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1 n. 03, Curitiba, out. 2003 www.utp.br/psico.utp.online FUNDAMENTOS DA TERAPIA INTERPESSOAL Saint-Clair Bahls Mitie Gisele Ito FUNDAMENTOS DA TERAPIA INTERPESSOAL Saint-Clair Bahls Médico Psiquiatra Mestre em Psicologia Professor da Universidade Tuiuti do Paraná, Universidade Federal do Paraná e Unicenp Mitie Gisele Ito Psicóloga Clínica

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FUNDAMENTOS DA TERAPIA INTERPESSOALSaint-Clair BahlsMitie Gisele Ito

FUNDAMENTOS DA TERAPIA INTERPESSOAL

Saint-Clair BahlsMédico PsiquiatraMestre em PsicologiaProfessor da Universidade Tuiuti do Paraná, Universidade Federal do Paraná e Unicenp

Mitie Gisele ItoPsicóloga Clínica

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RESUMOA terapia interpessoal (TIP) é uma terapia de formato breve que foi desenvolvida para o tratamentode pacientes ambulatoriais adultos e, com depressão. Tem como foco as relações sociais do indiví-duo e a condição atual destes relacionamentos. Os objetivos principais são o alívio da sintomatologiae a melhora das relações interpessoais. A sua eficácia já foi estabelecida em vários estudos clínicoscontrolados e parece ser uma forma de terapia simples, breve e eficaz. Pouco se conhece sobre aTIP em nosso país e este artigo pretende oferecer condições para a compreensão de sua basescientíficas.

ABSTRACTInterpersonal psychotherapy (IPT) is a brief form of therapy that was develodep for use withdepressed adult outpatients. Its focus is on the individual’s social relationships and the current stateof the relationships. The main goals of IPT are to decrease symptomatology and to improveinterpersonal functioning. The efficacy of ITP has been established in several controlled clinicaltrials and seems to be a simple, brief and effective form of therapy. There is little known about thispsychotherapy in our country and this paper intend to offer an opportunity to undertand its scientificbasis.

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INTRODUÇÃO

O homem é um ser social por natureza e baseado nessa premissa muitos estudos e pesquisassobre a condição humana têm sido realizados. Pesquisas que tentam compreender a cultura e ocomportamento humano que diferem sensivelmente, em suas peculiaridades, dos demais primatas.Certamente a vida social tem grande importância na evolução da espécie humana e contribuiu,entre outros fatores, para o desenvolvimento da cultura, da linguagem, e também para a evoluçãodo comportamento afetivo.

A formação de famílias foi influenciada pela diminuição da região pélvica nas fêmeas causadapela postura ereta e, pelo aumento do cérebro e da caixa craniana dos primatas, resultando em umperíodo de gestação curto e com o nascimento de bebês menos preparados para a sobrevivência.Tornou-se necessário que o bebê completasse seu desenvolvimento e crescimento fora do úteromaterno, ficando o bebê mais dependente e necessitando mais cuidados maternos. Além disto, aausência de sinais de estro na fêmea possibilitou a intensificação do comportamento sexual, ou seja,a receptividade sexual passou a ser controlada mais por contingências sociais, do que por alteraçõesfisiológicas (Bussab & Otta,1992). Tantas mudanças favoreceram a formação de famílias, com umvínculo prolongado entre macho e fêmea e com maior investimento parental na criação dos filhos.Além destes, outros processos evolutivos contribuíram para a formação de grupos com relaçõescomplexas entre os indivíduos.

As interações sociais permitem que as emoções sejam aprendidas, desenvolvidas e manifesta-das. Pode-se encontrar uma origem biológica, uma herança primata no comportamento emocionalhumano, mas seu desenvolvimento é tão complexo que dificilmente podemos comparar a vidaafetiva de um adulto humano com a de um primata, apesar do DNA humano e do chipanzé terem98,4% de semelhança. Darwin (1809-1882) já havia desenvolvido a idéia de que o processoevolucionário aplica-se não só as estruturas orgânicas, mas também à expressão de emoções. Eleconsiderava a expressão de emoções essencial para a vida em grupo, na medida em que comunicacomo o indivíduo se sente e contribui para a regulação das interações sociais (Bussab & Otta,1992;Klerman et al,1999). É na interação com o outro que o sujeito constitui sua vida afetiva, e é nasrelações sociais que ele aprende a sentir, nomear e a manifestar suas emoções. Estudos revelam anatureza biológica do comportamento afetivo humano, mas ao mesmo tempo ressaltam a necessi-dade de interação para que este se desenvolva, destacando a relevância das relações chamadas deinterpessoais na condição humana.

