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"Se você puder olhar para dentro das sementes do tempo e descobrir qual vai nascer e qual não vai, então não esqueça de me contar." WILLIAM SHAKESPEARE Cronologia da Terra 247 Cronologia do sistema Terra 248 Reconstrução da história geológica por meio da datação relativa 249 Tempo isotópico: adicionando datas à escala do tempo geológico 259 Datações confiáveis: utilizando três linhas de evidências 264 E mboraa Terra pareça ser sólida e estável na escala de tempo humana, não há um só lugar sobre ela que não esteja se movendo, embora vagarosamente, tan- to vertical como horizontalmente. Os processos geológicos que modelam a superfície terrestre e dão estrutura ao seu interior ocorrem há milhões de anos. Nessa escala de tem- po, continentes, oceanos e montanhas moveram-se por grandes distâncias. Um dos trabalhos essenciais do geólogo é entender os padrões e as taxas desses movimentos. Neste capítulo, abordaremos alguns métodos com os quais os geólogos trabalham com esses intervalos extraordinariamente longos de tempo, tanto para en- tender os processos como para reconstruir a história geológica do planeta. Uma das mais importantes razões para ajustar os processos geológicos em sua se- qüência correta é entender a evolução do planeta que vemos hoje. Quando as Montanhas Rochosas foram formadas? Por que a Terra sofre freqüentes idades do gelo, com gelei- ras do tamanho de continentes? O que estava acontecendo no Leste da África na época em que os humanos primitivos lá viviam? Para responder esses tipos de questões, preci- samos de instrumentos para organizar e datar o registro das rochas. Necessitamos de um calendário geológico para determinar a seqüência na qual as camadas rochosas se forma- ram em suas respectivas idades e precisamos, também, de um método de comparação das idades das rochas situadas em continentes separados. Dois séculos de pesquisa geo- lógica moderna resultaram em tal instrumento: a escala do tempo geológico. Essa esca- la permite que os cientistas determinem a idade da Terra, para revelar as complexas his- tórias geológicas e, mesmo, estudar a origem e a evolução da vida. ologia da Terra Os geólogos diferenciam-se dos demais cientistas devido à forma como encaram o tempo. Os físicos e os químicos estudam processos que duram somente as últimas fra-

Tempo geológico02 (10)

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Material destinado as aulas de Geologia do Professor Raul Reis.

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"Se você puder olhar para dentro das sementes do tempo e descobrirqual vai nascer e qual não vai, então não esqueça de me contar."

WILLIAM SHAKESPEARE

Cronologia da Terra 247

Cronologia do sistema Terra 248

Reconstrução da história geológica pormeio da datação relativa 249

Tempo isotópico: adicionando datas àescala do tempo geológico 259

Datações confiáveis: utilizando trêslinhas de evidências 264

Emboraa Terra pareça ser sólida e estável na escalade tempo humana, não há um só lugar sobre ela quenão esteja se movendo, embora vagarosamente, tan-

to vertical como horizontalmente. Os processos geológicosque modelam a superfície terrestre e dão estrutura ao seuinterior ocorrem há milhões de anos. Nessa escala de tem-po, continentes, oceanos e montanhas moveram-se porgrandes distâncias. Um dos trabalhos essenciais do geólogoé entender os padrões e as taxas desses movimentos.

Neste capítulo, abordaremos alguns métodos comos quais os geólogos trabalham com esses intervalosextraordinariamente longos de tempo, tanto para en-

tender os processos como para reconstruir a história geológica do planeta.Uma das mais importantes razões para ajustar os processos geológicos em sua se-

qüência correta é entender a evolução do planeta que vemos hoje. Quando as MontanhasRochosas foram formadas? Por que a Terra sofre freqüentes idades do gelo, com gelei-ras do tamanho de continentes? O que estava acontecendo no Leste da África na épocaem que os humanos primitivos lá viviam? Para responder esses tipos de questões, preci-samos de instrumentos para organizar e datar o registro das rochas. Necessitamos de umcalendário geológico para determinar a seqüência na qual as camadas rochosas se forma-ram em suas respectivas idades e precisamos, também, de um método de comparaçãodas idades das rochas situadas em continentes separados. Dois séculos de pesquisa geo-lógica moderna resultaram em tal instrumento: a escala do tempo geológico. Essa esca-la permite que os cientistas determinem a idade da Terra, para revelar as complexas his-tórias geológicas e, mesmo, estudar a origem e a evolução da vida.

ologia da TerraOs geólogos diferenciam-se dos demais cientistas devido à forma como encaram otempo. Os físicos e os químicos estudam processos que duram somente as últimas fra-

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2481 Para Entender a Terra

1 / /Relógios

Um bilhão Um milhão Um milhar Um Um Um Uma Um Um Um milésimode anos de anos de anos ano mês dia hora minuto segundo de segundo

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Idade Tempo de soer- Tempo de ex- Tempo Erosao rnen- Inundações Ondas de ter- Tempo para Processosda guimento de pansão do as- de vida surável de remotos propa- 'que uma onda nucleares

uma cordilheira soalho doTerra montanhosa Atlântico até 1 de um rios e costas gando-se sonora seja

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Processoou evento

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do tempo

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~""'I'"Somente Fósseis

microrganismos comfósseis concha

Registroshistóricos

Figura 10_1 Tempo necessário para alguns processos e eventos geológicos comuns. Os tempos são dados em ordem de magnitude.A escala é logarítmica, isto é, tem iguais divisões entre sucessivas potências de 10.

ções de um segundo: a separação de um núcleo atômico, umarápida reação química. Outros cientistas efetuam experimentosque duram minutos, horas ou dias. Os geólogos, ao contráriodisso, tratam de processos da Terra que se desenvolvem numagrande multiplicidade de diferentes durações de tempo (Figura10.1). Desde tremores de um terremoto, que duram segundosou minutos, até o soerguimento de montanhas, que leva váriosmilhões de anos para acontecer.

Podemos medir alguns processos geológicos diretamente.As águas que extravasam do leito de um rio, por exemplo, so-bem e descem num intervalo de poucos dias. Podemos medir,também, o movimento relativamente lento das geleiras, asquais podem demorar um ano para se moverem poucos metros.Outros processos, entretanto, como a erosão de uma encosta,são muito lentos para serem medidos diretamente. Nesse caso,devemos contar com os registros históricos para determinar aquantidade de tempo necessária para que ocorram alguns des-ses processos (Figura 10.2). Mesmo que os registros históricosmais antigos remontem há alguns milhares de anos, isso aindase constitui num curto intervalo de tempo em relação àquele ne-cessário para medir os processos geológicos muito lentos quemoldam o planeta. Nossa única fonte para cronometrar tais pro-cessos é o registro das rochas. As rochas formadas no passadoe preservadas da erosão servem como uma memória da Terra,registrando os eventos geológicos, tais como glaciações queduraram muitos milhares ou milhões de anos.

Os geólogos do século XIX usaram seu entendimento sobreos estratos rochosos e os fósseis para determinar a idade rela-tiva das camadas de rochas sedimentares - o quanto umas sãomais antigas em relação às outras. Esses pesquisadores pionei-ros podiam, então, colocar os eventos geológicos que origina-ram tais formações rochosas em uma ordem cronológica.Atualmente, os geólogos utilizam a física do decaimento ra-dioativo para determinar a idade isotópica da rocha, freqüente-mente chamada de idade absoluta - o número real de anos quese passaram desde que ela se formou.

Os geólogos que construíram a escala do tempo geológicofizeram mais do que simplesmente datar as rochas. Eles promo-veram uma evolução no modo de pensar o tempo, o nosso pla.neta e, inclusive, nós mesmos. Eles descobriram que a Terraémuito mais antiga do que se poderia ter imaginado. Eles desco-briram, contrariando as idéias correntes anteriores, que a super-fície terrestre e o seu interior transformaram-se e modelaram-serepetidamente pelos mesmos processos geológicos que aindahoje estão atuantes. Eles descobriram também que não apenaso planeta, mas também seus habitantes evoluíram no tempo. Erevelaram que os humanos ocupam apenas um dos mais brevesmomentos da longa história da Terra.

ologia do sistema Terra

Nosso entendimento de como os sistemas da Terra atuaram nopassado depende da medição das taxas dos processos geológi-cos e de sua história. Por exemplo, sabemos que o dióxido decarbono tem um papel importante no clima global. Podemosmedir a concentração desse elemento em atmosferas antigaspor meio de testemunhos de gelo extraídos de furos feitos nasgeleiras da Antártida e da Groenlândia. Além disso, pode-seanalisar como o dióxido de carbono foi aprisionado no gelo en-quanto este se acumulava durante as incontáveis tempestadesde neve. É importante saber exatamente quando a concentraçãode dióxido de carbono foi alta e quando foi baixa. Dessa forma,a datação de testemunhos de gelo passou a ser um importanteaspecto da datação das variações climáticas (ver Reportagem16.1 no Capítulo 16).

De forma semelhante, a história de um elemento químicoespecífico - alguns de grande significado ambiental, como O

chumbo - pode ser traçada determinando-se a sua concentraçãoem sedimentos marinhos e não-marinhos de várias épocas. As-sim, podemos deduzir as diferenças havidas no ciclo do chum-

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CAPíTULO 10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1249

+-I 11'F. T. l 'I-' t. 'f. b'

11 ./ J1 TJ o li

Legenda:

Áreas preenchidaspor ondas e marésdesde 1887

8""ogog'18I I.nd

Figura10.2 Os registros históricos, como mapas antigos elevantamentostopográficos, são úteis para medir certos processosgeológicos.Desde 1887,2 quando este mapa estava sendopreparado,areia, silte e argila (áreas marrons assinaladas no originalem1988)foram levados pelas ondas e marés, preenchendo asáreascontinentais de influência marinha próximas à Enseada deWellfleet,no Cabo Cod, em Massachusetls (EUA).

bo nosúltimos milhares de anos. A partir disso, é possível infe-rirquantochumbo, que é um elemento venenoso, estava pre-sentenadieta de povos antigos, seja dos Incas, no Peru, ou doImpérioRomano em seu apogeu. I

~~nstrução da históriaológica por meio da datação

relativa

o únicoregistro que temos dos eventos geológicos passados éaqueleencontrado de forma incompleta nas rochas que se pre-

servaram da erosão ou da subducção. Considerando que so-mente o assoalho oceânico mais recente do que 200 milhões deanos sobreviveu à subducção, devemos concentrar nos conti-nentes nossa busca por rochas antigas que possam suprir as evi-dências de grande parte da história da Terra. Entre os métodosde leitura do registro geológico podem-se citar a interpretaçãode falhas e outras estruturas; a procura de evidências de soer-guimento e erosão; a construção de deduções a respeito dosambientes nos quais os sedimentos foram depositados; e a re-construção das condições originais das rochas que foram defor-madas e metamorfizadas.

