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Convocação geral A abordagem interdisciplinar favorece e reforça ações de gestão participativa na escola 25/08/2011 Roberto Amado Não faz muito tempo, a escola era sinônimo de disciplina, obediência e comportamento padronizado. Aos alunos, cabia exclusivamente prestar atenção nas aulas e permanecer em silêncio, a não ser para fazer perguntas pertinentes. Mas os tempos mudaram, e o ensino médio, em especial, vem sendo desafiado a oferecer uma possibilidade preciosa para jovens entre 15 e 18 anos: a de participar. Participação ampla, não só nas deliberações do processo educativo como, também, na própria gestão da escola. As experiências na área costumam ter resultados tão significativos que esta passou a ser uma tendência buscada e almejada por educadores. E a perspectiva interdisciplinar tem muito a contribuir para a abordagem participativa da educação juvenil. “O ensino convencional oferece conteúdo fragmentado. Mas para conhecer a realidade dinâmica, é preciso saber como os conhecimentos se associam e interagem. O paradigma e a metodologia da interdisciplinaridade são a melhor maneira de se conhecer a realidade e de atender aos anseios dos jovens por autenti cidade”, diz Heloísa Lück, doutora em educação pela Columbia University em Nova York, diretora educacional do Centro do Desenvolvimento Humano Aplicado, em Curitiba, e autora de vários títulos ligados à participação educacional e interdisciplinaridade. Salto de qualidade Escola de Educação Básica Dr. Frederico Rolla, da cidade de Atalanta, em Santa Catarina. Conduzida nos dois últimos anos pela diretora Margaret Dalabeneta, a escola deu um salto de qualidade importante graças à implantação de uma gestão democrática, pela qual os alunos participam das decisões, juntamente com os professores. O ambiente, que era péssimo, com descontentamento generalizado e muitas reclamações, abrandou-se, dando lugar a um sentimento de equipe. Os resultados educacionais vieram com a participação dos alunos em projetos interdisciplinares. Como no estudo das culturas de milho, feijão e cebola, típicas da região. “Nesse trabalho, envolvemos vária s disciplinas: a história do desenvolvimento agrícola da cidade, as condições geográficas que permitem essas culturas e até o professor de matemática participou, falando sobre o mercado agrícola e finanças”, diz Margaret. “Nós procuramos trazer a realidade do aluno para a escola”. A interdisciplinaridade é percebida como um recurso decisivo para convocar a uma maior participação dos alunos. No caso da Escola Frederico Rolla, por exemplo, foi levada aos jovens do ensino médio a proposta de fazer um estudo interdisciplinar, mas foram eles que decidiram o tema, o conteúdo e a execução, com a supervisão e a aprovação da diretora e dos professores. E aí entra mais um elemento importantíssimo: o espírito democrático da gestão. Sobre essa questão, Aparecido Roque da Silva não tem dúvida: a participação dos alunos é decisiva para se conquistarem índices de desempenho educacional muito melhores. Ele é diretor do Colégio Estadual Antenor Padilha, de Ivolândia, em Goiás e, no cargo há pouco mais de um ano, viu o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) subir cinco pontos, atingindo a meta prevista para 2015. No ano passado, os seus 115 alunos do ensino médio executaram 62 projetos interdisciplinares, envolvendo uma rádio interna, feira de ciências, jardinagem, reflorestamento e até futsal. Em cada um dos projetos, há sempre o envolvimento de professores de diversas matérias e os resultados são inquestionáveis. “Desse jeito, não há como não aprender”, diz Aparecido. Ator e autor O exemplo vem da Escola Estadual Professor Luiz Antônio Corrêa de Oliveira, em Araxá, referência em Minas Gerais. Ali o processo de participação envolve todos os 1.430 alunos e, principalmente, as 19 turmas de ensino médio distribuídas nos três períodos do dia. Uma das características da escola, conduzida pela diretora Edna de Fátima Resende Campos, é o protagonismo juvenil. “Eu sempre digo aos meus alunos que eles devem parar de ser atores para serem autores”, diz ela. Isso significa, nas palavras de Edna, “tomar propriedade da escol a”, não só decidindo e executando projetos educacionais como, também, interferindo na comunidade e buscando aproximar-se da realidade em que vivem.

Texto para estudo ou atividade convocação geral

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Page 1: Texto para estudo ou atividade convocação geral

Convocação geral A abordagem interdisciplinar favorece e reforça ações de gestão participativa na escola

25/08/2011

Roberto Amado

Não faz muito tempo, a escola era sinônimo de disciplina, obediência e comportamento padronizado.

