladas de infraestrutura ferroviária

foram iniciadas

Embora não alcançando seu principal objetivo, o decreto de Feijó contribuiu para que algumas províncias também assumissem a responsabilidade de implantação de ferrovias em seus territórios. Esse foi o caso da Província do Rio de Janeiro, que, através da Lei nº 192, de 9 de maio de 1840, procurou estabelecer uma estrada de ferro entre a Vila de Iguaçu e um ponto da baía de Niterói (CUNHA, 2002, p. 48).

No entanto, para o autor, mais do que uma integração nacional, a ferrovia

era a real solução logística para o escoamento da produção cafeeira e sua

permanente migração para terras cada vez mais afastadas do litoral, em

especial, no Vale do Paraíba.

Assim, o transporte terrestre, que desde os tempos coloniais fora feito no

dorso dos muares, a cada dia se tornava mais caro e penoso. Sendo assim o

trem ―o verdadeiro milagre tecnológico, solução nova para um antigo problema‖

(idem, p. 49).

Mas apesar dos esforços de Feijó, e, posteriormente do próprio Imperador

Dom Pedro II, as experiências de implantação de ferrovias foram marcadas por

mais derrotas que vitórias. Mesmo o referido caminho de ferro, descrito por

Cunha entre a Vila Iguaçú e a baía de Niterói (atual baía de Guanabara) não se

concretizou, devido a seu alto custo e pouca participação de capital investidor

(OLIVEIRA, 2004, p. 18).

Este quadro só irá se alterar quando da entrada de um importante ator

que foi crucial para a implantação de um investimento de tamanha monta:

Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.

No ano de 1852 ele recebeu do governo da Província do Rio de Janeiro a

concessão para construir uma ferrovia ligando a Corte ao Vale do Paraíba do

35

Sul e em menos de dois anos ele inaugurava o primeiro trecho da Imperial

Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, ligando o

porto de Mauá, em Magé, até a Raiz da Serra. (CUNHA, 2002, p.51).

No entanto, é interessante notar que o mesmo fenômeno que provocou o

declínio das ferrovias no Brasil, no século XX, conforme veremos no item

seguinte, já se fazia presente em sua gênese. A competição com a via

rodoviária levou o Barão de Mauá, após sucessivos prejuízos, a sua venda,

alguns anos mais tarde. Além disso, conforme destaca Cunha

Não é difícil imaginar como se tornava complicado o transbordo das mercadorias dos trens para as carroças e vice-versa. A linha que deveria servir à zona cafeeira, que se situava a oeste, deslocara-se para outra direção. Urgia que se atingisse o Vale do Paraíba o mais depressa possível. Assim surgira a ideia de se construir uma outra ferrovia que, partindo diretamente do centro do Rio de Janeiro, pudesse atingir a zona cafeeira (2002, p. 54)

Desta forma, abre-se espaço para a construção da mais nova ferrovia

brasileira, a Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1858, ligando a Corte à

Queimados, num percurso de 48 quilômetros.

Esta estrada, que, posteriormente será chamada de Central do Brasil teve

um papel muito importante no desenvolvimento do país, pois ―facilitou a

circulação de riquezas e de pessoas na medida em que a fronteira econômica

se interiorizava‖ (RODRIGUES, 2004, p.20).

A ferrovia contava inicialmente com 5 estações: Corte (no Campo de

Santana), Cascadura, Maxambomba (Nova Iguaçú) e Pouso dos Queimados

(Queimados). Rodriguez destaca que no projeto original do traçado, o trecho

inicial tinha previsto como estação final a freguesia de Nossa Senhora de

Belém e Menino Deus (Japeri), mas devido a um surto de malária que vitimou

5.000 empregados chineses que trabalhavam na construção da referida

36

estação, a linha não chegou até Queimados, em sua inauguração (idem, p.20 e

21).

É curiosa a utilização de mão de obra estrangeira nesta obra, dada a

inexistência de mão de obra livre no país até então. Abreu (1997) irá destacar

esta relação contraditória entre as produções arcaicas, de base escravista, e a

formação desses novos projetos, essencialmente capitalistas, que aqui se

introduziam. A cidade do Rio de Janeiro do século XIX ―passa a ser movida por

duas lógicas distintas (escravista e capitalista), e os conflitos gerados por esse

movimento irão se refletir claramente no seu espaço urbano‖ (1997, p. 28).

Em 1861 foi inaugurado o serviço de trens de subúrbios para o transporte

de passageiros, pois até aquele momento a estrada servia exclusivamente ao

escoamento da produção cafeeira do Vale do Paraíba. Tal modalidade de

transporte era ofertada entre as estações da Corte à Cascadura,

compreendendo as estações de São Cristovão, São Francisco Xavier e

Engenho Novo (RODRIGUES, 2004, p.21).

Este serviço ferroviário possibilitou uma rápida ocupação por parte da

população das freguesias suburbanas atravessadas pela linha férrea. No

entanto, conforme destaca Weid (1994, p.1 e 2) ele não foi o único responsável

por esta expansão. Há de se acrescentar a esta ―revolução do transporte

urbano‖ (ABREU, 1997, p.37) o papel complementar dos bondes.

37

Ilustração 1: Mapa da rede da EFCB em 1969, no auge de sua extensão. No detalhe as linhas do centro, que atendiam os subúrbios cariocas. Entre elas o atual ramal de Santa Cruz, que na época tinha seu fim em Mangaratiba

Fonte: Acervo Revista Ferroviária.

38

Aliada ao maior investimento da Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1870, o

serviço de bondes, iniciado em 1868, começou a se consolidar, através da

implantação de inúmeras companhias que concorriam no uso do espaço

urbano.

O transporte de massa permitiu o desafogo do centro, onde se

concentravam tanto os ricos quanto os pobres. A ampliação do sistema de

transporte permitiu o início do processo de segregação social (Villaça, 1997,

p.6). Segundo o autor, por meio do processo de segregação social, as classes

dominantes controlaram a produção do espaço urbano, tanto pelo seu poder

econômico, quanto pelo controle sobre dinâmicas do Estado, bem como da

construção ideológica sobre o espaço. Deste modo, possibilitaram o paulatino

processo de ―expulsão‖ das camadas populares do centro urbano do Rio em

direção às periferias da cidade e da Baixada Fluminense, em especial das

áreas limítrofes às linhas férreas7.

Neste contexto de disputa e controle do espaço urbano, há de se destacar

a estratégia de domínio econômico de uma empresa, sobre o controle dos

serviços públicos: a Tramway Light and Power (atual grupo Light).

Esta companhia iniciou sua operação no Brasil em 1899, instalando-se,

primeiramente em São Paulo, com objetivo de geração de energia elétrica, a

partir da matriz hídrica. Em pouco tempo, também obteve concessão para a

7 O auge desse processo de reformulação do espaço urbano se dará nos primeiros decênios

do século XX, com a chamada Reforma Passos que promoveu grandes obras na infraestrutura urbana da cidade do Rio, com a construção de vários edifícios, segundo os ditames da ―belle époque‖ francesa, bem como a abertura de largas avenidas, em especial a Central (atual Rio Branco). Tudo isso com o custo social da política do ―bota à baixo‖, que promoveu a demolição de vários cortiços que serviam de habitação para a população trabalhadora urbana na cidade. O pano de fundo ideológico era a saúde pública da cidade, mas, na verdade, o que estava em jogo era o interesse econômico e a disputa pelo espaço e seu valor enquanto localização.

39

execução de serviço de exploração de transportes ferro-carris por tração

elétrica, bem como comprou as ações da Companhia de Água e Luz de São

Paulo.

Por meio da lógica de obtenção de lucratividade tanto na geração da

energia elétrica, quanto na execução dos serviços terminais, dependentes de

tal energia, a companhia conseguiu grande acúmulo de capital, em especial,

através de sua estratégia de formação de oligopólio, que lhe conferiu o apelido

de ―polvo canadense‖ (WEID, 2003).

Em pouco tempo, a Tramway Light and Power chega ao Rio, até então a

capital da República e um centro urbano muito mais importante que São Paulo

naquele momento. Entretanto,

A situação na Capital Federal era muito diferente da encontrada em São Paulo. A presença do poder central era muito forte, havia correntes políticas mais definidas além de animosidades e antagonismos que poderiam ser descarregados na proposta estrangeira, canalizando o sentimento nacionalista facilmente explorado pelos concorrentes. Para atuar nos serviços públicos da Capital, os empresários canadenses deveriam se entender, ao mesmo tempo, com o poder federal e o municipal. Além de precisarem recorrer ao governo estadual, pois era quem poderia atribuir concessões para o uso da força hidráulica de cachoeiras quando o rio tivesse todo o curso no território do estado (idem, p. 3).

Deste modo, a Companhia conseguiu transitar em meio a esse cenário

político complexo - inicialmente através da concessão de geração de energia

elétrica, em 1904, mas, paulatinamente, em ritmo bem mais lento do que o

empregado em São Paulo -, espalhando os seus ―tentáculos‖ sobre os demais

serviços públicos da cidade do Rio.

Segundo Oliveira (2012, p.4) a Light tinha interesse na operação das

atividades de transporte viário de bondes, utilizando energia das termoelétricas

existentes na cidade para eletrificar as linhas das principais companhias que

40

operavam na Zona Norte e no Centro8. Mas para isso foi preciso comprar as

concessões das empresas que operavam esses serviços.

Entre as empresas assimiladas pela Ligth a época estavam: Cia. Belga

Societé Anonyme Du Gaz, responsável pelo serviço de iluminação pública da

capital federal, bem como inúmeras empresas de transportes coletivos sobre

trilhos, como: a Cia Jardim Botânico, que dominava os transportes na zona sul

e orla marítima; a Cia. São Cristovão, que servia a Cidade Nova e a zona

portuária; a Cia. de Carris Urbanos, que circulava no centro; e a Cia. Vila

Isabel, pertencente ao grupo alemão Siemens & Halske Aktien Gesellschaft,

que tinha o controle da área da Tijuca, zona norte (idem, p.22-27).

Neste sentido, os bondes, conforme destaca Abreu

não só vieram a atender uma demanda já existente como, em

atendendo a essa demanda, passaram a ter influência direta, não

apenas sobre o padrão de ocupação de grande parte da cidade,

como também sobre o padrão de acumulação do capital que aí

circulava, tanto nacional como estrangeiro. O capital nacional,

proveniente de grande parte dos lucros da aristocracia cafeeira, dos

comerciantes e financistas, passou cada vez mais a ser aplicado em

propriedades imóveis nas áreas servidas pelas linhas de bonde. O

capital estrangeiro, por sua vez, teve condições de se multiplicar, pois

controlava as decisões sobre as áreas que seriam servidas por

bondes, além de ser responsável pela provisão de infra-estrutura

urbana. Os dois, entretanto, nem sempre atuavam separadamente,

aliando seus esforços em muitas instâncias, quando esta associação

era desejada, ou mesmo inevitável, como no caso da criação de

novos bairros (1997, p.36).

Assim sendo, tanto os bondes como os trens deflagraram a conturbada

relação centro-periferia urbana no Rio de Janeiro. Por meio dela, aprofundou-

se a distância social com o deslocamento das classes populares em direção à

zona oeste da cidade, por meio do trem, e o deslocamento das classes

dominantes na direção da zona sul, por meio dos bondes. Abreu citando

8 Os bondes das companhias que operavam até então eram movidos por tração animal de

cavalos ou burros (idem, p. 36; OLIVEIRA, 2012, p.9).

41

Santos ressalta os aspectos contraditórios desses transportes na constituição

da cidade:

Trem e bondes foram, sem dúvida, indutores do desenvolvimento urbano do Rio. Mas o caráter de massa destes meios de transporte tem de ser relativizado, como também devem ser relativizados os seus papéis frente ao ambiente urbano. É que trem, bondes e, mais tarde, ônibus (e os sistemas viários correspondentes) só vieram "coisificar "um sistema urbano preexistente, ou pelo menos um sis-tema de organização do espaço urbano, cujas premissas já estavam prontas em termos de representação ideológica do espaço e que apenas esperavam os meios de concretização. Em outras palavras, o bonde fez a zona sul, porque as razões de ocupação seletiva da área já eram "realidade" ... Já o trem veio responder a uma necessidade de localização de pessoas de baixa renda e de atividades menos nobres (SANTOS apud ABREU, 1997, p.37).

Lúcio Kowarick (2000) denomina esse processo desigual de acesso e

construção do espaço urbano de espoliação urbana. Ou seja, a reprodução das

desigualdades, funcionais ao próprio processo social capitalista repercutem

também na construção do espaço urbano. E o sistema de transporte é um

instrumento desses dramas sociais.

O autor destaca que tais desigualdades, que têm sua origem no mundo

do trabalho, não se resumem a elas. A este fator somam-se uma série de

outras dimensões da vida que fazem com que aumente a situação de

desigualdade. A este conjunto de fatores ele denomina espoliação urbana que

pode ser definida como

A somatória de extorsões que se opera pela inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo, que juntamente ao acesso a terra e a moradia apresentam-se como socialmente necessários para a reprodução dos trabalhadores e aguçam ainda mais a dilapidação decorrente da exploração do trabalho, ou pior, da falta desta (KOWARICK, 2000 p. 22).

Neste sentido, a noção de espoliação está intimamente ligada à

acumulação do capital e à expropriação do trabalhador.

42

No entanto, esta espoliação também decorre de um processo de lutas

sociais entre vários atores sociais pela conquista de suas demandas em

relação ao ―acesso à terra, habitação e bens de consumo coletivo‖ (idem, p.

23). Daí o papel estratégico do Estado, para o aumento ou diminuição do

―processo de especulação imobiliária e segregação social‖. Os investimentos

públicos ou a falta deles fazem aumentar ou diminuir a valorização da terra em

determinado espaço urbano.

Estes processos diferenciados de valorização do espaço aumentam o

elemento contraditório da espoliação urbana, na medida em que algumas

zonas só podem ser ocupadas por segmentos populacionais de maior poder

aquisitivo. Nestas regiões são ricas as estruturas e equipamentos públicos. Em

contrapartida, as regiões menos valorizadas, são as que são ocupadas pelos

seguimentos mais pauperizados, mas que, no entanto, sofrem pela falta de

estabelecimentos mais básicos, essenciais à subsistência (idem, p.27 e 28).

Tais elementos desiguais da ocupação do espaço urbano se manifestam

na vida dos atores abordados nesta pesquisa. É curioso notar neste sentido

que quanto mais distante do centro - em especial seguindo a direção à zona

oeste da cidade do Rio, tomando o caminho dos subúrbios, nos ramais do trem

de Deodoro e Santa Cruz - mais a estratificação social e os elementos que

compõem a segregação social e a espoliação urbana se fazem presentes. Nos

próximos itens exploraremos um pouco mais os efeitos desta condição na vida

dos trabalhadores.

43

2.2- Um transporte pobre para os pobres: o processo de degradação dos trens urbanos do Rio de Janeiro

A despeito da rica história dos trens e de seu papel fundamental na

formação social e econômica brasileira nos séculos XIX e XX, conforme

anteriormente exposto, houve uma paulatina substituição deste meio de

transporte, pela matriz rodoviária.

Pelo que pudemos apurar na pesquisa, tal fato se explica mais por uma

opção econômica do que uma mera substituição de tecnologia novecentista,

pela modernidade do automóvel, própria do século XX. Com o advento da

indústria automobilística, com forte lobby norte americano, o Estado brasileiro,

no seu inicial processo de industrialização, na década de 1940, privilegiou a

expansão da malha rodoviária nacional em detrimento das ferrovias9 e até do

incipiente sistema de hidrovias existentes, até então (RODRIGUEZ, 2004, p.9).

Este processo irá se intensificar a partir do governo de Juscelino

Kubitschek, que

pretendia com a abertura de estradas conquistar o mercado internacional para a nascente indústria de substituição de importações de automóveis, eletrodomésticos, siderurgia etc, que também implantara em seu governo, relegando o trem a um equivocado plano secundário (RODRIGUEZ, 2004, p. 9 e 10).

Tal processo de substituição, embora não explícito, deixou o sistema

ferroviário ―abandonado à sua própria sorte‖, por longos anos, o que explica em

grande medida a sua atual degradação física. No entanto, contraditoriamente,

9 O tamanho da malha ferroviária brasileira, em 1958, quando alcançou sua extensão máxima,

era de 37.967 Km. Sofre um decréscimo, desde então. Em contrapartida o sistema rodoviário tem um crescimento considerável em cerca de 40 anos: em 1954, o país apresentava cerca de 1.200 Km de rodovias pavimentadas e em 1989 saltou para 130.000 Km (RODRIGUEZ, 2004 p. 9 e 10)

44

este processo massivo de deteriorização, foi em parte freado, a partir da

privatização de trechos de ferrovias, empreendidos pelos sucessivos governos

neoliberais na década de 1990, nas esferas federal e estaduais10. Tais

concessões se deram especialmente nos trechos de transporte de passageiros

das regiões metropolitanas nacionais, entre as quais a do Rio de Janeiro.

No estado do Rio de Janeiro, no contexto das parcerias público-privado

neoliberais, foi vencedora na concorrência de concessão do transporte

ferroviário a empresa SuperVia. No ano de 1998 obteve a licença para a

exploração dos serviços de transporte ferroviário por um período de 50 anos.

No entanto, o acordo de concessão não compreendeu todas as linhas

operadas até então pela RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.) e pela

Flumitrens (Companhia Estadual de Trens Urbanos). Ficaram de fora os

trechos com ―pouco valor de retorno financeiro‖ e, deste modo, o trecho

correspondente de responsabilidade da nova companhia compreendia os

remanescentes urbanos de antigas companhias: as linhas dos ramais de

Deodoro, Santa Cruz e Japeri (da antiga EFCB); o ramal de Belford Roxo (da

antiga Compahia Rio D‘ Ouro) e o ramal de Gramacho (da antiga Companhia

Estrada de Ferro Lepoldina).

10

Tal processo foi facilitado em grande medida pelo princípio constitucional da Carta Magna de 1988, que instituiu a descentralização administrativa do governo federal em favor dos estados. Um princípio, que na verdade visava dar maior transparência e poder decisório à administração pública, acabou, no caso dos trens, por colaborar para o aumento do sucateamento e posterior facilitação de sua venda à iniciativa privada. Visando a implantação deste processo de descentralização, foi criada em 1994 a CBTU (Companhia Brasileira de Transportes Urbanos), retirando a administração direta da RFFSA. No caso do Rio, este processo de estadualização se deu de modo bem acelerado, pois em novembro do mesmo ano foi criada a Flumitrens, que preparou o sistema para sua concessão privada, quatro anos depois, incluindo um forte ―enxugamento‖ do quadro de funcionários do meio do programa de demissão voluntária (STAMPA, 2011, p.88-95).

45

Ilustração 2: Mapa dos ramais da SuperVia. Fonte: SuperVia/SA.

Fonte: www.supervia.com.br

Por outro lado, no âmbito nacional, em 2007 o Governo do, então,

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Governo Lula) extinguiu a RFFSA,

colocando praticamente um ―ponto final‖ no ideário de alargamento do sistema

ferroviário no Brasil11.

É dentro desta realidade contraditória e segregadora do espaço urbano

do Rio de Janeiro que se encontra o objeto desta pesquisa, o trabalho

ambulante, que pretendemos detalhar no próximo item, tendo como lócus

específico de abordagem o recorte espacial do Ramal de Santa Cruz.

11

Isto significa dizer que as linhas férreas que não sofreram processo licitatório para concessão privada, foram abandonadas.

46

2.3- Trabalho ambulante como elemento integrante da sociabilidade nos trens

Nesse contexto de instrumentalidade do veículo ferroviário nas periferias

urbanas é que gostaríamos de tratar, mais especificamente, as condições de

trabalho vivenciadas pelos sujeitos desta pesquisa, a saber, os trabalhadores

ambulantes. Particularmente o trabalho ambulante no espaço dos trens do

ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro12.

Para um passageiro menos assíduo a experiência de andar no trem pode

parecer um tanto quanto exótica. A primeira impressão mais marcante é a

situação degradante da maior parte das composições e das estações. A

superlotação também é um forte realce no retrato do paulatino processo de

abandono, conforme já destacado anteriormente. No entanto, é necessário

destacar que houve uma sensível melhora nos últimos três anos, em especial

com a reforma de algumas estações e principalmente com a compra de 34

novos trens chineses, que começaram a operar, paulatinamente, no decorrer

do ano de 2012.

Estes trens foram comprados pelo governo do estado do Rio de Janeiro a

partir de uma licitação, realizada em 2009, na qual saiu ganhadora a empresa

China National Machinery Import & Export Corporation13. A aquisição custou

US$ 188 milhões, financiados pelo Banco Mundial.

12

As descrições deste capítulo são, em sua maior parte, fruto da observação feita em campo, desde as excursões preliminares nos trens do Ramal de Santa Cruz, no ano de 2011, bem como na observação mais sistemática, com auxílio de roteiro de observação (Ver anexo), realizada ao longo do ano de 2012. 13

Interessante notar que, a despeito do discurso privatizante reinante nos sucessivos governos

de ideário neoliberal desde a década de 1990 do século passado, o Estado não fica totalmente isento de suas obrigações financeiras junto à empresa durante o período de concessão. O que é de fato privatizado é a exploração dos serviços, tendo como contrapartida a manutenção dos

47

Até então existiam apenas 38 trens climatizados: 20 de origem coreana

(adquiridos em 2005) e 18 trens elétricos reformados (frutos de uma reforma

ocorrida em 2004). O restante dos trens em circulação é composto pelos mais

antigos, 26 trens de aço inox, adquiridos na década de 1990, 65 trens de aço

inox, sem ar condicionado, datados da década de 1980, e 49 trens de aço

carbono, sem ar condicionado, fabricados no Brasil entre as décadas de 1950 e

196014. Estes últimos são os que se encontram em péssimo estado de

conservação.

