82

Internet e o Empoderamento do Indivíduo: Como as redes sociais afetam as pessoas, a sociedade e seus reflexos no ativismo

Embed Size (px)

Citation preview

2

JEAN MICHEL GALLO SOLDATELLI

Internet e o Empoderamento do Indivíduo:

Como as redes sociais afetam as pessoas, a

sociedade e seus reflexos no ativismo.

Trabalho apresentado ao Departamento de

Relações Públicas, Propaganda e Turismo da

Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo, formulado sob a

orientação da Profa. Dra. Maria Clotilde Perez

Rodrigues Bairon Sant’Anna, para a

Conclusão de Curso de Comunicação Social

com habilitação em Publicidade e

Propaganda.

CRP-ECA-USP

3

São Paulo, 2013

A todos que encaram a vida como uma só,

independente de como ou onde ela é vivida.

4

AGRADECIMENTOS

Não tem como pensar na graduação que alcanço agora, preciso

primeiramente lembrar das pessoas e dos momentos que me fizeram chegar até

aqui. Certamente a principal dedicatória e o primeiro agradecimento a ser feito é

para aqueles que primeiro cuidaram e acreditaram em mim. Minha avó Janetti,

pessoa mais guerreira que conheço e que mesmo sem querer sempre foi quem mais

apostou em mim. Volnei, o pai que por mais que a distância tente nunca deixou de

estar presente e me inspirar. Ariane, minha irmã carinhosa que tanto me ensina com

seu jeito carinhoso e que nunca deixou de estar ao meu lado. Aos meus tios Alô,

pelo apoio incondicional, mesmo que muitas vezes viesse disfarçado como críticas e

descrença, e Tita, pelo exemplo de luta e benevolência que tanto me influenciam.

Por fim, a minha mãe Gislene, que mesmo com todas as adversidades possíveis me

ensinou como a felicidade está nas pequenas coisas, e como devemos acreditar nas

pessoas. Lições essas que a vida muitas vezes tenta subverter, mas sua lembrança

e seu amor não me deixam desacreditar. Toda a minha família, seja ela em Franca,

no Rio Grande do Sul, ou mesmo os nômades espalhados pelo mundo, me ensinou

com erros e acertos tudo que levo como índole hoje.

Para completar minha lembrança a todos que me ajudaram a passar por

todas as provações e entrar na USP, agradeço aos meu grande irmão de infância

Caio, aos amigos e professores do Instituto Samaritano, e aos companheiros dos

treinos de vôlei, principalmente Deime, Vinícius e Régis, pela amizade que me faz

viajar 400 km sem pensar muitas vezes.

A ECA mudou completamente minha forma de ver o mundo. Quando entrei

pela primeira vez nesse lugar não tinha ideia de como as coisas eram realmente,

não sabia até onde eu podia alcançar. Essa escola me mostrou o que é liberdade,

diversidade, parceria; me mostrou como enxergar a realidade e também como é

bom às vezes fugir dela. O primeiro passo foi morar em uma república com duas

pessoas tão diferentes de mim, que entre xingamentos e risadas me fizeram crescer

e encarar esse novo mundo. Das aflições na busca do apartamento até hoje, eu,

Júnior e Guilherme crescemos juntos. Ao segundo e aos meus atuais companheiros

de república, Maurício e Daniel, por mais que seja contra minha vontade, agradeço a

todo ao terrorismo psicológico que me incentivou a terminar esse TCC.

5

A segunda grande mudança que passei foi entrar para a ECA Jr. Lá vi como a

vida em grupo é difícil, como eu não sabia direito viver assim, e como uma utopia as

vezes pode dar certo. A todos da minha gestão, agradeço por tudo, das críticas aos

abraços, que tanto me fizeram crescer. Àquela sala 3, minha eterna gratidão por

todos os conhecimentos adquiridos, pela experiência vividas e pelas pessoas que

conheci, e que levarei pra sempre com carinho.

Tive sorte em estudar em uma sala que, pelas diferenças, transformou o

curso em algo além do aprendizado. Especialmente aos homens e mulheres da

Scuderia, com os quais tive e tenho experiências únicas, sejam festas memoráveis,

trabalhos que nos orgulhemos, independente de suas notas, ou discussões sobre o

mercado e a profissão. Aqueles que sabem que juntos, nosso sucesso é inevitável.

À todos amigos (alunos, professores, funcionários ou malucos) que fiz na

USP: vocês são a melhor universidade que alguém pode fazer. Todas as conversas,

discussões, movimentos, instituições, JUCAs e QiBs, ensinam o que não está nem

estará escrito em nenhum livro. Uma conversa na prainha muitas vezes vale mais

que qualquer MBA, mais que qualquer fórum internacional, mais que qualquer

trabalho em qualquer agência ou empresa. Esse espírito que torna a ECA essa

escola maravilhosa, cheia de encantos mil; a valorização da vivência e da conversa

como um aprendizado maior. Dentre todos esses amigos agradeço especialmente a

Débora, bixete que tanto ensinou esse veterano, por mais que as vezes ela não

enxergue isso.

Não posso deixar de lembrar também de todos aqueles com quem trabalhei

nos últimos anos, que me ensinaram aquilo que a ECA não se propõe a ensinar, e

me mostraram como a comunicação como ela é, seja sua face cruel ou encantadora.

Um abraço especial a todos da Router, agência que me acolheu e deu a

oportunidade de crescer por mais difícil que seja aturar a minha pessoa, e todos os

amigos que fiz lá.

Por fim, agradeço aos professores, que nos passam mais do que

conhecimento, nos ensinam a discutir, pensar, e a representar o nome USP para

todo o mundo.

6

RESUMO

Esse trabalho se propõe a analisar o desenvolvimento da internet, suas

influências na sociedade e no indivíduo, e por fim as consequências disso no

ativismo, com o surgimento do ativismo digital.

O desenvolvimento do estudo ocorre inicialmente com um histórico da internet,

desde seu surgimento até sua transformação como é hoje. Posteriormente, são

apresentados os usos da internet ao longo do tempo e analisados estudos que

mostram como as redes sociais refletem na formação do indivíduo moderno

frente aos seus relacionamentos e persona frente a sociedade. A mudança dos

processos de comunicação, a convergência midiática e a dualidade entre

informação e conhecimento fecham os estudos sobre sociedade e indivíduo,

abrindo o caminho para o reflexo sobre os efeitos dessas mudanças na forma de

engajamento das pessoas e em como o ativismo foi potencializado por isso. Por

fim, é feita uma análise do ativismo no ponto de vista pragmático, e o trabalho é

finalizado com o estudo de diferentes casos relacionados ao ativismo digital que

concretizam esse hábito moderno.

PALAVRAS-CHAVES

Internet, redes sociais, empoderamento, convergência, ativismo digital.

7

ABSTRACT

The purpose of this study is to analize the internet’s evolution, its influence

in society and in individuals as well as its consequences in the activism, with the

rise of the digital activism.

Starting with Internet’s history: its creation, transformation and use

nowadays . Showing its progress througout the years and evaluating studies that

demonstrates not only how social networks reflects in the formation of the modern

persona towards its relationship with society are part of the development of this

essay. The changes in the process of comumnication, the midiatic convergence and

the duality in between information and knowledge complete the studies about

society and individual. It also opens a path for reflections about the efects of it´s

changes on people´s engagements ways, and how activism was potentialized by

such a change. Closing , the pragmatic point of view of activism is analyzed , and the

essay ends with the study of different cases of digital activism which

reassures/supports this modern habit.

KEYWORDS

Internet, social networks, empowerment, convergence, digital activism.

8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Gráfico de adesão das tecnologias do século XX na população americana ......... 14

Figura 2 - Crescimento de usuários de internet.................................................................... 14

Figura 3 - Linha do tempo com momentos importantes da história da internet..................... 18

Figura 4 - Interface do classmates.com ............................................................................... 20

Figura 5 - Histórico das redes sociais, do serviço postal às redes digitais .......................... 23

Figura 6 - A partir de 2011 o uso de redes sociais se tornou a atividade mais realizada na

internet ................................................................................................................................ 25

Figura 7 - Passo a passo para a participação do programa Cielo Linkci .............................. 28

Figura 8 - Charge que representa as mudanças no relacionamento interpessoal ................ 29

Figura 9 - Exemplo de Phone Stacking ................................................................................ 32

Figura 10 - Vazamentos de informações do governo americano pelo Wikileaks .................. 49

Figura 11 - Interface do Xbox One, que irá integrar vídeo-game, tv e internet ..................... 54

Figura 12 - Página principal do Avaaz, site de petições online ............................................. 56

Figura 13 - Quadrinho satirizando os "ativistas de sofá" ...................................................... 60

Figura 14 - O presidente tunisiano retirado do poder visita o homem que com sua

autoimolação deu início a revolta no país ............................................................................ 61

Figura 15 - População tira fotos com os celulares do corpo do ex-ditador líbio .................... 63

Figura 16 - Homem durante protestos no Egito.................................................................... 63

Figura 17 - Efeitos da massificação das redes sociais no mundo árabe na criação da

identidade nacional e da globalização do indivíduo ............................................................. 65

Figura 18 - Crescimento de usuários do Facebook durante o período de revoltas ............... 65

Figura 19 - Uso do facebook durante o período de revoltas ................................................. 66

Figura 20 - Fontes de informação dos cidadãos no período das revoltas ............................ 66

Figura 21 - Vídeo de divulgação do caso Kony, atualmente com quase 98 milhões de

visualizações ....................................................................................................................... 68

Figura 22 - Tempo levado até os vídeos mais vistos até agosto de 2012 atingirem 100

milhões de visualizações ..................................................................................................... 69

Figura 23 - Evolução do volume de buscas do termo Kony ................................................. 70

Figura 24 - Áreas de atuação do Fora do Eixo ..................................................................... 72

Figura 25 - Modo de organização político do Fora do Eixo .................................................. 73

9

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

2. INTERNET E REDES SOCIAIS: INÍCIO E DESENVOLVIMENTO ............................ 12

2.1. O SURGIMENTO DA INTERNET ............................................................................. 12

2.2. O DESENVOLVIMENTO DA REDE E SUA EXPANSÃO MUNDIAL ................................ 13

2.3. A WEB COMO PLATAFORMA E O CONTEÚDO NA MÃO DOS USUÁRIOS ................... 18

3. A INFLUÊNCIA DA INTERNET NA SOCIEDADE ...................................................... 24

3.1. EVOLUÇÃO DO USO DA INTERNET ....................................................................... 24

3.2. A DUALIDADE DAS REDES SOCIAIS ...................................................................... 28

3.3. A INTERNET MUDANDO OS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO ................................. 38

3.4. INFORMAÇÃO X CONHECIMENTO ......................................................................... 42

3.5. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A CULTURA DA CONVERGÊNCIA .......................... 48

4. ATIVISMO DIGITAL .................................................................................................... 55

4.1. ATIVISMO “REAL” X ATIVISMO DIGITAL ............................................................... 57

4.2. PRIMAVERA ÁRABE ............................................................................................. 61

4.3. O CASO KONY ..................................................................................................... 68

4.4. FORA DO EIXO .................................................................................................... 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 81

10

1. INTRODUÇÃO

Desde a idade das pedra, onde descobriu que organizar-se em grupos era

importante para a sobrevivência, o ser humano é um ser social. Independente dos

objetivos e da forma que essa socialização é feita, nós sempre teremos essa

necessidade de nos relacionarmos à grupos e isso afeta a forma como agimos, as

nossas escolhas e até a formação de nossa personalidade.

Esse estudo surgiu como a necessidade do entendimento da influência que a

internet, mais precisamente as redes sociais, nas pessoas. O que ela mudou na

forma como nos relacionamos, nas pessoas que conversamos, nas atividades que

fazemos, no nosso dia-a-dia de forma geral. Para isso, o primeiro passo foi estudar o

surgimento da internet, desde os tempos militares, seu processo aberto e

colaborativo de massificação, suas características descentralizadas e democráticas,

até seu futuro, presente basicamente em qualquer lugar e interferindo em toda

nossa forma de viver.

Após entendermos de onde veio e para onde vai a internet, buscamos

analisar os reflexos disso na forma como as pessoas se comunicam, se relacionam,

se mostram umas a outras. De casamentos que acabaram por causa do Facebook

até a forma como os relacionamentos online produzem hormônios semelhantes a

relacionamento físicos, serão apresentados diversos estudos que expõem a

dualidade de efeitos proporcionados pelas redes sociais, em diversos pontos de

vista. Os efeitos dessas mudanças em uma visão de sociedade também serão

apontados, desde o poder conquistado ao usuário a convergência midiática que os

produtores de conteúdo estão tendo que se acostumar.

Hoje a internet é a maior fonte de informações disponível, e isso pode acabar

virando um problema. Primeiro pela falta de privacidade e exposição exacerbada de

informações pessoais na rede, o que interfere desde no processo de conhecimento

de uma pessoa até na diferença entre o que a pessoa é e o que ela parece ser.

Segundo, o excesso de informações e o consumo simultâneo de mídias pode causar

11

consequências positivas e negativas, alterando nosso processo de transformação de

informação em conhecimento e nossa necessidade de certos conhecimentos em si.

Na última parte do trabalho será feita uma análise do conceito de ativismo, as

mudanças que o ele passa com o advento do digital e o cruzamento do conceito de

ativismo digital com o pragmatismo de Pierce. Para finalizar o estudo, veremos como

esses efeitos tem ocorrido na prática: como o ativismo digital pode ser utilizado para

fazer revoluções como a Primavera Árabe, que surpreendeu a todos por acontecer

em uma cultura que tradicionalmente possui uma lenta adesão tecnológica; como

instituições tentam se aproveitar da questão do ativismo como status, utilizando o

exemplo do caso Kony 2012; e finalmente como a nova geração vê o ativismo sem

uma causa definida, mudando paradigmas de mercados tradicionais e do consumo

de cultura no país.

12

2. INTERNET E REDES SOCIAIS: INÍCIO E

DESENVOLVIMENTO

2.1. O SURGIMENTO DA INTERNET

A guerra é conhecida por acelerar o desenvolvimento humano, apesar de ser

o exemplo máximo de involução da nossa espécie. Do micro-ondas a margarina,

várias tecnologias e objetos do nosso cotidiano surgiram a partir do

desentendimento entre as pessoas. A internet é uma dessas filhas da guerra, e,

justamente por isso, é interessante pensar que, o que o que hoje talvez seja a maior

ferramenta de comunicação da sociedade, nasceu do símbolo do esgotamento da

comunicação entre povos.

Na década de 1960, auge da Guerra Fria, o controle de informações era uma

das grandes preocupações governamentais: espiões e interceptações de

comunicação muitas vezes valiam mais que qualquer arma. Diante este cenário,

manter as informações concentradas em apenas um local era um risco muito

grande, e a possibilidade de um bombardeio ao Pentágono, principal centro de

inteligência do governo americano, fez com que este colocasse suas principais

mentes, que na época buscavam colocar os EUA em pé de igualdade com a União

Soviética na corrida espacial, em busca de uma alternativa que mantivesse as

informações seguras.

A partir do projeto de um psicólogo do MIT sobre computação interativa, foi

criada a Arpanet (Advanced Research Projects Agency Network), uma rede de

comunicação descentralizada que permitia a transmissão de informações entre

diversas centrais. Contrariando o motivo inicial, a rede teve seus primeiros nós em

1969 em quatro universidades: Los Angeles, Stanford, Santa Barbara e Utah. A

Arpanet foi sendo difundida no meio acadêmico não só americano e em 1983 o

Departamento de Defesa acabou criando uma rede militar dedicada, tornando a

Arpanet exclusivamente voltada a pesquisa.

13

Já neste primeiro capítulo de formação da internet, podemos perceber uma

mudança significativa: a informação não era mais escrava de um local. Apesar de a

Arpanet ter sido a base, a internet dos atuais moldes é resultado de diversas

iniciativas. As primeiras transmissões de arquivos e de mensagens entre

computadores pessoais foram feitas por dois alunos de Chicago, que

disponibilizaram os códigos para domínio público. Outro estudante californiano criou

uma forma de conexão através de linhas telefônicas convencionais, barateando e

popularizando a rede.

Porém o grande marco da internet ocorreu em 1989: a criação da World Wide

Web. Tim Berners-Lee, um pesquisador do CERN, Organização Europeia para a

Pesquisa Nuclear, pegou diversos trabalhos considerados utópicos e concretizou-os

em um sistema de hipertextos chamado de World Wide Web, com isso o usuário

poderia ir de um conteúdo a outro relacionado. O sistema WWW foi disponibilizado

online e é a base usada para a internet até hoje.

2.2. O DESENVOLVIMENTO DA REDE E SUA

EXPANSÃO MUNDIAL

A partir daí o crescimento da internet foi exponencial. Em 1991 os hiperlinks

foram liberados ao público. No mesmo ano o finlandês Linus Torvalds cria o Linux, o

primeiro sistema operacional aberto da história, o que ajuda a difundir a cultura de

programação e desenvolvimento pelo mundo.

14

Figura 1 - Gráfico de adesão das tecnologias do século XX na população americana (fonte: W.Michael Cox)

Porém, 1995 foi o ano que deu início a massificação da internet. Com o

Windows 95 o computador se popularizou e a interface ficou mais amigável para

usuários leigos. Se o sistema da Microsoft foi o responsável por facilitar o uso de

computadores pelo mundo, o Netscape teve o mesmo papel, facilitando o uso da

internet pelos usuários ao redor mundo. Em março do mesmo ano, o sistema de

buscas de maior sucesso no início da internet foi lançado: o Yahoo auxiliava os

usuários a encontrarem as informações na web. Já em julho, a Amazon vende seu

primeiro livro, sendo uma das pioneiras do e-commerce. Apenas um mês depois, ela

já realizava entregas em 45 países. Em setembro foi realizado o primeiro leilão

virtual no eBay, inaugurando um papel mais ativo do internauta. Mais tarde, em

1996, seria lançado o primeiro serviço de webmail do mundo, o Hotmail, que mais

tarde viria a popularizar a função mais usada pelos internautas.

