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Pão com trigo? Num celíaco, alérgico ou sensível ao glúten? Sim! Mas só se for de sarraceno! Nutritivo, ótimo texturizante culi- nário confere às receitas sem glúten um toque especial. Gentilmente, Jorge Rocha, pai de menino com PEA e celíaco, e Susana Fernandes mostram-nos como esta dieta pode ser sabo- rosa e divertida! Vá de férias, descanse, divirta- se, mas não descure e dieta! Desde há muito que estão descri- tas complicações neurológicas e psiquiátricas nas doenças associa- das ao glúten. Existem, no en- tanto e ainda, muitos mistérios sobre a relação glúten – cére- bro. Uma das áreas mais con- troversas na relação glúten e cérebro são as perturbações do espectro do autismo (PEA). Al- guns doentes com PEA sob dieta isenta de glúten (DIG) e/ou caseína, apresentam melhoria comportamental. Este número será especialmente dedicado aos membros do Grupo que lidam diariamente com estas patologias, sendo celíacos ou não. Neste contexto, a nutricionista Daniela Seabra fala-nos sobre a sua experiência no seguimento destas crianças e quais os efei- tos deste tipo de dieta na sua sintomatologia e qualidade de vida. Anabela Lisboa da Silva, mãe de menina com PEA sob dieta sem glúten, caseína e soja fala-nos um pouco sobre a sua decisão de iniciar esta dieta na sua filha e na melhoria nela observada. EDITORIAL O ESTADO DA ARTE - O glúten, as doenças associadas e as perturbações do espectro do autismo Desde há 40 anos que se co- nhece a relação entre complica- ções neurológicas e psiquiátri- cas e as doenças associadas ao glúten. Estas complicações po- dem inclusive ser a principal manifestação de doença celía- ca mesmo sem envolvimento intestinal. Desta forma, a sensi- bilidade ao glúten pode passar facilmente despercebida e não tratada. 22% dos doentes celí- acos desenvolvem disfunção neurológica ou psiquiátrica e 57% dos indivíduos com disfun- ção neurológica de causa des- conhecida têm anticorpos anti- gliadina positivos. São múltiplas as complicações neurológicas e psiquiátricas associadas às reações imunes desencadeadas pelo glúten desde convulsões, ataxia, degeneração cerebelo- sa, neuropatia, enxaqueca, esclerose múltipla, miastenia gravis, miopatia, lesões da substância branca, parestesias (formigueiro) nas pontas dos dedos, esquizofrenia, depres- são, ansiedade, deficit de aten- ção, hiperatividade e autismo. São muitos os mistérios que ainda existem sobre a relação glúten – cérebro. Clinicamente uma das experiências mais satisfatórias é o quase alívio mágico, obtido com a dieta isenta de glúten (DIG), de algu- ma da sintomatologia neuroló- gica / comportamental, muitas vezes sentida durante anos como uma praga. Mas porque é que o glúten nalguns indivíduos tem um efeito deletério a nível neurológico e comportamental e noutros não? Duas correntes de pensamento debatem-se atualmente sobre este assunto: a teoria das en- dorfinas versus a da inflama- ção. Segundo a teoria das endorfi- nas, alguns dos fragmentos do glúten (péptidos de gliadina) não são digeridos e têm algu- ma semelhança estrutural com endorfinas. Estas últimas são neuro-químicos produzidos no cérebro e estruturalmente seme- lhantes, por sua vez, à morfina pelo que naturalmente aliviam a dor e o stress. São as chama- das “gliadorfinas”. Coloca-se a hipótese de estas atravessarem a barreira intestinal, entrarem na corrente sanguínea e assim alcançarem a barreira hemato- encefálica chegando ao cére- bro. Aí atuam a nível dos rece- tores das endorfinas e podem causar alterações comporta- mentais. Esta teoria pode expli- car as alterações comportamen- tais descritas nos doentes celía- cos e com sensibilidade ao glú- ten não celíaca, mas não expli- ca adequadamente, por exem- plo, a neuropatia ou as pares- tesias. Esta aparente contradi- ção pode ser explicada por uma outra teoria, a da inflama- ção, que sugere que o envolvi- mento neurológico e comporta- mental nas doenças associadas ao glúten é secundaria à infla- mação como um continuum de respostas imunes que começam no intestino. Uma das áreas mais controver- sas em relação ao glúten e cérebro são as perturbações do espectro do autismo (PEA). As PEA são patologias neuropsi- quiátricas mistas que afetam aproximadamente 1% da po- pulação geral. Crianças e adul- tos com estas patologias mos- tram alterações deficitárias (continua na página seguinte) Agradecimentos: ANABELA LISBOA DA SILVA– Entrevistada ANA PIMENTA– Redacção ANTÓNIO JOÃO PEREIRA – Revisão clínica AVELINO GUERREIRO – Apoio técnico e informático CLÁUDIA MACEDO – Revisão ortográfica e tipográfica/ layout DANIELA SEABRA - Nutrição JORGE ROCHA - Receita do Mês LIPITA SEM GLÚTEN– Grãos e farinhas sem glúten SUSANA FERNANDES - Receita do Mês EDITORIAL 1 ESTADO DA ARTE 1,2 NUTRIÇÃO 2,3 ENTREVISTA 3,4 INFO & DICAS 4 RECEITA DO MÊS 5 Neste número: Agosto 2014 Edição 1, Nº 8 GRUPO VIVA SEM GLÚTEN PORTUGAL Newsletter Contacto: [email protected]