Neste artigo, pretendemos apresentar os principais fundamentos da Terapia Interpessoal,uma proposta de psicoterapia que relaciona os problemas afetivos com os relacionamentos sociais,apontando que uma melhora na qualidade destes relacionamentos pode contribuir significativa-mente para a superação de tais problemas.

A TERAPIA INTERPESSOAL (TIP)

A terapia interpessoal tem como fundamentos os estudos de John Bowlby, de Adolf Meyer e HarryStack Sullivan (Mufson et al,1993; Klerman et al,1999, Schestatsky & Fleck,1999; Bahls & Bahls, no prelo).

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No final do século XIX, o nome de Adolf Meyer (1881-1929) da escola médica JohnHopkins alcançou destaque, contribuindo para a introdução das idéias de Kraepelin nos EstadosUnidos, e propiciando uma maior integração entre os trabalhos realizados na América e na Europa.Meyer usou o termo Psicobiologia para descrever seu trabalho e teoria. Hoje em dia, psicobiologiarefere-se à influência de mecanismos biológicos sobre o comportamento, mas Meyer idealizou algomuito mais amplo. Fortemente influenciado pelas idéias de Darwin, via a doença mental como umatentativa de adaptação do indivíduo as mudanças no ambiente (Mufson et al,1993; Weissman,1999;Klerman et al,1999).

A partir da década de 1950, alguns estudos passaram a investigar a importância destas mudan-ças no ambiente para o desenvolvimento de psicopatologias. Pressupunha-se que povos préletradosnão teriam psicose e que a vida urbana trazia efeitos negativos na saúde mental e que certas doençasmentais ocorreriam com maior freqüência em classes sociais menos privilegiadas. Também se ques-tionou o impacto da estrutura social dos hospitais psiquiátricos nos resultados clínicos dos pacien-tes. As pesquisas não revelaram relação entre estes tópicos e o desenvolvimento de psicopatologias,mas as conclusões levaram a suposições de que as mudanças ou problemas nas relações sociaispoderiam sim estar influenciando o desenvolvimento ou a manutenção de doenças como a depres-são (Klerman et al,1999).

Estes estudos demonstraram a necessidade de investigar como as mudanças no ambiente socialinfluenciavam a saúde mental dos sujeitos. Nas décadas de 1930 e 40 destacam-se os trabalhos deHarry Stack Sullivan com a “escola interpessoal”. Sua abordagem baseava-se nas idéias de Meyer, eenfatizava as experiências atuais dos pacientes em suas relações sociais e via as respostas a mudançasno ambiente social e ao estresse da vida adulta como determinada pelas experiências iniciais na famíliae nos vários grupos sociais (Mufson et al,1993; Klerman et al,1999; Ito & Lotufo Neto,2000).

A TERAPIA INTERPESSOAL E A DEPRESSÃO

Os relacionamentos sociais do individuo têm uma estrutura, e esta estrutura é sustentada pelaposição do individuo no sistema social, mais precisamente pelos papéis que desempenha. Cadapessoa tem múltiplas posições hierárquicas no sistema social e desempenha papéis específicos, apro-priados a estas posições. A abordagem interpessoal vê a relação entre os papéis sociais e apsicopatologia de duas formas: dificuldades para exercer um papel social podem estar ligadas aoinicio da depressão e, por outro lado, como conseqüência da depressão pode ocorrer um sérioprejuízo na capacidade do individuo em desempenhar papéis sociais (Klerman et al,1999;Weissman,1999).

