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Cobrança e execução judicial de débitos imputados pelos Tribunais de Contas Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Palavraschave: Tribunais de Contas. Execução judicial. Cobrança. Sumário: A ordem constitucional de 1988 – O paradigma federal do controle externo – Legitimidade ativa para execução judicial – Inscrição em dívida ativa – Rito processual – Executivo fiscal ou execução por quantia certa do CPC – Rito de execução processual nas unidades federadas – Dos argumentos do entendimento diverso – Juros de mora e critério de atualização dos débitos – Juros de mora na Lei Orgânica do TCU – Dos argumentos contra a aplicação da taxa Selic – Juros de mora no caso de multa – Juros de mora quando o Tribunal reconhece a boafé – Âmbito de aplicação das normas dos Tribunais de Contas – Data a partir da qual incidirá a taxa Selic – Casos de dispensa de cobrança O tema ainda não está pacificado, havendo divergências injustificáveis em relação à competência para execução, necessidade ou não de inscrição em dívida ativa, rito processual a ser observado — se o da execução fiscal ou o da dívida por quantia certa pelo Código de Processo Civil — e também sobre o critério de atualização monetária e aplicação de juros de mora. A dificuldade decorre do fato de que a legislação em vigor tem sido interpretada de forma casuística e o tema, atualização de débitos, recebido legislação disforme ditada pela oportunidade de redução de débitos como critério de incentivo de pagamentos. Para dirimir as questões pertinentes, conveniente discorrer com brevidade sobre a aplicação de regras jurídicas de interpretação. Após a revisão legislativa, feita assepticamente, seguirseá à análise da jurisprudência e conclusão. A ordem constitucional de 1988 O ponto angular para compreensão dos fatos por todos os integrantes do sistema que trata da cobrança e execução judicial ou extrajudicial de débitos imputados é considerar que o advento de uma Constituição rompe o direito positivo, inaugurandose nova sistemática. Lição elementar para os operadores do Direito é a necessidade de prévia reflexão sobre a “recepção” de normas editadas antes do advento de uma nova Constituição. Juridicamente, o fenômeno da “recepção” é admitido pelo Direito como garantia à continuidade da própria vida em sociedade, vez que é impossível que, com a promulgação de uma Constituição, sejam editadas todas as normas que regulamentam seus dispositivos. Como a Constituição rompe o ordenamento jurídico e, em tese, tem autoridade para não guardar qualquer vínculo com a ordem jurídica anterior, aceitase que as normas editadas precedentemente e que sejam compatíveis com a nova Constituição permaneçam válidas. Se as compatíveis são recepcionadas e permanecem válidas, as incompatíveis perdem a eficácia. 1 Na lição de Gilmar Mendes: “Por isso se entende que aquelas normas anteriores à Constituição, que são com ela compatíveis no seu conteúdo, continuam em Fórum Administrativo ‐ FA Belo Horizonte, ano 14, n. 157, mar. 2014 Biblioteca Digital Fórum de Direito Público Cópia da versão digital

Cobrança e execução judicial de débitos por Jacoby Advogados

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O escritório Jacoby Advogados explica sobre a cobrança e execução judicial de débitos imputados pelos tribunais de contas.

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Cobrança e execução judicial de débitos imputados pelos Tribunais deContasJorge Ulisses Jacoby Fernandes

Palavras­chave: Tribunais de Contas. Execução judicial. Cobrança.

Sumário: A ordem constitucional de 1988 – O paradigma federal do controle externo –Legitimidade ativa para execução judicial – Inscrição em dívida ativa – Rito processual – Executivofiscal ou execução por quantia certa do CPC – Rito de execução processual nas unidades federadas– Dos argumentos do entendimento diverso – Juros de mora e critério de atualização dos débitos –Juros de mora na Lei Orgânica do TCU – Dos argumentos contra a aplicação da taxa Selic – Jurosde mora no caso de multa – Juros de mora quando o Tribunal reconhece a boa­fé – Âmbito deaplicação das normas dos Tribunais de Contas – Data a partir da qual incidirá a taxa Selic – Casosde dispensa de cobrança

O tema ainda não está pacificado, havendo divergências injustificáveis em relação à competênciapara execução, necessidade ou não de inscrição em dívida ativa, rito processual a ser observado —se o da execução fiscal ou o da dívida por quantia certa pelo Código de Processo Civil — e tambémsobre o critério de atualização monetária e aplicação de juros de mora.

A dificuldade decorre do fato de que a legislação em vigor tem sido interpretada de formacasuística e o tema, atualização de débitos, recebido legislação disforme ditada pela oportunidadede redução de débitos como critério de incentivo de pagamentos.

Para dirimir as questões pertinentes, conveniente discorrer com brevidade sobre a aplicação deregras jurídicas de interpretação. Após a revisão legislativa, feita assepticamente, seguir­se­á àanálise da jurisprudência e conclusão.

A ordem constitucional de 1988

O ponto angular para compreensão dos fatos por todos os integrantes do sistema que trata dacobrança e execução judicial ou extrajudicial de débitos imputados é considerar que o advento deuma Constituição rompe o direito positivo, inaugurando­se nova sistemática.

Lição elementar para os operadores do Direito é a necessidade de prévia reflexão sobre a“recepção” de normas editadas antes do advento de uma nova Constituição. Juridicamente, ofenômeno da “recepção” é admitido pelo Direito como garantia à continuidade da própria vida emsociedade, vez que é impossível que, com a promulgação de uma Constituição, sejam editadastodas as normas que regulamentam seus dispositivos. Como a Constituição rompe o ordenamentojurídico e, em tese, tem autoridade para não guardar qualquer vínculo com a ordem jurídicaanterior, aceita­se que as normas editadas precedentemente e que sejam compatíveis com a novaConstituição permaneçam válidas. Se as compatíveis são recepcionadas e permanecem válidas, as

incompatíveis perdem a eficácia.1 Na lição de Gilmar Mendes: “Por isso se entende que aquelasnormas anteriores à Constituição, que são com ela compatíveis no seu conteúdo, continuam em

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vigor. Diz­se que, nesse caso, opera o fenômeno da recepção, que corresponde a uma revalidação

das normas que não desafiam, materialmente, a nova Constituição”.2

A Constituição Federal de 1988 dispôs inovadoramente:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio doTribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] §3º – As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de títuloexecutivo.

