27
O mistério da raquete perdida Ping-Pong de Enzo Pettinelli SMASHWORDS EDITION * * * * * Copyright © 2014 de Enzo Pettinelli Obrigado por descarregar este ebook. Este ebook é protegido por copyright e licenciado para entretenimento pessoal. Este ebook não pode ser revendido ou cedido para outras pessoas. Se você gostou deste ebook, por favor, incentive os seus amigos para comprar o seu exemplar em Smashwords.com , ou através de grandes distribuidores de livros on-line. Para descobrir outros trabalhos e curiosidade sobre o autor, você pode ir para o site oficial www.ping-pong.org Thank you for your support * * * * * Tradução de Mariana Andrea Orella e Silvia Guerreiro. “Dedicamos este livro a todas as crianças de fala portuguesa com a esperança de que se emocionem con este desporto como o protagonista deste conto. Mariana e Silvia” Um agradecimento especial para o Grupo Editorial Tresei por ter concedido as ilustrações.

O misterio-da-raquete-perdida-ping-pong

Embed Size (px)

Citation preview

O mistério da raquete perdida

Ping-Pong

de

Enzo Pettinelli

SMASHWORDS EDITION

* * * * *

Copyright © 2014 de Enzo Pettinelli

Obrigado por descarregar este ebook. Este ebook é protegido por copyright e licenciado para entretenimento pessoal. Este ebook não pode ser revendido ou cedido para outras pessoas.

Se você gostou deste ebook, por favor, incentive os seus amigos para comprar o seu exemplar em Smashwords.com, ou através de grandes distribuidores de livros on-line. Para descobrir outros

trabalhos e curiosidade sobre o autor, você pode ir para o site oficial

www.ping-pong.org

Thank you for your support

* * * * *

Tradução de Mariana Andrea Orella e Silvia Guerreiro.

“Dedicamos este livro a todas as crianças de fala portuguesa com a esperança de que se emocionem con este desporto como o protagonista deste conto. Mariana e Silvia”

Um agradecimento especial para o Grupo Editorial Tresei por ter concedido as ilustrações.

Índice

Prefáci o O mistério da raquete perdidaBiografia do autor

Prefácio

Há o verão, o mar e o vento. E os ventos são bons, a brisa leve. A história fala sobre a parábola da vida: capta o ponto onde começa a subir até o topo e se encontra com o ponto em que começa a cair. Uma magia possível para quem sabe contar, e Enzo Pettinelli o conta através da metáfora extraordinária do ping-pong.

"... .tu es único. Dessa maneira também o é a tua mente. E assim também será no jogo se tu tentares ser tu mesmo ". Acho que esta é a mensagem do pequeno livro "O mistério da raquete perdida" por Enzo Pettinelli. Aqui o desporto torna-se filosofia de vida em que o estilo do jogo parece consistente com o compromisso da conquista da identidade autêntica e irrepetível. Para se tornar campeão de ping-pong, a raquete não é mágica, mas sim o empenho constante e generoso que é um trabalho árduo e ao mesmo tempo uma avassaladora paixão pelo ping-pong. Então para tornar-se numa pessoa única e autêntica e dar sentido à vida, não há nenhum atalho, mas sim a constância do compromisso diário que acompanha e reforça o desenvolvimento da natureza em sua genuína vitalidade.

Escrever um livro pressupõe sempre o desejo de transmitir uma mensagem. Vale a pena que pais e educadores em geral tirem proveito desta ferramenta útil para gerar um diálogo com os jovens que estão abertos à vida e proporcionar-lhes uma forma alternativa de pensar e de estar no desporto e na vida.

O mistério da raquete perdida

Marcos passeia frente ao mar. Numa bonita tarde de julho, o seu corpo sente o calor do sol que queima e uma leve brisa que é agradecida. Sente-se muito bem. Depois de tantos meses de aulas era mesmo o que necessitava. Observa o mar e os barcos a velas que se movem em todas as direções, como se cada barco estivesse empurrado por um vento diferente, não consegue entendê-lo.

