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A CRÍTICA TEOLÓGICA À ECONOMIA CAPITALISTA GLOBAL WAGNER FRANCESCO 1 Resumo Esse artigo, de caráter introdutório, quer levantar a problemática da globalização da economia capitalista e o que a teologia tem a dizer sobre ela. Com base em dados estatísticos e de leituras de teóricos, apresentamos o método capitalista e os seus anseios e colocamos diante dele a ideia do Deus da Vida e do pobre. Palavras-Chave: Economia capitalista, globalização, socialismo, teologia. Abstract This article, with an introductory nature, aims to raise the discussion about the globalization of the capitalist economy and what theology has to say about it. Based in statistics and theoretical readings, we present the capitalist method and its aspirations, as well as we confront it with the idea of a God of Life and the poor. Keywords: capitalist economy, globalization, socialism, theology Introdução Uma vez que nos propomos a escrever sobre globalização e religião, precisamos de antemão responder sobre conceitos. Começaremos definindo o que é a globalização, qual o seu projeto e o que a teologia tem a ver com isso. O fato é que a globalização é um fenômeno imprescindível e isso nos força a perguntar que tipo de sistema é que será globalizado – aqui, pois, surge a chamada crítica a economia capitalista global. Partimos do pressuposto óbvio de que vivemos num sistema capitalista, dominado pela lógica do capital de exploração e obtenção implacável de lucros, logo eis o cenário ao qual todos serão, por meio da globalização, obrigados a se sujeitarem. 1 Bacharelando do curso de teologia da Faculdade Batista Brasileira. [email protected]

A crítica teológica à economia capitalista global

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Esse artigo, de caráter introdutório, quer levantar a problemática da globalização da economia capitalista e o que a teologia tem a dizer sobre ela. Com base em dados estatísticos e de leituras de teóricos, apresentamos o método capitalista e os seus anseios e colocamos diante dele a ideia do Deus da Vida e do pobre.

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A CRÍTICA TEOLÓGICA À ECONOMIA CAPITALISTA GLOBAL

WAGNER FRANCESCO1

Resumo

Esse artigo, de caráter introdutório, quer levantar a problemática da

globalização da economia capitalista e o que a teologia tem a dizer sobre ela. Com

base em dados estatísticos e de leituras de teóricos, apresentamos o método

capitalista e os seus anseios e colocamos diante dele a ideia do Deus da Vida e do

pobre.

Palavras-Chave: Economia capitalista, globalização, socialismo, teologia.

Abstract

This article, with an introductory nature, aims to raise the discussion about the

globalization of the capitalist economy and what theology has to say about it. Based

in statistics and theoretical readings, we present the capitalist method and its

aspirations, as well as we confront it with the idea of a God of Life and the poor.

Keywords: capitalist economy, globalization, socialism, theology

Introdução

Uma vez que nos propomos a escrever sobre globalização e religião,

precisamos de antemão responder sobre conceitos. Começaremos definindo o que é

a globalização, qual o seu projeto e o que a teologia tem a ver com isso.

O fato é que a globalização é um fenômeno imprescindível e isso nos força a

perguntar que tipo de sistema é que será globalizado – aqui, pois, surge a chamada

crítica a economia capitalista global. Partimos do pressuposto óbvio de que vivemos

num sistema capitalista, dominado pela lógica do capital de exploração e obtenção

implacável de lucros, logo eis o cenário ao qual todos serão, por meio da

globalização, obrigados a se sujeitarem.

1 Bacharelando do curso de teologia da Faculdade Batista Brasileira. [email protected]

Quanto falamos que a globalização é imprescindível e que todas as pessoas

serão obrigadas a se sujeitarem ao sistema do capital globalizado estamos entrando

de acordo com o Mészáros que escreve que:

Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de decisão dos vastos monopólios industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos.2

Logo é desse sistema totalitário e sempre a favor dos fortes que estamos

falando. É esse sistema que quer ser globalizado e é a partir dele que devemos

perguntar se a teologia pode compactuar com esse caminho.

