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Contribuições da filosofia moral kantiana na bioética Kantian moral philosophy contributions in bioethics Alison Camargo Pacheco 1 Resumo: Este texto tem como proposta o estudo e a investigação da filosofia moral kantiana como um dos fundamentos teóricos na bioética, uma vez que alguns autores descrevem o pensamento moral de Kant como sendo de grande importância para o pensamento moderno. A primeira parte deste texto fala sobre a filosofia moral de Kant, enquanto a segunda fala dos aspectos da bioética, tentando demonstrar como a filosofia moral de Immanuel Kant pode colaborar com a bioética na elaboração de políticas públicas que visem o direito à vida com dignidade. Palavras-chave: Immanuel Kant. Bioética. Imperativo Categórico. Imperativo Hipotético. Moral. Ética. Abstract: This text has the purpose the study and research of the Kantian moral philosophy as one of the theoretical foundations in bioethics, since some authors describe the moral thinking of Kant as being of great importance to modern thought. The first part of this text talks about the moral philosophy of Kant, while the second speaks of the aspects of bioethics, trying to demonstrate how moral philosophy of Immanuel Kant, can collaborate with bioethics in the development of policies to the right to life with dignity. Keywords: Immanuel Kant, Bioethics, categorical imperative, hypothetical imperative, moral, ethical. * * * 1. Introdução Durante o Iluminismo houve avanços nas pesquisas e nos estudos científicos que proporcionaram autonomia intelectual ao pensamento europeu. Com isso, houve uma transição do pensamento religioso para o pensamento científico, de forma a valorizar mais as ciências do que a religião. Embora a intenção não fosse acabar com as religiões, houve um enfraquecimento da valia do pensamento religioso em relação às explicações científicas. Com esperanças cada vez maiores na razão, o pensamento religioso acabou sendo deixado para um segundo plano, respondendo apenas às questões metafísicas e da fé. 1 Graduando em Filosofia pela Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP. Orientador: Nelson Vicente Junior. E-mail: [email protected]; [email protected]

Contribuições da filosofia moral Kantiana na bioética

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Contribuições da filosofia moral kantiana na bioética

Kantian moral philosophy contributions in bioethics

Alison Camargo Pacheco1

Resumo: Este texto tem como proposta o estudo e a investigação da filosofia moral kantiana

como um dos fundamentos teóricos na bioética, uma vez que alguns autores descrevem o

pensamento moral de Kant como sendo de grande importância para o pensamento moderno. A

primeira parte deste texto fala sobre a filosofia moral de Kant, enquanto a segunda fala dos

aspectos da bioética, tentando demonstrar como a filosofia moral de Immanuel Kant pode

colaborar com a bioética na elaboração de políticas públicas que visem o direito à vida com

dignidade.

Palavras-chave: Immanuel Kant. Bioética. Imperativo Categórico. Imperativo Hipotético.

Moral. Ética.

Abstract: This text has the purpose the study and research of the Kantian moral philosophy as

one of the theoretical foundations in bioethics, since some authors describe the moral thinking

of Kant as being of great importance to modern thought. The first part of this text talks about the

moral philosophy of Kant, while the second speaks of the aspects of bioethics, trying to

demonstrate how moral philosophy of Immanuel Kant, can collaborate with bioethics in the

development of policies to the right to life with dignity.

Keywords: Immanuel Kant, Bioethics, categorical imperative, hypothetical imperative, moral,

ethical.

* * *

1. Introdução

Durante o Iluminismo houve avanços nas pesquisas e nos estudos científicos que

proporcionaram autonomia intelectual ao pensamento europeu. Com isso, houve uma

transição do pensamento religioso para o pensamento científico, de forma a valorizar

mais as ciências do que a religião. Embora a intenção não fosse acabar com as religiões,

houve um enfraquecimento da valia do pensamento religioso em relação às explicações

científicas. Com esperanças cada vez maiores na razão, o pensamento religioso acabou

sendo deixado para um segundo plano, respondendo apenas às questões metafísicas e da

fé.

1 Graduando em Filosofia pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Orientador: Nelson

Vicente Junior. E-mail: [email protected]; [email protected]

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Immanuel Kant (1724-1804) foi um destes filósofos iluministas do século XVIII.

Ajudou a proporcionar tanto avanços científicos com seus pensamentos quanto

mudanças nas atitudes morais das sociedades, uma vez que o filósofo infere a

importância de pensar racionalmente e entende que a moral deve vir deste pensamento

racional. Desta forma, para muitos autores Kant representa uma mudança decisiva no

pensamento ocidental, que possibilitou expandir e dimensionar o conhecimento, além

de contribuir para a elaboração de uma moral baseada e fundamentada na razão.