Figura 2 - Crescimento de usuários de internet (fonte: Internet Telecommunication Users)

15

Com todas essas mudanças, em 1997 a internet já contava com quase 120

milhões de usuários1, transferia mais de 5 petabytes de informações por mês e

bateu a marca de um milhão de websites2. Diante esse cenário de prosperidade, a

internet foi vista como uma mina de ouro, e a partir daí toda ideia poderia ser a

próxima ideia de um bilhão de dólares. Uma dessas ideias foi o Google, o sistema

de buscas que se transformaria em uma das empresas mais importantes do mundo.

Ele surgiu em 1998, com o objetivo de “organizar a informação mundial e torná-la

universalmente acessível e útil” 3, e nos primeiros meses já teve um investimento de

100 mil dólares, reflexo da confiança depositada na web. O Google organizou a

vasta quantidade de informações na web de forma que qualquer um pudesse

encontrar o que precisava, sendo que hoje muitas pessoas acabam utilizando o

portal como ponto inicial para a navegação, não só para procurar como para entrar

em sites, ou até para verificar a grafia de uma palavra.

No ano seguinte, surgiu o serviço que mudaria a economia mundial. O

Napster criou uma das maiores revoluções na distribuição de conteúdo ao

popularizar o sistema P2P – do inglês peer-to-peer, é uma rede de

compartilhamento de arquivos onde os usuários podem trocar arquivos sem

intermediários – para a troca de arquivos de música. Após ter uma base de mais de

oito milhões de usuários, a empresa foi bombardeada por processos das grandes

corporações multimídia e acabou sendo obrigada a fechar seu serviço. Porém, a

ideia de compartilhamento de arquivos mudaria a indústria de entretenimento para

sempre: diversos serviços semelhantes surgiriam e, por fim, as empresas teriam que

adaptar seus negócios para sobreviver à rede.

Na virada do século, a marca de 10 milhões de sites era batida, e as

empresas de tecnologia, denominadas popularmente de “ponto com” tinham um

crescimento exponencial na bolsa. O ápice dessa euforia foi a compra da Time

Warner, um dos mais tradicionais conglomerados de entretenimento dos Estados

1Google – Evolution of Web http://www.evolutionoftheweb.com Acesso em 14 de outubro de 2012.

2 A Internet, seis décadas. Discovery Channel. http://discoverybrasil.uol.com.br/internet/interactivo.shtml

Acesso em 14 de outubro de 2012. 3 Google Corporate – Missão http://www.google.com/about/company/ Acesso em 14 de outubro de 2012.

16

Unidos, pela AOL, na época o maior provedor de internet do mundo. Era o símbolo

do triunfo da “nova economia” sobre a “velha economia”.

Com o crescimento desenfreado de investimento nas empresas relacionadas

à internet, o FED (Banco Central dos Estados Unidos) resolve interferir, e, após

enviar diversas mensagens ao mercado criticando sua “exuberância irracional”, ele

aumenta em seis vezes a taxa de juros, visando moderar esse ímpeto4. A Nasdaq

(bolsa eletrônica de Nova York) sofre com as especulações, e as cartas das

empresas relacionadas à tecnologia ficam hiperinflacionadas. Esse movimento foi

bastante incentivado pelos especialistas do mercado financeiro que controlavam o

dinheiro de pequenos investidores, como visto em Wheen:

“A verdade só veio à tona em 2003, quando o procurador do estado de

Nova York, Elliot Spitzer, saiu em defesa dos pequenos investidores que se

haviam arruinado por seguirem os conselhos dos especialistas. A

investigação revelou que, enquanto Blodget exortava publicamente os

clientes da Merrill a arriscarem a poupança de sua vida inteira em firmas

como a Goto.com e a Excite Home, seus e-mails particulares para colegas

descreviam essas mesmas ações como "papéis sem valor", "uma porcaria"

e "uma bosta". (...) Seu equivalente no Citibank, Jack Grubman, foi

condenado a pagar 24,4 milhões de multa por produzir relatórios de

pesquisa "fraudulentos e enganosos" sobre ações da Internet.”5

Pouco tempo depois, as empresas “ponto com” começaram a sofrer de

diversas correções e processos, como a declaração de monopólio do tribunal federal

americano contra a Microsoft. Junto a isso, vieram os maus resultados dos varejistas

online no Natal de 1999 e ausência de retorno do modelo econômico das empresas

“ponto com”.

Com o estouro da bolha, diversas empresas pediram falência, outras foram

adquiridas e as que sobreviveram, como a AOL, que acabou se tornando uma seção

da empresa que comprou, perderam grande parte do seu valor de mercado.

4 Ditados para Entender a Bolsa. Tarek Issaoui, Ivan Moneme. NBL Editora, 2007.

5 Wheen, 2007. P. 291

17

Apesar de todo o caso da bolsa, o uso da internet não parou de avançar em

todos esses anos. Em apenas oito meses, o número de sites existentes dobrou,

totalizando 20 milhões. No ano de 2001, surgiu o serviço que iconiza o poder do

usuário no controle da informação: a Wikipédia. Uma enciclopédia virtual

colaborativa, onde os próprios usuários escrevem e corrigem os verbetes. É o início

da descentralização da informação, o que irá modificar bastante todo o

comportamento de uma sociedade anos depois. A partir daí, veremos uma grande

mudança na utilização da web e nos principais sites, o que será tratado com

profundidade no próximo capítulo.

É importante notar que as bases nas quais a internet foi construída refletem

bastante no que a internet tornou-se. Se existe essa rede mundial de computadores

hoje, deve-se ao trabalho colaborativo, feito por diversas pessoas, e principalmente

ao compartilhamento livre, para que as pessoas modificassem e o sistema evoluísse

independente de direitos autorais. Castells resume todo o processo:

"Antes de mais nada, a Internet nasceu da improvável interseção da big

scene, da pesquisa militar e da cultura libertária. Importantes centros de

pesquisa universitários e centros de estudos ligados à defesa foram pontos

de encontro essenciais entre essas três fontes da Internet. A Arpanet teve

origem no Departamento de Defesa dos EUA, mas suas aplicações militares

foram secundárias para o projeto(...) Ele desempenhou um importante papel

na construção da tecnologia de comunicação por pacote, e porque inspirou

uma arquitetura de comunicações baseada nos três princípios segundo os

quais a Internet opera ainda hoje: uma estrutura de rede descentralizada;

poder computacional distribuído através dos nós da rede; e redundância de

funções na rede para diminuir o risco de desconexão. Essas características

corporificavam a resposta-chave para as necessidades militares de

capacidade de sobrevivência do sistema: flexibilidade, ausência de um

centro de comando e autonomia máxima de cada nó.” 6

6 Castells, 2003. P.19

18

Figura 3 - Linha do tempo com momentos importantes da história da internet (fonte: joaobordalo.com com informações de builderau.com.au)

2.3. A WEB COMO PLATAFORMA E O CONTEÚDO

NA MÃO DOS USUÁRIOS

Se a internet teve como premissa inicial o compartilhamento de conhecimento

e o armazenamento de informações, a partir da difusão social e de sua penetração

na grande população percebemos uma clara expansão em seu uso. Essa expansão,

causada por fatores como o amadurecimento dos usuários e a popularização das

linguagens de programação, mostrou o poder da utilização da grande rede como

uma plataforma, interativa e colaborativa, fazendo com que a mesma se tornasse

gradativamente parte do dia a dia das pessoas, tanto a fins de relacionamento como

de criação da identidade em si. Para essas mudanças foram criadas diversas

19

terminologias, como infoware, the open source paradigme shift, além da famosa

Web 2.07.

A primeira plataforma online criada com fins sociais foi a Usenet, em 1979.

Com ela os usuários trocavam mensagens de texto, agrupadas por tema, em uma

espécie de fórum. Porém a popularização da troca de mensagens veio só em 1988,

com o IRC (Internet Relay Chat). O sistema finlandês permitia encontros em grupo,

mensagens privadas e mensagens em tempo real. Com a popularização da internet,

o IRC se transformou na principal forma de bate-papo entre os internautas. Em

1995, com o lançamento do Windows 95, foi criado o mIRC, um programa que utiliza

o protocolo IRC inicialmente para bate-papo, e posteriormente desenvolvido para

funcionar como servidor de jogos multiplayer, de arquivos e até leitor de MP3. O

mIRC foi talvez a primeira plataforma de comunicação utilizada em nível mundial,

uma sensação até 2003.

Após o mIRC, programas de comunicação instantânea surgiram e

popularizaram o uso da internet como forma das pessoas se conhecerem e

comunicarem. Menos formais que o e-mail, Instant Messengers (IMs) como o ICQ,

Aol Messenger e MSN Messenger se difundiram e com eles o uso da internet com

um objetivo mais voltado em interação social. O ICQ, pioneiro entre os IMs, teve

força o suficiente para fazer com que as pessoas decorassem o número de 8 dígitos

que representava seu usuário para passar para pessoas que conhecessem na vida

real e assim mantivesse contato. Até hoje os IMs são responsáveis por grande parte

do tempo gasto na grande rede, e estão crescendo cada vez mais graças ao uso de

novas ferramentas como os formatos multimídia do Skype ou o uso em dispositivos

móveis, como no WhatsApp. Em 2012 existiam 3,18 bilhões de contas de IMs no

mundo, e a previsão é que esse número chegue em 3,8 até 2016.

O uso com cunho de relacionamento da internet cresceu exponencialmente

graças as redes sociais. Redes sociais são estruturas compostas de perfis (sejam

7 Brady Forrest. Controversy about our "Web 2.0" service mark. http://radar.oreilly.com/2006/05/controversy-

about-our-web-20-s.html Acesso em 06/05/2013. 8 The Radicate Group, INC. Instant Messaging Market, 2012-2016 http://www.radicati.com/wp/wp-

content/uploads/2012/08/Instant-Messaging-Market-2012-2016-Executive-Summary.pdf. Acesso em 28/04/2013.

20

eles de pessoas, empresas, ou outra entidade) conectados que se relacionam entre

si, em busca de um mesmo interesse. Estas estruturas permitem relacionamentos

sem níveis hierárquicos, e com diversos objetivos, desde amorosos até profissionais.

Redes não são, portanto, apenas uma outra forma de estrutura, mas quase uma não

estrutura, no sentido de que parte de sua força está na habilidade de se fazer e

desfazer rapidamente. Os limites das redes não são limites de separação, mas limites

de identidade. (...) Não é um limite físico, mas um limite de expectativas,

desconfiança e lealdade, o qual é permanentemente mantido e renegociado pela rede

de comunicações.9

Figura 4 - Interface do classmates.com

Em 1995, o embrião da primeira rede social como é conhecida hoje nasceu. O

Classmates.com tinha como objetivo fomentar o reencontro entre amigos que

estudaram juntos. Em 1997 foi lançado o Six Degrees, considerado a primeira rede

social moderna. Com ele as pessoas poderiam criar perfis online e conectar-se a

uma rede de amigos. Porém a primeira grande rede social foi o Friendster, lançada

em 2002. O nome, junção da palavra friend com Napster, indica o principal

diferencial da rede: além de conectar-se aos amigos, você também pode descobrir

amigos de amigos ou pessoas com um interesse em comum. Com opções de grupos

por interesse, atividade ou escola, além de interações por mensagens, jogos, blogs

e aplicativos, o Frindster teve um crescimento rápido, chegando em seu ápice a 115

milhões de usuários. A partir de 2003, diversas redes surgiram, cada uma com um

9 DUARTE, F.; QUANDT, C.; SOUZA, Q. (Org.). O Tempo das Redes. Editora Perspectiva, 2008. P.21/23/156

21

propósito diferente para atender as necessidade dos mais de 600 milhões de

internautas da época. Com o MySpace os internautas começaram a mostrar o seu

perfil através dos interesses que possuíam, conectando fãs e artistas, além de ter os

primeiros aspectos multimídia como upload de fotos e músicas. Já o LinkedIn

transportou o conceito de redes sociais para o mundo profissional através de redes

de pessoas que se conhecem profissionalmente, criando uma espécie de currículum

vitae interativo e possibilitando recomendações e descobertas de vagas. Outro

exemplo de rede social com um propósito definido é o Flickr, criado em 2004 para

conectar todos entusiastas de fotografia, ele massificou o hábito de guardar fotos na

internet, além de criar um grande banco de imagens com possibilidade de

comercialização e um espaço onde grupos relacionados a fotografia podem trocar

experiências e informação.

A geração que nasceu e cresceu com a presença constante das tecnologias

digitais, os chamados nativos digitais, começou a encarar a internet como uma

ferramenta da sua vida social, algo que ela utiliza tanto para se relacionar como para

definir quem ela mesma é10. Com esse amadurecimento dos usuários, a demanda

por redes sociais mais abrangentes, que não focassem em um determinado perfil, foi

se desenvolvendo.

Esse amadurecimento explica o sucesso estrondoso da plataforma criada em

2004 que mudaria para sempre a forma que as pessoas utilizariam a internet: o

Facebook. Feito com o objetivo de conectar os alunos de Harvard, o Facebook

tornou-se a principal rede social e o site mais visitado do mundo11 graças ao fato de

ser uma plataforma criada para o relacionamento entre as pessoas, possibilitando a

troca de mensagens, formação de grupos e compartilhamento de conteúdo, e a

interação das pessoas com páginas e aplicativos, onde podem se conectar a

instituições e pessoas públicas, montando assim sua identidade digital.

No mesmo ano, o Google lançava o Orkut, rede social semelhante ao

Facebook que se tornaria a principal rede social de diversos países até a

10

PALFREY (2011), p-17. 11

DICKEY, MEGAN R.; CARLSON, NICHOLAS. The Biggest Websites In The World. http://www.businessinsider.com/biggest-websites-in-the-united-states-2013-2?op=1. Acesso em 06/05/2013.

22

disseminação deste mundialmente, a partir de 2008. O Orkut tinha características

mais identitárias graças as comunidades, onde ao participar a pessoa atestava a

concordância do argumento chave daquela comunidade, e assim identificava seu

perfil. A rede social do Google foi uma das principais responsáveis pela inclusão

digital no país, transportando o caráter social que o brasileiro já tem para a internet.

Segundo o site de monitoramento de fluxo de sites Alexa, o Orkut teve seu pico em

2010, quando teve 34 milhões de visitantes únicos, o que representava cerca de

75% do alcance total de usuários brasileiros.

No ano seguinte, o Youtube revolucionaria novamente a forma das pessoas

consumirem conteúdo, permitindo o compartilhamento de vídeos de forma fácil e

gratuita. Com a popularização das câmeras digitais e dos celulares, qualquer um

poderia produzir seu vídeo e até tornar-se uma celebridade da internet. O Youtube

mudou não só a forma de se consumidor conteúdo na internet, como mudou a

indústria de entretenimento como um todo, das emissoras de tv às gravadoras

musicais.

Em 2006, o Twitter se destacou pela limitação em um mundo saturado de

informação. Se com o Youtube qualquer um poderia se tornar uma celebridade, com

o Twitter todos poderiam ser repórteres e transmitir informações em tempo real,

muitas vezes em primeira mão. Além do caráter informativo, o Twitter massificou a

comunicação entre usuários e o que antes era inacessível, colocado em pedestais,

como empresas e artistas. Esse canal direto de comunicação tornou-se um dos

melhores exemplos da inversão do poder para as mãos do usuário, onde a

expressão “xingar muito no Twitter” tornou-se sinônimo de fazer valer os seus

direitos.

23

Figura 5 - Histórico das redes sociais, do serviço postal às redes digitais (fonte: skloog.com)

Um dos grandes receios do uso da tecnologia móvel é a segurança, e divulgar

sua localização a princípio não era algo que muitas pessoas fariam. Em 2009 o

Foursquare mudou isso, aproveitando o anseio por status que as pessoas tem em

divulgar os lugares onde estão, juntando isso a uma plataforma gamificada12 que

gerava a competição entre amigos.

Outra rede social a mudar paradigmas foi o Instagram, plataforma onde os

usuários podem compartilhar fotos. Através do usos de filtros e alguns outros efeitos,

a rede reforçou a fotografia móvel e popularizou a fotografia como registro do

cotidiano e expressão de sua identidade.

Essa mudança de poder para o usuário causou também uma mudança na

relação das pessoas com a internet. A partir da possibilidade de criação e

compartilhamento de conteúdos, a demanda pela massificação da internet aumentou

e incentivou o surgimento de diversos dispositivos que trazem a internet ao alcance

de qualquer pessoa, a qualquer hora. E essa simbiose da internet com o dia a dia

das pessoas acaba mudando a forma que a sociedade é influenciada pela mesma,

assunto que será abordado com profundidade no próximo capítulo.

12

Gamification é um conceito dado para a criação ou adaptação de projetos com premissas de games, como pontuação, ranking e prêmios.

24

3. A INFLUÊNCIA DA INTERNET NA SOCIEDADE

Como se pode perceber, a internet surgiu de uma forma razoavelmente

liberal, afinal as universidades podiam utilizar os investimentos para estudo com

certa flexibilidade; além de ser embasada em valores como colaboratividade e

compartilhamento. O surgimento da internet por si só já representa uma grande

mudança social: desde a utilização de cada nó da rede como servidor até a divisão

da informação, o funcionamento da rede concretizou conceitos antes considerados

utópicos. A informação, antes geoescravizada, passou a ser praticamente

onipresente graças à revolução tecnológica. A comunicação humana mudou seu

formato, seu conteúdo, seus limites e interlocutores; assim seria impossível passar

ileso por uma revolução dessas sem que as pessoas, e consequentemente, a

sociedade também mudasse.

