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INFRAESTRUTURA PARA A CULTURA DIGITAL Eixo do Fórum da Cultura Digital Brasileira Versão 1.0 Pesquisa e redação: Diogo Moyses Colaboração: Henrique Costa Contribuíram para a elaboração deste documento: Alvaro Malaguti, André Deak, Fabianne Balvedi, Felipe Fonseca, Gustavo Gindre, Jonas Valente, José Murilo de Carvalho, Leo Germani, Marcelo Rodrigues Saldanha da Silva, Olívia Bandeira, Oona Castro, Paulo Sergio Ribeiro, Ricardo Poppi, Rodrigo Savazoni, Rogério Santana Lourenço, Takashi Tome, Uirá Porã. São Paulo, novembro de 2009 1

Documento do Eixo Infraestrutura Cultura Digital

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Documento preliminar apresentado pelo curador do eixo Infraestrutura Digital para o Seminário Internacional do Fórum da Cultura Digital Brasieira.

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INFRAESTRUTURA PARA A CULTURA DIGITAL

Eixo do Fórum da Cultura Digital Brasileira

Versão 1.0

Pesquisa e redação: Diogo MoysesColaboração: Henrique Costa

Contribuíram para a elaboração deste documento:

Alvaro Malaguti, André Deak, Fabianne Balvedi, Felipe Fonseca, Gustavo Gindre, Jonas Valente, José Murilo de Carvalho, Leo Germani, Marcelo Rodrigues Saldanha da Silva, Olívia Bandeira, Oona Castro, Paulo Sergio Ribeiro, Ricardo Poppi, Rodrigo Savazoni, Rogério Santana Lourenço, Takashi Tome, Uirá Porã.

São Paulo, novembro de 2009

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1 - Introdução

Desde o final do século XIX, as comunicações vêm adquirindo importância central na vida dos indivíduos e das sociedades. Dos primeiros telégrafos à Internet em alta velocidade, diversos formas de comunicação surgiram e se consolidaram, evidenciando a notável força dos meios de comunicação nos diferentes aspectos da vida social, econômica, cultural e política.

Neste contexto, onde a comunicação mediada por tecnologias e redes torna-se cada vez mais presente –quase onipresente –, cresce a importância de reafirmar a relação indissociável entre infraestrutura e cultura digital. Na era da comunicação e da cultura digital, ter acesso às tecnologias de informação e às redes para o tráfego de conteúdo tornou-se indispensável à garantia de direitos fundamentais, como o direito à informação, a liberdade de expressão e, evidentemente, o direito à cultura.

Apesar da distância que ainda marca a relação entre os gestores de políticas culturais e os formuladores das políticas para a infraestrutura, o Plano Nacional de Cultura aponta de forma inequívoca a necessidade de garantir o acesso às redes e equipamentos digitais para a garantia do direito à cultura, determinando a consecução de políticas que busquem criar condições aos grupos culturais e indivíduos para a produção, difusão e acesso aos bens culturais produzidos.

Estão entre as diretrizes do Plano que se aplicam à questão da infraestrutura:

• Garantir as condições materiais e socioambientais, além das bases institucionais e técnicas, neces-sárias à produção, reprodução e transmissão de bens culturais de natureza imaterial.

• Incentivar a instalação e a manutenção de equipamentos e estabelecimentos culturais multiuso pri-vados, especialmente em áreas do país ainda desatendidas e com problemas de sustentação econô-mica.

• Institucionalizar e ampliar a rede de centros culturais geridos por grupos culturais e artistas com capacidade para o desenvolvimento de atividades diversificadas, como a preservação e a valoriza-ção da memória, a inclusão digital e a produção e a difusão audiovisual.

• Fomentar a aquisição de computadores, programas e serviços de navegação para uso artístico e cultural, reservando atendimento especial para grupos detentores de saberes e práticas tradicionais e populares.

• Fomentar o desenvolvimento de “softwares” livres e públicos para a produção, a difusão e a ges-tão da cultura.

• Apoiar a elaboração de uma política pública de acesso veloz e gratuito à internet em todos os mu-nicípios brasileiros, de modo a garantir que as comunidades indígenas, afro-brasileiras, rurais e de áreas urbanas marginalizadas tenham acesso às tecnologias de comunicação e informação.

• Instituir programas em parceria com a iniciativa privada e organizações civis para a manutenção de rede de equipamentos digitais de acesso público em espaços como telecentros, lan-houses, bi-bliotecas multimídias, escolas, museus e centros culturais, entre outros.

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2 - Definição do objeto

A infraestrutura para a cultura digital é composta pelos meios materiais e imateriais necessários para ga-rantir a produção, a difusão e o acesso à cultura digital. Tal estrutura envolve o uso e exploração de redes, processadores, servidores, terminais e softwares, com modelos de exploração de serviços e negócios di-versos.

Tal infra-estrutura deve garantir, de um lado, o acesso universal à informação digital e aos equipamentos necessários à sua fruição; de outro, o acesso pelos produtores culturais aos meios necessários e específicos para a produção e difusão de conteúdos digitais.

Por último, a infra-estrutura para a cultura digital consiste na organização de meios técnicos e estruturais para a disponibilidade e oferta efetiva dos acervos reunidos em instituições públicas e privadas de arte e cultura do país para acesso livre pelos cidadãos.

Embora o escopo de análise deste documento seja limitado, a infraestrutura para a cultura digital abrange os seguintes tópicos e subtópicos:

1 – Rede: AcessoAbrangência e acesso (conectividade) pelos usuários1.1 – Abrangência espacial e geográfica das redes1.2 – Penetração (redes físicas e sem-fio, incluindo radiodifusão)1.2.1 – Acesso residencial / pessoal1.2.2 – Velocidade de conexão1.2.3 – Acesso coletivo (equipamentos públicos e privados)1.3 – Software/hardware para terminais de acesso1.4 – Modelo regulatório: concorrência, direitos e obrigações

2 – Rede: NúcleoInfovias: troncos de alta velocidade e redes de servidores2.1 – Redes-tronco de alta velocidade2.2 – Servidores (armazenamento e processamento de informações)

3 – Serviços de RedeAplicações, serviços e relação/dinâmica com usuários3.1 – API (interface para a implementação de sítios e serviços)3.2 – Serviços diversos (criação e hospedagem de serviços e produtos)

4 – Infra-estrutura para produção de conteúdoHardware/software para a produção de conteúdo (equipamentos para a captação, softwares e hardware para edição de imagens e sons)4.1 – Hardware para produção de conteúdo4.2 – Software para produção de conteúdo

5 – Gestão operacional da rede (núcleos e serviços)Gestão de comunicação e operacional da rede relativa ao núcleo e serviços (sub-eixos 2 e 3)5.1 – Gestão operacional para manutenção da rede ativa (configuração, manutenção)

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5.2 – FAQ e comunicação com os usuários5.3 – Atualizações tecnológicas e evolução da rede

