399
Resumo Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova. Introdução – p. 1-22 Temos por definição de teologia sistemática qualquer estudo que responda à pergunta “O que a Bíblia como um todo nos ensina hoje?” sobre qualquer assunto. Ou seja, ela viabiliza a reunião e entendimento de “todas as passagens relevantes da Bíblia sobre vários tópicos” para, então, sintetizar o seu ensino de forma que auxilie o crer acerca de cada tema. Neste livro não estudaremos a teologia histórica (como os cristãos entenderam vários tópicos teológicos) nem na teologia filosófica (instrumentos e métodos do raciocínio filosófico) nem na apologética (defesa da fé cristã para convencer incrédulos). Entretanto, alguma ponderação histórica, filosófica e apologética será vista em vários pontos ao longo deste livro. A teologia sistemática se diferencia da teologia do Antigo Testamento, da teologia do Novo Testamento e da teologia bíblica que são organizadas “na ordem em que são apresentados na Bíblia”. Já a teologia bíblica é técnica para a teologia, pois contém a teologia do Antigo Testamento e a teologia do Novo Testamento. Ela também faz uso do material da teologia bíblica construindo sobre seus resultados quando são necessários para o desenvolvimento de uma doutrina. Entretanto, o núcleo da teologia sistemática concentra-se na compilação e, depois, na sintetização do ensino de todas as passagens bíblicas sobre um assunto específico. Definir teologia sistemática pressupõe o como uma doutrina em estudo é vista em termos de seu valor prático para a vida Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação 1

Teologia sistemática grudem

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Teologia sistemática   grudem

Resumo

Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Introdução – p. 1-22

Temos por definição de teologia sistemática qualquer estudo que responda à pergunta “O que

a Bíblia como um todo nos ensina hoje?” sobre qualquer assunto. Ou seja, ela viabiliza a

reunião e entendimento de “todas as passagens relevantes da Bíblia sobre vários tópicos”

para, então, sintetizar o seu ensino de forma que auxilie o crer acerca de cada tema.

Neste livro não estudaremos a teologia histórica (como os cristãos entenderam vários tópicos

teológicos) nem na teologia filosófica (instrumentos e métodos do raciocínio filosófico) nem

na apologética (defesa da fé cristã para convencer incrédulos). Entretanto, alguma ponderação

histórica, filosófica e apologética será vista em vários pontos ao longo deste livro.

A teologia sistemática se diferencia da teologia do Antigo Testamento, da teologia do Novo

Testamento e da teologia bíblica que são organizadas “na ordem em que são apresentados na

Bíblia”. Já a teologia bíblica é técnica para a teologia, pois contém a teologia do Antigo

Testamento e a teologia do Novo Testamento. Ela também faz uso do material da teologia

bíblica construindo sobre seus resultados quando são necessários para o desenvolvimento de

uma doutrina. Entretanto, o núcleo da teologia sistemática concentra-se na compilação e,

depois, na sintetização do ensino de todas as passagens bíblicas sobre um assunto específico.

Definir teologia sistemática pressupõe o como uma doutrina em estudo é vista em termos de

seu valor prático para a vida cristã. Usando essa definição de teologia sistemática, fica claro

que os cristãos, na sua maioria, fazem teologia sistemática a partir do momento em que dizem

algo acerca do que a Bíblia, ele está sintetizando um dado conhecimento.

Neste livro a “teologia sistemática” foi descrita com os seguintes cuidados:

1. apresentação com “tópicos bíblicos de modo cuidadosamente organizado a fim de

garantir que todos os tópicos importantes recebam completa consideração”. Tal

organização apresenta um controle contra possíveis imprecisões em tópicos

específicos “visando coerência em metodologia e ausência de contradições nas

inter-relações entre as doutrinas”.

2. trabalho com os “tópicos em muito mais detalhes”.

3. com estudo formal providenciou “resumos dos ensinos bíblicos com muito mais

exatidão”, evitando mal-entendidos e ensinos falsos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

1

Page 2: Teologia sistemática   grudem

4. a “análise teológica deve encontrar e tratar com justiça todas as passagens bíblicas

relevantes a cada tópico”

No estudo sistemático é de extrema importância que qualquer pessoa “tenha em mente a firme

resolução de abandonar como falsa qualquer idéia que seja claramente contestada pelo ensino

das Escrituras” e também não creia numa doutrina específica, a não ser que seja convencido a

partir do próprio texto das Escrituras.

A palavra doutrina será entendida, nesta obra, como “o que a Bíblia como um todo nos ensina

hoje acerca de algum tópico específico”. As doutrinas podem ser bem amplas ou bem

restritas, como a “doutrina de Deus” (inclui tudo o que a Bíblia nos apresenta acerca de

Deus), ou a doutrina da eternidade de Deus ou na doutrina da Trindade, etc.

Pode-se fazer uma certa confusão entre teologia sistemática e ética cristã. Mas, para ficar

claro a “teologia sistemática está no que Deus quer que creiamos e conheçamos” (idéias), e

ao pensarmos em ética cristã reconhecemos o que Deus quer que façamos e nas atitudes

(situações) que venhamos a ter. Ou seja: “Ética cristã é qualquer estudo que responda à

pergunta ‘O que Deus exige que façamos e que atitudes ele exige que tenhamos hoje?’ com

respeito a qualquer situação”.

Partindo das seguintes pressuposições: “(1) que a Bíblia é verdadeira e é, na realidade, nosso

único padrão absoluto da verdade; (2) que o Deus sobre quem fala a Bíblia existe e é quem a

Bíblia diz ser”, começamos nossos estudos. E a partir dessa base, entendemos que os cristãos

devem estudar teologia sistemática, devem se envolver no processo de reunir e de compendiar

os ensinos e não apenas continuar lendo a Bíblia com regularidade. O resultado dessas ações

nos leva a pensar que a teologia sistemática, por trabalhar de forma a organizar seus ensinos

bíblicos ou de explicá-los de maneira mais clara do que a própria Bíblia faz, nos leve a negar

implicitamente a clareza das Escrituras. Mas não foi essa a ordem de Jesus em Mateus 28, Ele

quer que ensinemos:

Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século (Mt 28.19-20).

Ensinar o que Jesus ordenou é simplesmente ensinar o que Ele falou nas narrativas dos

evangelhos e no Novo Testamento. Inclui também a interpretação e a aplicação da vida e dos

ensinos que deixou.

A Grande Comissão não é só a evangelização, mas o ensino. E a tarefa de ensinar o que Jesus

e o que a Bíblia nos ensina hoje. Assim, para ensinar é necessário reunir e abreviar os textos

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

2

Page 3: Teologia sistemática   grudem

das Escrituras sobre um determinado assunto. Através de passagens mais relevantes e resumos

do conteúdo, ensinaremos melhor. “A razão básica para estudar teologia sistemática, então, é

que ela nos capacita a ensinar a nós mesmos e a outros o que a Bíblia toda diz, cumprindo

dessa forma a segunda parte da Grande Comissão”.

Razão básica para este estudo, além de ser um meio de obedecer ao mandamento do nosso

Senhor, é que existem mais algumas vantagens:

1. “estudar teologia nos ajuda a vencer nossas idéias erradas”

2. estudar teologia sistemática nos torna “capazes de tomar decisões melhores mais tarde

em novas questões de doutrina que possam surgir”

3. “estudar teologia sistemática irá ajudar-nos a crescer como cristãos”.

Mas nem sempre a teologia sistemática foi vista com bons olhos. Alguns estudiosos

desconfiam da teologia sistemática em função da não-contradição. Dizem que por serem suas

conclusões “requintadas demais” é que os “teólogos sistemáticos devem estar, portanto,

colocando à força os ensinos da Bíblia dentro de um molde artificial, distorcendo o verdadeiro

significado das Escrituras a fim de conseguir um conjunto ordenado de crenças”.

Respondemos da seguinte forma:

1) identifique que partes da Bíblia tem sido interpretada erradamente e,

2) “se entendemos de maneira precisa os ensinos de Deus nas Escrituras, devemos

esperar que nossas conclusões “se harmonizem umas com as outras” e sejam

mutuamente coerentes. Coerência interna, portanto, é um argumento a favor, não

contra, qualquer conclusão específica da teologia sistemática”.

Outro questionamento sobre a teologia sistemática esta na “escolha e organização dos

assuntos e até mesmo ao próprio fato de se fazer o estudo das Escrituras por assuntos”.

Pontuamos que nossas considerações iniciais determinam nossas conclusões sobre assuntos

polêmicos. Para responder a essa objeção, entendemos que cabe aa discussão sobre a

necessidade do ensino das Escrituras, mais para tanto nosso alvo é descobrir o que Deus exige

de nós em todas as áreas do nosso interesse hoje.

O estudo da teologia sistemática, a partir do conteúdo bíblico, apresenta algumas normas:

1. Estudar teologia é “uma atividade espiritual em que precisamos da ajuda do Espírito

Santo”.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

3

Page 4: Teologia sistemática   grudem

2. Estudar teologia sistemática é aprender informações dos ensinos das Escrituras não

muito divulgados entre os cristãos. Em Tiago 1:19-20 aprendemos que “o

entendimento das Escrituras deve ser compartilhado em humildade e amor”.

3. Para extrair conclusão lógica de um determinado texto, assim como Jesus e os

escritores do NT requer um estudo com a razão. A “Bíblia é o último padrão da

verdade; e, juntos, esses fatos nos mostram que somos livres para usar nossa razão

a fim de extrair conclusões de qualquer passagem das Escrituras, até o ponto em

que essas deduções não contradigam o ensino claro de alguma outra passagem das

Escrituras”.

4. O ensino teológico não pode ser adquirido sem o auxílio de outras pessoas. Permitir

aqueles que tem melhor entendimento das Escrituras venha até nós, é um excelente

passo. Uso de outros livros e conversas sobre o que estamos estudando “podem

explicar os ensinos bíblicos com clareza e ajudar-nos a entendê-los com mais

facilidade”.

5. O processo de compilação e entendimento bíblico compreende:

a. Encontrar todos os versículos relevantes.

b. Ler os versículos relevantes, fazer anotações e tentar resumir os seus pontos

principais.

c. Sintetizar em um ou mais pontos que a Bíblia afirma sobre aquele assunto.

6. Estudar teologia é fazer estudo do Deus vivo e das maravilhas de todas as suas

obras na criação e na redenção. “Ao estudar os ensinos da Palavra de Deus, não

devemos nos surpreender se muitas vezes nosso coração prorromper

espontaneamente em expressões de louvor e deleite como as do salmista:

Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração (Sl 19.8).

Mais me regozijo com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as

riquezas (Sl 119.14).

Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar! Mais que o mel à minha

boca (Sl 119.103).

Os teus testemunhos, recebi-os por legado perpétuo, porque me constituem o

prazer do coração (Sl 119.111)”.

Resumo - Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 1 - A Doutrina da Palavra de Deus – p. 23 – 96

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

4

Page 5: Teologia sistemática   grudem

A. “A Palavra De Deus” Como Pessoa: Jesus Cristo.............................................................3B. “A Palavra de Deus” como comunicação verbal de Deus.................................................3

1. Os decretos de Deus........................................................................................................32. Palavras de Deus de aplicação pessoal...........................................................................33. Palavras de Deus comunicadas por lábios humanos.......................................................44. Palavras de Deus em forma escrita (a Bíblia).................................................................4

C. O ponto de convergência do nosso estudo.........................................................................4

O cânon das Escrituras.......................................................................................4A. O Cânon do Antigo Testamento.........................................................................................4B. O Cânon do Novo Testamento...........................................................................................5

As Quatro Características das Escrituras.........................................................5A. Todas as palavras nas Escrituras são palavras de Deus.....................................................6

1. Isso é o que a Bíblia afirma a seu próprio respeito.........................................................62. Somos convencidos a aceitar as reivindicações da Bíblia de que ela é a Palavra de Deus à medida que a lemos.................................................................................................63. Outros indícios são úteis, mas não totalmente convincentes..........................................64. As palavras das Escrituras são autocorroborantes..........................................................75. Objeção: isso é um argumento circular...........................................................................76. Isso não implica ditado de Deus como único meio de comunicação..............................7

B. Portanto, não crer em qualquer palavra das Escrituras ou desobedecer a elas é não crer em Deus ou desobedecer a ele................................................................................................7C. A Veracidade das Escrituras..............................................................................................8

1. Deus não pode mentir nem falar com falsidade..............................................................82. Portanto, todas as palavras nas Escrituras são inteiramente verdadeiras e não contêm erro em lugar algum............................................................................................................83. As palavras de Deus são o padrão definitivo da verdade................................................84. Algum fato novo poderia contradizer a Bíblia?..............................................................9

D. As Escrituras em forma escrita são nossa autoridade final................................................9

A Inerrância das Escrituras...............................................................................9A. O significado de inerrância................................................................................................9

1. A Bíblia pode ser inerrante e mesmo assim empregar a linguagem comum da fala cotidiana............................................................................................................................102. A Bíblia pode ser inerrante e mesmo assim conter citações vagas ou livres................103. É compatível com a inerrância haver construções gramaticais incomuns ou pouco usuais na Bíblia.................................................................................................................10

B. Alguns desafios atuais para a inerrância..........................................................................111. A Bíblia é a única autoridade em questões de “fé e prática”........................................112. O termo inerrância é um exagero.................................................................................113. Não possuímos manuscritos inerrantes; portanto, é ilusório falar de uma Bíblia inerrante............................................................................................................................114. Em detalhes secundários, os escritores bíblicos “adaptaram” suas mensagens às idéias falsas correntes na época deles, afirmando ou ensinando tais idéias de modo incidental............................................................................................................................................115. A inerrância superestima o aspecto divino das Escrituras e negligencia o aspecto humano..............................................................................................................................126. Há alguns erros evidentes na Bíblia..............................................................................12

C. Problemas decorrentes da rejeição da inerrância.............................................................12

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

5

Page 6: Teologia sistemática   grudem

1. Se rejeitarmos a inerrância, teremos de nos confrontar com um problema moral sério:...........................................................................................................................................122. Se rejeitarmos a inerrância, começaremos a questionar se realmente podemos confiar em Deus em tudo que nos diz...........................................................................................123. Se rejeitarmos a inerrância, em essência, estaremos fazendo de nossa mente humana um padrão de verdade mais elevado que a própria Palavra de Deus................................134. Se rejeitarmos a inerrância, precisaremos também dizer que a Bíblia está errada não apenas em detalhes secundários, mas também em algumas de suas doutrinas.................13

As Quatro Características das Escrituras.......................................................13A. A Bíblia freqüentemente afirma a sua própria clareza.....................................................13B. As qualidades morais e espirituais necessárias para a correta compreensão...................14C. Definição de clareza das Escrituras..................................................................................14E. O incentivo prático derivado dessa doutrina....................................................................14F. O papel dos estudiosos......................................................................................................15

As Quatro Características das Escrituras.......................................................16A. A Bíblia é necessária para conhecer o evangelho............................................................16B. A Bíblia é necessária para sustentar a fé espiritual..........................................................17C. A Bíblia é necessária para o conhecimento seguro da vontade de Deus..........................17D. Mas a Bíblia não é necessária para saber que Deus existe...............................................17E. Além disso, a Bíblia não é necessária para conhecer algo sobre o caráter e sobre as leis morais de Deus......................................................................................................................17

As Quatro Características das Escrituras.......................................................18A. Definição de suficiência das Escrituras...........................................................................18B. Podemos encontrar tudo o que Deus disse sobre temas específicos e também respostas às nossas perguntas....................................................................................................................18C. A Veracidade das Escrituras............................................................................................18D. Aplicações práticas da suficiência das Escrituras............................................................19

1. A suficiência das Escrituras deve-nos incentivar..........................................................192. A suficiência das Escrituras nos lembra de que não devemos acrescentar nada à Bíblia...........................................................................................................................................193. A suficiência das Escrituras também nos diz que Deus não exige que creiamos em nada sobre si mesmo ou sobre sua obra redentora que não se encontre na Bíblia............194. A suficiência das Escrituras nos mostra que nenhuma revelação moderna de Deus deve ser equiparada à Bíblia no tocante à autoridade.......................................................195. Com respeito à vida cristã, a suficiência das Escrituras nos lembra de que não existe pecado que não seja proibido pelas Escrituras, quer explícita quer implicitamente.........206. A suficiência das Escrituras também nos diz que Deus nada exige de nós que não esteja determinado explícita ou implicitamente nas Escrituras........................................20

Resumo

Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 1 - A Doutrina da Palavra de Deus – p. 23 - 96

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

6

Page 7: Teologia sistemática   grudem

Que significa a frase “a Palavra de Deus”? Na verdade, há vários significados que essa frase

assume na Bíblia. Vale a pena distinguir claramente esses diferentes sentidos no começo deste

estudo.

A. “A Palavra De Deus” Como Pessoa: Jesus CristoÀs vezes a Bíblia refere-se ao Filho de Deus como “a Palavra de Deus”. Em Apocalipse

19.13, João vê o Senhor Jesus ressurreto no céu e diz: “Está vestido com um manto tingido de

sangue, e o seu nome é a Palavra de Deus” (NVI). De modo semelhante, no começo do

Evangelho de João lemos: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a

Palavra era Deus” (Jo 1.1, NVI). É claro que João está falando aqui do Filho de Deus, porque

no versículo 14 diz: “A Palavra tornou-se carne e viveu entre nós.

B. “A Palavra de Deus” como comunicação verbal de Deus1. Os decretos de Deus.

Às vezes as palavras de Deus tomam a forma de decretos poderosos que causam eventos ou

até mesmo trazem coisas à existência. “Disse Deus: Haja luz; e houve luz” (Gn 1.3). Deus

criou ainda o mundo animal proferindo sua poderosa palavra: “Produza a terra seres viventes,

conforme a sua espécie: animais domésticos, répteis e animais selváticos, segundo a sua

espécie. E assim se fez” (Gn 1.24). Por isso, o salmista pode dizer: “Os céus por sua palavra

se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles” (Sl 33.6).

2. Palavras de Deus de aplicação pessoal.

Deus às vezes se comunica com pessoas sobre a terra falando diretamente a elas. Esses casos

são exemplos de Palavra de Deus de aplicação pessoal e encontram-se através das Escrituras.

Bem no início da criação, Deus diz a Adão: “E o SENHOR Deus lhe deu essa ordem: De toda

árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não

comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.16-17).

3. Palavras de Deus comunicadas por lábios humanos.

Com freqüência nas Escrituras Deus levanta profetas para falar por meio deles. De novo, é

evidente que embora sejam palavras humanas, faladas em linguagem humana comum por

seres humanos comuns, sua autoridade e veracidade não sofrem nenhuma redução; ainda são

inteiramente palavras de Deus.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

7

Page 8: Teologia sistemática   grudem

4. Palavras de Deus em forma escrita (a Bíblia).

Além das palavras de Deus em forma de decreto, das palavras de Deus de aplicação pessoal e

das palavras de Deus comunicadas por lábios humanos, também encontramos nas Escrituras

várias situações em que as palavras de Deus são colocadas em forma escrita.

C. O ponto de convergência do nosso estudo

De todas as formas da Palavra de Deus,  o ponto de convergência de nosso estudo na teologia

sistemática é a Palavra de Deus em forma escrita, isto é, a Bíblia. Essa é a forma da Palavra

de Deus disponível para estudo, pesquisa pública, exame repetido e como base para discussão

uns com outros. Ela nos fala sobre a Palavra de Deus e para ela nos conduz como a uma

pessoa, ou seja, Jesus Cristo, a quem não temos agora em forma corpórea sobre a terra e cuja

vida e ensino, por conseguinte, não somos capazes de observar nem de imitar de primeira

mão.

O cânon das Escrituras

Não devemos subestimar a importância dessa questão. As palavras das Escrituras são as

palavras pelas quais nutrimos nossa vida espiritual. Portanto, podemos reafirmar o comentário

de Moisés ao povo de Israel a respeito da lei de Deus: “Porque esta palavra não é para vós

outros coisa vã; antes, é a vossa vida; e, por esta mesma palavra, prolongareis os dias na terra

à qual, passando o Jordão, ides para a possuir” (Dt 32.47).

A. O Cânon do Antigo TestamentoOnde surgiu a idéia do cânon — a idéia de que o povo de Deus deve preservar uma coleção de

palavras escritas de Deus? A própria Bíblia dá testemunho do desenvolvimento histórico do

cânon. A coleção mais antiga das palavras de Deus eram os Dez Manda-mentos. Os Dez

Mandamentos, portanto, constituem o início do cânon bíblico. O próprio Deus escreveu sobre

duas tábuas de pedra as palavras que ele ordenou ao seu povo: “E, tendo acabado de falar com

ele no monte Sinai, deu a Moisés as duas tábuas do Testemunho, tábuas de pedra, escritas

pelo dedo de Deus” (Êx 31.18). Lemos novamente: “As tábuas eram obra de Deus; também a

escritura era a mesma escritura de Deus, esculpida nas tábuas” (Êx 32.16; cf. Dt 4.13; 10.4).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

8

Page 9: Teologia sistemática   grudem

As tábuas foram depositadas na arca da aliança (Dt 10.5) e constituíam os termos do pacto

entre Deus e seu povo. 

B. O Cânon do Novo TestamentoO desenvolvimento do cânon do Novo Testamento começa com os escritos dos apóstolos.

Deve ser lembrado que o registro das Escrituras ocorre principalmente em associação com os

grandes atos de Deus na história da redenção. O Antigo Testamento registra e interpreta para

nós o chamado de Abraão e a vida de seus descendentes, o êxodo do Egito e a peregrinação

pelo deserto, o assentamento do povo de Deus na terra de Canaã, o estabelecimento da

monarquia, o exílio e a volta do cativeiro.

As Quatro Características das Escrituras

(1) Autoridade

Os principais ensinos da Bíblia a seu próprio respeito podem ser classificados em quatro

características (às vezes chamadas atributos):

(1) a autoridade das Escrituras;

(2) a clareza das Escrituras;

(3) a necessidade das Escrituras; e

(4) a suficiência das Escrituras.

A autoridade das Escrituras significa que todas as palavras nas Escrituras são palavras de

Deus, de modo que não crer em alguma palavra da Bíblia ou desobedecer a ela é não crer em

Deus ou desobedecer a ele.

A. Todas as palavras nas Escrituras são palavras de Deus1. Isso é o que a Bíblia afirma a seu próprio respeito.

Há muitas afirmações na Bíblia declarando que todas as palavras das Escrituras são palavras

de Deus (ao mesmo tempo em que são palavras escritas por homens).  No Antigo Testamento,

isso se vê com freqüência na frase introdutória “assim diz o Senhor”, que ocorre centenas de

vezes. No mundo do Antigo Testamento, essa frase seria reconhecida como idêntica em forma

à expressão “assim diz o rei...”, usada para introduzir um edito de um rei a seus súditos, edito

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

9

Page 10: Teologia sistemática   grudem

que não poderia ser desafiado nem questionado, mas simplesmente obedecido.2  Dessa forma,

quando os profetas dizem “assim diz o Senhor” eles estão reivindicando a condição de

mensageiros do soberano Rei de Israel, ou seja, o próprio Deus, e declarando que suas

palavras são palavras de Deus com autoridade absoluta. Quando um profeta falava dessa

forma em nome de Deus, cada palavra dita vinha de Deus, senão ele seria um falso profeta

(cf. Nm 22.38; Dt 18.18-20; Jr 1.9; 14.14; 23.16-22; 29.31-32; Ez 2.7; 13.1-16).

2. Somos convencidos a aceitar as reivindicações da Bíblia de que ela é a Palavra de

Deus à medida que a lemos.

Uma coisa é afirmar que a Bíblia alega ser as palavras de Deus. Outra coisa é convencer-se de

que essas afirmações são verdadeiras. Nossa convicção definitiva de que as palavras da Bíblia

são palavras divinas vem apenas quando o Espírito Santo fala ao nosso coração nas palavras

da Bíblia e por intermédio delas, dando-nos a segurança íntima de que essas são as palavras

de nosso Criador falando conosco. Logo depois de explicar que sua mensagem apostólica

consistia de palavras ensinadas pelo Espírito Santo (1Co 2.13), Paulo diz: “... o homem

natural não aceita as coisas do Espírito de Deus,8  porque lhe são loucura; e não pode

entendê-las porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2.14). À parte do trabalho do

Espírito de Deus, uma pessoa não receberá verdades espirituais e, em particular, não receberá

nem aceitará a verdade de que as palavras das Escrituras são de fato palavras de Deus.

3. Outros indícios são úteis, mas não totalmente convincentes.

A seção anterior não foi escrita para negar a validade de outros tipos de argumento que podem

ser usados para sustentar a afirmação de que a Bíblia é a palavra de Deus. Para nós é útil saber

que a Bíblia é historicamente precisa, tem coerência interna, contém profecias que se

cumpriram centenas de anos mais tarde, influenciou os rumos da história humana mais do que

qualquer outro livro, vem mudando a vida de milhões de indivíduos ao longo da história,

pessoas encontraram a salvação por meio dela, possui em seus ensinos beleza majestosa e

profundidade que nenhum outro livro pode superar e afirma centenas de vezes ser a

verdadeira palavra de Deus. Todos esses e outros argumentos são úteis para nós e removem

obstáculos que de outra forma se levantariam contra nossa fé nas Escrituras. Mas todos esses

argumentos considerados separadamente ou em conjunto não conseguem ser convincentes de

maneira definitiva.

4. As palavras das Escrituras são autocorroborantes.

Elas não podem ser “comprovadas” como palavras de Deus apelando-se a alguma autoridade

superior. Pois caso se apelasse a uma autoridade superior (por exemplo, exatidão histórica ou

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

10

Page 11: Teologia sistemática   grudem

coerência lógica) como recurso para provar que a Bíblia é a Palavra de Deus, então a própria

Bíblia deixaria de ser a nossa autoridade mais alta ou absoluta e ficaria subordinada em

matéria de autoridade àquilo a que apelássemos a fim de provar que ela é a Palavra de Deus.

Se no final das contas apelamos à razão humana, ou à lógica, ou à exatidão histórica, ou à

verdade científica como autoridade pela qual se demonstra que as Escrituras são as palavras

de Deus, então estamos pressupondo que a coisa para a qual apelamos é uma autoridade

superior às palavras de Deus e também mais verdadeira ou mais confiável.

5. Objeção: isso é um argumento circular.

Alguém pode objetar que a afirmação de que as Escrituras corroboram a si mesmas como

palavra de Deus é um argumento circular: cremos que as Escrituras são a Palavra de Deus

porque elas reivindicam essa condição e cremos em sua reivindicação porque as Escrituras

são a Palavra de Deus. E cremos que as Escrituras são a Palavra de Deus porque elas

reivindicam essa condição, e assim por diante.

6. Isso não implica ditado de Deus como único meio de comunicação.

Toda a parte precedente deste capítulo afirmou que as palavras da Bíblia são palavras de

Deus. Nesse ponto é necessária uma palavra de advertência. O fato de que todas as palavras

das Escrituras são de Deus não deve nos levar a pensar que Deus ditou cada palavra das

Escrituras aos autores humanos.

B. Portanto, não crer em qualquer palavra das Escrituras ou desobedecer a elas é não crer em Deus ou desobedecer a ele.A divisão anterior afirmou que todas as palavras das Escrituras são de Deus.

Conseqüentemente, não dar crédito ou desobedecer a qualquer palavra das Escrituras é não

dar crédito ou desobedecer ao próprio Deus. Assim, Jesus pode repreender seus discípulos por

não crerem nas Escrituras do Antigo Testamento (Lc 24.25). Os crentes devem guardar e

obedecer às palavras dos discípulos (Jo 15.20: “... se guardaram a minha palavra, também

guardarão a vossa”). Os cristãos são incentivados a se lembrar “do mandamento do Senhor e

Salvador, ensinado pelos [...] apóstolos” (2Pe 3.2). Desobedecer aos escritos de Paulo tornava

a pessoa passível de disciplina da igreja, tal como excomunhão (2Ts 3.14) e punição espiritual

(2Co 13.2-3), inclusive punição por Deus (aparentemente é esse o sentido do verbo na voz

passiva “será ignorado”, em 1Co 14.38). Por outro lado, Deus se alegra em todo aquele que

“treme” diante de sua palavra (Is 66.2).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

11

Page 12: Teologia sistemática   grudem

C. A Veracidade das Escrituras1. Deus não pode mentir nem falar com falsidade.

A essência da autoridade das Escrituras está na sua capacidade de nos compelir a crer nelas e

a elas obedecer, fazendo que tal fé e obediência sejam equivalentes a fé e obediência ao

próprio Deus. Por esse motivo, é necessário considerar a veracidade das Escrituras, pois crer

em todas as palavras da Bíblia implica confiança na completa veracidade das Escrituras em

que cremos. Embora esse assunto vá ser discutido mais a fundo quando considerarmos a

inerrância das Escrituras, vamos tratá-la rapidamente neste ponto.

2. Portanto, todas as palavras nas Escrituras são inteiramente verdadeiras e não contêm

erro em lugar algum.

Já que as palavras da Bíblia são palavras de Deus, e já que Deus não pode mentir nem falar

falsamente, é correto concluir que não há inverdades ou erros em qualquer parte das palavras

das Escrituras. “As palavras do SENHOR são palavras puras, prata refinada em cadinho de

barro, depurada sete vezes” (Sl 12.6). Aqui o salmista usa imagem vívida para falar da pureza

não diluída das palavras de Deus: não há imperfeição nelas. Também em Provérbios 30.5

lemos: “... toda palavra de Deus é pura; ele é escudo para os que nele confiam”. Não são

apenas algumas palavras das Escrituras que são verdade, mas cada palavra.

3. As palavras de Deus são o padrão definitivo da verdade.

Em João 17 Jesus ora ao Pai: “... santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo

17.17). Esse versículo é interessante porque Jesus não usa os adjetivos alÂthinos ou alÂthÂs

(“verdadeiro”), que poderíamos esperar, para dizer “tua palavra é verdadeira”. Ele usa um

substantivo, alÂtheia (“verdade”), para dizer que a Palavra de Deus não é simplesmente

“verdadeira”, mas é a própria verdade.

4. Algum fato novo poderia contradizer a Bíblia?

Será que poderia ser descoberto algum fato novo, científico ou histórico, que vá contradizer a

Bíblia? Podemos dizer com confiança que isso nunca acontecerá — isso, na verdade, é

impossível. Se algum suposto “fato” descoberto contradiz as Escrituras, então (se entendemos

corretamente as Escrituras) esse “fato” deve ser falso, pois Deus, o autor das Escrituras,

conhece todos os fatos verdadeiros (passados, presentes e futuros). Nunca virá à tona nenhum

fato que Deus não conhecesse eras atrás e não tenha levado em conta quando fez com que as

Escrituras fossem produzidas. Cada fato verdadeiro é algo que Deus conhece desde a

eternidade e que, portanto, não pode contradizer o que o Senhor fala nas Escrituras.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

12

Page 13: Teologia sistemática   grudem

D. As Escrituras em forma escrita são nossa autoridade finalÉ importante perceber que a forma final em que as Escrituras permanecem como autoridade é

a forma escrita. Foram as palavras de Deus escritas em tábuas de pedra que Moisés depositou

na arca da aliança. Mais tarde, Deus ordenou a Moisés e aos profetas que o seguiram que

escrevessem suas palavras em um livro. E foi a Escritura em forma escrita (graphÂ) que

Paulo disse ser “inspirada por Deus” (2Tm 3.16). De modo semelhante, são os escritos de

Paulo que são “mandamento do Senhor” (1Co 14.37) e que poderiam ser classificados com

“as demais Escrituras” (2Pe 3.16).

A Inerrância das Escrituras

A. O significado de inerrânciaNão vamos repetir aqui os argumentos a respeito da autoridade das Escrituras apresentados no

capítulo 4. Afirmou-se ali que todas as palavras na Bíblia são palavras de Deus e que,

portanto, não crer em alguma palavra das Escrituras ou não obedecer a ela é não crer em Deus

ou desobedecer a ele. Afirmou-se ainda que a Bíblia ensina claramente que Deus não pode

mentir nem falar com falsidade (2Sm 7.28; Tt 1.2; Hb 6.18). Assim, todas as palavras nas

Escrituras são declaradas completamente verdadeiras e destituídas de erros, qualquer que seja

o trecho (Nm 23.19; Sl 12.6; 119.89, 96; Pv 30.5; Mt 24.35). As palavras de Deus são, de

fato, o padrão máximo da verdade (Jo 17.17).

Deve-se reconhecer que a fidedignidade absoluta no discurso é coerente com alguns outros

tipos de declaração, tais como as seguintes:

1. A Bíblia pode ser inerrante e mesmo assim empregar a linguagem comum da fala

cotidiana.

Isso diz respeito principalmente às descrições “científicas” ou “históricas” de fatos ou

eventos. A Bíblia pode falar que o sol nasce e a chuva cai porque, pela ótica de quem fala, é

exatamente isso que ocorre. Da perspectiva de um observador postado no sol (caso fosse

possível) ou em algum ponto “fixo” hipotético no espaço, a terra gira trazendo o sol ao campo

visual, e a chuva não cai só de cima para baixo, como também de um lado para outro ou de

baixo para cima, de acordo com a direção necessária para que seja conduzida pela gravidade

até a superfície da terra. Mas essas explicações são irremediavelmente pedantes e

impossibilitariam a comunicação normal. De acordo com a perspectiva de quem fala, o sol

nasce e a chuva cai, e essas palavras descrevem com perfeita veracidade os fenômenos

naturais observados por quem fala.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

13

Page 14: Teologia sistemática   grudem

2. A Bíblia pode ser inerrante e mesmo assim conter citações vagas ou livres.

O jeito de uma pessoa citar as palavras de outra é um procedimento que, em grande parte,

varia de cultura para cultura. Na cultura ocidental contemporânea, costumamos citar

textualmente as palavras da pessoa quando as colocamos entre aspas (chamamos a isso

citação direta). Mas quando empregamos a citação indireta (sem aspas), espera-se um relato

preciso limitado apenas à essência da declaração. Considere a seguinte frase: “Elliot disse que

logo estaria em casa para jantar”. A frase não faz uma citação direta de Elliot, mas é uma

expressão aceitável e veraz do que Elliot disse ao pai: “Volto em dois minutos para comer”,

apesar de a citação indireta não conter nenhuma das palavras originais dele.

3. É compatível com a inerrância haver construções gramaticais incomuns ou pouco

usuais na Bíblia.

Algumas linguagens das Escrituras são elegantes e excelentes quanto ao estilo. Outros escritos

bíblicos contêm a linguagem natural do povo comum. Às vezes isso inclui falhas em relação

às “regras” aceitas de expressão gramatical (tais como o uso de um verbo no plural onde as

regras gramaticais exigiriam um verbo no singular ou o emprego de um adjetivo feminino

onde se espera um masculino ou de uma grafia diferente de uma palavra, etc.). Essas

declarações irregulares quanto à estilística ou à gramática (encontradas especialmente no livro

de Apocalipse) não nos devem incomodar, pois não afetam a fidedignidade das declarações

em questão: uma declaração pode ser gramaticalmente incorreta e, ainda assim, inteiramente

verdadeira.

B. Alguns desafios atuais para a inerrânciaNesta seção, examinamos as principais objeções em geral levantadas contra o conceito de

inerrância.

1. A Bíblia é a única autoridade em questões de “fé e prática”.

Uma das objeções mais freqüentes é levantada pelos que dizem que o propósito das Escrituras

é ensinar-nos só em áreas que dizem respeito à “fé e prática”, ou seja, em áreas diretamente

relacionadas com nossa fé religiosa ou com nossa conduta ética. Essa posição abriria a

possibilidade de declarações falsas nas Escrituras, por exemplo, em outras áreas, tais como

em detalhes históricos secundários ou em fatos científicos — essas áreas, afirmam os que

levantam as objeções, não dizem respeito ao propósito da Bíblia: instruir-nos quanto ao que

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

14

Page 15: Teologia sistemática   grudem

devemos crer e como devemos viver.  Seus defensores muitas vezes preferem dizer que a

Bíblia é “infalível”, mas hesitam em empregar a palavra inerrante.2 

2. O termo inerrância é um exagero.

Pessoas que levantam essa segunda objeção dizem que o termo inerrância é exato demais e

que no uso comum denota um tipo de precisão científica absoluta que não devemos atribuir às

Escrituras. Além disso, os que fazem essa objeção observam que o termo inerrância não é

empregado na própria Bíblia. Assim, é provável que seja um termo inadequado e que não

devamos insistir nele.

3. Não possuímos manuscritos inerrantes; portanto, é ilusório falar de uma Bíblia

inerrante.

Os que levantam essa objeção destacam o fato de que a inerrância sempre foi atribuída aos

primeiros exemplares ou aos exemplares originais dos documentos bíblicos.  Mas nenhum

deles sobreviveu: só temos cópias de cópias do que Moisés ou Paulo ou Pedro escreveram. De

que serve, então, atribuir tamanha importância a uma doutrina que se aplica só a manuscritos

que ninguém possui?

4. Em detalhes secundários, os escritores bíblicos “adaptaram” suas mensagens às idéias

falsas correntes na época deles, afirmando ou ensinando tais idéias de modo incidental.

Essa objeção à inerrância é levemente diferente da que restringe a inerrância das Escrituras a

questões de fé e prática, mas está associada a ela. Os que defendem essa posição alegam que

seria muito difícil para os autores bíblicos se comunicarem com o povo de sua época, caso

tentassem corrigir todas as informações históricas e científicas erradas em que acreditavam

seus contemporâneos.

5. A inerrância superestima o aspecto divino das Escrituras e negligencia o aspecto

humano.

Essa objeção mais geral é levantada pelos que alegam que os defensores da inerrância dão

tanta ênfase ao aspecto divino das Escrituras, que subestimam o aspecto humano.

Aceita-se que a Bíblia possui um aspecto humano e outro divino e que precisamos dar a

devida atenção a ambos. Entretanto, os que levantam essa objeção quase que invariavelmente

insistem em que os aspectos verdadeiramente “humanos” das Escrituras devem incluir a

presença de alguns erros nas Escrituras.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

15

Page 16: Teologia sistemática   grudem

6. Há alguns erros evidentes na Bíblia.

Essa última objeção, de que há erros claros na Bíblia, é feita ou insinuada pela maior parte dos

que negam a inerrância e, para muitos deles, a convicção de que realmente há erros nas

Escrituras é um fator importante que os convence a questionar a doutrina da inerrância.

C. Problemas decorrentes da rejeição da inerrânciaOs problemas advindos da rejeição da inerrância bíblica não são insignificantes e, quando

compreendemos a magnitude desses problemas, somos encorajados não só a afirmar a

inerrância, mas também a sua importância para a igreja. Alguns dos problemas mais sérios

são aqui alistados.

1. Se rejeitarmos a inerrância, teremos de nos confrontar com um problema moral

sério:

Podemos imitar a Deus e também mentir intencionalmente em questões secundárias? Isso se

assemelha à discussão em resposta à quarta objeção acima, mas aqui se aplica não só aos que

levantam essa objeção como também de maneira mais ampla a todos os que negam a

inerrância. Efésios 5.1 nos diz que devemos ser imitadores de Deus. Mas uma negação da

inerrância que ainda defenda que as palavras das Escrituras são inspiradas implica

necessariamente que Deus nos falou inverdades intencionalmente em algumas de suas

declarações menos centrais das Escrituras.

2. Se rejeitarmos a inerrância, começaremos a questionar se realmente podemos confiar

em Deus em tudo que nos diz.

Uma vez convencidos de que Deus nos falou inverdades em algumas questões secundárias das

Escrituras, vamos perceber que Deus é capaz de nos falar inverdades. Isso terá um efeito

nocivo sobre nossa capacidade de aceitar a palavra de Deus e de confiar nele por completo ou

de obedecer a ele plenamente no restante das Escrituras.

3. Se rejeitarmos a inerrância, em essência, estaremos fazendo de nossa mente humana

um padrão de verdade mais elevado que a própria Palavra de Deus.

Empregamos nossa mente para julgar algumas seções da Palavra de Deus e anunciamos que

estão erradas. Mas na prática isso significa que conhecemos a verdade com mais certeza e

exatidão que a Palavra de Deus (ou que o próprio Deus), pelo menos nessas áreas. Tal

procedimento, que faz de nossa mente um padrão mais elevado de verdade que a Palavra de

Deus, está na raiz de todo pecado intelectual.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

16

Page 17: Teologia sistemática   grudem

4. Se rejeitarmos a inerrância, precisaremos também dizer que a Bíblia está errada não

apenas em detalhes secundários, mas também em algumas de suas doutrinas.

A negação da inerrância implica estarmos dizendo que o ensino da Bíblia sobre a natureza

das Escrituras e sobre a veracidade e fidedignidade das palavras de Deus é também falso.

Esses detalhes não são secundários, mas questões doutrinárias centrais nas Escrituras.

As Quatro Características das Escrituras

(2) Clareza

Qualquer pessoa que já tenha começado a ler a Bíblia seriamente percebe que algumas partes

podem ser bem facilmente entendidas, enquanto outras parecem enigmáticas. Na verdade,

bem no início da história da igreja Pedro já lembrava aos seus leitores que algumas partes das

epístolas de Paulo eram de difícil compreensão: “Como igualmente o nosso amado irmão

Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos,

como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de

entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais

Escrituras, para a própria destruição deles” (2Pe 3.15-16). Precisamos admitir, portanto, que

nem todas as partes das Escrituras podem ser compreendidas com facilidade.

A. A Bíblia freqüentemente afirma a sua própria clarezaA clareza da Bíblia e a responsabilidade dos crentes em geral de lê-la e compreendê-la são

freqüentemente enfatizadas. Todo o povo de Israel deveria ser capaz de compreender as

palavras das Escrituras, e compreendê-las bem o bastante para diligentemente ensiná-las aos

filhos. Esse ensinamento certamente não seria mera memorização mecânica, destituída de

compreensão, pois o povo de Israel deveria discutir as palavras das Escrituras sentado dentro

de casa, nas atividades cotidianas, andando na rua, na hora de ir para a cama ou quando se

levantasse de manhã.

B. As qualidades morais e espirituais necessárias para a correta compreensãoOs autores do Novo Testamento freqüentemente afirmam que a capacidade de compreender

corretamente as Escrituras é mais moral e espiritual do que intelectual: “Ora, o homem natural

não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las,

porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2.14; cf. 1.18-3.4; 2Co 3.14-16; 4.3-4, 6; Hb

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

17

Page 18: Teologia sistemática   grudem

5.14; Tg 1.5-6; 2Pe 3.5; cf. Mc 4.11-12; Jo 7.17; 8.43). Assim, embora os autores do Novo

Testamento afirmem que a Bíblia em si está escrita claramente, afirmam também que não será

compreendida corretamente por quem não se dispuser a receber os seus ensinamentos.

C. Definição de clareza das EscriturasPara resumir essa matéria bíblica, podemos afirmar que a Bíblia é escrita de forma tal que

todas as coisas necessárias para nossa salvação e para nossa vida e crescimento cristão

encontram-se bem claramente expostas nas Escrituras. Embora os teólogos às vezes definam a

clareza das Escrituras de modo mais estreito (dizendo, por exemplo, apenas que as Escrituras

são claras no ensino do caminho da salvação), os muitos textos citados acima se aplicam a

vários aspectos diferentes do ensino bíblico e não parecem sustentar nenhuma limitação com

relação a temas sobre os quais se pode dizer que as Escrituras não falam claramente.

D. POR QUE AS PESSOAS COMPREENDEM ERRADAMENTE AS ESCRITURAS?

Durante a vida de Jesus, seus próprios discípulos às vezes demonstravam não compreender o

Antigo Testamento e os próprios ensinamentos de Cristo (ver Mt 15.16; Mc 4.10-13; 6.52;

8.14-21; 9.32; Lc 18.34; Jo 8.27; 10.6). Embora às vezes isso se devesse ao fato de que eles

simplesmente precisavam aguardar eventos futuros da história da redenção, especialmente da

vida do próprio Cristo (ver Jo 12.16; 13.7; cf. Jo 2.22), também houve oportunidades em que

isso se deveu à sua falta de fé ou dureza de coração (Lc 24.25).

E. O incentivo prático derivado dessa doutrinaA doutrina da clareza das Escrituras, portanto, tem uma implicação prática muito importante e

em última instância bastante encorajadora. Ela nos diz que nos pontos em que há desacordo

doutrinário ou ético (por exemplo, quanto ao batismo, à predestinação ou ao governo da

igreja), só há duas causas possíveis dessas discordâncias:

(1) de um lado, pode ser que estejamos buscando fazer afirmações sobre pontos em

que as próprias Escrituras se calam. Nesses casos, devemos estar prontos a admitir

que Deus não deu resposta à nossa dúvida, aceitando as diferenças de pontos de

vista dentro da igreja. (Isso sempre ocorrerá em questões bem práticas, como os

métodos de evangelização, os estilos de ensino bíblico ou o tamanho apropriado da

igreja.)

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

18

Page 19: Teologia sistemática   grudem

(2) Por outro lado, é possível que tenhamos cometido erros na nossa interpretação das

Escrituras. Isso pode ter ocorrido porque as informações que usamos para decidir

uma questão de interpretação eram imprecisas ou incompletas. Ou talvez porque

haja alguma deficiência pessoal da nossa parte, como, por exemplo, orgulho

pessoal, ganância, falta de fé, egoísmo ou mesmo dedicação insuficiente de tempo

para ler e estudar as Escrituras com devoção.

F. O papel dos estudiososDiante disso, será que os estudiosos da Bíblia e aqueles dotados de conhecimento

especializado de hebraico (para o Antigo Testamento) e grego (para o Novo Testamento)

ainda têm algum papel a desempenhar? Certamente sim, e em pelo menos quatro áreas:

1. Eles podem ensinar claramente as Escrituras, transmitindo o seu conteúdo aos outros e

assim desempenhando o ofício de “mestre” mencionado no Novo Testamento (1Co 12.28; Ef

4.11).

2. Podem examinar novos campos de compreensão dos ensinamentos das Escrituras.

Esse exame raramente (se tanto) envolverá negação dos ensinamentos centrais que a igreja

vem sustentando ao longos dos séculos, mas muitas vezes implicará a aplicação das Escrituras

a novos aspectos da vida, respostas a perguntas difíceis suscitadas tanto por crentes quanto

por descrentes a cada novo período da história e a contínua atividade de aperfeiçoamento e

aprimoramento da compreensão da igreja acerca de pontos específicos da interpretação de

determinados versículos ou questões doutrinárias ou éticas.

3. Podem defender os ensinamentos da Bíblia contra os ataques de outros estudiosos ou de

pessoas dotadas de conhecimento técnico especializado. O papel de ensinar a Palavra de Deus

às vezes implica também corrigir falsos ensinos. O cristão precisa ser capaz não só de

“exortar pelo reto ensino” mas também de “convencer os que o contradizem” (Tt 1.9; cf. 2Tm

2.25, “disciplinando com mansidão os que se opõem”; e Tt 2.7-8).

4. Podem complementar o estudo das Escrituras em prol da igreja. Os estudiosos bíblicos

muitas vezes têm treinamento que lhes permite associar os ensinamentos das Escrituras à rica

história da igreja e tornar mais precisa a interpretação das Escrituras e mais vívido o seu

significado com um maior conhecimento das línguas e culturas nas quais a Bíblia foi escrita.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

19

Page 20: Teologia sistemática   grudem

As Quatro Características das Escrituras

(3) Necessidade

A necessidade das Escrituras pode ser definida assim: dizer que as Escrituras são necessárias

significa dizer que a Bíblia é necessária para conhecer o evangelho, para conservar a vida

espiritual e para conhecer a vontade de Deus, mas não que seja necessária para saber que

Deus existe ou para saber algo sobre o caráter e sobre as leis morais de Deus.

A. A Bíblia é necessária para conhecer o evangelhoEm Romanos 10.13-17, Paulo diz:

Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão

aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como

ouvirão, se não há quem pregue? [...] E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação,

pela palavra de Cristo.

Essa declaração aponta para a seguinte linha de raciocínio: (1) primeiramente supõe que o

homem precisa invocar o nome do Senhor para ser salvo. (Nos textos paulinos em geral, bem

como nesse contexto específico [ver v. 9], “Senhor” se refere ao Senhor Jesus Cristo.) (2) As

pessoas só podem invocar o nome de Cristo se crêem nele (ou seja, que ele é um Salvador

digno de ser invocado e que atenderá aqueles que o invocarem). (3) As pessoas não podem

crer em Cristo a menos que tenham ouvido falar dele. (4) Não ouvirão falar de Cristo a menos

que alguém lhes fale sobre Cristo (alguém que “pregue”). (5) A conclusão é que a fé

salvadora vem pelo ouvir (ou seja, ouvir a mensagem do evangelho), e esse ouvir a mensagem

do evangelho vem pela pregação de Cristo. Aparentemente, a implicação é que sem ouvir a

pregação do evangelho de Cristo, ninguém pode ser salvo.

B. A Bíblia é necessária para sustentar a fé espiritualDiz Jesus em Mateus 4.4 (citando Dt 8.3): “Não só de pão viverá o homem, mas de toda

palavra que procede da boca de Deus”. Aqui Jesus indica que nossa vida espiritual é

sustentada pela porção diária da Palavra de Deus, assim como nossa vida física é sustentada

pela porção diária de alimento físico. Negligenciar a leitura regular da Palavra de Deus é tão

prejudicial à saúde da nossa alma quanto o é à saúde do nosso corpo negligenciar o alimento

físico.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

20

Page 21: Teologia sistemática   grudem

C. A Bíblia é necessária para o conhecimento seguro da vontade de DeusAbaixo se argumentará que todas as pessoas nascidas na terra têm algum conhecimento da

vontade de Deus por intermédio da sua consciência. Mas esse conhecimento é muitas vezes

indistinto e não pode proporcionar certeza. Na verdade, se não existisse a Palavra escrita de

Deus, não poderíamos alcançar a certeza da vontade de Deus por nenhum outro meio, fosse

consciência, conselhos de outras pessoas, testemunho íntimo do Espírito Santo, mudanças das

circunstâncias ou o uso da razão e do bom senso santificados.

D. Mas a Bíblia não é necessária para saber que Deus existeE as pessoas que não lêem a Bíblia? Será que podem obter algum conhecimento de Deus?

Podem conhecer algo sobre as leis de Deus? Sim, mesmo sem a Bíblia é possível algum

conhecimento de Deus, ainda que não seja conhecimento absolutamente seguro.

As pessoas podem obter o conhecimento de que Deus existe e de alguns dos seus atributos,

simplesmente pela observação de si mesmas e do mundo que as cerca. Diz Davi: “Os céus

proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (Sl 19.1).

Quem olha para o céu vê as provas do infinito poder, da infinita sabedoria e mesmo da infinita

beleza de Deus; observa um majestoso testemunho da glória de Deus.

E. Além disso, a Bíblia não é necessária para conhecer algo sobre o caráter e sobre as leis morais de DeusPaulo, em Romanos 1, mostra que até os descrentes que não têm nenhum registro escrito das

leis de Deus mesmo assim têm na sua consciência alguma compreensão das exigências morais

de Deus. Discorrendo sobre uma longa lista de pecados (“inveja, homicídio, contenda,

dolo...”), Paulo fala sobre os ímpios que os praticam: “Ora, conhecendo eles a sentença de

Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas

também aprovam os que assim procedem” (Rm 1.32). Os ímpios sabem que o seu pecado é

errado, pelo menos na maior parte dos casos.

As Quatro Características das Escrituras

(4) Suficiência

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

21

Page 22: Teologia sistemática   grudem

A. Definição de suficiência das EscriturasPodemos definir assim suficiência das Escrituras: dizer que as Escrituras são suficientes

significa dizer que a Bíblia contém todas as palavras divinas que Deus quis dar ao seu povo

em cada estágio da história da redenção e que hoje contém todas as palavras de Deus que

precisamos para a salvação, para que, de maneira perfeita, nele possamos confiar e a ele

obedecer.

B. Podemos encontrar tudo o que Deus disse sobre temas específicos e também respostas às nossas perguntasLogicamente, temos consciência de que jamais obedeceremos perfeitamente a todas as

palavras das Escrituras nesta vida (ver Tg 3.2; 1Jo 1.8-10; e o capítulo 24 abaixo).

Portanto, de início pode não parecer muito significativo dizer que tudo o que temos de

fazer é o que Deus nos ordena na Bíblia, pois de qualquer modo jamais seremos capazes

de obedecer-lhe plenamente nesta vida.

C. A Veracidade das EscriturasA essência da autoridade das Escrituras está na sua capacidade de nos compelir a crer nelas e

a elas obedecer, fazendo que tal fé e obediência sejam equivalentes a fé e obediência ao

próprio Deus. Por esse motivo, é necessário considerar a veracidade das Escrituras, pois crer

em todas as palavras da Bíblia implica confiança na completa veracidade das Escrituras em

que cremos. Esse assunto será discutido mais a fundo quando considerarmos a inerrância das

Escrituras.

D. Aplicações práticas da suficiência das EscriturasA doutrina da suficiência da Escrituras tem várias aplicações práticas na vida cristã. A

seguinte lista se pretende útil, mas não exaustiva.

1. A suficiência das Escrituras deve-nos incentivar

A tentar descobrir aquilo que Deus quer que pensemos (sobre uma questão doutrinária

específica) e façamos (numa dada situação). Devemos nos convencer de que tudo o que Deus

quer nos dizer sobre essa questão se encontra nas Escrituras. Isso não significa que a Bíblia

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

22

Page 23: Teologia sistemática   grudem

responde a todas as dúvidas que possamos conceber, pois “as coisas encobertas pertencem ao

SENHOR, nosso Deus” (Dt 29.29).

2. A suficiência das Escrituras nos lembra de que não devemos acrescentar nada à Bíblia

Nem equiparar algum outro escrito à Bíblia. Esse princípio é violado por quase todas as

seitas. Os mórmons, por exemplo, afirmam crer na Bíblia, mas também reclamam autoridade

divina para O Livro de Mórmon. Os seguidores da Ciência Cristã, igualmente, afirmam crer

na Bíblia, mas na prática equiparam às Escrituras o livro Science and Health With a Key to

the Scriptures [Ciência e saúde com uma chave para as Escrituras], de Mary Baker Eddy, ou o

colocam até acima da Bíblia em termos de autoridade. Como isso viola a ordem divina de

nada acrescentar às suas palavras, não devemos pensar que encontraremos nessas obras mais

palavras de Deus para nós.

3. A suficiência das Escrituras também nos diz que Deus não exige que creiamos em

nada sobre si mesmo ou sobre sua obra redentora que não se encontre na Bíblia.

Entre os escritos do tempo da igreja primitiva acham-se algumas coleções de supostos dizeres

de Jesus não preservados nos evangelhos. É provável que pelo menos alguns dos “dizeres de

Jesus” encontrados nesses escritos sejam registros mais ou menos precisos de coisas que Jesus

de fato falou (embora hoje nos seja impossível determinar com um grau elevado de

probabilidade quais são esses dizeres).

4. A suficiência das Escrituras nos mostra que nenhuma revelação moderna de Deus

deve ser equiparada à Bíblia no tocante à autoridade.

Em vários momentos ao longo da história, e especialmente no moderno movimento

carismático, muitas pessoas já afirmaram que Deus transmitiu revelações por meio delas para

benefício da igreja. Seja como for que avaliemos essas alegações, precisamos tomar o cuidado

de jamais permitir (na teoria ou na prática) a equiparação dessas revelações às Escrituras.

5. Com respeito à vida cristã, a suficiência das Escrituras nos lembra de que não existe

pecado que não seja proibido pelas Escrituras, quer explícita quer implicitamente.

Andar na lei do Senhor é ser “irrepreensível” (Sl 119.1). Portanto, não devemos acrescentar

proibições àquelas já afirmadas nas Escrituras.

6. A suficiência das Escrituras também nos diz que Deus nada exige de nós que não

esteja determinado explícita ou implicitamente nas Escrituras.

Isso nos lembra que nossa busca da vontade de Deus deve-se concentrar nas Escrituras, ou

seja, não devemos buscar orientação pelas orações que peçam alteração das circunstâncias ou

dos sentimentos, ou ainda orientação direta do Espírito Santo fora das Escrituras.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

23

Page 24: Teologia sistemática   grudem

Resumo - Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 2 - A Doutrina de Deus – p. 98 – 359

A Existência de Deus...........................................................................................5

A Cognoscibilidade (Conhecimento) de Deus...................................................6

A. Introdução ao estudo do Caráter de Deus....................................................81. Classificação dos atributos de Deus. 82. Os nomes de Deus nas Escrituras. 83. Definições equilibradas dos atributos incomunicáveis de Deus. 9

1. Independência.................................................................................................................92. Imutabilidade................................................................................................................103. Eternidade.....................................................................................................................114. Onipresença...................................................................................................................115. Unidade.........................................................................................................................12

O Caráter de Deus: Atributos “Comunicáveis”.............................................121. Espiritualidade..............................................................................................................132. Invisibilidade.................................................................................................................133. Conhecimento (onisciência)..........................................................................................134. Sabedoria.......................................................................................................................135. Veracidade (e fidelidade)..............................................................................................136. Bondade........................................................................................................................147. Amor.............................................................................................................................148. Misericórdia, graça, paciência......................................................................................149. Santidade.......................................................................................................................1510. Paz (ou ordem)............................................................................................................1511. Retidão, justiça............................................................................................................1512. Zelo.............................................................................................................................1513. Ira................................................................................................................................1514. Vontade.......................................................................................................................1615. Liberdade....................................................................................................................1616. Onipotência (poder, soberania)...................................................................................1717. Perfeição.....................................................................................................................1718. Bem-aventurança........................................................................................................1719. Beleza..........................................................................................................................1720. Glória..........................................................................................................................18

Deus em Três Pessoas: a Trindade..................................................................18A - A Doutrina da Trindade Revela-se progressivamente nas Escrituras18

1. A revelação parcial no Antigo Testamento...................................................................18

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

24

Page 25: Teologia sistemática   grudem

2. A revelação mais completa da Trindade no Novo Testamento....................................18B. Três Declarações que Resumem o Ensino Bíblico 19

1. Deus é três pessoas........................................................................................................192. Cada pessoa é plenamente Deus...................................................................................193. Só há um Deus..............................................................................................................204. As soluções simplistas necessariamente negam um dos ensinamentos bíblicos..........205. Todas as analogias têm falhas.......................................................................................206. Deus existe eterna e necessariamente como Trindade..................................................201. O modalismo.................................................................................................................202. O arianismo...................................................................................................................21

Quais as distinções entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo?..........................231. As pessoas da Trindade têm funções primordiais diferentes em relação ao mundo.....232. As pessoas da Trindade existem eternamente como o Pai, o Filho e o Espírito Santo.233. Qual a relação entre as três pessoas e o ser de Deus?...................................................244. Será que podemos compreender a doutrina da Trindade?............................................24

A Criação............................................................................................................251. Provas bíblicas da criação a partir do nada...................................................................252. A criação do universo espiritual...................................................................................253. A criação direta de Adão e Eva.....................................................................................254. A criação do tempo.......................................................................................................255. O papel do Filho e do Espírito Santo na criação...........................................................26

A Providência Divina........................................................................................31A. Preservação 31B. Cooperação 32

1. A criação inanimada.....................................................................................................322. Os animais.....................................................................................................................323. Acontecimentos aparentemente “aleatórios” ou “casuais”...........................................334. Eventos totalmente provocados por Deus e totalmente provocados também pelas criaturas.............................................................................................................................335. As questões nacionais...................................................................................................336. Todos os aspectos da nossa vida...................................................................................337. E o mal?........................................................................................................................348. Análise dos versículos relacionados a Deus e o mal.....................................................349. Somos “livres”?............................................................................................................35

C. Governo 351. Provas bíblicas..............................................................................................................352. Distinções acerca da vontade de Deus..........................................................................36

D. Os decretos de Deus 36E. A importância das nossas ações 36

1. Somos, sim, responsáveis pelos nossos atos.................................................................362. Nossos atos geram resultados reais e mudam, sim, o curso dos acontecimentos.........363. A oração é um tipo de ação que traz resultados definidos e que efetiva-mente muda o curso dos acontecimentos.................................................................................................374. Concluindo, precisamos agir!.......................................................................................375. E se não pudermos compreender plenamente essa doutrina?.......................................37

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

25

Page 26: Teologia sistemática   grudem

F. Outras aplicações práticas 371. Não tema, mas confie em Deus.....................................................................................372. Sejamos gratos por todas as boas coisas que acontecem..............................................373. Não existe nada que se possa chamar “sorte” ou “acaso”............................................38

G. Outra visão evangélica: a postura arminiana 38H. Resposta à postura arminiana 39

1. Serão essas passagens bíblicas exemplos incomuns, ou descrevem elas o modo como Deus age normalmente?....................................................................................................393. Será que escolhas determinadas por Deus podem ser escolhas legítimas?...................404. Será que uma concepção calvinista da providência incentiva um fatalismo perigoso ou uma tendência de “viver como os arminianos”?...............................................................405. Outras objeções à tese arminiana..................................................................................40

Milagres..............................................................................................................41A. Definição 41B. Os milagres como característica da era da nova aliança 42C. Os propósitos dos milagres 42D. Estavam os milagres restritos aos apóstolos? 42

1. Uma concentração incomum de milagres no ministério dos apóstolos........................422. Quais são os “sinais de um apóstolo” em 2Coríntios 12.12?........................................433. A definição restritiva de milagres proposta por Norman Geisler.................................434. Hebreus 2.3-4................................................................................................................435. Conclusão: estavam os milagres restritos aos apóstolos?.............................................43

E. Os falsos milagres 44F. Será que os cristãos devem buscar milagres hoje? 44

A Oração............................................................................................................45A. Por que Deus quer que oremos? 45B. A Eficácia da Oração. 47

1. A Oração muda o modo como Deus age......................................................................472. A oração eficaz é possível por intermédio de nosso mediador, Jesus Cristo................473. O que é orar “em nome de Jesus”?...............................................................................474. Devemos orar a Jesus e ao Espírito Santo?...................................................................475. O papel do Espírito Santo nas nossas orações..............................................................48

C. Algumas considerações importantes acerca da oração eficaz 481. Orar segundo a vontade de Deus..................................................................................482. Orar com fé. Diz Jesus:.................................................................................................483. Obediência....................................................................................................................494. Confissão dos pecados..................................................................................................495. Perdoar aos outros.........................................................................................................496. Humildade.....................................................................................................................507. Persistência na oração...................................................................................................508. Orar com sinceridade....................................................................................................509. Esperar no Senhor.........................................................................................................5010. Orar a sós....................................................................................................................5111. Orar com os outros......................................................................................................5112. Jejum...........................................................................................................................5113. Que dizer da oração não atendida?.............................................................................51

D. Louvor e ação de graças 52

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

26

Page 27: Teologia sistemática   grudem

Anjos...................................................................................................................52A. Que são anjos? 52

1. Seres espirituais criados................................................................................................522. Outros nomes dos anjos................................................................................................523. Outros tipos de seres celestiais.....................................................................................52

B. Quando os anjos foram criados? 54C. O papel dos anjos nos desígnios divinos 54

1. Os anjos revelam a grandeza do amor e dos desígnios de Deus para nós....................542. Os anjos nos fazem lembrar que o mundo invisível é real...........................................553. Os anjos são exemplos para nós....................................................................................554. Os anjos executam alguns dos desígnios de Deus........................................................555. Os anjos glorificam diretamente a Deus.......................................................................55

D. Nossa relação com os anjos 561. Devemos ter consciência dos anjos no dia-a-dia..........................................................562. Precauções a tomar na nossa relação com os anjos......................................................56

Satanás e os Demônios......................................................................................57A. A origem dos demônios 57B. Satanás como chefe dos demônios 57C. A atividade de Satanás e dos demônios 58

1. Satanás originou o pecado............................................................................................582. Os demônios se opõem a toda obra de Deus, tentando destruí-la.................................583. Contudo, os demônios estão limitados pelo controle de Deus e têm poder restrito.....584. Verificam-se diferentes estágios de atividade demoníaca na história da redenção......58

D. Nossa relação com os demônios 591. Estariam os demônios ainda hoje ativos no mundo?....................................................592. O mal e o pecado vêm, em parte (mas não totalmente), de Satanás e dos demônios.. .603. Será que um cristão pode ser possuído por demônios?.................................................604. Como reconhecer influências demoníacas?..................................................................605. Jesus dá a todos os crentes a autoridade de repreender demônios e de ordenar que saiam.................................................................................................................................616. O uso correto da autoridade espiritual do cristão no ministério junto a outras pessoas............................................................................................................................................617. Devemos crer que o evangelho vá triunfar poderosamente das obras do Diabo..........61

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

27

Page 28: Teologia sistemática   grudem

Resumo

Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 2 - A Doutrina de Deus – p. 98 - 359

A Existência de Deus

“Como sabemos que Deus existe? A resposta pode ser dada em duas partes: primeira, todas as

pessoas têm uma intuição íntima de Deus. Segunda, cremos nas provas encontradas nas

Escrituras e na natureza”.

Todas as pessoas de qualquer lugar têm uma profunda intuição íntima de que Deus existe, de

que são criaturas de Deus e de que ele é seu Criador. Paulo diz que mesmo os gentios

descrentes tinham “conhecimento de Deus”, mas não o honravam como Deus nem lhe eram

gratos (Rm 1.21).

Na vida do cristão essa íntima consciência de Deus se torna mais forte e mais distinta.

Além da consciência íntima de Deus, que dá claro testemunho do fato de que ele existe,

encontramos claras evidências da sua existência nas Escrituras e na natureza.

As provas de que Deus existe se encontram, logicamente, disseminadas por toda a Bíblia. De

fato, a Bíblia sempre pressupõe que Deus existe.

Além das provas encontradas na existência dos seres humanos, há outra excelente evidência

na natureza. Quem olha para o céu, de dia ou de noite, vê o sol, a lua e as estrelas, o

firmamento e as nuvens, todos declarando continuamente pela sua existência, beleza e

grandeza que foi um Criador poderoso e sábio quem os fez e os sustém na sua ordem.

As “provas” tradicionais da existência de Deus, arquitetadas por filósofos cristãos (e alguns

não cristãos) de várias épocas da história, são de fato tentativas de analisar as evidências,

especialmente as evidências da natureza, de modos extremamente cuidadosos e logicamente

precisos, a fim de convencer as pessoas de que não é racional rejeitar a idéia de que Deus

existe.

A maior parte das provas tradicionais da existência de Deus pode ser classificada em quatro

tipos importantes de argumento:

1. O argumento cosmológico considera o fato de que toda coisa conhecida do universo tem

uma causa.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

28

Page 29: Teologia sistemática   grudem

2. O argumento teleológico é na verdade uma subcategoria do argumento cosmológico. Como

o universo parece ter sido planejado com um propósito, deve necessariamente existir um Deus

inteligente e determinado que o criou para funcionar assim.

3. O argumento ontológico parte da idéia de Deus, definido como um ser “maior do que

qualquer coisa que se possa imaginar”.

4. O argumento moral parte do senso humano do certo e do errado, e da necessidade da

imposição da justiça, e raciocina que deve necessariamente existir um Deus que seja a fonte

do certo e do errado e que vá algum dia impor a justiça a todas as pessoas.

Como todos esses argumentos se baseiam em fatos sobre a criação que realmente são

verdadeiros, podemos dizer que todas essas provas (quando cuidadosamente formuladas) são,

num sentido objetivo, provas válidas porque avaliam corretamente as evidências e ponderam

com acerto, chegando a uma conclusão verdadeira: de fato, o universo realmente tem Deus

como causa, realmente dá provas de um planejamento deliberado, Deus realmente existe

como ser maior do que qualquer coisa que se possa imaginar e ele realmente nos deu um

senso do certo e do errado e um senso de que seu juízo virá algum dia.

Mas noutro sentido, se “válido” significa “capaz de conseguir que todos concordem, mesmo

aqueles que partem de falsos pressupostos”, então é claro que nenhuma das provas é válida,

pois nenhuma delas é capaz de fazer que todos aqueles que as ponderam acabem

concordando.

Finalmente, é preciso lembrar que neste mundo pecador Deus precisa possibilitar que nos

convençamos, senão jamais creríamos nele. Lemos que “o deus deste século cegou o

entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de

Cristo” (2Co 4.4).

A Cognoscibilidade (Conhecimento) de Deus

Se pretendemos conhecer a Deus, antes é necessário que ele se revele a nós. Paulo diz que o

que podemos conhecer sobre Deus está claro às pessoas “porque Deus lhes manifestou” (Rm

1.19).

Quando falamos do conhecimento pessoal de Deus, que vem pela salvação, essa idéia fica

ainda mais explícita. Disse Jesus: “Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece

o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27).

A necessidade de Deus revelar-se a nós também se percebe no fato de que o pecador

interpreta erroneamente a revelação de Deus encontrada na natureza. Portanto, precisamos das

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

29

Page 30: Teologia sistemática   grudem

Escrituras para interpretar corretamente a revelação natural. Por conseguinte, dependemos da

ativa comunicação divina nas Escrituras para alcançar verdadeiro conhecimento de Deus.

Como Deus é infinito, e nós, finitos e limitados, jamais poderemos compreender plenamente e

exaustivamente a Deus. Diz o salmo 145: “Grande é o SENHOR e mui digno de ser louvado; a

sua grandeza é insondável” (Sl 145.3). Jamais seremos capazes de medir ou conhecer

plenamente o entendimento de Deus: é imenso demais para que o igualemos ou entendamos.

Assim, podemos conhecer algo do amor, do poder, da sabedoria, etc., de Deus. Mas jamais

poderemos conhecer completa ou exaustivamente o seu amor. Jamais poderemos conhecer

exaustivamente o seu poder. Jamais poderemos conhecer exaustivamente a sua sabedoria, etc.

Essa doutrina da incompreensibilidade de Deus tem muita aplicação positiva para nossa vida.

Significa que jamais seremos capazes de conhecer “demais” sobre Deus, pois jamais nos

faltarão coisas para aprender sobre ele, e assim nunca nos cansaremos de nos deleitar com a

descoberta de mais e mais coisas da sua excelência e da grandeza das suas obras.

Se desejássemos um dia nos igualar a Deus em conhecimento, ou se desejássemos encontrar

prazer no pecado do orgulho intelectual, o fato de que jamais cessaremos de crescer no

conhecimento de Deus seria para nós fator desencorajador — poderíamos sentir-nos

frustrados pelo fato de Deus se revelar um objeto de estudo que jamais poderemos dominar!

Mas se nos deleitamos no fato de que só Deus é Deus, de que ele é sempre infinitamente

maior do que nós, de que somos criaturas dele, que lhe devemos culto e adoração, então essa

nos será uma idéia bastante encorajadora.

Embora não possamos conhecer exaustivamente a Deus, podemos conhecer coisas

verdadeiras sobre ele. De fato, tudo o que as Escrituras nos falam sobre Deus é verdadeiro. É

verdade dizer que Deus é amor (1Jo 4.8), que Deus é luz (1Jo 1.5), que Deus é espírito (Jo

4.24), que Deus é justo ou reto (Rm 3.26) e assim por diante. Podemos conhecer alguns

pensamentos de Deus — até muitos deles — com base na Bíblia, e quando os conhecemos,

como Davi, os consideramos “preciosos” (Sl 139.17).

Ainda mais significativo é perceber que conhecemos o próprio Deus, e não meramente fatos

sobre ele ou atos que ele executa. Aqui Deus diz que a fonte da nossa alegria e da nossa noção

de importância deve vir não das nossas capacidades ou posses, mas do fato de conhecê-lo.

O fato de conhecermos o próprio Deus é demonstrado ainda pela percepção de que a riqueza

da vida cristã envolve um relacionamento pessoal com Deus. Falamos com Deus em oração, e

ele fala conosco pela sua Palavra. Temos comunhão com ele na sua presença, entoamos seus

louvores e temos consciência de que ele pessoalmente habita no meio de nós e dentro de nós

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

30

Page 31: Teologia sistemática   grudem

para nos abençoar (Jo 14.23). De fato, pode-se dizer que esse relacionamento pessoal com

Deus Pai, com Deus Filho e com Deus Espírito Santo é a maior de todas as bênçãos da vida

cristã.

 

O Caráter de Deus: Atributos “Incomunicáveis”

A. Introdução ao estudo do Caráter de Deus

1. Classificação dos atributos de Deus.

Quando falamos sobre o caráter de Deus, percebemos que não podemos dizer ao mesmo

tempo tudo o que a Bíblia nos ensina sobre o caráter dele.

Os atributos chamados “incomunicáveis” têm sua melhor definição quando dizemos que são

os atributos divinos de que menos participamos. Nenhum dos atributos incomunicáveis de

Deus deixa de ter alguma semelhança no caráter dos seres humanos.

Vamos usar então as duas categorias de atributos, “incomunicáveis” e “comunicáveis”, com

plena consciência porém de que não são classificações absolutamente precisas e de que existe

na realidade muita sobreposição entre elas.

2. Os nomes de Deus nas Escrituras.

Na Bíblia o nome de uma pessoa é uma descrição do seu caráter. Da mesma forma, os nomes

bíblicos de Deus são diversas descrições do seu caráter. Em certo sentido, todas essas

expressões do caráter de Deus em termos de coisas encontráveis no universo são “nomes” de

Deus, pois nos dizem algo verdadeiro sobre ele.

Usando um termo mais técnico, podemos dizer que em tudo o que as Escrituras dizem a

respeito de Deus usa-se linguagem antropomórfica — ou seja, linguagem que fala de Deus

em termos humanos. Cada descrição de cada um dos atributos divinos deve ser compreendida

à luz de tudo o mais que as Escrituras nos dizem sobre Deus. Se não nos lembrarmos disso,

inevitavelmente compreenderemos erradamente o caráter de Deus.

Existe ainda uma terceira razão para destacar a grande diversidade de descrições de Deus

tiradas da experiência humana e do mundo natural. Essa linguagem deve-nos lembrar de que

Deus criou o universo para que este revelasse a excelência do caráter divino, ou seja, para

que revelasse a glória divina.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

31

Page 32: Teologia sistemática   grudem

A compreensão do caráter divino segundo as Escrituras deve abrir nossos olhos e nos permitir

interpretar corretamente a criação.

É preciso lembrar que, embora tudo o que as Escrituras nos dizem sobre Deus seja verdadeiro,

não é exaustivo. Deus tem muitos nomes porque conhecemos muitas descrições verdadeiras

do seu caráter com base nas Escrituras; mas Deus não tem nome nenhum, pois jamais

poderemos descrever ou compreender a plenitude do seu caráter.

3. Definições equilibradas dos atributos incomunicáveis de Deus.

Os atributos incomunicáveis de Deus são talvez os mais fáceis de compreender

equivocadamente, talvez porque representam aspectos do caráter divino menos familiares à

nossa experiência. A primeira parte define o atributo em discussão, e a segunda procura evitar

a compreensão equivocada do atributo, expondo um aspecto de equilíbrio ou contrário

associado a esse atributo. A imutabilidade de Deus, por exemplo, é definida assim: “Deus é

imutável no seu ser, nas suas perfeições, nos seus propósitos e nas suas promessas; porém,

Deus age, e age de modos diversos diante de situações diferentes”. A segunda metade da

definição procura evitar a idéia de que imutabilidade significa incapacidade total de ação.

Alguns de fato entendem assim a imutabilidade, mas tal compreensão é incompatível com a

apresentação bíblica da imutabilidade de Deus.