1. O que é a globalização?

Para Giddens a globalização é a intensificação de relações sociais mundiais

que unem localidades distantes de tal modo que os acontecimentos locais são

condicionados por eventos que acontecem mesmo a lugares extremamente

distantes. Ele diz que a globalização são “aqueles processos que estão

intensificando as relações e a interdependência sociais globais”3. A globalização

seria, então, o estreitamento dos laços humanitários, a aproximação entre humanos,

o contato rápido e eficaz – não importando a distância. Giddens ainda segue

dizendo, com razão, que

A globalização está mudando o modo como o mundo se parece e a maneira como vemos o mundo. Ao adotar uma perspectiva global, tornamo-nos mais conscientes de nossas ligações com os povos de outras sociedades. Tornamo-nos também mais conscientes dos diversos problemas que o mundo enfrenta [...]. A perspectiva global nos mostra que os nossos laços cada vez maiores com o resto do mundo podem significar que as nossas ações têm consequências para nós.4

2 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 96 3 GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005, p. 61 4 IDEM. IBDEM.

Essa afirmação sobre a globalização coloca em nós o senso de

responsabilidade enquanto seres que habitam numa mesma casa e responsáveis

pela preservação da mesma raça. Não somos mais seres de um lugar só, mas

habitantes imediatos de todo o globo. Isto fica claro nas palavras do Giddens quando

ele escreve

Não podemos separar nossas ações locais, do abrangente cenário social que compreende o mundo como um todo. [...] O mundo em que vivemos hoje nos faz muito mais interdependentes, mesmo a milhares de quilômetros de distância, do que jamais fomos.5

O que isso significa é que, daqui do Brasil, eu posso estar imediatamente por

dentro das lutas do povo da Palestina e ainda contribuir com as suas lutas. Fico

instantaneamente sabendo do que se passa por lá – num país que nunca fui, não sei

a língua, não conheço ninguém – e posso (através do facebook, twitter etc.)

participar de uma grande mobilização e demonstrar solidariedade. O fato é que,

como escreveu o italiano Piero Coda,

pela primeira vez, de forma irreversível, as diferentes identidades em que se exprime a experiência humana, entram em relação de recíproca visibilidade e comunicação”.6

Mas nem tudo são apenas essas flores. Aliás, nem tudo são realmente flores.

O Antony Giddens, no seu livro que já citamos aqui, Sociologia, aponta algumas

dimensões da globalização. Ele chama a atenção para o fato de que não é somente

a dimensão econômica que é afetada – ou que afeta – o fenômeno da globalização,

pois, segundo Giddens

A globalização é criada pela convergência de fatores políticos, sociais, culturais e econômicas. Foi impelida, sobretudo, pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e da comunicação que intensificaram a velocidade e o alcance da interação entre as pessoas ao redor do mundo7.

De fato a globalização não tem apenas uma dimensão, a econômica, mas por

questões de delimitação trataremos apenas dela. Na verdade, não apenas por

questão de delimitação, mas por entender que o conceito de materialismo histórico,

formulado por Engels e Marx, deve nortear todo e qualquer debate acerta da vida

social; não podemos partir de outro lugar senão da economia. Engels escreve, em

5 IDEM. IBDEM, p. 60 6 CODA, Piero. La globalizzazione. Una sfida all’esperienza umana, Nuova Umanità, XXV (2003/2), p. 125. 7 GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005, p. 61

1890, uma carta para seu amigo Joseph Bloch, e nessa carta que dá respostas

sobre o materialismo histórico, ele escreve:

De acordo com a concepção materialista da história, o elemento determinante final na história é a produção e reprodução da vida real. Mais do que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se alguém distorce isto afirmando que o fator econômico é o único determinante, ele transforma esta proposição em algo abstrato, sem sentido e em uma frase vazia. As condições econômicas são a infraestrutura, a base, mas vários outros vetores da superestrutura (formas políticas da luta de classes e seus resultados, a saber, constituições estabelecidas pela classe vitoriosa após a batalha, etc., formas jurídicas e mesmo os reflexos destas lutas nas cabeças dos participantes, como teorias políticas, jurídicas ou filosóficas, concepções religiosas e seus posteriores desenvolvimentos em sistemas de dogmas) também exercitam sua influência no curso das lutas históricas e, em muitos casos, preponderam na determinação de sua forma.8

Isso, em outras palavras, quer dizer que embora haja outras dimensões da

vida social, embora haja outras dimensões para o fenômeno da globalização, de

modo nenhum é, segundo a concepção marxista e materialista, possível partir para

outras questões se não passar pela infraestrutura da sociedade, pelas condições

econômicas.

2. Economia Global ou Globalização da miséria.

O capital teve de seguir seu curso e sua lógica de desenvolvimento: teve de abraçar a totalidade do planeta.