3.1. EVOLUÇÃO DO USO DA INTERNET

Antes de analisarmos possíveis influências da internet na sociedade, é

importante entendermos a evolução do seu uso ao longo do tempo. A função

primordial da rede em seus primórdios era o envio de mensagens, tanto que a

história da internet e do e-mail se confundem. A primeira mensagem eletrônica foi

enviada em 196913, e acabou sendo a principal atividade feita na internet por um

bom tempo. Para efeito de comparação, o primeiro site da história foi publicado em

agosto de 199114, e a primeira imagem quase um ano depois15. É interessante notar

que, mesmo 42 anos depois, o e-mail se manteve como a atividade mais popular

entre os usuários da internet, ao lado do uso de serviços de buscas. Segundo a

Comscore, apenas em outubro de 2011, o uso de redes sociais se tornou a atividade

13

Diário Digital. http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=417591 Acesso em 05/10/2012. 14

G1 http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/08/primeiro-site-publicado-na-internet-completa-21-anos-veja.html Acesso em 05/10/2012. 15

Terra. http://tecnologia.terra.com.br/noticias/0,,OI5890774-EI12884,00-Primeira+foto+postada+na+web+faz+anos+conheca+a+historia.html Acesso em 05/10/2012.

25

mais popular na internet, responsável por um em cada 5 minutos navegados na

web16.

Figura 6 - A partir de 2011 o uso de redes sociais se tornou a atividade mais realizada na internet (fonte: comScore)

Partindo desta análise, podemos perceber que a internet sempre teve um

caráter social. Por mais que o compartilhamento e acesso a informações seja o

grande cerne da rede, as conversas movem grande parte das interações virtuais.

Com a evolução na interação das pessoas com os computadores, onde cada

vez mais uma questão individual se encaixa nesta nova forma de coletividade, o

computador pessoal é transformado no que Chatfield17 chama de computador

íntimo.

Ele deixa de ser uma ferramenta para ser uma extensão da própria pessoa,

com o qual ela convive praticamente todas as horas do seu dia. Essa relação

pessoa-máquina vem evoluindo e caminha para uma relação de completa simbiose,

que vem sendo chamada de Internet das Coisas, descrita de forma sucinta por Ning

em seu livro “Unit and Ubiquitous Internet of Things”:

“The phrase "Internet of Things" was proposed by MIT Auto-ID Center in

1999. Such an embryonic definition of IoT refers to constructing an Internet-

Based network covering all the thing in the world by using related

16

AccuraCast News. http://news.accuracast.com/social-media-7471/social-networking-most-popular-online-activity/ Acesso em 05/10/2012. 17

CHATFIELD (2012) – p.20

26

technologies (e.g., radio frequency identification [RFID]) to realize

things'automatic identification and information sharing. In 2005, ITU Internet

Reports 2005: The Internet of Things, published by International

Telecommunications Union, pointed out the IoT concept and expanded its

meaning, and indicated that RFID technology, sensor technology,

nanotechnology, and intelligent embedded technology are the four core

technologies to realize IoT. After IBM announced the SmartPlanet concept in

2009, IoT became a hot topic and has been incorporated into many nations'

developement strategies. Along with the changes of application

requirements and technology development, the IoT concept has been rapidly

extended and new technologies have been involved in it.” 18

Essa evolução da internet, permitirá que tudo esteja conectado, portanto que

tudo seja mensurável ou programável, o que é uma polêmica fundada em bases

sólidas. Gadgets como a Nike FuelBand, uma pulseira que calcula todos seus

movimentos durante o dia, e o Google Glass, óculos conectado com o qual a pessoa

pode tirar fotos, fazer videoconferências ou mesmo coletar informação apenas com

comando de voz ou gestos, já são realidade e nos faz pensar no limite entre vida

social e vida privada. Grandes obras da ficção científica, como o conto de Philip K.

Dick, Minority Report, 1984, de George Orwell, ou mesmo o conceito de panóptico

de Focault, já previram algum cenário para esse assunto e imaginaram até quando a

sociedade poderia chegar com essa quantidade de informações em mãos, e os

perigos que corremos com isso. Se hoje, a superexposição de informações já é algo

rotineiro, imagine quando tudo que você vestir, interagir, ou passar por também tiver

o poder de realizar uma publicação ou uma ação sobre a sua presença ali.

A realidade é que informação já é a moeda mais valiosa que podemos ter. A

grandiosidade do Google, que sabe tudo o que você faz e gosta na internet, do

Facebook, que vê o que gosta, quem você é e com que se relaciona, ou mesmo de

empresas de cartão de crédito, que através da análise de gastos podem prever por

exemplo se uma pessoa irá se divorciar com até 2 anos de antecedência19, são

provas mais do que concretas do valor imensurável que a informação tem. A Internet

das Coisas possibilitará ainda mais a coleta e gerenciamento de informações, e

18

NING, Huansheng. Unit and Ubiquitous Internet of Things. CRC Press, 2013. 19

GARATONNI, B; DELFINI, M. Seu cartão sabe tudo http://super.abril.com.br/cotidiano/seu-cartao-sabe-tudo-543527.shtml. Acesso em 15/05/2013

27

quem tiver controle sobre a Big Data20, terá certamente um poder maior ainda do

que o das empresas citadas anteriormente.

A partir do momento em que a informação se torna a moeda mais valiosa, um

dos principais assuntos em discussão é a privacidade de quem utiliza a internet, ou

seja, de quem dá a informação. Empresas como Google e Facebook criam serviços

onde as pessoas em troca oferecem suas informações. Portanto, a busca de termos

precisa, o e-mail, a rede social, o espaço de armazenamento na nuvem, tudo isso

não é pago financeiramente, porém as empresas recebem informações sobre você

em troca. E elas podem, indiretamente, vender essas informações a terceiros,

interessados em fazer com que você consuma o seu produto ou serviço. Outros

serviços, como nossa empresa telefônica ou cartão de crédito, podem dizer com

quem mais falamos, aonde estamos e com que gastamos. Um exemplo interessante

do potencial que tem o cruzamento das informações de duas bases de dados

diferentes, é o programa Cielo Linkci21, da líder do setor de cartões de pagamento

no mercado brasileiro, com o qual os usuários podem cadastrar seu Facebook ao

seu cartão e assim realizar check-ins em estabelecimentos para receber pequenos

benefícios em troca. Por trás do objetivo de marca e de divulgação do uso do cartão,

está o cruzamento das informações do Facebook com o do cartão de crédito,

criando um perfil muito mais completo sobre suas ações.

20

Big Data é o conceito criado pela IBM para mostrar a importância do gerenciamento de informações que temos e que, com a Internet das Coisas, teremos ainda mais. A Big Data baseia-se em 5 V’s: volume, velocidade, variedade, veracidade e visualização. Portanto, o termo consiste em uma ampla base de dados, com fontes variáveis, processadas em menor tempo possível, para que se gere uma visualização simples e confiável das informação lá obtidas. 21

Cielo Linkci - http://www.releasecielolinkci.com.br/. Acesso em 19/05/2013

28

Figura 7 - Passo a passo para a participação do programa Cielo Linkci (fonte:

facebook.com/cielolinkci)

Aliado a isso, existe a superexposição de informações na internet, seja

voluntária ou não. O direito de uso de imagem, por exemplo, é algo muito difícil de

se controlar em tempos que qualquer um pode fotografá-lo ou filmá-lo em qualquer

lugar. Como lidar com materiais constrangedores que podem ser disseminados e

acabar com o respeito das pessoas ao seu redor?

A privacidade, seja a nível individual ou coletivo, é um dos principias guias

para o futuro do uso da internet. Se ela estará em todos os lugares, para todas as

pessoas, isso com certeza mudará tanto a forma das pessoas agirem quanto de se

relacionarem. Se a Internet das Coisas ainda parece futurista, podemos analisar a

privacidade em um mundo repleto de redes sociais, onde “a questão central de

nosso exame de consciência está se deslocando de quem é você? para o que você

está fazendo?"22.

3.2. A DUALIDADE DAS REDES SOCIAIS

22

CHATFIELD (2012) – p.43

29

Apesar do universo online geralmente ser visto

como libertador pelas possibilidades democráticas que

proporciona, temos que ficar atentos a todas

consequências possíveis dessa revolução digital na

sociedade. Ao mesmo tempo em que você tem a voz para

passar sua mensagem, o local onde você a publica e o

perfil das pessoas que irão ler suas mensagens são

modelos automáticos que definem seu tom e sua

mensagem. O dilema também está presente quando

começamos a nos questionar se as redes sociais estão

nos deixando mais solitários ou mais sociáveis23.

Hoje, cerca de dois terços das interações entre

amigos são feitas digitalmente24, sendo a maioria dela

mensagens de texto – seja pelo Facebook, Whats App ou

SMS tradicional. Porém, as mesmas pessoas que

responderam essa pesquisa, afirmaram que se vão

expressar um sentimento, isso deve ser feito

pessoalmente. A análise das formas de relacionamento

das pessoas hoje em dia e o que isso causa nas mesmas

é crucial para entendermos a sociedade atual como um

todo, e para isso deve-se entender ao máximo a

dualidade dos efeitos causados por essas mudanças.

Um estudo25 da York University in Canada analisou

as postagens de 100 estudantes universitários e mostrou

que usuários destes canais possuem um comportamento

altamente narcisista, exibicionista, grande parte devido a

23

MARCHE, Stephen. Is Facebook Making Us Lonely? http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2012/05/is-facebook-making-us-lonely/8930/# Acesso em 26/06/2012. 24

WALFORD, Charles. Forget face time, it's all about Facebook time: Two-thirds of interactions among friends are carried out electronically. http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2216742/Forget-face-time-Facebook-time-Two-thirds-interactions-friends-carried-electronically.html Acesso em 12/05/2013. 25

Facebook fanatic? You may just be insecure. http://alumni.news.yorku.ca/2010/09/10/facebook-study/?doing_wp_cron Acesso em 15/05/2013

Figura 8 - Charge que representa as mudanças no relacionamento

interpessoal atualmente

30

insegurança que a coerção social impulsiona – você precisa mostrar o local onde

está, registrar esse momento em fotos ou vídeos, divulgar as pessoas que te

acompanham – e isso acaba fazendo o usuário muitas vezes ter uma vida digital

completamente diferente da vida real, como apresentado por Callie Schweitzer no

consagrado festival SXSW em 2013.

“Pick your favorite movie: The one you tell everyone you like, the movie you

put on your OKCupid and Facebook profiles, the movie you talk about on a

first date. Now pick the movie you watch over and over, the movie from

which you can recite every line, your go-to home-on-a-Saturday-night-and-I-

don’t-care movie. Which one is actually your favorite movie?

For some of us, the two movies we'd choose may be the same. But for most

of us — myself included — they're different. So what is it about sharing

something publicly that's different than when it's between me and my close

friends? Sharing information between two people used to be about giving a

part of yourself away. Now, I'm wondering if it's about crafting a persona.

It takes courage to be genuine. And it takes real courage to be genuine on

the internet, where everyone is a critic, a cynic, and a comedian.” 26

Essa simulação de personalidade e a comparação entre o seu perfil e perfis

de outras pessoas possui relação direta com o aumento dos casos de depressão na

adolescência, como comprovado em pesquisa realizada por psicólogos croatas, que

analisou 160 adolescentes na High School27. Para esse problema, a American

Academy of Pedriatrics deu o nome de Facebook Depression:

“Facebook depression (...) may result if, for example, young users see status

updates, wall posts, and photos that make them feel unpopular. Social

media sites may have greater psychosocial impact on kids with low self-

esteem or who are already otherwise troubled.” 28

O reflexo da construção dessa persona aparece também em uma pesquisa

realizada por acadêmicos da Carnegie Mellon University, intitulada de “I regretted

26

SCHWEITZER, Callie. You are what you share. https://medium.com/tech-talk/b5ab1f1806fb. Acesso em 31/05/2013 27

PANTIC, I. et al. Association between online social networking and depression in high school students: behavioral physiology viewpoint. Psychiatria Danubina, 2012; Vol. 24, No. 1, pp 90-93. 28

PELT, J. V. Web Exclusive – Is ‘Facebook Depression’ for real?. http://www.socialworktoday.com/archive/exc_080811.shtml Acesso em 13/05/2013

31

the minute I pressed share: A Qualitative Study of Regrets on Facebook”. Essa

pesquisa mostra os principais fatores que levaram os usuários a se arrependerem

das postagens. De uma forma geral, a maioria dos posts que as pessoas se

arrependem giram em torno de três assuntos: conteúdo opinativo (sobre sexo,

religião, trabalho ou problemas familiares, conteúdo depreciativo (xingamentos e

bullying) e mentiras. Quando perguntados sobre o por quê de ter feito aquela

postagem, grande parte respondeu que era porque era legal, e queria ser visto como

alguém interessante.

“Some people reported wanting to be perceived as interesting orunique.

However, when the content or behavior described in thepost was

controversial, this caused regret. (...) Our researchreveals several possible

causes of why users make posts that they later regret: (1) they want to be

perceived in favorable ways, (2) they do not think about their reason for

posting or the consequences of their posts, (3) they misjudge the culture and

norms within their social circles, (4) they are in a “hot” state of high emotion

when posting, or under the influence of drugs or alcohol, (5) their postings

are seen by an unintended audience, (6) they do not foresee how their posts

could be perceived by people within their intended audience, and (7) they

misunderstand or misuse the Facebook platform. Some reported incidents

had serious repercussions, such as breaking up relationships or job losses.”

29

Outro consequência da super-exposição nas redes sociais são os chamados

stalkers30, termo em inglês que define aqueles que invadem a privacidade da vítima

e podem usar esses dados para causar algum mal a mesma, seja perseguindo-a ou

mesmo expondo dados pessoais na internet. Com o tempo, stalkers especialistas

acabaram oferecendo uma espécie de detetive virtual, que vasculha a internet em

busca de rastros digitais para descobrir informações do seu alvo. Graças a esse

excesso de informação e ao stalking, não é espantoso ver o Facebook como causa

29

ACQUISTI, A et al.; “I regretted the minute I pressed share”: A Qualitative Study of Regrets on Facebook http://www.andrew.cmu.edu/user/pgl/FB-Regrets.pdf p. 1-6 30

BENCHOP, A. CyberStalking: menaced on the internet. http://www.sociosite.org/cyberstalking_en.php Acesso em 14/05/2013

32

de 33% dos divórcios no Reino Unido31, e usado como prova de infidelidade em

cerca de 80% dos pedidos de divórcio nos Estados Unidos32.

O vício em canais como o Facebook, onde os brasileiros passam em média

4,8 horas por dia33, aliado ao aumento da conectividade móvel, têm transformado

também o nosso relacionamento físico. Um bom exemplo é como sociabilidade

digital afeta talvez um dos maiores ícones do relacionamento entre os brasileiros, os

bares. Foi criado um jogo chamado Phone Stacking34, onde todos da mesa são

obrigados a deixar seus celulares empilhados em cima da mesa e são proibidos de

interagir de qualquer forma com os aparelhos até que todos vão embora. Caso

alguém desrespeite a regra, paga a conta. Um movimento social tentando combater

a sociabilidade digital pode parecer, e até ser, extremo, mas o fato é que, até que

consigamos conciliar nossas duas vidas em uma só, isso se mostra como uma

necessidade.

Figura 9 - Exemplo de Phone Stacking (fonte: Techcrunch)

31

Facebook é causa de 33% dos divórcios no Reino Unido, diz estudo. http://tecnologia.terra.com.br/internet/facebook-e-causa-de-33-dos-divorcios-no-reino-unido-diz-estudo,b518fe32cdbda310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Acesso em 15/05/2013. 32

Adams, Richard. Facebook a top cause of relationship trouble, say US lawyers. http://www.guardian.co.uk/technology/2011/mar/08/facebook-us-divorces Acesso em 15/05/2013. 33

SBARAI, Rafael. Tempo gasto por brasileiros no Facebook cresce 8 vezes http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/tempo-gasto-por-brasileiros-no-facebook-cresce-8-vezes. Acesso em 28/06/2012 34

HA, Anthony. The Phone Stacking Game: Let’s Make This a Thing http://techcrunch.com/2012/02/04/the-phone-stacking-game-lets-make-this-a-thing/. Acesso em 28/06/2012

33

Tudo isso cria uma pressão gigantesca nas pessoas, afinal a percepção de

falha, medos e problemas não vão para as timelines, por mais que sejam muito mais

corriqueiras que qualquer viagem ou evento. A frase que direciona a postagem do

consumidor na rede de Mark Zuckerberg é “No que você está pensando”, mas é

interpretada como “O que você quer que as pessoas pensem de você?”.

Diante dessas informações também é cômodo crucificar tais redes. Um

interessante estudo35 realizado por um neurocientista americano observou a relação

entre o uso de redes sociais e o aumento de Ocitocina, um dos hormônios mais

relacionados a prazer e amor. No estudo, ele percebeu que enquanto as pessoas

compartilhavam alguma informação no Twitter, por exemplo, seus níveis de ocitocina

aumentavam cerca de 13%, além de diminuir o nível de hormônios relacionados ao

stress. O mesmo artigo expõe estudo complementares observando que as pessoas

com mais amigos, independente de suas proximidades físicas, ficam menos

doentes. Por fim, é apresentado uma pesquisa feita com 200 estudantes onde eles

deveriam desistir de qualquer dispositivo de mídia por um dia. A sensação que os

usuários tinham era semelhante a de viciados de drogas, com sintomas que

indicavam a solidão e sofrimento.

Esse estudo é um dos indicadores de que, principalmente nas gerações mais

recentes, nosso cérebro trata muitas das nossas experiências digitais da mesma

forma que a real. Por isso, muitas vezes aquela conversa até as 5 horas da manhã

pelo Instant Messager ou pelo chat do Facebook flui naturalmente, causando até

efeitos semelhantes a conversa real, como reflexos físicos e emoções. Porém, é

importante salientar que seria leviano constatar que uma conversa virtual é

equivalente a uma conversa real.