Quais são os atributos incomunicáveis de Deus:

1. Independência.

Deus não precisa de nós nem do restante da criação para nada; porém, tanto nós quanto o

restante da criação podemos glorificá-lo e dar-lhe alegria. Esse atributo de Deus é às vezes

chamado existência autônoma ou aseidade (das palavras latinas a se, que significam “de si

mesmo”).

Deus é absolutamente independente e auto-suficiente.

2. Imutabilidade.

Deus é imutável no seu ser, nas suas perfeições, nos seus propósitos e nas suas promessas;

porém, Deus age e sente emoções, e age e sente de modos diversos diante de situações

diferentes. Esse atributo de Deus é também chamado inalterabilidade.

a. Evidências nas Escrituras: no salmo 102, encontramos um contraste entre coisas que

podemos julgar permanentes, como a terra ou os céus, de um lado, e Deus, do outro. Deus

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

32

Page 33: Teologia sistemática   grudem

existia antes da criação dos céus e da terra e existirá muito depois da destruição dessas coisas.

Deus faz mudar o universo, mas, contrastando com essa mudança, ele é “o mesmo”.

b. Será que Deus às vezes muda de idéia? Se, porém, falamos que Deus é imutável nos seus

propósitos, surpreendemo-nos intrigados diante de passagens bíblicas em que Deus diz que

julgaria o seu povo, mas depois, por causa de orações ou do arrependimento do povo (ou

ambas as coisas), acaba-se apiedando e não condena como dissera que o faria.

c. A questão da impassibilidade de Deus. Às vezes, discutindo os atributos divinos, os

teólogos falam noutro atributo, a saber, a impassibilidade de Deus. Esse atributo, se

verdadeiro, significaria que Deus não tem paixões nem emoções, mas é “impassível”, não

sujeito a paixões.

d. O desafio da teologia do processo. A imutabilidade de Deus tem sido negada

freqüentemente nos últimos anos pelos defensores da teologia do processo, uma posição

teológica que afirma que o processo e a mudança são aspectos essenciais da existência

genuína, e que portanto, Deus também deve necessariamente mudar com o tempo, como

qualquer outra coisa que existe.

e. Deus é ao mesmo tempo infinito e pessoal. Nossa discussão da teologia do processo ilustra

uma diferença comum entre o cristianismo bíblico e todos os outros sistemas teológicos. No

ensinamento da Bíblia, Deus é ao mesmo tempo infinito e pessoal: ele é infinito porque não

está sujeito a nenhuma das limitações da humanidade, ou da criação em geral. É bem maior

do que qualquer coisa que tenha feito, bem maior do que qualquer coisa que exista.

f. A importância da imutabilidade de Deus. De início pode não parecer muito importante para

nós afirmar a imutabilidade de Deus. A idéia é tão abstrata que talvez não percebamos

imediatamente a sua importância. Mas a importância dessa doutrina ficaria mais clara se

parássemos um instante para imaginar o que aconteceria se Deus pudesse mudar.

3. Eternidade.

A eternidade de Deus pode ser definida assim: Deus não tem princípio nem fim nem sucessão

de momentos no seu próprio ser, e percebe todo o tempo com igual realismo; ele, porém,

percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo.

Às vezes essa doutrina é chamada doutrina da infinitude de Deus com respeito ao tempo. Ser

“infinito” é ser “ilimitado”, e a doutrina ensina que o tempo não impõe limites a Deus.

a. Deus é eterno no seu próprio ser. O fato de Deus não ter princípio nem fim está explícito

em Salmos 90.2: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

33

Page 34: Teologia sistemática   grudem

eternidade a eternidade, tu és Deus”. Do mesmo modo, em Jó 36.26, Eliú diz sobre Deus: “...

o número dos seus anos não se pode calcular”.

A eternidade de Deus é também afirmada por passagens que abordam o fato de que Deus

sempre é ou existe. “Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que

há de vir, o Todo-poderoso” (Ap 1.8; cf. 4.8).

b. Deus percebe todo o tempo com igual realismo. É em certo sentido mais fácil para nós

compreender que Deus percebe todo o tempo com igual realismo. Lemos em Salmos 90.4:

“Pois mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite”.

c. Deus percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo. Todavia, dito isso, para evitar

uma compreensão equivocada é preciso completar a definição da eternidade de Deus: “... ele,

porém, percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo”. Paulo escreve: “... vindo,

porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei,

para resgatar os que estavam sob a lei” (Gl 4.4-5).

d. Sempre existiremos no tempo. Será que algum dia participaremos da eternidade de Deus?

Especificamente, no novo céu e na nova terra que hão de vir, será que o tempo ainda existirá?

Alguns supõem que não. E lemos nas Escrituras: “A cidade não precisa nem do sol, nem da

lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada

[...] porque, nela, não haverá noite” (Ap 21.23, 25; cf. 22.5).

4. Onipresença.

Assim como Deus é ilimitado ou infinito com respeito ao tempo, também é ilimitado com

respeito ao espaço. Essa característica da natureza de Deus é chamada onipresença divina (o

prefixo latino o[m]ni- significa “tudo”). A onipresença de Deus pode ser assim definida: Deus

não tem tamanho nem dimensões espaciais e está presente em cada ponto do espaço com todo

o seu ser; ele, porém, age de modos diversos em lugares diferentes.

a. Deus está presente em todo lugar. Há, porém, determinadas passagens que falam da

presença de Deus em toda parte do espaço. Lemos em Jeremias: “Acaso, sou Deus apenas de

perto, diz o SENHOR, e não também de longe? Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo

que eu não o veja? — diz o SENHOR; porventura, não encho eu os céus e a terra? — diz o

SENHOR” (Jr 23.23-24). Deus aqui repreende os profetas que pensam que suas palavras ou

pensamentos ficam ocultos de Deus. Ele está em todo lugar e enche o céu e a terra.

b. Deus não tem dimensões espaciais. Embora para nós pareça necessário dizer que todo o ser

de Deus está presente em toda parte do espaço, ou em cada ponto do espaço, é também

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

34

Page 35: Teologia sistemática   grudem

necessário dizer que Deus não pode ser contido por espaço nenhum, por maior que seja.

Salomão diz na sua oração a Deus: “Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e

até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei” (1Rs 8.27).

c. Deus pode estar presente para punir, sustentar ou abençoar. A idéia da onipresença de Deus

às vezes perturba as pessoas, que se perguntam como Deus pode estar presente, por exemplo,

no inferno. De fato, não é o inferno o oposto da presença de Deus, ou a ausência de Deus? A

dificuldade pode ser resolvida pela percepção de que Deus está presente de modos diversos

em lugares diferentes, ou de que Deus age diferentemente em locais distintos da sua criação.

5. Unidade.

A unidade de Deus pode ser definida desta forma: Deus não está dividido em partes; porém

percebemos atributos diversos de Deus enfatizados em momentos diferentes. Esse atributo de

Deus é também denominado simplicidade divina, empregando simples no sentido menos

comum de “não complexo” ou “não composto de partes”. Mas como a palavra simples hoje

tem o sentido mais comum de “fácil de compreender” e “simplório ou insensato”, é mais

proveitoso agora falar da “unidade” de Deus em vez da sua “simplicidade”.

O Caráter de Deus: Atributos “Comunicáveis”

A lista de atributos dada aqui na categoria “comunicáveis” nada tem de incomum, mas

compreender a definição de cada atributo é mais importante do que ser capaz de classificá-los

exatamente da maneira apresentada neste livro.

Este capítulo divide os atributos “comunicáveis” de Deus em cinco categorias principais,

sendo os atributos relacionados dentro de cada categoria.

Desta forma os atributos descrevem o ser de Deus são:

1. Espiritualidade.

As pessoas muitas vezes se perguntam do que Deus é feito. A resposta das Escrituras é que

“Deus é espírito” (Jo 4.24). Essa afirmação é feita por Jesus no contexto de uma discussão

com a samaritana ao lado da fonte. Assim, não devemos pensar que Deus tem tamanho ou

dimensões, mesmo que infinitas (ver a discussão sobre a onipresença de Deus no capítulo

anterior).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

35

Page 36: Teologia sistemática   grudem

2. Invisibilidade.

Ligado à espiritualidade de Deus está o fato de que Deus é invisível. Porém também

precisamos falar das formas visíveis nas quais Deus se manifesta. A invisibilidade de Deus

pode ser definida assim: dizer que Deus tem como atributo a invisibilidade é dizer que a

essência integral de Deus, todo o seu ser espiritual, jamais poderá ser vista por nós, embora

Deus se revele a nós por meio de coisas visíveis, criadas.

3. Conhecimento (onisciência).

O conhecimento de Deus pode ser definido assim: Deus conhece plenamente a si mesmo e

todas as coisas reais e possíveis num ato simples e eterno.

A definição dada acima explica a onisciência com mais detalhes. Diz primeiro que Deus

conhece plenamente a si mesmo. Trata-se de um fato espantoso, pois o próprio ser divino é

infinito ou ilimitado.

4. Sabedoria.

Dizer que Deus tem sabedoria significa dizer que ele sempre escolhe as melhores metas e os

melhores meios para alcançar essas metas. Essa definição vai além da idéia de que Deus

conhece todas as coisas, e especifica que as decisões divinas quanto ao que fará são sempre

sábias, ou seja, sempre trazem os melhores resultados (do ponto de vista absoluto de Deus), e

trazem esses resultados pelos melhores meios possíveis.

5. Veracidade (e fidelidade).

A veracidade divina implica que ele é o Deus verdadeiro, e que todo o seu conhecimento e

todas as suas palavras são ao mesmo tempo verdadeiros e o parâmetro definitivo da verdade.

O termo fidedignidade, que significa “veracidade” ou “confiabilidade”, é às vezes usado

como sinônimo da veracidade divina.

6. Bondade.

A bondade de Deus implica que ele é o parâmetro definitivo do que é bom, e que tudo o que

Deus é e faz é digno de aprovação.

Nessa definição, vemos uma situação semelhante à que encontramos na definição de Deus

como o Deus verdadeiro. Aqui, “bom” pode ser interpretado como “digno de aprovação”, mas

ainda falta responder à seguinte pergunta: aprovação de quem? Em certo sentido, podemos

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

36

Page 37: Teologia sistemática   grudem

dizer que qualquer coisa que seja verdadeiramente boa deve ser digna da nossa aprovação.

Mas num sentido mais absoluto, não somos livres para decidir por contra própria o que é

digno de aprovação e o que não o é. Em última análise, portanto, o ser e os atos de Deus são

perfeitamente dignos da sua própria aprovação.

7. Amor.

Dizer que Deus tem o amor como atributo é dizer que ele se doa eternamente aos outros.

Essa definição interpreta o amor como uma doação de si mesmo em benefício dos outros.

Esse atributo de Deus mostra que faz parte da sua natureza doar-se a fim de distribuir bênçãos

ou o bem aos outros.

João nos diz que “Deus é amor” (1Jo 4.8). Temos sinais de que esse atributo de Deus já

existia antes da criação entre os membros da Trindade. Jesus fala ao Pai da “glória que me

conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17.24), indicando assim que o

Pai já amava e honrava o Filho desde a eternidade. E continua até hoje, pois lemos: “O Pai

ama ao Filho, e todas as coisas tem confiado às suas mãos” (Jo 3.35).

8. Misericórdia, graça, paciência.

A misericórdia, a paciência e a graça divinas podem ser tidas como três atributos separados ou

como aspectos particulares da bondade de Deus. As definições dadas aqui apresentam esses

atributos como casos especiais da bondade de Deus quando empregada em benefício de

categorias específicas de pessoas.

A misericórdia de Deus é a bondade divina para com os angustiados e aflitos.

A graça de Deus é a bondade divina para com os que só merecem castigo.

A paciência de Deus é a bondade divina no sustar a punição daqueles que persistem no

pecado por determinado tempo.

9. Santidade.

Dizer que Deus tem como atributo a santidade é dizer que ele é separado do pecado e dedica-

se a buscar a sua própria honra. Essa definição contém ao mesmo tempo uma qualidade

relacional (separação de) e uma qualidade moral (a separação é do pecado ou do mal, e a

dedicação é em prol da própria honra ou glória de Deus). A idéia de santidade, abarcando

tanto a separação do mal quanto a dedicação de Deus à sua própria glória, encontra-se em

várias passagens do Antigo Testamento.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

37

Page 38: Teologia sistemática   grudem

10. Paz (ou ordem).

Em 1Coríntios 14.33, Paulo diz: “Deus não é de confusão, e sim de paz”. Embora “paz” e

“ordem” não sejam tradicionalmente classificadas como atributos divinos, Paulo aqui sugere

outra qualidade que poderíamos conceber como atributo distinto de Deus. Paulo diz que os

atos de Deus se caracterizam pela “paz” e não pela “desordem” (gr. akatastasia, palavra que

significa “desordem, confusão, inquietude”).

11. Retidão, justiça.

Em português as palavras retidão e justiça são duas palavras distintas, mas tanto no Antigo

Testamento hebraico quanto no Novo Testamento grego, só há uma palavra por trás desses

dois termos. (No Antigo Testamento, esses termos traduzem principalmente as várias formas

da palavra tsedek e, no Novo Testamento, as várias formas da palavra dikaios). Portanto,

consideraremos que esses dois termos designam um único atributo divino.

12. Zelo.

Tem o significado de estar alguém profundamente comprometido com a busca da honra ou do

bem-estar de outrem ou de si mesmo. Diz Paulo aos coríntios: “Zelo por vós com zelo de

Deus” (2Co 11.2). Aqui o sentido é “empenhado na proteção e na vigília”.

As Escrituras apresentam-nos um Deus zeloso, nesse sentido do termo. Ele contínua e

sinceramente busca proteger a sua própria honra. Ordena que seu povo não se prostre perante

ídolos, nem os sirva, dizendo: “... porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso” (Êx 20.5).

13. Ira.

Talvez nos surpreenda perceber que a Bíblia fala com muita freqüência da ira de Deus.

Porém, se Deus ama tudo o que é certo e bom, e tudo o que se conforma ao seu caráter moral,

então não deve admirar que ele odeie tudo o que se opõe ao seu caráter moral. A ira de Deus

diante do pecado está portanto intimamente associada à santidade e à justiça de Deus. A ira de

Deus pode ser definida assim: dizer que a ira é atributo de Deus é dizer que ele odeia

intensamente todo o pecado.

14. Vontade.

A vontade de Deus é o atributo por meio do qual ele aprova e decide executar todo ato

necessário para a existência e para a atividade de si mesmo e de toda a criação.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

38

Page 39: Teologia sistemática   grudem

Essa definição indica que a vontade de Deus tem que ver com a decisão e com a aprovação

das coisas que Deus é e faz. Envolve as escolhas divinas do que fazer e do que não fazer.

a. A vontade de Deus em geral. As Escrituras freqüentemente indicam a vontade de Deus

como razão definitiva ou absoluta para qualquer coisa que acontece. Paulo se refere a Deus

como aquele “que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).

b. Distinções nos aspectos da vontade de Deus:

(1) vontade necessária e vontade livre. Algumas distinções já traçadas no

passado podem-nos ajudar a compreender diversos aspectos da vontade de Deus.

Assim como podemos querer ou escolher algo com anseio ou relutância, com

alegria ou arrependimento, em segredo ou publicamente, também Deus, na infinita

grandeza da sua personalidade, é capaz de querer coisas diferentes de modos

diversos.

(2) Vontade secreta e vontade revelada. Outra distinção proveitosa aplicada

aos diferentes aspectos da vontade divina é a que se faz entre a vontade secreta e a

vontade revelada de Deus. Mesmo na nossa experiência sabemos que somos

capazes de desejar algumas coisas secretamente, e só mais tarde revelar essa

vontade aos outros. Às vezes contamos aos outros antes que a coisa desejada surja

ou aconteça; noutras vezes revelamos o segredo só quando o acontecimento

desejado já ocorreu.

15. Liberdade.

A liberdade de Deus é o atributo por meio do qual ele faz o que lhe apraz. Essa definição

implica que nada em toda a criação pode impedir que Deus execute a sua vontade. Esse

atributo de Deus está portanto intimamente associado à sua vontade e ao seu poder. Mas esse

aspecto da liberdade concentra-se no fato de Deus não se ver cerceado por nada que lhe seja

exterior e de ser ele livre para fazer o que desejar. Não há pessoa ou força que possa ditar a

Deus o que fazer. Ele não está debaixo de nenhuma autoridade nem de nenhuma limitação

exterior.

16. Onipotência (poder, soberania).

A onipotência é o atributo de Deus que lhe permite fazer tudo o que for da sua santa vontade.

A palavra onipotência vem de dois termos latinos, omni, “todo”, e potens, “poderoso”,

significando portanto “todo-poderoso”. Enquanto a liberdade de Deus se refere ao fato de não

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

39

Page 40: Teologia sistemática   grudem

haver constrangimentos exteriores às decisões de Deus, a onipotência divina refere-se ao seu

próprio poder de fazer o que decidir fazer.

17. Perfeição.

A perfeição é o atributo divino que permite que Deus possua com excelência absolutamente

todas as qualidades e não careça de nenhum aspecto dessas qualidades que lhe seja

desejável.

É difícil decidir se isso deve ser tido como atributo isolado ou simplesmente incluído na

descrição dos outros. Algumas passagens dizem que Deus é “perfeito” ou “completo”. Diz-

nos Jesus: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48).

18. Bem-aventurança.

Ser “bem-aventurado” ou “bendito” é ser feliz num sentido bastante pleno e magnífico.

Freqüentemente as Escrituras falam da bem-aventurança das pessoas que andam nos

caminhos de Deus. Em 1Timóteo, porém, Paulo denomina a Deus “bendito e único

Soberano” (1Tm 6.15) e fala do “evangelho da glória do Deus bendito” (1Tm 1.11). Em

ambos os casos a palavra não é eulogêtos (muitas vezes traduzida como “bendito”), mas

makarios (que significa “feliz”).

19. Beleza.

A beleza é o atributo divino por meio do qual Deus se revela a soma de todas as qualidades

desejáveis. Esse atributo divino está implícito em vários dos atributos anteriores e é

especialmente associado à perfeição de Deus. Porém, a perfeição de Deus foi definida de uma

forma que mostra que ele não carece de nada que lhe seria desejável. Este atributo, a beleza,

se define de uma maneira positiva, para mostrar que Deus de fato possui todas as qualidades

desejáveis: “perfeição” significa que Deus não carece de nada desejável; “beleza” significa

que Deus tem tudo o que é desejável. São duas formas diferentes de declarar a mesma

verdade.

20. Glória.

Num dos seus sentidos a palavra glória significa simplesmente “honra” ou “reputação

excelente”. Esse é o significado do termo em Isaías 43.7, em que Deus fala dos seus filhos,

“que criei para minha glória”, ou em Romanos 3.23, que diz que “todos pecaram e carecem da

glória de Deus”. Noutro sentido, a “glória” de Deus significa a clara luz que circunda a

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

40

Page 41: Teologia sistemática   grudem

presença de Deus. Como Deus é espírito, e não energia nem matéria, essa luz visível não faz

parte do ser divino, mas é algo criado. Podemos defini-la assim: a glória de Deus é o brilho

criado que circunda a revelação do próprio Deus.

Deus em Três Pessoas: a Trindade

A - A DOUTRINA DA TRINDADE REVELA-SE PROGRESSIVAMENTE NAS ESCRITURAS

É importante lembrar a doutrina da Trindade em relação com o estudo dos atributos de Deus.

Quando concebemos a Deus como ser eterno, onipresente, onipotente e assim por diante,

talvez tenhamos a tendência, em relação a esses atributos, de concebê-lo apenas como Deus

Pai. Mas o ensinamento bíblico sobre a Trindade nos diz que todos os atributos de Deus

valem para as três pessoas, pois cada uma delas é plenamente

Podemos definir a doutrina da Trindade do seguinte modo: Deus existe eternamente como três

pessoas — Pai, Filho e Espírito Santo — e cada pessoa é plenamente Deus, e existe só um

Deus.

1. A revelação parcial no Antigo Testamento.

A palavra Trindade não se encontra na Bíblia, embora a idéia representada pela palavra seja

ensinada em muitos trechos. Trindade significa “tri-unidade” ou “três-em-unidade”. É usada

para resumir o ensinamento bíblico de que Deus é três pessoas, porém um só Deus.

Às vezes se pensa que a doutrina da Trindade se encontra somente no Novo Testamento, e

não no Antigo. Se Deus existe eternamente como três pessoas, seria surpreendente não

encontrar indicações disso no Antigo Testamento. Embora a doutrina da Trindade não se ache

explicitamente no Antigo Testamento, várias passagens dão a entender ou até implicam que

Deus existe como mais de uma pessoa.

2. A revelação mais completa da Trindade no Novo Testamento.

Quando começa o Novo Testamento, entramos na história da vinda do Filho de Deus à terra.

Era de esperar que esse grande acontecimento se fizesse acompanhar de ensinamentos mais

explícitos sobre a natureza trinitária de Deus, e de fato é isso que encontramos. Antes de

analisar a questão com pormenores, podemos simplesmente listar várias passagens em que as

três pessoas da Trindade são mencionadas juntas.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

41

Page 42: Teologia sistemática   grudem

B. Três Declarações que Resumem o Ensino Bíblico

Em certo sentido a doutrina da Trindade é um mistério que jamais seremos capazes de

entender plenamente. Podemos, todavia, compreender parte da sua verdade resumindo o

ensinamento das Escrituras em três declarações:

a. Deus é três pessoas.

b. Cada pessoa é plenamente Deus.

c. Há só um Deus.

1. Deus é três pessoas.

O fato de ser Deus três pessoas significa que o Pai não é o Filho; são pessoas distintas.

Significa também que o Pai não é o Espírito Santo, mas são pessoas distintas. E significa que

o Filho não é o Espírito Santo. Essas distinções se mostram em várias das passagens citadas

na seção anterior, bem como em muitas outras passagens do Novo Testamento.

2. Cada pessoa é plenamente Deus.

Além do fato de serem as três pessoas distintas, as Escrituras também dão farto testemunho de

que cada pessoa é plenamente Deus.

Primeiro, Deus Pai é claramente Deus. Isso se evidencia desde o primeiro versículo da Bíblia,

no qual Deus cria o céu e a terra. É evidente em todo o Antigo e no Novo Testamento, nos

quais Deus Pai é retratado nitidamente como Senhor soberano de tudo e onde Jesus ora ao seu

Pai celeste.

Também, o Filho é plenamente Deus. Embora esse ponto seja desenvolvido com mais

pormenores no capítulo 26 (“A Pessoa de Cristo”), podemos aqui mencionar de passagem

vários trechos explícitos. João 1.1-4

Além disso, o Espírito Santo é também plenamente Deus. Uma vez que entendamos que Deus

Pai e Deus Filho são plenamente Deus, então as expressões trinitárias em versículos como

Mateus 28.19 (“batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”) se revestem

de relevância para a doutrina do Espírito Santo, pois mostram que o Espírito Santo está

classificado no mesmo nível do Pai e do Filho.

3. Só há um Deus.

As Escrituras deixam bem claro que só existe um único Deus. As três diferentes pessoas da

Trindade são um não apenas em propósito e em concordância no que pensam, mas um em

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

42

Page 43: Teologia sistemática   grudem

essência, um na sua natureza essencial. Em outras palavras, Deus é um só ser. Não existem

três Deuses. Só existe um Deus.

4. As soluções simplistas necessariamente negam um dos

ensinamentos bíblicos.

Agora temos três proposições, todas elas ensinadas nas Escrituras.

1. Deus é três pessoas.

2. Cada pessoa é plenamente Deus.

3. Só há um Deus.

5. Todas as analogias têm falhas.

Se não podemos adotar nenhuma dessas soluções simplistas, então como juntar as três

verdades bíblicas para assim sustentar a doutrina da Trindade? As pessoas já usaram várias

analogias retiradas da natureza ou da experiência humana para tentar explicar essa doutrina.

Embora tais analogias sejam úteis num nível elementar de compreensão, todas elas se revelam

inadequadas ou ilusórias numa reflexão mais aprofundada.

6. Deus existe eterna e necessariamente como Trindade.

Quando o universo foi criado, Deus Pai proferiu as potentes palavras criadoras que o geraram;

Deus Filho foi o agente divino que executou essas palavras (Jo 1.3; 1Co 8.6; Cl 1.16; Hb 1.2)

e o Espírito de Deus “pairava por sobre as águas” (Gn 1.2). Então é como seria de esperar: se

os três membros da Trindade são igual e plenamente divinos, então todos eles existiram desde

a eternidade, e Deus sempre existiu eternamente como Trindade (cf. também Jo 17.5, 24).

c. A negação de qualquer uma dessas três proposições que resumem o ensino bíblico

sempre gerou erros

1. O modalismo

Afirma que existe só uma única pessoa, que se revela a nós de três diferentes formas (ou

“modos”). Em momentos distintos da história alguns pregaram que Deus não é de fato três

pessoas diferentes, mas uma única pessoa que se revela às pessoas de “modos” diversos em

momentos diferentes. Por exemplo, o Deus do Antigo Testamento se revelou como “Pai”. Nos

evangelhos, essa mesma pessoa divina se revelou como “Filho”, na vida e no ministério de

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

43

Page 44: Teologia sistemática   grudem

Jesus. Depois do Pentecostes, essa mesma pessoa então se revelou como o “Espírito” ativo na

igreja.

2. O arianismo

Nega a plena divindade do Filho e do Espírito Santo.

a. A controvérsia ariana. O termo arianismo vem de Ário, bispo de Alexandria, cujas opiniões

foram condenadas no Concílio de Nicéia em 325 d.C., e que morreu em 336 d.C. Ário

pregava que Deus Filho foi em dado momento criado por Deus Pai e que antes desse

momento o Filho não existia, nem o Espírito Santo, mas somente o Pai. Assim, embora o

Filho seja um ser celeste anterior ao resto da criação e bem maior do que todo o resto da

criação, ele não se iguala ao Pai em todos os seus atributos — pode-se até dizer que é “igual

ao Pai” ou “semelhante ao Pai” na sua natureza, mas não se pode dizer que é “da mesma

natureza” do Pai.

b. Subordinacionismo. Ao afirmar que o Filho era da mesma natureza do Pai, a igreja

primitiva também excluiu outra falsa doutrina correlata: o subordinacionismo. Enquanto o

arianismo sustentava que o Filho era criado e não divino, o subordinacionismo defendia que o

Filho era eterno (não criado) e divino, mas ainda assim não igual ao Pai no seu ser e nos seus

atributos — o Filho era inferior ou “subordinado” no seu ser a Deus Pai.2 7 Orígenes (c. 185

– c. 254 d.C.), um dos pais da igreja primitiva, advogava uma forma de subordinacionismo ao

sustentar que o Filho é inferior ao Pai no seu ser e que deriva eternamente o seu ser do Pai.

Orígenes tentava proteger a distinção de pessoas e escrevia antes da formulação clara da

doutrina da Trindade na igreja. O restante da igreja não o seguiu, mas claramente rejeitou o

seu ensinamento no Concílio de Nicéia.

c. Adocianismo. Antes de deixar para trás a discussão do arianismo, é preciso mencionar outra

falsa doutrina correlata. O “adocianismo” é a concepção de que Jesus viveu como homem

comum até seu batismo, quando Deus o “adotou” como “Filho”, conferindo-lhe poderes

sobrenaturais. Os adocianistas não concordariam que Cristo existia antes de ter nascido como

homem; portanto, não considerariam Cristo eterno, nem o enxergavam como o ser sublime e

sobrenatural criado por Deus, que era a crença dos arianos. Mesmo depois da “adoção” de

Jesus como “Filho” de Deus, eles não o julgavam detentor de uma natureza divina, mas

apenas um homem sublime que Deus chamava de “Filho” num sentido único.

d. A expressão filioque. Ao lado do Credo de Nicéia, importa mencionar breve-mente outro

capítulo infeliz da história da igreja, a saber, a controvérsia sobre a inserção da expressão

filioque no Credo de Nicéia, inserção que acabou gerando o cisma entre o cristianismo

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

44

Page 45: Teologia sistemática   grudem

ocidental (católico romano) e o cristianismo oriental (composto hoje por várias ramificações

dos ortodoxos orientais, como a Igreja Ortodoxa Grega, a Igreja Ortodoxa Russa, etc.) em

1054 d.C.

Filioque é uma expressão latina que significa “e do Filho”. Não foi incluída no Credo de

Nicéia, nem na primeira versão de 325 d.C. nem na segunda, de 381 d.C. Essas versões

diziam simplesmente que o Espírito Santo “procede do Pai”. Mas em 589 d.C., num concílio

regional da igreja em Toledo (região que hoje faz parte da Espanha), acrescentou-se a frase “e

do Filho”; assim, o credo então dizia que o Espírito Santo “procede do Pai e do Filho

(filioque)”. À luz de João 15.26 e 16.7, onde Jesus disse que enviaria o Espírito Santo ao

mundo, aparentemente não poderia haver objeção a tal frase se significasse que o Espírito

Santo procedeu do Pai e do Filho num momento determinado (especialmente no Pentecostes).

Mas trata-se de uma afirmação sobre a natureza da Trindade, e interpretou-se que a expressão

falava de uma relação eterna entre o Espírito Santo e o Filho, algo que as Escrituras jamais

abordam explicitamente. A forma do Credo de Nicéia que trazia essa expressão adicional

gradualmente alcançou aceitação geral e recebeu endosso oficial em 1017 d.C. Toda a

controvérsia complicou-se por conta da política eclesiástica e da luta pelo poder dentro da

igreja, e essa questão doutrinária aparentemente bem insignificante tornou-se o pomo de

discórdia no cisma entre o cristianismo oriental e o ocidental em 1054 d.C. (A questão política

subjacente, porém, era a relação da igreja oriental com a autoridade do papa.) A controvérsia

doutrinária e o cisma que gerou os dois ramos do cristianismo não foram solucionadas até

hoje.

e. A importância da doutrina da Trindade. Por que a igreja tanto se ocupou da doutrina da

Trindade? Será realmente essencial apegar-se à plena divindade do Filho e do Espírito Santo?

Certamente sim, pois esse ensinamento traz implicações para o próprio cerne da fé cristã. Em

primeiro lugar, está em jogo a expiação. Em segundo lugar, a justificação somente pela fé fica

ameaçada se negamos a plena divindade do Filho. Em terceiro lugar, se Jesus não é o Deus

infinito, será que devemos nos dirigir a ele em oração ou adorá-lo? Na verdade, se Jesus é

meramente uma criatura, por maior que seja, seria idolatria adorá-lo — e no entanto o Novo

Testamento nos ordena fazê-lo (Fp 2.9-11; Ap 5.12-14). Em quarto lugar, se alguém prega

que Cristo foi um ser criado e, mesmo assim, nos salvou, então esse ensinamento atribui

erroneamente o mérito da salvação a uma criatura, e não ao próprio Deus. Em quinto lugar, a

independência e a natureza pessoal de Deus estão em jogo: se a Trindade não existe, então

não houve relacionamentos interpessoais dentro do ser divino antes da criação, e, sem

relacionamento pessoais, é difícil entender como Deus poderia ser genuinamente pessoal ou

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

45

Page 46: Teologia sistemática   grudem

como não teria a necessidade da criação para com ela relacionar-se. Em sexto lugar, a unidade

do universo está em jogo: se não há pluralidade perfeita e unidade perfeita no próprio Deus,

então também não temos fundamento para pensar que possa existir alguma unidade última

entre os diversos elementos do universo.

3. O triteísmo nega que só existe um único Deus. Uma última forma possível de tentar uma

harmonização fácil do ensino bíblico sobre a Trindade seria negar que só existe um único

Deus. O resultado é dizer que Deus são três pessoas, e cada pessoa, plenamente Deus.

Portanto, existem três Deuses. Tecnicamente, essa concepção se denominaria “triteísmo”.

Quais as distinções entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo?

1. As pessoas da Trindade têm funções primordiais diferentes em

relação ao mundo.

Quando as Escrituras abordam o modo como Deus se relaciona com o mundo, tanto na

criação quanto na redenção, afirmam que as pessoas da Trindade têm funções ou atividades

primordiais diferentes. Isso já foi chamado de “economia da Trindade”, sendo o termo

economia usado no sentido obsoleto de “ordenamento de atividades”.

2. As pessoas da Trindade existem eternamente como o Pai, o Filho e o

Espírito Santo.

Não, não parece possível que essas coisas pudessem ocorrer, pois o papel de comandar, dirigir

e enviar é apropriado à posição do Pai, segundo a qual se molda toda paternidade humana (Ef

3.14-15). E o papel de obedecer, partindo quando o Pai o envia e revelando Deus a nós, é

apropriado ao papel do Filho, que é chamado Verbo de Deus (cf. Jo 1.1-5, 14, 18; 17.4; Fp

2.5-11). Esses papéis não poderiam ter sido trocados, senão o Pai deixaria de ser o Pai, e o

Filho deixaria de ser o Filho. E, por analogia com essa relação, podemos concluir que o papel

do Espírito Santo é igualmente apropriado à relação que ele já tinha com o Pai e o Filho antes

que o mundo fosse criado.Essas relações são eternas, e não algo que ocorreu somente no

tempo. Podemos deduzir isso primeiramente da imutabilidade de Deus (ver capítulo 11): se

Deus existe hoje como Pai, Filho e Espírito Santo, então ele sempre existiu como Pai, Filho e

Espírito Santo.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

46

Page 47: Teologia sistemática   grudem

3. Qual a relação entre as três pessoas e o ser de Deus?

Primeiro,é importante afirmar que cada pessoa é completa e plenamente Deus; ou seja, que

cada pessoa tem em si a absoluta plenitude do ser divino. Por outro lado, precisamos dizer que

as pessoas são reais, que não são apenas modos diferentes de enxergar o ser único de Deus.

(Isso seria modalismo ou sabelianismo, como já vimos acima.)

4. Será que podemos compreender a doutrina da Trindade?

Os erros cometidos no passado devem-nos servir de alerta. Todos eles surgiram de tentativas

de simplificar a doutrina da Trindade para torná-la completamente inteligível, removendo dela

todo o mistério. Isso jamais podemos fazer. Porém, não é correto dizer que não podemos

compreender nada da doutrina da Trindade. Certamente podemos compreender e saber que

Deus é três pessoas, e que cada pessoa é plenamente Deus, e que só há um Deus. Podemos

saber essas coisas porque a Bíblia as ensina. Além disso, podemos saber algumas coisas

acerca do modo como as pessoas se relacionam umas com as outras (ver a seção acima). Mas

o que não podemos compreender plenamente é como encaixar esses diferentes ensinamentos

bíblicos. Perguntamo-nos como pode haver três pessoas distintas, como cada pessoa pode

conter em si a totalidade do ser divino, e como, apesar disso, Deus é um ser único e indiviso.

Isso não somos capazes de compreender. De fato, nos é espiritualmente saudável reconhecer

abertamente que o ser divino em si é tão imenso que jamais poderemos vir a compreendê-lo.

Isso nos humilha diante de Deus e leva-nos a adorá-lo sem reservas.

Mas também é preciso dizer que as Escrituras não nos pedem que creiamos numa contradição.

Contradição seria dizer: “só existe um único Deus e não existe um único Deus” ou “Deus é

três pessoas e Deus não é três pessoas” ou mesmo (semelhante à afirmação precedente) “Deus

é três pessoas e Deus é uma pessoa”.

Como Deus em si mesmo contém tanto a unidade quanto a diversidade, não é de admirar que

unidade e diversidade também se reflitam nas relações humanas que ele firmou. Percebemos

isso inicialmente no casamento. Quando Deus criou o homem à sua própria imagem, não

criou meros indivíduos isolados, mas diz-nos a Bíblia: “homem e mulher os criou” (Gn 1.27).

E na unidade do casamento (ver Gn 2.24) percebemos não uma triunidade como em Deus,

mas pelo menos uma notável unidade de duas pessoas, pessoas que permanecem indivíduos

distintos, porém se tornam um só em corpo, mente e espírito (cf. 1Co 6.16-20; Ef 5.31).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

47

Page 48: Teologia sistemática   grudem

A Criação

Podemos definir assim a doutrina da criação: Deus criou todo o universo do nada; este era

originariamente muito bom, e ele o criou para glorificar a si mesmo.

1. Provas bíblicas da criação a partir do nada.

A Bíblia claramente demanda que acreditemos que Deus criou o universo do nada. (Às vezes

se usa a expressão latina ex nihilo, “do nada”; diz-se então que a Bíblia prega a criação ex

nihilo.) Isso significa que antes de Deus principiar a criação do universo, nada existia além do

próprio Deus.

2. A criação do universo espiritual.

A criação de todo o universo abarca a criação de um reino de existência invisível e espiritual:

Deus criou os anjos e outros tipos de seres celestiais, além dos animais e do homem. Também

criou o céu como lugar onde a sua presença é especialmente evidente. A criação do reino

espiritual está inequivocamente implícita em todos os versículos acima que afirmam que Deus

criou não só a terra, mas também “o céu [...] e tudo quanto nele[s] existe” (Ap 10.6; cf. At

4.24), e está ainda explicitamente confirmada em vários outros versículos. No Novo

Testamento, Paulo especifica que em Cristo “foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a

terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer

potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Cl 1.16; cf. Sl 148.2-5). Aqui a criação

dos seres celestes invisíveis é também afirmada explicitamente.

3. A criação direta de Adão e Eva.

“Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma

das suas costelas e fechou o lugar com carne. E a costela que o SENHOR Deus tomara ao

homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe” (Gn 2.21-22).

A criação especial de Adão e Eva mostra que, embora nos pareçamos com os animais em

muitos aspectos do nosso corpo físico, somos no entanto muito diferentes deles. Fomos

criados “à imagem de Deus”, o pináculo da criação divina, mais semelhantes a Deus do que

qualquer outra criatura, nomeados para reger o resto da criação.

4. A criação do tempo.

Outro aspecto da criação divina é a criação do tempo (a sucessão de momentos consecutivos).

Essa idéia já foi discutida juntamente com o atributo divino da eternidade no capítulo 11,  e

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

48

Page 49: Teologia sistemática   grudem

aqui nos basta resumi-la. Quando falamos da existência de Deus “antes” da criação do mundo,

não devemos pensar que Deus existisse ao longo de uma infindável extensão de tempo.

5. O papel do Filho e do Espírito Santo na criação.

Deus Pai foi o agente primordial, ao iniciar o ato da criação. Mas o Filho e o Espírito Santo

também estiveram ativos. O Filho é muitas vezes descrito como aquele “por intermédio de”

quem se deu a criação. O Espírito Santo também agiu na criação. Ele é geralmente retratado

como aquele que conclui, preenche e dá vida à criação divina.

O ensino bíblico a respeito do relacionamento entre Deus e a criação é único entre as religiões

do mundo. A Bíblia ensina que Deus é distinto da sua criação. Não faz parte dela, pois ele a

fez e a governa. O termo muitas vezes usado para dizer que Deus é muito maior do que a

criação é transcendente. Simplificando bastante, isso significa que Deus está bem “acima” da

criação, no sentido de que é maior do que a criação e independente dela.

É evidente que Deus criou seu povo para a sua própria glória, pois ele fala dos seus filhos e

filhas como aqueles “que criei para minha glória, e que formei, e fiz” (Is 43.7). Mas Deus não

criou para seus desígnios somente os seres humanos. Toda a criação tem por meta revelar a

glória de Deus. Mesmo a criação inanimada — as estrelas, o sol, a lua e o firmamento — dá

testemunho da grandeza de Deus. “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento

anuncia as obras das suas mãos.

Mesmo que hoje haja pecado no mundo, a criação material ainda é boa aos olhos de Deus e

deve também por nós ser tida como “boa”. Esse conhecimento nos liberta de um falso

ascetismo que considera errado o uso e o deleite da criação material.

Em vários momentos da história, os cristãos discordaram das descobertas reconhecidas da

ciência da época. Na grande maioria dos casos, a sincera fé cristã e a firme confiança na

Bíblia levaram os cientistas à descoberta de novas verdades sobre o universo de Deus, e essas

descobertas mudaram a opinião científica em toda a história posterior.

Vejamos alguns princípios segundo os quais se pode abordar a relação entre a criação e as

descobertas da ciência moderna.

1. Corretamente compreendidos todos os fatos, não haverá “nenhum conflito definitivo” entre

as Escrituras e a ciência natural. A expressão “nenhum conflito definitivo” foi extraída de um

livro muito interessante de Francis Schaeffer, No Final Conflict. A respeito de questões da

criação do universo, Schaeffer lista diversos pontos em que, segundo ele, há margem para

discordância entre cristãos que acreditem na completa fidelidade das Escrituras:

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

49

Page 50: Teologia sistemática   grudem

a. Existe a possibilidade de Deus ter criado um universo “adulto”.

b. Existe a possibilidade de intervalo entre Gênesis 1.1 e 1.2, ou entre 1.2 e 1.3.

c. Existe a possibilidade de um dia longo em Gênesis 1.

d. O sentido da palavra “espécie” em Gênesis 1 pode ser bem amplo.

e. Existe a possibilidade da morte de animais antes da queda.

f. Nos trechos em que a palavra hebraica bªrª’ não é utilizada, existe a possibilidade de

seqüência a partir de coisas previamente existentes.

2. Algumas teorias sobre a criação parecem nitidamente incompatíveis com os ensinamentos

das Escrituras. Nesta seção examinaremos três tipos de explicação da origem do universo que

parecem nitidamente incompatíveis com as Escrituras.

a. Teorias seculares. Teoria “secular” é qualquer teoria da origem do universo que não

considera que um Deus pessoal e infinito é o responsável pela criação segundo desígnios

inteligentes.

b. Evolução teísta. Essa teoria se chama evolução teísta porque advoga a crença em Deus (é

“teísta”) e também na evolução. Muitos dos que defendem a evolução teísta sugerem que

Deus interveio no processo em alguns pontos críticos, geralmente: (1) na criação da matéria

no princípio, (2) na criação da forma mais simples de vida e (3) na criação do homem.

c. Comentários sobre a teoria darwiniana da evolução. O termo evolução é mais comumente

usado para referir-se à “macroevolução” — ou seja, a “teoria geral da evolução”, ou a idéia de

que “substâncias não vivas deram origem ao primeiro material vivo, que em seqüência se

reproduziu e se diversificou, gerando todos os organismos extintos e existentes”.

(1) Contestações atuais à evolução

A atual teoria neodarwinista ainda é essencialmente semelhante à posição original de Darwin,

mas com aperfeiçoamentos e modificações devidos a mais de cem anos de pesquisas. Na

moderna teoria evolutiva darwinista, a história do desenvolvimento da vida começou quando

uma combinação de substâncias químicas presentes na terra gerou espontaneamente uma

forma de vida simples, provavelmente unicelular.

(2) As influências destrutivas da teoria da evolução no pensamento moderno

É importante compreender as influências incrivelmente destrutivas que a teoria da evolução

exerceu sobre o pensamento moderno. Não passamos então de meros produtos de matéria,

tempo e acaso, e portanto crer que temos alguma importância eterna, ou na verdade qualquer

importância, por mínima que seja, diante de um universo imenso, é simplesmente ilusão. A

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

50

Page 51: Teologia sistemática   grudem

reflexão sincera sobre essa idéia deve levar as pessoas a um profundo sentimento de

desespero.

d. A teoria do “intervalo” entre Gênesis 1.1 e 1.2. Alguns evangélicos propõem que existe

um intervalo de milhões de anos entre Gênesis 1.1 (“No princípio, criou Deus os céus e a

terra”) e Gênesis 1.2 (“A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do

abismo”). Segundo essa teoria, Deus teria feito uma criação anterior, mas acabou havendo

uma rebelião contra ele (provavelmente ligada à própria rebelião de Satanás), e Deus julgou a

terra, de modo que ela “ficou sem forma e vazia” (tradução alternativa, mas duvidosa,

proposta para Gn 1.2).

3. A idade da terra: algumas considerações preliminares. Até aqui, as análises deste capítulo

defenderam conclusões que esperamos encontrem ampla aceitação entre os cristãos

evangélicos. Qual a idade da terra?

As duas opções a escolher sobre a idade da terra são a teoria da “terra antiga”, que se alinha

com o consenso da ciência moderna, defendendo que a terra tem 4.500.000.000 de anos de

idade; e a teoria da “terra jovem”, que diz que a terra tem entre 10.000 e 20.000 anos, e que os

sistemas de datação científicos seculares estão incorretos. A diferença entre essas duas

concepções é imensa: 4.499.980.000 anos!

4. Hoje tanto a tese da “terra antiga” quanto a da “terra jovem” são opções válidas para os

cristãos que crêem na Bíblia. Depois de discutir várias considerações preliminares a respeito

da idade da terra, chegamos finalmente aos argumentos específicos a favor das teses da terra

antiga e da terra jovem.

a. As teorias criacionistas da “terra antiga”. Nessa primeira categoria, relacionamos dois

pontos de vista defendidos por aqueles que crêem numa terra antiga, com cerca de 4,5 bilhões

de anos, e num universo de cerca de 15 bilhões de anos.

(1) Tese do dia-era

Muitos se viram atraídos a essa tese em virtude das provas científicas a respeito da idade da

terra. Uma investigação bastante proveitosa das opiniões dos teólogos e cientistas a respeito

da idade da terra, desde a antiga Grécia até o século XX, se acha no livro de um geólogo

profissional e também cristão evangélico, Davis A. Young, Christianity and the Age of the

Earth. Young demonstra que, nos séculos XIX e XX, muitos geólogos cristãos, diante do peso

das provas aparentemente esmagadoras, concluíram que a terra tem cerca de 4,5 bilhões de

anos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

51

Page 52: Teologia sistemática   grudem

A concepção do dia-era é certamente possível, mas tem diversas dificuldades: (1) a seqüência

de acontecimentos de Gênesis 1 não corresponde exatamente à explicação científica atual do

desenvolvimento da vida, que situa os seres marinhos (5º dia) antes das árvores (3º dia), e os

insetos e outros animais terrestres (6º dia), assim como também os peixes (5º dia), antes das

aves (5º dia). (2) A maior dificuldade dessa idéia é o fato de situar o sol, a lua e as estrelas (4º

dia) milhões de anos depois da criação das plantas e das árvores (3º dia). Isso não faz

absolutamente nenhum sentido segundo a opinião científica corrente, que afirma que as

estrelas foram formadas bem antes da terra ou de qualquer ser vivo da terra. Também não faz

sentido em face do modo como a terra hoje funciona, pois as plantas não crescem sem luz do

sol, e muitas delas (3º dia) dependem de aves ou insetos voadores (5º dia) para o transporte do

pólen; além disso, muitas aves (5º dia) vivem de insetos rastejantes (6º dia). Ademais, é de

supor que as águas da terra permaneceriam congeladas por milhões de anos sem a luz do sol.

(2) Tese da estrutura literária

Outra forma de interpretar os dias de Gênesis 1 vem ganhando significativo apoio entre os

evangélicos. Como argumenta que Gênesis não nos dá informações sobre a idade da terra,

seria compatível com a atual concepção científica de que a terra é bastante antiga. Essa tese

defende que os seis dias de Gênesis 1 não pretendem indicar uma seqüência cronológica de

acontecimentos, nada mais sendo que uma “estrutura” literária que o autor usa para nos relatar

a ação criadora de Deus. A estrutura está construída com destreza, de modo que os primeiros

três dias e os três dias restantes correspondam um ao outro.

Dias de formação Dias de preenchimento

1º dia: separação de luz e trevas 4º dia: sol, lua e estrelas (luzes no céu)

2º dia: separação de firmamento e águas 5º dia: peixes e aves

3º dia: separação de terra seca e mares, 6º dia: animais e o homem

plantas e árvores

b. As teorias criacionistas da “terra jovem”. Outro grupo de intérpretes evangélicos rejeita os

sistemas de datação que atualmente atribuem uma idade de milhões de anos à terra,

sustentando, em vez disso, que a terra é bem jovem, tendo talvez 10.000 ou 20.000 anos. Os

defensores da terra jovem formularam vários argumentos científicos em favor da criação

recente da terra. Aqueles que defendem a tese da terra jovem geralmente advogam uma das

seguintes concepções, ou ambas:

(1) Criação com aparência de antigüidade (criacionismo maduro)

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

52

Page 53: Teologia sistemática   grudem

O surgimento de Adão e Eva como adultos maduros é um exemplo óbvio. Eles parecem já ter

vivido talvez vinte ou vinte e cinco anos, tendo-se desenvolvido desde a infância como os

seres humanos comuns, mas na verdade tinham menos de um dia de vida. Do mesmo modo,

provavelmente já viram as estrelas na primeira noite de vida, mas a luz da maior parte das

estrelas levaria milhares ou mesmo milhões de anos para alcançar a terra. Isso indica que

Deus criou as estrelas com raios de luz já no lugar.

O verdadeiro problema da aparência de antigüidade é não poder explicar facilmente algumas

coisas do universo. Todos concordarão que Adão e Eva foram criados já adultos, não crianças

recém-nascidas, e portanto já tinham uma aparência madura. Assim, para os cristãos, parece

que as únicas explicações plausíveis dos fósseis são: (a) os atuais métodos de datação estão

incorretos em proporções colossais, em virtude de pressupostos equivocados ou de

modificações introduzidas pela queda ou pelo dilúvio; ou (b) os atuais métodos de datação

estão aproximadamente corretos e a terra tem muitos milhões ou mesmo bilhões de anos.

(2) A geologia do dilúvio

Outra tese comum entre os evangélicos é aquilo que podemos chamar de “geologia

diluviana”. Propõe que as tremendas forças naturais desencadeadas pelo dilúvio no tempo de

Noé (Gn 6-9) alteraram significativamente a face da terra, provocando a produção de carvão e

diamantes, por exemplo, num intervalo de um ano somente, e não de centenas de milhões de

anos, em função da pressão extremamente alta que a água exerceu sobre a terra.

5. Conclusões sobre a idade da terra. Os argumentos astronômicos de Newman e Eckelmann,

que indicam um universo bastante antigo, dão peso ainda maior. É compreensível, por um

lado, que Deus tenha criado um universo em que as estrelas já estavam aparentemente

brilhando havia 15 bilhões de anos, em que Adão já parecia ter 25 anos de idade, em que

algumas árvores aparentemente já estavam ali havia 50 anos e em que alguns animais

pareciam já ter entre 1 e 10 anos. Mas, por outro lado, é difícil compreender por que Deus

teria criado dezenas, talvez centenas, de diferentes tipos de rochas e minerais na terra, todos

eles com apenas um dia de idade, mas ao mesmo tempo todos eles com uma aparência de

exatamente 4,5 bilhões de anos, exatamente a idade aparente que ele também deu à lua e aos

meteoritos, quando na verdade esses também só tinham um dia de vida.

6. A necessidade de uma melhor compreensão. Embora nossas conclusões sejam conjecturais,

diante da nossa compreensão atual parece ser mais fácil interpretar que as Escrituras dão a

entender (mas não exigem) uma terra jovem, apesar de os fatos observáveis da criação

parecerem cada vez mais favoráveis à tese da terra antiga. Ambas as idéias são possíveis, mas

nenhuma delas é segura.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

53

Page 54: Teologia sistemática   grudem

A doutrina da criação tem muitas aplicações para os cristãos de hoje. Faz-nos perceber que o

universo material é bom em si mesmo, pois Deus o criou bom e quer que o utilizemos de

modos que lhe sejam agradáveis. Portanto devemos procurar ser como os primeiros cristãos,

que “partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de

coração” (At 2.46), sempre dando graças a Deus e confiando nas suas provisões.

A Providência Divina

Quando entendemos que Deus é o Criador todo-poderoso (ver capítulo 15), parece sensato

concluir que ele também preserva e governa tudo no universo. Embora o termo providência

não se encontre nas Escrituras, tem sido tradicionalmente usado para resumir a contínua

relação de Deus com a sua criação.

Podemos definir assim a providência divina: Deus está continuamente envolvido com todas as

coisas criadas de forma tal que (1) as preserva como elementos existentes, que conservam as

propriedades com que ele os criou; (2) coopera com as coisas criadas em cada ato, dirigindo

as suas propriedades características a fim de fazê-las agir como agem; e (3) as orienta no

cumprimento dos seus propósitos.

Dentro da categoria geral da providência temos três subtópicos, segundo os três elementos da

definição acima: (1) Preservação, (2) Cooperação e (3) Governo.

A. PRESERVAÇÃO

Deus preserva todas as coisas criadas como elementos existentes, que conservam as

propriedades com que ele os criou.

Hebreus 1.3 nos diz que Cristo está “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder”.

A palavra grega traduzida como “sustentando” é , “carregar, suportar”. É usada

comumente no Novo Testamento com o sentido de carregar algo de um lugar para outro,

como nos seguinte exemplos: Lucas 5.18 (levar um paralítico num leito até Jesus), João 2.8

(levar vinho ao encarregado do banquete) e 2Timóteo 4.13 (levar uma capa e livros para

Paulo). Não significa simplesmente “sustentar”, mas encerra a idéia de controle ativo e

deliberado da coisa que se carrega de um lugar a outro. Em Hebreus 1.3, o uso do gerúndio

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

54

Page 55: Teologia sistemática   grudem

indica que Jesus está “continuamente carregando consigo todas as coisas” no universo pela

palavra do seu poder. Cristo está ativamente envolvido na obra da providência.

B. COOPERAÇÃO

Deus coopera com as coisas criadas em cada ato, dirigindo as suas propriedades

características a fim de fazê-las agir como agem.

Esse segundo aspecto da providência, a cooperação, é uma ampliação da idéia contida no

primeiro aspecto, a preservação. De fato, alguns teólogos (como João Calvino) tratam o fato

da cooperação dentro da categoria da preservação, mas vale a pena tratá-lo como categoria

distinta.

Com o intuito de apresentar provas bíblicas da cooperação, começamos pela criação

inanimada, depois passamos aos animais e finalmente abordamos os diferentes tipos de

acontecimentos da vida dos homens.

1. A criação inanimada.

Há muitas coisas na criação que concebemos como ocorrências meramente “naturais”.

Contudo, as Escrituras afirmam que Deus as faz acontecer. Lemos que “fogo e saraiva, neve e

vapor e ventos procelosos [...] lhe executam a palavra” (Sl 148.8). Ainda, o salmista declara

que “Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os

abismos” (Sl 135.6), e depois, na frase seguinte, exemplifica como Deus impõe a sua vontade

ao clima: “Faz subir as nuvens dos confins da terra, faz os relâmpagos para a chuva, faz sair o

vento dos seus reservatórios” (Sl 135.7; cf. 104.4).

2. Os animais.

As Escrituras afirmam que Deus alimenta os animais selvagens do campo, pois “todos

esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão,

eles se fartam de bens. Se ocultas o rosto, eles se perturbam” (Sl 104.27-29; cf. Jó 38.39-41).

Jesus também afirmou isso ao dizer: “Observai as aves do céu [...] vosso Pai celeste as

sustenta” (Mt 6.26). E ele disse que nenhum pardal “cairá em terra sem o consentimento de

vosso Pai” (Mt 10.29).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

55

Page 56: Teologia sistemática   grudem

3. Acontecimentos aparentemente “aleatórios” ou “casuais”.

De um ponto de vista humano, o ato de lançar sortes (ou seu equivalente moderno, jogar

dados ou tirar cara ou coroa) é o mais típico dos eventos aleatórios que ocorrem no universo.

Mas a Bíblia afirma que o resultado desse evento provém de Deus: “A sorte se lança no

regaço, mas do SENHOR procede toda decisão” (Pv 16.33). 

4. Eventos totalmente provocados por Deus e totalmente provocados

também pelas criaturas.

Para todos os eventos anteriores (a chuva e a neve, o crescimento da relva, o sol e as estrelas,

o sustento dos animais ou o lançar sortes), poderíamos (pelo menos em teoria) dar uma

explicação “natural” absolutamente satisfatória. Um botânico pode detalhar os fatores que

fazem a relva crescer, como o sol, a umidade, a temperatura, os nutrientes do solo, etc. Porém

dizem as Escrituras que Deus faz a relva crescer. Essas passagens afirmam que tais eventos

são integralmente provocados por Deus. Porém, sabemos que (noutro sentido) são também

integralmente provocados pelos fatores da criação.

5. As questões nacionais.

As Escrituras também falam do controle providencial divino das questões humanas. Lemos

que Deus “multiplica as nações e as faz perecer; dispersa-as e de novo as congrega” (Jó

12.23). “Pois do SENHOR é o reino, é ele quem governa as nações” (Sl 22.28). Ele já

determinou o tempo de existência e o lugar de cada nação na terra, pois Paulo diz: “[Deus] de

um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os

tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação” (At 17.26; cf. 14.16).

6. Todos os aspectos da nossa vida.

É surpreendente ver até que ponto as Escrituras atribuem a Deus os vários eventos da nossa

vida. Por exemplo, nossa dependência de Deus para o alimento de cada dia é afirmada cada

vez que oramos “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Mt 6.11), ainda que trabalhemos pelo

nosso alimento e (até onde a mera observação humana pode alcançar) o obtenhamos por meio

de causas totalmente “naturais”. Do mesmo modo, Paulo, mirando as coisas com os olhos da

fé, afirma que “o meu Deus [...] há de suprir [...] cada uma de vossas necessidades” (Fp 4.19),

mesmo que se usem meios “comuns” (como, por exemplo, outras pessoas) para fazê-lo.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

56

Page 57: Teologia sistemática   grudem

7. E o mal?

Se Deus de fato causa, mediante a sua ação providencial, tudo o que vem a acontecer no

mundo, então surge a pergunta: “Qual a relação entre Deus e o mal que existe no mundo?”

Será que Deus realmente causa os atos maus das pessoas? Se o faz, então não seria Deus

responsável pelo pecado?

Podemos começar pela análise de várias passagens que afirmam que Deus, de fato, provocou

acontecimentos maus e fez que se cometessem atos maus. Mas é importante lembrar que em

todas essas passagens fica bem claro que as Escrituras, em momento nenhum, retratam Deus

fazendo diretamente algo mau; retratam, sim, Deus causando atos maus por meio das ações

voluntárias das criaturas morais.

8. Análise dos versículos relacionados a Deus e o mal.

Depois de examinar tantos versículos que falam do uso divino providencial dos atos maus de

homens e demônios, que podemos dizer à guisa de análise?

a. Deus usa todas as coisas para cumprir os seus desígnios e usa até o mal para a sua glória e

para o nosso bem. Assim, quando o mal entra em nossa vida para nos perturbar, podemos

encontrar na doutrina da providência uma certeza mais profunda de que “Deus age em todas

as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu

propósito” (Rm 8.28 NVI). Foi essa convicção que possibilitou que José dissesse aos seus

irmãos: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem” (Gn

50.20).

b. Porém, Deus jamais faz o mal e jamais deve ser culpado pelo mal. Numa declaração

semelhante àquelas citadas acima de Atos 2.23 e 4.27-28, Jesus também combina a

predestinação divina da crucificação com a culpa moral daqueles que a executaram: “Porque o

Filho do Homem, na verdade, vai segundo o que está determinado, mas ai daquele por

intermédio de quem ele está sendo traído!” (Lc 22.22; cf. Mt 26.24; Mc 14.21). E numa

declaração mais geral sobre o mal no mundo, diz Jesus: “Ai do mundo, por causa dos

escândalos; porque é inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual vem o

escândalo!” (Mt 18.7).

c. Deus culpa e julga justamente as criaturas morais pelo mal que fazem. Muitas passagens

das Escrituras afirmam isso. Uma delas se encontra em Isaías: “Estes escolheram os seus

próprios caminhos, e a sua alma se deleita nas suas abominações, assim eu lhes escolherei o

infortúnio e farei vir sobre eles o que eles temem; porque clamei, e ninguém respondeu, falei,

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

57

Page 58: Teologia sistemática   grudem

e não escutaram; mas fizeram o que era mau perante mim e escolheram aquilo em que eu não

tinha prazer” (Is 66.3-4). Do mesmo modo, lemos: “Deus fez o homem reto, mas ele se meteu

em muitas astúcias” (Ec 7.29). A culpa pelo mal é sempre da criatura responsável que o

comete, seja homem, seja demônio, e a criatura que comete o mal sempre merece castigo.

d. O mal é real, não ilusão, e jamais devemos fazer o mal, pois ele sempre prejudicará a nós

mesmos e os outros. As Escrituras ensinam repetidamente que jamais temos o direito de fazer

o mal e que persistentemente devemos nos opor a ele em nós mesmos e no mundo. Devemos

orar: “Livra-nos do mal” (Mt 6.13). E quando virmos alguém se desviando da verdade e

fazendo algo errado, devemos tentar trazê-lo de volta. Dizem as Escrituras: “Se algum entre

vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do

seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” (Tg 5.19-20).

e. Apesar de todas as afirmações anteriores, chega um ponto em que nos vemos obrigados a

confessar que não compreendemos como Deus pode ordenar que executemos atos maus e

depois nos responsabilizar por eles, sem que o próprio Deus tenha culpa. Podemos afirmar

que todas essas coisas são verdade, pois as Escrituras as ensinam. Mas a Bíblia não nos diz

exatamente como Deus provoca essa situação, ou como Deus nos responsabiliza por aquilo

que ordena que venha a acontecer. Nesse ponto a Bíblia se cala, e temos de concordar com

Berkhof, considerando que em última análise “o problema da relação de Deus com o pecado

permanece um mistério”.

9. Somos “livres”?

Temos “livre-arbítrio”? Se Deus exerce controle providencial sobre todos os eventos, será que

em algum sentido somos livres? A resposta depende do que queremos dizer com a palavra

livre. Em certos sentidos da palavra, todos concordam que somos livres na nossa vontade e

nas nossas decisões.

C. GOVERNO

1. Provas bíblicas.

Já discutimos os dois primeiros aspectos da providência: (1) preservação e (2) cooperação.

Esse terceiro aspecto da providência divina sugere que Deus tem um propósito em tudo o que

faz no mundo, e providencialmente governa ou dirige todas as coisas a fim de que cumpram

esses propósitos divinos. Lemos em Salmos: “O seu reino domina sobre tudo” (Sl 103.19).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

58

Page 59: Teologia sistemática   grudem

Além disso, “segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra;

não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35).

2. Distinções acerca da vontade de Deus.

Embora em Deus a sua vontade seja unificada, e não dividida nem contraditória, é-nos

impossível compreender as profundezas da vontade divina, e só pequena parte dela nós é

revelada. Por essa razão, como vimos no capítulo 13,2 2 percebemos dois aspectos da vontade

de Deus. De um lado, existe a vontade moral de Deus (às vezes chamada vontade “revelada”).

D. OS DECRETOS DE DEUS

Os decretos de Deus são os divinos desígnios eternos por meio dos quais, antes da criação do

mundo, ele determinou realizar tudo o que acontece. Essa doutrina é semelhante à da

providência, mas aqui estamos considerando as decisões divinas anteriores à criação do

mundo, e não seus atos providenciais no tempo. Seus atos providenciais são a efetivação dos

decretos eternos que ele baixou há muito tempo.

E. A IMPORTÂNCIA DAS NOSSAS AÇÕES

Às vezes esquecemos que Deus age por intermédio dos atos humanos na sua administração

providencial do mundo. Esquecendo, pensamos que nossos atos e nossas decisões não fazem

muita diferença ou não exercem muita influência no curso dos acontecimentos. Para evitar

qualquer mal-entendido acerca da providência divina, enfatizamos os pontos abaixo.

1. Somos, sim, responsáveis pelos nossos atos.

Deus nos fez responsáveis pelos nossos atos, que têm resultados reais e eternamente

significativos. Em todos os seus atos providenciais, Deus preserva essas características de

responsabilidade e importância.

2. Nossos atos geram resultados reais e mudam, sim, o curso dos

acontecimentos.

Segundo o funcionamento normal do mundo, se deixo de cuidar da minha saúde e cultivo

hábitos alimentares ruins, ou se agrido o meu corpo abusando do álcool e do cigarro, é

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

59

Page 60: Teologia sistemática   grudem

provável que morra mais cedo. Deus determinou que nossos atos produzam efeitos. Deus

determinou que nós causaremos acontecimentos.

3. A oração é um tipo de ação que traz resultados definidos e que

efetiva-mente muda o curso dos acontecimentos.

Deus também determinou que a oração fosse um meio bastante importante de gerar resultados

no mundo. Quando sinceramente intercedemos por uma pessoa ou situação, muitas vezes

descobrirmos que Deus determinara que nossa oração seria o meio que ele usaria para gerar as

mudanças no mundo. As Escrituras nos lembram esse fato ao dizer: “Nada tendes, porque não

pedis” (Tg 4.2). Jesus diz: “Até agora nada tendes pedido em meu nome; pedi e recebereis,

para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16.24).

4. Concluindo, precisamos agir!

A doutrina da providência de modo nenhum nos incentiva a aguardar ociosos o resultado de

determinados acontecimentos. É claro que Deus pode gravar em nós a necessidade de esperar

nele antes de agir e de confiar nele e não nas nossas próprias capacidades — isso certamente

não é errado. Mas simplesmente dizer que confiamos em Deus em vez de agir

responsavelmente é pura ociosidade, e uma distorção da doutrina da providência.

5. E se não pudermos compreender plenamente essa doutrina?

Todo crente que medita na providência de Deus alcançará mais cedo ou mais tarde um ponto

em que se verá obrigado a dizer: “Não consigo compreender plenamente essa doutrina”. Em

certo sentido isso se deve dizer de toda doutrina, pois nossa compreensão é finita, e Deus é

infinito.

F. OUTRAS APLICAÇÕES PRÁTICAS

Embora já tenhamos começado a falar da aplicação prática dessa doutrina, é importante

mencionar três outros tópicos.

1. Não tema, mas confie em Deus.

Jesus enfatiza o fato de que nosso soberano Senhor zela por nós e cuida de nós como seus

filhos. Diz: “Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros;

contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves?

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

60

Page 61: Teologia sistemática   grudem

2. Sejamos gratos por todas as boas coisas que acontecem.

Se genuinamente cremos que todas as boas coisas são causadas por Deus, então nosso coração

de fato exultará quando dissermos: “Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de

nem um só de seus benefícios” (Sl 103.2). Agradecer-lhe-emos nosso alimento diário (cf. Mt

6.11; 1Tm 4.4-5) e, na verdade, “em tudo” daremos graças (1Ts 5.18).

3. Não existe nada que se possa chamar “sorte” ou “acaso”.

Todas as coisas acontecem pela sábia providência divina. Isso significa que devemos adotar

uma compreensão muito mais “pessoal” do universo e dos eventos que nele ocorrem. O

universo não é governado por destino ou sorte impessoal, mas por um Deus pessoal.

G. OUTRA VISÃO EVANGÉLICA: A POSTURA ARMINIANA

Existe uma importante postura alternativa defendida por muitos evangélicos, que por

conveniência chamaremos de visão “arminiana”. Entre as denominações evangélicas

contemporâneas, os metodistas e os nazarenos tendem a ser plenamente arminianos, enquanto

os presbiterianos tendem a ser plenamente reformados (pelo menos segundo a afirmação

denominacional de fé). Os que defendem a opinião arminiana sustentam que, para preservar a

verdadeira liberdade humana e as verdadeiras escolhas humanas indispensáveis à genuína

pessoalidade humana, Deus não pode causar nem planejar as nossas decisões voluntárias.

Portanto, concluem que o envolvimento providencial de Deus na história, ou o controle divino

da história, não pode incluir cada mínimo detalhe de tudo o que acontece; em vez disso, Deus

simplesmente reage às escolhas e ações humanas quando essas se realizam, e o faz de

maneira tal que seus desígnios acabam se cumprindo no mundo.

1. Os versículos citados como exemplos do controle providencial de Deus são exceções e não

descrevem o modo como Deus normalmente opera na atividade humana. Examinando as

passagens do Antigo Testamento que tratam do envolvimento providencial de Deus no

mundo, David J. A. Clines diz que as previsões e afirmações dos desígnios divinos se referem

a acontecimentos limitados ou específicos: quase todas as referências específicas aos

desígnios de Deus têm em vista um acontecimento particular, ou uma série limitada de

acontecimentos; por exemplo, “os desígnios que ele formou contra a terra dos caldeus” (Jr

50.45).

2. A visão calvinista equivocadamente torna Deus responsável pelo pecado. Aqueles que

sustentam a concepção arminiana perguntam: “Como pode Deus ser santo se decreta que

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

61

Page 62: Teologia sistemática   grudem

pequemos?” Afirmam eles que Deus não é o “autor do pecado”, que “Deus não pode ser

tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta” (Tg 1.13), que “Deus é luz, e não há nele

treva nenhuma” (1Jo 1.5) e que “o SENHOR é reto [...] e nele não há injustiça” (Sl 92.15).

3. Escolhas causadas por Deus não podem ser escolhas legítimas. Se o calvinista afirma que

Deus nos faz escolher coisas voluntariamente, os defensores da concepção arminiana

respondem que quaisquer escolhas em última análise causadas por Deus não podem ser

escolhas legítimas, e que, se Deus realmente nos faz tomar as decisões que tomamos, então

não somos pessoas reais.

Para esclarecer o seu argumento sobre a liberdade essencial da vontade humana, os defensores

da posição arminiana chamam atenção para a freqüência da livre oferta do evangelho no Novo

Testamento. Diriam eles que esses convites ao arrependimento e à salvação em Cristo, caso

sinceros, implicam necessariamente a capacidade de aceitá-los. Assim, todas as pessoas, sem

exceção, têm capacidade de aceitar, não só aqueles a quem Deus soberanamente deu essa

capacidade de modo especial.

4. A tese arminiana incentiva a vida cristã responsável, enquanto a tese calvinista estimula um

fatalismo perigoso. Os cristãos que defendem a visão arminiana argumentam que a visão

calvinista, quando compreendida na sua totalidade, destrói os motivos da conduta cristã

responsável. Randall Basinger diz que a concepção calvinista “estabelece que o que é deve ser

e exclui a hipótese de que as coisas poderiam e/ou deveriam ter sido diferentes”.

H. RESPOSTA À POSTURA ARMINIANA

Muitos evangélicos julgarão convincentes esses quatro argumentos arminianos. Acharão eles

que esses argumentos representam o que intuitivamente sabem sobre si mesmos, seus atos e o

modo como o mundo opera, e que tais argumentos são a melhor explicação para a repetida

ênfase bíblica na nossa responsabilidade e nas reais conseqüências das nossas decisões.

Entretanto, pode-se dar algumas respostas à tese arminiana.

1. Serão essas passagens bíblicas exemplos incomuns, ou descrevem

elas o modo como Deus age normalmente?

Em resposta à objeção de que os exemplos do controle providencial de Deus só se referem a

casos limitados ou específicos, pode-se dizer primeiro que esses exemplos são tão numerosos

que parecem ter como meta nos ensinar os modos como Deus age sempre. Deus não só faz

crescer parte da relva; faz toda a relva crescer.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

62

Page 63: Teologia sistemática   grudem

2. Será que a doutrina calvinista da providência divina torna Deus responsável pelo

pecado?

Contra a tese calvinista da providência divina (que aceita que os decretos divinos autorizem o

pecado e o mal), os arminianos diriam que Deus não é responsável pelo pecado e o mal, pois

ele não os determinou nem os causou de modo nenhum.

3. Será que escolhas determinadas por Deus podem ser escolhas

legítimas?

Em resposta ao argumento de que escolhas determinadas por Deus não podem ser escolhas

legítimas, importa dizer que isso não passa de uma suposição baseada, novamente, na

experiência e na intuição humanas, e não em textos bíblicos.

4. Será que uma concepção calvinista da providência incentiva um

fatalismo perigoso ou uma tendência de “viver como os arminianos”?

A concepção de providência apresentada acima enfatiza a necessidade da obediência

responsável, e por isso não é correto dizer que incentiva a espécie de fatalismo que diz

que tudo o que é deve ser. Aqueles que acusam os autores reformados de acreditar nisso

simplesmente compreenderam erroneamente a doutrina reformada da providência.

5. Outras objeções à tese arminiana.

Além de responder aos quatro argumentos arminianos mencionados acima, é preciso

considerar algumas outras objeções a essa tese.

a. Segundo a concepção arminiana, como pode Deus conhecer o futuro? Segundo a visão

arminiana, as escolhas humanas não são causadas por Deus. São totalmente livres. Mas as

Escrituras nos dão muitos exemplos de que Deus prediz o futuro e de profecias cumpridas

com precisão. Outros arminianos simplesmente afirmam que Deus conhece tudo o que

acontecerá, mas isso não significa que ele planejou ou causou o que irá acontecer; significa

simplesmente que ele tem a capacidade de enxergar o futuro. O problema dessa posição é que,

mesmo que Deus não tenha planejado nem causado o acontecimento das coisas, o fato de

serem conhecidas de antemão significa que certamente acontecerão. E isso significa que

nossas decisões estão predeterminadas por alguma coisa (seja o destino seja o inevitável

mecanismo de causa-e-efeito do universo) e, portanto, continuam não sendo livres no sentido

em que os arminianos as desejam livres.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

63

Page 64: Teologia sistemática   grudem

b. Segundo a concepção arminiana, como pode o mal existir se Deus não o quer? Os

arminianos dizem bem claramente que o surgimento do mal no mundo não aconteceu segundo

a vontade de Deus. Pinnock declara: “A queda do homem é uma eloqüente refutação da teoria

de que a vontade de Deus é sempre realizada”. Mas como pode o mal existir se Deus não quis

que existisse? Se o mal acontece apesar de Deus não o querer, isso parece negar a onipotência

de Deus: ele quis evitar o mal, mas foi incapaz de fazê-lo.

c. Segundo a concepção arminiana, como podemos saber que Deus triunfará do mal? Se

voltamos à afirmação arminiana de que o mal não está de acordo com a vontade de Deus,

surge outro problema: se todo o mal que hoje existe no mundo surgiu à revelia da vontade de

Deus, como podemos ter certeza de que Deus triunfará do mal no fim? É claro que Deus diz

nas Escrituras que triunfará do mal.

d. A diferença nas perguntas sem resposta. Como temos compreensão finita, inevitavelmente

nos veremos diante de algumas perguntas sem resposta para cada doutrina bíblica. Contudo,

acerca desse ponto as perguntas que calvinistas e arminianos deixam sem resposta são bem

diferentes. De um lado, os calvinistas se vêem obrigados a dizer que não sabem como

responder às seguintes perguntas:

1. Como exatamente Deus pode determinar que pratiquemos voluntariamente o mal,

sem ser ele mesmo culpado do mal?

2. Como exatamente pode Deus fazer-nos escolher algo por nossa vontade?

Diante disso, os calvinistas diriam que a resposta deve ser de algum modo encontrada na

consciência da infinita grandeza de Deus, no conhecimento do fato de que ele pode fazer bem

mais do que jamais conceberíamos possível. Assim, a conseqüência dessas perguntas sem

resposta é um aumento de nossa apreciação da grandiosidade de Deus.

MILAGRES

A análise do tema dos milagres está intimamente ligada à providência divina, que

examinamos no capítulo anterior. Ali argumentamos que Deus exerce um controle

abrangente, contínuo e soberano sobre todos os aspectos da sua criação. Este capítulo supõe

uma compreensão da discussão da providência e nela se baseará na abordagem da questão dos

milagres.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

64

Page 65: Teologia sistemática   grudem

A. DEFINIÇÃO

Podemos dar a seguinte definição: milagre é um gênero menos comum da atividade divina,

pela qual Deus desperta a admiração e o espanto das pessoas, dando testemunho de si

mesmo.  Essa definição leva em conta nossa compreensão prévia da providência divina,

segundo a qual Deus preserva, controla e governa todas as coisas. Se compreendemos assim a

providência, naturalmente evitaremos algumas outras explicações ou definições comuns de

milagres.

