1. MSTICA CIDADE DE DEUS MARIA DE GREDA PRIMEIRO TOMO MARIA NO
MISTRIO DA CRIAO (Na pr-histria de Jesus)
2. ' Cristo e Maria, primeiras criaturas ideadas por Deus
(Trechos extrados do I o Livro) Antes de criar qualquer coisa, na
mente das trs divinas Pessoas - Pai. Filho e Esprito Santo - em
primeiro lugar se acha- vam presentes: o Verbo encarnado - Jesus
Cristo - e a Mulher da qual assumiria a na- tureza humana - Maria.
No instante da criao da alma de Maria, a beatssima Trindade disse,
com imenso amor, as palavras que Moiss refere no Gnesis (1.26):
"Faamos Maria nossa imagem e semelhana"; nossa verdadeira Filha e
Esposa, para Me do Unignito do Pai. No pde toc-la a mancha e obscu-
ridade do pecado original, mas achou-se em perfeitssima justia,
superior a de Ado e Eva ao serem criados. Maria, Arca da Aliana, Me
do Fi- lho de Deus (Trechos extrados do 2o Livro ) A arca da aliana
foi figura de Maria Santssima. T o misteriosa e sagrada Arca
construda pela mo do prprio Deus para sua habitao e propiciatrio de
seu povo, deveria ficar no Templo, onde se encontrava a outra arca
material do Antigo Testamento. Por esta razo, ordenou o Senhor, que
Maria fosse apresentada ao Templo aos trs anos de idade. Ali
permaneceu at os 13 anos e meio. Os sacerdotes do Templo, respons-
veis pela jovem cujos pais j eram falecidos, e movidos por inspirao
divina, julgaram que, conforme o uso da poca, deviam es- tabelecer
Maria no estado do matrimnio. Consultada por um deles, ela decla-
rou: Quanto de minha vontade, sempre desejei guardar perptua
virgindade, dedi- cando-me a Deus e ao seu servio neste santo
Templo. Vs, porm, que estais no lugar de Deus, me ensinareis o que
for de sua santa vontade. Com um milagroso sinal, o cu indi- cou
Jos como o escolhido para esposo da purssima jovem, a futura esposa
do lispui- to Santo e me do Filho dc Deus. Maria confia a Jos seu
voto de perptua castidade, dizendo-lhe: Meu se- nhor e esposo, em
meus primeiros anos consagrei-me a Deus com perptuo voto dc ser
casta de alma e corpo. Para cumpri-lo. quero que me ajudeis, e no
mais. serei vossa fiel serva. Repleto de espiritual jbilo pelas
palavras dc sua divina Esposa, o castssimo Jos lhe respondeu: Quero
que saibais, Senhora que aos doze anos. tambm fi/ promessa de
servir ao Altssimo cm casiida- de perptua. Confirmo-a agora c
prometo ajudar-vos quanto estiver em minhas foras para que. em toda
pureza o ameis e sirvais Serei vosso fidelssimo servo e guatda
Sobre estes divinos alicerces - ilibada virgindade, orao,
humildade, coiuotdia fundou-se o lar e unio tia santssima Vir gem
Maria e do castssimo Sao Jose Assim foram sendo preparados paia o
mistrio da Encai nao do Verbo, misso para a qual Deus os destinara
Pedidos ao: M o s t e i r o P o r t a c e l i S^/l 11Caixa Postal,
595 84001 -970 - Ponta Grossa - Paran
3. Impresso c Acabamento: Grfica Lagoa Dourada Av. Monteiro
Lobato, 1265 - Jardim Carvalho e-mail: [email protected] -
Fone/Fax: (42) 3223-8259 Ponta Grossa - Paran t
4. Registro: 284.420 Livro: 514 Folha: 80 da Fundao BIBLIOTECA
NACIONAL/RJ Ficha catalogrlca elaborada pela Biblioteca Central -
UEPG/Pr. greda, Soror Maria de A277 Mstica cidade de Deus (Obra
clssica do sc.XVII): 1655- 1660,/Soror Maria de greda; traduo de
Irm Edwiges Caleffi. 2,ed. Ponta Grossa, Mosteiro Portaceli, 2000.
4v. il. Contedo : v. 1. Maria no Mistrio da Criao, v. 2. Maria no
Mistrio de Cristo, v.3. Maria no Mistrio da Redeno. v.4 Maria no
Mistrio da Igreja 1- Religio. 2- Maria - me de Jesus. 3- Maria -
Mistrios. CDD: 232.91 Direitos reservados ao Mosteiro Portaceli
MSTICA CIDADE DE DEUS
5. SOROR MARIA DE AGREDA MSTICA CIDADE DE DEUS (Obra clssica do
sc. XVII) 1655 - 1660 VIDA DA VIRGEM ME DE DEUS PRIMEIRO TOMO 5a
Edio Maria no Mistrio da Criao (na pr-histria de Jesus) Edio
brasileira em 4 Tomos Traduo de Irm Edwiges Caleff da Ordem da
Imaculada Conceio Mosteiro Portaceli Ano 2011
6. M S T I C A CiudaadeDos.Tvlil^i A e * u O m m p o t e n c i
^ y l r e r f Vrno d e * l a * ^ t HISTOM D I V I N A , de^J
Jos.Reya*y Seora^J iiudltra^MARA Santiffin Reftauradora^ d e , Isl
c u l p s L a e E u a / y medianera denlagcaciu. I^icfoaa.y
tnaniidUc^ enetos vlhmosSv MARIA d e ! E S y S A b a ^ c ^n l 5 n a
^ Primeira pgina do manuscrito original, at hoje conservado no
Mosteiro Concepcionista de greda - Espanha
7. MSTICA CIDADE DE DEUS MILAGRE DE SUA ONIPOTN- CIA E ABISMO
DA GRAA. HISTRIA DIVINA E VIDA DA VIRGEM ME DE DEUS, RAINHA E
SENHORA NOSSA MARIA SANTSSIMA RESTAURADORA DA CULPA DE EVA E MEDIA-
NEIRA DA GRAA. Ditada e manifestada nestes lti- mos sculos pela
mesma Senhora sua escrava Soror Maria de Jesus, humilde Abadessa
deste Convento da Imaculada Conceio da Vila de greda, para nova luz
do mundo, alegria da Igreja Catlica e confiana dos mortais.
8. Ilustraes: desenhos das Irms Servas do Esprito Santo,
extradas da edio alem, 1954. Outras gravuras e fotos. *** NIHIL
OBSTAT Cn. Joo Corra Machado 16 de julho de 1989 IMPRIMATUR +
Geraldo, Are. Aparecida 15 de agosto de 1989 Festa da Assuno
Agradecimentos - Ao Sr. Cnego Joo Corra Machado, de piedosa memria,
devotssimo de Nossa Senhora, e que iniciou a publicao desta Obra,
encarregando-se de dirigir a impresso do Primeiro Tomo em 1989, sob
os auspcios da Academia Marial de Aparecida da qual, naquela poca
era dedicado Presidente. - A todos quantos colaboraram para sua
edio e sero recompen- sados por Deus e por sua Me Santssima.
Direitos reservados ao Mosteiro Portaceli
9. MSTICA CIDADE DE DEUS Plano Geral da obra completa Io Tomo
MARIA NO MISTRIO DA CRIAO (na pre-histria de Jesus) - Primeira
Parte - Sobre a vida e mistrios da Rainha do cu, e o que o Altssimo
realizou nesta pura criatura desde sua imaculada concepo at que em
seu virginal seio o Verbo assumiu a natureza humana; os favores que
lhe fez nestes primeiros quinze anos e o muito que pessoalmente Ela
adquiriu com a divina graa. I o Livro Contm: A predestinao de Maria
santssima; sua concepo imaculada; nascimento e seus atos e
exerccios at ser apresentada no Templo. 2o Livro Contm: A
apresentao da Princesa do cu no Templo; os favores que a destra
divina lhe concedeu; a altssima perfeio com que observou as
cerimnias do Templo; o grau de suas hericas virtudes e espcies de
vises; seu santo desposrio e o mais, at a encarnao do Filho de
Deus, exclusive. 2o Tomo MARIA NO MISTRIO DE CRISTO (na vida oculta
de Jesus) - Segunda Parte - Os mistrios da Encarnao do Verbo Divino
em seu seio, at a Ascenso de Cristo ao cu. 3o Livro Contm: A
altssima disposio que o Todo-poderoso operou em Maria Santssima
para a Encarnao do Verbo; o que se refere a este mistrio; o
eminentssimo estado no qual ficou a feliz Me; a visitao a santa
Isabel e a santificao do Batista; volta a Nazar e um memorvel
combate que travou com Lcifer. 4o Livro Contm: Os receios de So Jos
ao conhecer a gravidez de Maria Santssima; o nascimento de Cristo
nosso Senhor; sua circunciso; a adorao dos Reis e a apresentao do
Menino Jesus no Templo; a fuga para o Egito, a morte dos inocen-
tes e a volta para Nazar.
10. 3o Tomo MARIA NO MISTRIO DA REDENO (na vida pblica de
Jesus) 5o Livro Contm: A perfeio com que Maria Santssima copiava e
imitava as ope- raes da alma de seu Filho santssimo; como Ele a
instrua na Lei da graa, nos artigos da f, nos sacramentos e dez
mandamentos; a fidelidade e perfeio com que a Virgem os observava;
a morte de So Jos; a pregao de So Joo Batista; o jejum e batismo de
nosso Redentor; a vocao dos primeiros discpulos e o batismo da
Virgem Maria Senhora nossa. 6o Livro Contm: As bodas em Can da
Galilia; como a Virgem Maria acompanhou o Redentor do mundo na
pregao; a humildade da divina Rainha quando seu Filho Santssimo
operava milagres; a transfigurao de Cristo; sua entrada em
Jerusalm; sua paixo e morte; a vitria que obteve na cruz sobre
Lcifer e seus sequazes; a santssima ressurreio do Salvador c sua
admirvel ascenso aos cus. 4o Tomo MARIA NO MISTRIO DA IGREJA (do
Pentecostes Assuno) - Terceira Parte - Contm a vida da grande
Rainha depois da ascenso de seu Filho nosso Salvador, at a sua
morte e coroao como Imperatriz dos cus. 7o Livro Contm: Os dons
altssimos outorgados pela destra divina Rainha do cu para Ela
trabalhar na santa Igreja; a vinda do Esprito Santo; o copioso
fruto da redeno e da pregao dos Apstolos; a primeira perseguio
Igreja; a converso de So Paulo e a vinda de So Tiago Espanha; a
apario da Me de Deus em Saragoa e a fundao do santurio de Nossa
Senhora do Pilar. 8o Livro Contm: A viagem de Maria Santssima a
feso acompanhada por So Joo; o glorioso martrio de So Tiago; morte
e punio de Herodes; a destruio do templo de Diana; a volta de Maria
santssima de feso para Jerusalm; instruo que deu aos evangelistas;
o altssimo estado de sua alma purssima antes de morrer; seu
felicssimo trnsito, subida ao cu e coroao. 2
11. Antiga tela representando a venervel Madre Maria de Jesus
de greda, escrevendo a "Mstica Cidade de Deus. direita, o rei
Filipe IV seu contemporneo, correspondente epistolar e entusiasta
leitor dos escritos da venervel Madre. 3
12. Maria imaculada! Mais pura que a luz, mais bela que a
aurora. Filha do Pai, Me do Filho, Esposa do Esp- rito Santo.
4
13. AO L E I T O R A Mstica Cidade dc Deus foi escrita pela
venervel Maria de greda, em castelhano clssico, de 1655 a 1660. A
obra mereceu ser contada entre as de maior celebridade no dicionrio
da Academia de Letras espanhola. Universalmente conhecida foi
traduzida para o latim, francs, portugus, alemo, flamengo,
italiano, ingls, grego e rabe. Atravs de trs sculos tem servido de
fonte para estudos e escritos sobre Maria Santssima. Contudo,
preciso confess-lo, nem sempre a citaram como seria de obrigao e
justia. Foi muito estudada e discutida por telogos. Contou com
amigos e adver- srios, mas a ltima palavra foi dita pela Igreja.