“Our facial expression, physical gestures, and the emotional tone in our

voice alter the meaning of our words, which is why it is very difficult to

express ourselves fully and authentically in an e-mail or text-or even in front

of a Skype screen. So when we forego face-to-face encounters in favor of

35

PENEMBERG, A. Social networking affects brains like falling in love. http://www.fastcompany.com/1659062/social-networking-affects-brains-falling-love. Acesso em 08/05/2013.

34

screen-speak or emailed or texted words, our friends receive only a partial

message. What's missing are the feelings that inform the words”. 36

Na conversa real existem diversos elementos que fortalecem o que queremos

expressar, dão emoção as palavras e, assim, passam com mais credibilidade nossos

sentimentos. Esses elementos também tornam a memorização daquela conversa

mais completa, não mais atrelada apenas ao conteúdo dito, mas a tudo que seus

sentidos registraram no momento.

Outros estudos reforçam essa sociabilidade causada pelas redes sociais.

Durante uma pesquisa da Universidade de Toronto os heavy-users de internet

tiveram um crescimento cerca de 33% maior no número de amizades – físicas ou

virtuais – do que quem não utilizava a internet. A mesma matéria conjectura uma

explicação para esse fator, concluindo que “A internet raramente cria amizades do

zero - na maior parte dos casos, ela funciona como potencializadora de relações que

já haviam se insinuado na vida real.”. Portanto, o que acontece é que quando um

usuário de redes sociais conhece uma pessoa na vida rela, ele procura o perfil dela

e cria um vínculo, por menor que seja, enquanto aquela que não utiliza redes sociais

depende de outras formas de contato. Porém, o mesmo estudo complementa:

“As redes sociais têm o poder de transformar os chamados elos latentes

(pessoas que frequentam o mesmo ambiente social que você, mas não são

suas amigas) em elos fracos - uma forma superficial de amizade. Pois é.

Por mais que existam exceções a qualquer regra, todos os estudos

apontam que amizades geradas com a ajuda da internet são mais fracas,

sim, do que aquelas que nascem e crescem fora dela.” 37

Quando a relação é simétrica, ou seja, eu só consigo acesso as suas

informações se você permitir, a intensidade do vínculo de amizade diminui. Isso

acontece porque a pessoa acaba expondo informações muito pessoais a um grande

número de pessoas, portanto aquele conteúdo acaba tendo que ser filtrado.

Portanto, a interação real nas redes sociais de um usuário gira em torno de um

36

NOGALES, Ana. “Facebook versus Face-to-Face”. http://www.psychologytoday.com/blog/family-secrets/201010/facebook-versus-face-face. Acesso em 10/05/2013 37

COSTA, C. Como a Internet está mudando a amizade. http://super.abril.com.br/cotidiano/como-internet-esta-mudando-amizade-619645.shtml Acesso em 10/05/2013.

35

grupo de amigos específico. É interessante pensarmos nesse grupo de pessoas

restrito com interagimos, com os quais temos um capital de ponte, como um limite

físico que possuímos, afinal seria impossível realmente ter uma interação social

profunda com todas as centenas de amigos que uma pessoa tem no Facebook, por

exemplo. O professor da Universidade de Oxford, Robin Dunbar, estudou38 os limites

do nosso cérebro em guardar informações detalhadas o suficiente para mantermos

uma relação com alguém. Através de pesquisas práticas e análises antropológicas e

biológicas, ele chegou a um tamanho médio de grupo de 148 pessoas, com uma

entre 100 e 230 amigos39. Diante essa demanda de catalogar seus amigos, diversos

aplicativos foram criados, desde um onde você deve responder uma pergunta sobre

seu amigo para não desfazer a amizade até outro que mostra quem realmente

interage com suas postagens40.

Apesar de não aumentar o número de pessoas com as quais você irá ter um

relacionamento interpessoal, as redes sociais fechadas, como o Facebook, causam

um aumento do capital social, como discorre Shirky.

“Uma razão para que a expressão “capital social” seja tão evocativa é que

ela conota um aumento de poder, de maneira análoga ao capital financeiro.

Em termos econômicos, capital é uma reserva de riqueza e ativos; capital

social é aquela reserva de comportamentos e normas que permite, em um

grupo grande, que seus membros se deem apoio mutuamente. Quando

falam sobre capital social, os sociólogos muitas vezes fazem uma distinção

entre capital de ligação e capital de ponte. Capital de ligação é um aumento

na profundidade das conexões e na confiança dentro de um grupo

relativamente homogêneo; capital de ponte é um aumento nas conexões

dentro de um grupo relativamente heterogêneo.” 41

Essa relação entre capital de ligação e capital de ponte exemplifica bem a

diferença no significado da relação que as pessoas mantém nas redes sociais: com

algumas, tem uma relação superficial, quase inexistente; já outras você tem uma

38

Don't Believe Facebook; You Only Have 150 Friends. http://www.npr.org/2011/06/04/136723316/dont-believe-facebook-you-only-have-150-friends Acesso em 31/05/2013. 39

Dunbar, R.I.M. (1992). "Neocortex size as a constraint on group size in primates". Journal of Human Evolution 20: 469–493. 40

Facebook Friend Audit. http://www.facebookfriendaudit.com/ Acesso em 31/05/2013 41

SHIRKY, 2008, p. 188-189

36

interação pontual, e por fim tem aqueles que você interage constantemente. Shirky

exemplifica com uma suposição de empréstimo de dinheiro.

“Para compreender a diferença, considere o número de pessoas a quem

você emprestaria dinheiro sem lhes perguntar quando o devolveriam. Um

crescimento do capital de ponte aumentaria o número de pessoas a quem

você emprestaria; um crescimento do capital de ligação aumentaria a

quantia que emprestaria àquelas já incluídas na lista”. 42

Já em redes sociais como o Twitter, onde eu posso deixar minhas

informações livres a todos e isso não interfere na quantidade de informações que eu

receberei, essa relação muda um pouco, facilitando a formação de laços de

interesse, ou seja, comunidades. Outra série de pesquisas43 realizadas por um

projeto americano revelou que, justamente pelo fato de exporem suas informações e

sua personalidade, as pessoas que possuem Facebook são 43% mais confiáveis

que outros usuários de internet. Esse dado nos mostra um paradoxo interessante:

não queremos expor demais nossas informações nas redes sociais, porém o fato de

você possuir um perfil ativo e com bastante informação traz mais confiança para as

pessoas que te conheceram digitalmente ou irão te adicionar após um encontro

físico.

A sensação de compartilhamento e suporte emocional que o Facebook traz

foi outro ponto salientado pelas pesquisas. De uma forma geral, os usuários da rede

azul são considerados mais companheiros que os usuários de internet como um

todo. Isso mostra bastante o uso que muitas pessoas dá a suas redes sociais, onde

compartilham dúvidas, sofrimentos e expõem muito da sua vida pessoal. Essas

pessoas buscam um suporte que mostre que existem pessoas apoiando-a, e que ela

não está sozinha no mundo. Rainie e Vellman (2012) , tratam esse efeito em seus

estudos sobre as redes sociais.

“Different networks operate in different ways. Many provide havens: a sense

of belonging and being helped. Many provide bandages: emotional aid and

42

SHIRKY, 2008. P-189 43

HAMPTON et al. Social networking sites and our lives . http://pewinternet.org/Reports/2011/Technology-and-social-networks/Summary.aspx Acesso em 10/05/2013

37

services that help people cope with the stresses and strains of their situatios.

Still others provide safety nets that lessen the effects of acute crises and

chronic difficulties. They all provide social capital: interpersonal resources

not only to survive and thrive, but also to change situations (houses, jobs,

spouses) or to change the world or at least their neighborhood (organizing

major political activity, local school board politics).” 44

Outros pontos interessantes que comparam os usuários de Facebook aos

internautas comuns são o maior nível de engajamento político, onde foi constatado

que nos Estados Unidos, aqueles que acompanhavam a corrida eleitoral pelas redes

sociais eram mais informados e mais condicionados a votar, e também que graças a

redes sociais algumas amizades dormentes – como aquele seu amigo da escola ou

o vizinho com o qual jogava bola – estão voltando a se aproximar.

Como bem defendido por Marche quando questionado sobre a solidão

causada pelo Facebook, “não é o Facebook que está nos tornando mais solitários.

Nós é que estamos”. Aqui é válido analisarmos as opiniões de outros dois

pensadores sobre o assunto. Chatfiled45, diz que “se quisermos conviver com a

tecnologia da melhor forma possível, precisamos reconhecer que o que importa,

acima de todo, não são os dispositivos individuais que utilizamos, mas as

experiências humanas que eles são capazes de criar” e Palfray, complementa,

comparando atributos da vida de uma garota de dezesseis anos dessa geração com

a de antigamente.

“A sixteen-year-old girl's personal identity today is in some ways not all that

different from what it would have been in the past. People still express

themselves through their personal characteristics, interests, and activities in

real space - at least in part. For a typical girl living in a wired society, the

digital environment is simply an extension of the physical world. The fact that

she lives part of her life in digitally mediated ways does not itself have a

large impact on her personal identity. She might be more or less interested

in digital activities inherently, but the effect of this interest is modest. She

might express these personal characteristics online, but at its core, her

44

RAINIE, H.; RAINIE, L; WELLMAN, B. Networked: The New Social Operating System. MIT Press, 2012. P- 19 45

CHATFIELD (2012) – p.27

38

personal identity is unlikely to be much different from what it would have

been in a previous era.”46

Informação ou exposição? Pressão ou ajuda? Acompanhamento ou solidão?

As redes sociais são ferramentas, e como qualquer ferramenta, podemos usá-la

bem ou mal, tudo depende de quem usa, e da forma que se usa.

3.3. A INTERNET MUDANDO OS PROCESSOS DE

COMUNICAÇÃO

A massificação da internet trouxe com ela vários benefícios. Hoje, cerca de 80

milhões47 de brasileiros tem acesso aberto a informações variadas, não mais

totalmente dependentes dos grandes conglomerados de mídia que concentram as

informações em seus canais. Porém, com a informação ao alcance de todos, a

quantidade de informação é absurda, levando o público em geral a busca pelos

serviços de curadoria de informação. Desta forma retorna-se ao início do ciclo, já

que os portais de curadoria mais procurados são aqueles “confiáveis” por sua

tradição nos antigos meios de comunicação. Ou seja, a informação continua de certa

forma controlada.

Entretanto é importante entendermos o que podemos considerar como os três

processos básicos de comunicação48 na atualidade para darmos um passo além e

vermos o porquê das afirmações acima não refletirem a realidade por completo. São

eles: interpessoal - pessoas que se comunicam presencialmente, interagem; massa

- pressupõe transmissão e recepção de produtos a distância, com uma interatividade

simulada; e ciberespacial - a modalidade mais avançada, mediada pelo computador

e feita através de redes interativas.

46

PALFRAY; 2010, p. 4 47

Fonte: IBOPE/NetRatings – Abril/2012 48

MARQUES, 2002

39

A internet permitiu que “pela primeira vez, todas as necessidades de mídia e

de comunicação pudessem ser supridas por um único sistema integrado49”, ou seja,

os três processos básicos podem ser realizados em uma só plataforma,

independente do aparelho usado. As redes sociais tem um papel essencial no fluxo

de informações quando encaramos este cenário: elas são os meios por onde as

pessoas se informam por fontes independentes, sejam seus amigos ou não. No

processo de informação atual da sociedade as redes sociais tem o papel de

curadoria da informação, onde através de seus amigos você fica sabendo dos

conteúdos mais relevantes para eles, e desta forma pode ficar sabendo de coisas

que não saberia por qualquer outro local. Por outro lado, aqueles que não tinham

como se comunicarem, utilizam as redes sociais para disseminarem fatos ocorridos,

experiências vividas, causas que acredita, entre outras coisas.

O reflexo de tudo isso é a mudança da forma que se comunica hoje em dia.

Para que se tenha atenção em meio a tantas informações você precisa mostrar seu

conteúdo de uma forma diferente. Palavras e gestos dão lugar a manifestos em

vídeos, pedidos de doação em imagens e a tentativa de conscientização em formato

de infográfico.

Portanto, se trouxermos os atos da fala determinados por Austin50 para este

cenário podemos entender que apesar da mudança no ato ilocucionário, o

perlocucionário se mantém, porém muda de forma. Se fisicamente, quando conta

algo a alguém, você deseja que essa pessoa sorria, pergunte sobre ou dissemine a

informação para as outras pessoas, no Facebook, por exemplo, isso foi

transformado em like, comments e share. Mesmo o like, acabou desdobrando-se em

diversas funções, como discorre Sollero51: “Vejam o que aconteceu com o botão de

Like/Love/Approve/etc. Ele deixou de ser algo na linha de Thumbs-Up para se tornar

algo do tipo do legal, ok, eu li/vi o seu post e, no caso de mensagens de feliz

aniversário, obrigado”.

49

CHATFIELD (2012) – p.24 50

AUSTIN, 1990 51

SOLLERO, D. Salvem o Compartilhamento. http://www.brainstorm9.com.br/36872/opiniao/salvem-o-compartilhamento/ Acesso em 31/05/2013

40

Símbolo dessa nossa relação de aprovação nas redes é a criação do

Facebook Demetricator52, uma ferramenta que tira os números relativos da sua

timeline no Facebook, portanto, onde apareceria “48 pessoas gostaram disso”, com

essa ferramenta aparecerá apenas “pessoas gostaram disso”. É uma tentativa de

fuga dessa dependência numérica que muitas vezes dita nossas postagens online,

e, consequentemente, nosso parecer online.

Outra mudança drástica ocorrida graças as possibilidades que o avanço da

tecnologia trouxe foi a ampliação das formas de comunicação e na disponibilidade

das pessoas para isso. Até meados do século XIX, uma pessoa comum tinha duas

formas básicas de comunicação: instantânea presencial, ou seja, uma conversa cara

a cara com outra pessoa, ou via carta, portanto de mais longo prazo e com conteúdo

diferente. Ou seja, você só poderia dar informações rápidas para pessoas que

estavam próximas fisicamente a você, e se quisesse informar alguém que estivesse

a uma distância maior a demora seria proporcional a distância.

Isso só começou a mudar com a invenção do telefone e sua massificação a

partir de meados século XX, o que ofereceu uma nova forma de comunicação

interpessoal onde as pessoas poderiam dar informações instantâneas a uma pessoa

distante. Portanto, a primeira grande mudança trazida por esse novo meio foi

praticamente a extinção da conversa a longo prazo por questões técnicas, todos

poderiam falar a qualquer hora com outra pessoa e não precisariam esperar por

isso. O telefone trouxe também uma mudança no conteúdo das conversas, onde as

pessoas poderiam falar coisas que não tinham coragem de falar presencialmente.

A próxima grande mudança na forma de comunicação veio com a internet,

inicialmente com a possiblidade de enviar e-mails. Os e-mails são basicamente

cartas virtuais, porém de envio instantâneo. A diferença do e-mail para o telefone, é

que nem sempre queremos uma resposta imediata da pessoa, portanto é preferível

que a pessoa leia aquilo quando puder e responda posteriormente. Isso mudou

ainda mais com a massificação dos telefones celulares, e recentemente, dos

smartphones. Com eles eu consigo tanto fazer videoconferências em tempo real,

52

TEIXEIRA, Fabrício. Dezoito pessoas curtiram isso. http://www.updateordie.com/2012/10/29/dezoito-pessoas-curtiram-isso/. Acesso em 30/08/2012.

41

verificando as reações físicas que é importante para diversos tipos de conversas,

como enviar mensagens, via SMS ou IM, para que a pessoa responda na hora ou

quando puder. A duração de uma conversa mudou, as pessoas podem enviar

mensagens durante todo o dia e discutir o mesmo tema que levariam em uma

conversa de 30 minutos. Hoje, eu posso enviar praticamente qualquer conteúdo

(foto, vídeo, documento, etc), em diversos meios (e-mail, redes sociais, SMS), e a

qualquer hora. Ou seja, as pessoas estão acessíveis praticamente 24 horas por dia,

todos os dias, e essa interação tende a aumentar, como vimos anteriormente com o

conceito da Internet das Coisas.

Podemos ver os efeitos dessa evolução na forma de se comunicar analisando

o papel dos Correios no Brasil. Hoje, a maior parte da função dos Correios é relativa

ao envio de encomendas, seja o interpessoais (SEDEX) ou por empresas, onde o e-

commerce tem uma boa representatividade53. É interessante analisar como uma

instituição governamental, geralmente rígida e imóvel, conseguiu se adaptar as

mudanças da sociedade e crescer frente a isso.

Isso trouxe também uma mudança na visão das pessoas frente a

compromissos. As mensagens instantâneas também tem serventia para dar

informações urgentes sem precisar de grandes explicações. Com isso, muitas

pessoas banalizaram o ato de desmarcar compromissos, enviando SMSs ou

recados no Facebook em cima da hora. Para esse novo movimento, um professor

de comunicação da Universidade IT, em Copenhague, cunhou o termo de

“microcoordenação”.

"Antes do celular, diz ele, as pessoas se planejavam com base em horários

e locais pré-estabelecidos, ao passo que agora podem se "microcoordenar",

ou seja, ajustar os planos conforme os fatos acontecem em tempo real, seja

um congestionamento ou um serão no escritório. (...) Podemos ter três ou

quatro coisas diferentes acontecendo ao mesmo tempo. Uma coisa pode

53

RITNNER, Daniel. Os Correios tentam se reinventar. Valor Econômico,número 2968, B2, mar, 2012.

42

dar errado, outra pode acontecer. Ou seja, há uma indeterminação básica

com a qual convivemos atualmente.” 54

A geração atual tem o costume de marcar diversos compromissos ao mesmo

tempo, e decidir no dia em qual deles irá. O envio de convites e a agenda do

Facebook é um reflexo disso, o ato de confirmar presença em um evento na rede

social não dá nenhuma garantia de comparecimento.