Se a força executiva da imputação de débito e multa foi inovada, merecia no mínimo cautela apretensão de aproveitar normas editadas sob a égide da Constituição anterior. Nasceu, paraprestigiar os princípios republicanos, em favor da eficácia dos Tribunais de Contas, o primeiro títuloexecutivo constitucional.

Não tendo percebido o extraordinário avanço, as Cortes, ao editarem as respectivas leis orgânicas,acabaram por copiar o modelo anterior, com pequenas modificações, dispondo timidamente sobre oassunto. Isso tem uma justificativa diretamente relacionada à titularidade para execução, vez quenão dispunham de procuradorias próprias legitimadas a fazê­lo e, em alguns casos, nem poderiam.Nem poderiam, pois muitas vezes o cofre lesado era distinto da unidade federada em que seinseriam os Tribunais de Contas, como ocorre quando o TCU julga irregular convênio no qual foramtransferido recursos da União, com parcela de contrapartida do Município; ou quando um Tribunalde Contas do Estado determina ao prefeito devolver aos cofres do Município certa quantia.

O paradigma federal do controle externo

Interessa, em particular, a situação do Tribunal de Contas da União (TCU), vez que se constitui em

paradigma federal de controle externo, segundo o Supremo Tribunal Federal.3

Na Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, editada após a Constituição Federal de 1988, foiestabelecido:

Art. 23. A decisão definitiva será formalizada nos termos estabelecidos no regimento interno, poracórdão, cuja publicação no Diário Oficial da União constituirá: [...] III – no caso de contas irregulares:

a) obrigação de o responsável, no prazo estabelecido no regimento interno, comprovar perante oTribunal que recolheu aos cofres públicos a quantia correspondente ao débito que lhe tiver sidoimputado ou da multa cominada, na forma prevista nos arts. 19 e 57 desta lei;

b) título executivo bastante para cobrança judicial da dívida decorrente do débito ou da multa, senão recolhida no prazo pelo responsável;

c) fundamento para que a autoridade competente proceda à efetivação das sanções previstas nosarts. 60 e 61 desta lei.

Art. 24. A decisão do Tribunal, de que resulte imputação de débito ou cominação de multa, torna adívida líquida e certa e tem eficácia de título executivo, nos termos da alínea b do inciso III do art.

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23 desta lei.

Diante da compreensão da teoria de recepção das normas e do dever de considerar a prestigiosaregra constitucional em favor dos Tribunais de Contas, descabe qualquer invocação à Lei nº 6.822,de 22 de setembro de 1980, e, após a edição da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, qualquerreferência ao Decreto­Lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967.

Essas conclusões se justificam, pois:

a) a Lei nº 6.822/80 dispõe sobre a cobrança executiva de débitos do TCU e, embora não revogadaexpressamente, é incompatível com o novo disciplinamento da Constituição Federal, que, por leiordinária, regulamentou integralmente o tema. Portanto, o máximo que se admite, em prol dacontinuidade do serviço público e do processo, é uma sobrevida limitada entre 5 de outubro de1988, data da promulgação da Constituição, e 16 de julho de 1992, data da edição da atual LeiOrgânica do TCU; b) também o Decreto­Lei nº 199/67, com boa vontade do intérprete e pelos mesmos fundamentosda continuidade, pode ter uma sobrevida até 16 de julho de 1992, quando foi expressamenterevogado.

Após a nova ordem constitucional, agravada pela inteira regulação do tema e em coerência com odireito positivo brasileiro, descabe a invocação das normas precedentes. O título executivoconstitucional decorrente de imputação de débito e multa pelo TCU tem natureza jurídica peculiar,merecendo regulamentação própria.

Legitimidade ativa para execução judicial

Uma vez imputado o débito ou a multa, a quem cabe a execução judicial?

A atual Lei Orgânica do TCU dispõe inequivocamente:

Art. 28. Expirado o prazo a que se refere o caput do art. 25 desta lei, sem manifestação doresponsável, o Tribunal poderá: [...] II – autorizar a cobrança judicial da dívida por intermédio do Ministério Público junto ao Tribunal,na forma prevista no inciso III do art. 81 desta lei.Compete ao Ministério Público que atua junto ao Tribunal, em caráter especializado, organizar oprocesso e remetê­lo a quem detém legitimidade para zelar pelos cofres da entidade lesada. Assim,se o cofre lesado foi da União, competirá à Advocacia­Geral da União a legitimidade da cobrança;se foi, por exemplo, o Município que teve a contrapartida do convênio desviada, o TCU ou oTribunal de Contas do Estado ordenará o envio à procuradoria municipal para a cobrança. Duassituações especiais devem ser consideradas, pois recorrentes na prática dos Tribunais:a) execução pelas procuradorias de fazenda – podem as procuradorias da fazenda ser legitimadas àexecução, a partir da inscrição em dívida ativa, mesmo não sendo o título de natureza fiscal.Mesmo não decorrendo de cobrança de tributo, genericamente considerado, pode­se legitimar atitularidade da ação de cobrança; b) procuradorias dos próprios Tribunais – em princípio, embora não seja pacífico, os Tribunaispodem constituir procuradorias próprias para executar os débitos e repassá­los aos cofres das

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entidades lesadas.4

Somente por motivos históricos, invoca­se a Lei nº 6.822/80, que dispôs:

Art. 1º As decisões do Tribunal de Contas da União condenatórias de responsáveis em débito paracom a Fazenda Pública tornam a dívida líquida e certa e têm força executiva, cumprindo aoMinistério Público Federal, ou, nos Estados e Municípios, a quem dele as vezes fizer, ou aosprocuradores das entidades da administração indireta, promover a sua cobrança executiva,independentemente de quaisquer outras formalidades, na forma do disposto na alínea “c” do artigo

50 do Decreto­lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967.5

Desde a Constituição Federal de 1988, o Ministério Público deixou de acumular a função de defesada Fazenda Pública. A questão ainda não foi resolvida quando a pretensão do Ministério Público é adefesa do erário lesado.