(István Mészáros)

Marx e Engels revelam um sério problema da globalização. Escrevem eles,

[...] vemos que quando hoje é inventada uma máquina na Inglaterra, por

exemplo, incontáveis trabalhadores são postos na rua na Índia e na China,

o que quer dizer que aquela invenção constitui um fato histórico universal.9

Ora, se para Giddens e Piero Coda a globalização deveria ter (tem?) o

caráter de unir as pessoas numa grande aldeia, de aproximar os acontecimentos de

um povo etc., para Marx e Engels outro problema surge: é que a economia

capitalista é excludente e quando as coisas vão mal para os trabalhadores na

Europa isso irá refletir nos trabalhadores na América Latina. É por isso que uma

8 http://www.marxists.org/portugues/marx/1890/09/22.htm - acesso 09/05/2012 9 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 70

crise do capitalismo afeta todo o mundo capitalista – e não capitalista se pensarmos

em Cuba e Venezuela. Um mundo que vive sob as rédeas do capitalismo sofre, por

causa da globalização, quando esse sistema entra (sempre, pois as crises são

inerentes à lógica do capital!) em colapso.

As promessas da economia capitalista chocam-se com o mundo da realidade.

O capitalismo deu certo – o problema é que existe pobre! O paraíso da abundância

de consumo aparece como à disposição de todos, mas o sonho acaba quando o

trabalhador tem que acordar pra trabalhar. O teólogo Jung Mo Sung enfatiza que:

Para obter a satisfação de todos os desejos de consumo, eles (os defensores do capitalismo) prometem a superabundância de produção via a maximização do progresso técnico. Quanto mais técnica, mas produção e, portanto, mais satisfação de desejos de consumo. Para a maximização do progresso tecnológico – o segredo do progresso – é necessário, segundo eles, a sobrevivência dos mais competentes e a exclusão – o sacrifício dos menos competentes e dos mais pobres. Por isso, eles dizem que os sacrifícios impostos à população pobre não “sacrifícios necessários”.10

A economia capitalista é sui generis desigual. O sistema cria miséria, pois

coloca a riqueza – produzido pelos trabalhadores – na mão dos poucos patrões.

Bem escreveu Mészáros

O sistema do capital – como se dá com todas as formas concebíveis de controle sociometabólico global, inclusive a socialista – está sujeito à lei absoluta do desenvolvimento desigual, que, sob a regra do capital, vigora numa forma em última análise destrutiva, por causa de seu princípio estruturador interno antagônico. Assim, para prever uma resolução global, legítima e sustentável dos antagonismos do sistema do capital, seria necessário primeiro acreditar no conto de fadas da eliminação para todo o sempre da lei do desenvolvimento desigual das questões humanas.11

Dessa forma podemos dizer que a “globalização” em curso, é uma realidade

inegável dos nossos tempos. Dado o carácter insuperavelmente antagônico do

capital, este processo de globalização tem que impor-se de uma forma

extremamente discriminatória a favor dos mais poderosos, e assim não só preserva

como inclusivamente agrava as desigualdades opressoras do passado.

O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2010 revela um dado

assustador:

10 MO SUNG, Jung. Teologia e economia: uma introdução. São Paulo: Kairos, p. 8 11 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 114.

Estima-se que cerca de um terço da população em 104 países ou perto de 1,75 milhões de pessoas vivam em pobreza multidimensional. Por exemplo, podem viver numa família que tem um elemento subnutrido, que sofreu uma morte infantil ou que não tem nenhum elemento com cinco anos de escolaridade ou crianças em idade escolar em que nenhuma está inscrita na escola. Ou poderão viver numa habitação sem combustível para cozinhar, instalações sanitárias, água, eletricidade, pavimento ou quaisquer bens.12

Quando o RDH 2010 trás a novidade da multidimensionalidade, isso nos

remete imediatamente à globalização da miséria, pois se a economia global afeta

todas as esferas e dimensões sociais, logo as pessoas tendem a ter multiproblemas.

A economia global, com sua universal miserabilidade (para a maioria) não afeta

apenas uma parte da vida, mas a vida completa.

Foi criado o IPM (Índice de Pobreza Multidimensional). Esse índice se

subdivide em dez indicadores: nutrição e mortalidade infantil (saúde); anos de

escolaridade e crianças matriculadas (educação); gás de cozinha, sanitários, água,

eletricidade, pavimento e bens domésticos (padrões de vida).