De repente ouve ruídos e aplausos, ao lado de um bar na praia, pessoas de todas as idades formam um círculo. Não consegue ver o que se passa no interior. Tem curiosidade. Aproxima-se e encontra um buraco por onde consegue passar à frente. Já está dentro. No centro há uma mesa de ping-pong. À sua esquerda, um homem sem idade, com amplos movimentos bate na bola repetidamente. Tem barba e cabelo comprido. Um corpo robusto e as pernas fortes.

Marcos ouve que o público o a chama “o Capitão”. No outro lado o seu rival é um jovem estudante que tenta contrariar o seu jogo. Mais tarde explicaram-lhe que o jovem é o campeão do balneário “Paloma”. O Capitão é um velho lobo do mar apaixonado pelo ping-pong e que tem a alcunha “o campeão dos 7 mares”. É a alcunha que ele mesmo se pôs. Em qualquer praia do mundo em que o seu catamarã o levasse ele dava guerra em todas as mesas de ping-pong e em qualquer condição de jogo. Se houvesse vento ele era espectacular, batia na bola, mandava-la muito longe da mesa e esta por magia, voltava a bater com um efeito impossível de devolver.

No verão volta sempre à cidade das suas lembranças. Chega com o seu catamarã e amarra-lo. Procura o melhor jugador, vence-lo e volta a marchar com o vento. Aqui, todos o esperam, todos treinam e organizam torneios para estabelecer quem será o campeão que se enfrente a ele. Até há uma legenda sobre estes jogos. O Capitão nem nunca o declarou de uma maneira oficial. Muitos juram que durante um jantar o Capitão disse “o primeiro que me vença lhe oferecerei o meu catamarãm que se chama Esmeralda”. È uma pessoa excêntrica e misteriosa. Conta histórias de tempestades e ilhas desconhecidas. Está sempre acompanhado por uma tranquila senhora de cabelo comprido, loiro e com um sorriso intrigante. Nunca ninguém ouviu a sua voz. Um gesto é suficiente para que ela, sempre sorridente, lhe leve a toalha, um copo de água e tudo o que lhe for necessário.

O jogo termina. O Capitão ganhou mais uma vez. O seu adversário está rodeado pelos amigos. Está triste mas não decepcionado. Sente que foi um momento inesquecível. O Capitão dá-lhe uma palmadita no ombro e anima-lo. Levanta os braços, despede-se em voz alta e dirige-se para o mar, onde o espera o seu catamarã branco.

Marcos volta para casa e conta aos pais o que lhe aconteceu. Está emocionado. Não tem coragem de admitir, más gostaria de jogar contra o Capitão. É consciente que é demasiado jovem. Ele sabe jogar ao ping-pong, embora não muito bem. Sente um interesse muito forte por este desporto. Nunca tinha vivido uma experiência tão intensa.

O pai escuta divertido e sorpreendido, e conta-lhe a história do tio Antares que foi para Austrália quando tinha 20 anos e do qual só tem notícias uma vez por ano. É um familiar um pouco esquecido. Com um passado de paixões e ilusões de as que se falam muito pouco em casa. O pai conta-lhe que uma das grandes paixões do tio era o ping-pong. Ninguém o conseguia ganhar. Inclusive tinha sido também campeão nacional. Mas eram muitas coisas que o apaixonavam. O pai até lhe conta que ele tinha construído uma raquete que o tio chamava “Invencível”. Tinha mandado fazer numa loja onde se fabricam violonos. Lembra-se que foram usadas cuatro capas de madeira tropical, envelhecida e esquecida num velho sotão.

Brilham os olhos do Marcos. Onde está a raquete? O tio a teria levado? Pergunta preocupado. O pai responde: “não, não, tinha outras coisas na cabeça quando se foi embora. Lembro que a vi em algum lugar faz uns 10 anos. Agora não sei onde pode estar. Mudamo-nos. Pode ser que se tenha perdido”. “Não pode ser, temos que encontrá-la!” diz Marcos.