6 – Modelo e regulaçãoAspectos regulatórios e gestão política com influência na dinâmica de uso e controle das redes6.1 – Neutralidade6.2 – Privacidade e Segurança6.3 – Interoperabilidade6.4 – Acessibilidade6.5 – Transparência e participação social

7 – Ciência e TecnologiaDesenvolvimento e uso de conhecimento e tecnologias nacionais7.1 – Políticas de desenvolvimento de tecnologia nacional7.2 – Política industrial e política de compras estatais

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3 - Breve histórico das telecomunicações brasileiras

Ainda no século XIX, a invenção da telegrafia marcou a evolução técnica das comunicações. No Brasil, a partir de 1872, a companhia britânica Western foi legalmente estabelecida como única exploradora dos serviços de telecomunicações internacionais por 60 anos (e mais 40 sob condições favoráveis em relação a possíveis concorrentes), fato que a permitiu, até 1973, controlar amplamente as telecomunicações de longa distância no país. Dessa forma, a primeira fase do desenvolvimento do setor foi marcada por um duopólio, compartilhado por um Estado semicolonial e um poderoso grupo empresarial estrangeiro. O governo nacional, com poucos recursos e administradores subservientes ou atrelados aos interesses internacionais, cuidava das comunicações interioranas, que pouco se desenvolveram. As ligações entre Rio, São Paulo, Santos e Belo Horizonte – e destas cidades para o exterior – eram feitas pela Western.

Do ponto de vista regulatório, até a década de 1960 diversos instrumentos normativos isolados foram instituídos. Por aproximadamente um século, a regulamentação para a expansão e exploração das redes de telecomunicações e radiodifusão foi feita de maneira fragmentada e desordenada, geralmente para o atendimento de necessidades técnicas ou demandas políticas imediatas, em uma dispersão que dificultou a organização efetiva da exploração e fiscalização dos serviços à medida que iam sendo implantados.

O CBT - Código Brasileiro de Telecomunicações, aprovado e sancionado em 1962, nasceu em meio a manifestações de crescente impaciência com os serviços prestados no país. À época, havia cerca de 900 companhias telefônicas espalhadas pelo território nacional, mas teledensidade de apenas 1% 1. O CBT - nome dado à Lei 4.117/62 -, seguindo a tendência mundial, passou a regulamentar simultaneamente as telecomunicações e a radiodifusão, fato que perdurou até a promulgação da LGT - Lei Geral de Telecomunicações na década de 1990.

1 TOME, Takashi. 1991. Pequena história da telefonia no Brasil. Cadernos de Política Tecnológica da AFECPqD, mar, pág 1-4.

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Entre as grandes novidades do código estava a determinação para a formação de uma empresa estatal para operar troncos de comunicação de longa distância, fato que resultou, três anos depois, na criação da Embratel. De 1967 a 1972, a empresa conectou as principais cidades do país, permitindo a ligação direta entre os mais importantes municípios brasileiros. Já a expansão da telefonia urbana começou em 1972, quando o governo criou a Telebrás, empresa holding da Embratel e de um sistema nacional de empresas-pólo estaduais que absorveram as pequenas companhias telefônicas municipais, dando início a um processo que possibilitou o aumento significativo do número de linhas instaladas nos 15 anos seguintes. 3.1 - Reforma do Estado e a privatização das telecomunicações

Durante a década de 1990, os países da Europa, América Latina e África passaram por processos de desregulamentação de setores estratégicos da economia, abrindo as portas para a privatização de empresas estatais e a entrada de capital internacional. Para levar a cabo, nas telecomunicações, o projeto de reforma do Estado, o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) propôs e o Congresso Nacional aprovou em 1995 a Emenda Constitucional nº 8, alterando o inciso XI do artigo 21 da Constituição Federal de 1988. Com a mudança, foi possível a abertura do setor ao capital privado, pondo fim a um monopólio que começara em 1972. No bojo desta mudança, separou-se legalmente os serviços de telecomunicações da radiodifusão, até então unidos constitucionalmente, criando, no Brasil – em sentido inverso à tendência mundial –, a artificial separação legal entre os dois setores.

Após a quebra do monopólio das telecomunicações, seguiu-se a abertura do mercado de telefonia celular e o processo de re-estruturação do Sistema Telebrás. Para tanto, foi aprovada e sancionada, em 1997, a LGT - Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472). A LGT estabeleceu um novo modelo de mercado, competitivo, e também criou a Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações2. Revogou-se, assim, o CBT, exceto por aquilo que se refere aos serviços de radiodifusão.

Para concluir o processo de privatização, em 1998 o governo federal publicou o Plano Geral de Outorgas (PGO)3, que fixou áreas de atuação das prestadoras de telefonia fixa e estipulou regras básicas para abertura do mercado. Dividiu-se o Brasil, para fins da prestação de Serviços de Telefonia Fixa Comutada (STFC), em quatro regiões: três empresas regionais deveriam explorar, dentro de sua região de concessão, os serviços locais e interurbanos intra-estadual e interestadual. Já a concessionária da quarta região, por sua vez, exploraria os serviços intra-estadual, interestadual e internacional em todo o país. Nos leilões das empresas do Sistema Telebrás, a região I foi adquirida pela Telemar (Oi), a região II pela Brasil Telecom e a região III pela Telefónica de España. Já a região IV foi adquirida pelo grupo MCI, que transferiu o controle da companhia – cujo nome fantasia, Embratel, foi mantido – para a mexicana Telmex em 2004.

Para a criação de um ambiente concorrencial em cada uma das regiões, o serviço de telefonia fixa passou a ser prestado em regime de duopólio pelas empresas concessionárias (as antigas empresas do Sistema Telebrás), e pelas autorizadas, sendo que estas não teriam as obrigações relativas à universalização e à continuidade da prestação do serviço, explorando-o em regime privado, porém, também não poderiam praticar preços mais baixos que as concessionárias, que ainda cobravam pelo uso da sua estrutura. Já às concessionárias foi determinada a exploração do serviço em regime público, sendo elas, em última instância, as responsáveis por garantir aos brasileiros a fruição da telefonia fixa, único serviço considerado

2 No novo modelo, reservou-se à Anatel o papel de regulação operacional, com a missão primordial de monitorar a qualidade dos serviços ao consumidor e o cumprimento dos contratos com as operadoras. Destacam-se, ainda, as competências do órgão para a adoção de medidas no sentido de impedir a monopolização do mercado e reprimir as infrações à ordem econômica. 3 O Plano Geral de Outorgas foi alterado em 2009 para permitir a compra da Brasil Telecom pela Oi (Telemar).

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essencial nas telecomunicações. E, para garantir a universalização dos serviços, em 2000 foi aprovada a Lei 9.998, que instituiu o FUST - Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, composto por 1% da receita operacional bruta de todas as operadoras, inclusive das que exploram serviços em regime privado.

