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Jurisdição do Trabalho e da Empresa
COLEÇÃO FORMAÇÃO
INICIAL
TRABALHO SUBORDINADO E TRABALHO AUTÓNOMO:PRESUNÇÃO LEGAL E MÉTODO INDICIÁRIO
Jurisdição do Trabalho e da Empresa
Coleção Formação Inicial janeiro de 2016
2.ª EDIÇÃO
3
A Coleção Formação Inicial publica materiais
trabalhados e desenvolvidos pelos Docentes do Centro
de Estudos Judiciários na preparação das sessões com
os Auditores de Justiça do 1º ciclo de Formação dos
Cursos de Acesso à Magistratura Judicial e à do
Ministério Público. Sendo estes os primeiros
destinatários, a temática abordada e a forma
integrada como é apresentada (bibliografia, legislação,
doutrina e jurisprudência), pode também constituir um
instrumento de trabalho relevante quer para juízes e
magistrados do Ministério Público em funções, quer
para a restante comunidade jurídica.
O Centro de Estudos Judiciários continua, assim, a
disponibilizar estes Cadernos, periodicamente
atualizados de forma a manter e reforçar o interesse
da sua publicação.
Ficha Técnica
Jurisdição do Trabalho e da Empresa
Viriato Reis (Procurador da República, Docente do CEJ e Coordenador da Jurisdição)
Diogo Ravara (Juiz de Direito e Docente do CEJ)
Nome: Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção Legal e Método Indiciário (2.ª
edição)
Categoria: Formação Inicial
Conceção e organização:
Viriato Reis
Diogo Ravara
Capa:
Foto: Rio Tejo visto da Sala do Piano do CEJ
Grafismo: Joana Caldeira (Técnica Superior do Departamento da Formação do CEJ)
Revisão final:
Edgar Taborda Lopes
Joana Caldeira
Nota:
Foi respeitada a opção dos autores na utilização ou não do novo Acordo Ortográfico.
Para a visualização correta dos e-books recomenda-se a utilização do programa Adobe Acrobat Reader.
O C entro de Estudos Judiciários agradece as autorizações prestadas para publicação dos textos constantes deste e-book
ÍNDICE
I – BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 13
II – LEGISLAÇÃO ................................................................................................................. 17
III – DOUTRINA .................................................................................................................. 21
“Notas sobre a eficácia temporal do art. 12º do Código do Trabalho – a propósito do
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de outubro de 2013”
Milena Rouxinol ............................................................................................................. 23
“Presunção de laboralidade: nótula sobre o art.º 12.º do novo Código do Trabalho e o
seu âmbito temporal de aplicação”
João Leal Amado ............................................................................................................ 43
“Delimitação do contrato de trabalho e presunção de laboralidade no novo código do
trabalho – breves notas”
Maria do Rosário Palma Ramalho ................................................................................ 55
“Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade”
Joana Nunes Vicente ...................................................................................................... 75
IV – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................ 87
O conceito trabalhador/a no contexto do direito da união europeia
TJUE 03-06-1986, proc. 139/85 (“Kempf”) ............................................................... 89
TJUE 03-07-1986, proc. C-66/85 (“Lawrie-Blum / Land Baden-Württemberg“) ....... 89
TJUE 05-10-1988, proc. C-196/87 (“STEYMANN / Staatssecretaris van Justitie“) .... 90
TJUE 14-12-1995, proc. C-444/93 (“Megner e Scheffel/Innungskrankenkasse
Vorderpfalz”) ............................................................................................................. 91
TJUE 12-05-1998, proc. C-85/96 (“Martinez Sala/Freistaat Bayern“) ....................... 92
TJUE 08-06-1999, proc. C-337/97(“Meeusen/Hoofdirective van den Informatie
Beheer Groep“) ........................................................................................................ 93
TJUE 06-11-2003, proc. C-413/01 (“Ninni-Orascheasche”) ..................................... 94
TJUE 04-06-2009, procs. C-22/08 e C-23/08 (“Vatsouras e
Koupatantze/Arbeitsgemeinschaft (ARGE) Nürnberg 900s”) ................................... 95
TJUE 04-02-2010, proc. C-14/09 (“Genc“) ............................................................... 96
Presunção de laboralidade – aplicação da lei no tempo
STJ 22-04-2009 (Vasques Dinis), proc. 08S3045 (aplica a lei vigente à data do início
da execução do contrato) ......................................................................................... 97
RC 19-01-2012 (Azevedo Mendes), proc. 1480/09.4TTCBR.C1 (aplica a lei vigente à
data do início da execução do contrato) .................................................................. 99
RE 26-02-2015 (José Feteira), proc. 534/13.7TTPTM.E1 (numa relação contratual
titulada por uma série de sucessivos contratos sob a forma escrita, aplica a lei em
vigor no tempo de vigência de cada um destes contratos) ...................................... 99
RP 07-10-2013 (Maria José Costa Pinto), proc. 889/12.0TTVNG.P1 (aplica a lei
vigente à data da celebração do contrato, mas subsidiariamente chega à mesma
conclusão aplicando a lei vigente à data da cessação do mesmo) ......................... 100
RL 03-12-2014 (Ferreira Marques), proc. 2923/10.0TTLSB.L1-4 (aplica a lei vigente à
data da cessação do contrato) ................................................................................ 101
RL 11-02-2015 (Alda Martins), proc. 4113/10.2TTLSB.L1-4 (aplica a lei vigente à data
da cessação do contrato) ........................................................................................ 102
RG 14-05-2015 (Antero Veiga), proc. 995/12.1TTVCT.G1 (aplica a lei vigente à data
da cessação do contrato) ........................................................................................ 102
Presunção de laboralidade – aplicação prática
STJ 19-05-2010 (Vasques Dinis), proc. 295/07.9TTPRT.S1 (presunção do Código de
2003 – versão originária) ........................................................................................ 103
RC 10-07-2013 (Azevedo Mendes), proc. 446/12.1TTCBR.C1 (presunção do Código
de 2009) .................................................................................................................. 107
RL 30-05-2012 (Paula Sá Fernandes), proc. 808/ 11.11TLSB.L1 (presunção do Código
de 2009) .................................................................................................................. 107
STJ 08-10-2015 (Ana Luísa Geraldes), proc. 292/13.5TTCLD.C1.S1 (presunção do
Código de 2009) ...................................................................................................... 108
Método indiciário – aplicação prática
Advogado/a
STJ 18-12-2008 (Mário Pereira), proc. 08S2314 (contrato de prestação de
serviços) .................................................................................................................. 110
STJ 27-11-2007 (Bravo Serra), proc. 07S2911 (contrato de trabalho) .................... 111
Consultor/a - Assessor/a
STJ 03-03-2010 (Mário Pereira), proc. 482/06.7TTPRT.S1 (contrato de prestação de
serviços) ................................................................................................................. 113
RL 11-02-2009 (Leopoldo Soares), proc. 1806/07.5TTLSB-4 (contrato de
trabalho) ................................................................................................................. 116
Desenhador/a – Projetista - Medidor/a - Orçamentista
RL 09-05-2012 (Paula Sá Fernandes), proc. 4522/09.0TTLSB.L1-4 (contrato de
prestação de serviços) ..................................................................................... 116
RC 11-03-2010 (Fernandes da Silva), proc. 1071/08.7TTCBR.C1 (contrato de
trabalho) ......................................................................................................... 117
Engenheiro/a
STJ 01-10-2008 (Pinto Hespanhol), proc. 08S1688 (contrato de prestação de
serviços) .................................................................................................................. 118
RL 16-01-2008 (Maria João Romba), proc. 2224/2007-4 (contrato de trabalho) ... 119
Jornalista - Assessor/a de imprensa
RE 08-05-2012 (João Luís Nunes), proc. 1025/10.3TTSTB.E1 (contrato de prestação
de serviços) ............................................................................................................. 120
STJ 21-01-2009 (Mário Pereira), proc. 08S2270 (contrato de trabalho)................. 121
Médico/a
STJ 12-11-2015 (António Leones Dantas), proc. 618/11.6TTPRT.P1.S1 (contrato de
prestação de serviços) ............................................................................................ 123
STJ 16-11-2005 (Fernandes Cadilha), proc. 05S2138 (contrato de trabalho) ......... 124
RC 10-07-2013 (Azevedo Mendes), proc. 446/12.1TTCBR.C1 (contrato de trabalho –
qualificação decorrente da aplicação da presunção de laboralidade do CT2009 .. 125
Enfermeiro/a
STJ 18-09-2013 (A. Leones Dantas), proc. 3/12.2TTPDL.L1.S1 (contrato de prestação
de serviços) ............................................................................................................. 125
RL 20-02-2013 (M. Celina Nóbrega), proc. 3/12.2TTPDL.L1-4 (contrato de
trabalho) .................................................................................................................. 126
Terapeuta
STJ 25-01-2012 (Pinto Hespanhol), proc. 805/07.1TTBCL.P1.S1 (contrato de
trabalho) .................................................................................................................. 127
Veterinário/a – Inspetor/a sanitário/a
STJ de 10-11-2010 (Sousa Peixoto), proc. 3074/07.0TTLSB.L1.S1 (contrato de
prestação de serviços) ............................................................................................ 128
RL de 27-01-2010 (José Feteira), proc. 3075/07.8TTLSB.L1-4 (contrato de trabalho)
................................................................................................................................. 129
Perito/a de seguradora
STJ 11-07-2012 (Fernandes da Silva), proc. 3360/04.0TTLSB.L1.S1 (contrato de
prestação de serviços) ............................................................................................ 130
RL 06-02-2013 (José Eduardo Sapateiro), proc. 3814/05.1TTLSB.L1 (contrato de
trabalho) .................................................................................................................. 131
Professor/a de Natação
STJ 02-05-2007 (Pinto Hespanhol), proc. 06S4368 (contrato de prestação de
serviços) .................................................................................................................. 133
RL 11-10-2006 (Ferreira Marques), proc. 1989/05.9TTLSB (contrato de
trabalho) ................................................................................................................. 134
Professor/a de Educação Física
STJ 28-06-2006 (Sousa Peixoto), proc. 06S900 (contrato de prestação de
serviços) .................................................................................................................. 135
STJ 26-04-2012 Gonçalves Rocha), proc. 4852/08.8TTLSB.L1.S1 (contrato de
trabalho) .................................................................................................................. 136
Professor/a universitário/a
STJ 22-04-2009 (Pinto Hespanhol), proc. 2130/06.6TTLSB.S1 (contrato de prestação
de serviços) ............................................................................................................. 137
STJ 04-05-2011 (Fernandes da Silva), proc. 10/11.2YFLSB (contrato de trabalho).138
Docente de escola profissional
STJ 16-03-2005 (Sousa Peixoto), proc. 04S4754 (contrato de prestação de
serviços) .................................................................................................................. 139
STJ 18-09-2013 (Isabel S. Marcos), proc. 2775/07.7TTLSB.L1.S1 (contrato de
trabalho) .................................................................................................................. 140
Vendedor/a - Comissionista
STJ 31-01-2012 (Gonçalves Rocha), proc. 121/04.0TTSNT.L1.S1 (conclui não ter sido
demonstrada a subordinação jurídica) ................................................................... 142
STJ 22-03-2007 (Fernandes Cadilha), proc. 07S0042 (contrato de trabalho) ......... 143
Operador/a – Supervisor/a de telemarketing
RC 21-10-2004 (Serra Leitão), proc. 2355/04 (conclui não ter sido demonstrada a
subordinação jurídica)............................................................................................. 144
RL 15-12-2011 (Maria João Romba), proc. 2233/09.5TTLSB-L1-4 (contrato de
trabalho) .................................................................................................................. 144
Mecânico/a de automóveis - ”bate-chapas”
STJ 08-05-2012 (Fernandes da Silva), proc. 539/09.2TTALM.L1.S1 (contrato
de prestação de serviços) ............................................................................................ 145
Abastecedor/a de combustíveis
RP 09-09-2013 (Maria José Costa Pinto), proc. 260/07.6TTVLR.P1 (contrato de
prestação de serviços) ............................................................................................ 146
Ministro/a de culto
RL 15-02-2012 (Leopoldo Soares), proc. 550/10.0TTFUN.L1-4 (contrato de
trabalho) .................................................................................................................. 147
STJ 16-06-2004 (Fernandes Cadilha), proc. 04S276 (inexistência de relação
contratual) ............................................................................................................... 147
Participação em “reality show”
Cour de Cassation (França) nº 1159, 03-06-2009 (contrato de trabalho) .............. 148
Registo das revisões efetuadas ao e-book
Identificação da versão Data de atualização
1.ª edição – 27/01/2016
Forma de citação de um livro eletrónico (NP405‐4):
Exemplo:
Direito Bancário [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[Consult. 12 mar. 2015].
Disponível na
internet:<URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf.
ISBN 978-972-9122-98-9.
AU TOR(ES) – Título [Em linha]. a ed. Edição. Local de edição: Editor, ano de edição. [Consult. Data de consulta]. Disponível na internet:<URL:>. ISBN.
15
Bibliografia
Amado, João Leal, “Contrato de Trabalho”, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2014, pp. 65 ss.
Fernandes, António Monteiro, “Direito do Trabalho”, 17.ª edição, Almedina, 2014, pp. 113
ss.
Gomes, Júlio Manuel Vieira, “Direito do Trabalho”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pp. 81 ss.
Leitão, Luís Menezes, “Direito do Trabalho”, 4.ª edição, Almedina, 2014, pp. 107 ss.
Martinez, Pedro Romano, “Direito do Trabalho”, 7.ª edição, Almedina, 2015, pp. 291 ss.
Ramalho, Maria do Rosário Palma, “Tratado de Direito do Trabalho - parte II – situações
laborais individuais”, 5ª ed., Almedina, 2014, pp. 19 ss.
Xavier, Bernardo da Gama Lobo, “Manual de Direito do Trabalho”, 2.ª edição, Verbo, 2014,
pp. 348 ss.
Silva, Cristina Maria Vieira da, “Trabalho subordinado vs trabalho independente”
(dissertação de mestrado), in
http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/9583/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%2
0Mestrado_Direito%20Privado_Trabalho%20Subordinado%20vs%20Trabalho%20Independ
ente_Cristina%20Silva_n.%C2%BA%2034010.pdf
Amado, João Leal, “Presunção de laboralidade: nótula sobre o art.º 12.º do novo Código do
Trabalho e o seu âmbito temporal de aplicação”, in Prontuário de Direito do Trabalho, n.º
82, CEJ/Coimbra Editora, jan-abril 2009, pp. 159 e ss.
Lambelho, Ana, “Trabalho autónomo economicamente dependente: Da necessidade de um
regime jurídico próprio”, in “Para Jorge Leite – Escritos jurídico-laborais”, Coimbra ed.,
2014, pp.433-454
1. Manuais
2. Teses e monografias
3. Artigos
16
Bibliografia
Pereira, Rita Garcia, “Casa dos segredos: Um novo templo para a subordinação jurídica?”, in
“Para Jorge Leite – Escritos jurídico-laborais”, Coimbra Editora., 2014, pp. 697-731.
Ramalho, Maria do Rosário Palma, “Delimitação do contrato de trabalho e presunção de
laboralidade no novo código do trabalho – breves notas”, in "Estudos em homenagem ao
Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida", Volume III, Almedina, 2011, pp. 561 ss. e in
“Direito do trabalho + crise = crise do direito do trabalho?”, Coimbra Editora, 2011, pp. 275
ss.
Rouxinol, Milena, “Notas sobre a eficácia temporal do art. 12º do Código do Trabalho – a
propósito do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de outubro de 2013”, in “Revista
da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto”, v. 4, n. 4 (2014), pp. 70-83
Vasconcelos, Joana, “Problemas de qualificação do contrato de trabalho - O caso das
relações estabelecidas no contexto da economia on demand entre prestadores
independentes (?) de serviços e empresas tecnológicas intermediárias (?) no mercado”,
disponível em
http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/VIIColoquio/profdrjoanavasconcelos.
Vicente, Joana Nunes, “Noção de contrato de trabalho e presunção de laboralidade”, in
“Código do trabalho - A Revisão de 2009”, Coimbra Editora, 2011, pp. 59 ss.
19
Legislação
Arts. 1152.º a 1156.º, do Código Civil
Arts. 11.º e 12.º, do Código do Trabalho
1. Legislação
23
Doutrina
NOTAS SOBRE A EFICÁCIA TEMPORAL DO ARTIGO 12.º DO CÓDIGO DO TRABALHO
A PROPÓSITO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 7 DE OUTUBRO DE 20131
Milena Silva Rouxinol
I - O Acórdão (segmento)
“O contrato que integra a causa de pedir da presente acção foi celebrado em Outubro de
2006 e perdurou até Julho de 2011.
Estando a ser discutida a qualificação do convénio celebrado entre A. e R. na vigência
do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto – em vigor desde 1 de
Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1, desta Lei) –, após as alterações introduzidas pela Lei n.º
9/2006, de 20 de Março) – em vigor desde 25 de Março de 2006 –, é à luz do quadro normativo
fixado nesta versão do Código de 2003 que a sua qualificação deve ser efectuada (artigo 12.º,
do Código Civil). Mas, uma vez que tal contrato perdurou após a entrada em vigor do Código do
Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (cuja vigência data de 17 de
Fevereiro de 2009), ter-se-á presente, também a disciplina neste estabelecida2.
(…)
Os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho (…) são: a prestação de
actividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
Como decorre do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, recai sobre o
trabalhador que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho, o ónus de
1 Processo 889/12.0TTVNG.P1; relatora: Maria José Costa Pinto. Disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os
acórdãos a que se fará referência.
2 Texto em evidência da nossa responsabilidade. Porém, o excerto foi transposto para os pontos I e II do
sumário do Acórdão, disponível na plataforma electrónica indicada na nota anterior (I – Estando a ser discutida
a qualificação do convénio celebrado na vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27
de Agosto é à luz do quadro normativo fixado no Código de 2003 que a sua qualificação deve ser efectuada. II –
Mas, uma vez que tal contrato perdurou após a entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º
7/2009, de 12 de Fevereiro haverá que ter presente, também a disciplina neste estabelecida).
Inicialmente publicado em “Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto”, n.º 4, 2014, pp. 70 e ss.
Especialmente corrigido e atualizado para o presente e-book, a fim de se ajustar às suas finalidades
24
Doutrina
alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos de tal figura
contratual.
Perante as dificuldades muitas vezes inerentes ao cabal cumprimento deste ónus, a
jurisprudência que se firmou no âmbito do Decreto-Lei n.° 49408, de 24 de Novembro de 1969
(LCT) passou a recorrer ao denominado “método indiciário”, lançando mão de vários índices –
cuja verificação tinha igualmente de ser demonstrada por quem estava onerado com o ónus da
prova do contrato – sobre os quais formulava um juízo global sobre a qualificação contratual,
extraindo a conclusão pela autonomia na prestação do trabalho ou pela subordinação jurídica, a
partir de factos índice essencialmente emergentes da fase de execução do contrato, como o local
de trabalho, o horário de trabalho, a modalidade da remuneração, a titularidade dos
instrumentos de trabalho, a eventual situação de exclusividade do prestador de serviços, o nomen
juris escolhido, o enquadramento fiscal e de Segurança Social, etc.
A partir de 2003, e com o mesmo objectivo de obviar às dificuldades de prova dos
elementos que preenchem a noção de contrato de trabalho, bem como de facilitar a operação
qualificativa nas denominadas “zonas cinzentas” entre o trabalho autónomo e o trabalho
subordinado, nesta matéria, o artigo 12º, do Código do Trabalho de 2003, na sua redacção inicial,
estabeleceu uma “presunção” de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no
preenchimento cumulativo dos requisitos nela enunciados.
Este preceito foi alterado pela Lei n.º 9/2006 – que lhe conferiu uma nova redacção,
entrada em vigor em 25 de Março de 2006 –, passando a dispor que “*p+resume-se que existe um
contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura
organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e
fiscalização deste, mediante retribuição”. Se a primeira redacção do preceito veio a revelar-se de
uma extrema exigência e trouxe pouca utilidade à presunção de laboralidade ali estabelecida,
também esta redacção se não furtou a críticas da doutrina, já que, afinal, os factos base da
presunção coincidiam integralmente com os factos cuja conclusão se pretendia alcançar com a
prova dos primeiros e ainda acrescentava mais alguns (a dependência do beneficiário da
actividade e a inserção na estrutura organizativa deste).
Actualmente, o Código do Trabalho de 2009 regressou a uma norma presuntiva com uma
estrutura semelhante à redacção originária de 2003, mas aligeirando o esforço do trabalhador
que não terá que provar cumulativamente os vários factos-base, mas apenas alguns, para que se
possa aferir a existência dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho. Assim, o
legislador acabou por estabelecer uma “presunção de contrato de trabalho” com algum sentido
útil ao prescrever no artigo 12.º que: “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho
25
Doutrina
quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela
beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele
determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da
actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação,
determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de
actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura
orgânica da empresa”.
A lei selecciona agora um conjunto de elementos indiciários, considerando que a
verificação de alguns deles bastará para a inferência da subordinação jurídica.
(…)
Caso não funcione a presunção de laboralidade prevista na lei, pelo preenchimento de um
só dos requisitos enunciados em 2009, ou porque o contrato foi firmado na vigência da redacção
introduzida pela Lei n.º 9/2006 – que verdadeiramente não estabelece uma presunção, como
acontece in casu – pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos
do contrato de trabalho tal como o mesmo se mostra definido no preceito que o define
(actualmente o artigo 11.º, do Código do Trabalho), ou caso demonstre factos que os integrem ou
que constituam índice relevante da sua verificação.
Revertendo ao caso sub judice, entendemos que a valoração global dos indícios que
emergem da matéria de facto apurada é suficiente para se concluir ter-se firmado um vínculo de
natureza laboral entre as partes”.
II - Comentário
1. Versando, nuclearmente, sobre a qualificação da relação jurídica – contrato de
trabalho ou contrato de prestação de serviço? – que o suscitou, o aresto em análise cura da
questão da aplicação no tempo da presunção de laboralidade consagrada, actualmente, no
Código do Trabalho. Se o problema da eficácia temporal das normas jurídicas, em geral, já se
apresenta assaz complexo – uma complexidade a que não são alheias as particularidades de cada
particular sector do Direito, por força, certamente, das especificidades do campo relacional a que
26
Doutrina
se dirigem –, mais desafiante ainda se mostra quando em causa estão preceitos como o do
referido artigo 12.º, cuja estrutura prescritiva escapa à das categorias de normas usualmente
reconhecidas para efeitos de determinação dos parâmetros a observar no âmbito do problema
da aplicação da lei no tempo.
Verdadeiro prius metodológico da mobilização do pertinente regime jurídico aplicável, a
qualificação da relação jurídica sub judice é ponto fulcral do labor judicial, assumindo,
naturalmente, foros de mais evidente autonomia lá onde se mostre tarefa árdua, v. g., pela
proximidade, na prática, entre duas ou mais estruturas contratuais típicas, como a do contrato
de trabalho e a do contrato de prestação de serviço. São inúmeras, por isso, as pronúncias
judiciais cuja central questão decidenda vem a ser a da qualificação da relação jurídica sobre que
incidem como contrato de trabalho ou figura afim. Donde a inequívoca utilidade prática da figura
do mecanismo da presunção de laboralidade, mas também a inultrapassável necessidade de
delimitação da respectiva eficácia temporal.
2. Uma presunção, em sentido jurídico, consiste na indução de um facto desconhecido a
partir de um conhecido, ou, noutros termos, no reconhecimento de um facto como assente a
partir da prova de um outro. Traduz-se, pois, numa modulação das regras atinentes ao ónus da
prova, designadamente no âmbito judicial: à parte interessada em provar o facto que se
presume, basta fazer prova do que o faz presumir. Demonstrado este, incumbirá, então, ao
interessado no contrário provar que, não obstante verificado o facto base da presunção, não se
verifica aquele que, a partir daí, se induziu. Eis, pois, se a presunção for ilidível, um fenómeno de
inversão do ónus da prova. No tocante à presunção de laboralidade, a mesma viabiliza ao
trabalhador, interessado, naturalmente, em que à relação que mantém com o credor da sua
actividade seja reconhecida natureza laboral, a prova da subordinação jurídica – dos três
elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho (art. 11.º, do Código do Trabalho), o
mais difícil de provar, mas, outrossim, aquele a que se reconhece verdadeira aptidão
diferenciadora do mesmo face a figuras afins3 – através da demonstração de um conjunto de
elementos, correspondentes a factos de relativamente fácil apuramento, em contraste com a
verificação do elemento subordinação jurídica, em si mesmo, o qual se salda, em rectas contas,
3Sobre o ponto, por todos, JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, “As fronteiras juslaborais e a (falsa) presunção de
laboralidade do art. 12.º do Código do Trabalho”, Nos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais –
Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Coimbra Editora,
Coimbra, 2008, volume II, pág. 931 a 989 [940 e ss.].
27
Doutrina
num conceito abstracto, por isso que, frequentemente, abstruso4. Vem-se entendendo, face à
presunção acolhida, hoje, no artigo 12.º, do Código do Trabalho, que basta a demonstração de
dois dos elementos integrantes da respectiva base5, para que, então, se induza a existência de
subordinação jurídica e, por conseguinte, contanto que demonstrados os demais elementos
constitutivos da noção de contrato de trabalho – a prestação de actividade e a respectiva
remuneração –, a natureza laboral da relação em causa.
3. O mecanismo presuntivo contemplado, hoje, no artigo 12.º, do Código do Trabalho
corresponde, na verdade, à terceira versão (a “terceira tentativa”, a que se refere JOÃO LEAL
AMADO6) de presunção de laboralidade acolhida na ordem jurídica portuguesa.
Estabeleceu-a, originariamente, o Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º
99/2003, de 27 de Agosto), reformulou-a a Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, que alterou, nesse e
noutros pontos, o Código então vigente, e voltou a reformá-la, então, o legislador de 2009.
O problema da aplicação no tempo da presunção de laboralidade decompõe-se, assim,
em tantos vectores quantos os marcos temporais destrinçáveis nesta sucessão legislativa:
(i) iniciada a vigência do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, a
(primeira versão da) presunção de laboralidade haveria de aplicar-se somente às
relações constituídas daí em diante, ou outrossim às já anteriormente
estabelecidas mas ainda subsistentes?
(ii) com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2006 e, portanto, da nova versão da
presunção de contrato de trabalho, esta aplicar-se-ia somente ex nunc ou
igualmente às relações jurídicas que, conquanto ainda perdurassem, se tivessem
encetado antes do início de vigência do diploma?
(iii) finalmente, às relações jurídicas estabelecidas antes da entrada em vigor da Lei
n.º 7/2009, que aprovou o actual Código do Trabalho e a nova presunção de
laboralidade, deve aplicar-se esta última ou as ferramentas de qualificação
4 Sobre o modus operandi da presunção de laboralidade, cfr., entre outros, JOANA NUNES VICENTE, “Noção de
contrato de trabalho e presunção de laboralidade”, Código do Trabalho – A revisão de 2009, AA.VV (coord.
Paulo Morgado de Carvalho), Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 59 a 73 [61 e ss.], e, referindo-se ao ao
quadro normativo anterior ao Código do Trabalho actualmente vigente, mas com interesse, A fuga à relação de
trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 122 e ss., e
também, JOÃO LEAL AMADO, Contrato de trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, 4.ª edição, pág. 89 e ss.
5 Por exemplo, JOANA NUNES VICENTE, “Noção…”, cit., pág. 64.
6 “Presunção de laboralidade: nótula sobre o art. 12.º do novo Código do Trabalho e o seu âmbito temporal de
aplicação", Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 82, 2009, pág. 159 a 170 [165].
28
Doutrina
vigentes à data da respectiva constituição? Uma vez que versa sobre um contrato
celebrado na vigência da segunda versão da presunção e extinta já depois da
entrada em vigor da terceira, o aresto em análise situa o problema em termos
reconduzíveis à interrogação (iii). Verdadeiramente, porém, o essencial da
resposta não varia consoante o ponto diacrónico em que nos situemos. Nesse
pressuposto assentaremos as considerações que se seguem.
4. Quanto ao aspecto que nos convoca, o aresto em estudo analisa-se em duas nucleares
afirmações: (i) a de que à relação jurídica em causa deveria aplicar-se a norma presuntiva vigente
à data da respectiva constituição (a segunda versão da presunção, decorrente da Lei n.º 9/2006);
(ii) a de que, não obstante assim ser, deveria, outrossim, “ter-se presente” o estabelecido, a esse
respeito, no Código em vigor à data da sua extinção. A primeira posiciona o Acórdão sob
apreciação na linha daquela que vem sendo, sobre o ponto, a jurisprudência maioritariamente
seguida, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça7. A segunda pareceria, numa primeira
leitura, modular esse entendimento, sugerindo, afinal, enveredar este Acórdão por caminho
distinto, até certo ponto, do que vem sendo traçado por aquela tendência jurisprudencial. Ver-
se-á, porém, que só aparentemente assim é. Em rectas contas, o aresto em análise mantém-se
fiel ao entendimento segundo o qual a(s) norma(s) consagradora(s) da presunção de laboralidade
não se aplica(m) senão ex nunc. É outro, que não o de qualquer enviesamento da clareza desse
pressuposto, o significado da aludida segunda conclusão enunciada no Acórdão. Vê-lo-emos.
4.1. Na esteira da posição já assumida por JOÃO LEAL AMADO8 e para a qual se inclinava
também JOANA NUNES VICENTE9, confessamos sérias reservas em acompanhar a jurisprudência no
entendimento segundo o qual a norma consagradora da presunção de laboralidade não teria
eficácia retrospectiva, no sentido de poder aplicar-se a relações já anteriormente constituídas
mas ainda vigentes à data da sua entrada em vigor.
A questão da aplicação no tempo de normas como aquelas a que nos referimos é
duvidosa, já o antecipáramos, em razão, sobretudo, da sua especial natureza. Não é por acaso,
7 A título de exemplo, refiram-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Agosto de 2008
(processo n.º 08S1426; relator: Alves Cardoso), de 18 de Dezembro de 2008 (processo n.º 08S2572; relator:
Pinto Hespanhol), de 14 de Janeiro de 2009 (processo n.º 08S2578; relator: Pinto Hespanhol), ou de 5 de
Fevereiro de 2009 (processo n.º 07S4744; relator: Mário Pereira); ou de 20 de Novembro de 2013 (processo n.º
2867/06.0TTLSB.L2.S1; relator: Mário Belo Morgado).
8 “Presunção de laboralidade…”, cit., pág. 166 e ss.
9 “Noção…”, cit., pág. 68 e ss.
29
Doutrina
aliás, que, debruçando-se sobre o problema da eficácia temporal das normas jurídicas, a doutrina
dedica considerações suplementares às que corporizam presunções10. Com efeito, após
estabelecer o princípio geral segundo o qual a lei somente dispõe para (o presente e) para o
futuro, o artigo 12.º, do Código Civil, que - logo de seguida - refere a possibilidade de,
diversamente, as normas abrangerem situações jurídicas anteriormente constituídas, opera uma
classificação das mesmas em dois tipos – as que respeitam a condições de validade formal ou
substancial dos factos e consequências disso mesmo; as que dispõem sobre o conteúdo das
relações jurídicas –, para estatuir que as primeiras não têm aplicação retrospectiva, mas tê-la-ão
as segundas, desde que abstraiam dos factos que originaram as situações jurídicas em causa.
Ora, “em bom rigor, a norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que
directamente disponha sobre os requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos
de uma situação jurídica contratual”11. Ainda assim, adiantemo-lo desde já, pensamos que, a
aproximar-se a norma que acolhe a presunção de um dos dois referidos tipos de preceitos,
melhor se enquadraria no âmbito dos que dispõem sobre os efeitos, ou o conteúdo, das relações
jurídicas, do que no universo dos referentes à matéria das condições de validade. É que a
regulação dos efeitos de um contrato de trabalho, que correspondem, grosso modo, a um
conjunto de normas de carácter imperativo, depende, justamente, da respectiva qualificação
como tal – portanto, da mobilização da presunção de laboralidade12.
Em todo o caso, será necessário ir mas longe, procurando compreender a razão subjacente
ao conjunto de soluções estabelecidas naquele artigo 12.º, do Código Civil, bem como o
fundamento da relativa especificidade, também neste ponto, do ordenamento jurídico-laboral.
Será necessário, por outras palavras, perceber o alcance das “duas funções diferentes” do Direito
– “uma função estabilizadora, capaz de garantir a continuidade da vida social e os direitos e
expectativas legítimas das pessoas, e uma função dinamizadora e modeladora, capaz de ajustar a
ordem estabelecida à evolução social e de promover mesmo esta evolução num determinado
sentido”13. À luz daquela primeira, bem se vê por que razão a matéria relativa às condições de
validade dos actos deve reger-se sempre pela lei vigente à data da sua prática, tal como
facilmente se compreende que, por princípio, os estatutos contratuais – exprimindo “um certo
10
Veja-se JOÃO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil – Casos de aplicação
imediata. Critérios fundamentais, Almedina, Coimbra, 1968, pág. 273 e 274.
11 JOANA NUNES VICENTE, “Noção…”, cit., pág. 70.
12 Evidenciando-o, JOÃO LEAL AMADO, “Presunção…”, cit., pág. 167.
13 JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 223.
30
Doutrina
equilíbrio de interesses que será como que a matriz do regime da vida e da economia da relação
contratual”14 – continuem sendo regulados pela lei vigente ao tempo da sua estipulação.
Ora, no âmbito das relações laborais, se - quanto à matéria das condições de validade do
contrato e de outros actos realizados na execução do mesmo - deve dizer-se que os termos do
problema se equacionam tal como nas demais relações contratuais, daí resultando que, também
nesse domínio, não deverá aplicar-se a esses actos senão a lei que vigorava no momento da sua
prática, já assim não será no que concerne ao conteúdo do contrato. Reconhece-se, na verdade,
que, em regra, as normas laborais se reportam ao conteúdo ou efeitos do contrato abstraindo do
concreto facto que lhe deu origem, isto é, desconsiderando o momento – o tempo e o lugar – da
celebração do mesmo.
“Dir-se-á que a relação laboral não é uma relação de conteúdo individualizado, mas uma
relação de conteúdo tipificado, isto é, uma relação cujo conteúdo é, em boa medida,
determinado abstraindo dos factos que lhes deram origem. É que as leis do trabalho não se
ocupam das partes apenas, nem, porventura, principalmente, enquanto contratantes (…); são
antes leis que encaram as partes (…) como membros de uma determinada categoria social”15.
Não surpreende, pois, atento o que vem de ser dito, que quer o artigo 8.º, da Lei n.º
99/2003, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, quer o artigo 7.º, da Lei n.º 7/2009, que
aprovou o actual, mesmo não divergindo, no essencial, do que resulta do artigo 12.º, do Código
Civil, hajam adoptado como regra – e não a título de excepção – a aplicação das normas do
Código a situações jurídicas já anteriormente constituídas. Para assim não ser, seria necessário,
segundo uma e outra, que se tratasse de normas relativas às condições de validade dos actos
praticados, ou então a efeitos de factos ou situações já totalmente passados.
Ora, se é evidente que a norma consagradora da presunção de laboralidade não se
relaciona com as condições de validade do contrato de trabalho, poderia perguntar-se se
contenderia com efeitos de factos ou situações totalmente passados.
E parece impor-se como clara uma resposta negativa.
Com efeito, ainda que pudesse encarar-se o contrato, enquanto acto que faz nascer a
relação, como “facto passado”, o que, naturalmente, é duvidoso, porquanto a relação vigente
traduz, precisamente, a sua execução, sempre se contraporia que a tarefa de qualificação do
mesmo (como contrato de trabalho ou de prestação de serviço) se vem cumprindo atendendo,
justamente, aos termos dessa execução e não olhando apenas, nem predominantemente, para o
14 Idem, pág. 238.
15 JORGE LEITE, Direito do Trabalho, Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra – Serviço de Textos,
Coimbra, 2004, volume I, pág. 103.
31
Doutrina
contrato como acto constitutivo. Por conseguinte, a menos que pudesse dizer-se que a entrada
em vigor da norma consagradora de uma presunção de laboralidade poderia influenciar o modo
de execução do contrato, na sua expressão fáctica, não se vê por que devesse, fundadamente,
concluir-se que a aplicação desse preceito a relações anteriormente constituídas quebraria
legítimas expectativas e, por isso, frustraria a aludida função estabilizadora do Direito.
Mas nem que assim fosse se imporia concluir pela sua não aplicação imediata.
Desde logo, não é essa – a da proibição de efeitos legais retrospectivos – a regra em
Direito do Trabalho.
Por outro lado, “o papel do legislador, nos quadros de uma concepção intervencionista
do estado na vida económica e social, leva-o hoje a prosseguir objectivos e a utilizar meios
inconciliáveis, quer com um amplo respeito do dogma da autonomia da vontade, quer com a
subsistência do regime da LA [lei antiga] relativamente às Ss js [situações jurídicas] contratuais
em curso. A eficácia da política económica e social supõe medidas de conjunto extensíveis a
todas as situações jurídicas em curso”16. Ora, parece evidente o fundamento axiológico da
adopção de uma presunção de laboralidade – por um lado, a “tentativa de obter uma certa
estabilidade na operação qualificativa das chamadas zonas cinzentas”, por outro, um “melhor
combate aos fenómenos simulatórios ou de ocultamento de relações de trabalho subordinado,
fenómenos que, atento o estado de vulnerabilidade em que normalmente se encontra, o
trabalhador aceita sair prejudicado, como que renunciando previamente à aplicação das normas
laborais que o protegem” –, como, do mesmo passo, se mostra claro o interesse, de uma
perspectiva político-legislativa, da sua aplicação imediata. E, assim sendo, mal se compreende o
estreitamento do âmbito de aplicação da norma que a acolhe, pela sua restrição às relações
jurídicas novas. Citemos as muito sugestivas palavras de JOÃO LEAL AMADO17: “*seria+ um pouco
como sucederia se a ciência tivesse descoberto uns novos e mais potentes binóculos, que
permitem ao sujeito discernir o que o rodeia com uma nitidez sem precedentes, mas, ao mesmo
tempo, a ciência dissesse a esse sujeito que só poderia apontar os binóculos para ocidente, não
já para oriente...”. E prossegue: “Seja-me permitido recorrer a mais uma imagem. Pense-se no
que aconteceria se a ciência médica tivesse descoberto um novo e mais eficaz remédio para
combater o cancro, havendo, porém, quem defendesse que tal remédio estaria vedado a todos
quantos, ainda vivos, já houvessem contraído a doença antes – ou seja, esse remédio estaria
reservado àqueles cuja doença só viesse a ser contraída ou detectada depois da descoberta do
mesmo. Seria, decerto, uma tese peregrina, que não colheria qualquer adesão...”.
16
JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução..., cit., pág. 240.
17 “Presunção…”, cit., pág. 169.
32
Doutrina
É certo, afirma-o JOÃO BAPTISTA MACHADO18, que um sector importante da doutrina
considera, embora não sem vozes dissidentes, que as presunções legais se aplicam aos factos a
que se ligam. Ora, como a presunção de laboralidade se aplica ao facto contrato, a norma que a
consagra só se aplicaria às relações constituídas após o respectivo início de vigência.
Nem isso, porém, trava decisivamente o raciocínio que vínhamos desenvolvendo.
É que uma tal solução não poderia deixar de admitir desvios logo que se demonstrasse
não se verificar, na situação concreta, a razão material subjacente à sua adopção, justamente a
protecção das expectativas do sujeito que, não podendo, segundo a lei vigente à data da
ocorrência de um facto (v. g., a celebração de um contrato), contar que do mesmo (facto
conhecido) se extraísse (por presunção) um outro (facto desconhecido), se veria surpreendido se,
por força da aplicação de lei nova, essa ilação se firmasse. Ora, no universo a que nos referimos,
e por força do momento a que se atende para proceder à qualificação da relação – o momento
da respectiva execução e não aquele em que se constituiu –, sucede que a indução do facto
desconhecido (a existência de um contrato de trabalho, pela verificação da subordinação
jurídica) se faz com base em factos que, ou já ocorrem, também eles, no domínio da vigência da
lei nova, ou então, mesmo que anteriores – a execução contratual é um continuum – não podem,
razoavelmente, dizer-se influenciados pela antiga. Por essa razão, a aplicação retrospectiva da
presunção de laboralidade não é de molde a frustrar qualquer expectativa. Bem vistas as coisas,
não é o contrato, em si mesmo, mas as expressões de subordinação, ou de autonomia, reveladas
pela respectiva execução, o que constitui o facto a que se liga a presunção…
Defendemos, em síntese, como posição dogmática, a aplicação imediata, também a
relações jurídicas anteriormente constituídas, mas ainda vigentes ao tempo da sua entrada em
vigor, da presunção constante do Código de 2003, como da nova versão da mesma trazida pela
Lei n.º 9/2006, como ainda, naturalmente, da constante, hoje, do Código do Trabalho de 2009.
A aceitar-se tal entendimento, haveria de aplicar-se à relação em causa no caso em
apreço, o disposto, presentemente, no artigo 12.º do Código. Com efeito, embora iniciada na
vigência da versão do diploma codicístico trazida pela reforma de 2006, a mesma prolongou-se
até momento posterior à entrada em vigor do de 2009.
4.2. A segunda escolha metodológica assumida no Acórdão – haveria que atender, pese
embora a mobilização daquela versão da presunção, aos dados normativos actuais, isto é, já
constantes do Código ora vigente – resulta da percepção das óbvias insuficiências da presunção
de laboralidade, segundo a redacção dada ao artigo 12.º, pela Lei n.º 9/2006. Lia-se, então, nessa
18 JOÃO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação…, cit., pág. 274.
33
Doutrina
norma: “Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na
dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário e realize a sua prestação sob as
ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”. Como observou JOÃO LEAL AMADO19,
“lia-se, mas quase não se acreditava”, tanto mais quanto era certo que já a primeira versão da
presunção se mostrava evidentemente inoperativa, dada a sua exigência20. Com efeito, a mais
dos elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, que, então, o prestador de
actividade teria de provar, sem poder valer-se de presunção alguma, a norma exigia, para que,
assim, se presumisse existir uma relação laboral, ainda mais alguns, nomeadamente a inserção
em estrutura organizativa alheia e, bem assim, a dependência (ficava por saber o que significava
exactamente esta nota de dependência – económica?…) – razão por que se assinalou que aquele
artigo 12.º não consagrava, afinal, senão uma presunção aparente; não seria, técnica ou
formalmente, uma presunção aquela cujo facto base coincidisse, total ou parcialmente, com o
facto a presumir21.
Não resistimos, ainda, neste contexto, a reproduzir as certeiras e expressivas palavras de
JÚLIO GOMES22, que, visando a versão primária da presunção, certamente conviriam outrossim à
versão de 2006: “empregando a conhecida imagem norte-americana segundo a qual o que anda,
nada e grasna como um pato é um pato, seria o mesmo que dizer que depois de provado que o
animal anda, nada e grasna como um pato e tem as penas e o bico do mesmo, ‘presume-se’ que
é um pato…”.
Ora, sendo certo que não poderia razoavelmente aceitar-se que, mero expediente
probatório, a mencionada presunção redundasse, afinal, num obstáculo à demonstração da
existência de um contrato de trabalho por outras vias, desde cedo se evidenciou, na doutrina
19 Contrato de trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, 4.ª edição, pág. 87. Cfr. também “O contrato de
trabalho entre a presunção legal de laboralidade e o presumível desacerto legislativo”, Temas Laborais 2,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 9 a 21 [17 e ss.].
20 “Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize
a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado,
respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou
se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.”
21 JOANA NUNES VICENTE, A fuga…, cit., pág. 140 e ss., e também “Noção…”, cit., pág. 61 e ss.
22 Direito do Trabalho, volume I – Relações individuais de trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 142.
34
Doutrina
como na jurisprudência23, que ao prestador de actividade deveria autorizar-se que procurasse
convencer da natureza laboral do respectivo contrato por via da prova de indícios de
laboralidade, que, perspectivados conjuntamente, inculcassem essa mesma conclusão.
O designado método indiciário, parâmetro tradicional de qualificação antes da
consagração das presunções, consistia no seguinte: levados ao julgador, pelo prestador de
actividade, sinais de que a relação seria laboral, isto é, factos correspondentes à realidade típica
de um contrato de trabalho e, porventura, pelo beneficiário da mesma, sinais de sentido
contrário, isto é, elementos presentes na relação em causa mas ordinariamente associados a um
contrato de diversa natureza, aquele primeiro era chamado a analisá-los – àqueles e a estes –
global e complexivamente, atribuindo-lhes, consoante a concreta configuração da relação,
diverso peso relativo, para, de acordo com a prevalência, in casu, de factores apontando numa
direcção ou noutra, firmar uma conclusão sobre a natureza do contrato.
Ora, este regresso ao método indiciário, como forma de ultrapassar o efeito pernicioso
que, de outro modo, resultaria da mobilização da presunção de laboralidade constante do artigo
12.º, do Código do Trabalho, após a revisão de 2006, é, exactamente, bem vistas as coisas, o que
é defendido e seguido no Acórdão em análise, como, verdadeiramente, em vários outros24.
Simplesmente, os elementos constantes, hoje, da lista de factores a partir dos quais se presume
a natureza laboral do contrato entre o prestador de actividade e o seu credor, segundo o artigo
12.º, do actual Código do Trabalho (e outro tanto se diria acerca dos constantes da primeira
versão da presunção), coincidem amplamente com os mais relevantes sinais tradicionalmente
valorados como indícios de laboralidade. Assim se compreende por que, pretendendo, afinal,
aludir à relevância, no âmbito do recurso ao método indiciário – aquele por que, afinal, se
chegou à conclusão, no caso em apreço, de que a relação em causa deveria qualificar-se como
laboral –, de factores como, designadamente, a inserção em organização produtiva alheia, o
Acórdão a que nos referimos haja remetido para a disciplina hoje estabelecida no Código.
Verdadeiramente, pese embora tal forma de expressão possa abrir o flanco a uma equívoca
interpretação do veiculado no aresto, não se sustenta, aí, qualquer modulação da tendência
jurisprudencial de não reconhecer à(s) norma(s) consagradora(s) da presunção de laboralidade
eficácia ex tunc. Trata-se, tão-só, o que também não constitui novidade na jurisprudência
portuguesa, de, ante o claro desacerto legislativo patente (também) na “segunda tentativa” de
instituição daquele mecanismo presuntivo, reconhecer que a prova do carácter laboral de uma
relação pode lograr-se pela mobilização de um conjunto mais ou menos amplo de índices
23 Veja-se JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, “As fronteiras…”, cit., pág. 983 e ss.
24 V. g., o último dos arestos citados na nota 8.
35
Doutrina
apontando nesse sentido, ainda que, porventura, sopesados por outros de sinal contraposto,
como, aliás, se verificava no caso em apreço. Em todo o caso, assinale-se: a laboriosa técnica
operativa exigida pelo método indiciário teria, por certo, podido evitar-se se, como reputamos
preferível, se tivesse partido da aplicação imediata da presunção hoje acolhida no artigo 12.º, do
Código do Trabalho – essa sim, finalmente, e a despeito das imperfeições que se lhe possam
apontar, uma presunção em sentido próprio, apta ao cumprimento dos desideratos sempre
esperados da consagração de um mecanismo deste tipo.
Coimbra, Fevereiro de 2014
ADITAMENTO/ACTUALIZAÇÃO25
1. Embora, no respeitante à eficácia temporal do artigo 12.º, do Código do Trabalho, a
jurisprudência maioritária ainda continue a apontar no sentido referido anteriormente – a norma
aplica-se somente às relações jurídicas constituídas após a sua entrada em vigor –, não podemos
deixar de evidenciar, ainda ao nível da jurisprudência, um certo robustecimento da posição
oposta, o que, como resulta das considerações expendidas supra, vemos com bons olhos.
Referimo-nos, primacialmente, a um conjunto de arestos do Tribunal da Relação de
Lisboa26 e também à posição recentemente assumida pelo Tribunal da Relação de Guimarães27.
Em ambas as jurisdições se vem sustentando a aplicação retrospectiva do mencionado
artigo 12.º, o que se traduz na respectiva mobilização em vista da qualificação de relações
jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor mas cuja vigência se haja prolongado até
depois desse momento.
Por outro lado, assumiu posição sobre o assunto ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES28, que, em
harmonia com grande parte dos argumentos aduzidos no presente texto, afirmou que, em seu
entender, “é aplicável aos contratos existentes em cada momento a presunção que nesse
25 Novembro de 2015.
26 Acórdão de 11 de Fevereiro de 2015; processo 4113/10.2TTLSB.L1-4; relatora: Alda Martins; Acórdão de 3 de
Dezembro de 2014; processo 2923/10.0TTLSB.L1-4; relator: Ferreira Marques. Na verdade, já anteriormente e
tinha afirmado idêntico entendimento: veja-se o acórdão de 21 de Novembro de 2012, processo
3805/11.3TTLSB.L1-4; relatora: Francisca Mendes e também o acórdão de 7 de Maio de 2008; processo
1875/2008-4; relator: Seara Paixão.
27 Acórdão de 14 de maio de 2015; processo 995/12.1TTVCT.G1; relator: Antero Veiga.
28 Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 17.ª edição, 2014, pág. 138 e 139.
36
Doutrina
momento conste da lei vigente”. Explica, com efeito, que, enquanto ferramenta de qualificação
contratual, a presunção de laboralidade não se liga nem às condições de validade do contrato
nem a factos ou situações totalmente passados; não está em causa, por outro lado, qualquer
nova valoração desses últimos. E vinca – o que nos parece de extremo relevo – que o contrato a
qualificar é, na verdade, “uma realidade jurídica actual”.
2. Aludimos, nas linhas antecedentes, aos termos de articulação entre o método
indiciário de qualificação contratual e o método presuntivo estabelecido no artigo 12.º, do
Código do Trabalho. Pôde concluir-se que a consagração legal deste expediente, destinado à
agilização da operação qualificativa, não se saldou, de imediato, na superação do método
indiciário. Tal sucedeu por duas ordens de razões:
(i) porque, pelas razões já apontadas, as duas primeiras versões da presunção de
laboralidade não permitiriam – não permitiram! – esse avanço;
(ii) em segundo lugar, porque, mesmo depois da entrada em vigor da versão trazida pela
Lei n.º 7/2009, a presunção a partir de então vigente não vinha, como se viu, sendo aplicada, de
acordo com a jurisprudência prevalecente, senão às relações constituídas após esse momento; às
estabelecidas anteriormente, quer antes da entrada em vigor da primeira versão da presunção
quer durante a vigência dessa ou da segunda, aplicava-se, bem vistas as coisas, o método
indiciário – quanto àquelas primeiras, por ser o meio de qualificação usado à data da sua
constituição; quanto a estas, por se revelar uma ferramenta qualificativa mais operacional, afinal,
do que essas duas primeiras versões da presunção.
Na medida, porém, em que o actual artigo 12.º, do Código do Trabalho, consagra,
efectivamente, uma presunção de laboralidade, do mesmo resultando que, caso se verifiquem
dois os mais elementos dos aí indicados, então deverá ter-se como verificada a natureza laboral
da relação sob avaliação judicial, cabe perguntar se restará margem para a actuação, ainda nos
moldes tradicionais, do método indiciário.
Observe-se, preliminarmente, que não pretendemos, neste ponto, voltar ao debate
sobre a questão da eficácia temporal daquela norma. A questão que ora temos em vista deve
formular-se no pressuposto de que está em causa uma relação contratual a que o tribunal
considera aplicável a presunção de laboralidade hoje plasmada no artigo 12.º, do Código do
Trabalho (quer em razão de a ter como aplicável mesmo retrospectivamente, quer por, apesar de
sustentar a posição contrária, a relação sub judice haver sido constituída após a entrada em vigor
da normal).
37
Doutrina
Pretendemos sublinhar duas notas que nos parecem cruciais. Em primeiro lugar, cabe
notar que à presunção de laboralidade subjaz, inequivocamente, uma intenção político-
legislativa, de resto em linha com preocupações crescentemente manifestadas no plano
internacional e europeu29: em última análise, facilitar a demonstração do carácter laboral das
relações jurídicas entre o prestador de actividade a outrem e o respectivo credor – o que se
traduz no reforço do combate aos “falsos recibos verdes” e, bem assim, ao aclaramento de uma
mais significativa parcela da área cinzenta. Em vista da concretização dessa intenção político-
legislativa, impõe-se ao julgador firmar o resultado a que a presunção conduza, logo que
verificados dois ou mais dos elementos enumerados no artigo 12.º, n.º 1. Por certo que não se
põe em causa a possibilidade de ilisão da presunção, nem, por isso mesmo, a necessidade de o
julgador apreciar, a título de indícios de autonomia, os elementos que lhe sejam apresentados
com esse objectivo. Sendo o credor da actividade admitido a demonstrar o carácter não laboral
do contrato, naturalmente que o fará levando ao tribunal indícios dessa mesma não laboralidade,
ou seja, do carácter autónomo do trabalho prestado. Nesse sentido, isto é, por força dos
elementos de facto levados ao processo pela parte interessada na demonstração de que o
contrato não tem natureza laboral, certamente que o julgador será chamado a apreciá-los
enquanto, precisamente, indícios de sinal contrário aos elementos que hajam feito funcionar a
presunção e firmar, prévia, embora provisoriamente, a natureza laboral do contrato. Numa
palavra, a apreciação de índole tipológica própria do aludido método indiciário ocorrerá, então,
se e na medida em que o sujeito a quem caiba ilidir a presunção leve ao processo elementos
passíveis de a abalar. A análise dos mesmos, em correlação com os elementos também provados
e capazes de a fazer operar, determinará se são ou não suficientes para se ter como
demonstrado o contrário do que se presumira. Queremos evidenciar, deste modo, que é o
esforço probatório do credor de actividade que delimita, afinal, o alcance do juízo tipológico-
indiciário a que possa haver lugar.
Estas considerações conduzem-nos ao segundo aspecto que gostaríamos de focar.
Estamos em crer que, em última análise, o que, do ponto de vista do julgador, distingue a
valoração levada a cabo no domínio do tradicional método indiciário da apreciação dos indícios
que, apesar do funcionamento da presunção – estamos, pois, a supor a sua aplicabilidade –, são
levados ao conhecimento do tribunal em vista do afastamento do quid presumido é o seguinte:
enquanto, inexistindo (ou não se tendo como aplicável) qualquer presunção de laboralidade, na
dúvida sobre a natureza do contrato o juiz deveria decidiria contra quem tinha o ónus de
29
Cfr. VIRIATO REIS, “As perplexidades geradas pela ação especial de reconhecimento da existência de contrato
de trabalho”, pág. 4 a 6 (http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/VIIColoquio/prviriatoreis.pdf).
38
Doutrina
demonstrar a sua natureza laboral, isto é, o prestador de actividade, já o funcionamento da
mesma significa que, nessa hipótese de dúvida – isto é, presumida a natureza laboral do contrato
e apresentados ao tribunal, pela parte interessada, elementos de facto apontando em sentido
oposto, mas não suficientes, porém, para convencer firmemente o tribunal de que o contrato em
causa não é de trabalho – então a decisão deverá ser favorável a quem beneficia da presunção, o
prestador de actividade, e desfavorável a quem tinha o ónus de a ilidir. A presunção vincula o
julgador – vale por dizer: verificados dois ou mais elementos dos elencados no artigo 12.º, n.º 1,
ele terá de considerar demonstrada a natureza laboral do contrato –, que apenas deverá afastar-
se do resultado presuntivo se o interessado em ilidir a presunção lograr fazê-lo, dissipando não
apenas a convicção de que o contrato em análise é um contrato de trabalho como a dúvida sobre
se o será30.
3. Temos dúvidas, por isso, em acompanhar o entendimento, vertido em alguns
acórdãos, de que, mesmo estando verificados dois ou mais dos elementos enumerados no n.º 1,
do artigo 12.º, do Código do Trabalho, o tribunal possa proceder a uma apreciação dos factos
levados a juízo e considerados provados como o faria no quadro do método indiciário, isto é, que
proceda à mencionada apreciação global e complexiva do conjunto de elementos disponíveis,
situando-os todos no mesmo plano, o plano de elementos à luz dos quais há que apurar a
natureza da relação sub judice.
Tome-se como exemplo o já referido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de
14 de Maio de 2015. No aresto, sustenta-se a aplicação retrospectiva do artigo 12.º, o que
aplaudimos. Afirma-se, porém, que, “quando a qualificação resulta duvidosa31, ainda que se
demonstre o preenchimento de alguns factos índice do artigo 12.º, do CT”, deverá a conclusão
ser no sentido de excluir a natureza laboral do contrato, desde que haja um número significativo
de índices apontando nesse sentido. Parece-nos, com o devido respeito, que tal modo de
proceder equivale, em rectas contas, à neutralização (do efeito útil) da presunção de
laboralidade e, por isso, à frustração do desiderato político-legislativo que nitidamente lhe
30 Parece-nos feliz a expressão utilizada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Fevereiro de
2015: “Basta a verificação de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia
da presunção da existência de contrato de trabalho estabelecida no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho de
2009, passando a competir ao empregador a prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que,
pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica”
(itálico nosso).
31 Itálico da nossa responsabilidade.
39
Doutrina
subjaz. Ao contrário do afirmado no Acórdão, cremos que, na dúvida, é o resultado a que a
presunção conduz que deve, em definitivo, determinar a qualificação da relação em causa.32
32 Acrescente-se, de resto, que o acórdão nos suscita reservas de monta a vários níveis. Na espécie, apreciou-se
um caso com os seguintes contornos: A e B mantiveram um contrato de trabalho, cuja natureza nunca foi,
aliás, posta em causa, durante vários anos – de 1985 até Maio de 2002. A 31 de Maio de 2012 celebraram um
acordo em vista da extinção do contrato, tendo igualmente acordado a celebração de um outro contrato,
apelidado “de prestação de serviço”, com início de execução a 1 de Junho de 2002. Por essa ocasião, o
empregador pagou ao trabalhador uma quantia em dinheiro de valor superior a trinta mil euros. Para lá da
designação aposta ao contrato e de o credor da actividade ter deixado de pagar prestações relativas a férias,
subsídio de Natal e contribuições para a Segurança Social, alteraram-se alguns aspectos ao nível da execução
do mesmo, designadamente no respeitante à organização do tempo de trabalho. Este contrato veio a cessar
em 2012, por iniciativa do credor da actividade, tendo o prestador invocado a natureza laboral da relação e a
ocorrência de um despedimento ilícito.
Independentemente da justeza da decisão vertida no aresto quanto à qualificação do vínculo nascido (?) em
2002, o qual apresentava elementos suficientes para fazer funcionar a presunção de laboralidade consagrada
no artigo 12.º, para lá mesmo das reservas que os suscita o percurso metodológico adoptado em vista dessa
qualificação, o que nos causa maior perplexidade é a elevadíssima importância que o tribunal concedeu a um
elemento que, em nosso entender, deveria ter-se como de escasso ou mesmo nenhum relevo. Atribui-se um
peso marcante ao nomen juris, enquanto índice de qualificação, enquanto elemento determinante, afinal, da
natureza do contrato. Vale a pena citar um excerto do acórdão: “o autor, que estava vinculado por um
contrato de trabalho com a ré, desvincula-se deste, recebe uma compensação superior a 30.000 euros, e
celebra um contrato de prestação de serviços. Não explica por que razão (…) assinou o contrato, nem se
demonstra (nem alega) que foi de algum modo pressionado em tal assinatura. Alega que a rescisão foi
simulada porque nem a ré pretendia extinguir o posto de trabalho, nem ele autor pretendia pôr termo à
relação. Mas foi isso que fizeram (…) o autor rescindindo o contrato de trabalho recebendo uma compensação
e celebrando com a ré um outro contrato. Não descortinamos utilidade na simulação. Então o autor, que tem
um contrato de trabalho, assina documento que o prejudica, sem qualquer pressão?”. E mais à frente: “Temos
assim que no caso presente considerando a vontade das partes no sentido de se vincularem por um contrato
de prestação de serviços (…), é de relevar essa vontade, considerando que tal contrato é legítimo, não obstante
o preenchimento das alíneas a), b), do artigo 12.º, do CT”. Pela nossa parte, não podemos acompanhar tal
raciocínio. No domínio de que curamos, em especial, não é, com efeito, não é na declaração negocial, tal como
exteriorizada, que há-de perscrutar-se a vontade real dos sujeitos do contrato. Tratando-se de determinar se
um contrato deve ou não qualificar-se como contrato de trabalho, deve, sem dúvida, partir-se da respectiva
interpretação – com o que se aferirá o sentido da vontade declarada. Só que, num segundo momento,
procurar-se-á aferir da (não) correspondência entre essa e a vontade real das partes, a qual se apura, muito
especialmente, por referência à fase executiva da relação laboral (JOANA NUNES VICENTE, A fuga…, cit., pág. 70 e
ss. e 101 e ss.). E, detectando-se divergência entre a vontade real e a vontade declarada, proceder-se-á à
(re)qualificação do contrato em consonância com aquela, enquanto se opera o instituto da simulação relativa.
As mais das vezes, o contrato de trabalho emergirá como contrato dissimulado – dissimulado, desde logo, sob
o nomen juris eleito para o designar, o que justifica a sua quase nula relevância qualificativa (entre outros,
40
Doutrina
Na verdade, idêntico pressuposto já havia, anteriormente, sido assumido pelo Tribunal
da Relação de Lisboa, no Acórdão de 20 de Março de 201333, em que se lê que “não bastam
quaisquer dois dos requisitos referidos no art. 12.º para que se infira que o contrato é de
trabalho, não estando o intérprete dispensado de um trabalho interpretativo que, em cada caso,
ache, de entre as características legalmente possíveis, as pertinentes à qualificação daquele
contrato como de trabalho”. Efectivamente, a tarefa qualificativa não escusará ao julgador tal
trabalho de apreciação de outros elementos fácticos disponíveis – mas apenas na medida em que
os mesmos sejam invocados pela contraparte em vista da ilisão da presunção e serão, então,
encarados, justamente, como factores potencialmente capazes de a neutralizar, propósito que só
haverá que considerar logrado se eles forem de molde a inculcar no julgador a firme convicção
de que o contrato não tem natureza laboral. No caso em apreço, as partes estiveram vinculadas
JOANA NUNES VICENTE, A fuga…, cit., pág. 61 e ss., e JOÃO LEAL AMADO, Contrato de trabalho, Coimbra Editora,
Coimbra, 2014, 4.ª edição, pág. 79 a 83), e sob declarações destinadas, precisamente, a afastar essa
qualificação. Em consonância, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Dezembro de
2012, que “o nomen juris atribuído ao contrato e as suas cláusulas constituem elementos relevantes para
ajuizar da vontade das partes no que toca ao regime jurídico que elegeram para regular a relação contratual, se
essa designação e essas cláusulas estiverem em correspondência com a realidade, ou seja, com aquilo que, de
facto, aconteceu na vigência da relação”.
No caso, pode admitir-se que parecesse desajustado, por colidir com a elementar ideia de justiça que deve
perfilar-se diante do julgador, reconhecer a natureza laboral do vínculo e, consequentemente, a ocorrência de
um despedimento ilícito, com as consequências que daí adviriam… quando o sujeito que pretendia fazer valer
tal pretensão aceitou, aparentemente, a cessação do anterior vínculo, a celebração de outro com natureza
distinta e, por e para isso, recebeu uma avultada quantia. No entanto, se devesse reconhecer-se essa natureza
laboral ao contrato em análise – uma qualificação que está para lá da vontade declarada das partes – talvez
que pudessem ter-se mobilizado outros expedientes jurídicos para evitar a injustiça daquele resultado. Temos
amplas dúvidas, na verdade, de que possa dizer-se que, realmente, os sujeitos quiseram pôr fim a um contrato
e celebrar outro. Mais parece que, por detrás das declarações que criaram a aparência externa de tal intenção,
a vontade real foi a de manter o vínculo já anteriormente existente, alterando-o apenas pontualmente.
Porventura, ter-se-á pretendido, de então em diante, subtrair a relação em causa à aplicação da legislação
laboral – um intuito que, do ponto de vista do credor de actividade, dispensa explicação adicional e que, pela
parte do prestador, se tornou apetecível em diante da perspectiva do recebimento de uma quantia superior a
trinta mil euros. Talvez tenha sido precipitado o afastamento liminar, in casu, da figura da simulação.
Acrescentemos a nossa dificuldade em conciliar a opção de atribuir tal relevo à vontade declarada dos sujeitos
do contrato no âmbito da qualificação do mesmo com o modo como esta jurisdição se tem pronunciado, de
resto em consonância com a jurisprudência maioritária de outras Relações, quanto à (ir)relevância da
assunção, por pare do trabalhador, de que o contrato que titula é de prestação de serviços quando está em
marcha (o procedimento para) a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Veja-se,
sobre o ponto, VIRIATO REIS, op. cit.
33 Processo 1215/11.1TTLSB.L1-4; relator: Leopoldo Soares.
41
Doutrina
por dois idênticos contratos sucessivos, um celebrado em 1 de Janeiro de 2005 e terminado a 18
de Maio de 2009, outro iniciado nesta data e extinto a 3 de Maio de 2011. Segundo o
entendimento do tribunal, o primeiro qualificar-se-ia de acordo com o regime do Código do
Trabalho de 2003 e apenas ao segundo seria aplicável a presunção actualmente consagrada no
artigo 12.º do Código de 2009. Nestes termos, aquele deveria ser qualificado como contrato de
prestação de serviços (não só não se verificavam, cumulativamente, todos os elementos da
presunção consagrada em 2003 como para tal conclusão apontava o conjunto de indícios
conhecidos). Quanto a este último, conclui-se que, não obstante dever aplicar-se o novo artigo
12.º, reconhecidamente mais operativo, e estarem verificados, in casu, quatro dos elementos aí
enumerados, sendo a relação “fundamentalmente a mesma *que a existente ao abrigo do
contrato anterior, considerado de prestação de serviço+ (…), a mera alteração do conteúdo da
norma *artigo 12.º+ não implica (nem deve implicar), sem mais, a modificação da vida real”. Ora,
em nosso entender, a conclusão adequada é, precisamente, a oposta. Como afirmámos, a
consagração da presunção de laboralidade encerra uma intencionalidade político-legislativa. Por
via da mesma, o legislador reflectiu a já aludida função dinamizadora, modeladora, do Direito.
Evidentemente que idênticas considerações valem para cada um dos momentos em que a
redacção da norma consagradora da presunção se alterou, principalmente com a adopção da
fórmula de 2009, que, finalmente, permitiu que a presunção passasse a cumprir o efeito a que se
tendia. O legislador assumiu, justamente, o propósito de tornar a presunção (mais) útil e
operativa, permitindo uma mais fácil qualificação dos contratos como contratos de trabalho. Esse
mesmo propósito não pode deixar de vincular o julgador e deveria, a nosso ver, ter-se reflectido
na qualificação do contrato em apreço.
Coimbra, Novembro de 2015
43
Doutrina
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE:
NÓTULA SOBRE O ART. 12.º DO NOVO CÓDIGO DO TRABALHO
E O SEU ÂMBITO TEMPORAL DE APLICAÇÃO
João Leal Amado
Introdução: a qualificação contratual e a prova da relação laboral
Como é sabido, as questões ligadas à qualificação do contrato em causa, designadamente
no tocante à prova da existência de uma relação de trabalho subordinado, assumem uma
importância decisiva em matéria de efectividade do Direito do Trabalho. Ora, neste ponto o
Código do Trabalho (CT) de 2003 inovou face ao direito anterior, visto que, no seu art. 12.º , foi
estabelecida uma «presunção de laboralidade», acrescendo que a redacção inicial desse preceito
veio a ser substancialmente modificada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março. E, com nova
redacção, a referida «presunção de laboralidade» mantém-se no art. 12.º, do actual CT.
Importa, por isso, proceder a uma sucinta descrição da situação vigente, nesta matéria,
antes da entrada em vigor do CT de 2003, bem como fazer um breve comentário às novidades
introduzidas pela versão primeva do seu art. 12.º. Isto feito, estaremos em melhores condições
para apreciar o sentido e alcance das modificações registadas neste campo à luz da redacção
subsequente daquele art. 12.º , introduzida em 2006. Tudo para vermos até que ponto o actual
CT modificou o status quo ante nesta matéria.
I - Situação anterior ao CT de 2003
Querendo o trabalhador fazer valer direitos decorrentes da legislação laboral, e
suscitando-se a questão prévia da qualificação da relação, recaía então sobre o trabalhador, nos
termos gerais, o ónus de provar a existência, in casu, de um contrato de trabalho (recorde-se
que, segundo o art. 342.º , n.º 1, do Código Civil, «àquele que invocar um direito cabe fazer a
prova dos factos constitutivos do direito alegado»). Ou seja, estando o ónus da prova a cargo do
trabalhador, caber-lhe-ia demonstrar a existência dos elementos constitutivos do contrato de
Publicado em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 82, CEJ/Coimbra Editora, jan-abril 2009, pp. 159 e ss.
44
Doutrina
trabalho: retribuição, prestação de trabalho e factos que habilitassem o tribunal a concluir pela
presença de subordinação jurídica. E, nos casos de dúvida, era então muito frequente o recurso
jurisprudencial ao chamado «método indiciário», de controlo múltiplo, em ordem a formular um
juízo global sobre a qualificação contratual. Assim sendo, o tribunal recorria a uma bateria de
elementos indiciários como forma de testar a existência de uma situação de autonomia ou de
subordinação na prestação de trabalho, tais como os referentes ao local de trabalho (quem
determina e controla o local de execução da prestação?), ao horário de trabalho (existe um
horário definido para o desempenho da actividade laboral?), à modalidade da remuneração
(certa ou variável?), à titularidade dos instrumentos de trabalho (propriedade do credor ou do
devedor dos serviços?), à eventual situação de exclusividade do prestador de serviços (existe
dependência económica deste face ao beneficiário dos serviços?), ao enquadramento fiscal e de
segurança social, ao próprio nomen iuris escolhido, etc.1.
Tratava-se, repete-se, de meros tópicos indiciadores da existência de subordinação
jurídica, cuja verificação tinha de ser demonstrada por quem estava onerado com o ónus da
prova do contrato - o trabalhador. Ora, como então escrevia PEDRO ROMANO MARTINEZ, «a
prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho é, muitas das vezes, difícil e, para
obviar a tal dificuldade, poder-se-ia recorrer à presunção de existência de contrato de trabalho»2.
Foi o que veio a ser feito pelo CT de 2003, procurando, ao menos prima facie, contrariar a
chamada «fuga ao Direito do Trabalho».
II - O art. 12.º do CT de 2003 (redacção originária)
O art. 12.º, do CT de 2003, veio, por conseguinte, consagrar uma «presunção de
laboralidade». Fê-lo nos seguintes termos:
1 Por todos, JORGE LEITE, Direito do Trabalho, vol. II, Serviço de Textos da Universidade de Coimbra, 2004, pp.
38-40, JOSÉ ANDRADE MESQUITA, Direito do Trabalho, 2.ª ed., AAFDL, 2004, pp. 361-379, e JOAQUIM DE
SOUSA RIBEIRO, «As fronteiras juslaborais e a (falsa) presunção de laboral idade do artigo 12.º do Código do
Trabalho», Direito dos Contratos - Estudos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 360-370.
2 «Trabalho subordinado e trabalho autónomo», Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. I,
Almedina, Coimbra, 2001, pp. 271-294 (293). Isso mesmo consta, aliás, da Recomendação n.º 198
da Organização Internacional do Trabalho (sobre a relação de trabalho), adaptada em 15 de Junho
de 2006, a qual preconiza que a legislação dos Estados-membros estabeleça uma presunção legal de
contrato de trabalho, baseada em indícios relevantes (art. 11.º , alínea b)).
45
Doutrina
«Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que,
cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do
beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações
deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em
local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido
na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência
económica face ao beneficiário da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo
beneficiário da actividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período,
ininterrupto, superior a 90 dias».
O nosso legislador estabeleceu, assim, uma «presunção de laboralidade» a qual, por
definição, deveria facilitar a prova da existência de um contrato de trabalho, perfilando-se como
uma técnica de combate à dissimulação ilícita de relações laborais -, mas a verdade é que a
inusitada extensão da base da presunção (exigência de verificação cumulativa dos diversos factos
indiciários) convertia aquele artigo numa norma inútil (por não ajudar a resolver os casos
duvidosos) e até, porventura, perniciosa (porque, numa certa leitura da mesma, poderia conduzir
o tribunal à conclusão precipitada de que não existiria um contrato de trabalho)3.
3 Comentando a «presunção de laboralidade» estabelecida na redacção originária do art. 12.º, do CT de 2003,
escrevia, com razão, JOSÉ ANDRADE MESQUITA: «A presunção do art. 12.º, em vez de cumprir o objectivo de
facilitar a prova do contrato de trabalho, pode desencadear um efeito perverso, dificultando-a ainda mais, por
dois motivos. Em primeiro lugar, porque o seu efeito útil é praticamente nulo. Por um lado, os requisitos do
art. 12.º são cumulativos e extremamente exigentes. Por outro lado, o artigo assenta não apenas em factos,
como a existência de um horário previamente definido ou a duração contratual superior a noventa dias, mas
também em conceitos extremamente complexos, como o da inserção na estrutura organizativa. Em
consequência disto, nos casos de fronteira será praticamente certo que alguns requisitos do art. 12.º não se
verifiquem. Quando a presunção funciona, isso significará que ninguém duvida da existência de um contrato de
trabalho. Em segundo lugar, e em consequência do que acaba de dizer-se, a presunção pode desencadear um
efeito perverso, dificultando a prova. Isto porque, em virtude de não se preencherem algumas alíneas do art.
12.º, haverá tendência para considerar que não há contrato de trabalho, dado nem sequer se reunirem todos
os elementos de uma mera presunção ilidível desse contrato. É preciso não cair neste erro, uma vez que,
inclusivamente, algumas das alíneas referem-se a aspectos que podem facilmente estar ausentes do trabalho
46
Doutrina
Em suma, a disposição em apreço limitou-se a compendiar os elementos indiciários
habitualmente utilizados pela jurisprudência, exigindo que todos eles apontassem para a
existência de trabalho subordinado - então, e apenas então, funcionaria a presunção legal, o que,
em bom rigor, de pouco ou nada serviria, visto que, em tais situações, a qualificação laboral do
contrato não suscitaria qualquer espécie de controvérsia, mesmo na ausência da referida
presunção legal.
III - A nova redacção do art. 12.º do CT de 2003
Quiçá em razão das duras críticas que a presunção de laboralidade vertida no art. 12.º
havia suscitado, o certo é que a Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, veio introduzir modificações
substanciais na redacção daquele preceito. A alegada «presunção de laboralidade» não
desapareceu do nosso ordenamento, mas no art. 12.º passou a ler-se o seguinte:
«Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador
esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da
actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste,
mediante retribuição»:
Seja-me perdoada a exclamação: lia-se, mas quase não se acreditava! Se a anterior
redacção do preceito apresentava, como se disse, deficiências manifestas, a nova redacção do
mesmo transformava esta norma numa disposição obtusa e, digamo-lo sem rodeios, mentirosa.
Repare-se, com efeito, que a «presunção» estabelecida no art. 12.º, do CT de 2003, reproduzia
todos os elementos constantes da noção legal de contrato de trabalho (prestação de actividade,
mediante retribuição, sob a autoridade e direcção de outrem), não se coibindo de acrescentar
subordinado, como o horário, a retribuição fixa, a pertença dos meios de produção ao empregador ou a
duração do vínculo por mais de noventa dias» (Direito do Trabalho, cit., p. 386). Tecendo igualmente fortes
críticas aos termos em que o legislador consagrou esta «presunção de laboralidade», vd. MONTEIRO
FERNANDES, Direito do Trabalho, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 151-152, e ROSARIO PALMA
RAMALHO, Direito do Trabalho II, Almedina, Coimbra, 2006, p. 43. Alguma doutrina revelou-se, no entanto,
mais condescendente para com aquele preceito: assim, ALBINO MENDES BAPTISTA, «Qualificação contratual e
presunção de laboralidade», Revista do Ministério Público, n.º 97, 2004, pp. 87-102, e, sobretudo, ISABEL
RIBEIRO PARREIRA, «Qualificação do contrato e presunção legal: notas para a interpretação e aplicação do
artigo 12.º do Código do Trabalho», VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho - Memórias, Almedina,
Coimbra, 2004, pp. 127-174.
47
Doutrina
ainda mais alguns (inserção na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e relação de
dependência face a este último). A base da presunção mostrava-se, assim, mais exigente do que
os próprios requisitos da noção legal de contrato de trabalho, pelo que, em bom rigor, não existia
entre nós qualquer presunção legal de laboralidade4).
Conforme esclarece o art. 349.º, do Código Civil, «presunções são as ilações que a lei ou o
julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido ». Ora, pelo exposto, dir-
se-ia que o nosso legislador laboral parecia gostar de presunções, mas só se elas não firmassem
qualquer facto desconhecido, antes se limitassem a confirmar factos mais que conhecidos. A
propósito das presunções legais, escreve, de forma lapidar, BAPTISTA MACHADO: «Dadas as
dificuldades de prova de certos factos constitutivos de direitos em determinadas situações, a lei
vem em socorro de uma das partes estabelecendo a seu favor uma presunção legal»5. Vistas as
coisas sob este prisma, o mínimo que se pode dizer é que o art. 12.º, do CT de 2003, na sua nova
redacção, não vinha, com toda a certeza, em socorro do prestador de actividade...
Em suma, segundo aquela nova redacção do art. 12.º, quando fosse absolutamente certo
e seguro que existia um contrato de trabalho, então, e só então, a lei presumiria que tal contrato
existia! Este art. 12.º traduzia-se, assim, num autêntico embuste6. Certo, saber se a criação de
4 Registe-se, aliás, que também o Estatuto de los Trabajadores espanhol consagra uma «presunção de
laboralidade», no seu art. 8.º , em moldes que têm suscitado reparos doutrinais, visto a presunção quase se
limitar a replicar a noção de contrato de trabalho constante do art. 1.º do Estatuto. Prescreve, com efeito,
aquele art. 8.º , n.º 1: «Se presumirá existente [el contrato] entre todo el que presta un servicio por cuenta y
dentro dei ámbito de organización y dirección de otro y el que lo recibe a cambio de una retribución a aquél».
Ou seja, não existe uma real presunção de Iaboralidade no sistema jurídico espanhol, visto que, nas certeiras
palavras de ALONSO OLEA/BARREIRO GONZÁLEZ, o supracitado preceito limita-se a estabelecer que «cuando
existe un contrato de trabajo se presume que existe un contrato de trabajo» (El Estatuto de los Trabajadores.
Texto, Comentarias, Jurisprudencia, 4.ª ed., Madrid, 1995, p. 67). Vale dizer, em Espanha os requisitos da
presunção coincidem com os elementos essenciais do tipo contratual cuja existência se pretende presumir, ao
passo que, entre nós, a base da presunção ia para além dos elementos essenciais do tipo. 5 Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1989, p. 112.
6 Em sentido próximo, JOÃO REIS, para quem este art. 12.º «quase roça o absurdo jurídico, pois parece mais
difícil 'provar' a presunção do que a realidade que ela visa presumir (contrato de trabalho)» - «Arbitragem dos
serviços mínimos e Lei n.º 9/2006», Questões Laborais, n.º 26, 2005, p. 182, n.º 22. E, conquanto sem criticar o
preceito, PEDRO ROMANO MARTINEZ afirmava igualmente que no mesmo, a despeito da sua epígrafe e da sua
letra, não se estabelecia uma verdadeira presunção legal - Direito do Trabalho, 4.ª ed., Almedina, Coimbra,
2007, pp. 319-320. Criticando frontalmente esta norma e considerando-a uma «tautologia inútil», vd. ainda
JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, «As fronteiras juslaborais ... », cit., pp. 403-405, e, por último, JOANA NUNES
VICENTE, A Fuga à Relação de Trabalho (Típica): em torno da Simulação e da Fraude à Lei, Coimbra Editora,
Coimbra, 2008, pp. 140-145. Maior benevolência para com esta disposição revelava, entretanto, ROSÁRIO
48
Doutrina
uma «presunção de laboralidade» constitui uma medida idónea para combater a
supramencionada «fuga ilícita para o trabalho autónomo» motiva, óbvia e legitimamente,
opiniões desencontradas. As suas vantagens são discutíveis, pelo que haverá quem sustente com
convicção a criação de uma tal presunção e quem, com igual convicção, a rejeite7. Neste quadro,
julga-se que aquilo que o legislador democrático decerto não pode é adoptar uma postura
dúplice, anunciando o estabelecimento de uma presunção e, ao mesmo tempo, concebendo-a
em moldes obnóxios - vale dizer, sabotando-a. Infelizmente, era isto que sucedia com o art. 12.º,
do CT de 2003.
IV - O art. 12.º do actual CT
A situação alterou-se com o actual CT. A «presunção de laboralidade» continua presente
no seu art. 12.º , n.º 1, mas agora nos seguintes termos:
«Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre
a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se
verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou
por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao
beneficiário da actividade;
PALMA RAMALHO, autora para quem a nova redacção do art. 12.º «tornou esta presunção menos exigente, e,
portanto, mais útil», não obstante reconheça que, «apesar de tudo, tal como está redigida, esta presunção
suscita ainda algumas dúvidas na sua aplicação» (Direito do Trabalho II, cit., pp. 43-44). Penso tratar-se de um
understatement. Sobre a matéria, esforçando-se, a meu ver sem grande êxito, por atribuir algum sentido útil
àquele art. 12.º , vd. ainda JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp . 140-
144. 7 Considerando que a técnica da presunção legal não constitui o meio mais adequado para atingir os objectivos
visados, vd., p. ex., PEDRO FURTADO MARTINS, «A crise do contrato de trabalho», Revista de Direito e de
Estudos Sociais, 1997, n.º 4, pp. 349-350. Sobre as vantagens e os inconvenientes das presunções legais de
laboralidade, concluindo que «as presunções legais, quando bem calibradas no seu conteúdo previsional,
podem dar um contributo positivo à solução do problema do tratamento das situações do "novo trabalho
autónomo" [e, acrescentaria eu, do "falso trabalho autónomo"], vd. JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, «As
fronteiras juslaborais...», cit., pp. 391-408.
49
Doutrina
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da
prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao
prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na
estrutura orgânica da empresa».
O novo art. 12.º, do CT, não é, naturalmente, uma norma perfeita e isenta de críticas.
Mas penso que, à terceira tentativa, o legislador finalmente acabou por estabelecer uma
«presunção de laboralidade» com algum sentido útil. A lei selecciona um determinado conjunto
de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles (dois?)8 bastará para a
inferência da subordinação jurídica. Assim sendo, a tarefa probatória do prestador de actividade
resulta consideravelmente facilitada. Doravante, provando o prestador que, in casu, se verificam
algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à
contraparte fazer prova em contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a actividade é realizada em
local pertencente ao respectivo beneficiário e nos termos de um horário determinado por este,
ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da actividade, o qual
paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um
contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção juris tantum (art. 350.º, do Código Civil),
nada impede o beneficiário da actividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito
de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de
trabalho. Mas, claro, o onus probandi passa a ser seu (dir-se-ia que a bola passa a estar do seu
lado), pelo que, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um
contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado9.
Pelo exposto, também para o julgador esta presunção reduz a complexidade da
valoração a empreender, dado que, pelo menos num primeiro momento, ele poderá concentrar-
se nos dados que integram a presunção, circunscrevendo a base factual da sua apreciação. De
8 No sentido de que bastará a verificação de dois dos índices para fazer operar a presunção, vd. MARIA DA
GLÓRIA LEITÃO e DIOGO LEOTE NOBRE (coord.), Código do Trabalho Revisto - Anotado e Comentado, Vida
Económica, Porto, 2009, p. 32. 9 A alínea que poderá suscitar maiores dúvidas aplicativas é, justamente, a última, relativa ao desempenho de
funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa (alínea e)). Trata-se, porventura, de mais uma
manifestação da «componente organizacional» do contrato de trabalho, assumida pela lei na própria noção
deste (art. 11.º) . Sobre o ponto, permito-me remeter para JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, Coimbra
Editora, Coimbra, 2009, pp. 52-53.
50
Doutrina
certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto
que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de
todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a
subordinação.
V - O âmbito temporal do art. 12.º
Resta saber, no plano temporal, a que relações jurídicas será aplicável a presunção de
laboralidade estabelecida neste art. 12.º: apenas às relações constituídas após o início de
vigência do actual CT? Ou também às relações constituídas antes dessa data (constituídas até,
quiçá, antes do CT de 2003), mas que, em Fevereiro de 2009, ainda subsistam?
Em sede de aplicação no tempo, é sabido que, em regra, as leis do trabalho, não sendo
retroactivas (isto é, não pretendendo ter efeitos ex tunc, sobre o passado), são retrospectivas (ou
seja, aplicam-se ao conteúdo e efeitos futuros de relações jurídicas criadas no passado, mas
ainda existentes)10. A este propósito, veja-se o disposto no art. 12.º, do Código Civil, bem como,
em especial, o art. 7.º da lei que aprovou o CT - assim, de acordo com este preceito, ficarão
sujeitos ao regime do CT os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor deste
diploma, «salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente
passados anteriormente àquele momento». Casos haverá, portanto, em que a lei nova se aplica
imediatamente, porque esta lei visa, acima de tudo, regular um certo status profissional ou
laboral, desinteressando-se do facto que lhe deu origem, do respectivo título constitutivo (regras
sobre férias ou sobre o poder disciplinar, p. ex.); mas outros casos existem que deverão ser
regulados pela lei vigente ao tempo da celebração do contrato, porque, quanto a eles, a lei não
abstrai do concreto facto jurídico que deu origem àquela relação (regras que sujeitam o contrato
a certas formalidades, p. ex.).
No tocante à presunção de laboralidade, quid juris? A questão, julga-se, não é de
resposta fácil e linear, mas o certo é que, quanto à presunção estabelecida no art. 12.º, do CT de
2003, o STJ tem-se orientado firmemente no sentido de que tal presunção só se aplica às
relações constituídas após o início de vigência do CT de 2003, vale dizer, tem entendido que à
10 Sobre a distinção entre retroactividade autêntica e retrospectividade (retroactividade aparente) da lei, vd.,
por todos, J. 1. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª ed., Almedina, Coimbra,
1999, p. 257.
51
Doutrina
operação de qualificação da relação se aplica o regime jurídico existente ao tempo da respectiva
constituição11.
Assim sendo, parece que, à luz desta jurisprudência constante, a nova presunção de
laboralidade consagrada no art. 12.º, do CT, apenas será aplicável aos contratos celebrados após
o início de vigência do CT. A eficácia temporal da norma será, pois, balizada em função da
circunstância de o contrato ter sido celebrado antes ou depois da entrada em vigor do actual CT.
A bondade desta solução jurisprudencial não deixa, apesar de tudo, de me suscitar
algumas dúvidas. Aliás, importa desde logo não esquecer que, em sede juslaboral, o princípio é o
da imediata sujeição às novas normas dos contratos celebrados à sombra das normas anteriores.
Isto com excepção das condições de validade, que são aferidas pela lei em vigor no momento da
celebração. Assim, se, p. ex., a nova lei vem exigir forma escrita para a validade de certa
modalidade contratual, ou se passa a condicionar o exercício de determinada actividade à posse
de certo título profissional, compreende-se que, em princípio, a nova lei não abranja os contratos
celebrados à sombra da lei velha. A não aplicação desta nova lei aos contratos anteriores
assenta, grosso modo, na ideia da confiança, na tutela das legítimas expectativas dos sujeitos.
Nas certeiras palavras de BERNARDO XAVIER, «no comum dos contratos, as partes, quando
contratam, confiam na estabilidade da regulamentação, não sendo pois justo que novas normas
imperativas lhes sejam aplicáveis, sem mais». Ora, «esse princípio da confiança já não funciona
plenamente no contrato de trabalho, em que - pelo menos o empregador - sabe que está sujeito
a um constante realinhamento legislativo da política social, ao menos em certos limites»12.
Nesta sede, a regra de princípio é, repete-se, a da aplicação imediata da lei nova. E,
quanto à presunção legal de laboralidade, importa salientar que ela não se traduz, propriamente,
numa norma sobre a constituição de uma relação jurídica, mas sim numa norma sobre a
qualificação de uma relação jurídica constituída. Não se trata, in casu, de apurar os requisitos de
validade, substancial ou formal, de um contrato, mas sim de fazer actuar os efeitos que a lei liga,
imperativamente, à celebração de certo contrato. Em rigor, a nova «presunção de laboralidade»,
ao incidir sobre a qualificação da relação, incide sobre o conteúdo da mesma (uma vez que este
11
A este propósito, vd., entre outros, os Acórdãos de 2/5/2007, de 18/12/2008, de 14/1/2009 e de 5/2/2009,
cujo relator foi o Conselheiro Pinto Hespanhol, disponíveis em www.dgsi.pt, todos sustentando que aquela
presunção só se aplica aos factos novos, isto é, às relações jurídicas constituídas após o início de vigência do CT
de 2003, que ocorreu no dia 1 de Dezembro desse ano. Por último, e no mesmo sentido, vd. o Acórdão do STJ
de 22/4/2009 (Vasques Dinis), sendo certo que, na espécie, as instâncias (o Tribunal do Trabalho de Sintra e a
Relação de Lisboa) haviam-se orientado em sentido oposto, aplicando ao caso o disposto no art. 12.º, daquele
CT.
12 Curso de Direito do Trabalho, vol. I, 3.ª ed., Verbo, Lisboa/São Paulo, 2004, p. 643, em nota.
52
Doutrina
conteúdo é preenchido por normas, legais e convencionais, que possuem uma natureza
imperativa) e não sobre a validade do contrato celebrado.
Julga-se ainda que tanto a chamada «ordem pública de protecção social» como a tutela
do contraente débil, ao exigirem um enérgico combate à dissimulação ilícita de relações laborais,
depõem no sentido de a nova presunção dever ser aplicada às relações jurídicas que subsistam à
data da entrada em vigor do actual CT. É que, ao estabelecer esta presunção (na linha, repete-se,
das recomendações da OIT)13, o legislador visa um duplo objectivo: lutar contra as relações de
trabalho encobertas e facilitar a determinação da existência de uma relação de trabalho
subordinado. Ora, é inegável que estes propósitos do legislador resultarão em grande medida
frustrados se a nova presunção apenas actuar relativamente aos contratos celebrados após o
início de vigência do CT. A ser assim, a presunção legal, enquanto expediente antifraudulento,
surgirá como que desvitalizada. E, diga-se, o resultado material mostrar-se-á francamente
decepcionante - um pouco como sucederia se a ciência tivesse descoberto uns novos e mais
potentes binóculos, que permitem ao sujeito discernir o que o rodeia com uma nitidez sem
precedentes, mas, ao mesmo tempo, a ciência dissesse a esse sujeito que só poderia apontar os
binóculos para ocidente, não já para oriente...
Seja-me permitido recorrer a mais uma imagem. Pense-se no que aconteceria se a
ciência médica tivesse descoberto um novo e mais eficaz remédio para combater o cancro,
havendo, porém, quem defendesse que tal remédio estaria vedado a todos quantos, ainda vivos,
já houvessem contraído a doença antes - ou seja, esse remédio estaria reservado àqueles cuja
doença só viesse a ser contraída ou detectada depois da descoberta do mesmo. Seria, decerto,
uma tese peregrina, que não colheria qualquer adesão... Dir-me-ão que a «presunção de
laboralidade» não constitui um tal remédio milagroso. Pois não. Mas, ainda assim, é um remédio.
E, por outro lado, alguém duvida de que a dissimulação de relações de trabalho subordinado
constitui um dos cancros do nosso sistema de relações laborais?
Tendo em conta a ratio legis, isto é, atendendo à intenção legislativa, ao escopo que
presidiu a esta alteração normativa, não posso, pois, deixar de reiterar as minhas dúvidas quanto
ao acerto da solução que vem sendo acolhida pelo nosso Supremo Tribunal nesta matéria. Isto, é
claro, não obstante deva reconhecer que o referido entendimento se poderá louvar no ensino de
BAPTISTA MACHADO. Com efeito, escreveu há muito este insigne autor, a propósito,
precisamente, das normas relativas às presunções legais (juris et de jure ou juris tantum):
13 Na supramencionada Recomendação n.º 198, da OIT, de 2006, a consagração de uma presunção legal surge,
inequivocamente, como um meio destinado a facilitar a determinação da existência e uma relação de trabalho
dependente.
53
Doutrina
«Admite-se em geral que elas se aplicam directamente aos actos ou aos factos aos quais vai
ligada a presunção e que, portanto, a lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificarem
esses factos ou actos. Também nós entendemos que assim é»14.
Neste caso, repito, tenho dúvidas que assim seja. Note-se, aliás, que o próprio BAPTISTA
MACHADO não deixava de assinalar que, no tocante às presunções juris tantum, «não há
unanimidade de pontos de vista»15. E convém sublinhar que, em obra mais recente, o mesmo
autor também não deixa de afirmar que «a doutrina tradicional sobre o critério de resolução dos
conflitos de leis no tempo em matéria de contratos condizia perfeitamente com legislação de
inspiração liberal, assente no reconhecimento de um largo papel à autonomia da vontade. Tal
legislação tinha fundamentalmente um carácter supletivo». Ora, acrescenta BAPTISTA
MACHADO, «O papel do legislador, nos quadros de uma concepção intervencionista do Estado na
vida económica e social, leva-o hoje a prosseguir objectivos e a utilizar meios inconciliáveis, quer
com um amplo respeito do dogma da autonomia da vontade, quer com a subsistência do regime
da lei antiga relativamente às situações jurídicas contratuais em curso. A eficácia da política
económica e social supõe medidas de conjunto extensíveis a todas as situações jurídicas em
curso»16.
Por outro lado, observa ainda o autor, «a doutrina tradicional, ao lembrar a necessidade
de respeitar as previsões comuns das partes e o equilíbrio contratual por elas gizado, tomava
como paradigma um contrato livremente concluído por duas vontades iguais - não um contrato
imposto por uma das partes»17. Ora, como é óbvio, no campo juslaboral o paradigma é outro. A
imperatividade das suas normas, a necessidade de salvaguardar interesses sócio-económicos
particularmente sensíveis e relevantes, tutelando as categoriais sociais mais frágeis, tudo isto
restringe fortemente o domínio da liberdade contratual neste domínio, impondo a aplicação
imediata das novas normas e a plena adequação· da relação contratual às novas (e supõe-se que
mais ajustadas ou afinadas) valorações do legislador do trabalho.
Pergunta-se: não será isto válido em relação à nova presunção legal de laboralidade?
Haverá aqui legítimas expectativas do beneficiário dos serviços a militar em sentido contrário?
Interesses deste, ligados ao princípio da confiança, dignos de tutela jurídica? E, a mais disso,
14 Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, pp. 274-275.
15 Sobre a aplicação no tempo... , loc. cit., n. 211.
16 Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, cit., pp. 239-240. Daí que, nas palavras de BAPTISTA
MACHADO, «seriam sempre de aplicação imediata as chamadas leis de ordem pública, isto é, aquelas leis
imperativas que visavam tutelar um interesse social particularmente imperioso ou fundamental» (p. 240). 17
Introdução ao Direito... , cit., p. 240.
54
Doutrina
interesses suficientemente ponderosos, que devam prevalecer sobre os interesses do prestador de
serviços e sobre o próprio interesse público de dar combate às relações laborais encobertas?
Aqui reside, segundo creio, o cerne do problema. Pense-se na hipótese, clássica, dos
requisitos formais do contrato de trabalho. Suponhamos que a lei consagra, nesta matéria, o
princípio da consensualidade. Ao abrigo de tal lei, as partes celebram o contrato de trabalho, sem
o reduzirem a escrito. Anos depois, uma nova lei vem exigir forma escrita para a validade do
contrato de trabalho. É lógico que esta nova lei não se aplique aos contratos anteriores ainda
subsistentes, pois a tanto se opõe a tutela da confiança dos sujeitos, que resultaria defraudada
com tal aplicação. Com efeito, seria manifestamente irrazoável que uma das partes viesse, agora,
defender a invalidade daquele contrato com base na nova lei. Mas será este raciocínio
transponível para o problema em apreço? Se o legislador afina e refina a presunção de
laboralidade, com o intuito de mais facilmente conseguir detectar a existência de um genuíno
contrato de trabalho, o que é que justifica que este novo mecanismo (os binóculos, a vacina ... )
só possa ser utilizado para os contratos celebrados após o início de vigência do novo CT? Não
consigo vislumbrar boas razões para rejeitar a aplicação da presunção aos contratos antigos que
ainda subsistam. E, em todo o caso, ainda que possa haver algumas razões válidas nesse sentido,
não me parece que elas sejam suficientes para contrabalançar os argumentos de sinal oposto,
que se expuseram supra.
55
Doutrina
Sumário:
1. Apresentação do tema e sequência. 2. Importância geral e dificuldades de delimitação do
contrato de trabalho. 3. As presunções de laboralidade. 4. A delimitação do contrato de
trabalho e a presunção de laboralidade no Código do Trabalho de 2009. 4.1. A nova noção
legal de contrato de trabalho. 4.2. A redefinição da presunção de laboralidade.
DELIMITAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE NO NOVO
CÓDIGO DO TRABALHO – BREVES NOTAS
Maria do Rosário Palma Ramalho
1. APRESENTAÇÃO DO TEMA E SEQUÊNCIA
I. O tema da delimitação do contrato de trabalho é um tema clássico do Direito do
Trabalho, que apresenta reconhecidas dificuldades. Tendo esta matéria sido objecto de
significativas alterações no novo Código do Trabalho, aprovado pela L. n.º 7/2009, de 12 de
Fevereiro, tanto a propósito da noção legal de contrato de trabalho (art. 11.º, do CT), como no
que respeita à presunção de laboralidade (art. 12.º, do CT), estas alterações sugeriram-nos o
breve «revisitar» da temática, que nos propomos fazer nas próximas páginas.
II. Nestas reflexões vamos, num primeiro momento, recordar a importância da
delimitação do contrato de trabalho, mas também as dificuldades que tal operação
tradicionalmente coloca. Num segundo momento, apreciaremos a presunção de laboralidade
associada ao contrato de trabalho em termos gerais. Num terceiro e último momento,
situaremos a matéria no contexto do novo Código do Trabalho, tecendo algumas considerações
A elaboração deste estudo pela autora teve como primeiro objetivo homenagear o Prof. Doutor Carlos
Ferreira de Almeida.
Foi originariamente publicado em "Estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de
Almeida", Volume III, Almedina, 2011, pp. 561 ss. Também publicado em “Direito do trabalho + crise = crise
do direito do trabalho?”, Coimbra Editora, 2011, pp. 275 ss.
.
56
Doutrina
sobre as mudanças introduzidas na noção de contrato de trabalho e na presunção de
laboralidade.
2. IMPORTÂNCIA GERAL E DIFICULDADES DE DELIMITAÇÃO DO CONTRATO DE
TRABALHO
I. O primeiro ponto a realçar na aproximação ao tema da delimitação do contrato de
trabalho é o da importância geral desta matéria, enquanto tema de qualificação: é que, no
contrato de trabalho como na esmagadora maioria das situações jurídicas, a operação de
qualificação do negócio constitui o pressuposto natural da sujeição ao respectivo regime jurídico.
No caso, da qualificação de um negócio envolvendo a prestação de uma actividade
laborativa como contrato de trabalho decorre a sujeição desse contrato ao regime jurídico
laboral. Ora, para operar esta qualificação, é necessário avaliar a presença dos elementos
essenciais do contrato de trabalho, i.e., proceder à respectiva delimitação conceptual.
II. Os elementos essenciais do contrato de trabalho são tradicionalmente recortados a
partir da sua noção legal, que consta, desde logo, do Código Civil (art. 1152.º)1, de onde
transitou, sem alterações para a LCT (art. 1.º) , e, com alterações pouco significativas, para o
Código do Trabalho de 2003 (art. 10.º). Vale a pena recordar estas noções legais para melhor
situarmos os elementos essenciais deste negócio e podermos depois avaliar as dificuldades de
delimitação do mesmo e o tratamento desta matéria no novo Código do Trabalho.
O art. 1152.º, do Código Civil, define o contrato de trabalho como «... aquele em que
uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a
outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta». Esta noção foi acolhida, sem alterações, pela
LCT de 1969 (art. 1.º), mas foi modificada pelo Código do Trabalho de 2003, cujo art. 10.º definiu
o contrato de trabalho como «... aquele em que uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a
prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas».
Como decorre do exposto, as alterações introduzidas pelo Código do Trabalho de 2003
tiveram a ver, por um lado, com a supressão da referência ao carácter intelectual ou manual da
actividade do trabalhador e com a admissibilidade expressa da contitularidade da posição
jurídica de empregador2. A primeira alteração destinou-se a abolir o último resquício da
1 A noção de contrato de trabalho constava anteriormente da LCT de 1937 (art. 1.º), e era já semelhante a esta.
2 Sobre a evolução da noção legal de contrato de trabalho e, em especial, sobre alterações nela introduzidas
pelo Código do Trabalho de 2003, M. R. PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho II-Situações Laborais
57
Doutrina
tradicional diferença entre trabalhadores intelectuais (ou empregados) e trabalhadores manuais
(ou operários) e foi relativamente inócua, uma vez que a estas duas categorias de trabalhadores
já não correspondiam, no nosso sistema jurídico, significativas diferenças de tratamento3. Já a
segunda alteração visou, como se sabe, dar uma cobertura explícita à figura da pluralidade de
empregadores, que constituiu um novo modelo de contratação laboral instituído por este Código
(art. 92.º).
Em todo o caso, como também facilmente se retira do texto, a noção de contrato de
trabalho constante do Código do Trabalho de 2003 deixou intocados os elementos essenciais
tradicionalmente reconhecidos a este contrato, a partir das noções anteriores: o elemento do
trabalho ou actividade laboral, o elemento da retribuição e o elemento da subordinação jurídica.
E também por isso mesmo se mantiveram as dificuldades tradicionais de delimitação deste
negócio jurídico.
III. A delimitação do contrato de trabalho é, com efeito, particularmente difícil pela
grande proximidade entre este negócio e outras figuras - designadamente, o contrato de
prestação de serviço, em algumas das suas modalidades. Trata-se, como é sabido, de uma
dificuldade estrutural, que decorre da afinidade material do objecto de ambos os contratos. Por
um lado, tanto no contrato de trabalho como no contrato de prestação de serviço está envolvida
uma actividade humana positiva (que corresponde juridicamente a uma prestação de facere),
com carácter produtivo e destinada à satisfação de necessidades de outra pessoa - ou seja, um
trabalho, como é, aliás, expressamente designada a actividade do prestador no contrato de
prestação de serviço (art. 1154.º, do CC) - e, na verdade, a mesma actividade material pode ser
prestada sob a moldura de qualquer um destes contratos4. Por outro lado, em ambos os
contratos o trabalho é prestado mediante retribuição, já que, embora o elemento retributivo não
Individuais, 2.ª ed., Coimbra, 2008, 17 ss. Já sobre a noção de contrato de trabalho no actual Código do
Trabalho, vd M. R. PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho II- Situações Laborais individuais, 3.ª ed., Coimbra,
2010, 18 ss.
3 Ainda assim, sublinhem-se as diferenças de tratamento entre trabalhadores intelectuais e manuais por
exemplo, no contexto do trabalho no domicílio, cujo regime jurídico abrangeu tradicionalmente apenas os
trabalhadores manuais - DL n.º 440/91, de 14 de Novembro, art. 1.º , n.º 5. Apenas com a disciplina deste
contrato estabelecida na RCT (diploma de Regulamentação do Código do Trabalho de 2003 - L. n.º 35/2004, de
29 de Julho), os trabalhadores intelectuais passaram a ser cobertos pelo regime do trabalho no domicílio (art.
14.º da RCT), opção que é mantida no actual regime desta matéria, instituído pela L. n.º 101/2009, de 8 de
Setembro. 4 Sobre este ponto, ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho II, 3.ª ed., cit., 21 ss., e 26 ss.
58
Doutrina
seja essencial no contrato de prestação de serviço, quase sempre - e, certamente, em todos os
casos em que se suscitam dúvidas de qualificação do negócio - este contrato tem carácter
oneroso5.
Por estas razões - e excepção feita à prestação de serviços gratuita - dificilmente se logra
a distinção entre os contratos de trabalho e de prestação de serviço com base nos elementos do
trabalho ou actividade do prestador e da remuneração ou preço desse trabalho.
A falibilidade dos elementos da actividade prestada e da retribuição, como critérios
qualificativos do contrato de trabalho, pelas razões indicadas, torna imprescindível o recurso ao
terceiro elemento essencial deste contrato para operar a sua delimitação em relação a outras
figuras: o elemento da subordinação jurídica.
Entre nós, este elemento foi apurado pela doutrina e pela jurisprudência a partir das
noções legais dos dois contratos, no Código Civil: o art. 1154.º que define o contrato de
prestação de serviço, realçando como débito do prestador o «resultado do seu trabalho
intelectual ou manual», e o art. 1152.º, do CC; acima referido, que exige que a actividade
intelectual ou manual do trabalhador6 seja desenvolvida sob a «autoridade e direcção» do
credor. Como é sabido, a partir destas noções, o elemento da subordinação jurídica foi recortado
do seguinte modo: há contrato de trabalho quando o trabalhador desenvolve a sua actividade
com sujeição aos poderes laborais de autoridade do credor (maxime, o poder directivo e o poder
5 A delimitação do contrato de trabalho em relação a figuras próximas, com base na existência de retribuição
ou no modo de cálculo dessa retribuição, remonta aos pioneiros do direito laboral - assim, por exemplo, M.
TROPLONG, De I 'échange et du louage, in Le droit civil expliqué. Commentaire des Titres VII et VIII du livre III du
Code Napoléon, 3.ª ed., II, Paris, 1859, 225 ss., a propósito da distinção entre o louage d'ouvrage e o mandat,
ou P. LOTMAR, Die ldee eines einheitlichen Arbeitsrechts (1912), in J. RÜCKERT (Hrsg.), Philipp Lotmar Schriften
zu Arbeitsrecht, Zivilrecht und Rechtsphilosophie, Frankfurt am M., 1992, 603-614 (606) e, entre nós, RUY
ULRICH, Legislação Operária Portugueza, Coimbra, 1906, 110, ou ADOLPHO LIMA, O Contrato de Trabalho,
Lisboa, 1909, 140 s. Sobre a falibilidade do elemento da retribuição como critério delimitador do contrato de
trabalho, ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho II, 3.ª cd., cit., 28 e ss., com mais indicações
doutrinais.
6 O critério da predominância da actividade ou do resultado dessa actividade como critério de distinção entre o
contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço é também tradicional - neste sentido, por exemplo,
E. MOLITOR, Das Wesen des Arbeitsvertrages, Leipzig, 1925, 32 ss., ou A. NIKISCH, Die Grundformen des
Arbeitsvertrag und der Anstellungsvertrag, Berlin, 1926, 44 s., e Arbeitsrecht, I, 3.ª ed., Tübingen, 1961, 158 s.
Mas a debilidade deste elemento como critério distintivo, pela inseparabilidade material da actividade e do
resultado, é também reconhecida precocemente pela doutrina - por exemplo, G. RÜMELIN, Dienstvertrag und
Werkvertrag, Tübingen, 1905, 1 ss., e ainda H. HOENIGER, Grundformen des Arbeitsvertrages, in H. HOENIGER /
E. WEHRLE (Hrsg.), Arbeitsrecht- Sammlung der reichsgesetzlichen Vorschriften zum Arbeitsvertrag, 6.ª ed.,
Mannheim-Berlin-Leipzig, 1925, XXIII.
59
Doutrina
disciplinar); e haverá contrato de prestação de serviço sempre que o prestador desenvolva o seu
trabalho com autonomia, limitando-se a entregar ao credor o resultado desse trabalho.
Assim desenvolvido, o elemento da subordinação ou dependência do trabalhador
perante o credor é unanimemente reconhecido como o elemento distintivo fundamental do
contrato de trabalho7.
Com efeito, aquilo que distingue este negócio de outros contratos envolvendo uma
actividade de trabalho para outrem não é propriamente essa actividade mas a posição relativa
das partes no vínculo. Com base nesta ideia, é possível discernir no contrato de trabalho dois
binómios que dão a medida do seu conteúdo e facilitam a sua delimitação de figuras próximas:
i) O binómio objectivo prestação da actividade / retribuição, que permite delimitar o
contrato de trabalho em termos materiais e constitui, por assim dizer, a parcela
deste contrato que é comum a qualquer negócio envolvendo uma actividade
humana produtiva para outra pessoa (i.e., aquilo que designamos como actividade
laborativa), y compris o contrato de prestação de serviço.
ii) O binómio subjectivo subordinação jurídica / poderes laborais, que tem a ver com a
posição desigual das partes no contrato de trabalho - o trabalhador numa posição de
dependência, e o empregador na correlativa posição de domínio, enquanto . titular
dos poderes de direcção e de disciplina. É este segundo binómio do contrato de
trabalho que é específico e viabiliza a sua distinção do contrato de prestação de
serviço8.
IV. À comprovação da importância do elemento da subordinação jurídica, enquanto
elemento delimitador do contrato de trabalho, inere, quase automaticamente, a consciência das
dificuldades de aferição prática deste elemento.
É que a subordinação corresponde, necessariamente, a um estado do sujeito, uma vez
que, como facilmente se compreende, não tem a ver com a actividade em si mesma mas com o
7A unanimidade da doutrina e da jurisprudência sobre este ponto torna fastidiosas e necessariamente
incompletas quaisquer indicações doutrinais e jurisprudenciais. Estas indicações podem, contudo, ser cotejadas
in M. R. PALMA RAMALHO, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Coimbra, 2011, 85 ss., c ainda
Direito do Trabalho II, 3.ª ed., cit., 30 ss. 8 Para mais desenvolvimentos sobre a construção dogmática do vínculo laboral com base nestes dois binómios,
ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral, Coimbra, 2003, 428 ss., Da
Autonomia Dogmática..., cit., 784 ss., e ainda Direito do Trabalho I - Dogmática Geral, 2.a ed., Coimbra, 2009,
414 s.
60
Doutrina
modo como ela é prestada9 - é, aliás, neste sentido que a doutrina germânica qualifica
acertadamente este elemento como um estado de dependência pessoal (persönliche
Abhängigkeit10). Ora, a natureza subjectiva deste elemento toma-o mais difícil de aferir do que se
se tratasse de um elemento objectivo, uma vez que exige uma avaliação cuidada do modo como
o contrato é executado e um juízo sobre a actuação das partes nesse contrato.
Como se sabe, a resolução do problema da determinação da subordinação tem sido
encontrada - de novo, com o contributo vital da jurisprudência - com recurso ao denominado
«método indiciário», que pela primeira vez testou, no direito privado, as teorias do tipo11.
Através deste método, isolou-se um conjunto de indícios reveladores da dependência do
prestador do trabalho ou dos poderes do respectivo credor: o local de trabalho (em instalações
do credor ou do devedor do trabalho), o modo de cálculo da retribuição (em função do tempo
gasto na actividade ou em função dos resultados a que tal actividade conduz), a propriedade dos
instrumentos de trabalho (do trabalhador ou do credor), o tempo de trabalho (envolvendo ou
não um horário de trabalho), o grau de sujeição do trabalhador a ordens directas do credor e de
inserção na organização empresarial, ou mesmo o regime de segurança social a que o
trabalhador se sujeita12.
9 Não se sufraga assim o entendimento mais obrigacional do elemento da subordinação, que o reduz à ideia de
heterodeterminação da prestação laboral - i.e., ao facto de o conteúdo da prestação ser determinado pelo
credor da mesma e não pelo trabalhador (neste sentido, por exemplo, A. MENEZES CORDEIRO, Manual de
Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, 127) - uma vez que a heterodeterminação nos parece ser antes uma
característica da prestação de trabalho, que apenas se traduz num poder de escolha do credor-empregador,
como é comum noutras obrigações de conteúdo relativamente indeterminado. Esta característica objectiva da
prestação nada tem pois a ver com o estado (subjectivo) de subordinação do trabalhador no contrato de
trabalho. Para mais desenvolvimentos sobre este ponto, vd ainda ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Da Autonomia
Dogmática... , cit., 479 ss.
10 Por todos, quanto a esta designação na doutrina germânica, H. C. NIPPERDEY / H. MOHNEN / D. NEUMANN,
Der Dienstvertrag, Berlin, 1958, 1106.
11 Especificamente sobre o ponto, L. NOGLER, Metodo tipologico e qualificazione dei rapporti di lavoro
subordinato, RIDL, 1990, I, 182-223 (maxime 193 ss.) ou A. CATAODELA, Spunti sulfa tipologia dei rapporti di
lavoro, DLav., 1983, I, 77-90 (81 ss.). 12
Para mais desenvolvimentos sobre os indícios de subordinação desenvolvidos pela doutrina e
pela jurisprudência, ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho II, 3.ª ed., cit., 41 ss., mas
sobretudo, Da Autonomia Dogmática..., cit., 94 ss. e notas.