Numerosos Papas a aprovaram no correr de trs sculos. Em nossos
tempos, Paulo VI em 1966 enviou ao Mosteiro de greda um crio
simblico, como homenagem Escritora, por ocasio do 3o cente- nrio de
sua morte. obra antiquada? Deus e suas manifestaes so sempre
antigas e sempre novas, no dizer de Santo Agostinho. As relaes
entre Deus e o homem variam em suas expresses, conforme as pocas e
os indivduos, mas no em sua essncia. Deus sempre o Criador e o
homem sua criatura. Cristo sempre o Filho de Deus, salvador do
homem, se este aceitar e cooperar nessa salvao. A salvao foi
preparada com a criao de uma criatura imaculada, a Virgem Maria, e
inaugurou-se pela encarnao do Verbo em seu purssimo seio. Me de
Jesus Cristo, Cabea da raa humana, tornou-se Me uni- versal de
todos os homens. Distribuidora dos tesouros da redeno, a medianeira
entre seu Filho por natureza, Jesus Cristo, e seus filhos pela
graa, os homens. Sendo Maria o caminho que o Filho de Deus trilhou
para descer ao homem, o mesmo para o homem subir a Deus. Estas
verdades produzem para a criatura humana efeitos diversos, conforme
forem cridas ou no, aceitas ou rejeitadas, observadas ou
transgredidas. Em si, porm, so indefectveis e imutveis. Tais
verdades constituem o assunto desta obra.
14. Ao Leitor Seu estilo pode ser prolixo para a nossa poca
apressada e superficial, mas distingue-se pela clareza, tornando-se
acessvel ainda nas matrias abstratas e dif- ceis da vida
espiritual. H partes que sero mais apreciadas pelos estudiosos. O
mais esta ao alcance de qualquer leitor. Os ensinamentos prticos de
vida crist valem para todos. Maria de greda, Escritora da "Mstica
Cidade de Deus" Dou-lhe o nome de "escritora" e no de "autora" para
respeitar o que mais de uma vez ela declara, dirigindo-se a Nossa
Senhora: "Tua , Senhora, a glria, e tua tambm esta obra que
escrevi, no s porque de tua vida santssima e admirvel, mas tambm
porque foste tu que lhe deste princpio, continuidade e fim. Se tu
mesma no fosses a sua Autora e Mestra, jamais teria passado pelo
pensa- mento humano. Escrevi s o que me ensinaste e mandaste. Sou
apenas o mudo instrumento de tua lngua, movido e guiado por tua
sabedoria". {l) Maria de Jesus nasceu em 1602 na Vila de greda,
Espanha, filha de Francisco Coronel e Catarina de Arana. Teve toda
esta famlia o singular privilgio de se consagrar a Deus na vida
religiosa: a me com duas filhas na Ordem da Imaculada Conceio, e o
pai com dois filhos na Ordem de So Francisco. A Ordem das monjas da
Imaculada Conceio, de vida contemplativa, foi fundada em 1489 em
Toledo, Espanha, por Santa Beatriz da Silva, dama portuguesa. Foi o
primeiro instituto da Igreja criado em honra do privilgio mariano,
naquele tempo ainda discutido pelos estudiosos. A finalidade do
instituto era dar testemunho vivencial na f da imaculada concepo da
Me de Deus, honrando Nossa Senhora isenta de todo o pecado, pela
imitao de sua vida e virtudes, e pelo culto especial a Ela
tributado. Maria de Jesus, destinada especial misso de escrever a
vida de Nossa Senhora, atravs de comunicaes espirituais, teve desde
a infncia, existncia fora dos moldes comuns. Preencheu sua
extraordinria vocao e empregou fielmente os singulares talentos com
que foi agraciada: foi fundadora e abadessa de seu conven- to;
missionria, atravs de seus escritos e do miraculoso dom da bilocao;
profunda escritora, mestra espiritual exmia; esclarecida
conselheira, at em assuntos polticos, havendo mantido
correspondncia epistolar com o rei da Espanha, Filipe IV, por espao
de vinte anos seguidos. Desenvolvia tal atividade na atmosfera de
elevada vida espiritual, e suas virtudes crists e religiosas foram
pela Igreja reconhecidas hericas. Goza o ttulo de venervel e seu
corpo incorrupto, conservado na cripta do Mosteiro de greda,
considerado uma das mais preciosas relquias da Ordem da Imaculada
Conceio e da Espanha que, justamente, se orgulham de to eminente
filha. Morreu em 1675. A doutora marana Madre Maria de Jesus
escreve com mtodo, simplicidade e profundeza, 1- 8* Livro, n 789
6
15. Ao Leitor unfio e piedade, sem se desviar da reta doutrina
catlica. V, escuta, medita, reza c trabalha luz da Sagrada
Escritura. Suas explicaes, comentrios, descries, raciocnios e
argumentos so extrados das pginas bblicas e construdos sobre a base
inabalvel da palavra divina. Esta extraordinria monja tem o mrito
de haver aprofundado, com rara clareza e segurana para o seu tempo,
a doutrina da Imaculada Conceio, tal como a Igreja a definiria
duzentos anos mais tarde, ao proclam-la dogma, em 1854. Igual-
mente apresentou a assuno de Maria em corpo e alma ao cu como fato
indiscutvel e, pode-se dizer, em quase todas as pginas de seu
livro, refere-se mediao e maternidade universal da Santssima
Virgem. Esprito avanado, suscitou admirao e polmicas no meio
religioso do seu tempo. Ainda hoje surpreende pela profundeza e
segurana com que trata certos temas, que poucos especialistas
ousariam abordar. Longe de escrever ao modo dc piedosa autmata,
estava consciente de quanto fazia c das conseqncias que poderiam
advir de seu trabalho. Era a primeira a pedir esclarecimentos para
certificar-se de quanto lhe era manifestado. Grifamos manifestado e
no dizemos revelado, pois a Escritora, em sua escrupuiosa exatido
doutrinai, nunca usou a palavra revelao para designar os
conhecimentos que recebia e deixou escritos em suas obras, pois, em
sentido reli- gioso, o termo revelao reservado para designar a
inspirao divina dos escritos bblicos, quer do novo como do antigo
Testamento. Demos um exemplo, entre muitos outros, de como expunha
sua dvidas e recebia a correspondente soluo. ^ "Se me derdes
licena, minha Senhora, para falar em vossa presena, exporei uma
dvida que se me apresentou no mistrio de vosso santo nascimento, e
do que, ento, o Altssimo vos concedeu: como se h de admitir que,
pelos anjos, fostes levada em corpo at o cu empreo e viso da
divindade? Segundo a doutrina da santa Igreja e seus doutores, o cu
esteve fechado e interdito aos homens at que vosso Filho santssimo
o abriu com sua vida e morte redentora, sendo o primeiro a nele
entrar aps sua ressurreio e admirvel ascenso. - Resposta da Rainha
do cu - Carssima filha, verdade que a justia divina fechou o cu aos
mortais por causa do primeiro pecado (pecado original), at que meu
Filho o abriu, dando superabundante satisfao pelos homens, com sua
vida e morte A Mim, porm, elevou-me a todas as virtudes e graas
desde o primeiro instante de minha imaculada concepo. No me havendo
atingido o bice do primeiro pecado, no tive o impedimento dos
demais mortais para entrar no cu. Alm disso, como havia de revestir
o Filho de Deus com minha carne e sangue, tratou-me como senhora
das virtudes e Rainha dos anjos, fazendo-me semelhante a Ele na
iseno da culpa e noutros dons e privilgios divinos. E ainda que
sendo pura criatura, eu no os podia merecer, sua bondade e clemncia
divina se inclinaram liberalmente e me olharam como humilde serva,
para que eternamente o louvasse por Autor de tais obras quero que
tu tambm, minha filha, o bendigas e exaltes por elas." Madre Maria
de Jesus teve tambm inimigos que a denunciaram Inquisio. Enfrentou
serenamente o temvel tribunal, e os juizes acabaram por aumentar o
nmero dos sinceros admiradores de sua extraordinria sabedoria e
santidade. 2- I o Livro, n 338 3- I o Livro, n 339 7
16. Ao I .eitor Qual o crdito que m dever dar a Mstica Cidade
de Deus? Em seu amplssimo texto cumpre distinguir: Io ) as
transcries da Sagrada Escritura o da doutrina da Santa Igreja que
so matrias de f e devem ser cridas sem restries. 2) as descries de
outros fatos e pormenores no consignados no depsito da f (Antigo c
Novo Testamento, Tradio, doutrina da Igreja). Cada leitor
preste-lhe o crdito que sua devoo lhe sugerir. No haver mal nesse
procedimen- to, mas no se arme dc um ceticismo hostil e sistemtico.
Tenha-se o corao aberto e dcil para receber de sua leitura o que a
Escritora principalmente teve em vista: a edificao espiritual do
leitor levando-o a se estimular no amor de Deus, de sua Me
Santssima, e conscincia da prpria vocao crist santidade. H erros na
Mstica Cidade? No esqueamos que a Escritora trabalhou h trezentos
anos. Certos dados histricos, geogrficos ou cientficos, no
concordaro com os atuais. Que admira- o pode haver nisso? No
acontece o mesmo com a Bblia, e o sempre discutido problema para os
sbios medocres e pouco devotos, de que a cincia contradiz o Livro
Revelado? Em cada nova gerao a Igreja tem que repisar a mesma
tecla: a Bblia jamais quis ensinar cincias humanas e terrenas, mas
sim a cincia da salvao e dos eternos destinos do homem. Aplique-se
o mesmo princpio Mstica Cidade. Madre Maria de Jesus no se arroga
infalibilidade No 4o Livro, nmero 678, diz: "Quero advertir que, em
muitas coisas que vou escrevendo, consta-me haver grande
diversidade de opinies entre os santos Padres e outros Doutores.
Escrevo apenas o que me vo ensinando e ditando, ou o que, s vezes
me ordenado perguntar para melhor compor esta divina histria.
Julgar se o que escrevo concorda com a verdade da Escritura e com a
grandeza do assunto que trato, e se as coisas tm entre si
conveniente conexo: tudo isto remeto doutrina de meus mestres e ao
julgamento dos sbios e devotos. A diversidade de opinies quase
inevitvel entre os que escrevem. Cada qual segue, conforme o prprio
gosto, autores que os precederam. Fora das histrias cannicas, todos
se baseiam em hipteses e eu no poderia escrever por este mtodo,
porque sou mulher ignorante". Qual era o grau de sua cultura
humana? Apenas o curso primrio. Maria de Jesus exagera no que
atribui a Nossa Senhora? Em certas passagens temos essa impresso,
mas se, com pacincia e humil- dade, continuamos a leitura, no
demora encontrarmos explicao para quanto duvidvamos. 8
17. Ao Leitor Por que tanta relutncia e at irritao de alguns,
em admitir que Nossa Senhora gozasse de carismas especiais, no s
como os Santos, mas incomparavel- mente mais do que eles? Em nossa
ignorncia, consideramos a vida de Nossa Senhora pelos concei- tos
que temos de nossa existncia de pobres criaturas feridas pelo
pecado, limitadas e imperfeitas. No este o padro para medir a vida
da singularssima criatura que saiu das mos de Deus imaculada e
destinada a ser sua prpria me. O que lhe recusaria de quanto lhe
pudesse dar? Embora ela tenha vivido, exteriormente, em nossa
simplicidade, e at imensamente mais simples do que ns, a vida
espiritual que levava sob esse exterior comum, era sublime e
ultrapassava a prpria vida anglica, pois eram atos de uma criatura
que reunia em si, excedendo-as sem medida, as perfeies de todas as
demais criaturas. "Todos os anjos e homens juntos, no chegariam
menor parcela do que recebeu a Princesa do cu para ser Me do
Criador" . "Por este dom de graa exmia supera de muito todas as
outras criaturas, celestes e terrestres" (Vaticano II, LG 53).
