19
A Religião da Grande Deusa Palestra proferida por Claudio Crow Quintino Em 28 de julho de 2000 Nota: algumas ilustrações utilizadas nesta página são links para páginas que contêm as imagens e outras informações sobre o assunto. Antes de mais nada, boa noite a todos. É um enorme prazer para mim estar comparecendo aqui na Sociedade Teosófica; poder estar divulgando fruto de anos de pesquisa, de muita dedicação, de muita devoção mesmo. O Carlos já me apresentou, então não se faz necessário; mas só para lembrar, meu nome é Cláudio. Eu estou lançando um livro que é justamente a síntese destes anos de pesquisa; eu pretendo fazer uma síntese um pouquinho mais densa, mais complexa, agora, nesta palestra para vocês. O nome está aí - A Religião da Grande Deusa. A idéia básica e a seguinte: O que é a religião da grande deusa, afinal? De onde vem, por que tem este nome? O que é esta deusa, quem é esta deusa? Isto daria uma saga, uma série de palestras; mas, como falei, a minha intenção aqui é estar condensando o máximo possível. Como eu sou um cara meio metódico, meio maníaco e obsessivo com palavras ... Eu gosto de entender o sentido das palavras, acho interessante a gente buscar, em primeiro lugar, entender o sentido de cada uma destas palavras dentro do título. Religião; em primeiro lugar, entender o que é religião. Nós todos sabemos o que é religião; sabemos de um modo abstrato. Nós sentimos religião, cada um de nós tem uma crença, um conjunto de crenças. Mas é interessante a gente buscar o sentido semântico, o sentido etimológico da palavra. Se a gente for buscar nos dicionários, a religião vai estar definida como: "Culto rendido à divindade. Fé. Convicções religiosas. Crença. Tendência para crer num ente supremo." Isto foi tirado do Pequeno Dicionário Enciclopédico do [?] . Também peguei do nosso velho e bom Aurélio, a definição de religião como sendo: "Crença na existência de força ou forças sobrenaturais; manifestação de tal crença pela doutrina e ritual próprios. Devoção." A gente tem um leque muito amplo de definições para uma palavra só. Cabe a cada um de nós se adequar dentro destas definições. Eu acho que o sentido básico da religião, apesar de existir uma certa divergência de acordo com o dicionário, de acordo com o lingüista que analisa, o sentido da palavra religião, originalmente, vem do latim religare - religar, reconectar. Religar o quê a quê? Religar é unir dois pontos que eram unidos e não estão mais. Basicamente, religar o homem, nós seres humanos ao divino. Qualquer forma de religião é um canal de reunião, de religar o homem, o ser humano ao divino. A religião da deusa não vai ser exceção.

6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Bruxaria

Citation preview

Page 1: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

A Religião da Grande Deusa Palestra proferida por Claudio Crow Quintino Em 28 de julho de 2000

Nota: algumas ilustrações utilizadas nesta página são links para páginas que contêm as imagens e outras informações sobre o assunto.

Antes de mais nada, boa noite a todos.

É um enorme prazer para mim estar comparecendo aqui na Sociedade Teosófica; poder estar divulgando fruto de anos de pesquisa, de muita dedicação, de muita devoção mesmo.

O Carlos já me apresentou, então não se faz necessário; mas só para lembrar, meu nome é Cláudio. Eu estou lançando um livro que é justamente a síntese destes anos de pesquisa; eu pretendo fazer uma síntese um pouquinho mais densa, mais complexa, agora, nesta palestra para vocês. O nome está aí - A Religião da Grande Deusa.

A idéia básica e a seguinte: O que é a religião da grande deusa, afinal? De onde vem, por que tem este nome? O que é esta deusa, quem é esta deusa?

Isto daria uma saga, uma série de palestras; mas, como falei, a minha intenção aqui é estar condensando o máximo possível.

Como eu sou um cara meio metódico, meio maníaco e obsessivo com palavras ... Eu gosto de entender o sentido das palavras, acho interessante a gente buscar, em primeiro lugar, entender o sentido de cada uma destas palavras dentro do título.

Religião; em primeiro lugar, entender o que é religião. Nós todos sabemos o que é religião; sabemos de um modo abstrato. Nós sentimos religião, cada um de nós tem uma crença, um conjunto de crenças. Mas é interessante a gente buscar o sentido semântico, o sentido etimológico da palavra.

Se a gente for buscar nos dicionários, a religião vai estar definida como: "Culto rendido à divindade. Fé. Convicções religiosas. Crença. Tendência para crer num ente supremo." Isto foi tirado do Pequeno Dicionário Enciclopédico do [?] . Também peguei do nosso velho e bom Aurélio, a definição de religião como sendo: "Crença na existência de força ou forças sobrenaturais; manifestação de tal crença pela doutrina e ritual próprios. Devoção." A gente tem um leque muito amplo de definições para uma palavra só. Cabe a cada um de nós se adequar dentro destas definições.

Eu acho que o sentido básico da religião, apesar de existir uma certa divergência de acordo com o dicionário, de acordo com o lingüista que analisa, o sentido da palavra religião, originalmente, vem do latim religare - religar, reconectar. Religar o quê a quê?

Religar é unir dois pontos que eram unidos e não estão mais. Basicamente, religar o homem, nós seres humanos ao divino. Qualquer forma de religião é um canal de reunião, de religar o homem, o ser humano ao divino. A religião da deusa não vai ser exceção.

Page 2: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

É muito interessante a gente ver hoje (interessante, porém triste) o quanto o homem está afastado deste conceito de religar-se. O homem, nossa sociedade, idolatra apresentadoras de TV, jogadores de futebol, artistas, músicos, cantores, diversas coisas, porque nós não temos mais o contato, não fazemos mais a religação com o divino. Nós somos órfãos dos deuses, sejam eles quais forem.

Eu falo sempre que hoje, a humanidade caminha buscando este reencontro com a divindade e vai tateando meio que no escuro. Alguns nem tateiam mais, deixaram de lado, e vão idolatrar realmente jogadores de futebol, apresentadoras loiras de televisão, e por aí vai.

Eu acho que este é o grande obstáculo para qualquer filosofia que venha a surgir ou venha tentar se desenvolver - o quanto nós somos bombardeados para não desenvolvermos a religiosidade, esta evolução espiritual, esta busca por conhecimento, esta busca pelo divino.

Se a gente quiser analisar as outras palavras, a grande deusa ( já que analisamos religião) é uma expressão muito comum na psicologia, principalmente pós-junguiana. Existe um autor, grande psicólogo, discípulo de Jung - Erich Neumann, que tem um livro que chama justamente, A Grande Mãe. É um livro denso, de psicologia, (eu não sou psicólogo) é um livro chato à beça de ler para quem não é psicólogo; mas dá para a gente achar algumas informações interessantes:

A grande mãe é apresentada como, basicamente, a primeira manifestação religiosa do ser humano. Por que? Eu ainda estou na idade do por que; sempre fico querendo saber o por quê das coisas e fiquei me perguntando: Por que a religião da deusa ou a deusa é a primeira manifestação religiosa do ser humano?