O pai tem dúvidas. Sabe que é quase impossível encontrar a raquete. Mas não quer que o Marcos se desanime. Diz-lhe que a lâmina tinha duas borrachas que agora estarão velhas. O tio as tinha comprado numa pequena loja em Osaka, onde um velho japonês fazia borrachas por encomenda. Pode ser que o segredo das suas vitórias dependessem das borrachas e que o segredo se tivesse perdido. Mas o Marcos está decidido: “escrevamos ao tio! Assim poderá dar-nos o endereço para comprá-las. Além disso quero encontrar a raquete. Onde posso procurar? Por favor, ajuda-me”. O pai fica pensativo. Marcos, de repente, vai à beira do sofá onde está sentado o pai, e inclinando-se lhe pergunta “o que podemos fazer?”. O pai percebe que um sonho não pode ser interrompido. Pensa que é melhor deixar passar um pouco de tempo e diz-lhe”o endereço do teu tio tem a tua mãe”. Mesmo achando que nunca conseguirá uma resposta. A raquete, quando voltemos para casa depois das férias, podemos buscá-la na velha casa de campo, para onde levamos todas as coisas que não utilizávamos. Marcos: “quanto tempo tenho de esperar? Preciso dela já”. O pai sorri, fica um momento em silêncio e diz: “não quererás que interrompamos as férias para buscar a raquete? Além disso sem as borrachas novas não te serviria”. “As borrachas posso comprá-las, há de todos os tipos” responde o Marcos. O pai percebe então que tem que apoiá-lo. “Marquinhos, a raquete do tio sem as borrachas originais, já não é a mesma; é como se vestisses uma das minhas roupas para parecer mais velho. Entendes? Mas podemos escrever ao tio. Mais adiante buscaremos a raquete e depois o segredo das borrachas”.

Marcos levanta-se bruscamente e correndo em direção ao outro quarto, grita: “mãe, mãe! Quero o endereço do tio que está na Australia, tenho de escrever-lhe”. A mãe assustada pelos gritos lhe diz baixinho: “achas que trago de férias o endereço do louco do teu tio?”. Marcos: “porquê louco? Era um campeão de ping-pong!” A mãe carinhosamente diz-lhe:”todos os campeões estão um pouco loucos. Tenho a impressão que segues o mesmo caminho!”. Estas palavras fazem com que o Marcos se sinta melhor. O tio do Marcos é o irmão da sua mãe, eram muito unidos. Quando ele se foi embora de repente, ela sofreu muito. A mãe lembra-se que quando eram crianças faziam muitas travessuras. Abraça o Marcos, dá-lhe um beijo e diz-lhe para não se preocupar. “Quando voltarmos para casa das férias, faremos todo o possível. Além disso o tio sempre foi tão amável com todos que com certeza saberia fazer feliz o seu sobrinho também. Mas sente no coração que é melhor não criar demasiada ilusão e acresenta: “vai-se lá saber se ainda se encontra na Austrália, ou em outra parte do Mundo”.

Marcos passa as férias de um balneário a outro seguindo os jogos do Capitão, sempre confiado, forte e imprevisível. O resto do tempo joga ao ping-pong e em todos os momentos e em qualquer lugar, repete seus gestos técnicos. Sabe que na praia se joga sempre com um pouco de vento. A bola nem sempre vai para o lado que foi lançada. Durante o jogo, é fundamental sentir o vento no corpo para saber para onde tem que enviá-la. Tem que decidir rapidamente, o vento nem sempre é igual. Talvez este seja um dos segredos do Capitão. Está claro que ele de ventos entende muito. Marcos pensa interiormente, a técnica tem que conhecê-la muito bem “se o meu tio voltasse, tenho a certeza que ganharia ao Capitão. Que pessoa tão exquisita, em casa nunca falaram dele”.

Entre sonhos, projetos e jogos de ping-pong, as férias passam rapidamente. De volta a casa, a primeira coisa que faz Marcos, antes de desfazer as malas, é escrever ao tio. Não o conheceu pessoalmente mas o sente como um amigo. A caneta não pára. Conta-lhe a história pela que passou na praia. Confia-lhe os sonhos que nem sequer contou aos seus pais nem amigos. Pergunta-lhe sobre os segredos da sua raquete mágica e o endereço de Osaka, onde fez construir as borrachas. Quer saber o que deve pedir para receber umas borrachas como as suas. Fecha o envelope com a carta e pede o endereço à sua mãe. No correio põe os selos. Pede o serviço mais rápido para Austrália, a senhora do correio percebe que é urgente, com um sorriso dá-lhe a maior quantidade de selos possível. Logo Marcos corre à caixa de correio para enviá-la.