Os geólogos do século XIX elaboraram uma escala do tem-po geológico a partir das relações de espaço e tempo das rochasexpostas na superfície ou em testemunhos de sondagens. Elescomeçaram com a mesma abordagem que estamos utilizandoaqui, ou seja, partiram das evidências da estratigrafia - que éa descrição, correlação e classificação dos estratos de rochassedimentares. É importante observar que, para eventos muitorecentes na história geológica - como, por exemplo, episódiosde mudança climática na escala de tempo de centenas de milha-res de anos -, outros materiais estratificados são utilizados pa-ra suplementar as informações das rochas que fornecem um ca-lendário dos eventos passados da Terra. Alguns desses mate-riais são os anéis de crescimento de troncos de árvores, os tes-temunhos de gelo glacial da Antártida e da Groenlândia e os se-dimentos não consolidados do assoalho oceânico. As rochas se-dimentares, entretanto, ainda são o material estratificado maisimportante que se usa para decifrar a vasta imensidão da histó-ria geológica.

o registro estratigráficoA estratificação, ou acamamento, que é a marca registrada dasrochas sedimentares, constitui a base de dois princípios simplesutilizados para interpretar os eventos geológicos a partir do re-gistro das rochas sedimentares:

1. O princípio da horizontalidade original estabelece que ossedimentos são depositados como camadas geralmente horizon-tais. A observação dos sedimentos marinhos e não-marinhos atu-ais, em uma grande variedade de ambientes, suporta essa genera-lização. (Embora a estratificação cruzada, descrita no Capítulo 8,seja inclinada, a orientação de toda a unidade estratificada é ho-rizontal.) Se encontramos uma seqüência de camadas de rochassedimentares que estejam dobradas ou inclinadas, sabemos queas rochas foram deformadas por esforços tectônicos depois deseus sedimentos terem sido depositados.

2. O princípio da superposição estipula que, numa seqüêncianão perturbada tectonicamente, cada camada de rocha sedi-mentar é mais nova que aquela sotoposta e mais antiga que aque está sobreposta. O senso comum geológico nos diz queuma camada mais nova não pode se alojar embaixo de uma ca-mada que já foi depositada. Esse princípio permite-nos ver umasérie de camadas como uma espécie de linha de tempo vertical- isto é, um registro parcial ou completo de um tempo queabrange desde a camada mais inferior até a deposição da maissuperior (Figura 10.3).

Assim, uma seqüência vertical de estratos, chamada de su-cessão estratigráfica, é um registro cronológico da história

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250 I Para Entender a Terra

Os sedimentos são depositados em camadas horizon-tais e lentamente transformados em rochas sedimentares.

Se não houver perturbação por processostectônicos, as camadas mais novas permane-cem no topo e as mais antigas, na base.

Figura 10.3 Camadas de rochas sedimentares no Cânion Marble, um braço do Grand Canyon, que foiescavado pelo Rio Colorado na região onde hoje se situa o norte do Arizona (EUA). Essas camadas registrammilhões de anos da história geológica. [Fletcher and Baylis/Photo Researchers]

geológica de uma região. A linha de tempo correspondente auma seqüência é chamada de tempo geológico abrangido poressa seqüência. (O termo tempo geológico é também utilizadopara referência a todo o intervalo de tempo desde que a Terra seformou.) As sucessões estratigráficas diferenciam-se de se-qüências sedimentares, as quais foram abordadas no Capítulo8. As seqüências sedimentares são mudanças verticais de lito-logia em sedimentos depositados num ambiente de sedimenta-ção. Uma sucessão estratigráfica é definida mais amplamente einclui uma grande variedade de camadas de diferentes origens.Enquanto a ênfase nas seqüências sedimentares é a naturezados tipos de sedimentos que se empilham, numa sucessão estra-tigráfica a ênfase é a cronologia das camadas que a compõem edas condições sedimentares implicadas.

Com um marcador do tempo geológico, ou "relógio estra-tigráfico", os geólogos podem dizer se uma camada de rocha émais antiga que outra, embora não possam dizer, necessaria-mente, em quantos anos ela é mais antiga. Poder-se-ia esperarque uma sucessão estratigráfica correspondesse a uma medidadireta do tempo, com cada ano nela materializado, se os sedi-mentos tivessem se acumulado continuamente numa taxa está-vel e se compactado numa espessura também constante quan-do foram litificados e, além disso, não tivessem sido erodidos.Se, por exemplo, soubéssemos que os sedimentos lamososacumulam-se numa taxa de 10 m em cada 1 milhão de anos,então 100 m de lamito poderiam representar 10 milhões deanos de deposição.

Na prática, entretanto, não podemos, a partir da estratigra-fia, medir o tempo com uma precisão de anos por várias razões.Primeira: como abordado no Capítulo 8, os sedimentos não seacumulam numa taxa constante em nenhum ambiente de sedi-mentação. Durante uma inundação, um rio poderá depositar emseu canal uma camada de areia de vários metros de espessuraem questão de poucos dias, enquanto durante todos os anos quese seguem entre as inundações ele depositará uma camada deareia com apenas poucos centímetros de espessura. Mesmo naprofundidade do assoalho oceânico, onde pode levar mil anos

para que uma camada de lama de 1 mm de espessura se deposi·te, a sedimentação não é contínua e a espessura dos sedimentosnão pode ser usada como um cronômetro preciso. Além disso,a taxa em que um sedimento é acumulado varia amplamentenos diferentes ambientes de sedimentação.

A estratigrafia é um cronômetro impreciso por uma segun-da razão: o registro das rochas não nos diz quantos anos se passaram entre cada período de deposição. Muitos lugares na planície fluvial de um vale recebem sedimentos somente durante°tempo de inundação. Os intervalos de tempo entre as inundações não se encontram representados por qualquer sedimentação. No transcurso da história da Terra, em vários lugares, houve um longo intervalo, alguns com a duração de milhões deanos, no qual nenhum sedimento foi depositado. Em outros lu-gares e tempos, as rochas sedimentares podem ter sido removi-das pela erosão. Embora possamos freqüentemente dizer ondeocorreu um lapso no registro, raramente podemos dizer comexatidão quanto tempo esse intervalo representa.

A razão final - e uma das mais importantes para os geólo-gos que querem comparar as histórias geológicas de diferenteslugares da Terra - é que a estratigrafia sozinha não pode ser uti-lizada para determinar as idades relativas de duas camadas mui-to separadas. Um geólogo pode ser capaz de estabelecer a ida·de relativa de uma camada ou série de camadas seguindo umafloramento por uma distância limitada, mas não existe nenhu-ma maneira de saber se uma camada no Arizona, por exemplo,é mais antiga ou mais nova que outra no norte do Canadá.

Os geólogos pioneiros, de quem já falamos, também achavam que os fósseis eram a chave para detectar intervalos detempo perdidos e correlacionar a idade relativa das rochas emdiferentes lugares. Os fósseis tornaram-se o mais importanteinstrumento para construir com exatidão uma escala do tempogeológico para todo o planeta.

Os fósseis como marcadores do tempoPara muitos estudantes de hoje, deve ser óbvio que os fósseissão os restos de antigos organismos. Alguns se parecem muito

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CAPíTULO 10 • Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1251

(a) (b)

Figura10.4 Fósseis de animal e de vegetal. (a) Fósseis de amonite, exemplos antigos de um grande grupo de organismosinvertebradosque estão agora, em grande parte, extintos. Seu único representante no mundo atual é o náutilo, cuja concha tem váriascâmarasinternas. [Chip Clark] (b) Floresta petrificada, Arizona (EUA). Estes troncos têm milhões de anos. Seu lenho foicompletamentesubstituído por sílica, a qual preservou todos os detalhes da forma original. [Tom Bean]

comosanimais atuais, embora outros - como os trilobitas dafotografiano início deste capítulo - sejam os restos de formasdevidaextintas. Existem fósseis de conchas, dentes, ossos, im-pressõesde vegetais ou rastros de animais (Figura 10.4). Osfósseismais comuns nas rochas do último meio bilhão de anossãoasconchas de invertebrados, como mariscos, ostras e o gru-podosamonites mostrado na Figura lOAa. Muito menos co-munssão os ossos de vertebrados, como mamíferos, répteis edinossauros.Mas fósseis de ossos de dinossauros existem etrouxeram-nosmuitas informações a respeito da natureza des-sesanimaishá muito extintos. As plantas fósseis são abundan-tesemalgumas rochas, particularmente naquelas associadas acamadasde carvão, onde folhas, brotos, ramos e mesmo tron-cosinteirosde árvores podem ser reconhecidos (Figura 1OAb).Osfósseis não são encontrados em rochas ígneas intrusivas,porqueo material biológico original seria perdido na fusãoquente.Eles raramente são encontrados em rochas metamórfi-cas,poisquaisquer remanescentes de organismos encontram-sequasesempre tão transformados e deformados que dificilmen-tepodemser reconhecidos.

Osgregos da época clássica foram, provavelmente, os pri-meirosa supor que os fósseis são registros de vida antiga, masfoisomentenos tempos modernos que o conceito ganhou con-

sistência e suas conseqüências foram exploradas. Um dos pri-meiros pensadores modernos a estabelecer uma conexão entreos fósseis e os organismos vivos antigos foi Leonardo da Vin-ci, no século Xv. No século XVII, Nicolau Steno comparou oque era chamado de "línguas-de-pedra", encontradas na regiãomediterrânica, com formas similares de dentes de tubarõesmodernos e concluiu que as pedras eram remanescentes da vi-da antiga.

No final do século XVIII, depois de centenas de fósseis esuas correspondências com organismos modernos terem sidodescritos e catalogados, a evidência de que eram remanescentesde criaturas vivas de outrora foi dominando. Assim, a Paleon-tologia, o estudo da história da vida antiga a partir do registrofossilífero, ganhou lugar ao lado da Geologia, que é o estudo dahistória da Terra a partir do registro das rochas.

Os dividendos do estudo dos fósseis não foram creditadosapenas à Geologia. A viagem do jovem Charles Oarwin comonaturalista a bordo do Beagle (1831-1836) ampliou imensamen-te seu conhecimento sobre a grande variedade de organismosfósseis e do que sua presença nas rochas pode ajudar a prognos-ticar. Ele também teve uma oportunidade para observar umaimensa variedade de espécies animais e vegetais nada familiaresem seus hábitats naturais. Em 1859, Oarwin propôs a teoria da

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2521 Para Entender a Terra

evolução, que revolucionou o pensamento científico sobre asorigens de milhões de espécies de vida animal e vegetal e forne-ceu um seguro arcabouço teórico para a Paleontologia.

