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A Morte da Carne e a Vida do Espirito
Título original: The Death of the Flesh the Life of the Spirit
Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
Jan/2017
2
P571
Philpot, J. C. – 1802-1869
A morte da carne e a vida do espírito / J. C. Philpot Tradução , adaptação e edição por Silvio Dutra – Rio de Janeiro, 2017. 34p.; 14,8 x 21cm Título original: The Death of the Flesh the Life of the Spirit 1. Teologia. 2. Vida Cristã 2. Graça 3. Fé. 4. Alves,
Silvio Dutra I. Título CDD 230
3
" Ó Senhor por estas coisas vivem os homens, e
inteiramente nelas está a vida do meu espírito;
portanto restabelece-me, e faze-me viver."
(Isaías 38:16)
Vocês sabem que estas palavras fazem parte
da carta que o rei Ezequias escreveu, depois que
foi recuperado daquela doença que Isaías, o
profeta, foi enviado para declarar que era para a
morte. Mas, quando o Senhor, em resposta às
orações e lágrimas de Ezequias reverteu a
sentença, e o levantou mais uma vez para a
saúde; e não apenas isso, mas o capacitou a dizer
"Eis que foi para minha paz que eu estive em
grande amargura; tu, porém, amando a minha
alma, a livraste da cova da corrupção; porque
lançaste para trás das tuas costas todos os meus
pecados." - então, para que houvesse um
registro duradouro do trato do Senhor com ele,
e uma palavra de consolo para os santos
afligidos sob a inspiração do Espírito Santo, ele
escreveu esta carta. Assim foi o seu canto
triunfal; o canto de sua libertação que ele cantou
sobre os "instrumentos de corda, e para a honra
e louvor do Senhor". (Isaías 38:20).
4
Antes, então de entrar no significado espiritual
e experimental das palavras do texto, será
necessário traçar um pouco da experiência de
Ezequias, para que saibamos o que ele
pretendia, quando usou esta expressão, "Ó
Senhor, por estas coisas vivem os homens, e em
todas estas coisas está a vida do meu espírito." O
termo "essas coisas" é claramente a chave do
texto, e tem uma referência a certos tratos de
Deus sobre sua alma, portanto para saber o que
pretendia transmitir, devemos dar uma olhada
nesses tratos de Deus com ele.
Ezequias, seja lembrado, era uma pessoa
graciosa diante de Deus, que trouxe sobre ele a
pesada provação registrada neste capítulo.
(Isaías 38). Mas, ele estava onde muitos do povo
de Deus se encontram, embora não soubesse
que não tinha sido mergulhado
suficientemente profundo em um
conhecimento de sua própria ruína, impotência
e desesperança como um pecador caído. Ele
necessitava ouvir o que o Sr. Deer fala sobre sua
experiência (ele usa uma palavra estranha, mas
muito expressiva), pois diz; "Depois disto, eu o
chamaria de reconversão?" Muitos do povo de
Deus precisam dessa reconversão. Eles
5
precisam de um segundo mergulho; e até que
tenham tido este segundo mergulho, não
conhecem, na maior parte, os mistérios do
evangelho profundamente.
Procurarei traçar a experiência de Ezequias,
para explicar meu significado mais plenamente
e mostrar assim, quão consistente é com os
ensinos e os negócios de Deus no coração.
Ezequias, como eu tenho sugerido, era um
participante da graça antes da pesada prova que
veio sobre ele conforme registrado neste
capítulo. E você vai perceber traços mais
marcantes de seu caráter espiritual, do que é
dito dele nas passagens correspondentes nos
livros de Reis e Crônicas; pois lá temos muitas
provas de que ele era alguém que temia a Deus.
Por exemplo, encontramos um grande zelo pelo
Senhor, quebrando as imagens e cortando os
bosques. É também expressamente dito, que
"ele confiou no Senhor"; que "ele se apegou a Ele,
e não se apartou de segui-Lo"; e que "o Senhor
estava com ele". (2 Reis 18: 4-7).
Como ele trabalhou arduamente para que a casa
de Deus fosse aberta (pois tinha sido fechada por
seu pai Acaz), cada parte do templo foi
6
purificada, seu culto e a Páscoa devidamente
celebrados. (2 Cr 29). Vemos também, como seu
amor se estendeu além de Judá; ele enviou o
correio, nós lemos, de Dan para Berseba para
reunir na festa solene os que temiam o Senhor
das tribos de Israel.