Passam os dias, Marcos inscreve-se no clube mais importante da sua cidade. Participa nas aulas, recebe aulas particulares e percebe a importância de como segurar a raquete. O treinador explica-lhe: quando você pega a raquete é como se estivesse pegando uma andorinha, se apertas muito a sufocas,

se apertas pouco foge da tua mão. A mão não deve mexer-se, modificando a presa durante o jogo. Marcos percebe que o seu jogo melhorou, sobretudo na velocidade. Com esta técnica está sempre preparado. Está muito contente com o seu treinador. Sente que lhe dá bons conselhos e é sempre muito agradável com todo o mundo.

De vez em quando pensa: “Quando chegue a raquete mágica surprenderei a todos”. Embora agora pense menos sobre isso. Mas cada vez que volta a casa faz sempre a mesma pergunta “O tio escreveu?”. Desta vez a mãe duvida, responde mais gagueja um pouco. Marcos não entende, mas intui algo. “Então respondeu! Onde está a carta?”. A mãe com a voz fraca diz: “chegou”. Tenta segurá-lo. Mas Marcos dá a volta e corre para o seu quarto. Sobre a mesa está a mesma carta que ele tinha enviado. Fica com medo de abrí-la.

Está cheia de selos, um deles destaca-se entre os outros - destinatário desconhecido - Marcos sente-se perdido. Olha fixamente para a carta. Por um momento pensa “e se fosse uma brincadeira do

tio?”. Decide descobrí-lo. Abre a carta. A mesma folha, sua letra. Sem perceber, duas lágrimas caem pesadamente sobre a carta, antes de começar a chorar. É como se uma onda vinda da Austrália quebrasse aos seus pés com todos os seus sonhos. Está desesperado. Se joga na cama. E chora amargamente. A mãe que está preparada, entra no quarto e senta-se na cama. Sabe que Marcos não é uma criança que chora com facilidade. Portanto poderia sentir-se envergonhado. Passa a mão no seu cabelo, para recompô-lo. E com voz segura e doce diz: “Não te preocupes, acontece com todo o mundo. É normal chorar”.

Na hora do almoço a família encarregou-se do problema. O pai escreverá outra carta ao mesmo endereço dirigida ao porteiro. Foi idéia da mãe do Marcos que acrescenta “o tio não é uma pessoa que passe desapercibida. Deve ter feito amigos. Alguém saberá para onde terá ido”. O pai promete: “o próximo sábado e domingo iremos todos à casa de campo e nem que tenhamos que derrubá-la, encontraremos a raquete”. Se de verdade é mágica, da mesma maneira que desapareceu terá que

reaparecer. E sorri, Marcos não consegue dizer uma única palavra, mas transmite uma expressão de alegria. Sempre gostou destes planos um tanto aventureiros. Não é do tipo de pessoa que fica sem fazer nada. Isso sim que faz com muito gosto. A carta já está pronta. Marcos é o responsável em enviá-la. O sábado à primeira hora já estão a caminho da velha casa de campo. Levam luvas de trabalho, lanternas e algumas ferramentas de carpintaria para se fazer caminho entre os velhos móveis, mesas e madeiras de todo o tipo. Os dois dias passam rápido. Marcos encontra o cavalinho que lhe tinham dado pelo seu aniversário e a cana de pesca com a que tinha pescado uma truta que o tinha arrastado pela água porque não soltava a cana. Por sorte estava junto ao seu pai que o socorreu. Também encontra um velho papagaio que consegue fazer voar novamente. Da raquete ainda nem rasto, mas gosta dos acontecimentos e das lembranças. Há muito ainda o que explorar. A raquete segue sendo um mistério e para Marcos isto é emocionante. Comem ao ar livre. Marcos joga algumas pedras no tanque. Observam o pôr-do-sol. São coisas que fazem Marcos lembrar-se de quando era pequeno e passava muito do seu tempo com os avôs. Na hora de voltar para casa prometem-se que os fins de semana serão dedicados à operação “raquete perdida”.

Ao mesmo tempo Marcos treina, faz ginástica e consegue fortalecer-se e crescer. O treinador, ao qual o pai avisou, sem tratos de favor, sabe como ajudá-lo.