Os autores do livro Networked,Barry Wellman e Lee Raine, resumem o efeito

dessas mudanças em nossos círculos sociais.

“No passado, as pessoas tinham círculos sociais pequenos, fechados, nos

quais familiares, amigos próximos, vizinhos e líderes comunitários formavam

uma rede de proteção e ajuda. (...) Este novo mundo de individualismo

conectado gira em torno de grupos mais soltos e fragmentados que

oferecem auxílio.” 55

3.4. INFORMAÇÃO X CONHECIMENTO

Em meio a todas essa mudanças na forma das pessoas se comunicarem, e

dos efeitos que a comunicação na internet causa na sociedade como um todo, um

ponto pode ser considerado unanimidade entre todos estudiosos: nunca tivemos

tanto acesso a informação e nunca esse acesso foi tão democrático.

Ao longo dos tempos, a informação foi escrava de seu formato, e isso era um

dos fatores que limitava sua disseminação. Não era possível (e nem de interesse de

uma parte da sociedade) que um livro chegasse a mão de todos, ou que todos

pudessem ver determinado filme ou ouvir determinada música. Por muito tempo, se

eu quisesse encontrar determinado conteúdo, eu iria a biblioteca e tentaria encontrá-

lo por lá. A partir do momento que a informação se desvincula do formato e torna-se

disponível digitalmente, sua abrangência não têm limites. Agora, com o acesso

54

TELL, Caroline. Mensagens por celular banalizam o ato de desmarcar compromissos. http://www1.folha.uol.com.br/tec/1187745-mensagens-por-celular-banalizam-o-ato-de-desmarcar-compromissos.shtml. Acesso em 17/05/2013. 55

Estudos reabrem debate sobre o impacto de redes sociais na vida das pessoas http://www1.folha.uol.com.br/tec/1186647-estudos-reabrem-debate-sobre-o-impacto-de-redes-sociais-na-vida-das-pessoas.shtml. Acesso em 20/05/2013

43

digital disponível praticamente em qualquer lugar, o único fator determinante para

poder encontrar essa informação é fazer a busca certa. O problema é que a

quantidade de informações disponíveis atingiu determinado patamar que essa busca

pode acabar sendo complicada. Se eu quero saber sobre determinado sintoma que

eu tenho tido, por exemplo, posso me deparar tanto com um artigo escrito por um

doutor especializado quanto por um paciente que possui um blog. E quem decide

qual das informações é mais relevante é o público, que através dos acessos aos

sites e da referência aos mesmos56, qualifica-o mais ou menos para estar entre os

primeiros resultados da lista do Google. Portanto, se o blog do paciente for mais

popular que o jornal cientifico onde consta o artigo do médico especialista, é

provável que eu entre em contato primeiro com as impressões do paciente para que

eu tire minhas dúvidas.

Esse é um dos princípios da Inteligência Coletiva, a colaboração de todos

independentemente de seu conhecimento ou experiência. Essa dualidade na

certificação da informação pode ser vista na comparação de Jenkins entre o que

Peter Walsh definiu como “paradigma do expert” e o conceito de Lévy de

“inteligência coletiva”.

“O paradigma do expert exige um corpo de conhecimento limitado que um

indivíduo possa dominar. As questões que se desenvolvem numa

inteligência coletiva, entretanto, são ilimitadas e profundamente

interdisciplinares; deslizam e escorregam através de fronteiras e induzem o

conhecimento combinado de uma comunidade mais diversa. (...) Embora

participantes de uma inteligência coletiva muitas vezes sintam a

necessidade de demonstrar ou documentar como sabem o que sabem, isso

não se baseia em um sistema hierárquico, e o conhecimento proveniente da

experiência real da vida, em vez da educação formal, pode ser, num certo

grau, até mais valorizado.” 57

No livro, eles exemplificam essas teorias analisando o comportamento de fãs

de reality shows tentando descobrir informações sobre o programa. Portanto é

56

TEIXEIRA, Paulo Rodrigo. Entenda o PageRank: Google dá notas para sites. http://webinsider.uol.com.br/2007/10/17/entenda-o-pagerank-google-da-notas-para-sites/ Acesso em 23/05/2013 57

JENKINS, 2008. P.87-88

44

importante termos em mente que, se no caso de saber sobre os sintomas da minha

doença a inteligência coletiva pode parecer arriscado de se confiar, em outros ela é

essencial.

Para termos uma ideia da quantidade de informações que consumimos todos

os dias, uma pesquisa da University of California58 realizada em 2009 mostrou que

um americano médio consome cerca de 12 horas de conteúdo por dia, cerca de 100

mil palavras todos os dias, em diferentes meios. É como se lêssemos 34 mil livros de

200 páginas por dia. Para efeito de comparação, em 1960 esse número era de cerca

7,4 horas, um aumento de 62%. Nosso cérebro nunca esteve acostumado com essa

intensidade de informações, o ritmo de aprendizado que temos biologicamente é

diferente do ritmo de contato com a informação que temos atualmente.

Buscando entender melhor os efeitos que esse excesso de informações traz

ao nosso cérebro, o psiquiatra Gary Small59 realizou em 2008 um experimento para

entender a diferença de funcionamento do cérebro enquanto se navega na internet e

enquanto se lê um livro. O principal efeito observado foi um aumento de atividade na

área do cérebro associada a tomada de decisões. Esse efeito é decorrente a

quantidade de escolhas que temos que fazer toda vez que navegamos: clicar ou não

clicar naquele link, compartilhar ou não essa postagem, conversar ou não com

aquela pessoa. Todas essas opções acaba desviando nosso foco, e com isso

atrapalham a absorção do conteúdo e o consequente aprendizado do mesmo.

O fato de estarmos conectados 24 hora por dia nos deixa em um estado

perpétuo de distração e interrupção. Muitos acreditam que o fato de estarmos

conectados a todo momento aumenta nossa capacidade de ser multitarefa, uma das

características mais presentes na maioria dos estudos relacionados as novas

gerações. Ser multitarefa é importante para diversos atos do dia a dia, porém para o

aprendizado isso é diferente.

58

BOHN, R; Short, J. How Much Information. 2009, Global Information Industry Center University of California, San Diego. 59

Your Brain on Google. http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/digitalnation/living-faster/where-are-we-headed/your-brain-on-google.html Acesso em 23/05/2013

45

“Já em 1998, a escritora americana Linda Stone cunhou o termo "atenção

parcial continua" para descrever a noção de acompanhar informações de

diversas fontes, ao mesmo tempo, em nível superficial. Essa ideia de uma

atenção rasa e oscilante é provavelmente a descrição mais precisa do que

muitos de nós fazemos a maior parte do tempo, em vez de sermos

multitarefa: executamos uma simples operação mental de deslocamento em

meio a uma enorme gama de fontes, a nenhuma das quais conseguimos

dar atenção individual que uma verdadeira “tarefa requer”.” 60

Todas as notificações, pop-ups ou SMSs que paramos para ver em meio a

cada informação importante que temos atrapalha a retenção dessa informação.

“(...) nós nos tornamos uma espécie de dependentes digitais, que precisam

ficar checando emails, smartphones e afins o tempo inteiro – curiosamente,

uma espécie de evolução de instintos pré-históricos. Isso pode ser

prejudicial por várias razões, mas uma delas está ligada diretamente à

nossa capacidade de aprendizado, denominada consolidação da memória.

É o processo que leva a informação da memória recente para a memória de

longo prazo e permite que a gente crie conexões entre elas.” 61

É importante ter em mente que todos esses efeitos citados não são causados

pela internet em si. O aprendizado de alguém pode ser diminuído ou atrapalhado

mesmo se a pessoa estiver desconectada, basta não focar-se no conteúdo. O que a

internet traz é o aumento da possibilidade e abrangência da distração.

Se a disponibilidade de informações a qualquer hora e em qualquer lugar é

positivo ou não, isso, assim como o uso das redes sociais, depende da pessoa. De

qualquer forma, a mudança que isso está ocasionando é biológica. Vivemos

cercados por informações e a cada vez mais nossos aparelhos fazem o papel do

nosso cérebro. Eu não sei a data de aniversário de ninguém pois o Facebook me

avisa, eu não me lembro dos telefones importantes pois estão no meu celular, eu

não preciso aprender como chegar lá pois o meu celular me guia. Alguns dizem que

isso é um grande problema, pois estamos deixando de exercitar nosso cérebro e

60

CHATFIELD, 2012. P.54 61

Almeida, A. O que a internet está fazendo com o nosso cérebro? http://www.brainstorm9.com.br/37184/opiniao/o-que-a-internet-esta-fazendo-com-o-nosso-cerebro Acesso em 23/05/2013

46

criar um conhecimento sobre algo importante, como por exemplo o fato de se

deslocar na cidade onde vivo ou ligar para as pessoas que convivo. Outros dizem

que essas são informações secundárias, que estão dando lugar a informações mais

importantes e dessa forma não sobrecarregam o cérebro. Eric Kandel, vencedor do

prêmio Nobel de Medicina em 2000, deixa sua opinião em entrevista para a revista

Galileu62: “Quando os livros surgiram, a oratória desapareceu. Em cada ponto,

quando você ganha algo, perde algo. A questão é: os ganhos superam as perdas?

Meu palpite é que sim”.

O grande segredo talvez seja equilibrar o consumo de informações, sem

sobrecarregar nossa mente e sem nos excluirmos de interações sociais. Utilizando

isso a favor do conhecimento, vemos grandes feitos da inteligência coletiva, que

gera aprendizado a todos que participam. Por isso, para o autor Don Tapscott, “a

web está criando a geração mais inteligente de todas”.

Shirky traz um bom exemplo de como a inteligência coletiva gera conhecimento

quando fala sobre o Flickr e a troca de informações sobre técnicas fotográficas que

ocorre no site.

“Antes dos serviços de compartilhamentos de fotos, alguém olhando para

uma dessas fotos poderia perguntar a si mesmo: "Como isso foi feito?”.

Com o compartilhamento, cada foto é um lugar em potencial para interação

social, e os observadores podem fazer a pergunta diretamente: "Como você

fez isso?. (...) Essa forma de comunicação é o que o sociólogo Etienne

Wenger chama de comunidade de prática, um grupo de pessoas que

conversam sobre alguma tarefa compartilhada com o objetivo de se

aperfeiçoar nela.” 63

Essa mudança no processo de aquisição de conhecimento das novas

gerações leva também a discussão sobre a reformulação do formato de educação

nas escolas. Ao longo do desenvolvimento tecnológico as gerações foram

aprendendo a conviver com o acesso as informações de formas diferentes, onde

uma vê a Wikipédia com desconfiança, por exemplo, outra utiliza o portal

62

PONTES, F; MALI, T. A internet está deixando você burro? http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT156864-17773,00.html. Acesso em 23/05/2013 63

SHIRKY, C; 2008, p.87

47

colaborativo como base primária de informação. Esse choque de gerações começa

a ter efeitos nas escolas, a formação que os professores recebem não leva em conta

essas mudanças e acaba prejudicando a relação professor-aluno. Ao mesmo tempo

que existe uma quebra de respeito, afinal o aluno muitas vezes tem acesso a

informação antes do próprio professor, essa informação é superficial e deve ser

aprofundada pelo professor. Nas palavras de Adriano Gosuen, psicólogo

especializado em educação e direito das criança e do adolescente64: “A escola tem

de ensinar aos alunos como lidar com as informações recebidas; ensiná-los a ter

uma leitura crítica”.

Todo esse excesso de informações também gera um reflexo psicológico onde

as pessoas sentem-se escravas da informação: precisam saber sobre tudo, se

possível assim que as coisas acontecem, e precisam posicionar-se socialmente

quanto a isso para fortalecerem sua imagem digital. Essa busca excessiva de

informações também é prejudicial a pessoa, e em meio desse cenário que a

curadoria de conteúdos se mostra tão necessária.

“(...) é fundamental filtrar o que se vai mandar para dentro do cérebro,

selecionar com critério o que é mesmo relevante. Quem não faz isso pode

acabar ficando doente. A pessoa se irrita facilmente, fica com sentimento de

impotência, insatisfação e ansiedade. Também aparecem sintomas físicos

como dores no corpo, palpitação e sensação de cansaço”65

Steven Rosenbaum, autor do livro Curation Nation, em entrevista após um

evento sobre a era digital colocou sua visão sobre o futuro dos internautas viciados

em informação66: “As pessoas precisam entender que nem todo Tweet ou SMS será

respondido, que a nossa caixa de entrada do e-mail não ficará zerada. Portanto, a

primeira mudança é cultural, é aceitar que não conseguimos administrar tudo que é

enviado para nós”. A lição que pode-se tirar de tudo isso é de que não é porque a

64

Crianças aprendem mais cedo e deixam professores para trás. http://noticias.terra.com.br/educacao/criancas-aprendem-mais-cedo-e-deixam-professores-para-tras,0e7b24e4d3b4d310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html Acesso em 23/05/2013 65

Excesso de informações pode causar problemas de memória no dia a dia. http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2013/01/excesso-de-informacoes-pode-causar-problemas-de-memoria-no-dia-dia.html Acesso em 23/05/2013 66

Entrevista com Steven Rosenbaum - Digital Age 2.0 2011 http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=E4lvv1x39R8#! Acesso em 23/05/2013

48

internet oferece toda a informação do mundo que você deve consumi-la. Pelo

contrário, quanto mais paulatino e atencioso for esse consumo, maior a chance do

da informação transforma-se em conhecimento, e dessa forma, em algo mais útil

para você.

3.5. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A CULTURA DA

CONVERGÊNCIA

Não podemos analisar as mudanças causadas pela internet sem analisar as

mudanças que os meios de comunicação de massa sofreram ao longo do tempo.

Estes meios sempre tiveram um papel muito bem posicionado na sociedade:

transmitir informações e gerar entretenimento. Por muito tempo, eram essas

informações que controlavam de uma forma geral o conhecimento do povo quanto a

determinados assuntos, não é a toa que grandes movimentos políticos como o

nazismo investiam grande parte de seus esforços na produção de informações e no

controle dos meios. Porém por mais que os meios influenciem a sociedade, eles

também sempre serão influenciados por ela. Um meio de comunicação pode ter sido

criado para determinada finalidade, e a sociedade acaba utilizando-o para outra.

Podia atender determinado público, mas com a evolução dos meios ele acaba

atendendo outro. Independente disso, uma vez que o meio se estabelece, ele

dificilmente perderá uma função na sociedade. Nas palavras de Jenkins.

“O conteúdo de um meio pode mudar (como ocorreu quando a televisão

substituiu o rádio como meio de contar histórias, deixando o rádio livre para

se tornar a principal vitrine do rock and roll), seu público pode mudar (como

ocorre quando as histórias em quadrinhos saem de voga, nos anos 1950,

para entrar num nicho , hoje) e seu status social pode subir ou cair (como

ocorre quando o teatro se desloca de um formato popular para um formato

de elite), mas uma vez que um meio se estabelece, ao satisfazer alguma

demanda humana essencial, ele continua a funcionar dentro de um sistema

maior de opções de comunicação.” 67

67

JENKINS; 2008, p. 41

49

Pode-se ilustrar essa teoria com a internet. A internet surgiu com o objetivo de

proteger as informações do Pentágono. Em 2006 foi criado o WikiLeaks, uma

organização colaborativa exclusivamente dedicada a publicação de documentos

secretos de governos ou empresas, garantiu sua visibilidade mundial divulgando

uma série de documentos secretos do Pentágono sobre a morte de civis e soldados

na guerra do Afeganistão. Esse fato irônico exemplifica as mudanças de função e

forma que a internet sofreu ao longo dos anos. De uma rede militar controlada com o

objetivo de proteger informações ela se transformou em uma rede acadêmica com o

objetivo de difundir conhecimento e troca de informações, e, posteriormente, a uma

rede mundial com objetivos de acordo com a necessidade de cada usuário.

Figura 10 - Vazamentos de informações do governo americano pelo Wikileaks

Com isso em mente, pode-se perceber que grande parte dos meios de

comunicação que tiveram grande importância para a sociedade se mantém até hoje.

Começando pelo jornal, presente desde a Roma Antiga mas que se tornou um meio

de massa apenas após a invenção da prensa por Gutenberg no século XV, que

sempre teve como objetivo disseminar as principais informações baseando-se em

quatro pilares: abrangência, periodicidade, atualidade e universalidade. Seu formato,

da prensa até hoje, basicamente se resume a algumas folhas de papel com

conteúdo diverso. É de conhecimento comum de que o consumo de jornais tem

50

caído vertiginosamente ao longo dos últimos anos, ocasionando o fechamento de

jornais consagrados pelo mundo. Analisando os quatro pilares do jornal hoje,

podemos perceber que o que mudou, basicamente foi a periodicidade, afinal nos

tempos de informação ao alcance de todos para se manter a atualidade você deve

lançar notícias suas notícias não mais diariamente, mas de segundo a segundo.

Para atender essa demanda de informação, o jornal (conteúdo, não meio) teve de

mudar de formato, saindo do papel e indo para meios mais dinâmicos como o rádio,

a tv, e a internet. Porém, em meio de tantas informações, o jornal impresso ainda

sobrevive, seja com um formato resumido, como o Metro ou o Destak, que são

distribuídos gratuitamente e representam um consumo de informação essencial para

grande parte dos moradores de metrópoles, ou mesmo com o formato tradicional

mas pautado por colunas analíticas e opinativas, como o tradicional USA Today68 ou

a iniciativa holandesa De Nieuwe Pers69, um jornal que permite a assinatura apenas

de determinados colunistas/jornalistas.

