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MANIFESTO CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA O Bairro Quidé no município de Juazeiro no Norte do Estado da Bahia tem em sua gênesis manifestações religiosas de matriz africana presentes antes do processo de urbanização, nesta comunidade está concentrado o maior número de terreiros do município. O povoamento da região ocorre com a chegada das primeiras aldeias, giros e rodas de caboclo, surgindo as primeiras construções para abrigar os fundamentos e assentamentos, a partir dai, inicia-se as edificações de moradias para abrigar Pais, Mães e Filhos de Santo. Não havendo á época equipamentos públicos, os terreiros constituíam-se espaços comunitários, onde diversas ações públicas eram desenvolvidas, como, educação, saúde e intervenções sociais. Dentre eles o Ilê Abasy de Oiá Gnã fundado há 40 anos que tem como liderança religiosa Mãe Adelaide dos Santos (OiáGnã), umas das fundadoras do Bairro Quidé, brasileira, mulher, negra, viúva, mãe, avó e vítima. Vítima da incompreensão e da crueldade decorrentes da intolerância religiosa. Guerreira e matriarca de uma numerosa família, Dona Adelaide, vencedora de uma recente luta contra ao câncer, ver-se oprimida a tal ponto à abandonar o seu lar todas as noites e refugiar-se para garantir um sono tranquilo na casa de vizinhos. O lar dessa senhora que abriga a sua fé e a sua raiz candomblecista vem sendo alvo a cerca de dois meses de arrombamentos, pichações, violação dos locais sagrados da sua fé, como a camarinha e dos Ibás. Alvo também de apedrejamento, enquanto a mesma está dentro de sua residência junto a seus filhos e netos em sua maioria crianças e recém-nascidos. Pedras estas que quebram o telhado, seus móveis, seu templo sagrado, mas principalmente violam sua seguridade, seu direito a viver em paz e direito de exercer sua fé. A Constituição Federal Brasileira garante: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;” E a LEI FEDERAL Nº 7.716, DE 05 DE JANEIRO DE 1989, criminaliza:

Carta manifesto

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Page 1: Carta   manifesto

MANIFESTO CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

O Bairro Quidé no município de Juazeiro no Norte do Estado da Bahia tem em sua gênesis manifestações religiosas de matriz africana presentes antes do processo de urbanização, nesta comunidade está concentrado o maior número de terreiros do município.

O povoamento da região ocorre com a chegada das primeiras aldeias, giros e rodas de caboclo, surgindo as primeiras construções para abrigar os fundamentos e assentamentos, a partir dai, inicia-se as edificações de moradias para abrigar Pais, Mães e Filhos de Santo. Não havendo á época equipamentos públicos, os terreiros constituíam-se espaços comunitários, onde diversas ações públicas eram desenvolvidas, como, educação, saúde e intervenções sociais.

Dentre eles o Ilê Abasy de Oiá Gnã fundado há 40 anos que tem como liderança religiosa Mãe Adelaide dos Santos (OiáGnã), umas das fundadoras do Bairro Quidé, brasileira, mulher, negra, viúva, mãe, avó e vítima. Vítima da incompreensão e da crueldade decorrentes da intolerância religiosa. Guerreira e matriarca de uma numerosa família, Dona Adelaide, vencedora de uma recente luta contra ao câncer, ver-se oprimida a tal ponto à abandonar o seu lar todas as noites e refugiar-se para garantir um sono tranquilo na casa de vizinhos.

O lar dessa senhora que abriga a sua fé e a sua raiz candomblecista vem sendo alvo a cerca de dois meses de arrombamentos, pichações, violação dos locais sagrados da sua fé, como a camarinha e dos Ibás. Alvo também de apedrejamento, enquanto a mesma está dentro de sua residência junto a seus filhos e netos em sua maioria crianças e recém-nascidos. Pedras estas que quebram o telhado, seus móveis, seu templo sagrado, mas principalmente violam sua seguridade, seu direito a viver em paz e direito de exercer sua fé.

A Constituição Federal Brasileira garante:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”

E a LEI FEDERAL Nº 7.716, DE 05 DE JANEIRO DE 1989, criminaliza:

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.”