61
Doutrina
Ponderados no seu conjunto, e avaliados de forma diferente consoante o caso
concreto13, se ocorrerem num número razoável ou se apresentarem uma especial intensidade,
estes indícios permitem reconhecer a presença do elemento da subordinação jurídica no caso
concreto; e, a partir daqui, viabilizam a qualificação do negócio como um contrato de trabalho,
se concorrerem também os elementos da actividade e da retribuição.
V. Este método tipológico de delimitação do contrato de trabalho a partir dos índices de
subordinação jurídica foi testado e afinado ao longo dos anos pela jurisprudência laboral, mas
não ilude, antes confirma as dificuldades de qualificação do negócio laboral. Na verdade, estas
dificuldades mantêm-se até à actualidade e são hoje particularmente prementes mercê da
conjugação de dois factores: um factor atinente à diversificação de modelos laborais; e um factor
relativo às práticas de evasão ao regime laboral que se têm disseminado nos últimos anos.
Por um lado, a subordinação do trabalhador é hoje especialmente difícil de determinar
não só porque a mesma actividade profissional pode ser desenvolvida quer em regime autónomo
quer em regime de subordinação, mas, sobretudo, porque a diversidade de modelos de
contratação e a elasticidade dos regimes laborais hoje dominantes se traduzem em novas formas
de exercício dos poderes do empregador, que tornam mais difícil de avaliar a posição do
trabalhador no vínculo - assim sucede, por exemplo, no caso do trabalho à distância e do
teletrabalho, quando o trabalhador é controlado através de meios tecnológicos; assim ocorre nos
casos em que o trabalhador está mais próximo dos órgãos de gestão, por força das funções que
desempenha ou simplesmente quando a organização empresarial é menos verticalizada e,
portanto, o poder directivo do empregador é menos evidente; e assim sucede ainda em vínculos
laborais especiais em que ocorre um desdobramento dos poderes laborais, sendo o poder
directivo exercido por outra entidade (são os casos do contrato de trabalho temporário e da
cedência ocasional de trabalhadores – respectivamente, arts. 172.º ss. e 288.º ss., do CT) ou nas
situações em que a organização empresarial dificulta a identificação do empregador real
(situação frequente no âmbito dos grupos de empresas14). Na verdade, nestas situações, a
13 Assim, se o trabalho for realizado à distância, o índice do local de trabalho é menos relevante, tal
como o índice do grau de sujeição do trabalhador a ordens não é valorizado da mesma forma num
trabalhador indiferenciado ou num quadro superior. Ainda sobre este ponto, ROSÁRIO PALMA
RAMALHO, Direito do Trabalho, cit., II, 3.ª ed., cit., 44 e ss.
14 Sobre este ponto em concreto, vd M. R. PALMA RAMALHO, Grupos Empresariais e Societários. Incidências
Laborais, Coimbra, 2008, 359 ss. e passim.
62
Doutrina
subordinação continua a ocorrer e pode mesmo ser especialmente intensa, mas apresenta novos
cambiantes que dificultam o seu reconhecimento, e, assim, a qualificação laboral do vínculo15).
Por outro lado, é sabido que, em conjunturas económicas menos favoráveis e em
regimes particularmente restritivos em matéria de cessação do contrato de trabalho por
iniciativa do empregador (como é o caso português), se disseminam práticas de evasão ao regime
laboral, com o objectivo de escapar à aplicação das suas regras tutelares. Ora, estas práticas de
evasão ao regime laboral começam logo na qualificação do contrato, de uma de duas formas: ou
através da titulação expressa do contrato como contrato de prestação de serviço, quando a
execução do mesmo demonstra, afinal, que o trabalhador está numa posição de subordinação;
ou, não sendo o contrato celebrado por escrito, através da contratação do trabalhador como
independente (o que é formalmente comprovado pela emissão do recibo respectivo pelo
trabalhador) quando, na verdade, ele desempenha as suas funções em regime de subordinação
(é o problema dos denominados falsos independentes). Em qualquer dos casos, estamos, pois,
perante comportamentos ilícitos de evasão do regime laboral, através da qualificação
voluntariamente errada do contrato.
VI. Como se sabe, a prova da subordinação, neste tipo de casos, é particularmente difícil
de fazer, que mais não seja porque a dependência económica do trabalhador perante o
empregador na pendência do vínculo o inibe de accionar esse mesmo empregador para resolver
problema da qualificação do contrato.
É tendo em conta estas dificuldades de prova que faz sentido admitir a existência de
presunções de laboralidade, como vamos ver, de imediato.
3. AS PRESUNÇÕES DE LABORALIDADE
I. O papel das presunções é facilitar a demonstração de um facto, dispensando a prova
directa do mesmo por aquele em favor do qual é estabelecida a presunção (art. 350.º, n.º 1, do
CC).
15Em especial sobre as dificuldades de aferição do elemento da subordinação em alguns modelos de
contratação laboral mais modernos, podem ver-se A. SUPIOT, Les nouveaux visages de la subordination, OS,
2000, 2, 134 ss., e Au-delà de l'emploi. Transformations du travail et devenir du droit du travail en Europe -
Rapport pour la Commission des Communautés Européennes avec la collaboration de l 'Université Carlos III de
Madrid, Paris, 1999, 38 e s., ou J.-E. RAY, Nouvelles technologies et nouvelles formes de subordination, OS,
1992, 6, 525-53 7, e Du Germinal à Internet. Une nécessaire évolution du critere du contrat de travail, OS, 1995,
7/8, 634-63 7.
63
Doutrina
No caso das presunções de laboralidade, pretende-se, pois, facilitar a prova da existência
de um contrato de trabalho em situações de dúvida. Assim, porque beneficia de tal presunção, o
trabalhador tem apenas que alegar os indícios de subordinação jurídica que, no caso, considere
relevantes, bem como a existência dos restantes elementos essenciais do contrato de trabalho
(indicando que desenvolve uma actividade produtiva mediante uma retribuição); e, nos termos
gerais do art. 350.º, n.º 2, do CC, compete ao empregador ilidir tal presunção, provando, em
contrário, que os indícios alegados pelo trabalhador não evidenciam, no caso concreto, a
subordinação e, assim, afastando a qualificação do vínculo como um contrato de trabalho.
Em suma, a presunção de laboralidade facilita a posição do trabalhador no diferendo
sobre a qualificação do seu contrato.
II. No sistema jurídico português houve várias tentativas para instituir presunções de
laboralidade, justificadas pelas dificuldades tradicionais de o trabalhador provar a subordinação
jurídica, mas incentivadas, sobretudo, a partir da época em que mais se difundiram as práticas de
evasão à tutela laboral através da qualificação fraudulenta dos contratos e dos falsos recibos
verdes16 - o que sucedeu historicamente à excepcionalização do regime do contrato de trabalho a
termo, operada pela LCCT, em 198917.
16As tentativas de instituição de presunções de laboralidade constaram de um Projecto de diploma
apresentado à discussão pública em 25 de Março de 1996, de um Anteprojecto elaborado na sequência do
Acordo de Concertação Estratégica do final de 1996 (ponto 3. do Acordo de concertação estratégica celebrado
na Comissão Permanente de Concertação Social do Conselho Económico e Social em 20112/1996, RDES, 1997,
112/3, 291-332 (307 ss.) e ainda da Proposta de Lei n.º 235/VII, para a regularização das situações de trabalho
subordinado impropriamente qualificadas. Sobre estes projectos, vd, por todos, P. FURTADO MARTINS, A crise
do contrato de trabalho, RDES, 1997, 4, 335-368 (346 ss.).
17 A ligação entre os temas da cessação do contrato de trabalho e da restrição aos contratos de trabalho a
termo é, no nosso sistema juslaboral, urna ligação incontornável. É que, desde que ocorreu a rigidificação do
regime da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador (i.e., desde a Lei dos Despedimentos
de 1975 - DL n.º 372-A/75, de 16 de Julho - em orientação que foi depois confirmada pela Constituição, através
do estabelecimento do princípio da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa-
art. 53.º, da CRP), os contratos de trabalho a termo passaram a ser utilizados para além da sua vocação
originária (que era a de fazer face a necessidades transitórias das empresas) corno instrumento para contornar
a rigidez do sistema laboral em matéria de despedimentos. Por seu turno, quando o regime do contrato de
trabalho a termo foi excepcionalizado, na LCCT (DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, arts. 41.º ss.), o número de
situações de qualificação fraudulenta de vínculos de trabalho aumentou drasticamente, justificando as diversas
tentativas de instituição de presunções de laboralidade. Para mais desenvolvimentos sobre esta ligação entre a
evolução do nosso sistema juslaboral em matéria de cessação do contrato de trabalho, de trabalho a termo e
dos falsos independentes, vd M. R. PALMA RAMALHO, Insegurança ou diminuição do emprego? A rigidez do
64
Doutrina
Após algumas tentativas, a primeira presunção de laboralidade que veio a ter
vencimento foi estabelecida no Código do Trabalho de 2003 (art. 12.º), tendo conhecido duas
versões no âmbito deste Código.
Na primeira versão, coeva da redacção originária do Código18, esta presunção assentava a
qualificação do negócio como contrato de trabalho num conjunto de indícios muito diversificado:
a inserção do trabalhador na estrutura organizativa do credor com sujeição a orientações deste;
o local e o tempo de trabalho (o local deveria corresponder à empresa beneficiária da prestação
ou ser por esta controlado, e o trabalhador devia sujeitar-se a um horário de trabalho); o modo
de cálculo da retribuição em função do tempo de trabalho; os instrumentos de trabalho, que
deveriam ser fornecidos pelo credor; e a duração do contrato, que deveria ser superior a um
período ininterrupto de noventa dias.
Nesta versão originária, a presunção de laboralidade sujeitava-se, contudo, a críticas, que
se podem sintetizar em três pontos essenciais. Por um lado, os indícios referidos tinham um valor
muito desequilibrado entre si e alguns deles não tinham mesmo qualquer justificação material (o
caso mais evidente era o da duração mínima do contrato fixada em noventa dias, que constituía
uma exigência desadequada, tendo em conta que um contrato de trabalho pode ser concluído
por qualquer período sem se descaracterizar). Por outro lado, estes indícios eram estabelecidos
expressamente em moldes cumulativos (art. 12.º, corpo, do CT de 2003 ), pelo que se tornava, na
prática, mais difícil de chegar à qualificação do negócio como contrato de trabalho através da
presunção do que pelo método indiciário aplicado em termos gerais - ora, tendo em conta que a
função das presunções legais é facilitar a demonstração de um facto e não dificultar a prova, este
resultado era contraproducente. Por fim; tal como estava concebida, esta presunção tinha um
efeito perverso, dado que uma tal exigência quanto aos factores essenciais à presunção poderia
conduzir os tribunais a desqualificar o contrato como contrato de trabalho (na operação normal
de subsunção dos factos à noção legal deste contrato, constante do art. 10.º do CT de 2003),
sempre que não estivessem presentes todos os indícios do art. 12.º do CT de 2003.
Em suma, nesta primeira versão, a presunção de laboralidade do Código do Trabalho era
não só inútil como perigosa, pelos efeitos contraproducentes que podia ter19.
sistema jurídico português em matéria de cessação da convenção colectiva de trabalho e de trabalho atípico, in
Estudos de Direito do Trabalho I, Coimbra, 2003, 95-106.
18 Esta norma não constava do Anteprojecto mas foi introduzida por ocasião da discussão da Proposta de Lei
na Assembleia da República. 19
Para uma crítica mais aprofundada da presunção nesta versão originária, vd ROSÁRIO PALMA RAMALHO,
Direito do Trabalho II, 3ª ed., cit., 50 ss. Também considerando a presunção inútil e perniciosa, nesta versão
originária, J. LEAL AMADO, Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra, 2009, 72. Em
65
Doutrina
Na primeira alteração introduzida ao Código do Trabalho de 2003 (pela L. n.º 9/2006, de
20 de Março), a norma sobre a presunção de laboralidade foi modificada, simplificando-se o
sistema. Assim, de acordo com a nova redacção dada ao art. 12.º, do CT, permitiriam presumir a
existência de um contrato de trabalho os seguintes factos: o facto de o trabalhador se encontrar
na dependência do credor e inserido na sua estrutura organizativa20; a sujeição do trabalhador a
ordens, direcção e fiscalização do credor da prestação; e, por último, o facto de a actividade
prestada ser retribuída.
Quando comparada com a versão anterior, esta presunção apresentava a vantagem de se
terem eliminado os indícios mais inadequados (com destaque para a duração do contrato por
mais de noventa dias), e de chamar a atenção para as situações de dependência económica do
trabalhador.
Contudo, nesta formulação, a norma continuava a sujeitar-se a duas críticas essenciais:
por um lado, os indícios de subordinação eram formulados em moldes muito mais vagos (assim,
por exemplo, deixou de se referir o local e o tempo de trabalho para se indicar apenas a inserção
do trabalhador na organização do credor) e de um modo que se confundia com a descrição dos
elementos essenciais do contrato (assim, por exemplo, não se referia o modo de cálculo da
retribuição mas simplesmente a existência de retribuição), o que diminuía a sua
operacionalidade; por outro lado, os indícios continuavam a ser apresentados em moldes
cumulativos, o que dificultava a prova em vez de a facilitar.
Em suma, também nesta versão, a presunção de laboralidade tinha uma eficácia reduzida
até porque resultava numa certa sobreposição com a noção legal de contrato de trabalho,
constante do art. 10.º, do CT de 200321.
sentido diverso, considerando a presunção útil e adequada, A. MENDES BAPTISTA, Qualificação contratual e
presunção de laboralidade, in Estudos sobre o Código do Trabalho, Coimbra, 2004, 537-549.
20 Da letra da lei neste ponto não se retirava que tipo de dependência era aqui visada pela norma, mas parecia
tratar-se de dependência económica e não jurídica, uma vez que se trata de indícios de subordinação. 21
Sobre esta versão da presunção, ainda o nosso Direito do Trabalho II, 3.ª ed., cit., 50 s. Também criticando o
carácter vago dos indícios e a sobreposição entre esta presunção e a noção legal de contrato de trabalho, em
moldes que retiram utilidade à própria presunção, P. ROMANO MARTINEZ / L. M. MONTEIRO / J. VASCONCELOS
/ P. MADEIRA DE BRITO / G. DRAY / L. GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, 7.ª ed., 2009, 127 s.
(anotação de ROMANO MARTINEZ). Desta sobreposição entre indícios de subordinação e elementos essenciais
do contrato de trabalho retira o autor que não estamos, em rigor, perante uma presunção. No mesmo sentido se
pronunciou ainda LEAL AMADO, Contrato de Trabalho..., cit., 73 s.
66
Doutrina
III. Chegados a este ponto, estamos aptos a avaliar as alterações introduzidas nesta
matéria pelo novo Código do Trabalho. Estas alterações respeitam tanto à noção de contrato de
trabalho (agora constante do art. 11.º, do CT), como à formulação da presunção de laboralidade
(art. 12.º).
É o que faremos no ponto seguinte do nosso estudo.
4. A DELIMITAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO E A PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
NO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009
4.1. A nova noção legal de contrato de trabalho
I. As primeiras alterações introduzidas nesta matéria pelo Código do Trabalho de 2009
referem-se à noção de contrato de trabalho, agora constante do art. 11.º do Código. Nos termos
desta norma, «contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante
retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob
a autoridade destas».
Desta nova noção de contrato de trabalho ressaltam três diferenças fundamentais em
relação à noção anterior: a referência ao trabalhador como pessoa singular; a inclusão de um
aparente novo elemento nesta noção, que decorre da referência ao «âmbito de organização» do
empregador; e a supressão da referência tradicional à componente da direcção do empregador
no contrato.
Vale a pena aprofundar um pouco o sentido de cada uma destas alterações, para
podermos alicerçar uma opinião global sobre esta delimitação do contrato.
II. A exigência legal de que o trabalhador seja uma pessoa singular não causa surpresa.
Ela vem pôr fim à querela sobre a possibilidade de celebração de contratos de trabalho com
pessoas colectivas, que dividia a doutrina22, tendo o legislador optado por tomar posição neste
debate.
A nosso ver, a solução agora consagrada é a mais adequada, uma vez que a possibilidade
de o trabalhador ser uma pessoa colectiva não se coaduna, efectivamente, com o elemento de
pessoalidade inerente ao contrato de trabalho. Este elemento, que decorre com clareza da
inseparabilidade entre a actividade laboral e a pessoa do trabalhador e do relevo que as
22Entre nós, a possibilidade de os trabalhadores serem pessoas colectivas foi aventada por MENEZES
CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, cit., 108, contra o entendimento tradicional nesta matéria .
67
Doutrina
qualidades pessoais do trabalhador têm para o empregador (fazendo do contrato de trabalho um
contrato necessariamente intuitu personae) e que se evidencia na posição (subjectiva) de
subordinação que o trabalhador ocupa no vínculo23 aponta efectivamente para um trabalhador
que seja uma pessoa física. Por outro lado, a natureza singular do trabalhador é também o
pressuposto de grande parte dos regimes laborais, que procuram conciliar os interesses pessoais
do trabalhador com as exigências de gestão (por exemplo, os regimes relativos ao local de
trabalho, às férias e às faltas, aos direitos de personalidade, ou mesmo ao poder disciplinar,
entre muitos outros) e que não fazem sentido para pessoas colectivas.
Em suma, a natureza do contrato de trabalho pressupõe um trabalhador que seja uma
pessoa singular e a noção de contrato de trabalho agora acolhida pelo Código do Trabalho
apenas vem confirmar esse traço genético do vínculo laboral24.
III. No que se refere às duas outras alterações introduzidas na noção legal de contrato de
trabalho (i.e., o «novo» elemento da inserção do trabalhador na organização do credor e a
supressão das referências ao elemento da direcção do empregador), o seu alcance pode suscitar
mais dúvidas, como, aliás, é comprovado pelas vivas mas também díspares reacções que a norma
provocou em alguns sectores.
Assim, numa certa perspectiva, poderia considerar-se que a dispensa do elemento
«direcção» na noção legal de contrato de trabalho permitiria estender o objecto deste contrato a
situações de trabalho autónomo, desde que o trabalhador se inserisse na estrutura organizativa
do credor, o que, no mínimo, suscitaria dúvidas na já complicada operação de delimitação do
23Para mais desenvolvimentos sobre este elemento de pessoalidade do contrato de trabalho, que
reconhecemos na nossa proposta de reconstrução dogmática do vínculo laboral e que não cabe aqui
aprofundar, vd ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Da Autonomia Dogmática..., cit., 751 ss., Relação de trabalho e
relação de emprego - contributo para a construção dogmática do contrato de trabalho, in Estudos de Direito do
Trabalho, cit. I, 125-156 (148 ss.), e Direito do Trabalho, cit., I, 448 ss.
24 Em especial sobre este ponto, ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho I, cit., 320 ss. Não deixamos,
no entanto, de advertir para os efeitos perversos desta referência do Código do Trabalho na qualificação de
algumas situações, pela maior facilidade em operar a descaracterização do vínculo laboral através do
expediente da constituição de uma pessoa colectiva (nomeadamente uma sociedade unipessoal) com intuitos
fraudulentos, com a qual é outorgado formalmente um contrato de prestação de serviço que encobre uma
efectiva prestação de trabalho em regime de subordinação. Nestes casos, pensamos que se deverá recorrer ao
princípio geral do abuso do direito, na projecção da desconsideração da personalidade jurídica colectiva, para
se descortinar o contrato efectivamente celebrado com o trabalhador-pessoa singular que está por detrás da
pessoa colectiva.
68
Doutrina
contrato em relação a figuras próximas25. Numa perspectiva diferente, a referência à inserção do
trabalhador na organização do credor da actividade poderia ser considerada como um
argumento em favor de uma construção institucionalista do vínculo laboral, ao passo que a
referência à inserção do trabalhador na organização do empregador poderia ser interpretada
como limitadora do âmbito do contrato de trabalho, por deixar de fora os contratos de trabalho
não empresariais26.
A nosso ver, a crítica da noção de contrato de trabalho vertida no art. 11.º, do CT, por
qualquer das perspectivas apontadas, não tem razão de ser e esta nova noção deve, bem pelo
contrário, ser aplaudida, porque corresponde, de uma forma mais clara, à substancialidade do
vínculo laboral, tal como o concebemos, mas não altera o âmbito de aplicação da norma27.
Assim, no que se refere à supressão das referências tradicionais ao elemento da direcção
do empregador, tal supressão não significa, quanto a nós, a dispensa do elemento da
subordinação jurídica como elemento essencial do contrato de trabalho, com as inerentes
dúvidas sobre a extensão do regime laboral ao trabalho autónomo. É que, como decorre da
norma, mantém-se expressamente a referência à «autoridade» do empregador na delimitação
do negócio laboral. Ora, como já tivemos ocasião de demonstrar noutra sede28, a posição de
autoridade do empregador no contrato de trabalho inclui não apenas uma componente de
direcção (que não carece assim de ser expressamente referida) como também uma componente
disciplinar; e, com frequência, não é a componente directiva da autoridade do empregador que
permite resolver dúvidas de qualificação do contrato, porque o poder directivo pode estar
diluído, não ser exercido ou mesmo ser atribuído a terceiros sem que o contrato se
descaracterize29, e ainda porque tal poder também existe noutros contratos envolvendo a
25 Neste sentido, expressamente, P. ROMANO MARTINEZ / L. M. MONTEIRO / J. V ASCONCELOS / P. MADEIRA
DE BRITO/G. DRAY/L. GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, cit., 123 s. (anotação de ROMANO
MARTINEZ).
26 Ainda neste sentido, P. ROMANO MARTINEZ / L. M. MONTEIRO / J. VASCONCELOS / P. MADEIRA DE BRITO /
G. DRAY/L. GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, cit., 123 S. (anotação de ROMANO MARTINEZ). 27
Em sentido idêntico, observa LEAL AMADO, Contrato de Trabalho..., cit., 53, que os «retoques» dados a
noção de contrato de trabalho pelo novo Código do Trabalho não determinam a descaracterização de qualquer
contrato que antes fosse qualificado como um contrato de trabalho, nem permitem qualificar como contrato
de trabalho um contrato que antes não merecesse tal qualificação.
28 Do Fundamento..., cit., 108 ss.
29 Assim, se o trabalhador não receber, de facto, instruções ou ordens do empregador porque ele está fora, ou
simplesmente, porque o empregador nele confia plenamente, ou ainda porque é um trabalhador com uma
vincada autonomia técnica ou um trabalhador dirigente, o poder de direcção é menos intenso ou mesmo
69
Doutrina
prestação de um trabalho ou de um serviço30, dependendo assim a sua aptidão qualificativa do
acompanhamento pelo poder disciplinar. Em suma, a referência à autoridade do empregador na
noção de contrato de trabalho é referência bastante para identificar o binómio subjectivo
subordinação do trabalhador/domínio do empregador, que verdadeiramente diferencia o
contrato de trabalho de figuras próximas, como acima recordámos, pelo que a ausência de
menção expressa à direcção do empregador não significa a abertura do regime laboral ao
trabalho autónomo31.
Por outro lado, no que respeita à referência legal à inserção do trabalhador «no âmbito
de organização [do credor]» não colhem as interpretações que vêem em tal referência o
ressurgimento de uma concepção institucionalista do vínculo laboral, nem aquelas que
entendem que tal referência afasta do universo laboral os contratos de trabalho não
empresariais.
Assim, não deve confundir-se a organização do credor da actividade com uma instituição,
uma vez que falta à empresa a ideia de obra comum ou de comunhão de objectivos aos
membros, que é essencial ao conceito de instituição32. Bem pelo contrário, a empresa é uma
organização cujo titular é o empresário, que, através dela, prossegue os seus próprios objectivos
e no seio da qual coexistem interesses muito diversos, que entram, aliás, com frequência em
conflito. Neste quadro, a referência à organização do empregador, no contexto da noção de
virtual e o contrato não se descaracteriza por esse efeito; e, bem assim, em algumas situações laborais
especiais (como o trabalho temporário, o trabalho portuário ou a cedência ocasional de trabalhadores), o
poder directivo é, por determinação legal, atribuído a alguém que não é o empregador c o contrato também
não se descaracteriza. Em suma, o poder directivo é um poder prescindível, pelo que a sua atenuação ou
mesmo a sua falta não impedem a qualificação do vínculo jurídico como um contrato de trabalho. Para mais
desenvolvimentos sobre estes pontos, ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Do Fundamento..., cit., 252 ss., 268 ss. c
279 ss., e ainda Direito do Trabalho 11, 3.a ed., cit., 38 SS. C 55 S. 30
Assim, por exemplo, no contrato de mandato, o mandante tem o poder de emitir instruções (art. 1161.º , al.
a), do CC). 31
Na verdade, em alguns sistemas a delimitação do contrato de trabalho é mesmo tradicionalmente feita
apenas com apelo à ideia da autoridade do empregador (é o que sucede no sistema jurídico belga, que define o
contrato de trabalho como aquele contrato pelo qual uma pessoa presta a sua actividade «...sous I 'autorité
d'un employeur.» - art. 1.º, da loi du 3 juillet 1978, relative aux contrats de travail), ao passo que noutros
assenta directa e exclusivamente na referência à posição correlativa de dependência do trabalhador (é o caso
do sistema germânico - § § 617 c 618, do BGB).
32 Por todos, sobre o conceito de instituição, M. HAURIOU, La théorie de I 'institution et de la fondation, in
Cahiers de la Nouvelle Journée, IV, Paris, 1925, 10. Sobre a aplicação deste conceito à realidade da empresa,
para efeitos de enquadramento dogmático do vínculo laboral, vd, em perspectiva crítica. os nossos Do
Fundamento..., cit., 355 ss., e Da Autonomia Dogmática ... , cit., 304 ss.
70
Doutrina
contrato de trabalho, não permite inferir que tal organização corresponda a uma instituição, pelo
que não significa o ressurgimento de uma concepção institucionalista do vínculo laboral.
Mas, esta mesma referência legal também não resulta no afastamento do âmbito do
contrato de trabalho daqueles vínculos laborais que não tenham um escopo empresarial, por
duas razões essenciais: desde logo, porque no nosso ordenamento jurídico o contrato de
trabalho é uma figura unitária, que quadra tanto a contratos de trabalho empresariais como a
contratos de trabalho não empresariais; e depois porque a organização do credor, que existe
sempre e pode ser mais complexa ou mais rudimentar, não é necessariamente uma organização
empresarial.
IV. Chegados a este ponto, estamos em condições de dar o nosso ponto de vista sobre a
referência à integração do trabalhador no âmbito da organização do empregador, que é agora
feita pela lei no contexto da noção de contrato de trabalho - art. 11.º, do CT.
No nosso entender, esta referência vem justamente salientar uma componente do
contrato de trabalho que é essencial e contribui para delimitar este contrato de outros vínculos
envolvendo a prestação de uma actividade laborativa: é a componente organizacional.
O elemento organizacional do contrato de trabalho, cujo sentido desenvolvemos na
nossa proposta de reconstrução dogmática deste negócio33, pretende realçar o facto de o
trabalhador subordinado (contrariamente ao que sucede com outros prestadores de um serviço
ou actividade laborativa) se integrar no seio da organização do credor da sua prestação, com
uma especial intensidade. Desta integração resulta, em primeiro lugar, a vinculação do
trabalhador a deveres que apenas se justificam por esta componente organizacional (assim,
deveres de produtividade ou deveres diversos de colaboração com os colegas de trabalho, mas
também a sujeição a horários, ao regulamento empresarial, a códigos de conduta ou a deveres
disciplinares); é também esta componente organizacional que explica a influência quotidiana da
organização do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores
(evidenciada em múltiplos regimes laborais, que conformam os deveres dos trabalhadores em
matéria de tempo e de local de trabalho, de alteração da prestação, de mudança do empregador
ou de cessação do contrato por motivos de gestão); e é ainda a componente organizacional do
vínculo laboral que explica o princípio da interdependência dos vínculos laborais da mesma
organização (que se traduz em regras como a igualdade de tratamento entre os trabalhadores e
em muitos aspectos da dinâmica colectiva dos contratos de trabalho).
33
Da Autonomia Dogmática..., cit., 716 ss., Relação de trabalho e relação de emprego..., cit., 143 ss., Direito do
Trabalho, cit., 1, 444 ss., e Direito do Trabalho II, 3.ª ed., cit., 30 ss.
71
Doutrina
Com a prevenção de que este elemento organizacional não pressupõe uma visão
comunitário-pessoal do vínculo laboral (que mais não seja porque o que aqui releva é a
organização do credor e não uma organização comum a empregador e trabalhadores) e de que
esta organização não é também necessariamente uma empresa (podendo até revestir um
carácter muito rudimentar), compreende-se o relevo determinante deste elemento no contrato
de trabalho, designadamente em dois aspectos: por um lado, para explicar alguns dos seus
regimes mais peculiares; por outro lado, para o delimitar em relação a outros vínculos, que,
apesar de envolverem também uma actividade de trabalho, não pressupõem esta integração do
credor na esfera organizacional do credor.
Neste contexto, compreende-se e aplaude-se a referência da lei à integração do
trabalhador na organização do empregador, no contexto da noção de contrato de trabalho. Tal
referência apenas chama a atenção para o facto de este contrato ser, como já tivemos ocasião de
demonstrar noutra sede, um contrato com uma componente de inserção organizacional
necessária. E, por isso mesmo, faz também sentido considerar esta componente na norma de
delimitação do contrato e como um seu elemento essencial, e não, como sucedia no âmbito do
Código do Trabalho de 2003, como um dos indícios de subordinação do trabalhador justificativo
da presunção de laboralidade (art. 12.º, do CT de 2003). É o que se entende.
4.2. A redefinição da presunção de laboralidade
I. A segunda alteração substancial no âmbito do nosso tema, que foi feita pelo actual
Código do Trabalho, tem a ver com a presunção de contrato de trabalho.
O tratamento desta matéria no actual Código do Trabalho (art. 12.º) apresenta três
grandes diferenças em relação ao regime anterior: a primeira diferença tem a ver com o tipo de
indícios de subordinação indicados pelo legislador; a segunda tem a ver com a natureza do
enunciado legal destes indícios; e a terceira com as consequências da qualificação fraudulenta do
vínculo de trabalho para o empregador.
Em primeiro lugar, é de assinalar que os indícios referidos nas várias alíneas do art. 12.º,
n.º 1, do CT, são indícios em sentido próprio (embora a lei se lhes refira como «características»),
i.e., elementos de facto que constituem pistas num determinado sentido. Com efeito são agora
referidos como factores susceptíveis de fundar uma presunção de laboralidade o local de
trabalho coincidente com instalações do beneficiário da actividade ou por ele controladas (al. a)),
a pertença dos equipamentos e instrumentos de trabalho ao beneficiário da actividade (al. b)), a
existência de horário de trabalho (al. c)), o carácter periódico da retribuição paga como
72
Doutrina
contrapartida da actividade (al. d)), ou ainda (o que constitui uma novidade) o desempenho de
funções de direcção ou chefia na empresa pelo prestador da actividade (al. e))34. Como decorre
deste enunciado, os indícios estão estabelecidos de uma forma mais concreta e, ao contrário do
que sucedia no âmbito do Código do Trabalho de 2003, não se confundem com os elementos
essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o
elemento da subordinação do trabalhador.
Em segundo lugar, é de assinalar o facto de o enunciado dos indícios que sustentam a
presunção de laboralidade ser agora apresentado em moldes exemplificativos, conforme decorre
expressamente do corpo do n.º 1, do art. 12.º Assim, bastando a verificação de alguns destes
indícios (em princípio, pelo menos dois indícios terão que estar presentes) para fundar a
presunção de contrato de trabalho, tem o juiz uma maior latitude na aferição desta presunção ao
caso concreto, o que, obviamente se coaduna melhor com a diversidade de modelos de
contratação laboral que hoje existe35 e corresponde ao objectivo de facilitação da prova que
inere às presunções legais.
Em terceiro e último lugar, é de salientar a tutela contra-ordenacional forte que é
dispensada às situações de qualificação fraudulenta do negócio, cujo objectivo seja a subtracção
ao regime laboral, através da previsão de uma contra-ordenação muito grave para estas
situações, quando pretendam causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado (art. 12.º, n.º 3) e em
caso de reincidência, da perda de subsídio ou benefício atribuído ao empregador (art. 12.º, n.º
4); por outro lado, se o empregador faltoso estiver inserido num grupo societário, as outras
sociedades do grupo são responsáveis pelo pagamento da coima - é a solução estabelecida pelo
art. 12.º, n.º 5, que já nos parece manifestamente excessiva, por não pressupor qualquer conluio
fraudulento entre o empregador e as outras sociedades do grupo.
Com a actual configuração legal, pode, pois, dizer-se que, pela primeira vez, a presunção
de laboralidade desempenha uma função útil na qualificação do contrato de trabalho36.
34 Este último indício constitui uma novidade, parecendo pretender facilitar a qualificação laboral dos vínculos
dos trabalhadores dirigentes. É ainda de realçar o desaparecimento do indício da dependência económica do
prestador da actividade em relação ao credor, que constava da anterior presunção. Para mais
desenvolvimentos sobre este ponto, vd o nosso Direito do Trabalho II, 3.ª ed., cit., 51 ss.
35 Assim, por exemplo, um indício como a coincidência do local de trabalho com as instalações do beneficiário
da prestação laborativa será valorizado num contrato de trabalho comum mas não num caso de teletrabalho
que, por definição, é um trabalho à distância. 36
No mesmo sentido, LEAL AMADO, Contrato de Trabalho..., cit., 76.
73
Doutrina
ABREVIATURAS
BGB – Bürgerliches Gesetzbuch
CC – Código Civil
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código do Trabalho
CT de 2003 – Código do Trabalho de 2003
DL – Decreto-Lei
DLav – Diritto del Lavoro
OS – Droit Social
L – Loi
LCCT – Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho e do Trabalho a Termo
LCT – Regime Jurídico do Contrato de Trabalho
RCT – Regulamentação do Código do Trabalho de 2003
RDES – Revista de Direito e Estudos Sociais
RIDL – Rivista Italiana di Diritto del Lavoro
75
Doutrina
NOÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO E PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
Joana Nunes Vicente
O tema que nos foi proposto trazer para este Seminário foi o da Noção de Contrato de
Trabalho e da Presunção de Laboralidade, questões reguladas actualmente nos arts. 11.º e 12.º,
do Código do Trabalho. Limitar-nos-emos a realçar as principais alterações trazidas pela Reforma
nesta matéria e a apresentar as primeiras reflexões críticas que o tema nos suscitou.
I - NOÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
O art. 11.º, do Código do Trabalho, preceitua que "Contrato de trabalho é aquele pelo
qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou
outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas". Da leitura deste artigo,
ressaltam duas novidades na noção de contrato de trabalho.
Em primeiro lugar, o Código veio frisar que o sujeito que ocupa a qualidade de
trabalhador é uma pessoa singular ou física, e não uma pessoa colectiva. Trata-se de um aspecto
que tinha gerado alguma controvérsia doutrinal1 e que o Código veio clarificar no sentido
exposto.
Depois, onde antes se lia "sob autoridade e direcção destas'', lê-se hoje ''no âmbito de
organização e sob autoridade destas". Não cremos que com esta mudança o legislador laboral
tenha pretendido afastar o "poder de direcção" como correlato activo da ideia de subordinação
1No sentido de que o trabalhador é necessariamente uma pessoa física, PEDRO ROMANO MARTINEZ,
"Trabalho subordinado e trabalho autónomo", Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. I, coord. por
Pedro Romano Martinez, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 285; também em JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho –
Relações individuais de trabalho, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 82 e ss., se depreende este
entendimento. Encara, porém, com alguma facilidade a hipótese de o trabalhador ser uma pessoa jurídica
colectiva ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 108 e
ss.; ver, ainda, José ANDRADE MESQUITA, Direito do Trabalho, 2. 8 ed., AAFDL, 2004, pág. 339, referindo-se aos
casos atípicos em que uma pessoa colectiva ocupa o lugar de trabalhador subordinado.
Publicado em “Código do trabalho – A Revisão de 2009”, Coimbra Editora, 2011, pp. 59 ss.
76
Doutrina
jurídica. Tratou-se, antes, de uma mudança com o propósito (aliás os trabalhos preparatórios
assim o demonstram2), de incluir na noção de contrato de trabalho uma ideia de subordinação
jurídica adaptada à evolução que a realidade sofreu neste domínio. Com efeito, há muito se vem
reconhecendo que a subordinação jurídica é "uma noção de conteúdo variável, que admite graus
muito diversificados de concretização. Consoante os contextos da organização produtiva, o
sector em causa, a índole da actividade e a especialização e qualificação, ela pode ser mais ou
menos forte, admitindo uma extensa escala gradativa"3. Pense-se nas implicações trazidas pelo
reforço da componente intelectual do trabalho, nos métodos de organização do trabalho avessos
a uma comunicação estritamente hierarquizada, na autonomia técnica e nos princípios
deontológicos de certas profissões. Quer isto dizer que se casos há em que a subordinação
jurídica é aferida pelo seu conteúdo mais imediato- pelo critério da hétero-direcção (sujeição do
prestador a ordens e instruções na execução do trabalho), outros existem em que a existência de
subordinação jurídica (por vezes apelidada de subordinação atenuada, periférica) é tão só
denunciada (manifestada) pela inserção funcional do prestador numa estrutura organizativa
alheia. Pois bem. É justamente esta ideia de hetero-organização que é acentuada na nova noção
de contrato de trabalho. Por outro lado, parece-nos que também será de rejeitar qualquer
entendimento que faça depender a existência de uma organização da existência de uma
empresa. Em todos os contratos de trabalho avulta uma ideia de organização, mais sofisticada ou
mais rudimentar.
Em suma, não obstante as alterações introduzidas, cremos que a noção operacional de
contrato de trabalho se mantém. Tratou-se, quando muito, de tomar explícitas ideias que
implicitamente já eram reconhecidas.
II - PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
A) Identificação dos principais problemas
No que diz respeito à presunção legal de laboralidade, os regimes anteriores - leia-se a
versão do Código do Trabalho de 2003 e a versão introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março
- evidenciaram os seguintes problemas:
2 Livro Branco das Relações Laborais, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, 2007, pág. 101
3 JOAQUIM SOUSA RIBEIRO, "As fronteiras juslaborais e a (falsa) presunção de laboralidade do artigo 12.º do
Código do Trabalho", Direito dos Contratos - Estudos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 356; este era
também o entendimento de ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 13.ª ed., Almedina,
Coimbra, 2006, pág. 146 e ss.
77
Doutrina
Em primeiro lugar, qual a estrutura a que deve obedecer a norma que contém uma
presunção legal de laboralidade? Desde 2003, várias mudanças foram sendo operadas no sentido
de afinar a técnica legislativa para construi uma presunção. Em segundo lugar, que tipo de
objectivos (em termos de política legislativa) podem ser alcançados através de uma presunção de
laboralidade? E finalmente, a que situações jurídicas se aplica a norma que contém a presunção
de laboralidade, o que coloca o problema da aplicação no tempo da norma que contém a
presunção.
B) Estrutura interna e mecanismo de funcionamento da presunção de laboralidade
Desde uma perspectiva doutrinária e também legal, a figura da presunção é chamada à
colação na designada fase de instrução do processo - destinada à produção das provas tendentes
a demonstrar a realidade dos factos deduzidos nos articulados. Mais concretamente, surge como
um dos meios de prova: fala-se em presunção a propósito da prova por presunções.
Regra geral, a presunção terá uma estrutura deste género: surgem dois factos distintos: o
facto base ou base da presunção, aquele que activa o mecanismo da presunção; e o facto
presumido, o facto que constitui o thema probandum (e que normalmente se requer como
característica definidora de um determinado efeito jurídico ou da aplicação de uma dada norma
jurídica). A existência de uma presunção permite à parte beneficiada ter de provar apenas a base
da presunção, para daí induzir a própria inferência: o facto ou factos presumidos.
Na óptica da carga probatória, a presunção não produz, por isso, uma total alteração dos
princípios relativos à distribuição da prova, uma vez que a parte beneficiada com a presunção
não fica desonerada de realizar qualquer prova. O que há é uma modificação do thema da prova
e, consequentemente, um aligeirar desse ónus. Isto porque permite-se que, percorrida apenas
parte da distância que separa o sujeito processual da prova cabal de um facto, tudo se passe
como se o espaço restante tivesse sido efectivamente calcorreado.
Numa presunção legal de laboralidade, o que se passa também não será muito diferente do
que ocorre nas demais presunções. Com a existência de uma presunção de laboralidade, a tarefa
do trabalhador é como que "deslocada". Vejamos:
Num primeiro plano, o trabalhador terá de provar aquilo a que chamámos facto base ou
base da presunção para daí se poder inferir a existência do facto presumido que, no nosso caso,
consiste mais precisamente num facto presumido complexo ou num conjunto de factos
presumidos: os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, a saber, a actividade,
a retribuição e a subordinação jurídica.
78
Doutrina
Certo é que se olharmos para o texto da norma que contempla a presunção de laboralidade,
aquele não identifica como factos presumidos a actividade, a retribuição e a subordinação
jurídica, mas antes a própria existência do contrato de trabalho. Mas afinal de contas, dizer-se
que por força do mecanismo de presunção se dá como provado a existência de um contrato de
trabalho é o mesmo que dizer que "Presume-se que existe actividade, retribuição e subordinação
jurídica". Contrato de trabalho é, no fim das contas, a qualificação que resulta do apuramento
daqueles elementos4. Onde reside a deslocação em termos probatórios? Em vez de se exigir a
prova directa de factos que correspondem aos elementos essenciais (constitutivos) da noção de
contrato de trabalho, opta-se por exigir a prova de certos factos que, ora se aproximam, ora
concretizam aqueles elementos, e daí, dar por apurados e verificados os elementos essenciais do
contrato de trabalho.
Se é este o modus operandi de uma presunção, facilmente se percebem as críticas tecidas a
propósito da redacção da norma do art. 12.º, do anterior Código do Trabalho (na versão
introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março)5. A norma contida no art. 12.º desse diploma
não entrava na categoria de presunção uma vez que os factos-base coincidiam integralmente
com os factos cuja conclusão se queria extrair. Seria o mesmo que dizer "Presume-se que existe
actividade, retribuição e subordinação, quando o prestador da actividade realize a sua prestação
sob ordens, direcção e fiscalização do beneficiário, mediante retribuição".
O que mudou quanto a este aspecto com a revisão do Código do Trabalho?
Regressa-se a uma norma com uma estrutura semelhante à do originário art. 12.º, do
Código de Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e, porventura, com
algum progresso. Regressa-se à técnica de 2003 porque voltamos a ter na base da presunção um
conjunto de factos que não se confundem com aquilo que se quer inferir, são coisa diferente
daquilo que se quer extrair. Com progresso, uma vez que sobre o trabalhador não pesará o
esforço de provar cumulativamente os vários elementos-base, mas apenas alguns.
4 Tudo isto para concluir que a presunção legal de laboralidade é, ao contrário do que a precipitação de uma
primeira análise podia fazer querer parecer, uma presunção que incide sobre factos. Sucede que o legislador
como que omite a fase intermédia - aquela, através da qual, provada a base da presunção se dão como
provados os factos presumidos, isto é, os elementos do contrato de trabalho (mormente a subordinação
jurídica) - e apenas exterioriza a consequência resultante da presunção propriamente dita, a qualificação
jurídica. Sobre este ponto, seja-nos permitido remeter para JOANA NUNES VICENTE, A fuga à relação de
trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 132 e ss. 5 Cf. JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 2.ª ed. Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 73 a
82, e a resenha que aí se faz dos vários aspectos críticos apontados à redacção do art. 12.º
introduzido pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março.
79
Doutrina
Com efeito, a presunção contida no art. 12.º, do Código do Trabalho de 2003, era uma
presunção de extremo rigor uma vez que exigia a presença cumulativa dos vários indícios. Dada a
extensão da base da presunção, quando todos os pressupostos estivessem preenchidos, ninguém
duvidaria da existência do facto presumido "contrato de trabalho", pelo que, em bom rigor, a
presunção revelou-se de pouca utilidade. A referida presunção podia mesmo desencadear
efeitos perversos pois bastava que numa situação concreta não se desse como provado um dos
indícios para que fosse afastada a existência de contrato de trabalho em situações (até então)
compatíveis com essa qualificação6. Actualmente, na nova redacção, a utilização do vocábulo
"algumas" sugere que bastará a prova de dois dos indícios para que se possa inferir a existência
de um contrato de trabalho.
Parece-nos pois genericamente positiva a mudança operada. O que não significa, contudo,
que a disposição legal seja insusceptível de dúvidas ou reparos. O primeiro relaciona-se· com o
facto de não ser claro o sentido da última alínea do art. 12.º, quando identifica como indício de
laboralidade o facto de o "prestador de actividade desempenhar funções de direcção ou de
chefia na estrutura orgânica da empresa". É que, bem vistas as coisas, o impacto de um dado
com aquele até pode ser, porventura e em abstracto, indiciador justamente do inverso, leia-se,
da existência de uma situação de não subordinação jurídica. A menos que com a introdução
daquela alínea apenas se pretendesse evidenciar que o desempenho de funções de direcção ou
de chefia na estrutura orgânica da empresa não é incompatível como uma situação de
laboralidade, mas então, parece-nos, o local escolhido não terá sido o mais apropriado. A
segunda dúvida será a de saber se não se terá aligeirado em demasia o ónus da prova, com a
mera exigência de prova de duas alíneas.
6 A nível jurisprudencial, a mencionada presunção suscitou diferentes reacções. No entendimento de alguma
jurisprudência, a norma que continha o art. 12.º deveria ser interpretada correctivamente, fazendo
corresponder a sua aplicação aos factos-índices do tradicional método indiciário, ou seja, sem o espartilho de
um preenchimento cumulativo (assim, por exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 16-05-2007, proc. n.º
070333 (Relator: Desembargador Ferreira da Costa)). Segundo uma outra orientação, os pressupostos da
presunção seriam de aplicação cumulativa, bastando a não verificação de algum para se não poder invocar a
presunção (neste sentido, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 07-05-2008, proc. n.º 1875/2008-04 (Relator:
Desembargador Seara Paixão), de 12-09-2007, proc. n.º 4420/2007-4 (Relator: Desembargador Maria João
Romba) e o Acórdão do STJ, de 10-07-2008, proc. n.º 07S4654 (Relator: Conselheiro Vasques Dinis) - todos
disponíveis em www.dgsi.pt).
80
Doutrina
C) Sentido e alcance da presunção de laboralidade
Cumpre agora distinguir o outro estrato do problema, o do(s) objectivo(s) e da(s)
formalidades que se propõe uma presunção, problema, aliás, umbilicalmente conexo com o
primeiro, da estrutura da presunção. É sabido que a finalidade primordial da norma que contém
uma presunção de laboralidade será a de facilitar a prova de um facto, ou melhor, a prova dos
elementos que preenchem a noção de contrato de trabalho. Todavia, importa compreender
quais as razões que estão por detrás deste ensejo de facilitar a prova da existência de uma
relação de trabalho subordinado.
Em primeiro lugar, tem sido sustentado que a existência de uma presunção legal de
laboralidade poderá constituir uma solução adequada para travar as relações de trabalho
subordinado dissimuladas sob a capa de contratos de prestação de serviço ("falsos recibos
verdes")7. A verdade é que já há muito vem sendo reconhecido e consolidado um expediente de
índole jurisprudencial para travar esse fenómeno: o da prevalência da fase executiva na tarefa de
interpretação-qualificação, o primado da realidade para utilizar uma expressão cara na doutrina
e jurisprudência latino-americanas. A atitude dos nossos tribunais em fazer prevalecer, na tarefa
de interpretação-qualificação, a fase executiva em detrimento do momento declarativo reflecte
justamente a suspeição qualificada quanto a existência de fenómenos simulatórios neste
domínio. As limitações de um expediente como este são, como é bom de ver, o facto de apenas
ser accionado a posteriori, normalmente, naquelas hipóteses em que é posto um termo à "falsa"
relação de trabalho autónomo e em que, numa percentagem diminuta dos casos, o "prestador
do serviço" recorre aos meios judiciais8. Ora, parece-nos que neste aspecto, a presunção de
laboralidade também conhecerá as mesmas limitações.
7 Neste sentido, veja-se o teor do Livro Branco das Relações Laborais (pág. 101) e a referência que aí é feita à
Recomendação n.º 198, da OIT, de 2006, segundo a qual a consagração de uma presunção legal surge,
inequivocamente, como um meio destinado a facilitar a determinação da existência de uma relação de
trabalho dependente. Trata-se de um dos maiores problemas de (in)efectividade do direito do trabalho. Para
uma indicação exemplificativa de outras áreas onde o problema se coloca, vide ANTÓNIO MONTEIRO
FERNANDES, "L'effetività nel diritto del lavoro: il caso portoghese", Rivista Italiana di Diritto del Lavoro, ano
XXV, n.º 1, 2006, pág. 10 e ss. O Autor refere nomeadamente o problema dos falsos acordos revogatórios,
ocultando genuínos despedimentos, e o falso trabalho autónomo. GIUSEPPE CRICENTI, I contratti in frade alia
legge, Giuffrè, Milano, 1996, pág. 223 e ss., identifica como áreas nucleares da ilusão da disciplina jus-laboral:
os fenómenos de interposição; os contratos de formação; os grupos de sociedades; as transmissões de
estabelecimentos; e o contrato de trabalho a termo.
8 Como bem observa PIETRO ICHINO, "L'Inderogabilità ed effettività della norma nel mercato dei lavoro
bipolare", Rivista Italiana di Diritto dei Lavoro, ano XXVII, n. 0 3, 2008, pág. 410, os trabalhadores são muitas
vezes dissuadidos de fazer valer ex posta inderrogabilidade das notrnas em sede judicial, isto é, como que
81
Doutrina
Em todo o caso, é com agrado que vemos um reforço do aparelho sancionatório em matéria
de trabalho dissimulado introduzido pelo novo Código: a aplicação de uma contra-ordenação
muito grave em caso de falso trabalho autónomo e a privação temporária de direito a subsídio
ou beneficio outorgado por entidade ou serviço público em caso de reincidência no ocultamento
da relação de trabalho subordinado. Estes dois aspectos poderão ter um efeito, digamos,
dissuasor junto dos empresários. Já o regime de responsabilidade solidária entre sociedades que
se encontrem numa forma de coligação intersocietária merece, da nossa parte maiores reservas.
O segundo objectivo a alcançar através da presunção de laboralidade será o de facilitar a
operação qualificativa nas chamadas "zonas cinzentas" entre o trabalho autónomo e o trabalho
subordinado. Até 2003 era o método indiciário que fornecia uma alternativa para temperar essas
dificuldades. Tratava-se de um método que fornecia uma ampla margem de maleabilidade ao
julgador na operação qualificativa, o que, de certa forma, merecia algumas críticas pelo
subjectivismo e insegurança que produzia. A presunção legal de laboralidade - ao cristalizar
alguns indícios num preceito legal- constituiria um factor de unidade e estabilidade nessa
operação qualificativa. Também quanto a este aspecto temos algumas reservas. Primeiro porque
a percepção global que temos é a de que o método indiciário era usado nos nossos tribunais com
relativa sensatez e prudência, Depois ele oferecia vantagens que se desvanecem com a
presunção: permitir uma análise de cada indício isoladamente, e de todos os indícios, de forma
contextualizada, atendendo à situação concreta em análise. A presunção legal, pelo contrário,
aproximar-se-á mais do esquema conceitualista de um método subsuntivo, método que a
doutrina e a jurisprudência tinham tomado por desadequado à operação de qualificação em sede
laboral.
Uma última nota. Dentre as finalidades reconhecidas à existência de uma presunção legal de
laboralidade avulta ainda a ideia de que aquela pode constituir uma técnica pré-determinada a
expandir o âmbito de aplicação da normatividade laboral. A técnica da presunção - dependendo,
claro, dos termos em que for formulada - poderia constituir um percurso intermédio para alargar
o âmbito da normatividade laboral a um certo tipo de trabalhadores independentes, não
"subordinados", mas funcionalmente integrados nos ciclos produtivos das empresas. Trata-se de
relações de colaboração pessoal, de natureza continuada, em regime de exclusividade ou quase
exclusividade, em que aquele que presta o seu trabalho não dispõe, na maioria das vezes, de
preferem renunciar à protecção que lhes é devida. O receio de que possam vir a ser prejudicados nas
possibilidades de trabalho futuro, o sentimento moralmente desconfortável de "dar o dito pelo não dito",
sobretudo no sector das pequenas empresas, são algumas das razões que explicam a tendencial inércia junto
das instâncias judiciais.
82
Doutrina
qualquer organização de meios relevante, de tão inserido e dependente economicamente que se
encontra da empresa que serve9. Ora, atenta formulação da presunção contida na actual
redacção do art. 12.º, do CT, estamos em crer que essa preocupação não terá merecido
particularmente a atenção do nosso legislador, uma vez que os elementos ou factos-base da
presunção se identificam com os indícios sintomáticos de existência da tradicional subordinação
jurídica10.
D) Presunção de laboralidade e o direito transitório
Por fim, impõe-se-nos tecer algumas breves observações relativas a um muito importante
problema prático em matéria de presunção de laboralidade e com o qual a nossa jurisprudência
já se viu confrontada a propósito das anteriores versões a presunção - o do âmbito temporal do
novo art. 12.º, do Código do Trabalho. O mencionado problema pode enunciar-se, em termos
sumários, no seguinte: será o novo art. 12.º aplicável às situações jurídicas constituídas no
passado - leia-se antes da entrada em vigor do novo Código do Trabalho, em 2009 – mas cujos
efeitos continuam a produzir-se no momento actual? Ou será apenas aplicável às situações
jurídicas constituídas após o início da vigência do novo Código?
O Supremo Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se pronunciar sobre o âmbito
temporal da presunção de laboralidade contida, não no novo art. 12.º, do Código do Trabalho de
2009, mas no art. 12.º, do Código do Trabalho de 2003, e entendeu que tal presunção só se
aplicaria para o futuro, quer dizer às situações jurídicas constituídas após a entrada em vigor do
Código do Trabalho de 200311.
Não estando de momento em condições de apresentar uma resposta cabal e definitiva do
problema, parece-nos, ainda assim, que a orientação proposta pelo Supremo Tribunal de Justiça
é discutível e merece que se enunciem algumas dúvidas.
Em primeiro lugar, parece-nos pertinente realçar o carácter sui generis, para efeitos de
direito transitório, da norma que contém a presunção legal de laboralidade. Com efeito, de
acordo com o disposto no art. 7.º , n.º 1, da Lei Preambular - dispositivo normativo que fornece
9 Sobre esta "nova autonomia", vd. as judiciosas considerações de JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, "As fronteiras
juslaborais ... ", cit., pág. 406 e ss. 10
Entre nós, a (pouca) valorização desta "nova autonomia" esgota-se, até ao momento, na consagração da
categoria dos "contratos equiparados" ou "situações equiparadas", prevista no actual art. 10.º do Código do
Trabalho.
11 Assim, os Acórdãos do STJ de 10-07-2008, proc. n.º 08S1426, de 18-12-2008, proc. n.º 08S2572, de 14-01-
2009, proc. n.º 08S2578, de 05-02-2009, proc. n.º 07S4744 (em todos, Relator: Conselheiro Pinto Espanhol), e
mais recentemente, o Acórdão de 22-04-2009, proc. n.º 08S3045 (Relator: Conselheiro Vasques Dinis).
83
Doutrina
os critérios fundamentais orientadores da aplicação da lei laboral no tempo -, as normas do novo
Código do Trabalho aplicam-se imediatamente aos contratos de trabalho celebrados antes da
entrada em vigor do novo diploma, salvo quanto:
i) a condições de validade;
ii) a factos totalmente passados antes da entrada em vigor da nova lei;
iii) a efeitos de factos totalmente passados anteriormente àquele momento.
Para uma melhor compreensão deste segmento normativo, toma-se útil recorrer aos
desenvolvimentos contidos no art. 12.º , n.º 2, do Código Civil, uma vez que é nele, inspirado na
doutrina do facto passado, que se define o que são e o que não são factos passados e efeitos dos
factos passados12. Assim, da leitura do art. 12.º , n.º 2, é possível extrair a distinção entre dois
tipos contrapostos de regimes transitórios que, por sua vez, pressupõem uma distinção entre
dois tipos contrapostos de normas. Assim, se estiverem em causa normas que dispõem sobre
requisitos de validade formal e substancial de uma situação jurídica ou sobre o conteúdo e
efeitos de determinada situação jurídica sem se abstraírem do facto que lhes deu origem, as
normas da Lei Nova apenas se aplicam às situações jurídicas novas, isto é, constituídas depois do
início da vigência da Lei Nova. Quer isto dizer que, nesse caso, o conteúdo das situações jurídicas
deve entender-se como um efeito de um facto passado. Pelo contrário, se se tratar de normas
que dispõem sobre o conteúdo de uma situação jurídica, abstraindo-se do facto que lhes deu
origem, aplicar-se-ão quer a situações jurídicas novas quer a situações jurídicas constituídas
antes, mas subsistentes à data da entrada em vigor da Lei Nova13.
12 Acompanhamos aqui, de perto, os ensinamentos de JOÃO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação no tempo
do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, pág. 352 e ss.
13 Certo é que, em matéria de contratos, esta distinção perde algum impacto. Com efeito, é comum dizer-se
que os contratos estarão submetidos, em princípio, à lei vigente no momento da sua conclusão, a qual será
competente para os reger até à extinção da relação contratual; ou ainda na sugestiva expressão de Gerhard
Kegel, que "o estatuto do contrato domina [em princípio] o negócio do berço à sepultura". Esta orientação
está, aliás, harmonizada com a solução contida no art. 12.º , n.º 2, do Código Civil. Na verdade, numa situação
contratual, o conteúdo dependerá, em grande medida, do facto que lhe deu origem - do próprio contrato/do
facto jurídico-negociai, ou melhor, das estipulações contratuais previstas pelas partes - ou, em última instância,
das disposições legais que suprimam vontade das partes – as normas de natureza supletiva. Daí decorre que o
conteúdo, em regra, não se abstrai do facto que lhe deu origem, pelo que, ex vi art. 12.º , nº 2 (2.a parte, a
contrario), nesse caso, as normas que dispõem sobre o conteúdo vêm identificar-se como normas que dispõem
sobre os efeitos de certo facto e que caem sob a alçada da 1.ª parte, do art 12.º , n.º 2 , do Código Civil. O
fundamento deste regime estaria, nas palavras de BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao discurso
legitimador, 13.ª reimpressão da obra publicada em 1982, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 238), "no respeito
das vontades individuais expressas nas suas convenções pelos particulares - no respeito pelo princípio da
84
Doutrina
A verdade, porém, é que este enquadramento geral nem por isso fornece uma orientação
cabal para a . concreta questão da presunção de laboralidade. Isto porque, em bom rigor, a
norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que directamente disponha sobre
requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica
contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação
jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada
disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido
complexo ou um conjunto de factos presumidos - os elementos constitutivos da noção de
contrato de trabalho: a actividade, a retribuição e a subordinação jurídica - que permitem a
qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado.
Em segundo lugar, cumpre dizer que escasseiam, entre nós, estudos sobre a aplicação sobre
a aplicação no tempo das normas relativas a presunções legais14. E mesmo das poucas
autonomia privada. O contrato aparece como um acto de previsão em que as partes estabelecem, tendo em
conta a lei então vigente, um certo equilíbrio de interesses que será como que a matriz do regime da vida e da
economia da relação contratual".
Já em matéria de contrato de trabalho haveria como que um retorno à ideia-base. Na verdade, em matéria de
contrato de trabalho, é sabido que este último, embora faça nascer a relação, dele não depende em grande
medida o concreto conteúdo da mesma, o qual é enformado por uma regulamentação objectiva proveniente
de sistemas normativos como a lei e as convenções colectivas de trabalho. Quer dizer, o conteúdo da relação
individual de trabalho deriva, em primeira linha, de disposições legais (estatuto legal) e de disposições
colectivas (estatuto colectivo ), e não tanto das estipulações contratuais previstas pelas partes, sabendo estas
de antemão que não ficarão vinculadas apenas aos efeitos negociais que convencionarem, mas a todo um
conjunto de efeitos previstos pela lei. Acresce que as disposições legais terão, por defeito, uma natureza
imperativa (absoluta ou relativamente imperativa), atenta as razões de ordem pública de protecção e de ordem
pública de direcção que lhes subjazem. A própria ideia da tutela de expectativas/confiança acaba por ficar
secundarizada ante um domínio em que, nas palavras de Bernardo Lobo Xavier, "pelo menos o empregador
sabe que está sujeito a um constante realinhamento legislativo da política social, ao menos em certos limites".
Se em matéria de contratos em geral a regra será a da submissão à lei vigente no momento da conclusão do
contrato - sem prejuízo dos temperamentos que, pontualmente, justificarão (e cada vez mais justificam) um
sacrifício o dogma da vontade - , no domínio juslaboral, o princípio que preside a resolução de conflitos de leis
no tempo é, justamente o inverso (do restante domínio contratual, leia-se), o da imediata sujeição às novas
normas dos contratos de trabalho celebrados à sombra das normas anteriores, como atesta, aliás, a
formulação do art. 7.º , n.º 1, da lei que aprova o novo Código do Trabalho.
14 Dentro de uma classificação quanto a leis sobre a prova, as presunções legais inscrevem-se
(juntamente com as normas que decidem sobre a admissibilidade deste ou daquele meio de prova
ou sobre o ónus da prova) na categoria das normas de direito probatório material por contraposição
às normas de direito probatório formal. Sobre esta classificação, veja-se JOÃO BAPTISTA MACHADO,
Sobre a aplicação..., cit., pág. 273.
85
Doutrina
informações recolhidas se depreende que não há unanimidade de posições quanto à questão,
havendo quem sustente que às presunções se deve aplicar a lei do dia em que o ónus da prova é
adjudicado a uma das partes em litígio - logo aplicação da lei vigente ao tempo em que se realiza
a actividade probatória -, e quem, pelo contrário, quem se incline para a aplicação da lei vigente
ao tempo em que se verificarem os factos ou actos, logo, aplicação da lei antiga15.
Certo, poder-se-ia transpor para as normas sobre presunções um raciocínio semelhante
àquele que é formulado a propósito das normas que decidem da admissibilidade ou valor dos
meios de prova. Sobre estas últimas, escreve BAPTISTA MACHADO: "em matéria de negócios
jurídicos, as regras de prova não são um guia para o juiz apenas, mas são-no também para as
partes; pois é certo que estas, na constituição duma SJ [situação jurídica], tomam em conta as
exigências de provas formuladas pela lei da mesma forma que tomam em conta as exigências
legais relativas às condições de validade"16. Quer dizer, neste domínio, as leis de prova podem
legitimamente influir sobre a conduta das partes (levando-as a adoptar certas precauções ou
diligências com vista a assegurar os meios de prova no momento da constituição da situação
jurídica). Por essa razão, isto é, porque nesse caso a aplicação imediata da Lei Nova a situações
jurídicas constituídas anteriormente seria susceptível de frustrar as previsões e legítimas
expectativas, sustenta-se que a Lei Nova sobre a prova apenas deve ser aplicável às situações
jurídicas novas, leia-se, às situações jurídicas constituídas depois da entrada em vigor da Lei
Nova.
Todavia, se cotejarmos estes ensinamentos com a presunção legal de laboralidade, as coisas
não se afiguram tão nítidas. Se numa dada relação contratual alguém põe a sua capacidade
laborativa ao serviço de outrem disponibilizando-se para o exercício da actividade prometida que
o beneficiário pode dirigir e organizar, o modo como a relação é estruturada e desenvolvida faz,
em regra, emergir os chamados factos-índices - que mais não são do que a tradução; em termos
fácticos, do que caracteriza uma relação de trabalho subordinado e o escopo económico-
funcional dessa relação. Não parece, pois adequado afirmar que a norma que contém a
presunção de laboralidade possa influir sobre a conduta das partes - levando-as a adaptar esta
ou aquela precaução - ao ponto de justificar um raciocínio idêntico ao formulado a propósito das
leis sobre a prova.
15 Realça a falta de consenso nesta matéria, de novo, JOÃO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação..., cit., pág.
274. 16
JOÃO BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação ..., cit., pág. 277.
86
Doutrina
Por outra banda, se atendermos à intencionalidade que ilumina a norma sobre a presunção,
ou se quisermos, aos objectivos de política legislativa que lhes estão subjacentes17, também estes
fragilizam o entendimento de que a norma sobre a presunção de laboralidade se deva aplicar
apenas às situações jurídicas novas. Com efeito, a razão de ser deste processo técnico-legislativo
está, por um lado, numa tentativa de obter uma certa estabilidade na operação qualificativa das
chamadas zonas cinzentas, mas por outro lado, num melhor combate aos fenómenos
simulatórios ou de ocultamento de relações de trabalho subordinado, fenómenos em que,
atento o estado de vulnerabilidade em que normalmente se encontra, o trabalhador aceita sair
prejudicado, como que renunciando previamente à aplicação das normas laborais que o
protegem. Ora, se é ainda uma preocupação de protecção que legitima axiologicamente esta
medida, e com esta nota concluiremos, mais reforçada surge a bondade de uma solução que
propugne a aplicação imediata da Lei Nova (neste caso, da nova presunção) às situações jurídicas
constituídas anteriormente.
17 Recorde-se, mais uma vez com BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito ..., cit., pág. 240, que "a eficácia
da política económica e social supõe medidas de conjunto extensíveis a todas as situações jurídicas em curso",
por isso, "toda a LN [lei nova] que seja de qualificar como respeitante à tutela de categorias sociais "mais
fracas" (de cariz dirigista ou de cariz proteccionista, portanto) restringe o domínio da autonomia contratual e
será em regra de aplicação imediata".
1 Seleção e recolha, até 20/12/2015, de Viriato Reis (Procurador da República – Docente do CEJ) e
Diogo Ravara (Juiz de Direito – Docente do CEJ).
IV – Jurisprudência1
89
Jurisprudência
1. TJUE 03-06-1986, proc. 139/85 (“Kempf”)
Decisão:
O facto de um nacional de um Estado-membro, exercendo no território de outro Estado-
membro uma actividade assalariada que em si mesma possa ser considerada como uma
actividade real e efectiva, pedir para beneficiar de um auxílio financeiro proveniente dos
fundos públicos deste Estado-membro para completar os rendimentos obtidos na sua
actividade, não permite excluí-lo da aplicação das disposições do direito comunitário
relativas à livre circulação dos trabalhadores.
2. TJUE 03-07-1986, proc. C-66/85 (“Lawrie-Blum / Land Baden-Württemberg“)
Decisão:
1. Um professor estagiário que realize, sob a direcção e fiscalização das autoridades
escolares públicas, um estágio de formação preparatória para a profissão de docente,
durante o qual assegure a prestação de serviços dando cursos e auferindo uma
remuneração, deve ser considerado como trabalhador, na acepção do n.° 1, do artigo
48.°, do Tratado CEE, qualquer que seja a natureza jurídica da relação de trabalho.
O CONCEITO TRABALHADOR/A NO CONTEXTO DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
90
Jurisprudência
2. O estágio de formação preparatória para a profissão de professor não pode ser
considerado como um emprego na administração pública, na acepção do n.° 4, do artigo
48.°, cuja admissão possa ser recusada aos nacionais dos outros Estados-membros.
3. TJUE 05-10-1988, proc. C-196/87 (“Steymann / Staatssecretaris van Justitie“)
Decisão:
1. O artigo 2°, do Tratado CEE, deve ser interpretado no sentido de que constituem
actividades económicas, as actividades efectuadas pelos membros de uma
comunidade baseada numa religião ou noutra inspiração espiritual ou filosófica no
âmbito das actividades comerciais exercidas por esta comunidade, na medida em que
as prestações concedidas pela comunidade aos seus membros podem ser
consideradas como a contrapartida indirecta de actividades reais e efectivas.
2. Os artigos 59.° e 60.° do Tratado não visam a situação de um natural de um Estado-
membro que se desloca para o território de um outro Estado-membro e aí estabelece
a sua residência principal, com o objectivo de aí fornecer ou beneficiar de prestações
de serviços durante um período indeterminado.
91
Jurisprudência
4. TJUE 14-12-1995, proc. C-444/93 (“Megner e Scheffel/Innungskrankenkasse Vorderpfalz”)
Trecho relevante:
O facto de o rendimento do trabalhador não cobrir todas as suas necessidades não lhe
retira a qualidade de pessoa activa. Resulta, com efeito, da jurisprudência do Tribunal de
Justiça, que uma actividade assalariada cujos rendimentos são inferiores ao mínimo de
subsistência (…) ou cuja duração normal de trabalho não excede dezoito horas por semana
(…) ou doze horas por semana (…) ou mesmo dez horas por semana (…) não impede que a
pessoa que a exerce seja considerada trabalhador na acepção dos artigos 48.° (…) ou 119.°,
(…) do Tratado CEE ou na acepção da Directiva 79/7 (…).
92
Jurisprudência
5. TJUE 12-05-1998, proc. C-85/96 (“Martinez Sala/Freistaat Bayern“)
Trecho relevante:
No âmbito do artigo 48.°, do Tratado e do Regulamento n.° 1612/68, deve ser considerada
trabalhador a pessoa que realiza, durante certo tempo, em benefício de outra e sob a sua
direcção, as prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração. Desde que a
relação de trabalho termine, o interessado perde em princípio a qualidade de trabalhador,
entendendo-se no entanto que, por um lado, tal qualidade pode produzir determinados
efeitos após a cessação da relação de trabalho e que, por outro, uma pessoa que
verdadeiramente procura um emprego deve também ser qualificada de trabalhador (v.,
neste sentido, os acórdãos de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, 66/85, Colect., p. 2121, n.°
17; de 21 de Junho de 1988, Lair, 39/86, Colect., p. 3161, n.ºs 31 a 36, e de 26 de Fevereiro
de 1991, Antonissen, C-292/89, Colect., p. 1-745, n.ºs 12 e 13).
93
Jurisprudência
6. TJUE 08-06-1999, proc. C-337/97(“Meeusen/Hoofdirective van den Informatie Beheer
Groep“)
Decisão:
1. O facto de uma pessoa estar ligada pelo casamento ao director e único proprietário das
partes sociais da sociedade em favor da qual exerce uma actividade real e efectiva não
se opõe a que essa pessoa possa ser qualificada de «trabalhador» na acepção do artigo
48.°, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) e do Regulamento
(CEE) n.° 1612/68, do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos
trabalhadores na Comunidade, desde que exerça a sua actividade no quadro de um
vínculo de subordinação.
2. (…)
3. (…)
94
Jurisprudência
7. TJUE 06-11-2003, proc. C-413/01 (“Ninni-Orascheasche”)
Decisão:
1. Uma actividade laboral temporária, exercida durante dois meses e meio, por um
nacional de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro de que não é
nacional, é susceptível de lhe conferir a qualidade de trabalhador na acepção do artigo
48.°, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) desde que a actividade
assalariada exercida não tenha um carácter puramente marginal e acessório.
Compete ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações da matéria de facto
necessárias para apreciar se tal é o caso no processo que lhe foi submetido. As
circunstâncias anteriores e posteriores ao período de emprego, tais como o facto de o
interessado:
apenas ter começado a exercer essa actividade alguns anos após ter entrado no
Estado-Membro de acolhimento; I - 13236 NINNI-ORASCHE — só pouco tempo após
a cessação da sua curta relação laboral de duração determinada, ter obtido no seu
país de origem, com a conclusão do ensino secundário, as habilitações necessárias
para aceder ao ensino superior no Estado-Membro de acolhimento, ou — no período
de tempo compreendido entre a cessação da sua curta relação laboral de duração
determinada e o início dos estudos superiores, ter procurado um novo emprego, não
são pertinentes a este respeito.
2. Um cidadão comunitário, no caso de possuir, tal como a recorrente no processo
95
Jurisprudência
principal, o estatuto de trabalhador migrante na acepção do artigo 48.°, do Tratado, não
se encontra necessariamente em situação de desemprego voluntário, na acepção da
jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça, pelo simples facto de terminar o seu
contrato de trabalho, celebrado desde o início a termo certo.
8. TJUE 04-06-2009, procs. C-22/08 e C-23/08 (“Vatsouras e Koupatantze/Arbeitsgemeinschaft
(ARGE) Nürnberg 900s”)
Trecho relevante:
26. (…) segundo jurisprudência assente, o conceito de «trabalhador», na acepção do artigo
39.° CE, tem um significado comunitário, não podendo ser interpretado de forma
restritiva. Deve‑se considerar «trabalhador» qualquer pessoa que exerça actividades
reais e efectivas, com exclusão de actividades de tal forma reduzidas que sejam
puramente marginais e acessórias. A característica da relação de trabalho é, segundo
essa jurisprudência, o facto de uma pessoa desempenhar durante certo tempo, em
benefício de outrem e sob a sua direcção, prestações em contrapartida das quais recebe
uma remuneração (…).
27. Nem o nível limitado da referida remuneração nem a origem dos recursos destinados a
esta última podem ter quaisquer consequências sobre a qualidade de «trabalhador» na
acepção do direito comunitário (…).
96
Jurisprudência
28. O facto de os rendimentos de uma actividade assalariada serem inferiores ao mínimo de
subsistência não impede que a pessoa que a exerce seja considerada «trabalhador» na
acepção do artigo 39.° CE (v. acórdãos de 23 de Março de 1982, Levin, 53/81, Recueil, p.
1035, n.ºs 15 e 16, e de 14 de Dezembro de 1995, Nolte, C‑317/93, Colect., p. I‑4625, n.°
19), mesmo que a pessoa em causa procure completar a remuneração através de outros
meios de subsistência, como um auxílio financeiro proveniente dos fundos públicos do
Estado de residência (…).
29. Além disso, quanto à duração da actividade exercida, a circunstância de uma actividade
assalariada ser de curta duração não é susceptível, por si só, de a excluir do âmbito de
aplicação do artigo 39.° CE (…).
9. TJUE 04-02-2010, proc. C-14/09 (“Genc“)
Trecho relevante:
17. Uma jurisprudência constante inferiu do teor dos artigos 12.° do acordo de associação
CEE‑Turquia e 36.° do Protocolo adicional, assinado em 23 de Novembro de 1970, em
Bruxelas, anexado ao referido acordo e concluído, aprovado e confirmado, em nome da
Comunidade, pelo Regulamento (CEE) n.° 2760/72, do Conselho, de 19 de Dezembro de
1972 (JO L 293, p. 1; EE 11 F1 p. 213), bem como do objectivo da Decisão n.° 1/80 que os
princípios admitidos no quadro dos artigos 48.° e 49.°, do Tratado CE (que passaram,
após alteração, a artigos 39.°, CE e 40.°, CE) e 50.°, do Tratado CE (actual artigo 41.°, CE)
devem ser transpostos, na medida do possível, para os nacionais turcos que beneficiam
dos direitos reconhecidos pela referida decisão (…).
18. (…)
19. Como o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado, o conceito de «trabalhador»,
na acepção do artigo 39.°, CE, tem um significado autónomo no âmbito do direito da
União, não podendo ser interpretado de forma restritiva. Deve ser considerada
97
Jurisprudência
«trabalhador» qualquer pessoa que exerça actividades reais e efectivas, com exclusão de
actividades de tal forma reduzidas que sejam puramente marginais e acessórias. A
característica da relação de trabalho é, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o
facto de uma pessoa efectuar, durante certo tempo, a favor de outra pessoa e sob a
direcção desta, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (…).
20. O nível limitado da referida remuneração, a origem dos recursos destinados a esta última
ou o facto de a pessoa em causa tentar completar a sua remuneração através de outros
meios de subsistência, como o recurso a um auxílio financeiro pago por intermédio dos
fundos públicos do Estado de residência, não podem ter consequências no que respeita à
qualidade de «trabalhador» na acepção do direito da União (…).
1. STJ 22-04-2009 (Vasques Dinis), proc. 08S3045 (aplica a lei vigente à data do início da
execução do contrato)
Sumário:
I- No artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2003, na sua versão original, consagrou-se um
desvio à regra geral do ónus da prova, plasmada no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil –
da qual decorre que ao autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato
de trabalho incumbe demonstrar os atinentes factos constitutivos –, fazendo recair
sobre a parte contrária, demonstrados que sejam determinados factos indiciários, o
ónus de ilidir a presunção de laboralidade deles resultante, mediante prova em
contrário (artigos 344.º, n.º 1 e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
II- O referido preceito, reportando-se à valoração de factos que importam o
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE – APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
98
Jurisprudência
reconhecimento da presunção de laboralidade do contrato, portanto com reflexos na
qualificação do contrato, só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas
constituídas após o início da vigência do referido corpo de normas, em face do disposto
no artigo 8.º, n.º 1, da Lei Preambular (Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).
III- Por isso, tendo os denominados «contratos de prestação de serviços» em apreciação
sido celebrados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho/2003, para efeitos da
qualificação da relação que vigorou entre as partes, não é possível recorrer à presunção
de laboralidade consignada no mencionado preceito, mas sim, à luz da regra geral de
repartição do ónus da prova, consignada no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
IV- A questão da determinação da lei aplicável é de conhecimento oficioso, como resulta do
disposto no artigo 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, competindo ao Supremo
Tribunal, nos termos do artigo 729.º, n.º 1, do mesmo diploma, aplicar definitivamente o
regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido.
V- Daí que, apesar de, sem impugnação das partes, as instâncias terem perspectivado a
resolução do litígio à luz de um determinado regime jurídico, não está vedado ao
Supremo afastar a aplicação desse regime e optar pelo que julgue adequado.
VI- Assim, uma vez que o regime jurídico que estabeleceu a presunção de laboralidade não
é aplicável ao caso dos autos, e porque o juízo da 1.ª instância quanto à qualificação do
contrato, fundado na falta de demonstração dos elementos constitutivos de uma
relação laboral, e formulado tendo em atenção a mencionada regra geral atinente à
repartição do ónus da prova, se tornou definitivo, uma vez que não foi impugnado, não
pode ser objecto de apreciação pelo Supremo a pretensão do recorrente no sentido de
ser qualificado o relacionamento das partes como contrato de trabalho, como
pressuposto da procedência da acção.
99
Jurisprudência
2. RC 19-01-2012 (Azevedo Mendes), proc. 1480/09.4TTCBR.C1 (aplica a lei vigente à data do
início da execução do contrato)
Sumário:
A qualificação jurídica de um contrato que foi celebrado e começou a ser executado na
vigência do Código do Trabalho de 2003 e vigorou até data posterior à entrada em vigor do
Código do Trabalho de 2009, não tendo sofrido alterações significativas quanto ao seu
modo de execução, deve fazer-se à luz do primeiro dos mencionados diplomas (sumário da
responsabilidade dos autores do presente e-book).
3. RE 26-02-2015 (José Feteira), proc. 534/13.7TTPTM.E1 (numa relação contratual titulada
por uma série de sucessivos contratos sob a forma escrita, aplica a lei em vigor no tempo de
vigência de cada um destes contratos)
Sumário:
I. (…);
II. De acordo com a generalidade da doutrina e da jurisprudência, o critério decisivo para a
distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço, reside na
circunstância de, no contrato de trabalho, existir uma subordinação jurídica do
trabalhador ao beneficiário da respetiva atividade, ou seja, ao empregador,
subordinação que se traduz no facto daquele ter de prestar a sua atividade (intelectual
ou manual) sob a autoridade deste, enquanto no contrato de prestação de serviço isso
se não verifica. Com efeito, neste, o prestador dispõe de uma total autonomia e
100
Jurisprudência
liberdade quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar de prestação da sua
atividade em ordem a proporcionar ao beneficiário o resultado por este pretendido;
III. Em face da matéria de facto que resultou demonstrada e a que se fez concreta
referência no Acórdão, não resta margem para qualquer dúvida, de que, no caso em
apreço, se mostra afastada qualquer possibilidade de qualificação das relações
contratuais estabelecidas entre ambas as partes entre 1994 e 1996 (com extensão a
2001) e entre 2007 e 2010 (com extensão a julho de 2013, altura em que a R. pôs termo
ao denominado “contrato de docência”), como relações contratuais de trabalho
subordinado, decorrendo, ao invés, dessa mesma matéria de facto provada, que as
partes quiseram e efetivamente estabeleceram e desenvolveram durante todo esse
período de tempo, verdadeiras relações contratuais de mera prestação de serviços.
IV. Não merece censura a sentença recorrida ao concluir do mesmo modo e ao julgar a
presente ação improcedente, absolvendo a R. dos pedidos deduzidos pelo A..
4. RP 07-10-2013 (Maria José Costa Pinto), proc. 889/12.0TTVNG.P1 (aplica a lei vigente à
data da celebração do contrato, mas subsidiariamente chega à mesma conclusão aplicando
a lei vigente à data da cessação do mesmo)
Sumário:
I. Estando a ser discutida a qualificação do convénio celebrado na vigência do Código do
Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto é à luz do quadro normativo
fixado no Código de 2003 que a sua qualificação deve ser efectuada.
II. Mas, uma vez que tal contrato perdurou após a entrada em vigor do Código do Trabalho
aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, haverá que ter presente também a
disciplina neste estabelecida.
III. O enquadramento na organização empresarial que geralmente está associado à prestação
de trabalho em termos subordinados constitui um importante indício de subordinação
jurídica, embora não tenha valor autónomo para afirmar a existência de um contrato de
101
Jurisprudência
trabalho, como o não tem a sua falta para, sem mais, negar a existência de tal tipo
contratual.
IV. O exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da
qualificação da relação como de trabalho, sendo, por outro lado de lhe negar, na hipótese
contrária, valor negativo excludente dessa qualificação.
5. RL 03-12-2014 (Ferreira Marques), proc. 2923/10.0TTLSB.L1-4 (aplica a lei vigente à data da
cessação do contrato)
Sumário:
1. O nomen juris atribuído ao contrato e as suas cláusulas constituem elementos
relevantes para ajuizar da vontade das partes no que toca ao regime jurídico que
elegeram para regular a relação contratual, se essa designação e essas cláusulas
estiverem em correspondência com a realidade, ou seja, com aquilo que, de facto,
aconteceu na vigência da relação.
2. Quando isso não suceder, a relação contratual deve ser qualificada juridicamente em
função da relação que realmente existiu, da sua vida e da sua dinâmica e não em função
da denominação e de cláusulas totalmente desfasadas da realidade que nos é retratada
pela matéria de facto provada no processo.
3. A presunção de laboralidade prevista no art. 12°, n. ° 1, do CT de 2009, apresenta duas
grandes diferenças em relação à prevista no art. 12°, do CT de 2003: a primeira tem a
ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora
indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do
contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o
elemento de subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a
natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando
assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser
presumida a existência de um contrato de trabalho;
4. Esta presunção aplica-se não só às relações contratuais iniciadas após a entrada em
vigor do CT de 2009, mas também às relações iniciadas antes dessa data e se
102
Jurisprudência
mantenham em execução; ou seja, ao contrato em vigor em determinado momento,
aplica-se a presunção que nesse momento conste da lei vigente;
5. (…).
6. (…).
6. RL 11-02-2015 (Alda Martins), proc. 4413/10.2TTLSB.L1-4 (aplica a lei vigente à data da
cessação do contrato)
Sumário:
I. Basta a verificação de dois dos indícios enumerados para que se considere que o
trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho estabelecida no
art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, passando a competir ao empregador a
prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que, pela quantidade e
impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica.
II. A noção e elementos típicos do contrato de trabalho não se alteraram no domínio de
vigência dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, pelo que, reportando-se a presunção de
contrato de trabalho neles estabelecida à qualificação duma situação que é uma realidade
jurídica actual e não viu a sua natureza alterada ao longo do tempo em que produziu
efeitos, é-lhe aplicável em cada momento a presunção que nesse momento conste da lei
vigente.
7. RG 14-05-2015 (Antero Veiga), proc. 995/12.1TTVCT.G1 (aplica a lei vigente à data da
cessação do contrato)
Sumário:
1. É de aplicar o artigo 12.º, do CT, aos contratos subsistentes aquando da sua entrada em
103
Jurisprudência
vigor.
2. Na delimitação entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços deve-se
recorrer a factos/índice dos quais se possa concluir pela existência de um contrato de
trabalho.
3. Os índices devem ser apreciados no seu todo, sopesando o peso relativo de cada um e o
seu número, o modo como se articulam em concreto, surpreendendo o que é marcante
na relação, independentemente de uma aparência artificialmente criada.
4. Tratando-se de negócios de natureza consensual, não pode deixar de se atender e relevar
a vontade real das partes.
1. STJ 19-05-2010 (Vasques Dinis), proc. 295/07.9TTPRT.S1 (presunção do Código de 2003 –
versão originária)
Sumário:
I. A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois
elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de uma actividade ou obtenção de
um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
II. O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como
elemento típico distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do
empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o
trabalhador se obrigou.
III. Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de
um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra
parte.
IV. Tratando-se – ambos os vínculos – de negócios consensuais, é fundamental, para
determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE – APLICAÇÃO PRÁTICA
104
Jurisprudência
qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato,
quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando
definiram a estrutura da relação em causa – e proceder à análise do condicionalismo
factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito da
relação jurídica emergente do acordo negocial.
V. A subordinação jurídica, traduzindo-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e
dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com
vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, deduz-se – na ausência de
comportamentos declarativos expressos definidores das condições do exercício da
actividade contratada, situação frequente quando se trata de convénios informais – de
factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais
significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho
situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo
do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta
pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador;
retribuição certa, à hora ou ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade da prestação do
trabalho.
VI. De acordo com o regime geral da repartição do ónus da prova, incumbe ao trabalhador
demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja,
demonstrar que exerce uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e
direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
VII. Desviando-se, no entanto, desta regra, veio o artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2003,
na sua primitiva redacção, a consignar cinco requisitos, correspondentes a indícios a que é
usual recorrer-se para caracterizar o contrato de trabalho, cuja verificação tem como
efeito o estabelecimento de uma presunção legal, a favor do trabalhador, dispensando-o
de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação
jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação,
demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil).
VIII. Em tal caso, ao empregador cabe provar factos tendentes a ilidir a presunção de
laboralidade, ou seja, factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho
autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
IX. Resultando provado que o Autor prestou a sua actividade cumprindo um horário de
trabalho determinado pelo Réu, nas instalações deste, com instrumentos que por ele
eram fornecidos, sendo remunerado em função do tempo despendido, por um período
105
Jurisprudência
ininterrupto superior a 90 dias, que se encontrava inserido na estrutura organizativa do
Réu, reportando, funcional e hierarquicamente, a um administrador dele, e acatando, no
exercício das suas funções, as instruções e orientações que do mesmo provinham,
mostram-se verificados todos os requisitos da presunção de laboralidade consignada no
artigo 12.º do Código do Trabalho.
X. Na definição legal (artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito
jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de
uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos (artigos 467.º, alínea
d), e 498.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil), sendo, pois, os dois elementos
(pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e
delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a
providência concretamente solicitada ao tribunal, e normativamente estatuída, em função
de uma causa de pedir.
XI. Tomado o pedido neste sentido, é permitido formular-se numa acção contra o mesmo
réu, pedidos cumulados, alternativos, secundários ou acessórios, subsidiários, ainda que
os fundamentos de um ou de vários sejam diferentes e que um deles se fundamente em
diversas causas de pedir, contanto que sejam susceptíveis de basear a respectiva
pretensão.
XII. A norma constante do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – cuja interpretação,
a contrario sensu, e sem mais, permitiria concluir que o juiz poderia, sempre,
independentemente dos fundamentos e natureza própria de cada um dos pedidos
formulados na mesma acção, condenar em valor superior ao indicado para cada um deles,
desde que o valor da condenação não excedesse o valor da acção – deve ser interpretada
em conjugação com os princípios do dispositivo e do contraditório, projectados no artigo
660.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código de Processo Civil, onde se dispõe que o juiz não pode
ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe impuser o
conhecimento oficioso de outras.
XIII. Ponderando os sobreditos princípios e a noção legal de pedido, é de concluir que o juiz
não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, e na decisão
que proferir sobre essas questões não pode ultrapassar, nem em qualidade nem em
quantidade os limites constantes do pedido formulado pelas partes, valendo a ressalva
constante da primeira parte do artigo 661.º, n.º 1, no sentido de consentir ao juiz,
havendo um pedido global constituído por várias parcelas, valorar essas parcelas em
montante superior ao indicado pelo autor, desde que o total não exceda o valor do pedido
106
Jurisprudência
global, caso em que os limites da condenação se reportam ao pedido global e não a cada
uma das parcelas que o integram e que não correspondam a pedidos autónomos.
XIV. Já assim não será se o valor total resultar da soma do valor de pretensões, cumuladas na
mesma acção, que traduzam efeitos jurídicos decorrentes de causas de pedir diferentes,
pretensões entre si autónomas, na medida em que a procedência de qualquer delas
depende da apreciação de fundamentos não coincidentes, traduzindo, pois, pedidos
qualitativamente diferentes.
XV. Assim, embora os créditos peticionados pelo Autor a título de trabalho suplementar,
férias, subsídios de férias e de Natal, e proporcionais, emirjam todos da execução do
contrato, radicam, no entanto e por força da lei, nas vertentes de previsão e estatuição,
em fundamentos diversos, sendo, por isso, dotados de inteira autonomia entre si, não
podendo dizer-se que os valores que a cada um respeitam integram, como parcelas, um
direito de crédito unitário.
XVI. Deste modo, se o Autor pediu, no que concerne cada um dos sobreditos créditos, menos
do que aquilo a que tinha direito, não podia o tribunal proferir condenação em montante
superior ao que pediu, valendo-se da circunstância de, por improcedência parcial de outro
dos pedidos, uma tal condenação não exceder o valor global peticionado com relação aos
créditos emergentes da vigência e execução do contrato.
XVII. Mais flagrante é a diferença entre a natureza desses créditos e a dos que emergem de um
despedimento ilícito, pois que estes em nada se relacionam com a fonte daqueles
(gerados na vigência e execução do contrato), antes se distinguem, claramente, pela sua
origem (a cessação ilícita do contrato).
XVIII. Os créditos a que se referem os artigos 437.º e 439.º, do Código do Trabalho – por não
pressuporem a alegação e demonstração, pelo trabalhador, dos concretos danos causados
pelo despedimento, apenas lhe impondo que alegue e prove a existência de um contrato e
dos salários auferidos, bem como o despedimento – apresentam-se, no âmbito da relação
jurídica processual, qualitativamente distintos daqueles que podem ser peticionados ao
abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 436.º, com os quais podem ser cumulados, mas que,
por radicarem em causas de pedir não totalmente coincidentes e se acharem sujeitos a
diferente regime, no âmbito do ónus de alegação e prova, não devem considerar-se os
atinentes valores como parcelas de um valor global reportado a um único direito de
crédito, mas sim como pedidos autónomos.
107
Jurisprudência
2. RC 10-07-2013 (Azevedo Mendes), proc. 446/12.1TTCBR.C1 (presunção do Código de 2009)
Sumário:
I. Para que opere a presunção da existência de contrato de trabalho prevista no nº 1, do artº
12º, do CT/2009, basta que se verifiquem duas das características nele elencadas.
II. A verificação de duas dessas características tem, apesar de tudo, de ser enquadrada num
ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a
qualificação do acordo entre a pessoa que presta a actividade e a que dele beneficia.
III. Neste caso, a dúvida pode e deve ser resolvida pela indagação das características
enunciadas no artº 12º, nº 1, do C. Trabalho, averiguando se opera a presunção de
laboralidade.
3. RL 30-05-2012 (Paula Sá Fernandes), proc. 808/ 11.11TLSB.L1 (presunção do Código de
2009).
Sumário:
I. Tendo ficado provado que o autor realizava a sua atividade nas instalações da ré, que os
equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados eram pertença da ré, ainda que o
autor utilizasse na recolha de imagens vídeo e na edição do filme/ vídeo instrumentos de
terceiros e próprios por serem de melhor qualidade, e que era paga ao autor
mensalmente uma quantia certa, mostram-se preenchidos três dos indícios enunciados
no art.º 12.°, do CT/2009, pelo que se consideram demonstrados os factos constitutivos da
presunção consagrada neste preceito.
108
Jurisprudência
II. Assim sendo, presume-se a existência de um contrato de trabalho na relação estabelecida
entre as partes, em que o autor prestava uma atividade à ré que dela beneficiava, ao
abrigo do art.º 12.º, do CT /2009.
III. Tal presunção não foi elidida pela ré, pois da factualidade provada não resultam
elementos suficientes que permitam concluir que o autor gozava de efetiva autonomia no
exercício da sua atividade profissional e que a exercia em função do seu resultado.
Nota: Sumário da responsabilidade dos organizadores do e-book
4. STJ 08-10-2015 (Ana Luísa Geraldes), proc. 292/13.5TTCLD.C1.S1 (presunção do Código de
2009)
Sumário:
I. A diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se,
essencialmente, em dois elementos distintivos: no objecto do contrato (no contrato de
trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma actividade intelectual ou
manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um
resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar
o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de
serviço.
109
Jurisprudência
II. A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das
circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art. 12º, do Código de Trabalho
de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a
seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do
estatuído no nº 1, do art. 350º, do Código Civil.
III. Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos
termos do nº 2, do art. 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se
pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa
não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato
de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.
IV. Provando-se que: os instrumentos utilizados pelo Autor eram propriedade deste e não
do empregador; o Autor utilizava a sua própria viatura nas deslocações de serviço,
suportando as respectivas despesas; não estava sujeito a qualquer horário de trabalho;
a remuneração auferida era variável e à percentagem, e não fixa em função do tempo
despendido na realização da sua actividade ou número de locais visitados, e à qual o
Autor dava quitação através da emissão dos respectivos ”recibos verdes”, nunca tendo
auferido, durante a execução do contrato, retribuição nas férias, subsídios de férias e de
Natal, afastada está a referida presunção, pelo que, não se pode considerar como
provado o contrato de trabalho.
110
Jurisprudência
Advogado/a
1. STJ 18-12-2008 (Mário Pereira), proc. 08S2314 (contrato de prestação de serviços)
Sumário:
I. O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como
elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do
empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o
trabalhador se obrigou.
II. Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de
um resultado, que efectiva, por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra
parte.
III. Perante a dificuldade de prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os
elementos caracterizadores da subordinação jurídica, deve proceder-se à identificação da
relação laboral através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do
trabalho subordinado, por modo a que possa concluir-se pela coexistência, no caso
concreto, dos elementos definidores do contrato de trabalho.
IV. Os indícios negociais internos normalmente referidos são a existência de um horário de
trabalho, a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade, o
tipo de remuneração, o pagamento de subsídio de férias e de Natal, o recurso a
colaboradores por parte do prestador da actividade e a integração na organização
produtiva.
V. Em relação aos indícios externos são, normalmente, atendidos o tipo de imposto pago
pelo prestador da actividade, a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador
dependente ou independente, a sua sindicalização ou não, e a prestação da mesma ou
idêntica actividade a outros beneficiários.
VI. Os referidos indícios têm, todavia, um valor relativo se individualmente considerados e
devem ser avaliados através de um juízo global, em ordem a convencer, ou não, da
existência, no caso, da subordinação jurídica.
VII. Cabe ao trabalhador que invoca a existência de contrato de trabalho, como pressuposto
dos pedidos que formula, o ónus de alegar e provar factos reveladores ou indiciadores da
MÉTODO INDICIÁRIO – APLICAÇÃO PRÁTICA
111
Jurisprudência
existência de contrato de trabalho, por se tratar de factos constitutivos do direito
accionado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
VIII. Não é possível concluir pela existência de um contrato de trabalho entre as partes, se o
autor, ao abrigo do contrato que o vinculou à ré, fazia consulta jurídica a esta e aos seus
associados, nas instalações e com o equipamento da ré, patrocinava judicialmente uma e
outros em causas que surgissem, relacionadas com as suas actividades (fazendo-o, por
vezes, a pedido da ré e na sequência de pressão do associado, mesmo que ao autor
parecesse que as possibilidades de sucesso seriam muito reduzidas ou inexistentes), com
acompanhamento administrativo feito pela ré, mediante contrapartida mensal fixa, que
foi sendo actualizada ao longo dos anos, tendo o autor gozado um mês de férias, sendo a
ré que distribuía pelo autor e restantes advogados o trabalho relativo às reclamações e
impugnações judiciais das decisões das Repartições de Finanças, constatando-se, todavia,
também, que o autor tinha períodos de presença na ré, mediante acordo prévio entre
ambos, mas se não houvesse nenhum associado para atender, ou o atendimento
terminasse antes do fim do período de consultas, o autor podia abandonar as instalações
da ré, e o aumento de serviço, verificado a partir de data não apurada, levou a que o autor
e restantes advogados da ré preparassem nos seus gabinetes particulares parte do serviço
que prestavam àquela.
2. STJ 27-11-2007 (Bravo Serra), proc. 07S2911 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. Para que um negócio jurídico bilateral seja perspectivável como um contrato de trabalho,
necessário é que exista um acordo negocial mediante o qual uma pessoa assuma a
obrigação de prestar a sua actividade a outrem - seja ela de natureza manual ou
intelectual -, que esse outrem assuma a obrigação de retribuir tal prestação, o que inculca
uma relação de subordinação económica do primeiro ao segundo, e que o prestador da
actividade, na respectiva execução, obedeça ou esteja sujeito às ordens, direcção e
fiscalização daquele a quem presta a actividade.
112
Jurisprudência
II. Não se descortinando elementos fácticos nítidos de onde resulte a subordinação jurídica,
deverá lançar-se mão de indícios negociais, como sejam o próprio nomen conferido ao
contrato, a indicação do local de exercício da actividade, a existência de um horário de
trabalho fixo, o fornecimento, pelo donatário da actividade, dos bens ou utensílios
necessários ao seu desencadeamento, a prestação da contrapartida da actividade em
função do tempo de prestação, a fixação do direito a férias, o pagamento dos subsídios de
férias e de Natal, a aceitação, pelo donatário, do risco da execução da actividade, a
inserção do prestador na organização produtiva ou na estrutura do donatário, o controlo,
por este, da execução, lugar e modo da actividade prestada, e se o prestador dela a exerce
por si, não se podendo socorrer de outrem.
III. É de qualificar como contrato de trabalho a actividade de advogado prestada pelo autor
no âmbito do acordo negocial firmado com o réu, à qual pertenciam os instrumentos de
trabalho utilizados pelo autor, que era levada a efeito nas instalações do destinatário
dessa actividade, não se socorrendo o autor de alguém que não trabalhadores do réu, o
qual controlava, não só o horário do autor, como até o modo como a sua actividade se
processava, dando-lhe, inclusivamente, instruções sobre a forma como ela deveria ser
efectivada, fixava o período de férias do autor, o qual percebia subsídio de férias,
proporcionais e subsídio de Natal, sendo que a retribuição do autor era efectuada em
função do tempo de trabalho por ele desempenhado, constatando-se ainda que o
eventual labor desenvolvido pelo autor no exercício de advocacia no seu escritório foi
consentido pelo falado acordo e estava sujeito a determinados condicionalismos impostos
pelo réu.
IV. No circunstancialismo descrito, justifica-se uma indemnização ao autor de € 5.000,00, a
título de danos não patrimoniais, que, com 54 anos de idade, ficou profundamente
abalado pela cessação (ilícita) da relação negocial que o vinculava ao réu, cessação que
surgiu na decorrência de uma proposta feita ao autor pelo réu no sentido de, com a
reestruturação dos serviços de contencioso do sindicato/réu, o primeiro vir a celebrar um
contrato de prestação de serviços com uma contrapartida remuneratória diferente da
retribuição prosseguida até aí, tendo a relação de trabalho perdurado por mais de 11 anos
e auferindo o autor ao serviço do réu a retribuição mensal de € 1.969,25.
113
Jurisprudência
Consultor/a - Assessor/a
1. STJ 03-03-2010 (Mário Pereira), proc. 482/06.7TTPRT.S1 (contrato de prestação de serviços)
Sumário:
I. Integra-se nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça a questão de direito
de saber se o elenco apresentado como contendo a matéria de facto provada se
circunscreve, efectivamente, a dados com tal natureza ou se contém matéria que envolva
juízos de direito, de valor ou conclusivos e que haja de ser considerada matéria de direito.
II. Pese embora a expressão trabalhar sob as ordens e direcção de alguém seja utilizada na
linguagem comum para traduzir uma realidade fáctica e, nessa medida, possa, em certas
circunstâncias, ser considerada como matéria de facto, isso não sucede quando numa
acção o thema decidendum consiste justamente em saber se determinado contrato
reveste, ou não, natureza laboral.
III. Nesta hipótese, a referida expressão, se valesse como verdadeira e própria matéria de
facto, já encerraria em si a resolução da concreta questão de direito que é objecto da
acção, o que implica que tenha de se considerar não escrita, nos termos do n.º 4, do art.
664.º, do Código de Processo Civil.
IV. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da matéria de facto é residual e
destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material
probatório, nos termos do disposto nos arts. 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código
de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, ou a
providenciar no sentido de serem sanadas contradições relevantes que tenham ocorrido
na decisão sobre a matéria de facto (art. 729.º, n.º 3).
V. Daí se retira que o Supremo não tem poderes para censurar a livre e prudente convicção
que o julgador de facto haja firmado, no que respeita aos factos em que valha o princípio
geral da liberdade de julgamento, consagrado no n.º 1, do art. 655.º, do Código de
114
Jurisprudência
Processo Civil, segundo o qual o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo
os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
VI. Tendo a relação jurídica invocada pelo Autor sido constituída antes da entrada em vigor
do Código do Trabalho de 2003 mas perdurado após a vigência deste diploma – 1 de
Dezembro de 2003 – a sua qualificação jurídica há-de operar-se à luz do regime anterior a
este, que é o constante do DL n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), tanto mais
que não emerge da factualidade assente qualquer mudança essencial na configuração
daquela relação antes e depois de 1 de Dezembro de 2003.
VII. A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois
elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um
resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
VIII. O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como
elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do
empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o
trabalhador se obrigou; diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador
obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem
subordinação à direcção da outra parte.
IX. Tratando-se, em qualquer caso, de um negócio consensual, é fundamental, para
determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar
qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato,
quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando
definiram a estrutura da relação jurídica em causa – e proceder à análise do
condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no
âmbito daquela relação jurídica.
X. A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador
do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de
trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na
execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou
orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o
regem.
XI. A subordinação, traduzindo-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a
actividade laboral em si mesma ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à
prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, deduz-se de factos indiciários, todos
a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição
115
Jurisprudência
do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do
empregador ou onde ele determinar; a existência de controlo do modo da prestação de
trabalho; a obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; a
propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; a retribuição certa, à
hora, ao dia, à semana ou ao mês; a exclusividade de prestação do trabalho a uma única
entidade, podendo, ainda, a subordinação comportar diversos graus, não sendo
incompatível com a verificação de alguma margem de autonomia do trabalhador, quer no
que se refere à forma de produção do trabalho, quer à sua orientação, desde que não
colida com os fins últimos prosseguidos pelo empregador.
XII. Dado que os factos reveladores da existência do contrato de trabalho se apresentam
como constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer, o ónus da
prova incumbe a quem os invoca, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
XIII. A actividade de assessoria técnica – prevista no contrato firmado entre Autor e Ré – não é
incompatível com a noção legal do contrato de prestação de serviço, nomen, aliás, que as
partes deram àquele contrato.
XIV. Não é de qualificar como sendo de natureza laboral o vínculo que existiu entre o Autor e a
Ré quando não logrou apurar-se qualquer indício no sentido de aquele estar sujeito às
ordens e instruções desta, quer quanto à forma da execução contratada, quer quanto à
fiscalização da sua actividade, e não logrou apurar-se que estivesse sujeito a horário de
trabalho e a eventuais consequências do seu incumprimento, designadamente a nível
disciplinar e de retribuição.
XV. Pese embora o Autor, findo o contrato firmado com a Ré, tenha continuado a prestar-lhe
alguma actividade, com o conhecimento e consentimento desta – mas agora sem um
suporte ou enquadramento formal, ao contrário do que acontecera antes – não se pode
afirmar que o tenha sido ao abrigo de um contrato de trabalho quando nada se provou em
matéria de ordens e instruções, quanto à forma de execução dessa actividade e, bem
assim, quanto à vinculação ao cumprimento de um horário de trabalho e sujeição a poder
disciplinar.
116
Jurisprudência
2. RL 11-02-2009 (Leopoldo Soares), proc. 1806/07.5TTLSB-4 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. O Tribunal superior deve conhecer questões novas, isto é, não levantadas no tribunal
recorrido, desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre
questões de conhecimento oficioso, tal como sucede com a invocação do “abuso de
direito”.
II. Não litiga em abuso de direito quem pretende ver reconhecida a natureza laboral da
relação que estabeleceu com outrem e peticionar créditos respeitantes à mesma, ainda
que anteriormente tenha outorgado um denominado “contrato de avença” e tenha sido
tratado como “prestador de serviços”, visto que durante a vigência da relação sempre se
encontrava numa situação de dependência que, presumivelmente , não lhe permitia
exercer em pleno os seus direitos.
III. Se num contrato de trabalho nulo, o empregador não invocar a nulidade do contrato para
colocar termo à relação laboral que mantinha com o trabalhador adoptando
comportamento que configura um despedimento ilícito, deve ser paga indemnização
calculada nos termos gerais.
Desenhador/a - Projetista - Medidor/a - Orçamentista
1. RL 09-05-2012 (Paula Sá Fernandes), proc. 4522/09.0TTLSB.L1-4 (contrato de prestação de
serviços)
Sumário:
I. Ao longo dos mais de 20 anos em que o autor prestou serviço para a ré efectuou funções
de desenhador projectista, realizando desenho à mão, a régua e esquadro, grafismos e
perspectiva, no âmbito da decoração de interiores e elaborando projectos de arquitectura
e de execução de obras, bem como projectos de alterações, funções estas que eram
117
Jurisprudência
desempenhadas tanto nas instalações da ré, como fora delas, sem que tivesse de assinar o
livro de ponto, obrigatório para os trabalhadores subordinados.
II. Também durante este tempo, resultou provado que o autor trabalhou para outras
entidades, na execução de trabalhos idênticos aos que desenvolvia para a ré, teve um
atelier próprio, em conjunto com outros arquitectos, não tendo aceite a proposta que lhe
foi feita pela ré para que fizesse descontos para a Segurança Social, como trabalhador
dependente.
III. Esta recusa do autor além de inviabilizar, por vontade própria, a sua integração nos
quadros da empresa ré como trabalhador subordinado, reforçou, ainda, a convicção da ré
de que o autor queria uma relação de prestação de serviços, que lhe dava mais liberdade
de actuação, e só assim se justifica que, logo em Janeiro de 2009, a ré tenha alertado o
autor que iria prescindir dos seus serviços mas só o vindo a fazer em Julho do mesmo ano
(factos 35 e 36).
IV. Assim, a sentença recorrida não decidiu de forma correcta pois da análise dos factos
provados não resultaram indícios suficientes de que entre autor e ré existia uma relação
de trabalho subordinado que caracteriza o contrato de trabalho.
V. Deste modo, a comunicação da ré ao autor, em 7 de Julho de 2009, que não necessitava
mais dos seus serviços não configura qualquer despedimento ilícito, devendo a ré ser
absolvida de todos os pedidos formulados pelo autor. (Elaborado pela Relatora)
2. RC 11-03-2010 (Fernandes da Silva), proc. 1071/08.7TTCBR.C1 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. É qualificável como juslaboral a relação jurídica em que a actividade contratada sempre
(durante mais de 14 anos) teve como local de trabalho a sede da Ré; o Autor recebia
orientações e incumbências dos gerentes desta; desenvolvia a sua actividade de 2ª a 6ª
feira, durante 28 a 43 horas por semana; a R. pagava ao A. montantes diversos
relacionados com as horas de trabalho, de forma periódica e regular; o A. realizava
períodos de férias durante algumas semanas por ano.
118
Jurisprudência
II. A presunção de laboralidade a que alude o artº 12º, do Código do Trabalho (versão da Lei
nº 9/2006, de 20/03), não é aplicável às relações jurídicas estabelecidas antes da entrada
em vigor desse Código do Trabalho.
III. Tendo o trabalhador resolvido o contrato de trabalho com invocação de justa causa, o(s)
vício (s) que pode corrigir, no caso de impugnação da resolução do contrato com base em
ilicitude do procedimento previsto no nº 1, do artº 442º, do Código do Trabalho de 2003,
só pode(m) sê-lo na acção intentada pelo empregador e até ao termo do prazo que o
trabalhador tenha para contestar.
IV. Nos vícios eventualmente sanáveis não cabe a inobservância do prazo de caducidade de
30 dias a que alude o artº 442º, nº 1, do C. do Trabalho.
V. Em caso de resolução ilícita do contrato de trabalho por parte do trabalhador, o
empregador tem direito a uma indemnização pelos prejuízos causados, nunca inferior ao
valor correspondente à denúncia do contrato com falta de cumprimento do prazo de aviso
prévio.
Engenheiro/a
1. STJ 01-10-2008 (Pinto Hespanhol), proc. 08S1688 (contrato de prestação de serviços)
Sumário:
I. O contrato de trabalho caracteriza-se essencialmente pelo estado de dependência jurídica
em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de
subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à
autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens.
II. No contrato de prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se
apenas o resultado da actividade.
III. É de qualificar como de prestação de serviço o contrato assim denominado pelas partes, e
de acordo com o qual o autor, que é engenheiro civil, passou a elaborar para a ré
projectos de engenharia e a fiscalizar, para a mesma, a execução de trabalhos de
construção civil, não estando vinculado pela ré ao cumprimento de um horário de
119
Jurisprudência
trabalho, nem submetido ao poder disciplinar da empregadora, recebendo retribuição de
montante variável, consoante o número de horas de trabalho que prestava, e nada
recebendo se nada fizesse.
IV. Tal sistema remuneratório, consentindo que não houvesse lugar a retribuição, se nada
fizesse, é totalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho
subordinado, cujo regime pressupõe «uma necessária remuneração, ainda que seja a
“mínima legalmente garantida”, durante todo o período vinculístico».
2. RL 16-01-2008 (Maria João Romba), proc. 2224/2007-4 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. O direito à retribuição de férias - não o direito ao gozo de férias, esse sim irrenunciável,
nos termos do art. 2º, nº 4, do DL 874/76, de 28/12 - não é um direito de exercício
necessário, indisponível nem irrenunciável, não podendo, por isso, ser objecto de
condenação além do pedido a que se refere o artº 74º, do CPT.
II. Decisivo para a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços
acaba por ser o elemento “subordinação jurídica”, que consiste na circunstância de o
prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e direcção do
empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o
tempo e o lugar da respectiva prestação.
III. Não obstante o elevado grau de autonomia exigível nesses casos, é possível o
desempenho de funções de elevada craveira técnica e intelectual em regime de
subordinação jurídica, como acontece com a profissão de engenheiro.
IV. Sendo certo que por si só o nomen iuris atribuído pelas partes ao contrato não é
determinante para a respectiva qualificação, há que ponderar as situações em que no
clausulado se utilizem expressões correspondentes a conceitos jurídicos, mas cujo sentido
comum é em geral apreensível, sobretudo por pessoas, como é o caso de um engenheiro
civil, com formação universitária.
120
Jurisprudência
V. Todavia, revestindo o contrato de trabalho a natureza de um contrato de execução
continuada, se a respectiva execução revelar afinal que o clausulado não passa de uma
mera fachada ou aparência, não conforme com a realidade, é a esta que o julgador deverá
fundamentalmente atender para proceder à qualificação, que mais não seja, considerando
modificado o contrato (que, legalmente não está sujeito a forma e por isso pode ser
consensualmente alterado) nos termos em que a prática mostre um encontro das
vontades distinto daquele que consta do clausulado.
Jornalista - Assessor/a de imprensa
1. RE 08-05-2012 (João Luís Nunes), proc. 1025/10.3TTSTB.E1 (contrato de prestação de
serviços)
Sumário:
I. Estando em causa uma relação jurídica cuja execução perdurou desde 1 de Janeiro de
1987 (ou desde 1 de Agosto de 2001) até final de Outubro de 2010, e não se extraindo da
matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, seja a partir de 1 de Dezembro
de 2003 (com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003), seja a partir de 2006
(com a alteração operada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março), seja a partir de 17 de
Fevereiro de 2009 (com a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), os termos em que, na
prática, se executava essa relação jurídica, à sua qualificação aplica-se o regime jurídico do
contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24-11-1969.
II. Alegando o autor a existência de um contrato de trabalho com a ré, nos termos do
disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, sobre ele recai o ónus de provar factos dos
quais se possa concluir, com segurança, a existência do referido contrato.