B. OS MILAGRES COMO CARACTERÍSTICA DA ERA DA NOVA ALIANÇA

No Novo Testamento, os sinais miraculosos de Jesus atestavam que ele provinha de Deus;

Nicodemos o reconheceu: “Ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver

com ele” (Jo 3.2). A transformação de água em vinho, operada por Jesus, foi um “sinal” que

“manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele” (Jo 2.11). Segundo Pedro, Jesus

foi “aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio

Deus realizou por intermédio dele entre vós” (At 2.22).

De fato, aparentemente é característico da igreja do Novo Testamento a ocorrência de

milagres.  No Antigo Testamento, os milagres pareciam ocorrer primordialmente vinculados a

um líder eminente por vez, como Moisés, Elias ou Eliseu. No Novo Testamento, ocorre uma

explosão súbita e insólita dos milagres no início do ministério de Jesus (Lc 4.36-37, 40-41).

C. OS PROPÓSITOS DOS MILAGRES

Um dos propósitos dos milagres é certamente autenticar a mensagem do evangelho. Isso ficou

evidente no próprio ministério de Jesus, pois gente como Nicodemos reconheceu: “Sabemos

que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se

Deus não estiver com ele” (Jo 3.2). Isso também se mostrou claro à medida que o evangelho

passou a ser proclamado pelos que ouviram Jesus, pois, quando pregavam, Deus dava

“testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições

do Espírito Santo, segundo a sua vontade” (Hb 2.4).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

65

Page 66: Teologia sistemática   grudem

D. ESTAVAM OS MILAGRES RESTRITOS AOS APÓSTOLOS?

1. Uma concentração incomum de milagres no ministério dos apóstolos.

Alguns já argumentaram que os milagres estavam restritos aos apóstolos, ou aos apóstolos e

às pessoas intimamente ligadas a eles. Antes de considerar seus argumentos, é importante

observar que há algumas indicações de que uma admirável concentração de milagres

caracterizava os apóstolos como representantes especiais de Cristo.

2. Quais são os “sinais de um apóstolo” em 2Coríntios 12.12?

Por que então alguns argumentam que os milagres eram sinais exclusivos que distinguiam os

apóstolos? Seu argumento se baseia principalmente em 2Coríntios 12.12, onde Paulo diz: “As

marcas de um apóstolo – sinais, maravilhas e milagres – foram demonstradas entre vocês,

com grande perseverança” (2Co 12.12). Ao ponderar essa questão, é importante lembrar que

na passagem-chave usada para estabelecer esse argumento, na qual Paulo fala dos “sinais de

um verdadeiro apóstolo” em 2Coríntios 12.12 (RSV), ele não está tentando provar que é um

apóstolo que se distingue de outros cristãos que não são apóstolos. Antes, tenta provar que é

um verdadeiro representante de Cristo, ao contrário dos “falsos apóstolos” (2Co 11.13), falsos

representantes de Cristo, servos de Satanás que se disfarçam de “ministros de justiça” (2Co

11.14-15).

3. A definição restritiva de milagres proposta por Norman Geisler.

Uma tentativa mais recente de negar que milagres ocorram hoje foi empreendida por Norman

Geisler. Ele tem uma definição muito mais restritiva de milagre do que a apresentada neste

capítulo e usa essa definição como argumento contrário à possibilidade da existência de

milagres contemporâneos. Diz Geisler que “os milagres (1) são sempre bem-sucedidos, (2)

são imediatos, (3) não têm recaídas e (4) confirmam o mensageiro de Deus” (pp. 28-30). Ele

encontra sustentação para essa tese principalmente no ministério de Jesus, mas quando vai

além da vida de Jesus e tenta demonstrar que outros que tinham o poder de operar milagres

jamais falharam, sua tese torna-se muito menos convincente.

4. Hebreus 2.3-4.

Outra passagem que às vezes se usa para sustentar a idéia de que os milagres estavam

limitados aos apóstolos e às pessoas intimamente ligadas a eles é Hebreus 2.3-4. Ali o autor

diz que a mensagem da salvação, “tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

66

Page 67: Teologia sistemática   grudem

depois confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntamente com eles, por

sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua

vontade”.

5. Conclusão: estavam os milagres restritos aos apóstolos?

Se o ministério no poder e na glória do Espírito Santo é característico da era da nova aliança

(2Co 3.1-4.18), então nossa expectativa seria justamente o contrário: esperaríamos que a

segunda, a terceira e a quarta gerações de cristãos, que também conheceram a Cristo e o poder

da sua ressurreição (Fp 3.10), que estão continuamente se enchendo do Espírito Santo (Ef

5.18), que são participantes de uma luta que não é terrena, mas que se desenvolve com armas

que têm o poder divino de destruir fortalezas (2Co 10.3-4), que não receberam espírito de

covardia, “mas de poder, de amor e de moderação” (2Tm 1.7), que são fortes no Senhor e na

força do seu poder e que vestiram toda a armadura de Deus a fim de poder fazer frente aos

principados e potestades, às forças espirituais do mal nas regiões celestes (Ef 6.10-12),

também teriam a capacidade de ministrar o evangelho não somente em verdade e amor, mas

também com as respectivas demonstrações miraculosas do poder de Deus.

E. OS FALSOS MILAGRES

Os mágicos do faraó foram capazes de operar alguns falsos milagres (Êx 7.11, 22; 8.7),

embora logo depois tenham sido obrigados a admitir que o poder de Deus era maior (Êx

8.19). Simão, o mágico da cidade de Samaria, assombrava as pessoas com suas mágicas (At

8.9-11), ainda que os milagres realizados por intermédio de Filipe fossem muito maiores (At

8.13). Em Filipos, Paulo encontrou uma moça escrava “possessa de espírito adivinhador, a

qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores” (At 16.16), mas Paulo repreendeu o

espírito, que dela saiu (At 16.18). Além disso, Paulo diz que quando o iníquo vier, virá “com

todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, e com todo engano de injustiça aos que perecem”

(2Ts 2.9-10), mas aqueles que os aceitarem e forem enganados o farão “porque não acolheram

o amor da verdade para serem salvos” (2Ts 2.10). Isso indica que aqueles que operarão falsos

milagres no final dos tempos pelo poder de Satanás não falarão a verdade, mas pregarão um

falso evangelho.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

67

Page 68: Teologia sistemática   grudem

F. SERÁ QUE OS CRISTÃOS DEVEM BUSCAR MILAGRES HOJE?

Uma coisa é dizer que os milagres podem acontecer hoje. Outra bem diferente é pedir

milagres a Deus. Será correto então que os cristãos peçam que Deus opere milagres?

A resposta depende do motivo pelo qual se buscam os milagres. Certamente é errado buscar

poderes miraculosos para aumentar a fama ou o poder próprios, como o fez o mágico Simão;

Pedro lhe disse: “... o teu coração não é reto diante de Deus. Arrepende-te, pois, da tua

maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do coração” (At 8.21-22).

É também errado buscar milagres por mera diversão, como o fez Herodes: “Vendo a Jesus,

sobremaneira se alegrou, pois havia muito queria vê-lo, por ter ouvido falar a seu respeito;

esperava também vê-lo fazer algum sinal” (Lc 23.8). Mas Jesus nem sequer quis responder às

perguntas de Herodes.

É ainda errado que descrentes céticos busquem milagres simplesmente a fim de encontrar

motivos para criticar os que pregam o evangelho.

A ORAÇÃO

O caráter de Deus e seu relacionamento com o mundo, como já analisamos nos capítulos

anteriores, levam naturalmente à ponderação da doutrina da oração. Podemos dar a seguinte

definição: oração é comunicação pessoal com Deus.

A. POR QUE DEUS QUER QUE OREMOS?

Não oramos para que Deus descubra as nossas necessidades, pois diz-nos Jesus: “... Deus, o

vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais” (Mt 6.8). Deus quer que

oremos porque a oração exprime a nossa confiança em Deus, e é um meio pelo qual nossa

confiança nele pode crescer. De fato, talvez a principal ênfase da doutrina bíblica da oração é

que devemos orar com fé, o que significa confiar em Deus ou dele depender. Deus, como

nosso Criador, se deleita ao ver que nós, suas criaturas, nele confiamos, pois a atitude de

dependência ou confiança é a mais apropriada numa relação Criador/criatura. Orar com

humilde confiança também indica que estamos genuinamente convencidos da sabedoria, do

amor, da bondade e do poder de Deus — na verdade de todos os atributos que compõem o seu

excelente caráter. Quando oramos sinceramente, nós, pessoas, na totalidade do nosso caráter,

nos relacionamos com um Deus pessoal, na totalidade do seu caráter. Assim, tudo o que

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

68

Page 69: Teologia sistemática   grudem

pensamos ou sentimos em relação a Deus se expressa na nossa oração. Nada mais natural que

Deus se deleite com essa atividade, e assim a enfatize bastante no seu relacionamento

conosco.

As primeiras palavras da Oração Dominical, “Pai nosso, que estás nos céus” (Mt 6.9),

reconhecem nossa dependência de Deus, um Deus que é Pai amoroso e sábio, e também

reconhecem que ele tudo governa do seu trono celeste. As Escrituras muitas vezes enfatizam a

necessidade de confiarmos em Deus ao orar. Por exemplo, Jesus compara

A oração eficaz é possível por intermédio de nosso Mediador, Jesus Cristo. Como somos

pecadores, e Deus é santo, não temos direito nenhum, por nós mesmos, de comparecer perante

ele. Precisamos de um mediador que aja entre nós e Deus e nos leve à presença de Deus. As

Escrituras claramente ensinam: “Há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens,

Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5).

O que é orar “em nome de Jesus”? Diz Jesus: “Tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei,

a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o

farei” (Jo 14.13-14). Diz também que escolheu seus discípulos “a fim de que tudo quanto

pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda” (Jo 15.16). Igualmente, diz: “Em verdade,

em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome. Até

agora nada tendes pedido em meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja

completa” (Jo 16.23-24; cf. Ef 5.20).

Devemos orar a Jesus e ao Espírito Santo? Uma investigação das orações do Novo

Testamento indica que geralmente não são dirigidas nem a Deus Filho nem ao Espírito Santo,

mas a Deus Pai. Porém, o mero cômputo dessas orações pode ser enganador, pois a maioria

das orações que temos registradas no Novo Testamento são do próprio Jesus, que

constantemente orava a Deus Pai, mas logicamente não orava a si mesmo, Deus Filho. Além

disso, no Antigo Testamento, a natureza trinitária de Deus não estava tão nitidamente

revelada, e não é surpreendente o fato de não encontrar muitas evidências de orações dirigidas

diretamente a Deus Filho ou ao Espírito Santo de Deus antes do tempo de Cristo.

O papel do Espírito Santo nas nossas orações. Em Romanos 8.26-27, diz Paulo:

Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobre-maneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

69

Page 70: Teologia sistemática   grudem

Os intérpretes divergem sobre se os “gemidos inexprimíveis” são do próprio Espírito Santo ou

nossos próprios gemidos e suspiros na oração, que o Espírito Santo transforma em oração

eficaz perante Deus. Parece mais provável que os “gemidos” ou “suspiros” aqui sejam os

nossos gemidos. Quando Paulo diz: “O Espírito [...] nos assiste em nossa fraqueza” (v. 26), a

palavra traduzida por “assiste” (gr. sunantilambanomai) é a mesma usada em Lucas 10.40,

onde Marta quer que Maria venha ajudá-la. A palavra não indica que o Espírito Santo ora em

nosso lugar, mas que o Espírito Santo se une a nós e torna eficaz a nossa fraca oração. Assim,

é melhor interpretar esse suspirar ou gemer na oração como suspiros e gemidos nossos,

exprimindo os desejos do nosso coração e do nosso espírito, que o Espírito Santo então

transforma em oração eficaz. 

B. A EFICÁCIA DA ORAÇÃO.

1. A Oração muda o modo como Deus age.

Diz-nos Tiago: “Nada tendes, porque não pedis”. (Tg. 4:2). Ele sugere que o não pedir nos

priva daquilo que Deus poderia nos dar. Oramos, e Deus atende. Jesus também diz: “Pedi, e

dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abri-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe; o que

busca encontra; e a quem bate abrir-se-lhe-á”. (l. 11:9-10). Ele faz clara associação entre

buscar as coisas de Deus e recebê-las. Quando pedimos, Deus atende.

2. A oração eficaz é possível por intermédio de nosso mediador, Jesus

Cristo.

Como somos pecadores, e Deus é santo, não temos direito nenhum, por nós mesmos, de

comparecer perante ele. Precisamos de um mediador que aja entre nós e Deus e nos leve à

presença de Deus. As Escrituras claramente ensinam: “Há um só Deus e um só Mediador

entre Deus e o homem, Crsito Jesus, homem” (1 Tm. 2.5).

3. O que é orar “em nome de Jesus”?

Diz Jesus: “Tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado

no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei” (Jô. 14.13-14). Diz também

que escolheu seus discípulos “a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-

lo conceda” (Jo 15:16). Igualmente diz: “Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes

alguma coisa ao Pai, ele vol-a concederá em meu nome. Até agora nada tendes pedido em

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

70

Page 71: Teologia sistemática   grudem

meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16.23-24; cf Ef

5.20).

4. Devemos orar a Jesus e ao Espírito Santo?

Uma investigação das orações do Novo Testamento indica que geralmente não são dirigidas

nem a Deus Filho nem ao Espírito Santo, ma a Deus Pai. Porém, o mero cômputo dessas

orações pode ser enganador, pois a maioria das orações que temos registradas no Novo

Testamento são do p´roprio Jesus, que constantemente orava ao Pai, mas logicamente não

orava a si mesmo, Deus Filho. Além disso, no Antigo Testamento, a natureza trinitária de

Deus não estava tão nitidamente revelada, e não é surpreendente o fato de não encontrar

muitas evidências de orações dirigidas diretamente a Deus Filho ou ao Espírito Santo de Deus

antes do tempo de Cristo.

5. O papel do Espírito Santo nas nossas orações

Em romanos 8.26-27, diz Paulo:

Também o Espírito, sememlhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos.

Os intérpretes divergem sobre se os “gemidos inexprimíveis” são do próprio Espírito Santo ou

são nossos próprios gemidos e suspiros na oração, que o Espírito Santo transforma em oração

eficaz perante Deus. Parece mais provável que os “gemidos” ou “suspiros” aqui sejam os

nossos gemidos.

C. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES ACERCA DA ORAÇÃO EFICAZ

As Escrituras indicam várias considerações que precisam ser levadas em conta se

pretendemos fazer a espécie de oração que Deus deseja de nós.

1. Orar segundo a vontade de Deus.

João nos diz: “Esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa

segundo a sua vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que ele nos ouve quanto ao que lhe

pedimos, estamos certos de que obtemos os pedidos que lhe temos feito” (1Jo 5.14-15). Jesus

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

71

Page 72: Teologia sistemática   grudem

nos ensina a orar: “Faça-se a tua vontade” (Mt 6.10) e ele mesmo nos dá o exemplo, orando

no jardim do Getsêmani: “Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt

26.39).

2. Orar com fé. Diz Jesus:

“Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim

convosco” (Mc 11.24). Algumas traduções variam, mas o texto grego diz realmente: “crede

que recebestes”. Escribas posteriores que copiaram os manuscritos gregos, e também alguns

comentaristas que vieram depois, entenderam que o texto significava: “creiam que vocês irão

receber”. Porém, se aceitamos o texto como ele está nos melhores e mais antigos manuscritos

(“crede que recebestes”), Jesus diz aparentemente que quando pedimos algo, a fé que traz

resultados é a arraigada certeza de que depois de orar pedindo algo (ou talvez depois de já ter

orado por algum tempo), Deus aceitou atender nosso pedido. Na comunhão pessoal com Deus

que se verifica na oração genuína, essa fé da nossa parte só vem quando Deus nos dá um

senso de certeza de que ele já aceitou atender nosso pedido.

3. Obediência.

Como a oração é um relacionamento com um Deus pessoal, qualquer coisa na nossa vida que

lhe desagrade será um obstáculo à oração. Diz o salmista: “Se eu no coração contemplara a

vaidade, o Senhor não me teria ouvido” (Sl 66.18). Se “O sacrifício dos perversos é

abominável ao SENHOR”, por outro lado “a oração dos retos é o seu contentamento” (Pv 15.8).

Lemos também que “O SENHOR [...] atende à oração dos justos” (Pv 15.29). Mas Deus não se

dispõe favoravelmente aos que rejeitam suas leis: “O que desvia os ouvidos de ouvir a lei, até

a sua oração será abominável” (Pv 28.9).

4. Confissão dos pecados.

Como nossa obediência a Deus jamais é perfeita nesta vida, continuamente dependemos do

seu perdão dos nossos pecados. A confissão dos pecados é necessária para que Deus “nos

perdoe” para restaurar a sua relação cotidiana conosco (ver Mt 6.12; 1Jo 1.9). É bom orar

confessando todos os pecados conhecidos ao Senhor e suplicar o seu perdão. Às vezes,

quando nele esperamos, ele nos faz lembrar outros pecados que precisamos confessar. Com

respeito aos pecados que não recordamos, ou dos quais não estamos cientes, é sempre bom

fazer a oração genérica de Davi: “Absolve-me das [faltas] que me são ocultas” (Sl 19.12).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

72

Page 73: Teologia sistemática   grudem

5. Perdoar aos outros.

Diz Jesus: “Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos

perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos

perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.14-15). Igualmente diz Jesus: “Quando estiverdes orando,

se tendes alguma coisa contra alguém perdoai, para que vosso Pai celestial vos perdoe as

vossas ofensas” (Mc 11.25). Nosso Senhor não tem em mente a experiência inicial de perdão

que vivemos quando somos justificados pela fé, pois isso não conviria a uma oração que se

faz diariamente (ver Mt 6.12 com v. 14-15).

6. Humildade.

Tiago nos diz que “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6; também

1Pe 5.5). Portanto, recomenda: “Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará” (Tg

4.10). A humildade é assim a atitude correta na oração a Deus, enquanto o orgulho é

absolutamente inadequado.

Deus é justamente zeloso da sua própria honra. Portanto não lhe apraz atender as orações dos

orgulhosos que tomam a honra para si, em vez de dá-la a Deus. A verdadeira humildade

diante de Deus, que também se reflete em genuína humildade diante dos outros, é

imprescindível numa oração eficaz.

7. Persistência na oração.

Assim como Moisés por duas vezes permaneceu na montanha durante quarenta dias perante

Deus por causa do povo de Israel (Dt 9.25-26; 10.10-11), e assim como Jacó disse a Deus:

“Não te deixarei ir se me não abençoares” (Gn 32.26), também na vida de Jesus percebemos

muita dedicação de tempo à oração. Quando grandes multidões o seguiam, “ele muitas vezes

se retirava para regiões desertas e orava” (Lc 5.16, tradução do autor). Noutra ocasião,

“passou a noite orando a Deus” (Lc 6.12).

8. Orar com sinceridade.

O próprio Jesus, nosso modelo de oração, orava constantemente. “Ele, Jesus, nos dias da sua

carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar

da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade” (Hb 5.7). Em algumas orações da

Bíblia podemos quase ouvir a forte intensidade com que os santos derramavam seus corações

diante de Deus. Daniel brada: “Ó SENHOR, ouve! Ó SENHOR, perdoa! Ó SENHOR, atende-nos e

age; não te retardes, por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu povo são

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

73

Page 74: Teologia sistemática   grudem

chamados pelo teu nome” (Dn 9.19). Quando Deus mostra a Amós o juízo que fará descer

sobre o seu povo, o profeta suplica: “SENHOR Deus, perdoa, rogo-te; como subsistirá Jacó?

Pois ele é pequeno” (Am 7.2).

9. Esperar no Senhor.

Depois de clamar a Deus em busca de auxílio na aflição, Davi diz: “Espera pelo SENHOR, tem

bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo SENHOR” (Sl 27.14). Igualmente,

declara: “Pois em ti, SENHOR, espero; tu me atenderás, Senhor, Deus meu” (Sl 38.15).

10. Orar a sós.

Daniel subiu até o seu quarto e “três vezes por dia, se punha de joelhos, e orava, e dava

graças, diante do seu Deus” (Dn 6.10). Jesus freqüentemente saía a lugares solitários para

ficar só e orar (Lc 5.16 et al.). E ele também nos ensina: “Quando orares, entra no teu quarto

e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te

recompensará” (Mt 6.6). Essa exortação tem como meta evitar o erro dos hipócritas, que

adoravam orar nos cantos das praças “para serem vistos dos homens” (Mt 6.5).

11. Orar com os outros.

Os crentes encontram força ao orar em grupo. De fato, Jesus nos ensina: “Em verdade

também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer

coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus. Porque,

onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.19-20).

12. Jejum.

Na Bíblia a oração está muitas vezes ligada ao jejum. Às vezes são ocasiões de intensa súplica

diante de Deus, como quando Neemias, ao ouvir falar da ruína de Jerusalém, ficou “jejuando

e orando perante o Deus dos céus” (Ne 1.4). Também, quando os judeus ficaram sabendo do

decreto de Assuero, que determinava a morte de todos eles, houve “entre os judeus grande

luto, com jejum, e choro, e lamentação” (Et 4.3); e Daniel buscou ao SENHOR “com oração e

súplicas, com jejum, pano de saco e cinza” (Dn 9.3). Noutras ocasiões, o jejum está ligado ao

arrependimento, pois Deus diz ao povo que pecou contra ele: “Ainda assim, agora mesmo, diz

o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, com choro e com

pranto” (Jl 2.12).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

74

Page 75: Teologia sistemática   grudem

13. Que dizer da oração não atendida?

Precisamos começar reconhecendo que, como Deus é Deus e nós somos suas criaturas,

necessariamente algumas orações não serão atendidas, porque Deus mantém ocultos seus

sábios planos para o futuro, e ainda que as pessoas orem, muitos eventos só ocorrerão no

tempo que Deus determinou. Os judeus oraram durante séculos pela vinda do Messias, e com

razão, mas só na “plenitude do tempo” é que “Deus enviou seu Filho” (Gl 4.4). As almas dos

mártires no céu, livres do pecado, clamam a Deus pelo julgamento da terra (Ap 6.10), mas

Deus não atende imediatamente; antes, ordena que repousem ainda um pouco (Ap 6.11).

D. LOUVOR E AÇÃO DE GRAÇAS

O louvor e a ação de graças a Deus, temas que serão tratados com mais profundidade no

capítulo 51, são um elemento essencial da oração. A oração modelar que Jesus nos legou

começa com uma palavra de louvor: “Santificado seja o teu nome” (Mt 6.9). E Paulo diz aos

filipenses: “... em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela

oração e pela súplica, com ações de graças” (Fp 4.6); e aos colossenses: “Perseverai na

oração, vigiando com ações de graças” (Cl 4.2). A ação de graças, como qualquer outro

aspecto da oração, não deve ser um mecânico “obrigado” a Deus, mas a expressão de palavras

que reflitam a gratidão do nosso coração.

ANJOS

A. QUE SÃO ANJOS?

Podemos dar a anjos a seguinte definição: anjos são seres espirituais criados, dotados de

juízo moral e alta inteligência, mas desprovidos de corpos físicos.

1. Seres espirituais criados.

Os anjos não existem desde sempre; fazem parte do universo que Deus criou. Numa passagem

que se refere aos anjos como as “hostes” dos céus (ou o “exército dos céus”), diz Esdras: “Só

tu és SENHOR, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército [...] e o exército dos céus

te adora” (Ne 9.6; cf. Sl 148.2, 5). Paulo nos diz que Deus criou todas as coisas, “as visíveis e

as invisíveis”, por meio de Cristo e para ele, e depois inclui especificamente o mundo dos

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

75

Page 76: Teologia sistemática   grudem

anjos com a expressão “sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades”

(Cl 1.16).

2. Outros nomes dos anjos.

As Escrituras por vezes usam outros termos para denominar os anjos, como “filhos de Deus”

(Jó 1.6; 2.1), “santos” (Sl 89.5, 7), “espíritos” (Hb 1.14), “vigilantes” (Dn 4.13, 17, 23),

“tronos”, “soberanias”, “principados”, “potestades” (Cl 1.16) e “poderes” (Ef 1.21).

3. Outros tipos de seres celestiais.

As Escrituras dão nome a outros três tipos de seres celestiais. Quer os consideremos tipos

especiais de “anjos” (num sentido mais amplo do termo), quer seres celestiais distintos dos

anjos, são de qualquer modo criaturas espirituais que servem e adoram a Deus.

a. Os “querubins”.  Os querubins receberam a tarefa de guardar a entrada do jardim do Éden

(Gn 3.24), e diz-se freqüentemente que o próprio Deus está entronizado acima dos querubins,

ou viaja com os querubins por carro (Sl 18.10; Ez 10.1-22).

b. Os “serafins”.  Outro grupo de seres celestiais, os serafins, são mencionados somente em

Isaías 6.2-7, onde continuamente adoram ao SENHOR e clamam uns para os outros: “Santo,

santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” (Is 6.3).

c. Os seres viventes. Ezequiel e Apocalipse nos falam de ainda outro tipo de criaturas celestes,

conhecidas como “seres viventes”, que circundam o trono de Deus (Ez 1.5-14; Ap 4.6-8). 

Com os seus semblantes de leão, boi, homem e águia, representam os seres mais poderosos de

partes diversas de toda a criação divina (animais selvagens, animais domesticados, seres

humanos e pássaros) e adoram a Deus continuamente como lemos em Apocalipse 4.8.

4. Hierarquia e ordem entre os anjos. As Escrituras indicam que existe hierarquia e ordem

entre os anjos. Um deles, Miguel, é dito “arcanjo” em Judas 9, título que indica soberania ou

autoridade sobre outros anjos. É chamado “um dos primeiros príncipes” em Daniel 10.13.

5. Nomes de anjos específicos. Só dois anjos são denominados especificamente na Bíblia. 

Miguel é mencionado em Judas 9 e Apocalipse 12.7-8, além de Daniel 10.13, 21, onde é

chamado “Miguel, um dos primeiros príncipes” (v. 13). O anjo Gabriel é mencionado em

Daniel 8.16 e 9.21 como mensageiro que vem de Deus para falar ao profeta. Gabriel também

se identifica como mensageiro de Deus a Zacarias e a Maria em Lucas 1, em que o anjo

responde a Zacarias: “Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus” (Lc 1.19).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

76

Page 77: Teologia sistemática   grudem

6. Um só lugar de cada vez. As Escrituras muitas vezes retratam os anjos deslocando-se de

um lugar a outro, como no versículo mencionado acima, em que Gabriel foi “enviado, da

parte de Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré” (Lc 1.26).

7. Quantos anjos existem? Embora as Escrituras não nos dêem o número de anjos que Deus

criou, é aparentemente um grande número. Lemos que Deus no monte Sinai “veio das

miríades de santos; à sua direita, havia para eles o fogo da lei” (Dt 33.2).

8. As pessoas têm anjos da guarda individuais? As Escrituras claramente nos dizem que Deus

envia anjos para nos proteger: “Aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem

em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma

pedra” (Sl 91.11-12).

9. Os anjos não se casam. Jesus ensinou que na ressurreição as pessoas “nem casam, nem se

dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu” (Mt 22.30; cf. Lc 20.34-36). Isso

sugeriria que os anjos não têm os elos familiares que existem entre os homens. As Escrituras

tratam do assunto só nessa passagem; por isso não nos cabe nos enredar em especulações.

10. O poder dos anjos. Os anjos aparentemente têm grande poder. São chamados “valorosos

em poder, que executais as suas ordens” (Sl 103.20) e “poderes” (cf. Ef 1.21), “soberanias” e

“potestades” (Cl 1.16). Os anjos são aparentemente “maiores em força e poder” do que os

homens rebeldes (2Pe 2.11; cf. Mt 28.2). Pelo menos durante a sua existência terrena, o

homem é “menor do que os anjos” (Hb 2.7).

11. Quem é o anjo do Senhor? Várias passagens bíblicas, especialmente do Antigo

Testamento, falam do anjo do Senhor de um modo que sugere que é o próprio Deus revestido

de forma humana quem aparece rapidamente a várias pessoas do Antigo Testamento.

B. QUANDO OS ANJOS FORAM CRIADOS?

Todos os anjos devem ter sido criados antes do sétimo dia da criação, pois lemos: “Assim,

pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército” (Gn 2.1, interpretando “exército”

como as criaturas celestes que habitam o universo de Deus). Ainda mais explícito que isso é a

declaração: “Em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao

sétimo dia, descansou” (Êx 20.11). Logo, todos os anjos foram criados no máximo até o sexto

dia da criação.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

77

Page 78: Teologia sistemática   grudem

C. O PAPEL DOS ANJOS NOS DESÍGNIOS DIVINOS

1. Os anjos revelam a grandeza do amor e dos desígnios de Deus para

nós.

Os homens e os anjos (empregando o termo num sentido amplo) são as únicas criaturas

morais e altamente inteligentes que Deus criou. Portanto é possível compreender muito sobre

os desígnios e o amor de Deus por nós quando nos comparamos aos anjos.

A primeira distinção a reparar é que jamais se diz que os anjos foram criados “à imagem de

Deus”, enquanto várias vezes se afirma que os homens foram feitos à imagem do Criador (Gn

1.26-27; 9.6). Como ser à imagem de Deus significa ser semelhante a Deus, parece certo

concluir que somos ainda mais semelhantes a Deus do que os anjos.

2. Os anjos nos fazem lembrar que o mundo invisível é real.

Assim como os saduceus no tempo de Jesus diziam “não haver ressurreição, nem anjo, nem

espírito” (At 23.8), também muitos nossos contemporâneos negam a realidade de qualquer

coisa que não se possa ver. Mas o ensino bíblico sobre a existência dos anjos é para nós

constante lembrança de que existe um mundo invisível bastante real. Só quando o Senhor

abriu os olhos do servo de Eliseu à realidade desse mundo invisível é que o servo viu que “o

monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu” (2Rs 6.17; um grande

exército de anjos enviado a Dotã para proteger Eliseu dos siros). O salmista também

demonstra consciência do mundo invisível ao encorajar os anjos: “Louvai-o, todos os seus

anjos; louvai-o, todas as suas legiões celestes” (Sl 148.2).

3. Os anjos são exemplos para nós.

Tanto na sua obediência quanto na sua adoração, os anjos nos dão belos exemplos a imitar.

Jesus nos ensina a orar, dizendo: “Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt

6.10). No céu a vontade de Deus é feita pelos anjos — imediata e alegremente, sem

questionamentos. Devemos orar diariamente para que nossa obediência e a obediência dos

outros seja como a dos anjos no céu. Seu prazer é viver como humildes servos de Deus, cada

qual desempenhando fiel e alegremente as suas tarefas, grandes ou pequenas. Devemos

desejar e orar para que nós e os outros façamos o mesmo na terra.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

78

Page 79: Teologia sistemática   grudem

4. Os anjos executam alguns dos desígnios de Deus.

As Escrituras retratam os anjos como servos de Deus que executam alguns dos seus desígnios

na terra. Eles levam as mensagens de Deus às pessoas (Lc 1.11-19; At 8.26; 10.3-8, 22; 27.23-

24). Executam alguns dos juízos de Deus: semeiam uma peste em Israel (2Sm 24.16-17),

castigam os líderes do exército assírio (2Co 32.21), ferem de morte o rei Herodes por não ter

ele rendido glórias a Deus (At 12.23) e derramam as taças da ira de Deus sobre a terra (Ap

16.1). Quando Cristo voltar, os anjos o ladearão como um grande exército acompanhando seu

Rei e Senhor (Mt 16.27; Lc 9.26; 2Ts 1.7).

5. Os anjos glorificam diretamente a Deus.

Os anjos também cumprem outra função: servem diretamente a Deus, glorificando-o. Assim,

além dos seres humanos, há no universo outras criaturas inteligentes e morais que glorificam a

Deus.

D. NOSSA RELAÇÃO COM OS ANJOS

1. Devemos ter consciência dos anjos no dia-a-dia.

As Escrituras deixam claro que Deus quer que nos mantenhamos conscientes da existência

dos anjos e da natureza da sua atividade. Não devemos, portanto, supor que a doutrina bíblica

sobre os anjos não tem absolutamente nada que ver conosco hoje. Antes, a vida dos cristãos se

enriquece em vários aspectos pela consciência da existência e do ministério dos anjos no

mundo de hoje.

2. Precauções a tomar na nossa relação com os anjos

a. Recuse-se a receber falsas doutrinas de anjos. A Bíblia nos alerta para o perigo de receber

falsas doutrinas de supostos anjos: “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos

pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema” (Gl 1.8). Paulo faz

esse alerta porque sabe que existe a possibilidade da fraude. Diz: “O próprio Satanás se

transforma em anjo de luz” (2Co 11.14). Do mesmo modo, o profeta mentiroso que enganou o

homem de Deus em 1Reis 13 disse: “Um anjo me falou por ordem do SENHOR, dizendo:

Faze-o voltar contigo a tua casa, para que coma pão e beba água” (1Rs 13.18). Contudo, o

texto bíblico acrescenta imediatamente, no mesmo versículo: “Porém mentiu-lhe”.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

79

Page 80: Teologia sistemática   grudem

b. Não adore os anjos, nem lhes dirija oração, nem os procure. O “culto de anjos” (Cl 2.18)

era uma das falsas doutrinas ensinadas em Colossos. Além disso, o anjo que falou a João no

livro do Apocalipse exorta o apóstolo a não adorá-lo: “Vê, não faças isso; sou conservo teu e

dos teus irmãos que mantêm o testemunho de Jesus; adora a Deus” (Ap 19.10).

c. Será que os anjos ainda hoje aparecem às pessoas? No período inicial da história da igreja,

os anjos se achavam ativos. Um anjo disse a Filipe que viajasse para o sul, tomando a estrada

que ia de Jerusalém a Gaza (At 8.26), orientou Cornélio a enviar um mensageiro até Jope para

mandar chamar Pedro (At 10.3-6), exortou Pedro a que se erguesse para sair da prisão (At

12.6-11) e prometeu a Paulo que ninguém do navio pereceria e que ele, assim, compareceria

perante César (At 27.23-24). Além disso, o autor de Hebreus encoraja seus leitores, nenhum

deles apóstolos nem mesmo crentes da primeira geração ligada aos apóstolos (ver Hb 2.3), a

que eles continuem a demonstrar hospitalidade a estranhos, aparentemente com a expectativa

de que também possam um dia receber anjos sem o perceber (Hb 13.2).

SATANÁS E OS DEMÔNIOS

O capítulo anterior nos leva naturalmente à consideração de Satanás e dos demônios, pois são

anjos maus que um dia foram como os bons, mas pecaram e perderam o privilégio de servir a

Deus. A exemplo dos anjos, também são seres espirituais criados, dotados de discernimento

moral e elevada inteligência, mas desprovidos de corpos físicos. Podemos dar-lhes a seguinte

definição: demônios são anjos maus que pecaram contra Deus e hoje continuamente praticam

o mal no mundo.

A. A ORIGEM DOS DEMÔNIOS

Quando criou o mundo, “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31).

Isso significa que mesmo o mundo angélico que Deus criara não tinha ainda anjos maus ou

demônios naquele momento. Mas já em Gênesis 3, vemos que Satanás, na forma de uma

serpente, tentava Eva ao pecado (Gn 3.1-5). Portanto, em algum momento entre os eventos de

Gênesis 1.31 e Gênesis 3.1 deve ter havido uma rebelião no mundo angélico, na qual muitos

anjos se voltaram contra Deus e se tornaram maus.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

80

Page 81: Teologia sistemática   grudem

B. SATANÁS COMO CHEFE DOS DEMÔNIOS

“Satanás” é o nome do chefe dos demônios. Esse nome é mencionado em Jó 1.6, onde lemos:

“... os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre

eles” (ver também Jó 1.7-2.7). Aqui ele aparece como inimigo do Senhor, que impõe severas

tentações a Jó. Do mesmo modo, perto do fim da vida de Davi, “Satanás se levantou contra

Israel e incitou a Davi a levantar o censo de Israel” (1Cr 21.1). Além disso, Zacarias teve uma

visão e contemplou “o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do SENHOR, e

Satanás [que] estava à mão direita dele, para se lhe opor” (Zc 3.1). O nome “Satanás” é uma

palavra hebraica (sªtªn) que significa “adversário”.6  O Novo Testamento também usa o nome

“Satanás”, simplesmente tomando-o emprestado ao Antigo Testamento. Assim Jesus, sendo

tentado no deserto, fala a Satanás diretamente, dizendo: “Retira-te, Satanás” (Mt 4.10) ou “Eu

via Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc 10.18).

C. A ATIVIDADE DE SATANÁS E DOS DEMÔNIOS

1. Satanás originou o pecado.

Satanás pecou antes que qualquer ser humano o fizesse, como se depreende do fato de ele (na

forma de uma serpente) ter tentado Eva (Gn 3.1-6; 2Co 11.3). O Novo Testamento também

nos informa que Satanás “foi homicida desde o princípio” e é “mentiroso e pai da mentira”

(Jo 8.44). Também diz que “o Diabo vive pecando desde o princípio” (1Jo 3.8). Nos dois

textos, a expressão “desde o princípio” não implica que Satanás é mau desde o início da

criação do mundo (“desde o princípio do mundo”) nem desde o início da sua existência

(“desde o princípio da sua vida”), mas sim desde a fase “inicial” da história do mundo

(Gênesis 3 e mesmo antes). O Diabo se caracteriza por ter dado origem ao pecado e por tentar

os outros ao pecado.

2. Os demônios se opõem a toda obra de Deus, tentando destruí-la.

Assim como Satanás levou Eva a pecar contra Deus (Gn 3.1-6), também tentou fazer Jesus

pecar e assim falhar na sua missão de Messias (Mt 4.1-11). As táticas de Satanás e dos seus

demônios são a mentira (Jo 8.44), o engano (Ap 12.9), o homicídio (Sl 106.37; Jo 8.44) e todo

e qualquer tipo de ação destrutiva no intuito de fazer as pessoas se afastarem de Deus, rumo à

destruição.  Os demônios lançam mão de qualquer artifício para cegar as pessoas ao

evangelho (2Co 4.4) e mantê-las presas a coisas que as impedem de aproximar-se de Deus (Gl

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

81

Page 82: Teologia sistemática   grudem

4.8). Também procuram usar a tentação, a dúvida, a culpa, o medo, a confusão, a doença, a

inveja, o orgulho, a calúnia, ou qualquer outro meio para obstruir o testemunho e a utilidade

do cristão.

3. Contudo, os demônios estão limitados pelo controle de Deus e têm

poder restrito.

A história de Jó deixa claro que Satanás podia fazer só o que Deus lhe permitia, e nada mais

(Jó 1.12; 2.6). Os demônios são mantidos em “algemas eternas” (Jd 6), e os cristãos podem

muito bem resistir-lhes por intermédio da autoridade que Cristo nos legou (Tg 4.7).

4. Verificam-se diferentes estágios de atividade demoníaca na história da

redenção.

a. No Antigo Testamento. Como no Antigo Testamento a palavra demônio não é usada com

freqüência, de início podemos ter a impressão de que há pouca indicação de atividade

demoníaca. Todavia, o povo de Israel freqüentemente pecava servindo a falsos deuses, e

quando nos damos conta de que esses falsos “deuses” eram na verdade forças demoníacas,

compreendemos que muitas passagens do Antigo Testamento de fato se referem a demônios.

b. No ministério de Jesus. Após centenas de anos de incapacidade de alcançar um triunfo real

sobre as forças demoníacas, é compreensível que quando Jesus surgiu expulsando demônios

com absoluta autoridade, as pessoas tenham ficado assombradas: “Todos se admiravam, a

ponto de perguntarem entre si: Que vem a ser isto? Uma nova doutrina! Com autoridade ele

ordena aos espíritos imundos, e eles lhe obedecem!” (Mc 1.27). Jamais se vira na história do

mundo tamanho poder sobre as forças demoníacas.

c. Na era da nova aliança. Essa autoridade sobre as forças demoníacas não se limitava apenas

a Jesus, pois ele concedeu autoridade semelhante primeiro aos Doze (Mt 10.8; Mc 3.15) e em

seguida aos setenta discípulos. Depois de um período de ministério, “regressaram os setenta,

possuídos de alegria, dizendo: Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu

nome!” (Lc 10.17). Jesus respondeu: “Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc

10.18), indicando novamente um grande triunfo sobre o poder de Satanás (isso, repetimos,

provavelmente ocorreu no momento da vitória de Jesus sobre a tentação no deserto, mas as

Escrituras não indicam explicitamente quando isso aconteceu).

d. No milênio. Durante o milênio, o futuro reinado de mil anos de Cristo na terra, mencionado

em Apocalipse 20, a atividade de Satanás e dos demônios ficará ainda mais restrita. Usando

linguagem que sugere uma restrição muito maior da atividade satânica do que a que

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

82

Page 83: Teologia sistemática   grudem

presenciamos hoje, João descreve assim a visão que teve do início do milênio em Apocalipse

20:1-3:

e. No juízo final. Ao final do milênio, Satanás é solto e reúne as nações para a batalha, mas é

definitivamente derrotado e “lançado para dentro do lago de fogo e enxofre” e atormentado

“de dia e de noite, pelos séculos dos séculos” (Ap 20.10). Então o juízo de Satanás e seus

demônios estará completo.

D. NOSSA RELAÇÃO COM OS DEMÔNIOS

1. Estariam os demônios ainda hoje ativos no mundo?

Algumas pessoas, influenciadas por uma cosmovisão naturalista, que só admite a realidade

que se pode ver, tocar ou ouvir, negam que existem hoje demônios, argumentando que a

crença nessa realidade reflete uma visão de mundo obsoleta ensinada na Bíblia e em outras

culturas antigas. Por exemplo, o alemão Rudolf Bultmann, estudioso do Novo Testamento,

negava enfaticamente a existência de um mundo sobrenatural de anjos e demônios. Ele

argumentava que essas coisas não passavam de “mitos” e que era necessário “demitizar” a

mensagem do Novo Testamento, eliminando esses elementos mitológicos para que o

evangelho pudesse ser recebido por pessoas modernas, doutrinadas pela ciência. Outros

propuseram que o equivalente contemporâneo da (inaceitável) atividade demoníaca

mencionada nas Escrituras é a influência poderosa e às vezes maligna de organizações e

“estruturas” da sociedade atual — governos malignos e poderosas corporações maléficas que

controlam milhares de pessoas são por vezes ditos “demoníacos”, especialmente nos escritos

de teólogos mais liberais.

2. O mal e o pecado vêm, em parte (mas não totalmente), de Satanás e

dos demônios.

Quando refletimos sobre a ênfase global das epístolas do Novo Testamento, percebemos que

se dá bem pouco espaço à discussão da atividade demoníaca na vida dos crentes, ou aos

métodos de resistir e fazer frente a essa atividade. A ênfase está em exortar os crentes a não

pecar, levando uma vida de justiça. Por exemplo, em 1Coríntios, diante do problema das

“divisões”, Paulo não diz à igreja que repreenda o espírito da divisão, mas os aconselha

simplesmente a falar “a mesma coisa” e a mostrar-se “unidos, na mesma disposição mental e

no mesmo parecer” (1Co 1.10).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

83

Page 84: Teologia sistemática   grudem

3. Será que um cristão pode ser possuído por demônios?

Possessão demoníaca é uma expressão infeliz que se insinuou em algumas traduções da

Bíblia, mas que na verdade não espelha bem o texto grego. O Novo Testamento grego fala de

gente que “tem demônio” (Mt 11.18; Lc 7.33; 8.27; Jo 7.20; 8.48, 49, 52; 10.20), ou de gente

que sofre de influência demoníaca (gr. daimonizomai), mas jamais usa linguagem que sugira

real-mente que um demônio “possui” alguém.

4. Como reconhecer influências demoníacas?

Em casos graves de influência demoníaca, como os relatados nos evangelhos, a pessoa afetada

exibe atitudes bizarras e muitas vezes violentas, especialmente diante da pregação do

evangelho. Quando Jesus entrou na sinagoga em Cafarnaum, “não tardou que aparecesse na

sinagoga um homem possesso de espírito imundo, o qual bradou: Que temos nós contigo,

Jesus Nazareno? Vieste para perder-nos? Bem sei quem és: o Santo de Deus!” (Mc 1.23-24).

O homem (ou, mais precisamente, o demônio que estava dentro do homem) pôs-se de pé e

interrompeu o culto, berrando essas coisas.

5. Jesus dá a todos os crentes a autoridade de repreender demônios e

de ordenar que saiam.

Quando Jesus enviou os doze discípulos à frente dele para pregar o reino de Deus, “deu-lhes

poder e autoridade sobre todos os demônios” (Lc 9.1). Depois de pregar o reino de Deus em

cidades e vilarejos, os setenta voltaram exultantes, dizendo: “Senhor, os próprios demônios se

nos submetem pelo teu nome!” (Lc 10.17). Jesus então lhes falou: “Eis aí vos dei autoridade

[...] sobre todo o poder do inimigo” (Lc 10.19). Quando Filipe, o evangelista, desceu até

Samaria para pregar o evangelho de Cristo, “espíritos imundos saíram de muitos que os

tinham” (At 8.7, tradução do autor), e Paulo usou a sua autoridade espiritual sobre os

demônios para dizer a um espírito de adivinhação que entrara numa moça: “Em nome de

Jesus Cristo, eu te mando: retira-te dela” (At 16.18).

6. O uso correto da autoridade espiritual do cristão no ministério junto a

outras pessoas.

Deixando a discussão da batalha espiritual particular, na nossa vida como na vida dos

familiares mais próximos, passamos à questão do ministério pessoal direto junto a outras

pessoas que sejam vítimas de ataques espirituais. Por exemplo, podemos aconselhar outra

pessoa, ou talvez orar por ela, quando desconfiamos que a atividade demoníaca é um dos

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

84

Page 85: Teologia sistemática   grudem

fatores que provocaram o seu problema. Nesses casos, é bom ter em mente algumas outras

considerações.

7. Devemos crer que o evangelho vá triunfar poderosamente das obras

do Diabo.

Quando Jesus surgiu pregando o evangelho na Galiléia, “também de muitos saíam demônios”

(Lc 4.41). Quando Filipe foi a Samaria pregar o evangelho, “os espíritos imundos de muitos

[...] saíam gritando em alta voz” (At 8.7). Jesus incumbiu Paulo de pregar entre os gentios

para convertê-los “das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que

recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim”

(At 26.18). Sua obra de proclamação do evangelho, disse Paulo, não consistiu “em linguagem

persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não

se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2.4-5; cf. 2Co 10.3-4). Se

realmente cremos no testemunho bíblico da existência e da atividade dos demônios e se

acreditamos que “para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do Diabo”

(1Jo 3.8), então é de esperar que mesmo hoje, quando se proclama o evangelho aos incrédulos

e quando se ora pelos crentes que talvez se achem ainda despercebidos dessa dimensão de

conflito espiritual, haja um triunfo verdadeiro e muitas vezes imediatamente reconhecível

sobre o poder do inimigo. Devemos esperar que isso aconteça, considerá-lo parte normal da

obra de Cristo na edificação do seu reino e nos alegrar com a vitória que ele nisso alcança.

Resumo - Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 3 - A Doutrina do Homem – p. 361 – 434

A. O USO DA PALAVRA HOMEM COMO REFERÊNCIA À RAÇA HUMANA..................................3B. POR QUE O HOMEM FOI CRIADO?........................................................................................3

1. Deus não precisava criar o homem, mas nos criou para a sua própria glória.................32. Qual o nosso propósito na vida?.....................................................................................3

C. O HOMEM À IMAGEM DE DEUS...........................................................................................41. O significado de “imagem de Deus”...............................................................................42. A queda: a imagem de Deus se distorce, mas não se perde............................................43. A redenção em Cristo: a recuperação gradual da imagem de Deus................................44. Na volta de Cristo: a completa restauração da imagem de Deus....................................45. Aspectos específicos da nossa semelhança a Deus.........................................................5

O SER HUMANO COMO HOMEM E MULHER.........................................7A. RELACIONAMENTOS PESSOAIS............................................................................................8B. IGUALDADE EM TERMOS DE PESSOALIDADE E IMPORTÂNCIA.............................................8

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

85

Page 86: Teologia sistemática   grudem

C. DIFERENÇAS DE PAPÉIS.......................................................................................................81. A relação entre a Trindade e a liderança masculina no casamento.................................82. Indicações de papéis distintos antes da queda................................................................83. Efésios 5.21-33 e a questão da submissão mútua. Lemos em Efésios 5:......................10

D. NOTA SOBRE A APLICAÇÃO NO CASAMENTO....................................................................11

A ESSÊNCIA DA NATUREZA DO HOMEM..............................................11A. INTRODUÇÃO: TRICOTOMIA, DICOTOMIA E MONISMO......................................................11B. DADOS BÍBLICOS...............................................................................................................11

1. As Escrituras usam “alma” e “espírito” indistintamente..............................................122. Na morte, as Escrituras dizem tanto que a “alma” parte quanto que o “espírito” parte.. .12

3. O homem é tido tanto como “corpo e alma” quanto como “corpo e espírito”.............124. A “alma” pode pecar, ou o “espírito” pode pecar.........................................................135. Tudo o que se diz que a alma faz, diz-se que o espírito também faz; e tudo o que se diz que o espírito faz, diz-se que a alma também faz.............................................................13

C. ARGUMENTOS EM FAVOR DA TRICOTOMIA.......................................................................131. 1Tessalonicenses 5.23...................................................................................................132. Hebreus 4.12.................................................................................................................133. 1Coríntios 2.14-3.4.......................................................................................................144. 1Coríntios 14.14............................................................................................................145. O argumento da experiência pessoal.............................................................................146. É nosso espírito que nos faz diferentes dos animais.....................................................147. O espírito é aquilo que recebe vida na regeneração......................................................14

D. RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS EM FAVOR DA TRICOTOMIA............................................141. 1Tessalonicenses 5.23...................................................................................................142. Hebreus 4.12.................................................................................................................153. 1Coríntios 2.14-3.4.......................................................................................................154. 1Coríntios 14.14............................................................................................................155. O argumento da experiência pessoal.............................................................................156. O que nos faz diferentes dos animais?..........................................................................157. Será que o espírito recebe vida na regeneração?..........................................................168. Conclusão......................................................................................................................16

E. AS ESCRITURAS FALAM REALMENTE DE UMA PARTE IMATERIAL DO HOMEM QUE PODE EXISTIR SEM O CORPO............................................................................................................16F. DE ONDE VEM NOSSA ALMA?............................................................................................16

O PECADO........................................................................................................17A. DEFINIÇÃO DE PECADO.....................................................................................................17B. A ORIGEM DO PECADO......................................................................................................17C. A DOUTRINA DO PECADO HERDADO.................................................................................18

1. Culpa herdada:..............................................................................................................182. Corrupção herdada:.......................................................................................................18

D. PECADOS REAIS QUE COMETEMOS....................................................................................191. Todas as pessoas são pecadoras perante Deus..............................................................192. Será que nossa capacidade limita a nossa responsabilidade?.......................................203. Será que as crianças são culpadas mesmo antes de pecar efetivamente?.....................204. Existem graus de pecado? Serão alguns pecados piores do que outros?......................225. O que acontece quando um cristão peca?.....................................................................236. Qual é o pecado imperdoável?......................................................................................24

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

86

Page 87: Teologia sistemática   grudem

E. O CASTIGO DO PECADO.....................................................................................................24

AS ALIANÇAS ENTRE DEUS E O HOMEM..............................................25A. A ALIANÇA DAS OBRAS....................................................................................................25B. A ALIANÇA DA REDENÇÃO................................................................................................25C. A ALIANÇA DA GRAÇA......................................................................................................26

1. Elementos essenciais.....................................................................................................262. Várias formas de aliança...............................................................................................26

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

87

Page 88: Teologia sistemática   grudem

Resumo

Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 3 - A Doutrina do Homem – p. 361 - 434

A. O USO DA PALAVRA HOMEM COMO REFERÊNCIA À RAÇA HUMANA

Antes de discutir o assunto mesmo deste capítulo, é preciso ponderar brevemente se é correto

usar a palavra homem para referir-se a toda a raça humana (como no título deste capítulo).

Algumas pessoas hoje contestam veementemente o uso da palavra “homem” para representar

a raça humana em geral (incluindo homens e mulheres), pois alegam que tal costume

desrespeita as mulheres. Os que fazem essa objeção preferem que, para nos referir à raça

humana, usemos exclusivamente termos “neutros” como “humanidade”, “seres humanos” ou

“pessoas”.

B. POR QUE O HOMEM FOI CRIADO?

1. Deus não precisava criar o homem, mas nos criou para a sua própria glória.

Deus nos criou para a sua própria glória. Na análise da independência divina, observamos

que Deus se refere aos seus filhos e filhas das extremidades da terra como aqueles “que criei

para minha glória” (Is 43.7; cf. Ef 1.11-12). Portanto, devemos fazer “tudo para a glória de

Deus” (1Co 10.31).

Esse fato garante a relevância da nossa vida. Percebendo que Deus não precisava nos criar, e

que não precisa de nós para nada, poderíamos concluir que nossa vida não tem a menor

importância. Mas as Escrituras nos dizem que fomos criados para glorificar a Deus, indicando

que somos importantes para o próprio Deus.

2. Qual o nosso propósito na vida?

O fato de Deus nos ter criado para a sua própria glória determina a resposta correta à

pergunta: “Qual o nosso propósito na vida?” Nosso propósito deve ser cumprir a meta para

que Deus nos criou: glorificá-lo. Quando falamos com respeito ao próprio Deus, eis aí um

bom resumo do nosso propósito. Mas quando pensamos nos nossos próprios interesses,

fazemos a feliz descoberta de que devemos nos alegrar em Deus e encontrar prazer no nosso

relacionamento com ele. Diz Jesus: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em

abundância” (Jo 10.10). Davi diz a Deus: “Na tua presença há plenitude de alegria, na tua

destra, delícias perpetuamente” (Sl 16.11).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

88

Page 89: Teologia sistemática   grudem

C. O HOMEM À IMAGEM DE DEUS

1. O significado de “imagem de Deus”.

De todas as criaturas que Deus fez, só de uma delas, o homem, diz-se ter sido feita “à imagem

de Deus”.  O que isso significa? Podemos usar a seguinte definição: o fato de ser o homem à

imagem de Deus significa que ele é semelhante a Deus e o representa.

2. A queda: a imagem de Deus se distorce, mas não se perde.

Podemos nos perguntar se é possível conceber que o homem, mesmo depois de pecar, ainda é

como Deus. Essa pergunta é respondida ainda no início de Gênesis, onde Deus dá a Noé a

autoridade de estabelecer a pena de morte para o homicídio logo depois da enchente; Deus

diz: “Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus

fez o homem segundo a sua imagem” (Gn 9.6). Mesmo sendo os homens pecadores, ainda

resta neles bastante semelhança a Deus, tanto que assassinar outra pessoa (“derramar o

sangue” é uma expressão do Antigo Testamento que significa tirar a vida humana) é atacar a

parte da criação que mais se parece com Deus, e revela uma tentativa ou desejo (se isso fosse

possível ao homem) de atacar o próprio Deus. 

3. A redenção em Cristo: a recuperação gradual da imagem de Deus.

No entanto, é animador abrir o Novo Testamento e ver que nossa redenção em Cristo significa

que podemos, mesmo nesta vida, gradualmente crescer cada vez mais na semelhança de Deus.

Por exemplo, Paulo diz que como cristãos temos uma nova natureza, que “se refaz para o

pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10). À medida que vamos

crescendo no verdadeiro conhecimento de Deus, da sua Palavra e do seu mundo, começamos

a pensar cada vez mais os pensamentos que o próprio Deus tem.

4. Na volta de Cristo: a completa restauração da imagem de Deus.

A admirável promessa do Novo Testamento é que, assim como somos hoje como Adão

(sujeitos à morte e ao pecado), também seremos como Cristo no futuro (moralmente puros,

jamais sujeitos à morte de novo): “Assim como trouxemos a imagem do que é terreno,

devemos trazer também a imagem do celestial” (1Co 15.49). A plena medida da nossa criação

à imagem de Deus não se vê na vida de Adão, que pecou, nem na nossa própria vida hoje,

pois somos imperfeitos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

89

Page 90: Teologia sistemática   grudem

5. Aspectos específicos da nossa semelhança a Deus.

Embora tenhamos argumentado acima que seria difícil definir todos os aspectos em que

somos semelhantes a Deus, podemos assim mesmo mencionar vários aspectos que nos

revelam mais parecidos com Deus do que todo o restante da criação.

ASPECTOS MORAIS

(1) Somos criaturas moralmente responsáveis pelos nossos atos perante Deus.

Correspondente a essa responsabilidade, temos

(2) um senso íntimo de certo e errado que nos separa dos animais (que têm pouco

ou nenhum senso inato de moralidade ou justiça, mas simplesmente reagem ao medo do

castigo ou à esperança da recompensa). Quando agimos segundo os parâmetros morais

divinos, nossa semelhança a Deus se espelha numa

(3) conduta santa e justa perante ele, mas, por outro lado, nossa dessemelhança a

Deus se revela sempre que pecamos.

ASPECTOS ESPIRITUAIS

(4) Não temos somente corpos físicos, mas também espíritos imateriais, e podemos portanto

agir de modos significativos no plano de existência imaterial, espiritual. Isso significa que

temos

(5) uma vida espiritual que possibilita que nos relacionemos pessoalmente com Deus, que

oremos a ele e o louvemos, e ouçamos as palavras que ele nos diz. Animal nenhum jamais

passou uma hora absorto em oração intercessória pela salvação de um parente ou de um

amigo! Vinculado a essa vida espiritual está o fato de possuirmos

(6) imortalidade; não cessaremos de existir, mas viveremos para sempre.

ASPECTOS MENTAIS.

(7) Temos a capacidade de raciocinar e pensar logicamente e de conhecer o que nos distingue

do mundo animal. Os animais às vezes exibem conduta admirável na solução de complicações

e problemas no mundo físico, mas certamente não se ocupam do raciocínio abstrato — não há

algo como a “história da filosofia canina”, por exemplo, nem nenhum animal desde a criação

evoluiu na compreensão de problemas éticos ou no uso de conceitos filosóficos, etc.

(8) O uso que fazemos da linguagem complexa, abstrata, nos distingue dos animais. Pude

pedir ao meu filho de quatro anos de idade que fosse pegar a chave de fenda grande e

vermelha lá na caixa de ferramentas no porão. Mesmo que jamais a tivesse visto antes,

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

90

Page 91: Teologia sistemática   grudem

poderia facilmente executar a tarefa, pois já conhecia os significados de “ir”, “pegar”,

“grande”, “vermelha”, “chave de fenda”, “caixa de ferramentas” e “porão”.

(9) Outra diferença intelectual entre seres humanos e animais é que temos uma noção de

futuro distante, até um senso íntimo de que sobreviveremos à nossa morte física, senso que a

muitos proporciona o desejo de tentar mostrar-se retos diante de Deus antes de morrer (Deus

“pôs a eternidade no coração do homem”, Ec 3.11).

(10) Nossa semelhança a Deus também se percebe na criatividade humana em áreas como a

arte, a música e a literatura, e na engenhosidade científica e tecnológica. Não devemos pensar

que essa criatividade se restringe aos músicos ou artistas mundialmente famosos; também se

reflete de maneira muito bela nas peças ou brincadeiras inventadas pelas crianças, na destreza

que há no preparo de uma refeição, na decoração de um lar ou no cultivo de um jardim, e na

criatividade exibida por todo ser humano que conserta algo que simplesmente não funcionava

bem. (11) No aspecto das emoções, nossa semelhança a Deus se percebe numa grande

diferença de grau e complexidade. É claro que os animais também exibem algumas emoções

(qualquer pessoa que já tenha tido um cachorro certamente se lembra de evidentes expressões

de alegria, tristeza, medo de castigo diante do erro, raiva se outro animal invade seu

“território”, contentamento e afeto, por exemplo). Mas na complexidade das emoções que

vivenciamos, novamente somos bem diferentes do resto da criação.

ASPECTOS RELACIONAIS

Além da capacidade única de nos relacionarmos com Deus, há outros aspectos relacionais

ligados à imagem de Deus.

(12) Embora os animais sem sombra de dúvida tenham alguma noção de comunidade, a

profundeza de harmonia interpessoal que se vivencia no casamento humano, numa família

humana que funcione segundo os princípios divinos, e numa igreja em que a comunidade de

crentes ande em comunhão com o Senhor e uns com os outros, é muito maior do que a

harmonia interpessoal vivenciada pelos animais. Na nossas relações familiares e na igreja

também somos superiores aos anjos, que não se casam nem geram filhos nem vivem na

companhia dos filhos e filhas remidos de Deus.

(13) No próprio casamento, espelhamos a natureza de Deus no fato de os homens e as

mulheres gozarem de igualdade de importância mas diversidade de papéis, desde que Deus

nos criou.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

91

Page 92: Teologia sistemática   grudem

(14) O homem é como Deus no seu relacionamento com o restante da criação.

Especificamente, o homem recebeu o direito de reger a criação, e quando Cristo voltar

receberá até autoridade para julgar os anjos (1Co 6.3; Gn 1.26, 28; Sl 8.6-8).

ASPECTOS FÍSICOS

Será que em algum aspecto o corpo humano faz também parte daquilo que significa ser criado

à imagem de Deus? Certamente não devemos pensar que nosso corpo físico implica que Deus

também tem um corpo, pois “Deus é espírito” (Jo 4.24), e é pecado concebê-lo ou retratá-lo

de algum modo que sugira que ele tem um corpo material ou físico (ver Êx 20.4; Sl 115.3-8;

Rm 1.23). Mas ainda que não devamos em hipótese nenhuma considerar que nosso corpo

físico implica que Deus também tem corpo físico, será que assim mesmo em alguns aspectos

nosso corpo não reflete algo do caráter do próprio Deus, constituindo portanto parte daquilo

que significa ser criado à imagem de Deus? Isso é certamente verdadeiro em alguns aspectos.

(15) nosso corpo físico, em vários aspectos, reflete também algo do próprio caráter de Deus.

Além disso, muitos movimentos físicos e demonstrações das habilidades recebidas de Deus se

fazem por meio do uso do corpo. E certamente

(16) a capacidade física que Deus nos dá de gerar e criar filhos semelhantes a nós (ver Gn 5.3)

é um reflexo da própria capacidade divina de criar seres humanos semelhantes a ele.

6. Nossa grande dignidade como portadores da imagem de Deus. Seria bom se refletíssemos

mais freqüentemente na nossa semelhança com Deus. É provável que fiquemos surpresos ao

descobrir que quando o Criador do universo quis fazer algo “à sua imagem”, algo mais

semelhante a si do que todo o resto da criação, ele nos criou. Essa descoberta nos dá um

profundo senso de dignidade e importância, pois passamos a refletir sobre a excelência de

todo o restante da criação divina: o universo estrelado, a terra abundante, o mundo das plantas

e dos animais e os reinos dos anjos são admiráveis, magníficos mesmo.

O SER HUMANO COMO HOMEM E MULHER

A criação do ser humano como homem e mulher revela a imagem de Deus em (1) relações

interpessoais harmoniosas, (2) igualdade em termos de pessoalidade e de importância e (3)

diferença de papéis e autoridade.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

92

Page 93: Teologia sistemática   grudem

A. RELACIONAMENTOS PESSOAIS

Deus não criou os seres humanos como pessoas isoladas, mas, aos nos fazer à sua imagem,

criou-nos de forma tal que podemos alcançar unidade interpessoal de várias formas em todos

os modos de sociedade humana. A unidade interpessoal pode ser especialmente profunda na

família, e também na nossa família espiritual, a igreja. Entre o homem e a mulher, nesta era

atual, a unidade interpessoal atinge a sua expressão mais plena no casamento, em que marido

e mulher se tornam, em certo sentido, duas pessoas em uma: “Por isso, deixa o homem pai e

mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne” (Gn 2.24).

B. IGUALDADE EM TERMOS DE PESSOALIDADE E IMPORTÂNCIA

Assim como os membros da Trindade são iguais na sua importância e na sua plena existência

como pessoas distintas, também homens e mulheres foram criados por Deus iguais na sua

importância e na sua pessoalidade. Quando Deus criou o homem, os criou “homem e mulher”

à sua imagem (Gn 1.27; 5.1-2). O homem e a mulher foram feitos igualmente à imagem de

Deus, e tanto homens como mulheres refletem o caráter divino. Isso significa que devemos

enxergar os aspectos do caráter de Deus uns nos outros.

C. DIFERENÇAS DE PAPÉIS

1. A relação entre a Trindade e a liderança masculina no casamento.

Entre os membros da Trindade sempre houve igualdade de importância, pessoalidade e

divindade por toda a eternidade. Mas sempre houve também diferenças de papéis entre os

membros da Trindade. Deus Pai sempre foi o Pai, e sempre se relacionou com o Filho como

um Pai se relaciona com seu Filho. Embora os três membros da Trindade sejam iguais em

poder e em todos os outros atributos, o Pai tem a autoridade mais elevada. Ele exerce um

papel de liderança entre os membros da Trindade, papel esse que nem o Filho nem o Espírito

Santo têm.

2. Indicações de papéis distintos antes da queda.

Mas será que essas distinções entre os papéis masculinos e femininos faziam parte da criação

original de Deus, ou será que foram introduzidas como parte do castigo da queda? Será que

foi quando Deus disse a Eva: “O teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (Gn

3.16), que ela passou a estar sujeita à autoridade de Adão?

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

93

Page 94: Teologia sistemática   grudem

Examinando a narrativa da criação em Gênesis, percebemos várias indicações de diferenças

de papéis entre Adão e Eva mesmo antes do surgimento do pecado no mundo.

a. Adão foi criado primeiro, depois Eva. O fato de ter Deus criado primeiro Adão, e só depois

de certo tempo, Eva (Gn 2.7, 18-23), sugere que Deus tinha Adão como líder dentro da

família. Não se menciona procedimento desse tipo, em duas etapas, na criação de nenhum dos

animais, mas aqui parece haver um propósito especial. A criação primeiro de Adão é

compatível com o padrão da “primogenitura” no Antigo Testamento, a idéia de que o

primogênito de cada geração de uma família humana detém a liderança dentro da família

naquela geração.

b. Eva foi criada como auxiliadora de Adão. As Escrituras especificam que Deus fez Eva para

Adão, não Adão para Eva. Disse Deus: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma

auxiliadora que lhe seja idônea” (Gn 2.18). Paulo dá a esse versículo tanta importância que

nele baseia a exigência de diferenças entre homens e mulheres no culto. Diz ele: “Também o

homem não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do homem” (1Co

11.9). Não se deve supor aqui uma sugestão de importância menor, mas sim que existe uma

diferença de papéis desde o princípio.

c. Adão deu nome a Eva. O fato de ter Adão dado nomes a todos os animais (Gn 2.19-20)

indica a autoridade de Adão sobre o reino animal, pois no pensamento do Antigo Testamento

o direito de dar nome a alguém implicava autoridade sobre essa pessoa (isso se percebe tanto

quando Deus dá nomes a pessoas como Abraão e Sara como quando os pais dão nomes aos

seus filhos). Como o nome hebraico designava o caráter ou a função da pessoa, Adão

especificava as características ou as funções dos animais ao atribuir-lhes nomes.

d. Deus chamou “homem” a raça humana, e não “mulher”. O fato de ter Deus denominado

“homem” a raça humana, e não “mulher” ou algum termo neutro em relação ao gênero, já foi

explicado no capítulo 21. Gênesis 5.2 especifica que “no dia em que foram criados” Deus “os

chamou pelo nome de homem” (IBB). A denominação da raça humana com um termo que

também se referia a Adão em particular, ou ao homem em distinção da mulher, sugere o papel

de liderança do homem.

e. A serpente aproximou-se primeiro de Eva. Satanás, depois de ter pecado, tentava distorcer e

minar tudo o que Deus havia planejado e criado bom. É provável que Satanás (na forma de

uma serpente), ao aproximar-se primeiro de Eva, tentasse instituir um papel inverso ao incitar

Eva a tomar a liderança na desobediência a Deus (Gn 3.1).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

94

Page 95: Teologia sistemática   grudem

f. Deus falou primeiro a Adão depois da queda. Assim como Deus falou a Adão quando este

estava só antes da criação de Eva (Gn 2.15-17), também, depois da queda, ainda que Eva

tivesse pecado primeiro, Deus primeiro foi ter com Adão e pediu a ele explicações sobre os

seus atos: “E chamou o SENHOR Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás?” (Gn 3.9).

Deus tinha Adão como líder da família, aquele que primeiro deveria ser convocado a explicar

o que acontecera na família.

g. Adão, não Eva, representava a raça humana. Ainda que Eva tenha pecado primeiro (Gn

3.6), somos tidos como pecadores por causa do pecado de Adão, e não por causa do pecado de

Eva. Diz-nos o Novo Testamento: “Em Adão todos morrem” (1Co 15.22; cf. v. 49) e “Pela

ofensa de um só [homem], morreram muitos” (Rm 5.15; cf. v. 12-21). Isso indica que Deus

dera a Adão a chefia ou liderança da raça humana, papel que não foi dado a Eva.

h. A maldição inseriu uma distorção nos papéis anteriores, sem no entanto introduzir novos

papéis. Nos castigos que Deus impôs a Adão e Eva, não introduziu, ele, novos papéis ou

funções, mas simplesmente a dor e a distorção nas funções já previamente estabelecidas.

Assim, Adão ainda teria a responsabilidade primária de arar o solo e cultivar as lavouras, mas

o solo produziria “cardos e abrolhos” e no suor do seu rosto ele comeria o seu pão (Gn 3.18,

19). Do mesmo modo, Eva ainda teria a responsabilidade de gerar filhos, mas isso se tornaria

doloroso: “Em meio de dores darás à luz filhos” (Gn 3.16).

i. A redenção de Cristo reafirma a ordem da criação. Se está correta a argumentação

precedente sobre introdução da distorção dos papéis na queda, então seria de esperar que

encontrássemos no Novo Testamento a reversão dos aspectos dolorosos do relacionamento

resultante do pecado e da maldição. Seria de esperar que em Cristo, a redenção incentivasse as

esposas a não se rebelar contra a autoridade do marido e estimulasse também os maridos a

não impor a autoridade com aspereza. De fato, é exatamente isso que encontramos: “Esposas,

sede submissas ao próprio marido, como convém no Senhor. Maridos, amai vossa esposa e

não a trateis com amargura” (Cl 3.18-19; cf. Ef 5.22-33; Tt 2.5; 1Pe 3.1-7).

3. Efésios 5.21-33 e a questão da submissão mútua. Lemos em Efésios 5:

As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é

o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o

salvador do corpo. Como, porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também as

mulheres sejam em tudo submissas ao seu marido (Ef 5.22-24).

Embora na superfície isso pareça confirmar aquilo que argumentamos acima a respeito da

ordem da criação para o casamento, nos últimos anos tem havido algum debate acerca do

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

95

Page 96: Teologia sistemática   grudem

significado da expressão “ser submisso a” (gr. ) nessa passagem. Algumas

pessoas a interpretam como “ser solícito e atencioso; agir com amor [um para com o outro]”.

Entendido assim, o texto não prega que a esposa tem a singular responsabilidade de ser

submissa à autoridade do marido, pois tanto marido quanto esposa precisam ser atenciosos e

amorosos um para com o outro, e segundo essa opinião não se tem nessa passagem submissão

à autoridade.

D. NOTA SOBRE A APLICAÇÃO NO CASAMENTO

Se nossa análise está correta, então há algumas aplicações práticas, especialmente dentro do

casamento, e também nos relacionamentos entre homens e mulheres em geral.

Quando os maridos passam a agir de modo egoísta, áspero, dominador, ou mesmo violento e

cruel, devem se dar conta de que isso é resultado do pecado, resultado da queda e, portanto,

destrutivo e contrário aos desígnios de Deus para eles. Agir assim gera grande destruição na

vida, especialmente no casamento.

A ESSÊNCIA DA NATUREZA DO HOMEM

A. INTRODUÇÃO: TRICOTOMIA, DICOTOMIA E MONISMO

De quantas partes compõe-se o homem? Todos concordam que temos um corpo físico. A

maioria das pessoas (tanto cristãos quanto não cristãos) sente que também tem uma parte

imaterial — uma “alma” que sobreviverá à morte do corpo.

Mas aqui termina a concordância. Algumas pessoas crêem que, além do “corpo” e da “alma”,

temos uma terceira parte, um “espírito” que se relaciona mais diretamente com Deus. A

concepção de que o homem é constituído de três partes (corpo, alma e espírito) chama-se

tricotomia. 

B. DADOS BÍBLICOS

Antes de perguntar se as Escrituras entendem “alma” e “espírito” como partes distintas do

homem, precisamos desde já deixar claro que a ênfase bíblica está na unidade global do

homem como criatura de Deus. Quando Deus fez o homem, “lhe soprou nas narinas o fôlego

de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (Gn 2.7). Adão é aqui uma pessoa unificada,

com corpo e alma vivendo e agindo juntos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

96

Page 97: Teologia sistemática   grudem

1. As Escrituras usam “alma” e “espírito” indistintamente.

Quando analisamos o uso das palavras bíblicas traduzidas como “alma” (heb. nephesh e gr.

psychÂ)e “espírito” (heb. rõach e gr. pneuma),  parece-nos que às vezes são usadas

indistintamente. Por exemplo, em João 12.27, diz Jesus: “Agora, está angustiada a minha

alma”, enquanto num contexto muito parecido, no capítulo seguinte, João diz que Jesus

“angustiou-se [...] em espírito” (Jo 13.21). Do mesmo modo, lemos as palavras de Maria em

Lucas 1.46-47: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus,

meu Salvador”. Esse parece um exemplo bem evidente de paralelismo hebraico, o artifício

poético em que a mesma idéia é repetida com o uso de palavras diferentes mas sinônimas.

2. Na morte, as Escrituras dizem tanto que a “alma” parte quanto que o “espírito” parte.

Quando da morte de Raquel, diz a Bíblia: “Ao sair-lhe a alma (porque morreu)...” (Gn 35.18).

Elias ora para que a “alma” da criança morta volte ao corpo (1Rs 17.21), e Isaías prediz que o

Servo do Senhor derramaria “a sua alma [heb. Nephesh} na morte” (Is 53.12). No Novo

Testamento, Deus diz ao rico insensato: “Esta noite te pedirão a tua alma [gr. psychÂ]” (Lc

12.20). Por outro lado, às vezes a morte é tida como o retorno do espírito a Deus. Por isso

Davi ora, em palavras mais tarde citadas por Jesus na cruz: “Nas tuas mãos entrego o meu

espírito” (Sl 31.5; cf. Lc 23.46). Na morte, “o espírito volte a Deus, que o deu” (Ec 12.7).5 

No Novo Testamento, na hora da sua morte, Jesus, “inclinando a cabeça, rendeu o espírito”

(Jo 19.30) e, do mesmo modo, Estevão orou antes de morrer: “Senhor Jesus, recebe o meu

espírito!” (At 7.59).

3. O homem é tido tanto como “corpo e alma” quanto como “corpo e espírito”.

Jesus nos exorta a não temer aqueles que “matam o corpo e não podem matar a alma”, mas

sim “aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo” (Mt 10.28). Aqui a

palavra “alma” claramente se refere à parte da pessoa que persiste após a morte. Não pode

significar “pessoa” ou “vida”, pois não faria sentido falar daqueles que “matam o corpo e não

podem matar a pessoa”, ou que “matam o corpo e não podem matar a vida”, a menos que haja

algum aspecto da pessoa que continue vivo depois da morte do corpo.