Há precedentes do Poder Judiciário reconhecendo a legitimidade do Ministério Público na execuçãode decisão do Tribunal de Contas visando à proteção do erário — note­se, aqui, distinta deexecução de todos os créditos da dívida ativa e, portanto, de competência excepcional. Aliás, emalguns entes federados, o Ministério Público continua atuando em estreita colaboração com osTribunais de Contas.

Não se pode descurar a situação presente em alguns estados, nos quais a inércia das procuradoriasestaduais motivou a execução das deliberações dos Tribunais de Contas pelo próprio MinistérioPúblico. Nesse sentido, precedentes do STJ:

1. O Ministério Público possui legitimidade para a propositura de ação de execução de títuloextrajudicial oriundo de Tribunal de Contas Estadual. REsp nº 996031/MG, Primeira Turma, DJ de28.04.2008 e REsp nº 678969/PB, Primeira Turma, DJ 13.02.2006. 2. É que a decisão de Tribunal de Contas Estadual, que, impõe débito ou multa, possui eficácia detítulo executivo, a teor do que dispõe o art. 71, §3º, da Constituição Federal de 1988. 3. In casu, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em sede de Processo Administrativo nº18.654, constatando irregularidades na remuneração dos agentes públicos do Município deContagem, durante os exercícios de 1993; 1994 e 1995 (meses de janeiro a novembro),determinou a restituição dos mencionados valores à municipalidade in foco. 4. A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público o status de instituiçãopermanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo­lhe a defesa da ordem jurídica,do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 129, caput). 5. Destarte, a Lei nº 8.429/92 estabelece as sanções aplicáveis aos agentes públicos quepratiquem atos de improbidade administrativa, prevendo que a Fazenda Pública, quando for o caso,promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público (artigo17, §4º), permitindo ao Ministério Público ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar osgestores do dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas (artigo 25, VIII, da Leinº 8.625/93). 6. Os arts. 129, III, da Constituição Federal de 1988, 6º, VII, “b”, da LC nº 75/93, e 25, IV, “a” e“b”, da Lei nº 8.625/93, admitem a defesa do patrimônio público pelo Ministério Público, em açãocivil pública. 7. Recurso Especial provido para reconhecer a legitimidade do Ministério Público do Estado de

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Minas Gerais, para a propositura de execução de título originário de Tribunal de Contas Estadual,

restando prejudicado o exame das demais questões veiculadas no recurso sub examine.6

No mesmo sentido, em relação ao Estado de São Paulo:

1. No caso concreto, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo entendeu ser indevido oaumento salarial concedido ao vereador — ora recorrido. 2. O Tribunal de origem, após subdividir o conceito de patrimônio público em patrimônio público­privado e patrimônio do povo, entendeu que o direito tratado no caso é meramente patrimonialpúblico, cujo exclusivo titular é a Fazenda Municipal. Segundo a decisão recorrida, em taiscondições, não tem o Ministério Público legitimidade processual para promover ação civil pública decaráter executório, já que a legitimidade exclusiva seria da Fazenda Pública Municipal. 3. A subdivisão adotada pela Corte de origem é descabida. Não existe essa ordem de classificação.O Estado não se autogera, não se autocria, ele é formado pela união das forças e recursos dasociedade. Desse modo, o capital utilizado pelo ente público com despesas correntes, entre elas aremuneração de seus agentes políticos, não pode ser considerado patrimônio da pessoa política dedireito público, como se ela o houvesse produzido. 4. Estes recursos constituem­se, na verdade, patrimônio público, do cidadão que, com sua força detrabalho, produz a riqueza sobre a qual incide a tributação necessária ao estado para oatendimento dos interesses públicos primários e secundários. 5. A Constituição Federal, ao proibir ao Ministério Público o exercício da advocacia pública, o fezcom a finalidade de que o parquet melhor pudesse desempenhar as suas funções institucionais —dentre as quais, a própria Carta Federal no art. 129, III, elenca a defesa do patrimônio público —sem se preocupar com o interesse público secundário, que ficaria a cargo das procuradoriasjudiciais do ente público. 6. Por esse motivo, na defesa do patrimônio público meramente econômico, o Ministério Públiconão poderá ser o legitimado ordinário, nem representante ou advogado da Fazenda Pública.Todavia, quando o sistema de legitimação ordinária falhar, surge a possibilidade do (sic) parquet,na defesa eminentemente do patrimônio público, e não da Fazenda Pública, atuar como legitimadoextraordinário. 7. Conferir à Fazenda Pública, por meio de suas procuradorias judiciais, a exclusividade na defesado patrimônio público, é interpretação restritiva que vai de encontro à ampliação do campo deatuação conferido pela Constituição ao Ministério Público, bem como leva a uma proteçãodeficiente do bem jurídico tutelado. 8. Por isso é que o Ministério Público possui legitimidade extraordinária para promover ação deexecução do título formado pela decisão do Tribunal de Contas do Estado, com vistas a ressarcir aoerário o dano causado pelo recebimento de valor a maior pelo recorrido. (Precedentes: REsp nº922.702/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 28.4.2009, DJe 27.5.2009; REsp nº 996.031/MG, Rel.Min. Francisco Falcão, julgado em 11.3.2008, DJe 28.4.2008; REsp nº 678.969/PB, Rel. Min. LuizFux, Primeira Turma, julgado em 13.12.2005, DJ 13.2.2006; REsp nº 149.832/MG, Rel. Min. José

Delgado, publicado em 15.2.2000) Recurso especial provido.7

Se o Tribunal de Contas constituir o título executivo no curso da ação civil pública, somente pordecisão judicial, incidental ou não, o fato será esclarecido. Ou seja, será conhecido se terácontinuidade a ação civil pública na parte da pretensão de recomposição do erário, passando otítulo executivo a operar a certeza e liquidez da dívida, ou se deverá ser iniciado novo processo de

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execução. Sem dúvida, em homenagem à celeridade processual, a primeira é mais indicada.Garantida a ampla defesa e o contraditório pelos Tribunais de Contas, com fiel acatamento aodevido processo legal, não há porque desperdiçar esforços, ignorando o valioso trabalho dessesTribunais. Se, porém, esses postulados básicos tiverem sido violados, a matéria comportarediscussão, além dos embargos à execução.