Para a terapia interpessoal, dificuldades nos relacionamentos interpessoais podem estar pre-sentes não apenas após o inicio da depressão, mas antes mesmo disto. Esta abordagem, porém, nãopretende especular as causas da depressão, mas sim observar a relação entre dificuldades nos relaci-onamentos interpessoais e o inicio ou manutenção da depressão, bem como propor um tratamentocom base nestas observações.

Responder com pesar e tristeza a problemas nos relacionamentos interpessoais é uma respos-ta normal e praticamente universal, mas pode haver uma desproporção nesta reação, que pode seprolongar e se intensificar chegando a depressão como patologia.

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Mas como explicar que algumas pessoas conseguem lidar com a tristeza e seguir suas vidas,enquanto outras se tornam significativamente afetadas pela depressão? O papel das experiênciasinfantis é sempre foco de discussões neste sentido. Geralmente considera-se que as experiênciasinfantis predispõem o desenvolvimento de psicopatologias na vida adulta. Tais experiências têm seuvalor especialmente por constituírem a história de relações interpessoais do individuo. Outro fatorcostumeiramente considerado como responsável pelo inicio da depressão são os acontecimentosestressantes na vida adulta. Um exemplo é o casamento, uma convenção social para suprir as neces-sidades de apego do adulto. Em um nível ideal, o casamento propicia segurança econômica e socialpara a criação dos filhos e é a possibilidade de troca de afeto, carinho e compreensão. Pesquisas,entretanto, revelam que há um número maior de dificuldades em relacionamentos conjugais entrepacientes deprimidos do que em pessoas não deprimidas, indicando uma possível relação entredificuldades no casamento e o surgimento da depressão (Klerman et al,1999; Weissman,1999).

A Terapia Interpessoal considera que dificuldades nos relacionamentos interpessoais são fa-tores que podem estar relacionados com o inicio e/ou manutenção da depressão. Assim como,vínculos sociais fortes podem proteger o individuo contra o desenvolvimento de depressão, especi-almente quando o indivíduo está exposto a adversidades. O comportamento do paciente deprimi-do, que se isola, está sempre pessimista, irritado, triste, desinteressado, lentificado, angustiado, colo-ca-o ainda mais distante de um convívio social satisfatório o que contribui para o agravamento dadoença (Judd,1995; Nardi,1998: Bahls,2000).

A terapia interpessoal foi, inicialmente, desenvolvida como uma proposta de psicoterapiabreve para o tratamento de pacientes deprimidos tendo como foco as dificuldades nas relaçõesinterpessoais. Visa uma compreensão dos conflitos interpessoais que estão relacionados com oinicio ou manutenção da depressão e a busca de melhores meios de manejar tais conflitos. Osobjetivos do tratamento são a remissão dos sintomas e a melhora da qualidade nas relações com aspessoas significantes de modo que o paciente possa não apenas recuperar-se do episódio atual,como também ter uma vida social melhor e assim evitar a recaída ou a recorrência da depressão(Mufson et al,1993; Markowitz,1999; Schetatsky & Fleck,1999; Klerman et al,1999).

Nesta modalidade, o tratamento da fase aguda da depressão foi planejado para durar de dozea dezesseis semanas, sendo dividido em três fases. Com base na relação entre depressão e o ambien-te social, considerando o inicio da doença, a resposta ao tratamento e o prognóstico como sendoinfluenciados pelas relações interpessoais do paciente com as pessoas mais significativas, foramdesenvolvidos tópicos a serem trabalhados em cada fase do tratamento (Moreau et al,1991; Mufsonet al,1993; Klerman et al,1999; Schestatsky & Fleck,1999; Weissman,1999; Ito & Lotufo Neto,2000)

Além desta modalidade de terapia breve para o tratamento da depressão, outras modalidadesde terapia interpessoal vem sendo pesquisadas e desenvolvidas, como a terapia de longo prazo, queé uma proposta para o tratamento de manutenção da depressão, assim como propostas para otratamento de outros transtornos de humor e outras patologias, e ainda para outras faixas etáriascomo adolescentes e pacientes geriátricos (Mufson et al,1993; Markowitz,1999; Schestatsky &Fleck,1999; Thase,2001; Bahls & Bahls, no prelo). Neste momento, entretanto, vamos nos deterapenas na apresentação da Terapia Interpessoal como foi inicialmente desenvolvida, ou seja, comouma terapia breve para o tratamento da fase aguda da depressão não psicótica, em pacientes adultos.

