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Diversidade religiosa e cultural na Umbanda, a religião brasileira.
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ANTROPOLOGIA
A DIVERSIDADE
CULTURAL E RELIGIOSA
NA UMBANDA:
A RELIGIÃO
BRASILEIRA
“É inviolável a liberdade de consciência e
de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteção aos locais de
culto e a suas liturgias”.
(BRASIL. Constituição 1988, Inciso VI do Artigo 5º.).
1. INTRODUÇÃO
A Umbanda, é uma religião brasileira, a única considerada nacionalmente pura. Ainda
que, seja de matiz africana e incorpore em sua essência diversos dogmas e práticas de outras
religiões e seitas, ela nasceu no Brasil no final do século XIX e foi criada por um brasileiro
nato, orientado por seu guia espiritual, um caboclo brasileiro. Essas raízes diversas será o alvo
do estudo, essa gama cultural e religiosa que é paralelamente semelhante à identidade do Brasil.
A mistura dos povos e dos credos que é a base étnica e cultural brasileira é também na Umbanda
uma característica fundamental.
A Umbanda é uma religião nova, contudo carrega consigo um peso histórico relevante
em relação à sua própria origem e desenvolvimento, já que arraigada em seu credo está um
preconceito histórico em relação aos cultos afro-brasileiros e durante seu desenvolvimento a
luta para ser aceita como uma religião independente e se livrar das polêmicas, muitas vezes
senso comum, em torno de suas práticas.
2. ETIMOLOGIA
A palavra umbanda vem do dialeto africano quimbundo e significa "arte de curar". Há
outra versão em que a palavra seria uma homenagem ao médium e seu guia espiritual fundador
da religião, " a banda de um". E como a Umbanda tem uma linha oriental, há ainda a versão
que, o significado estaria ligado ao mantra sânscrito "Aum-Bhanda", que é a ligação entre o
terreno e o divino.
3. ORIGENS
No dia 15 de novembro de 1908, no Rio de Janeiro, o médium Zélio Fernandino de Morais
incorporou pela primeira vez o Caboclo das Setes Encruzilhadas (que segundo lenda seria um
mestiço com sangue indígena e europeu) em um centro espírita kardecista. Lá o guia foi
rejeitado pelos espíritas por ser uma entidade inferior. Diante disso teria proferido os seguintes
dizeres:
“Levarei daqui uma semente e vou plantá-la nas neves, onde ela se
transformará em uma árvore frondosa e chamar-se-á Umbanda”.
Figura 1 - Zélio Fernandino de Morais (Patrono da Umbanda)
Fonte: A Gazeta de São Gonçalo (1929)
Zélio fundou a primeira casa de Umbanda em 1948, na sua própria residência em São
Gonçalo-RJ, a tenda Nossa Senhora da Piedade (a casa foi vendida e demolida em 2011).
Figura 2 - Tenda Nossa Senhora de Piedade (Berço Umbandista)
Fonte: Extra Online (2008)
Desde o seu surgimento, a Umbanda foi um credo misto, que misturava teologias, do
Candomblé, do Catolicismo (manteve o sincretismo que já havia no Candomblé), do
Kardecismo e das religiões indígenas. Com o tempo algumas vertentes, foram sendo
incorporadas: orientais (chinesa, japonesa, indiana ...), práticas do islamismo e até mesmo
esoterismo europeu (ciganos, celtas ...).
A Umbanda surgiu em uma época que os cultos de ascendência afro
eram perseguidos. Até a realização do Concílio Vaticano II (1962-
1965), a Igreja Católica tinha orientações explícitas contra o que
chamava de baixo espiritismo. Havia, inclusive, uma ameaça de
excomunhão para quem participasse da "macumba".
(ORTIZ, 1978, pg. 182).
Mesmo diante das barreiras, a Umbanda foi se desenvolvendo, em 1939 foi fundada a
Federação Espírita de Umbanda e em 1945, José Álvares Pessoa (dirigente de uma casa de
Umbanda) obteve junto ao Congresso Nacional a legalização da prática da Umbanda.
Em homenagem ao dia da primeira manifestação umbanda, a Lei nº. 16.244 de 16 de
maio de 2012, institui o dia 15 de novembro como o Dia Nacional da Umbanda.