Por um motivo muito simples - Se a gente voltar ao paleolítico, voltar às origens da humanidade, a gente vai ver que o homem observando a natureza, percebeu que as fêmeas geravam vida e os machos não. Se as fêmeas geram vida, a geradora de toda vida, e aquela que mantêm toda a vida, tem de ser uma fêmea. Esta fêmea é a própria Terra, tem de ser o próprio Planeta, que permite a vida à nós humanos, animais, plantas, amebas, etc. . Todas as formas de vida são criadas, mantidas e sustentadas por esta grande mãe que é a própria Terra, a grande Natureza, a Mãe Natureza.

É interessante a gente ver uma coisa: Já tendo destrinchado, bem superficialmente, o título do livro, a gente vai para o passo seguinte: Por que alguém dedica tanto tempo a pesquisar isto, e escreve um livro? E aí, eu pergunto: Por que alguém edita um livro destes? E vou mais além: Por que alguém compra um livro destes?

A resposta fica muito clara quando a gente analisa alguns fenômenos que vêm acontecendo: Existe uma corrente mística ou religiosa -ou ambas- chamada wicca, que é apresentada como a bruxaria moderna. Bruxaria, que termo horroroso; bruxas, mulheres más, comendo criancinhas, caldeirões com veneno fumegando, e tudo mais; este é um conceito relativamente novo do que é ser uma bruxa.

A definição de bruxa, na verdade, é a mulher, a anciã, aquela mulher que sabe, que tem contato com a natureza, que sabe a cura através das ervas, que sabe prever o tempo pela observação das nuvens, e tudo mais. A grande conhecedora da natureza, a bruxa, basicamente, era isto. Depois, por uma série de motivos, esta imagem foi distorcida, foi

Page 3: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

transformada no que a gente tem hoje - aquela bruxa da verruga no nariz e do chapéu pontudo. Mas, enfim, é isto que a gente tem a lidar.

A wicca, esta palavra, a origem dela é bem controversa, mas em teoria, ela vem do anglo-saxão; a raiz dela, inevitavelmente é anglo-saxã, mas o real significado dela é ainda campo de especulação. Dizem que é dobrar ou moldar. Dobrar no sentido de manipular, ser capaz de mudar a natureza. Tem uma série de outras palavras, por exemplo: [?] é uma palavra anglo-saxã que significa sábio, profeta - estaria muito próximo disto.[da palavra wicca]

Então, se a wicca é bruxaria moderna, se ela é um resgate destas tradições antigas, ela vai estar resgatando a sabedoria dos antigos profetas. Não dos antigos profetas como nós conhecemos, mas das pessoas que são capazes de ver, antever, prever o futuro ou ter outros conhecimentos que nós, reles mortais, "não temos mais".(temos sim, basta saber desenvolver)

A wicca surgiu para o mundo em 1.951 através da obra de um inglês, funcionário público, aposentado cedo, que dedicou sua vida inteira a viajar para lugares esquisitos, lugares místicos - foi à Índia, depois ao Oriente Médio; depois, ficou na Itália, na Inglaterra editando a obra dele. Gerald Gardner, este inglês, em 1.951 lança um livro que apresenta a wicca para o mundo; ele fala: "Eu entrei em contato com uma tradição muito antiga que estava no submundo, estava realmente oculta; uma tradição ancestral que é passada, praticamente, dentro de famílias, dentro de um clã de tradição mesmo. E agora, tive autorização deles para estar divulgando isto tudo." Ele foi iniciado nesta tradição; é isto que ele apresenta na obra dele.

Ele mostra, então, uma religião, um culto mesmo, uma religião com todo o sentido da palavra, de reconexão com a natureza. Então, os principais festivais, as principais datas desta religião, são associadas às antigas datas dos festivais pagãos dos celtas, que se espalharam pela Europa, principalmente, pelas Ilhas Britânicas, onde foram bem preservados; e na França, onde as tradições também foram bem preservadas.

Estes festivais celtas sempre estão tocando no ponto de ciclos da natureza; então, existe o festival da fertilidade no verão, o festival da morte no inverno, o festival da primavera ... Quer dizer, tem todo um meio ... A gente chama, inclusive, esta série de festivais de roda do ano.

Então, o ano novo celta, que é no dia primeiro de Novembro ou por volta disto, marca no Hemisfério Norte a entrada do inverno. O inverno está começando a ganhar força. Esta é a metade escura do ano, que vai ter o contra ponto em primeiro de Maio.

Os seguidores da religião da grande deusa no Hemisfério Sul, na Austrália, aqui no Brasil, têm uma certa divergência - existem duas correntes, uma que trabalha com a manutenção das datas, e outra que trabalha com a inversão das datas. (porque aqui, as estações do ano são ao contrário)

De qualquer forma, vou fazer um apanhado bem rápido:

Aqui, [1º de maio] a gente tem a pujança do verão - o festival de fertilidade. A gente tem inclusive, algumas associações que foram trazidas para o Brasil, como Maio sendo o mês das noivas - a fertilidade. Casa-se em Maio para aproveitar esta fertilidade. A gente vai ter a metade clara do ano, a metade de luz que marca a passagem de um ciclo da natureza.

Page 4: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Isto vai estar ligado intimamente com a religião da grande deusa - voltando, antes mesmo dos celtas, lá para trás, no paleolítico, mesolítico, no início da humanidade - na forma do culto a esta Mãe Terra, a Mãe Natureza como criadora de toda a vida, a que gera e mantêm toda a vida, e que, obviamente, não pode governar sozinha, ela não pode gerar sozinha, ela precisa de um parceiro. Então, a gente sempre fala que é a religião da grande deusa, e esta grande deusa tem um consorte, tem um deus, que é o contra ponto masculino dela.

Existe um mito lindíssimo dentro desta história da roda do ano que é a cópula sagrada, a cópula divina do deus e da deusa no festival de fertilidade. Depois, no festival da colheita, que é, no hemisfério norte, agora em agosto, a gente vai ter o nascimento do filho e o declínio do pai. O pai, que gerou com a deusa, vai estar morrendo, vai estar enfraquecendo, para morrer definitivamente no solstício de inverno. Neste momento, a gente vai ter a volta do filho que está sendo gerado, para renascer, copular com a deusa e morrer; e renascer, copular com a deusa e morrer ... Ou seja, é o ciclo interminável das estações do ano, o ciclo interminável do romance entre o deus e a deusa; entre esta deusa da terra e o princípio feminino e o princípio masculino que é o fertilismo.

Agora, dentro disto tudo, a gente tem de deixar muito claro que a wicca não é só a religião da deusa, ela tem várias outras influências. Tem influências, inclusive, de ritos maçônicos, golden dawn, tem várias coisas que Gardner amalgamou e apresentou como uma religião ancestral. Não é tão ancestral do modo como ele apresentou; a idéia é ancestral, mas ele buscou outros elementos.

De qualquer forma, é uma idéia muito válida a ponto de fazer desta religião, a wicca, a religião que mais cresce nos EUA entre os jovens. O número de pessoas que se convertem ... (não gosto desta palavra), que se encontram na wicca é muito grande, por um motivo muito simples - ela é uma religião de equilíbrio.

Então, a gente tem um deus, mas tem uma deusa, ou vice-versa; um não vive sem o outro. Não existe o pendor, a tendência para um deus único ou uma deusa única - se houver, causa desequilíbrio. Este equilíbrio vai estar se manifestando também em outras áreas, em outros aspectos: a luz e a treva, a vida e a morte, tudo isto tem de estar em perfeito equilíbrio para que nós não tenhamos medo nem de um nem de outro. Há pessoas que têm medo da morte. Há pessoas que não falam, mas que têm medo da vida. O ideal é fazer de cada momento de sua vida um grande ritual, ritualizar tudo.