Newsletter Grupo Viva sem Glúten Portugal ed 1 nr 8 ago 2014

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Pão com trigo? Num celíaco, alérgico ou sensível ao glúten? Sim! Mas só se for de sarraceno! Nutritivo, ótimo texturizante culi-nário confere às receitas sem glúten um toque especial. Gentilmente, Jorge Rocha, pai de menino com PEA e celíaco, e Susana Fernandes mostram-nos como esta dieta pode ser sabo-rosa e divertida! Vá de férias, descanse, divirta-se, mas não descure e dieta!

Desde há muito que estão descri-tas complicações neurológicas e psiquiátricas nas doenças associa-

das ao glúten. Existem, no en-tanto e ainda, muitos mistérios sobre a relação glúten – cére-bro. Uma das áreas mais con-troversas na relação glúten e cérebro são as perturbações do espectro do autismo (PEA). Al-guns doentes com PEA sob dieta isenta de glúten (DIG) e/ou caseína, apresentam melhoria comportamental. Este número será especialmente dedicado

aos membros do Grupo que lidam diariamente com estas patologias, sendo celíacos ou não. Neste contexto, a nutricionista Daniela Seabra fala-nos sobre a sua experiência no seguimento destas crianças e quais os efei-tos deste tipo de dieta na sua sintomatologia e qualidade de vida. Anabela Lisboa da Silva, mãe de menina com PEA sob dieta sem glúten, caseína e soja fala-nos um pouco sobre a sua decisão de iniciar esta dieta na sua filha e na melhoria nela observada.

EDITORIAL

O ESTADO DA ARTE - O glúten, as doenças associadas e as perturbações do

espectro do autismo

Desde há 40 anos que se co-nhece a relação entre complica-ções neurológicas e psiquiátri-cas e as doenças associadas ao glúten. Estas complicações po-dem inclusive ser a principal manifestação de doença celía-ca mesmo sem envolvimento intestinal. Desta forma, a sensi-bilidade ao glúten pode passar facilmente despercebida e não tratada. 22% dos doentes celí-acos desenvolvem disfunção neurológica ou psiquiátrica e 57% dos indivíduos com disfun-ção neurológica de causa des-conhecida têm anticorpos anti-gliadina positivos. São múltiplas as complicações neurológicas e psiquiátricas associadas às reações imunes desencadeadas pelo glúten desde convulsões, ataxia, degeneração cerebelo-sa, neuropatia, enxaqueca, esclerose múltipla, miastenia gravis, miopatia, lesões da substância branca, parestesias (formigueiro) nas pontas dos dedos, esquizofrenia, depres-são, ansiedade, deficit de aten-ção, hiperatividade e autismo. São muitos os mistérios que ainda existem sobre a relação glúten – cérebro. Clinicamente

uma das experiências mais satisfatórias é o quase alívio mágico, obtido com a dieta isenta de glúten (DIG), de algu-ma da sintomatologia neuroló-gica / comportamental, muitas vezes sentida durante anos como uma praga. Mas porque é que o glúten nalguns indivíduos tem um efeito deletério a nível neurológico e comportamental e noutros não? Duas correntes de pensamento debatem-se atualmente sobre este assunto: a teoria das en-dorfinas versus a da inflama-ção. Segundo a teoria das endorfi-nas, alguns dos fragmentos do glúten (péptidos de gliadina) não são digeridos e têm algu-ma semelhança estrutural com endorfinas. Estas últimas são neuro-químicos produzidos no cérebro e estruturalmente seme-lhantes, por sua vez, à morfina pelo que naturalmente aliviam a dor e o stress. São as chama-das “gliadorfinas”. Coloca-se a hipótese de estas atravessarem a barreira intestinal, entrarem na corrente sanguínea e assim alcançarem a barreira hemato-