Um dia que o viu de baixo astral porque o jogo não ia como ele queria, falou-lhe de certa maneira que mudou a sua vida. Tinha-lhe perguntado: “Queres ser a cópia de um outro jogador?”.

Marcos: “Claro que não”.O treinador: “Se observas outros jogadores e fazes o mesmo que eles, vais acabar sendo a cópia

desses jogadores”.Marcos: “Que posso fazer? Não quero ser a cópia de ninguém”.O treinador: “Olha as pessoas e observa-as. Os teus braços são iguais aos das outras pessoas? E as

pernas? Os olhos? Tens algo igual ao outro?Marcos: “Não”O treinador: “Vês? És único. Dessa maneira é assim também na tua cabeça. E assim também será

no jogo se tentas ser tu mesmo. E se és assim o teu adversário não conhecerá o teu jogo.Marcos (com curiosidade): “Que posso fazer para melhorar se não posso observar os que jogam

melhor que eu?”O treinador: “Tens que observar e com atenção porque antes ou depois jogarás com todos. Mas os

teus movimentos, as tuas jogadas, devem de ser diferentes, nem piores nem melhores, devem de ser tuas”.

Marcos: “Entendo...”. Escuta com muita atenção.O treinador: “Deves pensar com a cabeça mas seguir o “impulso do teu coração”. Tem cuidado:

não é instinto senão controle, não é um jogo pensado para um robô. Pensa bem: é o impulso do coração”. Isso tu mesmo tens que sentir, não se aprende”. Marcos fica perplexo: gosta do que escutou, entende, embora seja desde o âmbito emocional.

Marcos: “Se não me podes ajudar, quem pode fazê-lo?O treinador: “É um processo interior. O adversário não é um inimigo a combater. Tem que se

centrar no jogo porque nisso é que perceberás em que nível estás. A antipatia, a simpatia, os músculos do teu adversário são fatos virtuais: é com o jogo dele que tens que te nivelar, se queres ser um campeão. Isto serve para todos os desportos, é uma regra geral”.

Os dias passam. Marcos compra uma raquete nova, treina e diverte-se. Aos poucos vai crescendo no clube.

Um dia, durante o treino, abre a janela ao lado da mesa. Faz vento e quer experimentar a tacada do Capitão: quer fazer voar a bola bem alta para que caia do outro lado da mesa. Durante o jogo faz uma jogada de efeito na direção da janela aberta. A bola dá uma volta no ar, mas termina na rua, assustando a uma velhinha que vê passar a bola branca bem em frente do seu nariz. Marcos pede desculpas, fecha a janela e continua com o treino normalmente.

Passa o tempo. Continua procurando na casa de campo, no sótão, onde estão todos os objetos abandonados. Encontra outras lembranças e revive velhas emoções. Um tabuleiro de xadrez, uma raquete de badminton, uma bola murcha, uns cromos e outras coisas. Por fim chega a carta de Austrália. Os pais olham para ele, Marcos abre a carta: “Caros amigos ...-é o porteiro quem escreve- o tio do Marcos há uns anos fez amizade com o cônsul chinês da nossa cidade e depois foi-se embora de viagem. O cônsul, de nome Ding-Sang, tinha sido trasladado à China e ele o seguiu. Destino: Manchouria. Cumprimentos”.

Marcos volta à procura e sonha. Pensa: “os chineses são os melhores em ping-pong. Talvez o tio lhes tenha contado algum segredo também e por isso agora esteja na China”.

Pouco depois já tinha outra carta preparada. Destinatário: Consulado Geral da Manchouria. À atenção de Ding-Sang. Marcos repete, com as energias renovadas, toda a história e as suas petições. Além disso pergunta se o tio está ensinando ping-pong aos chineses.

No clube, Marcos tornou-se o melhor jogador. Rapidamente foi melhorando. Está em forma. A coisa que mais lhe surpreende é que, quando um ponto é muito longo, chateia-o se ele ou o seu adversário cometem um erro. Quando é ele que falha fica irritado, não por ter perdido o ponto, senão porque quando o jogo é mais intenso diverte-se mais. Isso o emociona e concentra-se mais. Com os falhos se interrompe. É como se a melhor parte do jogo se lhe escapasse das mãos. Em breve começará a competir em torneios importantes.