Noutro lugar a Escritora insiste: "A palavra, a pena e todas as
faculdades das criaturas so instrumentos desproporcionados para
revelar to elevados mis- trios. Assim, desejo, que fique bem
entendido, quanto aqui se disser no passa de obscura sombra da
menor parte desta maravilha (Maria Santssima) e inexplicvel prodgio
que no deve ser medto com a restrio de nossos limites, mas com o
poder divino que no os tem. Far-se-ia injria medi-la pela regra
comum dos demais santos", No 8o Livro, n 658, diz a Virgem: "A
dignidade de Me de Deus excede tanto a qualquer outra, que seria
grosseira ignorncia negar-me favores, pelo motivo destes no serem
encontrados em outros Santos. Nesta dignidade esto contidas, como
em sua origem, todas as minha graas. No dia em que os homens me
conheceram por Me de Deus, conheceram implicitamente, como em sua
causa, as condies que por essa excelncia me pertencem. A meditao e
demonstrao de minha santidade, dons e privilgios foram deixados
piedade e cortesia dos fiis. Nisto, muitos se mostraram tmidos,
outros com tibieza, mais remissos do que deviam. Por isso, quis meu
Filho santssimo manifest-los na Santa Igreja, no atravs da
inteligncia e cincia humanas, mas diretamente por sua luz e
verdade. Deste modo, recebam os mortais alegria e esperana, sabendo
quanto posso ajud- los, e dem ao Onipotente a glria e louvor que
lhe devem dar, por Mim e pelas obras da redeno humana". A presente
traduo cumprimento de um voto por todas as graas e benefcios
materiais e espirituais que tenho recebido da Me de Deus e nossa,
em particular pelo estabe- lecimento de nosso Mosteiro Portaceli,
em Ponta Grossa, Paran, no ano de 1966. Fiz a traduo sobre a edio
publicada em 1911 pelo mosteiro de Agreda sob os auspcios do Bispo
de Tarazona, dom Santiago Ozcoide y Udave, e a seu mandado,
dirigida pelo Padre Eduardo Royo, capelo do mosteiro. 4- 3o Livro.
n 27 & 3o Livro. n 4 6- 2o Livro. n 623 9
18. Ao Leitor A respeito desta edio, diz o referido padre: "...
no tomada de alguma das numerosas edies j feitas, e que mais ou
menos discordam todas do origina^ , mas tirada fidelissimamente do
mesmo autgrafo, podendo chamar-se edio prncipe, porquanto a nica
inteiramente conforme obra que por seu punho e letra escreveu Maria
de Jesus" (Promio da Edio). A 7 de abril de 1911 declara o Bispo de
Tarazona: "Certificamos que a presente edio da Mstica Cidade de
Deus, salvo algumas modificaes meramen- te ortogrficas, est
inteiramente conforme com o autgrafo da mesma obra que comps e
escreveu a venervel Madre Maria de Jesus de greda" (Idem). Ao
traduzir procurei ser fiel ao sentido e letra, sem nada suprimir
nem acrescentar. Abri exceo para as citaes bblicas; em vez de
traduzi-las do texto, transcrevi-as da traduo do Padre Matos
Soares, 7a edio, Pia Sociedade de So Paulo, 1955. s modernas
tradues da Bblia, certamente mais perfeitas, dei prefe- rncia
Vulgata por ter sido a usada pela Escritora. Para amenizar a
leitura, e mais facilmente se captar o assunto, em cada nmero
coloquei subttulo. A Mstica Cidade composta de trs partes, com oito
livros ao todo. Em vista de sua grande extenso, aparece publicada
em tomos separados para mais fcil manuseio. No h inconveniente em
serem lidos fora da ordem numrica. De qualquer modo so belos,
compreensveis e teis. A presente edio quer ser uma homenagem
Imaculada Conceio, no ano do 5o centenrio da fundao de sua Ordem,
1489-1989. A TRADUTORA Mosteiro Portaceli - Ponta Grossa - Paran -
Brasil em 8 de setembro de 1988
19. DECLARAO DA E S C R I T O R A "Esta divina Histria, como em
toda ela fica repetido, escrevi por obedi- ncia a meus superiores e
confessores que dirigem minha alma, garantindo-me, por esse meio,
ser vontade de Deus que escrevesse, obedecendo a sua Me Santssima
que, por muitos anos, assim me ordenou; e ainda que a submeti
inteiramente censura e julgamento de meus confessores, sem haver
palavra que no hajam visto e conferido comigo, apesar de tudo isso
sujeito-a de novo a seu melhor parecer; acima de tudo sujeito-a
emenda e correo da Santa Igreja Catlica Romana, a cuja censura e
doutrina, como filha sua, protesto-me submissa para crer e seguir
somente aquilo que a mesma Santa Igreja, nossa Me, aprovar e crer;
e para reprovar o que ela reprovar, porque nesta obedincia quero
viver e morrer. Amm." Soror Maria de Jesus de Agreda Mstica Cidade
de Deus, 3a Parte - Cap. 23, n 791
20. INTRODUO VIDA DA RAINHA DO CU, RAZO DE SER ESCRITA ESTA
OBRA E OUTRAS ADVERTNCIAS A Escritora se justifica L Experimente-se
compreender - e serfelicidade se algum o conseguir - que uma
simples mulher, por natureza a mesma ignorncia efragilidade, e por
suas culpas a mais indigna; nestes ltimos sculos, quando a Santa
Madre Igreja se encontra to bem provida de mestres e homens
doutssimos, to enriquecida com a doutrina dos santos Padres e
doutores sagrados; em ocasio to inoportuna, quando at os que
professam a vida espiritual sob a direo de pessoas sbias e
prudentes, vivem perturbados e inseguros; sendo este caminho
extraordinrio olhado pelo mundo como suspeito e o mais perigoso de
todos na vida crist. Em tais circunstncias no me causaria muita
admirao se algum, consi- derando superficialmente que uma mulher
como eu se atreva a escrever coisas divinas e sobrenaturais, logo
me condenasse por audaciosa, leviana e presunosa. Na mesma obra e
sua dificuldade, todavia, pode-se encontrar adequada justificao.
Existem coisas to elevadas e superiores a nossos pensamentos, e to
desproporcionadas s foras humanas, que o empreend-las ou nasce de
pouco juzo, ou procede da fora de outra fonte superior e de maior
poder. A Me de Deus ultrapassa os anjos e os homens 2. Filhos fiis
da santa Igreja, devemos confessar que todos os mortais, no somente
com suas foras naturais, mas ainda ajuntando-lhes os da graa comum
e ordinria, so incapazes, ignorantes e mudos para empresa to difcil
como esta: explicar ou escrever os ocultos mistrios e excelsos
sacramentos que o poderoso brao do Altssimo operou na criatura que
destinara para Me sua. i- A expresso "sacramento" empregada aqui e
em outros muitos lugares desta obra, no significa um dos sete
Sacra- mentos institudos por Nosso Senhor Jesus Cristo, mas deve
ser entendida como coisa ou ao sagrada. No havendo expresso
equivalente em portugus, conservamos essa forma para evitar o risco
de trancar o sentido do texto. (N. da T;) 13
21. Primeiro Livro - Introduo Formou-a qual impenetrvel mar de
sua graa e dons, e nela depositou os maiores tesouros da divindade.
No muito, portanto, que a ignorncia de nossa fraqueza se reconhea
incapaz, quando os mesmos espritos anglicos fazem outro tanto e se
declaram balbuciantes para falar sobre assunto que ultrapassa seus
pensamentos e capacidade. Por tudo isto, a vida destafnix das obras
de Deus, livro tofechado (Ap 4, 3) que no se encontra, quer no cu
quer na terra, quem dignamente possa abri-lo. claro que s possvel
ao poderoso Senhor que a formou mais excelente que todas as
criaturas; e mesma Senhora, Rainha e Me nossa, que teve capacidade
para receber e apreciar to inefveis dons. Para manifest-los na
medida e tempo que for do agrado de seu unignito Filho, tambm est
em suas mos escolher instrumentos adequados e para sua glria mais
idneos. Os desgnios de Deus so insondveis 3. Bemjulgara eu que tais
instrumentosfossem os mestres e homens doutos da Igreja catlica, ou
os doutores das escolas que nos tm ensinado o caminho da luz e da
verdade. As razes e pensamentos do Altssimo, porm, se elevam acima
dos nossos, quanto os cus se distanciam da terra (Is 55, 9). Ningum
pode reconhecer seus desgnios (Rm 11, 34) nem em suas obras lhe dar
conselho. Ele quem sustenta o santurio nas mos (Ap 6,5), pesa os
ventos (J 28,25), encerra os mundos em suas palmas (Is 40,12), e
com a eqidade de seus santssimos conselhos dispe todas as coisas
com peso e medida (Sb 11, 21), dando a cada uma lugar e tempo
oportuno. Ele derrama a luz da sabedoria (Eclo 24, 37) e por sua
justssima bondade a distribui; ningum pode subir ao cu para
arrebat-la (Br 3, 29) ou tir-la das nuvens, nem conhecer seus
caminhos ou descobrir suas ocultas veredas (Idem, 31). Somente Ele
a guarda em si mesmo e como vapor e emanao de sua imensa caridade
(Sb 7, 25), esplendor de sua eterna luz, espelho sem mancha e
imagem de sua bondade eterna (Idem, 26), transfunde-a por meio das
almas santas s naes, para com ela fazer amigos do Altssimo e
constituir profetas (Ib 27). O mesmo Senhor sabe porque, e para
que, a mim a mais vil criatura, despertou, chamou, preparou,
conduziu, obrigou e constrangeu a escrever a vida de sua digna Me,
Rainha e Senhora nossa. 4. Sem este impulso efora da poderosa mo do
Altssimo, no pode caber em prudente juzo que viesse tal pensamento
a corao humano, nem semelhante resolu- o a meu nimo, pois me
reconheo e confesso por mulherfraca e sem virtude. Assim como no
pude por meu juzo pens-lo, tampouco devo com pertincia resistir s
por minha vontade. E, para que se possa julgar retamente contarei,
com sincera verdade, alguma coisa do que sobre isso me sucedeu. *
14
22. Primeiro Livro - Introduo Receios da Escritora 5. No oitavo
ano da fundao deste convento, e aos vinte e cinco de minha idade,
confiou-me a obedincia o oficio, que hoje indignamente exero, de
superiora desta casa. Perturbei-me e afligi-me com grande tristeza
e temor. Pela minha idade e desejo no era inclinada a governar e
mandar, e sim a obedecer e ser governada. Sabendo que para dar-me o
ofcio se havia pedido dispensa, e por outrasjustas razes,
aumentavam os temores com que o Altssimo tem mantido meu corao
crucificado. Sinto um pavor contnuo que no posso explicar, sobre se
meu caminho seguro, se estarei em sua amizade e graa, ou se a
perderei. Temores pelo cargo de superiora 6. Neste sofrimento
clamei ao Senhor de todo meu corao para que me ajudasse e, se fosse
sua vontade, me livrasse desse perigoso fardo. verdade que Sua
Majestade algum tempo antes me havia prevenido, mandando-me
aceit-lo. Excusando-me eu com timidez, o Senhor sempre me consolava
declarando ser esse o seu beneplcito. Apesar disso, no cessei
minhas peties, porque via em Deus esta coisa bem digna de
considerao: no obstante, Sua Majestade mostrar-me ser aquela sua
santssima vontade, qual eu no poderia impedir, deixava-me liberdade
para resistir e recusar. Dbil criatura, fiz o que devia,
reconhecendo quo grande era minha insufi- cincia em todos os
pontos. Assim prudente o agir do Senhor para conosco. Conhecendo
essa sua disposio, fiz muitas diligncias para evitar perigo to
evidente mas pouco advertido pela natureza infecta pelos ressaibos
da desordenada concupis- cncia. Apesardisso, o Senhor insistia em
sua determinao, consolava-me por si, pelos santos anjos,
admoestando-me a obedecer. Recorre Maria Santssima 7. Nessa aflio,
recorri Rainha minha Senhora, singular refgio de todas as minhas
preocupaes, e havendo-lhe exposto meus caminhos e desejos,
dignou-se responder-me com estas suavssimas razes: -
Minhafilha,consola-te e no se perturbe teu corao com o trabalho.
Prepara-te para ele que eu serei tua Me e superiora a quem
obedecers. - S-lo-ei tambm de tuas sditas, suprirei tuasfaltas e tu
sers minha representante, por meio de quem realizarei a vontade de
meu Filho e meu Deus. Em todas as tuas tentaes e trabalhos
recorrers a mim para te esclareceres e em tudo receberes meu
conselho. Obedece-me que eu te ajudarei e estarei atenta s tuas
necessidades. Estas so as palavras que me disse a Rainha, to
consoladoras quanto proveitosas para minha alma que se animou e
confortou em sua tristeza. Desde esse dia a Me de misericrdia
aumentou a que usava com sua escrava, 15
23. Primeiro Livro - Introduo porque da em diante foi mais
ntima e contnua sua comunicao com minha alma, recebendo-me,
ouvindo-me e instruindo-me com inefvel benevolncia, dando-me
consolo e conselho em minhas aflies. Encheu-me a alma de luz e
doutrina de vida eterna, e mandou-me renovar os yptos de minha
profisso em suas mos. Finalmente, desde aquela ocorrncia dedicou-se
mais sua escrava essa amabilssima Senhora e Me nossa. Afastou o vu
dos ocultos e altssimos sacramentos e magnficos mistrios em sua
vida encerrados e escondidos aos mortais. Esse benefcio e luz
sobrenatural tem sido contnuos, especialmente nos dias de
suasfestividades, e em outras ocasies nas quais conheci muitos
mistrios. No foi, porm, com a plenitude, freqncia e clareza com que
depois mos ensinou. A isto acrescentou muitas vezes a ordem de
escrev-los, conforme os compreendia, enquanto Ela os ditava e
ensinava. Numa destas festividades de Maria Santssima,
particularmente, disse-me o Altssimo que conservava desconhecidos
muitos sacramentos e benefcios que reali- zara com essa divina
Senhora, Me sua, enquanto vivera entre os mortais. Desejava agora
manifest-los e que eu os escrevesse, conforme Ela mesma me iria
ensinando. De modo contnuo, durante dez anos que resisti, conheci
ser essa a vontade de Sua Majestade altssima, at que comecei pela
primeira vez a escrever esta divina histria. Os anjos instruem a
escritora 8. Confiei essa preocupao aos santos anjos que o
Todo-poderoso escolhera para me guiar nesse trabalho de escrever a
Histria de nossa Rainha. Manifestei-lhes minha perturbao e quo
balbuciante e muda sentia a lngua para to rdua empresa.