Segundo Marcondes (1997, p. 207): “A obra de Immanuel Kant [...] pode ser

vista como um marco na filosofia moderna”, pois, para o autor, Kant investiga com sua

lógica as determinações das fontes do saber; do tamanho e quais as utilidades desse

saber; e dos limites da razão humana. Do mesmo modo, para Leclergc (1967, p. 127):

“A Filosofia de Kant exerceu determinante influência no pensamento moderno, sob

diversos pontos de vista. Deu origem ao idealismo no século XIX que se inspira na

Crítica da Razão Pura. Influenciou também o pensamento moral de maneira notável”.

Ainda na mesma linha de pensamento, Pegoraro (2006, p. 102) diz:

O objetivo central da ética kantiana é mostrar que existe uma razão

pura prática capaz, por si só, de determinar a vontade sem recorrer à

sensibilidade e à experiência; operando por si só é, por isso, a priori,

isto é, anterior à experiência. Portanto, Kant distancia-se

definitivamente da razão empiricamente condicionada pela

experiência, como pensavam os filósofos gregos e medievais.

Podemos ainda, inferir a relevância do pensamento filosófico kantiano com as

palavras de Oliver: (1998, p. 88): “Kant é sem dúvida um dos filósofos europeus mais

importantes. Ele questionou grande parte da obra de seus antecessores iluministas e

estabeleceu as bases para a geração seguinte de pensadores europeus”. Na perspectiva

do autor, Kant foi responsável por apresentar uma filosofia de caráter autônomo, sem a

necessidade de estar vinculada ao pensamento religioso, principalmente no que diz

respeito às questões da moral, tendo como um dos pontos fundamentais da filosofia

moral kantiana os imperativos, ou seja, as ações de ordem prática.

A proposta kantiana para a moral está diretamente ligada à razão. Desta forma,

Kant tenta desvincular a moral do pensamento religioso, possibilitando, com isso, novos

caminhos a serem seguidos pelo pensamento das gerações posteriores. O pensamento

racional é para Kant muito importante, uma vez que, para o filósofo, apenas ele pode

proporcionar a liberdade para o homem.

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Porém, sendo a bioética responsável por investigar, regular e acompanhar as

atitudes em relação à vida e a dignidade do ser humano, ela trabalha diretamente com

questões morais. A diversidade moral existente nas sociedades é uma questão de

relevância, pois possibilita a oportunidade do respeito pelos direitos e individualidade

de cada pessoa. Nesse sentido, a bioética necessita compreender as mais diversas morais

e manter um equilíbrio entre elas para que não haja abusos e, tampouco, sejam

negligenciados os direitos à vida com dignidade.

Desta maneira, o pensamento moral em Kant não se mostra importante apenas

para a bioética, mas sim para a vida como um todo, pois pode achar um equilíbrio entre

as diversas morais sociais sem desvalorizar e desrespeitar as mesmas.

2. A filosofia kantiana

Os estudos e investigações de Immanuel Kant marcaram o pensamento

filosófico ocidental, pois o colocou em uma posição na qual ele pode dialogar com

todos os conhecimentos da razão humana. Sua estrutura moral é totalmente voltada para

a razão, distanciando-se, assim, da religião, que até então era detentora das diretrizes do

comportamento moral.

Cassirer (1997, p. XV) afirma: “tampouco há necessidade de, após a obra de

Kant e a ‘revolução do pensamento’ realizada pela Crítica da razão pura, revertermos

aos problemas e às conclusões da filosofia do Iluminismo”, pois para o autor, Kant foi

um filósofo decisivo. Ele explicou de maneira lógica as estruturas e os limites da razão e

do conhecimento humano, desenvolveu um pensamento moral baseado na razão, que

contribuiu para o avanço intelectual e científico, além de influenciar os pensadores das

gerações seguintes.

Na perspectiva de Marcondes (1997), as Críticas kantianas são importantes no

papel de explorar os limites da razão teórica e direcionar as maneiras de se atingir o

conhecimento legítimo. Já na filosofia transcendental de Kant, a análise feita pelo

filósofo pode determinar como se dá o conhecimento, esta teoria possibilita a

diferenciação do que é do âmbito da razão e o que é do âmbito cognitivo. Para

Marcondes (1997, p. 208), a obra de Kant Fundamentação da Metafísica dos Costumes

“consiste, por um lado, no exame da constituição interna da razão; por outro lado, no

exame de seu funcionamento”.

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Em seu texto Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant investiga a

necessidade de se criar uma filosofia moral livre de qualquer empirismo. Enfatizando

que a busca pelo conhecimento é de demasiada importância, enfatiza, que a moral deve

ser estabelecida pela razão estando livre de impulsos e costumes naturais, ou mesmo, de

qualquer relação empírica (MARCONDES, 1997). Nas palavras de Kant (1983, p. XV):

Esta somente seria estabelecida pela razão, o que leva a conceber a

liberdade como postulado necessário da vida moral. A vida moral

somente é possível, para Kant, na medida em que a razão estabeleça,

por si só, aquilo que se deva obedecer no terreno da conduta.