É um domingo cheio de sol, na velha casa de campo, enquanto olha os velhos livros da Primária, no interior de um baú que contem um pouco de tudo, aparece um semi círculo na sombra. O coração se acelera: teria gostado de chamar alguém em voz alta. Por um momento fica quieto. Com a mão separa um livro amarelado e sem capa. A raquete está ali: espera como por arte de magia. Levanta a raquete suavemente e a aproxima dos seus olhos. Uma aranha com as patas compridas percorre a raquete rapidamente e cai ao chão. Depois, Marcos retendo a respiração, sai correndo ao encontro dos pais que estão arrumando um canto do jardim. “encontrei a raquete! Encontrei a raquete!. É linda e parece nova. É uma raquete especial, mágica”. Marcos está amadurecendo. O seu sorriso, tão bonito e puro lhe faz parecer como quando era uma criança.

O pai: “sim, é....... reconheço-a, é a raquete do tio”Marcos: “assim que a vi sabia que era a dele”. Observa, vira, experimenta e faz alguns

movimentos com a raquete. Sente como se já estivesse jogando. “tenho que experimentar, tenho que experimentar. Com certeza se joga muito bem com ela”. E pensa no Capitão em voz alta: “agora sim posso desafiar o Capitão”.

A noite antes do treino, não consegue adormecer, a raquete está em cima da mesa do seu quarto. Olha para ela e pensa no dia seguinte. E dorme feliz. Deixou a raquete na gaveta, porque sabe que a luz e o calor danificam as borrachas.

À tarde está preparado. É o primeiro a chegar. A porta do ginásio ainda está fechada. Espera impaciente. De vez em quando abre a mochila, olha a raquete e volta a fecha-la.

Começa o treino. Marcos guarda o segredo. Marcos está visivelmente emocionado. Começa a jogar devagar, sem empurrar. A raquete faz um forte e delicado som quando bate na bola. Parece o som de um violino. Os jogadores das outras mesas param e tentam saber de onde vem esse som. E devagar vão-se aproximando. Marcos é leve como uma peina. A raquete, enquanto se move emite sons harmoniosos que variam segundo o toque.

Durante os movimentos, a raquete deixa um rastro de mil cores. Todos ficam maravilhados: parece que fazem parte de um conto. Todo o mundo quer ver a raquete, todos a querem experimentar. Marcos tem medo, tem ciúmes da sua raquete. Todos olham para ela, experimentam-na, inclusive o treinador. Depois chegam as perguntas, a curiosidade. Marcos conta. Liberta-se de um peso, conta a história do tio, como achou a raquete e como esta tinha sido fabricada...

Já em casa, explica aos pais como foi o treino. Lembra-se com entousiasmo das suas impressões e das dos seus colegas, sem deixar nenhum detalhe. É feliz, volta a falar do Capitão. Apesar de os pais nunca o terem visto sabem tudo sobre ele. Marcos já não pensa na carta. Enquanto isso participa em torneios cada vez mais importantes. Tornou-se no jogador com mais adeptos, o mais desportivo, amável e com essa áurea de mistério que envolve. Os sons da raquete fazem que seja sempre o centro das atenções. Volta a época das férias. Para Marcos parece que passou um século. Pensa no Capitão e nos seus desafios. Quem sabe por quantos mares terá navegado e quantas vitórias terá conseguido. Não está nervoso: jogar com ele é como chegar a um encontro obrigatório. No seu interior, um calor bom percorre todo o seu corpo. Encontra-se bem e está em paz. Volta a pensar nas palavras do seu treinador quando este lhe dizia “segue o impulso do teu coração”. Agora o entende: esse calor vem do coração. Quando se pergunta algo é como se o coração lhe respondesse. Acaba de chegar ao hotel com os pais e já se sente o centro das atenções. Os que o conhecem dizem: que crescido que estás! Te vemos bem. E depois aos pais: Como pode ter mudado tanto em tão pouco tempo? É incrível!. Marcos

ouve orgulhoso, mas sem dar muito importância. Ao dia seguinte já está na mesa de ping-pong. Dentro de uns dias se realizará a seleção. O Capitão já começou os jogos. Tudo vitórias.