encefálica chegando ao cére-bro. Aí atuam a nível dos rece-tores das endorfinas e podem causar alterações comporta-mentais. Esta teoria pode expli-car as alterações comportamen-tais descritas nos doentes celía-cos e com sensibilidade ao glú-ten não celíaca, mas não expli-ca adequadamente, por exem-plo, a neuropatia ou as pares-tesias. Esta aparente contradi-ção pode ser explicada por uma outra teoria, a da inflama-ção, que sugere que o envolvi-mento neurológico e comporta-mental nas doenças associadas ao glúten é secundaria à infla-mação como um continuum de respostas imunes que começam no intestino.

Uma das áreas mais controver-

sas em relação ao glúten e

cérebro são as perturbações do

espectro do autismo (PEA). As

PEA são patologias neuropsi-

quiátricas mistas que afetam

aproximadamente 1% da po-

pulação geral. Crianças e adul-

tos com estas patologias mos-

tram alterações deficitárias

(continua na página seguinte)

Agradecimentos:

ANABELA LISBOA DA SILVA–

Entrevistada

ANA PIMENTA– Redacção

ANTÓNIO JOÃO PEREIRA –

Revisão clínica

AVELINO GUERREIRO – Apoio

técnico e informático

CLÁUDIA MACEDO – Revisão

ortográfica e tipográfica/ layout

DANIELA SEABRA - Nutrição

JORGE ROCHA - Receita do Mês

LIPITA SEM GLÚTEN– Grãos e

farinhas sem glúten

SUSANA FERNANDES - Receita

do Mês

EDITORIAL 1

ESTADO DA ARTE 1,2

NUTRIÇÃO 2,3

ENTREVISTA 3,4

INFO & DICAS 4

RECEITA DO MÊS 5

Neste número:

Agosto 2014 Edição 1, Nº 8

G R U P O V I VA S E M G L Ú T E N P O R T U G A L

Newsletter

Contacto: [email protected]

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na capacidade interativa e comunicativa social, comporta-mentos repetitivos, repertório acentuadamente restrito de interesses e de atividades, entre outros. São várias as teorias que ten-tam explicar como fatores ambi-entais as causas em indivíduos geneticamente predisponíveis. Vários estudos associam-nas ao glúten e à autoimunidade. Com-parativamente com controlos, os indivíduos com PEA e membros de suas famílias têm elevada percentagem de aumento da permeabilidade intestinal. Mui-tas crianças e adolescentes com PEA sofrem de problemas gas-trintestinais. Obstipação, refluxo gastroesofágico, gastrite, infla-mação intestinal (enterocolite autista), más digestões, mal absorção, flatulência, dor abdo-minal ou desconforto, intolerân-cia à lactose, infeções entéricas e outros sintomas. É extrema-mente difícil medir o impacto destes sintomas gastrointestinais uma vez que estas crianças se expressam habitualmente de forma não-verbal. Questões centrais como a prevalência e um melhor tratamento destas condições ainda não são com-pletamente compreendidas. Múltiplas abordagens terapêuti-cas têm surgido para estes ca-sos, mas baseiam-se em poucas evidências científicas. Dos 50 tratamentos propostos para o autismo, (antifúngicos; quelação;

remoção de metais pesados do sangue; enzimas; tratamentos gastrintestinais; desparasitação intestinal; suplementos nutricio-nais; opções dietéticas, entre outros), sete têm como alvo es-pecífico o sistema gastrointesti-nal.

Como já refe-rido anterior-mente, em alguns estudos os doentes com autismo

sob dieta isenta de glúten e caseína apresentam melhoria da permeabilidade intestinal quan-do comparados com outros do-entes sem restrições alimentares. Outros estudos mostram que estas dietas são benéficas para os autistas. Um outro estudo mostrou que alguns doentes autistas produzem anticorpos contra as células de Purkinje (do cerebelo) e péptidos da gliadi-na. É de salientar que a maioria dos estudos nesta área envol-vem uma dieta sem glúten e sem caseína pelo que é difícil discer-nir qual o efeito devido a cada uma destas restrições. Apesar da sua popularidade, ainda não se provou conclusivamente que a dieta sem glúten seja eficaz para todos os doentes autistas. Em relação à dieta sem glúten neste contexto, com ou sem isen-ção de caseína, algumas ques-tões devem ser colocadas antes da tomada de decisão de a

