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2011 Luci Bonini COM. SOCIAL PP - UMC SEMIÓTICA

Apostila de Semiótica

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Page 1: Apostila de Semiótica

2011

Luci Bonini

COM. SOCIAL –

PP - UMC SEMIÓTICA

Page 2: Apostila de Semiótica

HOMEM COMO SER DE LINGUAGEM

• Todos os animais do planeta têm uma sistema de comunicação próprio è sistema

herdado geneticamente, só muda na velocidade da evolução biológica e independe de

aprendizado.

• Ser humano é único que desenvolveu milhares de sistemas de comunicação, verbais e

não-verbais diferentes.

Existem, ainda hoje, 3.500 línguas naturais distintas. Cada uma delas só se transmite por

aprendizagem, no convívio social.

• A língua e os seus discursos constituem, em conjunto, um processo semiótico.

• Um processo semiótico produz, sustenta e reflete o sistema de valores de uma

comunidade humana, o sistema de crenças, o imaginário coletivo, o ‘saber

compartilhado sobre o mundo’.

o ser humano é um animal cultural, social e histórico

A língua e seus discursos e as semióticas não-verbais, conferem a uma comunidade

humana: a sua memória social; a sua consciência histórica; a consciência de sua

identidade cultural; a consciência de sua permanência no tempo

Page 3: Apostila de Semiótica

Teoria Geral dos Signos: É alguma coisa que representa alguma coisa para alguém ; é

determinado pelo objeto; representa o objeto; só pode representar o objeto; pode até mesmo

representá-lo falsamente; representar um objeto significa que o signo está apto a afetar uma

mente è produzir nela algum tipo de efeito è esse efeito produzido é chamado de

interpretante do signo; o interpretante é imediatamente determinado pelo signo e

mediatamente determinado pelo objeto; o objeto também causa interpretante mas através do

signo

O método semiótico

A semiose é um processo de revelação, e todo processo de revelação envolve em sua

natureza a possibilidade de engano ou traição.

Todo método que revele algo (alguma verdade sobre o mundo, ou algum aspecto sobre

o mundo ou algum campo de investigação) na medida em que revela é um método

semiótico. (John Deely p 29)

FENOMENOLOGIA

A tarefa da fenomenologia é traçar um catálogo de categorias

Faculdades de que necessitamos : Qualidade de ver o que está diante dos

olhos, como se apresenta, não substituído por uma interpretação; Qualidade

de discriminar de maneira resoluta; Qualidade de generalizar

Primeiridade/ Secundidade/ Terceiridade

Realidade e Pensamento

A distinção geral entre Mundo Interior e Exterior reside no fato de que os objetos

interiores submetem-se prontamente às modificações que desejamos, e os exteriores

são fatos difíceis, ninguém pode fazer nada com eles. (Os Pensadores, Peirce, 1980,

p.19)

A associação de idéias é regulada por três princípios – semelhança, contigüidade,

causalidade. Seria igualmente verdadeiro dizer que os signos denotam segundo esses

três princípios. Uma coisa é signo daquilo que lhe está associado por semelhança,

contigüidade ou causalidade; o signo relembra a coisa significada. (Peirce, Os

Pensadores, p.80)

... A vida do pensamento e da ciência é inerente a símbolos... (idem p.100)

“ Pode-se fotografar a mesma montanha de diversos ângulos, em diferentes

proximidades, de variados lados, ou mesmo de cima, se tomarmos a foto de um

helicóptero, por exemplo. Em cada uma dessas variações, são distintos os objetos

Page 4: Apostila de Semiótica

imediatos, pois varia o modo como o mesmo objeto dinâmico, a montanha, nelas

aparece. (Santaella, 2002, 19)

Peirce afirma que o homem enquanto símbolo verdadeiro é imortal, e um símbolo

verdadeiro é aquele que deixa provas da sua existência, é aquele cujo caráter peculiar

o transforma num signo na consciência de outros homens.

Mesmo os fenômenos vão crescendo em significado na medida em que o homem

busca conhecê-los melhor. Assim como os signos que o homem cria, o mundo é uma

cadeia de signos a ser elucidada pelos homens e o homem um signo a ser

compreendido por ele mesmo.

Semiótica ou Lógica – o lugar da semiótica na Lógica Peirceana

Estética – inúmeras variedade de qualidades estéticas

Ética

Lógica ou Semiótica

Gramática especulativa – classificação dos signos

Lógica Crítica – estuda as várias formas de raciocínio: abdução, dedução,

indução

Retórica especulativa ou Metodêutica – estuda a função dos signos, a forma

de relações eficientes; a semiose (exercício do autocontrole, otimização do

desempenho das três forças: imponderabilidade do acaso, força do real, forças

do inconsciente com autocontrole

LÓGICA

Ciência das condições necessárias para se atingir a verdade

O tempo não outra coisa que o desenrolar-se da semiose. (John Deely – Semiótica

Básica 1990)

“ Nada pode ser tanto logicamente ou moralmente bom sem um propósito para sê-lo.”

(CP 1575 , in Santaella 1992)

GRAMÁTICA ESPECULATIVA

- teoria geral dos signos -

É alguma coisa que representa alguma coisa para alguém: é determinado pelo

objeto; representa o objeto; só pode representar o objeto; pode até mesmo

representá-lo falsamente; representar um objeto significa que o signo está

apto a afetar uma mente produzir nela algum tipo de efeito esse efeito

produzido é chamado de interpretante do signo

o interpretante é imediatamente determinado pelo signo e mediatamente

determinado pelo objeto

Page 5: Apostila de Semiótica

o objeto também causa interpretante mas através do signo

TEORIA GERAL DO SIGNO DE PEIRCE

Peirce esclarece que algo ou qualquer coisa independente de sua natureza é também um

signo

Assim o objeto da semiose é tanto imanente quanto transcendente

As partes de que se compõe o signo I

Representâmen - o corpo do signo, sua materialidade

As partes de que se compõe o signo II

O signo comporta dois objetos:

a) imediato - é aquele que o signo carrega dentro de si mesmo

b) dinâmico - é aquele que está na realidade

As partes de que se compõe o signo III

Interpretante

a) interpretante imediato: é o significado, ou imagem mental que o signo está

apto a produzir em nossas mentes. É um significado que pode estar lá dentro

do signo, qualquer que seja ele.

b) interpretante dinâmico: é o significado ou imagem que o signo efetivamente

produziu ou produz na minha mente, ou na sua.

c) interpretante em si, ou interpretante final: deverá ser o resultado final do

processo de semiose, são as várias explicações, significados, efeitos e imagens

que o signo é capaz de produzir na medida em que ele transita em várias

mentes, por várias gerações e assim por diante. Esse significado seria muito

amplo, e, dada a vastidão do seu conceito nós só podemos imaginar esse tipo

de interpretante

SEMIOSE

Processos irreversíveis, auto-organizatórios já em algumas reações.

O tempo é o desenrolar da semiose, por isso cada comunidade vive num tempo

diferente, pois a semiose que se opera dentro dela tem velocidade diferentes das

outras, isso não significa que uma comunidade é melhor ou pior, apenas está em

semioses diferentes

Tendência para a autocorreção, para a verdade, para chegar a um contato efetivo com

a realidade

Page 6: Apostila de Semiótica

Ação dos signos. Quando o futuro exerce influência sobre o presente temos aí uma

semiose

é, portanto: uma conexão formal extrínseca entre o sujeito conhecedor e o objeto

conhecido. – possível logo de início. É muito fácil ver-se o que é o interpretante do

signo: é tudo que está explícito no signo mesmo, não se considerando o contexto e

circunstâncias de produção deste signo

Antropossemiose

Inclui todos os processos sígnicos em que os seres humanos se envolvam, todos os

processos sígnicos que são específicos da espécie humana – a língua se insere nessa

teia

O papel da semiótica no processo educacional é analisar a antropossemiose no

discurso educacional, no tecido formado pelas relações das diferentes linguagens

emanadas dos diferentes aparatos tecnológicos ou não utilizados como veículos de

informação e conhecimento

O MÉTODO SEMIÓTICO

A semiose é um processo de revelação, e todo processo de revelação envolve em sua

natureza a possibilidade de engano ou traição.

