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A Honra de um Guerreiro Margaret Moore “A warrior’s honor” A Honra de um Guerreiro “A warrior’s honor” Margaret Moore CLÁSSICOS HISTÓRICOS Nº 150 SÉRIE WARRIOR – VOL. 8 Rapto era prelúdio de casamento ... Inglaterra, 1228. Pelo menos foi isso que Bryce foi levado a crer quando raptou lady Isadora para ser esposa do seu senhor. Entretanto, nunca vira uma noiva relutar tão intensamente. Como poderia ele, sendo um cavalheiro, permitir que uma mulher linda e de temperamento espirituoso se casasse com um homem que não queria? Pela sua falta de decoro, Isadora DeLanyea tornou-se prisioneira da vingança de um homem, Apesar de rezar pelo amor de outro. Será que poderia confiar em Bryce Frechette, cavaleiro normando que atirara seu coração num mar de desejo. Clássicos históricos

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A Honra de um Guerreiro Margaret Moore “A warrior’s honor”

A Honra de um Guerreiro “A warrior’s honor” Margaret Moore !

��� !CLÁSSICOS HISTÓRICOS Nº 150 !SÉRIE WARRIOR – VOL. 8 !!!!Rapto era prelúdio de casamento... Inglaterra, 1228. Pelo menos foi isso que Bryce foi levado a crer quando raptou lady

Isadora para ser esposa do seu senhor. Entretanto, nunca vira uma noiva relutar tão intensamente. Como poderia ele, sendo um cavalheiro, permitir que uma mulher linda e de temperamento espirituoso se casasse com um homem que não queria?

Pela sua falta de decoro, Isadora DeLanyea tornou-se prisioneira da vingança de um homem,

Apesar de rezar pelo amor de outro. Será que poderia confiar em Bryce Frechette, cavaleiro normando que atirara seu coração num mar de desejo.

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A Honra de um Guerreiro Margaret Moore “A warrior’s honor”

Warrior Serie !1. A Warrior's Heart (1992)

2. A Warrior's Quest (1993) 3. A Warrior's Way (1994) 4. The Welshman's Way (1995) 5. The Norman's Heart (1996) 6. The Baron's Quest (1996) 7. A Warrior's Bride (1998) 8. A Warrior's Honor (1998) 9. A Warrior's Passion (1998) 10. The Welshman's Bride (1999) 11. A Warrior's Kiss (2000) 12. The Overlord's Bride (2001) 13. A Warrior's Lady (2002) 14. In the King's Service (2003) !!

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UM !!!!Inglaterra, 1228. Bryce Frechette recostou-se, sorrindo, na parede de pedra, observando a

multidão ruidosa nas comemorações após o torneio de lorde Melevoir. O anfitrião era um bom homem, apreciador de vinhos e comidas finas, esportes e música animada. Sua propriedade, apesar de não ser tão grande quanto a que o pai de Bryce tivera um dia, encantava os nobres da região pelo luxo e pela riqueza. Na lareira, uma bela fogueira espantava o frio da noite de primavera, enquanto dezenas de velas de cera de abelha em elegantes castiçais e tochas presas nas paredes iluminavam o ambiente.

Depois de uma refeição boa e farta, as longas mesas tinham sido retiradas de seus cavaletes e jaziam encostadas contra as espessas paredes de pedra. Na frente delas, grandes bancos de tábua abrigavam os convidados que não queriam dançar. Vários cachorros bem nutridos vagavam pelo salão atrás de restos, com o cuidado de evitar os pares animados que dançavam com vigor misturados às diversas crianças de gorros coloridos.

Bryce concluiu que era quase um milagre que ninguém caísse e se machucasse, sobretudo aqueles que estavam visivelmente bêbados. Os convivas, quase todos nobres, falavam tão alto que quase não se ouvia o som da música de harpa, flautas e tambores.

Distraído, Bryce tornou a olhar para a bela jovem de cabelos escuros e olhos brilhantes que dançava com incrível graça e cuja risada, cheia de vida, em nada lem-brava a dos outros presentes, já bastante alcoolizados. Quando ela passava por perto, com o rico vestido azul-turquesa com brocados dourados no peito, Bryce podia ver seu lindo rosto. Era como se as jóias dela brilhassem muito mais que qualquer outra sob a luz dos candelabros.

Quando a jovem sorria, duas covinhas surgiam, dando ainda mais graça aos olhos verdes emoldurados por sobrancelhas escuras e bem-feitas. Havia pequenas mechas de cabelos escuros escapando da touca e roçando as faces coradas. Bryce admirou o nariz reto e os lábios vermelhos e um tanto afastados, que revelavam dentes perfeitos.

Adoraria saber quem era ela e como seria seu nome. Estava ali, sem dúvida, a mulher mais atraente que já vira, o que era razão suficiente para invejar qualquer ho-mem que se aproximasse, inclusive o idoso e roliço anfitrião.

Se ainda tivesse seu título, também dançaria com a moça, pensou Bryce. Olharia no fundo daqueles olhos vivos e expressivos e tentaria levá-la para um canto escuro para roubar um beijo dos lábios tentadores.

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Mas o fato era que não tinha mais título, lembrou, amargo. Não era mais herdeiro do título de conde de Westborough, apesar de esse ser seu direito, e não tinha mais sua propriedade.

Aquela bela mulher parecia ser uma dama mimada, que não daria a menor atenção a tipos como ele.

Bryce não tinha dinheiro nem para comprar outra camisa. A única que restara fora rasgada durante o torneio. Por isso, precisara comparecer à festa usando só a calça e a túnica de couro sobre a pele. Apesar de saber que não estava vestido de acordo com a ocasião, queria aproveitar um pouco mais. Participar daquela comemoração trazia de volta o gosto do passado, de quando seu pai ainda era vivo.

Entretanto, concluiu, não importava quem a jovem era ou como se chamava, já que todos os nobres presente, inclusive ela, pareciam fazer questão de ignorá-lo.

De repente, como que para contradizê-lo, um belo rapaz moreno, com uma taça de prata nas mãos, aproximou-se e sentou-se ao lado dele no banco. Bryce sabia que era gaulês, e o vira conversando e rindo com a bela morena antes de ela ir dançar com lorde Melevoir.

— Já vi defuntos mais animados que você — disse o estranho, num tom casual. — E isso porque ganhou o prêmio do torneio! É uma pena que dez moedas de prata não sejam suficientes para fazê-lo feliz. Se quiser, posso aliviá-lo do peso e ficar com elas.

— Nem tente — respondeu Bryce, com calma e muito sério. — Ei! Não precisa ser tão defensivo! — disse o gaulês, com um olhar alegre.

— Você mereceu o prêmio. Não há muitos cavaleiros capazes de me derrotar, mas, ainda assim, não guardo ressentimentos. Foi excepcional com a lança, e isso ninguém pode negar. Nem mesmo eu.

Bryce começou a relaxar, satisfeito com as palavras e com o jeito do homem. Havia tempos um nobre não o tratava como igual.

— Desculpe-me por minha falta de educação, senhor. — Esboçou um sorriso. — Quem dera todos os meus oponentes fossem tão generosos. Sou Bryce Frechette.

— Não é generosidade, meu caro. É bom senso, e é claro que sei quem você é. Bryce preparou-se para as perguntas inevitáveis que viriam. Mas elas não

vieram. — Sou lorde Cynvelin Hywell, de Caer Coch, o melhor pedaço do País de

Gales — disse ele, jovial. Então, examinou o normando. — Gosto de ter os melhores homens trabalhando comigo. Espero que considere a possibilidade de se unir a minha comitiva.

O primeiro impulso de Bryce foi recusar. Não havia nascido para ser empregado de ninguém.

— Como somos elegantes, não vamos discutir termos como mercadores. Se você concordar, terá o que precisar em armas, roupas, casa e comida e, depois de um ano, se ambos estivermos satisfeitos, não vejo por que não recompensá-lo. Clássicos históricos

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Bryce sabia que podia ganhar a vida disputando torneios e, se as coisas piorassem, poderia ir morar no castelo da irmã.

Entretanto, estava viajando e competindo fazia anos, e nunca ninguém lhe oferecera uma chance assim. Quanto a sua irmã... seria como implorar abrigo nos portões dela.

Nesse momento, o orgulho deu lugar à praticidade. Sua família perdera os títulos e as terras, e tudo o que tinha eram dez moedas de prata num saquinho na cintura. Se não aceitasse o oferecimento do nobre, a única opção seria partir para procurar outro torneio e torcer para ganhar o prémio, como se fosse um urso lutando por comida. Além disso, que mal poderia haver em fazer parte da comitiva dele? Se quisesse, sempre poderia partir.

— Seria um prazer aceitar, senhor — respondeu Bryce, com uma mesura. Lorde Cynvelin deu um tapinha nas costas de Bryce e sorriu, amigável. — Excelente, meu amigo! Bryce respirou fundo. — Pode confiar em mira, senhor — disse, quase como um desafio. Cynvelin o encarou. — Se eu achasse que seria de outra forma, jamais faria a oferta. Além disso,

imagine o que todos vão dizer quando souberem que Bryce Frechette, campeão do torneio de lorde Melevoir, está trabalhando para mim.

Bryce assentiu, satisfeito e vaidoso. — Partiremos para o País de Gales amanhã, Bryce, depois da missa. Você

ficará pronto a tempo? — País de Gales? — Claro. Onde mais viveria uma gaulês? , Bryce tornou a assentir, — É claro. — Algum problema de sua parte? — Não, senhor. — Bryce lutava contra a resistência em atravessar terras

selvagens habitadas pelos celtas. — Ótimo. — Cynvelin suspirou e bebeu um gole de vinho. — É uma bela

festa. Nunca vi tantas mulheres bonitas reunidas num só lugar. — Bonitas, ricas e nobres — corrigiu Bryce, sorrindo com ironia para o novo

amigo. — Isso as coloca fora de meu alcance. Lorde Cynvelin riu e olhou para Bryce com admiração. — Você é um dos rapazes mais bem-apessoados que já vi, fora eu mesmo, é

claro. Só passará a noite sozinho se quiser. — Não tenho título de nobreza. Nenhuma dessas mulheres me dará atenção. O belo Cynvelin deu uma risada grave e rouca, e vários rostos, inclusive o da

bela morena, se viraram na direção deles. — Veja quantas jovens estão nos observando, Bryce. Você precisa de mais

alguma prova? — É para o senhor que elas estão olhando.

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— Talvez tenha razão. Mas para você também. Eu percebi quando estava dançando. É o herói do torneio, Bryce. Basta estalar os dedos e poderá escolher quem vai querer levar para a cama hoje.

— Acho melhor me arrumar para a viagem de amanhã. — Se você prefere assim, só posso admirar sua dedicação ao dever. Quanto a

mim, vou falar com a mulher com quem pretendo me casar, se é que ela vai me querer. Ali está, dançando com lorde Melevoir. Você já viu criatura mais adorável e graciosa que Isadora DeLanyea?

— É muito bonita, sem dúvida. — Bryce admirava a ex-desconhecida, que tentando se desviar, com delicadeza, dos pés do anfitrião.

— Ela é minha, Bryce Frechette. Estou lhe avisando. — Cynvelin olhou, sorridente, para Bryce. — Além disso, o pai de Isadora tem sangue gaulês. É um barão muito bravo. O homem que conseguir conquistar a filha dele vai ter de enfrentá-lo.

— Posso garantir, sir, que meu interesse não vai além da admiração que todos os presentes devem sentir por ela.

— Você fala como um nobre normando. — Então, levantou-se, ajeitou a túnica negra e ajustou o cinturão de ouro. — Agora, preciso resgatá-la. Veremo-nos nos estábulos pela manhã, Frechette.

Bryce assentiu e ficou observando lorde Cynvelin aproximar-se de Melevoir e da linda Isadora DeLanyea.

Lady Isadora DeLanyea, corrigiu-se. A provável futura esposa de seu senhor. Pois que fosse.

Recostou-se mais uma vez na parede. Chegara a acreditar que nenhum nobre se aproximaria dele ou o trataria com respeito de novo. Era capaz de jurar que estava condenado a ser para sempre o filho desgraçado do conde de Westborough.

Agora, parecia haver uma esperança de mudança. Talvez até conseguisse reconquistar o título por seus próprios méritos. O que mais poderia querer?

Até porque, decerto havia outras jovens belas, risonhas, nobres e, acima de tudo, que estivessem a seu alcance.

Isadora sentou-se, tentando recuperar o fôlego. Lorde Melevoir fez uma mesura, baixando a cabeleira grisa-lha, e ela sorriu em resposta. Então, ele afastou-se, em busca de outra parceira para dançar.

Quando, por fim, conseguiu respirar, Isadora abanou-se com a mão. Por sorte, seu parceiro tinha sido cuidadoso. Caso contrário, teria corrido o risco de sido jogada contra os músicos.

— Por favor, preciso de vinho — pediu, acenando para uma criada. — Permita-se, milady — disse uma voz masculina, em gaulês, ao mesmo

tempo que lhe estendia um cálice de estanho. Isadora aceitou, aliviada, e sorriu para o rosto simpático de lorde Cynvelin

Hywell. Clássicos históricos

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— Lorde Cynvelin! Quanta gentileza! Estou com muita sede, e meus pés estão gastos de tanto rodopiar.

— Você é a dama mais graciosa da festa. E por isso que todos os homens querem tirá-la para uma dança. — Sentou-se ao lado dela.

Isadora sorriu e levou o copo aos lábios, quase engasgando. — Oh, Deus! — gaguejou, enquanto Cynvelin tirava, rápido, o cálice de suas

mãos. — Se não tiver cuidado, vou ficar bêbada. Lorde Melevoir é um homem excepcional, assim como seu vinho. Não estou habituada a bebidas tão encorpadas.

— Enquanto isso, estou ficando inebriado apenas com sua beleza — sussurrou Cynvelin.

Isadora corou, emocionada. — Pensei que você não gostasse mais de mim. Poderia ter me resgatado mais

cedo, em vez de ficar conversando com aquele saxão. É um absurdo vir a uma festa sem camisa!

Com discrição, Isadora apontou para o homem do outro lado do salão. Os cabelos castanhos caíam soltos até os ombros largos. Ele vestia apenas uma túnica de couro amarrada na frente, sem camisa por baixo. O traje deixava os braços fortes e o peito musculoso expostos. Havia algo de selvagem nele, a julgar pela forma como aqueles olhos vagavam pelo salão, contendo uma forte energia.

— Ele é normando, milady — revelou Cynvelin. — E creio que seu pai e seus irmãos também têm cabelos longos. Disseram-me que é seu costume.

— Tem razão, milorde. Eles dizem que assim os capacetes assentam melhor apesar de que, no caso de meus irmãos pelo menos, acho que é por pura vaidade. Talvez seja o caso daquele homem.

— Nunca ouviu falar de Bryce Frechette, filho do conde de Westborough? Isadora encarou-o, surpresa. — É claro! Todos comentam que ele brigou com o pai, saiu de casa e não

voltou nem quando o conde estava morrendo. O que será que está fazendo aqui? É incrível que tenha a ousadia de aparecer entre os nobres!

Isadora olhou com desdém para Bryce. Nesse momento, ele levantou-se e foi para o extremo oposto. O andar era de um felino gigante e, mais uma vez, ela teve a sensação de que havia uma grande quantidade de energia contida ali.

— É engraçado pensar que você não sabia nada de mim até três dias atrás e que sabe tudo sobre esse sujeito. — Cynvelin simulou sofrimento. — Estou arrasado.

Isadora sorriu. — Lamento deixá-lo triste, mas tenho certeza de que há várias damas aqui que

adorariam consolá-lo. — Só há uma para me consolar. — Oh, creio que não, sir — respondeu Isadora, constrangida. Claro que ficara

envaidecida por ter sido alvo das atenções do nobre gaulês, mas não estava habituada a ser olhava daquela forma. Não sabia como reagir. — Tenho certeza de que lady Clássicos históricos

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Valmont disporia de sua propriedade com o máximo prazer, se fosse esse o preço a pagar por seu coração.

— Se eu for rejeitado pela lady que desejo, talvez crie coragem para buscar consolo com uma mulher tão inferior. Pode ser até que aceite sua propriedade como prémio de consolação — Aproximou-se até Isadora sentir o hálito quente, cheirando a vinho, em suas faces. — Mas prefiro não fazer isso. Até porque, acho que está superestimando minha habilidade para atrair uma dama normanda. Lady Valmont não dá atenção a gauleses. Veja como está olhando para Frechette.

— Decerto porque ele é um vigarista sem honra. Lady Valmont sempre deixou claro que se sente atraída por patifes.

— Está dizendo, milady, que eu sou um patife? — Cynvelin levou a mão ao peito, em sinal de desespero.

— Oh, por Deus, não! — Nesse caso, perdoo Frechette por ser tão famoso. Mesmo porque acabei de

contratá-lo, e ele partirá comigo e meus homens para o País de Gales amanhã. Isadora nem prestou atenção à primeira parte do que Cynvelin disse. — Vai embora amanhã, milorde? — Depois da missa. — É quando meu pai chegará. Eu tinha esperanças de que vocês fossem se

conhecer. Cynvelin olhou-a com ar genuinamente arrependido. — É pena, mas não posso ficar tanto quanto gostaria, milady. Tenho negócios

que exigem minha presença imediata. — Sei... — Talvez milady me permita visitá-la em Craig Fawr quando concluir o que

tenho a fazer — sugeriu. Apesar da sensação um tanto desconfortável pela atitude possessiva dele,

Isadora não via razões para não permitir. — Teremos prazer em recebê-lo, milorde. — Estarei contando as horas até tornar a vê-la. — Cynvelin encarou-a com

intensidade. Isadora corou de novo e desviou o olhar, intimidada pela expressão daqueles

olhos escuros. Será que Cynvelin queria encontrar-se com o pai dela porque tencionava pedir sua mão?

Isadora gostava de lorde Cynvelin. Admirava-o e estava feliz porque a admiração parecia ser mútua. Respeitava-o, e ele era gaulês. Por todas essas razões, apreciara a companhia dele durante os torneios de lorde Me-levoir e o convidara para ir a Craig Fawr.

Mas só o conhecia havia três dias. Era pouco tempo para saber quem era de verdade, e sem dúvida muito pouco para apaixonar-se ou comprometer-se.

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Sua mãe sempre insistira para que fosse mais séria e, naquele momento, Isadora gostaria de ter seguido seus conselhos. Era claro que dera a ele razões para crer que se interessara mais do que a realidade.

— Se me der licença, milady, preciso falar com lorde Melevoir antes de partir e agradecer-lhe pela hospitalidade. Depois, vou me recolher a meus aposentos.

— Fique à vontade, sir. — Isadora ergueu a mão delicada, que Cynvelin beijou, sem deixar de encará-la.

— Até mais tarde, milady. Cynvelin fez uma mesura e virou-se e, pela primeira vez desde que o

conhecera, Isadora sentiu-se feliz por vê-lo partir. "Até mais tarde?!" O que ele quisera dizer? Será que tivera a ousadia de pensar

que ela compartilharia seus aposentos? O que acabara de fazer? Isadora observou-o parar para falar com lady Valmont, que virou-se para olhá-

la, cheia de curiosidade. Será que ela também estava fazendo especulações sobre a natureza da relação entre Isadora e lorde Cynvelin?

Irritada, Isadora desviou-se e deu de frente com um grupo de nobres normandos cochichando e rindo, enquanto olhavam na direção dela.

O que todos estariam pensando? De repente, o salão ficou cheio demais e quente demais. Aflita, Isadora

levantou-se e correu para o ar fresco do pátio. Era uma imensa área aberta circundada por muros espessos. Um pouco além,

via-se outra área aberta, envolta pelas paredes externas do palácio, com o portão mais imponente que Isadora já vira na vida.

Devagar, ela reduziu o ritmo dos passos, como convinha a uma dama. De repente, parou. Notou um homem de costas, perto de um grupo de carroças estacionadas ao lado das tendas onde os cavaleiros que haviam participado do torneio estavam alojados com seus homens. Ele parecia estar mexendo nas provisões de uma das carroças e, pela hora, era tarde demais para ser um dos empregados do castelo ajudando a preparar um grupo para a partida.

— Ei, você! O que está fazendo? — gritou Isadora, aproximando-se. Estava preparada para chamar os guardas se fosse necessário. -

Só percebeu que o rapaz tinha os cabelos na altura dos ombros um segundo antes de Bryce Frechette virar-se para ela.

— Estou procurando minha bagagem, que não está na tenda. Fiquei sabendo que um dos empregados colocou-a aqui por engano.

Ouvindo-o falar, Isadora concluiu que Frechette parecia mais saxão que normando, com os traços angulosos e uma expressão perturbada.

A postura também era intrigante. Os músculos tensos davam a impressão de que acabara de sair de uma batalha. Isadora só conhecia um homem que agia daquela forma quando não estava em combate: Urien Fitzroy, um amigo de seu pai, conhecido como o melhor treinador de soldados da Inglaterra. Clássicos históricos

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Bryce Frechette também era um guerreiro impressionante. Entretanto, apesar de estar tão perto dele, Isadora não sentia com medo. Queria ver aquele rosto com mais clareza, em especial os olhos, escondidos pelas sombras.

— Sinto muito. Acho que cometi um erro. — Achou que eu estava roubando alguma coisa, milady? — Sim... não! — Então, Isadora empertigou-e, numa atitude defensiva. —

Você há de convir que estava agindo de forma suspeita. — Ainda mais porque não-tenho título de nobreza — insistiu ele,

ostensivamente educado, disfarçando certa hostilidade. Por que ele estava tão bravo?, pensou Isadora, com a própria irritação

crescendo à medida que se lembrava do que sabia a seu respeito. — Se não tem mais título de nobreza, a culpa é sua, Bryce Frechette! — É uma honra saber que sabe o meu nome, lady Isadora — disse ele,

sarcástico, simulando uma mesura. Foi um prazer ver o ar de surpresa no rosto dela quando percebeu que também

era sua conhecida. Bryce pegou-a pela mão e inclinou-se para a frente, como se fosse beijá-la.

Isadora desvencilhou-se dele. — É claro que sei mais do que seu nome. — Talvez não saiba tanto quanto pensa, milady. — Aproximou-sef sério. Quando viu que ela não recuou, Bryce lembrou-se de como Isadora agira no

salão, sobretudo em companhia de lorde Cynvelin. Talvez ela não fosse tão séria quanto parecia.

— Está interessada em saber mais, milady? — Talvez. Mas essa não é a hora nem o lugar apropriados para essa conversa. A resposta seca pegou Bryce desprevenido, mas logo ele se refez. — É uma pena, porque eu gostaria de saber mais sobre você. Isadora pigarreou. Tinha sido muito cortejada nos últimos dias, mas, por

incrível que parecesse, nada do que ouvira provocara nela o que estava sentindo naquele momento.

— Está bem. Numa outra hora. — Por que está com tanta pressa, milady? Vai se encontrar com alguém? — Não! Estavam num local muito escuro, mas, ainda assim, Isadora ergueu o queixo,

irritada com a insolência. Bryce deixou a cabeça pender para um lado e admirou-a, desde a echarpe de

seda até a barra da túnica. — Por favor, não me olhe de forma tão ousada, senhor! — pediu ela, sentindo

o corpo todo aquecer-se enquanto Bryce continuava a examiná-la, imperturbável.

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— "Senhor"? Pelo jeito, estou subindo em sua cotação. Posso lhe garantir, milady, que não tencionava ser rude. Longe disso. — Bryce aproximou-se ainda mais e sorriu.

Não era como o sorriso habitual de Cynvelin. De repente, Isadora percebeu que aquele gesto era algo raro e valioso naquele homem. Queria poder ver aquela fisio-nomia melhor, mas estava escuro demais.

Só então percebeu que Bryce a acuara num canto bastante escondido dos olhares dos passantes eventuais.

— Pela forma como milady estava agindo no salão — prosseguiu Bryce num sussurro rouco —, pensei que gostasse de ser objeto de admiração dos homens.

— Talvez da admiração de alguns homens. — Isadora cruzou os braços sobre os seios, numa tentativa de minimizar a vulnerabilidade. — Não há prazer algum em ser admirada por um homem que abandonou a família e deixou a própria irmã numa situação tão precária. Aliás, foi uma surpresa saber que lorde Cynvelin quereria uma pessoa assim em sua companhia.

Bryce encarou-a, petrificado. Então, baixou as pálpebras, e Isadora lembrou-se daquele energia contida que parecia emanar dele.

— É isso o que pensa de mim? — É. Bryce recuou. — Estou surpreso, milady. Pensei que a senhorita fosse inteligente demais

para acreditar em rumores e maledicências. — Então o que ouvi não é verdade? Você não brigou com seu pai e saiu de

supetão, como uma criança mimada? E não permaneceu longe de casa, mesmo quando ele estava morrendo? Está tentando me dizer que, ao contrário de tudo o que ouvi, voltou para ajudar sua irmã, que ficou pobre e teve de se tomar empregada do próprio castelo?

— Então, não soube de mais nada além de que sou um egoísta mimado? Não lhe disseram que minha irmã me expulsou? Que o marido dela, o excelentíssimo barão DeGuerre, me detesta? Que menti, trapaceei e roubei? — Tornou a aproximar-se. — Que eu vendi minha alma ao demônio?!

Isadora prendeu a respiração e arregalou os olhos até vê-lo rir com desdém. — Você é tão desmiolada que acredita em tudo o que ouve? — Como ousa?! — bradou, indignada com a crítica. — Você não tem honra,

você... — Não, milady, como você ousa?! — Sua voz era fria como gelo. — A

senhorita nem me conhece e tem a petulância de julgar meu passado. Não sabe por que meu pai e eu discutimos ou por que parti daquela maneira. Não sabe por que fiquei afastado ou como me senti quando descobri o que havia acontecido. Não faz ideia do quanto sofri por saber que não estive com Gabriela quando ela mais precisou. Clássicos históricos

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Isadora corou de culpa quando percebeu o remorso dele. Não deveria tê-lo julgado tão depressa, mas, antes de conseguir falar, percebeu que Bryce estava a menos de um palmo dela.

— Quem é você para me julgar, milady? Pela forma como a vi dançar e rir com mais de um homem no salão, tenho todo o direito de concluir que, se não tenho escrúpulos, não sou o único. Como você ousa, minha bela hipócrita?! Com que direito age como agiu e depois vem me censurar?

Bryce olhou-a com tanta intensidade que Isadora pensou que fosse derreter. Não conseguia faiar. Não era capaz de responder às acusações dele, e muito menos formular argumentos para desculpar o próprio comportamento.

Ele aproximou-se até ficar a poucos centímetros dela e, quando tornou a falar, o fez num murmúrio rouco.

— Como pode aparecer no escuro, mais desejável do que qualquer mulher que já conheci, deixando claro que, se eu tentar tocá-la, irá vai chamar os guardas e me denunciar por mau comportamento?

Isadora engoliu em seco, sem conseguir tirar os olhos dele. — Eu não faria isso. — Não, milady? Você não chamaria um guarda e me acusaria de ter cedido a

meus impulsos? Devagar, Bryce tocou-lhe o braço e deixou a mão deslizar até o cotovelo. No

mesmo instante, Isadora sentiu tremores de excitação percorrerem seu corpo. — Fico feliz por ouvir isso, porque você é a mulher mais tentadora que já

conheci. Bryce acariciou seus ombros e puxou-a para si. Isadora sabia que devia afastar-se, porém, no momento em que a boca quente

tocou a sua, o beijo não pareceu errado, nem imoral, nem proibido. Pareceu perfeitamente certo.

Já fora beijada antes por rapazes tímidos que haviam tomado seus lábios ou faces de surpresa. Mas nunca daquela forma, com força, paixão e um desejo que suscitava emoções incontroláveis.

Nunca sentira a língua de um homem insinuar-se para entrar em sua boca. Entretanto, como nada daquilo parecia errado, Isadora entreabriu os lábios para

ele. Bryce estreitou-a nos braços, e Isadora começou a acariciar o couro macio da

túnica que o cobria. Enquanto a língua experiente continuava operando verdadeiras mágicas dentro dela, Isadora sentiu os músculos tensos e vigorosos relaxarem sob seus dedos.

Bryce empurrou-a com delicadeza até deixá-la presa contra a parede. Então, colocou o joelho entre as pernas bem torneadas, e Isadora sentiu-se sacudir por estremecimentos de um prazer primitivo e desconhecido.

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De repente, a porta do salão se abriu, e um facho de luz invadiu o pátio. Uma voz de trovão gritou:

— Boa noite. Com a interrupção, Isadora DeLanyea arregalou os olhos e encarou Bryce,

horrorizada, antes de empurrá-lo para longe, suspender a saia e sair em disparada. !! DOIS !!Bryce Frechette gemeu baixinho, observando lady Isadora fugir. O que mais

poderia ter acontecido se a porta não tivesse sido aberta? Nesse momento, lembrou que Cynvelin Hywell tencionava casar-se com ela, e

praguejou. Era um tolo! O que aconteceria se contasse ao futuro patrão o que acabara de

haver entre ele e Isadora? Será que nunca aprenderia a controlar seus impulsos? Não importava que ela

fosse linda e franca e que conversasse com ele de igual para igual. Por que não tivera o bom senso de afastar-se dela assim que explicara o que estava fazendo ali?

Já estava afogado em um mar de problemas e vergonha por haver agido por impulso antes. Pelo jeito, não aprendera nada desde que saíra de casa, vários anos atrás.

Irritado, deu um soco na parede. Seria bem feito se perdesse a chance que Cynvelin oferecera de maneira tão gentil, e a culpa seria toda sua.

Não. Não toda sua. Não daquela vez. Isadora era tão culpada quanto ele pelo que acabara de acontecer, pois não esboçara nenhum protesto quando fora tomada nos braços. Aliás, correspondera ao beijo de forma ardente e apaixonada.

É claro que ela não diria nada a lorde Cynvelin, a menos que quisesse criar intrigas... o que era bem possível.

Aflito, Bryce afastou-se da parede. Se fosse questionado, não mentiria. Diria a lorde Cynvelin o que acontecera, e ele que acreditasse no que quisesse. !

Na manhã seguinte, Isadora olhou, cautelosa, para as pessoas reunidas na capela. Foi fácil identificar Cynvelin pronto para a viagem: ele estava de túnica preta, calça marrom e uma capa preta de lã fina jogada com displicência sobre os ombros largos. Viu-o tão próximo de lady Valmont que lhe pareceu que chegavam a se tocar. Como se isso não bastasse, passaram a maior parte do tempo cochichando ao ouvido um do outro.

Ótimo. Talvez assim Cynvelin não reparasse nela. Com sorte, conseguiria chegar até o salão para o desjejum sem ser vista. Depois da noite anterior, o melhor a fazer era evitá-lo e tentar escapar de inevitáveis explicações Clássicos históricos

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constrangedoras. Pensara até em afastar-se dos demais convidados, mas depois concluíra que

não poderia ficar enfurnada em seus aposentos como um ratinho assustado. Tinha de saber se fora vista nos braços de Bryce Frechette e se ele contara a alguém que ela se portara como uma mulher à-toa.

Era o tipo de mexerico que se espalhava como uma praga e, infelizmente para ela, teria de aguentar a posição

de alvo. Por sorte, ninguém parecia estar prestando atenção a ela, nem lançando olhares

acusadores. Isadora suspirou, aliviada. Não via o normando na missa. Ótimo, pois não

saberia o que fazer se tivesse de falar com ele. Talvez Bryce também estivesse arrependido do que acontecera. Afinal, não a

tratara com o respeito que merecia. Isadora também não se portara de acordo com a sua posição. Se fosse

respeitável, teria partido assim que constatara que ele não era um ladrão tentando roubar bagagem.

Bryce não era o que as pessoas diziam. Tinha se comportado com toda discrição na festa, permanecendo afastado dos demais convidados o tempo todo. Não era um imprudente impetuoso. Pelo menos, não até ser provocado.

Isadora o provocara, mas, ainda assim, ele não tinha o direito de criticá-la. Só aceitava críticas de seus pais.

O que o seu pai diria quando soubesse que a filha querida se deixara conduzir pelas sombras, longe da visão dos guardas, a sós com um homem jovem, viril e... excitante?

Estremeceu, porém, a razão do tremor não foi medo da reação do barão. Um dos convidados de lorde Melevoir observou-a, intrigado, fazendo-a se

lembrar de que não estava sozinha. Era uma vergonha ter aquele tipo de pensamento numa capela. Precisava esquecer o ex-nobre sem título que a beijara com tanta paixão.

Tudo o que lhe restava era rezar para que Bryce Frechette não viesse cobrar a conclusão do que haviam começado. Isadora jurou, por tudo o que havia de mais sagrado, que jamais tornaria a se envolver numa situação tão constrangedora.

Quando a missa terminou, ela saiu rápido para o ar gelado da manhã de primavera. Então, caminhou apressada pelo pátio, com o objetivo de entrar no salão antes que Cynvelin a visse.

Ao passar pelo estábulo, viu o cavalo negro dele selado e pronto. Os homens e as carroças de suprimentos estavam prontos para partir. Vários soldados jaziam recos-tados à espera.

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— Será que ela geme ou grita? — murmurou uma voz em gaulês, alto o suficiente para que Isadora ouvisse.

Ela parou e virou-se devagar para ver quem ousara fazer um comentário tão grosseiro em sua presença. Decerto havia sido o soldado alto e corpulento que parara para examiná-la de cima a baixo, com um sorriso cínico nos lábios.

— O que foi que disse? — perguntou ela em gaulês, com as mãos na cintura. — Nada, milady. — Fingiu inocência. — Há algum problema por aqui? — indagou uma voz profunda em francês. Isadora sentia todo o corpo se aquecer à medida que Bryce Frechette se

aproximava. Ele continuava usando apenas a calça e a túnica de couro, com a diferença de

que agora trazia uma espada pendurada no cinto, pendendo dos quadris estreitos. Apesar da simplicidade dos trajes, era muito mais imponente que o homem que a provocara. Talvez fosse a barba por fazer ou a autoconfiança, tão natural nele quanto os olhos castanhos profundos e a boca sensual.

Não era possível que estivesse pensando nos lábios dele! Tinha de estar indignada!

Bryce olhou para o homem e para Isadora com uma expressão insondável. — Há algum problema? — repetiu. Isadora ergueu o queixo, desafiadora. — Ele me disse algo muito grosseiro, — É verdade? — Bryce caminhou na direção do soldado. O tom de voz parecia

calmo, mas os ombros estavam tensos, denunciando a raiva contida. —Você foi grosseiro com a dama?

O soldado olhou-o, confuso, e respondeu em gaulês. — Ele disse que não entende o que você está dizendo — explicou Isadora. Bryce olhou-a por sobre o ombro. — Mas você entendeu, não foi, milady? — Infelizmente, sim. Um segundo depois, Bryce arrastou o homem até encostá-lo contra a porta e

sacudiu-o pelos ombros. — Peça desculpas à dama — murmurou entre os dentes. — Você entende, não

é? O soldado olhou para Isadora com os olhos cheios de medo. — Não entendo o que ele diz! — gritou em seu idioma. — O que foi que fiz? Isadora correu para eles e segurou Bryce pelo cotovelo, sentindo os músculos

firmes sob seus dedos. — Ele não o entende! Deixe-o ir! Bryce nem se mexeu. — Então diga-lhe para pedir desculpas. Caso contrário, juro que ele irá se

arrepender. Clássicos históricos

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Isadora traduziu a exigência de Bryce e, no mesmo instante, o soldado gaulês formulou um pedido de desculpas.

Bryce largou-o, deixando-o cair, desajeitado, ao chão. Em segundos, havia uma dezena de homens em volta, lançando olhares desconfiados para o grupo.

— Quero agradecer-lhe por ter defendido a minha honra, mas creio que você acaba de fazer alguns inimigos — disse Isadora. Precisava aparentar frieza, apesar de estar sentindo a pele em brasa.

Bryce não estava nem um pouco abalado. — Sou eu quem agradece, milady, pela oportunidade de mostrar a meus futuros

companheiros que não sou de brincadeira. Caso contrário, eu mesmo teria de arranjar uma forma de fazê-lo.

Ela arregalou os olhos. — O senhor tem o hábito de se meter em encrencas? Ou costuma esperar até

uma dama ser insultada para correr em sua defesa e provar sua masculinidade? — Nunca pensei que minha masculinidade estivesse em questão. Bryce continuou a encará-la, e Isadora sentiu as faces enrubescerem. — E que sua insistência para fazê-lo me pedir desculpas foi meio exagerada... — Eu sei. Isadora percebeu que era o momento de partir, mas sentiu-se na obrigação de

ser educada. — Você foi muito gentil. Obrigada, Frechette. — Foi uma honra. — Fez uma mesura. Isadora olhou em volta e viu que os soldados tinham se afastado e que não

havia mais ninguém por perto. — Frechette? — começou, cautelosa. — Sim, milady. — Você promete não contar a ninguém sobre o que houve no pátio na noite

passada? — Achou que eu seria capaz disso? — Bryce se mostrou muito ofendido. Ela ficou mortificada ao perceber que o insultara, mas precisava ter certeza de

que ele continuaria em silêncio. — Como você mesmo disse, eu não o conheço. — Então é bom que saiba que, de minha parte, manterei o que houve me

segredo. Espero que faça o mesmo, milady, e não comente nada com lorde Cynvelin. — Não! Vamos fingir que nada aconteceu. Bryce assentiu, porém, havia algo nos olhos dele que a fez corar de novo. Sabia

que nenhum dos dois conseguiria esquecer. Jamais perdoaria a paixão que Bryce despertara nela, ou a forma como

condenara sua hipocrisia. Sempre se recordaria do remorso escondido pela ira contida quando ele falara na irmã. Nunca se esqueceria dele, por mais que quisesse.

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Nesse instante, sem querer, Isadora percebeu um movimento indesejável com o canto do olho.

Lorde Cynvelin estava se aproximando com a fisiono- mia preocupada. — Milady! O que está havendo? Aborrecida, Isadora afastou-se de Bryce, que virou-se para o estábulo. Só então Isadora percebeu que, tanto lorde Melevoir quanto um grupo

numeroso de convidados diminuiu o passo para observar o que estava acontecendo. Ciente da atenção que estava despertando, Isadora resolveu falar em gaulês

assim que Cynvelin se aproximou. — Está tudo sob controle, milorde. — É bom saber disso, e é um prazer vê-la aqui. Eu sabia que não teria de

partir sem me despedir de você. — Ele inclinou-se e beijou-a na mão. — Procurei-a ontem à noite, mas você desapareceu!

— Preferi me recolher. — Senti sua falta, milady. Isadora engoliu em seco. — O salão estava quente demais, e eu estava cansada. Cynvelin ergueu os

olhos para o céu, e ela imitou-o. — Queremos sair cedo. Faremos o desjejum na estrada. Parece que o tempo vai

mudar. Cynvelin tinha razão. Havia pesadas nuvens cor de chumbo se movendo do

oeste, lestas. Isadora suspirou, mais tranquila. Graças a Deus, ele estava sendo gentil,

educado e respeitoso como fora no dia em que se conheceram, sem sombra daqueles olhares cheios de segundas intenções da véspera.

Os olhares se cruzaram, e ela, feliz por estar quase livre de Cynvelin, sorriu. — Faça uma boa viagem, milorde. — Isso é tudo o que tem a me dizer, minha bela Isadora? — sussurrou

Cynvelin, tornando à expressão maliciosa que já estava se tornando costumeira. De repente, se aproximou, ignorando o fato de estarem diante de tantas pessoas, inclusive Bryce Frechette.

Isadora se sentiu desamparada. Sabia que precisava corrigir qualquer falsa impressão que pudesse ter dado, mas ali? Com tanta gente por perto?

— Por enquanto é tudo, milorde. — Até nosso próximo encontro? — Se o senhor quiser. — Se você soubesse o que eu quero... Isadora corou ainda mais, perturbada com a situação delicadíssima. Só então

começou a sentir raiva. Será que Cynvelin não percebia sua relutância? Será que não via que a estava constrangendo?

— Adeus, milorde — disse, desafiadora, mesmo tempo que girava sobre os saltos. Clássicos históricos

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Sem nenhum aviso, Cynvelin puxou-a e tomou-lhe os lábios num beijo quente e violento.

Isadora ficou imóvel, petrificada. Então, Cynvelin vi-rou-se e deu um sorriso triunfante. Ela olhou para Bryce Frechette. O que ele deveria estar pensando?

A expressão, apesar de enigmática, parecia uma condenação. — Milorde? — Isadora fazia um esforço descomunal para manter a voz

controlada. — Talvez seja mais sensato esperar meu pai convidá-lo antes de ir a Craig Fawr.

— Eu... Como? — Cynvelin parecia bastante surpreso com as palavras frias e com a forma como Isadora reagira ao beijo.

— Acho que o senhor entendeu. Não apareça em Craig Fawr até ser convidado pelo barão. Tenha um bom dia, milorde.

Com isso, Isadora voltou-lhe as costas e caminhou para o salão. De onde estava, esperando para montar, Bryce observou lady Isadora deixar

Cynvelin e entrar no salão. Pela forma como o lorde a beijara diante de tanta gente, os dois só podiam

estar comprometidos. Era curioso que na noite anterior ela tivesse se portado como uma mulher livre e desimpedida.

Que tipo de pessoa era Isadora DeLanyea? Talvez dessas que mudam de amores de hora em hora, porque, na noite anterior, parecera bem sincera durante o beijo.

Decerto Isadora era o que Bryce imaginara quando a vira: uma moça que disputava a atenção de todos os homens.

Se isso fosse verdade, Cynvelin merecia mais pena do que inveja. O gaulês acenou para as pessoas que ainda se encontravam reunidas no pátio. — Ela está triste por me ver partir! — anunciou, alto. Bryce concluiu que

aquilo deveria explicar o afastamento abrupto dela e tudo o mais. Depois do comentário, Cynvelin recebeu olhares comovidos das mulheres,

sorrisinhos dos homens, e virou-se, animado, para Bryce. — É uma bela manhã, não, Frechette? Um belo dia para uma viagem! — Sim, milorde. Por um segundo, Bryce considerou a possibilidade de contar ao nobre sobre o

comportamento de Isadora, mas logo mudou de ideia. Não seria sensato arriscar o próprio futuro por causa de pessoas que acabara de conhecer. E pior: como explicaria as próprias atitudes com ela num canto sombrio do pátio?

Se lady Isadora não era uma mulher séria, estaria nos braços de outro antes que eles atingissem a primeira curva da estrada. Assim, lorde Cynvelin acabaria desco-brindo por outros meios.

Nesse momento, o nobre aproximou-se de Bryce e olhou-o, curioso. — O que aconteceu aqui antes de eu chegar?

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— Nada importante, milorde. Sua dama se sentiu insultada por um de seus soldados, e eu obriguei-o a pedir desculpas.