iniciar: a família tem recursos económicos para iniciar uma dieta dispendiosa? Estes alimen-tos estão facilmente disponíveis? Existe o comprometimento de, pelo menos um, familiar para registar diariamente qual os alimentos ingeridos e as mudan-ças comportamentais observa-das? Na área geográfica da família existem clínicos que as-sistam regularmente este tipo de pacientes sob estas dietas? Qual o estado de saúde geral da criança? A criança já tem um repertório alimentar limitado? Caso a dieta isenta de glúten, com ou sem caseína, venha a restringir e limitar mais esse repertório isto irá ter impacto no estado nutricional da mesma? De salientar ainda que nos do-entes com PEA e sintomatologia intestinal, antes do início desta dieta, deve ser efetuado o des-piste das doenças associadas ao glúten, em particular a doença celíaca e a sensibilidade ao glúten não celíaca. Prende-se este facto por estas doenças serem igualmente prevalentes na população e poderem só por si levar a comportamentos do tipo autista. Cada uma destas patologias requer acompanha-mento médico e nutricional dife-renciado. São ainda necessários estudos randomizados de larga escala para esclarecimento do real impacto da dieta sem glúten,

O ESTADO DA ARTE- O glúten, as doenças associadas e as perturbações do espectro do autismo

(cont.)

Newsletter

DIETA SEM GLÚTEN E PERTUR-BAÇÃO DO ESPECTRO DO AUTISMO

Apesar de já se saber muito sobre as PEA, a sensação que todos têm é que ainda há muito por descobrir nesta área. Não há duas

crianças iguais: os sintomas com-portamentais diferem, os sinto-mas físicos diferem e até as alterações genéticas base são, por vezes, completamente distin-tas. As diferentes abordagens terapêuticas também variam de criança para criança, sendo o tratamento (comportamental, farmacológico e nutricional)

altamente individualizado. Só o trabalho conjunto (e transparente) entre os pais e os profissionais de saúde é capaz de estruturar as melhores opções terapêuticas para uma determinada criança. Muito se tem falado da possível influência de uma dieta sem glú-ten na melhoria dos sintomas comportamentais nas perturba-ções do espectro do autismo. O diagnóstico de uma eventual doença celíaca ou estudo analíti-co sobre eventual reação ao glúten, e a implementação de cuidados alimentares com exclu-são de alguns alimentos (e intro-dução de outros nutricionalmente equivalentes) com uma adequada

com ou sem caseína, na melhoria destas condições. No entanto, sendo que existem múltiplos casos de melhoria sintomatológi-ca e comportamental descritos é uma opção a equacionar desde que devidamente acompanha-da. Alessio Fasano MD. Gluten Freedom: The

Nation's Leading Expert Offers the Essen-

tial Guide to a Healthy, Gluten-Free

Lifestyle. Chapter 6. 2014. Jessica R. Jackson et all. Neurologic and

Psychiatric Manifestations of Celiac Dis-

ease and Gluten Sensitivity. Psychiatr Q.

2012 March; 83(1): 91–102. Atladottir HO et al. Association of family

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spectrum disorders. Pediatrics. 2009;

124:687–694. Valicenti-McDermott MD et al. S. Gastro-

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autism spectrum disorder and language

regression. Pediatric Neurology. 2008; 39:392–398.

de Magistris L et al. Alterations of the

intestinal barrier in patients with autism

spectrum disorders and in their first-degree relatives. Journal of Pediatric and

Gastroenterology Nutrition. 2010;

51:418–424.

Elder JH. The gluten-free, casein-free diet

in autism: an overview with clinical impli-cations. Nutr Clin Pract. 2008 Dec-2009

Jan; 23(6):583-8. Knivsberg AM et al. A randomised, con-trolled study of dietary intervention

in autistic syndromes. Nutritional Neurosci-ence. 2002; 5:251–261.

Whiteley P et al. The ScanBrit random-

ised, controlled, single-blind study of a

gluten- and casein-free dietary interven-tion for children with autism spectrum

disorders. Nutritional Neuroscience. 2010;

13:87–100.

Vojdani A et al. Immune response to dietary proteins, gliadin and cerebellar

peptides in children with autism. Nutrition-

al Neuroscience. 2004; 7:151–161.

ANA PIMENTA

supervisão e acompanhamento, são, na minha opinião, algo que deve ser implementado. Está longe de ser uma opção consen-sual, mas em todo o mundo são cada vez mais os pais que estão a experimentar remover o glú-ten da alimentação dos seus filhos para avaliar se ocorrem melhorias. Estes são motivados pelos relatos de outros pais, por alguns artigos científicos que referem eventuais associações, e pela opinião e experiência de diferentes profissionais de saú-de. Nestes casos, a caseína (a proteína do leite) tem também sido implicada, devendo por isso também ser retirada da alimen-tação destas crianças.