Todo método que revele algo (alguma verdade sobre o mundo, ou algum aspecto sobre

o mundo ou algum campo de investigação) na medida em que revela é um método

semiótico. (John Deely p 29)

Um método implementa um ou alguns aspectos de um ponto de vista. Na verdade um

método consiste exatamente na implementação sistemática de algo sugerido por um

ponto de vista. Entretanto um ponto de vista que pudesse ser totalmente

implementado por um único método seria bastante acanhado. Quanto mais rico um

ponto de vista, tanto mais diversos são os métodos necessários para a exploração das

possibilidades de entendimento latentes nele. (J. Deely, p.27)

O conceito de linguagem em Peirce

Não há nenhuma estrutura atômica no mundo tal que corresponda a ela palavras uma

a uma. (John Deely, p37)

A linguagem como rede objetiva é parte de um todo maior de relações objetivas. A

rede lingüística se alimenta da estrutura da experiência como um todo e é

transformada por ela em sua irredutibilidade ao ambiente físico. (idem, p.38)

Page 7: Apostila de Semiótica

1. Semiótica

1.1 Histórico

Semiótica é uma ciência nascida nos primórdios de nosso século, no entanto, há umas poucas

décadas ela começa a despertar interesse de um público um pouco mais amplo.

A Semiótica tem como objetivo maior estudar a ação dos signos sobre os homens, sobre os

objetos que esses signos representam e sobre outros signos; essa ação é conhecida como

semiose. Deste vasto escopo da Semiótica, podemos concluir que ela tem um caráter

interdisciplinar porque trabalha com os signos, que representam seu universo e todos os

elementos que aí estão, que fazem parte do nosso universo, real ou imaginário, podendo ser

até mesmo, objeto de estudo de qualquer outra ciência. Por tudo isso podemos dividi-la em

dois níveis: a Semiótica Pura, doutrina dentro da qual se configura a teoria dos signos e suas

ações sobre o mundo como um todo e a Semiótica Aplicada, que se nos deparamos ao utilizá-

la como ferramenta de outra ciência.

A Semiótica Aplicada visa estabelecer critérios de um sistema ou categorias que possam

capacitar a análise de um sistema de signos pertencente a qualquer universo que possibilite

conhecimento.

A doutrina dos signos teve dois pais que viveram na mesma época, mas não se conheceram. O

primeiro, europeu chamava-se Ferdinand de Saussure, e é na realidade pai da Lingüística,

ciência que tem como objetivo o estudo da linguagem verbal, e tendo estudado as várias

relações da palavra com o homem Saussure em sua busca nos legou muitos conceitos e termos

que podemos utilizar como empréstimo.

Saussure (1971:82) pareceu vislumbrar uma Semiótica, chamada por ele de Semiologia, ao

afirmar: "quando a Semiologia estiver organizada, deverá averiguar se os modos de expressão

que se baseiam em signos inteiramente naturais - como a pantomima - lhe pertencem de

direito(...)", mais tarde foi Roland Barthes que apodera-se desse termo e desenvolve amplos

conceitos que se estendem e se solidificam até hoje.

O outro pai da Semiótica era norte-americano, filho de um professor de Harward, bacharel em

Química, lógico e matemático. Charles Sanders Peirce, como se chamava, era apaixonado pela

Lógica e por toda a sua vida busca relacionar o envolvimento dos fenômenos e dos signos que

os representam. A obra de Peirce é muito vasta, para se ter uma idéia aproximada de tudo que

ele estudou é necessária uma leitura de suas 12.000 páginas publicadas em vida e das quase

95.000 que ele passou a visa produzindo e ficaram sem publicação; ainda hoje, muitos

pesquisadores procuram dar conta de suas anotações, e como Saussure teve muitos

seguidores um que primeiro se destacou foi Charles Morris que divulgou muitos dos conceitos

deixados por Peirce.

Conforme nos indica Winfried Nöth (1994:13) o termo "semiótike" surgiu num livro de John

Locke (1632-1704) que se intitulava "Essay on human Understanding" de 1690 e postulava

uma doutrina dos signos. Um termo semelhante "zemaiotikon" foi utilizado por Galenum de

Pergamun, um médico que viveu de 139 a 199 e utilizou o termo num estudo do diagnóstico

dos signos das doenças.

O termo "semeion" em grego significa sinal, marca. Semeion ou Sema gerou muitos vocábulos:

Semântica, disciplina que estuda a significação das palavras, esse termo, parece ter se

analogia com o termo "mancia" que significa adivinhação, que podemos observar em

quiromancia, por exemplo, que é a arte de se adivinhar o destino das pessoas pelas linhas e

Page 8: Apostila de Semiótica

sinais na palma da mão entre essas arte ainda encontramos, hidromancia, rabdomancia e

geomancia entre outras. O vocábulo Semiologia utilizado por Saussure também, advém do

mesmo radical, porém parece-nos uma latinização em analogia às outras "logias". Semiótica o

termo utilizado por Peirce é cunhado diretamente do grego e não se carrega de dúbias

interpretações por contaminações e analogias anteriores. Para Peirce o procedimento de

utilizar termos novos para idéias novas faz parte de uma ética, que segundo a qual, ainda que

a grosso modo, termos novos ainda não se conspurcaram de significações aleatórias ou

errôneas.

O termo Semiótica foi adotado internacionalmente em 1969 pela Associação de Estudos

Semióticos da qual participava Roland Barthes, Emile Benveniste, Greimas, Jakobson, Sebeok

entre outros. Nesta época os estudos semióticos estavam ampliando seus horizontes a muitas

linguagens não verbais além da verbal.

Vemos , então, explicitamente, que o termo pulsou aqui e ali e se generaliza em 1969, porém o

interesse por uma doutrina que se preocupasse com os signos remonta Platão (427-347).

Platão se refere a um signo de três componentes a) ónoma (nome; b) aidos, logos (idéia,

noção); c) pragma (coisa). Esta preocupação em nomear o objeto e estabelecer as relações que

esse objeto mantém com seu nome e a idéia que ele desperta na mente das pessoas não é

recente.

Sendo assim a preocupação com o desenho, a palavra ou o som que utilizamos para nomear as

coisas por não ser nova, desperta muitas dúvidas até hoje, principalmente porque a tecnologia

é responsável pela proliferação de equipamentos que multiplicam essas linguagens numa

velocidade vertiginosa, povoando o mundo de muitos códigos complexos e mistos. É neste

momento que a Semiótica nos auxilia com suas teorias a fim de que tentemos compreender a

trilha dos signos que se abre a nossa frente no nosso dia-a-dia, seja nos estudos ou no ir e vir

de todos nós.

A diferença entre a Semiótica e as outras ciências da linguagem, como a Lingüística, por

exemplo, é que ela vê os signos que povoam o mundo como um objeto de estudo sem

descartar o objeto do qual resultou o signo, como fizeram outros pensadores da linguagem.

Como Saussure, por exemplo, que chamou de significante a parte material do signo, e seu

processo mental, de significado. Hoje as várias correntes semióticas existentes trafegam em

muitos caminhos diferentes, o que aqui veremos será delineado pouco a pouco.

1.2 Suscitando Dúvidas

Segundo o próprio Peirce (1975:53) " a ação do pensamento é excitada pela incitação da

dúvida e cessa com o atingir a crença; e assim o chegar à crença é a função única do

pensamento." Disto posto, esse caminho é para gerar dúvidas a fim de gerar conhecimento.

Peirce ainda diz que ao atingirmos a crença estaremos, momentaneamente em repouso,

porém na medida em que aplicamo-la, teremos novamente a ação do pensamento e aí então

geramos conhecimento outra vez, nas mesma medida em que geramos dúvida.