Inscrição em dívida ativa

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável pela uniformização deinterpretação de lei no judiciário brasileiro, assentou que:

Nos termos do artigo 23, III, “b” da Lei nº 8.443/92, o acórdão do Tribunal de Contas da Uniãoconstitui título executivo bastante para cobrança judicial da dívida decorrente do débito ou damulta, se não recolhida no prazo pelo responsável. Desse modo, não há necessidade de inscriçãopor Termo de Dívida Ativa para obter­se a respectiva Certidão prevista na Lei de Execução Fiscal,

ensejando ação de cobrança por quantia certa.8

Convergentes os entendimentos, percebe­se, facilmente, a linha de coerência do STJ, a qual tempor fundamento prestigiar o esforço do Tribunal de Contas e o procedimento legal que desenvolve.A síntese é: não há nulidade se o título for incluído em dívida ativa, quando a lei da respectivaunidade federada ordenar, como ocorre na União, a inscrição em dívida ativa de natureza nãofiscal; também não há nulidade se o título constitucional decorrente de imputação de débito oumulta pelo Tribunal de Contas não for previamente incluído em dívida ativa.

Compreendido como tem a jurisprudência interpretado o tema até hoje, é necessário esclarecerque esse entendimento não está conforme a lei e que a desatenção tem consequências graves àsfinanças públicas.

Quando o TCU imputa débito a alguém, cria o direito à cobrança para o cofre lesado. Sob o aspectodo direito financeiro, créditos recebíveis têm valor e devem ser devidamente escriturados. Ainscrição em dívida ativa, portanto, não é ato de preferência do ordenador de despesas, mas devercuja inobservância implica irregularidade com comprometimento de responsabilidade fiscal.

É consabido que a defesa da ordem jurídica compete ao Ministério Público e é seu dever —atuando, de forma integrada, Ministério Público junto ao TCU e procuradorias dos demaisMinistérios Públicos ou procuradorias dos entes federados — zelar pela devida inscrição em dívidaativa. Ademais, a simples inscrição implica restrições a direitos que conduzem e induzem aopagamento pelos devedores. É evidente, como reconhece o STJ, que a ausência de inscrição nãopode ser motivo para nulidade processual em benefício do devedor.

A unidade técnica do TCU esclarece que:

Nesse sentido, correto o entendimento do titular da referida unidade no sentido de que as multas edébitos imputados por esta Corte de Contas também devem ser objeto de inscrição na Dívida Ativa,

procedimento regular em atenção ao disposto no §1º do art. 39 da Lei nº 4.320/64.9

Em precedentes, o TCU decidiu pela necessidade de inscrição em dívida ativa no Acórdão nº

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472/2002­Plenário. Contudo, ao apreciar o Acórdão nº 1247/2012, alterou o entendimento paraconsiderar que não há lei ordenando a inscrição. Como será visto, essa exegese merece evolução.

Rito processual – Executivo fiscal ou execução por quantia certa do CPC

Outra questão que apresenta certa divergência é o rito de execução que deve ser seguido para aexecução forçada do título lavrado pelo Tribunal de Contas.

No Brasil, não temos Código de Direito Administrativo e, por esse motivo, há uma tendência de seignorar todas as peculiaridades do direito público no momento da execução da dívida e seguir o ritodo direito privado, infelizmente.

Compreende­se, portanto, que, sem conhecer as particularidades do direito público e, em especial,as do direito financeiro, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça seja pela aplicação do rito

do CPC.10 Se os operadores do direito processual equipararem o título executivo do Tribunal aqualquer título executivo, sem considerar a natureza única de ser constitucional exatamenteporque se pretendia diferenciar a recomposição austera do erário, em homenagem aos cidadãosrepublicanos que formam a riqueza do país, a tese da equiparação é, como dito, compreensível.

Conforme demonstrado, embora à luz da regência das regras do processo judiciário esteja coerentea aplicação do rito do CPC, à luz do direito financeiro, não está. Se é necessário, paraconhecimento e contabilização das receitas, a inscrição em dívida ativa, se tal necessidade éreconhecida por lei — no caso, art. 39, §1º, da Lei nº 4.320/1964 — e se os débitos inscritos emdívida ativa devem seguir o rito da execução fiscal, por força de lei — art. 1º da Lei nº 6.830/1980— o entendimento que deve prevalecer é outro: a execução dos débitos e multas imputados pelosTribunais de Contas deve ser feita pelo rito da execução fiscal e não do CPC. Qualquer outraintepretação se faz sem arrimo em lei e, portanto, sujeita a merecer evolução dos respectivos

intérpretes.11

Somente por lei específica se pode definir de modo diferente.

Rito de execução processual nas unidades federadas

Dúvidas têm sido suscitadas a respeito da possibilidade de as unidades federadas editarem regraprópria sobre o tema: a resposta é categoricamente não.

A competência para legislar sobre processo é privativa da União. Não podem as unidades federadasdispor que esses débitos e multas, oriundos de condenações dos Tribunais de Contas, não integrama dívida ativa. Primeiro, porque, por disposição expressa do art. 1º da Lei nº 4.320/64, estados,Distrito Federal e municípios estão subjugados a essa norma e, conforme art. 24, §1º, daConstituição Federal, a edição de normas gerais de direito financeiro é da União. Segundo, porque,pelo mesmo fundamento constitucional, se lhes aplica a Lei nº 4.320/64, em especial o §1º do art.39, já referido.

Felizmente o STJ não tem considerado o rito como garantia constitucional, vez que os princípios do

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direito judiciário são garantidos em ambas as possibilidades de execução.

Dos argumentos do entendimento diverso

Em apreciação plenária no TCU, sustentou­se que, pelo disposto no art. 1º da Lei nº 6.822/80, orito para a execução dos débitos e multas decorrentes de decisões condenatórias proferidas peloTribunal de Contas da União é o da execução dos títulos executivos extrajudiciais prevista noCódigo de Processo Civil.