Eu incluo-me nos profissionais de saúde que recomendam a imple-mentação de uma dieta sem glúten e sem caseína nos casos de perturbação do espectro do autismo. Desde 2009 que tenho observado os efeitos positivos desta dieta: das crianças que acompanhei apenas duas (aproximadamente 2 em 200) não responderam de forma benéfica à remoção do glúten e da caseína. Idealmente, estas crianças deviam ser testadas para a presença de doença celíaca, mas nem todos os médi-cos estão dispostos a fazer o estudo nestas crianças. Um diag-nóstico negativo para doença

NUTRIÇÃO

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Edição 1, Nº 8

ENTREVISTA

Anabela Lisboa da Silva

Anabela, como mãe de menina com PEA como decidiu alterar a sua dieta na tentativa de obter melhorias clínicas? A sua filha tinha sintomas gastrintes-tinais para além dos inerentes à PEA? Quem vive o Autismo, vive numa busca infindável de respostas e formas de ajudar a combater o problema, com o intuito da me-lhoria da qualidade de vida.

Após muitas horas de pesquisa relacionadas com o Autismo, comecei a perceber que existem muitas crianças diagnosticadas com PEA com um quadro de fragilidade intestinal, semelhan-te ao que a minha filha demons-trava. Percebi também que o intestino permeável é comum nestes casos e que existe uma relação enorme entre o que se passa a nível intestinal e o cére-bro, por diferentes mecanismos completamente distintos.

Aproximadamente aos dois anos e meio, a minha filha manifesta-va (entre outras questões relaci-onadas com PEA) problemas gastrointestinais: diarreia cróni-ca, abdómen dilatado, refluxo e flatulência. Adoecia facilmente, aumentava pouco de peso, em-bora comesse muito bem. Desde cedo, que se mostrou uma miúda inquieta, com momentos de grande impaciência, choro pro-longado e irritabilidade sem se perceber a origem, uma vez que

era não-verbal. Fizeram-se alguns exames rotineiros, mas os resultados estavam dentro dos parâmetros normais. No entanto, os episódios diarreicos eram uma constante. Por aconselha-mento de um neurologista deci-dimos aprofundar melhor a questão das intolerâncias ali-mentares. Que profissional de saúde a o r i e n t o u ? De início a Pediatra; não tendo

celíaca não exclui a possibilida-de de melhoria na remoção do glúten. A implementação da dieta sem glúten (e sem caseína) é ainda desaconselhada (ou não recomendada) pela maioria da comunidade científica enquanto aguarda provas inequívocas sobre a eficácia desta dieta, ou sobre as formas de diagnóstico que permitam perceber que essa dieta pode ser eficaz numa determinada criança.

Porque es-sas provas ainda po-dem tardar alguns anos, porque a intervenção

precoce nas PEA é fundamental, porque existem janelas de opor-tunidade no neuro-desenvolvimento e porque con-siste “apenas” em retirar o glú-ten (e outros alimentos) da ali-mentação de uma criança pelo menos durante seis meses – são muitos os pais que, mesmo sem o apoio clínico, estão dispostos a avançar para a implementação desta dieta sem glúten (e sem lácteos). O apoio junto de nutri-cionistas/dietistas que concor-dem com a implementação des-ta dieta é importante. Estes pais, muitas vezes, enfren-tam uma decisão complexa, pois por um lado têm diferentes pro-fissionais de saúde, alguns arti-gos científicos e milhares de pais em todo o mundo a incentivarem a implementação desta dieta e, por outro lado, a quase totali-dade da comunidade científica a dizer que não existe qualquer relação provada entre as PEA e a dieta sem glúten e a desacon-

