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Numa daquelas típicas noites de agosto, cheirando à ”Dama-da-Noite”, o vento atraía o sereno à cidade de Formiga. Michel, um adolescente como outros, mas com uma curiosidade mais aguçada do que o normal, estava sentado à porta de sua casa, vendo as pessoas passar. O vento prometia chuva próxima. Por sinal, sempre foi um dos hábitos formiguenses: sentar num banquinho no passeio, ou mesmo debruçar na janela para ver os transeuntes cruzarem o caminho. Subitamente, o tempo fechou de vez e Michel entrou logo em casa. As nuvens escuras se juntaram rapidamente, dando um ar lúbubre à cidade. Tal paisagem não agradava nada ao rapaz, que não tinha boas sensações quando isto acontecia. Foi até bom ter entrado naquela hora, pois ele lembrou que era hora de sintonizar a “Rádio Mundial”, do Rio de Janeiro. Ia começar o programa do “Big Boy” que com sua voz rouca, anunciava os grande “hits” do momento. Com sempre, Michel, pegou seu gravador de rolo e preparou para gravar as músicas que mais gostava. Então, começou a procurar a estação no seu velho rádio de válvulas. De repente, ouviu seu nome: “Michel”. “Um Xará! Deve ter um apresentador com meu nome, ou é um interferência de rádio-amador!”, pensou meio “cabreiro”. Tornou a girar o botão e mesmo trocando de estações, seu nome surgia: alto e claro. Ligou o gravador. Aquela “coincidência” teria que ser gravada. E ele ouviu o mais surpreendente: “Olá, Michel! De Marduk enviamos o nosso abraço. Continue nos contactando! Temos muitas novidades! Você não vai se arrepender!” Não acreditou no que seu ouvidos captavam! O mais impressionante, era que não importava girar, ou não, o botão do rádio. O som saía dele, independente se estava sintonizado numa estação! Intuitivamente, respondeu: “Estou aqui. É comigo mesmo?”. Nada. Bem, pelo menos, ele estava gravando tudo e poderia provar a sua descoberta. Após várias tentativas, em vão, desligou o gravador e foi ouvir o que gravara há pouco. Outro grande susto: nada estava gravado. E a fita estava intacta! Os 78

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Numa daquelas típicas noites de agosto, cheirando à ”Dama-da-Noite”, o vento atraía o sereno à cidade de Formiga. Michel, um adolescente como outros, mas com uma curiosidade mais aguçada do que o normal, estava sentado à porta de sua casa, vendo as pessoas passar. O vento prometia chuva próxima. Por sinal, sempre foi um dos hábitos formiguenses: sentar num banquinho no passeio, ou mesmo debruçar na janela para ver os transeuntes cruzarem o caminho.

Subitamente, o tempo fechou de vez e Michel entrou logo em casa. As nuvens escuras se juntaram rapidamente, dando um ar lúbubre à cidade. Tal paisagem não agradava nada ao rapaz, que não tinha boas sensações quando isto acontecia.

Foi até bom ter entrado naquela hora, pois ele lembrou que era hora de sintonizar a “Rádio Mundial”, do Rio de Janeiro. Ia começar o programa do “Big Boy” que com sua voz rouca, anunciava os grande “hits” do momento. Com sempre, Michel, pegou seu gravador de rolo e preparou para gravar as músicas que mais gostava.

Então, começou a procurar a estação no seu velho rádio de válvulas. De repente, ouviu seu nome: “Michel”. “Um Xará! Deve ter um apresentador com meu nome, ou é um interferência de rádio-amador!”, pensou meio “cabreiro”. Tornou a girar o botão e mesmo trocando de estações, seu nome surgia: alto e claro. Ligou o gravador. Aquela “coincidência” teria que ser

gravada. E ele ouviu o mais surpreendente: “Olá, Michel! De Marduk enviamos o nosso abraço. Continue nos contactando! Temos muitas novidades! Você não vai se arrepender!” Não acreditou no que seu ouvidos captavam! O mais impressionante, era que não importava girar, ou não, o botão do rádio. O som saía dele, independente se estava sintonizado numa estação! Intuitivamente, respondeu: “Estou aqui. É comigo mesmo?”.

Nada. Bem, pelo menos, ele estava gravando tudo e poderia provar a sua descoberta.

Após várias tentativas, em vão, desligou o gravador e foi ouvir o que gravara há pouco. Outro grande susto: nada estava gravado. E a fita estava intacta! Os procedimentos tinham sido perfeitamente corretos!

Essa rotina prosseguiu a partir de então. Todos os dias, por volta de 5 e meia, Michel ligava seu rádio de válvulas e lá estava a voz dizendo seu nome e falando que estava em “Marduk”.

Depois de algum tempo, os sinais ficaram ainda mais fortes e ele pôde ouvir mensagens completas: “Falamos, diretamente de Marduk”. E Michel começou a questionar a voz que ouvia: “Continuo sem entender. O que é Marduk e quem ou o que é você?”. Uma outra voz, dessa vez com tonalidade metálica, respondeu: “Marduk é um planeta situado numa dimensão paralela à sua. Somos o que vocês chamam de entidades extrafísicas, uns residem aqui há mais tempo, outros são recém-chegados daí... São aqueles que para vocês,

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morreram, mas continuam a viver conosco, só que com outra configuração atômica, porém palpável para nossos padrões. Felizmente, conseguimos contactá-lo. Usamos suas vibrações, juntamente com as ondas de rádio para sermos ouvidos sem interferências.”.

Michel, a partir de então, obteve muitas e muitas informações “diretamente de Marduk”. Anotava tudo, já que não conseguia registrar o que ouvia no gravador. Não compreendia porque tais mensagens não ficavam impregnadas nas fitas magnéticas. “Por que fazem contato? Não usam médiuns para isso?”, nosso amigo questionou a voz. “Isto vai acabar, pois os intermediários humanos estão ficando contaminados por uma série de obstáculos que os impedem de transmitir nossas mensagens exatamente como elas são, ou deveriam ser. A vaidade os impede de ficar imunes a interferências. Mas, através das ondas de rádio, podemos nos fazer entender sem esses entraves. A evolução também acontece aí. Os tempos estão chegados!”

E assim foi. A primeira transcomunicação instrumental em Formiga aconteceu. E continua acontecendo!

Desde então, Michel tem mantido contactos freqüentes com Marduk e adjacências. Ele só está esperando o momento certo de divulgar as mensagens que recebe na íntegra.

Mas, isto acontecerá oportunamente, pois, para ele, ainda não estamos devidamente preparados para “ouvir” o que sempre foi “inaudível”. Segundo

ele, breve, muito breve, todos saberão o que nos aguarda e o que “nossos amigos de Marduk” pensam, sobre o estágio atual de nosso planeta.

Contou-me, o Lázaro, a seguinte e fantástica história, acontecida com ele há pouco tempo atrás:

“Eram 9 e cinco da noite e eu estava totalmente absorvido com as minhas ‘transcomunicações’, cujo canal era o meu velho, porém eficaz rádio valvulado - um caixotão falante da marca ‘Telefunken’ - quando de repente ouvi um silvo agudo vindo do lado de fora. Era uma espécie de apito, só que soava tão alto que meus ouvidos doíam e o trilar invadia impiedosamente minhas entranhas.

Meio tonto, desliguei imediatamente o rádio e saí à rua para ver o que era. Quando saí de casa, tudo ficou escuro de repente. Mergulhei numa espécie de redemoinho, um torvelinho incrível, cheio de cores, fagulhas e, ao fundo, uma música suave, inebriante e relaxante. Quando tudo parou, fechei os olhos. Estava com medo de abrí-los. O que teria acontecido? O silêncio era intenso. Nada. Ausência total de som. Bem devagarinho, fui abrindo os olhos. Subitamente um facho de luz forte quase cegou-me os olhos. Mesmo assim, fui me acostumando com aquela

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claridade que, aos poucos, deixava de me incomodar, fazendo-me até bem. Pronto. Abri os olhos. Acostumei-me com a luminosidade.

Reparei que estava num outro local. Não estava mais na rua de minha casa! Parecia os ares da lagoa, mas não era. ‘Será que fui abduzido?!’, pensei com preocupação. Não. Não parecia que eu estava a bordo de uma nave. Nem tampouco havia aqueles homenzinhos de olhos grandes e acinzentados perto de mim. Só luz, muita luz e também um silêncio profundo. Resolvi tatear. Nada em minha volta. Estava num vazio cheio de luz! Eis que surge bem à minha frente, uma luz em forma de gente, ou vice-versa, não sei explicar. Tinha muitas cores. Uma beleza! Suavemente, tocou-me com as mãos. Senti um intenso calafrio. Mas não era um arrepio de medo, mas sim de satisfação, de alegria mesmo. Dentro de minha cabeça surgiu então uma voz ainda mais suave: ‘Paz profunda, humano Lázaro!’.

Aquela voz soava como música e ‘tocava’ no fundo do meu ser! Sem emitir um som, respondi pensando: ‘Onde estou e o que faço aqui? Quem é você?’ ‘Vamos Por partes, meu caro amigo!’; ‘Você se encontra em uma dimensão paralela à sua. Na verdade, você está numa localização bem próxima a Formiga, mas em outras paragens dimensionais. Diríamos que está circunjacente a Antares’. Sem entender nada, balbuciei algo, mas ainda em pensamento: ‘Mas como pode ser? Antares é uma

constelação e está há anos-luz de distância do nosso planeta?’

‘Mas é uma dimensão paralela à nossa... o que importa é que o trouxemos aqui para que fique sabendo que, nós de Antares, bem como de outras civilizações, como Baden, Capela, Andrômeda, Alpha Centauro, Sírius, Plêiades e Muldon, entre outras mais, estamos auxiliando todos deste precioso Planeta a buscar a religação com o Todo. Seus contatos com outros mundos através da transcomunicação conectou-o às nossas energias e, por isso, faremos desta preciosa ação, um canal a mais para com o seu mundo. Continue com suas pesquisas, pois em breve, voltaremos a nos comunicar. O mundo está mudando com o advento da Nova Era. Vá em paz, meu irmão. Volte à sua cidade. Comunique à sua população que o campo magnético que envolve Formiga a protege contra males maiores. Divulgue a nossa mensagem! Até um dia!’

Sem poder falar - ou pensar - mais nada voltei à espécie de espiral de energias e, de repente, já estava na minha rua! Seria ali um portal dimensional? Sem pensar duas vezes e um pouco trêmulo por causa da intensa emoção, olhei no relógio e, para meu espanto, o relógio marcava 9 e 5, exatamente a hora em que ouvi o silvo e saí à rua! Tudo aquilo que havia vivido não demandara tempo algum! No nosso espaço-tempo, não houve qualquer diferença!

Corri para dentro de casa e anotei tudo. Deixei para agora, a oportunidade para contar mais

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este fato acontecido com este mísero mortal-buscador!”

Tem mais...muito mais ainda!

Nos meios místicos, há um boato corrente na cidade formiguense de que existem passagens, ou melhor, um “buraco” que vai dar na...bem...

Bem, como não podia deixar de ser, quem me disse tal fantasia (seria mesmo fantasia?) foi nada menos do que o nosso “personagem secreto”, Lázaro! Vamos, então, a mais um bizarro “causo” a mim relatado por esse soturno elemento, o mais lúgubre personagem da redondeza! Ele próprio, como de hábito, narra o que lhe aconteceu:

“Quase ninguém acreditou em mim quando relatei que havia estado em Antares através de uma porta dimensional que tinha bem na minha rua. Todavia, tiveram que acreditar na transcomunicação instrumental, (na verdade, o ser antariano recomendou-me falar “comunicação via instrumental” que, na opinião dele, é mais adequado e toca mais à realidade), já que o óbvio não se discute. Isto porque as vozes paranormais que captei do meu ‘caixote falante’, o radão de válvulas, foram por mim gravadas. E contra a prova cabal não há contestação. Não me importo com os céticos. Um dia eles hão de me dar razão. Afinal, até gosto deles, pois provam que,

pelo menos, são exigentes, pois possuem uma visão mais pragmática, esteja certa ou errada. Como se não bastasse, ‘algo mais’ aconteceu comigo novamente.