Cynvelin examinou seus homens vestidos com cotas de malha brilhantes por baixo das túnicas pretas. Bryce reparara que todos tinham armas e equipamentos de excelente qualidade. Pelo visto, seu novo patrão não poupava despesas com as tropas, mesmo com aqueles que não demonstravam o devido respeito por sua noiva.

— Quem insultou-a? — Tenho certeza de que ele não tornará a fazê-lo, milorde — respondeu

Bryce, surpreso. Será que Cynvelin esperava que ele delatasse um companheiro? Por um segundo, Bryce imaginou ter visto uma sombra de reprovação nos

olhos do gaulês, mas deve ter se enganado, porque Cynvelin sorriu. — Se você deu uma lição nele, estou satisfeito. — A dama estava precisando de ajuda. — Ela é orgulhosa como o pai. Surpreso com o tom hostil na voz de Cynvelin, Bryce examinou-o com o canto

dos olhos. — Foi um prazer defender a honra de milady. — Isadora ficou muito grata a você. — Estou vendo que o senhor chegou a um consenso com ela. — Bryce

procurava mudar de assunto, enquanto Cynvelin ajustava a sela para montar. — É claro. — Nesse caso, parabéns, milorde. — Obrigado. — Ele inspecionou os homens e a bagagem. — Se estamos todos

prontos, vamos partir — ordenou, conduzindo o cavalo até a frente do grupo. "Sim, vamos", pensou Bryce, tentando se convencer de que era mesmo uma

excelente ideia partir e deixar para trás mulheres belas e confusas que arrastavam homens indefesos para as sombras, mesmo estando comprometidas.

Bryce desviou a vista para os aposentos dos convidados, na esperança de ver lady Isadora assistindo à partida do amado, com uma lenço branco nas mãos e o rosto banhado de lágrimas de saudade.

Se ela estava lá, ele não viu. Naquela tarde, Isadora apressou-se em buscar a companhia dos recém-

chegados à propriedade de lorde Melevoir. Por alguns momentos, a alegria de rever o pai foi mais forte que todas as

perturbações provocadas pelos acontecimentos dos últimos dias. Apesar de não temer mais que seu encontro com Bryce Frechette se tornasse público, não podia se iludir pensando que o beijo de Cynvelin seria esquecido pelos presentes ou que alguém acreditaria que acontecera contra sua vontade.

Já percebera olhares e murmúrios suficientes para saber que o que acontecera no pátio era o comentário do momento no castelo. Clássicos históricos

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Isadora tentou se convencer a não se preocupar. O barão entenderia. Ficaria muito mais apreensiva se houvesse a possibilidade de ele saber sobre seu encontro com Bryce Frechette.

A comitiva de seu pai não tinha mais que vinte homens, mas, em meio àquela tranquilidade, as vozes gaulesas ecoavam como se pertencessem a quarenta soldados. De repente, o barão a viu e acenou.

Isadora tinha tanto orgulho de ser filha do barão De-Lanyea! Apesar dos trajes sóbrios e sem luxo, ele parecia um rei montado no cavalo branco. Mas ela sabia que o pai podia ser muito duro. Já ouvira milhares de histórias sobre as batalhas dele.

Por sorte, para Isadora o barão sempre fora um anjo. Mordeu o lábio e fez uma prece para que ele continuasse a ser, apesar do que tinha para lhe contar. Então, sorriu e acenou de volta.

A medida que se aproximava, Isadora sorria ainda mais ao ver Dylan, seu belo e galante irmão adotivo, dando imensa atenção às empregadas do castelo, sem se preocupar com os demais presentes.

Ao contrário de Dylan, Griffydd, o irmão mais velho, estava com os olhos cinzentos sérios, como de hábito, analisando com cautela o lugar. Isadora sabia que, se perguntasse a Griffydd, mais tarde, ele saberia dizer com precisão o número exato de soldados armados nos portões e nos pátios, a quantia de prédios que compunham o castelo e talvez até quantas janelas tinha o prédio principal.

Tristan, o irmão mais novo, tão parecido com Isadora que algumas pessoas achavam que eram gêmeos apesar da diferença de idade, não estava presente, pois passava uns tempos com sir Urien Fitzroy para concluir o treinamento militar.

O barão desmontou, e Isadora correu para abraçá-lo. Depois de um longo minuto, DeLanyea afastou-a um pouco e examinou a filha com o olho bom. O outro tinha sido cegado na Terra Santa fazia muito tempo, quando ele acompanhara o rei Ricardo numa Cruzada.

— E então, Isadora? Você se divertiu? — Lorde Melevoir é um anfitrião maravilhoso, papai. — Eu sabia que devia ter me oferecido para acompanhá-la! — declarou Dylan,

desmontando com habilidade. — Veja só o que eu perdi! E por nada! — Você tinha obrigações mais importantes — lembrou Griffydd. — Como supervisionar o conserto de um muro? — Dylan fez um esgar de

desprezo — Eu acho que nem... O barão riu alto. — Você não acha nada. Além disso, Mamaeth quis que Isadora viesse sem os

irmãos. Acho que tinha grandes planos para essa visita, não é, minha pequena? Isadora tentou sorrir quando se lembrou da velha ama-seca. Mamaeth deixara

bem claro que esperava que Isadora voltasse casada ou, pelo menos, comprometida. E, ao contrário das expectativas, ela se metera numa grande confusão. — Como vai Mamaeth? E mamãe?

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— Estão bem, Isadora, mas com muita saudade de você — De repente, o barão ergueu a cabeça e examinou as pesadas nuvens no céu. O temporal não tardaria. — Vamos entrar antes que fiquemos ensopados.

Griffydd assentiu e deu uma série de ordens aos homens. Isadora tomou o pai pelo braço e entrou. Dylan aproveitou para entregar as rédeas do cavalo a um rapazinho e correu para a cozinha. Sempre contava que nutria grande admiração por armas e por mulheres que sabiam cozinhar, e Griffydd respondia que era apenas uma questão de satisfazer a todos os apetites ao mesmo tempo.

— Vou ter de cortar as asas desse rapazinho — disse o barão, divertido. Apesar de o pai aceitar de bom grado o jeito galante de Dylan, na certa agiria

diferente quando fosse a vez de Isadora. Ela respirou fundo e tentou se acalmar. Afi-nal, lorde Cynvelin já deveria estar a dezenas de quilómetros dali.

Incomodada, percebeu que não sentia o mesmo alívio com relação a Bryce Frechette, apesar de tudo o que acontecera entre eles.

— Todos sentimos sua falta. — O barão sorriu. — Craig Fawr fica vazia sem você. Acho até que Mamaeth se arrependeu de torcer tanto para que se casasse. Ela estava ansiosíssima quando viemos para cá.

— Pois eu garanto, papai, que não estou com pressa nenhuma de me casar. O barão olhou-a com uma expressão tão séria que Isadora receou ter se traído

com o comentário. Porém, nesse preciso momento, lorde Melevoir apareceu, ofegante, na entrada

do salão. — Que prazer tornar a vê-lo, barão! — Apressou-se para saudar o amigo. —

Perdoem meu atraso. Parece que essa umidade penetra em meus ossos. Eles doem demais, os pobrezinhos!

— Então, por favor, volte para seu lugar perto da lareira, milorde. — Só volto se tiver companhia, barão. — Com prazer. Até porque, meus ossos também não são tão jovens — admitiu

DeLanyea enquanto seguia lorde Melevoir até as cadeiras de carvalho diante do fogo. Assim que se acomodaram, ouviram os primeiros pingos de chuva castigando

as paredes de pedra do castelo. — Ainda bem que você não foi pego na estrada por esse temporal! — Lorde

Melevoir gargalhou. — E desde quando chuva é um problema para os gauleses, milorde? Se bem

que será um grande prazer desfrutar de sua hospitalidade por um dia ou dois. Quando o barão olhou para a filha, Isadora forçou um sorriso. Sabia que a

visita do pai duraria mais que uma noite, mas, quanto mais tempo ele ficasse, maior a probabilidade de saber do beijo de lorde Cynvelin. Por um momento, ela considerou a possibilidade de abrir o jogo e evitar mal-entendidos, mas, antes que conseguisse abrir a boca, o pai disse:

— Quem ganhou o prêmio do torneio, Melevoir? Clássicos históricos

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— Bryce Frechette ficou com o primeiro lugar. Nunca vi ninguém tão hábil com uma lança.

— Frechette? — O barão olhando, surpreso, para o anfitrião. — O Filho do conde de Westborough?

— Ele mesmo. Confesso que tive dúvidas em deixá-lo participar, mas dou o braço a torcer, Emryss: nunca vi um jovem tão bem preparado.

Isadora tentou disfarçar o interesse. O fato de Bryce ser um excelente guerreiro não significava que fosse um

cavalheiro. O barão virando-se de supetão para Isadora. — E o que você achou dele, querida? Ela estremeceu e deu de ombros, tentando disfarçar O nervosismo. — Lorde Melevoir não permite que assistamos ao torneio. — É claro que não! — declarou o nobre. — Não é um espetáculo apropriado

para jovens damas. — Então Frechette ganhou, não é? É uma pena que a família dele tenha

perdido todos os títulos e terras. Um bom cavaleiro é sempre bem-vindo. — A família dele perdeu as terras e os títulos? — perguntou Isadora, inocente. — O pai de Frechette sempre gastou demais. É um exemplo que eu devia ter

lembrado antes de deixá-la ir às comprar na primavera passada. — Apesar da expres-são severa, havia um traço brincalhão no rosto do barão.

— Eu precisava de vestidos novos, papai. Foi Mamaeth quem disse! — Ela falou que você precisava de vestidos novos para conseguir um marido.

Conseguiu? Lorde Melevoir começou a rir, correndo os olhos do barão para Isadora e vice-

versa. — Eu já lhe disse, papai, que não tenho pressa de casar. — E eu não queria estar em seu lugar quando voltar para casa, mocinha.

Mamaeth vai ficar uma fera quando souber que todas essas visitas e gastos não serviram para nada.

Ainda rindo, lorde Melevoir pegou um lenço no bolso para enxugar as lágrimas.

— Ela foi incrivelmente admirada, barão. Incrivelmente. — Ah, é mesmo minha filha! — Emryss piscou para Isadora. — Um jovem, em especial, ficou muito interessado. Aliás. um gaulês, como

você. E, pelo jeito, o interesse foi mútuo. Isadora sorriu para o pai, incomodada. Ele a encarou, sério. — É mesmo? E quem seria esse gaulês? Constrangida, Isadora baixou os

olhos e cruzou as mãos sobre o colo.

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— Ah, agora ela ficou envergonhada! — disse Melevoir. Isadora olhou-o e desejou que o anfitrião tivesse um

ataque cardíaco fulminante. Qualquer coisa que o fizesse ficar quieto. — Não houve nada, papai. — Nada?! — Lorde Melevoir pareceu indignado. — Ser beijada no pátio do

meu castelo é nada?! Isadora desejou poder ficar invisível. — Esse homem beijou-a em público? — perguntou o barão, num tom que a fez

estremecer. — Papai, eu... — Calma, amigo — intercedeu Melevoir. — Assim, todos vão saber sua idade.

Um jovem apaixonado é capaz de atos impetuosos. Não seja duro com sua bela filha. Isadora deixou claro para todos que achou a atitude do rapaz imprópria.

— Isso é um alívio. — Ei, calma, homem! Lorde Cynvelin... — Quem? Apesar do tom baixo, Isadora concluiu que nunca ouvira o pai falar de forma

tão fria e ameaçadora. !! TRÊS !!Isadora observou o pai em silêncio enquanto ele desviava os olhos dela para

lorde Melevoir. O anfitrião pigarreou. — Lorde Cynvelin Hywell. Um nobre gaulês — concluiu, esperançoso. — Ele pode até ter nascido nobre, Melevoir, mas hoje é uma desgraça para

todos nós. Isadora nunca vira o barão reagir com uma antipatia tão imediata. E pior: não

fazia ideia de que o pai sabia quem era Cynvelin! O que ele teria feito de tão grave para irritar DeLanyea daquela forma?

— Ele falou com você? — perguntou o pai, irritadíssimo. Isadora assentiu. — E sabe quem é você? — Sabe, papai, Cynvelin Hywell disse que o conhecia quando foi apresentado

a mim, mas nunca deu a entender que tivesse havido algum problema com o senhor. Ele foi muito gentil, papai, apesar de ter sido bem afoito.

— Nisso eu concordo. E você, Isadora, por acaso, esperou lorde Melevoir apresentá-ios formalmente?

Ela meneou a cabeça, cheia de remorso. O pai tinha razão. O certo teria sido esperar o anfitrião apresentá-los.

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— Barão, se eu soubesse que havia alguma coisa... — Lorde Melevoir se mostrava constrangido.

O pai de Isadora suspirou. — Desculpe-me, lorde Melevoir. Nada disso é sua culpa ou de minha filha. Eu

deveria ter imaginado que Cynvelin poderia estar aqui, e deveria tê-la alertado. O barão fixou o olhar em algum ponto indefinido, e Isadora ficou sem saber se

ele estava falando com ela ou consigo mesmo. — Mas nunca pensei que ele teria a coragem de dirigir a palavra a algum membro de minha família. Isadora estremeceu. Era nítido que o barão estava fazendo um grande esforço

para conter a raiva. — O que ele faz para o senhor odiá-lo tanto, papai? — Você tem razão — interrompeu-a lorde Melevoir. — Se Cynvelin é um

mau-caráter, não vou tornar a re- cebê-lo aqui. — Ele foi um mau caráter, mas, se Bryce Frechette se mostrou capaz de mudar

tanto, talvez Cynvelin também seja. — O barão sorriu, mas Isadora percebeu que , era só para confortar o anfitrião. — Quando eu o admiti entre meus homens, ele tinha o porte e os modos de um

verdadeiro cavaleiro. — Cynvelm esteve em Craig Fawr, papai? Não me lembro disso. — Na época, você estava visitando lorde Trevelyan e, como eu não quis

admitir meu grave erro, optei por nunca mais mencionar o nome dele depois de mandá-lo embora.

— Por que você fez isso, Emryss? — No começo, Cynvelin apenas trapaceava em jogos de azar. Depois,

começou a criar problemas, como todos os jovens, espalhando mentiras e boatos, até que eles estavam quase se matando uns aos outros. E Cynvelin sempre dava um jeito de se livrar da responsabilidade. Era inteligente o suficiente para isso. Só percebi o que estava acontecendo quando Griffydd deu um soco em Dylan, e eu obriguei-o a explicar o que estava havendo. Quando descobrimos que tudo tinha sido causado pelas intrigas de Cynvelin, Dylan quis acabar com o miserável.

O barão deu um sorriso amargo. — Cynvelin nunca saberá como esteve perto da morte naquele dia —

continuou. — Pensei que uma boa conversa bastaria, mas estava errado. Logo depois, alguém cortou a tira que prendia a sela do cavalo de Dylan, e ele foi atirado para longe da montaria enquanto praticava combate com lança. Poderia ter morrido e, é claro, eu soube de imediato quem foi o responsável.

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— E aí você o demitiu. — Lorde Melevoir meneou a cabeça. O barão passou alguns segundos perdido em devaneios.

Isadora esperava, ansiosa, que ele prosseguisse. — Isso mesmo, meu amigo. Decerto havia muito mais a ser dito, mas ela não ousava perguntar. Melevoir recostou-se na cadeira. — Que história terrível, barão DeLanyea! Esse homem é um perfeito lobo em

pele de cordeiro! Só falta você me dizer que é um daqueles malditos rebeldes. — Um rebelde? Por Deus, ele não! Se bem que não me surpreenderia se

Cynvelin se identificasse como tal entre os gauleses, se lhe fosse conveniente. Cynvelin é um egoísta, só pensa em si mesmo. Se algum dia ele semear uma rebelião, pode ter certeza de que será em

seu próprio benefício. Nesse momento, Dylan e Griffydd entraram no salão, acompanhados dos

demais homens. — Papai, o senhor sabe que Isadora andou beijando alguém? — perguntou

Dylan, furioso, encarando a irmã de um jeito que produziu mais raiva que remorso. Afinal, independente do fato de não ter se comportado bem, Dylan estava longe

de ser um santo. Era comum se esgueirar para fora de Craig Pawr quando anoitecia para ir atrás de moças fáceis na vila. Dizia-se até que já tinha três filhos de mulheres diferentes. Por sorte, para os gauleses filhos ilegítimos não eram razão de constrangimento, mas isso não dava a Dylan o direito de criticá-la.

A expressão de Griffydd, por outro lado, só serviu para deixá-la humilhada. Graças a Deus, nenhum dos dois desconfiava do outro beijo inesquecível no pátio.

Isadora levantou-se, decidida, e encarou os irmãos. Não era justo que começassem a acusá-la sem saber as duas versões da história. Do mesmo jeito que ela havia feito com Bryce Frechette...

— Não creio que... — Sente-se, Isadora — ordenou o pai. — Dylan, baixe a voz. Lorde Melevoir levantou-se devagar. — Acho melhor deixá-los discutir seus assuntos familiares com privacidade. Com isso, ele se afastou o mais rápido que suas pernas permitiram. Sério, o

barão fez um gesto para que Dylan e Griffydd se aproximassem. — Vamos falar agora sobre esse assunto, de uma vez por todas, para nunca

mais termos de pronunciar o nome de Cynvelin Hywell. Dylan olhou irritado para Isadora. — Sabe o que estão falando de você? Que se atirou nos braços daquele

canalha! — Eu não fiz isso! — protestou ela, enojada ao perceber como o seu

comportamento no baile tinha sido interpretado.

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Bryce Frechette, decerto, era da mesma opinião. Talvez isso explicasse o fato de ter se sentido tão à vontade para beijá-la. O que estaria pensando dela naquele momento?

De repente, Isadora desejou de todo o coração nunca ter estado naquele lugar. O barão olhou para os outros homens que começavam a entrar, pedindo

bebidas aos serviçais. — Falem baixo — repetiu, firme. — É isso o que estão dizendo. — Griffydd dirigia à irmã um olhar mais

irritante que as acusações de Dylan. Isadora encarou-os, sentindo o sangue lhe subir à cabeça. — Quem ousa dizer esse tipo de coisa? Conversei com Cynvelin Hywell e

dancei com ele no baile! Eu não sabia de nada que o desabonasse, e acho que vocês não têm o direito de me condenar!

— Ela não sabia de nada sobre ele — disse o barão. — Eu nunca contei a Isadora. E você, Dylan, não tem moral para criticá-la.

— Mas ela é mulher e... — E eu sou o pai dela. Eu sou responsável pelo comportamento de Isadora, e

não você, e posso lhe garantir que minha filha ficou tão incomodada com o que houve quanto vocês.

Dylan franziu o cenho, porém Isadora o ignorou. O importante era que seu pai soubesse o quanto estava arrependida.

— Os normandos nunca entenderam os gauleses. Um povo sombrio que vive como eremita em cavernas úmidas e frias não merece muita atenção quando critica uma moça ativa como sua irmã. Dylan, Griffydd, esta conversa acabou. Isadora pode ter sido menos discreta do que eu gostaria, mas até você age assim de vez de vez em quando, Griffydd. E você, sempre, Dylan! Agora, vão, e avisem aos rapazes para não darem atenção aos comentários vindos dos convidados de lorde Melevoir ou dos soldados.

Nenhum dos dois parecia satisfeito, porém, eram bastante inteligentes para saber que, quando o pai encerrava uma discussão, era inútil insistir.

Levantaram-se e foram para perto dos outros homens. — Papai, eu... — Isadora não sabia ao certo o que dizer. O que seria melhor?

Defender-se ou suplicar perdão? Emryss ergueu a mão, calando-a, e quando falou a voz estava tranquila e cheia

de compreensão: — Isadora, eu sei que Cynvelin tem o dom de ser encantador, e me sinto

culpado por não tê-la alertado sobre ele. Sente alguma coisa por Cynvelin, como lorde Melevoir sugeriu?

— Eu achava que sentia, pai. Um pouco. Mas quando ele me beijou no pátio e me fez passar vergonha na frente de todo o mundo... — Mais uma vez a imagem de Bryce Frechette invadiu-lhe a mente. Clássicos históricos

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O barão assentiu, pensativo. — Cynvelin sabe ser muito cativante. — Suspirou. — É isso o que o torna

perigoso. Ele é educado e dissimulado ao mesmo tempo. Mas a educação pode ser só um hábito, filha. E um título de nobreza pode ser apenas uma fachada para esconder a desonra. Lembre-se disso.

— O pior de tudo é que Cynvelin deve achar que gosto dele, papai. E, seguindo essa crença, pode aparecer em Craig Fawr.

Isadora imaginou que o pai fosse, no mínimo, praguejar. No entanto, em vez disso, apenas sorriu.

— Cynvelin jamais ousaria aparecer em nossa casa, Isadora. Não se tiver amor à vida. Disso ele sabe muito bem. — Inclinou-se e deu um tapinha na mão da filha. — O que houve aqui não foi grave, querida. E acho que foi bom para ensinar-lhe uma lição.

— É claro. Prometo, papai, que, da próxima vez que eu viajar, serei a dama mais recatada e discreta do mundo.

Emryss sorriu, satisfeito. — Nesse caso, você não seria minha filha linda e espirituosa, e eu seria um

homem infeliz. Griffydd já é sério o bastante por todos nós. — Levantou-se. — Mas ouça bem: se não se comportar, da próxima vez vou mandar Mamaeth para pajeá-la. Duvido que haja problemas com ela por perto.

Isadora se ergueu de um salto. A ideia de ter uma babá tão severa e atenta não era nada animadora.

— Desculpe-me se envergonhei nossa família, pai. Terei mais cuidado da próxima vez. Juro.

— Eu sei, querida. — O barão abraçando-a. — Também já fui jovem e impetuoso e, como ainda não me esqueci dessa época, tenho de perdoá-la.

Isadora abraçou o pai com força. Amava-o do fundo da alma, e sentia-se feliz por constatar que seu comportamento descuidado não tivera maiores consequências. !

Uma chuva fina e persistente inundava o vale. Adiante, altas montanhas pareciam envolver o grupo de Cynvelin Hywell em meio a uma névoa branca e espessa.

Bryce suspirou. Desde que haviam cruzado a fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales, não vira mais o sol. Suas roupas estavam úmidas havia tanto tempo que chegou a pensar que jamais voltariam a secar.

Segundo Cynvelin, estavam a caminho de uma de suas propriedades menores, uma fortaleza chamada Annedd Bach. Com sorte, chegariam naquele dia.

Apesar de a viagem não ter sido longa ou cansativa demais, Cynvelin parecia ser do tipo que achava que seus soldados mereciam boa comida, cerveja e acomoda-ções de qualidade. Pelo visto, os homens pensavam da mesma forma, porque eram muito arrogantes. Madoc, o homem que Bryce obrigara a desculpar-se com Isadora, Clássicos históricos

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continuava a ignorá-lo, mas ele não se incomodava. Estava habituado a ficar sozinho depois de passar meses viajando pela Europa tentando ganhar dinheiro para a família, só para descobrir, tarde demais, que de nada adiantava. A única saída fora perder-se pelo mundo como um guerreiro sem terras e sem honra.

Quanto aos demais, ninguém fizera esforço algum para conversar com Bryce e, depois de umas poucas tentativas frustradas, ele próprio desistira.

Ao que parecia, Cynvelin não dava a menor importância para o passado de Bryce. Tratava-o quase como um igual, do mesmo modo como havia feito na festa de lorde Melevoir. Durante os períodos de descanso da viagem, tinham conversado sobre diversos assuntos: o torneio, o castelo de Cynvelin, Caer Coch, que parecia ser a melhor

fortaleza do País de Gales, as experiências de Bryce na Europa e mulheres. Com uma única exceção: nenhum dos dois mencionara lady Isadora DeLanyea. Bryce deu graças a Deus, porque não saberia como reagir se Cynvelin falasse

nela. Talvez, com o tempo, criasse coragem para dizer a seu patrão que lady Isadora não se comportava como convinha a uma dama. Por outro lado, ouvira dizer que os gauleses não eram moralistas. A julgar pela frequência com que todos dormiam com prostitutas em hospedarias, devia ser verdade. Por mais estranho que fosse, talvez as mulheres gaulesas agissem da mesma forma.

Se suas conclusões estivessem corretas, não precisava se sentir culpado por sonhar com lady Isadora em seus braços, os cabelos soltos emoldurando o belo rosto, os olhos brilhantes, os lábios entreabertos e convidativos. Sem dúvida, era a moça mais desejável que já conhecera.

Mas, por mais que quisesse condená-la, não podia negar seu valor. Não conhecia nenhuma outra dama que tivesse coragem para abordar um ladrão em potencial sem ter guardas por perto, ou outra cujos olhos brilhassem com tanta força diante da piada grosseira de um soldado.

— Lá está! — gritou Cynvelin, virando-se sobre o cavalo para apontar um local para Bryce e os outros homens. — Lá está Annedd Bach.

Bryce estreitou os olhos através da bruma espessa, tentando identificar algo que parecesse remotamente uma construção.

Lorde Cynvelin riu alto. — Lá está, rapazes! É aquilo lá longe, que parece uma grande rocha. Como

vêem, ainda temos um bom pedaço a percorrer. Bryce seguiu a direção do dedo de Cynvelin e, por fim, conseguiu divisar uma

grande forma cinzenta que mais parecia uma rocha prestes a despencar de um penhasco que uma fortaleza.

— Agora vamos ficar secos! — Então, Cynvelin fez a montaria galopar, deixando uma trilha de torrões de terra úmida para trás.

A medida que se aproximavam, o castelo começou a tomar forma. Em menos de meia hora, chegaram a um grande muro externo, de rocha. Bryce viu meia dúzia Clássicos históricos

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de casebres ao lado da construção principal. Estava longe de ser uma vila. As casas eram velhas, malcuidadas e, pelo visto,, estavam prestes a desabar ao menor sinal de chuva. Não havia ninguém à vista, mas talvez fosse por causa do mau tempo.

Os muros de Annedd Bach pareciam bem construídos, e os portões de madeira eram sólidos, concluiu Bryce, ao cavalgarem para dentro do pátio interno.

A cozinha, o salão e os quartos tinham paredes de pedra. Os demais cómodos internos eram feitos de taipa.

Lorde Cynvelin gritou algo em gaulês e, em segundos, uma pessoa apareceu no salão. Quando o homem viu quem estava chamando, abriu a porta e correu para fora, com um xale velho enrolado nas roupas rasgadas. Ele era pálido, magro e parecia amedrontado.

Cynvelin tornou a gritar, e mais alguns homens apareceram de um dos casebres de taipa.

Como o primeiro, as roupas dos outros também eram gastas e puídas, e estavam todos muito magros. A postura reinante era humilde, cheia de medo e, sem dúvida, ninguém parecia contente com a volta do patrão.

Bryce lembrou-se de um dos ditados favoritos de seu pai: "Um soldado bem alimentado é um soldado feliz". Durante anos, achara que o conde de Westborough levara o ditado a sério demais, pois permitira que os vassalos e empregados ficassem com a maior parte do que produziam. Quando soubera da extensão das dívidas do pai, Bryce tivera a certeza de que havia sido generoso demais, e que todos tinham tirado proveito disso. Mas, quando observou os empregados de Annedd Bach se aproximan-do, concluiu que talvez o conde tivesse certa razão.

Era surpreendente que, apesar da generosidade com que Cynvelin tratava os cavaleiros, parecia nem reparar na situação dos empregados do castelo.

Distraído, Cynvelin faiou com os soldados, que também não pareciam notar nada de estranho. Segundos depois, o lorde desmontou e sorriu para Bryce, com a simpatia habitual.

— Vamos entrar, nos aquecer e depois comer alguma coisa, amigo. Não sei em que condições encontraremos as acomodações, mas pelo menos ficaremos abrigados da chuva.

Bryce assentiu e entregou as rédeas do cavalo a um dos empregados. Então, seguiu Cynvelin para dentro de um salão pequeno e vazio.

O nobre caminhou, aborrecido, para a lareira vazia e suspirou, com as mãos nos quadris. Uma única mesa apoiada em cavaletes jazia esquecida num canto. Pingos finos de chuva invadiam as laterais pelas janelas estreitas no alto da parede de pedra. Dentro do castelo era quase tão úmido quando fora, concluiu Bryce.

Cynvelin meneou a cabeça e franziu o cenho, bastante zangado. — Eu saio por uns tempos e o que encontro? Depenaram minha propriedade! — Quem, milorde? — Bryce o fitou, intrigado.

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Será que aquela região do País de Gales estava infestada de ladrões? Talvez aquilo explicasse a expressão infeliz dos empregados, apesar de que, se aquele fosse o caso, eles deveriam estar contentes com a chegada de Cynvelin e seus homens.

— Os empregados, é claro! — respondeu o nobre com uma raiva que Bryce nunca vira. — Preguiçosos inúteis!

Deveria deixar que todos fossem enforcados e virassem comida de urubus! — Será que eles se arriscariam a provocá-lo dessa forma, milorde? —

considerou Bryce. — Na certa sabiam que o senhor retornaria. Talvez tenham apenas guardado as coisas por segurança.

Nesse momento, ouviram um ruído na porta que dava acesso à cozinha. Uma senhora e várias moças os observavam, ansiosas.

—Ah, assim é melhor! — bradou Cynvelin, em seu idioma. Bryce olhou-o, espantado. A ira parecia ter desaparecido por completo. O nobre caminhou na direção das mulheres, falando como se não houvesse

nada errado. A senhora assentiu e saiu, enquanto Cynvelin virava-se devagar, sorrindo para Bryce.

— Você tinha razão. Eles guardaram os móveis porque não sabiam quando eu voltaria. No entanto, me disseram que há pouca comida. Acho que a colheita não foi das melhores. — Deu de ombros. — Não faz mal. Trouxemos provisões suficientes para alguns dias. E há muito o que caçar nas montanhas.

Cynvelin suspirou e correu os olhos pelo salão mais uma vez, — Talvez eu deva vir aqui mais vezes. Quando os demais homens entraram, lorde Cynvelin chamou Madoc. O

soldado desvencilhou-se de um amigo e adiantou-se. O outro homem era Twedwr, bem mais baixo que Madoc mas tão forte quanto

ele. Os dois costumavam olhar para Bryce com ódio. Ele só não sabia se era por causa do incidente com Isadora, de seu passado ou o simples fato de ele ser um normando.

Depois de falarem com Cynvelin, Madoc e Twedwr voltaram, relutantes, para o pátio, enquanto os outros se dividiram para cochichar em grupos menores. Ao que parecia, todos esperavam acomodações melhores.

Sem deixar de sorrir, o nobre virou-se para seus homens e falou por alguns minutos num tom cordial e cheio de gestos.

Nesse momento, uma empregada de no máximo quinze anos surgiu da cozinha com várias achas de lenha e começou a colocá-las, sem a menor pressa, no chão de pedra. Cada vez que ela se inclinava, um dos homens fazia uma piada grosseira, concluiu Bryce, pelo rubor crescente que surgiu nas faces da menina. Cynvelin assistiu a tudo imperturbável, sem fazer nenhum esforço para interferir.

Madoc e Twedwr voltaram acompanhados de três empregados carregando cestas que Bryce reconheceu serem das carroças de Cynvelin. Os empregados correram para a cozinha, perseguidos de perto por Madoc, que distribuiu chutes Clássicos históricos

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eventuais em um ou outro para que fossem mais rápido. Mais uma vez, Cynvelin presenciou tudo sem interferir, e Bryce começou a se perguntar como ele costumava tratar os empregados. Não estava gostando daquilo.

Aturdido, Bryce procurou lembrar-se de que não saiba nada sobre os hábitos daquele lugar. Talvez a menina fosse apenas tímida. Talvez os empregados fossem mesmo preguiçosos e precisassem de algum tipo de "estímulo" para trabalhar.

Além disso, tinha de ter em mente que também era um serviçal e que não tinha o direito de criticar o patrão. O melhor a fazer era controlar-se, independente do que lhe custasse.

Nesse momento, outros criados apareceram com móveis, mais lenha e jarros de cerveja. Arrumaram tudo em silêncio, lançando olhares nervosos para lorde Cynvelin, Bryce e os soldados.

Como não sabia o que fazer enquanto os outros trabalhavam, Bryce foi até a soleira. Ainda estava chovendo.

Apesar de ter de se afastar o tempo todo para dar passagem a um empregado ou soldado, houve tempo para examinar o muro que circundava o pequeno castelo. Parecia forte e sólido, uma proteção eficiente contra invasores.

Mas por que os empregados pareciam tão famintos? Será que a colheita fora tão ruim assim? Não tinha sido no resto da Inglaterra, mas o resto da Inglaterra não era tão úmido quanto aquele lugar.

Virou-se para perguntar a Cynvelin se era normal terem más colheitas e o viu falando com a menina de quinze anos.

Ela parecia constrangida e assustada. Talvez tivesse feito algo errado. Era melhor Bryce não tirar conclusões precipitadas.

Ajovem assentiu, discreta, e correu na direção da cozinha. — Annedd Bach costuma ser bem melhor do que está hoje — disse Cynvelin,

tocando Bryce no ombro. — Acho que você tinha razão. Houve rumores de que havia ladrões por perto, e os empregados acharam melhor esconder todos os bens de valor.

— É por isso que ela estava tão assustada? — Quem? — A menina com quem o senhor estava falando. Os ladrões roubaram a

comida também? — Calma, homem. Eles têm o que comer. Se parecem assustados é porque não

me pagaram os impostos devidos e estão temendo represálias. — Desculpe-me por minha insistência, sir, mas por que viemos aqui? O belo rosto de Cynvelin ficou sério. — Porque não recebi meus impostos, e vai haver represálias. — De repente,

ele sorriu. — Não do tipo que está pensando, Bryce. Por Deus! Pensei que me conhecesse! Tenho outros planos para Annedd Bach: um novo senhor.

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— Ah! — Bryce não queria acreditar que o mesmo homem que tinha sido tão gentil fosse capaz das crueldades tão comuns em certos senhores europeus. — Quem, milorde? Madoc?

— Não! — Cynvelin riu alto. — Você. Bryce encarou-o, atônito. — Eu?! — Sim, e por que não? Madoc, Twedwr e os outros são bons soldados, mas

jamais seriam bons senhores. Para começar, são muito cruéis, e acho que você já reparou que eles odeiam normandos mais do que qualquer coisa. O que o rei diria se soubesse que entreguei o comando do castelo a homens como eles? Sua Majestade ficaria satisfeito com um normando. Além disso, você foi criado numa família nobre, e sabe como as coisas funcionam.

— Milorde! Nem sei o que dizer! — Para começar, basta dizer "obrigado". Quero que assuma o comando de

Annedd Bach desde já. Pode ficar com a metade de todos os impostos a serem cobrados. E há a guarda do castelo para cuidar. — Cynvelin sorriu, com pesar. — Eles, sem dúvida, precisarão ser treinados de novo. Posso ser um bom senhor, mas confesso que fui negligente com este castelo.

O lorde apontou para a lareira, que agora abrigava uma bela fogueira, e ambos caminharam para lá.

— Esta é uma bela propriedade que, com a guarda bem treinada, poderá comandar todo o vale.

— Comandar para quem? — Bryce lembrou-se das histórias que ouvira sobre os rebeldes gauleses.

Apesar dos modos gentis, lorde Cynvelin era um gaulês. Se ele tinha planos de atacar os normandos, Bryce partiria de imediato. Podia ser um homem sem título e sem terras, mas ainda era leal a seu rei.

— Para o rei Henry, claro, Bryce! Jurei lealdade a ele e, ao contrário de alguns gauleses, pretendo cumprir meu juramento.

Bryce relaxou um pouco e assentiu. — Farei o melhor possível para merecer essa honra, sir. — Ótimo, Bryce, ótimo! Então, posso concluir que você aceita viver no País de

Gales por uns tempos? — Sim, milorde. Seria ótimo, desde que tivesse um castelo sob o seu comando com impostos

para recolher. Não precisaria mais viver dos prémios dos torneios, viajando de um lugar para outro como um nômade.

— Excelente. Há mais alguma coisa que você queira como pagamento por ter aceitado essa incumbência?

— Como assim, sir? — O homem que comanda um castelo deve ser, no mínimo, um cavaleiro,

certo? Clássicos históricos

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— Milorde! — Bryce quase engasgou. Não esperava nada daquilo. — Ainda não, Bryce. Primeiro preciso ter certeza de que você é capaz de

controlar o vale. — Eu garanto, sir, que farei tudo o que puder para... Cynvelin fez um gesto,

silenciando-o. — Sei disso. Senão, não teria entregue o comando a você. Entretanto, temo

que haja pessoas por aqui que farão tudo para impedi-lo, porque você é normando. Bryce assentiu. — Mas não creio que isso seja empecilho para você, meu amigo. — Mais uma

vez, Cynvelin colocou a mão no ombro de Bryce. — Estou certo de que, daqui a um ano, você será sir Bryce Frechette.

— Nem sei como agradecer, milorde. — Então, não agradeça ainda. — Cynvelin apontou para a cozinha. — Enfim,

aí vem nossa comida. Estou quase morto de fome. Venha e sente-se a meu lado à mesa.

Feliz e honrado com os últimos acontecimentos, Bryce uniu-se ao nobre gaulês. Outras mesas e bancos haviam sido dispostos pelo salão.

Em segundos, as empregadas começaram a trazer pão e carne e a encher as canecas de cerveja. A menina com quem Cynvelin falara trouxe uma jarra de vinho e duas taças de estanho para.

Se estivesse limpa e alimentada, ela até seria bonita, mas apresentava uma palidez doentia, olhos nublados e cabelos longos e sem brilho caindo pelo rosto sem expressão.

Bryce não conseguiu evitar compará-la a lady Isadora DeLanyea. Ambas tinham cabelos lisos e escuros, mas, tirando isso, Isadora era a pura definição da beleza feminina, enquanto a menina parecia em sua pior forma.

— Eu pedi a Ermin, o primeiro empregado a aparecer quando chegamos, que reunisse a guarda amanhã cedo. Acho que a maioria dos homens está morando nas glebas fora de Annedd Bach. Deveriam estar aqui ao amanhecer, mas temo que vai levar algumas semanas até eles ficarem no ponto.

Bryce assentiu, tentando desviar os pensamentos de Isadora. — Seu pai era famoso pelo belo castelo e pela hospitalidade. Na sua opinião,

Bryce, quanto tempo vai levar até que Annedd Bach possa receber visitas? — Não tenho ideia, milorde. — Bryce ficou perturbado pela mudança súbita de

assunto. — Preciso ver os quartos primeiro, a roupa de cama, a provisão de comida e de feno para os animais.

— Temo que não terá muito tempo para isso, meu amigo — disse Cynvelin, contrafeito. — Sua primeira convidada chegará aqui amanhã.

Bryce sabia que não podia recusar hospitalidade a um convidado do lorde, que era, na verdade, o verdadeiro dono do castelo.

— E quem seria? Clássicos históricos

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— Lady Isadora DeLanyea. Vamos raptá-la. !! QUATRO !!— Raptá-la?! — repetiu Bryce, incré-dulo. — Lady Isadora?! Lorde Cynvelin

riu. — Não entre em pânico, Frechette. Não vou cometer nenhum crime. — E que nome se dá a esse ato? — E um costume gaulês. Sobretudo quando o futuro sogro do noivo é um

velho teimoso que reluta em ver as virtudes do genro. — Um costume? O bom humor de Cynvelin desapareceu de repente. — Sim, é claro. Ou eu jamais proporia algo assim. — Milorde, desculpe-me por... — ...duvidar de minha honra? — Cynvelin franziu o cenho. — Se acha que

não sou honrado, pode sair já por aquela porta. Bryce não respondeu. Não estava gostando daquilo. Não parecia possível que

um sequestro pudesse ser mera formalidade, mas o que sabia dos costumes gauleses? Cynvelin se mostrava cordial e sincero, muito diferente de um criminoso. Sorriu, constrangido. — Perdoe minhas palavras rudes, Bryce. Sei que deve soar estranho a seus

ouvidos normandos, mas posso lhe garantir, amigo, que Isadora DeLanyea está preparada

para seu rapto, apesar de não saber quando será. Na verdade, ela ficará decepcionada se eu não aparecer.

Bryce lutou contra a forte decepção que teimava em invadi-lo. — E quando eu levá-la, o pai dela saberá que desejo que Isadora seja minha

esposa. Se eu não raptá-la, a família dela achará que sou um covarde, e não posso permitir isso, certo?

— Ela vai ficar decepcionada se o senhor não raptá-la de surpresa? Então, vocês estão comprometidos?

— Não do jeito normando. — Cynvelin fez um gesto que revelava certo desprezo pelas tradições do povo de Bryce.

Lady Isadora DeLanyea era, sem dúvida, a dama mais ousada que Bryce já conhecera. Como tivera coragem de beijá-lo com tanta paixão apesar de ter compromisso com outro homem?

Agora, mais do que nunca, desejava tê-la abandonado no pátio antes de ser atraído para as sombras. Nunca mais queria ficar perto de lady Isadora.

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Entretanto, Cynvelin estava oferecendo a melhor oportunidade que tivera em muito tempo. Seria fácil evitá-la ali. A última coisa que queria era que Isadora revelasse seu comportamento imoral na frente do futuro marido. Com certeza, ela o evitaria da mesma forma.

— Esse rapto vai acontecer amanhã, milorde? — Sim. Vamos encontrar o grupo do pai dela na estrada perto daqui, quando

estiverem a caminho de casa. Caer Coch é muito distante para chegarmos em um dia, e por isso vamos passar a noite em Annedd Bach.

— E o que o senhor espera que eu faça? — Quero que cavalgue comigo, como um dos soldados do noivo. Não seremos

um grupo grande, porque, na verdade, é tudo encenação. — Cynvelin examinava Bryce com atenção. — Você vai precisar de roupas melhores, mas não há tempo de comprar nada novo. Acho que vai ter de se arranjar com algumas peças que não uso mais.

— Ergueu a mão para silenciar o protesto de Bryce. — Não quero ouvir uma palavra sobre isso. Se não se apresentar bem vestido, vou

ficar mal falado. Bryce se ofendera com a oferta, pois detestava ser alvo da caridade alheia. — Acho que você é quem deve trazer Isadora para cá, Bryce. — Eu?! — Madoc e os outros são brutos demais. Sei que você saberá se portar de

maneira adequada. — E por que eles seriam brutos se lady Isadora virá de livre e espontânea

vontade? — Ela tem de fingir que está sendo levada à força. É capaz até que chore e se

debata, mas você deve ignorá-la. Assim que estivermos juntos, Isadora ficará feliz de novo.

— E se o barão não quiser deixá-la ir? — Ah, ele vai querer... Talvez até simule uma luta. Você sabe como os pais são

com as filhas. Na verdade, Bryce não sabia. Não estava em casa na época em que a irmã se

apaixonara e se casara. — Isso também faz parte da tradição, Bryce. É por isso que quero que você

leve Isadora o quanto antes, para evitar acidentes. — Suspirou. — Não que deva acontecer algo. Se houver luta, também será encenação. É uma questão de honra, sabe? Para que a dama se julgue importante. Talvez haja um par de cabeçadas e alguns arranhões. Nada além do que costuma acontecer num torneio. Ainda assim, é melhor afastar Isadora da cena o mais rápido possível. Quando eu der o sinal, você domina o cavalo dela e saem juntos galopando.