Responderam-me, muitas vezes, que era vontade do Altssimo que eu
escreves- se a vida de sua Me purssima, Senhora nossa. Num certo
dia, principalmente, em que argumentei muito com eles,
representando minha dificuldade, incapacidade e grandes temores,
disseram-me estas palavras: - com razo, alma, que sentes medo,
perturbaes e dvidas. Em tal matria, ns mesmos, os anjos, nos
consideramos insuficientes para descrever coisas to elevadas e
magnficas, quais o poder divino operou com a Me de piedade, nossa
Rainha. Lembra-te, porm, que faltar o cu e a terra, e tudo o que
ser deixar de existir, antes quefalte a palavra do Altssimo. Muitas
vezes Ele disse s suas criaturas - e a Igreja conserva suas
palavras nas santas Escrituras - que o obediente cantar vitria
sobre seus inimigos (Pr 21, 28) e no ser argido por obedecer.
Quando criou o primeiro homem (Gn 2, 16), ao lhe intimar o preceito
de no comer da rvore da cincia, estabeleceu a virtude da obedincia,
sob juramento, para maior garantia do homem. (Assim procedeu com
Abrao quando lhe prometeu que da sua descendncia nasceria o Messias
(Gn 22, 16)). Ao criar o primeiro homem, tambm assegurou-lhe que o
obediente no erraria. Repetiu este juramento (Lc 1, 73) ao ordenar
a morte de seu Filho Santssimo, o segundo Ado que, por sua
obedincia restaurou o que o primeiro perdera pela desobedincia.
Garantiu aos mortais que imitando a obedincia deste segundo Ado,
viveriam para sempre, e o inimigo no teria parte em suas obras.
16
24. Primeiro Livro - Introduo Adverte Maria, que toda a
obedincia se origina em Deus, como de sua primeirafonte. Ns os
anjos, obedecemos ao seu poder e retssima vontade, porque nos
impossvel desconhec-la e nos opor a ela. Vemos o ser imutvel do
Altssimo, face aface, e conhecemos como santa, pura, verdadeira,
retssima ejusta. Esta certeza que ns, os anjos, temos na viso
beatfica, vs os mortais tambm a tendes, de acordo com vosso estado
de viadores, naquelas palavras que disse o Senhor a respeito dos
superiores: "Quem vos ouve, a mim ouve (Lc 20, 16), e quem vos
obedece, a Mim obedece." Em virtude de se obedecer por Deus, o
supremo Superior e principal razo da obedincia, compete sua
poderosa providncia o acerto dos obedientes, quando o que lhes foi
ordenado no matria pecaminosa. Isso Ele promete com juramento, e
antes deixar de existir, o que impossvel para Deus, do que faltar
sua palavra (Mt 24, 35). Assim como os fdhos procedem dos pais, e
todos os viventes descendem de Ado, multiplicados na posteridade de
sua natureza, assim de Deus, suprema Autori- dade, procedem todos
os superiores. Obedecendo aos superiores por Ele, nas suas pessoas
a Ele obedecemos: vs aos chefes humanos, e ns os anjos, hierarquia
superior, conforme nossa natureza anglica. Lembra-te, pois, alma
que todos te mandaram fazer o que duvidas. Se querendo tu obedecer,
tal no fosse conveniente, o Altssimo faria com tua pena o mesmo que
fez com o obediente Abrao (Gn 22,11) ao sacrificar seu filho Isaac.
Mandaria um dos seus espritos anglicos suspend-la, como ofez com o
brao e o cutelo de Abrao. No entanto, no manda que imobilizemos tua
pena, mas sim que com rpido vo a conduzamos e regendo-te,
esclareamos teu entendimento e te ajudemos. So Miguel Arcanjo 9.
Estas razoes e doutrina meforam dadas, naquela ocasio, pelos meus
santos anjos e senhores, e noutras muitas o prncipe So Miguel me
declarou a mesma vontade e ordem do Altssimo. Por contnuas
iluminaes, favores e ensinamentos deste grande arcanjo e prncipe
celestial, compreendi os magnficos mistrios e sacramentos do Senhor
e da Rainha do cu. Este santo arcanjofoi um dos que a guardavam e
serviam com os demais que, para sua custdia, foram escolhidos de
todas as ordens e hierarquias anglicas, como em seu lugar direi .
Por ser tambm patrono e protetor universal da Santa Igreja, foi
especial testemunha e ministro fidelssimo dos mistrios da Encarnao
e Redeno. Assim, muitas vezes tenho entendido a respeito deste
santo Arcanjo, de cuja proteo tenho recebido singulares benefcios
em meus trabalhos e combates, havendo-me ele prome- tido assistir e
guiar nesta obra. Nova ordem divina para a Monja escrever 10. Alm
de todos estes mandatos e de outros que no necessrio referir, e 8-
n 202 a 207 17
25. de quanto adiante direi, o mesmo Senhor, diretamente,
muitas vezes, me declarou seu beneplcito, com as palavras que
somente agora passo a referir. Num dia da Apresentao de Maria
Santssima no templo, disse-me Sua Majestade: Esposa minha, embora
sejam conhecidos na Igreja militante muitos mistrios de minha Me e
dos Santos, outros esto ocultos, principalmente os ntimos e
secretos. Estes e em particular os de Maria purssima, quero que
escrevas, conforme fores instruda. Eu vos declararei e mostrarei,
por que pelos ocultos juzos de minha sabedoria os mantive
reservados enquanto no era tempo conveniente e oportuno minha
providncia; agora o , sendo minha vontade que os escrevas: obedece,
alma. A prova da obedincia 11. Todas estas coisas que tenho dito, e
outras que poderia declarar, no teriam sido capazes de resolver
minha vontade a determinao to rdua e estranha s minhas condies, se
no lhe fosse acrescentada a obedincia aos superiores que governam
minha alma e me ensinam o caminho da verdade. Meus receios e
temores no seriam de molde a me assegurar em matria to difcil,
quando em outras maisfceis, sendo sobrenaturais, mesmo a obedincia
custa a me sossegar. Mulher ignorante, procurei sempre este norte.
mister conferir todas as coisas com os guias espirituais, ainda as
que parecem muito elevadas e insuspeitas, no as tendo por certas e
seguras enquanto no receberam a aprovao dos mestres e ministros da
santa Igreja. Tudo isto procurei fazer na direo de minha alma, e
ainda mais neste propsito de escrever a vida da Rainha do cu. Para
que meus prelados no fossem influenciados por meus relatrios, muito
me esforcei dissimulando algumas coisas, pedindo com lgrimas ao
Senhor que lhes desse luz e acerto, e muitas vezes desejando que
lhes tirasse do pensamento esta empresa, e no me deixassem errar
nem ser enganada. Vacilao por muitos anos 12. Confesso tambm que o
demnio, aproveitando-se de minha natural timidez, tem se esforado
muito para impedir esta obra, procurando modos para me aterrar e
afligir. Teria sem dvida me obrigado a deix-la, se a indstria e
perseverana invencvel de meus prelados no houvesse encorajado minha
covardia, dando tambm ocasio para que o Senhor, a Virgem purssima e
os santos anjos, renovassem sua iluminao, sinais e prodgios. Apesar
de tudo isso, protelei, ou para melhor dizer, resisti por muitos
anos aos mandatos de todos (como adiante direi) sem me atrever a
principiar trabalho to superior s minhas foras. i Creio haver sido
especial providncia de Sua Majestade, porque no decurso desse tempo
aconteceram-me tantos sucessos, e posso dizer, mistrios e provaes
to diversas e extraordinrias, que no poderia gozar da quietude e
serenidade espiritu- 18
26. Primeiro Livro - Introduo ais, necessrias para receber esta
luz e ensinamento. No em qualquer estado, ainda que seja muito
elevado e perfeito, que o pice da alma pode estar idneo para
receber to alto e delicado influxo. Fora dessa razo encontro outra:
nesta longa dilao pude melhor me informar e assegurar, mediante a
nova luz que se vai alcanando com o tempo, com a prudncia que se
vai adquirindo por vrias experincias, e ainda com a persistncia do
Senhor, dos santos e de meus prelados em suas instncias. To
continuada ordenao me tranqilizou e deu certeza, vencendo meus
temores, covardia e perplexidade, deixando ao cuidado do Senhor o
que desconfio de minha fraqueza. Confiana na obedincia 13.
Confiando, pois, nesta grande virtude da obedincia, resolvi em nome
do Altssimo e da Rainha, minha Senhora, render minha resistncia.
Chamo grande esta virtude, no s porque ela oferece a Deus em
holocausto e sacrifcio a parte mais nobre da criatura que a mente,
ditame e vontade, mas tambm porque nenhuma outra virtude garante
mais o acerto do que a obedincia. Com ela a criatura no age por si,
mas sim, como instrumento de quem a governa e manda. Ela fortaleceu
Abrao (Gn 22, 3) para vencer a fora do amor natural por Isaac. Se
foi poderosa para isso, e para que o sol e os cus suspendessem sua
veloz carreira (Js 10, 13) bem o pode ser para movimentar a terra.
Se Oza se houvesse orientado pela obedincia, certamente no teria
sido castigado por ousado e temerrio em tocar a arca (2Rs 6, 7).
Bem vejo que, ainda mais indigna, eu estendo a mo para tocar, no a
arca inanimada e figurativa da antiga lei, mas a arca viva do Novo
Testamento, onde foi encerrado o man da divindade e o autor da graa
e sua santa lei. Se me calo, porm, temo com razo, desobedecer a
tantos mandatos e poderei dizer como Isaas: Ai de mim, porque
calei! (Is 6, 5) Portanto, Rainha e Senhora minha, melhor ser que
resplandea em minha vileza vossa benigna piedade e misericrdia, e
ofavor de vossa liberal mo. Melhor ser que me deis para obedecer a
vossas ordens do que incorrer em vossa indignao. Ser ato digno de
vossa clemncia, Me Purssima, elevar da terra o pobre, e de um
serfraco e menos idneofazer instrumento para obras to difceis. Com
isto exaltareis vossa benignidade e a que vosso Filho santssimo vos
comunicou. Deste modo, no dareis motivo falsa presuno para imaginar
que por indstria humana, prudncia terrena, ou fora e autoridade da
controvrsia se produz esta obra. Ser sim, pela virtude da graa
divina com que despertas de novo os coraes e os atrais a Vs, fonte
de piedade e misericrdia. Falai, pois, Senhora (IRs 3,19) que vossa
serva escuta, com ardente vontade de obedecer-vos como deve. No
entanto, como podero meus desejos igualar a minha dvida? Impossvel
ser a digna retribuio, mas se possvel fora, eu a desejara. grande e
poderosa Rainha, cumpri vossas promessas e palavras manifestando-me
19
27. Primeiro Livro - introduo vossas graas e atributos, para
que vossa grandeza seja mais conhecida e exaltada por todos os
povos e geraes. Falai, Senhora, que vossa serva ouve, falai e
glorificai ao Altssimo pelas obras poderosas e maravilhosas que sua
destra realizou em vossa profundssima humildade. De suas mos feitas
ao torno (Ct 5, 14) repletas de jacintos, derramem-se as graas nas
vossas, e delas a vossos devotos e servos, para que os anjos O
bendigam, os justos O exaltem, os pecadores O procurem, e todos
tenham o exemplo da suma santidade e pureza. Com a graa de vosso
Filho Santssimo, tenha eu este espelho e eficiente modelo por onde
possa ordenar minha vida. Este h de ser o primeiro desgnio de minha
ateno em escrevera vossa. Assim, repetidas vezes, me disse Vossa
Alteza, dignando- se oferecer-me um vivo retrato e animado espelho
sem mancha, onde eu veja e adorne minha alma, para ser filha vossa
e esposa de vosso Filho Santssimo. Submete a obra correo da Igreja
14. Esta toda minha pretenso e desejo. No escreverei ao modo de
mestra, seno como discpula, no para ensinar, mas para aprender, j
que por obrigao, na Santa Igreja devem as mulheres calar (ICor 14,
34) para ouvir os mestres. Todavia, como instrumento da Rainha do
cu, manifestarei o que Sua Majestade se digne me ensinar e mandar.