Trazendo à luz os dispositivos que estão referidos como fundamentos, tem­se que:

Art. 1º As decisões do Tribunal de Contas da União condenatórias de responsáveis em débito paracom a Fazenda Pública tornam a dívida líquida e certa e têm força executiva, cumprindo aoMinistério Público Federal, ou, nos Estados e Municípios, a quem dele as vezes fizer, ou aosprocuradores das entidades da administração indireta, promover a sua cobrança executiva,independentemente de quaisquer outras formalidades, na forma do disposto na alínea “c” do artigo

50 do Decreto­Lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967.12

A norma referida na parte final do artigo, ponto angular à compreensão, dispõe que:

Art. 50. O Tribunal, nos casos de não atendimento da notificação, poderá tomar as seguintesprovidências: [...] c) determinar a cobrança judicial, pela via executiva, nas Varas da Fazenda Federal, através dosProcuradores da República, que receberão a documentação e as instruções necessárias por

intermédio do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.13

A interpretação dada e referida no preâmbulo desse subtítulo, contudo, enredou uma redação quese mostra confusa pelo texto do voto. Anteriormente e com muito mais clareza, provocado peloMinistério Público que atua junto ao TCU, essa Corte deliberou:

2. No mérito, entendo­a procedente haja vista que as multas e débitos imputados por este Tribunalincluem­se na categoria de dívidas para com a Fazenda Nacional, classificadas, dessa forma, comoDívida Ativa Não Tributária, na forma do art. 39, §2º, da Lei nº 4.320/64, cabendo àquelesinteressados em contratar com a administração pública demonstrar sua situação de regularidade,sob todos os aspectos. 3. Nesse sentido, importa salientar que a questão central objeto desta Representação —necessidade de ser incluída a demonstração da não­existência de débitos e multas imputados peloTribunal entre as exigências para comprovação de regularidade fiscal para com a Fazenda Nacionalnos procedimentos licitatórios da administração pública — é o foco tanto da manifestação doProcurador­Geral, quanto do Secretário Adjunto de Contas. A divergência de entendimentoapontada pelo Secretário da ADCON não interfere no objetivo que se busca alcançar, qual sejafazer com que aqueles interessados em contratar com a administração pública demonstrem estarquite com a Fazenda Pública. 4. Na verdade, os débitos e multas imputados pelo Tribunal não necessitam inscrição prévia naDívida Ativa para serem executados, como salientado pelo Procurador­Geral, em razão dedispositivo constitucional e legal. Por outro lado, tendo­se em vista as outras finalidades da

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inscrição dos diversos débitos para com a Fazenda Nacional, conforme apontado pelo Secretário daADCON, há que se proceder à inscrição de todo e qualquer débito da natureza, tributário ou nãotributário. Nesse sentido, correto o entendimento do titular da referida unidade no sentido de queas multas e débitos imputados por esta Corte de Contas também devem ser objeto de inscrição naDívida Ativa, procedimento regular em atenção ao disposto no §1º do art. 39 da Lei

nº 4.320/64.14

Como já exposto, a nova ordem constitucional, em 1988, definiu que os procuradores da Repúblicanão mais exerceriam a função processual em defesa da Fazenda Pública. Ressalvados esse aspectoe as situações especiais referidas no subtítulo da legitimidade, verifica­se que, anteriormente, nãohavia nenhum dispositivo que impunha a execução pelo rito do CPC. Não havia e não há. Seguindouma interpretação literal, jamais se poderia sustentar esse entendimento.

Outro argumento informa ser incabível a inscrição em dívida ativa dos acórdãos do TCU, porque asdeliberações dessa Corte de Contas, impositivas de débito e multa, já são títulos executivos. Assim,“admitir a necessidade de inscrição em dívida ativa dos acórdãos do TCU significaria verdadeiracapitis diminutio da egrégia Corte de Contas, equiparando­a a um órgão administrativo que imputamulta a um particular, no exercício de polícia administrativa”.

Como já exposto, também esse argumento, sem amparo em lei, não seduz. Não se pretende anularprocessos porque se deixou de inscrever em dívida ativa, mas reconhecer que, em homenagem àresponsabilidade fiscal e ao dever de subjugar­se à lei, a dívida que o Tribunal imputa é dívidaativa não fiscal. Não há como afastar o império do art. 39, §1º, da Lei nº 4.320/64. Ao contrário,assemelhar a pretensão republicana de reconstituir o erário lesado a um título de direito privado,executado nas mesmas condições, é igualar o credor­cidadão pagador de impostos a umcontratante qualquer.

Juros de mora e critério de atualização dos débitos

Deve­se analisar qual deve ser a taxa de atualização dos débitos imputados pelos Tribunais deContas. Na esfera do TCU, os cálculos são realizados automaticamente e estão disponíveis paracontrole da sociedade.

Cabe, porém, verificar as bases que estão sendo utilizadas e verificar a conformidade com alegislação em vigor. Nesse ponto, atualização monetária é tema de competência constitucional daUnião — art. 22, inc. VI —, mas também concorrente com as unidades federadas — art. 24, inc. I—, sendo que, neste último caso, compete à União editar normas gerais, conforme §1º do mesmoart. 24, da Constituição. Portanto, não é matéria para regimento interno ou de iniciativa da competênciados Tribunais de Contas. Ora a União legisla porque o sistema monetário é da União, ora legislamtodos os entes federados, porque gestores das fazendas públicas titulares dos créditos oriundos dascondenações dos Tribunais de Contas. Como regra, o “dono” dos recursos pode abrir mão de partedeles, em vista de vantagens da execução.

Juros de mora na Lei Orgânica do TCU

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Na Lei Orgânica do TCU não há dispositivo definindo que em determinada situação não serãocobrados os juros de mora. Esse entendimento se extrai do sentido da omissão da norma, quandocomparado com outros dispositivos em que se impõe a cobrança de juros de mora.