Bem antes de Darwin, em 1793, William Smith, um agri-mensor que trabalhava no sul da Inglaterra, reconheceu que osfósseis poderiam ser utilizados para fornecer as idades relativasdas rochas sedimentares. Smith era fascinado pela variedade defósseis, coletando-os nas seqüências de rochas estratificadasque se encontravam expostas ao longo de canais e afloramen-tos. Ele observou que diferentes camadas tinham diferentes ti-pos de fósseis. A partir disso, foi capaz de posicionar cada ca-mada a partir da outra pelas características fósseis que conti-nham. Ele estabeleceu uma ordem geral para a seqüência defósseis e estratos, desde a camada mais inferior (mais antiga)até a mais superior (mais nova). Independentemente de sua lo-calização, Smith podia predizer a posição estratigráfica dequalquer camada individual, ou conjunto de camadas, de qual-quer afloramento do sul da Inglaterra apenas com base na asso-ciação de fósseis que continham. Essa ordem estratigráfica defósseis é conhecida como sucessão faunística.

Smith foi o primeiro a usar a sucessão faunística para corre-lacionar rochas de diferentes afloramentos. Uma formação éum conjunto de camadas de rochas de uma região que tem asmesmas propriedades físicas, podendo conter a mesma associa-ção de fósseis. Algumas formações consistem em um único ti-po de rocha, como o calcário. Outras são camadas delgadas eintercaladas de diferentes tipos de rochas, como arenitos e fo-Ihelhos. Apesar de sua variedade, cada formação compreendeum conjunto distintivo de camadas rochosas que pode ser reco-nhecido e mapeado como uma unidade.

Usando seu conhecimento de sucessões faunísticas, Smithcorrelacionou as formações de idades similares encontradas emdiferentes afloramentos. Pela observação da ordem vertical emque as formações eram encontradas em cada lugar, compilouuma sucessão estratigráfica composta para toda a região. Suasérie composta mostrava como a sucessão completa seria observável se as formações dos diferentes níveis de todos os afloramentos pudessem ser vistas reunidas num único perfil. A Figura10.5 mostra tal composição para uma série de três formações.

Durante os dois últimos séculos, os geólogos vêm utilizasdo essa abordagem, que combina a sucessão faunística comassucessões estratigráficas e correlacionando cuidadosamente asformações em todo o mundo. O resultado, como veremos maisadiante, é a escala do tempo geológico da Terra.

Discordâncias: marcadores do tempo perdidoAo colocar lado a lado seqüências de formações, os geólogos,freqüentemente, encontram lugares onde uma destas está ausente. Isso acontece porque tal formação ou nunca foi depositada ou foi erodida antes da camada subseqüente ter sido acurm-lada. Nesse caso, a superfície ao longo da qual essas duas for-mações se encontram é chamada de discordância - uma superofície entre duas camadas que não foram depositadas numase-qüência contínua (Figura 10.6). Uma discordância representaotempo, assim como uma rocha sedimentar.

Porém, uma discordância não representa apenas o tempo.Ela também pode ser o indício de que forças tectônicas soergueram uma região acima do nível do mar, a qual, a partir dis·so, passou a ser erodida. Alternativamente, as discordâncias po

Afloramento B

Os fósseis encontrados em algumas cama-das rochosas no afloramento A são os mes-mos daqueles encontrados em algumascamadas do afloramento B, mais distante.

Afloramento A

/Figura 10.5 William Smith pôde empilhar juntas a seqüência de camadas dediferentes idades e diferente conteúdo fossilífero pela correlação de afloramentosencontrados no sul da Inglaterra. Neste exemplo, as formaçôes I e li estavamexpostas no afloramento A, enquanto as formaçôes li e 111, no afloramento B.

Uma composição dos dois afloramentos poderiamostrar as formações I e 11sobrepondo-se à for-mação 111e, por isso, sendo mais novas que ela.

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CAPíTULO10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1253

TEMPO 1Ossedimentos acumulam-se,sobo mar, nas camadas A-D.

TEMPO 2Posteriormente, as forçasteclônicas causaram o soergui-mentodas camadas acima doníveldo mar, expondo-as à erosão.

TEMPO 3A erosão removeu a camada De parte da C, deixando uma su-perfícieirregular de morros e vales.

TEMPO 4Coma subsidência da região,o níveldo mar sobe, permitin-do que uma nova camada, E, sedepositasse sobre a C. A superfícieirregular no topo de C é preservadacomo uma discordância. Discordância

Figura 10.6 Uma discordância é uma superfície entre duascamadasque nâo foram depositadas numa seqüência contínua.Nasérie de eventos representados aqui, uma discordância éproduzida por meio de soerguimento e erosâo, seguidos desubsidência e outro ciclo de sedimentação.

dem representar tempos nos quais uma região foi sendo erodi-da enquanto o nível do mar descia globalmente. O nível do marpoderia baixar, por exemplo, devido à retirada de água dosoceanos para formar as calotas ou os mantos de gelo polares.

Os geólogos classificam os diferentes tipos de discordânciade acordo com a relação entre o pacote superior e o inferior decamadas. Uma discordância em que o conjunto superior de ca-madas assenta-se em uma superfície erosiva desenvolvida sobreum pacote de camadas não deformado e ainda disposto na posi-ção horizontal é chamada de desconformidade. Uma discordân-cia em que o pacote superior de camadas recobre rochas meta-mórficas ou ígneas intrusivas é uma não-conformidade.ê Umadiscordância em que o pacote superior de camadas sobrepõe-se aum inferior cujas camadas foram dobradas ou basculadas porprocessos tectônicos e, depois, sofreram erosão numa superfíciemais ou menos plana é denominada de discordância angular.Numa discordância angular, os planos de acamamento dos doispacotes de camadas, o superior e o inferior, não são paralelos. AFigura 10.7 representa uma impressionante discordância angu-lar encontrada no Grand Canyon. A Figura 10.8 ilustra os pro-cessos pelos quais uma discordância angular pode se formar.

Secção escavadanos estratos doGrand Canyon

Discordânciaangular

Figura 10.7 A grande discordância no Grand Canyon,Colorado (EUA), é uma discordância angular entre o arenitohorizontal Tapeats sobre os folhelhos pré-cambrianos Wapatai,fortemente dobrados, sotopostos. [GeoScience Features PictureLibrary]

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2541 Para Entender a Terra

TEMPO 1Os sedimentos acumulam-se emcamadas, sob o nível do mar.

Compressão

TEMPO 2Posteriormente, forças teetõnicascausaram soerguimento, dobra-mento e deformação das camadassedimentares durante a formaçãode montanhas.

!Soerguimento

TEMPO 3A erosão removeu os topos dascamadas dobradas, deixando umplano irregular com porções expostasde várias camadas dobradas.

TEMPO 4Com a subsidência da re-gião, o nível do mar subiu,permitindo que novos sedimen-tos se acumulassem sobre asuperfície erosiva anterior. A super-fície onde os novos sedimentos e ascamadas dobradas se limitam é preser-vada como discordância angular.

SubsidênciaDiscordãnciaangular

Relações de seccionamentoOutras feições de rochas sedimentares acamadas também fornecem chaves para a datação relativa. Como descrito no Capí-tulo 5, os diques ou outras intrusões magmáticas podem secocionar e romper as camadas sedimentares. As falhas deslocamplanos de acamamento quando separam blocos de rochas (como será visto no Capítulo LI). As falhas podem também deslocar diques e soleiras. As intrusões e as falhas podem ser inseridas em uma sucessão estratigráfica, ajudando-nos, dessaforma, a posicionar os eventos geológicos dentro de uma tabe.Ia de tempo relativo. Sabemos que eventos deformacionais ouintrusivos ocorreram depois que as camadas sedimentares afe-tadas foram depositadas e que, portanto, tais deformações ouintrusões devem ter sido mais novas que as rochas que elascortaram (Figura 10.9). Se os deslocamentos por intrusões oufalhas forem erodidos pela superfície de uma discordância e,depois, sobrepostos por uma série mais nova de formações, saberemos que as intrusões ou falhas são mais antigas que o pa-cote de camadas sobreposto.

Estratigrafia de seqüênciasNas três últimas décadas, foi desenvolvida uma nova visãodeestratigrafia" - a estratigrafia de seqüências. Essa forma deestratigrafia foi originalmente conhecida como estratigrafiasísmica porque considerou os avanços trazidos pelos grandesaperfeiçoamentos na sismologia de exploração (ver Capítulo21) que permitiram aos geólogos observar desde camadas indi·viduais até espessos pacotes sedimentares numa secção sísmi·ca ou transversal (Figura 10.10). As feições geométricas sutis.difíceis de serem discernidas em afloramentos, são, com fre-qüência, impressionantemente reveladas em perfis sísmicos(Figura 1O.10a). A unidade fundamental uti lizada nesse novomodelo estratigráfico é a seqüência, um conjunto de estratossedimentares limitados no topo e na base por discordâncias (Fi·gura 1O.lOb). Um exemplo é a seqüência sedimentar aluvialabordada no Capítulo 8, que representa um único ciclo de depó-sitos fluviais. As seqüências utilizadas na estratigrafia de se-qüências envolvem, geralmente, pacotes de camadas muitomaiores, que podem ser constituídos por muitos daqueles ciocios. As discordâncias que definem seqüências representam flu-tuações do nível do mar, que possibilitam a ocorrência da ero-são em grandes regiões. As camadas que constituem as seqüên-cias mostram padrões internos que são diagnósticos das mu-danças na sedimentação.

Por exemplo, num grande delta fluvial, os sedimentos sãodepositados quando o rio desemboca no mar. Essa sedirnenta-ção acumula-se lentamente desde o assoalho do oceano atéasuperfície da água do mar, criando, dessa maneira, novas terras.A sedimentação aluvial acumula-se, então, nessa nova superfí-cie e, após alguns milhões de anos, o delta pode avançar váriosquilômetros para dentro do mar (Figura IO.lOc). Se o nível do

Figura 10.8 Uma discordância angular é uma superfície deerosão que separa dois pacotes de camadas cujos planos deacamamento não são paralelos entre si. Esta seqüência mostracomo tal superfície pode ser formada.

Page 9: Tempo geológico02 (10)

CAPíTULO 10 • Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1255

TEMPO 1Ossedimentos acumularam-seemcamadas sob o nível do mar.

TEMPO 2Posteriormente, as forçaslectônicas causaram soer-guimento, dobramento edeformação das camadassedimentares durante a formaçãode montanhas.

TEMPO 3Umdique de magmalíquido intrudiu-senas camadas dobra-das, cortando-as trans-versalmente. Como épossível verificar que o di-que corta as camadas dobra-das, é claro que a sedimenta-ção e o dobramentoantecederam a intrusão.

TEMPO 4O falhamento des-locou as camadas eo dique. Como as ca-madas sedimentares e odique estão ambos deslo-cados, a ocorrência do falha-mento é considerada posteriora eles.

mar tivesse subido como resultado de mudanças climáticas glo-bais ou da subsidência tectônica, a linha de costa seria desloca-da muitos quilômetros em direção ao continente. Um novo del-ta poderia começar a ser construído sobrepondo-se à seqüênciadeltaica anterior, como ilustrado na Figura 10.1Od.

