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46 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS ARTIGO A INFLUÊNCIA DO FATOR DE QUALIDADE (MATCH QUALITY) NA ANÁLISE CAPWAP Este artigo visa orientar a comunidade geotécnica e de fundações a utilizar parâmetros fornecidos nas análises CAPWAP (Case Pile Wave Analysis Pro- gram) para verificar se uma análise foi bem feita ou não. A análise CAPWAP utiliza o modelo proposto por Smi- th (1960), variando os parâmetros do solo até que se obtenha um bom ajuste entre as curvas das forças, ve- locidades ou ondas ascendentes e descendentes medidas e calculadas. Neste modelo, a estaca é modelada através de molas e elementos com massa e o solo por molas e amorte- cedores. Esses ajustes são medidos e orientados por um fator de qua- lidade determinado no programa pela nomenclatura de MQ (Match Quality). Quanto menor o valor do fator de qualidade MQ, melhor será o ajuste das curvas medida e calcu- lada. Como o fator de qualidade MQ depende da qualidade e do tipo de sinal obtido, criou-se uma falta de parâmetros para se qualificar uma boa análise CAPWAP, uma análise re- gular e uma análise ruim. Com base nesses problemas de qualificação das análises e se seus resultados seriam confiáveis, cria- ram-se parâmetros para avaliação através do seu fator de qualidade MQ, uniformizando os critérios, que serão demonstrados ao longo desse artigo. Felipe Souza Cruz, Arcos Engenharia de Solos [email protected] 1 ENSAIO DE CARREGAMENTO DINÂMICO (PDA – PILE DRIVING ANALYSER) O Ensaio de Carregamento Dinâmico através do aperfeiçoamento das fór- mulas de cravação, sendo que New- ton em 1931 foi o primeiro a registrar que durante o processo de cravação, se desenvolve a propagação da onda gerada pelo impacto, estimulando assim o elemento de fundação. Em 1938, Fox publicou o primeiro con- junto de equações para estimar a ca- pacidade resistente de estacas a partir do ensaio de carga dinâmico. Estas equações baseiam-se na teoria da propagação unidimensional de ondas mecânicas longitudinais. O princípio de execução do ensaio é relativamente simples, uma vez que consiste apenas na geração de um impacto no topo da estaca, que se propaga até a ponta, onde se reflete voltando ao topo. Hoje possuímos percussores, equipamentos gerado- res de impacto com pesos de marte- los elevadíssimos e especializados na realização do Ensaio de Carregamen- to Dinâmico (PDA). Este impacto propaga-se na estaca sob a forma de uma onda longitudi- nal e unidimensional na direção do eixo de simetria da estaca. Durante o processo de propagação, a onda é afetada pela interação solo-estaca e com isso é importante o estudo da sondagem para identificar as sin- gularidades por camadas. A análise através da equação de onda consis- te na quantificação desta interação, através do estudo da onda que se propaga na estaca, inicialmente no sentido descendente e numa fase posterior no sentido ascendente. (Foto 01) Devido às limitações tecnológicas da época, embora se conhecessem os princípios de execução e de interpre- tação do ensaio, este não era muito utilizado. Essa situação alterou-se com o desenvolvimento dos meios infor- máticos e com o trabalho pioneiro de Smith (1960). Numa primeira fase de utilização deste ensaio, a energia transferi- da para a estaca era determinada a partir da velocidade de impacto do martelo e do coeficiente de restitui- ção do amortecedor. Cada uma des- tas grandezas era determinada teo- ricamente recorrendo, às leis básicas da física. A interpretação do ensaio baseava-se na energia transferida para a estaca e no trabalho realiza- do correspondente à penetração da estaca. As dúvidas surgidas na inter- pretação do ensaio ocorriam devido às incertezas no conhecimento dos parâmetros do solo, e também às aproximações efetuadas no cálcu- lo da energia. Para ultrapassar es- sas incertezas foi implementada a realização de medições na própria estaca, efetuadas através da insta- lação de sensores de deformação e aceleração no fuste da estaca. Desta forma, são obtidas as curvas da força e da velocidade em função do tem- po numa determinada posição da estaca. Atualmente é esta a técnica utilizada na realização do Ensaio de Carregamento Dinâmico (PDA). O Ensaio de Carregamento Dinâmico