Notem­se os seguintes dispositivos:

Art. 12. Verificada irregularidade nas contas, o Relator ou o Tribunal: [...] §2º Reconhecida pelo Tribunal a boa­fé, a liquidação tempestiva do débito atualizadomonetariamente sanará o processo, se não houver sido observada outra irregularidade nas contas.[...] Art. 19. Quando julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal condenará o responsávelao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos,podendo, ainda, aplicar­lhe a multa prevista no art. 57 desta Lei, sendo o instrumento da decisãoconsiderado título executivo para fundamentar a respectiva ação de execução. [...] Art. 57. Quando o responsável for julgado em débito, poderá ainda o Tribunal aplicar­lhe multa deaté cem por cento do valor atualizado do dano causado ao Erário. [...] Art. 59. O débito decorrente de multa aplicada pelo Tribunal de Contas da União nos do art. 57desta Lei, quando pago após o seu vencimento, será atualizado monetariamente na data do efetivo

pagamento.15

O entendimento que vem sendo consagrado no TCU é que, por não haver definição de quem deve eo quanto deve, somente a partir da citação do débito inserido no título executivo é que se impõe opagamento de juros de mora; a partir desse instante se caracteriza a recusa e a mora. Tal regra écoerente com os demais dispositivos da parte de execução e, no fundo, revela­se lógica e justa.

Dos argumentos contra a aplicação da taxa Selic

A taxa Selic serve à atualização do débito com juros. A partir dessa premissa, o TCU vemconsiderando que sua respectiva Lei Orgânica — Lei nº 8.443/1992 — é “lei especial em relação àsnormas gerais que contemplem regras sobre a incidência de correção monetária e juros de morasobre créditos da Fazenda Pública, tendo por referência a taxa Selic, e sobre estas deve prevalecertendo em vista o princípio hermenêutico segundo o qual lex posterior generalis non derogat legipriori speciali. Neste contexto, inserem­se a Lei nº 10.522/2002, bem como a Lei nº 11.941/2009,

originada da conversão da Medida Provisória nº 449/08”.16

Com base nesse entendimento, o TCU manteve o direito de não aplicar juros de mora quandoreconhece a boa­fé e imputa multa, tendo por fundamento os arts. 12, §2º, e 57 da Lei Orgânica,na qual não consta a aplicação de juros de mora.

De fato, como na composição da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia —taxa Selic — estão os correspondentes juros, a exegese consagrada pelo TCU está em coerênciacom o STJ, que decidiu não se poder aplicar a Selic nos casos em que não há previsão paraincidência de juros.

Excluídos apenas esses dois casos — boa­fé e multa — deve ser aplicada a taxa Selic a todos oscréditos da Fazenda Nacional, de natureza tributária ou não tributária, seja o crédito procedente

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da administração direta ou indireta.

Didaticamente esclarece a unidade técnica do TCU:

Assim, nas situações em que há débito com reconhecimento da boa­fé do responsável ou quando oTCU deliberar pela aplicação de multa, defendemos a manutenção da atual sistemática adotadapelo Tribunal, eis que comungamos com o entendimento de que o IPCA é o índice adequado pararefletir tão somente os efeitos da inflação sobre o poder aquisitivo da moeda, como restoudemonstrado no percuciente trabalho que resultou na prolação da Decisão 1122/2000­Plenário,

suporte da sistemática hoje em uso no TCU.17

Cabe registrar o escólio elucidativo sobre qual critério será utilizado em relação aos processos queestejam encerrados perante o TCU ou já em curso de execução:

O IPCA nas exceções ali previstas — boa­fé e multa — terá incidência somente até o trânsito emjulgado das decisões da Corte de Contas, ou seja, somente em relação aos processos que aindaestiverem tramitando no âmbito do TCU. Em se tratando, portanto, de débitos oriundos decondenações vencidas e não pagas, terá incidência a taxa Selic, em todas as hipóteses, nos moldes

propostos pela Advocacia­Geral da União.18

Juros de mora no caso de multa

A sistemática hoje em vigor no TCU, que não deve ser seguida pelas demais Cortes de Contas, foidefinida no Acórdão nº 484/94­Plenário e revela haver uma incoerência lógica oriunda da própriaLei:

O art. 19 da Lei nº 8.443/92, ao tratar de débitos apurados em contas julgadas irregulares,determina a condenação do responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente,acrescida dos juros de mora devidos. Por outro lado, ao disciplinar as multas aplicáveis por esta Corte, o mencionado diploma legalestabelece dois tipos de penalidade: uma, a do art. 57, proporcional ao prejuízo apurado em contasjulgadas irregulares; outra, a do art. 58, aplicável nas hipóteses previstas nos incisos deste últimodispositivo e guardando relação apenas com um determinado teto mensalmente atualizado peloTribunal. Por outro lado, ao tratar da cobrança de encargos sobre tais sanções, refere­se a LeiOrgânica do Tribunal, em seu art. 59, somente à multa prevista no art. 57, estipulando que,quando paga após o vencimento do prazo fixado para seu recolhimento, sofrerá atualizaçãomonetária até a data de seu efetivo pagamento. 38. Como se percebe, embora não faça expressareferência à sanção do art. 58, estabelece a lei uma distinção de tratamento entre multas impostase débitos apurados por esta Corte, autorizando a atualização monetária de ambos, mas somentepermitindo a cobrança de juros de mora sobre as primeiras. Assim, [...] não há como deixar de concluir pela impossibilidade de subsistência da equiparaçãoentre débito e multa feita por estes atos normativos anteriores, cabendo, pois, adotar, na cobrançade encargos sobre o pagamento com atraso de tais penalidades, os procedimentos distintos

preconizados pela nova legislação atinente à matéria.19

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Juros de mora quando o Tribunal reconhece a boa­fé

Também provém do Acórdão nº 484/94­Plenário a decisão de não cobrar juros de mora quando oTribunal reconhece a boa­fé.

Eis a lição:

Como visto, o caput do art. 19 da Lei nº 8.443/92, preconiza a cobrança de juros de mora e decorreção monetária sobre débitos apurados em contas julgadas irregulares. Contudo, estabelece o §2º do art. 12 da mencionada Lei Orgânica desta Casa que “reconhecidapelo Tribunal a boa fé, o recolhimento tempestivo do débito atualizado monetariamente sanará oprocesso, se não houver sido observada outra irregularidade nas contas”.Constata­se, pois, que, abrindo uma exceção na regra geral contida no art. 19, o dispositivomencionado no item anterior prevê, quando caracterizada a boa fé do responsável, a exigênciaapenas de atualização monetária do débito apurado, tornando incabível a cobrança de juros demora nesta hipótese. [...] É oportuno destacar, ainda, que o reconhecimento da boa fé do responsável por esta Corte deveser feito expressamente e somente pode ocorrer, consoante entendimento que defendemos quandodo exame do processo nº TC 524.066/92­2, quando estiverem presentes elementos suficientespara aquilatar os motivos das condutas adotadas por gestores de recursos públicos, que, emparticular no caso de tomadas de contas especiais, não desfrutam, em princípio, da presunção de

boa fé (Sessão de 06.07.94 – Ata nº 31/94­Plenário, Acórdão nº 063/94).20 Posteriormente, na apreciação do Processo TC nº 015.999/2010­6, houve alteração doentendimento para considerar que “a questão relativa à utilização do IPCA e não da Selic, e suamanutenção como índice de correção aplicável aos débitos oriundos das condenações da Corte deContas nas quais haja o reconhecimento da boa­fé do responsável, só tem aplicação no curso datramitação do processo dentro do TCU”.