Esta religião é realmente uma celebração da vida; da nossa vida como membro da grande teia. Cada um de nós representa um tênue fio que se liga ao grande desígnio que é a grande deusa, a grande criadora de tudo. Nós todos somos parte do corpo desta deusa. Quando a gente adota esta postura, segundo esta filosofia, fica muito mais fácil compreender o nosso papel, a nossa existência; fica muito mais saudável porque a gente sabe que é responsável por nossos atos, e que eles influem na vida dos outros. Os outros, como eu falo sempre, não são só pessoas, mas cada animal, cada árvore, cada passarinho...

Cada vez que eu saio com o meu carro de casa, estou poluindo e piorando a minha qualidade de vida e todas as outras criaturas. Nós somos os responsáveis, não adianta a gente culpar fulano, sicrano, governo ou o destino. Não, a gente tem de chamar a responsabilidade para cada um de nós; isto é fundamental.

Page 5: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Essa filosofia toda vai estar muito embasada na filosofia dos celtas que eu falei. E pela filosofia dos celtas ... - aí, entra no território que eu realmente gosto, a gente falou um pouco, muito levemente do que é a religião, os festivais; mas muito levemente mesmo, como eu falei, daria palestras intermináveis para falar desta religião de um modo mais profundo, no livro eu abordo de um modo mais profundo, é claro.

Mas no aspecto filosófico dos celtas, a gente vai ter uma figura renitente, que aparece a toda hora chamada triskle.

Variações do "triskle"

O triskle simboliza várias coisas:

Ele simboliza, em primeiro lugar, a essência de cada um de nós, de cada uma das criaturas, que é: Um corpo, uma mente, e uma alma. Nós temos que evoluir os três, não adianta evoluir um só.

Ele simboliza as três fases visíveis da lua: Crescente, cheia e minguante. (quando está na nova, a gente não a vê). Estas três fases também representam o ciclo eterno de vida, morte e renascimento.

O número três na religião da deusa é renitente. Basta ver que a sabedoria dos celtas, tanto na Irlanda quanto no País de Gales, foi preservada através das tríades. Sempre você tem o conhecimento sendo passado em forma de tríades; do conhecimento mais avançado, mais profundo, até coisas práticas. Por exemplo: "Três coisas que um bom cavaleiro tem de ter: Uma boa montaria, uma boa sela, e (com o perdão da palavra) uma boa bunda." É verdade; eles falam justamente assim. Quer dizer, são coisas das mais elaboradas até as mais básicas, sempre passadas na figura de triplicidade. Esta triplicidade vai estar sendo muito importante para a evolução filosófica dentro do ponto de vista celta. Não adianta a gente evoluir apenas numa destas categorias: físico, mental e espiritual.

Se a gente busca evolução física, o que a gente tem de fazer?

Uma boa dieta, exercícios, ser responsável com o corpo ... Fácil de responder.

Se a gente busca evolução mental?

Aprendizado, busca de conhecimento, questionamento, exercitar a arte, e tudo mais.

Se a gente busca o espiritual, o que a gente vai fazer?

É um pouquinho mais complicado de responder. A gente pode até cair na armadilha que o nosso subconsciente sempre prepara, de dar a resposta rápida: Evoluir espiritualmente é praticar o bem.

Page 6: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

O que é praticar o bem? Praticar o bem para quem? O que é fazer o bem?

De repente, o bem para uma pessoa é o mal para outra. É aquela história:

Eu vou fazer o bem. Vou dar emprego a um amigo meu. Ou: Vou dar emprego a esta pessoa que está pedindo desesperadamente.

Agora, tem uma outra pessoa que também está precisando desesperadamente, que poderia estar na esquina anterior, chegando para pedir um emprego. Você fez bem para uma, mas um tremendo mal para a outra. Então, bem e mal são conceitos muito relativo.

Agora, dentro do ponto de vista da religião da deusa, praticar o bem é justamente aquilo que a gente estava falando - é atingir o equilíbrio; perceber, compreender, entender o equilíbrio das polaridades. Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno; nem tanto ao deus, nem tanto à deusa; nem tanto ao masculino, nem tanto ao feminino; nem tanto à luz, nem tanto à treva; nem tanto à vida, nem tanto à morte - é compreender tudo como um vetor. Ao invés da gente dividir estas duas forças, unir estes dois extremos e atingir o ponto de equilíbrio.

A gente poderia até estar fazendo ( eu tinha esta intenção, mas não quero estender muito com termos técnicos ) uma leitura, como faço no livro, da evolução da religião da deusa dentro de um contexto histórico. Eu já falei para vocês que a religião da deusa surgiu com o homem, com a humanidade, antes até da civilização, a partir do momento que o homem observou a natureza. Ele via a fêmea gerando, a dele e a de outras espécies, e falou: Se toda a vida vem de uma fêmea, a deusa tem de ser uma fêmea do mesmo modo.

Agora, o interessante é a gente procurar ver dentro das tradições celtas, alguns elementos que podem ajudar a gente a entender isso de uma forma um pouco mais cristalina:

As tradições celtas, como falei, se espalharam por toda a Europa, porém, foram melhor preservadas na Irlanda por um motivo muito claro: A Irlanda não foi invadida por Roma; não sofreu com a romanização da Europa. A Irlanda foi invadida por vikings, sim; mas logo que chegaram já se irmanaram (eram praticamente o mesmo povo). A Irlanda só foi perder seus traços de paganismo, a sua religião pagã, com a chegada do cristianismo mesmo; ou seja, estamos falando de 340 d.C. , quando São Patrício, que é o padroeiro da Irlanda, foi lá e introduziu o cristianismo na sociedade celta.

E aí, a gente vai ter de analisar um pouco esta sociedade celta, isto é importante para a gente estar vendo em que contexto esta religião da deusa foi preservada e passada para a gente através das tradições celtas.

A sociedade celta, em qualquer lugar onde a gente encontre celtas, vai estar sempre baseada na guerra. Os próprios gregos e romanos contemporâneos falavam que eles eram bárbaros, se pintavam de azul e andavam pelados lutando uns contra os outros. Não era bem isto; eles tinham um conjunto de conhecimentos, um conjunto de doutrinas, filosofias, muito forte, muito grande e muito profundo; a ponto, até, de alguns historiadores gregos, que tiveram contato com os celtas, terem escrito tratados sobre isto: "Eles acreditam na metempsicose pitagórica", diziam exatamente isto. É lógico que os celtas poderiam ter até tido contato com Pitágoras, sim; mas se Pitágoras desenvolveu, qualquer outra pessoa poderia desenvolver. De qualquer forma, eles tinha lá uma grande gama de conhecimentos.

Page 7: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Esta sociedade, apesar de guerreira, era matrifocal. São vários os exemplos na literatura celta de deuses que são nomeados por serem filhos de uma deusa, e não filhos de um outro deus; de povos que são apresentados como originados de uma deusa; de heróis e reis que tem a matronímia - a preservação do nome da mãe e não do pai. Na nossa sociedade ocidental, hoje, é muito mais importante o nome do pai; (eu não fiquei com o nome da minha mãe para se ter uma idéia) sempre o nome do pai é o último, para ficar eterno. Na tradição celta é justamente ao contrário, a mãe é muito mais importante, porque a mãe é a que gera, a mãe é a que traz a tradição, a mãe é que permite a existência daquele indivíduo.