Um tanto ou quanto estressado, tendo em vista meus constantes contatos com “outras dimensões”, resolvi pegar meu equipamento de pesca; uns fumos de rolo; palha para os pitos, mais uma garrafa de café e tocar para a lagoa. Assim, decidi pelo descanso dos justos, na verdade, já não era sem tempo. Peguei minha Caloi e, como dizem os americanos, ‘I hit the road’. Quase uma hora e meia depois, entrei no mato. O sol já estava alto, pois saí bem cedo de casa. A bicicleta parecia estar mais pesada. Afinal, as pedaladas estavam menos intensas, por causa do cansaço. Eis que de repente, caí num buraco, no meio daquele matagal, antes de chegar na lagoa! Perdi o equilíbrio da bicicleta e fui escorregando sem parar, buraco abaixo. Lembrei-me daquele torvelinho que havia enfrentado quando fui parar em Antares. Dessa vez o medo não veio e pude controlar melhor meus nervos. O tombo foi no chão mesmo, o mato era rasteiro, menos denso. Pensei: ‘Puxa, que buracão! Ainda bem que aqui no fundo está claro, mas...’ Reparei que não era fundo, pois o céu estava bem acima de minha cabeça. Como, se eu havia caído? Não era possível que mais bizarrices iriam me acontecer, pensei novamente. Agora, já demonstrava um certo receio. Apalpei-me para certificar que não estava machucado com a ‘queda’.

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A bicicleta também estava inteirinha. Equilibrei-a novamente e pus-me a pedalar sem destino. ‘Êpa, o que é aquilo? Uma cidade? E os carros? Antigos?! Quanta carroça! Lá vem um carroceiro, vou perguntar-lhe o que é isto aqui!’ Bem devagar, aproximou-se a carroça. O cavalo, meio pangaré, tinha uma chapéu bem engraçado na cabeça. Mas naquele momento tenso, nem reparei tal detalhe, só agora isto veio à memória). ‘Ô seu Zé? Que cidade é esta?’; ‘Ô seu moço! Tá variando? Aqui é Formiga, a Cidade das Areias Brancas! Esqueceu, sô?’. Puxa vida, não acreditei. Pelos carros antigos, pelas carroças em grande quantidade, reparei que estava em Formiga mesmo, mas em outra época!! Pude notar então que me encontrava em plena Silviano Brandão e o Fórum despontava à minha frente. Radiante e imponente. Só que era o prédio antigo!

Notei também o calçamento da rua. Pedras disformes, com grama saindo dos vãos entre uma e outra. Calçamento do tipo que ainda existe em Ouro Preto! Sentei-me então na calçada para me refazer do susto. Havia viajado no tempo! Aquele buraco nada mais era do que uma passagem para outra linha temporal! Observei os rostos das pessoas. Engraçado. Eram mais corados, mais felizes, eu diria. Não havia aquele abafamento dos dias de hoje (no clima e nas fisionomias)! O cheiro puro de umidade imperava. Ar límpido, muito mais agradável. Afinal, só vi uma ou duas furrecas no máximo. Faziam barulho, mas poluíam

pouco. Andei mais e fui até a ponte sobre o rio Formiga. Reparei que era uma ponte de madeira e o rio estava cristalino! Lá de cima dava para ver os peixes! Pena que meu equipamento de pesca estava na bicicleta e eu a havia deixado lá perto do Fórum! Ainda pude ouvir o barulho da Maria Fumaça. Tudo muito aprazível.

Continuei meu passo firme, olhando para todos os cantos e para o chão, deliciando-me e analisando o visual diferente e bucólico. Subitamente, vi uma caixinha no chão. Estava vazia. Li o que nela estava escrito: ‘Manteigas Figuinha – Phabricada em 1928’. Como podia ser? Eu estava em 1928! Como estava distraído, não notei que vinha em sentido contrário um cavalo em disparada. PLAFT! Foi uma cacetada só. Desmaiei. Ao acordar, vi que estava no matagal. Minha bicicleta caída ao meu lado. Tudo aquilo tinha sido um sonho! Nada mais do que um sonho! Que pena, fora tão real... Não importa, depois fui pescar, pois o dia não duraria muito. Ao voltar para casa, tomei um bom banho e depois fui para a cama para descansar e rememorar meu sonho. No dia seguinte, mamãe acordou-me dizendo-me: ‘Lázaro, ontem, ao colocar sua roupa para lavar, reparei que tinha um papelão no bolso escrito ‘Figuinha’. Joguei fora. Não tem problema não, né?’ ”

Certa feita, perguntei ao Lázaro se havia mais assuntos dignos de nota para publicar em meu livro. Ele nem pensou duas

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vezes, veio logo falando, sem rodeios:

“Certamente, meu amigo! Hoje tenho algo mais complicado para que você transmita aos formiguenses, meus conterrâneos. Para aqueles mais afeitos ao mistério. Como todos sabemos, Formiga é uma cidade propícia aos acontecimentos bizarros e nada melhor do que um livro para divulgar minhas aventuras pouco usuais, como se nota, porém mais reais do que se imagina. É a máxima que sempre deve prevalecer: ‘acredite se quiser’. Todos temos o livre-arbítrio para acreditar naquilo que nossos princípios ditam.

Para não fugir à regra, o clima na cidade estava me convidando para novos contatos com ‘o lado de lá’. Chovia muito e relampejava bastante. Enquanto caía o toró, eu captava uma série de vozes sei lá de onde eram (daqui ou de acolá, só Deus sabe). De repente, caiu um raio na Igreja Matriz. Foi um estrondo danado. Os cachorros se escondiam, o papagaio estava mudo de medo e, minha irmã também demonstrava um certo pavor, pois a luz acabara de apagar. Estando meu rádio de válvulas mudo, acendi uma vela e fui tentar ler algo. Do lado de fora, os clarões dos relâmpagos iluminavam toda a casa de quando em quando, tornando o ambiente ainda mais lúgubre. Foi nesse momento que vi um clarão mais forte que os demais, só que o mesmo estava dentro do meu quarto! Dei um salto da cadeira e fiquei em posição defensiva à espera do que estava por acontecer. Pouco a pouco, para meu espanto, uma

forma se delineava bem à minha frente. Forma de gente mesmo!

Era o Antariano que se manifestava novamente! Aquele ser que eu havia encontrado quando da minha ‘viagem para outra dimensão: ‘Muita paz, Lázaro! Desta vez, materializo-me em sua dimensão para pedir que repasse ao povo de Formiga que sempre estarei com todos. Contudo, devo relatar que seus pensamentos devem estar sintonizados com o positivo. Vê os raios que ora caem na cidade? Pois eles estão purificando a sua atmosfera...’ . Interrompi a fala daquele ser iluminado para perguntar-lhe o por que, ou seja, o que tinham a ver os raios com os pensamentos.

Serenamente, como de hábito, ele respondeu-me: ‘Todos sabem que a mente é poderosa. Jesus já dizia que a fé remove montanhas, e Ele quis dizer que nossos pensamentos movem a matéria. Quando emitimos um pensamento negativo, ele se constitui em uma forma etérea. Essa forma, apesar de imaterial, lhe dá o poder de fazer as coisas que se desejam. Dependendo da força do emissor, tais molduras energéticas passam a ter vida própria. E a atmosfera fica então tomada pelos pensamentos-forma! O ambiente fica carregado de energia mental negativa. O ritmo da cidade se altera, as pessoas, influenciadas por tais vibrações, tornam-se agressivas de mais ou de menos, dependendo da carga recebida e de acordo com a sua receptividade.’

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Confesso que não estava entendendo muita coisa. Quer dizer, que nossos pensamentos podem influir em toda a cidade?, perguntei-lhe finalmente. ‘Sim, caro amigo, é por isso que lhe rogo transmitir aos formiguenses: refletirem bem, antes de emitir quaisquer pensamentos de carga negativa. Deus, com sua sapiência incontestável, forneceu-lhe o beneplácito dos raios para literalmente queimarem os pensamentos ruins que jazem no espaço, que circunda esta localidade. Assim sendo, fica aqui o meu recado. Regulem seus pensamentos. Pensem somente em coisas boas e evitem os maus pensamentos. Esta é uma das causas de tantas doenças e desavenças neste mundo.’ Falando isso, ele simplesmente desintegrou-se e, coincidência ou não, a chuva parou. Prevaleceu o ditado: ‘Depois da tempestade, vem a bonança’. Este não foi propriamente um caso inusitado, mas um lembrete para que policiemos também nossos pensamentos, por certo, um agente causador de bons ou maus momentos.”

O que se deve registrar é simples: regulando nossos pensamentos, nossas palavras com certeza não vão nos prejudicar, tampouco aos outros. Falar ou pensar negativamente com relação a quem quer que seja, tende a volltar para nós. É como o reflexo do espelho: se fizermos cara feia, nosso relfexo não irá nos agradar.

Impera uma vez mais a conhecida Terceira Lei de Newton: “Para toda ação, uma reação

semelhante”. Pura física, nada mais.

Agora, mais uma história do folclore místico de Formiga, seja verdadeiro ou não (ainda vou submeter ao nosso “contador” a uma dose maciça de pentatol ou ao detetor de mentiras...). O importante, contudo, é mesmo a essência dessas estranhas passagens na vida do funéreo Lázaro. Não sei como lhe acontecem tantas coisas...se é que acontecem, repito. Bem, nada disso importa, e aqui vai mais um conto a mim relatado.

“Estive consertando minha velha e surrada Monark. A Caloi havia se estragado definitivamente depois que eu caí com ela nos confins dos tempos, quando penetrei naquele naquele portal dimensional. De repente, me deu uma vontade incontrolável de olhar ao espelho. Não sei o motivo, mas interrompi tudo e corri para meu quarto. Poderia ter ido direto até a penteadeira da mamãe, que estava mais perto e tinha um espelho maior, mas preferi olhar justamente aquele espelho do meu guarda-roupas. No trajeto para o quarto, ainda sem entender nada, comecei a me arrepiar: ‘Uai, sinto aquele típico arrepio de novo...’, pensei, recordando-me das histórias anteriores. Pé ante pé, entrei no

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meu recinto de repouso e abri a porta principal do mencionado armário de roupas. O inevitável cheiro de mofo veio direto às minhas narinas. Nada demais, já estava acostumado.

Então, olhei firme para o espelho, ao mesmo tempo questionando a razão daquele inexplicável ímpeto. Não foi necessário mais do que um minuto e, subitamente, minha imagem foi se distorcendo aos poucos. Creio que perdi os sentidos momentâneamente, mas recobrei-os rapidamente. Outro espanto: ainda estava no mesmo lugar e vi que nada de anormal estava acontecendo, exceto o mal súbito que tive. Pelo menos, era o que eu achava. Pensei com alívio: ‘Ufa! Desta vez não entrei em nenhum portal dimensional ou passagem temporal... mas o que é isso? Como pode ser? Sou eu à minha frente! Será que morri ou estou me projetando?’

Tentei tocar ‘naquele Lázaro’ que estava bem ali, também fitando-me, mas não com o apavoramento que me tomava. Tocando-o, passei a ter certeza de que não estava me projetando, nem tampouco me bilocava. Além do mais, ‘ele’ também me olhava, ou ‘se olhava’, sei lá o certo. ‘Estarei sonhando? Estou vendo a mim mesmo?’, disse para ele em voz alta, estupefato por causa, claro, da inusitada cena. Com voz idêntica à minha, respondeu-me que era para eu ter calma, pois ele estava maravilhado com tudo aquilo.

Antes dele concluir, expliquei-lhe que aquilo acontecera logo após ter tido uma

estranha compulsão de fitar o espelho de meu quarto. Indaguei-lhe se sabia a razão. ‘Ah! Finalmente meus experimentos deram certo!’, disse-me extasiado. Antes de esboçar outra reação, ele me explicou o seguinte: ‘Sou também cientista e recentemente comecei a estudar a ‘teoria dos universos paralelos’. Como se sabe, o melhor veículo para se comunicar com o mundo paralelo é o espelho. Portanto, após anos de experimentações e exaustivos estudos, descobri este canal.