Âmbito de aplicação das normas dos Tribunais de Contas

Como referido, as cortes de Contas só podem disciplinar o tema de atualização monetária noâmbito de suas próprias atribuições, sempre limitada ao máximo definido em Lei. Podem, diantedas circunstâncias, impor débito inferior ao dano, aplicar ou deixar de aplicar multa, considerandoa dosimetria da pena, a individualização da pena, atenuantes e agravantes.

Uma vez constituído o título, a partir dessa data a atualização é realizada exclusivamente porcritérios do processo judicial.

Se houver demora no início do processo ou, mesmo sendo iniciado logo, mas demorada a satisfaçãodo crédito, juros e atualização são critérios que não mais estarão ao alcance do Tribunal. Somentea lei e as regras do poder judiciário incidirão.

Há, porém, entendimento diferente, considerando que deve constar do título executivo, no caso dedano ao erário, além do valor do débito, a previsão de atualização monetária e a incidência dejuros de mora. Seguindo o rito da Lei nº 6.830/80, é suficiente a informação do valor atualizadoaté a data de constituição do título; a norma precedente regula a atualização monetária e a

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incidência de juros.

Enquanto ainda existir a controvérsia sobre o rito, serve a lição registrada no Processo TC nº 015.999/2010­6: “O direito brasileiro resolveu o problema, superando quaisquer distinções,mediante o disposto no art. 1º da Lei nº 6.899, de 08.04.1981, segundo o qual, nos títulos dedívida líquida e certa, fluirá correção monetária a partir do vencimento”.

Portanto, devida a incidência de atualização monetária e dos juros a partir do julgamento definitivopelo TCU, em qualquer situação, mesmo se caraterizada a boa­fé e nos casos de multa.

Data a partir da qual incidirá a taxa Selic

Como visto, a incidência da taxa Selic decorre de lei e é o teto de atualização monetária e jurosdos débitos que podem ser imputados pelos Tribunais de Contas.

Aquém desses valores e critérios, pode a Corte deliberar. A partir da data em que for constituído otítulo executivo, ou seja, a partir da data da deliberação da qual não mais caiba recurso, aatualização do débito e incidência de juros é matéria judiciária.

Percebido pela Advocacia­Geral da União que o Sistema Débito do TCU continuava atualizando osvalores mesmo em fase de execução, houve consulta ao TCU e, posteriormente, embargos dedeclaração a respeito.

Definiu a Corte que a atualização pela Selic somente incide a partir dos julgados transitados apartir de 1º de agosto de 2011, data que teria sido fixada pelo Relator do Acórdão nº 1603/2011­Plenário.

É evidente o grave equívoco em que incorre esse entendimento. O direito de limitar os efeitos deuma lei somente existe para os órgãos julgadores quando visa uniformizar o entendimento sobreleis, jamais diante da clareza legal em que não houve entendimento diferente. Muito menossocorre a possibilidade de limitações operacionais ou dificuldades de implementar normas. Parademonstrar o desacerto dos argumentos utilizados para protrair a aplicação da Lei nº 10.522, de19 de julho de 2002, que definiu a Selic como índice de atualização dos débitos, transcreve­se osseguintes excertos:

Neste ponto, faz­se mister dar razão à embargante, visto que a redação do item 9.2 do Acórdão nº1603/2011­Plenário não deixa claro a que se refere a data de 1º de agosto de 2011. Se ao“deadline temporal a partir do qual todos os débitos, atuais e anteriores, sofrerão a aplicação dataxa Selic” ou “se somente àqueles débitos que se constituírem a partir de 1º de agosto”. A segunda hipótese parece ser a mais provável, se considerarmos a observação do Relator dadecisão embargada, ao proferir seu voto, no sentido de que “caso o Plenário acolha essaproposição, os órgãos técnicos da Casa devem adotar providências imediatas com vistas a alterar oSistema Débito utilizado para o cálculo dos ressarcimentos imputados em nossos acórdãos. Noentanto, é importante registrar, desde logo, que essa alteração não decorre de ilegalidadeconstatada no procedimento até agora utilizado pelo TCU. Na verdade, objetivaunicamente uniformizar procedimento adotado na administração pública federal. Alémdisso, destaco que essa mudança não poderá ser feita imediatamente, pois exigirá redefiniçõesoperacionais em nossos sistemas informatizados, devendo ser concedido prazo razoável paraque se possa promover a inclusão da taxa Selic como índice a ser atribuído aos débitos

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decorrentes de julgados do TCU. Além disso, impõe­se a definição de uma data a partir da qualos débitos passarão a ser atualizados pela Selic. A meu ver, poderemos fixar o dia primeiro de

agosto próximo como essa data referencial”.21

A melhor interpretação não coincide, evidentemente, com o Acórdão, pois:

a) inexistia, no âmbito da Administração entendimento diverso ao imposto pela Lei nº10.522/2002, ou seja, a aplicação da taxa Selic; b) uma vez lavrado o título executivo as regras de cálculo e liquidação são definidas pelo poderjudiciário, aplicando a Lei nº 10.522/2002, ou seja, a taxa Selic; c) as expressões “parece ser a mais provável” e “a meu ver” indicam que a decisão não sesubjugou ao imperativo de Lei que ordena a imediata aplicação da taxa Selic.