Nesta sociedade vai ter, como falei, uma religião muito mística, com elementos muito místicos, em que a gente vai encontrar a presença muito forte de deuses da natureza, porque é uma religião que cultua a própria natureza. Estes deuses e deusas, ditos primitivos, são o deus do rio, o deus da lagoa, o deus dos bosques, a deusa da colheita, e assim por diante.

É interessante na mitologia celta, quando você começa a ler os mitos, (não os livros que falam de mitologia, mas os mitos mesmo) principalmente na Irlanda, você vê a deusa da morte, a deusa da guerra ( que é a minha predileta, a famosa deusa da morte e da guerra); aí, você vai ver que ela tem um aspecto de fertilidade enorme; ela representa a própria soberania da Terra. Quer dizer, rotular aquela deidade, aquela divindade como uma deusa da guerra é subestimar, é simplificar demais, ela é muito mais complexa. Todos os deuses da mitologia celta são muito mais complexos, como em qualquer outra mitologia. Aquela coisa de sintetizar demais: Este é o santo padroeiro de não sei o quê. E os outros atributos dele? Ele era uma pessoa complexa, tem de ser respeitado isto.

Estes deuses da natureza interagiam de modo constante com os humanos. É muito comum nas lendas, na mitologia irlandesa, a chegada de uma deusa ou de um deus que copula com um mortal, vamos dizer assim, e gera um filho semideus. O grande herói da mitologia irlandesa é um guerreiro, filho de um grande deus com uma mortal. Isto, lógico, não é privilégio da mitologia celta, mas é muito evidente na mitologia celta.

Se a gente ler nas entrelinhas, a gente percebe o seguinte: O que quer dizer isto? O que quer dizer um deus capaz de vir e ter relações, às vezes amistosas, às vezes belicosas com mortais?

Quer dizer que os deuses estão muito próximos, estão ao alcance das pessoas. Não é um deus ou uma deusa que criou e foi embora, que fica lá longe olhando e controlando. Não, são deuses que interagem no nosso dia-a-dia; são deuses que estão ao nosso redor, mas, principalmente, dentro de cada um de nós. Eu acho que este é o grande diferencial.

Nós podemos contatar estes deuses, estas entidades de um modo muito plácido, de um modo muito calmo - basta que a gente conheça. Vocês estão me conhecendo hoje, se eu deixar meu telefone, vocês vão poder ligar e conversar comigo. Se a gente entrar em contato com estes deuses e eles nos "deixarem o telefone", a gente vai poder entrar em contato com eles. A simplicidade da religião celta é o que melhor apela às pessoas; não existem grandes dogmas, não existem sacerdotes intermediários. Cada um de nós é ao mesmo tempo fiel, sacerdote, templo e divindade. Nosso corpo é um altar, nosso corpo é o nosso templo; o mundo ao nosso redor é nosso templo e nosso altar. Então, está tudo muito próximo, a gente faz parte deste grande contexto, não precisamos recorrer aos deuses através de um intermediário, nós contatamos os deuses porque somos uma centelha deste deus e desta deusa.

Page 8: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Existe na tradição da grande deusa uma noção muito bacana que é a seguinte: A grande deusa é o planeta Terra. Então, fazemos parte deste grande corpo, do grande corpo desta deusa que é a Terra. É a noção que eu falei agora a pouco da grande teia: Cada um de nós é como uma célula, cada um de nós é uma criatura desta criadora, desta geradora de vida. Nós somos a obra da união desta deusa Terra com o princípio masculino, que é o contra ponto dela - o equilíbrio.

Cada um de nós é responsável por uma centelha. Vamos dizer que a gente tenha uma faisquinha deste grande fogo de vida divino que é a grande deusa. Bom, nós temos que cuidar bem deste fogo, temos que ajudar as outras pessoas a criar um lugar onde este foguinho, esta nossa centelhinha possa se manifestar, possa se somar de um modo claro, de um modo positivo, buscando sempre a evolução.

É interessante a gente ver mais alguns aspectos da religião celta, principalmente na Irlanda:

Este contato com a natureza é tão forte, que não vai só se ater ao culto aos deuses ou deusas; ele vai se manifestar até no corpo de literatura da Irlanda. Existe uma corrente, uma palavrinha irlandesa impronunciável, (como todas as palavras irlandesas) que significa literalmente o "conhecimento dos lugares sagrados". Então, é uma espécie de dicionário, e tem lá: Montanha tal: A montanha tal tem este nome porque o deus tal encontrou a deusa tal, e ali eles fizeram isto, por isso ela é chamada disso. Eu vou dar um exemplo claro:

Tem um val - uma passagem rasa num rio - na Irlanda, perto da Irlanda do Norte que se chama Val da Cama do Casal, porque neste local, um grande deus celta chamado Dagda - literalmente, o bom deus -, encontra uma deusa, aquela deusa que eu falei, a deusa da guerra. Ele encontra esta deusa numa situação absurda: Ela está enorme, gigantesca, neste val, lavando as armaduras e os cadáveres das pessoas que morreriam na batalha do dia seguinte. Esta batalha seria disputada entre o povo ao qual pertencia este deus e um outro povo divino. Era um embate entre deuses, mais ou menos como olímpicos e titãs na mitologia grega. No meio dos cadáveres, daquele sangue todo (os detalhes são tétricos) os dois se acasalam, se encontram e transam ali mesmo.

Quer dizer, a simbologia disto é muito clara: da morte advêm a vida, o ciclo não acaba. Da morte dos que vão morrer no dia seguinte vai ser gerada a vida. É esta a historia do mundo, da vida e da morte.

Um outro ponto interessante é o seguinte: Esta deusa, neste momento, representa a própria soberania, ela é a síntese, o símbolo da Irlanda. Então, quando ela cede, quando ela vai ter com este deus, ela garante a ele a vitória no dia seguinte; ela está mostrando quem vai morrer. É interessante que logo em seguida, depois do ato sexual entre eles, ela revela o local onde os inimigos vão desembarcar, ela fala que vai lutar por ele, pelo povo deste deus.

Quer dizer, o que ela está fazendo? Ela está garantindo a vitória; ela está profetizando e garantindo a vitória. Ou seja: Eu, enquanto deusa desta terra, te recebo como novo povo, novo habitat em mim, nesta terra. O simbolismo disto é muito forte.

Existe uma carga muito forte na religião celta de xamanismo, inclusive de animismo. Muitas tribos celtas (isto está registrado nos textos) falavam de suas origens: Nós somos da tribo do corvo. Nosso clã surgiu de uma fêmea de corvo que pôs um ovo, e aí surgiu o

Page 9: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

primeiro ser da nossa linhagem. Quer dizer, é uma integração muito forte com a natureza, um respeito muito forte à natureza.

Há uma ênfase muito grande dentro dos festivais à passagem do ano, que é a roda do ano: festival de fertilidade, festival de colheita, festival de introspecção no inverno.

É muito interessante o festival de inverno, o ano novo celta: Na realidade, até hoje existe algumas "superstições" que remontam às tradições pagãs da Irlanda. Por exemplo: No dia primeiro de novembro, (não é coincidência que finados é perto disto) o véu que separa o nosso mundo físico do mundo dos espíritos, cai. Então, nós podemos ir para lá e eles para cá.