4 - Evolução estrutural do modelo (1998 - 2009)

O objetivo do novo modelo urgido da reforma do Estado, conforme determinou a LGT, seria obter o acesso à universalização das telecomunicações (basicamente, ao sistema de telefonia fixa), por meio de concessionárias que operariam em um mercado concorrencial e competitivo. Logo, do ponto de vista estrutural, estes são os mais relevantes princípios que devem servir para avaliar, sob a ótica do interesse público, os avanços e recuos apresentados nos últimos onze anos de implementação do atual modelo.

Atualmente, o Brasil possui 39 milhões de telefones fixos em serviço, ou 20,58 telefones em operação para cada grupo de 100 habitantes, número significativamente abaixo da meta estabelecida de 55 milhões de linhas em serviço4. Enquanto 99% dos brasileiros que compõem a classe A (5% da população), possuem telefonia fixa residencial, nas classes D e E (50% da população) o número de pessoas que possui telefone fixo residencial cai para 40%5.

Se até 1994 a principal barreira para a entrada de novos usuários no sistema estava na inviabilidade de adesão aos planos de expansão6, com o novo modelo urgido da reforma do Estado a principal restrição à permanência do usuário no STFC passou a ser o valor da assinatura básica mensal, que hoje gira em torno de R$ 40 (aproximadamente US$ 23). Esse valor é 3846% maior do que em 1995, apesar de a inflação oficial medida pelo IPCA - Índice Nacional ao Consumidor Amplo, no mesmo período, não ter ultrapassado 184%7. O resultado é que, hoje, apenas 3 em cada 10 habitantes brasileiros dispõem do serviço em suas casas.

Assim como as metas de universalização, o regime de competição na telefonia fixa também não se realizou, com as autorizadas respondendo por aproximadamente 10% do total de acessos, concentrados prioritariamente no mercado corporativo. Agrava a concentração do setor o fato de não ter havido nestes dez anos, por parte do órgão regulador, a implementação de medidas efetivas para que as redes das concessionárias fossem compartilhadas com outros prestadores de serviços, em especial o unbundling, apesar desta possibilidade estar prevista na LGT.

A telefonia móvel, por sua vez, está disponível ao consumidor dos grandes centros urbanos desde o início da década de 1990, mas foi a partir de 1998 que a mesma passou a crescer de maneira vigorosa. Em 2003, ano da entrada de novos concorrentes no mercado, consolidou-se o quadro atual de competição, com em média quatro grandes operadoras disputando o mercado consumidor em todas as regiões do país. Em setembro de 2009, o Brasil possuía cerca de 166 milhões de linhas em funcionamento, número que projeta

4 Para fins normativos, entretanto, a Anatel considera o serviço universalizado desde 2003, em função de o conceito aplicado pelo órgão considerar “universalizado” determinado serviço a partir da disponibilidade da infra-estrutura para contratação pelo consumidor, quando é notório que capacidade instalada – que desde 2002 mantém-se em cerca de 50 milhões de linhas – não significa linhas efetivamente em uso. 5 Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações, 2007. <www.anatel.gov.br>6 Nos “planos de expansão” o consumidor adquiria um lote de ações da Telebrás, sendo-lhe garantida a instalação da linha em prazo máximo de dois anos. Para a Telebrás, foi um modo de financiar a custo baixo, pela abertura e pulverização do seu capital social. Para o consumidor das classes A e B, era uma maneira de comprar um telefone por cerca de US$ 1.000, pagando-o antecipadamente em prestações.7 Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor <www.idec.org.br/telecom/>

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uma teledensidade de 86 telefones para cada 100 habitantes. A característica mais importante deste mercado, contudo, é a expansão da penetração do serviço essencialmente por meio da modalidade pré-paga, que possui 82% dos aparelhos atualmente habilitados no país. Para estes usuários, constitui-se prioritariamente como um serviço de recebimento de chamadas, conclusão que se apóia no fato de o gasto médio por usuário de telefonia móvel não ultrapassar R$ 18 (ou aproximadamente US$ 10)8. Especificamente no caso dos clientes de planos pré-pagos, o gato médio por usuário é de apenas R$ 5.

Apesar da base de clientes ter aumentado, o usuário nacional está entre os que menos utiliza o celular para a transmissão de dados: apenas 8% das receitas das operadoras de celular brasileiras são geradas pela transmissão de dados, o que coloca o país na penúltima posição entre diversos países pesquisados9, somente à frente do Egito, com 6%, o que também indica a existência de limites ao potencial de uso da telefonia móvel como fonte de acesso à banda larga.

O serviço de televisão por assinatura tem como característica marcante a baixa penetração nos 54 milhões de domicílios existentes no Brasil, seja na TV a cabo (3 milhões e 228 mil assinantes), no DTH (1 milhão e 762 mil) ou no MMDS (347 mil)10, resultado da combinação dos altos preços praticados ao consumidor e do reduzido poder aquisitivo da maioria da população brasileira. Ao final de 2008, somente 8% da população era atendida por algum serviço de TV por assinatura, percentual que coloca o país, também neste serviço, entre os que possuem menor penetração do serviço em comparação aos nossos vizinhos continentais, como México (23%), Chile (25%), Argentina (54%) e Venezuela (19%)11.

4.1 - Acesso à Internet

4.1.1 - Breve histórico

No Brasil, os primeiros passos da Internet foram dados pela comunidade acadêmica, cujos esforços resultaram, no final da década de 80, em um projeto de pesquisa subordinada ao Ministério de Ciência e Tecnologia chamado Rede Nacional de Pesquisa (RNP). A missão do projeto era construir uma rede que interconectasse todas as universidades e centros de pesquisa brasileiros, especialmente aqueles com atividades relacionadas a redes de comunicação e computação. Como resultado da iniciativa, a RNP instalou o primeiro backbone IP brasileiro ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, utilizado para prover serviços de correio eletrônico na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO-92), realizada em 1992 no Rio de Janeiro.

No final de 1994, a Embratel lançou em caráter experimental o serviço de acesso à Internet para usuários domésticos. No ano seguinte, o governo permitiu a abertura da exploração do serviço ao setor privado, impulsionando o surgimento no Brasil de diversos provedores de acesso, assim como grandes portais brasileiros de conteúdo e comércio eletrônico. Nessa época, o acesso era feito exclusivamente por linha discada, cuja velocidade é bastante inferior às possibilidades atuais.

8 Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações, 2007. <www.anatel.gov.br>9 Global Wireless Matrix 2007, Merrill Lynch.10 Ibdem.11 De acordo com os dados da Agência Nacional de Cinema, os valores cobrados do usuário final no Brasil são substancialmente maiores do que em outros países. Excluindo-se os canais de distribuição obrigatória, o menor preço por canal encontrado é de R$ 1,92 enquanto o maior é de R$ 6,84. Na Argentina o preço mais baixo é de R$ 0,63, e o mais alto, de R$ 0,80, o que explica a maior penetração do serviço naquele país.