Utilizando seus conhecimentos de padrões de acamamento,os estratígrafos de seqüências podem correlacionar seqüênciasde mesma idade geológica por grandes extensões. A partir detais informações, podemos reconstruir a história geológica deuma região, incluindo as mudanças no nível do mar, em relaçãoàs sucessões de seqüências.

A escala do tempo geológicoAté agora, foram abordadas várias maneiras de ordenar os es-tratos rochosos e correlacioná-los dentro de uma seqüênciatemporal de eventos geológicos:

• Podemos determinar as idades relativas das rochas sedimenta-res tanto pela simples regra da superposição como pelo registrofóssil local e global.

• Podemos utilizar a deformação e as discordâncias angularespara datar os episódios tectônicos em relação à seqüência estrati-gráfica.

• Podemos utilizar as relações de seccionamento para estabele-cer as idades relativas de corpos ígneos ou falhas que estiveremcortando as rochas sedimentares.

Combinando-se todos os três métodos, podemos decifrar ahistória de regiões cuja geologia é complexa (Figura panorâ-mica 10.11).

Nos séculos XIX e XX, os geólogos utilizaram esses princí-pios de datação relativa e reuniram informações de afloramen-tos de todo o mundo para ajustar uma completa escala do tem-po geológico, um calendário de idades relativas da história geo-lógica da Terra. Cada intervalo de tempo nessa escala está cor-relacionado a um pacote de rochas e respectivos fósseis. Embo-ra a escala do tempo geológico ainda esteja sendo refinada,suas principais divisões têm permanecido constantes durante oúltimo século.

Como ilustrado pela Figura 10.12, a escala do tempo geo-lógico é dividida em quatro unidades principais de tempo, sen-do a seguir enunciadas em ordem de diminuição da sua duraçãotemporal: éons, eras, períodos e épocas. Um éon é a maior di-visão da história.

~ Éon Arqueano" O mais antigo éon é o Arqueano (do grego ar-chaios, "antigo"). As rochas arqueanas abrangem desde as maisantigas rochas conhecidas, com cerca de 4 bilhões de anos, atérochas de 2,5 bilhões de anos. Durante o Éon Arqueano, os sis-temas do geodínamo, da tectônica de placas e do clima foramestabelecidos. Os núcleos da maioria dos continentes forma-ram-se nesse tempo remoto da história da Terra, quando o sis-

Figura 10.9 As relações de seccionamento permitem-nos situaros eventos geológicos num quadro de tempo relativo dado pelasucessão estratigráfica.

Page 10: Tempo geológico02 (10)

2561 Para Entender a Terra

Seção sísmica

A tecnologia sísmica pode ser utilizadapara criar seções sísmicas para revelarseqüências estratigráficas, ...

(c) A seqüência sísmica revela as mudançasna sedimentação, tais como aquelasque ocorreram num delta fluvial.

Uma seqüência da sedimentação deltaica, B,acumula-se sobre uma sedimentação prévia, A.

... as quais permitem aos geólogos observaraté as camadas individuais de uma seqüência.

(b) Seqüência sísmica

Estratos mais novos

Estratos mais antigos

Sedimentos

Outra seqüência sedimentar, C,acumula-se sobre a seqüência B.

O nível do mar sobe e a linha decosta retrocede para o continente.

Figura 10.10 A comparação entre seções sísmicas (a) com seqüências sísmicas (b) revela o processodeposicional que criou o padrão de acamamento. Quando a subsidência tectõnica ou outros eventos, como umamudança climática global, causam a subida do nível do mar, duas seqüências deltaicas são encontradas, (c) e (d).

tema da tectônica de placas operava algo diferente de comopassou a fazer posteriormente, no Proterozóico, e em temposmais recentes. Os fósseis de organismos unicelulares primitivossão encontrados em algumas rochas sedimentares dessa idade.

Éon Proterozóíco O próximo intervalo de rochas formou-sedurante o Éon Proterozóico (do grego próteros, "anterior", ezoikás, "vida") (de 2,5 bilhões a 543 milhões de anos atrás).Durante o tempo proterozóico, as interações do geossistema datectônica de placas e do clima foram semelhantes às que ocor-

reram em tempos geológicos posteriores, com algumas signi-ficativas exceções. Uma delas foi a precipitação, na água domar, de quantidades imensas de óxido de ferro. Quando o oxi-gênio se formou nos primórdios da Terra, combinou-se comoferro reduzido (não-oxidado) presente nos oceanos para for-mar óxido de ferro, o qual, então, precipitou e foi depositadono assoalho do oceano. A precipitação de óxido de ferro manoteve o nível de oxigênio na atmosfera muito baixo até que todoo ferro fosse utilizado. O oxigênio atmosférico só chegou aosníveis atuais no final do Proterozóico e pode ter promovido

Figura 10.11 Uma secção transversal de quatro formaçõespermite aos geólogos reconstruir os estágios da históriageológica de uma área. A partir do mapeamento de campo, umgeólogo elabora uma secção transversal de quatro formações: A,rochas metamórficas deformadas; B, um plúton granítico; D,

arenitos, calcários e folhelhos contendo fósseis marinhos; F.arenitos contendo fósseis continentais. As formações A e D estãoseparadas por uma discordância (C). As formações D e F estãoseparadas por uma discordância angular (E).

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CAPíTULO 10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1257

OS GEÓLOGOS UTILIZAM AS RELAÇÕES DE SECClONAMENTO PARA ESTABELECER UMA CRONOLOGIA RELATIVA

A partir de mapas de campo, um geólogoelaborauma secção transversal,observandoas características dos estratose duasdiscordâncias. Como podem essasrelaçõester acontecido?

F - Arenito contendo fósseis continentais

Discordãncia angular E

.~ ..•..,,"~~.... Arenitos, calcários e folhelhoscontendo fósseis marinhos

Discordãncia C

~ Rochas sedimentares metamor-fizadas e deformadas

Camadas sedimentares/ com fósseis continentais

'''-'~~~~~,.,. .•••..><>-- Discordãncia angular

o Para iniciar, camadassedimentares são depo-sitadas num leito planoe horizontal.

DFinalmente, a deposição de sedi-mentos arenosos sobre a discordãn-cia angular ocorre num ambientecontinental - evidenciado pelosfósseis continentais.

li ...então a erosão aplainaas camadas basculadas,_______ formando uma discordãn-

.--- cia angular.

DA deformação e o meta-morfismo das camadassedimentares ocorremdurante o soerguimento ea compressão tectônicos.

11A intrusão de magmalíquido corta as camadassedimentares previamentedeformadas.

DAs novas camadas marinhassão basculadas e soerguidas,iniciando o processo de erosão ...

oA erosão das camadas deformadasaté a formação de uma superfícieaplanada resulta no desenvol-vimento de uma discordãncia ...

... seguida pela deposição de novas ca-madas sobre a discordãncia, durante a sub-sidência abaixo do nível do mar - eviden-ciada pela presença de fósseis marinhos.

Page 12: Tempo geológico02 (10)

25 Si Para Entender a Terra

Milhões deÉPOCAanos (Ma) ÉON ERA Ma PERíODO Ma

Presente O 1 Holocenoo Cenozóico 0,15--------1u

200;õ Mesozóico 0,4N ii:o ,«•...GI Z400 c:

100 Cretáceo a: 0,8 Pleistoceno~ UJ

'<600 144 :::>

jurássico r 1,2

800 200 20& 1,8900PliocenoTriássico

1000 ;150Permiano 10

1200 300 300o Pensilvaniano Miocenoo .c e 320

1400 u ti ~ Mississippiano 20;õ U c 354-No Devoniano 23,7•...1600 GI 1600 400 409.•..e Siluriano 30 OligocenoQ.. 439 ii:1800 ,«

Ordoviciano Ü 36,6a:2000 500 510 UJ

Cambriano 40

2200 43'" Eocenoo

2400 z 50«ii: 2500~

57,82600 ~-c60 PaleocenoU

2800 'w65a:

Q..

3000 o Fita do tempo da Terra (ver Figura 1.12)c:..•GI:l Acrescimento da Terra3200 cr•...-c

3400

3600

3800 2500

4000o

4200 c:..•GI

"tl..•4400 J:

4600

ÉON FANEROZÓICO

Durante os Éons Hadeano e Ar-queano, três geossistemas globaisda Terra foram estabelecidos.

SISTEMADATECTÔNICADE PLACAS

SISTEMADO Figura 10.12 A escala do tempo geológico. Os números naCEODíNAMO esquerda das colunas estão em milhões de anos (Ma) antes do

presente.

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CAPíTULO 10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico /259

formasde vida unicelulares a evoluírem para algas e animaisillulticelulares,os quais estão preservados no registro fóssil doProterozóicotardio.

Éon Fanerozóico O mais recente e mais bem estudado éon,queabrangeos últimos 543 milhões de anos, é o Fanerozóico(dogregophanerós, "visível", e zoikás, "vida"). Muitas forma-~õesrochosasdesse éon contêm abundantes conchas e outrosfósseis,como ossos de vertebrados. Com raras exceções, as re-servasde petróleo e gás formaram-se durante esse tempo dahistóriadaTerra. O Fanerozóico é subdividido em três eras:

I EraPaleozóica("vida antiga"): de 543 milhões a 251 milhõesdeanosatrás

I EraMesozóica ("vida intermediária"): de 251 milhões a 65milhõesde anos atrás

I EraCenozóica ("vida recente"): de 65 milhões de anos atrásatéopresente

Aseras são subdivididas em períodos, a maioria deles de-nominadosde acordo com o nome da localidade geográfica on-deasformações estão mais bem expostas ou onde foram des-critaspelaprimeira vez ou, ainda, por alguma característica dis-lintivadas formações. O Período Jurássico, por exemplo, é de-nominadodevido às Montanhas Jura, na França e na Suíça, e oPeríodoCarbonífero, por causa das rochas sedimentares porta-dorasdecarvão da Europa e da América do Norte.

Osperíodos são, por sua vez, subdivididos em épocas; sen-doasmaisbem conhecidas geologicamente aquelas do PeríodoTerciário,como a Época Pliocena (abrangendo o intervalo de 6milhõesa 1,8 milhão de anos atrás). Na Reportagem 10.1, a es-calado tempo geológico é utilizada para interpretar um dosmaisfamosos afloramentos do mundo, o Grand Canyon.