Por ser pesquisador como eu o sou, e estar sintonizado com ‘o outro lado’ sempre, consegui sugestioná-lo para que se aproximasse do espelho do seu quarto, ou do nosso, como queira. Aí ‘puxei-o’ até aqui. Na verdade, você se encontra ainda em Formiga, só que num mundo paralelo! Aqui tudo funciona idêntico à sua Formiga que você bem conhece. Somos pois, a contra-parte de cada um e a recíproca também procede!’ Tudo se aclarava para mim. Sempre soube que o espelho não só reflete nossa imagem, mas também é um meio de comunicação com uma outra dimensão. Comecei a compreender também que, não somente existem outros mundos no universo afora, mas outros mundos circunjacentes ao nosso, em dimensões paralelas!

Aquela pessoa, que na verdade era eu próprio, ou o meu outro ‘eu’, não sei, nem posso afirmar nada, por fim me disse que eu não podia demorar mais naquele mundo, sob pena de me desmaterializar perenemente,

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pois dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço por muito tempo, mas o que ele tinha para me falar era que o seu mundo, embora igual ao meu nas formas, era muito diferente nos atos. Ali todos se compreendiam. Todos se respeitavam. Ninguém falava mal dos outros, ninguém ofendia o próximo. A atmosfera era límpida, sem miasmas, sem poluição mental ou física. Enfim, que era para eu dar um recado pela enésima vez ao meu universo: ‘Cuidem-se de si próprios. Atenham-se à sua própria evolução espiritual. Ajudem-se e estarão ajudando o mundo. Jamais se esqueçam de que retas paralelas têm quer ser iguais, sintonizadas, se uma distoa, esta tende a desaparecer, extingue-se. É a lei da Matemática que rege o Universo!...’ Dado o recado , repetitivo, mas sempre bom para ficarmos de antenas ligadas, minha vista escureceu e, de repente, voltei para o meu quarto, o do meu mundo, deste lado de cá...”

Fim de mais um estranho relato. Afinal, quantos mundos teríamos ao nosso redor – ou entre nós, ou acima de nós?!..., bem, um dia descobriremos...

“Onde está plantado, o amor floresce...

Por mais árida que seja a terra do coração que receba as sementes do amor, ele, ali, germina, cresce e floresce.

Não há impedimento para o amor. Ele propicia alegria nas horas felizes ou nos momentos amargos. Sua presença modifica a paisagem, colocando sol e calor ali onde surge, ao mesmo tempo em que atrai à vida tudo que fecunda. Em suma, ninguém resiste ao seu poder...” (Amália Soler)

É verdade! O tema de hoje será em torno desta palavra mágica que move montanhas e amansa os bravos. Quatro vocábulos aparentemente “inofensivas”, mas que mudam coisas: AMOR

Ninguém melhor do que nosso estranho personagem, o Lázaro, para nos narrar mais um acontecimento advindo do seu extenso e fantástico ról. Passo-lhe a palavra, como de praxe.

“Confesso que estou um pouco relutante quanto a contar-lhes mais este acontecimento com a minha intrincada pessoa. Todavia, creio que a população da minha amada Formiga deve saber e, como minha missão é repassar os fatos comigo acontecidos. Não é preciso acreditar nele, basta crer na mensagem.

Após um dia exaustivo de pesquisas através da Transcomunicação Instrumental (é bom ressaltar que sou aposentado, portanto que ninguém pense que sou vagabundo...), resolvi dar um tempo. Desliguei meus “transcomunicadores” (apelido para o rádio, gravador e computador) e fui tomar banho. Gosto desse reflexivo momento. Por sinal, minhas inspirações

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surgem quando estou debaixo do chuveiro. Não sei o por que disso, deve ser a água, imantada de energias, que me faz pensar melhor, pois ordena as elucubrações e permite divagar com mais autodomínio, fazendo fluir as idéias com mais desenvoltura e sem barreiras.

Bem, o fato é que, enquanto ensaboava e pensava, o barulho da água foi aumentando, aumentando, até que “tum”, lá fui eu rumo ao desconhecido... De repente, estava nadando nas águas esverdeadas da lagoa. Eis que sou puxado para baixo, para o fundo. No meio das algas e guapés fui afundando cada vez mais. Para falar a verdade, nem me lembrei do ar, pois, por incrível que pareça, eu respirava! Parei. O chão, apesar de fofo, dava-me segurança ao pisá-lo. Não via nada em minha volta, a não ser peixes e piabas, de vez em quando, um molusco qualquer. O mais incrível era o silêncio que reinava naquele fundo. Imaginei que aquele devia ser o “som do vácuo”. Em determinado momento, ainda meio pasmo pelo ocorrido (com o tempo devo me acostumar com tanta coisa estranha que me acontece...), reparei que vultos se aproximavam. Esperei com uma certa tensão.

Como era possível? Pessoas com barbatanas? Espécies de sereias? Estaria dormindo acordado? Não. Novamente como sempre vem ocorrendo, meu pensamento foi tomado por outra voz: ‘Vem em paz, caro amigo da superfície. O motivo de trazermos o seu corpo astral até nós, é somente para que você possa

transmitir uma breve mensagem para os bem-intencionados, os que têm amor em seus corações. A humanidade, utilizando-se do livre-arbítrio, tenta impôr sua vontade sobre animais e plantas, prejudicando intensamente a evolução dessas almas-coletivas, que deveriam evoluir em harmonia e mútua cooperação, sem sacrifícios. A ingestão de cadáveres é prejudicial, porque a carne está impregnada de vibrações energéticas do animal, negativa no momento do seu abate. Não se esqueçam de que os animais são dotados de clarividência superior a do ser humano. Isto ocorre, porque não possuem impulsos etéricos entre alguns de seus corpos, ou seja, a assimilação dos impulsos superiores não acontece ordenadamente, mas estimulam seus chacras. Por isso, eles sentem e pressentem, auxiliando o homem nessa função em que ele ainda está se desenvolvendo. Devem, também, amar todos os outros reinos da Terra: o mineral energiza o solo, criando condições favoráveis ao crescimento dos vegetais, cujo reino tem como papel a harmonização dos corpos dos animais e dos próprios humanos, no que diz respeito a alimentação e a cura dos desequilíbrios.

Enfim, meu caro amigo, transmita a nossa preocupação àqueles de seu reino. Diga-lhes que ajam em nome do amor, com amor e pelo amor. Pois, somente assim é que poderão ultrapassar este limiar temporal que está por acontecer. Daqui do fundo, estaremos vigiando. Fomos os primeiros a habitar o então Planeta Água e, por isso,

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necessitamos de sobreviver com a cooperação do homem, que um dia vai aprender a conviver em harmonia com todos aqueles que também fazem parte deste orbe. Vá. Volte a respirar o ar material e reflita este momento com a altivez que lhe é peculiar!’

Senti a água do chuveiro de novo. Estava de volta ao banho! Rapidamente, anotei a mensagem a mim transmitida por um ser, quem sabe, habitante das águas profundas da nossa lagoa e que nos vigia...”

A época de Natal é um tempo marcado por ambigüidades. Uns se sentem tristes, pois ficam contagiados pelos ares pouco favoráveis que teimam em permear o ambiente. Outros, pelo contrário, acham que é nesse tempo que todos devem fortalecer ainda mais seus laços de amizade e solidariedade. Aqueles mais sensíveis não ficam alegres, porque se lembram de seus entes queridos que já não estão deste lado da vida, dos menos favorecidos, dos sofredores que não tiveram a ventura de uma vida melhor.

Para os eternos otimistas, contudo, é nessa temporada que as inspirações tendem a apurar os pensamentos, fazendo-os retroagir no tempo e corrigindo eventuais erros ou enganos cometidos ao longo do ano que se

esvai. Enfim, o fato é que Natal é tempo de reflexão. E que esta seja positiva, pois é somente assim que poderemos caminhar rumo à inevitável evolução que um dia há de vir.

E já que o tema do momento é Natal, nada melhor que voltarmos a escutar o inusitado Lázaro. Ele tem a palavra doravante.

“Durante minhas ‘andanças’ pela via da transcomunicação instrumental, consigo captar variados tipos de vozes. Vindas de quem quer que seja, a verdade é que são vozes e, sendo vozes, por certo têm uma origem humana, física ou extra-física. Suas procedências têm variadas hipóteses: podem ser de espíritos, de extraterrestres ou, até mesmo, de pessoas ainda encarnadas que conseguem sintetizar suas vozes de maneira tal que podemos captá-las através de aparelhagem específica. Bem, enfim, o que eu quero dizer é que consegui detectar uma voz inédita, em termos de originalidade. Consegui transcomunicar-me com ninguém menos do que Papai Noel! Como é oportuno, passo a narrar “ipsis litteris”, o que ele me contou:

‘ Aqui quem fala é o Papai Noel. Os pensamentos-forma que a humanidade emitiu ao longo de todos esses anos, moldaram a minha pessoa. Hoje sou real, pois como já se sabe, tudo que se pensa é realizado concretamente. Sua tela mental é capaz de configurar seus pensamentos que pouco podem imaginar a sua força. Inicialmente, devo contar a origem de meu personagem. É uma história pouco conhecida.

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O Papai Noel, que realmente existiu naquele tempo, não andava de trenó e nem as renas o puxavam. Não tinha roupa vermelha, gorro e nem carregava um saco cheio de presentes. Na verdade, tudo começou com o esbelto Bispo Nicolau, que viveu e pontificou na cidade de Mira, na Ásia Menor, no século IV, sendo santificado como São Nicolau. Sua transformação como símbolo natalino aconteceu na Alemanha e daí conquistou outros países da Europa e a América. Nos Estados Unidos, passou a ter o nome de Santa Claus e a tradição do ‘bom velhinho’ adquiriu força. Passou então, a existir nos pensamentos das pessoas e tomou forma definitiva. Hoje, estou popularizado em todo o mundo e resido na parte astral da Finlândia. Mentalmente, distribuo os presentes aos bem-intencionados, àqueles que têm amor no coração, espargindo energias positivas por onde passam. Finalmente, meu bom garoto, não se esqueça do seu amigo cósmico, o querido Antariano, quando lhe disse, certa feita, que o pensamento é a força que imanta o orbe terrestre. E que este seja positivo, para o bem da humanidade. Possam meus presentes trazer-lhes bons augúrios para o ano de 1999, quando a ‘Nova Era’ estará ainda mais próxima. Que suas criações mentais ajudem nessa escalada do Planeta rumo à perfeição. Os tempos já estão chegados!’

Dito isto, veio um longo sibilo de estática e a voz desapareceu no éter. Tão repentino, como surgiu. Parei para meditar e anotei tudo, como

sempre. Seria verdadeira aquele som tão sábio?

Em suma, pensemos sempre, mas pensemos coisas boas, que tragam boas emanações e para que essas emanações possam ser espargidas, contagiando o ambiente e a todos que nos cercam.

Outra passagem tirada da “causuística” formiguense, contada e vivida pelo personagem de sempre, o Lázaro. Na verdade, é mais do que uma passagem, é uma “viagem” nada divertida que ele nos relata desta vez. Vejamos o que ele tem a nos dizer.

“Bem, o que vou contar adiante é recomendável principalmente para aqueles que têm pouco auto-controle, ou que são passíveis de aderir aos vícios, sejam eles de qualquer espécie. Mas servirá mesmo para os que têm tendência ao vício da droga, bem como aos apologistas da liberação das mesmas. Não quero aqui dar uma de moralista, mas o que me aconteceu merece ser divulgado nos quatro cantos do planeta, pois tal experiência muito me tocou e, com certeza, vai tocar tanto aos susceptíveis, como aos não-susceptíveis ao consumo inconseqüente de alucinógenos de toda ordem.

Em uma de minhas ‘ingerências’ ao ‘outro lado’ através da transcomunicação, captei uma voz um tanto

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cavernosa, para não dizer sinistra. Ao invés de fazer-lhe as usuais perguntas, indagou-me em bom português se eu estava disposto a ter uma experiência transcendental. ‘De novo?’, retruquei com certa angústia. ‘Sim, desta vez, porém, não terá a interveniência daqueles seres que têm costume de contactar. Pelo contrário, agora irá ver o outro lado da moeda e será mais um a transmitir a mensagem aos menos avisados que ora vagueiam pelo seu planeta como zumbís à cata de agentes químicos que lhes trazem fantasias, acompanhadas pela dor e desespero...’ Não compreendi muito bem de início, mas antes de dar-lhe minha resposta, fui literalmente tragado para a mencionada ‘outra margem da vida’. Iniciava-se mais uma das minhas ‘viagens astrais’, só que desta vez, as surpresas não seriam nada agradáveis.