4. A “alma” pode pecar, ou o “espírito” pode pecar.

Aqueles que defendem a tricotomia geralmente concordam que a “alma” pode pecar, pois

crêem que a alma inclui o intelecto, as emoções e a vontade. (Vemos que nossa alma pode

pecar em versículos como 1Pe 1.22; Ap 18.14.)

O tricotomista, porém, geralmente considera que o “espírito” é mais puro do que a alma e,

quando renovado, livre do pecado e sensível ao chamado do Espírito Santo. Essa concepção

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

97

Page 98: Teologia sistemática   grudem

(que às vezes se insinua na pregação e nos escritos cristãos populares) não encontra realmente

apoio no texto bíblico. Quando Paulo encoraja os coríntios a se purificar “de toda impureza,

tanto da carne como do espírito” (2Co 7.1), ele sugere nitidamente que pode haver impureza

(ou pecado) no espírito. Do mesmo modo, fala da mulher solteira que se preocupa em ser

santa “assim no corpo como no espírito” (1Co 7.34).

5. Tudo o que se diz que a alma faz, diz-se que o espírito também faz; e tudo o que se diz

que o espírito faz, diz-se que a alma também faz.

Os defensores da tricotomia enfrentam um problema difícil na definição clara e exata da

diferença entre alma e espírito (segundo o seu ponto de vista). Se as Escrituras dessem claro

apoio à idéia de que o espírito é a parte de nós que diretamente se relaciona com Deus em

adoração e oração, enquanto a alma abarca o intelecto (pensamentos), as emoções

(sentimentos) e a vontade (decisões), então os tricotomistas teriam em mãos um forte

argumento. Todavia, a Bíblia parece não dar apoio a tal distinção.

C. ARGUMENTOS EM FAVOR DA TRICOTOMIA

Os que adotam a posição tricotomista buscam apoio em várias passagens das Escrituras.

Relacionamos abaixo as mais comumente usadas.

1. 1Tessalonicenses 5.23.

“O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam

conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts 5.23).

Esse versículo porventura não fala claramente que o homem tem três partes?

2. Hebreus 4.12.

“A palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e

penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os

pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4.12). Se a espada das Escrituras divide a alma e o

espírito, esses não seriam então elementos distintos do homem?

3. 1Coríntios 2.14-3.4.

Essa passagem trata de diferentes tipos de pessoas, daqueles que são “carnais” (gr. sarkinos,

1Co 3.1); do que é “não espiritual” (gr. psychikos, lit. “almal”, 1Co 2.14); e daquele que é

“espiritual” (gr. pneumatikos, 1Co 2.15). Acaso essas categorias não sugerem tipos diferentes

de pessoas — os não cristãos “carnais”, os cristãos “naturais” que seguem os desejos da alma

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

98

Page 99: Teologia sistemática   grudem

e os cristãos mais maduros que seguem os desejos do espírito? Será que isso não sugere que

alma e espírito são elementos distintos da nossa natureza?

4. 1Coríntios 14.14.

Quando Paulo diz: “Se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a minha mente

fica infrutífera” (1Co 14.14), não sugere ele que a mente faz algo diferente do espírito, e não

sustentaria isso o argumento tricotomista de que a mente e o pensamento devem ser atribuídos

à alma, não ao espírito?

5. O argumento da experiência pessoal.

Muitos tricotomistas dizem que têm uma percepção espiritual, uma consciência espiritual da

presença de Deus, que os afeta de um modo que eles sabem ser diferente do pensamento

comum e também das emoções.

6. É nosso espírito que nos faz diferentes dos animais.

Alguns tricotomistas argumentam que homens e animais têm alma, mas sustentam que é a

presença do espírito que nos faz diferentes dos animais.

7. O espírito é aquilo que recebe vida na regeneração.

Os tricotomistas também afirmam que, quando nos tornamos cristãos, nosso espírito recebe

vida: “Se, porém, Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado,

mas o espírito é vida, por causa da justiça” (Rm 8.10).

D. RESPOSTAS AOS ARGUMENTOS EM FAVOR DA TRICOTOMIA

1. 1Tessalonicenses 5.23.

Em 1Tessalonicenses 5.23, Paulo não diz que a alma e o espírito são entidades distintas, mas

simplesmente que, seja qual for o nome que se dê à nossa parte imaterial, ele quer que Deus

continue a nos santificar em tudo até o dia de Cristo.

2. Hebreus 4.12.

Esse versículo, que fala que a Palavra de Deus “penetra até ao ponto de dividir alma e

espírito, juntas e medulas”, deve ser compreendido como 1Tessalonicenses 5.23. O autor não

diz que a Palavra de Deus pode dividir “a alma do espírito”, mas lança mão de vários termos

(alma, espírito, juntas, medulas, pensamentos e propósitos do coração) que falam dos

profundos elementos íntimos do nosso ser que não se ocultam ao poder penetrante da Palavra

de Deus.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

99

Page 100: Teologia sistemática   grudem

3. 1Coríntios 2.14-3.4.

Paulo certamente distingue a pessoa “natural” (gr. psychikos, lit. “almal”) da “espiritual” (gr.

pneumatikos, “espiritual”) em 1Coríntios 2.14-3.4. Mas nesse contexto, “espiritual” parece

significar “influenciado pelo Espírito Santo”, pois toda a passagem fala da obra do Espírito

Santo de revelação da verdade aos crentes. Nesse contexto, “espiritual” pode praticamente ser

traduzido como “Espiritual”.

4. 1Coríntios 14.14.

Quando Paulo diz: “Meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera”, quer dizer

que não compreende aquilo que está orando. Sugere sem dúvida que há um elemento não

físico no seu ser, um “espírito” dentro dele que pode orar a Deus. Mas nada nesse versículo

sugere que ele considere o seu espírito como algo distinto da sua alma.

5. O argumento da experiência pessoal.

Os cristãos têm uma “percepção espiritual”, uma consciência íntima da presença de Deus

vivenciada na adoração e na oração. Nesse profundo nível íntimo podemos também às vezes

nos sentir espiritualmente angustiados, ou deprimidos, ou quem sabe ter a sensação da

presença de forças demoníacas hostis. Muitas vezes essa percepção se distingue da nossa

consciência, dos processos mentais racionais. Paulo percebe que às vezes seu espírito ora sem

que sua mente compreenda (1Co 14.14).

6. O que nos faz diferentes dos animais?

É verdade que temos capacidades espirituais que nos fazem diferentes dos animais: somos

capazes de nos relacionar com Deus por meio de adoração e oração e gozamos de vida

espiritual em comunhão com Deus, que é espírito. Mas não devemos supor que temos um

elemento distinto chamado “espírito” que nos possibilita fazê-lo, pois com a mente podemos

amar a Deus, ler e compreender as suas palavras e crer que sua Palavra é verdadeira.

7. Será que o espírito recebe vida na regeneração?

O espírito humano não é algo morto num descrente, mas recebe vida quando a pessoa

professa fé em Cristo, pois a Bíblia fala que os descrentes têm um espírito evidentemente

vivo, mas rebelde diante de Deus — seja Seom, rei de Hesbom (Dt 2.30: o Senhor endureceu

“o seu espírito”), seja Nabucodonosor (Dn 5.20: “o seu espírito se tornou soberbo e

arrogante”), seja o povo infiel de Israel (Sl 78.8: seu “espírito não foi fiel a Deus”). Quando

Paulo diz que seu “espírito é vida, por causa da justiça” (Rm 8.10), aparentemente quer dizer

“vivo para Deus”, mas não sugere que antes nosso espírito estivesse completamente “morto”;

apenas que vivia afastado da comunhão com Deus, e nesse sentido estava morto.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

100

Page 101: Teologia sistemática   grudem

8. Conclusão.

Embora os argumentos a favor da tricotomia tenham alguma força, nenhum deles proporciona

prova concludente que supere o amplo testemunho bíblico que mostra serem os termos alma e

espírito muitas vezes intercambiáveis e em muitos casos sinônimos.

E. AS ESCRITURAS FALAM REALMENTE DE UMA PARTE IMATERIAL DO HOMEM QUE PODE

EXISTIR SEM O CORPO

Vários filósofos não cristãos têm contestado veementemente a idéia de que o homem tem

alguma parte imaterial, como a alma ou o espírito. Talvez respondendo parcialmente a essa

crítica, alguns teólogos evangélicos parecem hesitantes em afirmar a dicotomia na existência

humana. Em vez disso, afirmam repetidamente que a Bíblia considera o homem como uma

unidade — fato verdadeiro, mas que não deve ser usado para negar que as Escrituras também

consideram que a natureza unificada do homem se compõe de dois elementos distintos.

F. DE ONDE VEM NOSSA ALMA?

Qual a origem da alma? Duas teses são comuns na história da igreja.

O criacionismo é a concepção de que Deus cria uma nova alma para cada pessoa e a envia ao

corpo da pessoa em algum momento entre a concepção e o nascimento. O traducionismo, por

outro lado, sustenta que a alma e o corpo da criança são herdados dos pais no momento da

concepção. Ambas as teses tiveram defensores numerosos ao longo da história da igreja,

tendo afinal prevalecido o criacionismo na Igreja Católica Romana. Lutero era a favor do

traducionismo, enquanto Calvino favorecia o criacionismo. Por outro lado, alguns teólogos

calvinistas posteriores, como Jonathan Edwards e A. H. Strong, favorecem o traducionismo

(como o faz a maioria dos luteranos hoje). O criacionismo também tem muitos defensores

evangélicos modernos.

Há outra idéia popular, chamada preexistencialismo, que preconiza que as almas das pessoas

existem no céu muito antes dos corpos serem concebidos no ventre das mães, e que Deus

depois traz a alma à terra, unindo-a ao corpo do bebê enquanto ele se desenvolve no útero.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

101

Page 102: Teologia sistemática   grudem

O PECADO

A. DEFINIÇÃO DE PECADO

Podemos partir da seguinte definição: pecado é deixar de se conformar à lei moral de Deus,

seja em ato, seja em atitude, seja em natureza. O pecado é aqui definido em relação a Deus e

sua lei moral. Inclui não só atos individuais, como roubar, mentir ou cometer homicídio, mas

também atitudes contrárias àquilo que Deus exige de nós. Percebemos isso já nos Dez

Mandamentos, que não só proíbem ações pecaminosas, mas também atitudes errôneas: “Não

cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo,

nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem cousa alguma que pertença ao teu

próximo” (Êx 20.17). Aqui Deus especifica que o desejo de roubar ou cometer adultério é

também pecado aos olhos dele.

B. A ORIGEM DO PECADO

De onde veio o pecado? Como ele penetrou no universo? Primeiro, precisamos afirmar

claramente que Deus não pecou e não deve ser culpado pelo pecado. Foi o homem quem

pecou, os anjos quem pecaram, e nos dois casos o fizeram por escolha intencional e

voluntária. Culpar a Deus pelo pecado seria blasfemar contra o caráter de Deus. “Suas obras

são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele

injustiça; é justo e reto” (Dt 32.4). Abraão pergunta com verdade e força nas palavras: “Não

fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). E Eliú diz com justiça: “Longe de Deus o

praticar ele a perversidade, e do Todo-Poderoso o cometer injustiça” (Jó 34.10). De fato, para

Deus é impossível sequer desejar a injustiça: “Deus não pode ser tentado pelo mal e ele

mesmo a ninguém tenta” (Tg 1.13).

C. A DOUTRINA DO PECADO HERDADO 

Como o pecado de Adão nos afeta? As Escrituras ensinam que herdamos o pecado de Adão

de dois modos.

1. Culpa herdada:

Somos considerados culpados por causa do pecado de Adão. Paulo explica os efeitos do

pecado de Adão da seguinte maneira: “Portanto [...] por um só homem entrou o pecado no

mundo, e pelo pecado, a morte, assim [...] a morte passou a todos os homens, porque todos

pecaram” (Rm 5.12). O contexto mostra que Paulo não está falando dos pecados que as

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

102

Page 103: Teologia sistemática   grudem

pessoas efetivamente cometem no dia-a-dia, pois todo o parágrafo (Rm 5.12-21) trata da

comparação entre Adão e Cristo.

2. Corrupção herdada:

Temos uma natureza pecaminosa por causa do pecado de Adão. Além da culpa legal que

Deus nos imputa por causa do pecado de Adão, também herdamos uma natureza pecaminosa

como conseqüência do pecado dele. Essa natureza pecaminosa herdada é às vezes

denominada simplesmente “pecado original”, e às vezes, mais precisamente, “poluição

original”. Uso, em vez disso, o termo “corrupção herdada”, pois parece exprimir com mais

clareza a idéia em vista.

a. Na nossa natureza, carecemos totalmente de bem espiritual perante Deus. Não é certo dizer

que algumas partes de nós são pecaminosas, e outras puras. Antes, cada parte do nosso ser

está maculada pelo pecado — o intelecto, as emoções e desejos, o coração (o centro do

desejos e dos processos decisórios), as metas e motivos e até o corpo físico. Diz Paulo: “Sei

que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum” (Rm 7.18) e “para os impuros e

descrentes, nada é puro. Porque tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas”

(Tt 1.15).

b. Nos nossos atos, somos totalmente incapazes de fazer o bem espiritual perante Deus. Essa

idéia está ligada à anterior. Não só em nós, pecadores, falta o bem espiritual, mas também a

capacidade de fazer qualquer coisa que agrade a Deus, e ainda a capacidade de nos aproximar

de Deus por nossas próprias forças. Paulo diz que “os que estão na carne não podem agradar

a Deus” (Rm 8.8). Além disso, a respeito de dar fruto para o reino de Deus e fazer o que lhe

agrada, diz Jesus: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). De fato, os descrentes não são

agradáveis a Deus, senão por outra razão qualquer, simplesmente porque seus atos não advêm

da fé em Deus e do amor por ele, e “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6). Paulo,

falando da época em que seus leitores eram descrentes, diz-lhes que estavam “mortos nos

vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora” (Ef 2.1-2). Os descrentes estão num

estado de servidão ou escravidão ao pecado, pois “todo o que comete pecado é escravo do

pecado” (Jo 8.34). Embora, do ponto de vista humano, as pessoas possam ser capazes de fazer

o bem, Isaías afirma que “todas as nossas justiças, [são] como trapo da imundícia” (Is 64.6;

cf. Rm 3.9-20). Os incrédulos nem sequer são capazes de compreender corretamente as coisas

de Deus, pois “o homem natural não recebe os dons [lit. “coisas”] do Espírito de Deus, pois

lhe são insensatez, e não consegue compreendê-los, pois só se pode discerni-los

espiritualmente” (1Co 2.14 RSV mg.). Tampouco podemos nós nos aproximar de Deus por

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

103

Page 104: Teologia sistemática   grudem

nossas próprias forças, pois diz Jesus: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não

o trouxer” (Jo 6.44).

Mas se nos vemos em total incapacidade de fazer qualquer bem espiritual aos olhos de Deus,

então será que ainda temos alguma liberdade de escolha? Sem dúvida aqueles que estão

alheios a Cristo ainda tomam decisões voluntárias — ou seja, decidem o que querem fazer,

depois agem. Nesse sentido, existe afinal algum tipo de “liberdade” nas decisões que as

pessoas tomam. Porém, em virtude da sua incapacidade de fazer o bem e fugir da sua rebeldia

fundamental contra Deus e da sua preferência fundamental pelo pecado, os descrentes não

têm liberdade no sentido mais importante do termo — ou seja, a liberdade de agir

corretamente e de fazer o que é agradável a Deus.

A aplicação disso à nossa vida é bastante óbvia: se Deus dá a alguma pessoa o desejo de se

arrepender e confiar em Cristo, ela não deve se demorar nem endurecer seu coração (cf. Hb

3.7-8; 12.17). Essa capacidade de se arrepender e desejar ter fé em Deus não é naturalmente

nossa, mas vem pela atuação do Espírito Santo e não dura para sempre. “Hoje, se ouvirdes a

sua voz, não endureçais o vosso coração” (Hb 3.15).

D. PECADOS REAIS QUE COMETEMOS

1. Todas as pessoas são pecadoras perante Deus.

As Escrituras em muitas passagens dão testemunho da pecaminosidade universal da

humanidade. “Todos se extraviaram e juntamente se corromperam; não há quem faça o bem,

não há nem um sequer” (Sl 14.3). Diz Davi: “À tua vista não há justo nenhum vivente” (Sl

143.2). E diz Salomão: “Não há homem que não peque” (1Rs 8.46; cf. Pv 20.9).

No Novo Testamento, Paulo tece uma extensa argumentação em Romanos 1.18-3.20,

mostrando que todas as pessoas, tanto judeus como gregos, apresentam-se culpados perante

Deus. Diz ele: “Todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está escrito:

Não há justo, nem um sequer” (Rm 3.9-10). Ele está certo de que “todos pecaram e carecem

da glória de Deus” (Rm 3.23). Tiago, o irmão do Senhor, admite: “Todos tropeçamos em

muitas coisas” (Tg 3.2), e se ele, que era apóstolo e líder da igreja primitiva, admitiu que

cometia muitos erros, então também nós devemos nos dispor a admiti-lo. João, o discípulo

amado, que era especialmente íntimo de Jesus, disse:

Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

104

Page 105: Teologia sistemática   grudem

de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós (1Jo 1.8-10).

2. Será que nossa capacidade limita a nossa responsabilidade?

Pelágio, popular mestre cristão que pregou em Roma por volta de 383-410 d.C., e mais tarde

(até 424 d.C.) na Palestina, ensinava que Deus responsabiliza o homem só pelas coisas que

este é capaz de fazer. Logo, como Deus nos exorta a fazer o bem, temos necessariamente a

capacidade de fazer o bem que Deus exige. A posição pelagiana rejeita a doutrina do “pecado

herdado” (ou “pecado original”) e sustenta que o pecado consiste somente em atos

pecaminosos isolados.

Contudo, essa idéia de que somos responsáveis perante Deus somente por aquilo que

podemos fazer contraria o testemunho bíblico, que afirma tanto que estávamos “mortos nos

[...] delitos e pecados” nos quais andávamos antes (Ef 2.1) quanto que somos incapazes de

fazer qualquer bem espiritual, e também que somos todos culpados diante de Deus. Além do

mais, se nossa responsabilidade perante Deus se limitasse à nossa capacidade, então

pecadores extremamente empedernidos, sob pesado jugo do pecado, poderiam ser menos

culpados diante de Deus do que cristãos maduros que se esforçam diariamente por obedecer-

lhe. E o próprio Satanás, que eternamente só é capaz de fazer o mal, estaria completamente

livre de culpa — sem dúvida nenhuma uma conclusão equivocada.

A verdadeira medida da nossa responsabilidade e da nossa culpa não é a nossa capacidade de

obedecer a Deus, mas antes a perfeição absoluta da lei moral de Deus e a sua própria

santidade (que se reflete nessa lei). “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai

celeste” (Mt 5.48).

3. Será que as crianças são culpadas mesmo antes de pecar efetivamente?

Segundo alguns, as Escrituras pregam determinada “idade da imputabilidade”, antes da qual

as crianças pequenas não são responsáveis pelo pecado nem tidas como culpadas perante

Deus. Porém, as passagens citadas acima, na seção C, sobre o “pecado herdado”, indicam que

mesmo antes do nascimento as crianças já são culpadas perante Deus e dotadas de uma

natureza pecaminosa, o que não só lhes confere a tendência ao pecado, mas também faz que

Deus as veja como “pecadoras”. “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha

mãe” (Sl 51.5). As passagens que concebem que no juízo final se considerarão os atos

pecaminosos efetivamente cometidos (e.g., Rm 2.6-11) nada dizem sobre o fundamento do

juízo nos casos em que não houve atos individuais certos ou errados, como ocorre com as

crianças que morrem muito novas. Nesses casos, devemos aceitar as passagens bíblicas que

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

105

Page 106: Teologia sistemática   grudem

afirmam que temos uma natureza pecaminosa antes do momento do nascimento. Além do

mais, precisamos compreender que a natureza pecaminosa da criança se manifesta já bem

cedo, certamente nos primeiros dois anos de vida, como qualquer um que já criou filhos pode

confirmar. (Diz Davi, noutra passagem: “Desviam-se os ímpios desde a sua concepção;

nascem e já se desencaminham”, Sl 58.3.)

Mas então o que dizer das crianças que morrem antes de ter idade bastante para compreender

e aceitar o evangelho? Será que podem ser salvas?

Aqui só nos resta dizer que, se essas crianças forem salvas, não será pelos seus próprios

méritos, nem com base na sua justiça ou inocência, mas inteiramente com base na obra

redentora de Cristo e na regeneração operada pela ação do Espírito Santo dentro delas. “Há

um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5). “Se

alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3.3).

Todavia, certamente é possível que Deus conceda regeneração (ou seja, nova vida espiritual) a

uma criança mesmo antes que ela nasça. Isso aconteceu a João Batista, pois o anjo Gabriel,

antes de João nascer, disse: “Ele [...] será cheio do Espírito Santo, já do ventre materno” (Lc

1.15). Podemos dizer que João Batista “nasceu de novo” antes de nascer! (Veja Nota dos

Editores no final deste capítulo.) Encontramos exemplo semelhante em Salmos 22.10, onde

diz Davi: “Desde o ventre de minha mãe, tu és meu Deus”. É evidente, portanto, que Deus é

capaz de salvar as crianças de um modo incomum, sem que ouçam e compreendam o

evangelho, concedendo-lhes regeneração bem cedo, às vezes antes mesmo do nascimento. É

provável que imediatamente depois dessa regeneração surja, em idade bastante precoce, uma

consciência incipiente e intuitiva de Deus e a fé nele, mas isso é algo que simplesmente não

podemos entender.

Devemos, entretanto, afirmar bem claramente que essa não é a maneira normal de Deus salvar

as pessoas. A salvação geralmente ocorre quando a pessoa ouve e compreende o evangelho, e

então passa a ter fé em Cristo. Mas em casos incomuns como o de João Batista, Deus concede

salvação mesmo antes dessa compreensão. E isso nos leva a concluir que é certamente

possível que Deus também o faça ao saber que a criança morrerá antes de ouvir o evangelho.

Quantas crianças Deus salva dessa forma? Como as Escrituras não nos dão resposta para isso,

simplesmente não temos como saber. Quando a Bíblia cala, não é sensato fazer declarações

taxativas. No entanto, devemos reconhecer que Deus, nas Escrituras, freqüentemente salva os

filhos daqueles que crêem nele (ver Gn 7.1; cf. Hb 11.7; Js 2.18; Sl 103.17; Jo 4.53; At 2.39;

11.14(?); 16.31; 18.8; 1Co 1.16; 7.14; Tt 1.6). Essas passagens não mostram que Deus

automaticamente salva os filhos de todos os crentes (pois conhecemos filhos de pais piedosos

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

106

Page 107: Teologia sistemática   grudem

que, crescendo, rejeitaram ao Senhor, e as Escrituras nos dão exemplos, como Esaú e

Absalão), mas indicam realmente que a conduta habitual de Deus, seu modo “normal” ou

esperado de agir, é aproximar de si os filhos dos crentes. Com respeito aos filhos dos crentes

que morrem muito novos, não temos razão para pensar de outra maneira.

Especialmente relevante aqui é o caso do primeiro filho que Bate-Seba deu ao rei Davi.

Depois da morte da criança, disse Davi: “Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim” (2Sm

12.23). Davi, que ao longo da sua vida exibiu grande confiança de que viveria para sempre na

presença do Senhor (ver Sl 23.6 e muitos dos salmos de Davi), também acreditava que

voltaria a ver seu filhinho depois de morrer. Isso só pode implicar que ele estaria com o seu

filho na presença do Senhor para sempre.2 0 Essa passagem, ao lado de outras mencionadas

acima, deve servir igualmente como garantia, para todos os crentes que perderam filhos

pequenos, de que um dia os verão novamente na glória do reino celeste.

Com respeito aos filhos dos descrentes que morrem em idade muito tenra, as Escrituras se

calam. Simplesmente devemos deixar a questão nas mãos de Deus, confiando na sua justiça e

misericórdia. Se forem salvos, não será com base em algum mérito próprio, nem na inocência

que lhes possamos atribuir. Se forem salvos, será com base na obra redentora de Cristo; e sua

regeneração, como a de João Batista antes do nascimento, será pela misericórdia e graça de

Deus. A salvação sempre vem em virtude da misericórdia divina, e não por causa dos nossos

méritos (ver Rm 9.14-18). As Escrituras não nos permitem dizer nada além disso.

4. Existem graus de pecado? Serão alguns pecados piores do que outros?

A pergunta pode ser respondida de modo afirmativo ou negativo, dependendo do sentido que

se lhe dê.

a. Culpa legal. No tocante à nossa posição legal perante Deus, qualquer pecado, mesmo aquilo

que nos pareça um pecado leve, torna-nos legalmente culpados perante Deus e, portanto,

dignos de castigo eterno. Adão e Eva aprenderam isso no jardim do Éden, onde Deus lhes

disse que um só ato de desobediência resultaria na pena de morte (Gn 2.17). E Paulo afirma

que “o julgamento derivou de uma só ofensa, para a conde-nação” (Rm 5.16). Esse único

pecado tornou Adão e Eva pecadores perante Deus, já incapazes de permanecer na santa

presença divina.

Essa verdade permanece válida durante toda a história da raça humana. Paulo (citando Dt

27.26) a confirma: “Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no

Livro da Lei, para praticá-las” (Gl 3.10). E Tiago declara:

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

107

Page 108: Teologia sistemática   grudem

Qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos.

Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás também ordenou: Não matarás. Ora, se não

adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei (Tg 2.10-11).

Portanto, em termos de culpa legal, todos os pecados são igualmente maus, pois nos fazem

legalmente culpados perante Deus e nos constituem pecadores.

b. Conseqüências na vida e no relacionamento com Deus. Por outro lado, alguns pecados são

piores do que outros, pois trazem conseqüências mais danosas para nós e para os outros e, no

tocante ao nosso relacionamento pessoal com Deus Pai, provocam-lhe desprazer e geram

ruptura mais grave na nossa comunhão com ele.

As Escrituras às vezes falam de níveis de gravidade do pecado. Estando Jesus diante de

Pôncio Pilatos, disse ele: “Quem me entrega a ti maior pecado tem” (Jo 19.11). A referência é

aparentemente a Judas, que convivera com Jesus durante três anos e, no entanto,

deliberadamente o traía entregando-o à morte. Embora Pilatos tivesse autoridade sobre Jesus

em virtude do seu cargo no governo, mesmo sendo errado permitir que um homem inocente

fosse condenado à morte, o pecado de Judas era bem “maior”, provavelmente por causa do

conhecimento bem maior e da malícia associada e esse conhecimento.

5. O que acontece quando um cristão peca?

a. Nossa posição legal perante Deus fica inalterada. Embora esse assunto pudesse ser

abordado adiante, juntamente com a adoção ou a santificação dentro da vida cristã, convém

certamente abordá-lo aqui.

Quando o cristão peca, sua posição legal perante Deus permanece inalterada. Ele ainda assim

é perdoado, pois “já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). A

salvação não se baseia nos nossos méritos, mas é dádiva gratuita de Deus (Rm 6.23), e a

morte de Cristo sem dúvida nenhuma expiou todos os nossos pecados — passados, presentes

e futuros; Cristo morreu “pelos nossos pecados” (1Co 15.3), sem distinção. Em termos

teológicos, conservamos assim nossa “justificação”.2 4

b. Nossa comunhão com Deus se interrompe e nossa vida cristã se prejudica. Quando

pecamos, ainda que Deus não deixe de nos amar, ele se desgosta conosco. (Mesmo o homem

pode amar alguém e ao mesmo tempo se desgostar com esse alguém, como qualquer pai pode

confirmar, ou qualquer esposa, ou qualquer marido.) Paulo nos diz que os cristãos podem

entristecer “o Espírito de Deus” (Ef 4.30); quando pecamos, lhe causamos pesar e ele se

desgosta conosco. O autor de Hebreus nos lembra que “o Senhor corrige a quem ama” (Hb

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

108

Page 109: Teologia sistemática   grudem

12.6, citando Pv 3.11-12) e que o “Pai espiritual [...] nos disciplina para aproveitamento, a fim

de sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.9-10).

c. O perigo dos “evangélicos não convertidos”. Embora o cristão genuíno que peca não perca

a sua justificação ou adoção perante Deus (ver acima), convém deixar bem claro que a mera

associação a uma igreja evangélica, a mera conformidade exterior aos parâmetros “cristãos”

de conduta esperados, não garante a salvação. Especialmente em sociedades e culturas em que

para as pessoas é fácil (ou mesmo natural) ser cristão, existe a possibilidade real de que alguns

que na verdade não nasceram de novo entrem na igreja. Se essas pessoas acabam cada vez

mais revelando desobediência a Cristo na sua conduta, não devem se deixar iludir acreditando

que ainda contam com justificação ou adoção na família de Deus.

6. Qual é o pecado imperdoável?

Várias passagens bíblicas falam de um pecado que não será perdoado. Jesus diz Mt 12.31-32,

e Mc 3.29; cf. Lc 12.10. Essas passagens talvez falem do mesmo pecado, talvez de pecados

diferentes; para decidir, é preciso fazer um exame das passagens dentro dos seus contextos.

E. O CASTIGO DO PECADO

Embora o castigo divino do pecado funcione realmente como elemento inibidor contra novos

pecados e como alerta àqueles que o testemunham, não é essa a razão principal pela qual

Deus pune o pecado. A razão primeira é que a justiça de Deus o exige, para que ele seja

glorificado no universo que criou. Ele é o Senhor que pratica “misericórdia, juízo e justiça na

terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR” (Jr 9.24).

AS ALIANÇAS ENTRE DEUS E O HOMEM

Como Deus se relaciona com o homem? Desde a criação do mundo, o relacionamento entre

Deus e o homem tem sido definido por promessas e requisitos específicos. Deus revela às

pessoas como ele deseja que ajam e também faz promessas de como agirá com eles em várias

circunstâncias. A Bíblia contém vários tratados a respeito das provisões que definem as

diferentes formas de relacionamento entre Deus e o homem que ocorrem nas Escrituras, e

freqüentemente chama esses tratados de “alianças”. Podemos apresentar a seguinte definição

das alianças entre Deus e o homem nas Escrituras: “Uma aliança é um acordo imutável e

divinamente imposto entre Deus e o homem, que estipula as condições do relacionamento

entre as partes”.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

109

Page 110: Teologia sistemática   grudem

Apesar de esta definição incluir a palavra acordo para indicar que há duas partes, Deus e o

homem, que precisam ingressar nas provisões do relacionamento, a frase “divinamente

imposto” também é incluída para mostrar que o homem jamais pode negociar com Deus ou

alterar os termos desse acordo: ele apenas pode aceitar as obrigações da aliança ou rejeitá-las.

A. A ALIANÇA DAS OBRAS

Alguns têm questionado se é apropriado falar de uma aliança de obras entre Deus e Adão e

Eva no jardim do Éden. A própria palavra aliança não é utilizada no relato de Gênesis.

Todavia, as partes essenciais da aliança estão todas lá — uma definição clara das partes

envolvidas, um conjunto de provisões que compromete legalmente e estabelece as condições

do relacionamento, a promessa de bênçãos pela obediência e a condição para obter aquelas

bênçãos.

B. A ALIANÇA DA REDENÇÃO

Teólogos falam de outro tipo de aliança, uma aliança que não é entre Deus e o homem, mas

entre os membros da Trindade. A essa aliança chamam “a aliança da redenção”. É um acordo

entre Pai, Filho e Espírito Santo, no qual o Filho concordou em tornar-se homem, ser nosso

representante, obedecer às exigências da aliança das obras em nosso favor e pagar o preço do

pecado, que merecemos. As Escrituras ensinam de fato sua existência? Sim, pois falam de um

plano específico e do propósito de Deus como um acordo entre Pai, Filho e Espírito Santo

para obter nossa redenção.

C. A ALIANÇA DA GRAÇA

1. Elementos essenciais.

Quando o homem falhou e não conseguiu obter as bênçãos oferecidas pela aliança das obras,

foi necessário que Deus criasse um novo caminho, caminho este pelo qual o homem pudesse

ser salvo. O restante das Escrituras após o relato da queda em Gênesis 3 narra como Deus

operou na história um surpreendente plano de redenção por meio do qual pessoas

pecaminosas poderiam chegar a ter um relacionamento consigo.

2. Várias formas de aliança.

Apesar de os elementos essenciais da aliança da graça permanecerem os mesmos por toda a

história do povo de Deus, os termos específicos da aliança variam conforme a ocasião. Na

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

110

Page 111: Teologia sistemática   grudem

época de Adão e Eva havia apenas uma singela sugestão da possibilidade de um

relacionamento com Deus na promessa da semente da mulher em Gênesis 3.15 e na provisão

graciosa, da parte de Deus, de vestir Adão e Eva (Gn 3.21).

Resumo - Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.Parte 4 - As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo – p. 435 – 548

A. A HUMANIDADE DE CRISTO...................................................................31. O nascimento virginal.........................................................................................................32. Fraquezas e Limitações Humanas.......................................................................................3

a. Jesus possuía um corpo humano.....................................................................................3b. Jesus possuía uma mente humana...................................................................................3c. Jesus possuía alma humana e emoções humanas............................................................3d. As pessoas próximas de Jesus consideravam-no apenas humano..................................44. Jesus poderia ter pecado?................................................................................................45. Por que era necessário que Jesus fosse plenamente humano?........................................56. Jesus será um homem para sempre.................................................................................6

B. A DIVINDADE DE CRISTO....................................................................................................71. Alegações bíblicas diretas...............................................................................................72. Sinais de que Jesus possuía atributos de divindade........................................................83. Teria Jesus desistido de algum atributo enquanto estava na terra (a teoria da kenosis)?84. Conclusão:.......................................................................................................................85. Seria a doutrina da encarnação “compreensível” hoje?..................................................86. Por que é necessária a divindade de Jesus?....................................................................9

C.A ENCARNAÇÃO: DIVINDADE E HUMANIDADE NA ÚNICA PESSOA DE CRISTO.....................91. Três concepções inadequadas da pessoa de Cristo.......................................................102. A solução da controvérsia:............................................................................................103. Agrupamento de textos bíblicos específicos sobre a divindade e a humanidade de Cristo.................................................................................................................................10

A EXPIAÇÃO....................................................................................................12A. A CAUSA DA EXPIAÇÃO....................................................................................................12B. A NECESSIDADE DE EXPIAÇÃO..........................................................................................13C. A NATUREZA DA EXPIAÇÃO..............................................................................................13

1. A obediência de Cristo por nós (às vezes chamada “obediência ativa”)......................132. Os sofrimentos de Cristo por nós (às vezes chamados “obediência passiva”).............14

D. A AMPLITUDE DA EXPIAÇÃO............................................................................................211. Passagens bíblicas empregadas para sustentar a concepção reformada........................212. Passagens bíblicas empregadas para sustentar a concepção não-reformada (redenção geral ou expiação ilimitada)..............................................................................................213. Alguns pontos pacíficos e algumas conclusões sobre textos polêmicos.......................21

RESSURREIÇÃO E ASCENSÃO...................................................................22A. A RESSURREIÇÃO..............................................................................................................22

1. Evidências do Novo Testamento..................................................................................222. A natureza da ressurreição de Cristo............................................................................223. O Pai e o Filho participaram na ressurreição................................................................22

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

111

Page 112: Teologia sistemática   grudem

4. O significado doutrinário da ressurreição.....................................................................22B. A ASCENSÃO......................................................................................................................23

1. Cristo subiu para um lugar............................................................................................232. Cristo recebeu mais glória e honra como Deus-Homem..............................................233. Cristo assentou-se à destra de Deus (a sessão de Cristo)..............................................244. A ascensão de Cristo tem importância doutrinária para nossa vida..............................24

C. OS ESTADOS DE JESUS CRISTO..........................................................................................24

OS OFÍCIOS DE CRISTO...............................................................................24A. CRISTO COMO PROFETA....................................................................................................25B. CRISTO COMO SACERDOTE................................................................................................25

1. Jesus ofereceu um sacrifício perfeito pelo pecado........................................................252. Jesus nos aproxima continuamente de Deus.................................................................253. Como sacerdote, Jesus ora continuamente por nós.......................................................26

C. CRISTO COMO REI..............................................................................................................26D. NOSSO PAPEL COMO PROFETAS, SACERDOTES E REIS.......................................................26

A OBRA DO ESPÍRITO SANTO....................................................................26A. O ESPÍRITO SANTO DÁ PODER..........................................................................................27

1. Ele dá vida.....................................................................................................................272. Ele dá poder para o serviço...........................................................................................27

B. O ESPÍRITO SANTO PURIFICA............................................................................................27C. O ESPÍRITO SANTO REVELA..............................................................................................28

1. Revelação aos profetas e apóstolos...............................................................................282. Ele dá evidências da presença de Deus.........................................................................283. Ele guia e dirige o povo de Deus..................................................................................284. Ele proporciona uma atmosfera digna de Deus quando manifesta sua presença..........285. Ele nos dá segurança.....................................................................................................296. Ele ensina e ilumina......................................................................................................29

D. O ESPÍRITO SANTO UNIFICA.............................................................................................29E. O ESPÍRITO SANTO DÁ SINAIS MAIS FORTES OU MAIS FRACOS DA PRESENÇA E BÊNÇÃO DE DEUS, SEGUNDO NOSSA RESPOSTA A ELE........................................................................29

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

112

Page 113: Teologia sistemática   grudem

Resumo Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 4 - As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo – p. 435 - 548

Podemos resumir da seguinte maneira o ensino bíblico acerca da pessoa de Cristo: Jesus

Cristo foi plenamente Deus e plenamente homem em uma só pessoa e assim o será para

sempre.

A. A HUMANIDADE DE CRISTO1. O nascimento virginal.

Quando falamos na humanidade de Cristo, convém iniciar com uma consideração do

nascimento virginal de Cristo. As Escrituras afirmam claramente que Jesus foi concebido no

ventre de sua mãe, Maria, por obra miraculosa do Espírito Santo e sem um pai humano.

2. Fraquezas e Limitações Humanas

a. Jesus possuía um corpo humano.

O fato de que Jesus possuía um corpo humano exatamente como o nosso é visto em muitas

passagens das Escrituras. Ele nasceu assim como nascem todos os bebês humanos (Lc 2.7).

Ele passou da infância para a maturidade assim como crescem todas as outras crianças:

“Crescia o menino e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre

ele” (Lc 2.40).

b. Jesus possuía uma mente humana.

O fato de Jesus ter crescido em sabedoria (Lc 2.52) significa que ele passou por um processo

de aprendizado assim como acontece com todas as outras crianças — ele aprendeu a comer, a

falar, a ler e a escrever, e a ser obediente a seus pais (veja Hb 5.8). Esse processo normal de

aprendizado fazia parte da genuína humanidade de Cristo.

c. Jesus possuía alma humana e emoções humanas.

Vemos várias indicações de que Jesus possuía alma humana (ou espírito). Logo antes de sua

crucificação, ele disse: “Agora, está angustiada a minha alma” (Jo 12.27). João escreve um

pouco depois: “Ditas estas coisas, angustiou-se Jesus em espírito” (Jo 13.21). Em ambos os

versículos a palavra angustiar representa o termo grego tarassÜ, palavra muitas vezes

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

113

Page 114: Teologia sistemática   grudem

empregada em referência a pessoas ansiosas ou que de repente são surpreendidas por um

perigo.

d. As pessoas próximas de Jesus consideravam-no apenas humano.

Mateus registra um incidente assombroso no meio do ministério de Jesus. Ainda que Jesus

tivesse ensinado por toda a Galiléia, “curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o

povo”, de modo que “numerosas multidões o seguiam” (Mt 4.23-25), quando chegou à

própria cidade de Nazaré, o povo que o conhecia havia muitos anos não o recebeu (Mt 13.53-

58).

3. Impecabilidade. Ainda que o Novo Testamento seja claro em afirmar que Jesus era

plenamente humano exatamente como nós, também afirma que Jesus era diferente em um

aspecto importante: ele era isento de pecado e jamais cometeu um pecado durante sua vida.

Alguns objetam que se Jesus não pecou, então não era verdadeiramente humano, pois todos

os humanos pecam. Mas os que fazem tal objeção simplesmente não percebem que os seres

humanos estão agora numa situação anormal. Deus não nos criou pecaminosos, mas santos e

justos. Adão e Eva no jardim do Éden eram verdadeiramente humanos antes de pecar, e nós

agora, apesar de humanos, não nos conformamos ao padrão que Deus deseja que preenchamos

quando nossa humanidade plena, impecável, for restaurada.

4. Jesus poderia ter pecado?

Às vezes levanta-se esta questão: “Cristo podia ter pecado?” Alguns defendem a

impecabilidade de Cristo, entendendo por impecável “não sujeito a pecar”. Outros objetam

que se Jesus não fosse capaz de pecar, suas tentações não teriam sido reais, pois como uma

tentação seria real, se a pessoa que estivesse sendo tentada não fosse mesmo capaz de pecar?

Para responder a essa pergunta, precisamos distinguir, por um lado, o que as Escrituras

afirmam claramente e, por outro lado, o que é mais uma inferência de nossa parte.

(1) As Escrituras afirmam claramente que Cristo jamais pecou de fato (veja acima).

Não deve haver nenhuma dúvida a esse respeito em nossa mente.

(2) Elas também afirmam que Jesus foi tentado e que as tentações foram reais (Lc 4.2).

Se cremos na Bíblia, precisamos insistir que Cristo foi “tentado em todas as coisas,

à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15).

(3) Também precisamos afirmar com as Escrituras que “Deus não pode ser tentado

pelo mal” (Tg 1.13). Mas aqui a questão torna-se difícil: se Jesus era plenamente

Deus e também plenamente humano (e vamos argumentar adiante que as Escrituras

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

114

Page 115: Teologia sistemática   grudem

ensinam isso várias vezes e de maneira clara), então não somos obrigados também

a afirmar que (em algum sentido) Jesus também “não pode ser tentado pelo mal”?

5. Por que era necessário que Jesus fosse plenamente humano?

Quando João escreveu sua primeira epístola, circulava na igreja um ensino herético, segundo

o qual Jesus não era homem. Essa heresia tornou-se conhecida como docetismo.  Essa

negação da verdade acerca de Cristo era tão séria que João podia dizer que se tratava de uma

doutrina do anticristo: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que

Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de

Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo” (1Jo 4.2-3).

a. Para possibilitar uma obediência representativa. Conforme observamos no capítulo

acima sobre as alianças entre Deus e o homem,  Jesus era nosso representante e obedeceu

em nosso lugar naquilo que Adão falhou e desobedeceu. Vemos isso nos paralelos entre a

tentação de Jesus (Lc 4.1-13) e a ocasião da prova de Adão e Eva no jardim (Gn 2.15–

3.7). Também reflete-se claramente na discussão de Paulo sobre os paralelos entre Adão

e Cristo, na desobediência de Adão e na obediência de Cristo (Rm 5.18-19).

b. Para ser um sacrifício substitutivo. Se Jesus não tivesse sido homem, não poderia ter

morrido em nosso lugar e pago a penalidade que nos cabia. O autor de Hebreus nos diz: “Pois

ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de Abraão. Por isso

mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser

misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação

pelos pecados do povo” (Hb 2.16-17; cf. v. 14).

c. Para ser o único mediador entre Deus e os homens. Porque estávamos alienados de Deus

por causa do pecado, necessitávamos de alguém que se colocasse entre Deus e nós e nos

levasse de volta a ele. Precisávamos de um mediador que pudesse representar-nos diante de

Deus e que pudesse representar Deus para nós. Só há uma pessoa que preencheu esse

requisito: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus,

homem” (1Tm 2.5). Para cumprir essa função de mediador, Jesus tinha de ser plenamente

homem e plenamente Deus.

d. Para cumprir o propósito original do homem de dominar a criação. Como vimos em nossa

discussão sobre o propósito para o qual Deus criou o homem,  Deus colocou o ser humano

sobre a terra para subjugá-la e dominá-la como representante divino. Mas o homem não

cumpriu esse propósito, pois caiu em pecado. O autor de Hebreus percebe que Deus pretendia

que tudo fosse sujeitado ao homem, mas reconhece: “Agora, porém, ainda não vemos todas as

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

115

Page 116: Teologia sistemática   grudem

coisas a ele sujeitas” (Hb 2.8). Então, quando Jesus veio como homem, foi capaz de obedecer

a Deus e, assim, teve o direito de dominar a criação como homem, cumprindo o propósito

original de Deus ao colocar o homem sobre a terra. Hebreus reconhece isso quando diz que

agora “vemos [...] Jesus” em posição de autoridade sobre o universo, “coroado de glória e de

honra” (Hb 2.9; cf. a mesma frase no v. 7).

e. Para ser nosso exemplo e padrão na vida. João nos diz: “... aquele que diz que permanece

nele, esse deve também andar assim como ele andou” (1Jo 2.6), e nos lembra que “quando ele

se manifestar, seremos semelhantes a ele” e que essa esperança de futura conformidade com o

caráter de Cristo confere mesmo agora pureza moral cada vez maior à nossa vida (1Jo 3.2-3).

Paulo nos diz que estamos continuamente sendo “transformados [...] na sua própria imagem”

(2Co 3.18), avançando, assim, para o alvo para o qual Deus nos salvou: sermos “conformes à

imagem de seu Filho” (Rm 8.29). Pedro nos diz que, especialmente no sofrimento, temos de

considerar o exemplo de Cristo: “pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-

vos exemplo para seguirdes os seus passos” (1Pe 2.21).

f. Para ser o padrão de nosso corpo redimido. Paulo nos diz que quando Jesus ressuscitou dos

mortos, ressuscitou num novo corpo “na incorrupção [...] ressuscita em glória [...] ressuscita

em poder [...] ressuscita corpo espiritual” (1Co 15.42-44). Esse novo corpo ressurreto que

Jesus possuía quando ressurgiu dos mortos é o padrão do que será nosso corpo quando formos

ressuscitados dos mortos, porque Cristo é “as primícias” (1Co 15.23) — uma metáfora

agrícola que compara Cristo à primeira amostra da colheita, que demonstra como será o outro

fruto daquela colheita.

g. Para compadecer-se como sumo sacerdote. O autor de Hebreus lembra-nos de que “naquilo

que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hb

2.18; cf. 4.15-16). Se Jesus não tivesse existido na condição de homem, não teria sido capaz

de conhecer por experiência o que sofremos em nossas tentações e lutas nesta vida. Mas

porque viveu como homem, ele é capaz de compadecer-se mais plenamente de nós em nossas

experiências. 

6. Jesus será um homem para sempre.

Jesus não abandonou a natureza terrena após sua morte e ressurreição, pois apareceu aos

discípulos como homem após a ressurreição, até com as cicatrizes dos cravos nas mãos (Jo

20.25-27). Ele possuía carne e ossos (Lc 24.39) e comia (Lc 24.41-42). Posteriormente,

quando conversava com os discípulos, foi levado ao céu, ainda em seu corpo humano

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

116

Page 117: Teologia sistemática   grudem

ressurreto, e dois anjos prometeram que ele voltaria do mesmo modo: “Esse Jesus que dentre

vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (At 1.11).

B. A DIVINDADE DE CRISTO

Para completar o ensino bíblico acerca de Jesus Cristo, precisamos declarar não só que ele era

plenamente humano, mas também plenamente divino. Embora a palavra não ocorra de

maneira explícita na Bíblia, a igreja tem empregado o termo encarnação para referir-se ao

fato de que Jesus era Deus em carne humana. A encarnação foi o ato pelo qual Deus Filho

assumiu a natureza humana. A comprovação bíblica da divindade de Cristo é bem ampla no

Novo Testamento. Vamos examiná-la sob várias categorias.

1. Alegações bíblicas diretas.

Nesta seção, examinamos declarações diretas da Bíblia de que Jesus é Deus ou de que é

divino.

a. A palavra Deus (theos) atribuída a Cristo . Apesar de a palavra theos, “Deus”, ser em geral

reservada no Novo Testamento para Deus Pai, há algumas passagens em que é também

empregada em referência a Jesus Cristo. Em todos esses trechos, a palavra “Deus” é

empregada com um sentido denso em referência àquele que é Criador do céu e da terra, o

governante de tudo.

b. A palavra Senhor (kyrios) atribuída a Cristo . Às vezes a palavra Senhor (gr. kyrios) é

empregada simplesmente como tratamento respeitoso dispensado a um superior (veja Mt

13.27; 21.30; 27.63; Jo 4.11). Às vezes pode simplesmente significar “patrão” de um servo ou

escravo (Mt 6.24; 21.40). Ainda assim, a mesma palavra é também empregada na Septuaginta

(a tradução grega do Antigo Testamento, de uso comum na época de Cristo) como uma

tradução do hebraico yhwh, “Javé”, ou (conforme traduzido com freqüência) “o SENHOR” ou

“Jeová”.

c. Outras fortes alegações de divindade. Além dos usos da palavra Deus e Senhor em

referência a Cristo, temos outras passagens que defendem com vigor a divindade de Cristo.

Quando Jesus disse a seus opositores judeus que Abraão vira seu dia (o dia de Cristo), eles o

contestaram: “Ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão?” (Jo 8.57). Aqui uma resposta

suficiente para provar a eternidade de Jesus teria sido: “Antes que Abraão fosse, eu era”. Mas

não foi isso que Jesus disse. Antes, ele fez uma declaração muito mais estarrecedora: “Em

verdade, em verdade eu vos digo: antes que Abraão existisse, EU SOU” (Jo 8.58).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

117

Page 118: Teologia sistemática   grudem

2. Sinais de que Jesus possuía atributos de divindade.

Além das afirmações específicas da divindade de Jesus vistas nas muitas passagens citadas

acima, vemos muitos exemplos de atos na vida de Jesus que indicam seu caráter divino.

Jesus demonstrou sua onipotência quando acalmou a tempestade no mar com uma palavra

(Mt 8.26-27), multiplicou os pães e peixes (Mt 14.19) e transformou a água em vinho (Jo 2.1-

11). Alguns podem objetar, dizendo que esses milagres só mostraram o poder do Espírito

Santo agindo por intermédio dele, assim como o Espírito Santo poderia agir por meio de

qualquer outro ser humano e, assim, isso não comprova a divindade de Jesus.

3. Teria Jesus desistido de algum atributo enquanto estava na terra (a teoria da

kenosis)?

Paulo escreve aos filipenses:

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo

em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se

esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido

em figura humana... (Fp 2.5-7).

Partindo desse texto, alguns teólogos da Alemanha (a partir de 1860-1880) e da Inglaterra (a

partir de 1890-1910) passaram a defender uma idéia de encarnação que jamais fora defendida

na história da igreja. Essa nova idéia foi chamada “teoria da kenosis”, e a posição geral

representada por ela foi chamada “teologia kenótica”.

4. Conclusão:

Cristo é plenamente divino. O Novo Testamento, em centenas de versículos explícitos que

chamam Jesus de “Deus” e “Senhor” e empregam alguns outros títulos de divindade em

referência a ele, e em muitas passagens que lhe atribuem ações ou palavras aplicáveis somente

ao próprio Deus, declara repetidas vezes a divindade plena e absoluta de Jesus Cristo.

“Aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude” (Cl 1.19) e “nele, habita,

corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.9).

5. Seria a doutrina da encarnação “compreensível” hoje?

Ao longo de toda a história levantam-se objeções ao ensino neotestamentário da plena

divindade de Cristo. Um ataque recente a essa doutrina merece menção aqui por ter criado

grande controvérsia, pois os que contribuíram para o texto eram todos líderes eclesiásticos de

renome na Inglaterra. O livro era chamado The Mith of God Incarnate [o mito do Deus

encarnado], editado por John Hick (London: SCM, 1977). O título apresenta a tese do livro: a

idéia de que Jesus era “Deus encarnado” ou “Deus vindo em carne” é um “mito” — uma

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

118

Page 119: Teologia sistemática   grudem

história que talvez se adequasse à fé das gerações anteriores, mas que não merece crédito

hoje.

6. Por que é necessária a divindade de Jesus?

Na seção anterior alistamos alguns motivos pelos quais era necessário que Jesus fosse

plenamente humano para obter nossa redenção. Aqui cabe reconhecer que é também

crucialmente importante insistir na plena divindade de Cristo, não só porque ela é ensinada de

maneira clara nas Escrituras, mas também porque

(1) só alguém que fosse Deus infinito poderia arcar com toda a pena de todos os

pecados de todos os que cressem nele — qualquer criatura finita não seria capaz de

arcar com tal pena;

(2) a salvação vem do Senhor (Jn 2.9 ARC), e toda a mensagem das Escrituras é

moldada para mostrar que nenhum ser humano, nenhuma criatura, jamais

conseguiria salvar o homem — só Deus mesmo poderia; e

(3) só alguém que fosse verdadeira e plenamente Deus poderia ser o mediador entre

Deus e homem (1Tm 2.5), tanto para nos levar de volta a Deus como também para

revelar Deus de maneira mais completa a nós (Jo 14.9).

Assim, se Jesus não é plenamente Deus, não temos salvação e, por fim, nenhum cristianismo.

Não é por acaso que ao longo da história os grupos que abandonaram a crença na plena

divindade de Cristo não têm permanecido muito tempo na fé cristã, desviando-se logo para

um tipo de religião representada pelo unitarismo nos Estados Unidos e em outros lugares.

“Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que

permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho” (2Jo 9).

C.A ENCARNAÇÃO: DIVINDADE E HUMANIDADE NA ÚNICA PESSOA DE CRISTO

O ensino bíblico sobre a plena divindade e plena humanidade de Cristo é tão amplo que se

vem crendo em ambos desde os primeiros tempos da história da igreja. Mas um entendimento

preciso de como a plena divindade e a plena humanidade poderiam ser combinadas em uma

pessoa só foi formulado gradualmente na igreja e não chegou à forma final antes da Definição

de Calcedônia em 451 d.C.

1. Três concepções inadequadas da pessoa de Cristo

a. O apolinarismo. Apolinário, que se tornou bispo em Laodicéia em cerca de 361 a.C.,

ensinava que a pessoa única de Cristo possuía um corpo humano, mas não uma mente ou um

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

119

Page 120: Teologia sistemática   grudem

espírito humano, e que a mente e o espírito de Cristo provinham da natureza divina do Filho

de Deus.

b. O nestorianismo. O nestorianismo é a doutrina de que havia duas pessoas distintas em

Cristo, uma pessoa humana e outra divina, ensino diferente da idéia bíblica que vê Jesus como

uma só pessoa.

c. O monofisismo (eutiquianismo). Uma terceira concepção inadequada é chamada

monofisismo, a idéia de que Cristo possuía só uma natureza (gr. monos, “um”, e physis,

“natureza”). O primeiro defensor dessa idéia na igreja primitiva foi Êutico (c. 378-454 d.C.),

líder de um mosteiro em Constantinopla. Êutico ensinava o erro oposto do nestorianismo, pois

negava que as naturezas humana e divina em Cristo permanecessem plenamente humana e

plenamente divina.

2. A solução da controvérsia:

A Definição de Calcedônia em 451 d.C. Para tentar resolver os problemas levantados pelas

controvérsias em torno da pessoa de Cristo, convocou-se um amplo concílio eclesiástico na

cidade de Calcedônia, perto de Constantinopla (atual Istambul), realizado de 8 de outubro a

1.o de novembro de 451. A declaração resultante, chamada Definição de Calcedônia, previne

contra o apolinarismo, o nestorianismo e o eutiquianismo. Ela tem sido tomada desde então

como a definição padrão, ortodoxa, do ensino bíblico sobre a pessoa de Cristo igualmente

pelos ramos católicos, protestantes e ortodoxos do cristianismo.

3. Agrupamento de textos bíblicos específicos sobre a divindade e a humanidade de

Cristo.

Quando examinamos o Novo Testamento, conforme fizemos acima nas seções sobre a

humanidade e a divindade de Jesus, há algumas passagens que parecem difíceis de encaixar.

(Como Jesus podia ser onipotente e ainda assim fraco? Como podia deixar o mundo e ainda

estar presente em todos os lugares? Como podia aprender coisas e ainda ser onisciente?)

a. Uma natureza faz algumas coisas que a outra não faz. Teólogos evangélicos de gerações

anteriores não hesitaram em fazer distinção entre coisas feitas pela natureza humana de

Cristo, mas não pela natureza divina, ou pela natureza divina, mas não pela humana. Parece

que temos de fazer isso se quisermos reafirmar a declaração de Calcedônia de que “é

preservada a propriedade de cada natureza”. Mas poucos teólogos recentes dispõem-se a

fazer tal distinção, talvez por causa de uma hesitação em afirmar algo que não conseguimos

compreender.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

120

Page 121: Teologia sistemática   grudem

b. Tudo o que uma das naturezas faz, a pessoa de Cristo faz. Na seção anterior mencionamos

uma série de coisas feitas por uma natureza, mas não pela outra na pessoa de Cristo. Agora

precisamos afirmar que tudo o que diz respeito à natureza humana ou divina de Cristo diz

respeito à pessoa de Cristo. Assim Jesus pode dizer: “antes que Abraão existisse, EU SOU” (Jo

8.58). Ele não diz: “Antes que Abraão existisse, minha natureza humana existia”, porque ele é

livre para falar de qualquer coisa feita só por sua natureza divina ou só por sua natureza

humana como algo feito por ele.

c. Títulos que nos lembram de uma natureza podem ser empregados em referência à pessoa,

mesmo quando a ação é realizada pela outra natureza. Os autores do Novo Testamento às

vezes empregam títulos que nos lembram ou da natureza humana ou da natureza divina para

falar da pessoa de Cristo, ainda que a ação mencionada possa ter sido realizada apenas pela

outra natureza e não pela que pareça estar implicada no título. Por exemplo, Paulo diz que se

os governantes deste mundo tivessem compreendido a sabedoria de Deus, “jamais teriam

crucificado o Senhor da glória” (1Co 2.8).

d. Uma breve frase de resumo. Às vezes no estudo da teologia sistemática, a seguinte frase

tem sido empregada para resumir a encarnação: “Permanecendo o que era, tornou-se o que

não era”. Em outras palavras, enquanto Jesus “permanecia” o que era (ou seja, plenamente

divino), ele também se tornou o que não fora antes (ou seja, também plenamente humano).

Jesus não deixou nada de sua divindade quando se tornou homem, mas assumiu a humanidade

que antes não lhe pertencia.

e. A “comunicação” de atributos. Depois de decidirmos que Jesus era plenamente homem e

plenamente Deus, e que sua natureza humana permaneceu plenamente humana e sua natureza

divina permaneceu plenamente divina, podemos ainda perguntar se algumas qualidades ou

capacidades foram dadas (ou “comunicadas”) de uma natureza a outra. Parece que a resposta

é sim.

(1) Da natureza divina para a natureza humana

Ainda que a natureza humana de Jesus não tenha mudado em seu caráter essencial, porque ela

foi unida à natureza divina na pessoa única de Cristo, a natureza humana de Jesus obteve (a)

dignidade para ser cultuada e (b) incapacidade de pecar, elementos que não pertencem, de

outra maneira, aos seres humanos.

(2) Da natureza humana para a natureza divina

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

121

Page 122: Teologia sistemática   grudem

A natureza humana de Jesus lhe deu (a) a capacidade de experimentar o sofrimento e a morte;

(b) a capacidade de ser nosso sacrifício substitutivo, o que Jesus, só como Deus, não poderia

ter feito.

f. Conclusão. Ao final desta longa discussão, pode-nos ser fácil perder de vista o que de fato é

ensinado nas Escrituras. Trata-se, de longe, do milagre mais maravilhoso de toda a Bíblia —

muito mais maravilhoso que a ressurreição e até que a criação do universo. O fato de o Filho

de Deus, infinito, onipresente e eterno tornar-se homem e unir-se para sempre a uma natureza

humana, de modo que o Deus infinito se tornasse uma só pessoa com o homem finito,

permanecerá pela eternidade como o mais profundo milagre e o mais profundo mistério em

todo o universo.

A EXPIAÇÃOPodemos definir a expiação como segue: expiação é a obra que Cristo realizou em sua vida e

morte para obter nossa salvação. Essa definição indica que usamos a palavra expiação num

sentido mais amplo em que às vezes é utilizada. Ela é empregada de vez em quando para se

referir apenas ao fato de Jesus morrer e pagar nossos pecados na cruz. 

A. A CAUSA DA EXPIAÇÃO

Qual foi a causa última que levou Cristo a vir para este mundo e morrer pelos nossos

pecados? Para encontrá-la, devemos pesquisar o assunto em alguma coisa no caráter do

próprio Deus. E aqui as Escrituras apontam para duas coisas: o amor e a justiça de Deus.

O amor de Deus como uma das causas da expiação é descrito na passagem mais conhecida da

Bíblia: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que

todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Mas a justiça de Deus

também exigia que ele encontrasse um meio pelo qual a pena pelos nossos pecados fosse paga

(pois ele não podia aceitar-nos em comunhão consigo mesmo a menos que a penalidade fosse

paga).

B. A NECESSIDADE DE EXPIAÇÃO

Havia alguma outra maneira de Deus salvar os seres humanos além de enviar seu Filho para

morrer em nosso lugar?

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

122

Page 123: Teologia sistemática   grudem

Antes de responder a essa pergunta, é importante entender que Deus não tinha nenhuma

necessidade de salvar ninguém. Quando nos conscientizamos de que “Deus não poupou anjos

quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, os entregou a abismos de trevas,

reservando-os para juízo” (2Pe 2.4), percebemos que Deus poderia também ter escolhido com

perfeita justiça deixar-nos em nossos pecados, esperando o julgamento; ele poderia ter

escolhido não salvar ninguém, assim como fez com os anjos pecaminosos. Assim, nesse

sentido a expiação não era absolutamente necessária.

C. A NATUREZA DA EXPIAÇÃO

Nesta seção, considero dois aspectos da obra de Cristo: (1) a obediência de Cristo por nós,

pela qual obedeceu às exigências da lei em nosso lugar e foi perfeitamente obediente à

vontade de Deus Pai como nosso representante, e (2) os sofrimentos de Cristo por nós, pelos

quais recebeu o castigo pelos nossos pecados e, em conseqüência, morreu pelos nossos

pecados.

1. A obediência de Cristo por nós (às vezes chamada “obediência ativa”).

Se Cristo tivesse conseguido só o perdão dos pecados por nós, não mereceríamos o céu. Nossa

culpa teria sido removida, mas estaríamos simplesmente na posição de Adão e Eva antes de

terem feito qualquer coisa boa ou má e antes de terem passado um tempo de provação com

sucesso. Para serem estabelecidos em justiça para sempre e ter assegurada a sua eterna

comunhão com Deus, Adão e Eva tinham de obedecer a Deus de modo perfeito por um

período de tempo. Então, Deus teria olhado para sua obediência fiel com prazer e deleite, e

eles teriam vivido em comunhão com o Senhor para sempre.

2. Os sofrimentos de Cristo por nós (às vezes chamados “obediência passiva”).

Além de obedecer à lei de modo perfeito por toda a sua vida em nosso favor, Cristo tomou

também sobre si mesmo os sofrimentos necessários para pagar a penalidade pelos nossos

pecados.

a. Sofrimento por toda a sua vida. Num sentido mais amplo a pena que Cristo suportou ao

pagar nossos pecados foi um sofrimento tanto em seu corpo como em sua alma ao longo da

vida. Embora os sofrimentos de Cristo tenham culminado em sua morte sobre a cruz (veja

abaixo), toda a sua vida num mundo caído envolveu sofrimento. Por exemplo, Jesus suportou

tremendo sofrimento durante a tentação no deserto (Mt 4.1-11), quando foi submetido por

quarenta dias aos ataques de Satanás.5 

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

123

Page 124: Teologia sistemática   grudem

b. A dor da cruz. Os sofrimentos de Jesus se intensificaram à medida que ele se aproximava

da cruz. Ele compartilhou com os discípulos algo da agonia que estava vivendo quando disse:

“A minha alma está profundamente triste até à morte” (Mt 26.38). Foi especialmente sobre a

cruz que os sofrimentos de Jesus por nós atingiram seu clímax, pois foi ali que ele suportou o

castigo pelo nosso pecado e morreu em nosso lugar. As Escrituras nos ensinam que havia

quatro diferentes aspectos da dor que Jesus experimentou:

(1) Dor física e morte

Não precisamos sustentar que Jesus sofreu mais dor física do que qualquer ser humano

jamais sofreu, pois em nenhuma passagem a Bíblia faz tal alegação. Mas ainda não

podemos esquecer que a morte por crucificação era uma das formas mais horríveis de

execução que o homem já inventou..

(2) A dor de carregar o pecado

Mais horrível que a dor do sofrimento físico que Jesus suportou foi a dor psicológica de

carregar a culpa pelo nosso pecado. Em nossa própria experiência como cristãos conhecemos

um pouco da angústia que sentimos quando sabemos que pecamos. O peso da culpa nos

oprime o coração, e há um amargo sentimento de separação de tudo que é correto no universo,

uma consciência de algo que num sentido bem profundo não devia existir. Na verdade, quanto

mais crescemos em santidade como filhos de Deus, sentimos de modo mais intenso essa

repugnância instintiva diante do mal.

(3) Abandono

A dor física da crucificação e a dor de carregar sobre si mesmo o mal absoluto de nossos

pecados foram agravadas pelo fato de Jesus ter enfrentado essa dor sozinho. No Getsêmani,

quando Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João, confidenciou-lhes um pouco de sua agonia:

“A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai” (Mc 14.34). Esse é o

tipo de confidência que se faz a um amigo íntimo e implica um pedido de apoio em sua hora

da maior provação. Porém, quando Jesus foi preso, “os discípulos todos, deixando-o, fugiram”

(Mt 26.56).

(4) A dor de suportar a ira de Deus

Mais difícil ainda que esses três aspectos da dor de Jesus foi a dor de suportar sobre si a ira de

Deus. Como Jesus carregava sozinho a culpa de nossos pecados, Deus Pai, o poderoso

Criador, o Senhor do universo, derramou sobre ele a fúria de sua ira: Jesus se tornou objeto do

intenso ódio e da vingança contra o pecado que Deus tinha guardado com paciência desde o

início do mundo.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

124

Page 125: Teologia sistemática   grudem

c. Outras reflexões sobre a morte de Cristo

(1) O castigo foi infligido por Deus Pai

Se perguntarmos “Quem exigiu que Cristo pagasse a pena pelos nossos pecados?”, a resposta

dada pelas Escrituras é que o castigo foi aplicado por Deus Pai como representante dos

interesses da Trindade na redenção. Foi a justiça de Deus que exigiu que o pecado fosse pago,

e, entre os membros da Trindade, era Deus Pai quem tinha o papel de exigir esse pagamento.

Deus Filho voluntariamente assumiu o papel de suportar o castigo pelo pecado.

(2) Não um sofrimento eterno, mas um pagamento integral

Se tivéssemos de pagar a pena de nossos próprios pecados, teríamos de sofrer eternamente

separados de Deus.  Porém, Jesus não sofreu eternamente. Existem duas razões para essa

diferença:

(a) Se sofrêssemos pelos nossos próprios pecados, nunca seríamos capazes de nos

colocar novamente em condição correta com Deus por nós mesmos. Não haveria

nenhuma esperança, pois não poderíamos viver de novo e conseguir justiça perfeita

diante de Deus, e não haveria nenhum modo de desfazer nossa natureza pecaminosa

e torná-la justa diante de Deus.

(b) Jesus era capaz de receber toda a ira de Deus contra nosso pecado e sofrê-la até o

fim. Nenhum homem comum poderia jamais fazer isso, mas em virtude da união

das naturezas divina e humana em sua pessoa, Jesus era capaz de receber toda a ira

de Deus contra o pecado e sofrê-la até o fim. Isaías predisse que Deus “verá o fruto

do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito” (Is 53.11).

(3) O significado do sangue de Cristo

O Novo Testamento muitas vezes liga o sangue de Cristo com nossa redenção. Por exemplo,

Pedro diz: “... sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que

fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso

sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1Pe 1.18-19).

(4) A morte de Cristo como “substituição penal”

A concepção da morte de Cristo apresentada aqui tem sido chamada com freqüência a teoria

da “substituição penal”. A morte de Cristo foi “penal” pelo fato de ter ele cumprido uma pena

quando morreu. Sua morte foi também uma “substituição” pelo fato de ter ele sido nosso

substituto quando morreu.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

125

Page 126: Teologia sistemática   grudem

d. Termos do Novo Testamento que descrevem diferentes aspectos da expiação. A obra

expiatória de Cristo é um evento complexo que tem vários efeitos sobre nós. O Novo

Testamento usa diferentes palavras para descrevê-los; vamos examinar quatro termos mais

importantes. Eles mostram como a morte de Cristo atendeu a quatro necessidades que temos

como pecadores:

(1) Sacrifício

Para pagar a pena de morte que merecemos por causa de nossos pecados, Cristo morreu como

sacrifício por nós. Ele “se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si

mesmo, o pecado” (Hb 9.26).

(2) Propiciação

Para nos livrar da ira de Deus que merecemos, Cristo morreu como propiciação pelos nossos

pecados. “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele

nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 4.10).

(3) Reconciliação

Para vencer a nossa separação de Deus, precisávamos de alguém que proporcionasse

reconciliação e dessa forma nos trouxesse de volta à comunhão com Deus. Paulo diz que

Deus “nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da

reconciliação” (2Co 5.18-19).

(4) Redenção

Uma vez que como pecadores estamos escravizados ao pecado e a Satanás, precisamos de

alguém que nos proporcione redenção e, dessa forma, nos “redima” de nossa servidão.

Quando falamos em redenção, entra em foco a idéia de “resgate”. Resgate é o preço pago para

redimir alguém da escravidão ou cativeiro. Jesus disse de si mesmo: “Pois o próprio Filho do

Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”

(Mc 10.45).

e. Outras concepções da expiação. Em contraste com a concepção da substituição penal da

expiação apresentada neste capítulo, vários outros pontos de vista têm sido defendidos na

história da igreja.

(1) A teoria do resgate pago a Satanás

Essa visão foi sustentada por Orígenes (c. 185 – c. 254 d.C.), teólogo de Alexandria e mais

tarde de Cesaréia, e depois dele por alguns outros na história antiga da igreja. De acordo com

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

126

Page 127: Teologia sistemática   grudem

esse ponto de vista, o resgate que Cristo pagou para nos redimir foi dado a Satanás, em cujo

reino se encontravam todas as pessoas devido ao pecado.

(2) A teoria da influência moral

Defendida pela primeira vez por Pedro Abelardo (1079-1142), teólogo francês, a teoria da

influência moral da expiação sustenta que Deus não exige o pagamento de um castigo pelo

pecado, mas que a morte de Cristo era simplesmente um modo pelo qual Deus mostrou o

quanto amava os seres humanos ao identificar-se, até a morte, com os sofrimentos deles. A

morte de Cristo, portanto, torna-se um grande exemplo didático que mostra o amor de Deus

por nós, amor que nos extrai uma resposta agradecida, de modo que somos perdoados ao amá-

lo.

(3) A teoria do exemplo

A teoria do exemplo da expiação foi ensinada pelos socinianos, seguidores de Fausto Socino

(1539-1604), teólogo italiano que se estabeleceu na Polônia em 1578 e atraiu grande número

de adeptos. A teoria do exemplo, à semelhança da teoria da influência moral, também nega

que a justiça de Deus exija castigo pelo pecado; diz que a morte de Cristo simplesmente nos

provê de exemplo de como devemos confiar em Deus e obedecer-lhe de modo perfeito,

mesmo que essa confiança e obediência nos levem a uma morte horrível.

(4) A teoria governamental

A teoria governamental da expiação foi ensinada pela primeira vez por um teólogo e jurista

holandês, Hugo Grotius (1583-1645). Essa teoria sustenta que Deus não tinha realmente de

exigir castigo pelo pecado, mas, uma vez que ele era Deus onipotente, poderia deixar de lado

essa exigência e simplesmente perdoar os pecados sem o pagamento de uma pena. Nesse

caso, qual foi o propósito da morte de Cristo? Foi a demonstração divina do fato de que suas

leis foram infringidas, que ele é o legislador moral e governador do universo e que alguma

espécie de pena seria exigida sempre que suas leis fossem infringidas. Dessa forma, Cristo

não paga a pena exatamente pelos pecados concretos de alguém, mas apenas sofreu para

mostrar que quando as leis de Deus são quebradas alguma espécie de pena deve ser paga.

De novo, o problema com essa visão é que ela falha em explicar de modo adequado todas as

passagens bíblicas que falam em Cristo carregando nossos pecados sobre a cruz, em Deus

lançando sobre Cristo a iniqüidade de nós todos, em Cristo morrendo especificamente pelos

nossos pecados e em Cristo sendo a propiciação pelos nossos pecados. Além disso, ela retira o

caráter objetivo da expiação por tornar o seu propósito não a satisfação da justiça de Deus,

mas apenas a influência sobre nós a fim de nos fazer perceber que Deus tem leis que devem

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

127

Page 128: Teologia sistemática   grudem

ser guardadas. Essa concepção implica também que não podemos confiar de modo correto na

obra completa de Cristo quanto ao perdão dos pecados, pois de fato não foram pagos por ele.

Além do mais, ela faz com que a conquista efetiva do perdão por nós seja algo que aconteceu

na mente do próprio Deus à parte da morte de Cristo sobre a cruz — ele já tinha decidido nos

perdoar sem exigir de nós nenhum castigo e então puniu Cristo apenas para demonstrar que

ainda era o governador moral do universo. Mas isso significa que Cristo (segundo esse ponto

de vista) não conquistou de fato o perdão por nós, e assim o valor de sua obra redentora é

reduzido de maneira drástica. Por fim, essa teoria não explica de maneira adequada a

imutabilidade de Deus e a infinita pureza de sua justiça. Dizer que Deus pode perdoar pecados

sem exigir nenhum castigo (a despeito do fato de que através das Escrituras o pecado sempre

requer o cumprimento de uma pena) é subestimar seriamente o caráter absoluto da justiça de

Deus.

f. Teria Cristo descido ao inferno? Argumenta-se às vezes que Cristo desceu ao inferno depois

de morrer. A frase “desceu ao inferno” não aparece na Bíblia. Mas o Credo Apostólico,

amplamente usado, diz: “foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno; e ao terceiro

dia ressurgiu dos mortos”. Isso significa que Cristo suportou mais sofrimentos após sua morte

na cruz? Como veremos abaixo, um exame dos indícios bíblicos indica que não. Mas antes de

examinar os textos bíblicos relevantes, deve-se analisar a frase “desceu ao inferno” do Credo

Apostólico.

(1) A origem da frase “desceu ao inferno”

Antecedentes obscuros encontram-se por trás de grande parte da história da frase em si. Suas

origens, quando podem ser identificadas, estão bem longe de serem louváveis. O grande

historiador eclesiástico Philip Schaff resumiu o desenvolvimento do Credo Apostólico num

extenso diagrama, parte do qual reproduzimos nas p. 486-488. 

(2) Possível apoio bíblico para a descida ao inferno

O apoio para a idéia de que Cristo desceu ao inferno encontra-se principalmente em cinco

passagens: Atos 2.27; Romanos 10.6-7; Efésios 4.8-9; 1Pedro 3.18-20 e 1Pedro 4.6. (Tem-se

recorrido também a poucas outras passagens, mas de maneira menos convincente.). Numa

análise mais detida, será que alguma dessas passagens sustenta claramente esse ensino?