A INFLUÊNCIA DO FATOR DE QUALIDADE (MATCH QUALITY) NA ANÁLISE CAPWAP

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ARTIGO

A INFLUÊNCIA DO FATOR DE QUALIDADE (MATCH QUALITY) NA ANÁLISE CAPWAP

Este artigo visa orientar a comunidade geotécnica e de fundações a utilizar parâmetros fornecidos nas análises CAPWAP (Case Pile Wave Analysis Pro-gram) para verificar se uma análise foi bem feita ou não. A análise CAPWAP utiliza o modelo proposto por Smi-th (1960), variando os parâmetros do solo até que se obtenha um bom ajuste entre as curvas das forças, ve-locidades ou ondas ascendentes e descendentes medidas e calculadas. Neste modelo, a estaca é modelada através de molas e elementos com massa e o solo por molas e amorte-cedores. Esses ajustes são medidos e orientados por um fator de qua-lidade determinado no programa pela nomenclatura de MQ (Match Quality). Quanto menor o valor do fator de qualidade MQ, melhor será o ajuste das curvas medida e calcu-lada. Como o fator de qualidade MQ depende da qualidade e do tipo de sinal obtido, criou-se uma falta de parâmetros para se qualificar uma boa análise CAPWAP, uma análise re-gular e uma análise ruim. Com base nesses problemas de qualificação das análises e se seus resultados seriam confiáveis, cria-ram-se parâmetros para avaliação através do seu fator de qualidade MQ, uniformizando os critérios, que serão demonstrados ao longo desse artigo.

Felipe Souza Cruz, Arcos Engenharia de Solos

[email protected]

1 ENSAIO DE CARREGAMENTO DINÂMICO (PDA – PILE DRIVING ANALYSER)O Ensaio de Carregamento Dinâmico através do aperfeiçoamento das fór-mulas de cravação, sendo que New-ton em 1931 foi o primeiro a registrar que durante o processo de cravação, se desenvolve a propagação da onda gerada pelo impacto, estimulando assim o elemento de fundação. Em 1938, Fox publicou o primeiro con-junto de equações para estimar a ca-pacidade resistente de estacas a partir do ensaio de carga dinâmico. Estas equações baseiam-se na teoria da propagação unidimensional de ondas mecânicas longitudinais.O princípio de execução do ensaio é relativamente simples, uma vez que consiste apenas na geração de um impacto no topo da estaca, que se propaga até a ponta, onde se reflete voltando ao topo. Hoje possuímos percussores, equipamentos gerado-res de impacto com pesos de marte-los elevadíssimos e especializados na realização do Ensaio de Carregamen-to Dinâmico (PDA).Este impacto propaga-se na estaca sob a forma de uma onda longitudi-nal e unidimensional na direção do eixo de simetria da estaca. Durante o processo de propagação, a onda é afetada pela interação solo-estaca e com isso é importante o estudo da sondagem para identificar as sin-gularidades por camadas. A análise através da equação de onda consis-te na quantificação desta interação, através do estudo da onda que se

propaga na estaca, inicialmente no sentido descendente e numa fase posterior no sentido ascendente. (Foto 01)Devido às limitações tecnológicas da época, embora se conhecessem os princípios de execução e de interpre-tação do ensaio, este não era muito utilizado. Essa situação alterou-se com o desenvolvimento dos meios infor-máticos e com o trabalho pioneiro de Smith (1960).Numa primeira fase de utilização deste ensaio, a energia transferi-da para a estaca era determinada a partir da velocidade de impacto do martelo e do coeficiente de restitui-ção do amortecedor. Cada uma des-tas grandezas era determinada teo-ricamente recorrendo, às leis básicas da física. A interpretação do ensaio baseava-se na energia transferida para a estaca e no trabalho realiza-do correspondente à penetração da estaca. As dúvidas surgidas na inter-pretação do ensaio ocorriam devido às incertezas no conhecimento dos parâmetros do solo, e também às aproximações efetuadas no cálcu-lo da energia. Para ultrapassar es-sas incertezas foi implementada a realização de medições na própria estaca, efetuadas através da insta-lação de sensores de deformação e aceleração no fuste da estaca. Desta forma, são obtidas as curvas da força e da velocidade em função do tem-po numa determinada posição da estaca. Atualmente é esta a técnica utilizada na realização do Ensaio de Carregamento Dinâmico (PDA).O Ensaio de Carregamento Dinâmico