Cabe ressaltar que esses trens atendem aos cinco ramais15 sob o comando

operacional da empresa SuperVia: Saracuruna/Gramacho, que segue pelo

subúrbio da Penha em direção à cidade de Duque de Caxias; Belford Roxo,

que segue pela rota suburbana de Del Castilho em direção as cidades de São

João de Meriti e Belford Roxo, ambas na Baixada Fluminense; Japeri, que

compartilha a rota dos subúrbios atendidos pelo ramal de Deodoro, mas

seguindo em direção à Baixada, servindo as cidades de Nilópolis, Nova Iguaçu,

Queimados e, finalmente, Japeri; e Santa Cruz, que segue em paralelo ao

ramal de Deodoro e Japeri, mas que diferente dos demais (com a exceção de

Deodoro, que finda neste bairro), não segue em direção aos municípios da

Baixada Fluminense, mas sim rumo à Zona Oeste da cidade.

serviços e da pequena infraestrutura. No entanto, para os investimentos de grande monta, o ônus permanece com Estado. Nada mais contraditório para pôr por terra a ideologia do ―privatizar o que dá prejuízo ao Estado‖. Outro elemento a ser registrado é que a aquisição dos novos trens se deu através de financiamento do Banco Mundial, subordinando ainda mais a dívida estatal ao capital internacional. 14

Fontes da própria SuperVia: HTTP://www.supervia.com.br. Acesso em setembro de 2012. 15

Sete se considerarmos os ramais de Vila Inhomirim e Guapimirim, no entanto, estes são uma extensão do ramal de Saracuruna, não operando na mesma linha deste por possuírem sistemas de bitolas de trilhos diferentes do restante da rede, exigindo, por sua vez, trens especiais. A SuperVia também opera o teleférico do Alemão, que apesar de não ser um transporte sobre trilhos, faz integração com os trens do ramal de Gramacho (Ver ilustração 2).

48

Os novos trens têm capacidade para 1.300 passageiros, além de câmeras

internas, bagageiros, televisões de plasma e comunicação direta com o centro

de controle operacional16.

Entretanto, não é demais lembrar que tais investimentos têm como foco

principal os eventos que a cidade sediará nos próximos anos: A Copa das

Confederações (2013); A Jornada Mundial da Juventude Católica (2013), que

terá algumas atividades no bairro de Santa Cruz; a Copa do Mundo de Futebol

(2014) e, por fim, os Jogos Olímpicos (2016).

Nesse sentido, mais do que uma melhoria para a população trabalhadora

usuária cotidiana, tais benefícios trazidos pelas reformas no sistema de

transporte, incluindo o trem, visam primordialmente à cobertura de tais eventos.

No entanto, o discurso oficial costuma justificar o investimento em tais ações

como um ―legado‖ para a cidade, portanto, para sua população.

Outro dado interessante a ser notado e que ilustra bem essa melhoria

diferenciada entre os ramais, é que tais benefícios, com a chegada dos trens

novos, estão resumidos em sua maioria aos ramais de Deodoro e em menor

escala, ao de Santa Cruz (ambas rotas de deslocamentos a serem utilizadas

nos eventos supracitados). Por outro lado os trens mais antigos, especialmente

os que se encontram em precário estado de conservação, foram

redirecionados para os demais ramais que atendem à Baixada Fluminense.

16

Fontes: http://oglobo.globo.com/rio/depois-de-dois-anos-de-espera-entra-em-operacao-novo-trem-da-supervia-4358867#ixzz2K7QjuagK Acesso em março de 2012. http://www.supervia.com.br/noticia.php?n=chineses-apresentam-primeiro-dos-34-trens-comprados-pelo-estado*&cod=41 Acesso em agosto de 2011.

49

Tais elementos são bastante elucidativos para evidenciar o modo como

as classes dominantes, no uso de sua influência hegemônica no âmbito do

Estado, se apropriam do uso social de um meio de transporte como o trem em

favor de seus interesses econômicos. De modo que os benefícios à classe

subalterna é uma mera consequência, e não um objetivo principal dos

negócios, e, via de regra, em situação de precariedade.

O segundo elemento marcante é a face sofrida dos passageiros,

evidenciando os anos de desgaste de trabalho, que com certeza não é

amenizada pelo desconforto da viagem. Não obstante a precariedade do

transporte, muitos dormem ―embalados‖ pelo balançar das composições ao

passar pelos velhos dormentes17 da estrada de ferro.

Muitos desses passageiros, para além da jornada de trabalho normal,

despendem em média, 3 horas e meia de transporte até o centro da cidade,

isso se contarmos somente transporte de trem18. Esses fatores, com certeza,

contribuem para a diminuição da qualidade de vida das classes populares

usuárias deste precário sistema de transporte. Se vivo estivesse, certamente o

poeta Castro Alves faria uma releitura de seu ―navio negreiro‖, que diferente de

outrora, não balança sobre as águas do Atlântico, mas sobre os trilhos dos

subúrbios metropolitanos.

Durante a pesquisa pude também experimentar na pele as péssimas

condições destes serviços, como: trens sujos, poucas lixeiras, janelas e portas

frequentemente quebradas. Observamos também a existência de sistemas de

alto-falantes (essenciais para a comunicação do maquinista com os

17

Estruturas, em geral de madeira, que servem para fixar os trilhos ao chão. 18

O trem costuma fazer o trajeto de Santa Cruz à estação Central do Brasil em 1h e 45m, quando o trem é parador e 1h e 30m, quando é direto.

50

passageiros e a sinalização do lado do respectivo desembarque)

constantemente inoperantes. A superlotação19 é uma realidade constante nos

horários de maior pico de passageiros em trânsito para o trabalho e para casa.

Mas, observamos também as rotineiras avarias dos trens, em decorrência de

depreciação técnica ou falta de manutenção, causando com isso muitos

transtornos para os passageiros, especialmente nesses horários de pico de

movimentação. Com certeza as viagens nos trens urbanos do Rio de Janeiro

são um misto de aventura e insegurança social.

Moisés e Martinez-Alier (1978) ao descreverem as revoltas populares

ocorridas na década de 1970, no Rio e em São Paulo, em plena ditadura

militar, observaram o descontentamento das massas suburbanas com essa

realidade de péssimos serviços públicos de transporte coletivo, em especial os

trens, materializada nos constantes atrasos, acidentes, descarrilamentos e

mortes.

O descontentamento em massa manifesto no fenômeno dos ―quebra-

quebras‖, mas do que um fato isolado de grupos era uma manifestação coletiva

da insatisfação das classes subalternas que sofrem cotidianamente as agruras

destes serviços.

19

―A superlotação é o problema mais comum nos trens da Supervia. Mas o incômodo em ter oito passageiros, onde cabe quatro, não é apenas a falta de conforto. Segundo o doutor em engenharia de transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Mac Dowell, o número excessivo de pessoas aumenta a chance de acidentes, uma vez que a composição pode ter mais dificuldade para frear, além de ter o vagão abaulado (deformado) por causa do peso, entre outras coisas‖. Disponível em: http://saopaulotremjeito.blogspot.com.br/2011/09/superlotacao-em-trens-da-supervia-rj.html Acesso em 31 de janeiro de 2013.

51

Deste modo, observam aqueles pesquisadores que eram pontuais e

simbólicos os ―alvos do vandalismo‖: o relógio, o quadro de horários dos trens,

as agressões aos agentes da companhia (representantes da empresa, do

Estado), e finalmente os próprios trens avariados (1978, p.33-40).

Diante da incapacidade dos trabalhadores de representar-se e fazerem

valer sua reclamação na cena pública, o ―quebra-quebra‖ aparece como única

resposta aos constrangimentos diários na vida dos sujeitos que no trabalho,

cotidianamente, têm que se desculpar: ―patrão, hoje o trem atrasou‖ (idem,

p.27).

Hoje, estas revoltas mais generalizadas não vêm tendo a mesma

expressão, mas o dia-dia do transporte não é isento de descontentamentos20.

A despeito de algumas melhorias, a demora dos trens, os atrasos e as avarias

dos mesmos ainda são uma constante. Ao perguntar certo dia do trabalho de

campo de pesquisa a um passageiro sobre o que ele achava do sistema de

trem ele disse: ―Meu filho, aqui a gente vive como gado em direção ao abate!

Você já viu quando se abrem as portas do trem na estação da Central? É um

passando por cima do outro, disputando meia dúzia de bancos quebrados!‖21

Outros elementos de precariedade se somam a estes. A maior parte das

estações não é provida de banheiros públicos, o que agudiza a precariedade

20

Em um pequeno levantamento dos eventos, fizemos uma busca na internet utilizando a sentença <Tumulto na SuperVia> da qual encontramos 396 mil registros. Seguem duas reportagens que descrevem eventos mais recentes de ―quebra-quebra‖: http://oglobo.globo.com/rio/atrasos-nos-trens-provocam-tumulto-na-estacao-da-mangueira-6144293. Acesso em janeiro de 2013. http://extra.globo.com/noticias/rio/manha-de-tumulto-em-estacoes-da-supervia-passageiros-ocupam-trilhos-andam-pendurados-nos-trens-promovem-quebra-quebra-3922581.html Acesso em janeiro de 2013. 21

Ao contrário da metodologia usada de abordagem aos vendedores ambulantes, no qual nos utilizamos de questionários semi-estruturados, no caso dos passageiros preferimos a abordagem aleatória sobre várias questões do cotidiano do trem.

52

das longas horas despendidas nos deslocamentos casa-trabalho. Muitos,

diante da inexistência de tais serviços fazem suas necessidades fisiológicas em

áreas das próprias estações: pilastras, debaixo das escadas, canto de paredes

ou na própria linha férrea. Contudo, não é raro ver as próprias composições

como equipamento sanitário das urgências fisiológicas.

No entanto, tal quadro precário ao qual é submetida à população

acontece à revelia de uma lei estadual sancionada em 2003 (Lei Nº 4131).

Passados todos esses anos, somente em 2011 a SuperVia começou a

implantar os banheiros22. Até o presente momento só foram instalados em 6

estações de um total 98 (103 se contar as 5 do teleférico do Complexo do

Alemão, também administrado pela empresa).

Outro dado que agrava as condições de vida desta população é o valor

gasto para estes deslocamentos diários quando comparados às perdas

salariais decorrentes da inflação.

Em recente pesquisa o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas

Aplicadas) divulgou que as famílias brasileiras moradoras de áreas urbanas

comprometem cerca de 15% da renda mensal com transporte diário, sendo o

gasto com transporte privado cinco vezes maior que o montante despendido

com transporte público. Metade das famílias, nas capitais, têm despesas com

transporte privado, e a outra metade com transporte público. Nos colares

22

Veja comunicado do início dos serviços pela própria concessionária: http://www.supervia.com.br/noticia.php?n=central-do-brasil-ja-conta-com-banheiros-gratuitos&cod=81 Acesso em agosto de 2011.

53

metropolitanos, 67% dos domicílios pesquisados afirmam ter gasto com

transporte público23.

Nesta pesquisa do IPEA foram consideradas duas categorias de

transportes: público (serviços de ônibus, ferrovias, metrôs e trens

metropolitanos, transporte hidrográfico, táxi, mototáxi e transporte alternativo) e

privado (automóveis, motocicletas e caminhonetes, além das bicicletas). O

estudo mostra que o deslocamento coletivo mais usado é sistema de ônibus:

78,4% dos gastos são nessa modalidade, entre moradores das capitais. Nos

colares metropolitanos esse percentual chega a 88%. O uso do transporte

alternativo chega a 11,5% nas cidades interioranas, que é de 5,1% nas capitais

e 3,7% nos colares metropolitanos.

Entre janeiro de 2003 e de 2009, a inflação medida pelo IPCA24 aumentou

41,8%. Os preços da gasolina e do automóvel subiram bem menos: 27,5% e

19%. Em contrapartida, as tarifas cobradas dos usuários de transportes

urbanos ficaram 63,2% mais caras (IPEA, 2012, p.5-7).

A falta de investimentos nos transportes públicos aliada ao aumento de

crédito para população faz com que o uso e a procura por transportes

individuais cresçam. Ou seja, da maneira como funciona o sistema de

transporte no Brasil, penaliza-se o usuário que é obrigado a utilizar, quando

23

O universo do estudo compreendeu as nove regiões metropolitanas nacionais — São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Fortaleza, Salvador e Belém —, que são os grandes centros urbanos que enfrentam atualmente os maiores problemas com trânsito (IPEA, 2012, p.3) 24

O IPCA/IBGE verifica as variações dos custos com os gastos das pessoas que ganham de

um a quarenta salários mínimos nas regiões metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e município de Goiânia. O Sistema Nacional de Preços ao Consumidor. Este índice utiliza, para sua composição de cálculo, os seguintes setores: alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, vestuário, transportes, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação e comunicação. Fonte: http://www.portalbrasil.net/ipca_e.htm Acesso em Fevereiro de 2012.

54

pode, um transporte particular, em detrimento do coletivo, aumentando por sua

vez, os constantes engarrafamentos típicos das grandes metrópoles. Nesse

sentido, evidenciamos na pesquisa que, de fato, a mobilidade urbana é, hoje,

um desafio para a qualidade de vida nas cidades. Os trabalhadores tendem

ainda a ficar com o lado mais perverso desse caos urbano, como é o caso dos

usuários dos trens do ramal de Santa Cruz.

O terceiro elemento característico, que imediatamente chama atenção

nos trens é a atividade dos trabalhadores ambulantes. Primeiramente pelo seu

valor numérico, que a depender do horário forma um verdadeiro

―congestionamento‖ de vendedores no interior dos vagões, depois pelas

estratégias de venda que estes mesmos empreendem, muitas vezes à base do

grito, muito semelhante a dos feirantes de rua25.

Em sua maioria, esses trabalhadores são homens maduros, mas também

encontramos mulheres e jovens. Também, não raro ver a presença de crianças

como ambulantes. Algumas vezes verificamos que tais crianças são uma

espécie de auxiliares nas vendas dos pais também ambulantes. Outras vezes

percebemos que o trabalho era realizado unicamente pela criança, sem a

supervisão de familiares.

Essa feição da pobreza é adensada pela mendicância que é uma prática

corrente nos vagões. O apelo emocional é bem marcante na viabilização dos

potenciais passageiros colaboradores. É muito comum ver mães com bebês ao

colo, aos prantos pedindo dinheiro para compra do ―leite da criança‖. Há

25

Não existe um número preciso de quantos ambulantes atuam não só no ramal de Santa Cruz, bem como nos demais. Mas segundo as informações do presidente da associação que representa os mesmos, estima-se que este número gira em torno de 1.000. No entanto a sazonalidade é típica desse seguimento de trabalho, podendo aumentar ou diminuir de acordo com a conjuntura social e institucional.

55

também os apelos mais discretos, que utilizam pequenos cartões ou bilhetes

distribuídos entre os passageiros; pedidos silenciosos, mas não menos

dramáticos.

No entanto, há também a mendicância que não se utiliza da ajuda infantil.

Esta é feita mais especificamente pelos idosos e deficientes. É possível ver

idosas esmolando a fim de comprar o gás ou o medicamento, deficiente físico

(sem as pernas) arrastando-se pelo assoalho dos vagões em troca de algumas

moedas, e cegos batendo intermitentemente sua bengala no chão, quando não

no pé de alguém, conclamando a atenção dos passageiros: ―Uma esmolinha

para o cego, por favor!‖

Ambulantes e mendicantes disputam a atenção dos passageiros. Todo

esse universo de realidades aparentemente concorrentes de trabalho precário

e mendicância, na verdade são faces da experiência comum de subalternidade

social da qual também fazem parte os passageiros.

Outro dado interessante que ajuda a compor este quadro é o fenômeno

do pentecostalismo no interior dos trens. Mesmo depois de aprovada na 12ª

Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio a proibição de cultos e

manifestações religiosas no interior de trens, por meio de uma ação civil

pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em 2007, é possível

constatar verdadeiros cultos durante a viagem. Estas atividades vêm sendo

promovidas pela Cruzada Evangelística Interdenominacional nos Trens das

Boas Novas. Segundo Lemos (2011), ao estudar este fenômeno nos trens da

CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitano), em São Paulo, este grupo

pentecostal existe desde 1980 realizando cultos diários no 4º vagão dos trens

56

da mesma Companhia, contando com a participação de aproximadamente 300

homens e mulheres.

A autora destaca que o referido grupo religioso construiu uma ―estratégia

de incorporação da cidade do Rio de Janeiro que tem como objetivo dar maior

visibilidade e legitimidade ao movimento, dada a clandestinidade com que vem

sendo tratado o culto no ambiente do trem‖ (Idem, 2011, p 475).

No Rio de Janeiro, tais atividades foram proibidas no espaço do trem

devido ao incômodo que o culto, religioso causa aos demais passageiros não

participantes do culto, o que motivou o Ministério Público do Estado do Rio a

impetrar a referida lei26. Todavia, a clandestinidade dos cultos torna essa

determinação um ―ato jurídico de papel‖ nos tão largados comboios.

Voltando especificamente à atividade dos ambulantes foi possível

constatar uma infinidade de produtos vendidos. Utensílios em geral (de uso

doméstico e pessoal): cortadores de unhas, tesouras, abridores de lata e

garrafa, esponjas, controles remotos universais, presilhas de cabelo, CDs e

DVDs (geralmente piratas), brinquedos, livretos infantis, lanternas pilhas entre

outros. Contudo, a maior parte dos ambulantes comercializa gêneros

alimentícios, como: água, refrigerantes, sucos, cerveja, salgados, biscoitos,

doces, entre outros.

A variedade é tanta quanto a cantada pelo compositor e cantor Pedro Luis

no seu Rap do Real:

Um real aí, é um real um real aí,

26

Interessante notar o aspecto restritivo da atividade religiosa neste espaço, visto que a atividade dos trabalhadores ambulantes também possui restrições legais, conforme detalharemos mais adiante, mas que, pelo menos do ponto de vista dos usuários, são mais toleradas.

57

é um real aí, é um real, um real, Vendo pilha, bateria, fita-cassete, biscoito paçoca, doce de abobora, doce-de-coco, rádio-relógio despertador do sono, não vendo é sonho, mas pode pedir, se não tenho sei quem terá. Vendo pano pra cortina. Vendo verso, vendo rima, carta pro rapaz e carta pra menina. Eu vendo provas de amores por minha poesia e fantasia: QUANTO VAI PAGAR? Um real aí, é um real, um real aí, é um real aí, é um real, um real Com quantos reais se faz uma realidade? Preciso muito sonho pra sobreviver numa cidade grande jogo de cintura entre estar esperto e ser honesto há um resto que não é pouca bobagem. Um real aí, é um real, um real aí, é um real aí, é um real, um real. (Pedro Luís & A Parede - Rap Do Real by Pedro Luis & Rodrigo Maranhão)

Ou ainda a diversidade cantada por Zeca Pagodinho, descrevendo

especificamente a realidade dos trens da Central do Brasil, que já no título,

Shopping Móvel, anuncia a diversidade deste comércio duplamente ambulante,

pois não obstante formado por vendedores que circulam entre vagões, estes

mesmos são deslocados sobre os trilhos:

Tem sempre tudo no trem que sai lá da central Baralho, sorvete de côco, corda pro seu varal Tem canivete, benjamim, tem cotonete, amendoim Sonho de valsa e biscoito integral Tem sempre tudo no trem que sai lá da central Chiclete, picolé do China e guaraná natural Tem agulheiro, paliteiro, desodorante, brigadeiro E um bom calmante quando a gente passa mal E quem quiser pode comprar o shopping móvel é isso aí É promoção desde a Central a Japeri E quem quiser pode comprar um bom pedaço de cuscuz E mastigar desde a Central a Santa Cruz CD pirata da Frank Sinatra a Zeca Pagodinho E até aquele veneno pra rato chamado chumbinho

58

Bala de côco, pirulito, suco de frutas no palito Cuscuz, cocada pasteizinhos de palmito Despertador, rádio de pilha ventilador e sapatilha Até peruca é possível se encontrar O pagamento é no cartão, vale-transporte ou refeição Qualquer pessoa, jamais fica sem comprar (Zeca Pagodinho - Shopping Móvel)

Esta multiplicidade de produtos é vendida pelos ambulantes dos trens

com muita criatividade, a ponto de poder causar inveja em qualquer profissional

de marketing. Aliás, diversos são os estudos sobre a temática.

Ostrower (2007) diz que o manejo de recursos retóricos e de estratégias

performáticas por parte dos ambulantes decorrem das ambiguidades das

atividades frente à formalidade da lei, o que faz com que estes atores sociais

sejam frequentemente confundidos com ―pedintes‖, ―malandros‖, ―um-sete-um‖,

―vagabundos‖. Neste contexto, o diferencial de seu discurso de venda, tem uma

função especial para permitir driblarem as regras e reelaborarem a moral

dentre outras formas de sociabilidade, práticas e saberes (2007, p.6).

Requena (2010), ao estudar o discurso dos vendedores ambulantes dos

trens de São Paulo, ressalta que a publicidade deste trabalho não se encontra

em veículos tradicionais como revistas, jornais, panfletos ou outdoors. Mas,

nos trejeitos dos trabalhadores, que por meio de uma retórica inventiva cumpre

os mesmos objetivos daqueles, ou seja, o de propagarem ideias e,

principalmente venderem os produtos.

Segundo a autora, os discursos dos vendedores, além de revelar um

ethos, mostra que ao encenar suas falas, eles criam um novo modelo de

publicidade. Muitos focam na retórica nos pontos negativos da mercadoria, ou

seja, ―o discurso que desqualifica seu produto (discurso do senso comum) a fim

de negá-los e mostrar que seu produto também é bom: ―é barato, mas não está

59

vencido, é original, é de qualidade‖ (Idem, p.2). A autora destaca que este novo

modelo de publicidade, instaura também um contrato compartilhado entre os

parceiros da situação de enunciação – vendedor e cliente, no qual o discurso

tem um papel estratégico de conquista do cliente para vender suas

mercadorias, inclusive usando a estratégia da emoção:

Pois sabemos que hoje a falta de emprego atinge uma parte da população que também circula no trem. Os passageiros comprando os produtos antes da fiscalização ―tomar‖ podem assim cooperar com os vendedores garantindo sua sobrevivência, que, indiretamente pode ser a deles também (IBDEM)

Matos (2006) chama a atenção para este aspecto do apelo emocional,

especialmente quando a população usuária dos transportes, igualmente

pauperizada se identifica com o vendedor, especialmente quando este é uma

criança:

Vendedores de balas, principalmente os menores, com menos de dez anos de idade, despertam grande atenção dos passageiros. Seja por seu tamanho, pela infância perdida, pela docilidade na voz e no olhar ou pela imagem invertida da idéia de "chefe de família‖ (2006, p.2).