selhá-la. Por vezes, o próprio casal tem entre si opiniões opos-tas relativamente a esta opção terapêutica. As duvidas instalam-se, e ainda mais quando alguns relatos de melhorias são de crianças que eles conhecem: o filho de um amigo que teve melhorias ou as terapeutas do seu filho a verem melhorias nou-tras crianças que também acom-panham. O risco de seguir este caminho sozinho sem um ade-quado acompanhamento profis-sional individualizado não é recomendado. Ao profissional de saúde que acompanha estas crianças é-lhe muitas vezes escondida a total informação sobre as diferentes abordagens terapêuticas que estão a ser implementadas pelos pais (em especial dieta e suple-mentação nutricional). Estamos numa fase em que a informação (correta e incorreta) está à distância de um clique – na minha opinião, cabe ao pro-fissional de saúde ouvir os pais, perceber o que estão a fazer sem os julgar ou “ralhar”, e sim trabalhar em equipa, de forma a orientá-los sobre as melhores opções terapêuticas, em prol da criança. É urgente unir profissio-nais de saúde (médicos, nutricio-nistas, dietistas e outros) e pais numa relação de confiança e trabalho conjunto, para que estas crianças sejam avaliadas e monitorizadas convenientemente – e o que observo neste momen-to num grande número de casos, com muita pena minha, é uma distanciação entre eles. Os resultados que tenho obser-vado são variados, mas incluem: melhoria da atenção, maior

concentração, menor hiperativi-dade, melhoria do sono, melho-ria da função intestinal, maior interação, maior contato visual. Lembro, em especial, um menino com três anos que deu um salto muito interessante em termos de linguagem. Se há tantos relatos (pais, profissionais e estudos) que dizem que há uma possibili-dade de melhoria, porque não tentar? Felizmente, já existem inúmeras receitas deliciosas e nutricionalmente ricas que tor-nam tudo mais fácil.

DANIELA SEABRA

GRÃOS E FARINHAS SEM GLÚ-TEN Já conhecem o trigo-

sarraceno? Apesar do nome poder enganar, o trigo-sarraceno

ou trigo mourisco não contem glúten, na sua forma natural. Muitos celíacos questionam-se se podem ou não comer este grão, afinal, desde cedo que ouvem ser necessário eliminar o trigo da sua alimentação! Este grão originário da China Central e Oeste, provém de uma planta anual da família Polygo-naceae, com formações florais que envolvem parcialmente este grão comestível e muito aprecia-do em várias culturas gastronó-micas. Na verdade, é considera-do uma fonte de energia muito nutritiva, rico em ferro, magnésio e fibras dietéticas. Apresenta mais proteína do que o arroz, trigo ou milho, e é uma excelen-te fonte de proteínas e de ferro. Em Portugal, não é muito conhe-cido ainda, é verdade, mas o

facto de não conter glúten faz com que seja cada vez mais procurado por pessoas que apresentam sensibilidade ao glúten. Devido a essa procura, hoje já se consegue encontrar facilmente embalagens rotula-das com a informação “produto isento de glúten”. Pode ser con-sumido em grão ou sob a forma de farinha. Devido à cor escura do grão, quando apresentado em farinha pode apresentar uma cor ligei-ramente acastanhada. O grão quando cru apresenta um leve e subtil sabor, mas quando corta-do e preparado, o seu sabor a noz intensifica-se bastante. Se o quiserem utilizar em grão, basta que o tratem como o arroz! Lavar a quantidade que dese-jam e cozer no dobro de água. Depois, sirvam-no nas vossas saladas de verão, tipo couscous, ou somente no iogurte, ou sim-plesmente como uma papa cheia de energia. Por ser um grão facilmente pani-ficável, levou a que, em tempos, esta farinha fosse confundida com a de trigo. Pode ser usada isoladamente, mas devido ao seu sabor forte é geralmente misturada com outras farinhas sem glúten, para confecionar pão, bolos, biscoitos ou até uns crepes salgados fantásticos! A cor acastanhada da farinha faz com que dê um aspeto mais rústico aos pães e um sabor especial às nossas receitas. Pode ainda ser usada para engrossar molhos!

LIPITA SEM GLÚTEN

NUTRIÇÃO (cont.)

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idade) e as rotinas mudaram em nossa casa! Atualmente, posso dizer que a menina não é a mes-ma criança de há tempos atrás. É uma menina dócil, sociável, calma e atenta, já verbaliza algumas palavras, as estereotipias diminu-íram, os períodos de concentra-ção aumentaram e o intestino estabilizou. Os sintomas reduzi-ram, pelo que a qualidade de vida melhorou bastante, tanto a dela, como a nossa em geral. A dieta não cura uma pessoa com autismo, mas melhora a sua quali-dade de vida. É um tratamento natural… Não é um medicamen-to, é comida! Que conselhos dá aos pais de meninos com PEA em relação à dieta dos seus filhos? Citando o pai da medicina, Hipó-crates “Faz do teu remédio o teu alimento e do teu alimento o teu remédio”. Esta é uma máxima que tem vindo a ser transmitida ao longo dos séculos, e que, na minha perspetiva, há que perma-necer mais viva que nunca. Par-tindo deste princípio, devemos primar pelo cuidado com a nossa alimentação, principalmente quando existem hipersensibilida-des gastrointestinais e fragilida-des na saúde em geral. Para explicar mais facilmente às pessoas que nos rodeiam, como se baseia a alimentação da mi-