Aos alunos, cabia exclusivamente prestar atenção nas aulas e permanecer em silêncio, a não ser para fazer perguntas pertinentes. Mas os tempos mudaram, e o ensino médio, em especial, vem sendo desafiado a

oferecer uma possibilidade preciosa para jovens entre 15 e 18 anos: a de participar. Participação ampla, não só nas deliberações do processo educativo como, também, na própria gestão da escola. As experiências na área costumam ter resultados tão significativos que esta passou a ser uma tendência buscada e almejada por

educadores. E a perspectiva interdisciplinar tem muito a contribuir para a abordagem participativa da educação juvenil.

“O ensino convencional oferece conteúdo fragmentado. Mas para conhecer a realidade dinâmica, é preciso saber como os conhecimentos se associam e interagem. O paradigma e a metodologia da interdisciplinaridade são a melhor maneira de se conhecer a realidade e de atender aos anseios dos jovens

por autenticidade”, diz Heloísa Lück, doutora em educação pela Columbia University em Nova York, diretora educacional do Centro do Desenvolvimento Humano Aplicado, em Curitiba, e autora de vários

títulos ligados à participação educacional e interdisciplinaridade.

Salto de qualidade

Escola de Educação Básica Dr. Frederico Rolla, da cidade de Atalanta, em Santa Catarina.

Conduzida nos dois últimos anos pela diretora Margaret Dalabeneta, a escola deu um salto de qualidade importante graças à implantação de uma gestão democrática, pela qual os alunos participam das decisões, juntamente com os professores. O ambiente, que era péssimo, com descontentamento generalizado e muitas

reclamações, abrandou-se, dando lugar a um sentimento de equipe. Os resultados educacionais vieram com a participação dos alunos em projetos interdisciplinares. Como no estudo das culturas de milho, feijão e cebola, típicas da região. “Nesse trabalho, envolvemos várias disciplinas: a história do desenvolvimento

agrícola da cidade, as condições geográficas que permitem essas culturas e até o professor de matemática participou, falando sobre o mercado agrícola e finanças”, diz Margaret. “Nós procuramos trazer a realidade

do aluno para a escola”. A interdisciplinaridade é percebida como um recurso decisivo para convocar a uma maior

participação dos alunos. No caso da Escola Frederico Rolla, por exemplo, foi levada aos jovens do ensino

médio a proposta de fazer um estudo interdisciplinar, mas foram eles que decidiram o tema, o conteúdo e a execução, com a supervisão e a aprovação da diretora e dos professores. E aí entra mais um elemento

importantíssimo: o espírito democrático da gestão. Sobre essa questão, Aparecido Roque da Silva não tem dúvida: a participação dos alunos é decisiva

para se conquistarem índices de desempenho educacional muito melhores. Ele é diretor do Colégio Estadual

Antenor Padilha, de Ivolândia, em Goiás e, no cargo há pouco mais de um ano, viu o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) subir cinco pontos, atingindo a meta prevista para 2015. No ano

passado, os seus 115 alunos do ensino médio executaram 62 projetos interdisciplinares, envolvendo uma rádio interna, feira de ciências, jardinagem, reflorestamento e até futsal. Em cada um dos projetos, há sempre o envolvimento de professores de diversas matérias e os resultados são inquestionáveis. “Desse jeito,

não há como não aprender”, diz Aparecido.

Ator e autor

O exemplo vem da Escola Estadual Professor Luiz Antônio Corrêa de Oliveira, em Araxá, referência

em Minas Gerais. Ali o processo de participação envolve todos os 1.430 alunos e, principalmente, as 19 turmas de ensino médio distribuídas nos três períodos do dia. Uma das características da escola, conduzida

pela diretora Edna de Fátima Resende Campos, é o protagonismo juvenil. “Eu sempre digo aos meus alunos que eles devem parar de ser atores para serem autores”, diz ela. Isso significa, nas palavras de Edna, “tomar propriedade da escola”, não só decidindo e executando projetos educacionais como, também, interferindo na

comunidade e buscando aproximar-se da realidade em que vivem.

Page 2: Texto para estudo ou atividade convocação geral

A diretora organizou três grupos de estudo, cada um com um tema e formado por equipes de professores e alunos. Os projetos sempre envolvem os três grupos, consolidando o processo interdisciplinar.