A gente tem, inclusive, neste festival a origem do halloween - a abóbora com a velinha dentro e tudo mais. A abóbora, logicamente, não existia na Irlanda porque é originária da América; mas a tradição de se esculpir dentro de um legume surgiu na Irlanda; era, na verdade, um nabo; eles faziam a caretinha mesmo e punham a vela dentro. Por que?

Para espantar os espíritos que eles não queriam atrair, e punham na porta da casa. E, outra parte da tradição: Pôr uma vela na janela para guiar os espíritos da sua família; prepar uma refeição para os espíritos neste dia.

Quer dizer, é uma comunhão muito grande. Não existe aquela distância que nós temos, normalmente, entre nós e eles. Entre nós, encarnados, e eles, desencarnados; entre nós, humanos, e eles, os deuses. O contato é muito próximo, muito constante. Tem uma frase bacana: (não me lembro o autor) "Os deuses dos celtas, às vezes, estavam desconfortavelmente próximos deles.", eles interagiam e até atrapalhavam a vida dos humanos. É interessante o grau de intimidade que existe nestas lendas: eles xingam os deuses, brigam com os deuses, vão cutucar os deuses, pedem ajuda aos deuses. Quer dizer, existe uma interação muito grande, que é justamente uma coisa que tem feito muita falta nas religiões institucionalizadas.

Um outro detalhe muito marcante na religião celta é a presença maciça de magia, de rituais mágicos. Falar em religião celta sem falar de druida é marmelada. Porém, eu vou só tangenciar os druidas; porque, em primeiro lugar, é um assunto muito amplo; em segundo lugar, é um assunto muito distorcido, infelizmente escreveu-se muita bobagem sobre druidas; e em terceiro lugar, a gente não quer ... se eu falei logo no começo da palestra que a religião celta não tinha intermediários, e a gente sabe que os druidas eram sacerdotes, eles não estão muito no escopo da palestra. Que eles eram sacerdotes com conhecimentos filosóficos profundíssimos, isto não tem a menor dúvida; porém, eles não eram os únicos na sociedade celta a praticar magia.

São inúmeros os autores que falam que a magia era parte do dia-a-dia da sociedade celta. Não existia uma magia ritualizada, até porque era uma magia prática. O que a gente chama hoje de simpatia,é a base, ou o resquício desta magia dos povos antigos. Não existia cálices incrustados de pedras preciosas, a lua certa, o momento certo. Não, a magia era aquela coisa de viver o dia-a-dia, e se aproveitar da sua energia canalizando aquilo.

Aliás, é muito interessante isto: Dependendo para quem a gente perguntar o que é magia, a resposta vai ser absolutamente diferente; são várias tradições diferentes, o modo de operar a magia, principalmente, é muito diferente.

Page 10: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Mas a magia, basicamente, é a capacidade que a gente tem de gerar efeito sem causa, de gerar o resultado sem compreender o processo. Esta é uma visão absolutamente científica, cartesiana; ninguém precisa saber do processo. Se você obtêm o resultado, porque se importar com o modo? Claro, existe a ética, isto não precisa nem ser dito. Mas eu não preciso compreender qual foi o processo, como aconteceu pouco importa.

Se a gente pensar num exemplo muito claro do que é magia ... Eu falo sempre: Vocês estão olhando para minha cara agora; estão ouvindo a minha voz; tem três ossinhos vibrando dentro do ouvido de vocês, fazendo com que este som, este monte de ar que sai da minha boca seja decodificado, e o cérebro de vocês transforma isto tudo em mensagem. Quer dizer: A gente pensou nisso tudo? Eu pensei nisto enquanto estava falando? Vocês pensaram nisto enquanto estavam ouvindo?

Não pensaram. Mas olha a magia que está envolvida nisto - sons, aparentemente inarticulados, se juntam e transformam o ar que sai da minha boca em mensagem que o ouvido recebe e o cérebro processa.

Esta é a base da magia, nada mais. Qualquer outra coisa é acessório. Vai lidar com processos? Vai. Vai ter modos diferentes? Vai. Mas a base vai estar sempre nisto: A capacidade de obter um fim sem se preocupar muito com os meios. (o que não é maquiavélico; não quer dizer que a gente pode fazer exatamente o que quiser, ou que os fins justificam os meios; não é bem isto.)

É muito importante a gente ver dentro da visão dos celtas que isto tudo fazia parte do dia-a-dia mesmo deles. As celebrações sazonais que a gente citou, faziam e fazem parte até hoje do dia-a-dia da comunidade; não estava na mão de um sacerdote, não estava na mão de uma sacerdotisa ou um avatar; qualquer um e todos faziam.

Este é o grande ponto: Se eu sou ao mesmo tempo crente, sacerdote e deidade, eu posso fazer o meu ritual sozinho; a minha vida é um ritual; posso fazer desta vida um momento mágico.

Em se tratando druidas, vou fazer uma observação interessante: Existem alguns livros bons. (logicamente como todos, existem os livros bons e os ruins) No fim do século XVII houve uma ressurgência do tema, principalmente no País de Gales, todo mundo começou a se interessar de novo: Ah, as raízes celtas, vamos pesquisar os druidas.

E aí, teve um cara que dedicou a vida inteira a pesquisar os druidas; inclusive ele falou: Olha, realmente eu vou ser obrigado a revelar - Eu venho de uma tradição druídica, não podia falar, mas agora que está todo mundo interessado, vou falar. E deu o nome [?] , que era o nome druídico dele, e tudo mais. Ele criou uma tradição, escreveu muito sobre isto, a obra dele é extensiva, fala das tradições druídicas e tudo mais.

Descobriu-se depois, quando a pesquisa etnográfica e arqueológica começou a pulsar, que era tudo uma grande mentira. Mas o que ele fez foi tão aceito, ficou tão forte, deixou uma marca tão indelével na mente dos pesquisadores que muito do conhecimento original dos druidas se perdeu porque ficou viciado pela obra deste cidadão. Quer dizer, ele prestou um grande desserviço à verdadeira tradição. Mas ele já passou, está meio que deixado de lado. (ainda bem!)

Eu queria fazer uma retomada do processo que fez com que a religião da deusa chegasse até os celtas, e de como isto chegou até nós, trazido pelo tempo. Se a gente

Page 11: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

voltar às origens da religião da deusa (a gente já falou delas) foi quando o homem começou a observar a natureza.

Num primeiro momento, na sociedade paleolítica e mesolítica, o homem não tinha agricultura, era coletor e caçador. Ele tinha que observar o passar das estações para saber quando as árvores dariam frutos, quando o trigo germinaria, quando os animais migrariam para ele poder ir atrás dos rebanhos e tudo mais. Então, ele tinha de ter um contato muito forte com a natureza, era uma questão de sobrevivência, por um simples fato - Ele era a natureza.

Hoje, o homem se dissociou da natureza. Se a gente analisar, nós não temos nem predador mais; saímos da cadeia alimentar. (olha a que ponto o homem chegou de separação da natureza) O que a religião da deusa busca, é justamente nos reintegrar nesta natureza.