E o Estatuto da Igualdade Racial e de Combate À Intolerância Religiosa do Estado da Bahia complementa:

“Art. 34 - O Estado garantirá o reconhecimento das manifestações culturais preservadas pelas sociedades negras, blocos afro, irmandades, clubes e outras formas de expressão cultural coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal e art. 275 da Constituição do Estado da Bahia.“

Reunidos no dia 08 de julho uma comissão formada por 34 pessoas, na casa de Mãe Adelaide, à luz da denúncia feita no dia 07/07 ocasião da Pré-conferência de Mulheres sediada no Ilé Asé Ayrá Onyndanco, foi realizada uma visita técnica através da Secretaria de Desenvolvimento e Igualdade Social do Município de Juazeiro- SEDIS com intuito de averiguar a situação, sendo constatada a violência patrimonial e psicossocial, sofrida pela

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Mãe Adelaide e sua família. A referida reunião resultou na formação de um grupo de trabalho em solidariedade ao Ilê Abasy de OiáGnã, e a todo ato de intolerância religiosa.

Em solidariedade a este símbolo de resistência, coragem, fé e, principalmente de bondade, acolhimento e amor. O Grupo de Trabalho Contra a Intolerância Religiosa clama aos órgãos públicos e os seus representantes, apoio, visibilidade, ajuda e principalmente resolução dos méritos legais cabíveis. Á sociedade clamamos consciência e tolerância, pois a causa não parte à ajuda de uma só pessoa, um só terreiro, uma só religião ou uma classe hostilizada, mas a centenas de alvos de uma ignorância e crueldade.

A luta não vai parar e este é apenas mais um passo da longa caminhada pela igualdade, pelas lágrimas, sangue e suor dos nossos ancestrais, a quem o Estado deve respeito. O Brasil foi erguido pelo povo negro. Reunidos, manifestamos nosso protesto e repúdio a estes atentados contra os direitos constitucionais e a dignidade humana.

Assinam:

1. Nome Entidade/Organização/Instituição2. Iuana Louise de Jesus Santos Gerencia de Diversidade SEDIS/PMJ3. Luana Pereira Rodrigues Gerencia de Diversidade SEDIS/PMJ4. Florisvaldo Rosa COMPIR- Povos de Terreiro5. José da Silva Rosa Presidente do Afoxé Filhos de ZAZE6. Katussia Almeida Promotora Legal Popular/CMDDM7. ZuZa Belfort Presidente da ADELG8. Pedro Henrique Granja do Desterro Vice-Presidente ADELG9. Anna Raquel Belfort Duarte Secretaria da ADELG10. José Pereira Professor – Esc. Estadual Arthur

Oliveira11. Merivaldo Dias de Souza Diretor da Esc. Estadual Arthur

Oliveira12. Virginia Angélica Brito Secretária do Coletivo de Mulheres do

Partido Comunista do Brasil/CMDDM13. Justiniano Felix Vice Presidente da Câmera de

Vereadores14. Maria Quitéria Lima de Araújo Gerencia de Diversidade SEDIS/PMJ15. Orlando Freire Neto Conselho de Direitos Humanos

SESAU/PMJ16. Demian Jordan Diogo Rosa Afoxé Filhos de ZAZE17. Gilvan Da Silva Rosa Afoxé Filhos de ZAZE18. Edna Da Silva Rosa IlêAséAiráOnyndanco19. Edson da Silva Rosa BabalorixáIlêAséAiráOnyndanco20. Marta Elide dos SantosSilva Ilê Abasy de OiáGnâ21. Jovaneidedo Santos Ilê Abasy de OiáGnâ22. Ananda Fonseca Sociedade Civil / Estudante23. Sibelle Fonseca Imprensa/CMDDM24. Suzana Lindaura Lins de Almeida Sociedade Civil25. Anercindo P. de Ataídes Associação de Moradores Bairro Quidé26. Edvaldo Rodrigues Sociedade Civil27. Orlando José dos Santos AbassáZazeLuango28. Poliane Amorim Vereadora29. Janaina Vitoria de Almeida Gerencia de Diversidade – SEDIS - PMJ30. Egleston Gabriel Rosa Afoxé Filhos de ZAZE31. Mateus OliverDiniz Rosa Afoxé Filhos de ZAZE32. Murilo dos Santos Rosa Afoxé Filhos de ZAZE33. Camila Costa SEDIS - PMJ34. Raimunda dos Santos AbassáZazeLuango

Juazeiro, Bahia – 08 de julho de 2015.