Ele era também um homem de terna
consciência; alguém que conhecia algo de real
quebrantamento e contrição perante o Senhor;
pois quando a carta blasfema veio do rei da
Assíria, encontramo-lo rasgando suas vestes,
vestindo-se de saco e entrando no templo para
derramar a carta perante o Senhor; não apenas
derramando a carta, mas também derramando
sua alma em clamores e gemidos, em orações e
súplicas, para que Deus vindicasse a sua própria
causa, e livrasse seu povo das mãos de
Senaqueribe. (Is 37). Além disso, na véspera da
provação veio a libertação. Deus ouviu seus
clamores, feriu o exército do rei da Assíria, e deu
a Ezequias este testemunho impressionante, de
que Ele tinha ouvido sua oração, cortando cento
e oitenta e cinco mil do exército poderoso que o
tinha ameaçado, e livrado Jerusalém da
destruição total .
7
Juntando todas essas evidências, não podemos
duvidar de que Ezequias era neste momento,
alguém participante da graça. Vemos seu zelo,
sua fé, seu amor, sua humildade e a ternura de
sua consciência; que ele sabia o que era oração
espiritual, e respostas à oração; a aplicação à a
promessas, e o cumprimento delas.
Mas, ainda assim, embora tivesse a graça do
Espírito em sua alma, embora tivesse um novo
coração e uma nova natureza, e tivesse recebido
sinais de misericórdia de Deus, ainda havia algo
deficiente, algo que lhe faltava profundamente.
E este é o caso de muitos do povo de Deus. Eles
têm o temor de Deus em sua consciência; eles
têm um zelo pelo Senhor dos exércitos; têm um
amor ao seu nome, ao seu povo e à sua verdade;
têm uma medida de ternura de coração e
sinceridade divina; e às vezes, quando entram
em tribulações, o Espírito de graça e de súplicas
é derramado sobre eles, pelo qual clamam ao
Senhor, que lhes ouve e responde. No entanto,
há algo que lhes falta profundamente; eles ainda
estão somente flutuando na superfície da
verdade; ainda têm uma religião superficial; "as
fontes do grande abismo", como Deer diz de si
mesmo, "não foram quebradas"; a profundidade
8
da depravação humana, a traição do coração, o
orgulho, a presunção e a hipocrisia de sua
natureza caída, e todo esse abismo insondável
da queda de Adão, que está tão coberto pelo véu
da ignorância e da incredulidade; a ruína na qual
foram precipitados pela transgressão de seu
antepassado, não foi aberta pelo Espírito de
Deus em sua consciência.
Portanto, só flutuam sobre a superfície da
verdade, sem mergulhar fundo naquele mar
insondável da miséria do homem e da
misericórdia de Deus, para arrancar as
preciosas joias que só podem ser encontradas lá.
Por falta de um trabalho mais profundo sobre
sua consciência; por falta de ser mais despojado
e provado; por não serem mais conduzidos
poderosamente ao conhecimento de sua ruína e
miséria, suas visões de Jesus são superficiais,
meramente flutuando mais na cabeça do que
sentidas no coração, e consistindo mais na
recepção da sã doutrina no julgamento, do que
em um conhecimento espiritual com Jesus
como Ele é, e com tudo o que fez por Seu povo,
em um espírito quebrantado e contrito. Isso não
é verdade para a maior parte do povo de Deus na
cidade e no campo? E não é esta religião
9
superficial e frágil, fomentada pela pregação
superficial e doutrinária atual?
As pessoas me confessaram, com lágrimas
brotando de seus olhos, que enquanto estavam
sentadas sob ministros doutrinários, nunca
conheceram sua própria miséria, nem
experimentaram a misericórdia de Deus.
Agora o que é curar esta deficiência? O que é
levá-los a uma experiência mais poderosa da
verdade? O que é trazê-los para fora desta
religião sincera e contudo superficial? O que é
aprofundar a obra da graça em sua consciência?
Porquanto, as coisas que Deus trouxe sobre
Ezequias, "Naqueles dias Ezequias estava doente
até a morte. E o profeta Isaías, filho de Amoz,
veio a ele e disse-lhe: Assim diz o Senhor: Ponha
em ordem a tua casa; porque morrerás e não
viverás. (V. 1). Foi assim que o Senhor agiu para
aprofundar sua obra no coração de Ezequias;
trazer a morte diante dele. E sem dúvida, como a
sentença de morte entrou em seu corpo, assim
também entrou em sua consciência.
10
E assim, o Senhor, ao enviar para casa a
sentença de morte em seus próprios atos vitais,
e trazê-la pela autoridade divina em seu coração
e consciência, quebrou em pedaços o que era
oco, falso e insincero, e mostrou-lhe a sua
verdadeira posição diante dele. Em uma palavra,
ele sentiu que não estava apto para a eternidade,
para entrar na presença de Deus. Sua fé ainda
não abraçara completamente a Pessoa, o amor,
o trabalho e o sangue de Jesus; sua esperança
ainda não tinha tomado uma firme ancoragem
dentro do véu, e de fato, sua religião estava mais
"na sabedoria dos homens" do que no "poder de
Deus".