III. Por isso, havendo, no mínimo, dúvidas sobre se a actividade desenvolvida pelo autor se
insere, como ele alega e peticiona, num contrato de trabalho, ou num contrato de
prestação de serviços, a dúvida resolve-se em desfavor do autor.
121
Jurisprudência
IV. Não se demonstra a existência de um contrato de trabalho entre o autor e a ré no
circunstancialismo em que se apura que entre eles foi celebrado um acordo escrito que
denominaram “contrato de prestação de serviços”, nos termos do qual o autor, jornalista,
se obrigou a prestar colaboração à ré, na sua publicação “...”, apresentando diariamente
um artigo inédito da sua autoria, sendo para esse efeito pela ré indicados os eventos
desportivos que o autor tinha que acompanhar e designando-o como seu correspondente,
constatando-se ainda que o autor auferia uma contrapartida certa pelo trabalho prestado,
em regime de exclusividade, não recebia subsídios de férias e de Natal e a ré não efectuou
descontos por conta daquele para a segurança social.
2. STJ 21-01-2009 (Mário Pereira), proc. 08S2270 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. Não é admissível recurso de agravo em segunda instância do acórdão da Relação que
negou provimento ao agravo, confirmando o despacho da 1ª instância que, ao abrigo do
art.º 71º, n.º 2, do CPT, julgou provados os factos pessoais da ré alegados pelo autor na
petição inicial.
II. Não estando em causa na situação em apreço qualquer violação de regras de direito
probatório material que permitam, excepcionalmente, ao Supremo alterar a decisão de
facto das instâncias e não consentindo agravo autónomo a eventual violação de lei de
processo, nessa sede cometida pela Relação (n.º 2, do art.º 754º), está igualmente vedada
a impugnação de tal decisão em sede de revista, no quadro do n.º 1, do art.º 722º.
III. O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como
elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do
empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o
trabalhador se obrigou.
IV. Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de
um resultado, que efectiva, por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra
parte.
122
Jurisprudência
V. Perante a dificuldade de prova de elementos fácticos nítidos de onde resultem os
elementos caracterizadores da subordinação jurídica, deve proceder-se à identificação da
relação laboral através de indícios que reproduzem elementos do modelo típico do
trabalho subordinado, por modo a que possa concluir-se pela coexistência, no caso
concreto, dos elementos definidores do contrato de trabalho.
VI. Os indícios negociais internos normalmente referidos são a existência de um horário de
trabalho, a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade, o
tipo de remuneração, o pagamento de subsídio de férias e de Natal, o recurso a
colaboradores por parte do prestador da actividade, a integração na organização
produtiva e a submissão ao poder disciplinar.
VII. Como indícios externos são, normalmente, indicados a sindicalização do prestador da
actividade, a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por
conta de outrem, e a exclusividade da actividade a favor do beneficiário.
VIII. Os referidos indícios têm, todavia, um valor relativo se individualmente considerados e
devem ser avaliados através de um juízo global, em ordem a convencer, ou não, da
existência, no caso, da subordinação jurídica.
IX. Cabe ao trabalhador que invoca a existência de contrato de trabalho, como pressuposto
dos pedidos que formula, o ónus de alegar e provar factos reveladores ou indiciadores da
existência de contrato de trabalho, por se tratar de factos constitutivos do direito
accionado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
X. Deve considerar-se juridicamente subordinado à ré e integrado na estrutura organizativa
da empresa o assessor de imprensa que trabalhou ininterruptamente para a ré mais de 16
anos no seguinte condicionalismo: desempenhou sempre e em idênticas condições as suas
funções na empresa, de acordo com as ordens e orientações do respectivo Chefe de
Gabinete ou do Chefe de Divisão, bem como do Conselho de Gerência e respectivo
Presidente; essas ordens eram, por vezes, transmitidas através de despachos manuscritos
em documentos de trabalho da ré, delas resultando que a ré conformava o modo de
execução da actividade do autor, fazendo correcções em textos por este elaborados e
determinando a incorporação das correcções na versão final desses textos, ou dando
indicações concretas sobre o conteúdo dos textos a elaborar; o autor esteve sempre
obrigado, tanto antes como depois da celebração em 2003 de um denominado “contrato
de trabalho”, a estar todos os dias na empresa, de 2ª a 6ª feira, embora nunca tenha tido
hora de entrada e de saída do trabalho pré-estabelecida, por estar isento de horário de
trabalho; sempre desempenhou a sua actividade num gabinete da empresa que
123
Jurisprudência
partilhava, por vezes, com outros trabalhadores da empresa, utilizando instrumentos de
trabalho que lhe eram fornecidos por esta; sempre gozou férias, todos os anos, sendo as
mesmas previamente autorizadas pelo seu chefe directo; auferiu sempre uma retribuição
certa, paga mensalmente, fixada em função do tempo dispendido no trabalho, retribuição
essa que também lhe era paga nos seus períodos de férias.
Médico/a
1. STJ 12-11-2015 (António Leones Dantas), proc. 618/11.6TTPRT.P1.S1 (contrato de prestação
de serviços)
Sumário:
1. Incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, a alegação e
prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral,
porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, quando tal relação se
tenha iniciado antes de 1 de Dezembro de 2003;
2. Apesar de se ter provado que a Autora recebia mensalmente um valor certo e que exercia
funções clínicas nas instalações de um Lar gerido pela Ré, com equipamento por esta
fornecido, mas que não estava sujeita a um horário de trabalho definido pela Ré, que se
podia fazer substituir por médico da sua confiança e que emitia como título dos
quantitativos auferidos recibos verdes, que estava inscrita na Segurança Social e nas
Finanças como trabalhadora independente e que não auferia subsídio de férias nem de
Natal, não pode qualificar-se a relação existente entre ambos como um contrato de
trabalho.
124
Jurisprudência
2. STJ 16-11-2005 (Fernandes Cadilha), proc. 05S2138 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. É de qualificar como contrato de trabalho o contrato celebrado entre um médico e uma
entidade seguradora em vista à prestação de actos cirúrgicos e de acompanhamento
clínico de sinistrados de acidentes de trabalho pelos quais essa entidade é responsável,
quando se constata que o clínico exercia a sua actividade nas instalações da ré ou em local
por esta disponibilizado, praticava um horário de trabalho pré-definido, auferia uma
retribuição ainda que em parte variável, encontrava-se integrado numa estrutura
hierárquica e obedecia às ordens e instruções fornecidas pela respectiva chefia, e estava
ainda sujeito a um controlo de pontualidade e assiduidade, bem como a um regime de
férias anuais que conferia o direito ao pagamento da remuneração certa.
II. Neste contexto, assume um diminuto relevo o nomen juris dado pelas partes ao contrato e
o não exercício de actividade em exclusividade, bem como certos desvios detectados
quanto ao regime retributivo, como sejam o modo de quitação, a não inclusão do
trabalhador nas folhas de remunerações enviadas para a segurança social e o não
pagamento de subsídios de férias ou de Natal;
III. Não incorre em abuso de direito o trabalhador que só após a denúncia do contrato
operada pela entidade empregadora vem discutir judicialmente a natureza jurídica da
relação contratual em causa, para efeito de impugnar a decisão unilateral de extinção do
contrato e reclamar os correspondentes créditos laborais;
IV. A reintegração do trabalhador resultante do reconhecimento judicial da ilicitude do
despedimento constitui uma obrigação de prestação de facto infungível, pelo que é
admissível a condenação da entidade patronal em sanção pecuniária compulsória, nos
termos previstos no artigo 829º-A, do Código Civil.
125
Jurisprudência
3. RC 10-07-2013 (Azevedo Mendes), proc. 446/12.1TTCBR.C1 (contrato de trabalho –
qualificação decorrente da aplicação da presunção de laboralidade do CT2009)
Sumário:
I- Para que opere a presunção da existência de contrato de trabalho prevista no nº 1, do artº
12º, do CT/2009, basta que se verifiquem duas das características nele elencadas.
II- A verificação de duas dessas características tem, apesar de tudo, de ser enquadrada num
ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a
qualificação do acordo entre a pessoa que presta a actividade e a que dele beneficia.
III- Neste caso, a dúvida pode e deve ser resolvida pela indagação das características
enunciadas no artº 12º, nº 1, do C. Trabalho, averiguando se opera a presunção de
laboralidade.
Enfermeiro/a
1. STJ 18-09-2013 (A. Leones Dantas), proc. 3/12.2TTPDL.L1.S1 (contrato de prestação de
serviços)
Sumário:
I. Incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, a alegação e
prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral,
porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido;
II. Os indícios de subordinação jurídica não podem ser valorados de forma atomística, antes
devendo efectuar-se um juízo global em ordem a determinar se na relação estabelecida e
efectivamente executada estão ou não presentes os elementos característicos de uma
relação de trabalho subordinado - os poderes de direcção e autoridade do empregador e
correspectiva sujeição do trabalhador ao exercício desses poderes.
III. Apesar de se ter provado que a Autora desempenhava as suas funções de enfermeira de
acordo com o enquadramento e orientação da enfermeira-chefe da clinica da Ré e que
exercia as suas tarefas nas instalações da clínica, com equipamento e meios por esta
fornecidos, tendo-se igualmente provado que era paga em função das horas de serviço
126
Jurisprudência
prestadas, em períodos de tempo mutuamente acordados, em função das
disponibilidades da Autora, que se podia fazer substituir e que, paralelamente,
desempenhava funções num hospital público, não se tendo provado que gozasse férias e
auferisse o respectivo subsídio bem como subsídio de Natal, não pode qualificar-se a
relação existente entre ambas como um contrato de trabalho.
2. RL 20-02-2013 (M. Celina Nóbrega), proc. 3/12.2TTPDL.L1-4 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços centra-se na
existência ou inexistência de subordinação jurídica a qual se concretiza na dependência ou
sujeição do trabalhador face às ordens, regras ou orientações, do empregador.
II. É de qualificar como contrato de trabalho, o contrato pelo qual uma enfermeira exerce as
suas funções numa clínica, cumprindo uma escala de serviço baseada na sua
disponibilidade mas dependente dos turnos que lhe são propostos pela empregadora e
sujeita a todas as directivas emanadas da enfermeira chefe a quem, por nota interna, foi
determinado que devia obediência.
127
Jurisprudência
Terapeuta
1. STJ 25-01-2012 (Pinto Hespanhol), proc. 805/07.1TTBCL.P1.S1 (contrato de trabalho)
Sumário:
1. Discutindo-se a qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes, desde 5 de
Novembro de 2001 até 15 de Janeiro de 2007, portanto, constituída antes da entrada em
vigor do Código do Trabalho de 2003 e que subsistiu após o início da vigência deste Código
(dia 1 de Dezembro de 2003), e não se extraindo da matéria de facto provada que as
partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos dessa relação, há
que atender ao Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto Lei
n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, não tendo aqui aplicação a presunção contida no
artigo 12.º daquele Código.
2. Provando-se a vinculação do autor a um horário de trabalho estipulado pela ré, que o
mesmo trabalhava exclusivamente para a ré, que lhe disponibilizava os seus instrumentos
de trabalho, e que auferia uma retribuição média mensal que, não sendo sempre a
mesma, era praticamente regular, usando cartão de prestador da ré e o mesmo uniforme
que os demais terapeutas, actividade prestada durante mais de cinco anos, sem hiatos,
configura-se a integração do trabalhador na estrutura organizativa da empregadora.
3. Neste contexto, atento o conjunto dos factos provados, é de concluir que o autor logrou
128
Jurisprudência
provar, como lhe competia, que a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu
a natureza de contrato de trabalho.
Veterinário /a – Inspetor/a sanitário/a
1. STJ de 10-11-2010 (Sousa Peixoto), proc. 3074/07.0TTLSB.L1.S1 (contrato de prestação de
serviços)
Sumário:
I. Compete ao autor alegar e provar os factos que, com recurso ao chamado método
tipológico, permitam concluir que a sua prestação foi executada em regime de
subordinação jurídica.
II. A remuneração mensal, a existência de horário de trabalho e de instruções relativas ao
modo como o trabalho devia ser prestado não são incompatíveis com o contrato de
prestação de serviço.
III. Tendo a autora sido contratada pela Direcção-Geral de Veterinária, para prestar serviços
inseridos no domínio da inspecção sanitária do pescado, na lota da Nazaré, em período
consentâneo com o funcionamento da mesma, é óbvio que a sua prestação tinha de estar
adstrita a um horário de trabalho, o qual, por via disso, deixa de constituir indício
relevante quanto à existência da subordinação jurídica.
IV. E, no circunstancialismo referido, o mesmo acontece no que concerne aos indícios
referentes ao local de trabalho e aos meios e instrumentos de trabalho postos à
disposição da autora pela Direcção-Geral de Veterinária.
V. O silêncio da matéria de facto relativamente ao pagamento da retribuição de férias e dos
subsídios de férias e de Natal também não abonam a tese da subordinação e o mesmo
acontece com o facto da retribuição ser paga mediante a apresentação do recibo modelo
6, a que se refere o art.º 107.º, n.º 1, al. a), do Código do IRS (o chamado recibo verde).
VI. O nomen iuris que as partes deram ao contrato (Contrato de Avença) e o facto das
cláusulas nele inseridas se harmonizarem com o contrato de prestação de serviço, não
129
Jurisprudência
sendo decisivos para a qualificação do contrato, não deixam de assumir especial relevo,
uma vez que a vontade negocial assim expressa no documento não poderá deixar de
assumir relevância decisiva na qualificação do contrato, salvo nos casos em que a matéria
de facto provada permita concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a
vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato.
2. RL de 27-10-2010 (José Feteira), proc. 3075/07.8TTLSB.L1-4 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. Embora no âmbito de contrato denominado de “Contrato de Avença (Em substituição de
um outro que foi rescindido)”, consubstancia a execução de um verdadeiro contrato de
trabalho a actividade de inspecção sanitária desenvolvida pelo Autor – Médico Veterinário
na qualidade de Inspector Sanitário – de forma ininterrupta entre 1 de Dezembro de 2003
e 30 de Junho de 2007, ao serviço do Réu “ESTADO PORTUGUÊS – MINISTÉRIO DA
AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS – DIRECÇÃO GERAL DE
VETERINÁRIA” aquele em que, para além da existência de um horário de prestação de
trabalho fixo, embora por turnos – ainda que o Autor e os seus colegas pudessem
organizar entre si as escalas desses turnos – o Autor dispunha de períodos de gozo de
férias pagas e, no desempenho das suas funções, estava sujeito às ordens, instruções e à
autoridade do Réu no que respeitava a procedimentos a cumprir na inspecção do
pescado, bem como nas inspecções específicas que tinha de realizar quanto à hora e local
das mesmas, fazendo uso de espaços atribuídos ao Réu, bem como de meios materiais
que eram propriedade deste e que o mesmo colocava à disposição do Autor para o
desempenho das suas funções.
II. Estabelecendo o n.º 3, do art. 17º, do DL n.º 41/84, de 03-02, na redacção dada pelo DL
n.º 299/85, de 29-07 (diploma ao abrigo do qual foi outorgado o contrato estabelecido
entre as partes) que “O contrato de avença caracteriza-se por ter como objecto prestações
sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo
130
Jurisprudência
de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as
qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença” (realce nosso), cabia
ao Réu, através da Direcção-Geral de Veterinária, demonstrar a não existência nos seus
serviços e à data da celebração do contrato, de funcionários ou agentes com qualificações
adequadas ao exercício de funções objecto de avença, se era esse o contrato que,
efectivamente, pretendia estabelecer com o aqui Autor.
III. Nos termos dos artigos 5º e 7º, do DL n.º 23/2004, de 22-06, a contratação por tempo
indeterminado pela Administração Pública, para além de ter de ser precedida de um
processo de selecção que obedece a determinados princípios que devem ser respeitados,
só pode ocorrer se existir um quadro de pessoal para aquele efeito e com obediência aos
limites desse quadro.
Perito/a de seguradora
1. STJ 11-07-2012 (Fernandes da Silva), p. 3360/04.0TTLSB.L1.S1 (contrato de prestação de
serviços)
Sumário:
I. A previsão do n.º 4, do art. 646.º, do CPC, é de aplicar, também, analogicamente, nas
situações em que esteja em causa um facto conclusivo e nas demais que se reconduzam,
afinal, à formulação de um juízo de valor extraído dos factos concretos, objecto de
alegação e prova, conquanto que a matéria em causa se integre nos thema decidendum,
podendo o Supremo Tribunal sindicar uma tal operação.
II. O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e como
elemento diferenciador específico a subordinação jurídica do trabalhador.
III. No contrato de prestação de serviço, o devedor/prestador compromete-se à realização ou
obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, direcção de execução ou
sujeição a instruções da outra parte.
131
Jurisprudência
IV. Ante a extrema variabilidade das situações da vida, é reconhecida a dificuldade em
surpreender os elementos que permitem a identificação da subordinação jurídica, noção a
que, se não se chega directamente através do simples método subsuntivo, há-de alcançar-
se com recurso ao denominado método tipológico, sendo, neste âmbito, correntemente
consideradas a integração numa estrutura técnico-laboral, a vinculação a um horário de
trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de
controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da
empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho, a
observância do regime fiscal e da Segurança Social e a prestação da actividade em regime
de exclusividade.
V. Resultando provado que o autor se obrigou, perante a ré, a exercer as funções próprias de
perito de sinistro automóvel, deslocando-se onde havia peritagens para fazer, entregando
e recolhendo os pedidos de serviço da ré, sendo remunerado de acordo com uma tabela
de honorários em função do número de peritagens efectuadas, nada auferindo a título de
férias, subsídio de férias e de Natal, suportando as despesas da sua actividade, emitindo
recibos verdes e desempenhando idêntica actividade para outras entidades seguradoras,
está predominante e seguramente demonstrado que o contrato firmado entre os
litigantes foi realmente um contrato de prestação de serviço.
2. RL 06-02-2013 (José Eduardo Sapateiro), p. 3814/05.1TTLSB.L1 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. Os Autores, na sua qualidade de peritos avaliadores da Ré Seguradora, estabeleceram
uma relação de trabalho subordinado com a mesma, atentos os factos concretamente
provados nos autos, que demonstram a existência de uma situação de subordinação
jurídica por parte dos primeiros relativamente à segunda.
II. Nessa medida, as cartas que a Ré remeteu aos cinco Autores com o propósito de
provocar a cessação da relação profissional que mantinha com os mesmos configura um
132
Jurisprudência
despedimento ilícito por não ter sido precedido do correspondente procedimento
disciplinar nem se ter radicado em justa causa.
III. Os Autores, face a tal despedimento ilícito e dado não terem optado pelo recebimento
da indemnização de antiguidade, têm direito a ser reintegrados sem prejuízo da sua
categoria - perito - e antiguidade, correspondendo as suas remunerações às constantes
das Tabelas Salariais da Regulamentação Coletiva aplicável, a título de ordenado base, a
que acrescem ainda os prémios de antiguidade (formando com aquelas o ordenado
mínimo) e o subsídio de refeição em tal contratação igualmente previsto.
IV. Os Autores têm igualmente direito a receber a compensação prevista no artigo 437.º,
número 1, do Código do Trabalho de 2003, sem prejuízo das deduções constantes dos
números 2 a 4, da mesma disposição legal.
V. A sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 828.º-A, do Código Civil, é aplicável
no âmbito do direito do trabalho, designadamente, como forma de garantir a
reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos.
VI. O tribunal do trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido de
condenação da entidade empregadora no pagamento à Segurança Social das
contribuições devidas a tal entidade por força da relação de trabalho subordinada
estabelecida com os Autores.
VII. A remissão só tem validade e eficácia jurídicas quando o devedor tiver perfeita
consciência e conhecimento do que lhe é devido, quer qualitativa como
quantitativamente, por só assim poder remir voluntária e intencionalmente.
VIII. Os juros de mora devidos ao trabalhador incidem sobre as prestações laborais que lhe
são devidas, desde a data do seu vencimento e na sua expressão pecuniária líquida, isto
é, após a entidade empregadora operar sobre elas as deduções legais a que houver
lugar.
133
Jurisprudência
Professor/a de Natação
1. STJ de 02-05-2007 (Pinto Hespanhol), proc. 06S4368 (contrato de prestação de serviços)
Sumário:
I. O artigo 12.º, do Código do Trabalho, estabelece a presunção de que as partes celebraram
um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados
requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa
presunção, portanto, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após
o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003.
II. Só há presunção da existência de contrato de trabalho se estiverem preenchidos
cumulativamente os requisitos do artigo 12.º, do Código do Trabalho, na sua versão
original, mas faltando qualquer requisito, apesar de não valer essa presunção, pode o
trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de
trabalho.
III. O facto da actividade da autora ser prestada em local definido pela ré não assume relevo
significativo, já que um professor de natação exerce, habitualmente, a sua actividade em
piscinas, não sendo normal que estes profissionais disponham de equipamentos
desportivos próprios onde possam cumprir a prestação de actividade ajustada.
134
Jurisprudência
IV. Por outro lado, a existência de horário para ministrar as aulas não é determinante para a
qualificação do contrato, uma vez que num complexo desportivo destinado ao ensino da
natação, com diversas piscinas, vários professores e múltiplos alunos, em diferentes fases
de aprendizagem, é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem com o
mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos
professores e monitores que aí prestem serviço.
V. Também não é decisivo que o fornecimento do material didáctico utilizado no ensino da
natação competisse à ré, tendo em vista que esses materiais existem em qualquer piscina,
cumprindo diferentes finalidades operacionais.
VI. Tendo a autora a possibilidade de se fazer substituir na execução da prestação, tal
faculdade significa que as partes contrataram a produção de um determinado resultado
(ministrar aulas de natação aos utentes da piscina da ré), sendo certo que tal possibilidade
de substituição «é manifestamente incompatível com a existência e cumprimento de um
contrato de trabalho, atento o carácter intuitu personae deste contrato e a natureza
infungível da prestação laboral».
VII. Aliás, no exercício das suas funções, a autora apenas recebia «directivas técnicas da ré,
relativas ao funcionamento e procedimento nas aulas, e às formas de conduta, orientação
e esquemas de aulas», o que não basta para concluir que o beneficiário da actividade
orientava a sua prestação, reflectindo antes a exigência de «uma certa conformação ou
qualidade no resultado (aulas)» e a necessidade de «harmonização pedagógica».
2. RL de 11-10-2006 (Ferreira Marques), proc. 1989/05.9TTLSB (contrato de trabalho)
Sumário:
I. O núcleo irredutível do contrato de trabalho traduz-se numa relação de poder
juridicamente regulada; no poder do beneficiário da prestação de trabalho de programar a
atividade do devedor e definir como, quando, onde e com que meios a deve executar; no
135
Jurisprudência
poder de a entidade empregadora orientar, através de ordens, diretivas e instruções, a
prestação a que o trabalhador se obrigou, fiscalizando a sua atuação.
II. Ultimamente, tem vindo a assistir-se a uma progressiva flexibilização da subordinação
jurídica, em termos de a considerar compatível com uma grande, ou mesmo completa,
autonomia técnica, reduzindo as suas manifestações a aspetos externos à própria
prestação de trabalho, embora com ela conexos.
III. Relativamente às funções de monitora de natação que a A. desempenhou, verifica-se que
os elementos indiciadores da existência de uma relação juridicamente subordinada, além
de muito mais numerosos, mostram-se bastante mais relevantes e consistentes do que os
que apontam para verificação de uma prestação de serviços.
Nota: Sumário da responsabilidade dos organizadores do e-book
Professor/a de Educação Física
1. STJ de 28-06-2006 (Sousa Peixoto), proc. 06S900 (contrato de prestação de serviços)
Sumário:
I. Não configura um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviço,
aquele que tem por objecto a docência de aulas de educação física, durante dez meses no
ano (de Setembro a Junho), mediante a celebração de contratos denominados de
136
Jurisprudência
prestação de serviços, se não estiver directa ou indiciariamente provado que a actividade
do autor era exercida de modo subordinado.
II. A prestação da actividade em local indicado pelo réu, a vinculação a horário de trabalho e
o pagamento de uma retribuição em função do tempo constituem indícios no sentido da
subordinação jurídica.
III. Todavia, estando em causa a actividade docente, o valor desses indícios é praticamente
nulo e não permitem, só por si, concluir no sentido da subordinação.
IV. Mas, se dúvidas houvesse, elas ficariam anuladas face à restante matéria de facto
provada, nomeadamente o ter sido dado como provado: a) que era o autor quem
planeava, programava, orientava e avaliava o trabalho das respectivas classes e que só
periodicamente (trimestral ou semestralmente) reunia com o coordenador geral, a fim de
ser informado dos objectivos que o réu pretendia atingir na próxima temporada e a fim de
se analisarem os resultados atingidos pelos praticantes; b) que o autor nunca recebeu
férias, subsídio de férias e de Natal; c) que o autor estava colectado nas finanças e emitia
"recibos verdes".
V. E ainda pelo facto de não haver notícia de qualquer protesto ou reclamação por parte do
autor, durante os 15 anos em que trabalhou para o réu.
2. STJ de 26-04-2012 (Gonçalves Rocha), proc. 4852/08.8TTLSB.L1.S1 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. Estando em causa a qualificação duma relação jurídica estabelecida entre as partes e que
vigorou desde Janeiro de 2000 a Dezembro de 2007, e não se extraindo da factualidade
apurada que as partes tivessem alterado o modo de execução do contrato a partir de 01-
12-2003, tal qualificação tem de ser efectuada à luz do regime jurídico do contrato
individual de trabalho, anexo ao Decreto- Lei n° 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
II. É de qualificar o contrato celebrado entre as partes como contrato de trabalho se desde
logo elas assim o denominaram no documento escrito que assinaram, sendo clausulado
137
Jurisprudência
ainda que a trabalhadora exerceria as suas funções de professora de dança do grupo de
trabalho de ginástica rítmica sujeita às ordens e direcção da R.
Professor/a universitário/a
1. STJ de 22-04-2012 (Pinto Hespanhol), proc. 2130/06.6TTLSB.S1 (contrato de prestação de
serviços)
Sumário:
I. O autor, no âmbito da atividade profissional de docente do ensino superior desenvolvida
em favor do réu, possuía um levado grau de autonomia, combinando livremente com os
doutorandos as respetivas sessões de orientação, sem dias e horas previamente
estabelecidos e em locais escolhidos por ele e cada doutorando, definindo, além disso, o
conteúdo das sessões de orientação dos cursos de mestrado que ministrava, em
articulação com os mestrandos que as frequentavam, o que só pode significar que não
estava sujeito ao controlo e fiscalização do réu, interessando a este apenas a produção de
um determinado resultado (a orientação das teses de mestrado e de doutoramento) e
não a atividade do autor.
II. Embora o desempenho de tarefas para mais do que uma entidade empregadora não
obste à qualificação dos diversos contratos firmados como contratos de trabalho, o facto
138
Jurisprudência
de para uma delas as funções serem desenvolvidas em tempo completo, com a
consequente limitação da disponibilidade do tempo do trabalhador, determina que esta
ausência de exclusividade torna menos verosímil a manutenção de relações de
subordinação em relação a uma outra entidade relativamente à qual o trabalhador venha
a vincular-se em período pós- laboral.
III. Atendendo ao conjunto dos factos provados, conclui-se que o autor não fez prova, como
lhe competia, de que a relação contratual que vigorou entre as partes revestia a natureza
de contrato de trabalho.
Nota: Sumário da responsabilidade dos organizadores do e-book
2. STJ de 04-05-2011 (Fernandes da Silva), proc. 10/11.2YFLSB (contrato de trabalho)
Sumário:
I. Embora o legislador reconheça a necessidade de criar um regime especial de contratação
do pessoal docente para o ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou
cooperativo (cfr. Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro), a contratação de docentes pode
efectuar-se entretanto através dos típicos contrato de trabalho ou contrato de prestação
de serviço, de acordo com a vontade, necessidades e/ou interesses das partes.
II. A identificação da matriz diferenciadora do contrato de trabalho relativamente aos demais
vínculos contratuais próximos (a subordinação jurídica), faz-se, quando não seja
139
Jurisprudência
imediatamente alcançável através do método subsuntivo, com recurso ao chamado
método tipológico, conferindo, casuística e globalmente, os índices relacionais disponíveis.
III. O art. 318.º, do Código do Trabalho/2003, consagra uma noção ampla de
‘empresa/estabelecimento’, abarcando a transmissão da respectiva titularidade, a
qualquer título, conquanto que a mesma, enquanto unidade económica, mantenha a sua
operacionalidade e identidade.
IV. A actividade prosseguida, pressuposta no escopo da unidade económica (o conjunto de
meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou
acessória – n.º 4, do art. 318.º) não tem que visar necessariamente fins lucrativos.
Docente de escola profissional
1. STJ de 16-03-2005 (Sousa Peixoto), proc. 04S4754 (contrato de prestação de serviços)
Sumário:
1. Não é de qualificar como contrato de trabalho, mas sim como contrato de prestação de
serviços, a relação jurídica estabelecida entre um professor e uma Escola Profissional de
Música, se aquele estava colectado nas finanças como profissional liberal, se estava
inscrito na segurança social como trabalhador independente, se dava quitação das
importâncias recebidas através do chamado "recibo verde", se não tinha que justificar as
faltas, se não gozava férias nem recebia subsídio de férias nem de Natal, se a retribuição
lhe era paga em função do número de aulas lectivas efectivamente dadas, se
simultaneamente prestava idêntico serviço a outra entidade, se havia contratos escritos
que as partes haviam denominado de "contratos de prestação de serviços", se o número
de aulas semanais era reduzido (entre 6 e 10) e podia ser alterado pela Escola em função
do número de alunos inscritos e se, contrariamente ao alegado por ele, não ficou provado
que estivesse sujeito a um horário de trabalho unilateralmente fixado pela Escola.
2. A eventual nulidade do contrato de prestação de serviços, pelo facto de a lei não admitir a
140
Jurisprudência
celebração desse tipo de contratos pelas Escolas Profissionais de Música privadas não
determina a sua conversão em contratos de trabalho.
3. Em caso de dúvida acerca da natureza do contrato, a acção proposta pelo trabalhador, em
que a causa de pedir é a existência de um contrato de trabalho, terá de improceder, dado
que sobre ele recaía o ónus de provar os factos dos quais se pudesse concluir com
segurança sobre a existência do referido contrato
2. STJ de 18-09-2013 (Isabel S. Marcos), proc. 2775/07.7TTLSB.L1.S1 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. A presunção de laboralidade [que, estabelecida no artigo 12.º, do Código do Trabalho de
2003, alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, deriva do pressuposto de que as
partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de
cinco requisitos – os previstos nas alíneas a) a e) do mesmo normativo –, o que traduz
uma valoração dos factos que importam essa presunção] só se aplica aos factos novos, às
relações jurídicas iniciadas ou constituídas após a entrada em vigor do Código do Trabalho
de 2003.
II. Assim, para efeitos de qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre Setembro
de 1999 e Novembro de 2006 há que recorrer ao regime jurídico do contrato individual de
trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, se se não prova
que, depois de 1 de Dezembro de 2003, tenha existido uma modificação essencial na
configuração dessa relação jurídica.
III. Sendo o contrato de prestação de serviço uma figura próxima do contrato de trabalho,
tem constituído entendimento da doutrina e da jurisprudência que o elemento
caracterizador do último é a subordinação jurídica, isto é, na sujeição em que se encontra
o trabalhador de ver concretizada, por simples vontade do empregador, numa ou noutra
direcção, o dever de prestar em que está incurso.
141
Jurisprudência
IV. Resultando provado que o autor desenvolvia a sua actividade nas instalações da ré, que,
com a participação e colaboração de docentes e formadores, definia os conteúdos e
objectivos, bem como as horas e o conteúdo de cada disciplina, utilizava o material que a
ré lhe fornecia, cumpria um horário de trabalho estabelecido pela ré, que controlava a sua
assiduidade, e estava inserido na estrutura organizativa da empresa e submetido à sua
autoridade e direcção, está suficientemente demonstrado, num juízo de ponderação
global dos indícios, a existência de um vínculo de natureza jus-laboral.
V. O autor não incorre no uso ilegítimo do direito, por abusivo, se, em face da matéria de
facto provada, não resulta possível concluir que desenvolveu uma qualquer actuação que,
objectivamente considerada, represente uma patente e manifesta ofensa das regras da
boa fé, dos bons costumes ou do fim social e económico do seu direito, consistente em
reclamar os créditos emergentes da relação de trabalho subordinado, que manteve com a
ré e, com respeito à qual, não consta que o autor, de modo expresso ou tácito, houvesse
criado a convicção de que, no futuro, não iria exercer os direitos que, porventura, lhe
coubessem para daí retirar as consequentes vantagens jurídicas.
142
Jurisprudência
Vendedor/a - Comissionista
1. STJ de 31-01-2012 (Gonçalves Rocha), proc. 121/04.0TTSNT.L1.S1 (conclui não ter sido
demonstrada a subordinação jurídica)
Sumário:
I. A qualificação de uma relação jurídica que haja vigorado no período compreendido entre
Janeiro de 2002 e Fevereiro de 2003 tem que ser equacionada à luz do Regime Jurídico do
Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de
1969.
II. O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga a prestar a outra a sua
actividade, intelectual ou manual, sob a autoridade e directa desta e mediante retribuição.
III. O contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a
proporcionar a outra o resultado da sua actividade, com ou sem retribuição.
IV. A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois
elementos essenciais: no objecto do contrato (prestação de actividade no primeiro;
obtenção de um resultado no segundo); e no tipo de relacionamento entre as partes
(subordinação jurídica no primeiro; autonomia no segundo).
V. Todavia, e porque a distinção entre os dois tipos contratuais assume, em certas situações
da vida real, grande complexidade, é comum o recurso ao chamado método indiciário ou
de aproximação tipológica, constituindo indícios de subordinação a vinculação a um
horário de trabalho, a execução da prestação em local pelo empregador, a existência de
controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da
empresa, a modalidade da retribuição, a propriedade dos instrumentos de trabalho e a
observância dos regimes fiscais e de segurança social próprios do trabalho por conta de
outrem.
VI. Tomados de per se, estes elementos revestem-se, contudo, de patente relatividade,
impondo-se, assim, fazer um juízo de globalidade com vista à caracterização do contrato,
não existindo nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos vários
índices, desde logo porque cada um deles pode assumir um valor significante muito
diverso de caso para caso.
VII. Incumbe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de
trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade sob autoridade e direcção do
beneficiário dessa actividade, demonstrando que se integrou na estrutura organizativa do
empregador (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
143
Jurisprudência
VIII. Resultando provado que o autor, na execução da actividade a que se obrigou por força do
vínculo contratual celebrado com a ré, foi sempre livre de visitar os clientes que quisesse,
quando e no momento que entendesse, não controlando a ré o tempo por si despendido
no seu desempenho, nem os dias de trabalho, nem as horas de entrada e de saída ou os
intervalos, utilizando para tal o seu veículo próprio, e que auferiu, em contrapartida da sua
actividade, apenas comissões, doze meses no ano, não pode tal vínculo ser caracterizado
como laboral.
2. STJ de 22-03-2007 (Fernandes Cadilha), proc. 07S0042 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. A força probatória plena do documento que titula um contrato de prestação de serviços,
fixada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, n.º 1, e 376º, n.ºs 1 e 2, do
Código Civil, por não ter sido impugnada a veracidade da letra e da assinatura, apenas
evidencia a conformidade da vontade declarada das partes, e não impede que o autor
alegue e prove que o contrato foi executado em termos divergentes, de modo a poder
atribuir-se-lhe a qualificação jurídica de contrato de trabalho subordinado;
II. Também nada obsta, nesse contexto, a que seja admitida a prova testemunhal, visto que
esta se reporta, não ao conteúdo do documento com força probatória plena, mas ao
modo como se processou, na prática, a execução do contrato, não ocorrendo, nessa
hipótese, qualquer violação ao disposto no artigo 394º, n.º 1, do Código Civil;
III. É de qualificar como contrato de trabalho o contrato celebrado por uma empresa de
comercialização de veículos automóveis para o desempenho de funções de
vendedor/comissionista, quando se constata que o trabalhador contratado tinha de se
apresentar num determinado local de trabalho com sujeição a um horário, integrava as
escalas de serviço rotativo com outros vendedores, elaborava relatórios sobre a actividade
de prospecção e obedecia a instruções de serviço, utilizava um veículo da entidade
empregadora para uso profissional, sendo esta que suportava até determinado limite as
144
Jurisprudência
despesas com combustível, tinha direito ao gozo de férias e devia comunicar as faltas
dadas ao serviço.
Operador/a - Supervisor/a de telemarketing
1. RC 21-10-2004 (Serra Leitão), proc. 2255/04 (conclui não ter sido demonstrada a
subordinação jurídica)
Sumário:
Compete ao autor o ónus de alegação e de prova da facticidade conducente à demonstração
da existência de um contrato de trabalho.
2. RL 15-12-2011 (Maria João Romba), proc. 2233/09.5TTLSB-L1-4 (contrato de trabalho)
Sumário:
A prestação de actividade profissional remunerada a outrem no desempenho das funções de
coordenar e dar apoio a uma equipa de vendedores, apesar de desacompanhada de outros
indícios é bastante para afirmar a existência de uma relação de trabalho na medida em que,
para coordenar uma equipa de trabalho, é indispensável estar inserido numa estrutura de
poder, numa cadeia hierárquica, receber e transmitir orientações, em suma, implica
subordinação jurídica.
145
Jurisprudência
Mecânico/a de automóveis/”bate-chapas”
1. STJ 08-05-2012 (Fernandes da Silva), proc. 539/09.2TTALM.L1.S1 (contrato de prestação de
serviços)
Sumário:
I. O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço distinguem-se basicamente
pelo objecto e pelo tipo de relacionamento entre as partes. Enquanto no primeiro se
contrata a actividade subordinada, no segundo visa-se a prossecução de um determinado
resultado, em regime de autonomia.
II. Perante a dificuldade probatória na identificação dos elementos de facto que integram a
subordinação jurídica – versus domínio do empregador/poder de conformação da
prestação, orientação, direcção e fiscalização da actividade laboral em si mesma, com o
correspondente poder disciplinar – a respectiva despistagem faz-se pelo método
tipológico, deduzindo-se a qualificação que se demanda dos factos indiciários, em juízo de
aproximação global.
III. Não tendo o A. logrado fazer a prova, com segurança bastante, de que estivesse sob as
ordens, direcção e fiscalização da R. – antes se demonstrando que a sua actividade era
paga em função do número de horas prestadas, em montantes mensais variáveis,
mediante a quitação através da emissão de ‘recibos verdes’, sem obrigação de
pontualidade ou assiduidade, com ferramentas próprias, sendo que a sua actividade, em
termos de controlo, dependia do resultado final, rejeitado pelo encarregado geral da R.
apenas se fosse devida correcção – é de concluir que não vigorou entre as partes uma
relação jurídica de trabalho.
146
Jurisprudência
Abastecedor/a de combustíveis
1. RP 09-09-2013 (Maria José Costa Pinto), proc. 260/07.6TTVLR.P1 (contrato de prestação de
serviços)
Sumário:
I. Deve expurgar-se da matéria de facto a referência conclusiva à caracterização das funções
exercidas por remissão para o descritivo de uma categoria profissional institucionalizada,
se está em causa a classificação profissional do trabalhador e este formula um pedido de
diferenças salariais por entender que auferiu uma retribuição inferior à estabelecida no
instrumento de regulamentação colectiva para aquela categoria.
II. Recai sobre o trabalhador que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de
trabalho, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos
elementos constitutivos de tal figura contratual.
III. Caso não funcione a presunção de laboralidade prevista na lei, por não preenchimento de
algum dos requisitos cumulativos enunciados em 2003, pode o trabalhador provar que
estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho tal como o mesmo
se mostra definido no preceito que o define, caso demonstre factos que os integrem ou
que constituam índice relevante da sua verificação.
IV. Não se provando uma forma de direcção e definição concreta do conteúdo da actividade
prestada pelo A., nem que a R. exercesse sobre o mesmo um poder de disciplina e
conformação da actividade, sequer fixando os limites temporais do seu exercício, e sendo
a remuneração fixada exclusivamente em função das vendas e apurada e paga pelo
próprio A., interessando à R., apenas, um resultado – a laboração do seu posto de
abastecimento de combustíveis no respectivo horário de funcionamento,
independentemente da circunstância de o A. ali se encontrar concretamente a exercer
funções, pois que podia fazer-se substituir por outrem –, não se divisam os contornos da
subordinação jurídica inerente à vinculação laboral, apesar de o A. desenvolver as suas
funções exclusivamente para a R. no período em causa.
147
Jurisprudência
Ministro/a de culto
1. RL de 15-02-2012 (Leopoldo Soares), proc. 550/10.0TTFUN.L1-4 (contrato de trabalho)
Sumário:
I. Litiga em abuso de direito a entidade patronal que despede trabalhador no termo de
processo disciplinar, em que , mais que não seja de forma implícita, admite a existência de
um contrato de trabalho entre ambos e depois em sede de acção vem sustentar a
inexistência e ilegalidade desse contrato, sendo que a consequência desse “venire contra
factum proprium” é a inalegabilidade dessa argumentação.
II. No âmbito do CT/2009 para se poder invocar validamente a justa causa de despedimento
continua a ser necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a. comportamento culposo do trabalhador;
b. a impossibilidade de subsistência da relação laboral;
c. a relação de causalidade entre aquele comportamento e a referida impossibilidade.
2. STJ de 16-06-2004 (Fernandes Cadilha), proc. 04S276 (inexistência de relação contratual)
Sumário:
I. Os diversos elementos que, segundo critérios de normalidade, poderiam apontar para a
existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado, fazendo prevalecer essa
qualificação sobre modalidades de contrato afins (retribuição, regime fiscal e de segurança
social, vinculação a horário de trabalho e execução da prestação de trabalho em certo
local), não tem qualquer valor indicativo quando se constate que as partes não quiseram
estabelecer entre si qualquer relação de tipo contratual.
148
Jurisprudência
II. Está nesse caso, o ministro do culto de uma associação religiosa que aceitou exercer o seu
ministério de acordo com os fins religiosos que lhes são propostos pela respectiva
confissão, integrando-se na sua estrutura organizativa, e cujos elementos de vinculação no
exercício da actividade derivam de um regime estatutário, e não de uma relação
contratual.
1. Cour de Cassation (França) nº 1159, 03-06-2009 (contrato de trabalho)
PARTICIPAÇÃO EM “REALITY SHOW”
Título: Trabalho Subordinado e Trabalho
Autónomo: Presunção Legal e Método Indiciário
(2.ª edição)
Ano de Publicação: 2016
ISBN: 978-989-8815-25-5
Série: Formação Inicial
Edição: Centro de Estudos Judiciários
Largo do Limoeiro
1149-048 Lisboa
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Processo no 3/12.2TTPDL.L1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
Adélia Garcia Santos Lemos, casada, residente na Rua das Hortências, n° 20, Bairro da
Nordela, 9500-667, Ponta Delgada, propôs contra Fundação Pia Diocesana do Bom Jesus,
com sede e instalações na Avenida Príncipe do Mónaco, 9500-237, em Ponta Delgada, a
presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário emergente de
contrato individual de trabalho, pedindo que esta seja julgada procedente e que, em
consequência:
-Seja declarado que, entre autora e ré, desde Outubro de 1999, vigorou um contrato de
trabalho e que a autora foi despedida ilicitamente;
- A ré seja condenada a pagar à autora a importância de € 34.357,44 pelas invocadas
proveniências (indemnização no valor de € 13.800,48, férias e subsídios de férias e de Natal
dos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, no valor de € 3.450,12, por cada um desses anos
e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal (11,5meses) do ano da cessação do
contrato), no valor de € 3.306,36 e nas remunerações que deixou de auferir a calcular na data
da sentença ou em execução desta, acrescidas dos proporcionais de férias e subsídios de férias
e de natal em cada mês; e
-A ré seja condenada no pagamento de juros de mora que à taxa legal se vencerem a
contar da citação, até integral e efectivo pagamento.
Para tanto e, em suma, alegou que, entre a autora, enfermeira e a ré, pessoa colectiva
que explora o estabelecimento de saúde que gira sob a designação de Clínica do Bom Jesus,
onde ministra cuidados de saúde a pacientes, inclusive em regime de internamento,
funcionando durante 24 horas por dia, vigorou, desde Outubro de 1999, um contrato de
trabalho, tendo sido despedida, em Dezembro de 2011, através de carta com aviso de recepção
que lhe foi enviada pela Ré, datada de 13 de Dezembro, sendo que tal despedimento não foi
precedido de processo disciplinar, sendo, por isso, ilícito.
Acrescentou que a ré não lhe pagou os proporcionais de férias, subsídio de férias e de
Rua do Arsena!, Letra G, 1100·038 Lisbo;; · Teie1one: 21 322 29 00 . Fax: 21 JF 98 44
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA natal devidos pelo trabalho desenvolvido no ano da cessação do contrato e que pelo
despedimento ilícito de que foi alvo, são-lhe devidas as quantias que peticiona.
Teve lugar a audiência de partes, gorando-se a tentativa de conciliação.
Notificada a ré para contestar veio fazê-lo invocando, em resumo, que a autora sempre
exerceu as suas funções com plena autonomia técnica e de forma autónoma, sem qualquer
subordinação, direcção ou fiscalização da ré, tendo, contrariamente ao alegado, celebrado um
contrato de prestação de serviços, razão pela qual não se verificou qualquer despedimento
ilícito e não são devidas à autora as quantias que reclama.
Pediu, a final, a sua absolvição do pedido.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar e proferido despacho saneador,
tendo, ainda, sido dispensada a fixação da base instrutória.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo,
conforme decorre das actas que antecedem.
Foi proferido o despacho que fixou a matéria de facto provada que não sofreu
reclamação.
A sentença decidiu nos seguintes termos:
"Destarte e por todo o exposto julgo a presente acção totalmente improcedente, dela
consequentemente absolvendo a ré.
Condeno a autora no pagamento das custas da acção.
Registe e notifique".
Inconformada, a autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
I- Resultando da matéria de facto provada a demonstração de todos os factos índices
previstos no artigo 12° do Código do Trabalho, em situação que se prende com a qualificação
de determinada relação de facto concertada entre Recorrente e Recorrida, da apreciação
conjunta de tais circunstâncias é forçoso concluir estar-se em presença de uma relação jurídica
laboral e já não que a vontade das partes foi celebrar um contrato de prestação de serviços, por
ser isso que a ré quis, por a autora ter aceite contrato igual ao dos enfermeiros que já
prestavam serviço para a ré (sem que haja prova de qual fosse aquela vontade e se desconheça
o contrato dos demais enfermeiros), quando como índice indicador a fazer parecer que a
actividade de enfermeira desenvolvida pela autora é autónoma apenas se provou a
circunstância de emitir recibo verde da remuneração por ela recebida.
II- Ao julgar verificados os índices de facto que doutrina e jurisprudência e a lei (agora
constituída) fazem presumir a existência de contrato de trabalho, por em determinada relação
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA se descortinar a existência de subordinação jurídica, vincada, diga-se, mas ao decidir que a
vontade das partes foi celebrar um contrato de prestação de serviços por alegadamente ter sido
isso que a Recorrida quis e a Recorrente aceitou, sem que estas duas afirmações encontrem
sequer eco na matéria de facto exposta, a sentença enferma do vício de nulidade
consubstanciado na oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, sendo nula.
III- Descortinar e descobrir se numa determinada relação jurídica está patente ou existe
subordinação jurídica, ao cabo e ao fim conduz a descobrir qual tenha sido a vontade real das
partes à celebração - quantas vezes esta é expressada num qualquer nomen juris que nada tem
a ver com a realidade prática - pelo que a vontade das partes não passa de mais um facto
índice para aferir da existência ou inexistência daquela, entre outros, como o são,
nomeadamente, o local de trabalho, o horário de trabalho, as ordens do empregador, o modo
da prestação de trabalho, a integração na organização do empregador, a forma de retribuição, a
propriedade dos instrumentos, etecetera ( ... ).
IV- A recorrida é uma pessoa colectiva que explora uma clínica onde presta cuidados
de saúde necessitando permanentemente de ter ao seu serviço profissionais de saúde,
nomeadamente de enfermagem e a autora é enfermeira diplomada, uma vez que a Clínica está
aberta 24 horas (als.a), b) e c) da Factualidade Assente, à frente só FA.
V- Em 1989 a autora apresentou-se na Clínica Ré, à enfermeira que então coordenava
os serviços de enfermagem, a quem mostrou disponibilidade para ali prestar serviços, tendo
vindo a ser admitida pelo então director da Clínica, em 15 de Dezembro de 1989 para exercer
funções no âmbito dos serviços de enfermagem da ré que fazem parte da sua estrutura interna
e funcionam sob enquadramento hierárquico, ou seja, existe uma enfermeira chefe que
coordenava os serviços de enfermagem (alínea d) da F A); que organizava os horários e escalas
de turno a cumprir pela autora, de acordo com as necessidades de serviço (al.f) e g) da F A);
estabelecia o tipo e duração dos turnos, indicava o local onde a actividade era desenvolvida
(alíneas i) e j) da FA); que autorizava mudanças de turnos e controlava o trabalho
desenvolvido pelas equipas de enfermagem, visava os registos de presenças em folhas
próprias (Alíneas k), o) e p) da FA);
VI- A autora desempenhava as suas funções, se bem que tecnicamente de forma
autónoma, de acordo com o plano e supervisão da enfermeira chefe e de acordo com as
orientações e directivas da enfermeira chefe e da direcção da clínica da Ré, a quem as
enfermeiras deviam respeito e obediência nas directivas por ela dimanadas (alíneas 1) em) da
FA).
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA VII- A actividade da autora encontra-se inserida na prestação de cuidados de saúde
permanentes (24horas de funcionamento diário) da recorrida, a qual necessita
permanentemente de ter ao seu serviço profissionais de saúde (alínea c) da FA).
VIII- A ré na sua contestação confessou e a autora aceitou expressamente (vide acta de
sessão de dia 19 de Abril de 2012) relativamente ao documento de troca de turnos juntos com
a PI que tal documento de troca de turnos, visa somente a regularização e organização dos
serviços internos que são da competência da Ré; que as organizações organizativas de
conciliação de horários, de alocação de recursos que à ré compete fazer, nomeadamente
através da enfermeira chefe"; E que, o documento 5 junto da PI titulado de norma interna que
se reporta a simples orientações de trabalho.
IX- A autora cumpria um horário, em documento que tinha referenciada a aplicação de
irct para a Hospitalização privada (alínea v) da FA) estipulado em escala de serviço
organizada pela enfermeira chefe, de acordo com as necessidades de serviço da ré, registando
as horas de entrada e saída em folha própria disponibilizada pela ré e visada pela enfermeira
chefe (Alíneas g) e p) da F A) e a actividade era desenvolvida pela autora em instalações da ré
com instrumentos e meios a esta pertencente (Alínea q) da F A).
X- Os serviços prestados pela autora eram pagos de acordo com a tabela anualmente
actualizada constante de instrumento de regulamentação colectiva aplicável aos serviços
hospitalares do sector privado, em função do valor hora (Alíneas r), u) da FA);
XI- A ré tinha organizados os serviços de enfermagem numa estrutura hierarquizada,
pela existência de uma enfermeira Chefe a quem competia implementar as directivas, sendo
lhe devidos respeito e obediência, coordenar os serviços de enfermagem e que controlava o
trabalho desenvolvido pelas equipas de enfermagem (alíneas f), m) e o) da FA).
XII- A ré nunca concedeu à autora períodos de férias e nem lhe pagou as férias e
subsídios de férias ( als.s) da F A).
XIII- Por carta registada com aviso de recepção datada de 13 de Dezembro de 2011, a
ré informou a autora que a partir do dia 13 de Dezembro prescindia dos serviços que ela vinha
prestando à ré, agradecendo a prestimosa colaboração (al.w) da FA) o mesmo acontecendo
com outras duas enfermeiras (al.y) da FA).
XIV- No dia 20 de Dezembro de 2011 iniciaram funções para a ré três novas
enfermeiras (al.z da FA).
XV- A análise e juízos críticos dos documentos juntos aos autos, quais sejam mapas de
horário de trabalho, folhas de registo de presenças, documento de autorização para mudança
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA ou troca de turnos, "Nota Interna", em que se informam os enfermeiros que devem obediência
e respeito à enfermeira chefe nas directivas que a mesma tem de implementar, que mais não é
do que simples orientações de trabalho, no dizer da ré, conduzem à alteração da matéria de
facto dada por provada no tocante ao conteúdo e redacção das alíneas f), g), i), o) e k) e para a
redacção aqui proposta, no sentido de que tais documentos evidenciam identidade com o
disposto na lei laboral em matéria de organização de tempos e duração de trabalho, em
matéria de elaboração de mapas de horários de pessoal, controlo de trabalho prestado e
registos de presenças, a própria submissão ao cumprimento de ordens e orientações, institutos
todos eles atinentes ao regime duma relação jurídica laboral.
XVI- Relevam como confissão factos expressamente admitidos pela autora, que do
articulado da contestação revelem e indiciam a existência de subordinação jurídica não
podendo os mesmos não constar da matéria de facto provada.
XVII- Da matéria de facto provada ressalta que a Recorrente foi admitida para exercer
uma actividade, mediante retribuição, para a ré, no âmbito da organização e sob autoridade
desta.
XVIII- Para além da autonomia técnica, de passar recibos verdes pela remuneração que
recebia e exercer também funções públicas como enfermeira, não se provou que houvesse
outro tipo de autonomia no desenvolvimento da actividade da autora ao serviço da ré.
XIX- Antes pelo contrário até se provou que na actividade por si desenvolvida a autora
estava sujeita ao cumprimento de orientações e directivas a que devia obediência, como estava
sujeita à coordenação e controlo de uma estrutura hierárquica - a enfermeira Chefe e a
Direcção da Clínica.
XX- Mesmo recorrendo aos factos-índice que a doutrina, a jurisprudência e o artigo
12° do Código do Trabalho consideram auxiliares decisivos de caracterização e presunção, ou
não, do contrato como de trabalho, não pode ser outra a decisão que não seja a de considerar
como laboral a relação existente entre a Recorrente e Recorrida.
XXI- O local de trabalho, os utensílios e meios para exercício da actividade eram
fornecidos pela Ré; a retribuição paga à autora era-o sempre em função do tempo de trabalho
desenvolvido e nunca em função da sua quantidade, aliás se prestado o trabalho em
determinadas circunstâncias, de noite, em dia de descanso semanal, sábado, domingo ou
feriado, era especialmente remunerado e sempre foi actualizado em função das actualizações
verificadas em irct específico (Hospitalização privada);
XXII- Havia realmente um horário de trabalho organizado e determinado pela ré a
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA despeito do mesmo ser organizado de acordo com as disponibilidades pré-conhecidas da
autora, mas sempre de acordo com as necessidades permanentes da ré.
XXIII- Não se provou, a despeito de a Recorrente exercer funções públicas para outra
entidade e passar recibo verde, que de alguma forma respondesse individualmente por um
determinado resultado da actividade que desenvolvia, antes se evidencia que o modo, tempo e
circunstâncias em que a mesma era desenvolvida pela Recorrente eram determinados pela ré e
sob orientação e controlo de uma responsável.
XXIV- Ao não entender assim, a sentença recorrida viola o artigo 1° do Dec-Lei n° 49
408, de 25 de Novembro (Lei aplicável à formação do contrato) e bem assim o disposto nos
artigos 11° e 12° do Código do Trabalho e por extensão, o artigo 349° do CC.
XXV- Pelo que a recorrente não só tem direito ao pedido formulado em função da
média de retribuições constantes da al.t) da F A, em matéria de férias e subsídios relativos aos
últimos cinco anos de contrato, bem assim à indemnização por despedimento ilícito em
função da sua antiguidade e nos termos peticionados e bem assim ainda às retribuições
vencidas e vincendas até trânsito, calculadas estas com os acréscimos de proporcionais de
férias e subsídios devidos.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, assim, que a sentença seja
considerada nula por enfermar do vício previsto na alínea c) do n° 2 do artigo 668° do CPC,
que seja julgada procedente a impugnação da matéria de facto exposta e se proceda à
qualificação do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida como contrato de trabalho,
com as legais consequências, revogando-se, assim, a sentença recorrida.
A Recorrida apresentou contra alegações pugnando pela inexistência da alegada
nulidade da sentença e para que esta seja mantida.
O recurso foi admitido no modo e com o efeito adequados.
O Mm0 juiz do tribunal a quo pronunciou-se sobre a invocada nulidade no sentido que
esta não se verifica e mantendo na íntegra a decisão.
Recebidos os autos neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta lavrou parecer
no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.
Notificadas as partes do dito parecer, respondeu a recorrente nos termos de fls. 245 a
24 7 que se dão por reproduzidos e concluindo em conformidade com as alegações
anteriormente produzidas, tendo ainda juntado documentos para prova da existência de
subordinação jurídica nas relações estabelecidas entre a Recorrida e as enfermeiras ao seu
serviço.
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~-.:2 TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
OBJECTO DO RECURSO
É sabido que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente
nas conclusões das suas alegações (arts.684° n° 3 e 685°-A do CPC, ex vi do n° 1 do artigo 87°
do CPT), sem prejuízo do conhecimento das questões que são de conhecimento oficioso
(art.660° n° 2 do CPC).
Nos presentes autos não existem questões que devam ser apreciadas oficiosamente.
E as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são:
1 a_ Se a sentença enferma da alegada nulidade ( al.c) do n° 1 do artigo 668° do CPC).
2°- Da impugnação da matéria de facto provada
3a_ Da qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida
(contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços).
4a_ Caso se apure da existência de um contrato de trabalho, quais as consequências
resultantes da sua cessação, nos termos em que o foi.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
a) A Autora é enfermeira diplomada.
b) A ré é uma pessoa colectiva que explora a Clínica do Bom Jesus, em Ponta
Delgada, onde presta cuidados de saúde a pacientes que o solicitem, incluindo internamentos.
Nos seus estatutos consta que a ré tem por escopo «a prestação de serviços gratuitos ou
remunerados em regime de porcionismo, de acordo com a situação económica dos utentes».
c) Para tanto necessita permanentemente de ter ao seu serviço profissionais de saúde,
nomeadamente de enfermagem, uma vez que a Clínica está aberta 24horas por dia.
d) Em 1990, a autora apresentou-se na Clínica da Ré, à enfermeira que então
coordenava os serviços de enfermagem, a quem mostrou disponibilidade para ali prestar
serviços. Por indicação desta a autora reuniu com o então director da Clínica, que a admitiu ao
serviço, nas mesmas condições em que os demais enfermeiros, incluindo a enfermeira Zita, ali
prestavam serviços.
e) No desempenho das suas funções a autora passou a executar, entre outras, as
seguintes tarefas: pensos, preparação e administração de terapêutica endovenosa,
intramuscular, oral, subcutânea, aerosol, terapia, oxigenoterapia; alimentação por gavagem e
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA intérica; avaliação de sinais vitais como a pressão arterial. Pulso, respiração, glicemia capilar,
temperatura, controlo de volumes urinários, algaliações, entubações nasogástricas, registo e
diário terapêuticos, alterações terapêuticas de acordo com as prescrições clínicas, aspiração de
secreções, colheitas de sangue, acompanhamento do médico nas visitas aos doentes,
tratamento de puérperas, recém - nascidos e intervencionados clinicamente, etc.
f) A escala de serviço que a autora cumpria na Clínica era organizada pela enfermeira
chefe, na sequência da manifestação de disponibilidade daquela, por escrito, no mês
imediatamente anterior. A escala de serviço dos enfermeiros era então afixada em folha
própria e no placard habitual.
g) A ré organizava os turnos de acordo com as necessidades de serviço da Clínica, de
modo a assegurar permanentemente os serviços de enfermagem que ali se prestam aos utentes.
h) Até se reformar da função pública em 28.02.2006, a autora trabalhava também
como enfermeira no Hospital de Ponta Delgada, onde tinha um horário regular.
i) A ré estabeleceu os seguintes tipos de turnos, que a autora cumpria:
Turno M (manhã) -das 8h às 16h
Turno T (tarde)- das 16h às 23h
Turno N (noite)- das 23hàs 8h
Em alguns casos o turno M compreendia uma laboração das 8hàs 13h e o turno T das
16h às 20h30m.
j) A ré indicava à autora os turnos que esta tinha de cumprir e as unidades onde tal
turno era cumprido, o que fazia através de horários mensais previamente afixados: colocando
uma bolinha em determinadas tardes ou manhãs, sabendo assim os enfermeiros que, em tais
casos, os horários a cumprir eram respectivamente das 8h às 13h/14h, ou das 16h às
20h/20:30h; ou colocando um asterisco para identificação do 1 o piso como unidade onde o
serviço devia ser prestado, ou nada, caso em que o serviço a desempenhar era no segundo
piSO.
k) Eram permitidas mudanças ou trocas de turno entre os enfermeiros que prestavam
serviços na Clínica, mediante prévia informação à enfermeira chefe, que a partir de
determinada altura passou a ser obrigatoriamente por escrito.
1) A autora, como os demais enfermeiros, desempenhava as suas funções, se bem que
tecnicamente de forma autónoma, de acordo com o plano e supervisão da enfermeira-chefe e
de acordo também com as orientações e directivas desta e da direcção clínica daquele
estabelecimento de saúde.
8 Rua do Arsenal, Letra G, 1100-038 Lisboa :. Telefone: 21 322 29 00 . . Fax: 21 347 98 44
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA m) Por «nota interna» a direcção da Clínica determinou informar os enfermeiros que
para todos os efeitos a responsabilidade pelas escalas de serviço eram da direcção da Clínica
do Bom Jesus, alertando para o facto de a enfermeira Luísa Cunha ser a enfermeira-chefe, a
quem era devido respeito e obediência nas directivas que a esta cabe implementar.
n) Mais informou a ré aos enfermeiros que as disponibilidades pessoais de horários
deveriam ser entregues à Exma.Sra. Enf.Luísa Cunha até ao dia 1 O de cada mês e que as
trocas deveriam ser do conhecimento desta e por ela autorizadas.
o) A enfermeira chefe da Clínica organizava os turnos, controlava o trabalho
desenvolvido pelas equipas de enfermagem, notificava os enfermeiros quanto a qualquer falha
que detetasse e divulgava os procedimentos indicados pelos laboratórios relativamente à
recolha de amostras para análises laboratoriais.
p) Em folha própria disponibilizada pela ré, a autora registava diariamente a hora de
entrada e de saída, assinando tais registos, sendo tal folha também visada pela enfermeira
chefe.
q) O local onde era desenvolvida a actividade, os instrumentos e equipamentos de
trabalho, como os produtos que a autora utilizava no seu trabalho pertenciam à ré, fornecendo
esta vestuário próprio com a identificação da autora e que esta obrigatoriamente envergava.
r) Os serviços prestados pela autora eram pagos de acordo com a tabela anualmente
actualizada constante do instrumento de regulamentação colectiva aplicável aos serviços
hospitalares do sector privado.
s) A ré nunca concedeu à autora período de férias nem lhe pagou subsídios de férias
nem de natal.
t) Nos últimos 12 meses em que prestou serviço a autora auferiu:
- dez 201 O - 1 446,96€
- jan 2011- 1 192,50
- fev 2011- 1 047,35€
-março 2011- 515,93€
- abril2011- 1 021,55€
-maio 2011- 934,71€~
-junho 2011- 993,35€
-julho 2011 -- 874,38€
-agosto 2011 - 1 512,94€
-setembro 2011- 1 679,08€
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA - outubro 2011 - 1 240,62€
-novembro 2011- 1 305,19€
u) No final de cada mês os serviços administrativos da ré entregavam à autora um
documento, no qual se encontrava escrita a expressão «recibo de remuneração», para que
conferisse o apuro feito quanto aos serviços prestados com base na folha referida em p ), e o
pagamento devido.
v) No documento referido em p) indica-se que é aplicável o IRCT para os serviços
hospitalares privados.
w) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Dezembro de 2011, a ré
informou a autora que «a partir do próximo dia 19 do corrente mês, prescindimos dos serviços
que vinha prestando a esta Clínica, desde já agradecendo a prestimosa colaboração que
prestou».
x) O mesmo acontecendo com outras duas enfermeiras.
y) No dia 20 de Dezembro de 2011 iniciaram funções três novas enfermeiras.
z) À ré foi concedido apoio judiciário para se defender na presente acção.
aa) A Clínica utilizava para com a autora e os outros enfermeiros o mesmo modelo de
documento que emitia para os trabalhadores efetivos titulado «recibo de remuneração».
bb) Tal documento servia apenas para a autora conferir as contas face ao serviço
prestado e sequentemente emitir o correspondente «recibo verde».
cc) Os pagamentos eram feitos pela ré à autora por transferência bancária.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Aqui chegados e dado que a Recorrente, com a resposta ao parecer do Exmo.
Procurador - da República Adjunto, juntou documentos para prova da existência de
subordinação jurídica nas relações estabelecidas entre a Recorrida e as enfermeiras ao seu
serviço, há que referir o seguinte:
É sabido que a junção de documentos em sede de recurso de apelação está sujeita a
limitações.
A este propósito escrevem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, no
Código de Processo Civil Anotado, Vol 3°, Tomo I, 2a Edição, pag.98 que " Como resulta de
uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação
de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas.
Em princípio não pode alegar-se matéria nova (ius novarum; nova) nos tribunais
superiores, em recurso, não obstante o tribunal ad quem dever apreciar as questões de 10
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA conhecimento oficioso (. . .) Daí que, em princípio, não devam ser juntos documentos novos na
fase de recurso".
Contudo, tal princípio comporta excepções.
Assim, estipula o artigo 693°-B do CPC, aplicável ex vi do artigo 1 o n° 2 al.a) do CPT,
que " as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a
que se refere o artigo 524°, no caso de a junção se ter tomado necessária em virtude do
julgamento proferido na 1 a instância e nos casos previstos nas als.a) a g) e i) a n) do n° 2 do
artigo 691 °".
" Em sede de recurso de apelação, continua a ser legítimo às partes juntar
documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse
momento (superveniência objectiva ou subjectiva). Outrossim quando se destinem a provar
factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de
ocorrência posterior ao julgamento em la instância (art.524° do CPC).
(. . .) Podem ainda ser juntos documentos quando a sua necessidade apenas se revele
em virtude do julgamento proferido, maxime quando o resultado seja de todo surpreendente
relativamente ao expectável em face dos elementos constantes do processo, como já estava
acautelado no anterior artigo 70JD".
Porém, o artigo 693°-B prevê agora a instrução documental dos recursos a que se
reportam as als.a) a g) e i) a n) do n° 2 do artigo 691° do CPC, sem restrições, sendo
admissível a junção de documentos com as alegações ou contra-alegações, por exemplo
quando o recurso tenha por objecto decisão sobre competência absoluta ou relativa (al.b),
admissão ou rejeição de determinado meio de prova (al.i) ou rejeição ou levantamento de
providência cautelar" António Santos Abrantes Geraldes, Recurso no Processo do Trabalho,
Novo Regime, pags.73 e 74.
Ainda sobre esta questão, relembre-se o que escreve Antunes V are la na RLJ, Ano
115, pag.95, citado no Acórdão desta Relação de 11.01.2012, in www.dgsi.pt: "A junção de
documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção
anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1 a instância, é
possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento
proferido em 1 a instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento
(e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha
baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito
jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz, nem o Colectivo se podem utilizar de factos
não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artigos 514° e 66SO do CPC). Mas que
podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem
necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (arts.264° n° 3, 535~ 61)0
etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das
partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (art.664°-1°
parte).
A decisão de primeira instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade
de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não
oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou
interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção
do documento às alegações da apelação se pode legitimar".
Ora, no caso dos autos e antes de mais, há que atentar na circunstância de que os
documentos em causa foram juntos com a resposta ao parecer e não com as alegações ou
contra-alegações, o que, desde logo, levaria à sua não admissibilidade.
Por outro lado, verifica-se que os documentos juntos a fls.248 a 262 dos autos
reportam-se a um inquérito mandado instaurar pelo Sr. Presidente da Fundação Pia Diocesana
para apuramento de factos constantes da carta subscrita pela Sfl Enfermeira Elvira Pimentel,
datada de 06.09.2010.
No âmbito de tal inquérito foram inquiridas várias pessoas, datando tais inquirições de
26 de Setembro de 2010, 6 de Outubro de 2010, sendo que o Relatório e Conclusões datam de
8 de Outubro de 201 O e o despacho de arquivamento do inquérito de 22 de Outubro de 2011.
Por outro lado, a presente acção foi proposta em 02.01.2012, sendo certo que a
Recorrente não justifica a sua apresentação tardia, além de que os factos em causa não podem
considerar-se novos, nem os documentos em causa se revelam pertinentes em função do
decidido na sentença recorrida, tanto mais que a discussão dos autos sempre se centrou na
qualificação jurídica do contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida e consequências que
dele podiam advir.
Assim sendo e por não se verificarem os pressupostos legais, não são de admitir tais
documentos, cujo desentranhamento se ordenará.
1 a_ Da alegada nulidade da sentença
Nesta sede, invoca a Recorrente que a sentença recorrida, ao julgar verificados os
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA índices de facto que a doutrina, a jurisprudência e a lei fazem presumir a existência de
contrato de trabalho, por em determinada relação se descortinar a existência de subordinação
jurídica, mas ao decidir que a vontade das partes foi celebrar um contrato de prestação de
serviços por alegadamente ter sido isso que a Recorrida quis e a Recorrente aceitou, sem que
estas duas afirmações encontrem eco na matéria de facto exposta, enferma do vício de
nulidade consubstanciado na oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, sendo nula,
nos termos do artigo 668° no 1 al.c) do CPC.
Vejamos:
Os casos de nulidade da sentença estão previstos no artigo 668° do CPC, aplicável ao
caso dos autos por força do artigo 1° n° 2 al.a) do CPT.
Assim, estabelece o n° 1 do artigo 668° do CPC que "é nula a sentença quando:
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão" .
"Os casos das alíneas b) a f) do n° 1 constituem, rigorosamente, situações de
anulabilidade da sentença e não de verdadeira nulidade.
Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da
sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os
fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) omissão ou excesso de
pronúncia) e e) (pronuncia ultra petitum)" Código de Processo Civil acima citado, pag.703.
E sobre a nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 668° escreve o Professor
Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, Vol.V, pag.141 que " quando os
fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a
compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. ( ... ) No caso considerado no no 3
do artigo 668° ( corresponde à al.c ), a contradição não é apenas aparente, é real, o juiz escreveu
o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os
fundamentos invocados conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas
a resultado oposto".
Sendo assim, cabe perguntar se a sentença recorrida enferma de vício lógico que a
comprometa.
Podemos, desde já, adiantar que não.
Com efeito, da análise da sentença recorrida não resulta qualquer contradição entre os
seus fundamentos e a decisão.
O que se verifica é uma interpretação por parte do tribunal a quo, dos factos provados
como não sendo qualificativos de uma relação contratual laboral existente entre a Recorrente e
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////7 v·
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA a Recorrida, não se denotando qualquer vício lógico no raciocínio operado pelo Sr0 Juiz do
tribunal a quo para decidir nos termos em que o fez.
Na verdade, as premissas utilizadas pelo Sr. juiz do tribunal a quo levariam ao
resultado que chegou, tendo dito aquilo que efectivamente pretendia dizer.
Se é correcta, ou não a interpretação que faz dos factos provados, é urna questão que
apenas se coloca em sede de aplicação do direito aos factos.
Assim sendo, irnprocede a alegada nulidade.
23- Da impugnação da matéria de facto.
Corno é sabido, o Tribunal da Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de
facto e alterar a decisão da 1 a instância se do processo constarem todos os elementos de prova
que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo
havido registo dos depoimentos prestados, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente
ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser
destruída por qualquer outra prova (art.712° n° 1 als.a) e b) e 2 do CPC.
Repare-se, porém, que não se trata de julgar ex novo a matéria de facto, mas, tão só, de
reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1 a instância e, consequenternente,
aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão um erro de julgamento.
Na verdade, " os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não
de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a
julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão
proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.
É, por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não
cabe conhecer questões novas (o chamado ius novorum) mas apenas reapreciar a decisão do
tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la"- Lebre de Freitas e outros em Código
de Processo Civil Anotado, vol.3° pag.5.
Mas para que a Relação altere a decisão da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo,
não basta um qualquer erro. Este erro há-se ser manifesto, ostensivamente contrário às regras
da ciência, da lógica e da experiência que aponte, inequivocamente, para o julgamento da
matéria de facto num sentido diverso daquele que lhe deu o tribunal de 1 a instância e não,
simplesmente, que se limite a sugerir ou a tomar provável ou possível esse outro sentido.
Por outro lado, estabelece o artigo 655° do CPC, que " o tribunal colectivo aprecia
livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA facto".
Consagra este preceito o princípio da livre apreciação da prova.
E a propósito do referido princípio, escrevem Lebre de Freitas e outros na obra acima
citada, Vol2°, pag.635 que "o princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica
dos princípios da imediação, oralidade e concentração (. . .): é porque há imediação,
oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas
conclusões, em conformidade com as impressões recém - colhidas e com a convicção que,
através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência
aplicáveis".
Saliente-se, porém, que a liberdade de apreciação da prova não é sinónirno de
arbitrariedade ou discricionariedade, daí que essa apreciação há-se ser reconduzível, sempre, a
critérios objectivos.
Na verdade, a livre convicção do juiz, embora seja urna convicção pessoal, impossível
não o ser, não pode ser urna convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional, mas
antes urna convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, nessa medida,
capaz de se impor aos outros.
Acresce, ainda, que as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz urna
certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza, essa, que seria impossível; o que elas devem
é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida.
Por outro lado, na decisão sobre a matéria de facto deve o julgador analisar
criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para formar a sua
convicção.
O juiz deve decidir segundo um critério de rninirnização do erro, isto é, segundo a
ponderação de qual das decisões possíveis- a veracidade ou a inveracidade de um facto- tem
menor probabilidade de não ser a correcta ( cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de
14.02.2012, processo no 53/09.6T2AND.C1).
Em suma e sufragando o entendimento constante do acórdão do STJ de 13.03.2003, in
www.dgsi.pt, " a análise da prova gravada não importa a assunção de urna nova convicção
probatória mas, tão só, a averiguação da razoabilidade da convicção atingida pela instância
recorrida".
Quanto aos requisitos adjectivos para a impugnação da matéria de facto constam eles
do artigo 685°-B do CPC que estabelece:
"Artigo 685°-B
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente
obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados:
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação
nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto
impugnados diversa da recorrida.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios
invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido
gravadas e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos
termos do disposto no n° 2 do artigo 52JO-C, incumbe ao recorrente, sob pena de
imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto,
indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da
possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3- Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos
poderes de investigação oficiosa do tribunal proceder, na contra-alegação que
apresente à indicação dos depoimentos gravados que injirmem as conclusões do
recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
4- Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a
identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às
transcrições previstas nos números anteriores.
5- O disposto nos números 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar
o âmbito do recurso, nos termos do n° 2 do artigo 684°-A.
Estas exigências ou especificações legais têm por principal finalidade impedir que o
recurso seja utilizado para atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, visando a
reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância, traduzindo-se corno expediente
meramente dilatório (Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, 1999,
Coimbra, pag.465).
Vejamos o caso em apreço:
Entende a Recorrente que a ré, na sua contestação, confessou e a autora aceitou
expressamente (vide acta da sessão do dia 19 de Abril de 2012) relativamente ao documento
de troca de turnos juntos com a PI que tal documento de troca de turnos, visa somente a
regularização e organização dos serviços internos que são da competência da Ré; que as
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA organizações organizativas de conciliação de horários, de alocação de recursos que à ré
compete fazer, nomeadamente através da enfermeira chefe"; E que, o documento 5 junto da PI
titulado de norma interna que se reporta a simples orientações de trabalho, devendo estes
factos constar da matéria de facto provada.
Da análise da acta de fls. 125 a 127 (sessão da audiência de julgamento de 19.04.2012)
decorre que, iniciada a audiência de julgamento, o ilustre mandatário da autora pediu a palavra
e no seu uso disse que " aceita expressamente o que vem alegado no artigo 21 o da contestação,
no que se refere ao documento da troca de turnos, visa somente a regularização e organização
dos serviços internos, que são da competência da Ré; em 23° da contestação, "as funções
organizativas de conciliação de horários de alocação de recursos de gestão de stocks e
consumos de eventuais falhas ou omissões que à Ré compete fazer, nomeadamente através da
enfermeira chefe", em 24° da contestação que o documento 5 da PI (certamente por lapso foi
indicado o documento 5, quando o que está em causa é o documento 4), titulado de norma
interna que se reporta a simples orientações de trabalho.
Ora, tais factos, apesar de aceites por ambas as partes não constam dos Factos
Provados, pelo que, ao abrigo do disposto no n° 3 do artigo 659° do CPC, passam a ser
aditados àqueles sob as seguintes alíneas:
dd) O documento reportado à troca de turnos v1sa somente a regularização e
organização dos serviços internos que são da competência da Ré.
ee) Competem à Ré, nomeadamente através da enfermeira chefe, as funções
organizativas, de conciliação de horários, de alocação de recursos, de gestão de stocks e
consumos, de eventuais falhas ou omissões.
ff) O documento 4 junto com a petição inicial, titulado de norma interna, reporta-se a
simples orientações de trabalho.
Nestes termos, procede, nesta parte, a reapreciação da matéria de facto.
* Entende, ainda, a Recorrente que a análise e juízos críticos dos documentos juntos aos
autos, quais sejam mapas de horário de trabalho, folhas de registo de presenças, documento de
autorização para mudança ou troca de turnos, "Nota Interna", em que se informam os
enfermeiros que devem obediência e respeito à enfermeira chefe nas directivas que a mesma
tem de implementar, que mais não é do que simples orientações de trabalho, no dizer da ré,
conduzem à alteração da matéria de facto dada por provada no tocante ao conteúdo e redacção
das alíneas f), g), i), o) e k) e para a redacção aqui proposta, no sentido de que tais
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L TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
documentos evidenciam identidade com o disposto na lei laboral em matéria de organização
de tempos e duração de trabalho, em matéria de elaboração de mapas de horários de pessoal,
controlo de trabalho prestado e registos de presenças, a própria submissão ao cumprimento de
ordens e orientações, institutos todos eles atinentes ao regime duma relação jurídica laboral.
Ora, nesta sede, apesar da Recorrente ter posto em causa o teor das alíneas f), g), i), o)
e k) dos Factos Provados e ter invocado que deverão ter a redacção que propõe, a verdade é
que, nas conclusões das alegações nenhuma redacção propôs para tais alíneas daí que se
desconheça, por completo, que factos é que a Recorrente pretendia ver consignados na
factualidade provada em vez daqueles.
Ademais, limita-se a Recorrente a tecer um conjunto de juízos conclusivos no sentido
de que entre as partes vigorou um contrato de trabalho o que, de forma alguma, poderá constar
da factualidade provada.
E porque os documentos que mvoca também não evidenciam nada em contrário
daquilo que se mostra provado nas ditas alíneas, não colhe, nesta parte, a impugnação da
matéria de facto.
Assim, para apreciação da questão relativa à qualificação do contrato celebrado pelas
partes será considerada a seguinte factualidade:
a) A Autora é enfermeira diplomada.
b) A ré é uma pessoa colectiva que explora a Clínica do Bom Jesus, em Ponta
Delgada, onde presta cuidados de saúde a pacientes que o solicitem, incluindo internamentos.
Nos seus estatutos consta que a ré tem por escopo «a prestação de serviços gratuitos ou
remunerados em regime de porcionismo, de acordo com a situação económica dos utentes».
c) Para tanto necessita permanentemente de ter ao seu serviço profissionais de saúde,
nomeadamente de enfermagem, uma vez que a Clínica está aberta 24horas por dia.
d) Em 1990 a autora apresentou-se na Clínica da Ré, à enfermeira que então
coordenava os serviços de enfermagem, a quem mostrou disponibilidade para ali prestar
serviços. Por indicação desta a autora reuniu com o então director da Clínica, que a admitiu ao
serviço, nas mesmas condições em que os demais enfermeiros, incluindo a enfermeira Zita
que ali prestavam serviços.
e) No desempenho das suas funções a autora passou a executar, entre outras, as
seguintes tarefas: pensos, preparação e administração de terapêutica endovenosa,
intramuscular, oral, subcutânea, aerosol, terapia, oxigenoterapia; alimentação por gavagem e
intérica; avaliação de sinais vitais como a pressão arterial. Pulso, respiração, glicemia capilar,
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é// TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
temperatura, controlo de volumes urinários, algaliações, entubações nasogástricas, registo e
diário terapêuticos, alterações terapêuticas de acordo com as prescrições clínicas, aspiração de
secreções, colheitas de sangue, acompanhamento do médico nas visitas aos doentes,
tratamento de puérperas, recém - nascidos e intervencionados clinicamente, etc.
f) A escala de serviço que a autora cumpria na Clínica era organizada pela enfermeira
chefe, na sequência da manifestação de disponibilidade daquela, por escrito, no mês
imediatamente anterior. A escala de serviço dos enfermeiros era então afixada em folha
própria e no placard habitual.
g) A ré organizava os turnos de acordo com as necessidades de serviço da Clínica, de
modo a assegurar permanentemente os serviços de enfermagem que ali se prestam aos utentes.
h) Até se reformar da função pública em 28.02.2006, a autora trabalhava também
como enfermeira no Hospital de Ponta Delgada, onde tinha um horário regular.
i) A ré estabeleceu os seguintes tipos de turnos, que a autora cumpria:
Turno M (manhã)- das 8h às 16h
Turno T (tarde)- das 16h às 23h
Turno N (noite) - das 23hàs 8h
Em alguns casos o turno M compreendia uma laboração das 8hàs 13h e o turno T das
16h às 20h30m.
j) A ré indicava à autora os turnos que esta tinha de cumprir e as unidades onde tal
turno era cumprido, o que fazia através de horários mensais previamente afixados: colocando
uma bolinha em determinadas tardes ou manhãs, sabendo assim os enfermeiros que, em tais
casos, os horários a cumprir eram respectivamente das 8h às 13h/14h, ou das 16 às
20h/20:30h; ou colocando um asterisco para identificação do 1° piso como unidade onde o
serviço devia ser prestado, ou nada, caso em que o serviço a desempenhar era no segundo
piSO.
k) Eram permitidas mudanças ou trocas de turno entre os enfermeiros que prestavam
serviços na Clínica, mediante prévia informação à enfermeira chefe, que a partir de
determinada altura passou a ser obrigatoriamente por escrito.
1) A autora, como os demais enfermeiros, desempenhava as suas funções, se bem que
tecnicamente de forma autónoma, de acordo com o plano e supervisão da enfermeira-chefe e
de acordo também com as orientações e directivas desta e da direcção clínica daquele
estabelecimento de saúde.
m) Por <<nota interna» a direcção da Clínica determinou informar os enfermeiros que
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.?
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA para todos os efeitos a responsabilidade pelas escalas de serviço eram da direcção da Clínica
do Bom Jesus, alertando para o facto de a enfermeira Luísa Cunha ser a enfermeira-chefe, a
quem era devido respeito e obediência nas directivas que a esta cabe implementar.
n) Mais informou a ré aos enfermeiros que as disponibilidades pessoais de horários
deveriam ser entregues à Exrna.Sra. Enf.Luísa Cunha até ao dia 1 O de cada mês e que as
trocas deveriam ser do conhecimento desta e por ela autorizadas.
o) A enfermeira chefe da Clínica organizava os turnos, controlava o trabalho
desenvolvido pelas equipas de enfermagem, notificava os enfermeiros quanto a qualquer falha
que detetasse e divulgava os procedimentos indicados pelos laboratórios relativamente à
recolha de amostras para análises laboratoriais.
p) Em folha própria disponibilizada pela ré, a autora registava diariamente a hora de
entrada e de saída, assinando tais registos, sendo tal folha também visada pela enfermeira
chefe.
q) O local onde era desenvolvida a actividade, os instrumentos e equipamentos de
trabalho, corno os produtos que a autora utilizava no seu trabalho pertenciam à ré, fornecendo
esta vestuário próprio com a identificação da autora e que esta obrigatoriamente envergava.
r) Os serviços prestados pela autora eram pagos de acordo com a tabela anualmente
actualizada constante do instrumento de regulamentação colectiva aplicável aos serviços
hospitalares do sector privado.
s) A ré nunca concedeu à autora período de férias nem lhe pagou subsídios de férias
nem de natal.
t) Nos últimos 12 meses em que prestou serviço a autora auferiu:
-dez 2010- 1 446,96€
- jan 2011- 1 192,50
- fev 2011- 1 047,35€
-março 2011- 515,93€
- abril2011- 1 021,55€
-maio 2011- 934,71€~
-junho 2011- 993,35€
-julho 2011 - 874,38€
-agosto 2011 - 1 512,94€
-setembro 2011 - 1 679,08€
- outubro 2011 - 1 240,62€
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA -novembro 2011- 1 305,19€
u) No final de cada mês os serviços administrativos da ré entregavam à autora um
documento, no qual se encontrava escrita a expressão «recibo de remuneração», para que
conferisse o apuro feito quanto aos serviços prestados com base na folha referida em p) e o
pagamento devido.
v) No documento referido em p) indica-se que é aplicável o IRCT para os serviços
hospitalares privados.
w) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Dezembro de 2011, a ré
informou a autora que «a partir do próximo dia 19 do corrente mês, prescindimos dos serviços
que vinha prestando a esta Clínica, desde já agradecendo a prestimosa colaboração que
prestou».
x) O mesmo acontecendo com outras duas enfermeiras.
y) No dia 20 de Dezembro de 2011 iniciaram funções três novas enfermeiras.
z) À ré foi concedido apoio judiciário para se defender na presente acção.
aa) A Clínica utilizava para com a autora e os outros enfermeiros o mesmo modelo de
documento que emitia para os trabalhadores efetivos titulado «recibo de remuneração».
bb) Tal documento servia apenas para a autora conferir as contas face ao serviço
prestado e sequentemente emitir o correspondente «recibo verde».
cc) Os pagamentos eram feitos pela ré à autora por transferência bancária.
dd) O documento reportado à troca de turnos visa somente a regularização e
organização dos serviços internos que são da competência da Ré.
ee) Competem à Ré, nomeadamente através da enfermeira chefe, as funções
organizativas, de conciliação de horários, de alocação de recursos, de gestão de stocks e
consumos, de eventuais falhas ou omissões.
ff) O documento 4 junto com a petição inicial, titulado de norma interna, reporta-se a
simples orientações de trabalho.
3a- Da qualificação jurídica do contrato celebrado entre a Recorrente e a
Recorrida.
A este propósito, entende a Recorrente que o contrato em questão é um contrato de
trabalho, enquanto que a Recorrida defende que estamos perante um contrato de prestação de
serviços.
Previamente, há que referir que, tendo a relação contratual estabelecida entre a
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Recorrente e a Recorrida se iniciado em 1990 e se prolongado até Dezembro de 2011, para
resolver a questão relativa à qualificação do contrato como de trabalho ou como de prestação
de serviços há que atender ao disposto no DL 49 408 de 24.11.1969 (LCT) e não ao disposto
no Código do Trabalho de 2009, isto porque o contrato em apreciação foi celebrado antes da
entrada em vigor do referido Código, a qual, como é sabido, ocorreu em 17 de Fevereiro de
2009 (cfr.art.l2° da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro).
Na verdade, apesar do n° 1 do artigo 7° da Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro referir que
ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de trabalho celebrados ou
adaptados antes da sua entrada em vigor, deve entender-se que aquele regime não é aplicável
quando em causa estiver a qualificação de contratos celebrados anteriormente à sua entrada
em vigor uma vez que essa qualificação se prende com os efeitos de factos totalmente
passados antes da sua entrada em vigor e aquele artigo expressamente ressalva, em paralelo
com o disposto no n. 0 2 do art.0 12.0 do C.C., a aplicação daquele regime às condições de
validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente à entrada em
vigor do Código do Trabalho.
Assim, tendo o contrato sido celebrado antes da entrada em vigor do CT/2009 é óbvio
que os factos em que se traduziu aquela celebração e os efeitos dele decorrentes, no que
respeita à natureza do contrato, ocorreram totalmente antes da entrada em vigor do referido
Código.
E, nessa medida, a qualificação do contrato não pode ser feita com recurso à presunção
de laboralidade contida no art. 0 12.0 do CT/2009 mas, conforme já se afirmou, à luz da LCT,
por ser esta a lei em vigor à data da celebração do contrato.
Ora, o contrato de trabalho está definido no artigo 1 o da LCT nos seguintes termos:
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição,
a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção
desta".
Nos mesmos termos define o artigo 1152° do Código Civil o contrato de trabalho.
Em face da definição legal e de acordo com a doutrina e jurisprudência que se foi
desenvolvendo ao longo dos tempos são dois os elementos constitutivos do contrato de
trabalho:
a)- subordinação económica;
b )- subordinação jurídica.
O primeiro elemento traduz-se no facto de o trabalhador receber certa retribuição
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA do dador de trabalho; para que se verifique o segundo é necessário que, na prestação
da sua actividade, o trabalhador esteja sob as ordens, direcção e fiscalização do dador de
trabalho (cfr.Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.05.2011, in www.dgsi.pt).
E como refere o Acórdão do S.T.A.- Pleno, de 15/1/71, Ac. Doutrinais 113°, 803,
citado no mesmo aresto, a existência de contrato de trabalho implica a verificação
cumulativa dos dois referidos elementos, de tal modo que se faltar um deles já não
estaremos em face de um verdadeiro contrato de trabalho. No entanto, só a subordinação
jurídica constitui característica essencial do referido contrato, isto é, o que o caracteriza é
o facto de o trabalhador não se limitar a promover a execução de um trabalho ou a
prestação de um serviço, mas que se coloque sob a autoridade da pessoa servida para a
execução do trabalho.
E como refere António Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 16a edição,
pags.l 07 e 108, ao delimitar o conceito de contrato de trabalho, " o primeiro elemento a
salientar consiste na natureza da prestação a que se obriga o trabalhador. Trata-se de uma
prestação de actividade, que se concretiza, pois, em fazer algo que é justamente a aplicação ou
exteriorização da força de trabalho tomada disponível, para a outra parte, por este negócio.
Este traço característico constitui um primeiro elemento da distinção entre as relações de
trabalho subordinado e as relações de trabalho autónomo: nestas, precisamente porque o
fornecedor da força de trabalho mantém o controlo da aplicação dela, isto é, da actividade
correspondente, o objecto do seu compromisso é apenas o resultado da mesma actividade -só
este é devido nos termos pré-determinados no contrato; os meios necessários para o tomar
efectivo em tempo útil estão, em regra, fora do contrato, são de livre escolha e organização
por parte do trabalhador. No contrato de trabalho, pelo contrário, o que está em causa é a
própria actividade do trabalhador, que a outra parte organiza e dirige no sentido de um
resultado que (aí) está por seu turno fora do contrato; assim, nomeadamente, e por princípio
( ... ), o trabalhador que tenha cumprido diligentemente a sua prestação não pode ser
responsabilizado pela frustração do resultado pretendido.
Cabe no entanto salientar que o dizer-se que a actividade do trabalhador que preenche,
do seu lado, o objecto do contrato não esgota a realidade. Em certas situações, o trabalhador
cumpre a sua obrigação contratual embora esteja inactivo. ( ... ) Na verdade, aquilo a que o
trabalhador se obriga é, fundamentalmente, a colocar e a manter a sua força de trabalho
(conjunto de aptidões psíquicas e físicas) disponível pela entidade patronal em certos termos e
dentro de certos limites qualitativos e quantitativos, enquanto o contrato vigorar".
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Também com interesse sobre a noção de contrato de trabalho, lemos na obra de Maria
do Rosário Palma Ramalho "Direito do Trabalho, Parte II- Situações Laborais Individuais,
fls.21 e segs. que são elementos caracterizadores deste tipo de contrato: a actividade laboral, a
retribuição, a subordinação jurídica e os poderes laborais.
E sobre os indícios de subordinação jurídica, refere a mesma obra, pag.40 e 41 que "
para aferir da existência de um estado de subordinação do trabalhador que suporte a
qualificação laboral do negócio jurídico, tanto a doutrina corno a jurisprudência
desenvolveram um método tipológico de qualificação que passa pela identificação de factores
susceptíveis de revelar aquele estado de subordinação: são os indícios de subordinação
jurídica. Se a verificação de todos ou de parte significativa desses indícios, numa situação
concreta, permitir concluir pela existência de subordinação do trabalhador, estando os
restantes elementos essenciais do contrato de trabalho presentes, estaremos perante um
contrato de trabalho".
E da mesma obra colhe-se que os indícios de subordinação jurídica mais
frequentemente referenciados pela doutrina e jurisprudência são:
- os meios de produção ou os instrumentos de trabalho pertencerem ao empregador; a
actividade ser desenvolvida em local predisposto pelo credor da prestação; a existência de um
determinado horário definido pelo empregador; o modo de cálculo da remuneração; a
assunção do risco pelo credor da não produção dos resultados; o facto de o credor do trabalho
ter outros trabalhadores ao seu serviço; a dependência econórnica do trabalhador; o regime
fiscal e o regime de segurança social a que o trabalhador está adstricto; a sujeição do
trabalhador a ordens directas ou a simples instruções genéricas e o controlo directo da sua
prestação pelo credor; a inserção do trabalhador na organização predisposta pelo trabalhador e
sujeição às regras dessa organização.
Por outro lado, o contrato de prestação de serviços está definido no artigo 1154° do
Código Civil, nos seguintes termos: " Contrato de prestação de serviços é aquele em que urna
das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou
manual, com ou sem retribuição".
E sobre estes dois contratos escreve o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de
25.01.2012, in www.dgsi.pt: "Dos conceitos vazados nos artigos 1152° e 1154° do Código
Civil decorre que as diferenças entre ambos são estabelecidas através, por um lado, da
obrigatoriedade da retribuição (presente no contrato de trabalho, mas não necessariamente no
contrato de prestação de serviços, embora na realidade também nele exista retribuição, na
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA maior parte dos casos); por outro, na prestação objecto do contrato -urna obrigação de meios
(actividade, no contrato de trabalho) ou de resultado (no contrato de prestação de serviços)- e,
por último, na existência ou não de subordinação jurídica do prestador de trabalho ao
respectivo credor.
Os dois primeiros elementos distintivos são pouco relevantes porque, por um lado,
corno se disse, serão actualrnente muito raros os casos de contratos de prestação de serviços
sem retribuição, face à total desadequação da gratuitidade do trabalho, no contexto de urna
sociedade com as características da contemporânea; por outro lado, porque, mesmo quando o
objecto da prestação é a actividade, em última análise, pretende-se sempre retirar dessa
actividade urna utilidade, um resultado, que não é indiferente e, por outro lado ainda, em
muitos contratos de prestação de serviços cuja qualificação não oferece quaisquer dúvidas,
corno seja, por exemplo, o estabelecido entre o médico e o seu paciente ou entre o advogado e
o seu cliente, o que aquele tem de prestar é apenas a sua actividade, não o resultado, que é
aleatório.
Decisivo para a distinção acaba, pois, por ser o elemento "subordinação jurídica" que
consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a
autoridade e direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho
determinar o modo, o tempo e o lugar da respectiva prestação. A prestação de trabalho nesses
casos é heterodeterminada (pelo empregador), contrapondo-se ao trabalho autodeterminado
em que, em princípio, cabe apenas ao próprio trabalhador a definição do modo, tempo e lugar
da prestação. No trabalho heterodeterminado o grau de dependência do prestador do trabalho
da autoridade e direcção do empregador pode ser maior ou menor, sobretudo no que se refere
ao modo da prestação, diminuindo, sensivelmente à medida que aumenta a especificidade
técnica exigida para o desempenho da actividade" ( ... ) Assume particular relevo corno
manifestação do poder de direcção e fiscalização do empregador, a existência na esfera do
empregador dos poderes regulamentar e disciplinar. Mesmo que esse poder não seja exercido,
terá de existir, ainda que em potência, correspondendo-lhe, da parte do trabalhador, urna
situação de sujeição.
( ... ) A detecção do elemento determinante - a subordinação jurídica - raramente é
conseguida através do método subsuntivo, sendo usual o recurso ao método indiciário, que
consiste na procura de indícios que permitam urna aproximação ao modelo típico do contrato
de trabalho. ( ... ) A qualificação de um contrato corno de trabalho (heterodeterminado)
dependerá, pois, da referenciação, no desenvolvimento da relação concreta, de um conjunto de
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA indícios que globalmente valorados revelem, de algum modo, a existência do poder de
autoridade típico do contrato de trabalho e da sujeição que em contrapartida recai sobre o
outro contraente, sendo certo que "cada um desses índices pode assumir um valor significante
muito diverso de caso para caso"
Ainda sobre a qualificação do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços,
veja-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.11.2011 e o Acórdão
do STJ de 12.09.2012, ambos in www.dgsi.pt, afirmando este último que "A distinção entre o
contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços assenta em dois elementos
essenciais: o objecto, por um lado, e o tipo de relacionamento entre os outorgantes, por outro.
Enquanto o contrato de trabalho tem corno objecto a prestação de urna actividade e, corno
elemento diferenciador específico, a subordinação jurídica do trabalhador, materializada no
poder do empregador de conformar a prestação contratada, mediante ordens, instruções ou
directivas, no contrato de prestação de serviço o devedor/prestador compromete-se à
realização ou obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, sujeição a
instruções ou direcção de execução da outra parte. Perante a dificuldade em concretizar os
elementos que permitam a "arrumação", directa e segura, desta ou daquela situação de facto
numa ou noutra das hipóteses legais referidas em I, concretamente por não ser fácil, em tantos
casos, alcançar o que quiseram as partes e, concretamente, sele corno se manifesta o átirno
diferenciador dos dois institutos- a subordinação jurídica-, tal desiderato, se não se alcança
directarnente pelo método subsuntivo, há-de atingir-se pelo chamado método tipológico,
recolhendo, conferindo e interpretando os indícios susceptíveis de permitirem,
casuisticamente, urna indagação de comportamentos em conformidade, perseguindo os
indícios negociais internos e externos, sem esquecer que cada indício tem um valor relativo,
prevalecendo o que conjugadamente resulte preponderante num juízo final de globalidade.
Também com interesse, sobre estes dois contratos escreve Menezes Cordeiro, in Manual de
Direito do Trabalho que verificam-se duas diferenças essenciais entre os dois
contratos: na prestação de serviços trata-se de proporcionar certo resultado do trabalho,
enquanto no contrato de trabalho se refere o prestar urna actividade; e na definição legal do
primeiro contrato não há qualquer referência à autoridade e direcção de outrem. Assim, e
ainda segundo este autor, o critério último da distinção reside na sujeição à autoridade
e direcção de outrem.
Ainda sobre a subordinação jurídica, relernbre-se Monteiro Fernandes, na obra citada, pág.
114 segundo o qual " a subordinação jurídica consiste numa relação de dependência
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras
ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das regras
que o regem".
Em suma, a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços
centra-se na existência ou inexistência de subordinação jurídica a qual se concretiza na
dependência ou sujeição do trabalhador face às ordens, regras ou orientações, do empregador.
E como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/2/95, Col.
Jur. XX, 1, 78, sendo a subordinação jurídica um conceito integrado por um conjunto de
características reveladoras dos poderes de autoridade e direcção atribuídos à entidade patronal,
a sua determinação há-de fazer-se através de uma maior ou menor correspondência entre
aquelas características e as da situação concreta.
Contudo, há que relembrar que o valor de qualquer desses índices de subordinação
será sempre relativo, quer pela insuficiência de cada um deles, isoladamente considerado, quer
porque podem assumir significado muito diverso de caso para caso e tanto mais quando se
trate de actividades caracterizadas por ampla autonomia técnica como a do caso dos autos e
sendo certo que, de acordo com o disposto no n° 2 do artigo 5° da LCT, a autonomia técnica
do trabalhador não constitui, por si, obstáculo a que a sua actividade seja objecto de contrato
de trabalho.
Com efeito e como se escreve no Acórdão do STJ de 09.12.2010, in www.dgs.pt, "I
A subordinação jurídica (susceptibilidade de dar ordens e instruções ao trabalhador) decorre
do poder de direcção em que se encontra investido o empregador e corresponde, do lado do
trabalhador, ao dever de obediência; este elemento existe no contrato de trabalho e está
ausente no contrato de prestação de serviços.
li - A subordinação deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na
sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de
trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar;
existência de controlo do modo da prestação de trabalho; obediência às ordens e sujeição à
disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do
empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação
do trabalho a uma única entidade.
III - Os indícios de subordinação jurídica não podem ser valorados de forma
atomística, antes devendo efectuar-se um juízo global em ordem a determinar se na relação
estabelecida e efectivamente executada estão ou não presentes os elementos característicos de
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA uma relação de trabalho subordinado - os poderes de direcção e autoridade do empregador e
correspectiva sujeição do trabalhador ao exercício desses poderes
Apreciando o caso dos autos e não esquecendo que era à Autora que competia alegar e
provar a existência do contrato de trabalho, visto a sua pretensão assentar nesse pressuposto
( art.342° do CC), analisemos, então se os factos provados apontam para a existência do
alegado contrato de trabalho.
Ora, no que respeita ao horário de trabalho prestado pela Recorrente, verifica-se que a
escala de serviço que esta cumpria na Clínica era organizada pela enfermeira - chefe, na
sequência da manifestação da sua disponibilidade por escrito, no mês imediatamente anterior.
A escala de serviço dos enfermeiros era então afixada em folha própria e no placard habitual,
sendo a recorrida quem organizava os turnos de acordo com as necessidades de serviço da
Clínica, de modo a assegurar permanentemente os serviços de enfermagem que ali se prestam
aos utentes, tendo a Recorrida estabelecido os seguintes tipos de turnos, que a autora cumpria:
Turno M (manhã)- das 8h às 16h; Turno T (tarde)- das 16h às 23h; e Turno N (noite)- das
23h às 8h, sendo que em alguns casos o turno M compreendia uma laboração das 8h às 13h e
o turno T das 16h às 20h30m, sendo a Recorrida que indicava à Recorrente os turnos que esta
tinha de cumprir e as unidades onde tal turno era cumprido, o que fazia através de horários
mensais previamente afixados: colocando ou uma bolinha em determinadas tardes ou manhãs,
sabendo assim os enfermeiros que, em tais casos, os horários a cumprir eram respectivamente
das 8h às 13h/14h, ou das 16h às 20h/20:30h; ou colocando um asterisco para identificação do
1° piso como unidade onde o serviço devia ser prestado, ou nada, caso em que o serviço a
desempenhar era no segundo piso.
Assim, de tal factualidade, resulta, desde logo, que embora o horário de trabalho que a
Recorrente cumpria fosse fixado tendo em conta a sua disponibilidade, que manifestava à
Recorrida, o certo é que não podemos afirmar que era a Recorrente quem fixava o seu próprio
horário mas, tão só, que escolhia o seu horário dentro das hipóteses que lhe eram apresentadas
pela Recorrida, ou seja, a Recorrente só podia escolher, de acordo com a sua disponibilidade,
dentro dos turnos que eram elaborados pela Recorrida e só. E nessa medida, não obstante
aquela disponibilidade da Recorrente, no final, o horário era sempre imposto pela Recorrida
através dos turnos que elaborava, traço que aponta para a existência de um contrato de
trabalho.
Mas por outro lado, provou-se que eram permitidas mudanças ou trocas de turnos entre
os enfermeiros que prestavam serviços na Clínica, mediante prévia informação à enfermeira
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA chefe, que a partir de determinada altura passou a ser obrigatoriamente por escrito, sendo certo
que tais trocas, não são compatíveis com urna relação laboral, além de que a Recorrente não
alegou nem provou que alguma vez tivesse de justificar faltas, corno sucede nos casos de
ausências em que está em causa um contrato de trabalho.
Sucede, também, que a Recorrente até se reformar, em 2006, cumpria um horário
regular no Hospital de Ponta Delgada o que significa que nunca trabalhou para a Recorrida em
exclusividade, indício que, à partida, pode não se coadunar com a existência de um contrato
de trabalho, embora seja sabido que é possível a coexistência de contratos de trabalho.
Por outro lado, verificamos que o local de trabalho se situava nas instalações da
empregadora, ou seja, na Clínica explorada pela Recorrida, num piso ou noutro.
Mas corno se escreve na sentença recorrida " Isso, contudo, nada revela acerca da
natureza do contrato em causa. Tenha-se em conta a especificidade da organização em
causa, que é uma Clínica, aberta 24horas por dia".
Com efeito, explorando a Recorrida urna Clínica onde presta cuidados de saúde aos
utentes que a procuram, não fazia sentido que a Recorrente fosse contratada para prestar
serviços no Centro de Saúde, ou num Hospital ou em qualquer outro local que não fosse a dita
Clínica, daí que se possa afirmar que o seu local de trabalho sempre teria de ser na Clínica do
Bom Jesus, razão pela qual este elemento também não assume relevo suficiente para
caracterizar a relação contratual corno de trabalho.
E quanto aos instrumentos de trabalho, equipamentos e farda usados pela Recorrente
no exercício das suas funções, também acompanhamos a sentença recorrida quando refere "o
mesmo se diga relativamente aos instrumentos de trabalho que são utilizados naqueles
estabelecimentos, que não podem deixar de ser fornecidos pela ré (por razões de segurança,
de confiança do público etc)".
Na verdade, a circunstância de a Recorrente ter de desenvolver as suas tarefas numa
estrutura da Recorrida, servindo-se de instrumentos e equipamentos à mesma pertencente
resultam da necessidade imperiosa de que os cuidados prestados pela Recorrente aos utentes
têm de ser assegurados em instalações e condições de higiene apropriadas para o efeito não
fazendo, também, qualquer sentido que a Recorrente tivesse de trazer consigo os instrumentos
e equipamentos que utilizava no exercício das suas funções.
Por outro lado, o facto de a Recorrente usar urna farda fornecida pela empregadora
prende-se, naturalmente, com a necessidade de criar urna certa homogeneidade e identidade,
nos serviços da Recorrida, procedimento que é adoptado nos vários estabelecimentos de
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA saúde, o que é perfeitamente compreensível, mas também não contribui, por si só, de modo
decisivo, para caracterizar o contrato corno sendo de trabalho, embora não se possa deixar de
admitir que é um sinal de integração da Recorrente numa certa estrutura organizativa corno é a
Clínica explorada pela Recorrida e aponta para urna possível relação laboral.
Quanto aos valores auferidos mensalmente pela Recorrente, resulta da factualidade
provada que o preço foi estabelecido com referência ao valor hora constante da
regulamentação colectiva dos serviços hospitalares privados, variando o valor mensal em
função do número de horas realizado que, conforme decorre dos factos provados, nunca foi
igual nos últimos doze meses em que vigorou o contrato.
E a propósito da remuneração auferida pela Recorrente e ao critério utilizado para o
valor hora, o constante do IRCT dos serviços hospitalares privados, e mesmo considerando o
modo corno era paga a retribuição, por aí também não podemos concluir pela existência de
um contrato de trabalho.
Por outro lado e não obstante a Recorrente ter apresentado declarações de IRS corno
dependente e independente (categoria A e categoria B, respectivamente) e sempre ter emitido
recibos verdes, só por si, não é suficiente para afastar a existência de um contrato de trabalho,
pois muitas vezes tal situação não é mais do que urna imposição do empregador a que se
sujeitam os trabalhadores para não ficarem no desemprego.
E o mesmo se diga relativamente à inexistência de descontos para a segurança social e
à inexistência de qualquer seguro de acidentes de trabalho que contemplasse a Recorrente.
Por último e quanto à existência de controlo do modo da prestação de trabalho,
podemos afirmar, à partida, que não é de estranhar o facto de a Recorrente exercer as suas
funções de enfermeira, sujeita às terapêuticas e orientações emanadas da Clínica, através da
enfermeira chefe e da direcção clínica, nomeadamente quanto à recolha de amostras de
análises e outras prescrições médicas. Ora, é indubitável que tais orientações e prescrições
resultam da própria natureza da actividade que a Recorrente exercia e da circunstância de ser
realizada, no âmbito da estrutura de urna clínica de tratamentos médicos, onde, em termos de
gestão e de organização, compete à direcção definir os parâmetros e os contornos em que se
desenvolverá o serviço em causa.
Na verdade, as indicações e orientações quanto a determinados procedimentos clínicos
são perfeitamente aceitáveis e compreensíveis na medida em que têm por objectivo a sua
uniformização, em nada beliscando a autonomia técnica da Recorrente, já que as suas funções
sempre serão exercidas de acordo com os seus conhecimentos, experiência e inteligência e no
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA cumprimento da legis arte.
Porém, tendo ficado provado que a Recorrente, como os demais enfermeiros,
desempenhava as suas funções, se bem que tecnicamente de forma autónoma, de acordo com
o plano e supervisão da enfermeira-chefe e de acordo também com as orientações e directivas
desta e da direcção clínica daquele estabelecimento de saúde, que por «nota interna» a
direcção da Clínica determinou informar os enfermeiros que para todos os efeitos a
responsabilidade pelas escalas de serviço eram da direcção da Clínica do Bom Jesus, alertando
para o facto de a enfermeira Luísa Cunha ser a enfermeira-chefe, a quem era devido respeito e
obediência nas directivas que a esta cabe implementar, que a enfermeira chefe da Clínica para
além de outras funções controlava o trabalho desenvolvido pelas equipas de enfermagem,
notificava os enfermeiros quanto a qualquer falha que detectasse, podemos afirmar que a
Recorrente para além de ter de acatar as prescrições terapêuticas e clínicas com vista à
uniformização dos serviços prestados pela Clínica, como qualquer enfermeiro, ainda devia
obediência a todas as directivas que eram emanadas da enfermeira - chefe e,
consequentemente da direcção da clínica, estando sujeita a um plano de supervisão daquela.
E este dever de obediência às directivas emanadas da enfermeira chefe, que vão para
além da necessária aceitação dos procedimentos terapêuticos e clínicos que se impõem a
qualquer enfermeiro que exerça funções na clínica, configura, indubitavelmente, o corolário
de um poder de direcção e de fiscalização que é exercido pela enfermeira chefe e pela clínica
sobre a actividade exercida pela Recorrente, espelhando, assim, a sua posição de sujeição à
Recorrida, circunstância, que, indubitavelmente, aponta para a existência de um contrato de
trabalho.
Mas mais, o exercício das funções da Recorrente desdobra-se numa actividade- tratar
e cuidar dos doentes - a que é alheio o resultado, este a ser atingido apenas pela própria
Clínica, o que também aponta para a existência de uma relação laboral.
Em suma, apreciando globalmente os indícios provados acima referidos e embora
alguns deles se revelem incaracterísticos ou apontem em sentido diverso, a verdade é que
tendo ficado provado que a Recorrente cumpria um horário imposto pela Recorrida, que
estava sujeita às ordens e directivas emanadas da enfermeira chefe em matérias que iam para
além das meras prescrições e procedimentos clínicos generalizados a todos os enfermeiros e
consubstanciando o exercício das suas funções uma actividade, contrariamente ao afirmado na
sentença recorrida, podemos concluir pela existência de subordinação jurídica da Recorrente à
Recorrida e de um verdadeiro contrato de trabalho entre ambas.
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9 TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Assim, tendo a Recorrente logrado demonstrar os elementos característicos de uma
relação contratual laboral com a Recorrida, terá de proceder o recurso, nesta parte.
Aqui chegados, debrucemo-nos sobre a questão relativa às consequências decorrentes
da cessação do contrato de trabalho.
Sendo certo que o contrato de trabalho em causa cessou em Dezembro de 2011, já
durante a vigência do CT/2009, entendemos ser esta a lei aplicável aos efeitos decorrentes da
sua cessação
Ora, conforme ficou provado, por carta registada com aviso de recepção, datada de 13
de Dezembro de 2011, a Recorrida informou a Recorrente que «a partir do próximo dia 19 do
corrente mês, prescindimos dos serviços que vinha prestando a esta Clínica, desde já
agradecendo a prestimosa colaboração que prestou».
Tal actuação unilateral da Recorrida configura um despedimento ilícito, na medida em
que não foi precedido de processo disciplinar (art.381 °al.c) do CT/2009).
E nos termos do artigo 389° do CT/2009, sendo o despedimento considerado ilícito o
empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador, por todos os danos causados, patrimoniais e não
patrimoniais;
b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa sem prejuízo
da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos no artigo 391 e 392°.
Sem prejuízo da indemnização prevista na al.a) do n° 1 do artigo 389°, o trabalhador
tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito
em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, sendo que a tais
retribuições são deduzidos as importâncias, retribuição e subsídio a que alude o no 2 do artigo
390° do CT/2009.
Mas em substituição da reintegração, o trabalhador, nos termos do artigo 391° do
CT /2009 pode optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal determinar o seu montante,
entre 15 e 45 dias de retribuição base e diutumidades por cada ano completo ou fracção de
antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação
estabelecida no artigo 3 81°.