De fato é empreendida uma relação empática entre esses atores sociais, que

não obstante o eventual incômodo causado pelos ambulantes no decorrer dos

deslocamentos urbanos, dividem o mesmo espaço coletivo numa relação mutualista.

A estratégia de marketing ambulante no trem, a construção de uma ―auto-

imagem empreendedora‖ e a sociabilidade criada com os ―passageiros patrões‖ é

um fato bem marcante nos trens do Rio de Janeiro27. De modo que é impossível

desconsiderar o trabalho ambulante na sociabilidade que atravessa as idas e vindas

dos trabalhadores urbanos pela cidade.

27

Um dos vários ―personagens‖ que ilustram tais características está o Gordo chato no trem. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=uBgbQYDfW0c . Acesso em: 1º de janeiro de 2013.

60

2.4 – “No fio da navalha”: a insegurança do trabalho ambulante e a possibilidade de organização política.

De maneira geral a atividade dos ambulantes os coloca numa situação

limítrofe entre o legal e do ilegal (TELLES, 2009). Isso não só por conta da

origem dos produtos vendidos, embora muitos sejam ―pirateados‖, ou seja, são

produzidos e comercializados ilegalmente. Mas, sobretudo, pela ausência de

autorização para exercer esta atividade em um espaço público e de uso

coletivo. Tenazmente, um dos referidos compositores, citados no item anterior,

captou a essência deste processo contraditório:

Com quantos reais se faz uma realidade? Precisa muito sonho pra sobreviver numa cidade grande, jogo de cintura entre estar esperto e ser honesto há um resto que não é pouca bobagem (Pedro Luís & A Parede - Rap Do Real by Pedro Luis & Rodrigo Maranhão).

De fato, segundo o decreto federal 1.832/1996, que regula a atividade

ferroviária no Brasil, especificamente no seu artigo 40: ―É vedada a negociação

ou comercialização de produtos e serviços no interior dos trens, nas estações e

instalações, exceto aqueles devidamente autorizados pela Administração

Ferroviária‖28.

Contrariando esta determinação, os trabalhadores ambulantes que atuam

no interior dos trens administrados pela SuperVia não possuem uma

autorização formal para o exercício da atividade de venda. A história, então, do

28

Não obstante essa legislação, datada de 1996, é preciso destacar que a atividade ambulante era reprimida historicamente nos trens. Três dos informantes que entrevistamos nesta pesquisa, para além dos ambulantes, confirmam essa informação, inclusive testemunhando situações tão ou mais graves que as atuais, com a ocorrência até de mortes no conflito entre ambulantes e Policiais Ferroviários. O primeiro desses testemunhos é do nosso informante-chave, que é ambulante nos trens, desde a década de 1980, conforme veremos mais adiante, os dois outros relatos são de ferroviários com larga experiência de trabalho nos trens de subúrbios e que também trouxeram em seu discurso as tensões entre o trabalho ambulante e a repressão do aparelho de segurança da ferrovia.

61

trabalho ambulante no trem é entrecortada por conflitos com os vigilantes e por

perda de mercadorias, alargando a penosidade deste trabalho.

Neste sentido, o licenciamento da atividade é considerado o ponto forte

do horizonte de melhorias humanitárias na área. Isso tem tamanha expressão

que motivou a articulação política dos trabalhadores ambulantes, fazendo

nascer, então, a ideia seminal de um sindicato.

Na etapa de estudo bibliográfico, a pesquisa tomou conhecimento dessa

iniciativa prática. A obra de Pires (2005) mencionava a existência de um

Sindicato dos Ambulantes dos Trens da Central do Brasil (SINDATREM). De

imediato, definimos a inclusão dessa iniciativa no campo da nossa pesquisa de

campo visando problematizar essa atividade absolutamente fora das

formalidades legais e que almejava uma organização política legal.

Neste sentido, viabilizamos contato para uma entrevista com um

informante-chave, que ofereceu o ―caminho das pedras‖ tanto para a realização

da pesquisa empírica, quanto para a compreensão da realidade objetiva do

cotidiano do trabalho ambulante nos trens. Realizamos, então, uma entrevista

semi-estruturada (roteiro em anexo), que procurou aspectos da etnografia do

trabalho ambulante no trem e o processo de organização política dos

trabalhadores.

O informante, que é o presidente da ASTRATERJ (Associação dos

Trabalhadores Ambulantes dos Trens do Estado do Rio de Janeiro)29 nos

29

Esta Associação será a herdeira do coletivo político-organizativo empreendido pelos trabalhadores ambulantes na tentativa frustrada de fundação de um sindicato para a categoria. Falaremos sobre isso mais adiante.

62

concedeu a entrevista na estação de Triagem, comum aos ramais de Belfod-

Roxo e Saracuruna, onde o referido entrevistado atua.

A mesma foi constituída por três partes: A primeira, anterior ao início da

gravação, iniciado por uma conversa espontânea com o entrevistado, que

naturalmente já foi discorrendo sobre as peculiaridades do trabalho ambulante

nos trens, o histórico do movimento dos ambulantes, a vinculação da entidade

à CUT (Central Única dos Trabalhadores) e a desmobilização do movimento

dos ambulantes. A segunda parte foi constituída pela entrevista propriamente

dita (gravada e posteriormente transcrita), na qual foram retomados alguns

daqueles pontos da conversa espontânea.

Por fim, a terceira e última parte, foi realizada durante a espera do trem

em direção à estação Central do Brasil. Nesse momento, novamente, foram

abordados diversos temas como a questão político-partidária do entrevistado

(que na ocasião estava se candidatando a um cargo eletivo para a Câmara

Municipal de Duque de Caxias), bem como de sua inserção em outros grupos

comunitários, como o que vem tratando do diálogo com a SuperVia,

especialmente sobre o recente comando acionário da Odebrecht (ocorrido no

início de 2012); as mortes ocorridas no período de maior repressão aos

ambulantes dos trens; os conflitos e disputas dentro do próprio movimento

(período eleitoral); o envolvimento de alguns ambulantes com o crime e a

resposta dos companheiros a esta questão; sua opinião a respeito de questões

ambientais (lixo no interior dos trens e estações); aprofundamento das

questões referentes aos ―ambulantes ligados às empresas‖30 e seus

30

Existem basicamente dois tipos de ambulantes que atuam no espaço dos trens administrados pela SuperVia: os ―formalizados‖, que nesta pesquisa de agora em diante

63

agenciadores e a realidade do uso do espaço da linha férrea para o consumo

do Crack.

Outros dados coletados nesta entrevista nortearam a demarcação da

condução da pesquisa, evidenciando, por exemplo, a referência a captação das

possíveis diferenças entre estes dois tipos de ambulantes no espaço do trem.

Isso levou a pesquisa a indagar: Há disputa entre os mesmos? Os ambulantes

ligados às empresas tem algum tipo de limitação para o exercício de seu

trabalho? 31.

Mas, o que nos chamou atenção foi a mobilização política. O inicio da

mobilização dos ambulantes foi pela legalidade no interior do trem. Mas, o

elemento que impulsiona a organização da categoria de trabalhadores não é a

legalização da atividade em si mesma – mesmo porque este não era um desejo

de todos (PIRES, 2005, p. 123)- mas sim a contenção da violência

empreendida pelos agentes de segurança da SuperVia, que arbitrariamente faz

apreensão das mercadorias dos ambulantes.

Neste sentido a ideia inicial do coletivo de trabalhadores era a

constituição de sindicato para a categoria. A ideia tem origem na aproximação

desses trabalhadores do sindicato dos ferroviários do Rio de Janeiro e da a

CUT.

Deste modo o SINDATREM foi fundado no ano de 2000, mas logo esta

estratégia de organização política foi interrompida, pois o Ministério do denominaremos ―ambulantes ligados à empresa‖ e os ―informais‖, que denominaremos ―ambulantes soltos‖. Enquanto os primeiros gozam de liberdade para o exercício do seu trabalho, por parte da SuperVia, os demais são alvo constante das apreensões e de proibições da referida concessionária. 31

Nos questionários dirigidos a estes dois tipos de ambulantes podem ser vistas os conjuntos de perguntas dirigidas a eles, no anexo deste trabalho. A análise das entrevistas está sistematizada no capítulo 3.

64

Trabalho devolveu a documentação da entidade por causa da não regulação

da atividade ambulante na legislação trabalhista. A partir daí, até o ano de 2005

a entidade funcionou como um ―sindicato informal‖.

Visando a continuidade da luta e diante do aferrecimento da repressão da

concessionária aos ambulantes a embrionária entidade sindical foi

transformada em associação, a ASTRATERJ. Com o suporte organizativo da

CUT, continuou por meio de um diálogo contínuo com a SuperVia, a busca pela

legalização da atividade ambulante nos trens32.

Um dos instrumentos de luta utilizados, além das negociações com a

concessionária, foi o jornal informativo que era distribuído entre os ambulantes.

Através dele a Associação atualizava a classe trabalhadora ambulante sobre

as negociações a respeito da legalização, formação política, oferta de serviços

a preços especiais para os ambulantes e orientações acerca do uso do espaço

no interior dos trens.

A respeito especificamente deste último item, cabe um maior

esclarecimento, pois afim de quebrar os argumentos impeditivos da Supervia33

constantemente eram divulgadas, nos informativos, as chamadas ―normas de

conduta‖, que serviam para a criação de um novo ―ethos‖ profissional dos

ambulantes perante a concessionária:

32

Segundo o próprio informante, a Associação era chamada constantemente pela diretoria da Concessionária para reuniões e discussões sobre a regularização. Ainda segundo ele, o modelo dos ambulantes uniformizados, identificados e registrados (tal qual os ambulantes ligados às empresas), foi uma ideia da Associação levada à SuperVia. Mas, na implantação a concessionária deixou a associação de fora, oferecendo o serviço a empresas externas (como a Nestlè, a Agital, a PepsiCo entre outras). Deste modo, a própria concessionária colaborou para o aumento numérico dos ambulantes, sem incluir os que até então já atuavam nos trens. 33

O argumento impeditivo principal da empresa era que os ambulantes produziam muito lixo no interior dos trens e também nas linhas férreas. Em nossa pesquisa também descobrimos que o mesmo argumento era usado pelas antigas administrações da ferrovia, para a repressão à atividade ambulante, conforme aprofundaremos mais adiante.

65

Não jogar lixo na linha férrea;

Não travar as portas do trem;

Não andar pendurado;

Não andar sem camisa;

Não trabalhar fumando ou embriagado;

Não usar drogas;

Não falar palavrões;

Não praticar jogos de azar;

Não jogar lixo fora da lixeira;

Respeitar os nossos amigos e clientes;

Ajudar a conservar o nosso espaço de trabalho, o trem;

Não vender mercadorias vencidas (Isto dá cadeia);

Procurar trabalhar com a nota fiscal. (Informativo [da] ASTRATERJ. Rio de Janeiro, 2006. Outubro/mensal).

Nos moldes de um decálogo34, as normas de conduta revelam a

construção de uma auto-imagem da atividade ambulante na disputa por espaço

de atuação e pela legitimidade do trabalho. Demonstrando também que se trata

de uma disputa de significado cognitivo e moral sobre o trabalho ambulante.

Conforme já adiantamos, um dos pontos-chaves para a não permissão do

trabalho ambulante é a alegação de que tal atividade produz uma quantidade

muito grande de lixo, no interior das composições, por vezes, com lançamentos

dos mesmos pelas janelas colocando em risco a segurança ferroviária. Tal

preocupação é latente, como visto, nas ―normas de conduta‖ do trabalho

ambulante.

Em uma das entrevistas que fizemos a um ferroviário que atuou nos

ramais dos subúrbios cariocas, da década de 1970 até a privatização da

ferrovia, coletamos algumas informações que foram somadas a outros dados já

trazidos na entrevista com o presidente da ASTRATERJ. A principal delas é a

confirmação de que a restrição às atividades dos ambulantes no trem ocorria

mesmo antes da concessão, mas que foi agravada com esta. Ainda, segundo

34

Ou mandamentos bíblicos.

66

este ferroviário, haveria uma forte tendência para o aumento da repressão ao

trabalho ambulante, hoje, nos trens.

Um dado interessante trazido por ele foi à motivação do início das

restrições às atividades dos ambulantes nos trens. Segundo ele com a compra

de novos trens para a Rede, na década de 1970, a empresa (até então a

RFFSA) começou a se modernizar, começando as represálias aos ambulantes:

―A Rede comprou um trem elétrico japonês, que era o ultimo tipo aqui no

subúrbio e ele começou a entrar em 1976 e sei que em 1977, eles colocaram

no ramal de Santa Cruz‖ (H.S. 66 anos, ferroviário).

Segundo ele, o motivo da repressão era a sujeira causada pelos

ambulantes (mesmo motivo alegado pela SuperVia, atualmente):

O trem chegava no terminal todo sujo, o piso dele ficava cheio de papel de bala, lata de refrigerante, papel de sorvete e as viagens eram muito dinâmicas e, às vezes, não tinha nem tempo de limpar o trem na hora que ele chegava no terminal, então já começou a ter essa repressão. Mas esse pessoal, muito esperto, sempre fugiam do pessoal da segurança ferroviária, mas eu já , desde que começou essa repressão mais rigorosa, eu já tinha dito ao pessoal da ferrovia pra recorre ao cesto desses materiais, desses alimentos que o pessoal vendia no trem. Então eles recolhiam e depois entregavam nos postos, desde que os ambulantes assinassem um termo que não mais venderiam os produtos no interior do trem. Mas já no dia seguinte eles estavam vendendo, até porque era o seu meio de sobrevivência, então começou muito forte essa repressão e eles sempre davam aquele ‗jeitinho brasileiro‘, de que você tem que ter a tua sobrevivência (H.S. 66 anos, ferroviário).

Percebe-se através dessa fala que esta repressão vem sendo realizada desde

longa data. Ela não decorre somente da privatização da ferrovia, constituindo-se

como um fenômeno histórico no trem e o grande ponto de embates e conflitos entre

agentes públicos/privados e a organização política dos ambulantes.

Todavia, os dados levantados informam que o licenciamento não se

tornou uma realidade. Legalmente, perante a concessionária, somente os

67

serviços prestados pelos ambulantes cadastrados e ligados às empresas são

autorizados a desenvolverem o trabalho nos trens. No entanto, conforme o

depoimento coletado junto ao presidente da entidade representativa dos

ambulantes vivencia-se, hoje, um período de ―trégua‖ por parte da SuperVia, e

a abordagem e apreensão do material dos ambulantes soltos, não ligados às

empresas foi consideravelmente diminuída35.

Segundo este informante, esta diminuição da repressão deve-se muito à

judicialização do conflito, pois a própria Associação recomendava aos

ambulantes, quando aconteciam as apreensões para ―colocarem no pau‖, ou

seja, processar judicialmente a SuperVia.

O argumento principal, que levou à vitória judicial de muitos ambulantes,

por meio de ações individuais ou coletivas, teve base no mesmo artigo 40, da

já referida lei que regula o transporte ferroviário. Pois, segundo eles, a lei fala

de proibição, mas não autoriza a apreensão de mercadorias dos ambulantes,

muito menos o uso de violência contra os mesmos.

No entanto, ao mesmo tempo em que a SuperVia diminuiu a fiscalização

diminuiu também a participação política e de classe dos ambulantes, inclusive

a ―contribuição sindical‖ que servia para a manutenção da sede da Associação

e do boletim informativo. Segundo a própria fala do informante: ―Era uma coisa

mínima: R$ 10,00, por mês para ajudar a manter a Associação e o pessoal não

35

A repressão contra esta população não deve ser vista como algo isolado, pois ela é igualmente perversa em outros espaços, vide os camelôs de rua, os ambulantes de praias e eventos públicos, ou mesmo os ambulantes de ônibus. Ela também não é uma particularidade do Rio, visto que em outras metrópoles ela é tão ou mais severa que por aqui. Em São Paulo, por exemplo, a prefeitura vem abertamente restringindo os direitos dos ambulantes a ocupação do espaço público: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/05/kassab-revoga-decreto-que-permitia-ambulantes-em-ruas-de-sao-paulo.html Acesso em 31 de janeiro de 2013. http://ponto.outraspalavras.net/2012/06/05/fim-comercio-ambulante-ou-fim-dos-ambulantes/ Acesso: 19 de março de 2012.

68

continuou... quando a SuperVia afrouxou, correram‖ (J.G., ambulante, 25 anos

no trem). Hoje a Associação não tem mais sede, nem boletim informativo.

Interessante notar que o mesmo elemento que motivou o surgimento de

uma organização coletiva, ou seja, a repressão da atividade por parte da

concessionária, foi o mesmo que colaborou para o seu esfriamento, na medida

que passou a ser menos frequente.

Entretanto, importa dizer que estas apreensões ainda existem. Durante as

observações de campo, pudemos perceber as tensões constantes a que estão

submetidos estes trabalhadores. Destaco uma cena para efeito de ilustração:

dentro de um vagão, três adolescentes ambulantes colaboravam entre si na

venda de DVD´s, quando estes, após a venda, se preparavam para sair, mas

notaram que naquela estação havia a presença de um agente de segurança

que havia tomado a mercadoria de um deles, dias antes. Diante do obstáculo,

eles não desembarcaram naquela estação. Os reflexos desta tensão também

se fizeram presentes na dinâmica da realização das entrevistas, conforme se

verá no próximo capítulo.

Neste capítulo procuramos apresentar o panorama do trabalho informal a

partir do espaço dos trens do ramal de Santa Cruz. Para tanto, percorremos

historicamente o desenvolvimento deste tipo de transportes, e a sua função

estratégica no desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro e da região

metropolitana fluminense ao redor.

Outro elemento que demos destaque foi à descrição da sociabilidade que

envolve diversos atores sociais que convivem neste espaço do trem, entre eles,

o trabalho informal dos ambulantes, objeto de reflexão nesta pesquisa. No

69

próximo capítulo nos deteremos na especificidade da atividade ambulante no

trem, através da análise das entrevistas realizadas com os mesmos.

70

Capítulo 3 – A TRAJETÓRIA DE TRABALHO DOS AMBULANTES DOS

TRENS DE SANTA CRUZ

“O Espaço é curto quase um curral/ Na mochila amassada uma quentinha abafada/ Sou mais um no Brasil da Central/ Da minhoca de metal que corta as ruas/ É... como um concorde apressado cheio de força/ Que voa, voa mais pesado que o ar/ É o avião, o avião, o avião do trabalhador”.

Rodo Cotidiano- O Rappa

No presente capítulo apresentaremos o trabalho ambulante no trem

através da análise do perfil de cada um dos tipos de trabalho ambulante

desenvolvido no espaço dos trens do ramal de Santa Cruz.

Para isso faremos, inicialmente, um breve relato sobre o percurso

metodológico empreendido no trabalho de campo e logo após faremos uma

síntese das entrevistas realizadas, destacando a vivência particular de cada

ambulante com relação à trama maior do trabalho informal na qual estão

inseridos.

Por fim, descreveremos o perfil tanto dos ambulantes ligados às

empresas, como os não ligados às mesmas.

Objetivamos neste capítulo captar as semelhanças e diferenças entre

esses diferentes atores sociais, de modo a tornar mais visível as experiências

vivenciadas no trabalho ambulante no trem e a sua relação com o contexto

estrutural do mundo do trabalho, ao qual estão submetidos os trabalhadores

informais.

71

3.1- Caracterização da pesquisa de campo para as entrevistas

O trabalho de campo para as entrevistas aconteceu quase que ao mesmo

tempo das demais fases desta pesquisa. Isto permitiu a visualização na

realidade concreta das situações vivenciadas pelos trabalhadores ambulantes,

junto com a apreciação do acervo teórico sobre o tema da informalidade do

trabalho.

Conforme já destacado anteriormente, esta fase compreendeu o exercício

de observação da realidade, com o auxílio de um roteiro de observação de

campo. Seguidamente, o cume deste processo de trabalho de campo foi à

realização das entrevistas com os ambulantes que atuam nos trens do ramal

de Santa Cruz. As entrevistas foram realizadas entre o dia 30 de novembro e

26 de dezembro de 2012.

Também como já destacado, existe uma heterogeneidade entre esses

atores, no que diz respeito às condições de atuação neste espaço. Para isso,

foi preciso nesta pesquisa captar as peculiaridades destes dois tipos de

trabalhadores ambulantes, que nesta pesquisa denominamos: os ambulantes

ligados às empresas e os ambulantes soltos.

Os primeiros gozam de certa estabilidade de atuação por parte da

concessionária, tendo autorização da mesma para exercer a atividade

comercial. Os segundos são alvo frequente das operações e fiscalizações,

tendo muitas vezes, as mercadorias apreendidas em razão da ausência desta

permissão.

72

Entretanto, essa é só uma diferença a respeito das condições de

exercício de trabalho, pois outros fatores, conforme veremos nos próximos

itens, são muito semelhantes.

O processo de realização das entrevistas foi bem conturbado como já era

previsto. A situação irregular do trabalho cria um ambiente de desconfiança

para a abordagem dessa natureza. Devido ao ―clima repressivo‖, obtive muitas

negativas às entrevistas em diversas abordagens aos ambulantes,

especialmente entre os estratos dos ambulantes soltos. Ao todo realizamos 39

abordagens aos ambulantes (entre legalizados e não legalizados), destas

conseguimos 12 entrevistas (6 de ambulantes ligados às empresas e 6 de

ambulantes soltos, não ligados às empresas). De fato foram 23 recusas e 4

entrevistas interrompidas, por desistência dos próprios informantes.