Casos de dispensa de cobrança

Em decorrência do princípio da economicidade, com base na Lei nº 8.443/92, que dispõe sobre aLei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras providências, foi permitido ao TCUdispensar a cobrança de valores de menor expressão:

Art. 93. A título de racionalização administrativa e economia processual, e com o objetivo de evitarque o custo da cobrança seja superior ao valor do ressarcimento, o Tribunal poderá determinar,desde logo, o arquivamento do processo, sem cancelamento do débito, a cujo pagamentocontinuará obrigado o devedor, para que lhe possa ser dada quitação.

1 A tese de que todas as normas incompatíveis anteriores consideram­se revogadas tem perdidoo prestígio no meio acadêmico. Prefere­se sustentar apenas que perderam a eficácia, comoensinam Motta e Barchet. Esses autores ensinam que as normas anteriores perdem o suporte devalidade e adquirem um novo suporte de eficácia com a nova Constituição. No mesmo sentido:CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: JusPodivm, 2009. p.259.

2 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.257.

3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários a Constituição brasileira de 1988. 2. ed.atual. e rev. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 1, p. 412.

4 Em favor: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti apud MARANHÃO, Jarbas. Tribunal deContas e Poder Judiciário. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 27, n. 107, jul./set. 1990.

5 BRASIL. Lei nº 6.822, de 25 de fevereiro de 1980. Dispõe sobre a cobrança executiva dosdébitos fixados em acórdãos do Tribunal de Contas da União, e dá outras providências. Diário Oficial[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 set. 1980.

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6 BRASIL. STJ. REsp 922.702/MG. Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. Brasília, 28 de abril de2009. Diário da Justiça Eletrônico [do] Superior Tribunal de Justiça, 27 maio 2009. Disponível em:<http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 18 fev. 2014.

7 BRASIL. STJ. REsp 1119377/SP. Rel. Min. Humberto Martins. Primeira Seção. Brasília, 26 deagosto de 2009. Diário da Justiça Eletrônico [do] Superior Tribunal de Justiça, 04 set. 2009.Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 18 fev. 2014.

8 BRASIL. STJ. REsp 1.059.393/RN. Rel. Min. Castro Meira. Segunda Turma. Brasília, 23 desetembro de 2008. Diário da Justiça Eletrônico [do] Superior Tribunal de Justiça, 23 out. 2008.Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 18 fev. 2014. Recurso especial não provido.No mesmo sentido: BRASIL. STJ. REsp 1.112.617/PB. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. PrimeiraTurma. Brasília, 26 de maio de 2009. Diário da Justiça Eletrônico [do] Superior Tribunal de Justiça,03 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 18 fev. 2014.

9 BRASIL. TCU. Processo TC nº 015.999/2010­6. Acórdão nº 1247/2012 – TCU – Plenário. Brasília, 23 de maio de 2012. Disponível em: <www.tcu.gov.br>.Acesso em: 18 fev. 2014.

10 BRASIL. STJ. REsp 1.059.393/RN. Rel. Min. Castro Meira. Segunda Turma. Brasília, 23 desetembro de 2008. Diário da Justiça Eletrônico [do] Superior Tribunal de Justiça, 23 out. 2008.Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 18 fev. 2014. Recurso especial não provido.No mesmo sentido: BRASIL. STJ. REsp 1.112.617/PB. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. PrimeiraTurma. Brasília, 26 de maio de 2009. Diário da Justiça Eletrônico [do] Superior Tribunal de Justiça,3 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 18 fev. 2014.

11 Nota­se, portanto, grave equívoco nesse entendimento do TCU, embora se tenha arrimado eminterpretação de julgado do STJ: “não há como superar a ausência de norma legal que não deixedúvidas sobre qual o rito a ser observado quando da execução de acórdão do TCU, bem comoregulamente a sistemática relativa à inscrição em Dívida Ativa não Tributária” (BRASIL. TCU.Processo TC nº 015.999/2010­6. Acórdão nº 1247/2012 – TCU – Plenário. Brasília, 23 de maio de2012. Disponível em: <www.tcu.gov.br>. Acesso em 18 fev. 2014).

12 BRASIL. Lei nº 6.822, de 25 de fevereiro de 1980. Dispõe sobre a cobrança executiva dosdébitos fixados em acórdãos do Tribunal de Contas da União, e dá outras providências. Diário Oficial[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 set. 1980.

13 BRASIL. Decreto­Lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sôbre a Lei Orgânica doTribunal de Contas da União e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa doBrasil, Brasília, DF, 27 fev. 1967.

14 BRASIL. TCU. Processo TC nº 015.999/2010­6. Acórdão nº 1247/2012 – TCU – Plenário. Brasília, 23 de maio de 2012. Disponível em: <www.tcu.gov.br>. Acessoem: 18 fev. 2014.

15 BRASIL. Lei nº 8.443, de 16 de julho de 2002. Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal deContas da União e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,

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Brasília, DF, 17 jul. 1992.

16 BRASIL. TCU. Processo TC nº 015.999/2010­6. Acórdão nº 1247/2012 – TCU – Plenário. Brasília, 23 de maio de 2012. Disponível em: <www.tcu.gov.br>.Acesso em 18 fev. 2014.

17 Ibidem.

18 Ibidem.

19 BRASIL. TCU. Processo TC nº 017.948/1992­4. Acórdão nº 484/1994 – Plenário. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 ago.1994.

20 Ibidem.

21 BRASIL. TCU. Processo TC nº 015.999/2010­6. Acórdão nº 1247/2012 – TCU – Plenário. Brasília, 23 de maio de 2012. Disponível em: <www.tcu.gov.br>.Acesso em 18 fev. 2014. Grifos em negrito e sublinhado constam do original; em negrito apenas,não.

Como citar este conteúdo na versão digital:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este textocientífico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:

JACOBY FERNANDES, Jorge Ulysses. Cobrança e execução judicial de débitos imputados pelosTribunais de Contas. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 157, p. 14­23, mar.2014. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=105493>. Acessoem: 24 abr. 2014.

Como citar este conteúdo na versão impressa:

Conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este textocientífico publicado em periódico impresso deve ser citado da seguinte forma:

JACOBY FERNANDES, Jorge Ulysses. Cobrança e execução judicial de débitos imputados pelosTribunais de Contas. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 157, p. 14­23, mar.2014.

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