Aoelaborarem essa escala do tempo geológico, os geólogostiveramde mudar seu modo de pensar a Terra. James Hutton,conhecidocomo o pai da Geologia moderna, e Charles Lyell,autorde um dos primeiros e mais influentes manuais de Geolo-gia(Princípios de Geologia,' o primeiro volume publicado em1829),levaram os geólogos a entender que o planeta não foimodeladopor uma série de eventos catastróficos ocorridos emapenaspoucos milhares de anos, como muitas pessoas de entãoacreditavam.Pelo contrário, a Terra era o produto de processosgeológicosordinários operando uniformemente durante um in-tervalode tempo muito maior. Como observado no Capítulo 4,Huttonfoi um dos primeiros a compreender a natureza cíclicadasmudanças geológicas: o ciclo das rochas, em que ocorreerosão,intemperismo, sedimentação, soterramento, atividadeígneae tectônica e soerguimento de montanhas.

Também inerente ao pensamento de Hutton e Lyell foi oprincípiodo uniformitarismo - o qual, você deve estar lembra-dodo Capítulo 1, postula que os processos que observamosmodelandoa Terra atualmente são os mesmos que operaramdurantetoda a história do planeta. Embora diferentes tipos desedimentospossam ter sido depositados em diferentes taxas eemdiferentes lugares durante a história da Terra, podemos es-tarrazoavelmente certos de que os processos deposicionais queacumularamsedimentos há milhões e bilhões de anos operaramdamesma maneira como fazem hoje.

t;;~h)po isotópico: adicionando~tas à escala do tempo geológico

A escala do tempo geológico, baseada em estudos da estratigra-fia e dos fósseis, é uma escala relativa. Com ela, os geólogospodem dizer se uma formação é mais antiga que outra, mas nãodeterminar precisamente quando uma rocha se formou. É comosaber que a Primeira Guerra Mundial precedeu a Segunda, masnão definir com exatidão os anos específicos em que tais con-flitos iniciaram e terminaram. Os geólogos do século XIX po-diam estimar somente um vago tempo de milhões de anos paraque uma certa associação de fósseis mudasse para outra. Embo-ra tivessem estimado os tempos de vários processos geológicos,como, por exemplo, da deposição de sedimentos no fundo delagos ou da erosão de um vale fluvial, eles não podiam imagi-nar uma maneira de medir a duração exata dos mesmos.

Alguns físicos do século XIX estimaram a idade da Terra edo sistema solar a partir de princípios astronômicos e físicos ecalcularam como sendo de muitos milhões de anos. Mas o cál-culo dessas estimativas estava baseado em princípios físicos daépoca (alguns dos quais estão hoje ultrapassados) e variavamenormemente, desde 25 milhões até 75 milhões de anos. Então,em 1896, um avanço na física moderna pavimentou uma ma-neira confiável e precisa de medição do tempo geológico emanos. Henri Becquerel, um físico francês, descobriu a radioati-vidade do urânio. Menos de um ano depois, a química francesaMarie Sklodowska-Curie descobriu e isolou um outro elemen-to altamente radioativo, o rádio.

Em 1905, o físico Ernest Rutherford sugeriu que a radioati-vidade poderia ser usada para medir a idade exata de uma ro-cha. Ele foi capaz de dizer a idade em anos de um mineral deurânio a partir de medições feitas em seu laboratório. Poucosanos depois, as idades de muitas outras rochas foram determi-nadas, enquanto os métodos de datação iam sendo refinados emais elementos radioativos eram descobertos. Esse foi o inícioda datação isotópica, que consiste em usar elementos radioati-vos naturais para determinar as idades das rochas. Quando Ru-therford anunciou os resultados de sua primeira medição, ficouclaro que a idade da Terra era de bilhões de anos e que o inter-valo do Éon Fanerozóico sozinho abrangia um pouco mais demeio bilhão de anos.

Átomos radioativos: os relógios das rochasComo os geólogos utilizam a radioatividade para determinara idade de uma rocha? O que os pioneiros da física nucleardescobriram foi que os átomos de urânio, rádio e muitos ou-tros elementos radioativos são instáveis. O núcleo de um áto-mo radioativo desintegra-se espontaneamente, formando umátomo de um elemento diferente e emitindo radiação, umaforma de energia. Chamamos o átomo original de pai e o pro-duto do seu decaimento é conhecido como filho. O isótopo-pai rubídio-87, por exemplo, forma um isótopo-filho estável,o estrôncio-87, por meio do decaimento radioativo. Um nêu-tron no núcleo de um átomo de rubídio-87 desintegra-se, eje-tando um elétron do núcleo e produzindo um novo próton. Oátomo anterior de rubídio, que tinha 37 prótons, torna-se, as-sim, um átomo de estrôncio, com 38 prótons (Figura 10.13).

Page 14: Tempo geológico02 (10)

260 I Para Entender a Terra

10.1 A seqüência do Grand Canyon e acorrelação regional de estratos

As rochas do Grand Canyon e de outras partes da região doPlanalto do Colora do (EUA) têm muito para contar. Elas re-

gistram uma longa história de sedimentação numa variedadede ambientes, algumas vezes continentais e, outras, marinhos.Diversas desconformidades marcam os intervalos de erosão.Essas rochas contêm uma sucessão de fósseis, os quais reve-lam a evolução de novos organismos e a extinção de outros,mais antigos. A partir da correlação das seqüências de rochasexpostas em diferentes lugares, os geólogos podem recons-truir uma história geológica abrangendo um intervalo de maisde 1 bilhão de anos.

As rochas expostas mais basais e, portanto, as mais antigasdo Grand Canyon são as rochas ígneas e metamórficas escurasdo Grupo Vishnu, com idade de cerca de 1,6 bilhão de anos,de acordo com técnicas de datação isotópica.

Sobrepostas ao Grupo Vishnu, e mais novas, portanto, es-tão as Camadas Grand Canyon, do Pré-Cambriano Superior.Essas camadas contêm fósseis de microrganismos unicelularesde tamanho milimétrico. Uma não-conformidade separa as ca-madas do Grupo Vishnu e as do Grand Canyon, representan-do um período de deformação estrutural que acompanhou ometarnorflsrno desse grupo e, depois, de erosão, antes da de-posição das camadas mais novas. A inclinação das CamadasGrand Canyon, formando um ãngulo em relação à posição ho-rizontal de quando foram geradas, mostra que elas também fo-ram dobradas depois da deposição e do soterramento.

Uma discordância angular separa as Camadas Grand Can-yon das camadas horizontais sobrepostas do Arenito Tapeats.Essa discordância indica um longo período de erosão depoisdo basculamento das rochas inferiores. O Arenito Tapeats e oFolhelho Bright Angel podem ser datados como do Cambria-no pelos seus fósseis, muitos dos quais são de trilobitas.

Sobreposto ao Folhelho Bright Angel está um grupo deformações horizontais de calcá rio e folhelho (Calcário Muav,Calcário Temple Butte e Calcário Redwall) que representamcerca de 200 milhões de anos, desde o final do Período Carn-briano até o final do Período Mississippiano. Existe um lapsode tempo muito longo representado pelas discordãncias des-

sa seqüência, sendo que os estratos das rochas materializamrealmente menos de 40'7'0 do Paleozóico.

O próximo pacote de estratos, em direção ao topo da pa-rede do cânion, é o Grupo Supai (Pensilvaniano e Permiano),que reúne formações que contêm fósseis de vegetação terres-tre, como aqueles encontrados em camadas de carvão naAmérica do Norte e em outros continentes. Sobrepondo-se aoGrupo Supai, está o Hermit, um folhelho arenítico vermelho.

Continuando em direção ao topo, encontramos outro de-pósito continental, o Arenito Coconino, o qual contém rastrosde animais vertebrados. Os rastros desses animais sugeremque o Coconino foi formado em um ambiente terrestre duran-te o Período Permiano. No topo dos penhascos na borda docânion, estão mais duas formações de idade permiana: a Toro-weap, constituída predominantemente de calcário, sobrepos-ta pela Kaibab, uma camada maciça de calcário arenoso con-tendo sílex. Essas duas formações registram a subsidência daregião sob o nível do mar e a deposição de sedimentos mari-nhos.

A sucessão de estratos no Grand Canyon, embora pitores-ca e instrutiva, representa uma imagem incompleta da históriada Terra. Períodos mais novos do tempo geológico não estãopreservados e devemos nos deslocar para lugares em Utah,nos parques nacionais dos cânions Zion e Bryce, para comple-tar os últimos eventos dessa história. Em Zion, encontramos asunidades equivalentes de Kaibab e Moenkopi, que nos permi-tem estabelecer uma correlação com a região do Grand Can-yon e encadear a história dessas regiões. Diferentemente daárea do Grand Canyon, entretanto, as rochas em Zion esten-dem-se, em direção ao topo, até o tempo jurássico, incluindodunas arenosas antigas representadas pelos arenitos da For-mação Navajo. Se nos deslocarmos um pouco mais ainda, ve-remos que essa formação ocorre também no Cânion Bryce,mas, nesse lugar, os estratos empilham-se em direção ao topoaté a Formação Wasatch, de idade terciária.

A correlação dos estratos dessas três áreas do Planalto doColorado mostra como as seqüências de lugares bastante se-parados - cada qual com um registro incompleto do tempogeológico - podem ser em pilhadas para construir um registrocomposto da história da Terra.

Secção estratigráfica generalizada das unidades rochosas das se-qüências do Grand Canyon, do Cânion Zion e do Cânion Bryce.[lohn Wang/Photo Disc/Getty Images; David Muench/Corbis; e TimDavis/Photo Researchers, respectivamente 1

Page 15: Tempo geológico02 (10)

Terciário

Cretáceo

jurássico

Triássico

Permiano

Pensilvaniano

MississippianoOevoniano

Cambriano

Pré-Cambrian

CAPíTULO 10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1261

Parque Nacional do Grand Canyon

Fm = FormaçãoAr ArenitoCc = Calcá rio

Ar Coconino

Folhelho Hermit,Ji=~~~i~~

30 km

Parque Nacional Zion Parque Nacional do Cânion Bryce

Ar Dakota

Fm Kaiparowits

ArWahweap

Ar Straight Cliffs

Folhelho Tropic

Fm Winsor

Ar CurtisAr Entrada

Fm CarmelAr Navajo

Rochas mais antigas não-expostas

Cc Kaibab -Rochas mais antigas não-expostas

Cânion Zion Cânion Bryce"

\ ..•••.•••~-----==--:::

Page 16: Tempo geológico02 (10)

2621 Para Entender a Terra

Núcleo do Rubídio-87 Núcleo do Estrôncio-87

Prótons

• Elétron

Um nêutron do átomo derubídio-87 desintegra-se,ejetando um elétron ...

... e produzindo um próton,e o átomo muda paraestrôncio-87.

Figura 10.13 O decaimento radioativo do rubídio paraestrôncio.

(Recorde do Capítulo 3 que um núcleo atômico consiste emprótons e nêutrons e que um isótopo de um dado elemento con-tém o mesmo número de prótons, mas diferente número denêutrons.)