Bryce assentiu, convencido de que se tratava de uma história de tradições gaulesas. Clássicos históricos

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— Muito bem, milorde. Sentir-me-ei honrado por ser um dos soldados do noivo.

— Ei! Você! — gritou Cynvelin para a jovem pálida. — Mais vinho! — Então, virou-se para Bryce e disse, divertido: — Essa conversa toda me deixou com sede!

— E o senhor vai receber um dote ou trocar presentes, milorde? — Você é um homem esperto, Frechette. E claro que sim. Os gauleses não são

selvagens. Receberei o dote depois. Primeiro, tenho de pagar o amobr. — Cynvelin inclinou-se para a frente e piscou, sussurrando: — O preço pela virgindade dela.

Os gauleses eram mesmo uns bárbaros, pensou Bryce. Como podia colocar uma coisa daquelas de maneira tão crua?

— O que há com você, Bryce? E uma troca de presentes, como você mesmo disse. Só que, no nosso caso, somos mais honestos.

— Compreendo, milorde. A menina magra de cabelos escuros veio encher as taças. Bryce serviu-se de um pedaço de carne de carneiro assada. Quando ergueu a

cabeça, quase engasgou ao ver Cynvelin apalpando os seios magros enquanto ela servia a bebida.

A menina virou-se e saiu como se nada tivesse acontecido. O lorde olhou para Bryce com um sorriso maroto. — Ula não parece muito amistosa, mas muda de atitude assim que vê uma

moeda. Se quiser, você pode ficar com ela depois de mim. — Prefiro dormir sozinho, milorde — disse Bryce, sem hesitar. Repudiava a

idéia de que as empregadas do castelo fossem usadas como escravas sexuais pelo senhor.

— Como? — Sinto muito, milorde. — Bryce temia ter ofendido o gaulês. Na verdade, era até comum encontrar senhores que achavam que as obrigações

das criadas se estendiam aos prazeres carnais, e Cynvelin era sua única chance de recuperar os títulos e o dinheiro da família.

— Quis dizer que prefiro pagar. — Pagar, Bryce? Você está louco?! — Ela não parece limpa. — Exigente, hein? — Cynvelin riu alto. — Você não ficou com ninguém no

torneio de Melevoir, não pegou prostitutas no caminho... Estou começando a achar que tem vocação para monge, Bryce!

— Já pensei nisso. Cynvelin encarou-o, incrédulo, até vê-lo sorrir. — Já estive num seminário, milorde, mas não aguentei ficar muito tempo.

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— Você me assustou! — Cynvelin ergueu a taça num brinde. — Um homem tem certas necessidades, certo, Bryce? Porém, se não quiser a menina, poderei oferecê-la a Madoc e os outros.

Bryce cerrou os dentes com tanta força que sentiu as mandíbulas doerem. — Eu não disse que não a queria, milorde. Era melhor que a jovenzinha fosse entregue a ele do que àqueles bárbaros. Não

que tivesse a intenção de dormir com ela. Achava que tinha piolhos, no mínimo. Quando a menina chegasse, lhe daria uma moeda e a dispensaria. Assim, não seria acusado de criticar o comportamento de Cynvelin.

Contudo, jurou em silêncio, quando fosse senhor daquelas terras e tornasse a ser nobre, não permitiria que nenhuma criada fosse submetida àquele tipo de violência.

Bryce comeu um pedaço de pão examinando a jovem de lábios contraídos e olhos cheios de medo. Não entendia como Cynvelin podia desejar outra mulher se estava comprometido com a bela e voluntariosa Isadora DeLanyea.

A tentadora Isadora, que o atraíra para as sombras só para fingir-se indignada. A mesma que parecera compreendê-lo tão bem, que o olhara com desejo mesmo es-tando compromissada com outro.

Bryce franziu o cenho, contrafeito. Talvez Isadora estivesse prestes a ganhar o marido que merecia.

Bryce aproximou-se sob a luz suave da manhã nublada para examinar o grupo reunido no pátio de Annedd Bach. Os olhares não eram nada amistosos, mas preferiu ignorá-los. Estava habituado a lidar com o desprezo.

Os homens a sua frente vestiam roupas velhas e remendadas, e o olhavam cheios de suspeitas. Só cinco haviam trazido espadas. Uns poucos tinham lanças, e um ou dois portavam punhais.

Era muito pouco para a guarda do palácio, pensou. Se bem que aqueles homens pareciam um pouco menos famintos que os empregados de Annedd Bach. A colheita devia ter sido terrível naquela parte do país.

Bryce imaginou se eles teriam outras armas escondidas por baixo das roupas. Esperava sinceramente que sim, apesar das expressões pouco amistosas.

Não sentia com medo. Duvidava que houvesse um guerreiro no meio deles. Pessoas daquele tipo só tinham dois destinos numa batalha: ou fugiam ou eram mortos assim que chegavam.

Precisava ganhar a confiança deles, por mais difícil que fosse. Transformaria aquele grupo em cavaleiros dos quais qualquer senhor se orgulharia e, tendo feito isso, provaria que ele próprio era merecedor dos títulos que Cynvelin prometera.

A primeira coisa a fazer era ver do que eles eram capazes. Um ou dois pareciam ser páreo para Madoc ou Twedwr.

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Bryce ajustou o cinto e empertigou os ombros cobertos com a nova túnica preta de lã que Cynvelin lhe dera. A túnica era mais longa que seu colete de couro, e a lã fazia seus braços coçarem.

Virou-se para Ermin. O empregado deveria fazer o papel de intérprete até que os soldados aprendessem francês suficiente para entenderem as ordens do novo chefe.

Ermin desviou o olhar para as carroças. Twedwr e mais alguns soldados de Cynvelin estavam do lado de fora, em trajes completos de batalha e, pelos comentários, se divertiam muito com a "guarda" do palácio.

Foi um certo alívio para Bryce perceber que os rapazes não estavam se intimidando com as gracinhas. Pelo menos, tinham algum orgulho.

Entretanto, antes que conseguisse se dirigir a eles, Cynvelin se aproximou. Usava a melhor cota de malha por baixo de uma túnica preta, que ia até os joelhos, capacete e escudo.

— Milorde... — Bryce fez uma mesura respeitosa. Então, fitou com severidade os homens da guarda, que logo se inclinaram, imitando-o.

— É uma pena que haja tão pouca gente — lamentou Cynvelin, sem nenhuma preocupação na voz. — Entretanto, acho que um guerreiro com seu talento será capaz de treiná-los para defender Annedd Bach.

— Obrigado, milorde. Se eles puderem ser tão bem armados quanto seus homens, será uma grande ajuda.

Cynvelin assentiu e sorriu. — Você tem razão. Vou providenciar verba para sua necessidade. Quanto a

meus homens... — Apontou para Madoc. — Precisamos das cotas de malha e das armas para mostrarmos ao barão minha riqueza e poder.

— Pensei que também fosse parte da tradição, milorde. — Você aprende rápido, Frechette. Agora, venha. Vamos buscar minha noiva.

O que foi? — O nobre o olhava, confuso. Bryce estava fazendo o possível para convencer-se de que o futuro de lady

Isadora não lhe pertencia e que em breve ela seria mulher de lorde Cynvelin. — Estou surpreso de que estejamos saindo tão cedo. — Em breve eles estarão no trecho da estrada que fica próximo daqui, Bryce.

O barão DeLanyea gosta de sair cedo. — Está bem, milorde. — Quando os encontrarmos, espere até eu dar o sinal. Então, pegue Isadora e

volte para cá a galope. Vai ser como uma corrida, e talvez alguém tente persegui-lo. Bryce assentiu, compreensivo. Então, Cynvelin disse algo em gaulês aos

homens da guarda do palácio e dirigiu-se para os próprios soldados. Todos permaneceram com os olhos fixos no nobre.

— O que lorde Cynvelin disse, Ermin? — perguntou Bryce. O empregado magro encarou-o e desviou os olhos para o chão. — Para fazermos o que você disser.

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— Quer dizer, para obedecerem a meus comandos? — Sim, senhor. Parecia muito pouco para o que Cynvelin falara — O que mais, Ermin? — Foi... Nesse momento, Cynvelin e os homens já estavam montados e aguardando. — Frechette! Bryce virou-se para partir, mas antes, olhou para Ermin por sobre o ombro. — Diga aos homens para irem para a cozinha comer alguma coisa. Ermin arregalou os olhos e assentiu. Bryce ouviu os murmúrios. Quando foi até o cavalo, viu Ula correndo para a cozinha, com um banquinho

na mão. — Ela parece bem descansada — disse Cynvelin, ao ver Bryce montar. — Ula

demora para aprender, mas acho que logo vai pegar o jeito. Bryce emitiu um murmúrio incompreensível. Não pretendia revelar que

dispensara a menina na véspera. — É bom que você não a tenha cansado muito, Frechette. Ula precisa arrumar

as acomodações para Isadora. E eu. — Cynvelin riu e fez um gesto para que ele se unisse ao grupo. — É outra tradição gaulesa, Bryce. Caru yn y gwely.

Bryce concluiu que não precisava de um intérprete para saber o que aquilo significava. Pelo visto, os gauleses não tinham o hábito de aguardar as bênçãos de um padre ou mesmo a assinatura do contrato de casamento.

Cynvelin tornou a erguer a mão, e o portão se abriu, dando passagem ao grupo. O barão DeLanyea liderava o pequeno grupo. Atrás dele, seguiam os filhos e

Isadora, montada em sua égua favorita. Era um animal dócil e manso, perfeito para viagens longas.

O dia estava nublado e úmido. Isadora vestia uma túnica comprida, com um xale fino de lã marrom por cima. Os cabelos estavam presos em duas longas tranças que pendiam sobre os ombros.

Os únicos ruídos a quebrar o silêncio eram os cascos dos cavalos contra o chão e um eventual pio de pássaro. Isadora olhou em volta e concluiu que era tão cedo que vários homens deviam estar cochilando nas selas. Ela própria precisou conter um bocejo quanto imaginou a distância que ainda teriam de percorrer. No ritmo em que iam, levariam pelo menos uns três dias.

Na verdade, Isadora estava ansiosa pelo fim da viagem porque viagens sempre significavam muito desconforto cavalgando e dormindo mal em hospedarias e mosteiros. Depois do desastroso episódio na propriedade de lorde Melevoir, o que mais queria era estar num lugar onde todos a conhecessem. Sentia-se farta de mulheres mexeriqueiras e curiosas, capazes de passar dias comentando um beijo no pátio.

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Por mais constrangedor que tivesse sido, pelo menos sabia que seu pai a compreendera e perdoara, e que tomara as devidas precauções para que os irmãos não fizessem comentários maldosos. O resto da comitiva era de gauleses que não davam muita importância a um beijo.

O que mais a incomodara na atitude de Cynvelin fora a prepotência e o fato de tê-la colocado numa situação constrangedora.

Lady Valmont comentara que achara a pretensa indignação muito adequada. Isadora suspirara, desanimada. Era inútil tentar convencer a lady de que não estava fingindo.

O que teria acontecido se lady Valmont tivesse encontrado Bryce Frechette na outra noite? Será que ela o teria interpelado com a mesma coragem? Será que teria se deixado arrastar para um canto escuro, a um passo de ser seduzida?

Quando se lembrou das carícias de Bryce Frechette e da força do olhar dele, Isadora estremeceu. Então, lembrou-se de tê-lo ouvido dizer que ela era a mulher mais atraente que já conhecera. O elogio ousado produzira um efeito muito mais forte nela do que qualquer galanteio de Cynvelin.

Bryce Frechette não buscara companhia feminina durante o torneio. Ficara o tempo todo afastado e sério, até Cynvelin aparecer e convidá-lo para trabalhar.

Isadora ergueu os olhos e viu o pai fazer um gesto brusco para Griffydd se aproximar. Estavam alertas como se houvesse um alarme soando.

Ela observou as copas das árvores escondidas na bruma espessa. O lugar era ideal para uma emboscada.

O barão estendeu a mão para que parassem. No mesmo instante, Isadora viu dois homens a cavalo surgirem de trás das árvores. Um deles gritou uma saudação em gaulês, e ela relaxou por um segundo, até ver quem era.

O que Bryce Frechette estava fazendo ali, como que ressuscitado pelos seus pensamentos secretos? Assim que reconheceu Cynvelin Hywell ao lado dele, um arrepio percorreu-lhe a espinha.

Ambos estavam armados e de preto. Frechette mantinha com os olhos fixos em algum ponto distante, enquanto Cynvelin sorria abertamente, como se esperasse que Isadora fosse ficar feliz ao vê-lo.

O que Cynvelin estava fazendo ali? Isadora olhou para o pai e concluiu que ele devia estar se perguntando a mesma

coisa e que também não parecia contente com a visita inesperada. Nesse momento, Cynvelin a viu e acenou. Corando, Isadora puxou o xale sobre

o rosto como se pudesse se esconder. Dylan olhou-o com ódio, e ela se sentiu culpada pela situação.

Não convidara Cynvelin para abordá-la na estrada, nem para beijá-la em público, no entanto. Como gostaria que ele fosse para Londres, ou Paris, ou Roma e esquecesse para sempre dela!

— Saudações, barão! — disse Cynvelin, muito jovial. — Tenha um bom dia! Clássicos históricos

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— O que você quer? — Eu vou bem, barão DeLanyea. Está se esquecendo das boas maneiras?

Permita-me apresentar meu amigo, Bryce Frechette. — Tomem o seu rumo. — Dylan interveio. — E desapareçam daqui. — Que feio, barão! — zombou Cynvelin. — O senhor não ensinou bons

modos a esse rapaz? Dylan levou a mão ao punho da espada, mas se conteve ao dar com o olhar

severo do pai. Atordoada, Isadora fez um sinal para que o irmão tivesse paciência. Não havia necessidade de luta. Era tudo um grande mal-entendido. Evidente que Cynvelin achava que ela estava apaixonada e que ficaria contente ao vê-lo. Teria de deixar claro que não era bem assim, mesmo que isso significasse nunca mais ver Bryce Frechette.

— O que você quer, Cynvelin? — indagou o barão, com uma calma impressionante.

— A companhia da sua filha. — O quê?! — Isadora se sentiu atordoada. Maldita fosse por ter erguido os

olhos para Cynvelin Hywell! Independente do que tivesse ocorrido entre eles na propriedade de

lorde Melevoir, não tinha a menor intenção de ir com ele para onde quer que fosse. — Pensei que o senhor reconhecesse as antigas tradições gaulesas, barão. Sei

muito bem que raptou sua esposa. Cynvelin tinha razão, mas a história era bem diferente. E os raptos sempre

ocorriam no dia do casamento. Na verdade, o ritual, que no passado fora rapto de verdade, agora não passava de um jogo que contava com o apoio de todos os participantes.

E Isadora não queria jogar. — Lorde Cynvelin — ela começou, determinada a cor- rigir qualquer falsa

impressão —, temo que... — Não há nada a temer — interrompeu-a com um sorriso charmoso. — Se você tocar em Isadora, eu o mato! — disse o barão, num tom gelado. Isadora puxou as rédeas da égua, obrigando-a a recuar. Apesar de saber que o

pai detestava Cynvelin, não havia necessidade de tais ameaças. — Não mata, não — respondeu Cynvelin, muito frio. — Você está cercado

por meus homens, em sua maioria grandes arqueiros. E o campeão do torneio de Melevoir está a meu lado. Se quiser lutar, vamos lá, mas seus homens podem sair machucados.

— Eu não quero ir com você! — gritou Isadora. O gaulês sorriu, condescendente. Era como se aceitasse aquele pequeno show,

mesmo que fosse puro fingimento. — Mande seus homens recuarem, Cynvelin. — Não, a menos que Isadora venha comigo.

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— Isso é impossível. — Prometo que será um namoro tradicional e respeitoso. — Cynvelin virou-se

para Isadora. — Estou vendo, minha bela Isadora, que seu pai encheu sua cabeça de mentiras a meu respeito. Eu temia que isso acontecesse. Esse é o único jeito de corrigirmos qualquer falsa impressão que...

— Você está chamando meu pai de mentiroso? — Grif-fydd quase espumava de ira.

Isadora prendeu a respiração. Griffydd era muito mais controlado que Dylan, mas, uma vez furioso, era quase impossível de controlar. Se Cynvelin não retirasse o que dissera, iria se arrepender.

— A única coisa que desejo é o prazer da companhia de sua irmã. — O medo brilhava nos olhos de Cynvelin. — O senhor sempre se orgulhou de ser gaulês, barão. Isso é apenas um show para impressionar nossos compatriotas, certo? É estranho que esteja hesitando em colaborar com uma tradição tão antiga. De qualquer forma, é bom que saiba que a floresta está tomada por meus soldados. Bryce, queira ter a bondade de ajudar lady Isadora, sim?

Bryce conduziu o cavalo para a frente, ciente dos olhares hostis do barão e dos dois filhos.

Apesar da idade, Emryss DeLanyea ainda era um guerreiro forte e musculoso. Por sorte, aquele confronto era apenas um ritual, e não o princípio de uma batalha.

Bryce não entendera o conteúdo da conversa, mas vira que o barão não desembainhara a espada nem ordenara aos homens que o detivessem. Portanto, concluiu, Cynvelin devia estar dizendo a verdade.

Ainda bem que o nobre o alertara sobre o clima de animosidade. Caso contrário, Bryce se sentiria tentado a empunhar a espada, nem que fosse só por segurança. De fato, o barão parecia muito zangado.

Precisou rodear todo o grupo para chegar até Isadora. Estranhou o fato de nenhum dos homens ter feito nenhum movimento para facilitar ou impedir sua passagem. Encontrou-a tão brava quanto o pai, mas, como Cynvelin O prevenira de que era tudo fingimento, Bryce estendeu a mão para as rédeas da égua sem dar-lhe muita atenção.

— O que você pensa que está fazendo?! — Vou conduzi-la para o castelo de meu senhor, milady — esclareceu Bryce.

Quando passou pelo grupo com ela, todos abriram caminho. — Não toque em minha égua! — Eu sigo ordens, milady. — Deixe-a! Bryce não respondeu. Tradição gaulesa ou não, de re-pente aquela história de

rapto pareceu-lhe um desperdício de tempo e energia. Tudo o que queria era chegar a Annedd Bach, onde deveria ter passado o dia examinando os livros-caixa, a lista de vassalos ou o estoque de mantimentos, em vez de brincar de rapto. Clássicos históricos

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— Papai?! — clamou Isadora quando passaram pelo barão. Ele nem olhou para a filha. Manteve os olhos fixos em

Cynvelin Hywell, que sorriu para Bryce com aprovação. Então, Bryce conduziu o cavalo a galope e saiu pela estrada úmida, com lady

Isadora no braços. ! CINCO !!— Cuide-se, barão — alertou Cynvelin , com a voz grave, tentando disfarçar

um medo covarde. — Ataque-me e meus homens não hesitarão em matá-la. — Se fizerem isso, nós mataremos todos! — berrou Dylan, puxando a espada

com um gesto ágil. — Não! — O barão segurou a mão do filho. — Não — repetiu, um pouco mais

baixo, mas com uma força que ninguém ousaria desobedecer. Encarou, perturbado, o filho de criação e depois Griffydd — Ele vai mandar matá-la.

Cynvelin sorria, em triunfo. — Estou vendo que o senhor é sábio, barão. Não há necessidade de lutar ou de

arriscar que alguém saia ferido ou morto. Qualquer pessoa — completou, numa óbvia ameaça. — Tudo o que peço é um mês. Se, depois disso, Isadora não quiser ser minha mulher, ela será mandada de volta para casa nas mesmas condições em que está hoje. Agora, mande esse rapaz malcriado guardar a arma.

Emryss assentiu, e Dylan obedeceu. — Compreendo que o senhor antipatize comigo, barão. — Tenho meus motivos para isso. — Essa é sua opinião. Isadora, por outro lado, parece apreciar muito minha

companhia. Ou pelo menos apreciava, antes de ouvir suas acusações. O senhor deve ter me pintado como o pior dos homens.

Cynvelin esperou uma confirmação, mas todos, inclusive Dylan, limitaram-se a fitá-lo num silêncio impenetrável.

— E uma pena, mas não é o fim do mundo. Gosto muito de sua filha, barão, e nada me daria mais prazer do que desposá-la.

— Isadora não vai querê-lo. — O senhor acha que não? Bem, talvez tenha razão. Ainda assim, quero passar

um mês com ela em Caer Coch sem a interferência de vocês. Se depois disso Isadora não me quiser, será devolvida, como prometi. Se vocês tentarem levá-la antes... bem, talvez criem problemas para alguém, e esse "alguém" não serei eu.

— Teria coragem de ameaçá-la?! — Dylan! — repreendeu o barão, com os olhos fixos no filho de criação. —

Quieto! Fique em silêncio!

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— Fico satisfeito em ver que o senhor ainda controla seus filhos. Mais cedo ou mais tarde, eles também o desafiarão, como eu fiz. Como qualquer homem corajoso faria.

Emryss franziu os lábios num arremedo de sorriso. — Eles são homens de honra, Cynvelin. Nunca fariam o que você fez. Cynvelin corou. — Basta de conversa. Estou com Isadora e vou ficar com ela por um mês. O

senhor tem minha palavra de que não vou machucá-la nesse período. Se depois ela quiser voltar, será despachada para casa sã e salva. Torça para eu ser mais honrado do que imagina, milorde. E é melhor não tentar resgatá-la, para o caso de eu ser bem menos justo. — Com isso, Cynvelin virou o cavalo. — Até breve, barão. Ou devo chamá-lo de "sogro"?

Dylan praguejou alto assim que Cynvelin se afastou.; — Vai deixá-lo partir sem luta, pai? Podemos pegá-lo! — Mas Frechette e os outros ainda estariam com Isadora — disse o barão, num

misto de desprezo e preocupação. — Você ouviu o que ele disse. Não temos chance Enquanto Cynvelin estiver com Isadora, estaremos nas mãos dele. — Então, por que deixou Frechette pegá-la? — Preferia vê-la morta, com uma flecha no coração? Você ouviu o que ele

disse: havia arqueiros apontando para nossa menina. — Cynvelin decerto não iria... — Iria, sim, se tivéssemos tentado impedi-lo. — O barão respirou fundo,

tentando recobrar a calma. — Dylan, escolha cinco homens e vá atrás de Hu Morgan. Depois, parta para Bridgeford Wells e conte a Fitzroy o que aconteceu. Ele virá, e lorde Gervais mandará homens. Nós voltaremos para o Mosteiro de St. David. Se temos de esperar, esperaremos tão perto dela quanto possível.

Dylan assentiu, ansioso. — Evidente que vamos precisar de mais homens para atacar Caer Coch. E

Tristan, papai? — Não. Basta um de cabeça quente. Mande os homens se aprontarem para a

viagem. Dylan assentiu, e logo começou a dar ordens a um pequeno grupo de soldados. O barão fez um sinal para que o filho mais velho se aproximasse. — Vá e siga a trilha deles. Quando souber para onde a levaram, volte e me

encontre no mosteiro. — Emryss passou a mão pelos cabelos, muito preocupado. — Cuidado para não ser visto.

— Leve-me de volta! — ordenou Isadora, tentando parar a égua. Estava quase sem fôlego, com o ritmo do galope. — Leve-me para meu pai! Ele é um homem poderoso! Você vai se arrepender! O barão tem amigos na corte!

Frechette não respondeu.

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— Que tipo de imbecil você é? E surdo? Deixe-me! Continuaram a pleno galope. Isadora concluiu que não teria a menor chance se não partisse para a ação. Sem pensar, tirou os pés dos estribos e atirou-se ao chão, rolando na lama.

Como não conseguia respirar nem levantar-se, rastejou até um arbusto. De repente, sentiu que o xale havia ficado preso num galho. Sem perder tempo, rasgou-o, deixando-o para trás. Nesse instante, viu dois pés calçados com botas bem a sua frente. Ergueu os olhos e deu de cara com Bryce. Ele parecia mais preocupado do que bravo.

— Você está bem? — Inclinou-se para ajudá-la a firmar-se nas pernas bambas. — Eu... não sei... — murmurou, zonza. Estava coberta de lama, mas ao menos

recuperara o fôlego. — Se estiver machucada, você me levará de volta? — Já estou vendo que está tudo em ordem. — Isso é um erro. — Sim, sem dúvida. Onde já se viu saltar de um cavalo a galope? A menos que

queira quebrar o pescoço. Eu preferiria que controlasse seus impulsos enquanto esti-vesse comigo, milady.

— Nesse caso, não deveria ter me arrancado do meu pai! Bryce olhou-a, cheio de dúvidas.

— Mas essa não é uma das suas tradições? — E, mas... — Então, é melhor reclamar com seus compatriotas. — Você não... — Milady, não conheço vocês e não estou gostando do que estou vendo. Eu

diria até que essas tradições gaulesas são para tolos, mas não pretendo ofendê-la. Isadora cruzou os braços e olhou-a, desafiadora. — E melhor me levar já, ou será pior para você. — Lamento, mas minhas ordens são outras. — Bryce estendeu a mão para ela.

— Venha. Isadora não se mexeu. — Estou avisando, Frechette, Cynvelin cometeu um erro! — Também acho. — Então, vai me levar de volta para meu pai? — Se fosse minha escolha, sem dúvida. Seria um prazer livrar Cynvelin desse

casamento, mas creio que ele pretende desposá-la. — Casamento?! Que história é essa de casamento? Bryce franziu o cenho,

aborrecido. — Compromisso. Noivado. Não sei como você chama. — Eu chamo de rapto! — Milady, por favor, monte no cavalo. — Meu pai vai matá-lo!

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— Se o barão pretende fazer isso, é melhor ficarmos longe dele. — Bryce levou uma das mãos em forma de concha à orelha. — Não ouço sinal de perseguição.

Ele tinha razão. — Papai deve estar tentando argumentar com lorde Cynvelin. Bryce ignorou o comentário e olhou para o céu. — É melhor irmos, antes que comece a chover. De novo — terminou,

sarcástico, como se ela tivesse culpa pelo mau tempo. Isadora quis gritar de raiva, mas de que adiantaria? Teria de falar pessoalmente

com Cynvelin para esclarecer o mal-entendido. — Não posso. Bryce estreitou os olhos. — Minha égua fugiu. Bryce deu de ombros. — Então, você terá de vir comigo. — Não. — Se quiser dificultar as coisas... — Então, pegou-a pela cintura e colocou-a

sobre o ombro, como um saco de batatas. — Não precisa se preocupar em me impres-sionar. Pode parar com o escândalo.

— Você não devia ter me carregado assim! Bryce colocou-a sobre a sela. — Pensei que precisasse, milady. Isadora olhou-

o com ódio, pronta para saltar de novo mas Bryce encarou-a de forma tão severa, que ela pareceu mudar de ideia, e acomodou-se, amuada.

Talvez Isadora tivesse, enfim, concluído que não precisava gritar tão alto, concluiu ele, irritado.

Se tudo não fosse uma grande mentira, o barão jamais teria permitido que a filha fosse levada. Nem sequer foram seguidos. Talvez o barão estivesse até aliviado em ver-se livre da filha vulgar e mimada.

Suspirando, Bryce forçou a montaria a trotar. Apesar do silêncio dela, estava tendo dificuldade em recuperar o equilíbrio. Aquela farsa era repulsiva e, para piorar, Isadora era tentadora.

Bryce observou a nuca alva exposta por entre as tranças espessas. A pele era suave e parecia muito macia. Nesse momento, Isadora estremeceu, do mesmo modo como no pátio, quando ele a tocara. Só então Bryce percebeu que o vestido estava úmido e enlameado, grudado ao corpo. Para piorar, o xale desaparecera. Isadora devia tê-lo perdido quando saltara da égua.

Bryce franziu o cenho. Talvez aquilo também fosse uma "tradição". No entanto, Isadora estava mesmo tremendo. O primeiro instinto de Bryce foi

abraçá-la com força para aquecê-la, mas sabia muito bem como o seu gesto seria recebido. Ele saltou do cavalo.

— O que está fazendo? — perguntou ela, aturdida, com as mãos cruzadas sobre os seios.

— Você está com frio. — Tirou a túnica, ficando só com a calça e as botas. Clássicos históricos

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Isadora arregalou os olhos. — Não estou, não. — Desviou o olhar. De repente, ela se comportava de forma discreta, quase tímida, bem diferente

de como agira quando o atraíra para as sombras. Quem era ela, afinal? E qual das duas Bryce preferia? Devagar, ele ergueu os olhos para a perna dela, que havia ficado exposta

quando montara. Então, desviou-se, receoso. Não era de sua conta, e não tinha de ter opiniões sobre a aparência de Isadora. Ela seria mulher de Cyn-velin, e isso era tudo o que importava.

— Seus lábios estão azulados, e você está tremendo. Tome. — Bryce estendeu-lhe a túnica de lã. — Envolva-se nisso.

— Mas vai ficar sujo! — Peguei — Ordenou ele, montando, rápido, atrás dela para não dar-lhe tempo

de reclamar. Isadora obedeceu, e Bryce aproveitou para ajustar a veste sobre os ombros

delicados, sem tocá-la e sem lembrar o beijo que haviam compartilhado. — Obrigada, Frechette. — Por nada, milady. Bryce tentou se concentrar no caminho de volta para Annedd Bach. Com

cuidado, examinou a paisagem e teve quase certeza de que tomara o caminho errado. Cerca de meia hora depois, ainda sem o menor sinal do riacho, praguejou, baixinho.

— Qual é o problema, Frechette? Está com frio? Quer sua túnica de volta ou percebeu que está cometendo um erro? Vai me levar de volta para meu pai?

— Não, não estou com frio. Não, não quero minha túnica. E não, não vou levá-la de volta. Eu cumpro ordens.

— Então, o que está havendo? — Isadora virou-se para encará-lo. Estava confusa, com a testa franzida e os lábios entreabertos.

— Quero ir para casa! — Nada me faria mais feliz, milady. Pode acreditar. Era uma mentira

descarada. O que queria fazer, se pudesse, era tomar aqueles lábios nos seus e abraçar aquele corpo delicado. — No entanto, acho que errei o caminho. — Você está perdido? — E daí? Mal conheço este lugar e nunca estive aqui antes. As árvores são

todas iguais. — Então, dê meia-volta e retorne. Não tenho a menor intenção de ficar

vagando pela floresta. — Nem eu, milady. — Bryce olhou para o brilho do sol escapando por entre

as copas das árvores. Talvez devesse ter pego aquele pequeno acesso um pouco atrás. — Tenho certeza de que estamos na direção certa. Logo chegaremos a Annedd Bach.

— "Casinha"? Clássicos históricos

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— É essa a tradução de Annedd Bach? — É. — Ela parecia tão preocupada que Bryce sorriu. — Fique tranquila, milady. Trata-se de um castelo. — Ah... — E você é a convidada de honra. Ela deu de ombros, com desdém. Devia ter se desapontado por não estar indo

para a fortaleza de Cynvelin. De repente, Bryce ouviu um ruído suave de água corrente e, em segundos, para

seu grande alívio, avistou o riacho. — Agora já sei onde estamos, milady. — Que cavaleiro inteligente! Ele ignorou a ironia. Como Isadora estava cansada e com as roupas molhadas,

perdoaria a falta de educação. Até porque se sentia muito satisfeito por ter encontrado o caminho. A distância, avistou os muros de Annedd Bach.

— Este é um belo país, quando não está coberto pela bruma. — Que comentário gentil de sua parte! — Isadora virou a cabeça para o lado.

— Nós, gauleses, jamais perceberíamos isso se vocês, normandos, não nos dissessem. — Você também tem sangue normando, não é, milady? — Tenho — respondeu, relutante. — E imagino que não se envergonhe disso! Isadora empertigou-se e olhou-o. — É claro que não, Frechette. Tenho orgulho de ser uma DeLanyea. — A julgar por seus pais e irmãos, você tem do que se orgulhar. — Meu pai é o nobre mais gentil, corajoso e educado da Grã-Bretanha. — Como ele perdeu o olho, milady? — Lutando na Terra Santa. — Ah! — O rei Ricardo deixou-o lá. Papai levou vários anos para conseguir voltar.

Só que o exílio dele, ao contrário do de outras pessoas, não foi causado por brigas em família.

— Exílio é exílio. Isadora encarou-o com seus intensos olhos verdes. — Você poderia ter ido para casa, Frechette. Não havia nada que o impedisse. — Exceto o orgulho. — E por que deixou sua irmã sozinha, desprotegida e pobre? Bryce já sofrera muito, já refletira muito e pensara que havia se tornado imune

à condenações. Mas, por alguma razão que desconhecia, queria que Isadora compreendesse.

— Parti porque briguei com meu pai por causa de dinheiro, milady. Ele gastava demais e, quando me dei conta, tentei convencê-lo a gastar com mais cautela.

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O conde me tratou como criança e me disse para não me preocupar. Fiquei com raiva e disse o que pensava dele e do caminho que estava trilhando. Então, parti.

— E não voltou nem quando ele estava morrendo — disse Isadora, um pouco mais delicada, olhando-o como se também estivesse tentando compreender.

— Se eu tivesse sabido que meu pai estava doente, teria ido no mesmo instante.

— Ninguém o avisou porque ninguém sabia onde você estava! Tinha a obrigação de...

De repente, Bryce percebeu que estava farto de tentar se explicar. — Milady! Quando você souber como é difícil não poder voltar para casa por

causa de coisas horríveis ditas num momento de raiva, volte a falar comigo. Quando tentar ganhar dinheiro em segredo para sua família, lutando em todos os torneios do país, pode me criticar por não ser encontrado. Estou certo de que não sabe o que é envergonhar-se de algo que tenha feito. Portanto, acho melhor guardar suas opiniões ignorantes para si!

Isadora inclinou-se para a frente e puxou as rédeas com força, obrigando o cavalo a parar.

— O que está fazendo agora? — indagou Bryce, irritado. — Tome. — Tirou a túnica e jogou-a no chão enlameado. — Vista-se. Não

quero ser vista cavalgando com um homem seminu. Seria uma vergonha para mim. Ele abafou uma risada. — Prefere que a vejam coberta de lama? — Como você é o culpado pelo estado de meus trajes, não haverá problema. Bryce saltou da montaria, pegou a peça dada por Cyn-velin e enfiou-a pela

cabeça. Então, olhou-a, irritado só para descobrir que ela estava rindo. — Qual é a graça, milady? — Nada, além do fato de você não saber distinguir a frente das costas da roupa. Bryce baixou os olhos e viu que Isadora tinha razão. — Deixe-me ajudá-lo. — Ela desmontou e se aproximou dele. Nesse momento, ouviram um ruído de tecido se rasgando, e Bryce blasfemou. — Se você parar de se mexer e baixar os braços... Pronto! Isadora era mesmo uma linda mulher. Estavam ali os mesmos olhos brilhantes

dos quais Bryce não conseguia se esquecer nem por um minuto. Era impossível controlar o desejo de beijá-la. Num impulso, puxou-a e colou os lábios aos dela.

Dessa vez, contudo, Isadora não correspondeu. Furiosa, lutou para desvencilhar-se. Bryce soltou-a e viu sua ira.

— Seu traidor! Espero que meu pai o mate! Envergonhado, Bryce amaldiçoou a própria incapacidade de se controlar.

Nunca beijara uma mulher à força antes. A única desculpa que tinha era a forma como Isadora o olhava.

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— E eu espero que você faça seu marido feliz, milady. Agora, responda com honestidade: acha que conseguirá se contentar com um único homem para o resto da vida?

— Isso não é de sua conta! — Graças a Deus! Isadora virou-se, irada, e caminhou para o cavalo. Temendo que ela levasse o

animal e o deixasse, Bryce adiantou-se e segurou as rédeas. Quando virou-se para encará-la, com ar de triunfo, percebeu, horrorizado, que ela estava chorando.

— Milady! — gritou, cheio de remorso. Independente da opinião dela, não tinha o direito de agir como um bárbaro.

Isadora parou bem diante de Bryce e fitou-o. — Eu não estou chorando. Isadora não queria parecer fraca, concluiu Bryce. Ficou feliz por ver tanta

altivez e força em uma mulher. — Sua túnica está rota, Frechette. Será que estou reconhecendo essa peça? Seu

patrão andou limpando os baús? — Conheço como ninguém a origem de minha vestimenta, milady. Lamento

que não seja adequada para um guarda do noivo numa missão tão especial. Isadora deu de ombros, com desprezo. — Você jamais poderia ser um guarda do noivo. — Não, é claro que não. Afinal, sou um normando sem-terra que abandonou a

família num infantil ataque de nervos e que não merece nada além de seu desdém. — Estendeu a mão para ajudá-la a montar. — Vamos, milady?

— Vamos, contanto que você me deixe em paz. Fizeram o resto do percurso em silêncio. Logo chegaram a uma trilha que levava do rio à estrada principal.

— Não há uma vila por perto? — perguntou Isadora quando avistou os portões de Annedd Bach.

— Há algumas casas próximas à entrada, mas eu não diria que é uma vila. — Ah, isso não me impressiona! Também não diria que Annedd Bach é um

castelo. Bryce seguiu, emburrado. Annedd Bach poderia não ser grande coisa naquele

momento, mas ele faria o possível para melhorá-lo e para obedecer a lorde Cynvelin. E aí, voltaria a ser um nobre.

Assim que entraram, Bryce avistou os homens de Cynvelin conversando no pátio perto do estábulo. Então, viu Cynvelin, que os esperava.

Bryce desmontou e ergueu a mão para ajudar Isadora. Ela olhou-o como se ele fosse um verme, e desmontou.

Ele decidiu que nunca mais queria tocá-la ou ficar perto dela. Era tentador demais. !! Clássicos históricos

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SEIS !!— Ah, aqui está minha bela Isadora — disse Cynvelin, ao se aproximar. — O

que aconteceu? — perguntou, interrompendo a mesura. Então, examinou-a de cima abaixo com um olhar preocupado e virou-se para Bryce. — Seu cavalo caiu e fugiu, milady? Espero que não esteja machucada!

— Não, não estou machucada, e sim, meu cavalo fugiu. Por isso, vou ter de pegar um dos seus emprestado.

Estava sendo difícil manter o equilíbrio. Além do choque e da raiva pelo que Cynvelin fizera, tinha de lidar com o perturbador Bryce Frechette. Como ele ousara beijá-la de novo?

Por que tinha tanta dificuldade de repelir seus avanços? Será que estava escrito em seu rosto que era uma à-toa e que aceitaria de bom grado aquele tipo de tra-tamento? Se assim era, faria tudo o que pudesse para alterar essa impressão. Se bem que, no fundo, adoraria voltar aos braços de Bryce Frechette.

Cynvelin franziu o cenho, confuso. — É claro, milady. O que quiser. Ficaria encantado em lhe dar um cavalo. — Não quero presentes, milorde. Vou providenciar para que seja devolvido. — Devolvido? De modo algum. Será seu, faço questão. Isadora empertigou-se,

pronta para dizer que não queria nada que viesse dele. Mas a lembrança das conse-quências de seu mau comportamento no castelo de Me-levoir até ali obrigou-a a silenciar.

— Estava começando a ficar apreensivo, Bryce. — Eu me perdi, milorde. Não encontrei a primeira entrada. Cynvelin sorriu. — Eu deveria ter pensado nisso. Mas o importante é que vocês chegaram. Isadora estava ansiosa para esclarecer as coisas o mais depressa possível,

apesar da presença dos guardas de Cynvelin, dos empregados do castelo e até de Bryce Frechette.

— Será que podemos conversar a sós, milorde? — É claro, milady! — Cynvelin apontou na direção do salão. — Não quero

que fique gripada. Prometi a seu pai que cuidaria de você. Por favor, entre. Lá dentro, há uma boa lareira para aquecê-la.

Cynvelin ofereceu o braço para conduzi-la. Resignada, Isadora apoiou a mão sobre a dele.

— Bryce, queira desculpar-nos. Creio que ainda há providências a serem tomadas com relação às acomodações de lady Isadora. Por favor, cuide de tudo.

— Pois não, milorde. — Então, virou-se na direção dos quartos. Observando-o partir, Isadora teve de fazer um esforço para não pedir que

ficasse. Ridículo, pensou. Bryce era grosseiro, impertinente, ousado e a beijara Clássicos históricos

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quando não deveria. Ele nunca a saudara com uma mesura! Nem ao menos a tratava como criança!

Impaciente, Isadora desvencilhou-se de Cynvelin e caminhou para o salão. — Mulheres! — Cynvelin deu uma risadinha de escárnio. Isadora zangou-se. Não estava gostando nada do comportamento dele. Era uma

nobre, procedente de uma família tradicional, e portanto merecia ser tratada com respeito. Não podia ser alvo de piadas, nem ser beijada em público. Muito menos por um plebeu como Bryce, que a tratava como uma qualquer.

Por outro lado, Bryce começava a subir no conceito de Isadora, sobretudo quando contara sobre sua família enquanto ambos dividiam o mesmo cavalo. Ele se comportara bastante bem... pelo menos até tentar beijá-la.

Distraída, Isadora entrou no salão de Annedd Bach, examinando-o. Era um cómodo frio e úmido, sem tapeçarias ou quadros nas paredes. A única coisa que se destacava era a pequena lareira acesa no centro. Não havia empregados à vista, nem sinal de comida ou bebida.

Será que era aquele o conceito de hospitalidade de Cynvelin? Desanimada, Isadora foi até uma das duas cadeiras e se acomodou, exausta.

Segundos depois, Cynvelin entrou sorrindo, com as mãos cruzadas nas costas. Quando se sentou ao lado dela, Isadora mal ergueu os olhos para fitá-lo.

— Obrigada pela acolhida, lorde Cynvelin. — Respirou fundo. — Porém, temo que o senhor tenha cometido um terrível engano.

— Engano, milady? — Sim. — Não devia nada a ele, e precisava deixar tudo bem claro. — Sinto

muito se o iludi. Nunca pretendi alimentar suas esperanças sobre um futuro casamento.

— Milady, está me deixado arrasado! — gritou ele, surpreso. — Eu achava... Quer dizer... eu esperava...

— Mais uma vez, peço desculpas, milorde. Eu deveria ter sido mais discreta. Apreciei a sua companhia e...

— E eu apreciei a sua. — Cynvelin falava num tom baixo e sedutor que deixou Isadora com vontade de sair correndo. — Tanto que venho sonhando em tornara a vê-la. Homens desesperados são capazes de qualquer coisa. Sei que seu pai contou histórias a meu respeito e farei o que puder para mudar esse mal-entendido sobre mim.

— Eu não diria "mal-entendido". Papai me disse que você era um mentiroso trapaceiro e que sempre arrumava problemas com os outros homens.