Caí numa espécie de lodaçal e reparei que havia uma entidade do meu lado. Vi que era o da voz que comigo transcomunicara, há pouco. Tinha o rosto sereno e trajava um manto branco com um emblema que não sei como descrever. Parecia uma espécie de cruz ansata, não sei ao certo, ou não me lembro.

‘Meu amigo do outro plano. Você se encontra numa região umbralina, situada em dimensão paralela ao seu planeta. Este é o lugar onde vão todos aqueles que morreram por causa do consumo excessivo de drogas e outra pragas semelhantes. Agora, você vai me acompanhar e poderá presenciar uma realidade ainda

pouco percebida por aqueles que ainda trajam a roupa carnal.

Já de início, entramos num local onde dois espíritos recém-desencarnados debatiam-se no chão: haviam se suicidado com overdose de cocaína. A entidade que me acompanhava disse o seguinte: ‘O uso de drogas é tão antigo quanto a humanidade. Entretanto, o século XX é o ‘século das drogas’ e mais parece uma epidemia. No plano físico, existem vários métodos para o tratamento de drogados: a psiquiatria de uma clínica tenta curar o vício e não o homem, e o viciado é um ser doente, fraco e carente. Não há tempo nessas clínicas para cuidar da alma! Nos recintos religiosos, o drogado até que consegue largar o vício, só que muitas vezes não agüenta a pressão religiosa e se torna um fanático religioso, não voltando a ser mais ele mesmo e fazendo da religião o seu novo vício. Ainda não acharam o método correto...’

Ao observar aqueles seres que rolavam desesperados pelo chão, pouco tempo após suas mortes, ainda pude reparar seus cordões de prata (uma espécie de cordão umbilical espiritual) sendo desatado por uma equipe socorrista. Nessas ‘mortes’ especificamente, vi que tais cordões estavam esmagados pela força fatal que a droga lhes causara. Os centros energéticos, que os hindus chamam de chacras, estavam também muito fracos. Parecia uma vela contra o vento forte, ou uma lâmpada prestes a queimar. Parecia também que tal ‘passagem’ para o outro lado, por ter acontecido de maneira abrupta, causara um impacto forte em ambos os

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corpos, o físico e o espiritual. Quando alguém ‘passa’ naturalmente, os tênues fios que os liga à matéria são soltos aos poucos. Nesse caso, por ter sido um desligamento repentino, dava para ver que o espírito ainda estava ‘colado’ ao corpo físico. Por isso, debatiam-se em ‘ambos os lados’.

Disse-me, finalmente, o ser que me acompanhava, dando seqüência às minhas observações: ‘Como pode ver: o homem é o próprio marceneiro de sua cruz. Existem organizações de seres das trevas que têm os nomes daqueles que estão propensos ao suicídio, seja ele com o uso das drogas ou não. Ficam à espreita. Esperam o momento crucial para depois se fartarem com o banquete de energias que terão e que os fortalecerão ainda mais para outras ações perniciosas junto aos mais fracos que fazem uso dos canais de alucinação. Todavia, muitos conseguem ser auxiliados por nós, mas dependerá sobretudo do mérito de cada um tal proteção adicional e fora da programação divina.

Volte agora ao seu plano e repasse esta mensagem. Em outras ‘viagens’ que fizer doravante, vai saber mais. Tudo a seu tempo. Oportunamente...’

A cena de antes do ‘salto’ à dimensão paralela voltou-me aos olhos como se eu acabasse de piscá-los. Anotei tudo. Oportunamente, a posteridade iria ficar sabendo da minha aventura: amarga, porém útil.”

Fica aqui registrado mais um recado. Que se cuidem os desavisados. Em verdade, após este “lembrete”, ex-desavisados...

Tempo de mais uma história fantástica. Bem, nem tão fantástica assim. O conteúdo moral e informativo dos fatos aqui relatados pelo Lázaro, tem muito a ver com as nossas realidades de caráter físico e extra-físico. Como de hábito, estava sentado em minha sala na Secretaria, quando surgiu-me à frente o estranho amigo em questão. Sorvendo seu inseparável cigarrinho de palha, depois, claro, de litros e litros de café, que aos poucos vão lhe tomando o já combalido estômago, foi logo pegando uma cadeira. Após sentar-se, começou a discorrer mais uma passagem - digna de nota – que lhe acontecera recentemente. Dessa vez, porém, não houve “contactos misteriosos” com seres aparentemente imaginários. Agora estava no seu corpo etéreo, ou não-físico, em carne e osso. Ele próprio estava presente no palco dos acontecimentos que iria me relatar. Aconcheguei-me em minha cadeira e passei a dedicar todos os meus aurículos a mais uma aventura “lazariana”.

“ Numa dessas manhãs ensolaradas em Formiga, resolvi acordar mais cedo e dar uma volta pela praça São Vicente de Férrer. Naquele dia eu estava inspirado. Talvez os revigorantes raios de sol que cintilavam e

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esquentavam meus reluzentes cabelos brancos ajudavam a fluir meus pensamentos e a apurar minhas percepções com relação ao meu redor. Reparava os mínimos detalhes daquele belo jardim, as árvores, os passarinhos. Até o chique-chique não me passava despercebido. De fato,sentia a energia pura da natureza em todas as suas formas. A Igreja da Matriz estava lá. Imponente como sempre. Linda e sagrada.

Resolvi então, após uma boa caminhada, dar uma ida à igreja Matriz para uma meditada. Ao passar pelo adro, o sino do relógio do mencionado templo sagrado começou a badalar. Se não me engano, eram 9 horas da manhã. Olhei para o céu e vi que o sol estava ainda mais forte. Seus raios estavam tão brilhantes que achei um pouco estranho. Como? De repente o sol começou a brilhar mais forte. Eis que me aparece no céu um objeto altamente cintilante! Foi tudo muito rápido. Só deu para notar um facho de luz. Fechei os olhos, pois a luz era branca e intensa. Ao abrí-los, eis que me encontro num local totalmente diferente daquele onde estava!

Muitos edifícios redondos em minha volta, mas não tinham portas, sequer janelas! Os veículos transitavam no ar e não faziam qualquer barulho. Subitamente, algo toca-me no ombro. Virei e vi uma pessoa. Foi logo me falando: ‘Vem em Paz, ser terrestre! Sabemos que você viveu importantes acontecimentos em sua vida e que os relata para aqueles de sua cidade. Por isso, conte-lhes que um dia visitou

Vulcano, um dos Planetas Sagrados do Sistema Solar’. Ainda um pouco estupefato (já estou me acostumando...), tive vontade de indagar àquele homem – por sinal, de compleições perfeitas, bem delineadas, que denotavam uma certa sacralidade, de fato – o porque, mas ele me respondeu antes: ‘Existem neste sistema, regido pelo astro-rei, o Sol (que é um dos sete sóis que compõem um grande sistema de sóis maiores), Planetas Sagrados e Planetas não-Sagrados. Os Sagrados são: Vulcano (este onde está agora); Mercúrio; Vênus; Saturno; Júpiter; Urano; Marte e Netuno. Os não-Sagrados são: Plutão; a sua Terra e mais dois planetas ainda desconhecidos pelo homem terrestre: um oculto pelo Sol e outro pela Lua. A Terra é o único planeta do Sistema Solar onda a vida é tridimensional.

Nos outros planetas, a vida é quadridimensional, ou seja, existe na quarta dimensão’. ‘Mas, se eu sou da terceira dimensão’, interrompi, ‘como posso estar na quarta dimensão com meu corpo físico?’. ‘Na nave em que foi transportado, houve uma reconfiguração molecular de seu corpo físico. Porém, ela é temporária, tal como nos ‘mundos paralelos’. Por isso, procuraremos relatar ao amado irmão o máximo possível neste pouco tempo que lhe resta’. Dito isto, começamos a caminhar, enquanto ele me revelava fatos interessantes sobre a vida extra-terrestre e eu reparava a paisagem daquele magnífico lugar. Caminhava? Ei! Reparei que na verdade eu flutuava. Dava passos normais, mas não tinha nada sob os pés!

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Era incrível aquela sensação de poder andar no ar! E com o corpo físico! Algo até então inédito para mim (naquele espelho do ‘mundo paralelo’, eu não tinha meu corpo físico).

‘Fazemos tudo através do pensamento e com o pensamento. Por isso mesmo a sinceridade e a verdade são fatores corriqueiros entre nós. A comunicação entre os Seres Cósmicos não é através de palavras, pois suas existências transcendem o mundo da terceira dimensão. A linguagem intergalática é uma linguagem considerada muito antiga, semelhante ao lemuriano e que possivelmente ainda se tornará mais difundida’. Enquanto o ser falava – depois fiquei sabendo que seu nome é Kryon – eu observava os detalhes da cidade e vi que na verdade os prédios tinham portas e janelas, só que essas se materializavam somente quando da presença de alguém. Andamos, ou melhor, flutuamos muito. Quanta coisa fiquei sabendo sobre o lugar e sobre nós mesmos! Todavia, vou deixar para contar-lhe em outra oportunidade. Para finalizar, só sei que depois de tudo, voltei às minhas três dimensões (como são poucas!) em plena Matriz. Por sorte ninguém me viu. Novamente, o tempo (o nosso é linear, o deles é circular) não passou. O sino da igreja dava a nona e última badalada!”

Este “causo formiguense, ou interplanetário”, como queiram, com contornos realistas, continua a seguir.

Continuemos com a aventura extra-mundo de um nativo de nossa cidade, tido como “abilolado”: o Lázaro. Vai complementar a sua fantástica ida ao décimo planeta do Sistema Solar. Seu “companheiro” é o suposto extra-terrestre chamado Kryon, como já relatado no capítulo anterior.

“Prosseguindo. Enquanto caminhávamos, ou melhor flutuávamos, Kryon continuou o seu relato sobre os costumes de seu planeta, para nós, ínfimos terráqueos, assim como alguns conselhos. Por exemplo: ‘Nossos aparelhos eletro-domésticos são construídos a partir do mesmo princípio que alguns dos seus o são. Por exemplo, o micro-ondas, fabricado em seu mundo, ainda carece de aperfeiçoamentos. A fim de se evitar que eventuais vazamentos de radiação provoquem danos às camadas áuricas protetoras de seus corpos, recomendo que mantenham próximo a esses aparelhos, um copo d’água. Depois, devem derramar essa água numa corrente natural.’ Questionei-o o por quê dessa recomendação e ele me respondeu que a água é um emissor e receptor de energias, ou seja, é um dos maiores condutores de energias sutis até hoje conhecido pela humanidade e que muita coisa ainda vamos descobrir sobre essa maravilhoso líquido.

Durante o trajeto, reparei também que pessoas passavam por nós. Seus semblantes denotavam uma tranqüilidade fora do normal. Bem diferente daquela correria típica

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de nossas cidades grandes. ‘A evolução é algo soberbo!’, pensei. ‘Tem razão, mas para alcançar este nível, muita coisa ainda terão que fazer...’, observou o meu amigo, lendo meu pensamento, ou ouvindo-o, não sei exatamente. Paramos numa espécie de plataforma, o que fez lembrar-me do filme ‘Blade Runner’. Era tal e qual. Entramos num veículo bem estranho. Não tinha formas geométricas definidas. É difícil explicar isso, mas se ajustava, em termos ergonômicos, exatamente ao meu corpo. ‘Agora imagine o lugar onde deseja ir.’ Incrível! Pensei nos anéis de Saturno e, de repente, lá estávamos nós, bem ao lado daqueles bilhões de corpúsculos, gelos e outros sólidos que circundavam a atmosfera daquele mundo em velocidade inimaginável! ‘Na verdade, meu amigo da Terra, nossos veículos são movidos pelo pensamento. Onde quer que deseje ir, você irá, basta imaginar. O pensamento tem poder real. É isso que os humanos de Gáia têm que se conscientizar definitivamente. Não sabem a força que guardam em si, através do pensamento. O Antariano já teve oportunidade de lhe esclarecer acêrca deste potente gerador de energias. Basta educá-lo de maneira lúcida e correta, sempre de acordo com a Ética Cósmica.’ Foi um magnífico passeio naquele veículo movido a pensamento.