Avançando cronologicamente, temos o rádio como segundo grande meio de

comunicação da sociedade. Criado no final do século XIX e popularizado no início

do XX, o rádio surgiu com a função de comunicação entre navios e posteriormente

entre tropas militares, bastante difundido na primeira guerra. Ao grande público o

rádio começou com dois objetivos: difundir informações, com maior periodicidade

que o jornal, e contar histórias. As novelas, que vieram de livros ou contos de

jornais, acabaram indo para a televisão, deixando para o rádio o papel de grande

responsável pela música. Ao longo do tempo, apesar de LPs, CDs e MP3 players, o

rádio se manteve com dois objetivos: lançar artistas (por muito tempo a expressão

“está tocando em todas as rádios” é sinônimo de sucesso) e informar. O rádio foi

talvez o primeiro grande meio interativo, onde as pessoas poderiam ligar ou enviar

cartas dando opiniões e pedindo músicas. Atualmente, o rádio se modernizou

tornando-se bem mais colaborativo: as estações que informam a situação do

trânsito, por exemplo, recebem grande parte das informações dos ouvintes.

68

USA Today encourages journalists to pepper reporting with personality. http://blog.wan-ifra.org/2013/04/23/usa-today-encourages-journalists-to-pepper-reporting-with-personality Acesso em 19/05/2013. 69

LUDWIG, Guilherme. Jornal holandês permite que leitor assine jornalistas individualmente. http://www.colunadigital.com/2013/04/paywall-por-jornalista.html#.UWWIXZOkomE Acesso em 19/05/2013.

51

A diferença da internet é que ela não é apenas mais uma forma de

propagação de informações, histórias ou experiências. A grande revolução que a

internet trouxe foi um poder aos usuários de produzir conteúdo, portanto a mudança

do simples papel de espectador para um papel mais ativo, criando assim uma

cultura participativa.

A cultura participativa nada mais é do que a amplificação de algo que sempre

aconteceu como reflexo a um conteúdo midiático: a fofoca e discussão sobre o

assunto. Assim como as vizinhas brasileiras da década de 80 se reuniam toda

manhã para comentar sobre a novela e criar teorias sobre o que viria a acontecer, os

fãs de diversos segmentos se reúnem online para trocar informações e teorias sobre

seus objetos de desejo. Essa cultura participativa é caracterizada por Lévy como

inteligência coletiva, definida dessa forma:

“uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada,

coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das

competências. (...) a base e o objetivo da inteligência coletiva são o

reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas, e não o culto de

comunidades fetichizadas ou hipostasiadas.” 70

Portanto a internet possibilita que cada um pudesse expor suas opiniões,

divagar sobre diversos assuntos, e ter contato com as mais diversas informações.

Desta forma o conhecimento, antes restrito, se espalha, e torna-se colaborativo,

onde cada usuário consome e produz conteúdo.

Analisando casos como as grandes comunidades de fãs de reality shows, que

tentavam descobrir detalhes sobre os vencedores ou a lógica por trás das votações,

Jenkins percebeu que por trás do conceito de inteligência coletiva defendido por

Lévy, onde a comunidade possui conhecimento de tudo e coletivamente compartilha

e divaga sobre o mesmo, existe sim uma hierarquização, um grupo de pessoas que

trocam informações mais restritas e divulgam esse conteúdo apenas após uma

curadoria desse grupo, chamados de “brain trusts”.

70

LÉVY, 1998. P. 28-29

52

“Pense nos “brain trusts” como sociedades secretas ou clubes privados,

cujos membros são escolhidos a dedo, com base em suas habilidade e

experiência comprovada. Os que são deixados para trás reclamam de “fuga

de cérebros”, que tranca os participantes mais inteligentes e articulado atrás

de portas fechadas. Os brain trusts, por outro lado, argumentam que esse

processo de avaliação minuciosa a portas fechadas protege a privacidade e

assegura um alto grau de acerto, quando eles finalmente postam suas

descobertas.” 71

Esse grupo representa que, mesmo em um mundo colaborativo onde cada

um pode dar voz a sua opinião, a discussão ainda pode ser guiada e influenciada

por determinadas pessoas.

Mais que apenas discutir sobre uma história/produto, a internet permitiu que

os consumidores realizassem criações baseadas naquilo do qual eles tanto gostam.

Isso é algo feito há tempos de modo informal, como com fanzines ou materiais

produzidos por fã-clubes, porém se multiplicou e, graças a evolução tecnológica,

vem tendo mais destaque e pressionando gigantes do entretenimento. Jenkins

analisa o caso de Guerra nas Estrelas para exemplificar essa questão e como os

estúdios tem lidado com isso. Em 1977, a LucasArts (empresa do criador da série e

detentora dos seus direitos) incentivava a criação dos fãs, chegando a criar um

departamento que analisava e dava consultoria sobre as criações. Na década de 90,

com a internet em franco crescimento, a empresa tentou controlar a produção de

conteúdo relacionada a série, culminando na declaração “Como a Internet está

crescendo muito rápido, estamos desenvolvendo normas para ampliar a capacidade

dos fãs de se comunicarem entre si sem infringirem os direitos autorais e de marca

de Guerra nas Estrelas72”. Já em 2000, a empresa criou um site onde os fãs

poderiam compartilhar suas criações relacionadas à série. O que parecia uma boa

iniciativa tornou-se motivo de irritação para os fãs ao verem que, no momento que

um conteúdo do fã era publicado no site, os direitos daquele material seriam

transferidos para o estúdio.

71

Jenkins, 2008, p.69 72

Brad Templeton, “10 Big Myths about Copyright Explained”, http://www.templetons.com/brad/copymyths.html. Acesso em 21/05/2013

53

Do incentivo à criação a tentativa de controle e lucro com os materiais feitos

por fãs, podemos perceber como a internet teve uma influência considerável na

mudança de postura da empresa frente a esse conteúdo criado pelos fãs. Isso não

somente pelo maior número de pessoas em contato com a sua obra, mas também

pela facilitação que o avanço tecnológico trouxe na criação, produção e distribuição

dessas fan fictions. Se em 1977 uma pessoa criasse um filme com o universo de

Guerra nas Estrelas, dificilmente ela ganharia uma grande projeção com aquilo, e

mais, dificilmente ela causaria algum efeito na marca como um todo. Hoje, não só

esses conteúdos possuem uma abrangência gigantesca, como geram uma receita

considerável e ainda podem causar danos ou fazer com que a marca mãe tenha que

se adaptar.

Cinema, teatro, quadrinhos, televisão; se continuarmos analisando outros

meios de comunicação, veremos que apesar de origens e objetivos distintos, a

trajetória é bem semelhante e mutável. Hoje, o papel desses meios é complementar,

cada um conta, de sua forma, uma informação ou história, deixando que as pessoas

interpretem e consumam aquele conteúdo da forma e tirem suas conclusões. Nas

palavras de Jenkins:

“Por convergência , refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos

suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao

comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que

vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento

que desejam. (...) Convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais

sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros

de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. Cada

um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e

fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em

recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana.” 73

O conteúdo é hipermidiático, a história não tem fronteiras. Ela pode começar

sendo contada na televisão, em formato de série, passar para o vídeo-game do

computador, pelo cd da banda, continuar em um blog, e por aí vai. A internet não é

um meio de comunicação, ela está em todas os meios. Por mais que o computador

73

JENKINS; 2008, p. 29-30

54

tenha sido visto como uma nova forma de mídia, percebemos hoje que mesmo o

computador, da forma como foi popularizado, está em fase de substituição completa.

E essa substituição não é por um computador mais fino, como um notebook, ou uma

tela, como um tablet, ou mesmo por um smartphone. Essa substituição é justamente

pela ausência de um representante físico, e pela presença em todos.

Assim como a forma do conteúdo ser transmitido mudou, o consumo do mesmo

é diferente. Atualmente o consumidor divide sua atenção em diversos meios

diferentes e espera que eles se complementem no consumo desse conteúdo. A

“segunda tela”, expressão criada para categorizar o hábito de utilizar a internet ao

ver televisão, é algo que irá independer de uma segunda tela física. Com a evolução

dos televisores inteligentes e o adventos de novas tecnologias, o ato de consumir

um conteúdo virá acompanhado do consumo de complementos desse conteúdo na

grande rede, independente se esse conteúdo for informações oficiais ou opiniões de

pessoas comuns no Twitter. O novo modelo do consagrado vídeo-game da

Microsoft, o Xbox One, traz justamente essa proposta: unificar na sua televisão as

informações do conteúdo assistido, transmitindo-o no mesmo local. Portanto, com

esse aparelho, você poderá assistir um filme, verificar as informações sobre os

atores e os comentários das pessoas sobre o mesmo tudo na mesma tela. Cinema,

televisão, internet, games, são diversos conteúdos e diversos meios concentrados

em um só dispositivo. E ao mesmo tempo, diluído pelos vários dispositivos que te

dão acesso a esses conteúdo, afinal não teremos mais “o” vídeo-game, “a” televisão,

“o” celular. Tudo isso estará disponível de diversas formas, em diversos locais.

Figura 11 - Interface do Xbox One, que irá integrar vídeo-game, tv e internet

55

4. ATIVISMO DIGITAL

Ativismo, segundo o dicionário Michaelis74, tem dois significados. O primeiro,

referente a filosofia, refere-se a palavra como a “acentuação da atuação

consequente da vontade”. Portanto, a primeira definição de ativismo tem origem

direta a etimologia da palavra, do latim agere que significa agir, realizar, colocar em

movimento. Ou seja, ativismo, por um lado, nada mais é do que praticar um

pensamento. O segundo significado, mais presente no senso-comum, se refere a

motivação da ação, onde ativismo é definido como “doutrina ou prática de dar ênfase

à ação vigorosa, por exemplo, ao uso da força para fins políticos”. Esse significado,

mais presente no senso comum, mostra o ativismo como a prática de defender uma

crença, de defendê-la e lutar pelo que acredita. A princípio é algo nobre, romântico,

porém com o tempo a imagem do ativismo mudou. Na maioria das vezes o ativista é

visto como uma pessoa chata, que chama as pessoas a participarem e a

interagirem, faz um jogo emocional para adicionar pessoas a sua causa e cobra para

que as outras pessoas ajam também. Shirky demonstra bem como esse modelo de

ativismo mais atrapalha do que ajuda a imagem dos ativistas.

“Ter um punhado de pessoas altamente motivadas e uma massa de outras

pouco motivadas costumava ser uma receita para a frustração. As pessoas

que estavam no fogo se perguntavam por que a população em geral não se

importava mais, e esta se perguntava por que aquela gente obcecada

simplesmente não calava a boca.” 75

Isso acontecia porque, até a popularização da internet, essa ação, base do

ativismo, demandava esforço. Demandava a confecção de materiais de divulgação,

a divulgação da causa, realização de passeatas e protestos, e muito mais que

acabava afugentando a maioria das pessoas comum, por mais que estas

simpatizassem com a causa. Os meios de comunicação, neste cenário, entravam

como meros difusores da mensagem. Hoje, a ação não demanda mais tanto esforço.

74

Dicionário Michaelis Moderno. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=ativismo. Acesso em 23/05/2013 75

SHIRKY, 2008. P. 155

56

Com a internet, qualquer um pode criar um blog, fazer um vídeo, postar um texto, há

diversas formas de você tornar-se um ativista com baixo esforço. Esse baixo esforço

é físico, financeiro e também de tempo, a moeda mais valiosa das pessoas da nossa

época.

Exemplo dessa facilitação que o ativismo passou é o site Avaaz. Lançado em

2007, ele tem como objetivo “mobilizar pessoas de todos os países para construir

uma ponte entre o mundo em que vivemos e o mundo que a maioria das pessoas

querem”. O que parece grandioso e utópico, na realidade é muito simples, como

explicado em seu site.

“Antigamente, os grupos de cidadãos e movimentos sociais que atuavam

em nível internacional tinham de reunir uma base de apoiadores em cada

causa, ano a ano e de país a país, a fim de alcançar uma escala suficiente

para fazer a diferença. Hoje, graças à tecnologia e à ética cada vez maior

de interdependência global, essas restrições não se aplicam mais.

Enquanto outros grupos da sociedade civil mundial são formados por redes

com nichos de causas específicas e escritórios nacionais, cada um com sua

própria equipe, orçamento e estrutura de tomada de decisão, a Avaaz tem

uma única equipe de atuação mundial, com a missão de trabalhar com

qualquer questão de interesse público. Isso permite a organização de

campanhas com uma agilidade, flexibilidade, foco e escala extraordinários.”

76

Figura 12 - Página principal do Avaaz, site de petições online

76

AVAAZ. Quem Somos. http://www.avaaz.org/p*o/about.php. Acesso em 25/05/2013

57

O site funciona através de causas, uma pessoa pode criar uma causa e

difundi-la tanto entre os quase 22 milhões de membros ao redor do mundo quanto

para seus amigos, ou comunidade em geral. A causa tem como elemento principal

uma petição, e caso eu concorde com ela basta inserir meu nome, e-mail, país e

telefone. Se eu tiver cadastro no site é ainda mais simples, basta clicar no botão

“assine”. Apenas com essa petição, geralmente assinada por milhares de pessoas, o

site já tem voz para chegar a alguma autoridade e exigir um posicionamento, ou

para chamar a atenção da mídia. Porém, em determinadas causas a Avaaz organiza

outras ações, como pesquisas de opinião pública para validar eleições, doações

para sobreviventes e refugiados, ou mesmo intervenções e flashmobs em reuniões

governamentais. No Brasil, um caso icônico ocorreu em junho de 2009, onde o

governo estava sendo pressionado a aumentar a área da floresta amazônica

destinada a agronegócios. Em dois dias, os membros do Avaaz fizeram mais de 14

mil ligações e enviaram mais de 30 mil e-mails ao presidente Lula, um dos

motivadores para a rejeição do projeto de lei.

Portanto, a primeira grande mudança que a internet trouxe para o ativismo foi

a facilitação na criação, divulgação e participação de causas de diversas finalidades

e diversos tamanhos. As redes sociais mesmo são grandes difusores de diversas

causas: desde o pedido de ajuda para achar um cachorro do bairro até a matéria

que mostra o quanto de cada produto que compramos é imposto, diversas postagem

são criadas e compartilhadas. E o esforço de dar um like ou compartilhar uma

postagem é bem menos do que a presença em uma passeata ou a distribuição de

folhetos. Porém, a distribuição de folhetos e as passeatas não acabaram. E nem

podem acabar, muitas vezes algumas mudanças só ocorrem com a intervenção

física, real. Portanto criou-se uma divisão muito clara entre o ativismo tradicional, de

intervenções e ações físicas, e o ativismo digital.

4.1. ATIVISMO “REAL” X ATIVISMO DIGITAL

A separação do ativismo em real e digital na verdade não faz muito sentido.

Ativismo é ativismo, independente da forma que é feita. Porém, para analisarmos

58

melhor as mudanças e as discussões que a massificação da internet e seus efeitos

na sociedade ocasionaram no ativismo, iremos dividir o ativismo em “digital” (feito na

internet) e “real” (feito nas ruas). O ativismo digital, nome dado a prática de apoiar

causas sociais pela internet, é um bom meio de propagação, mas ele não faz

sozinho a revolução. Leila Nachawati, espanhola de ascendência síria e ativista

pelos direitos de liberdade de expressão, disse em sua palestra na Campus Party de

201277 : “É ofensivo dizer que a tecnologia é que permite uma revolução, quando

temos pessoas morrendo por causa disso”. No mesmo debate, Charles Lenchner,

representante do movimento Occupy Wall Street, proferiu outra emblemática frase

que nos ajuda nesta análise: “Mudar o mundo é muito mais legal que ficar jogando

online. Quantas pessoas passam o tempo atirando em coisas que simplesmente não

existem”.

A grande questão é que, além da facilidade, dois outros pontos devem ser

analisados quando se trata de ativismo na internet. O primeiro é a abrangência, a

capacidade de atingir diversas pessoas sem grandes custos. Antigamente para falar

com boa parte da população você precisaria colocar sua mensagem em um meio de

comunicação em massa, seja ele jornal, rádio ou televisão.

“Os antigos limites de compartilhamento de informação foram a primeira

coisa a mudar. (...) O impulso de compartilhar informações importantes é

básico, mas suas manifestações muitas vezes foram desajeitadas”78

Todos nós, quando vemos algo interessante queremos compartilhar aquela

informação de alguma forma. Se eu quisesse compartilhar uma notícia com meus

amigos, por exemplo, deveria recortá-la do jornal, tirar uma cópia e distribuir

fisicamente a eles. Hoje a abrangência de uma mensagem é muito maior, não só

pelo maior número e mais fácil acesso aos meios de comunicação em massa como

pela facilidade de troca de mensagens entre as pessoas.

77

IKEDA, ANA. Militantes dão dicas de ‘ativismo digital’ e diminuem papel das redes sociais em revoluções http://uoltecnologia.blogosfera.uol.com.br/2012/02/10/militantes-dao-dicas-sobre-ativismo-digital-e-falam-do-papel-das-redes-sociais-em-movimentos-como-o-ocupe-wall-street/ Acesso em 25/05/2013 78

SHIRKY, 2008. P. 127

59

Outro ponto importante para se analisar quando nos referimos a ativismo na

internet é a questão do status. Como vimos nos capítulos anteriores, tudo que você

publica e compartilha na internet diz como você é, constrói sua imagem perante a

sociedade. Portanto, a partir dessa facilidade as pessoas ficaram muito mais

interessadas em mostrar interesse em assuntos polêmicos e definir sua posição. As

redes sociais são canais de expressão, portanto são nelas que as pessoas sentem-

se a vontade de expressar suas opiniões e defender suas causas. É por isso que

quando você assina uma petição no Avaaz, ou no Causes (aplicativo semelhante ao

Avaaz porém diretamente ligado a sua conta no Facebook) você também faz

questão de compartilhar a mensagem “eu assinei essa petição” com os seus

amigos.

"Você é o que você compartilha. Antes da internet se tornar quase

onipresente na nossa vida, as pessoas indicavam as coisas que achavam

que eram importantes para as outras. Era uma dica de um livro, de um

artigo, de um programa de TV, discos/CDs/Músicas, receita de bolo e até

fofocas. E a frequência com que você indicava e para quem você indicava o

que eram as coisas que definia como você seria percebido pelas outras

pessoas. Compartilhar/indicar algo para alguém era a sua moeda social. (...)