É o que acontece, por exemplo, com o Coral Teatral Policantus, formado por alunos da escola e conhecido pelas apresentações que faz não só pelo Estado como, ainda, fora dele. No musical recentemente

apresentado “Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará”, os três grupos temáticos se envolveram no processo educacional, desenvolvendo conteúdos relacionados à peça — não só na área de música, como também literatura, português, história, geografia e ciências. E o mesmo acontece com o livro que publicam todo ano,

com poemas, artigos e textos literários produzidos pelos alunos. Os jovens se deixam envolver pela proposta de participação e se apaixonam pela escola. “Se deixar, eles não voltam para a casa”, conta Edna.

“Quando se oferecem projetos interdisciplinares, os alunos são levados a investigar, empregando uma variedade de processos mentais, o que se constitui em uma extraordinária fonte de motivação. A prática tem demonstrado que dessa forma os alunos canalizam suas energias para esse processo, aprendem sem

limites e sentem satisfação em aprender e desenvolver seus talentos. Aliás, ajudar os alunos a desenvolver os seus talentos é a maior responsabilidade da escola. Não é ensinar conteúdos fragmentados, como se tivessem

valor em si mesmos e dissociados da possibilidade de sua identificação e aplicação na realidade”, diz Heloísa Lück.

E é nesse momento que se destaca a importância do papel do educador — tanto do gestor como do

professor. “É um desafio individual que envolve o empenho pessoal dos professores em querer mudar o modo como ensinam e, coletivo, em definir uma metodologia comum de trabalho pela qual façam interagir

suas áreas de conhecimento, nas práticas de ensino oferecidas aos alunos. É preciso ter a coragem de enfrentar uma nova perspectiva, mais desafiadora e, portanto, mais estimulante de trabalho”, diz Heloísa Lück. “A verdade é que o sucesso do ensino participativo depende muito da iniciativa do educador. Não que

a responsabilidade seja só dele, mas o envolvimento de gestores e professores é decisivo”, diz Anna Helena Altenfelder, gerente de Projetos Apoiados do Cenpec, confrontando a cultura do “tentei, mas não deu

certo”. “O professor que vê uma coisa de cada vez, não será capaz de praticar a interdisciplinaridade, mesmo que em sua escola adote-se um currículo organizado para facilitá-la. Por exemplo, o professor que afirma que os

alunos não aprendem porque não estudam, que as aulas não podem ser boas porque não dispõem de recursos tecnológicos, está dissociando o conjunto de fatos que interferem numa situação real e como uns elementos

influenciam os outros. É preciso questionar sobre como as coisas são, ou como podem ser diferentes e fazer investigações a partir da realidade. Integrar teoria e prática, o pensar e o fazer — do que, aliás, os jovens muito gostam”, diz Heloísa Lück.

Depoimento

“A escola em que estudo tem um perfil totalmente diferente do das escolas públicas que fizeram parte da minha pesquisa sobre violência escolar, trabalho que inscrevi no Prêmio Jovem Cientista do ano passado e

que me deu o segundo lugar na categoria Ensino Médio. Naquelas escolas, de uma comunidade de baixa renda, não há engajamento entre professor e aluno. No primeiro dia de aula, se o aluno não gosta do

professor por algum motivo, isso vira um atrito que impede o aprendizado e gera agressões de todo tipo. Geralmente, nem o aluno, nem seus pais, nem o professor, nem a direção da escola dão atenção ao problema. E as aulas continuam com o professor falando lá na frente, sempre do mesmo jeito, e com o aluno

conversando lá atrás, sem o menor interesse. No meu colégio, se isso acontece, professor e aluno são chamados pela direção da escola para esclarecer a situação. Se necessário, os pais também entram na

história. O núcleo escolar é engajado. Os professores ensinam as disciplinas de maneiras variadas, usando audiovisuais, laboratório, seminários. Temos os Grupos de Protagonismo Juvenil para realizar pesquisas científicas sobre temas regionais. O aluno aprende sem ficar entediado, porque participa de tudo. Nas

escolas que pesquisei, como nas escolas públicas em geral, a gente encontra professor bom, que tem amor ao ensinar. Acho que eles fazem a diferença para mudar a realidade do ensino, mas também depende da direção

da escola e ainda do interesse dos pais pelo que o filho faz na escola. Esse conjunto todo tem que funcionar para uma escola ser boa. E pode ser. Este ano, no vestibular para a Universidade Estadual do Piauí, 62% dos aprovados foram alunos de escola pública. São jovens que estão conseguindo mudar sua realidade escolar.”

Priscila Oliveira Costa, 17 anos, estudante do ensino médio na escola de educação básica Embaixador

Espedito Resende, em Teresina (PI), 2º lugar no 23º Prêmio Jovem Cientista