Na obra A Crítica da Razão Pura, Marcondes (1997) entende que Kant propõe

investigar a relação do sujeito e o objeto na construção do conhecimento, e como essa

relação pode ser considerada legitima ou não. Marcondes diz ainda que esta relação

entre o sujeito e o objeto, segundo Kant, não podem ser vistas como uma relação

autônoma, mas apenas uma relação que visa conhecimento. Nas palavras de Marcondes

(1997, p. 209): “não é o sujeito que se orienta pelo objeto (o real), como quis a tradição,

mas o objeto que é determinado pelo sujeito [...] Só há objeto para o sujeito, só há

sujeito se esse se dirige para o objeto, visa apreendê-lo”.

Em Crítica da Razão Prática, Kant estabelece a vida moral como sendo

responsável por permitir que o homem conheça a liberdade. Ele (1983, p. XV) investiga

a liberdade “como a razão de ser da vida moral”. O filósofo infere que com a razão

prática pode-se alcançar a verdadeira liberdade, pois a prática da moral é em si mesma a

liberdade. Diferencia ainda as máximas morais das leis morais, uma vez que, segundo

ele, as máximas advêm do sujeito, que as seguiam levando em consideração suas

vontades; já as leis morais são objetivas, sendo válidas para todos os seres capazes de

utilizar da razão.

Segundo Leclergc, a moral kantiana está profundamente ligada ao espírito que

seria o ponto de origem dessa moral, pois Kant busca mostrar sua moral na categoria a

priori. Kant entende que o princípio moral já deve estar dentro do indivíduo, em sua

consciência, de forma a existir antes das experiências. Para fundar esta moral ele recorre

à razão, diferentemente dos demais estudiosos da moral, que até então buscavam na

metafísica ou na ideia de felicidade. O autor fala ainda que a moral kantiana se funda

em dois caminhos, que Kant chama de imperativo categórico e imperativo hipotético. O

imperativo categórico seria como quando uma pessoa sabe que realmente deve fazer

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determinado ato; ela poderia se recusar a fazer, mas sabe que é o que deveria ser feito: a

própria racionalidade diz que deve ser feito. Já o imperativo hipotético está voltado para

o desejo de uma pessoa, que não precisa realizar determinada ação e, no entanto,

gostaria de fazê-lo, pois isso a deixaria mais feliz. Desta forma o ato moral está

diretamente ligado com a questão do dever e é o imperativo categórico que diz o que é

do âmbito moral. Tais imperativos devem ser vistos como leis universais (LECLERCG,

1967). Nas palavras de Kant (1974, p. 218-219):

Todos os imperativos ordenam ou hipotéticos ou categoricamente. Os

hipotéticos representam a necessidade prática de uma ação possível

como meio de alcançar qualquer outra coisa que se quer (ou que é

possível que se queira). O imperativo categórico seria aquele que nos

representasse uma ação como objetivamente necessária por si mesma,

sem relação com qualquer outra finalidade.

Levando em consideração de que os Imperativos devem ser vistos como leis,

Pegoraro (2006, p. 104) demonstra como se faz a passagem para o Imperativo

categórico:

A razão, a vontade e a liberdade formam o campo onde se processa,

cresce e amadurece a ética. A moral kantiana está na passagem do ser

humano biológico e sensível para o ser humano racional, onde vigora

o primado da razão prática. Numa terminologia pouco mais kantiana,

a ética se situa na passagem da realidade fenomenal à noumenal ou na

passagem do homem sensível, biológico e limitado às máximas morais

subjetivas e particulares, ao homem inteligível que cumpre a lei moral

e universal. É neste pano de fundo que se desenvolve a ética do

imperativo categórico.

Na visão do autor, as leis morais kantianas devem estar acima de qualquer

estímulo mercadológico ou interesses de exclusividades egoístas. É imperativo fazer o

que é certo, porque aquilo é o certo a se fazer. Isto é o que diferencia o homem racional

do animal irracional: a capacidade de diferenciar pela razão o que deve ser feito do que

se quer fazer. A transposição das necessidades biológicas para os princípios universais

racionais mostram a capacidade humana para a liberdade. Pegoraro (2006, p. 113)

ressalta: “Mas a liberdade não é ilimitada nos indivíduos”. A liberdade neste sentido é a

capacidade de escolha. Ser livre é escolher seguir uma lei, de seguir aquilo que é certo.

Tal liberdade não é a capacidade de ações que sejam subjetivas, mas sim de agir

segundo um a priori que seja universal. Isso faz com que o homem não seja apenas

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responsável por sua individualidade e subjetividade, mas também o coloca como

responsável por toda coletividade social.