Para receber o esprito que seu Filho Santssimo prometeu (Joel 2,68
- Jo 16,26; 15,26) enviar sobre qualquer espcie de pessoas, sem
exceo, todas as almas so capazes. Tambm o so para manifestar, no
conveniente modo, como receberam esse esprito, se a autoridade
superior assim ordena, com providncia crist, conforme julgo hajam
disposto meus prelados. Que eu erre possvel, em conseqncia de ser
mulher ignorante, no, porm, voluntariamente ou por obedecer. Assim,
me remeto e sujeito a quem me guia e correo da santa Igreja
Catlica, a cujos ministros recorrerei em qualquer dificulda- de.
Quero que meu prelado, mestre e confessor seja testemunha e censor
da doutrina que recebo, e juiz vigilante e severo de meu proceder
no cumprimento dela, e das obrigaes que me decorrem deste benefcio.
A obra escrita pela segunda vez 75. Por vontade do Senhor e ordem
da obedincia, escrevi esta divina Histria pela segunda vez. Na
primeira, a luz com que conhecia seus mistrios era to abundante e
fecunda, e minha incapacidade to grande, que para dizer tudo no
bastou a lngua, no conseguiram as palavras nem a velocidade da
pena. Deixei algumas coisas e com o tempo e novas inteligncias,
encontro-me mais disposta para escrev-las agora. No obstante,
sempre deixarei de dizer muito do que entendo e conheo, porque
explicar tudo nunca possvel. Conheci no Senhor ainda outra razo; ao
escrever a primeira vez me preocupei muito pela forma desta obra.
Alm disto, to grandes foram as tentaes e 20
28. Primeiro Livro - Introduo temores, to excessivas as
tempestades de pensamentos que me combatiam para convencer-me de
temerria por empreender obra to rdua, que resolvi queim-la. Creio
no ter sido sem permisso do Senhor, porque em estado de tanta
perturbao a alma no podia receber o conveniente e o que o Altssimo
desejava: escrev-la em meu corao, gravando em meu esprito sua
doutrina, segundo me mandado agora e se pode deduzir do seguinte
fato. Deus ordena escrever esta obra 16. Num dia da festa da
Purificao de Nossa Senhora, depois de haver recebido o Santssimo
Sacramento, quis celebrar esta santa festividade - por ser
aniversrio de minha profisso - com aes de graas e submisso corao ao
Altssimo que, sem merecimento meu, me aceitou por esposa. Ao
expressar estes afetos, senti em meu interior uma eficaz
transformao com abundantssima luz que me atraa, compelindo-me forte
e suavemente (Sb 8, 1) ao conhecimento de Deus, de sua bondade,
perfeies e atributos e convico de minha prpria misria. Estes
motivos, que ao mesmo tempo se ofereciam ao meu entendimento,
produziram diferentes efeitos: o primeiro absorvia toda a minha
ateno e vontade, enquanto o segundo aniquilava-me apegando-me ao p.
Meu ser se desfazia, sentindo veementssima dor e contrio de meus
graves pecados. Tomava firme propsito de emenda e de renunciar a
tudo quanto o mundo tem, para elevar-me da terra ao amor de Deus.
Nestes afetos desfalecia, e a maior dor vinha a ser consolo e o
morrer era viver. Apiedando-se de meu delquio, unicamente por sua
misericrdia, disse-me o Senhor: - No desanimes, minhafilha e
esposa, que para te perdoar, lavar e purificar das culpas,
aplicar-te-ei meus infinitos merecimentos e o sangue que por ti
derramei. Anima-te a adquirira perfeio que desejas, imitando a vida
de minha Me Santssima. Escreve-a segunda vez para acrescentar o que
faltou na primeira e para imprimir em teu corao sua doutrina. No
irrites mais minha justia, nem afastes a minha misericrdia,
queimando o que escreves, para que minha indignao no retire a luz
que, sem mereceres, te dei para conheceres e revelares estes
mistrios. Advertncia da Me de Deus 17. Logo vi a Me de Deus e da
piedade dizer-me: - Minha filha, ainda no colheste o devido fruto
da rvore da vida de minha histria que escrevestey nem chegaste
medula de sua substncia. No recolheste bastante deste man
escondido, nem chegaste ltima e perfeita disposio que necessitavas,
para o Todo-poderoso ir gravando em tua alma minhas virtudes e
perfeies. Dar-te-ei as disposies convenientes para o que a divina
destra quer operar em ti. Da abundantssima graa que me comunicou,
pedi-lhe licena para adornar e preparar tua alma, por minha mo e
intercesso, afim de tomares a escrever minha vida sem te
preocupares com suaforma exterior, mas antes com seufundo e
substncia. 21
29. Primeiro Livro - Introduo Conserva-te passiva, sem criar
obstculos para receber o caudal da divina graa que o Todo-poderoso
derramou em mim. Sobre ti transbordar a parte que sua divina
vontade dispuser; no a impeas nem a reduzas, por tua mesquinhez e
imperfeito procedimento. Logo compreendi que a Me de piedade me
vestiu um traje mais branco do que a neve e mais resplandecente que
o sol; em seguida, cingiu-me com um cinto riqussimo e disse: "Com
isto participars de minha pureza " Pediu ao Senhor cincia infusa
para adornar-me com ela, ao modo de formosssimos cabelos, e outras
jias preciosas que eu compreendia serem grandes, embora fosse
incapaz de avaliar seu preo. Depois deste adorno, disse-me a divina
Senhora: - Trabalha fiel e diligente- mente por me imitar e ser
perfeitssima filha minha, gerada pelo meu esprito e alimentada a
meu seio. Dou-te minha bno, para que em meu nome e sob minha direo
e assistncia escrevas pela segunda vez. Descrio da Obra 28. Esta
santa biografia, para maior clareza, divide-se em trs partes: a
primeira trata dos primeiros quinze anos da Rainha do cu, desde a
sua conceio purssima at que em seu virginal seio tomou carne o
Verbo eterno, e o que nestes anos operou o Altssimo em Maria
santssima. A segunda parte compreende o mistrio da encarnao, toda a
vida de Cristo nosso Senhor, sua paixo, morte e ascenso aos cus,
tempo em que viveu a divina Rainha com seu Filho Santssimo e o que
fez durante essa poca. A terceira parte ser o restante da vida da
Me da graa, depois que ficou s no mundo, sem Cristo nosso Redentor,
at chegar a hora de seufeliz trnsito e coroao nos cus como sua
Imperatriz, para viver eternamente como Filha do Pai, Me do Filho e
Esposa do Esprito Santo. Estas trs partes so divididas em oito
livros para mais fcil manuseio e para constituir permanente objeto
de meu entendimento, estmulo de minha vontade e minha meditao dia e
noite. poca e circunstncias da composio da obra 19. Para refletir
em que tempo escrevi esta divina Histria, preciso saber que este
convento de religiosas descalas da purssima Conceio foi fundado por
meus pais Frei Francisco Coronel e Madre Soror Catarina de Arana,
em sua mesma residncia, por disposio e vontade divina manifestada
em particular revelao minha me Soror Catarina. A fundao realizou-se
na oitava da Epifania, a treze de janeiro do ano de mil seiscentos
e dezenove. No mesmo dia minha me e duas filhas tomamos o hbito, e
meu pai entrou na ordem de nosso serfico pai So Francisco, onde
dois filhos j eram religiosos. Vestiu o hbito, professou, viveu
edificando a todos e morreu santamente. Minha me e eu recebemos o
vu no dia da Purificao da grande Rainha do Cu, a dois de fevereiro
do ano de mil seiscentos e vinte; por no ter idade suficiente,
30. Primeiro Livro - Introduo adiou-se a profisso da segunda
filha. Unicamente da bondade do Todo-poderoso, recebeu nossa
inteira famlia a graa de consagrar-se a Ele no estado religioso. No
oitavo ano da fundao, aos vinte e cinco de minha idade, e mil
seiscentos e vinte e sete do Senhor, confiou-me a obedincia o ofcio
de Prelada, que hoje indignamente exero. Durante dez anos de
prelazia, recebi muitos mandatos do Altssimo e da grande Rainha do
cu, para escrever sua vida santssima. Com temor e timidez resisti
todo esse tempo a estas ordens divinas, at o ano de mil seiscentos
e trinta e sete, em que comecei a escrev-la a primeira vez. Ao
termin-la, pelos temores e tributaes j ditos, e por conselho de um
confessar que me assistia na ausncia do principal que me dirigia,
queimei todos os papis e outros muitos, assim desta sagrada
histria, como de outras matrias importantes e misteriosas. Disse-me
ele que na santa Igreja as mulheres no deveriam escrever. Obedeci-
lhe prontamente, para depois receber speras repreenses dos
superiores e do confessor que estava a par de toda minha vida.
Intimaram-me novamente a escrev-la outra vez, e o Altssimo e a
Rainha do cu renovaram seus mandatos para que obedecesse. Nesta
segunda vez, foi to copiosa a luz que recebi sobre o ser divino; to
abundantes os benefcios que a destra do Altssimo me comunicou, para
que minha pobre alma se renovasse e vivificasse nos ensinamentos de
sua divina Mestra; to perfeitas as doutrinas e to elevados os
mistrios, que me vi obrigada a compor outro livro parte, embora
pertena mesma biografia. Este livro tem por ttulo: "Leis da esposa,
pices de seu casto amor, e fruto colhido da rvore da vida de Maria
Santssima, Senhora nossa". Com ofavor divino comeo a escrev-la em
oito de dezembro de mil seiscentos e cinqenta e cinco, dia da
purssima e Imaculada Conceio. Fim da introduo da primeira parte. -
"QUE EU VOS LOUVE, VIRGEM ME DE DEUS. DAI-ME FORA CONTRA OS VOSSOS
INIMIGOS."
31. A Escritora assistida e auxiliada pelos Anjos 24
32. MSTICA CIDADE DE DEUS PRIMEIRA PARTE VIDA E MISTRIOS DA
RAINHA DO CU - O QUE O ALTSSIMO REALIZOU NESTA PURA CRIATURA DESDE
SUA IMACULADA CONCEIO AT QUE EM SEU VIRGINAL SEIO O VERBO ASSUMIU
CARNE HUMANA - OS FAVORES QUE LHE FEZ NESTES PRIMEIROS QUINZE ANOS,
E O MUITO QUE POR SI MESMA ADQUIRIU COM A DIVINA GRAA. 25
33. Santssima Trindade Pai, Filho e Esprito Santo 26
34. CAPITULO 1 DUAS VISES PARTICULARES QUE O SENHOR MANIFESTOU
MINHA ALMA. OUTRAS INTELIGNCIAS E MISTRIOS QUE ME IMPELIAM A
AFASTAR-ME DAS COISAS TERRENAS, ELEVANDO MEU ESPRITO ACIMA DA
TERRA. Louvor a Deus 1. Louvo-te e exalto (Mt 11,25) Rei Altssimo,
que por tua dignao e ele- vada majestade escondeste aos sbios e
mestres estes altos mistrios, e os revelas- te a mim, tua escrava,
a menor e mais intil de tua Igreja. Assim, com admirao, sereis
conhecido por Todo-poderoso e autor desta obra, tanto quanto mais
vil e fraco o instrumento que utilizas. Estadode alma da Escritora
2. Depois das longas resistncias que referi, de infundados temores,
e de grandes perplexidades nascidas de minha covardia, por conhecer
este mar imenso de maravilhas no qual embarco, receiosa de nele me
afogar - este Senhor altssimo deu- me a sentir uma fora do alto,
suave, forte (Sb 8,1), eficaz e doce. Luz que esclarece o
entendimento, submete a vontade rebel- de, sossegando, dirigindo,
governando e ordenando os sentidos interiores e exteri- ores,
submetendo inteiramente a criatura ao agrado e vontade do Altssimo,
para procurar em tudo e somente sua honra e glria. Estando nesta
disposio, ouvi a voz do Todo-poderoso que fortemente me chamava e
atraa para si. Elevava minha habitao ao alto (Eclo 51,13) e
fortalecia contra os lees (Idem 4), a rugir famintos, procurando
afastar minha alma do bem que lhe ofereciam no conhecimento dos
gran- des sacramentos encerrados neste tabernculo e santa cidade de
Deus. Liber- tou-me das portas da tribulao (Ibid. 5) por onde me
convidavam a entrar, cercada pelas dores da morte (SI 17, 5) e da
perdi- o, rodeada pela chama desta Sodoma e Babilnia onde vivemos.