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Foto 01 – Tipo de Equipamento de Percussão utilizado para realização do PDA Foto 02 – Análise no Campo do Ensaio de PDA

possui como objetivo principal deter-minar a capacidade de carga estática mobilizada do conjunto solo-estaca, pois seu fator de amortecimento visa reduzir a parcela dinâmica da carga mobilizada, mas, além disso, esse en-saio pode nos fornecer a verificação da integridade da estaca, no cálculo da eficiência do sistema de cravação, na determinação das tensões aplica-das à estaca na cravação, as simula-ções dos ensaios estáticos, tanto a compressão quanto à tração e até es-

timar a carga de ruptura do elemento de fundação – isso caso o ensaio seja levado até a estaca, pare de mobilizar cargas e ocorra a realização de aná-lises CAPWAP em todos os seus gol-pes. (Figura 02)

2 ANÁLISE CAPWAP2.1 Considerações TeóricasAs principais limitações do modelo apresentado por Smith (1960) são as incertezas acerca da energia trans-mitida para a estaca, inerentes às

simplificações efetuadas na determi-nação da velocidade de impacto do martelo e do coeficiente de restitui-ção do amortecedor. Para diminuir estas incertezas, foram implemen-tadas medições da deformação e da aceleração no topo da estaca, numa posição em geral, no fuste da estaca.As medidas da deformação e da aceleração no topo da estaca são independentes entre si, embora tenham sido provocadas pelo mes-mo impacto sendo assim afetadas

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pela mesma resistência do solo, com isso possuem as mesmas re-lações físicas da equação de onda, Fellenius et al. A análise CAPWAP utiliza o modelo proposto por Smith (1960), variando os parâmetros do solo até que se ob-tenha um bom ajuste entre as curvas das forças, velocidade ou ondas as-cendentes e descendentes medidas e calculadas. Neste modelo, a estaca é modelada através de molas e elemen-tos com massa e o solo por molas e amortecedores. Por meio do método CAPWAP efetua-se a interpretação dos registos obtidos, determinando a força na estaca a partir da velocidade obtida da aceleração medida, e com-para-a com a força obtida na defor-mação medida.São exportados os dados da estaca e todas as informações obtidas no mé-todo CASE (Case Institute of Technolo-gy), após essa etapa são inseridos ajus-tes de cargas e parâmetros conforme a melhor adequação das curvas, bus-cando um resultado limpo, coerente e ajustado. Desta forma, o método CAPWAP pode ser calibrado para as condições locais e permite a determi-nação não só da capacidade resistente da estaca, bem como de parâmetros dinâmicos do solo. Tem a vantagem de eliminar as incertezas quanto à avalia-ção da energia dissipada quando da aplicação do impacto.O modelo utilizado considera que o solo tem um comportamento elásti-co-perfeitamente plástico, definido por duas zonas: uma zona inicial em que a resistência é proporcional ao deslocamento, e uma segunda zona em que a resistência se mantém com o aumento do deslocamento, como apresentado na Figura 01. O pon-to que marca a separação das duas zonas é definido pelo deslocamen-to elástico limite, Q (conhecido na bibliografia por “quake”) e pela re-sistência última Ru. Nesta figura, “s” representa o deslocamento plástico. (Figura 01)Ainda na análise CAPWAP, consegui-mos dimensionar o fator de amorte-cimento JC, que define a forma como a energia é dissipada pelo solo, cor-respondendo a uma diminuição da energia efetiva transmitida aos ele-

Figura 01 – Comportamento considerado na análise CAPWAP para o solo e modelo para modelagem numérica

mentos restantes da estaca. Através dos cálculos numéricos, a partir da equação da onda, é possível obter a velocidade instantânea de qual-quer ponto em qualquer instante. Se a velocidade instantânea de um ponto da estaca for designada por v, e o fator de amortecimento por JC, o produto JCvRx traduz a resistência por amortecimento do ponto x, re-presentado na Figura 01.Os valores obtidos para o desloca-mento elástico limite, para o fator de amortecimento e para a distribuição da resistência lateral são utilizados na avaliação da resistência mobiliza-da, pois com a obtenção desse fator de amortecimento diminuímos a in-fluência dinâmica nos resultados ob-tidos e analisados. Uma vez obtidos os parâmetros do modelo, é possível simular o resultado de um ensaio de carga estática

2.2 Análise do Fator de Qualidade Match QualityO fator de qualidade MQ é um mé-todo bastante eficaz de se avaliar a adequação entre a curva calculada e a curva obtida, mas bastante subjetivo para se avaliar a qualidade da análise CAPWAP, pois a adequação das curvas muitas das vezes independe da quali-dade da análise e sim do sinal aquisita-do em campo. Esse tipo de incerteza gerava mui-tos paradigmas na hora da aceita-