(a) Atos 2.27. Isso faz parte do sermão de Pedro no dia de Pentecostes, onde ele cita Salmos

16.10. Na versão King James, o versículo diz: “porque não deixarás a minha alma no inferno,

nem permitirás que o teu Santo veja corrupção”.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

128

Page 129: Teologia sistemática   grudem

(b) Romanos 10.6-7. Esses versículos contêm duas perguntas retóricas, de novo citações do

Antigo Testamento (de Dt 30.13): “Quem subirá ao céu?, isto é, para trazer do alto a Cristo;

ou: Quem descerá ao abismo?, isto é, para levantar Cristo dentre os mortos”.

(c) Efésios 4.8-9. Aqui Paulo escreve: “... que quer dizer subiu, senão que também havia

descido às regiões inferiores da terra?” Isso significa que Cristo “desceu” ao inferno? À

primeira vista não fica claro o que significa “às regiões inferiores da terra”, mas outra

tradução parece dar o melhor sentido: “Que quer dizer ‘ele subiu’, senão que também desceu

às regiões terrenas inferiores?”

(d) 1Pedro 3.18-20. Para muitos, essa é a passagem mais intrigante em todo o assunto. Pedro

diz que Cristo foi “morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual também foi e

pregou aos espíritos em prisão, os quais, noutro tempo, foram desobedientes quando a

longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca”.

Isso falaria de Cristo pregando no inferno?

Alguns entendem que “foi e pregou aos espíritos em prisão” significa que Cristo foi ao

inferno e pregou aos espíritos que ali estavam — ou proclamando o evangelho e oferecendo

uma segunda oportunidade de arrependimento, ou só proclamando que havia triunfado sobre

eles e que estavam eternamente condenados.

Isso falaria de Cristo pregando a anjos decaídos?

Para dar uma explicação melhor a essas dificuldades, alguns comentaristas propõem que se

entenda “espíritos em prisão” como espíritos demoníacos, os espíritos dos anjos decaídos,

dizendo que Cristo proclamou condenação a esses demônios. Isso (alegam) consolaria os

leitores de Pedro, mostrando-lhes que as forças demoníacas que os oprimiam também seriam

derrotadas por Cristo.

Isso falaria de Cristo proclamando libertação aos santos do Antigo Testamento?

Outra explicação é que Cristo, após sua morte, foi proclamar libertação aos crentes do Antigo

Testamento que não tinham conseguido entrar no céu antes que se completasse a obra

redentora de Cristo.

Uma explicação mais satisfatória

A explicação mais satisfatória de 1Pedro 3.19-20 parece aquela proposta (mas não de fato

defendida) por Agostinho: a passagem refere-se não a algo que Cristo fez entre sua morte e

ressurreição, mas ao que fez “no âmbito espiritual da existência” (ou “pelo Espírito”) nos dias

de Noé. Quando Noé estava construindo a arca, Cristo “em espírito” estava pregando por

meio de Noé aos incrédulos hostis em torno dele.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

129

Page 130: Teologia sistemática   grudem

(3) Oposições bíblicas a uma descida ao inferno

Acrescentando-se ao fato de haver pouco ou nenhum apoio bíblico para a descida de Cristo ao

inferno, há alguns textos do Novo Testamento que argumentam contra a possibilidade de

Cristo ter ido ao inferno após sua morte.

As palavras de Jesus ao ladrão na cruz: “hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43),

implicam que depois de sua morte, a alma (ou espírito) de Jesus foi imediatamente à presença

do Pai no céu, ainda que seu corpo permanecesse sobre a terra, sendo sepultado.

(4) Conclusão a respeito do Credo Apostólico e da questão da possível descida de Cristo ao

inferno

Será que a frase “desceu ao inferno” merece ser mantida no Credo Apostólico, junta-mente

com as grandes doutrinas da fé com que todos concordamos? O único argumento em seu

favor parece o fato de estar ali há muito tempo. Mas um erro antigo continua sendo um erro

— e durante todo o tempo em que ali tem estado, tem trazido confusão e desavenças quanto

ao seu significado.

D. A AMPLITUDE DA EXPIAÇÃO

Uma das diferenças entre teólogos reformados e outros teólogos católicos e protestantes tem

sido a questão da amplitude da expiação. A questão pode ser colocada da seguinte maneira:

quando Cristo morreu, pagou os pecados de toda a raça humana ou só os pecados dos que, ele

sabia, seriam por fim salvos?

1. Passagens bíblicas empregadas para sustentar a concepção reformada.

Algumas passagens das Escrituras falam do fato de que Cristo morreu por seu povo. “Eu sou

o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10.11). “Dou a minha vida pelas

ovelhas” (Jo 10.15). Paulo fala da “igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio

sangue” (At 20.28). Ele também diz: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por

todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” (Rm

8.32).

2. Passagens bíblicas empregadas para sustentar a concepção não-reformada (redenção

geral ou expiação ilimitada).

Algumas passagens das Escrituras indicam que em algum sentido Cristo morreu por todo o

mundo. João Batista disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). E

João 3.16 nos diz que “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito,

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

130

Page 131: Teologia sistemática   grudem

para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Jesus disse: “O pão que eu

darei pela vida do mundo é a minha carne” (Jo 6.51).

3. Alguns pontos pacíficos e algumas conclusões sobre textos polêmicos.

Seria bom primeiro alistar os pontos sobre os quais ambos os lados concordam:

1. Nem todos serão salvos.

2. É correto que se ofereça gratuitamente o evangelho a todas as pessoas. É

completamente verdadeiro que “quem desejar” pode chegar a Cristo e obter a salvação, e

ninguém que chegar a ele será lançado fora. Essa oferta gratuita do evangelho é estendida em

boa fé para todas as pessoas.

3. Todos concordam que a própria morte de Cristo, por ser ele o infinito Filho de Deus,

possui mérito infinito, sendo em si suficiente para pagar a penalidade dos pecados dos muitos

ou dos poucos que o Pai e o Filho decretaram. A questão não está nos méritos intrínsecos dos

sofrimentos e da morte de Cristo, mas no número de pessoas pelas quais o Pai e o Filho

entenderam, no momento da morte de Cristo, que sua morte seria pagamento suficiente.

4. Pontos de esclarecimento e cautela a respeito dessa doutrina. É importante expor alguns

pontos de esclarecimento e também algumas áreas em que podemos objetar com justiça contra

a maneira pela qual alguns defensores da redenção particular expressam seus argumentos. É

também importante perguntar as implicações pastorais desse ensino.

RESSURREIÇÃO E ASCENSÃOA. A RESSURREIÇÃO

1. Evidências do Novo Testamento.

Os evangelhos contêm testemunho abundante da ressurreição de Cristo (veja Mt 28.1-20;

Marcos 16.1-8; Lucas 24.1-53; João 20.1-21.25). Além dessas narrativas detalhadas nos

quatro evangelhos, o livro de Atos é um relato histórico da proclamação que os apóstolos

fizeram da ressurreição de Cristo, da contínua oração a ele dirigida e da confiança nele como

aquele que está vivo e reinando no céu.

2. A natureza da ressurreição de Cristo.

A ressurreição de Cristo não foi simples-mente um retorno da morte, à semelhança daquela

experimentada por outros antes dele, como Lázaro (João 11.1-44), porque senão Jesus teria se

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

131

Page 132: Teologia sistemática   grudem

submetido à fraqueza e ao envelhecimento, e por fim teria morrido outra vez, exatamente

como todos os outros seres humanos morrem.

3. O Pai e o Filho participaram na ressurreição.

Alguns textos afirmam especificamente que Deus Pai ressuscitou Cristo dentre os mortos

(Atos 2.24; Rm 6.4; 1Co 6.14; Gl 1.1; Ef 1.20), mas outros textos falam de Jesus participando

na sua própria ressurreição. Jesus diz: “Por isso é que meu Pai me ama, porque eu dou a

minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou por minha espontânea

vontade. Tenho autoridade para dá-la e para retomá-la.

4. O significado doutrinário da ressurreição

a. A ressurreição de Cristo assegura nossa regeneração. Pedro diz que Deus “nos regenerou

para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1Pe 1.3).

Aqui ele associa explicitamente a ressurreição de Jesus com a nossa própria regeneração ou

novo nascimento.

b. A ressurreição de Cristo assegura nossa justificação. Em apenas uma passagem Paulo

associa explicitamente a ressurreição de Cristo com a nossa justificação (ou o nosso

recebimento da declaração de que não somos culpados, mas retos diante de Deus).  Paulo diz

que Jesus “foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa

justificação” (Rm 4.25).

c. A ressurreição de Cristo assegura-nos de que iremos receber igualmente corpos ressurretos

perfeitos. O Novo Testamento associa várias vezes a ressurreição de Jesus com nossa

ressurreição corpórea final. “Deus ressuscitou o Senhor e também nos ressuscitará a nós pelo

seu poder” (1Co 6.14). Semelhantemente, “aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos

ressuscitará com Jesus e nos apresentará convosco” (2Co 4.14). Mas a discussão mais

completa da associação entre a ressurreição de Cristo e a nossa própria acha-se em 1Coríntios

15.12-58. Ali Paulo afirma que Cristo é “as primícias” dos que dormem (1Co 15.20).

5. O sentido ético da ressurreição. Paulo também observa que a ressurreição tem uma

aplicação relacionada à obediência a Deus nesta vida. Após uma longa discussão a respeito da

ressurreição, Paulo conclui encorajando seus leitores: “Portanto, meus amados irmãos, sede

firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso

trabalho não é vão” (1Co 15.58).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

132

Page 133: Teologia sistemática   grudem

B. A ASCENSÃO

1. Cristo subiu para um lugar.

Após a ressurreição de Cristo, ele esteve na terra por quarenta dias (Atos 1.3) e depois

conduziu os discípulos para Betânia, fora de Jerusalém, e “erguendo as mãos, os abençoou.

Aconteceu que, enquanto os abençoava, ia-se retirando deles, sendo elevado para o céu” (Lc

24.50).

2. Cristo recebeu mais glória e honra como Deus-Homem.

Quando Jesus subiu ao céu recebeu glória, honra e autoridade que não tinha antes, enquanto

era Deus e homem. Antes de sua morte, Jesus orou: “... glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo,

com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo” (João 17.5). Em seu sermão

em Pentecostes Pedro disse que Jesus fora exaltado à destra de Deus (Atos 2.33). Paulo

declarou que Deus o exaltou grandemente (Fp 2.9), e que fora recebido em glória (1Tm 3.16;

cf. Hb 1.4). Cristo está agora no céu, e coros angelicais cantam-lhe louvor com as palavras:

“Digno é o cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra,

e glória, e louvor” (Ap 5.12).

3. Cristo assentou-se à destra de Deus (a sessão de Cristo).

Um aspecto específico de Cristo ter subido para o céu e recebido honra é o fato de que ele

assentou-se à destra de Deus. Isso é às vezes chamado sua sessão à destra de Deus.

O Antigo Testamento predisse que o Messias sentar-se-ia à direita de Deus: “Disse o SENHOR

ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus

pés” (Sl 110.1). Quando Cristo ascendeu de volta ao céu ele recebeu o cumprimento daquela

promessa: “... depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da

Majestade, nas alturas” (Hb 1.3).

4. A ascensão de Cristo tem importância doutrinária para nossa vida.

Assim como a ressurreição tem implicações profundas para a nossa vida, do mesmo modo a

ascensão de Cristo tem implicações significativas. Em primeiro lugar, visto que estamos

unidos a Cristo em cada aspecto da obra de redenção, a ascensão de Cristo ao céu prefigura

nossa ascensão futura com ele. “Nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados

juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos

para sempre com o Senhor” (1Ts 4.17).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

133

Page 134: Teologia sistemática   grudem

C. OS ESTADOS DE JESUS CRISTO

Ao comentar sobre a vida, a morte e a ressurreição de Cristo, os teólogos muitas vezes aludem

aos “estados de Jesus Cristo”. Com isso eles se referem às diferentes relações que Jesus

mantinha com a lei de Deus para a humanidade, com a posse de autoridade e com a honra que

se lhe deve. De forma geral distinguem-se dois estados (humilhação e exaltação). Assim, a

doutrina do “estado duplo de Cristo” é o ensino de que ele experimentou primeiramente o

estado de humilhação para depois passar ao estado de exaltação.

OS OFÍCIOS DE CRISTOOs três cargos mais importantes que poderiam existir para o povo de Israel no Antigo

Testamento eram: o profeta (como Natã, 2Sm 7.2), o sacerdote (como Abiatar, 1Sm 30.7) e o

rei (como Davi, 2Sm 5.3). Esses três ofícios eram distintos. O profeta falava as palavras de

Deus ao povo; o sacerdote oferecia sacrifícios, orações e louvores a Deus em favor do povo; e

o rei governava o povo como representante de Deus. Esses três ofícios prefiguravam a própria

obra de Cristo de várias maneiras.

A. CRISTO COMO PROFETA

Os profetas do Antigo Testamento transmitiam a palavra de Deus ao povo. Moisés foi o

primeiro grande profeta e escreveu os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco. Depois

vieram outros que falaram e escreveram as palavras de Deus. Mas Moisés predisse que um dia

viria outro profeta como ele.

B. CRISTO COMO SACERDOTE

No Antigo Testamento, os sacerdotes eram designados por Deus para oferecer sacrifícios.

Eles também ofereciam orações e louvores a Deus em favor do povo. Ao agir assim

“santificavam” as pessoas, ou tornavam-nas aceitáveis à presença de Deus, se bem que de

forma limitada durante o período do Antigo Testamento. No Novo Testamento, Jesus tornou-

se nosso grande sumo sacerdote. Esse tema é bem desenvolvido na carta aos Hebreus, na qual

vemos que Jesus atua como sacerdote de duas maneiras.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

134

Page 135: Teologia sistemática   grudem

1. Jesus ofereceu um sacrifício perfeito pelo pecado.

O sacrifício que Jesus ofereceu pelos pecados não foi o sangue de animais como touros ou

bodes: “... porque é impossível que o sangue de touros e bodes remova pecados” (Hb 10.4).

Em vez disso, Jesus ofereceu a si mesmo como sacrifício perfeito: “... ao se cumprirem os

tempos, se manifestou uma vez por todas, para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o

pecado” (Hb 9.26).

2. Jesus nos aproxima continuamente de Deus.

Os sacerdotes do Antigo Testamento não apenas apresentavam sacrifícios, mas também

compareciam de modo representativo na presença de Deus, de tempos em tempos, em favor

do povo. Mas Jesus faz muito mais do que isso. Como nosso perfeito sumo sacerdote, ele

continuamente nos conduz à presença de Deus, de forma que não temos mais a necessidade de

um templo em Jerusalém nem de um sacerdócio especial que se coloque entre nós e Deus.

3. Como sacerdote, Jesus ora continuamente por nós.

Outra função sacerdotal no Antigo Testamento era orar a favor das pessoas. O autor de

Hebreus nos diz que Jesus também cumpre essa função: “... também pode salvar totalmente os

que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7.25). Paulo

afirma a mesma coisa quando diz que Cristo Jesus é aquele que intercede por nós (Rm 8.34).

C. CRISTO COMO REI

No Antigo Testamento o rei tinha autoridade para governar a nação de Israel. No Novo

Testamento, Jesus nasceu para ser o Rei dos judeus (Mt 2.2), mas recusou todas as tentativas

feitas pelo povo para fazê-lo um rei terreno com um poder militar e político terreno (Jo 6.15).

Ele disse a Pilatos: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os

meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas

agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36).

D. NOSSO PAPEL COMO PROFETAS, SACERDOTES E REIS

Se olharmos para a situação de Adão antes da queda e para a nossa situação futura com Cristo

no céu por toda a eternidade, poderemos ver que esses papéis de profeta, sacerdote e rei têm

paralelo com a experiência que Deus originariamente pretendia que o homem tivesse e serão

cumpridos na nossa vida no céu.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

135

Page 136: Teologia sistemática   grudem

A OBRA DO ESPÍRITO SANTONos capítulos anteriores discutimos de forma razoavelmente minuciosa a pessoa e a obra de

Deus Pai e, mais recentemente, a pessoa e a obra de Deus Filho, Jesus Cristo. Examinamos

também as provas bíblicas da divindade e da personalidade distinta do Espírito Santo

(associada à doutrina da Trindade). Penso ser oportuno agora neste capítulo focalizar a obra

distintiva do Espírito Santo. Entre as diferentes atividades dos membros da Trindade, quais

são apresentadas especialmente como obras de Deus Espírito Santo?

A. O ESPÍRITO SANTO DÁ PODER

1. Ele dá vida.

No domínio da natureza, é papel do Espírito Santo dar vida a todas as criaturas animadas na

terra, no céu ou no mar, como está escrito: “Envias o teu Espírito, eles são criados” (Sl

104.30). E no sentido inverso, se Deus “para si recolhesse o seu espírito e o seu sopro, toda a

carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o pó” (Jó 34.14-15). Vemos aqui o papel

do Espírito Santo dando e sustentando a vida humana e animal.

2. Ele dá poder para o serviço

a. Antigo Testamento. No Antigo Testamento, o Espírito Santo muitas vezes capacita pessoas

para serviço especial. Ele capacitou Josué com habilidades de liderança e sabedoria (Nm

27.18; Dt 34.9), e deu poder aos juízes para libertar Israel de seus opressores (observe como o

Espírito do Senhor “veio sobre” Otoniel em Jz 3.10, Gideão em 6.34, Jefté em 11.29 e Sansão

em 13.25; 14.6, 19; 15.14). O Espírito Santo veio poderosamente sobre Saul a fim de levantá-

lo para a batalha contra os inimigos de Israel (1Sm 11.6), e quando Davi foi ungido rei, “o

Espírito do Senhor se apossou” dele daquele dia em diante (1Sm 16.13), capacitando-o para

cumprir a tarefa de realeza para a qual Deus o havia chamado. 

b. Novo Testamento. A obra capacitadora do Espírito Santo no Novo Testamento é vista

primeiro e de modo pleno na unção e capacitação de Jesus como o Messias. O Espírito Santo

desceu sobre Jesus por ocasião do seu batismo (Mt 3.16; Mc 1.11; Lc 3.22). João Batista

disse: “Vi o Espírito descer do céu como pomba e pousar sobre ele” (Jo 1.32). Portanto, Jesus

foi para a tentação no deserto “cheio do Espírito Santo” (Lc 4.1); e depois de sua tentação, no

início de seu ministério, “Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia” (Lc 4.14).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

136

Page 137: Teologia sistemática   grudem

B. O ESPÍRITO SANTO PURIFICA

Uma vez que esse membro da Trindade é chamado Espírito Santo, não surpreende que uma de

suas principais atividades seja purificar-nos do pecado e “santificar-nos” ou tornar-nos mais

santos na conduta prática. Mesmo na vida de incrédulos há alguma influência restritiva do

Espírito Santo uma vez que ele convence o mundo do pecado (Jo 16.8-11; At 7.51).

C. O ESPÍRITO SANTO REVELA

1. Revelação aos profetas e apóstolos.

No capítulo 4 discutimos de modo bem detalhado a obra do Espírito Santo revelando as

palavras de Deus aos profetas do Antigo Testamento e aos apóstolos do Novo Testamento, em

muitos casos de tal maneira que elas podiam ser colocadas literalmente nas Escrituras (veja,

por exemplo, Nm 24.2; Ez 11.5; Zc 7.12; et al.). A totalidade das Escrituras do Antigo

Testamento veio à lume porque “homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito

Santo” (2Pe 1.21, NVI).

2. Ele dá evidências da presença de Deus.

Às vezes se afirma que a obra do Espírito Santo não é chamar atenção para si mesmo, mas

antes dar glória a Jesus e a Deus Pai. Porém isso parece uma falsa dicotomia, não sustentada

pelas Escrituras. É evidente que o Espírito Santo glorifica a Jesus (Jo 16.14) e dá testemunho

dele (Jo 15.26; At 5.32; 1Jo 2.3; 1Jo 4.2). Mas isso não significa que ele não torne conhecidas

suas próprias ações e palavras! A Bíblia tem centenas de versículos que falam sobre a obra do

Espírito Santo, tornando-a conhecida, e a própria Bíblia foi falada ou inspirada pelo Espírito

Santo!

3. Ele guia e dirige o povo de Deus.

A Bíblia dá muitos exemplos de direção direta do Espírito Santo para várias pessoas. De fato,

no Antigo Testamento, Deus disse que era pecado o povo entrar em aliança com outros

quando esta, segundo o Senhor, era aliança “não pelo meu Espírito” (Is 30.1, IBB).

Aparentemente, as pessoas estavam decidindo com base em sua própria sabedoria e senso

comum em vez de buscar a direção do Espírito Santo de Deus antes de fazer essas alianças.

No Novo Testamento, o Espírito Santo guiou Jesus ao deserto para o seu período de tentação

(Mt 4.1; Lc 4.1); na verdade, essa direção do Espírito Santo era tão forte que Marcos chega a

dizer: “E logo o Espírito o impeliu para o deserto” (Mc 1.12).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

137

Page 138: Teologia sistemática   grudem

4. Ele proporciona uma atmosfera digna de Deus quando manifesta sua presença.

Como o Espírito Santo é plenamente Deus e compartilha todos os seus atributos, sua

influência deverá trazer caráter ou atmosfera próprios de Deus a situações em que ele está

ativo. Uma vez que ele é o Espírito Santo, produzirá às vezes uma convicção de pecado, de

justiça e de juízo (Jo 16.8-11).

5. Ele nos dá segurança.

O Espírito Santo “testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16) e

fornece evidências da obra de Deus em nós: “E nisto conhecemos que ele permanece em nós,

pelo Espírito que ele nos deu” (1Jo 3.24). “Nisto conhecemos que permanecemos nele, e ele,

em nós: em que nos deu do seu Espírito” (1Jo 4.13). O Espírito Santo não só testemunha a nós

que somos filhos de Deus, mas também testifica que Deus permanece em nós e que estamos

permanecendo nele. De novo, o que está envolvido é mais do que o nosso intelecto: o Espírito

trabalha para nos dar segurança no nível subjetivo da percepção espiritual e emocional.

6. Ele ensina e ilumina.

Outro aspecto da obra reveladora do Espírito Santo é o ensino de certas coisas ao povo de

Deus e a iluminação desse povo para que possa entendê-las. Jesus prometeu essa função

pedagógica especialmente aos seus discípulos quando lhes disse: “o Espírito Santo [...] vos

ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26); e

também: “ele vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.13).

D. O ESPÍRITO SANTO UNIFICA

Quando o Espírito Santo foi derramado sobre a igreja no Pentecostes, Pedro proclamou que a

profecia de Joel 2.28-32 fora cumprida (At 2.16-18).

Há uma ênfase na vinda do Espírito Santo sobre a comunidade de crentes — não apenas sobre

um líder como Moisés ou Josué, mas filhos e filhas, velhos e jovens, servos e servas — todos

receberão o derramamento do Espírito Santo nesse tempo.

E. O ESPÍRITO SANTO DÁ SINAIS MAIS FORTES OU MAIS FRACOS DA PRESENÇA E BÊNÇÃO DE

DEUS, SEGUNDO NOSSA RESPOSTA A ELE

Muitos exemplos no Antigo e no Novo Testamento indicam que o Espírito Santo irá conceder

ou retirar bênção dependendo de estar satisfeito ou não com a situação que vê. É digno de

nota que Jesus era completamente sem pecado e o Espírito Santo pousou sobre ele (Jo 1.32),

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

138

Page 139: Teologia sistemática   grudem

não sendo dado ao Filho por medida (Jo 3.34). No Antigo Testamento o Espírito Santo veio

poderosamente sobre Sansão várias vezes (Jz 13.25; 14.6, 19; 15.14), mas por fim o

abandonou quando ele persistiu no pecado (Jz 16.20). De modo semelhante, quando Saul

persistiu na desobediência, o Espírito Santo se retirou dele (1Sm 16.14). E quando o povo de

Israel se rebelou e entristeceu o Espírito Santo, este se voltou contra os israelitas (Is 63.10).

Resumo - Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 5 - A Doutrina da Aplicação da Redenção – p. 549 - 714

A. INTRODUÇÃO E DEFINIÇÃO.................................................................................................4B. EXEMPLOS DE GRAÇA COMUM............................................................................................4

1. O domínio físico.............................................................................................................42. O domínio intelectual......................................................................................................53. O domínio moral.............................................................................................................54. O domínio criativo..........................................................................................................55. O domínio social.............................................................................................................56. O domínio religioso........................................................................................................67. A graça comum e a graça especial influenciam-se mutuamente....................................68. A graça comum não salva as pessoas.............................................................................6

C. RAZÕES DA GRAÇA COMUM................................................................................................61. Para redimir os que serão salvos.....................................................................................72. Para demonstrar a bondade e a misericórdia de Deus.....................................................73. Para demonstrar a justiça de Deus..................................................................................74. Para demonstrar a glória de Deus...................................................................................7

D. NOSSA RESPOSTA À DOUTRINA DA GRAÇA COMUM...........................................................81. A graça comum não significa que aqueles que a recebem serão salvos.........................82. Devemos ser cautelosos para não rejeitar as coisas boas que os incrédulos fazem como se fossem totalmente más....................................................................................................83. A doutrina da graça comum deve conduzir nosso coração a uma extrema gratidão a Deus....................................................................................................................................8

ELEIÇÃO E REPROVAÇÃO...........................................................................9A. SERÁ QUE O NOVO TESTAMENTO ENSINA A PREDESTINAÇÃO?.........................................9B. COMO O NOVO TESTAMENTO APRESENTA O ENSINO DA ELEIÇÃO?...................................9

1. Como um consolo.........................................................................................................102. Como uma razão para louvar a Deus............................................................................103. Como um incentivo à evangelização............................................................................10

C. EQUÍVOCOS A RESPEITO DA DOUTRINA DA ELEIÇÃO........................................................101. A eleição não é fatalista nem mecanicista....................................................................102. A eleição não se baseia na presciência de Deus sobre nossa fé....................................11

D. OBJEÇÕES À DOUTRINA DA ELEIÇÃO................................................................................121. A eleição significa que não temos a opção de aceitar Cristo........................................132. Com base nessa definição de eleição, nossas escolhas não são escolhas reais.............133. A doutrina da eleição faz com que sejamos marionetes ou robôs, não pessoas reais.. .134. Da doutrina da eleição decorre que os incrédulos jamais têm a chance de crer...........135. A eleição é injusta.........................................................................................................146. A Bíblia diz que Deus deseja salvar todo mundo.........................................................14

E. A DOUTRINA DA REPROVAÇÃO.........................................................................................14

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

139

Page 140: Teologia sistemática   grudem

F. APLICAÇÃO PRÁTICA DA DOUTRINA DA ELEIÇÃO.............................................................15

O CHAMADO DO EVANGELHO E O CHAMADO EFICAZ...................15A. O CHAMADO EFICAZ.........................................................................................................15B. OS ELEMENTOS DO CHAMADO DO EVANGELHO................................................................15

1. Explicação dos fatos concernentes à salvação..............................................................162. Convite para aceitar Cristo pessoalmente com arrependimento e fé............................163. Uma promessa de perdão e vida eterna.........................................................................16

C. A IMPORTÂNCIA DO CHAMADO DO EVANGELHO..............................................................17REGENERAÇÃO.............................................................................................17

A. A REGENERAÇÃO É UMA OBRA EXCLUSIVAMENTE DE DEUS............................................17B. A NATUREZA EXATA DA REGENERAÇÃO É UM MISTÉRIO PARA NÓS................................18C. NESSE SENTIDO DE “REGENERAÇÃO”, ELA VEM ANTES DA FÉ SALVÍFICA.....................18D. A REGENERAÇÃO GENUÍNA DEVE PRODUZIR RESULTADOS NA VIDA...............................18

CONVERSÃO (FÉ E ARREPENDIMENTO)...............................................19A. A VERDADEIRA FÉ SALVÍFICA INCLUI CONHECIMENTO, APROVAÇÃO E CONFIANÇA PESSOAL.................................................................................................................................19

1. Mero conhecimento não basta......................................................................................192. Conhecimento e aprovação não são suficientes............................................................193. Preciso decidir depender de Jesus para me salvar........................................................204. A fé deve aumentar à medida que nosso conhecimento aumenta.................................20

B. A FÉ E O ARREPENDIMENTO DEVEM VIR JUNTOS..............................................................20

JUSTIFICAÇÃO (DIREITO LEGAL DE ESTAR DIANTE DE DEUS). . .21A. JUSTIFICAÇÃO INCLUI UMA DECLARAÇÃO LEGAL DA PARTE DE DEUS............................21B. DEUS NOS DECLARA JUSTOS À VISTA DELE......................................................................21C. DEUS PODE DECLARAR-NOS JUSTOS PORQUE ELE NOS IMPUTA A JUSTIÇA DE CRISTO.....22D. A JUSTIFICAÇÃO CHEGA A NÓS INTEIRAMENTE PELA GRAÇA DE DEUS, NÃO POR CAUSA DE ALGUM MÉRITO EM NÓS MESMOS.....................................................................................22E. DEUS NOS JUSTIFICA POR MEIO DE NOSSA FÉ EM CRISTO................................................22

ADOÇÃO (FILIAÇÃO NA FAMÍLIA DE DEUS)........................................23A. EVIDÊNCIAS BÍBLICAS DA ADOÇÃO..................................................................................23B. A ADOÇÃO SEGUE A CONVERSÃO E É RESULTADO DA FÉ SALVÍFICA...............................23C. A ADOÇÃO É ALGO DISTINTO DA JUSTIFICAÇÃO...............................................................24D. OS PRIVILÉGIOS DA ADOÇÃO............................................................................................24

SANTIFICAÇÃO (TORNAR-SE SEMELHANTE A CRISTO).................24A. DIFERENÇAS ENTRE A JUSTIFICAÇÃO E A SANTIFICAÇÃO.................................................25B. OS TRÊS ESTÁGIOS DA SANTIFICAÇÃO..............................................................................25

1. A santificação tem um começo definido na regeneração..............................................252. A santificação aumenta por toda a vida........................................................................253. A santificação se completará na morte (em nossa alma) e quando o Senhor retornar (em nosso corpo)...............................................................................................................264. A santificação nunca se completará nesta vida.............................................................26

C. DEUS E O HOMEM COOPERAM NA SANTIFICAÇÃO.............................................................261. A papel de Deus na santificação...................................................................................272. O nosso papel na santificação.......................................................................................27

D. A SANTIFICAÇÃO AFETA A PESSOA COMO UM TODO........................................................27

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

140

Page 141: Teologia sistemática   grudem

E. MOTIVOS PARA A OBEDIÊNCIA A DEUS NA VIDA CRISTÃ.................................................28F. A BELEZA E A ALEGRIA DA SANTIFICAÇÃO.......................................................................28

BATISMO E PLENITUDE NO ESPÍRITO SANTO....................................29A. A CONCEPÇÃO PENTECOSTAL TRADICIONAL....................................................................29B. QUE SIGNIFICA “BATISMO NO ESPÍRITO SANTO” NO NOVO TESTAMENTO?.....................29C. COMO DEVEMOS ENTENDER OS CASOS DE “SEGUNDA EXPERIÊNCIA” EM ATOS?............29D. QUE TERMOS DEVEMOS USAR PARA NOS REFERIR À CAPACITAÇÃO PELO ESPÍRITO SANTO QUE ACONTECE DEPOIS DA CONVERSÃO?..............................................................................30

1. Ensinar um cristianismo de duas categorias provoca danos à igreja............................302. Há muitos graus de capacitação, comunhão com Deus e maturidade cristã pessoal....303. Ser cheio do Espírito Santo não resulta sempre em falar em línguas...........................32

A PERSEVERANÇA DOS SANTOS (CONSERVAR-SE CRISTÃO)........32A. TODOS OS QUE VERDADEIRAMENTE NASCERAM DE NOVO PERSEVERARÃO ATÉ O FIM. . .32B. SÓ AQUELES QUE PERSEVERAREM ATÉ O FIM REALMENTE NASCERAM DE NOVO...........33C. AQUELES QUE ACABAM SE AFASTANDO PODEM DAR MUITOS SINAIS EXTERIORES DE CONVERSÃO...........................................................................................................................33D. O QUE PODE DAR AO CRENTE A PLENA SEGURANÇA?......................................................34

1. Será que confio hoje na salvação de Cristo?.................................................................342. Há porventura no meu coração provas da obra regeneradora do Espírito Santo?........343. Será que percebo uma tendência constante de crescimento na minha vida cristã?......34

A MORTE E O ESTADO INTERMEDIÁRIO..............................................35A. POR QUE OS CRISTÃOS MORREM?.....................................................................................35

1. A morte não é um castigo para os cristãos....................................................................352. Em um mundo caído, a morte é o desfecho da vida.....................................................353. Deus usa a experiência da morte para completar a nossa salvação..............................364. Nossa experiência da morte completa nossa união com Cristo....................................365. Nossa obediência a Deus é mais importante do que a preservação de nossa vida........36

B. COMO DEVEMOS ENTENDER NOSSA PRÓPRIA MORTE E A MORTE DOS OUTROS?..............371. Nossa própria morte......................................................................................................372. A morte dos amigos e parentes cristãos........................................................................37

C. O QUE ACONTECE DEPOIS DA MORTE?..............................................................................371. A alma dos cristãos vai imediatamente para a presença de Deus.................................372. A alma dos descrentes vai imediatamente para o castigo eterno..................................38

GLORIFICAÇÃO (RECEBER O CORPO RESSURRETO)......................39A. A PROVA DA GLORIFICAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO.....................................................39B. A BASE DA GLORIFICAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO.....................................................39C. COM QUE SE PARECERÁ O CORPO DA RESSURREIÇÃO?.....................................................40D. TODA A CRIAÇÃO TAMBÉM SERÁ RENOVADA..................................................................40E. OS DESCRENTES SERÃO RESSUSCITADOS PARA JULGAMENTO NO DIA DO JUÍZO FINAL.41

A UNIÃO COM CRISTO.................................................................................41A. ESTAMOS EM CRISTO........................................................................................................41

1. No plano eterno de Deus...............................................................................................412. Durante a vida de Cristo na terra..................................................................................423. Durante a nossa vida hoje.............................................................................................42

B. CRISTO ESTÁ EM NÓS........................................................................................................43

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

141

Page 142: Teologia sistemática   grudem

C. SOMOS SEMELHANTES A CRISTO......................................................................................43D. ESTAMOS COM CRISTO.....................................................................................................44

1. Comunhão pessoal com Cristo......................................................................................442. A união com o Pai e com o Espírito Santo...................................................................44

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

142

Page 143: Teologia sistemática   grudem

Resumo

Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 5 - A Doutrina da Aplicação da Redenção – p. 549 - 714

A. INTRODUÇÃO E DEFINIÇÃO

Quando Adão e Eva pecaram, tornaram-se merecedores de punição e separação eternas da

parte de Deus (Gn 2.17). Do mesmo modo, quando seres humanos hoje pecam tornam-se

sujeitos à ira de Deus e à punição eterna: “O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). Isso

significa que uma vez que as pessoas pequem, a justiça de Deus só pode requerer que sejam

eternamente separadas dele, impedidas totalmente de experimentar qualquer benefício de sua

parte, e que vivam para sempre no inferno apenas recebendo eternamente sua ira. Deveras, foi

isso que aconteceu aos anjos que pecaram, e o que merecidamente poderia ter ocorrido a nós

também: “... Deus não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno os

entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo” (2Pe 2.4).

B. EXEMPLOS DE GRAÇA COMUM

Se olharmos para o mundo ao nosso redor e o compararmos com o fogo do inferno que ele

merece, vemos evidências abundantes da graça comum de Deus em milhares de exemplos na

vida diária. Podemos distinguir as diversas categorias específicas nas quais esta graça comum

é vista.

1. O domínio físico.

Os incrédulos continuam a viver neste mundo unicamente por causa da graça comum de Deus

– toda vez que alguém respira, isso se dá pela graça, porque o salário do pecado é morte, não

vida. Além disso, a terra não produz somente cardos e abrolhos (Gn 3.18), nem permanece

como um deserto ressecado, mas pela graça comum de Deus ela produz alimento e material

para roupa e abrigo, freqüentemente em grande abundância e diversidade. Jesus disse: “Amai

os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos de vosso Pai

celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e

injustos” (Mt 5.44-45).

2. O domínio intelectual.

Satanás é “mentiroso e pai da mentira” e “nele não há verdade” (Jo 8.44), porque ele é

completamente inclinado para o mal, para a irracionalidade e a para perpetração da falsidade

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

143

Page 144: Teologia sistemática   grudem

que acompanha o mal extremo. Mas os seres humanos no mundo atual, mesmo incrédulos,

não são totalmente inclinados para a mentira, para a irracionalidade e para a ignorância. Todas

as pessoas conseguem compreender alguma medida da verdade; certamente alguns têm

grande inteligência e entendimento.

3. O domínio moral.

Deus também, por meio da graça comum, limita as pessoas para que não sejam tão más

quanto poderiam ser. Mais uma vez o domínio demoníaco, totalmente devotado ao mal e à

destruição, proporciona um claro contraste com a sociedade humana, na qual o mal é

claramente controlado. Se as pessoas persistem cruel e repetidamente em aderir demais ao

pecado no decorrer do tempo, Deus finalmente “os entregará” ao maior de todos os pecados

(cf. Sl 81.12, Rm 1.24, 26, 28), mas no caso da maioria dos seres humanos eles não caem até

as profundezas onde seu pecado os levaria porque Deus intervém e põe freios sobre sua

conduta. Uma das mais eficazes restrições é a força da consciência.

4. O domínio criativo.

Deus tem permitido medidas significativas de talento nas áreas artísticas e musicais, bem

como em outras esferas nas quais a criatividade e o talento podem ser expressos, tais como

atividades atléticas, arte culinária, literatura e assim por diante. Além disso, Deus nos dá

capacidade para apreciar a beleza em muitas facetas da vida. E nessa área, bem como nos

domínios físico e intelectual, as bênçãos da graça comum são às vezes derramadas sobre os

incrédulos até mais abundantemente do que sobre os crentes. Contudo, em todos os casos é o

resultado da graça de Deus.

5. O domínio social.

A graça de Deus também é evidente na existência de várias organizações e estruturas na

sociedade humana. Vemos isso primeiramente na família humana, atestada pelo fato de que

Adão e Eva permaneceram como marido e mulher depois da queda e então tiveram

descendentes, tanto filhos como filhas (Gn 5.4). Os filhos de Adão e Eva se casaram e

formaram suas próprias famílias (Gn 4.17, 19, 16). A família humana perdura hoje não

simplesmente como uma instituição para crentes, mas para todas as pessoas.

6. O domínio religioso.

Até mesmo no domínio da religião humana, a graça comum de Deus produz algumas bênçãos

para pessoas incrédulas. Jesus nos ordena: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos

perseguem” (Mt 5.44). Visto que no contexto não há restrição para orar apenas pela salvação

deles, e visto que a ordem de orar por nossos perseguidores está ligada a um mandamento

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

144

Page 145: Teologia sistemática   grudem

para amá-los, parece razoável concluir que Deus tem a intenção de responder às nossas

orações – mesmo aquelas pelos nossos perseguidores – com relação a muitas áreas da vida.

De fato, Paulo ordena especificamente que oremos “em favor dos reis e de todos os que se

acham investidos de autoridade” (1Tm 2.1-2). Quando visamos o bem dos incrédulos, isso

está em harmonia com a prática do próprio Deus de conceder luz solar e chuva “sobre justos e

injustos” (Mt 5.45) e também se harmoniza com a prática de Jesus durante seu ministério

terrestre, quando ele curou todas as pessoas que eram levadas até ele (Lc 4.40). Não há

indicação de que ele exigisse que elas acreditassem nele ou concordassem que ele era o

Messias antes de lhes conceder a cura física.

7. A graça comum e a graça especial influenciam-se mutuamente.

A graça comum, naturalmente, influencia e enriquece a igreja, visto que à parte da graça

comum de Deus concedida aos carpinteiros e a outras espécies de profissionais, não haveria

construção de igrejas; à parte da graça comum de Deus concedida aos impressores,

compositores tipográficos e encadernadores (e também aqueles que trabalham nas fábricas de

papel ou que cortam árvores das florestas para fazer o papel), não haveria Bíblias. Nas

incontáveis peculiaridades das atividades cotidianas, a igreja se beneficia da graça comum.

8. A graça comum não salva as pessoas.

Apesar disso tudo, devemos compreender que a graça comum é diferente da graça salvífica. A

graça comum não transforma o coração humano nem conduz as pessoas ao genuíno

arrependimento e à fé – ela não pode salvar e, sendo assim, não as salva (embora na esfera

intelectual e moral ela possa fornecer alguma preparação que torna as pessoas mais inclinadas

a aceitar o evangelho). A graça comum reprime o pecado, mas não muda em medida alguma a

disposição fundamental de alguém, nem purifica a natureza humana decaída. 

C. RAZÕES DA GRAÇA COMUM

Por que é que Deus concede a graça comum aos pecadores indignos que nunca alcançarão a

salvação? Podemos sugerir, no mínimo, quatro razões:

1. Para redimir os que serão salvos.

Pedro diz que o dia do juízo e da execução final da punição está sendo adiado porque há ainda

mais pessoas que serão salvas: “Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam

demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça,

senão que todos cheguem ao arrependimento. Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

145

Page 146: Teologia sistemática   grudem

Senhor” (2Pe 3.9-10). De fato, essa razão é verdadeira desde o começo da história humana,

porque se Deus quisesse salvar qualquer pessoa fora de toda massa da humanidade

pecaminosa, ele não poderia destruir todos os pecadores imediatamente (porque nesse caso

não haveria raça humana restante).

2. Para demonstrar a bondade e a misericórdia de Deus.

A bondade e a misericórdia de Deus não são apenas percebidas na salvação dos crentes, mas

também nas bênçãos que ele concede aos pecadores indignos. Quando Deus “é benigno até

com os ingratos e maus” (Lc 6.35), sua benignidade é revelada no universo, para sua glória.

Davi diz: “O SENHOR é bom para todos, e as suas ternas misericórdias permeiam todas as

suas obras” (Sl 145.9). Por isso é que lemos sobre Jesus falando com o jovem rico: “E Jesus,

fitando-o, o amou” (Mc 10.21), ainda que o homem fosse um incrédulo e que, num momento,

desviar-se-ia de Jesus por causa de suas grandes posses.

3. Para demonstrar a justiça de Deus.

Quando Deus repetidamente convida os pecadores a que se acheguem à fé, e quando eles

repetidamente recusam seu convite, a justiça de Deus ao condená-los é percebida muito mais

claramente. Paulo adverte que aqueles que persistem na incredulidade estão simplesmente

acumulando mais ira para si mesmos: “Segundo a tua dureza e coração impenitente, acumulas

contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus” (Rm 2.5). No dia

do juízo “toda boca” será “calada” (Rm 3.19) e ninguém será capaz de objetar que Deus seja

injusto.

4. Para demonstrar a glória de Deus.

Por último, a glória de Deus é demonstrada de muitas maneiras através das atividades dos

seres humanos em todas as áreas na quais a graça comum atua. Ao desenvolver e exercitar o

domínio sobre a terra, homens e mulheres demonstram e refletem a sabedoria de seu Criador,

demonstram qualidades semelhantes às de Deus como perícia, virtude moral, autoridade sobre

o universo e assim por diante. Embora todas essas atividades sejam maculadas por razões

pecaminosas, assim mesmo refletem a excelência do nosso Criador, e portanto trazem glória a

Deus, não total ou perfeitamente, mas de modo expressivo.

D. NOSSA RESPOSTA À DOUTRINA DA GRAÇA COMUM

Ao pensar sobre os vários tipos de bondade percebidos na vida dos incrédulos por causa da

abundante graça comum de Deus, devemos manter em mente três pontos:

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

146

Page 147: Teologia sistemática   grudem

1. A graça comum não significa que aqueles que a recebem serão salvos.

Nem mesmo o fato de receber porções excepcionalmente amplas da graça comum significa

que aqueles que a recebem serão salvos. Até mesmo as pessoas mais habilidosas, mais

inteligentes, mais abastadas e poderosas do mundo precisam do evangelho de Jesus Cristo ou

serão condenadas por toda a eternidade! Mesmo entre nossos vizinhos, os de moral mais

elevada e os mais bondosos ainda necessitam do evangelho de Jesus Cristo, ou serão

condenados pela eternidade! Eles externamente podem dar a impressão de não ter

necessidade, mas as Escrituras ainda assim dizem que os incrédulos são “inimigos” de Deus

(Rm 5.10; cf. Cl 1.21; Tg 4.4) e são “contra” Cristo (Mt 12.30). Eles “são inimigos da cruz de

Cristo”, “só se preocupam com as coisas terrenas” (Fp 3.18-19) e são “por natureza, filhos da

ira, como também os demais” (Ef 2.3).

2. Devemos ser cautelosos para não rejeitar as coisas boas que os incrédulos fazem como

se fossem totalmente más.

Pela graça comum, os incrédulos fazem o bem até certo ponto, e devemos enxergar a mão de

Deus nisso e ser gratos pela graça comum que de certo modo opera em toda amizade, todo ato

de bondade, e por todas as maneiras pelas quais ela traz bênçãos a outros. Tudo isso, no final

das contas – embora o incrédulo não o saiba – provém de Deus e, também por isso, ele

merece ser glorificado.

3. A doutrina da graça comum deve conduzir nosso coração a uma extrema gratidão a

Deus.

Quando passeamos pela rua e observamos casas e jardins, e famílias morando em segurança,

ou quando fazemos negócios no mercado e percebemos os abundantes resultados do

progresso tecnológico, ou quando andamos através das florestas e vemos a formosura da

natureza, ou quando somos protegidos pelo governo, ou quando recebemos a educação com o

vasto tesouro do conhecimento humano, devemos perceber, no final das contas, que Deus em

sua soberania é o responsável não apenas por todas essas bênçãos, mas também que ele as tem

concedido a pecadores totalmente indignos de sequer uma delas!

ELEIÇÃO E REPROVAÇÃO

Nos primeiros capítulos falamos sobre o fato de que todos pecamos e merecemos a punição

eterna de Deus e que Cristo morreu e obteve a salvação para nós. Mas agora nesta unidade

(capítulos 32-43) consideraremos a maneira como Deus põe em prática essa salvação na nossa

vida. Damos início a este capítulo considerando a obra de Deus conhecida como eleição, isto

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

147

Page 148: Teologia sistemática   grudem

é, sua decisão de nos escolher para sermos salvos desde a fundação do mundo.

Evidentemente, esse ato de eleição não é (a rigor) parte da aplicação da salvação a nós, visto

que se tornou disponível desde antes que Cristo obtivesse a nossa salvação, quando morreu na

cruz. Mas consideraremos a eleição nesse ponto porque ela está cronologicamente no início

dos tratos de Deus conosco pelos meios da graça. Portanto, ela foi concebida perfeitamente

como o primeiro passo no processo através do qual Deus nos traz salvação individualmente.

Podemos definir eleição como segue: eleição é um ato de Deus, antes da criação, no qual ele

escolhe algumas pessoas para serem salvas, não por causa de algum mérito antevisto delas,

mas somente por causa de sua suprema boa vontade.

A. SERÁ QUE O NOVO TESTAMENTO ENSINA A PREDESTINAÇÃO?

Várias passagens no Novo Testamento parecem afirmar com muita clareza que Deus

determinou de antemão quem seria salvo. Por exemplo, quando Paulo e Barnabé começaram a

pregar aos gentios em Antioquia da Pisídia, Lucas escreve que “os gentios, ouvindo isto,

regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido

destinados para a vida eterna” (At 13.48). É significativo o fato de Lucas mencionar a

eleição quase de passagem. É como se isso fosse acontecimento normal quando o evangelho

era pregado. Quantos creram? “Creram todos os que haviam sido destinados para a vida

eterna”.

B. COMO O NOVO TESTAMENTO APRESENTA O ENSINO DA ELEIÇÃO?

Depois de ler essa lista de versículos sobre a eleição, é importante ver a doutrina da maneira

como o próprio Novo Testamento a vê.

1. Como um consolo.

Os autores do Novo Testamento muitas vezes apresentam a doutrina da eleição como um

consolo aos crentes. Quando Paulo garante aos Romanos que “todas as coisas cooperam para

o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm

8.28), ele apresenta a obra divina da predestinação como razão pela qual podemos estar

seguros dessa verdade. Ele explica no próximo versículo: “Porquanto aos que de antemão

conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho [...] E aos que

predestinou, a esses também chamou [...] justificou [...] glorificou” (Rm 8.29-30). Paulo quer

dizer que Deus sempre age para o bem daqueles a quem chamou a si.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

148

Page 149: Teologia sistemática   grudem

2. Como uma razão para louvar a Deus.

Paulo diz que Deus “nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus

Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.5-6).

Semelhantemente, ele diz: “A fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de

antemão esperamos em Cristo” (Ef 1.12).

3. Como um incentivo à evangelização.

Paulo diz: “Tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles obtenham a salvação

que está em Cristo Jesus, com eterna glória” (2Tm 2.10). Ele sabe que Deus escolheu algumas

pessoas para serem salvas e enxerga isso como um estímulo para pregar o evangelho, mesmo

que signifique suportar grande sofrimento. A eleição é a garantia de Paulo de que haverá

algum sucesso na evangelização, porque ele sabe que algumas pessoas com quem fala são

eleitas, crerão no evangelho e serão salvas. É como se alguém nos convidasse para uma

pescaria e dissesse: “Eu garanto que vocês pegarão alguns peixes – eles estão famintos e

aguardando”.

C. EQUÍVOCOS A RESPEITO DA DOUTRINA DA ELEIÇÃO

1. A eleição não é fatalista nem mecanicista.

Às vezes aqueles que fazem objeções à doutrina da eleição dizem que ela é “fatalista” ou que

apresenta um “sistema mecanicista” do universo. Duas objeções relativamente diferentes

estão envolvidas aqui. Por “fatalismo” entende-se um sistema no qual as escolhas e decisões

humanas não fazem diferença alguma. No fatalismo, não importa o que façamos, as coisas

continuarão seguindo seu curso previamente determinado. Portanto, é inútil tentar influenciar

o resultado dos eventos ou o resultado de nossa vida esforçando-nos ou fazendo algumas

escolhas importantes, porque, seja como for, não farão diferença alguma.

2. A eleição não se baseia na presciência de Deus sobre nossa fé.

Geralmente as pessoas concordarão que Deus predestina alguns para serem salvos, mas dirão

que ele o faz olhando para o futuro e vendo quem vai crer em Cristo e quem não vai. Se ele vê

que uma pessoa chegará à fé salvadora, então predestina essa pessoa para ser salva, com base

no conhecimento prévio da fé dessa pessoa. Se vê que ela não chegará à fé salvadora, então

não predestina tal pessoa para ser salva. Desse modo, julga-se, a razão fundamental por que

alguns são salvos e outros não encontra-se dentro das próprias pessoas, não dentro de Deus.

Tudo que Deus faz na sua obra de predestinação é fornecer confirmação à decisão que ele

sabe que as pessoas tomarão por si próprias. O versículo geralmente usado para sustentar esse

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

149

Page 150: Teologia sistemática   grudem

ponto de vista é Romanos 8.29: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os

predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho”.

a. Conhecimento prévio das pessoas, não dos fatos. Todavia, esse versículo dificilmente pode

ser usado para demonstrar que Deus baseou sua predestinação no conhecimento prévio do fato

de que uma pessoa creria. A passagem fala, mais propriamente, que Deus conheceu pessoas

(“aos que de antemão conheceu”), não que conheceu algo a respeito delas, tal como o fato de

que creriam. É um conhecimento pessoal, relacional, que se tem em vista aqui: Deus examina

no futuro a intenção de determinada pessoa de preservar a intimidade com ele, e assim ele “a

conhece” há muito tempo. É nesse sentido que Paulo está falando sobre Deus “conhecer”

alguém, por exemplo, em 1Coríntios 8.3: “Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido por

ele”. Semelhantemente, ele diz: “Mas agora que conheceis a Deus, ou antes, sendo

conhecidos por Deus...” (Gl 4.9).

b. Em parte alguma das Escrituras encontramos que Deus nos escolheu por causa da nossa fé.

Além do mais, quando olhamos além dessas passagens específicas que falam sobre esse

conhecimento prévio e prestamos atenção nos versículos que falam sobre a razão pela qual

Deus nos escolheu, descobrimos que as Escrituras nunca falam que a nossa fé ou o fato de que

viríamos a crer em Cristo foi a razão pela qual Deus nos escolheu. De fato, Paulo parece

excluir explicitamente a consideração do que quer que as pessoas pudessem fazer na vida da

sua explicação do fato de Deus ter escolhido Jacó em vez de Esaú. Ele diz: “E ainda não eram

os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus,

quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela:

O mais velho será servo do mais moço.

c. A eleição baseada em alguma coisa boa em nós (nossa fé) seria o começo da salvação por

mérito. Ainda outro tipo de objeção pode ser levantado contra a idéia de que Deus nos

escolheu porque conhecia de antemão que viríamos a ter fé. Se o fator principal e

determinante em nossa eventual salvação é nossa própria decisão de aceitar Cristo, então

estaremos inclinados a pensar que merecemos algum crédito pelo fato de sermos salvos: ao

contrário de outras pessoas que continuam a rejeitar Cristo, nós fomos suficientemente sábios

em nosso julgamento, ou bons o bastante em nossas inclinações morais ou tivemos bastante

discernimento em nossas faculdades espirituais para decidir crer em Cristo. Mas uma vez que

comecemos a pensar dessa maneira, então diminuiremos seriamente a glória devida a Deus

pela nossa salvação. Não nos sentiremos à vontade para falar como Paulo, que diz que Deus

“nos destinou [...] segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça”

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

150

Page 151: Teologia sistemática   grudem

(Ef 1.5-6), e começamos a achar que Deus “nos destinou [...] segundo o fato de que ele sabia

que teríamos suficientes inclinações à bondade, fé dentro de nós e que creríamos”.

d. Predestinação baseada em conhecimento prévio também não dá livre arbítrio às pessoas. A

idéia de que Deus predestina algumas pessoas a crer, baseado no conhecimento prévio da fé

que terão enfrenta ainda outro problema: após cuidadosa reflexão, esse sistema aniquila

qualquer liberdade real do homem. Do ponto de vista desse sistema, Deus pode examinar o

futuro e ver que a pessoa A vai exercer fé em Cristo, e que a pessoa B não vai exercer fé em

Cristo; então esses fatos já estão fixados, já estão determinados. Se temos por verdadeiro que

Deus conhece o futuro (o que tem de ser), então é absolutamente certo que a pessoa A crerá,

mas não a pessoa B. Não há possibilidade de o desdobramento da vida delas ser diferente

disso.

e. Conclusão: a eleição é incondicional. Parece melhor, pelas quatro razões prévias, rejeitar a

idéia de que a eleição é baseada no fato de que Deus tem presciência de nossa fé. Concluímos

em vez disso que a razão para a eleição é a escolha soberana de Deus – ele “nos predestinou

para ele, para a adoção de filhos” (Ef 1.5). Deus nos escolheu simplesmente porque decidiu

derramar seu amor sobre nós – não porque anteviu em nós alguma fé ou mérito.

D. OBJEÇÕES À DOUTRINA DA ELEIÇÃO

Deve ser dito que a doutrina da eleição apresentada aqui não é, de modo algum, aceita

universalmente na igreja cristã, tanto no catolicismo como no protestantismo. Há uma longa

história de aceitação da doutrina aqui apresentada, mas muitos outros também têm objetado.

Entre os evangélicos conservadores, a maioria dos círculos reformados ou calvinistas

(denominações presbiterianas conservadoras, por exemplo) aceitarão esse ponto de vista, bem

como muitos luteranos e anglicanos (episcopais), e um grande número de batistas e membros

de igrejas independentes. Por outro lado, ela será total e terminantemente rejeitada por quase

todos os metodistas, bem como por muitos outros em igrejas batistas, anglicanas e

independentes.

1. A eleição significa que não temos a opção de aceitar Cristo.

Segundo essa objeção, a doutrina da eleição nega todos os convites do evangelho que apelam

à vontade do homem e exige que as pessoas façam uma escolha ao responder ao convite de

Cristo. Em resposta a isso, devemos afirmar que a doutrina da eleição é totalmente capaz de

abrigar a idéia de que temos uma escolha voluntária e tomamos decisões espontâneas ao

aceitar ou rejeitar Cristo.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

151

Page 152: Teologia sistemática   grudem

2. Com base nessa definição de eleição, nossas escolhas não são escolhas reais.

Prosseguindo com a discussão do parágrafo anterior, alguém pode objetar que se a escolha é

causada por Deus, pode parecer-nos que seja voluntária e desejada por nós, mas não é uma

escolha genuína ou real, porque não é absolutamente livre. Mais uma vez devemos responder

desafiando a suposição de que a escolha deva ser absolutamente livre a fim de ser genuína ou

válida. Se Deus nos faz de determinada maneira e nos diz que nossas escolhas voluntárias são

escolhas reais e genuínas, então temos de concordar que são.

3. A doutrina da eleição faz com que sejamos marionetes ou robôs, não pessoas reais.

De acordo com essa objeção, se Deus realmente é a causa de cada coisa que escolhemos com

respeito à salvação, então já não somos pessoas reais. Mais uma vez deve ser respondido que

Deus nos criou, e portanto devemos reconhecer que é ele quem define o que é a genuína

pessoalidade. A analogia com uma “marionete” ou “robô” nos reduz a uma categoria

subumana de coisas criadas pelo homem.

4. Da doutrina da eleição decorre que os incrédulos jamais têm a chance de crer.

Essa objeção à eleição diz que se Deus decretou desde a eternidade que algumas pessoas não

creriam, então não houve chance genuína para que cressem, e o sistema inteiro funciona

injustamente. Duas respostas podem ser dadas a essa objeção. Primeiro, devemos observar

que a Bíblia não nos permite dizer que os incrédulos não tiveram chance de crer. Quando as

pessoas rejeitavam a Jesus, ele sempre lhes atribuía a responsabilidade pela escolha deliberada

de rejeitá-lo, e não em algum decreto de Deus Pai.

5. A eleição é injusta.

Algumas vezes as pessoas referem-se à doutrina da eleição como injusta, visto que ensina que

Deus escolhe alguns para serem salvos e ignora outros, decidindo não os salvar. Como isso

pode ser justo?

Duas respostas podem ser dadas a essa objeção. Primeiro, devemos nos lembrar de que seria

perfeitamente justo que Deus não salvasse ninguém, exatamente como fez com os anjos:

“Deus não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno os entregou a

abismos de trevas, reservando-os para juízo” (2Pe 2.4). Seria perfeitamente justo se Deus

fizesse com os seres humanos como fez com os anjos, não salvando nenhum daqueles que

pecaram e se rebelaram contra ele.

6. A Bíblia diz que Deus deseja salvar todo mundo.

Outra objeção à doutrina da eleição é que ela contradiz determinadas passagens das

Escrituras, que dizem que Deus deseja que todos sejam salvos. Paulo escreve a respeito de

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

152

Page 153: Teologia sistemática   grudem

Deus, nosso Salvador: “... o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao

pleno conhecimento da verdade” (1Tm 2.4).

Uma solução comum a essa questão (oriunda da perspectiva reformada defendida neste livro)

é dizer que esses versículos falam da vontade revelada de Deus (declarando o que nós

devemos fazer), e não de sua vontade secreta (seus planos eternos sobre o que irá ocorrer). Os

versículos simplesmente nos falam que Deus convida e ordena cada pessoa a arrepender-se e

achegar-se a Cristo para a salvação, mas eles não falam o que quer que seja sobre os decretos

secretos de Deus com relação a quem será salvo.

E. A DOUTRINA DA REPROVAÇÃO

Quando entendemos a eleição como ação soberana da parte de Deus de escolher algumas

pessoas para serem salvas, há então necessariamente outro aspecto dessa escolha, a saber, a

decisão soberana de Deus de não levar em conta outras e não salvá-las. Essa decisão de Deus

na eternidade passada é chama reprovação. Reprovação é a decisão soberana de Deus, antes

da criação, de não levar em conta algumas pessoas, decidindo em tristeza não salvá-las e

puni-las por seus pecados, manifestando por meio disso sua justiça.

F. APLICAÇÃO PRÁTICA DA DOUTRINA DA ELEIÇÃO

Em termos de nossa própria relação com Deus, a doutrina da eleição tem uma aplicação

prática importante. Quando refletimos a respeito do ensino bíblico, tanto sobre a eleição como

sobre a reprovação, é certo que o apliquemos em nossa própria vida individualmente. É

razoável que todo cristão pergunte a si mesmo: “Por que sou cristão? Por qual razão decisiva

Deus decidiu me salvar?”.

O CHAMADO DO EVANGELHO E O CHAMADO EFICAZ

Quando Paulo considera a maneira pela qual Deus traz a salvação até nossa vida, ele diz:

“Aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou;

e aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.30). Aqui Paulo indica a ordem exata

na qual as bênçãos da salvação chegam até nós. Embora há muito tempo, antes de o mundo ter

sido feito, Deus nos tenha “predestinado” para sermos seus filhos e para sermos conformes a

imagem de seu Filho, Paulo indica que no atual processo da realização de seu propósito em

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

153

Page 154: Teologia sistemática   grudem

nossa vida Deus nos “chamou” (aqui nesse contexto, Deus Pai é quem está especificamente

em consideração).

A. O CHAMADO EFICAZ

Quando Paulo diz “Aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses

também justificou” (Rm 8.30), indica que o chamado é um ato de Deus. De fato, é

especificamente um ato de Deus Pai, porque ele é o único que predestina as pessoas “para

serem conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8.29). Outros versículos descrevem mais

plenamente o que é esse chamado. Quando Deus chama as pessoas dessa maneira poderosa,

ele as chama “das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9); ele as chama “à comunhão de

seu Filho” (1Co 1.9; cf. At 2.39) e “para o seu reino e glória” (1Ts 2.12; cf. 1Pe 5.10, 2Pe

1.3).

B. OS ELEMENTOS DO CHAMADO DO EVANGELHO

Na pregação humana do evangelho, três elementos importantes devem ser incluídos.

1. Explicação dos fatos concernentes à salvação.

Qualquer pessoa que vem a Cristo para receber salvação deve ter um entendimento básico de

quem ele é e de como satisfaz nossas necessidades de salvação. Portanto uma explicação dos

fatos concernentes à salvação deve incluir o seguinte:

1. Todas as pessoas pecaram (Rm 3.23).

2. A pena pelos nossos pecados é a morte (Rm 6.23).

3. Jesus Cristo morreu para pagar a pena pelos nossos pecados (Rm 5.8).

Entretanto, entender esses fatos e mesmo concordar que eles são verdadeiros não é suficiente

para uma pessoa ser salva. Tem de haver também um convite para uma resposta pessoal da

parte do indivíduo, que se arrependerá de seus pecados e confiará pessoal-mente em Cristo.

2. Convite para aceitar Cristo pessoalmente com arrependimento e fé.

Quando o Novo Testamento fala sobre pessoas recebendo salvação, fala em termos de uma

resposta pessoal a um convite da parte do próprio Cristo. Esse convite é expresso com grande

beleza pelas palavras de Jesus:

Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

154

Page 155: Teologia sistemática   grudem

alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve (Mt 11.28-30).

É importante deixar claro que essas não são apenas palavras pronunciadas há muito tempo por

um líder religioso do passado. Todo não cristão ao ouvir essas palavras deve sentir-se

encorajado a pensar nelas como palavras que Jesus Cristo agora mesmo, bem neste momento,

está falando a ele individualmente. Jesus Cristo é um Salvador que está agora vivo no céu, e

todo não cristão deve pensar em Jesus como falando diretamente a ele, dizendo “Vinde a mim

[...] e encontrareis descanso” (Mt 11.28). Esse é o convite pessoal genuíno que espera uma

resposta pessoal de cada um que o recebe.

3. Uma promessa de perdão e vida eterna.

Embora as palavras do convite pessoal pronunciadas por Cristo contenham promessas de

descanso e poder para nos tornarmos filhos de Deus, além das promessas de compartilharmos

da água da vida, é bom deixar claro o que Cristo promete aos que se achegam a ele com

arrependimento e fé. A principal promessa na mensagem do evangelho é o perdão dos

pecados e a vida eterna com Deus. “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o

seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo

3.16). E também Pedro ao pregar o evangelho diz: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos

para serem cancelados os vossos pecados” (At 3.19; cf. 2.38).

C. A IMPORTÂNCIA DO CHAMADO DO EVANGELHO

A doutrina do chamado do evangelho é importante, porque se não houvesse o chamado do

evangelho não seríamos salvos. “Como crerão naquele de quem nada ouviram?” (Rm 10.14).

O chamado do evangelho é importante também porque através dela Deus dirige-se a nós

levando em conta a plenitude de nossa humanidade. Ele não nos salva “automaticamente”

sem buscar uma resposta da nossa parte como pessoas integrais.

REGENERAÇÃO

Podemos definir regeneração da seguinte maneira: Regeneração é um ato secreto de Deus

pelo qual ele nos concede nova vida espiritual. Isso é às vezes chamado “nascer de novo” (na

linguagem de João 3.3-8).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

155

Page 156: Teologia sistemática   grudem

A. A REGENERAÇÃO É UMA OBRA EXCLUSIVAMENTE DE DEUS

Em alguns componentes da aplicação da redenção que discutiremos nos próximos capítulos,

desempenhamos uma parte ativa (isso é verdadeiro, por exemplo, no que diz respeito à

conversão, santificação e perseverança). Mas na obra de regeneração não desempenhamos

papel algum. Ao contrário, é uma obra exclusivamente de Deus. Vemos isso, por exemplo,

quando João fala a respeito daqueles a quem Cristo deu poder de se tornarem filhos de Deus –

eles “não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de

Deus” (Jo 1.13). Aqui João especifica que os filhos de Deus são os que “nasceram [...] de

Deus” e que nossa vontade humana (“a vontade do homem”) não realiza esse tipo de

nascimento.

B. A NATUREZA EXATA DA REGENERAÇÃO É UM MISTÉRIO PARA NÓS

O que ocorre na regeneração de forma exata é um mistério para nós. Sabemos que de algum

modo nós, que estivemos espiritualmente mortos (Ef 2.1), fomos vivificados por Deus e num

sentido muito verdadeiro “nascemos de novo” (Jo 3.3, 7; Ef 2.5; Cl 2.13). Mas não

entendemos como isso ocorre ou o que exatamente Deus faz para nos dar essa nova vida

espiritual. Jesus diz: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem,

nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (Jo 3.8).

C. NESSE SENTIDO DE “REGENERAÇÃO”, ELA VEM ANTES DA FÉ SALVÍFICA

Usando os versículos citados acima, definimos a regeneração como o ato de Deus de despertar

a vida espiritual dentro de nós, trazendo-nos da morte espiritual para a vida espiritual. Sobre

essa definição, é natural entender que a regeneração vem antes da fé salvífica. De fato, é essa

obra de Deus que nos dá capacidade espiritual para responder a Deus com fé. Entretanto,

quando dizemos que ela vem “antes” da fé salvífica, é importante lembrar que elas aparecem

tão juntas que geralmente nos parecerá que estão ocorrendo ao mesmo tempo. Assim que

Deus nos dirige o chamado eficaz do evangelho, ele nos regenera, e respondemos com fé e

arrependimento a esse chamado. Assim, da nossa perspectiva é difícil perceber qualquer

diferença no tempo, especialmente porque a regeneração é uma obra espiritual que não

podemos perceber com nossos olhos nem mesmo entender com nossa mente.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

156

Page 157: Teologia sistemática   grudem

D. A REGENERAÇÃO GENUÍNA DEVE PRODUZIR RESULTADOS NA VIDA

Na seção anterior vimos um belo exemplo do primeiro resultado da regeneração na vida de

uma pessoa, quando Paulo pregou a mensagem do evangelho a Lídia, a quem “o Senhor abriu

o coração para atender às cousas que Paulo dizia” (At 16.14; cf. Jo 6.44, 65; 1Pe 1.3). De

modo semelhante, João diz: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus”

(1Jo 5.1 NVI). Mas também há outros resultados da regeneração, muitos dos quais

especificados na primeira epístola de João. Por exemplo: “Todo aquele que é nascido de Deus

não pratica o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; ele não pode estar no

pecado, porque é nascido de Deus” (1Jo 3.9 NVI) Aqui João explica que a pessoa que nasceu

de novo tem essa “semente” espiritual (que faz gerar a vida e crescer o poder) dentro dela, e

que isso tudo mantém-na levando uma vida isenta do pecado contínuo. Naturalmente, isso não

significa que a pessoa terá uma vida perfeita, mas que o padrão da vida não será de contínua

indulgência em pecado.

CONVERSÃO (FÉ E ARREPENDIMENTO)

Os dois últimos capítulos explicaram como o próprio Deus (por meio da pregação humana da

Palavra) dirige o chamado do evangelho a nós e, através da obra do Espírito Santo, nos

regenera, transmitindo interiormente nova vida espiritual. Podemos definir conversão da

seguinte maneira: Conversão é nossa resposta espontânea ao chamado do evangelho, pela

qual sinceramente nos arrependemos dos nossos pecados e colocamos a confiança em Cristo

para receber a salvação.

A. A VERDADEIRA FÉ SALVÍFICA INCLUI CONHECIMENTO, APROVAÇÃO E CONFIANÇA

PESSOAL

1. Mero conhecimento não basta.

Fé salvífica pessoal, conforme as Escrituras a entendem, envolve mais do que apenas

conhecimento. Naturalmente é necessário que tenhamos algum conhecimento de quem Cristo

é e do que ele fez, porque “como crerão naquele de quem nada ouviram?” (Rm 10.14). Mas

conhecimento sobre os fatos da vida, morte e ressurreição de Jesus não é o bastante para nós,

porque as pessoas podem conhecer os fatos, mas rebelar-se contra eles ou não gostar deles.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

157

Page 158: Teologia sistemática   grudem

2. Conhecimento e aprovação não são suficientes.

Além disso, meramente conhecer os fatos e aprová-los ou concordar que eles são verdadeiros

não é suficiente. Nicodemos sabia que Jesus tinha vindo de Deus, porque disse: “Rabi,

sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu

fazes, se Deus não estiver com ele” (Jo 3.2). Nicodemos tinha avaliado os fatos da situação,

incluindo os ensinos de Jesus e seus milagres notáveis, e chegado a uma conclusão correta a

partir desses fatos: Jesus era um mestre vindo de Deus. Mas isso somente não significa que

Nicodemos tinha fé salvífica, porque ele ainda tinha de depositar sua confiança em Cristo para

receber a salvação; ele ainda tinha de “crer nele”.

3. Preciso decidir depender de Jesus para me salvar.

Além do conhecimento dos fatos do evangelho e da aprovação deles, a fim de ser salvo,

preciso decidir depender de Jesus para me salvar. Ao fazer isso, deixo a posição de um

observador interessado nos fatos da salvação e nos ensinos da Bíblia para tornar-me alguém

que entra numa nova comunhão com Jesus Cristo como uma pessoa viva. Podemos, portanto,

definir fé salvífica da seguinte maneira: Fé salvífica é confiança em Jesus Cristo como uma

pessoa viva visando ao perdão dos pecados e à vida eterna com Deus.

4. A fé deve aumentar à medida que nosso conhecimento aumenta.

Contrário ao entendimento comum e secular de “fé”, a verdadeira fé do Novo Testamento não

é algo que se torna mais forte por meio da ignorância ou acreditando-se contra todas as

evidências. Antes, a fé salvífica é coerente com o conhecimento e com o verdadeiro

entendimento dos fatos. Paulo diz: “A fé vem por ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida

mediante a palavra de Cristo” (Rm 10.17 NVI). Quando as pessoas têm informações

verdadeiras sobre Cristo, elas estão mais bem capacitadas a depositar sua confiança nele.

Além disso, a maioria de nós conhece algo sobre ele e sobre o caráter de Deus que é

completamente revelado nele; a maioria de nós tem todos os motivos para depositar nossa

confiança nele. Assim, a fé não é enfraquecida pelo conhecimento, mas deve aumentar com

mais conhecimento verdadeiro.

B. A FÉ E O ARREPENDIMENTO DEVEM VIR JUNTOS

Podemos definir arrependimento da seguinte maneira: Arrependimento é uma sincera tristeza

por causa do pecado, é renunciá-lo e comprometer-se sinceramente a abandoná-lo, e

prosseguir obedecendo a Cristo.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

158

Page 159: Teologia sistemática   grudem

Essa definição indica que o arrependimento é algo que ocorre em um momento específico do

tempo, que não corresponde necessariamente ao momento da visível transformação no padrão

de vida da pessoa. O arrependimento, assim como a fé, é um entendimento intelectual (de que

o pecado é errado), uma aprovação emocional dos ensinos das Escrituras concernentes ao

pecado (uma tristeza por causa do pecado e uma aversão a ele), e uma decisão pessoal de

afastar-se dele (um renunciar ao pecado e uma decisão resoluta de abandoná-lo e de levar uma

vida de obediência a Cristo).

C. TANTO A FÉ COMO O ARREPENDIMENTO CONTINUAM POR TODA A VIDA

Embora consideremos a fé e o arrependimento iniciais como os dois aspectos da conversão no

começo da vida cristã, é importante compreender que eles não se limitam ao começo da vida

cristã. Ao contrário, são atitudes do coração que continuam por toda a nossa vida como

cristãos. Jesus diz a seus discípulos que orem diariamente: “E perdoa-nos os nossos pecados

assim como temos perdoado àqueles que pecam contra nós” (Mt 6.12, tradução do autor), uma

oração que, se for legítima, certamente envolverá tristeza diária por causa do pecado e

arrependimento genuíno. E o Cristo ressurreto diz à igreja em Laodicéia: “Eu repreendo e

disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te” (Ap 3.19; cf. 2Co 7.10).

JUSTIFICAÇÃO (DIREITO LEGAL DE ESTAR DIANTE DE DEUS)

Nos capítulos anteriores consideramos o chamado do evangelho (pelo qual Deus nos chama a

confiar em Cristo quanto à salvação), a regeneração (pela qual Deus nos concede nova vida

espiritual) e a conversão (pela qual respondemos ao chamado do evangelho com

arrependimento pelos pecados e fé em Cristo para a salvação). Mas o que aconteceu à culpa

pelo nosso pecado? O chamado do evangelho nos convida a confiar em Cristo para receber o

perdão dos pecados.

A. JUSTIFICAÇÃO INCLUI UMA DECLARAÇÃO LEGAL DA PARTE DE DEUS

O uso na Bíblia da palavra justificar indica que a justificação é uma declaração legal da

parte de Deus. No Novo Testamento o verbo justificar (em grego, ) tem

uma variedade de significados, mas um sentido muito comum é “declarar justo”. Por

exemplo, lemos: “Todo o povo que o ouviu e até os publicanos reconheceram a justiça

de Deus, tendo sido batizado com o batismo de João” (Lc 7.29). Naturalmente o povo e

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

159

Page 160: Teologia sistemática   grudem

os publicanos não tornaram Deus justo – fazê-lo seria impossível para quem quer que

seja.

B. DEUS NOS DECLARA JUSTOS À VISTA DELE

Na declaração legal de justificação da parte de Deus, ele declara especificamente que somos

justos à vista dele. Essa declaração envolve dois aspectos. Primeiro, significa que ele declara

que nós não temos penalidade a pagar pelo pecado, incluindo os pecados do presente, do

passado e do futuro. Após uma longa discussão sobre a justificação somente pela fé (Rm 4.1-

5.21) e depois de uma discussão parentética sobre o pecado remanescente na vida cristã,

Paulo retorna a seu argumento principal no livro de Romanos e fala a verdade sobre os que

foram justificados pela fé: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em

Cristo Jesus” (Rm 8.1).