4. PRÁTICAS E DOGMAS
“A umbanda é uma organização descentralizada, ou seja, cada terreiro
é independente para ditar suas próprias regras. Dependendo da casa, o
ritual pode ser mais católico, mais espírita, mais indígena ou mais do
candomblé. O altar pode ter figuras de santos, orixás, entidades ou não
ter imagem alguma. Álcool, fumo e percussão, fundamental para muitos
terreiros, são proibidos por outros. E é tudo umbanda, "a religião
brasileira", variada como seu país”.
(EMILIANO URBIN)
Figura 3 - Estrutura do Terreiro
Fonte: Revista Galileu Online (2007)
Os cultos umbandistas são praticados em terreiros, que são protegidos por lei e isentos
de tributação. As sessões são chamadas de "giras"e ocorrem no "congá". Os Ogãs dão o ritmo,
a música e dança são marcas da alegre "descida dos santos", o Pai (Mãe) de Santo incorpora o
orixá e de acordo com as diretrizes deste seguirá a sessão, em seguida, os Médiuns (vulgarmente
conhecidos como "cavalos") incorporam os espíritos para prestar consultas, os Cambones
auxiliam os santos e organizam os fiéis. As vestimentas dos membros são geralmente brancas.
Se alguma outra entidade desejar se manifestar, a gira recomeça.
Figura 4 - Disposição dos Participantes no Culto
Fonte: Revista Galileu Online (2007)
A Umbanda tem um panteão de orixás que são cultuados e o há sincretismo com os
santos do Catolicismo, por exemplo, Yansã é o espírito correspondente à Nossa Senhora, Oxalá
é o espírito que representa Jesus Cristo, e tem grande importância hierárquica no culto
umbandista. A Umbanda é monoteísta, ainda que pareça paradoxal, eles creem que há um Deus
único, Zambi e também na tricotomia (alma, corpo e espírito), na reencarnação, na lei do karma.
Não há um livro sagrado, pois são os espíritos ancestrais quem aconselham através dos médiuns,
mas existe os 10 Fundamentos e um Código de Ética aprovados pela Convenção Nacional de
Umbanda pelos terreiros registrados. É uma religião de filosofia ecumênica universal, as
entidades espirituais vão desde um indígena a um sábio chinês, inclusive há uma vertente
oriental que denominam Umbanda Esotérica, e as ramificações seguem de acordo com a matiz
mais enfocada por cada terreiro. Conforme exposto, a Umbanda tem dogmas que se aproximam
do Cristianismo, do Judaísmo, do Kardecismo, das religiões orientais (Budismo, Islamismo,
Hindu, etc ...) e bastante marcante do Candomblé, paradoxalmente, as práticas mistas a tornam
singular.
5. DADOS: FIÉIS QUE SÃO INFIÉIS?
"Até hoje o catolicismo é uma máscara usada nas religiões afro-brasileiras, máscara que
evidentemente as esconde também dos recenseamentos", afirma o sociólogo Reginaldo Prandi
em seu livro Segredos Guardados: Orixás na Alma Brasileira.
O número de Umbandistas, segundo Censo 2010 (IBGE), manteve o mesmo percentual
em 10 anos, 0,3% e em comparação há 20 anos atrás houve perca de fiéis, 0,4%.
Segundo os dados, a Umbanda tem fiéis com bom nível escolar, mulheres em sua
maioria, e jovens (média de 32 anos), localizados nos centros urbanos com destaque para as
regiões Sul e Sudeste. Mas, a pesquisa realizada pelo IBGE não é específica, estatiza o
Candomblé juntamente com a Umbanda, e ainda não leva em consideração quem se diz
frequentador, mas é de outra religião (o que é muito comum no pais, o sincretismo). Como
persiste um preconceito velado e uma "perseguição “de alguns setores religiosos, muitos fiéis
não se declaram umbandistas por receio, e assim, a pesquisa não apresenta números reais.
Figura 5- Mapa dos Umbandistas No Brasil (Censo 2010)
Fonte: IBGE (2010)
6. ENGANOS COMUNS E O PRECONCEITO
A Umbanda é muito confundida com o Candomblé, talvez porque tenha fortes origens
nele. Todavia, é independente, assim como o Cristianismo tem suas raízes no Judaísmo mas é
um credo totalmente autônomo. Há diversas diferenças entre Umbanda e Candomblé, mas o
ponto a destacar é que, o que na Umbanda é ponto fundamental, a incorporação de entidades
que falam diretamente com os fiéis, no Candomblé é uma prática inexistente (os orixás no
Candomblé se comunicam através dos búzios).