Ora, a Recorrente optou pela indemnização pedindo que seja calculada com base em
12 anos de antiguidade e em 30 dias de remuneração base e pedindo a condenação da
Recorrida no pagamento da quantia de € 13.800, 04.
Pediu, ainda, os valores relativos a férias, subsídios de férias e de Natal dos anos de
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//~/7 L_/-.·
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 2011, 2010, 2009, 2008 e 2007 e ainda proporcionais de férias e de subsídios de férias e de
Natal do ano da cessação do contrato, ou seja de 2011, no valor que apontou, acrescidos dos
que se vencerem, isto é, até ao trânsito em julgado da decisão.
Reclamou, também, a Recorrente a quantia relativa às remunerações que deixou de
auferir em consequência do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.
Não foram peticionados quaisquer valores a título de danos não patrimoniais.
Assim e considerando os valores peticionados pela Recorrente e o critério estabelecido
pelo artigo 261 o do CT/2009, a média dos montantes das prestações correspondentes aos
últimos doze meses a ter em conta é de € 1.147,05 (valor obtido pela soma dos valores a que
alude o ponto t) dos factos provados e dividido por 12) e não de € 1150,04 como refere a
Recorrente, certamente por erro de cálculo.
Consequentemente, a título de férias, de subsídios de férias e de Natal dos anos de
2007, 2008, 2009, 2010 e 2011 e considerando o disposto nos artigos 263° e 264° do CT/2009
é devida à Recorrente a quantia de € 3.441,15, por cada um desses anos (valor obtido pela
multiplicação de € 1.147,05 por 3).
Quanto aos proporcionais de férias, de subsídios de férias e de Natal de 2011, é devida
à Recorrente a importância de € 1.099,26, por cada um daqueles.
A título de indemnização por antiguidade é ainda devida à Recorrente o valor de €
13.764,60 correspondente a € 1.147,05 x 12, por terem sido esses os anos reclamados.
Consequentemente, a título de indemnização, férias, subsídios de férias e de natal de
2007, 2008, 2009 e 2010 e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal de 2011, é
devida à Recorrente a quantia total de € 34.268,23 (€13.764,60 + (3.441,15 x 5) + 3.297,78 x
3), a que acrescerão, ainda, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal até ao
trânsito em julgado da decisão.
A estes valores ainda acrescem os juros à taxa legal devidos desde a citação até
integral pagamento como peticionado.
Assim, procedendo parcialmente o recurso, impõe-se revogar a sentença recorrida.
DECISÃO
Pelo exposto acorda-se em:
1- Ordenar o desentranhamento e entrega à Recorrente dos documentos juntos a
fls.248 a 262 dos autos;
2- Conceder parcial provimento ao recurso no que respeita à impugnação da matéria de
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA facto que se altera nos termos que acima se deixaram mencionados;
3- Revogar a sentença recorrida e concedendo parcial provimento ao recurso:
a) - Declarar que entre Recorrente e Recorrida existiu um contrato de trabalho, desde
Outubro de 1999, conforme peticionado;
b) Declarar ilícito o despedimento da Recorrente promovido pela Recorrida;
c) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente:
- As retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao
trânsito em julgado da presente decisão, ou sendo esta objecto de recurso do acórdão que
venha a confirmar a ilicitude do despedimento, tendo por base uma retribuição mensal de €
1.147,05 a que deverão ser deduzidas as importâncias que tenha comprovadamente obtido
com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como o
montante do subsídio de desemprego auferido pela trabalhadora, devendo a empregadora
entregar essas quantias à segurança social.
-A indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 30 dias de retribuição
(€ 1.147,05) por cada ano de serviço reclamado (12), no valor de € 13.764,60 (treze mil
setecentos e sessenta e quatro euros e sessenta cêntimos);
- As férias e os subsídios de férias e de Natal vencidos e relativos a 2007, 2008, 2009,
2010 e 2011 e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, no valor total de €
20.503,63 (vinte mil quinhentos e três euros e sessenta e três cêntimos) estes até ao trânsito
em julgado deste acórdão, ou sendo este objecto de recurso da decisão que venha a confirmar
a ilicitude do despedimento; e
- Os juros de mora sobre as quantias supra referidas, contados à taxa legal de 4%, devidos
desde a citação até integral pagamento.
* Custas por ambas as partes, em ambas as instâncias na proporção do respectivo
decaimento- art. 446°, do Código de Processo Civil, ex vi art. 1°, n. 0 2, al. a), do Código de
Processo do Trabalho.
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2013
34 Rua do Arsenal. Letra G, 1100-038 Usboa : Telefone: 21 322 29 00 :. Fax: 21 347 98 44
_M_a_r_w,__C~er-1--=in:::.a--=d-~---"-Ju_s~u-s-d=--e-N_ó_b-\r,-eg-~ a~/?~ ________ P Adjunta
Alda Maria de Oliveira Martins
___...W~-~"" ____ 2a Adjunta
Paula Jesus Jorge dos Santos
Sumário (art.713n° 7 do CPC).
1- A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços centra-se
na existência ou inexistência de subordinação jurídica a qual se concretiza na dependência ou
sujeição do trabalhador face às ordens, regras ou orientações, do empregador.
2- É de qualificar como contrato de trabalho, o contrato pelo qual uma enfermeira
exerce as suas funções numa clínica, cumprindo uma escala de serviço baseada na sua
disponibilidade mas dependente dos turnos que lhe são propostos pela empregadora e sujeita a
todas as directivas emanadas da enfermeira chefe a quem, por nota interna, foi determinado
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo nº 2775/07 .7TILSB.Ll.S1 (Revista)
4ª Secção
*
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1.
Em 13 de Julho de 2007, João Paulo Carvalho Aragão e Pina intentou, no Tribunal do Trabalho
de Lisboa, acção declarativa comum contra "FOR PRO- Formação Profissional CRL", com sede
em Oeiras, pedindo que:
i)- se declarasse que a relação jurídica que o autor manteve com a ré era de natureza laboral e
que com justa causa foi resolvido o contrato de trabalho, por sua iniciativa;
ii)- a ré fosse condenada
-a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade no montante de € 15.155,93, créditos salariais
devidos e não pagos no valor de € 49.694,03 e a quantia de € 30.208,70, a título de subsídio de
férias e de Natal;
- a efectuar todas as contribuições devidas para a Segurança Social e apuradas sobre o
montante auferido pelo autor a título de retribuição e a liquidar em execução de sentença e
bem assim que fosse a ré condenada a pagar ao autor, a título de indemnização por danos
morais, uma quantia nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros);
- a pagar ao autor os juros de mora, vencidos e vincendos sobre todas as quantias, desde a
data da citação até integral e total pagamento, ou outras que resultem da aplicação do
disposto no artigo 74º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho;
-a pagar, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória por
cada dia de incumprimento das suas obrigações legais para com o autor, desde a data do
respectivo incumprimento e também a partir do momento em que for proferida sentença
condenatória, até total e integral pagamento, quantia essa que nunca deverá ser inferior,
atendendo ao poder económico da ré e à ilicitude da sua conduta, a € 200,00 diários, até
integral e total pagamento, acrescida dos respectivos juros moratórios que ao caso couberem.
1
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Para tanto, fundamentou o autor que, em Setembro de 1999, celebrou um contrato de
trabalho verbal com a ré, então denominada "Escola Profissional Vai do Rio", para sob sua
autoridade e direcção exercer as funções correspondentes à categoria profissional de
professor ou docente.
O autor dava aulas aos alunos inscritos na ré, pagando estes os cursos leccionados na ré,
tendo de controlar a presença dos alunos na sala de aulas, assinalando no respectivo livro,
folhas de ponto ou registos de faltas, estando obrigado a respeitar o horário que fosse
ajustado para cada ano, não o podendo alterar sem o acordo da ré.
A ré controlava a assiduidade do autor, através do livro de ponto que o autor estava obrigado
a assinar numa primeira fase e, posteriormente, através de um sistema electrónico.
O autor estava obrigado a avaliar os alunos de acordo com o calendário estabelecido pela ré,
incumbindo-lhe leccionar as respectivas aulas de harmonia com o programa previamente
estabelecido e indicado pela ré; integrava júris de avaliação dos alunos; estava disponível para
apoiar os alunos da ré, ainda que fora do horário, sendo a ré quem fornecia e colocava à disposição do autor todo o material de que este necessitava paru leccionar as referidas aulas;
estava obrigado a participar nas reuniões de avaliação ou intercalares, reuniões de conselho
de turma e a preencher, de acordo com normas emitidas pela ré, actas de avaliação, sendo as
notas finais de avaliação atribuídas aos alunos da ré submetidas a validação ou ratificação por
parte do Director de Turma e do Director Pedagógico. Era a ré quem definia os conteúdos,
objectivos, metodologias e respectivas horas de cada conteúdo das disciplinas leccionadas
pelo autor, tendo como superiores hierárquicos os coordenadores de vários cursos e um
director pedagógico, ambos designados pela ré, estando ainda vinculado ao Regulamento
Interno da escola.
Nos anos de 2001, 2004, 2005 e 2006, sem a consulta e a concordância do autor, a ré
diminuiu-lhe a retribuição, pagando-lhe apenas as horas de trabalho efectivo.
Por carta de 03 de Novembro de 2006, registada com aviso de recepção, o autor comunicou à ré a rescisão do seu contrato de trabalho, invocando a redução da retribuição decorrente da
alteração do horário de trabalho sem o seu acordo.
Frustrada a conciliação na audiência de partes, contestou a ré impugnando que tivesse
celebrado um contrato de trabalho com o autor, devendo o mesmo ser qualificado como
contrato de prestação de serviços. Pediu a ré, na oportunidade, a condenação do autor como
litigante de má-fé. Foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da
matéria de facto.
2
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, a que se seguiu a prolação da sentença que,
além de julgar o tribunal do trabalho "materialmente incompetente para conhecer do pedido
de condenação da ré a efectuar todas as contribuições devidas para a Segurança Social,
apuradas sobre o montante auferido pelo autor a título de retribuição e a liquidar em
execução de sentença", julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.
lnconformado o autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 19 de Dezembro de 2012, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu parcial
provimento ao recurso e, em resultado disso, deliberou:
«a) declarar a natureza laboral da relação jurídica que o A. manteve com a R. desde Setembro
de 1999 a 3 de Novembro de 2006;
b) julgar improcedente a justa causa invocada pelo A. para a resolução do contrato e em
consequência absolver a R. do pedido de indemnização nela fundado, assim como no pedido
de indemnização por danos morais;
c) condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 22.452,22, a título de diferenças salariais pelo
período de Setembro de 2001 a Agosto de 2004, acrescida de juros de mora à taxa supletiva
legal, desde a data da citação até integral pagamento, relegando-se nos termos do art. 661º nº
2 do CPC para incidente de liquidação, prévio à execução de sentença, o apuramento das
importâncias devidas a esse título relativas aos períodos de Setembro de 1999 a Agosto de
2001 e de Setembro de 2004 a 3 de Novembro de 2006;
d) condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 14.133,88, a título de subsídios de férias e de
Natal do período referido (Setembro de 2001 a Agosto de 2004), acrescida de juros de mora à
taxa supletiva legal, desde a data da citação até integral pagamento, relegando-se igualmente
nos termos do art. 661º nº 2 do CPC, para incidente de liquidação prévio à execução de
sentença, o apuramento das importâncias devidas a esse título relativas aos períodos de
Setembro de 1999 a Agosto de 2001 e de Setembro de 2004 a 3 de Novembro de 2006.
Custas do recurso pela recorrida e na primeira instância por ambas as partes na proporção do
decaimento».
2.
É contra esta decisão que, agora, se insurge a ré, mediante recurso de revista, em que formula
as seguintes conclusões:
3
~-
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
« 1) A Escola da Ré é uma Escola Profissional que tinha e tem no seu plano curricular, para além
das componentes de formação científica e cultural, uma componente técnica, conforme o
disposto no art.º 7º do DL 4/98, de 8 Jan.
2) Para a docência nesta componente tem a Escola contratado profissionais das respectivas
matérias, todos eles com actividade exterior, tais como formadores, realizadores e operadores
de cinema, fotógrafos, profissionais de informática, etc.
3) Tal foi o caso do A. que, em 1999, se apresentou como profissional liberal, colectado nas
Finanças havia muitos anos, com grande experiência profissional em formação de informática
e outras.
4) Tratava-se de um profissional experiente que prestava serviços em regime liberal a várias
entidades, as quais não pretendia abandonar e nunca abandonou.
5) O A. acordou com a Ré em celebrar um contrato de prestação de serviços, pois que não
pretendia vincular-se a um regime de vinculação ou dependência da Ré.
6) Desta maneira, foi executado o contrato ao longo de vários anos, até que o A.,
inopinadamente, o denunciou, em Novembro de 2006, a meio do ano lectivo.
7) Ao longo dos anos em que a relação se manteve, nunca o A. solicitou à Ré qualquer
alteração ao contrato, nem invocou a existência de um contrato de trabalho, ou solicitou o
pagamento das férias ou do respectivo subsídio, nem subsídio de Natal, nem o pagamento de
contribuições para a Segurança Social.
8) A retribuição era fixada anualmente pelas partes, fixando-se um valor por cada hora
despendida pelo A. ao serviço da Ré. Mesmo quando os serviços eram diferentes da
leccionação, eram pagos em função do serviço prestado.
9) A Ré pagou ao A. todas as quantias estipuladas entre as partes, em função do tempo gasto,
interessando-lhe o resultado da sua actividade, e não a sua disponibilidade.
10) Por isso, os pagamentos eram de montante muito variável de mês para mês.
11) As partes sempre quiseram, e puseram em prática, uma relação profissional de inteira
autonomia do A. face à Ré, o que consubstancia a existência de um contrato de prestação de
serviços, e não de um contrato de trabalho.
12) Mesmo que se entendesse que se estaria perante um contrato de trabalho, a acção deverá
improceder, porquanto a conduta do A., pessoa culta, sabedora e experiente, que ao longo de
7 anos quis e se conformou com uma configuração de um contrato, sem que tivesse feito
qualquer reparo, vem, depois de inopinadamente o denunciar, formular os pedidos dos autos,
constitui um uso ilegítimo do direito, por abusivo.
4
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
13) Mesmo que assim se não entenda, não pode prevalecer a condenação decidida no acórdão
recorrido, já que a Ré pagou ao A. todos os valores estipulados. Quer o pagamento de
diferenças salariais, que não existem, nem se sabe qual o padrão ao qual se deve reportar a
"diferença", quer o pagamento dos subsídios de férias e Natal são direitos disponíveis e o A.
renunciou aos mesmos.
14) O A. não logrou provar, como lhe competia - art9 3429 do C.Civil -, a existência de um
contrato de trabalho.
15) O acórdão recorrido fez errada interpretação do disposto nos art9s 11529 e 11549 do
Código Civil e 19 da LCT (DL 49.408, de 24/11/69). Tão pouco atendeu ao disposto nos artQs
4059 e 406Q do Código Civil, bem como ao disposto no art9 3349 do mesmo Código, quanto à
totalidade dos pedidos do A.».
O autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção
da decisão sob impugnação.
Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 879,
número 3 do Código de Processo do Trabalho, tendo a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta
emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
E isto porque, no entender da mesma Senhora Magistrada, face à matéria de facto dada como
provada, não deverão subsistir dúvidas que entre o autor e a ré esteve em execução, no lapso
de tempo compreendido entre 1999 e 2006, um verdadeiro contrato de trabalho, tal como o
mesmo vem definido no artigo 19 da LCT, com as legais consequências daí decorrentes e que a
Relação retirou no que concerne à condenação da ré ao pagamento das diferenças salariais
reclamadas pelo autor bem como dos montantes devidos a titulo de férias e subsídios de férias
e de Natal.
Parecer que não suscitou qualquer resposta às partes, que dele foram notificadas.
3.
Sendo o recurso delimitado pelas conclusões da alegação, como decorre do estatuído nos
artigos 6849, número 3 e 6909 do Código de Processo Civil, na versão dada pelo Decreto-Lei n9
375-A/99, de 30 de Setembro', aplicáveis ex vi do preceituado nos artigos 19, número 2, alínea
1 Regime jurídico aplicável no caso, atenta a data da propositura da acção (13.07.2007) e o disposto no artigo 112, número 2 e 129, número 1 do Decreto-Lei nQ 303/2007, de 24 de Agosto, actualmente em vigor.
5
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a) e 87º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de
Novembro, de sorte que ao tribunal ad quem é licito conhecer apenas das matérias nelas
abordadas, salvo as de conhecimento oficioso, constata-se que, face às conclusões da alegação
de recurso apresentada pela recorrente, a questão que nelas se suscita prende-se com o tipo
de contrato (de trabalho ou de prestação de serviço) que vigorou entre o autor e a ré, no
período de tempo compreendido entre 1999 e 2006 (conclusões 1ª a 11ª e 14ª), sendo que, a
entender-se que se trata de um contrato de trabalho, coloca-se ainda a questão de saber se,
ao reclamar o pagamento dos créditos que peticionou, incorreu o autor em abuso do direito
(conclusão 12ª), e bem assim se o mesmo renunciou a esses créditos (conclusão 13ª),como
sustenta a recorrente.
Corridos os vistos legais, cumpre então decidir.
11. Dos Fundamentos
11.1- De Facto
A matéria de facto apurada pelo tribunal recorrido é a seguinte:
«1. Em Setembro de 1999, o autor celebrou um contrato com a Escola Profissional Vai do Rio.
2. Posteriormente àquela data, a referida escola profissional passou para a titularidade da ora
ré.
3. No âmbito do contrato celebrado com a ré, cabia ao autor leccionar ou exercer a actividade
de docente dos alunos da ré.
4. Ou seja, exercer a actividade docente ou de ensino, vulgo "dar aulas", aos alunos inscritos
na ré.
S. Os alunos destinatários das aulas do autor eram escolhidos pela ré e não pelo autor.
6. E inscreviam-se junto da ré para beneficiarem da actividade docente do autor e de outros
docentes contratados para o efeito pela ré.
7. Os alunos, inscritos nos cursos leccionados pela ré, pagavam tais cursos à ré e não ao autor.
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
8. No âmbito da sua actividade, cabia ao autor controlar a presença dos alunos na sala de
aulas.
9. Assinalando, no respectivo livro, folhas de ponto ou registo de faltas, elaborado e fornecido
pela ré para o efeito, quais os alunos que estavam presentes e quais os que faltavam à
respectiva aula.
10. O autor estava obrigado a respeitar o horário que fosse ajustado para cada ano, não o
podendo alterar sem o acordo da ré.
11. O qual deveria sempre respeitar o horário de funcionamento do estabelecimento de
ensino da ré.
11-A.- O A. tinha que respeitar o horário que lhe fosse comunicado e aos alunos. 2
12. A ré controlou a assiduidade do autor, o que fazia através do livro de ponto que o autor
estava obrigado a assinar, numa primeira fase, e pelo sistema de controlo electrónico, numa
segunda fase.
12-A. - Era a R., ainda que com a participação e colaboração dos docentes e formadores, que
definia os conteúdos e objectivos, bem como as horas de cada conteúdo da disciplina.'
13. O autor estava obrigado a avaliar os alunos, de acordo com o calendário estabelecido pela
ré e nos momentos por esta definidos.
14. Cabendo-lhe ainda preparar e leccionar as aulas de acordo com o programa4•
15. Corrigir exames.
16. Integrar júris de avaliação e efectuar a respectiva avaliação dos alunos.
17. Estar disponível para apoiar os alunos da ré, ainda que fora do horário das aulas daqueles,
efectuando workshops, visitas de estudo ou outras actividades que fossem programadas pela
ré.
2 Novo ponto aditado pelo Tribunal da Relação. 3 Novo ponto aditado pelo Tribunal da Relação. 4 A expressão em itálico foi aditada pelo Tribunal da Relação.
7
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
18. O autor tinha de Jeccionar as respectivas aulas nas instalações da ré, não podendo exercer
a sua actividade docente fora das instalações da ré ou onde quisesse.
19. Era a ré quem fornecia e colocava à disposição do autor todo o material que este
necessitava para Jeccionar as sempre mencionadas aulas, nomeadamente salas de aula, mesas,
cadeiras, secretária, papel, computadores, videoprojector, scanners, impressoras, e tudo o
mais que fosse necessário para as referidas aulas.
19-A. - O A. reportava aos coordenadores dos vários cursos em que se integravam as
disciplinas que /eccionava ou em que dava formação e, a nível pedagógico, ao Director
Pedagágico.s
20. O autor estava obrigado a participar e participava nas reuniões de avaliação ou
intercalares.•
21. E (Ou) nas reuniões do Conselho de Turma, sempre que fosse necessário.7
22. As supra mencionadas reuniões eram desde logo designadas pela ré para os Módulos ou
ano lectivo.
23. As notas finais de avaliação atribuídas aos alunos da ré pelo autor eram submetidas a
validação ou ratificação por parte do Director de Turma e do Director Pedagógico.
24. Durante o tempo em que esteve ao serviço da ré, a pedido desta, o autor ministrou as
disciplinas designadas por Introdução à Informática, Tecnologias de Informação e
Comunicação, Aplicações Informáticas, Cultura Gráfica, Multimédia e Integração.
25. As quais faziam parte dos cursos de Técnico de Indústrias Gráficas, Técnico de Artes
Gráficas, Técnico de Áudio e Vídeo e Técnico de Telecomunicações, ministrados pela ré.
26. O autor ainda tinha de elaborar, de acordo com critérios e pressupostos definidos pela ré,
relatórios de auto-avaliação do seu desempenho.
27. No desempenho da sua actividade, o autor estava vinculado ao Regulamento Interno da
Escola.
5 Novo ponto aditado pelo Tribunal da Relação. 6 A expressão em itálico foi introduzida pelo Tribunal da Relação. 7 o Tribunal da Relação substituiu a conjunção entre parêntesis pela que consta em itálico.
8
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
28. Entre o ano lectivo 2000/2001 e 2005/2006, o autor, além de leccionar, desempenhava
funções de Director de Turma.
29. Enquanto Director de Turma o autor tinha as seguintes funções:
-Justificava as faltas dos alunos;
- Reunia com os encarregados de educação sempre que se justificasse;
- Informava os encarregados de educação das ocorrências dos educandos;
- Informava a Direcção Pedagógica do desenvolvimento dessa actividade;
-Acompanhava directamente os alunos nas aulas de Direcção de Turma, onde os informava
sobre as actividades, visitas de estudos, avaliação, etc;
- Reunia com os outros docentes.
30. Entre o ano lectivo de 2000/2001 e 2005/2006, o autor também desempenhou funções de
Tutoria, tendo para o efeito frequentado acções de formação programadas e desenvolvidas
pela ré.
31. Tais funções eram realizadas na data, horário e local determinados pela ré e eram por esta
orientadas e sob sua fiscalização.
32. Pelas funções de Tutoria o autor era retribuído num montante variável, consoante o
número de tutorandos e consoante as tutorias realizadas.
33. Quanto às funções de docência, a retribuição variava entre os vários docentes, consoante
fossem ou não pertencentes ao quadro da empresa, ou seja, uns auferiam um salário certo em
12 meses do ano, acrescido do subsídio de Natal e do subsídio de férias, e outros, como era o
caso do autor, auferiam um valor variável consoante as horas de trabalho efectivamente
prestado.
34. Por virtude da prestação do seu trabalho na ré, o autor auferia uma retribuição mensal
calculada em função do tempo de trabalho, dimensionada pela unidade de tempo hora, o que
fazia com que a mesma variasse de mês para mês.
9
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
35. Ao longo dos anos ao serviço da ré, o autor auferiu mensalmente, a título de retribuição
pela sua actividade, as seguintes quantias ilíquidas [reportando-se a escudos as recebidas até
30.112001, inclusive, e a euros as seguintes]:
Data Valor
30-09-1999- 138600,00
30-10-1999 -115500,00
30-11-1999- 194700,00
31-12-1999- 112200,00
31-01-2000-184.800,00
29-02-2000- 323.400,00
31-03-2000-237.600,00
30-04-2000 - 135.300,00
31-05-2000 -130.200,00
31-05-2000- 221.100,00
30-06-2000- 191.400,00
31-07-2000-82.500,00
30-08-2000-
30-09-2000-472.000,00
30-10-2000-469.950,00
30-11-2000-416.000,00
30-12-2000-381.100,00
31-01-2001-451.199,00
28-02-2001- 428.300,00
10
31-03-2001-436.000,00
30-04-2001- 280.350,00
31-05-2001- 524.050,00
30-06-2001-413.700,00
30-07-2001- 108.000,00
30-08-2001-
28-09-2001 - 4 64.800,00
31-10-2001-491.775,00
30-11-2001-468.950,00
28-12-2001-402.549,81
30-01-2002-848,70
28-02-2002 - 1.852,65
30-03-2002 - 2.670,30
30-04-2002 - 1.573,20
31-05-2001-1.749,15
28-06-2002- 1.614,60
30-07-2002 - 1.624,95
30-08-2002-
30-09-2002 - 1.242,0 o
30-10-2002- 2.256,30
28-11-2002- 3.172,06
23-12-2002- 2.434,27
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
11
30-01-2003 -1.753,87
28-02-2003- 3.061,44
31-03-2003-2.296,08
30-04-2003- 2.062,22
30-05-2003- 1.637,02
30-06-2003- 2.444,90
30-07-2003 -1.573,24
30-08-2003 -
30-09-2003 - 488, 98
30-10-2003- 1.913,40
28-11-2003- 2.083,48
30-12-2003- 2.230,63
30-01-2004- 1.474,92
27-02-2004- 2.808,86
30-03-2004- 2.548,58
30-04-2004 - 1.301,40
31-05-2004-2.776,32
29-06-2004 -. 2.190,69
30-07-2004- 585,63
30-08-2004 -
30-09-2004- 173, 52
29-10-2004- 1.973,79
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
12
30-11-2004- 2.017,17
30-12-2004- 1.843,65
31-01-2005- 2103,93
28-02-2005- 1453,23
30-03-2005- 1973,79
29-04-2005 -1544,78
31-05-2005- 1935,20
30-06-2005- 1783,37
30-07-2005- 926,62
30-08-2005- 0,00
30-09-2005- 173,52
28-10-2005- 1691,82
30-11-2005-1930,41
28-12-2005- 1778,08
31-01-2006- 824,22
28-02-2006- 1539,99
31-03-2006- 997,74
28-04-2006- 672,39
31-05-2006- 1312,25
29-06-2006- 1626,75
31-07-2006- 260,28
30-08-2006- 0,00
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
13
~-
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
30-09-2006- 0,00
31-10-2006-1138,73
36. Os aumentos salariais que a ré atribuía ao autor eram anuais e normalmente ocorriam no
período coincidente com o início de cada ano lectivo, ou seja, no mês de Setembro.
37. Também em Setembro, o período normal de trabalho era alterado e fixado pela ré,
atendendo, se possível, às disponibilidades do autor.
38. A retribuição do autor era calculada em função do tempo de trabalho efectivamente
prestado, dimensionada pela unidade de tempo hora.
39. Nos tempos de "pausa lectiva", correspondentes aos períodos de férias de Natal, Carnaval,
Páscoa e Verão, o autor não prestava a sua actividade de formação à ré e, consequentemente,
não era remunerado pela mesma.
40. Os trabalhadores pertencentes ao quadro da empresa auferiam uma retribuição mensal
certa durante todo o ano, independentemente das horas leccionadas.
40-A. - O A. prestava o seu trabalho à R. em moldes em tudo idênticos àqueles em que o
prestavam os docentes pertencentes ao quadro da empresa!
41. Por várias vezes o autor solicitou à ré que lhe arranjasse mais horas de trabalho.
42. Para quitação das quantias recebidas em contrapartida do seu trabalho, o autor emitia à ré
os vulgarmente designados "recibos verdes".
42-A.- A solicitação da R., para deste modo procurar subtrair-se oos custos inerentes a um
vínculo loboral. 9
43. Durante o período que o autor prestou trabalho para a ré, esta nunca procedeu ao
pagamento de quaisquer subsídio de férias e de Natal, nem efectuou os devidos descontos
para a Segurança Social.
44. O autor enviou à ré a carta cuja cópia consta de fls. 169 dos autos, datada de 03 de
Novembro de 2006 e que aqui agora se reproduz no essencial:
8 Novo número aditado pelo Tribunal da Relação. 9 Novo ponto aditado pelo Tribunal da Relação.
14
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"João Paulo Carvalho Aragão Pino vem comunicar a V. Ex9, para todos os devidos efeitos
legais, a resolução do contrato de trabalho com justa causa, o que faz com os seguintes
fundamentos:
Após ter sido paga a retribuição correspondente ao mês de Outubro, verifiquei que o montante
pago foi objecto de redução relativamente aos meses anteriores. Tal situação advém da
redução da horário de trabalho, alteração efectuada sem o meu acordo, e da alteração da
forma de pagamento dos tempos lectivos, situação que sá me foi possível conhecer no
momento do pagamento da retribuição correspondente ao mês de Outubro.
Como é evidente, tais alterações lesam os meus interesses patrimoniais e as expectativas
entretanto criadas.
Acresce que ao longo de todos os anos de serviço, nunca me foram pagas as férias, subsídio de
férias e de Natal, bem como não foram feitos os descontos para a Segurança Social e pagos os
impostos devidos.
Assim, verificam-se vários fundamentos para o despedimento com justa causa, o que ora se
comunica, considerando o meu contrato de trabalho resolvido a partir da presente data.
( ... )."
45. Por carta datada de 14 de Novembro de 2006, a ré respondeu ao autor, negando qualquer
vínculo laboral e qualificando a relação mantida entre ambos como de "prestação de serviços".
46. Em 2 de Fevereiro de 2007, por intermédio da sua mandatária, o autor enviou nova carta
para a ré, cuja cópia consta de fls. 172 a 174 dos autos e que aqui se dá por integralmente
reproduzida, que a recebeu em 05/02/07.
47. Tal carta mereceu resposta da ré, através do seu mandatário, onde se podia ler o seguinte:
"Não me parece, pois, ter existido nenhum vínculo laboral entre os nossos Clientes.
Se me for demonstrado o contrário e houver algo a reparar, obviamente que aconselharei a
minha Cliente a pagar o que for devido."
15
~.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
48. Nessa sequência, e na tentativa de se chegar a um acordo entre as partes, o autor enviou à
ré a carta cuja cópia consta de fls. 178 a 180 dos autos e que aqui se dá por integralmente
reproduzida, à qual a ré não respondeu.
49. Na sequência de uma acção judicial intentada contra a ré para reconhecimento do vínculo
laboral e dos direitos correspondentes da professora Susana Dinis, que correu termos sob o n.E
1217/05.7TILSB, do SE Juízo, 2ª Secção do Tribunal de Trabalho de Lisboa, vieram as partes a
elaborar transacção, em 19 de Setembro de 2006, pagando a ré uma quantia pecuniária à
trabalhadora.
50. O plano curricular da Escola tem componentes de formação científica, cultural e técnica,
em obediência ao disposto no artigo 72 do Decreto-Lei nE 4/98 de 08/01.
51. Para poder ministrar aos alunos da Escola a formação técnica, a Escola Vai do Rio, por si e
através da ré, procurou formadores entre profissionais com conhecimento das várias matérias.
52. Assim, em 1999, a ré contactou com o autor que apresentou o curriculum vitae, cuja cópia
consta de fls. 212 a 215 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
53. O autor, em 1999, prestava serviços de formação em matéria de informática,
esporadicamente .'0
54. A Escola Vai do Rio e o autor, em Setembro de 1999, acordaram em que este passaria a dar
aulas na área de multimédia.
55. Em Setembro de 1999, o autor tinha uma avença com a associação portuguesa de árbitros
de futebol, para desenvolver e manter um "site", e prestava serviços na área de topografia,
actividades que continuou a manter depois de começar a trabalhar para a ré.
56. Já em 1999 o autor estava colectado nas Finanças como profissional liberal, sendo sujeito
passivo de IVA e passando recibo verde modelo 6.
57. A Escola Vai do Rio tinha, antes de 2005, face ao poder público, autonomia na organização
dos programas, nomeadamente na componente técnica que era leccionada pelo autor.
10 A expressão em itálico foi introduzida pelo Tribunal da Relação. 16
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
58. Em 01/09/2000, em 01/09/2001, em 01/09/2002, em 01/09/2003, em 01/09/2004, em
01/09/2005 e em 01/09/2006, o autor celebrou contratos com a ré, uns reduzidos a escrito,
outros não, prevendo-se nalguns ainda as funções de direcção de turma e tutoria, para dar ·
aulas em várias disciplinas e vários cursos.
59. No período em que colaborou com a ré, o autor desempenhou outras actividades
profissionais, junto de várias entidades e empresas.
60. No período compreendido entre Janeiro de 1999 e Julho de 2006, o autor passou recibos à
ré e a outras entidades.
61. Durante o período em que trabalhou para a ré, o autor nunca lhe apresentou nenhum
documento no qual invocasse a existência de um contrato de trabalho.
62. Até à data referida em 44, o autor nunca pediu à ré o pagamento de qualquer importância
a título de férias, subsídio de férias ou de Natal, nem solicitou o pagamento de contribuições
para a Segurança Social, por não querer correr o risco de ficar sem trabalho."
63. A carga horária que o autor tinha na Escola não preenchia totalmente as horas que tinha
disponíveis para dar aulas, mas tal circunstância não ficou a dever-se a outros actividades de
formação exterior.12
64. A Escola Profissional Vai do Rio tem contratado, para a docência na componente de
formação técnica, profissionais das respectivas matérias, todos eles com actividade exterior.
65. Assim, tem tido como formadores, realizadores e operadores de câmara de TV, fotógrafos
de jornais/revistas, fotógrafos de arte, directores de empresas de artes gráficas, de agências
de publicidade e profissionais da informática.
66. O autor, enquanto trabalhou para a ré, foi um bom profissional, desempenhando com rigor
as suas funções.
67. Desde o 3º trimestre de 1999 até ao 4º trimestre de 2006, o autor, enquadrado em IVA no
regime normal de periodicidade trimestral, apresentou as declarações periódicas cujas cópias
constam de fls. 261 a 326 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas».
11 A expressão em itálico foi introdu2ida pelo Tribunal da Relação. 12 /dem.
17
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
11.2- De Direito
2.1- Da Lei Aplicável
Discutindo-se, como visto, no caso em apreciação, a qualificação da relação jurídica
estabelecida entre o autor e a ré, desde Setembro de 1999 até 3 de Novembro de 2006 [logo,
constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, o que ocorreu em 1 de
Dezembro de 2003 (artigo 3º, número 1, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto), mantida após o
início da vigência do mesmo diploma e cessada depois da entrada em vigor da Lei nº 9/2006,
de 20 de Março, que alterou a redacção de vários preceitos do mesmo diploma e antes da
vigência da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou a revisão do Código do Trabalho],
importa atender, para o apontado fim, ao estatuído nos artigos 8º, número 1 da Lei nº
99/2003, de 27 de Agosto e 7º, número 1 da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro que, no
essencial, correspondem ao artigo 9º da Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 que, tendo
aprovado o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT), veio a ser revogada pelo
Código do Trabalho de 2003.
De facto, estabelece o primeiro dos referidos normativos (o do artigo 8º, número 1 da Lei nº
99/2003, de 27.08)13 que, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao
regime do Código do Trabalho de 2003 os contratos de trabalho e os instrumentos de
regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor,
salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados
anteriormente àquele momento.
Por seu turno, dispõe o segundo dos mencionados preceitos (o do artigo 72, número 1 da Lei
nº 7/2009, de 12 de Fevereiro) que, sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos
seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente Lei os
contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados
ou adaptados antes da entrada em vigor da referida Lei, salvo quanto a condições de validade
e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.
13 Que acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo, contido no artigo 12º do Código Civil. 18
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Assim, não se prefigurando no caso sub judice qualquer das situações especificamente
previstas nos artigos sequentes ao artigo 8º da Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto e não perdendo
de vista que a relação jurídica em análise iniciou-se em Setembro de 1999 e cessou em 3 de
Novembro de 2006, conclui-se que ao mesmo caso aplica-se o regime jurídico instituído no
Código do Trabalho de 2003, salvo quanto às condições de validade do contrato ou aos efeitos
de factos ou situações totalmente passados antes de 1 de Dezembro de 2003.
Daí que, quando o Código do Trabalho de 2003 regula os efeitos de determinados factos, como
expressão de uma valoração dos factos que estiveram na sua origem, se entenda que apenas
se aplica aos novos factos.
De que decorre que a presunção de laboralidade [que, estabelecida no artigo 12º do Código do
Trabalho de 2003, alterado pela Lei nº 9/2006, de 20 de Março, deriva do pressuposto de que
as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco
requisitos - os previstos nas alíneas a) a e) do mesmo normativo - , o que traduz uma
valoração dos factos que importam essa presunção] só se aplica aos factos novos, às relações
jurídicas iniciadas ou constituídas após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, o
que vale por dizer após 1 de Dezembro de 2003.
Assim, não se extraindo da matéria de facto dada como provada que tivesse havido uma
modificação essencial na configuração da relação jurídica que existiu entre o autor e a ré a
partir de 1 de Dezembro de 2003, para efeitos de qualificar a relação jurídica que, estabelecida
entre as partes, vigorou entre Setembro de 1999 e 3 de Novembro de 2006, há que recorrer ao
regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de
Novembro de 1969 (LCT)14, não se aplicando, no caso, a presunção de laborabilidade,
estabelecida no artigo 12º do Código do Trabalho de 2003.
Por último, e no que tange a esta questão, importa ainda ter em conta o Decreto-Lei nº 4/98,
de 8 de Janeiro, que criou as escolas profissionais no âmbito do ensino não superior, como é o
14 De conferir, no mesmo sentido e entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2010, Processo n• 482/06.7TIPRT.S1; de 20.01.2010, Processo nº 462/06.2MTS.S1; de 22.04.2009, Processo n• 3618/08; de 06.03.2013, Processo nº 3247 /06.2TILSB.Ll.S1; de 14.02.2013, Processo n• 2549/07.5TILSBL1.51; de 20.10.2011, Processo n• 9/11.9YFLSB; de 31.01.2012, Processo nº 121/04.0TISNT.L1.51; de 19.04.2012, Processo nº 30/08.4 TILSB.Ll.S1; de 08.05.2012, Processo n• 539/09.2TIALM.Ll.S1; de 30.01.2013, Processo n• 572/09.4CBR.Cl.S1,todos da 4ª Secção.
19
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
caso da Escola Profissional Vai do Rio, de que a ré é proprietária, e bem assim o seu
Regulamento Interno.
Posto isto ...
2.2- Da qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes
A.
De harmonia com o disposto no artigo 12 da LCT (que, como adiante se verá, veio a reproduzir
a expressão literal do artigo 11522 do Código Civil), contrato do trabalho é aquele pelo qual
uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a
outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
Por sua vez, o Código Civil, estabelecendo, no artigo 11522, que contrato de trabalho é aquele
pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou
manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta, preceitua, no artigo 11542, que
contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à
outa certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Sendo, como bem se vê, a prestação de serviço uma figura próxima do contrato de trabalho,
tem constituído entendimento da doutrina e da jurisprudência que o elemento caracterizado r
do último (o contrato de trabalho) é a subordinação jurídica, o que vale por dizer, segundo
Abílio Neto15, <<a relação de dependência em que o trabalhador se coloca por força da
celebração do contrato, ficando sujeito, na prestação da sua actividade, às ordens, direcção e
fiscalização do dador do trabalho», de modo que, para tanto, que o trabalhador se integra, de
algum modo, em maior ou menor escala, no círculo de esfera de domínio ou autoridade de
uma entidade patronal, sendo suficiente que esta possa dar-lhe ordens, dirigir ou fiscalizar o
seu serviço, não se exigindo que de facto e permanentemente o faça».
E, para Menezes Cordeiro16, a subordinação jurídica <<analisa-se, em termos técnicos, numa
situação de sujeição em que se encontra o trabalhador de ver concretizada, por simples
vontade do empregador, numa ou noutra a direcção, o dever de prestar em que está incurso>>.
15 Contrato de Trabalho, suplemento do BMJ, 1979, p.l70. 15 Manual do Direito do Trabalho, p. 535.
20
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Subordinação jurídica que, caracterizadora do contrato de trabalho, decorre, justamente, do
poder de direcção que a lei atribui à entidade empregadora (artigo 39º, número 1 da LCT) e a
que corresponde o dever de obediência por parte do trabalhador [artigo 20º, número 1, alínea
c} da LCT] e que, exigindo a mera possibilidade de existência de ordens, instruções ou direcção,
pode até não se evidenciar em cada momento do exercício de determinada relação de
trabalho, de sorte que, não raras vezes, aparentemente transmite a ideia da autonomia do
trabalhador que não recebe ordens directas e constantes da entidade empregadora, como
ocorre, sobretudo, em actividade que, por natureza, impõem a salvaguarda da autonomia
técnica e científica do trabalhador.
Diferentemente do que sucede no contrato de trabalho, no contrato de prestação de serviço o
devedor/prestador compromete-se a obter um determinado resultado, que efectiva por si,
com autonomia, logo sem interferências, sujeição a ordens, instruções ou direcção de
execução da outra parte.
Porém, como recorrentemente se tem considerado, a multiplicidade de situações susceptíveis
de verificação, dificultando muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho
subordinado, impõe que, no limite, se recorra a métodos aproximativos, fundados na
interpretação de indícios. É, de facto, o que acontece nos casos em que o trabalho é
desempenhado com elevada margem de autonomia técnica e científica, como, por exemplo,
no domínio das profissões liberais.
Âmbito em que, como salienta Monteiro Fernandes", « ... para haver subordinação jurídica
basta um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo
contrato). A verificação da existência de subordinação traduz-se, empiricamente, num juízo de
possibilidade e não de realidade».
Método aproximativo que permite concluir pela verificação (ou não) de uma situação de
subordinação jurídica, fazendo intervir indícios reveladores dos elementos que se têm como
caracterizadores da mesma, tais sejam os indícios negociais internos [v.g. designação conferida
ao contrato; vinculação a horário de trabalho; prestação da actividade em local definido pelo
empregador; modalidade de retribuição (em resultado do trabalho ou em função do tempo de
trabalho); direito a férias e a subsídios de férias e de Natal; incidência dos riscos ligados ao
17 Direito do Trabalho, 12• edição, p.142. 21
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
exercício da actividade desenvolvida sobre o trabalhador; inserção do trabalhador na estrutura
organizativa da unidade de produção; recurso a colaboradores por parte de quem
desempenha a actividade em causa; existência de controlo externo quanto ao modo de
prestação da mesma actividade; obediência a ordens e instruções ou sujeição à disciplina da
empresa] e os indicias negociais externos {v.g. relativos ao universo dos beneficiários a quem a
actividade é prestada; a observância dos regimes fiscais, de Segurança Social e de seguro
obrigatório; a sindicalização do prestador da actividade) 18•
Não obstante a importância de que se reveste o mencionado método, aceite pela doutrina e
pela jurisprudência, importa reter que o valor daqueles indícios possui um valor muito relativo,
de onde que o juízo a elaborar é sempre um juízo de globalidade, como refere Monteiro
Fernandes".
De todo o modo, nos termos do estatuído no artigo 342º, número 1 do Código Civil, cabe ao
trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho,
designadamente que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e
direcção do beneficiário da mesma e que se encontra integrado na estrutura da empresa do
empregador.
B.
Feitas que ficam estas considerações e revertendo ao caso em apreciação, constata-se, em
face da matéria de facto provada, que a ré é proprietária da Escola Profissional Vai do Rio e
que, nessa qualidade, celebrou com o autor João Paulo Carvalho Aragão e Pina, em Setembro
de cada um dos anos de 2000 a 2006, diversos contratos, nem sempre reduzidos a escrito,
denominados, nas situações em que o foram {confira-se folhas 216, 218, 219 e 220), de
«contrato de prestação de serviços».
Nos termos dos referidos contratos celebrados entre a ré e o autor [que, em 1999 e antes de
daquela ser proprietária da Escola Profissional Vai do Rio, ajustou com esta o contrato de
18 De conferir, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.09.2010, Processo nº 4401/04.7TTLSB.S1; de 16.01.2008, Processo nº 2713/07; de 12.09.2012, Processo nº 247 /10.4TTVIS.Cl.S1; de 12.10.2011, Processo nº 2852/06.1TTLSB.L1.51; de 14.04.2010, Processo nº 1348/05.3TTLSB.S1; de 06.03.2013, Processo nº 3247 /06.2TTLSB.L1.51; de 08.06.2011, Processo nº 700/08.7TTMTS.Pl.S1; de 20.10.2011, Processo nº 9/11.9YFLSB; de 25.01.2012, Processo nº 805/07 .1TTBCL.Pl.S1. 19 Direito do Trabalho, 12• edição, Coimbra, p. 145.
22
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
folhas 217, também designado de «contrato de prestação de serviços>>], o último obrigava-se a
prestar "serviços docentes", com início em Setembro do ano respectivo e fim em 1 de
Setembro do ano imediato e, nalguns casos, funções de tutoria (como decorre dos contratos
celebrados em 01.09.2000, 01.09.2001, 02.09.2002, 01.09.2003 e 01.09.2005) e bem assim de
direcção de turma (como resulta do contrato firmado em 02.09.2002), pelo número de horas
semanais previamente estabelecido e mediante a retribuição horária definida, acrescida dos
subsídios atribuídos pelas aludidas funções de tutoria e de direcção de turma.
Mais se constata que o autor estava sujeito ao cumprimento de um horário que era ajustado
para cada ano, pese embora, na sua elaboração, a ré atendesse, sempre que possível, à
disponibilidade do autor.
Os designados honorários, definidos em função do tempo despendido na execução da
actividade docente desenvolvida pelo autor, constituíam a contrapartida da mesma, logo
retribuição.
A actividade profissional em causa era executada pelo autor em moldes previamente
estabelecidos e organizados pela ré.
Assim, a mencionada actividade (que o autor desenvolvia em termos em tudo idênticos
àqueles em que faziam os docentes pertencentes aos quadros da empresa): i) era prestada
nas instalações da ré, que, com a participação e colaboração de docentes e formadores,
definia os conteúdos e objectivos, bem como as horas e o conteúdo de cada disciplina; ii) com
a utilização do material que a ré fornecia para o efeito; iii) no horário de trabalho estabelecido
pela ré, que controlava a sua assiduidade.
Por outro lado, o autor estava integrado na estrutura organizativa da empresa e submetido à
sua autoridade e direcção, pois que: i) encontrava-se vinculado ao Regulamento Interno da ré
[que, entre o mais, estabelece, no artigo 12Q, alínea m), que incumbe ao Director Pedagógico
exercer a matéria disciplinar, em relação ao Pessoal Docente]; ii) reportava aos coordenadores
dos vários cursos, em que se integravam as disciplinas que leccionava ou em que dava
formação e, a nível pedagógico, ao Director Pedagógico; iii) estava obrigado a integrar júris de
avaliação e a efectuar a respectiva avaliação e a participar nas reuniões do Conselho de Turma,
sempre que necessário; iv) competia-lhe controlar a presença dos alunos nas salas de aulas,
assinalando as correspondentes faltas, e bem assim avaliar os alunos, de acordo com o
23
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
calendário estabelecido pela ré e nas ocasiões por ela definidas, preparar e \eccionar as aulas,
de harmonia com o programa, e corrigir os exames; v) era-lhe exigida disponibilidade para
apoiar os alunos da ré, ainda que fora do horário das aulas, efectuando workshops, visitas de
estudo e outras actividades que fossem programadas pela ré; vi) as notas finais de avaliação
que o autor atribuía aos alunos da ré eram submetidas à validação ou ratificação do Director
de Turma e do Director Pedagógico; vii) as funções de tutoria, que o autor exerceu nos anos
\ectivos de 2000/2001 e 2005/2006, tinham lugar na data, no horário e no local determinados
pela ré, que as orientava e fiscalizava.
Indícios que, como bem se ajuizou no acórdão recorrido, considerados na sua globa\idade, são
de molde a permitir concluir que o autor encontrava-se submetido à autoridade e direcção da
empregadora e, como assim, que a relação jurídica estabelecida entre o mesmo e a ré, durante
os anos lectivos de 1999/2000 e seguintes até Novembro de 2006, configura,
substancialmente, uma verdadeira relação de contrato subordinado, pese embora a mesma
tivesse sido denominada, nos referenciados contratos, de "prestação de serviços".
É que, como se sabe, num contexto como aquele em que se desenrolou o caso vertente, o
nomen juris atribuído pelas partes ao contrato não só não é decisivo para efeitos de
qualificação da relação jurídica como assume um diminuto relevo.
E o mesmo sucede com respeito a determinados desvios havidos quanto ao exercício de alguns
direitos laborais (como sejam o facto de o autor não ter beneficiado de férias remuneradas,
nem nunca haver recebido subsídios de férias e de Natal, ou de não estar sujeito ao regime
fiscal e de Segurança Social próprio dos trabalhadores por conta de outrem) ou ao
processamento da contrapartida pela actividade laboral desenvolvida pelo autor (a emissão
dos chamados «recibos verdes»).
Procedimentos que, como é bom de ver, decorriam da configuração que a recorrente
pretendia conferir à relação jurídica em causa, e que mais não era se não a de contrato de
prestação de serviço.
Como, para o efeito, também não impressionam, efectivamente, as circunstâncias de o autor,
em Setembro de 1999, possuir uma avença com uma associação de futebol, ou de estar no
mesmo ano co\ectado, pelas Finanças, como profissional liberal, sendo sujeito passivo de \VA e
passar «recibo verde», modelo 6, ou de, paralelamente, ter desempenhado outras actividades,
24
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
junto de várias empresas, no período em que colaborou com a ré, ou de, no mesmo período,
ter passado «recibos verdes» a diversas entidades.
Com efeito, se é certo que, como se aduz no acórdão sob impugnação, nada na lei impede que
o trabalhador possa, fora do horário acordado com o empregador, desempenhar outra
actividade por conta própria ou alheia, não menos verdade resulta que, conquanto a
dependência económica e a exclusividade possam constituir indícios da existência de uma
relação de trabalho subordinado, elas não são essenciais à sua caracterização20•
Por outro lado, o facto de o regime jurídico das Escolas Profissionais (Decreto-Lei n2 4/98, de
08.01) prever a possibilidade de a contratação de docentes ser efectuada através de contrato
de trabalho ou de prestação de serviço tem como único efeito visível o de incumbir às partes,
no exercício da respectiva actividade, adaptar o tipo de contrato que considerem mais
adequado aos seus interesses.
Daí que não se vislumbre motivo para a invocação do princípio da liberdade contratual (artigo
4052 do Código Civil), para arredar a eventualidade de a relação jurídica existente entre o
autor e a ré configurar um contrato de trabalho, e não um contrato de prestação de serviço,
pese embora esta tivesse sido a forma como a empregadora a denominou.
Assim, ponderando tudo isto, se imponha concluir que o autor fez prova, como lhe competia
(artigo 3422, número 1 do Código Civil) de que a relação jurídica que estabeleceu com a ré
revestiu a forma de contrato de trabalho subordinado, e não de contrato de prestação de
serviço.
Em consequência, ao decidir deste jeito, não incorreu o acórdão recorrido na invocada
violação das normas dos artigos 3422, 4052, 4062, 11522 e 11542 do Código Civil e do artigo 12
da LCT.
lmprocedem, nesta conformidade, as conclusões 1ª a 11ª e 14ª da alegação do recurso de
revista.
2.3 -Do abuso do direito
20 Veja-se, no mesmo sentido e entre outros, o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2012, Processo n2 247 /10.4TTVISC1.51.
25
~.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Como se viu, sustenta a ré recorrente (confira-se conclusão 12~ da alegação do recurso de
revista) que, mesmo que se entenda que a relação jurídica que vigorou entre as partes integra
um contrato de trabalho subordinado, a acção sempre deverá improceder na medida em que
o autor conformou-se com a configuração do contrato, sendo que, ao vir formular os pedidos
dos autos, incorreu em uso ilegítimo do direito, por abusivo.
Como resulta do estatuído no artigo 334º do Código Civil, o abuso do direito, que se traduz no
exercício ilegítimo de determinado direito, decorre da circunstância de, ao exercê-lo, o seu
titular exceder de modo manifesto os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou
pelo fim social ou económico desse direito.
Assim, para que se possa falar de abuso do direito não basta que o titular do direito exceda
aqueles limites a que alude o citado artigo 334º do Código Civil, antes impõe-se que tal
excesso seja manifesto e gravemente atentatório da boa fé, dos bons costumes ou do fim
social ou económico do direito exercitado.
Por outra via, como tem considerado a doutrina e a jurisprudência21, não se exigindo que o
titular do direito actue com consciência de que, ao exercê-lo, está a exceder os mencionados
limites da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou eco nó mico do mesmo direito, basta
que, efectiva e objectivamente, tais limites tenham sido excedidos de forma ostensiva e
intolerável ou, dito de outro modo, que o direito haja sido exercido em .« ... termos
clamorosamente ofensivos da justiça>>, como ensina o Professor Manuel de Andrade".
Não obstante tal, incumbe à parte que invoque o abuso do direito o ónus de provar os factos
em que assenta a conclusão de que, ao exercer o direito, o respectivo titular excedeu de modo
manifesto a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do mencionado direito
(artigo 342º, número 2 do Código Civil), o que, no caso em apreciação, não aconteceu
Com efeito, em face do quadro factual assente, não resulta possível concluir que o autor
desenvolveu uma qualquer actuação que, objectivamente considerada, represente uma
21 De conferir Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Coimbra Editora, Limitada, 1967, Volume I, p. 217 e, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2012, Processo nº 805/07.1TIBCL.P1.S1; de 25.06.2009, Processo nº 2566/0S.S, todos da 4' Secção. 22 Teoria Geral das Obrigações, p.63.
26
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
patente e manifesta ofensa das regras da boa fé, dos bons costumes ou do fim social e
económico do seu direito, consistente, como visto, em reclamar os créditos emergentes da
declarada relação de trabalho subordinado, que manteve com a ré e, com respeito à qual, não
consta que o autor, de modo expresso ou tácito, houvesse criado a convicção de que, no
futuro, não iria exercer os direitos que, porventura, lhe coubessem, para daí retirar as
consequentes vantagens jurídicas.
E isto não obstante, no decurso da execução do contrato, terem as partes aceite o tratamento
de «contrato de prestação de serviços» àquele conferido pela ré.
É que, como já referido, num contexto como o presente, o nomen juris não só não é decisivo
para qualificar a relação jurídica em causa como assume escasso relevo.
Nesta conformidade, nada indiciando que o recorrido excedeu os limites impostos pela boa fé,
pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito exercido, e muito menos
manifestamente, impõe-se concluir que não se verifica o invocado abuso do direito.
1m procede, em consequência, a conclusão 12ª da alegação do recurso de revista.
2.4- Da renúncia do autor aos créditos reclamados
Em derradeiro termo, sustenta a recorrente (conclusão 13ª} que, ainda que se entenda que o
autor não agiu com abuso do direito, a decisão sob impugnação não poderá prevalecer, na
medida em que o autor renunciou aos créditos cujo pagamento reclama (diferenças salariais e
subsídios de férias e de Natal}.
Ora, quanto ao assim aduzido pelo recorrente, cumpre observar, para além do mais, que trata
-se de questão nova que, só agora tendo sido suscitada no recurso de revista, não foi objecto
de exame e decisão por parte das instâncias, maxime da Relação.
Ora, como se sabe, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 676ª,
número 1 e 690ª, número 1 do Código de Processo Civil} destinados a reapreciá-las e bem
assim alterá-las, e não a criá-las sobre a matéria nova, salvo quando se trate de questões de
conhecimento oficioso, o que não constitui o caso.
Nesta conformidade, não se conhece da questão suscitada pela recorrente na conclusão 13ª
da alegação do recurso de revista.
27
'
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
111 -Decisão:
Termos em que, negando-se a revista, se mantém o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 18 de Setembro de 2013
Manuel Augusto Fernandes da Silva
28
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
RECURSO N." 6.039/06
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
Patrícia ,João Nunes de Oliveira, professora de natação. residente na Rua S. João
Bosco, n. 0 4, 1° Esq., em Queijas, instaurou acção declarativa emergente ele contrato
individual ele trabalho com processo comum contra
INFANSA - Sociedade de Desporto e Lazer, S.A., pessoa colectiva n. 0
503.098.191, com sede na Rua Bartolomeu Dias, 11. 0 120, Lote E, em Lisboa. invocando a
nulidade do seu despedimento, e pedindo a condenação da Ré reintegrá-la no seu posto de
trabalho. sem prejuízo de vir a optar pela inclemnização de antiguidade a exercer no
momento próprio. e ainda a pagar-lhe o montante já vencido de € 1.793. 13, acrescido elas
retribuições que se vencerem até decisão final, e de juros calculados ú taxa legal de 4%) ao
ano contados desde a citação da R. e até integral pagamento.
Pediu ainda que, no caso de vir a optar pela cessação do contrato de trabalho. a Ré
seJa condenada a pagar-lhe a indemnização substitutiva da reintegração. bem como as
férias, subsídio de férias e de Natal que se vencerem em consequência daquela cessação.
Alegou para tanto e em síntese o seguinte:
Desde 1107/2001 até 16/04/2004, trabalhou sob as ordens, direcção e autoridade da
R., ministrando aulas de natação aos alunos ele um estabelecimento pertencente a esttt. que
o contrato que as vinculava nunca foi reduzido a escrito e que. mais tarde. a R. pretendeu
formalizar a relação contratual entre ambas, apresentando-lhe um contrato de prestação de
serviços. que recusou outorgar, por entender que entre ambas vigorava um contrato de
trabalho: o que levou ao seu despeclimento;
Alegou ainda que a Ré nunca lhe pagou subsídios de férias e de Natal.
A Ré contestou a acção, sustentando, em síntese, que o vínculo que vigorou entre
as partes não é de qualificar como contrato de trabalho, mas sim como um contrato de
prestação de serviços, tendo concluído pela improcedência da acção e pela sua absolviçôo
dos pedidos.
No decurso da audiência ele julgamento. a A. declarou optar. em de!initivo, pela
indcmnização de antiguidade em substituição da reintegração.
!SECRETARIA JUDICIAL 21 322 29 92 Rué1 do Arse11al. Letra G 1100-038 LISBOA - Telef. 21 322 29 00 Fax REP. ADMINISTRATIVA 21 347 'lB 44
Saneada e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e,
em consequência, decidiu: 1) declarar ilícito o clespeclimento ela A. decretado pela R.; 2)
condenar a R. a pagar ao A. as quantias que se vierem a apurar em incidente ele liquidação
correspondentes: a) aos subsídios ele férias elos anos ele 2002. e 2003; b) aos subsídios ele
Natal relativos aos anos ele 200 l (proporcional correspondente ao período decorrido desde
01/07/2001 e 31/12/2001, inclusive), 2002, e 2003; às retribuições, incluindo férias,
subsídios de ferias e subsídio ele Natal vencidos desde 15/03/2005 até à data elo trânsito
em julgado ela presente sentença ou, sendo a mesma objecto ele recurso, do acórdão que
venha a connrmar a ilicitude elo seu despeclimento, deduzindo-se do valor global das
mesmas as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação
do contrato e que não receberia se não fosse o clespeclimento; c) aos proporcionais de
l'erias, subsídio de f'erias, e subsídio ele Natal respeitantes ao tempo decorrido desde
O I /0 I /2004 até 16/04/2004: à indemnização em substituição da reintegração,
correspondente a um mês de retribuição base auferida pelo A. à data do despedimento por
cada ano ele antiguidade ou fracção, contada desde 01107/2001 até ao momento referido
em c); aos juros de mora sobre as quantias referidas em a) a e), contados à taxa legaL
desde a citação até integral pagamento.
lnconformacla, a Ré interpôs recurso ele apelação ela referida sentença, tendo
sintetizado as suas alegações nas seguintes conclusões:
1 ") - Vem o presente recorrer da sentença de ns. 99 e seguintes. que considerou
como procedente a presente acção, clecidinclo pela existência de um verdadeiro contrato de
trabalho celebrado entre as partes;
2") - Ora, a Recorrente não pode aceitar tal posição, porquanto, e ao invés do
decidido pelo Tribunal o quo, celebrou com a ora Recorrida um contrato de prestação de
serviços;
3") - Ainda assim, e apesar da nulidade arguida, a ora Recorrente vem requerer a
reapreciação da matéria de facto. nos termos do disposto no art. 712° do CPC;
4") - Quanto ao horário de trabalho, o tribunal a quo deu como provado que ·'O
horário da A. era determinado todos os anos pela R., antes do início da "época
desportiva", de acordo com a clisponibiliclacle previamente manifestada pela A.. e vigorava
até ao final ela mesma ''época" (n. 0 6 ela matéria ele facto provada);
5") - No entanto, de acordo com a transcrição elos depoimentos prestados em sede
de audiência, os horcírios poderiam ser alterados durante a dita época desportiva.
2
m E ~
ro u _j
TR~BUNAL DA RELAÇÃO DE USBOA
6")- Veja-se. a esse título, os depoimento do Dr. António Fíuza Fraga (cassete n. 0
2. Lado A, 00:00 a 156:56) e elo Sr. Inácio Branco (cassete n° 2. Lado A, 26:57 a 43:22):
7")- Assim, e salvo melhor opinião, não pode afirmar o tribunal a quo. como o !Cz
no ponto 6 dos factos provados, que o horário acordado com a Autora vigorava até ao final
ela mesma época, porquanto ficou claro que o horário podia ao longo da época sofrer
mutações. como é entendível, em função da necessidade do clube face ao número de
alunos por turma;
8")- Por outro lado, no ponto 15 dos factos provados, resultou que:
"15- De acordo com instruções emanadas c difundidas pela R., o uso de vcstuúrio
mencionado em 14 era obrigatório para todos os instrutores c funcionários administrativos
que exerciam funções na "Infante de Sagrcs- Nautilus Health Club":
9") - Ora, elo depoimento das testemunhas ela Recorrida c do Recorrente, resulta
que era utilizado determinado vestuário por parte dos monitores ela natação, mas não
resulta que a sua não utilização por parte ele algum monitor tivesse alguma consequcncia.
lO") - Pelo que não pode o tribunal o quo concluir que o mesmo era obrigatório,
conforme resulta do ponto 15 dos factos provados.
11 ") - Do depoimento elo Sr. Nelson Ribeiro .. testemunha arrobcla pela Recorrida
(cassete n." I, Lado B, 00:00 a 38:40), resulta:
Advogada: Muito bem. Obrigada. Diga-me só outra coisa: quanto ao facto de
terem de utilizar determinada "farda", como ...
Nelson Ribeiro: Exacto.
Advogada: ... como disse, determinado equipamento de vestuário. Se não usassem
tinham alguma sanção? Por exemplo no seu caso?
Nelson Ribeiro: Nunca me aconteceu, não sei.
Advogada: Mas, por exemplo, se ... se ...
Nelson Ribeiro: Não sei. Não sei.
Advogada: ... se não ... se não, se não o tivesse. se não o tivesse lawtclo. se não o
tivesse ... a jeito do vestir e se aparecesse com outro pólo?
.Juiz: Senhora doutora. (imperceptível) ...
Nelson Ribeiro: Não sei. isso nunca me aconteceu .. ,
12") - Veja-se, ainda, os depoimentos do Dr. António Fiúza Fraga. (cassete n" 2.,
Lado A, 00:00 a 16:56), do Sr. Inácio Branco e do Sr. Diamantino V enido, testemunha
I SECRET/'.RIA JUDICIAL- 21 322 29 9:! Rua do Arsenal. le!ra G -· 1100-038 LISBOA -· Telef. 21 322 29 00 - Fax: REP. /\OMINISTRATIVA _ 21 :1-H 98 44
arrolada pela Recorrente (cassete n° 2, Lado B, 00:00 a 32: l7):testemunhas arroladas pela
Recorrente (cassete no 2, Lado A, 26:57 a 43:22).
13") - Pelo que, e quanto à utilização de vestuário e equipamento do clube, ora
Recorrente, deveria ter resultado provado que a utilização do mesmo não era obrigatória
por parte elos monitores.
14")- Porquanto, e como resulta elos depoimentos supra transcritos, o vestuário era
e é entregue por patrocinadores, sendo acordado por todos os monitores a sua utilização c,
por IIm, não existindo qualquer tipo ele sanção para a sua não utilização por parte ele
algum monitor.
15") - Ora, não se vislumbra qualquer obrigatoriedade na utilização de um
vcstuório oferecido por patrocinadores elo "clube", ora Recorrente.
16") - Quanto aos pontos 17 a 22 e 25 elos factos provados, resulta também. alguma
contradição com os depoimentos prestados em sede ele julgamento, porquanto, e conforme
foi explicado pelas testemunhas da Recorrente, nunca foram impostas regras, mas stm
dadas a conhecer não só as regras ele funcionamento do estabelecimento, bem como os
resultados que cada monitor deveria apresentar em relação a cada turma por si ministrada.
17")- Por outro lado, e salvo o devido respeito, parece que existe alguma conf'usão
com as regras normais ele funcionamento e com a própria gestão elo estabelecimento.
18")- Uma vez que é óbvio que nunca poderiam ser os monitores a seu belo prazer
definir o número ele alunos por turma, nem mesmo a distribuição elos mesmos por aula.
19") - I~ uma tarefa administrativa que cabe, neste caso em concreto, ao
Coordenador Técnico. Aliás, este, de acordo com as avaliações elos alunos feitas pelos
monitores, distribuiu os alunos pelas turmas, tendo em conta os níveis ele aprendizagem,
as vagas c os horórios.
20") - Razão pela qual os monitores entregavam as avaliações ao Coordenador
Técnico.
21 ") - Contudo, tal facto não pressupõe uma hierarquia, nem uma estrutura, mas tão
só uma gestão de logística c ele bom funcionamento, que os professores, ora monitores de
natação si'ío totalmente alheios.
22") - Tanto mais, e conforme resulta elos depoimentos, os monitores e a Autora,
ora Recorrida, tinham autonomia para leccionar, bem como para proceder às referidas
avaliações. não existindo qualquer tipo ele intervenção por parte elo referido Coorclcnaclor
Técnico~
4
o •m .D m z
TRIBUNAL DA R LAÇÃO DE USBOA
23") - Aliás, e como resulta dos depoimentos de todas as testemunhas, nunca
tiveram conhecimento de ter sido alterado qualquer avaliação feita por um monitor.
24") - Por outro lado, e independentemente dos documentos juntos com a petição, c
que o Tribunal a quo deu como provados, o facto é que nenhuma testemunha arrolada pela
Autora conseguiu afirmar que alguma vez a Recorrente tenha aplicado alguma sanção a
um monitor.
25") - Veja-se o depoimento do Sr. Miguel Cabrita. testemunha arrolada peb
Recorrida (cassete 11. 0 1, Lado A 33:17 a 40: 15).
26") - Bem como o depoimento do Sr. Nelson Ribeiro, testemunha arrolada pela
Recorrida (cassete n. 0 L Lado B, 00:00 a 38:40).
27") - E os depoimentos do Dr. Antônio Fraga (cassete n. 0 2. Lado A 00:00 a
26:56) e do Sr. Inácio Branco (cassete n. 0 2, Lado A, 26:57 a 43:22) e do Sr. Diamantino
Venido. (cassete n° 2, Lado A, 43:23 a 50:17), testemunhas arroladas pela Recorrente
28") -Nestes termos, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal o quo, nilo podia
considerar a matéria provada, porquanto nunca foram impostas regras. mas sim dadas a
conhecer não só as regras de funcionamento do estabelecimento, bem como os resultados
que cada monitor deveria apresentar em relação a cada turma por si ministrada.
29") - A Recorrida não recebia ordens. mas sim directrizcs sobre o bom
funcionamento do estabelecimento, bem como sobre os resultados que deveria apresentar.
30") - Por 11m, e quanto a sanções, mais uma vez se rea!lrma, tendo em conta os
depoimentos supra transcritos .. que a Recorrida nunca foi sujeita a aplicaçilo ele qualquer
sanção.
31 ") - Assim, c face aos depoimentos das testemunhas, tanto ela Recorrente como
ela Recorrida. supra transcritos, o tribunal a quo não podia dar como provado a matéria de
facto como o fez, nomeadamente os pontos 6. 15, 17 a 22 e 25. pelo que. e nestes termos,
deverá ser reaprcciada a presente matéria de facto.
32")- Por outro lado, as questões fundamentais analisadas pela sentença. ora em
crise. consistem em:
a) Ajerú· da qua!ijicoçàojurídica do contmto dos autos.
h) Caso se conclua que lo! contrato é um contraio de trahalho. apurar.
i. Se na vigência do controlo se !'enceram créditos salariais que a R. mio pagou à
I SECRETARIA JUDICL"-L · 21 322 29 92 Rua do Arseniil. Letra G - 1100-038 LISBOA • Tele!. 21 322 29 00 - Fax REP ADMINISTR!\TI\IA. 21 347 9G ,44
5
ii Se ocorreu despedimento da A. pela R. e em caso afirmativo, se o rnesnw é lícito
ou ilícito e, sendo ilícito. aferir das suas consequências;
iii Quais os créditos emergentes da cessação da relaçâo contratual entre A. e R ..
indepemlentemente da causa efitndamenlo daquela.
33") - Com interesse para a discussão o tribunal deu como provada a matéria de
J~1cto, que se encontra supra transcrita.
34") - Relativamente à primeira questão tratada pelo tribunal a quo, nomeadamente
aferir ela qualificação jurídica elo contrato, objecto elos presentes autos, conclui o tribunal
pela existência ele um contrato ele trabalho.
35") - Ora, em primeiro lugar, a ora Recorrente não pode aceitar, de todo em todo,
a decisão proferida pelo tribunal a quo, porquanto, e contrariamente ao ora decidido. não
só o art. 12° elo Código elo Trabalho admite prova em contrário, uma vez que o mesmo
dispõe que "se presume", como, ainda. a Recorrente fez prova da inexistência da
celebração ele um contrato ele trabalho com a A.
36a) - Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, se o artigo citado refere a
expressão ··se presume", significa, como é óbvio, que admite prova em contrário!
37") - Em primeiro lugar, e citando Monteiro Fernandes, in Din:-ito do Trabalho.
12a ed., Almedina, pág. 141. "o prestador ele serviços pode não ser absolutamente
autónomo no que diz respeito ao processo conducente à obtenção do resultado e aos meios
e materiais a utilizar. Ele pode estar contratualmente obrigado a utilizar certos materiais.
ou a seguir determinado modelo ou figurino ou até a realizar pessoalmente a actividade
necessúria c1 consecução elo resultado."
38") - Ora, o prestador pode ficar sujeito a orientações ele caráctcr geral e ser
obrigado a prestar o seu serviço em determinado local e dentro ele certo horário, mas. nem
por isso, podemos dizer que existe contrato de trabalho.
39a)- De acordo com o citado autor, quando tal situação ocorrer estaremos perante
condições contratualmente definidas, fundadas no consenso das partes e não na autoridade
directiva de uma sobre a outra.
40") - Além disso, e de acordo com o Acórdão do STJ de 16/03/2005, disponível
em www.dgsi.pL que analisa uma situação similar.
41 ") - Mais. c conforme se encontra provado. nomeadamente nos pontos 19 e 20
dos factos provados, a Recorrida e demais colegas, avaliavam o nível técnico de cada
aluno. transmitindo tais avaliações ao Coordenador Técnico.
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o IC'Ü _o m z ci f=
RIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
42")- Este, por sua vez, tinha por função, de acordo com as avaliações feitas pelos
monitores, organizar as turmas por níveis e definir os respectivos horários.
43") - Salvo o devido respeito, tais factos não provam, de todo em toch uma cadeia
hierárquica!
44") - Contudo, e conforme consta tanto do depoimento das testemunhas da
Recorrente como das testemunhas da Recorrida, as avaliações elos alunos leitas pelos
monitores nunca foram alvo de fiscalização, nem mesmo repetidas. Eram aceites'
45") - Ora, e como é óbvio, teria de caber a alguém a elaboração das turmas de
natação, tendo por base as avaliações. e dividir essas turmas por horários' Ou seja, à
estrutura interna da Ré.
46") - Ora, a Recorrida não reportava ao Coordenador Técnico. A Recorrida. de
acordo com a sua autonomia técnica, apenas, se limitava a informar o Coordenador do
resultado elas avaliações por si feitas a novos e antigos alunos. de modo a que este pudesse
organizar os horários ele forma homogénea.
47") - A Recorrida e os restantes monitores não fazem parte da estrutura
organizativa da Ré. São prestadores de serviços que foram contratados para ministrar aulas
de natação e/ou exercer funções de nadador salva-vidas.
48") - De facto, existem directrizes e/ou orientações gerais emitidas pela Ré. que
abrangem tanto colaboradores, ou seja, no caso em apreço. os monitores de natação. bem
como os próprios clientes/utentes da piscina.
49") - São directrizes/orientações para um correcto e bom runcionL~mento do
espaço!
50") - Como será o caso das regras ele postura e comportamento, constantes elo
ponto 1 7 elos factos provados.
51") - Mas estas regras de postura são sinónimas ele cadeia hicrórquica e de
estrutura organizativa?
52") - Parece-nos que não!
53") - Aliás, estas regras fazem parte ele procedimentos correntes, norma1s c
obrigatórios para qualquer utente de uma piscina.
54") - Além disso, são regras necessárias e obrigatórias para a boa segurança do
espaço e dos respectivos utentes.
I SECRETf,R!A JUDICIAL - 21 322 29 92
Ru~ do Arsenal. Letra G - 1100-038 LISBOA Telef. 21 322 29 00 Fax REP. ADiJliNISTRATIVA _ 21 :147 98 44
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55") - Quanto à farda - ponto 1 S dos factos provados - a utilização da mesma tinha
por intuito, por um lado, a imagem do estabelecimento e, por outro lado, possibilitar a
qualquer utente distinguir o pessoal afecto ao ginásio da Ré.
56a) - Contudo, e conforme ficou esclarecido pelo depoimento da testemunha
Nelson Ribeiro (cassete n° I, Lado B, 00:00 a 38:40), arrolada pela Recorrida e pelas
testemunhas da ora Recorrente, ninguém seria sancionado caso não vestisse o polo.
57") - Mais, e de acordo com o referido depoimento do Sr. Nelson Ribeiro, foram
entregues 3 polos de cores diferentes.
58") - Ora, cada monitor, a seu belo prazer, escolhia a cor do pólo que pretendia
vestir num determinado dia.
59")- Pelo que, não existia qualquer obrigatoriedade!
60") - Por outro lado, o tribunal a quo faz uma interpretação demasiadamente
extensiva quanto aos pontos 15 a 22 dos Ü1ctos provados.
61") - Mais uma vez a Recorrida não exercia a sua actividade mediante orientações
da Recorrente. Existia, sim. um resultado a atingir ao final do ano lectivo.
62") - Pelo que. e nessa medida, existia um plano de aulas para poder atingir o
objectivo proposto. que consiste em cada aluno passar de nível de aprendizagem no final
de cada ano lcctivo.
63a)- Contudo. e dentro da sua autonomia técnica, a Recorrida e demais monitores.
eram livres de optar/escolher a forma de ministrar as suas aulas.
64")- De facto, e conforme resulta elo ponto 22 elos factos provados, havia reuniões
entre Coordenador Técnico ela piscina e os monitores de natação.
65a) - O que é lógico e se entende que numa organização desportiva terá de haver
sempre um mínimo de coordenação entre as diferentes classes e turmas.
66") - Reuniões que tinham por objectivo avaliar as turmas ele natação. debater
novos procedimentos, debater algum caso em particular.
67")- Aliús, e conforme resulta elo Acórdão elo STJ ele 18/01/2006, que analisa um
caso similar.
68")- Por fim. e quanto <:1 aplicação de eventuais sanções, cumpre relembrar que ele
acordo com o depoimento ela testemunha Diamantino Veniclo (testemunha arrolada pela
Recorrente). o mesmo afirmou que:
"Advogada: Diga-me outra coisa: existe na Infansa algumas, vamos lá, algumas
informações, algumas orientações ... alguma directivas no sentido de que poderá haver a
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o ~m _Q
rv z
R~BUNAL DA RELAÇÃO DE USBOA
aplicação de sanções aos monitores, aos professores de natação? Ou aos outros professores
também.
Diamantino Venido: Não ... só se ...
Advogada: Perante determinados incumprimentos poderá haver sanções?
Diamantino Venido: Não, não. Nunca houve, nem ... nem actualmente existe. Pode
é haver uma avaliação da minha parte de chegar ao fim de um tempo e o pro Cesso r não
está a cumprir minimamente ...
69") - Por outro lado, cumpre, ainda, salientar que, quanto a este depoimento, o
mesmo se encontra imperceptível e inaudível no que respeita à análise do documento
transcrito no ponto 25 dos factos provados.
70") - Por outro lado, do depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida. Sr.
Nelson Ribeiro (cassete n° 1, Lado B, 00:00 a 38:40). resulta que:
.. Juiz: Sugerido. Agora documento número ... ?
Advogado: Cinco.
Juiz: Cinco. não é, senhor doutor? Cinco com a petição inicial. Faça favor ele o ler.
Nelson Ribeiro: (inaudível) agora não me recordo deste ...
Juiz: Não se lembra?
Nelson Ribeiro: Deste não."
71")- Pelo que. contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo. ni'ío existia regras
de disciplina impostas pela Recorrente.
72") - Nem mesmo pode o Tribunal a quo considerar, e dar como provado. que
tanto a Recorrida. como os monitores, estavam sujeitos a regras de disciplina impostas
pela Recorrente.
73")- Por outro lado, a Autora, ora recorrida, através de contrato verbaL a partir de
117/200 I, foi contratada pela Ré para exercer as funções de monitora de natação. (ponto 2
dos factos provados).
74") - Apesar da referida contratação não se encontrar formalizada por escrito, o
l~1cto é que as partes quiseram celebrar um contrato de prestação de serviço, aliús,
conforme se pode verificar pelas condições estabelecidas: estipulação de um valor hora,
autonomia técnica na ministração das aulas, flexibilidade de horório. ni'ío exclusividade
para com a Recorrente, ete.
75") - Além disso, este tipo de contratação é prática usual neste tipo de actividade.
tanto mais que a Recorrida se encontrava colectada como profissional liberal. emitindo os
Rua do Arse~eal. Letr2 G 11 00~038 LISBOA ~ JUDICLI\L - 322 2U D2
2i ~-,t\7 0B 4~1
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respectivos ''recibos verdes", conforme o declarado pelas testemunhas António Fraga
(cassete n° L Lado R 38:41 a 50:07) e Inácio Branco (cassete n° 2, Lado A 26:57 a
43:22)
76") - Está. igualmente, provado, que a Recorrida exercta as suas funções de
monitora de natação nas instalações ela Recorrente, utilizando instrumentos a que esta
pertenciam e cumprindo o horário que por aquela lhe era atribuído (conforme pontos 4 e 6
dos J~1ctos provados).
77") -Na realidade, tais f~1ctos integram o conjunto de indícios que, normalmente,
são tidos como reveladores da existência de subordinação jurídica.
78") - Todavia, no caso dos presentes autos, a relevância ele tais indícios é
praticamente nula, dada a natureza da actividade prestada, uma vez que é totalmente
inconcebível que a Recorrida pudesse exercer as funções de monitora de natação para que
foi contratada fora das instalações do ginásio e que pudesse ser ela a estabelecer o
respectivo horário - vide Acórdãos do STJ de 16/03/2005 e 29/11/2005, disponíveis em
wvnv.dgsi.pt.
79") - Além disso, e conforme se encontra provado, nomeadamente no ponto 5 e 6
dos l~1ctos provados, a actividade não era exercida ininterruptamente, mas correspondente
ao ano lectivo, ou seja, de Setembro a Julho ou Agosto.
80")- Por outro lado, o horário da Recorrida não era imposto, unilateralmente. pela
Recorrente. O horário era determinado de acordo com a disponibilidade manifestada pela
Recorrida. uma vez que ministrava aulas de natação em outros estabelecimentos para além
elo ela Recorrente (ponto 34 dos factos provados)
81 ") - Nessa medida. e dado que a disponibilidade dos monitores podia alterar
todos os anos, tendo em conta os horários elos outros estabelecimentos onde prestava
serviços. a Recorrente reunia com os monitores para saber da disponibilidade dos mesmos,
ele forma a organizar os horários elo seu estabelecimento.
82") - Pelo que, todos os anos a Recorrente se vê confrontada com a oscilação de
disponibilidade dos seus monitores, em virtude dos mesmos prestarem funções em
diversos estabelecimentos.
83") - Facto este afirmado pelas testemunhas António Fraga, Inácio Luís Branco e
Diamantino Venido. arroladas pela Recorrente, respectivamente, cassete n" I. Lado B.
38:41 a 50:07. cassete n° 2, Lado A, 26:57 a 43:22 e cassete n° 2. Lado A 43:23 a 50:17:
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO D USBOA
84") - Por fim, o horário estabelecido, por acordo das partes, não era fiscalizado
pela Recorrente.
85") - De Ü1cto. tantos os utentes, os colaboradores/monitores c os administrativos
da Recorrente têm acesso ao estabelecimento através de um cartão magnético. que serve
de controlo c segurança ao acesso do referido ginásio, balneários e piscina.
86") - Pelo que, a Recorrente não procedia a qualquer fiscalização ele horário. a
nível de assiduidade, tanto mais que nunca exigiujustiflcativos pelas faltas ocorridas.
87") - Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, o facto ela Recorrida ser
remunerada em função do número de aulas efectivamente dadas terc1 de ser interpretado a
f~lVor ela inexistência ele subordinação jurídica (pontos 7, 8 c 27 elos 1~ctos provados).
88") - Bem como emitia a f~vor ela Recorrente os correspondentes recibos verdes,
como profissional liberal.
89") - Por outro lado, não consta da matéria de f~cto dada como provada que a
Recorrida tivesse de justillcar as suas faltas perante a Ré.
90") - Apenas se encontra provado, nomeadamente nos pontos 8 a 1 O dos factos
provados, que, em caso de falta, a recorrida não recebia o valor correspondentes ús aulas
que tivesse faltado e que tinha de avisar, por telefone, os serviços da Ré.
91")- Além disso. também se encontra provado que ou a Recorrida indicava um
colega monitor para a substituir ou ficava a cargo do Coordenador Técnico proceder ú
substituição.
92")- De facto, a Recorrida avisava a Recorrente que iria f21ltar! Mas, será que isso
significa subordinação hierárquica?
93") - Ou será que se deve, tão só, ao facto da Recorrida ter assumido o
compromisso de dar certas aulas e. em caso de falta. ser necessário arranjar um substituto
para que uma turma não fique sem a aula?
94") - Por ilm. também se encontra provado que a Recorrida excrcta as suas
funções de monitora noutros estabelecimentos, pelo que não exercia a sua actividadc
exclusivamente para a Recorrente.
95")- Pelo que. as funções exercidas na Recorrente não eram. ele Cacto. a sua Cmica
fonte de sustento.
96")- Além disso. também se encontra provado que a Recorrida nunca gozou réri<lS
remuneradas, nem recebeu subsídio ele férias ou de natal (pontos 28 c 29 elos {~tetos
provados).
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Rlli1ciu Arsenal Letra G 1100-038 LiSBOA Telef 21 322 29 00 Fax: REP. ADMINISTRATIVA_ 21 347 95 44 I I
97") - Perante este conjunto de factos, e contrariamente à interpretação feita pelo
tribunal a quo. a actividadc de monitora de natação é uma das actividades que, devido à
autonomia técnica que lhe é inerente, pode ser perfeitamente exercida mediante contrato
de prestação de serviços.
98")- Aliás. tendo sido essa a intenção das partes quer quanto à contratação verbaL
quer no que respeita ao próprio exercício da actividade.
99") -Alias, sendo a Recorrida professora, não se compreenderia que tivesse aceite
as condições da Recorrente aquando do início das suas funções como monitora, sabendo,
perfeitamente, que se tratava de uma verdadeira prestação de serviços, se essa não fosse
realmente a sua vontade.
1 00") - Pelo que. c tendo em conta todos os elementos supra elencados, estamos
perante um verdadeiro contrato ele prestação ele serviços, e não um contrato de trabalho,
conforme o decidido pelo Tribunal a quo.
1 O I") - Por fim, e quanto aos pontos 3 a 7 da sentença de 11s. 109 a 114, ora
recorrida, os mesmos ficam prejudicados, uma vez que não se verifica a existência de um
contrato ele trabalho. mas sim um verdadeiro contrato ele prestação ele serviços.
1 02") - Nestes termos, a sentença. ora recorrida, viola o disposto no art. 12° elo
Código elo crrabalho e o art. 1154° elo Código CiviL devendo a mesma ser revogada. com
as legais consequências.
Terminou pedindo o provimento do recurso e, em consequência:
a) A anulação do julgamento em 1 a Instância, em virtude dos depoimentos
gravados se encontrarem imperceptíveis e mesmo inaudíveis, nomeadamente das
testemunhas Miguel Cabrita, Nelson Ribeiro (arroladas pela Recorrida) e Diamantino
Venido (arrolado pela Recorrente) impedindo. consequentemente uma completa
reapreciação da prova, nos termos do disposto no art. 690-A e 712° n° 4 do C.P.C:
b) Se assim não for entendido, a reapreciação da matéria de facto disponível e a
revogação da sentença ora em crise, por violação do disposto no art. 12° do Código do
Trabalho e art. 1 154° elo Código Civil, com as legais consequências, nomeadamente ser a
presente acção considerada improcedente por não provada.
A A., na sua contra-alegação, pugnou pela confirmação da sentcnp recorrida e
pela improcedência elo recurso.
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TRiBUNAL DA RELAÇÃO DE USBOA
Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram
os autos a esta Relação onde. depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e
decidir.
As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes:
1. Saber se a audiência de julgamento enferma da nulidade que a apelante lhe
imputa;
2. Sabe1· se a decisão que dirimiu a matéria de facto contt·ovcrtida deve ou não
ser alterada nos seus pontos n. 0S 6, 15, 17 a 22 e 25;
3. Saber se a relação contratual que vinculou ambas as partes, no período
compreendido entre 1/7/2001 c 15/4/2004, consubstancia ou não um contrato de
trabalho.
H. FUNDAMENTAÇÃO
Nulidade da audiência de discussão c julgamento
No seu requerimento de fls. 121 e na parte final ela sua alegação ele recurso. a
apelante requer a anulação da audiência de julgamento, alegando que os registos
lLinográílcos elos depoimentos de três testemunhas inquiridas, nessa audiência. contêm
passagens imperceptíveis c inaudíveis que impedem uma completa reaprcciação ela prova
produzida nessa audiência.
As alegadas deficiências técnicas que. segundo a Ré, tornaram imperceptíveis c
inaudívcis algumas passagens elos depoimentos produzidos por essas testemunhas na
audiência de julgamento, se forem impeditivas da reapreciação clzt prova legalmente
Ü1cultada às partes, podem ter inHuência na decisão da causa e, por cssd razão,
consubstanciar uma nulidade processual, sujeita ao regime dos arts. 201°, 202° (2" parte),
203° e 20.5" do CPC.
Tratando-se ele uma nulidade processual e não ele uma nulidade ele sentença, a
mesma devia apenas ser suscitada no requerimento de fls. 121, perante o juiz elo processo,
e não simultaneamente nesse requerimento e no recurso de apelação, uma vez que este
apenas pode ter como objecto a sentença recorrida.
I SECRET/\RIA JUDICI/\L - 21 322 :29 02
Rué1 do Arsenni. Letra G 1100·038 LISBO.t, Teleí. 21 322 29 00 - Fax: REP. ADMINISTRATIVA_ 21 347 'lB 44
Como ensmava o Prof. A. dos Reis 1 das decisões judiciais recorre-se, contra as
nu I idades (processuais) reclama-se.
O recurso não é, portanto, o me10 processual adequado para reagir contra uma
nulidade desta natureza.
A sua arguição, através de requerimento (reclamação), perante o tribunal onde roi
cometida, era assim o único meio legalmente admissível para reagir contra essa nulidade.
No caso em apreço, verifica-se que o Mmo juiz a quo apreciou o requerimento de
lls. 121 e julgou improcedente a referida nulidade no seu despacho ele lls. 368, despacho
esse que, por não ter sido impugnado, já transitou em julgado. Tendo transitado em
julgado, o mesmo tem força obrigatória dentro deste processo. deixando, assim. ele ter
qualquer cabimento o pedido ele anulação ela audiência de julgamento que a apelante
formula na parte final da sua alegação de recurso, com base em tal nulidade processual.
Impugnação ela decisão sobre a matéria de facto
A apelonte impugnou a decisão da matéria ele f~lcto. alegando que face aos
depoimentos das testemunhas que transcreveu nas suas alegações, o tribunal a quo não
podia dar como provada, nos termos em que o fez, a matéria de facto descrita nos n. 0S 6,
15, 17 a 22 e 25, pelo que deverá a prova produzida sobre essa matéria ser reapreciada por
esta Relação e a decisão da matéria de Jacto alterada nesses pontos.
A apelada pugna pela manutenção da referida decisão, nos pontos impugnados,
alegando que a mesma está em conformidade com a prova documental e testemunhal
produzida.
Antes de iniciarmos a apreciação da prova produzida sobre a referida matéria
convém ter presente que o juiz da l" instância aprecia livremente a prova produzida sobre
a matéria de facto controvertida, nos termos do art. 655° do CPC, e decide essa matéria em
conformidade com a sua íntima convicção, formada no conJI·onto de todos elementos
colhidos no decurso ela produção da prova, elementos esses que só a imediação lhe
permite alcançar na sua plenitude.
A gravação sonora nem sempre faculta todos os elementos c todas as situações
circunstanciais que condicionaram ou int1uenciaram a convicção elo juiz de 1" instância.
No decurso ela prova oralmente produzida, existem aspectos comportamentais ou reacções
elos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e
1 Cfr. Comentórios. 2° vol. póg. 507.
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE USBOA
valorados por quem os presencia, que escapam completamente ú gravaçi'ío dos
depoimentos das testemunhas
Ao admitir a impugnação ela matéria de facto e a reapreciaçi'ío ela prova pela 2"
instância, o legislador não visou a subversão ou a postergação desse princípio, mas apenas
assegurar uma maior e mais efectiva possibilidade ele reacção contra eventuais e
seguramente excepcionais erros do j ulgaclor na livre apreciação elas provas e na flxaçi'ío da
matéria de facto relevante para a solução jurídica elo litígio (cfr. preâmbulo do DL 35/95,
de 15/02).
Daí que, ao reapreciar a prova gravada, a 2" instância não tenha que se preocupar
em procurar uma nova convicção, mas preocupar-se fundamentalmente em saber se a
convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravaçilo da
prova- com os demais elementos existentes nos autos- pode exibir perante si 2.
Tendo isso presente, procedemos à aucliçi'ío dos depoimentos das testemunhas que
se pronunciaram sobre o horário de trabalho da apelada (n. 0 6 ela matéria ele l~1cto provada)
e verificámos que todas elas afirmaram que o horário de trabalho era determinado pela Ré,
antes do início da época desportiva, de acordo com as disponibilidades mani restadas pela
autora. É certo que algumas delas, designadamente, António Fraga c Inácio Branco,
admitiram a possibilidade elo horário estabelecido poder vir a ser modificado, sempre de
acordo com as disponibilidades da A, mas nenhuma delas afirmou que isso tenha
sucedido, em relação à A.
Em relação à matéria do ponto 15 no qual se deu como provado que ··De umnlo com
Í/1.\'/ntç-Des emanadas e díji111dídas pela R .. o uso do vestuárío mencíonado em f -1 era ohrí,'!Jtlrirío pm·u todos
os ínstmtores ejimcionáríos odmínístratívos que exercíomjim~·De.1· na "/njimte de Sugres ,Vuutílu.1 l!eulth
Club ", a apelante procedeu à transcrição de diversos depoimentos de onde retira que do
incumprimento dessa regra nenhuma sanção advinha para os monitores de natação, razão
pela qual não se podia dar como provado que o uso do vcstuc1rio atrás reCerido era
obrigatório. Mas também aqui não tem qualquer razão. Com cí'eito, dos depoimentos das
testemunhas ouvidas sobre esta matéria, designadamente dos depoimentos de Nelson
Ribeiro, de António Fraga e de Diamantino Venido, resulta, de forma clémt, que era
obrigatório o uso de farda, mas nenhuma declarou que do não uso da mesma não advinha
nenhuma sanção, nem essa ilação se pode extrair do l~cto dessas testemunhas ni'ío terem
conhecimento que alguém tenha sido sancionado por essa falta.
2 Cfr. Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo CiviL li V oi. 3" cd. p~gs. 173 c scgs, Ac. ela
RC 3/10/1001, C.J, Tomo 4°, pág. 17 e Ac. do STJ, de 13/3/1003, in www.clgsi.pt.
I SECRETARIA JUDICIAl.· 21 322 29 92
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A apelante impugna também a matéria de facto dos n. 0S 17 a 22 e 25, onde se
retratam diversas regras impostas pela Ré e mesmo a advertência sobre a aplicação de
sanções em caso de incumprimento, fazendo-se referência a documentos juntos a fls. 12 e
20 dos autos ele onde constam aquelas regras e advertências. Sustenta que aquelas regras
eram regras ele funcionamento do estabelecimento e não propriamente instruções da Ré
integradas numa estrutura organizada e hierarquizada, só lhe interessando o resultado elo
trabalho da apelada.
iVIas não é isso que resulta dos depoimentos das testemunhas ouvidas sobre esta
matéria. Com efeito, a testemunha iVIiguel Cabrita afirma que o Coordenador Técnico
dava as directrizes das aulas que iam ser dadas e o tipo de objectivos que se pretendiam
para essas aulas: definia os pré-requisitos para a inclusão dos alunos nos diversos níveis;
só ele podia autorizar a entrada de um aluno numa turma; visitava as aulas dadas pelos
monitores de natação para verificar se as instruções dadas estavam a ser seguidas: o
Director Técnico transmitia aos monitores de natação admitidos a necessidade de
cumprimento elas hierarquias na Ré e a subordinação ao Coordenador Técnico. E depois
de conf'rontado com o documento junto a J1s. 20 elos autos confirmou a existencia ele
memorandos contendo determinações e regras que tinham ele ser cumpridas.
O mesmo resulta dos depoimentos das testemunhas Nelson Ribeiro, que confirmou
o depoimento da testemunha Miguel Cabrita, c elos depoimentos das testemunhas António
Fraga, Inácio Branco que também confirmaram a existência ele regras impostas aos
monitores de natação, sem as quais o funcionamento das aulas não era possível.
A decisão que recaiu sobre os referidos pontos da matéria ele facto não merece.
assim. qualquer reparo, devendo manter-se nos pontos impugnados.
Factos provados
1. A Ré lnf~msa - Sociedade de Desportos e Lazer. Lda., dedica-se,
notTteadamente. a ministrar aos seus clientes aulas de natação, num complexo desportivo
denominado '·Infante de Sagres- Nautilus Health Club".
2. Por acordo verbal firmado entre a A Patrícia João Nunes ele Oliveira e a Ré. a
partir ele O I /07/2001, aquela passou a exercer as funções ele monitora de natação, no
comple'\o identificado em I. mediante contrapartida em dinheiro.
3 . ... tendo exercido tais funções até 15/04/2004 (inclusive);
16
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TRiBUNAL DA RELAÇÃO O USBOA
4. A A. exercia a actividade referida em 2 nas instalações da R. identificadas em 1,
utilizando equipamentos e materiais pertencentes a esta, e em horário estabelecido nos
termos descritos em 6;
5. A actividade da R. era organizada por ciclos denominados ·'épocas desportivas'·.
que começavam em Setembro de cada ano e terminavam em Julho ou Agosto elo ano
subsequente.
6. O horário da A. era determinado todos os anos pela R., antes do início ela ·'época
desportiva", de acordo com a disponibilidade previamente manifestada peb A., e vigorava
até ao final ela mesma "época".
7. A remuneração referida em 2 era fixada em função do número de aulas
mensalmente leceionadas pela A., sendo entregue pela R. à A. mensalmente.
8. Se a A. faltasse, era descontada ela remuneração mencionada em 2 e 7 a quantia
correspondente ao número de aulas a que a A. tivesse faltado.
9. Caso precisasse de faltar, a A. avisava por telefone os serviços ela R .. sendo o
Coordenador Técnico desta quem determinava o professor que iria substituí-b.
lO. Não obstante o referido em 9, a A. podia combinar previamente com outro
monitor ele natação do '·Infante ele Sagres- Nautilus Health Club" que este a substituiria.
submetendo tal ·'troca'' à aprovação do Coordenador Técnico ou, na sua l~1lta, elo Director
Técnico.
t L De acordo com regras definidas pela R., para aceder ô piscina a A. utilizava um
cartão magnético que lhe permitia passar nas cancelas rotativas que dão acesso aos
balneários e piscinas do complexo desportivo identificado em 1;
12. Também os utentes do ·'Infante de Sagres- Nautilus Health Club'' acediam ôs
piscinas, ginúsios e balneários deste através de cartões magnéticos que lhes permitiam
passar nas mesmas cancelas rotativas.
13. Jú no cais da piscina a A. anotava, diariamente, em impresso fornecido pela R.,
as horas de entrada c saída. e o número de aulas ministradas. assinando tal folha.
14. No exercício da actividade referida em 2, a A. utilizava vestuário fornecido
pela R., com sinais distintivos ela "Infante de Sagres- Nautilus l-lealth Club'' c dos seus
patrocinadores.
15. De acordo com instruções emanadas e difundidas pela R .. o uso do vestuilrio
mencionado em 14 era obrigatório para todos os instrutores e funciomírios administrativos
que exerciam funções na "Infante de Sagres- Nautilus 1-Iealth Club".
1 " , 1
cc __ ·\SECRETARIA JUDICIAL 21 322 29 92 Rua do .l\rsenal. Letra G ,100-0c,S LISBOA - Te,ef. 2. 322 2J 00 Fax. REP ADMINISTR;\TIVA 21 347 Sl8 44
I 7
16. O número de alunos por classe, e os objectivos a atingir em cada nível de
preparação elas aulas de natação ministradas pela A. eram definidos pela R., através do
Coordenador Técnico.
17. Em data não anterior a 10/09/2001, a R. definiu também regras de "postura e
comportamento" a observar pelos monitores de natação que exerciam funções na "Infante
de Sagres- Nautilus Health Club", nomeadamente as seguintes:
a) Utilizar chinelos dentro ela piscina; não podendo estes ser utilizados fora da
zona ela piscina;
b) Não utilizar ténis/sapatilhas no cais da piscina;
c) Utilizar sempre os pólos do clube, e não utilizar roupão ou outro tipo de
vestuário;
d) Não comer ou beber dentro da piscina;
e) Sempre que houver utentes na piscina, perguntar aos mesmos se necessitam
e ajuda e falar com os mesmos;
O Nunca se sentar, descansar, ou ler enquanto houver utilizadores da piscina
em actividade na mesma;
g) Nunca abandonar a piscina antes que o colega que vai "render'' chegar.
18 .... tendo transmitido tais regras à A. e demais instrutores ele natação elo "InLmte
de Sagres - Nautilus Health Club'', com a advertência de que deveriam observá-las, o que
fez nomeadamente através ela comunicação escrita cuja cópia se acha a fls. 12.
19. A A., tal como os restantes instrutores de natação avaliavam o nível técnico de
cada aluno de acordo com os critérios definidos pela R., transmitindo os resultados de tais
avaliações ao Coordenador Técnico;
20 . ... o qual, na posse ele tais informações, orgamzava as turmas e definia os
horários das mesmas.
21. A divis8o da piscina em ''pistas" e a distribuição destas pelas várias aulas que
simultaneamente tinham lugar nos mesmos horários eram igualmente efectuadas pelo
Coordenador Técnico ela R ..
22. O Coordenador Técnico tinha como funções desempenhar as tarefas
mencionadas nos pontos anteriores e, ele uma maneira geral orientar os monitores de
natação, e coordenar e acompanhar o seu trabalho, transmitindo-lhes as directrizes
emanadas pela R .. nomeadamente em reuniões e através de comunicados escrito.
23. O Coordenador Técnico respondia perante o Director Técnico da R ..
18
m E
"' c '"' .D m z
TR~BUNAL DA RELAÇÃO DE USBOA
24. A R. comparticipava as despesas com acções de formação f]-equentadas pela A.
e demais monitores de natação.
25. Em data não posterior a 11106/2002, a R. estipulou que caso os monitores ele
natação e ·'demais colaboradores" elo "Infante ele Sagres - Nautilus Health Club'' não
cumprissem as regras de funcionamento estabelecidas pela R .. seriam na ··primeira
ocorrência" alvo de uma "advertência verbal"; na ·'segunda ocorrência", objecto de
''advertência escrita" e, na "terceira ocorrência", ser-lhes ia descontada. da sua
remuneração mensal, o montante correspondente a "uma hora de remuneração".
26. A R. transmitiu à A. e aos demais monitores de natação ela ''In Cante ele Sagres
Nautilus Health Club" a decisão referida em 25, através da comunicação escrita que se
acha a ils. 20, c que foi subscrita pelo Director Técnico.
27. Enquanto exerceu as funções referidas em 2, a A. auferiu remunerações
mensais de montante não concretamente apurado.
28. Enquanto exerceu as funções referidas em 2, a A. nunca gozou lerias
remuneradas.
29. A R. nunca entregou qualquer quantia à A. a título de '·subsídio de ferias'' ou
de "subsídio de Natal".
30. Em data anterior a 11/03/2004. a R. propôs à A. a outorga de um acordo escrito
intitulado '·contrato de prestação de serviços".
31. A A. recusou outorgar o acordo escrito mencionado em 30, por entender que a
relação profissional que mantinha com a A., consubstanciava um '·contrato de tr~1balho ...
32. Face à recusa referida em 31, a R. enviou à A. a carta cuja cópia se acha a lls.
33-A. na qual lhe comunica que considera revogada a relação de prestação de serviços
existente entre ela e o "Infante Sagres Nautilus Health Club, com efeitos a partir do dia
16/04/2004.
33 .... c. a partir de 16/04/2004, a A. não mais exerceu a actividadc descrita em 2
no "Infante Sagres Nautilus I-lealth Club".
34. Entre O 1/07/2001 e 15/04/2004. a A. ministrou aulas de natação em outras
instituições para além do "Infante Sagres Nautilus Health Club".
35 .... o que fez com o conhecimento da R .. c sem a oposição desta.
I SECRETARIA JUDICIAL.· 21 29 92. Rua elo /-\rsen;::il. L(~Üll G í;OQ-038 LISBOA Telef. 21 322 29 00 Fax: REP. i\OI'vi\NiSTRAT\VA 21 347 9B 44
\9
Os factos e o diJ·eito
Como dissemos atrás, a questão fulcral que se nos coloca neste recurso está em
saber como qualificar juridicamente a relação contratual que existiu entre as partes. no
período compreendido entre 1/7/2001 e 15/4/2004. A apelante sustenta que essa relação
configura um contrato de prestação de serviços; a apelada e o juiz recorrido sustentam,
pelo contnírio. que consubstaneia um contrato de trabalho.
Vejamos quem tem razão.
A lei define o contrato de trabalho como sendo aquele pelo qual uma pessoa se
obriga, mediante retribuição. a prestar a sua activiclacle intelectual ou manual a outra
pessoa, sob a autoridade e direcção desta (art. 0 1152° do Código Civil e art. 0 10° do Código
do Trabalho) e como contrato de prestação de serviço (trabalho autónomo) aquele em que
uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual
ou manual, com ou sem retribuição (art. 0 1155° do Código Civil).
Enquanto no contrato de trabalho um dos contraentes se obriga a prestar ao outro o
seu trabalho, a prestação de serviços tem por objecto o resultado do trabalho e não o
trabalho em si, e, para chegar a esse resultado, não fica o obrigado sujeito à autoridade e
direcçilo elo outro contraente.
Mas como se pode verdadeiramente saber se se promete trabalho ou um seu
resultado, se todo o trabalho conduz a algum resultado e se este não existe sem aquele') O
único critério legítimo está em averiguar, se a actividade é ou não prestada sob a direcção
da pessoa a quem ela aproveita, que dela é credora3. Em caso afirmativo promete-se
trabalho em si, porque à outra parte competirá, ainda que porventura em termos bastante
ténues dirigi-lo, encaminhando-o para a consecução elos resultados que se propõe. O
trabalhador integra-se na organização ela entidade patronal, é um elemento ao serviço dos
seus fins.
Como resulta da própria definição legaL a existência ele contrato de trabalho
impl iea a verificação cumulativa ele dois elementos: - a subordinação económica do
trabalhador ao dador ele trabalho, que se revela pelo facto de aquele receber deste certa
remuneração, com a quaL em princípio subsiste ou faz face às necessidades do seu
agregado familiar; - e a subordinação jurídica que se traduz no facto de o trabalhador na
prestação da sua actividade. estar sujeito às ordens, direcção e fiscalização da pessoa
'Cfr. Prof. Galvão Telles. Contratos Civis, BMJ 83°, 166.
20
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
servida, sendo irrelevante que essa sujeição SeJa efectiva ou simplesmente potencial.
Contudo. de harmonia com a doutrina e a jurisprudência dominante. só a subordinação
jurídica constitui elemento essencial do referido contrato. isto é, o que o caracteriza é o
l~1cto de o trabalhador não se limitar a promover a execução de um trabalho ou a prestação
de um serviço - o que também podem fazer os trabalhadores independentes mas que se
coloque sob a autoridade da pessoa servida para a execução do referido serviço.
Em termos gerais, a subordinação jurídica analisa-se no poder do empregador
conformar a actividade do trabalhador através de instruções. de directivas. de ordens e no
correlativo dever de este as acatar. O núcleo irredutível do contrato de trabalho traduz-se,
ele acordo com este critério, numa relação ele poder juridicamente regulada; no poder elo
beneficiário da prestação de trabalho de programar a actividade elo devedor e delinir
como, quando, onde e com que meios a deve executar4; no poder de a entidade patronal
orientaL através de ordens, directivas e instruções. a prestação a que o trabalhador se
obrigou, fiscalizando a sua actuação.
Essa subordinação, como vimos, até nem exige que as ordens. clirectivas e
instruções sejam efectivamente dadas ao trabalhador, bastando apenas que o possam ser,
estando o trabalhador sujeito a recebê-las e a cumpri-las. Como refere Menezes Cordeiro.
a subordinação jurídica analisa-se em termos técnicos. numa situação ele sujeiçi:\o em que
se encontra o trabalhador, ele ver concretizada, por simples vontade elo empregador, numa
ou noutra direcção, o dever de prestar em que está incurso:;. Ultimamente. tem vindo a
assistir-se a uma progressiva flexibilização ela subordinação jurídica, em termos ele a
considerar compatível com uma grande, ou mesmo completa, autonomia técnica,
reduzindo as suas manifestações a aspectos externos à própria prestação de trabalho,
embora com ela conexos.
Em certos contratos de trabalho a prestação de trabalho é efectuada com tanta
autonomia que dificilmente se divisam os traços ele subordinação jurídica ou a retribuição
estiltão ligada à execução ele produtos acabados que a situação se apro:-.:ima muito das do
trabalho autônomo. Por outro lado, o trabalho autónomo não é incompatível com a
-I Cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, pág. 56.
'i Cfr. Manual de Direito do Trabalho, 1 O" edição, pág. 535.
I SECRETARIA JUDICIAL· 21 :122 2él 92 Rua do Arsenal. Letra G 1100-038 LISBOA - Telef. 21 322 29 00 -- Fax REP. ADMINISTRATIVA. 21 347 ml 44
21
execução ele certas clirectivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo
. . I ú como o serviço e prestac o .
A subordinação jurídica pode comportar, assim, diversos graus, nomeadamente em
função das aptidões profissionais do trabalhador e da tecnicidade das próprias tarefas,
podendo atenuar-se ao ponto ele constituir pouco mais elo que uma genérica supervisão por
parte ela entidade patronaL que pode até nunca ser exercida, sendo apenas meramente
potencial.
A subordinação jurídica não é por conseguinte incompatível com a autonomia
técnica. como resulta claramente do art. 5° n. 0 2 da LCT e nada impede que actividades
como ensino da natação, onde se pode verificar uma certa autonomia técnica, seja objecto
de contrato de trabalho.
O poder de dirigir, nessas situações, pode expnmtr-se ou traduzir-se através ele
elementos ele f~1cto concretos que, como veremos, constituem indícios mais ou menos
claros ela existência ele subordinação jurídica.
Nesta como em muitas outras situações similares, saber se existe contrato de
trabalho, não transparece a uma primeira análise, tornando-se necessário recorrer a
elementos de facto concretos. que constituam indícios da ocorrência ou não da referida
subordinação jurídica.
A vinculação a um horário de trabalho, a execução ela prestação em local definido
pelo empregador. a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência à
disciplina da empresa e a dependência funcional são elementos que traduzem uma situação
típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem.
Havendo contrato de trabalho, normalmente, os instrumentos de trabalho. serão
pertença elo dador de trabalho e os riscos da actividacle correrão por conta daquele. Se o
local de trabalho se situar em estabelecimento pertença do empregador ou em local por
este determinado há indício de se tratar de contrato ele trabalho. O mesmo sucede se a
remuneração for estipulada em função de determinada unidade de tempo (mês. semana ..
dia. hora, etc.) e não em função dos resultados obtidos e se a mesma for devida em
quantitativo certo e paga mensalmente.
Outro tanto se diga se as funções a desempenhar forem coordenadas por pessoas
directamente relacionadas com a empresa, integradas na sua estrutura e organização. e se o
'' Cfr. l3ernardo Lobo Xavier- Curso de Direito do Trabalho, pág. 30.2.
22
R~BUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
início e o termo do tempo de trabalho estiverem sujeitos a controle pessoal ou mecânico
da empresa.
Indicativo da existência de contrato de trabalho é ainda o facto de o prestador ele
trabalho estar subordinado aos regulamentos c às instruções da empresa a que presta
serviÇO, trabalhar integrado na estrutura e na organização da empresa que o contratou,
receber e cumprir direetivas e orientações de alguém integrado nessa estrutura
relacionadas com a actividade que desempenha.
Importa salientar ainda que, de acordo com o disposto no art. 12° elo Código do
Trabalho, presume-se que as partes estão vinculadas por um contrato de trabalho, sempre
que, cumulativamente: a) o prestador ele trabalho esteja inserido na estrutura organizativa
do bencílciário da actividade e realiza a sua prestação sobre as orientações deste: b) o
trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta
controlado, respeitando um horário previamente definido; c) o prestador de trabalho seja
retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade; d) os instrumentos
de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo bene{~ciório da actividacle: e) a
prestação de trabalho tenha sido executada por um período ininterrupto, superior a noventa
dias.
Reportando-nos à relação contratual em apreço, e tendo presente a matéria de {~lcto
provada, nela podemos constatar que a A. exercia a actividade de monitora de natação
para a R., e que, no exercício dessa actividade, reportava a um Coordenador Técnico, ao
qual competia orientar os monitores de natação. coordenar e acompanhar o seu trabalho,
transmitindo-lhes as directrizes emanadas da Ré. nomeadamente em reuniões e através de
comunicados escritos; eslava obrigada a usar vestuório fornecido pela Ré; exercia a sua
actividade sob as orientações da Ré e estava vinculada a regras de postura e de
comportamento estipuladas por esta a qual chegou a reservar-se o direito de aplicar
sanções, caso a A. e demais monitores de natação ao seu serviço as não cumprissem. A A.
exercia as suas funções de monitora nas instalações da R.. utilizando meios c
equipamentos fornecidos por esta, cumprindo um horório de trabalho por ela previamente
estipulado, de acordo com a disponibilidade que a A. lhe manifestava, no início de cada
época desportiva; a sua remuneração era paga mensalmente e era fixada não em função do
resultado do seu trabalho, mas em função do tempo despendido na actividade que
prestava; a Ré comparticipava nas despesas respcitantes às acções de fórmação
frequentadas pela A. e demais monitores de natação; quando faltava, a A. comunicava
Ruél do Arsenal. Letra I SECRETARIA JUDICIAL - 21 322 29 92 1100-038LISBOA Telef. 21 322 29 00 - Fax .. REP 1\DMINISTRATIVA- 21 347 98 44
pelo telefone aos serviços da R., sendo o Coordenador Técnico desta quem determinava o
professor que iria substituí-la.
Em suma: a A. exercia as suas funções servindo-se da estrutura e da organização
de meios que a Ré lhe disponibilizava; o seu trabalho, desde I ele Julho ele 200 l até 1 S ele
Abril de 2004, integrou-se sempre, ele forma continuada e duradoura, nessa organização,
cuja titulariclacle e controlo lhe era alheia; desempenhou as funções ele monitora de natação
no seio dessa estrutura, ininterruptamente, durante 33 meses e meio, não se tendo limitado
a apresentar, por meio de prestações instantâneas, um determinado resultado.