1.3 Esboço de uma teoria

Charles Sanders Peirce, passou toda a sua vida buscando conhecer a relação entre as várias

formas e manifestações do conhecimento humano. Para ele Semiótica seria um outro nome

Page 9: Apostila de Semiótica

para a Lógica, a Lógica Pura, como Peirce a concebia. Alguns lógicos, atualmente, preferem

denominar de logística a Lógica Aplicada.

A Semiótica de Peirce consolida-se em bases filosóficas anteriores. Ao percorrermos os

escaninhos da filosofia que o antecedeu, percebemos que Peirce conheceu profundamente

seus predecessores. Sua genialidade deixou-nos uma teoria do conhecimento na medida em

que desenvolve métodos de se desembaraçar as relações entre os signos que representam a

realidade e aqueles que os interpretam. Observar a realidade que está a nossa volta,

interpretando-a dando-lhe novas interpretações e criando outras formas de representá-la é

um ato que Peirce denomina de semiose.

Conforme nos aponta Fisch, via Nöth (1990:42) " Estritamente falando, a semiose e não o

signo, é o objeto de estudo da semiótica." Peirce, também via Nöth (idem) afirma que

semiótica "é a doutrina essencial da natureza fundamental das variedades possíveis de

semioses."

1.3.1 O Lugar da Semiótica entre outras Ciências

Se a Semiótica é uma doutrina que estuda as várias relações entre os signos e os signos são

unidades constituintes das três matrizes existentes de linguagem devemos colocar ordem no

caos antes de encaixarmos a Semiótica em seu devido lugar.

1.3.1.1 Realidade e Linguagem

Para tentarmos conceituar a realidade sempre teremos de utilizar uma forma de linguagem, e

isto, sempre dificulta a compreensão de conceitos e veremos o porquê adiante.

Linguagem define-se como um sistema de representações utilizado para materializar nossos

pensamentos, que por sua vez existem porque o mundo à nossa volta os despertam, já que o

homem é dotado da capacidade de transformar aquilo que vê, ouve, toca e sente em

linguagem.

Então tudo o que podemos ver, tocar, ouvir, sentir, saborear podemos denominar de

realidade. Se a realidade é algo percebido, pois como sabemos, os olhos, a boca, a pele o nariz

e os ouvidos são as portas da nossa percepção, então, no momento em que percebemos os

objetos a nossa volta, seja, por qualquer uma dessas portas "traduzimos" esse sentir por um

pensamento, e esse pensamento pode vir em forma de palavras, de sons, de imagens, ou tudo

isso junto, depende da capacidade de pensar de cada um. Imagens, sons, palavras, tudo isso

são formas de representação, funcionam como signo do objeto percebido, aquele que ali está

compondo a realidade ao nosso redor.

Para tornarmos esse pensamento comum, transformamo-lo em desenhos, palavras, música,

etc; em unidades de representação, ou seja, um signo.

Vejamos como isto funciona: Se você está sentado para almoçar e as travessas vão sendo

postas na mesa e assim uma delas esbarra em sua mão, no mesmo momento seu cérebro

recebe uma mensagem enviada pela sua pele: "Quente!", aí então, você tira sua mão

depressa, sacudindo-a no ar dizendo: - "Ai! Está quente." Você representou essa realidade por

intermédio de dois signos; um visual, o gesto, e um verbal, a frase.

Você transformou aquilo que era real, que estava fora de você, em linguagem, você

comunicou (tornou comum) o que você absorveu da realidade.

Page 10: Apostila de Semiótica

Transformar a realidade em linguagem é conhecê-la, quanto mais somos capazes de utilizar

signos, ou linguagens, para traduzir o que nos rodeia, mais conheceremos a realidade.

A linguagem é o único caminho que nos levará até a realidade, de outra forma ela será

intocável, inatingível, pois o seu toque sobre ela já estará sendo uma forma de interpretá-la, já

estará carregado com a sua interpretação de mundo.

1.3.1.2 Fenomenologia

A Fenomenologia para Peirce era necessária, conforme vimos anteriormente, pois só se é

capaz de descrever e explicar coisas se as vemos, tocamos, cheiramos, saboreamos etc. Se

para ele semiose é a ação do signo e esta por sua vez estabelece uma ligação entre o homem

e os objetos que compõem a realidade, então a Fenomenologia entra como um método para

estudar os fenômenos e suas interpretações.

Fenômeno vem do grego phainómenous e significa aquilo que se manifesta visivelmente. A

Fenomenologia nos convida a ver o mundo com olhos abertos, com as portas da percepção

escancaradas, já que ver pode se estender às outras formas de percepção, pois quantas vezes

o "Deixe-me ver" pode estar significando pensar, sentir, pegar etc.

Se a Filosofia deu a Peirce respaldo ao nascimento da Semiótica, a Fenomenologia também faz

com que Peirce a transforme num de seus instrumentos do pensar. Conforme coloca Santaella

(1992:122) ele estabelece o seguinte quadro:

1.1.2 Filosofia

1.1.2.1 Fenomenologia

1.1.2.2. Ciências Normativas

1.1.2.2.1. Estética

1.1.2.2.2. Ética

1.1.2.2.3 Lógica ou Semiótica

1.1.2.2.3.1. Gramática Especulativa

1.1.2.2.3.2. Lógica Crítica

1.1.2.2.3.3. Retórica Especulativa ou Metodêutica

1.1.2.3. Metafísica

Para Peirce a filosofia é uma ciência que se ocupa com "aprender o que pode ser apreendido

com uma experiência diária ou não." (1990:197), e acrescenta que a fenomenologia é parte

da filosofia, dentro da qual, ainda, ele estabelece as categorias universais do pensamento e da

natureza, e finalmente, as Ciências Normativas que trata das relações entre os fenômenos e

seus fins.

1.4 Delegando Poderes

Page 11: Apostila de Semiótica

Encontrada a Semiótica no quadro elaborado por Peirce vejamos aquelas com as quais ela

mantém relações de hierarquia:

a) Estética - ocupa-se em estudar as formas de representações da realidade

que tenham como finalidade despertar a qualidade do belo.

b) Ética - ocupa-se com a conduta do nosso raciocínio, com o modo de

conduzirmos nossas ações em conformidade com o objetivo a ser atingido.

c) Semiótica ou Lógica - seria a ciência responsável pelo estudo dos signos e

suas relações entre ele mesmo, entre ele e o objeto que ele representa e entre ele e a mente

que o interpreta; daí que ela seja dividida em:

- gramática especulativa ou gramática pura: estuda todos os tipos de

signos como eles representam aquilo que representam e quais as suas propriedades

aplicativas.

- lógica crítica: estuda os três estágios do raciocínio, como a mente os

recebe e os interpreta. São eles:

- abdução: capacidade contemplativa;

- indução: capacidade ,de discernir diferenças entre as coisas.

- dedução: capacidade de generalizar observações em

categorias ou classes abrangentes.

- retórica pura ou retórica especulativa: Estuda o poder que os signos

tem de gerar interpretantes.

Este quadro elaborado por Peirce é apenas o começo de sua arquitetura filosófica, e ao

procurar a lógica existente entre os vários fenômenos do universo ele acabou produzindo esta

hierarquia tão lúcida e necessária, entre outras. O ideal de Peirce era a Lógica e para conceber

seu exato lugar era necessário aprofundar-se naquelas ciências que a rodeavam.

Como podemos ver nas exposições a lógica ocupa-se com os vários modos do pensar e

encontra-se no cerne de sua Semiótica, enquanto que na sua primeira categoria, a lógica

concebida por Peirce é o ramo da semiótica mais conhecido, e exatamente o mais estudado,

inclusive essas relações de significação do signo foi a preocupação mais premente dos

lingüistas e daqueles primeiros semiólogos, podemos até supor que este fato tivesse levado ao

desenvolvimento de outras ciências preocupadas com a significação, tais como a psicanálise, a

antropologia a arqueologia; todas de certo modo trabalham com indícios de materiais para a

significação de algo, ora de atitudes humanas, ora de uma coletividade primitiva ou não, ora

com os restos deixados por uma civilização anterior à nossa.