Na Umbanda não há sacrifícios de animais, as oferendas segundo o código de ética,
devem ser feitas no terreiro. Se a entidade pedir uma oferenda ao ar livre, as velas perto de
árvores e em cima de pedras são proibidas, e depois do ritual a limpeza deve ser realizada, pois
a natureza é vista como campo de energia vital que deve ser preservado.
Figura 6 - Tirinha Oxalá e Deus - Sacrifício de Animais
Fonte: Carlos Ruas (Um Sábado Qualquer)
Conforme dito anteriormente, as oferendas são uma espécie de agrado, são construídas
por itens como frutas, flores, moedas. Uma espécie de materialidade da devoção, não configura
magia negra, a doutrina preconiza que sejam singelas. Na figura acima, esses sensos comuns
estão ilustrados: a fatídica e errônea ligação entre Umbanda e matança de animais, mas é curioso
como o quadrinista demonstra que o Cristianismo/ Judaísmo também possui uma história com
o sacrifício de animais.
Figura 7 - Oferenda para Oxalá
Fonte: Blog Templo Umbandista Estrela Dourada (2010)
“Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei”
(BRASIL. Constituição 1988, Inciso VIII do Artigo 5º.).
7. CONCLUSÃO: A UMBANDA É BRASIL!
A pluralidade ecumênica da Umbanda, é a sua característica singular. Assim como a
população brasileira tem na diversidade sua qualidade fundamental. A Umbanda incorpora
elementos de outros credos com magnanimidade, assim como historicamente a sociedade
brasileira conviveu e convive bem com a questão da imigração latente.
A Umbanda e o Brasil, integraram em seu cerne elementos estrangeiros, que agregaram
uma matriz cultural diversa, e assim, mais tolerância e uma riqueza histórica. Vários povos
convivem pacificamente em terras tupiniquins, assim como no plano astral da Umbanda os
diversos tipos de cultos estão em plena harmonia.
A visão senso comum de que a Umbanda é apenas feitiçaria ou um outro nome do
Candomblé é uma das lutas pela seu reconhecimento como uma religião independente com
práticas éticas e legais. Assim como o país luta pelo seu reconhecimento, enquanto nação
independente economicamente no cenário mundial, e não apenas local de samba e futebol.
Em cada região há um sotaque, uma culinária, uma forma de se vestir diferentes; de
norte a sul o país vai se modificando, sem abandonar seu status de nação. O mesmo fenômeno
ocorre na Umbanda, ela vai se ramificando e criando filosofias distintas conforme a região, mas
é genuinamente a "religião brasileira" em todos os seus diferentes retratos.
Enquanto o país recebia os imigrantes japoneses, libaneses e turcos que contribuíram
demasiadamente para a indústria e comércio paulista, e foram se adaptando e incorporando seus
costumes aos nossos e vice-versa; na Umbanda, os espíritos ancestrais desses povos foram
recepcionados e agregados ao panteão umbandista. Nasceu assim por exemplo, o uso de
turbantes pelos membros e a nuance esotérica, está muito popular entre os simpatizantes
(frequentadores que sincronizam as práticas da Umbanda com sua outra religião primária).
O Brasil tem se destacado no cenário geopolítico, e passou a ser nação de destaque.
Paralelamente, a Umbanda está expandindo seus domínios para o exterior, já há templos com
milhares de frequentadores nos Estados Unidos, México, Canadá e em alguns países europeus.
A Umbanda está na moda, na música de Bezzera da Silva e de Dorival Caymmi, está
presente nas crendices populares e como um mata-borrão absorveu a miscigenação brasileira e
foi também absorvida. É refutada por alguns segmentos religiosos que de forma retrógrada
"materializam" nela os demônios a serem combatidos. Assim, a divulgação do estudo da
Umbanda que é tão parco de literaturas e mídias é um passo importante para combater o
preconceito e valorizar essa religião que é também um patrimônio cultural imaterial brasileiro.
“Mais tarde eu saberia que certas experiências se partilham -até
mesmo sem palavras – só com gente da mesma raça. O que não
significa nem cor, nem formato de olho, nem tipo de cabelo, mas o
indefinível parentesco da alma”. (LYA LUFT)
BIBLIOGRAFIA
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Michele C.S. Frison