Além ele se mostrarem preenchidos todos os requisitos previstos nas alíneas a), b),
c), el) e e) elo art. 12° do Código do Trabalho, verifica-se que os elementos indiciaclores ela
existência ele uma relação juridicamente subordinada, além de muito mms numerosos
mostram-se bastante mais relevantes e consistentes do que os que apontam para a
existência de um contrato de prestação ele serviços. Os elementos ineliciadores da
existência ele uma relação de trabalho autônomo são escassos, pouco seguros e muito
pouco relevantes. Na verdade, o facto de a A. trabalhar para outras entidades para além da
Ré, não é exclusivo de uma relação de trabalho autônomo, nem descaracteriza a relação
contratual em apreço como de trabalho subordinado, pois o que releva numa relação desta
natureza não é a dependência econômica, ou a exclusividade da relação, mas sim a
subordinação jurídica e esta, em nossa opinião, ficou suficientemente demonstrada no caso
vertente.
O mesmo sucede em relação ao regime de faltas. Sustenta a apelante que o facto de
a A., quando faltava, apenas avisar os serviços da Ré, não tendo que dar qualquer
explicação ou justificação sobre as faltas constitui também um indício de uma relação de
trabalho autônomo. Mas não tem razão. A este elemento de facto não pode atribuir-se a
releváncia que a Ré lhe atribui, uma vez que, numa relação de trabalho subordinado o
trabalhador está (também) apenas obrigado a avisar ou a comunicar à entidade patronal as
suas faltas (art. 25°, n. 0 s 1 e 2 do DL 874/76, de 28/12, e art. 228°, n. 0 S 1 e 2 do Código do
Trabalho), destinando-se esse aviso ou essa comunicação a dar conhecimento da situaçilo
em que o trabalhador se encontra para que aquela possa organizar o serviço de forma a que
este possa funcionar mesmo sem a sua presença, podendo o trabalhador ser substituído por
outro. A justificação só deverá ser apresentada se a entidade patronal a exigir (n." 3 elo art.
2Y' do DL 874/76, ele 28/12, e art. 229°, n. 0 l do Código elo Trabalho).
24
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE USBOA
O mesmo se diga em relação ao facto de a A. nunca ter gozado férias remuneradas
nem nunca ter auferido "subsídio de férias" e "subsídio de Natal". Estes indícios só
poderiam ser considerados juridicamente relevantes e ser levados em consideração na
qualificação da relação contratual se estivessem em sintonia com os elementos de facto
substanciais apurados, ou seja, com a relação contratual que efectivamente existiu. Como
isso não sucede, não se lhe pode atribuir qualquer relevância.
Assim, tendo ficado demonstrado que a A. se encontrava juridicamcnk
subordinada à Ré na relação contratual que com ela manteve entre 117/2001 e 15/4/2004,
temos de concluir. como concluiu a sentença recorrida, que essa relação consubstanciava
um contrato de trabalho.
Aliás, a existência de contrato de trabalho resulta também da verificação da
presunção prevista no art. 12° do Código do Trabalho - atento o preenchimento
cumulativo de todos os requisitos previstos nas cinco alíneas deste preceito -- presunção
essa que a apelante não conseguiu ilidir. Esta nem sequer se pode socorrer da presumível
vontade negociai das partes, pois ficou provado que a Ré rescindiu o contrato que a
vinculava à A. desde 117/200 I, quando esta se recusou formalizar um ··contrato de
prestação de serviços, como a Ré pretendia, invocando aquela que a sua recusa se devia ao
facto de considerar que entre elas vigorava um contrato de trabalho.
Qualificada tal relação contratual como contrato de trabalho. as questões dele
emergentes hão-de ser, necessariamente, equacionadas à luz das normas do rcgtme
jurídico do contrato de individual de trabalho.
E urna dessas questões é a de saber se foi ou não lícita a forma como cessou o
contrato de trabalho que vinculava ambas as partes.
Com interesse para a apreciação desta questão ficou provado que o R. comunicou
por carta à A. que considerava revogada a relação de prestação de serviços existente entre
ela e o "]nfante Sagres Nautilus Health Club, com efeitos a partir do dia 16/04/2004, c que
a A. não voltou a exercer ali a sua actividade, a partir dessa data.
As formas de cessação do contrato de trabalho estilo previstas no mt. 384° do
Código do Trabalho e a denúncia do contrato nestes termos configura um verdadeiro
despedimento promovido pela Ré, o qual tem necessariamente de se considerar ilícito, por
não ter sido precedido do respectivo procedimento e por não haver justa causa (art. 429°,
ai. a) do Código do Trabalho).
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A A. tem, portanto, direito às prestações salariais e à indemnízação de antiguidade
que a sentença recorrida lhe reconheceu, não merecendo, também nessa parte, qualquer
reparo.
lmprocedem, assim, todas as conclusões da apelação.
IV. DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento à apelação e
confirma-se inteiramente a sentença recorrida.
apelante.
\~lc'--'~L " ...... " .... 'J ... "
26
S.
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 48 Secção
Rua do Arsenal- Letra G- 1100-038 Lisboa Tel: 213222900 - Fax: 213479845 - Mail: [email protected]
Processo n. o 808/ 11.11TLSB.L1
Apelação 2a
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
NUNO RICARDO PINHEIRO GABRIEL DE MELLO, residente na Rua
Tomás Ribeiro, no 46, 4o Esq., 1050-230 Lisboa intentou a presente acção
declarativa emergente de contrato individual de trabalho com processo
comum contra:
CHAPITÔ- COLECTIVIDADE CULTURAL E RECREATIVA DE SANTA
CATARINA, ESCOLA PROFISSIONAL de artes e ofícios do espectáculo,
... ambas, com sede na Rua Costa do castelo, no 1/7, 1149-079 Lisboa,
pedindo que o Tribunal:
1. Declare a existência de um contrato de trabalho subordinado entre o autor e
as rés;
2. Declare ilícito o seu despedimento, promovido pelas rés;
3. Condene as rés a pagar-lhe:
a) Uma indemnização em substituição da reintegração, calculada até
ao trânsito em julgado da decisão final;
b) As retribuições que deixou de auferir desde o seu despedimento até
à data do trânsito em julgado da decisão final;
c) € 677,08, a título de proporcional do subsídio de Natal do ano de
2009;
d) € 2.500,00 a título de férias vencidas em 01/01/2010 e
respectivo subsídio;
e) € 2. 604, 1 7 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias, e
subsídio de Natal referentes ao ano de 201 O;
f) Juros de mora, à taxa legal, sobre cada uma das prestações acima
referidas, desde o respectivo vencimento, até integral pagamento.
Para tanto alegou, em resumo, que trabalhou sob as ordens, direcção e
fiscalização das rés desde 14/06/2009 até 12/09/2010, e que estas o dispensaram
S. R.
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por mera comunicação oral, o que consubstancia um despeclimento ilícito. -
Citadas as rés, as mesmas contestaram, sustentando que a ré Escola é parte
ilegítima porquanto só a ré Chapitô contratou com o autor, e que a acção improcede
porquanto o contrato estabelecido entre o autor e a ré Chapitô é um contrato de
prestação de serviços e não um contrato de trabalho.
Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que
decidiu nos seguintes termos: ''Por todo o exposto, decide este Tribunal julgar a
presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
A- Absolver a ré Escola Profissional de Artes e Oficios do
Espectáculo de todos os pedidos;
B- Declarar que entre o autor e a ré Chapitô Colectividade Cultural
e Recreativa de Santa Catarina vigorou, desde 01/10/2009 até
01/09/201 O um contrato de trabalho por tempo indeterminado;
C- Declarar ilícito o despedimento do autor promovido pela ré
Chapitô - Colectividade Cultural e Recreativa de Santa Catarina;
D- Condenar a ré Chapitô - Colectividade Cultural e Recreativa de
Santa Catarina a pagar ao autor:
1- Uma indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 30
dias de retribuição base (€ 1,250,00) por cada ano de antiguidade ou
fracção, contada desde O 1/1 0/2009 até ao transito em julgado da presente
sentença ou sendo a mesma objecto de recurso, até ao trânsito em julgado do
acórdão que em definitivo confirme a ilicitude do despedimento (não podendo
ser inferior a três meses de retribuição de base e diutumidades);
2- As retribuições vencidas e vincendas desde 25/01/2011 até o trânsito
em julgado da presente sentença ou sendo a mesma objecto de recurso, até
ao trânsito em julgado do acórdão que em definitivo confirme a ilicitude do
despedimento, deduzidas das importâncias que o autor tenha recebido a
título de rendimentos do trabalho (decorrentes de actividades iniciadas após
o seu despedimento) e/ ou subsídio de desemprego referentes ao mesmo
período temporal;
que:
S.
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3- € 2,301,37 a título de férias e subsídio de férias;
4- € 315,07, a título de subsídio de Natal do ano de 2009;
5- € 835,62, a título de subsídio de Natal do ano de 201 O.
3
6- Juros de mora, contados sobre todas as quantias peticionadas, à taxa
legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em
vigor, até integral pagamento, sendo que:
a. Os incidentes sobre a indemnização mencionada em 1- se vencem desde a
data do trânsito em julgado da decisão ali mencionada;
b. Os incidentes sobre os créditos referidos em 2- e 4- se vencem desde as
datas em que deveriam ter sido pagas;
c. Os incidentes sobre as quantias referidas em 3- e 5- se vencem desde
01/09/2010.
D -Absolver a ré Chapitô do demais peticionado."
A ré, inconformada, interpôs recurso, tendo nas suas alegações concluído
1. Deve ser modificada a decisão de facto relativa ao quesito n. 0 25 da resposta à
matéria de facto, alterando a redacção deste facto nos termos melhor descritos em§
1. supra, o que se vem, muito respeitosamente, requerer nos termos e para os
efeitos do art. 712. 0, n. 0 1, alínea a) do CPC;
2. Deve ser modificada a decisão de facto relativa ao quesito n. 0 26 da resposta à
matéria de facto, dando como "não provado" este facto, o que se vem, muito
respeitosamente, requerer nos termos e para os efeitos do art. 712. 0, n. 0 1, alínea a)
do CPC;
3. Ainda que assim não se entenda, deve a relação contratual vigente entre a
Recorrente e o Recorrido ser considerada como de "prestação de serviços" e, em
consequência, ser revogada a sentença recorrida, absolvendo-se a Recorrente de
todos os pedidos contra si formulados.
Nas contra-alegações o autor pugna pela confirmação do decidido
Colhidos os vistos legais
S. R.
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Cumpre apreciar e decidir
4
I. As questões suscitadas no recurso interposto são relativas à
impugnação da matéria de facto e à natureza do contrato que ligava autor e
ré, prestação seroiçosjcontrato de trabalho
11. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1-0 autor, Nuno Ricardo Pinheiro Gabriel de Mello exerce a actividade profissional
no âmbito da cenografia.
2- A ré Chapitô - colectividade Cultural e recreativa de Santa Catarina dedica-se
nomeadamente, à exploração da Escola Profissional de Artes e Oficios do
Espectáculo (EPAOE).
3 -A 31/10/1999, tendo a escola referida em 2- sido integrada na ré Chapitô, e
tendo esta assumido todos os direitos e encargos referentes à mesma.
4 - O curso ministrado na escola referida em 2- tem a duração de três anos.
5 - O terceiro ano do curso mencionado em 3- culmina com uma "Prova de Aptidão
Profissional", que é avaliada por um júri composto por docentes da mesma escola e
convidados.
6- O autor é um profissional considerado no meio artístico.
7- Em Julho de 2009, a convite da ré Chapitô, o autor integrou o júri de uma
Prova de Aptidão Profissional.
8 -... tendo recebido da ré Chapitô a quantia de € 50 ...
9 -... razão pela qual emitiu e entregou à ré Chapitô um recibo de modelo no 6 (art.
uso do Código do IRS), vulgarmente designado "recibo verde".
1 O - Em data posterior àquela em que tiveram lugar os factos referidos em 6- a 9-, o
autor e a ré Chapitô acordaram que no ano lectivo de 2009-2010, isto é, desde
Outubro de 2009 até Julho de 2010 (inclusive), o autor:
a) Leccionaria duas disciplinas do curso Ministrado pela ré Chapitô na EPAOE
(Cenografia e Adereços), o que implicava ministrar uma aula semanal de três
S.
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horas de cada disciplina;
5
b) Prestaria apoio de cenografia e adereços a eventos organizados pela ré
Chapitô, no âmbito da actividade da EPAOE;
c) Coordenaria e executaria, em colaboração com outros profissionais
(nomeadamente o também docente da EPAOE Antônio Sales Silva), os trabalhos
de recolha de imagens de vídeo e edição de vídeo, a fim de elaborar um filme que
documentasse as actividades da EPAOE no ano lectivo de 2009-2010, filme esse
que deveria estar concluído no mês de Julho de 2010;
11 -Na ocasião referida em 10- o autor e a ré Chapitô acordaram que de Outubro
de 2009 a Julho de 2010 (inclusive) aquela entregaria a este mensalmente, €
1.250,00.
12 -Na sequência do referido em 10-, desde Outubro de 2009 até Julho de 2010
(inclusive), o autor leccionou na EPAOE, prestou apoio de cenografia e adereços em
eventos organizados pela ré Chapitô, e realizou filmagens e edição de vídeo
destinadas ao filme referido em 10- c).
13- No mês de Agosto de 2010 o autor dedicou-se à montagem e edição do filme
referido em 10- c), o qual não concluiu.
14 - Em 01/09/2010 tendo verificado que o autor não tinha concluído o filme
mencionado em 10- c), a ré Chapitô, através da Sra Silvia Barros, comunicou ao
autor que dava por terminada a relação profissional entre ambos, e desde então o
autor não mais desempenhou as actividades, tarefas e incumbências referidas em
10-
15 - ... tendo então o autor exigido que lhe fosse pago o trabalho de edição e
montagem de vídeo desenvolvido no mês de Agosto de 2010 ...
16 -... o que a ré Chapitô aceitou, tendo entregue ao autor a esse título, a quantia de
€ 1.250.
17 - O horário das aulas leccionadas pelo autor era definido pela rê Chapitô, sendo
por esta alterado em ritmo semanal ou quinzenal, de acordo com as necessidades e
conveniências da EPAOE efou dos seus docentes.
18 - O autor e o seu colega Antônio Sales Silva organizavam as filmagens referidas
em 10- c) de acordo com as suas disponibilidades e conveniências, sem prejuízo do
referido em 19- e 20-.
S. R.
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19- Não obstante o referido em 18-, a ré Chapitô indicava ao autor aulas e eventos
que pretendia que este filmasse, e que escolhia por sua iniciativa ou por indicação
de outros docentes da EPAOE.
20- O autor e o seu colega Antônio Sales também filmavam outras aulas e eventos
por si escolhidos, e por indicação de outros docentes da EPAOE.
21 - O programa das disciplinas que o autor leccionou foi elaborado em conjunto,
pelo autor e pela ré Chapitô.
22 - O autor leccionava e executava os trabalhos de recolha de imagens vídeo
instalações da ré Chapitô;
23- O autor executava as tarefas de edição de vídeo nas instalações da ré Chapitô e
em sua casa (tendo efectuado parte dos trabalhos de edição de vídeo em sua casa
para poder usar um computador mais potente do que aquele que a ré Chapitô tinha
nas suas instalações).
24- Na sua actividade de docente e de prestação de apoio de cenografia e adereços
a eventos organizados pela ré Chapitô, o autor utilizava instrumentos e materiais
pertencentes a esta.
25 - O autor procedia à recolha de imagens vídeo e à edição de vídeo utilizando
equipamentos (câmaras e computadores) pertencentes à ré Chapitô, a terceiros que
lhos emprestavam, e próprios (ou seja do autor), sendo que a utilização de
equipamentos que não pertenciam à ré Chapitô se deveu à circunstância de o autor
por considerar que os mesmos não eram suficientemente potentes.
26 -Por força do desempenho das incumbências referidas em 10-, o autor estava
habitualmente nas instalações da ré Chapitô de 2a 6a Feira, de manhã e de tarde.
27 - De acordo com regras estabelecidas pela ré Chapitô, caso faltasse às aulas que
leccionava, o autor deveria avisá-la, com a antecedência possível.
28 -... e nesse caso a ré Chapitô procurava alterar o horário das aulas, ministradas
pelo autor, de modo a que este as leccionasse noutro horário ...
29 -... ou não sendo isso possível, a ré Chapitô substituía o autor por outro
professor
30 -... sem que contudo descontasse qualquer montante da remuneração mensal
que o autor auferia.
31 - O autor registava no livro de ponto da EPAOE as presenças dos alunos e o
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sumário das aulas, assinando esses registos.
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32 - Ao longo do ano lectivo de 2009-2010, e a pedido da ré Chapitô, o autor
elaborou e entregou à referida ré três relatórios trimestrais, dando conta das suas
actividades como docente, do rendimento dos seus alunos, e do estado dos
trabalhos de execução do filme referido em 10- c).
33 - De acordo com o acordado entre o autor e a ré Chapitô o estado dos trabalhos
de execução do filme referido em 10- c) deveria ser objecto de avaliação trimestral,
feita por ambos, em conjunto.
34 -... o que foi feito pelo menos no final dos dois primeiros trimestres do ano lectivo
de 200-2010.
35 - O autor titulava o recebimento das quantias mencionadas em 11- através de
recibos de modelo n° 6 (art. 115° do Código do IRS), vulgarmente designados
··recibos verdes", que entregava à ré Chapitô.
36 -... e colectava-se fiscalmente como trabalhador independente.
37 - No ano fiscal de 2009 o autor declarou, para efeitos de IRS, rendimentos do
trabalho independente no valor global de € 57.054,00, e rendimentos da
propriedade intelectual, no valor global de € 54,61.
38 - No ano fiscal de 2010 o autor declarou, para efeitos de IRS, rendimentos do
trabalho independente no valor global de € 12.450,00, e rendimentos da
propriedade intelectual, no valor global de € 9.513,80.
39 - No período de Outubro de 2009 a Julho de 2010 o autor exerceu actividade
profissional remunerada para outras entidades que não a ré Chapitô.
40 - O que esta sabia, admitia, e aceitava.
m. Fundamentos de direito
Impugnação da matéria de facto
Neste âmbito, a recorrente pretende a alteração dos factos constantes dos
pontos n°s 25 e 26 da matéria provada. Vejamos então.
No facto n°25 foi dado como provado que. "O autor procedia à recolha de imagens
vídeo e à edição de vídeo utilizado equipamentos (càmaras e computadores) pertencentes à ré
S. R.
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Chapitô, a terceiros que lhos emprestavam, e próprios (ou seja do autor), sendo que a utilização
de equipamentos que não pertenciam à ré Chapitô se deveu à circunstància de o autor por
considerar que os mesmos não eram suficientemente potentes."
O recorrente pretende que se dê como provado que o autor procedia à recolha
de imagens vídeo e á edição de vídeo utilizando residualmente equipamentos
(cãmaras e computadores) pertencentes à ré Chapitô, mas sobretudo a terceiros e
próprios, ou seja, do autor, sendo que a utilização de equipamentos que não
pertenciam à ré Chapitõ se deveu à circunstância de o autor por considerar que os
mesmos não eram suficientemente potentes. Invoca para o efeito partes dos
depoimentos das testemunhas Irene Alvirn e Antônio Sales (fls.4 a 6 das alegações).
O facto constante do ponto n.0 25 foi dado como provado com base no
depoimento de todas as testemunhas inquiridas, conforme resulta do despacho de
fundamentação, proferido a fls. 188. Ora, da conjugação de todos esses depoimentos,
na sua versão integral, não se reconhece pertinência à alteração requerida pois deles
não resulta que a utilização dos equipamentos da ré era residual, o que aliás constitui
conceito conclusivo. A matéria dada como provado no referido ponto n. 0 25 constitui a
súmula dos diversos depoimentos prestados no sentido de que o autor procedia à
recolha de imagens vídeo e à edição de vídeo utilizando equipamentos (câmaras e
computadores) pertencentes à ré Chapitô, mas também utilizava equipamentos de
terceiros que lhos emprestavam, e próprios do autor, em virtude de os equipamentos
da ré não serem suficientemente potentes, tal como consta do facto agora impugnado.
A recorrente pretende ainda que se dê como não provada a matéria constante
do facto n.0 26 do qual consta: "Por força do desempenho das incumbências referidas em
10-, o autor estava habitualmente nas instalações da ré Chapitô de 2aa 6a Feira, de manhã e
de tarde."
Afigura-se-nos, porém, que a recorrente carece de fundamento, pms dos
depoimentos das testemunhas inquiridas àquele facto (Antônio Sales, Caroline
Bergeron Sílvia Barros e Maria Irene Alvim), ainda que resulte a flexibilidade do
horário do autor, resultou inequívoco que, em virtude das diversas funções do autor
(descritas no facto n. 0 10), este encontrava-se habitualmente nas instalações da ré,
tendo-se até apurado, como resultou do facto n. 0 27, que o autor caso faltasse às
aulas que leccionava devia avisar a ré com a antecedência possível.
S.
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Assim sendo, por não existirem fundamentos suficientes que ponham em
causa a decisão da matéria de facto, designadamente, no que respeita às alterações
pretendidas, nos pontos n°s 25 e 26, improcede a impugnação à matéria de facto
deduzida pela recorrente.
Natureza do contrato
Na sentença recorrida, no que respeita à qualificação do contrato em causa, foi
aplicada a presunção prevista no art. 0 12, n.0 l do CT/2009, tendo sido consideradas
verificados as características referidas na al.a) b) e d) do mesmo artigo nos seguintes
termos:
"Por outro lado, da factualidade provada ressalta claramente que: O autor executou a
sua actividade profissional nas instalações da ré Chapitô, com excepção apenas de uma parte
dos trabalhos de edição de vídeo, que foram levados a efeito em sua casa, o que sucedeu
para poder utilizar um computador mais potente do que o que a ré tinha nas suas
instalações. E por outro lado, também resultou provado que por força do exercício das
actividades contratadas o autor estava habitualmente nas instalações da ré Chapitô de 2a a
6a Feira, de manhã e de tarde. Por isso consideramos preenchido o indício referido na al. a)
do n° 1 do art. 12° do CT/2009, uma vez que a execução de trabalhos fora das instalações da
ré Chapitô foi residual, e motivada pela insuficiência dos instrumentos de trabalho desta;
(factos 23 a 26)
Nas actividades lectivas e de apoio de cenografia e adereços a eventos organizados pela
ré Chapitô, o autor utilizava equipamentos pertencentes a esta; e na actividade de recolha de
imagens e edição de vídeo, o autor utilizava equipamentos pertencentes à ré Chapitô, mas
também equipamentos próprios e de terceiros, sendo que tal sucedeu porque o autor entendia
que os equipamentos da ré não eram suficientemente potentes. Desta factualidade ressalta
que na globalidade da actividade profissional do autor, a utilização de equipamentos da ré
Chapitô era a regra, e que a utilização de equipamentos do autor e emprestados por terceiros
foi excepcional, pelo que consideramos preenchido o indício referido na al. b) do art. 12°, n° 1
do CT/2009. (factos 24 e 25).
O autor e ré acordaram uma remuneração mensal fixa, no valor de € 1.250,00,
pelo que se tem por preenchido o indício referido na al. d) do no 1 do art. 12° do CT2009
(facto n. 0 1l.)
Do que acima expôs resulta que na situação em análise se consideram
S. R.
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preenchidos três dos indícios enunciados no art. 12°, nol do CT2009, pelo que temos por
demonstrados os factos constitutivos da presunção consagrada neste preceito."
Na verdade, face aos factos apurados nos n°s 11, e 23 a 26, afigura-se
nos que a referida presunção foi bem aplicada pois deles resulta, tal como foi
salientado na sentença recorrida, que o autor realizava a sua actividade nas
instalações da ré; os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados eram
pertença da ré ainda que o autor utilizasse, na recolha de imagens vídeo e na
edição do filme/ vídeo, instrumentos de terceiros e próprios por serem de melhor
qualidade; e era paga ao autor mensalmente uma quantia certa.
Assim sendo, presume-se a existência de um contrato de trabalho na
relação estabelecida entre as partes, em que o autor que prestava uma
actividade à ré que dela beneficiava, ao abrigo do art. 0 12 do CT /2009.
E, contrariamente ao invocado pela ré/recorrente, tal presunção não foi
por ela elidida, pois da factualidade provada não resultam elementos suficientes
que permitam concluir que o autor gozava de efectiva autonomia no exercício da
sua actividade profissional e que a exercia em função do seu resultado.
Na verdade, também, como se refere na sentença recorrida, se é verdade
que resultou provado que o autor organizava as filmagens que levava a cabo em
articulação com o seu colega Antônio Sales e de acordo com as disponibilidade
e conveniências de ambos, e que o programa das duas disciplinas que
leccionou foi elaborado em conjunto pelo autor e pela ré Chapitô, também
resultou provado que os horários das aulas eram definidos e alterados de
acordo com as conveniências da ré Chapitô, e que esta indicava ao autor e ao
seu colega aulas e eventos que deveriam ser filmados (o que outros colegas do
autor também faziam), assim como o autor tinha que apresentar à ré Chapitô
relatórios de actividades lectivas e avaliar com esta os trabalhos de execução do
filme que tinha que produzir (factos 17 a 21, 32 a 34). É certo que o autor
exercia a sua actividade profissional com alguma autonomia, mas no contexto
de uma autonomia meramente técnica inerente à sua qualificação profissional
e à natureza artística inerente à sua prestação profissional, em que a criatividade
constitui pressuposto da qualidade do seu trabalho (vd. art.116o do CT /2009), mas
sem que configure uma autonomia de molde a elidir a presunção de
S.
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laboralidade erigida pelo preenchimento das três características a que se
reporta o art. 0 12, nol do CT/2009.
E também não ficou demonstrado pela ré que o que lhe interessava era o
resultado e não a actividade do autor, pois resultou provado que a ré alterava
frequentemente o horário das aulas do autor, o que lhe exigia uma grande
disponibilidade, e que por força do exercício das suas funções, o autor estava
habitualmente nas instalações da ré Chapitõ de 2a a 6a Feira, de manhã e de tarde -
factos n°s 17 e 26; ao longo do ano lectivo de 2009-2010, e a pedido da ré Chapitõ, o
autor elaborou e entregou à ré três relatórios trimestrais, dando conta das suas
actividades como docente, do rendimento dos seus alunos, e do estado dos
trabalhos de execução do filme referido em 10 c)- facto n. 0 32.
Deste modo, não tendo a ré logrado demonstrar que o autor trabalhava com
total e inequívoca autonomia, consideramos que não conseguiu afastar a presunção
de laboralidade verificada, pelo que concluímos que o contrato dos autos deve ser
qualificado como contrato de trabalho, tal como foi entendido na sentença recorrida.
Improcedem assim os fundamentos do recurso interposto
IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente do recurso interposto e
conforma-se na íntegra a sentença recorrida
Custas pela recorrente.
Lisboa, 30 de Maio de 2012.
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1
Ac. do TRC de 19-01-2012, p. nº 1480/09.4TTCBR.C1 (Azevedo Mendes)
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O autor instaurou contra a ré acção declarativas de condenação sob a forma de
processo comum pedindo que: a) seja decretada a ilicitude de despedimento de que foi
alvo; b) seja a ré condenada a pagar-lhe a quantia global de € 6.778,06, a título de créditos
salariais, férias, subsídio de férias, subsídios de natal e proporcionais já vencidos e não
pagos, acrescida de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento; c) seja a ré
condenada a pagar-lhe as retribuições e restantes atribuições patrimoniais inerentes ao
contrato de trabalho (nomeadamente férias, subsídio de férias e subsídios de Natal)
vencidas nos trinta dias precedentes à propositura da presente acção, cujo valor ascende a
€ 1.421,00, bem como todas as que este deixar de auferir desde a presente data até ao
trânsito em julgado da decisão judicial, acrescidas de juros desde a citação até integral e
efectivo pagamento; d) seja a Ré condenada a pagar-lhe, caso não opte pela reintegração,
uma indemnização de € 4.263,00, correspondente a três meses de retribuição, acrescida de
juros desde a citação até integral e efectivo pagamento; e) seja a ré condenada a pagar-lhe
a quantia de € 1.500,00 a título de ressarcimento por danos não patrimoniais sofridos,
acrescida de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento; f) seja a ré condenada
a regularizar a sua situação contributiva perante a Segurança Social.
Alegou para tanto factos para demonstrar, apesar da subscrição de dois contratos
de prestação de serviço, ter sido contratado pela ré como seu trabalhador, com efeitos
desde 1 de Abril de 2008 e ter sido despedido ilicitamente.
*
A ré contestou sustentando, no essencial, inexistir qualquer vínculo com o autor de
natureza laboral, antes mera celebração de dois contratos de prestação de serviço, e litigar
ele de má fé por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, alterando a
verdade dos factos. Terminou pugnando no sentido da improcedência da acção e a
condenação do autor como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização a seu
favor em quantia não inferior a € 3.000,00.
Na resposta o autor negou litigar de má fé, defendendo ser antes a ré quem deduz
oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, querendo induzir o tribunal em erro
ou, pelo menos, dúvida, com vista a alterar e impedir a descoberta da verdade.
*
2
Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida
sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.
É desta decisão que, inconformado, o autor vem apelar.
Alegando, concluiu:
“1. Em causa no presente recurso está a decisão que julgou improcedente o pedido
de declaração da ilicitude do despedimento do A. pela sociedade “…, S.A.” e consequente
condenação desta última na reintegração do trabalhador e no pagamento dos créditos
emergentes do contrato de trabalho.
2. O argumento essencial que fundamenta a improcedência da acção, e com o qual
o recorrente não se conforma, é o de que não foi demonstrada a existência do elemento
“subordinação jurídica” na relação estabelecida entre A. e Ré, elemento esse que seria
essencial para que o contrato celebrado entre ambas pudesse ser qualificado como
“contrato de trabalho”, de que dependia a sorte de todos os pedidos formulados pelo A.
3- Na sentença, sustenta-se que, apesar da verificação da existência de alguns
indícios de integração do A. na estrutura da Ré, os mesmos não são suficientes para que
se possa considerar preenchido o conceito de subordinação jurídica, dado que não se
alcançou a prova de que a Ré tivesse a prerrogativa de dar ordens, instruções e directivas
ao A., assim conformando a sua actividade.
4. Entende, porém, o recorrente que tais conclusões não encontram
correspondência na matéria de facto dada como provada.
5- Com relevância para a matéria em causa no presente recurso foram dados
como provados os seguintes factos:
/reprodução da matéria de facto considerada provada, abaixo descrita de 1 a 25 e
de 34 a 47/
6. A ideia de subordinação jurídica do trabalhador, pressupõe a autoridade do
empregador, que tem o poder de dar ordens, directivas e instruções ao trabalhador sobre
as tarefas a levar a cabo.
7. Porém, quando o contrato de trabalho tem por objecto a realização de tarefas
de natureza eminentemente técnica, torna-se especialmente difícil perceber em que
medida é que o trabalhador está sujeito ao poder de direcção da entidade empregadora,
já que esta, na maior parte dos casos, não tem condições nem conhecimentos para
conformar por inteiro a actividade do seu trabalhador.
8. Contudo, sempre tem vindo a ser entendimento da jurisprudência portuguesa
que a existência de autonomia técnica, em maior ou menor grau, não exclui a
subordinação jurídica, podendo esta consistir na mera definição de matérias atinentes à
organização do trabalho.
9. Nestes casos, assumirá maior relevância o recurso a certos indícios externos e
internos, consolidados na jurisprudência, e que, conjugados entre si, apontem para uma
imagem mais compatível com uma relação de natureza laboral do que de prestação de
serviços.
10. Assim, é indício da existência de uma relação de subordinação jurídica a
existência de um horário de trabalho.
11. Na sentença recorrida sustenta-se que a circunstância de o A. não assinar
folha de ponto evidencia que a Ré não efectuava qualquer controlo em termos do tempo
de duração da actividade por si desenvolvida. Porém, a este respeito dá igualmente como
provado que: “...O A. prestava a sua actividade para a Ré entre as 8/9 h e as 17/18h,
3
conforme a necessidade, ou não, de ser acompanhado por operários da empresa nas suas
deslocações”, o que aponta claramente no sentido da existência de um horário bem
definido, nada permitindo concluir que o mesmo não fosse alvo de um controlo por parte
da entidade empregadora, ainda que não em moldes formais
12. De facto, se para obviar à celebração de um contrato de trabalho com o A. e
assim se esquivar ilegalmente às obrigações a ele inerentes, a Ré se socorreu do
subterfúgio da celebração de um contrato a que deu o nome de “contrato de prestação de
serviços”, mal pareceria se não tivesse o cuidado de agir em conformidade com a
ilegalidade praticada!
13. São ainda indícios da existência de uma relação de trabalho que a actividade
se desenvolva em instalações do empregador, que este seja detentor dos instrumentos de
trabalho, que o trabalhador exerça a sua actividade em exclusivo para um só
empregador, que exista uma retribuição certa, relacionada com a actividade do
trabalhador e não com o resultado do seu trabalho e que a actividade se desenvolva com
a colaboração dos restantes trabalhadores da empresa – inserção no aparelho produtivo.
14. Ora, atentos os factos dados como provados nos presentes autos nos pontos 5
a 8, 10 a 12, 14 e 15, 36 a 39 e 44, todos os supra-mencionados indícios devem ter-se por
verificados no caso concreto, apontando assim em sentido oposto do decido na sentença
de que se recorre.
15. Questão última será a de saber se apesar do preenchimento de todos os
sobreditos indícios, o A. se sujeitava efectivamente ao poder de direcção da Ré, enquanto
entidade empregadora e como tal com autoridade para definir a forma de realização da
sua actividade.
16. A este respeito, há que atentar na resposta constante do ponto 13 da matéria
de facto provada, onde se refere, expressamente: “O A. relacionava-se hierarquicamente
para efeitos de definição das tarefas a realizar e de entrega dos resultados, com o
engenheiro Gadanha, director de serviços da Ré (sublinhado nosso).
17. Ora, atentas as noções de “hierarquia”e de “relacionamento hierárquico”,
manifesto se torna que, ao dar tal facto como provado, se reconheceu a existência de uma
relação de autoridade/subordinação, de que são corolário os poderes de dar ordens,
emitir directivas, exercer poderes de fiscalização, controlo e até punição.
18. Tal ideia resulta ainda reforçada pela afirmação de que era o director de
serviços que “definia as tarefas a realizar” e a quem eram entregues os resultados do
trabalho realizado.
19. Das respostas aos pontos 38, 39 e 43 resulta ainda que era a Ré que fornecia
ao A. as plantas dos locais onde pretendia que este desenvolvesse o seu trabalho e que
este era ajudado por funcionários da Ré, sendo conjugada entre todos a disponibilidade
para poderem sair em serviço de acordo com as necessidades desta última.
20. Era, pois, esta quem destinava com que meios, quando e onde é que o A.
desenvolvia a sua actividade.
21. Igualmente incompreensível é a ideia de que o que a Ré pretendia do A. era
tão somente a realização do cadastro, cumprindo-se a sua tarefa com a conclusão de tal
objectivo.
22. Por um lado, porque a tarefa definida pela Ré como sendo a por si pretendida
não pode ser circunscrita no tempo, tendo que estar em permanente actualização.
23. Por outro lado porque se assim fosse, nada impediria a Ré de ter celebrado um
verdadeiro contrato de prestação de serviços sem termo definido, cuja conclusão ficasse
dependente da entrega do serviço encomendado.
4
24. O que a Ré pretendeu não foi encomendar uma tarefa definida ao A., mas sim
admitir um trabalhador eximindo-se a uma série de desagradáveis obrigações legais daí
resultantes, sendo precisamente para obviar a tais obrigações que muitas entidades
empregadoras recorrem hoje ao subterfúgio dos chamados “falsos recibos verdes”.
25. Mal se andou, assim, na douta decisão a quo, ao considerar que os factos
provados não foram de molde a apontar no sentido da existência da relação de
subordinação ao jurídica caracterizadora da relação de natureza laboral, e ao não
reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre A. e Ré, daí retirando as devidas
consequências no que concerne ao pedido pelo A. formulado.
26. A relação estabelecida entre o A. si e a Ré recorrida consistiu num verdadeiros
contrato de trabalho, tendo sido ilegal o despedimento do primeiro, porque destituído de
fundamento e por absoluta inobservância da forma legal.
27. Assim, fez o Tribunal “a quo” uma errada subsunção dos factos ao direito,
incorrendo a douta decisão recorrida em erro de julgamento, que urge corrigir;
28. Em face do exposto, deverá ser revogada a douta decisão recorrida e
condenada a Ré na reintegração do A. e no pagamento dos créditos emergentes da
relação laboral e melhor identificados na petição inicial que deu origem ao presente
processo.
29. Violadas ficaram as regras contidas nos artigos 10º e 12º do Código do
Trabalho, na versão correspondente à Lei 99/2003 alterada pela Lei 9/2006 e o princípio
favor laboratoris.
Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento
ao presente recurso, sendo revogada, em consequência, a douta decisão recorrida e
substituída por outra onde se reconheça a existência do contrato de trabalho entre A. e Ré
e seja esta última condenada na reintegração do A. e no pagamento de todos os créditos
laborais emergentes da tal relação e constantes da petição que deu início ao presente
processo, assim se fazendo, JUSTIÇA!”
A ré apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-
Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão ao recorrente.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem
dada como provada,
1- O A. e a Ré efectuaram acordo nos termos constantes de fls. 21 a 22, cujo
conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
2- O A. e a Ré efectuaram acordo nos termos constantes de fls. 23 a 24, cujo
conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
3- O A. iniciou a prestação da sua actividade para a Ré no dia 01/04/08.
5
4- O A., entre 01/04/08 e 31/03/09, realizou tarefas inerentes ao processo de
construção e manutenção do cadastro de infra-estruturas e redes concessionadas à Ré.
5- Foi atribuído ao A. um gabinete de trabalho individual.
6- Foi cedido ao A. um computador portátil, com software pertencente à Ré, as
passwords de acesso ao sistema interno de controlo documental, sendo-lhe ainda atribuída
uma conta de e-mail interna (…pt)
7- (…) bem como fardamento para o trabalho de exterior com os elementos
identificativos da empresa.
8- O A. prestava a sua actividade exclusivamente para a Ré.
9- O A. prestava a sua actividade para a Ré entre as 8/9 h e as 17/18 h, conforme a
necessidade, ou não, de ser acompanhado por operários da empresa nas suas deslocações.
10- O A., na sua actividade de exterior, deslocava-se nas viaturas pertencentes à
Ré, conduzidas por funcionários desta.
11- O A. participava em todas as actividades da empresa destinadas aos
funcionários, como acções de formação, celebrações de Natal, jantares de funcionários,
torneios de futebol em que representava a empresa, etc.
12- O A. tem ainda hoje, na sua posse, o comando do portão da Estação de
Tratamento de Águas da …, bem como a chave das instalações da Ré sitas à …, onde
prestava a sua actividade profissional.
13- O A. relacionava-se hierarquicamente para efeitos de definição das tarefas a
realizar e de entrega dos resultados, com o engenheiro Gadanha, director de serviços da
Ré.
14- A Ré pagava ao A. a quantia mensal de € 1.421.
15- O A. quando esteve sem prestar a sua actividade para a Ré, preencheu o
formulário próprio para as férias e com vista a comunicar a sua ausência à Ré.
16- No final do mês de Março de 2009 o A. foi contactado pelos serviços da Ré
que lhe comunicaram que devia ficar em casa durante o mês de Abril, a fim de se
averiguar da possibilidade de continuar a prestar a sua actividade para a Ré.
17- O A. não mais prestou a sua actividade para a Ré.
18- A Ré não pagou ao A. qualquer subsídio de refeição.
19- O A., no ano de 2008, prestou a sua actividade para a Ré durante 182 dias.
20- O A., no ano de 2009, prestou a sua actividade para a Ré durante 62 dias.
6
21- No ano de 2008, o A. esteve 6 dias sem prestar a sua actividade para a Ré.
22- Em 2009, o A. não gozou qualquer dia de férias.
23- A Ré não pagou ao A. qualquer quantia a título de subsídios de férias e de
Natal.
24- A Ré, no ano de 2009, não pagou ao A. qualquer quantia a título de férias.
25- A Ré não efectuou qualquer contribuição para a segurança social respeitante ao
A.
26- O A., em finais de Março de 2009, estava convencido de que a Ré o chamaria a
qualquer momento para retomar a sua actividade.
27- O A. recorreu à ajuda de familiares para sustentar algumas das necessidades do
seu agregado familiar.
28- O A. é casado e pai de uma menina de três anos, inscrita e a frequentar um
infantário, com prestação fixa mensal de € 91.
29- A esposa do A., professora de profissão, não obteve colocação no ano de 2008,
razão pela qual se encontrava até ao passado mês de Outubro, desempregada, estando
agora colocada em situação precária de substituição de uma colega, sendo imprevisível o
momento em que regressará à situação de desemprego.
30- Além da sua profissão de professora, que nem sempre lhe garante colocação
todos os anos, a mulher do A. gere, em parceria com a sua irmã, uma pequena empresa de
puericultura.
31- O A., devido ao fim da prestação da sua actividade para a Ré, ficou frustrado e
triste.
32- (…) tendo atravessado diversos momentos de ansiedade e stress graves,
acompanhados de profunda irritação, tristeza, sensação de inutilidade, insónias e receio
pelo futuro da sua família, o que se reflectiu na estabilidade da vida familiar.
33- Dado este seu estado de espírito, o A. foi revelando cada vez mais dificuldade
em lidar com a necessária calma, tolerância, correcção e paciência com todas as normais
vicissitudes da sua vida privada, sobretudo no relacionamento com a sua esposa.
34-A Ré necessitou de organizar um cadastro de todas as suas infra-estruturas
(colectores e condutas) no concelho de Coimbra.
35- Devido ao seu elevado número, era difícil estimar no tempo a conclusão de tal
tarefa.
7
36- Para tais serviços, a Ré contratou o A., atendendo às suas habilitações
académicas (Licenciatura em Geografia – Ramo de Especialização em Ordenamento do
Território e Desenvolvimento) e à sua experiência profissional (…, …, …, … e …),
conforme curriculum que lhe foi apresentado, habilitações e experiência que se ajustavam
aos serviços pretendidos.
37- Esses serviços continham duas vertentes: uma no campo (no exterior), com
deslocação às zonas de implantação daquelas infra-estruturas para levantamento, sua
caracterização e localização; e uma outra na secretaria (gabinete nas instalações da Ré),
para organização do cadastro propriamente dito.
38- A localização era feita através de planta que lhe era facultada; a identificação
dos colectores e condutas traduzia-se na descrição de câmaras de visita, caixas de válvulas,
descarregadores, material constituinte da tubagem, diâmetros e comprimento desta, sua
profundidade, acessibilidades, etc. - elementos que o A. fotografava e registava em texto
e/ou desenho e que, depois de recolhidos e obtidos, no gabinete, elaborava o cadastro e
registo informático, com o seu carregamento em AutoCad na base de dados.
39- Naquelas tarefas de exterior, o A. era acompanhado e ajudado por funcionários
da Ré, não só para lhe identificar os locais de implantação como também para procederem,
quando necessário, ao levantamento de tampas de esgoto, desmatação de coberto vegetal,
etc.
40- Foi este (organização de cadastro de infra-estruturas) o trabalho pretendido
pela Ré e prestado pelo A..
41- Para o efeito foi facultado ao A. a utilização de um gabinete individual nas
instalações da Ré e um computador com software e password de acesso, por razões
estritamente práticas e logísticas, de ligação à rede informática da própria empresa para
obtenção de informações necessárias ao desenvolvimento daquele trabalho.
42- O A. não assinava a folha de ponto.
43- As saídas do A. para o exterior, acompanhadas de funcionários da Ré,
dependiam também da disponibilidade destes.
44- Essas saídas para o exterior eram efectuadas em viaturas da Ré, conduzidas por
funcionários desta e que se destinavam não só ao transporte pessoal como ao transporte de
ferramentas (picaretas, foices).
8
45- Ao A. foram facultadas não só as chaves das instalações como o comando do
portão, para facilitar o acesso do A. às mesmas quando entendesse e quisesse – chaves que
não são facultadas aos restantes trabalhadores.
46- A utilização pelo A. das instalações da Ré (gabinete), do computador, da
viatura e fardamento – instrumentos necessários ao A. para prestar a sua actividade –
foram concertadas com as regras de funcionamento da Ré.
47- A prestação da actividade do A. para a Ré terminou no dia 31/03/09.
*
2. De direito
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem
equacionar da seguinte forma: se o vínculo contratual que autor e ré mantiveram se pode
qualificar como contrato de trabalho e, na afirmativa, se a acção pode ser julgada
procedente.
A questão da qualificação do contrato:
Está em causa indagação sobre a qualificação do acordo celebrado, entre o autor e
a ré, como contrato de trabalho, tal como defende o autor. Já a ré defende que se tratava de
contratos de prestação de serviço.
Conforme está provado, a relação contratual entre as partes iniciou-se em 2008 e
veio a terminar em Março de 2009. Por isso, tiveram o seu começo antes da entrada em
vigor, em 17.02.2009, do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de
12 de Fevereiro, e que a sua cessação ocorreu já na vigência daquele Código.
Por isso, a questão da qualificação dos contratos deve ser aferida à luz do regime
jurídico-laboral que vigorava antes do CT/2009, uma vez que o n.º 1 do art.º 7.º Lei n.º
7/2009, estipula que ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos de
trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, “salvo quanto às condições de validade
e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.
Se bem que o contrato, sendo eventualmente de trabalho subordinado, possa ter
passado a estar sujeito ao CT/2009, após a data em que este entrou em vigor, no que diz
respeito à sua eventual qualificação como contrato de trabalho, o regime legal a atender já
não será o contido naquele Código do Trabalho, mas sim o regime anterior a este, ou seja,
o do Código do Trabalho de 2003.
9
Tal como se defendeu no Ac. do STJ de 10/11/2010 (in www.dgsi.pt, proc.
3074/07.0TTLSB.L1.S1), “[c]om efeito, estando a qualificação jurídica do contrato
dependente da vontade real das partes, aquando da celebração do mesmo, é obvio que a
qualificação não pode deixar de ser considerada como um efeito daquela vontade. E,
constituindo esta um facto totalmente passado (…), torna-se evidente (…) que o regime
aplicável à qualificação do contrato (…) [é] o que estava em vigor aquando da
celebração do contrato. Só assim não seria relativamente aos factos ocorridos
posteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho, se deles resultasse que o
relacionamento entre as partes tinha passado a ser substancialmente diferente do que
tinha sido anteriormente, caso em que seria necessário indagar se essa alteração
correspondia a uma modificação da natureza do vínculo que até aí se tinha existido.” –
ora, da matéria de facto não resulta que o relacionamento entre as partes tenha sofrido
modificações substanciais ao longo do tempo, razão pela qual não há quaisquer motivos
para levar em conta o disposto no CT/2009.
Sendo assim, vejamos:
De acordo com o CT/2003 (e com o Código Civil), “[c]ontrato de trabalho é
aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a
outra pessoa ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas” (art. 10.º do CT/2003
e art. 1152.º do Código Civil)
Já o “[c]ontrato de prestação de serviço é aquele em que umas das partes se
obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com
ou sem retribuição” (art.º 1154.º do Código Civil).
Importa ainda salientar que nos termos do art. 12.º do CT/2003 “[p]resume-se que
existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido
na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as
ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”.
Assim, para que funcione a presunção (ilidível) referida naquele preceito é
necessário sempre que se apure existir uma relação de subordinação na prestação, o que na
prática retira valor operativo à mesma. Ao contrário da primitiva redacção do preceito que
consignava cinco requisitos correspondentes a indícios a que é usual recorrer-se para
caracterizar o contrato de trabalho, esta formulação não dispensa o trabalhador de provar,
na prática, elementos de índole factual integrantes do conceito de subordinação jurídica,
10
ou seja, o modo de prestação de actividade (“sob as ordens, direcção e fiscalização” do
empregador).
No caso concreto, os factos revelam que a vontade das partes expressa nos
contratos escritos que as vincularam foi, na génese da relação, a de celebrar contrato de
prestação de serviço como os denominaram (v. docs. de fls 21 a 24 mencionados nos
factos 1. e 2..
Não importando, é certo, a qualificação que as partes lhe deram (ou seja, o nomem
juris do contrato, já que o que importa é aquilo que ele, na realidade, juridicamente é, nos
limites da lei, considerando o disposto nos artigos 405.º n.º 1 do Código Civil e 664.º do
Código de Processo Civil), tal pode servir, todavia, para iluminar a indagação necessária à
qualificação a fazer, sendo certo que o autor, considerando as suas qualificações
académicas, é uma pessoa dotada de formação superior (v. facto 36.) e, portanto, de
vontade esclarecida.
Na melhor análise da qualificação importa acentuar a observação sobre os
momentos da execução e do desenvolvimento do contrato.
Como refere Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, p.
520) no confronto entre as figuras contrato de prestação de serviço e contrato de trabalho
verificam-se duas diferenças essenciais: “na prestação de serviço trata-se de proporcionar
certo resultado do trabalho, enquanto no trabalho se refere o prestar uma actividade; na
prestação de serviços não há qualquer referência à “autoridade e direcção...” de
outrem.”
Ou seja, no contrato de trabalho é a actividade do trabalhador que é adquirida pelo
outro contratante que a organiza e dirige com vista à obtenção de um resultado para além
do contrato. Ao invés, na prestação de serviço o que a outra parte adquire é o resultado de
uma actividade (1154.º do Código Civil).
Todavia, na medida em que toda a actividade conduz a um resultado nem sempre é
fácil discernir qual a natureza da prestação efectivamente adquirida pela ré.
Podemos afirmar, contudo, da matéria de facto provada, que o objecto da prestação
era o da (factos 34., 35. e 40.) organização um cadastro de todas as infra-estruturas da ré
(colectores e condutas) no concelho de Coimbra, organização limitada no tempo, mas na
qual “devido ao seu elevado número, era difícil estimar no tempo a conclusão de tal
tarefa”, serviço que continha “duas vertentes: uma no campo (no exterior), com
11
deslocação às zonas de implantação daquelas infra-estruturas para levantamento, sua
caracterização e localização; e uma outra na secretaria (gabinete nas instalações da Ré),
para organização do cadastro propriamente dito” (facto 37.).
A configuração do objecto do contrato permite assim visualizar um concreto
resultado da actividade do autor pretendido pela ré.
Mas, por outro lado, um dos índices muito procurados para distinguir as duas
situações, o da verificação da dependência económica dos trabalhadores/prestadores em
relação à outra parte, não é consistente, no caso, para construir uma conclusão no sentido
do contrato de prestação de serviço. Na verdade, a dependência económica exclusiva ou
decisiva da contraparte ajuda a compreender normalmente a medida em que a
disponibilidade de quem presta o trabalho se reconduz à prestação de uma actividade por
conta dessa outra parte, em condições de real subordinação. Ora, no caso, está provado
que o autor trabalhou em exclusividade para a ré (facto 8.). Todavia o período curto de
execução do contrato (um ano), não permite concluir que o autor construiu uma efectiva
relação de dependência no seu programa de vida (que envolve uma programação a prazo
mais longo, como se compreende) na relação contratual com a ré.
Essencial para a qualificação, como contrato de trabalho, é saber se podemos, na
realidade, aferir da existência de subordinação jurídica.
Como se referiu na sentença recorrida:
“(…) é pacífico que é na existência ou inexistência do elemento de subordinação
jurídica que se deve encontrar a tónica da distinção entre contrato de trabalho e os afins,
na possibilidade do empregador, através de ordens e directrizes dar forma à actividade
do trabalhador, programando-a, organizando-a e dirigindo-a, destinando também com
que meios, quando, o modo e onde deve ser levada a cabo.
“Sob a autoridade e direcção” da pessoa a quem é prestada a actividade, significa
isto: a actividade é prestada em regime de subordinação jurídica. Subordinação significa
dependência e também é sinónimo de sujeição. Em que sentido? – Exactamente no sentido
em que o trabalhador se vincula a prestar um certo tipo de actividade e (mais) se sujeita a
que a actividade seja concretamente determinada pelo empregador; a sua actividade
depende – ou, em cada momento, pode depender – da determinação do empregador.
12
Correspondentemente, a subordinação implica um dever, um dever de obediência,
aliás, expressamente consagrado no artigo 128.º, n.º 1, e) do Código do Trabalho de
2009.
Mas sendo consensual o contrato, pode acontecer que a conformação seja um
poder invisível porque as partes conseguem alcançar o objectivo do negócio sem
necessidade de ordens concretas ou, tão só, porque, de facto, as vontades vão coincidindo
ao longo do tempo.
Com efeito, não se exige que a entidade patronal dê, efectivamente, ordens,
bastando que, contudo, tenha a faculdade de o fazer quando o entender.
Existem múltiplos índices da existência dessa relação de subordinação.
Os indícios normalmente referidos no sentido da laboralidade do vínculo são os
seguintes: o local da actividade pertencer ao beneficiário da mesma, ou ser por ele
determinado; a existência de um horário de trabalho; a utilização de bens ou de utensílios
fornecidos pelo beneficiário da actividade; a existência de uma remuneração certa, com
aumento periódico; o pagamento de subsídio de férias e de Natal; o recurso a
colaboradores por parte do prestador da actividade; a integração deste na organização
produtiva; a submissão do prestador ao poder disciplinar (cfr. Ac. do STJ de 21 de
Janeiro de 2009, disponível em http://www.dgsi.pt).
Para além destes indícios, denominados indícios negociais internos, há ainda os
chamados indícios externos, como sejam a sindicalização do prestador da actividade, a
observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de
outrem, e a exclusividade da actividade a favor do beneficiário.”
Recorrendo a este método tipológico, isto é da verificação dos apontados índices,
podemos concluir que os chamados “indícios negociais externos” ou não ocorrem quanto
à perspectiva da laboralidade do contrato (caso das contribuições para a segurança social –
v. facto 25.), ou não têm valor decisivo (caso da exclusividade, como dissemos).
Quanto aos demais:
A forma de retribuição praticada, não corresponde à normal no contrato de
trabalho. Ela foi fixada em bloco (v. contratos escritos), embora com pagamentos mensais,
e não tinha em conta retribuições de férias, subsídios de férias ou de Natal, como também
é próprio daquele tipo de contrato.
Quanto ao nível de integração do autor na organização da ré e que permita concluir
13
que de algum modo esta orientava a sua actividade em si mesma:
O empregador laboral tem os poderes determinativo e conformativo da prestação
de trabalho, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na empresa, quer
determinando-lhe concreta operações executivas, correspondendo a esses poderes os
poderes regulamentar e disciplinar.
Como se refere no Ac. do STJ de 19-05-2010, entre outros, (disponível em
www.dgsi.pt, proc. 295/07.9TTPRT.S1), “a subordinação traduz-se na possibilidade de a
entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções
ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste,
e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência,
sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local
de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência
de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à
disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte
do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de
prestação do trabalho a uma única entidade”.
Ora, seguindo essa grelha de avaliação, verificamos que não se retira da matéria de
facto que o autor tinha horário de trabalho estabelecidos de forma pré-definida, como é
normal nos contratos de trabalho. Provou-se (facto 9.) que o autor prestava a sua
actividade entre as 8/9 h e as 17/18 h, conforme a necessidade, ou não, de ser
acompanhado por operários da empresa nas suas deslocações e que não assinava a folha de
ponto (facto 42.). Ou seja, não se provou que ao mesmo tivesse sido determinada a
obrigação de cumprir determinado horário de trabalho e que fosse controlado por isso.
Apenas estava adstrito à prestação dentro de horário quando, como se compreende, tivesse
de se socorrer de trabalhadores da ré para o apoiarem (sendo que – facto 43. - as saídas do
autor para o exterior, acompanhadas de funcionários da ré, dependiam também da
disponibilidade destes). Provou-se até que (facto 45.) ao autor foram facultadas não só as
chaves das instalações da ré, como o comando do portão, para facilitar o acesso do autor
às mesmas quando entendesse e quisesse – chaves que não são facultadas aos restantes
trabalhadores -, o que reforça a noção que o autor não estava sujeito a horário de trabalho.
Provou-se, é certo, que no ano de 2008, o autor esteve 6 dias sem prestar a sua
actividade para a ré e que quando esteve sem prestar a sua actividade preencheu o
14
formulário próprio para as férias e com vista a comunicar a sua ausência à ré (factos 15. e
21.). Mas não se provou que tal lhe tivesse sido imposto ou quem teve a iniciativa da
formulação de tal comunicação. Por isso. Tal não pode ser considerado como indício de
controlo por parte da ré quanto ao tempo de trabalho do autor.
No que toca ao local do trabalho e instrumentos de trabalho, verificamos que o
autor utilizava os da ré. Foi-lhe atribuído um gabinete de trabalho individual, cedido um
computador portátil, com software pertencente à ré, as passwords de acesso ao sistema
interno de controlo documental, o comando do portão da Estação de Tratamento de Águas
da Boavista, bem como a chave das instalações da ré sendo-lhe ainda atribuída uma conta
de e-mail interna, bem como fardamento para o trabalho de exterior com os elementos
identificativos da empresa e na sua actividade de exterior, deslocava-se nas viaturas
pertencentes à ré, conduzidas por funcionários desta (factos 5., 6. 7., 10., 12.).
Mas também se provou que (factos 39., 41., 44.) que a utilização de um gabinete
individual nas instalações da ré e um computador com software e password de acesso
ocorreu por razões estritamente práticas e logísticas, de ligação à rede informática da
própria empresa para obtenção de informações necessárias ao desenvolvimento daquele
trabalho; e que o autor era acompanhado e ajudado por funcionários da Ré, não só para lhe
identificar os locais de implantação como também para procederem, quando necessário, ao
levantamento de tampas de esgoto, desmatação de coberto vegetal, nomeadamente, e que
as saídas para o exterior eram efectuadas em viaturas da ré, conduzidas por funcionários
desta, se destinavam não só ao transporte pessoal como ao transporte de ferramentas
(picaretas, foices). Por outro lado, provou-se (facto 46.) que a utilização pelo autor das
instalações da ré (gabinete), do computador, da viatura e fardamento – instrumentos
necessários ao para prestar a sua actividade – foram concertadas com as regras de
funcionamento da ré.
Ou seja, sendo normalmente a propriedade dos equipamentos um indício muito
relevante na busca da laboralidade de um contrato, no caso dos autos a natureza da
prestação oferece-nos dúvidas sobre essa relevância. É que a situação de utilização dos
equipamentos em causa, pode ser compatível com o interesse do utilizador de serviço,
tendo em vista a facilitação e compatibilização do processo de prestação, como parece ser
o caso, com o funcionamento da sua organização.
15
De tudo isto resulta que o importante para desfazer essas dúvidas seria a descoberta
de evidências de controlo do modo de prestação do trabalho.
Neste ponto, não está provado que o autor recebia ordens e instruções da ré.
Provou-se (facto 13.) que o autor “se relacionava hierarquicamente para efeitos de
definição das tarefas a realizar e de entrega dos resultados, com o engenheiro Gadanha,
director de serviços da ré”. Mas isso não significa que dele recebesse ordens ou que a ele
estivesse hierarquicamente submetido. A expressão “hierarquicamente” só pode ter o
sentido que, dentro das pessoas da hierarquia da ré, era com aquele engenheiro com quem
o autor contactava para os fins em causa.
Não está implícito sequer que era esse engenheiro que definia as tarefas, pois para
o trabalho em causa podia bem ser o autor que o fazia, sendo que na articulação do mesmo
com a organização da ré sempre necessitaria de se relacionar com alguém da hierarquia
daquela. E da circunstância (facto 38.) da localização das zonas de implantação das infra-
estruturas para levantamento e caracterização ser feita através de planta que era facultada
não se retira qualquer indício subordinação do autor, pois as plantas sempre teriam de
constituir elemento de trabalho para o resultado pretendido.
Por outro lado, a observância de um regulamento interno apreensível do facto 46. e
do uso de fardamento com identificação (facto 7.) para o trabalho de exterior também não
nos parece ser decisivo para concluir pela subordinação jurídica, própria do contrato de
trabalho, uma vez que a existência de um regulamento de procedimentos a observar por
colaboradores da empresa, quando operem em locais por ele controlados, parece-nos
normal (independentemente da natureza dos vínculos contratuais) para acautelar a sua
segurança e correcto ajustamento da organização.
O mesmo se diga do facto (11.) do autor participar “em todas as actividades da
empresa destinadas aos funcionários, como acções de formação, celebrações de Natal,
jantares de funcionários, torneios de futebol em que representava a empresa”. Se o autor
trabalhava nas instalações da ré e interagia assiduamente com os funcionários desta
parece-nos normal que participasse nas actividades de convívio dos mesmos, sem que isso
indicie a laboralidade do contrato. Já quanto às acções de formação, a verdade é que não
estão especificadas qual a natureza das acções em que o autor participou, nem se tal lhe foi
imposto ou ocorreu a seu pedido, para que essa circunstância possa ter relevo para a
qualificação do contrato.
16
Ou seja, o balanço da indagação dos indícios favoráveis à natureza laboral do
contrato não nos parece de molde a concluir com segurança pela qualificação do contrato
com a natureza defendida pelo autor. Por isso, não vemos motivos para discordar da 1ª
instância quando conclui que nos elementos apurados não se demonstra a existência de
contrato de trabalho, sendo certo que era ao autor que incumbia o ónus de demonstrar
elementos suficientes para a afirmação dos seus direitos (342.º n.º 1 do C.C.).
Por isso, terá de improceder a apelação.
*
III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar a sentença impugnada, julgando
improcedente a apelação.
Custas a cargo do apelante.
*
Coimbra, 19 de Janeiro de 2012
(Azevedo Mendes)
(Felizardo Paiva)
(Manuela Fialho)
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Proc. n.' 3/12.2TTPDL.Ll.Sl (Revista)
4.' Secção
LD\ML\MBM
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
ADÉLIA GARCIA SANTOS LEMOS intentou a presente acção declarativa de
condenação sob a forma de processo ordinário emergente de contrato individual de
trabalho contra FUNDAÇÃO PIA DIOCESANA DO BOM JESUS, pedindo: a) -
Que seja declarado que entre Autora e Ré, desde Outubro de 1990, vigorou um
contrato de trabalho e que a Autora foi despedida ilicitamente; b) - Que a Ré seja
condenada a pagar à Autora a importância de € 34.357,44 pelas invocadas
proveniências (indemnização no valor de € 13.800,48, férias e subsídios de férias e de
Natal dos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, no valor de € 3.450,12, por cada
um desses anos e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal (11,5 meses)
do ano da cessação do contrato, no valor de € 3.306,36, e nas remunerações que
deixou de auferir a calcular na data da sentença ou em execução desta, acrescidas dos
proporcionais de férias e subsídios de férias e de natal em cada mês; c) - Que a Ré
seja condenada no pagamento de juros de mora que à taxa legal se vencerem a contar
da citação, até integral e efectivo pagamento.
Invocou como fundamento da sua pretensão que entre a Autora e a Ré, pessoa
colectiva que explora o estabelecimento de saúde que gira sob a designação de
Clínica do Bom Jesus, onde ministra cuidados de saúde a pacientes, inclusive em
regime de internamento, funcionando durante 24 horas por dia, vigorou, desde
Outubro de 1990, um contrato de trabalho, tendo sido despedida, em Dezembro de
20 li, através de carta com aviso de recepção que lhe foi enviada pela Ré, datada de
13 de Dezembro, sendo que tal despedimento não foi precedido de processo
disciplinar, sendo, por isso, ilícito.
S. *'
. ' .... . ' , I
R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Invocou também que a Ré não lhe pagou os proporcionais de férias, subsídio de férias
e de Natal devidos pelo trabalho desenvolvido no ano da cessação do contrato e que
pelo despedimento ilícito de que foi alvo, são-lhe devidas as quantias que peticiona.
A acção prosseguiu seus termos, vindo a ser decidida por sentença de 8 de Junho de
2012, de cujo dispositivo resulta que «destarte e por todo o exposto julgo a presente
acção totalmente improcedente, dela consequentemente absolvendo a ré. Condeno a
autora no pagamento das custas da acção. Registe e notifique».
Inconformada com esta decisão dela apelou a Autora para o Tribunal da Relação de
Lisboa, que veio a decidir o recurso por acórdão de 20 de Fevereiro de 2013, nos
termos do qual se decidiu:
«I - ( ... ); 2 - Conceder parcial provimento ao recurso no que respeita à impugnação da matéria de
facto que se altera nos termos que acima se deixaram mencionados; 3 - Revogar a sentença recorrida e
concedendo parcial provimento ao recurso: a) - Declarar que entre Recorrente e Recorrida existiu um
contrato de trabalho, desde Outubro de 1999, conforme peticionado; b) Declarar ilícito o despedimento
da Recorrente promovido pela Recorrida; c) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente:
- As retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da
presente decisão, ou sendo esta objecto de recurso do acórdão que venha a confirmar a ilicitude do
despedimento, tendo por base uma retribuição mensal de € 1.147,05 a que deverão ser deduzidas as
importâncias que tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se
não fosse o despedimento, bem como o montante do subsídio de desemprego auferido pela
trabalhadora, devendo a empregadora entregar essas quantias à segurança social.
-A indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 30 dias de retribuição (€ 1.147,05)
por cada ano de serviço reclamado (12), no valor de € 13.764,60 (treze mil setecentos e sessenta e
quatro euros e sessenta cêntimos);
-As férias e os subsídios de férias e de Natal vencidos e relativos a 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011 e
proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, no valor total de € 20.503,63 (vinte mil
quinhentos e três euros e sessenta e três cêntimos) estes até ao trânsito em julgado deste acórdão, ou
sendo este objecto de recurso da decisão que venha a confirmar a ilicitude do despedimento; e
- Os juros de mora sobre as quantias supra referidas, contados à taxa legal de 4%, devidos desde a
citação até integral pagamento».
2
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Irresignada com o assim decidido recorre agora a Ré, de revista, para este Supremo
Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
<<I. Atendendo à natureza e conteúdo das funções compreendidas na profissão da
Autora (enfermeira), os indícios apurados não são suficientes para se concluir, como
se concluiu, pela existência de subordinação jurídica.
2. Com efeito, a enfermeira Adélia dava, mensalmente, por escrito, à Ré, ora
recorrente, a sua disponibilidade de tempo para prestar serviço no mês seguinte.
3. O horário de trabalho (H. T.) da enfermeira era assim fixado de acordo com as
disponibilidades que ela fornecia à Clínica.
4. Podia a mesma escolher o seu H. T. dentro das disponibilidades que dava.
5. Num contrato de trabalho (C.T.) não pode nunca o trabalhador "escolher" o seu H.
T., atento que tal contrato radica na obrigação (não escolha) do trabalhador cumprir o
H. T. que lhe é superiormente determinado.
6. O H. T. era também fixado por acordo das partes, tendo em atenção as
conveniências e disponibilidades da enfermeira.
7. A recorrente I enfermeira exerceu sempre, a sua actividade no sector público como
enfermeira do Hospital de Ponta Delgada, até se reformar em 28.02.2006.
8. Nunca trabalhou em regime de exclusividade para a Clínica.
9. A mudança ou troca de turnos era permitida mediante prévia informação à
enfermeira chefe, não sendo necessário obter autorização desta ou da direcção da
Clínica.
10. Podia a enfermeira fazer substituir-se, na sua prestação, por outra pessoa, com a
única consequência de não lhe serem pagas as horas em que não tivesse prestado
serviços.
11. Não tinha que justificar - como nunca justificou - qualquer falta ou ausência ao
trabalho.
12. O facto de o local de trabalho se situar nas instalações da CBJ não é indício
suficiente para se concluir pela existência de contrato de trabalho, atendendo à
especial natureza e conteúdo das funções exercidas pela enfermeira.
3
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
13. Os instrumentos de trabalho, equipamentos e uniforme (farda) usados no
exercício de funções na Clínica, dado a especialidade e organização em causa,
permitem concluir que, tais factos, não apontam para a existência duma relação
laboral entre as partes.
14. A enfermeira Adélia era remunerada em função das horas que prestava. Atenta a
especial natureza e conteúdo das funções que exercia o cálculo da sua remuneração
não permite concluir pela existência de um C. T.
15. A enfermeira Adélia exercia as suas funções sujeita às terapêuticas e orientações
da Clínica, em nada saindo beliscada a sua autonomia técnica, funções exercidas de
acordo com os seus conhecimentos, experiência e inteligência, no cumprimento das
/eges artis.
16. O documento titulado Nota Interna (N.l.) é datado de I de Março de 2011.
17. A enfermeira Adélia cessou a sua prestação de serviço em 13 de Dezembro de
20 li, pelo que o aludido documento, em cerca de vinte e três anos de serviço da
mesma, só vigorou cerca de nove meses com ela em funções.
18. O aludido documento reporta dois parágrafos expressando informações,
reportando-se o primeiro às escalas de serviço e o segundo às disponibilidades de
horários e trocas de turno.
19. A N. I. deve considerar-se inserida nos procedimentos do Controlo do modo da
prestação de trabalho (conforme consta do ponto n. o 3 7 da análise do método dos
índices do presente recurso).
20. O respeito é devido a qualquer cidadão I trabalhador independentemente do seu
vínculo jurídico - laboral.
21. A obediência deve ser considerada tendo em conta a especial natureza das funções
exercidas (prestação de cuidados de saúde) onde tem necessariamente que haver
submissão a determinados procedimentos técnicos e deontológicos (terapêuticas e
cumprimento de protocolos de saúde obrigatórios) que são singulares nesta profissão
e que a faz distinguir de outras.
4
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
22. Não resultou provado que a dita "obediência" se tenha situado para além da
aceitação desses mesmos procedimentos terapêuticos e clínicos próprios da profissão
de enfermeira.
23. E mais: não ficou provado, nem sequer aludido, que, em alguma situação, a CBJ
exerceu ou tenha exercido sobre a enfermeira qualquer poder disciplinar durante os
cerca de vinte e um anos de vigência do CPS.
24. A enfermeira sempre emitiu recibos verdes, correspondentes aos valores dos
serviços prestados, declarando fiscalmente os valores recebidos como trabalhadora
independente (ver Does. juntos à Contestação].
25. Também nunca reclamou da CBJ o pagamento de qualquer quantia a título de
subsídio de férias ou de Natal, o que evidencia cabalmente o seu conhecimento de
que não tinha esses direitos.
26. O douto acórdão, ora sob recurso, fez "tábua rasa" sobre a vontade real das partes
aguando da celebração do contrato.
27. Na esteira do Prof. Menezes Cordeiro "a legitimidade última para considerar um
certo contrato como de trabalho, aplicando-se o competente regime, reside na vontade
das partes que livremente o tenham celebrado" [ob. cit pág. 536]
28. Como bem salientou, na 1.' instância, o M. Juiz, a questão central a decidir
resumia-se no facto de, tendo as partes querido celebrar um contrato de prestação de
serviços, se acaso podemos I devemos qualificá-lo como contrato de trabalho, contra
as suas vontades, porque há alguns indícios que para ali apontam"
29. Sendo certo que o M. Juiz concluiu que seguramente não será essa a resposta do
Direito, rematando que a Autora só veio a colocar em crise a natureza da sua relação
contratual com a Ré quando foi dispensada.
30. Contrariamente ao douto acórdão recorrido, os indícios de subordinação jurídica
não podem ser valorados de forma atomística, antes devendo efectuar-se um juízo
global dos mesmos, conforme se sustenta no douto Acórdão do STJ de 09.12.20 I O, já
sobejamente citado.
31. O douto acórdão recorrido ao revogar a douta sentença de primeira instância e
decidir que, entre recorrente e recorrida, existia um contrato de trabalho fez errónea
5
S. - ' \ R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
interpretação da lei, nomeadamente dos arts.0 I 0 da LCT (DL. 49.408), I I o do CT e
236° - 2 do CC, bem como da matéria de facto provada.
32. Ao fazer errada interpretação da lei e da matéria de facto, o douto acórdão
recorrido deve ser totalmente revogado, confirmando-se a sentença de I a instãncia.»
Termina pendindo que seja concedida a revista.
A Autora respondeu ao recurso interposto pronunciando-se no sentido da negação da
revista e da confirmação do decidido.
Neste tribunal o Exm0 Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, nos termos do n. 0 3
do artigo 87.0 do Código de Processo de Trabalho, pronunciando-se pela da concessão
da revista, concluindo no sentido de que «da apreciação global feita, in casu, aos indícios que
se manifestam na relação contratual existente entre as partes, cremos dever concluir-se não terem sido
apurados factos bastantes para caracterizar tal relação como contrato de trabalho, sendo que nos termos
do art. 342.0, n. 0 I do Código Civil, impendia sobre a recorrida o ónus de provar factos que
permitissem concluir pela existência daquele contrato».
Notificado este parecer às partes veio a Autora pronunciar-se no sentido das posições
por si defendidas.
Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do
recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684.0, n. 0 3 e 685.0 -A, do Código de
Processo Civil, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.O 303/2007, de 24
de Agosto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na
presente revista saber se face à matéria de facto provada está demonstrada a
existência de uma relação de trabalho subordinado entre a Autora à Ré.
11
A matéria de facto fixada pelas instãncias é a seguinte:
«a) A Autora é enfermeira diplomada.
6
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
b) A ré é wna pessoa colectiva que explora a Clínica do Bom Jesus, em Ponta
Delgada, onde presta cuidados de saúde a pacientes que o solicitem, incluindo
internamentos. Nos seus estatutos consta que a ré tem por escopo «a prestação de
serviços gratuitos ou remunerados em regime de porcionismo, de acordo com a
situação económica dos utentes».
c) Para tanto necessita permanentemente de ter ao seu serviço profissionais de saúde,
nomeadamente de enfermagem, uma vez que a Clínica está aberta 24horas por dia.
d) Em 1990, a autora apresentou-se na Clínica da Ré, à enfermeira que então
coordenava os serviços de enfermagem, a quem mostrou disponibilidade para ali
prestar serviços. Por indicação desta a autora reuniu com o então director da Clínica,
que a admitiu ao serviço, nas mesmas condições em que os demais enfermeiros,
incluindo a enfermeira Zita, ali prestavam serviços.
e) No desempenho das suas funções a autora passou a executar, entre outras, as
seguintes tarefas: pensos, preparação e administração de terapêutica endovenosa,
intramuscular, oral, subcutânea, aerosol, terapia, oxigenoterapia; alimentação por
gavagem e intérica; avaliação de sinais vitais como a pressão arterial. Pulso,
respiração, glicemia capilar, temperatura, controlo de volumes urinários, algaliações,
entubações nasogástricas, registo e diário terapêuticos, alterações terapêuticas de
acordo com as prescrições clínicas, aspiração de secreções, colheitas de sangue,
acompanhamento do médico nas visitas aos doentes, tratamento de puérperas, recém -
nascidos e intervencionados clinicamente, etc.
f) A escala de serviço que a autora cumpria na Clínica era organizada pela enfermeira
chefe, na sequência da manifestação de disponibilidade daquela, por escrito, no mês
imediatamente anterior. A escala de serviço dos enfermeiros era então afixada em
folha própria e no placard habitual.
g) A ré organizava os turnos de acordo com as necessidades de serviço da Clínica, de
modo a assegurar permanentemente os serviços de enfermagem que ali se prestam aos
utentes.
h) Até se reformar da função pública em 28.02.2006, a autora trabalhava também
como enfermeira no Hospital de Ponta Delgada, onde tinha wn horário regular.
7
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
i) A ré estabeleceu os seguintes tipos de turnos, que a autora cumpria:
Turno M (manhã)- das 8h às !6h
Turno T (tarde)- das 16h às 23h
Turno N (noite) - das 23hàs 8h
Em alguns casos o turno M compreendia uma laboração das 8hàs 13h e o turno T das
16hàs20h30m.
j) A ré indicava à autora os turnos que esta tinha de cumprir e as unidades onde tal
turno era cumprido, o que fazia através de horários mensais previamente afixados:
colocando uma bolinha em determinadas tardes ou manhãs, sabendo assim os
enfermeiros que, em tais casos, os horários a cumprir eram respectivamente das 8h às
13h/14h, ou das 16h às 20h/20:30h; ou colocando um asterisco para identificação do
lo piso como unidade onde o serviço devia ser prestado, ou nada, caso em que o
serviço a desempenhar era no segundo piso.
k) Eram permitidas mudanças ou trocas de turno entre os enfermeiros que prestavam
serviços na Clínica, mediante prévia informação à enfermeira-chefe, que a partir de
determinada altura passou a ser obrigatoriamente por escrito.
!) A autora, como os demais enfermeiros, desempenhava as suas funções, se bem que
tecnicamente de forma autónoma, de acordo com o plano e supervisão da enfermeira
-chefe e de acordo também com as orientações e directivas desta e da direcção clínica
daquele estabelecimento de saúde.
m) Por «nota interna» a direcção da Clínica determinou informar os enfermeiros que
para todos os efeitos a responsabilidade pelas escalas de serviço eram da direcção da
Clínica do Bom Jesus, alertando para o facto de a enfermeira Luísa Cunha ser a
enfermeira-chefe, a quem era devido respeito e obediência nas directivas que a esta
cabe implementar.
n) Mais informou a ré aos enfermeiros que as disponibilidades pessoais de horários
deveriam ser entregues à Exm." Sr. a Enf. Luísa Cunha até ao dia I O de cada mês e que
as trocas deveriam ser do conhecimento desta e por ela autorizadas.
o) A enfermeira chefe da Clínica organizava os turnos, controlava o trabalho
desenvolvido pelas equipas de enfermagem, notificava os enfermeiros quanto a
8
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
qualquer falha que detetasse e divulgava os procedimentos indicados pelos
laboratórios relativamente à recolha de amostras para análises laboratoriais.
p) Em folha própria disponibilizada pela ré, a autora registava diariamente a hora de
entrada e de saída, assinando tais registos, sendo tal folha também visada pela
enfermeira chefe.
q) O local onde era desenvolvida a actividade, os instrumentos e equipamentos de
trabalho, como os produtos que a autora utilizava no seu trabalho pertenciam à ré,
fornecendo esta vestuário próprio com a identificação da autora e que esta
obrigatoriamente envergava.
r) Os serviços prestados pela autora eram pagos de acordo com a tabela anualmente
actualizada constante do instrumento de regulamentação colectiva aplicável aos
serviços hospitalares do sector privado.
s) A ré nunca concedeu à autora período de férias nem lhe pagou subsídios de férias
nem de Natal.
t) Nos últimos 12 meses em que prestou serviço a autora auferiu:
-dez 2010- 1446,96 €
- jan 2011- 1192,50 €
- fev 2011- 1047,35 €
-março 2011-515,93 €
- abril2011- I 021,55 €
-maio 2011 - 934,71 €
-junho 2011 - 993,35 €
-julho 2011 - 874,38 €
- agosto 20 li - I 512,94 €
-setembro 2011 - I 679,08 €
- outubro 20 I I - 1240,62 €
-novembro 2011- I 305,19 €
u) No final de cada mês os serviços administrativos da ré entregavam à autora um
documento, no qual se encontrava escrita a expressão «recibo de remuneração», para
9
s.-R. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que conferisse o apuro feito quanto aos serviços prestados com base na folha referida
em p), e o pagamento devido.
v) No documento referido em p) indica-se que é aplicável o IRCT para os serviços
hospitalares privados.
w) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Dezembro de 2011, a
ré informou a autora que «a partir do próximo dia 19 do corrente mês, prescindimos
dos serviços que vinha prestando a esta Clínica, desde já agradecendo a prestimosa
colaboração que prestou».
x) O mesmo acontecendo com outras duas enfermeiras.
y) No dia 20 de Dezembro de 2011 iniciaram funções três novas enfermeiras.
z) À ré foi concedido apoio judiciário para se defender na presente acção.
aa) A Clínica utilizava para com a autora e os outros enfermeiros o mesmo modelo de
documento que emitia para os trabalhadores efetivos titulado «recibo de
remuneração».
bb) Tal documento servia apenas para a autora conferir as contas face ao serviço
prestado e sequentemente emitir o correspondente «recibo verde».
cc) Os pagamentos eram feitos pela ré à autora por transferência bancária.
dd) O documento reportado à troca de turnos visa somente a regularização e
organização dos serviços internos que são da competência da Ré 1•
ee) Competem à Ré, nomeadamente através da enfermeira chefe, as funções
organizativas, de conciliação de horários, de alocação de recursos, de gestão de stocks
e consumos, de eventuais falhas ou omissões2•
ff) O documento 4 junto com a petição inicial, titulado de norma interna, reporta-se a
simples orientações de trabalho3.»
Este quadro factual não foi objecto de qualquer impugnação pelas partes e não se
verifica qualquer das situações que permitem a este Supremo Tribunal alterá-lo ou
1 Aditado pela decisão recorrida. 2 Aditado pela decisão recorrida. 3 Aditado pela decisão recorrida.
10
S.~ R. ~
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
promover a sua ampliação (art.s 722.0, n. 0 3 e 729.0
, n. 0 3, do Código de Processo
Civil).
111
1 - O contrato de trabalho é definido no artigo 1152.0 do Código Civil como «aquele
pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade
intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direcção desta».
Por sua vez o contrato de prestação de serviço, de acordo com o disposto no artigo
1154. o do mesmo código, é aquele em que uma pessoa «se obriga a proporcionar à
outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
A noção de contrato de trabalho consagrada naquele artigo foi retomada no artigo 1.0
do Regime do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 0 49 408, de 24 de
Novembro de 1969, mantendo-se nos seus aspectos essenciais no artigo I 0.0 do
Código de Trabalho de 2003, ou no artigo 11.0 do Código do Trabalho de 2009.
Existe uma evidente proximidade entre os dois contratos encontrando-se na existência
da subordinação jurídica o elemento estruturante na delimitação entre os dois.
O contrato de trabalho caracteriza-se fundamentalmente pela dependência jurídica em
que o trabalhador se coloca face ao outro contraente, a entidade empregadora, nos
termos da qual o trabalhador fica sujeito às ordens daquela relativamente aos termos
da prestação do seu trabalho.
A conformação dos termos da prestação de trabalho tem um dos pólos no poder de
direcção da entidade empregadora e outro no dever de obediência a que o trabalhador
se encontra sujeito.
Por outro lado, na prestação de serviço não existe esta subordinação tendo o
trabalhador autonomia relativamente aos termos da execução do trabalho, ficando,
contudo, vinculado ao resultado da actividade prosseguida.
li
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A aparente simplicidade desta delimitação é muitas vezes confrontada com situações
de fronteira onde existem elementos que apontam para uma situação de trabalho
subordinado, ao lado de outros típicos da autonomia da actividade que caracteriza a
mera prestação de serviço.
Conforme se referiu no acórdão desta secção, de 9 de Fevereiro de 2012, proferido na
revista n.0 2178/07.3TTLSB.Ll.S 14, «nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência
aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que
caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a
designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de
horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo
destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do
trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios
de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador
ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva,
recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo
externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à
disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a
quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a
inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização)».
Importa igualmente ter presente que, conforme refere MONTEIRO FERNANDES,
«Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade»,
pelo que «o juízo a fazer ( ... ) é ainda e sempre um juízo de global idade, conduzindo
a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta», não
existindo «nenhuma fórmula que pré-determine o dosearnento necessário dos índices
de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor
significante muito diverso de caso para caso»5.
4 Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI. 5 Direito do Trabalho, 12.' Edição, 2004, Almedina, p. 145.
12
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Torna-se, pors, necessária uma ponderação global dos elementos indiciários
constatados, tentando encontrar o sentido dominante dos mesmos, procurando
encontrar uma maior ou menor correspondência dessa dimensão global com o
conceito-tipo de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviço.
2 - As instâncias dividiram-se relativamente à caracterização da relação jurídica que
existiu entre as partes.
Assim, enquanto na 1.• instância se decidiu que o contrato que ligou a Autora à Ré
«nunca foi de trabalho» e que por isso a autora não pode «legitimamente pretender
que se reconheçam direitos que ela sempre soube que não tinha», na decisão recorrida
decidiu-se em sentido contrário, concluindo-se no sentido de que tal relação tinha a
natureza de uma relação de trabalho subordinado.
Essa conclusão fundamentou-se no seguinte:
«Apreciando o caso dos autos e não esquecendo que era à Autora que competia alegar e provar a
existência do contrato de trabalho, visto a sua pretensão assentar nesse pressuposto (art. 342.0 do CC),
analisemos, então se os factos provados apontam para a existência do alegado contrato de trabalho.
Ora, no que respeita ao horário de trabalho prestado pela Recorrente, verifica-se que a escala de
serviço que esta cumpria na Clínica era organizada pela enfermeira - chefe, na sequência da
manifestação da sua disponibilidade por escrito, no mês imediatamente anterior. A escala de serviço
dos enfermeiros era então afixada em folha própria e no placard habitual, sendo a recorrida quem
organizava os turnos de acordo com as necessidades de serviço da Clínica, de modo a assegurar
permanentemente os serviços de enfermagem que ali se prestam aos utentes, tendo a Recorrida
estabelecido os seguintes tipos de turnos, que a autora cumpria: Turno M (manhã) - das 8h às 16h;
Turno T (tarde)- das 16h às 23h; e Turno N (noite)- das 23h às 8h, sendo que em alguns casos o turno
M compreendia uma laboração das 8h às 13h e o turno T das 16h às 20h30m, sendo a Recorrida que
indicava à Recorrente os turnos que esta tinha de cumprir e as unidades onde tal turno era cumprido, o
que fazia através de horários mensais previamente afixados: colocando ou uma bolinha em
determinadas tardes ou manhãs, sabendo assim os enfermeiros que, em tais casos, os horários a
cumprir eram respectivamente das 8h às 13h/14h, ou das 16h às 20h/20:30h; ou colocando um
asterisco para identificação do lo piso como unidade onde o serviço devia ser prestado, ou nada, caso
em que o serviço a desempenhar era no segundo piso.
Assim, de tal factualidade, resulta, desde logo, que embora o horário de trabalho que a Recorrente
cumpria fosse fixado tendo em conta a sua disponibilidade, que manifestava à Recorrida, o certo é que
13
S. - • ç R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
não podemos afirmar que era a Recorrente quem fixava o seu próprio horário mas, tão só, que escolhia
o seu horário dentro das hipóteses que lhe eram apresentadas pela Recorrida, ou seja, a Recorrente só
podia escolher, de acordo com a sua disponibilidade, dentro dos turnos que eram elaborados pela
Recorrida e só. E nessa medida, não obstante aquela disponibilidade da Recorrente, no final, o horário
era sempre imposto pela Recorrida através dos turnos que elaborava, traço que aponta para a existência
de um contrato de trabalho.
Mas por outro lado, provou-se que eram permitidas mudanças ou trocas de turnos entre os enfermeiros
que prestavam serviços na Clínica, mediante prévia informação à enfermeira chefe, que a partir de
determinada altura passou a ser obrigatoriamente por escrito, sendo certo que tais trocas, não são
compatíveis com uma relação laboral, além de que a Recorrente não alegou nem provou que alguma
vez tivesse de justificar faltas, como sucede nos casos de ausências em que está em causa um contrato
de trabalho.
Sucede, também, que a Recorrente até se reformar, em 2006, cumpria um horário regular no Hospital
de Ponta Delgada o que significa que nunca trabalhou para a Recorrida em exclusividade, indicio que,
à partida, pode não se coadunar com a existência de um contrato de trabalho, embora seja sabido que é
possível a coexistência de contratos de trabalho.
Por outro lado, verificamos que o local de trabalho se situava nas instalações da empregadora, ou seja,
na Clínica explorada pela Recorrida, num piso ou noutro.
Mas como se escreve na sentença recorrida " Isso, contudo, nada revela acerca da natureza do contrato
em causa. Tenha-se em conta a especificidade da organização em causa, que é uma Clínica, aberta 24
horas por dia".
Com efeito, explorando a Recorrida uma Clínica onde presta cuidados de saúde aos utentes que a
procuram, não fazia sentido que a Recorrente fosse contratada para prestar serviços no Centro de
Saúde, ou num Hospital ou em qualquer outro local que não fosse a dita Clínica, daí que se possa
afirmar que o seu local de trabalho sempre teria de ser na Clínica do Bom Jesus, razão pela qual este
elemento também não assume relevo suficiente para caracterizar a relação contratual como de trabalho.
E quanto aos instrumentos de trabalho, equipamentos e farda usados pela Recorrente no exercício das
suas funções, também acompanhamos a sentença recorrida quando refere "o mesmo se diga
relativamente aos instrumentos de trabalho que são utilizados naqueles estabelecimentos, que não
podem deixar de ser fornecidos pela ré (por razões de segurança, de confiança do público etc) ".
Na verdade, a circunstância de a Recorrente ter de desenvolver as suas tarefas numa estrutura da
Recorrida, servindo-se de instrumentos e equipamentos à mesma pertencente resultam da necessidade
imperiosa de que os cuidados prestados pela Recorrente aos utentes têm de ser assegurados em
instalações e condições de higiene apropriadas para o efeito não fazendo, também, qualquer sentido
que a Recorrente tivesse de trazer consigo os instrumentos e equipamentos que utilizava no exercício
das suas funções.
14
s. e R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Por outro lado, o facto de a Recorrente usar uma farda fornecida pela empregadora prende-se,
naturalmente, com a necessidade de criar uma certa homogeneidade e identidade, nos serviços da
Recorrida, procedimento que é adoptado nos vários estabelecimentos de saúde, o que é perfeitamente
compreensível, mas também não contribui, por si só, de modo decisivo, para caracterizar o contrato
como sendo de trabalho, embora não se possa deixar de admitir que é um sinal de integração da
Recorrente numa certa estrutura organizativa como é a Clínica explorada pela Recorrida e aponta para
uma possível relação laboral.
Quanto aos valores auferidos mensalmente pela Recorrente, resulta da factualidade provada que o
preço foi estabelecido com referência ao valor hora constante da regulamentação colectiva dos serviços
hospitalares privados, variando o valor mensal em função do número de horas realizado que, conforme
decorre dos factos provados, nunca foi igual nos últimos doze meses em que vigorou o contrato.
E a propósito da remuneração auferida pela Recorrente e ao critério utilizado para o valor hora, o
constante do IRCT dos serviços hospitalares privados, e mesmo considerando o modo como era paga a
retribuição, por ai também não podemos concluir pela existência de um contrato de trabalho.
Por outro lado e não obstante a Recorrente ter apresentado declarações de IRS como dependente e
independente (categoria A e categoria B, respectivamente) e sempre ter emitido recibos verdes, só por
si, não é suficiente para afastar a existência de um contrato de trabalho, pois muitas vezes tal situação
não é mais do que uma imposição do empregador a que se sujeitam os trabalhadores para não ficarem
no desemprego.
E o mesmo se diga relativamente à inexistência de descontos para a segurança social e à inexistência
de qualquer seguro de acidentes de trabalho que contemplasse a Recorrente.
Por último e quanto à existência de controlo do modo da prestação de trabalho, podemos afirmar, à
partida, que não é de estranhar o facto de a Recorrente exercer as suas funções de enfermeira, sujeita às
terapêuticas e orientações emanadas da Clínica, através da enfermeira chefe e da direcção clínica,
nomeadamente quanto à recolha de amostras de análises e outras prescrições médicas. Ora, é
indubitável que tais orientações e prescrições resultam da própria natureza da actividade que a
Recorrente exercia e da circunstância de ser realizada, no âmbito da estrutura de uma clínica de
tratamentos médicos, onde, em termos de gestão e de organização, compete à direcção definir os
parâmetros e os contornos em que se desenvolverá o serviço em causa.
Na verdade, as indicações e orientações quanto a determinados procedimentos clínicos são
perfeitamente aceitáveis e_ compreensíveis na medida em que têm por objectivo a sua unifonnização,
em nada beliscando a autonomia técnica da Recorrente, já que as suas funções sempre serão exercidas
de acordo com os seus conhecimentos, experiência e inteligência e no cumprimento das leges artis.
Porém, tendo ficado provado que a Recorrente, como os demais enfermeiros, desempenhava as suas
funções, se bem que tecnicamente de forma autónoma, de acordo com o plano e supervisão da
15
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
enfermeira-chefe e de acordo também com as orientações e directivas desta e da direcção clínica
daquele estabelecimento de saúde, que por «nota interna» a direcção da Clínica determinou informar
os enfermeiros que para todos os efeitos a responsabilidade pelas escalas de serviço eram da direcção
da Clínica do Bom Jesus, alertando para o facto de a enfermeira Luísa Cunha ser a enfermeira-chefe, a
quem era devido respeito e obediência nas directivas que a esta cabe implementar, que a enfermeira
chefe da Clínica para além de outras funções controlava o trabalho desenvolvido pelas equipas de
enfermagem, notificava os enfermeiros quanto a qualquer falha que detectasse, podemos afirmar que a
Recorrente para além de ter de acatar as prescrições terapêuticas e clínicas com vista à uniformização
dos serviços prestados pela Clínica, como qualquer enfermeiro, ainda devia obediência a todas as
directivas que eram emanadas da enfenneira - chefe e, consequentemente da direcção da clínica,
estando sujeita a um plano de supervisão daquela.
E este dever de obediência às directivas emanadas da enfermeira chefe, que vão para além da
necessária aceitação dos procedimentos terapêuticos e clínicos que se impõem a qualquer enfermeiro
que exerça funções na clínica, configura, indubitavelmente, o corolário de um poder de direcção e de
fiscalização que é exercido pela enfermeira chefe e pela clínica sobre a actividade exercida pela
Recorrente, espelhando, assim, a sua posição de sujeição à Recorrida, circunstância, que,
indubitavelmente, aponta para a existência de um contrato de trabalho.
Mas mais, o exercício das funções da Recorrente desdobra-se numa actividade - tratar e cuidar dos
doentes - a que é alheio o resultado, este a ser atingido apenas pela própria Clínica, o que também
aponta para a existência de uma relação laboral.
Em suma, apreciando globalmente os indícios provados acima referidos e embora alguns deles se
revelem incaracterísticos ou apontem em sentido diverso, a verdade é que tendo ficado provado que a
Recorrente cumpria um horário imposto pela Recorrida, que estava sujeita às ordens e directivas
emanadas da enfermeira chefe em matérias que iam para além das meras prescrições e procedimentos
clínicos generalizados a todos os enfermeiros e consubstanciando o exercício das suas funções uma
actividade, contrariamente ao afirmado na sentença recorrida, podemos concluir pela existência de
subordinação jurídica da Recorrente à Recorrida e de um verdadeiro contrato de trabalho entre ambas.
Assim, tendo a Recorrente logrado demonstrar os elementos característicos de uma relação contratual
laboral com a Recorrida, terá de proceder o recurso, nesta parte.»
IV
1 - Resulta, em síntese, da matéria de facto dada como provada que a Autora foi
admitida ao serviço pela Ré em I 990, «nas mesmas condições em que os demais
enfermeiros, incluindo a enfermeira Zita, ali prestavam serviços» e que «até se
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
reformar da função pública em 28.02.2006, a autora trabalhava também como
enfermeira no Hospital de Ponta Delgada, onde tinha um horário regular».
Flui ainda dessa matéria de facto que «a escala de serviço que a autora cumpria na
Clínica era organizada pela enfermeira chefe, na sequência da manifestação de
disponibilidade daquela, por escrito, no mês imediatamente anterior. A escala de
serviço dos enfermeiros era então afixada em folha própria e no placard habitual» e
que «a ré organizava os turnos de acordo com as necessidades de serviço da Clínica,
de modo a assegurar permanentemente os serviços de enfermagem que ali se prestam
aos utentes»
Provou-se ainda que «a ré indicava à autora os turnos que esta tinha de cumprir e as
unidades onde tal turno era cumprido, o que fazia através de horários mensais
previamente afixados», sendo certo que «eram permitidas mudanças ou trocas de
turno entre os enfermeiros que prestavam serviços na Clínica, mediante prévia
informação à enfermeira chefe, que a partir de determinada altura passou a ser
obrigatoriamente por escrito» e que «em folha própria disponibilizada pela ré, a
autora registava diariamente a hora de entrada e de saída, assinando tais registos,
sendo tal folha também visada pela enfermeira chefe».
Ainda de acordo com a matéria de facto, «a autora, como os demais enfermeiros,
desempenhava as suas funções, se bem que tecnicamente de forma autónoma, de
acordo com o plano e supervisão da enfermeira-chefe e de acordo também com as
orientações e directivas desta e da direcção clínica daquele estabelecimento de saúde»
e que «por <mota interna» a direcção da Clínica determinou informar os enfermeiros
que para todos os efeitos a responsabilidade pelas escalas de serviço eram da direcção
da Clínica do Bom Jesus, alertando para o facto de a enfermeira Luísa Cunha ser a
enfermeira-chefe, a quem era devido respeito e obediência nas directivas que a esta
cabe implementar».
Do mesmo modo, flui da matéria de facto que a Ré deu conhecimento «aos
enfermeiros que as disponibilidades pessoais de horários deveriam ser entregues à
Exm.' Sr.' Enf. Luísa Cunha até ao dia I O de cada mês e que as trocas deveriam ser
do conhecimento desta e por ela autorizadas» e que «a enfermeira chefe da Clínica
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
organizava os turnos, controlava o trabalho desenvolvido pelas eqmpas de
enfermagem, notificava os enfermeiros quanto a qualquer falha que detetasse e
divulgava os procedimentos indicados pelos laboratórios relativamente à recolha de
amostras para análises laboratoriais» e que «em folha própria disponibilizada pela ré,
a autora registava diariamente a hora de entrada e de saída, assinando tais registos,
sendo tal folha também visada pela enfermeira chefe».
Resulta ainda da matéria de facto que «os serviços prestados pela autora eram pagos
de acordo com a tabela anualmente actualizada constante do instrumento de
regulamentação colectiva aplicável aos serviços hospitalares do sector privado»; que
«a ré nunca concedeu à autora período de férias nem lhe pagou subsídios de férias
nem de Natal» e que <<nos últimos 12 meses em que prestou serviço a autora auferiu:
-dez 2010- 1446,96 €;- jan 2011 -1192,50 €;- fev 2011- 1047,35 €;- março 2011-
515,93 € ;- abril2011 -I 021,55 €;- maio 2011-934,71 € ;-junho 2011-993,35 €;
julho 2011 - 874,38 €; agosto 2011 - I 512,94 €;- setembro 2011 - I 679,08 €;
outubro 2011- 1240,62 €;- novembro 2011- I 305,19 €».
2 - Entende a recorrente que, «atendendo à natureza e conteúdo das funções
compreendidas na profissão da Autora (enfermeira), os indícios apurados não são
suficientes para se concluir, como se concluiu, pela existência de subordinação
jurídica».
Destaca que «exercia as suas funções sujeita às terapêuticas e orientações da Clínica,
em nada saindo beliscada a sua autonomia técnica, funções exercidas de acordo com
os seus conhecimentos, experiência e inteligência, no cumprimento das leges artis»;
que «o documento titulado Nota Interna (N. I.) é datado de I de Março de 2011 » e
que «Cessou a sua prestação de serviço em 13 de Dezembro de 2011, pelo que o
aludido documento, em cerca de vinte e três anos de serviço da mesma, só vigorou
cerca de nove meses com ela em funções».
Realça que o «aludido documento reporta dois parágrafos expressando informações,
reportando-se o primeiro às escalas de serviço e o segundo às disponibilidades de
horários e trocas de turno» e que «a obediência deve ser considerada tendo em conta a
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
especial natureza das funções exercidas (prestação de cuidados de saúde) onde tem
necessariamente que haver submissão a determinados procedimentos técnicos e
deontológicos (terapêuticas e cumprimento de protocolos de saúde obrigatórios) que
são singulares nesta profissão e que a faz distinguir de outras».
Refere que «não resultou provado que a dita "obediência" se tenha situado para além
da aceitação desses mesmos procedimentos terapêuticos e clínicos próprios da
profissão de enfermeira» e que <mão ficou provado, nem sequer aludido, que, em
alguma situação, a CBJ exerceu ou tenha exercido sobre a enfermeira qualquer poder
disciplinar durante os cerca de vinte e um anos de vigência do CPS».
Afirma igualmente a recorrente que «contrariamente ao douto acórdão recorrido, os
indícios de subordinação jurídica não podem ser valorados de forma atomística, antes
devendo efectuar-se um juízo global dos mesmos, conforme se sustenta no douto
Acórdão do STJ de 09.12.2010,já sobejamente citado».
3 - Tal como acima se referiu, impõe-se ponderar globalmente os elementos
indiciadores resultantes da matéria de facto dada como provada, que, a nosso ver, não
permitem a conclusão que foi alcançada na decisão recorrida.
Na verdade, ao contrário do que ali se decidiu, não pode concluir-se á luz da matéria
de facto fixada no sentido de que a Autora estivesse estritamente sujeita a um horário
de trabalho imposto pela Ré e aos controlas de assiduidade inerentes ao mesmo.
Com efeito, o que resulta da matéria de facto é que a Autora desempenhava funções
para a Ré no quadro das suas disponibilidades que comunicava á responsável pela
organização das escalas de serviço no mês anterior àquele a que diziam respeito.
Os períodos de exercício de funções eram acordados entre as partes não podendo com
rigor falar-se num horário de trabalho que fosse imposto pela Ré à Autora.
Acresce que a Autora simultaneamente tinha uma relação de trabalho de serviço
público com o Hospital de Ponta Delgada, onde desempenhava também funções de
enfermeira.
Por outro lado, embora com comunicação prévia à enfermeira chefe e com
autorização posterior desta, a Autora podia fazer-se substituir por outro profissional
19
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
no âmbito das mudanças ou trocas de turno, cabendo-lhe igualmente anotar os
horários de início e termo do exercício de funções em documento existente para o
efeito que era rubricado pela enfermeira chefe.
Considerou-se do mesmo modo na decisão recorrida que a Autora «estava sujeita às
ordens e directi v as emanadas da enfermeira chefe em matérias que iam para além das
meras prescrições e procedimentos clínicos generalizados a todos os enfermeiros e
consubstanciando o exercício das suas funções urna actividade, contrariamente ao
afirmado na sentença recorrida, podemos concluir pela existência de subordinação
jurídica da Recorrente à Recorrida e de um verdadeiro contrato de trabalho entre
ambas», conclusão que manifestamente se encontra descontextualizada e viciada nos
seus fundamentos.
Na verdade, embora resulte da matéria de facto fixada nas alíneas I) e m) que a
Autora desempenhava as suas funções «de acordo como plano e supervisão da
enfermeira chefe e de acordo também com as orientações e directivas desta e da
direcção clínica daquele estabelecimento»; que a direcção da clínica emitiu uma nota
interna a informar os enfermeiros de que a responsabilidade das escalas de serviço
eram da enfermeira chefe, a quem era devido «respeito e obediência nas directivas» e
que lhe cabia implementar, elementos estes cujo âmbito resulta concretizada na
matéria de facto aditada pelo Tribunal da Relação e que integra as alíneas dd) e
seguintes, daí não decorre que se possa afirmar com segurança que a Autora exercia
as suas funções no contexto de uma relação de trabalho subordinado.
Resulta também das alíneas o) e p) que a enfermeira chefe «controlava o trabalho
desenvolvido pelas equipas de enfermagem, notificava os enfermeiros quanto a
qualquer falha que detetasse» e que «em folha própria disponibilizada pela ré, a
autora registava diariamente a hora de entrada e de saída, assinando tais registos,
sendo tal folha também visada pela enfermeira chefe».
Estes elementos, embora relevantes para a caracterização da natureza jurídica do
vínculo que ligava a Autora à Ré, podendo até apontar para componentes que
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S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
poderiam indiciar uma situação de subordinação jurídica, terão de ser enquadrados no
contexto da actividade prosseguida pela Autora e das suas especificidades, não
podendo ser valorados de forma abstracta e fora desse contexto.
Em primeiro lugar, nada resultava da matéria de facto dada como provada sobre o
concreto objecto das referidas «orientações e directivas», sendo a referência à mera
prestação de funções do pessoal de enfermagem genérica e inconclusiva, omissão que
os elementos decorrentes das alíneas dd) e ss. da matéria de facto aditados pelo
Tribunal da Relação suprem, nomeadamente, quando na alínea ee) se concretizam as
funções da enfermeira chefe.
Na verdade, a actividade prosseguida pela Autora, apesar da autonomia individual
que a caracteriza, insere-se numa clínica, onde forçosamente tem de ser articulada
com a actividade da pluralidade de profissionais que ali desempenham funções.
Tal articulação no que se refere ao pessoal de enfermagem era levada a cabo, em
primeira linha, pela enfermeira chefe a quem, de acordo com a matéria de facto, cabia
definir as escalas de serviço e operar as respectivas substituições quando solicitadas.
Definidas as escalas de serviço e distribuído o pessoal pelos vários serviços, resulta
também da matéria de facto que a Autora, tal como os demais enfermeiros, exercia as
suas funções «de acordo com o plano e supervisão da enfermeira chefe» e com as
orientações e directivas desta e da direcção clínica».
O plano que está aqui em causa é o esquema de distribuição dos profissionais pelos
vários serviços da clínica, sendo as tarefas levadas a cabo pela enfermeira chefe a
forma de integração da actividade dos vários profissionais envolvidos na organização
da actividade prosseguida pela clínica.
Sendo actividades necessárias ao respectivo funcionamento não são só por sr
decisivas para caracterizar a situação dos profissionais que as desempenham.
Na verdade, do mesmo modo como o que se passava com o controlo da assiduidade
nada se provou relativamente às consequências do incumprimento das orientações
definidas pela enfermeira chefe e mesmo da direcção da clínica, elemento que seria
relevante para caracterizar a situação jurídica dos profissionais sujeitos a essa forma
de enquadramento e à disciplina que a caracterizaria.
21
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Por outro lado, tal como acima se referiu, a ponderação dos elementos indiciadores
resultantes da matéria de facto tem de ser feita de forma global, atendendo-se aos
elementos que apontam, quer no sentido da existência de uma relação de trabalho
autónomo, quer de trabalho subordinado, não podendo proceder-se a uma ponderação
parcelar dos elementos existentes, sobrevalorizando, nomeadamente aqueles que
poderão apontar para a existência de alguma forma de subordinação jurídica.
Neste âmbito são de relevo pouco significativo os elementos decorrentes do facto de a
Autora desempenhar a suas funções no estabelecimento da Ré, com meios a esta
pertencentes, o que decorre da especificidade das tarefas levadas a cabo, inerentes à
prestação de cuidados de saúde no sector da enfermagem numa clínica.
Por outro lado, não pode deixar de se atender ao peso e ao relevo da falta de um
efectivo horário de trabalho, ao facto de a Autora paralelamente desempenhar as
mesmas funções de enfermeira, num hospital público, ao facto de ser paga pela
prestação dos seus serviços funções em função das horas de trabalho efectivamente
prestadas, ao facto de emitir "recibos verdes", ao facto de não gozar férias e de lhe
não serem pagos subsídios de férias e de Natal, elementos que apontam normalmente
para situações de prestação de serviços.
Ora tal como se considerou no acórdão desta secção de 9 de Dezembro de 201 O,
proferido no processo n. 0 1155/07.9TTBRG.Pl.S1 6, aliás citado na decisão recorrida,
«se é certo que os factos que as recorrentes destacam para sustentar a existência de subordinação
jurídica poderiam sugerir a existência de tal situação, não pode esquecer-se que os indícios de
subordinação jurídica não podem ser valorados de forma atomistica, antes devendo efectuar-se um
juizo global em ordem a determinar se na relação estabelecida e efectivameme executada estão ou não
presentes os elementos característicos de uma relação de trabalho subordinado- os poderes de direcção
e autoridade do empregador e correspectiva sujeição do trabalhador ao exercício desses poderes»,
tendo-se prosseguido na mesma decisão referindo que «como, bem, explicaram as
instâncias, atendendo à natureza e conteúdo das funções compreendidas na profissão de enfermeiro,
nem a obrigatoriedade de cumprimento de protocolos, nem o pagamento mensal das retribuições
6 Disponível nas Bases de Dados da DOS!.
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
calculadas com base nas horas de trabalho efectivamente prestadas, nem a vinculação a um horário
pré-definido, nem o facto de o local de trabalho se situar nas instalações do Réu, nem, enfim, o
fornecimento de uniformes e instrumentos de trabalho por parte da Ré, são suficientes para se concluir
pela existência de subordinação jurídica, pois a relevância de tais índices apresenta-se praticamente
nula, porquanto de tal factualidade não pode, face aos restantes elementos da execução dos contratos,
inferir-se a possibilidade de, no seu âmbito, a Ré exercer efectivos poderes de direcção e autoridade e,
menos ainda, o poder disciplinar».
Não vemos razões para nos afastarmos da orientação que está subjacente a este aresto,
havendo uma manifesta proximidade entre os elementos caracterizadores das relações
jurídicas que são objecto de ambos casos.
Dest~ modo, ponderando globalmente os elementos decorrentes da matéria de facto
relevantes para a caracterização do vínculo que ligou a Autora à Ré, podemos
concluir que esses elementos não permitem dar como provada a existência entre
ambos de uma relação de trabalho subordinado.
De facto, desses elementos não resulta como segura a integração da Autora na
estrutura da Ré, com a sujeição, de forma directa, da actividade que levava a cabo às
orientações de serviço por esta definidas e com a sua responsabilização disciplinar
pelo incumprimento das ordens e directivas subjacentes a essa orientação de serviço.
Na verdade, o peso e o relevo dos elementos recolhidos que apontam para a
existência de uma relação de trabalho subordinado são menos intensos do que os que
apontam em sentido contrário.
Incumbia à Autora, nos termos do artigo 342.0, n.0 I, do Código Civil, fazer prova dos
factos que integrassem a subordinação jurídica que é elemento integrante do contrato
de trabalho, o que não fez.
Impõe-se, pois, a concessão da revista interposta pela Ré e a revogação da decisão
recorrida.
23
S. - I
' I R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
v
Pelo exposto, decide-se conceder a revista, revogando-se em conformidade a decisão
recorrida, e repristinando- se a decisão de 1." instância, nos seus precisos termos.
As custas da revista e da apelação ficam a cargo da Autora, repristinando-se
igualmente o decidido na 1.• instância quanto a custas.
*''P"~13L f-=, Antônio Leones Dantas (relator)
-h~~~/-~ O,aq'fj Maria ~~ de Sousa Lima
IJ-t#·.;, 0 ~--r~L Mário Belo Morgado / •
/
24
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Proc. n.' 3112. 2TTPDL.LI.SI (Revista)
LD\MLIPH
Sumário:
Contrato de trabalho
Contrato de prestação de serviço
1.'- Incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.', n.' I do Código Civil, a alegação e prova dos
factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos
do direito que pretende ver reconhecido;
2'- Os indícios de subordinação jurídica não podem ser valorados de forma atomistica, antes devendo
efectuar-se um juízo global em ordem a determinar se na relação estabelecida e efectivamente
executada estão ou não presentes os elementos característicos de uma relação de trabalho subordinado
- os poderes de direcção e autoridade do empregador e correspectiva sujeição do trabalhador ao
exercício desses poderes.
3.'- Apesar de se ter provado que a Autora desempenhava as suas funções de enfermeira de acordo
com o enquadramento e orientação da enfermeira-chefe da clinica da Ré e que exercia as suas tarefas
nas instalações da clínica, com equipamento e meios por esta fornecidos, tendo-se igualmente provado
que era paga em função das horas de serviço prestadas, em períodos de tempo mutuamente acordados,
em função das disponibilidades da Autora, que se podia fazer substituir e que, paralelamente,
desempenhava funções num hospital público, não se tendo provado que gozasse férias e auferisse o
respectivo subsídio bem como subsídio de Natal, não pode qualificar-se a relação existente entre
ambas como um contrato de trabalho.
Data do acórdão: 18 de Setembro de 2013
António Leones Dantas (relator)
Melo Lima
Mário Belo Morgado
25
N." 54/2008 (PH)
VD/ BS
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo n." 3618/08 (Revista)- 4." Secção
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
L Em 1 de Junho de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3." Juízo,
LUÍS MANUEL SOCZKA MARTINS DE CARVALHO instaurou a presente acção
declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual ele trabalho
contra INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA, pedindo: a) se declarasse que a
relação jurídica estabelecida entre o autor e o réu era uma verdadeira relação laboral,
existindo um contrato de trabalho sem termo; h) se declarasse que foi ilicitamente
despedido pelo réu, já que o referido clespedimento não foi precedido de processo
disciplinar; c) a condenação elo réu a pagar-lhe (i) a quantia de € 26.24 7,04, a título
ele inclemnização pelo clespedimento ilícito, (i i) a quantia ele € 26.24 7 ,04, a título de
retribuições vencidas entre a data do despedimento e a data ela propositura da acçilo,
(iii) a quantia de € 20.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, (iv)
o valor correspondente às retribuições vencidas entre a data da propositura da acçào e
a sentença final e (v) juros de mora sobre as quantias peticionaclas.