Quando uma dada quantidade de uma substância radioativadesintegra-se, ou decai, os isótopos-pais vão se alterando aoacaso, e não de uma só uma vez. Assim, uma dada massa deátomos-pais radioativos vai constantemente se desintegrandopara formar átomos-filhos. A razão pela qual o decaimento ra-dioativo oferece um método seguro de contar o tempo reside nofato de que a probabilidade de desintegração é um número de-terminado. A taxa de desintegração não varia com as mudançasde temperatura, pressão ou químicas que tipicamente acompa-nham os processos geológicos na Terra ou em outros planetas.Assim, quando os átomos de um isótopo radioativo são criadosem qualquer lugar do universo, eles começam a atuar como asbatidas de um relógio, alterando-se de forma estável de um tipode átomo para outro numa taxa constante.

As taxas de decaimento radioativo são comumente estabe-lecidas em termos da meia-vida de um elemento - o tempo re-querido para que a metade do número inicial de átomos desin-tegre-se (Figura 10.14). As meias-vidas de elementos comaplicação na Geologia variam desde milhares até bilhões deanos. No final do período da primeira meia-vida de um isótoporadioativo, após a sua incorporação a um novo mineral, a meta-de do número de átomos-pais ainda permanece. No final do pe-ríodo da segunda meia-vida, a metade daquela metade, ou umquarto do número original, ainda resta. No final da terceirameia-vida, um oitavo ainda resta e assim sucessivamente.

Se conhecermos a taxa de decaimento e pudermos contar onúmero de átomos-filhos recém-formados, bem como o de áto-mos-pais que restaram, então podemos calcular o tempo quetranscorreu desde que o relógio radioativo começou a bater.Com efeito, podemos voltar atrás no tempo quando não haviaisótopos-filhos, somente aqueles do elemento-pai ainda não de-sintegrado.

Os geólogos medem a razão entre isótopos-pais e isótopos-filhos com um espectrômetro de massa, um instrumento muitopreciso e sensível que pode detectar até quantidades ínfimas deisótopos. Suponha que tenhamos determinado a razão entre

átomos de rubídio-87 e estrôncio-87 de uma amostra de rochacomo sendo de 19: 1. Utilizando a taxa conhecida de decairnen-to do rubídio para o estrôncio, podemos, então, calcular que4bilhões de anos se passaram desde que o rubídio da nossaamostra começou a se desintegrar.

Para os geólogos, essa é a idade da rocha - ou, mais exata-mente, o tempo desde que o rubídio foi, pela primeira vez, apri-sionado num mineral recém-formado de uma rocha. O rubídioeo estrôncio, assim como outros elementos, são incorporadosnum mineral quando ele se cristaliza a partir de um magma ourecristaliza durante o metamorfismo. Durante a cristalização, arazão entre rubídio e estrôncio é homogeneizada, o que deixazerado o relógio radioativo. Dentro do mineral recém-formado,o decaimento radioativo do rubídio-87 continua e novos átomosde estrôncio começam a se acumular, o que vai mudando a razãoinicial. Esses átomos de estrôncio não podem escapar, a não serque uma nova recristalização aconteça. Assim, o rubídio-87 eoutros isótopos radioativos em rochas ígneas fornecem uma ma-neira de determinar quando um magma foi intrudido e resfriado.

Os isótopos radioativos em rochas metamórficas nos possi-bilitam medir o tempo transcorrido desde que elas foram meta-morfizadas. O decaimento do rubídio não é utilizado para datarrochas sedimentares, porque os minerais em sedimentos clásti-cos são geralmente derivados de rochas preexistentes mais an-tigas. Minerais precipitados por processos químicos e bioquí-micos em sedimentos, tais como carbonatos, geralmente con-têm muito pouco rubídio recém-precipitado para permitir aná-lises isotópicas precisas. Às vezes, entretanto, o carbono daágua do mar é incorporado em quantidade suficiente nas rochassedimentares na época da deposição, permitindo que se deter-mine a idade geológica da mesma.

Os geólogos utilizam um certo número de elementos queocorrem na natureza para determinar a idade das rochas (Qua-dro 10.1). Cada elemento radioativo tem sua própria taxa de de-caimento. Aqueles que decaem lentamente durante bilhões deanos, como o rubídio-87, são uti Iizados para medir a idade derochas antigas. Elementos radioativos que decaem rapidamen-te durante apenas poucas dezenas de milhares de anos, comoo

•52 3 4

Tempo, em meias-vidas

Figura 10.14 O número de átomos radioativos em qualquermineral declina numa taxa precisa ao longo do tempo. Essa taxade decaimento é estabelecida como uma série de meias-vidas.

Page 17: Tempo geológico02 (10)

CAPíTULO 10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1263

Quadro 10.1 Principais :Iérilentos radioativos utilizadõs na datação radiométrica

Isótopo Meia-vidado isótopo-pai (anos)Pai Filho

Intervalo dedatação efetiva

(anos)Minerais e materiais

que podem ser datados

Urânio-238 4,5 bilhões ZircãoChumbo-206

Urânio-235 Chumbo-207 0,7 bilhão

Potássio-40 Argônio-40 1,3 bilhão

Rubídio-87 Estrôncio-87 47 bilhões

Carbono-14 Nitrogênio-14 5.730

carbono-14,são úteis para determinar as idades de rochas mui-tonovas.A datação isotópica é possível somente se uma quan-tidademensurável de átomos-pais e filhos permanecer na ro-cha.Porexemplo, se a rocha é muito antiga e a taxa de decai-mentomuito rápida, quase todos os átomos-pais já foram trans-formados.Nesse caso, poderíamos concluir que a pilha do reló-gioisotópicoacabou, mas não saberíamos dizer há quanto tem-poeleparou.

Carbono-14: cronometrando atividades"recentes"O carbono-14,que decai para o nitrogênio-14, tem uma meia-vi-dade 5.730 anos. Numa rocha de 30 mil anos, por exemplo,maisdecinco meias-vidas se passaram e somente um pouco me-nosque 1/32 da quantidade inicial de carbono-14 ainda perma-nece.Quando 70 mil anos tiverem se passado, muito pouco car-bono-14terá permanecido para permitir uma contagem precisa.Porisso,o método do carbono-14 é mais adequado para mediridadesdo passado geológico relativamente recente.

Esse método é especialmente importante para datar ossosfósseis,conchas, madeira e outros materiais orgânicos em sedi-mentosmuito novos, porque todos esses materiais contêm car-bono,incluindo uma pequena quantidade de carbono-14. O car-bonoé um elemento essencial nas células vivas de todos os or-ganismos.Por exemplo, quando os vegetais verdes crescem,elescontinuamente incorporam em seus tecidos uma pequenaquantidadede carbono-14, junto com isótopos estáveis de car-bono,a partir do dióxido de carbono da atmosfera. Quando um

10 milhões-4,6 bilhões

10 milhões-4,6 bilhões

Apatita

Zircão

50 mil-4,6 bilhões

Apatita

Muscovita

Biotita

Hornblenda

10 milhões-4,6 bilhões MuscovitaBiotitaFeldspato potássico

Madeira, carvão vegetal, turfaOssos e tecidosCarbonato de cálcio de conchas e outrosÁgua subterrânea, água do mar egelo de geleira contendo dióxido decarbono dissolvido

100-70 mil

vegetal morre, ele pára de absorver dióxido de carbono, e ne-nhum carbono novo de qualquer tipo é, então, adicionado ao te-cido. Nesse momento, a quantidade de carbono-14 em relaçãoaos isótopos estáveis de carbono é idêntica àquela da atmosfe-ra. Entretanto, a quantidade de carbono-14 no tecido morto, queé incorporada como material orgânico fóssil num sedimento,decresce estavelmente à medida que os átomos radioativos sedesintegram. Os átomos-filhos de nitrogênio-14 são gasosos e,assim, abandonam o sedimento, de modo que não podemosmedi-Ios com exatidão. Contudo, podemos comparar a quanti-dade de carbono-14 deixada no material vegetal com a quanti-dade inicial que estava em equilíbrio com a atmosfera, a qual éconsiderada como sendo aproximadamente constante para operíodo de tempo relativamente curto que está sendo medido.Essa comparação fornece o tempo que transcorreu desde que ovegetal morreu.

Os limites e usos da datação isotópicaA datação isotópica não pode fornecer uma leitura precisa paraqualquer rocha que um geólogo amostrar. Se uma rocha con-tendo urânio tiver perdido um pouco de seu chumbo pelo in-temperismo, por exemplo, podemos obter erroneamente umaidade mais nova. Ou se uma rocha ígnea foi metamorfizada, osisótopos-filhos que se acumularam desde a cristalização domagma podem ter sido perdidos, reajustando o relógio para otempo do metamorfismo em vez do tempo de formação inicial.Além desses fatores, a exatidão e a precisão da datação isotópi-ca dependem de medidas acuradas de, geralmente, quantidades

Page 18: Tempo geológico02 (10)

2641 Para Entender a Terra

ínfimas de átomos-filhos encontrados nas rochas. As técnicasatuais avançaram de modo a possibilitar que o chumbo de umúnico cristal de zircão possa ser usado para datar uma rocha. Defato, a exatidão tem melhorado muito nos últimos anos, de sor-te que as rochas paleozóicas e pré-cambrianas podem ser data-das com um erro não superior a algumas centenas de milharesde anos - uma melhora significativa quando comparada com oserros de mais de 50 milhões de anos praticados há poucas déca-das atrás.

Um dos limites da escala do tempo geológico que teve umagrande mudança graças ao aumento da exatidão das dataçõesisotópicas e à obtenção de novas amostras de territórios ante-riormente inexplorados é aquele entre o Período Cambriano eo tempo Pré-Cambriano (que reúne os éons Arqueano e Prote-rozóico). Nos últimos anos, esse limite tem mudado inúmerasvezes, desde a idade inicial de 570 milhões de anos até a idadeatual, que tem um valor muito mais acurado, de 543 milhõesde anos. Essa idade é particularmente importante porque estárelacionada com um dos mais significativos desenvolvimentosda evolução de organismos multicelulares.

A escala do tempo geológico tem muitos usos, além de servaliosa para os geólogos. Os antropólogos que reconstroem ospassos da evolução humana e os arqueólogos que datam os vá-rios assentamentos humanos utilizam os intervalos mais recen-tes da escala do tempo, abrangendo os últimos 5 a 10 milhõesde anos. Os sismólogos que estudam as regiões propensas àocorrência de terremotos utilizam a escala do tempo e a estrati-grafia do passado recente para mapear os movimentos das fa-lhas que originam as ondas sísmicas.