Segundo Marcondes (1997, p. 213), a pretensão de Kant é colocar “o homem

não como sujeito do conhecimento, mas como agente livre e racional”. Para Kant, é na

razão prática que agimos livremente, colocando questões de liberdade e moralidade, e

na razão teórica, o conhecimento nos é limitado, pois nossa estrutura cognitiva nos

limita. Diz Marcondes (1997, p. 213):

A moralidade trata assim do uso prático e livre da razão. Os princípios

da razão prática são leis universais que definem nossos deveres.

Portanto, os princípios morais derivam da razão prática e se aplicam a

todos os indivíduos em qualquer circunstância. Pode-se considerar

assim a ética kantiana como uma ética do dever, ou seja, uma ética

prescritiva.

A moral investigada por Kant passa pelo linear da razão, ocasionando assim que

todos os seres que tenham a capacidade de raciocinar busquem uma ação que possa ser

considerada uma lei, ou seja, que possam aplicar em todas e quaisquer situações, de

forma que essas situações não possam ser seletivas. As virtudes, para Kant, não

necessariamente demonstram a moral proposta por ele, pois apenas uma ação passada

pela racionalidade pode ser considerada moral. Nas palavras de Oliver (1998, p. 89):

Para Kant um ato virtuoso não é sinal de que uma pessoa assim seja,

pois podemos dizer que os animais também são capazes de agir

virtuosamente. É verdade que a virtude deve basear-se na ideia da lei,

pois estas transcendem os atos particulares. A lei, por sua vez, deve

ser baseada na racionalidade autônoma dos seres humanos, que são

considerados fins em si mesmos, e não seres prejulgados por uma

ordem moral específica. Portanto, a justiça existe na honestidade dos

procedimentos enquanto opostos às forças externas à racionalidade

humana.

Desta forma, Kant coloca o homem em uma posição de prestígio, pois ele o

diferencia do animal por sua racionalidade, sendo ele capaz de formar suas próprias

normas. Segundo Zimmermann (2006, p. 65-66): “Posso dizer com isso que o homem,

para Kant, assume figura central, pois sendo ele sujeito cognoscente (consciência moral)

dá a si mesmo a sua própria lei. Ele é criador e está no centro tanto do conhecimento

quanto da moral”. Kant apresenta o ser humano como sendo capaz de criar as próprias

leis, diferenciando-se assim dos animais. Com o uso da racionalidade, o homem se torna

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capaz de criar, lembrar e questionar o certo e o errado. Para Marcondes (1997, p. 213):

“O objetivo fundamental de Kant é, portanto, estabelecer os princípios a priori, ou seja,

universais e imutáveis, da moral. [...] O dever consiste na obediência a uma lei que se

impõe universalmente a todos os seres racionais”.

O conjunto de obras filosóficas de Kant investiga os limites da razão humana e

as fontes desta razão. Investiga ainda, a moral e o comportamento humano, tentando

encontrar imperativos que possibilitem na criação de uma moral universal que abranja a

todos, passando também pelas questões da estética. Suas obras influenciaram assim,

grande parte dos pensadores ocidentais póstumos a ele. Influenciou escritores,

investigações metafísicas, investigações morais e dos direitos referentes à autonomia

humana.

3. A bioética

A bioética é um campo da ética que trabalha diretamente com as questões da

vida. Em outros tempos, as discussões morais e éticas estavam voltadas, quase de forma

exclusiva para a condição humana, porém, é necessário problematizações e

regulamentações normativas para a sustentabilidade da vida, em todo ecossistema, pois

“a bioética é a parte da ética prática que estuda os problemas morais relacionados com o

início, o meio e o fim da vida” (DALL'AGNOL, 2004, p. 15), por isso ela é de grande

importância para as sociedades e para o homem quanto indivíduo. A bioética nasce para

tentar juntar estas duas questões: a do valor e dos fatores, a do ser e do dever-ser. Segue

Dall'Agnol (2004, p 19):

Assim, a questão de saber se é possível inferir um dever-ser do modo

como as coisas são é central para a bioética, principalmente hoje

quando muitos bioeticistas procuram as bases de suas reflexões éticas

na biologia e, mais especificamente, na genética.

A Bioética se preocupa com as ações humanas e suas consequências. Pode-se

discutir na bioética, desde assuntos relacionados ao suicídio, aborto, sustentabilidade

ambiental, pesquisas genéticas, transgênicos, células tronco, entre muitos outros. “Os

problemas da ética prática servem de possíveis testes para as teorias normativas

revelando a sua possibilidade e razoabilidade na orientação para atingirmos uma boa

vida” (DALL'AGNOL, 2004, p. 22).