Em suma, alegou que, no ano lectivo de 1998/1999, foi admitido ao serviço
do réu para dar aulas e orientar teses de mestrado e, mais tarde, de doutoramento, por
conta e sob a autoridade do réu, mediante remuneração mensal, e que, em Agosto de
2005, o réu comunicou-lhe que prescindia elos seus serviços, a partir de I ele Outubro
seguinte, comunicação que configura um despedimento ilícito, visto que o contrato
que vigorou entre as partes era um contrato de trabalho e o clespedimento não foi
precedido do competente procedimento, evento que lhe causou profundo abatimento
e prejudicou a sua imagem enquanto psicólogo clínico.
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2
s _::;._:?? )
A acção, contestada pelo réu, foi julgada totalmente improcedente, tendo a
sentença da primeira instância absolvido o réu de todos os pedidos formulados.
2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da
Relação de Lisboa julgou improcedente, sendo contra esta decisão que o autor agora
se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões:
«I. Uma das questões em que as instâncias se basearam para considerar a existência ele um
contrato ele prestação ele serviç[ o J foi o de ter sido dado como provado que o recorrido
não controlava o trabalho elo recorrente, ou seja. que este nas aulas que ministrava tinha
autonomia completa.
2. Ora, o làcto dado como provado de que não havia controlo tem que ser entendido à luz
das especificidades da relação em causa: um Professor Catedrático a orientar teses de
mestrado e de doutoramento.
3. Tal como acontece em qualquer outra instalação de ensino superior. os professores
catedráticos. no âmbito das ~uas cátedras. são apenas sujeitos a fiscalização cientilica, c
não hierárquica. como o próprio R. afirmava no artigo 119." da sua Contestação.
4. Dos Estatutos do R. [publicados no Diário da República, Apêndice n." 35/2000. li Série,
n-" 59, de 1 O de Março de 2000, através do Aviso n" I óóS/2000 (2." série) - AP. em
cumprimento do disposto no artigo 72." do Decreto-Lei n" 16/94. de 11 de Novembro
(Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo). pelo que deverão ser ele
conhecimento oficioso pelo Tribunal] decorre que. embora na prática, seja no R .. seja
em qualquer outra Universidade, o trabalho elos professores catcclníticos no àmbito das
suas cátedras não é sujeito a qualquer controlo. mas pode sê-lo.
5. Pelo que tal elemento foi indevidamente valorado pelas instâncias.
6. O contrato ele 1999, outorgado entre as partes, chamado de "prestaç<lo ele serviços"', não
o era, de facto, desde logo porque os seus elementos constitutivos aponlL!m no sentido
de se tratar de um verdadeiro contrato de trabalho "camutlado" sob o nomem "prestação
de serviços". Assim, e pese embora também nele estejam integrados elementos dúbios,
como a retribuição e forma de pagamento. todos os outros já apontam no sentido do
contrato de trabalho.
7. Dos factos dados como provados e ele vários outros referidos em sede ele julgamento,
verifica-se que o contrato que vigorou a partir de Janeiro ele 2000 entre recorrente e
recorrido não era o mesmo que vigorou em 1999.
S. R. ~· SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
8. Retirando o facto de o recorrente continuar a desenvolver o seu trabalho nas instalações
do recorrido, situação essa que se manteve inalterada durante toda a relação laboral,
nenhum dos outros elementos referidos no contrato junto aos autos subsistiu, uma vez
que: I - aumentou o trabalho realizado pelo recorrente (da orientação de 2 mestrados.
passou a orientar 3 mestrados. a dar dois doutoramentos, nomeadamente na parté
lectiva, a assistir a reuniões do Conselho Científico); 2 [a] sua categoria profissional
passou de Professor Associado para Professor Catedrático [progressão na carreira,
associada a um aumento no vencimento de quase 1.50 contos (€ 7.50) mensais de
3.51.000$00 em 1999, para 494 . .500$00 em 2000, tudo conforme Does. I a 61 juntos aos
autos]; 3 - [o J vencimento passou a ser pago de I O prestações anuais .. em 1999, parLl 14
prestações mensats em 2000.
9. A relação jurídica é completamente diferente entre a que estava prevista no contrato ele
1999 e o que se passou a verificar, ele facto, desde 2000. sendo certo que pelos
elementos de facto dados como provados bem como por outros L1ctos importantes
trazidos aos autos, em sede de audiéncta ele discussão e julgamento, [ ... ] a relação
jurídica em causa passou a ser de contrato ele trabalho.
1 O. O contrato de 1999 chamado de ··prestação de serviços". não o era, de facto, desde logo
porque os seus elementos constitutivos apontam no sentido ele se tratar de um
verdadeiro contrato ele trabalho "camut1ado" sob o non1e111 "prestaçüo de serviços".
Assim, e pese embora também nele estejam integrados elementos dúbios, como a
retribuição e forma de pagamento. todos os outros já apontam no sentido do contrato de
trabalho [repele-se ojá constante na cone/use/o 6)].
11. O primeiro elemento é o de ter sido fixado um prazo: a orientação das teses não se
coaduna com um prazo fixo, ou seja. o recorrente ao ser contratado para prestar serviços
como professor ao nível da orientação de leses ele alunos do recorrido. deveria tê-lo sido
com um universo temporal qtw se adequasse à obtenção do objectivo que se pretendia
atingir, a dissertação elas teses por parte dos alunos e obtenção elo grau de mestre.
12. In casu, os termos ela cláusula 2-" do contrato conjugados com o tempo de vigência dado
ao mesmo não deixam dúvidas: ao recorren~e não fói fixada a obrigação ele atingir
quaiquer resultado, mas o mero desempenho da activiclacle [-~J orientação de teses nos
cursos de mestrado. Nada mais. Embora integrado com o primeiro, este é o segundo
elemento indiciador ele um contrato de trabalho.
13. Se tivesse sido fixado como obrigação o atingir do restdtaclo da actividacle de orientação
-~- a apresentação da tese e;ou a obtenção do grau pelo aluno--- o prazo de vigência do
contrato teria que corresponder ao tempc' necessário para c: obtenção do resultado, ou
S.
4
R. ~-SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
seja. a cláusula deveria estar construída de forma a que permitisse ao prestador de
serviços atingir o fim que se propô~ perante quem lhe deu o serviço.
14. Da mesma forma, e se prestasse um serviço tendo em vista a obtenção de um
determinado objectivo - apresentação das teses por pane dos seus alunos - o
recorrente deveria ser pago de acordo com os serviços que prestava - as leses
concluídas. os número de alunos que obtinham o grau, etc. -- e não mediante uma
retribuição paga mensalmente, 14 vezes por ano.
15. Nas prestações de serviços, e este é o terceiro elemento constitutivo de uma verdadeira
relação laboral escondida neste contrato, aos prestadores não é fixada qualquer categoria
profissional: limitam-se a prestar os serviços para que foram contratados, mediante o
pagamento do preço acordado.
16. A Cl. 3." do contrato sob o título "categoria", refere expressamente que ao recorrido foi
atribuída a categoria de Professor Associado. A existência de uma categoria profissional
é sempre elemento constituinte de uma relação laboral e nunca de uma prestação de
serviços. uma vez que na prestação de serviços não existe. nem pode existir, relação
hierárquica. Havendo categoria prc,fissional, há relação hierárquica. ou pelo menos a
possibilidade teórica dela ser exercida.
17. A cláusula 5." refere que os "serviços" serão prestados nas instalações do primeiro
outorgante ou em lugar devidamente indicado pelo seu director. Desta clúusula nascem
dois elementos constituintes do contrato de trabalho: o local da prestação do trabalho é o
da entidade patronal e esta pode livremente alterá-lo; a entidade patronal tem o poder de
ordenar ao trabalhador alterações ao local de trabalho previamente definido --·
instalações do primeiro outorgante, como é referido no corpo da cláusula!.]
I R. Para efeitos de mera orientação de teses, não é obrigatório que o professor se encontre
com os alunos numa sala de aulas. Mas o recorrido estabeleceu que assim fosse. o que.
mais uma vez, indicia a existência de relação de trabalho subordinado.
19. O recorrido reservou-se logo do direito de, unilateralmente. alterar o local da prcstaçüo
do trabalho, e ordenar ao recorrente a sua prútica em qualquer local "dêvidamcnte
indicado pelo seu director". Esta é uma cláusula típica do contrato de trabalho.
20. Os cursos de doutoramento, que decorriam nas instalações do recorrido, sendo que as
dissenaçôes ocorreriam na Universidade do Porto e na Un;vers1dade da Estremadura.
nasceram de protocolos de colaboração estabelecidos entre o recorrido c essas
entidades, conforme resultou provado.
21. O doutoramento em Saúde Mental, no qual o recorrente leccionou na parte curricular e
orientou os doutorandos na fase de dissertação. cujo programa foi estabelecido pela
Resolução 14/2002 (junto aos autos na audiência de discussão c Julgamento), c cstatuía
S.
5
R. ~-SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que: a) [é] estabelecido no artigo I o que o doutoramento é ministrado no ICBAS em
colaboração com o ISMT; h) os candidatos ao doutoramento terão que ser licenciados
em Medicina ou Psicologia, ou com o grau de Mestre do próprio ICBAS ou do ISMT;
c) [n]os termos do artigo 3.", os prazos de candidatura. matrícula e inscrição. bem como
o calendário lectivo, são fixados pelos conselhos científicos de ambas as entidades; d)
[a]mbos os conselhos científicos estabelecerão o número de vagas reservado aos
candidatos que sejam docentes de cada uc1 dos [I]nstitutos; e) [a]mbos os conselhos
científicos procederão à selecção dos candidatos à matricula; /J [o] art. 9." refere
expressamente que o grau de doutor em Saúde Mental é atribuído pelo ICBAS em
colaboração com o ISMT.
22. Os doutoramentos não eram da responsabilidade de outras instituições de ensino como
referem as instâncias, mas efectuados em estreita colaboração entre ambas as
instituições de ensino, nos termos estabelecidos na Resolução 14/2002.
23. Mas o recorrente não exerceu essas funções a título gratuito- exerceu-as no àmbito elo
seu contrato ele trabalho, recebendo a competente remuneração certa e mensal por parte
elo recotTiclo[.] O recorrente não recebia nada mais para além do seu ordenado por
exercer essas funções, porque essas funções estavam dentro elo àmbito da sua relaçiio
laboral, tal como aconteceu com o~ outros professores do recorrido que leccionaram
nesse doutoramento, nomeadamente o seu clirector.
24. Qualquer mestrado ou doutoramento, sejam os que o I'CCOITente oriemava no recorrido.
sejam quaisquer outros ministrados em qualquer outra [Ujniversidade ou [!Jnstituto. só
são reconhecidos e autorizados mediante publicaçiio do correspondente despacho elo
Ministro ela Educação, contendo o plano ele curso.
25. Após a parte leetiva dos mestrados ou doutoramentos. e entrados na parte dos
seminários de orientação das teses todo o aluno pode escolher livremente o tema da sua
dissertação, que deverá ser algo inovador, algo ainda não estudado ou falado. !'.-:por essa
razão que, e isto é um facto elo conhecimento comum, nos planos ele qualquer mestrado
ou doutoramento, os seminários ele orientaçiio das dissertações não t2:m qualquer tema.
Se cada aluno terá que ter um tema diferente, inovador, os seminários não têm um tema,
consistem antes num acompanhamento pessoal de cada uma elas teses.
26. Ora isto não acontece assim nos mestrados orientados pelo recorrente, acontece assim
em todos. é a lei e a prática académica que estabelecem essa plena liberdade, e niio pode
ser de outra forma. O trabalho a fazer, a orientar, é exclusivo daqueles alunos. raziio
pela qual os temas elos seminarios dizem re~peito apenas aos orientadores e aos alunos e
não podem ::.<"r alvo ele planificação anterior.
S.
6 ~· R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA c-<:::"~-::;,->
27. Podem ser objecto de contrato de trabalho actividades cuja natureza implica a
salvaguarda absoluta da autonomia técnica e científica do trabalhador, restringindo-se.
nestes casos, a subordinação jurídica a um âmbito administrativo e organizacional.
28. A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não
transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho. havendo, muitas
vezes. a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e
sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza
implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador, como no caso
em apreço.
29. Esta auton01ma técnica ocorre em diversas situações. designadamente no exercício da
actividade de docência, sendo que a sua compatibilidade com a noção de contrato de
trabalho resulta expressamente do artigo 5.", n." 2. da L CT. que é violado pelo Acórdão
recorrido.
30. Quanto ao facto de o contrato ser chamado de "'prestação ele servrços", os seus
elementos constitutivos apontam praticamente todos para uma relação laboral. Acresce
que, conforme também ficou exposto, esse contrato vigorou apenas durante os primeiros
1 O meses ela relação estabelecida entre recorrente e recorrido, não tendo subsistido a
partir de 2000.
31. O facto de as partes terem denominado o contrato de "prestação ele servrço" não é
significativo quanto à sua qualificação jurídica. pois esta depende não elo nomcn j11rís
que os contratantes lhe tenham atribuído.
32. No caso elo recorrente, a retribuição era paga c sempre foi, como contrapartida da
disponibilidade do trabalhador para prestar trabalho num determinado período de tempo
- 1 O meses no primeiro contrato em 1999. 12 meses a partir daí e até ao fim da relação
laboral. Se se tratasse de uma prestação de serviços, ela variaria consoante o númc:ro de
horas leecionaclo ou o número de teses apresentado ou o número de alunos que
obtivessem o grau, e seria colocada à sua disposição quando findava a unidade de
cálculo, isto é, quando fosse obtido o resultado ela activiclade exercida.
33. Entre 2000 e 2004. o recorrente recebeu subsídios de fáias c de Natal (pagamentos que
não são devidos aos prestadores de ~erviços, constituindo antes presta(,:ÔCs típicas c
impostas por lei quando as partes se movem no zímbito de um contrato de natureza
laboral) e daí até ao despeclimento essas duas prestações especiais foram diluídas nos 12
meses do ano, mantendo-se inalte:·aclo o (jl/WJ/llln.
34. O recorrente tinha férias pagas pelo recorrido, o que constitui elemento indicativo da
existência de relação laboral a dois níveis: em primeiro lugar, a própria existência ele um
período de férias predeterminado é elemento comum do contrato de trabalho. ao
r
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
contrário da prestação de serviços. Em segundo lugar. o fitcto de esse período de férias.
de não trabalho, ser remunerado como qualquer outro. aponta indubitavelmente para a
existência de contrato de trabalho. Nas prestações de serviços paga-se o trabalho. nzto a
inactividade.
35. A subordinação económica não pode ser entendida como a exclusividade do pagamento
da retribuição, ou seja, não existe apenas nos casos em que os rendimentos do
trabalhador prov[ ê]m de uma única entidade.
36. Con[s]tam dos autos elementos que não foram valorados. nomeadamente que o
recorrente desenvolveu uma carreira profissionaL tendo sido classificado inicialmente
como Professor Associado e depois, como Professor Catedrático o que não (NUNCA)
acontece com os prestadores de serviços.
3 7. No caso em apreço, todos os elementos indiciativos da existência de contrato de
trabalho previstos nos artigos I 0." e seguintes da Lei do Contrato de Trabalho se
verificam, pelo que o Acórdão recorrido viola directamente o preceito em questão.
38. Tratando-se de um verdadeiro contrato de trabalho. sem termo. o recorrido só poderia
despedir o recorrente havendo justa causa de despedimento e mediante processo
disciplinar próprio. Não tendo havido acordo de cessação do contrato, nem [tendo] o
despedimento sido pr[e]cediclo de processo disciplinar. o mesmo terá que ser declarado
nulo.»
O réu contra··alegou, defendendo a confirmação elo julgado.
Neste Supremo Tribunal, a Ex. 111a Procuradora-Geral-Adjunta concluiu pela
improcedência da revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.
3. No caso, a questão suscitada reconcluz-se a saber se a relação jurídica que
vigorou entre as partes deve ser qualificada como contrato de trabalho.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
L As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ç<'ÇCi
--····?'
I) O réu Instituto Miguel Torga é uma instituição de ensmo supenor
privado;
2) O autor, Luís Mit,ruel Soczka Martins de Carvalho, é licenciado em
Ciências Antropológicas e Etnológicas, «D.E.A.» em Etologia, diplomado em
Psicologia Social e Doutor em Ciências Biomédicas;
3) O autor tem consultório privado, onde exerce psicanálise c psicoterapia;
4) Ao longo da sua carreira académica e profissional, o autor ganhou vários
prémios científicos e tem obra publicada sohre Biologia, Psicologia e Pedagogia;
5) O autor já desempenhou funções docentes, enquanto investigador e
enquanto Professor Catedrático em várias instituições de ensino universitário;
6) Em data não concretamente apurada, o autor foi convidado pelo réu para
exercer actividade docente no réu, mediante contrapartida em dinheiro;
7) Na ocasião referida em 6), o autor exercia funções no Centro Nacional de
Informação Geográfica (actual Instituto Geográfico Português), como investigador
coordenador, mediante contrapartida em dinheiro, pelo que teve que solicitar
autorização àquele Instituto para desempenhar as funções referidas em 6 );
8) O autor foi. funcionário do Centro Nacional ele Informação Geogrúüca
(actual Instituto Geográfico Português) até se aposentar;
9) Concedida a autorização referida em 7), em 1/03/1999, o autor (na
qualidade ele «segundo outorgante») e o réu (na qualidade de «primeiro outorgante»)
celebraram o acordo escrito intitulado «Contrato de Prestação de Serviços», CUJa
cópia se acha a f1s. 162-163, e que dispõe, nomeadamente, o seguinte:
«Primeira
(duraçclo)
O presente contrato é celebrado por 1 O meses ( ... ) com início em l de
Março de 1999 e terminus em 31 de Dezembro de 1999, sendo renovado por acordo
entre as partes.
Segunda
(área)
S.
9
R. ~-SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA s-~ E-,e)
No âmbito das obrigações da cláusula antenor, o segundo outorgante
exercerá funções de orientação de Teses nos Cursos de Mestrado em
Toxicodependência e Patologias Psicossociais e Sociopsicologia da Saúde.
Terceira
(categoria)
O segundo outorgante terá a categoria de Professor Associado.
Quarta
(relribuiçào)
Como contrapartida dos serviços prestados auferirá o segundo outorgante a
retribuição de 3.510.000$00 (. .. ) fraccionada em dez( ... ) prestações de 351.000$00
( ... ).
Quinta
(local de preslaçào)
Os serviços serão prestados nas instalações do primeiro outorgante ou em
lugar devidamente indicado pelo seu Director.>>
I O) O réu e o Centro Nacional de Informação Geográfica (actual Instituto
Geográfico Português) celebraram entre si o acordo escrito intitulado «Convénio de
Cooperação entre Instituto Miguel Torga e o Centro Nacional de Informação
Geográfica», cuja cópia se acha a fls. !58 a 160;
11) Na sequência da celebração do acordo referido em I 0), o autor exerceu
actividade profissional como docente do réu, desde l/03/1999 até 30/09/2005;
12) Em 1/08/2005, o réu enviou ao autor a carta cuja cópia se acha a fls. 84,
na qual lhe comunica que «( ... ) por motivos que se prendem com alterações na
distribuição e se!·viço docente e com a reafectação de recursos humanos, somos
forçados a dispensar a colaboração de V." Ex.", com efeitos a partir de l de Outubro
de 2005 (inclusive)( ... )»;
13) O autor recebeu a carta referida em 12);
14) Após 30/09/2005, o autor não mais exerceu a actividade profissional
referida em 11 );
~-//
lO
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
15) No exercício das funções referidas em 11 ), o autor orientou seminários
nos cursos ele mestrado em «Toxicoclepenclência e Psicopatologias Sociais», «Família
e Sistemas Sociais» e «Sociopsicologia ela Saúde»;
16) Os mestrados referidos em 15) tinham a duração de dois anos lcctivos,
sendo o primeiro composto por um certo número de cadeiras, c preenchido por aulas,
com avaliação final, e o segundo dedicado à preparação da tese de cada um dos
mcstrandos, em regime de «seminário de orientação de dissertação»;
17) Os seminários referidos em 16) eram preenchidos por um certo número
de sessões, nas quais o autor discutia com um grupo de mcstrandos questões
relacionadas com a tese de cada um deles, e analisava c discutia com os mcstrandos o
trabalho que cada um ia desenvolvendo;
18) As sessões referidas em 17) tinham lugar nas instalações do réu, sitas
em Coimbra, às 6.as Feiras, começando às 09h00m, e terminando cerca das 13h00m,
ou a hora posterior, se o autor e os mcstrandos que orientava assim o entendessem;
19) Foi o réu quem determinou que as sessões referidas em 17) tivessem
lugar às 6.as Feiras;
20) Nas sessões referidas em 17), o autor utilizava materiais pertencentes ao
réu, bem como materiais próprios;
21) O conteúdo das sessões referidas em 17) era definido pelo autor, em
articulação com os mestrandos que as frequentavam;
22) Desde data não anterior a 01/01/2000 até data não posterior a Janeiro de
2004, o réu pagou ao autor prestações pecuniárias catorze vezes por ano;
23) Pelo menos desde Janeiro de 2004, o réu passou a pagar ao autor doze
prestações pecuniárias por ano, mantendo-se contudo inalterado o total anual que
[ ... ]aquele pagava a este;
24) O sucedido em 23) ocorreu por iniciativa do réu, que o autor aceitou;
25) O autor conferia ao réu quitação das quantias mensais que o réu lhe
entregava ora através de recibo de modelo 6 do Códigc do IRS (vulgarmente
denominado «recibo verde»), emitido em seu nome, ora mediante recibo emitido em
li
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
nome da sociedade «PSITER- Centro de Psicologia e Psicoterapia, Lda.», ela qual
dizia ser sócio;
26) Em Setembro de 2005, o autor auferia mensalmente E 3.280,08;
27) O autor gozava férias no mês ele Agosto, mês em que, por determinação
do réu, todos os seus docentes gozavam férias, e não havia qualquer actividade
académica;
28) Os planos relativos à parte lectiva dos cursos de mestrado do réu (1."
ano), bem como o número de horas mínimo das sessões de orientação dos seminários
dos mesmos cursos (2." ano) eram definidos por este;
29) Por convite do réu, o autor integrou o Conselho Científico daquele;
30) Todos os professores que exercem actividade profissional no réu e têm o
grau de doutor integram o seu Conselho Científico,
31) O que sucede tanto com docentes que o réu considera integrarem o seu
«quadro de pessoal», como [com] aqueles que o réu outorgou acordos semelhantes
ao descrito em 9);
32) As reuniões do Conselho Científico do réu tinham lugar com
periodicidade não concretamente apurada, realizando-se em 4.as Feiras;
33) No decorrer do ano de 2004, o autor esteve doente, tendo-se encontrado
temporariamente impossibilitado de se deslocar a Coimbra,
34) Não obstante, o réu não efectuou qualquer desconto nas quantias que
mensalmente entregava ao autor, embora tivesse ponderado fazê-lo;
35) Após receber a carta referida em 12), o autor questionou o réu sobre o
motivo da decisão exposta em tal missiva, tendo o réu informado o autor que tal se
devia à necessidade ele reduzir despesas;
36) Em 07/08/2005, o autor enviou ao Director do réu, Sr. Prof. Carlos
Amaral Dias, a cana cuja cópia se acha a tls. 169-1 70;
37) Em 30/09/2005, alguns dos mestrandos orientados pelo autor ainda não
tinham defendido as suas teses;
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
12 c )· Sf~_:::s
-/
3 8) Em 21/03/2006, constava da página do réu na Internet uma referência ao
nome do autor, na qualidade de «docente», com as funções de «orientador de
dissertações de mestrado»,
39) O que sucedeu por desatenção do funcionário do réu encarregue de
actualizar tal página;
40) O réu nunca moveu ao autor qualquer procedimento disciplinar;
41) O autor é membro aderente da Sociedade Portuguesa de Psicanálise;
42) O autor nasceu em 12/02/1948;
43) A Caixa Geral de Aposentações aposentou o autor com efeitos desde
Junho de 2005;
44) O autor comumcou ao réu os factos descritos em 43), tendo então
sugerido ao réu que celebrassem um «contrato de trabalho», visto que, tendo passado
à reforma, já não havia qualquer impedimento à sua outorga;
45) O réu celebrou convénios com o Instituto de Ciências Biomédicas Abel
Salazar (lCBAS) da Universidade do Poria, e com a Universidade da Estremadura
(Espanha), no âmbito dos quais os seus alunos frequentavam cursos de doutoramento
organizados por estas duas entidades, as quais, a final, concediam o grau ele doutor;
46) No âmbi.to dos convénios referidos em 45), parte das activiclades dos
cursos de doutoramento ali mencionados tinha lugar nas instalações do réu;
4 7) As provas elos doutorandos dos cursos referidos em 45) eram prestadas,
respectivamente, no ICBAS e na Universidade da Estremadura,
48) E eram estas instituições que definiam a estrutura dos respectivos cursos
de doutoramento, embora o fizessem em articulação com o réu;
49) Na sequência do referido em 45) a 48), o autor deu aulas nos cursos de
doutoramento referidos em 45) (1." ano), e orientou doutorandos na elaboração das
respectivas teses (2.", 3." e 4." anos),
50) Tendo-o feito a convite do ICBAS e da Universidade da Estremadura, e
a título gratuito;
51) Não obstante o referido em 50), foi o réu quem sugeriu às instituições
ali referidas que o autor exercesse as funções descritas em 49);
S. R. 14~· SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo
menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante
disposições adrede formuladas, chamadas "disposições transitórias"».
«Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material.
Dizem-se de direito transitório fonnal aquelas disposições que se limitam a
determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas
situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma
regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas
situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.»
A Lei n." 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do
Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data ela respectiva
entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que
recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.
No que agora releva, estipula o n." I do artigo 8." da Lei n." 99/2003 que,
«[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do
Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação
colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo
quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente
passados anteriormente àquele momento».
A norma transcrita corresponde ao artigo 9." do Decreto-Lei n." 49.408 de
24 de Novembro de 1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de
trabalho, abreviadamente designado por LCT, e acolhe o regime comum ele aplicação
elas leis no tempo contido no n.'' 2 do artigo 12." do Código Civil.
O n." 2 do artigo 12." do Código CiviL segundo BAPTISTA MACHADO
(Jntroduçào ao Direito e ao Discurso Legitimador, obra citada, p. 233), trata-se de
s(:~
~7
15
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sc;k:-
norma que ainda exprime o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do
facto passado, nele se distinguindo «dois tipos de leis ou de normas: aquelas que
dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos
(1." parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o
modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2." parte). As
pnme1ras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a
relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas
subsistentes ou em curso à data do seu IV [início de vigência]».
Sobre essa mesma norma, OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito, fntroduçüo
e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira, I 0." edição revista, Almedina,
Coimbra, 1997, p. 489) pronuncia-se em termos que se afiguram impressivos,
estabelecendo a seguinte distinção: «I) A lei pode regular efeitos como expressão
duma valoração dos fàctos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos
ÜKtos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração
sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e
vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o
casamento nessas condições; 2) pelo contrário, pode a lei atender directamente à
situação, seja qual for o fàcto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes
vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido
adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as
propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.»
Acompanha-se tal entendimento, aliás já contido no acórdão deste Supremo
Tribunal, de 2 de Maio de 2007, proferido no Processo n." 4368/06, ela 4." Secção, de
que foram relator e adjuntos os mesmos juízes conselheiros que assinam o presente
aresto, donde, não estando em causa qualquer das situações especificamente previstas
nos artigos subsequentes ao artigo 8." da Lei n." 99/2003 e tendo em atenção que a
relação jurídica em apreciação iniciou em I de Março de !999 e cessou em 30 de
Setembro de .2005, aplica-se, no caso, o regime instituído no Código do Trabalho de
~7
ló
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2003, na sua versão original, ou seja, anterior à redacção dada pela Lei n." 9/2006,
salvo quanto às condições de validade do contrato ou efeitos de factos ou situações
totalmente passados antes da entrada em vigor do Código do Trabalho.
Por isso, quando o Código do Trabalho de 2003 regula os efeitos de certos
ütctos, como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem, deve
entender-se que só se aplica aos factos novos.
O artigo 12." do sobredito Código estabelece a presunção de que as partes
celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco
requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento
dessa presunção, por conseguinte, só se aplica aos factos novos, às relaçôes jurídicas
constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em I de Dezembro de 2003
(cf., neste sentido, para além do já citado acórdão de 2 de Maio de 2007, os acórdãos
deste Supremo Tribunal de 13 de Fevereiro de 2008, Processo n." 356/07, e de I O de
Julho de 2008, Processo n." 1426/08, ambos da 4." Secção).
Ora, não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem
alterado, a partir de I de Dezembro de 2003, os termos essenciais da relação jurídica
entre eles estabelecida (embora, desde Janeiro de 2004, o réu tenha passado a pagar
ao autor doze prestaçôes pecuniárias por ano, manteve-se inalterado o total anual que
aquele pagava a este), à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do
contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n." 49.408 de 24 ele Novembro
de 1969 (LCT), não tendo aqui aplicação a presunção do artigo 12." citado.
3. O acórdão recorrido, em consonância com a sentença do tribunal de
primeira instância, decidiu «que não estão presentes na relação contratual suhjudice
índices de subordinação jurídica que apontem para a existência de uma relação de
trabalho subordinado, sendo a factualidade recolhida insuficiente para levar ú
demonstração de que se tratava de cüntrato de trabalho».
17
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O autor sustenta, porém, que «[o] contrato de 1999, outorgado entre as
partes, chamado de "prestação de serviços", não o era, de facto, desde logo porque os
seus elementos constitutivos apontam no sentido de se tratar de um verdadeiro
contrato de trabalho "camuflado" sob o nomem "prestação de serviços". Assim, c
pese embora também nele estejam integrados elementos dúbios, como a retribuição c
forma de pagamento, todos os outros já apontam no sentido do contrato de trabalho».
E conclui, «[t]ratando-se de um verdadeiro contrato de trabalho, sem termo,
o recorrido só poderia despedir o recorrente havendo justa causa de despedimento e
mediante processo disciplinar próprio. Não tendo havido acordo de cessação do
contrato, nem [tendo] o despedimento sido pr[e]cedido de processo disciplinar, o
mesmo terá que ser declarado nulo.»
3.1. Os contratos referidos têm a sua definição na lei.
Segundo o artigo 1152." do Código Civil, cuja expressão literal vma a ser
reproduzida no artigo 1." da LCT, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa
se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a
outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
Por seu lado, o artigo i 154." do Código Civil estabelece que contrato de
prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra
certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Ora, a prestação de serviço 6 uma figura próxima do contrato de trabalho,
não sendo sempre fácil distingui-los com mtidez; porém, duma maneira geral, tem-se
entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve
encontrar o critério de distinção.
IX
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Assim, o contrato de trabalho caracteriza-se, essencialmente, pelo estado de
dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo
que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se
encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, e na
prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o
resultado da actividade.
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre
precisamente daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora
(n." I do artigo 39." da LCT) a que corresponde um dever de obediência por parte do
trabalhador [alínea c) do n." 1 do artigo 20." da LCT].
Todavia, como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade
das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de
trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a
métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.
É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande
autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de
actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal.
Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de
fazer intervir indícios reveladores elos elementos que caracterizam a subordinação
jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o
local onde é exercida a actividacle, a existência de horário ele trabalho fixo, a
utilização de bens ou mensílios fornecidos pelo destinatário da actividacle, a fixação
da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de
trabalho. direito a férias, pagamento de subsídios ele férias e de Natal, incidência elo
risco da execução elo trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador,
inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte
S.
19 1· R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ç
do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da
actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios
negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo
de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador ela actividade
na Segurança Social e a sua sindicalização).
Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por
isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES,
Direito do Trabalho, 12.a edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado
com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, 3 partir de uma
maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.
Sublinhe-se que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n." I do
artigo 342." do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos elo contrato
de trab3lho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade remuneracb para
outrem, sob a autoridade e direcção elo beneficiário da actividacle, demonstrando que
se integrou na estrutura empresarial do empregador.
3.2. No caso, provou-se que o réu Instituto Miguel Torga é uma instituição
ele ensino superior privado, que o autor «é licenciado em Ciências Antropológicas e
Etnológicas, "D.E.A." em Etologia, diplomado em Psicologia Social e Doutor em
Ciências Biomédicas», e que, em data não concretamente apurada, o réu convidou o
autor para exercer actividade docente, mediante contrapartida em dinheiro, sendo
que, nessa ocasião, «o autor exercia funções no Centro Nacional de Informação
Geográfica (actual Instituto Geográfico Português), como investigador coordenador,
mediante contrapartida em dinheiro, pelo que teve que solicitar autorização àquele
Instituto para desempenhar as funções referidas», a qual foi concedida, tendo, então,
as partes celebrado um acordo escrito intitulado «Contrato ele Prestação de Serviços»,
em que consta que o autor «exercerá funções de orientação de Teses nos Cursos de
Mestrado em Toxicodependência e Patologias Psicossociais e Sociopsicologia da
~::;
20
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Saúde», «terá a categoria de Professor Associado», «como contrapartida dos serviços
prestados auferirá [ ... ]a retribuição de 3.510.000$00 [ ... ] fraccionada em dez[ ... ]
prestações de 351.000$00» e que os serviços serão prestados nas instalações do réu
ou em lugar indicado pelo seu Director [factos provados 1), 2), 6), 7) e 9)].
Na sequência do sobredito acordo, «o autor exerceu activiclade profissional
como docente do réu, desde 1/03/1999 até 30/09/2005», orientando seminários nos
cursos de mestrado em Toxicodependência e Psicopatologias Sociais, Família e
Sistemas Sociais e Sociopsicologia da Saúde, tendo os mestrados «a duração ele dois
anos lectivos, sendo o primeiro composto por um certo número de cadeiras, c
preenchido por aulas, com avaliação final, e o segundo dedicado à preparação da tese
de cada um dos mestrandos, em regime ele seminário de orientação de dissertaçãO>>,
seminários esses que «eram preenchidos por um certo número de sessões, nas quais o
autor discutia com um grupo de mestrandos questões relacionadas com a tese de cada
um deles, e analisava e discutia com os mestrandos o trabalho que cada um ia
desenvolvendo» [factos provados 11), 15), 16) e 17)]
Mais se apurou que:
«18) As sessões referidas em 17) [os aludidos seminários] tinham lugar nas
instalações do réu, sitas em Coimbra, às 6_as Feiras, começando às
09h00m, e terminando cerca das 13h00m, ou a hora posterior, se o autor
e os mestrandos que orientava assim o entendessem;
19) Foi o réu quem determinou que as sessões referidas em I 7) tivessem
lugar às 6.as Feiras;
20) Nas sessões referidas em 17), o autor utilizava materiais pertencentes ao
réu, bem como materiais próprios;
22) Desde data não anterior a O I /0 l/2000 até data não posterior a J anciro de
2004, o réu pagou ao aetor prestações pecuniárias catorze vezes por
ano;
21
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
23) Pelo menos desde Janeiro de 2004, o réu passou a pagar ao autor doze
prestações pecuniárias por ano, mantendo-se contudo inalterado o total
anual que [ ... ] aquele pagava a este;
24) O sucedido em 23) ocorreu por iniciativa do réu, que o autor aceitou;
26) Em Setembro de 2005, o autor auferia mensalmente € 3.280,08;
27) O autor gozava férias no mês de Agosto, mês em que, por determinação
do réu, todos os seus docentes gozavam férias, e não havia qualquer
actividade académica;
28) Os planos relativos à parte lectiva dos cursos de mestrado do réu (1.''
ano), bem como o número de horas mínimo das sessões de orientação
dos seminários dos mesmos cursos t 2." ano) eram definidos por este;
29) Por convite do réu, o autor integrou o Conselho Científico daquele;
49) Na sequência do referido em 45) a 48), o autor deu aulas nos cursos ele
doutoramento referidos em 45) ( 1." ano), e orientou doutorandos na
elaboração das respectivas teses (2.", 3." e 4." anos),
51) Não obstante o referido em 50), foi o réu quem sugeriu às instituições
ali referidas que o autor exercesse as funções descritas em 49);
52) Pelo menos parte das aulas dos cursos de doutoramento que o autor
ministrava decorriam nas instalações do réu, e tinham lugar aos
sábados,
53) Tendo sido o réu a definir este dia para tal efeito.»
Os factos alucliclos no último parágrafo integram o conjunto de indícios que,
no caso, poderão ser tidos como reveladores ela existência ele subordinação jurídica.
Em favor da inexistência de subordinação jurídica, provou-se o seguinte:
«8) O autor foi funcionário do Centro Nacional de Informação Geogrúfica
(actual Instituto Geográfico Português) até se aposentar;
21) O conteúdo elas sessões referidas em 17) era definido pelo autor, em
articulação com os mestrandos que as frequentavam;
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
25) O autor conferia ao réu quitação das quantias mensms que o réu lhe
entregava ora através de recibo de modelo 6 do Código do IRS
(vulgarmente denominado «recibo verde»), emitido em seu nome, ora
mediante recibo emitido em nome da sociedade «PSITER- Centro ele
Psicologia e Psicoterapia, Lda.», da qual dizia ser sócio;
30) Todos os professores que exercem actividade profissional no réu e têm
o grau ele doutor integram o seu Conselho Científico,
3 I) O que sucede tanto com docentes que o réu considera integrarem o seu
«quadro de pessoal», como [com] aqueles que o réu outorgou acordos
semelhantes ao descrito em 9);
33) No decorrer do ano de 2004, o autor esteve doente, tendo-se encontrado
temporariamente impossibilitado de se deslocar a Coimbra,
34) Não obstante, o réu não efectuou qualquer desconto nas quantias que
mensalmente entregava ao autor, embora tivesse ponderado h1zê-lo;
40) O réu nunca moveu ao autor qualquer procedimento disciplinar;
43) A Caixa Geral de Aposentações aposentou o autor com efeitos desde
Junho de 2005;
44) O autor comunicou ao réu os factos descritos em 43 ), tendo enti'ío
sugerido ao réu que celebrassem um «contrato de trabalho», visto que,
tendo passado à reforma, já não havia qualquer impedimento à sua
outorga;
54) A orientação dos doutorandos era feita individualmente, isto é, em
sessões em que intervinham o autor e um único aluno,
55) Sendo tais sessões combinadas livremente entre o autor e cada
doutorando, sem dias e horas previamente estabelecidos, c em locais
escolhidos por ambos;
3.3. Conjugando entre si a matéria de facto provada, conclui-se que o autor
não logrou provar indícios suficientes da existência de subordinação jurídica.
23
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É certo que o autor exercia a actividade docente nas instala<;ões do réu, em
dias por este estabelecidos, salvo nas situações mencionadas no facto provado 55), e
utilizando materiais pertencentes ao réu. Todavia, no caso, estes factos não assumem
relevo significativo, dada a natureza da actividade prestada. Conforme é sublinhado
no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Janeiro de 2004, proferido no Processo
n." 2734/03, da 4." Secção, «esses considerandos devem ser interpretados no quadro
de especificidade própria em que se desenvolve a actividade docente. As aulas
deverão ser ministradas num espaço físico apropriado e proporcionado ao número de
alunos inscritos, e que disponha, além disso. de equipamento e material de apoio
técnico e documental adequados aos cursos a ministrar. Por outro lado, a realização
dos objectivos que estão implicados na função docente exige também um certo
planeamento, não só quanto às matérias a leccionar, como quanto ao número e
sequências dos tempos lectivos, o que se torna indispensável para assegurar os
desejúveis níveis de aprendizagem..»
Relativamente à modalidade da retribuição auferida, a circunstância de se ter
evoluído de uma remuneração fixa anual de 3.510.000$00, fraccionacla em dez
prestações de 351.000$00, para o pagamento, desde data não anterior a I de Janeiro
de 2000 até data não posterior a Janeiro de 2004, de «prestações pecuniúrias catorze
vezes por ano», passando, pelo menos desde Janeiro de 2004, para «doze prestações
pecuniárias por ano, mantendo-se contudo inalterado o total anual», não assume,
igualmente, qualquer relevo indiciúrio, já que tais modalidades de remunera<;ão são
compatíveis com a existência de um contrato de prestação ele serviço.
Por outro lado, embora o autor gozasse «férias no mês de Agosto, mês em
que, por determinação elo réu, todos os seus docentes gozavam férias, e não havia
qualquer actividade académica», e se tivesse provado que o réu definiu «[o]s planos
relativos à parte lectiva dos cursos ele mestrado do réu ( 1." ano), bem como o número
de horas mínimo das sessões de orientação elos seminários dos mesmos cursos (2."
ano)» e convidou o autor a integrar o seu Conselho Científico, tais procedimentos são
24
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
perfeitamente compatíveis com qualquer um dos tipos contratuais invocados, já que
numa instituição como o réu, com vários professores, exige-se o planeamento dos
tempos lectivos, das férias do corpo docente e das matérias a leccionar, bem como a
harmonização pedagógica dos conteúdos leccionados e dos critérios de avaliação,
sendo de anotar que «[t]odos os professores que exercem actividacle profissional no
réu e têm o grau ele doutor integram o seu Conselho Científico, o que sucede tanto
com docentes que o réu considera integrarem o seu «quadro de pessoal», como [com]
aqueles que o réu outorgou acordos semelhantes ao descrito em 9)».
Ora, o autor, no âmbito da actividade profissional desenvolvida em ÜlVor do
réu, possuía elevado grau de autonomia, combinando livremente com os doutorandos
as respectivas sessões de orientação, sem dias e horas previamente estabelecidos, e
em locais escolhidos por ele e cada doutorando, definindo, além disso, o conteúdo
das sessões de orientação dos cursos de mestrado que ministrava, «em articulação
com os mestrandos que as frequentavam», o que só pode significar que não estava
sujeito ao controlo e fiscalização do réu, interessando a este apenas a produção de um
determinado resultado (a orientação de teses de mestrado e de doutOramento) e não a
actividade do autor, não se tendo provado que as faltas ao serviço tivessem qualquer
implicação disciplinar ou na determinação do montante remuneratório.
Acresce que «[o] autor conferia ao réu quitação das quantias mensais que o
réu lhe entregava ora através de recibo de modelo 6 do Código do IRS (vulgarmente
denominado "recibo verde"), emitido em seu nome, ora mediante recibo emitido em
nome da sociedade "PSITER - Centro de Psicologia e Psicoterapia, Lda. ", da qual
dizia ser sócio», não se tendo apurado que o réu tivesse procedido a descontos para a
Segurança Social, na retribuiçãc em dinheiro que entregava ao autor.
Saliente-se que, embora tivessê s1do reconhecida ao autor, na clúusula 3." do
contrato firmado entre as partes, a r,ategoria de Professor Associado c o autor lósse
referido, em diversas listas de pessoal docente enviadas ao Ministério da Educação,
Ç,'::{S -"'/
25
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
como tendo a categoria de Professor Catedrático, não se provou que o autor tivesse
desenvolvido uma carreira profissional no Instituto réu; neste plano de consideração,
demonstrou-se que, quando o autor foi convidado pelo réu para exercer actividade
docente, «O autor exercia funções no Centro Nacional de Informação Geográfica
(actual Instituto Geográfico Português), como investigador coordenador, mediante
contrapartida em dinheiro, pelo que teve que solicitar autorização àquele Instituto
para desempenhar as funções referidas» e que «[o] autor foi funcionário do Centro
Nacional de Informação Geográfica (actual Instituto Geográfico Português) até se
aposentar», o que se verificou no mês de Junho de 2005.
Ora, conforme se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 23 de
Fevereiro de 2005, Processo n." 2268/04, da 4." Secção, «[e ]mbora o desempenho de
tarefas para mais do que uma entidade patrona! não obste à qualificação elos diversos
contratos firmados como contratos de trabalho, o facto de para uma delas as funções
serem desenvolvidas em tempo completo, com a consequente limitação da
disponibilidade do tempo do trabalhador, esta não exclusividade torna menos
verosímil a manutenção de relações de subordinação em relação a uma outra entidade
relativamente à qual o trabalhador venha a vincular-se em período pós-laboral».
Aliás, tal como observa a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «SÓ ass1m se
torna compreensível o facto de o Autor ter comunicado ao Réu que se havia
aposentado em Junho de 2005 e lhe tenha então sugerido que "celebrassem um
contrato de trabalho, visto que, tendo passado à reforma, já não havia qualquer
impedimento à sua outorga" (pontos 43 e 44 da matéria de facto provada)».
Neste contexto, atendendo ao conjunto dos factos provados, conclui-se que
o autor não fez prova, como lhe competia (artigo 342.", n." I, do Código Civil), ele
que a relação contratual que vigorou entre as partes revestia a natureza ele contrato de
trabalho, pelo que improcedem os pedidos por s1 formulados na presente acção, que
tinham justan1ente por fundamento a existência de uma relação laboral.
2ó
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não ocorre, pois, a invocada violação do disposto no artigo 5.", n." 2, ela
LCT e no artigo I 0." do Código do Trabalho de 2003, termos em que improccdcm as
conclusões da alegação do recurso de revista.
IH
Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 22 de Abril ele 2009
(Manuel Joaqm 1
(1
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo 4852/08.8TTLSB.Ll.Sl
4 a secção - revista
GR/SG/LD
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1---
IRINA DIMITRIEVNA TCHERNYCHOV A veiO intentar uma acção com
processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE GINÁSTICA, pedindo que se declare a
ilicitude do despedimento de que foi alvo e que, em consequência, seja a Ré condenada
a reintegrá-la ou no pagamento da indemnização de antiguidade, acrescida dos salários
intercalares, da compensação por danos morais no valor de € 2.500,00 e de juros de
mora.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que trabalhou sob as
ordens, direcção e fiscalização da Ré, desde 4 de Janeiro de 2000 até 21 de Dezembro
de 2007, data em que esta lhe comunicou que prescindia dos seus serviços,
configurando tal comunicação um despedimento ilícito, que, para além do mais, lhe
causou danos de natureza não patrimonial.
Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção, e alegando, em síntese,
que a relação que manteve com a Autora foi de mera prestação de serviços.
A Autora declarou optar pela indemnização.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção
totalmente improcedente.
Inconformada, apelou a Autora, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa
julgado a apelação parcialmente procedente, e alterando a sentença recorrida,
1
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
declarou-se a ilicitude do despedimento de que foi alvo a Autora, e condenando-se
a Ré no seguinte:
a) - A pagar à Autora uma indemnização por antiguidade, em substituição da
reintegração, equivalente a 30 (trinta) dias de remuneração base, por cada ano de antiguidade ou
fracção até à data do trânsito em julgado do presente acórdão, acrescida de juros de mora, à taxa
legal, desde a notificação deste acórdão à Ré até integral pagamento, cuja liquidação se relega para
uma ulterior fase de execução;
b)- A pagar à Autora as retribuições que a mesma deixou de auferir desde os 30 dias que
precederam a propositura da acção até ao trânsito em julgado da presente decisão (incluindo férias,
subsídio de férias e de Natal), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação deste
acórdão à Ré até integral pagamento, operando-se a dedução a que se referem os n°S 2 e 3 do art0
437° do C.P.C., cuja liquidação igualmente se relega para uma ulterior fase de execução.
Em tudo o mais vai a Ré absolvida.
É agora a R que, inconformada, nos traz revista, tendo rematado a sua
alegação com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que
julgou procedente a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância e qualificar a relação entre a
Autora e a Ré como de contrato de trabalho, declarando, em consequência, a ilicitude do despedimento da
Autora e condenando a Ré ao pagamento de uma indemnização.
2. Mantém, contudo, a recorrente o entendimento diverso, segundo o qual não existia qualquer
vínculo laboral entre a Ré ora recorrente e a Autora.
3. A questão que se discute nos presentes autos é a da qualificação de uma relação jurídica como de
trabalho ou como prestação de serviço.
4. Ambas as decisões judiciais já proferidas nos presentes autos, enquadram brillmntemente a
questão, escalpelizam as definições e conceitos e apontam o caminho a seguir quanto à delimitação dos
dois conceitos: a subordinação jurídica.
5. Efectivamente, é aqui, na aferição da subordinação jurídica, que deve residir o critério
diferenciador entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, sem nunca nos afastarmos
das circunstâncias concretas de cada caso.
6. No que respeita à subordinação jurídica, o que distingue um contrato de trabalho de um contrato
de prestação de serviço, é a existência, no primeiro, de subordinação do trabalhador ao empregador
enquanto no segundo, existe autonomia do trabalhador relativamente ao empregador.
7. Subordinação jurídica caracteriza-se assim pela existência de autoridade, direcção, ordens,
directivas, instruções, fiscalização, controlo do empregador relativamente ao trabalhador.
2
S. R.
SUPREMO TRIBUNAl DE JUSTIÇA
8. Ainda assim, estas características podem não ser suficientes para operar, claramente, a distinção
entre as duas situações, nomeadamente quando estamos perante o exercício de funções eminentemente
técnicas, em que o trabalhador goza de certo grau de autonomia na execução do trabalho.
9. Ora, é aqui que surgem as divergências entre o entendimento da Ré e o entendimento expresso
no acórdão de que agora se recorre, porquanto entendem os ilustres Desembargadores que 11 •••
subordinação jurídica pode, assim, respeitar apenas à organização da actividade laboral, englobando o
poder de determinar a função do empregador, dentro dos poderes do empregador de distribuir os postos
de trabalho segundo o organigrama da empresa e as necessidades desta".
10. Não podemos concordar com tal entendimento. Depois de já tanto se ter analisado, debatido,
contraposto, escrito e decidido sobre o conceito de subordinação jurídica na destrinça entre uma relação
laboral e uma prestação de serviços, não se pode agora reduzir a detenninação da qualificação da relação
jurídica, apenas à organização da actividade laboral pelo empregador, enquanto poder de determinar a
função do trabalhador segundo as necessidades da empresa.
11. A organização da actividade laboral pelo empregador, enquanto poder de determinar a função do
trabalhador segundo as necessidades da empresa, é apenas e só um poder/dever do empregador, mas não
se reconduz à caracterização de subordinação jurídica como critério diferenciador da relação jurídica
contratual existente entre as partes.
12. Subordinação jurídica é muito mais do que isso.
13. No caso em concreto, entenderam os ilustres desembargadores que 11 ••• foi feita prova segura e
decisiva no sentido dessa subordinação. Desde logo, a própria denominação atribuída ao contrato".
14. Também aqui e ao contrário do que parece retirar-se no acórdão em crise, nunca a Ré invocou
qualquer equívoco ou vício de vontade na outorga de tal contrato.
15. O que sempre invocou e resultou provado, foi que, não obstante as partes terem celebrado tal
contrato escrito, o terem denominado de contrato de trabalho, a verdade é que nunca o cumpriram como
tal. A Ré nunca agiu como entidade empregadora e a Autora nunca agiu como trabalhadora subordinada,
ou seja, a execução efectiva do contrato não correspondeu ao clausulado, por forma a confirmá-lo.
16. Como resulta provado nos autos, a Ré nunca deu ordens à Autora, nunca lhe disse como deveria
dar as aulas, quais os exercícios que deveria leccionar, já que, através da sua treinadora e seleccionadora
nacional, limitava-se a definir os tipos de elementos gímnicos que deveriam fazer parte do processo de
aprendizagem das ginastas e os que compunham os exercícios de exibição e estes nada tinham a ver com
as funções da Autora (recorde-se relativamente a este aspecto que a Autora não era professora de
ginástica rítmica, mas sim professora de dança clássica);
a Ré nunca sujeitou a Autora a regime de faltas;
a Ré nunca inseriu a Autora nos mapas de pessoal enviados à Segurança Social;
a Ré nunca pagou à Autora férias, subsídios de férias ou de Natal;
a Ré nunca emitiu qualquer recibo de vencimento à Autora;
a Ré sempre emitiu declarações anuais de rendimentos para efeitos de IRS, com indicação de que se
tratavam de rendimentos de trabalho independente - categoria B
3
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
17. Por sua vez, a Autora nunca agiu como uma trabalhadora subordinada, porquanto era ela que
organizava as aulas e definia os exercícios a dar às ginasta de acordo com o seu saber e sem interferência
da Ré;
a Autora nunca teve de justificar faltas;
a Autora nunca exigiu descontos para a Segurança Social como decorre de um qualquer contrato de
trabalho;
a Autora sempre emitiu e entregou à Ré recibos verdes correspondentes aos montantes que lhe eram
liquidados;
a Autora nunca exigiu o pagamento de férias, subsídio de férias ou de Natal;
a Autora declarava os rendimentos que auferia da Ré como rendimentos de trabalho independente;
a Autora nunca, nos quase 1 O anos de relacionamento, invocou o contrato escrito assinado em 04 de
Janeiro de 2000, apenas o tendo feito mais de três meses após a cessação da relação contratual pela Ré.
A Autora trabalhava !,h 30mh por dia apenas durante os períodos de estágio das ginastas, que ocorriam
em média 3 a 4 vezes por ano. Ao longo do ano, decorriam vários meses sem que a Autora prestasse
qualquer serviço à Ré.
A Autora é uma pessoa instruída, culta e esclarecida, que bem sabia que a relação contratual que
executava com a Ré ao longo dos anos, não era aquela que advinha do contrato escrito que apresentou nos
autos.
18. Contrariamente entenderam os meritíssimos Desembargadores que a prática confirmou
inequivocamente a vontade e os termos do contrato escrito, no sentido do desenvolvimento de uma
relação de trabalho subordinado.
19. Igualmente aqui discordamos. O contrato foi executado de fonna absolutamente diversa da
natureza jurídica em que foi formalizado, execução esta recíproca, levada a cabo pelas duas partes ao
longo dos anos, já que a conduta da Autora, a forma como agiu ao longo da sua duração, foi sempre como
uma verdadeira prestadora de serviços.
20. Afirma-se no acórdão que a relação se processou nos tennos exarados no contrato, pois: n
desde o ano desportivo de 1998/1999 até Dezembro de 2007, ao serviço da Ré, a autora treinou as atletas
portuguesas de ginástica rítmica de competição para representarem Portugal em competições desportivas
internacionais; fazendo-o uma hora e meia por dia, de segunda-feira a sábado; a Autora leccionou sessões
de treino durante a manhã, nas instalações. da Ré ou em locais por ela indicados para o efeito; a
seleccionadora nacional ao serviço da FGP definia os ciclos e períodos de estágio em função das datas
dos eventos gímnicos internacionais; a Autora não era previamente consultada sobre o número de horas
de duração de cada estágio; ao serviço da Ré, a Autora cumpriu o número de horas de treino, diário e
semanal, de cada período de estágio; a Autora foi inicialmente paga em função do número de aulas
leccionadas, no valor de Esc. 6000$00/hora, passando, em momento posterior, a receber honorários no
valor mensal de €300,00."
21. Ora, todos estes factos são efectivamente verdade, mas todos eles consubstanciam o desempenho
do trabalho realizado e a respectiva contrapartida monetária. Estamos a falar do desempenho das funções
4
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
para a qual a Autora foi contratada (treino de dança clássica) para um determinado conjunto de pessoas
(algumas ginastas da selecção nacional de ginástica rítmica), da sua duração (lh30 diárias apenas e só
durante os períodos de estágios que eram em média 3 a 4 por ano), dos locais onde as ginastas se
encontravam a estagiar, não podendo a actividade exercida pela Autora ser prestada em locais próprios,
seus, com as condições adequadas.
22. Não se retira daqui qualquer elemento de subordinação jurídica, de sujeição a ordens, de
autoridade, de fiscalização, de controlo por parte da Ré.
23. O alegado pela Exma. Procuradora Geral Adjunta e corroborado pelos Srs. Desembargadores, no
sentido de que a Autora 11 integrava a equipa técnica da F.G.P., trabalhava sob as suas ordens, orientação e
direcção, ( ... ).No caso concreto, a recorrente estava obrigada a prestar à outra contraente a sua actividade,
que lhe pagava o vencimento e era o outro concorrente que deveria suportar o risco. 11 (sublinhado nosso)
24. Ora, tal não é possível de concluir dos indícios atrás descritos nem tem suporte nos factos
provados nos au~os.
25. Por outro lado, são agora desconsiderados outros indícios que, bem no entender da Ré, foram
determinantes na decisão da 1 a Instância, e que levaram à qualificação da relação como de prestação de
serviços. Mas esta irrelevância é fundamentada em meras presunções, hipóteses, probabilidades e
deduções, desprezando factos provados pela Ré.
26. Senão vejamos: não se pode dizer que o facto de a Autora não estar sujeita a regime de faltas é
irrelevante porque as não deu, ou que a não demonstração da possibilidade de execução do poder
disciplinar por parte da Ré,,não significa que não existisse.
27. Tratam-se de factos provados, que devem valer exactamente como tal, no sentido do que
realmente dizem e representam. A Autora não provou o contrário. Não podem agora ser interpretados e
relevados de outra fonna com base na mera hipótese de poderem ser o contrário.
28. Mais, defende-se no acórdão em crise que "não se diga que não havia ordens da entidade
patronal já que essas ordens e orientações podem até existir apenas no campo das meras hipóteses, sendo
certo que, no caso dos autos, seria provavelmente estabelecer ordens muito concretas uma vez que a
ginástica e mais a mais a este nível, requer certamente conhecimentos muito específicos e profundos que
não será fácil para uma entidade empregadora dar. Terá de ser dada ao professor que se escolher, porque
merece toda a confiança, ampla liberdade para proceder à preparação dos ginastas cabendo à F.G.P.
estabelecer as modalidades ou tipos de exercício em que pretendiam que elas entrassem ou que fizessem,
seleccionar as ginastas que iriam representar o país, estabelecer os períodos de estágio e o tempo durante
o qual deveriam treinar. Logo essas orientações existiam e eram dadas pela entidade patronal".
29. Defender que ordens e orientações podem até existir apenas no campo das meras hipóteses e
daqui concluir pela existência de subordinação jurídica, é, Ilustres Conselheiros, dizer que afinal o critério
da subordinação jurídica de nada vale na qualificação da relação jurídica como de trabalho.
30. Cai assim por terra tudo o que se já se escreveu e ensinou sobre esta matéria.
31. Efectivamente, se subordinação jurídica pode respeitar apenas à organização da actividade
laboral pelo empregador e ordens e orientações podem até existir no campo das meras hipóteses, ainda
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S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que pela elevada tecnicidade da actividade sejam dificeis de dar, então, podemos concluir que não mais
existirão contratos de prestação de serviço, pois qualquer que seja a actividade profissional e havendo
contrapartida monetária pela mesma (leia-se pagamento), estaremos certamente perante um contrato de
trabalho, porque, no campo das hipóteses, haverá sempre ordens e orientações dadas por quem paga.
32. Não cremos que seja este o entendimento desse Alto Tribunal, até porque têm V.Exas. entendido
e ensinado de forma diferente, mais consentânea com a realidade, com o desenvolvimento concreto e real
da relação contratual. Veja-se o acórdão do STJ de 26111/2008, in ITIJ/net: " ... deverá ser pela verificação
do condicionalismo concreto em que se desenvolveu a relação contratual, que se afere da qualificação do
acordo negociai
33. Ora, no caso concreto dos autos, a relação contratual entre a Autora e o Réu foi desenvolvida, tal
como acima já se referiu, numa relação diferente do contrato de trabalho firmado, consentânea com uma
prestação de serviço, de comum acordo e, certamente, no interesse de ambas as partes.
34. Ao agir como prestadora de serviços, ao não invocar ao longo dos anos o seu estatuto laboral,
com os inerentes benefícios, não podia a Autora deixar de aceitar as circunstâncias que advêm deste tipo
de contrato, no âmbito do qual poderia vir a ser dispensada, sem o cumprimento das legais formalidades
do despedimento.
35. A Autora, ao vir invocar um despedimento ilícito, por não ter sido precedido de processo
disciplinar, veio assumir uma conduta contrária àquela que ao longo dos anos teve para com a Ré,
claramente reveladora de índices que afastam o sentido da subordinação jurídica, tal como V. Exas. a
entendem, relevadores a favor da inexistência de subordinação jurídica.
36. Efectivamente, provou-se que:
- A autora organizava as suas aulas e definia os exercícios a dar às ginastas;
- A FPG, através da sua treinadora e seleccionadora nacional, limitava-se a definir os tipos de elementos
gímnicos que deveriam fazer parte do processo de aprendizagem das ginastas e os que compunham os
exercícios de exibição;
- Após recebimento das quantias pagas pela ré como contrapartida do seu trabalho, a autora emitiu e
entregou recibos verdes;
- A autora declarou às Finanças as retribuições que auferiu da ré como resultado de trabalho
independente;
- Quando a autora não podia estar presente nalgum treino, combinava com os restantes membros da
equipa técnica leccionar essa aula noutro dia, noutra hora ou nem a niinistrar;
- A autora não estava sujeita a regime de faltas;
- A autora nunca figurou nos mapas de pessoal enviados pela ré à Segurança Social;
- Ao serviço da ré a autora nunca auferiu subsídios de férias e de Natal;
37. Como salienta esse Alto Tribunal in acórdão de 22/09/2011 - proc. n' 192/07.8TTLSB.Ll.S 1 in
ITIJ/net -, 11 0 ponto mais relevante, no sentido de ausência da heterosubordinação, é a circunstância de o
Autor, quando faltava ao serviço se poder fazer substituir por outros e escolhê-los, sem que tivesse de
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S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
justificar as suas faltas, e sem estar sujeito ao controlo da assiduidade. Essa circunstância, e dada a
natureza infungível da prestação laboral, afasta o carácter intuitu personae próprio do contrato de
trabalho, e revela, ainda, a ausência do dever de assiduidade (também próprio do contrato de trabalho),
bem como a ausência do poder de direcção e de disciplina do empregador que andam associados àquele
dever.''
38. Com base no supra exposto, é entendimento da Ré FGP que a Autora não logrou demonstrar que
a relação contratual que vigorou entre as partes revestisse a natureza de contrato de trabalho, pelo que
deve concedida a revista, revogando-se o douto acórdão recorrido.
Pede-se assim que se revogue o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que
defira a pretensão da Recorrente.
A A também alegou, tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:
1 <~ - A Ré recorre de revista por discordar do entendimento perfilhado pelo Venerando Tribunal da
Relação de Lisboa, segundo o qual foi feita prova inequívoca da existência de uma relação jurídica de
trabalho subordinado entre Autora e Ré, pelo que declarou ilícito o despedirnento de que a Autora foi
alvo. Contudo,
2a - Não indica na sua alegação nem nas suas conclusões qual a norma jurídica violada com este
entendimento, corno impõe a al. a) do n'l do artigo 722' do CPC e o artigo 685'-A, n'2, al. a) do CPC,
aplicáveis por força do Artigo 81 ', n'5 do CPT, que assim resultam violados, devendo, em consequência,
o presente recurso ser rejeitado.
No entanto, caso assim se não entenda,
3a - Sempre se verifica que à Recorrente não lhe assiste razão, designadamente na interpretação que faz
do que diz ser o conceito de subordinação jurídica defendido pelos Venerandos Desembargadores no seu
acórdão. Pois,
4a - Os Venerandos Desembargadores, analisam, e bem, em consonância com toda a doutrina e
jurisprudência nesta matéria, designadamente a desse Colendo Tribunal, o conceito de subordinação
jurídica, nas suas várias cambiantes, dado que o mesmo é um conceito de conteúdo variável que admite
graus, nomeadamente em função das atribuições e aptidões do trabalhador, mormente quando este possui
autonomia técnica ou científica. Pelo que,
su - O acórdão recorrido analisou correctamente o conceito de subordinação jurídica e igualmente bem o
aplicou ao caso concreto, através do método indiciário que é comummente aceite, também por toda a
doutrina e jurisprudência existentes na matéria, para detectar, em face do caso concreto, os indícios de
subordinação jurídica.
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S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6a - Dado que é a existência ou ausência de subordinação jurídica, o elemento distintivo decisivo para
qualificar a relação jurídica como de trabalho ou de prestação de serviços, como também é unanimemente
reconhecido. Ora,
T"' - No caso dos autos, estão presentes indícios relevantes de subordinação jurídica suficientes, que
permitem qualificar a relação existente entre Autora e Ré como de trabalho, tal como concluiu o douto
acórdão recorrido.
ga - Desde logo, o 11 nomen juris11 escolhido pelas partes para titular o acordo escrito que celebraram, que
qualificaram como "Contrato de Trabalho a Tenno Certo 11, e os termos em que está redigido, com
referência à Lei do Trabalho aplicável.
9a - Este documento é o elemento decisivo para aferir da vontade concreta das partes de se vincularem
com sujeição ao regime próprio do contrato de trabalho, dado que são do conhecimento da generalidade
das pessoas, empregadores e trabalhadores, as respectivas implicações em termos de direitos e
obrigações para as partes e muito mais para a Ré, uma Federação Desportiva, com acesso a apoio jurídico
que a elucide acerca da diferença de regimes jurídicos.
1 on - Mas mesmo que se entenda que este elemento não é suficiente e que há que averiguar sobre como a
relação foi executada ao longo dos anos, sempre acabamos por concluir, como concluiu o douto acórdão
recorrido, que ela se desenvolveu nos moldes que foram acordados e com subordinação jurídica por parte
da Autora à Ré. Pois,
11' -Resultou provado que a Autora, enquanto ao serviço da Ré, desde o ano desportivo de 1998/1999
até 2007, sempre desempenhou as funções para que foi contratada - treinou e aperfeiçoou as ginastas do
grupo de ginástica rítmica da FPG na área da dança -, sob as suas ordens e direcção, nos locais de
trabalho e nos períodos e horários de trabalho que lhe foram previamente fixados pela Ré (factos
provados em 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10° e 11 o da Resposta à matéria de Facto).
1211 - Resultou igualmente provado que a Autora inicialmente foi paga em função do número de horas
leccionadas (18° dos factos provados), passando posteriormente a receber uma remuneração fixa, que não
lhe era paga pontualmente, sendo que a partir do ano de 2005 e até finais de 2007, data em que a autora
foi 11 dispensada", os recibos passados correspondem a valores fixos mensais e reflectem a regularidade
dos pagamentos feitos. No entanto,
13n - A Ré, no seguimento do entendimento da Meritíssima Juíza de J<l Instância, defende que não foi
feita prova da existência da subordinação jurídica, porque não se provou a existência de poderes de
direcção e de fiscalização da Ré sobre o modo como a Autora executava a sua actividade. Nada de mais
errado,
14a -Pois, como já dissemos, o acórdão recorrido analisou bem o conceito de subordinação jurídica, a
qual comporta graus, sendo compatível com uma grande, ou mesmo completa, autonomia técnica, nada
impedindo que actividades desempenhadas com verdadeira autonomia técnica sejam objecto de contrato
de trabalho (arte 5°, n° 2 da LCT).
15' - A Autora era professora de dança, mais propriamente de dança clássica, fazendo a preparação e
aperfeiçoamento das ginastas nos elementos que integram a dança clássica- barra, centro, saltos, pivots
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
e voltas - pelo que está bem patente a tecnicidade da disciplina em causa e aptidão e preparação específica
que é necessário possuir para a ministrar.
16a - Ficou provado que a treinadora e seleccionadora nacional definiam os tipos de elementos gímnicos
que deviam fazer parte do processo de aprendizagem das ginastas e os que compunham os exercícios de
exibição, aspectos conformadores estes que traduzem suficientemente a subordinação jurídica da Autora à
Ré no desempenho da sua actividade, atenta a tecnicidade da disciplina por si ministrada, não sendo
necessária a prova das concretas ordens e instruções transmitidas. Por outro lado,
17a - São irrelevantes para afastar a subordinação jurídica os outros índices que apontariam mais no
sentido da verificação de um contrato de prestação de serviço, como sejam a não sujeição a regime de
faltas, já que ficou provado que a Autora nunca as deu e também não se provou que se fizesse substituir
quando não podia estar presente nalgum treino; a existência de recibos verdes, o facto de não figurar nos
mapas de pessoal enviados pela Ré à Segurança Social e o não recebimento de subsídio de férias e de
Natal, aspectos formais que apenas traduzem o incumprimento de obrigações legais por parte da entidade
empregadora.
18a - O facto de a Autora não os ter reclamado apenas traduz a sua inibição em enfrentar a sua entidade
patronal e não a sua aquiescência com o não recebimento, pois a Autora era cidadã estrangeira, imigrante
no nosso país, o que compreensivelmente não lhe conferia a mesma margem de liberdade e o mesmo
poder reivindicativo de um trabalhador nacional.
19' - A não exclusividade de funções também não pode relevar, já que a lei não proíbe o pluriemprego e
a actividade da Autora na Federação pennitia-lhe procurar outras actividades remuneradas
complementares, mantendo sempre, por força do contrato celebrado, a sua disponibilidade para trabalhar
para a Ré em função do calendário desportivo que lhe fosse fixado. Mas mais, há um outro índice
20' - Que reforça a conclusão de que a intenção das partes foi a de celebrar um contrato de trabalho e
pelo mesmo se vincular, é o que respeita ao 11 percurso da relação11, sendo que a mesma se iniciou no ano
desportivo de 1998/1999, sem sujeição a qualquer contrato escrito, com pagamento à hora e, em 2000,
sem que nada o impusesse, a não ser a sua concreta vontade, as partes celebraram um contrato escrito, que
apelidaram expressamente de contrato de trabalho, fixando uma remuneração certa mensal.
2la- Foram assim provados indícios bastantes, reveladores de subordinação jurídica, e que nos pennitem
.concluir pela existência de uma relação de trabalho subordinado entre as partes, tal como entendeu, e
bem, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que fez correcta interpretação e aplicação da lei -
Artigo I' da LCT - declarando ilícito o despedimento de que a Autora foi alvo e condenando nos valores
devidos.
Subidos os autos a este Supremo Tribunal, deu-se cumprimento ao disposto no
artigo 87°/3 do CPT, tendo o Ex.m0 Magistrado do Ministério Público emitido parecer
no sentido da improcedência da revista.
E mostrando-se corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2----
Para tanto, as instâncias apuraram a seguinte matéria de facto:
1 o Em 1990, a autora completou o curso no Instituto Estatal de Cultura de
Moscovo, na especialidade de cultura e instrução, coreografia e disciplinas
coreográficas;
2° Em 4 de Janeiro de 2000, autora e ré subscreveram o documento junto de fls.
29 a 30, intitulado de "Contrato de Trabalho a Termo Certo", cujos dizeres dou por
integralmente reproduzidos e do qual consta, designadamente:
Cláusula 1 a: O primeiro outorgante contrata, sob as suas ordens e direcção, a segunda outorgante
para exercer funções de professora de dança do grupo de trabalho de ginástica rítmica;
Cláusula 2": Compete à segunda outorgante:
a) Integrar a equipa técnica de ginástica rítmica, cabendo-lhe a prestação das ginastas na área da
dança;
b) Acompanhar as ginastas nas competições, torneios, estágios e outras iniciativas levadas a cabo
pela F.P.G. no âmbito da área técnica da ginástica rítmica, sempre que possível;
Cláusula 3":
1. O presente contrato é celebrado a termo certo, pelo período de seis meses, renováveis, tendo o
seu início em 01/01/2000 e termo a 30/06.
2. Não havendo prorrogação do presente contrato, este termina por caducidade, nos termos do
decreto-lei no 64-A/89, de 27/02, mediante aviso prévio, por escrito, que o primeiro outorgante fará à
segunda, com pelo menos (oito) dias de antecedência ao termo final.
Cláusula 4":
A segunda outorgante realizará as suas funções nos locais indicados pela F.P.G., de acordo com
o plano de trabalho estabelecido;
Cláusula 5':
O período normal de trabalho está dependente da programação desportiva estabelecida;
Cláusula 6":
Como contrapartida do trabalho prestado, o primeiro outorgante pagará à segunda outorgante
uma remuneração mensal ilíquida de 80.000$00 (oitenta mil escudos)( ... );
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3° Desde o ano desportivo de 1998/1999 até Dezembro de 2007, ao serviço da
ré, a autora treinou as atletas portuguesas de ginástica rítmica de competição para
representarem Portugal em competições desportivas internacionais;
4° A ginástica rítmica inclui preparação específica à base de dança clássica:
barra, centro, saltos, pivots e voltas;
5° Ao serviço da ré a autora ensinou e aperfeiçoou as ginastas juniores e seniores
da FPG nas áreas referidas em 4°;
6° Nos momentos de estágio da selecção a autora trabalhou com as ginastas uma
hora e meia por dia, de segunda-feira a Sábado;
7° Ao serviço da ré, a autora leccionou sessões de treino durante a manhã, nas
instalações da ré ou em locais por ela indicados para o efeito, inicialmente nas
instalações do Instituto do Desporto de Portugal na Lapa, depois em S. Domingos de
Rana e desde 2003 no Centro de Estudos de Fonnação de Alto Rendimento de Ginástica
Rítmica, na Cova da Piedade, em Almada;
8° As ginastas treinadas pela autora eram seleccionadas pela ré;
9° A seleccionadora nacional ao serviço da FPG definia os ciclos e períodos de
estágio em função das datas dos eventos gímnicos internacionais;
I oo A autora não era previamente consultada sobre o número de horas de
duração de cada estágio
11 o Ao serviço da ré, a autora cumpriu o número de horas de treino, diário e
semanal, de cada período de estágio;
12° Além do vínculo que mantinha com a ré a autora desempenhava funções de
treinadora em outros clubes desportivos, sendo remunerada pelo exercício destas
funções;
13 o A ré remeteu à autora, que a recebeu, a carta datada de 21 de Dezembro de
2007, junta a fls. 32, cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta,
designadamente:
Em virtude de, como é do seu conhecimento, o conjunto de juniores de Ginástica Rítmica ter
terminado e na impossibilidade de lhe transmitirmos esta decisão pessoalmente, vimos pelo presente
informá-la de que a partir do presente mês de Dezembro de 2007, somos forçados a prescindir da sua
colaboração( ... );
11
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
14° A autora deixou de desempenhar funções para a ré desde Janeiro de 2008;
15° A autora vive em união de facto e tem um filho menor a seu cargo;
16° Em consequência da cessação do vínculo que mantinha com a ré a autora
sentiu-se triste e abalada;
17° Ao serviço da ré, a autora apenas leccionou aulas nos períodos em que as
ginastas da selecção nacional se encontravam em estágio, o que ocorria, em média, três
a quatro vezes por ano;
18° Como contrapartida das aulas que leccionou, a autora foi inicialmente paga
em função do número de aulas leccionadas, no valor de Esc. 6000$00/hora, acrescido
das despesas com gasolina e portagens efectuadas nas deslocações para os locais de
estágio;
19° Desde 1999 até Dezembro de 2007 a ré pagou à autora as seguintes quantias
como contrapartida das aulas que leccionou:
-em 1999, a quantia de €3.072,60;
- em 2000, a quantia de €4.145,50;
-em 2001, a quantia de €3.676,14;
-em 2003, a quantia de €3.240,00;
- em 2004, a quantia de €2.870,00;
- em 2005, a quantia de 6.600,00;
- em 2006, a quantia de €4.350,00;
-em 2007, a quantia de €3.600,00;
20° Após recebimento das quantias pagas pela ré como contrapartida do seu trabalho, a autora emitiu e entregou recibos verdes;
21 o A autora declarou às Finanças as retribuições que auferiu da ré como resultado de trabalho independente;
22° No ano de 2005, a ré pagou à autora a quantia mensal de € 550,00 como contrapartida do trabalho que prestou;
23° No ano de 2006, iniciou funções na FPG uma nova equipa técnica de ginástica rítmica, composta por uma seleccionadora e treinadora nacional, duas treinadoras adjuntas e uma professora de dança (coreógrafa);
12
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
24° A autora passou a fazer parte desta nova equipa como treinadora das ginastas do escalão júnior (conjunto) e das camadas jovens (juvenis) e passou a receber honorários no valor mensal de € 300,00;
25° A autora aceitou as alterações referidas em 24 °;
26° A autora organizava as suas aulas e definia os exercícios a dar às ginastas;
27° A FPG, através da sua treinadora e seleccionadora nacional, limitava-se a definir os tipos de elementos gímnicos que deveriam fazer parte do processo de aprendizagem das ginastas e os que compunham os exercícios de exibição;
28° Quando a autora não podia estar presente nalgum treino, combinava com os restantes membros da equipa técnica Ieccionar essa aula noutro dia, noutra hora ou nem a ministrar;
29° A autora não estava sujeita a regime de faltas;
30° A autora nunca figurou nos mapas de pessoal enviados pela ré à Segurança Social;
3 I o Ao serviço da ré a autora nunca auferiu subsídios de férias e Natal;
32° Após o campeonato da Europa de ginástica rítmica que decorreu em Baku, no ano de 2007, a ré decidiu tenninar com o conjunto júnior, no âmbito da selecção nacional de ginástica rítmica.
3---
Questão prévia:
Na za conclusão da recorrida, alega esta que a recorrente não indica na sua
alegação, nem nas conclusões, qual a nonna jurídica violada pela Relação com o
entendimento perfilhado e que originou a revista.
Por isso e louvando-se na ai. a) do n°l do artigo 722° e no artigo 685°-A, n°2, ai.
a) do CPC, aplicáveis por força do Artigo 81°, n°5 do CPT, pugna pela rejeição do
recurso.
Mas não tem razão.
13
S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na verdade, é certo que, e confonne resulta do n° 1 do artigo 685°-A do CPC 1 o recorrente tem que apresentar a sua alegação, na qual conclui, de fonna sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão impugnada.
Por outro lado e conforme resulta do seu n° 2, alínea a), versando o recurso sobre matéria de direito, tem também que indicar as nonnas jurídicas violadas pela decisão recorrida.
Se a alegação for omissa quanto a estas indicações, trata-se duma mera irregularidade praticada pelo recorrente, que pode ser objecto de convite de aperfeiçoamento, conforme prevê o n° 3 do referido preceito.
No caso presente considerou-se dispensável o recurso a tal convite por se tratar duma questão em que se discute a natureza da relação contratual que ligou a Autora à
Ré, no período que mediou entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2007.
Por isso, atento o objecto do litígio, e sustentando a recorrente que a colaboração da A, durante este período temporal, foi feita ao abrigo dum contrato de prestação de serviço (tese seguida pela 1 • instância), enquanto a trabalhadora sustenta que o fez ao abrigo de um contrato de trabalho, tal como foi querido pelas partes, não se considerou relevante a falta de indicação das nonna jurídicas violadas pela Relação na decisão recorrida, pois o dissídio faz apelo à debatidíssima matéria da distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço.
E assim sendo, improcede esta questão prévia.
3.1---
Colocando-se a questão a apreciar na revista nos tennos acima equacionados, vejamos então como decidir.
Previamente, temos de dizer que se trata duma relação jurídica que foi constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, pois este só começou a vigorar em I de Dezembro de 2003, confonne resulta do artigo 3°, no I da Lei 99/2003.
Por isso, temos de apreciar a questão da sua qualificação à luz do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto-Lei n. 0 49 408, de 24 de Novembro de 1969, posição também adaptada pelo acórdão recorrido, no seguimento de doutrina finne deste Supremo Tribunal.
1 Na versão que lhe foi conferida pelo DL n" 303/2007 de 24 de Agosto e que é a aplicável pois a acção foi intentada já no decurso de 2008.
14
S.- R. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Efectivamente, para resolver a questão da qualificação do contrato como de trabalho ou de prestação de serviço, há que atender ao disposto na LCT e não ao disposto no Código do Trabalho de 2003, uma vez que o contrato em causa foi celebrado antes da entrada em vigor deste diploma.
Na verdade, apesar do artigo 8°, n° I da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, estabelecer que ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho por ela aprovado, os contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, deve entender-se que aquele regime não é aplicável quando estiver em causa a qualificação de contratos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor, uma vez que essa qualificação se prende com efeitos de factos passados totalmente antes de I de Dezembro de 2003, tanto mais que este nonnativo expressamente ressalva, em consonância aliás com o disposto no n.0 2 do art. 0 12.0 do CC, a aplicação daquele regime às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anterionnente à entrada em vigor do Código do Trabalho. E sendo assim, a qualificação do contrato terá de ser feita à luz da LCT, por ser esta a lei em vigor à data da sua celebração2
•
Face ao exposto, vejamos então como decidir.
3.2---
Tratando-se dum contrato, a sua qualificação tem de partir da análise e interpretação da vontade das partes.
E só se ela não nos fornecer uma conclusão decisiva, é que deverá aferir-se a caracterização do contrato pela interpretação dos elementos disponíveis resultantes do modo como as partes se relacionavam no desenvolvimento e na execução do contrato.
Ora, no caso presente as partes reduziram o contrato a escrito, qualificando-o desde logo como contrato de trabalho, celebrado para vigorar pelo período de seis meses, renováveis, tendo o seu início em 01/01/2000 e tenno a 30/06.
É assim, inquestionável que na génese da colaboração que a Autora prestou à R esteve, por vontade expressa das partes, um contrato de trabalho, celebrado pelo prazo de seis meses, renováveis, conforme elas o denominaram e se estipulou na cláusula 3a, no I.
Aliás as contratantes chegaram ao ponto de prever no documento escrito que subscreveram que não havendo prorrogação do contrato, ele tenninaria por caducidade,
2 Neste sentido vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 17/10/2007, processo n" 07S2184 (Sousa
Peixoto) e de 28/5/2008, processo n" 07S3898 (Sousa Grandão), ambos disponíveis em www.stj.pt.
15
S. - R. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
nos termos do Decreto-Lei no 64-A/89, de 27/02, mediante aviso prévio, por escrito, que o primeiro outorgante faria à segunda, com pelo menos (oito) dias de antecedência em relação ao termo final (n° 2 da dita cláusula), o que só pode querer dizer que tinham em mente a celebração dum contrato de trabalho, embora celebrado a tenno ce1to.
Por outro lado, e confonne resulta da Cláusula I •, as partes quiseram desde logo que a colaboração da A com as funções de professora de dança do grupo de trabalho de ginástica rítmica, se operaria com sujeição às ordens e direcção da R.
E nesta linha, competir-lhe-ia integrar a equipa técnica de ginástica rítmica e acompanhar as ginastas nas competições, torneios, estágios e outras iniciativas levadas a cabo pela Federação Portuguesa de Ginástica, confonne estipulado na cláusula 2 •.
Além disso, tais funções seriam exercidas nos locais indicados pela R e de acordo com o plano de trabalho por esta estabelecido (cláusula 4•), estando o período normal de trabalho dependente da programação desportiva estabelecida também pela R (cláusula s•).
Donde se conclui que, por vontade expressa das partes, a A foi contratada pela R para prestar a sua colaboração ao abrigo dum contrato de trabalho, o que resulta, inequivocamente, do "nomen iuris" aposto ao contrato e do próprio clausulado, donde se colhe ainda que elas quiseram também, e desde logo, que a colaboração da A no exercício das funções de professora de dança do grupo de trabalho de ginástica rítmica, se operaria com sujeição às ordens e direcção da R.
O que aponta desde logo para a sua vinculação ao abrigo dum contrato de trabalho.
Sustenta porém, a recorrente que não ficou provado que a actividade da A se desenvolvesse com sujeição às ordens e que as suas funções fossem desempenhadas sob à autoridade da R, nem que esta exercesse poderes de fiscalização e controlo da colaboração prestada pela A, o que era fundamental para que se pudesse concluir pela existência do contrato de trabalho que esta invoca.
No entanto, esta argumentação improcede.
Na verdade, é considerado contrato de trabalho, aquele pelo qual uma pessoa se obriga a prestar a outra a sua actividade, intelectual ou manual, sob a autoridade e direcção desta e mediante retribuição, confonne resultava do artigo I o da LCT.
Por outro lado, o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra o resultado da sua actividade, com ou sem retribuição, confonne resulta do artigo I 154° do CC.
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SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
E assim sendo, se o prestador da actividade estiver sujeito à autoridade e direcção da pessoa servida, estaremos perante um contrato de trabalho.
Mas se apenas estiver vinculado ao resultado da sua actividade, exercendo-a sem estar sujeito à autoridade da pessoa servida, estaremos perante um contrato de prestação de serviço, por ao credor apenas interessar o resultado final da actividade do devedor,
que goza de total autonomia na fonna de o alcançar.
Donde resulta como critério verdadeiramente diferenciador das duas figuras contratuais a existência de subordinação jurídica no contrato de trabalho, enquanto no contrato de prestação de serviço o devedor apenas se responsabiliza perante o credor pelo resultado prometido, sendo inteiramente livre na fonna como a ele chega.
Se teoricamente a distinção é nítida, na prática a destrinça entre estas duas figuras contratuais reveste-se, por vezes, de grande dificuldade, dado que em ambas existe uma alienação de trabalho, e ambas visam sempre um resultado, pois confonne reconhece Galvão Teles3
, todo o trabalho conduz a um resultado e este também não
existe sem aquele.
De qualquer fonna, a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação
de serviço assenta em dois elementos essenciais: no objecto do contrato (prestação de actividade no primeiro; obtenção dum resultado no segundo); e no tipo de relacionamento entre as pmies (subordinação jurídica no primeiro; autonomia no
segundot
E assim sendo, se o prestador da actividade estiver sujeito à autoridade e direcção da pessoa servida, estaremos perante um contrato de trabalho.
Mas se apenas estiver vinculado ao resultado da sua actividade, exercendo-a sem
estar sujeito à autoridade da pessoa servida, estaremos perante um contrato de prestação
de serviço, por ao credor apenas interessar o resultado final da actividade do devedor, que goza de total autonomia na fonna de o alcançar.
Donde resulta como critério verdadeiramente diferenciador das duas figuras
contratuais a existência de subordinação jurídica no contrato de trabalho, enquanto no contrato de prestação de serviço o devedor apenas se responsabiliza perante o credor pelo resultado prometido, sendo inteiramente livre na fonna como a ele chega.
3 BMJ, 83/165 4 Neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 15/9/2010, recurso n' 4119/04.0TTLSB.Sl-4'
secção, disponível em www,dgsi.pt.
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Tal subordinação jurídica caracterizadora do contrato de trabalho decorre precisamente do poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (n." 1 do artigo 39." da LCT) e a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador, conforme resulta da alínea c) do n." I do seu artigo 20".
Por isso, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Nesta linha, Abílio Neto define-a como a relação de dependência em que o trabalhador se coloca por força da celebração do contrato, ficando sujeito, na prestação da sua actividade, às ordens, direcção e fiscalização do dador do trabalho, acrescentando este autor que basta que o trabalhador se integre, de algum modo, em maior ou menor escala, no círculo de esfera de domínio ou autoridade de uma entidade patronal, sendo suficiente que esta possa dar-lhe ordens, dirigir ou fiscalizar o seu serviço, não se exigindo que de facto e pennanentemente o faça5
•
Por outro lado, continua ainda este autor, citando Galvão Telles6, "o requisito da
subordinação jurídica tem de definir-se com bastante latitude e flexibilidade de modo a abranger as variadíssimas gradações de que é susceptível. O trabalhador subordinado pode ser um empregado altamente qualificado e com funções directivas ou um operário que realize labor predominantemente manual; pode estar submetido a estrita direcção ou gozar de autonomia técnica; trabalhar em exclusivo para uma entidade patronal ou para várias; achar-se ou não sujeito a horário, etc .. "
Existem portanto, diferentes graus de subordinação pois, a par de formas de trabalho em que esta subordinação é bem visível, outras há em que a actividade é prestada com grande autonomia, não existindo ordens concretas e específicas, mas um mero quadro potencial da sua existência.
Por isso, ocorre ainda subordinação jurídica quando existe a mera possibilidade de ordens e direcção, bem como quando a entidade patronal possa de alguma maneira orientar a actividade laboral em si mesma ainda que só no tocante ao lugar e ao momento da sua prestação 7.
Ora, no caso presente, tendo sido convencionada a contratação da A ao abrigo dum contrato de trabalho, com vista ao desempenho das funções de professora de dança
5 Contrato de Trabalho, Suplemento do BMJ, 1979, pag. 170. 6 Obra citada na nota anterior, pg"s 170 e 171 7 Neste sentido vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24/5/95, BMJ 447/308 e de 1111/95, BMJ 4431178.
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do grupo de trabalho de ginástica rítmica, durante cujo exercício se convencionou que a trabalhadora estaria sujeita às ordens e direcção da R, e competindo-lhe integrar a equipa técnica de ginástica rítmica e acompanhar as ginastas nas competições, torneios, estágios e outras iniciativas levadas a cabo pela F.P.G. no âmbito da área técnica da ginástica rítmica, sendo tais funções exercidas nos locais indicados pela R e de acordo com o plano de trabalho por esta estabelecido (cláusula 4"), estando o período normal de trabalho dependente da programação desportiva estabelecida também pela R (cláusula 5"), tal como quiseram e convencionaram expressamente as partes, temos de concluir pela existência dum contrato de trabalho, tal como alega a A.
Consideramos assim absolutamente irrelevante que a A, após recebimento das quantias pagas pela ré como contrapartida do seu trabalho, tenha emitido e entregue recibos verdes e que tenha declarado às Finanças tais rendimentos como resultado de trabalho independente. Por outro lado, também irrelevante nos parece a circunstância de nunca ter figurado nos mapas de pessoal enviados pela ré à Segurança Social e que ao serviço da ré a autora nunca tenha auferido subsídios de férias e Natal, pois face à vontade das partes que se retira do documento assinado na altura da admissão da trabalhadora, a R deveria tê-la inscrito na Segurança Social e pagar-lhe os referidos beneficios remuneratórios.
Na verdade, e como já dissemos é inequívoco que as partes se quiseram vincular através dum contrato de trabalho.
E embora seja inquestionável que o "nomen juris" atribuído pelas partes ao contrato não vincula o tribunal, o que será mais premente em hipóteses em que o texto do contrato não tem a mínima correspondência com a realidade, também é verdade que nem sempre a denominação atribuída pelas partes ao vínculo jurídico constitui um elemento irrelevante, designadamente quando os contratantes são pessoas esclarecidas e apresentam um nível cultural que lhes pennita ter uma percepção, ainda que mínima, da natureza desse vínculo, confonne argumenta o acórdão recorrido, na esteira do acórdão deste Supremo Tribunal de 16/05/2000, disponível em www.dgsi.pt.
Por isso, tendo as partes celebrado um denominado contrato de trabalho, à partida, temos de considerar que foi essa a sua vontade, tanto mais que não alegaram qualquer facto susceptível de pôr em causa a sua validade.
Por outro lado, também concluímos pela existência da subordinação jurídica própria deste contrato, apesar da autonomia técnica das funções desempenhadas pela A, pois esta característica das funções exercidas não é impeditiva da existência dum contrato de trabalho, confonne prevê o artigo 5°, n° 2 da LCT.
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Efectivamente, tendo sido convencionado que a A exerceria as suas funções sujeita às ordens e à direcção da R, esta tinha sempre a possibilidade de controlar, fiscalizar e dirigir a sua actividade.
E além disso, temos de concluir que exercia tais poderes quanto mais não fosse ao nível da indicação dos locais onde a A deveria prestar a sua actividade, da determinação dos períodos em que tal colaboração seria prestada e da definição dos tipos de elementos gímnicos que deveriam fazer parte do processo de aprendizagem das ginastas e que compunham os exercícios a incluir na sua exibição, estando por isso a actividade da trabalhadora limitada em consequência da organização do trabalho que era da competência do empregador.
Contrapõe ainda a recorrente que não estando a A sujeita ao regime de faltas não tinha que as justificar, pelo que não estando sujeita ao controlo da assiduidade e dada a natureza infungível da prestação laboral, afasta o carácter intuitu personae próprio do contrato de trabalho, e revela a ausência do poder de direcção e de disciplina do empregador que andam associados àquele dever, citando em abono da sua pretensão o acórdão deste Tribunal de 22/09/201 I - proc. n° 192/07.8TTLSB.Ll.S I in ITIJ/net.
No entanto, este argumento também improcede, pois a subordinação jurídica comporta graus e cambiantes diversas. De qualquer maneira, tendo sido convencionado que as funções da recorrida seriam exercidas com sujeição às ordens e à direcção da R, esta tinha sempre a possibilidade de controlar, fiscalizar e dirigir a sua actividade, como já dissemos.
Por outro lado, e quanto ao carácter infungível da sua actividade, não ficou provado que esta se pudesse substituir no desempenho das suas funções, o que afasta desde logo a aplicação da doutrina do mencionado acórdão, dado que se apurou que no caso nele tratado o pretenso "trabalhador" se podia fazer substituir.
4---
Pelo exposto, improcedem as conclusões da recorrente
Termos em que se acorda em:
A). Julgar improcedente a questão prévia da rejeição da revista suscitada pela recorrida.
B). Negar a revista com a consequente confirmação do acórdão recorrido.
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S.- R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
As custas da revista ficam a cargo da recorrida.
A Autora pagará custas do incidente suscitado na contra- alegação, com taxa de justiça que se fixa no mínimo.
Anexa-se o sumário do acórdão nos tennos do artigo 713°, n° 7 do CPC.
Leones Dantas
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S. R.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Contrato de trabalho
Documento escrito
I- Estando em causa a qualificação duma relação jurídica estabelecida entre as partes e que vigorou desde Janeiro de 2000 a Dezembro de 2007, e não se extraindo da factualidade apurada que as partes tivessem alterado o modo de execução do contrato a partir de 01-12-2003, tal qualificação tem de ser efectuada à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto- Lei n° 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
II- É de qualificar o contrato celebrado entre as partes como contrato de trabalho se desde logo elas assim o denominaram no documento escrito que assinaram, sendo clausulado ainda que a trabalhadora exerceria as suas funções de professora de dança do grupo de trabalho de ginástica rítmica sujeita às ordens e direcção da R.
Processo 4852/08.8TTLSB.LI.Sl-4' secção
Data do acórdão - 26 de Abril de 2012
Gonçalves Rocha
Sampaio Gomes
Leones Dantas
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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1
RECURSO DE APELAÇÃO N.° 3814/05.1TTLSB.L1 (4.ª Secção) Apelante: T… M… A… C… C… Apelada: COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (Processo n.º ….. – Tribunal do Trabalho de Lisboa ………) ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE
LISBOA: I – RELATÓRIO 1) T…; 2) M…; 3) A…; 4) C…; 5) C…, Vieram instaurar, em 23/09/2005, a presente ação declarativa de
condenação com processo comum laboral, com pedido de citação urgente, nos termos do artigo 478.º do Código de Processo Civil (que foi indeferido por despacho de fls. 197, proferido em 05/09/2003) contra COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., pedindo, em síntese, o seguinte:
a) Declare que entre cada um dos Autores e a Ré vigorou um contrato de trabalho; b) Declare ilícito o despedimento dos autores pela Ré e consequentemente as condene a
reintegrá-los, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou, caso venham a optar nesse sentido, a pagar a cada um dos Autores uma indemnização em substituição da reintegração;
c) Condene a Ré a efetuar os competentes descontos e reconstituir as carreiras contributivas dos Autores;
d) Declare que os Autores auferem as seguintes remunerações base: i. 1.º Autor: € 3.612,36 ii. 2.º Autor: € 2.839,77 iii. 3.º Autor: € 2.614,17 iv. 4.º Autor: € 1.401,00 v. 5.º Autor: € 2.000,00 e) Declare que os Autores têm direito a receber as seguintes quantias mensais: i. € 264,00, a título de subsídio de refeição; ii. € 380,00 a título de “quilómetros”; iii. Quantia a liquidar, a título de “pagamento de portagens”; f) Condene a Ré a pagar aos Autores, a título de férias, subsídio de férias, e subsídio de
Natal vencidos até à propositura da ação: i. 1.º Autor: € 235.243,44 ii. 2.º Autor: € 139.767,03 iii. 3.º Autor: € 120.894,12 iv. 4.º Autor: € 64.350,30 v. 5.º Autor: € 123.480,00 g) Condene a Ré a pagar a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantias não
inferiores às seguintes: i. 1.º Autor: € 30.000,00 ii. 2.º Autor: € 60.000,00 iii. 3.º Autor: € 30.000,00
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
2
iv. 4.º Autor: € 30.000,00 v. 5.º Autor: € 45.000,00 h) Condene a Ré a pagar aos Autores juros de mora sobre todas as quantias peticionadas.1
* Alegam os Autores para tanto que trabalharam como peritos avaliadores
para a Ré, e que sempre exerceram funções sob as ordens, direção e autoridade da mesma, pelo que entre cada um deles e a Ré sempre vigorou um contrato de trabalho.
Mais sustentam que nunca gozaram férias pagas, nem receberam qualquer quantia a título de retribuição de férias, subsídio de férias, ou subsídio de Natal, e que a Ré nunca efetuou descontos para a Segurança Social, e que os despediu, facto que lhes causou stress, desmotivação e profunda tristeza, bem como no caso do 1.º Autor, paralisia periférica do nervo facial esquerdo, e no caso do 5.º Autor uma profunda depressão.
* Designada data para audiência de partes, que se realizou, nos termos do
artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho, com a presença das partes (fls. 20 a 222), tendo a Ré sido citada pessoalmente para o efeito, a fls. 208 e 209, através de carta registada com Aviso de Receção - não foi possível a conciliação entre as mesmas.
A Ré veio, a fls. 228 a 599, contestar a presente ação, sustentando em síntese que entre si e cada um dos Autores nunca vigorou qualquer contrato de trabalho, mas antes um contrato de prestação de serviços, e que denunciou os respetivos contratos porque os Autores se recusaram a outorgar contratos escritos de prestação de serviços.
Mais invocou a exceção dilatória de coligação ilegal, bem como, no tocante aos 4.º e 5.º Autores, a exceção peremptória de remissão abdicativa.
Finalmente deduziu reconvenção, sustentando que os Autores sempre auferiram honorários superiores à retribuição que sempre pagou aos peritos que integram o seu quadro de trabalhadores dependentes, pelo que caso o Tribunal considere que os respetivos contratos são de qualificar como contratos de trabalho, os Autores terão que ser reintegrados nos termos em vigor na Ré, sujeitos às tabelas salariais em vigor na Ré para os peritos do quadro, e restituir (com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa) a diferença entre o que receberam e aquilo que teriam recebido se tivessem sido integrados no mesmo quadro, desde a data em que se iniciou a vigência dos respetivos contratos.
* Os Autores, a fls. 602 a 612, apresentaram articulado de resposta,
invocando a exceção de prescrição do pedido reconvencional, e pugnando pela improcedência das exceções e da reconvenção.
* A Ré respondeu à exceção de prescrição do pedido reconvencional nos
moldes constantes de fls. 616 a 625. *
1 Muito embora este seja o pedido formal e final formulado pelos Autores importa, contudo,
conjugá-lo e integrá-lo com o que anteriormente é igualmente reclamado pelos demandantes e que iremos apreciar, paulatinamente, ao longo deste Aresto.
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
3
No despacho saneador de fls. 641 a 645, depois de dispensada a realização de Audiência Preliminar, o tribunal considerou verificada a exceção dilatória de coligação ilegal, tendo convidado os Autores a indicar qual deles deveria prosseguir na presente causa.
Tal decisão foi objeto de recurso de agravo, que, tendo subido a este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, foi julgado procedente, vindo então a ser interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que aí não foi admitido (fls. 837 a 841 e 861 a 868) e depois para o Tribunal Constitucional, onde foi decidido não conhecer do objeto do recurso (fls. 909 a 911 e 929 a 935) - cf. fls. 648 a 950 dos autos.
Este processo, na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, prosseguiu os seus normais termos quanto a todos os Autores.
No despacho saneador de fls. 951 e 952, foi (implicitamente) relegada para a sentença final a apreciação das exceções perentórias, e dispensada a seleção da factualidade assente e controvertida, sendo desde logo admitidos os requerimentos de prova das partes de fls. 53 e 339 e designado dia para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls. 1181 e 1182, 1184 e 1185, 1187 a 1189, 1201 a 1203, 1214 e 1215, 1217 a 1219, 1225 a 1231, 1233 e 1234 e 1236 e 1237), não tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio.
A matéria de facto controvertida foi objeto da Decisão constante de fls. 1353 a 1366, que foi alvo de reclamação por parte da Ré (fls. 1372 a 1375), que foi indeferida por despacho de fls. 1384 e 1385.
* Posteriormente vieram os Autores declarar que em caso de procedência da
ação optam pela reintegração (fls. 1391). *
Foi então proferida a fls. 1394 a 1420 (e com retificação a fls. 1421) e com data de 22/07/2011, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Por todo o exposto, vistos os factos provados à luz das disposições legais aplicáveis, decide este Tribunal:
a) Julgar a presente ação totalmente improcedente, e, em consequência, absolver a Ré de todos os pedidos;
b) Julgar a instância reconvencional extinta, por impossibilidade superveniente da lide, visto que a reconvenção apenas foi deduzida no caso de a ação proceder.
Custas da ação e da reconvenção pelos Autores, considerando-se que tal obrigação é conjunta, e que cada Autor responde pelo pagamento de 1/5 das custas que vierem a ser apuradas.
Notifique e registe.” *
Os Autores, inconformados com tal sentença, vieram, a fls. 1431 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 1512 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
* Os Apelantes apresentaram, a fls. 1452 e seguintes, alegações de recurso e
formularam as seguintes conclusões:
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
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“1.º - Os Recorrentes não podem aceitar a justiça da decisão do tribunal a quo, quer tendo presente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, quer ainda face ao direito constituído, estando firmemente convictos que a mesma radica numa errada interpretação do direito, maxime do art.º 1.º da LCT.
2.º - Refere o tribunal a quo que a factualidade apurada não é de molde a concluir pela existência de contratos de trabalho subordinado; no entanto, fez um raciocínio a contrario sensu, não dando relevância a factos e indícios que claramente revelam a existência de um contrato de trabalho; e
3.º - O facto de a retribuição ser variável, de não haver retribuição de férias e demais subsídios e a emissão de recibos verdes trata-se de indícios com cariz meramente formal; estes factos afiguram-se nada decisivos em face da divergência que está na origem do presente litígio.
4.º - Considera-se ainda que não foram devidamente valorados todos os factos que foram igualmente dados como provados.
5.º - Como ficou demonstrado os Autores trabalhavam com os instrumentos de trabalho que lhe eram fornecidos pela Ré e que esta alterava a seu bel-prazer, estavam plenamente inseridos na estrutura desta, tanto mais que até iam a tribunal na qualidade de peritos da Ré, não tendo qualquer autonomia e nem sequer tendo hipótese de escolha quanto à forma como era exercida a sua atividade, não podendo selecionar peritagens ou escolher as que faziam, limitando-se a preencher dados num sistema informático, obrigatoriamente imposto pela mesma Ré e sendo dela dependentes, inclusive economicamente.
6.º - A demonstração clara e inequívoca de que a Ré conformava de facto a prestação dos Autores é que esta se permitiu ao longo dos anos alterar as condições de forma unilateral, designadamente quanto ao que era remunerado e à forma como a atividade era prestada.
7.º - A Ré determinava a exata prestação dos aqui Autores, não podendo deixar de se salientar o extremo grau com que o fazia, afastando-se de uma forma evidente das meras instruções de organização e consubstanciando uma clara conformação da sua prestação, o que é reforçado pela existência de instruções de serviço e normas de procedimento constantes dos presentes autos (cfr. Docs. 63 a 70 juntos com a p.i.);
8.º - A Ré sempre teve o poder de determinar os locais e momentos em que as peritagens a realizar pelos trabalhadores peritos deviam ser realizadas, não tendo os Autores qualquer participação e/ou autonomia no que concerne à escolha do dia da execução das mesmas; o que reforça, eloquentemente, a sujeição a poder diretivo da Ré.
9.º - A aplicação do Direito aos factos padece de erro na apreciação e valoração da prova, violando, designadamente, o disposto no artigo 1.º do Decreto-lei 49.408 de 24/11/1969.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, substituindo-se a decisão por outra que declare a natureza do vinculo constituído como laboral, com todas as consequenciais daí advenientes, designadamente com a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por despedimento ilícito, nos salários e demais direitos intercalares e ainda no pagamento dos competentes subsídios de férias e de Natal durante o vínculo constituído, com o que se fará a ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
* A Ré apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da
respectiva notificação, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 1473 e seguintes):
“1. Decidiu bem a douta sentença recorrida, que por isso deverá ser mantida; 2. Da matéria de facto dada como provada resulta que entre os Autores e a Ré não existiu
qualquer vínculo laboral; 3. Não existiu assim entre cada um dos Autores e a Ré, um contrato de trabalho, antes
ocorreu uma prestação de serviços, 4. O pagamento era “à peça”, por cada peritagem feita, com a emissão por parte dos Autores
de recibos verdes ou de empresário; 5. Não ficou provado a existência de qualquer controlo de faltas; 6. Não ficou provado que os Autores tivessem que justificava qualquer “falta”; 7. Os Autores não tinham horários de trabalho; 8. Os Autores nunca receberam quantias referentes a férias, subsídio de férias nem subsídio
de Natal; 9. Os Autores utilizavam viaturas próprias e pagavam todas as despesas com as mesmas
viaturas;
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
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10. Não receberem subsídio de refeição; 11. Não recebiam uma remuneração fixa mensal, porquanto dependia do número de
peritagens feitas, ao contrário dos peritos “do quadro” que recebiam mensalmente uma remuneração mensal fixa, de acordo com a tabela salarial aplicável ao Sector Segurador, e pelo nível X, (muito inferior àquela que em média os Autores foram recebendo);
12. Sem que tenha ficado provado que os autores tivessem direito a uma remuneração mensal mínima (pois o que ficou provado foi o contrário, isto é, recebendo à peça, se não realizassem peritagens, nada recebiam);
13. Sem que tivesse ficado provado que em algum momento os Autores tivessem reclamado da Ré, quaisquer pagamentos a título de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, subsídios de refeição ou diuturnidades, sendo que a comunicação das indisponibilidades era importante para a Ré, por causa da distribuição de peritagens.
14. Não existiu assim vínculo laboral; 15. Deverá assim a douta sentença recorrida ser mantida; Contudo, 16. A Ré – precavendo a hipótese de o Tribunal ad quem vir a decidir que existiu um vínculo
laboral entre as partes (nunca concedendo) – requer, nesse caso, a ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Recorrida (art.º 684.º-A do CPC)
17. O meritíssimo Juiz a quo entendeu julgar a instância reconvencional extinta, por impossibilidade superveniente da lide visto que a reconvenção apenas tinha sido deduzida no caso de a ação proceder (o que não aconteceu por o Tribunal ter decidido, e bem, que entre os Autores e a Ré não se tinha verificado um vínculo laboral).
18. Ora, no caso de o tribunal entender – o que só por mera hipótese se admite – que entre os autores e a Ré existiu um contrato de trabalho, então, nesse caso, deverá o Tribunal da Relação conhecer do pedido reconvencional (o que se requer no âmbito da ampliação do objeto do recurso) julgando-o procedente.
19. De facto, os Autores na presente ação invocam que entre cada um deles e a Ré existiu um contrato de trabalho, o que a Ré repudiou veementemente e que o Tribunal entendeu não ter existido.
20. Contudo, se os autores estivessem estado ligados à Ré por vínculo laboral, então, os pagamentos que teriam recebido da Ré seriam exatamente as remunerações salariais e portanto seriam os montantes que a Ré efetivamente pagou aos peritos que a ela estavam ligados por contrato de trabalho, acrescidos naturalmente das despesas de quilómetros (que também pagava aos trabalhadores) (cfr., designadamente Pontos 140 e 176 dos factos provados e conteúdo do Doc. 126 junto com a contestação).
21. Tal evidência resulta não só de tudo quanto acima se deixou dito, como resulta também do Princípio da Igualdade, que impõe que – então – os ora Autores nunca poderiam ter auferido mais do que auferiram os peritos trabalhadores em igualdade de situação – a que os autores pretendem arrogar-se - e que receberam, ao longo de todos estes anos, quantias inferiores àquelas que os Autores auferiram (designadamente às quantias que os Autores invocam na parte final da p.i., como tendo sido a sua “remuneração média mensal”).
22. Pelo que, a ser julgado que existiu um contrato de trabalho com cada um dos Autores – o que se repudia - então o auferimento pelos Autores, durante todos os anos em que prestaram serviços à Ré, de quantias muito superiores àquelas que receberiam se o seu vínculo fosse laboral, e portanto às quantias que efetivamente receberam os peritos com contrato de trabalho, consubstancia um enriquecimento sem causa e por isso ilegítimo, à custa da Ré, que sempre efetuou os pagamentos aos peritos tarefeiros ou prestadores de serviço (como eram os Autores), no pressuposto de que os mesmos tinham apenas um contrato de prestação de serviços.
23. Assim, cada um dos 5 Autores na presente ação invoca que entre cada um deles e a Ré existiu um contrato de trabalho, o que a Ré repudiou veementemente.
24. Se os Autores – nunca concedendo – tivessem um contrato de trabalho com a Ré, teriam sido classificados como peritos e teriam ganho pelo nível X, da tabela salarial aplicável pela Ré, em cada ano. (cfr. designadamente Pontos 140 e 157 dos factos provados e conteúdo do doc. 126 junto com a contestação)
25. Todos os pagamentos que a Ré (quer por si ou quer por meio da então Companhia de Seguros Império, da Companhia B…, A…, ou de qualquer sociedade do Grupo) efetuou aos autores desde a data em que cada um deles começou a prestar serviços, foram feitos na convicção – pelo menos por parte da Ré (e das referidas sociedades) – de que os autores eram prestadores de serviços, pagamentos esses – como acima se explicou – que a Ré (ou Grupo) não teria feito se os autores estivessem a si ligados por um vínculo laboral, porquanto nesta situação, ou seja, se os
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
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autores estivessem estado ligados à Ré por vínculo laboral, então, os pagamentos que teriam recebido da Ré seriam exatamente os remunerações que resultariam da aplicação da tabela salarial – nível X - aplicável em cada ano no sector dos seguros, e portanto seriam os montantes que a Ré efetivamente pagou aos peritos que a ela estavam ligados por contrato de trabalho.
26. Tal, resulta não só de tudo quanto acima se deixou dito, como resulta também do Princípio da igualdade, que impõe que – então – os ora autores nunca poderiam ter auferido mais do que auferiram os peritos trabalhadores em igualdade de situação – a que os autores pretendem arrogar-se - e que receberam, ao longo de todos estes anos, as quantias previstas na tabela salarial, nível X, decorrentes da aplicação da Contratação Coletiva aplicável ao Sector dos Seguros e que a Ré sempre cumpriu e a que esteve sujeita Doc. 126 junto com a contestação).
27. A ser julgado que existiram 5 contratos de trabalho – o que se repudia - então o auferimento pelos autores, durante todos os anos em que prestaram serviço à Ré, de quantias muito superiores àquelas que receberiam se o seu vínculo fosse laboral, e portanto às quantias que efetivamente receberam os peritos com contrato de trabalho, consubstancia um enriquecimento sem causa e por isso ilegítimo, à custa da Ré, que sempre efetuou os pagamentos aos peritos tarefeiros, no pressuposto de que os mesmos tinham apenas um contrato de prestação de serviços.
28. Na eventualidade de a presente ação ser julgada procedente – sem conceder – então, tal implicará que os autores terão que devolver à Ré, todas as quantias que receberam a mais, desta, que resultassem da diferença entre os montantes que em cada ano a Ré (e as outras empresas do Grupo) pagou a cada um deles (como honorários), e os montantes que a Ré em cada ano teria pago a cada um deles (como retribuição salarial) se os mesmos tivessem sido qualificados como peritos trabalhadores.
29. Pelo que, no caso de procedência da ação – nunca concedendo – e se por decisão judicial se julgar que existiu um “vínculo laboral”, entre a Ré e cada um dos Autores, então, neste caso, os Autores (durante os anos em prestaram serviço à Ré) receberam quantias muito superiores àquelas que deveriam ter recebido e a que teriam tido direito, porquanto apenas teriam direito a receber, em cada ano, as quantias que resultassem da aplicação da Tabela salarial, nível X, no âmbito do sector dos seguros, pelo que, então, cada um dos Autores terá que repor e pagar à Ré, as quantias que em cada mês ou ano receberam a mais, quantias essas que aqui se peticionam em sede de reconvenção (conforme alegado e peticionado nos art.ºs 378.º a 400.º da contestação).
30. O 1.º Autor (…) – 84.827,83 € 31. O 2.º Autor (…) – 63.321,12 € 32. O 3.º Autor (…) – 67.810,01 € 33. O 4.º Autor (…) – 69.649,69 € 34. O 5.º Autor (…) – 139.800,45 € 35. Quantias aquelas cuja soma se calcula em 425.409,10 €. 36. A Ré, até ao presente momento, não conseguiu recolher informação, referente aos
seguintes montantes que foram pagos: - Ao 1.º Autor, entre 1988 e 1999; - Ao 2.º Autor, entre 1993 e 1999; - Ao 3.º Autor, entre 1994 e 1999; - Ao 4.º Autor, em 1996. 37. Por essa razão, deverão também ser apurados os montantes pagos ao 1.º, 2.º, 3.º e 4.º
Autores, naqueles períodos em que não foi ainda possível obter informação, a apurar se necessário em sede de liquidação de sentença, de forma que tais montantes sejam apurados, peticionando-se também, quantos aos mesmos autores, a diferença que resultar entre as quantias pagas a cada um deles nos referidos períodos e as quantias que os mesmos deveriam ter auferido nos mesmos períodos, pelo nível X da Tabela salarial, conforme acima se expôs.