— E impressionante que o barão só tenha dito isso. — Cynvelin desviou-se, constrangido. — "Isso" não lhe parece suficientemente grave?

— Sua família me intimidou, milady. Tudo o que eu queria era que o barão soubesse o que acontecia entre os soldados. Homens que trabalham de má vontade não podem ser bons profissionais. Claro que os envolvidos tentaram jogar a culpa em Clássicos históricos

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mim e disseram que eu roubava em inocentes jogos de cartas. Se na época eu fosse mais velho e mais esperto, teria sido mais cauteloso. Entretanto, era apenas um jovem determinado a fazer o que era certo. Seu pai nem se deu ao trabalho de tentar me entender. Apenas me mandou embora.

— E as mentiras? Você me disse que nunca tinha conhecido papai. Negue que mentiu!

— Foi uma omissão tola, milady. — Sorriu. — No princípio, tive medo. Não quis falar sobre o tempo que passei em Craig Fawr. Confesso que foi um alívio saber que seu pai não havia lhe contado sobre mim e que eu não estava condenado a seus olhos. Decidi não dizer nada até nos conhecermos melhor, porque então achei que não teria mais importância. Tinha esperanças de que você perdoasse os pecados de minha juventude. Sabia que não poderia ir a Craig Fawr. Por isso, decidi trazê-la para cá.

— Seus motivos não importam. O que você fez hoje não foi certo. — Milady! — Cynvelin aproximou-se e beijou-lhe a mão com delicadeza. Isadora desvencilhou-se dele e cruzou os braços sobre os seios. — Como não houve nada grave, milorde, assumirei a responsabilidade pelo

que houve. Lamento tê-lo iludido, mas você me assustou, me arrancou de minha família e me trouxe para cá contra minha vontade. Agora, quero voltar para meu pai.

— Concluí que não havia outra forma de nos aproximarmos, milady. — Uniu as mãos em súplica. — Como eu disse ao barão, só quero um mês em sua companhia. Depois disso, se você quiser partir, providenciarei para que seja escoltada até sua casa.

— E meu pai concordou com isso? — Sim, milady.. Deu trabalho, mas ele acabou aceitando me dar essa chance,

pela qual serei sempre grato. Evidente que a senhorita não vai me negar essa honra depois dos momentos agradáveis que passamos no castelo de lorde Melevoir. E não vamos ficar aqui. Iremos para minha casa, em Caer Coch. Garanto que as acomodações lá são muitíssimo superiores.

— Admiro a nobreza por trás de suas ações, milorde. Contudo, devo insistir para que me leve para minha família hoje.

— Lamento, mas isso será impossível, milady. Antes que Isadora conseguisse responder, Cynvelin levantou-se e encarou-a.

— Um mês não é muito tempo, milady. Aliás, é bem pouco depois das esperanças que você me deu no castelo de Melevoir. Depois desse período, se ainda quiser voltar para Craig Fawr, garanto que providenciarei uma escolta.

Isadora baixou os olhos. Ele parecia tão sincero... Talvez seu pai tivesse se enganado sobre lorde Cynvelin. Para piorar, a culpa por estar ali, em parte, era dela.

Acreditava poder persuadi-lo a levá-la de volta antes de o mês acabar. Isadora levantou-se,

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— Está bem, milorde. Não vejo problemas em ficar aqui um pouco, ainda mais com a permissão de meu pai. Ele seguiu para Craig Fawr?

— Espero que sim. Isadora olhou-o, desconfiada. — Creio que era o que o barão pretendia, milady. Fiquei tão feliz em ter

conseguido a permissão dele que não prestei a devida atenção. Isadora suspirou. Esperava que Cynvelin estivesse mais bem informado, mas

na certa seu pai estava indo para Caer Coch ou para Craig Fawr. Porém, preferia ter certeza.

— Se o senhor puder pedir a uma empregada para me mostrar meus aposentos, eu agradeço. Quero me recolher, milorde.

— Muito bem, milady. Está tudo preparado para você. E também há alguns vestidos a sua disposição. Mais uma vez, quero me desculpar pelas acomodações modestíssimas, mas é só por hoje. Espero contar com sua companhia para o jantar aqui no salão.

— Não, obrigada, milorde. Prefiro comer sozinha. Estou muito cansada, e creio que não seria boa companhia.

Cynvelin franziu o cenho, mas quase no mesmo instante recuperou o sorriso. — Se esse é seu desejo, está bem. Mas saiba que ficarei desolado sem sua

adorável presença. — Beijou-lhe mais uma vez a mão. — Sinta-se em casa em Annedd Bach por esta noite, Isadora. — Então, avistou uma das empregadas perto da porta. — Ula, por favor, conduza lady Isadora aos aposentos.

A mocinha assentiu, e Isadora seguiu-a. Cynvelin ficou observando Isadora sair com a criada em direção aos quartos. As coisas não estavam saindo conforme planejara. Isadora deveria ter ficado

feliz em vê-lo, grata e honrada pelo rapto, ansiosa em partilhar o leito com ele. Em vez disso, ousava dizer que Cynvelin cometera um erro.

Tola! Ela se comportara como um jovem enamorada no castelo de Melevoir, rindo, dançando e olhando-o com adoração. Como poderia ser o culpado, sobretudo depois de todo o esforço? Qualquer outra mulher ficaria louca para pular em sua cama com muito menos que aquilo.

Queria que Isadora DeLanyea ficasse apaixonada por ele. Ela seria sua esposa e criaria seus filhos. Amaria-o tanto que se voltaria contra o próprio pai e acreditaria em tudo o que ele, Cynvelin Hywell, quisesse que acreditasse.

Isso atormentaria Emryss DeLanyea pelo resto da vida. Seria uma vingança justa depois de ter sido expulso de Craig Fawr como um qualquer.

Além disso, refletiu Cynvelin com um sorriso irónico, como genro do barão, poderia usar o nome dos DeLanyea em benefício próprio, com ou sem a permissão do sogro. Isso, sem mencionar o fato de que teria uma linda dama como esposa para satisfazer todos os seus desejos enquanto assim o desejasse.

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Excitadof imaginou o que faria para distrair-se durante a noite. Um homem com impulsos frustrados estava sujeito a cometer erros.

A criada de novo? Melhor não. Ula ficara prostrada na cama como um peixe morto.

Contudo, havia uma hospedaria na vila a mais ou menos meia hora a cavalo dali. Com certeza as garçonetes adorariam ganhar um dinheiro extra. Iria até lá.

Cynvelin sorriu. Usaria uma prostituta naquela noite, mas, mais cedo ou mais tarde, Isadora estaria deitada com ele. De uma forma ou de outra.

Quando viu a pilha de roupas de cama no depósito, Bryce olhou, irritado, para a velha empregada.

— Quero que você leve tudo isso para o quarto da lady. A empregada olhou-o, impassível, sem compreender nada. Ermin dissera que

não havia roupa de cama para Isadora. Bryce tivera de ir ao depósito e agora, diante de uma pilha de cobertores, estava tendo toda a dificuldade do mundo para fazer a velha criada compreender uma ordem tão simples.

Não sabia por que estava tão curioso de saber o que estava acontecendo entre Isadora e seu noivo. Não era da sua conta. Já fizera o que Cynvelin pedira e obedecera todas as ordens como o criado mais servil do castelo.

Podia não ser nobre, mas era mais que um empregado, e estava ressentido pela forma como Cynvelin o tratara. Sobretudo na frente de Isadora.

— Leve isso para os aposentos da senhorita — repetiu, apontando para as cobertas na prateleira de madeira empoeirada.

— Pa beth? — perguntou a empregada. — Quero que você leve isso para o quarto da dama. A senhora olhou Bryce e

deu de ombros. — Ah, esqueça! Bryce fez um sinal dispensando-a. A mulher correu para a cozinha para tentar

salvar algo para o próprio jantar. Ele pegou o primeiro cobertor, repleto de furinhos. — Oh, não! — murmurou, enquanto examinava o segundo, que estava nas

mesmas condições, assim como todo o resto da pilha. Também cheiravam mal. Pelo jeito, as peças não viam a luz do sol fazia meses. Poderia pedir a ajuda de Cynvelin, mas corria o risco de interromper algo entre

ele e a noiva. Ou pior: poderia parecer que ele, Bryce, era incapaz de lidar até com um pequeno problema doméstico. Isso levaria Cynvelin a questionar sua capacidade de administrar a propriedade.

Entretanto, nesse meio tempo, lady Isadora precisaria se cobrir. Bryce fechou os olhos. Tinha de ignorar o desejo que o consumia. Ela pertencia

a lorde Cynvelin e ia se casar com ele. Em breve, ambos partiriam, e Bryce faria todo o possível para ter de volta a propriedade e treinar os guardas para que, talvez um dia, recuperasse o título. Era disso que precisava se lembrar.

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Levaria sua própria roupa de cama para ela. Eram peças rústicas, mas melhor do que nada e, independente do quão desconfortável ficasse sem elas, era a solução mais simples.

De repente, a ideia de ter lady Isadora sob seus cobertores, os cabelos longos e soltos, os olhos e lábios sorridentes deixou-o sem fôlego.

— Por Deus! — grunhiu, a caminho da barraca onde estava acampado. — Vai ser ótimo vê-los partir!

Isadora examinou o pequeno quarto circular no primeiro andar do castelo. Havia pouquíssimos móveis: um catre estreito de corda, um colchão de plumas despido de lençóis e uma pequena mesa com uma jarra e uma bacia. Viu ainda um banquinho num canto e um baú de couro médio no outro. Pelo menos, tudo parecia mais ou menos limpo.

Ela olhou para a moça magra e pálida que a conduzira até ali. — A jarra está cheia? — perguntou, sonhando em lavar a lama e a sujeira que a

cobria. Só assim conseguiria pensar com clareza. — Não, milady. — A criada adiantou-se e pegou a jarra, constrangida. — Espere um pouco. Qual é o seu nome? — Ula, milady. — Você trabalha aqui há muito tempo? — Sim. Vivo em Annedd Bach desde que nasci. — E lorde Cynvelin é um bom patrão? Ula olhou para Isadora sem nenhuma expressão no rosto. — Vou buscar sua água, milady. — Virou-se para partir. Isadora correu até a

moça e pegou-a pelo braço, detendo-a. — Ula, por favor, escute. Isso tudo não passa de um terrível engano. Lorde

Cynvelin acha que gosto dele muito mais do que de fato gosto. Preciso voltar para meu pai, e posso até prometer uma recompensa para quem levar uma mensagem até ele — concluiu, cheia de esperança. A moça franziu o cenho.

Nesse momento, ouviram passos apressados subindo as escadas. Ula olhou-a, assustada, e Isadora recuou depressa, Bryce Frechette apareceu quase no mesmo instante, carregando uma pilha de cobertores.

Por um segundo, Isadora experimentou uma estranha combinação de incômodo e excitação. Não sabia se o medo que se apossara dela era porque temia que ele a beijasse ou que não a beijasse.

Bryce entrou e cumprimentou-a com uma mesura que ela respondeu com um ligeiro aceno de cabeça. Quando . ele desviou os olhos para o colchão vazio, Isadora pensou que fosse desmaiar.

Que tipo de poder aquele homem tinha para fazê-la considerar a possibilidade de deitar-se com ele depois de tudo o que tinha havido?

— Trouxe cobertas, milady.

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Isadora corou, temendo que Bryce fosse capaz de ler seus pensamentos vergonhosos.

— Obrigada, Frechette. Estou surpresa que você se sujeite a fazer o trabalho de uma empregada.

— Lamento que este lugar não seja digno da senhorita — disse ele, ignorando o comentário dela.

— Lamento estar aqui. — Isadora apanhou os cobertores das mãos dele, — Eu já estava achando que teria de dormir no chão. Agora, você pode ir.

Bryce franziu o cenho, confuso. — Tenho certeza de que o lorde Cynvelin não teria permitido que isso

acontecesse, milady. Ele também gosta de conforto. — O que está querendo dizer? — Eu? Nada, imagine... — Não sou uma mulherzinha de bordel! — É claro que não. Não há bordéis por aqui. — Antes que ela conseguisse

dizer algo, Bryce prosseguiu: — Entretanto, é neste lugar que estamos, e é melhor tirarmos proveito da situação. Por sorte, a cozinheira fez um pão excelente, e lorde Cynvelin trouxe bons vinhos. Milady vai nos acompanhar durante o jantar ou prefere que eu mande uma criada trazer algo para que coma aqui?

Isadora ficou impressionada. Por que Bryce aceitava com tanta tranquilidade o fato de ela não querer companhia? Cynvelin agira de modo bem diferente. Porém, não se esqueceria com facilidade de que acabara de ser insultada.

— Já disse a lorde Cynvelin que estou cansada e que prefiro não me unir a ele esta noite. Agradeço se o senhor conseguir providenciar comida.

— Está bem, milady — Bryce tornou a inclinar-se e virou-se para sair. — Frechette! Quero voltar para meu pai. — Eu já lhe disse que não conheço as tradições de seu povo, milady. Ela deu um passo para a frente. — Você não está entendendo. Pedi a Cynvelin para me levar de volta, e ele se

recusou, pois insiste para que eu fique por um mês. Bryce encarou-a, aturdido. Pareceu-lhe que Isadora não via a hora de sair

daquele lugar. Contudo, vira como se comportara no baile de Melevoir e quando beijara Cynvelin na saída. Além disso, não fazia a menor ideia dos demais rituais que pudessem estar envolvidos naquele estranho casamento gaulês. Talvez os protestos fossem parte do jogo.

— Se lorde Cynvelin quer que você fique, acho que deve ficar. Os olhos verdes de Isadora brilharam, e as faces coraram. — Eu estou lhe dizendo: quero ir para casa! — gritou, como uma criança

mimada. — E eu estou lhe dizendo, milady: se lorde Cynvelin acha que a senhorita

deve ficar, não vou contrariar as ordens dele. Clássicos históricos

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— Que tipo de homem você é, Bryce Frechette? Por acaso sua espada está à venda? É um guerreiro a ser comprado como um cavalo ou um boi?

Bryce cerrou os dentes. Tradição ou não, não seria insultado. — Trabalho para lorde Cynvelin Hywell, milady, e meu dever é cumprir ordens

dele. Ela sorriu, com desdém. — Eu devia ter pedido a meu pai para lhe oferecer dinheiro para me deixar em

paz! Bryce avançou e segurou-a pelos ombros, obrigando-a a encará-lo. — Não sei que tipo de brincadeiras você e seu amante estão fazendo, mas isso

é entre vocês. Deixe-me fora! — Amante?! Ele não é meu amante! — Chame-o como quiser. Só quero que entenda, milady, que sou um homem

honrado, apesar de não ter mais título. Mas isso pode e vai mudar. Lorde Cynvelin me ofereceu uma chance de recomeçar, e por isso devo servi-lo e obedecê-lo.

Isadora sustentou o olhar irado dele. — Também sou uma mulher honrada, Frechette. Não sou amante de Cynvelin e

nunca serei. — O que está dizendo? — Bryce ficou confuso. Por mais que tentasse negar,

desejava Isadora estivesse dizendo a verdade. — Que isso tudo é um erro. Cynvelin agiu mal. — Se você não quer ficar... — Não quero. — Então peça a Cynvelin para levá-la de volta. — Eu já pedi, e ele negou! Uma parte de Bryce compreendia as razões que motivavam um homem

apaixonado por lady Isadora. — Você me ajudará, Frechette? — Tem certeza de que não quer ficar? — Quero voltar agora mesmo. O tom imperativo dela esfriou um pouco o entusiasmo de Bryce. — Ora, por favor, milady. Você já me enganou duas vezes, e ainda não está

satisfeita? Será que vai me envolver em mais joguinhos? Ou será que me beijar também é parte da sua "tradição"?

— Você não está entendendo, eu... — E isso mesmo, não estou entendendo, nem me interessa entender. Com isso, Bryce virou-se e tocou a maçaneta. — Eu não sabia que você ia me beijar! — gritou Isadora. Bryce tornou a virar-

se, cruzando os braços sobre o peito largo.

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— Ah, é? E vai me dizer que não retribuiu àquele primeiro beijo? Pelo amor de Deus, moça, será que é tão inocente assim? Só falta me dizer agora que não sabia nada sobre esse rapto ridículo!

— É claro que conheço a tradição, mas... — Mas agora quer voltar para sua família. Eu sei. É claro. E se isso exigir mais

um beijo ou dois, sem problemas, certo? Vocês, gauleses, são as pessoas mais imorais que já conheci!

— Não sou eu a imoral aqui! — Não precisa ficar tão ofendida, milady! Este quarto é para você e Cynvelin.

Ele mesmo disse. — Então, ele falou demais! — Mais hipocrisia? Está prestes a dividir o leito com um homem antes de se

casar, mas recusa-se a comentar o fato? Isadora encarou-o com as mãos nos quadris. — Eu jamais dividi meu leito com

um homem! — Por mim, pode ter dormido com todos os guardas, Isadora DeLanyea. Não

me importo com você nem com suas tradições idiotas. — Bryce fez uma mesura afetada.

— Desejo-lhe felicidade no casamento, milady. Tenha um bom dia. — Sim. Vá embora. — Apontou com arrogância para a porta. Então, olhou-o

da cabeça aos pés, com desprezo. — Da próxima vez que vir seu patrão, diga a ele que é melhor me devolver

para o meu pai. — Diga você! — Direi mesmo! — E claro que sim — murmurou Bryce, sarcástico. Então, virou-se e saiu,

batendo a porta atrás de si. !! SETE !!Furiosa, Isadora pegou a pilha de cobertores e atirou-os para a frente, com toda

a força. As peças bateram na porta fechada e caíram ao chão com um ruído seco. Irritada, enxugou as lágrimas de raiva e frustração que teimavam em invadir

seus olhos. Como Bryce ousava falar daquela forma? Bruto! Não. Precisava se acalmar. Tantas emoções não ajudariam em nada. Era assim

que Dylan agia, e ela sempre o censurava. Respirou fundo. Então, começou a pegar as peças caídas e a colocá-las sobre o

colchão.

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Apesar de estar decidida a se acalmar, não conseguia esquecer Bryce Frechette. Como ele pudera sugerir que dividiria a cama com Cynvelin ou até que já havia feito isso? Como se atrevia a chamar os gauleses de imorais e a insinuar que ela o beijava para satisfazer ao simples desejo de jogar?

Isadora baixou os olhos para as cobertas e passou os dedos pela lã áspera. No mesmo instante, lembrou-se da túnica de Frechette sob seus dedos.

Por que o beijara? Porque ele a beijara, ora. E só correspondera porque... porque... Não tinha resposta. Só sabia que, quanto mais descobria sobre ele, mais natural

parecia ser a atração entre os dois. O beijo não importava mais. O que precisava fazer naquele momento era

convencer Cynvelin de que jamais seria amado por ela, apesar de tudo o que acontecera no castelo de Melevoir e das tradições gaulesas.

Isadora foi até a porta e parou. Estava suja, cansada e aborrecida. Assim, dificilmente conseguiria alguma coisa se precisasse ser firme e diplomática. Se falasse com Cynvelin naquele momento, na certa acabaria chorando, e isso seria humilhante demais.

Além do mais, já estava escurecendo, e logo ficaria muito tarde para viajar para onde quer que fosse.

O mais sensato seria passar a noite no quarto e, de manhã, quando estivesse limpa e descansada, diria a Cynvelin que sentia muito mas que não podia ficar.

Enquanto as empregadas corriam para pôr o jantar na mesa, Cynvelin observava tudo de sua cadeira, sentado como um rei. De repente, chamou Ermin com o olhar. O empregado aproximou-se, rápido, e colocou a chave de ferro do quarto de Isadora na mão do patrão.

Antes que conseguisse recuar, Cynvelin acertou-o no rosto com a chave. — Seja mais rápido da próxima vez! — gritou, grosseiro. — Quando eu pedir

alguma coisa, quero na hora, entendeu, imbecil?! Ermin assentiu com a mão na face ferida. — Ótimo. Avise aos tolos que trabalham para mim que quero meu cavalo

selado para depois do jantar. Depois, procure Madoc e Twedwr e diga para se aprontarem para me acompanhar. Agora, suma daqui, seu estúpido!

Ermin correu para a porta. Mal ele saiu, Frechette entrou. Cynvelin parou de reclamar e sorriu. — Ah, Bryce! Aí está você!

Bryce não parecia satisfeito. Isadora não devia estar facilitando as coisas. — Algum problema? — Além da falta de lençóis e comida, milorde? — perguntou Bryce, sarcástico. — Já lhe dei minha permissão para corrigir o que quiser em Annedd Bach.

Onde você estava? — Cumprindo suas ordens, milorde. Procurava roupa de cama para o quarto de

milady. Clássicos históricos

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— Ah — Cynvelin recostou-se na cadeira de carvalho. — Pelo seu ar frustrado, acho que não encontrou nada, não é?

— Não. As peças que achei não eram adequadas para uma dama. — Ou para mim — acrescentou Cynvelin. — Ou para o senhor, milorde. — Bem, não importa. Há roupa lençóis e cobertores nas carroças. Na noite

passada, um pouco de feno do estábulo foi suficiente. Mas minha dama merece mais. — Já providenciei isso, milorde. — É mesmo? Confesso que estou impressionado com sua habilidade de se

comunicar com os empregados. Bryce corou e olhou para Cynvelin com o canto dos olhos, pesando as próprias

palavras. — Lady Isadora disse que não quer ficar aqui. Ela deseja voltar para o pai. Cynvelin fez um esforço para esconder o aborrecimento. — Quando falou isso? Quando você a trouxe para cá? — Sim, milorde, e quando levei-lhe a roupa de cama. Cynvelin inclínou-se

para a frente e encarou Bryce. — Você levou a roupa de cama para ela?! — Sim, milorde. Não consegui fazer a criada me entender. Então, decidi

resolver o assunto a minha maneira. Então, dei a ela minhas cobertas. Não achei nada que fosse mais adequado.

— Sem dúvida, a dama ficou comovida com seu sacrifício. — Eu não disse a ela que os cobertores eram meus — respondeu Bryce,

humilde. — Pelo que percebo, Isadora não gostou muito de vê-lo. — Acho que milady nunca mais vai querer me ver na vida. Cynvelin percebeu a zanga na voz dele. — Talvez minha amada tenha sido meio grosseira, característica herdada do

barão, seu pai. Com o tempo ela vai amansar. Eu prometo. — Terei prazer em servi-la, já que ela será sua mulher, milorde. Cynvelin sorriu e relaxou. — Sem duvida, Isadora vai gostar de ir embora de Annedd Bach. Este lugar é

pouco mais que uma cabana! — Sim, milorde. — Lamento que você tenha doado seus cobertores, Bryce. Mas será só por uma

noite. Amanhã partiremos para Caer Coch. — Sim, milorde. Algumas horas mais tarde, depois de verificar pessoalmente todas as saídas e

coordenar a troca da guarda, Bryce foi para o pátio e ergueu os olhos para os quartos.

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Não vira Cynvelin durante a caminhada, mas tinha um bom palpite sobre o paradeiro do patrão. Precisava se lembrar de que seu objetivo era recuperar o título perdido, e não conquistar a beleza morena.

Mesmo que ela tivesse olhos de anjo. Não passaria a noite no salão. Teria de ouvir dezenas de piadas grosseiras sobre

o destino do novo casal. Talvez não compreendesse a língua deles, mas o tom seria bem familiar e, sem dúvida, mais do que poderia suportar.

Na manhã seguinte, Isadora levantou-se da cama de plumas determinada a encontrar Cynvelin e convencê-lo de que não tencionava permanecer ali. Apesar da insistência dele, faria o que fosse preciso para que percebesse que não conseguiria nada agindo daquela forma.

Também precisava manter-se afastada de Bryce Frechet-te, que a deixava perturbadíssima com um simples toque. Os beijos dele faziam-na se esquecer de quem era e de onde estava. Apesar de saber que Bryce não a ajudaria, tudo o que conseguia sentir era um desejo fortíssimo. O ar frio da manhã percorreu-lhe a espinha, gelando-a. Isadora olhou para o vestido que deixara secando no espaldar da cadeira. Os restos da refeição que Ula trouxera jaziam sobre a mesa, acompanhados por uma jarra vazia de vinho.

Constatou que o vestido ainda estava úmido e sujo de lama. Resignada, foi até o baú e abriu-o, encontrando belas roupas femininas. Com cuidado, tirou a primeira peça.

Era um belo vestido de tecido brocado, bordado com fios de ouro e prata na altura do pescoço e nas longas mangas. Em outras circunstâncias, o teria adorado. Curiosa, examinou o conteúdo do baú e descobriu algumas peças íntimas de linho, sapatos de couro macio, uma bela escova de cabelos e alguns cachecóis.

Sem dúvida, Cynvelin tinha bom gosto, concluiu, enquanto provava o vestido. Era impressionante como adivinhara as medidas dela com precisão. Já vestida, optou por deixar a cabeça descoberta.

Determinada, Isadora abriu a porta e apressou-se para o salão. Quando entrou, a primeira coisa que viu foi Bryce Fre-chette sentado à mesa,

vestindo nada além do colete de couro e da calça, apesar do ar frio. Cynvelin estava ao lado dele, de preto, como de hábito.

De repente e sem querer, Isadora começou a comparar os dois homens. Um era amargo e cheio de remorsos, e o outro, alegre e despreocupado.

Os beijos também eram bem diferentes. O de Bryce, gentil e esperançoso; o de Cynvelin, possessivo e egoísta.

Irritada, ela meneou a cabeça e decidiu concentrar-se em livrar-se de ambos. Quando aproximou-se, viu que os soldados reunidos para a primeira refeição

estavam divididos em dois grupos: um, bem vestido e arrogante, sentado próximo a Cynvelin. O outro, coberto de trapos e desanimado, espalhava-se pelo chão e pelas mesas no fundo do salão. Clássicos históricos

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Isadora não viu Ula, nem nenhuma outra empregada. Assim que a notou, Cynvelin sorriu e levantou-se. — Ah, lady Isadora! Que prazer em vê-la! — Preciso falar com o senhor, milorde. A sós. — Mal começamos a comer, milady. Talvez possamos ficar sozinhos depois da

refeição. — Eu prefiro falar agora. Bryce levantou-se no mesmo instante. Não tinha a menor intenção de ficar,

ainda mais com Isadora deixando claro que não queria sua presença. — Se me der licença, milorde. Tenho coisas o que fazer e... — As coisas podem esperar, Bryce. Insisto em que nos acompanhe na refeição,

meu amor, assim como insisto que deixemos a conversa para depois. O comentário fez Isadora cerrar os dentes de raiva. — Se a dama quer falar com o senhor a sós... — Caro Bryce, estou certo de que lady Isadora não está sugerindo que eu me

livre de meu leal empregado. Ele fez um excelente trabalho ontem, milady, e eu serei eternamente grato. Quanto a você, Frechette, não admito que vá roer um pão no estábulo só porque está decidido a reconquistar seu título a qualquer custo.

Isadora olhou aturdida para o normando. Talvez ele não fosse tão inocente assim. Podia ser que estivesse seguindo as ordens de Cynvelin em troca de um título de cavaleiro.

Ignoraria a presença dele, por mais difícil que fosse, e tiraria para sempre a lembrança daquele beijo da cabeça.

— Por favor, sentem-se vocês dois — ordenou Cynvelin. — Lady Isadora, fique a minha direita, com Bryce a seu lado.

Isadora obedeceu, hesitante, enquanto via, com o canto dos olhos, Bryce sentar-se na cadeira ao lado. Ele parecia tão aborrecido quanto ela.

— Não é um beleza? — perguntou o nobre. — Minha futura esposa a meu lado, e meu futuro cavaleiro ao lado dela.

No mesmo instante, Isadora e Bryce viraram-se para encarar Cynvelin com olhares estupefatos. Ele sorriu.

— Se tudo der certo como eu espero... — disse, tocando a mão de Isadora. — Sobretudo com você.

Ela desvencilhou-se, irritada. — Então você vai fazer de Frechette um cavaleiro — cochichou em gaulês. — Se ele fizer por merecer — respondeu Cynvelin, com um olhar cheio de

significados. — Gosto de ter pessoas leais e confiáveis perto de mim. — Isso quer dizer "pessoas que obedeçam a suas ordens sem contestar"? Nesse

caso, faça de Frechette um cavaleiro.

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As empregadas, incluindo Ula, trouxeram pão, carne e vinho para a mesa. A moça não ergueu os olhos nem por um minuto e, quando colocou a travessa diante deles, Isadora percebeu as mãos trémulas, como se ela estivesse com medo.

— Parece que você não gosta dele — comentou Cynvelin. Isadora corou, tentando se convencer do que ele dissera. Sentia-se tentada por

Bryce. Era só luxúria e mais nada. Logo recobraria o controle da situação. — Não vim até aqui para falar sobre Frechette. Cynvelin virou-se para ela sem

deixar de sorrir. — Ainda bem que disse isso. Sobre o que quer falar? — Sobre voltar para meu pai. Os olhos dele estreitaram-se um pouco, mas a expressão continuou a mesma. — Por favor, milorde, se o senhor nutre algum afeto por mim e se respeita

minha reputação, sei que vai entender. Cynvelin suspirou. — Milady, estou arrasado! Será que minha presença é tão detestável que a

senhorita não a suporta nem por pouco tempo? Isadora olhou-o, séria, feliz porque Bryce Frechette não estava entendendo

nada. — Você disse a Frechette que éramos amantes? — Milady! — Disse? Cynvelin olhou para Bryce, que continuava a comer. Aquilo poderia custar o

título do normando, mas Isadora nem se importava. Bryce não se tornaria cavaleiro à custa da honra dela.

— Minha querida dama, posso ter dito algo sobre querer ser seu amante depois de varios copos de vinho, quando já não estava raciocinando bem. Talvez tenha feitc isso. Mas a senhorita precisa entender que meu maior pecado foi a sinceridade. Mas, mais do que seu amante, o que mais quero no mundo é ser seu marido.

Isadora sentiu as faces em chamas. De repente, Bryce concluiu que já aguentara muito mais do que era capaz. Sem

hesitar, colocou o pão sobre a mesa e levantou-se. Isadora dissera que não queria estar ali, mas agia como se estivesse adorando

as atenções de Cynvelin. Na verdade, se portava da mesma forma como no castelo de Melevoir, corando

e desviando os olhos como uma mocinha tímida. E pensar que ele, Bryce Frechette. quase acreditara nas súplicas de Isadora para

voltar para o pai. Evidente que era o tipo de mulher que atraía os homens se fingindo de difícil.

Aliás, tinha quase certeza de que ela beijara tanto ele quanto Cynvelin só para matar a própria vontade. Devia ter se divertido ao constatar como era fácil conquistar a atenções. Clássicos históricos

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Bem, não conquistaria a atenção dele. Bryce jamais se apaixonaria por uma vigarista. Isadora o estava usando para

jogar seus joguinhos, e ele estivera cego de desejo para ser capaz de ver o óbvio. Porém, agora sabia que o melhor a fazer era manter distância de mulheres

falsas e tentadoras. — Se me der licença, milorde, tenho muitas coisas para fazer. — É o fardo da responsabilidade, Frechette? Bem, acho que já tomei demais

seu tempo. Você parece preocupado. Bryce fez o possível para não olhar para Isadora. Não tinha a menor intenção

de ser capturado de novo por aqueles olhos perturbadores. Mas olhou. Os olhares se fixaram e se sustentaram até ela desistir.

Ele girou nos calcanhares e saiu, praguejando por ser tão cego e tolo. Quando atravessou o portão para acompanhar a troca da guarda, lembrou-se da

irmã, que havia se casado com um homem que, em rigor, deveria odiar. Etienne De-Guerre recebera as terras da família deles e forçara Ga-briela a escolher entre partir ou ficar como empregada. Ao retornar, Bryce soube pela irmã que ela havia se apai-xonado pelo Darão e que estava feliz em ser sua esposa. Na época, Bryce concluíra que aquilo só acontecera graças as circunstancias adversas e ao coração mole de Gabriela.

Naquele momento, já não tinha tanta certeza. Ele não era vulnerável como a irmã e não ficaria pensando em Isadora DeLanyea. Concentraria todas as forças na recuperação de Annedd Bach e em seu título de cavaleiro.

— Temo que Frechette tenha esquecido as boas maneiras depois de passar tanto tempo distante da nobreza — comentou Cynvelin assim que Bryce saiu. — Queira desculpá-lo, milady.

Isadora assentiu, pegou a taça de vinho e tentou não pensar na reprovação que vira nos olhos do belo normando.

Ele não tinha o direito de olhá-la daquela forma! Ela era a vítima, e ninguém mais. Ela era a mulher honrada, e ninguém mais. Não era?

— Esse vestido ficou muito bonito, milady. Apesar de que quem está dentro dele é muito mais.

Isadora riu, sem jeito. — Gosto de vê-la feliz. Gostaria de ouvi-la rir de novo, como você fez no

castelo de Melevoir. — Talvez eu risse se tivesse motivos. Cynvelin baixou as sobrancelhas, mas continuou sorrindo. — Acho que devo me sentir honrado por você não me considerar motivo de

riso. — Oh, não! Não o considero assim, milorde. — Eu faria qualquer coisa no mundo para fazê-la feliz. Nada me daria mais

prazer do que vê-la sorrir todos os dias de sua vida. Clássicos históricos

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Como Isadora não respondeu, Cynvelin suspirou e pegou uma maçã. Então, tirou o punhal da cintura e começou a descascá-la devagar. Alguns segundos depois, estendeu a fruta para ela.

Isadora hesitou, mas pegou-a da mão dele. De repente, o barulho ensurdecedor de um trovão ecoou bem acima deles.

Isadora assustou-se, derrubando a maçã no chão. No mesmo instante, uma tempestade atingiu Annedd Bach com a força de um dilúvio.

Bryce Frechette entrou correndo e sacudiu os cabelos com vigor. — Está chovendo granizo, milorde! E impossível cavalgar com esse tempo. Cynvelin praguejou. Quando viu a expressão chocada de Isadora, ficou

constrangido. — Desculpe-me, milady. Eu pretendia levá-la para Caer Coch hoje. Seria

muito mais confortável para você. — Eu também queria partir hoje, mas não... — Estou decepcionado. Isadora ouviu a chuva castigar o teto de pedra e concluiu que não adiantava

pressioná-lo para partir. Ninguém poderia sair com aquele tempo. As estradas ali eram precárias demais para permitirem aventuras debaixo d'água.

Por outro lado, estava satisfeita por saber que seu pai também não se afastaria mais. Ele com certeza fora para o mosteiro ou para a hospedaria mais próxima. Mesmo que tivesse decidido voltar para Craig Fawr ou prosseguir até Caer Coch, não conseguiria continuar até o tempo melhorar.

Mais animada, Isadora observou Bryce dirigir-se a um homem magro de cabelos escuros que parecia estar transmitindo as ordens dele aos demais.

— Se nos der licença, milorde — Bryce se dirigiu a Cynvelin —, vou levar os guardas para as barracas.

Um punhado de homens magros e mal vestidos levantou-se. Os demais, mais fortes e bem mais arrogantes, só podiam ser da guarda de Cynvelin. Se não estivesse tão concentrada nos próprios problemas, Isadora com certeza teria reparado antes.

Apreensiva, disse a si mesma que era filha de um barão gaulês e que, como tal, estaria segura na companhia de um nobre gaulês, independente da aparência de seus guardas.

— Fiquem à vontade — concordou Cynvelin. Bryce liderou o grupo para fora, deixando Isadora com Cynvelin e seus

homens. — Vamos ter de nos distrair de alguma forma, minha querida. Isadora corou e baixou os olhos para a maçã. — E uma pena que não haja ura menestrel — comentou Cynvelin depois de

outro trovão. — Aí, ele tocaria, e nós poderíamos dançar. Isadora mal conseguia imaginar-se dançando com ele ali. Não queria estimular

nenhuma espécie de avanço, Clássicos históricos

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— Estou cansada para isso, milorde. — Se você quiser, posso cantar. Sem esperar que ela se pronunciasse, Cynvelin começou. Com uma voz rica e

melodiosa, entoou uma canção triste sobre um amor perdido. Todos pararam de comer e conversar para ouvi-lo. Até os criados pararam de se mexer.

A música, cheia de tristeza e solidão, deixou Isadora com vontade de chorar. Bryce decerto gostaria. Era uma pena que não estivesse ali.

Isadora voltou os olhos para Cynvelin, que a examinava com evidente desejo. Ninguém conseguiria cantar cosias tão bonitas se não conhecesse o sentimento. Talvez ele a amasse de verdade. Podia ser que estivesse errada em fazer tão mal juízo dele.

Enganara-se a respeito de Bryce. Ele se preocupava com a família. Quando dissera que não contara sobre seu paradeiro porque pretendia ajudá-los em segredo, Isadora acreditara. Devia ter sido uma época dificílima para ele.

Será que Bryce ainda sofria por causa da vergonha e do orgulho ferido? Será que era por isso que queria tanto recuperar o prestígio por seus próprio méritos?

O cunhado de Bryce era rico e poderoso. Se Gabriela pedisse, na certa o barão DeGuerre concederia o título a ele.

Isadora o admirava pela força de vontade. Se ficasse ali mais algum tempo, observaria Bryce para concluir se ele merecia mesmo o tal título. E então, poderia convencer Cynvelin a torná-lo cavaleiro antes que partissem.

A música terminou, e a última nota ficou ecoando no salão. Isadora sorriu, distraída, com a mente ocupada por Bryce e seus problemas, enquanto os guardas de Cynvelin batiam com os pés no chão, entusiasmados.

Só Ula não aplaudiu. Ela ouvira toda a música e, naquele momento, recomeçara a servir cerveja, sem nenhuma expressão no rosto, como sempre.

— E então, milady? Em sua opinião, eu poderia ganhar a vida como menestrel, como seu pai fez?

— Creio que sim. — Isadora ainda pensava no comportamento de Ula. — Você está muito quieta, milady. Espero que minha canção não a tenha

entediado. — De forma alguma. Tem uma belíssima voz, milorde. — Tenho certeza de que a sua também é linda, milady. Talvez possa nos

encantar com uma música. — Talvez. De repente, o soldado que a insultara no castelo de Melevoir gritou: — Nós também vamos para as barracas, milorde! Cynvelin assentiu. — Não gaste todo o dinheiro, Madoc! — disse, quando os homens começaram

a desaparecer sob a cortina de chuva. Então, virou-se para Isadora. — Eles jogam a dinheiro. Espero que ninguém acabe ferido até o final do dia.

— Você permite esse tipo de aposta? Clássicos históricos

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— Ao contrário de alguns homens, não vejo problemas nisso. — Meu pai acha que o jogo conduz a maus pensamentos, como você mesmo

acabou de sugerir. — Os homens precisam se ocupar com alguma coisa e, como há poucas

mulheres por aqui, acho que as apostas não são de todo más, mesmo que causem brigas.

Isadora virou o rosto para esconder o choque provocado pelo comentário dele com relação. Mesmo que fosse verdade, Cynvelin jamais deveria ter dito tal coisa a uma dama.

Isadora estava chegando à conclusão de que o lorde Cynvelin Hywell, apesar de todos os sorrisos, charme e sedução, era muito menos cavalheiro que Bryce Frechet-te. Nele, Isadora sempre percebera certo respeito, mesmo quando era muito ousado.

— Se me der licença, milorde, prefiro me recolher a meus aposentos. — Por quê? Não há nada para fazer lá. Vou pedir a um dos empregados que

traga meu tabuleiro de xadrez e jogaremos uma partida. Você joga xadrez, não é? — Sim, mas não sou muito boa. Não tenho paciência para jogos de estratégia. — Está bem, milady. Se se cansar do jogo, pensaremos em outra coisa para nos

entreter. Isadora olhou-o, assustada, mas ele chamou Ula com a mais inocente das

expressões e pediu o que queria. A moça sumiu, deixando-a a sós com Cynvelin. Isadora levantou-se e foi até a porta. Pela intensidade, a chuva deveria durar

um bom tempo. Sem pensar, cami- nhou até a lareira e ficou andando pelo salão até Ula voltar.

Um jogo seria bem-vindo, porque ajudaria a distraí-la. Enquanto observava Isadora, Cynvelin concluiu que o fato de ela estar agitada

era um bom sinal. Devia estar perturbada, sem saber mais no que acreditar: se nas declarações de amor e desejo dele ou nas acusações de seu pai.

Ali, caminhando, inquieta, com os cabelos negros e j soltos e os olhos brilhantes, ela parecia a pantera enjaulada que ele vira uma vez na França.

Cynvelin sorriu. Seria gentil, educado, juraria amor eterno. Conhecia muitos truques para conquistar uma mulher. Talvez demorasse um pouco, mas tinha certeza de que a filha do barão DeLanyea seria sua.

Não conseguia esquecer o que o barão lhe tinha feito. Ele, Cynvelin Hywell, fora humilhado por um reles bastardo de ascendência normanda, só porque decidira se divertir um pouco com uma menina à-toa, apesar dos protestos dela.

Estavam sozinhos. Será que Isadora protestaria se a beijasse? Será que gritaria se ele tentasse mais? O que faria se Cynvelin a empurrasse contra a parede, enfiasse o joelho entre suas pernas esguias e lhe puxasse a saia para cima? Será que lutaria e o arranharia como a menina havia feito, ou que aceitaria de bom grado os avanços? Clássicos históricos

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Cynvelin respirou fundo para se acalmar. Não ali. Não ainda. Estava fazendo progressos, e o comportamento dela era prova disso. Se a forçasse, seria pior para ambos. Entretanto, não estava sendo fácil ficar sentado na cadeira sem avançar para Isadora, tomá-la nos braços e atacar aqueles lábios e aquele corpo. Sentia-se ansioso para mostrar-lhe como era poderoso, em todos os sentidos. A chave do quarto dela estava bem guardada no saquinho de couro que trazia preso à cintura. Ainda não precisara usá-la. Talvez, nunca precisasse.

Sua maior vingança seria fazê-la apaixonar-se, mesmo depois de capturada. !! OITO !!O Mosteiro de St. David era grande e próspero. Estava localizado na principal

estrada rumo ao norte do País de Gales e tinha um hospital muito usado por viajantes que se feriam ou adoeciam durante o percurso.

Uma semana depois do rapto de Isadora, o barão De-Lanyea tentava relaxar, caminhando diante da lareira, no grande salão onde ele e os filhos faziam as refeições. De vez em quando, parava um pouco de andar para ouvir a chuva, que continuava caindo sem parar.

O dilúvio que começara um dia depois do rapto não dera trégua, e os caminhos estavam intransitáveis. Por várias vezes, tentara sair, mas, antes que conseguisse selar os cavalos, o granizo recomeçara a cair, ainda mais forte que antes.

Entretanto, a borrasca não era de todo ruim, porque estava mantendo Cynvelin preso em Annedd Bach. longe da fortaleza em Caer Coch.