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Entretanto, para Pegoraro, a bioética implica em uma ligação entre a ética

historicamente tradicional com os problemas levantados com as novas tecnologias.

Segundo o autor (2006, p. 160), o termo bioética é: “uma definição que parte da palavra:

bios - ethos ou ética da vida. Então a bioética, em primeiro lugar, cuida da vida,

especialmente da vida fragilizada”. O autor diz ainda que, nos séculos anteriores, a ética

estava diretamente ligada à religião e não dialogava com as ciências. Foi com filósofo

Immanuel Kant que houve um rompimento da predominância da Igreja em relação à

ética, pois ele propôs uma ética totalmente racional e livre dos dogmas religiosos, o que

possibilitou a interação da ética com o pensamento científico. Conforme Pegoraro

(2006, p. 161):

O século XX foi um período de grande virada no mundo e, por isso,

também nas concepções éticas, agora desafiadas a criar paradigmas de

interpretação moral dos novos costumes e avanços científicos.

Sobretudo, a partir dos anos cinquenta, a ciência, a biologia e a

biotecnologia debruçaram-se sobre o meio ambiente. Este avanço nos

levam até o mapeamento do genoma humano, a clonagem e o uso das

células-tronco, fenômenos que não têm precedente históricos.

Ocorrendo no século XX um avanço tecnológico muito rápido e diferentemente

dos séculos anteriores, surgiu a necessidade de um pensamento ético que acompanhasse

essas mudanças. As pesquisas genéticas, as clonagens, as células tronco, entre outras,

são novas fronteiras dos avanços que, segundo a tradição moral histórica, desafiam os

limites humanos. Justamente por isso, faz-se necessário estabelecer uma ética que possa

atender a esta nova visão de mundo, este novo entendimento de o que é o homem.

Segundo Pegoraro (2006, p. 164):

Cabe a ética discutir o uso ou não do resultado da pesquisa científica,

não se trata de provar ou não a pesquisa ou seu resultado; estes

pertencem só ao cientista. Cabe à ética decidir só sobre seu uso. Por

exemplo, a ciência já encontrou o caminho da clonagem humana.

Cabe à decisão humana usar ou não estes resultados.

As pesquisas científicas realizadas ajudam a desenvolver melhorias e avanços,

tanto tecnológicos, quanto nas áreas da saúde. Porém, algumas pesquisas beiram a

inumanidade, como as ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial, no holocausto,

sendo realizadas em prisioneiros sem o consentimento dos mesmos. A bioética tem o

papel de regular e resguardar os direitos à vida de modo geral. A decisão de se usar os

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resultados obtidos em pesquisas cabe ao conselho de ética. A clonagem, o uso das

células tronco, o aborto, entre outras, são algumas questões que a ética deve discutir e

decidir se devem, ou não, serem implementadas nas sociedades.

O problema referente às questões morais na bioética, diz Engelhardt (2004), é

que dificilmente se tem acesso a teorias hipotéticas, o que dificulta a apreensão de uma

moral canônica. Desta forma, as políticas de assistência ficam defasadas, gerando

grandes dificuldades no atendimento social às pessoas e, na fiscalização de pesquisas

realizadas. Para Engelhardt (2004, p. 78):

Só é possível tirar da teoria de escolha hipotética aquelas escolhas que

foram ordenadas antecipadamente ou predestinadas por uma escolha

antecedente de uma teoria particular do bem, do sentido moral, do

conjunto de intuições morais, ou da noção de racionalidade moral.

Em muitas ocasiões, diz Engelhardt (2004), as pessoas tentam justificar algumas

atitudes como sendo atos morais. O problema é que muitas vezes estes atos morais, são

de uma visão moral particular e não de uma moral essencial, que se aproxime da

universalidade. Embora haja muitas controvérsias mesmo nas morais essenciais, tentar

achar uma solução para elas com visões particulares, seria o mesmo que decretar uma

decadência moral, pois isso levaria a uma subjugação social. Fundamentar uma ética é

demasiado importante, porém, segundo o autor (2004, p. 55): “Parece não haver maior

uniformidade entre os filósofos ou as teorias da moralidade e de justiça que entre os

líderes religiosos e as diversas religiões”; dificultando assim, que se encontre uma

direção a seguir, pois, “para decidir qual das escolhas é melhor, tem-se de decidir

melhor pra quem, e por qual critério” (ENGELHARDT, 2004, p. 56)

De acordo com Oliver (1998), o Iluminismo foi parte decisiva para a separação

da razão do pensamento religioso, onde a filosofia possibilitou que o homem seguisse

caminho livre dos dogmas religiosos, que até então, predominava na forma de pensar

europeia. Com os avanços da razão e das ciências, conseguiu-se assim fazer uma

separação entre o pensamento científico e o pensamento religioso sem com isso

diminuir a importância da religião no mesmo período. Embora, a maioria dos filósofos

da época serem cristãos, eles queriam apenas encontrar um lugar onde a religião e a

ciência pudessem coexistir, sem haver a necessidade de uma sobressair-se à outra.