38. Assim, requer-se a ampliação do âmbito do objeto do recurso, de harmonia com o disposto no art.º 684º-A do Código do Processo civil, de forma que – caso se venha a decidir (não concedendo) que os Autores estiveram vinculados à Ré por contrato de trabalho – então que, nessa hipótese se conheça do pedido reconvencional formulado pela Ré contra os Autores, nos art.ºs 378.º a 399.º da contestação.
39. Como da matéria de facto dada como provada pelo Meritíssimo Juiz a quo, apenas constam os Pontos 140. e 157., remetendo este Ponto, para o conteúdo do documento n.º 126 junto com a contestação (que é a tabela salarial aplicável ao Sector Segurador (no qual se insere a Ré), e no qual constam as remunerações base, pagas aos trabalhadores do quadro, nível X, valores que em cada ano, consubstanciam a retribuição mensal daquele nível X., requer-se também, a ampliação do âmbito do objeto do recurso, de harmonia com o disposto no art.º 684.º-A do Código
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do Processo Civil, impugnando-se a matéria de facto, por insuficiência, devendo assim da mesma matéria, constarem os valores que durante os anos decorridos foram pagos aos Autores, bem como os valores da tabela salarial (Doc. 126 junto com a contestação – Cfr. Ponto 157 da matéria de facto provada) valores esses invocados nos art.ºs 385.º, 386.º, 387.º, 388.º, 389.º, 393.º, 394.º, 395.º, 396.º, 397.º e 398.º, cuja matéria (que acima se transcreveu) deverá ser inserida na matéria de facto dada como provada, uma vez que os valores descritos naqueles artigos da contestação NÃO FORAM IMPUGNADOS PELOS AUTORES NOS ART.ºS 36.º A 43.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO, ou,
40. Se assim não se entender, deverá então o processo baixar à primeira Instância de forma a que tais valores sejam apurados e comprovados, de forma a que seja possível conhecer do pedido reconvencional.
41. Requer-se também a ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Recorrida (art.º 684º-A do CPC) relativamente à matéria de facto alegada nos art.ºs 236.º a 278.º da contestação (constante dos Documentos nº 6 a 8 e 9 a 11).
42. O Meritíssimo Juízo a quo – salvo o devido respeito – deveria ter levado à matéria de facto provado (que por isso aqui se impugna por insuficiência) a matéria expressamente alegada nos art.ºs 236.º a 278.º da contestação, que consta dos Documentos nºs 6 a 8 e 9 a 11 juntos com a contestação, documentos esses que não foram impugnados pelos Autores.
43. Daqueles documentos decorre o alegado nos art.ºs 236.º a 276.º da contestação, que contém matéria que deverá assim ser introduzida no âmbito da matéria de facto provada, por ter interesse para a discussão dos presentes autos.
44. Por tudo o acima exposto e da matéria dada como provada resulta que entre os cinco autores e a Ré jamais existiu um contrato de trabalho.
45. Decidiu bem a douta sentença recorrida que por isso deverá ser mantida. Termos em que e nos demais de direitos deverá ser negado provimento ao recurso interposto
pelos Autores e Recorrentes devendo absolver-se a Recorrida de todos os pedidos, sendo que, na hipótese de o recurso ser procedente, então deverá proceder-se à ampliação do objeto do mesmo, conhecendo-se do pedido reconvencional e condenando os Autores nos termos descritos nas presentes alegações e conclusões, assim se fazendo JUSTIÇA”
* O relator do presente recurso, no despacho liminar de apreciação da
tempestividade e legalidade do mesmo, convidou as partes a se pronunciar sobre a competência absoluta do tribunal do trabalho para conhecer do pedido de pagamento das contribuições à Segurança Social, por ser a única questão nova que, em caso de procedência do recurso dos Autores, se poderia suscitar, não havendo necessidade de cumprir o número 3 do artigo 715.º do Código de Processo Civil relativamente às demais questões suscitadas nos autos por Autores e Ré terem tido oportunidade de sobre elas alegarem o que tivessem por conveniente ao longo dos autos e em sede de 1.ª instância.
* O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da
improcedência da Apelação (fls. 1519 a 1521), não tendo as partes se pronunciado sobre o mesmo dentro do prazo legal, apesar de notificadas para o efeito, à imagem do que aconteceu também com a questão suscitada pelo relator do presente recurso.
* A Ré veio comunicar aos autos a mudança da sua denominação social.
* Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir. II – OS FACTOS Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª
instância:
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1 - O 1.º Autor iniciou a sua atividade na então "C.ª DE SEGUROS (…)", em
Maio de 1988; 2 - … Para exercer as funções de Perito Avaliador do ramo automóvel; 3 - Posteriormente o 1.º Autor teve formação durante alguns dias; 4 - Após esse período, o 1.º Autor iniciou as funções de Perito Avaliador; 5 - Sendo-lhe cometidas tarefas como averiguações, definição de
responsabilidades, deslocações aos locais dos acidentes, reconstituições e idas a Tribunal;
6 - Como contrapartida o 1.º Autor passou a receber um valor que à data era de 750$00 por cada serviço, 28$00 por km e 800$00 a título eufemístico de Refeições, tudo, aliás, de acordo com contrato coletivo de trabalho;
7 - Ao que acresciam ainda o pagamento de portagens, sem qualquer plafond mensal e o valor de 5 serviços (ou seja, 750$00X5=3.750$00) por Julgamento e por Reconstituições;
8 - A questão da passagem do 1.º Autor para os quadros da Ré foi por diversas vezes colocada a nível superior;
9 - Ao 1.º Autor foi atestado um documento pela Direção e Administração, atribuindo-lhe um plafond de 750.000$00 (setecentos e cinquenta mil escudos) para que o mesmo procedesse a pagamentos em nome e por conta desta (Doc. 1), e foi-lhe autorizada a entrada na Companhia das 8.00 horas às 20.00 horas (Doc.2);
10 - E, logo que o 1.º Autor iniciou as funções para as quais foi contratado, começou a exercer as mesmas em diversas áreas geográficas, de Norte a Sul do País;
11 - Em 1993 foram criadas pela Companhia, zonas geográficas (ZOL e ZORL), para uma das quais o 1.º Autor foi convidado pelas Chefias: Sr. AM, Chefe de Peritos e Sr. Eng.º …, Coordenador de Peritos;
12 - A partir de 1993, passou a desempenhar as funções de Perito da zona do Concelho de Loures, zona que abrangia Odivelas; Canecas; Bucelas; Casal de Cambra e parte da Pontinha;
13 - Tendo-lhe sido entregue pelo Sr. …, Gerente da dependência de Loures, uma chave para entrar nas instalações;
14 - E distribuída uma secretária; 15 - Sendo que igualmente, recebia e enviava via fax todo o serviço; 16 - E inclusivamente atendia ao balcão; 17 - Durante alguns anos, o 1.º Autor desenvolveu na supramencionada
zona o serviço de peritagens, averiguações, e reconstituições, sendo então chefe o Sr. …, e quando este se encontrava de Férias, o Sr. … ou Sr. …;
18 - Posteriormente, ocorreram alterações nas zonas, que passaram a ser atribuídas unilateralmente de forma rotativa, tendo o Autor ficado as zonas de Lisboa, Moscavide, S. João da Talha, Sta. Iria da Azóia, Camarate, Loures, Odivelas, Bucelas, Alverca, V. Franca de Xira; Carregado; Alenquer; Alcoentre; Aveiras de Cima; Porto Alto; Arruda dos Vinhos e Azambuja;
19 - E por indicação da Ré deslocava-se a Lisboa, para reuniões de médias, com a presença das Direção e das Chefias (Docs. 6 a 14);
20 - Em finais de 1992, com a entrada do novo Diretor de Serviços Sr. Dr. …, foi-lhe imposto trabalhar para a Companhia em exclusividade;
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21 - Posteriormente, a Ré resolveu de forma unilateral e sem consentimento do 1.º Autor, retirar-lhe o pagamento dos kms, refeições, portagens e de 5 serviços por julgamento ou reconstituição;
22 - Em 1998/1999 o BCP comprou a B… e formou uma Companhia denominada de …, a qual começou a gerir as Companhias do Grupo …;
23 - Tendo mais tarde, em 1999/2000, comprado a companhia de seguros …;
24 - Não obstante todas estas transmissões ou fusões, o 1.º Autor continuou a trabalhar nos mesmos moldes sem nunca ter assinado nenhum contrato;
25 - Por insistência do 1.º Autor para a regularização da sua situação, o mesmo passou a ouvir do Sr. Eng.º … que, se estivesse mal, se mudasse;
26 - Foram, entretanto, criadas oficinas recomendadas, nas quais o Autor começou por receber o mesmo valor por peritagem;
27 - Porém, quando a direção resolveu iniciar o sistema de Tele-peritagem reduziu em 20% o valor de cada peritagem;
28 - O 1.º Autor mesmo que não tivesse serviço num qualquer dia, não se podia deslocar da Zona a que estava afeto;
29 - Desde logo pelo facto de ter as oficinas recomendadas a seu cargo, e que a todo o momento poderiam exigir a sua presença (Doc. 15 a 17);
30 - Posteriormente, a Ré fechou várias dependências e criou um sistema de trabalho, por computador, de forma a que os mesmos pudessem enviar o serviço através do Telemóvel;
31 - Telemóvel esse fornecido e pago pela mesma Ré; 32 - Então os Autores e nomeadamente o 1.º Autor passaram a efetuar o
recebimento e envio do trabalho através de telefone particular; 33 - Tais chamadas nunca foram pagas pela Ré; 34 - Em Dezembro de 2001, foi entregue ao 1.º Autor, pelo Sr. …, Chefe de
Peritos, um contrato de prestação de serviços, para que o mesmo assinasse tal como lhe era apresentado;
35 - Ao que o 1.º Autor se negou; 36 - A Ré voltou a apresentar-lhe um novo contrato de prestação de serviços
volvido um ano, tendo o Autor recusado novamente assiná-lo; 37 - Foi então feita uma reunião com os peritos, presidida pelo Eng.º … e o
pelo Eng.º … no sentido de todos os Autores assinarem o contrato, o qual nenhum assinou;
38 - Em 2003 foi pedido aos Autores que fossem para Saragoça - Espanha para tirar vários cursos de formação com a duração de 15 dias;
39 - Não lhes tendo sido paga qualquer remuneração que não a mera estadia, o almoço e uma verba diária 30 euros;
40 - Repetindo-se o mesmo em 2004, tendo os Autores voltado a Saragoça para outras formações, deixando de auferir os valores das peritagens;
41 - Sendo que todos os Autores, e em específico o 1.º Autor, fizeram vários cursos de formação a mando da Ré;
42 - Em Julho de 2004, o 1.º Autor foi chamado ao Administrador da companhia de seguros …, Dr. …, a fim de assinar o contrato de "prestador de serviços";
43 - Sendo então advertido de que, caso não assinasse, a partir de 30/09/2004 a Companhia deixava de lhe dar serviço;
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44 - O que efetivamente se veio a confirmar passados uns dias, tendo-lhe sido enviada carta registada, carta essa assinada pelo Administrador Sr. Dr. … e pelo Diretor Coordenador Sr. Dr. …, e na qual a Ré refere "ter cessado a sua prestação de serviços";
45 - Teor do documento de fls. 97, que se dá por reproduzido; 46 - A Ré jamais efetuou quaisquer descontos para a Caixa de Previdência,
bem como nunca fez qualquer tipo de Seguro de Acidentes de Trabalho ao 1.º Autor ou a qualquer dos Autores;
47 - A … passou a funcionar no TAGUS PARK, sendo entregue ao 1.º Autor, pelo Sr. Eng.º … um cartão magnético do B.P.A. (Chave) para que o mesmo pudesse entrar e sair da Companhia;
48 - Nomeadamente para proceder à entrega de serviço que não poderia ser enviado informaticamente;
49 - E também para que pudesse proceder ao abastecimento de papel e tinteiros para a impressora, uma vez que todos os materiais com que o 1.º Autor trabalhava, e os outros Autores, foram sempre disponibilizados pela Ré;
50 - Tendo trabalhado na sede da Companhia de Seguros …, na Av. … durante cerca de quatro anos e efetuando peritagens em diversas zonas do País (Lisboa, Loures, Sintra, Carcavelos, Cascais, Oeiras, Mafra, Malveira, Ericeira, Torres Vedras, Peniche, Caldas da Rainha, Alcoentre, Leiria, Pombal, Vila Nova de Ourem, Fátima, Abrantes, Tomar, Ponte Sor, Portalegre, Elvas, Almada, Barreiro, Montijo, Seixal, Cova da Piedade e Setúbal);
51 - Durante esses anos o 1.º Autor foi destacado durante 15 dias para Faro e Portimão para substituir os colegas que se encontravam de férias;
52 - Tendo sido igualmente destacado, por diversas vezes, para Almada e Setúbal;
53 - O 2.º Autor iniciou a sua atividade na então Companhia de Seguros … em Maio de 1993;
54 - Para exercer funções de Perito Avaliador do Ramo Automóvel; 54-A - O 2.º Autor efetuou também um período de experiência; 55 - Após esse período de formação, o 2.º Autor ficou a trabalhar na zona de
Lisboa, durante cerca de cinco anos; 56 - Deslocando-se diariamente à Companhia, que, na altura, se encontrava
sediada na Rua José Malhoa, em Lisboa; 57 - Sendo que nessas mesmas instalações os peritos tinham gabinete
próprio e equipamento fornecido pela Ré; 58 - Recebendo e entregando serviços nas supracitadas instalações,
recebendo indicações do Sr. AM, conferenciando com os gestores de sinistros e fazendo atendimento;
59 - Ao 2.º Autor foi atribuído um "plafond" de 750.000 escudos para pagamentos, sendo que a partir desse valor o mesmo teria que dar conhecimento ao superior hierárquico;
60 - Passando cheques em nome e por conta da Ré, aliás à semelhança do que acontecia com os outros Autores;
61 - Aquando do início da sua relação laboral, o 2.º Autor auferia um valor por cada serviço, portagens, subsídio de refeição, e uma quantia equivalente a cinco serviços por julgamento e reconstituições, e também um valor por quilómetro;
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62 - Em 1998, foi transferido para a zona de trabalho de Vila Franca de Xira, Alenquer, Alverca, Alcoentre, Porto Alto e Montijo, zona chefiada pelo Sr. H L durante cinco anos, passando depois a chefia para o Sr. LN, sempre recebendo diretrizes e orientações de todos eles;
63 - Após o que foi novamente transferido para outras zonas, a saber, Odivelas, Loures, Sacavém, Alverca, Alenquer, Alcoentre e Porto Alto;
64 - Quando a COMPANHIA DE SEGUROS … foi adquirida pelo …, foi criado um sistema de trabalho por computador para que os peritos pudessem receber e enviar os serviços através da ligação por telefone, à semelhança do já alegado em relação ao 1.º Autor;
65 - Fornecendo a companhia todo o equipamento informático necessário e a formação, incluindo a AUDATEX PERITAGENS (Doc. 35 a 37);
66 - Nessa altura a Ré começou a efetuar os pagamentos dos serviços do 2.º Autor e dos restantes Autores através de carta cheque, enviada para as suas residências, e que referia na sua parte final "por favor não nos envie recibo nem acuse a receção desta correspondência";
67 - Em Dezembro de 2001 foi-lhe entregue um contrato de prestação de serviços, pelo chefe …, para que este o assinasse;
68 - O qual não assinou qualquer contrato; 69 - Volvido cerca de um ano, foi-lhe novamente apresentado, desta feita
pelo Sr. Eng.º …, o mesmo contrato - aliás à semelhança do que aconteceu com os outros Autores - tendo o 2.º Autor voltado a recusar assinar o mesmo;
70 - Pelo que, posteriormente, o mesmo foi chamando para uma reunião com todos os peritos, incluindo os aqui Autores, o Diretor … e Eng.º …, tentando que os mesmos assinassem os contratos de "prestação de serviços" que lhe eram apresentados;
71 - O que estes rejeitaram; 72 - Alguns meses depois, foi criado pela companhia um prémio de incentivo
para os peritos que tivessem a média de custos por serviços mais baixa; 73 - Sendo que, numa primeira fase, os peritos receberam a dita
importância; 74 - Posteriormente, o Eng.º …, à semelhança do que ocorreu com os outros
Autores, colocou-lhe à frente uma carta cheque, correspondente ao valor do prémio que deveria auferir, e contrato de prestação de serviços, afirmando que apenas lhe pagaria o prémio em questão caso este assinasse de imediato o referido contrato;
75 - Pretensão a que o 2.º Autor não acedeu; 76 - Em 2003, foi pedido ao 2.º Autor, à semelhança dos outros Autores e
demais colegas, pelo Sr. …, para ir para Espanha nomeadamente para o centro Saragoça, durante 15 dias, para fazer vários cursos de formação;
77 - Tendo os Autores voltado a Saragoça no ano subsequente para novos cursos de formação de reparação de automóveis ligeiros, motociclos, veículos pesados, de peritagens e de outras reparações;
78 - Porém, durante o tempo que o 2.º Autor esteve em Espanha, a Ré apenas pagou 30 euros diários, deixando todos os Autores de auferir qualquer outro rendimento;
79 - Em Junho de 2004, o 2.º Autor foi chamado junto de um administrador, para assinar o contrato de "Prestação de Serviços", à semelhança do que sucedeu com os outros Autores, com o aviso de que se não assinasse o contrato, a
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companhia deixava de lhe dar serviços, logo a partir do dia 30 de Setembro de 2004;
80 - O que efetivamente veio a acontecer, tendo o 2.º Autor, passado alguns dias, recebido uma carta registada, assinada por o …, e pelo …, com vista à "Cessação do Contrato de prestação de serviços de peritagem", com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2004;
81- O 2.º Autor nunca, em todo o tempo em que esteve ao serviço da Ré recebeu qualquer montante a título de subsídio de férias, subsídio de Natal ou subsídio de doença, nem tão pouco teve seguro de acidentes de trabalho ou lhe foi paga a caixa de previdência;
82 - O 3.º Autor iniciou a sua atividade na então COMPANHIA DE SEGUROS … em Janeiro de 1994;
83 - Para exercer as funções de Perito Avaliador do ramo Automóvel; 84 - Seguindo-se um período inicial de formação; 85 - Após esse período, o 3.º Autor iniciou funções de Perito Avaliador; 86 - Recebendo como contrapartida da prestação a que se obrigou um valor
por cada serviço, por km e ainda uma quantia a título eufemismo de "refeições"; 87 - Ao que acrescia o pagamento de portagens, e o valor de 5 serviços, por
Julgamento ou Reconstituição; 88 - O 3.º Autor expôs por diversas vezes a situação da sua relação laboral
superiormente, no sentido de a mesma ser regularizada; 89 - Sempre obtendo da Ré, nomeadamente através do Dr. … e do Eng.º …, a
informação de que a sua situação estava a ser resolvida, e que o iria ser o mais breve possível;
90 - Ao 3.º Autor, à semelhança dos restantes Autores, foi atestado um documento pela Direção e pela Administração da sua companhia, com um plafond de setecentos e cinquenta mil escudos que o mesmo passava cheques por conta da e em nome da Ré;
91 - No início das suas funções como perito avaliador, o 3.º Autor estava afeto a diversas zonas, como Vila Franca, Alcoentre; Alenquer, Samora Correia, Azambuja, Aveiras e Margem Sul do Tejo;
92 - Sendo que era ainda indicado - mais uma vez à semelhança dos outros Autores - pela COMPANHIA SEGUROS B…, como testemunha em julgamentos, indicado na qualidade de seu perito;
93 - Para o exercício cabal das funções que lhe estavam cometidas este Autor utilizava as instalações e os meios da Companhia B… a qualquer hora do dia;
94 - Onde, aliás, recebia e enviava via fax, todo o serviço que lhe era entregue;
95 - Atendia via telefone vários segurados, terceiros e proprietários das diversas oficinas;
96 - E, recebia pessoalmente os mesmos; 97 - Posteriormente, ocorreram alterações nas zonas, que passaram a ser
atribuídas de forma rotativa, passando o 3.º Autor a trabalhar com os seguintes chefes: Eng.º …, …, …, … e …;
98 - Sendo que os mesmos (Dr. … e Eng.º …) pediram que o 3.º Autor trabalhasse para a Companhia em regime de exclusividade;
99 - Assim como retiraram também o pagamento dos km, das "eufemisticamente denominadas" refeições, das portagens e do valor de 5 serviços por Julgamento, à revelia do 3.º Autor;
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100 - Posteriormente foram criadas oficinas recomendadas, sendo o pagamento por serviço reduzido em 20%;
101 - Também ao 3.º Autor, na sequência do fecho de várias dependências, foi ordenado que o recebimento e envio de trabalho passassem a ser feitos através do seu telefone particular;
102 - Novamente com a promessa de que todas as chamadas lhe seriam pagas, o que nunca aconteceu;
103 - Em 2003 foi-lhe pedido pelo Sr. Eng.º … para ir para o estrangeiro, para o Centro Saragoça, nos precisos termos e condições dos anteriores Autores;
104 - Tendo assistido a várias formações em Lisboa, Mem Martins e Leiria, sempre por indicação da Ré ou das suas antecessoras;
105 - O 4.º Autor iniciou a sua atividade na então COMPANHIA DE SEGUROS … em Abril de 1996;
106 - Paralelamente ao sucedido com os outros Autores, o 4.º Autor foi sujeito a um período experimental;
107 - Porém, findo o referido período, o 4.º Autor celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços, em 01/06/1996;
108 - O seu desempenho na seguradora consistia em peritar veículos sinistrados, pelos quais a empresa lhe pagava conforme quantias constantes do contrato de prestação de serviços e do contrato coletivo de trabalho, nomeadamente um valor por peritagem concluída e devolvida, km, portagens, almoços e deslocações a tribunal;
109 - Por iniciativa da Ré foram distribuídos livros de cheques aos peritos, incluído ao 4.º Autor, que deveriam ser utilizados para a liquidação imediata aos reparadores, após a elaboração dos respetivos relatórios de peritagens;
110 - Passando o 4.º Autor, em nome da Ré ou das suas antecessoras, cheques que também funcionavam para liquidações imediatas, aos proprietários dos veículos sinistrados;
111 - Ao 4.º Autor era determinada a passagem diária pelas instalações da seguradora Império, para entregar os relatórios manuais de peritagem às respetivas chefias, sendo que apenas só após do aval dos mesmos, podia proceder à introdução informática do serviço diário;
112 - À semelhança dos seus colegas da companhia de seguros …, a sua presença era solicitada nas reuniões mensais com o diretor de sinistros, as chefias e os peritos de todo o País;
113 - Em Julho de 1998 a seguradora … formou o próprio gabinete de peritagens denominado …, SA, em conjunto com os peritos;
114 - Com a advertência da Ré de que os peritos deveriam proceder à aquisição de ações, no montante simbólico de 30.000$ (trinta mil escudos);
115 - Sendo necessário que todos os peritos, incluindo o 4.º Autor, frequentassem uma formação que os habilitasse a usar o novo referenciado programa e cujos custos foram totalmente suportados pela seguradora;
116 - No decorrer do mês Agosto de 2000, o 4.º Autor foi informado que iria ser deslocado para o TAGUS PARK, com a consequente mudança de todos os Administradores, secretária, diretores, chefias, peritos e motorista;
117 - Após a entrada nas novas instalações do TAGUS PARK e durante a primeira anuidade o 4.º Autor e os seus colegas voltaram a trabalhar em moldes já ultrapassados, com o regresso às peritagens elaboradas em relatórios manuais;
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118 - Com as necessárias deslocações diárias à empresa e introdução informática do serviço, sempre apenas após a confirmação das chefias;
119 - O 5.º Autor iniciou a sua atividade na então COMPANHIA DE SEGUROS …, em Maio de 1991, para exercer as funções de perito Avaliador;
120 - Tendo para tal recebido uma proposta de trabalho; 121 - No dia imediatamente seguinte à sua apresentação, o 5.º Autor iniciou
a sua formação; 122 - Período este onde se deslocou a várias oficinas, de Vila Franca de Xira,
onde foi apresentado como perito avaliador da Ré; 123 - Após a formação inicial, o 5.º Autor passou a exercer as funções de
perito avaliador; 124 - Algum tempo depois, foi solicitado ao 5.º Autor, por um funcionário da
Companhia de Seguros que lhe entregasse 4 fotografias, sendo uma delas para um cartão de identificação como Perito avaliador junto da companhia de seguros …;
125 - O mesmo se passando com os restantes colegas da seguradora …; 126 - Desempenhando o 5.º Autor, à semelhança dos outros Autores as
mesmas funções que os peritos dos quadros da Ré, ou suas antecessoras, tarefas em tudo igual à destes;
127 - Ao 5.º Autor eram distribuídos serviços, que este devia entregar no dia seguinte, mediante a entrega de relatórios que numa primeira fase eram manuscritos, e que eram posteriormente verificados pelas chefias;
128 - Depois, foi criado um sistema informático e entregue ao 5.º Autor uma password, novamente à semelhança do que acontecia com os outros Autores, para que o mesmo introduzisse os serviços no computador;
129 - Em 1996, o 5.º Autor passou a ter a assinatura a constar no Banco … e noutros, a fim de poder passar e assinar cheques nas situações em que as oficinas se prontificavam a fazer desconto ao orçamento inicial, ficando assim a reparação liquidada de imediato;
130 - Sendo também implementado nas instalações da companhia, na Av. …, um serviço denominado de Centro de Indemnização Rápida (C.I.R.), que se traduzia num serviço prestado diariamente por um perito, das 9h as 16h, no qual os lesados se dirigiam a uma oficina com a viatura, solicitavam um orçamento que levavam juntamente com a viatura, para que o perito o analisasse e de imediato passasse o recibo e o cheque em nome do lesado ou da oficina;
131 - Além do mais, o 5.º Autor para que pudesse gozar "férias", teria que proceder à sua marcação até ao dia 30 de Março de cada ano;
132 - Em 1997, foi implantado na companhia o sistema AUDATEX, altura em que o 5.º Autor fez um curso de formação nas instalações da AUDATEX PORTUGAL;
133 - Após o que, ao mesmo Autor foi entregue pela Ré um computador, uma impressora, uma máquina fotográfica e um telemóvel, ficando esta última responsável pelo pagamento de todas as despesas inerentes à utilização desse material;
134 - Nos últimos meses, a Ré introduziu novas formas de procedimento, nomeadamente acordos com empresas como a C… (reparação de para-brisas), a passagem da responsabilidade civil de certos acidentes para outras empresas, e a contratação de novos peritos;
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135 - Desde o início de Julho de 2004, o 5.º Autor passou a estar na zona de Lisboa, com a obrigação de estar contactável durante o horário de expediente das oficinas recomendadas a que se encontrava ligado;
136 - Exercendo todos as suas funções em regime de exclusividade, e a tempo inteiro, para a Ré;
137 - Os Autores - à semelhança dos trabalhadores do quadro da Ré - tinham, por determinação da Seguradora, de preencher os respetivos mapas de "férias", sendo o período destas fixado definitivamente por decisão daquela;
138 - Tendo-lhes todas estas situações descritas causado stress, desmotivação e tristeza.
139 - O Autor e outros peritos designados e considerados pela ora contestante (como antes também pela companhia de seguros …) como "prestadores de serviços" ou "tarefeiros" utilizavam no serviço viaturas próprias e não lhe eram pagas despesas referentes às mesmas;
140 - Os "peritos" que eram considerados "do quadro" tinham uma remuneração mensal fixa e utilizavam viaturas cedidas pela Companhia, sendo-lhes pagas as despesas inerentes à utilização das mesmas, designadamente, revisões, reparações e seguros, e posteriormente passaram a utilizar viatura própria adquirida por meio de empréstimos com condições especiais proporcionadas pela Ré …, passando a receber também o valor das despesas de deslocação e de quilometragem;
141 - A partir de certa altura (aproximadamente 1997) foi fornecido ao 1.º, 2.º e 3.º Autores (pela COMPANHIA DE SEGUROS …) e ao 4.º e 5.º Autores (pela COMPANHIA DE SEGUROS ….), e a vários outros peritos, um computador portátil, com software para a execução de peritagens.
142 - Todos os Autores e outros peritos receberem o computador e as instruções sobre o software, que se denomina "AUDATEX".
143 - O "AUDATEX" - que é um sistema de orçamentação, - permite a elaboração do relatório da peritagem na oficina reparadora onde o veículo é vistoriado, mediante a introdução de dados, efetuando automaticamente os cálculos dos preços das peças a substituir e da mão-de-obra necessária para efetuar a reparação;
144 - O "AUDATEX" é um sistema criado por uma Empresa chamada "AUDATEX";
145 - Todos os 5 Autores utilizavam o programa informático de avaliações "AUDATEX", por ser esse programa de orçamentação utilizado e aceite pela Ré;
146 - O referido "AUDATEX" estava associado a um esquema ou canal de transmissão eletrónico denominado "SINTRA";
147 - E permitia aos Autores não só enviar informaticamente os relatórios das peritagens, para a Ré (sem ter que se deslocar às instalações destas), como também permitia a receção pelo 1.º, 2.º e 3.º Autores, por transmissão informática, das marcações de peritagens, que lhe eram comunicadas pela Ré;
148 - E no caso de oficinas recomendadas (e utilizadoras do canal de comunicação "SINTRA") a Ré poderia enviar o pedido de peritagem à própria oficina, pela qual o perito passaria e realizaria a peritagem, cujo relatório era enviado diretamente da oficina para a Ré;
149 - A partir do momento em que passaram a utilizar o canal de transmissão "SINTRA" – o que para os 1.º, 2.º e 3.º Autores sucedeu em 1998, e para os 4.º e 5.º Autores sucedeu aproximadamente em 2000 (após a compra da
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companhia de seguros … pelo Grupo …) – os Autores passaram a enviar os relatórios das peritagens efetuadas pelo referido meio de transmissão informático, não tendo acesso ao computador da companhia.
150 - Em 1998 o Grupo … decidiu criar a … COMPANHIA … DE SEGUROS, S.A., como gestora dos sinistros de todas as seguradoras do Grupo, designadamente e inicialmente a "…", a "…", a "…" e a "… SEGUROS", sendo que em 2000 o mesmo sucedeu relativamente à companhia de seguros … com a integração desta no mesmo Grupo;
151 - As peritagens para qualquer das referidas companhias passaram a ser pedidas pela … aos peritos, sendo efetuadas no sistema informático referido ("AUDATEX") e enviadas para as mesmas, sendo o respetivo pagamento feito diretamente por cada uma das companhias após a elaboração de listagens pela "…" e mediante a emissão dos respetivos "recibos verdes";
152 - Em 1991, a partir de 01.03.1991, foram atualizados os honorários dos peritos para 1.800$00 + IVA (menos 16% de IRS) por serviço e após a sua entrega (houvesse ou não mais do que uma deslocação) e para 400$00 + IVA (menos 16% de IRS) por serviço não efetuado por motivo de "não comparência do veículo" ou "ausência do orçamentista";
153 - Por Comunicação de Serviço n° 17/92, datada de 15.09.1992, que produziu efeitos em Outubro de 1992, a Companhia de Seguros … decidiu o seguinte:
"Considerando as elevadas cargas administrativas decorrentes das remunerações dos peritos designadamente o controlo dos honorários, da quilometragem, das segundas deslocações, da impossibilidade de execução da peritagem por falta de orçamentista ou encerramento da oficina e ainda o facto da prestação de contas se efetuar semanalmente, determina-se o seguinte:
1. Os peritos tarefeiros afetos à Direção Nacional serão remunerados pela verba fixa de Esc. 2.800$00 + IVA, correspondente a cada relatório entregue
2. O valor assim fixado engloba os honorários, o subsídio de almoço, a quilometragem e as segundas deslocações;
3. A prestação de contas efetuar-se-á no final de cada mês, tendo por base os relatórios efetivamente entregues".
154 - No ano seguinte, por Comunicação de Serviço n° 13/93, que produziu efeitos em 1 de Março de 1993, a Companhia de Seguros … decidiu o aumentar o referido valor de 2.800$00 + IVA para 3.000$00 + IVA;
155 - No ano seguinte – em 1994 - por Comunicação de serviço n° 15/94, datada de 02.05.1994, que produziu efeitos em 2 de Maio de 1994, a Companhia de Seguros … decidiu o seguinte:
"Considerando as elevadas cargas administrativas decorrentes das remunerações dos peritos designadamente o controlo dos honorários, da quilometragem, das segundas deslocações, da impossibilidade de execução da peritagem por falta de orçamentista ou encerramento da oficina e ainda o facto da prestação de contas se efetuar semanalmente, determina-se o seguinte:
1. Os peritos tarefeiros serão remunerados por uma verba fixa, de acordo com a tabela anexa, correspondente a cada relatório entregue.
2. O valor assim fixado engloba os honorários, o almoço, a quilometragem e as segundas deslocações;
3. A prestação de contas efetuar-se-á no final de cada mês, tendo por base os relatórios efetivamente entregues".
156 - Teor do documento 3, que se dá por reproduzido; 157 - Teor do documento 126, que se dá por reproduzido.
******* 158. - O 1.º Autor …, recebeu no período entre 2000 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
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ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 20.659,06 € 4.130,52 … 2003 € 30.516,87 € 6.101,55 … 2003 € 3.846,91 € 769,23 … 2002 € 22.277,80 € 4.454,57 … 2002 € 3.464,84 € 692,93 … 2001 € 28.105,91 € 5.621,19 … 2000 € 34.449,86 € 6.889,98 … Total € 143.321,25
159. - O 2.º Autor …, recebeu no período entre 2000 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 19.892,59 € 3.977,84 … 2003 € 25.026,14 € 5.003,48 … 2003 € 2.666,55 € 533,11 … 2002 € 22.367,45 € 4.471,88 … 2002 € 1.985,43 € 396,94 … 2001 € 26.241,68 € 5.249,30 … 2000 € 23.634,70 € 4.726,93 … Total € 121.814,54
160. - O 3.º Autor … recebeu no período entre 2000 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 15.379,86 € 3.075,58 … 2003 € 15.653,13 € 3.130,48 … 2003 € 5.392,19 € 1.078,36 … 2002 € 20.807,34 € 4.161,32 … 2002 € 3.705,24 € 741,03 … 2001 € 26.342,46 € 5.268,49 … 2000 € 23.430,02 € 4.686,01 … Total € 126.363,43
161. - O 4.º Autor …, recebeu no período entre 1997 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 17.784,82 € 3.555,76 … 2003 € 14.597,33 € 2.919,04 … 2003 € 3.017,74 € 603,52 … 2002 € 22.382,29 € 4.475,91 … 2002 € 1.957,09 € 391,38 … 2001 € 25.022,88 € 5.004,59 … 2000 € 15.948,76 € 3.189,75 … 1999 € 22.249,38 € 4.449,88 … 1998 € 10.413,65 € 2.082,73 … 1998 € 13.553,72 € 2.710,76 … 1997 € 4.905,96 € 981,20 … Total € 151.833,26 2 …
2 O total aqui referido não coincide com o constante do artigo 396.º, relativo ao 4.º Autor,
julgando nós que o mesmo resulta do facto de os valores dos anos de 1999 e 1998 não serem
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Despesas de Representação 1998 (…)
31-10-1998 Rec. 0132811 € 135,15 30-11-1998 Rec. 0132813 € 179,12 31-12-1998 Rec. 0132815 € 196,60 31-12-1998 Rec. 0132817 € 215,26
Despesas de Representação 1999
Comedorias € 147,89 31-01-1999 Comedorias € 172,68 28-02-1999 Comedorias € 198,50 31-03-1999 Comedorias € 179,89 30-04-1999 Comedorias € 227,93 31-05-1999 Comedorias € 190,29 30-06-1999 Comedorias € 221,29 Comunicação € 45,05 31-07-1999 Comedorias € 112,10 Comunicação € 50,06 31-08-1999 Comedorias € 232,71 30-09-1999 Comedorias € 197,03 31-10-1999 Comedorias € 206,23 Comunicação € 63,44 30-11-1999 Comedorias € 220,74 Comunicação € 73,24 31-12-1999
Comunicação € 39,55 31-12-1999 162. - O 5.º Autor …, recebeu no período entre 1991 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 19.166,23 € 3.832,19 … 2003 € 17.514,70 € 3.502,88 … 2003 € 5.259,76 € 1.051,92 … 2002 € 19.492,68 € 3.898,51 … 2002 € 3.582,26 € 716,45 … 2001 € 24.042,18 € 4.808,43 … 2000 € 15.893,65 € 3.178,73 … 1999 € 24.755,59 € 4.951,12 … 1998 € 9.653,24 € 1.930,65 … 1998 € 14.830,62 € 2.966,15 … 1997 € 18.258,30 € 3.569,50 … 1996 € 20.123,10 € 3.018,48 … 1995 € 19.947,46 € 2.992,14 … 1994 € 18.696,02 € 2.804,43 … 1993 € 20.481,94 € 3.072,32 … 1992 € 20.757,58 € 3.113,67 … 1991 € 8.893,55 € 1.334,05 … Total € 285.239,11
Despesas de Representação 1998 (…)
31-10-1998 Rec. 0035110 € 170,66 30-10-1998 Rec. 0035109 € 124,70 31-11-1998 Rec. 0035112 € 208,12 31-12-1998 Rec. 0035115 € 219,19
Despesas de Representação 1999 (…)
iguais aos descritos no artigo 388.º, estando omisso na tabela do artigo 396.º o ano de 1997, que é igualmente mencionado nesse mesmo artigo 388.º
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Comedorias € 230,59 28-02-1999 Comedorias € 218,40 31-03-1999 Comedorias € 205,26 30-04-1999 Comedorias € 223,21 31-05-1999 Comedorias € 189,74 30-06-1999 Comedorias € 204,26 31-07-1999 Comedorias € 118,86 31-08-1999 Comedorias € 212,41 30-09-1999 Comedorias € 177,57 31-10-1999 Comedorias € 206,23 30-11-1999 Comedorias € 188,05 31-12-1999
31-12-1999 Factos não Provados: Pode ler-se, a fls. 321, na parte final da Decisão sobre a Matéria de Facto, o
seguinte: «Não se provaram outros factos com relevância para a discussão da causa,
não respondendo o Tribunal aos artigos que contêm matéria conclusiva, de direito ou inócua para as questões em discussão»
NOTA: Constam já da Factualidade dada como Provada, como Pontos 158. a
162., os factos que, na sequência da ampliação do objeto do recurso dos Autores requerida pela Ré, foi determinado por este Tribunal da Relação de Lisboa aditar à mesma.
* III – OS FACTOS E O DIREITO É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos
termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 690.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
* A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes
autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 23/09/2005, ou seja, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada cerca de dois anos depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 15/9/2003) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8/03 mas antes da reforma ensaiada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, que só se aplicou aos processos instaurados a partir de 01/1/2008, data do começo da sua vigência (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal), bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na
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economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal), mas este regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância teria, de qualquer maneira, na economia deste processo judicial.
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do anterior Código do Processo do Trabalho e, essencialmente, da reforma do processo civil de 2003 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Código das Custas Judiciais de 1999 e alterações nele produzidas até à propositura desta acção, dado o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 e retificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, só ter entrado em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e aplicar-se apenas a processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido, quer na vigência da LCT e legislação complementar, quer na do Código do Trabalho de 2003 e correspondente Regulamentação, (o Código do Trabalho de 2009 entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, as normas constantes daqueles regimes legais sucessivos que irão aqui ser chamadas à colação, consoante a factualidade em julgamento.
B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO Os Recorrentes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, nos
termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 690.º-A e 712.º do Código de Processo Civil, ao contrário do que aconteceu com a recorrida, que recorreu a ampliação subsidiária do objeto do recurso dos Autores, nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 684.º-A do segundo diploma legal referenciado, quer em termos de direito (conhecimento da reconvenção), como em termo fácticos, tudo sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil.
A Ré, com efeito, prevenindo a procedência do recurso dos Autores, com a inerente qualificação jurídica da relação profissional que estabeleceram com ela como laboral, veio impugnar a Decisão sobre a Matéria de Facto nos seguintes moldes:
«39. Como da matéria de facto dada como provada pelo Meritíssimo Juiz a quo, apenas constam os Pontos 140. e 157., remetendo este Ponto, para o conteúdo do documento n.º 126 junto com a contestação (que é a tabela salarial aplicável ao Sector Segurador (no qual se insere a Ré), e no qual constam as remunerações base, pagas aos trabalhadores do quadro, nível X, valores que em cada ano, consubstanciam a retribuição mensal daquele nível X., requer-se também, a ampliação do âmbito do objeto do recurso, de harmonia com o disposto no art.º 684.º-A do Código do Processo Civil, impugnando-se a matéria de facto, por insuficiência, devendo assim da mesma matéria, constarem os valores que durante os anos decorridos foram pagos aos Autores, bem como os valores da tabela salarial (Doc. 126 junto com a contestação – Cfr. Ponto 157 da matéria de facto provada) valores esses invocados nos art.ºs 385.º, 386.º, 387.º, 388.º, 389.º, 393.º, 394.º, 395.º, 396.º, 397.º e 398.º, cuja matéria (que acima se transcreveu) deverá ser inserida na matéria de facto dada como provada, uma vez que os valores descritos naqueles artigos da contestação NÃO FORAM IMPUGNADOS PELOS AUTORES NOS ART.ºS 36.º A 43.º DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO, ou,
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40. Se assim não se entender, deverá então o processo baixar à primeira Instância de forma a que tais valores sejam apurados e comprovados, de forma a que seja possível conhecer do pedido reconvencional.
41. Requer-se também a ampliação do âmbito do recurso a requerimento da Recorrida (art.º 684º-A do CPC) relativamente à matéria de facto alegada nos art.ºs 236.º a 278.º da contestação (constante dos Documentos nº 6 a 8 e 9 a 11).
42. O Meritíssimo Juízo a quo – salvo o devido respeito – deveria ter levado à matéria de facto provado (que por isso aqui se impugna por insuficiência) a matéria expressamente alegada nos art.ºs 236.º a 278.º da contestação, que consta dos Documentos nºs 6 a 8 e 9 a 11 juntos com a contestação, documentos esses que não foram impugnados pelos Autores.
43. Daqueles documentos decorre o alegado nos art.ºs 236.º a 276.º da contestação, que contém matéria que deverá assim ser introduzida no âmbito da matéria de facto provada, por ter interesse para a discussão dos presentes autos.»
A impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto é feita nos termos e para os efeitos do artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, importando, nessa medida, ter presente o seu número 1, alíneas a) e b), quando estatui que “quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, dizendo por seu turno o seu número 2 que “no caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na ata, nos termos do número 2 do artigo 522.º-C”, ao passo que o artigo 712.º, números 1, alíneas a) e b) e 2 do Código de Processo Civil determina a este propósito e na parte que nos interessa o seguinte:
Artigo 712.º
Modificabilidade da decisão de facto 1 – A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela
Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão
sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) (...) 2 – No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação
reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3 (...) A recorrida, nesta matéria, dá cumprimento suficiente às exigências de
natureza material e processual que se mostram elencadas nas normas acabadas de transcrever, nada obstando, portanto, ao conhecimento do recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido.
Por outro lado e face ao regime acima transcrito (com especial destaque para a 2.ª parte do número 2), iremos ter em consideração, caso se revele necessário, todos os elementos de prova constantes dos autos (designadamente os depoimentos das testemunhas, através da audição do correspondente CD que
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contém o seu registo), com especial incidência sobre aqueles referenciados pela parte nas suas alegações.
Passemos então a abordar as duas questões de facto suscitadas pela Ré no quadro do seu pedido de ampliação do objeto do recurso dos Autores:
1) Inclusão na Factualidade dada como Provada do resumo das Tabelas Salariais publicadas na respetiva Regulamentação Coletiva, desde 1979 a 2005, conforme Documento junto a fls. 599;
2) Integração em tal Factualidade dos factos alegados nos artigos 385.º a 389.º e 393.º a 398.º da contestação/reconvenção;
1) Tabelas Salariais Dir-se-á que, em rigor, nos achamos face a um documento e não a uma
alegação da Ré, constante da sua contestação, que tenha sido respondida pelos Autores e que possa estar sujeita às regras do artigo 490.º do Código de Processo Civil.
São os factos invocados nos articulados das partes que são dados como assentes ou não e não o teor dos documentos que visam suportá-los e comprová-los.
Por outro lado e ainda que se dê de barato tal questão prévia, salvo o devido respeito por opinião diversa, resultando os valores constantes do quadro síntese das Tabelas Salariais em vigor para a atividade seguradora, entre 1979 e 2005, da correspondente regulamentação coletiva, traduzem-se os mesmos em elementos de natureza jurídica e não factual, que não devem, por tal motivo e atento o disposto no artigo 646.º, número 4, do Código de Processo Civil, ser levados à Matéria de Facto dada como Provada.
Tal conclusão sai reforçada pela circunstância dos Autores não se acharem sindicalizados em qualquer um dos sindicatos subscritores da mencionada contratação coletiva, o que implica que, para efeitos da eventual aplicação das aludidas Tabelas Salariais às relações de natureza profissional estabelecidas entre aqueles e a Ré, se tenha de lançar mão das Portarias ou Regulamentos de Extensão entretanto publicados, o que, necessária e inevitavelmente, não só demanda uma interpretação jurídica dos termos daqueles instrumentos de alargamento do universo de empregadores e empregados sujeitos ao regime dos CTT, como provoca um desfasamento temporal, em termos salariais, entre os Apelantes e os demais trabalhadores da Ré que se encontrem sindicalizados.
Logo, não se pode deferir ao aditamento de tal matéria aos factos dados como Provados pelo tribunal recorrido, o que não prejudica, naturalmente, a eventual consideração dos valores constantes de tal Quadro Síntese, por força da sua correspondência com a Regulamentação Coletiva aplicável.
2) Factos constantes dos artigos 385.º a 389.º e 393.º a 398.º da reconvenção
Os factos que se mostram alegados traduzem-se em tabelas resumo dos valores auferidos pelos cinco Autores desde o ano de 2000 a 30 de Setembro de 2004 e pagãos pela Ré (ou pelo Grupo) e aí identificados como “Rendimentos B”, achando-se igualmente registados em tais quadros os montantes retidos na fonte para efeitos fiscais (artigos 385.º a 389.º), bem como nas diferenças que, caso os
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vínculos jurídicos que ligaram os Apelantes à Apelada (ou ao grupo empresarial respetivo) venham a ser reconhecidos como laborais, têm de ser repostas pelos recorrentes, por referência às importâncias recebidas e elencadas nos artigos 385.º a 389.º e aquelas que, de acordo com as Tabelas Salariais previstas na Regulamentação Coletiva aplicável, lhes seriam pagas na sua qualidade de peritos avaliadores assalariados (artigos 393.º a 398.º).
Ora, quanto ao primeiro conjunto de factos (artigos 385.º a 389.º), que refletem as quantias percebidas pelos demandantes durante o aludido período e que não foram impugnadas pelos mesmos na sua resposta, temos de dar razão à Ré e determinar o seu aditamento à Matéria de Facto dada como Provada, como novos Pontos, identificados com os números 158 a 162.
Já no que concerne ao conjunto de quadros inseridos nos demais artigos da reconvenção da Seguradora, é manifesto que, para além dos valores já dados como assentes anteriormente e respetivos totais, por referência aos artigos 385.º a 389.º do mesmo articulado da recorrida, nada mais pode ser dado como provado, pois reconduz-se a matéria de direito ou conclusiva, insuscetível de ser levada à Factualidade dada como Provada.
Não podem existir grandes dúvidas quanto à natureza jurídica do juízo que tem de presidir à (eventual) determinação dos valores a que os Autores teriam direito como trabalhadores subordinados da Ré (ou de outras empresas do Grupo) durante o período em que prestaram atividade para a mesma (ou mesmas), dado tal quantificação depender, designadamente, da categoria dos Apelantes e do seu tempo de serviço, como, principalmente, não se pode dar como previamente demonstrados montantes alegadamente em débito e reclamados ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa e a título de diferenças “salariais” auferidas a mais (digamos assim, dado a COMPANHIA DE SEGUROS … defender que esses montantes lhe são devidos, por os ter liquidado em excesso aos recorrentes, em função da sua qualidade de trabalhadores subordinados e do regime legal, convencional e regulamentar aplicáveis), pois não só tal dívida pressupõe uma prévia análise jurídica dos fundamentos invocados, para esse efeito, pela (eventual) credora, como o seu cálculo não é somente material como igualmente jurídico.
Sendo assim, julga-se parcialmente procedente a presente ampliação do objeto do recurso dos Autores, na sua vertente fáctica, ordena-se o aditamento à Matéria de Facto dada como Provada dos factos constantes dos artigos 385.º a 389.º da contestação/reconvenção, como Pontos 158. a 162., com o seguinte teor:
«158. - O 1.º Autor …, recebeu no período entre 2000 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 20.659,06 € 4.130,52 … 2003 € 30.516,87 € 6.101,55 … 2003 € 3.846,91 € 769,23 … 2002 € 22.277,80 € 4.454,57 … 2002 € 3.464,84 € 692,93 … 2001 € 28.105,91 € 5.621,19 … 2000 € 34.449,86 € 6.889,98 … Total € 143.321,25
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159. - O 2.º Autor …, recebeu no período entre 2000 e 30 de Setembro de 2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 19.892,59 € 3.977,84 … 2003 € 25.026,14 € 5.003,48 … 2003 € 2.666,55 € 533,11 … 2002 € 22.367,45 € 4.471,88 … 2002 € 1.985,43 € 396,94 … 2001 € 26.241,68 € 5.249,30 … 2000 € 23.634,70 € 4.726,93 … Total € 121.814,54
160. - O 3.º Autor …, recebeu no período entre 2000 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 15.379,86 € 3.075,58 … 2003 € 15.653,13 € 3.130,48 … 2003 € 5.392,19 € 1.078,36 … 2002 € 20.807,34 € 4.161,32 … 2002 € 3.705,24 € 741,03 … 2001 € 26.342,46 € 5.268,49 … 2000 € 23.430,02 € 4.686,01 … Total € 126.363,43
161. - O 4.º Autor …, recebeu no período entre 1997 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 17.784,82 € 3.555,76 … 2003 € 14.597,33 € 2.919,04 … 2003 € 3.017,74 € 603,52 … 2002 € 22.382,29 € 4.475,91 … 2002 € 1.957,09 € 391,38 … 2001 € 25.022,88 € 5.004,59 … 2000 € 15.948,76 € 3.189,75 … 1999 € 22.249,38 € 4.449,88 … 1998 € 10.413,65 € 2.082,73 … 1998 € 13.553,72 € 2.710,76 … 1997 € 4.905,96 € 981,20 … Total € 151.833,26 3
Despesas de Representação 1998 (…)
31-10-1998 Rec. 0132811 € 135,15 30-11-1998 Rec. 0132813 € 179,12 31-12-1998 Rec. 0132815 € 196,60 31-12-1998 Rec. 0132817 € 215,26
Despesas de Representação 1999
3 O total aqui referido não coincide com o constante do artigo 396.º, relativo ao 4.º Autor,
julgando nós que o mesmo resulta do facto de os valores dos anos de 1999 e 1998 não serem iguais aos descritos no artigo 388.º, estando omisso na tabela do artigo 396.º o ano de 1997, que é igualmente mencionado nesse mesmo artigo 388.º
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Comedorias € 147,89 31-01-1999 Comedorias € 172,68 28-02-1999 Comedorias € 198,50 31-03-1999 Comedorias € 179,89 30-04-1999 Comedorias € 227,93 31-05-1999 Comedorias € 190,29 30-06-1999 Comedorias € 221,29 Comunicação € 45,05 31-07-1999 Comedorias € 112,10 Comunicação € 50,06 31-08-1999 Comedorias € 232,71 30-09-1999 Comedorias € 197,03 31-10-1999 Comedorias € 206,23 Comunicação € 63,44 30-11-1999 Comedorias € 220,74 Comunicação € 73,24 31-12-1999
Comunicação € 39,55 31-12-1999 162. - O 5.º Autor …, recebeu no período entre 1991 e 30 de Setembro de
2004 as seguintes quantias, pagas pela Ré (ou por outras empresas do Grupo):
ANOS RENDIMENTOS “B” RETENÇÃO ENTIDADE PAGADORA 2004 € 19.166,23 € 3.832,19 … 2003 € 17.514,70 € 3.502,88 … 2003 € 5.259,76 € 1.051,92 … 2002 € 19.492,68 € 3.898,51 … 2002 € 3.582,26 € 716,45 … 2001 € 24.042,18 € 4.808,43 … 2000 € 15.893,65 € 3.178,73 … 1999 € 24.755,59 € 4.951,12 … 1998 € 9.653,24 € 1.930,65 … 1998 € 14.830,62 € 2.966,15 … 1997 € 18.258,30 € 3.569,50 … 1996 € 20.123,10 € 3.018,48 … 1995 € 19.947,46 € 2.992,14 … 1994 € 18.696,02 € 2.804,43 … 1993 € 20.481,94 € 3.072,32 … 1992 € 20.757,58 € 3.113,67 … 1991 € 8.893,55 € 1.334,05 … Total € 285.239,11
Despesas de Representação 1998 (…)
31-10-1998 Rec. 0035110 € 170,66 30-10-1998 Rec. 0035109 € 124,70 31-11-1998 Rec. 0035112 € 208,12 31-12-1998 Rec. 0035115 € 219,19
Despesas de Representação 1999 (…) Comedorias € 230,59 28-02-1999 Comedorias € 218,40 31-03-1999 Comedorias € 205,26 30-04-1999 Comedorias € 223,21 31-05-1999 Comedorias € 189,74 30-06-1999 Comedorias € 204,26 31-07-1999 Comedorias € 118,86 31-08-1999 Comedorias € 212,41 30-09-1999 Comedorias € 177,57 31-10-1999 Comedorias € 206,23 30-11-1999 Comedorias € 188,05 31-12-1999
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31-12-1999 C – OBJECTO DO RECURSO Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas,
verificamos que o Estado (único recorrente da sentença da 1.ª instância) suscita as seguintes questões:
1) Caracterização das relações jurídicas dos autos como emergentes de um contrato de trabalho;
2) Reflexos jurídicos da caracterização dos aludidos cinco vínculos de natureza profissional que ligavam Autores e Ré na forma como foi provocada a cessação dos mesmos;
3) Prestações a que os Autores têm direito, em função do que for decidido relativamente aos dois pontos anteriores.
Importa também atender às exceção e reconvenção deduzidas pela Ré na sua contestação e que, ainda que a mesma não tivesse requerido ao abrigo do artigo 884.º-A do Código de Processo Civil, a ampliação do objeto do recurso dos Autores, sempre teriam de ser conhecidas ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 715.º do Código de Processo Civil.
Finalmente e tendo em atenção o conhecimento dos pedidos de índole reconvencional deduzidos pela aqui Apelada, impõe-se, naturalmente e igualmente ao abrigo do número 2 do artigo 715.º do Código de Processo Civil, apreciar a exceção de prescrição invocada pelos Apelantes relativamente a tais pretensões reconvencionais.
D – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS? Tendo em linha de conta que a relação jurídica dos autos teve início em 4 de
Maio de 2004 e cessou em 4 de Maio de 2006, impõe-se chamar à colação o disposto nos artigos 1143.º do Código Civil e 10.º e 12.º do Código do Trabalho de 2003, quer na sua redação original, quer na que lhe adveio da alteração introduzida no aludido Código do Trabalho pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, que entrou em vigor em 25/03/2006:
Tais dispositivos legais rezam o seguinte:
Artigo 1152.º Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.
Artigo 10.º Noção
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.
Artigo 12.º Presunção
Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
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c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.
Artigo 12.º Presunção
Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição.
Sendo este o quadro primário de referência no que respeita à noção legal de
contrato de trabalho, pode definir-se o mesmo, em termos muito sumários e algo imprecisos, como sendo um negócio consensual - logo, não sujeito, fora dos casos legalmente especificados, à forma escrita -, sinalagmático (sem prejuízo da desigualdade entre as posições contratuais respetivas, pois uma é de dependência, enquanto a outra é de domínio), oneroso, de cariz tendencialmente pessoal e fiduciário, cujas prestações podem, pelo menos em algumas situações, ser fungíveis, desenvolvendo o trabalhador uma atividade traduzida numa prestação de facto positiva e heterónoma, com vista ao recebimento de uma contrapartida que é sua retribuição (prestação de conteúdo patrimonial e, pelo menos, parcialmente pecuniária) - cf. acerca destas caraterísticas e elementos, a Professora Maria do Rosário da Palma Ramalho, “Direito do Trabalho- Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, páginas 15 e seguintes e Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 81 e seguintes.
Com o propósito de determinar a natureza laboral ou liberal de um determinado vínculo jurídico entre uma pessoa singular e uma outra pessoa singular ou coletiva, radica-se a nossa doutrina e jurisprudência, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos, como ressalta, nomeadamente, dos seguintes autores e Arestos dos nossos tribunais superiores:
- Dr. António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, págs. 137 e seguintes, com especial relevo para as páginas 146, 137, 139 e 146 a 148, já no quadro do Código do Trabalho de 2003:
«I – (…) A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica.
Antes do mais porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. (…)
Podem ser objeto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (…)
A subordinação jurídica também não se confunde com a de «dependência económica» (…) Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para
cumprir e ser economicamente independente. Que resta então?
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Resta o elemento chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria - antes se integrar numa organização de meios produtivos alheios, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário - à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção. (…)
Sendo a subordinação definida (pelo art.º 10.º CT) por referência à «autoridade e direção» do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. (…)
A determinação da subordinação não se pode, na maioria dos casos, fazer por mera subsunção nesse conceito. A subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras. (…)
Para cumprirem o seu papel decisório (…), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, (…), de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro.
Deste modo, a determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caricaturam como uma “caça ao indício”, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Repara-se que o objetivo da operação é o de identificar a lei aplicável: o uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caos concreto pra que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico.
É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito.
II – No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho, e em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem”.
Por seu turno, a Professora Palma Ramalho, na obra e local citados, especificamente, páginas 29, 31, 32 e 34 a 36, sustenta o seguinte:
«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)
Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação: i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a
subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)
ii) A subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)
iii) A subordinação comporta graus no sentido em que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)
iv) A subordinação é jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)
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v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…) no sentido em que é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)
Os indícios de subordinação mais frequentemente referenciados pela doutrina e trabalhados pela jurisprudência são os seguintes:
i) A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: (…) pertencerem ao credor (…)
ii) O local de trabalho: (…) o facto de ele desenvolver a sua atividade em instalações predispostas pelo credor (…)
iii) O tempo de trabalho: de um modo geral, o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário de trabalho (…)
iv) O modo de cálculo da remuneração: embora (…) insuficiente (…) o cálculo da remuneração em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do empregador (…)
v) A assunção do risco da não produção dos resultados: (…) correr por conta do credor (…) vi) O facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço: (…) o facto de o credor ter
outros trabalhadores ao seu serviço (…) vii) A dependência económica do trabalhador: (…) o facto de o trabalhador depender dos
rendimentos do seu trabalho para subsistir ou o facto de desenvolver a sua atividade em exclusivo para um credor (…)
viii) O regime fiscal e o regime da segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito (…)
ix) A inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização (…)
(…) a qualificação de qualquer situação jurídica com base num método indiciário não exige a presença, no caso concreto, de todos os indícios, mas apenas de um conjunto maior ou menor de indícios cujo valor seja considerado determinantes, sendo ainda compatível com o relevo de indícios diferentes consoante os casos. (…)
(…) os indícios referenciados apontam para as características tendenciais do negócio jurídico a qualificar, pelo que não são fáceis de operacionalizar perante a evolução do próprio tipo negocial, devendo ter em conta essa evolução (…)
(…) é importante cotejar os indícios de subordinação com a vontade real das partes na conclusão do contrato de trabalho (…)» (cf., também, Professor João Leal Amado, “Contrato de Trabalho” , 2.ª Edição, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, Janeiro de 2010, páginas 55 e seguintes, embora no quadro do atual Código do Trabalho de 2009; ver também Professor Júlio Gomes, obra e local citados, com especial incidência para páginas 101 e seguintes, onde critica a noção tradicional de subordinação jurídica e defende a construção de um novo paradigma desse conceito, que corresponda, não só à evolução das realidades económica, empresarial, social, cultural e ideológica, como da nova perspetiva doutrinária e jurisprudencial que vai emergindo noutros sistemas jurídicos).4
4 Já no âmbito da LCT, a nossa doutrina sustentava o seguinte, quanto à destrinça entre o
contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços: - Dr. Luís Brito Correia, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade
Católica, Lisboa, 1981, págs. 88 e seguintes: “ (...) 2. O trabalhador obriga-se a prestar um facto, não uma coisa: diversamente do que
acontece no arrendamento ou no aluguer. E esse facto é uma atividade, isto é, um determinado tipo de atos sucessivos
orientados para um fim, e não o resultado dessa atividade: diferentemente do que se passa com os contratos de trabalho autónomo...
Isto não significa que o resultado da atividade do trabalhador seja juridicamente irrelevante. Não basta a simples prática formal dos atos determinados pela entidade patronal, para que a obrigação do trabalhador possa ter-se por cumprida. É necessário que o trabalhador exerça a sua atividade com diligência e lealdade, o que envolve a obrigação de fazer certo grau de esforço e de o orientar para o resultado pretendido pela entidade patronal, na medida em que seja conhecido. Mas o contrato considera-se
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O Código do Trabalho de 2003 veio, aliás, face às dificuldades manifestas de caracterização e diferenciação dos negócios jurídicos em análise e aos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que ocorreram nesta matéria,
cumprido (e a retribuição devida) desde que seja prestada a atividade com diligência e lealdade, mesmo que o resultado pretendido não seja alcançado.
Essencial é que o trabalhador coloque a sua capacidade de trabalho à disposição da entidade patronal. O trabalhador cumpre a sua obrigação desde que obedeça às ordens recebidas: se a entidade patronal não lhe der que fazer, considera-se cumprida a obrigação de prestar trabalho, apesar de o trabalhador estar efetivamente inativo, desde que esteja pronto a trabalhar. (...)
3. A atividade do trabalhador é, como regra, uma atividade duradoura, exercida normalmente (mas não necessariamente) como profissão. Por isso, pode dizer-se que o contrato de trabalho é um contrato de execução sucessiva ou continuada. E mais frequentemente sem prazo.
Quer o trabalhador, quer a própria entidade patronal têm, em regra, interesse na estabilidade da relação de trabalho, embora por motivos diferentes. (...)
A entidade patronal tem o poder de determinar em cada momento ou de forma genérica (através de ordens ou instruções, v. g., regulamento interno) o modo ou o conteúdo e circunstâncias da prestação de trabalho... E o trabalhador deve obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina de trabalho...
Trata-se aqui, em todo o caso, de uma situação de dependência potencial: basta que a entidade patronal tenha o poder de dar ordens e de aplicar sanções; não é preciso que as dê ou as aplique constantemente”.
- Dr. Galvão Teles, Contratos Civis, em BMJ n.º 83, página 166: “A subordinação consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a atividade em
si mesma, quando mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação”. - Dr. Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação
anotada, Petrony, 1983, págs. 10 e seguintes: “A qualificação do trabalho como subordinado ou autónomo, torna-se por vezes difícil, e o
único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção, ordens e fiscalização da pessoa a quem ela aproveita – o critério da subordinação jurídica.
Porém, em casos duvidosos e complexos, será útil ao intérprete, atender a uma série de elementos objetivos que, devidamente ponderados e articulados (e nunca inferindo de qualquer deles isoladamente), poderão, com alguma segurança, indicar a autonomia ou subordinação, como sejam:
1.º) Natureza do objeto do contrato: promessa de um resultado (trabalho autónomo) ou promessa de uma simples atividade (trabalho subordinado);
2.º) Índole da prestação do trabalho: intelectual e criadora (trabalho autónomo) ou manual (trabalho subordinado);
3.º) Propriedade dos instrumentos de trabalho: se dela é titular o trabalhador (trabalho autónomo), ou a outra parte (trabalho subordinado);
4.º) Existência (trabalho autónomo) ou inexistência (trabalho subordinado) de colaboradores dependentes do trabalhador;
5.º) Incidência do risco da execução do trabalho: sobre o trabalhador (trabalho autónomo) ou sobre a outra parte (trabalho subordinado);
6.º) Prestação do trabalho a várias pessoas (trabalho autónomo), ou exclusivamente a uma (trabalho subordinado);
7.º) Fixação da remuneração: em função do resultado (trabalho autónomo) ou em função do tempo de trabalho (trabalho subordinado).”
Ver, ainda, a opinião bastante crítica relativamente ao “método indiciário” largamente utilizado pela nossa jurisprudência e doutrina expressa pelo Dr. Albino Mendes Baptista em “Jurisprudência do Trabalho Anotada - Relação Individual de Trabalho”, 3.ª Edição, 1999, Quid Juris, págs. 17 a 63, defendendo tal autor, em contraponto aquele método, o “método tipológico”, isto é, uma operação metodológica que não é de mera subsunção ao tipo contratual legalmente definido dos indícios encontrados mas pressupõe antes um juízo de valoração dos referidos sinais, extraídos da execução efetiva do acordo, de forma a procurar qualificar corretamente o contrato concreto em presença, sem perder de vista também a indagação da vontade das partes na concretização do mesmo - cf. obra citada, págs. 54 a 56
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consagrar, no seu artigo 12.º, uma presunção de existência de um contrato de trabalho, desde que se mostrassem verificados, cumulativamente, os requisitos nele elencados (cf., contudo, as posições divergentes e muito críticas quanto a tal presunção, que somente com o atual Código do Trabalho parece ter logrado uma operacionalidade correspondente ao alcance e finalidade que com a mesma se visava: Professora Palma Ramalho, obra citada, páginas 40 e seguintes, Professor Júlio Gomes, obra citada, páginas 140 e seguintes e Professor Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 150 a 152).
Ora, face a este (longo) enquadramento jurídico da primeira e crucial questão suscitada nesta Apelação pela Ré e atendendo aos factos dados como provados, que indícios inequívocos do estabelecimento de uma relação laboral típica entre os cinco Autores e a Ré … ressaltam dos mesmos ou, ao invés, de uma relação diversa de prestação de serviços?
No sentido de que estaríamos face a uma relação juridicamente subordinada estão os seguintes factos:
Integração dos Autores na estrutura administrativa e organizativa da Ré, com a criação (mínima) de um posto de trabalho para os mesmos nas diversas instalações que aquela ou as suas antecessoras possuíam (cf. designadamente, os Pontos 57, 13 a 16, 19, 20, 47, 50, 1.ª parte, 56, 58, 93 a 96, 98, 111, 112, l13, 116 a 118, 124, 125, 127, 128, 131, 136, 137 e 145 e Documentos de fls. 63, podendo ver-se, acerca das sucessivas alterações que a entidade contratante e/ou interlocutora e/ou intermediária dos Autores foi sofrendo, os Pontos 22, 23, 64, 113, 114, 150, e 151);
Fornecimento pela Ré do equipamento e restante material, necessários ao desempenho das funções por parte dos Autores, com exceção da viatura automóvel (cf. nomeadamente, os Pontos 14, 15, 57, 65, 93, 94, 133, 141, 142 e 139);
Tais equipamento e materiais pertenciam à Ré, (cf. nomeadamente, os Pontos 14, 15, 57, 65, 93, 94, 133, 141 e 142);
O desempenho das funções era efetuado nas instalações da Ré (escritório) ou em áreas, zonas ou locais por ele determinados e/ou do seu interesse profissional (cf. Pontos 10 a 12, 17, 18, 50 a 52, 55, 62, 63, 91, 97 e 135 e Documentos de fls. 376 e 377 e 595 a 598);
Período de experiência inicial (Pontos 54-A e 106); Formação inicial e subsequente, orientação e determinação, quer em
moldes genéricos, como em termos concretos, por parte da Ré, da forma, conteúdo, áreas e contrapartida pecuniária das tarefas executadas pelos Autores (cf., designadamente, os Pontos 3, 5, 11, 12, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 27, 28 a 32, 38 a 41, 58, 62, 63, 64, 65, 76 a 78, 84, 92, 93, 97, 99, 100, 101, 103, 104, 111, 112, 13, 114, 115, 121, 127, 128, 130, 132, 134, 142, 143, 145 a 149 e 151 a 154 e Documentos de fls. 67 a 75, 84 a 96, 98 a 104, 111 a 117, 118 a 124, 129, 131, 133 a 144, 154 a 164);
Supervisão e controle das funções desempenhadas pelos Autores (Pontos 9, 17 e 118, para além de muitos dos anteriormente referidos no ponto anterior);
Poderes delegados de representação da Ré, nomeadamente, em sede de pagamentos, até um dado plafond (cf. Pontos 9, 59, 60, 90, 109, 110 e 129 e Documento de fls. 61 e 62);
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Prestação de tais serviços durante todos os dias da semana e dentro de um horário pré - determinado pelo Réu (Pontos 28, 29, 56, 111 e 130);
Disponibilidade dos Autores relativamente às determinações e necessidades de serviço da Ré, tanto mais que só trabalhavam para a mesma (cf. Pontos 28, 29 e 135 e Documentos de fls. 76 a 78, 151 a 153);
Exclusividade de exercício de funções para a Ré (Pontos 20, 98 e 136); Realização de tais funções com carácter continuado, permanente e
duradouro, ao longo de 16 anos e 5 meses (1.º Autor), 11 anos e 5 meses (2.º Autor), 10 anos e 9 meses (3.º Autor), 8 anos e 6 meses (4.º Autor) e 13 anos e 5 meses (5.º Autor);
Alteração unilateral das condições contratuais inicialmente estabelecidas (cf., designadamente, os Pontos 18, 20, 21, 27, 51, 52, 99, 100, 113, 114, 116 a 118, 134, 141 a 145 e 152 a 155);
Os Autores marcavam anualmente férias, muito embora não haja prova do seu efetivo gozo (Pontos 131 e 137 e Documentos de fls. 64, 65 e 66, 129 e 130, 145 a 151);
Os riscos e benefícios (que não pessoais) da atividade profissional desenvolvida pelos Autores corriam, essencialmente, por conta da Ré;
Desenvolvimento de uma atividade (os Autores não realizaram ao longo dos acima descritos períodos temporais uma soma ininterrupta e incontável de tarefas ou serviços autónomos e dependentes unicamente da sua vontade e disponibilidade, com vista à obtenção de igual número de resultados pretendidos pela Ré, mas antes desenvolveram uma atuação heteronomamente unificada e organizada por esta última).
Pagamento de quantias variáveis a título de contrapartida dos serviços prestados pelos Autores de forma periódica/mensal e sem necessidade de emissão de recibos e criação de prémios de incentivos, havendo relativamente ao valor de algumas delas uma colagem aos montantes a esse mesmo respeito consagrados na Regulamentação Coletiva (cf. Pontos 6, 66, 72, 73, 108 e 155 e Documentos de fls. 105 a 110, 379, 400 a 589, 595 a 598);
Dependência económica dos Autores, que pode ser presumida a partir da exclusividade, disponibilidade e forma como estava organizada a prestação de funções que os mesmos desenvolviam para a Ré, provindo, certamente e dentro de um tal cenário, na sua totalidade ou em grande parte, os rendimentos necessários ao seu sustento e da sua família.
Tentativa de regularização da sua situação contratual - em termos laborais - e recusa ou protelamento da Ré em fazê-lo (cf. Pontos 25, 26, 88, 89 e Documentos de fls. 191 a 196).
Recusa dos Autores em assinarem os sucessivos contratos de prestação de serviços que lhes foram apresentados pela Ré, muito embora os dois últimos tenham subscrito um deles em Julho de 1998 (Pontos 35, 37, 43, 44, 68, 69, 71, 75, 79 e 80 e Documentos de fls. 183 a 186).
No sentido de uma relação jurídica de carácter autónomo, teremos os seguintes factos:
- Assinatura por dois Autores, em Julho de 1998 - os 4.º e 5.º Autores, conforme Ponto 107 e Documento de fls. 127 e 128 e 384 a 395 - de um contrato de prestação de serviços;
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- Apresentação por diversas vezes e por parte da Ré de exemplares de contratos de prestação de serviços que os Autores recusaram assinar (cf. Pontos 34 a 37, 42 a 45, 67 a 71, 74, 75, 79, 80, 88 e 89 e Documentos de fls. 79 a 83, 165 a 182);
- Participação social numa sociedade formada pela Ré (Pontos 113 e 114 e Documento de fls. 125 e 126);
- Não estabelecimento de uma contrapartida pecuniária certa por tais funções (cf. Pontos 6, 7, 21, 26, 27, 61, 66, 72, 86, 87, 99 a 101, 108, 72, 73 e 140 e Documentos de fls. 372 a 375, 378, 379, 400 a 589 e 595 a 598);
- A Ré não entregou ao 2.º Autor (presumimos que a todos os Autores) quantias pecuniárias destinadas a pagar as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal (Ponto 81);
- A Ré não fez seguro de acidentes de trabalho relativamente ao 2.º Autor (presumimos que a todos os Autores), nem lhes liquidou alguma vez subsídio de doença (Ponto 81 e Documento de fls. 132);
- Utilização de viatura própria e pagamento das despesas do seu próprio bolso, ao contrário do que acontecia com os peritos avaliadores que pertenciam ao quadro da Ré (Pontos 139 e 140 e Documento de fls. 132);
- Não pagamento das chamadas feitas ao serviço da Ré, através de telefone particular (Pontos 32 e 33);
- A Ré não emitia recibos relativamente às quantias entregues aos Autores, sem prejuízo destes últimos também o terem deixado de fazer a partir de certa altura (cf. Ponto 66 e Documentos de fls. 396 a 589);
- A Ré não efetuava quaisquer descontos para a Segurança Social e para o IRS (Ponto 46 e Informações de fls. 976 a 1010, 1074 a 1113 e 1117 a 150, prestadas pela Segurança Social e pelas Finanças).
Não escondemos a nossa dificuldade e perplexidade na análise e decisão do eterno e frequente dilema que se coloca aos Tribunais de Trabalho e que respeita à caracterização laboral de muitos vínculos jurídicos dúbios e ambíguos, tanto mais que nos parece que, com a rápida evolução da atividade económica e subsequente criação, transformação e diversificação das formas e tipos contratuais, alguns dos indícios que anteriormente eram reveladores da natureza laboral ou não de uma determinada relação profissional (tal como a prestação autónoma de serviços para só uma empresa, durante todos os dias da semana, por um número mais ou menos idêntico de horas semanais e com o pagamento do mesmo em função do tempo) já perderam grande parte dessa virtualidade, dada a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.) tem vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que houvesse uma efetiva situação de dependência económica, implicava um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura (cf. o que a este propósito, o que diz o Dr. Garcia Pereira no texto denominado “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI” publicado na obra coletiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra, Março de 2004, págs. 55 e seguintes, bem como a Dr.ª Maria do Rosário Palma
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Ramalho na mesma obra, no seu estudo “De la servidumbre al contrato de trabajo” – deambulações em torno da obra de Manuel Alonso Olea e da singularidade dogmática do contrato de trabalho”).
No caso dos autos, tal caracterização não é fácil nem manifesta, mas pensamos que, ainda assim, é possível extrair dos factos assentes a existência de uma situação de subordinação jurídica, traduzida em poderes de orientação, direção e fiscalização (genéricos e concretos, objetivos e continuados) por parte da Ré, nos seus diversos rostos e modalidades, sobre os serviços realizados pelos Autores, relativamente a uma atividade de natureza intelectual e manual, em locais e com parte dos instrumentos de trabalho da entidade beneficiária de tal atividade, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária, ainda que de montante desigual que visa pagar aquela atividade (e não o resultado, melhor dizendo, os múltiplos resultados da mesma) e dentro de um horário de trabalho previamente determinado pela demandada.
Admitimos que a Apelada tivesse querido contratar e tratar os cinco Autores como meros «prestadores de serviços» mas no enquadramento e configuração jurídico-funcional que deu à atividade profissional daqueles, desde o seu início, acabou por imprimir traços cada vez mais intensos e vincados desse outro tipo negocial que é contrato de trabalho, acabando por estabelecer, no fim de contas, uma relação de índole laboral.
Impressiona-nos, desde logo, a existência de um inicial “período experimental” e/ou de formação para os Apelantes, assim como a sua integração numa estrutura hierárquica e organização interna - que impunha, por exemplo, a marcação prévia de férias por parte dos Autores -, em que pontuava a presença constante de chefias e responsáveis, com o poder de alterar, unilateralmente, as vertentes mais importantes e prementes da sua prestação funcional, bem como de condicionarem, temporal e espacialmente, a mesma, havendo, nessa medida, referências esparsas à determinação, controlo e aval daqueles relativamente ao resultado pericial quotidianamente apresentado pelos aqui demandantes (nos Pontos 5, 19, 51 e 52 fala-se em serem «cometidas tarefas», por «indicação da Ré» e «foi destacado», ao passo que, por exemplo, nos Pontos 11, 17, 19, 20, 34, 58, 97 e 112, se alude a chefias, direções e chefe de peritos, e nos Pontos 111, 118 e 127 se menciona a necessidade de aval, confirmação ou verificação das respetivas chefias relativamente aos relatórios individuais de peritagem).
Existe aqui um espaço muito reduzido de manobra e liberdade de atuação por parte dos recorrentes que não pode ser encarado, de ânimo leve, como sendo próprio e característico de um contrato autónomo (?) de prestação de serviços, até porque não só a respetiva atividade era desenvolvida em regime de exclusividade e a tempo inteiro, como alguns dos Autores tinham de se deslocar diariamente às instalações da empresa e de ficarem disponíveis, mesmo quando não existia serviço efetivo, para acorrer a qualquer chamada das oficinas da sua Zona (com especial relevo para as recomendadas), ficando sujeitos igualmente às mudanças organizativas e de funcionamento internas, bem como tecnológicas e técnicas.
Não deixa também de nos causar estranheza a circunstância de vários dos Autores atenderem público, efetuarem pagamentos em representação da Ré, até certo limite monetário (emitindo, para o efeito, cheques), comparecerem em reuniões periódicas por determinação da empresa e realizarem a formação por esta referenciada, num quadro muito mais próximo do vínculo laboral subordinado do que da normal relação de trabalho independente.
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Encontramo-nos perante um caso de fronteira que nos parece dever, contudo, ser reconduzido a um contrato de trabalho.
Os indícios que se deixaram enumerados e que poderiam apontar em sentido inverso – contrato de prestação de serviços – só por si ou em conjunto não possuem a virtualidade de abalar, minimamente, a convicção que acima deixámos exposta, pelas razões seguintes:
1) É muito comum os trabalhadores, a pedido ou por exigência da entidade patronal, emitirem «recibos verdes» (como é usual serem classificados), sem que tal descaracterize, só por si e sem a verificação de outros elementos concomitantes, a relação laboral existente, sendo essa atuação, nomeadamente, um dos expedientes normalmente utilizados para “mascararem” os vínculos laborais com as roupagens dos contratos de prestação de serviços, por constituir uma real redução de custos (recorde-se, aliás, que a Ré a partir de certa altura, com o envio da “carta-cheque” prescindiu da emissão dos mesmos);
2) O argumento acima exposto vale, nos seus precisos termos, para a não realização por parte da Ré dos descontos legais - Segurança Social e IRS -, bem como para a não celebração do seguro de acidentes de trabalho ou do pagamento do subsídio de doença (redução de custos e transferência de responsabilidades para os próprios e para o Estado).
3) O mesmo raciocínio vale, com as devidas adaptações, para o não pagamento da remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal (muito embora houvesse o direito a férias, que, contudo, tinha que ser gozado por cada um dos Autores de maneira a assegurar, segundo tudo indica, a manutenção ao serviço da Ré de um mínimo de peritos avaliadores);
4) O uso de viatura própria e telefone particulares, muito embora seja um indício significativo de uma relação jurídica de prestação de serviços, tem de ser contrabalançado com a circunstância de haver uma série de outro equipamento e demais materiais que é pertença e fornecido pela Ré, sendo certo que quanto às despesas telefónicas ficou demonstrado que esta se havia comprometido a suportá-las, o que não fez, convindo, realçar, finalmente, que existem situações em que o trabalhador subordinado, apesar de utilizar os seus carro, telemóvel ou computador pessoais no âmbito das funções profissionais que executa para o seu empregador, não perde, por essa simples circunstância, tal qualidade jurídica, independentemente de ser ou não devidamente compensado por tal afetação dos referidos bens (realce-se que os recorrentes eram pagos, numa primeira fase, em função também dos quilómetros percorridos, tendo depois a Ré retirado tal parcela - assim como as das refeições, portagens, julgamentos e reconstituições - e substituído por uma contrapartida pecuniária global, cujo montante parece ter aumentado em função dessa unificação);
5) Também não se nos afigura que o facto de os Autores receberem uma contrapartida pecuniária de montante desigual e definida à peça ou em função de cada peritagem feita (e que a partir de certa altura passou a englobar as outras rubricas ou parcelas liquidadas pela Apelada) tem a virtualidade de, só por si ou mesmo em conjunto com os demais elementos acima enumerados, de qualificar como autónoma a relação dos autos, não só porque os mesmos acabam por ser pagos periódica/mensalmente, em valores que segundo a Ré são superiores aos auferidos segundo o CCT, deles retirando, presumivelmente, o seu sustento e da família como, finalmente, os comissionistas ou os assalariados com uma retribuição mista também não recebem quantias pecuniariamente certas e iguais
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em cada período de pagamento pela entidade empregadora (cf., a este respeito, António Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 466 e 467, com especial relevância para a Nota (1)]
6) A participação social (aliás, simbólica) dos Autores na empresa …, SA não é incompatível com o estatuto de subordinação jurídica dos trabalhadores, sendo certo que tal realidade, bem como as múltiplas tentativas da Ré no sentido dos Autores subscreverem os «contratos de prestação de serviços» que ela lhes apresentou por diversas vezes, revela muito da inquietação e incerteza da recorrida quanto à índole genuína dos ditos vínculos, realçando a possibilidade de se estar, afinal, perante «contratos de trabalho escondidos com o rabo de fora»;
7) Resta-nos abordar o caso da assinatura pelos quarto e quinto Autores de um denominado «contrato de prestação de serviços» celebrado com a Ré para dizer que a denominação que as partes dão aos negócios jurídicos que firmam não vincula o intérprete – neste caso, o julgador –, como porque, quer os Documentos de fls. 380 a 387 e 178 a 182, datados, respetivamente, de Outubro de 1997, Julho de 1998 e de 2/12/2003 e o Ponto 37, apontam em sentido diverso.
Importa atentar nos primeiros Documentos indicados - fls. 380 a 383 -, onde, em paralelo à participação na tal sociedade a que já fizemos antes referência do Apelante … (que começou em Abril de 1996 a sua atividade profissional para a Ré), é-lhe dada a possibilidade de ficar, em alternativa, ligado juridicamente a esta por um contrato de prestação de serviços ou por um contrato de trabalho, tendo este manifestado a sua opção por este último (cf. menção por debaixo da sua assinatura, a fls. 383 dos autos), vindo depois - em circunstâncias e condições não apuradas mas que tudo indica terem sido impostas unilateralmente pela Apelada -, por firmar o tal contrato de prestação serviços de Julho de 1998, o que já não reafirmou, relativamente aquele de Dezembro de 2003, talvez por entender que o mesmo não refletia a verdadeira natureza jurídica do vínculo com a Ré (pelo menos, em termos supervenientes, derivados da própria dinâmica da relação).
Já no que toca ao quinto Autor … (que, realce-se, inicia funções em Maio de 1991), constata-se que este opta, em 1997, pela prestação de serviços bem como assina em Julho de 1998 o mesmo, mas, posteriormente (pelo menos, em Dezembro de 2003), acaba por adotar uma atitude de negação idêntica à dos demais Autores, presumivelmente pelos mesmos motivos indicados para o Autor anterior, abjurando dessa forma o dito acordo escrito de cariz juridicamente autónomo, sendo certo que, quer relativamente a um como a outro, a realidade material e quotidiana traduzida na prática da empresa Ré para com a sua prestação funcional prevalece sobre a letra dos ditos contratos.
Logo, tendo em atenção a matéria de facto dada como assente e a noção de contrato de trabalho contida nos artigos 1152.º do Código Civil e 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408 de 24/11/1969, afigura-se-nos que o desempenho de funções por banda dos Autores, como “peritos avaliadores”, para o Réu, configura a existência de um acordo “pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”, isto é, de um verdadeiro e genuíno contrato de trabalho subordinado celebrado com a Ré ....
Sendo assim, mostra-se verificada a natureza laboral do contrato que ligou os Autores à aludida Ré e que justifica, consequentemente, chamarem-se à colação as competentes normas reguladoras desse contrato, convindo realçar que
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tendo a relação jurídica estabelecida entre as partes tido a sua génese em acordos verbais celebrados em Maio de 1988, Maio de 1993, Janeiro de 1994, Abril de 1996 e Maio de 199, têm aqueles de ser encarados como contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Logo, com a presente decisão, que implica a procedência do recurso de Apelação e a revogação da sentença recorrida, impõe-se passar a abordar, nos termos do artigo 715.º, número 2, do Código de Processo Civil o conhecimento e julgamento das demais questões pendentes.
E – REGULAMENTAÇÃO COLETIVA APLICÁVEL Muito embora os Autores façam referência, na sua petição inicial e com vista
a reforçar a sua tese, ao CCT aplicável à atividade seguradora, naturalmente que só com a qualificação do vínculo jurídico que os ligava à Ré como emergente de um contrato de trabalho é que se justifica chamar à colação a Regulamentação Coletiva aplicável, impondo-se referir também as Portarias ou Regulamentos de Extensão que foram entretanto publicadas, dado não haver notícia (como é natural) da sindicalização dos Apelantes.
Tal Contratação Coletiva é a seguinte: 1) BTE n.º 38, de 15/10/1979 (Texto Integral); 2) BTE n.º 16, de 29/04/1980 (Constituição da Comissão Paritária) 3) BTE n.º 38, de 15/01/1980 (Alteração salarial e outras); 4) BTE n.º 5, de 8/01/1982 (Texto Integral); 5) BTE n.º 33, de 8/08/1982 (Portaria de Extensão); 6) BTE n.º 1, de 8/01/1983 (Alteração salarial e outras); 7) BTE n.º 1, de 8/01/1984 (Texto Integral); 8) BTE n.º 14, de 15/04/1984 (Retificação ao CCT referido em 7)]; 9) BTE n.º 2, de 15/01/1985 (Alteração salarial e outras); 10) BTE n.º 11, de 22/03/1985 (Portaria de Extensão do CCT referido em 7); 11) BTE n.º 39, de 26/10/1985 (Portaria de Extensão do CCT referido em 9); 12) BTE n.º 3, de 22/01/1986 (Texto Integral); 13) BTE n.º 16, de 29/04/1986 (Retificação ao CCT referido em 12)]; 14) BTE n.º 3, de 22/01/1987 (Alteração salarial e outras); 15) BTE n.º 20, de 29/05/1987 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/02/1987); 16) BTE n.º 22, de 15/06/1987 (Retificação à Portaria de Extensão referida
em 15)]; 17) BTE n.º 10, de 15/03/1988 (Alteração salarial e outras); 18) BTE n.º 13, de 8/04/1989 (Alteração salarial e outras); 19) BTE n.º 19, de 22/05/1990 (Alteração salarial e outras); 20) BTE n.º 20, de 25/09/1991 (Texto Integral); 21) BTE n.º 2, de 15/01/1992 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/06/1991); 22) BTE n.º 23, de 22/06/1992 (Alteração salarial e outras); 23) BTE n.º 42, de 15/11/1992 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/06/1992); 24) BTE n.º 29, de 8/08/1993 (Alteração salarial e outras);
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25) BTE n.º 11, de 22/03/1994 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial: 1/12/1993);
26) BTE n.º 23, de 22/06/1995 (Texto Integral); 27) BTE n.º 39, de 22/10/1995 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/01/1995); 28) BTE n.º 24, de 29/06/1996 (Alteração salarial e outras); 29) BTE n.º 40, de 29/10/1996 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/07/1996); 30) BTE n.º 25, de 8/07/1997 (Alteração salarial e outras); 31) BTE n.º 13, de 08/04/1998 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/07/1997); 32) BTE n.º 25, de 8/07/1998 (Alteração salarial e outras); 33) BTE n.º 39, de 22/10/1998 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/07/1998); 34) BTE n.º 27, de 22/07/1999 (Alteração salarial e outras); 35) BTE n.º 47, de 22/12/1999 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/07/1999); 36) BTE n.º 29, de 8/8/2000 (Alteração salarial e outras); 37) BTE n.º 21, de 8/6/2001 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/07/2000); 38) BTE n.º 29, de 8/08/2001 (Alteração salarial e outras); 39) BTE n.º 01, de 8/01/2002 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/07/2001); 40) BTE n.º 29, de 8/08/2002 (Alteração salarial e outras); 41) BTE n.º 27, de 22/07/2003 (Alteração salarial e outras); 42) BTE n.º 43, de 22/11/2003 (Portaria de Extensão - Tabela Salarial:
1/07/2003); 43) BTE n.º 34, de 15/09/2004 (Alteração salarial e outras - texto
consolidado); 44) BTE n.º 18, de 15/05/2005 (Regulamento de extensão - Tabela Salarial:
20/05/2005 - 5.º dia após a publicação); 45) BTE n.º 33, de 8/09/2005 (Alteração salarial e outras); 46) BTE n.º 22, de 15/06/2006 (Regulamento de extensão - Tabela Salarial:
1/01/2005); 47) BTE n.º 30, de 15/08/2006 (Alteração salarial e outras); 48) BTE n.º 8, de 1/03/2007 (Regulamento de extensão - Tabela Salarial:
1/01/2006); 49) BTE n.º 29, de 8/08/2007 (Alteração salarial e outras); 50) BTE n.º 32, 29/08/2008 (Alteração salarial e outras - texto consolidado); 51) BTE n.º 28, de 8/08/2009 (Regulamento de extensão - Tabela
Salarial/subsídio de refeição: 1/01/2008); 52) BTE n.º 29, de 8/08/2009 (Alteração salarial e outras); 53) BTE n.º 2, de 15/02/2012 (CCT- revisão global); 54) BTE n.º 19, de 22/05/2012 (Deliberação da comissão paritária). F – PONTO DA SITUAÇÃO Julgamos importante fazer aqui, com referência ao litígio dos autos, um
ponto da situação, pois encontramo-nos perante cinco peritos avaliadores que
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desempenharam as funções correspondentes ao abrigo formal de contratos de prestação de serviços, tendo as respetivas relações com a Ré, nas suas diversas personificações jurídicas, designadamente, em termos remuneratórios, indo sendo definidas pela Apelada ao longo do longo tempo decorrido (entre 16 anos e 8 anos)5 em função desse perfil contratual pretensamente autónomo ou liberal (cfr. a este respeito, os Pontos mencionados na Nota 3).
Logo, muito embora tais relações se desenrolassem a tempo inteiro e com carácter de exclusividade - o que indicia fortemente, como já deixámos anteriormente assinalado, a existência de uma situação de dependência económica dos Autores relativamente à Seguradora -, a Ré, com o estabelecimento mais ou menos unilateral e forçado do seu conteúdo funcional e remuneratório, lograva transferir uma parte das despesas e encargos fiscais pelos serviços prestados pelos Apelantes para estes últimos (ao contrário do que aconteceria se fossem relações de trabalho subordinado que justificassem material e juridicamente, desde início ou, pelo menos, a partir de certa fase, a atividade executada pelos mesmos).
Não será despiciendo enumerar aqui algumas dessas responsabilidades transferidas para os recorrentes, bastando falar no seguros de saúde - a existir - e de acidentes pessoais ou equivalente (ao invés do seguro de acidentes de trabalho para os trabalhadores subordinados, suportado pela Ré), contribuições para a Segurança Social (que só eram feitas pelos Autores)6, pagamento de IVA7 (o que não acontece com o trabalho assalariado), taxa diferente de IRS8, utilização de viaturas próprias nas deslocações de serviço, com a assunção das diversas vertentes de tal uso em nome próprio (ainda que como empresário em nome individual), como são o seguro, revisões, inspeções, reparações, abastecimento, manutenção e desgaste da viatura (perda do valor comercial), portagens9, refeições (ao contrário do recebimento do subsídio de refeição ou alimentação)10 e chamadas telefónicas11, gozo de férias por sua conta e risco,
5 Os Autores, conforme os pontos de Factos e /ou os documentos que os complementam,
que a seguir serão indicados, estiveram ligados à Ré, de uma forma direta ou indireta, durante os seguintes períodos temporais:
- 1.º Autor: 5/1988 a 30/09/2004 (pontos 1., 43., 44. e Documento n.º 99, de fls. 187); - 2.º Autor: 5/1993 a 30/09/2004 (pontos 53. e 80. e Documento n.º 104, de fls. 193 e
194); - 3.º Autor: 1/1994 a 30/09/2004 (pontos 82. e Documento n.º 100, a fls. 188); - 4.º Autor: 4/1996 a 30/09/2004 (pontos 105. e Documento n.º 101, a fls. 189); - 5.º Autor: 5/1991 a 30/09/2004 (pontos 119.º e Documento n.º 102, a fls. 190). 6 Cfr. Pontos 46 e 81. 7 Cfr. Pontos 152 a 155, para além da documentação referida em tais pontos e que lhes
serve de suporte e dos recibos juntos aos autos e relativos aos honorários recebidos pelos Autores. 8 Cfr. Ponto 152, para além para além da documentação referida em tal ponto e dos recibos
juntos aos autos e relativos aos honorários recebidos pelos Autores 9 Cfr. Pontos 139 e 140 acerca de algumas das diferenças de tratamento entre os Autores e
demais peritos avaliadores em regime de “contrato de prestação de serviços” e os restantes peritos avaliadores em regime de contrato de trabalho.
10 A partir, pelo menos, de Outubro de 1992, a Ré foi deixando de pagar quantias várias pelos serviços de peritagem, quilómetros, portagens e refeições, substituindo progressivamente tal prática pela liquidação aos Autores, em momentos concretamente não apurados relativamente a alguns deles, de uma quantia única por peritagem realizada ou tentada (cfr., Pontos 6,7, 20,21, 27, 61,66, 86, 87, 99, 100, 108 e 152 a 155 da Factualidade Provada).
11 Cfr. Pontos 32, 33, 101 e 102 dos Factos dados como Provados.
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sem a perceção da inerente retribuição e correspondente subsídio, bem como do subsídio de Natal12, etc.
Afigura-se-nos importante realçar ainda as diferenças ao nível das condições de prestação dos serviços (quer no plano das zonas cobertas como no modo, suporte e disponibilidade para a sua realização), bem como, principalmente, dos tempos de trabalho e de repouso, que, para os prestadores de serviços, não tem limites jurídicos mas só humanos e físicos, ao contrário do que ocorre com os funcionários ligados à Companhia de Seguros por contrato de trabalho, para mais, numa atividade exigente, incerta e imprevisível como é a da peritagem automóvel (logo, ali nunca haveria lugar ao pagamento de trabalho suplementar ao contrário do que acontecia com os peritos assalariados).
Importa lembrar que, ao contrário do que pretende a Ré, tais vínculos jurídicos – sujeitos, aliás, a diversas alterações e vicissitudes, que são reflexo, naturalmente, das inflexões e transformações, que a empresa sofreu, quer ao nível interno, como externo – nunca se pautaram pela unanimidade ou consenso entre as partes envolvidas, descortinando-se na Factualidade dada como Provada, sinais de uma indefinição13 e/ou tensão, mais ou menos latente, entre elas,
12 Cfr. Pontos 131, 137 e 81 da Factualidade Provada. 13 Os seguintes factos demonstram isso mesmo (remetendo-se ainda para o teor das cartas
enviadas pela Ré aos Autores com vista a pôr fim à relação profissional existente a partir de 30/09/2004 e a resposta dos mesmos a tais missivas), embora não se ignore que, nesta matéria, se evidenciam canários factuais muito diversos entre os três primeiros demandantes e os demais:
-1.º Autor «8 - A questão da passagem do 1.º Autor para os quadros da Ré foi por diversas vezes
colocada a nível superior;» 24 - Não obstante todas estas transmissões ou fusões, o 1.º Autor continuou a trabalhar
nos mesmos moldes sem nunca ter assinado nenhum contrato; 25 - Por insistência do 1.º Autor para a regularização da sua situação, o mesmo passou a
ouvir do Sr. Eng.º … que, se estivesse mal, se mudasse; 34 - Em Dezembro de 2001, foi entregue ao 1.º Autor, pelo Sr. …, Chefe de Peritos, um
contrato de prestação de serviços, para que o mesmo assinasse tal como lhe era apresentado; 35 - Ao que o 1.º Autor se negou; 36 - A Ré voltou a apresentar-lhe um novo contrato de prestação de serviços volvido um
ano, tendo o Autor recusado novamente assiná-lo; 37 - Foi então feita uma reunião com os peritos, presidida pelo Eng.º … e o pelo Eng.º … no
sentido de todos os Autores assinarem o contrato, o qual nenhum assinou; 42 - Em Julho de 2004, o 1.º Autor foi chamado ao Administrador da …, Dr. …, a fim de
assinar o contrato de "prestador de serviços"; 43 - Sendo então advertido de que, caso não assinasse, a partir de 30/09/2004 a
Companhia deixava de lhe dar serviço; 44 - O que efetivamente se veio a confirmar passados uns dias, tendo-lhe sido enviada carta
registada, carta essa assinada pelo Administrador Sr. Dr. … e pelo Diretor Coordenador Sr. Dr. …, e na qual a Ré refere "ter cessado a sua prestação de serviços"».
- 2.º Autor 67 - Em Dezembro de 2001 foi-lhe entregue um contrato de prestação de serviços, pelo
chefe Lourinhã, para que este o assinasse; 68 - O qual não assinou qualquer contrato; 69 - Volvido cerca de um ano, foi-lhe novamente apresentado, desta feita pelo Sr. Eng.º …, o
mesmo contrato - aliás à semelhança do que aconteceu com os outros Autores - tendo o 2.º Autor voltado a recusar assinar o mesmo;
70 - Pelo que, posteriormente, o mesmo foi chamando para uma reunião com todos os peritos, incluindo os aqui Autores, o Diretor … e Eng.º …, tentando que os mesmos assinassem os contratos de "prestação de serviços" que lhe eram apresentados;
71 - O que estes rejeitaram;
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durante o tempo em que os Autores foram peritos avaliadores da recorrida, relativamente à exata natureza, conteúdo e qualificação dos contratos que ligava uns e outros, sendo as cartas de resposta dos cinco demandantes às missivas de rescisão daqueles, um derradeiro e expressivo testemunho desse clima de discordância quanto a essa problemática.
Este último aspeto tem uma grande relevância jurídica, em termos de enquadramento e qualificação da conduta dos Apelantes, designadamente, para efeitos da aplicação do princípio da boa-fé, quer durante a vida dos respetivos contratos, como depois da sua cessação e atendendo à propositura desta ação e às pretensões nelas formuladas (cfr., respetivamente, os artigos 227.º, 762.º, número 2 e 334.º do Código Civil) ou mesmo em termos de fraude à lei (artigo 21.º do mesmo texto legal).
Pensamos que a recorrida nunca se poderá afirmar defraudada, atraiçoada ou sequer surpreendida com a propositura destes autos como de grande parte dos pedidos neles formulados, por uns e outros decorrerem, naturalmente, quer da divergência que, ciclicamente, foi surgindo no seio da Ré, relativamente à natureza jurídica dos vínculos que a uniam aos seus (formalmente) peritos avaliadores/prestadores de serviços, quer da qualificação dos mesmos como emergentes de contratos de trabalho, quer, finalmente, da forma como fez cessar a relação profissional em causa.
74 - Posteriormente, o Eng.º …, à semelhança do que ocorreu com os outros Autores, colocou-lhe à frente uma carta cheque, correspondente ao valor do prémio que deveria auferir, e contrato de prestação de serviços, afirmando que apenas lhe pagaria o prémio em questão caso este assinasse de imediato o referido contrato;
75 - Pretensão a que o 2.º Autor não acedeu; 79 - Em Junho de 2004, o 2.º Autor foi chamado junto de um administrador, para assinar o
contrato de "Prestação de Serviços", à semelhança do que sucedeu com os outros Autores, com o aviso de que se não assinasse o contrato, a companhia deixava de lhe dar serviços, logo a partir do dia 30 de Setembro de 2004;
80 - O que efetivamente veio a acontecer, tendo o 2.º Autor, passado alguns dias, recebido uma carta registada, assinada por o …, e pelo …, com vista à "Cessação do Contrato de prestação de serviços de peritagem", com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2004;
- 3.º Autor 88 - O 3.º Autor expôs por diversas vezes a situação da sua relação laboral superiormente,
no sentido de a mesma ser regularizada; 89 - Sempre obtendo da Ré, nomeadamente através do Dr. … e do Eng.º …, a informação de
que a sua situação estava a ser resolvida, e que o iria ser o mais breve possível; 37 - Foi então feita uma reunião com os peritos, presidida pelo Eng.º … e o pelo Eng.º … no
sentido de todos os Autores assinarem o contrato, o qual nenhum assinou; - 4.º Autor 107 - Porém, findo o referido período, o 4.º Autor celebrou com a Ré um contrato de
prestação de serviços, em 01/06/1996. 37 - Foi então feita uma reunião com os peritos, presidida pelo Eng.º … e o pelo Eng.º … no
sentido de todos os Autores assinarem o contrato, o qual nenhum assinou; 70 - Pelo que, posteriormente, o mesmo foi chamando para uma reunião com todos os
peritos, incluindo os aqui Autores, o … e Eng.º …, tentando que os mesmos assinassem os contratos de "prestação de serviços" que lhe eram apresentados;
- 5.º Autor 37 - Foi então feita uma reunião com os peritos, presidida pelo Eng.º … e o pelo Eng.º … no
sentido de todos os Autores assinarem o contrato, o qual nenhum assinou. 70 - Pelo que, posteriormente, o mesmo foi chamando para uma reunião com todos os
peritos, incluindo os aqui Autores, o Diretor … e Eng.º …, tentando que os mesmos assinassem os contratos de "prestação de serviços" que lhe eram apresentados;
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G – REMUNERAÇÃO-BASE MENSAL ILÍQUIDA DOS AUTORES A questão que tem de ser colocada aqui – até por interpelação direta dos
Apelantes – respeita à determinação quantitativa da retribuição-base auferida e devida pela Ré aos mesmos.
Os demandantes, a esse respeito, pedem o seguinte: «d) Declare que os Autores auferem as seguintes remunerações base: i. 1.º Autor: € 3.612,36 ii. 2.º Autor: € 2.839,77 iii. 3.º Autor: € 2.614,17 iv. 4.º Autor: € 1.401,00 v. 5.º Autor: € 2.000,00». Se confrontarmos tal pretensão, quer com o teor da petição inicial, quer com
os factos dados como provados e não provados, constatamos que nada foi alegado, em termos de causa de pedir, nem sequer ficou demonstrado, em termos de Factualidade Assente, que nos permita compreender a base material e o subsequente raciocínio jurídico que presidiram à determinação e cálculo dos aludidos valores, bem como concluir nos moldes procurados pelos Autores.
Não ignoramos, naturalmente, a documentação junta pela Ré a fls. 396 e seguintes (recibos verdes), bem como o teor da reconvenção, onde se apresentam, a fls. 333 a 336, quadros-síntese dos “honorários anuais” recebidos por cada um deles, mas não se consegue atingir quantias médias mensais sequer aproximadas das peticionadas a este propósito pelos recorrentes, quer se dividam tais “honorários” por 11 ou 12 meses.
Importa, por outro lado, realçar que, para efeitos de aplicação do princípio da irredutibilidade da retribuição, previsto, em moldes genéricos, no artigo 122.º, alínea d) do Código do Trabalho de 2003, as realidades «remuneratórias» em presença e em confronto são muito diversas qualitativa e quantitativamente e, por tal razão, de muito difícil ou impossível comparação e equiparação, para efeitos de concretização prática e jurídica de tal princípio (cfr. o que já se deixou dito no Ponto anterior acerca das diferenças qualitativas e quantitativas existentes entre um padrão remuneratório suportado numa relação autónoma, de prestador de serviços e aquele outro radicado numa relação de trabalho subordinada).
Ao passo que, até 30/09/2004, a Ré pagava aos Autores como se eles fossem meros prestadores de serviços, correndo por conta deles, como já deixámos analisado no Ponto H, diversos encargos pessoais (por exemplo, contribuições para a segurança social e seguro de acidentes pessoais ou de trabalho) ou profissionais (utilização de carro próprio, com as inerentes despesas no plano do seguro-automóvel, combustível, manutenção e conservação, portagens, etc.), que parece terem sido considerados/englobados, pelo menos em parte, no estabelecimento, numa segunda fase, do montante único - depois sucessivamente atualizado - dos honorários, por cada peritagem completa ou incompleta efetuada, já no âmbito do contrato de trabalho e com referência aos peritos (avaliadores) assalariados da Ré, o quadro jurídico dele derivado, em termos de retribuição e demais direitos, regalias, garantias e encargos derivados das funções por eles desenvolvidas, transfere para a entidade empregadora o risco e a assunção dos mesmos.
Logo, o pedido dos Autores aqui em apreciação terá de ser julgado improcedente por não provado na exata medida em que excede os valores
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mínimos constantes das tabelas salariais previstas na regulamentação coletiva aplicável aos Autores, a determinar em função da categoria que lhes deverá ser atribuída, por força das funções que normal e habitualmente exerceram e do tempo de serviço que possuem até 31/01/2013 (data que se fixa para efeitos de facilidade dos cálculos a realizar no quadro deste Aresto, em cumprimento do disposto no artigo 75.º do Código do Processo do Trabalho).
H – CATEGORIA PROFISSIONAL DOS AUTORES Importa, como primeira operação a realizar no complexo processo de
definição do estatuto sócio-profissional dos Autores no seio da empresa Ré, atribuir uma categoria ao conjunto de tarefas que eram quotidianamente executadas e que formaram a essência de tal prestação funcional, importando, por um lado, chamar os factos dados como assentes e que refletem essa realidade, bem como as normas legais sucessivamente aplicáveis (artigos 1.º, 5.º, 21.º, número 1, alínea d), 22.º e 23.º da LCT e 10.º, 111.º, 122.º, alínea e), 151.º, 313.º e 314.º do Código do Trabalho de 2003), sem esquecer, finalmente, as cláusulas da contratação coletiva que deixámos acima identificada e que são relevantes para tal matéria14.
A factualidade pertinente é a constante dos Pontos 1 a 5, 9, 17, 53, 54, 58 a 60,77, 82 a 85, 90 a 96, 105, 106, 108 a 112, 119, 122, 123, 126, 127, 132, 139, 140,143, 147 e 14815.
14 Cláusulas 10.ª a 13.ª e Anexo III do CCT publicado no BTE 3/86, 8.ª e 9.ª e Anexo III) do CCT publicado no BTE n.º 20/1991, 8.ª e 9.ª e Anexo III) do CCT publicado no BTE n.º23/1995 e 8.ª e 9.ª e Anexo III) do CCT publicado no BTE n.º 34/2004.
15 «1 - O 1.º Autor iniciou a sua atividade na então "C.ª DE SEGUROS …", em Maio de 1988; 2 - … Para exercer as funções de Perito Avaliador do ramo automóvel; 3 - Posteriormente o 1.º Autor teve formação durante alguns dias; 4 - Após esse período, o 1.º Autor iniciou as funções de Perito Avaliador; 5 - Sendo-lhe cometidas tarefas como averiguações, definição de responsabilidades,
deslocações aos locais dos acidentes, reconstituições e idas a Tribunal; 9 - Ao 1.º Autor foi atestado um documento pela Direção e Administração, atribuindo-lhe
um plafond de 750.000$00 (setecentos e cinquenta mil escudos) para que o mesmo procedesse a pagamentos em nome e por conta desta (Doc. 1), e foi-lhe autorizada a entrada na Companhia das 8.00 horas às 20.00 horas (Doc.2);
17 - Durante alguns anos, o 1.º Autor desenvolveu na supramencionada zona o serviço de peritagens, averiguações, e reconstituições, sendo então chefe o Sr. …, e quando este se encontrava de Férias, o Sr. … ou Sr. …;
53 - O 2.º Autor iniciou a sua atividade na então Companhia de Seguros B… em Maio de 1993;
54 - Para exercer funções de Perito Avaliador do Ramo Automóvel; 58 - Recebendo e entregando serviços nas supracitadas instalações, recebendo indicações
do Sr. Alberto Macedo, conferenciando com os gestores de sinistros e fazendo atendimento; 59 - Ao 2.º Autor foi atribuído um "plafond" de 750.000 escudos para pagamentos, sendo
que a partir desse valor o mesmo teria que dar conhecimento ao superior hierárquico; 60 - Passando cheques em nome e por conta da Ré, aliás à semelhança do que acontecia
com os outros Autores; 77 - Tendo os Autores voltado a Saragoça no ano subsequente para novos cursos de
formação de reparação de automóveis ligeiros, motociclos, veículos pesados, de peritagens e de outras reparações;
82 - O 3.º Autor iniciou a sua atividade na então COMPANHIA DE SEGUROS … em Janeiro de 1994;
83 - Para exercer as funções de Perito Avaliador do ramo Automóvel; 84 - Seguindo-se um período inicial de formação;
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85 - Após esse período, o 3.º Autor iniciou funções de Perito Avaliador; 90 - Ao 3.º Autor, à semelhança dos restantes Autores, foi atestado um documento pela
Direção e pela Administração da sua companhia, com um plafond de setecentos e cinquenta mil escudos que o mesmo passava cheques por conta da e em nome da Ré;
91 - No início das suas funções como perito avaliador, o 3.º Autor estava afeto a diversas zonas, como Vila Franca, Alcoentre; Alenquer, Samora Correia, Azambuja, Aveiras e Margem Sul do Tejo;
92 - Sendo que era ainda indicado - mais uma vez à semelhança dos outros Autores - pela COMPANHIA SEGUROS …, como testemunha em julgamentos, indicado na qualidade de seu perito;
93 - Para o exercício cabal das funções que lhe estavam cometidas este Autor utilizava as instalações e os meios da Companhia … a qualquer hora do dia;
94 - Onde, aliás, recebia e enviava via fax, todo o serviço que lhe era entregue; 95 - Atendia via telefone vários segurados, terceiros e proprietários das diversas oficinas; 96 - E, recebia pessoalmente os mesmos; 105 - O 4.º Autor iniciou a sua atividade na então COMPANHIA DE SEGUROS … em Abril
de 1996; 106 - Paralelamente ao sucedido com os outros Autores, o 4.º Autor foi sujeito a um período
experimental; 108 - O seu desempenho na seguradora consistia em peritar veículos sinistrados, pelos
quais a empresa lhe pagava conforme quantias constantes do contrato de prestação de serviços e do contrato coletivo de trabalho, nomeadamente um valor por peritagem concluída e devolvida, km, portagens, almoços e deslocações a tribunal;
109 - Por iniciativa da Ré foram distribuídos livros de cheques aos peritos, incluído ao 4.º Autor, que deveriam ser utilizados para a liquidação imediata aos reparadores, após a elaboração dos respetivos relatórios de peritagens;
110 - Passando o 4.º Autor, em nome da Ré ou das suas antecessoras, cheques que também funcionavam para liquidações imediatas, aos proprietários dos veículos sinistrados;
111 - Ao 4.º Autor era determinada a passagem diária pelas instalações da seguradora Império, para entregar os relatórios manuais de peritagem às respetivas chefias, sendo que apenas só após do aval dos mesmos, podia proceder à introdução informática do serviço diário;
112 - À semelhança dos seus colegas da …, a sua presença era solicitada nas reuniões mensais com o diretor de sinistros, as chefias e os peritos de todo o País;
119 - O 5.º Autor iniciou a sua atividade na então COMPANHIA DE SEGUROS …, em Maio de 1991, para exercer as funções de perito Avaliador;
122 - Período este onde se deslocou a várias oficinas, de Vila Franca de Xira, onde foi apresentado como perito avaliador da Ré;
123 - Após a formação inicial, o 5.º Autor passou a exercer as funções de perito avaliador; 126 - Desempenhando o 5.º Autor, à semelhança dos outros Autores as mesmas funções
que os peritos dos quadros da Ré, ou suas antecessoras, tarefas em tudo igual à destes; 127 - Ao 5.º Autor eram distribuídos serviços, que este devia entregar no dia seguinte,
mediante a entrega de relatórios que numa primeira fase eram manuscritos, e que eram posteriormente verificados pelas chefias;
132 - Em 1997, foi implantado na companhia o sistema AUDATEX, altura em que o 5.º Autor fez um curso de formação nas instalações da AUDATEX PORTUGAL;
139 - O Autor e outros peritos designados e considerados pela ora contestante (como antes também pela …) como "prestadores de serviços" ou "tarefeiros" utilizavam no serviço viaturas próprias e não lhe eram pagas despesas referentes às mesmas;
140 - Os "peritos" que eram considerados "do quadro" tinham uma remuneração mensal fixa e utilizavam viaturas cedidas pela Companhia, sendo-lhes pagas as despesas inerentes à utilização das mesmas, designadamente, revisões, reparações e seguros, e posteriormente passaram a utilizar viatura própria adquirida por meio de empréstimos com condições especiais proporcionadas pela Ré …, passando a receber também o valor das despesas de deslocação e de quilometragem;
143 - O "AUDATEX" - que é um sistema de orçamentação, - permite a elaboração do relatório da peritagem na oficina reparadora onde o veículo é vistoriado, mediante a introdução de dados, efetuando automaticamente os cálculos dos preços das peças a substituir e da mão-de-obra necessária para efetuar a reparação;
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Não será igualmente despiciendo atentar nas posições das partes nos seus articulados e em alguns dos documentos juntos aos autos (recibos e os acordos e contratos elaborados pela Ré, quer tenham ou não sido assinados por algum dos Autores), que indicam um consenso relativamente à atividade desenvolvida ao longo dos anos e à sua recondução à profissão de perito (avaliador).