Ora, Peirce coloca no coração da Semiótica a Lógica, o pensar, para ele, deve ser, então, o

responsável pelas conexões entre o homem e a realidade, e ao concordarmos com isso

chegaremos a concluir que a produção de linguagem só se opera dentro de nossa mente,

durante o ato do pensar. O modo como nos deparamos com os fenômenos e como os

encaramos a fim de tirarmos as nossas conclusões ou acrescentarmos mais algumas ou ainda,

aceitar as conclusões tiradas a respeito dele, faz com que transformemos aquilo que

apreendemos do mundo em linguagem, em signos. Como colocamos no início, a dúvida leva ao

conhecimento, e uma mente científica, ou seja, aquela que produz conhecimento, é um

alojamento de dúvidas porque nela o pensar não se esgota e a crença leva ao exercício da

aplicação de teorias, e toda aplicação, gera novamente mais dúvidas.

Page 12: Apostila de Semiótica

1.5 Homem X Signo

1.5.1 As Categorias Universais

O pensamento de Peirce, segundo ele próprio, dada a sua paixão pela lógica, leva-o a uma

visão lógica do universo. Lógico e Matemático, com um ideal a perseguir, Peirce procurou

deixar claro o lugar e a importância da lógica entre as outras ciências, e utilizando a

fenomenologia, demonstrou como os fenômenos esbarram e forçam as portas de nossa

percepção e nós os interpretamos e os transformamos em linguagem.

A Fenomenologia, segundo Peirce, é a primeira divisão da filosofia, a segunda seria a que

contém as Ciências Normativas e a Terceira a Metafísica. A Fenomenologia para que possa nos

servir de estudo, deve ter como ferramentas nossos órgãos do sentido bem despertos. Peirce

se refere às faculdades que o artista tem e "vê as cores aparentes da natureza como elas

realmente são(...)" (1980:17). Quando assume essa afirmação, o filósofo diz que "o poder

observacional do artista é altamente desejável na fenomenologia" (1980:17); e assim, ele

incorpora a tudo que está no presente momento em seu espírito, que seja provocado por um

fenômeno que, por sua vez, pode estar fora ou dentro de você, seja real ou não, seja um

existente individual ou não, esse algo pode se manifestar a você neste exato momento de

qualquer forma. Não que nós deveríamos ser artistas para absorvermos melhor a realidade,

mas sim que desenvolvêssemos um apurado controle dos nossos órgãos do sentido a fim de

aproximarmo-nos muito mais das coisas que nos rodeiam .

Faneron (phaneron) é o termo que Peirce utiliza para designar a noção de fenômeno, toda e

qualquer manifestação externa ou interna aos nossos sentidos, e, entre as últimas podemos

enquadrar os sonhos, os devaneios, a imaginação e a ficção, etc. Peirce leva esse conceito

muito além pois esse conceito há de gerar para ele o conceito de signo, já que o fenômeno

desperta o pensamento e ele por sua vez uma possível forma de representação.

Santaella (1994:157) nos apresenta uma das definições de signo encontrada na obra de Peirce,

entre as muitas deixadas por ele e segundo ela mesma é "bastante sugestiva": "(...) incluindo

sob o termo signo, qualquer pintura, diagrama, grito natural, dedo apontando, piscadela,

mancha em nosso lenço, memória, sonho, imaginação, conceito, indicação, ocorrência,

sintoma, letra, numeral, palavra, sentença, capítulo, livro, biblioteca, e, em resumo, qualquer

coisa que seja, esteja ela no universo físico, esteja ela no mundo do pensamento, que - quer

corporifique uma idéia de qualquer espécie (e nos permita usar amplamente esse termo para

incluir propósitos e sentimentos), quer esteja conectada com algum objeto existente, quer se

refira a eventos futuros através de uma regra geral - leva alguma outra coisa, seu signo

interpretante, a ser determinado por uma relação correspondente com a mesma idéia, coisa

existente ou lei (MS 774:4)".

Como podemos observar o faneron, responsável pela produção de signos pode ser uma

sensação, uma semelhança com outra coisa, ou ainda, uma causalidade ou até mesmo um

existente e se manifesta conforme três categorias universais.

1.5.1.1 Primeiridade

É original aquilo que é primeiro. A idéia de primeiridade é tão livre que se você se fixar para

pensar nela ela já estará aprisionada em alguma comparação e não será mais primeira.

Page 13: Apostila de Semiótica

A primeiridade é um estado de qualidade daquilo que é variado, múltiplo, impreciso, dada a

multiplicidade de possibilidades. Não é a imprecisão da ausência, mas sim, da fartura. Para

Peirce a primeiridade é uma qualidade de sensação, só a qualidade, pois o que produz essa

sensação ainda é incorpóreo. Imagine um frio sem ainda estarmos no inverno, uma cor sem

estar impressa em algo, uma dor ainda não sentida. Peirce afirma(1980:89) :"Parece-me que

uma qualidade de sensação pode ser imaginada sem qualquer ocorrência." Disto supomos que

a primeiridade está num estado pré ou quase.

1.5.1.2 Secundidade

É segundo tudo aquilo que é terminado, que tem como elemento o conflito. Se você empurra

uma cadeira, ela com sua massa e seu peso resiste até que sua força seja maior à sua

resistência e ela mude de lugar. Causa e efeito, ação e reação, memória, realidade, polaridades

negativo/positivo, doce/salgado, vida/morte. Se primeiro é vir a ser, o segundo é a existência

mesma.

1.5.1.3 Terceiridade

É a mediação. O início é primeiro e o segundo é o fim, entre eles está o terceiro. É terceiro

aquilo que representa algo para alguém, é a mediação entre a consciência e o que está fora

dela.

O terceiro é geral. A generalidade é um terceiro porque a aceitamos, porque ela nos faz ter a

idéia do que a realidade é efetivamente. Toda lei é um terceiro porque denota algo que ocorre

repetidamente, um desvio na estrada é um terceiro em relação ao início e o fim desta estrada

pois me faz entender que ela faz a mediação entre outras localidades; se lanço uma pedra para

o alto, sei que ela voltará. Tudo o que pensamos é a mediação entre a realidade e o que está

em nossa consciência.

A terceiridade nos delega um poder sobre o futuro porque na medida em que repetidas ações,

ou ainda repetidas palavras ou idéias vão sendo utilizadas com determinados sentidos, com

determinados significados eles podem nos trazer leis para as nossas ações futuras.

Conduzindo-nos a outras significações, essas ações e palavras podem gerar dúvidas, ao gerar

dúvidas ampliamos seus espectros e ampliaremos no futuro suas generalidades.

No mundo semiótico temos aquilo que é terceiro. No reino dos signos ocorre o que está

descrito sobre as ações futuras.

1.5.2 Visão pansemiótica do mundo

O prefixo pan significa todo e para Peirce, o homem é um signo, pois como vimos, o homem

poder ser considerado um terceiro, uma mediação entre outros homens e a realidade na

medida em que é um ser produtor de linguagem.

Para Peirce o homem pode ser considerado uma espécie de símbolo porque vai adquirindo

novos significados, novas conotações à medida que evolui assim como afirma o filósofo

(1975:307/8): " a palavra nada significa senão aquilo que algum homem a fez significar(...)",

isso é válido também para o homem, já que o homem se transforma e evolui e aprende novos

Page 14: Apostila de Semiótica

conceitos sobre si mesmo e sobre o universo que o rodeia, e, assim, conseqüentemente

aprende mais sobre si mesmo novamente.