C. DEUS PODE DECLARAR-NOS JUSTOS PORQUE ELE NOS IMPUTA A JUSTIÇA DE CRISTO

Quando dizemos que Deus nos imputa a justiça de Cristo, queremos dizer que Deus considera

a justiça de Cristo como pertencente a nós. Ele a “credita” em nossa conta. Lemos: “Abraão

creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça” (Rm 4.3, citando Gn 15.6 NVI). Paulo

explica: “Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é

atribuída como justiça. E é assim que Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem

Deus atribui justiça, independentemente de obras” (Rm 4.5-6). Desse modo, a justiça de

Cristo tornou-se nossa. Paulo diz que somos os que recebemos “o dom da justiça” (Rm 5.17).

D. A JUSTIFICAÇÃO CHEGA A NÓS INTEIRAMENTE PELA GRAÇA DE DEUS, NÃO POR CAUSA

DE ALGUM MÉRITO EM NÓS MESMOS

Depois que Paulo declara em Romanos 1.18-3.20 que ninguém será capaz de tornar-se justo

diante de Deus (“visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei”, Rm 3.20),

então continua a explicar: “... pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo

justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus (Rm

3.23-24). A “graça” de Deus significa seu “favor imerecido”. Porque nós somos

completamente incapazes de merecer o favor de Deus, a única maneira pela qual pode-ríamos

ser declarados justos é se Deus gratuitamente nos proporcionasse a salvação pela graça,

totalmente à parte de nossas obras.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

160

Page 161: Teologia sistemática   grudem

E. DEUS NOS JUSTIFICA POR MEIO DE NOSSA FÉ EM CRISTO

Quando começamos este capítulo notamos que a justificação vem depois da fé salvífica. Paulo

torna clara essa seqüência quando diz: “Temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos

justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será

justificado” (Gl 2.16). Aqui Paulo indica que a fé vem primeiro com o propósito de sermos

justificados. Ele também diz que Cristo é “propiciação, mediante a fé” e que Deus “é o

justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.25, 26). O capítulo 4 inteiro de Romanos é

uma defesa do fato de que somos justificados pela fé, não por obras, assim como Abraão e

Davi o foram. Paulo diz: “Justificados, pois, mediante a fé” (Rm 5.1).

ADOÇÃO (FILIAÇÃO NA FAMÍLIA DE DEUS)

Na regeneração Deus nos dá uma nova vida espiritual interior. Na justificação dá-nos o direito

legal de estar diante dele. Mas na adoção Deus nos faz membros de sua família. Portanto, o

ensino bíblico sobre a adoção concentra-se muito mais na comunhão pessoal com Deus e com

o seu povo que a salvação nos dá.

A. EVIDÊNCIAS BÍBLICAS DA ADOÇÃO

Podemos definir adoção da seguinte maneira: adoção é um ato de Deus por meio do qual ele

nos faz membros de sua família.

João menciona a adoção no começo do seu evangelho, em que diz: “Mas, a todos quantos o

receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu

nome” (Jo 1.12). Em contraste com isso, aqueles que não crêem em Cristo não são filhos de

Deus nem adotados na sua família, mas são “filhos da ira” (Ef 2.3) e “filhos da

desobediência” (Ef 2.2; 5.6).

B. A ADOÇÃO SEGUE A CONVERSÃO E É RESULTADO DA FÉ SALVÍFICA

Podemos inicialmente pensar que nos tornaríamos filhos de Deus pela regeneração, visto que

a imagem de ser “nascido de novo” na regeneração faz-nos pensar a respeito de filhos

nascidos numa família humana. Mas o Novo Testamento nunca associa a adoção com a

regeneração: de fato a idéia de adoção é oposta à idéia de ser nascido em uma família!

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

161

Page 162: Teologia sistemática   grudem

C. A ADOÇÃO É ALGO DISTINTO DA JUSTIFICAÇÃO

Embora a adoção seja um privilégio que vem a nós ao mesmo tempo em que nos tornamos

cristãos (Jo 1.12; Gl 3.26; 1Jo 3.1-2) é, contudo, um privilégio distinto da justificação e da

regeneração. Na regeneração tornamo-nos espiritualmente vivos, capazes de falar com Deus

em oração e adoração e capazes de ouvir sua Palavra com coração receptivo. Porém, é

possível que Deus tenha criaturas espiritualmente vivas e que, contudo, não são membros de

sua família e não compartilham os privilégios especiais de membros da família – os anjos, por

exemplo, aparentemente se enquadram nessa categoria.3  Portanto, teria sido possível para

Deus decidir dar-nos regeneração sem o grande privilégio da adoção na sua família.

D. OS PRIVILÉGIOS DA ADOÇÃO

Os benefícios ou privilégios que acompanham a adoção são vistos primeiramente no modo

como Deus se refere a nós e também no modo como nós nos referimos uns aos outros como

irmãos e irmãs na família de Deus.

Um dos maiores privilégios da nossa adoção é a possibilidade de falar com Deus e de nos

referirmos a ele como um Pai bom e amoroso. Nós oramos: “Pai nosso, que estás nos céus”

(Mt 6.9), e compreendemos que “já não somos escravos, porém filhos” (Gl 6.7). Portanto,

agora dirigimo-nos a Deus não como um escravo se dirige ao senhor de escravos, mas como

um filho se dirige ao pai. De fato, Deus nos dá um testemunho interno oriundo do Espírito

Santo que faz com que instintivamente chamemos Deus de nosso Pai. “Mas recebestes o

espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai.

SANTIFICAÇÃO (TORNAR-SE SEMELHANTE A CRISTO)

Os capítulos anteriores abordaram os diversos atos de Deus que ocorrem no começo de nossa

vida cristã: o chamado do evangelho (pelo qual Deus se dirige a nós), a regeneração (por

intermédio da qual Deus nos concede vida nova), a justificação (por meio da qual Deus nos dá

o direito legal de estar diante dele) e a adoção (pela qual Deus nos torna membros de sua

família). Também discutimos a conversão (quando nos arrependemos dos pecados e

confiamos em Cristo para receber a salvação). Todos esses eventos ocorrem no começo de

nossa vida cristã. 

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

162

Page 163: Teologia sistemática   grudem

A. DIFERENÇAS ENTRE A JUSTIFICAÇÃO E A SANTIFICAÇÃO

A tabela seguinte especifica diversas diferenças entre a justificação e a santificação:

Justificação

Posição legal

De uma vez por todas

Obra inteiramente de Deus

Perfeita nesta vida

A mesma em todos os cristãos

Santificação

Condição interna

Continua por toda a vida

Nós cooperamos

Não perfeita nesta vida

Maior em alguns do que em outros

Como essa lista indica, a santificação é algo que continua por toda nossa vida cristã. O curso

normal da vida do cristão envolve contínuo crescimento na santificação, e essa é uma questão

para a qual o Novo Testamento nos encoraja a dar atenção e por ela demonstrar zelo.

B. OS TRÊS ESTÁGIOS DA SANTIFICAÇÃO

1. A santificação tem um começo definido na regeneração.

Uma mudança moral definida ocorre em nossa vida no momento da regeneração, porque

Paulo fala sobre o “o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). Uma vez

nascidos de novo não podemos continuar pecando como um hábito ou como um padrão de

vida (1Jo 3.9), porque o poder da nova vida espiritual em nós impede-nos de render-nos a

uma vida de pecados.

2. A santificação aumenta por toda a vida.

Ainda que o Novo Testamento fale sobre um começo definido da santificação, também a vê

como um processo que continua por toda nossa vida cristã. Geralmente esse é o sentido

principal com que o termo santificação é usado na teologia sistemática e nas conversas cristãs

de hoje.  Embora Paulo diga que seus leitores foram libertados do pecado (Rm 6.18) e que

estão “mortos para o pecado, mas vivos para Deus” (Rm 6.11), ele todavia reconhece que o

pecado permanece na vida deles; por essa razão, aconselha-os a não deixá-lo reinar e a nem se

renderem a ele (Rm 6.12-13).

3. A santificação se completará na morte (em nossa alma) e quando o Senhor retornar

(em nosso corpo).

Por causa do pecado que ainda permanece em nosso coração, embora tendo-nos tornado

cristãos (Rm 6.12-13; 1Jo 1.18), nossa santificação nunca se completará nesta vida (veja

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

163

Page 164: Teologia sistemática   grudem

abaixo). Mas uma vez que morramos e estejamos com o Senhor, então nossa santificação se

completa nesse sentido, porque nossa alma é libertada do pecado que habita em nós

aperfeiçoada. O autor de Hebreus diz que quando chegamos à presença de Deus para adorar,

chegamos “aos espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12.23). Isso é bem apropriado, porque

prevê o fato de que “nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada” na presença de Deus,

a cidade celestial (Ap 21.27).

4. A santificação nunca se completará nesta vida.

Sempre houve na história da igreja quem tomasse mandamentos como Mateus 5.48

(“Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste”) ou 2Coríntios 7.1

(“purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a

nossa santidade no temor de Deus”) e raciocine que, visto que Deus nos dá esses

mandamentos, ele deve-nos dar também a capacidade de obedecer perfeitamente.

Portanto, concluem, é-nos possível alcançar um estado de perfeição sem pecado nesta

vida. Além disso, eles apontam para a oração de Paulo pelos tessalonicenses, “o mesmo

Deus da paz vos santifique em tudo” (1Ts 5.23), e inferem que a oração de Paulo pode

bem ter sido cumprida por alguns cristãos tessalonicenses. De fato, João igualmente diz:

“Todo aquele que permanece nele não vive pecando” (1Jo 3.6)! Não indicam esses

versículos a possibilidade da perfeição sem pecado na vida de alguns cristãos? Nesta

discussão usarei o termo perfeccionismo para referir-me a essa visão de que a perfeição

sem pecado é possível nesta vida.

C. DEUS E O HOMEM COOPERAM NA SANTIFICAÇÃO

Alguns (tais como John Murray) recusam-se a dizer que Deus e o homem “cooperam” na

santificação, porque eles querem insistir que a obra de Deus é fundamental e nossa obra na

santificação é apenas algo secundário (veja Fp 2.12-13). Entretanto, se expusermos

claramente a natureza do papel de Deus e do nosso papel na santificação, não parece

impróprio dizer que Deus e o homem cooperam na santificação. Deus atua na nossa

santificação e nós também, tudo com o mesmo propósito.

1. A papel de Deus na santificação.

Visto que a santificação é principalmente uma obra de Deus, a oração de Paulo torna-se

apropriada: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo” (1Ts 5.23). Um papel específico

de Deus Pai na santificação é seu processo de nos disciplinar como seus filhos (veja Hb 12.5-

11). Paulo diz aos filipenses que “Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar,

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

164

Page 165: Teologia sistemática   grudem

segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13), mostrando assim um pouco da maneira como Deus os

santifica – tanto causando neles o querer sua vontade como dando-lhes poder para fazê-la. O

autor de Hebreus fala sobre o papel do Pai e sobre o papel do Filho numa bênção conhecida:

“Ora, o Deus da paz [...] vos aperfeiçoe em todo o bem, para cumprirdes a sua vontade,

operando em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo, a quem seja a glória para

todo o sempre” (Hb 13.20-21).

2. O nosso papel na santificação.

O papel que desempenhamos na santificação é tanto passivo, pelo qual dependemos de que

Deus nos santifique, como ativo, pelo qual nos esforçamos para obedecer a Deus e dar os

passos que aumentarão a nossa santificação. Podemos considerar agora os dois aspectos de

nosso papel na santificação.

Primeiro, aquele que pode ser chamado papel “passivo” que desempenhamos na santificação é

visto em textos que nos encorajam a confiar em Deus ou a orar pedindo que ele nos

santifique. Paulo fala a seus leitores romanos: “Oferecei-vos a Deus, como ressurretos dentre

os mortos” (Rm 6.13; cf. v. 19), e também: “... apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo,

santo e agradável a Deus” (Rm 12.1). Paulo compreende que somos dependentes da obra do

Espírito Santo para crescer na santificação, porque ele diz: “Se, pelo Espírito, mortificardes os

feitos do corpo, certamente, vivereis” (Rm 8.13).

D. A SANTIFICAÇÃO AFETA A PESSOA COMO UM TODO

Percebemos que a santificação afeta nosso intelecto e nosso conhecimento quando Paulo diz

que nos revestimos do novo homem “que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a

imagem daquele que o criou” (Cl 3.10). Ele ora para que os filipenses possam ver seu próprio

amor aumentando “mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção” (Fp 1.9). E roga

aos cristãos romanos que se transformem “pela renovação da vossa mente” (Rm 12.2).

Embora nosso conhecimento de Deus seja mais do que conhecimento intelectual, há

certamente um componente intelectual nele, e Paulo diz que esse conhecimento de Deus deve

continuar aumentando durante nossa vida: uma vida “de modo digno do Senhor, para o seu

inteiro agrado” é uma vida que está continuamente “crescendo no pleno conhecimento de

Deus” (Cl 1.10).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

165

Page 166: Teologia sistemática   grudem

E. MOTIVOS PARA A OBEDIÊNCIA A DEUS NA VIDA CRISTÃ

Os cristãos às vezes deixam de reconhecer o alcance dos motivos para a obediência a Deus

encontrados no Novo Testamento. (1) É verdade que o desejo de agradar a Deus e de

expressar nosso amor por ele é um motivo muito importante para a obediência; Jesus diz: “Se

me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14.15), e: “Aquele que tem os meus

mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21; cf. 1Jo 5.3). Mas muitos outros

motivos nos são dados também: (2) a necessidade de manter uma consciência limpa diante de

Deus (Rm 13.5; 1Tm 1.5, 19; 2Tm 1.3; 1Pe 3.16); (3) o desejo de ser um “utensílio para

honra” e ter a eficiência aumentada na obra do reino (2Tm 2.20-21); (4) o desejo de ver os

incrédulos vindo a Cristo por terem observado nossa vida (1Pe 3.1-2, 15-16); (5) o desejo de

receber as bênçãos atuais de Deus sobre nossa vida e ministério (1Pe 3.9-12); (6) o desejo de

evitar o desprazer e a disciplina de Deus sobre nós (às vezes chamado “temor de Deus”; At

5.11; 9.31; 2Co 5.11; 7.1; Ef 4.30; Fp 2.12; 1Tm 5.20; Hb 12.3-11; 1Pe 1.17; 2.17; cf. a

condição dos incrédulos em Rm 3.8); (7) o desejo de buscar maior galardão celestial (Mt

6.19-21; Lc 19.17-19; 1Co 3.12-15; 2Co 5.9-10);17  (8) o anseio por um andar mais próximo

de Deus (Mt 5.8; Jo 14.21; 1Jo 1.6; 3.21-22; e, no Antigo Testamento, Sl 66.18; Is 59.2); (9) o

desejo de que os anjos glorifiquem a Deus por causa da nossa obediência (1Tm 5.21; 1Pe

1.12); (10) o desejo de paz (Fp 4.9) e alegria (Hb 12.1-2) em nossa vida; e (11) o anseio de

fazer o que Deus ordena, simplesmente porque seus mandamentos são corretos, e nós nos

deleitamos em fazer o que é correto (Fp 4.8; cf. Sl 40.8).

F. A BELEZA E A ALEGRIA DA SANTIFICAÇÃO

Não seria correto terminar nossa discussão sem observar que a santificação nos traz alegria.

Quanto mais crescemos à semelhança de Cristo, tanto mais experimentamos a “alegria” e a

“paz” que são parte do fruto do Espírito Santo (Gl 5.22) e tanto mais nos aproximamos do

tipo de vida que teremos no céu. Paulo diz que à medida que nos tornamos cada vez mais

obedientes a Deus, temos o nosso “fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna” (Rm

6.22).

BATISMO E PLENITUDE NO ESPÍRITO SANTO

Tradicionalmente, os livros de teologia sistemática não têm incluído um capítulo sobre o

batismo no Espírito Santo nem sobre a plenitude do Espírito Santo como parte do estudo da

“ordem de salvação”, os passos através dos quais os benefícios da salvação se aplicam à nossa

vida. Mas com a disseminação do pentecostalismo que se iniciou em 1901, com a influência

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

166

Page 167: Teologia sistemática   grudem

bem ampla do movimento carismático nas décadas de 1960 e 1970 e com o notável

crescimento das igrejas pentecostais e carismáticas pelo mundo inteiro desde 1970 até o

presente, a questão de um “batismo no Espírito Santo” distinto da regeneração adquiriu maior

proeminência.

A. A CONCEPÇÃO PENTECOSTAL TRADICIONAL

O tema deste capítulo se tornou importante hoje porque muitos cristãos dizem ter

experimentado um “batismo no Espírito Santo” que veio depois que eles se converteram e

trouxe grandes bênçãos para a vida deles. Alegam que a oração e o estudo da Bíblia se

tornaram muito mais importantes e eficazes, que descobriram nova alegria na adoração, e

muitas vezes dizem que receberam novos dons espirituais (em especial, e com mais

freqüência, o dom de falar em línguas).

B. QUE SIGNIFICA “BATISMO NO ESPÍRITO SANTO” NO NOVO TESTAMENTO?

Há apenas sete passagens no Novo Testamento em que lemos sobre alguém batizado no

Espírito Santo. (As traduções citadas aqui usam a palavra com em lugar de em.) Alistamos

abaixo as sete passagens.

C. COMO DEVEMOS ENTENDER OS CASOS DE “SEGUNDA EXPERIÊNCIA” EM ATOS?

Mas mesmo que tenhamos entendido corretamente a experiência dos discípulos no

Pentecostes registrada em Atos 2, não há outros exemplos de pessoas que tiveram uma

“segunda experiência” de capacitação pelo Espírito Santo depois da conversão, como aquelas

de Atos 8 (em Samaria), Atos 10 (a família de Cornélio) e Atos 19 (os discípulos de Éfeso)?

Estes não são também exemplos realmente convincentes para provar a doutrina pentecostal do

batismo no Espírito Santo. Primeiro, normalmente a expressão “batismo no Espírito Santo”

não é usada para se referir a qualquer desses eventos, e isso deve causar-nos certa hesitação

em aplicar essa frase a eles. Mas o mais importante é que ao examinar cada caso mais de perto

vemos mais claramente o que estava acontecendo nesses eventos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

167

Page 168: Teologia sistemática   grudem

D. QUE TERMOS DEVEMOS USAR PARA NOS REFERIR À CAPACITAÇÃO PELO ESPÍRITO

SANTO QUE ACONTECE DEPOIS DA CONVERSÃO?

As seções anteriores argumentaram que “batismo no Espírito Santo” não é o termo usado

pelos autores do Novo Testamento para falar de uma obra do Espírito Santo pós-conversão e

que os exemplos de “segunda experiência” de recepção do Espírito Santo no livro de Atos não

são padrões que devemos imitar em nossa vida cristã. Mas permanece a questão: “Que está

acontecendo realmente aos milhões de pessoas que afirmam que receberam esse ‘batismo no

Espírito Santo’ e que isso trouxe muito mais bênçãos à sua vida? Será possível que essa seja

uma obra genuína do Espírito Santo, mas que as categorias e os exemplos bíblicos usados

para ilustrá-la sejam incorretos? Poderia haver outras expressões e ensinos bíblicos para

designar essa espécie de obra do Espírito Santo após a conversão e ajudar-nos a entendê-la de

modo mais preciso?” Penso que há, mas antes de olharmos para elas, é conveniente comentar

a importância de ter um entendimento correto sobre essa questão.

1. Ensinar um cristianismo de duas categorias provoca danos à igreja.

Em várias épocas na história da igreja os cristãos tentaram dividir a igreja em duas categorias

de crentes. É isso o que ocorre com efeito com a doutrina pentecostal do batismo no Espírito

Santo.

Mas tal divisão de cristãos em duas categorias não é uma compreensão singular encontrada

somente no ensino pentecostal no século XX. De fato, muito do ensino pentecostal veio de

antigos grupos de santidade que ensinavam que os cristãos poderiam ser crentes comuns ou

crentes “santificados”. Outros grupos têm dividido os cristãos usando diferentes categorias,

tais como crentes comuns e aqueles que são “cheios do Espírito”, ou crentes comuns e aqueles

que são “discípulos”, ou cristãos “carnais” e “espirituais”. De fato, a Igreja Católica Romana

há muito tem não só duas, mas três categorias: crentes comuns, sacerdotes e santos.

2. Há muitos graus de capacitação, comunhão com Deus e maturidade cristã pessoal.

Haveria um modelo melhor para entender os vários graus de maturidade e poder e comunhão

com Deus experimentados pelos cristãos? Se desejamos eliminar as categorias que nos fazem

pensar em cristãos em um grupo ou outro.

a. Como devemos entender as experiências de hoje? Que tem acontecido então às pessoas que

dizem ter experimentado o “batismo no Espírito Santo” que lhes trouxe grandes bênçãos à

vida? Devemos entender primeiro o que é normalmente ensinado sobre a necessidade de se

preparar para o batismo no Espírito Santo. Com muita freqüência as pessoas são ensinadas

que devem confessar todos os pecados conhecidos, arrepender-se de qualquer pecado que

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

168

Page 169: Teologia sistemática   grudem

permaneça em sua vida, confiar em Cristo para receber o perdão desses pecados, entregar

todas as áreas da vida para o serviço do Senhor, entregar-se plenamente a ele e crer que Cristo

vai capacitá-las de uma maneira nova e equipá-las com novos dons para o ministério. Então,

depois dessa preparação, elas são encorajadas a pedir a Jesus em oração que as batize no

Espírito Santo. Mas que fruto é produzido por essa preparação? Ela é uma receita segura para

crescimento expressivo na vida cristã! Essa confissão, arrependimento, compromisso

renovado e fé e expectativa intensificadas, caso sejam genuínas, só podem trazer resultados

positivos na vida de uma pessoa. Se qualquer cristão for sincero nesses passos de preparação

para receber o batismo no Espírito Santo, com certeza haverá crescimento em santificação e

comunhão mais profunda com Deus.

b. Que termos devemos usar hoje? Agora podemos entender por que os termos que usamos

para descrever essa experiência e a categoria de entendimento em que a colocamos são tão

importantes. Se usarmos a terminologia pentecostal tradicional de “batismo do Espírito

Santo”, então quase inevitavelmente acabamos caindo no cristianismo de duas categorias, pois

isso é visto como uma experiência comum que pode e de fato deve ocorrer a cristãos num

ponto da linha do tempo, e, uma vez que tenha ocorrido, não precisa mais ser repetida. É visto

como uma experiência singular de capacitação para o ministério, distinta da experiência de se

tornar cristão, e as pessoas ou já receberam essa experiência ou ainda não. Em especial,

quando a experiência é descrita em termos do que ocorreu aos discípulos no Pentecostes em

Atos 2 (que foi claramente para eles uma experiência única), os samaritanos em Atos 8 e os

discípulos de Éfeso em Atos 19, infere-se claramente que ela é um evento único que não só

capacita as pessoas para o ministério, mas também as coloca numa categoria ou grupo

diferente daquele em que estavam antes desse acontecimento. O uso do termo “o batismo no

Espírito Santo” inevitavelmente implica dois grupos de cristãos.

c. Que é “ser cheio do Espírito Santo”? Contudo, o termo ainda mais comumente usado no

Novo Testamento é “ser cheio do Espírito Santo”. Por causa do seu freqüente uso em

contextos que falam de crescimento cristão e ministério, este me parece o melhor termo a ser

usado para descrever as genuínas “segundas experiências” hoje (ou terceira ou quarta

experiência, etc.). Paulo diz aos efésios: “Não se embriaguem com vinho, que leva à

libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito” (Ef 5.18, NVI). Ele usa um verbo no

presente do imperativo que poderia ser traduzido de modo mais explícito por “sejam

continuamente cheios pelo Espírito Santo”, dando a entender assim que isso é algo que deve

acontecer continuamente com os cristãos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

169

Page 170: Teologia sistemática   grudem

3. Ser cheio do Espírito Santo não resulta sempre em falar em línguas.

Resta ainda um ponto que precisa ser tratado com respeito à experiência de ser cheio do

Espírito Santo. Por existirem vários casos em Atos em que pessoas receberam o poder da

nova aliança do Espírito Santo e começaram ao mesmo tempo a falar em línguas (At 2.4;

10.46; 19.6; provavelmente implícito também em 8.17-19 por causa do paralelo com a

experiência dos discípulos em At 2), o ensino pentecostal normalmente tem sustentado que o

sinal externo do batismo no Espírito Santo é o falar em línguas (isto é, falar em línguas que

não são entendidas e não foram aprendidas pela pessoa que fala, sejam línguas humanas

conhecidas, sejam outras espécies de línguas angelicais ou celestiais ou dadas

miraculosamente).

A PERSEVERANÇA DOS SANTOS (CONSERVAR-SE CRISTÃO)

Até aqui a nossa análise já abordou muitos aspectos da plena salvação que Cristo conquistou

para nós e que o Espírito Santo agora aplica a nós. Mas como saber que continuaremos

cristãos até o fim da vida? Será que há alguma coisa que nos impeça de nos afastar de Cristo,

algo que garanta que nos conservaremos cristãos até a morte e que de fato viveremos com

Deus no céu para sempre? Ou será possível que nos afastemos de Cristo e percamos as

bênçãos da salvação? O tema da perseverança dos santos trata dessas questões. Pela

perseverança dos santos, todos aqueles que verdadeiramente nasceram de novo serão

guardados pelo poder de Deus e perseverarão como cristãos até o final da vida, e só aqueles

que perseverarem até o fim realmente nasceram de novo.

A. TODOS OS QUE VERDADEIRAMENTE NASCERAM DE NOVO PERSEVERARÃO ATÉ O FIM

Muitas passagens pregam que aqueles que verdadeiramente nasceram de novo, que são

realmente cristãos, continuarão na vida cristã até a morte, e então viverão com Cristo no céu.

Diz Jesus:

Eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia. De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer tenha vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia (Jo 6.38-40).

Aqui diz Jesus que todos os que crêem nele terão vida eterna. Diz que irá ressuscitar essa

pessoa no último dia — o que, nesse contexto de crer no Filho e ter vida eterna, significa

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

170

Page 171: Teologia sistemática   grudem

claramente que Jesus ressuscitará essa pessoa para a vida eterna ao lado dele (não somente a

ressuscitará para juízo e condenação). Parece difícil evitar a conclusão de que todos os que

verdadeiramente crêem em Cristo permanecerão cristãos até o dia da ressurreição final para as

bênçãos da vida na presença de Deus. Além disso, esse texto enfatiza que Jesus faz a vontade

do Pai, ou seja, “que nenhum eu perca de todos os que me deu” (Jo 6.39). Reafirma-se então:

os que foram dados ao Filho pelo Pai não se perderão.

B. SÓ AQUELES QUE PERSEVERAREM ATÉ O FIM REALMENTE NASCERAM DE NOVO

Embora as Escrituras vez após vez ressaltem que os que verdadeiramente nasceram de novo

perseverarão até o fim e por certo terão a vida eterna no céu ao lado de Deus, outras passagens

falam da necessidade de persistir na fé por toda a vida. Elas nos fazem perceber que aquilo

que Pedro disse em 1Pedro 1.5 é verdade: que Deus não nos guarda independentemente da

nossa fé, mas só age mediante a nossa fé; ou seja, possibilita que continuemos a crer nele.

Desse modo, aqueles que persistem na fé em Cristo ganham a certeza de que Deus age neles e

os guarda.

C. AQUELES QUE ACABAM SE AFASTANDO PODEM DAR MUITOS SINAIS EXTERIORES DE

CONVERSÃO

Será sempre fácil distinguir os membros da igreja que têm autêntica fé salvífica daqueles que

têm apenas um convencimento intelectual da verdade do evangelho, mas não a autêntica fé no

coração? Não, nem sempre é fácil, e a Bíblia afirma em várias passagens que descrentes em

aparente comunhão com a igreja podem dar alguns sinais ou indicações exteriores que os

façam parecer crentes verdadeiros. Por exemplo, Judas, que traiu Cristo, deve ter agido quase

exatamente como os outros discípulos durante os três anos em que esteve com Jesus. Tão

convincente era a sua conformidade à conduta dos outros discípulos que ao final dos três anos

de ministério de Jesus, quando ele declarou que um dos seus discípulos o trairia, nem todos

suspeitaram de Judas, mas “começaram um por um a perguntar-lhe: Porventura, sou eu,

Senhor?” (Mt 26.22; cf. Mc 14.19; Lc 22.23; Jo 13.22).

D. O QUE PODE DAR AO CRENTE A PLENA SEGURANÇA?

Se é verdade, como explicamos na seção anterior, que os descrentes que finalmente optam

pela apostasia podem dar muitos sinais exteriores de conversão, então o que servirá como

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

171

Page 172: Teologia sistemática   grudem

prova de uma conversão genuína? O que pode dar plena certeza ao crente autêntico? Podemos

relacionar três categorias de perguntas que a pessoa poderia fazer a si mesma.

1. Será que confio hoje na salvação de Cristo?

Paulo diz aos colossenses que eles serão salvos no último dia, “se é que permaneceis na fé,

alicerçados e firmes, não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes” (Cl

1.23). O autor de Hebreus diz: “Nos temos tornado participantes de Cristo, se, de fato,

guardarmos firme, até ao fim, a confiança que, desde o princípio, tivemos” e incentiva os seus

leitores a imitar aqueles “que, pela fé e pela longanimidade, herdam as promessas” (Hb 6.12).

De fato, o versículo mais famoso de toda a Bíblia usa um verbo no presente e pode ser assim

traduzido: “... todo aquele que continuar crendo nele” terá a vida eterna (ver Jo 3.16).

2. Há porventura no meu coração provas da obra regeneradora do Espírito Santo?

A prova da obra do Espírito Santo no nosso coração surge de muitos modos diferentes.

Embora não devamos confiar na demonstração de milagres (Mt 7.22), nem em longas horas

ou anos de trabalho numa igreja qualquer (que pode não passar de uma construção feita de

“madeira, feno, palha” [nas palavras de 1Co 3.12] que só faz inflar o ego humano ou o poder

sobre os outros, ou representa uma tentativa de conquistar méritos perante Deus), existem

muitas outras provas da obra autêntica do Espírito Santo no coração da pessoa.

3. Será que percebo uma tendência constante de crescimento na minha vida cristã?

Os primeiros dois fatores de certeza da salvação têm que ver com a fé presente e a prova atual

da obra do Espírito Santo em nós. Mas Pedro dá mais um tipo de teste que podemos fazer para

verificar se somos crentes autênticos. Ele nos diz que há algumas virtudes que, cultivadas

continuamente, garantem que não tropeçaremos “em tempo algum” (2Pe 1.10). Ele aconselha

aos seus leitores acrescer à sua fé “virtude [...] conhecimento [...] domínio próprio [...]

perseverança [...] piedade [...] fraternidade [...] amor” (2Pe 1.5-7). Depois diz que essas coisas

devem existir nos seus leitores, “aumentando” continuamente (2Pe 1.8). Pedro ainda

acrescenta que eles devem procurar “com diligência cada vez maior, confirmar a [...] vocação

e eleição [deles]” e diz depois que “procedendo assim (literalmente, “fazendo essas coisas”,

com referência às virtudes mencionadas nos v. 5-7), não tropeçareis em tempo algum” (2Pe

1.10).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

172

Page 173: Teologia sistemática   grudem

A MORTE E O ESTADO INTERMEDIÁRIO

A. POR QUE OS CRISTÃOS MORREM?

Nossa abordagem sobre a aplicação da redenção não pode deixar de considerar a morte e a

questão de como o cristão deve encarar sua própria morte e também a de outros. É necessário

também que perguntemos o que acontece conosco entre o momento de nossa morte e a volta

de Cristo, quando ele nos dará nosso corpo ressurreto.

1. A morte não é um castigo para os cristãos.

Paulo diz-nos claramente que “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”

(Rm 8.1). Toda a pena dos nossos pecados já foi paga. Portanto, embora saibamos que os

cristãos morrem, não devemos ver a morte do cristão como um castigo de Deus ou como

resultado da punição devida dos nossos pecados. É verdade que a morte é a punição do

pecado, todavia essa punição não se aplica mais a nós – não em termos de morte física, nem

em termos de morte espiritual ou separação de Deus. Tudo já foi pago por Cristo. Portanto, se

queremos entender por que os cristãos morrem, devemos procurar alguma outra razão que não

seja o castigo dos nossos pecados.

2. Em um mundo caído, a morte é o desfecho da vida.

Em sua grande sabedoria, Deus decidiu que não estenderia a nós os benefícios da obra

redentora de Cristo de uma só vez. Em vez disso, escolheu estender gradualmente a nós os

benefícios da salvação .De igual modo, Deus não quis eliminar de imediato todo o mal do

mundo, mas sim esperar até o juízo final e o estabelecimento dos novos céus e da nova. Em

resumo, ainda vivemos em um mundo caído, e nossa experiência da salvação ainda é

incompleta.

3. Deus usa a experiência da morte para completar a nossa salvação.

Em toda a nossa vida como cristãos, sabemos que nunca temos de pagar pelo pecado, pois

tudo foi pago por Cristo (Rm 8.1). Portanto, quando experimentamos dor e sofrimento na

vida, nunca devemos pensar que Deus está-nos castigando (para nos causar algum mal). Às

vezes o sofrimento é apenas resultado de uma vida pecaminosa, de um mundo caído, e muitas

vezes passamos por sofrimento porque Deus está-nos disciplinando (para o nosso bem), mas

em todos os casos temos certeza, conforme Romanos 8.28, de que “Deus age em todas as

coisas para o bem daqueles que o amam, que foram chamados de acordo com o seu propósito”

(NVI).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

173

Page 174: Teologia sistemática   grudem

4. Nossa experiência da morte completa nossa união com Cristo.

Outra razão por que Deus nos permite passar pela morte, em vez de levar-nos diretamente

para o céu quando nos tornamos cristãos, é que através da morte imitamos a Cristo no que ele

fez, experimentando assim uma união mais íntima com ele. Paulo pode afirmar que somos

herdeiros com Cristo: “Se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados” (Rm

8.17). E Pedro diz aos seus leitores que não se surpreendam com a prova de fogo que estão

enfrentando, antes, anima-os, dizendo: “Alegrai-vos na medida em que sois co-participantes

dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis

exultando” (1Pe 4.13).

5. Nossa obediência a Deus é mais importante do que a preservação de nossa vida.

Se Deus usa a experiência da morte para aprofundar nossa confiança nele e aumentar nossa

obediência a ele, é importante que nos lembremos de que o alvo do mundo de preservar a vida

a todo custo não é o principal alvo do cristão: obediência e fidelidade a Deus em qualquer

circunstância é muito mais importante. Foi por essa razão que Paulo podia dizer: Estou pronto

não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus” (At

21.13; cf. 25.11). Ele disse aos líderes de Éfeso: “Porém em nada considero a minha vida

preciosa, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus

para testemunhar do evangelho da graça de Deus” (At 20.24).

B. COMO DEVEMOS ENTENDER NOSSA PRÓPRIA MORTE E A MORTE DOS OUTROS?

1. Nossa própria morte.

O Novo Testamento incentiva-nos a ver nossa própria morte não com temor, mas com alegria

na esperança de estar com Cristo. Paulo diz: “Preferindo deixar o corpo e habitar com o

Senhor” (2Co 5.8). Quando estava preso, sem saber se iria morrer ou ser libertado, ele pôde

afirmar:

Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro. Entretanto se o viver na carne

traz fruto para o meu trabalho, já não sei o que hei de escolher. Ora, de um e outro lado,

estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é

incomparavelmente melhor.

2. A morte dos amigos e parentes cristãos.

Embora possamos ver nossa própria morte com a feliz expectativa de estar na presença de

Cristo, nossa atitude será um pouco diferente quando enfrentarmos a morte de amigos e

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

174

Page 175: Teologia sistemática   grudem

parentes cristãos. Nesses casos haveremos de experimentar verdadeira tristeza – mas

acompanhada também de alegria pelo fato de eles terem partido para estar com o Senhor.

C. O QUE ACONTECE DEPOIS DA MORTE?

1. A alma dos cristãos vai imediatamente para a presença de Deus.

A morte é a interrupção temporária da vida no corpo e a separação da alma do corpo. Quando

o cristão morre, embora o corpo permaneça na terra e seja sepultado, no momento da morte a

alma (ou o espírito) vai imediatamente para a presença de Deus, cheia de alegria. Quando

Paulo pensa em morte, ele afirma: “Preferindo deixar o corpo, e habitar com o Senhor” (2Co

5.8). Deixar o corpo é estar com o Senhor, no lar. Ele também diz que seu desejo é “partir e

estar com Cristo” (Fp 1.23). Jesus também disse ao ladrão que estava morrendo ao lado dele

na cruz: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.46).

a. A Bíblia não ensina a doutrina do purgatório. O fato de que a alma do cristão vai

imediatamente para a presença de Deus significa que não existe algo como o purgatório. Na

doutrina católica romana, o purgatório é o lugar onde a alma do cristão é purificada do pecado

até que esteja pronta para ser aceita no céu. De acordo com essa posição, os sofrimentos do

purgatório são dados a Deus como substitutos do castigo pelos pecados que os cristãos

mereciam ter recebido, e não receberam.

b. A Bíblia não ensina a doutrina do “sono da alma”. O fato de que a alma dos cristãos vai

imediatamente para a presença de Deus também significa que a doutrina do sono da alma

está errada. Essa doutrina ensina que quando os cristãos morrem, eles entram em um estado

de existência inconsciente e que voltarão à consciência somente quando Cristo voltar e

ressuscitá-los para a vida eterna. Essa doutrina tem sido ensinada eventualmente por alguns na

história da igreja, inclusive alguns anabatistas da época da Reforma e alguns seguidores de

Edward Irving na Inglaterra no século XIX. Na verdade, um dos primeiros escritos de João

Calvino foi um folheto contra tal doutrina, a qual nunca teve ampla aceitação na igreja.

c. Será que os salvos do Antigo Testamento foram imediatamente para a presença de Deus?

Alguns têm dito que, embora as almas dos salvos desde a ressurreição de Cristo vão

imediatamente para a presença de Deus no céu, as almas dos salvos que morreram antes da

ressurreição de Cristo não desfrutaram das bênçãos do céu, mas foram para determinado

lugar, aguardando que a obra redentora de Cristo fosse completada. Às vezes isso é chamado

o limbus patrum, ou simplesmente limbo. Essa posição é especialmente comum na teologia

católica romana, mas também tem sido defendida por alguns luteranos. Parte do fundamento

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

175

Page 176: Teologia sistemática   grudem

dessa doutrina vem de uma interpretação particular da idéia da descida de Cristo ao inferno,

que já discutimos em capítulo anterior.

d. Devemos orar pelos mortos? Finalmente, o fato de que as almas dos salvos vai

imediatamente para a presença de Deus mostra que não devemos orar pelos mortos. Embora

essa idéia seja ensinada em 2Macabeus 12.42-45, ela não é ensinada em nenhum texto bíblico.

Além disso, não há indicação de que tenha sido prática de nenhum cristão da época do Novo

Testamento, nem deveria tê-lo sido. Quando os salvos morrem, vão para a presença de Deus e

entram em um estado de perfeita felicidade com ele.

2. A alma dos descrentes vai imediatamente para o castigo eterno.

A Bíblia nunca nos incentiva a pensar que haverá segunda chance de aceitar Cristo depois da

morte. Na verdade, o quadro é exatamente o oposto. A passagem em que Jesus fala do rico e

de Lázaro não dá esperanças de que seja possível passar do inferno para o céu depois da

morte, apesar de ter o rico clamado no inferno: “Pai Abraão, tem misericórdia de mim! E

manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou

atormentado nesta chama”. E Abraão respondeu: “E, além de tudo, está posto um grande

abismo entre nós e vós, de sorte que os que querem passar daqui para vós outros não podem,

nem os de lá passar para nós” (Lc 16.24-26).

GLORIFICAÇÃO (RECEBER O CORPO RESSURRETO)

Quando Cristo nos redimiu, ele não redimiu apenas o nosso espírito (ou alma), mas

inteiramente, como pessoa, o que inclui a redenção do nosso corpo. Portanto, a extensão da

obra redentora de Cristo em nosso favor não estará completa até que nosso corpo seja

inteiramente libertado dos efeitos da queda e levado ao estado de perfeição para o qual Deus

nos criou. Na verdade, a redenção do nosso corpo acontecerá somente quando Cristo voltar e

nos ressuscitar dentre os mortos. Mas no presente momento, Paulo afirma que aguardamos “a

redenção de nossos corpos” e acrescenta “pois nessa esperança fomos salvos” (Rm 8.23-24).

Referindo-se àquele dia futuro Paulo diz que seremos “glorificados com ele” (Rm 8.17).

Além disso, quando Paulo alinha as etapas da aplicação da redenção, a última que ele cita é a

glorificação: “... aos quais predestinou também chamou; aos que chamou também justificou; e

aos que justificou também glorificou” (Rm 8.30).

A. A PROVA DA GLORIFICAÇÃO NO NOVO TESTAMENTO

A principal passagem do Novo Testamento sobre a glorificação ou a ressurreição do

corpo é 1Coríntios 15.12-58. Paulo afirma: “Também em Cristo todos serão vivificados.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

176

Page 177: Teologia sistemática   grudem

Mas cada um por sua vez: Cristo, as primícias, e então na sua vinda os que pertencem a

Cristo” (v. 22-23). Paulo discute a natureza do corpo da ressurreição com certo grau de

detalhamento nos versículos 35-50, que examinaremos mais adiante na seção C. Ele

então conclui a passagem dizendo que nem todos os cristãos morrerão, mas que alguns

que permanecerem vivos quando Cristo voltar terão o corpo imediatamente transformado

em novo corpo ressurreto, que nunca poderá envelhecer, enfraquecer nem morrer (1Co

15.51-52).

B. A BASE DA GLORIFICAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO

Às vezes fala-se que o Antigo Testamento traz pouca ou nenhuma evidência da esperança de

uma futura ressurreição do corpo. Todavia, há na verdade mais evidência veterotestamentária

dessa esperança do que possamos imaginar. Em primeiro lugar, mesmo antes de Jesus

ressuscitar dos mortos, o Novo Testamento indica que muitos judeus da época de Cristo

tinham alguma esperança de uma futura ressurreição do corpo. Quando Jesus foi à casa de

Lázaro, depois da morte deste, e disse à Marta: “Teu irmão vai ressuscitar”, Marta responde:

“Eu sei que ele há de ressuscitar na ressurreição do último dia” (Jo 11.23-24). Além disso,

quando Paulo estava no tribunal, disse a Félix que ele tinha uma “esperança em Deus que

estes mesmos [seus acusadores judeus] aceitam, que haverá uma ressurreição de justos e de

injustos” (At 24.15).

C. COM QUE SE PARECERÁ O CORPO DA RESSURREIÇÃO?

Se Cristo ressuscitará o nosso corpo dentre os mortos na ocasião de sua volta, e se o nosso

corpo será semelhante ao corpo ressurreto de Cristo (1Co 15.20, 23, 49; Fp 3.21), com que se

parecerá o nosso corpo ressurreto?

O fato de que o nosso corpo será “incorruptível” significa que ele não se desgastará, não

envelhecerá e não estará sujeito a nenhuma enfermidade ou doença. Será para sempre um

corpo plenamente saudável e forte. Além disso, visto que o envelhecimento gradual faz parte

do processo pelo qual o nosso corpo está agora sujeito à “corrupção”, é certo pensar que o

corpo da ressurreição não terá sinais de envelhecimento, mas terá perpetuamente as

características da juventude acompanhadas de maturidade como homens e mulheres. Não

haverá sinal de doença nem de dor, pois todos seremos perfeitos. O nosso corpo ressurreto

mostrará o cumprimento da plena sabedoria de Deus ao criar-nos como seres humanos, ápice

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

177

Page 178: Teologia sistemática   grudem

de sua criação, portadores adequados de sua imagem e semelhança. Nesse corpo ressurreto

veremos o que Deus pretendia que fôssemos enquanto seres humanos.

D. TODA A CRIAÇÃO TAMBÉM SERÁ RENOVADA

Quando Adão pecou Deus amaldiçoou a terra por causa dele (Gn 3.17-19), de maneira que ela

passou a produzir cardos e abrolhos e só daria alimento útil para o homem por meio de

trabalho árduo. Mas Paulo afirma que “a própria criação será redimida do cativeiro da

corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.21). Ele explica que isso

acontecerá quando recebermos o corpo da ressurreição – de fato, ele afirma que a criação

anseia, de algum modo, por aquele dia: “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação

dos filhos de Deus [...] Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta

angústias até agora.

E. OS DESCRENTES SERÃO RESSUSCITADOS PARA JULGAMENTO NO DIA DO JUÍZO FINAL

Embora a ênfase das Escrituras esteja no fato de que os cristãos experimentarão a ressurreição

do corpo, há alguns textos que declaram que os descrentes também ressuscitarão dos mortos,

mas que terão de enfrentar o juízo final quando ressurgirem. Jesus ensina claramente que “os

que tiverem praticado o mal” irão “para a ressurreição do juízo” (Jo 5.29); Paulo também

afirma crer “que haverá ressurreição, tanto de justos como de injustos” (At 24.15; cf. Mt

25.31-46; Dn 12.2; veja no capítulo 56 uma discussão maior sobre o juízo final dos

descrentes).

A UNIÃO COM CRISTO

Embora já tenhamos concluído o nosso estudo dos passos da aplicação da redenção, há outro

tema tantas vezes mencionado nas Escrituras e tão amplo na sua aplicação prática que merece

tratamento separado aqui. Trata-se do conceito da união com Cristo. Como veremos abaixo,

todo aspecto do relacionamento de Deus com os salvos está de certo modo ligado ao nosso

relacionamento com Cristo. Dos desígnios divinos na eternidade passada, antes da criação do

mundo, à nossa comunhão com Deus no céu na eternidade futura, incluindo ainda cada

aspecto do nosso relacionamento com Deus nesta vida — tudo ocorreu e ocorre em união com

Cristo. Portanto, em certo sentido, todo o estudo da aplicação da redenção poderia ser incluído

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

178

Page 179: Teologia sistemática   grudem

neste tema. Porém, neste capítulo podemos apenas resumir a incrível riqueza do conceito

bíblico de união com Cristo.

A. ESTAMOS EM CRISTO

A expressão “em Cristo” não tem um único sentido, mas abarca várias relações, como se vê

abaixo.

1. No plano eterno de Deus.

Efésios 1.4 nos diz que Deus nos escolheu em Cristo “antes da fundação do mundo”. Foi

“nele” (em Cristo) que fomos predestinados “para louvor da sua glória” (v. 1.11-12). Mais

tarde ele “nos salvou e nos chamou” por causa da “sua própria determinação” e por causa

também da graça que nos deu “em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9).

2. Durante a vida de Cristo na terra.

Ao longo de toda a vida de Cristo na terra, desde o momento do seu nascimento até a hora da

sua ascensão ao céu, Deus nos concebeu vivendo “em Cristo”. Ou seja, tudo o que Cristo fez

como nosso representante, Deus contou como sendo algo que também nós fizemos. É claro

que os salvos não estavam conscientemente presentes em Cristo, pois a maior parte deles nem

sequer existia ainda quando Cristo estava na terra. Tampouco estavam os salvos presentes em

Cristo de algum modo misterioso, espiritual (como se, por exemplo, as almas de milhares de

crentes estivessem de algum modo presentes no corpo de Cristo durante a sua vida na terra).

Antes, os crentes estavam presentes em Cristo apenas nos pensamentos de Deus, que nos

concebeu passando por tudo aquilo que Cristo passou, pois ele era o nosso representante.

3. Durante a nossa vida hoje.

Uma vez que nascemos e existimos como pessoas reais no mundo, a nossa união com Cristo

já não pode ser algo que exista só na mente divina. É preciso também que sejamos levados a

um relacionamento efetivo com Cristo, por meio do qual os benefícios da salvação possam ser

realizados em nós pelo Espírito Santo. A riqueza da nossa vida atual em Cristo pode ser vista

em duas perspectivas ligeiramente distintas:

1. Morremos e ressuscitamos com Cristo.

2. Temos nova vida em Cristo.

3. Todos os nossos atos podem ser realizados em Cristo.

4. Todos os cristãos juntos formam um único corpo em Cristo.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

179

Page 180: Teologia sistemática   grudem

a. Morrer e ressuscitar com Cristo. A morte, o sepultamento e a ressurreição de Jesus agora

exercem efeitos reais sobre nós. “[Fostes] sepultados, juntamente com ele, no batismo, no

qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre

os mortos” (Cl 2.12). Aqui as referências de Paulo ao batismo e à fé sugerem que a nossa

morte e ressurreição com Cristo ocorrem nesta vida mesmo, no momento em que nos

tornamos cristãos.

b. Nova vida em Cristo. Esses últimos versículos sugerem uma segunda perspectiva do fato de

existirmos “em Cristo”. Podemos pensar não só na obra redentora que Cristo realizou no

passado, mas também na sua vida presente no céu, no fato de ele possuir todos os recursos

espirituais de que precisamos para viver a vida cristã. Como toda bênção espiritual foi

conquistada por ele e lhe pertence, o Novo Testamento diz que essas bênçãos estão “nele”.

Assim, só estão disponíveis para os que estão “em Cristo”, e se estamos em Cristo, essas

bênçãos são nossas.

c. Todos os nossos atos podem ser realizados em Cristo. Essas mudanças analisadas acima,

que acontecem na vida de cada cristão, vêm acompanhadas de uma mudança radical na esfera

em que vivemos. Tornar-se cristão é entrar na novidade do porvir e sentir até certo ponto os

novos poderes do reino de Deus afetando cada aspecto da nossa vida. Estar “em Cristo” é

estar no novo reino regido por Cristo.

d. Um só corpo em Cristo. Não estamos simplesmente em Cristo como pessoas isoladas.

Como Cristo é o cabeça do corpo, que é a igreja (Ef 5.23), todos os que estão em união com

Cristo estão também ligados uns aos outros no corpo de Cristo. Essa ligação nos faz “um só

corpo em Cristo e membros uns dos outros” (Rm 12.5; 1Co 10.17; 12.12-27). Assim, “se um

membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam”

(1Co 12.26). Os elos de comunhão são tão fortes que os cristãos podem se casar só “no

Senhor” (1Co 7.39). Nesse corpo de Cristo desaparecem as antigas hostilidades, ruem as

divisões pecaminosas entre as pessoas, e os critérios terrenos de posição social não valem

mais, pois “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem

mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28; cf. Ef 2.13-22).

B. CRISTO ESTÁ EM NÓS

Jesus falou de um segundo tipo de relação quando disse: “Quem permanece em mim, e eu,

nele, esse dá muito fruto” (Jo 15.5). Não só é verdade que estamos em Cristo; ele também está

em nós, para nos dar força para viver a vida cristã. “Estou crucificado com Cristo; logo, já não

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

180

Page 181: Teologia sistemática   grudem

sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.19-20). O fator que determina se alguém é

cristão ou não é se Cristo está nele (Rm 8.10; 2Co 13.5; Ap 3.20). O sábio plano divino,

oculto como mistério por gerações, era salvar tanto os gentios como os judeus. Portanto,

Paulo diz aos seus leitores gentios que o mistério de Deus é “Cristo em vós, a esperança da

glória” (Cl 1.27).

C. SOMOS SEMELHANTES A CRISTO

Um terceiro aspecto da união com Cristo é a imitação dele. “Sede meus imitadores, como

também eu sou de Cristo” (1Co 11.1). João exorta: “Aquele que diz que permanece nele, esse

deve também andar assim como ele andou” (1Jo 2.6). Portanto a união com Cristo implica a

imitação de Cristo. A nossa vida deve assim espelhar a vida dele, para que lhe rendamos

honra em tudo o que façamos (Fp 1.20).

D. ESTAMOS COM CRISTO

1. Comunhão pessoal com Cristo.

Outro aspecto da união com Cristo diz respeito à nossa comunhão pessoal com ele. Pouco

importa se dizemos que estamos com Cristo ou que Cristo está conosco, pois ambas as frases

representam a mesma verdade. Cristo prometeu: “Onde estiverem dois ou três reunidos em

meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20) e “Estou convosco todos os dias até à

consumação do século” (Mt 28.20). Convém lembrar novamente que, como o corpo humano

de Jesus ascendeu ao céu (Jo 16.7; 17.11; At 1.9-11), esses versículos falam necessariamente

da sua natureza divina presente conosco. Porém é assim mesmo uma presença bastante

pessoal, na qual cooperamos com Cristo (2Co 6.1), o conhecemos (Fp 3.8, 10), somos

consolados por ele (2Ts 2.16-17), ensinados por ele (Mt 11.29) e vivemos toda a nossa vida

na sua presença (2Co 2.10; 1Tm 5.21; 6.13-14; 2Tm 4.1). Tornar-se cristão é ser chamado “à

comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.9). Porém essa comunhão pode

variar de intensidade, pois a bênção de Paulo aos cristãos — “O Senhor seja com todos vós”

(2Ts 3.16; cf. 2Tm 4.22) — só pode expressar a esperança de comunhão ainda mais íntima

com Cristo e de uma consciência mais profunda da sua presença.

2. A união com o Pai e com o Espírito Santo.

Esse último versículo sugere um aspecto final da união com Cristo. Como estamos em união

com Cristo nessas várias relações, também somos levados à união com o Pai e com o Espírito

Santo. Estamos no Pai (Jo 17.21; 1Ts 1.1; 2Ts 1.1; 1Jo 2.24; 4.15-16; 5.20) e no Espírito

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

181

Page 182: Teologia sistemática   grudem

Santo (Rm 8.9; 1Co 3.16; 6.19; 2Tm 1.14). O Pai está em nós (Jo 14.23) e o Espírito Santo

está em nós (Rm 8.9-11). Somos semelhantes ao Pai (Mt 5.44-45, 48; Ef 4.32; Cl 3.10; 1Pe

1.15-16) e semelhantes ao Espírito Santo (Rm 8.4-6; Gl 5.22-23; Jo 16.13). Temos comunhão

com o Pai (1Jo 1.3; Mt 6.9; 2Co 6.16-18) e com o Espírito Santo (Rm 8.16; At 15.28; 2Co

13.14; Ef 4.30).

Essas outras relações não se confundem, porém, num êxtase indistinto e místico. Agora como

na eternidade nos relacionamos com o Pai segundo o seu papel único de nosso Pai celeste;

com o Filho segundo o seu papel único de nosso Salvador e Senhor; e com o Espírito Santo

segundo o seu papel único de Espírito que nos fortalece e continua-mente nos dispensa todos

os benefícios da salvação.

Resumo - Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 6 - A Doutrina da Igreja – p. 715 – 930

A. A NATUREZA DA IGREJA.....................................................................................................41. Definição.........................................................................................................................42. A igreja é invisível, ainda que visível.............................................................................43. A igreja é local e universal..............................................................................................44. Metáforas da igreja.........................................................................................................55. A igreja e Israel...............................................................................................................56. A igreja e o reino de Deus...............................................................................................6

B. AS CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DA IGREJA..................................................................71. Existem igrejas verdadeiras e falsas igrejas....................................................................72. Igrejas falsas e igrejas verdadeiras hoje..........................................................................7

C. OS PROPÓSITOS DA IGREJA.................................................................................................71. Ministério com relação a Deus: adorar...........................................................................72. Ministério com relação aos cristãos: edificar..................................................................83. Ministério com relação ao mundo: evangelização e misericórdia..................................84. Manter esses propósitos em equilíbrio............................................................................9

PUREZA E UNIDADE DA IGREJA................................................................9A. IGREJAS MAIS PURAS E MENOS PURAS................................................................................9B. DEFINIÇÕES DE PUREZA E UNIDADE...................................................................................9C. SINAIS DE UMA IGREJA MAIS PURA...................................................................................10D. O ENSINO DO NOVO TESTAMENTO SOBRE A UNIDADE DA IGREJA...................................10E. BREVE HISTÓRIA DA SEPARAÇÃO ORGANIZACIONAL NA IGREJA......................................11F. RAZÕES PARA A SEPARAÇÃO............................................................................................11

1. Razões doutrinárias.......................................................................................................112. Questões de consciência...............................................................................................113. Considerações práticas..................................................................................................124. Existem ocasiões quando cooperação e comunhão pessoal são proibidas?..................12

O PODER DA IGREJA....................................................................................12A. A BATALHA ESPIRITUAL...................................................................................................13B. AS CHAVES DO REINO.......................................................................................................13C. O PODER DA IGREJA E O PODER DO ESTADO....................................................................14D. A DISCIPLINA ECLESIÁSTICA.............................................................................................14

1. O propósito da disciplina eclesiástica...........................................................................14

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

182

Page 183: Teologia sistemática   grudem

2. Por causa de quais pecados a disciplina eclesiástica deve ser exercida?......................153. Como deve ser exercida a disciplina eclesiástica?........................................................15

O GOVERNO DA IGREJA.............................................................................17A. OS OFICIAIS DA IGREJA.....................................................................................................17

1. Apóstolos......................................................................................................................172. Presbíteros (pastores / bispos).......................................................................................183. Diáconos.......................................................................................................................214. Outros cargos?..............................................................................................................21

B. COMO DEVEM SER ESCOLHIDOS OS OFICIAIS DA IGREJA?.................................................22C. FORMAS DE GOVERNO ECLESIÁSTICO...............................................................................22

1. Episcopal.......................................................................................................................232. Presbiteriano.................................................................................................................233. Congregacional.............................................................................................................234. Conclusões....................................................................................................................24

D. DEVEM AS MULHERES SER MINISTRAS DA IGREJA?..........................................................24MEIOS DE GRAÇA NA IGREJA...................................................................25

A. QUANTOS SÃO OS MEIOS DE GRAÇA À NOSSA DISPOSIÇÃO?........................25B. ANÁLISE DOS MEIOS.........................................................................................................25

1. O ensino da Palavra......................................................................................................252. O batismo......................................................................................................................253. A Ceia do Senhor..........................................................................................................264. A oração........................................................................................................................265. A adoração....................................................................................................................266. A disciplina da igreja....................................................................................................277. A oferta.........................................................................................................................278. Os dons espirituais........................................................................................................279. A comunhão..................................................................................................................2810. A evangelização..........................................................................................................2811. O ministério individual...............................................................................................2812. Será que os cristãos devem usar o lava-pés como meio de graça na igreja?..............28

C. CONCLUSÕES....................................................................................................................29BATISMO..........................................................................................................29

A. A FORMA E O SIGNIFICADO DO BATISMO..........................................................................29B. QUEM DEVE SER BATIZADO?............................................................................................30

1. O argumento dos textos narrativos do Novo Testamento.............................................302. O argumento do significado do batismo.......................................................................303. Primeira alternativa: a posição católica........................................................................314. Segunda alternativa: a posição protestante pedobatista................................................31

C. O EFEITO DO BATISMO......................................................................................................32D. É O BATISMO NECESSÁRIO?..............................................................................................32E. A IDADE ADEQUADA PARA O BATISMO.............................................................................32F. QUESTÕES FINAIS..............................................................................................................33

1. É necessário que as igrejas estejam divididas por causa do batismo?..........................332. Quem pode ministrar o batismo?..................................................................................33

A CEIA DO SENHOR......................................................................................33A. PRECEDENTES NA HISTÓRIA DA REDENÇÃO.....................................................................34B. O SIGNIFICADO DA CEIA DO SENHOR................................................................................34

1. A morte de Cristo..........................................................................................................342. Nossa participação nos benefícios da morte de Cristo..................................................343. Alimento espiritual........................................................................................................344. A unidade dos cristãos..................................................................................................35

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

183

Page 184: Teologia sistemática   grudem

5. Cristo afirma seu amor por mim...................................................................................356. Cristo afirma que todas as bênçãos da salvação estão reservadas para mim................357. Eu afirmo minha fé em Cristo.......................................................................................35

C. COMO CRISTO ESTÁ PRESENTE NA CEIA DO SENHOR?.....................................................361. A posição católica: transubstanciação..........................................................................362. A posição luterana: “em, com e sob”............................................................................363. O restante das igrejas protestantes: presença simbólica e espiritual de Cristo.............36

D. QUEM DEVE PARTICIPAR DA CEIA DO SENHOR?...............................................................36E. OUTRAS QUESTÕES...........................................................................................................37

ADORAÇÃO.....................................................................................................37A. DEFINIÇÃO E PROPÓSITO DA ADORAÇÃO..........................................................................37B. AS CONSEQÜÊNCIAS DA ADORAÇÃO GENUÍNA.................................................................38

1. Alegramo-nos em Deus.................................................................................................382. Deus alegra-se em nós..................................................................................................383. Aproximamo-nos de Deus............................................................................................384. Deus aproxima-se de nós..............................................................................................395. Deus ministra a nós.......................................................................................................396. Os inimigos do Senhor fogem.......................................................................................397. Os descrentes sabem que estão na presença de Deus...................................................39

C. O VALOR ETERNO DA ADORAÇÃO.....................................................................................40D. COMO PODEMOS ENTRAR EM ADORAÇÃO GENUÍNA?.......................................................40

OS DONS DO ESPÍRITO SANTO:................................................................40A. PERGUNTAS RELACIONADAS AOS DONS ESPIRITUAIS EM GERAL......................................40

1. Dons espirituais na história da redenção.......................................................................402. O propósito dos dons espirituais na era do Novo Testamento......................................413. Quantos dons existem?.................................................................................................414. Os dons podem variar quanto ao poder.........................................................................415. Os cristãos possuem os dons por um tempo ou de modo permanente?........................426. Os dons são miraculosos ou não miraculosos?.............................................................427. Descobrindo e buscando os dons espirituais.................................................................428. Os dons são ferramentas para o ministério e não se relacionam necessariamente com a maturidade cristã...............................................................................................................42

B. TERIAM ALGUNS DONS DESAPARECIDO? O DEBATE CESSACIONISTA...............................43OS DONS DO ESPÍRITO SANTO..................................................................43

A. PROFECIA..........................................................................................................................441. Os paralelos do Antigo Testamento no Novo Testamento...........................................442. O significado da palavra profeta na época do Novo Testamento.................................443. Indícios de que os “profetas” não falavam com autoridade equivalente à das palavras das Escrituras....................................................................................................................454. Como falar da autoridade da profecia hoje?.................................................................465. Uma “revelação” espontânea tornava a profecia diferente dos outros dons.................466. A diferença entre profecia e ensino..............................................................................467. Objeção:........................................................................................................................478. As profecias podiam incluir qualquer conteúdo edificante...........................................479. Muitas pessoas na congregação podem profetizar........................................................4710. Devemos “procurar com zelo” a profecia...................................................................4811. Como incentivar e regulamentar a profecia na igreja local........................................48

B. ENSINO..............................................................................................................................49C. MILAGRES.........................................................................................................................50D. CURA................................................................................................................................50

1. Introdução: doença e saúde na história da redenção.....................................................502. Os propósitos da cura....................................................................................................50

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

184

Page 185: Teologia sistemática   grudem

3. Que dizer do uso de remédios?.....................................................................................514. O Novo Testamento apresenta métodos comuns empregados na cura?.......................516. Mas, e se Deus não curar?.............................................................................................51

E. LÍNGUAS E INTERPRETAÇÃO.............................................................................................521. As línguas na história da redenção................................................................................522. Que é falar em línguas?.................................................................................................52

F. PALAVRA DA SABEDORIA E PALAVRA DO CONHECIMENTO...............................................54G. DISCERNIMENTO DE ESPÍRITOS E BATALHA ESPIRITUAL..................................................55

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

185

Page 186: Teologia sistemática   grudem

Resumo

Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 6 - A Doutrina da Igreja – p. 715 – 930

A. A NATUREZA DA IGREJA

1. Definição.

A igreja é a comunidade de todos os cristãos de todos os tempos. Essa definição compreende

que a igreja é feita de todos os verdadeiramente salvos. Paulo afirma: “Cristo amou a igreja e

entregou-se a si mesmo por ela” (Ef 5.25). Aqui o termo “a igreja” é usado para referir-se a

todos aqueles pelos quais Cristo morreu para redimir, todos os salvos pela morte de Cristo.

Isso, porém, inclui todos os verdadeiros cristãos de todos os tempos, tanto os salvos do Novo

como os do Antigo Testamento. O plano de Deus para a igreja é tão grande que ele exaltou

Cristo a uma posição de suprema autoridade por amor à igreja: “E pôs todas as coisas debaixo

dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a

plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.22-23).

2. A igreja é invisível, ainda que visível.

Em sua realidade verdadeiramente espiritual como a comunidade de todos os cristãos

genuínos, a igreja é invisível. Isso se dá porque não podemos ver a condição espiritual do

coração de ninguém. Podemos ver os que freqüentam a igreja e perceber sinais externos de

uma mudança espiritual interior, mas não podemos de fato ver o coração das pessoas nem

enxergar o estado espiritual em que se encontram – algo que só Deus pode fazer. Foi por isso

que Paulo afirmou: “O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2.19). Mesmo em nossas

igrejas e em nossa vizinhança só Deus sabe, com toda a certeza e sem errar, quem são os

verdadeiros cristãos. Falando da igreja como invisível, o autor de Hebreus fala da “assembléia

(literalmente, “igreja”) dos primogênitos arrolados no céu” (Hb 12.23) e diz que os cristãos do

presente unem-se àquela assembléia em adoração.

3. A igreja é local e universal.

No Novo Testamento a palavra “igreja” pode ser aplicada a um grupo de cristãos de qualquer

tamanho, desde um pequeno grupo que se reúne sempre em uma residência até o grupo de

todos os cristãos na igreja universal. A igreja numa casa é chamada “igreja” em Romanos

16.5 (“saudai igualmente a igreja que se reúne na casa deles”) e 1Coríntios 16.19 (“No

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

186

Page 187: Teologia sistemática   grudem

Senhor, muito vos saúdam Áqüila e Priscila e, bem assim, a igreja que está na casa deles”.) A

igreja de uma cidade inteira é também chamada “igreja” (1Co 1.2; 2Co 1.1 e 1Ts 1.1). A

igreja de determinada região é chamada “igreja” em Atos 9.31: “A igreja, na verdade, tinha

paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria.” Finalmente, a igreja do mundo inteiro pode ser

chamada “a igreja”. Paulo afirma: “Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela”

(Ef 5.25)”, e diz: “A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente apóstolos; em segundo

lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres...” (1Co 12.28). Nesse último versículo, a menção

de “apóstolos”, os quais não foram dados a nenhuma igreja em particular, garante que a

referência seja à igreja universal.

4. Metáforas da igreja.

Para ajudar-nos a entender a natureza da igreja, as Escrituras usam uma ampla variedade de

metáforas e imagens que descrevem a igreja. Há diversas imagens de família: por exemplo,

Paulo vê a igreja como uma família quando diz a Timóteo que agisse como se todos os

membros da igreja fossem membros de uma família maior: “Não repreendas ao homem idoso;

antes, exorta-o como a pai; aos moços, como a irmãos; às mulheres idosas, como a mães; às

moças, como a irmãs, com toda a pureza” (1Tm 5.1-2). Deus é o nosso pai celestial (Ef 3.14),

e nós somos seus filhos e suas filhas, pois Deus nos diz: “Serei vosso Pai, e vós sereis para

mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso” (2Co 6.18). Somos, portanto, irmãos e

irmãs uns dos outros na família de Deus (Mt 12.49-50; 1Jo 3.14-18). Uma metáfora de família

um pouco diferente é vista quando Paulo refere-se à igreja como a noiva de Cristo. Ele diz

que o relacionamento entre marido e mulher “refere-se a Cristo e à igreja” (Ef 5.32) e afirma

que traz à tona o noivado entre Cristo e a igreja de Corinto e que isso se assemelha a um

noivado entre uma noiva e seu futuro marido: “Visto que vos tenho preparado para vos

apresentar como virgem pura a um só esposo, que é Cristo” (2Co 11.2) – aqui Paulo está

olhando para a época da volta de Cristo como a ocasião quando a igreja será apresentada a ele

como noiva.

5. A igreja e Israel.

Entre os protestantes evangélicos tem havido diferença de posição sobre a questão do

relacionamento entre Israel e a igreja. Essa questão foi trazida à tona como proeminente pelos

que defendem um sistema teológico “dispensacionalista”. A mais extensa teologia sistemática

escrita por um dispensacionalista, a Systematic Theology de Lewis Sperry Chafer, destaca

muitos aspectos distintos entre Israel e a igreja, e até mesmo entre o Israel fiel do Antigo

Testamento e a igreja do Novo Testamento. Chafer argumenta que Deus tem dois planos

distintos para dois diferentes grupos de pessoas que ele redimiu: os propósitos e as promessas

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

187

Page 188: Teologia sistemática   grudem

de Deus para Israel são bênçãos terrenais e serão cumpridos nesse mundo em algum tempo

no futuro. Por outro lado, os propósitos e as promessas de Deus para a igreja são bênçãos

celestiais, as quais serão cumpridas no céu. Essa distinção entre os dois diferentes grupos que

Deus salva será vista especialmente no milênio, conforme Chafer, pois naquela ocasião Israel

reinará na terra como povo de Deus e desfrutará o cumprimento das promessas do Antigo

Testamento, mas a igreja já terá sido levada para o céu na ocasião da volta secreta de Cristo

para os seus santos (“o arrebatamento”). Conforme essa posição, a igreja não começou antes

do Pentecostes (At 2). E não é correto pensar nos salvos do Antigo Testamento com os do

Novo Testamento como partes de uma igreja.

6. A igreja e o reino de Deus.

Qual é o relacionamento entre a igreja e o reino de Deus? As diferenças foram bem resumidas

por George Ladd:

O reino é primeiramente o governo dinâmico ou o domínio real de Deus e, derivando

dessa idéia, a esfera na qual o domínio é experimentado. Na linguagem bíblica, o reino

não é identificado com os seus súditos. Eles são o povo do domínio de Deus que

adentram o reino, nele vivem, e por ele são governados. A igreja é a comunidade do

reino, mas nunca o reino em si. Os discípulos de Jesus pertencem ao reino assim como o

reino pertence a eles; todavia, eles não são o reino. O reino é o domínio de Deus; a igreja

é uma sociedade de homens.

Ladd prossegue até resumir cinco aspectos específicos do relacionamento entre o reino e a

igreja: (1) A igreja não é o reino (pois Jesus e os primeiros cristãos pregaram que o reino de

Deus estava próximo e não que a igreja estava próxima; eles pregaram as boas novas do reino

e não as boas novas da igreja: At 8.12; 19.8; 20.25; 28.23, 31). (2) O reino cria a igreja

(porque quando as pessoas entram no reino de Deus elas unem-se a uma comunhão humana

da igreja). (3) A igreja testemunha do reino (pois Jesus disse: “E será pregado esse evangelho

do reino por todo o mundo”, Mt 24.14). (4) A igreja é o instrumento do reino (porque o

Espírito Santo, manifestando o poder do reino, age por meio dos discípulos para curar os

enfermos e expulsar demônios, conforme fez no ministério de Jesus: Mt 10.8; Lc 10.17). (5)

A igreja é a guardiã do reino (porque à igreja foram dadas as chaves do reino dos céus: Mt

16.19).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

188

Page 189: Teologia sistemática   grudem

B. AS CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DA IGREJA

1. Existem igrejas verdadeiras e falsas igrejas.

O que faz de uma igreja uma igreja? O que é necessário para existir uma igreja? Pode um

grupo que se diz cristão tornar-se tão diferente do que deve ser uma igreja que tal grupo não

deva mais ser chamado igreja?

Nos primeiros séculos da igreja cristã, houve pouca polêmica sobre o que era uma verdadeira

igreja. Havia apenas uma igreja em todo o mundo, a igreja “visível” espalhada em todo o

mundo, que era, naturalmente, a verdadeira igreja. Essa igreja tinha bispos, clérigos locais e

templos que todos podiam ver. Qualquer herege que fosse achado em algum sério erro

doutrinário era simplesmente excluído da igreja.

2. Igrejas falsas e igrejas verdadeiras hoje.

Em vista da questão proposta durante a Reforma, o que dizer da Igreja Católica Romana hoje?

É uma verdadeira igreja? Aqui parece que não podemos simplesmente tomar uma decisão

com respeito à Igreja Católica Romana como um todo, pelo fato de sua grande diversidade.

Perguntar se a Igreja Católica Romana é uma igreja verdadeira ou falsa hoje é como perguntar

se as igrejas protestantes de hoje são falsas ou verdadeiras. Há uma grande variedade delas.

Algumas paróquias certamente não possuem as duas características: não há pregação pura da

Palavra, e a mensagem de salvação somente pela fé em Cristo não é conhecida nem recebida

pelo povo na paróquia. A participação nos sacramentos é vista como uma “obra” que pode

alcançar mérito para com Deus. Um grupo como esse não é uma verdadeira igreja cristã.

C. OS PROPÓSITOS DA IGREJA

Podemos entender os propósitos da igreja em termos de ministério com relação a Deus, aos

cristãos e ao mundo.

1. Ministério com relação a Deus: adorar.

No relacionamento com Deus o propósito da igreja é adorá-lo. Paulo ordena à igreja de

Colossos que louve a Deus “com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão no

coração” (Cl 3.16). Deus nos destinou e nos escolheu em Cristo “para sermos para louvor da

sua glória” (Ef 1.12). A adoração na igreja não é simplesmente uma preparação para algo

mais. Ela está em si mesma cumprindo o principal propósito da igreja com referência ao seu

Senhor. Essa é a razão por que Paulo, depois de nos advertir de que devemos “remir o

tempo”, acrescenta o mandamento de sermos cheios do Espírito e de estarmos “entoando e

louvando de coração ao Senhor” (Ef 5.16-19).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

189

Page 190: Teologia sistemática   grudem

2. Ministério com relação aos cristãos: edificar.

De acordo com as Escrituras, a igreja tem a obrigação de nutrir aqueles que já são cristãos e

edificá-los à maturidade na fé. Paulo disse que seu próprio alvo não era apenas levar pessoas à

fé salvífica inicial, mas sim “apresentar todo homem perfeito (maduro) em Cristo” (Cl 1.28).

E ele escreveu à igreja de Éfeso que Deus havia concedido à igreja pessoas com dons “com

vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do

corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho

de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.12-13). É

evidentemente contrário ao modelo do Novo Testamento pensar que o nosso único alvo para

com as pessoas é levá-las à fé salvífica inicial. Nosso alvo como igreja deve ser apresentar a

Deus todo cristão “perfeito (maduro) em Cristo” (Cl 1.28).

3. Ministério com relação ao mundo: evangelização e misericórdia.

Jesus disse aos seus seguidores que eles deveriam “fazer discípulos de todas as nações” (Mt

28.19). Essa obra evangelística de declarar o evangelho é o ministério principal da igreja com

relação ao mundo.

Todavia, acompanhando a obra de evangelização há também o ministério de misericórdia, que

inclui cuidado dos pobres e dos necessitados em nome do Senhor. Embora a ênfase do Novo

Testamento esteja na ajuda material para os que fazem parte da igreja (At 11.29; 2Co 8.4; 1Jo

3.17), há ainda uma afirmação de que é correto ajudar os descrentes ainda que eles não

respondam com gratidão nem aceitem a mensagem do evangelho. Jesus nos ensina:

Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem

esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos

do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus.

Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai (Lc

6.35-36).