A categoria de perito acha-se definida nos Anexos III dos instrumentos de regulamentação coletiva identificados na Nota 11, nos seguintes moldes:
«2.28 — Perito. — É o trabalhador cuja atividade exclusiva consiste em ouvir testemunhas e ou colher elementos necessários à instrução de processos de sinistros e ou averiguar acidentes e ou proceder à avaliação e ou liquidação de sinistros e ou efetuar peritagens e ou definir responsabilidades.»
Ora, do confronto entre os factos indicados e os documentos que os complementam e/ou que se acham juntos aos autos com tal noção convencional da categoria de perito e das funções que a integram, parece-nos não haver dúvidas quanto à circunstância de os Autores executarem, com carácter de permanência e continuidade, serviços próprios, integrantes e característicos de tal categoria.
Temos assim para nós que a denominação profissional da atividade desenvolvida pelos recorrentes deve a ser a de «peritos».
Não se ignora, naturalmente, que tal categoria de «perito» se desdobra ou multiplica por diversas subcategorias ou níveis hierárquicos e de responsabilidade funcional acrescida, como são as de, num sentido ascendente, «Perito-Estagiário»16, «Perito» (a acima transcrita e abordada), «Perito-Subchefe»17 e «Perito-Chefe»18.
A factualidade dada como provada não nos permite afirmar minimamente que qualquer um dos Autores, apesar do período experimental e de formação iniciais, foram admitidos como estagiários da Ré, parecendo-nos antes que, depois daquela fase de adaptação, assumiram, desde logo, tais funções de peritos-avaliadores em toda a sua plenitude e com total autonomia técnica.
Inexistem, igualmente, factos que nos consintam sequer admitir que qualquer um dos Autores desempenhava tarefas de chefia ou que, não as desenvolvendo, assessorava quem tinha tal categoria/cargo.
Sendo assim será a referida categoria de «peritos» que irá ser considerada no quadro deste Aresto, reconhecendo-se, nessa medida, a mesma aos Autores, conforme, aliás, era peticionado pelos mesmos.
I – ORDENADOS BASE E ORDENADOS MÍNIMOS
147 - E permitia aos Autores não só enviar informaticamente os relatórios das peritagens,
para a Ré (sem ter que se deslocar às instalações destas), como também permitia a receção pelos 1.º, 2.º e 3.º Autores, por transmissão informática, das marcações de peritagens, que lhe eram comunicadas pela Ré;
148 - E no caso de oficinas recomendadas (e utilizadoras do canal de comunicação "SINTRA") a Ré poderia enviar o pedido de peritagem à própria oficina, pela qual o perito passaria e realizaria a peritagem, cujo relatório era enviado diretamente da oficina para a Ré;
16 2.31 - Perito estagiário.- É o trabalhador que se prepara para exercer as funções de perito e executa funções da competência deste.
17 2.15 - Perito-subchefe. - É a categoria mínima que deve ser atribuída ao perito que coadjuva o perito-chefe com carácter permanente e o substitui na sua ausência.
18 2.10 - Perito-chefe. - É o perito que dirige uma secção técnica de peritagem, coordenando tecnicamente um grupo de, pelo menos, quatro peritos.
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Chegados aqui, interessa determinar as retribuições-base (na expressão utilizada pela regulamentação coletiva, o «ordenado base»19), tendo, designadamente, em conta as Cláusulas 23.ª, 27.ª e 28.º do CCT do BTE n.º 3/86 e 14.ª, 18.ª e 19.ª dos CCT’s dos BTE n.ºs 20/1991, 23/1995 e 34/2004, reproduzindo-se em baixo, na parte que para aqui interessa, as que se mostram inseridas no último instrumento, que são idênticas às anteriores:
Cláusula 14.ª
Promoções obrigatórias 1 - (…) 3 - Os estagiários comerciais e os peritos estagiários são promovidos, respetivamente, a
técnicos comerciais do nível IX e a peritos do nível IX logo que completem dois anos na categoria e na empresa e promovidos ao nível X logo que completem sete anos de permanência no nível IX.
Cláusula 18.ª Tempo de serviço para promoção
Sempre que neste CCT se faça referência ao tempo de serviço como requisito de promoção, esse tempo deve ser contado a partir do início das funções em causa, sem dar lugar a qualquer pagamento a título de retroativos, salvo quando neste CCT se dispuser expressamente em contrário.
Cláusula 19.ª Início dos efeitos da promoção
As promoções produzem efeitos a partir do 1.º dia do mês em que se verificarem. Face a tais normas convencionais e não tendo ficado minimamente
demonstrado que os Autores tiverem um período inicial e prolongado de estágio - o que seria, aliás, incompatível, com a natureza liberal que a Ré pretendeu atribuir aos vínculos constituídos e com a sua intenção de colocar os Autores a muito rapidamente assegura os serviços para que haviam sido contratados -, temos que os Autores durante os primeiros sete anos de atividade seriam remunerados pelo Nível IX (julgamos que a última parte do número 3 da cláusula 14.ª acima transcrita se aplica aos recorrentes, não estando tal aplicação dependente da anterior qualidade de peritos estagiários durante dois anos, por tal nos parecer excessivo e incongruente com o conteúdo, sentido e alcance da norma) e, depois, pelo Nível X.
Importa também atender ao que a Regulamentação Coletiva da Atividade Seguradora aplicável nos autos consagrava na cláusula 71.ª do CCT do BTE n.º 3/86 e 45.ª dos CCT’s dos BTE n.ºs 20/1991, 23/1995 e 34/2004, quanto ao chamado «Prémio de antiguidade” (prestação que nos parece equivaler ou
19 No CCT do BTE n.º 3/1986, consta da cláusula 63.ª, ao passo que nos CCT’s dos BTE
n.ºs 20/1991, 23/1995 e 34/2004, se acha previsto na cláusula 43.ª, com a seguinte redação (similares às das anteriores)
Cláusula 43.ª Classificação de ordenados
Para efeitos deste CCT, entende-se por: a) Ordenado base – a remuneração mínima estabelecida na respetiva tabela salarial para
cada categoria; b) Ordenado mínimo – o ordenado estabelecido na alínea anterior, acrescido do prémio de
antiguidade a que o trabalhador tiver direito; c) Ordenado efetivo – o ordenado ilíquido mensal, recebido pelo trabalhador, com exclusão
do eventual abono para falhas, do pagamento de despesas de deslocação, manutenção e representação, da retribuição por trabalho extraordinário e do subsídio de almoço;
d) Ordenado anual – o ordenado igual a 14 vezes o último ordenado efetivo.
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corresponder, de alguma forma, às chamadas diuturnidades20, que não se acham previstas, por tal motivo, em tal contratação coletiva) reproduzindo-se em baixo, na parte que para aqui interessa, a que se mostra inseridas no último instrumento indicado, que é idêntica às anteriores (recorde-se que estamos perante uma categoria que, até certo grau, é de promoção obrigatória, sendo os demais cargos dependentes de nomeação, por serem de chefia e exigirem uma relação de confiança entre a Ré e os nomeados):
Cláusula 45.ª
Prémios de antiguidade 1 - Todo o trabalhador, ao completar 10 anos de atividade seguradora, seguidos ou
interpolados, prestados às entidades patronais a que este CCT se aplica, terá direito a um prémio de antiguidade.
2 - O prémio de antiguidade referido no número anterior será o seguinte: - Ao completar 10 anos, 10%; - Por cada ano completo a mais, 1%; 3 - Todo o trabalhador que, antes de atingir 10 anos completos de serviço na atividade
seguradora, permanecer pelo menos quatro anos, seguidos ou interpolados, numa categoria ou categorias que nos termos deste CCT não tenham promoção obrigatória terá igualmente direito a um prémio de antiguidade.
4 - O prémio de antiguidade referido no número anterior será o seguinte: - Ao completar quatro anos, 4%; - Por cada ano completo a mais, 1%; Ao completar 10 anos na atividade seguradora, este regime será substituído pelo esquema
geral referido no n.º 2. 5 - As percentagens acima referidas incidirão, em todos os casos, sobre o ordenado base do
nível X. 6 - Para efeitos de contagem dos períodos a que se referem os n.ºs 2 e 4, serão considerados: a) Os anos de actividade prestados nas áreas dos sindicatos outorgantes; b) Os anos de atividade prestados por trabalhadores portugueses de seguros em território
português, fora da área dos sindicatos, a seguradoras nacionais e ou estrangeiras ou, em qualquer outro território, a empresas de seguros portuguesas ou de capital majoritário português, desde que o trabalhador não tenha exercido posteriormente outra atividade.
7 - Cumpre ao trabalhador fazer prova das condições previstas na alínea b) do número anterior.
8 - Para efeito destes prémios de antiguidade, considera- se ano completo na atividade seguradora cada ano de serviço independentemente de a prestação de serviço ser a tempo total ou parcial. Neste último caso, os referidos prémios serão atribuídos na proporção do tempo de serviço parcial prestado.
9 - Os prémios de antiguidade previstos nesta cláusula são devidos a partir do 1.º dia do mês em que se completem os anos de serviço correspondentes.
20 A diuturnidade, segundo o artigo 250.º, número 2, alínea a) do Código do Trabalho de
2003 é a «prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento periódico, devida ao trabalhador, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, com fundamento na antiguidade.» (cfr., no regime atual, do Código do Trabalho de 2009, o artigo 262.º, número 2, alínea b)).
No sentido da correspondência entre “diuturnidade” e “prémio de antiguidade”, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/11/1983, publicado em CJ, 1983, Tomo 5.º, páginas 174 e seguintes.
Tal ideia é confirmada pela definição convencional de «ordenado mínimo» constante da alínea b) da cláusula 43.ª do CCT de 2004 (cfr. Nota 16) e que é a seguinte: «o ordenado estabelecido na alínea anterior (Ordenado Base), acrescido do prémio de antiguidade a que o trabalhador tiver direito».
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Chegados aqui, procuremos quantificar os “ordenados base” e os “ordenados mínimos” dos cinco Autores21, tendo em atenção a sua antiguidade na empresa e a sua não filiação (pelo menos, conhecida nos autos) em qualquer sindicato subscritor da regulamentação coletiva dos autos, o que implica que se3 considerem as Portarias ou Regulamentos de Extensão:
- 1.º Autor (início de funções em Maio de 1988)
PERÍODO ORDENADO BASE PRÉMIO ANTIGUIDADE
ORDENADO MÍNIMO OBSERVAÇÕES
5/88 - 31/5/91 65.800$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 3/87 - 20/87 1/6/91 - 31/5/92 99.750$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 20/91 - 2/92 1/6/92 - 30/11/93 110.500$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 32/92 - 42/92 1/12/93 - 31/12/94 117.150$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 29/93 - 11/94 1/1/95 - 30/4/95 128.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 23/95 - 39/95 1/5/95 - 30/6/96 140.750$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 23/95 - 39/95 1/7/96 - 30/6/97 147.100$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 24/96 - 40/96 1/7/97 - 30/4/98 152.770$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 25/97 - 13/98 1/5/98 - 30/6/98 152.770$00 (X) 15.277$00 (10%) 168.047$00 BTE 25/97 - 13/98 1/7/98 - 30/4/99 157.050$00 (X) 172.327$00 BTE 25/98 - 39/98 1/5/99 - 30/6/99 157.050$00 (X) 16.847$50 (11%) 173,897$50 BTE 25/98 - 39/98 1/7/99 - 30/4/00 161.850$00 (X) 178.697$50 BTE 27/99 - 47/99 1/5/00- 30/6/00 161.850$00 (X) 18.466$00 (12%) 180.316$00 BTE 27/99 - 47/99 1/7/00 - 30/4/01 166.750$00 (X) 185.216$00 BTE 29/00 - 21/01 1/5/01 - 30/6/01 166.750$00 (X) 20.133$50 (13%) 186.833$50 BTE 29/00 - 21/01 1/7/01 - 30/4/02 172.916$00 (X) 193.049$50 BTE 29/01 - 1/02 1/5/02 - 30/4/03 172.916$00 (X) 21.868$66 (14%) 194.784$66 BTE 29/01 - 1/02 1/5/03 - 30/6/03 172.916$00 (X) 23.597$82 (15%) * 196.513$82 ** BTE 29/01 - 1/02 1/7/03 - 30/4/04 € 903,60 (X) € 1.021,31 BTE 27/03 - 43/03 1/5/04 - 31/12/04 € 903,60 (X) € 126,74 (16%) € 1.030,34 BTE 27/03 - 43/03 1/1/05 - 30/4/05 € 952,00 (X) € 1.078,74 BTE 33/05 - 22/06 1/5/05 - 31/12/05 € 952,00 (X) € 136,26 (17%) € 1.088,26 BTE 33/05 - 22/06 1/1/06 - 30/4/06 € 977,25 (X) € 1.113,51 BTE 30/06 - 8/07 1/5/06 - 30/4/07 € 977,25 (X) € 146,03 (18%) € 1.123,28 BTE 30/06 - 8/07
1/5/07 - 31/12/07 € 977,25 (X) € 155,80 (19%) € 1.133,05 BTE 30/06 - 8/07 1/1/08 - 30/4/08 € 1.035,00 (X) € 1.190,80 BTE 32/08 - 28/09 1/5/08 - 30/4/09 € 1.035,00 (X) € 166,15 (20%) € 1.201,15 BTE 32/08 - 28/09 1/5/09 - 30/4/10 € 1.035,00 (X) € 176,50 (21%) € 1.211,50 BTE 32/08 - 28/09 1/5/10 - 30/4/11 € 1.035,00 (X) € 186,85 (22%) €.1221,85 BTE 32/08 - 28/09 1/5/11 - 30/4/12 € 1.035,00 (X) € 197,20 (23%) € 1.232,20 BTE 32/08 - 28/09 1/5/12 - 31/1/13 € 1.035,00 (X) € 207,55 (24%) € 1.242,55 BTE 32/08 - 28/09
* €117,71 (por arredondamento) ** € 980,21 (por arredondamento) - 2.º Autor (início de funções em Maio de 1993)
PERÍODO ORDENADO BASE PRÉMIO ANTIGUIDADE
ORDENADO MÍNIMO OBSERVAÇÕES
5/93 - 30/11/93 110.500$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 32/92 - 42/92 1/12/93 - 31/12/94 117.150$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 29/93 - 11/94 1/1/95 - 30/6/96 128.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 23/95 - 39/95 1/7/96 - 30/6/97 134.800$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 24/96 - 40/96 1/7/97 - 30/6/98 139.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 25/97 - 13/98 1/7/98 - 30/6/99 143.950$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 25/98 - 39/98
21 Não atendemos aqui ao “Abono para Falhas” ou “Quebras de Caixa” previsto,
respetivamente, nas Cláusulas 73.ª do CCT de 1986 ou 47.ª dos CCT’s de 1991, 1995 e 2004, porque não se provou que os Autores «procedam a pagamentos ou recebimentos em dinheiro» mas somente em cheque, traduzindo-se tal prestação na celebração de um seguro, com um valor máximo anula, em termos de cobertura, de 500.000$00/€ 2.493,99.
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1/07/99 - 30/4/00 148.300$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 27/99 - 47/99 1/5/00- 30/6/00 161.850$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 29/00 - 21/01 1/7/00 - 30/6/01 166.750$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 27/00 - 21/01 1/7/01 - 30/4/03 172.916$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 29/01 - 1/02 1/5/03 - 30/6/03 172.916$00 (X) 17.291$60 (10%) * 190.207$60 ** BTE 29/01 - 1/02 1/7/03 - 30/4/04 € 903,60 (X) € 989,85 BTE 27/03 - 43/03 1/5/04 - 31/12/04 € 903,60 (X) € 95,28 (11%) € 998,88 BTE 27/03 - 43/03 1/1/05 - 30/4/05 € 952,00 (X) € 1.047,28 BTE 33/05 - 22/06 1/5/05 - 31/12/05 € 952,00 (X) € 104,80 (12%) € 1.056,80 BTE 33/05 - 22/06 1/1/06 - 30/4/06 € 977,25 (X) € 1.082,05 BTE 30/06 - 8/07 1/5/06 - 30/4/07 € 977,25 (X) € 114,57 (13%) € 1.091,82 BTE 30/06 - 8/07
1/5/07 - 31/12/07 € 977,25 (X) € 124,34 (14%) € 1.101,59 BTE 30/06 - 8/07 1/1/08 - 30/4/08 € 1.035,00 (X) € 1.159,34 BTE 32/08 - 28/09 1/5/08 - 30/4/09 € 1.035,00 (X) € 134,69 (15%) € 1.169,69 BTE 32/08 - 28/09 1/5/09 - 30/4/10 € 1.035,00 (X) € 145,04 (16%) € 1.180,04 BTE 32/08 - 28/09 1/5/10 - 30/4/11 € 1.035,00 (X) € 155,39 (17%) € 1.190,39 BTE 32/08 - 28/09 1/5/11 - 30/4/12 € 1.035,00 (X) € 165,74 (18%) € 1.201,35 BTE 32/08 - 28/09 1/5/12 - 31/1/13 € 1.035,00 (X) € 176,09 (19%) € 1.212,09 BTE 32/08 - 28/09
* € 86,25 (por arredondamento) ** € 948,75 (por arredondamento) - 3.º Autor (início de funções em Janeiro de 1994)
PERÍODO ORDENADO BASE PRÉMIO ANTIGUIDADE
ORDENADO MÍNIMO OBSERVAÇÕES
1/94 - 31/12/94 117.150$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 29/93 - 11/94 1/1/95 - 30/6/96 128.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 23/95 - 39/95 1/7/96 - 30/6/97 134.800$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 24/96 - 40/96 1/7/97 - 30/6/98 139.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 25/97 - 13/98 1/7/98 - 30/6/99 143.950$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 25/98 - 39/98 1/07/99 - 30/6/00 148.300$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 27/99 - 47/99 1/7/00 - 30/12/00 152.750$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 29/00 - 21/01 1/1/01 - 30/6/01 166.750$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 29/00 - 21/01 1/7/01 - 30/6/03 172.916$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 29/01 - 1/02 1/7/03 - 31/12/03 € 903,60 (X) -------------------- -------------------- BTE 27/03 - 43/03 1/1/04 - 31/12/04 € 903,60 (X) € 90,30 (10%) € 993,90 BTE 27/03 - 43/03 1/1/05 - 31/12/05 € 952,00 (X) € 99,82 (11%) € 1.051,82 BTE 33/05 - 22/06 1/1/06 - 31/12/06 € 977,25 (X) € 109,69 (12%) € 1.084,94 BTE 30/06 - 8/07 1/1/07 - 31/12/07 € 977,25 (X) € 119,46 (13%) € 1.096,71 BTE 30/06 - 8/07 1/1/08 - 12/31/08 € 1.035,00 (X) € 129,91 (14%) € 1.164,91 BTE 32/08 - 28/09 1/1/09 - 31/12/09 € 1.035,00 (X) € 140,26 (15%) € 1.175,26 BTE 32/08 - 28/09 1/1/10 - 30/12/10 € 1.035,00 (X) € 150,61 (16%) € 1.185,61 BTE 32/08 - 28/09 1/1/11 - 30/12/11 € 1.035,00 (X) € 160,96 (17%) € 1.195,96 BTE 32/08 - 28/09 1/1/12 - 31/12/12 € 1.035,00 (X) € 171,31 (18%) € 1.206,31 BTE 32/08 - 28/09 1/1/13 - 31/1/13 € 1.035,00 (X) € 181,66 (19%) € 1.216,66 BTE 32/08 - 28/09
- 4.º Autor (início de funções em Abril de 1996)
PERÍODO ORDENADO BASE PRÉMIO ANTIGUIDADE
ORDENADO MÍNIMO OBSERVAÇÕES
4/96 - 30/6/96 128.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 23/95 - 39/95 1/7/96 - 30/6/97 134.800$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 24/96 - 40/96 1/7/97 - 30/6/98 139.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 25/97 - 13/98 1/7/98 - 30/6/99 143.950$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 25/98 - 39/98 1/07/99 - 30/6/00 148.300$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 27/99 - 47/99 1/7/00 - 30/06/01 152.750$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 29/00 - 21/01 1/7/01 - 31/3/03 158.431$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 29/01 - 1/02 1/4/03 - 30/6/03 172.916$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 29/01 - 1/02 1/7/03 - 31/03/04 € 903,60 (X) -------------------- -------------------- BTE 27/03 - 43/03 1/4/04 - 31/12/04 € 903,60 (X) -------------------- -------------------- BTE 27/03 - 43/03 1/1/05 - 31/3/05 € 952,00 (X) -------------------- -------------------- BTE 33/05 - 22/06 1/4/05 - 31/12/05 € 952,00 (X) -------------------- -------------------- BTE 33/05 - 22/06
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1/1/06 - 31/3/06 € 977,25 (X) -------------------- -------------------- BTE 30/06 - 8/07 1/4/06 - 31/12/06 € 977,25 (X) 97,72 (10%) € 1.074,97 BTE 30/06 - 8/07 1/1/07 - 31/3/07 € 977,25 (X) BTE 30/06 - 8/07 1/4/07 - 31/12/07 € 977,25 (X) € 107,49 (11%) € 1.084,74 BTE 30/06 - 8/07 1/1/08 - 31/3/08 € 1.035,00 (X) € 1.142,49 BTE 32/08 - 28/09 1/4/08 - 31/12/08 € 1.035,00 (X) € 117,84 (12%) € 1.152,84 BTE 32/08 - 28/09 1/1/09 - 31/3/09 € 1.035,00 (X) BTE 32/08 - 28/09 1/4/09 - 31/12/09 € 1.035,00 (X) € 128,19 (13%) € 1.163,19 BTE 32/08 - 28/09 1/1/10 - 31/3/10 € 1.035,00 (X) BTE 32/08 - 28/09 1/4/10 - 30/12/10 € 1.035,00 (X) € 138,54 (14%) € 1.173,54 BTE 32/08 - 28/09 1/1/11 - 31/3/11 € 1.035,00 (X) BTE 32/08 - 28/09 1/4/11 - 30/12/11 € 1.035,00 (X) € 148,89 (15%) € 1.183,89 BTE 32/08 - 28/09 1/1/12 - 31/3/12 € 1.035,00 (X) BTE 32/08 - 28/09 1/4/12 - 31/12/12 € 1.035,00 (X) € 159,24 (16%) € 1.194,24 BTE 32/08 - 28/09
- 5.º Autor (início de funções em Maio de 1991)
PERÍODO ORDENADO BASE PRÉMIO ANTIGUIDADE
ORDENADO MÍNIMO OBSERVAÇÕES
5/91 65.800$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 3/87 - 20/87 1/6/91 - 31/5/92 99.750$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 20/91 - 2/92 1/6/92 - 30/11/93 110.500$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 32/92 - 42/92 1/12/93 - 31/12/94 117.150$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 29/93 - 11/94 1/1/95 - 30/6/96 128.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 23/95 - 39/95 1/7/96 - 30/6/97 134.800$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 24/96 - 40/96 1/7/97 - 30/4/98 139.900$00 (IX) -------------------- -------------------- BTE 25/97 - 13/98 1/5/98 - 30/6/98 152.770$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 25/97 - 13/98 1/7/98 - 30/6/99 157.050$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 25/98 - 39/98 1/7/99 - 30/6/00 161.850$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 29/99 - 47/99 1/7/00 - 30/4/01 166.750$00 (X) -------------------- -------------------- BTE 29/00 - 21/01 1/5/01 - 30/6/01 166.750$00 (X) 16.675$00 (10%) 183.425$00 BTE 29/00 - 21/01 1/7/01 - 30/4/02 172.916$00 (X) 189.591$00 BTE 29/01 - 1/02 1/5/02 - 30/4/03 172.916$00 (X) 18.404$16 (11%) 191.320$16 BTE 29/01 - 1/02 1/5/03 - 30/6/03 172.916$00 (X) 20.133$32 (12%) * 193.049$32** BTE 29/01 - 1/02 1/7/03 - 30/4/04 € 903,60 (X) € 1.004,02 BTE 27/03 - 43/03 1/5/04 - 31/12/04 € 903,60 (X) € 109,45 (13%) € 1.013,05 BTE 27/03 - 43/03 1/1/05 - 30/4/05 € 952,00 (X) € 1.061,45 BTE 33/05 - 22/06 1/5/05 - 31/12/05 € 952,00 (X) € 118,97 (14%) € 1.070,97 BTE 33/05 - 22/06 1/1/06 - 30/4/06 € 977,25 (X) € 1.096,22 BTE 30/06 - 8/07 1/5/06 - 30/4/07 € 977,25 (X) € 128,74 (15%) € 1.105,99 BTE 30/06 - 8/07
1/5/07 - 31/12/07 € 977,25 (X) € 138,51 (16%) € 1.115,76 BTE 30/06 - 8/07 1/1/08 - 30/4/08 € 1.035,00 (X) € 1.173,51 BTE 32/08 - 28/09 1/5/08 - 30/4/09 € 1.035,00 (X) € 148,86 (17%) € 1.183,86 BTE 32/08 - 28/09 1/5/09 - 30/4/10 € 1.035,00 (X) € 159,21 (18%) € 1.194,21 BTE 32/08 - 28/09 1/5/10 - 30/4/11 € 1.035,00 (X) € 169,56 (19%) € 1.204,56 BTE 32/08 - 28/09 1/5/11 - 30/4/12 € 1.035,00 (X) € 179,91 (20%) € 1.214,91 BTE 32/08 - 28/09 1/5/12 - 31/1/13 € 1.035,00 (X) € 190,26 (21%) €1.225,26 BTE 32/08 - 28/09
* €100,42 (por arredondamento) ** € 962,93 (por arredondamento) Os quadros remuneratórios que deixámos acima elaborados justificam-se em
função da apreciação de algumas das questões que se acham suscitadas nos autos (designadamente, compensação pelo despedimento sem justa causa de que os Autores foram alvo e pedido de pagamento da retribuição das férias não gozadas, correspondente subsídio e subsídio de Natal).
J – OUTRAS PRESTAÇÕES REMUNERATÓRIAS - SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO,
QUILÓMETROS E PORTAGENS
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Os Autores, ainda dentro do quadro remuneratório global que pretendem que o tribunal fixe, requerem o seguinte:
«e) Declare que os Autores têm direito a receber as seguintes quantias mensais: i. € 264,00, a título de subsídio de refeição; ii. € 380,00 a título de “quilómetros”; iii. Quantia a liquidar, a título de “pagamento de portagens”». Impõe-se chamar à boca de cena deste Aresto os seguintes factos, que se
referem a tais realidades: «6 - Como contrapartida o 1.º Autor passou a receber um valor que à data era
de 750$00 por cada serviço, 28$00 por km e 800$00 a título eufemístico de Refeições, tudo, aliás, de acordo com contrato coletivo de trabalho;
7 - Ao que acresciam ainda o pagamento de portagens, sem qualquer plafond mensal e o valor de 5 serviços (ou seja, 750$00X5=3.750$00) por Julgamento e por Reconstituições;
21 - Posteriormente, a Ré resolveu de forma unilateral e sem consentimento do 1.º Autor, retirar-lhe o pagamento dos kms, refeições, portagens e de 5 serviços por julgamento ou reconstituição (cfr., a este respeito, a Nota 7);
61 - Aquando do início da sua relação laboral, o 2.º Autor auferia um valor por cada serviço, portagens, subsídio de refeição, e uma quantia equivalente a cinco serviços por julgamento e reconstituições, e também um valor por quilómetro.
86 - Recebendo (o 3.º Autor) como contrapartida da prestação a que se obrigou um valor por cada serviço, por km e ainda uma quantia a título eufemismo de "refeições";
87 - Ao que acrescia o pagamento de portagens, e o valor de 5 serviços, por Julgamento ou Reconstituição;
99 - Assim como retiraram também o pagamento dos km, das "eufemisticamente denominadas" refeições, das portagens e do valor de 5 serviços por Julgamento, à revelia do 3.º Autor (cfr., a este respeito, a Nota 7);
108 - O seu desempenho (o 4.º Autor) na seguradora consistia em peritar veículos sinistrados, pelos quais a empresa lhe pagava conforme quantias constantes do contrato de prestação de serviços e do contrato coletivo de trabalho, nomeadamente um valor por peritagem concluída e devolvida, km, portagens, almoços e deslocações a tribunal;
153 - Por Comunicação de Serviço n.° 17/92, datada de 15.09.1992, que produziu efeitos em Outubro de 1992, a Companhia de Seguros … decidiu o seguinte:
"Considerando as elevadas cargas administrativas decorrentes das remunerações dos peritos designadamente o controlo dos honorários, da quilometragem, das segundas deslocações, da impossibilidade de execução da peritagem por falta de orçamentista ou encerramento da oficina e ainda o facto da prestação de contas se efetuar semanalmente, determina-se o seguinte:
1. Os peritos tarefeiros afetos à Direção Nacional serão remunerados pela verba fixa de Esc. 2.800$00 + IVA, correspondente a cada relatório entregue
2. O valor assim fixado engloba os honorários. O subsídio de almoço. a quilometragem e as segundas deslocações;
3. A prestação de contas efetuar-se-á no final de cada mês, tendo por base os relatórios efetivamente entregues".
154 - No ano seguinte, por Comunicação de Serviço n.° 13/93, que produziu efeitos em 1 de Março de 1993, a Companhia de Seguros … decidiu o aumentar o referido valor de 2.800$00 + IVA para 3.000$00 + IVA.;
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155 - No ano seguinte - em 1994 - por Comunicação de serviço n° 15/94, datada de 02.05.1994, que produziu efeitos em 2 de Maio de 1994, a Companhia de Seguros … decidiu o seguinte:
"Considerando as elevadas cargas administrativas decorrentes das remunerações dos peritos designadamente o controlo dos honorários, da quilometragem, das segundas deslocações, da impossibilidade de execução da peritagem por falta de orçamentista ou encerramento da oficina e ainda o facto da prestação de contas se efetuar semanalmente, determina-se o seguinte:
1. Os peritos tarefeiros serão remunerados por uma verba fixa, de acordo com a tabela anexa, correspondente a cada relatório entregue.
2. O valor assim fixado engloba os honorários, o almoço, a quilometragem e as segundas deslocações;
3. A prestação de contas efetuar-se-á no final de cada mês, tendo por base os relatórios efetivamente entregues".»
Também relativamente a estes pedidos se impõe dizer que os factos alegados e provados pelos demandantes se revelam insuficientes e inconcludentes, no que toca à determinação de valores mensais coincidentes ou pelo menos próximos dos reclamados pelos Autores.
Tal cenário de indefinição agrava-se substancialmente com a alteração que, a partir de dada altura (cfr. o que se deixou dito na Nota 7) foi introduzida pela Ré na forma de remunerar os serviços dos Autores, tendo substituído as diversas quantias e realidades que liquidava aos mesmos - peritagens, quilómetros, portagens e refeições - por uma importância única e global, que integraria e visaria compensar os mesmos pelas despesas e trabalho efetuado, tendo tal ocorrido em momentos diversos, quer em função das datas diferentes de início de funções dos Apelantes como das modalidades de pagamento assentes e por causa ou apesar das referidas Ordens de Serviço.
Esse quadro fáctico implica que nos tenhamos de radicar, mais uma vez, na contratação coletiva aplicável e no regime laboral comum, em caso de omissão de tal regulamentação coletiva, para efeitos de qualificação e quantificação de tais prestações, que, desde logo, só possuem carácter retributivo com referência ao subsídio de refeição 22 (embora devido somente durante 11 meses ao ano, o que naturalmente implica a sua desconsideração ao nível da retribuição de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal).
Ainda com referência a tal prestação, importa não ignorar a atividade específica dos Autores, que lhes impunha uma grande permanência no exterior, em serviço externo de peritagens, o que faria funcionar certamente, no que
22 Cfr., a este respeito, a Regulamentação Coletiva Aplicável: Cláusulas 86.ª (Almoço) no CCT de 1986, 60.ª (Subsídio de Almoço) no CTT de 1991 e 67.ª (Subsídio de Almoço) no CTT de 1995, transcrevendo-se a constante do CTT de 2004:
Cláusula 67.ª Subsídio de refeição
1 - A contribuição para o custo da refeição é fixada em € 7,74 diários, por dia efetivo de trabalho.
2 - Em caso de falta durante parte do período normal de trabalho ou trabalho em tempo parcial, só terão direito a subsídio de almoço os trabalhadores que prestem, no mínimo, cinco horas de trabalho em cada dia.
3 - O subsídio de almoço é ainda devido sempre que o trabalhador cumpra integralmente o horário semanal estipulado na cláusula 27.ª
4 - Quando o trabalhador se encontrar em serviço da empresa em consequência do qual tenha direito ao reembolso de despesas que incluam o almoço, não beneficiará do disposto nesta cláusula.
5 - Para o efeito do disposto no n.º 1, não se consideram faltas as ausências dos dirigentes sindicais e dos delegados sindicais no exercício das respetivas funções.
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respeita a tal subsídio de refeição e mesmo que o vínculo dos Apelantes sempre tivesse sido encarado como de trabalho, a exceção do número 4 da acima reproduzida cláusula 67.ª (cuja regra, aliás, se mantém no CCT de 2008 - também cláusula 67.ª - e no CTT de 2012 - cláusula 35.ª, número 3): não pagamento de tal prestação mas sim da despesa concretamente efetuada com o almoço.
Quanto às outras prestações,23 têm as mesmas de ser configuradas como meras ajudas de custo, no caso de serem suportadas/adiantadas pelo trabalhador e/ou este utilize viatura própria (cfr., a este respeito, o disposto nos artigos 87.º da LCT e 260.º do Código do Trabalho de 2003)24.
Logo, entendemos que somente no que toca ao reclamado subsídio de refeição, pela sua natureza inequivocamente retributiva, é que será possível atender, ainda que parcialmente, à pretensão dos Autores, devendo o seu montante ser fixado nos termos que se mostram previstos na Regulamentação Coletiva aplicável e acima identificada, julgando-se, nessa precisa medida e na vertente que aqui abordamos, a respetiva ação (parcialmente procedente), por não lobrigarmos fundamento jurídico para qualificar como retribuição as quantias percebidas a título de quilómetros e portagens, atenta a sua função e finalidade25.
23 À falta de regra expressa em contrário e de alegação e prova pelos demandantes de que as importâncias liquidadas mensalmente a esse título – apenas até certa altura, para mais! - extravasavam os montantes normais expendidos nas deslocações de serviço (quilómetros e portagens).
24 Artigo 87.º (Ajudas de custo e outros abonos)
Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respetivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.
Artigo 260.º Ajudas de custo e outros abonos
1 - Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
2 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
25 Cfr., a este respeito, o que a Regulamentação Coletiva Aplicável prevê: Cláusula 74.ª no CCT de 1986, 48.ª nos CTT de 1991, 1995, 2004 e 2008 e 39.ª no CCT de 2012, reproduzindo-se a redação da cláusula do instrumento coletivo em vigor à data da cessação dos contratos dos Autores (2004):
Cláusula 48.ª Pagamento de despesas efetuadas em serviço em Portugal
1 - As entidades patronais pagarão aos trabalhadores todas as despesas efetuadas em serviço e por causa deste.
2 - As despesas de manutenção e representação de qualquer trabalhador, quando se desloque para fora das localidades onde presta normalmente serviço, são por conta da entidade patronal, devendo ser sempre garantidas condições de alimentação e alojamento condignas, segundo os seguintes valores:
Por diária completa – € 64,06; Por refeição isolada – € 10,30; Por dormida e pequeno-almoço – € 43,46.
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K – SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO – VALORES Chegados aqui e atendendo a que o subsídio de refeição não tem reflexos no
cálculo da remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal e que os Autores não reclamam quaisquer quantias a esse respeito, no que toca ao período anterior a 1/10/2004, vamos só considerar tal prestação, em função dos CTT aplicáveis e por força dos Regulamentos de Extensão acima considerados, a partir de Agosto de 2005 a 31/01/2013.
Logo, obtemos os seguintes valores a título de subsídio de refeição: 1) Agosto de 2005 a 31/12/2005 – € 8,00. 2) 1/1/2006 a 31/12/2007 - € 8,70. 3) 1/1/2008 a 31/01/2013 - € 8,76. Apesar do que se deixou dito no ponto anterior quanto ao serviço externo dos
Autores poder fazer funcionar, com frequência, a exceção constante do número 4 da cláusula 67.ª dos CCT’s de 2004 e 2008 e do número 3 da cláusula 35.ª do CCT de 2012, certo é que, por força do despedimento ilícito de que os mesmos foram alvo, não é possível estabelecer qualquer percentagem por mês ou ano em que, até 30/09/2004, tal aconteceu com os mesmos, tendo, portanto e nessa medida, de se fazer contas e cálculos com o valor do subsídio de refeição previsto na Regulamentação Coletiva.
L – DESPEDIMENTO ILÍCITO DOS AUTORES
Em casos devidamente justificados poderão estes valores ser excedidos, apresentando o
trabalhador documentos justificativos. 3 - Nos anos em que apenas seja revista a tabela salarial, os valores referidos no número
anterior serão corrigidos de acordo com a média aritmética simples dos aumentos verificados nos diferentes níveis.
4 - O trabalhador, quando o desejar, poderá solicitar um adiantamento por conta das despesas previsíveis e calculadas na base dos valores indicados nos números anteriores.
5 - Mediante aviso ao trabalhador, anterior ao início da sua deslocação, a entidade patronal poderá optar pelo reembolso das despesas efetivamente feitas, contra documentos comprovativos.
6 - Os trabalhadores que utilizarem automóveis ligeiros próprios ao serviço da empresa terão direito a receber, por cada quilómetro efetuado em serviço, um quantitativo equivalente ao produto do fator 0,26 pelo preço em vigor por litro da gasolina sem chumbo com 98 octanas.
7 - Os trabalhadores que utilizarem os seus veículos motorizados de duas rodas ao serviço da empresa terão direito a receber, por cada quilómetro efetuado em serviço, um quantitativo equivalente ao produto do fator 0,14 pelo preço em vigor do litro da gasolina super sem chumbo.
8 - A utilização de veículos de duas rodas depende da concordância expressa do trabalhador, podendo esta ser retirada por motivos devidamente fundamentados.
9 - Aos cobradores que se desloquem ao serviço da entidade patronal serão concedidos passes para os transportes coletivos da área onde exerçam a sua atividade, se outro sistema de transporte não for adaptado.
10 - Nas deslocações em serviço, conduzindo o trabalhador o seu próprio veículo ou qualquer outro expressamente autorizado, a empresa, em caso de acidente, é responsável pelos danos da viatura e pelo pagamento de todas as indemnizações que o trabalhador tenha de satisfazer.
11 - Em alternativa ao disposto no número anterior, os trabalhadores dos serviços comerciais ou peritos podem optar por um seguro, custeado pela empresa, do veículo próprio que habitualmente utilizam ao serviço da mesma, cobrindo os riscos «Responsabilidade civil ilimitada», e «Danos próprios», de acordo com o seu valor venal e até ao limite de € 16.000.
12 - Os veículos postos pela empresa ao serviço dos trabalhadores não podem ser provenientes de recuperação, nomeadamente salvados, bem como veículos de que a empresa disponha para serviço de terceiros, salvo se o trabalhador der o seu acordo.
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Tendo nós concluído pela natureza laboral e por tempo indeterminado do
vínculo jurídico que ligou as partes e existindo uma tipicidade de formas de cessação do contrato de trabalho previstas nos artigos 382.º e seguintes do Código do Trabalho de 2003, com especial relevância para o estatuído nos artigos 384.º, 396.º, 411.º a 417.º, 429.º, 430.º e 435.º a 439.º do mesmo diploma legal, facilmente se conclui que as cartas remetidas aos cinco Autores, em que eram denunciados os vínculos jurídicos existentes entre as partes, se traduzem numa via de extinção dos contratos de trabalho que não é consentida pelo legislador, o que impõe a sua qualificação como um despedimento ilícito por não ter sido precedido do correspondente procedimento disciplinar nem se fundar em justa causa.
M – PRESTAÇÕES A QUE TÊM DIREITO OS AUTORES Os citados artigos 436.º a 439.º do Código do Trabalho de 2003, face à opção
dos cinco Autores pela reintegração nos quadros da Ré, implica que esta seja condenada em tal reintegração, bem como em todas as retribuições que se venceram entre 23/08/2005 (30 dias antes da propositura da presente ação, conforme uma das deduções, que opera automaticamente e se acha prevista no número 4 do artigo 437.º) e o trânsito em julgado do presente Aresto.
N – RETRIBUIÇÕES DEVIDAS EM FUNÇÃO DO DESPEDIMENTO SEM
JUSTA CAUSA Chegados aqui e tendo já determinado o montante das retribuições que, de
acordo com a Regulamentação Coletiva aplicável, seriam devidas aos Autores desde o início da relação laboral até 31/01/2013 (cfr. Ponto I), bem como as quantias relativas ao subsídio de refeição que se acham previstas na mencionada contratação coletiva, iremos proceder ao cálculo, para cada um dos recorrentes, das prestações que, a esse título, lhe são devidas desde 23/08/2005 até aquela data limite de 2013, indo, para o efeito, respeitar a regra constante da cláusula 50.ª do CCT de 200426.
Impõe-se também relembrar o referido acerca do subsídio de refeição, que se distribui da seguinte forma, em termos quantitativos, pelo período temporal em presença:
1) 23/8/2005 a 31/12/2005 - € 8,00. 2) 1/1/2006 a 31/12/2007 - € 8,70. 3) 1/1/2008 a 31/1/2013 - € 8,76. - 1.º Autor
26 Cláusula 50.ª
Arredondamentos Sempre que, nos termos deste CCT, o trabalhador tenha direito a receber qualquer
importância, salvo as previstas nas cláusulas 48.ª, 49.ª, 66.ª e 67.ª, far-se-á o arredondamento em euros, quando necessário, para a meia dezena de cêntimos ou dezena de cêntimos superior, consoante o valor a arredondar seja inferior ou superior a € 0,05, respetivamente. (cfr. também a cláusula 50.ª do CCT de 2008, inexistindo a mesma no seio do CCT de 2012).
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PERÍODO ORDENADO MÍNIMO DIAS/MESES TOTAIS 23/8/05 - 31/12/05 € 1.088,26 (y) y:30d x 8d + y x 6m * € 6.819,90 1/1/06 - 30/4/06 € 1.113,51 € 1.113,51 x 4 m € 4.454,00 1/5/06 - 30/4/07 € 1.123,28 € 1.123,28 x 14 m * € 15.725,90
1/5/07 - 31/12/07 € 1.133,05 € 1.133,05 x 10 m * € 11.330,50 1/1/08 - 30/4/08 € 1.190,80 € 1.190,80 x 4 m € 4.763,20 1/5/08 - 30/4/09 € 1.201,15 € 1.201,15 x 14 m * € 16.816,10 1/5/09 - 30/4/10 € 1.211,50 € 1.211,50 x 14 m * € 16.961,00 1/5/10 - 30/4/11 €.1221,85 €.1221,85 x 14 m * € 17.105,90 1/5/11 - 30/4/12 € 1.232,20 € 1.232,20 x 14 m * € 17.250,80 1/5/12 - 31/1/13 € 1.242,55 € 1.242,55 x 11 m * € 13.668,00
€ 124.894,60 * Aqui se incluindo as férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal - 2.º Autor
PERÍODO ORDENADO MÍNIMO DIAS/MESES TOTAIS 23/8/05 - 31/12/05 € 1.056,80 (y) y:30d x 8d + y x 6m * € 6.622,60 1/1/06 - 30/4/06 € 1.082,05 € 1.082,05 x 4 m € 4.328,20 1/5/06 - 30/4/07 € 1.091,82 € 1.091,82 x 14 m * € 15.285,50
1/5/07 - 31/12/07 € 1.101,59 € 1.101,59 x 10 m * € 11.015,90 1/1/08 - 30/4/08 € 1.159,34 € 1.159,34 x 4 m € 4.637,40 1/5/08 - 30/4/09 € 1.169,69 € 1.169,69 x 14 m * € 16.375,70 1/5/09 - 30/4/10 € 1.180,04 € 1.180,04 x 14 m * € 16.520,60 1/5/10 - 30/4/11 € 1.190,39 € 1.190,39 x 14 m * € 16.665,50 1/5/11 - 30/4/12 € 1.201,35 € 1.201,35 x 14 m * € 16.818,90 1/5/12 - 31/1/13 € 1.212,09 € 1.212,09 x 11 m * € 13.333,00
€ 121.603,30 * Aqui se incluindo as férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal - 3.º Autor *Aqui se incluindo as férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal - 4.º Autor
PERÍODO ORDENADO MÍNIMO DIAS/MESES TOTAIS 23/8/05 - 31/12/05 € 952,00 (y) y:30d x 8d + y x 6m * € 5.965,90 1/1/06 - 31/3/06 € 977,25 € 977,25 x 3 m € 2.931,80 1/4/06 - 31/03/07 € 1.074,97 € 1.074,97 x 14 m * € 15.049,60 1/4/07 - 31/12/07 € 1.084,74 € 1.084,74 x 11 m * € 11.932,10 1/1/08 - 31/3/08 € 1.142,49 € 1.142,49 x 3 m € 3.427,50 1/4/08 - 31/3/09 € 1.152,84 € 1.152,84 x 14 m * € 16.139,80 1/4/09 - 31/03/10 € 1.163,19 € 1.163,19 x 14 m * € 16.284,70 1/4/10 - 31/03/11 € 1.173,54 € 1.173,54 x 14 m * € 16.429,60 1/4/11 - 31/3/12 € 1.183,89 € 1.183,89 x 14 m * € 16.574,50 1/4/12 - 31/12/12 € 1.194,24 € 1.194,24 x 11 m * € 13.136,60 1/1/13 a 31/1/13 € 1.194,24 € 1.194,24 x 1 m € 1.194,20
PERÍODO ORDENADO MÍNIMO DIAS/MESES TOTAIS 23/8/05 - 31/12/05 € 1.051,82 (y) y:30d x 8d + y x 6m * € 6.591,40 1/1/06 - 31/12/06 € 1.084,94 € 1.084,94 x 14 m * € 15.189,20 1/1/07 - 31/12/07 € 1.096,71 € 1.096,71 x 14 m * € 15.353,90 1/1/08 - 31/12/08 € 1.164,91 € 1.164,91 x 14 m * € 16.308,70 1/1/09 - 31/12/09 € 1.175,26 € 1.175,26 x 14 m * € 16.453,60 1/1/10 - 30/12/10 € 1.185,61 € 1.185,61 x 14 m * € 16.598,50 1/1/11 - 30/12/11 € 1.195,96 € 1.195,96 x 14 m * € 16.743,40 1/1/12 - 31/12/12 € 1.206,31 € 1.206,31 x 14 m * € 16.888,30 1/1/13 - 31/1/13 € 1.216,66 € 1.216,66 x 1m € 1.216,70
€ 121.343,70
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€ 119.066,30 * Aqui se incluindo as férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal - 5.º Autor
PERÍODO ORDENADO MÍNIMO DIAS/MESES TOTAIS 23/8/05 - 31/12/05 € 1.070,97 (y) y:30d x 8d + y x 6m * € 6.711,40 1/1/06 - 30/4/06 € 1.096,22 € 1.096,22 x 4 m € 4.384,90 1/5/06 - 30/4/07 € 1.105,99 € 1.105,99 x 14 m * € 15.483,90
1/5/07 - 31/12/07 € 1.115,76 € 1.115,76 x 10 m * € 11.157,60 1/1/08 - 30/4/08 € 1.173,51 € 1.173,51 x 4 m € 4.694,00 1/5/08 - 30/4/09 € 1.183,86 € 1.183,86 x 14 m * € 16.574,00 1/5/09 - 30/4/10 € 1.194,21 € 1.194,21 x 14 m * € 16.718,90 1/5/10 - 30/4/11 € 1.204,56 € 1.204,56 x 14 m * € 16.863,80 1/5/11 - 30/4/12 € 1.214,91 € 1.214,91 x 14 m * € 17.008,70 1/5/12 - 31/1/13 €1.225,26 €1.225,26 x 11 m * € 13.477,90
€ 123.075,10 * Aqui se incluindo as férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal No que toca ao subsídio de refeição, os montantes devidos aos recorrentes
são uniformes e iguais para todos eles, sendo inútil, por tal motivo, fazer um cálculo individualizado para cada um deles.
Logo, terão de ser pagas pela Ré aos Autores, a esse título, as importâncias seguintes:
- 23 /08/2005 a 31/12/2005 - € 584,00 [€ 56,00 (€ 8,00 x 7 dias) + €
176,00 (€ 8,00 x 22 dias) x 3 meses)] - 1/1/2006 a 31/12/2007 - € 4.210,80 [€ 191,40 (€ 8,70 x 22 dias) x 22
meses] - 1/1/2008 a 31/01/2013 - € 10.792,30 [€ 197,72 (€ 8,76 x 22 dias) x 56
meses]. Total: € 15.587,10 São portanto os totais acima encontrados e assinalados a negrito que a Ré
tem de pagar aos Autores a título de compensação por força do despedimento ilícito que promoveu.
O – DEDUÇÕES DO ARTIGO 437.º, NÚMEROS 2 A 4 DO CÓDIGO DO
TRABALHO Importa, tomar em consideração – até porque a Ré invocou expressamente
tal exceção na sua contestação – o que se acha previsto nos números 2 a 4 do artigo 437.º27 do Código do Trabalho de 2003 (a regulamentação coletiva nesta
27 Artigo 437.º
Compensação 1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o
trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.
2 - Ao montante apurado nos termos da segunda parte do número anterior deduzem-se as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.
3 - O montante do subsídio de desemprego auferido pelo trabalhador é deduzido na compensação, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
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matéria não pode ter qualquer intervenção modificativa, quer para mais ou para menos, por força do estatuído no artigo 383.º da lei laboral referenciada).
Logo, os Autores terão direito às retribuições acima quantificadas sob a condição de não haver deduções a fazer nos termos do artigo 437.º, números 2 e 3, do aludido diploma legal, a título de rendimentos de trabalho autónomo ou por conta de terceiro prestado depois de 30/09/2004 e percebidos por qualquer um deles, bem como os subsídios de desemprego pelos mesmos eventualmente recebidos da Segurança Social.
Caso existam deduções a fazer, só os montantes que não forem «consumidos” por elas é que terão de ser pagos pela Apelada aos Apelantes.
P – RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS, SUBSÍDIO DE FÉRIAS E SUBSÍDIO DE
NATAL Os Apelantes, em sede de petição inicial, vêm ainda reclamar as seguintes
prestações: «f) Condene a Ré a pagar aos Autores, a título de férias, subsídio de férias, e subsídio de
Natal vencidos até à propositura da ação: i. 1.º Autor: € 235.243,44 ii. 2.º Autor: € 139.767,03 iii. 3.º Autor: € 120.894,12 iv. 4.º Autor: € 64.350,30 v. 5.º Autor: € 123.480,00». A única factualidade com relevo para esta problemática é a seguinte: 131 - Além do mais, o 5.º Autor para que pudesse gozar "férias", teria que
proceder à sua marcação até ao dia 30 de Março de cada ano; 137 - Os Autores – à semelhança dos trabalhadores do quadro da Ré –
tinham, por determinação da Seguradora, de preencher os respetivos mapas de "férias", sendo o período destas fixado definitivamente por decisão daquela;
81- O 2.º Autor nunca, em todo o tempo em que esteve ao serviço da Ré recebeu qualquer montante a título de subsídio de férias, subsídio de Natal ou subsídio de doença, nem tão pouco teve seguro de acidentes de trabalho ou lhe foi paga a caixa de previdência.
Decorre também da posição assumida pela Seguradora na sua contestação que a mesma entendia que os Autores não tinham direito ao recebimento das prestações reclamadas nesta ação, em função do carácter liberal da atividade desenvolvida pelos mesmos.
Ora, tendo nós concluído pela natureza laboral do vínculo jurídico que ligou Autores e Ré até 30/09/2004 e resultando do regime legal aplicável o direito de todos os trabalhadores assalariados a gozarem férias anuais - que deverão ser remuneradas, quer com a respetiva retribuição, como com um subsídio de valor mais ou menos igual aquela - bem como ao recebimento do 13.º mês ou subsídio de Natal.
Logo, nos termos dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28/12 (LFFF) e 211.º, 212.º, 213.º, 217.º e 221.º do Código do
4 - Da importância calculada nos termos da segunda parte do n.º 1 é deduzido o montante
das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento.
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Trabalho de 2003 e das cláusulas aplicáveis da Regulamentação Coletiva28, os Autores, por referência aos anos de início e cessação da sua relação laboral com a Ré, têm direito a receber a retribuição de férias e correspondente subsídio nos moldes adiante indicados.
Impõe-se realçar aqui um aspeto nada despiciendo e que tem a ver com o facto de os Autores não serem sindicalizados e de as Portarias ou Regulamentos de Extensão só terem efeito retroativo relativamente às Tabelas Salariais e subsídio de refeição e já não quanto aos demais aspetos alterados, o que implica que os CCT de 2001, 2002, 2003 e 2004, só tenham conhecido, no que respeita ao progressivo aumento do número de dias de férias, o alargamento a outros trabalhadores que não os sindicalizados em 13/01/2002 (23 dias) e em 27/11/2003 (25 dias) – dado as alterações do CCT de 2002 (BTE n.º 29/2002), não terem sido alvo de extensão – situação que já estava adquirida em 2004, com as novas alterações o correspondente texto consolidado.
Logo, os Autores terão direito a 23 dias de férias relativamente aquelas vencidas em 1/1/2002 e em 1/1/2003 e a 25 dias relativamente aquelas vencidas em 1/10/2004 e proporcionais desse ano (9/12).
No que concerne ao subsídio de Natal exigido pelos recorrentes, importa recordar o disposto nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3/07, 254.º do Código do Trabalho de 2003 e das cláusulas aplicáveis da Regulamentação Coletiva29, bem como os anos de início e cessação da sua relação laboral com a Ré, de maneira a reconhecer aos Autores o direito ao recebimento, a esse título, da respetiva prestação.
28 E que são as seguintes: Cláusulas 52.ª e 70.ª do CCT de 1986 e 35.ª e 44.ª dos CCT’s de 1991,1995 e 2004, reproduzindo-se de seguida a redação das ditas cláusulas no texto do BTE 34/2004, que se foram mantendo idênticas ao longo do tempo, com a única exceção para o número de dias de férias que era de 22 dias úteis até às alterações do CCT de 2001, 2002 e 2003, tendo então sido aumentado sucessiva e respetivamente, para 23, 24 e 25 dias úteis, sendo tal período alargado que vigora no texto consolidado de 2004 (25 dias úteis), convindo recordar que só as alterações de 201, 2003 e 2004 foram alvo de extensão por Portaria ou Regulamento (o CCT de 2004 foi alvo de extensão do Regulamento publicado no BTE n.º 18/05/2005, com produção de efeitos apenas para o futuro, a saber, em 20/05/2005):
Cláusula 35.ª Duração e subsídio de férias
1 - Os trabalhadores têm direito anualmente a 25 dias úteis de férias, gozados seguida ou interpoladamente, sem prejuízo do regime legal de compensação de faltas.
2 - Quando o início de funções ocorra no 1.º semestre do ano civil, o trabalhador terá direito, nesse mesmo ano, a um período de férias de oito dias úteis.
3 - O subsídio de férias corresponde ao ordenado efetivo do trabalhador em 31 de Outubro do ano em que as férias são gozadas.
Cláusula 44.ª Subsídio de Natal
1 - O trabalhador tem direito a uma importância correspondente ao seu ordenado efetivo, pagável conjuntamente com o ordenado do mês de Novembro.
2 - A importância referida no número anterior será igual à que o trabalhador tiver direito em 31 de Dezembro.
3 - O trabalhador admitido no próprio ano terá direito a uma importância proporcional ao tempo de serviço prestado.
4 - Cessando o contrato, o trabalhador tem direito a receber uma importância proporcional ao tempo de serviço prestado nesse ano.
5 - Encontrando-se o contrato de trabalho suspenso, o trabalhador terá direito a receber um subsídio proporcional ao tempo de serviço prestado nesse ano, sem prejuízo do disposto na cláusula 62.ª
29 Cfr. Nota anterior a esse respeito.
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Sendo assim, obtemos os seguintes montantes a esse respeito: 1.º Autor (5/1988 - 30/09/2004) a) Maio de 1988 a 31/12/1988 – 8 dias úteis de férias, nos termos do
número 3 do artigo 3.º da LFFF, correspondente à seguinte remuneração: 58.500$00: 22 dias úteis x 8 dias úteis x 2 (remuneração de férias e correspondente subsídio) = Esc. 42.545$50.
b) Maio de 1988 a 31/12/1988 – 7/12 avos do subsídio de Natal, pois não se sabe ao certo o dia do início de funções do Autor, o que implica que, nos termos do artigo 516.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre se tal trabalho começou no dias 1 ou 31 desse mês tenha de ser resolvido contra o trabalhador: 58.500$00: 12 meses x 7 meses = 34.125$00.
c) Anos de 1989 a 200330 – 16 meses de ordenado base + prémio de antiguidade (ordenado mínimo que também é o efetivo, por ser o único conhecido nos autos), a partir do momento em que este se for sucessivamente vencendo ao longo do tempo, nos moldes anteriormente determinados x 3 (remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal):
- 1989: 58.500$00 x 3 = 175.500$00. - 1990: 58.500$00 x 3 = 175.500$00. - 1991: 99.750$00 x 3 = 299.250$00. - 1992: 110.500$00 x 3 = 331.500$00. - 1993: 110.500$00 x 2 = 221.000$00 + 117.500$00 (subsídio de Natal)31. - 1994: 117.150$00 x 3 = 351.450$00. - 1995: 140.750$00 x 3 = 422.250$00. - 1996: 147.100$00 x 3 = 441.300$00. - 1997: 152.770$00 x 3 = 458.310$00. - 1998: 172.327$00 x 3 = 516.981$00. - 1999: 178.697$50 x 3 = 536.092$50. - 2000: 185.216$00 x 3 = 555.648$00. - 2001: 193.049$50 x 3 = 579.148$50
30 Essas 16 remunerações desdobram-se nas seguintes retribuições de férias, que
respeitando ao trabalho executado no ano anterior, venceram-se no primeiro dia do ano seguinte: 1) 1/1/1989 (trabalho de 1988); 2) 1/1/1990 (trabalho de 1989); 3) 1/1/1991 (trabalho de 1990); 4) 1/1/1992 (trabalho de 1991); 5) 1/1/1993 (trabalho de 1992); 6) 1/1/1994 (trabalho de 1993); 7) 1/1/1995 (trabalho de 1994); 8) 1/1/1996 (trabalho de 1995); 9) 1/1/1997 (trabalho de 1996); 10) 1/1/1998 (trabalho de 1997); 11) 1/1/1999 (trabalho de 1998); 12) 1/1/2000 (trabalho de 1999); 13) 1/1/2001 (trabalho de 2000); 14) 1/1/2002 (trabalho de 2001); 15) 1/1/2003 (trabalho de 2002); 16) 1/1/2004 (trabalho de 2003). O raciocínio acima exposto deve ser aplicado, com as devidas adaptações, às prestações de
férias dos outros quatro Autores. 31 Ocorreu no mês de Dezembro de 1993 uma alteração salarial que abrange o subsídio de
Natal mas já não as outras duas prestações igualmente consideradas.
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- 2002: (194.784$70 : 22 dias x 23 dias x 2) + 194.784$70 = 602.061$80. - 2003: (€ 1.021,30 : 22 dias x 23 dias x 2) + € 1.021,30 = € 3.156,75. - 2004: (€ 1.021,30 : 22 dias x 25 dias x 2) + € 1.021,30 = € 3.342,44. d) 1/1/2004 a 30/09/2004 - 9/12 avos do ordenado mínimo x 3
(remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal), referentes aos proporcionais do trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, no seguinte montante: (€ 1.030,34 : 22 dias x 25 dias : 12 x 9 x 2) + € 1.030,34 : 12 x 9 = € 2.529,00.
Total: € 38.258,60. 2.º Autor (5/1993 - 30/09/2004) a) Maio de 1993 a 31/12/1993 – 8 dias úteis de férias, nos termos do
número 3 do artigo 3.º da LFFF, correspondente à seguinte remuneração: 110.500$00: 22 dias úteis x 8 dias úteis x 2 (remuneração de férias e correspondente subsídio) = Esc. 80.363$60.
b) Maio de 1993 a 31/12/1993 – 7/12 avos do subsídio de Natal, pois não se sabe ao certo o dia do início de funções do Autor, o que implica que, nos termos do artigo 516.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre se tal trabalho começou no dias 1 ou 31 desse mês tenha de ser resolvido contra o trabalhador: 117.150$00: 12 meses x 7 meses = Esc. 68.337$50.
c) Anos de 1994 a 2003 – 11 meses de ordenado base + prémio de antiguidade, (ordenado mínimo que também é o efetivo, por ser o único conhecido nos autos), a partir do momento em que este se for sucessivamente vencendo ao longo do tempo, nos moldes anteriormente determinados x 3 (remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal):
- 1994: 117.150$00 x 3 = 351.450$00. - 1995: 128.900$00 x 3 = 386.700$00. - 1996: 134.800$00 x 3 = 404.400$00. - 1997: 139.900$00 x 3 = 419.700$00. - 1998: 143.950$00 x 3 = 431.850$00 - 1999: 148.300$00 x 3 = 444.900$00. - 2000: 161.850$00 x 3 = 485.550$00. - 2001: 172.916$00 x 3 = 518.748$00. - 2002: (172.916$00 : 22 dias x 23 dias x 2) + 172.916$00 = 534.467$60. - 2003: (€ 989,85 : 22 dias x 23 dias x 2) + € 989,85 = € 3.059,50. - 2004: (€ 998,88 : 22 dias x 25 dias x 2) + € 998,88 = € 3.269,10. d) 1/1/2004 a 30/09/2004 - 9/12 avos do ordenado mínimo x 3
(remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal), referentes aos proporcionais do trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, no seguinte montante: (€ 998.88 : 22 dias x 25 dias : 12 x 9 x 2) + (€ 998.88 : 12 x 9) = € 2.451,80.
Total: € 29.363,10. 3.º Autor (5/1994 - 30/09/2004) a) Maio de 1994 a 31/12/1994 – 8 dias úteis de férias, nos termos do
número 3 do artigo 3.º da LFFF, correspondente à seguinte remuneração: 117.150$00: 22 dias úteis x 8 dias úteis x 3 (remuneração de férias e correspondente subsídio) = Esc. 82.500$00.
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b) Maio de 1994 a 31/12/1994 – 7/12 avos do subsídio de Natal, pois não se sabe ao certo o dia do início de funções do Autor, o que implica que, nos termos do artigo 516.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre se tal trabalho começou no dias 1 ou 31 desse mês tenha de ser resolvido contra o trabalhador: 117.150$00: 12 meses x 7 meses = Esc. 68.337$50.
c) Anos de 1995 a 2003 – 11 meses de ordenado base + prémio de antiguidade, (ordenado mínimo que também é o efetivo, por ser o único conhecido nos autos), a partir do momento em que este se for sucessivamente vencendo ao longo do tempo, nos moldes anteriormente determinados x 3 (remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal):
- 1995: 128.900$00 x 3 = 386.700$00. - 1996: 134.800$00 x 3 = 404.400$00. - 1997: 139.900$00 x 3 = 419.700$00. - 1998: 143.950$00 x 3 = 431.850$00. - 1999: 148.300$00 x 3 = 444.900$00. - 2000: 152.750$00 x 3 = 458.250$00. - 2001: 172.916$00 x 3 = 518.748$00. - 2002: (172.916$00 : 22 dias x 23 dias x 2) + 172.916$00 = 534.467$60. - 2003: (€ 903,60 : 22 dias x 23 dias x 2) + € 903,60 = € 2.792,95. - 2004: (€ 993,90 : 22 dias x 25 dias x 2) + € 993,90 = € 3.252,76. d) 1/1/2004 a 30/09/2004 - 9/12 avos do ordenado mínimo x 3
(remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal), referentes aos proporcionais do trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, no seguinte montante: (€ 993,90 : 22 dias x 25 dias : 12 x 9 x 2) + (€ 993,90 : 12 x 9) = € 2.439,58.
Total: € 27.189,50. 4.º Autor (5/1996 - 30/09/2004) a) Maio de 1996 a 31/12/1996 - 8 dias úteis de férias, nos termos do
número 3 do artigo 3.º da LFFF, correspondente à seguinte remuneração: 134.800$00 : 22 dias úteis x 8 dias úteis x 2 (remuneração de férias e correspondente subsídio) = Esc. 98.036$40.
b) Maio de 1996 a 31/12/1996 - 7/12 avos do subsídio de Natal, pois não se sabe ao certo o dia do início de funções do Autor, o que implica que, nos termos do artigo 516.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre se tal trabalho começou no dias 1 ou 31 desse mês tenha de ser resolvido contra o trabalhador: 134.800$00: 12 meses x 7 meses = Esc. 78.633$30.
c) Anos de 1997 a 2003 – 8 meses de ordenado base + prémio de antiguidade (ordenado mínimo que também é o efetivo, por ser o único conhecido nos autos), a partir do momento em que este se for sucessivamente vencendo ao longo do tempo, nos moldes anteriormente determinados x 3 (remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal):
- 1997: 139.900$00 x 3 = 419.700$00. - 1998: 143.950$00 x 3 = 431.850$00. - 1999: 148.300$00 x 3 = 444.900$00. - 2000: 152.750$00 x 3 = 458.250$00. - 2001: 158.431$00 x 3 = 475.293$00. - 2002: (158.431$00 : 22 dias x 23 dias x 2) + 158.431$00 = 475.293$00. - 2003: (€ 903,60 : 22 dias x 23 dias x 2) + € 903,60 = € 2.792,95.
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- 2004: (€ 903,60 : 22 dias x 25 dias x 2) + € 903,60 = € 2.957,24. d) 1/1/2004 a 30/09/2004 - 9/12 avos do ordenado mínimo x 3
(remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal), referentes aos proporcionais do trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, no seguinte montante: (€ 903,60 : 22 dias x 25 dias : 12 x 9 x 2) + (€ 903,60 : 12 x 9) = € 2.217,93.
Total: € 22.415,06. 5.º Autor (5/1991 - 30/09/2004) a) Maio de 1991 a 31/12/1991 - 8 dias úteis de férias, nos termos do
número 3 do artigo 3.º da LFFF, correspondente à seguinte remuneração: 99.750$00 : 22 dias úteis x 8 dias úteis x 2 (remuneração de férias e correspondente subsídio) = Esc. 72.545$50.
b) Maio de 1991 a 31/12/1991 – 7/12 avos do subsídio de Natal, pois não se sabe ao certo o dia do início de funções do Autor, o que implica que, nos termos do artigo 516.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre se tal trabalho começou no dias 1 ou 31 desse mês tenha de ser resolvido contra o trabalhador: 99.750$00 : 12 meses x 7 meses = Esc. 58.187$50.
c) Anos de 1992 a 2003 – 13 meses de ordenado base + prémio de antiguidade, (ordenado mínimo que também é o efetivo, por ser o único conhecido nos autos), a partir do momento em que este se for sucessivamente vencendo ao longo do tempo, nos moldes anteriormente determinados x 3 (remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal):
- 1992: 100.500$00 x 3 = 301.500$00. - 1993: 110.500$00 x 2 = 221.000$00 + 117.150$0032 = 338.150$00. - 1994: 117.150$00 x 3 = 351.450$00. - 1995: 128.900$00 x 3 = 386.700$00. - 1996: 134.800$00 x 3 = 404.800$00. - 1997: 139.900$00 x 3 = 419.700$00. - 1998: 157.050$00 x 3 = 471.150$00. - 1999: 161.850$00 x 3 = 485.550$00. - 2000: 166.750$00 x 3 = 500.250$00. - 2001: 189.591$00 x 3 = 568.773$00. - 2002: (191.320$20 : 22 dias x 23 dias x 2) + 191.320$20 = 591.353$30. - 2003: (€ 1.004,00 : 22 dias x 23 dias x 2) + € 1.004,00 = € 3.103,27. - 2004: (€ 1.013,00 : 22 dias x 25 dias x 2) + € 1.013,00 = € 3.315,27. d) 1/1/2004 a 30/09/2004 - 9/12 avos do ordenado mínimo x 3
(remuneração de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal), referentes aos proporcionais do trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, no seguinte montante: (€ 1.013,00 : 22 dias x 25 dias : 12 x 9 x 2) + (€ 1.013,00 : 12 x 9) = € 2.486,45.
Total: € 33.595,99. Q – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS Os recorrentes vêm ainda reclamar da Ré o pagamento de uma
indemnização por danos não patrimoniais, nos seguintes valores:
32 Ocorreu no mês de Dezembro de 1993 uma alteração salarial que abrange o subsídio de Natal mas já não as outras duas prestações igualmente consideradas.
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«g) Condene a Ré a pagar a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantias não inferiores às seguintes:
i. 1.º Autor: € 30.000,00 ii. 2.º Autor: € 60.000,00 iii. 3.º Autor: € 30.000,00 iv. 4.º Autor: € 30.000,00 v. 5.º Autor: € 45.000,00» Se compulsarmos a petição inicial, é nos artigos 259.º a 270.º que tais danos
de natureza não patrimonial são alegados pelos recorrentes. Desse conjunto de factos e de juízos de direito só foi dado como provada pelo
tribunal recorrido a seguinte factualidade: “138 - Tendo-lhes todas estas situações descritas causado stress,
desmotivação e tristeza.” Em termos de regime legal, importa chamar à colação os artigos 436.º,
número 1, do Código do Trabalho de 2003 e 496.º do Código Civil, na sua redacção original, rezando tais disposições legais o seguinte:
Artigo 436.º
Efeitos da ilicitude 1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais,
causados; b) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. 2 - (…)
Artigo 496.º Danos não patrimoniais
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. (…) 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em
atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior
Ora, cruzando tal regime legal com a factualidade dada como assente,
afigura-se-nos que não ficaram demonstrados factos suficientes para fundar a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por danos morais aos Autores, pois que não só ignoramos ao certo quais as situações ao certo que causaram “stress, desmotivação e tristeza” aos recorrentes (muito embora, lendo o articulado inicial dos demandantes, admitamos que se traduzam, pelo menos, na cessação ilícita dos vínculos laborais que os ligavam à Ré)33, como as emoções ou sentimentos acima elencados, só por si e sem quaisquer outro circunstancialismo (nomeadamente, ao nível dos reflexos negativos na vida pessoal, familiar e até profissional de cada um deles), não se revestirem da gravidade que o número 1 do artigo 496.º do Código Civil reclama para a sua relevância jurídica, em termos de fixação de um montante indemnizatório, com base nas regras da equidade.
Sendo assim, é inevitável a improcedência desta Apelação na vertente agora abordada.
33 O tribunal recorrido limitou-se a reproduzir, numa técnica que reputamos infeliz e muito pouco esclarecedora, a primeira parte do artigo 265.º da Petição Inicial (fls. 47), pois a expressão “Tendo-lhes todas estas situações descritas causado…” é por demais vaga e inconclusiva.
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R – SEGURANÇA SOCIAL Os Autores vêm peticionar a condenação da Ré nos descontos para a
Segurança Social que não foram feitos pela mesma ao longo dos anos em que os mesmos lhes prestaram trabalhado subordinado, ainda que denominado de prestação de serviços.
A matéria de facto dada como assente a este propósito foi a seguinte: 46 - A Ré jamais efetuou quaisquer descontos para a Caixa de Previdência,
bem como nunca fez qualquer tipo de Seguro de Acidentes de Trabalho ao 1.º Autor ou a qualquer dos Autores;
81- O 2.º Autor nunca, em todo o tempo em que esteve ao serviço da Ré recebeu qualquer montante a título de subsídio de férias, subsídio de Natal ou subsídio de doença, nem tão pouco teve seguro de acidentes de trabalho ou lhe foi paga a caixa de previdência;
Importa recordar, no entanto, que, depois de alguma hesitação inicial, tem vindo a ser jurisprudência mais ao menos uniforme nos nossos tribunais, que tal pretensão extravasa a competência material dos tribunais do trabalho e, portanto, da secção social do Tribunal da Relação de Lisboa, por ser da competência absoluta dos tribunais administrativos ou tributários.34
Importa relembrar aqui o que o artigo 102.º do Código de Processo Civil, na redação que resultou da reforma de 1995/1996 e que é, naturalmente, aplicável aos presentes autos, estatui:
Artigo 102.º
Regime de arguição - Legitimidade e oportunidade 1. A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada
oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
2. A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência de discussão e julgamento.
Logo, nos termos do número 1 do artigo 102.º, pode este Tribunal da Relação
de Lisboa - tendo as partes já sido previamente ouvidas nos autos, conforme determinado por despacho liminar do relator deste recurso de Apelação - conhecer da sua incompetência em razão da matéria para conhecer tal pedido dos Autores o que implica que, nos termos do artigo 105.º do esmo diploma legal, a Ré seja absolvida da correspondente instância, o que se declarará oportunamente.
S – PEDIDO RECONVENCIONAL – PRESCRIÇÃO
34 Ver, por todos, os Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 4/10/2006, Processo n.º
03/06.dgsi.NET, de 4/10/2007, Processo n.º 017/07.dgsi.Net e de 17/01/2008, Processo n.º 016/07.dgsi.Net, bem como o do Tribunal da Relação do Porto de 28/09/2009, Processo n.º 300/06.6TTVRL.P1.dgis.Net, todos referenciados por Abílio Neto em “Código do Processo do Trabalho Anotado”, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Janeiro de2011, EDIFORUM Lisboa, páginas 444 a 447; cfr, finalmente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/05/2012, processo n.º 2159/10.0TTLSB.L1-4, em que foi relatora a Juíza-Desembargadora Maria João Romba, publicado em www.dgsi.pt.
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
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A Ré formulou reconvenção onde, alegando que os Autores sempre auferiram honorários superiores à retribuição que sempre pagou aos peritos que integram o seu quadro de trabalhadores dependentes e caso o Tribunal considere que os respetivos contratos são de qualificar como contratos de trabalho, os Autores terão que ser reintegrados nos termos em vigor na Ré, sujeitos às tabelas salariais em vigor na Ré para os peritos do quadro, e restituir (com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa) a diferença entre o que receberam e aquilo que teriam recebido se tivessem sido integrados no mesmo quadro, desde a data em que se iniciou a vigência dos respetivos contratos.35
Os Autores, na sua resposta, invocaram a exceção perentória da prescrição, por, à data da sua notificação da contestação da Ré, onde o pedido reconvencional foi invocado, já teria decorrido o prazo de 1 ano previsto no artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003.
O artigo 381.º desse diploma legal reza o seguinte:
Artigo 381.º Prescrição e regime de provas dos créditos resultantes do contrato de trabalho
1 - Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
2 - Os créditos resultantes da indemnização por falta do gozo de férias, pela aplicação de sanções abusivas ou pela realização de trabalho suplementar, vencidos há mais de cinco anos, só podem, todavia, ser provados por documento idóneo.
Os contratos de trabalho dos autos cessaram todos no dia 30/09/2004, o
que implica que o prazo prescricional do número 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003 teve início no dia 1/10/2004 e findou às 24 horas do dia e mês correspondente do ano seguinte, ou seja, à meia-noite do dia 1/10/2005.
Logo, tendo a contestação da Apelada sido apresentada nos autos no dia 19/12/2005, logo, muito para além do prazo prescricional de 1 ano previsto no transcrito artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003, estarão os créditos em causa prescritos, tornando-se, por isso despiciendo, averiguar em que data foram os Autores notificados do conteúdo da reconvenção, pois não há lugar à aplicação do disposto no número 2 do artigo 323.º do Código Civil.
O cenário que ressalta dos autos é, ainda, muito comum (hoje menos, face à criação pelo legislador da nova ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, regulada nos artigos 98.º-Be seguintes do Código do Processo do Trabalho, que tem de ser proposta, sob pena de caducidade, no prazo de 60 dias), com os trabalhadores a esgotarem particamente todo o prazo de prescrição de 1 ano, antes de instaurarem os respetivos autos contra a sua entidade empregadora, dessa maneira impossibilitando na prática e em termos jurídicos, a dedução oportuna de
35 Tal pedido reconvencional tem o seguinte teor: «No caso de a ação ser julgada procedente, então deverá julgar-se procedente o pedido
reconvencional formulado pela Ré na presente contestação, devendo o 1.° Autor … ser condenado a pagar à Ré a quantia de 84.827,83 €, o 2.° …, a quantia de 63.321,12 €, o 3.° Autor …, a quantia de 67.810,01 €, o 4.° …, a quantia de 69.649,69 € e o 5.° Autor …, a quantia de 139.800,45 €, quantias aquelas que totalizam o valor total do pedido reconvencional em 425.409,10 €, a que deverão acrescer os respetivos juros de mora a contar de cada data em que foram sendo pagas a cada um dos Autores quantia superior ao devido, com referencia a tabela salarial, conforme peticionado.»
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reconvenção por parte daquela contra eles, caso tivesse alguns créditos de cariz laboral a reclamar contra os mesmos.
Esta estratégia da parte que, geralmente, no quadro da relação laboral, surge como mais a fragilizada e enfraquecida não tem nada de ilícito, fraudulento ou sequer ilegítimo, limitando-se os trabalhadores a lançar mão dos meios que a lei que lhes confere para defender os seus direitos e a utilizá-los, dentro das fronteiras da legalidade, pela forma que entendem mais conveniente e benéfico para os seus interesses.
Atendendo ao que deixámos referido no Ponto H, não foi certamente surpresa para a Ré a propositura destas ações, nada obstando a que a mesma, se quisesse reclamar os créditos demandados no seu pedido reconvencional e que possuem natureza laboral (retribuições pagas a mais aos trabalhadores), nada obstava a que a entidade patronal tivesse proposto a competente ação dentro do referido prazo prescricional de 1 ano36, tendo, nessa medida, de ser imputada só a ela a improcedência da reconvenção, por se verificar a prescrição quanto aos direitos aí peticionados.
Dir-se-á, contudo, que a situação em presença é algo diversa, pois a Ré radica os pedidos reconvencionais formulados contra os Autos no instituto do enriquecimento sem causa (artigos 473.º e seguintes do Código Civil), causa de pedir essa que demanda a aplicação do prazo geral de prescrição e não o especial do direito do trabalho.
Tal reconvenção sustenta o mencionado instituto (residual e subsidiário) do enriquecimento sem causa no raciocínio já antes exposto e que se traduz no facto de ter pago quantias a mais aos Autores por estar convicta de que a relação que mantinha com eles era de índole liberal ou autónoma e não emergente de contratos de trabalho, verificando-se então, a partir do momento em que o tribunal encarou os vínculos em causa nesta última perspetiva jurídica, uma situação de recebimento de importâncias que, nesse novo enquadramento profissional, nunca os Autores, na sua qualidade de trabalhadores, perceberiam, tendo portanto a obrigação de as restituir, por a elas não ter direito, de acordo com a legislação laboral e a regulamentação coletiva aplicável.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que tais pedidos reconvencionais e inerentes causas de pedir - formulados retroativamente - revestem-se indiscutivelmente, de índole laboral, pois, independentemente da invocação (formal) do enriquecimento sem justa causa, certo é que os primeiros assentam na existência de contratos de trabalho, que nos termos da lei geral e da contratação coletiva, conferem aos titulares da força de trabalho - os aqui recorrentes - determinados direitos de cariz remuneratório - para além de outras garantias e regalias -, que, no caso vertente, foram incumpridos, por excesso, pela Ré, que remunerou o trabalho prestado com contrapartidas pecuniárias superiores às legal e convencionalmente devidas, bem como, aparentemente, compensou as despesas efetuadas aos seu serviço e no desempenho da atividade profissional com montantes superiores aos reais.
36 Quando se faz a presente afirmação, não se ignora as limitações de natureza formal e
material que a Apelada tem nesta matéria, mas nada a impedia, por antecipação e sabendo, com uma grande certeza, que iria ser acionada judicialmente pelos Apelantes, que se adiantasse e propusesse uma ação de simples apreciação negativa ou requeresse a Notificação Judicial Avulsa dos mesmos, reclamando deles, no pressuposto da eventual qualificação jurídica do vínculo existente como laboral, os mencionados créditos (diferenças salariais pagas em excesso).
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Logo, achando-se prescritos os créditos de natureza laboral reclamados pela Ré na sua reconvenção, nos moldes excecionados pelos Autores, tal obsta ao conhecimento por este tribunal de recurso dos pedidos reconvencionais em questão, indo, portanto, os recorrentes absolvidos dos mesmos.
T – REMISSÃO A Ré, na sua contestação e em termos subsidiários, para o caso do tribunal
qualificar os respetivos vínculos como possuindo natureza laboral (o que efetivamente veio a acontecer, por força da procedência do presente recurso de Apelação dos Autores) veio invocar a remissão dos créditos dos 4.º e 5.º Autores, nos seguintes moldes:
«236.º - O 4.º Autor omite na presente ação o seguinte circunstancialismo: é que em 1997, o 4.º Autor (…) celebrou com a Companhia de Seguros …, um acordo escrito. (Doc. 6)
237.º - Nesse Acordo, o próprio 4.º Autor reconhece expressamente que vinha prestando aquela Companhia (e ora Ré), a sua atividade profissional de perito de seguros, como mero prestador de serviços (cfr. considerando II -Doc. 6) E,
238.° - Pelo mesmo título (Doc. 6) a Companhia de Seguros Império, obrigava-se a promover as diligências necessárias e a tomar as decisões adequadas para que a nova sociedade a criar (prevista no mesmo Acordo) contratasse o ora 4.º Autor como perito de seguros, mediante contrato de trabalho sem prazo ou mediante contrato de prestação de serviços – conforme opção a tomar pelo 4.º Autor até ao momento da efetiva celebração do contrato – onde se estabelecessem as seguintes condições contratuais: (cl.ª 4.ª do mesmo Acordo - Doc. 6)
I – Para o caso de contrato de trabalho: a) Categoria profissional – Empregado dos Serviços Externos b) Retribuição fixa mensal – 71.900$00 c) Subsídio de almoço – 240$00 d) Duração do trabalho – 40 horas/semana e) Inexistência de período experimental f) Local de trabalho – Grande Lisboa e Concelhos limítrofes Aplicável Portaria de Regulamentação Trabalho para os Trabalhadores
Administrativo, publicada em 08/03/96, no Bol. Trab. Emp., 1.ª Série, n.° 9 II - Para o caso de contrato de prestação de serviços: a) Remuneração variável – 2.300$00, por cada peritagem completa - 800$00, por cada peritagem incompleta b) Despesas de deslocação – por quilómetro e almoço ou jantar conforme a
deslocação. Mais, 239.º - No mesmo Acordo escrito se estipulou que, com a celebração do
contrato com a nova empresa (previsto na cl.ª 4.ª do mesmo Acordo), quer fosse de trabalho quer fosse de prestação de serviços, cessaria o contrato de prestação de serviços que naquela altura estava em vigor entre a Companhia de Seguros Império e o ora 4.º Autor. (cfr. Cl.ª 5.ª n.º 1 - Doc. 6)
240.º - Prevendo-se mesmo na Cl.ª 5.ª, n.º 2, que a Companhia de Seguros Império se obrigava a pagar ao ora 4.º Autor a importância de 30.000$00 como compensação pela extinção do contrato de prestação de serviços que então ligava o Autor aquela Companhia, importância essa que o Autor afetaria à aquisição de ações da nova sociedade a criar. Ora,
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241.º - Em Julho de 1998, o 4.º Autor (…) celebrou com a Companhia de Seguros … outro Acordo escrito. (Doc. 7). E,
242.º - Nesse Acordo, o 4.º Autor reconheceu, expressamente, mais uma vez, que prestava serviços profissionais à Companhia de Seguros …, como perito, mediante contrato de prestação de serviços, celebrado nos termos dos art.ºs 1154.º e seguintes do Código Civil. (cfr. Cl.ª 1.ª - Doc. 7) E,
243.º - Pelo mesmo título (Doc. 7) as partes (4.º Autor e Companhia de Seguros …) revogaram por mútuo acordo o contrato de prestação de serviços que entre ambos existia (referido na clausula 1.ª do mesmo Acordo) dado que o 4.° Autor, celebrou nessa data, um contrato de prestação de serviços, também para a prestação de serviços de peritagem, com a …, SA (cfr. Cl.ª 2.ª - Doc. 7). E,
244.º - O 4.º Autor declarou nesse mesmo Acordo - cl.ª 3.ª - ter recebido nesse ato, a título de compensação pela revogação do contrato, a importância de 30.000$00 de que deu quitação, declarando expressamente que nada mais tinha a receber da Companhia de Seguros Império fosse a que título fosse.
245.º - Ainda que existissem quaisquer créditos emergentes do contrato de prestação de serviços, celebrado com a Companhia de Seguros … - que não existem - tais créditos sempre teriam sido remitidos, nos termos do n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil, através da referida declaração de quitação total e plena, feita pelo 4.º Autor na Cl.ª 3.ª do Acordo escrito constante do Doc. 7.
246.º - Remissão essa que aqui se alega e que consubstancia uma exceção perentória que aqui se invoca. (…)
Acresce que, e relativamente ao 5.° Autor, 256.º- O 5.º Autor (…) omite na presente ação o seguinte circunstancialismo: é
que em 1997, o 5.º Autor celebrou com a Companhia de Seguros …, um acordo escrito. (Doc. 9)
257.º - Nesse Acordo, o próprio 5.º Autor reconhece expressamente que vinha prestando aquela Companhia, a sua atividade profissional de perito de seguros, como mero prestador de serviços (cfr. considerando II - Doc. 9) E,
258.º - Pelo mesmo título (Doc. 9) a Companhia de Seguros …, obrigava-se a promover as diligências necessárias e a tomar as decisões adequadas para que a nova sociedade a criar (prevista no mesmo Acordo) contratasse o ora 5.° Autor como perito de seguros, mediante contrato de trabalho sem prazo ou mediante contrato de prestação de serviços - conforme opção a tomar pelo 5.º Autor até ao momento de efetiva celebração do contrato - onde se estabelecessem as seguintes condições contratuais: (cl.ª 4.ª do mesmo Acordo - Doc. 9)
I - Para o caso de contrato de trabalho: a) Categoria profissional - Empregado dos Serviços Externos b) Retribuição fixa mensal - 71.900$00 c) Subsídio de almoço - 240$00 d) Duração do trabalho- 40 horas/semana e) Inexistência de período experimental f) Local de trabalho-Grande Lisboa e Concelhos limítrofes Aplicável Portaria de Regulamentação Trabalho para os Trabalhadores
Administrativo, publicada em 08/03/96, no Bol. Trab. Emp., 1.ª Série, n.º 9 II - Para o caso de contrato de prestação de serviços: a) Remuneração variável – 2.300$00, por cada peritagem completa - 800$00, por cada peritagem incompleta
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b) Despesas de deslocação – por quilómetro e almoço ou jantar conforme a deslocação. Mais,
259.º - No mesmo Acordo escrito se estipulou que, com a celebração do contrato com a nova empresa (previsto na cl° 4° do mesmo Acordo), quer fosse de trabalho quer fosse de prestação de serviços, cessaria o contrato de prestação de serviços que naquela altura estava em vigor entre a Companhia de Seguros … e o ora 5° Autor. (cfr. cl.ª 5.ª, n.º 1 - Doc. 9)
260.º - Prevendo-se mesmo na cl.ª 5.ª, n.º 2, que a Companhia de Seguros … se obrigava a pagar ao ora 5.º Autor a importância de 30.000$00 como compensação pela extinção do contrato de prestação de serviços que então ligava o Autor aquela Companhia, importância essa que o Autor afetaria à aquisição de ações da nova sociedade a criar. Ora,
261.º - Em 6 de Agosto de 1998, o 5.º Autor (…) celebrou com a Companhia de Seguros Império outro acordo escrito. (Doc. 10) E,
262.º - Nesse Acordo, o 5.º Autor reconheceu, expressamente, mais uma vez, que prestava serviços profissionais à Companhia de Seguros …, como perito, mediante contrato de prestação de serviços, celebrado nos termos dos art.ºs 1154.º e seguintes do Código Civil. (cfr. Cl.ª 1.ª - Doc. 10) E,
263.º - Pelo mesmo título (Doc.10) as partes (5.º Autor e Companhia de Seguros …) revogaram por mútuo acordo o contrato de prestação de serviços que entre ambos existia (referido na clausula 1.ª do mesmo Acordo) dado que o 5.º Autor, celebrou nessa data, um contrato de prestação de serviços, também para a prestação de serviços de peritagem, com a ... (cfr. cl.ª 2.ª - Doc. 10), E,
264.º - O 5.º Autor declarou nesse mesmo Acordo - cl.ª 3.ª - ter recebido nesse ato, a título de compensação pela revogação do contrato, a importância de 30.000$00 de que deu quitação, declarando expressamente que nada mais tinha a receber da Companhia de Seguros … fosse a que título fosse.
265.º - Ainda que existissem quaisquer créditos emergentes do contrato de prestação de serviços, celebrado com a Companhia de Seguros … - que não existem - tais créditos sempre teriam sido remitidos, nos termos do n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil, através da referida declaração de quitação total e plena, feita pelo 5.º Autor na cl.ª 3.ª do Acordo escrito constante do Doc. 10.
266.º - Remissão essa que aqui se alega e que consubstancia uma exceção perentória que aqui se invoca.»
Impõe-se cruzar tal alegação da Ré com a Matéria de Facto dada como Provada, relevando para o efeito os seguintes factos:
«113 - Em Julho de 1998 a seguradora … formou o próprio gabinete de peritagens denominado …. S.A., em conjunto com os peritos;
114 - Com a advertência da Ré de que os peritos deveriam proceder à aquisição de ações, no montante simbólico de 30.000$ (trinta mil escudos).»
Importa, finalmente, olhar para os documentos que comprovam esses (alegados) acordos entre a Ré e os dois últimos Autores e que se acham juntos a fls. 380 e seguintes dos autos e que, denominados “Acordos” (Docs. n.ºs 6 e 7, 9 e 10) ou “Contrato de Prestação de Serviços Autónomos” (Doc n.º 8), complementam tais factos até certo ponto bem como fundam a exceção de remissão em apreço.
A figura da remissão mostra-se prevista nos artigos 863.º e seguintes do Código Civil, como causa de extinção das obrigações e reconduz-se a um negócio jurídico bilateral, mediante o qual e por força do acordo entre credor e devedor o
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primeiro renuncia (ou perdoa, na linguagem do Código Civil de Seabra) um crédito que tinha sobre o segundo.
Antunes Varela, em “Das Obrigações em Geral”, Volume II, 7.ª Edição, 1997, Almedina, Coimbra, páginas 243 afirma que na “remissão é o próprio credor que, com a aquiescência embora do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse, que a lei lhe conferia”.37
A Ré pretende ver no teor das cláusulas 3.ª dos Acordos de fls. 384 e 385 e 392 e 393 (”o segundo outorgante recebeu neste ato, a título de compensação pela revogação do contrato, a importância de 30.000$00 de que dá quitação, declarando expressamente que nada mais tem a receber da Primeira Outorgante seja a que título for”) um contrato de remissão de eventuais dívidas que a Ré teria para com cada um dos aludidos Autores, mas, salvo o devido respeito por tal opinião, não se nos afigura possível extrair de tal declaração de mera quitação a procurada remissão.
Não podemos deixar de encontrar alguma similitude (o que não deixa de ser algo sintomático) entre os dois acordos de revogação dos dois contratos de prestação de serviços que tinham com a Ré COMPANHIA DE SEGUROS …, SA e a revogação do contrato de trabalho que, na altura, se achava regulada nos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02 e que se depois foi regida pelos artigos 393.º a 395.º do Código do Trabalho de 2003 e 349.º e 350.º do Código do Trabalho de 2009.
Não se pode estender, naturalmente, tal regime legal da revogação do contrato de trabalho a acordos como os que estamos aqui a interpretar, que, na perspetiva da Ré, procuravam, unicamente, formalizar o processo de transição dos dois Autores, na sua qualidade de prestadores de serviços, da Ré propriamente dita para uma sociedade satélite da mesma e por ela totalmente controlada, que iria passar a gerir formalmente e a partir daí as peritagens e avaliações executadas por aqueles e outros colegas.
Diremos, aliás, que é ilegítima e juridicamente injustificada a simples importação de figuras jurídicas de outros ramos do direito privado, sem as confrontar, num primeiro momento, com a natureza especial do direito material laboral e depois, caso se conclua pela viabilidade de tal transposição, sem as adaptar, num segundo momento, às especificidades do direito do trabalho (cf., a este propósito, ainda que no plano adjetivo a norma contida no artigo 1.º, n.º 3 do Código do Processo do Trabalho).
Nunca aceitámos, por isso, de ânimo leve, o instituto da remissão abdicativa no quadro do direito do trabalho, por poder ser um meio hábil e astuto das entidades patronais fugirem às suas responsabilidades laborais.
Importa contudo e desde logo, realçar que a (pretensa) compensação de Esc. 30.000$00, que os dois Autores declararam ter recebido e sobre a qual se radicava a remissão abdicativa defendida pela Ré tinha, desde o início, um destino antecipadamente definido e que era a aquisição de ações na futura sociedade denominada …, SA, conforme ressalta da restante documentação a que também fizemos referência e dos Pontos de Facto acima reproduzidos.
Tratava-se, nessa medida e portanto, de um adiantamento ou de um «empréstimo» sem retorno que a Seguradora facultava aos dois recorrentes com
37 Cfr., também, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, II Volume, 4.ª
Edição, 1997, Coimbra Editora, págs. 150 e seguintes, em anotação aos artigos 863.º a 867.º do Código Civil.
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vista a desonerá-los de quaisquer encargos com a constituição daquele novo ente societário (“out-sourcing?”).
O filme que os factos e documentos dos autos nos permitem observar ao longo os anos em que todos os demandantes estiveram ao serviço da Ré não evidencia nenhuma quebra, interrupção ou modificação substancial na forma como todos eles – com especial incidência para os dois Autores que agora nos ocupam a análise – se continuaram a relacionar com a Ré e a desenvolver a sua atividade profissional.
Dir-se-á, por outro lado, que o montante em questão – Esc. 30.000$0038 – só por si, era de tal forma exíguo, que dificilmente poderia cumprir esse seu pretenso desiderato não sendo, por outro lado, irrelevante frisar a diferença de anos de serviço que o 4.º e o 5.º Autores tinham entre si – Abril de 1996 e Maio de 1991 – e que não se refletiu minimente na importância final da dita compensação, o que não deixa igualmente de ser contraditório com a alegada natureza da citada quantia.
Sendo assim, face a essa natureza falsamente compensatória da aludida importância de 30 contos (o seu valor foi determinado em função do capital a subscrever por ambos os Autores), que créditos concretos dos Apelantes visava aquela liquidar e remitir? Mistério….
De qualquer forma, sempre defendemos que a remissão abdicativa só poderá ter validade e eficácia jurídicas quando o devedor (que, no caso típico das revogações do contrato de trabalho, é, normalmente, o trabalhador) tiver perfeita consciência e conhecimento do que lhe é devido, quer qualitativa como quantitativamente, por só assim poder remir voluntária e intencionalmente, sem qualquer vício na formação da vontade ou divergência entre a vontade real e a declarada, nomeadamente (como é possível perdoar o que nem sequer é sabido ou, a sê-lo, não o é em todos os seus detalhes essenciais?).
Não será despiciendo olharmos, a este respeito, para o teor dos artigos 786.º e 787.º do Código Civil, que regulam a prova do cumprimento39, para verificarmos que não nos encontramos, igualmente, perante uma das presunções de cumprimento referidas na primeira disposição legal indicada, que pudesse funcionar minimamente em favor e benefício da … COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
38 O Salário Mínimo Nacional (Ou RMMG) em 1998 era no valor Esc. 54.000$00 para os
trabalhadores do serviço doméstico e de Esc. 61.300$00 para os demais. 39 Artigo 786.º
Presunções de cumprimento 1. Se o credor der quitação do capital sem reserva dos juros ou de outras prestações
acessórias, presume-se que estão pagos os juros ou prestações. 2. Sendo devidos juros ou outras prestações periódicas e dando o credor quitação, sem
reserva, de uma dessas prestações, presumem-se realizadas as prestações anteriores. 3. A entrega voluntária, feita pelo credor ao devedor, do título original do crédito faz
presumir a liberação do devedor e dos seus condevedores, solidários ou conjuntos, bem como do fiador e do devedor principal, se o título é entregue a algum destes.
Artigo 787.º Direito à quitação
1. Quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo.
2. O autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento.
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Os Autores, na resposta à sua contestação, invocam a natureza irrenunciável dos créditos laborais durante a vigência do seu vínculo jurídico-profissional com a Ré40, que, como há acima afirmámos, não sofreu nenhuma modificação material significativa, argumento que, naturalmente, só ganha relevância e sentido após termos qualificado como laboral a relação sócio-profissional mantida entre Autores e Ré mas, muito embora tal argumento constitua igualmente um obstáculo legal à validade e eficácia da pretensa remissão firmada entre as partes, julgamo-lo secundário e quase despiciendo face ao que se deixou dito anteriormente e que, juridicamente, descaracteriza e esvazia totalmente o instituto da remissão arguido, a título de exceção perentória (facto extintivo), pela Ré na sua contestação.
Logo, tem a mesma de ser julgada igualmente improcedente pelos motivos expostos.
U – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA A Ré veio também, com fundamento no instituto do enriquecimento sem
causa, previsto nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil, reclamar dos Autores os montantes constantes do seu pedido reconvencional (formulado a título subsidiário, para o caso da procedência do primeiro pedido dos Autores) e que, na sua perspetiva, por força da qualificação jurídico-laboral do vínculo que a mesma manteve com os recorrentes, teriam de ser restituídos por estes últimos, em virtude de excederem os valores que, a título de retribuição e outras prestações, lhe seriam efetivamente devidos.
Ora, sem se ignorar que tais pretensões se acham prescritas, nos moldes já antes decididos, diremos, muito sinteticamente, que, ainda que essa exceção peremptória não obstasse ao seu conhecimento, temos sérias dúvidas de que, substantiva e processualmente, fosse o referido instituto a verdadeira causa de pedir dos aludidos pedidos, sendo certo, finalmente, que, perante a interpretação que a nossa melhor doutrina faz do correspondente regime legal41,se mostrem reunidos os três requisitos que, cumulativamente, faziam incorrer os Apelantes na obrigação de restituir fundada no locupletamento à custa alheia, a saber: 1) a verificação de um enriquecimento, ou seja, da obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial; 2) Que tal enriquecimento careça de causa justificativa, quer por que nunca a teve, quer porque a perdeu supervenientemente; c) A correspondente obrigação de restituição pressupõe que o dito enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
Ora, conforme ressalta dos autos - remetendo-se ainda e nesta matéria, para a análise que fizemos nos Pontos G e H, as quantias reconvencionais peticionadas pela Ré não só foram sendo atribuídas, quando não mesmo fixadas unilateralmente por ela, como visaram pagar os serviços de peritagens e correspondentes despesas efetuadas pelos Autores durante os anos considerados
40 Cfr., a este respeito e entre outros, os artigos 59.º, números 1, alínea a) e 2, alínea a) da Constituição da República Portuguesa e 19.º, alínea b), 21.º, número 1, alínea c), 25.º, 38.º, 95.º e 97.º da LCT.
41 Cfr., por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, I Volume, 3.ª Edição, 1982, Coimbra Editora, págs. 427 a 431, em anotação ao artigo 473.º, bem como, em termos específicos, Diogo José Paredes Leite de Campos, “A subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento”, Coleção Teses, Almedina, 1974.
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nos autos, ou seja, representaram a contrapartida, ainda que em moldes diversos dos estabelecidos para os peritos avaliadores assalariados, da atividade pelos mesmos desenvolvida e dos custos inerentes a ela.
Logo, nunca se poderia falar em tal situação de uma ausência absoluta de causa justificadora dos mencionados pagamentos.
Por outro lado, não é possível equiparar ou fazer equivaler tal atividade, enquanto encarada e trasvestida em prestação de serviços, com a desenvolvida ao abrigo do contrato de trabalho, sendo, nessa medida, simplista e artificial peticionar simplesmente, como enriquecimento, as diferentes salariais nominativas, sem cuidar, primeiramente, de separar o trigo e o joio e de fazer, até onde é possível, as necessárias correspondências.
Não deixa, aliás, a argumentação da recorrente de nos surpreender, dado as empresas portuguesas preferirem, em regra, contratar prestadores de serviços e não assalariados, por estes significarem uma acréscimo de custos e responsabilidades, e não o contrário.
Logo, por este conjunto de motivos, os créditos reconvindos e derivados desse pretenso enriquecimento sem justa causa, ainda que não estivessem prescritos, nunca poderiam ser julgados procedentes, com a inerente condenação dos Apelantes no seu pagamento.
V – JUROS DE MORA Vêm os Autores reclamar também o pagamento de juros de mora à taxa legal
desde a data do vencimento de cada uma das prestações até ao seu integral pagamento (cfr. artigo 272.º da Petição Inicial)42.
Ora, afigura-se-nos que os factos dados como provados, quando conjugados com o disposto nos artigos 397.º, 398.º, 405.º, 406.º, 762.º, 763.º, 798.º, 799.º, 804.º a 806.º, 559.º do Código Civil, 92.º e 93.º da LCT, 268.º e 269.º do Código do Trabalho de 2003, demonstram uma efetiva situação de mora da Ré, por as prestações em débito constituírem obrigações com prazo certo (cft., a este respeito, o Dr. João Leal Amado, A Proteção do Salário, Coimbra Editora, págs. 75 a 80) e não terem sido liquidadas no seu vencimento, impondo-se, consequentemente, condenar a Ré nos moldes procurados pelos Autores.
A Ré no artigo 377.º da sua contestação vem levantar a seguinte questão quanto a juros:
«Quanto ao pedido referente a juros, deduzido no artigo 272.º e na parte final da p.i. ainda que os mesmos fossem devidos - que não são! - só poderiam incidir sobre as importâncias líquidas que o Autor tivesse direito a receber - e não tem - e
42 «f) Condene a Ré a pagar os competentes juros de mora à taxa legal, desde a data do
respetivo vencimento no que concerne às quantias peticionadas nas alíneas a) a d) e desde a citação no que se refere à indemnização pelos danos morais infligidos, bem como custas e procuradoria e ainda no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, em caso de incumprimento, em valor não inferior a € 200,00 por cada Autor»
Dir-se-á que não se percebe a remição, em termos de condenação da Ré em juros de mora, para as alíneas a) - reconhecimento do vínculo laboral, com todas as suas consequências legais - e b) - fixação do valor da remuneração-base mensal, subsídio de refeição, quilómetros e portagens -, só tendo a mesma verdadeira justificação e aplicação relativamente às alíneas c) - condenação da Ré nas remunerações de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal - e d) - reconhecimento do despedimento sem justa causa, com todas as suas legais consequências, aí se incluindo o pagamento das compensações.
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não sobre os valores ilíquidos das mesmas remunerações, como o Autor pretende, sob pena de enriquecimento sem causa, como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/2001, recurso n.º 2957/00, in Acórdãos Doutrinais, n.º 478, página 1376».
Olhando para o pedido formulado pelos Autores no referido artigo 272.º da Petição Inicial e para a parte final do mesmo articulado («pagamento…dos respetivos juros de mora») e fazendo uma rigorosa e objetiva interpretação dos mesmos, não se nos afigure que os recorrentes peticionem a incidência sobre as quantias ilíquidas que reclamam dos aludidos juros de mora à taxa legal, limitando-se a utilizar a fórmula habitual em ações de condenação deste tipo para deduzirem tal pretensão.
Não vemos como é que a Ré, caso venha a liquidar as prestações em que foi condenada – essencialmente, as remunerações de férias, correspondentes subsídios, subsídios de Natal e compensação pelo despedimento, nos termos do artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003 –, irá pagar aos Autores os valores brutos das mesmas e não aqueles que normalmente são liquidados aos trabalhadores, isto é, após terem sido feitos os habituais descontos para a Segurança Social e em termos de IRS.
De qualquer maneira, serão sobre tais prestações, na sua expressão pecuniária líquida, isto é, após as deduções legais, que terão de ser calculados os mencionados juros de mora, nos moldes anteriormente indicados.
X – SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA Os Autores vêm peticionar igualmente a condenação da Ré no pagamento da
sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829.º-A do Código Civil43, afigurando-se-nos que tal pretensão se reconduz ao número 1 de tal preceito legal, pois visa garantir a reintegração dos Apelantes no seio da empresa.
Tendo presente o número 1 do artigo 829.º-A do Código Civil e atendendo às circunstâncias difíceis e complexas que caracterizaram o litígio dos autos, entendemos que a Ré deverá ser condenada, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento do montante diário de 200,00 Euros, relativamente a cada Apelante e por cada dia de não reintegração de cada um dos cinco Autores, começando tal sanção a vencer-se a partir do trânsito em julgado deste Acórdão.44
43 Artigo 829.º-A Sanção pecuniária compulsória
1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em parte iguais, ao credor e ao Estado.
4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
44 Cfr., aliás, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/03/2012, Processo n.º, 554/07.0TTMTS.P1.S1, relator: Fernandes da Silva, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):
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Sendo assim, tem a ação de ser julgada igualmente procedente nesta parte. IV – DECISÃO Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do
Trabalho e 712.º e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a) Em julgar procedente, na sua vertente fáctica, a ampliação do objeto do recurso de Apelação dos Autores pedida pela Ré ao abrigo do artigo 684.º-A, número 2, do Código de Processo Civil, determinando a alteração da Decisão sobre a Matéria de Facto nos moldes ordenados no Aresto (aditamento de factos sob os Pontos 158. a 162.);
b) Em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por …, …, … e …, e, nessa medida, revogar a decisão recorrida, decidindo-se em, sua substituição, o seguinte:
“Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e a reconvenção improcedente e, em consequência:
I) Condeno a Ré … COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.: A) No reconhecimento: 1. De que os contratos que a vinculavam aos Autores eram contratos de trabalho por tempo
indeterminado; 2. De que os Autores foram ilicitamente despedidos pela Ré, em 1/10/2004; B) A reintegrar, nessa sequência, os Autores, sem prejuízo da sua categoria - perito - e
antiguidade, correspondendo as suas remunerações às constantes das Tabelas Salariais da Regulamentação Coletiva aplicável, a título de ordenado base, a que acrescem ainda, nos moldes acima referidos, os prémios de antiguidade a que igualmente têm direito (ordenado mínimo) e o subsídio de refeição em tal contratação igualmente previsto (sem prejuízo, quanto a este, do funcionamento da exceção constante do número 3 da cláusula 35.ª do CCT de 2012 atualmente em vigor).
C) No pagamento aos Autores das quantias de: 1. A título de compensação pelo despedimento sem justa causa, respeitando os montantes
abaixo indicados ao período que medeia entre 24/08/2005 a 31/01/2013, tudo sem prejuízo das prestações que se vencerem até ao trânsito em julgado deste Aresto:
- 1.º Autor – € 140.481,70 (€ 124.894,60 + 15.587,10); - 2.º Autor – € 137.190,40 (€ 121.603,30 + 15.587,10); - 3.º Autor – € 136.930,80 (€ 121.343,70 + 15.587,10); - 4.º Autor – € 134.653,40 (€ 119.066,30 + 15.587,10); - 5.º Autor – € 138.662,20 (€ 123.075,10 + 15.587,10). 2. As quantias referidas no Ponto anterior estão sujeitas às deduções previstas nos números
2 e 3 do artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003, sendo só devidos aos Autores os montantes acima referidos que não forem consumidos por tais deduções.
3. Da remuneração do mês de férias e respetivo subsídio, bem como do subsídio de Natal relativos aos anos de serviço dos Autores, desde a sua entrada para a Ré até 30/09/2004, nela se integrando os proporcionais do trabalho prestado nos 9 meses de 2004:
- 1.º Autor – € 38.258,60; - 2.º Autor – € 29.363,10; - 3.º Autor – € 27.189,50; - 4.º Autor – € 22.415,06;
«IV - O escopo da sanção pecuniária compulsória é o de forçar o devedor a cumprir, a vencer a
provável resistência da sua oposição ou indiferença. Consistindo num meio coercivo, intimidatório, não visa primacialmente, por isso, o objetivo de
indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, sabido que, neste contexto, mais que o montante da retribuição do trabalhador, releva, na ponderação dos postulados equilíbrio e sentido da proporção, o valor maior da urgente recuperação do posto de trabalho, com todos os reflexos inerentes. Assim, no caso, revela-se adequada a fixação dessa sanção em € 500,00 diários.»
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- 5.º Autor – € 33.959,99. 4. As quantias referidas em 1 a 3 deverão ser pagas pela Ré acrescidas de juros de mora, às
taxas anuais legais sucessivas, contados desde a data do vencimento de cada uma das mencionadas prestações até ao seu integral pagamento, sendo tais juros de mora calculados sobre os valores líquidos das mesmas, nos moldes referidos na fundamentação do Acórdão.
D) Vai ainda a Ré condenada, nos termos do número 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, na sanção pecuniária compulsória que se fixa em 200,00 Euros diários para cada um dos Autores, devida desde o dia a seguir ao trânsito em julgado deste Aresto e até a Ré reintegrar os mesmos.
E) Declara-se o tribunal do trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido de pagamento dos descontos para a Segurança Social formulado pelos Autores.
F) Absolvo a Ré do demais peticionado pelos Autores. G) Absolvo os Autores do pedido reconvencional deduzido pela Ré contra os mesmos. Valor da causa: € 839.104,75 (oitocentos e trinta nove mil cento e quatro euros e setenta e
cinco cêntimos). Custas a cargo de Autora e Ré, na proporção do decaimento - artigo 446.º, número 1, do
Código de Processo Civil. Registe e notifique”
* Custas do presente recurso a cargo da Apelada – artigo 446.º, número 1 do
Código de Processo Civil. Registe e notifique. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013
_____________________________________ (José Eduardo Sapateiro) _____________________________________ (Sérgio Almeida _____________________________________ (Jerónimo Freitas)
Sumário I – Os Autores, na sua qualidade de peritos avaliadores da Ré Seguradora, estabeleceram
uma relação de trabalho subordinado com a mesma, atentos os factos concretamente provados nos autos, que demonstram a existência de uma situação de subordinação jurídica por parte dos primeiros relativamente à segunda.
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II – Nessa medida, as cartas que a Ré remeteu aos cinco Autores com o propósito de provocar a cessação da relação profissional que mantinha com os mesmos configura um despedimento ilícito por não ter sido precedido do correspondente procedimento disciplinar nem se ter radicado em justa causa.
III – Os Autores, face a tal despedimento ilícito e dado não terem optado pelo recebimento da indemnização de antiguidade, têm direito a ser reintegrados sem prejuízo da sua categoria - perito - e antiguidade, correspondendo as suas remunerações às constantes das Tabelas Salariais da Regulamentação Coletiva aplicável, a título de ordenado base, a que acrescem ainda os prémios de antiguidade (formando com aquelas o ordenado mínimo) e o subsídio de refeição em tal contratação igualmente previsto.
IV – Os Autores têm igualmente direito a receber a compensação prevista no artigo 437.º, número 1 do Código do Trabalho de 2003, sem prejuízo das deduções constantes dos números 2 a 4 da mesma disposição legal.
V – A sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 828.º-A do Código Civil é aplicável no âmbito do direito do trabalho, designadamente, como forma de garantir a reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos.
VI – O tribunal do trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido de condenação da entidade empregadora no pagamento à Segurança Social das contribuições devidas a tal entidade por força da relação de trabalho subordinada estabelecida com os Autores.
VII – A remissão só tem validade e eficácia jurídicas quando o devedor tiver perfeita consciência e conhecimento do que lhe é devido, quer qualitativa como quantitativamente, por só assim poder remir voluntária e intencionalmente.
VIII – Os juros de mora devidos ao trabalhador incidem sobre as prestações laborais que lhe são devidas, desde a data do seu vencimento e na sua expressão pecuniária líquida, isto é, após a entidade empregadora operar sobre elas as deduções legais a que houver lugar.
_____________________________________ (José Eduardo Sapateiro)