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FASES DO TRATAMENTO DA TIP PARA A DEPRESSÃO

Segundo a proposta de Klerman et al. (1999) para uma terapia breve no tratamento dadepressão, na primeira fase a depressão é diagnosticada e explicada em suas linhas gerais parao cliente. Também é identificado o principal problema associado ao inicio da depressão e éfeito um contrato explícito de trabalho nesta área-problema. Na fase intermediária é realizadoo trabalho terapêutico propriamente dito agindo sobre a principal e atual área-problemaidentificada na fase anterior. A fase final não é uma exclusividade da TIP, e é nela que sãodiscutidos os sentimentos sobre o término da terapia, o progresso é revisto e são pontuados ostrabalhos remanescentes.

I) Fase inicial

As sessões iniciais são destinadas a identificar as áreas-problema, começar a lidar com sin-tomas depressivos e estabelecer o contrato de trabalho. O cliente deve descrever o que causousua busca por tratamento e a história recente de seu estado depressivo. É feita uma revisão deseus sintomas e avaliada a necessidade do uso de medicamentos. A história do estado depressivoatual deve incluir a revisão de episódios anteriores e de fatos nas relações interpessoais que ante-cederam ou surgiram como conseqüência da depressão e ainda como foram resolvidos nos episó-dios anteriores. A revisão dos sintomas depressivos é uma avaliação cuidadosa e deve ser minuci-osa, abrangendo questões nas principais áreas geralmente alteradas pela patologia.

Identificado o quadro depressivo, o terapeuta deve explicar claramente ao cliente qual éseu problema, o que é a depressão e deve dar informações gerais sobre o tratamento. Nestesentido é necessário esclarecê-lo de que a depressão é um distúrbio do qual ele não tem com-pleto controle, mas que com o tratamento ele poderá se recuperar, ressaltando a importânciada sua cooperação.

Terminada a revisão da depressão, o terapeuta pode direcionar a atenção do cliente parao inicio dos sintomas e para a razão de buscar tratamento. A revisão sistemática das relaçõesinterpessoais atuais e passadas envolve a exploração dos relacionamentos mais importantes docliente, começando pelos atuais. Tal revisão deve conter e especificar algumas informaçõessobre cada pessoa importante na sua vida, tais como:

- Interações das pessoas significativas.- As expectativas de cada uma das partes na relação.- Revisão dos aspectos satisfatórios e não satisfatórios dos relacionamentos.- O modo como gostaria de mudar seus relacionamentos.Feito isto, o passo seguinte é identificar a principal área-problema. As quatro áreas-pro-

blema definidos pela TIP são: Luto, Conflitos Interpessoais, Mudanças de Papel e DéficitInterpessoal. Cada uma destas área-problema abrange uma série de questões, portanto nestasquatro áreas estão englobadas as principais dificuldades nos relacionamentos interpessoais.

Após esta revisão é possível identificar quais as questões interpessoais centrais no episó-dio depressivo atual e quais aspectos das dificuldades estão abertos à mudança.

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II) Fase Intermediária

A fase intermediária do tratamento é centrada nas áreas-problema definidas nas sessões inici-ais, e o trabalho terapêutico consiste em auxiliar o cliente a identificar as principais pessoas comquem ele está tendo dificuldades, quais são estas dificuldades e se há maneiras de tornar seus relaci-onamentos mais satisfatórios. Os problemas devem ser apontados explicitamente como derivadosdo que o cliente descreveu, e também procura-se apontar claramente o propósito das próximassessões. Deve ser identificada uma ou no máximo duas áreas-problema que serão o foco do traba-lho, mas, isto é constantemente revisto, sendo possível em alguns casos, até mesmo mudar a área-problema a ser trabalhada. Na fase exploratória do tratamento o cliente é incentivado a rever siste-maticamente o relacionamento com as pessoas com quem seus problemas se baseavam. Esta revi-são inclui algumas explicações sobre as expectativas mútuas e o detalhamento das interações impor-tantes, buscando identificar possíveis mudanças decorrentes do tratamento. Nesta fase, o terapeutatem três metas principais: a) ajudar o cliente a discutir os tópicos pertinentes a área problema; b)atentar para o estado emocional do cliente e a relação terapêutica; c) prevenir a sabotagem dotratamento pelo próprio cliente.