A questão central na explicação dada por Jesus é que devemos imitar a Deus, sendo bondosos

para os que são ingratos e também egoístas. Além do mais, temos o exemplo de Jesus, que

não tentou curar apenas os que o aceitaram como Messias. Em vez disso, quando grandes

multidões o procuravam, “ele os curava, impondo as mãos sobre cada um” (Lc 4.40). Isso

deve incentivar-nos a executar atos de bondade, a orar pela cura e por outras necessidades,

tanto na vida de cristãos como de descrentes.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

190

Page 191: Teologia sistemática   grudem

4. Manter esses propósitos em equilíbrio.

Uma vez relacionados esses propósitos para a igreja, alguém pode perguntar qual deles é o

mais importante? Ou alguém mais pode perguntar se podemos negligenciar um desses três

como menos importante do que os outros.

A isso devemos responder que os três propósitos da igreja foram ordenados pelo Senhor nas

Escrituras; portanto, os três são importantes e nenhum deles pode ser negligenciado. De fato,

uma igreja forte terá ministérios eficazes nas três áreas. Devemos acautelar-nos de quaisquer

tentativas de reduzir o propósito da igreja a apenas um desses três e de dizer que um ou outro

deve ser a nossa preocupação principal. De fato, tais tentativas de tornar um desses propósitos

o principal sempre resultará em negligência dos outros dois.

PUREZA E UNIDADE DA IGREJA

A. IGREJAS MAIS PURAS E MENOS PURAS

No capítulo anterior vimos que existem “igrejas verdadeiras” e “falsas igrejas”. Neste capítulo

é necessário aprofundar a discussão: há igrejas mais puras e menos puras.

Tal fato fica evidente quando se faz uma breve comparação entre as epístolas de Paulo.

Quando olhamos para Filipenses ou para 1Tessalonicenses achamos prova da grande alegria

de Paulo com essas igrejas e a relativa falta de problemas doutrinários importantes e de

problemas morais (veja Fp 1.3-11; 4.10-16; 1Ts 1.2-10; 3.6-10; 2Ts 1.3-4; 2.13; cf. 2Co 8.1-

5). Por outro lado, havia todo tipo de problemas morais e doutrinários sérios nas igrejas da

Galácia (Gl 1.6-9; 3.1-5) e em Corinto (1Co 3.1-4; 4.18-21; 5.1-2, 6; 6.1-8; 11.17-22; 14.20-

23; 15.12; 2Co 1.23-2.11; 11.3-5, 12-15; 12.20-13.10). Outros exemplos poderiam ser dados,

mas deve ficar claro que entre igrejas verdadeiras existem igrejas mais puras e menos puras.

Isso pode ser representado pela figura 45.1.

B. DEFINIÇÕES DE PUREZA E UNIDADE

Podemos definir pureza da igreja da seguinte maneira: pureza da igreja é o seu grau de

isenção de doutrina e de conduta errôneas e o seu grau de conformidade com a vontade de

Deus revelada à igreja.

Como veremos na discussão adiante, é correto orar e trabalhar pela pureza maior da igreja.

Mas pureza não pode ser a nossa única preocupação, senão os cristãos terão a tendência de

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

191

Page 192: Teologia sistemática   grudem

separar-se em pequeninos grupos de cristãos muito “puros” e tenderão a excluir qualquer

pessoa que mostre o menor desvio de doutrina ou de conduta. Portanto, o Novo Testamento

também fala com freqüência sobre a necessidade de lutar pela unidade da igreja visível. Isso

pode ser definido da seguinte maneira: unidade da igreja é o seu grau de isenção de divisão

entre os verdadeiros cristãos.

C. SINAIS DE UMA IGREJA MAIS PURA

Entre os fatores que tornam uma igreja “mais pura” encontram-se:

1. Doutrina bíblica (ou pregação correta da Palavra)

2. Uso adequado dos sacramentos (ou ordenanças)

3. Aplicação correta da disciplina eclesiástica

4. Adoração genuína

5. Oração eficaz

6. Testemunho eficaz

7. Comunhão eficaz

8. Governo eclesiástico bíblico

9. Poder espiritual no ministério

10. Santidade de vida entre os membros

11. Cuidado pelos pobres

12. Amor por Cristo

D. O ENSINO DO NOVO TESTAMENTO SOBRE A UNIDADE DA IGREJA

Há uma grande ênfase no Novo Testamento sobre a unidade da igreja. O alvo de Jesus é que

haja “um rebanho e um pastor” (Jo 10.16), e ele ora por todos os futuros cristãos “a fim de

que todos sejam um” (Jo 17.21). Essa unidade será um testemunho para os descrentes, pois

Jesus ora “a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu

me enviaste e os amaste, como também amaste a mim” (Jo 17.23).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

192

Page 193: Teologia sistemática   grudem

E. BREVE HISTÓRIA DA SEPARAÇÃO ORGANIZACIONAL NA IGREJA

Às vezes, há razões por que a unidade visível ou externa da igreja não pode ser mantida. Um

breve resumo da história da separação organizacional da igreja pode esclarecer algumas

razões e ajudar a explicar de onde procedem as divisões denominacionais que temos hoje.

F. RAZÕES PARA A SEPARAÇÃO

À medida que examinamos os motivos que levaram muitos a dividir a igreja através da

história, comparando tais motivos com as exigências do Novo Testamento de que devemos

buscar tanto a unidade quanto a pureza da igreja visível, podemos encontrar razões válidas e

inválidas para a separação. Entre as razões inválidas encontram-se algumas como ambição e

orgulho pessoal ou diferenças sobre práticas e doutrinas menos importantes (padrões

doutrinários ou de comportamento que não afetam qualquer outra doutrina e que não têm

nenhum efeito expressivo no modo como se vive a vida cristã).

1. Razões doutrinárias.

Pode surgir a necessidade de separação quando a posição doutrinária de uma igreja desvia-se

seriamente dos padrões bíblicos. Tal desvio pode aparecer nas declarações oficiais ou nas

crenças e nos costumes, até onde se pode determiná-los. Mas quando o desvio doutrinário

torna-se sério o suficiente para que seja necessário sair de uma igreja ou formar outra igreja?

Como observamos acima, não há mandamentos no Novo Testamento que ordenem a

separação da igreja verdadeira, enquanto esta permanece como parte do corpo de Cristo. A

resposta de Paulo até mesmo para os que estavam em igrejas cheias de erros (mesmo em

igrejas como a de Corinto, que tolerava sérios erros doutrinários e morais e por certo tempo

tolerou alguns que rejeitavam a autoridade apostólica de Paulo) não foi dizer aos cristãos fiéis

que se separassem de tais igrejas; Paulo admoesta essas igrejas, trabalha para levá-las ao

arrependimento e ora por elas. Naturalmente, há ordens para disciplinar os que provocam

problemas dentro da igreja, às vezes por meio da exclusão deles da comunhão da igreja (1Co

5.11-13; 2Ts 3.14-15; Tt 3.10-11), mas não há instruções para deixar a igreja e provocar

divisão se isso não puder ser feito imediatamente (veja Ap 2.14-16, 20-25; cf. Lc 9.50; 11.23).

2. Questões de consciência.

Quanto à consciência, se um cristão não teve liberdade de pregar ou de ensinar conforme a

sua consciência baseada nas Escrituras, deve-se considerar a separação como necessária ou

pelo menos sábia. Todavia, é necessário cautela e grande humildade aqui: o julgamento

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

193

Page 194: Teologia sistemática   grudem

individual pode estar distorcido, especialmente se não estiver fundamentado no consenso dos

cristãos fiéis da história e dos cristãos do presente.

3. Considerações práticas.

Os cristãos podem decidir separar-se de uma igreja se, depois de reflexão acompanhada de

muita oração, parecer-lhes que parmanecer naquela igreja provavelmente resultará mais em

mal do que em bem. Isso poderia acontecer porque o trabalho deles pelo Senhor tornar-se-ia

frustrado e ineficaz devido à oposição que enfrentariam dentro da própria igreja, ou porque

enfrentariam pouca ou nenhuma comunhão com os outros na referida igreja. Além disso,

alguns podem decidir que ficar na igreja prejudicaria a fé de outros cristãos ou impediriam os

descrentes de chegar à fé verdadeira pelo fato de que a permanência como membros naquela

igreja poderia ver-se em situações nas quais eles aprovam as falsas doutrinas de lá.

4. Existem ocasiões quando cooperação e comunhão pessoal são proibidas?

Finalmente, quando os cristãos devem dar passos mais sérios do que os já mencionados e

empenhar-se em um tipo de separação que anteriormente chamamos “recusa de cooperação”

ou “recusa de comunhão”? Os textos bíblicos que consideramos parecem exigir que os

cristãos “não cooperem” em tais atividades com outro grupo somente quando este é incrédulo,

ou, parece-me, somente quando um grupo incrédulo assume o controle da referida atividade

(isso está implícito na metáfora de estar sob “jugo desigual” de 2Co 6.14). Naturalmente,

pode-se achar sábio e prudente, sobre outras bases, decidir não cooperar numa função

particular, mas a recusa à cooperação não parece ser uma exigência, exceto quando o outro

grupo é um grupo incrédulo. Certamente, oposição a atividades tais como campanhas

evangelísticas realizadas por outros cristãos verdadeiros são vistas pelos autores do Novo

Testamento como divisoras e um fracasso em demonstrar a unidade do corpo de Cristo.

O PODER DA IGREJA

Quando olhamos para os governos do mundo e para outras organizações educacionais e

empresariais que possuem grande influência, e então consideramos nossas igrejas locais, ou

até mesmo nossas sedes denominacionais, a igreja pode parecer-nos fraca e ineficiente. Além

disso, quando reconhecemos o rápido crescimento do mal visto diariamente em nossa

sociedade, podemos duvidar se a igreja tem poder para fazer quaisquer mudanças.

Por outro lado, em alguns países a igreja oficialmente reconhecida tem grande influência

sobre o andamento das questões nacionais. Isso é certamente verdadeiro no caso da influência

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

194

Page 195: Teologia sistemática   grudem

da Igreja Católica Romana em tempos passados em alguns países do sul da Europa e da

América Latina (e até certo ponto isso ocorre ainda hoje). Tal foi o caso da Igreja da

Inglaterra nos séculos anteriores e da igreja de João Calvino em Genebra, na Suíça, enquanto

ele era vivo, e da igreja fundada pelos peregrinos em 1620 na colônia da baía de

Massachusetts. Situações como essas nas quais a igreja parece ter grande influência levam-

nos a perguntar se as Escrituras colocam alguma limitação sobre o poder da igreja.

A. A BATALHA ESPIRITUAL

Paulo lembra aos coríntios: “Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a

carne. Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para

destruir fortalezas” (2Co 10.3-4). Entre essas armas usadas contra forças demoníacas que

impedem a propagação do evangelho e o avanço da igreja encontram-se oração, adoração,

autoridade para repreender forças demoníacas, as palavras das Escrituras, fé e retidão de

conduta por parte dos membros da igreja. (Paulo dá mais detalhes sobre o nosso combate

espiritual e sobre a armadura própria para isso em Ef 6.10-18).

B. AS CHAVES DO REINO

A frase “as chaves do reino” ocorre apenas uma vez na Bíblia, em Mateus 16.19, onde Jesus

diz a Pedro: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos

céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus”. Qual é o significado dessas

“chaves do reino dos céus”?

Em outras passagens do Novo Testamento, chave sempre implica autoridade para abrir uma

porta e permitir entrada para certo lugar ou esfera. Jesus afirma: “Ai de vós, intérpretes da

lei! Porque tomastes a chave da ciência; contudo vós mesmos não entrastes e impedistes os

que estavam entrando” (Lc 11.52). Além disso, Jesus diz em Apocalipse 1.18: “Tenho as

chaves da morte e do Inferno (Hades)”, indicando que ele tem autoridade para permitir a

entrada e a saída dessas esferas. (Cf. também Ap 3.7; 9.1; 20.1; bem como a predição

messiânica de Is 22.22.)

C. O PODER DA IGREJA E O PODER DO ESTADO

As seções anteriores discutiram o poder espiritual e a batalha espiritual que devem ser

exercidos pela igreja. Mas deveria a igreja alguma vez usar da força física (armas e exércitos

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

195

Page 196: Teologia sistemática   grudem

por exemplo) para levar a efeito suas missões? A frase normalmente usada para referir-se à

idéia de luta física e desse mundo é “fazer uso da espada”.

Há diversas indicações nas Escrituras de que a igreja nunca deve fazer uso da espada para

levar a efeito os seus propósitos na era da nova aliança. Esse foi um erro terrível cometido nas

Cruzadas, quando os exércitos sustentados pela igreja marcharam pela Europa e pela Ásia

para tentar reconquistar a terra de Israel. Nesses casos a igreja estava tentando usar a força

física para conquistar vitórias em territórios deste mundo. Todavia Jesus afirmou: “O meu

Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam” (Jo 18.36 NVI). A igreja tem o

poder das chaves, que é poder espiritual. Isso significa travar batalhas espirituais com armas

espirituais, mas não usar o poder da espada para alcançar seus propósitos. “Porque as armas

da nossa milícia não são carnais” (2Co 10.4).

D. A DISCIPLINA ECLESIÁSTICA

Visto que a disciplina eclesiástica é um aspecto do uso do poder da igreja, é conveniente

apresentar aqui uma discussão dos princípios bíblicos relevantes para a prática da disciplina

eclesiástica.

1. O propósito da disciplina eclesiástica

a. Restauração e reconciliação do cristão que se está desviando. O pecado impede a comunhão

com outros cristãos e com Deus. Para que haja reconciliação, o pecado precisa ser tratado.

Portanto, o propósito principal da disciplina eclesiástica é alcançar o duplo alvo de

restauração (levar o pecador ao comportamento correto) e de reconciliação (entre cristãos e

com Deus). Assim como pais sábios disciplinam seus filhos (Pv 13.24: “Mas o que o ama [o

filho], cedo, o disciplina”), e assim como Deus, nosso pai, disciplina a quem ama (Hb 12.6;

Ap 3.19), também a igreja em sua disciplina age em amor para trazer de volta um irmão ou

irmã que se tenha desviado, estabelecendo de novo tal pessoa em comunhão e livrando-a dos

caminhos destrutivos da vida. Em Mateus 18.15, a esperança é que a disciplina pare no

primeiro passo, quando alguém vai sozinho: “Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão”. A frase

“ganhaste a teu irmão” implica que aqueles que exercem a disciplina devem manter o alvo de

reconciliação pessoal entre os cristãos sempre em mente. Paulo lembra-nos que devemos

“restaurar” (NVI) o irmão (ou irmã) pecador “com espírito de brandura” (Gl 6.1), e Tiago

incentiva-nos a “converter o pecador do seu caminho errado” (Tg 5.20).

b. Impedir que o pecado se espalhe, atingindo outros. Embora o primeiro alvo da disciplina

eclesiástica seja restauração e reconciliação do crente que está no erro, nessa presente era a

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

196

Page 197: Teologia sistemática   grudem

reconciliação e restauração nem sempre acontecerão. Mas quer ocorra a restauração, quer não,

a igreja está ordenada a exercer disciplina, pois dois outros propósitos também estão em vista.

c. Proteger a pureza da igreja e a honra de Cristo. O terceiro propósito da disciplina

eclesiástica é que a pureza da igreja deve ser protegida, para que Cristo não seja desonrado.

Naturalmente, nenhum cristão, nessa era, tem o coração completamente puro, e todos nós

temos algum pecado que permanece em nossa vida. Mas quando um membro da igreja

permanece em pecado de maneira indubitavelmente óbvia para os outros, em particular para

os descrentes, isso traz, sem dúvida, desonra a Cristo. É semelhante à situação dos judeus que

desobedeciam à lei de Deus e levavam descrentes a ridicularizar e a blasfemar o nome de

Deus (Rm 2.24: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa causa”).

2. Por causa de quais pecados a disciplina eclesiástica deve ser exercida?

Por um lado, o ensino de Jesus em Mateus 18.15-20 fala-nos que se uma situação que envolve

um pecado de alguém contra outrem não pode ser resolvido em uma reunião privada ou de um

grupo pequeno, o assunto deve, então, ser levado à igreja:

Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te

ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda

contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou

três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender,

dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como

gentio e publicano (Mt 18.15-17).

Nesse caso o assunto avançou de uma situação particular e informal para um processo de

disciplina público e muito mais formal, feito pela igreja inteira.

3. Como deve ser exercida a disciplina eclesiástica?

a. O conhecimento do pecado deve ser preservado dentro do menor grupo possível. Esse

parece ser o propósito de Mateus 18.15-17, que está por trás do avanço gradual que começa

numa reunião privada, passa para uma reunião com duas ou três pessoas e chega à revelação a

toda a igreja. Quanto menos pessoas souberem de algum pecado, melhor, pois é mais fácil

haver arrependimento, um número menor de pessoas se desvia, e a reputação da pessoa

envolvida, da igreja e de Cristo é menos prejudicada.

b. Medidas disciplinares devem ser cada vez mais severas até que haja uma solução. Uma vez

mais em Mateus 18 Jesus nos ensina que não podemos parar simplesmente em uma conversa

privada se essa não trouxer resultados satisfatórios. Ele exige que o pessoa ofendida vá

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

197

Page 198: Teologia sistemática   grudem

primeiro sozinha, e então leve mais uma ou duas outras pessoas (Mt 18.15-16). Além disso, se

um cristão acha que ofendeu alguém (ou se alguém acha que foi ofendido), Jesus exige que a

pessoa que cometeu o erro (ou que se acredita ter errado) vá à pessoa que se considera vítima

do erro cometido (Mt 5.23). Isso significa que se fomos ofendidos ou outros acham que foram

ofendidos, sempre é nossa responsabilidade tomar a iniciativa e ir falar com a outra pessoa.

Jesus não nos permite que esperemos a outra pessoa vir falar conosco.

c. A disciplina dos líderes da igreja. Em uma passagem Paulo apresenta diretrizes

concernentes à disciplina dos líderes da igreja:

Não aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o

depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem no

pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os

demais temam. Conjuro-te, perante Deus, e Cristo Jesus, e os anjos

eleitos, que guardes estes conselhos, sem prevenção, nada fazendo

com parcialidade (1Tm 5.19-21).

Paulo apresenta aqui uma cautela especial a fim de proteger os líderes de ataques individuais:

uma medida com respeito ao pecado, nesse caso, exige o depoimento de duas ou três

testemunhas. “Os que vivem no pecado” devem ser repreendidos “na presença de todos”. A

razão disso é que o mau exemplo da conduta pecaminosa dos líderes terá muito

provavelmente o efeito negativo que se disseminará nos outros que vêem a vida deles. Assim

Paulo aconselha Timóteo a “nada fazer com parcialidade” em tal situação, advertência muito

útil, já que Timóteo era provavelmente muito amigo de vários líderes da igreja de Éfeso.

d. Outros aspectos da disciplina eclesiástica. Uma vez que a disciplina seja exercida, tão logo

haja arrependimento em qualquer estágio do processo, os cristãos cientes da disciplina devem

receber de coração o arrependido na comunhão da igreja com rapidez. Paulo afirma: “De

modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja o mesmo

consumido por excessiva tristeza [...] Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso

amor” (2Co 2.7-8; cf. 7.8-11). Uma vez mais, nosso propósito na disciplina eclesiástica nunca

deve ser punir alguém com um desejo de vingança, mas sempre restaurá-lo e curá-lo.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

198

Page 199: Teologia sistemática   grudem

O GOVERNO DA IGREJA

As igrejas hoje têm muitas diferentes formas de governo. A Igreja Católica Romana tem um

governo mundial sob a autoridade do papa. As igrejas episcopais têm bispos com autoridade

regional e, acima deles, arcebispos. As igrejas presbiterianas dão autoridade regional aos

presbitérios e autoridade nacional aos concílios. Todavia, as igrejas batistas e muitas outras

igrejas independentes não têm uma autoridade oficial de governo além da congregação local,

e a filiação a outras denominações é voluntária.

A. OS OFICIAIS DA IGREJA

Para os propósitos deste capítulo, usaremos a seguinte definição: um oficial da igreja é

alguém publicamente reconhecido como detentor do direito e da responsabilidade de

desempenhar certas funções para o benefício de toda a igreja.

Segundo essa definição, presbíteros e diáconos seriam considerados oficiais na igreja, bem

como o pastor (se esse for um ofício distinto). O tesoureiro e o moderador também seriam

oficiais (esses títulos podem variar de igreja para igreja). Todas essas pessoas tiveram

reconhecimento público, geralmente em um culto no qual foram “empossados” ou

“ordenados” em um ofício.

1. Apóstolos.

No início deste livro vimos que os apóstolos do Novo Testamento tinham um tipo singular de

autoridade na igreja primitiva: autoridade para falar e escrever palavras que eram “palavras de

Deus” em sentido absoluto. Não acreditar neles ou desobedecer a eles era o mesmo que não

crer em Deus e desobedecer a Deus. Os após-tolos, portanto, tinham autoridade para escrever

palavras que se tornaram palavras da Bíblia. Este fato por si só nos sugere que havia algo de

singular no ofício de apóstolo, e não esperaríamos que ele continuasse hoje, porque

atualmente ninguém pode acrescentar palavras à Bíblia e tê-las na conta de palavras de Deus

ou como parte das Escrituras.

a. As qualificações de um apóstolo. As duas qualificações de um apóstolo eram: (1) ter visto

Jesus Cristo após a ressurreição (ser testemunha ocular da ressurreição) e (2) ter sido

especificamente comissionado por Cristo como seu apóstolo.

O fato de que um apóstolo tinha de ter visto o Senhor ressurreto é indicado em Atos 1.22,

onde Pedro diz que o substituto de Judas deve “se tornar testemunha conosco de sua

ressurreição”. Além disso foi “aos apóstolos que escolhera” que “depois de ter padecido se

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

199

Page 200: Teologia sistemática   grudem

apresentou vivo, com muitas provas incontestáveis, aparecendo-lhes durante quarenta dias”

(At 1.2-3; cf. 4.33).

b. Quem eram os apóstolos? O grupo inicial contava com doze – os onze discípulos originais

que continuaram após a morte de Judas, e Matias, que o substituiu: “E os lançaram em sortes,

vindo a sorte a recair sobre Matias, sendo-lhe então votado lugar com os onze apóstolos” (At

1.26). Tão importante era esse grupo original de doze apóstolos, os membros fundadores do

ofício apostólico, que lemos que seus nomes estão escritos nos fundamentos da cidade

celestial, a nova Jerusalém: “A muralha da cidade tinha doze fundamentos, e estavam sobre

estes os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro” (Ap 21.14).

c. Resumo. A palavra apóstolo pode ser usada em um sentido amplo ou restrito. Em sentido

amplo ela significa “mensageiro” ou “missionário pioneiro”. Mas em sentido restrito, que é o

mais comum no Novo Testamento, refere-se a um ofício específico, “apóstolo de Jesus

Cristo”. Esses apóstolos tinham autoridade única para fundar e liderar a igreja primitiva e

podiam falar e escrever a palavra de Deus. Muitas de suas palavras escritas tornaram-se as

Escrituras do Novo Testamento.

2. Presbíteros (pastores / bispos)

a. Pluralidade de presbíteros, padrão em todas as igrejas do Novo Testamento. O próximo

ofício a ser considerado é o de “presbítero”. Embora se argumente que havia diferentes

formas de governo eclesiástico no Novo Testamento, um panorama dos textos pertinentes

mostra que o oposto é verdadeiro: há um padrão bastante coerente de vários presbíteros como

o principal grupo de liderança das igrejas neotestamentárias. Por exemplo, em Atos 14.23

lemos: “E promovendo-lhes em cada igreja a eleição de presbíteros, depois de orar com

jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido”. Isso aconteceu na primeira

viagem missionária de Paulo, quando retornava pelas cidades de Listra, Icônio e Antioquia, e

indica que o procedimento normal de Paulo desde sua primeira viagem missionária era

estabelecer um grupo de presbíteros em cada igreja que fundava. Sabemos que Paulo também

estabeleceu presbíteros na igreja de Éfeso, porque lemos: “De Mileto mandou a Éfeso chamar

os presbíteros da igreja” (At 20.17).

b. Outros títulos dos presbíteros: pastores ou bispos. Presbíteros também são chamados

“pastores” ou “bispos” no Novo Testamento. A palavra menos usada (pelo menos na forma

substantiva) é pastor (gr. poimÂn). Pode surpreender-nos descobrir que essa palavra, que se

tornou tão comum, só ocorra, referindo-se a um oficial da igreja, uma vez no Novo

Testamento. Em Efésios 4.11, Paulo escreve: “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos,

outros para profetas, outros para evangelistas, outros para pastores e mestres”. O versículo

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

200

Page 201: Teologia sistemática   grudem

provavelmente seria mais bem traduzido por “pastores-mestres” (um grupo) e não “pastores e

mestres” (sugerindo dois grupos) por causa da construção grega (embora nem todo estudioso

da área de Novo Testamento concorde com a tradução).  A associação com o ensino sugere

que esses pastores eram alguns presbíteros (ou talvez todos) que se encarregavam do ensino,

porque um dos requisitos do presbítero era ser “apto para ensinar” (1Tm 3.12).

c. As funções dos presbíteros. Uma das principais funções dos presbíteros é dirigir as igrejas

do Novo Testamento. Em 1Timóteo 5.17 lemos: “Devem ser considerados merecedores de

dobrados honorários os presbíteros que presidem bem”. Antes, na mesma epístola, Paulo diz

que o bispo (ou presbítero) “deve governar bem a sua própria casa [...] pois, como cuidará da

igreja de Deus?” (1Tm 3.4-5).

d. Qualificações dos presbíteros. Quando Paulo alista as qualificações dos presbíteros, é

importante o fato de ele juntar requisitos concernentes a traços do caráter e atitudes íntimas

com requisitos que não podem ser preenchidos em curto espaço de tempo, senão em um

período de muitos anos de vida cristã fiel:

“E necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de

uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para

ensinar; não dado ao vinho, não violento, porém cordato, inimigo de

contendas, não avarento; e que governe bem a própria casa, criando os

filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe

governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?); não seja

neófito, para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condenação

do diabo” (1Tm 3.2-7).

e. Que significa “esposo de uma só mulher”? A qualificação esposo de uma só mulher” (1Tm

3.2; Tt 1.6) tem sido entendida de diferentes formas. Alguns pensam que exclui do ofício de

presbítero aqueles que, tendo-se divorciado, casaram-se com outra mulher, porque, neste caso,

seriam marido de duas mulheres. Mas essa não parece ser uma interpretação correta desses

versículos. Uma interpretação melhor é que Paulo estava proibindo um polígamo (alguém que

tem mais de uma esposa ao mesmo tempo) de ser presbítero. Há vários motivos para essa

interpretação:

(1) Todas as outras qualificações alistadas por Paulo referem-se ao estado presente de um

homem, não a toda sua vida passada. Por exemplo, 1Timóteo 3.1-7 não significa “aquele que

nunca foi violento”, mas “aquele que não é violento agora, mas gentil”. Não significa “aquele

que nunca foi amante do dinheiro”, mas “aquele que não é amante do dinheiro agora”. Não

significa “aquele que sempre foi irrepreensível”, mas aquele que “agora é irrepreensível”. Se

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

201

Page 202: Teologia sistemática   grudem

estendêssemos essas qualificações à vida pregressa das pessoas, excluiríamos quase todos que

se tornaram cristãos quando adultos, porque é duvidoso que qualquer não cristão preenchesse

esse requisitos.

(2) Caso quisesse, Paulo poderia ter dito “casado só uma vez”, mas não o fez.

(3) Não impedimos viúvos que se casaram de novo de serem presbíteros, mas deveríamos, se

entendêssemos a frase como “casado só uma vez”. As qualificações para presbíteros são todas

baseadas no caráter moral e espiritual, e nada há na Bíblia que dê a entender que um viúvo

que se casou de novo seja moral ou espiritualmente inferior.

(4) A poligamia era possível no primeiro século. Embora não fosse comum, ela era praticada,

especial-mente entre os judeus. O historiador judeu Josefo diz: “Porque é nosso costume

antigo ter diversas esposas ao mesmo tempo”. A legislação rabínica também regulamentava

costumes de herança e outros aspectos de poligamia.

f. A ordenação pública de presbíteros. Em relação com a discussão acerca dos presbíteros,

Paulo diz: A ninguém imponhas precipitadamente as mãos” (1Tm 5.22). Embora o contexto

não especifique um processo de seleção de presbíteros, todo o contexto imediatamente

anterior (1Tm 5.17-21) trata de presbíteros; e a imposição de mãos seria uma cerimônia para

separar alguém para o ofício de presbítero (observe a imposição de mãos para ordenar ou

estabelecer pessoas em certos ofícios e tarefas em At 6.6; 13.3; 1Tm 4.14). Portanto, a

consagração de presbítero parece a possibilidade mais provável para a ação que Paulo tem em

mente. Nesse caso ele estaria dizendo: “A ninguém consagre precipitadamente como

presbítero”. Isso seria coerente com um processo por onde os diáconos devem ser

“primeiramente experimentados; e, se se mostrarem irrepreensíveis, exerçam o diaconato”

(1Tm 3.10).

3. Diáconos.

A palavra diácono é tradução da palavra grega diakonos, que é o termo comum que se traduz

por “servo”, quando usado em contextos não eclesiásticos.

Os diáconos são claramente mencionados em Filipenses 1.1: “... a todos os santos em Cristo

Jesus, inclusive bispos e diáconos que vivem em Filipos”. Mas não há especificação de sua

função, só a indicação de que são diferentes dos bispos (presbíteros). Os diáconos também são

mencionados em 1Timóteo 3.8-13 em uma passagem mais extensa:

“Semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam

respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados a muito vinho, não

cobiçosos de sórdida ganância, conservando o mistério da fé com a

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

202

Page 203: Teologia sistemática   grudem

consciência limpa. Também sejam estes primei-ramente

experimentados; e, se se mostrarem irrepreensíveis, exerçam o

diaconato. Da mesma sorte, quanto a mulheres [ou “esposas”; a

palavra grega pode ter um desses significado], é necessário que sejam

elas respeitáveis, não maldizentes, temperantes e fiéis em tudo. O

diácono seja marido de uma só mulher, e governe bem seus filhos e a

própria casa. Pois os que desempenharem bem o diaconato alcançam

para si mesmos justa preeminência e muita intrepidez na fé em Cristo

Jesus” (1Tm 3.8-13).

4. Outros cargos?

Em algumas igrejas hoje, há outros cargos, tais como tesoureiro, moderador (alguém com

responsabilidade de presidir as reuniões administrativas da igreja), ou curador (em algumas

formas de governo da igreja, alguém legalmente responsável pelas propriedades da igreja).

Além disso, igrejas com uma equipe de direção com mais de um membro assalariado podem

ter nessa equipe membros (tais como ministro de música, diretor de educação, conselheiro de

jovens, etc.) “publicamente reconhecidos como detentores do direito e da responsabilidade de

desempenhar certas funções na igreja” e que assim se encaixam em nossa definição de oficial

da igreja, podendo até serem pagos para desempenhar tais funções em tempo integral, mas

que podem não ser presbíteros nem diáconos na igreja.

B. COMO DEVEM SER ESCOLHIDOS OS OFICIAIS DA IGREJA?

Existem duas práticas principais no processo de seleção dos oficiais da igreja – a escolha feita

por uma autoridade superior e a que se faz pela congregação local. A Igreja Católica Romana

tem seus oficiais indicados por uma autoridade superior: o papa indica cardeais e bispos, e os

bispos indicam sacerdotes para as paróquias locais. Essa é uma “hierarquia”, ou sistema de

governo por sacerdócio, distinto dos leigos na igreja. Esse sistema indica uma linha

ininterrupta de descendência que começa com Cristo e os apóstolos e alega que o sacerdócio

atual é o representante de Cristo na igreja. Embora a Igreja Anglicana (Igreja Episcopal, nos

Estados Unidos) não se submeta ao domínio de um papa nem tenha cardeais, ela possui

algumas semelhanças com o sistema hierárquico da Igreja Católica Romana, já que é dirigida

por bispos e arcebispos, e os membros de seu clero são considerados sacerdotes. Ela também

alega estar na linha de sucessão direta a partir dos apóstolos, e os sacerdotes e bispos são

indicados por uma autoridade superior, de fora da paróquia local.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

203

Page 204: Teologia sistemática   grudem

C. FORMAS DE GOVERNO ECLESIÁSTICO

Na discussão das formas de governo eclesiástico há uma sobreposição com as seções

anteriores sobre o método de escolha de oficiais, cuja seleção constitui um aspecto muito

importante da autoridade na igreja. Diferentes filosofias de governo eclesiástico refletiram em

diferentes métodos de escolha dos oficiais da igreja, como explicado acima.

Isso fica evidente no fato de que as formas de governo da igreja podem ser divididas em três

grandes categorias, que podemos chamar de “episcopal”, “presbiteriana” e “congregacional”.

As formas episcopais têm um governo exercido por uma categoria distinta de oficiais da

igreja considerada um sacerdócio, e a autoridade final para a tomada de decisões encontra-se

fora da igreja local.  O sistema da Igreja Episcopal é o principal representante desse tipo de

governo entre os protestantes. As formas presbiterianas têm um governo de presbíteros,

alguns dos quais têm autoridade não só sobre suas congregações locais, mas também, através

do presbitério e da assembléia geral, sobre todas as igrejas de uma região e, daí, na

denominação como um todo. Todas as formas congregacionais de governo da igreja têm uma

autoridade final baseada na congregação local, embora se percam vários graus de

independência através da filiação denominacional e a forma real de governo possa variar

consideravelmente. Examinaremos cada uma dessas formas na discussão que se segue.

1. Episcopal

No sistema episcopal, um arcebispo tem autoridade sobre muitos bispos. Estes, por sua vez,

têm autoridade sobre uma “diocese”, o que significa simplesmente igrejas sob a jurisdição de

um bispo. O oficial encarregado de uma paróquia local é um reitor (ou algumas vezes um

vigário que é um “assistente” ou alguém que substitui um reitor). Arcebispos, bispos e reitores

eclesiásticos são sacerdotes, já que todos foram em certa ocasião ordenados para o sacerdócio

episcopal (mas, na prática, o reitor eclesiástico é mais freqüentemente chamado sacerdote).

2. Presbiteriano

Nesse sistema cada igreja local elege presbíteros para um conselho. O pastor da igreja é um

dos presbíteros no conselho, com a mesma autoridade dos outros presbíteros. Esse conselho

tem autoridade para dirigir a igreja local. Entretanto, os membros do conselho (os presbíteros)

são também membros de um presbitério que tem autoridade sobre diversas igrejas locais em

uma região. Esse presbitério consiste de alguns ou de todos os presbíteros das igrejas locais

sobre as quais ele tem autoridade.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

204

Page 205: Teologia sistemática   grudem

3. Congregacional

a. Um único presbítero (ou pastor). Podemos agora considerar cinco variações de governo

congregacional para a igreja. A primeira, atualmente mais comum entre as igrejas batistas nos

Estados Unidos, é de “um único presbítero”. Nesse tipo de governo o pastor é considerado o

único presbítero na igreja, e há um grupo de diáconos que atuam sob sua autoridade e lhe dão

apoio.

b. Pluralidade de presbíteros na igreja local. Há algum tipo de governo eclesiástico que

preserve o modelo neotestamentário de pluralidade de presbíteros e que evite a expansão da

autoridade destes para fora da igreja local? Embora não seja distintivo de nenhuma

denominação atual, um sistema assim existe em muitas congregações. Usando as conclusões

sobre esse ponto a partir dos dados do Novo Testamento

c. Junta. As três formas restantes de governo eclesiástico congregacional não são comumente

usadas, mas são às vezes encontradas em igrejas evangélicas. A primeira é modelada a partir

do exemplo de uma empresa moderna, em que a diretoria contrata um executivo que tem

então autoridade de dirigir os negócios conforme achar melhor. Essa forma de governo

também pode ser chamada de estrutura “você trabalha para nós”.

d. Democracia absoluta. Em tal sistema tudo precisa ser levado às reuniões da congregação. O

resultado é que as decisões são discutidas com freqüência de maneira interminável, e, à

medida que a igreja cresce, tomar decisões torna-se quase impossível. Embora tal estrutura

sem dúvida faça justiça a alguns textos já citados com respeito à necessidade de a autoridade

governante final estar na congregação como um todo, ela não é fiel ao modelo

neotestamentário de líderes reconhecidos e designados detentores de verdadeira autoridade

para dirigir a igreja na maioria das vezes.

e. “Sem governo, mas dirigida pelo Espírito Santo”. Algumas igrejas, particularmente igrejas

muito recentes, com tendências místicas ou extremamente pietistas, funcionam com um

governo eclesiástico. Nesse caso, a igreja nega a necessidade de qualquer forma de governo; o

governo depende inteiramente dos membros da igreja, sensíveis à direção do Espírito Santo

na vida; as decisões são geralmente tomadas por consenso.

4. Conclusões.

Precisa ficar bem claro, na conclusão dessa discussão do governo eclesiástico, que a forma de

governo adotada por uma igreja não é uma questão fundamental de doutrina. Os cristãos têm

vivido muito bem e ministrado com muita eficácia dentro dos mais diversos tipos de sistema

de governo, e em cada um desses sistemas mencionados há muitos que são evangélicos de

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

205

Page 206: Teologia sistemática   grudem

fato. Além disso, alguns tipos diferentes de sistemas de governo eclesiástico parecem

funcionar muito bem. Onde existam fraquezas aparentemente inerentes à estrutura governante,

os indivíduos ali geralmente reconhecem tais fraquezas e procuram compensá-las de todas as

formas permitidas pelo sistema.

D. DEVEM AS MULHERES SER MINISTRAS DA IGREJA?

A maioria das teologias sistemáticas não inclui uma seção sobre poderem ou não as mulheres

ser ministras da igreja, porque em toda a história da igreja o pressuposto é que, com bem

poucas exceções, apenas os homens podem ser pastores ou atuar como presbíteros de uma

igreja.

Precisamos afirmar de início que a narrativa da criação de Gênesis 1.27 vê homens e mulheres

igualmente criados à imagem de Deus. Portanto, homens e mulheres têm valor igual para

Deus, e devem ser vistos como de valor absolutamente igual para nós e para a igreja enquanto

pessoas. Além disso, a Bíblia garante a homens e mulheres igual acesso a todas as bênçãos da

salvação (veja At 2.17-18; Gl 3.28). Isso é notavelmente afirmado no elevado respeito e

dignidade que Jesus dispensou às mulheres em seu ministério terreno.

MEIOS DE GRAÇA NA IGREJA

A. QUANTOS SÃO OS MEIOS DE GRAÇA À NOSSA DISPOSIÇÃO?

Todas as bênçãos que recebemos nesta vida são em última análise imerecidas — todas elas

nos vêm pela graça. De fato, para Pedro, toda a vida cristã se vive pela graça (1Pe 5.12).

Mas será que Deus usa meios especiais para nos dispensar mais graça? Especificamente na

comunhão da igreja, será que há determinados meios — ou seja, determinadas atividades,

cerimônias ou funções — que Deus usa para nos dispensar mais graça? Outra maneira de

formular essa pergunta é: será que o Espírito Santo se utiliza de certos meios para distribuir as

bênçãos aos salvos? É claro que a oração particular, o culto, o estudo da Bíblia e a fé são

meios de que Deus lança mão para dispensar graça a cada cristão. Mas neste capítulo estamos

tratando da doutrina da igreja e perguntamos especificamente: na comunhão da igreja, que

meios de graça Deus usa para nos dispensar bênçãos?

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

206

Page 207: Teologia sistemática   grudem

B. ANÁLISE DOS MEIOS

1. O ensino da Palavra.

Mesmo antes de as pessoas se tornarem cristãs, o ensino e a pregação da Palavra lhes

dispensam a graça de Deus, pois esse é o instrumento que Deus usa para lhes conceder a vida

espiritual e levá-las à salvação. Diz Paulo que o evangelho é o “poder de Deus para a

salvação” (Rm 1.16) e que a pregação de Cristo é “poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Co

1.24). Deus nos fez nascer de novo ou “nos gerou pela palavra da verdade” (Tg 1.18), e Pedro

diz: “Fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra

de Deus, a qual vive e é permanente” (1Pe 1.23). A Palavra escrita de Deus, a Bíblia, pode

“tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2Tm 3.15).

2. O batismo.

Como Jesus ordenou que a igreja realizasse o batismo (Mt 28.19), é de esperar que haja

bênçãos associadas ao batismo, pois toda obediência que os cristãos prestam a Deus lhes traz

favor divino. Essa obediência é especificamente o ato público de confessar Jesus como

Salvador, ato que por si mesmo traz alegria e bênção ao crente. Além disso, é um sinal da

morte e ressurreição do crente com Cristo (ver Rm 6.2-5; Cl 2.12), e parece natural que o

Espírito Santo aja por intermédio desse sinal para aumentar a nossa fé, a nossa percepção

prática da morte para o poder e o amor do pecado e também para ampliar a nossa experiência

do poder da nossa vida ressurreta em Cristo, vida que todos nós salvos temos. Como o

batismo é um símbolo físico da morte e da ressurreição de Cristo e da nossa participação

nelas, deve também dar garantia adicional de união com Cristo a todos os cristãos presentes.

Por fim, como a água do batismo é um símbolo exterior do batismo espiritual do Espírito

Santo, é de esperar que o Espírito Santo aja normalmente durante o batismo, dando aos

cristãos uma maior consciência dos benefícios do batismo espiritual indicado pelo sinal da

água.

3. A Ceia do Senhor.

Além do batismo, a outra ordenança ou cerimônia que Jesus instituiu como dever da igreja é a

participação na ceia do Senhor. Embora esse assunto seja discutido mais a fundo nos

próximos capítulos, convém observar aqui que a participação na ceia do Senhor é também

muito claramente um meio de graça que o Espírito Santo usa para dispensar bênçãos à igreja.

A ceia do Senhor não é simplesmente uma refeição comum partilhadada por seres humanos –

é comunhão com Cristo, na sua presença e à sua mesa.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

207

Page 208: Teologia sistemática   grudem

4. A oração.

Já estudamos a oração no capítulo 18; portanto, só precisamos aqui observar que tanto a

oração coletiva na igreja reunida quanto a oração dos cristãos uns pelos outros são meios

poderosos que o Espírito Santo usa cotidianamente para distribuir bênçãos aos salvos.

Certamente devemos orar juntos e também individualmente, seguindo o exemplo da igreja

primitiva. Quando os primeiros cristãos ouviram as ameaças dos líderes dos judeus,

“unânimes, levantaram a voz a Deus” em oração (At 4.24-30), e “tendo eles orado, tremeu o

lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e, com intrepidez,

anunciavam a palavra de Deus” (At 4.31; cf. 2.42). Quando Pedro foi lançado na prisão,

“havia oração incessante a Deus por parte da igreja a favor dele” (At 12.5).

5. A adoração.

A adoração genuína é a adoração “em espírito” (Jo 4.23-24; Fp 3.3), que provavelmente

significa adoração que se dá na esfera espiritual (não meramente o ato físico de participar do

culto, ou de cantar hinos). Quando penetramos na esfera espiritual e ministramos ao Senhor

em oração, Deus também ministra a nós. Assim, por exemplo, na igreja de Antioquia,

enquanto estavam “servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me,

agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At 13.2).

6. A disciplina da igreja.

Como a disciplina da igreja é um meio pelo qual se fomenta a pureza da igreja e se estimula a

santidade de vida, sem dúvida devemos contá-la também como “meio de graça”. Porém, a

bênção não é concedida automaticamente: quando a igreja disciplina, aquele que está em

pecado não recebe nenhum bem espiritual a menos que o Espírito Santo o convença do seu

pecado e provoque uma “tristeza segundo Deus” que “produz arrependimento para a salvação,

que a ninguém traz pesar” (2Co 7.10); e a igreja também não recebe nenhum bem espiritual a

menos que o Espírito Santo esteja atuante nos outros membros quando eles tomarem

consciência desse processo. É por isso que a igreja deve executar a disciplina sabendo que ela

se faz na presença do Senhor (1Co 5.4; cf. 4.19-20) e com a certeza de que ela traz em si a

sanção celeste (Mt 16.19; 18-18.20).

7. A oferta.

As ofertas são normalmente feitas por intermédio da igreja: ela as recebe e distribui aos vários

ministérios e necessidades que atende. Aqui, novamente, não há dispensação automática ou

mecânica de benefícios aos que contribuem. Simão, o mágico, foi veementemente

repreendido por pensar que podia “adquirir, por meio dele [do dinheiro], o dom de Deus” (At

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

208

Page 209: Teologia sistemática   grudem

8.20). Mas se a oferta é feita com fé, pela devoção a Cristo e por amor ao seu povo, então

certamente haverá grandes bênçãos nela. Deus mais se agrada quando as ofertas em dinheiro

vêm acompanhadas de uma intensificação da devoção do doador a Deus, como foi o caso dos

macedônios, que “deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de

Deus” (2Co 8.5), e mais tarde ainda fizeram doações aos cristãos pobres de Jerusalém.

Quando a contribuição se faz com alegria, “não com tristeza ou por necessidade”, vem com

ela a grande recompensa do favor de Deus, “porque Deus ama a quem dá com alegria” (2Co

9.7).

8. Os dons espirituais.

Pedro considera os dons espirituais veículos pelos quais a graça de Deus vem à igreja. Diz ele:

“Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da

multiforme graça de Deus” (1Pe 4.10). Quando os dons são usados em benefício uns dos

outros na igreja, a graça de Deus é assim dispensada àqueles a quem Deus pretende concedê-

la. Excelentes bênçãos virão à igreja com o uso correto dos dons espirituais, desde que a

igreja siga a exortação de Paulo de usar os dons para procurar “progredir, para a edificação da

igreja” (1Co 14.12; cf. Ef 4.11-16).

9. A comunhão.

Não devemos menosprezar a comunhão cristã comum como valioso meio de graça na igreja.

Os membros da igreja primitiva “perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no

partir do pão e nas orações” (At 2.42). E o autor de Hebreus lembra aos cristãos:

“Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras.

Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e

tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.24-25). Na comunhão dos crentes,

crescem a amizade e o afeto naturais uns pelos outros, e assim se cumpre o mandamento de

Jesus: “que vos ameis uns aos outros” (Jo 15.12). Além disso, quando os crentes se importam

uns com os outros, seguem o conselho de Paulo: “Levai as cargas uns dos outros e, assim,

cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6.2).

10. A evangelização.

Em Atos, há um vínculo freqüente entre proclamar o evangelho (mesmo enfrentando

oposição) e estar cheio do Espírito Santo (ver At 2.4 com v. 14-36; 4.8, 31; 9.17 com v. 20;

13.9, 52). A evangelização é então um meio de graça não só porque ministra graça salvífica

aos que não estão salvos, mas também porque quem evangeliza vivencia mais a presença e a

bênção do Espírito Santo. Às vezes a evangelização é realizada individualmente, outras vezes

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

209

Page 210: Teologia sistemática   grudem

é uma atividade coletiva da igreja (como nas campanhas de evangelização). E mesmo a

evangelização individual muitas vezes envolve outros membros da igreja, que acolhem um

visitante descrente e atendem as suas necessidades. Portanto a evangelização é com justiça

considerada um meio de graça na igreja.

11. O ministério individual.

Juntamente com os precedentes dez “meios de graça” da igreja, cabe relacionar mais um meio

específico que o Espírito Santo usa com bastante freqüência para distribuir bênçãos a cada

cristão. Esse meio de graça entra em ação quando um ou mais cristãos atendem, de modos

diversos, necessidades bem específicas de outra pessoa da igreja.

12. Será que os cristãos devem usar o lava-pés como meio de graça na igreja?

De tempos em tempos alguns grupos cristãos fazem a cerimônia do lava-pés em reuniões da

congregação. Baseiam eles essa prática no mandamento de Jesus: “Ora, se eu, sendo o Senhor

e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (Jo 13.14).

Aqueles que defendem o lava-pés o consideram uma cerimônia instituída por Jesus,

semelhante aos ritos do batismo e da ceia do Senhor.

C. CONCLUSÕES

Ao final deste exame dos meios de graça na igreja, convém perceber antes de tudo que

quando qualquer um desses meios é utilizado com fé e obediência, os cristão devem esperar e

procurar evidências de que o Espírito Santo está de fato ministrando às pessoas

simultaneamente à utilização dos meios. Que nós cristãos “não deixemos de congregar-nos”

(Hb 10.25), mas busquemos avidamente participar de qualquer reunião de crentes em que

esses meios se façam presentes, esperando que Deus dispense bênçãos mediante cada um

deles!

BATISMO

Pelo fato de a Igreja Católica Romana chamar essas duas cerimônias “sacramentos” e de

ensinar que esses sacramentos em si mesmos realmente concedem graça ao povo (sem exigir

fé dos que deles participam), alguns protestantes (especialmente os batistas) recusaram-se a

referir-se ao batismo e à ceia do Senhor como “sacramentos”. Eles preferiram em vez disso a

palavra ordenança. Acredita-se que esse seria um termo apropriado porque o batismo e a ceia

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

210

Page 211: Teologia sistemática   grudem

do Senhor foram “ordenados” por Cristo. Por outro lado, outros protestantes, como os

pertencentes às tradições anglicana, luterana e reformada, estão dispostos a usar o termo

“sacramentos” para referir-se ao batismo e à ceia do Senhor, sem endossar, porém, a posição

católica.

A. A FORMA E O SIGNIFICADO DO BATISMO

A prática do batismo no Novo Testamento era realizada de um modo: a pessoa batizada era

imersa ou posta completamente dentro da água e em seguida retirada. Batismo por imersão é,

portanto, o modo ou a forma pela qual o batismo era realizado no Novo Testamento. Isso se

evidencia pelas seguintes razões.

(1) A palavra grega baptizo significa “mergulhar, afundar, imergir” algo na água. Isso é

normalmente reconhecido, sendo esse o significado padrão do termo na literatura grega antiga

tanto na Bíblia como fora dela.

(2) O sentido “imergir” é adequado e provavelmente exigido para a palavra nos vários textos

do Novo Testamento. Em Marcos 1.5, o povo era batizado por João “no rio Jordão” (o texto

grego traz en, “em”, e não “ao lado” ou “próximo” ou “perto” do rio). Marcos também nos diz

que quando Jesus foi batizado “ele saiu da água” (Mc 1.10). O texto grego especifica que ele

saiu “para fora da” (ek) água, e não que ele veio da água (mais bem comunicado pelo gr. apo).

(3) O simbolismo da união com Cristo em sua morte, sepultamento e ressurreição parece

exigir batismo por imersão. Paulo afirma:

Ou, porventura ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo

Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos pois sepultados com ele

na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre

os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em

novidade de vida (Rm 6.3-4).

De maneira semelhante, Paulo diz aos colossenses: “tendo sido sepultados, juntamente com

ele, no batismo, no qual fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou

dentre os mortos” (Cl 2.12).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

211

Page 212: Teologia sistemática   grudem

B. QUEM DEVE SER BATIZADO?

O modelo revelado em vários textos do Novo Testamento mostra que somente os que fazem

uma profissão de fé digna de crédito devem ser batizados. Essa posição é muitas vezes

chamada “batismo de convertidos”, já que defende que somente os que creram em Cristo (ou,

mais especificamente, os que deram provas razoáveis de terem crido em Cristo) devem ser

batizados. A razão disso é que o batismo, que é um símbolo do início da vida cristã, deve ser

ministrado apenas aos que de fato iniciaram a vida cristã.

1. O argumento dos textos narrativos do Novo Testamento.

Os exemplos dos que foram batizados, encontrados nas narrativas, sugerem que o batismo foi

ministrado somente aos que fizeram uma profissão de fé digna de crédito. Depois do sermão

de Pedro no Pentecostes: “Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados” (At 2.41).

O texto especifica que o batismo foi ministrado aos que “aceitaram a palavra” e, portanto,

tinham confiado em Cristo para receber a salvação.

2. O argumento do significado do batismo.

Além dessas indicações dos textos narrativos do Novo Testamento de que o batismo sempre

se seguia à fé salvadora, há uma segunda consideração em favor do batismo de convertidos: o

símbolo externo do início da vida cristã deve ser ministrado apenas aos que dão prova de já

ter iniciado a vida cristã. Os autores do Novo Testamento escreveram com o nítido

pressuposto de que todos os que eram batizados já tinham aceitado a Cristo pessoalmente e

experimentado a salvação. Por exemplo, Paulo diz: “Porque todos quantos fostes batizados

em Cristo de Cristo vos revestistes” (Gl 3.27). Aqui, Paulo trata o batismo como um símbolo

externo de uma regeneração interna. Isso simplesmente não seria verdade no caso de crianças;

Paulo não poderia ter dito “porque todas as crianças batizadas em Cristo de Cristo se

revestiram”, pois as crianças ainda não chegaram à fé salvadora nem dão prova alguma de

regeneração.

3. Primeira alternativa: a posição católica.

A Igreja Católica Romana ensina que o batismo deve ser ministrado às crianças. A razão disso

é que a igreja católica crê que o batismo é necessário para a salvação e que o ato do batismo

em si traz regeneração. Portanto, nessa posição, o batismo é um meio pelo qual a igreja

confere graça. E, tratando-se de um canal de graça salvífica como esse, deve ser ministrado a

todos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

212

Page 213: Teologia sistemática   grudem

4. Segunda alternativa: a posição protestante pedobatista.

Em contraste com a posição batista defendida na primeira parte desse capítulo e também com

a posição católica que acaba de ser discutida, outro ponto de vista importante é que o batismo

é corretamente ministrado a todas as crianças que sejam filhas de pais cristãos. Essa posição

é muito comum em muitos igrejas protestantes (especialmente luteranas, episcopais, meto-

distas, presbiterianas e reformadas).

O argumento de que crianças nascidas de cristãos devem ser batizadas depende

principalmente destas três colocações:

a. As crianças eram circuncidadas na antiga aliança. No Antigo Testamento, a circuncisão era

o sinal externo de ingresso na comunidade da aliança ou na comunidade do povo de Deus. A

circuncisão era ministrada a todas as crianças israelitas (do sexo masculino) quando

completavam oito dias de vida.

b. O batismo é paralelo à circuncisão. No Novo Testamento, o sinal externo de ingresso na

“comunidade da aliança” é o batismo. Portanto, o batismo é o equivalente neotestamentário da

circuncisão. Segue-se que o batismo deve ser ministrado a todas as crianças nascidas de pais

cristãos. Negar-lhes tal benefício é privá-las de um privilégio e de um benefício que lhes

pertence por direito – o sinal de pertencer à comunidade do povo de Deus, a “comunidade da

aliança”.

c. O batismo de famílias. Outro apoio para a prática do batismo infantil é encontrado nos

“batismos de famílias” relatados em Atos e nas epístolas, particularmente no batismo da casa

de Lídia (At 16.15), da família do carcereiro de Filipos (At 16.33) e da casa de Estéfanas (1Co

1.16). Também se alega que Atos 2.39, que declara que a bênção prometida do evangelho é

“para vós outros e para vossos filhos”, serve de base para tal prática.

C. O EFEITO DO BATISMO

Acabamos de argumentar que o batismo simboliza regeneração ou novo nascimento

espiritual. Mas será ele apenas um símbolo? Ou há nele, de alguma forma, também algo que o

torna um “meio de graça”, isto é, um meio que o Espírito Santo usa para trazer bênção para o

povo? Já discutimos essa questão no capítulo anterior, de modo que aqui será necessário

apenas dizer que quando o batismo é adequadamente levado a efeito, é natural que também

traga algum benefício espiritual aos cristãos. Há a bênção do favor de Deus que vem

juntamente com toda obediência, bem como com a alegria que vem pela pública profissão de

fé de alguém, e a segurança de haver representado um quadro físico claro da morte e

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

213

Page 214: Teologia sistemática   grudem

ressurreição com Cristo e da purificação dos pecados. Com certeza o Senhor deu-nos o

batismo para fortalecer e encorajar a nossa fé – e assim deve ser com todo o que é batizado e

com todo cristão que é testemunha de um batismo.

D. É O BATISMO NECESSÁRIO?

Embora reconheçamos que Jesus ordenou o batismo (Mt 28.19), à semelhança do que fizeram

os apóstolos (At 2.38), não devemos dizer que o batismo seja necessário para a salvação. Essa

questão foi discutida até certo ponto anteriormente, quando respondemos à posição católica

do batismo. Dizer que o batismo ou qualquer outra obra é necessário para a salvação equivale

a dizer que não somos justificados somente pela fé, mas sim pela fé e determinada “obra”, a

obra do batismo. O apóstolo Paulo se oporia à idéia de que o batismo é necessário para

salvação tanto quanto ele se opôs à idéia semelhante de que a circuncisão era necessária à

salvação (veja Gl 5.1-12).

E. A IDADE ADEQUADA PARA O BATISMO

Os que estão convencidos pelos argumentos em favor do batismo de convertidos precisam

começar a perguntar: “Com que idade uma criança pode ser batizada?”.

A resposta mais direta é que a criança deve ter idade suficiente para fazer uma profissão de fé

digna de crédito. É impossível estabelecer uma idade precisa aplicável a toda criança, mas

quando os pais vêem prova convincente de vida espiritual genuína e também algum grau de

compreensão do significado de aceitar Cristo, o batismo é apropriado. Naturalmente, isso

exige uma administração cuidadosa por parte da igreja, bem como boa orientação por parte

dos pais em casa. A idade exata do batismo varia de criança para criança, e também um pouco

de igreja para igreja.

F. QUESTÕES FINAIS

1. É necessário que as igrejas estejam divididas por causa do batismo?

Apesar de muitos anos de divisão por causa dessa questão entre os protestantes, há algum

modo pelo qual os cristãos que divergem quanto ao batismo podem mostrar maior unidade de

comunhão? E há alguma maneira pela qual se possa progredir em levar a igreja a uma unidade

maior nessa questão?

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

214

Page 215: Teologia sistemática   grudem

2. Quem pode ministrar o batismo?

Finalmente, podemos perguntar: “Quem pode realizar a cerimônia de batismo? Somente o

clero ordenado pode realizar essa cerimônia?”

Devemos reconhecer aqui que as Escrituras simplesmente não especificam quaisquer

restrições sobre quem pode realizar a cerimônia do batismo. As igrejas que possuem um

sacerdócio especial por meio do qual certas ações (e bênçãos) acontecem (tais como os

católicos e até certo ponto os anglicanos) desejarão insistir que somente o clero devida-mente

ordenado deve batizar em circunstâncias normais (embora sejam aceitas exceções em casos

especiais). Todavia, se de fato cremos no sacerdócio de todos os crentes (veja 1Pe 2.4-10),

parece não haver necessidade em princípio de restringir o direito de ministrar o batismo

apenas ao clero ordenado.

A CEIA DO SENHOR

O Senhor Jesus instituiu duas ordenanças (ou sacramentos) a serem observadas pela igreja. O

capítulo anterior discutiu o batismo, ordenança observada uma só vez por todo indivíduo,

como sinal do início de sua vida cristã. Este capítulo discute a ceia do Senhor, ordenança que

deve ser observada repetidamente por toda a vida de um cristão, como sinal de comunhão

contínua com Cristo.

A. PRECEDENTES NA HISTÓRIA DA REDENÇÃO

Há precedentes dessa cerimônia no Antigo Testamento? Parece que sim, pois na antiga

aliança também há exemplos em que se come e se bebe na presença de Deus. Por exemplo,

quando o povo de Israel estava acampado diante do monte Sinai, logo depois de receber os

Dez Mandamentos, Deus chamou os anciãos de Israel para subirem o monte, ao encontro

dele: E subiram Moisés, e Arão, e Nadabe, e Abiú, e setenta dos anciãos de Israel [...] porém

eles viram a Deus, e comeram, e beberam (Êx 24.9-11).

B. O SIGNIFICADO DA CEIA DO SENHOR

O significado da ceia do Senhor é complexo, rico e pleno. Há vários aspectos simbolizados e

afirmados na ceia do Senhor.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

215

Page 216: Teologia sistemática   grudem

1. A morte de Cristo.

Quando participamos da ceia do Senhor há nisso um símbolo da morte de Cristo, pois nossas

ações ali formam um quadro de sua morte por nós. Quando partido, o pão simboliza o partir

do corpo de Cristo, e, quando derramado (bebido), o cálice simboliza o derramar do sangue de

Cristo em nosso favor. Essa é a razão por que participar da ceia do Senhor é também uma

espécie de proclamação: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice,

anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1Co 11.26).

2. Nossa participação nos benefícios da morte de Cristo.

Jesus ordenou aos seus discípulos: “Tomai, comei; isto é o meu corpo” (Mt 26.26). Quando

individualmente pegamos o cálice e nós mesmos o tomamos, cada um de nós está

proclamando por meio de tal ato: “Estou tomando os benefícios da morte de Cristo para mim

mesmo”. Quando assim procedemos mostramos um símbolo do fato de que participamos dos

benefícios conquistados em nosso favor pela morte de Jesus.

3. Alimento espiritual.

Assim como o alimento comum nutre o nosso corpo, também o pão e o vinho da ceia do

Senhor nos alimentam. Mas eles também representam o fato de que há alimento e refrigério

espirituais que Cristo está concedendo à nossa alma – de fato, a cerimônia que Jesus instituiu,

por sua própria natureza, tem a finalidade de ensinar-nos isso.

4. A unidade dos cristãos.

Quando os cristãos participam juntos da ceia do Senhor dão também um sinal nítido de

unidade de uns para com os outros. Na verdade, Paulo diz: “Porque nós, embora muitos,

somos unicamente um só pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão” (1Co

10.17)

5. Cristo afirma seu amor por mim.

O fato de que posso participar da ceia do Senhor – na verdade, de que Jesus convida-me para

tanto – é um lembrete vívido e um sinal visível e seguro de que Jesus Cristo me ama como

indivíduo e como pessoa. Quando venho tomar a ceia do Senhor reafirmo constantemente a

segurança do amor pessoal de Cristo por mim.

6. Cristo afirma que todas as bênçãos da salvação estão reservadas para mim.

Quando atendo ao convite de Cristo para participar da ceia do Senhor, o fato de que ele me

convidou à sua presença assegura-me de que Cristo tem abundantes bênçãos para mim. Na

ceia, estou de fato comendo e bebendo num antegozo da mesa do grande banquete do Rei.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

216

Page 217: Teologia sistemática   grudem

Venho à sua mesa como membro de sua eterna família. Quando o Senhor recebe-me nessa

mesa, ele me assegura de que me receberá para desfrutar de todas as outras bênçãos da terra e

dos céus também, especialmente da grande ceia das Bodas do Cordeiro, para a qual está

reservado um lugar para mim.

7. Eu afirmo minha fé em Cristo.

Por fim, quando tomo o pão e o cálice, por meu ato estou proclamando: “Preciso de ti e em ti

confio, Senhor Jesus, para perdoar os meus pecados e dar vida e saúde à minha alma, pois

somente pelo teu corpo partido e teu sangue derramado eu posso ser salvo”. De fato, quando

participo do partir do pão, dele comendo, e do derramar do cálice, dele bebendo, proclamo

constantemente que meus pecados constituíram parte do motivo do sofrimento e da morte de

Jesus. Assim, tristeza, alegria, gratidão e profundo amor por Cristo são ricamente mesclados

na beleza da ceia do Senhor.

C. COMO CRISTO ESTÁ PRESENTE NA CEIA DO SENHOR?

1. A posição católica: transubstanciação.

Conforme a doutrina da Igreja Católica Romana, o pão e o vinho tornam-se realmente o corpo

e o sangue de Cristo. Isso acontece quando o padre diz “isto é o meu corpo”, durante a

celebração da missa. Quando o padre diz isso, o pão é levantado (elevado) e adorado. Esse ato

de elevar o pão e de pronunciá-lo corpo de Cristo só pode ser feito por um sacerdote.

Quando isso acontece, segundo a doutrina católica, concede-se graça aos presentes ex opere

operato, isto é, “realizada por obra”, mas a quantidade de graça dispensada ocorre em

proporção à disposição subjetiva de quem recebe a graça. Além disso, toda vez que se celebra

a missa, o sacrifício de Cristo é repetido (em algum sentido), e a igreja católica é cautelosa em

afirmar que se trata de um sacrifício real, embora não corresponda ao sacrifício que Cristo fez

na cruz.

2. A posição luterana: “em, com e sob”.

Martinho Lutero rejeitou a posição católica sobre a ceia do Senhor, mas insistiu em que a

frase “isto é o meu corpo” tinha de ser entendida, em algum sentido, como uma declaração

literal. Sua conclusão não foi que o pão torna-se de fato o corpo físico de Cristo, mas que o

corpo físico de Cristo está presente “em, com e sob” o pão da ceia do Senhor. A ilustração

dada às vezes para explicar é que o corpo de Cristo está presente assim como a água está

presente em uma esponja – a água não é a esponja, mas está presente “em, com e sob” a

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

217

Page 218: Teologia sistemática   grudem

esponja e onde quer que a esponja esteja. Outra ilustração é a do magnetismo de um imã, ou

ainda a de uma alma em um corpo.

3. O restante das igrejas protestantes: presença simbólica e espiritual de Cristo.

De modo distinto de Martinho Lutero, João Calvino e outros reformadores argumentaram que

o pão e o vinho da ceia do Senhor não se transformam no corpo e no sangue de Cristo, nem

contêm, de algum modo, o corpo e o sangue de Cristo. Em vez disso, o pão e o vinho

simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, um sinal visível do fato de que o próprio Cristo

estava verdadeiramente presente.

D. QUEM DEVE PARTICIPAR DA CEIA DO SENHOR?

Apesar das diferenças sobre alguns aspectos da ceia do Senhor, a maioria dos protestantes iria

concordar, em primeiro lugar, que somente os que crêem em Cristo devem participar da ceia,

porque trata-se de um sinal de conversão e de permanência na fé cristã. Paulo adverte que os

que comem e bebem indignamente enfrentarão sérias conseqüências: “Pois quem come e bebe

sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há entre vós muitos

fracos e doentes e não poucos que dormem” (1Co 11.29-30).

E. OUTRAS QUESTÕES

Quem deve ministrar a ceia do Senhor? As Escrituras não apresentam um ensina-mento

explícito sobre a questão, de modo que compete a nós decidir quem é sábio e adequado para

assim beneficiar os cristãos na igreja. Para que não haja abusos na ceia do Senhor, um líder

responsável deve ser encarregado de ministrá-la, mas não parece que as Escrituras exigem que

apenas os pastores ordenados ou oficiais especiais se encarreguem disso. Em situações

normais, é claro, o pastor ou outro líder que normalmente dirige os cultos de adoração da

igreja deve atuar também na comunhão. Mas, além disso, não parece haver razão por que

somente oficiais ou líderes, ou apenas homens, devem distribuir os elementos. Será que não

comunicaríamos muito mais claramente a nossa unidade e igualdade espiritual em Cristo, se

homens e mulheres, por exemplo, auxiliassem na distribuição da ceia do Senhor?

ADORAÇÃO

O termo adoração é às vezes aplicado a tudo na vida cristã, e diz-se corretamente que tudo

em nossa vida deve ser um ato de adoração e tudo o que a igreja faz deve ser considerado

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

218

Page 219: Teologia sistemática   grudem

adoração, pois tudo o que fazemos deve glorificar a Deus. No entanto, neste capítulo não

estou usando a palavra nesse sentido abrangente. Ao contrário, uso adoração em um sentido

mais específico para referir-me às músicas e às palavras que os cristãos dirigem a Deus em

louvor, juntamente com a atitude de coração que acompanha tal louvor, especialmente quando

os cristãos se reúnem. Visto que os capítulos desta parte do livro tratam da doutrina da igreja,

é apropriado dar atenção neste capítulo às atividades de adoração da igreja reunida.

A. DEFINIÇÃO E PROPÓSITO DA ADORAÇÃO

Adoração é a atividade de glorificar a Deus em sua presença com nossa voz e com nosso

coração.

Nessa definição podemos observar que adorar é um ato que glorifica a Deus. Apesar de se

esperar que todos os aspectos de nossa vida glorifiquem a Deus, essa definição especifica que

adoração é algo que fazemos especialmente quando entramos na presença de Deus, quando

estamos conscientes que o cultuamos de coração e quando o louvamos com a voz e dele

falamos para que outros o ouçam. Paulo incentiva os cristãos de Colossos, dizendo: “Habite,

ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a

sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em

vosso coração (Cl 3.16).

B. AS CONSEQÜÊNCIAS DA ADORAÇÃO GENUÍNA

Quando adoramos a Deus no sentido descrito acima, verdadeiramente tributando-lhe glória no

coração e com nossa voz, há diversas conseqüências disso:

1. Alegramo-nos em Deus.

Deus criou-nos não somente para glorificá-lo mas também para alegrar-nos nele e regozijar-

nos em sua grandeza. Nós provavelmente experimentamos alegria em Deus mais plenamente

na adoração do que em qualquer outra atividade na vida. Davi confessa que “uma coisa” que

ele buscou acima de tudo foi, conforme disse: “que eu possa morar na casa do Senhor todos

os dias da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor e meditar no seu templo” (Sl 27.4).

Ele também afirma: “Na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias

perpetuamente” (Sl 16.11).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

219

Page 220: Teologia sistemática   grudem

2. Deus alegra-se em nós.

O que Deus faz quando o adoramos? A impressionante verdade das Escrituras é que enquanto

a criação glorifica a Deus, ele também alegra-se nela. Quando Deus fez o universo, no

princípio, contemplou tudo com alegria e viu que “era muito bom” (Gn 1.31). Deus tem

alegria especial nos seres humanos aos quais ele criou e remiu. Isaías lembrou ao povo do

Senhor:

3. Aproximamo-nos de Deus.

A maravilhosa realidade invisível da adoração na nova aliança. Na antiga aliança era possível

aproximar-se de Deus só de maneira limitada através das cerimônias do templo; na verdade, a

maior parte do povo de Israel não podia entrar no próprio templo, mas tinha de permanecer no

pátio. Até mesmo os sacerdotes podiam adentrar apenas o átrio externo do templo, o “Lugar

Santo”, quando estavam designados para tal tarefa. Mas no recinto mais interior do templo, no

“Santo dos Santos”, ninguém podia entrar exceto o sumo sacerdote, que o fazia apenas uma

vez por ano (Hb 9.1-7).

4. Deus aproxima-se de nós.

Tiago diz-nos: “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós” (Tg 4.8). Esse tem sido o padrão

com que Deus trata o seu povo em toda a Bíblia, e devemos estar confiantes que isso também

é verdade hoje.

5. Deus ministra a nós.

Embora o propósito principal da adoração seja glorificar a Deus, as Escrituras ensinam que

também acontece algo conosco na adoração: nós mesmos somos edificados. Até certo ponto,

isso acontece, naturalmente, quando aprendemos dos ensinos bíblicos ministrados ou das

palavras de incentivo dirigidas a nós; Paulo afirma: “Seja tudo feito para edificação” (1Co

14.26), e diz “instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria” (Cl 3.16), e

também “falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com

hinos e cânticos espirituais” (Ef 5.19; cf. Hb 10.24-25).

6. Os inimigos do Senhor fogem.

Quando o povo de Israel começava a adorar, Deus, em certas ocasiões, lutava por eles contra

os seus inimigos. Por exemplo, quando os moabitas, os edomitas e os sírios atacaram Judá, o

rei Josafá colocou os cantores em frente do exército louvando a Deus:

Aconselhou-se com o povo e ordenou cantores para o SENHOR, que,

vestidos de ornamentos sagrados e marchando à frente do exército,

louvassem a Deus [...] Tendo eles começado a cantar e a dar

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

220

Page 221: Teologia sistemática   grudem

louvores, pôs o SENHOR emboscadas contra os filhos de Amom e de

Moabe e os do monte Seir que vieram contra Judá, e foram desba-

ratados (2Cr 20.21-22).

7. Os descrentes sabem que estão na presença de Deus.

Ainda que as Escrituras não enfatizem a evangelização como propósito principal quando a

igreja se reúne para adorar, Paulo ordena aos coríntios que se preocupem com os descrentes e

com os de fora que comparecem aos cultos, para que eles tenham certeza de que os cristãos

falam de maneira que se pode entender (veja 1Co 14.23). Ele também lhes diz que se o dom

de profecia estiver sendo usado adequadamente, os descrentes terão eventualmente os

segredos do seu coração descobertos, e se prostrarão sobre o rosto e “adorarão a Deus,

testemunhando que, Deus está, de fato, no meio de vós” (1Co 14.25; cf. At 2.11).

C. O VALOR ETERNO DA ADORAÇÃO

Pelo fato de glorificar a Deus e cumprir o propósito para o qual ele nos criou, a adoração é

uma atividade de significado eterno e de grande valor. Quando Paulo adverte os efésios de

que não desperdicem o tempo, mas que o usem bem, ele o faz no contexto do viver como os

sábios: “Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios,

remindo o tempo, porque os dias são maus” (Ef 5.15-16).

D. COMO PODEMOS ENTRAR EM ADORAÇÃO GENUÍNA?

Finalmente, a adoração é uma atividade espiritual e precisa ser efetuada pelo poder do

Espírito Santo em nós. Isso quer dizer que devemos orar para que o Espírito Santo capacite-

nos a adorar corretamente.

OS DONS DO ESPÍRITO SANTO:

(1) Perguntas Gerais

A. PERGUNTAS RELACIONADAS AOS DONS ESPIRITUAIS EM GERAL

Nas gerações passadas, os livros de teologia sistemática não tinham capítulos sobre dons

espirituais, pois havia poucas perguntas relacionadas à natureza e ao uso dos dons espirituais

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

221

Page 222: Teologia sistemática   grudem

na igreja. Mas o século XX tem visto um notável crescimento do interesse pelos dons

espirituais, principalmente por causa da influência dos movimentos pentecostais e

carismáticos dentro da igreja. Neste capítulo vamos examinar primeiro algumas perguntas

genéricas relacionadas a dons espirituais e, depois, estudar de forma mais específica se alguns

dons (miraculosos) teriam desaparecido. No próximo capítulo, vamos analisar o ensino do

Novo Testamento sobre dons específicos.

1. Dons espirituais na história da redenção.

Com certeza o Espírito Santo agia no Antigo Testamento, conduzindo as pessoas à fé e

atuando de maneira notável em alguns poucos indivíduos como Moisés e Samuel, Davi e

Elias. Mas em geral havia atividade menos poderosa do Espírito Santo na vida da maioria dos

crentes. A evangelização eficaz das nações havia sido reduzida, a expulsão de demônios era

desconhecida, as curas miraculosas eram incomuns (embora tenham acontecido de modo

especial no ministério de Elias e Eliseu), a profecia era restrita a poucos profetas ou a

pequenos grupos de profetas, e o “poder da ressurreição” sobre o pecado no sentido de

Romanos 6.1-14 e Filipenses 3.10 era raramente experimentado.

2. O propósito dos dons espirituais na era do Novo Testamento.

Os dons espirituais são dados para equipar a igreja a fim de que ela desenvolva seu

ministério até que Cristo volte. Paulo diz aos coríntios: “não lhes falta nenhum dom

espiritual, enquanto vocês aguardam que o nosso Senhor Jesus Cristo seja revelado” (1Co

1.7 NVI). Aqui ele relaciona a posse dos dons espirituais e a situação deles na história da

redenção (aguardando o retorno de Cristo), dando a entender que os dons são dados à igreja

para o período entre a ascensão de Cristo e sua volta. De maneira semelhante, Paulo olha

adiante para o tempo da volta de Cristo e diz “quando, porém, vier o que é perfeito, então, o

que é em parte será aniquilado” (1Co 13.10), dando a entender também que esses dons

“imperfeitos”(mencionados nos v. 8-9) estarão em operação até a volta de Cristo, ocasião em

que serão superados por algo muito maior.