ção ou não das análises, pois como não havia uma orientação do que se-ria aceitável, do que seria considera-do ótimo, do que seria considerado ruim, cada um elaborava seu próprio critério de avaliação, não existindo uma uniformização.Com base nisso, a fabricante do equi-pamento Pile Dynamics, Inc. forneceu aos usuários um critério para aceita-ção das análises. Em resumo, a partir de 2014 só é considerado um match considerado “ótimo” deve estar em MQ < 3; se estiver entre 3 e 5 consi-dera-se “bom”; se estiver entre 5 e 10 considera-se “aceitável”; já acima de 10 é considerado “ruim”. Além disso, se o match estiver entre 5 e 8 a impressão sai com uma advertência de que o re-sultado pode não ser confiável, e se for maior que 8 o programa não imprime o resultado.• Excelente ≤ 3• Bom para 3 < MQ ≤ 5• Aceitável para 5 < MQ ≤ 10• Ruim para MQ > 10 e não aceitável

Com base no proposto pela empresa fabricante do programa, estamos pro-pondo um novo critério para avaliação das análises CAPWAP, levando em con-sideração o seu fator de qualidade MQ.• Excelente ≤ 3• Bom para 3 < MQ ≤ 5• Aceitável para 5 < MQ ≤ 8• Ruim para MQ > 8 e não aceitável

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Nossa proposta é adotar os valores acima, com suas respectivas caracte-rísticas, sendo assim podemos esta-belecer que MQ igual ou menor que três são excelentes interações; MQ entre três e cinco são boas intera-ções; e entre cinco e oito são aceitá-veis, mas há necessidade de entender o porquê da interação não conseguir melhores resultados, onde foi o pro-blema do sinal aquisitado e com MQ acima de oito não é apresentável. O programa, na versão 2014, faz um bloqueio em oito, impossibilitando assim o envio destas análises a clien-tes, projetistas, consultores e interes-sados no resultado, não sendo neces-sário esse valor ser estendido até 10.

CONCLUSÕESO Ensaio de Carregamento Dinâmico (PDA), tão difundido no Brasil e no mundo terá muitos benefícios com uniformização de seus critérios de aceitação nas análises, pois quando definimos parâmetros, reduzimos as chances das análises ruins sejam repassadas aos clientes e interessa-dos, tornando assim o ensaio mais

confiável “aos olhos” da engenharia de fundações.A padronização proposta é bastan-te correta e traz a possibilidade do cliente avaliar a qualidade da análi-se obtida e entender as justificativas dos executores de ensaios pelos re-sultados não a contento.A expectativa desse artigo é auxiliar na melhoria do entendimento das análises CAPWAP, assim como provo-car uma melhoria delas até atingirem valores aceitáveis para a apresentação dos resultados.

REFERÊNCIASFellenius, B., (1980). The analysis of re-sults from routine pile load tests, Ground Engineering, Vol. 13, No. 6, Foundation Publication Ltd, UK, pp 19-31.Fellenius, B. H., Riker, R. E., O’Brien, A. J., Tracy, G. R. (1989). Dynamic and static testing in soil exhibiting set-up. Journal of Geotechnical Engineer-ing, vol. 115, n.º7Fellenius B.H. (1989). Tangent modulus of piles determined from strain data. Proceedings of the 1989 Foundation ASCE, Evaston, Illinois, 25–29 June

Figura 02 – Análise CAPWAP

1989. Edited by F.H. Kulhawy. Geo-technical Special Publication 22. pp. 500–510.Fellenius, B.H. (2001). From strain mea-surements to load in an instrumented pile. Geotechnical News Magazine, 19(1): 35–38.Fellenius, B. H. (2002). Determining the Resistance Distribution in Piles. Part 1: Notes on Shift of NoLoad Reading and Residual Load. Geotechnical News Magazine. Vol. 20, No. 2. 35 - 38.Fellenius, B.H., Santos, J.A., Viana da Fonseca, A. (2006). Analysis of piles in a residual soil – The ISC’2 prediction. Can. Geotech, 07/04/207, 201 – 220, NCR Research Press, Canada.Fellenius, B.H. (2009). Basics Founda-tion Design. Editor, Electronic Edition [www.fellenius.net]Lee, S. L., Chow, Y. K., Karunaratne, G. P., Wong, K. Y. (1988) Rational wave equa-tion model for pile-driving. Journal of Geotechnical Engineering, ASCE, vol. 114, n.º3, pp. 306-325.Smith, E. A. L. (1960). Pile-driving anal-ysis by the wave equation. Journal of the Soil Mechanics and Foundation Division, ASCE, vol. SM 4, pp. 35-61.