Agora, meus amigos, sei por experiência da
alma que, até que o Senhor prove Seu trabalho
sobre o nosso coração, descansaremos numa
religião superficial, estaremos contentes com
evidências superficiais, esperanças fracas e
expectativas sombrias; ficaremos satisfeitos
com um ligeiro ferimento e uma ligeira cura.
Por falta de ensinamentos mais claros e mais
profundos, estaremos prontos a pensar que
alcançamos coisas muito maiores na vida divina
do que de fato alcançamos, e assim seremos
capazes de nos enganar parcialmente; eu não
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digo inteiramente, porque tenho uma
experiência verdadeira, embora superficial.
Mas, toda essa religião superficial é pela falta de
Deus enviando para casa a sentença de morte na
consciência, como diz o Apóstolo; "Tínhamos a
sentença de morte em nós mesmos." (2 Cor 1: 9).
Falo do que sei, pois eu estava aqui, eu creio, eu
mesmo por algum tempo depois que o Senhor
primeiro vivificou a minha alma.
Mas, o que eu gostaria de chamar sua atenção
mais particularmente é: que efeito foi produzido
em Ezequias quando a sentença de morte
entrou em sua consciência? Lemos, "Então
Ezequias voltou o rosto para a parede e orou ao
Senhor". Que realidade, que poder, que
veracidade irradia através dessa expressão! É
como se ele se afastasse da criatura, do mundo e
de toda a força, sabedoria e justiça da carne, para
buscar a Deus como seu refúgio. Sem dúvida,
havia no tempo de Ezequias, como no nosso,
aqueles que lhe dariam falsa consolação; havia,
sem dúvida, em torno de seu leito de morte,
rebocadores, com espátulas polidas e montões
de argamassa não temperada. Os sacerdotes,
temos certeza, reuniram-se em torno dele, e
procuraram administrar falsos conselhos à sua
12
alma. "Lembra-te", eles diriam: "Ó rei, o teu zelo
pelo Senhor, recorda como purificaste o templo,
como celebraste a páscoa, despedaçou a
serpente de bronze, tudo quanto fizeste por
Deus, Como o Senhor te livrou da mão do rei da
Assíria.” Mas, todas essas consolações (ou o que
elas pretendiam ser) não lhe serviram de
consolo, porque todas caíram sobre um coração
que não podia recebê-las. A sentença de morte
estava em sua consciência; culpa, ira e
condenação estavam todos queimando sua
alma; as flechas do Todo-Poderoso estavam
penetrando seu espírito. Foi o propósito de Deus
que ele não deveria ser assim confortado, pois
se ele pudesse ter recebido paz nas coisas que
estavam tentando esmagá-lo, ele teria perdido o
conforto que Deus tinha projetado através desta
provação para trazer à sua alma.
Agora, essa é a razão pela qual Deus não
permitirá que Seu povo seja confortado pela
opinião dos homens, porque Ele quer tirá-los da
confiança na criatura, para desmamá-los de
apoiar-se em um braço de carne, e trazê-los para
o local onde Ele e somente Ele, torna-se toda a
sua salvação e todos os seus desejos. Portanto,
para tirá-los da criatura, ele derruba os pés
13
podres de debaixo deles, com os quais, com
tanta frequência, tentam arrematar e reforçar
sua alma que está afundando.
Mas, para onde Ezequias se voltou? Ele virou
"para a parede e orou ao Senhor". Sua cama
provavelmente estava perto da parede, e
voltando-se para ela, expôs o que sentia, que
agora tinha que lidar com Deus sozinho, e que
nenhuma criatura deveria estar entre o Senhor
e ele. Ele se voltou, longe dos amigos e de cada
coisa terrena, para buscar somente ao Senhor.
Agora este é o lugar para o qual Deus trará todos
os seus filhos. Ele faz com que todo o seu povo,
através de convicções dolorosas, afiadas,
cortantes na consciência se afastem das
criaturas, e de todo o conforto falso, para vir ao
Senhor como sentimentalmente perdido, nu,
culpado e desfeito, a fim de que possa atar as
feridas que suas próprias mãos fizeram.
Presunção, hipocrisia e autojustiça não podem
viver aqui. Só o temor divino e a sinceridade
espiritual respiram neste ar.