Num segundo momento, este homem que estava lá coletando e caçando, a partir do neolítico, desenvolve a tecnologia suficiente para ser agricultor. Ele começa a plantar, não precisa mais colher, ele semeia, ara o solo. E aí, ele tem de continuar a observar, agora mais do que nunca, as estações do ano para saber o momento certo de plantar, quando vai ter seca, quando vai ter chuva. Isto, obviamente, persiste até hoje. Se a gente for para o interior, numa fazenda, o cara sabe quando vai chover, sabe o momento certo; se não chove ele perde a safra, quebra no banco, e tudo mais. Isto acontecia naquela época, mas ele não quebrava no banco, ele morria de fome. Esta é a diferença.

Então, a observação da natureza, a própria natureza era muito próxima do homem. Aí, entra a figura da lua, que eu citei en passant. Vamos falar um pouquinho mais dela agora:

A lua rege marés, rege cios de animais, rege ciclo menstrual de mulher, ela está muito próxima dos ciclos da natureza. Obviamente, a primeira observação de tempo que o homem fez foi dia e noite, isto não tem nem o que falar. Mas depois, ele percebeu as fases da lua, percebeu os ciclos lunares, as chamadas lunações; e percebeu que estas lunações afetavam os ciclos da mulher.

Então, ele começou a fazer associações: Se a minha mulher gera vida, a lua gera vida. A lua é a deusa. Então, a lua passa a ser um reflexo desta deusa; a terra era o corpo e a lua era o reflexo, a carinha da deusa. E aí, surge a leitura que a gente estava fazendo das três fases da lua visível - crescente, cheia e minguante.

Aqui ele viu as três fases da mulher: (obviamente de qualquer ser humano, mas principalmente da mulher porque a gente está falando de uma deusa)

A crescente é a donzela, é a jovem viçosa, plena, fértil; a cheia é a mãe, aquela que gera mesmo, não só fértil, mas com a fertilidade potencializada, a que nutre, cuida; a minguante, quando já está diminuindo, é a sábia, é aquela que detém o conhecimento.

Na capa do livro tem justamente isto - a donzela, jovenzinha; a mãe, com o mundo, que é a representação dela mesma; e a anciã, aquela que conhece, aquela que sabe.

Se a gente analisar, voltando à figura da bruxa do conto de fadas, o arquétipo da bruxa má, feia, invariavelmente é uma gordinha com um caldeirão, normalmente uma velhinha. Por que? Porque ela é a distorção do mito da anciã, aquela que detêm o conhecimento,

Page 12: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

aquela que sabe que remédio indicar, que sabe resolver o problema porque tem experiência.

A gente tem alguns exemplos, em civilizações ditas primitivas, no pacífico, de sociedades matrifocais em que a mulher mais velha da aldeia é quem distribui o conhecimento, quem resolve as pendengas entre duas ou mais pessoas, quem dá conselhos. Quer dizer, é o reconhecimento da sabedoria. A nossa sociedade hoje está tão afastada disto, que a gente vê mulheres em idade de ser mãe, às vezes, em idade de ser anciã, tentando ser donzela. Hoje, as mulheres tentam preservar o aspecto de donzela fazendo plásticas, lipoaspirações, indo à academia e tudo mais. Não que isto seja ruim, eu acho até bacana a auto-estima; agora, não se pode deixar de reconhecer a glória que existe nas outras fases, em ser mãe e em ser anciã.

Isto vale para o homem: A gente vai ter o jovem ao invés da donzela, o pai, e o ancião - aquele que já viveu, que conhece. Existe um ditado que fala disto: "Não é que o diabo é esperto, é que ele é velho, está lá faz tempo." Então, ele já viu tudo, ele já tem conhecimento porque ele viveu; enquanto a gente está tendo idéias, ele já teve as idéias, já viu as que vão ser aterradas.

Então, a gente quer buscar uma apreciação melhor destas três fases: Saber curtir a energia da donzela e do jovem, saber curtir a maturidade da mãe e do pai, e saber curtir a grande sabedoria da anciã e do ancião, saber o quanto isto é precioso. Os povos orientais preservam muito isto, o idoso na China, no Japão, é extremamente respeitado porque detêm o conhecimento; ele sabe, ele já viu, ele viveu, tem muito a dizer; a gente tem de aprender a valorizar isto mais.

Esta visão das três fases da lua manteve seu simbolismo através dos tempos; tanto que qualquer pessoa que começa a se interessar por esoterismo, vai estar sempre vendo aquelas figurinhas do solzinho com a carinha, daquela luinha com narizinho - são os princípios ativos, masculino e feminino; e isto vai estar se manifestando sempre em diversas tradições.

É interessante a gente ver que, falando dos celtas, (isto em alemão acontece também) no idioma irlandês, sol é um substantivo feminino, ao contrário das línguas latinas. Por que? Porque ele, o sol, é capaz de gerar vida. É a união da terra com o sol; a sementinha caída na terra - que é o ventre da mãe - e o sol fazem a vida surgir daquela sementinha.

Isto é muito importante analisar: Como as línguas, os idiomas, contam para a gente detalhes filosóficos que, às vezes, a gente passa por cima e nem percebe.

Continuando então, nesta evolução, tem um exemplo muito interessante de uma civilização perdida na Índia, no Paquistão, a civilização de mohenjo-daro.

Mohenjo-daro é uma civilização extremamente complexa, tida, inclusive, por muitas autoridades neste estudo como anterior à civilização suméria - a civilização suméria seria uma colônia de mohenjo-daro -

Eles eram matrifocais. (isto é especulativo, mas de qualquer forma tem muita gente escrevendo sobre isto.) Era uma civilização extremamente desenvolvida, ruas no sentido norte sul, água encanada, esgoto e tudo mais, (isto, há muito tempo mesmo) e que seria anterior à civilização que se desenvolveu na Mesopotâmia.

Page 13: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

É interessante o que muita gente fala: Como é que você vai ter uma civilização mais evoluída, mais avançada do que a mesopotâmica, e anterior a ela, se todos os livros de história oficial, que se ensina em escolas e faculdades, falam da Mesopotâmia como berço da civilização?

Tem uma autora (o nome me foge agora) que fala que na verdade a Mesopotâmia, a terra entre rios, não seria entre o Tigre e o Eufrates, seria entre o Ganges e o Indu; e dali, teria surdido uma civilização pujante, mas que foi destruída, justamente, por não ser bélica, por ser matrifocal e não ter a vertente mais agressiva, mais belicosa do patriarcado, por um povo nômade que teria descido das estepes e fê-los fugir.

Este povo teria dado origem, segundo alguns pesquisadores, ao povo celta, obviamente passando por indo-europeus e tudo mais. É muito controverso, vai ter gente falando que é o contrário... é bem complicado. Mas de qualquer forma, não poderia deixar de citar esta corrente.

Se a gente analisar, antes dos celtas ...Vamos nos concentrar na Irlanda. ( em primeiro lugar porque eu gosto, em segundo porque é um exemplo muito claro, como eu falei ficou muito bem preservado lá )

Existe um lugar na Irlanda ... Quando eu falo da Irlanda, a gente nunca vai estar falando da Irlanda dividida, mas da Irlanda como um todo. A Irlanda dividida vai surgir, praticamente, com as primeiras invasões dos ingleses. Hoje em dia existe a Irlanda do Norte - protestante, e a República da Irlanda - católica. Para nós, isto não importa muito.