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Atualmente, o acesso à Internet banda langa pelos consumidores pode ser feito principalmente por três tecnologias: o ADSL, ofertado pelas empresas concessionárias de telefonia fixa; o Cable Modem, disponibilizado pelas operadoras de TV a cabo; e a tecnologia de radiofreqüências conhecida como 3G, ofertada pelas operadoras de telefonia móvel. Outras tecnologias baseadas em redes sem fio, como o WiMax e o LTE (Long Term Evolution), também permitem o acesso banda larga. Estas últimas, por terem um custo de implantação reduzido, atualmente despertam o interesse dos países menos desenvolvidos como o Brasil. Há ainda as tecnologias por satélite, fibra ótica (FTTC/FTTH – Fiber to the curb / Fiber to the home) e pelas redes de energia elétrica, ainda não utilizadas no Brasil em escala significativa.

Para oferecer o serviço de telecomunicações que faz a conexão entre a residência e os servidores do provedor de acesso a Internet, as operadoras precisam obter junto à Anatel uma autorização de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), prestado em regime privado. O valor da autorização, contudo, é relativamente baixo (cerca de R$ 9 mil) não sendo ela própria uma barreira de entrada neste mercado.

4.1.2 - Quadro atual

Apesar de ser objeto de políticas públicas municipais, estaduais e federais há quase uma década, o percentual da população que utilizou a Internet no Brasil em 2008 é de aproximadamente 38%, considerando todas as modalidades de acesso residencial e não-residencial, inclusive as de acesso público. O número de domicílios conectados (18%) é menor que o percentual das residências que possuem computador, número que ao final de 2008 chegou a 25%. Das residências conectadas, 31% ainda utiliza a velha conexão discada12.

Segundo relatório da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, o Brasil ocupava ao final de 2007 a 72ª posição no ranking mundial de penetração da Internet, com níveis comparáveis a outros países da América Latina, como o Chile (66ª), Argentina (78ª) e México (79ª). No ranking de penetração de banda larga, o Brasil é o 58° em uma lista de 110 países, atrás do Chile (38°) e do México (57°).

A posição é compreensível, sobretudo porque 61% da população nunca sequer teve acesso à rede mundial de computadores. A situação se agrava nas classes menos favorecidas economicamente: 84% dos indivíduos situados nas classes D e E nunca acessou a rede. Na classe C o índice chega a 55%.

Novamente verifica-se a enorme disparidade sócio-econômica entre os que dispõem de acesso domiciliar. Nas classes D e E, somente 1% das casas detém algum tipo de acesso, subindo para um ainda baixo número de 16% na classe C. Na ponta da pirâmide, no entanto, a classe A vive a situação inversa, tendo 91% de seus domicílios atendidos por alguma forma de conexão à rede.

A principal barreira para a assinatura de uma conexão banda larga é, além da indisponibilidade do serviço em determinadas regiões, o alto custo de permanência no sistema, inviável para as classes C, D e E. Os preços praticados pelas operadoras no Brasil para o acesso banda larga são comparativamente muito superiores ao de outros países. O Mbps comercializado na Itália, por exemplo, custa o equivalente a R$ 4,32 ao mês. Na França, R$ 5,02 pela mesma velocidade e, nos Estados Unidos, o preço é o equivalente a R$ 12,75. No Brasil, o mesmo serviço vai de R$ 40 a incríveis R$ 71613.

12 TICs Domicílios, 2008. <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2008-total-brasil/index.htm>13 Fonte: TelComp - Associação Brasileira de Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas, 2007. O preço ao qual se faz referência foi encontrado em Manaus (AM).

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Para aqueles que têm algum tipo de possibilidade de acesso à internet, 47% a acessam de sua própria casa, pouco acima dos 46% que o fazem dos chamados “centros públicos de acesso pago” (Internet café, lan house ou similar); 22% acessam a internet do trabalho, outras 22% acessam de casa de terceiros, 17% na escola e apenas 4% através de centros públicos de acesso gratuito (telecentro, biblioteca, entidade comunitária, Correios, etc.).

Em relação às tecnologias e fornecedores utilizados, o acesso à Internet domiciliar ainda ocorre prioritariamente pelas redes das concessionárias de STFC fora dos grandes centros, sendo esta a única alternativa – além dos locais de acesso coletivo, pagos ou gratuitos – para a população que não habita os bairros de alta renda dos principais centros urbanos do país, mesmo que lá possam existir consumidores com renda relativa semelhante aos bairros de alta renda. E, ainda que o acesso seja feito por meio das redes das concessionárias de STFC, há também parcela significativa de municípios (3.516 dos 5.564 existentes), bairros e vilas que não possuem centrais que permitam o transporte de dados14, sendo o acesso à Internet nestes locais possível somente por linha discada e, geralmente, com o pagamento de ligações interurbanas, o que onera duplamente a população de baixa renda.

Assim como na telefonia fixa, a competição no mercado de banda larga só se realiza nos mercados corporativos ou de alta renda (especialmente por meio das operadoras de TV a cabo, que hoje também oferecem os serviços de telefonia fixa e banda larga). Além de contribuir de forma decisiva para a depreciação da qualidade do serviço prestado, também mantém o estímulo aos preços altos e inacessíveis a um grande número de potenciais usuários15.

Existem 1.761 outros provedores de acesso banda larga16, presentes em 74,2% dos municípios brasileiros que, em tese, ofertam os serviços diretamente ao cidadão e ampliam a capilaridade da oferta. Porém, observa-se que estes provedores atendem majoritariamente micro e pequenas empresas, utilizando-se preferencialmente das tecnologias wireless, não tendo impacto sobre a concorrência na oferta do serviço ao consumidor residencial.

A formação de monopólios privados em boa parte do país possui um reflexo bem conhecido: o desinteresse das empresas dominantes em investir em infraestrutura. Como resultado desse e de outros fatores, a velocidade de tráfego da Internet brasileira é substancialmente baixa. Cerca de 44% das residências conectadas possuem velocidade de até 256 Kbps, enquanto 66% possui velocidade inferior a 1

14 Fonte: Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações, 2008. <www.anatel.gov.br>15 A principal operadora de TV a cabo é a NET Serviços, que concorre com a Telefônica e a Oi nos bairros de alta renda nas maiores cidades do país. A GVT, única empresa espelho bem-sucedida, foi adquirida recentemente pela operadora francesa Vivendi. Cumpre lembrar ainda que o modelo previa que Oi, Brasil Telecom e Telefônica concorressem entre si, mas tal fato nunca se realizou; pelo contrário, é visível o processo de concentração de mercado. 16 Fonte: Teleco Consultoria, com dados da Abramulti, Abranet, Abrappit.

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Mbps17. Soma-se à questão da baixa velocidade – o que certamente reduz a utilização do pleno potencial da tecnologia –, o fato de as operadoras não entregarem a velocidade adquirida pelo usuário18.