Segue abaixo uma tabela sobre o IPM13:

12 http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2010/chapters/pt/ acesso: 13/05/2012 13 http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3597&lay=pde acesso 13/05/2012

Dados do Brasil indicam que

8,5% da população vive em pobreza multidimensional, e 13,1% estão em risco de entrar nessa condição. O país registra também 20,2% dos habitantes com ao menos uma grave privação em educação, 5,2% em saúde e 2,8% em padrão de vida. De acordo com os critérios internacionais de pobreza, entre os que vivem com menos de US$ 1,25 por dia encontram-se 5,2% do total.14

Isso tudo indica que alguma coisa está muito errada com esse sistema

econômico e que a sua globalização é, sim, uma globalização da miséria. Menos

pessoas concentram mais renda e mais trabalhadores produzem mais riquezas e

são mais explorados.

Já dizia Marx

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria.15

A economia capitalista não tem compromissos éticos com o trabalhador. O

trabalhador é sempre o ser que será explorado. E falamos aqui em trabalhador

porque o trabalho – assalariado – é a fonte de onde o capital mata a sua sede. Por

meio do trabalho – assalariado – é que a economia capitalista extrai a mais valia e

se fortalece. Mas eis que surge um problema: o desemprego crônico. Ora: se para

viver na economia capitalista tem que ter dinheiro e para ter dinheiro tem que

trabalhar, então como ficam as pessoas que não conseguem trabalho?

Mészáros fala de uma “globalização do desemprego” e argumenta

O drástico crescimento do desemprego nos países capitalisticamente avançados não é um fenômeno recente. Apareceu no horizonte – após duas décadas e meia de expansão relativamente intacta do capital no pós-guerra – com o assalto da crise estrutural do sistema capitalista como um todo. Surgiu como o aspecto necessário e casa vez pior dessa crise estrutural. [...] O problema não mais se restringe à difícil situação dos trabalhadores não qualificados, mas atinge também um grande número de trabalhadores altamente qualificados, que agora disputam, somando-se ao estoque anterior de desempregados, os escassos – e cada vez mais raros – empregos disponíveis.16

14 Idem 15 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 80 16 MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 143

A economia capitalista está em colapso – num colapso proposital, pois os

capitalistas lucram com as crises. O pobre tem cada vez menos acesso à fartura ( ou

se contar piada for interessante: o pobre tem fartura, pois “farta” tudo!) e cada vez

mais a sua existência é multidimensionalmente explorada e destruída. Globalizar

esse sistema é globalizar a morte.

3. Para além da economia capitalista global: o evangelho da partilha

O capital, hoje na figura do capitalismo, funciona na base do acúmulo de

riquezas. Marx escreve nas primeiras linhas do O capital que

A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em “imensa acumulação de mercadorias”, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza. 17

O capitalismo não se sustenta se não for por meio de acumulação – e para

acumular ele precisa explorar a força de trabalho. O capitalismo não tem

misericórdia, não tem compaixão. Mata, se a vida estiver atrapalhando os lucros. O

trabalhador quem produz a riqueza é quem menos usufrui dessa riqueza: o

trabalhador, pobre, é quem sustenta a vida do capitalista. Ora, o que Jesus diria

sobre isso? O evangelho é contra a acumulação de riquezas. O texto de Mateus é

claro

Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e

onde os ladrões minam e roubam; (Mateus 6:19).

A acumulação no capital é desonesta, pois engorda sempre a mesma

pequena parcela que detém os meios de produção – muito mais do que desonesta

ela é criminosa, pois deixa com que milhões de pessoas fiquem privadas, inclusive,

de coisas essenciais para a vida como alimentação e saúde. Segundo a ONU

Aproximadamente 925 milhões de pessoas no mundo não comem o suficiente para serem consideradas saudáveis. Isso significa que uma em cada sete pessoas no planeta vai para a cama com fome todas as noites.18

Surge assim uma pergunta: como tanta riqueza acumulada é capaz de deixar

tantas pessoas em privação? Então eis que surge a lógica da partilha – ou em

17 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 57 18 http://www.onu.org.br/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-fome-em-2012/ acesso: 14/05/2012

termos socialistas, a socialização dos meios de produção. É preciso tirar das mãos

dos poucos toda essa riqueza acumulada e fazer uma radical distribuição. Rosa

Luxemburgo escreveu, em 1918, um texto chamado A socialização da sociedade, e

citou que

Hoje, todas as riquezas - as maiores e melhores terras, as minas e empresas, assim como as fábricas - pertencem a alguns poucos latifundiários e capitalistas privados. A grande massa dos trabalhadores, por um árduo trabalho, recebe apenas desses latifundiários e capitalistas um parco salário para viver. O enriquecimento de um pequeno número de ociosos é o objetivo da economia atual.19