Peirce afirma que o homem enquanto símbolo verdadeiro é imortal, e um símbolo verdadeiro

é aquele que deixa provas da sua existência, é aquele cujo caráter peculiar o transforma num

signo na consciência de outros homens.

Mesmo os fenômenos vão crescendo em significado na medida em que o homem busca

conhecê-los melhor. Assim como os signos que o homem cria, o mundo é uma cadeia de

signos a ser elucidada pelos homens e o homem um signo a ser compreendido por ele mesmo.

1.6 Alguns apontamentos sobre o signo

1.6.1 Introdução

O signo, conforme uma das várias definições de Peirce(1975:94), é "algo que sob, certo

aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém" . Sendo assim o signo

dirige-se a alguém substituindo o objeto ou referindo-se a ele, já que simplesmente o

representa. Mesmo a própria coisa pode representá-la pois, na medida em que a tocamos, ou

derramamos um olhar cheio de significação para ela já terá sido um signo. Re-presentar por

sua vez significa tornar presente, apresentar novamente; o signo representa, ou seja, torna

presente aquilo que no momento não está aqui, portanto o signo envolve um conceito de

substituição.

Na medida em que recebemos esse algo que substitui um componente da realidade, como

vimos anteriormente, criamos em nossa mente imagens e explicações para o signo que poderá

ser mais ou menos desenvolvidas, dependendo do grau de familiaridade que mantivermos

com ele. Por exemplo; se usamos a palavra água, ela sozinha pode conter muitas das nossas

experiências em relações a esse componente líquido, inodoro , insípido e incolor que existe na

realidade. Uma das nossas experiências pode ser o banho, o mar, a sede, a piscina ou até

mesmo a sua molécula H2O. Sendo assim esse signo água contém muitos objetos. Um signo

pode conter muitos objetos, mas sua única função é representar esses objetos, referir-se a

eles. A palavra água não pode permitir nenhuma experiência direta com a água mesma, nem

me fazê-la reconhecer, porque ao usar a palavra não sofro o mesmo efeito que ao abrir a

torneira. A água que não pode estar no mar, nos seus olhos, no copo e matar sua sede é a

palavra água.

Lúcia Santaella (1993:39) conclui "1) que o signo é determinado pelo objeto, isto é, o objeto

causa o signo, mas 2) o signo representa o objeto, por isso mesmo é o signo; 3) o signo só pode

representar o objeto parcialmente e 4) pode até mesmo representá-lo falsamente, 5)

representar o objeto significa que o signo está apto a afetar uma mente, isto é produzir nela

algum tipo de efeito; 6) esse tipo de efeito produzido é chamado de interpretante do signo; 7)

o interpretante é imediatamente determinado pelo signo e mediatamente determinado pelo

objeto, isto é 8) o objeto também causa o interpretante, mas através da mediação com o

signo."

Estas conclusões vêm a sintetizar o que está exposto anteriormente: em (1) vemos que cada

objeto que compõe a realidade pode ser representado por um signo seja verbal, seja visual,

seja sonoro como já vimos, e isso se estende até (2) onde ao utilizarmos qualquer

representação de água não nos molhamos nem matamos nossa sede e em (3) vemos que a

Page 15: Apostila de Semiótica

conclusão confere e se estende ao (4) porque às vezes podemos com um simples papel

celofane azul criar um mar num comercial de TV, uma falsa representação de água, como no

filme "Os dez Mandamentos" de Cecil B. de Mille em que Moisés ao cruzar o mar Vermelho, o

separa para que o povo hebreu possa passar e assim fugir à perseguição dos homens do Faraó;

o item (5) refere-se às experiências que tenho do objeto, no nosso caso o banho, a sede, o

choro, a fórmula etc, essas experiências despertadas em nossa mente, na medida em que

utilizo ou alguém próximo de mim utiliza, chamamos de interpretante, que não podemos

confundir com intérprete ( o que interpreta, a mente interpretadora, portanto alguém), o

interpretante pode ser igual em muitas mentes interpretadoras, pode ser diferente na medida

em que determinados fatores culturais sejam diferentes; o interpretante surge em nossa

mente despertado pelo signo no momento em que pronunciamos uma palavra, contemplamos

uma foto, etc, vai daí que em (8) a afirmação de que o objeto também causa o interpretante

deve-se ao fato que na medida em que nossa necessidade de substituirmos, representarmos a

realidade, qualquer gesto, qualquer olhar derramado sobre ela está carregado de signos, daí

que a realidade em si produza interpretantes mas sempre através da mediação com o signo.

Vejamos um exemplo. No momento em essas páginas são lidas imaginemo-nos diante de uma

paisagem muito bonita que fica mais ou menos a quinhentos metros de onde estamos. À nossa

frente um rio manso desliza entre guapés, à margem oposta de onde nos encontramos muitas

colinas com verdes pastagens contrastam com as manchas brancas que podemos supor, sejam

bois. Ao longe ouvimos o ruído de uma barcaça que se aproxima, sabemos que se aproxima

porque ouvimos o efeito do som se acelerar. Tudo isso ocorre, dentro da realidade, ao mesmo

tempo, se fosse real, nossos olhos e nossos ouvidos escolheriam pontos em que se apoiar a fim

de que pudéssemos descrever em forma de palavras, se fosse uma fotografia nosso olhar

debruçar-se-ia sobre um ponto mais atraente até os pequenos detalhes, se fosse uma música

que ainda não conhecêssemos, com certeza os sons mais estridentes chamariam mais a nossa

atenção.

1.6.2 As partes de que se compõe o signo

Para que o que ficou dito atrás se resolva agora de modo mais ordenado, coloquemos ordem

nessas conjeturas. Se compreendemos os passos anteriores, encontraremos um terreno firme

na próxima estrada.

O signo é um todo, é algo que não pode ser dividido, no entanto, podemos dizer que ele é

composto de três partes, elas são inseparáveis, já que o signo é uma unidade de representação

da realidade.

1.6.2.1 O representâmen

Peirce denominou de representâmen o corpo do signo, sua materialidade. A materialidade do

signo nada tem a ver com o objeto que ele representa, às vezes poeticamente é possível,

porém para efeitos didáticos, digamos que essa materialidade é aquela que utilizamos para

fazer o signo aparecer.

Para exemplificar quando escrevo a palavra seis, as letras S,E,I,S colocadas uma ao lado da

outra materializam algo e essas letras colocadas desta forma sempre serão signo de algo que

Page 16: Apostila de Semiótica

envolve a quantidade que elas representam. Se tomo em minhas mãos a foto de uma criança o

representâmen é o papel a textura do papel, o colorido, os contornos daquela criança, sua

imagem. Se ouço um som sua tonalidade, sua intermitência ou sua suavidade serão sua

materialidade, seu representâmen.

Concluímos então, que o representâmen é o corpo no qual o signo se manifesta, assim como o

seu corpo necessita de roupas adequadas para uma festa ou outra ocasião, os objetos

necessitam de letras, cores, traços ou sons para se deixarem representar.

1.6.2.2 O objeto

O signo comporta dois objetos: a) imediato e b) dinâmico:

a) Objeto imediato: é aquele que o signo carrega dentro de si mesmo.

O signo ÁGUA carrega dentro de si mesmo vários objetos: o Mar Vermelho separado,

representado no cinema, o celofane azul no comercial de TV, a foto do mar, o som de uma

cascata, a fórmula H2O, o copo de água, a lágrima etc. Todas essas coisas são signos da água e

comportam cada uma, um de seus aspectos, porém somadas não são a própria substância em

sua totalidade de aspectos, que já foi num passado distante cristalina e pura e hoje , nos

grandes centros, poluída e mal cheirosa. Por isso, algumas páginas atrás dissemos que o signo

comporta vários objetos, como pode comportar apenas um, como pode comportar um objeto

que ainda venha a existir, ou que já tenha existido. Por exemplo o livro Viagem à Lua de Júlio

Verne, na época em que foi escrito, era signo de algo que estava no futuro, como o filme Blade

Runner, o Caçador de Andróides pode estar sendo signo de algo que poderá existir; outro

exemplo, são as escavações de arqueólogos em busca de civilizações que desapareceram, às

vezes um dente, um crânio pode ser signo de algo que já tenha existido em grandes extensões.

b) Objeto dinâmico: é aquele que está na realidade, que pertence,

pertencerá ou pertenceu ao mundo não semiótico. Como já vimos o mundo não semiótico só

pode ser "tocado" por intermédio dos signos. O homem substituiu a realidade por signos e a

compreensão do conceito fica difícil porque ainda que quiséssemos exemplificar seria em

palavras e seria uma mediação.