O fato de estarmos vivendo em um mundo que glorifica o sabe-tudo

também pode ser outro motivo mas entender o que importa para quem

também deve ser levado em conta." 79

O problema é que essa questão do status acaba fazendo com que as

pessoas muitas vezes divulguem algo apenas para afirmar-se, compartilhando um

texto pela fama do autor, por exemplo. Isso cria também uma rede de pessoas com

argumentos frágeis, como definido por Chatfield: “uma futura massa de

compartilhamentos tem grandes chances de se tornar uma "câmara de eco" de

pessoas com ideias semelhantes, reforçando suas próprias crenças e seus

preconceitos” 80. Outro ponto são as diversas postagens compartilhadas por

milhares de pessoas no Facebook que dizem que para cada compartilhamento

dessa foto de criança passando fome, o Facebook irá doar um dólar para combater

a fome. A maioria das pessoas que compartilham esses posts agem de boa fé,

79

SOLLERO, D. Salvem o Compartilhamento. http://www.brainstorm9.com.br/36872/opiniao/salvem-o-compartilhamento/ Acesso em 31/05/2013 80

CHATFIELD, 2012. P. 97

60

querendo ajudar, porém acreditam que aquele ato realmente irá mudar alguma coisa

quando na verdade alguém sem muito o que fazer criou aquela postagem falsa.

Esses são pontos de crítica forte aos chamados “ativistas de sofá”, o pseudo-

apoio que busca apenas um status perante seu círculo e a falta de pesquisa para se

informar sobre o que está apoiando. Tais pontos são tão prejudiciais para a imagem

do ativismo quanto aqueles que citamos anteriormente.

Figura 13 - Quadrinho satirizando os "ativistas de sofá" (fonte: André Dahmer)

Essa crítica das pessoas que fazem ativismo “real”, ou seja, vão as ruas e

enfrentam os perigos de se contestar o status quo, não é infundada. É bastante

complicado falar que aquele que enfrentou policiais, invadiu prédios, levantou placas

e teve seu rosto divulgado a milhares de pessoas, teve um peso igual ao hacker que

invadiu o site de uma companhia de bancos e divulgou uma mensagem pró alguma

causa, ou aquele que compartilhou a foto dos massacres que estavam ocorrendo,

ou mesmo da pessoa que assinou online uma petição. A grande questão é que não

deve-se atribuir pesos as ações - essa foi mais importante que aquela – mas sim vê-

las como complementares em busca de uma causa. Pierre Lévy, quando perguntado

sobre o ativismo digital nesse contexto, disse: “Eu não sou contra o ativismo de sofá.

Qualquer forma que o cidadão use para se expressar é positiva.81”.

O pragmatismo de Pierce tem princípios importantes nessa análise entre o

“ativismo real” e o “ativismo digital”. A principal base do método criado por Pierce é a

81

Lévy: ‘Não sou contra o ativismo de sofá’. http://blogs.estadao.com.br/link/pierre-levy-nao-sou-contra-o-ativismo-de-sofa/ Acesso em 25/05/2013

61

concepção de que ideias e conceitos que não tem efeitos práticos são esquecidos82.

Esse conceito se aplica muito bem ao caso das pessoas criticadas pelo “ativismo de

sofá”, aquelas que buscam no ativismo a criação de uma persona e dificilmente

realizam algo prático para apoiar essas causas. Pierce acreditava que devíamos

“deslocar da origem à finalidade”, deixando em segundo plano as origens e

analisando as consequências. Por mais que a interação online seja uma ação, como

vimos anteriormente dificilmente poderemos comparar o impacto que aquilo causa

no dia-a-dia das pessoas. O ativismo digital é um dos melhores exemplos para

entendermos o conceito de pragmatismo aplicado por Pierce, afinal para ele, não

interessa sua representação, sim sua ação. Portanto o grande diferencial não é o

fato de ter se envolvido momentaneamente e nem compartilhado o conteúdo, mas

sim as consequências práticas e o efeitos que aquele conteúdo causaram em você.

Para entender melhor como a internet mudou o ativismo e a relação entre o

“ativismo real’ e o “ativismo de sofá” é interessante analisarmos alguns casos, que

apesar de focos diferentes exemplificam bem todo o assunto discorrido até aqui.

4.2. PRIMAVERA ÁRABE

Figura 14 - O presidente tunisiano retirado do poder visita o homem que com sua autoimolação deu início a revolta no país (fonte: CNN)

82

SILVEIRA, 2007.

62

Um dos maiores casos de ativismo recente ficou conhecido como Primavera

Árabe83, e olhar para esse caso é uma boa forma de ver como essa simbiose entre o

ativismo digital e o presencial funciona. O caso teve início na Tunísia, dia 17 de

dezembro de 2010, onde o comerciante de frutas Mohamed Bouazizi após ter seu

carrinho de vendas e seus produtos confiscados pelo governo em um ato de

desespero foi a frente da sede do governo local e ateou fogo ao próprio corpo.

Vídeos, fotos e relatos desse caso foram amplamente difundidos pelas redes sociais

e deram início a centenas de protestos em diversas partes do país. Em uma

tentativa de virar a situação, o chefe de estado tunisiano chegou a visitar o

comerciante no hospital84, porém dia 4 de janeiro o comerciante faleceu, fato que

deu ainda mais forças aos protestos. Apenas 10 dias após a morte de Mohamed, o

chefe de estado Ben Ali, que estava no poder há 13 anos, fugiu para a Arábia

Saudita. O sucesso das revoltas na Tunísia inspiraram revoltas outros 18 países

árabes. No Egito, 18 dias de protestos levaram a renúncia de Hosni Mubarak85, um

dos mais poderosos chefes de estado do Oriente Médio com 30 anos de governo,

instaurando um poder militar no país. Na Líbia, as revoltas levaram o país a uma

guerra civil que após 8 meses resultaram na morte do ditador Muammar al-Gaddafi,

após 42 anos de governo.

83

MOISI, Dominique. An Arab Spring? http://www.project-syndicate.org/commentary/an-arab-spring- Acesso em 25/05/2013 84

How a fruit seller caused revolution in Tunisia. http://edition.cnn.com/2011/WORLD/africa/01/16/tunisia.fruit.seller.bouazizi/index.html. Acesso em 31/05/2013. 85

Após 30 anos no poder, ditador Hosni Mubarak renuncia no Egito http://www1.folha.uol.com.br/mundo/873730-apos-30-anos-no-poder-ditador-hosni-mubarak-renuncia-no-egito.shtml Acesso em 31/05/2013

63

Figura 15 - População tira fotos com os celulares do corpo do ex-ditador líbio (fonte: AFP)

Figura 16 - Homem durante protestos no Egito (fonte: Guliver Images)

64

Por serem países extremamente autoritários, o governo dificulta ao máximo

qualquer forma de organização dos manifestantes, daí a importância da internet,

onde os manifestantes conseguiam burlar as barreiras do governo e organizar as

manifestações. Para se ter uma noção da importância das redes sociais nesse

processo, durante os dois meses de revolta na Tunísia 200 mil pessoas se

cadastraram no Facebook86. As redes sociais também tiveram importância para

mostrar os acontecimentos da região para o resto do mundo. Exemplo disso é o

analista político Sultan al Qassemi, que se tornou uma das principais fontes de

informação dos veículos ocidentais sobre as revoltas árabes. No início do protesto

ele possuía 7 mil seguidores no seu perfil no Twitter, @SultanAlQassemi. Hoje, com

mais de 200 mil seguidores, ele foi eleito pela revista Times como um dos perfis do

Twitter mais influentes do mundo. A Dubai School of Government, uma instituição de

pesquisa e ensino especializada em política, realizou um profundo estudo87 sobre a

relação das redes sociais e as revoltas no mundo árabe. De uma forma geral, o

número de usuários de Facebook no mundo árabe cresceu de 14,8 milhões para

27,7 milhões durante o ano de 2011. Na Tunísia e no Egito, cerca de 90% das

pessoas afirmam ter usado o Facebook para organizar protestos ou disseminar

informações sobre o movimento. O número de tweets nos países árabes aumentou

60% nos quatro primeiros meses de 2011. Diante esse cenário, diversos países

tentaram restringir o uso tanto das redes sociais como um todo, seja bloqueando o

acesso aos sites ou bloqueando o acesso à internet, como feito no Egito.

86

Redes sociais foram o combustível para as revoluções no mundo árabe http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/18943/redes+sociais+foram+o+combustivel+para+as+revolucoes+no+mundo+arabe.shtml Acesso em 31/05/2013 87

Arab Social Media Report http://www.arabsocialmediareport.com Acesso em 31/05/2013.

65

Figura 17 - Efeitos da massificação das redes sociais no mundo árabe na criação da identidade nacional e da globalização do indivíduo (fonte: Arab Social Media Report / Dubai School of

Government)

Figura 18 - Crescimento de usuários do Facebook durante o período de revoltas (fonte: Arab Social Media Report / Dubai School of Government)

66

Figura 19 - Uso do facebook durante o período de revoltas (fonte: Arab Social Media Report / Dubai School of Government)

Figura 20 - Fontes de informação dos cidadãos no período das revoltas

67

Em Istanbul, nesse exato momento uma revolta com as características da

Primavera Árabe se inicia88. O governo dificulta ao máximo o registro das repressões

policiais aos manifestantes, assim como o acesso à internet nas mediações das

áreas com manifestações através do bloqueio do sinal de internet móvel. Porém a

Turquia é um país com um governo bem menos centralizado que os países árabes,

portanto o poder da iniciativa privada é grande. Assim, hotéis, restaurantes e lojas

estão cedendo tanto mantimentos quanto internet wifi, para que os manifestantes

possam divulgar seus vídeos e fotos. O governo também desativou o metrô e outras

formas de transporte coletivo que levam até os locais de protesto, fazendo com que

os manifestantes se organizem online para se deslocarem. Talvez o maior símbolo

da importância das redes sociais em uma revolução como essa foi a prisão de 25

pessoas acusadas de usar o Twitter para “espalhar informações falsas e incitar

manifestações sobre o governo”89.

A Primavera Árabe é um bom exemplo do mutualismo entre o “ativismo real” e

o “ativismo de sofá”. Se a autoimolação do vendedor de frutas foi um estopim, isso

se deve ao poder de compartilhamento que essa informação teve nas redes sociais,

chegando a mídia de massa e inflamando as revoltas. Porém, não devemos ver a

internet como a grande responsável pelas revoluções. As pessoas são as

responsáveis pelas revoluções. Pessoas lutaram, foram presas, morreram em busca

de um ideal. E essas pessoas precisavam se organizar e divulgar o que estava

acontecendo, e para isso a internet foi uma ferramenta útil. Porém, seria leviano

pensarmos que se não houvesse internet não haveria revolução. Prova disso é que

elas continuaram mesmo com todas os boicotes do governo.

Apesar de todos os avanços conseguidos, também não podemos associar a

Primavera Árabe a libertação ou uma boa qualidade de vida. A miséria e o

desemprego na Tunísia ainda são altos, o que ocasiona diversos novos casos de

88

YAYIMLANDI, T. What is Happenning in Istanbul? http://defnesumanblogs.com/2013/06/01/what-is-happenning-in-istanbul/ Acesso em 31/05/2013 89

HARDING, L; LETSCH, C. Turkish police arrest 25 people for using social media to call for protesthttp://www.guardian.co.uk/world/2013/jun/05/turkish-police-arrests-social-media-protest?CMP=twt_gu Acesso em 06/05/2013

68

autoimolação90. No caso das mulheres do Egito a situação piorou91, apesar de

terem lutado lado a lado com os homens pelas mudanças.

4.3. O CASO KONY

Kony é o chefe de uma guerrilha ugandense que forçou um número estimado

de 66 mil crianças a lutarem em massacres visando o poder do país. As disputas

começaram em 1986, mas o caso veio à tona apenas em 2012 com um vídeo feito

pela ONG Invisible Children, denunciando os massacres. Com 32 milhões de

visualizações em três dias, Kony 2012 tornou-se o maior viral da história. É um ótimo

exemplo de como é impossível prever as ações desta nova sociedade, afinal por que

esse vídeo não foi mais um vídeo no limbo dos “vídeos que foram criados para

viralizar, mas não atingiram seu objetivo”?

Figura 21 - Vídeo de divulgação do caso Kony, atualmente com quase 98 milhões de visualizações

O vídeo contrariou qualquer “guia” de viralização de um vídeo na internet: ao

invés da duração média de 2 minutos o vídeo tem 30 minutos, não é engraçado, não

têm famosos, nem gatos. Porém ele é uma superprodução que, de maneira didática

e envolvente, te faz abraçar uma causa complexa e, principalmente, "desconhecida".

O fato de ser uma causa desconhecida é o potencializador da sua divulgação nas

redes sociais, afinal após se envolver com a história você sente-se obrigado a 90

Jovem ateia fogo ao próprio corpo na Tunísia http://www.bbc.co.uk/portuguese/ultimas_noticias/2013/04/130428_imolacao_tunisia_lgb_rn.shtml Acesso em 06/05/2013 91

Para mulheres egípcias primavera árabe não floresceu http://www.dw.de/para-mulheres-eg%C3%ADpcias-primavera-%C3%A1rabe-n%C3%A3o-floresceu/a-15752821 Acesso em 06/05/2013

69

angariar o máximo de pessoas que compartilhem da sua opinião. Além disso, o

vídeo o incentivava a disseminar essa informação, seja comprando camisetas,

canecas ou adesivos que mostravam a causa, seja aderindo ao Kony Day, um dia

onde todos aqueles que aderiram à causa deveriam marcar os locais em que vive

para abrir os olhos do mundo.

Figura 22 - Tempo levado até os vídeos mais vistos até agosto de 2012 atingirem 100 milhões de visualizações (fonte: Visible Measures)

A questão é que Kony tornou-se um fenômeno, porém não teve um bom

timing. Foi lançado no dia 5 de março, com o objetivo de mobilizar o mundo no dia

20 de abril, dia onde todos chamariam a atenção para esta causa. Porém a

ascensão meteorológica acabou prejudicial para seu objetivo final, e já na segunda

semana ele caiu no esquecimento do público em geral. Um artigo escrito apenas

uma semana após o lançamento do vídeo já mostrava como a obsessão global com

o vídeo já estava em queda.

“In the end, Invisible Children got exactly what they asked for: retail revenue

for themselves (the $30 "action kit" of stickers and bracelets sold out in

hours, went on a months-long back-order, and are no longer available) and

nothing for actual Africans. The group treated its audience like short-sighted,

emotionally selfish children — the video's narrative message is literally

delivered to a small child who can barely bring himself to pay attention —

and that's how they behaved”. 92

92

FISHER, M. The International Obsession With Joseph Kony Is Already Ending. http://www.theatlantic.com/international/archive/2012/03/the-international-obsession-with-joseph-kony-is-already-ending/254510/ Acesso em 31/05/2013.

70

Para contribuir com a queda (ou voltar a colocar o assunto em pauta)

surgiram denúncias contra a ONG produtora do vídeo, vindas até do próprio povo de

Uganda. Além do fato de Kony não residir mais em Uganda, como afirmado no

vídeo, e de sua organização estar esfacelada, diversas inconsistências financeiras e

denúncias contra a ONG aparecerem. As motivações políticas do vídeo também

começaram a ser contestadas, e da mesma forma que a comunidade difundiu o

vídeo ela criou blogs e tumblrs93 para difundir e organizar as críticas ao vídeo,

chamando a atenção de grandes veículos da mídia94. Quinze dias antes do grande

dia eles fizeram outro vídeo, se explicando das acusações e tentando reacender a

chama. Não funcionou, o assunto já tinha passado e este segundo vídeo teve

apenas 2 milhões de visualizações até hoje, pouco mais de 2% do vídeo inicial. Por

fim, no grande dia pouquíssimas pessoas se engajaram. No total, apenas 15 mil

fotos das ações foram publicadas e a página com a cobertura do dia no site da

instituição foi tirada do ar95.

Figura 23 - Evolução do volume de buscas do termo Kony (fonte: Google Trends)

O caso de Kony exemplifica bem toda a crítica por trás do ativismo digital. O

compartilhamento meteórico nas redes sociais foi reflexo da necessidade das

pessoas em posicionar-se e assim criar sua persona para seus amigos online. A

maioria das pessoas que compraram a causa a fizeram sem ir a fundo para entender

93

VISIBLE CHILDREN. KONY 2012, viewed criticallyhttp://visiblechildren.tumblr.com/ Acesso em 31/05/2013 94

CURTIS, P; McCarthy, T. Kony 2012: what's the real story? http://www.guardian.co.uk/politics/reality-check-with-polly-curtis/2012/mar/08/kony-2012-what-s-the-story Acesso em 31/05/2013 95

http://invisiblechildren.com/konycoverthenight.html

71

a realidade dos fatos e a fizeram apenas online, onde nenhum grande esforço era

necessário. É um claro exemplo de algo que caiu no esquecimento pois aquilo não

teve um efeito prático na vida das pessoas.

Kony não teve o mesmo sucesso que a Primavera Árabe por diversos fatores.

O primeiro é que não era algo emergente na população, não era uma causa real. A

população da Uganda já tinha passado por sua guerra civil, e Kony não estava mais

lá. A revolução proposta por Kony foi uma tentativa de revolução implementada por

uma organização, de uma forma comercial. O segundo fator é que os assuntos da

internet são pautados pelo que acontece no dia-a-dia das pessoas, e Kony não faz

parte do dia-a-dia das pessoas, não causa nenhum efeito prático. Por fim, o apoio

raso foi desmascarado quando as diversas acusações começaram a aparecer, e

assim as pessoas, quando confrontadas pelos argumentos, acabavam mostrando

seu apoio superficial e danificando sua persona. Kony mostra como o ativismo digital

sozinho não cria uma causa válida.