Voltamos à base e reclamei que estava com fome. Imaginei um simples misto-quente e, subitamente, lá estava o referido sanduíche à minha frente! Novamente, o pensamento materializava o meu desejo. Por sinal, lembrei do misto-quente feito no velho Bar Tropical. O gosto era idêntico. Enquanto saboreava aquela autêntica iguaria (imaginem: comendo misto-quente do Tropical, e em outro planeta! É pândego, mas é

verdade...), pude reparar melhor as características físicas daquele homem das estrelas: não muito alto, estatura mediana; mais para baixo do que para alto; olhar magnético, brilhante que revela todos os seus pensamentos. Por isso, a verdade dos seres de Vulcano literalmente ‘pula dos olhos’. Mãos bem definidas, pareciam estar emitindo – ou refletindo - uma certa luz que não pude identificar com clareza, pois era uma luz com tons azulados, semelhante à estroboscópica que vemos em boates. Roupas discretas, um tipo de macacão, bem justo ao corpo. Os bolsos não eram percebidos, se é que existiam (não podemos esquecer que o pensamento materializa o desejo). Depois, soube que tais características são peculiares à maioria desses seres intergaláticos. O alimento que Kryon ingeria não me era visível. Verifiquei, a seguir, que este era puramente energético, semelhante aos florais, que somente agora estão sendo utilizados em nosso planeta.

Chegara o momento da despedida. Algumas observações não pude assimilar com a devida clareza ou para poder expressar nestas linhas. Serenamente, como de hábito, Kryon acenou e disse, por fim: ‘A Hierarquia Cósmica é composta de todos os seres que assumem a missão de conduzir os irmãos que ainda não atingiram o grau de consciência necessária para a ascenção. Por isso, meu amigo, você é um do que foram escolhidos para levar a mensagem adiante. Todos estão sendo vigiados e guiados de acordo com seu merecimento. Basta querer e obterão. Atentem

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para as novas crianças que estão surgindo. São novas encarnações advindas de planetas mais evoluídos, justamente com a missão de reintegrar a Terra na esfera dos ascencionados. Missão árdua para tal condução, mas factível e breve. Vai em Paz.’

E foi assim que me aconteceu mais uma história digna de ser mencionada aos leitores deste rosário de ‘contos formiguenses’. Continuo incansável na luta pelos bons pensamentos, pelas boas ações e pela evolução, enfim. ‘Libertas Quae Sera Tamen’!”

De acordo com o argentino Humberto Mariotti (1905-1982), “a Psicologia tem que aprofundar suas investigações em um campo mais amplo do ser, intentando entender a vida, ainda antes de sua apresentação física. Foi o que fez a Parapsicologia, detectando que o homem tem sua existência real, não somente, a partir do momento da concepção genética, mas que esta, por sua vez, já é uma conseqüência do ser em si mesmo, organizando a forma com a qual se apresentará no mundo corporal. Para isso, valeu-se de técnicas especializadas, tendo por objetivo, tal como a regressão de memória, espontânea ou provocada; as recordações automáticas, ou ‘déjà vu’, a xenoglossia e outros, constatando que ‘aprender é recordar’, como informava Platão com seu conceito do mundo das idéias, mundo à parte da mente. Finalmente, com a contribuição de

haver encontrado vida antes da vida, alguns parapsicólogos propuseram, além do conceito tradicional da memória cerebral, a existência de outra, chamada ‘extracerebral’, na qual se encontram arquivadas as experiências anteriores à existência atual.”

Tendo em vista o exposto, tive mais um “colóquio verbal” com o misterioso “herói” formiguense, participante principal das histórias deste capítulo místico sobre Formiga: o Lázaro. Eis o que ele contou.

“Certa feita, enquanto pitava eu um cigarrinho de palha no alpendre (expressão antiga, mas que ainda perdura), bateu-me de repente uma profunda melancolia. Subitamente, fiquei deprimido. Logo eu, averso a este tipo de coisas. A partir de então, caí em total prostração. Não queria beber meu café, não tinha interesse de fazer TCI, andar pela pracinha, ir à lagoa, enfim, era depressão da braba. Um dia, sem mais, nem menos, comecei a falar coisas estranhas, desconexas. De repente, vinham à minha mente palavras totalmente diferentes do meu habitual vocabulário. Até palavras estrangeiras surgiam do nada em minha cabeça. Cenas de locais desconhecidos, mas familiares também palpitavam em intermitentes ‘flashes’ dentro do meu atordoado cérebro. Se antes não entendia o que estava acontecendo comigo, agora, passava a duvidar da minha sanidade!

Como conheço o assunto – pelo menos tento – comecei a

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suspeitar que estavam aflorando-me cenas de outras vidas. Por um processo desconhecido no meu metabolismo, os arquivos do pretérito começaram a aparecer de repente. Não sei o porque disso Talvez por causa de minhas experiências constantes com a ‘Outra Margem’, acabei por liberar acontecimentos de outras existências. Bem, no momento não cabe explicar, pois o fato foi que consultei um especialista em TVP (Terapia de Vidas Passadas). Durante a regressão, entrei num turbilhão, como num túnel, cheio de nós, uma espécie de caracol. Lá estava eu num tempo distante

.Reparei que estava

montando um cavalo não muito alto, de pelagem marrom. À minha frente estavam outros cavaleiros. Todos carregavam uma carga que depois fiquei sabendo que era açúcar. Paramos à beira de um rio cristalino. Tiramos a carga para aliviar os cavalos e as colocamos no chão. Alguns foram encher seus cantis e outros aproveitaram para se lavar naquele límpido rio. O pôr do sol já estava começando. Então o chefe da tropa resolveu ‘apear’ ali mesmo, para continuar a viagem. Estávamos indo para Goiás, a fim de entregar a carga de açúcar a um próspero comerciante da região, que iria revendê-la. Pois bem. A noite chegou e todos, muito fatigados, dormiram ao lado de seus respectivos carregamentos. A manhã seguinte surgiu com um grito vindo de um dos tropeiros. Todos correram para ver o que havia acontecido. Para surpresa geral, a carga do companheiro estava pretinha, ou melhor, tomada por formigas! Foi um rebuliço geral. Resolvi ajudar

e fui impiedosamente picado pelos insaciáveis insetos que se deliciavam com o açúcar. Dando a carga como perdida, o saco foi então jogado no rio. Olhando para aquelas águas tomadas por formigas que ali boiavam, gritei: ‘Vejam só! Um rio de formigas! É um rio formiga!’ A partir de então, todos que paravam ou passavam por ali, começaram a chamar aquela região de ‘Rio das Formigas’. Fica a dúvida no ar. Teria sido eu mesmo quem fez aquela observação tão oportuna? Os registros ‘akáshicos’ um dia responderão...

Em outra ‘viagem’ aos porões do inconsciente, fui ‘cair’ numa prisão. Eu estava confinado numa espécie de masmorra. Não havia janelas e a escuridão era total. O aroma – ainda me recordo dele – era horroroso: mistura de mofo com outros menos agradáveis. Reparei que eu estava numa camisa de força. Ela estava tão apertada que comecei a perder os sentidos. Nessa inconsciência, reparei que estava deixando o corpo. Alívio imediato. Observei meu franzino corpo à distância. E comecei a flutuar. Deliciava-me com aquele momentâneo êxtase. Pude sair daquele fétido lugar e literalmente sobrevoar a cidade. Novamente, lá estava Formiga! Seus casebres antigos (talvez os primeiros), carroças na rua, cavalos com cargas – iguais às dos tropeiros – cães, etc. Foi muito divertido. Naqueles devaneios, as dores que tinha por todo o corpo, quando na prisão, haviam desaparecido como por encanto. Ainda pude ir a vários lugares. Bastava imaginar e lá estava eu. De repente, algo me

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chacoalha. Eis-me de volta à minha carcaça novamente. Era o carcereiro que tirava minha camisa de força com brutalidade. Então ele me disse com raiva: ‘Da próxima vez o aperto vai ser maior! Suas costelas vão virar pó! Comporte-se!’ . Foram assim duas de minhas regressões. Mas ainda tenho outras para contar!”

Contrariando os ortodoxos de plantão, cuja viseira há de cair um dia – esperamos -, pois o milênio número três bate-nos à porta, narro agora mais uma caso estranho acontecido com o Lázaro, que nos conta o seguinte.

“O que direi neste momento aconteceu comigo há pouco tempo atrás e não devo afirmar – como sempre – se ela de fato é verdadeira. Pelo menos, uma coisa eu tenho certeza: podemos não acreditar em bruxas, mas que elas existem, existem!

Bem, estava eu literalmente afundado em meus experimentos de transcomunicação, quando de repente surgiu uma voz metálica, mas alta e nítida: ‘Convidamos o caro amigo a nos visitar!’ Não

entendi muito bem e questionei a voz, como o faria, já que, segundo me consta a Estação da qual me contactavam, se encontrava no planeta Marduk, em uma dimensão paralela à nossa, segundo se tem notícia. A resposta veio novamente com uma nitidez impressionante, pois nem precisei usar meu potente fone de ouvido: ‘Em exatos 5 minutos de seu tempo, haverá uma abertura dimensional no local onde se encontra no momento. Entrará nesse portal e estará conosco em segundos.’ Na verdade, passado o tempo estipulado, fui teletransportado para Marduk em milésimos de segundos!

Tanto tempo pesquisando e agora, finalmente, lá estava eu no famoso planeta Marduk: em carne e osso! Bem diferente do planeta Vulcano, pois as configurações daquele lugar se assemelhavam e muito com as do nosso planeta! Havia montanhas, rios, casas similares às nossas, enfim, tudo igual. As pessoas iam e vinham, tal e qual acontece aqui, ou seja, pisando firme no chão, donde pude deduzir que também há gravidade naquele lugar, o Outro Lado. É evidente que a constituição física daqueles habitantes era, ou ainda é, mais sutil, ou seja, mais leve, menos grosseira do que a nossa. No mais, me é difícil explicar outros detalhes que pude observar através de nossas limitadas palavras. Pude até mesmo vislumbrar alguns locais semelhantes aos de Formiga! Contudo, não posso comentar aqui, por razões óbvias, mas encontrei com algumas pessoas amigas nossas que já se foram.

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Na verdade, algumas delas até trabalham na Estação de contacto com o nosso mundo.

Ao me dirigir para essa Estação, fiquei o tempo todo ao lado da Entidade que me dera as boas-vindas. Antes de qualquer coisa, ela me disse, inicialmente, que eu não podia tocar em nada, pois poderia tomar um choque forte. Não sei o por quê daquilo, mas obedeci. A Estação era imponente. Um prédio alto, cercado de antenas semelhantes às nossas parabólicas. Na entrada havia uma placa que dizia: ‘Quantum Energético Transdimensional Marduk-Terra’. Reparei que havia uma fila de pessoas de várias faixas etárias. Fiquei sabendo que tal fila era de pessoas que tentavam contactar seus parentes deixados deste Lado de Cá. Achei interessante aquela cena. Assemelhava-se muito com os nossos costumes, mas tudo era ordeiro, sem muita conversa alta,, portanto disciplinado e organizado. Como se sabe, o ‘telefone para os encarnados’ vem primeiro do outro mundo. Assim, sabedores que seus parentes - guiados que foram - preparavam-se para enviar suas mensagens, com certeza, otimistas, falando que a vida efetivamente não acabava no túmulo e dizendo o que faziam naquela nova vida, etc. etc. Enfim, como fiquei satisfeito com aquele quadro. Cada um que saia do salão de comunicações, estampava toda a sua felicidade pela dádiva de ter podido falar com os amados deixados temporariamente! Tive novamente a certeza que dentro de pouco tempo, tais comunicações serão corriqueiras.