Outros relógios geológicosO tempo é tão fundamental no estudo da Terra que os geólogoscontinuam a procurar maneiras adicionais de medir o tempogeológico. A estratigrafia paleomagnética, por exemplo, estáobtendo um notável desenvolvimento como auxiliar na dataçãoisotópica. Como abordamos no Capítulo 2, a reversão do cam-po magnético terrestre ocorre aproximadamente a cada meiomilhão de anos. Essas reversões periódicas estão registradas naorientação de minerais magnéticos nas rochas, especialmenteaqueles do assoalho oceânico. A escala do tempo magnético foicalibrada tanto pelas determinações das idades radioativas co-mo pelas idades estratigráficas de formações fossilíferas sobree sotopo tas.

~ - fia tili daçoes con ravers: U I rzan O

f<r"ji~Y1inhas de evidências

Quando os geólogos determinaram as idades isotópicas e corre-lacionaram-nas aos seus estudos paleontológicos e estratigráfi-cos anteriores, puderam acrescentar essas idades absolutas à es-cala do tempo geológico (ver Figura 10.11). Com essas trêsfontes de informação, puderam então deduzir as idades aproxi-madas das formações rochosas, mesmo daquelas que não con-tinham material favorável às análises radiométricas. Por exem-plo, se soubermos, a partir da datação isotópica, que uma intru-são ígnea ocorreu há 500 milhões de anos, então as camadas se-

dimentares seccionadas pela intrusão devem ser mais antigasque essa idade. E se essas mesmas camadas estiverem sobre-postas a rochas metamórficas datadas radiometricamente em500 milhões de anos, então saberemos que as camadas sedi-mentares foram formadas entre 500 a 550 milhões de anosatrás. Se, além disso, essas rochas sedimentares contiveremfósseis indicando idades estratigráficas do Cambriano ou Orde-viciano tardio, saberemos as idades absolutas de partes desseperíodos geológicos. A partir desse tipo de controle de idades,os geólogos ajustam toda a escala do tempo geológico. Depoisde quase um século de datações isotópicas e trabalhos conti-nuados na estratigrafia do mundo inteiro, essa escala do tempoencontra-se consolidada nos seus aspectos principais.

Estimando as taxas de processos geológicosmuito lentosAgora que já temos o controle dos métodos para a datação derochas, veremos o que a escala do tempo pode nos dizer sobreas taxas de alguns processos geológicos muito lentos. Conside-re a abertura de um oceano, onde as placas do assoalho se afas-tem uma da outra a partir da dorsal mesoceânica. O OceanoAtlântico Sul tem uma largura de mais de 5 mil krn entre aAmérica do Sul e a África, sendo essa distância a medida da se-paração dos dois continentes. Nos bordos desses dois continen-tes encontraremos as porções mais antigas desse assoalho, poisse formaram no princípio da expansão. A partir dos fósseis, sabemos que esses sedimentos são de, aproximadamente, 100 mioIhões de anos (que é a idade do Cretáceo Médio). Desse modo,a velocidade média de expansão dessa região do assoalho oceâ-nico é de 5 mil km a cada 100 milhões de anos, ou cerca de 5em/ano. Em outras regiões dos oceanos, as velocidades de ex-pansão podem ser mais baixas, de 2 a 4 em/ano (Dorsal doAtlântico), ou mais altas, chegando até 10 a 17 em/ano (Dorsaldo Pacífico Oriental).

Esse tipo de cálculo genérico fornece uma surpreendenteestimativa da velocidade de expansão do assoalho oceânico.Ele foi testado em 1987, quando os cientistas, pela primeiravez, foram capazes de medir a velocidade de expansão direta-mente no assoalho do Atlântico, utilizando tecnologia de radiação laser de longo alcance e satélite. Os resultados concordamcom as velocidades de expansão que os geólogos marinhos cal-cularam a partir da idade e da posição do assoalho oceânico.

Os métodos de datação descritos neste capítulo tambémnos ajudam a entender outros processos lentos, um deles rela-cionado aos habitantes da Califórnia (EUA): o movimento deblocos crustais ao longo da Falha de Santo André e de outrasfalhas próximas, que têm sido responsáveis pelos principaisterremotos da região. A Figura 10.15 mostra como a Placa Pa-cífica desliza em relação à Placa Norte-Americana ao longo deum limite transformante. Uma maneira de determinar a veloci-dade desse movimento é medindo as distâncias das contrapar-tes das distintas formações geológicas de várias idades que fo-ram separadas pelas falhas da borda da placa. Dividindo-se adistância que agora separa essas formações pelo tempo decororido desde que se formaram e se separaram, teremos a veloci-dade do movimento. As velocidades de expansão do assoalhooceânico e as medidas de satélites fornecem outras estimativasde deslocamentos ao longo das bordas das placas. Utilizando

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CAPíTULO 10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1265

Figura 10.15 O movimento relativo de cerca de 5 cm/anoentreas placas Norte-Americana e Pacífica pode ser calculadotantopela separação das formações geológicas que deslizam aolongoda falha como por medidas de satélite ou pelasvelocidadesde expansão do assoalho oceãnico.

essasobservações, podemos estimar que o deslocamento mé-dioduranteos últimos milhões de anos foi de aproximadamen-le5 a 6 em/ano, Se essa taxa persistir, Los Angeles, que se lo-calizana Placa Pacífica, estará lado a lado de San Francisco,

1871

que está na Placa Norte-Americana, dentro de, aproximada-mente, 10 milhões de anos.

Podemos medir as taxas de movimentos verticais pela data-ção de depósitos marinhos que se encontram agora acima do ní-vel do mar. Parte da Cordilheira dos Alpes, por exemplo, con-tém fósseis marinhos cuja idade de cerca de 15 milhões de anosé conhecida por nós. Esses fósseis, agora elevados para a altitu-de de 3 mil metros, foram originalmente depositados próximosao nível do mar, no assoalho de um oceano raso. As rochas se-dimentares contendo os fósseis devem ter sido soerguidas numamédia aproximada de 2 mm/década, embora as taxas possamter sido mais altas ou mais baixas por curtos intervalos de tem-po ou em diferentes partes da cordilheira.

Um último exemplo que utilizaremos aqui será o da erosão.Processos erosivos estão continuamente desnudando a superfí-cie dos terrenos. Esses processos são tão lentos que duas foto-grafias de um vale fluvial obtidas num intervalo de 96 anosmostram pouca diferença (Figura 10.16). Podemos estimar astaxas de erosão pela adição de todos os produtos desintegradosou dissolvidos pela erosão que os rios ou o vento carregaram deuma região. Para o continente norte-americano, essa taxa temsido estimada como sendo de 3 mm/século. Nesse ritmo, se-riam necessários 100 milhões de anos para aplainar uma mon-tanha de 3 mil metros de altura até o nível do mar.

Assim, nesses exemplos específicos, são necessários cercade 100 milhões de anos para um oceano abrir, 15 milhões deanos para soerguer uma cordilheira e 100 milhões de anos para,depois, erodi-la. Como veremos mais adiante, entretanto, essesintervalos de tempo são relativamente curtos quando compara-dos com toda a história do planeta. Durante essa história, a Ter-ra sofreu muitos ciclos de soerguimento de montanhas e erosão.

Uma visão geral do tempo geológicoPodemos, agora, combinar a escala do tempo geológico com asidades absolutas obtidas a partir da análise do decaimento ra-dioativo e da evolução dos organismos, para construir uma li-

1968

Figura 10.16 As duas fotografias do Meandro de Bowknot, no Rio Green, no Estado deUtah(EUA), foram tomadas num intervalo de quase 100 anos e mostram que poucomudouna configuração destas rochas e formações no transcurso desse tempo.

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2661 Para Entender a Terra

Fita do tempo da Terra (ver Figura 1.12)

Acrescimento da Terra

ÉONS HADEANO E ARQUEANO

2500~==============================================~

ÉON PROTEROZÓICO

500~====================='----------------------~

ÉON FANEROZÓICO

Período Pensilvaniano

I íeríodo Mississippiano

Células;;J~~:iS'!!!!!!) antigas

Mais antiga rochadatada da Terro

Figura 10.17 Linha do tempo geológico da história da Terra. Abreviaturas: Ma (Megaannu), milhões de anos; Ga (Ciga annu), bilhões de anos.

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CAPíTULO 10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1267

nhado tempo de toda a história da Terra, iniciando desde 4,6bilhõesde anos atrás (ver as páginas de abertura deste livro). AFigura 10.17 mostra toda a extensão do tempo geológico naformade um caminho espiralado, onde cada volta da espiral re-presentaI bilhão de anos. A partir dessa ilustração, podemosobservaro quão pequeno é o Éon Fanerozóico em relação à his-tóriada Terra, bem como o diminuto intervalo de tempo quetranscorreudesde o início da evolução humana.

Outra maneira de compreender esse período de tempo ex-traordinariamente vasto é pensar a idade da Terra como sendocorrespondenteao calendário de um ano. No dia primeiro de ja-neiro,a Terra foi formada. Durante o mês de janeiro e parte doiníciode fevereiro, ela tornou-se estruturada em núcleo, mantoecrosta.Próximo a 21 de fevereiro, a vida se desenvolveu. Du-rantetodo o outono, inverno e início da primavera, a Terra de-senvolveuos continentes e bacias oceânicas, às vezes, seme-lhantesàs atuais, e a tectônica de placas passou a operar. Em 25deoutubro, no início do Período Cambriano, os organismoscomplexos,incluindo aqueles com conchas, chegaram. No dia7 dedezembro, os répteis evoluíram e, no Natal, os dinossaurosforamextintos. Os humanos modernos, Homo sapiens sapiens,apareceramem cena às 23h, na véspera do Ano Novo, e a últi-maidade do gelo terminou às 23h58min45s. Três centésimosdesegundo antes da meia-noite, Colombo aportou numa ilhadasÍndias Ocidentais. E poucos milésimos de segundos atrás,vocênasceu.

I RESUMO

Comoos geólogos sabem a idade de uma rocha e se ela émais antiga que outra? Os geólogos determinam a ordem deformaçãodas rochas ao estudar sua estratigrafia, fósseis e dis-posiçãoespacial no campo. Uma seqüência de rochas sedimen-taresnão deformada será horizontal, com cada camada sendomaisnova que aquela que está sotoposta e mais antiga que a ca-madasobreposta. Além disso, como os animais e as plantasevoluíram progressivamente ao longo do tempo, seus fósseisregistramas mudanças numa sucessão conhecida na seqüênciaestratigráfica. Sabendo-se a sucessão faunística, torna-se maisfácilpara os geólogos localizar camadas sedimentares erodidas,gerando uma discordância. Mais importante ainda, os fósseispossibilitam a correlação de rochas localizadas em várias par-tesdo mundo.