O grande número de recusas é bastante sintomático, pois revela o

constante estado de tensão ao qual estão submetidos esses trabalhadores no

dia a dia de seu trabalho. Cabe destacar que todos os ambulantes que se

recusaram a participar da entrevista, ou desistiram, eram trabalhadores

ambulantes soltos. Dois fatores estão por trás desse fenômeno. O primeiro, e

principal é a questão da segurança; a possibilidade de perder a mercadoria nas

ações de segurança da SuperVia, faz com que esses sujeitos sejam, e com

razão, desconfiados em qualquer abordagem que não seja a venda de seus

produtos. O segundo diz respeito ao próprio processo de trabalho desses

ambulantes, que tendo tão somente o seu sustento através do ganho de suas

vendas, o fator tempo é um aliado indispensável, de modo que ―tempo é

dinheiro‖, conforme um mesmo justificou-se ao recusar a entrevista.

73

Estes fatores foram um obstáculo ao desenvolvimento desta etapa do

trabalho de campo da pesquisa, conforme antevisto na preparação da mesma.

Entretanto, tivemos que nos utilizar de alguns artifícios para lograr êxito na

concretização da pesquisa. Para tanto tivemos que parecer mais ―parte do

meio‖ no qual eles estavam inseridos, de modo a conquistar a confiança

destes. Percebemos que ao fazer a abordagem trajando vestimentas mais

despojadas, obtínhamos mais sucesso de aproximação. Outra estratégia usada

foi à abordagem indireta, começando por uma conversa informal como mais um

passageiro consumidor de seus produtos, conquistando, aos poucos a

confiança dos mesmos.

Entre os trabalhadores ligados às empresas, a dificuldade de angariar

informantes não foi uma realidade, dada a situação mais confortável que estes

dispõem para o exercício de seu trabalho nos trens.

Outra adaptação que tivemos que fazer foi a da não realização das

gravações das entrevistas, visto que muitos dos ambulantes não permitiram,

pelos motivos acima relatados. Mesmo as que conseguimos gravar, não

ficaram com boa qualidade para a posterior transcrição, em razão da

quantidade de ruídos nas estações e trens, bem como as constantes

interrupções causadas pelos passageiros e ambulantes, que, muitas vezes,

continuavam a trabalhar durante a realização das entrevistas36.

No próximo item apresentamos uma síntese do conjunto das entrevistas

realizadas com os ambulantes. Cabe destacar que a ordem das mesmas,

36

Por este motivo, conforme se verá, ao destacarmos as falas dos entrevistados, mantivemos as aspas nas respostas literais dadas pelos mesmos. No entanto, quando a o registro da fala não pode ser capitado em sua íntegra, fizemos um apanhado da resposta, que apresentaremos nas respostas sem as devidas aspas.

74

segue a ordem cronológica da realização, e não o tipo de vinculação que estes

ambulantes possuem com as empresas que operam o comércio informal no

interior da SuperVia.

Nos itens 3.3 e 3.4 é que iremos examinar separadamente as

peculiaridades de cada um desses tipos de trabalhadores ambulantes no

interior deste espaço.

3.2- “O retrato falado” dos ambulantes no trem: trabalho e trajetória de

vida

Deolinda37

Deolinda é uma trabalhadora ambulante ligada à empresa PepsiCo38.

Negra, de idade avançada mas ainda trabalhando,72 anos. Em outras

condições já estaria a esta altura da vida gozando do merecido descanso de

sua aposentadoria. No entanto, mesmo já tendo exercido na vida várias

ocupações, a maior parte delas não fez com que esta senhora fosse, de fato,

uma ―cidadã completa‖: a ausência de regulação formal de trabalho e a longa

permanência em vínculos precários de trabalho retardaram o seu direito ao

37

Resguardando o sigilo das informações dos sujeitos desta pesquisa, utilizamos o recurso do codinome para denominá-los. Para isso nos utilizamos de nomes comuns brasileiros. 38

A PepsiCo é um conglomerado norte-americano fundado em 1965, da fusão resultante entre fusão entre a Pepsi e a Frito-Lay. Seus principais produtos são a bebida homônima à sua empresa, Pepsi, o repositor Gatorade e os salgados Elma Chips. A PepsiCo está entre as cinquenta maiores empresas do mundo e no Brasil alguns de seus produtos são distribuídos pela Ambev. Em novembro de 2011 o grupo comprou, em sua totalidade, as indústrias de biscoito da Mabel, com a intenção de reforçar o portfólio de produtos do conglomerado americano no Brasil

. Entre

as principais marcas controladas pela empresa estão, além das já citadas: a Toddy, Toddynho, Sukita, Quaker Oats, Clube Cheetos, H2OH!, TEEM, Lucky, Trop Coco, Kero Coco e a Frutzzz.

Fonte: www.pepsico.com.br/ Acesso em: Março de 2013.

75

merecido descanso e ócio do não-trabalho. Por isso agora, mesmo apesar da

idade, inseriu-se no trabalho ambulante no trem.

Orgulhosa de sua condição trabalhadora, apesar de sua precariedade,

revelou-me: ―já fiz de tudo na vida, só nunca roubei e matei!‖ Com os poucos

rendimentos que ganha nesta atividade paga a previdência social,

individualmente, como autônoma, ainda restando 10 anos para poder gozar do

direito à aposentadoria, ou seja, quando tiver 82, se ainda estiver viva.

Ela tem o ensino fundamental incompleto, tendo cursado somente a

primeira série, entretanto, não completou o letramento, sendo, na verdade

analfabeta funcional.

Moradora de Paciência, ingressou no trabalho no trem há pouco tempo (1

ano), por meio de ―conhecimento‖ do filho, que também é ambulante, mas não

ligado à empresas; o filho é ambulante solto. Ela conta com a ajuda deste para

o transporte de suas mercadorias, tanto na hora do início do trabalho, quanto

para a retirada, no final do dia.

Vende produtos que pertencem ao conglomerado da PepsiCo (balas,

biscoitos, água e refrigerantes). Na verdade, quando lhe perguntei para qual

empresa trabalhava, não soube informar, apontando para uma das logomarcas

estampadas em seu colete azul – característico deste tipo de ambulante ligado

à empresa- na verdade a marca sinalizada era a “Elma Chips”, uma das

dezenas de marcas comerciais controladas pela companhia PepsiCo.

Ela realiza essas vendas, sem se deslocar, mas de maneira fixa, na

estação terminal de Santa Cruz, ainda que não tenha uma barraca para a

exposição das mercadorias. No entanto, utiliza-se dos bancos de concreto da

76

própria estação para instalar-se. Gasta em média seis horas por dia nesta

atividade sacrificante, para uma senhora de sua idade, e o ganho advindo

deste trabalho serve para sua própria subsistência, uma vez que mora sozinha,

no bairro de Paciência.

Emanuel

É um ambulante solto, não tendo ligação com nenhuma empresa. Negro,

43 anos, é morador de rua desde que perdeu a casa em um incêndio e não

tinha mais família e ninguém com quem contar. Precisando ―ganhar o pão de

cada dia‖ para continuar vivendo, conforme sua própria fala, ingressou neste

trabalho.

No trabalho do trem já se encontra há 11 anos, mas possui experiência

anterior de vínculos estáveis de trabalho (com carteira assinada), que deixou

por problemas de saúde, decorrentes da atividade laborativa que realizava. Ele

era pintor e adquiriu uma doença respiratória incapacitante para o trabalho,

permanecendo por anos em auxílio doença, até ser definitivamente afastado do

trabalho. Não está satisfeito com o trabalho no trem, que segundo ele é ―um

sofrimento, vida louca!‖, mas diz-se sem possibilidades de ―outras escolhas‖,

pois possui baixa escolaridade (4ª do ensino fundamental), é doente e um ―sem

teto‖. Inclusive, este último dado é fator impeditivo que ele acesse os serviços

de saúde, uma vez que ele não tem um endereço certo.

Eduardo

Trabalhador ambulante ligado à empresa do grupo O Dia (jornal Meia

Hora). Branco, 23 anos, possui experiência anterior de trabalho formalizado,

77

mas não menos precário, como atendente da rede mundial de fast food Mc

Donalds, bem como de trabalhos concomitantes ao realizado nos trens.

No trem vende jornais, fora é faxineiro, fazendo diárias em

estabelecimentos comerciais em Bangu. Ou seja, acumula atividades

informalizadas, uma vez que somente com a soma das quantias financeiras de

todas elas, é possível manter um padrão mínimo de subsistência. Além disso,

também vende jornais, eventualmente, na banca de um amigo. Ele mora com a

namorada, que depende financeiramente dele. No trem costuma faturar em

torno de R$ 500,00 - variando conforme a frequência39 - fora do trem ganha

aproximadamente a mesma quantia, a depender também do número de faxinas

que consegue fazer na semana. Inseriu-se no trabalho no trem por meio de um

―agenciador‖, mas não quis entrar em muito detalhe a respeito. Manifestou

descontentamento com a atividade realizada nos trens, mas disse precisar do

dinheiro que ganha.

Domingos

É um trabalhador ambulante solto. Pardo, 56 anos, possui uma longa

trajetória de experiências diversas de trabalho (ajudante de pedreiro,

verdureiro, porteiro e faxineiro), tendo iniciado a vida laborativa aos 16 anos.

No entanto, não conseguiu mais se inserir no mercado formal de trabalho,

por insuficiências de escolaridade. Ele possui o ensino fundamental completo,

todavia, para as suas duas últimas funções trabalhadas com vínculo

empregatício – porteiro e auxiliar de serviços gerais- passou a exigir o ensino

39

Discorreremos sobre esta peculiaridade no item 3.3.

78

médio40. Tendo seis pessoas dependentes de seu trabalho, para ―poder

sobreviver‖ teve que, conforme a fala do próprio ―se virar como pode para

sustentar sua família‖.

Já dividiu o trem com outras experiências de trabalho, quando tinha ―um

vínculo mais independente‖ (ajudante de pedreiro e pintor) para complementar

a renda, mas deixou de fazer este ―bico‖ quando ―começou a trabalhar de

carteira assinada‖.

Domingos não quer continuar no trabalho ambulante no trem, por isso

retornou aos estudos, almejando reinserir-se nas suas antigas atividades

laborativas. A experiência dele parece não ser um fato isolado, uma vez, que

muitos trabalhadores ambulantes vislumbram a atividade no trem como algo

temporário, mas que acaba sendo, na verdade, prolongada por um período

cada vez mais longo, quando não, servindo de atividade eventual, entre os

intervalos de atividades de trabalhos mais estáveis, ou concomitantemente a

outros trabalhos.

João

Trabalhador ambulante ligado à empresa Nestlè41. Pardo, 47 anos. O

trem não foi a sua primeira experiência de trabalho, tendo já trabalhado como

40

Vê-se a partir destas novas exigências, as transformações técnico–informacionais que se operaram no mundo do trabalho, requerendo, por sua vez, mão de obra cada vez mais qualificada. Pense-se, por exemplo, das requisições de um porteiro há 20 anos, antes da incorporação da informática, e as habilidades exigidas deste mesmo trabalhador, quando estas novas tecnologias são incorporadas em seu processo de trabalho. 41

A Nestlé é uma empresa Suíça, fundada em 1866, quando Henri Nestlé lançou a farinha láctea, um alimento especial para crianças, à base de cereais e leite. A Nestlé atua em doze segmentos de mercado: leites, cafés, culinários, achocolatados, cereais, biscoitos, nutrição, chocolates, refrigerados, sorvetes, food services e pet care. Em 1905, uniu-se à Anglo-Swiss Condensed Milk Co. que desde 1866 era um importante fabricante de leite condensado. Um dos carros chefe da empresa, o leite condensado, começou a ser produzido no Brasil ao lado da farinha láctea. Voltada essencialmente para a nutrição humana, a Nestlé diversificou suas atividades a partir da década de 1970 [época do auge da reestruturação produtiva], passando

79

vigia noturno para algumas lojas em Bangu, bem como outros ―bicos‖.

Ingressou no trabalho ambulante no trem após situação de desemprego, sendo

indicado por meio de um amigo sobre a possibilidade de ―trabalhar na Nestlè‖.

No trem vende biscoitos, chocolates, água, entre outros produtos da

referida empresa. Possui mulher e filhos que dependem diretamente de seus

rendimentos, que giram em torno de R$ 500,00 e R$ 600,00 ao mês,

dependendo do número de vendas. Ao contrário do que pensara, não é um

empregado da Nestlè, mas, no entanto, colabora para o acúmulo de capital

desta empresa, tanto ou mais do que qualquer outro funcionário desta

companhia. Dado o seu vínculo não empregatício com a empresa, por

exemplo, não há a obrigatoriedade de recolhimento previdenciário, que no caso

é feito individualmente pelo próprio trabalhador.

Gosta do trabalho que realiza, mas diz que se tivesse uma oportunidade

em um trabalho melhor, aceitaria. Costuma trabalhar, em média, 9 horas por

dia, 6 dias por semana.

Antônio

Ambulante ligado à empresa Nestlè. Negro, 63 anos. Deficiente físico, ele

trabalha no trem há 14 anos. Este não é seu primeiro contato com o trabalho

ambulante no interior dos trens, pois, quando criança, exerceu a atividade no

local, vendendo mariola para completar a renda da família. Quando retornou

aos trens, após o acidente que o deixou paraplégico, era alvo constante das

também a atuar nos segmentos farmacêutico (Alcon), cosmético (L´Oreal) e de alimentos para animais de estimação (Friskies Alpo e Ralston Purina). Fonte: http://www.nestle.com.br/site/home.aspx Acesso em: Abril de 2013.

80

apreensões de mercadorias dos agentes de segurança da SuperVia, uma vez

que, devido a dificuldade de acesso às composições, costumava vender nas

plataformas das estações. De fato, cadeira de rodas e ―pega de rapa‖ não

combinam.

Por causa de sua nova condição teve que optar pelo ―trabalho sem

riscos‖, se vinculando a empresa. Não está contente com o trabalho, mas

resigna-se com o que tem para sobreviver, mesmo ganhando menos do que

poderia ganhar como um ―ambulante autônomo‖.

Joana

Ela é uma ambulante ligada à Tim42 (vende chips de celulares desta

operadora de telefonia móvel). Branca, 27 anos.

Joana, vendo-se diante de uma situação de sobrevivência imediata,

instalada em sua vida a partir da morte do pai de sua filha, encontrou no

exercício do trabalho ambulante no trem, a possibilidade de equacionar o

sustento próprio, mas principalmente de sua filha. A partir daí, outras

mudanças se operaram em sua vida, como a necessidade de deixar a casa na

qual morava, por não conseguir sustentá-la sozinha e o imperativo do retorno à

casa de sua mãe; necessitando trabalhar para dividir as despesas domésticas.

Entre todos os entrevistados, Joana, é a que possui maior grau de

mobilidade, atuando em vários ramais (Deodoro, Japeri e Santa Cruz). Hoje ela

42

A Telecom Italia Mobile (TIM) é uma empresa de telefonia celular com sede na Itália, atuante

também no Brasil. Na Europa faz parte da FreeMove alliance. No Brasil a TIM é formada por duas empresas: TIM Celular S.A. e Intelig. Ambas pertencem à TIM Participações, que é controlada pela TIM Brasil S.A. A holding brasileira, com sede na cidade do Rio de Janeiro, é subordinada à TIM International. Fonte: www.tim.com.br Acesso em março de 2013.

81

exerce outras atividades laborativas concomitantes ao trabalho no trem, como

o trabalho nos fins de semana como ―fritadeira‖ em festas infantis.

Tem o trabalho no trem como algo temporário na sua vida: ―É uma

oportunidade interessante para se trabalhar, mas não é algo que se pode se

dizer ‗decente‘. Para mim é uma coisa temporária, até conseguir algo melhor‖.

Mas é grata pela chance que o trem lhe deu nestes 5 anos de trabalho: ―há

uma certa oportunidade interessante para se trabalhar, pois possibilita uma

liberdade, principalmente em relação aos horários de trabalho‖. A triste sina da

liberdade constrangida pela necessidade que é comum nas narrativas dos

trabalhadores ambulantes.

Severino

Trabalhador ambulante solto. Pardo, 16 anos e já há dois anos

trabalhando nos trens. O adolescente, ainda em idade escolar, sendo arrimo de

família, diante da extrema pobreza da mesma (composta por 4 pessoas entre

irmãos e mãe), vê a sua situação ficar mais dramática, após a morte do pai,

que era o provedor do lar. Deste modo, a ―obrigação moral‖ do filho mais velho

(mesmo que este filho mais velho tenha apenas 14 anos) falou mais alto. De

uma hora para outra se tornou homem adulto e trem foi o cenário desse novo

estágio de vida antecipado.

Disse estar prestes a deixar a escola (está na 8ª série do ensino

fundamental), pois não gosta de estudar. Os sonhos juvenis e o gosto da

liberdade de ―ser um homem‖ já parecem dominar o rapaz, que já não enxerga

mais na escolarização a possibilidade de outros horizontes de vida e de

superação de desigualdades. Para ele, o trabalho no trem é ―um divertimento,

82

uma distração‖, mas destaca as suas dificuldades com os agentes de

segurança da SuperVia, que segundo suas palavras, empreendem um

verdadeiro ―jogo de gato e rato‖. Para além de uma imposição da vida, o

trabalho no trem guarda certa impressão lúdica aos olhos desse jovem que mal

deixou de ser criança.

Vilma

Trabalhadora ambulante ligada à empresa Nestlè. Parda, 46 anos.

Ingressou no trabalho ambulante no trem após desemprego e separação do

marido. Foi babá de três famílias, antes de entrar no trem. Também passou por

várias atividades informais de trabalho, até entrar no trem, onde atua há 6

anos.

Não vê vantagens no trabalho ambulante do trem, diz que é um trabalho

muito pesado, só o faz por necessidade. Afirma que esta atividade é transitória,

só aguarda o tempo de se aposentar, pois quer abrir o seu ―próprio negócio‖

(um pequeno comércio de doces). O ―bicho‖ da ―ideologia empreendedora‖,

muitas vezes incutida no trabalhador ambulante, parece ter ―picado‖ esta

trabalhadora, de tal modo que almeja ser a dona de seu próprio negócio.

Marina

Trabalhadora ambulante não ligada às empresas. Negra, 37 anos. Fixou-

se no trabalho no trem há 10 anos, após perder o suporte financeiro do marido

que a deixou para contrair uma nova relação conjugal. Antes deste trabalho,

vendia bijuterias, autonomamente, mas foi obrigada a deixar esta atividade

comercial por exigência do marido à época, vivendo, desde então, sobre a

dependência econômica dele.

83

No trem ela vende DVDs ―pirateados‖, uma atividade lucrativa, mas

perigosa, por se tratar de ―algo ilegal‖. Costuma faturar, por mês cerca de R$

1.200,00, com o qual sustenta sua casa com duas filhas adolescentes. A filha

mais velha, a auxilia na reprodução das cópias da mercadoria, não recebendo

nada por isso, pois segundo ela ―a comida na mesa já é o bastante!‖ O auxílio

de mão de obra não paga, especialmente familiar, não é um fenômeno

estranho ao modo de trabalho informal. Isso em uma dimensão particular

parece uma estratégia de sobrevivência e colaboração. Na esfera mais ampla

colabora com a maximização dos lucros do capital e a contínua pressão sobre

o restante da força de trabalho.

Não tem outras perspectivas com relação ao trabalho, pois para ela, o

trabalho no trem ―é algo difícil, mas com o tempo me acostumei, sabe como é,

a necessidade se torna a nossa vontade‖.

Francisco

Trabalhador ambulante solto, não ligado a nenhuma empresa. Trata-se de

um adolescente, negro, 16 anos, que há dois anos está trabalhando como

ambulante nos trens. Começou a exercer a atividade desde que o pai deixou a

família: ―tive que ajudar minha mãe, a gente estava numa situação difícil‖.

Novamente a questão de gênero ligada a ―obrigação moral do filho homem‖

aparece como determinante no ingresso precoce ao mundo do trabalho.

Com os seus ganhos ele é um importante componente para o sustento de

sua casa, por mês colaborando com cerca de R$ 400,00, que são somados à

renda da mãe, que assim como o filho, vende empadinhas. Ela como

ambulante na rua. Ele como ambulante no trem. O restante da família participa

84

da produção, sem remuneração ―só não vem para a rua porque são novos e

minha mãe não deixa‖. Acha o trabalho no trem divertido, seu corpo franzino

avança com destreza entre os passageiros no interior dos vagões. Quem o vê

alegre, entre piadas e jingles não advinha, que apesar do corpo magro e

pequeno, com a coluna vertebral levemente deformada pelo peso da caixa de

isopor, que aquele não é menino de 11 anos, mas um adolescente com

grandes responsabilidades de adulto.

Ele diz manter os estudos (está na7ª série do ensino fundamental) e

pretende concluir o ensino médio, não tendo, por hora, dificuldades na

manutenção destas duas atividades na sua vida. Resta ao futuro testemunhar

se a realidade dura da vida no trem não diminuirá o ânimo pela escolarização.

Maria

É uma trabalhadora ambulante solta. Branca, 21 anos. Veio para o Rio

atrás de ―melhores chances de emprego‖, deixando para isso, sua terra natal,

Alagoas. Devido a sua ―falta de referências e escolaridade‖, como disse, não

conseguiu melhores ocupações. Por usar o trem e morar próximo da estação

―uniu o útil ao agradável‖, inserindo-se, então no trabalho no trem.

Interessante destacar que a mesma já tinha experiência de trabalho

informal no nordeste, como vendedora de praia. Assim, os ―sonhos de

melhores condições‖ de sobrevivência em outro estado, logo foram frustrados.

No Rio de Janeiro não encontrou nada de diferente do que já vivenciara em

seu lugar de origem. Desta forma, passado e presente parecem formar um

tempo contínuo, sem perspectivas de mudanças. Atua no ramal de Santa Cruz,

85

mas eventualmente também no ramal de Japeri, não vendo diferenças no

exercício de trabalho entre ambos.

Embora tenha abandonado os estudos, vê neste um ―trampolim‖ para

conseguir melhores oportunidades de trabalho além do trem ―É muito difícil (o

trabalho ambulante no trem), mas eu quero mais, pois isso não é vida não. Mas

como não tenho estudo é o que sobrou para mim, por isso pretendo estudar

mais para poder sair daqui‖.