Mas, lemos, que ele não somente virou o rosto
para a parede, mas "orou ao Senhor, e chorou
amargamente". Não há oração real até que
14
viremos nossos rostos para a parede. Não há
derramamento verdadeiro do coração diante do
Senhor até que sejamos levados a
circunstâncias nas quais somente o Seu braço
esticado pode nos livrar. Quantos do povo de
Deus continuam orando de maneira formal,
dobrando os joelhos de noite e de manhã com
toda a regularidade (Eu não falo contra isso),
mas quão pouco sabem da oração sincera, ou de
clamar ao Senhor pela angústia da mente e por
derramar sua alma em Seu seio, porque não têm
outro refúgio para ocultar suas cabeças
culpadas!
Não há oração real até que haja este
derramamento do coração diante do Senhor,
nem qualquer súplica real, luta fervorosa, e
clamor importuno até que a alma, em
necessidade profunda, vira sua face para a
parede, procurando Jesus como sua única
esperança e refúgio.
“E chorou amargamente”. Ele não podia se
confortar com as coisas que tinha feito para o
Senhor. Ele não podia olhar para suas
evidências, pois estavam todas obscurecidas;
não podia rever sua vida bem-gasta, pois estava
15
manchada por toda parte; ele não podia olhar
para o futuro, ou para o que pretendia fazer por
Deus, pois o futuro era um vazio sombrio; sim,
uma eternidade para a qual ele estava se
apressando sem saber como estava diante do
Senhor, se foi perdoado, aceito e salvo, ou se a
ira de Deus devia permanecer sobre ele para
sempre.
Agora, quando foi reduzido a este extremo, o
Senhor apareceu para ele. O Senhor sempre
quis aparecer; nunca quis matá-lo, como
ameaçou; Ele sempre se propôs a prolongar sua
vida por quinze anos, mas o conduziu a esta
provação, não apenas para ensinar-lhe a sua
profunda culpa e miséria, mas também para
mostrar as superabundâncias de Sua própria
graça em perdoar seus pecados através do
sangue do Cordeiro. Assim, Ezequias teve de
bendizer a Deus todos os dias da sua vida, como
ele declara, por ter sido levado para estas águas
profundas, por ter passado por esta fornalha e
por ter sido levado a esta provação, porque nela
aprendeu o que não podia aprender em outro
lugar, e nela o perdão e a paz foram
abençoadamente comunicados com o poder
divino e sagrada unção à sua alma.
16
Ao livrá-lo, então desta provação, o Senhor
prolongou sua vida natural, sorriu sobre sua
alma e o preservou de descer à cova, lançando
todos os seus pecados para trás. Ensinado e
guiado pelo Espírito, Ezequias escreveu esta
carta como um doce memorial dos tratos do
Senhor com ele, que poderia ser um
encorajamento para o povo de Deus em
circunstâncias semelhantes no tempo
vindouro.
Mas, o ponto principal a que gostaria de chamar
sua atenção está contido nas palavras do texto.
Vamos, então com a bênção de Deus, ver qual é
o significado e a mente do Espírito Santo nelas.
"Ó Senhor, por estas coisas vivem os homens, e
em todas estas coisas está a vida do meu
espírito". Quais eram essas coisas a que ele
alude? As palavras "estas coisas" referem-se ao
que Ezequias tinha falado – a provação em que
tinha sido atirado, e a libertação que lhe fora
dada; a imposição do pecado sobre sua
consciência e seu lançamento por trás das
costas do Senhor; a fornalha em que fora posto,
e o Senhor o tendo trazido com segurança e sem
ferimentos; a sentença de morte enviada à sua
consciência e a manifestação de luz, vida, paz e
17
salvação pela qual Deus a removeu, quando por
ela fora completamente esvaziada, humilhada e
despojada. Assim, por "estas coisas"; pela
provação e libertação, pela aflição e consolação,
pela dor e cura, por sermos humilhados e
ressuscitados, tornados pobres e enriquecidos;
por estas séries alternadas de operações de
Deus na consciência "vivem os homens", "E em
todas estas coisas", sendo trazido a elas, sendo
levado por elas, e sendo libertado delas; "em
todas estas coisas está a vida de nosso espírito".
I. Vamos, pois ver como, por "estas coisas", os
homens vivem. Qual é o efeito quando a
sentença de condenação entra na consciência?
Por ela vivemos. Como assim? Viver pela morte?
Como pode ser?
Porque a vida de fé na alma é de tal natureza, que
tudo o que enfraquece a natureza, fortalece a
graça, e tudo o que alimenta a natureza, abala a
fé. A vida de Deus na alma é uma terna planta
exótica que, como uma flor entre as ervas
daninhas, vive quando a natureza ao seu redor
morre. De modo que "por estas coisas vivem os
homens", uma vez que a vida espiritual é levada
a cabo e revigorada na alma, através das
18
provações e tentações que enfraquecem a
carne.