A Irlanda pagã, pré-cristã, era um país só, uma cultura só, uma civilização só dividida em diversos reinos.

Onde eu quero chegar é o seguinte: Voltando nos celtas, tem um lugar na Irlanda chamado Newgrange. Newgrange é um monumento megalítico - não é aberto como Stonehenge - , é uma estrutura de pedras gigantescas colocadas uma sobre a outra de modo perfeito, formando uma câmara. Vamos dizer que é um morro artificial feito de pedras.

Vista geral da estrutura de Newgrange - Irlanda Existe uma entrada que se abre em três câmaras:

Page 14: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Na entrada, a grande pedra com espirais.

Newgrange foi construído mil anos antes da primeira pirâmide egípcia. É uma coisa velha, estamos falando do alto mesolítico, neolítico.

O interessante de Newgrange é o seguinte: Se a gente olhar ela de lado, na entrada tem um leve aclive que vai dar na câmara central; bem leve mesmo, tanto que quando a gente vai entrando, quase não percebe. Isto está aberto à visitação, eles não precisaram nem

Page 15: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

restaurar, apenas desobstruir a entrada; está intacto, nunca entrou uma gota d'água dentro - é um absurdo o grau de sofisticação desta construção.

Numa destas câmaras tem uma cuia onde foram encontrados restos, vestígios de cinzas de cremação, os mortos eram cremados e levados para lá. Por que?

Agora entra o grande simbolismo: Logo acima da porta existe uma abertura, quando a gente entra nem percebe, que por causa desse aclive, está exatamente no mesmo nível do chão desta câmara interna.

Tem um dia no ano, em que o sol nasce no horizonte, e quando ele está surgindo, (esta câmara é voltada para o nascente) os primeiros raios entram retinho e iluminam a câmara inteira; ilumina o chão e a câmara inteira. É em um dia em especial, e nos dois que o antecedem; é justamente no solstício de inverno. O solstício de inverno marca o renascimento do deus, porque o solstício de inverno é a noite mais longa, a partir daquele momento as noites começam a diminuir. Ou seja, o sol, que é o deus, começa a ganhar força; o dia começa a voltar. Então, ele está renascendo a partir aquele momento; o declínio dele acaba e ele começa a crescer de novo.

Estes raios de sol que entram é o falo divino que entra no grande ventre, na grande vagina, no grande útero da mãe terra. Para que?

Para que entrando em contato com as cinzas dos cremados, levá-los para outro mundo ou fazê-los ressurgir. Quer dizer, é de uma profundidade absurda, e a gente está voltando à 3.700 a.C.. (mais até) Olha o grau de sofisticação filosófica que estes caras tinham. É a chamada tumba de passagem.

É interessante a gente ver que hoje, na wicca, as várias tradições da religião da deusa, restauram esta tradição da celebração dos solstícios e equinócios, dos festivais sazonais - primavera, verão, outono e inverno, e tudo mais, justamente para entrar em contato novamente com esta natureza, que como a gente falou, estamos tão longe.

O próprio Stonehenge, que eu citei, tem um detalhe interessante. Muita gente fala: Ah, Stonehenge, onde os druidas celebravam os festivais.

Eles podem até ter celebrado os festivais lá, mas Stonehenge é muito anterior aos druidas. Stonehenge foi erguido muito antes da civilização celta ter surgido.

O pessoal que debruçou mesmo para estudar Stonehenge ficou louco quando percebeu que alguns pontos de Stonehenge, algumas pedras especiais formam janelas, (toda a

Page 16: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

estrutura é de trilitos , mas tem uma que é bem específica) elas estão voltadas para lugares especiais no céu, onde surgem constelações em determinados momentos.

Descobriu-se a pouco tempo, embaixo, no estacionamento que eles fizeram, um furo no chão onde era fincado um poste de madeira. (obviamente a madeira apodreceu, ninguém viu) E descobriu-se que a madeira funcionava como uma espécie de pivô, que em contato com vários pontos da estrutura de Stonehenge desenvolvia-se (era uma calculadora, era um calendário mesmo) cálculos astronômicos de movimentação de constelações para a determinação de solstícios e equinócios. Por que?

Porque estes povos precisavam conhecer os ciclos da natureza para poder plantar, poder colher, para sobreviver. Então, o culto à natureza é muito marcante nestas tradições antigas, pré-celtas. Depois, a tradição celta preservou isto de modo muito claro.

Eu vou falar agora de uma coisa que é interessante para a gente ver como esta tradição, como este culto à natureza sofreu percalços com o passar do tempo:

Na Ilha de Creta, no Mediterrâneo, a gente vai ter a chamada primeira civilização ocidental. Está lá, a civilização em Creta, com um culto à deusa de um rio, à deusa [?]. O nome deste rio era A Mãe de Todos os Animais; portanto, a grande deusa, a mãe que gera toda a vida dos férteis vales da Ilha de Creta.

Esta sociedade, quando começou a se desenvolver em Creta, já dominava a cultura do trigo, (que surgiu no Oriente Médio). Os vales eram muito férteis e eles tinham uma colheita muito grande. O culto todo era em torno desta deusa da fertilidade, deusa da natureza, que tinha alguns templos com grandes estruturas redondas (que eram na verdade silos) onde era armazenado o trigo, que era distribuído para esta sociedade. Não existiam muros, não existiam muralhas, não existiam fortificações, não existia nada disso. Era uma coisa bem irmanada mesmo.

Com o passar do tempo, a gente tem o desenvolvimento, em Creta, da civilização conhecida como minóica - do mito do Minotauro - que é uma civilização um pouco mais belicosa.

É interessante a gente perceber que neste processo há um desenvolvimento muito forte do comércio. Este comércio só é possível com a soberania dos mares, e esta soberania só é possível com a derrota dos adversários. Então, existe ainda, o culto à deusa da fertilidade, mas começa a surgir uma deusa da serpente, que é uma deusa mais belicosa, é uma deusa da guerra, uma deusa que protege os guerreiros. Começa a perder um pouco o teor do culto à natureza, é preciso que eu cultue um deus ou uma deusa, que me proteja enquanto eu navego, que me proteja enquanto estou na guerra.

Então, os deuses deixam de ser deuses só da natureza, e passam a ser deuses de função. É um passo muito marcante, que vai acontecer em todas as civilizações, mas que é muito marcante ali.

Tem um outro detalhe interessante que é o seguinte: A gente falou do mito do Minotauro. O Minotauro é aquele mostro que viveu no labirinto. O culto ao Minotauro exige tributos dos povos vizinhos na forma de donzelas e mancebos virgens que têm de ser sacrificados ao Minotauro. E aí, alguns dos povos satélites da civilização minóica começam a ficar com o "saco cheio" de estar mandando todo ano jovens para serem mortos pelo

Page 17: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Minotauro. A lenda diz que o Minotauro foi morto por Teseu, ajudado por Ariádine, quando ele entra no labirinto como o fuso para não se perder.

É interessante, se a gente analisar a parte histórica desta civilização, a gente vai ver que existe um povo satélite de Creta (um destes povos já cansados de pagar tributos) que conseguiu entrar em contato com povos nômades que vinham do Oriente, e aprenderam a tecnologia do ferro. Todas as armas eram de bronze ou cobre, eram armas frágeis, e os micênicos conseguiram a tecnologia do ferro. Os micênicos entraram em Creta e acabaram com a civilização minóica, destruíram os templos, saquearam tudo e tudo mais.