Também recebe ajuda de familiares na compra e preparação de seus

produtos de venda: ―Minha tia e minhas primas ajudam a embalar os produtos

(amendoim e balas) e também compram as mercadorias para mim‖, não

recebendo remuneração por isso. Relatou situações de violência por parte dos

agentes de segurança, bem como de conflitos entre os próprios ambulantes.

***

Estas são as sínteses das histórias de vida de todos os trabalhadores

ambulantes entrevistados nesta pesquisa. Nossa intenção foi apresentar um

panorama sobre as particularidades de cada experiência de vida e de trabalho,

que de algum modo, em maior ou menor medida, faz com que a experiência

social do trabalho informal se assemelhem, não obstante algumas

particularidades distintas, conforme apresentaremos a seguir.

86

3.3- Quem são os trabalhadores ambulantes ligados às empresas?

Neste item faremos um traçado do perfil dos trabalhadores ambulantes

ligados às empresas e, para isso, apresentaremos alguns gráficos,

confeccionados a partir de 20 variáveis divididas em blocos temáticos:

Bloco1 (dados gerais): gênero; faixa etária; cor/raça; empresa

contratante/fornecedora; escolaridade e bairro onde reside.

Bloco 2 (trajetória de trabalho): motivos da inserção no trabalho

ambulante no trem; o trem como primeira experiência de trabalho; tempo de

trabalho no trem; ramal de atuação; concomitância de trabalho paralelo ao do

trem.

Bloco 3 (A relação das empresas fornecedoras e os ambulantes): tipo de

vínculo com a empresa; como tomou conhecimento do trabalho; rendimentos

mensais; produtos; pessoas que dependem da renda.

Bloco 4 (Percepções sobre o trabalho no trem e a relação com os demais

ambulantes não ligados às empresas): vantagens/desvantagens do trabalho;

horas de trabalho; dias de trabalho; diferenças entre os demais ambulantes não

ligados às empresas.

87

Bloco 1: Dados gerais

GRÁFICO 1

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Há entre os trabalhadores da amostra uma paridade entre homens e

mulheres, ainda que na realidade, conforme na observação de campo exista

uma predominância de um perfil masculino entre os ambulantes. No entanto,

quando comparado com os demais ambulantes não ligados as empresas

(conforme veremos no próximo item) há entre os ligados às empresas uma

composição feminina mais significativa.

GRÁFICO 2

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

50%50%

GÊNERO

Masculino (3)

Feminino (3)

34%

33%

33%

Faixa etária

23 a 30 anos

31 a 59 anos

60 a 72 anos

88

.

Na amostra há uma paridade entre as faixas etárias, contendo dois em

cada uma: a primeira faixa composta de jovens de 23 a 30 anos (um ambulante

com 23 anos, outra com 27), a segunda formada por adultos de 31 a 59 anos

(uma ambulante com 46 anos e outra com 46) e a terceira faixa

compreendendo pessoas mais idosas 60 a 72 (um ambulante com 63 anos e

outra com 72).

Tornamos a chamar a atenção para a presença de uma idosa, de 72

anos, ainda em exercício de trabalho. O ―leque de opções‖ de trabalho precário

que lhe foi oferecido ao longo da vida, não foram suficientes para que ela,

nesta altura de sua vida, pudesse já estar aposentada.

GRÁFICO 3

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Neste item também verificamos um equilíbrio entre as classificações,

contendo (2) trabalhadores em cada categoria.

34%

33%

33%

Cor\raça

Negra (2)

Parda (2)

Branca (2)

89

Cabe destacar que na realização das entrevistas seguimos a mesma

metodologia empregada pelo IBGE que define cor ou raça segundo as

―características declaradas pelas pessoas de acordo com as seguintes opções:

branca, preta, amarela, parda ou indígena‖43.

Este equilíbrio entre os perfis étnicos não será o mesmo quando

analisarmos os trabalhadores ambulantes soltos (GRÁFICO 3B), no qual se

verificará um maior percentual de negros e pardos.

GRÁFICO 4

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Metade dos entrevistados (3) tem contrato com a empresa Nestlè, os

demais estão ligados a outras empresas: a companhia telefônica Tim (1), ao

grupo O Dia comunicações – jornal Meia Hora (1) e a companhia PepsiCo do

Brasil (1).

43

Conforme IBGE, disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm. Acesso em Fevereiro de 2013.

50%

16%

17%

17%

EMPRESA CONTRATANTE/FORNECEDORA

Nestlè (3) Tim (1) O Dia (Meia Hora) (1) PepsiCo (1)

90

A amostra reflete bem a realidade observada em campo, donde é mais

perceptível a visualização, entre os ambulantes ligados às empresas, dos que

possuem coletes de identificação da Nestlè.

No entanto, o caráter desse ―pertencimento‖, ou seja, do vínculo

empreendido entre as empresas e os ambulantes analisaremos mais adiante

(GRÁFICO 12).

GRÁFICO 5

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Entre os trabalhadores com ensino fundamental incompleto está a

ambulante mais velha, de 72 anos, tendo estudado até o primeiro ano do

ensino fundamental. O outro de 47 anos cursou até a 7ª série do mesmo

segmento.

No grupo dos trabalhadores com ensino fundamental completo tem um

ambulante de 63 anos e outro, o mais jovem dos entrevistados, com 23 anos.

Entre os trabalhadores que possuem ensino médio incompleto (2),

encontram-se 2 mulheres: uma de 27 anos e outra de 46.

34%

33%

33%

Escolaridade

Fundamental incompleto (2) Fundamental Completo (2)

Médio incompleto (2)

91

Tais dados parecem apontar uma interessante relação entre escolaridade,

geração e gênero, donde se verifica, em geral, menor escolaridade entre os

mais velhos. Seguindo tendência inversamente proporcional entre as mulheres

mais jovens, que em relação aos homens da mesma idade, tendem a ter mais

anos de estudo.

GRÁFICO 6

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

A maior parte dos entrevistados (83%) mora em bairros atendidos pelo

ramal de Santa Cruz (Aldeia da Prata, Guilherme da Silveira e Senador

Camará, esses pertencentes à região da grande Bangu; e Vilar Carioca e

Paciência, nas imediações de Campo Grande). Somente 1 (17%), reside em

Ricardo de Albuquerque, bairro coberto pelo ramal de Japeri.

Este dado parece ser a primeira demonstração de fixação da realização

do trabalho nas proximidades de casa, revelando pouca diversidade de

mobilidade no exercício da atividade laboral em pontos mais distantes da

habitação. Aprofundaremos mais essa questão adiante, quando analisarmos o

ramal de atuação desses trabalhadores.

83%

17%

Bairro onde reside

Bairros atendidos pelo ramal de S. Cruz (5) Bairro não atendido pelo ramal (1)

92

Bloco 2: Trajetória pessoal de trabalho:

GRÁFICO7

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Embora tenhamos feito a distinção entre desemprego e necessidade de

sobrevivência é evidente que em todas as respostas estão subjacentes a

necessidade imediata de subsistência. No entanto, aqui fizemos uma

separação das respostas em que a situação de desemprego apareceu na fala

mais claramente, como algo determinante, mas sabemos, que em maior ou

menor medida este dado também está presente nas demais respostas.

Entre os entrevistados, foi constatada a presença de um retorno à

atividade ambulante no trem: Antônio, 63 anos, 14 anos no trem, que, quando

criança, trabalhou nos trens vendendo mariola para complementar a renda da

família. Retornou à atividade, após tornar-se deficiente físico, aos 49 anos de

idade. Interessante notar que quando retornou ao trabalho ambulante, exercia

a atividade nas estações, mas por ser ―irregular‖ perdia as mercadorias com

33%

50%

17%

Motivos da inserção no trabalho ambulante no trem

Desemprego (2)

Necessidade de sobrevivência imediata (3)

Retono a atividade anteriormente exercida (1)

93

frequência, pois não podia correr. Então decidiu trabalhar para a Nestlé, apesar

de ganhar menos.

GRÁFICO 8

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

A maior parte dos entrevistados (4) não tem o trabalho ambulante como a

primeira experiência de trabalho:

Não. Trabalhava anteriormente como vigia noturno para algumas lojas em Bangu, bem como outros ―bicos‖ (João, 47 anos, 7 anos no trem).

Passou a trabalhar depois da separação do marido. Foi babá de três famílias, antes de entrar no trem (Vilma, 46 anos, 6 anos no trem).

Não, trabalhou no Mc Donalds e em uma lanchonete perto de casa (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).

Não. Já foi faxineira, agricultora, diarista, entre outros... ―Só nunca roubou e matou‖ (Deolinda, 72 anos, 1 ano no trem).

Somente dois entrevistados (32%) da amostra disseram ser o trem a

primeira experiência de trabalho. O primeiro caso (Antônio) deu-se na infância,

conforme já destacado na análise do gráfico anterior. O segundo foi a de

33%

67%

O trem como primeira experiência de trabalho

Sim (2)

Não (4)

94

Joana, 27 anos, que há 5 anos inseriu-se no trabalho no trem para o sustento

próprio e o da filha, órfã de pai.

GRÁFICO 9

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Metade dos ambulantes ligados às empresas, trabalham entre 5 e 7 anos

no trem (Joana, 5; Vilma, 6 e João, 7). Dois exercem a atividade há menos

tempo (Deolinda, 1 ano e Eduardo 2 anos), são os casos da mais velha e do

mais jovem da amostra. Somente um registra longos anos na mesma atividade

(Antônio, com 14 anos no trabalho ambulante).

33%

50%

17%

Tempo de trabalho no trem

1 a 4 anos (2)

5 a 7 anos (3)

Mais de 7 anos (1)

95

GRÁFICO 10

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Todos os ambulantes entrevistados exercem a atividade no ramal de

Santa Cruz, no entanto, destes três o fazem exclusivamente neste único ramal;

outros dois revezam-se entre o de Santa Cruz e Deodoro; e há o caso de uma

ambulante, que exerce a atividade em três ramais (Santa Cruz, Deodoro e

Japeri). Há de se destacar que neste caso a trabalhadora em questão reside

em Ricardo de Albuquerque (conforme GRÁFICO 6), que fica próximo da

convergência dos três ramais, na estação de Deodoro, facilitando, portanto, o

seu deslocamento.

50%

17%

33%

Ramal de atuação

Somente S. Cruz (3)

Santa Cruz, Deodoro e Japeri (1)

Santa Cruz e Deodoro (2)

96

GRÁFICO 11

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Metade dos entrevistados afirmou acumular mais de um trabalho no

momento, dividindo o trabalho no trem com outras atividades laborativas:

Sim. Trabalha também numa casa de festas como fritadeira de

salgados nos finais de semana. (Joana, 27 anos, 5 anos no trem)

Sim. É vendedora de produtos cosméticos (Jequiti) (Vilma, 46 anos, 6

anos no trem).

Sim. Vende Jornais em banca de jornal, na parte da manhã e faz

―bicos‖ de diárias de faxina em estabelecimentos comerciais

(Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).

A insuficiência nos ganhos advindos do trabalho no trem, conforme

veremos, mais adiante, no GRÁFICO 14, parecem ser determinantes para o

acúmulo de outras funções igualmente precarizadas de trabalho.

50%50%

Concomitância de trabalho paralelo ao do trem

Sim (3)

Não (3)

97

Bloco 3: A relação das empresas fornecedoras e os ambulantes

GRÁFICO 12

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Os ambulantes não possuem vínculos empregatícios com as empresas,

mas somente fazem um contrato no qual é acordada algumas regras sobre o

fornecimento de materiais de acondicionamento de produtos, bem como de

fornecimento dos materiais a serem vendidos.

Os vendedores ambulantes recebem um percentual sobre as vendas que

realizam que varia de acordo com a empresa contratante:

Não existe vínculo formal como eu tinha antes, com a carteira assinada, existe um contrato que a gente assina que fala sobre a consignação dos produtos da empresa e o nosso percentual de ganho sobre as vendas (Vilma, 46 anos, 6 anos no trem).

Este dado é interessante, pois apesar de não haver vínculo formal de

trabalho com a empresa, há uma exigência característica de um trabalhador

com este vínculo.

Todos os ambulantes disseram não ter a carteira de trabalho assinada

pelas respectivas empresas contratantes. Nada mais oportuno às empresas do

Sem vínculo empregatício

100%

Tipo de vículo com a empresa

98

que ter ―funcionários‖ trabalhando, sem ter ônus quase nenhum para à sua

manutenção. Com isso é larga a maximização de seus lucros, dada a

economia que fazem com pagamento de pessoal, direitos trabalhistas e demais

compromissos contratuais.

As respectivas empresas contratantes não fazem recolhimento

previdenciário, no entanto, quando perguntamos aos trabalhadores se o faziam

individualmente quatro responderam que sim e dois não.

Conforme destaca Tiriba (2003) a informalidade sempre foi um ―bem

necessário‖ à flexibilização das relações entre capital e trabalho – processo

que, embora agudizado com as políticas neoliberais, acompanha toda a história

do capitalismo (2003, p 45).

Neste sentido, conforme vimos, as empresas contratantes (GRÁFICO 4),

entre elas grandes aglomerados empresariais, souberam utilizar-se muito bem

deste artifício de barateamento de força de trabalho, de modo que promovem a

circulação de suas mercadorias, sem o ônus salarial de uma mão de obra

trabalhadora tradicional.

99

GRÁFICO 13

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

O objetivo dessa variável era captar o modo de inserção neste tipo de

trabalho, visto que por meio da entrevista exploratória que fizemos com o

presidente da ASTRATERJ, o mesmo apontava a presença de agenciadores

ou conforme ele mesmo disse ―gatos‖, que intermediariam a contratação dos

ambulantes junto à empresa (no caso ele falou especificamente em relação à

empresa Nestlè).

Por isso também perguntamos se alguma taxa sobre os ganhos era

devida a alguém. De fato, a presença destes ―agenciadores‖ foi identificada nas

respostas dos ambulantes, no entanto, por meio das respostas dadas não foi

possível entender a complexidade dos atores envolvidos nesse processo:

―Estava desempregado e um amigo indicou e falou sobre essa

possibilidade‖ (João, 47 anos, 7 anos no trem).

―Estava precisando trabalhar e um amigo lhe falou sobre a

oportunidade de vender jornal no trem ‗dava um dinheirinho‘, aí me

interessei‖ (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).

Por meio de conhecimento do filho (Deolinda, 72 anos, 1 ano no

trem).

83%

17%

Como tomou conhecimento do trabalho

Por indicação de amigos e terceiros (5)

Não especificado (1)

100

No entanto, as respostas empreendidas não são conclusivas para

identificar a real função destes ―agenciadores‖. As respostas evasivas foram

mais evidentes no próximo gráfico, onde além da questão principal,

perguntamos se há pagamentos de taxas a alguém.

Entramos em contato com a SuperVia, pois pelas informações em seu

sítio eletrônico, é a própria concessionária quem organiza o trabalho das

empresas contratantes. No entanto, não logramos êxito nestes

esclarecimentos.

GRÁFICO 14

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Os dados desta questão complementam os do representado no

GRÁFICO 4. Na medida em que nas respostas dadas pelos trabalhadores

ambulantes, revelou-se o caráter do vínculo contratual empreendido entre eles

e as empresas. Conforme já destacado, apesar de inexistir vínculo que

caracterize emprego, é exigido dos trabalhadores um compromisso funcional,

16%

17%

67%

Rendimentos mensais

Não especificado (1) R$ 300 a R$ 500 (1) R$ 500 a 600 (4)

101

implicando, inclusive menor percentual de ganho se o mesmo faltar algum dia

de serviço:

―Dá para tirar uns R$ 500 por mês, mas ou menos, varia conforme o mínimo de faltas no mês‖ (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).

Os ganhos são variáveis segundo o volume de vendas e,

consequentemente, sobre o percentual devido à empresa contratante. Este

sistema mercantil compartilhado apareceu em todas as repostas dos

entrevistados.

Ainda que se trate de um quantitativo financeiro altamente variável entre

um mês e outro, é possível, de qualquer forma dizer que os ganhos são bem

pequenos. A maior parte dos entrevistados (67%) disse ganhar entre R$

500,00 e R$ 600,00, por mês, o que é bem pouco, considerado o crescente

aumento do nível do custo de vida. Especialmente nos grandes centros

urbanos, como o Rio de Janeiro, onde é marcante a elevação de preços de

produtos e serviços, especialmente através do aumento dos impostos indiretos,

que tem enorme impacto sobre as classes populares.

Um ambulante disse receber entre R$ 300,00 e R$ 500,00 por mês. Outra

não especificou o quantitativo aproximado de ganho mensal, mas somente

referiu-se ao sistema percentual sobre os ganhos (Ganha 20% sobre as

vendas).

102

GRÁFICO 15

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Como podemos ver, os produtos mais vendidos são os de gênero

alimentício, que por sinal, são também os mais comercializados entre os

demais ambulantes, não ligados às empresas.

Há que se destacar, que no caso desta amostra, composta pelos

ambulantes ligados às empresas, os produtos são condicionados em relação

ao tipo de mercadoria comercializado segundo o gênero da empresa, por isso

estes dados seguem a mesma tendência do GRÁFICO 4 (Juntando-se PesiCo

e Nestlè).

A metade dos ambulantes ligados às empresas relatou que seus

rendimentos de trabalho servem à subsistência de (3) pessoas, incluindo os

próprios. Dois dos entrevistados disseram que são (2) as pessoas dependentes

economicamente de seus ganhos, e somente uma, disse servir unicamente ao

próprio sustento.

67%

16%

17%

Produtos

Alimentícios (biscoitos, doces, água, refigerante etc.) (4)

Jornais (1)

Chips para celulares (1)

103

GRÁFICO 16

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Levando-se em consideração os rendimentos declarados (GRÁFICO 14),

oriundos do trabalho no trem, revela-se a insuficiência destes para a

subsistência de seus dependentes financeiros, o que explica também a

necessidade de acúmulo de outras atividades de trabalho fora do tem

(GRÁFICO 11).

17%

33%

50%

Pessoas que dependem da renda

Uma (1)

Duas (2)

Tres (3)

104

Bloco 4: Percepções sobre o trabalho no trem e a relação com os demais ambulantes não ligados às empresas

GRÁFICO 17

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

A maior parte dos entrevistados demonstra descontentamento com a

atividade ambulante que realiza (67%), não obstante, reconhecer que é ―uma

oportunidade para quem não tem nada‖ (Antônio, 63 anos, 14 anos no trem).

Uma quase-escolha no terreno social da não-escolha, que é o que resta aos

trabalhadores constrangidos na sociedade mercantil, em especial, aos mais

empobrecidos.

Associa-se a questão representada neste gráfico (14 do questionário) a

antecedente (13), que indagava a respeito da avaliação do trabalho realizado

no trem, a transitoriedade ou não deste trabalho e as expectativas futuras em

termos de trabalho. Devido à pluralidade de respostas trazemos abaixo, a

íntegra do que foi coletado no depoimento dos informantes, a fim de captar a

riqueza trazida em cada fala:

16%

67%

17%

Vantagem/desvantagem do trabalho ambulante

Sim (1)

Não (4)

Não sabe (1)

105

É bom. Não sabe dizer se algo definitivo, mas diz que se tivesse oportunidade de algo melhor aceitaria (João, 47 anos, 7 anos no trem).

―É uma oportunidade interessante para se trabalhar, mas não é algo que se pode se dizer ‗decente‘. Para mim é uma coisa temporária, até conseguir algo melhor‖ (Joana, 27 anos, 5 anos no trem).

―É transitória, só estou trabalhando para completar o tempo e a idade para se aposentar. Aí pretendo abrir meu comércio, em casa mesmo. Já estou até comprando material de construção‖ (ela quer abrir um comércio, barraca de doces); (Vilma, 46 anos, 6 anos no trem).

―É difícil, mas é necessário para o pobre, né?! Para mim é o fim da linha, não tenho outra alternativa‖ (Antônio, 63 anos, 14 anos no trem).

―É muito pesado, enquanto aguentar eu fico por aqui, mas eu queria mesmo ter um emprego com carteira assinada e com todos os direitos, folga e tudo mais‖ (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).

Difícil, pois acha muito ‗custoso‘, pois lhe exige muita energia física (visto que já é bem idosa). Diz ser transitória, trabalha por necessidade de sobrevivência, portanto, até morrer, ou quando conseguir se aposentar. Ela paga autonomia (faltam 10 anos para se aposentar, por tempo de contribuição); (Deolinda, 72 anos, 1 ano no trem).

Há aqui uma tendência a se pensar o trabalho no trem como algo

temporário em suas vidas, de modo que as dificuldades enfrentadas são só um

―peso momentâneo‖, tendo em vista outras perspectivas. E o horizonte é

razoavelmente modesto, não almejando mais que um assalariamento, uma

aposentadoria de final de vida ou um ―micro negócio‖ de fundo de quintal.

Problematizaremos mais a respeito quando examinarmos a mesma questão

junto aos ambulantes soltos (GRÁFICO 18 B).

106

GRÁFICO 18

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

O número de horas trabalhadas é bastante diferenciado entre os

informantes. Conta nessa disparidade a variedade dos produtos vendidos e a

sozanalidade de suas vendas, ao longo do dia. A venda de jornais pela manhã,

por exemplo, ou a venda maior de picolés, água e refrigerantes em horários de

maior calor ou mesmo a necessidade de aumento da renda para cumprir

compromissos familiares. Tanto num caso como nos outros, observa-se maior

dispêndio de horas de trabalho. Tendo somente a si, o trabalhador pode

dispensar um maior número de horas de trabalho ao longo do dia, ou da

semana, caso queira e precise aumentar o rendimento.

O contrário também é verdadeiro. Condições sazonais dos produtos

(clima, por exemplo) e de saúde do trabalhador podem impactar a venda ou

não de determinado produto. No caso específico dos ambulantes ligados às

empresas – principalmente, os da Nestlè e PepsiCo, que trabalham, sobretudo

com produtos com maior venda em dias quentes (picolés, refrigerantes e água)

17%

33%33%

17%

Horas diárias de trabalho

3 a 4 horas (1)

5 a 6 horas (2)

7 a 8 (2)

9 horas (1)

107

-, este vêm suas vendas frustradas em dia de chuva, ou frio. Neste caso, ao

contrário dos ambulantes soltos, não tem a opção de trocar de produto

(guarda-chuvas, por exemplo), uma vez que só vendem uma mesma tipologia

restrita de produtos das marcas das referidas empresas.

