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VIAG11 Porto Editora fotocopivel SEQUNCIA 3 (Manual, p. 192)
Tendncias novas da poesia contempornea O romantismo foi justamente
condenado. O sculo, com um sentimento lcido da sua verdadeira
misso, afastou-se daqueles que lhe falavam uma linguagem, cujo
brilho, cuja eloquncia, cuja sinceridade, por maiores que fossem,
no podiam encobrir o falso do princpio que a inspirava. Essa misso
essencialmente positiva, social e racional, e o romantismo era
essencialmente apaixonado, individual e subjetivo. Por mais que se
virasse para o futuro, a sua alma pertencia ao passado; enquanto
que o sculo, ainda nos momentos em que parece invocar o passado,
sempre para o futuro que caminha. No fundo, uma sociedade sada da
revoluo, e uma poesia que se inspirava das tradies da Idade Mdia,
contradiziam-se, negavam-se radicalmente. Um equvoco histrico pde
por um momento estabelecer aquele infundado acordo: no dia, porm,
em que se conheceram, separaram-se. Ainda h muita gente que sente,
chora, cr e aspira, maneira dos grandes melanclicos e apaixonados
de 1820. Mas j nos no comovem como ento, j no influem poderosamente
no mundo que os rodeia. So vozes sem eco. [] Ter a sociedade
contempornea (essa sociedade, ao que dizem, positiva at ao mais
desolador utilitarismo), na sua atmosfera sufocadora de indstria,
de lutas sociais e de cincia friamente analtica, condies de vida e
desenvolvimento normal para a constituio delicada das castas musas,
das musas melindrosas e cismativas? No ser uma sociedade
essencialmente antipotica, esta nossa, um mundo rebelde a toda a
idealidade? Por outras palavras; poder haver poesia racional,
positiva e social? Ser um ser potico o homem do nosso tempo?
Entendo que poder haver tal poesia; que a alma moderna, na sua
titnica aspirao de verdade e justia, potica, potica essencialmente,
daquela poesia forte e audaciosa dos mitos de Prometeu e jax; que h
uma fonte abundante de inspirao nesta luta histrica de naes, de
classes e de ideias, que a epopeia e a tragdia viva do nosso sculo;
que, finalmente, maneira que os factos confusos da nossa poca se
forem desembrulhando, mais lcida e evidente se ir mostrando a
idealidade sublime que nesse caos aparente se contm. E a ideia
dessa poesia nova no s existe, mas deve ser superior ideia potica
das eras anteriores, porque corresponde a um perodo mais adiantado
da conscincia humana, penetra com maior intensidade a natureza e o
esprito, extrai o belo da prpria realidade universal, no das vises
de um subjetivismo inexperiente, e d por base ao sentimento, em vez
de sonhos e intuies quase instintivas, os factos luminosos da razo.
Os caracteres essenciais dessa poesia j hoje se podem indicar, e
todos eles se consubstanciam numa palavra, que resume tambm as
tendncias da nossa civilizao: o Humanismo. A inspirao social e
naturalista vem substituir a sentimentalidade toda subjetiva e
pessoal, ou o transcendentalismo contemplativo de outras ideias
poticas. A poesia deixa de duvidar e cismar, para afirmar e
combater; mostra-nos o interesse profundo e o valor ideal dos
factos de cada dia; d s aes, que parecem triviais, da vida
ordinria, um carcter e significao universais; e sorrindo
maternalmente para as crianas, as mulheres, os simples, caminha
todavia armada no meio das lutas dos homens. QUENTAL, Antero de,
Tendncias novas da poesia contempornea [1871], apud REIS, Carlos, e
PIRES, Maria da Natividade, 1993. Histria Crtica da Literatura,
vol. V. Lisboa: Verbo