Em síntese, é possível concluir, ao contrário do senso comum difundido nos últimos anos no Brasil, que a privatização das telecomunicações na década de 1990 não resultou nos benefícios apregoados, tanto em relação à universalização quanto em relação à criação de um ambiente de competição na oferta dos serviços, tendo estes objetivos (universalização e competição) esbarrado principalmente na renda média do consumidor brasileiro, ou, em outras palavras, atingido os seus limites de mercado. O modelo urgido da reforma do Estado brasileiro desconsiderou esta questão fundamental, sem a qual qualquer modelo deixaria de atingir os resultados esperados.

Agrava a concentração do setor o fato de não ter havido nestes dez anos, por parte do órgão regulador, a implementação de medidas efetivas – conhecidas como desagregação de redes ou unbundling – para que as redes das concessionárias fossem compartilhadas com outros prestadores de serviços, apesar desta pos-sibilidade estar prevista na Lei Geral de Telecomunicações e estimular a concorrência por meio de compe-tidores que não teriam condições de duplicar as redes das atuais concessionárias de STFC.

Outro forte elemento para o insucesso do modelo foi a não-aplicação dos recursos do FUST, remédio ide-alizado – e existente inclusive em países desenvolvidos – para contornar exatamente as barreiras de renda existentes na sociedade brasileira. Regido pela Lei 9.998/0019, o fundo é recolhido mês a mês, mas até hoje não foi aplicado em suas finalidades, acumulando no Tesouro Nacional saldo de aproximadamente R$ 8 bilhões20.

17 TICs Domicílios, 2008. <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2008-total-brasil/index.htm>18 Pesquisa realizada em algumas residências pelo IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, em São Paulo, nos primeiros meses de 2008 constatou que a velocidade de conexão entregue pela NET Serviços chegava a apenas 40% da contratada, enquanto o serviço da Telefónica ficou em 85% da velocidade estabelecida em contrato. Para saber mais ver http://www.idec.org.br/rev_idec_texto_impressa.asp?pagina=1&ordem=1&id=84 . 19 O FUST, como o anterior subsídio cruzado, pode ser entendido como um instrumento de política de rendas, necessário em um país com os índices extremos de desigualdades. Atualmente, sendo o único serviço em regime público é o STFC, o FUST, para todos os efeitos práticos, somente pode ser aplicado na universalização da telefonia fixa, apesar de sua legislação específica abrigar algumas hipóteses de exceção a este imperativo. Exatamente por isso, a questão da aplicação dos recursos do FUST vincula-se diretamente ao estabelecimento de uma nova modalidade de serviço a ser explorado em regime público, com a definição do acesso à banda larga como um serviço essencial, e, conseqüentemente, explorado em regime público, o que permitiria ao Estado brasileiro utilizar os recursos arrecadados pelo fundo para, prioritariamente, universalizar este serviço. A utilização destes recursos tem encontrado obstáculos políticos que levam muitos a advogarem mudanças na Lei 9.998/00 ou na LGT, ou até mesmo a aprovação de uma nova lei. Embora mal elaborada, é fato incontestável que a legislação não precisaria ser alterada para permitir a sua aplicação. Dessa forma, é dever apontar que a decisão dos sucessivos governos de não estimular o gasto destes recursos – que hoje compõe uma das fontes prioritárias de composição do superávit primário do Tesouro Nacional –, é eminentemente política, não jurídica.20 O número não é oficial, em função da recusa do governo em fornecê-lo, e refere-se a um valor estimado pelas associações das empresas de telecomunicações até o final de 2008.

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4.1.3 - Acesso público e desenvolvimento local

Em nações com profundas desigualdades sócio-econômicas como o Brasil, como visto, a “inclusão pelo mercado” possui limites estruturais, impondo, nestes países, a necessidade de ações complementares que objetivem universalizar o acesso às telecomunicações, em especial a conexão à Internet banda larga. Nesta perspectiva, governo federal e governos estaduais e municipais têm, em conjunto com organizações sociais, promovido iniciativas que visam superar estas barreiras e permitir a apropriação pela população das tecnologias de comunicações e informação. Em linhas gerais, estas iniciativas podem ser divididas em dois grupos: centros de acesso público e as chamadas cidades digitais.

4.1.4 - Centros de acesso público

Os centros de acesso público (telecentros, bibliotecas, agências dos Correios, etc) são utilizados por 4% dos 45 milhões de usuários de Internet no Brasil, de acordo com pesquisa realizada em 2008 pelo CGI.br. Segundo o Observatório Nacional de Inclusão Digital21, o Brasil possui 5.457 telecentros, que permitem o acesso gratuito, pela população, a computadores conectados à Internet. Em geral, estes centros são implementados em parceria entre o poder público (federal, estadual ou municipal) e organizações não-governamentais, escolas públicas ou universidades, que responsabilizam-se pela gestão do espaço físico e dos recursos humanos, e/ou encarregam-se de garantir a conectividade à Internet22.

Apesar do número aparentemente elevado destes centros de acesso público espalhados pelo país – e da vi-sibilidade que possuem enquanto política pública setorial –, deve-se atentar para o fato de muitos não fun-cionarem de maneira adequada, em função, entre outras razões, da inexistência de uma política de forma-ção e capacitação dos recursos humanos envolvidos em sua gestão, o que acaba por não potencializar o pleno uso das ferramentas de comunicação e informação pela população beneficiada. São raros os progra-mas que contam com uma política efetiva de formação dos gestores e dos monitores que assessoram os ci-dadãos usuários dos telecentros.

São raros, também, os programas que buscam implantar centros de acesso multiuso: 75% dos municípios não possuem este tipo de equipamento. Merecem registro, nesse sentido, as iniciativas do Ministério da Cultura, como os Pontos de Cultura, que, por meio de editais públicos, busca articular produção e difusão de cultura, impulsionando as ações que já existem nas comunidades e incentivando o surgimento de novas manifestações. Atualmente, existem mais de 650 unidades espalhadas pelo país23.

21 <www.onid.org.br>22 Um dos maiores programas federais é o executado pelo Banco do Brasil, que recupera computadores não utilizados em seus escritórios e agências e os doa às comunidades com projetos para a instalação de telecentros, já ajudou a equipar, com 17 mil computadores, mais de 1.600 centros de acesso público, além de fornecer treinamento para monitores, sendo a manutenção do espaço e a conectividade responsabilidade dos parceiros. O Casa Brasil, um projeto interministerial do governo federal cuja execução é coordenada pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), conta com 76 unidades instaladas e outras 87 deveriam ter entrado em funcionamento até agosto de 2009. Além deles, há o programa iniciado em 2006 pelo Ministério das Comunicações, que prevê a instalação de um Telecentro Comunitário em cada município brasileiro. O programa é realizado em parceria com as prefeituras, que fornecem o espaço para a instalação do centro de acesso público e arcam com a manutenção do mesmo e com os gestores do local, enquanto o Ministério das Comunicações disponibiliza os computadores e a conexão por meio do Gesac - Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão, programa que possui como objetivo levar o acesso à Internet via satélite prioritariamente a locais não atendidos por outras formas de conexão.23 Quando firmado o convênio com o MinC, o Ponto de Cultura recebe a quantia de R$ 185 mil (cento e oitenta e cinco mil reais), divididos em cinco parcelas semestrais, para investir conforme projeto apresentado. Parte do incentivo recebido na primeira parcela, no valor mínimo de R$ 20 mil (vinte mil reais), é utilizado para aquisição de equipamento multimídia em software livre (os programas serão oferecidos pela coordenação), composto por

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Outra característica a ser pontuada é a dificuldade de sustentabilidade das iniciativas. Como muitas recebem apoio inicial do poder público (ou, em menor escala, de empresas) mas são mantidas por organizações não-governamentais ou associações comunitárias, são inúmeros os relatos de centros de acesso público que não conseguem manter-se da forma adequada em função dos obstáculos para a obtenção de recursos para a manutenção dos espaços físicos, das conexões e dos recursos humanos necessários ao bom funcionamento dos telecentros. Na prática, muitos acabam por fechar total ou parcialmente as portas, reduzindo, por exemplo, os horários de funcionamento.