GRÁFICO 19

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Este dado também se relaciona ao anterior na medida em que revela a

necessidade de maiores possibilidades de renda na medida em que aumenta

proporcionalmente os dias de trabalho. Na verdade, a fadiga e a sobrecarga de

horas de trabalho compõem a imagem invertida do espelho da liberdade do

trabalho informal.

Mas, é preciso ter em conta também, conforme já destacado no

GRÁFICO 12, que algumas empresas, mesmo inexistindo o vínculo formal de

trabalho, exigem o cumprimento de certas regras condicionadas a um maior

percentual de pagamento sobre as vendas, dentre elas, o desconto sobre as

16%

50%

17%

17%

Dias de trabalho no trem

5 dias (1)

6 dias (3)

7 dias (1)

Não disse

108

faltas. Isto explica a média de 6 dias trabalhados, como uma forma de

frequência mínima.

GRÁFICO 20

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Todos os trabalhadores entrevistados foram unânimes em constatar as

diferenças entre as condições de trabalho dos dois tipos de ambulantes, no

entanto sinalizam motivos diversos. Um primeiro grupo manifestou a questão

da melhor vantagem que os trabalhadores ligados às empresas dispõem para o

exercício de seu trabalho, em contraposição à perseguição que os outros

sofrem pelos agentes de segurança:

―Sim claro, eles passam muitos apertos, por causa dos seguranças

da SuperVia, é bem difícil... como nós temos autorização é mais fácil‖

(Vilma, 46 anos, 6 anos no trem).

―Sim. Pois os que são de empresa são mais ‗tranquilos‘, pois não tem

suas mercadorias apreendidas‖. (Deolinda, 72 anos, 1 ano no trem)

Há um segundo grupo que destaca a desvantagem que eles,

trabalhadores ligados às empresas, têm em relação a maior possibilidade de

faturamento, que os ambulantes não ligados às empresas dispõem:

Sim100%

Há diferenças entre os demais ambulantes não ligados às empresas?

109

―Acho que o pessoal ‗independente‘, mas livres, pois não tem que pagar taxas a ninguém‖ (Joana, 27 anos, 5 anos no trem).

Por fim, existe um terceiro posicionamento, que mescla os dois anteriores,

destacando ―os prós e os contras‖ da atividade ambulante daqueles que não

são ligados às empresas:

―Há, claro! Quanto a eles, os seguranças ‗batem‘ em cima... mas eles também tem vantagens, pois tem mais mobilidade nos trens, podendo ganhar mais‖ (João, 47 anos, 7 anos no trem).

―Sim, muita. Temos mais tranquilidade para trabalhar, mas ganhamos menos, por ser limitado‖ [refere-se a restrição da atividade às plataformas das estações] (Antônio, 63 anos, 14 anos no trem).

―Há sim, eles sofrem mais com o pessoal da segurança, mas também tem mais liberdades para vender seus produtos em diversos lugares‖ (Eduardo, 23 anos, 2 anos no trem).

Todos relataram não ter problema com os seguranças da concessionária,

mas ressaltaram que o mesmo não acontece com os demais ambulantes.

No que diz respeito à relação que estes informantes têm com estes outros

trabalhadores ambulantes disseram que não existem conflitos e disputas entre

eles, que no geral há uma boa relação.

3.4- Quem são os trabalhadores ambulantes soltos?

Neste item faremos um traçado do perfil dos trabalhadores ambulantes

soltos, ou seja, daqueles não ligados às empresas, e, portanto, que têm tolhida

a autorização para o exercício da atividade ambulante nos trens. Para isso,

apresentaremos alguns gráficos, confeccionados a partir de 25 variáveis,

divididas nos seguintes blocos temáticos:

Bloco 1 (Dados gerais): gênero; faixa etária; raça/cor; naturalidade; bairro

onde reside.

110

Bloco 2 (Condições de vida): situação de moradia; quantidade de pessoas

por habitação; escolaridade; acesso aos serviços de saúde e educação dos

membros da família.

Bloco 3 (Trajetória de trabalho): motivos da inserção no trabalho no trem;

o trabalho como primeira experiência de trabalho; ocupações exercidas antes

do trabalho no trem.

Bloco 4 (Percepções sobre o trabalho no trem): ramal de atuação;

rendimento mensal; horas de trabalho no trem; dias de trabalho no trem;

pessoas que dependem da renda; transferência de renda; trabalho no trem

como transitório; auxílio de terceiros na realização do trabalho; vantagens do

trabalho no trem, desvantagens do trabalho no trem; contribuição à

Previdência, o que poderia melhorar no trabalho no trem; conhecimento sobre

a organização política dos ambulantes; conhecimento das ―normas de

conduta‖.

Bloco 1: Dados gerais

GRÁFICO 1 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

67%

33%

GÊNERO

Masculino (4) Feminino (2)

111

A maioria da amostra é masculina: quatro homens (67%) contra duas

mulheres (33%). Deste modo, segue a tendência percebida em observação de

campo, bem como também destacado em outra pesquisa que versa sobre o

trabalho ambulante no trem (SILVA, 2009, p.60).

Um dos ferroviários entrevistados, por ter trabalhado por longos períodos no

cotidiano da rede ferroviária, como eletricista (possui 31 anos de ferrovia), pôde dar

mais detalhes sobre as diferenças de perfil dos trabalhadores do passado e na

atualidade. Disse-nos ele que percebeu um aumento de mulheres entre os

ambulantes, tanto jovens como idosas. Mas, que no quadro geral dos ambulantes,

antigamente eram mais numerosos.

GRÁFICO 2 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

A faixa etária é predominantemente adulta, entretanto verifica-se a

presença de (2) adolescentes de 16 anos, que já estão nesta atividade há dois

anos.

Conforme já destacado, a presença destes adolescentes, inseridos tão

precocemente no mundo do trabalho, revela uma questão de gênero, bastante

33%

17%17%

33%

Faixa etária

16 a 20 anos (2)

21 a 30 anos (1)

31 a 40 anos (1)

41 a 56 anos (2)

112

comum entre as classes populares, ou seja, o da obrigação moral do sustento

da família, por parte do filho homem, na ausência do pai. Lembrando que um

dos adolescentes, o Francisco, 16 anos, 2 anos no trem, ingressou no trabalho

por causa do abandono do pai, que deixou a família, sobrando para ele o ônus

da ajuda no sustento da casa. História semelhante é a do Severino, 16 anos, 2

anos no trem, que desde os 14 anos ajudava o pai que faleceu a pouco tempo.

Seu trabalho junto com os rendimentos da mãe é essencial à subsistência de

sua família.

Um elemento importante para se compreender esse fenômeno é o fato de

que uma possível absorção no mercado formal de trabalho, para um

adolescente nessa idade44, geralmente é quase improvável, visto que as

empresas evitam esse tipo de contratação, por causa da possibilidade de

incorporação do jovem às Forças Armadas, quando da obrigatoriedade do

alistamento militar, aos 18 anos.

A experiência de nosso informante chave da Associação também não

foge a este aspecto. Ele relata que só conseguiu trabalhar com vínculo

empregatício após o serviço militar:

Foi depois que eu saí do quartel. Com carteira assinada, porque

antes não consegui emprego com carteira por causa disso (...) Saí do

quartel e fui trabalhar na indústria gráfica, comecei na oficina, da

oficina para o escritório de importação e exportação. Depois veio a

guerra das Malvinas e quebrou a minha empresa, pois exportava para

Argentina. O México também passou a comprar somente com Peso

Mexicano o que acabou prejudicando (J.G., ambulante, 25 anos no

trem).

44

A legislação brasileira permite a contratação de adolescentes, antes dos 18 anos somente na condição de aprendizes.

113

Como se pode perceber, através do seu relato, é possível identificar os

impactos que as contínuas mudanças estruturais do capital tiveram na sua vida

laborativa. Esses eventos nos mostram o fio de ligação das mudanças

estruturais com a vida pequena que desemboca nesse balanço no trem. A

superpopulação relativa fica, efetivamente, a mercê de pequenas e sofridas

receitas de sobrevivência.

GRÁFICO 3 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Entre os ambulantes não ligados às empresas não encontramos nenhum

que se denominou branco. Pode-se classificar toda amostra como composta

unicamente por afrodescendentes (50% de negros, 50% de pardos).

Apesar da amostra não representar a totalidade da realidade dos

trabalhadores ambulantes, pois há a presença de outros perfis étnicos, este

dado revela uma forte tendência entre os trabalhadores ambulantes nos trens,

especialmente entre os soltos. Associado a este dado uma observação deve

ser levada em conta: a forte concentração de Negros e Pardos autodeclarados

50%50%

Cor/raça

Negra (3)

Parda (3)

114

no estado do Rio de Janeiro: 12,4%, o que corresponde a 2 milhões de

pessoas. Deste modo, correspondendo numericamente como o segundo

estado em que as pessoas se autodeclaram assim45. No entanto, cabe

destacar, que no Brasil, a desigualdade também carrega um forte viés étnico,

que acomete em grande medida estas populações, e, talvez seja isso o que

estamos vendo nos dados sobre os ambulantes soltos do trem.

GRÁFICO 4 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Esta questão foi proposta para a captação de possíveis movimentos

migratórios em razão de trabalho, no entanto somente uma trabalhadora veio

de outro estado em busca de melhores oportunidades de trabalho. A partir

desse dado pudemos verificar que os trabalhadores mais empobrecidos são do

estado mesmo.

45

Dados do IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=rj Acesso

em Março de 3013.

83%

17%

Naturalidade

Rio de Janeiro (5)

Alagoas (1)

115

Talvez em outras décadas, este fenômeno fosse mais presente do que

hoje, quando vemos as desigualdades regionais se reproduzirem em territórios

também economicamente mais dinâmicos.

GRÁFICO 5 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Todos os entrevistados moram em bairros atendidos pelo ramal de Santa

Cruz, o que reitera a pesquisa de Pires (2005, p. 101), que constatou a mesma

tendência: os ambulantes trabalham em situação estratégica para sua

locomoção para casa.

Interessante notar, que em comparação com os ambulantes ligados às

empresas, estes residiam em bairros próximos, mas não eram atravessados

pelas linhas do trem. Aqui nesta amostra, todos os bairros o são: Antares,

Cesarão (2 entrevistados moram neste bairro), Senador Camará, Padre Miguel

e Vila Vintém. Este dado parece revelar o quanto que a proximidade da

residência e do trem pode facilitar o ingresso no trabalho no trem, bem como a

economia em possíveis deslocamentos, por meio de outros meios de

transportes até o acesso ao trem.

100%

Bairro onde reside

Bairros atendidos pelo ramal de Santa Cruz

116

Bloco 2: Condições de vida:

GRÁFICO 6 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Metade dos entrevistados informou que habitam em casa própria, outros

(2) revelaram morar em casas cedidas por parentes (Francisco, que mora com

sua família em casa cedida pela avó e Domingos, que habita casa cedida pela

sogra). Um ambulante disse não ter casa, pois é morador de rua – sem teto-

(Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).

Apesar da informação do grande quantitativo de respostas positivas à

habitação em casa própria, é preciso relativizar esta pretensa positividade, pois

sabe-se que, entre as classes populares, tal ―conquista da casa própria‖ se faz

por meio de uma das expressões da ―espoliação urbana‖, ou seja, através do

fenômeno da ―autoconstrução‖ (KOWARICK, 2000).

Segundo Oliveira (2003 e 2006), a autoconstrução rebaixa os custos da

produção e da força de trabalho, sobretudo ao extrair dos custos da

construção, a mão de obra não paga familiar empregada em momentos

50%

33%

17%

Situação da moradia

Própria (3)

Cedida (2)

Não tem (1)

117

reservados ao descanso e não ao trabalho gratuito. Desta forma ―os gastos

com a habitação são um componente importante para deprimir os salários reais

pagos pelas empresas‖ (OLIVEIRA, 2003, p. 59).

Por outro lado, a pesquisa não conseguiu aferir exatamente a situação

jurídica dessa resposta ―residir em casa própria‖, na medida em que pode ser

uma ocupação irregular, não podendo ser revertida em propriedade privada de

fato, passível de virar capital ou rendimento.

GRÁFICO 7 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Metade dos entrevistados declarou coabitar, em média, (6) pessoas em

sua casa. Famílias numerosas que, muitas vezes, dispõem de espaços

pequenos de moradia, em geral, desprovida de infraestrutura mínima para o

bem estar de todos os seus membros.

Nesta questão também perguntamos a respeito do acesso ao saneamento

básico. Somente dois responderam. Severino (16 anos, 2 anos no trem) disse que

16%

17%

17%

50%

Quantidade de pessoas na habitação

1 (1)

3 (1)

4 (1)

6 (3)

118

sua casa não tem nem água, sendo necessária a ajuda dos vizinhos para o

abastecimento da mesma. Marina (37 anos, 10 anos no trem) afirmou que sua

casa possui esgoto e água. No entanto, no quadro geral, sabemos que a

população do Rio de Janeiro sofre com a precariedade destes serviços básicos

que impactam diretamente a qualidade de vida da população, em especial sobre

as camadas mais populares da periferia.

GRÁFICO 8 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Nesse retrato, vimos se repetir a cena da precariedade social puxada pelo

distanciamento dos ambulantes dos bancos escolares. O grau de escolaridade

diz muito da trajetória de ocupações de cada qual, em geral uma história de

postos de trabalho com baixa qualificação, baixa remuneração e frágeis

relações de trabalho.

Um dado preocupante, entre os mais jovens é a tendência à evasão

escolar, devido a concomitância do trabalho penoso nos trens. Um dos

informantes (Severino, 16 anos, 2 anos no trem) manifestou esse desejo de

83%

17%

Escolaridade

Ensino fundamental incompleto (5) Ensino fundamental completo (1)

119

abandonar os estudos, como que num desalento pela miséria da vida tocada

em qualquer nota.

Na questão 19 perguntamos a respeito das expectativas em relação aos

estudos no passado e se houvesse oportunidade, se daria continuidade; a

seguir apresentamos as respostas:

―Era preguiçosa, não gostava de ir para aula. Tinha que acordar cedo acabei abandonando. Mas se fosse hoje, voltaria atrás. Vou retomar os estudos para ser alguém na vida‖ (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

Ainda estuda. Pretende estudar até concluir o ensino médio (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).

―Penso em desistir‖ (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).

Não continuou os estudos, pois não ―conseguia acompanhar a turma‖, acabou largando, mais se diz arrependido. Segundo ele ―estudar é importante‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).

―Era má aluna, repeti várias vezes, aí desanimei se eu tivesse tempo voltaria a estudar‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).

Entre os ambulantes soltos, ao contrário dos ligados às empresas

(GRÁFICO 5), não se verifica uma intenção clara de perspectiva de retorno aos

estudos, apesar da baixa escolaridade e do reconhecimento da importância da

escolarização.

120

GRÁFICO 9 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Indagados sobre o acesso aos serviços de saúde e de educação, quase

todos informaram que acessam aos serviços públicos; eles próprios e os filhos,

que em geral estão estudando. Também possuem acesso aos serviços de

saúde nas clínicas da família e UPA`s (Unidades de Pronto Atendimento), que

estão bem disseminadas na região da zona oeste da cidade.

Somente um entrevistado disse ter dificuldade de acesso, em especial

aos serviços de saúde. Por ser morador de rua, diz não conseguir se matricular

no posto, por falta de endereço. Só consegue atendimento no ―pronto socorro‖,

mesmo assim é ―mal atendido‖, inclusive relatando uma situação em que quase

morreu por demora no atendimento médico de crise de apendicite.

No entanto, se o acesso a esses serviços públicos de saúde e educação

é quase massificado, a avaliação dos mesmos não é tão positiva:

Todos os irmãos estudam, mas a escola não é boa: ‗falta professor, merenda e tudo‘. (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem)

83%

17%

Acesso aos serviços de saúde e educação dos membros da família

Sim (5)

Não (1)

121

É atendido na Clínica da Família, mas diz que um dos filhos está na

fila há mais de um ano para uma cirurgia ortopédica (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

De modo que as condições precárias de trabalho se somam à aventura

de reprodução social por meio dos serviços públicos básicos de infra-estrutura

urbana, saúde e educação. O que faz as suas vidas retratos mal tirados de

sobrevivência.

Bloco 3: Trajetória de trabalho

GRÁFICO 10 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Aqui seguimos a mesma linha interpretativa feita a partir dos dados dos

trabalhadores ambulantes ligados às empresas (GRÁFICO 7). Segue abaixo a

súmula das respostas:

Veio para o Rio em busca de oportunidade de trabalho tinha

esperança de conseguir emprego em ―casa de família‖, mas não tinha

referências e experiências, por usar o trem e morar próximo da

estação ―uniu o útil ao agradável‖ (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

―Meu pai foi embora deixando eu e meus irmãos, tive que ajudar

minha mãe, a gente estava numa situação difícil‖. (Francisco, 16

anos, 2 anos no trem).

Trabalha desde os 14 anos, ajudava o pai que faleceu recentemente.

Seu trabalho junto com os rendimentos da mãe é que sustentam a

família (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).

17%

83%

Motivos da inserção no trabalho no trem

Desemprego (1)

Necessidade de sobrevivência (5)

122

Estava com dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, por

causa da baixa escolaridade (por isso voltou a estudar). Para ―poder

sobreviver‖ teve que ―se virar‖ como pode para sustentar sua família

(Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

Por necessidade. Perdeu a casa em um incêndio e não tinha mais

família e ninguém com quem podia contar. Precisava ―ganhar o pão

de cada dia‖ para continuar vivendo (Emanuel, 43 anos, 11 anos no

trem).

Perdeu a mãe, e logo depois, foi deixada pelo marido e ficou sem

suporte financeiro, teve que ―ir à luta‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no

trem).

GRÁFICO 11 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Quatro dos seis entrevistados afirmaram que o trem não foi à primeira

experiência de trabalho. Entre os dois que declararam ser o trem a primeira

atividade, estão os dois jovens ambulantes (Francisco, 16 anos, 2 anos no

trem) e (Severino, 16 anos, 2 anos no trem). Entretanto, uma das informantes

que, apesar de não ser o trabalho no trem sua primeira experiência, teve

vivência anterior de trabalho informal em Alagoas, seu estado de origem, onde

vendia bronzeadores na praia (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

33%

67%

O trem como primeira experiência de trabalho

Sim (2)

Não (4)

123

TABELA I – Últimas 5 ocupações exercidas antes do trabalho no trem

Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada

Sim Não

2008\2009 Vendedora de praia Mais ou menos um ano e meio xxx

(Maria, 21 anos, 2 anos no trem)

Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada

Sim Não

Não possui experiência anterior de trabalho

(Francisco, 16 anos, 2 anos no trem)

Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada

Sim Não

Não possui experiência anterior de trabalho

(Severino, 16 anos, 2 anos no trem)

Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada

Sim Não

1967 Ajudante de pedreiro 7 anos xxxx

1974 Ajudante de pintor 7anos xxxx

1981 verdureiro 6anos xxxx

1987 porteiro 10anos xxxx

1997 faxineiro 15 anos xxxx

(Domingos, 56 anos, 1 ano no trem)

Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada

Sim Não

1983 Ajudante de sapateiro + ou – 5 anos xxxx

1988 Ajudante de pintor 3 anos xxxx

1991 pintor 10 anos xxxx

(Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem)

Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada

Sim Não

1994 Vendedora de bijuterias 2 anos xxxx

(Marina, 37 anos, 10 anos no trem)

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

O quadro acima aponta a trajetória de trabalho exercida pelos (6)

informantes desta pesquisa. É perceptível que a passagem pelo trabalho

informal é uma constante em todas as experiências vividas, mesmo entre os

dois únicos trabalhadores que tiveram trânsito no mercado formal de trabalho,

inclusive tendo relação de assalariamento.

Também neste bloco perguntamos aos ambulantes se possuíam outra

ocupação concomitante ao trabalho no trem (questão 7). Todos foram

unânimes em afirmarem que não. Este dado difere bastante da resposta dada

pelos ambulantes ligados às empresas no GRÁFICO 11; metade dos

entrevistados afirmou acumular mais de um trabalho, dividindo o trabalho no

124

trem com outras atividades laborativas. Há de se considerar neste sentido, a

leve desvantagem destes ambulantes, no que diz respeito aos ganhos

financeiros, conforme veremos na análise do GRÁFICO 13 B.

Outra pergunta relacionada foi a questão 8, na qual indagamos sobre os

motivos da perda do último trabalho e se gostavam desta última ocupação

exercida. Abaixo relacionamos as respostas dos que possuíram experiências

anteriores:

Deixou porque ―não dava lucro‖, veio para o Rio com a intenção de

ter um emprego mais estável, ter segurança financeira. Disse que

gostava porque era na praia, mas só por isso, o trabalho em si não

era bom. (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

A empresa faliu (empresa de serviços terceirizado de limpeza).

Gostava da ocupação principalmente pela ‗segurança de um salário

certo no final do mês‘ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

Por problema de saúde. Ficou algum tempo no seguro saúde, mais

foi demitido por não poder mais mexer com tinta. Gostava de

trabalhar pois lhe garantia uma melhor condição de vida (Emanuel, 43

anos, 11 anos no trem).

Parou de vender bijuterias por exigência do marido quando se casou.

Disse que gostava, mas que naquela época era mais uma distração

do que uma necessidade, enquanto foi casada não teve necessidade

de trabalhar. (Marina, 37 anos, 10 anos no trem)

Também perguntamos se tivessem uma nova oportunidade neste último

trabalho, se voltariam. Abaixo apresentamos as respostas dos que possuíram

experiências anteriores:

―Não, penso coisas maiores para mim‖. (Maria, 21 anos, 2 anos no trem)

―Com certeza! Qualquer coisa é melhor do que esta insegurança (financeira) que vivo, pois por isso estou estudando, pois agora as empresas pedem mais estudos‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

―De certa forma voltei, mas não com o mesmo produto, pois não posso correr o risco de ‗perder‘ um produto de valor no trem né?‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).