Procuravam me transviar, para que cegamente voltasse e me
entregasse a ela, oferecendo objetos de aparente deleite a meus
sentidos, sugestionando-os com falsidade e dolo. De todos estes
laos (SI 66,7; 24,15), preparados a meus ps, livrou-me o Altssimo,
elevando meu esprito e ins- truindo-me com eficazes admoestaes no
caminho da perfeio. Convidou-me a uma vida espiritualizada e
anglica em carne mortal, obrigando-me a viver to solcita, que no
meio da fornalha no me tocasse o fogo (Eclo 51,6-7) e me livrasse
da lngua inqua, quando muitas vezes me contava mentiras terrenas
(SI 118, 85). 71
35. Primeiro Livro Chamou-me Sua Alteza para me levantar do p e
da fraqueza causada pela lei do pecado, e resistir aos efeitos
herda- dos da natureza corrompida, dominando-a em suas desordenadas
inclinaes. Devia destru-las na presena da luz e elevar-me sobre mim
mesma (Lm 3,28). Com fora de poderoso Deus, correes de pai e
carinhos de esposo, muitas vezes me chamava e dizia: - Pomba minha
e obra de minhas mos, levanta-te (Ct 2,10) e apressa-te; vem a Mim
que sou luz e caminho (Jo 8,12) e quem me segue no anda em trevas.
Vem a Mim que sou verdade infalvel, santidade verdadeira, sou
poderoso e o sbio emendador dos sbios (Sb 7,15). Efeitos da palavra
divina 3. Estas palavras produziram em mim efeito de flechas de
doce amor, admi- rao, reverncia e tambm de temor, de conhecimento
de meus pecados e de co- vardia com que me retraa e aniquilava. O
Senhor me dizia: - Vem, alma, vem que sou teu Deus onipotente, e
ainda que tenhas sido prdiga e pecadora, ergue-te e vem a mim que
sou teu Pai; recebe a estola de minha amizade e o anel de esposa.
Seis anjos auxiliam a Escritora 4. Encontrando-me neste estado, vi
certo dia os seis anjos, que comoj disse, o Senhor designou para me
assistirem nes- te trabalho e em outras ocasies de combate. Eles me
purificaram, prepararam e, em seguida, apresentaram-me ao Se- nhor.
Sua Majestade deu minha alma uma nova luz e capacidade semelhante
da glria, que me fortificou e me deu aptido - Captulo I para ver e
conhecer o que est acima das foras de criatura terrena. Em seguida,
vi outros dois anjos, de hierarquia superior, que me atraam
fortemente ao Senhor, e compreendi que eram muito misteriosos e me
queriam manifestar altos e escondidos sacramentos. Respondi-lhes
prontamente, an- siosa por gozar daquele bem que me anunciavam, e
com ardente afeto declarei minha disposio para ver o que me queri-
am mostrar e misteriosamente me escondiam. Imediatamente, com muita
severi- dade, responderam: - Detm-te, alma. Voltei-me para eles e
lhes disse: - Prncipes do Poderoso e mensageiros do Grande Rei,
porque tendo-me chamado, agora me detendes assim, contrariando meu
desejo e retardando meu gozo e ale- gria? Que fora e poder o vosso
que me chama, me empolga, e ao mesmo tempo me atrai e me detm?
Atraindo-me pelos perfu- mes de meu amado Senhor (Ct 1, 3), me
detendes com prises to fortes? Dizei-me a causa disto.
Responderam-me: - necessrio, alma, vir descala e despida de todos
os teus apetites e paixes, para conhecer es- tes altos mistrios que
no admitem nem so compatveis com inclinaes contrri- as. Descala-te
como Moiss (x 3, 5) conforme lhe foi ordenado, para ver aquela
milagrosa sara. - Prncipes e senhores meus, - respondi - muito foi
pedido a Moiss, para em natureza terrena ter operaes anglicas;
todavia, ele era santo e justo e eu pecadora cheia de misrias;
perturba-se meu corao e lamento a servido da lei do pecado (Rm 7,
23) que sinto em meus membros, contrria do esprito. A isto
disseram-me: - Alma, coisa muito difcil ser-te-ia pedida, se
dependes- se apenas de tuas foras. O Altssimo,
36. Primeiro Livro - Captulo 1 porm, que pede e quer esta
disposio, poderoso e no negar o seu auxlio, se de corao a pedires e
te dispuseres para recebe-Ia. - Seu poderque fazia arder a sara (x
3 D sem queimar-se, poder fazer que a alma presa e cercada pelo
fogo das pai- xes no se queime, desejando ela libertar-se. Sua
Majestade pede o que quer e pode quanto pede, e com sua fortaleza
sers capaz (Fl 4, 13) do que te manda. Descala-te e chora
amargamente, clama do ntimo do teu corao, para que seja ouvida tua
orao e se cumpra teu desejo. A Mulher do Apocalipse 5. Neste
momento vi riqussimo vu encobrindo um tesouro, e minha von- tade se
excitava para afast-lo e descobrir o oculto mistrio que a
inteligncia entre- via. A este meu desejo foi-me advertido: -
Obedece, alma, ao que se te admoesta e manda; despe-te de ti mesma
e ento vers. Propus emendar minha vida e vencer minhas inclinaes,
chorava e sus- pirava do ntimo da alma para me ser manifestado
aquele bem; e assim como ia propondo, tambm ia se levantando o vu
que escondia meu tesouro. Quando se afastou inteiramente, viram
meus olhos interiores o que no saberei dizer, nem explicar com
palavras. Vi um grande e misterioso sinal no cu: uma mulher, uma
senhora e formosssima rainha coroada de estrelas, vestida de sol,
tendo a lua a seus ps (Ap 12,1). Disseram-me os santos anjos: -
Esta aquela ditosa mulher que So Joo viu no Apocalipse, e onde esto
compendiados, depositados e selados os maravilhosos mistrios da
Redeno. Favoreceu tanto o Altssimo e Todo-pode- roso a esta
criatura, que a ns seus espri- tos causa admirao. V e considera
suas excelncias; escreve-as, que para isto e para teu proveito, te
so manifestadas. Conheci tantas maravilhas que sua abundncia me
emudece e a admirao me suspende. Julgo que, na vida mortal, todas
as criaturas no seriam suficientes para conhec-las. Adiante as irei
expondo. Exortao divina 6. Outro dia, em tempo de quietu- dee
serenidade espiritual, no mesmo estado que j descrevi, ouvi a voz
do Altssimo que me dizia: - Esposa minha, quero que acabes de te
resolver, que me procures solcita, que fervorosa me ames, e que tua
vida seja mais anglica que humana, es- quecendo tudo o que terreno:
quero elevar-te do p e do estreo como pobre e necessitada (SI 112,
7). Ao ser elevada quero que te humilhes, e que teu nardo exale
suave perfume (Ct 1,11), enquanto permaneces em minha presena;
conhe- cendo tua fraqueza e misrias convence-te de que mereces a
tribulao, e nela a tua profunda humilhao. V minha grandeza e tua
pequenez. Sou justo e santo, e com justia te aflijo, usando de
misericrdia, e no te castigando segundo mereces. Pro- cura sobre
este fundamento de humildade adquirir as demais virtudes, para
cumprires minha vontade. Para te instruir, corrigir e repreender
tedou por mestraminha Virgem Me. Ela te formar e guiar teus passos
no meu agrado e beneplcito. Maria, escada de Jac 7. Estava presente
esta Rainha, quando o Altssimo Senhor me disse aque- las palavras,
e no se dedignou a divina 29
37. Primeiro Livro Princesa em aceitar o ofcio que sua Majes-
tade lhe dava. Recebeu-o benignamente e dis- se-me: - Minha filha,
quero que sejas minha discpula e companheira, e eu serei tua
mestra. Adverte, porm, que me hs de obedecer com coragem, e desde
este dia no se h de perceber em ti vestgios de filha de Ado. Minha
vida, as obras de minha peregrinao, as maravilhas que o poderoso
brao do Altssimo operou em mim, ho de ser teu espelho e modelo de
tua vida. Prostrei-me ante o real trono do Rei e Rainha do universo
e ofereci-me para obedecer em tudo. Agradeci ao Altssimo o benefcio
de me dar tal amparo e guia, to acima de meus mritos. Renovei em
suas mos os votos de minha profisso, e me ofereci novamente para
obedecer-lhe e cooperar com todas as foras na emenda de minha vida.
Disse-me o Senhor: - Presta aten- o e olha. Assim o fiz, e vi uma
escada de muitos degraus, belssima e com grande nmero de anjos, uns
que a assistiam e outros que desciam e subiam por ela. Disse-me Sua
Majestade: - Esta aquela misteriosa escada de Jac (Gn 28, 12 -17)
casa de Deus e porta do cu. Se te dispuseres e tua vida for tal que
no merea repreenso a meus olhos, subirs por ela at Mim. Maria,
caminho para Deus 8. Esta promessa excitava meu desejo, afervorava
minha vontade, arreba- tava meu esprito, e com muitas lgrimas
queixava-me de ser to pesada para mim mesma (J 7, 20). Suspirava
pelo fim de meu cativeiro, e por chegar onde no h bice que possa
impedir o amor. - Captulo 1 Nestas nsias passei alguns dias,
procurando aperfeioar minha vida, fazen- do nova confisso geral e
corrigindo algumas imperfeies; a viso da escada continuava, mas no
entendia seu signifi- cado. Fiz muitas promessas ao Senhor,
propondo novamente afastar-me de todo o terrestre, conservando
minha vontade li- vre para somente am-lo, sem deix-la inclinar-se a
coisa alguma, ainda que fosse pequena e inocente; rejeitei e
renunciei a tudo quanto aparente e ilusrio. Passado alguns dias
nestes sen- timentos e disposio, o Altssimo declarou-me ser aquela
escada a vida da Santssima Virgem, suas virtudes e mist- rios.
Disse-me Sua Majestade: - Que- ro, esposa minha, que subas por esta
escada de Jac, e entre por esta porta do cu, para conhecer meus
atributos e contemplar mi- nha divindade; sobe pois, e caminha por
ela at mim. Estes anjos que a assistem e acompanham so os que eu
dediquei para guarda e defesa desta cidade de Sio. Aten- de, medita
estas virtudes e trabalha por imit-las. Pareceu-me subir por esta
escada e ver a maior das maravilhas e o mais inefvel prodgio do
Senhor em pura cria- tura, a maior santidade e perfeio de virtudes
que jamais criou o brao do Oni- potente. No fim d escada vi o
Senhor dos senhores e a Rainha de toda a criao, e mandaram-me que,
por estes magnficos sacramentos O glorificasse, louvasse, exal-
tasse, e escrevesse o que deles entendesse. Deu-me o excelso e
eminente Se- nhor nestas tbuas, melhores que as de Moiss, lei para
meditar (SI 1, 2) e obser- var, escrita por seu poderoso dedo (x
31, 18). Inspirou minha vontade para, em sua presena, dirigir-me
purssima Rainha, prometendo-lhe vencer a minha resistn- 30
38. Primeiro Livro - Captulo I cia e com seu auxlio escrever
sua vida santssima, tendo em vista trs objetivos: primeiro, que se
conhea a profunda reve- rncia devida ao Deus eterno, e como as
criaturas devem se humilhar, na medida em que Sua Majestade se lhes
faz mais aces- svel. O efeito dos maiores favores e benefcios h de
ser maior temor, revern- cia, solicitude e humildade. Segundo, que
o gnero humano esquecido de sua salvao, considere e conhea o que
deve sua Rainha e Me de piedade nas obras da redeno: o amor e
reverncia que Ela teve a Deus, e o que devemos ter a esta grande
Senhora. Terceiro, que o diretor de minha alma e todo o mundo, se
for conveniente, conheam minha pequenez, vileza, e m retribuio por
tudo quanto recebo. Oportunidade da obra 9. A este meu desejo
respondeu a Santssima Virgem: - Minha filha, o mun- do est muito
necessitado desta doutrina, porque no sabe e no tem a devida reve-
rncia ao Senhor onipotente. Por causa desta ignorncia a audcia dos
mortais provoca a retido de sua justia que os aflige e castiga. Vi
vem esquecidos de Deus, mergulhados nas trevas, sem saber procu-
rar a salvao nem encontrar a luz. Isto resultado da falta de temor
e reverncia que deviam ter pelo Senhor. Estes e outros avisos
deram-me o Altssimo e a Rainha, para manifestar-me sua vontade a
respeito desta obra. Pare- ceu-me temeridade e pouco amor a mim
mesma, no aceitar a doutrina e ensinamento que esta grande Senhora
pro- meteu dar-me, na descrio da sua vida santssima. Tampouco
julguei convenien- te adiar para outro tempo, porque o Altssimo
manifestou-me ser este o opor- tuno e conveniente. Sobre isto me
disse estas pala- vras: - Minha filha, quando enviei meu Unignito
ao mundo, este se encontrava no pior estado que havia tido desde o
princpio, com exceo de alguns fiis que me serviam. A natureza
humana to imper- feita que no se sujeitando a direo interior de
minha luze prtica dos ensinamentos de meus ministros; no submetendo
seu pr- prio ditame para seguir a Mim que sou caminho, verdade e
vida (Jo 14, 6), guar- dando meus mandamentos e minhaamizade, cair
logo em profundas trevas e inumer- veis misrias, de abismo em
abismo, at obstinar-se no pecado. Desde a criao e o pecado do
primeiro homem at a lei que dei a Moiss, governaram-se pelas
prprias inclinaes, cometendo grandes erros e pecados (Rm 8, 13).