Em muitos relacionamentos, por exemplo, as pessoas têm expectativas diferentes para a rela-ção, o que costuma gerar conflitos. Neste caso a área-problema abordada poderia ser “conflitosinterpessoais”. Muitas vezes, as dificuldades estão relacionadas especialmente com a dificuldade deenfrentar mudanças, superar as perdas relacionadas a estas mudanças e encarar as dificuldades im-postas por novas situações, quando esta é a principal questão ligada ao episódio depressivo a área-problema trabalhada é a de “mudança de papéis”. Há ainda os casos em que a dificuldade está nasuperação da perda seja por morte ou simplesmente por afastamento de alguém significativo, eassim a área-problema passa a ser “luto”. Finalmente, há clientes que relatam uma história deenvolvimentos inadequados ou relacionamentos não sustentados. Casos em que é identificado umisolamento social significativo a área-problema abordada é “dificuldades interpessoais”.

Estas questões podem se mostrar interligadas, mas cabe ao terapeuta distinguir qual deve ser oprincipal foco de atenção no tratamento deste episódio depressivo e delimitar a área-problema a serabordada. De acordo com a área-problema identificada, o terapeuta poderá centrar sua atuação naprincipal dificuldade que interfere nos relacionamentos interpessoais do cliente. O cliente normal-mente se depara com a chance de mudar suas expectativas ou atitudes, porém aprendendo a aceitar aslimitações. Neste ponto o papel do terapeuta é guiar o cliente na exploração destas possibilidades.

III) Fase Final

Sendo a terapia interpessoal uma proposta de psicoterapia breve, é importante manter o con-trato inicial, e assim como em outras terapias breves o término da terapia deve ser especificamentediscutido no mínimo de duas a quatro sessões antes do seu encerramento.

Com o término, o cliente se depara com a tarefa de encerrar um relacionamento e estabelecerseu senso de competência para lidar com futuros problemas sem a ajuda do psicoterapeuta e a falhanesta tarefa pode levar a volta dos sintomas depressivos.

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Para facilitar o término, as últimas três ou quatro sessões devem conter uma discussão explí-cita sobre o fim da terapia e que o término da terapia pode ser um período de tristeza. E ainda oreconhecimento pelo cliente de sua competência independente.

O cliente pode imaginar que sua melhora se deve inteiramente a ajuda do terapeuta e quequando não tiver este apoio, a regressão será inevitável. Deve ser ressaltado que o objetivo daterapia é ajuda-lo a lidar melhor com a vida (trabalho, amor, amizades) fora do consultório. Arelação entre terapeuta e cliente é um espaço para realçar a saúde do paciente e sua competênciafora do consultório e isto não é um substituto para as relações do mundo real. É particularmenteimportante facilitar e/ou desenvolver a habilidade do cliente para julgar quando precisa ou precisaráde ajuda.

A maioria das pessoas apresenta algum desconforto com o término da terapia. Para aquelesque não desejam terminar o tratamento deve-se indicar que poderão procurar tratamento novamen-te, mas que é recomendável aguardar por um período de no mínimo quatro a oito semanas, paraverificar se isto é realmente necessário. Exceção a isto são casos que permanecem gravementesintomáticos e demonstram pouca ou nenhuma melhora no curso da terapia. Nestes casos, outrasmodalidades de tratamento, inclusive tratamento medicamentoso não tentado previamente,psicoterapia de outra abordagem ou terapia com outro terapeuta devem ser consideradas.