É mais do que necessário se opor a essa lógica de acúmulo e seguirmos pelo

caminho da partilha. Os evangelhos trazem o exemplo. Os textos de Mateus 14: 13-

21, Marcos 6: 30-44, Lucas 9: 10-17 e João 6: 1-15 trazem uma lição de justiça

social, partilha e fome saciada. Uma multidão faminta e apenas cinco pães de dois

peixes... Certamente que houve um milagre para que todos ficassem saciados – o

milagre da partilha. Imaginemos que cada um, ao ver o primeiro dar seus cinco pães

e dois peixes foi tocado por esse ato e foi dando o pouco que tinha. O pouco se

transforma em muito quando é juntado. A economia capitalista é baseada na

competitividade, na biologização – Darwiniana – da sociedade: a consideração de

que o mais forte é que tem que vencer (claro que eles não falam da ideologia que

cria, legitima e sustenta uma certa classe fortalecida...) Caminhar por esses tortos

caminhos da competitividade é peregrinar rumo ao abismo, pois precisamos, mais

do que nunca, de solidariedade. Precisamos de um sistema solidário, partilhante e

não competitivo. Precisamos destruir essa lógica do forte que inclusive encontra-se

dentro das igrejas, mais precisamente nas que aderem à teologia da prosperidade,

que estão possuídas pelo “capetalismo".

O teólogo Luiz Solano Rossi escreve que

Estamos acostumados a pensar a partir da lógica dos vencedores e da vitória. Essa lógica crê que todos aqueles que morrem antes do tempo por causa da pobreza ou ainda de alguma doença facilmente curável é porque já estavam fadados à derrota. São vítimas porque são derrotados. São derrotados porque o Deus da vitória não se encontra ao seu lado. [...] Nesse

19 http://insrolux.org/textosmarxistas/asocializarsociedade.htm Acesso: 14/05/2012

tipo de lógica, Deus se encontra ao lado daqueles que são vitoriosos, em meio a multidão de derrotados.20

Nessa lógica, Deus é o Senhor que legitima e defende os donos do capital

que exploram o seu trabalhador e que, em nome da sua ganância por lucros – lucros

que é visto inclusive como manifestação da Graça de Deus – exclui a maioria dos

povos, levando inclusive muitos à morte. Segundo esse pensamento de que é

preciso acumular (e muitos dizem: sou muito rico, graças a Deus...) o Rossi

problematiza da seguinte forma:

Nessa visão triunfal, o próprio Deus passa a ser representado dentro da lógica daquele que detém o domínio socioeconômico e político. [...] Deus, nessa representação, é sempre exteriorizado como representante do rico, do dominador, do vitorioso e do saudável. 21

Essa é uma visão que não condiz com os evangelhos, com a mensagem

cristã. No texto do Evangelho de João está escrito:

O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância. (João 10:10)

O evangelho prega a vida e não a morte. Citarei só um dos muitos problemas

gerados pelo capitalismo e que mata:

A fome é o número um na lista dos 10 maiores riscos para a saúde. Ela mata mais pessoas anualmente do que AIDS, malária e tuberculose juntas.22

Sustentar essa economia capitalista global é sustentar uma máquina

mortífera, sustentar um monstro devorador e desleal. A mensagem do Evangelho diz

que todos têm que ter vida e vida abundante, mas a economia capitalista – que quer

ser globalizada – funciona na base da sugação da vida do trabalhador ( e daqueles

que não têm trabalho...) e do seu sangue. A morte do trabalhador é a vida do capital.

Mas devemos escolher um outro sistema. Há outra opção. A partilha é o modo de

vida mais justo. Assim escreve Rosa Luxemburgo

Hoje, em cada empresa, a produção é dirigida pelo próprio capitalista isolado. O que e como deve ser produzido, quando e como as mercadorias fabricadas devem ser vendidas é o empresário quem determina. Os trabalhadores jamais cuidam disso, eles são apenas máquinas vivas que

20 ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de consumo. São Paulo: Fonte editorial, 2008, p. 142. 21 Idem. Ibdem, p. 143 22 UNAIDS, Relatório Global de 2010; OMS, Fome no mundo e Estatística Pobreza, 2011).