obtido resultados satisfatórios, recorri então à especialidade de Gastroenterologia e de Nutrição. Que dieta adotou? Após ter estudado as evidências científicas e a fundamentação da Dieta sem Caseína, sem Glúten e sem Soja no autismo, decidi en-tão optar pela mesma, tendo especial cuidado também com a isenção de açúcar, aditivos, co-rantes e conservantes. É de ex-trema importância diminuir a toxicidade presente, tanto na alimentação como no meio envol-vente (ambiente). Claro que a implementação desta dieta foi gradual, pensada e estudada, para que a menina não sentisse as alterações alimentares. Em relação à isenção de glúten foi aconselhada a realizar des-piste de doença celíaca na sua menina? Não nos foi aconselhado o des-piste de doença celíaca. Porém, sabemos que é intolerante à lactose e estamos a aguardar os resultados do despiste da doen-ça celíaca e da intolerância a diferentes alimentos. Com o início da dieta que me-lhorias cognitivas, comporta-mentais e gastrintestinais verifi-cou? Implementamos a dieta há dois anos, (já com quase sete anos de

nha filha, é muito simples: tudo é confecionado como as nossas bisavós fariam na sua cozinha, sem recurso a produtos pré-confecionados e sem qualquer ingrediente cujo nome não se consiga articular facilmente. A minha avó conta que antigamente o açúcar só se usava uma vez por ano, que era no Natal para fa-zer as filhoses e era do "escuro", pois o branco era escasso. E io-gurtes? Ninguém se lembra de comer em criança. Penso que não é assim tão difícil voltarmos à alimentação de outrora, saber fazer uma alimentação saudável e biológica não é utópico. Os conselhos que aqui posso deixar, relativamente à alimenta-ção, é que não desistam, procu-rem ajuda e mantenham-se infor-mados. Tenham especial cuidado na escolha dos alimentos que o nosso mercado oferece. Poucos

VIVA SEM GLÚTEN PORTUGAL

Newsletter

são os alimentos que são “comida” de verdade, muitos são vazios de nutrientes, repletos de aditivos e conservantes, cuja ação no nosso organismo é pro-inflamatória. Fugir dos agro-tóxicos e aos alimentos genetica-mente modificados, LER OS RÓ-TULOS é muito importante! Existe um grupo de apoio no Facebook “Dieta sem caseína, sem glúten e sem soja – Portugal”, iniciado pela nutricionista Daniela Seabra cujo objetivo é a entreajuda e a troca de vivências, receitas e experiências para quem está a fazer esta dieta que pode ser útil. É importante reter, em rela-ção ao autismo, que é possível ajudar a recuperar estas crian-ças, esta dieta é mais uma forma de o fazer!

ENTREVISTA (cont.)

INFO & DICAS

NOVAS MASSAS SEM GLÚTEN A Milaneza, em-presa nacional do sector das massas alimentícias, lançou recentemente uma linha de massas sem gluten que tem

vindo a ganhar popularidade junto da comunidade da dieta sem gluten. Baseando-se na farinha de milho, é uma massa de sabor agradável, que coze dentro do tempo especificado na em-balagem e com uma textura pós-cozedura muito semelhante às massas com gluten.

Para já, existem na variedade de espirais e esparguete e custam 1,99€ por embalagem de 500 gramas na maioria dos locais de venda. 5 DICAS PARA MELHORAR A TEXTURA DAS SUAS RECEITAS 1. Substitua o leite ou a água nas r e c e i tas c om bu t t e r m i l k (leitelho).O buttermilk dará uma textura mais fina e mais leve, em geral. A água com gás também substitui bem a água normal em receitas como panquecas - mais uma vez, dando uma leve tex-tura.

2. A gelatina sem sabor pode ser usada como um aglutinante na cozinha - e que irá ajudar a evi-tar a textura esfarelada. Lembre-se de misturar a gelatina no líquido da receita antes de a adicionar. 3. Uma combinação de farinhas sem glúten normalmente produz um resultado melhor do que uma só farinha. 4. Para evitar o esfarelamento, pode usar goma xantana ou goma de guar na preparação. Lembre-se de adicionar a goma aos ingredientes secos. Nota: algumas pessoas têm melhores

resultados com a goma xantana pois a goma de g u a r p o d e produzir dores de es tômago em

algumas pessoas. 5. Deixe a massa ficar à temper-atura ambiente pelo menos 30 minutos para suavizar, de modo a obter uma melhor textura como resultado final.