1. Por exemplo, estas provações nos mortificam
para o mundo. Não achamos isso uma verdade
solene, que quando todas as coisas vão bem
conosco, quando o mundo é todo sorrisos,
quando as circunstâncias prosperam, quando o
corpo é saudável, forte e vigoroso, a religião
espiritual está quase morrendo em nossas
almas? Não é verdade que como Jesurum,
quando estamos engordando, chutamos?
Não sentimos quando o mundo fica mais firme
em nosso coração, que as coisas de Deus
perdem sua realidade e poder na consciência?
Não é uma questão de experiência, que assim
como a natureza floresce dentro de nós, assim a
graça parece murchar, e enfraquecer?
O florescimento conjunto dessas duas coisas é
incompatível. A natureza é enfraquecida? A
graça é fortalecida. A graça está enfraquecida? A
natureza é fortalecida. A natureza e a graça, o
espírito e a carne, são tão inteiramente opostos;
a morte de um é a vida do outro, e a vida de um é
a morte do outro.
19
Portanto, para enfraquecer a natureza e fazer do
mundo e seus encantos nada à nossa vista, o
Senhor envia ou permite que as provações e
aflições venham sobre nós, que enfraquecendo
a natureza e abatendo nossa alma, Ele pode fazer
com que a vida do Espírito seja mais ativa e
vigorosa em nosso coração. Por exemplo,
quando uma provação nos sobrevém, como
aconteceu com Ezequias (uma provação que
tenho passado em certa medida, e portanto, sei
alguma coisa dela); quando a sentença de
condenação entra em nossa consciência, qual é
o efeito disso? Em que estado e circunstância a
provação nos encontra?
Na maior parte, encontra-nos cheios do mundo;
temos alguma sinceridade, algum temor
piedoso, algum desejo de estar certo, e alguns
que tememos estarem errados. Tivemos alguns
testemunhos, desfrutamos de alguma medida
de consolo e paz de Deus em nossa consciência,
porém, por falta de um trabalho mais profundo,
por falta de operações de despojamento e
esvaziamento do Espírito, o mundo se infiltrou
gradualmente sobre nós e tomou posse de
nosso coração e afeições; e não sabemos até que
ponto nos desviamos do caminho certo, e em
20
que estado de magreza, esterilidade e morte
espiritual nos encontramos , até que venha a
provação.
Mas, quando a provação, a tentação ou a aflição
vierem; quando a sentença de condenação
entrar com poder na consciência, ela nos
mostra onde estamos, quão insensivelmente
mergulhamos no amor do mundo, e quão
imperceptivelmente seu espírito atingiu suas
fibras profundas em nossas afeições.
Quando a morte nos olha na cara, quando
nossas evidências se afastam da vista, quando
Deus se esconde, e sua ira é sentida na
consciência; que coisa vã é o mundo!
Quando, nestas circunstâncias, e sangrando sob
as feridas que o Espírito faz na alma, que pobre
consolo são os confortos, prazeres, riquezas e
honras que este mundo oferece! Que bálsamo
eles podem dar às feridas de uma consciência
culpada?
Assim, o espírito do mundo, a escória e o
estanho misturados com o metal puro, são
21
purgados pela severidade da provação e calor da
fornalha em que a alma é lançada.
2. Mas, ainda. O julgamento nos encontra muito
neste estado, confundindo os ensinamentos do
homem com os ensinamentos de Deus;
acumulando um tesouro, sem que o Senhor
comunique suas preciosas riquezas, pelas
operações do Espírito Santo, à nossa
consciência. Quantas pessoas existem, e é de
temer que muitos do povo de Deus estão entre
eles, que estão confundindo a forma da religião
com o poder dela; confundindo doutrinas
aprendidas na cabeça com os ensinamentos do
Espírito na alma! Agora, quando esta provação
vem sobre nós, o Senhor nos leva e nos coloca na
fornalha, queima toda essa falsa religião. Talvez
tenhamos nos tornado muito sábios na letra da
Palavra, possuímos lembranças remanescentes
que temos guardado com textos e passagens da
Escritura, ouvimos muitos pregadores
excelentes, lemos numerosos livros escritos por
grandes teólogos e, assim, acumulamos muitos
tesouros.
Mas, quando a sentença de condenação vier,
estes tesouros, amontoados para o dia do mal,
22
são todos expulsos como fumaça da chaminé, ou
palha da eira. Eles não podem suportar o dia da
provação, não sendo forjados na alma pelo
poder divino, nem selados no coração por um
testemunho de Deus, mas apenas flutuando na
provação. Quando o pecado não perdoado pesa
sobre a consciência, os sentimentos mais
sólidos e os pontos de vista mais claros, que não
foram introduzidos no coração pelo Espírito de
Deus, não podem dar paz à mente; e não
podemos mais pendurar-nos sobre eles para
salvar nossas almas da ira vindoura, do que um
homem afogado pode pendurar em uma palha
para salvá-lo de afundar nas águas profundas.