A internet globalizou as comunicações no planeta e a TCI vai ‘extraglobalizar’ o contacto com o Outro Lado. Será o fim definitivo dos preconceitos, dos tabus e dos mitos formados em torno da morte. Na verdade, será ‘a morte da morte’. Por sinal, este termo, ‘morrer’, não mais constará dos dicionários. Será irremediavelmente extinto! Isto sim, gerará a tão esperada transformação das consciências no Terceiro Milênio! Não canso de bater nesta tecla: a morte será encarada finalmente como a passagem para uma outra dimensão da vida.

Finalmente,tive ainda, a felicidade e o privilégio de ver as faces felizes do grande benfeitor da humanidade, Padre Landell - um dos pioneiros da TCI quando ainda no nosso planeta - e do prezadíssimo lusitano Carlos de Almeida: incansáveis agentes da felicidade que proporcionam a todos os encarnados e desencarnados (na verdade, tudo de carne e osso, só que com configurações atômicas distintas) conversarem com aqueles que partiram.

Sem muita demora, a Entidade amiga, me disse que meu tempo (seria mesmo ‘tempo’?) estava esgotado. ‘Temos que ser severos nesta parte, pois precisamos ter muito cuidado quando de seu teletransporte, da volta,, para que não haja erro neste seu retorno à materialidade, uma vez que o tempo tem muitas dobras...’ Pelo que concluí, eu poderia ser teletransportado para um tempo diferente do meu original, caso não seguisse ‘os ditames dos

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portais’, ou seja, deixasse de entrar na abertura temporal correta. É por isso que às vezes certas mensagens transcomunicadas não nos chegam, isto é, elas podem ter chegado, sim, mas num outro tempo, ou ‘momentum’.

Em questão de segundos, regressei com sucesso ao meu laboratório. Estava assombrado e encantado por mais uma aventura fora dos padrões normais (‘fora’, por enquanto...). E voltei dando mais valor ainda às minhas experiências de transcomunicação.. Acreditem, pois, nesta nova atividade do porvir, pois ela será a ponte definitiva com a Outra margem, dando a todos um outro significado para a chamada “morte”!

Registro, assim, mais um acontecimento na vida de um personagem formiguense que merece nossa equilibrada – ou seria desequilibrada? – atenção.

Que um dia tudo isto seja corroborado no futuro. Será a prova de que nem tudo que o Lázaro “contava” passava de fantasia, ou era parte do folclore das Areias Brancas!

Um aviso: treimei-vos, ó incrédulos!

Dando prosseguimento ao “causo” anterior, o Lázaro me “relata” mais uma passagem relacionada a uma de suas vidas

pretéritas, quando da TVP (Terapia de Vidas Passadas) que fez, segundo ele mesmo afirma. Ressalte-se, contudo, que suas histórias podem ser, ou não, verdadeiras (vai depender dos princípios religiosos ou místicos do leitor - aficcionado, ou não, por este tipo de assunto). Ao conto lazariano:

“Tão logo aconcheguei-me naquele macio divã do meu psiquiatra,, o eminente Dr. Júlio Cambraia, o processo de regressão teve início. Senti meu corpo levitando, dando voleios naquele turbilhão sem fim, por sinal muito parecido muito com aquele túnel em forma de cone da antiga série da TV, chamada ‘Túnel do Tempo’, Ouvia zumbidos e outros sons estranhos. Na verdade, era como se fosse um filme projetado direto para minha mente. Mais real e detalhado do que nunca: daí a minha eterna dúvida quanto ao fato de poder ter sido fruto de meus devaneios somente. Era como abrir um álbum antigo de fotografias. Cada foto seria uma passagem específica, um momento perfeitamente rememorado.

Assim, após ‘planar’ e reviver algumas outras existências menos significativas, percebi, de repente, que subia uma ladeira um pouco íngreme. Eu carregava um rolo de papel com algo escrito. O sol estava a pino e o suor escorria-me pela face. Alguns casebres, com estilo bem antigo, compunham aquele espécie de corredor, pois era muito estreito o local. Enquanto subia, observei que do meu lado direito havia uma pequena construção. Naquele momento,

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uma mulher passava por mim. Ela carregava uma bacia cheia de roupas na cabeça. Seu passo estava lento, pois o peso lhe dificultava os movimentos, quanto mais numa subida como daquela. Então, ela parou e me perguntou: ‘Ô seu moço, o que é que eles estão construindo aqui, hein?’. Sem pestanejar, respondi-lhe com convicção que ali seria construída uma igreja, mas que era de outra religião, senão a católica, a que professava a maioria do povo daquele lugarejo.. Pelo que pude sentir, eu também não conhecia a tal ‘religião’ que acabava de ser citada.

Não dei mais importância para a pergunta e continuei minha caminhada. Enquanto andava, pude reparar as pessoas que passavam ao meu lado. Alguns garotos eram perseguidos por um cachorro. O motivo é que eles estavam com uma lingüiça e a arrastavam, sendo, pois, acompanhados pelo faminto vira-lata. Logo na esquina, ou seja, numa encruzilhada com uma copada muito bonita de árvores (acho que eram ipês amarelos); uma cabra amamentava seus filhotes e um senhor esperava, apoiado num pequeno cajado. Depois, reparei uma enorme igreja, um pouco mais adiante. Sinceramente, aquela visão me soou bem familiar. Mas, os torvelinhos mentais ainda não me permitiam identificar com exatidão aquele quadro. Vislumbres espaçados continuavam a espolcar em minhas entranhas cerebrais.

Ainda na subida daquela serra, cercada também por algumas jabuticabeiras e postes

com lampiões, pude ver uma vendinha ali naquele entrocamento. Cavalos estacionados. Algumas carroças e muita gente nas imediacões. Escrito com giz ou cal, não sei, um anúncio numa tabuleta de madeira compensada dizia em letras garrafais: ‘Fumo de rolo, pália (deste jeito mesmo) e phaca pequena, somente por 10 contos’ . Depois, aproximei-me da igreja e vi muitas pessoas se aglomeravam em torno de um senhor barbado, que ostentava um grande chapéu e discursava em altos brados: ‘Nossa vila é a mais importante da nossa região, deste oeste das Minas Gerais! Precisamos nos emancipar! Já estamos na metade do século 19, somos um dos melhores comércios da redondeza e já passa da hora de nossa Vila se tornar um município!’ Gritei um ‘muito bem’ e abri o rolo de papel que carregava e nele vi escrito ‘Emancipação: agora ou nunca!’. E todos aplaudiram com entusiasmo. De repente, surgem uns soldados e o corre-corre foi geral. Aí aconteceu algo marcante e definitivo para mim: senti uma fisgada forte nas costas, à altura dos rins. Ofegante e apavorado, pus a mão no local e vi que ela ficou ensangüentada! Acabara de levar um tiro. Caí feito uma manga madura. Tudo foi apagando, escuridão total. Entrei de novo no turbilhão. Acho que tinha acabado de morrer. Lá de cima, pude notar meu corpo estirado no chão e algumas pessoas tentando me reanimar.

Flutuei, flutuei e depois desfaleci de vez, por completo. Nada mais pude rememorar. Soube depois, pelo Dr. Júlio, que

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eu efetivamente morrera naquele momento. Pois bem. Ligando os fatos, posso concluir o seguinte: a serra que eu estava subindo, quando comecei minhas lembranças era o nosso Beco Protestante. A igreja ali sendo construída era a dos Protestantes. Depois, o que vislumbrei foi a Igreja da Matriz, e a copada de árvores era onde hoje é a Praça São Vicente Ferrer. Pelo visto, o ano era 1850, conforme discursava aquele senhor de barba. Como a emancipação de Formiga ocorreu em 6 de junho de 1858, tudo indica que somente 8 anos depois daquele discurso e da minha morte é que nossa terra-mãe iria conseguir seu intento.

No mais, sou tão formiguense, mas tão formiguense, que já fui um tropeiro em outra vida, como também até participei da campanha ‘pró-emancipação’ daquela que seria cognominada de ‘Princesa do Oeste’. Quer mais?”

Pois é. Como se não bastasse, parece que o já folclórico personagem deste livro, aqui cognominado Lázaro, é formiguense não só de alma, mas de corpos... e quantos!

Mesmo sabendo que estou desagradando àqueles que não se interessam muito pelos assuntos “extra-corpóreos”,

(provavelmente, arraigados às suas convicções, preferindo ignorar assuntos que suas percepções irredutíveis cobrem com um véu - ou seria mortalha? - os seus olhos e ouvidos ou, ainda, aos que desejam ficar à margem de uma realidade incontestável e até mesmo óbvia que é a vida após a morte e, contradizendo com aquilo que aprenderam quando criancinha: temer “ser contra as leis de Deus”, aqui está mais um conto - verdadeiro, ressalte-se - do personagem de sempre, o Lázaro.

É chegada a hora (passa dela!), portanto, de abrirmos nossas mentes. O milênio bate à porta. Os tempos não estão chegados: já chegaram! Bem, sem querer exacerbar-me neste surrado e repetitivo discurso e seguindo meus preceitos cristãos, peço as devidas desculpas por afrontar princípios, mas o dever cósmico me impõe divulgar tais verdades (queiram ou não, insisto). E que os insatisfeitos façam vistas grossas e ouvidos moucos. O livre-arbítrio nos foi oferecido para dizer “não”... ou sim. Tudo a seu tempo.

“Apesar das opiniões contrárias que eu, o Lázaro, tenho ouvido em nossa cidade, devo continuar com meu rosário de aventuras incomuns, pelo menos fora dos padrões normais. Aqui vai mais uma historinha de fundo místico-espiritualista.

Certo domingo, peguei minha bicicletinha amiga e fui dar umas voltas lá na Chapada. Após umas ‘catacradas’, resolvi esticar minha caminhada. Senti vontade de meditar um pouco e rumei

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para o Cristo Redentor cuja imponência sempre me contagiou. Assim, subi o morro, e após um tempo, deparei com aquele belo monumento ao nosso Mestre maior. Deixei o meu veículo de duas rodas no chão e sentei-me ao lado da estátua para pensar um pouco. A vista lá de cima possibilitou refugiar-me em meus pensamentos. E eis que ao me virar para o lado oposto, surge uma pessoa cujas feições não me eram estranhas. Calmamente ela colocou as mãos em meus ombros e me disse com uma serenidade incomum: ‘Seja bem-vindo, Lázaro. Acaba de chegar aqui?’. Assustei-me com a indagação, pois já fazia um tempo que eu estava naquele local. Respondi negativamente e perguntei quem era. ‘Como me pergunta? Não se lembra de mim, amigão? Sou o Evandro, seu colega do curso primário lá na Escola Normal! Você sempre me chamava de Evandroblejas!’ Para não fugir à regra, aquele friozinho na espinha deu o alarme: encrenca bizarra vem aí! Engoli seco e, com a voz trêmula, balbuciei: ‘Claro, sei agora quem é você...mas...você já morreu e...’, ele interrompeu-me: ‘Sim, de fato morrí afogado na piscina da Praça de Esportes. E daí? Olha eu aqui, vivinho da silva! Morri para o povo lá de baixo. Tô mais vivo do que eles! Ou melhor, estamos mais vivos do que nunca!’

Não entendi muito bem novamente. Será que eu tinha morrido? Ele leu meu pensamento ou captou-o, sei lá, e me respondeu a intrigada indagação: ‘Já disse, cara: você não morreu! Morrer na ascepção da palavra significa acabar, desintegrar,

finalizar para sempre. Você apenas mudou de lado; transmutou; passou pela transição, como dizem os Rosacruzes, ou desencarnou, como pregam os espíritas! Nada mais, nada menos! Seja bem-vindo!’

Puxa vida, então aquilo era morrer! O grande enigma da humanidade estava se desvendando para mim! Finalmente, iria corroborar, ou não, as minhas suspeitas sobre o além-túmulo! Para um pesquisador e curioso como eu, aquilo era um ‘prato-cheio’, ao invés de ser um fato apavorante. A primeira coisa que fiz, foi me apalpar todinho. Realmente, tal como eu já havia lido, minha carne era densa, dura, igual ao meu corpo na Terra. Olhei então para minha roupa. Não era a mesma que havia vestido naquela manhã dominical. Questionei o meu velho amigo de infância (agora, um ‘ex-falecido’...): ‘Evandro, estou usando meu terno mais novo, cara! Será que foi assim que fui para o caixão?’. ‘Positivo, meu amigo. Mas você terá que treinar muito ainda para plasmar a roupa que achar mais adequada’. O termo ‘plasmar’ no mundo espiritual, significa materializar algo, concretizar, moldar. Portanto, só com o tempo eu poderia usar talvez, uma bata branca como a que o colega usava. Parei da falar e resolvi dar uma olhada ao meu redor. Ei, mas isto aqui está parecendo com Formiga. Será que virei fantasma aqui na terrinha?