Como os geólogos criaram uma escala do tempo geológicoaplicável em qualquer lugar do mundo? Utilizando-se osfósseispara correlacionar as rochas de mesma idade e reunindoasseqüências expostas em centenas de milhares de afloramen-tosmundo afora, os geólogos compilaram uma seqüência estra-tigráfica aplicável em qualquer região da Terra. A seqüênciacomposta representa a escala do tempo geológico. O uso da da-taçãoisotópica permitiu aos cientistas atribuírem idades abso-lutaspara as unidades da escala do tempo. A datação isotópicaé baseada no comportamento dos elementos radioativos, quan-doos átomos-pais instáveis são transformados em isótopos-fi-

lhos a uma taxa constante. Quando os elementos radioativossão aprisionados dentro de um mineral durante a formação darocha, o número de isótopos-filhos aumenta, enquanto o de isó-topos-pais diminui. Ao medir-se a quantidade de pais e filhos,podemos calcular a idade absoluta.

Por que a escala do tempo geológico é importante para osgeólogos? A escala do tempo geológico permite aos geólogosreconstruir a cronologia dos eventos que moldaram o planeta. Aescala do tempo tem sido utilizada na validação e estudo da tec-tônica de placas e na estimativa de taxas de processos muito len-tos para serem monitorados diretamente, tais como a abertura deum oceano durante milhões e centenas de milhões de anos. Odesenvolvimento da escala do tempo geológico revelou que aTerra é muito mais antiga do que os geólogos e outros cientistaspioneiros imaginavam e que ela sofreu contínuas mudanças co-mo resultado de processos lentos operando ao longo de sua his-tória. A criação da escala do tempo geológico, ao lado do desen-volvimento da Paleontologia e da teoria da evolução, é uma dasmais revolucionárias e impressionantes idéias científicas.

I Conceitos e termos-chave

• datação isotópica (p. 259)

• desconformidade (p. 253)

• discordância (p. 252)

• discordância angular (p. 253)

• éon (p. 255)• época (p. 259)• era (p. 259)• escala do tempo geológico

(p. 255)

• estratificação (p. 249)

• estratigrafia (p. 249)• estratigrafia de seqüências

(p.254)

• formação (p. 252)

Exercícios

• idade isotópica (p. 248)

• idade relativa (p. 248)

• meia-vida (p. 262)• não-conformidade(p. 253)

• Paleontologia(p. 25 I)

• período (p. 259)• princípioda horizontalidade

original (p. 249)

• princípio da superposição(p.249)

• relações de seccionamento(p.254)

• sucessãoestratigráfica(p. 249)

• tempo geológico (p. 250)

Este icone indica que há uma animação disponível no sítio ele-trônico que pode ajudâ-lo na resposta.

((JI;ECTARIVEB

1. Liste os períodos geológicos, do mais novo ao mais antigo.

2. Especifique as idades absolutas do início das eras Paleozóica,Me-sozóica e Cenozóica.

3. Em qual elemento resulta a desintegraçãoradioativado rubídio-87?4. Em qual intervalo de idades pode ser datado um sedimento pelocarbono-I 4?

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2681 Para Entender a Terra

5. Quais são os eventos geológicos que estão implicados numa discor-dância angular?

6. O que é o princípio da superposição?

7. O que é o princípio da horizontal idade original?

8. Em que a discordância angular difere da desconformidade? E danão-conformidade?

9. Qual a propriedade dos fósseis que os geólogos utilizam para dataras formações nas quais são encontrados?

10. Como a determinação das idades das rochas ígneas ajuda a dataros fósseis?

Questões para pensar

Este icone indica que há uma animação disponível no sítioeletrônico que pode ajudá-lo na resposta.

CQNK!ARWEB

1. Quando você passa por uma escavação numa rua, observauma secção que mostra, no topo, o pavimento dela, em seguida o soloe, na base, a rocha. Você também observa que um cano de água verti-cal estende-se desde um bueiro da rua até o cano de esgoto enterradono solo. O que você pode dizer sobre as idades relativas das várias ca-madas e do cano de água?

2. Como você seria capaz de verificar as idades relativas de vários de-pósitos de cinza vulcânica expostos num afloramento?

3. Que evidência você forneceria a um amigo para sustentar a idéia deque uma formação particular originou-se há vários milhões de anos?

4. Construa um diagrama similar ao da Figura panorâmica 10.11 paramostrar a seguinte série de eventos geológicos: (a) sedimentação deuma formação de calcário; (b) soerguimento e dobramento do calcá-rio; (c) erosão do terreno dobrado; (d) subsidência do terreno e sedi-mentação de uma formação de arenito.

5. Muitas camadas de lama de grão fino foram depositadas numa taxaaproximada de I cm a cada mil anos. Nessa taxa, quanto tempo leva-ria para acumular uma seqüência de meio quilômetro de espessura?

6. Que elementos radioativos você poderia utilizar para datar xistosde, aproximadamente, I bilhão de anos?

7. Que evento geológico é datado pelo decaimento radioativo de ummineral contido num xisto?

8. Que evento geológico é datado pelo decaimento radioativo de ummineral contido num basalto?

9. Nomeie o evento geológico que pode ser datado tanto por métodosestratigráficos como por datação isotópica.

10. Analisando a secção do Grand Canyon mostrada na Reportagem10.1, dê um exemplo de uma discordância angular, uma desconformi-dade e uma não-conformidade.

11. Você acha que seria possível utilizar a datação isotópica para de-terminar a idade de um basalto da Lua, o qual tem uma composiçãomuito similar àquele encontrado na Terra? Que esquema de decairnen-to radioativo você poderia utilizar?

12. Você gostaria de saber quando um vulcão inativo na América doSul esteve em atividade pela última vez. Que métodos você utilizariapara determinar essa data?

Roteiro de pesquisa:investigue com seus colegas

Tempo geológico

John McPhee, um conhecido divulgador da Geologia, popularizouocalendário anual comparado com o tempo geológico de modo arepresentar esse último em termos humanos. Neste roteiro de pesqusa, você e seus colegas irão criar sua própria metáfora para o tempogeológico.

A metáfora do calendário anual vincula uma conversão diretaen·tre os diversos intervalos de tempo. Vocês podem comparar o tempogeológico com outra escala de tempo, como o período de uma vidabumana, ou outras medidas, como distância, volume ou peso. Umame·táfora pessoal, como a comparação do tempo geológico com a distân·cia entre suas casas, é facilmente memorizada.

Sua metáfora poderia incluir os seguintes eventos: origem daTer·ra; rochas mais antigas; surgimento da vida no planeta; transição parauma atmosfera com oxigênio; origem da vida multicelular; primeirosvegetais terrestres; primeiros animais terrestres; aparecimento e extinção dos dinossauros; primeiros hominídeos; primeiros humanos anatomicamente modernos; três eventos da história humana de sua esco-lha; suas datas de nascimento.

Vocês precisam saber as datas dos eventos e deverão calcularapercentagem do tempo geológico entre eles. Por exemplo, se a Terraseformou há 4,6 bilhões de anos e as rochas mais antigas há 3,8 bilhõesde anos, vocês podem calcular que 0,8 bilhão de anos, ou cercade17% do tempo geológico, transcorreu entre um evento e outro: 4,6-3,8 = 0,8; 0,8/4,6 = 0,17. Calculem as diferenças percentuais entreosoutros eventos geológicos e estabeleçam a escala de sua metáforaapropriadamente.

Apresentem seu projeto de equipe em uma ilustração visual. Umametáfora que faça uma equivalência dos intervalos de tempo emter·mos de distâncias, por exemplo, pode ser representada por um mapaesinalizadores ao longo da estrada. Escrevam uma descrição de duaspáginas, incluindo a razão da escolha de sua metáfora e como interpretar comparativamente as escalas de tempo.

Sugestões de leitura

Berry, W. B. N. 1987. Growth of a Prehistoric Time Scale. PaioAlto, California: Blackwell Scientific.

Faure, G. 1986. Principies of Isotopic Geology, 2nd ed. NewYork:Wiley.

Palmer, A. R. 1984. Decade of Nortn American Geologic TimeScale. Map and Chart Series MC-50. Boulder, Colorado: GeologicalSociety of America.

Simpson, G. G. 1983. Fossils. New York: Scientific AmericanBooks.

Stanley, S. M. 1999. Earth System History. NewYork: W. H.Free-mano

Winchester, S. 2002. The Map that Changed the World: WilliamSmith and lhe Birth of Modem Geology. New York: Perennial.

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CAPíTULO 10. Registro das Rochas e Escala do Tempo Geológico 1269

I Sugestõesde leitura em português

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Fairchild, T. R., Teixeira, W. e Babinski, M. 2000. Em busca dopassadodo planeta: tempo geológico. In: Teixeira, W., Toledo, M. e.M. de,Fairchild, T. R. e Taioli, F. (orgs.) 2000. Decifrando a Terra. SãoPaulo:Oficina de Textos. p. 305-326.

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McAlester, A. L. 1971. História geológica da vida. São Paulo: Ed-garBlücher.

Mendes, J. C. 1979. Vida pré-histárica: evolução dos animais e ve-getaisno Brasil no decorrer do tempo geológico. 2a ed. São Paulo: Me-lhoramentos.

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Suguio, K. 2003. Geologia sedimentar. São Paulo: Edgard Blücher.Tosatto, P. 200 I. Orville A. Derby: o pai da Geologia do Brasil.

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Calouste Gulbenkian.Winchester, S. 2004. O mapa que mudou o mundo. São Paulo:

Record.

I Notas de tradução

10 auge do Império Romano ocorreu no século 11d.e. Já o processocivilizatório peruano iniciou-se há mais de 12 mil a.e. e originouuma diversidade impressionante de culturas, culminando na incaica,que se estendeu de 1440 a 1532, quando foi subjugada pelos espa-nhóis.

2 Os topônimos deste mapa não foram traduzidos por se tratar de umareprodução de peça histórica.

3 Também chamada na literatura geológica brasileira de inconformi-dade.

4 Jorge C. Della Fávera, um dos mais notáveis expoentes e pioneiro daEstratigrafia de Seqüências no Brasil, chama essa nova visão de"Estratigrafia Moderna", que começou a ser aplicada para as baciassedimentares brasileiras com a criação do Curso de Pós-Graduaçãoem Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS, em 1990.

5 Considera-se anterior ao Arqueano, porém sem registro crustal naTerra, o Éon Hadeano (de Hades, deus grego do mundo subterrâneo,equivalente ao deus Plutão dos romanos), que vai desde o início doacrescimento planetário até os primeiros registros de rochas crustais(de 4,6 a 3,95 bilhões de anos).

6 Pré-Carnbriano é uma unidade geocronológica informal que reúnetodos os éons antes do Fanerozóico.

7 O livro Principies ofGeology, um dos mais importantes do mundocientífico, ainda não foi traduzido para o português.

8 Pré-Cambriano é uma designação informal, não sendo uma era ouéon, utilizada para se referir ao grande período de tempo que reúneos éons Hadeano e Arqueano.