Emryss olhou para um de seus filhos, sentado perto do fogo. Griffydd estava recostado na parede, quase camuflado,

— Por quanto tempo será que ainda vai chover? — resmungou o barão. — Espero que não pare ate Dylan chegar com os reforços.

— E você acha que eles vão conseguir viajar com um tempo desses, pai? — E você acha que um trovão é capaz de deter Dylan? Ele dirá: "O que é a

chuva para um gaulês?" e seguirá adiante. — Se meu irmão vier com Norman e Fitzroy, será convencido a esperar o

tempo melhorar. — Pelo tom de voz, ninguém diria o tamanho do ódio que Griffydd nutria por Cynvelin Hywell.

— Duvido. Impulsivo como é, Dylan vai convencer os dois a viajar. — Emryss recomeçou a andar. — Vamos torcer para que cheguem logo. Não sabemos quando Cynvelin decidirá partir para Caer Coch. E aí, tudo será mais difícil. Caer Coch é um dos castelos mais seguros do País de Gales.

— E você acha que ainda devemos aguardar? — Sim.

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Depois de um momento de silêncio, Griffydd tornou a falar: — Vai ser mais fácil resgatar Isadora enquanto estiverem na estrada. — Certo, mas precisamos ter certeza de que venceremos a batalha e, para isso,

precisamos de mais homens. — Frechette é um guerreiro difícil de derrotar, pai. — Sim, há esse agravante. — E se conseguíssemos pegá-lo sozinho? Ou Cynvelin? — O barão estreitou

os olhos. — O que você está dizendo, pai? Eles nunca saem de Annedd Bach, não é? — Cynvelin passou a primeira noite numa hospedaria a algumas milhas do

castelo. Com uma prostituta. — O quê? — Mandei um de nossos homens segui-lo. Ele ficou do lado de fora esperando

até Cynvelin sair com dois soldados antes de amanhecer. — E por que não me disse isso antes? — Quando nosso homem voltou, Cynvelin já havia voltado a Annedd Bach.

Disse a nossos espiões para avisarem assim que ele pusesse os pés fora do castelo, mas o miserável não saiu mais.

— Cynvelin passou a noite com uma prostituta... E esse é o homem que se acha dono de minha irmã!

— Graças a Deus! — Como é?! — repetiu Griffydd, incrédulo. — Graças a Deus que ele quer

ficar com Isadora? — Querer não basta, filho. Se Cynvelin passou a noite com uma prostituta, é

porque não estava com Isadora. Quem me dera ele passasse todas as noites assim até chegarmos.

— Cynvelin é um desgraçado, mas não teria coragem de desonrá-la. — Você se lembra de Peulan, Griffydd? — Claro que sim. Ele era pastor. — E você se lembra da filha dele, Cathwg? — Ela era bonita, não? Acho que tinha a mesma idade que Isadora. — Pois é. Por sorte, Dylan não está aqui para ouvir isso ou seria capaz de

atacar Annedd Bach com as mãos nuas. — O que foi? O que houve com Cathwg? — perguntou Griffydd, surpreso. Emryss encarou o filho. — Cynvelin Hywell estuprou-a. Foi por isso que eles foram embora de nossas

terras e que eu o expulsei de Craig Fawr. Griffydd manteve a mesma expressão fria, mas algo mudou no fundo de seus

olhos. — Ela era apenas uma criança. — Sim. Cathwg tinha dez anos quando aconteceu.

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— E por que você nunca o acusou do crime? — Quando Peulan me contou, chamei Cynvelin para explicar-se. — O barão

baixou os olhos. — Ele riu e disse que queria ver se conseguiríamos acusá-lo perante a corte. Falou que era um homem rico e poderoso, enquanto 110

peulan e a filha eram apenas camponeses. Eu disse a ele que iria prendê-lo no castelo. Aquela altura, já sabia que Cynvelin era capaz de cometer tal crime. Porém, também sabia que ele tinha razão. Uma corte normanda o absolveria sem titubear. De manhã, decidi visitar Cathwg, para me ver se ela sabia quem a atacara. Eu precisava ter certeza para poder tomar as providências. Griffydd encarou o pai, preocupado.

— Que providências? — As que rezam a justiça gaulesa. Eu entregaria Cynvelin a Peulan e assumiria

as consequências se algum nobre normando questionasse a natureza do julgamento. Griffydd assentiu. — Mas quando fui ver Cathwg, a família toda havia partido. Ninguém nunca

mais soube para onde eles foram, e eu fiquei sem testemunha. Seria arriscado demais acusá-lo sem ter a garota para testemunhar. — O barão suspirou. — Fiz tudo o que pude. Avisei a Cynvelin de que mandaria prendê-lo se ficasse sabendo de qualquer coisa remotamente parecida no futuro. Então, mandei-o de volta para o pai.

Griffydd levantou-se. — Se tivesse sabido, eu teria agido como Dylan. Como podemos continuar

esperando se sabemos o tipo de homem que ele é? Emryss meneou a cabeça. — Não. Seria tolice atacar com tão poucos homens. Reparou quando ele falou

em sua irmã? Cynvelin acredita que Isadora está apaixonada por ele. — E você não? Emryss DeLanyea meneou a cabeça, e uma sombra de sorriso apareceu em

seus lábios. — Não. E nunca vai estar. Ainda assim, acho que ele vai manter a promessa

enquanto achar que tem alguma chance. — Não aguento esperar mais, pai. — Griffydd estava aflito. Felizmente, Cynvelin partiria em breve com seus soldados e, com sorte, antes

que as provisões terminassem por completo. Para seu pesar, porém, Isadora iria com eles.

Tentara ignorá-la de todas as formas, mas, por mais que soubesse que ela estava comprometida, não conseguia deixar de reparar que Isadora não parecia satisfeita ao lado de Cynvelin. Havia algo errado. Isadora deveria estar encantada por ficar com o homem que amava. Se o amasse.

Ela era a mulher mais interessante e vibrante que Bryce já conhecera. Para piorar, era de longe a pessoa mais paciente do saião, sem nunca reclamar sobre o tem-po ou as acomodações. Isadora comia o que quer que fosse, servia-se com classe e apetite e era sempre gentil com os empregados. Clássicos históricos

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Era quase impossível decifrar o comportamento e as reações dela. Será que era tão boa e tranquila ou aquela era só mais uma performance? Será que desprezava Cynvelin ou que aqueles traços de cansaço eram só desejo de sair logo de Annedd Bach e ir para um lugar bem mais luxuoso, como Caer Coch?

Isadora não podia ser uma moça séria. Por mais que Bryce negasse, devia estar dormindo com Cynvelin. De qualquer modo, Bryce sempre ia dormir no estábulo ou nas barracas antes que eles se recolhessem. Por mais tolo que fosse, não aguentaria vê-los saindo juntos.

Tudo isso deveria ser mais do que suficiente para repeli-lo, mas não era. Se Isadora aparecesse e dissesse que o desejava, não hesitaria um instante em aceitar seu amor. Amor? Devia estar louco. Isadora jamais sentiria o que quer que fosse por ele. Não tinha nada a oferecer a uma dama. Nem terras, nem prestígio, nem poder. Nem ao menos um título. Como seria capaz de competir com Cynvelin Hywell?

Madoc murmurou algo em gaulês. O grupo de Cynvelin riu alto, e os guardas do palácio franziram as sobrancelhas. Bryce pensou em ignorá-lo, mas, em vez disso, fez um sinal para Ermin, que ainda fazia o papel de tradutor.

— Diga aos homens que, se o tempo melhorar, vamos fazer exercícios com espada mais tarde.

Ermin assentiu, hesitante, e falou com os homens, que se entreolharam, desconfiados. Cynvelin riu alto.

— Não é o grupo mais animado que já viu, certo, Fre-chette? Você já conseguiu fazer alguma coisa com eles?

— Como sou normando, ainda não confiam em mim, milorde. Só estamos podendo treinar luta corpo a corpo nas barracas. Mesmo assim, já melhoraram muito.

— Eu não deveria ter passado tanto tempo sem vir aqui. Esses aí ficaram muito rebeldes. Vão precisar de um pulso firme para voltar à linha.

— Talvez. — Pelo jeito, vocês vão ter de continuar treinando nas barracas. — Cynvelin

olhou para fora. — A menos que eles queiram aproveitar para tomar banho. Nesse exato momento, Isadora entrou correndo no salão e livrou-se logo do

capuz. — Deus! Pensei que fosse me afogar! — Que bom que você veio, querida! — gritou Cynvelin. Ele apressou-se para

ajudá-la a tirar a capa, na certa mais um presente trocado entre amantes, pensou Bryce. Isadora estava com um

vestido e túnica verdes com brocados dourados. Um belo cinto de couro trançado adornava a cintura fina, aumentando ainda mais a graça dos passos. Na cabeça, Isadora trazia uma touca branca que acentuava o brilho dos olhos cor de esmeralda.

— Pensei que fosse ficar no quarto para sempre, milady. — Eu ia mesmo, milorde. Mas está silencioso demais lá. Estou habituada a ter

companhia. Clássicos históricos

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— Fico feliz por ouvir isso. — Então, Cynvelin olhou para Madoc com um ar severo. — A dama quer sentar-se.

— Acho que a chuva está passando. — Isadora acomodou-se na cadeira que Madoc liberara.

— Está mesmo, Frechette? — gritou Cynvelin. Bryce foi até a porta, tentando não se aproximar muito

de Isadora. Ela estava cheirando a flores frescas e brisa de primavera. — Sim, milorde, está. — Ótimo. Talvez possamos partir hoje mesmo. Bryce desviou o olhar, mas não

deixou de perceber que Isadora não parecia muito feliz com a ideia de ir embora — Pelo menos por enquanto — prosseguiu Bryce. — Mas há nuvens pesadas

se formando, e talvez haja outra tempestade. — Estou cansado deste lugar — Cynvelin resmungou, irritado. —Mas talvez

seja melhor esperarmos até termos certeza. —Acho que vou levar os homens para treinar na campina atrás do castelo. —

Bryce olhou para Ermin, que repetiu a ordem para os soldados. — Até breve, milorde. Milady...

Isadora ficou observando Bryce Prechette partir. Reparou que os soldados não hesitaram em obedecê-lo. Para um normando, ele havia ganho o respeito de todos em bem pouco tempo. Até ouvira alguns comentários elogiando sua capacidade de liderança.

Quanto a Cynvelin, não fazia a menor ideia do que os guardas dele pensavam. Bryce não era arrogante como Cynvelin. O nobre era sempre delicado com ela.

mas Isadora já o ouvira faiar de maneira muito grosseira com os criados, e até com os próprios soldados, quando achava que ela não estava por perto. Bryce era um líder natural, dono de olhos escuros e penetrantes, capazes de tocar sua alma como ninguém jamais fizera.

Quando jogava xadrez com Cynvelin, Isadora tinha de se esforçar para não pedir conselhos a Bryce sobre o próximo movimento. Ele a deixava tão perturbada que ainda não conseguira ganhar nenhuma partida.

Só de se lembrar dele, recordou o beijo que haviam trocado e como se sentira viva quando ele a tocara.

Quando Bryce não estava por perto, se sentia entediada, por mais que Cynvelin se desdobrasse em atenções. Se estivessem na casa dela ou no castelo de Melevoir, talvez até apreciasse a companhia dele, mas ali estava se sentindo oprimida, sufocada.

Bryce não falara com Isadora desde o segundo dia de sua estada, e ela tentou se convencer de que era melhor assim.

Também precisava convencer Cynvelin de que, por mais maravilhoso que ele se achasse, ela não queria ser sua mulher. Depois de ouvi-lo cantar naquela manhã e Clássicos históricos

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várias vezes depois, estava com mais pena do que raiva de seu raptor. O amor não correspondido era sempre uma coisa muito triste.

Os homens no castelo também pareciam desanimados. Sem dúvida, sentiam-se tão aborrecidos quanto ela de ficarem confinados a Annedd Bach. Mas, se queriam ir para Caer Coch, Isadora queria ir para casa. Entretanto, com aquele tempo horrível, não adiantava nada insistir com Cynvelin.

Nesse momento, Ula entrou com uma empregada para varrer as cinzas da lareira. As duas estavam magras, pálidas e pareciam prestes a desmaiar. O único morador de Annedd Bach que parecia ter algum vigor era Bryce Fre-chette. Será que a campina ficava muito distante do castelo?

— Espero que essa droga de chuva passe logo para que possamos ir para Caer Coch.

— As estradas daqui não são sua responsabilidade, milorde? — perguntou Isadora, cheia de curiosidade.

— Não tenho culpa por estar chovendo tanto. — É claro que não — disse ela como se estivesse se referindo a uma criança

malcriada. Cynvelin sorriu, e então todos os traços de irritação desapareceram. — Tenho muitas propriedades, milady, e esta é tão pequena que costumo me

esquecer dela. E evidente que, daqui para a frente, passará a ter um valor especial, por causa da sua presença.

Isadora levantou-se e caminhou até a lareira vazia. — Este lugar precisa de um administrador dedicado. — É por isso que coloquei Frechette no comando. Entretanto... — Cynvelin

parou e pareceu hesitar por um momento. — Acho que cometi um erro com ele. Cynvelin se aproximou tanto que Isadora teve de se controlar para não afastá-

lo com uma cotovelada. — Como assim? — Encarou-o, preocupada, enquanto se afastava. Para seu alívio, ele não a seguiu. — Você reparou em algo estranho em Ula? — Ela é muito quieta e bem pouco amistosa. — Você sabe por quê, milady? — Não. — Bryce Frechette. — Frechette? O que ele tem a ver com Ula? Cynvelin pigarreou. — Ele... Bem, ele e Ula... Ela não estava muito interessada em participar. Isadora compreendeu de imediato o que ele queria dizer: Bryce Frechette havia

se aproveitado da menina. Ele a estuprara. Não era possível. Não acreditou nem por um instante. E por que não? Por que se recusava a acreditar que Bryce Frechette seria

incapaz de ferir uma mulher? — Que provas você tem para fazer essa acusação? Ula lhe disse?

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— Como você deve ter percebido, Ula não fala muito. — Cynvelin olhou confuso para ela e, quando falou, estava diferente. — Você está dizendo que não acredita em mim?

— Não, milorde. Mas não creio que Bryce fosse capaz de fazer algo assim. — Não perde tempo para defendê-lo, milady. — É que não costumo acusar as pessoas sem ter provas. — Então, você é diferente de seu pai. — O que está dizendo? O gaulês meneou a cabeça. — Nada. Estou só resmungando. Dormi muito mal estas últimas noites e estou

com dor de cabeça. — Talvez devesse descansar, milorde. Cynvelin olhou-a com lascívia. — Se eu tivesse companhia... Isadora empertigou-se, mas, antes que conseguisse falar, ele prosseguiu: — Deus! Como está doendo! E se eu me deito, dói ainda mais. Talvez se você

me fizer companhia, se conversar ou cantar para mim, alivie meu sofrimento. Isadora relaxou um pouco. Ele parecia mesmo doente. — Pode ser a mudança de tempo. Há outra tempestade se aproximando. — Espero que não se aproxime mais. Entretanto, temo que o motivo seja outro.

A culpa é toda sua, milady. — Minha?! — Sim. Não dormi a noite passada pensando em você. Já lhe disse que é a criatura mais bonita do mundo? Isadora sorriu, constrangida. Também não descansara direito, e não estava com

a menor disposição para bajulações. — Obrigada, milorde. — Você cantaria para mim, milady? Uma música não é muito para alguém que

está quase morto de amor. Tenho certeza de que sua linda voz aliviará meu tormento. Isadora virou-se de costas e fez uma careta. Estava ficando cansada dos elogios

gratuitos dele. — Talvez sua dor piore ainda mais. Cynvelin sorriu. — Nada vindo de você poderia me ferir, a menos, é claro, que destrua meu

coração. — Que tipo de música quer ouvir? — perguntou Isa-dora, resignada. Afinal, se

cantasse, ele não falaria. — O que você quiser, desde que se sente a meu lado e segure minha mão. — Prefiro que não. — A última coisa que queria era tocá-lo. — Não creio que

fosse direito. Cynvelin deu de ombros e suspirou.

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— Está bem. Mas pelo menos fique perto de mim. Vai cantar, não vai? Cynvelin falava de um jeito que fazia Isadora se sentir a pior mulher do

mundo. Sem pressa, sentou-se. Cynvelin seguiu-a, desabou na cadeira e fechou os olhos.

Isadora cantou uma música suave, muito usada para fazer crianças dormirem. Em poucos minutos, Cynvelin adormeceu.

Isadora olhou em volta. As empregadas tinham terminado o serviço e não havia ninguém por perto. Suspirou e tentou raciocinar com frieza.

Será que gostaria de Cynvelin se seu pai o aprovasse? Achava que não. Ele era charmoso, às vezes até divertido e sabia cantar, mas não provocava nada nela. As bajulações, os elogios eram coisa superficial demais comparado aos arrepios que sentia sempre que se aproximava de Bryce Frechette.

Mas não podia desejá-lo. Bryce era um plebeu sem eira nem beira, que abandonara a família e ajudara Cynvelin a raptá-la. Não podia sentir nenhuma afeição por um homem desses. Nenhum amor.

A cabeça de Isadora também começava a doer. A ideia de ficar presa no salão por mais um dia, se voltasse a chover, deu-lhe ânimo para levantar-se e sair, sem fazer ruído, para não acordar Cynvelin.

Correu para a porta e olhou para fora. Nuvens cinzentas assombravam a colina, mas ainda não estava chovendo. A brisa fria trazia um cheiro inebriante de terra molhada. Respirou fundo e logo começou a se sentir melhor.

Ficaria o quanto pudesse. Seria ótimo ficar um pouco sozinha. Do lado de fora dos portões, ouviu um grupo de homens gargalhar. Sem

hesitar, desistiu de passear sozinha e resolveu juntar-se a eles. Precisava mesmo se distrair.

Quando chegou ao portão, viu os guardas do palácio sentados na grama, vermelhos de rir. Um dos homens estava de costas para Isadora, com duas espadas pendendo, frouxas, das mãos.

Isadora já vira aquelas costas antes, mas, na ocasião, ele não estava seminu, cora todo o peso do corpo apoiado nos músculos da perna.

Por um segundo, pensou em voltar para o salão, mas, só de imaginar-se de novo em companhia de Cynvelin e de seus guardas grosseiros, decidiu que seria bem divertido passar um tempo com soldados gauleses comandados por um líder normando.

Madoc, o truculento gaulês que a insultara, montava guarda. Isadora ignorou-o, mas, quando ia passando, ele bloqueou seu caminho com a lança.

— Sinto muito, milady, mas a senhorita não pode passar daqui. Isadora olhou-o com todo o desprezo de que a filha de um poderoso barão era

capaz. Então, ergueu o queixo e disse: — Por ordem de quem? — De Frechette — respondeu Madoc. Isadora ergueu a sobrancelha.

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— É mesmo? Ele deve estar enganado. — Isadora cruzou os braços sobre os seios e bateu com os pés no chão, impaciente. — Frechette!

Ele virou-se, devagar, e encarou-a. !! NOVE !Isadora não sabia para onde olhar. Decerto, — não para os olhos escuros e

provocantes de Bryce Frechette. nem para os lábios sensuais, nem para o peito suado ou para qualquer ponto mais abaixo. Exceto para as botas enlameadas.

— Pois não, milady — disse ele num tom quase tão irritante quanto o do guarda do portão.

— Você deu ordem para que eu não deixasse An-nedd Bach? Bryce praguejou baixinho, jogou as espadas no chão, ao lado da túnica de

couro, e caminhou para ela. Isadora ergueu a cabeça e tentou encará-lo com firmeza, ignorando o fato de

que estava seminu. — Foi ordem do lorde Cynvelin, milady. Acho que ele teme por sua segurança

além dos portões, e por isso alertou os guardas. Não é isso, Madoc? O gaulês não respondeu.

— Ele não entende sua língua — lembrou Isadora, empurrando a lança de Madoc para o lado e caminhando para Bryce.

— Descobri que apenas finge que não me entende. Madoc fez uma careta, e Isadora teve vontade de rir

do incômodo dele. Era pouco, comparado ao insulto. — Eu me responsabilizo pela segurança da dama — disse Bryce. Madoc apenas deu de ombros. Isadora e Bryce atravessaram o portão e caminharam na direção dos outros

homem, que observavam a cena com indisfarçável curiosidade. — Eles, por outro lado, não entendem uma única palavra de francês. — Mas, pelo jeito, você sabe como distraí-los, Frechette. — Quando dois homens estão praticando táticas de defesa, e ambos erram a

mira da espada e caem ao chão ao mesmo tempo, os outros costumam achar graça. Ele falou sério, mas Isadora percebeu certo humor na voz grave. Não

imaginara que um guerreiro tão valente pudesse achar engraçada uma situação humilhante. Era um prazer descobrir que Bryce Frechette era capaz de rir de si mesmo.

Nesse momento, lembrou que precisava ser mais cautelosa com seu comportamento diante dele.

— Não vejo por que eu não possa sair do castelo se eles estão do lado de fora.

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— Não haverá problema, desde que a senhorita fique por perto, onde eu possa vê-la, milady. Acho que lorde Cynvelin não vai se importar. — Franziu o cenho. — Porém, onde milorde está, milady? Era a permissão dele que a senhorita deveria pedir.

— Não preciso de permissão. — Nesse caso, a companhia dele. — Eu não... — Isadora hesitou. Não tinha de dar satisfações a ele sobre seus

sentimentos. — Não sou prisioneira aqui. — Ah, não, milady. Você é a hóspede de honra. Isadora não gostou do tom

falsamente cortês de Bryce. — Nesse caso, mereço ser tratada com respeito. — Correu os olhos pelo peito

suado dele. Bryce corou, no entanto não fez nenhum gesto para pegar a túnica. — Eu estava treinando os soldados. Fiquei suado, e há coisas que são feitas

melhor sem roupas, como a senhorita sabe. — Não sei, não! — quase gritou, enquanto atravessava a trilha enlameada onde

estavam os guardas. Os que estavam sentados levantaram-se depressa, e todos se inclinaram quando

ela passou. Bryce alcançou-a. — Logo vai chover, milady. Não é melhor que volte para o salão? Talvez seja

mais prudente retornar para perto de lorde Cynvelin. — Ele está dormindo. — Ah! — Bryce endereçou-lhe outro olhar cheio de significados. Isadora fitou-o, furiosa. Devia estar louca para ter se interessado por Bryce. — O que está sugerindo, Frechette? Ele arregalou os olhos, com fingida inocência. — Eu, milady? Nada. Nada mesmo. — Você é o normando mas impertinente e mal-educado que já conheci! Bryce fez uma mesura. Irritada, Isadora caminhou até uma pedra, sentou-se e

olhou para baixo. — Acho que vou ficar aqui e ver como você opera o milagre de treinar homens

que não entendem suas palavras. Bryce nem se deu ao trabalho de responder. Meneou a cabeça e voltou-se para

os soldados. Quis se comunicar com um rapaz, Ermin aproximou-se. Parecia nervoso, mas Isadora não conseguiu saber se era pela proximidade de Bryce ou pelo temporal que estava se formando. Levou alguns segundo até perceber que ele estava fazendo o papel de tradutor.

Ou, pelo menos, tentava. A medida que Bryce falava, Ermin fazia várias pausas, como se estivesse procurando o termo mais apropriado.

O homem ouviu desinteressado, e Bryce foi ficando cada vez mais impaciente, apesar de manter o tom de voz calmo. Clássicos históricos

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Depois de um minuto, Isadora levantou-se. — Eles não são burros, Frechette — falou, enquanto Bryce tentava explicar

pela terceira vez como segurar a espada. Os dois rapazes viraram-se para encará-la, Ermin bastante surpreso, e Bryce,

aborrecido. — Não estão ouvindo uma palavra do que digo, milady. — Se eles são como os homens do castelo de meu pai, e não vejo por que não

sejam, não estão prestando atenção porque não estão habituados a lutar com espadas. Quantos deles têm espada?

— Cinco as trouxeram — murmurou Bryce. — Acho que os outros esqueceram.

— Esqueceram?! Você não reparou no estado das armas deles? As lâminas cegas e enferrujadas deveriam tê-lo feito perceber.

Bryce estreitou os olhos. O discurso fazia sentido. Entretanto, queria que Isadora parasse de falar, que deixasse de olhá-lo com aqueles olhos verdes hipnóticos e que saísse logo dali. Estava quase impossível manter a concentração. Era incrível como uma simples palavra dela era capaz de destruir a fortaleza que construíra em torno de si. Quando estiveram sozinho, Bryce dissera a Isadora coisas que jamais dissera a ninguém.

Tinha de evitá-la. Ela pertencia a outro homem. Em silêncio, fez um prece para que o tempo melhorasse de vez. Só assim ficaria livre de Isadora e teria paz.

Se conseguisse voltar a ter paz, sabendo que lady Isadora jamais seria sua. — Eles deixam as espadas enferrujarem de propósito, Ermin? — perguntou ele

num esforço sobre-humano para parecer irritado. Ermin meneou a cabeça, chocado. — Não, senhor, é claro que não! Não de propósito! — Eu deveria ter me explicado melhor, Frechette. Eles não negligenciam as

armas de propósito, nem esqueceram de trazer as espadas. Gauleses preferem arcos. — Arcos, milady? Isadora assentiu. — Você já viu um arco gaulês? — Uma vez vi um arqueiro atravessar um tronco de trinta centímetros com

uma flecha. Disseram que era gaulês. — E o arco? De que era feito, Frechette? — Acho que de olmo. Era a arma mais feia que já vi. Era dura, grande demais

e parecia desengonçada. — Ainda assim, fez um flecha atravessar um tronco de trinta centímetros —

concluiu ela, com um ligeiro sorriso no rosto. Ermin disse algo aos homens, e todos pareceram acordar. — Isso é verdade, Ermin? Eles preferem arcos? — Sim, senhor.

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— Muito bem. Amanhã, todos trarão arcos e flechas. Quero ver se são tão bons quanto a dama diz.

Ermin assentiu e tornou a olhar para o céu. Era como se as palavras de Bryce fossem muito menos importantes que o tempo.

— O que foi, Ermin? Qual é o problema? A tempestade? — Não, senhor. É... é... — Diga! Ermin olhou, aflito, para Isadora. Então, desatou a falar com ela em gaulês.

Bryce olhou-a, confuso. Isadora sorriu. — É a mulher dele. Vieram avisar que ela está em trabalho de parto, e Ermin

quer ir para junto dela. — Tornou a sorrir, cheia de compaixão. — Ele disse que a mulher perdeu o último filho e que quase morreu na hora de dar à luz. Ermin pede, com toda a humildade, para ir para casa. Assim que o bebê nascer, voltará.

Com aquele olhar, se Isadora tivesse pedido a Bryce que cometesse suicídio, ele teria aceito.

— Lembro-me bem de como me senti quando soube que meu pai estava morto e como desejei ter estado com ele. E claro que Ermin pode ir, milady.

Isadora pareceu muito feliz, e seus olhos brilharam. De repente, Bryce pigarreou e virou-se para Ermin. — Já íamos mesmo parar. — Estava rouco pela emoção contida. — Está quase

chovendo e as espadas já estão enferrujadas o suficiente. Vá, Ermin. Pegue um cavalo no estábulo e volte quando tudo estiver bem.

Ermin suspirou, contente, e Bryce achou graça. — Se eu fosse você, não pegaria um dos animais dos homens de Cynvelin. Sem perder tempo, o criado correu para o estábulo, agradecendo: — Obrigado, senhor! Pode deixar! Obrigado! De repente, um trovão ecoou ao lado deles, fazendo-os estremecer. — É melhor entrarmos — disse Bryce, sem se dirigir a ninguém em particular.

Inclinou-se para pegar a túnica e, quando se levantou, Isadora já estava perto do portão.

Ótimo. Era melhor que ela fosse sem ele. Seria excelente que saísse logo de sua vida. Uma felicidade se voltasse logo para lorde Cynvelin, o homem mais sortudo do mundo.

Isadora gritou de susto quando Cynvelin, enrolado num manto negro, saiu das sombras e se aproximou de Madoc.

— Milorde! Já está acordado?! — Estou, milady. Imagine meu susto quando acordei e vi que minha adorável

dama havia desaparecido. Fiquei muito preocupado, querida. Com o canto dos olhos, Isadora viu Madoc rindo como se tivesse ouvido uma

grande piada. Será que ele fora acordar Cynvelin para dizer onde ela estava? Será que a estava espionando? Clássicos históricos

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Por que não podia ser livre para ir aonde quisesse? Era uma convidada, afinal. — Cansei de ficar fechada aqui. — Encarou o rosto sisudo de Madoc. — Seu

empregado me disse que eu não podia sair de Annedd Bach. Cynvelin fez um gesto de desprezo. — É para sua própria segurança, milady. Prometi a seu bom pai que cuidaria

bem de você. As florestas estão cheias de bandidos. — Sorriu e ofereceu-lhe o braço. — Será melhor quando chegarmos a Caer Coch. Os jardins são lindos, e, se quiser, poderá fazer mudanças. Mas é melhor entrarmos antes da tempestade. Estou achando que ainda vamos ficar um tempo presos aqui.

— É claro. — Isadora teve de se controlar para não virar-se para conferir se Bryce estava perto e para não recusar o braço estendido de Cynvelin.

Sentia-se tentada a sair correndo de Annedd Bach e tentar encontrar seu pai, com ou sem temporal. Só então ficaria livre daqueles dois homens, sobretudo do perturbador Bryce Frechette, que era ao mesmo tempo frio e caloroso, agressivo e delicado.

— Frechette! — chamou Cynvelin. Isadora virou-se a tempo de ver o normando perto do portão, cumprimentando

Cynvelin com um gesto de cabeça. — Milorde, milady... Foi um alívio ver que ele recolocara a túnica e que não a encarava. Não que fosse proibido. Não haviam feito nada de errado. Bryce nem a tocara.

Nem a beijara. Não daquela vez. Bryce jamais a beijaria de novo e em breve ela iria embora. Deveria estar feliz

por voltar para casa e para o pai. Afinal, ficaria livre da companhia de Cynvelin. — Foi Ermin quem vi correndo feito louco para os estábulos? — Sim, milorde — respondeu Bryce, calmo. — Ele precisou ir para a casa. A

mulher dele está tendo um filho. Um trovão ecoou tão forte que a resposta do nobre quase não foi ouvida. — Então, por que ele foi para o estábulo? — Eu lhe disse que podia pegar um cavalo. — Não me lembro de você ter me pedido permissão. — Desculpe-me, milorde. Não pensei que precisasse de sua permissão, uma

vez que eu estou cuidando da guarda. Isadora correu os olhos de um para o outro. Bryce estava contrafeito, mas

parecia determinado a ficar calmo. Cynvelin, por outro lado, apesar de manter o sorriso no rosto, tinha com os olhos semicerrados de raiva.

Naquele momento, ficou claro para Isadora que, se alguém havia feito algum mal a Ula, com certeza não fora Bryce Frechette.

Outro trovão, e a chuva recomeçou a castigar o castelo. Bryce afastou-se, sem esperar ser dispensado.

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— Acho que nunca mais veremos esse cavalo — disse Cynvelin a Isadora, vendo Ermin se afastar.

— Você acha que Ermin pode roubá-lo? — Ou ele ou alguém vai roubar, enquanto ele espera a mulher dar cria. Isadora virou-se para encarar o gaulês. Cynvelin riu. — Você sabe como são esses camponeses, milady. Eles procriam como

coelhos. — Acho esse comentário muito cruel, milorde. — Isadora lembrou-se da

tristeza de Ermin quando contara sobre o filho morto. — Camponês ou não, ele quer estar com a mulher, e eu achei muito gentil Frechette emprestar-lhe montaria.

— Lamento aborrecê-la, milady. Queira desculpar meu comentário grosseiro. As vezes eu falo sem pensar.

Como Isadora também tinha o mesmo problema, não se sentia no direito de criticá-lo.

— Se dividirmos meu manto, milady, conseguiremos entrar no salão sem nos molharmos.

A ideia de ficar tão perto de Cynvelin deixou-a arrepiada. — O que é a chuva para um gaulês, milorde? — Então, Isadora ergueu a barra

da saia e correu para longe dele, na direção dos quartos. Cynvelin observou-a partir e virou-se para Madoc. — O que você viu? Madoc deu de ombros. — Conversaram, ela o olhou e eles conversaram outra vez. Cynvelin agarrou o soldado pela garganta e empurrou-o contra a parede. — Como conversaram, seu tolo?! — Apenas isso, milorde — disse Madoc, sem fôlego. — Não vi nada suspeito. — Jura? — Pela minha vida! Se eu tivesse suspeitado de qualquer coisa, teria vindo

avisá-lo. Cynvelin relaxou e recuou um passo, enquanto Madoc tentava recobrar o

fôlego. — Ótimo. Quero que providencie para que ela não atravesse mais os portões. O soldado assentiu. — Isadora deve ficar por aqui, e se for falar de novo com Frechette, me avise. — O senhor não acha... — começou Madoc, aturdido. — Não. Ela jamais optaria por ele. em vez de mim. Mas Frechette pode ser um

problema. — Então, mate-o. Cynvelin fitou-o, cético. — Você não é muito inteligente, não ê, Madoc? Lembre-se de que a irmã de

Frechette é casada com o barão DeGuerre. Com Bryce como vassalo e a filha de Emryss DeLanyea como esposa, estarei aliado a dois dos mais famosos guerreiros da Inglaterra. Clássicos históricos

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O soldado arregalou o olhos. — É claro que se Frechette não obedecer minhas ordens... Bem, a reputação

dele não é das melhores e será fácil demiti-lo sem dar explicações. Sentindo-se mais seguro, Cynvelin jogou o manto por sobre o ombro e saiu

correndo para a chuva. Isadora correu para o quarto e fechou a porta atrás de si. Estava ofegante pelo

esforço e pela necessidade de se livrar de Cynvelin. — Milady? Ela virou-se, assustada. Não havia notado a presença de Ula fazendo a

arrumação. — Seu vestido está úmido, milady. — Eu estava vendo o treino da guarda e começou a chover. — Então é melhor se trocar. — Você tem razão. Acho que o vestido azul é o mais quente. — Isadora tremia. Enquanto a empregada soltava os laços do vestido de Isadora, ela disse, como

que ao acaso: — Diga-me, Ula, o que acha de lorde Cynvelin? Ula foi até o baú e pegou a

roupa de lã azul-escura que parecia quente e confortável. — Não acho nada. Não estou em posição de achar alguma coisa. Isadora notou que suas mãos estavam trêmulas. Sem perder tempo, começou a

tirar o vestido molhado e perguntou de novo, como se não fosse importante: — Ele é considerado um bom patrão? Ula colocou a peça úmida sobre a cama, sem responder. Aturdida, Isadora, vestida apenas com a roupa de baixo, observou a moça.

Havia uma expressão que combinava raiva, decepção e desconfiança nos olhos dela. — Você tem medo dele? — De quem, milady? — De lorde Cynvelin. Ele já a machucou? Ula hesitou. — Não, milady. Isadora percebeu que não obteria uma resposta honesta, se bem que a postura

da moça já eram resposta suficiente. Ula tinha medo de Cynvelin. — E Frechette, Ula? Ele é um bom patrão? Ula começou a puxar a peça para baixo sem responder. De repente, o vestido

ficou solto, como se Ula tivesse desistido de ajudá-la. — Ula? Isadora olhou por sobre o ombro e viu Cynvelin sorrindo no limiar da porta do

quarto, — Milorde! — exclamou, enquanto ele jogava o manto negro sobre a cama. Quando percebeu que estavam sozinhos, Isadora correu para o outro lado e

segurou o vestido solto sobre os seios seminus. Clássicos históricos

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— Onde está Ula? — Mandei-a embora. — Saia, por favor, milorde. Eu não estou composta! — Permita-me ajudá-la. — Cynvelin se aproximou. — Não, obrigada. Prefiro eu mesma amarrar os laços. — Não há nenhuma criada por perto, milady. — Mas eu consigo fazê-lo sozinha. Pode deixar. Cynvelin olhou-a com mais

intensidade ainda, e Isa- dora estremeceu. — Permita-me, milady. — Não, eu... — Não seja tímida. — Cynvelin segurou-a pelos ombros, obrigando-a a se

virar. Então, começou a amarrar os laços do corpete. Como estava chocada demais para reagir, Isadora esperou, paralisada. — Pronto. Isadora virou-se para olhá-lo e encontrou-o de braços abertos, à soleira. — Como vê, eu só queria ajudar. — Agora que já ajudou, pode ir embora. Ele franziu o cenho, aborrecido. — Por que está sendo tão cruel comigo hoje, milady? Foi algo que eu disse?

Por acaso a ofendi? — Você entra no quarto quando não estou decentemente vestida e acha

estranho que me ofenda? — Pensei que quisesse que eu a seguisse. — O senhor tem tendência de me interpretar mal, milorde. Já percebeu? — Talvez seja porque você é diferente de todas as mulheres que conheço. E a

mais bonita, a mais graciosa, a mais desejável... — Milorde, nós não deveríamos estar sozinhos aqui. — Não mesmo, minha adorável Isadora? Então quando vou dizer o quanto a

adoro, o quanto a amo, o quanto preciso de você? Ela recuou, sem saber o que fazer. A única certeza que tinha era de que não

deveria ficar a sós com ele. — Eu preferiria ser cortejada de forma adequada, e não ser mantida aqui como

prisioneira. Cynvelin encarou-a com os olhos arregalados. — Por que está dizendo uma coisa dessas, milady? — Não me deixa atravessar os portões, e acho que há soldados destacados para

me espionar. — Que injustiça, milady! A senhorita não é prisioneira aqui, a não ser para seu

próprio bem. Não mandei soldado algum espioná-la. Eu mesmo vim procurá-la.

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O discurso dele fazia sentido, mas Isadora só pensava em ver-se livre daquela presença.

— Milorde, acho melhor eu voltar para meu pai agora mesmo. — Viajar com um tempo desses? Você não está falando sério! — Posso lhe garantir que estou, Cynvelin. — Quer tanto assim se livrar de mim? E de Frechette? — Frechette não é nada! — Isadora corou. Cynvelin foi até a pequena penteadeira e examinou os artigos de toalete. — Tenho pensado nisso. Antes, você não gostava dele. O que houve para fazê-

la mudar de ideia? — Nada — mentiu. Várias pequenas coisas tinham acontecido para que

percebesse que havia julgado Bryce Frechette mal, sem tentar compreender o que o motivara. — Estávamos conversando sobre os arcos gauleses.

— E mesmo? — Sim, milorde. Será que o senhor também vai querer ditar com quem eu falo

ou sobre o que conversamos? Cynvelin pegou a escova de cabelos e começou a batê-la com ritmo na palma

da mão. — Preferiria que você não falasse com ele, milady. Bryce não é uma

companhia adequada. — Entretanto, o senhor contratou-o e destacou-o para administrar Annedd

Bach. — Bryce só serve para comandar uma guarnição de soldados num fim de

mundo como este. Nada mais. — Se essa é sua opinião, milorde... Cynvelin recolocou a escova na penteadeira e olhou-a, desconsolado. — Por favor, milady, não fique com raiva de mim. Fico com ciúme. — Ciúme?! — De qualquer homem que olhe e fale com você. Fiquei até com ciúme de Ula

quando entrei aqui. Foi por isso que mandei-a sair. Parecia que Cynvelin estava sendo sincero, mas aquela possessividade só

serviu para irritá-la. Era como se Cynvelin achasse que a possuía. Ele aproximou-se com as mãos postas. — Isadora, você sabe que te amo. Eu faria qualquer coisa para conquistá-la.

Aceite ser minha esposa e faça de mim o homem mais feliz do mundo. De repente, Isadora ouviu uma voz masculina dando ordens no pátio. Era

Bryce Frechette. Sentiu estar à beira de um abismo, tendo Bryce como sua única salvação.

— Milorde, eu não posso. Por favor, não me peça isso. Preciso voltar para meu pai.

— Por que está tornando as coisas tão difíceis, querida Isadora? Clássicos históricos

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— Não tem de ser assim. Na verdade, o que peço é bem simples. Devolva-me a meu pai.

Cynvelin baixou os olhos e, devagar, assentiu com um gesto de cabeça. — Estou vendo que não adianta implorar por sua compaixão. — Então,

Cynvelin olhou para Isadora, que notou uma verdadeira decepção. — Farei o que deve ser feito.

Com isso, virou-se, pegou o manto e saiu, fechando a porta atrás de si. Isadora suspirou, sentou-se na cama e disse a si mesma que deveria estar

contente por deixar Annedd Bach e tudo o que havia lá. !! DEZ !!Cynvelin entrou apressado na barraca. Bryce e os demais guardas levantaram-

se para cumprimentá-lo. Distraído, o nobre sacudiu o manto, molhando os colchões mais próximos. Correu os olhos pelo grupo que jogava xadrez e pelo soldado magro que tocava harpa, até encontrar Bryce, sozinho num canto, polindo a lâmina da espada.

— Bem, Frechette — disse, ignorando todos os demais. — Pelo visto esses homens estão descansando.

Bryce guardou o pano e enfiou a espada na cintura. — Tivemos de interromper o treino por causa da chuva. — E o que é chuva para um gaulês? — Cynvelin olhou-o de forma estranha. —

Imagino que as coisas tenham ficado mais difíceis depois que você dispensou seu intérprete. E, já que lady Isadora não está aqui para ajudá-lo, preferiu deixar seus homens vadiando.

— Precisa haver camaradagem entre os soldados da guarda, milorde. — Sei... — Assim, não vejo por que eles não possam se divertir um pouco. — Se pensa assim, porque os seus homens não podem passar algum tempo no

salão com os meus homens? — Pedi que passassem o maior tempo possível nas barracas, milorde. Há

muita animosidade entre eles. — Animosidade? — Cynvelin pareceu surpreso. — Eu não diria isso. Acho

que se aproxima mais de uma rivalidade entre colegas. "Colegas?", pensou Bryce, irônico. — Chame como quiser, milorde. Esse clima deixa todos irritados, e eu achei

melhor mantê-los separados. — Entendo. — Cynvelin sorriu. — Há outra forma de inspirar essa tal união

que preza tanto. Mandarei você e seus homens em uma missão. Clássicos históricos

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— Pois não, milorde. — Quero que escolha os melhores soldados da guarda e vá com eles até os

limites da propriedade. Ouvi dizer que há um grupo de ladrões acampados lá e, quanto antes acabarmos com isso, melhor.

— Com esse tempo, milorde? E a essa hora do dia? Cynvelin estreitou os olhos, e Bryce percebeu que ele

estava com raiva. Sem dúvida, o clima e o atraso na viagem para Caer Coch deixava os gauleses de mau humor.

Não era de se admirar que Isadora estivesse parecendo tão infeliz quando a vira no portão pela última vez.