Para que compreendamos melhor, execute uma tarefa: estenda sua mão agora enquanto lê

esse texto e toque em algo que esteja próximo a você e que não faça parte de você. Sinta esse

objeto, o seu toque sobre ele é um signo, sua pele é um órgão do sentido e transmite a você

alguma informação sobre ele, agora olhe-o, suas cores, sua materialidade, ouça-o se ele for

capaz de produzir algum som, agora abandone-o e lá está ele compondo a realidade.

Suponhamos que alguém entre onde você está, pegue esse objeto e o lance fora, pela janela;

lá estará ele, talvez a dez, talvez a dois metros abaixo, lá na rua, compondo a realidade.

A realidade aí está, você a toca de uma forma, outros de outra e sobre isso Peirce afirma que:

"Diferentes espíritos podem firmar-se nas mais conflitantes posições, e; não obstante, o

progresso da investigação os levará, por força externa a uma única e mesma conclusão"

(1975:667). Por que um lógico chegaria a essa afirmação? Porque conhece o caráter de

veracidade da realidade e sabe que caminhamos em busca de respostas e que chegaremos a

Page 17: Apostila de Semiótica

elas mais cedo ou mais tarde porque a realidade está à nossa espera e ao nosso alcance como

objeto do saber.

Disso tudo podemos concluir que o signo comporta dois objetos, um que está dentro dele, e

que só ele comporta, e outro que pertence, pertenceu ou pertencerá ao mundo externo, não

semiótico.

1.6.2.3 O Interpretante

O signo comporta três interpretantes: a) interpretante imediato; b) interpretante dinâmico e c)

interpretante em si:

a) interpretante imediato: é o significado, ou imagem mental que o

signo está apto a produzir em nossas mentes. É preciso compreendermos que o interpretante

imediato é aquele que está embutido no signo em potencial. É um significado que pode estar

lá dentro do signo, qualquer que seja ele.

b) interpretante dinâmico: é o significado ou imagem que o signo

efetivamente produziu ou produz na minha mente, ou na sua. No instante que se depara com

o representâmen ele desperta em nossa mente algum efeito.

c) interpretante em si, ou interpretante final: deverá ser o resultado

final do processo de semiose, são as várias explicações, significados, efeitos e imagens que o

signo é capaz de produzir na medida em que ele transita em várias mentes, por várias gerações

e assim por diante. Esse significado seria muito amplo, e, dada a vastidão do seu conceito nós

só podemos imaginar esse tipo de interpretante.

1.6.3 As tricotomias

Como já observamos, Peirce classifica os fenômenos sempre em três categorias. Ele denomina

de tricotomias as relações que o signo estabelece entre os objetos que denotam, ou entre os

representâmens ou ainda entre os interpretantes. Serão três tricotomias, das quais ele saca

dez classes de signos e segundo sua fórmula será o três elevado à décima potência, gerando

59.049 tipos de signos.

1.6.3.1 O signo e seu representâmen

Nesta relação temos uma relação de comparação, é uma relação de possibilidades lógicas já

que essa é uma tricotomia de primeiridade. O signo em si mesmo, ou seja, o representâmen

em si mesmo pode ser uma mera possibilidade, um existente real ou uma lei geral.

QUALI-SIGNO - qualidade, originalidade, estado quase. Não pode atuar como

signo até que esteja corporificado e quando se materializa não será mais um quali-signo.

Repare que a simples possibilidade de algo se manifestar como um signo é um signo.

Page 18: Apostila de Semiótica

SIN-SIGNO - Um evento real que é um signo. Algo que funcione como um

signo de alguma coisa. Aqui um existente pode nos avisar sobre a existência de outro.

Um grito, uma interjeição pertencem a esta categoria.

LEGI-SIGNO - Todo signo convencional. Toda aquela representação que foi

convencionalizada pelos homens. As palavras por exemplo são usadas significando o que

significam porque alguns antes de nós resolveram que elas significam aquilo. Para

entendermos esse tipo de convenção vejamos os códigos de certas gangues; os componentes

utilizam certos termos que só o grupo conhece o significado e utilizam quando precisam falar e

não podem ser entendidos por outros. Todo o nosso vocabulário se faz desta forma. As

pessoas convencionaram que as palavras significam o que significam, algumas palavras , no

entanto, ficariam de fora desta classificação, como por exemplo as onomatopéias, ou seja as

palavras que imitam os sons dos animais ou equipamentos ou fenômenos da natureza, talvez

elas possam ser enquadradas na categoria anterior.

Peirce, muitas das vezes, parece utilizar o termo signo no mesmo sentido de

representâmen, se isto estiver correto aqui seria o representâmen em relação a ele mesmo, e

nas seguintes o representâmen e suas conexões como o objeto que ele representa e na

terceira o representâmen e o que jaz nele , mesmo , que possa gerar interpretantes.

1.6.3.2 O signo e seu objeto

Essa relação se estabelece entre o representâmen e o objeto que ele representa. É uma

relação de desempenho, de natureza dos fatos reais. O signo pode manter algum caráter em si

mesmo, manter alguma relação existencial com seu objeto ou se referir ao objeto que denota

por força de uma lei.

ÍCONE - denota um objeto por força de sua semelhança com seu objeto, ainda

que esse objeto exista ou não. Qualquer coisa pode ser ícone de qualquer coisa na medida em

que seja semelhante a essa coisa em algum aspecto. Uma pintura abstrata, uma música

instrumental, etc.

ÍNDICE - Atua como signo do objeto que representa na medida em que é

afetado por este. Um girassol pode ser signo do sol na medida em que o acompanha durante o

dia.

SÍMBOLO - se refere ao objeto que denota por força de uma convenção, de

uma lei. A palavra é um símbolo por excelência.

1.6.3.3 O signo e seu interpretante

Essa relação se dá quando o representâmen está apto a despertar um interpretante como

signo de possibilidade, ou como signo de fato ou ainda como um signo de razão, por isso

Peirce afirma ser essa uma tricotomia das relações com o pensamento, da natureza das leis.

Page 19: Apostila de Semiótica

REMA - É um signo que para seu interpretante é um signo de possibilidade, ele

é entendido como um possível objeto. As formas nas nuvens que buscamos podem ser

consideradas remáticas porque geram interpretantes desta categoria.

DICENTE - É um signo que para seu interpretante é representado como um

existente, é entendido como representando seu objeto. Um exemplo dado por Peirce é a

bússola.

ARGUMENTO - É um signo que para seu interpretante é um signo de lei,

representa seu objeto em seu caráter de signo.

Essa tricotomia é a tricotomia da razão, do pensamento. O pensamento de

cada um de nós opera com várias linguagens, quando pensamos misturamos muitas

linguagens para traduzir o que pensamos. A todo momento usamos pensamentos que

ampliam pensamentos anteriores, portanto, todas as tricotomias aqui expostas não funcionam

isoladamente, mas sim em suas combinações.

1.7 As dez classes de signos

___________________________________________________

tricot representâmen objeto interpretante

cat.

___________________________________________________

Primeiridade quali-signo ícone rema

_____________________________________________________________

Secundidade sin-signo índice dicente

___________________________________________________

Terceiridade legi-signo símbolo argumento

___________________________________________________

A partir deste quadro Peirce elabora as dez classes de signos:

Signos de Primeiridade

- Quali-signo (remático - icônico):o quali signo é aquele cujo

representâmen é uma mera possibilidade, por isso é uma mera qualidade, como é um rema só

pode ser interpretado como um signo de possibilidade.