Para certos clientes, terapias de longa duração são indicadas. Entre estes estão aqueles comproblemas de personalidade, aqueles que conseguem iniciar relacionamentos, mas não conseguemmantê-los, aqueles com déficits interpessoais que não tem habilidade para iniciar relacionamentos esentem-se permanentemente sós, aqueles com depressão recorrente e que requerem tratamentos demanutenção e clientes que não respondem ao tratamento ou permanecem agudamente deprimidos.

Em uma psicoterapia breve o tempo contratado inicialmente deve ser mantido. Clientes quenecessitam de terapias longas devem ser encaminhados a outros terapeutas ou realizado um contra-to diferente com o terapeuta, o que envolve uma mudança no foco e nas técnicas.

RESULADOS DE TRATAMENTO COM TIP NA DEPRESSÃO

Em 1979, Mirna Weissman e cols. descreveram os resultados de seu ensaio clínico contro-lado pioneiro, com pacientes ambulatoriais deprimidos, de ambos os sexos, utilizando isolada-mente TIP, amitriptilina e a combinação de ambos, comparados com um grupo controle, pordezesseis semanas na fase aguda da depressão. Em geral, os resultados da TIP e do antidepressivotricíclico isoladamente mostraram-se similares e ambos foram melhores do que os do grupocontrole. O tratamento combinado apresentou um benefício adicional modesto em relação asabordagens isoladas. Entretanto, os dois tratamentos apresentaram diferenças significativas noefeito sobre os sintomas: a TIP teve impacto na melhora do humor, na ideação suicida, na capa-cidade para trabalhar e no interesse. Os efeitos aparecem estatisticamente entre quatro e oitosemanas de tratamento e foram sustentados durante o tratamento. Estes resultados estimularamoutras pesquisas e atualmente existem vários ensaios controlados demostrando a eficácia da TIPpara a fase aguda da depressão, sendo um realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental(NIMH) dos EUA (Thase,2001).

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Além da proposta de uma terapia breve e focal para o tratamento da fase aguda da depressão,outras modalidades vêm sendo pesquisadas e desenvolvidas, não apenas no de longa duração para adepressão, mas também na sua prevenção e no tratamento de outros transtornos de humor e mes-mo outras psicopatologias, e com resultados satisfatórios. Tem sido estudada e empregada em ado-lescentes deprimidos com dois ensaios clínicos controlados demonstrando sua efiácia nesta popula-ção (Moreau et al,1991; Weissman & Markowitz,1994; Schestatsky & Fleck,1999; Thase,2001; Bahls& Bahls, no prelo).

CONCLUSÕES

A depressão maior é uma doença grave e por apresentar alta prevalência na população geral eser debilitante pode ser incluída entre as mais importantes patologias enfrentadas pelo ser humano(Judd,1995; Nardi,1998; Bahls,2000).

Para lidar com este transtorno vêm sendo desenvolvidas muitas formas de tratamento. Afarmacoterapia oferece uma variedade de medicamentos que tem demonstrado bons resultados.Paralelamente, algumas psicoterapias especificamente voltadas para o tratamento da depressão vemsendo desenvolvidas e pesquisadas de modo a comprovar sua eficácia. Entre as psicoterapias queapresentam bons resultados no tratamento da depressão está a Terapia Interpessoal, desenvolvida etestada por Gerald Klerman e cols. Ao buscar a resolução de conflitos ligados ao inicio e/ou amanutenção da depressão, esta proposta de psicoterapia visa não só a remissão dos sintomas, comotambém evitar a recaída ou a recorrência de episódios depressivos maiores futuros.

Escolhemos destacar a Terapia Interpessoal por ser a única proposta que estabelece comofoco do tratamento as relações interpessoais do paciente, e que foi especificamente desenvolvidapara o tratamento da depressão. Além disto, apresenta pesquisas que indicam sua eficácia, tem seusprocedimentos descritos em um manual e é um modelo flexível, pois é uma modalidade de psicoterapiabreve que pode ser adaptada para uma terapia de longa duração, e pode ser utilizada no tratamentoda fase aguda da depressão, no tratamento de manutenção ou psicoprofilático. Mesmo assim, aindaé pouco conhecida no Brasil e sua prática é bastante restrita em nosso país.

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