têm de executar seu trabalho. Na economia socialista tudo isso precisa ser diferente! [...] A produção não tem mais como objetivo enriquecer o indivíduo, mas fornecer à coletividade, meios de satisfazer todas as necessidades. [...] A produção deve ter por objetivo assegurar a todos uma vida digna, fornecer a todos alimentação abundante, vestuário e outros meios culturais de existência [...] Para que na sociedade todos possam usufruir do bem-estar, todos precisam trabalhar. Apenas quem executa trabalho útil para a coletividade, quer trabalho manual, quer intelectual, pode exigir da sociedade meios para a satisfação de suas necessidades. A obrigação de trabalhar para todos os que são capazes, exceto naturalmente as crianças pequenas, os velhos e os doentes é, na economia socialista, uma coisa evidente. Quando aos incapazes de trabalhar, a coletividade precisa simplesmente tomar conta dele – não como hoje, com esmolas miseráveis, mas por meio de alimentação abundante, educação pública para as crianças, boas assistência médica pública para os doentes etc.23

Ora, devemos optar por um sistema includente e não excludente. Que gere

vida e conforto, a todos, e não a uma minoria absoluta e permanente.

Concluindo

Mészáros nos diz que

Vivemos hoje em um mundo firmemente mantido sob as rédeas do capital, numa era de promessas não cumpridas e esperanças amargamente frustradas, que até o momento só se sustentam por uma teimosa esperança.24

Essa frase do Mészáros de forma alguma é pessimista, mas, pelo contrário,

coloca em nós um desejo de continuar lutando. Tentamos apresentar nessas linhas

que foram escritas a problemática do capitalismo e as sérias questões no que diz

respeito à sua globalização e se estamos certos no que diz respeito ao caráter

destrutivo do sistema, então o que menos precisamos agora é recuar. Se formos a

favor do Deus que gera vida e se formos a favor de uma sociedade realmente justa,

então devemos no opor, veementemente, à globalização da economia capitalista.

Citando novamente o Mészáros, escreve ele

[...] O processo de globalização, como de fato o conhecemos, se afirma reforçando os centros mais dinâmicos de dominação (e exploração) do capital, trazendo em sua esteira uma desigualdade crescente e uma dureza extrema para a avassaladora maioria do povo.25

E diz também

23 http://insrolux.org/textosmarxistas/asocializarsociedade.htm Acesso: 14/05/2012 24 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 37 25 Idem. Ibdem. p. 64

A “globalização” (tendência que emana da natureza do capital desde o seu início), muito idealizada em nossos dias, na realidade significa: o desenvolvimento necessário de um sistema internacional de dominação e subordinação.26

Devemos negar essa globalização e defender uma outra: uma globalização

da justiça. Na verdade poderemos fazer a seguinte pergunta: globalizar o mundo ou

humanizar o globo? Globalizar as oportunidades de trabalho, globalizar o acesso à

comida, diversão e arte. Precisamos, se queremos ser honestos com o que

chamamos de solidariedade, negarmos esse Deus que está do lado do mais forte.

Precisamos de um mundo onde as pessoas deixem de ser meras mercadorias ou

meras máquinas de fabricar riqueza, mas se tornem pessoas emancipadas e

contentes. Escreve Rossi

Devemos entender que o fato de Deus se solidarizar a favor dos oprimidos é absoluto, pois Javé toma sobre si a condição humilhada deles e assim abre um novo futuro para os pobres. O companheirismo e a solidariedade de Deus são o começo e o fim da libertação. [...] A solidariedade para com o povo é a força motriz que efetiva a transformação radical de sua condição. A solidariedade para com a vida implica no exercício do amor, do comprometimento com a justiça e à não solidarização com o cultivo de privilégio.27

Devemos nos perguntar sempre o que a economia capitalista quer e quem tá

lucrando com isso. Globalizar a economia capitalista seria a globalização dos lucros

de poucos e da miséria de muitos? Lucrar ou partilhar? Acumular ou socializar?

Façam suas escolhas...

Referências:

CODA, Piero. La globalizzazione. Una sfida all’esperienza umana, Nuova Umanità,

XXV (2003/2)

GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2007.

26 Idem. Ibdem, p. 111 27 ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de consumo. São Paulo: Fonte editorial, 2008, p. 163.

_____________. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004

_____________. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2011, p. 57

MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São

Paulo: Boitempo, 2002

_____________. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007,

p. 143

MO SUNG, Jung. Teologia e economia: uma introdução. São Paulo: Kairos, 1988

ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de

consumo. São Paulo: Fonte editorial, 2008