Depois da lei os cometeram por desobedec-la (Jo 7,19) e assim foram
se afastando cada vez mais da verdade e luz, chegando ao maior
esquecimento. Eu, com paternal amor, enviei a salvao eterna (Ef 3,
4, 5) e o remdio para as incurveis enfermidades da natureza humana.
Com isto justifiquei a minha causa. Como, ento, esperei o tempo no
qual mais resplandecesse a misericrdia, quero agora fazer-lhes
outra muito grande. Este o tempo oportuno para dela usar enquanto
no chegar a minha hora, na qual o mundo se encontrar com tantas
dvidas e processos, que conhecero justo motivo de minha indignao.
Nessa hora manifes- tarei minha ira, justia, eqidade e quo
justificada est minha causa. Chegou o tempo em que melhor se h de
manifestar o atributo de minha misericrdia, e no qual desejo que
meu amor no fique inativo. Agora, quando o mundo chegou a to
infeliz poca, depois que o Verbo se encarnou; quando os mor-
31
39. tais se encontram mais descuidados do prprio bem e menos o
procuram; quando mais se aproxima o fim de sua transitria vida, o
pr-do-sol do tempo, e a noite da eternidade para os reprovados;
quando aos justos nasce o eterno dia sem noite; quando a maioria
dos mortais jazem nas trevas da ignorncia e das culpas, oprimin- do
os justos e zombando dos filhos de Deus; quando minha lei santa e
divina desprezada pela inqua matria de estado to odiosa como
inimiga de minha provi- dncia; quando os maus menos merecem;
olhando para os justos que vivem neste tempo propcio para eles,
quero abrir a todos uma porta para entrarem em minha misericrdia.
Acendo-lhes um farol para iluminar as trevas de sua cegueira, dou-
lhes um oportuno remdio se o quiserem usar para voltarem minha
graa. Felizes os que o encontrarem (Pr 3 13 e s.) e bem-aventurados
os que co- nhecerem seu valor. Ricos os que acharem este tesouro,
felizes e muito sbios os que o explorarem reverentemente, para com-
preender seus mistrios. Quero que saibam quanto vale a intercesso
daquela que foi remdio de suas culpas, dando em seu seio, vida mor-
tal ao Imortal. Quero que lhes sirvam de espelho onde vejam suas
ingratides, as maravilhosas obras, que meu poderoso brao operou
nesta criatura. Mostrar-lhes- ei muitas das que realizei com a Me
do Verbo, at agora ocultas por meus altos juzos. Oportunidade das
revelaes 10. No os manifestei naprimitiva Igreja, porque so
mistrios to magnfi- cos que os fiis teriam ficado a estud-los e
contempl-los, quando era mais necess- rio estabelecer a lei da graa
e o Evangelho. Ainda que ambas as coisas teriam sido compatveis, a
ignorncia humana poderia ficar confusa, quando ainda estava to no
princpio a f na Encarnao, Redeno e preceitos da nova lei evanglica.
Por isso, disse o Verbo humanado a seus discpulos na ltima ceia:
"Muitas coisas teria para vos dizer, mas agora no estais preparados
para receb-las" (Jo 6, 12). Na pessoa deles falou ao mundo intei-
ro que ainda no estava em condies de receber o conhecimento dos
mistrios da Me, antes de estar estabelecida a graa e a f em seu
Filho. Agora a necessidade maior e ela me obriga mais do que o
merecimento dos homens. Se me empenhassem reverenci- ando, crendo e
conhecendo as maravilhas que em si encerra a Me de piedade, e se de
corao solicitassem sua intercesso, o mundo poderia melhorar. No
quero deixar de mostrar-lhes esta mstica cidade de refgio.
Descreve-a delineando-a como conseguir tua limita- o. No quero que
esta descrio de sua vida componha-se de opinies e hipte- ses, mas
seja a verdade certa. Os que tm ouvidos para ouvir, (Mt 11,15)
ouam; os que tm sede (Ap 22,17) venham s guas vivas e deixem as
cisternas rachadas, os que desejam luz sigam-naat o fim - Palavra
do Senhor Deus Onipotente. 11. Estas so as palavras que me disse o
Altssimo na ocasio que referi. Satisfazendo a obedincia que assim
me ordena, explicarei no captulo seguinte, para deixar esclarecido
em todos os de- mais, o modo como recebo esta doutrina e luz; como
contemplo o Senhor e as inteli- gncias e misericrdias deste gnero
me so comunicadas e descreverei adiante. 9- Matria de estado ou
razo de estado: princpio poltico social baseado no interesse pblico
que no leva em con- siderao os motivos de f e os direitos de Deus.
(N. da T.) 32
40. CAPITULO 2 EXPLICAO DO MODO COMO O SENHOR MANIFESTA MINHA
ALMA ESTES MISTRIOS E A VIDA DA RAI- NHA. ESTADO E M QUE SUA
MAJESTADE ME COLOCOU. 12. Para deixar declarado de uma vez, o modo
como o Senhor manifesta-me estas maravilhas, pareceu-me convenien-
te escrev-lo no princpio deste captulo, onde explicarei como pudere
me for conce- dido. Temores espirituais 13. Desde que tive uso da
razo, notei haver recebido do Senhor uma graa que julgo a maior que
sua liberal mo me concedeu: um ntimo e grande temor de perd-lo.
Isto me tem incitado a desejar sempre, e praticar e pedir ao
Altssimo, o melhor e mais seguro. O temor dos juzos de Deus, o
contnuo receio de perder a amizade do Todo-poderoso e a incerteza
de nela estar, um dardo com que Ele transpassou minha carne (SI
118, 120). Meu po dia e noite tem sido as lgrimas (SI 41, 4)
causadas por esta solicitude. Nestes ltimos tempos, quando os
discpulos do Senhor que professam virtude devem ficar ocultos, sem
se mani- festar, esta inquietao me induziu a fazer grandes peties a
Deus e a solicitar a intercesso da Rainha e Virgem pura, supli-
cando-lhe com todo meu corao me guiem e dirijam por um caminho reto
e escondido aos olhos dos homens. Viso de Deus 14. A estas
instantes splicas me respondeu o Senhor: - No temas nem te aflijas,
que eu te darei um estado e caminho de luz e segurana, de minha
parte to oculto e estimvel, que somente o autor dele o conhecer.
Toda exterioridade sujei- ta a perigo te faltar desde hoje, e teu
tesouro ficar escondido. De tua parte guarda-o e conserva-o levando
vida per- feita. Eu te porei numa senda oculta, clara, verdadeira e
pura; caminha por ela. Desde essa ocasio, senti-me in- teriormente
mudada e num estado muito espiritualizado. Ao entendimento foi dada
nova luz, sendo-lhe comunicada e infundi- da cincia, pela qual
conhece o ser e operaes de todas as coisas em Deus, na medida em
que a vontade divina lhe quer manifestar. Esta inteligncia e luz
que escla- rece (Sb 7,22) santa, suave e pura, sutil,
41. Primeiro Livro aguda, nobre, certa e lmpida; faz amar o bem
e reprovaro mal; um vapor (Idem 25) da virtude de Deus e simples
emanao de sua luz. como espelho para o entendi- mento, e com a
parte superior da alma e olhar interior vejo muito. Conhece-se que
o objeto, com a luz que dele reverbera, infinito, ainda que a vista
seja limitada e curto o entendimento. sta viso como se o Senhor
estivesse assentado em trono de grande majestade, onde dentro dos
limites da vida mortal se conhecem seus atributos com distino.
Cobre-o um como cristal purssimo e atravs dele se entrevem es- tas
maravilhas e perfeies de Deus. Grande a clareza e distino, no
obstante aquele intermdio, vu ou cristal que impe- de v-lo inteira,
imediata e intuitivamente. A impossibilidade de ver o que est
oculto, porm, no penosa, mas admirvel para o entendimento. Entende
que o objeto da viso infinito, enquanto limitado quem o contempla.
Fica lugar para a esperana de afastar-se aquele vu e cairo
intermdio, quando a alma se despir da mortalidade do corpo, (2 Cor
5,4-6) se tanto merecer. Efeitos da viso de Deus 15. Neste
conhecimento h dois graus ou modos de viso, conforme a von- tade
divina quer conceder, pois espelho voluntrio. s vezes se manifesta
mais claramente, outras menos; ora se mostram uns mistrios
ocultando outros, mas sem- pre grandes. Esta diferena depende da
dispo- sio da alma. Se no est com toda quietude e paz, ou cometeu
alguma culpa ou imperfeio, por pequena que seja, no consegue ver
esta luz no modo que digo, pelo qual se conhece o Senhor com tanta
- Captulo 2 claridade e certeza, que no deixa dvida alguma no que
se entende. Entretanto, a percepo da presena de Deus anterior e
maior do que o conhecimento de quanto Ele comunica. Aquela percepo,
produz forte, suave e eficaz energia para amar, servir e obedecer
ao Altssimo. Nesta claridade compreendem-se grandes mistrios:
quanto vale a virtude e quo preciosa coisa possu-la e pratic- l;
entende-se a sua perfeio e segurana; sente-se uma fora que arrasta
para o bem, faz oposio e combate o mal e as paixes, e muitas vezes
as domina. Se a alma goza desta luz e viso sem a perder, no vencida
(Sb 7, 30) porque lhe d nimo, fervor, segurana e alegria. Cuidadosa
e solcita convida e eleva, d presteza e brio, atraindo a si a parte
superior da alma sobre a inferior. At o corpo se toma leve e como
espiritualizado durante esse tempo, suspendendo seu gravame e
peso.
42. Primeiro Livro - Captulo 2 Transformao em Cristo 16.
Sentindo a alma estes doces efeitos, com amoroso afeto diz ao
Altssimo: - Leva-me aps ti (Ct 1, 3) e correremos juntos. Unida com
seu amado no sente as operaes terrenas, e deixando-se levar pelo
odor destes perfumes de seu querido, vem a ficar mais onde ama do
que onde anima. Abandona a parte inferior e quando para ela volta
para aperfeio-la, refor- mando e degolando os animais apetites das
paixes. Se por acaso querem se revol- tar, expulsa-os da alma com
rapidez, poisj no sou eu que vivo (Gl 2,20), mas Cristo que vive em
mim. Cristo vivendo na alma 17. Sente-se aqui, de certo modo, em
todos esses movimentos e santas ope- raes, a assistncia do Esprito
de Cristo que Deus e vida da alma (ljo 5,11-12). Percebendo-se no
fervor, no desejo, na luz, naeficcia para agir, uma fora interior
que somente Deus pode produzir. Sente-se na virtude desta luz e no
amor que produz, uma voz interior cont- nua e viva, que prende a
ateno a tudo o que divino e abstrai do que terrestre. Em tudo isto
manifesta-se viver Cristo em mim, com sua virtude e luz que sempre
brilha nas trevas. E propriamente estar nos trios da casa do
Senhor, porque a alma se encontra onde se reflete a clarida- de da
lmpada do Cordeiro (Ap 21,23). A ao da graa 18. No digo que a luz
seja total. Mas sendo apenas uma parte, j um conhecimento alm das
foras e capacida- de da criatura. Para esta viso o Altssimo forta-
lece o entendimento, dando-lhe certa qualidade de luz que
proporcione esta fa- culdade ao conhecimento superior s suas foras.