— Está questionando minhas ordens, Frechette? Bryce sentiu-se tentado a dizer que sim. Chovia forte,

a estrada estaria escorregadia, e ele não queria correr o risco de se perder outra vez. Mas, acima de tudo, não desejava deixar Isadora nem por um minuto, mesmo que ela pertencesse a outro homem.

— E então, Frechette? Pretende me obedecer ou não? Bryce sabia que não podia recusar uma ordem direta

de Cynvelin, a menos que quisesse abrir mão do título de cavaleiro. — Sim, milorde, mas e a guarda de Annedd Bach? Isso é trabalho de meus

homens, e não haverá soldados suficientes para montar sentinelas. — Meus rapazes estão aqui para isso. Eles ficarão no lugar de seus soldados. — Então é melhor sairmos já, milorde. Cynvelin virou-se para os soldados e deu algumas ordens em gaulês. As

expressões mudaram de relaxadas para descontentes. — Se você acha que está tarde, mais um motivo para sair agora, Bryce. Madoc

conhece o caminho. Ele poderá guiá-lo e também ser seu intérprete. — Se o senhor acha que ele me entende, milorde... — Bryce não conseguiu

evitar o sarcasmo. — Garanto que entenderá o suficiente. — Cynvelin fez uma careta. — Vocês

devem passar a noite fora. Peguem as provisões necessárias. Pode deixar que eu me desculpo com lady Isadora por sua ausência no jantar.

Bryce assentiu. Cynvelin deu meia-volta e saiu. Mal ele desapareceu, os homens começaram a

praguejar e reclamar. Bryce não podia culpá-los. Também não estava com a menor vontade de partir

na tal "missão". Não gostava nada da ideia de deixar Isadora a sós com Cynvelin, com apenas os homens dele por perto.

Irritado, disse a si mesmo para parar de ser ciumento e cuidar dos próprios interesses, por mais desagradáveis que fossem.

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Isadora ouviu a movimentação no pátio e correu para a janela. Viu um punhado de homens a cavalo preparando-se para sair. Talvez Cynvelin tivesse mudado de ideia e fosse devolvê-la ao pai imediatamente, apesar da chuva.

Bryce Frechette saiu do estábulo montado em seu garanhão. Decerto fazia parte da escolta.

Isadora respirou fundo. Talvez Cynvelin não fosse acompanhá-los. Podia ser que nunca mais tornasse a ver Bryce Frechette. Gostaria de falar com ele antes que se separassem para sempre.

Quando Bryce montou, Isadora reparou que ninguém tinha vindo buscá-la. Nesse momento, os portões começaram a se abrir. Os homens estavam partindo sem ela. Não iriam escoltá-la. Na certa, tratava-se de algum outro tipo de trabalho para Cynvelin.

Uma enorme decepção envolveu-a. Para onde Bryce estava indo, e por quê? Será que voltaria antes que ela partisse? Será que conseguiria se despedir?

Devia ser melhor assim. Suspirando, afastou-se da vidraça. Talvez doesse menos se não o visse partir.

— Isadora! Ela quase caiu do banquinho quando ouviu Cynvelin chamando. Era muito

tarde, e os soldados já tinham se recolhido para as barracas havia algum tempo. A única iluminação do quarto era a lua, que de vez em quando conseguia ultrapassar a espessa camada de nuvens.

Se achasse que conseguiria dormir, ela também já teria deitado há muito tempo. Mas estava tão agitada que decidiu escovar os cabelos pela décima vez.

Irritada, segurou a escova com força. Por que Cynvelin a estaria incomodando? Isadora pedira a Ula para desculpar-se por ela por não unir-se ao grupo no jantar. Usara como motivo uma indisposição passageira. Será que nem aquilo Cynvelin era capaz de respeitar?

— Isadora! Ouviu-o de novo e imaginou que talvez ele tivesse se excedido no vinho. — Você está acordada? — perguntou ele, do outro lado da porta. — Acorde,

querida! Acorde! O homem que te ama está aqui! Ela estremeceu quando viu que Cynvelin estava mexendo na maçaneta.

Primeiro, ousava entrar quando Isadora não estava vestida. Agora, queria visitá-la no meio da noite.

Sem perder tempo, Isadora empurrou o baú contra a porta. Não desejava falar com Cynvelin nem naquele momento, nem nunca.

A porta se abriu e bateu no baú. — O que você fez, minha linda noiva? Está tentando me impedir de entrar?

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— Isso é muito inadequado, milorde! Não temos nada a dizer um ao outro a essa hora da noite!

— Nada a dizer, Isadora? — Empurrava a madeira com raiva. — Você costuma ter tanto a dizer! A mim, a Frechette, a Ula, até a Madoc!

O baú se moveu mais, e ela percebeu que ele estava entrando. Por sorte, não havia começado a se despir.

— Milorde, peço que vá embora! Não quero conversar agora! — E por que acha que vai ficar sozinha quando eu estiver por perto? No

castelo de Melevoir você pareceu apreciar minha companhia, e aqui também! — Em ambas ocasiões, não estávamos no meio da noite. — Nem agora estamos, querida. A noite mal começou, e ainda há muitas horas

de escuridão pela frente. De repente, Cynvelin deu um empurrão, e a porta se abriu. — Milorde! — gritou ela, chocada, vendo-o entrar, como se tivesse todo o

direito do mundo de estar ali. — Por favor, vá embora! — Você é mesmo uma DeLanyea, não é? — Cynvelin nem se abalou com a

raiva dela. — Tão segura de si, tão orgulhosa, tão impetuosa... — Cynvelin, você sabe muito bem que isso não é certo. Ele começou a se

aproximar e a rodeá-la, devagar. Pela primeira vez, Isadora teve medo. — Por favor, milorde, saia daqui. — Não. — Pensei que tivesse dito que me levaria para meu pai. Cynvelin parou diante

dela, sorrindo, e meneou a cabeça. — Desta vez, acho que você me entendeu mal. Eu disse que faria o que fosse

necessário, e assim vai ser. Isadora sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. O que acontecera com o

homem enamorado e suplicante? — O que quer dizer com isso? Tem de me deixar ir. — Não, querida. Em Annedd Bach eu não tenho de fazer nada. — Se é um homem honrado, por que não me deixa partir? Nunca me casarei

com você. — Nunca? Por que não? Isadora empertigou os ombros e respirou fundo para criar coragem. — Porque jamais me uniria a um homem que não respeito. — E você não me respeita? — perguntou ele, ainda mais irritado. Isadora esperou que Cynvelin compreendesse seus motivos, mas não havia se

preparado para aquela reação fria e calculista. Entretanto, era tarde demais para desistir.

— Não posso respeitar um homem que mente. — Nem por amor?

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— Sobretudo por amor. Marido e mulher devem confiar um no outro. — Parece muito segura de si, meu anjo. — E sou. Cynvelin riu alto, um som muito sinistro. — Não sou o único que diz mentiras por aqui, milady. A senhorita mentiu

quando disse que não se preocupa com Frechette. Isadora corou e examinou-o em silêncio. Aquele era um homem que nunca vira

antes. Cynvelin continuou a rodeá-la com aquele sorriso perturbador. — Não importa o que você pensa dele. Bryce não ousa questionar minhas

ordens. Caso contrário, nunca conseguirá o tal título que deseja tanto. Isadora permaneceu imóvel. — E você vai dar o "tal título" a ele ou isso também é outra mentira? — O que isso importa? — Parou bem ao lado dela, e Isadora sentiu o hálito

quente em sua orelha. — Será que devo lhe contar como aprendi a mentir tão bem, minha querida lady? Foi com minha mãe, A melhor forma de evitar as surras de meu pai era mentindo para ele. Cynvelin encarou-a, esperando algum comentário.

— Lamento, milorde. — Será que estou vendo traços de piedade em seu rosto, milady? Bem, não

preciso mais de compaixão. Descobri cedo o que fazer para não apanhar daquele miserável. Já minha mãe, que não mentia tão bem, apanhava muito mais. Mas isso não importa. Ele está morto. Caiu de uma torre em Caer Coch e se quebrou todo nas rochas do penhasco. É uma forma justa para um homem desses morrer, não lhe parece?

Enfim, Cynvelin desvendava sua verdadeira personalidade, que era perversa, doentia e demoníaca. Ao contrário de Bryce, ele não tinha arrependimentos, nem re-morsos, nem vergonha.

— Mas ficarei com o que você quiser me dar, milady. — Beijou-lhe a palma da mão. — Seu amor ou sua compaixão.

— Cynvelin, por favor, não... — Não o quê? Não quer que eu diga o quanto a desejo? Que não consigo

dormir pensando em você em minha cama? Que vou lhe dar amor e satisfazê-la? — Sou uma dama da nobreza. Cynvelin ergueu os olhos, cínico. Isadora mal podia acreditar que um dia o

achara bonito e atraente. — Eu sei disso, milady. — Você deveria me deixar voltar para meu pai.. — Na certa a esta altura o barão já voltou para casa, em Craig Fawr. — Não! — Isadora desvencilhou-se dele. — Papai não irá a lugar algum

enquanto eu estiver aqui. — Não precisa fazer teatro, querida. — Não estou fazendo isso! Quero ir embora!

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— Você nunca vai me deixar, Isadora. Não permitirei. — Não estou pedindo, milorde. Estou mandando! — Isadora observou,

horrorizada, a raiva que tomou conta dele. — Você vai ser minha mulher. Apavorada, ela avançou um passo, mas logo percebeu que não conseguiria

fugir. Seria impossível escapar dele e dos guardas. Não conseguiria pegar um cavalo a tempo.

Cynvelin ajoelhou-se diante dela e tomou as duas mãos nas suas. — Eu garanto que será um prazer para você ser minha esposa, milady. Isadora fitou-o, confusa. — Por que você me quer, Cynvelin? — Não acredita em meus sentimentos? Isadora não conseguiu responder. Cynvelin apertou seus dedos até começarem

a doer. — Não acredita que te amo, Isadora? — Acredito — mentiu. Mais um sorriso sinistro distorceu as feições harmônicas. — Está vendo como é fácil mentir, minha querida noiva? — Virou a palma da

mão dela para cima e cheirou-a. — Mas não me importo se você me ama ou não. Quero que seja minha mulher, e assim será.

— Meu pai... De repente, Cynvelin soltou-a e se levantou. — Você ainda ousa recusar tudo o que lhe ofereço?! Não faz mal, Isadora.

Quero você e vou tê-la. Nunca vai me deixar, e o barão irá sofrer pelo resto da vida, sabendo que a filha me pertence, que eu posso possuí-la quando quiser, e que os filhos que você gerar, os netos dele, também serão meus.

Isadora arregalou os olhos, horrorizada com aquelas palavras. — Você o odeia tanto assim? Por quê? — Porque ele me envergonhou. — Tudo o que o barão fez foi expulsá-lo de Craig Fawr. — E acha que as pessoas não perceberam? Que os outros nobres não quiseram

saber o motivo? Como o grande barão de Craig Fawr não me queria, devia haver algo errado comigo. — Sorriu, irônico. — Ouviu falar do escândalo envolvendo Frechette. E impressionante que nunca tenha ouvido nada sobre mim.

Isadora também achava, mas, em vez de demonstrar medo, empertigou os ombros.

— Não acho que houve mexericos. Você foi muito bem tratado no castelo de Melevoir. Ninguém o desprezou, como a Frechette. — Isadora respirou fundo e prosseguiu: — Sei que papai não faria acusações nem incitaria maledicências. Acho até que ele deve ter acabado com qualquer comentário que tenha chegado a seus

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ouvidos. Se você acha que as pessoas estão falando a seu respeito, é por peso na consciência.

Infelizmente, para ela, Cynvelin nem se mexeu. — Eu vou me vingar. Isadora uniu as mãos em forma de prece. — Não importa o que você acha que meu pai fez, Cynvelin, eu não fiz nada. Cynvelin agarrou-a de novo e apertou-a com tanta força que Isadora ficou com

lágrimas nos olhos. — Nada além de ser a bela e desejável filha de Emryss DeLanyea. Eu poderia

amá-la, Isadora. Ele a enlaçou, e Isadora pensou no abraço mortal de uma serpente. — Deixe-me amá-la. — Cynvelin beijou-lhe o pescoço. Se aquele era o único

tipo de amor que ele era capaz de dar, Isadora preferia morrer a ter de experimentá-lo. Cynvelin era mais forte do que Isadora, porém ela aprendera com o pai a se

defender. Relaxou os braços e esperou a oportunidade certa para atingi-lo com o joelho na virilha.

De repente, Cynvelin afastou-se. — Muito bem, querida. Não estou com vontade de brigar agora. Posso ser

muito gentil quando estou satisfeito. Ele foi até a porta e parou no limiar para encará-la, com aquele seu sorriso

horrível. — E claro que também posso ser muito cruel quando não estou. Vou deixá-la

aqui pensando no assunto. E melhor que saiba que sou capaz de feri-la. Você precisa de disciplina. E por isso que acho que deve ficar aqui, só, sem água, nem comida. Depois de um dia ou dois, vamos ver se ainda vai achar minha companhia tão desagradável.

Com isso, Cynvelin saiu e fechou a porta. Isadora não pôde acreditar. Cynvelin não se importava com ela, tudo o que queria era um prêmio para sua

guerra pessoal. Tinha de fugir dali. Sem perda de tempo. Tentou girar a maçaneta. Não conseguiu. Cynvelin a transformara em

prisioneira. Quem poderia ajudá-la? No mesmo instante, pensou em Bryce. Apesar de ele ter tomado parte em seu

rapto, poderia ter caído na conversa de Cynvelin. Ela mesma caíra! Se Cynvelin tivesse dito a Bryce que seu amor por ela era correspondido, se

tivesse dito até que já estavam comprometidos, o que Bryce, ou qualquer homem honrado, pensaria dela depois do beijo? Que Isadora não passava de uma mulher imoral, que beijava um homem, mesmo estando comprometida com outro.

Aflita, ela cobriu a boca com as mãos. De repente, tudo estava claro. Se Bryce soubesse da verdade, na certa a ajudaria. Mas Bryce não estava ali. Cynvelin o mandara embora. Clássicos históricos

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Uma pânico imenso invadiu-a. Por que Cynvelin fizera aquilo? Quando Bryce voltaria? E se ele não voltasse mais?

Meneou a cabeça. A ausência devia ser apenas temporária. Caso contrário, ele não teria levado homens da guarda consigo.

Mas quando será que Bryce voltaria? Talvez a paciência de Cynvelin não durasse tanto.

Quando lembrou o ataque do nobre, sentiu-se nauseada. Era apenas uma mulher solitária, à mercê dele. Mas também era filha de Emryss DeLanyea e não desgraçaria o nome da família. Não desistiria sem lutar.

Além disso, jamais se casaria com Cynvelin Hywell. Nem que ele a estuprasse. Determinada a proteger-se, Isadora empurrou todos os móveis do quarto para

trás da porta a fim de fazer uma barricada. Sairia dali de alguma fora. Aflita, correu para a janela estreita e espiou. Se virasse o corpo de lado e

tivesse muito cuidado, conseguiria passar por ela. Olhou para a frente e para baixo. Era bastante alto, mas as paredes eram

grossas e as pedras estavam desgastadas pela idade. Um guerreiro hábil como Dylan não hesitaria em descer, ainda mais se houvesse uma bela moça esperando por ele embaixo.

Isadora, porém, não se arriscaria a descer sem uma corda. Ansiosa, se virou e examinou o quarto com atenção. De repente, seus olhos brilharam. O lastro da cama era feito de cordas. Correu até lá e tirou o colchão e os cobertores. Pareceu-lhe que os nós dos arremates haviam sido feitos há cem anos. Determinada, Isadora tentou desamarrá-los. Insistiu até ferir os dedos e depois começou a chorar, frustrada. Não adiantava. Os nós estavam apertados demais e não havia nada ali para cortá-los.

Sentou-se na beira do leito e olhou em volta. Tinha de haver um meio de sair dali. Então, viu o baú de roupas. Claro! Poderia rasgar algumas peças em tiras e trançá-las como uma corda. Sem perder tempo, pegou uma anágua, que achou que seria fácil de rasgar. Não era. Beirando o desespero, prendeu a peça entre os dentes e roeu-a até fazer um buraco. Aí, rasgou-a.

Cynvelin apoiou as duas mãos na parede de pedra e tentou se acalmar. Sua fúria era tanta que estava quase perdendo a razão.

Mas isso não podia acontecer. Não de novo, não com Isadora. Precisava dela para concluir seu plano.

Empertigou-se e viu Ula aos pés da escada, segurando uma vasilha coberta, com uma das mãos, e uma jarra de vinho com a outra.

— O que você está fazendo, Ula? — Lady Isadora não jantou esta noite, então estou levando para ela um caldo e

um pouco de vinho. — Venha cá. Como Ula não obedeceu de imediato, Cynvelin pegou a jarra da mão dela,

bebeu um grande gole direto do gargalo e enxugou a boca com as costas da mão. Clássicos históricos

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— Leve isto de volta para a cozinha — ordenou, apontando para a vasilha. — Mas ela vai ficar com fome! — Eu quero que ela fique com fome! — Cynvelin atirou longe a tigela. O caldo se espalhou pelo chão e pela parede. Então, jogou a jarra de vinho no

chão e olhou para Ula, que estava de olhos arregalados. De repente, ele avançou e agarrou a moça pelos cabelos, puxando-a. — Sobre o que vocês estavam conversando, hein? Sobre mim? — Não! — respondeu ela, assustada. — Mentirosa! — Cynvelin forçava a cabeça dela para trás. — Você contou a

ela como eu a possuí? — Não! — Começou a chorar, para deleite de Cynvelin. — Você está mentindo! Disse a ela o que eu fiz com você! — Não! Ele puxou com ainda mais força, e Ula gritou. Então, Cynvelin sorriu. !! ONZE !!Na manhã seguinte, exausto e ensopado até os ossos, Bryce suspirou, enquanto

o cavalo tentava atravessar o lamaçal espesso que um dia fora uma estrada. Atrás dele, Madoc e os outros praguejaram mais uma vez sob a chuva que não cessava.

Não podia censurá-los. Estava começando a achar que a coisa toda não passara de uma grande encenação.

Não vira nem sinais de um acampamento de ladrões. Tinham procurado até tarde da noite e recomeçado as buscas assim que amanhecera. Até aquele momento, não haviam encontrado nada que pudesse parecer suspeito.

"Será que Cynvelin quis me afastar de Annedd Bach? Por quê?", pensava Bryce.

Talvez o nobre desconfiasse dele com Isadora. Bryce nunca fora muito bom em esconder os próprios sentimentos.

Mas por que Cynvelin não dissera nada? Por que o mantinha por perto se tinha esse tipo de desconfiança? Porque Bryce era um bom guerreiro? Não estava se sen-tindo muito bom naquele momento.

De repente, um arrepio percorreu-lhe a espinha. Estavam sendo observados. Não dava para ver nada através das árvores e da

chuva, mas tinha certeza absoluta. Talvez tivesse desistido da hipótese do ladrões cedo demais. Discreto, fez um sinal para que Madoc se aproximasse.

O gaulês enxugou o rosto molhado na túnica e olhou para Bryce. — Temos companhia entre as árvores. Madoc começou a virar-se.

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— Não. Não olhe. Não quero que saibam que os vimos. Madoc assentiu e abriu a boca para falar, mas Bryce

interrompeu-o. — Avise aos outros homens, Madoc, mas não faça nenhum gesto suspeito. — Está bem. Com cuidado, Bryce avançou por entre as árvores até avistar uma pequena

colina. Ali, viu um cavaleiro solitário, imóvel na chuva, observando-os. Notou algo familiar na figura, mas não sabia se era a forma como ele montava ou outra coisa.

Quando Madoc e os outros alcançaram-no, o estranho deu meia-volta no cavalo e desapareceu colina abaixo.

— DeLanyea! — disse Madoc, petrificado. — O barão? — Bryce pareceu surpreso. Não conseguira ver o rosto do homem

por causa da chuva, mas havia algo nele que não lembrava o pai de Isadora. — O que ele estaria fazendo aqui?

Madoc apenas meneou a cabeça e conduziu a montaria para a frente. Bryce fez o mesmo até ficar ao lado do gaulês.

— Por que o barão ou um homem dele estaria nos espionando? Madoc deu de ombros. — Acho que me enganei. Como você mesmo disse, por que eles estariam aqui? Era mais provável que fosse um ladrão. E ladrões costumavam ser inteligentes.

Talvez se tratasse de uma armadilha. De repente, ouviram um galope. Bryce parou e desembainhou a espada. Madoc

fez o mesmo, enquanto o resto dos guardas sacava os arcos e flechas. Pelo menos, Bryce descobriria se Isadora tinha razão sobre a habilidade dos

gauleses com arcos. Preparou-se para o ataque. Um cavalo cruzou a estrada a toda velocidade. Quando o cavaleiro os viu,

parou tão de repente que quase caiu. Era Ermin, ensopado, sorrindo de orelha a orelha.

— Senhor! — chamou, alegre. Bryce relaxou um pouco. Ermin continuou a falar, animado, enquanto os homens da guarda se

aproximavam, deixando Madoc para trás. — Pode avisar a lorde Cynvelin que ele não precisa se preocupar com o

animal. — Bryce se dirigia a Madoc. — Diga você mesmo — murmurou o gaulês. Bryce olhou para Madoc e percebeu a postura tensa. Ele olhava fixo por sobre

o ombro, como se esperasse um ataque por trás a qualquer momento. — É um menino, senhor! — gritou Ermin, desmontando e entregando o cavalo

a Bryce. — Um pequeno forte e saudável! E minha mulher está bem! — Que bom, Ermin! Também é uma sorte que você não tenha quebrado o

pescoço ou ferido o garanhão galopando desse jeito. — Bryce suspirou. — Conseguiu capturar algum ladrão? Clássicos históricos

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Ermin fitou-o com uma expressão espantada. — Ladrões? Não, senhor! — Está bem. Vamos voltar para Annedd Bach para nos secarmos. — Sim, senhor. — Ermin transmitiu a ordem aos outros, que acataram de

pronto. — Madoc, você vai atrás. — Eu? Por quê? Bryce encarou-o e viu o medo escondido atrás da aparente raiva. — O que teme, Madoc? Há algo que não sei? — Não. — Então, vá. Madoc olhou-o, amuado, e obedeceu, relutante. Quando ele chegou ao fim do

grupo, Bryce gesticulou para que Ermin se aproximasse. — Você sabe por que alguém poderia estar nos espionando? — Como assim, senhor? — Havia alguém escondido ali atrás. Acho que era um dos homens do barão. — Também o vi. Era Griffydd DeLanyea. — E por que ele estaria nos observando? Por que eles não seguiram para Caer

Coch ou para casa para preparar o casamento? — Porque o senhor raptou a irmã dele. Foi como se uma pedra o tivesse atingido no estômago. — Esta é a tradição, não é? — Sim — admitiu Ermin. — Lorde Cynvelin disse que estava tudo combinado e que eles já estavam até

comprometidos. — Ele disse isso? Então talvez nós tenhamos nos enganado. — De que você está falando, Ermin? — Os soldados dele, Madoc e os outros, falam como se Cynvelin odiasse o

barão DeLanyea e vice-versa. Eles acham que, se houver um casamento, não será por amor.

Uma imensa decepção, mesclada com ira, tomou conta de Bryce. — Um sogro e um genro podem não ser muito chegados — observou Bryce.

— Parece-me que lady Isadora gosta dele. Ermin olhou-o, enigmático. — Será? Bryce pensou na última vez que vira Isadora com Cynvelin e de quando a vira

no castelo de Melevoir. Com certeza, algo mudara. E se Cynvelin tivesse mentido? E se houvesse mais história por trás do rapto que a mera tradição?

Talvez o comportamento de Isadora no castelo de Melevoir tivesse sido o de uma moça alegre e desinibida, nada mais. Isso explicaria a forma como agira com

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Bryce, e também que os protestos e súplicas para voltar para o pai não tinham sido apenas fingimento. Ela estava desesperada, e Bryce não a ajudara.

As coisas que dissera a Isadora! A forma como debochara de suas súplicas! Não era possível! Cynvelin não seria capaz de raptar uma mulher para forçá-la

a se casar, nem precisaria fazer tal coisa, uma vez que tinha um título, terras, poder e era bastante atraente.

Aflito, Bryce forçou o cavalo a galopar, mas, mesmo quando se afastou dos outros através da bruma espessa, estava tendo dificuldades de acreditar.

Porque, se raptar Isadora não fora apenas uma tradição gaulesa, o que ele fizera?!

Isadora ouviu os portões se abrindo. Sem perder tempo, deixou a corda improvisada sobre a cama e correu para a janela para ver quem havia chegado.

Nunca sentira tanta sede na vida. Apesar de estar convencida de que nada no mundo a faria desejar a companhia de Cynvelin de novo, começava a perceber que a solidão e a fome eram argumentos poderosos.

Não podia correr o risco de ficar ainda mais fraca. Escaparia ainda naquela noite.

Apesar de a bruma estar cada vez mais espessa, soube de imediato quem havia chegado. Então, seu coração se encheu de esperança. Bryce estava de volta!

Talvez nem precisasse mais usar a corda. Ele era um homem honrado e, quando percebesse que existia algum problema, viria ajudá-la... Se percebesse que havia um problema. Ela, acima de todos, sabia do que Cynvelin, com seus modos gentis e seu jeito cortês, era capaz.

Desesperada, acenou tentando chamar a atenção dele. Ia gritar, mas parou. Não seria inteligente atrair a atenção dos guardas leais a Cynvelin. Acenou de novo, mas Bryce não olhou para cima. Em vez disso, entrou, decidido, no salão.

Decepcionada, Isadora recostou-se no parapeito. Se Bryce tivesse olhado para cima, o que poderia ter feito? Será que ele perceberia algo errado? E mesmo que percebesse, será que desistiria do título de cavaleiro por uma mulher que mal conhecia, independente do que pudesse sentir por ela? Talvez, mas não havia como ter certeza.

A única coisa que Isadora sabia era que precisava sair de Annedd Bach. Bryce entrou, parou no limiar da porta e examinou o salão, enquanto suas

roupas pingavam no chão. Cynvelin estava sentado à mesa perto da lareira, esperando o almoço. Os soldados que não estavam montando guarda jaziam espalhados por alguns poucos bancos, enquanto os empregados traziam bandejas com comida.

Nada parecia estranho, à exceção da ausência de Isadora. Perturbado, Bryce empertigou-se e cerrou os punhos, com a nítida percepção de que estava sozinho entre os homens de Cynvelin. Tão só quanto Isadora devia ter se sentido quando ele não a ouvira.

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— Ah, Bryce! — chamou Cynvelin, alegre. — Você voltou mais cedo do que eu imaginava! Venha comer. Encontrou os ladrões ou tudo não passou de um boato?

Bryce começou a duvidar das próprias conclusões. Sua pressa em tirá-las já tivera péssimas consequências. E se estivesse errado quanto a Cynvelin? Será que o patrão conseguiria agir com tamanha naturalidade se fosse culpado por um crime tão terrível?

— Acho que foi um rumor, milorde. Nem compensou o esforço. — Sente-se. — O gaulês apontou para a cadeira a sua direita. — Lady Isadora

não se unirá a nós. Ela não está bem. — Espero que não seja nada grave, milorde. — Não. Nada grave. São coisas de mulher. Amanhã já deverá estar pronta para

viajarmos. — Amanhã? — Sim. Eu tinha outro objetivo para mandá-lo sair com um tempo tão ruim.

Como estão as estradas? — Péssimas. — Já imaginava, mas resolvi não ficar mais aqui. Não seremos reféns de

Annedd Bach para sempre. — Lady Isadora concordou com essa decisão, sir? — É claro. Então, Cynvelin olhou para a porta, e Bryce seguiu-o, ansioso, esperando ver

Isadora. Era Ermin. Cynvelin riu, e Bryce tentou se convencer de que ninguém poderia estar tão satisfeito se tivesse alguém detido sob seu poder.

— Estou vendo que você o julgou melhor do que eu, Frechette. — O cavalo já está no estábulo, milorde. O criado entrou, também ensopado, acompanhado dos demais membros da

guarda que haviam acompanhado Bryce na "missão". Quase imediatamente, os empregados começaram a servir pão, frango assado, sopa e cerveja. Os homens da guarda de Cynvelin, como de hábito, colocaram-se na frente.

— Acho que os soldados que foram comigo devem ser servidos primeiro, milorde — disse Bryce, enquanto seus soldados molhados lançavam olhares de ódio para os homens confortáveis e aquecidos de Cynvelin.

— É mesmo? Então, dê a ordem. Você comanda este lugar, lembra? Bryce deu a ordem, ignorando a raiva nos olhos de Twedwr e dos outros. — Estou muito satisfeito em ver seu relacionamento com a. guarda. —

Cynvelin apanhou uma coxa de frango. — Estão se dando bem, apesar de você ser normando. — Talvez, milorde. Mas há sempre os que não me aceitam, nem a nenhum

normando. — Como quem, por exemplo? — Meus homens e eu fomos espionados enquanto voltávamos hoje.

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— É mesmo? Por quem? — Não sei, milorde. — Não era apenas um camponês? Ou está suspeitando de ladrões? Não seria a

primeira vez que eles aparecem por estas bandas. — Ermin acha que era Griffydd DeLanyea, e eu acho que ele pode estar certo.

— Bryce observou Cynvelin corar um pouco. — Isso é ridículo! Por que eles colocariam um espião? Bryce deu de ombros e

cortou uma fatia fina de pão. — É o que eu gostaria de saber, milorde. Por quê? — Isso não faz sentido, e você não deveria dar ouvidos a um imbecil que teve

de ir correndo para perto da mulher só porque ela estava tendo um filho! Estou surpreso, Frechette. Pensei que fosse mais sensato.

Bryce fez um esforço para ignorar a irritação e fixou os olhos em Cynvelin. — Pensei que o senhor fosse dizer que isso também era parte da tradição. Cynvelin riu alto. — Não! — Então, olhou para Bryce, com certo desdém. — A tradição é que

certos camponeses gostam de brincar com os normandos. Bryce não riu. — E qual é a próxima parte em tudo isso, milorde? Atacar os normandos?

Matá-los? — Dependendo do normando, sim. Mas acho que você está seguro, Frechette.

— Cynvelin parecia despreocupado com o fato de Bryce e seus homens terem sido espionados por Griffydd DeLanyea.

Se o barão e Cynvelin não se gostavam, talvez fizesse sentido. Ou talvez não. — Peço-lhe licença, milorde. — Bryce levantou-se. — Vou ver se está tudo

pronto para sua partida amanhã. — Muito eficiente, Frechette. Bryce girou sobre os calcanhares e deixou o salão. Isadora testou mais uma vez a resistência da corda improvisada. Parecia

bastante forte. Não podia mais esperar. Imaginara que talvez Bryce aparecesse, mas ele não viera.

Levantou-se do banco e massageou os dedos, doloridos por trançar tiras de tecido. Precisava ignorar a fome e o cansaço. Também tinha de desistir de esperar que a neblina se dissipasse. Com ela, seria mais difícil encontrar a estrada, mas também seria mais complicado para os guardas encontrarem-na.

Isadora já sabia o que teria de fazer. Iria sair do quarto pela janela e procurar um lugar seguro na parede para escalar até o muro externo, e de lá até o chão. Era pe-rigoso, mas não tinha opção.

Então, seguiria pela estrada até encontrar alguém que pudesse informar onde ficava o Mosteiro de St. David. Esperava encontrar o pai ali, mas, se o barão não esti-

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vesse lá, com certeza os monges a abrigariam até Isadora descobrir uma forma de voltar em segurança para casa.

Aflita, caminhou até o parapeito. Então, pegou a bacia que colocara ali. Já havia uma boa quantidade de água da chuva aparada, e Isadora sorveu o líquido fresco até o fim.

Não conseguia ver o salão, nem as luzes vindas das janelas. Era como se o edifício dos quartos tivesse sido transportado para uma ilha deserta.

Com cuidado, olhou até o solo e engoliu em seco. Não ia ser fácil. Na verdade, não poderia nem usar o vestido. Não passaria pela fenda estreita da janela com uma saia tão ampla e, com a chuva, ficaria muito pesada e poderia cair. Teria de escapar apenas com a roupa de baixo, apesar do frio terrível. Era melhor esperar até a hora de fugir para tirar a roupa quentinha.

Não sabia nem que horas eram. Só podia rezar para que todos os guardas, à exceção dos vigias, ficassem no salão.

Determinada, pegou a corda e procurou o melhor lugar para amarrá-la. O maior móvel era a cama, a principal peça de sua barricada contra a porta. Se ela removesse a cama e Cynvelin voltasse...

Isadora engoliu em seco e começou a arrastar a mesa, o baú e por fim a cama até perto da janela.

— Milady? Isadora parou, prendendo a respiração. — Milady, preciso falar com a senhoria. Por favor! Creio que cometi um

terrível engano! Não era Cynvelin. Assim que reconheceu a voz de Bryce, o coração de Isadora

disparou. — Por favor, deixe-me entrar, milady. — A porta está trancada, Bryce. Alguns segundos depois, ela ouviu algo arranhando a fechadura. Então, a porta

se abriu. Bryce apareceu segurando um pequeno punhal. Quando a viu, ele guardou a arma e fechou a porta atrás de si.

Isadora recuou com cuidado, sem tirar os olhos dele. Enganara-se tanto com Cynvelin que não sabia se deveria confiar em Bryce, como seu coração queria.

— Você está comprometida com Cynvelin? — Não! — E quer se casar com ele? — Nunca! — Então não esperava encontrá-lo na estrada? Não estava preparada para fugir

com ele? — Evidente que não. — Maldito mentiroso! Desculpe, milady, por tê-la julgado tão mal. Se eu

soubesse a verdade, jamais teria tomado parte em seu rapto. — E por que você participou?

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— Cynvelin me disse que se tratava era apenas uma formalidade da tradição gaulesa, que você sabia de tudo e que já estavam comprometidos. Como eu não sei nada sobre os costumes gauleses, confiei nele.

Bryce parecia tão aflito, tão honesto... — Você me roubou de meu pai, Frechette. — É verdade. Se eu tivesse sabido que era contra sua vontade, teria me

recusado a ajudar, com ou sem título a receber. Pense o que quiser de mim, mas acredite nisso.

— Como você acreditou em Cynvelin? — Sim... Não! Qualquer pessoa que os visse no castelo de Melevoir juraria que

não eram apenas bons amigos. Isadora enrubesceu, sabendo que Bryce tinha razão. — Eu não estaria nesta enrascada se tivesse me comportado com mais

discrição — disse, amarga. — Entretanto, o fato de meu pai e meus irmãos estarem tão furiosos deveria ter sido suficiente para fazê-lo ver que não se tratava de um jogo.

— Não entendi o que vocês estavam dizendo, e Cynvelin comentara que o barão não gostava dele.

— Meu pai o odeia, assim como eu. — E eu também, pelo jeito como ele a tratou. Cynvelin a feriu? Isadora meneou a cabeça. — Ainda não. — Farei o que for preciso para tirá-la daqui, milady, se a senhorita me permitir

essa honra. Palavras simples, ditas honestamente. Isadora encarou-o. Estivera errada a

respeito dele. Bryce era um homem honrado, que se preocupava com ela. Era digno de confiança.

— Tinha esperança de que você me ajudasse quando soubesse da verdade, Bryce.

— É mesmo? — Sim. Só que não sabia como convencê-lo, uma vez que eu mesma levei

tanto tempo para saber quem era Cynvelin. Pensei que teria de fugir sem a ajuda de ninguém.

— Como? Isadora apontou para a corda trançada sobre o leito. — Eu ia fugir pela janela e

descer com isso. — Mas você poderia cair e morrer! — Melhor isso do que... — Eu deveria ter percebido! — Você percebeu. — Venha, milady. — Bryce estendeu a mão para ela. — E o que vai fazer depois, Bryce?

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— Não importa, mas não servirei Cynvelin Hywell nem mais um minuto. Meu objetivo agora é devolvê-la a seu pai.

— Ele não vai gostar de vê-lo, Bryce. Não vai lhe dar recompensa. Aliás, papai pode até matá-lo pelo que você fez. Talvez seja melhor me ajudar a sair de Annedd Bach e tomar outro rumo.

Bryce meneou a cabeça. — Não serei feliz até saber que você está com sua família. — E ficará feliz em me ver partir? — Em paz. Se o barão me fizer prisioneiro, falará em minha defesa, milady? — É claro! — Isadora estava muito emocionada. — Não quero nada além disso. Venha. Já perdemos tempo demais aqui. Ela assentiu, segurou na mão de Bryce e saiu, confiante, do quarto... para

encontrar Cynvelin e seus soldados esperando-os na escada. !! DOZE !!A maioria dos homens estava segurando tochas, e o brilho do fogo fazia o rosto

de Cynvelin parecer ainda mais sinistro. — Vejam só! Que surpresa! Bryce percebeu que estava em desvantagem de pelo menos dez para um. Mas

aquilo não importava. Participara do rapto de Isadora sem saber o que estava fazendo, e agora estava disposto a corrigir seu erro com a própria vida.

— Estou levando esta dama daqui, como é o desejo dela, milorde. — E isso é tudo o que ela deseja de você, Frechette? — Então, Cynvelin

desembainhou a espada. — Ou essa é só mais uma das noites de luxuria que vocês têm passado? Creio que me enganei quando lhe dei um cargo de confiança.

— Quem é você para falar em confiança? — perguntou Bryce, irônico, pronto para sacar a arma. — É um mentiroso sem honra, e me envolveu em seus planos sórdidos!

— São palavras duras para um ex-conde, um sem-terra que hoje não passa de um mercenário que luta por dinheiro.

Bryce puxou a espada. — Deixe-nos passar, Cynvelin. Isadora segurou-o. Não permitiria que Bryce morresse por sua causa. — Se você tem um mínimo de honra, lorde Cynvelin, vai nos deixar sair daqui

em paz. — Para que possa voltar correndo para seu papai? — Ele meneou a cabeça. —

Oh, não, milady! Não posso permitir isso. Bryce avançou um passo, e Isadora adiantou-se para ficar na frente dele.

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— Por que insiste nisso, Cynvelin? Eu nunca vou me casar com você! Cynvelin esboçou um sorriso diabólico que deixou-a nauseada. — Vai sim, Isadora. Eu queria que se casasse comigo de livre e espontânea

vontade, porque assim minha vitória seria mais doce. Mas, se isso não é possível, não importa. Bryce, se o que vou fazer for incomodá-lo muito, pode se retirar.

— Não sairei daqui sem a dama. Ela não o quer. — O que Isadora quer não importa. Eu a quero! — Então vai tirar a honra dela como tirou a minha? — Que honra sua eu tirei? Você aceitou vir trabalhar para mim e aceitou raptá-

la. — Eu não sabia o que estava fazendo. — Se eu fosse você, Bryce, iria embora enquanto é tempo. É claro que não

será fácil. Mesmo que algumas pessoas acreditem que agiu com inocência, a maioria dos nobres não aceitaria uma pessoa tão suspeita em seus quadros. Você não tem nada. Aliás, não é nada. Talvez tenha de começar a mendigar nas estradas ou partir de vez. Acho que isso seria melhor do que morrer, não?

Bryce sabia que Cynvelin estava certo, assim como sabia que ele era capaz de tudo o que ameaçava fazer.

— Oh, pobrezinho! — debochou o gaulês. — Pobre rapaz tolinho... Você sempre foi um idiota, Frechette. Um guerreiro arrogante e bem treinado, mas sempre um tolo. — Ele recuou para perto dos seus homens. — Tragam-nos para o salão!

Bryce avançou. — Os outros estão vindo, meu amor. Pobre Bryce! Ele queria tanto ser um

cavaleiro... Acho que não o suficiente, na verdade. Afinal, arriscou tudo por uma mulher!

— Ele é um cavaleiro mais honrado do que você jamais será. — Empurrou o peito de Cynvelin com força e, para sua surpresa, ele a soltou.

Bryce apareceu carregado por Madoc e Twedwr, com o rosto cortado e sangrando, o lábio aberto e um olho inchado. Quando o soltaram, ele caiu de joelhos. Enquanto lutava para se levantar, Isadora correu para ajudá-lo. Com cuidado, abraçou-o até vê-lo em pé.

— Segure-na! — ordenou Cynvelin, olhando para Madoc. — Não é preciso — respondeu Isadora, com o máximo de dignidade de que era

capaz, — Não vou sair se Bryce ficar. Você terá de permitir que nós dois saiamos. — Não está entendendo, não é, milady? — Cynvelin fitou-a, incrédulo. —

Não vou deixá-la sair. Você vai ser minha mulher. — Solte-a! — ordenou Bryce, furioso. — Quem você pensa que é para me dar ordens, Fre-ehette? O conde de

Westborough? Talvez eu devesse matá-lo por ser tão intrometido. — Cynvelin. — A necessidade de salvar Bryce encheu Isadora de coragem. —

Você é o tolo se acha que vai me manter aqui para sempre ou que é uma atitude inteli- Clássicos históricos

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gente matar Bryce Frechette. Meu pai virá me salvar. Além disso, está se esquecendo de que Bryce é cunhado do barão DeGuerre.

— Bryce Frechette é o homem que raptou Isadora De-Lanyea, e seu pai não virá salvá-la. Se ele tentar, sabe que vou matar você.

— O quê?! — Ela mal podia acreditar. — Então é por isso que... — ...ele não veio? Claro — Cynvelin aproximou-se, alegre. — Para sua sorte,

querida, prefiro me casar a matá-la. Aí, poderei tirar prazer de você até que aprenda a gostar.

Cynvelin passou a mão pelos seios de Isadora, que recuou. — E você vai aprender a gostar, menina. Pode crer. Isadora olhou-o cheia de

ódio. Todo o medo havia desaparecido. — Tomara que tenha sono leve, milorde. Porque sua mulher vai tentar

apunhalá-lo todas as noites. Cynvelin recuou, assustado, como se ela já estivesse com o punhal na mão. — Além disso, Isadora — disse ele, um pouco menos confiante —, pense em

sua querida família. Até um tipo como seu pai prefere vê-la casada do que morta. Caso contrário, já teria tentado vir resgatá-la, não acha?

— Por Deus, eu vou matá-lo! — gritou Bryce. Quando ele projetou-se para a frente, foi atirado de

novo ao chão pelos guardas, que o mantiveram ali, preso. Cynvelin riu. — Você poderia tentar, mas Madoc ou um dos outros o mataria primeiro. E

Isadora ainda seria minha. — Seu covarde desgraçado! Cynvelin ergueu a mão e esbofeteou Isadora com tanta força que ela não

conseguiu controlar as lágrimas. Acuado, Bryce lutou ainda mais para soltar-se. — Seu infeliz! Maldito seja o dia em que o conheci! — Que belo jeito de falar diante de uma dama, Frechette! Quanto a suas

palavras, minha noiva, eu não as repetiria se fosse você. E se está pensando em me acusar de má conduta, pense melhor. Tenho muitos amigos que aceitariam minha palavra contra a sua sem pensar. E saiba também, minha cara Isadora, que se ousar falar contra mim, vou dizer ao rei que seu pai está semeando uma rebelião contra a Grã-Bretanha nas terras dele.