Segundo Pegoraro (2006, p. 102): “Kant [...] erige a autonomia da vontade livre

com base inabalável da moralidade. Pela razão prática, a vontade livre é auto-

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legislativa, confere a si mesma a norma do agir moral”. Na perspectiva do autor, Kant

torna-se referência para o pensamento moral, uma vez que ele é um dos filósofos que

estabelece uma filosofia racional, livre dos dogmas religiosos. Da mesma forma,

Dall'Agnol (2004) refere-se à Kant como um dos filósofos que tentam estabelecer um

único princípio para julgar os valores de certo e de errado das atitudes dos seres

humanos, através de princípios a partir dos quais se pode distinguir o bem do mal. Com

isso, a filosofia moral de Kant pode ser usada como suporte teórico para as questões

enfrentadas pela bioética.

A bioética trabalha com duas linhas de teorias éticas: a Ética Teleológica e, a

Ética Deontológica. Conforme Dall'Agnol (2004, p. 20):

As teorias teleológicas sustentam que o bem é aquilo para qual todas

as nossas ações, escolha etc. tendem [...] uma teoria teleológica

postula um fim e as ações são ditas boas ou más na medida em que se

promovem ou não essa finalidade.

Já na teoria deontológica, parte-se do pressuposto, que fazer o correto, fazer o

obrigatório, é o mais importante dentro da ética. Para o autor, Kant enfatiza a

importância de um Imperativo Categórico, de algo fundamental, que prediga as regras a

se seguir e, devendo estas serem regras universais, onde abrangessem a todos. Em suas

palavras: “Esse modelo de reflexão ética fornece uma forma peculiar de abordar os

problemas Bioéticos” (DALL'AGNOL, 2004, p. 21). Segue ainda o autor (2004, p. 89):

Uma teoria ética deontológica estabelece um critério (princípio ou um

procedimento de decisão etc.) para saber se uma regra expressa uma

obrigação genuinamente moral. A teoria ética deontológica mais

importante é a de Kant.

Kant se distingue do utilitarismo e do principialismo, porque diz existir um

princípio de validade absoluta. Por esse motivo, muitos bioeticistas buscam em Kant,

uma maneira de compreender as relações morais ligadas às questões bioéticas.

Dall'Agnol (2004, p, 90) afirma que: “O comportamento moral é, para Kant, um

comportamento regrado. Isto quer dizer que o agir moralmente consiste em seguir uma

lei moral”. Ainda diz (2004, p. 92-93):

A universalidade de uma máxima é o princípio supremo da ética de

Kant transformando-se, por conseguinte, no mais forte candidato para

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a subsunção de todos os princípios da bioética. A universalizabilidade

das regras morais seria o axioma fundamental da bioética.

Pode-se dizer que Immanuel Kant, com sua proposta de moral normativa,

introduz uma forma distinta de pensar a moral, pois antes dele, a moral era atribuída

através do metafísico, mas Kant utiliza de uma visão extremamente racional para

estabelecer a moral.

Ele [Kant] procura mostrar que agir moralmente é agir racionalmente,

no sentido de agir de maneira não contraditória. Desse modo, Kant

pode mostrar que não podemos falar consistentemente de auto-

respeito e de nós mesmos como dignos de elogio ou de culpa [...] sem

olhar para entidades semelhantes com respeito semelhante. Kant

elabora uma ética de respeito pelas pessoas. (ENGELHARDT, 2004,

p. 135).

Contudo, para o autor, a melhor maneira de se estabelecer uma consciência

moral comunitária é a de que quanto mais indivíduos participarem da mesma

comunidade moral, mais claras e concisas serão suas ideias, seus valores e seus deveres

morais, proporcionando uma maior concordância entre as normas vigentes nesta

sociedade. Entretanto, o princípio de consentimento assinala uma fronteira entre as

comunidades morais. Respeitar esta fronteira permite que o indivíduo faça parte de uma

comunidade moral, mesmo diferente a seus princípios, mas, desonrá-la, ou violar este

respeito, coloca o cidadão como contrário a toda a sociedade moral. Será ele assim,

considerado imoral por toda esta. Diz Engelhardt (2004, p. 155):

As comunidades divergentes, dentro da abrangência de associações,

sociedades e políticas de grande escala, fazem-nos lembrar dos limites

das autoridades moral secular de tais políticas. As democracias

limitadas são moralmente neutras por omissão. Elas não podem ter

autorização para estabelecer uma visão, religião ou ideologia moral

particular. Afinal de contas, considerando o fracasso da razão em

descobrir a visão moral, racional, canônica, essencial, o

estabelecimento de uma moralidade ou ideologia como moralidade ou

visão moral concreta do governo não tem mais autoridade ou

plausibilidade moral do que teria o estabelecimento de uma religião

particular.