É muito interessante: A gente tem neste momento uma ruptura dentro do microcosmo de Creta, que representa o macrocosmo de toda a civilização que se desenvolvia na Europa, no Oriente Médio ou Oriente Próximo, que é a transição do matriarcado para o patriarcado.

Pouco tempo depois, a gente vai ter uma série de erupções vulcânicas que realmente transformam a Europa num caos. O céu se cobre de cinzas, há fome, as colheitas se perdem, nada germina; é um momento realmente marcante. Eu falo sempre que a grande deusa ficou com o "saco cheio" do andar da coisa: Eu vou explodir um vulcão aqui, porque isto não está muito bom. Aliás, a gente tem um grupo de amigos que sempre brinca dizendo que está na hora de explodir um vulcão, porque o andar da civilização ocidental está tão errado, que só mesmo um vulcão para dar jeito.

É interessante também, a gente dar uma checada na chegada do contato com os celtas:

Depois desta civilização de Creta, vai ter um período mais obscuro. Mas começa a se desenvolver, muito próximo dali, depois de um tempo, a civilização grega, que vai ter deusas, por exemplo, como Athena, deusa do conhecimento, deusa da justiça, que num determinado momento vira deusa da guerra.

As cidades-estado gregas entram naquela guerra por soberania e as deusas se destorcem. Imaginem, uma deusa de conhecimento e sabedoria virar deusa de guerra! É um momento tão negro na história da civilização grega, que eles deixam de escrever. Quando surge este período de conquistas e de guerras entre os povos gregos, eles perdem a escrita, perdem a preservação da tradição deles. (eles vão recuperar depois, mas eles a perdem) Eles passam fome, investiram tanto na cultura da guerra, erguendo fortalezas e tudo mais, que toda a energia deles é voltada para isto, e eles passam a não ter mais alimento.

Então, a gente vê como algumas tradições de deusas, de culturas, de deusas da natureza, acabam, por vezes, se distorcendo em nome da guerra, em nome da conquista, da cobiça.

Falando de gregos, estes entram em contato com os celtas e fazem relatos. O primeiro relato que surgiu dos celtas foi de Heródoto dizendo que o Danúbio nasce na terra dos celtas. Mas quem são os celtas?

Aí que se começa a ter mais contato; os gregos começam a estabelecer comércio com os celtas e tudo mais. Porém, os chamam de bárbaros; para os gregos, o celta era a síntese do povo barbário, subdesenvolvido; eles não tinham escrita e tudo mais.

Page 18: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Aliás, os celtas não tinham escrita por um motivo muito claro; é muito bacana isto: Para eles, o conhecimento, a sabedoria era sagrado demais para ser passado para um papel ou uma pedra, ou o que fosse. Todo conhecimento celta era preservado através de poemas transmitidos oralmente. O poeta, responsável pela transmissão de conhecimento era chamado de bardo. ( a gente usa isto até hoje) E o bardo passava dez, quinze anos memorizando estes poemas.

É interessante a gente ver o porquê da cultura celta ser transmitida através poemas:

Em primeiro lugar, um poema é mântrico. Se a gente tem rima, tem um sistema mântrico.

Em segundo lugar, um poema, por ter rima, é mais fácil de memorizar.

Em terceiro lugar, o poema, por ter rima, não permite alteração. Se eu tenho uma rima num verso, eu não posso mudar a estrutura deste verso sem mudar a métrica ou a rima.

Então, o poema era lindo: Ah, que poético, eles transmitiam o conhecimento através de poesia. Sim; mas era um mecanismo de preservação do conhecimento original.

Estes poemas envolviam desde linhagem de reis até legislação, e até os assuntos mais elevados de filosofia.

Quando a gente fala de celtas, a gente tem sempre a impressão que vai ser como os gregos. Os gregos tinham uma cultura homogênea, os celtas não; eles se desenvolveram em ritmos diferente, em lugares diferentes; eles se suplantavam muito.

Uma coisa que era constante nestes povos celtas, era justamente, a manutenção deste culto à natureza que a gente falou.

Voltando para o presente: Quando a gente pega o desenvolvimento desta tradição chamada wicca , em que o Gerald Gardner vai buscar alguns conhecimentos celtas e trazer para a nossa realidade, ele entra em contato, justamente, com uma coisa que o mundo inteiro estava carente - o contato e o respeito com a natureza através das celebrações e tudo mais.

É interessante ver o quanto a wicca mudou desde 1.951, quando Gardner lançou estes primeiros livros, até os dias de hoje. Gardner lançou uma obra com dogmas, com conceitos fixos, com um modus operandi bem sólido. Só que a wicca, hoje, se livrou disso tudo, ela abriu mão destas limitações, vamos dizer, destes métodos, para ter hoje uma diversidade gigantesca. São várias tradições diferentes, cada uma com um método diferente, cada uma com um sistema mágico diferente, com um sistema ritual diferente. Mas todas elas tem um ponto em comum: O respeito e a integração à natureza.

Acho que este é o ponto chave; se eu tiver que definir a religião da deusa em poucas palavras, diria: A religião da deusa é, justamente, o culto à natureza; a preservação, a intenção, a vontade de se religar à grande mãe que é a própria natureza que nos cerca.

Qualquer outra coisa que a gente queira discutir em cima disto é acessório, complementar. O tema básico do livro é justamente este - mostrar o quanto estamos distantes desta natureza da qual fazemos parte. Eu não agüento a frase: "O homem tem de aprender a respeitar a natureza."; ele não tem de aprender a respeitar a natureza por um motivo muito claro - ele é a natureza.

Page 19: 6936835 a-religiao-da-grande-deusa-claudio-crow-quintino

Nó somos parte da natureza. Eu não sou sintético, acho que nenhum de vocês é; a gente não tem como dissociar a nossa essência da grande essência que está ao nosso redor. Nós todos passamos as três fases da lua, temos o mesmo ciclo de nascimento, crescimento e morte; donzela, mãe e anciã; jovem, pai e ancião.

Quer dizer, tudo é o micro refletido no macro. Se nós somos filhos desta deusa, somos a própria deusa, ou deus; eles estão dentro de nós.

Eu acho que este é o grande ponto - buscar este religare com a natureza que nos cerca, entender os ciclos, entender como estes ciclos podem ser positivos, (porque eles afetam a nossa vida, queiramos ou não) entender como eles podem ser maravilhosos se nós soubermos lidar com eles.

Saber ser donzela, saber ser mãe, saber ser anciã. Saber ser jovem, pai e ancião. Acho que esta e á base fundamental do que eu me propus a fazer com este trabalho.

Eu quero agradecer muito o convite do Carlos, agradecer muito a vocês, pela paciência estarem me ouvindo. É realmente, como falei no começo, um prazer enorme ter vindo aqui na Teosófica falar com vocês.

Pergunta: Na religião católica existe a Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo. E na cultura celta, como é?

A gente tem uma presença muito mais forte do complemento dos dois extremos. Não é um dualismo, mas é uma dualidade. O dualismo é a briga entre os opostos. Na religião celta é o equilíbrio entre os opostos, que gera a tríade. Se a gente tem o masculino e o feminino, tem o equilíbrio; se tem a luz e a treva, a gente tem o equilíbrio. De um jeito ou de outro a gente chega na trindade.