Meu companheiro, agora meu guia naquelas novas paragens, começou nova

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explicação: ‘Amigo, esta é uma cópia fiel de Formiga. Só que aqui moram aqueles da cidade que já partiram do mundo material. A maioria, os mais evoluídos, claro, teve interesse em fazer uma casa idêntica à que tinha na cidade. Por isso, é que este local se parece tanto com o original. Sentindo-me um pouco pesado (depois viria a saber que somente com o tempo é que eu ia aprender a volitar, ou seja, poder caminhar no ar - lembrei-me do Planeta Vulcano), andei um pouco e comecei a visualizar pessoas conhecidas que já haviam mudado de Lado. Vislumbrei a Escola, ou cópia dela, como queiram, e vi que era hora do recreio, ou intervalo.

Meu amigo dissera-me que ali eram dadas aulas normais de acordo com as diversas gradações dos espíritos, em termos de evolução. Puro audio-visual. E que visual! Observei que era uma tecnologia bem mais avançada que a atual da Terra. Dizem que o que tudo no nosso Planeta é cópia do que já existe em outros planos, ou seja, os inventores de carne e osso recebem inspirações dos céus... Numa determinada sala, um grupo de pessoas, de várias faixas etárias, assistia a uma espécie de filme num telão. Antes que eu perguntasse, Evandro me explicou: ‘Aqueles, alí assistem aos momentos de uma de suas vidas passadas. Todos estão juntos, porque foram companheiros nessas passagens. Só agora é que se reencontraram e podem rever os tempos em que estiveram vivendo numa mesma vida. Uns nem sabiam que já se conheciam desde tempos de outrora!’. Interessante, pensei.

Quer dizer que às vezes na Terra cruzamos com alguém na rua que nem conhecemos e que de repente pode ser nossos velhos conhecidos de outras vidas.’Aqueles outros alí’, continuou, meu companheiro, ‘estão assistindo aos seus enterros. Como pode observar, uns não estão gostando do comportamento de certas pessoas nesses locais, onde o respeito deve imperar, pois nesses reencontros de velhos amigos - que só acontecem em velórios, muitas piadinhas são feitas, e isto desagrada ao ‘falecido’, que está passando por uma transição tão delicada que exige muito preparo espiritual pois vai enfrentar novos rumos, novos costumes, nova vida. E o elevado ambiente num féretro, é primordial para que o clima se mantenha de acordo com tão grave momento.

Depois, Evandro me levou para uma espécie de hospital. Pude ver alguns de nossos médicos que já partiram de Formiga. Todos continuavam na sua luta pela cura alheia. Uns curavam na Crosta (como chamam o nosso Planeta) – através de médiuns – outros faziam tal função com entidades enfermas, ou seja, gente que ainda carregava marcas por causa de seu passamento, decorrente de doenças, suicídio, drogas e muitos males mais. Na verdade, poucos passam para o Outro Lado serenamente. Por isso, é necessário que o seu novo corpo adquira o equilíbrio novamente a fim de que seu dono dê prosseguimento à sua missão. Apontaram-me um quarto onde entrei. A cama, alvíssima, estava convidativa. Deitei e comecei a

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cair na realidade mesmo. Comecei a chorar. Meus olhos foram ficando pesados e...então... adormeci.

Abri-os novamente... Ei! Lá estava eu, na grama, perto da estátua do Cristo. Tudo não passava de sonho...!!

Ou será que me deram uma nova chance?”

Neste “causo”, o Lázaro, como sempre acontece, oferece aos meus ouvidos – nada moucos – e à posteridade, claro, um novo “causo” formiguense, como sempre também, de caráter inusitado, ou, na melhor das hipóteses, “doidamente bizarro”. Seguindo a velha praxe, passo-lhe a palavra doravante.

“Com a corda toda, volto para relatar, aos meus conterrâneos e demais leitores deste Brasil afora, mais uma historieta no mínimo estranha, para não dizer outra coisa. Bem, acho que existe em Formiga (eu disse: ‘acho’), uma casa que tem poderes. Explico: há, ou deve haver nessa mencionada localidade forças que lhe dão vida, ou seja, energias descontroladas rondam aquele lúgubre ambiente.

Numa daquelas típicas noites chuvosas de nossa cidade, resolvi variar um pouco. Ao invés de me enfurnar em casa, decidi dar uma voltinha pelos arredores. Peguei minha capa (detesto guarda-chuva!) e fui para a rua.

Tal ação fez com que minha mãe falasse poucas e boas aos meus ouvidos, em vão, porque quando quero algo, nada muda minha opinião.Como já disse em narrativas anteriores, a água sobre a minha cabeça me ajuda a pensar melhor. Assim, meus pensamentos fluíam enquanto andava pelas ruas alagadas de Formiga. Que coisa boa! Quase ninguém no caminho - aglomerações então, nem se fala! - e a chuva desabando ao som do ribombar dos trovões. Passei pela Igreja Matriz e segui reto. Andei e andei, deliciando-me com aquela ‘caminhada aquática’. Ao passar perto do Colégio Santa Terezinha, lembrei-me da antiga Igreja do Rosário, que hoje já não mais existe. E eis que meus olhos repararam uma casinha ali, ao lado do Colégio. Estranhei. Jamais havia visto aquele casebre de estilo colonial naquele lugar. Como não tinha reparado antes? As luzes que vinham lá de dentro pareciam bruxulear por causa da ventania que entrava pelas janelas. Ao passar pela porta, um estranho calafrio percorreu-me a espinha. Curiosamente, estiquei a cabeça para dentro de uma das janelas que estava entreaberta. Um cheiro de sopa me atraiu. Puxa vida, uma sopinha agora pegaria bem, pensei com certo entusiasmo. ‘Na cara de pau,, vou bater palmas e pedir a sopa!’. Antes mesmo de bater uma mão contra a outra, a porta se abriu, rangendo muito. Êpa, um convite antecipado! Vou entrar, pensei de novo.

Quando coloquei meu pé direito (ainda bem que não foi o esquerdo...), a porta se fechou repentinamente e por si só, sem

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ajuda de terceiros – pelo menos era o que parecia. Comecei a tiritar de frio, pois estranhamente ventava lá dentro também. Reparei uma escada logo à minha frente. O chão era de tábua corrida e a escada não tinha alguns degraus, de madeira. ‘Ô de casa!’ Gritei meio titubeante, esperando pelo dono da casa me receber. Nada. Repeti o grito e eis que surge logo à minha frente a Margaridinha! Sim! Ela mesmo, em carne e osso (ou pelo menos em osso, pois estava esquálida, muito magra mesmo). Porém, ela já tinha morrido! Como pode? Pegou-me pelo ombro e sorriu. Não havia dentes em sua boca murcha. Apesar da fraca luz da lamparina, pude reparar esse detalhe. Sem dizer nada, virou-se e subiu a escada. Cada passo que dava rumo ao andar de cima, o degraus rangiam. O medo começava a me incomodar. Voltei-me para a porta da rua e, para minha surpresa, não tinha mais porta! Só aquela parede fosca, cheia de mofo e teias de aranha. O terror tomou conta de mim. Pensei em pular a janela para escapulir, mas então surgiu outro ‘espectro’ à minha frente. Primeiro pude vislumbrar uma pasta, depois vieram os passos. Pé ante pé. Apareceu então bem à minha frente o José Júlio! O velho Coréia! Engoli seco. O que seria aquela casa? Repositório de antigos doidos em outra dimensão? E começaram a surgir outros dos ‘ilustres’ dementes do folclore da nossa terra! Ao som do Hino Nacional – que não sei de onde vinha – o Castora fazia continência e marchava, sem se importunar com a minha presença. Atrás dele, o Dico Perereca e o Lelé discutiam algo

que não pude entender muito bem. Subitamente, senti um toque de bengala e em seguida, uma voz seca e autoritária: ‘Identifique-se’. Olhei para trás e deparei com o João Manquinho! Gaguejando, por causa da nervosia que já tomava conta de mim, respondi: ‘Sou o Lázaro, que fazem aqui?’. ‘Ah, você é aquele outro maluco que vive contando baboseira para todo mundo acreditar? Seja bem-vindo. Este é o seu lugar. Acomode-se e não nos importune! Você vai ajudar o Gurips a pegar gurips’. Olhei para o lado e vi o não menos folclórico Gurips carregando uma caixa de sapato. Sem perguntar-lhe, ele me disse: ‘Consegui pegar gurips, quer ver?’. Acenei positivamente e ele abriu a caixa, dando um grito logo depois. Vi que a caixa já estava vazia. Quase chorando, ele disse: ‘Oh, não! Deixaram escapar os gurips!!’ E começou a dedilhar no vazio, tal como sempre fez.

Naquele momento, temi pelo meu futuro, pois aqueles doidos de outrora falavam algo e me fitavam com desconfiança. Minhas mãos tremiam feito vara verde e minhas pernas estavam bambas, para não falar da dor de barriga que passara a ter. ‘Como pude cair nesta armadilha? Será que ficarei confinado neste lugar mal-assombrado para todo o sempre?’, ruminei com meus botões. O vento uivava e os relâmpagos intermitentes iluminavam de quando em quando as faces cadavéricas dos presentes, cujos olhos ainda se esbugalhavam na minha direção.

Subitamente, tomei uma autêntica ‘pastada’ nas costas.

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Era o Coréia que tentava chamar minha atenção. Então ele falou, com sua voz pastosa: ‘Seu moço do mundo dos vivos, não o queremos mais aqui. O senhor é muito mais doido do que nós e por isso pode nos deixar mais doidos com suas emanações esquisitas. Saia logo daqui!’

Rapidamente, me virei e observei que a porta estava no lugar de antes. Com muito esforço, consegui abrí-la, pois o vento de fora não deixava – até parecia que conspirava contra a minha saída. Sem sequer olhar para minha retaguarda, voltei à rua. A chuva ainda caía e, mesmo assim, ‘zunei’ ladeira abaixo. Feito um pinto encharcado, cheguei bufando em casa e fui desanuviar minha mente embaixo de um revigorante banho quente. Não concatenava nada e, novamente, pensei ter sonhado com tudo aquilo.

No dia seguinte, tomei coragem e fui até o local. Não foi surpresa ao reparar que havia um lote vago ali mesmo, onde na noite anterior pousava uma pequena casinha de onde fumegava cheiro de sopa e habitavam pessoas nada normais.Finalmente, pensei: ‘Será que todas essas experiências macabras com o Outro Lado estão me deixando doido, ou será que os malucos acham que sou mais maluco do que eles?’ Fica a dúvida. Não me interessa saber. Só sei que tudo isto aconteceu...”

Acho que o excesso de críticas que o nosso amalucado personagem vem recebendo estão deixando-o com os miolos à

deriva. Quem sabe aquela água de chuva não criou toda essa cena em sua fantasiosa mente? Paira a dúvida. Contudo e, críticas à parte, é uma questão de princípios dar crédito às suas incríveis histórias. Afinal, fazem parte do folclore formiguense!

Desta vez, relatarei um história diferente, do não menos diferente Lázaro. Se é que possamos chamar de “iguais” os seus mirabolantes “causos místico-formiguenses”. Mantendo a usual praxe, ele próprio toma-me a palavra e começa a sua narração.