Assim, esta provação expurga uma grande
quantidade de religião falsa.
3. Ainda enquanto neste estado, antes de termos
tido o segundo passo, marque-o, estou falando
aos filhos de Deus; há muita presunção na
mente carnal, que passa para a fé. Muitos do
povo de Deus usam a linguagem da segurança,
que nunca receberam dos ensinamentos de
Deus, o Espírito. Eles ouviram o ministro dizer;
"Meu Deus, e meu Jesus"; na reunião de oração
ouviram, "Meu Deus e meu Pai" e cantaram o
hino, sem que o Espírito Santo tivesse
23
derramado o amor de Deus em seu coração, ou
lhes tivesse dado o espírito de adoção para
clamar "Abba Pai". Assim, eles tomaram esses
termos apropriando-se dos lábios dos outros, e
ignorantemente confundem esta presunção tão
abundante nos dias de hoje, como sendo a
verdadeira segurança da fé.
Mas, quando Deus leva um homem à água e lhe
dá um segundo mergulho, ele afoga essa
presunção e o leva a este lugar, que não tem
senão aquilo que Deus dá, não sente senão o que
Deus inspira, só sabe o que Deus ensina, e nada
mais do que o que Deus faz. Então, um homem
observa as numerosas palavras que caíram de
seus lábios. Quão alto ele subiu, enganado pelo
exemplo dos outros, e agora encontra o que ele
pensava ser a fé; ser nada mais que uma ousada
presunção e uma vaidosa confiança. Assim, esta
provação acentuada corta sua falsa fé, e o
rebaixa com tristeza, em profunda humildade e
contrição perante o Senhor.
4. Outro efeito que a provação produz é este.
Quando a sentença de condenação dos lábios de
Deus entra na consciência, ela abre os olhos de
um homem para ver a realidade da piedade vital.
24
Meus amigos, há muita conversa sobre religião,
mas quão poucas pessoas sabem alguma coisa
sobre a verdadeira religião, sobre o segredo da
piedade vital, sobre os ensinamentos e
operações internas do Espírito Santo sobre o
coração!
Muitos homens falam fluentemente de
doutrinas, e das bem-aventuradas verdades do
evangelho, mas que bem podem fazer meras
doutrinas para mim, se não forem seladas no
meu coração e aplicadas com poder divino à
minha consciência?
Sem isso, as maiores verdades não podem me
fazer nada de bom. Mas, quando o Senhor faz
com que aprendamos acerca da nossa total
insuficiência, conhecendo nossa real condição
de impotência, nos coloca na fornalha e nos
arrasta pelas águas, Ele nos mostra que a
verdadeira religião, a piedade vital, é algo mais
profundo, mais espiritual, mais sobrenatural,
algo que está mais nos ensinamentos do Espírito
e sua operação no coração, do que nunca
sonhamos antes de entrarmos na provação.
Poderíamos ter tido os pontos de vista mais
claros da verdade doutrinária, e professarmos
25
acreditar também, que a verdadeira religião é
obra do Espírito Santo; no entanto, estas eram
apenas noções escuras flutuando na cabeça,
antes que chegássemos à fornalha. Mas, essas
coisas agora são vistas sob uma luz diferente, e
sentidas de uma maneira totalmente diferente.
O que antes era apenas uma doutrina, torna-se
agora uma verdade muito certa; e o que antes
era apenas um sentimento, está agora selado
como uma realidade viva na experiência.
Como o Senhor, então nos leva para o pó, Ele tira
nossa mera religião conceitual e doutrinária.
Ele começa a abrir ao nosso coração, a
verdadeira natureza da piedade vital, que é algo
mais profundo, mais espiritual, mais poderoso,
algo mais experimental do que qualquer coisa
que já conhecemos; que consiste nos
ensinamentos e orientações do Espírito Santo
na consciência.
Assim que isto é sentido, despoja o homem de
tudo o que aprendeu na carne, e o leva ao pó da
morte; e quando trazido lá, o Espírito abre as
verdades do evangelho de uma maneira que ele
nunca tinha conhecido antes.
26
Muitas pessoas conhecem a verdade apenas na
letra, mas quão poucos pelos ensinamentos e
operações de Deus, o Espírito, no coração! Eles
têm visões sãs do caminho da salvação, mas
nunca foram trabalhados com poder em sua
alma; eles têm mentes claras, mas seus
corações não são quebrados em contrição e
piedade; suas mentes estão bem instruídas nas
verdades do evangelho, mas essas verdades não
foram comunicadas por "uma unção do Santo";
nem têm sido sentidas com uma convicção
solene e esmagadora, por meio da qual
conhecem a verdade e seu poder, e têm suas
almas batizadas em uma conformidade
espiritual com o doce prazer dela.