A diversidade moral é importante, para não se cair no autoritarismo, já que o

moral, não quer dizer correto, mas sim o que é de costume, o que é usual. Engelhardt

(2004, p. 157) ressalta que: “nascem da noção de moralidade o respeito mútuo”, e isto é

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o que deve ficar em evidencia em meio as macro políticas e as diversas comunidades

morais, que é apenas com o respeito que se atingirá um bem social. Diz Engelhardt

(2004, p. 137):

Ao não dar um alto valor à própria liberdade, o indivíduo age dentro

da restrição de não usar da força contra o inocente sem o seu

consentimento. Em contraste, uma bioética baseada nas afirmações de

Kant levaria o indivíduo a não respeitar as escolhas dos pacientes, a

menos que afirmassem um princípio de autonomia essencial. Os

pacientes não seriam livres para escolher de um modo que não

afirmasse a liberdade como um valor.

Neste princípio, a bioética tem um importante papel, pois não deveria se limitar

a não respeitar as demais visões morais, já que a preocupação dela é justamente o bem-

estar da vida. Não cabe a ela fazer justiça, mas sim minimizar o impacto das políticas da

modernidade nas relações humanas e sociais. Nesse sentido, Pegoraro (2006, p. 171)

divide a bioética nas seguintes formas: “A bioética secular afirmou-se no valor moral da

pessoa; a bioética confessional, no valor metafísico e teológico; a bioética principialista,

na autonomia; a definição política, na liberdade; e a bioética existencial, na

autoconstrução progressiva da personalidade”. Não há apenas uma linha moral que

compõem a bioética, pois, com a grande diversidade moral e cultural existente nas

sociedades, a bioética seria autoritária limitando-se a apenas uma visão moral. É

necessário que os diversos princípios morais dos fundamentos bioéticos dialoguem

entre si, para estabelecer uma linha de comunicação e de respeito à diversidade.

Entretanto, Dall'Agnol entende que a filosofia moral kantiana seja importante

para a bioética, pois com os seus princípios é possível estabelecer um padrão, uma

norma para averiguar os valores morais das ações, dos modos, das práticas do homem.

Segundo ele, para Kant, o significado de autonomia é o homem impor, a si mesmo, as

leis morais, enquanto para os principialistas, é a capacidade de escolha. Na perspectiva

de importância da moral kantiana para a bioética, o autor (2004, p. 97) diz que o que

importa “é compreender que a autonomia é um pressuposto fundamental da ética de

Kant e ver como ela pode ser aplicada para resolver problemas na bioética”. Segundo o

autor, os imperativos propostos por Kant, representam a autonomia máxima do homem,

pois cabe a ele seguir aquilo que a sua própria razão diz ser o correto. Na bioética, tal

princípio pode estabelecer as normas pelas quais, as ações em relação a vida, devam ser

pensadas e realizadas.

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De acordo com os autores Segre, Silva e Scheramm (1998), a autonomia

proposta por Kant é uma autonomia individual, enquanto a autonomia para o

utilitarismo é fazer escolhas que venham a atender objetivos que sejam maiores que a

vontade dos indivíduos. Sendo assim, na visão kantiana, não se deve violar a autonomia

de cada indivíduo, mas sim seguir os imperativos categóricos e as normas estabelecidas

pela razão. Já para o utilitarismo, pode-se violar a autonomia, desde que esta violação

traga benefícios para a pessoa violada. A visão utilitarista visa o bem comum como

princípio de autonomia.

Nas palavras de Zimmermann (2006), Kant enfatiza que é apenas por meio da

educação que se constrói seres humanos livres e criadores, ou seja, seres autônomos.

Levando ainda esta discussão para a bioética, o homem deve ser respeitado como ser

livre e autônomo, não pode ser manipulado ou fazer parte de experimentos de pesquisas,

sem prévio acordo. Mesmo as equipes de saúde devem respeitar os limites dos pacientes

ou os limites orientados pelos pesquisadores sobre o assunto. Por esse motivo, de

acordo com Zimmermann (2006, p. 69):

O ensino da Bioética vem contribuir com essa perspectiva quando

visualiza a necessidade de educar para que o homem tenha condições

de contribuir com a felicidade, numa universalização. Devido ao

poder que lhe é conferido, o homem tem a condição de, através de seu

agir moral, trazer a felicidade ou até mesmo a destruição para a

espécie humana.