“Amigos, presto minhas homenagens aos seres menos compreendidos pela raça humana: os animais. Pois é. Já devem estar imaginando do que se trata. Tudo começou quando eu estava no quintal de casa dando milho às galinhas que minha mãe cria. De repente, tive uma típica vertigem e, presumo, desmaiei. Reabri os olhos com alguma coisa bicando o meu nariz: ‘Ei, rapaz, acorde! Bem-vindo ao plano dos animais!’ O quê? Só me faltava essa agora! Eram as mesmas galinhas que tentavam me acordar. E o mais incrível: falando em perfeito e claro português! Esfreguei os olhos e me belisquei. Em vão. Estava de fato acordado, mas tudo em minha volta era diferente. Não estava mais no quintal de casa, mas num campo, todo florido e cheio de árvores.

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Pude notar que algumas borboletas planavam em torno do meu corpo ainda no chão. Podia ouví-las até! Pelo visto, cochichavam algo. Tive a nítida impressão que falavam de mim. Não. Borboletas não falam, mas naquele mundo tal impressão era clara e verdadeira!

Limpei a roupa e levantei do chão. Olhei para aquela bela paisagem e, como sempre acontece, questionei-me em pensamento sobre onde me encontrava naquela nova aventura. Então, vi alguns cachorros correndo em minha direção. Em pânico, tentei fugir, mas me contive com um grito: ‘Pare, ser humano! Não tenha medo! Somos seus amigos!’. Olhei em volta novamente e vi que não havia ninguém por perto. Era um dos cachorros que falavam comigo! Petrificado, parei ali mesmo e esperei.

Não tinha outra alternativa senão me controlar. ‘Como pode ser? Quem são vocês, por que falam e no meu idioma ainda por cima? Segundo me consta o som de suas vozes é outro e não igual ao meu!’. Um dos animais, um belo e imponente pastor berneziano preto e marron, acalmou-me com sua voz grave, mas serena. ‘Na verdade, meu amigo, estamos emitindo o mesmo som que você está acostumado a ouvir no plano material, só que aqui você nos ouve simultaneamente traduzido, por um processo que ainda não consegue entender e não cabe aqui explicar. Como você é um mestre em narrar aventuras ditas mirabolantes, eis uma boa oportunidade para relatar

algumas importantes observações nossas com relação aos seres humanos’.

Ainda boquiaberto, por ver um cachorro conversando num corretíssimo português (de dar inveja em muito pseudo-literato...), voltei a sentar-me. Recostei minha atordoada cabeça num tronco de árvore e, emudecido pela emoção, ouvi o que o cão tinha para latir, digo, falar.

‘Temos ouvido e também visto que vários irmãos nossos da raça pitbull têm sido injustiçados porque foram ensinados erroneamente pelos seus mal intencionados donos. Isto não se faz! É amesma coisa que ensinar coisas ruins para uma criança indefesa.. Os pobres dos cães é que levam a culpa ao final de tudo. Como se não bastasse, isto pode até causar-lhes sérios débitos cármicos, não por culpa somente sua, mas de seus adestradores ou donos. Pelo menos, tal dívida também será compartilhada com essas pessoas más que, claro, terão uma parcela de endividamento maior e um dia, por certo, terão que resgatar.’

Ouvi aquilo com um complexo de culpa danado, e continuei calado, pois não há argumento para verdades incontestáveis, apenas senti vergonha de fazer parte da raça dos humanos, provavelmente pior do que a dos pitbulls...

Depois, uma bela ‘poodle’ de cor branca interrompeu as observações do Júpiter, o nome do pastor berneziano. Seu nome, se não me engano era – ou é –

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Jeannie. Com carregado sotaque francês, ela complementou: ‘Sim, e digo mais, somos também radicalmente contra a ingestão desvairada de carne animal! Todos deviam saber que a carne está impregnada de vibrações energéticas negativas, provenientes do medo e da raiva que o animal sentiu na hora de seu abate. Essa energia perniciosa acaba passando para aqueles que depois vai ingerir o tecido do cadáver que foi impiedosamente abatido pelos cruéis humanos.’

Reparei uma certa revolta na fala daquela mimosa cadelinha. Subitamente, surgiu uma bela gatinha, da raça angorá, chamada Léa, que fez questão de intervir e observar o seguinte: ‘Não somos inferiores como imaginam. Nossa evolução também é constante. Já nascemos com o dom da clarividência, e da percepção extra-sensorial, pois nossos chacras solares já são estimulados, já que não têm a sincronia de impulsos etéricos que os homens têm...’ (não entendi muito bem essa observação, mas fica aqui registrada para o bom entendedor) ‘...por outro lado, nós, os gatos, temos conhecimento das forças telúricas e somente dormimos nos chamados pontos positivos de emanação energética.’ Doravante vou reparar os locais onde os gatos dormem. Segundo eles próprios, é um local de carga positiva. Interessante.

Sem ter notado antes, ali estava também uma esguia égua, de nome nome Marilu e que tomou a palavra para dizer: ‘Na sua cidade mesmo, a bela e

aconchegante Formiga, meus irmãos já não têm chance direito de transitar como antigamente. As carroças são raras e os vaqueiros raramente aparecem na cidade com meus belos irmãos. O progresso do homem está acabando com as bonitas cenas bucólicas que não somente Formiga tinha, mas toda cidade do interior tinha antigamente! Os cães, por exemplo, nem podem descansar sem preocupação na beira da calçada que correm o risco de morrer atropelados!’ Sem perder tempo, apareceu um desengonçado cachorro, mistura de poodle com outra raça qualquer (talvez um representante dos vira-latas, quem sabe...) Era um tanto envelhecido, com uma barbicha branca super jocosa, parecendo um sábio (fiquei sabendo que se chamava Milú). Tanto é, que até o seu comentário final denotou a sua sapiência canina, a despeito de sua raça incógnita: ‘É claro que novamente não vão acreditar em sua história, meu caro natio formiguense, mas não custa enfatizarmos que enquanto o homem terreno continuar na negação de sua própria realidade energética, assim como da nossa, sempre haverá um abismo entre a compreensão da vida e a própria vida e estará copiando a posição do cego que apalpam primeiro, para depois certificar-se. Contudo, devo advertir, nem sempre ele terá a bengala. Aí ele poderá tropeçar no desconhecido e, infelizmente, quedar-se...’

Gostei tanto daquela oportuna observação que passo a tê-la como lema. Bem, depois desse inusitado colóquio com os animais de outra dimensão ou

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lugar, não posso precisar ao certo, desfaleci e acordei no mesmo local de antes.

Mamãe me cutucava com a vassoura, dizendo que eu teria que fazer um exame urgentemente, pois ‘vira e mexe’ desmaiava e voltava contando ‘coisas sem nexo’ para um amigo muito curioso que eu tinha!. Ela acertara, e sem perder tempo, relatei-lhe o acontecido quando, por fim, ela soltou uma bela e sonora gargalhada. Mas, como ‘mãe é mãe’, acreditou piamente em mim. Pelo menos a madame que me gerou crê em mim...”

Ficam aqui anotadas para a posteridade as elocubrações advindas do mundo animal, pelos canais do “nosso enviado especial para assuntos extra-dimensionais”...

A fim de que os céticos continuem cultivando mais “pulgas atrás de suas orelhas”, passo o verbo ao mais polêmico dos formiguenses, o Lázaro. Com esta história – verídica, ou não – ele fecha esta parte mística do livro. E, diga-se de passagem, endosso mais este “trepidante causo” advindo de suas memórias...

O comemorativo dia da cidade de Formiga, seis de junho, reúne uma série de eventos não os usuais, quais sejam, desfiles, discursos, exposição de animais,

exibição da Esquadrilha da Fumaça, dentre outros, mas também os esportivos. Muitas competições aconteciam - ou acontecem ainda, não sei - principalmente na Praça de Esportes. Fora dela tínhamos a tradicional gincana dos estudantes. É nesse tema em particular, que o nosso personagem centra a sua narrativa.

“Acordei cedo naquele ensolarado – apesar de meio frio – sexto dia do sexto mês do ano de 1966. Mamãe, como sempre muito benevolente e prestativa, ‘passou’ um ótimo cafezinho (torrado lá em casa mesmo!) que saboreei com satisfação, acompanhado do pão quentinho recém-chegado da Panificação São Vicente, sem me esquecer da manteiga ‘Figuinha’, marca esta já comentada em passagens anteriores. Como já estava meio atrasado, vesti meu uniforme de gala, dei uns retoques estéticos em minha bicicleta (iria participar do desfile na ala das bicicletas, todas enfeitadas a rigor) e, como se diz na gíria, ‘cacei meu rumo’. Os colegas que iriam participar da parada, já estavam perfilados. Suas bicicletas reluziam ao sol. Todas ‘tinindo de rosca’! Postei-me no meu lugar e esperei pelo toque inicial da banda para começar a marchar, ou melhor, a desfilar. E lá fomos nós.

O sol já esquentava nossos quepes e o suor escorria descontroladamente. Mas, o que eu me importava mesmo era com a pompa do evento. O equilíbrio era fator determinante para que o alinhamento se

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mantivesse impecável, porque tínhamos que manter uma velocidade constante. Durante aqueles momentos, nossa imaginação fluía, pois cada um pensava que as pessoas olhavam exclusivamente para sua enfeitada bicicleta. Nessa hora, a vaidade e o orgulho sobressaíam.

O trajeto estava sendo rigorosamente cumprido e dentro do horário pré-estebelcido. De repente, todos ouviram um barulho de pneus cantando no asfalto, em seguida, um estrondo acompanhado por gritos de todos os lados! Não deu tempo de olhar direito, pois ao virar o rosto para ver o que era, só deu para ver um facho azul e...’puf’! Junto com a bicicleta, caí para trás e, antes de desacordar-me ainda pude ver a horrível cena de pessoas sendo também atropeladas. Pude ouvir também muita choradeira e gritaria. Depois veio um torpor inevitável. Mesmo sendo uma sensação esta já bastante familiar para mim, uma vez que são através de tais transes que vivencio os bizarros momentos de minha agitada vida, senti algo mais profundo. Estaria de fato morrendo?

Abri meus olhos e reparei que estava cercado por pessoas de branco. Balbuciei alguma coisa e depois perguntei à uma senhora de cabelos grisalhos que se aproximara de mim: ‘Onde estou? O que aconteceu?’. Sem muita delonga, a enfermeira, ou médica, não sabia naquela altura, respondeu-me com extrema delicadeza: ‘Aconteceu algo muito grave. Você estava em sua bicicleta, quando um carro que participava de uma gincana se

desgovernou, atropelando você e muitas pessoas que também desfilavam. Agora você está sem sentidos e ainda não acordou...’

‘O quê? Como pode? Se estou desmaiado, por que sinto que estou acordado? Estarei sonhando? Não acredito. Posso sentir meu corpo perfeitamente!’, indaguei desesperadamente, ao que fui imediatamente respondido: ‘Na verdade, você está em desdobramento. Seu corpo físico está sendo socorrido neste exato momento. Infelizmente, seu coração está quase parando...’

Mais assustado do que nunca, o fato é que, de um local que até hoje não sei onde, eu via tudo o que acontecia em baixo. Pessoas corriam de um lado para o outro, macas com soros, ambulâncias, enfim, a praça onde acontecera o acidente estava num verdadeiro pandemônio. Sem titubear, perguntei de novo: ‘Houve vítimas? E por que logo hoje tudo isto está acontecendo? Logo na data mais importante da cidade? Não acham que a cidade, cuja população é ordeira e honesta merecia outra sorte?

Aqueles senhores de branco se entreolharam e cochicharam algo que não pude perceber direito.Alguns minutos depois, um deles se aproximou de mim e disse: ‘Você tem plena razão, às vezes acontecem fatos que não estão efetivamente registrados nos planos acáshicos. E quando isto acontece, uma segunda chance pode ser dada... O livre arbítrio desta vez sobrepujou a lógica dos acontecimentos. Quando há

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merecimento, o tempo e os acontecimentos podem ser alterados!’

Dito isto, levei um susto quando uma bicicleta se enroscou na minha. Paramos subitamente e tal repentina parada puxou a fila que o fez instantaneamente. Foi quando passou de raspão um bug desgovernado no exato momento em que paramos!‘Ufa! Se não fôsse a bicicleta do Lázaro, seríamos todos atropelados pelos doidão que passou!’ “

Foi o que aconteceu. Ou melhor, foi o que não aconteceu num dia 6, do mês 6 do ano de 66. Sugestivo, não?

(1999 – 1998)

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