Até que um homem é obrigado a ver o vazio de
uma mera profissão, a ter seu livre arbítrio
despojado e purgado, a ser tirado daquela
religião vazia tão geralmente corrente, e é
dividido em humildade no escabelo da
misericórdia divina, ele não sentirá o poder, a
realidade, a doçura e a bem-aventurança do
amor esmagador de Deus exibido no evangelho.
Até que a alma seja despojada, até que o vaso
seja esvaziado, essas coisas não podem ser
conhecidas, nem está em condições de receber
27
as gloriosas riquezas da graça livre. Até que a
escória e o estanho sejam removidos do
coração, o metal puro não pode brilhar, até que
essa palha seja queimada, o trigo fica
amontoado numa massa confusa na eira. O
Senhor, portanto provará seu trabalho no
coração, porque é um Deus zeloso, e não dará
Sua glória a outro, mas manterá para si mesmo
a prerrogativa de soberana misericórdia, e de
salvar ao máximo.
Quando Ezequias, então disse; "Por estas coisas,
os homens vivem", ele quis dizer que por estas
provações e libertações, por esses
afundamentos e levantamentos; esvaziamento e
enchimentos, "os homens", isto é, os homens
espirituais, "vivem". (Nota do tradutor: De fato é
somente por este método divino que a
verdadeira espiritualidade pode ser trazida à
alma e ser mantida nela, de modo que não há
verdadeiro crente espiritual onde não houve
um trabalho operado pelas provações, para a
quebra do velho homem, tendo em vista
possibilitar o revestimento do novo.)
É um mistério, mas uma grande verdade, que na
proporção em que morremos para o mundo,
28
para o “eu”, para o sentido, para a natureza e
para a religião falsa, mais a vida de Deus é
fortalecida em nossa consciência. Talvez o
Senhor tenha ensinado esta verdade a alguns de
vocês, através de grandes aflições. Mas, quando
estas provações vieram sobre você no início,
parecia como se elas o submergiriam
inteiramente; elas moveram a sua posição, e
parecia que tinham destruído a sua fé e
esperança. Mas, embora estas inundações de
tentação passassem sobre a alma, elas varreram
apenas o lixo, que até então era confundido com
os ensinamentos interiores de Deus, pelo
Espírito. Até agora, a partir dessas aflições
esmagando sua fé, você descobriu que a fé foi
secretamente fortalecida pela própria
inundação que ameaçou no início afogá-la.
A fé verdadeira não é mais destruída por
provações afiadas, do que o carvalho é destruído
por se cortar a hera que o envolve, ou por uma
tempestade soprando e arrancando alguns de
seus ramos podres. Quando as tentações nos
atacaram pela primeira vez, pensamos que elas
nos destruiriam completamente; eram tão
poderosas que não conseguimos resistir a elas;
e ameaçaram não nos deixar uma única vela em
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nosso barco para ser colocada diante do vento.
Mas, não descobrimos depois que a primeira
rajada da tempestade ocorreu, que ficamos mais
profundamente enraizados na verdade, e fomos
capazes de entrar mais no poder e na doçura
dela?
Comparei professantes de religião às vezes, com
árvores de dois tipos diferentes de crescimento.
Há aqueles que se assemelham a abetos em uma
plantação, e outros, a carvalhos em um parque.
Os abetos, amamentados em uma plantação,
(como professantes em uma igreja) e abrigados
do vento, são facilmente arrancados pela
tempestade; enquanto que pela mesma rajada
os carvalhos só ficam mais profundamente
enraizados. Quanto mais os ventos invernais
sopram e as tempestades uivam, e quanto mais
batem sobre o carvalho, mais firmemente se
fixa, mais profundamente as raízes atingem a
terra, mais altos os ramos sobem para o céu,
mais amplamente se espalham sobre o solo.
Assim, espiritualmente, as tempestades que
passam sobre um filho de Deus, em vez de
enfraquecer, apenas o fortalecem, porque o
aproximam do Senhor. E assim, como o
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carvalho, quanto mais o vento sopra sobre ele,
tem uma raiz mais firme no solo; de modo que
as tempestades que sopram sobre a alma, só
fazem com que ela tome uma postura mais
firme da verdade, e afete suas fibras mais
profundamente na Pessoa, no amor, no trabalho
e no sangue de Jesus. Assim, "por estas coisas
vivem os homens", pois através deles, a vida de
Deus é mantida na alma, o Espírito Santo a
fortalece secretamente pelas mesmas coisas
que pareciam ameaçá-la com a destruição.