Crítica também é a questão da infraestrutura, ou da conectividade. Nas comunidades isoladas cujo serviço de dados das concessionárias de STFC ainda não existe, a única forma de conexão à Internet é o Gesac. Atualmente, a rede via satélite possui em torno de 24 mil computadores conectados, entre escolas e órgãos públicos, civis e militares. Contudo, verifica-se que as velocidades disponibilizadas são demasiadamente lentas: em média, cada grupo de 20 computadores compartilham uma conexão de 256 Kbps, o que torna a fruição do serviço, na prática, inviável. São numerosos os relatos de telecentros que, embora conectados ao Gesac, não conseguem oferecer condições mínimas de usabilidade à população.

Já nas localidades atendidas pelas redes de dados das concessionárias de STFC, há o grave problema dos altos custos para conectar os centros de acesso público. Monopolistas em suas áreas de atuação e sem obrigações contratuais de conectarem os telecentros a preços justos e razoáveis, as operadoras de telecomunicações acabam por imputar custos inviáveis às organizações que mantém os projetos. A saída mais comum destas organizações tem sido a contratação de conexões com baixíssimas velocidades, o que, assim como o Gesac, acaba por tornar a questão da infraestrutura (ou da conectividade) certamente o maior problema das iniciativas de acesso coletivo gratuito.

Por fim, deve ser destacado o fato dos aproximadamente 20 programas geridos pelos mesmos entes da federação, como é o caso das empresas públicas, autarquias e ministérios ligados ao governo federal, não serem coordenados, sendo implementados de forma dispersa e fragmentada. Tal situação, se não é um impedimento para a consecução dos programas, por certo impede a determinação de uma política nacional de inclusão digital, o que acaba por gerar desperdício de recursos e duplicação de esforços.

4.1.5 - As cidades digitais

Nos últimos anos, surgiram no Brasil cerca de duas dezenas de cidades digitais, nascidas em sua maioria de projetos das próprias prefeituras, com a colaboração, muitas vezes, da iniciativa privada ou do Ministério das Comunicações. São, em geral, pequenos municípios cujos prédios administrativos, escolas e postos de saúde estão interconetados, os serviços municipais foram digitalizados e a Internet, em diferentes níveis, está disponível para ser acessada pela população. Os modelos dos projetos são diversos, assim como o próprio conceito de cidade digital. Para alguns, a questão primordial é conectar os prédios públicos e reduzir a burocracia nos serviços oferecidos pelo Poder Municipal. Para outros, o mais importante é oferecer o acesso à população. Mas, em geral, os projetos incluem ambas as coisas.

O maior desafio dos projetos de cidades digitais é encontrar um modelo que garanta a sua sustentabilidade financeira e relativa à conectividade. Muitos destes projetos foram criados com o apoio da iniciativa privada, por meio da doação de equipamentos ou de conexões aos backbones das operadoras de telecomunicações, como ocorreu em Tiradentes, onde a Oi ofereceu um link de 2 Mbps por um prazo

microcomputador, mini-estúdio para gravar CD, câmera digital, ilha de edição e outros equipamentos

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determinado, que, ao ser encerrado, colocará o município em situação semelhante aos demais, onde as prefeituras são obrigadas a remunerar as operadoras monopolistas para conectarem-se à Internet, sendo o custo imposto por elas inviável, ou demasiadamente oneroso aos cofres públicos24. A exceção – que deve ser valorizada e reconhecida como case bem-sucedido – é o Estado do Rio de Janeiro. No caso, um dos grandes diferenciais que permitem a “liderança” na implementação das cidades digitais é o apoio dado pelo governo estadual por meio do Proderj - Centro de Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro, que fornece aos municípios o acesso ao seu backbone IP com capacidade de 100 Mbps25.

Outras iniciativas semelhantes espalharam-se pelo país nos últimos anos. Em Sud Menucci, no interior do Estado de São Paulo, por exemplo, foi montada em 2002 uma rede interconectando todos os prédios públicos do município. Atualmente, 100% da cidade está conectada por meio da tecnologia Wi-FI. Em Tiradentes, o projeto iniciado em 2006 conectou 70% do município com o uso da tecnologia Wi-Mesh. Porto Alegre é a maior cidade brasileira com um projeto semelhante. A Procempa, empresa pública que desde 2005 possui um backbone próprio conectando os órgãos e espaços públicos municipais, optou por abrir seu sinal Wi-Fi em diversos parques e praças da cidade, e deve levar em 2009 uma rede Wi-Mesh gratuita para os bairros do município onde não há oferta de ADSL pela Brasil Telecom (hoje Oi), a concessionária local de STFC.

5 - Lan houses

É inegável a importância atual das lan houses para o acesso ao ambiente digital. Se, em 2005, 17,59% dos acessos à Internet no Brasil eram feitos por estes centros de acesso não-gratuitos, em 2008 o índice atingiu 48%, sendo que, quanto mais jovem e pobre, maior o índice dessa forma de acesso. Na Região Nordeste, por exemplo, o percentual chega a 68% e, na Região Norte, a 66%. Nos usuários de famílias com renda de até um salário mínimo, o índice chega a incríveis a 82%26.

A maior parte das lan houses é frequentada pela população de menor renda: 82% dos usuários com renda inferior a R$ 415,00 (menos de um salário mínimo) e 69% dos usuários com renda inferior a R$ 830,00 acessam a internet de centros públicos pagos. Esse percentual decresce na medida em que a renda aumenta, chegando a 23% entre os que ganham mais de cinco salários e a 15% entre os que ganham mais de dez salários mínimos.

Contudo, a promoção de políticas específicas para o desenvolvimento das lan houses ainda é marcadamente polêmica. Há tramitando na Câmara dos Deputados nove Projetos de Lei que versam sobre o tema, a maioria impondo restrições ao funcionamento dos centros de acesso público pago, inclusive proibindo o acesso a menores de 16 anos. Por outro lado, Projeto apresentado pelo deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), com apoio da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (ABCID), pretende que as lan houses se tornem pontos de apoio à pesquisa em parceria com escolas públicas.