3. Quantos dons existem?

As cartas do Novo Testamento alistam dons espirituais específicos em seis passagens. Veja

adiante a tabela.

É óbvio que essas listas são todas bem diferentes. Nenhuma lista tem todos os dons, e nenhum

dom exceto a profecia é mencionado em todas as listas (a profecia não é mencionada em 1Co

7.7, em que apenas o assunto do casamento e celibato está em discussão, mas com certeza está

incluída na frase “se alguém fala” de 1Pe 4.11). Na realidade, 1Coríntios 7.7 menciona dois

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

222

Page 223: Teologia sistemática   grudem

dons que não se encontram em nenhuma outra lista: no contexto em que fala de casamento e

celibato, Paulo diz: “... cada um tem de Deus o seu próprio dom;6  um, na verdade, de um

modo; outro, de outro”.

4. Os dons podem variar quanto ao poder.

Paulo diz que se temos o dom da profecia, devemos usá-lo “segundo a proporção da fé” (Rm

12.6), dando a entender que o dom pode ser desenvolvido com mais força ou com menos

força em diferentes indivíduos, ou no mesmo indivíduo durante um tempo. É por isso que

Paulo podia lembrar a Timóteo: “... não te faças negligente para com o dom que há em ti”

(1Tm 4.14), e dizer- lhe: “... admoesto que reavives o dom de Deus que há em ti” (2Tm 1.6).

Era possível Timóteo deixar seu dom enfraquecer, aparentemente pelo pouco uso, e Paulo

lembra-lhe que devia avivá-lo, mediante uso e conseqüente fortalecimento.

5. Os cristãos possuem os dons por um tempo ou de modo permanente?

Na maioria dos casos, parece que o Novo Testamento descreve uma posse permanente dos

dons espirituais. Encaixa-se a isso a analogia das partes do corpo em 1 Coríntios 12.12-26,

segundo a qual o olho não se transforma em mão, nem o ouvido se torna um pé, mas vários

membros existem no corpo permanentemente. Além disso, Paulo diz que algumas pessoas

têm títulos que descrevem uma função contínua. Da pergunta se os dons espirituais são

temporários ou permanentes, às vezes é mencionado Romanos 11:29: “...porque os dons e a

vocação de Deus são irrevogáveis”. Entretanto, não parece apropriado usar o versículo no

contexto desta discussão, pois naquele caso Paulo está falando acerca da condição do povo

judeu, incluindo seu chamado como povo de Deus e os dons ou bênçãos concedidos a ele

como resultado dessa condição.

6. Os dons são miraculosos ou não miraculosos?

A resposta a essa pergunta realmente depende da definição da palavra milagre. Se definimos

milagre como “uma atividade direta de Deus no mundo”, então todos os dons espirituais são

miraculosos porque eles são todos potencializados pelo Espírito Santo (1Co 12.11; cf. v. 4-6).

Mas nesse sentido tudo o que acontece no mundo poderia ser considerado miraculoso, porque

tudo se realiza pela obra providencial de Deus na criação (veja Ef 1.11; Dn 4.35; Mt 5.45).

Portanto, a palavra milagre perde sua utilidade, pois é difícil encontrar algo que acontece no

mundo que não seja miraculoso nesse sentido.

7. Descobrindo e buscando os dons espirituais.

Paulo parece dar por certo que os crentes sabem quais são seus dons espirituais. Ele

simplesmente diz aos da igreja de Roma que usem seus dons de várias maneiras: “... se

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

223

Page 224: Teologia sistemática   grudem

profecia, seja segundo a proporção da fé [...] o que contribui, com liberalidade; o que preside,

com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria” (Rm 12.6-8). De modo semelhante,

Pedro simplesmente diz aos leitores como usar seus dons e não diz nada sobre como descobrir

quais são eles: “Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons

despenseiros da multiforme graça de Deus” (1Pe 4.10).

8. Os dons são ferramentas para o ministério e não se relacionam necessariamente com a

maturidade cristã.

Devemos reconhecer que os dons espirituais são dados a todo crente (1Co 12.7, 11; 1Pe 4.10).

Mesmo os cristãos imaturos recebem dons espirituais do Senhor — isso com certeza era

evidente na igreja de Corinto, que tinha uma abundância de dons espirituais (1Co 1.7), mas

ainda era muito imatura em muitas áreas de doutrina e conduta. Paulo diz: “Eu, porém,

irmãos, não vos pude falar como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianças em

Cristo” (1Co 3.1). Portanto, dons espirituais não são necessariamente sinais de maturidade

espiritual. É possível ter dons espirituais notáveis em uma área ou outra, mas mesmo assim

ser bem imaturo no entendimento doutrinário ou na conduta cristã, como era o caso em

Corinto. Na verdade, eventualmente mesmo os incrédulos são capazes de profetizar, expulsar

demônios e fazer milagres, pois Jesus diz que no último dia muitos lhe dirão: “Senhor,

Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos

demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?”. Mas Jesus lhes responderá: “...

nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade” (Mt 7.22-23). Não é

que Jesus os tenha conhecido uma vez e mais tarde não os conhecia mais; ele diz: “... nunca

vos conheci”. Eles nunca foram cristãos, apesar de terem realizado muitas obras notáveis.

Portanto, não devemos avaliar maturidade espiritual com base nos dons espirituais. A

maturidade vem quando se anda perto de Jesus, e resulta em obediência às suas ordens na vida

diária: “... aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele

andou” (1Jo 2.6).

B. TERIAM ALGUNS DONS DESAPARECIDO? O DEBATE CESSACIONISTA

No mundo evangélico hoje há diferentes posições quanto à seguinte pergunta: “Todos os dons

mencionados no Novo Testamento são válidos hoje para serem usados na igreja?”. Alguns

diriam sim. Outros diriam não e argumentariam que alguns dons mais miraculosos (tais como

profecia, línguas e interpretação, e talvez cura e expulsão de demônios) foram dados somente

durante a era apostólica, como “sinais” para credenciar os apóstolos durante o estágio inicial

de pregação do evangelho. Afirmam que esses dons não são mais necessários hoje como

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

224

Page 225: Teologia sistemática   grudem

sinais e cessaram no final da era apostólica, provavelmente no final do primeiro século d.C.

ou começo do segundo.

OS DONS DO ESPÍRITO SANTO

(2) Dons Específicos

Neste capítulo vamos basear-nos na discussão geral acerca dos dons espirituais do capítulo

anterior e examinar alguns dons específicos com mais detalhes. Não vamos considerar todos

os dons mencionados no Novo Testamento, mas nos concentraremos em alguns dons não bem

compreendidos ou naqueles cujo emprego têm gerado alguma polêmica no presente. Portanto,

não examinaremos dons cujo significado e uso são evidentes pelo próprio termo implicado

(como serviço, exortação, contribuição, liderança ou misericórdia); antes, vamos nos

concentrar nos dons da seguinte lista, extraídos basicamente de 1Coríntios 12.28 e 12.8-10:

1. Profecia

2. Ensino

3. Milagres

4. Cura

5. Línguas e interpretação

6. Palavra da sabedoria / palavra do conhecimento

7. Discernimento de espíritos

A. PROFECIA

Ainda que se dêem algumas definições para o dom de profecia, um novo exame do ensino

neotestamentário sobre esse dom mostrará que devemos defini-la não como “previsão do

futuro”, “proclamação de uma palavra do Senhor” ou “pregação poderosa”, mas, antes, como

“dizer algo que Deus traz de modo espontâneo à mente”. Os quatro primeiros pontos do

material a seguir sustentam essa conclusão; os demais pontos tecem outras considerações a

respeito desse dom.

1. Os paralelos do Antigo Testamento no Novo Testamento.

Os profetas são os apóstolos do Novo Testamento. Os profetas do Antigo Testamento tinham

uma responsabilidade surpreendente — eram capazes de falar e escrever palavras carregadas

de autoridade divina absoluta. Eles podiam dizer: “Assim diz o Senhor”, e as palavras que se

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

225

Page 226: Teologia sistemática   grudem

seguiam eram as palavras do próprio Deus. Os profetas do Antigo Testamento escreveram as

palavras deles como se fossem palavras de Deus nas Escrituras para todas as épocas (veja Nm

22.38; Dt 18.18-20; Jr 1.9; Ez 2.7; et al.). Assim, não crer nas palavras dos profetas ou

desobedecer a elas era não crer em Deus ou desobedecer a ele (veja Dt 18.19; 1Sm 8.7; 1Rs

20.36 e muitas outras passagens).

2. O significado da palavra profeta na época do Novo Testamento.

Por que Jesus escolheu o novo termo, apóstolo, para designar os que tinham autoridade para

redigir as Escrituras? Provavelmente porque a palavra grega prophÂtÂs (“profeta”) na época

do Novo Testamento possuía uma ampla gama de significados. Em geral, não possuía o

sentido “aquele que fala as palavras do próprio Deus”, mas sim “aquele que fala baseado em

alguma influência externa” (muitas vezes alguma espécie de experiência espiritual). Tito 1.12

emprega a palavra nesse sentido, quando Paulo cita o poeta pagão grego Epimênides: “Foi

mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis,

ventres preguiçosos”. Os soldados que zombam de Jesus também parecem empregar a palavra

profetizar nesse sentido, quando vendam Jesus e exigem cruelmente: “Profetiza-nos: quem é

que te bateu?” (Lc 22.64). Eles não querem dizer: “Pronuncia-nos palavras de autoridade

divina absoluta”, mas: “Fala-nos algo que tenha sido revelado a ti” (cf. Jo 4.19).

3. Indícios de que os “profetas” não falavam com autoridade equivalente à das palavras

das Escrituras.

a. Atos 21.4. Em Atos 21.4, lemos que os discípulos de Tiro, “movidos pelo Espírito,

recomendavam a Paulo que não fosse a Jerusalém”. Isso parece referir-se a uma profecia

dirigida a Paulo, mas Paulo desobedece! Ele jamais o faria se essa profecia contivesse as

palavras do próprio Deus e autoridade equivalente à das Escrituras.

b. Atos 21.20-11. Depois, em Atos 21.20-11, Ágabo profetizou que os judeus em Jerusalém

amarrariam a Paulo e o entregariam nas mãos dos gentios, predição quase correta, mas não de

todo: os romanos, não os judeus, prenderam Paulo (v. 33; também 22.29), e os judeus, em vez

de o entregarem voluntariamente, tentaram matá-lo, de modo que ele teve de ser resgatado à

força (v. 32). A predição não estava muito distante, mas continha imprecisões em detalhes que

levantariam dúvidas quanto à validade de qualquer profeta do Antigo Testamento. Por outro

lado, é possível explicar perfeitamente esse texto se supormos que Ágabo teve uma visão de

Paulo prisioneiro dos romanos em Jerusalém, cercado de uma multidão irada de judeus.

c. 1Tessalonicenses 5.19-21. Paulo diz aos tessalonicenses: “Não desprezeis as profecias;

julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1Ts 5.20-21). Se os tessalonicenses pensassem

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

226

Page 227: Teologia sistemática   grudem

que a profecia equivalia à Palavra de Deus em autoridade, Paulo jamais teria de lhes dizer que

não a desprezassem — eles tinham “recebido” e “acolhido” a Palavra de Deus com alegria do

Espírito Santo” (1Ts 1.5; 2.13; cf. 4.15). Mas quando Paulo lhes diz que julguem todas as

coisas, isso deve incluir pelo menos as profecias mencionadas na frase anterior. Ele dá a

entender que as profecias contêm alguns elementos bons e outros nem tanto quando os

incentiva a reter “o que é bom”. Jamais se poderia dizer isso das palavras de um profeta do

Antigo Testamento ou dos ensinos autorizados de um apóstolo do Novo Testamento.

d. 1Coríntios 14.29-38. Indicação mais ampla sobre a profecia no Novo Testamento encontra-

se em 1Coríntios 14. Quando Paulo diz: “Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e

os outros julguem” (1Co 14.29), ele dá a entender que devem ouvi-los com atenção e separar

a boa profecia da má, aceitando algumas e rejeitando o restante (pois essa é a implicação da

palavra grega , aqui traduzida “julguem”). Não conseguimos imaginar um

profeta do Antigo Testamento como Isaías dizendo: “Ouvi o que digo e pesai o que se fala —

separai o bom do mau, o que deveis aceitar do que não deveis”! Se a profecia tinha autoridade

divina absoluta, seria pecado fazer isso. Mas aqui Paulo ordena que se faça, insinuando que a

profecia neotestamentária não tinha a autoridade das palavras do próprio Deus.

e. O preparo dos apóstolos para a ausência deles. Além dos versículos considerados até aqui,

outro tipo de indício dá a entender que os profetas das igrejas neotestamentárias falavam com

menos autoridade que os apóstolos do Novo Testamento ou que as Escrituras: o problema dos

sucessores dos apóstolos é resolvido não por um incentivo a que os cristãos ouçam os profetas

(ainda que houvesse profetas por ali), mas a que se voltem para as Escrituras.

É assim que Paulo, ao final da vida, destaca o dever de manejar bem a palavra de verdade

(2Tm 2.15) e o caráter inspirado das Escrituras “para o ensino, para a repreensão, para a

correção, para a educação na justiça”’ (2Tm 3.16). Judas insta seus leitores a batalhar

“diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). Pedro, ao final

da vida, incentiva seus leitores a atender às Escrituras, “como a uma candeia que brilha em

lugar tenebroso” (2Pe 1.19-20), e lhes relembra os ensinos do apóstolo Paulo” em todas as

suas epístolas” (2Pe 3.16). Em momento algum lemos exortações como: “dai ouvido aos

profetas em vossas igrejas” ou “obedecei às palavras do Senhor por intermédio de vossos

profetas”, etc.

4. Como falar da autoridade da profecia hoje?

Assim, as profecias na igreja hoje devem ser consideradas palavras meramente humanas, não

palavras de Deus, e não equivalentes às palavras de Deus em autoridade. Mas será que essa

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

227

Page 228: Teologia sistemática   grudem

conclusão está em conflito com o ensino e a prática carismática atual? Penso que ela está em

conflito com boa parte da prática carismática, mas não com boa parte do ensino carismático

5. Uma “revelação” espontânea tornava a profecia diferente dos outros dons.

Se a profecia não contém as palavras do próprio Deus, então de que se trata? Em que sentido

ela vem de Deus?

6. A diferença entre profecia e ensino.

Pelo que sabemos, toda “profecia” do Novo Testamento era baseada nesse tipo de indução

espontânea do Espírito Santo (cf. At 11.28; 21.4, 20-22; e observe as idéias de profecia

apresentadas em Lc 7.39; 22.63-64; Jo 4.19; 11.51). A menos que uma pessoa receba uma

“revelação” espontânea de Deus, não há profecia.

7. Objeção:

isso torna a profecia “muito subjetiva”. Nesse ponto alguns contestam que esperar por tais

“induções” da parte de Deus é um processo “simplesmente muito subjetivo”. Mas em resposta

pode-se dizer que, pela saúde da igreja, muitas vezes os que fazem essa objeção são os que

mais necessitam desse processo em sua vida cristã! Esse dom exige que se espere no Senhor,

que se lhe dê ouvidos, para escutar seu conselho em nosso coração. Para os cristãos

completamente evangélicos, sadios quanto à doutrina, intelectuais e “objetivos”, é provável

que a maior necessidade seja a de uma forte influência que dê equilíbrio a um relacionamento

“subjetivo” mais vital com o Senhor na vida diária. E essas pessoas são também as menos

sujeitas a serem conduzidas a erros, pois já dão grande ênfase à fundamentação sólida na

Palavra de Deus.

8. As profecias podiam incluir qualquer conteúdo edificante.

Os exemplos acima mencionados de profecias no Novo Testamento mostram que a idéia de

profecia apenas como “predição do futuro” é certamente errada. Havia algumas predições (At

11.28; 21.22), mas também havia revelação de pecados (1Co 14.25). Na realidade, tudo que

edificasse podia estar incluído, pois Paulo diz: “... o que profetiza fala aos homens,

edificando, exortando e consolando” (1Co 14.3). Outra indicação do valor da profecia era que

podia atender às necessidades do coração das pessoas de maneira espontânea, direta.

9. Muitas pessoas na congregação podem profetizar.

Outro grande benefício da profecia é que dá oportunidade para que todos os da congregação

participem, não só os oradores capacitados ou os que têm dom de ensino. Paulo diz querer que

“todos” os coríntios profetizem (1Co 14.5) e afirma: “... todos podeis profetizar, um após

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

228

Page 229: Teologia sistemática   grudem

outro, para todos aprenderem e serem consolados” (1Co 14.31).21  Isso não significa que todo

cristão de fato terá capacidade de profetizar, pois Paulo diz: “Nem todos são profetas, são?”

(1Co 12.29, tradução do autor). Mas significa que qualquer um que receba uma “revelação”

de Deus tem permissão de profetizar (segundo as orientações de Paulo) e dá a entender que

muitos profetizarão. Por isso, a maior abertura para o dom de profecia pode ajudar a vencer

situações em que muitos que freqüentam nossas igrejas são meros espectadores e não

participantes. Talvez estejamos contribuindo para o problema do “cristianismo espectador” ao

reprimir a obra do Espírito nessa área.

10. Devemos “procurar com zelo” a profecia.

Paulo tanto valorizava esse dom que disse aos coríntios: “Segui o amor e procurai, com zelo,

os dons espirituais, mas principalmente que profetizeis” (1Co 14.1). Depois, no final de sua

discussão sobre os dons espirituais, volta a dizer: “Portanto, meus irmãos, procurai com zelo o

dom de profetizar” (1Co 14.39). E ele disse: “o que profetiza edifica a igreja” (1Co 14.4).

11. Como incentivar e regulamentar a profecia na igreja local.

Por fim, se uma igreja começa a incentivar o uso da profecia onde antes não se usava, que se

deve fazer? Como pode incentivar esse dom sem cair em abusos?

Para todos os cristãos e especialmente para pastores e outros que têm a responsabilidade de

ensinar a igreja, seria adequado e pastoralmente sábio seguir alguns passos:

(1) Ore seriamente para que Deus dê sabedoria, indicando como e quando introduzir o

assunto na igreja.

(2) Deve haver ensino sobre o assunto nos períodos regulares de estudo bíblico já

promovidos pela igreja.

(3) A igreja deve ter paciência e seguir devagar — os líderes da igreja não devem ser

“dominadores” (ou autoritários) (1Pe 5.3), e uma abordagem paciente evitará que as

pessoas se afastem amedrontadas ou se alienem desnecessariamente.

(4) A igreja deve reconhecer e incentivar o dom de profecia da maneira pela qual já esteja

atuando na igreja — em reuniões de oração, por exemplo, quando alguém sentiu-se

“dirigido” de maneira pouco comum pelo Espírito Santo a orar por algo, ou quando

parece que o Espírito Santo estava trazendo à mente um hino ou passagem das

Escrituras, ou quando ele deu um senso comum sobre o tom ou sobre um tema

específico para um período de adoração ou de oração conjunta. Mesmo cristãos em

igrejas não abertas para o dom de profecia podem pelo menos estar sensíveis a

inspirações do Espírito Santo quanto aos motivos de oração em reuniões de oração da

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

229

Page 230: Teologia sistemática   grudem

igreja e podem então expressar essas inspirações em forma de oração (que pode

chamar-se “oração profética”) ao Senhor.

(5) Se os quatro primeiros passos forem seguidos e se a congregação e seus líderes

aceitarem, podem-se dar algumas oportunidades para que se use o dom de profecia em

alguns cultos menos formais da igreja ou em grupos pequenos reunidos nos lares. Caso

isso seja permitido, os que profetizam devem ser mantidos sob a orientação das

Escrituras (1Co 14.29-36), devem buscar genuinamente a edificação da igreja e não o

prestígio pessoal (1Co 14.12, 26) e não devem dominar a reunião ou ser

demasiadamente dramáticos ou emocionais em seu discurso (atraindo assim a atenção

para si mesmos e não para o Senhor). As profecias devem, com certeza, ser avaliadas

de acordo com os ensinos das Escrituras (1Co 14.29-36; 1Ts 5.19-21).

(6) Se o dom de profecia começar a ser empregado na igreja, ela deve dar ênfase ainda

maior no valor infinitamente superior das Escrituras como a fonte a que o cristão

sempre pode recorrer para ouvir a voz do Deus vivo. A profecia é um dom valioso,

assim como muitos outros dons, mas é nas Escrituras que Deus e somente Deus nos

fala com suas palavras, mesmo hoje, por toda nossa vida. Em vez de esperar que a

cada culto o ponto alto seja alguma palavra de profecia, os que empregam o dom de

profecia precisam ser lembrados de que devemos encontrar nosso centro de alegria,

nossas expectativas e nosso prazer na própria pessoa de Deus à medida que ele nos

fala por meio da Bíblia. Ali temos um tesouro de valor infinito: as verdadeiras palavras

de nosso Criador falando-nos numa linguagem que podemos compreender. E em vez

de buscar uma orientação freqüente por meio da profecia, devemos destacar que é nas

Escrituras que devemos encontrar orientação para nossa vida. Nas Escrituras estão

nossa fonte de direção, nossa referência ao buscar a vontade de Deus, nosso padrão

suficiente e completamente fidedigno. É das palavras de Deus nas Escrituras que

podemos dizer confiantes: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para os

meus caminhos” (Sl 119.105).

B. ENSINO

O dom de ensino no Novo Testamento é a capacidade de explicar as Escrituras e aplicá-la à

vida das pessoas. Isso se evidencia em uma série de passagens. Em Atos 15.35, Paulo e

Barnabé estão em Antioquia “ensinando e pregando, com muitos outros, a palavra do

Senhor”. Em Corinto, Paulo permaneceu um ano e meio “ensinando entre eles a palavra de

Deus” (At 18.11). E os leitores da epístola aos Hebreus, embora já devessem ser mestres,

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

230

Page 231: Teologia sistemática   grudem

ainda precisavam de alguém que lhes ensinasse de novo “os princípios elementares dos

oráculos de Deus” (Hb 5.12). Paulo diz aos romanos que as palavras das Escrituras do Antigo

Testamento “para o nosso ensino [gr. didaskalia]” foram escritas (Rm 15.4) e escreve a

Timóteo que “toda a Escritura” é “útil para o ensino [didaskalia]” (2Tm 3.16).

C. MILAGRES

Logo após apóstolos, profetas e mestre, Paulo diz “depois, operadores de milagres” (1Co

12.28). Ainda que muitos dos milagres vistos no Novo Testamento fossem especificamente

milagres de cura, Paulo aqui alista a cura como um dom distinto. Assim, nesse contexto ele

deve ter em vista algo diferente de cura física.

Devemos perceber que talvez a palavra milagre não dê uma idéia muito precisa do que

pretendia Paulo, uma vez que a palavra grega é simplesmente a forma plural da palavra

dynamis, “poder”.24  Isso significa que o termo pode referir-se a qualquer tipo de atividade

em que se evidencie o grande poder de Deus. Isso pode incluir respostas a orações por

livramento de perigos físicos (como no caso dos apóstolos livrados da prisão em At 5.19-20

ou 12.6-11), ou atos poderosos de julgamento contra inimigos do evangelho ou contra os que

precisam de disciplina dentro da igreja (veja At 5.1-11; 13.9-12), ou proteções miraculosas de

ferimentos (como ocorreu com Paulo e a víbora em At 28.3-6). Mas tais atos de poder

espiritual também podem incluir poder para triunfar sobre a oposição demoníaca (como em At

16.18; cf. Lc 10.17).

D. CURA

1. Introdução: doença e saúde na história da redenção.

Para começar, precisamos compreender que a doença física surgiu como conseqüência da

queda de Adão e que a enfermidade e a doença são simplesmente parte do produto da

maldição após a queda que acabam levando à morte física. Cristo, porém, nos redimiu dessa

maldição quando morreu na cruz: “Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e

as nossas dores levou sobre si [...] e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.4-5). Essa

passagem refere-se à cura física e também espiritual que Cristo nos conseguiu, pois Pedro a

cita para falar de nossa salvação: “... carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro,

os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas

chagas, fostes sarados” (1Pe 2.24).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

231

Page 232: Teologia sistemática   grudem

2. Os propósitos da cura.

Assim como outros dons espirituais, a cura tem vários propósitos. Com certeza serve como

um “sinal” para autenticar a mensagem do evangelho e mostra que é chegado o reino de Deus.

Depois, a cura também traz conforto e saúde aos doentes e, assim, demonstra o atributo divino

de misericórdia para com os que sofrem. Em terceiro lugar, capacita as pessoas para o serviço,

ao remover impedimentos ao ministério. Em quarto lugar, a cura provê oportunidade para que

Deus seja glorificado à medida que as pessoas vêem provas materiais de seu amor, bondade,

poder, sabedoria e presença.

3. Que dizer do uso de remédios?

Qual a relação entre a oração pela cura e o uso de remédios e a capacidade do médico? Com

certeza devemos usar remédios caso disponhamos deles, porque Deus também criou na terra

substâncias com que podemos produzir remédios com propriedades terapêuticas. Os

remédios, portanto, devem ser considerados parte de toda a criação que Deus considerou

“muito bom” (Gn 1.31). Devemos empregar de bom grado os remédios com gratidão ao

Senhor, pois “ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém” (Sl 24.1). De fato,

quando dispomos de medicamentos e nos recusamos a usá-los (em casos que isso poderia pôr

em risco a nossa vida ou a de outros), parece que estamos errando, “tentando” o Senhor nosso

Deus (cf. Lc 4.12); isso é semelhante ao caso de Satanás tentando Jesus para que pule do

templo em vez de descer pelos degraus. Havendo meios normais para descer do templo (os

degraus), pular é “tentar” a Deus, exigindo que realize um milagre nesse exato momento.

Recusar-se a empregar um medicamento eficaz, insistindo que Deus realize um milagre de

cura em vez de curar por meio do remédio, é muito semelhante a isso.

4. O Novo Testamento apresenta métodos comuns empregados na cura?

Os métodos de cura empregados por Jesus e os discípulos variavam de caso a caso, mas com

maior freqüência incluíam a imposição de mãos. No versículo que acabamos de citar, Jesus

sem dúvida podia ter proferido uma ordem poderosa, curando toda a multidão

instantaneamente, mas em lugar disso “ele os curava, impondo as mãos sobre cada um” (Lc

4.40). A imposição de mãos parece ter sido o principal meio de cura empregado por Jesus,

porque quando as pessoas chegavam e lhe pediam cura, não pediam simplesmente que orasse,

mas diziam, por exemplo, “vem, impõe as mãos sobre ela, e viverá” (Mt 9.18).

6. Mas, e se Deus não curar?

Entretanto, precisamos compreender que nem todas as orações por cura serão respondidas

nesta era. Às vezes Deus não concede a “fé” especial (Tg 5.15) de que a cura ocorrerá, e às

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

232

Page 233: Teologia sistemática   grudem

vezes Deus opta por não curar por causa de seus propósitos soberanos. Nesses casos,

precisamos lembrar que Romanos 8.28 ainda é verdade: apesar dos “sofrimentos do tempo

presente” e apesar de gemermos “aguardando [...] a redenção do nosso corpo” (Rm 8.18, 23),

“sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que

são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Isso também inclui a atuação de Deus em

nossa situação de sofrimento e enfermidade.

E. LÍNGUAS E INTERPRETAÇÃO

Deve-se dizer para começar que a palavra grega glossa, traduzida por “língua”, é empregada

não só para designar a língua física que fica dentro da boca, mas também para designar a

“linguagem”.

1. As línguas na história da redenção.

O fenômeno de falar em línguas é exclusivo da era da nova aliança. Antes de Adão e Eva

caírem em pecado, não havia necessidade de falar em outras línguas, porque eles falavam a

mesma língua e estavam unidos no serviço a Deus e na comunhão com ele. Após a queda, as

pessoas falavam a mesma língua, mas acabaram unidas na oposição a Deus e “a maldade do

homem se havia multiplicado” e “era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (Gn

6.5). Essa língua unificada empregada na rebelião contra Deus culminou na construção da

torre de Babel numa época em que “em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só

maneira de falar” (Gn 11.1). Para interromper essa rebelião conjunta contra ele, em Babel

Deus “confundiu [...] a linguagem de toda a terra” e dispersou o povo pela face da terra (Gn

11.9).

2. Que é falar em línguas?

Podemos definir esse dom da seguinte forma: Falar em línguas é oração ou louvor expresso

em sílabas não compreendidas pelo locutor.

a. Palavras de oração ou louvor dirigidas a Deus. Essa definição indica que falar em línguas é

principalmente um discurso dirigido a Deus (ou seja, oração ou louvor). Assim, é diferente do

dom de profecia, que com freqüência consiste em mensagens pronunciadas por Deus para as

pessoas na igreja. Paulo diz: “Quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus”

(1Co 14.2), e se não estiver presente um intérprete no culto, Paulo diz que o indivíduo com

dom de línguas deve ficar calado, “falando consigo mesmo e com Deus” (1Co 14.28).

b. Não compreendido pelo locutor. Paulo diz: “Quem fala em outra língua não fala a homens,

senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios” (1Co 14.2). De modo

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

233

Page 234: Teologia sistemática   grudem

semelhante, ele diz que se há falar em línguas sem interpretação, não se transmitirá nenhum

significado: “... serei estrangeiro para aquele que fala; e ele, estrangeiro para mim” (1Co

14.11).

c. Orar com o espírito, não com a mente. Paulo diz: “... se eu orar em outra língua, o meu

espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera. Que farei, pois? Orarei com o espírito,

mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente”

(1Co 14.14-15).

d. Não extático, mas autocontrolado. A New English Bible traduziu a expressão “falar em

línguas” por “discurso extático”, dando maior sustentação à idéia de que os que falam em

línguas perdem a consciência do meio em que estão, ou perdem o autocontrole, ou são

forçados a falar contra a vontade. Além disso, alguns dos elementos extremos no movimento

pentecostal admitem condutas frenéticas e desordenadas nos cultos de adoração e isso, na

mente de alguns, tem perpetuado a noção de que falar em línguas é um tipo de discurso

extático.

e. Línguas sem interpretação. Se não estiver presente na reunião alguém que se saiba possuir o

dom de interpretação, a passagem que acabamos de citar indica que o falar em línguas deve

ocorrer em particular. Não se deve dar nenhum discurso em línguas no culto público, se não

houver interpretação. 

Paulo fala de orar em línguas e cantar em línguas quando diz: “Orarei com o espírito, mas

também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente”

(1Co 14.15). Isso confirma ainda mais a definição dada acima, em que entendemos as línguas

como algo primeiramente dirigido a Deus, em oração e louvor. Isso também legitima a prática

de cantar em línguas, de maneira pública ou privada. Mas aplicam-se ao cantar as mesmas

regras que se aplicam ao falar: se não houver intérprete, só deve ser feito em particular.

f. Línguas com interpretação: edificação para a igreja. Paulo diz: “... quem profetiza é superior

ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja receba edificação”

(1Co 14.5). Uma vez que a mensagem em línguas seja interpretada, todos podem

compreender. Nesse caso, Paulo diz que a mensagem em línguas é tão valiosa para a igreja

quanto a profecia. Devemos observar que ele não diz que ambos possuem a mesma função

(pois outras passagens indicam que a profecia é uma comunicação de Deus para seres

humanos, enquanto as línguas são em geral comunicação de seres humanos para Deus). Mas

Paulo diz claramente que possuem igual valor na edificação da igreja.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

234

Page 235: Teologia sistemática   grudem

g. Nem todos falam em línguas. Assim como nem todos os cristãos são apóstolos, nem todos

são profetas ou mestres, nem todos possuem dons de cura, assim também nem todos falam em

outras línguas. Paulo indica isso claramente quando faz uma série de perguntas, todas as quais

pressupõem a resposta “não”, e inclui a pergunta: “Falam todos em outras línguas?” (1Co

12.30). A resposta esperada é não. Alguns alegam que Paulo aqui só está dizendo que nem

todos falam publicamente em línguas, mas que talvez admitisse que todos pudessem falar em

línguas em particular. Mas essa distinção parece estranha ao contexto e não é convincente. Ele

não especifica que nem todos falam em línguas publicamente ou na igreja, mas só diz que

nem todos falam em línguas.

h. Que dizer do perigo da imitação demoníaca? Às vezes os cristãos temem falar em línguas,

pensando que falar algo que não compreendem pode fazê-los pronunciar blasfêmias contra

Deus ou falar algo inspirado por um demônio e não pelo Espírito Santo.

Em primeiro lugar, deve-se dizer que essa não é a preocupação de Paulo, mesmo na cidade de

Corinto, onde muitos vinham do culto pagão, e da qual Paulo disse claramente: “... as coisas

que eles sacrificam, é a demônios que os sacrificam e não a Deus” (1Co 10.20). Mesmo

assim, ele diz: “... quisera que vós todos falásseis em outras línguas” (1Co 14.5). Ele não faz

nenhuma ressalva de que devam estar atentos à imitação demoníaca ou mesmo pensar que

essa seria uma possibilidade quando empregassem esse dom.

i. Estaria Romanos 8.26-27 relacionado ao falar em línguas? Paulo escreve em Romanos 8.26-

27:

Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa

fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo

Espírito intercede por nós sobre-maneira, com gemidos

inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a

mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele

intercede pelos santos.

Paulo não menciona aqui, de maneira explícita, o falar em línguas, e a declaração é geral,

tratando da vida de todos os cristãos, de modo que não parece correto dizer que Paulo esteja

aqui se referindo ao falar em línguas. Ele está se referindo a uma experiência mais geral que

ocorre na vida de oração de todos os cristãos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

235

Page 236: Teologia sistemática   grudem

F. PALAVRA DA SABEDORIA E PALAVRA DO CONHECIMENTO

Paulo escreve: “A um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo

o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento” (1Co 12.8). No início desta discussão deve-se

compreender que esses dois dons não são mencionados em outra parte das Escrituras, e não se

encontrou nenhuma outra literatura cristã além da Bíblia que empregue essas expressões

designando algum dom espiritual. Isso significa que a única informação que temos sobre

esses dons estão contidas nesse versículo: temos as palavras empregadas para descrever esses

dois dons, e temos o contexto em que elas ocorrem. Nenhum intérprete encontra, em lugar

algum, mais informações que essas com que trabalhar. Isso nos avisa que, de qualquer modo,

é provável que nossas conclusões sejam um tanto incertas.

G. DISCERNIMENTO DE ESPÍRITOS E BATALHA ESPIRITUAL

O dom de discernir espíritos é outro dom mencionado só uma vez no Novo Testa-mento (na

lista de 1Co 12.10), mas a natureza desse dom o liga com algumas outras passagens que

descrevem a batalha espiritual que ocorre entre cristãos e espíritos demoníacos. Podemos

definir da seguinte forma o dom de discernir espíritos: Discernimento de espíritos é uma

capacidade especial de reconhecer a influência do Espírito Santo ou de espíritos demoníacos

numa pessoa.

Resumo - Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 7- A Doutrina do Futuro – p. 931 – 995

A. HAVERÁ UMA VOLTA SÚBITA, PESSOAL, VISÍVEL E CORPÓREA

DE CRISTO..........................................................................................................3

B. DEVEMOS ANSIAR PELA VOLTA DE CRISTO........................................................................3

C. NÃO SABEMOS QUANDO CRISTO VOLTARÁ........................................................................4

D. TODOS OS EVANGÉLICOS CONCORDAM QUANTO ÀS CONSEQÜÊNCIAS DEFINITIVAS DA

VOLTA DE CRISTO....................................................................................................................4

E. HÁ DISCUSSÃO QUANTO AOS PORMENORES DOS EVENTOS FUTUROS.................................4

F. PODERÁ CRISTO VOLTAR A QUALQUER MOMENTO?...........................................................5

1. Versículos que predizem uma vinda repentina e inesperada de Cristo...........................5

2. Sinais que precedem a volta de Cristo............................................................................5

3. Soluções possíveis..........................................................................................................6

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

236

Page 237: Teologia sistemática   grudem

O MILÊNIO............................................................................................................8

A. UMA EXPLICAÇÃO DAS TRÊS POSIÇÕES PRINCIPAIS............................................................8

1. Amilenismo.....................................................................................................................8

2. Pós-milenismo.................................................................................................................8

3. Pré-milenismo.................................................................................................................9

B. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ARGUMENTOS EM FAVOR DO AMILENISMO............................9

C. UMA CONSIDERAÇÃO DE ARGUMENTOS EM FAVOR DO PÓS-MILENISMO..........................10

D. UMA CONSIDERAÇÃO DOS ARGUMENTOS EM FAVOR DO PRÉ-MILENISMO.......................11

E. O TEMPO DA GRANDE TRIBULAÇÃO..................................................................................12

O JUÍZO FINAL E O CASTIGO ETERNO..................................................13

A. O FATO DO JUÍZO FINAL...................................................................................................13

1. Provas bíblicas de um juízo final..................................................................................13

2. Haverá mais de um julgamento?...................................................................................13

B. O TEMPO DO JUÍZO FINAL.................................................................................................13

C. A NATUREZA DO JUÍZO FINAL...........................................................................................14

1. Jesus Cristo será o juiz..................................................................................................14

2. Os incrédulos serão julgados........................................................................................14

3. Os crentes serão julgados..............................................................................................14

4. Os anjos serão julgados.................................................................................................14

5. Ajudaremos no trabalho de julgamento........................................................................14

D. A NECESSIDADE DO JUÍZO FINAL......................................................................................15

E. A JUSTIÇA DE DEUS NO JUÍZO FINAL................................................................................15

F. APLICAÇÃO MORAL DO JUÍZO FINAL.................................................................................15

1. A doutrina do juízo final satisfaz nosso senso interior de necessidade de justiça no

mundo...............................................................................................................................15

2. A doutrina do juízo final capacita-nos a perdoar aos outros livremente.......................15

3. A doutrina do juízo final constitui motivo para uma vida justa....................................16

4. A doutrina do juízo final constitui grande motivação para a evangelização................16

G. O INFERNO........................................................................................................................16

O NOVO CÉU E A NOVA TERRA................................................................17

A. VIVEREMOS ETERNAMENTE COM DEUS NO NOVO CÉU E NA NOVA TERRA......................17

1. Que é o céu?..................................................................................................................17

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

237

Page 238: Teologia sistemática   grudem

2. O céu é um lugar, não apenas um estado mental..........................................................17

3. A criação física será renovada e continuaremos a existir e atuar nela..........................17

4. Nosso corpo ressurreto fará parte da nova criação.......................................................18

5. A nova criação não será “atemporal” mas incluirá uma sucessão infinita de momentos.

...........................................................................................................................................18

B. A doutrina da nova criação dá grande motivação para acumular tesouros no céu e não

na terra..............................................................................................................................18

C. A nova criação será um lugar de grande beleza, abundância e alegria na presença de

Deus..................................................................................................................................18

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

238

Page 239: Teologia sistemática   grudem

Resumo

Teologia Sistemática. Wayne Grudem, Edições Vida Nova.

Parte 7- A Doutrina do Futuro – p. 931 - 995

Incrédulos podem fazer predições razoáveis de eventos futuros com base em padrões de

ocorrências passadas, mas na natureza da experiência humana é evidente que os seres

humanos, por si mesmos, não conseguem conhecer o futuro. Mas os cristãos que crêem na

Bíblia vivem outra situação. Ainda que não possamos conhecer tudo acerca do futuro, Deus

conhece todas as coisas futuras e, nas Escrituras, trata dos principais fatos ainda futuros na

história do universo. Podemos ter absoluta certeza da ocorrência desses fatos porque Deus

nunca erra e jamais mente.

A. HAVERÁ UMA VOLTA SÚBITA, PESSOAL, VISÍVEL E CORPÓREA DE

CRISTO

Jesus falou muitas vezes de sua volta. “Por isso, ficai também vós apercebidos; porque, à hora

em que não cuidais, o Filho do Homem virá” (Mt 24.44). Ele disse: “... quando eu for e vos

preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós

também” (Jo 14.3). Imediatamente depois de Jesus ascender ao céu, dois anjos disseram aos

discípulos: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir”

(At 1.11). Paulo ensinou: “Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a

voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus” (1Ts 4.16). O autor de

Hebreus escreveu que Cristo “aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a

salvação” (Hb 9.28). Tiago escreveu: “... a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5.8). Pedro

disse: “Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor” (2Pe 3.10). João escreveu: “... quando

ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1Jo

3.2). E o livro de Apocalipse traz freqüentes referências à volta de Cristo, terminando com a

promessa de Jesus: “Certamente, venho sem demora”, e a resposta de João: “Amém! Vem,

Senhor Jesus!” (Ap 22.20).

B. DEVEMOS ANSIAR PELA VOLTA DE CRISTO

A resposta de João no final de Apocalipse deve caracterizar o coração dos cristãos em todas

as épocas: “Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22.20). O verdadeiro cristianismo nos treina a

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

239

Page 240: Teologia sistemática   grudem

viver “no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a

manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.12-13). Paulo diz:

“Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus

Cristo” (Fp 3.20). De modo semelhante, o termo “maranata” em 1Coríntios 16.22 (ARA, ARC)

significa “vem, nosso Senhor” (BLH).

C. NÃO SABEMOS QUANDO CRISTO VOLTARÁ

Algumas passagens indicam que não sabemos, e não podemos saber, quando Cristo voltará.

“À hora em que não cuidais, o Filho do Homem virá” (Mt 24.44). “Vigiai, pois, porque não

sabeis o dia nem a hora” (Mt 25.13). Além disso, Jesus disse: “Mas a respeito daquele dia ou

da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai. Estai de sobreaviso,

vigiai e orai; porque não sabeis quando será o tempo” (Mc 13.32-33).

A conseqüência prática disso é que se deve considerar errado, de imediato, quem diz saber

especificamente quando virá Jesus. Os testemunhas-de-jeová têm feito muitas predições de

datas específicas da volta de Cristo, e todas elas provaram-se enganadas. Mas outros na

história da igreja também fizeram tais predições, às vezes alegando novo entendimento de

profecias bíblicas e às vezes alegando ter recebido revelações pessoais do próprio Jesus,

indicando o momento de seu retorno.

D. TODOS OS EVANGÉLICOS CONCORDAM QUANTO ÀS CONSEQÜÊNCIAS DEFINITIVAS DA

VOLTA DE CRISTO

Não importam as discórdias quanto aos detalhes, todos os cristãos que têm a Bíblia por

autoridade final concordam que a conseqüência definitiva e última da volta de Cristo será o

julgamento dos incrédulos e a recompensa final dos que crêem e que os que crêem viverão

com Cristo, por toda a eternidade, num novo céu e numa nova terra. Deus Pai, Filho e Espírito

Santo reinará e será cultuado num reino eterno em que já não haverá pecado, dor ou

sofrimento. Vamos discutir melhor esses detalhes nos próximos capítulos.

E. HÁ DISCUSSÃO QUANTO AOS PORMENORES DOS EVENTOS FUTUROS

Entretanto, os cristãos discordam a respeito de pormenores específicos sobre o que acontecerá

logo antes e logo depois da volta de Cristo. Especificamente, eles discordam quanto à

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

240

Page 241: Teologia sistemática   grudem

natureza do milênio e da relação entre a vinda de Cristo e o milênio, quanto à seqüência da

volta de Cristo e o período da grande tribulação que sobrevirá à terra e na questão da salvação

do povo judeu (e a relação entre os judeus salvos e a igreja).

F. PODERÁ CRISTO VOLTAR A QUALQUER MOMENTO?

Uma das discussões significativas surge quando se debate se Cristo poderá voltar a qualquer

momento. Por um lado, há muitas passagens que nos incentivam a estar prontos porque Cristo

voltará em hora inesperada. Por outro lado, há algumas passagens que falam de certos eventos

que ocorrerão antes da volta de Cristo. Há diferentes modos de resolver a aparente tensão

entre esses dois conjuntos de passagens, e alguns cristãos concluem que Cristo ainda poderá

voltar a qualquer momento e outros que ele não poderá voltar pelo menos antes de uma

geração, já que seria preciso esse tempo para que se cumpram alguns eventos preditos que

precisam ocorrer antes de sua volta.

1. Versículos que predizem uma vinda repentina e inesperada de Cristo.

Para sentir a força cumulativa das passagens que predizem que Cristo poderá voltar muito em

breve: (Mt 24.42-44; cf. v. 36-39), (Mt 24.50), (Mt 25.13), (Mc 13.32-33), (Mc 13.34-37),

(1Co 16.22), (Fp 3.20 BLH), (1Ts 5.2), (Tt 2.12-13), (Hb 10.25), (Tg 5.7-9), (1Pe 4.7) (2Pe

3.10), (Ap 1.3), (Ap 22.7), (Ap 22.12), (Ap 22.20).

Que dizer dessas passagens? Se o Novo Testamento não contivesse passagens sobre os sinais

que precederão a volta de Cristo, é provável que concluíssemos pelas passagens que

acabamos de citar que Jesus poderia vir a qualquer momento. Nesse sentido, podemos dizer

que a volta de Cristo é iminente. Isso parece amortecer o impacto dos alertas a que estejamos

prontos e vigilantes, caso haja motivos para crer que Cristo não voltará logo.

2. Sinais que precedem a volta de Cristo.

A outra série de textos a considerar trata de alguns sinais que as Escrituras dizem preceder a

hora da volta de Cristo. De fato, Berkhof diz: “De acordo com as Escrituras alguns fatos

importantes devem ocorrer antes da volta do Senhor e, assim, não se pode considerá-la

iminente”.

Aqui vale alistar as passagens que fazem referência mais direta aos sinais que devem ocorrer

antes da volta de Cristo.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

241

Page 242: Teologia sistemática   grudem

a. A pregação do evangelho a todas as nações. É necessário que primeiro o evangelho seja

pregado a todas as nações (Mc 13.10; cf. Mt 24.14).

b. A grande tribulação. Quando, porém, ouvirdes falar de guerras e rumores de guerras, não

vos assusteis; é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim. Porque se levantará nação

contra nação, e reino, contra reino. Haverá terremotos em vários lugares e também fomes.

Estas coisas são o princípio das dores (Mc 13.7-8; cf. 24.15-22; Lc 21.20-24).

c. Falsos profetas realizando sinais e maravilhas

Surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se

possível, os próprios eleitos (Mc 13.22; cf. 24.23-24).

d. Sinais no céu. Mas, naqueles dias, após a referida tribulação, o sol escurecerá, a lua não

dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento, e os poderes dos céus serão abalados.

Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens, com grande poder e glória (Mc 13.24-26; cf.

Mt 24.29-30; Lc 21.25-27).

e. A vinda do homem da iniqüidade e a rebelião. Paulo escreve aos tessalonicenses que Cristo

não virá, a menos que o homem da iniqüidade seja antes revelado, e depois o Senhor Jesus, em

sua vinda, o destruirá. Esse “homem da iniqüidade” é às vezes identificado com a besta em

Apocalipse 13 e às vezes chamado anticristo, o último e pior da série de “anticristos”

mencionados em 1João 2.18.

f. A salvação de Israel. Paulo fala do fato de que muitos judeus não creram em Cristo, mas diz

que em algum ponto do futuro um número maior será salvo: (Rm 11.12), (Rm 11.25-26).

g. Conclusões a partir desses sinais que precedem a volta de Cristo. O impacto dessas

passagens parece tão claro que, conforme mencionamos acima, muitos cristãos sentem que

Cristo simplesmente não pode voltar a qualquer momento.

3. Soluções possíveis.

Como harmonizar passagens que nos parecem aconselhar a estar prontos porque Cristo pode

voltar logo com passagens que indicam que alguns eventos importantes e visíveis devem

ocorrer antes que ele possa voltar? É possível propor algumas soluções.

a. A pregação do evangelho a todas as nações. O evangelho foi pregado a todas as nações? É

provável que não, já que há vários grupos lingüísticos e étnicos que ainda não ouviram o

evangelho. É improvável, portanto, que esse sinal tenha se cumprido. Entretanto, Paulo fala

em Colossenses sobre a propagação mundial do evangelho: “... a palavra da verdade do

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

242

Page 243: Teologia sistemática   grudem

evangelho, que chegou até vós; como também, em todo o mundo, está produzindo fruto e

crescendo” (Cl 1.5-6).

b. A grande tribulação. Mais uma vez, parece provável que a linguagem das Escrituras

indique que haverá na terra um período de sofrimento muito maior que tudo que se tenha

experimentado. Mas deve-se notar que muitas pessoas entenderam que os alertas de Jesus

quanto à grande tribulação referem-se ao cerco romano a Jerusalém na guerra judaica de 66-

70 d.C.  O sofrimento durante essa guerra foi mesmo terrível e pode ser o que Jesus descreveu

ao predizer essa tribulação.

c. Falsos cristos e falsos profetas. Com respeito a falsos cristos e falsos profetas que operarão

sinais e maravilhas, qualquer missionário que tenha trabalhado com povos entre os quais

proliferem a feitiçaria e as atividades demoníacas logo testemunharão que aparentes “sinais e

maravilhas” têm sido realizados com freqüência pelo poder demoníaco em oposição à difusão

do evangelho. Com certeza os milagres demoníacos na corte do faraó produziram sinais falsos

em oposição aos milagres de Moisés (Êx 7.11; 8.7; cf. a atividade de Simão, o mago, em At

8.9-11).

d. Sinais portentosos no céu. A ocorrência de sinais nos céus é o sinal que quase certamente

ainda não aconteceu. Obviamente, tem havido eclipses do sol e da lua e aparecido cometas

desde que começou o mundo. Mas Jesus fala de algo muito maior: “Logo em seguida à

tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do

firmamento, e os poderes dos céus serão abalados” (Mt 24.29).

e. A manifestação do homem da iniqüidade. Tem havido muitas tentativas ao longo da

história para identificar o homem da iniqüidade (o “anticristo”) com personagens históricos

que exerceram grande autoridade e trouxeram danos e devastação às pessoas sobre a terra.

Muitos pensaram que os antigos imperadores romanos, Nero e Domiciano, que perseguiram

severamente os cristãos, seriam o anticristo. (Muitos imperadores romanos, inclusive esses

dois, auto proclamaram-se Deus e exigiram culto.).

f. A salvação de Israel. Com respeito à salvação da plenitude de Israel, mais uma vez deve-se

dizer que Romanos 9–11 parece indicar que ainda haverá uma grande reunião futura dos

judeus, quando eles aceitarem Jesus como seu Messias. Mas não é certo que Romanos 9–11

prediga isso, e muitos alegam que não ocorrerá nenhuma outra reunião de judeus, diferente da

que já temos visto ao longo da história da igreja, uma vez que Paulo se apresenta como um

exemplo básico dessa reunião (Rm 11.1-2). Mais uma vez, é improvável, mas possível que

esse sinal já se tenha cumprido.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

243

Page 244: Teologia sistemática   grudem

g. Conclusão. Exceto pelos sinais espetaculares nos céus, é improvável, mas possível que

esses sinais já se tenham cumprido. Além disso, o único sinal que parece certamente não ter

ocorrido, o escurecimento do sol e da lua e a queda das estrelas, poderia ocorrer num período

de poucos minutos e, assim, parece adequado dizer que Cristo pode voltar agora a qualquer

hora do dia ou da noite. É portanto, improvável mas certamente possível que Cristo possa

voltar a qualquer momento.

O MILÊNIO

A palavra milênio significa “mil anos” (do lat. millennium, “mil anos”). O termo vem de

Apocalipse 20.4-5, onde se diz que “viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os

restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos”. Pouco antes dessa

declaração, lemos que um anjo desceu do céu, agarrou o diabo “e o prendeu por mil anos;

lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até

se completarem os mil anos” (Ap 20.2-3).

Ao longo da história da igreja tem havido três visões principais sobre a época e a natureza

desse “milênio”.

A. UMA EXPLICAÇÃO DAS TRÊS POSIÇÕES PRINCIPAIS

1. Amilenismo.

A primeira posição aqui explicada, o amilenismo, é realmente a mais simples. Segundo essa

posição, a passagem de Apocalipse 20.1-10 descreve a presente era da igreja. Trata-se de uma

era em que a influência de Satanás sobre as nações sofre grande redução de modo que o

evangelho pode ser pregado por todo o mundo. Aqueles que reinam com Cristo por mil anos

são os cristãos que morreram e já estão reinando com Cristo no céu. O reino de Cristo no

milênio, segundo esse ponto de vista, não é um reino físico aqui na terra, mas sim o reino

celestial sobre o qual ele falou ao declarar: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra”

(Mt 28.18).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

244

Page 245: Teologia sistemática   grudem

2. Pós-milenismo.

O prefixo pós significa “depois”. Segundo esse ponto de vista, Cristo voltará após o milênio.

Segundo esse ponto de vista, o avanço do evangelho e o crescimento da igreja se acentuarão

de forma gradativa, de tal modo que uma proporção cada vez maior da população mundial se

tornará cristã. Como conseqüência, haverá influências cristãs significativas na sociedade, esta

funcionará mais e mais de acordo com os padrões de Deus e gradualmente virá uma “era

milenar” de paz e justiça sobre a terra. Esse “milênio” durará um longo período (não

necessariamente de mil anos literais) e, por fim, ao final desse período, Cristo voltará à terra,

crentes e incrédulos serão ressuscitados, ocorrerá o juízo final e haverá um novo céu e uma

nova terra. Entraremos então no estado eterno.

3. Pré-milenismo

a. Pré-milenismo clássico ou histórico. O prefixo “pré” significa “antes” e a posição pré-

milenista diz que Cristo irá voltar antes do milênio. Esse ponto de vista é defendido desde os

primeiros séculos do cristianismo. Segundo esse ponto de vista, a presente era da igreja

continuará até que, com a proximidade do fim, venha sobre a terra um período de grande

tribulação e sofrimento (T na figura acima indica tribulação). Depois desse período de

tribulação no final da era da igreja, Cristo voltará à terra para estabelecer um reino milenar.

b. Pré-milenismo pré-tribulacionista (ou pré-milenismo dispensacionalista). Outra variedade

de pré-milenismo conquistou ampla popularidade nos séculos XIX e XX, em especial no

Reino Unido e nos Estados Unidos. Segundo essa posição, Cristo voltará não só antes do

milênio (a volta de Cristo é pré-milenar), mas também ocorrerá antes da grande tribulação (a

volta de Cristo é pré-tribulacional). Esse ponto de vista é semelhante à posição pré-milenista

clássica mencionada acima, mas com uma importante diferença: acrescenta outra volta de

Cristo antes de sua vinda para reinar sobre a terra no milênio. Essa volta é vista como um

retorno secreto de Cristo para tirar os crentes do mundo.

B. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ARGUMENTOS EM FAVOR DO AMILENISMO

Em favor da postura amilenista, apresentam-se os seguintes argumentos:

1. Quando olhamos através de toda a Bíblia, dirão os amilenistas, apenas uma passagem (Ap

20.1-6) parece ensinar um futuro domínio milenar de Cristo aqui na terra, e essa

passagem em si é obscura. Não é sábio basear uma doutrina tão importante em uma passagem

de interpretação incerta e amplamente contestada.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

245

Page 246: Teologia sistemática   grudem

Mas como os amilenistas entendem Apocalipse 20.1-6? Segundo a interpretação amilenista,

essa passagem refere-se à presente era da igreja.

2. Um segundo argumento que se apresenta muitas vezes em favor do amilenismo é o fato de

que as Escrituras ensinam apenas uma ressurreição, em que tanto os crentes como os

incrédulos serão ressuscitados, e não duas ressurreições (uma ressurreição dos crentes antes

do início do milênio e uma ressurreição dos incrédulos para o julgamento depois do fim do

milênio). Este é um argumento importante, pois o ponto de vista pré-milenista exige duas

ressurreições distintas, separadas por mil anos.

3. A idéia de crentes glorificados e pecadores vivendo juntos sobre a terra é difícil demais

de aceitar. Berkhof diz: “É impossível entender como parte da velha terra e da humanidade

pecadora pode existir lado a lado com parte da nova terra e da humanidade glorificada. Como

podem santos perfeitos, em corpo glorificado, ter comunhão com pecadores na carne? Como

podem pecadores glorificados viver nessa atmosfera sobrecarregada de pecado e em meio a

cenas de morte e decadência?”

4. Se Cristo vem em glória para reinar sobre a terra, como as pessoas ainda conseguiriam

persistir no pecado? Se Jesus vai estar realmente presente em seu corpo ressurreto e

governar como Rei sobre a terra, não seria bem improvável que as pessoas ainda o rejeitem e

que o mal e a rebelião prosperem sobre a terra até que no final Satanás consiga reunir as

nações para a batalha contra Cristo? 

5. Parece não haver nenhum propósito convincente para esse milênio. Uma vez que a era

da igreja tenha chegado ao fim e Cristo tenha voltado, qual a razão para atrasar o início do

estado eterno?

6. Para terminar, os amilenistas dizem que as Escrituras parecem indicar que todos os

principais eventos que ainda estão por vir antes do estado eterno ocorrerão de uma só

vez. Cristo voltará, haverá uma ressurreição de crentes e incrédulos, virá o julgamento final e

um novo céu e uma nova terra serão estabelecidos. E então entraremos imediatamente no

estado eterno, sem nenhum milênio futuro.

C. UMA CONSIDERAÇÃO DE ARGUMENTOS EM FAVOR DO PÓS-MILENISMO

Os argumentos em favor do pós-milenismo são os seguintes:

1. A Grande Comissão leva-nos a esperar que o evangelho se propague com poder e acabe

por fim resultando num mundo em boa parte cristão.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

246

Page 247: Teologia sistemática   grudem

2. Parábolas sobre o crescimento gradual do reino indicam que, por fim, sua influência

cobrirá a terra.

3. Os pós-milenistas também diriam que o mundo está se tornando mais cristão.

Em resposta aos argumentos pós-milenistas, é possível levantar os seguintes pontos:

1. A Grande Comissão de fato fala da autoridade colocada nas mãos dos cristãos, mas isso

não implica necessariamente que Cristo usará essa autoridade para provocar a conversão da

maioria da população do mundo.

2. As parábolas da semente de mostarda e do fermento de fato nos falam que o reino de Deus

crescerá gradualmente de algo bem pequeno para algo muito grande, mas não falam da

dimensão do crescimento do reino.

3. Em resposta ao argumento de que o mundo está-se tornando mais cristão, deve-se dizer que

o mundo também está piorando.

4. Por fim, devemos observar que algumas passagens do Novo Testamento parecem negar

explicitamente a posição pós-milenista.

D. UMA CONSIDERAÇÃO DOS ARGUMENTOS EM FAVOR DO PRÉ-MILENISMO

A posição defendida neste livro é o pré-milenismo histórico. Os argumentos contra a posição

pré-milenista foram apresentados em sua essência nos argumentos em favor do amilenismo e

do pós-milenismo, e assim não serão repetidos numa divisão separada, mas se considerarão as

objeções incidentais ao longo da discussão.

1. Algumas passagens do Antigo Testamento não parecem caber nem na presente era

nem no estado eterno. Essas passagens indicam algum estágio futuro na história da redenção,

muito mais grandioso que a presente era da igreja, mas que ainda não parece remover de sobre

a terra todo o pecado, rebelião e morte.

2. Também há passagens do Novo Testamento além de Apocalipse 20 que indicam um

futuro milênio. Quando o Senhor Jesus ressurreto fala à igreja de Tiatira, diz: “Ao vencedor,

que guardar até ao fim as minhas obras, eu lhe darei autoridade sobre as nações, e com cetro

de ferro as regerá e as reduzirá a pedaços como se fossem objetos de barro; assim como

também eu recebi de meu Pai” (Ap 2.26-27).

3. Convém reexaminar Apocalipse 20 tendo por base algumas outras passagens que

insinuam ou indicam claramente um período futuro muito mais grandioso que a era

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

247

Page 248: Teologia sistemática   grudem

presente, mas inferior ao estado eterno. Algumas declarações aqui são mais bem entendidas

como referências a um reinado terreno futuro de Cristo anterior ao julgamento por vir.

E. O TEMPO DA GRANDE TRIBULAÇÃO

A expressão “grande tribulação” vem de Mateus 24.21 (e paralelos), onde Jesus diz: “...

porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não

tem havido e nem haverá jamais”. O pré-milenismo histórico crê que Cristo voltará depois

dessa tribulação, pois a passagem continua: “Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o

sol escurecerá [...] Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da

terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e

muita glória” (Mt 24.29-30). Os argumentos em favor de tal arrebatamento pré-tribulacional

são os seguintes:

1. Todo o período da tribulação será um tempo de derramamento da ira de Deus sobre

toda a terra. Assim, não seria apropriado os cristãos estarem sobre a terra nessa ocasião.

2. Jesus promete em Apocalipse 3.10: “... eu te guardarei da hora da provação que há de vir

sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra”. Essa passagem indica

que a igreja será tirada do mundo antes que chegue a hora da provação.

3. Se Cristo retornará após a tribulação e derrotará todos os inimigos, de onde virão os

incrédulos necessários para povoar o reino milenar? A posição pré-tribulacionista, porém,

imagina milhares de crentes judeus que se tornarão cristãos durante a tribulação e entrarão no

reino milenar em corpos não glorificados.

4. Essa posição permite crer que Cristo pode vir a qualquer momento (sua vinda antes da

tribulação) e ainda que muitos sinais devem ser cumpridos antes de sua vinda (sua vinda após

a tribulação, quando os sinais serão cumpridos).

Em resposta a esses argumentos, é possível levantar os seguintes pontos:

1. Não é coerente com as descrições neotestamentárias da tribulação dizer que todo o

sofrimento que ocorre durante esse período é especificamente conseqüência da ira de Deus.

Boa parte do sofrimento deve-se ao fato de “se multiplicar a iniqüidade” (Mt 24.12) e ao fato

de a perseguição contra a igreja e a oposição promovida por Satanás crescerem muito durante

esse período.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

248

Page 249: Teologia sistemática   grudem

2. O fato de Jesus dizer aos crentes fiéis da igreja de Filadélfia (Ap 3.10) que os livrará da

hora de provação que recairá sobre todo o mundo não é indício suficientemente forte para

dizer que a igreja inteira será tirada do mundo antes da tribulação.

3. Não se pode defender o pré-tribulacionismo dizendo que deve haver algumas pessoas em

corpos não glorificados entrando no milênio, porque (segundo a concepção pós-

tribulacionista), quando Cristo vier no final da tribulação derrotará todas as forças dispostas

contra ele, mas isso não significa que matará ou aniquilará todos eles.

4. A posição pré-tribulacionista não é a única que se harmoniza com as idéias de que Cristo

pode voltar a qualquer momento e de que há sinais que precedem seu retorno. A posição

apresentada no capítulo anterior – que é improvável mas possível que os sinais tenham-se

cumprido – é também coerente com essas idéias.

O JUÍZO FINAL E O CASTIGO ETERNO

A. O FATO DO JUÍZO FINAL

1. Provas bíblicas de um juízo final.

As Escrituras afirmam o fato de que haverá um grande julgamento final de crentes e

incrédulos. Eles ficarão de pé diante do trono de julgamento de Cristo em seu corpo ressurreto

e ouvirão a proclamação do seu destino eterno.

2. Haverá mais de um julgamento?

De acordo com a posição dispensacionalista, há mais de um julgamento que está por

vir.Da perspectiva dispensacionalista, essa passagem não se refere ao juízo final (o

“grande trono branco” mencionado em Ap 20.11-15), mas sim a um julgamento posterior

à tribulação e anterior ao início do milênio. Dizem que este será um “julgamento das

nações” em que elas serão julgadas de acordo com o modo pelo qual tiverem tratado o

povo judeu durante a tribulação. As que tiverem tratado bem os judeus e estiverem

dispostas a se submeterem a Cristo entrarão no milênio, e as que não tiverem terão

negada a entrada.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

249

Page 250: Teologia sistemática   grudem

B. O TEMPO DO JUÍZO FINAL

O juízo final ocorrerá depois do milênio e da rebelião que ocorre no final desse período. Em

Apocalipse 20.1-6 João descreve o reino milenar e a retirada de Satanás da posição em que

pode exercer influência sobre a terra (veja a discussão nos dois capítulos anteriores) e então

diz: “Quando, porém, se completarem os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá a

seduzir as nações [...] a fim de reuni-las para a peleja” (Ap 20.7-8). João diz que, depois de

Deus vencer essa rebelião final de maneira decisiva (Ap 20.9-10), virá o julgamento: “Vi um

grande trono branco e aquele que nele se assenta” (v. 11).

C. A NATUREZA DO JUÍZO FINAL

1. Jesus Cristo será o juiz.

Paulo fala de “Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos” (2Tm 4.1). Pedro diz que Jesus

Cristo “é quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos” (At 10.42; compare 17.31;

Mt 25.31-33). Esse direito de agir como juiz sobre todo o universo é algo que o Pai deu ao

Filho: “o Pai [...] lhe deu autoridade para julgar, porque é o Filho do Homem” (Jo 5.26-27).

2. Os incrédulos serão julgados.

É evidente que todos os incrédulos ficarão de pé diante de Cristo para serem julgados, pois

esse julgamento inclui “os mortos, os grandes e os pequenos” (Ap 20.12), e Paulo diz que no

“dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus”, este “retribuirá a cada um segundo o seu

procedimento: [...] ira e indignação aos facciosos, que desobedecem à verdade e obedecem à

injustiça” (Rm 2.5-8).

3. Os crentes serão julgados.

Escrevendo para cristãos, Paulo diz: “Pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus.

[...] Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus” (Rm 14.10, 12). Também

diz aos cristãos: “Porque importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo,

para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” (2Co

5.10; cf. Rm 2.6-11; Ap 20.12, 15). Além disso, o quadro do julgamento final em Mateus

25.31-46 inclui Cristo separando as ovelhas dos cabritos e recompensando aqueles que

recebem sua bênção.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

250

Page 251: Teologia sistemática   grudem

4. Os anjos serão julgados.

Pedro diz que os anjos rebeldes foram recolhidos ao inferno, no abismo de trevas, para esperar

o juízo (2Pe 2.4), e Judas afirma que eles estão guardados por Deus “para o juízo do grande

Dia” (Jd 6). Isso significa que pelo menos os anjos rebeldes ou os demônios também serão

submetidos ao julgamento no último dia.

5. Ajudaremos no trabalho de julgamento.

Um aspecto bastante surpreendente do ensino do Novo Testamento é que nós (crentes)

tomaremos parte no processo de julgamento.

D. A NECESSIDADE DO JUÍZO FINAL

Já que ao morrer os crentes passam imediatamente para a presença de Deus, e os incrédulos

para o estado em que são separados de Deus e submetidos ao castigo, podemos perguntar por

que Deus estabeleceu um momento de juízo final. Berkhof observa de maneira sábia que o

juízo final não tem o propósito de permitir que Deus descubra a condição de nosso coração ou

o padrão de conduta de nossa vida, pois ele já os conhece nos mínimos detalhes.

E. A JUSTIÇA DE DEUS NO JUÍZO FINAL

As Escrituras afirmam de modo claro que Deus será inteiramente justo e ninguém será capaz

de reclamar contra ele naquele dia. Deus é “aquele que, sem acepção de pessoas, julga

segundo as obras de cada um” (1Pe 1.17), e para ele “não há acepção de pessoas” (Rm 2.11;

compare Cl 3.25). Por essa razão, no último dia “toda boca” se calará e todo o mundo será

“culpável perante Deus” (Rm 3.19), sem que ninguém seja capaz de reclamar que Deus o

tratou de maneira injusta.

F. APLICAÇÃO MORAL DO JUÍZO FINAL

A doutrina do juízo final exerce várias influências morais positivas sobre nossa vida.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

251

Page 252: Teologia sistemática   grudem

1. A doutrina do juízo final satisfaz nosso senso interior de necessidade de

justiça no mundo.

O fato de que haverá um juízo final assegura-nos que em última análise o universo de Deus é

justo, pois Deus está no controle, mantém registros precisos e administra julgamento justo.

Quando Paulo diz a escravos que sejam submissos aos seus senhores, assegura-lhes: “... pois

aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de pessoas”

(Cl 3.25).

2. A doutrina do juízo final capacita-nos a perdoar aos outros livremente.

Percebemos que não cabe a nós vingar-nos dos que nos ofenderam, ou mesmo desejar fazê-lo,

porque Deus reservou esse direito para si mesmo. “Não vos vingueis a vós mesmos, amados,

mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei,

diz o Senhor” (Rm 12.19). Dessa maneira, sempre que formos ofendidos, podemos entregar

nas mãos de Deus qualquer desejo de causar dano ou de pagar com a mesma moeda à pessoa

que nos ofendeu, sabendo que toda ofensa no universo terá retribuição no final — ou ela

acabará sendo considerada paga por Cristo quando ele morreu na cruz (se o ofensor tornar-se

cristão) ou será paga no juízo final (no caso daqueles que não aceitarem Cristo).

3. A doutrina do juízo final constitui motivo para uma vida justa.

Para os cristãos, o juízo final é um incentivo para fidelidade e boas obras, não como meio de

conseguir o perdão dos pecados, mas como meio de alcançar maior galardão eterno. Este é um

motivo saudável e bom para nós — Jesus nos diz: “ajuntai para vós outros tesouros no céu”

(Mt 6.20) — embora isso vá contra o pensamento popular de nossa cultura secular, cultura

que não acredita realmente no céu nem em recompensas eternas.

4. A doutrina do juízo final constitui grande motivação para a evangelização.

As decisões tomadas por pessoas nesta vida afetarão seu destino por toda a eternidade, e é

justo que nosso coração sinta e nossa boca ecoe a emoção com que de Deus lança o apelo por

intermédio de Ezequiel: “Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por

que haveis de morrer, ó casa de Israel?” (Ez 33.11). Na verdade, Pedro indica que a demora

na volta do Senhor deve-se ao fato de que Deus está sendo paciente conosco, “não querendo

que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

252

Page 253: Teologia sistemática   grudem

G. O INFERNO

É apropriado discutir a doutrina do inferno juntamente com a doutrina do juízo final. Podemos

definir o inferno como segue: O inferno é lugar de castigo eterno e consciente para o ímpio.

As Escrituras ensinam em várias passagens que existe tal lugar. No final da parábola dos

talentos, o senhor diz: “E o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e

ranger de dentes” (Mt 25.30). Esta é uma das várias indicações de que haverá consciência do

castigo após o juízo final. De modo semelhante, o rei dirá a alguns no julga-mento: “Apartai-

vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mt 25.41), e

Jesus diz que essas pessoas assim condenadas irão “para o castigo eterno, porém os justos,

para a vida eterna” (Mt 25.46).  Nesse texto, o paralelo entre “vida eterna” e “castigo eterno”

indica que ambos os estados não terão fim.

 

O NOVO CÉU E A NOVA TERRA

A. VIVEREMOS ETERNAMENTE COM DEUS NO NOVO CÉU E NA NOVA TERRA

Após o juízo final, os crentes entrarão para sempre no pleno gozo da vida na presença de

Deus. Jesus nos dirá: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está

preparado desde a fundação do mundo” (Mt 25.34). Entraremos em um reino onde “nunca

mais haverá qualquer maldição. Nela [na nova Jerusalém], estará o trono de Deus e do

Cordeiro. Os seus servos o servirão” (Ap 22.3).

1. Que é o céu?

Na era presente, o lugar em que Deus habita é freqüentemente chamado “céu” nas Escrituras.

O Senhor diz “o céu é o meu trono” (Is 66.1) e Jesus nos ensina a orar “Pai nosso, que estás

nos céus” (Mt 6.9). Jesus agora, “depois de ir para o céu, está à destra de Deus” (1Pe 3.22).

De fato, o céu pode ser definido da seguinte maneira: Céu é o lugar em que Deus torna

conhecida da forma mais completa a sua presença para abençoar.

Discutimos anteriormente como Deus está presente em todos os lugares,  mas como ele

manifesta sua presença de maneira especial em certos lugares para abençoar. A maior

manifestação da presença de Deus para abençoar é vista no céu, onde ele faz sua glória

conhecida e é adorado pelos anjos, por outras criaturas celestiais e pelos santos redimidos.

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

253

Page 254: Teologia sistemática   grudem

2. O céu é um lugar, não apenas um estado mental.

Mas talvez alguém fique tentando imaginar como o céu poderia ser unido à terra. Sem dúvida,

a terra é um lugar que existe em certo local em nosso universo situado no espaço e no tempo,

mas pode-se pensar também no céu como um lugar passível de ser ligado à terra?

Fora do mundo evangélico, em geral nega-se a idéia do céu como um lugar, principalmente

porque sua existência pode ser conhecida apenas a partir do testemunho das Escrituras.

Recentemente, mesmo alguns estudiosos evangélicos têm hesitado em afirmar o fato de que o

céu é um lugar. Será que o fato de sabermos do céu apenas pela Bíblia e de não podermos dar

nenhuma prova empírica dele deve ser razão para não acreditar que o céu é um lugar real?

3. A criação física será renovada e continuaremos a existir e atuar nela.

Além de um céu renovado, Deus fará uma “nova terra” (2Pe 3.13; Ap 21.1). Várias passagens

indicam que a criação física será renovada de forma expressiva. “A ardente expectativa da

criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não

voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação

será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm

8.19-21).

4. Nosso corpo ressurreto fará parte da nova criação.

No novo céu e na nova terra, haverá lugar e atividades para nosso corpo ressurreto, que nunca

envelhecerá nem se enfraquecerá nem adoecerá. Uma forte consideração a favor desse ponto

de vista é o fato de que Deus fez a criação física original muito boa (Gn 1.31). Não há,

portanto, nada inerentemente pecaminoso ou mau ou “não espiritual” no mundo físico que

Deus fez ou nas criaturas que colocou nele, ou ainda no corpo físico que nos deu na criação.

Embora todas essas coisas tenham sido desfiguradas e distorcidas pelo pecado, Deus não

destruirá o mundo físico por completo (o que seria reconhecimento de que o pecado frustrou e

venceu os propósitos de Deus); antes, aperfeiçoará toda a criação e a colocará em harmonia

com os propósitos para os quais ele a criou originariamente.

5. A nova criação não será “atemporal” mas incluirá uma sucessão infinita de

momentos.

Embora certo hino popular fale da hora em que “a trombeta do Senhor soará e não existirá

mais tempo”, as Escrituras não dá apoio a essa idéia. Certamente a cidade celestial que recebe

sua luz da glória de Deus (Ap 21.23) nunca experimentará escuridão ou noite: “... nela não

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

254

Page 255: Teologia sistemática   grudem

haverá noite” (Ap 21.25). Mas isso não significa que o céu será um lugar em que o tempo será

desconhecido, ou onde as coisas não possam ser feitas uma após outra.

B. A doutrina da nova criação dá grande motivação para acumular tesouros

no céu e não na terra

Quando consideramos o fato de que a presente criação é temporária e que nossa vida na nova

criação durará por toda a eternidade, temos uma forte motivação para viver de maneira

piedosa, acumulando tesouros no céu. Refletindo sobre o fato de que o céu e a terra serão

destruídos,

C. A nova criação será um lugar de grande beleza, abundância e alegria na

presença de Deus

Em meio a todas as perguntas que fazemos naturalmente a respeito do novo céu e da nova

terra, não devemos perder de vista o fato de que as Escrituras retratam de maneira coerente

essa nova criação como lugar de grande beleza e alegria. Na descrição do céu em Apocalipse

21 e 22, esse tema é afirmado repetidas vezes. É a “cidade santa” (21.2), um lugar preparado

“como noiva adornada para o seu esposo” (21.2).

Edições Vida Nova e Co-Instruire – Consultoria e Assessoria em Educação

255