Segue Zimmermann dizendo que na atualidade o ensino da bioética ganha

espaço e expressão, o que reforça ainda mais a questão que Kant coloca sobre a

educação. O ensino de tal área deve ser uma prática educacional voltada a benefícios de

um futuro melhor de longo e de curto prazo. “No ensino da Bioética é manifestada a

preocupação que se deve ter com toda a biosfera habitada pelo homem”

(ZIMMERMANN, 2006, p. 69). Tal educação deve deixar de ser mecânica e se

empenhar em princípios, segundo Kant, morais. “Esse critério vem ao encontro dos

conteúdos ministrados nas disciplinas de Bioética, uma vez que esta, como já visto, tem

como fundamento princípios tais como: autonomia, beneficência, não-maleficência,

justiça” (ZIMMERMANN, 2006, p. 70). A formação acadêmica deixa um pouco de

lado a preocupação com a formação ética-moral em seus mais diversos cursos: “Na

universidade, observa-se a preocupação dos docentes em formar pessoas habilitadas

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técnica e cientificamente para o mercado de trabalho em detrimento da formação

pessoal, pautada em valores éticos e morais” (ZIMMERMANN, 2006, p. 70).

4. Considerações finais

Não há como negar que a filosofia de Kant teve muita importância para a

história do pensamento ocidental, uma vez que a mesma foi propulsora de novas

possibilidades, tanto no campo de pesquisas filosóficas, quanto no pensamento jurídico,

nas teorias morais e em uma elaboração de um pensamento cada vez mais crítico e

racional. Marcou assim a época do Iluminismo, propondo um rompimento com o

pensamento moral religioso, elevando assim o pensamento racional.

Por Kant ter proposto uma filosofia moral, almejando a universalidade deste

pensamento, ele torna-se um dos filósofos mais importantes no assunto, sendo

referência para os estudos morais e éticos posteriormente a ele. Tentando demonstrar

que a atitude moral, existe a priori ao fato, Kant estabelece o Imperativo Categórico,

fundamentado na razão, que parte da premissa que a ação correta, já existe no ser e,

quando este age de acordo com este imperativo, possibilita-se vivenciar a liberdade.

A bioética, sendo responsável por estabelecer condições propícias para a

vivência humana, visa, através das morais existentes, propor relações de respeito e de

cuidados para com a vida de modo geral. A este campo da ética, cabe investigar,

observar e organizar como estão sendo propostas e estabelecidas as políticas de suportes

sociais, buscando assim, minimizar os abusos e os desrespeitos em relação à vida.

A proposta de Kant, como uma moral universal, é atrativa para a discussão dos

problemas enfrentados no século XXI, uma vez que partindo de um princípio racional,

não permite contradições entre as ações e estas são colocadas como acessíveis

universalmente, pois todos os seres humanos podem utilizar da razão. Embora a bioética

enfrente obstáculos, como a multiplicidade moral existente nas sociedades, por

exemplo, é possível, com o pensamento moral de Kant, tentar estabelecer políticas que

visem respeitar o princípio de autonomia e a liberdade das pessoas.

Segundo Kant, é através da ação moral, do imperativo categórico, que o homem

se faz livre. Embora pareça contraditório ter que seguir uma lei moral para que o

homem seja livre, é justamente nesta ação, do ato de escolher seguir esta lei, que o

homem se torna livre. O bem e o mal, o certo e o errado, são premissas a priori na

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consciência humana e, quando o homem consegue chegar a estas premissas, através do

uso da razão e agir segundo estes princípios, atinge ele a liberdade proposta por Kant.

Porém, este ponto do pensamento kantiano, traz à luz questões sérias a serem

discutidas e enfrentadas pelas políticas de assistências à vida, como o suicídio, por

exemplo. Tendo o entendimento de que o valor a vida deve estar acima de qualquer

coisa, o suicídio, na visão kantiana, jamais poderia acontecer, uma vez que tal

pressuposto de valor da vida estabelece que a vida deve ser salva e não destruída. O

homem não pode, assim, escolher tirar sua vida, pois tal ato estaria indo contra uma lei

moral.

Embora o pensamento moral kantiano possa auxiliar a bioética no

estabelecimento de bases teóricas das leis morais, há pontos enfrentados nas relações

morais que talvez a proposta de Kant não consiga abranger sem fundamentar uma moral

autoritária. Desta forma, embora a filosofia moral kantiana seja fundamentada na razão,

cabe ainda perceber os limites desta razão, principalmente em sociedades cada vez mais

diversificadas moralmente.

Estabelecer princípios à vida com dignidade é, acima de tudo, estabelecer o

respeito às singularidades e diversidades. Cabe a bioética, não submeter as pessoas à

uma única visão moral, mas sim tentar estabelecer um mecanismo no qual as diferentes

visões morais possam dialogar e minimizar os impactos danosos à vida de forma geral.

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