Quem o viu jogar diz que este ano ainda está melhor: fez um toque que ninguém nunca tinha visto. Marcos pergunta como é o toque mas ninguém consegue explicar: parece que a bola parou durante a trajetória e mudou de direção.

Nem todo o mundo viu o mesmo, nem todos estão convencidos de poder contar o que viram. É uma mistura de realidade e ilusão. Como quando um acorda e o que sonhou parece tão real que acredita que aconteceu. Marcos não se deixa impressionar, aliás, não vê a hora de poder desafiar o Capitão. É como pular num mar de cores, misterioso e desconhecido. Participa no torneio representando o seu balneário. Ganha com facilidade a todos. Tem fans em todos os lugares e vêem de todas as partes. A fama do novo campeão propagou-se rapidamente: algumas pessoas chamam-no o pequeno Capitão.

Chega o grande dia. È um dia de verão, cálido. Uma leve brisa percorre a praia. Marcos já está no seu posto. O Capitão faz os seus primeiros passos em terra firme. O catamarã, amarrado à beira do mar, descansa e espera. A senhora que o acompanha, com o cabelo dourado, está ao seu lado. Forte, seguro, parece uma estátua grega de bronze saindo das águas. Um momento de silêncio. Depois novamente, vozes e comentários. O Capitão deixa a raquete em cima da mesa de ping-pong. Transmite uma sensação de perigo. Marcos deixa a mochila no chão e conversa com os amigos enquanto espera. Está tanbém a filha do nadador-salvador que o olha e só tem olhos para ele. Gostaria de lhe dizer algumas palavras de apoio, mas não se atreve. Intui que ele também sente algo. Mas agora não o quer distrair.

O árbitro chama os jogadores à mesa. Marcos baixa-se, abre a mochila e procura com a mão: “a raquete!”. E grita outra vez: “a raquete desapareceu!”. Alguém viu um menino que se tinha aproximado da mochila e tinha levado algo. Os rumores continuam. Uns dizem que era uma menina e não um menino. Outros dizem que viram correr um rapaz com uma atitude suspeita. Enquanto isso, entre o público os comentários e rumores multiplicam-se, Marcos pensa: “e agora, o que posso fazer?”.

De repente ao seu redor tudo ficou em silêncio. É como se estivesse ficado sozinho. Como por arte de magia. Dentro do coração ouve uma voz dizendo-lhe: “porque te preocupas tanto? Na mochila está a outra raquete”. Marcos afasta a toalha com a mão: a raquete que tinha comprado estava ali. Não se lembrava de a ter trazido. Pega nela. Nesse preciso momento sente um calor a sair do coração e percorrer todo o corpo. E, como num filme, vê-se passeando com o avô que lhe conta histórias, e o faz sonhar. Sobretudo, porque o avô sabia apaziguar todos os seus medos de criança. Volta a sorrir feliz. Volta a ouvir as vozes e os ruidos.

Tem a raquete na mão. Aproxima-se da mesa. Aperta a mão do Capitão. Sente que a mão é forte e rugosa. Mas o seu braço não treme. O Capitão tem uma raquete vermelha como o pôr-do-sol. Tinha visto a raquete noutras vezes, mas não assim dessa maneira. Para a ocasião montaram-se umas bancadas nos laterais da mesa. O resto do público está sentado na areia, esperando. O Capitão olha para o seu adversário. Olha a raquete. Não a consegue ver bem, só vê que resplandece como uma esmeralda marinha. Desde o público animam: “Marcos, Marcos!” E outros: “vamos pequeno Capitão!”. E começa o jogo.

A bola, sob o sol, brilha, dá voltas no ar e faz trajetórias mágicas. Os espetadores, sem palavras, enfeitiçados, seguem atónitos. De um lado, um jovem, como uma gaivota que se procura a si mesmo. Do outro lado, um homem, como o mar durante uma tempestade que liberta toda a sua energia e opõe resistência. A senhora com o cabelo dourado, doce, calada, misteriosa não perde o sorriso: uma jovem

adolescente, visivelmente emocionada, com um olhar apaixonado observa e aguenta a respiração, enquanto uma borboleta de um jardim próximo, pousa na sua cabeça. Pode ser que o final já estivesse decidido. Assim “todo fica cumprido”. E lentamente chega o entardecer.