125

Há, portanto, um misto de desejo de retorno ao antigo trabalho, com a

frustração por não ter ainda encontrado o seu ―lugar ao sol‖.

Bloco 4: Percepções sobre o trabalho no trem

GRÁFICO 12 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Metade dos entrevistados, disse desenvolver suas atividades somente no

ramal de Santa Cruz, a outra parte disse exercer predominantemente no ramal

de Santa Cruz, mas que, eventualmente, costuma ir vender nos trens do ramal

de Japeri.

Percebe-se com isso um grau de mobilidade que parece ser algo novo,

visto que segundo as informações obtidas na entrevista exploratória com o

presidente da ASTRATERJ, havia no passado uma restrição da atividade de

ambulantes em outros ramais que não os de atuação habitual.

50%50%

Ramal de atuação

Santa Cruz (3)

Santa Cruz e Japeri (3)

126

GRÁFICO 13 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Os ganhos com o trabalho ambulante destes informantes são

relativamente maiores quando comparados aos dos ambulantes ligados às

empresas (GRÁFICO 14).

Dois ambulantes, em resposta a questão 28 manifestam bem o peso que

a questão econômica tem sobre a determinação de permanência neste tipo de

atividade, inclusive quando comparadas a ―maior tranqüilidade‖ do exercício do

trabalho ambulante dos ligados às empresas:

―Se eu pudesse seria como eles, você sabe, pra eles não tem

perseguição, mas o lance de dar comissão não é vantajoso...‖

(Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).

―Eles tem a vida mais tranquila que a nossa, pois não são

incomodados pelos guardas, mas no trem lucro muito pequeno com

as vendas, não trocaria meu trabalho pelo deles nunca‖ (Marina, 37

anos, 10 anos no trem).

33%

33%

17%

17%

Rendimento mensal

R$ 200 a R$ 300 (2)

R$ 400 a R$ 700 (2)

R$ 800 a R$ 1.100 (1)

mais de R$ 1.200

127

GRÁFICO 14 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Assim como os ambulantes ligados às empresas (GRÁFICO 18), há aqui

uma grande variedade de tempo dispendido no trabalho ambulante no trem. Os

motivos também são bem diversos, conforme se pode verificar nas respostas

apresentadas no próximo gráfico, que é um desdobramento deste.

GRÁFICO 15 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Diz evitar os horários ‗mais cheios do trem‘, pois não dá para circular,

por isso começa a partir das 9h e segue até umas 17h ou 18h (Maria,

21 anos, 2 anos no trem).

―Trabalho à tarde, estudo de manhã‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos no

trem).

50%

33%

17%

Horas de trabalho no trem

4 a 5 horas (3)

6 a 8 horas (2)

mais de 9 horas (1)

16%

17%

67%

Dias de trabalho no trem

5 dias por semana (1)

6 dias por semana (1)

todos os dias da semana (4)

128

―À tarde, pois estudava pela manhã‖ (Severino, 16 anos, 2 anos no

trem).

Manhã e tarde. Mantêm sempre o mesmo horário por causa dos

estudos à noite (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

―Trabalho entre 9 e 16 horas no meio da semana, 13 e 18 horas no

fim-de-semana. No meio da semana é o melhor horário para circular

no trem sem ―perturbação‖. No fim-de-semana é o que dá mais lucro‖

(Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).

―Não tem muito horário é a hora que dá para circular no trem com

tranquilidade, sem incomodar as pessoas‖. (Marina, 37 anos, 10 anos

no trem).

É significativo o percentual dos trabalhadores que trabalham todos os dias

da semana, sem nem mesmo tirarem um dia de folga. Dado bem sintomático

da característica do trabalho ambulante, cujos ganhos só se dão única e

exclusivamente pelo trabalho direto, ausente qualquer tipo de remuneração

indireta ou benefícios adicionais, característicos de um trabalho regulado e

protegido publicamente.

GRÁFICO 16 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

17%

33%

17%

33%

Pessoas que dependem da renda

1 (1)

3 (2)

5 (1)

6 (2)

129

É bem diverso o número de dependentes financeiros destes ambulantes

variando de 3 a 6 membros familiares. Somente um disse ser a realização do

trabalho à própria subsistência. Aliada a essa questão está a de número 15, no

qual foi perguntado se alguma outra pessoa possuía renda na família:

O tio e a prima (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

A mãe, eles fazem empadinhas, ela vende em casa para a vizinhança

e ele no trem (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).

A mãe (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).

Dois filhos trabalham. A esposa é aposentada (Domingos, 56 anos, 1

ano no trem).

[não possui família] (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).

Não, ela é a única com renda. (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).

A complementação de renda dos demais membros da família garante um

melhor grau de ―alívio financeiro‖ ao núcleo familiar da maior parte dos

entrevistados.

GRÁFICO 17 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

67%

33%

Transferência de renda

Sim (4)

Não (2)

130

A maior parte dos entrevistados está coberta por algum tipo de política de

transferência de renda PBF (Programa Bolsa Família), BPC (Benefício de

Prestação Continuada) e o Bolsa Carioca46, evidenciando que este grupo

pertence aos quadros mais pauperizados da população, alvos das políticas

públicas de assistência, que servem para complementar os em geral,

insuficientes rendimentos advindos do trabalho informalizado.

GRÁFICO 18 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Assim como os trabalhadores ambulantes ligados às empresas

(GRÁFICO 17), há também aqui, entre os trabalhadores ambulantes soltos a

46

O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País. Garantindo um complemento financeiro para as famílias com renda per capita inferior a R$ 70 mensais. Já o BPC é um benefício da Política de Assistência Social, que integra a Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS não necessitando o usuário ter contribuído com a Previdência Social. Ele assegura a transferência mensal de 1 (um) salário mínimo ao idoso, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. Em ambos os casos, devem comprovar não possuir meios de garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família. A renda mensal familiar per capita deve ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente. Fonte: http://www.mds.gov.br Acesso em março de 2013.

50%

33%

17%

Trabalho no trem como transitório

Sim (3)

Não (2)

não sabe (1)

131

tendência a pensar o trabalho no trem como algo temporário em suas vidas.

Como se fosse uma ―oportunidade momentânea‖ enquanto não encontram algo

melhor para trabalhar.

O presidente da Associação também mencionou essa expectativa

temporária, que parece ser na verdade, o anseio de todo ambulante recém-

chegado no trem. Situação que sempre marcou o mercado de trabalho

brasileiro: a informalidade como um amortecedor para os períodos de maior

crise que o trabalhador espera ser alavancado com outra ocupação mais

segura.

Ao contrário desse ilusório tempo curto, Druck e Oliveira (2007) ao

analisarem o trabalho informal nos espaços urbanos, na atualidade, irão

identificar esta condição ―provisória permanente‖ dos trabalhadores informais:

A marca do trabalho informal nos dias atuais de ―modernidade‖ neoliberal é que seu caráter transitório se tornou permanente, o que antes era visto como um caso atípico do mercado trabalho urbano, agora passa a ser uma regra do mercado flexível, se transformando numa forma de inserção, que engloba a maioria da ―classe-que-do-vive-do-trabalho‖ (2007, p.2).

Abaixo seguem as respostas empreendidas pelos trabalhadores:

―É muito difícil, mas eu quero mais, pois isso não é vida não. Mas,

como não tenho estudo é o que sobrou para mim, por isso pretendo

estudar mais para poder sair daqui‖. (Maria, 21 anos, 2 anos no trem)

Acha até divertido, diz possuir muitos amigos no trem, mais não sabe

dizer se é uma coisa permanente em sua vida. (Francisco, 16 anos, 2

anos no trem)

―É uma aventura, o pessoal é legal e gosto da atividade. Não penso

em outro trabalho, esse tá maneiro pra mim, já que não quero

estudar.‖ (Severino, 16 anos, 2 anos no trem)

―É um trabalho duro, mais digno, pelo menos não estamos por ai

roubando, né? Sempre transitório, quero terminar os estudos para ter

algo melhor‖. (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem)

―Não foi uma escolha, mas uma imposição da vida era isso ou

morrer‖! (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem)

132

―É algo difícil mais com o tempo me acostumei, sabe como é a

necessidade se torna a nossa vontade‖. [Diz não ter outras

perspectivas futuras] (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).

Também perguntamos a respeito das expectativas que estes

trabalhadores têm em relação ao futuro trabalho dos filhos. Como somente dois

entrevistados possuíam filhos, seguem as respostas dos mesmos:

―Que estudem mais para serem alguém na vida‖ (Domingos, 56 anos,

1 ano no trem).

―Espero que elas sejam muito melhores do que eu, que não

dependam de homem, que sejam lutadoras e independentes‖

(Marina, 37 anos, 10 anos no trem).

De certa forma, esperam que os filhos vinguem o que a vida lhes deixou

se estruturando com mais autonomia. Para um, isso seria possível pela

escolarização, para outra pela independência afetiva e financeira de afetos

masculinos.

Conforme já era de se esperar, as suas expectativas são sempre de

superação das próprias limitações que eles mesmos experimentam em sua

vida, desta forma o trabalho de seus filhos, será uma consequência da

superação das histórias vividas por eles próprios, esperando que elas não se

repitam.

133

GRÁFICO 19 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Quase todos os ambulantes, com exceção de um, disseram receber ajuda

de terceiros na realização de seu trabalho, quer na colaboração na compra de

mercadoria, quer na preparação, confecção dos mesmos. Todos foram

unânimes ao afirmarem que este auxílio se dá por mão-de-obra não paga:

―Minha tia e minhas primas ajudam a embalar os produtos (amendoim

e balas) e também compram as mercadorias para mim‖. [Não

recebem por isso] (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

―Sim todos em casa participam, só não vem para a rua porque são

novos e minha mãe não deixa‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).

[Não recebe ajuda] (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).

―Sim, toda família ajuda como pode, um filho compra os produtos,

outro organiza as finanças, todo mundo se ajuda‖ (Domingos, 56

anos, 1 ano no trem).

Às vezes, tem que pedir dinheiro para outros ambulantes ou

passageiros para comprar as mercadorias (Emanuel, 43 anos, 11

anos no trem).

Sim. A filha mais velha ajuda na ―reprodução‖ das cópias do DVD em

casa. Não recebe remuneração por isso ―a comida na mesa já é o

bastante!‖. (Marina, 37 anos, 10 anos no trem)

83%

17%

Auxílio de terceiros na realização do trabalho

Sim (5)

Não (1)

134

GRÁFICO 20 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Cabe destacar que nesta questão, cada ambulante citou várias

vantagens, por isso o número maior de variantes qualitativas. Metade elegeu

as ideias que giram em torno da liberdade de trabalho, a flexibilidade e a

autonomia como as maiores vantagens do trabalho ambulante no trem:

trabalhar no horário em que se deseja e ―não ter um patrão‖ ideias que

seduzem um número considerável de trabalhadores, e elas parecem ser

representativas da preferência destes ambulantes na confirmação de seu

trabalho. Muito embora o desejo de maior segurança por meio de relações de

trabalho reguladas na forma emprego seja um desejo manifesto. De toda

forma, o que nos fica na pesquisa é o movimento titubeante dos trabalhadores

entre a penosidade da informalidade e as normativas autoritárias do emprego.

Uma seara de quase-não-escolha.

A oportunidade de conhecer pessoas (dois depoimentos), bem como o

espírito coletivo e a ajuda mútua entre os ambulantes aparecem logo em

50%

25%

12%

13%

Vantagens do trabalho no trem

Liberdade de trabalho/ flexibilidade/ autonomia (4)

Oportunidade de conhecer pessoas (2)

Espírito coletivo de trabalho/ ajuda mútua (1)

Nenhuma (1)

135

seguida, como motivadores para o trabalho ambulante. Um dos informantes

disse não haver vantagem alguma, pois segundo ele o trabalho no trem ―é um

sofrimento. Vida louca!‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem). Como se

quisesse dizer que é um não-lugar para o trabalho digno.

GRÁFICO 21 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Em contraposição ao gráfico anterior, também perguntamos a respeito

das desvantagens do trabalho ambulante no trem. A maior parte das citações

dizem respeito ao temor em perder as mercadorias. Mais uma vez o elemento

resultante da repressão versus ilegalidade parece exercer grande impacto

sobre o exercício da atividade desses ambulantes, confirmando os

depoimentos do presidente da Associação, nosso informante-chave, bem com

dos ferroviários, que enfatizaram aspectos da repressão da atividade

ambulante destes trabalhadores no trem.

Na questão seguinte (23), perguntamos sobre quais seriam os dois

fatores (as vantagens e as desvantagens) mais determinantes para

permanência ou não nos trens. Abaixo seguem as respostas conferidas:

9%

9%

9%

9%

27%

37%

Desvantagens do trabalho no tremInsegurança/ irregularidade no que diz respeito à vida financeira (1)

Concorrência/ competitividade (1)

Desgaste físico (1)

Falta de civilidade dos clientes (1)

136

―As vantagens, pois é preciso ganhar um dinheirinho mesmo que

seja pouco‖ (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

[não soube responder] (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).

―As vantagens, pois agente tem que ganhar a vida‖ (Severino, 16

anos, 2 anos no trem).

―Por enquanto as vantagens, mais as desvantagens tem pesado na

balança‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

Mesmo com as desvantagens tem que ―suportar‖ o trabalho, por

necessidade (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).

―As vantagens, é claro. Das desvantagens damos um jeito e fazemos

vista grossa‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).

Com isso, entre pós e contras, as vantagens se sobrepõem às

dificuldades encontradas no exercício do trabalho, inclusive a repressão por

parte da SuperVia.

GRÁFICO 22 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

Quase a totalidade dos ambulantes não ligados às empresas declarou

não contribuir com a Previdência Social. A ausência de regulação do trabalho

irá algum dia impactar, de algum modo, os gastos públicos com a assistência

desta população, que não podendo gozar dos benefícios estendidos aos

Contribuição à Previdência

Sim (1)

Não (5)

137

demais trabalhadores do ―mercado formal‖ (exceto os que contribuem

individualmente, como autônomos), dependerão do amparo legal destinado à

assistência dos despossuídos de possibilidades de auto-sustento, tanto na

velhice, quanto na eventual invalidez física ou psíquica, incapacitante ao

trabalho.

Yazbek classifica esses sujeitos, alvo da assistência, como uma fração da

população

Marcadas por um conjunto de carências, muitas vezes desqualificados pelas condições em que vivem e trabalham, enfrentando cotidianamente o confisco de seus direitos mais elementares, buscam na prestação de serviços sociais públicos, alternativas para sobreviver (YAZBEK, 2009, p.95).

GRÁFICO 23 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

A legalização do trabalho ambulante no trem aparece como a principal

demanda dos informantes acerca da melhoria de seu trabalho (67%). Um dos

entrevistados respondeu, seguindo a mesma linha dos demais, no entanto

enfatizando a necessidade da mediação do poder público nesta questão.

67%

16%

17%

O que poderia melhorar no trabalho no trem?

Legalização da atividade (4)

Intervensão do poder público (1)

Nada (1)

138

Curiosamente, houve quem respondesse que nenhuma melhoria

necessitaria ser feita. Talvez o desalento ou a resignação perante a precária e

sofrida vida alimente a sensibilidade a respeito do balanço do trabalho no trem.

GRÁFICO 24 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

A maior parte dos ambulantes disse conhecer os movimentos

reivindicatórios promovidos pela ASTRATERJ, com exceção de dois deles, os

informantes mais jovens. Possivelmente este já seja um sintoma do

―esfriamento político‖ que passa essa categoria no presente, fazendo com que

―as novas gerações‖ de ambulantes já não conheçam a trajetória político-

organizativa do segmento ao qual pertencem.

Na questão 31 perguntamos sobre a opinião que eles tinham a respeito

da organização política dos ambulantes. Os depoimentos evidenciam mais uma

espécie de cooperação desorganizada, do que de fato uma ideia político-

organizativa, de fato:

38%

62%

Conhecimento sobre organização política dos ambulantes

Sim (2)

Não (4)

139

―Acho que a gente se socorre como pode, mas não tem muita

organização, acho que isso seria muito bom, se acontecesse‖ (Maria,

21 anos, 2 anos no trem).

―Pelo que vejo todos se ajudam como pode, se tem um com

dificuldades, quem pode contribuir para comprar as mercadorias,

interar no dinheiro... sempre fazem. Aqui é assim, uma família‖

(Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).

―Acho que aqui para sobreviver tem que ser esperto, para vender as

coisas certas para não ser pego, para ser criativo nas vendas‖

(Severino, 16 anos, 2 anos no trem).

―É fraca, as pessoas estão mais ocupadas em defender seus

interesses particulares‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

―Alguns colaboram, outros são mais na dele, não se misturam muito...

mas, sempre que há necessidade o pessoal socorre‖ (Emanuel, 43

anos, 11 anos no trem).

―Não tem organização, cada um se vira como pode, na verdade quem

ajuda agente são os passageiros, que quando agente perde tudo nos

ajudam com dinheiro para repor o prejuízo‖ (Marina, 37 anos, 10 anos

no trem).

GRÁFICO 25 B

Pesquisa: ―No balanço do trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro‖.

No entanto, contraditoriamente, com o declínio do movimento político

representado pela entidade ASTRATERJ, os dados parecem evidenciar que os

princípios que regulam internamente a atividade nos trens, parecem subsistir:

67%

33%

Conhecimento das "normas de conduta"

Sim (4) Não (2)

140

[Não conhece] (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

―Sim, o pessoal que está há mais tempo fica enchendo com isso ‗olha

a qualidade dessa empadinha aí‘ (risos)‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos

no trem).

[Não conhece] (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).

Sim. Tinha acesso ao jornalzinho da Associação, bem como era

divulgado entre os ambulantes antigamente. Diz procurar seguir, pois

acha que é importante. Citou a norma relativa a qualidade dos

produtos e a limpeza nos trens (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

―Sim. O pessoal mais antigo sempre diz para os mais novos sobre o

modo de trabalhar, da limpeza dos trens, de não vender produtos

estragados, essas coisas‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).

―Sim, quem é das antigas conhece sim, os mais velhos vão passando

pros novatos. A que mais me lembro é a do respeitos aos

passageiros , que são nossos patrões , por isso o cuidado com a

validade e a qualidade dos produtos‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no

trem).

Também nesta entrevista perguntamos sobre o relacionamento

empreendido entre os próprios ambulantes (questão 27). As respostas dadas

revelam um pouco desta convivência evidenciando desde relacionamentos

dentro e fora do ambiente de trabalho no trem, bem como de conflitos comuns

no convívio cotidiano:

―O pessoal se dá bem, tem briga sim, pois cada um tem que ganhar

seu pão, mas quando acontece vem sempre alguém para trazer a

paz. Ainda hoje aconteceu uma situação desse tipo, um companheiro

estava vendendo DVD não respeitou o espaço do outro que também

estava com o mesmo produto, mas tinha chegado antes, a foi aquela

discussão sorte que tinha um outro companheiro mais velho que

chamou atenção dos dois, aí foi um para o seu lado‖ (Maria, 21 anos,

2 anos no trem).

―É boa, o pessoal é bem legal, muitos são vizinhos, então agente se

vê sempre, saímos juntos e tal. É claro que às vezes tem ‗zueira‘ mas

todo mundo se entende, no final‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos no

trem).

―O pessoal é legal, todos irmãos. Temos convivências fora sim,

saímos para a noitadas, festas,aniversários. Conflitos acontecem mas

o pessoal se entende, principalmente por causa das concorrências‖

(Severino, 16 anos, 2 anos no trem).

141

―É boa quase todos são amigos, fora daqui não tenho muito convívio

por causa do tempo corrido‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

―A relação é boa. Todos se ajudam, mas, não tem relações fora do

espaço do trem. Conflitos existem como em todos os ambientes de

trabalho, mais os companheiros vem sempre para conciliar. Lembro

de uma vez, que um rapaz veio me questionar a respeito de uma

mercadoria que segundo ele eu devia (empréstimo). Falei que já tinha

devolvido, mas ele foi ficando violento, ai veio um companheiro que

acalmou os ânimo do rapaz. Você sabe como é, todos somos

trabalhadores temos que viver na paz‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos

no trem).

―É boa, em geral o pessoas tem sim convivência também fora, eu que

não participo muito por causa do tempo, tenho que me dividir aqui e

em casa também (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).

Também questionamos sobre a relação destes com os demais

ambulantes, ligados às empresas (questão 28). Em geral, as respostas giraram

em torno de uma relação amistosa, com exceção de uma resposta, que revelou

indiferença. Mas o mais curioso foi à ênfase da afirmação da própria condição,

mesmo sabendo exercer uma atividade ilegal no espaço do trem, entre pós e

contra, não ―trocariam de lugar‖ com os ―legais‖.

―Todos são trabalhadores e tem seu espaço, só que eles têm a segurança deles, coisas que nós não temos‖ (Maria, 21 anos, 2 anos no trem).

―Eles ficam na deles, e nós aqui, não vejo muito ligação não‖ (Francisco, 16 anos, 2 anos no trem).

São como nós, todos trabalhadores estamos todos na mesma situação, agente tem que se ajudar (Severino, 16 anos, 2 anos no trem).

―Quem olha eles pensa que são melhores que nós, mas no fundo são uns coitados, mais explorados que nós. A única vantagem que eles tem é não ser incomodados‖ (Domingos, 56 anos, 1 ano no trem).

―Se eu pudesse queria seria como eles, você sabe pra eles não tem perseguição, mas o lance de dar comissão não é vantajoso...‖ (Emanuel, 43 anos, 11 anos no trem).

―Eles tem a vida mais tranquila que a nossa, pois não são incomodados pelos guardas, mas no trem lucro muito pequeno com as vendas, não trocaria meu trabalho pelo deles nunca‖ (Marina, 37 anos, 10 anos no trem).

Deste modo, mesmo com suas particularidades e diferenças, tanto

trabalhadores ambulantes soltos quanto trabalhadores ambulantes ligados às

142

empresas, são parte de um único universo de trabalho precário e subalterno,

no qual são submetidas às classes populares urbanas.