— É mentira! — Isso é o que você diz e o que o barão DeLanyea dirá. Mas até lá eu já terei

plantado a semente da dúvida na cabeça do rei. Depois disso, seu pai e seus irmãos teriam dificuldade de arranjar apoio na corte, até entre os que os achassem incapazes de traição.

— E você? Está planejando uma rebelião? É para isso que quer o apoio de meu pai, Cynvelin?

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— Não! O que me importa se o País de Gales é livre ou não? Quero o apoio dele na corte porque mereço. Mereci durante anos, mas todos sabiam que o grande e generoso barão DeLanyea havia me expulsado de suas terras. Como ele não explicou os motivos, todos se sentiram livres para especular. E assim foi, Passei meses sabendo de falatórios e ouvindo comentários maldosos a minhas costas. Até meu pai... — Fez uma pausa e aprumou os ombros. — Mas o barão está prestes a me pagar pelo que fez. Com você, querida.

— Não! — Bryce contorcia-se como uma fera enjaulada. — Levem Frechette para o calabouço. Não sabia que existia um calabouço no

subsolo do prédio dos quartos? E ainda acha que merece um título de cavaleiro se nem se incomoda em desvendar os segredos do castelo! Bem, agora não importa mais. Não vai ficar sozinho. Ula vai lhe fazer companhia. É uma pena que ela não irá poder aquecê-lo!

Isadora estremeceu, e Bryce olhou, confuso, para Cynvelin. — Ela resistiu demais a mim, Isadora. Que isso lhe sirva de lição. Agora, tirem

esse tolo de minha frente! — Bryce! Isadora avançou para ele, mas Madoc e Twedwr empurraram-na, e ela caiu, ao

mesmo tempo que arrastavam Bryce para fora. — Perdão, milady! — Bryce encarou-a com olhos angustiados. — Sou eu quem lhe pede perdão! — Que cena tocante! — Cynvelin puxou Isadora pelo braço até deixá-la a seus

pês. — Mas é muito inadequado que a noiva de Cynvelin Hywell fique ajoelhado diante de qualquer outro que não ele mesmo.

Isadora desvencilhou-se e olhou-o, desafiadora. — Eu nunca serei sua mulher! Prefiro morrer! — Quantas vezes vou ter de explicar? Não a quero morta. — Cynvelin lutava

para controlar-se. — Quer salvar a vida dele, pelo menos por mais algum tempo? Quer?

— Sim... — O que você faria por Bryce? Isadora continuou a encará-lo. Apesar do medo e da humilhação, o ar de ódio e

desafio continuavam ali. — O que fosse preciso. — Então, venha comigo. Ela hesitou por um instante e então sucumbiu, colocando a mão entre as dele.

Cynvelin encheu-se de satisfação. Ganhara a batalha. Isadora seria sua, e o barão teria a vida inteira para sofrer.

Isadora não chorou quando foi arrastada pelo pátio, escadaria acima, nem quando Cynvelin a empurrou para dentro dos aposentos. Ao contrário, encarou-o com

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compostura e dignidade, como condizia a uma dama diante da foice de um carrasco. Cynvelin estava orgulhoso dela.

— Por Deus, Isadora! Desejava-a mais do que nunca, mesmo depois de ela ter dito que preferia a

morte ao casamento. Queria que ela vivesse para que o tormento do barão pudesse ser contínuo,

como uma ferida que nunca cicatrizaria. Precisava de Isadora em sua cama, quente e fervorosa. Teria sido melhor se ela

tivesse se apaixonado, mas ele a possuiria de qualquer jeito. Mas não ainda, apesar de nunca tê-la desejado tanto. Não enquanto ainda

estivesse tentando controlar a raiva. Caso contrário, quando Isadora reagisse, como decerto o faria, ele acabaria matando-a sem querer.

Já fizera aquilo antes. Cathwg resistira. Ula também. Tinha havido outras, de cujos nomes se esquecera. Era bastante esperto para saber que, num momento de ira, . seria bem capaz de fazer de novo.

Não poderia matar Isadora, por mais vontade que tivesse de pegar aquele pescoço branco e apertá-lo. Ela lutaria para respirar e o encararia com aqueles olhos verdes, sabendo que, enfim, Cynvelin tinha controle absoluto sobre sua vida. No entanto, aquilo não fazia parte de sua gloriosa vingança, e por isso precisava conter tanto a ansiedade quanto o ódio. — Como ele abriu a porta?

Isadora encarou-o com o cenho franzido. Então, cruzou os braços sobre os seios.

— Como Frechette abriu a fechadura? — Não sei. — Olhe só, não está quebrada. Ótimo. — Nesse momento, ele viu algo no

chão: uma longa tira de tecido. — O que é isto? Isadora permaneceu em silêncio, Cynvelin foi até a corda improvisada e

pegou-a. — Inteligente, milady, muito inteligente! Mas não quero vê-la por aí escalando

as paredes. E se você cair? Destruiria me coração. — Você não tem coração. — Talvez não. Pode ser que meu pai o tenha arrancado a pancadas. — Colocou

a corda sobre o bati, ficando de costas para Isadora. — Vou ter de levar isto comigo Isadora se esgueirou até a porta. — Pare! — ordenou Cynvelin, virando-se de repente. — Quero que saiba que

não sou idiota, milady. Pense nisso, e pense também na melhor maneira de ajudar seu querido amigo.

Com isso, ele ergueu o bati, saiu e trancou a porta.

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Será que ia matar Bryce? Se Isadora tivesse sido mais cordata, se tivesse implorado e entregado seu corpo a Cynvelin sem reclamar, talvez conseguisse evitar a morte de Bryce.

Ele ia morrer por ter tentado ajudá-la. Desolada, Isadora sentou-se no chão, abraçou os joelhos e ficou balançando o corpo para a frente e para trás. — Oh, Deus me perdoe! Deus, tenha piedade dele! O que poderia fazer? Como ajudar Bryce? Primeiro, tinha de parar de chorar. Não podia deixar o desespero dominá-la. Nunca imaginara que Cynvelin fosse tão demoníaco.

Aquilo não era sua culpa, mais do que o rapto havia sido culpa de Bryce. Mas, se Deus existia, eles acabariam arrumando um jeito de destruir a vingança doentia de Cynvelin. Devagar, Isadora levantou-se e olhou para o banqui-nho. Então, atirou-o contra o chão de pedra até quebrar um dos pés de madeira. Passou as várias horas seguintes esfregando a madeira no chão até transformá-la numa ponta afiada. Uma vez armada, escalaria a parede, mesmo sem corda. Se Dylan conseguia, ela também conseguiria. Aí, encontraria Bryce e o ajudaria a se libertar, mesmo que para isso tivesse de matar.

Seu lado racional disse que aquele plano estava fadado ao fracasso, mas nem sequer prestou atenção. A única coisa que queria ouvir naquele momento era seu coração.

Bryce foi atirado na cela fria e úmida e bateu com a cabeça na parede. Madoc grunhiu algo em gaulês que fez os guardas rirem muito ao se afastarem.

Quando ouviu a chave girando na fechadura, Bryce passou a mão na testa, para tentar clarear as ideias.

Um imenso desespero envolveu-o. Cynvelin tinha razão. Ele era um tolo que havia sido incapaz de ler os sinais mais óbvios: a agonia de Isadora e a insistência dela em voltar para o pai, a revolta ante a ideia de que era amante de Cynvelin, a forma como olhava para ele e, sobretudo, a paixão em seu beijo.

Se ao menos não tivesse sido tão apressado e egoísta para ganhar o título e tivesse sido mais atento ao homem que seria seu suserano, se não tivesse acreditado nas mentiras de Cynvelin, se tivesse seguido sua intuição dado atenção a Isadora...

Cynvelin também estivera certo com relação à mas morra. Bryce deveria ter pedido a Ermin para mostrar-lhe o castelo. Então, ele saberia da pequena porta de madeira ao lado da escada que dava para o subsolo.

Precisava lutar contra o desespero. Enquanto Isadora corresse perigo, ele não desistiria. Tinha de encontrar um jeito de ajudá-la.

Madoc tirara suas armas, inclusive o punhal. Bryce aprendera muitas coisas em suas viagens, e abrir portas era apenas uma delas. Mas aquilo não faria diferença ali, porque as portas das celas do calabouço não tinham fechaduras.

Talvez houvesse algo na cela que pudesse usar como arma. Até um jarro de barro serviria.

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Como estava escuro demais para enxergar, começou a contornar as paredes com cuidado. De repente, seus pés tocaram alguma coisa grande e macia. Bryce ajoe-lhou-se. Era o corpo de Ula. Outra mulher que ele não conseguira proteger. Como sua irmã. Como Isadora.

Nesse momento, imaginou Isadora sozinha nas mãos daquele monstro, e uma nova determinação o tomou. De alguma forma, se soltaria e salvaria Isadora. E depois mataria Cynvelin Hywell. !!

TREZE !!Não havia nada na cela além do corpo de Ula. Bryce passou a noite ao lado

dela, pensando numa forma de escapar. Se ao menos Madoc aparecesse para levá-lo para outro lugar, teria uma chance de derrotá-los. Mas como ajudar Isadora? Onde estaria ela? Cynvelin já poderia até ter ido para Caer Coch, levando-a junto.

Bryce passou várias horas perdido em culpas e devaneios até ouvir passos e vozes. De repente, a porta da cela se abriu, obrigando-o a fechar os olhos por causa da claridade da tocha.

Era Madoc acompanhado de vários outros guardas. O gaulês fez um gesto com a cabeça para que Bryce os acompanhasse.

Ele não tinha opção, ainda mais depois que dois homens truculentos agarraram-no pelos braços.

Quando chegaram ao pátio, sob a luz fraca do amanhecer, Bryce pensou em golpeá-los. Talvez conseguisse o apoio dos guardas do palácio, talvez não. Não podia contar com a lealdade nem com a ajuda de pessoas que não compreendiam sua língua. Para piorar, não havia nenhum de seus soldados no portão, nem em ponto algum. Podia ser que Cynvelin também tivesse considerado a lealdade deles e por isso os demitira.

De repente, Bryce concluiu que a presença maciça dos homens de Cynvelin podia ser um bom sinal. Decerto ele e Isadora ainda estavam em Annedd Bach.

Os soldados levaram-no para o salão. Os membros da guarda do palácio estavam reunidos ali, amontoados num canto, humilhados e silenciosos. Cynvelin sentara-se ao lado da lareira, e se mantinha rodeado por seus comparsas.

Quando percebeu que Isadora não estava ali, Bryce sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.

Cynvelin, como sempre, estava vestido de preto. Parecia calmo, apesar dos dedos nervosos torcendo as luvas de couro, também pretas. Bryce foi jogado na direção dele, que sorriu.

— Onde ela está? — Bryce quis saber. — O que você fez com ela?

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— Estou vendo que uma noite de meditação solitária não serviu para acalmá-lo, Frechette. Isadora está muito bem, dadas as circunstâncias.

— Que circunstâncias? De repente, Cynvelin se levantou e esbofeteou Bryce com as luvas, do mesmo

lado do olho inchado. Doeu demais, mas Bryce nem se moveu. Não moveria um músculo até saber de

Isadora. Os membros da guarda do palácio emitiram murmúrios de protesto que encorajaram Bryce. Se estavam contra Cynvelin, ele podia ter esperanças.

— Ouvi dizer que os plebeus e os loucos não sentem dor da mesma forma que os nobres. Posso notar que isso faz sentido. — Cynvelin voltou a sentar-se.

— Onde está lady Isadora? Cynvelin sorriu. — No quarto. Pense, Frechette: na noite passada, enquanto você estava com

Ula, ou pelo menos com o corpo dela, eu estava bem em cima de você fazendo... — Perverso, deixou que o silêncio falasse por si.

Bryce ficou furioso, mas não podia se deixar levar pelas emoções. Já fizera isso antes, e os resultados tinham sido desastrosos. Era preciso ser frio para poder apro-veitar qualquer oportunidade que aparecesse.

— Espero, para seu bem, que você não tenha machucado Isadora. — Machucado? Ah, não ainda... E é isso o que você precisa dizer ao pai dela. — O quê? Cynvelin não parava de torcer as luvas entre os dedos. — Na verdade, Frechette, é uma tarefa simples: você deve ir ao Mosteiro de St.

David e trazer um padre, porque não vou mais esperar. Quero me casar com Isadora hoje. Claro que não ficarei surpreso se você encontrar o barão por lá. Sem dúvida, era um dos homens dele espionando seu grupo, como Ermin imaginou.

O criado ouviu seu nome e coçou a cabeça desconfortável, apesar de Bryce duvidar que ele estivesse entendendo o que Cynvelin dizia.

— Duvido que fosse o desgraçado caolho. Com certeza era o filho dele, mas isso não importa. Os DeLanyea estarão lá, e com certeza têm espiões vigiando o movimento de Annedd Bach. Evidente que o barão vai querer falar com você, que dirá exatamente o que eu mandar. Depois, diga que lamento não poder convidá-los para as comemorações, mas que não tenho comida suficiente para uma festa. Se o barão tentar detê-lo, fale que nós já caru yn y gwely.

— O que isso significa? — Ele vai saber, e isso basta. Bryce achava que também sabia. Estremeceu, imaginando o terror, a

humilhação e a honra ultrajada de uma mulher tão orgulhosa. Mas pelo menos Isadora estava viva, e era isso o que importava. Concentrar-se-

ia naquilo e esqueceria o resto. — E se eles me matarem? — perguntou Bryce, irônico. — Será melhor que não façam isso. Caso contrário, outras pessoas irão sofrer.

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Bryce sabia muito bem a quem Cynvelin se referia. A ideia de que a vida de Isadora estivesse nas mãos daquele homem o enlouquecia. Seria capaz de matar Cynvelin com as próprias mãos, porém, mais do que nunca, precisava controlar suas emoções. Tudo o que conseguiria agindo por impulso seria pôr fim à vida de ambos.

— Faça o que quiser, Frechette, mas volte aqui com um padre para abençoar minha união com lady Isadora antes que o sol se ponha — ordenou Cynvelin, irritado.

— Estou surpreso que você ainda faça questão de um padre... Cynvelin soltou uma risada que nem parecia humana. — É um tolo, Frechette! Não ligo a mínima se a união será abençoada ou não.

Quero que os DeLanyea fiquem sabendo, e é você quem vai fazer isso. Cynvelin se ergueu e começou a dar tapinhas com a luva no rosto de Bryce

enquanto falava. Aquilo só serviu para irritar Bryce ainda mais, — Eles estão nos espionando desde que trouxemos Isadora para cá, seu idiota.

Mas não ousam ter ideias. Enfim, o grande barão está com medo... de mim! — Só o pior homem do mundo ataca um pai usando seus filhos. Cynvelin esbofeteou Bryce outra vez e olhou-o como um homem possuído por

demônios. — Você é corajoso, e eu o admiro por isso. Se fizer direitinho o que estou

mandando, sou até capaz de reconsiderar e lhe dar o título que tanto deseja. — Está louco, Cynvelin — disse Bryce, incrédulo. — Acha que ainda quererei

ser cavaleiro se o preço a pagar por isso for seu casamento com Isadora? — Não estou louco, Frechette, mas sim determinado a tê-la como esposa e a

divulgar o fato para o pai dela. Imagino que um homem como você aprecie pessoas decididas, pois também é

assim, e sua recompensa por isso poderá ser o título de cavaleiro. O fato é que Isadora será minha de qualquer jeito, e, se quiser tirar proveito disso, sorte sua.

— Primeiro você me envolve em seu plano sórdido, depois me prende na masmorra, e aí sugere que eu use a dama como moeda para conseguir um título. Acha mesmo que vou aceitar? É louco, sim, Cynvelin!

— Se você não quer o título, problema seu. Agora, é melhor ir andando. Bryce olhou-o, sério. — Por quê, depois de tudo o que houve, escolheu a mim para essa missão? — Quem seria melhor? Sei que vai voltar, pelo bem de Isadora, porque quer

tornar a vê-la e ter certeza de que ela está bem. Além disso, é o melhor guerreiro que conheço. Se alguém tentar detê-lo, como o barão ou os filhos dele, estou certo de que dará um jeito de voltar.

— Se eu não conseguir, pode não ser por minha culpa. Vai machucá-la mesmo assim?

Cynvelin ergueu uma sobrancelha, irônico.

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— De um outro jeito. Se você me trair ou se não voltar até o pôr-do-sol, sou capaz de perder a paciência, e isso pode não ser bom para a bela Isadora. Está en-tendendo, Bryce?

— Estou. E eu devo ir sozinho? — Madoc e mais alguns homens irão com você. Bryce percebeu Madoc

prender a respiração e olhá-lo com medo. Cynvelin também notou a reação dos gauleses e gritou, irritado, com todo o

grupo. Madoc murmurou alguma coisa sem encarar o patrão. De repente, Ermin deu um passo à frente. — Nós iremos. Estamos do lado de Frechette. — Olhou com desprezo para

Madoc e os demais soldados de Cynveiin. — Não temos medo. Apesar de seu ódio e do receio pela segurança de Isadora, Bryce se sentiu grato

e orgulhoso pela lealdade de seus homens. — Pois você devia ter muito medo daquele cretino de um olho só — disse

Cynvelin, voltando a se sentar. — Mas, por mim, tudo bem. Vá com ele. — E eu vou receber uma espada? — Como eu já disse, Frechette, não sou louco. Vá desarmado. Bryce cerrou os punhos e tratou de controlar a ira mais uma vez. Seus

sentimentos não importavam. Tudo o que importava era a vida de Isadora. — Lembre-se do que eu disse, Frechette. Diga ao barão que vou me casar com

a filha dele hoje. e traga um padre. Se você falhar, Isadora vai sofrer, entendeu? — Sim. Cynvelin olhou-o, irônico. — Se fizer tudo direito, pode se tornar um cavaleiro! Bryce sorriu, cheio de

desdém. — Eu não me tornaria cavaleiro por suas mãos nem por todo o ouro do

mundo. — Bryce virou-se e olhou para Ermin. — Vamos, meu amigo. Juntos, saíram do salão, seguidos por toda a guarda de Annedd Bach. Isadora ouviu o movimento no pátio. Ansiosa, apertou a arma improvisada

entre os dedos e foi para a janela. O que viu deixou-a ao mesmo tempo chocada e emocionada.

Bryce estava montado em seu cavalo, liderando a guarda do castelo, pronto para sair.

— Ele está vivo! — murmurou. Então, fez uma prece silenciosa por Bryce. Mas para onde estaria indo? Não importava. Ele vivia, e era livre para sair dali. Isadora sabia, do fundo do coração, que Bryce voltaria. Quando os portões se abriram, Bryce virou-se na sela e olhou para a janela

dela. Isadora não sabia se Cynvelin estava espiando de algum lugar. Nem se importava.

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— Deus o acompanhe! — gritou ela, acenando. Bryce assentiu e ergueu a mão, saudando-a. Os demais

membros da guarda viraram-se para trás, com os olhos cheios de compaixão. Então, Bryce forçou o cavalo a galopar, enquanto Isadora enxugava as lágrimas

que insistiam em cair. — Onde é o mosteiro, Ermin? — Temos de seguir por esta estrada e virar à esquerda no primeiro

entroncamento, Frechette. Bryce assentiu e seguiu por onde Ermin indicara. Tinha de chegar o mais

rápido possível. Se os cavalos de Ermin e dos outros não eram tão velozes, paciência. Não podia ficar esperando por eles. Entretanto, emocionara-se com a lealdade deles e teria de deixar isso bem claro depois que tudo terminasse. Depois que salvasse Isadora.

Por sorte, agora ele tinha um plano, que, no entanto, dependia da cooperação do barão. Se conseguisse fazer o pai de Isadora ouvi-lo e confiar nele, talvez tivessem uma chance.

Bryce avançou e, por fim, viu o entroncamento. Quase na mesma hora, avistou um grupo de homens bem armados cavalgando na direção oposta. Reconheceu o líder, que fazia parte da guarda do barão. Quanto aos outros, não sabia quem eram, nem se importava. Só queria salvar Isadora.

— Frechette! — gritou o homem, desembainhando a espada e avançando para ele.

Os outros dois também sacaram as armas. — Escutem! — Bryce forçou o cavalo a parar. — Escutem! Mas ele não escutou. Em vez disso, continuou a avançar, apesar de Bryce não

ter nenhuma arma para se defender. Bryce desmontou e colocou o animal entre ele e seus oponentes. — Apareça, seu covarde! Onde está Isadora, seu desgraçado? Se alguém tocar

num fio de cabelo dela, vai acabar morto. — Dylan! — gritou um rapaz alto, musculoso, de cabelos escuros, feições de

falcão e cerca de cinquenta anos. — Guarde sua espada. Não está vendo que ele não está armado?

— Era ele quem estava com Cynvelin, Fitzroy. Foi esse miserável quem levou minha irmã.

— Se você matá-lo, Frechette não poderá nos dizer nada — disse um terceiro homem, num tom conciliador e com um forte sotaque gaulês. Era mais jovem que o de feições de falcão, mas bem mais velho que Dylan. Como o outro, parecia ser um guerreiro bastante ponderado.

Bryce não se sentiu intimidado. — Onde está o barão DeLanyea? No mosteiro de St. David?

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— E por que eu lhe diria? — provocou Dylan. O terceiro homem se aproximou.

— Você não está vendo que Bryce tem algo a dizer, Dylan? Sou sir Hu Morgan, amigo do barão. Por que quer falar com ele?

— Trago notícias sobre o bem-estar de Isadora. Morgan olhou para o homem que Dylan chamara de

Fitzroy e depois para o próprio Dylan. — Ela está bem? — Está viva — respondeu Bryce. — Mas não temos 178 tempo a perder. Pelo amor de Deus e por ela, levem-me ao barão! De repente, Germine e os outros apareceram. — E uma armadilha! — gritou Dylan. — Não! Não! — Bryce gesticulou para seus homens pararem onde estavam.

— Por favor, me escutem! — E por que deveríamos escutá-lo? — Porque Isadora está em perigo. — Isso nós sabemos. — Ouçam! — Bryce se desesperava. — Preciso ver o barão. Vocês têm de me

ajudar a tirá-la de Annedd Bach hoje. Não temos um minuto a perder! Dylan, enfim, baixou a espada. — E por que você quer ajudar Isadora? Não é comparsa de Cynvelin? — Infelizmente, concordei em juntar-me a ele, mas isso acabou. Estou muito

arrependido de ter feito parte do rapto de milady, e farei o que for preciso para ajudá-la a voltar para casa. Já tenho um plano, mas preciso encontrar o barão e falar com ele.

— Não acredito! Isso é mentira, ou armadilha, ou truque, ou as três coisas! Conheço você e sei que não merece confiança, Frechette! — Dylan apontou-lhe um dedo acusador e prosseguiu: — Você é um vigarista arrogante e preguiçoso, que brigou com o próprio pai num acesso de raiva e não voltou para casa nem quando soube que ele estava morrendo. Não acredito que tenha sido uma pobre vítima da conversa de Cynvelin!

— E o que quer que façamos, Dylan? — Morgan o encarou. — Podemos matá-lo primeiro e fazer as perguntas depois.

Bryce saiu de trás do cavalo e se aproximou do jovem gaulês. — Não dou a mínima para o fato de você acreditar em mim ou não. Vim falar

com o barão, e não com você, e exijo ser levado até ele. Se preferir, rapaz, meus homens poderão esperar aqui.

Dylan o fitou e estava prestes a responder um desaforo quando Fitzroy avançou.

— Dylan! Vamos levá-lo para o seu pai. — Mas...

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Morgan meneou a cabeça. — Emryss tem o direito de ouvir o que Bryce tem a dizer. Além disso, se esse

normando está disposto a deixar os homens dele aqui sob a guarda dos nossos, não vejo por que temer problemas.

— Por favor! — implorou Bryce, disposto a abdicar do orgulho se aquilo o ajudasse a ver o barão. — Amarrem-me se quiserem, mas não posso perder mais tempo!

— Ah, pode ter certeza de eu vou amarrá-lo, seu canalha! — Dylan agarrou a tira de couro que atava a túnica de Bryce e puxou-a.

Bryce virou de costas e pôs as mãos para trás. — Ermin, espere aqui com os demais. Voltarei o mais rápido possível. — Sim, senhor. Faremos o que nos ordenar. Nunca, em toda sua vida, Bryce vira uma figura tão imponente quanto o barão

DeLanyea. Quando chegou, encontrou-o sentado numa imensa cadeira de carvalho, no salão do mosteiro. Tinha cabelos grisalhos crescidos até a altura dos ombros, olhar penetrante e o corpo musculoso de um guerreiro de primeira linha. O único sinal visível de vulnerabilidade eram as olheiras, visíveis sob um dos olhos, e os ombros tensos. Era natural que estivesse preocupado, como qualquer pai estaria, caso a filha tivesse sido raptada. O fato era que Emryss escondia seu medo melhor que qualquer pessoa que Bryce já vira. Bryce sentiu-se como um criminoso condenado, com as mãos atadas nas costas. Ainda assim tratou de se concentrar apenas em Isadora e na obsessão de salvá-la. Tinha de raciocinar com clareza e falar objetivamente, se pretendia convencer o barão a ouvir e acreditar.

— Barão DeLanyea... — Onde está Isadora? — Em Annedd Bach. Eu a vi antes de vir para cá. — Ela está bem? Bryce não conseguiu encarar o barão. — Está viva, milorde. — E por que você veio até aqui? — perguntou ele depois de um brevíssimo

momento de hesitação que apenas dava a entender que fora tocado pelas palavras de Bryce. — Como ousa apresentar-se a mim?

Bryce empertigou os ombros e ergueu o queixo, determinado a conquistar a confiança do barão.

— Quero que o senhor me ajude a salvar sua filha. — Você quer que eu o ajude a salvar minha filha? — repetiu, cético. — Está

me dizendo que você seria o salvador dela? — Sim, se o senhor permitir. O barão esfregou a cicatriz oculta sob o tapa-olho e encarou Bryce,

preocupado. — Você a raptou, Frechette. Por que agora está querendo ajudá-la?

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— Porque eu não sabia o que estava fazendo. Dylan abafou uma risada até perceber o olhar do pai

sobre ele. Aí, deu de ombros. — Está querendo que eu acredite que, quando a levou, estava sob alguma

espécie de transe? Bryce meneou a cabeça. — Não, mas Cynvelin me disse que era apenas uma tradição e que Isadora

sabia de tudo. Os outros homens trocaram olhares cínicos, e Bryce sentiu um fio de suor

escorrer-lhe pelas costas. — O senhor tem de acreditar em mim! — E você acha que nós somos idiotas ou o quê? — Dylan, irritado, ergueu a

mão para socar Bryce. Emryss, com uma agilidade inacreditável para um homem de sua idade,

interceptou o filho e evitou o golpe. — Pare! Amuado, Dylan obedeceu. — Milorde — implorou Bryce. Precisava ignorar todos em volta e concentrar-

se apenas no barão. Então, Bryce se aproximou até perceber os demais presentes prontos para sacar

as espadas. Parou e olhou para o barão com o máximo de honestidade, rezando para que Emryss acreditasse nele.

— Cynvelin disse que raptar a noiva era uma tradição gaulesa. — Que tipo de besteira é essa, homem? — Morgan estava desconfiado. —

Você não parece um camponês ingênuo! — Minha filha pareceu satisfeita em companhia daquele miserável? — O

barão não desviava o olhar dele. — O comportamento dela não serviu de sinal para você? E quanto ao meu?

Bryce seria capaz de se ajoelhar, se achasse que isso adiantaria. — Essa é a verdade, acreditem vocês ou não! Mas isso não importa. Temos de

sair daqui agora! — Sei disso melhor do que você, homem! — Temos de tirá-la das garras de Cynvelin hoje. — Por que hoje? Ele disse que daria a ela um mês. — Agora ele já sabe que Isadora jamais se casará de livre e espontânea

vontade. E por isso que decidiu não esperar mais. Mandou-me aqui para buscar um padre para abençoar a união.

— Nunca! — Dylan avançou, furioso, mas Griffydd segurou-o. — Escutem! — suplicou Bryce, sem se preocupar com as tiras de couro

rasgando a pele de seus pulsos. — Preciso voltar hoje, com um padre, antes que o sol

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se ponha. Cynvelin mandou dizer que lamenta não poder convidá-los para as comemorações. Também mandou dizer que já estão caru yn y gwely.

Quando Bryce concluiu a tentativa de pronunciar as palavras em gaulês, o barão levantou-se num salto, com o rosto cheio de ódio. Bryce recuou, certo de que iria morrer.

Dylan agarrou o punho da espada, Griffydd olhou-o, petrificado, e Hu Morgan cerrou os punhos, furioso.

— O que isso significa? — perguntou Fitzroy, com a voz calma demais no ambiente cheio de tensão.

O barão olhou para o amigo, como se, de repente, toda sua energia tivesse sido sugada.

— Cortejar no leito. Ele a estuprou. Com os seus medos confirmados, Bryce cerrou os punhos, apesar de continuar

amarrado. — Vou cortar o pescoço dele! Venham! Temos de ir agora! — Sem um plano, Frechette? A tranquilidade de Fitzroy atingiu Bryce como uma bofetada. Zonzo, ele olhou para o homem mais velho sem saber o que fazer. Será que ele

não se compadecia do sofrimento de Isadora? Então, olhou no fundo dos olhos escuros, normandos como os seus. Fitzroy

também mataria Cynvelin se pudesse. De preferência, bem devagar. Bryce tentou recuperar o equilíbrio. Sabia que o ódio não ajudaria a derrotar

Cynvelin. Respirou fundo e, mais uma vez, dirigiu-se ao barão: — Pensei que, se um de seus homens pudesse se vestir de padre, milorde, eu

voltaria com ele. O senhor e seus soldados nos seguiriam, escondidos pelas árvores, para que Cynvelin não suspeitasse de nada. Assim que tiver uma chance, pegarei sua filha e a afastarei das garras de Cynvelin. Assim que Isadora estiver comigo, avisarei rainha guarda, e eles abrirão os portões. Eu gostaria de salvá-la sem a ajuda de vocês, mas meus homens não são páreo para os soldados de Cynvelin. Preciso dos seus para derrotá-lo. O barão encarou-o.

— Espera que eu entregue a vida de minha filha em suas mãos? — Não há outro jeito. Juro por Deus e pela Virgem Maria, milorde, que trarei

Isadora de volta. O barão olhou para o filho mais velho. — O que acha, Griffydd? — Eu acredito nele, pai — disse o rapaz, tranquilo. Fitzroy assentiu. — Acho que o que ele diz é verdade. O barão virou-se para Hu Morgan, a sua esquerda. — Sim, milorde. Concordo com eles — disse o gaulês. — Eu, mais do que

qualquer um, sei como é fácil convencer um normando de que as coisas que fazemos Clássicos históricos

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são tradições exóticas. Minha própria esposa achava que nós, gauleses, éramos todos bárbaros quando nos casamos.

— E eu, que conheço Cynvelin, sei que ele é capaz de enganar qualquer um com sua fala mansa e seus bons modos — acrescentou Emryss.

— Estou dizendo que isso não passa de uma armadilha! — Dylan quase espumava. — Cynvelin deve querer que ataquemos. Aí, ele matará Isadora e colocará a culpa em nós. Aliás, por tudo o que sabemos, ela pode até já estar morta!

— Cale a boca, Dylan! — Griffydd não se conteve. — Se nossa irmã estivesse morta, Cynvelin não estaria pedindo um padre.

— Quando parti para cá, deixei-a viva — disse Bryce. — Eu a vi na janela do quarto. Lamento, barão, mas, se eu não voltar até o pôr-do-sol, Cynvelin vai matá-la. Não

podemos perder mais tempo. Eu lhe dou minha palavra, como normando honrado que sou e como filho do conde de Westborough, que hoje à noite sairei com sua filha de Annedd Bach, se o senhor me conceder esse privilégio.

— Se não formos com você, o que fará? — Farei o que puder para resgatá-la sozinho. O barão assentiu. — Dylan, solte-o. Vamos fazer o que você pediu, Fre-chette. Estou colocando a

vida de minha Isadora em suas mãos. Não me decepcione, ou eu juro por Deus que vou matá-lo com minhas próprias mãos.

— Milorde, eu só o decepcionarei se for morto. !! CATORZE !!Isadora sentou-se no chão e ficou olhando para a porta fechada com a arma

improvisada nas mãos. Esperava ouvir os passos de Cynvelin na escada a qualquer momento.

Estava tão tensa que pulava de susto com qualquer ruído, pensando que era ele. A medida que os minutos se arrastavam, a esperança foi dando lugar ao desespero.

Depois que Bryce atravessou os portões, a tarde se arrastou. Ela não sabia para onde ele fora, nem por quê. Também não sabia quando voltaria. Mas tinha certeza de que voltaria. Era a única coisa que a impedia de enlouquecer.

No entanto, e se Bryce não voltasse? E se Cynvelin tivesse lhe oferecido a liberdade e, para não ser morto, Bryce tivesse aceitado? Talvez houvesse partido para salvar a própria vida.

Bryce Frechette já abandonara a família uma vez. Por que não abandonaria uma mulher que não significava nada para ele? Chegara a se desculpar, pedira a confiança dela, acenara antes de sair... mas o que era isso comparado a uma ameaça

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de morte? Será que o que havia entre eles era suficiente para fazer Bryce arriscar-se por ela?

Isadora esperava que sim, porém, não tinha como saber. Só sabia que confiar em Bryce era melhor do que imaginar o destino terrível que a esperava nas mãos de Cynvelin.

Enfim, quando o sol começou a se pôr no horizonte, e Isadora estava cansada, faminta e desesperada, houve um ruído na fechadura da porta.

Ela levantou-se o mais depressa que pôde, com o corpo enfraquecido pela falta de água e alimento, e usou suas reservas de força para empurrar a barricada atrás da porta.

— Não adianta Isadora — disse Cynvelin, do outro lado. — Vou entrar, e você. minha querida, não tem como me impedir.

Ela sentiu lágrimas quentes escorrerem pelo rosto e soluçou alto. Sabia que ele tinha razão.

Nesse mesmo momento, Cynvelin deu um empurrão que afastou os móveis o suficiente para abrir uma fresta.

Quando o viu, Isadora correu para a parede oposta, escondeu a arma improvisada às costas, segurando-a com as duas mãos, e encarou-o, desafiadora.

— Saia daqui! — Ah, querida! — Cynvelin ajeitou a túnica. — Lamento, mas não poderei

fazer isso. Não consigo mais ficar longe de você. Tenho certeza de que, em seus mo-mentos de solidão, refletiu bastante. Espero que tenha concluído que pode ser um bom negócio tornar-se minha

esposa. Cynvelin passou os olhos pela barricada caída e fechou a porta com o pé. — Fez uma tremenda bagunça, meu anjo. — Avançou devagar. Isadora ergueu a mão, pronta para atacar. Cynvelin olhou para a estaca de

madeira e riu. — O que é isso? Um brinquedo? Ela meneou a cabeça, determinada. — Vou usá-lo se você se aproximar. — Vai mesmo? — Então, Cynvelin sacou a espada e empunhou-a de forma tal

que a lâmina ficou apontada para Isadora. — Minha arma tem maior alcance, querida. Se eu fosse você, largaria isso antes que ocorra um acidente.

— Não! Ele se aproximou até deixar a lâmina bem próxima do rosto dela. Ela tentou se

esquivar, mas não tinha a experiência de luta que Cynvelin tinha. Em um décimo de segundo, estava com a espada apontada para suas costas. Virou-se para encará-lo.

— Largue seu brinquedo, Isadora, ou posso acabar machucando você, e não quero que isso aconteça. Clássicos históricos

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Isadora não obedeceu, mesmo depois que Cynvelin avançou um passo e colocou a lâmina em seu pescoço.

— Temo que seja tão teimosa quanto seu pai. — Pressionou a arma, e ela sentiu uma dor aguda e um filete de sangue quente escorrendo. — Mandei largar isso!

Como acabaria morrendo se não obedecesse, Isadora deixou a estaca escorregar por seus dedos e cair ao solo.

— Assim está melhor. Isadora olhou-o, horrorizada, enxugando o sangue que escorria. — Ontem você estragou várias peças de roupas íntimas novinhas para fazer sua

corda, não foi? Quantas peças foram? — Cynvelin sorriu, e seus olhos brilharam contra a luz suave que penetrava pela janela. — Talvez todas. E o que será que usa agora por baixo do vestido? Está usando alguma coisa, Isadora?

Apavorada, ela encostou-se na parede e ficou em silêncio. Cynvelin se aproximou. — Bem, o que é uma pecinha a mais ou a menos? — Ele avançou e pegou-a

pelo queixo. Quando Isadora tentou se virar, machucou-a. — O que será que vou fazer com você?

— Poderia me levar para meu pai — desafiou-o. Cynvelin meneou a cabeça. — E afastá-la de Bryce Frechette? Nunca! Oh, mas ele partiu, não é mesmo?

Deixou-a para mim, querida. Partiu e abandonou-a. — Ele vai voltar para me salvar. Isadora viu a surpresa surgir nos olhos dele. Cynvelin soltou-a, mas continuou

bloqueando a passagem dela com o corpo. — Parece muito segura disso, milady. — E estou, milorde. Então ele recuou, recostou-se na janela e olhou-a como se fosse um passarinho

diante de um gato. — Mesmo agora, cheia de raiva e com uma estaca pronta para enfiar em mim,

ainda é a mulher mais bonita que já vi na vida. Isadora permaneceu em silêncio, tentando não olhar para a porta destrancada

para não chamar atenção sobre o fato. — Você também é inteligente, Isadora. Faremos um par e tanto. Soube disso

desde que a vi no castelo de lorde Melevoir. Ah, e geniosa também! Não posso me esquecer de seu génio. Quanto a Bryce, é uma pena que ele tenha de morrer. O que será que houve entre vocês? — Franziu o cenho, zangado. — Sem dúvida, mais do que fiquei sabendo.

Ela pensou na única coisa que sabia a respeito de Bryce capaz de deter Cynvelin.

— Ele é cunhado do barão DeGuerre e... Cynvelin avançou para ela e agarrou-a pelos ombros. Clássicos históricos

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— Sei quem Frechette é e sei muito bem como fazer para parecer que ele sumiu como aquele pastor e a família dele. Pense o que quiser de mim, Isadora, mas não se iluda imaginando que sou ignorante. — Diminuiu a pressão dos dedos e correu as mãos pelos braços dela.

Isadora estremeceu de medo, mas sustentou o olhar desdenhoso, fixando o rosto dele.

— Entretanto, querida, parece que Bryce decidiu adiar sua própria morte abandonando-a e me desobedecendo. Mandei-o buscar um padre para abençoar nossa união.

— Um padre? Acho melhor você se confessar primeiro. — Por quê? Por querer uma mulher e por fazer tudo para tê-la? Será que devo

confessar que me cansei de esperar pelas bênçãos matrimoniais? Ele vai entender, já que vem nos casar hoje mesmo.

— Hoje?! Você deu sua palavra a meu pai! Isso quer dizer que o que diz não vale nada?

— Eu não diria isso se fosse você. — Cynvelin ergueu a mão. — Não estou mais aguentando sua má-criação!

Isadora fechou os olhos e esperou a bofetada que não veio. Em vez disso, sentiu a respiração dele nas faces.

— Bryce deveria ter voltado com um padre para abençoar nossa união aos olhos de Deus. — Cynvelin deu de ombros, resignado. — Mas, como não veio, teremos de nos casar sem padre. Ele tinha de estar aqui até o pôr-do-sol. Só posso concluir que optou por deixá-la para o melhor homem, aquele que merece você, que a deseja. O homem que pode usar você.

Isadora forçou-se a fitar os olhos escuros e demoníacos de Cynvelin. — Vou odiá-lo até o dia de minha morte — Isadora jurou, entre os dentes. — E acha que eu me importo? — Então, Cynvelin recuou e olhou-a com

desprezo. — Você deveria estar grata por eu tê-la escolhido para ser minha mulher, mas prefere ficar resmungando e reclamando para voltar para casa como uma menina mimada.

— Você não me ama e nunca vai me amar, assim como eu não posso amá-lo depois de tudo o que fez. Só quer se vingar de meu pai.

Cynvelin examinou-a. — Amor? O que é isso? É um mito, uma história para entreter crianças.

Ninguém nunca me amou. — Sua mãe... — Ela me usava como escudo para se defender de meu pai! Isso é amor? Se é,

não quero, nem preciso disso. — Suspirou e pôs as mãos nos quadris. — Ninguém ja-mais teve pena de mim ou me protegeu, nem o supôs-tamente generoso Emryss DeLanyea. Ele sempre favorecia seus filhos acima de qualquer pessoa, e nunca se preocupou em examinar com cuidado as delinquências juvenis para descobrir os Clássicos históricos

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verdadeiros culpados. Por tudo isso, me tornei forte sozinho. Agora, quero uma mulher para criar meus filhos e quero que Emryss DeLanyea pague pelo que fez. Isso significa, Isadora, que vou me casar com você, com ou sem a bênção da Igreja.

Isadora correu os olhos, desesperada, pelo quarto, procurando a estaca. Quando Cynvelin voltou a falar, a voz estava fria de novo: — E claro que pode ser que o cretino de seu pai tenha pegado Bryce. Pode ser

até que seu querido plebeu já esteja morto. Imagino que Dylan, seu irmão de cabeça quente, pode muito bem ter feito isso.

Cynvelin tornou a aproximar-se, ainda entre ela e a porta. Os olhos escuros brilhavam com raiva e uma luxúria selvagem.

Isadora não conseguiu localizar sua arma. Só podia contar com suas próprias mãos e unhas para atacá-lo.

— Não faça essa expressão tão desanimada, querida. Também estou arrasado com a possibilidade da morte de Bryce.

— Você deu sua palavra de que não me machucaria! — Mas isso era só se seu pai não interferisse, querida. Se ele se meter, o acordo

estará quebrado. — Acordo?! Que acordo? Você me raptou! Cynvelin parou a um passo dela e

disse: — Eu queria que você me amasse, Isadora, mas, já que não pode ser, vou fazê-

la sofrer, como Emryss fez comigo. — Papai só mandou você embora, Cynvelin, mais nada. Ele me contou como

você era quando fazia parte da guarda dele. Meu pai só fez o que foi preciso. — E agora eu vou fazer o que é preciso. — Então, agarrou-a. — Você é uma

tola! Se acha que o que vou fazer com será suficiente para apagar o que o barão fez comigo, está enganada. Seu pai pagará pelo resto da vida!

Isadora estremeceu quando Cynvelin começou a acariciar seu queixo. Aí, ele abraçou-a com força e forçou os lábios contra os dela, que se debateu, desesperada, tentando de todas as formas livrar-se daquela boca pegajosa.