Signos de Secundidade

-Sin-signo icônico (remático): é um objeto particular e real que

estabelece analogia a outro pelas suas particularidades. Para Peirce um diagrama se enquadra

nessa classe pois é um objeto fruto de uma experiência que determina a idéia de outro objeto.

- Sin-signo indicial remático: É um objeto que pelas suas características

determina outro objeto, mas por ser remático seu interpretante representa-o como

possibilidade. Um grito, por exemplo.

Page 20: Apostila de Semiótica

- Sin-signo dicente (indicial): É um signo que afeta seu objeto

diretamente, que proporciona informação concreta a respeito do objeto. Para Peirce um cata-

vento se inclui nesta classe. Em tese uma manchete de jornal ou um briefing pode ser

incorporado nesta categoria.

Signos de Terceiridade

- Legi-signo icônico (remático): é um ícone interpretado como uma lei.

Um diagrama numa fábrica que produza muitas peças semelhantes. O Projeto gráfico de um

jornal, por exemplo

- Legi-signo indicial remático: Lei geral que estabelece que cada um de

seus casos seja afetado pelo objeto e atraia a atenção. Um pronome demonstrativo enquanto

palavra é um legi-signo porém, atrai a atenção para um objeto e é remático pois um pronome

demonstrativo sozinho, sem o substantivo que o acompanhe, seu interpretante o representa

como um signo de possibilidade. Uma placa de trânsito que anuncia a possibilidade de

encontrarmos adiante um desmoronamento, ou animais ou neblina, etc.

- Legi-signo indicial dicente: Objeto real que forneça informações reais

sobre um objeto. Uma placa de trânsito, por exemplo, daquelas que avisam sobre travessia de

escolares, curva fechada à frente, etc.

- Legi-signo simbólico remático - Símbolo-remático: qualquer símbolo

que ainda não seja uma proposição, ou seja que não procure definir um objeto qualquer. Uma

palavra no dicionário, por exemplo, é um símbolo remático, pois no dicionário ele representa

sua característica mais geral, mais variada na possibilidade e seu interpretante representá-lo

como um signo de possibilidades.

- Legi-signo simbólico dicente - Símbolo Dicente: Uma proposição; um

signo ligado a seu objeto através de uma associação de idéias de modo que se interpretante

represente-o como sendo realmente afetado por seu objeto, como uma lei ligada ao objeto

indicado.

- Argumento (Simbólico legi-signo): Representa seu objeto como um

signo ulterior através de uma lei, que tende a ser verdadeira.

1.8 A classificação dos signos de Peirce aplicada à leitura de uma primeira

página de jornal, apenas como exemplo

Seria muita ousadia aqui falar de toda a classificação dos signos de Peirce, já que sua extensa

obra prevê 59.049 tipos de signos. Mas atenhamo-nos principalmente às três matrizes as quais

utilizaremos: a primeira estabelece o signo em relação ao seu representâmen, ou seja o signo

em relação ao material de que ele é feito, a segunda, o signo em relação ao seu objeto, ou seja

Page 21: Apostila de Semiótica

o objeto que ele representa, a terceira finalmente é do signo em relação ao seu interpretante,

e para Peirce o interpretante é a imagem, ou imagens que o signo pode despertar numa

mente interpretadora.

Cada uma dessas categorias divide-se em três outras que se pode aplicar na leitura das

representações. Leitura aqui tem o mesmo sentido daquela que Popper nos ensina em seu

livro Conjecturas e Refutações, ou seja, leitura no sentido de interpretação.

Em primeiro lugar delimitemos nossa área : a primeira página de um jornal, a escolha da

primeira página é porque ela parece sintetizar o cotidiano das pessoas, seja num jornal de

pequena circulação ou não a primeira página estabelece um diálogo com o leitor, e que

mostra todos os principais fatos ocorridos na semana, se o jornal for semanal, ou no dia

anterior, se o jornal for diário. A primeira página tem uma diagramação, nos dias de hoje, que

depende de vários fatores. O principal é o tecnológico, já que os meios de produção gráficos

avançaram sobremaneira nos últimos dez anos, assim também, desde da década de setenta o

uso da cor se estabelece com um atrativo e deixa o diálogo mais realista, mais aberto ao

desejo, outro fator que determina a diagramação de uma primeira página é a seleção do que

precisa ser mostrado já que a primeira página é a propaganda do produto e o produto ao

mesmo tempo, e poderíamos acrescentar aí também o caráter de embalagem do produto, o

segundo fator que entra na composição da primeira página é a seleção dos assuntos que ela

apresenta, e que sempre é uma tarefa difícil, em virtude da grande quantidade de fatos que

produzem um volume extenso de informações.

A primeira página atingirá seu objetivo na medida em que contiver mais informações a fim de

atrair o leitor. A combinação das fotos, das legendas e dos textos nos guiará na ordem de

leitura dos cadernos do jornal. O jornal é um veículo de informação que pela própria natureza

de sua montagem pode ser lido aos cacos, ao contrário, aos poucos; essa característica, típica

da modernidade, faz o jornal renascer a cada leitor, e compor-se diferentemente aos olhos de

cada um, exatamente como nos coloca Júlio Cortázar em seu pequeno conto As Metamorfoses

do Jornal.

Tendo delimitado o objetivo de aplicação da semiótica, relembremos, embora de maneira

breve, a teoria que servirá de escopo à nossa leitura: a Semiótica de Peirce nos dá em uma de

suas divisões a ferramenta necessária ao nosso objetivo. A Gramática Especulativa é aquela

que trata da classificação dos signos e que será esclarecida daqui a pouco, a Lógica, ou a parte

da semiótica que trata dos processos mentais dos signos, e finalmente a Retórica Especulativa,

ou a parte da semiótica que elucida os vários empregos que fazemos dos signos e suas

significações. Tendo localizado nossa teoria elucidemo-la: a Gramática Especulativa vai nos

ensinar como classificar os signos que nos rodeiam, e como eles surgem dentro da nossa

realidade. Um signo pode ser observado apenas em seu caráter de signo, ou melhor, apenas a

sua materialidade.

O que faz de um signo ser um signo é que ele tem um corpo que representa parcialmente um

objeto, parcialmente porque esse é o caráter do signo, um signo não pode representar o

objeto por inteiro, pois aí ele não representaria, ele seria o próprio objeto; por exemplo uma

foto não é o objeto fotografado, assim como um filme apenas representa o filmado, nada

mais. Assim uma foto pode ser analisada apenas pela sua materialidade, sua cor, sua textura,

sem necessariamente nos atermos ao objeto que foi fotografado.

Page 22: Apostila de Semiótica

A primeira tricotomia dada por Peirce é aquela do signo em relação ao seu representâmen, ou

seja, a materialidade que faz com que o signo exista, todo signo habita um corpo que o

manifesta: a letra, a tela e a tinta, o livro e assim por diante, quando analisamos um signo

apenas pela sua materialidade podemos classificá-lo em quali-signo, sin-signo, e legi-signo. O

primeiro podemos conceituar como um signo em seu estado de qualidade pura; e a primeira

página em seu estado qualidade pura é papel, efêmero papel com algumas manchas gráficas.

O sin-signo, na concepção de Peirce é um evento que ocorre singularmente, uma única vez, e

exatamente a primeira página jamais se repetirá, apesar de ser a mesma todos os dias, de

parecer ser a mesma todos os dias, cada dia é uma, não se repetirá jamais. O legi-signo, para

Peirce é aquele signo que é uma lei, e como tal admite réplicas, ora a primeira página repete-

se todos os dias, seu esquema de diagramação é o mesmo todos os dias; todos os dias o editor

monta uma primeira página sobre os moldes que ele mesmo cria a fim de habituar os olhos do

leitor.