***

Neste capítulo nos propomos a traçar a trajetória do trabalho ambulante

nos trens do ramal de Santa Cruz. Inicialmente apresentamos as linhas gerais

que nortearam o trabalho de campo, os limites encontrados na pesquisa e as

estratégias empreendidas para superá-los. Depois fizemos um breve relato do

drama e da trama da experiência do trabalho informal vivenciada por cada

ambulante entrevistado nesta pesquisa. Por fim, apresentamos o perfil de cada

um dos tipos de trabalho ambulante exercidos no interior dos trens

fluminenses: a realidade dos ambulantes ligados às empresas e dos

ambulantes soltos.

143

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa apresentada neste trabalho proporcionou uma proveitosa

aproximação da realidade empírica no campo científico, contribuindo para o

nosso enriquecimento em relação à temática do trabalho informal nos trens do

ramal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Para tanto, buscou-se compreender

quem eram os ambulantes dos trens, sua trajetória laborativa, a inserção no

trabalho no trem e o perfil que os caracterizam. Deste modo, procuramos fazer

a distinção entre os dois tipos de ambulantes que exercem sua atividade

laborativa no interior dos trens. Um grupo em pleno gozo de uma aparente

liberdade de trabalho – em razão da associação grande capital e companhia

ferroviária -, e outro, vivendo as vicissitudes do mesmo exercício, ao desafiar

sua permanência nos trens, mesmo sem autorização para fazê-lo.

Tomando como ponto de partida o estudo sobre a informalidade do trabalho no

âmbito de uma sociedade capitalista que por natureza é desigual e excludente,

examinamos as diferentes matrizes interpretativas que versam sobre o tema.

Relegando os paradigmas da Teoria da Marginalidade, assumimos o

posicionamento da economia crítica, que ao contrário da interpretação dualista entre

os pares formal/informal, concebe o fenômeno da informalidade como um elemento

constitutivo e altamente funcional à manutenção do sistema capitalista, sendo-lhe

ao, mesmo tempo, essencial e intrínseco. Mesmo entendida como ―relação

tipicamente não capitalista de trabalho‖, a informalidade do trabalho colabora para o

aumento dos níveis de exploração e acumulação, na medida em que reduz o custo

da reprodução da força de trabalho produtiva, e, consequentemente, para o

crescimento da proporção de trabalho não pago. Cabe ressaltar igualmente que os

144

sujeitos desta pesquisa são fundamentais no processo de circulação da mercadoria,

pois comercializam produtos, em sua maior parte, industrializados, contribuindo

sobremaneira para o processo de acumulação do capital.

Aliados a essa digressão teórica, somam-se as recentes mudanças no

mundo do trabalho que impactaram no aumento do contingente de

desempregados e causaram a ampliação do trabalho informal.

A informalidade é entendida nesta monografia como trabalho precário,

sem proteção social já que realizada sem amparo público do Estado, mas que

são muitas vezes absorvidas pelas grandes empresas capitalistas. Como

pudemos mostrar através da situação atípica dos ambulantes ligados às

empresas, mas sem custos trabalhistas e sociais.

Diante da segregação do mercado de trabalho, a saída válida, muitas

vezes, é a ocupação de espaços públicos, como os trens gerando, com isso,

um cotidiano conflituoso marcado pela disputa de poder e sacrifícios.

A pesquisa descreveu a dura realidade ao qual são submetidos esses

trabalhadores, no cotidiano de seu trabalho, que muitas vezes são alvos da

dura repressão da concessionária de serviços ferroviários. No entanto, a

necessidade de sobrevivência empurra esses trabalhadores a permanecerem

lá, no fio da navalha da luta cotidiana pelo ―ganha pão‖.

Vimos que este trabalho é realizado dentro de um espaço de muitas e

históricas perversidades urbanas a que estão submetidas às classes populares

usuárias dos trens urbanos. Passageiros e trabalhadores se misturam numa

cena social de precariedade social acentuada. Neste sentido, verificamos que

145

existe uma relação de mútua cooperação entre passageiros, potenciais

consumidores de seus produtos, e trabalhadores ambulantes, que necessitam

destes para sobreviverem, tal como disse um dos informantes desta pesquisa

―os passageiros são a razão de nossa existência no trem‖ (J.G.).

Os resultados da pesquisa mostram que o ambiente conflituoso,

especialmente entre ambulantes soltos e agentes de segurança da SuperVia,

foi o estopim para o surgimento de um movimento político-organizativo, que

articulou por algum tempo grande parte dos ambulantes dos trens. Ao mesmo

tempo, tomamos conhecimento que a diminuição desta repressão foi a causa

do esvaziamento do movimento. Este dado nos chamou muito atenção, pois

demonstrou o quanto que uma categoria desprotegida, mesmo em meio às

suas debilidades estruturais, conseguiu, minimamente, construir uma

resistência coletiva, a despeito de sua pretensa ilegalidade enquanto um

trabalho legalmente reconhecido no quadro das ocupações nacionais. Ao

mesmo tempo percebemos que a insegurança com o rapa - e as atrocidades

cometidas pela ausência de regulação - é que mobiliza, cria a liga entre os

trabalhadores em favor de uma ação pública organizada.

Outra questão relevante evidenciada na pesquisa é a situação de

precariedade vivida pelos trabalhadores ambulantes ligados às empresas. Pois,

apesar de sua aparente vantagem sobre os ambulantes soltos - no que tange a

sua ―legalidade‖ -, os seus ganhos, são consideravelmente menores do que os

demais, de modo que mesmo em constantes sobressaltos no exercício de seu

trabalho, ―os soltos‖ dizem não querer ―trocar de lado‖. No entanto, mesmo

mantendo as peculiaridades que são próprias tanto aos trabalhadores

146

ambulantes soltos, quanto trabalhadores ambulantes ligados às empresas, eles

são parte de um único universo de trabalho precário e subalterno, relegado às

classes populares das grandes cidades.

Deste modo, a nossa hipótese geral, diante dos dados obtidos, parece se

confirmar, pois os trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz no

Rio de Janeiro, não obstante as dificuldades próprias do exercício de seu trabalho,

de modo geral, mantêm esta atividade como sua ocupação principal, por causa das

facilidades com que esses sujeitos, através dela, encontram para adquirir uma

renda, tendo como principal motivação a própria subsistência e de sua família. O

perfil levantado a respeito destes trabalhadores - a baixa escolaridade, a falta de

qualificação e a faixa etária – confirmaram a nossa hipótese. A aparente liberdade e

autonomia, típicas deste tipo de trabalho, foram consideradas determinantes nos

depoimentos para a retenção e permanência destes trabalhadores nesse tipo de

atividade, pois são vistos por eles como vantagens, a despeito da ausência de

direitos e garantias trabalhistas. Aliás, condicionalidades sociais nem sempre

valorizadas pelos mesmos. O ambiente de viração e o tempo reduzido do aqui e

agora parecem ser a régua e compasso do horizonte de vida desses trabalhadores

precarizados dos trens.

147

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154

ANEXOS

155

ANEXO 1- Roteiro de observação de campo:

I- Questões ambientais:

Quais as condições (estruturais) dos trens?

Há variação da qualidade dos mesmos em função do horário?

Verificam-se as questões colocadas como queixas que, em tese, são os obstáculos para a legalização do comércio ambulante no trem? (a questão da limpeza e do barulho) – Cf. PIRES, 2005 e SILVA, 2009-

Persistem as práticas de apreensão dos materiais de venda dos ambulantes por parte dos agentes de segurança da Super Via, ou mesmo da polícia?

II- Sociabilidade no trem:

Como se estabelecem as relações entre passageiros e ambulantes? Ela acontece apenas no nível da compra e venda de produtos, ou se estabelecem relações de empatia e solidariedade?

Como se dá a relação entre os próprios ambulantes? Ela se dá no nível concorrencial (divisão espacial de atuação) ou é possível identificar parcerias entre eles?

Como os passageiros reagem e percebem as crianças em situação de trabalho infantil? (tanto na condição de trabalho, como de pedinte)

Como os passageiros interagem, ou reagem diante das manifestações religiosas no trem?

III- Dinâmicas do trabalho ambulante no trem:

Quais as estratégias estabelecidas pelos ambulantes para empreender suas vendas? (o grito, o preço entre outros)

Ainda se verificam a ―camuflação‖ de mercadoria no ingresso dos vendedores nas estações e composições de trem? (Cf. SILVA, 2009)

Há diferenciação de produtos vendidos conforme o horário?

Há diferenciação entre produtos vendidos por mulheres e crianças/adolescentes?

Há diferenciação do perfil etário em diferentes horários?

Existe hierarquização entre os ambulantes no que diz respeito a maior tempo de atuação? (―antiguidade é posto‖ cf. PIRES, 2005)

156

ANEXO 2 – Roteiro de entrevista exploratória

Identificação

NOME: ____________________________________ IDADE:____

PROFISSÃO/OCUPAÇÃO:__________________________________

Trajetória pessoal

1) Como se deu sua inserção no comércio ambulante nos trens da Central? 2) Foi sua primeira experiência de trabalho? 3) Ainda trabalha como ambulante nos trens? Em que ramal? 4) Possui outro trabalho, no momento? Em caso negativo, já possuiu algum

dia, concomitantemente ao trabalho nos trens?

Trajetória político-organizativa

5) Como surgiu a criação de um sindicato para os trabalhadores informais dos trens? Qual foi sua motivação? Tratou-se de uma iniciativa individual ou coletiva?

6) Como foi a experiência do SINDATREM, durante sua existência? Como se deu a transformação em uma associação (ASTRATERJ)?

7) Em que medida a ASTRATERJ dá continuidade as lutas empreendidas pelos trabalhadores?

Realidade e desafios dos trabalhadores ambulantes da Central

8) Em relação a situação descrita por Lenin Pires, em sua tese (início da década de 2000, como está, atualmente, a realidade dos trabalhadores nos trens da Central? O que mudou de lá para cá?

9) Como está a relação com a concessionária Super Via? Ainda há apreensões de mercadoria por parte de seus agentes de segurança? Há diálogo da ASTRATERJ com a empresa?

10) Como se dá a participação dos trabalhadores ambulantes na ASTRATERJ? Há representações de trabalhadores de todos os ramais? Relate sua dinâmica.

11) Em sua opinião, a partir de sua experiência e contato com os trabalhadores ambulantes de vários ramais, há diferenças entre os ramais no que diz respeito às dificuldades encontradas, perfis etários, interesse e participação política entre outros?

Indicação de informantes-chave

12) Em relação especificamente ao ramal de Santa Cruz, há algum representante com quem poderíamos contar para nos indicar trabalhadores daquele mesmo ramal para nossas entrevistas?

157

ANEXO 3- Roteiro da entrevista aos ferroviários

Objetivo: Resgatar a memória do trabalho ambulante informal nos trens do Rio

de Janeiro

Identificação

NOME: ____________________________________ IDADE:_____

PROFISSÃO/OCUPAÇÃO:__________________________________

FUNÇÃO NO SINDICATO:__________________________________

ESCOLARIDADE:_________________________________________

SINDICATO______________________________________________

Trajetória pessoal

1) Em que ano começou a trabalhar na companhia ferroviária? Qual Companhia? 2) Em quais ramais atuou?

Resgate histórico do trabalho informal nos trens?

3) Já era uma realidade, nesta época, o trabalho dos ambulantes nos trens? 4) Percebe diferenças significativas no trabalho ambulante daquela época e o de

agora? (Perfil, quantidade, produtos, idade etc...) 5) Como era a relação da Companhia no trato destes trabalhadores? Havia algum

tipo de restrição ao trabalho?

Relação entre as categorias de trabalhadores

6) Como era a relação dos trabalhadores ferroviários com os ambulantes? 7) Houve ou há algum tipo de suporte, por parte do Sindicato (ferroviários), aos

trabalhadores ambulantes? Se sim como ele aconteceu, ou acontece? 8) Como vê o conflito com os ambulantes? 9) Percebe mudança em relação ao trabalho ambulante nos trens antes e depois

do processo de privatização dos trens?

158

ANEXO 4- Questionário das entrevistas dos trabalhadores

ambulantes ligados às empresas

Objetivos: Entender a relação destes trabalhadores com as empresas

contratantes, as peculiaridades deste trabalho e a relação com os demais

trabalhadores ambulantes no trem;

Identificação

NOME: ____________________________________________________ IDADE:_____SEXO:_______ COR/RAÇA_________________________

PROFISSÃO/OCUPAÇÃO:_____________________________________

EMPRESA CONTRATANTE/FORNECEDORA:______________________________

ESCOLARIDADE:____________________________________________

BAIRRO ONDE RESIDE_______________________________________

Trajetória pessoal

1) Como se deu sua inserção no comércio ambulante nos trens da Central? __________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

2) Foi sua primeira experiência de trabalho? __________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

3) Há quanto tempo trabalha no trem? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

4) Em que ramal costuma atuar? __________________________________________________________

________________________________________________________

159

5) Possui outro trabalho, no momento? Em caso negativo, já possuiu algum dia, concomitantemente ao trabalho nos trens? __________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

_________________________________________________________

Relação empresa fornecedora e ambulante formalizados

6) Que tipo de vínculo de trabalho você tem com (empresa em questão)? __________________________________________________________

________________________________________________________

7) Possui carteira de trabalho assinada pela mesma? __________________________________________________________

________________________________________________________

8) Como ficou sabendo desse trabalho? Quem te inseriu? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

9) Passou por algum treinamento por parte da empresa? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

10) Qual o seu rendimento mensal/semanal nas atividades ambulantes? Há pagamento de taxas sobre as vendas? A quem ela é devida? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

11) Que tipo de produtos vende? São sempre os mesmos? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

12) Quantas pessoas dependem direta ou indiretamente dos rendimentos de seu trabalho? __________________________________________________________

________________________________________________________

Percepções sobre o trabalho no trem e relação com os demais

ambulantes “informais”

160

13) Como avalia o seu trabalho ambulante no trem? É algo transitório ou permanente em sua vida? Quais as expectativas futuras em termos de trabalho? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

14) Há vantagens neste tipo de atividade? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

15) A empresa contratante/fornecedora faz o recolhimento previdenciário? Em caso negativo, você o faz de modo ―autônomo‖ (contribuinte individual)? __________________________________________________________

_________________________________________________________

16) Quantas horas diárias você gasta no trabalho no trem? Quantos dias na semana? __________________________________________________________

_________________________________________________________

17) Como é a relação com os agentes de segurança da SuperVia? Há conflitos? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

18) Na sua avaliação há diferenças entre o seu trabalho e a dos demais ambulantes não ligados a empresas? __________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

19) Como é a relação com os demais trabalhadores ambulantes que não estão ligados a empresas? Há conflitos, ou disputas com estes? __________________________________________________________

__________________________________________________________

________________________________________________________

161

ANEXO 5- Questionários das entrevistas aos ambulantes ―soltos‖

Objetivos: Entender a percepção destes trabalhadores sobre seu trabalho nos trens,

as peculiaridades deste trabalho, bem como a definição de seu perfil;

Identificação

NOME: ____________________________________

IDADE:_____SEXO:_______ COR/RAÇA_________

PROFISSÃO/OCUPAÇÃO:_____________________

NATURALIDADE:___________________________ (Se for de outro estado, indicar o ano de fixação no RJ):_________BAIRRO ONDE RESIDE:_____________________

Condições de vida

13) Qual a situação de sua moradia? (Própria, alugada, cedida...) Quantas pessoas moram na casa? Possui acesso a saneamento básico? ______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

14) Até que série estudou? ____________________________________________________________________

15) Todos em sua residência possuem acesso aos serviços de saúde e educação? Como avalia esses serviços? ______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

Trajetória pessoal

16) Como se deu sua inserção no comércio ambulante nos trens? ______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

17) Foi sua primeira experiência de trabalho?

162

______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

18) Cite seus últimos cinco trabalhos e o tempo que passou trabalhando em cada um:

Ano Trabalho Tempo que passou trabalhando carteira assinada

Sim Não

19) Possui outro trabalho, no momento? Em caso negativo, já possuiu algum dia, concomitantemente ao trabalho nos trens? Por que saiu? ______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

20) Por que deixou ou perdeu o seu último trabalho? Gostava da ocupação? Por quê? ______________________________________________________________________

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21) Se tivesse uma nova oportunidade neste último trabalho, voltaria? Por quê? ______________________________________________________________________

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Percepções sobre o trabalho no trem

22) Em que ramal costuma atuar? Existem diferenças entre eles no que diz respeito a qualidade de seu trabalho? ______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

23) Qual o seu rendimento mensal/semanal nas atividades ambulantes? ______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

24) Quantas horas diárias você gasta no trabalho no trem? Quantos dias na semana?

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____________________________________________________________________

25) Em qual horário costuma trabalhar? Esse horário muda de acordo com os dias da semana? Por quê? ______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

26) Quantas pessoas dependem direta ou indiretamente dos rendimentos de seu trabalho? ______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

27) Alguma outra pessoa da sua família possui renda? ______________________________________________________________________

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28) Você ou alguém de sua família está inserido em programas de transferência de renda (PBF, BPC, Bolsa Carioca etc.), ou recebe pensão? ______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

29) Como avalia o seu trabalho no trem? É algo transitório ou permanente em sua vida? Quais as expectativas futuras em termos de trabalho? ______________________________________________________________________

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30) Qual a sua expectativa para o trabalho de seus filhos (Caso tenha)? ______________________________________________________________________

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31) Como eram suas expectativas em relação ao estudo, no passado? Se tivesse oportunidade, daria continuidade? ______________________________________________________________________

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32) Na realização/preparação do seu trabalho, obtêm ajuda de outras pessoas? São parentes? Recebem uma remuneração por isso? ______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

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33) Cite algumas vantagens no trabalho ambulante nos trens: ______________________________________________________________________

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34) Cite algumas desvantagens no trabalho ambulante nos trens:

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____________________________________________________________________

35) Considerando as vantagens e as desvantagens, quais são as mais determinantes para sua permanência ou não nos trens? ______________________________________________________________________

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36) Você contribui para a Previdência como ―autônomo‖ (contribuinte individual)? ______________________________________________________________________

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37) Como é a relação com os agentes de segurança da SuperVia? ______________________________________________________________________

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____________________________________________________________________

38) Percebe mudanças ocorridas no trem a partir das diferentes gestões da ferrovia? (Antes e depois da privatização, bem como dos diferentes controladores acionários). ______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

39) Como é a relação com os demais trabalhadores ambulantes nos trens? Há convivência mesmo fora do trem? Como ela ocorre? Já aconteceu algum conflito nesta relação? Cite duas últimas situações a esse respeito: ______________________________________________________________________

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____________________________________________________________________

40) Como você avalia a presença dos ambulantes ―legalizados‖ ligados a empresas? Como é a relação dos demais ambulantes (informais) com estes? ______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

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____________________________________________________________________

41) O que acha que poderia melhorar no seu trabalho como ambulante no trem? Como ele poderia acontecer? Já fez algo para que isso acontecesse? Alguém já fez? ______________________________________________________________________

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______________________________________________________________________

42) Tem conhecimento de alguma organização coletiva dos ambulantes nos trens? Faz parte dela? De que forma?

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____________________________________________________________________

43) Como avalia a organização política dos ambulantes dos trens no enfrentamento de suas dificuldades de trabalho? ______________________________________________________________________

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____________________________________________________________________

44) Participa de algum movimento comunitário, ou ainda de outros movimentos em prol da melhoria dos trens? Conhece o Movimento pela de Aceleração do Transporte Ferroviário? ______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

____________________________________________________________________

45) Conhece as ―normas de conduta‖ do trabalho ambulante no trem? Por meio de quem você tomou conhecimento? Tais normas são praticadas no seu cotidiano? Cite algumas delas. ______________________________________________________________________

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166

ANEXO 6- Termo de consentimento

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PESQUISA: „No Balanço do Trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz‟

Prezado(a) senhor(a),

O senhor(a) está sendo convidado(a) para participar da pesquisa ―No Balanço do Trem: perfil dos trabalhadores ambulantes dos trens do ramal de Santa Cruz”. Os resultados desta pesquisa vão contribuir para conhecer melhor esse tipo de trabalho em nossa realidade social.

O senhor(a) foi selecionado pelo fato de ser trabalhador da área. Sendo

assim, poderá, a qualquer momento pedir maiores esclarecimentos e/ou

desistir de fazer parte da pesquisa sem qualquer tipo de prejuízo à sua pessoa.

Além disso, o senhor (a) não terá nenhum tipo de despesa ao participar da

pesquisa.

As informações prestadas são sigilosas, isto é, seu nome não será divulgado em hipótese alguma. Neste caso, somente o pesquisador terá acesso à identificação das pessoas entrevistadas.

Em momento oportuno, apresentaremos os resultados desta pesquisa e, na ocasião, informarei a data, local e hora para que o senhor(a), caso deseje, participe deste momento de reflexão sobre trabalho.

O(a) senhor(a) receberá uma cópia deste documento onde consta o telefone e o endereço do pesquisador, podendo tirar dúvidas sobre o projeto e sua participação.

__________________________, ______ de ____________de 2012.

_________________________________________

Nome e assinatura do pesquisador Raphael Magnus Silva Ortiz

Matricula UERJ 200810060211 Celular 92323937

UERJ/ Faculdade de Serviço Social: Rua São Francisco Xavier, 524, sala 3020,

bloco D, Maracanã- Rio de Janeiro, RJ.

Declaro que entendi os objetivos de minha participação na pesquisa e concordo em participar.

Sujeito da pesquisa

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ANEXO 7- Fotos dos trens:

Interior dos novos trens chineses (acervo pessoal) Interior dos velhos trens de aço-carbono (acervo pessoal)

Trem em aço-carbono em avançado estágio de deterioração Estação de Cosmos (acervo pessoal) (acervo pessoal)

Exterior do trem de origem chinesa (acervo pessoal) Cabine do maquinista- trem de aço-carbono (acervo pessoal)

Trem coreano visto por fora (Imagem do Google) Trem coreano por dentro (Imagem do Google)

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