De repente, ele afrouxou o abraço, e Isadora pensou que teria uma chance. Estava enganada, porque, assim que se virou, ele agarrou-a peia gola do vestido e puxou, rasgando o tecido e expondo as costas nuas.

— Solte-me! — Isadora segurou a frente da roupa e tentou correr até a porta. Cynvelin socou-lhe o ombro com tanta força que ela caiu de joelhos. Ele

aproximou-se de Isadora com um sorriso de triunfo no rosto. — Então você é igualzinho a seu pai, Cynvelin! Ele recuou, surpreso. Quando compreendeu o sentido das palavras dela, uma

felicidade perturbadora envolveu-o. — Sim. Sou! Isadora engatinhou para a frente, tentando livrar-se dele. Cynvelin rugiu como um animal e puxou-a para baixo.

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Então, sem perder tempo, forçou-a a ficar de costas e deixou-se em cima dela. Desesperada, Isadora tentou se virar, mas Cynvelin era pesado demais.

— Não vai fugir de mim, Isadora. Já tive paciência por tempo demais. Se não quer me aceitar, terei de possuí-la de outra forma.

Enquanto ele puxava a saia dela para cima, Isadora gritou um nome, uma prece, um pedido de socorro:

— Bryce! Enquanto esperavam os guardas abrirem os portões de Annedd Bach, Bryce

olhou primeiro para o sol poente, depois para Urien Fitzroy, vestido e encapuzado como um padre.

Uma dúvida imensa o invadiu. Sabia que deveria estar satisfeito por ter um guerreiro tão corajoso a seu lado, mas talvez tivesse sido melhor trazer um padre de verdade do mosteiro.

Fitzroy montava uma das mulas dos religiosos, mas o porte e a forma de montar eram de um guerreiro experiente. Madoc e os outros poderiam perceber que havia algo errado.

Quando os portões se abriram, Bryce sentiu um grande alívio. Para sua alegria, o guarda do primeiro portão era um dos mais tolos que Cynvelin tinha. O homem sorriu e acenou para eles. Assim que atravessaram, Bryce e Fitzroy desmontaram, enquanto o resto da guarda entrava.

— Cynvelin está no salão? — perguntou Bryce a um dos sentinelas, seguido de perto por Fitzroy,

O homem examinou Fitzroy dos pés ã cabeça e não respondeu. — Onde está Cynvelin? — insistiu Bryce, chamando a atenção para si. O soldado deu de ombros. De repente, Bryce ouviu seu nome num grito feminino e ergueu os olhos para o

quarto de onde vinha o ruído. Tudo o mais desapareceu. Ele se esqueceu de Fitzroy, da guarda e dos homens do barão esperando na floresta do lado de fora de Annedd Bach.

Quando reconheceu a voz de Isadora, sacou a espada que o barão tinha lhe dado e correu para o quarto. A medida que se afastava, percebeu uma confusão se for-mando no pátio, mas não deu importância. Desesperado, entrou na ala dos dormitórios, subiu a escadaria de dois em dois degraus e sacou com a mão esquerda o punhal que Fitzroy lhe dera. Assim que chegou ao nível do quarto, empurrou a porta, atirando para os lados os móveis que estavam no caminho. A cena que viu deixou-o petrificado de terror.

Isadora estava no chão, com as pernas afastadas, e Cynvelin, sobre ela. Apavorada, Isadora gemeu e ergueu o rosto ferido.

Ela estava viva. Graças a Deus! Cynvelin ergueu-se um pouco, lutando com os laços da calça, sem tirar os

olhos da espada que jazia no chão, perto de seu pé. Clássicos históricos

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— Animal! — berrou Bryce. Todos os seus instintos lhe diziam para atacar, mas ele sabia que não podia colocar Isadora em risco e na mira de um covarde como Cynvelin.

Ela avançou para ele com as unhas quebradas e a ponta dos dedos sangrando de tanto rasparem no chão e sussurrou seu nome.

Como uma bênção. Como um perdão. Com amor. De repente, Bryce entrou numa espécie de transe. Nada mais importava. Tinha de exterminar o inimigo e salvar a mulher que amava. Determinado, pegou a mão de Isadora e ajudou-a a se levantar. Com a outra mão, ela segurou o que havia sobrado do vestido.

— Vá, milady — implorou ele, protegendo-a com o próprio corpo. — Vá e deixe esse desgraçado comigo.

Nesse momento, Cynvelin pegou a espada e empunhou-a. — Corra, milady! Seu pai está esperando do lado de fora dos portões! — gritou

Bryce, quando Cynvelin começou a se erguer. Isadora correu até a porta. Quando chegou ao limiar, virou-se. — Chegou tarde demais, Frechette — disparou Cynvelin. — Você sempre

chega tarde demais. — Não — sussurrou Isadora atrás dele. — Não é tarde demais para salvar

minha honra e minha vida. Animado pelas palavras dela, Bryce empertigou-se e encarou o inimigo com

desprezo. — Ela vai comigo, Cynvelin, mas primeiro vou matar você pelo que fez e pelo

que tentou fazer. Com cuidado, Bryce virou-se por um milésimo de segundo e olhou para

Isadora. — Agora vá, milady. Seu pai está nos portões ou talvez já esteja até aqui

dentro, pelo barulho que estamos ouvindo. Isadora estava preocupada demais com o que acontecia dentro do quatro para

perceber o mundo a sua volta, mas, sim, ouvia ruídos de batalha. O fato de saber que o barão estava lá embaixo deixou-a tentada a escapar correndo... mas não iria. Não sem Bryce.

— Foi por isso que aceitei sua última missão, Cynvelin — disse Bryce. — Eu tinha outras ideias em mente.

Isadora não havia se enganado ao confiar nele. Bryce fora buscar seu pai e voltara para salvá-la.

— Você está mentindo, Frechette! O barão nunca arriscaria a segurança dela desobedecendo minhas ordens.

Agarrada ao vestido rasgado, Isadora observou apreensiva os dois homens se enfrentando sob a luz fraca do fim do dia. Logo estaria escuro demais para que conse-guissem se ver.

— Acha que pode dar ordens a um homem assim? — perguntou Bryce. Clássicos históricos

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— Depois que eu matar você, terei de mandar minhas condolências ao barão DeGuerre e a sua bela esposa, sua irmã.

— É uma pena que não haverá ninguém para lamentar a sua morte, Cynvelin. De repente, Cynvelin avançou e chutou Bryce. Isadora deu um grito, e Bryce

recuou, porém, mesmo assim, a lâmina da espada atingiu-o no braço. Com o golpe, Bryce largou a arma, que caiu ao chão.

Apesar da dor, ele não soltou o punhal. — Eu deveria ter imaginado que você usaria os pés, Cynvelin. O nobre gaulês olhou para Isadora, petrificada e de olhos arregalados. — Ficou para descobrir de uma vez por todas quem é o melhor homem,

querida? — Voltou os olhos para Bryce. — Você quebrou o braço. Largue a arma. Acabou.

Se ao menos a espada tivesse caído mais perto dela, pensou Isadora, desconsolada. Mas estava do outro lado do aposento. De repente, ela viu a estaca de madeira ao lado da cama quebrada.

Bryce seguiu o olhar dela. — Vá, Isadora! Ele estava desesperado de dor por causa braço quebrado e até conseguia sentir

os ossos roçando um no outro. No entanto, apesar da agonia, tinha de manter a atenção de Cynvelin sobre si, porque Isadora não havia saído. Ela estava de joelhos, tentando pegar alguma coisa debaixo do leito. Seria a espada? Não. A espada estava do outro lado.

— O barão veio comigo, Cynvelin. E trouxe companhia. Cynvelin avançou de novo, pronto para atacar. — Você acha que tenho medo dele, ou do filho, ou daquele bastardo, o tal

Dylan? — Ele trouxe Urien Fitzroy e Hu Morgan. — Os dois? — Cynvelin estreitou os olhos. — Seu mentiroso desgraçado! — Eu é que estou olhando para o mentiroso desgraçado. — Bryce se

aproximou. Cynvelin estava em vantagem, porque a espada era mais longa, mas Bryce

conhecia várias formas de desarmar um homem com um punhal. De repente, Isadora levantou-se e, antes que Bryce visse o que tinha nas mãos,

ela avançou e golpeou Cynvelin. O gaulês gritou e cambaleou, enquanto ela recuava. Então, ele ergueu a espada

para atacá-la. Em um milésimo de segundo, Bryce passou o braço quebrado pelo pescoço do nobre e golpeou-o com o punhal, apesar da dor lancinante que sentia.

Cynvelin debateu-se, tentando se livrar, mas Bryce puxou o punhal para cima, ferindo-o mortalmente- Só então soltou-o, louco de dor pelo braço quebrado.

Cynvelin caiu de joelhos e largou a espada, sem fôlego.

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Isadora correu para os braços de Bryce, que envolveu-a com força com o braço bom. Nunca mais se separaria dela.

Nesse momento, Cynvelin virou-se para eles, ainda de joelhos. Bryce olhou-o e concluiu que não perderia mais tempo com ele. Então, caminhou para a porta, sem soltar Isadora.

Cynvelin tentou sorrir pela última vez, mas um filete de sangue escorreu por sua boca, e ele caiu para a frente, morto.

— Não vamos ficar aqui. — Bryce enrolou-a num cobertor. — Venha. Isadora tocou-o no peito, detendo-o. — Ouça. Não havia o menor ruído vindo do pátio abaixo deles. !Madoc e os outros soldados de Cynvelin tinham lutado com bravura. Em vão.

A guarda do palácio enfrentou-os de igual para igual, surpreendendo-os. Depois, vieram os homens do barão, que terminaram o serviço,

— Irei embora daqui enquanto posso — disse Madoc a Twedwr, que estava ferido perto dos portões. — A vida de Cynvelin não vale a nossa.

Twedwr assentiu, e os dois correram para o portão até serem detidos pela figura imponente que apareceu com o manto rasgado e uma espada ensanguentada em punho.

— Se eu fosse vocês, largaria as armas agora mesmo! — gritou o estranho, com a voz grave ecoando nos muros do castelo. Sorriu, e o sorriso de desdém iluminou o olho descoberto.

— Barão DeLanyea! — exclamou Madoc. De repente, foi como se o vento parasse, e todos os ruídos de luta cessaram

como que por encanto. Madoc jogou a espada longe. — Tenha piedade, milorde! — pediu, de joelhos. — Somos soldados honrados

e estamos dispostos a dar a vida pelo País de Gales! Twedwr imitou o gesto de Madoc e, de repente, todos os guardas de Cynvelin

compreenderam quem eram os soldados recém-chegados. O barão olhou com asco para os homens. — Será uma desgraça para o País de Gales se algum dia precisar de sujeitos

como vocês para defendê-lo. — Avançou para o centro do pátio. — Onde está minha filha?

— Papai! O barão virou a cabeça e viu Isadora enrolada num cobertor saindo de dentro

de um dos prédios do castelo. Aliviado, abriu os dois braços e envolveu-a. De imediato, ela desatou num pranto convulsivo.

— Graças a Deus, filha! Obrigado, Senhor! !! Clássicos históricos

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QUINZE !!Bryce ficou parado na entrada do prédio, segurando o braço quebrado e

assistindo à reunião de Isadora com o pai. Agora que ela estava salva, e Cynvelin, morto, estava se sentindo leve. Ou

vazio, porque, de uma forma ou de outra, sabia que, apesar de tudo ter acabado bem, era um dos culpados pelo tormento dela.

O que importava se tinha sido enganado? Deveria ter ouvido o que Isadora dissera desde o início. Afinal, o que era um título de cavaleiro comparado ao suplício de uma dama?

Infelizmente, o que fizera para resgatá-la não parecia nem de longe suficiente para compensar tanto sofrimento e, apesar de Isadora ter olhado para ele como quem olha para um salvador, isso não bastaria para apagar tudo o que Bryce fizera antes.

Griffydd, Fitzroy e Morgan foram para perto do barão seguidos de perto por Dylan, ainda de espada em punho, pronto para mais luta.

Bryce não pertencia àquele grupo. Não pertencia a lugar nenhum. — Onde está Cynvelin? — perguntou o barão. Bryce respirou fundo e foi até

os homens reunidos no pátio e até Isadora, que ainda estava abraçada com o pai. — Morto, no quarto, milorde. — Então vamos viver em paz — disse o barão, contente. — E quanto a esses outros? — Dylan apontou na di-reção de Madoc e seus

companheiros. — Mais tarde decidiremos o que fazer com eles, filho. Por enquanto, coloque-

os nas barracas, com nossos homens vigiando. O barão olhou cheio de ternura para a filha, que permanecia grudada nele. — Venha, Isadora. Então, protegida pelos braços fortes do pai, ela atravessou os portões. Dylan guardou a arma, desapontado, e uniu-se a Fitzroy e Morgan, atrás do

barão. Bryce permaneceu estático. Isadora nem olhara para ele. Não os seguiria. Não

tinha o direito de juntar-se a eles. Não tinha o direito de achar que Isadora veria nele mais do que alguém que corrigiu o próprio erro.

Ela não lhe devia nada. Nem mesmo uma palavra gentil. — Seus homens devem ser fonte de orgulho para você. Bryce virou-se. Não

percebera Griffydd DeLanyea se aproximando. — Os monges de St. David vão cuidar de seu ferimento, Frechette. Deixe um

de seus homens encarregado do castelo e venha conosco para o mosteiro.

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Bryce sabia que não poderia descuidar do braço, ou o ferimento nunca cicatrizaria, podendo até piorar.

Mas havia outra razão, ainda mais forte, para ir para lá. Ficaria perto de Isadora, pelo menos mais um pouco, antes que se separassem para sempre.

Assim, assentiu e procurou Ermin, que estava reunido com os demais soldados da guarda. Bryce fez um sinal para que ele se aproximasse.

Ermin avançou, ansioso. — Pois não, milorde! Bryce ignorou o uso do título que ele não tinha. — Vou deixá-lo como responsável pelo castelo. Ermin fez uma mesura

respeitosa. — Vamos manter aqueles sujeitos mais confinados que noviças num convento,

milorde! O senhor precisa ir logo para o mosteiro para ver esse braço! Vá tranquilo. Tomarei todas as providências para seu retorno.

Volta?, pensou Bryce, enquanto atravessava os portões de Annedd Bach com Griffydd. Jamais voltaria, a não ser para pegar sua espada e seus poucos pertences. Não queria ter mais nada a ver com Annedd Bach, da mesma forma que imaginava que Isadora não queria ter mais nada a ver com ele.

Na tarde seguinte, Bryce sentou-se num banquinho e tentou cochilar na barraca erguida pelos homens do barão do lado de fora do Mosteiro de St. David.

O braço fora desinfetado e imobilizado depois de muitos xingamentos por parte de Bryce e muito constrangimento por parte da enfermeira. O monge que o acomodara dissera que a barraca pertencia a Griffydd, filho do barão, mas que ele ficaria acomodado ali, já que Griffydd, o pai e os demais membros do grupo permaneceriam alojados no mosteiro.

Griffydd DeLanyea, a julgar pela simplicidade de sua barraca, era descendente direto dos espartanos. Os únicos móveis eram uma cama e um banquinho.

Bryce não se incomodava com a falta de luxo. Não desejava bens materiais, honras ou títulos. Não mais. Não se não podia ter o amor de Isadora.

Não a vira ou soubera dela desde que deixaram Annedd Bach, mas aquilo não chegava a ser uma surpresa.

De repente, um noviço bastante nervoso enfiou a cabeça na abertura da barraca. — Com licença, senhor. — Pois não. — O barão quer vê-lo assim que for conveniente para o senhor. — Posso vê-lo agora mesmo. — Bryce levantou-se. Não tinha nada mais a

fazer além de ir até Annedd Bach e pegar suas coisas. Sern perder tempo, seguiu o jovem de túnica preta pelos corredores imponentes

e através do portão. Quando prosseguiram em direção ao grande edifício de pedra, ele aproveitou para examinar o pátio, os jardins e as passagens. Isadora não estava em lugar algum. Clássicos históricos

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Assim que chegaram ao salão, o noviço deixou-o próximo â porta e saiu, nitidamente aliviado.

A razão do nervosismo logo ficou clara. O barão estava sentado na mesma cadeira de carvalho da outra vez, acompanhado por Dylan DeLanyea, Fitzroy e Morgan. O grupo parecia compor uma junta de imponentes e nobres juizes.

— Frechette! Seja bem-vindo! — disse o barão, quando Bryce se aproximou. — Barão... — Bryce fez uma mesura respeitosa. — Temos um probleminha aqui que exige sua atenção. — Desejo muito ajudá-lo, barão, mas primeiro gostaria de saber como está

lady Isadora. — Não era um pedido difícil de ser satisfeito. Ele, sem dúvida, raciocinaria melhor depois que soubesse se ela estava bem.

O barão olhou para os homens, como se já esperasse por aquela pergunta. — Minha filha está bem, obrigado. — Não fiz nada além do que um homem honrado faria, milorde, e, para minha

tristeza, muito menos que isso no começo. — Ela está disposta a esquecer todos os detalhes de sua participação naquela

história terrível. — Milady é uma mulher generosa, milorde, graças ao senhor. — Isadora acha que você poderia ser motivo de orgulho para mim. Bryce franziu o cenho, confuso. — Como assim, milorde? — Bem, Frechette, como eu era o suserano de Cynvelin, cabe a mim... — O senhor não poderia ser — interrompeu Bryce, atordoado com a revelação.

— Cynvelin teria me contado e... Ele parou de falar e corou quando viu a expressão do barão endurecer. — Desculpe-me a interrupção, milorde. — Eu deveria ter sabido que Cynvelin não cuidaria com o devido respeito de

minhas coisas. — Sem dúvida. — Foi por isso que decidi vir a Craig Fawr, e foi por isso que ele ficou

aborrecido quando o mandei embora. Na ocasião, Cynvelin soube que não conseguiria mais nada de mim. Quando eu soube quem ele era, deveria ter cassado todos os títulos e terras, mas achei que isso poderia torná-lo ainda mais perigoso. Imagine um homem como Cynvelin vagando pelo país como um lobo faminto. Entretanto, parece que todos nós subestimamos a capacidade dele de ser perverso.

— E os homens de Cynvelin? — Enforcamos todos esta manhã — anunciou Dylan. Bryce olhou para o

barão, e ele suspirou. — Mesmo sem o líder, cachorros loucos não podem ficar livres, como eu tive

de aprender.

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— Sim, milorde. — Havia sido um julgamento cruel, mas Bryce sabia quem eram os soldados de Cynvelin e que o barão tinha razão. Se os deixasse soltos, haveria uma nova onda de estupros, roubos e assassinatos.

— Agora, vamos falar de assuntos mais agradáveis. Quero lhe dar uma recompensa por sua ajuda na recuperação da minha filha.

— O senhor não tem de me recompensar, barão. Na verdade, eu não mereço. Emryss abafou uma risada com a mão. — Sua humildade é comovente, Frechette. Eu estava pensando em um título e

uma pequena propriedade. Acho que algo do tamanho de Annedd Bach seria apropriado, se você jurar lealdade a mim.

Uma grande excitação percorreu Bryce, mas nada comparado ao que poderia ter sido em outras circunstâncias.

— Entendo sua hesitação, Frechette. Você não me conhece bem, e, depois de ter cometido um erro não grave, não quer repeti-lo. Também pretendo ter o cuidado de condicionar minha oferta a um prazo, no qual pretendo conhecê-lo melhor. Minha proposta é a seguinte: vou deixar Griffydd e Dylan responsáveis por Annedd Bach, por enquanto, e você irá conosco para Craig Fawr. Se ao final da viagem ambos estivermos satisfeitos com a ideia de uma aliança, concederei a você o título de cavaleiro e lhe farei meu suserano em Annedd Bach.

Bryce olhou para os outros, que não pareciam nada surpresos com as palavras do barão. Decerto, Emryss já discutira o assunto com o grupo antes. O curioso era que nenhum deles parecia aborrecido ou irritado, numa prova de que aprovavam a decisão e a escolha.

— Milorde, fico muito agradecido com sua oferta de um título e uma propriedade. Eu...

— Frechette — interrompeu-o o barão, com uma ponta de culpa na voz grave. — Confiei em você quando a vida de minha filha estava em jogo. Você cometeu um erro. Eu cometi erros da mesma forma que todos aqui. Não vamos nos torturar com eles. Ergamos a cabeça e recomecemos a partir de hoje.

— Sim. Chorar sobre o leite derramado é coisa para mulheres — disse Morgan, com um sorriso nos olhos.

— Como você mesmo vai acabar descobrindo. — Fitzroy tentou disfarçar o sorriso.

Um título de cavaleiro e uma propriedade... coisas que Cynvelin também prometera.

Bryce pensou nos primeiros dias em Annedd Bach e em tudo o que acontecera depois. A confiança que conquistara dos membros da guarda sempre seria motivo de orgulho, mas as lembranças de Cynvelin ficariam ali para sempre.

— Milordê, considerarei a possibilidade de aceitar o título de cavaleiro, mas não posso aceitar Annedd Bach.

O barão DeLanyea olhou-o, aturdido. Clássicos históricos

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— Você vai "considerar a possibilidade'? — O velho nobre franziu o cenho, perturbado. — E será que eu tenho o direito de saber por que minha generosidade está sendo recusada?

— Quero tentar esquecer o que houve lá. "E, na certa, Isadora pensa da mesma forma", concluiu, desesperado. — Sei... — O barão olhou-o de uma forma tão intensa que Bryce teve certeza

de que as razões da recusa estavam tatuadas em sua testa. Emryss sorriu. Bryce corou, mas não disse nada. — Respeito seus sentimentos, Frechette, mas me sinto na obrigação de alertá-

lo para não tomar decisões apressadas. — Sim. — Morgan estava sério. — O barão nunca age por impulso, não é,

companheiros? — Eu não faria críticas se fosse você, Hu. — O barão olhou, divertido, para o

amigo. Então, virou-se de novo para Bryce: — Não dê sua resposta agora. Espere até chegarmos a Craig Fawr.

— Muito bem, milorde — respondeu Bryce, humilde. Entretanto, estava convencido de que, depois que partisse, nunca mais poria os pés em Annedd Bach.

Assim como sabia que, no momento em que se despedisse de Isadora, jamais tornaria a vê-la. Incomodado, tentou afastar essa ideia da cabeça.

— Então, Bryce Frechette, você irá conosco para Craig Fawr?! — Dito daquela forma pelo barão, era mais uma ordem que um pedido. — Estou certo de que, se concordar em nos acompanhar, minha filha vai ficar satisfeita.

— É mesmo? — Bryce pigarreou, nervoso. Sabia que estava parecendo um menino impaciente, mas sentia-se tão feliz em ouvir aquela palavras... — Será um prazer acompanhá-los, lorde DeLanyea.

O barão sorriu e, de repente, o rosto de guerreiro im-batível ficou mais parecido com o de um menininho sapeca.

— Fico contente que tenha concordado, Frechette. Caso contrário, Isadora usaria meu couro para fazer sapatos.

Bryce retribuiu o sorriso, satisfeitíssimo por saber que Isadora se importava com o que aconteceria com ele. Da mesma forma que se importaria com qualquer um que tivesse ajudado numa situação tão crítica.

Se ao menos pudesse falar com ela... Os homens se levantaram. — Já que está tudo certo por aqui — declarou Morgan —, é hora de Fitzroy e

eu voltarmos para nossas mulheres. — Vou acabar tendo de reeducar meus filhos se passar mais tempo aqui —

acrescentou Fitzroy. — Porque, ao contrário de um certo jovem DeLanyea, eles são quase tão desastrados e tolos quanto meu amigo Morgan era.

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— Mentiroso! — gritou Morgan — Você nunca será capaz de dar a eles o treinamento que eu tive.

— Não. Mas pode ter certeza de que vou tentar. — Vocês estão me provocando, amigos? — indagou o barão. — Fitzroy é um

cavaleiro muitíssimo bem treinado. Disso não há dúvidas. — Se vão ficar aí brincando, vou partir para Annedd Bach. O barão riu das

palavras de Dylan, e Bryce concluiu que seria maravilhoso ter tanta camaradagem em torno de si. Emryss e Morgan se

abraçaram. — Muito obrigado por sua ajuda, Hu. Morgan sorriu, mas havia algo solene em sua expressão. — Você sabe que basta pedir, e eu sempre estarei a seu lado, Emryss. O barão assentiu e virou-se para Fitzroy. — Muito obrigado a você também, Urien. Fitzroy deu de ombros, discreto. — Barão? — Bryce não queria parecer desesperado, mas temia que, se não

perguntasse logo, perderia a oportunidade. — O senhor me permite falar com sua filha hoje?

— Permito, Frechette. Mas acho melhor você esperar que ela peça para conversar.

— Milady não pediu? O barão sorriu. — Não me olhe assim, Frechette. Tenho certeza de que Isadora o chamará em

breve. Bryce suspirou, aliviado, mas arrependeu-se de imediato. Não deveria

demonstrar seus sentimentos daquela forma, na frente de outros homens. Mais controlado, meneou a cabeça.

Dylan comentou alguma coisa em gauiês que fez Morgan e o barão sorrirem, apesar de o pai de Isadora estar tentando parecer sério.

Fitzroy olhou para Bryce com o canto do olho e falou: — Às vezes, nós, normandos, temos de nos unir. Dylan, conte-nos o que você

disse de tão engraçado. — Dylan afirmou que os normandos são ágeis para lutar e lentos em todo o

resto. — Morgan piscou para Fitzroy e Bryce. — Os normandos são ágeis para comprar uma briga e cautelosos sempre que

necessário. — Fitzroy fingiu-se ofendido. — Chega, chega, meninos! — O barão dirigiu-se a todos. — Deixem Frechette

em paz para cuidar dos assuntos do coração como quiser. Ele vai para o norte conosco, e isso já é o bastante.

Nesse momento, o barão deixou o salão acompanhado por Morgan e Fitzroy, e Bryce ficou observando, maravilhado, a aparente aprovação do velho nobre.

Dylan parou no limiar da porta, virou-se, examinou Bryce da cabeça aos pés e sorriu. Clássicos históricos

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— Você não perde por esperar, Frechette. — E saiu em seguida. Um pouco mais tarde, as vozes dos monges começaram a ecoar por todas as

paredes do mosteiro em cantos calmos e melodiosos. Apesar disso, Isadora não conseguia manter a fleuma. Aflita, caminhou dezenas

de quilómetros torcendo os dedos e mordendo o lábio pelo minúsculo quarto de hóspedes. Sabia que o pai convocara Bryce Frechette para um encontro e sabia o que ele ia perguntar.

O problema era que estava muito incerta sobre as respostas de Bryce para fazer parte da reunião.

Depois de tudo o que houvera entre eles, não se surpreenderia com uma recusa. Seu comportamento inadequado fizera Cynvelin acreditar que poderia raptá-la sem maiores consequências. Por causa disso, Bryce participara de algo que o envergonhara.

Ele era um homem honrado e decerto ficaria perturbado. Era bem provável que recusasse tudo e partisse. Para piorar, Bryce não pedira para vê-la desde que che-garam ao mosteiro. Considerando o que passaram, ele deveria imaginar que Isadora ficaria feliz em vê-lo. Na verdade, ela ficaria mais do que feliz.

Porque o amava. Depois do resgate, quando fora com o pai para o St. David, chegara a pensar

que seus sentimentos por Bryce se devessem mais ao alívio e à situação do que a algo verdadeiro. Mas a impressão durara pouco tempo.

Quando o vira pela primeira vez no castelo de Melevoir, ficara intrigada com a mistura de silêncios e revelações que ele demonstrara. A admiração crescera quando vira o excelente líder que Bryce era.

Se conseguissem esquecer Cynvelin e suas maldades demoníacas, se Bryce aparecesse e lhe desse esperanças, se considerasse a possibilidade de tê-la como esposa...

De repente, alguém bateu na porta. Isadora pulou de susto e correu para abrir, com o coração aos saltos.

Seu pai, e não Bryce, estava à soleira, com uma expressão um tanto perturbada. — Ele vem? — perguntou ela, ansiosa. — O que você faria se Bryce

recusasse? Por um momento, Isadora sentiu uma dor tão aguda que pensou que fosse

morrer. Depois, percebeu algo no olhar do pai, e a tristeza foi substituída por uma excitação de igual tamanho.

— Bryce disse que sim! — Abraçou o pai. — Obrigada! Obrigada por ter pedido! Você não vai se decepcionar. Eu garanto que ele é um homem bom e confiável.

— Parece ser. — E um dos melhores homens que já conheci, pai. O barão ergueu uma-

sobrancelha. Clássicos históricos

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— Você parece muito certa disso. — E estou. Você vai recompensá-lo, não vai? — Se Frechette aceitar alguma coisa de mim, sim. — Ele tem que aceitar, pois merece! — Frechette é orgulhoso, Isadora. E, às vezes, pessoas orgulhosas não gostam

de ganhar coisas de presente. Pergunte a Fitzroy e Morgan e você vai ver. — Mas Bryce fez por merecer qualquer recompensa que queiramos dar. — Acho que só há uma recompensa que ele deseja. — Então nós temos de concedê-la. Você vai dar? Emryss DeLanyea não

respondeu, porque não sabia o que faria se Bryce Frechette pedisse a recompensa que mais queria. — Você não pediu para falar com ele, filha. — Não. Não quis ser ousada. — Acha que Frechette é quem deve tomar a iniciativa? — O senhor não acha? — Depois de tudo o que aconteceu, Bryce seria deselegante e impaciente para

impor sua presença a mulher que ajudou a raptar. Um homem de bem precisa ter cer-teza de que é bem-vindo e, por isso, está esperando que você o chame.

Isadora encarou o pai. — Acha que devo mandar chamá-lo? — Pelo que vi dele, temo que Bryce Frechette seja tão honrado e inseguro

quanto à própria condição que não fará nada até estar certo de como você se sente em relação a ele. Devo dizer que se você optar por esperar mais tempo para vê-lo, a viagem de vocês será bastante desconfortável.

— E o que devo fazer? — Você o ama, Isadora? Apesar de a pergunta tê-la pego de surpresa, ela não teve dúvidas em

responder: — Amo! — E acha que Frechette a ama? — Eu... não sei. — Então, Isadora ergueu o queixo e empertigou os ombros. —

Mas espero que sim. — Quer se casar com ele? — Mais do que qualquer coisa, pai! Se Bryce pedisse minha mão, o senhor nos

daria permissão para nos casarmos, não daria? — Não gosto de admitir, mas é provável eu lhe desse permissão para se casar

até com um duende corcunda se isso a fizesse feliz. Por sorte, Bryce Frechette não é um duende corcunda.

De repente, Isadora se atirou para cima dele e abraçou-o. — Você é o melhor pai do mundo! — Bem, querida filha, acho que primeiro deve tentar descobrir se Bryce

Frechette quer se casar com você. Clássicos históricos

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— Eu vou! — Correu para fora. — Neste instante! — Isadora, você não deve... — O barão quis explicar que ela não deveria ir

correndo para encontrar-se com Bryce Frechette. Seria melhor mandar um mensageiro marcando uma hora.

Mas não teve tempo de segurar a filha, tão expansiva e voluntariosa. Quando Emryss chegou ao limiar, tudo o que viu foi a saia verde

desaparecendo no final do corredor. Resignado, suspirou. — O que sua mãe vai dizer? Que você é mesmo filha de seu pai... Então, Emryss se lembrou do brilho nos olhos de Isadora quando falara em

Bryce Frechette, e deixou escapar uma sonora e felicíssima gargalhada. — Bryce? — Isadora afastou com cuidado a lona da tenda e entrou. De repente, uma mão puxou-a e arrastou-a para dentro. — Isadora! — Bryce fez uma careta pela dor que o esforço causou a seu braço

quebrado. Precisaria de todo o autocontrole para não enlaçá-la. — O que está fazendo aqui?

Ela ergueu a cabeça e encarou-o, corando. Bryce sentiu o coração derreter de emoção.

— Prefere que eu vá embora? — perguntou Isadora, hesitante. — Pensei que talvez quisesse me ver, mas se prefere não...

— É claro que queria vê-la... se ainda puder me olhar, depois de tudo o que fiz. — Você salvou minha vida e minha honra! — Os grandes olhos verdes

brilhavam. Bryce afastou-se um pouco, segurando o braço. Estava um pouco mais

esperançoso, mas ainda tinha muito medo. — Milady, estou tão satisfeito em vê-la, que... — Está? Você está mesmo satisfeito? Bryce não conseguiu evitar o sorriso. — Muito. Muito mesmo, milady. — Por quê? Bryce engoliu em seco, sentindo o desejo bloquear-lhe a garganta. — Porque eu temia que você nunca mais quisesse falar comigo, depois que

estivesse a salvo. — Mas só estou livre por sua causa. E óbvio que eu quereria vê-lo e agradecer. — Ah, agradecer... — Bryce virou-se. Os modos dele estavam deixando Isadora cada vez mais animada e segura. — Meu pai disse que irá para o norte conosco, Bryce. É para receber sua

recompensa? — Talvez. — E acha que merece uma recompensa? Bryce voltou a encará-la, e Isadora viu que ele era mesmo muito sério. — Não, não acho. Apenas corrigi um erro. Um entre vários outros — concluiu,

amargo. Clássicos históricos

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Sem se controlar, Isadora aproximou-se dele e tocou o queixo áspero. — Se você partir e nos deixar em Craig Fawr, para onde irá? Bryce cobriu a mão dela com a sua. — Não sei, milady. Talvez para o castelo de minha irmã e do marido dela. Ou

para o norte. Ou sei lá. Enquanto acariciava a mão delicada, Bryce olhou-a com intensidade. Nesse

instante, Isadora lembrou-se do beijo e foi como se o mundo tivesse parado de repente.

— Por favor, me perdoe, milady. Eu deveria ter dado ouvidos ao meu coração, e não as palavras amáveis de Cynvelin. Assim, teria me recusado a participar daquele rapto vergonhoso. Por outro lado, ele disse que ia se casar com você.

Isadora ficou constrangida por ter sido tão dura com Bryce. — Você me salvou. Mas não vim aqui para agradecer ou ver se quer alguma

recompensa. Vim para... — Hesitou, com vergonha de encará-lo e revelar seus senti-mentos. Mas não era mais hora de recuar. — Queria que você soubesse como me sinto a seu respeito. Eu o admiro e respeito. — A voz dela reduziu-se a um sussurro. — E te amo.

Ele encarou-a. — Como? — Eu te amo. — Isadora inclinou-se e beijou-lhe a palma da mão, em sinal de

gratidão e confiança. Em resposta, Bryce prendeu a respiração e aproximou-se. Quando inclinou-se

para beijá-la de forma tentadora e gentil, Isadora não recuou. Na verdade, estava tão emocionada por ele ter arriscado a própria vida para livrá-la das garras de Cynvelin que correspondeu com alegria e prazer.

E com um desejo incontrolável. Bryce puxou-a, e foi como se o corpo dele de repente se moldasse com

perfeição a todas as curvas de Isadora. Assim que ela sentiu a língua dele em seus lábios, entreabriu-os por instinto.

Novas sensações a assaltaram. Então, com cuidado, Bryce passou os dedos nos cabelos dela, e Isadora puxou-o para mais perto, abraçando com força as costas musculosas.

De repente, Bryce parou. — Você me ama, Isadora? — Sim, você... Antes que ela conseguisse concluir, Bryce passou o outro braço em torno de

sua cintura. — Eu te amo com toda a alma, Isadora — sussurrou, rouco, com a boca

roçando as faces macias. Isadora nunca se sentira tão feliz em toda a vida, e abraçou-o até ele gemer de

dor por causa ferimento. Clássicos históricos

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— Desculpe-me, Bryce! — Pode quebrá-lo de novo. Eu não me incomodo. — Sorriu e encarou-a. —

Acho que te amo desde que a vi pela primeira vez, naquela noite, no castelo de lorde Melevoir, quando você achou que eu fosse um ladrão. Foi tão destemida!

— E você foi tão rude! Mas eu mereci. Gostaria que alguém tivesse me dito antes que tipo de reaçào meu comportamento suscitava.

— Isso não foi nada comparado ao que fiz. — E o que você fez? Foi enganado por um homem diabólico, assim como

todos nós. Mas voltou para me salvar quando poderia ter escapado. Vamos esquecer essa história e Cynvelin também. — Ergueu os olhos com um misto de recato e ousadia. — Quer se casar comigo?

— É claro que sim! — De repente, ele ficou sério. — Mas eu não tenho nada. — Você vai ter um título e uma propriedade. Bryce franziu o cenho e se

afastou. — Annedd Bach. Apesar de seu pai ter me oferecido, achei que... — Bryce

hesitou, como se estivesse procurando as palavras certas. — Vou recusar por causa de tudo o que houve lá.

Isadora foi até ele a passou a mão no braço forte. — O mal não está nos prédios, estava em Cynvelin. Seria um prazer para mim

ser a lady de Annedd Bach, se você fosse o lorde. Não havia mais nada que Bryce pudesse desejar. Entretanto, depois de tudo o

que passaram, tinha a obrigação de alertá-la. — Tem certeza, Isadora, de que seria feliz lá? — Agora vai ficar emburrado, sir? — perguntou ela, com um sorriso que,

enfim, deixou Bryce seguro. — É claro que seria feliz lá com você. Bryce amaldiçoou o ferimento em silêncio. Tudo o que mais queria na vida era

abraçá-la com força. Com cuidado, puxou-a para si mais uma vez. Isadora envolveu-o pela cintura e ergueu os olhos verdes, ainda mais brilhantes

de amor. Bryce beijou-a com a paixão contida havia tanto tempo. Isadora relaxou quase

na mesma hora em que ele sentiu sua virilidade se manifestar. Mesmo quando a mão não enfaixada desceu para acariciar as nádegas firmes, ela continuou acariciando-o nos ombros e nas costas. Inebriado, Bryce puxou-a e fez sentir a excitação que os beijos estavam lhe provocando.

Isadora abandonou os lábios de Bryce bem devagar, e ele conteve a respiração até senti-los sobre seu peito.

Aflito, engoliu em seco e rezou para que ela parasse, para que ambos pudessem recuperar o controle da situação.

— É melhor nos contermos, antes de irmos longe demais, milady. Acho que devemos esperar até a noite de núpcias.

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— Logo se vê que é um normando falando... — Isadora afastou-se um pouco e olhou-o com um sorriso sedutor. Então, aproximou-se e acariciou-o, desinibida — Não estamos na Inglaterra, sabe? Está no País de Gales, e aqui temos uma tradição.

— Outra?! — Caru yn y gwely. Ele já ouvira aquilo antes. — Eu jamais a desonraria, milady! Isadora olhou-o, bastante surpresa. — Como você ficou sabendo disso? — Cynvelin mandou que eu dissesse a seu pai que vocês já... Ela praguejou em gaulês. — Ele teria feito isso, sem dúvida. Não há nenhuma desonra, porém, se a

mulher concorda. O significado é "cortejar no leito", e isso não é vergonha nenhuma para os gauleses.

Bryce suspirou, cheio de alívio e desejo. — Quer me cortejar no leito, Bryce? Em resposta, ele sentou-se na cama estreita e a trouxe junto. — É isso o que você quer dizer? — Beijou-a de leve. Isadora meneou a cabeça. — Não. Isso e sentar-se na cama. Isto é o começo. — Beijou-lhe o queixo e

depois as duas faces. — Até agora, estou achando muito interessante. Quando Isadora inclinou-se

sobre ele, Bryce quase engasgou. — O que você está fazendo; milady?! — Cortejando-o. Espero não machucá-lo. — Cortejando? — perguntou Bryce, incrédulo. — Parece bem mais que isso. — Você quer que eu pare? — Não... sim... Não deveria ser eu a estar cortejando-a? — Sim, mas eu sou uma mulher desinibida e sem-ver-gonha, lembra? —

Isadora deslizava o dedo pelo peito largo, e cada vez mais para baixo. Com cuidado, Bryce inclinou-se um pouco e tentou abrir os laços do vestido

dela com uma mão só. Isadora sorriu, maliciosa, e deixou o corpete deslizar para baixo. Então, inclinou-se e, com as mãos apoiadas nos dois ombros dele, deixou Bryce beijar um mamilo e depois o outro. A nova sensação fez uma sequência de pequenos choques percorrerem seu corpo, deixando-a sem fôlego.

— Deus! Eu quero você, Isadora! — Então me possua! Bryce estava alucinado de desejo, mas não apressaria as coisas. Satisfaria

Isadora primeiro para que ela se esquecesse para sempre de qualquer mácula que Cynvelin pudesse ter deixado. O problema era que ficava difícil manter o controle com uma mulher tão maravilhosa e excitante. E o fato de saber que ela também o desejava o estava enlouquecendo. Clássicos históricos

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Assim, quando ela colocou-se sobre ele, Bryce não conseguiu mais aguentar. Gemendo de desejo, puxou-lhe a saia para cima.

Por um segundo, Isadora arregalou os olhos e apoiou as suas mãos sobre o tórax dele, fazendo-o parar. Bryce pensou no horror de quando ele entrara no quarto e vira Cynvelin sobre ela, tentando penetrá-la. Talvez não fosse a hora nem o lugar adequados.

De repente, ela sorriu, trémula. — Permita-me. — Sem tirar os olhos dele, Isadora ergueu os quadris e

começou a guiá-lo. — Eu quero você, Bryce, e estou muito feliz porque será o primeiro. Quando me possuir, olhe em meus olhos, e eu vou olhar nos seus. Só quero ver seu rosto, meu amor.

Bryce obedeceu, penetrou-a de leve e recuou. Ela sorriu, e ele repetiu o movimento, um pouco mais fundo.

Isadora fechou os olhos por um breve instante e abriu-os outra vez. — De novo Bryce — sussurrou, apaixonada. — Faça de novo. Com o máximo cuidado para não feri-la e para conter os próprios impulsos,

Bryce tornou a penetrá-la. — Ah, Isadora! — Mais rápido, Bryce! Era o que ele mais queria ouvir. Sem esperar mais, amou-a como um faminto,

sem nunca deixar de encará-la. De repente, Isadora arqueou o corpo para trás, deixando escapar um grito quase

selvagem. Bryce parou de tentar se controlar e entregou-se ao prazer. Segundos depois, gemendo, ele gaguejou: — Eu te amo! Amo mais que tudo! Levou alguns momentos até Bryce perceber que ela estava dizendo a mesma

coisa. Quando notou, começou a rir. Isadora riu também e deixou-se cair sobre o peito forte e suado.

— Caru yn y gwely, hein? Minha amada, eu adorei essa tradição gaulesa. Um momento depois, Isadora ergueu o rosto, fitou-o e sorriu, feliz, com os

cabelos desalinhados emoldurando-lhe o rosto. — Vou ter de lhe ensinar os outros, Bryce. — Teremos o resto de nossas vidas para isso. Enfim, Bryce encontrara o

perdão, o amor e a felicidade. !!! F I M

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