A tricotomia seguinte dada por Peirce é aquela que relaciona o signo ao seu objeto, ou melhor

dizendo, quais são os traços do objeto que podemos encontrar no signo, exemplificando;

numa foto encontramos uma certa semelhança da imagem com o fotografado, o que não

ocorre numa palavra, uma vez que seu significado foi convencionado pelos homens. Assim

sendo Peirce divide essa tricotomia em Ícone, Índice e Símbolo. O Ícone é o signo que

possibilita qualquer analogia com o objeto, um traço, uma cor podem ser análogos ao objeto,

para o criador da semiótica, um diagrama pode ser ícone, uma vez que ele guarda

semelhanças com o objeto que representa, uma primeira página é um diagrama, pois o que

está disposto nas fotos, legendas e textos, traz uma hierarquia entre os fatos que estão ali

alinhados, a primeira página é o diagrama do mundo no dia anterior, ela traz o mundo

retalhado em boxes, em fotos, em legendas e textos, diagramados de modo a trazer para o seu

leitor uma imagem do dia anterior no seu país, na sua região, na sua cidade no dia anterior. O

signo indicial é aquele que se vê afetado pelo objeto que representa, ora o jornal e seu

compromisso com a objetividade traz em suas reportagens, principalmente as da primeira

página, a maior precisão de fatos possível, uma vez que enquanto veículo de informação , tem

seu compromisso com a verdade, e enquanto produto tem um compromisso com seu

consumidor. Vai daí que o signo indicial que podemos encontrar numa primeira página são as

matérias veiculadas dando o rigor de verdade. É uma foto dentro de uma batalha, é um ladrão

esfaqueado na calçada, ou a inauguração de uma rodovia pelo prefeito da cidade, esses textos

ou essas fotos reconstroem a realidade de cada um de nós. O signo simbólico para Peirce é

aquele signo arbitrário e convencional. A arbitrariedade na primeira página está naquilo que o

editor convencionou ser o mais importante do dia, e você enquanto leitor aceita essa

convenção, arbitrária ou não a primeira página é aquilo que o leitor engole como o principal

porque alguém antes dele já determinou como tal. Simbólicos somos todos na medida em que

aceitamos a convenções que ordenam o mundo dentro de uma lógica pré-selecionada.

A terceira tricotomia de Peirce nos oferece o signo e seu interpretante. Interpretante, como já

foi citado, é o efeito que o signo provoca em uma mente interpretadora, esse efeito pode ser

visual, verbal, sonoro ou misto. Esta tricotomia nos ensina que o Rema é o signo cujo efeito é

uma mera qualidade, a primeira página desperta a cada manhã trazendo uma surpresa, ela

procura dar conta do estado em que se encontra o mundo e exatamente a junção de todas as

coisas que ela traz pode despertar um rema. Um signo remático, vem a ser a primeira página

ao despertar em nós uma possibilidade de sentir o mundo diante de nós. O signo dicente é

Page 23: Apostila de Semiótica

aquele que nos dá uma proposição, é aquele que afirma algo sobre alguma coisa. Uma foto de

alguém que eu conheço, por exemplo é um signo dicente na medida em que demonstra a foto

de alguém que eu reconheço como sendo aquele alguém, ou ainda uma oração com um

sujeito e um predicado que enuncie algo sobre o sujeito, e a partir daí então, eu posso inferir

que a primeira página em seu caráter de signo dicente me faz reconhecer o que acontece no

mundo, pois as fotos trazem legendas que enviam novamente às fotos e aos textos internos,

os textos me remetem aos textos mais esclarecedores dos cadernos seguintes e assim por

diante, podemos concluir que na medida em que a primeira página é uma proposição do que

será desenvolvido no interior do jornal que ela se comporta, nesse aspecto como um signo

dicente. Por último nesta categoria encontramos o Argumento, que para Peirce mora no

coração da lógica. O Argumento é um signo feito de algumas proposições a respeito de um

determinado objeto a fim de determinar o caráter de veracidade daquele objeto. O

Argumento é composto de proposições a respeito de um objeto de modo que se esclareça algo

sobre ele. Se inferirmos a respeito de uma primeira página qualquer, descobriremos que ela é

uma tentativa de reconstrução da realidade dentro da qual vivemos, ao elaborar uma primeira

página com os cacos do mundo, o editor compõe uma realidade que acreditamos ser a nossa,

que acreditamos ser daquela forma, porque vivemos nela.

Enfim, uma primeira página é sempre uma e múltipla ao mesmo tempo, é algo repetível

dentro de sua irrepetibilidade, é um relativo dentro de absoluto, é a afirmação de uma

negação, pois ao negar a do dia anterior afirma-a porque dentro de si a mesma lei que

produziu a anterior, é a multiplicidade dentro da singularidade, pois ao ser a única daquela

edição, traz as outras edições que fizeram o jornal ser o que é, é caótica pois divide o mundo

em pedaços e o recompõe de forma a criar uma outra realidade em que nos reconheçamos

como tal. É um lugar, é o topos que nada contém, pois é efêmera demais para ser algum lugar,

para conter algo.

1.9 Concluindo ainda que precocemente

Para finalizar o importante é que fiquem claras as noções de representâmen, objeto e

interpretante e que não devem ser confundidas entre si. Para cada tipo de representâmen há

um ou mais tipos de objeto imediato ou dinâmico, ou tipos de interpretantes. Importante

também é não confundir, embora parece pouco provável, a idéia de objeto imediato com a

idéia de interpretante. O objeto imediato está dentro do signo e o interpretante é o que ele é

capaz de produzir fora dele, portanto o signo Água com seus inúmeros objetos imediatos em

estado latente, está apto a produzir em nossa mente várias imagens ou sons ou sensações,

talvez tantos quantos objetos imediatos ele comporte, a diferença consiste em o signo sendo

veiculado, pois ele exige uma mente interpretadora seja ela qual for, e assim comporta um

interpretante, bem como contém um objeto imediato; em estando em repouso, como no

dicionário por exemplo, a face que ele apresentaria seria a dos objetos imediatos.

Quanto às tricotomias que foram estabelecidas mais tarde, dentro delas Peirce estabeleceu,

então, as dez classes de signos e podemos perceber que ele as opera a partir do

representâmen, porque é ele que dá materialidade ao signo. O representâmen pode ser um

existente ou não (no caso, o quali signo é mera possibilidade) mas a existência do

representâmen é que determina as várias classes de signos.

Page 24: Apostila de Semiótica

Peirce vai combinando a partir da tricotomia dos representâmens porque eles definem

enquanto corpo, enquanto vestimenta o objeto que o signo representa e o interpretante que

ele desperta, e como o quali-signo é mera possibilidade ele só poderá combinar-se ao ícone e

ao rema, e portanto à primeiridade pura, pertence apenas uma classe, o que parece muito

natural, pois sem roupagem o signo não é capaz de trafegar pela linguagem. As três classes

que seguem serão pertencentes à secundidade, uma secundidade híbrida com a primeira para

as duas primeiras classes e uma secundidade pura para a última; para as classes de

terceiridade ficamos com muitas combinações e muitas possibilidades de construir signos, de

criar novas representações.

Podemos notar que o filósofo foi combinando os representâmens sempre com os quadros

anteriores superiores ou laterais, para representâmens singulares, os sin-signos, ele combinou-

os aos seus superiores e vizinhos, o mesmo se dá com os legi-signos, que se combinam com as

tricotomias de primeiridade, de secundidade e de terceiridade e surge assim um número maior

de legi-signos e suas nuanças . Muitos como podemos ver, são signos que embora sejam

convencionais podem ser icônicos, indiciais ou simbólicos, se a relação que eles guardam com

seu objeto for de primeiridade, secundidade ou terceiridade, o mesmo ocorre com o

interpretante que o representa: rema,dicente ou argumento.

Referências:

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