O mar, suave, tinge-se de prata. Os barcos saem a pescar por uma noite sem dormir. Desaparecem no horizonte. O catamarã à beira do mar, está quieto. Somente move-se suavemente com as ondas. No céu aparecem as estrelas. A lua posa-se na mesa verde, que sem se mexer, aguarda. Espera a luz do novo dia. Marcos volta para casa com a sua família. Passam os dias e os meses. Quando já mais ninguém pensava no tio chega uma carta.

“Queridos, espero que estejam todos bem. Deixei de viajar pelo Mundo. Deixo para trás o desporto e a aventura. Decidi retirar-me numa ilha encantada. Não a procurem, não está en nenhum mapa. A terra dá tudo o que necessitamos para viver. Desde a cima desce um riacho que amornece todas as paixões. As pessoas são boas. Com carinho...”

Conta-se queParece que a raquete mágica foi levada por dois irmãos, um menino e uma menina. Esconderam-

na no sótão.

Como todas as crianças, atuaram pelo gosto de jogar, e foi assim que se esqueceram da raquete. O tempo e várias gerações foram passando. Hoje a raquete mágica segue lá. Espera. Espera tranquila pelo dia em que uma criança saiba sonhar, a encontre e a leve para jogar.

* * * * *

Biografia do autor

Enzo Pettinelli começa a jogar ping-pong com 8 anos na igreja de San Martin, na cidade de Senigallia(Italia). Nos jogos de duplas, com seu irmão gêmeo Giovanni, são invencíveis.

Enzo, como todas as crianças, joga futebol, volei, faz patinagem e natação. Na patinagem consegue chegar 4º nos Campeonatos italianos. Futuramente se dedicará ao ping-pong, e jogará no Campeonato Nacional da “Série B”. Sente que o ping-pong pode ser jogado de outra maneira. Fascina-lhe o ritmo e a beleza do gesto técnico.

Abandona a competição e dedica-se a ensinar este desporto. Acompanham-lhe 3 jovens; um deles, Domenico Ubaldi, que mais adiante será presidente do clube “Tennistavolo Senigallia”, clube que eles mesmos fundaram em 1959 e será condecorado pelo CONI(o Comité Olímpico Italiano) com a “Stella d'oro (Estrela de ouro), ao mérito desportivo.

Chegam os primeiros Campeonatos da Italia. Por ocasião dos 100 anos da unidade de Italia, dois jovens alunos da escola de Pettinelli são convocados pela seleção italiana para participar no Torneio Internacional de Turim de 1961.

Um tempo depois, o padre da igreja de San Martín, Giuliano Grassi, fará cobrir o pátio, para transformá-lo num ginásio. Um comerciante de artigos desportivos, Neri Ravini, aparece por acaso no ginásio e, ao ver tantas crianças jogarem numa única mesa velha, decide dar-lhes de presente 3 mesas novas para treinar.

O jogo, baseado na beleza dos gestos e da harmonia, estimula e consegue títulos italianos. Um patrocinador, Otello Montesi, oferece ajuda econômica, sem pedir nada em troca. Chegam os resultados que levarão o clube a ocupar primeiro posto na Italia.

A escola de tênis de mesa cresce, e recebe jogadores procedentes de toda Italia. Também jogadores que estiveram em equipes que competiram contra Senigallia.

Pettinelli será em várias ocasiões treinador da seleção italiana, treinador da República de San Marino. Membro de honra da República de Malta, pela sua colaboração.

Entre seus alunos estão: Constantini, record de jogos disputados com a seleção italiana; Moretti, Cardinali e Ricci participarão em várias ocasiões em Campeonatos do mundo, Campeonatos da Europa e Jogos do Mediterráneo.

A decisão e a paixão pelo tênis de mesa deste “Grande Maestro”, serviu de inspiração ao Diretor Claudio Colombo para a realização de um curto-metragem, “Shot”, ganhador de dois festivais de cinema, e dedicado a Enzo. Entre os atores Enricó Beruschi interpretou o papel de Enzo Pettinelli de maneira magistral.

Para mais informações a respeito do autor e seus livros pode-se visitar a página web do Clube Tennistavolo Senigallia:

www.ping-pong.org

* * * * *