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RECEITA DO MÊS

SABIA QUE? A prevalência de complicações neurológicas na doença celíaca é de 26% entre as quais as PEA podem estar presentes. De acordo com estudos feitos por Eric Fombonne no Canadá (2003): para uma população de dez mil pessoas há 10 pessoas com autismo e 2,5 com síndroma de Asperger. Na mesma população, há 30 pessoas com perturbações globais do desenvolvimento no quadro do autismo. Estudos desenvolvidos em Portugal (Oliveira, G et al., 2006) apontam para números semelhantes. É importante diagnosticar corretamente uma possível associação entre comportamentos do espectro do autismo e doen-ças associadas ao glúten, especialmente se há coexistência de sintomatologia gastrintestinal. A doença celíaca e a sensibilidade ao glúten não celíaca podem cursar com comportamentos do tipo autista. Autismo e PEA podem beneficiar de DIG mesmo na ausência de doença associada ao glúten. Uma doença celíaca não deve “passar” não diagnosticada, pelas sérias e graves implicações em termos de aumento da mortalidade e patologias associadas. KHALAFALLA O. BUSHARA. Neurologic Presentation of Celiac Disease. GASTROENTEROLOGY 2005;128:S92–S97. http://www.fpda.pt/autismo_1 http://www.autism-society.org/about-autism/facts-and-statistics/ Alessio Fasano MD. Gluten Freedom: The Nation's Leading Expert Offers the Essential Guide to a Healthy, Gluten-Free Lifestyle.

Chapter 6. 2014.

Pão de Ló na máquina de fazer pão (MFP) Ingredientes: 6 gemas 2 ovos 90 gramas de xilitol 50 gramas de farinha de arroz integral 1 colher de chá de canela moída 10 cl de Vinho do Porto Preparação: Junte todos os ingredientes (à exceção da farinha) e coloque na batedeira durante 10 minutos na velocidade máxima. Ligue a MFP no programa “cozer e cor escura” e deixe ligada 5 minutos antes de colocar o recipiente, assim a máquina já estará quente. No recipiente da MFP coloque papel

manteiga (ou vegetal). Ao fim dos 10 minutos da batedeira junte a farinha lentamente e vá mexendo com uma colher. Depois de bem mexida meta no recipiente da MFP. Coza durante 15 minutos na cor escura. Quando terminar tire o recipiente da máquina e deixe arrefecer uma hora. Retire do recipiente puxando pelo papel manteiga. E sirva ou coma à co-lher. Jorge Rocha, pai de menino com PEA e celíaco, membro do Grupo Viva Sem Glúten Portugal.

Empada Divertida Ingredientes para a massa: 1/2 quilo de batatas biológicas 1 dente de alho 1 colher de chá de azeite bioló-gico 1 cenoura biológica (bem lavada e com casca) 1 colher de sopa de amido de milho 1 ovo 1 azeitona Preparação da massa: Coza as batatas com pouco sal em pouca água; assim que estive-rem bem cozidas, elimine toda a água e faça um puré. Junte o alho esmagado, fio de azeite e o amido de milho. Amasse bem, homogeneizando.

Ingredientes para o recheio: Fio de azeite biológico 2 dentes de alho 1 tomate maduro Legumes, carne e peixe a gosto Preparação da massa: Coloque num tacho o fio de azei- te e os dois dentes de alho corta-dos em fatias fininhas. Junte o tomate, sem pele, e alguns legu-mes a gosto. Deixe refogar. Se precisar, junte água. Senão, dei-xe cozinhar no sumo dos legumes. Assim que estiver cozinhado, passe na varinha mágica e junte a carne ou peixe, de preferência biológicos, picados ou desfiados. Refogue. Tempere com sal. Reser-ve.

Montagem: Cubra uma forma pequena sem buraco ou pequenas formas de empada com a massa e espalhe na forma. Reserve um pouco de massa para cobrir. Recheie e pincele com gema de ovo. Leve a dourar ao forno. Corte a cenoura em rodelas muito finas e iguais, e corte a azeitona a meio. Desen-forme a empada (a gema deve ficar virada para cima). Coloque as metades da azeitona a fazer de olhos e espalhe as cenouras fazendo o cabelo. Com uma faca desenhe a boca. Susana Fernandes, administrado-ra do Grupo Viva Sem Glúten Portugal.