4.4. FORA DO EIXO

A princípio era chamado de Espaço Cubo, “a cultura que você não vê na TV”,

uma forma de organizar festivais independentes em Cuiabá (MT) e com uma moeda

social para aqueles que trabalhassem nos festivais. No fim de 2005, o idealizador do

Espaço Cubo, Pablo Capilé, se reuniu com outros produtores culturais de Rio

Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR) se juntaram para “estimular a

circulação de bandas, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de

produtos nesta rota desde então batizada de Circuito Fora do Eixo”96, um circuito

cultural que não se restringia ao eixo Rio de Janeiro/São Paulo. Assim surgiu o Fora

do Eixo, uma rede que une coletivos culturais de diversas áreas do país.

Inicialmente com um foco musical, o circuito se transformou em um disseminador de

culturas regionais de diversas formas, abrangendo diversas temáticas como

sustentabilidade, eventos, organização pública, mídia, entre outros.

96

Quem somos? http://foradoeixo.org.br/institucional Acesso em 05 /06/2013.

72

Figura 24 - Áreas de atuação do Fora do Eixo (fonte: foradoeixo.org.br)

O circuito baseia-se em diversas premissas da economia solidária e do

cooperativismo, como pode-se ver em sua Carta de Princípios, elaborada durante

um dos Congressos Fora do Eixo, que reúne diversos representantes do circuito em

todo país.

“O Circuito Fora do Eixo (CFE) é uma rede colaborativa e descentralizada

de trabalho constituída por coletivos de cultura espalhados pelo Brasil,

pautados nos princípios da economia solidária, do associativismo e do

cooperativismo, da divulgação, da formação e intercâmbio entre redes

sociais, do respeito à diversidade, à pluralidade e às identidades culturais,

do empoderamento dos sujeitos e alcance da autonomia quanto às formas

de gestão e participação em processos sócio-culturais, do estímulo à

autoralidade, à criatividade, à inovação e à renovação, da democratização

quanto ao desenvolvimento, uso e compartilhamento de tecnologias livres

aplicadas às expressões culturais e da sustentabilidade pautada no uso de

tecnologias sociais.” 97

97

Carta De Princípio Do Circuito Fora Do Eixo 2009 http://foradoeixo.org.br/institucional/carta-de-principio-do-circuito-fora-do-eixo-2009 Acesso em 05/06/2013.

73

Figura 25 - Modo de organização político do Fora do Eixo (fonte: foradoeixo.org.br)

Portanto, todos os participantes do circuito ajudam na organização, em uma

forma de cooperativismo. Cada um tem sua função e eles são não recebem salário

por isso, mas suas despesas pessoais são pagas pelos Fora do Eixo Cards, uma

espécie de moeda paralela criada pelo circuito com a qual aqueles relacionados ao

grupo poderão gastar em lojas e empresas parceiras.

Com a estruturação do circuito, ele foi ganhando força como uma indústria

fonográfica paralela, com capacidade para organizar mais de 40 festivais por ano e

de 50 eventos mensais98, distribuídos entre as 25 unidades federativas do país que

está presente. Essa força se representa com a parceria com consagradas casas de

shows como o Studio SP em São Paulo e pelo seu catálogo de artistas parceiros,

mais de 5 mil em 2010, que abrange grandes nomes da música independente

brasileira, como Emicida, Criolo, Gaby Amarantos, Macaco Bong e Vanguart.

Após essa disseminação por todo país, estão sendo criadas as Casas Fora

do Eixo, “um espaço para shows, estúdio, salas de reunião e a hospedagem de 18

membros “liberados” que trabalham 24 horas por dia para o coletivo”99. Essa casa

98

BANDEIRA, O; CASTRO, O. Fora de qual eixo? http://www.auditorioibirapuera.com.br/2011/09/19/fora-do-eixo-que-eixo/ Acesso em 05/06/2013. 99

A esquerda fora do eixo. http://passapalavra.info/2011/06/41221 Acesso em 05/06/2013.

74

também recebe afiliados do circuito e aos domingos é aberta ao público, onde são

organizadas festas e churrascos gratuitos. Ao todo são 5 casas no Brasil, além de

São Paulo, estão presentes em Fortaleza, Belo Horizonte, Belém e Porto Alegre. A

Casa de São Paulo é um projeto realizado com o apoio da Secretaria da Cultura a

cidade, o que exemplifica outro ponto de bastante atuação do CFE: a busca de

verbas públicas. No ano de 2010, se inscreveram em 125 editais, sendo aprovados

em mais de 30. Com isso, captaram mais de dois milhões de reais para projetos e

trezentos mil reais para uso institucional.

Outro exemplo de iniciativa bem sucedida criada pelo circuito é o Festival

Grito Rock, “um festival realizado em rede, executado concomitantemente em

diversas cidades do mundo durante o período de festas relacionadas ao Carnaval

brasileiro, e apresenta-se como uma opção complementar aos tradicionais festejos

carnavalescos”100. Portanto, durante o mês de fevereiro cerca de 9 mil pessoas

trabalham em diversas cidade do mundo organizando festivais simultâneos, cada

qual com suas condições e restrições. Uns restringem o festival a um gênero

musical, outros só a artistas regionais, e por aí vai. Em 2011 foram mais de 130

cidades-sede, com 2 mil atrações musicais e um público de cerca de 200 mil

espectadores. A expectativa para 2013 é tornar o festival mais global, alcançando o

número de 300 cidades em 30 países diferentes.

É difícil imaginar o funcionamento do circuito sem a internet. Eles possuem

uma rede social interna, onde trocam todo tipo de informação. Desde organização

de festivais até a crise na Turquia, tudo pode ser discutido lá. A comunicação entre

os diversos coletivos espalhados pelo país, a circulação de bandas pelos festivais e

as discussões sobre os rumos do CFE também são todas abordadas na rede social.

Além disso, a internet é essencial para a divulgação de seus projetos: só a página

do Fora do Eixo no Facebook possui mais de 30 mil fãs, A rede também é utilizada

para angariar fundos, através de sites de financiamento coletivo como o Catarse.

O Fora do Eixo exemplifica muito bem os anseios de uma nova geração,

como explica um de seus fundadores, Pablo Capilé:

100

Grito rock Mundo 2013. http://tnb.art.br/oportunidades/grito-rock-mundo-2013/ Acesso em 05/06/2013.

75

“A nossa geração não tinha uma bandeira muito clara como a dos anos 60,

que lutava contra alguma coisa. Nem a crise existencial da turma dos anos

80, que estava tentando se entender. Mas a gente decidiu lutar por alguma

coisa. E com a internet apareceu uma possibilidade real de se comunicar,

de inventar uma carreira sem precisar passar pelos caminhos corporativos”.

101

Portanto, esse caso é interessante ser analisado no contexto do ativismo pois

o circuito não defende exatamente uma causa. E essa característica é muito

presente da geração atual, que muitas vezes procura uma causa pela qual lutar e

acaba não encontrando. Eles não precisam lutar pelo fim da discriminação racial

pois, por mais que ainda exista, os direitos já foram assegurados. Eles não precisam

lutar pelo fim da guerra pois não há guerra. Portanto eles lutam para quebrar

paradigmas, pela descentralização da produção cultural, pela criação de uma moeda

social, pelo compartilhamento de conhecimento. O Fora do Eixo é, portanto, um

reflexo do presente, mas também do que pode ser o futuro da produção cultural e da

relação das pessoas com o trabalho, com o dinheiro e com outras pessoas.

101

NOGUEIRA, B. Ministério da cultura. http://revistatrip.uol.com.br/revista/199/reportagens/ministerio-da-cultura.html#0 Acesso em 05/06/2013.

76

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A internet surgiu com o propósito de controle e armazenamento de

informações e seu caráter colaborativo fez com que o meio fosse moldado de acordo

com as necessidades do público. Esse público cria novas funções a cada dia, do

compartilhamento de arquivos a decodificação de sequências genéticas. Dessa

forma, a rede acabou subvertendo de certa forma seu sentido original, onde o

controle de informações é cada vez mais difícil de realizar. Apesar disso, graças à

possibilidade de todos publicarem informações e opiniões na internet, ela se tornou

na maior fonte de informações que possamos ter, seja para um conhecimento

específico ou para saber algo de alguém.

Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. A internet colocou o

conteúdo nas mãos do usuário e, como o senso comum é de que o que está na

internet é público (vide casos de pessoas que se arrependem de postagens em

redes sociais), este tem de pensar bem em como utilizá-lo e no que compartilhar.

Aqui entra a questão do empoderamento do indivíduo, termo criado pelo educador

brasileiro Paulo Freire que subverte o sentido da palavra inglesa emporwerment, que

significa autorização, dar pode a.

“Assim, observa-se que "o termo inglês trai o sentido original da expressão:

Empoderamento implica em conquista, avanço e superação por parte

daquele que se empondera (sujeito ativo do processo), e não uma simples

doação ou transferência por benevolência, como denota o termo inglês

empowerment, que transforma o sujeito em objeto passivo". Pode-se dizer

então que Paulo Freire criou um significado especial para a palavra

Empoderamento no contexto da filosofia e da educação, não sendo um

movimento que ocorre de fora para dentro, como o Empowerement, mas

sim internamente, pela conquista.” 102

102

VALOURA, L. Paulo Freire, o educador brasileiro autor do termo Empoderamento, em seu sentido transformador. http://tupi.fisica.ufmg.br/~michel/docs/Artigos_e_textos/Comportamento_organizacional/empowerment_por_paulo_freire.pdf Acesso em 05/06/2013.

77

A informação é hoje nossa principal moeda, seja para usuários fazerem

revoluções, para empresas venderem coisas cada vez mais relacionadas a você, ou

para que governos saibam de todos seus passos e pensamentos.

Esse cenário deve ser ainda mais cauteloso com os caminhos que estamos

tomando, onde a internet se desvincula de determinados hardwares e estará

presente em tudo, da sua roupa a calçada que você anda. Se hoje já é equivocado

separarmos a vida em real/virtual - afinal a vida que vivemos não é separada dessa

maneira e assim como aspectos virtuais interferem em ações reais, o inverso é

verdadeiro – futuramente, com a Internet das Coisas, isso será impossível de ser

feito. Se até nosso corpo reconhecer interações virtuais com os mesmos hormônios

e efeitos que interações físicas , não faz sentido continuarmos falando em vida real e

vida virtual.

A diferença entre quem você realmente é - seus gostos, hábitos, círculos de

amizade – e quem você parece ser sempre existiu. As pessoas sempre foram

influenciadas pelas outras e se adaptaram para se encaixar em diversos grupos,

porém com a massificação das redes sociais essa influência cresceu

exponencialmente. Se agora com um smartphone eu já dou check in para mostrar

onde estou e posto fotos no Instagram para mostrar o que estou comendo, no futuro

isso será cada vez mais corriqueiro, com diversas opções. Diferenciar quem você é

de quem você parece ser será cada vez mais complicado, afinal a quantidade de

informações sobre você estará cada vez mais disponível, e você, cada vez mais

exposto.

A principio culpamos as redes de muitas coisas. As redes sociais facilitam o

bullying, as redes sociais te deixam mais solitários, as redes sociais fazem você ser

quem não é. As redes sociais, assim como a internet como um todo, são

ferramentas. E como qualquer ferramenta, ela pode ser usada para o bem e para o

mal. Nada é tão maquiavélico assim, da mesma forma que o Facebook “acaba” com

relacionamentos, ele constrói diversos outros. Através da rede de Zuckeberg, você

pode ficar mais próximo de amigos antigos ou mais longe de amigos próximos

durante o encontro no bar. Ao passo que as redes sociais possam facilitar o bullying,

78

por facilitar a união de pessoas e disseminar padrões, as pessoas com diferenças se

unem e dão suporte umas as outras através das mesmas redes. A internet não te

deixa mais solitário ou sociável. Quem faz isso é o usuário.

As pessoas são seres sociáveis, portanto não tem como a internet não ser. E

isso vai independer da ferramenta, seja ela o Facebook, MySpace ou Orkut. O

usuário sempre terá necessidades de socializar com outras pessoas, e ao passo que

uma ferramenta não mais o satisfaz ou oferece menos recursos que outra, ele

continuará a socializar em outra. O problema é que a internet torna a vida mais

sociável a todo momento, e o segredo é entender que isso não quer dizer que a sua

vida deve ser socializada a todo momento.

Reflexo disso é o processo de conhecimento de novas pessoas. Como dizer

hoje quando conheço realmente uma pessoa. Posso saber seu nome completo, de

onde vem, quando nasceu, onde estuda e muito mais, mas posso nem te conhecer.

Temos vários reflexos disso no relacionamento interpessoal, desde a falta de

comprometimento (confirmar no facebook a ida a um encontro significa que irá?), ao

aumento do pré-julgamento e stalking (não falarei com ela, pois já vi que seus

gostos não batem com o meu), o que causa as câmeras de eco, onde as pessoas só

relacionam com pessoas de mesmo gosto e ecoam as mesmas opiniões.

Isso vale também para o aprendizado. Nosso cérebro nunca esteve exposto a

tanta informação. E com isso nós aprendemos e lembramos cada vez menos.

Podemos ter contato a milhares de informações, porém um espaço deve sobrar para

que possamos fazer as conexões entre essas informações. De nada vale termos a

informação se não as transformarmos em conhecimento.

Por outro lado, vivemos em uma era onde posso ter um conhecimento à lá

carte: precisei, procurei, usei. Não precisamos mais passar por milhares de etapas

ou dispender de tempo e dinheiro para aprender alguma coisa, ou até resolver um

problema. E quando eu faço isso, aquilo causa um efeito prático em mim. E,

segundo o pragmatismo de Pierce, assim eu guardo isso na memória, eu aprendo.

79

Não é a toa que vemos uma geração muito prática, que com pouco tempo

praticando e lendo tutoriais aprendem e desenvolvem habilidades.

A informação está na internet e a internet está (e estará cada vez mais) em

todo lugar. Portanto vivemos em uma era da convergência, onde o que importa

realmente é o conteúdo. Cada meio tem o seu papel em disseminar o conteúdo,

expandindo as possibilidades de absorção. Porém, o que fazemos é tentar consumir

conteúdos simultaneamente. Assistimos televisão enquanto navegamos nas redes

sociais, vemos um jogo enquanto lemos os comentários de um especialista no

Twitter. A princípio pode parecer bom, o aproveitamento máximo dessa moeda

valiosa que é o tempo. Porém não somos multitarefas, temos atenção parcial

contínua. Isso significa que dificilmente iremos absorver informações de ambos,

como bem sabe o estudante que tenta ler um livro enquanto ouve música.

Desconectar certamente é tão importante quanto estar conectado.

Por fim, o ativismo tem muito a evoluir nesse novo mundo. A figura do ativista

se desmembrou em vários: o ativista da rua, o ativista financiador, o ativista de sofá,

e por aí vai. Casos como o Avaaz e a Primavera Árabe mostram que existe espaço

para todos, e cada um tem sua importância. Por outro lado, vemos que as pessoas

ainda têm muito a amadurecer no apoio a causas sociais. Kony é uma prova de que

a imagem de ativista, no sentido de pessoa que se importa com uma causa, ainda é

maior que o fato de se importar e agir por uma causa. E dificilmente isso irá mudar,

principalmente os ativistas mais tradicionais não entenderem isso e saberem como

usar isso ao favor da causa. Mostrar o ativismo como uma experiência única, uma

história a ser contada, pode ser um caminho interessante. Prova disso é a ONG Um

Teto Para Meu País, que através de um modelo de comunicação bem estruturado e

voltado aos jovens conseguiu mobilizar mais de 400 mil voluntários em 19 países.

É interessante também desassociarmos ativismo de causas humanitárias. O

ativismo existe para qualquer causa, qualquer mudança. E essa talvez tenha sido o

maior benefício que a internet nos oferece, a oportunidade de darmos amplitude a

nossa voz, de com poucos recursos agirmos e mudarmos algo.

80

A revolução não será online. Nem offline. A revolução é questão de atitude, e

atitude irá existir independente da maneira ou da plataforma. Atitude só depende das

pessoas, e as pessoas usarão as ferramentas que tiverem, sejam elas online ou

não.

81

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad.: Danilo

Marcondes de Souza filho. Porto Alegre: Artes Médicas,1990.

CASTELLS, Manuel. A Galáxia Internet: reflexões sobre a Internet, negócios e a

sociedade. Jorge Zahar Editor Ltda., 2003.

CHATFIELD, Tom. Como viver na era digital. Editora Objetiva, 2012.

DUARTE, F.; QUANDT, C.; SOUZA, Q. (Org.). O Tempo das Redes. Editora

Perspectiva, 2008

EPIPHEO - What the Internet is Doing to Our Brains

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=cKaWJ72x1rI#! Acesso em

12/05/2013.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Aleph, 2008.

LÉVY, Pierre. Inteligência Coletiva (A). Edições Loyola, 1998.

MARQUES, Franscisco Paula Jamil de Almeida. “Cidadania Digital: A Internet como

ferramenta social”. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares

da Comunicação – XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação –

Salvador/BA – Set/2002

PALFREY, JOHN; URS, GASSER. Born Digital: Understanding the First Generation

of Digital Natives. Read How You Want, 2011

ROMANINI, Vinicius. Tudo azul no universo das redes. Revista USP, n. 92, 2011-

2012.

82

SHIRKY, Clay. Lá vem todo mundo: O poder de organizar sem organizações. Zahar,

2008.

VALOURA, L. Paulo Freire, o educador brasileiro autor do termo Empoderamento,

em seu sentido transformador.

http://tupi.fisica.ufmg.br/~michel/docs/Artigos_e_textos/Comportamento_organizacional/empower

ment_por_paulo_freire.pdf Acesso em 05/06/2013.

WHEEN, Francis. Como a picaretagem conquistou o mundo. Editora Record, 2007.