24 Cumpre lembrar que o Decreto Presidencial 6.424/08 determinou a troca de obrigações das concessionárias de STFC, passando as mesmas a terem o dever de implantar backhauls em todos os municípios do país. Embora em tese a troca seja positiva, não foram impostas regras de compartilhamento no uso desta infra-estrutura: mesmo que existam redes locais já instaladas (por pequenos provedores ou pelo próprio poder público local), as concessionárias não serão obrigadas a interconectar sua infra-estrutura com estas redes para permitir o escoamento do tráfego.25 Atualmente, na esteira das iniciativas das prefeituras, o governo do Estado do Rio de Janeiro desenha um projeto chamado “Estado Digital”, que pretende fornecer infra-estrutura de conexão em alta velocidade aos seus 92 municípios.26 TICs Domicílios, 2008. <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2008-total-brasil/index.htm>

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De todo modo, iniciativas dessa natureza sofrem resistências, sobretudo por aqueles que acreditam que a inclusão digital, em áreas de baixo IDH, deva ser executada exclusivamente por meio de telecentros, onde o acesso é gratuito. Contudo, é difícil que estes centros públicos gratuitos tomem o lugar das lan houses, já que telecentros e iniciativas similares são extremamente regulados e impõem diversas restrições ao acesso de conteúdos.

Nessa perspectiva, as lan houses devem ser consideradas equipamentos fundamentais de produção, difusão e acesso à cultura digital, na medida em que se tornaram, de fato, a principal porta de entrada de milhões de cidadãos ao universo das novas tecnologias e à Internet, constituindo-se também como ponto de encontro e de produção cultural entre usuários, especialmente entre os jovens.

Por isso, é importante rever a forma como são reguladas as lan houses, uma vez que as mesmas, pela legislação atual, são consideradas “casas de jogos”, e não centros de acesso pagos à Internet, com restrições inadequadas, com a necessidade de distância de um quilômetro de escolas e a impossibilidade de ser frequentada por menores de 18 anos.

6 - Digitalização e acesso a acervos culturais

As instituições culturais brasileiras possuem um valioso acervo que, através da digitalização, podem ser disponibilizadas ao público em geral. Para os desenvolvedores e produtores digitais, este acervo – que envolve desde documentos raros, arte, vídeos, periódicos, etc. –, também configura-se como matéria prima para a pesquisa e a criação de novos conteúdos. Disponibilizar tais acervos ao público em formato digital é, acima de tudo, a garantia da democratização do acesso aos mesmos.

No entanto, ainda não há uma política nacional e coordenada de digitalização deste acervo. Isoladas, as iniciativas atualmente em curso são muitas vezes marcadas pela desorganização. Embora o Ministério da Cultura possua um conjunto significativo de instituições atuando para digitalizar seus acervos, ainda não há uma estimativa confiável das obras já digitalizadas e disponíveis à consulta do público. Tampouco parece haver, pelo menos de forma integrada, a preocupação em vincular o acervo digitalizado aos metadados das obras (nome da obra, localização, estado de conservação, etc.). Registra-se, também, que instituições de extrema relevância como a Biblioteca Nacional mantém seus acervos digitalizados em discos rígidos em formatos de interface que podem deixar de existir em breve.

Em geral, as instituições também não contam com uma estrutura de tecnologia da informação para gerenciar este acervo quando digitalizado. E, sem capacidade de avaliação do acervo, praticamente inviabiliza-se o estabelecimento de critérios e prioridades na implementação de políticas de digitalização, organização e disponibilização das obras ao público.

Iniciativas que buscam dotar essas instituições de uma infraestrutura para digitalização e difusão de seus acervos estão em curso atualmente por iniciativa do Ministério da Cultura e pela Rede Nacional de Pesquisa (RNP). Pretende-se, entre outras ações, conectar essas instituições à rede de alta velocidade da RNP, reunindo no mesmo servidor (Internet Data Center) – por questões orçamentárias e de logística – os acervos digitais dessas instituições.

De qualquer forma, por ora as iniciativas têm sido marcadas pela atomização. Não há uma clara cooperação entre as instituições que desenvolvem algum tipo de programa de digitalização de seus acervos. Neste sentido, a alocação de recursos para o arquivamento, a construção de redes ou a

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digitalização dos acervos sem a coordenação das iniciativas, pode significar desperdício de energia e recursos.

Nessa perspectiva, o desafio está em colocar estas diversas iniciativas em diálogo para a produção de uma política conjunta e a distribuição de recursos de maneira eficiente e racional.

7 - Servidores e redes para coletivos e artistas digitais

Um dos maiores obstáculos para quem busca produzir conteúdo multimídia na rede é a ausência de servidores de alta capacidade para armazenar o que é produzido. Não há, no Brasil, nenhuma instituição estatal que disponha de uma infraestrutura de servidores para armazenar estes dados. No caso da infraestrutura privada, a maior dificuldade é o custo do serviço. Um servidor dedicado – um equipamento ligado 24 horas por dia em um link de alta velocidade em uma empresa ou em um Internet Data Center – convencional e sem serviços adicionais, com 160 Gb de HD e 2 Gb de RAM, custa cerca de R$ 500,00 por mês em empresas do ramo.

Este custo do acesso a servidores acaba por inviabilizar que produtores autônomos de cultura digital possam disponibilizar seu trabalho na rede. Mesmo sites de uso geral como o Youtube, embora facilitem o acesso, impõem aos produtores licenças de uso comprometedoras, além de não garantirem a segurança e a autonomia sobre os dados.

Este quadro motivou o Ministério da Cultura a implementar algumas iniciativas-piloto que buscam suprir esta lacuna. É o caso do Estúdio Livre, um servidor conectado a uma rede alto desempenho para atender a coletivos de arte e cultura digital. A oferta de servidores e redes de alto desempenho, contudo, é demanda tanto dos produtores privados quanto das instituições estatais que, como visto, não dispõem desse tipo de infraestrutura.

A alternativa lógica para a expansão dessa infraestrutura – que democratize o acesso pelos produtores de cultura digital – é a disponibilização de servidores públicos, onde conteúdos multimídia diversos possam ser armazenados. Contudo, como é de conhecimento geral, não é simples e nem barato dotar o país de imensos e dispendiosos DataCenters.

A rápida evolução das tecnologias da informação também deve ser levada em consideração, pois sabe-se que em pouco tempo os formatos atuais devem ser superados, e novas demandas exigirão equipamentos capazes de assimilar novas tecnologias como, por exemplo, modelos 3D, sensores de movimento e telas sensíveis ao toque.

8 - Gestão das redes

8.1 - Neutralidade das redes

Outro tema que emerge com força da convergência tecnológica e cujos impactos envolvem diretamente a difusão e o consumo da cultura digital é a chamada “neutralidade de redes”. As informações que trafegam nas redes IP são divididas em pacotes de dados (os datagramas) e possuem cabeçalhos que os identificam (e-mails, músicas de peer-to-peer, VoIP, etc). Com a possibilidade do emprego de programas conhecidos como “farejadores de pacotes” (packet sniffers, em inglês), as operadoras de telecomunicações que fornecem ao usuário o acesso à Internet – basicamente as operadoras de STFC e TV a cabo – conseguem determinar em tempo real que tipo de informação está trafegando em sua infraestrutura.