Isto tambm compreendido pela certeza com que se crem ou se conhecem
as demais coisas divinas. Entretanto, a f tambm acompa- nha a
certeza, e neste estado mostra o Todo-poderoso alma, o valor desta
cin- cia e luz que lhe infunde. Sua claridade (Sb 7,10-13) no pode
ser extinta, e todos os bens me vieram juntamente com ela, e por
suas mos uma honestidade de grande preo. Esta lmpada vai em minha
frente, dirigindo meus caminhos; aprendi-a sem intenes reservadas
(Idem 8, 16, 18), desejo comunic-la sem inveja e no es- condo suas
riquezas; participao de Deus, e seu uso bom deleite e alegria. Num
momento ensinamuito, con- quista o corao, e com fora poderosa o
afasta da falsidade que, vista nesta luz, est repleta de imensa
amargura. A alma se afasta do que transitrio, e correndo se refugia
na sagrada e eterna verdade, entra na adega (Ct 2,4) do capitoso
vinho, onde o Altssimo ordena em mim a caridade. Obriga-me a ser
paciente (ICor 13,4) e sem inveja; benigna sem ofender a ningum; a
no ser soberba nem ambicio- sa; que no me ire nem pense mal de
ningum; que tudo sofra e tolere; sempre clama (Pr8,1) eadmoesta-me
interiormen- te com poderosa fora, para que faa o mais santo e
puro, instruindo-me em tudo. E, se falto, ainda em pequenas coisas,
repreen- de-me sem nada deixar passar. Conhecimento mstico 19. Esta
luz a um tempo esclarece, afervora, instrui, repreende, transforma
e 35
43. Primeiro Livro - Captulo 2 vivifica, chama e detm,
admoesta, impele, ensina com distino o bem e o mal, o sublime e o
profundo, a longitude e a latitude (Ef 3,18). Faz conhecer o mundo
com seu carter e enganos, as mentiras e fraudes de seus moradores e
amadores, e mais que tudo, ensina-me a desprez-lo e pis-lo, para
elevar-me ao Senhor, supre- mo dono e governador de tudo. Em Deus
vejo e conheo a dispo- sio das coisas (Sb 7, 17-20), as foras dos
elementos, o princpio, o meio e o fim dos tempos, suas mudanas e
variaes, o curso dos anos, a harmonia de todas as criaturas e suas
propriedades. Tudo o que oculto aos homens, suas operaes e
pensamentos e quanto distam do Senhor; os perigos em que vi- vem,
os sinistros caminhos que palmilham; os estados, os governos, sua
momentnea firmeza e pouca estabilidade; em que con- siste seu
princpio e fim, o que tm de verdadeiro ou falso. Com esta luz tudo
visto distintamente em Deus, com conhe- cimento das pessoas e
circunstncias. H, porm, outro estado mais in- ferior no qual a alma
se encontra ordinariamente, usando da substncia e hbito da luz, mas
no em toda a claridade. Neste estado h alguma limitao daquele
conhecimento to vasto de pessoas e es- tados, segredos e
pensamentos. Nele no possuo mais conhecimento alm do que basta para
afastar-me do perigo e fugir do pecado. Compadeo-me das pessoas,
com verdadeiro amor, mas no tenho liberdade para lhes falar com
clareza e descobrir-lhes o que sei. Nem poderia faz-lo, porque
pareo emudecer, a menos que o autor destas obras me permita e
ordene que admoeste algum prximo. Quando o fao, no revelando-lhes o
modo como che- guei ao conhecimento de suas necessidades, mas sim
falando-lhes ao corao com reflexes simples, despreten- siosas e
caritativas em Deus, alm dc rezar por estas intenes, pois para
tanto mc sao manifestadas. 20. Ainda que eu tenha conheci- do tudo
isto com clareza, jamais o Senhor mostrou-me o triste fim de alguma
al ma que se haja condenado. A providncia divina guarda esta ordem,
por ser justo no mani- festar, sem gravssimas razes, a condenao de
algum. Julgo que se o visse, morreria com a dor produzida pelo
conhecimento dessa luz, pois imensa a pena de saber que uma alma
perdeu a Deus para sempre, tenho-lhe suplicado no me mostrar ningum
que se condene. Se com minha vida posso livrar disso a algum que
esteja em pecado, no recusarei o trabalho nem a previso dele;
todavia, quem no pode se salvar, no o veja eu. Uso da luz divina
21. Esta luz me dada no para revelar meu privilgio pessoal, mas
para dele usar com prudncia e sabedoria. Fica- me esta luz como uma
substncia que emana de Deus e vivifica, aindaque seja acidental, e
o hbito para dela usar, ordenando bem os sentidos e a parte
inferior. A parte superior do esprito, porm, sempre goza da viso e
estado de paz, e conheo inte- lectualmente todos os mistrios da
Rainha do cu e outros muitos da f, que me so mostrados e quase
incessantemente os tenho presentes; pelo menos, a luz nunca a perco
de vista. Se s vezes deso, como criatura, pondo a ateno no convvio
humano, logo me chama o Senhor com insistncia e suave fora, e me
faz voltar a ateno para suas palavras, locues, e para o conheci-
mento dos mistrios, graas, virtudes e
44. Primeiro Livro - Captulo 2 obras exteriores e interiores da
Virgem Me, conforme irei descrevendo. Viso de Nossa Senhora e dos
Anjos 22. Deste modo, nos estados de luz que digo, vejo tambm a
Senhora e Rainha nossa quando me fala, e aos santos anjos em sua
natureza e excelncia. Algu- mas vezes vejo-os no Senhor, e outras
em si mesmos, com a diferena que para conhec-los em si mesmos, deso
a grau inferior. Sinto essa diferena porque ela resulta dos objetos
e da maneira como o entendimento opera. Neste grau mais inferior
vejo, falo e entendo os santos espritos, que conver- sam comigo e
me explicam muitos dos mistrios que o Senhor me tem mostrado. A
Rainha do cu me explica e mostra os de sua vida santssima com seus
admirveis sucessos. Distintamente conheo cada uma destas pessoas,
sentindo os efeitos divinos que, respectivamente, cada qual produz
na alma. Viso s de Deus e das criaturas em Deus 23. No Senhor
vejo-os como num espelho voluntrio, mostrando-me Sua Majestade os
santos que quer, conforme lhe apraz, com grande claridade e efeitos
maiores e superiores. Com admirvel luz, conhece-se o Senhor e os
santos, com suas excelentes e extraordinrias virtudes, e como as
pratica- ram, auxiliados peiagraa, por cuja virtude tudo puderam
(FI 4,13). Neste conhecimento a criatura fica mais repletade gozo,
cheia de mais vida e satisfao, e permanece como no repou- so de seu
centro. Quanto mais intelectual. menos corpreo e imaginrio o
conheci- mento, mais intensa a luz, os efeitos mais elevados, maior
a substncia e a certeza que se sente. Todavia, aqui tambm se
percebe a diferena e se conhece que a viso do Senhor, seus
atributos e perfeies, e con- seqentes efeitos dulcssimos e
inefveis, superior viso e conhecimento das criaturas, ainda que
esta viso seja no mesmo Senhor. Esta inferioridade parece-me pro-
cederda alma. Sendo to limitada sua viso, vendo a Deus junto com as
criaturas, no o conhece tanto como quando O v sem elas. Ver s a
Deus oferece maior plenitude de gozo do que ver as criaturas em
Deus. To delicado este conhecimento da Di- vindade que, durante
ele, prestar ateno a outra coisa o diminui um tanto, pelo menos
enquanto somos mortais. Modo de receber as comunicaes divinas 24.
No estado mais inferior, do qual tenho falado, vejo aVirgem
Santssima em si mesma e aos anjos. Entendo que o modo de me
ensinarem, falarem, e ilustra- rem semelhante ao modo como os anjos
se comunicam entre si, e como os superio- res iluminam os
inferiores. Deus, causa primeira, d esta luz, mas ela participao
daquela imensa luz, que Maria Santssima goza com tanta ple- nitude.
comunicada parte superior da alma, e nela vejo a Ssma. Virgem, suas
prerrogativas e mistrios, do modo como o anjo inferior conhece o
que lhe comunica o superior. Da eficcia da doutrina que ensi- na, e
por outras condies que se sentem e gozam, infere-se a pureza,
elevao e verdade da viso. Nada obscuro, impuro, 37
45. Primeiro Livro - Captulo 2 falso, ou suspeito a se nota, e
tudo o que santo, puro e verdadeiro no deixa de estar presente. O
mesmo acontece, a seu modo, com os santos anjos e assim o Senhor me
tem mostrado, muitas vezes, que a comunicao e ilustrao em meu
interior como a que eles tm entre si. Muitas vezes me acontece
rece- ber a iluminao atravs de todos estes canais e aquedutos: o
Senhor d a inteli- gncia e luz, ou o objeto dela; a Virgem
Santssima a explica e os anjos me do os termos. Outras vezes, mais
ordinariamen- te, o Senhorfaz tudo e me ensina a doutrina. Outras a
Rainha ou os anjos que me do tudo. Costumam tambm dar-me ape- nas a
inteligncia, e os termos para me declarar tomo-os do que tenho
entendido. Nisto poderia errar se o permitisse o Se- nhor, porque
sou mulher ignorante e me valho do que tenho entendido. Quando
tenho dificuldade em expor as intelignci- as, nas matrias mais
rduas e difceis, recorro a meu mestre e pai espiritual. Vises
inferiores 25. Nestes tempos e estados, tenho muito poucas vezes
vises corpreas, apenas algumas imaginrias. O grau destas muito
inferior a todos os outros graus que tenho descrito. Estes so muito
superiores, por serem espiritu- ais ou intelectuais. O que posso
assegurar que em todas as inteligncias, grandes e pe- quenas,
inferiores e superiores, recebidas do Senhor, da Santssima Virgem e
dos santos anjos, me dada abundantssima luz e doutrina muito
proveitosa, na qual conheo a verdade, a maior perfeio e santidade.
Sinto fora e luz divina que me obriga a fazer em tudo o melhor, a
desejar mais pureza de alma e graa do Senhor, at morrer por ela.
Com estes graus e modos de inteligncia que tenho dito, conheo todos
os mistrios da vida da Rainha do cu, com grande proveito e jbilo de
meu esprito. Por tudo isto, de toda a minha mente e corao, exalto
ao Todo-podero- so, glorifico-o, adoro-o e o confesso por santo e
Onipotente Deus, forte e admir- vel, digno de louvor, magnificncia,
glria e reverncia por todos os sculos, Amm. 38
46. CAPITULO 3 INTELIGNCIA QUE TIVE SOBRE A DIVINDADE E O
DECRETO DE DEUS PARA CRIAR TODAS AS COISAS. Louvor ao Altssimo 26.
altssimo Rei e sapientssimo Senhor, quo incompreensveis so teus
juzos (Rm 11, 33) e inescrutveis teus caminhos! Deus invencvel, que
sem ter origem, hs de permanecer para sempre (Eclo 18, 1)! Quem
poder conhecer tua grandeza e contar tuas magnficas obras? Quem te
poder argir por que assim fizes- te? (Rm 9,20) Pois tu s Altssimo
acima de todos e nossa vista no te pode alcan- ar, nem o nosso
entendimento compreender. Bendito sejas, magnfico Rei, por- que te
dignaste mostrar a esta tua escrava e vil bichinho grandes
sacramentos e altssimos mistrios, elevando e arrebatan- do meu
esprito onde vi o que no saberei explicar. . Vi ao Senhor e Criador
de todos, em si mesmo, antes de criar qualquer coisa; ignoro o modo
como me foi mostrado, mas no o que vi e entendi. Sabe Sua Majesta-
de, que tudo compreende, que para falar de sua deidade, meu
pensamento suspende- se, minha alma perturba-se, minhas faculdades
em suas operaes paralisam- se. A parte superior abandona a
inferior, deixa os sentidos e voa para quem ama, abandonando a quem
anima. Nestes desa- lentos e delquios amorosos meus olhos derramam
lgrimas e minha lngua emude- ce. Oh! Altssimo e incompreensvel
Senhor meu, sem medida e eterno, objet