II. Mas, ele acrescenta: "E em todas estas coisas
está a vida do meu espírito". Por "espírito", ele se
refere à "nova natureza", assim chamada de seu
nascimento do Espírito. Essa "nova natureza"
tem seus fluxos e refluxos, afundamentos e
ressurgimentos; tem suas flutuações, e às vezes,
para nossos sentimentos parece quase extinta
do nosso coração. Mas Ezequias diz, em todas
estas aflições e consolações, esses movimentos
e fluxos, esses levantamentos e afundamentos -
"em todas estas coisas está a vida do meu
espírito". Por toda essa contrariedade do
sentimento e graça na alma, a vida de Deus no
coração é nutrida, fortalecida e revivida.
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Tão longe estão essas provações, tentações,
dificuldades e perplexidades, de destruir ou
oprimir a graça de Deus na alma, que as próprias
tribulações, ao passar por eles, são a vida do
espírito. A graça floresce em meio a essas
aflições; a fé está em operação mais viva pelos
pesos e encargos que são colocados sobre ela,
porque Deus assim o ordenou; que quando
somos fracos, então somos fortes. Este é o
grande segredo da piedade, "a minha graça te
basta, porque a minha força se aperfeiçoa na
fraqueza." (2 Coríntios 12: 9). Portanto, para que a
força de Cristo se torne perfeita em nós,
devemos entrar em provações e tentações, a fim
de que nossa fraqueza nos convença de nossa
profunda necessidade e nos traga àquele lugar
onde a força de Cristo é aperfeiçoada.
“Meus irmãos, tende por motivo de grande gozo
o passardes por várias provações, sabendo que a
aprovação da vossa fé produz a perseverança; e
a perseverança tenha a sua obra perfeita, para
que sejais perfeitos e completos, não faltando
em coisa alguma.” (Tiago 1. 2-4).
“Bem-aventurado o homem que suporta a
provação; porque, depois de aprovado, receberá
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a coroa da vida, que o Senhor prometeu aos que
o amam.” (Tiago 1.12).
“E não somente isso, mas também gloriemo-nos
nas tribulações; sabendo que a tribulação
produz a perseverança, e a perseverança a
experiência, e a experiência a esperança;” (Rom
5.3,4).
Somos assim levados a sentir que todas estas
provações e libertações são
misericordiosamente dadas; para fazer com que
nosso espírito reviva e floresça, para mostrar
que o Senhor é poderoso em nos ajudar, que
nEle habita toda a plenitude divina, e que,
daquela plenitude, recebemos graça sobre
graça. E assim, o Senhor secretamente mantém
a vida que deu; por estas mesmas provações, e o
que sai delas; por essas mesmas tribulações e
libertações, Ele faz com que a nova natureza
reviva e floresça, não só apesar de, mas através
e por conta dessas provações que uma vez
pareciam prontas para dominá-la e quase
destruí-la.
Que misericórdia é, saber que estas provações e
aflições são enviadas pela mão de Deus! Que
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misericórdia, embora seja doloroso ao extremo
ser despojado e esvaziado de todos os nossos
refúgios mentirosos, para sentir a verdade
dessas palavras, "E regrarei o juízo pela linha, e
a justiça pelo prumo, e a saraiva varrerá o
refúgio da mentira, e as águas inundarão o
esconderijo." (Isaías 28:17).
Aqueles de nós que conhecemos a praga de
nossos próprios corações, que refúgio de
mentiras encontramos lá!
E que misericórdia é ser levado a sentir a
sentença de condenação aplicada com poder à
nossa consciência, de modo a reprovarmos o
mal que há em nós, e a exaltarmos a justiça e a
verdade que existem em Jesus!
Que resultados abençoados dependem dessas
provações! De modo que as mesmas coisas que
pensamos estarem contra nós, achamos serem
as mesmas coisas que são mais por nós; e as
coisas que pensamos serem mais por nós,
provamos serem mais contra nós. As mesmas
coisas que pensávamos que tínhamos mais
motivo para temer, são as mesmas coisas pelas
quais temos mais motivos para ser gratos; e se
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tivéssemos aquelas coisas que nossos corações
carnais mais desejariam, elas deixariam a alma
estéril e vazia.
Assim, então a alma encontra, "por estas coisas
os homens vivem, e em todas estas coisas está a
vida do meu espírito", para que, na hora da
meditação solene possamos bendizer a Deus
pelas provações e tribulações, agradecer-lhe
pelas fornalhas e louvá-Lo por esvaziar-nos e
despojar-nos, porque descobrimos que ocasião
Ele tirou disso para ensinar e consolar a alma, e
levá-la em alguma medida de conformidade
com a imagem de sofrimento de Cristo. E assim
nos encontramos, como disse Ezequias "Em
todas estas coisas," dolorosas como são, "está a
vida do nosso espírito."