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Em alguns países, o emprego destes programas pelas operadoras tem como objetivo a censura da rede por parte do Estado. O governo chinês, por exemplo, assume que controla o conteúdo que os seus cidadãos acessam, determinando inclusive que servidores de grandes empresas como a Google instalem servidores no país para não ter seus conteúdos bloqueados (o que permite o controle dos conteúdos pelas autoridades locais). Nos EUA, a AT&T também reconhece que a agência de segurança monitora permanentemente sua rede para obter maiores informações sobre supostos terroristas. Nestes e em outros casos semelhantes, estamos diante da quebra de neutralidade de redes como instrumento para violação de direitos civis, como a prática de censura ou de violação à privacidade.

No Brasil e em outros países, contudo, as razões para o emprego destes dispositivos são outros e têm justificativa comercial. O uso destas tecnologias permite que as operadoras de telecomunicações saibam quais de seus clientes de banda larga estão utilizando serviços de VoIP do concorrente e, consequentemente, deixando de usar as suas linhas; ou que as empresas de TV a cabo encontrem quais de seus assinantes têm o hábito de baixar vídeos pela Internet, o que pode ocasionalmente levá-los a considerar inútil o pagamento da TV por assinatura. Com estas informações, as operadoras podem degradar a qualidade de determinados serviços, tornando inviável a sua plena utilização. Na prática, as detentoras das redes eliminam a competição tratando de forma não isonômica aqueles que fornecem serviços concorrentes ao seu e, mais grave, impedindo que o serviço contratado (a banda larga) seja utilizado de acordo com os interesses e conveniências do usuário.

A gestão das redes ainda permite a possibilidade inversa, ou seja, a cobrança, pelas empresas de telecomunicações, para o acesso privilegiado em suas redes, fazendo com que certas informações trafeguem em velocidades maiores do que a de seus concorrentes. Assim, os conteúdos de determinada instituição ou empresa terão tratamento proporcional à capacidade das mesmas de remunerar os detentores das redes pelo tráfego diferenciado. Neste ambiente, conteúdos gerados por usuários tendem a ser discriminados, enquanto as informações de grandes corporações têm circulação privilegiada27.

Uma terceira razão para quebrar a neutralidade das redes é a necessidade de redução, pelas operadoras, da velocidade de conexão do usuário. Tal prática é conhecida como Trafic Shapping e busca diminuir o tráfego de dados dos clientes para garantir a funcionalidade do sistema como um todo, em função da baixa capacidade de transporte das redes. Ao inibir o consumo, a operadora garante que a sua infraestrutura suportará o volume total de tráfego, o que não seria possível caso fossem entregues a todos os usuários as velocidades por eles contratadas. Nenhuma das provedoras de acesso assume oficialmente a prática, mas as suspeitas são observáveis e facilmente comprováveis em testes que usam tecnologias como encriptação de dados e VPN (Virtual Private Network)28.

A legislação brasileira, porém, possui dispositivos para impedir que as operadoras mantenham este tipo de conduta. A LGT estabelece em seu artigo 3º, entre os direitos dos usuários (e, portanto, entre as

27 O debate sobre a neutralidade das redes não ocorre apenas no Brasil. Os Estados Unidos vivem um grande conflito que opõe as donas da infra-estrutura e empresas que fazem uso intensivo da rede, como Google, Microsoft e Amazon. Estas últimas temem que as operadoras cobrem um valor extra para garantir que seus conteúdos circularão sem restrições. Em 2005, a Federal Communications Commission dos EUA derrubou a lei que assegurava a neutralidade da rede, passando a permitir que empresas da área de telecomunicações façam distinções entre diferentes provedores de conteúdo, mas no ano seguinte o Congresso daquele país manteve a obrigatoriedade da neutralidade, que desde então encontra-se, pelo menos do ponto de vista normativo, na corda bamba.28 A Narus, uma das maiores fornecedoras mundias de packet sniffers, informa em seu site que a Brasil Telecom é sua cliente. Além dos consumidores residenciais, empresas que prestam o serviço de voz sobre IP também reclamam com freqüência que as empresas alteram a configuração de suas redes para dificultar as chamadas telefônicas via banda larga. Para saber mais sobre traffic shaping acesse: http://www.abusar.org/traffic_shaping.html

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obrigações das empresas que fornecem o serviço), o “acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza” e “não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço”, princípios para os quais a Anatel ainda não possui instrumentos de fiscalização.

Além do prejuízo econômico para os usuários, a não-garantia da neutralidade das redes fere o princípio básico de que cada usuário é o único responsável pelos conteúdos que ele gerou e que colocou na rede, sendo esta uma liberdade fundamental que se deve preservar no uso das telecomunicações, especialmente em tempos de convergência tecnológica.

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PROPOSTAS

Sumário das propostas

1 - Universalização do acesso à Internet banda larga1.1 - Instituição de serviço de banda larga a ser explorado em regime público1.2 - Uso do FUST para universalizar o acesso à banda larga1.3 - Implementação da desagregação estrutural de redes 1.4 - Criação de empresa pública para acesso no atacado (Plano Nacional de Banda Larga), com conexão das instituições e equipamentos culturais1.5 - Utilização de tecnologias alternativas para o acesso à Internet1.6 - Reserva de blocos de freqüências e incentivo às redes comunitárias sem fio1.7 - Implantar uma política de Estado para a inclusão digital por meio de centros de acesso gratuitos.1.8 - Implementação de uma política de apoio aos centros de acesso pago (lan houses)

2 - Formular e implementar uma política nacional de digitalização e difusão dos acervos das instituições culturais nacionais3 - Implementar um sistema distribuído de servidores de uso público4 - Gestão das redes

4.1 - Promoção e garantia da neutralidade das redes 4.2 - Adoção e estímulo a padrões abertos

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1 - Universalização do acesso à Internet banda largaO processo de convergência revela a necessidade de universalizar o acesso à Internet por meio de conexões banda larga. É evidente a importância que essa nova forma de relacionamento com o mundo adquire para os diferentes aspectos da vida cultural, social e econômica, sendo sua utilização uma ferramenta diária para diferentes tarefas ou funções, do lazer ao trabalho. É certo que a não inclusão dos cidadãos nesse novo ambiente da Internet reproduzirá ou aumentará a já inaceitável desigualdade socioeconômica existente no Brasil. Assim, é preciso pensar o acesso à Internet como uma decorrência dos direitos fundamentais à liberdade de expressão, à informação, à cultura e à educação.

Nos primeiros anos desta década, acreditou-se que a melhor forma de incluir a população de baixa renda neste universo convergente seria a promoção de políticas para a instalação de centros de acesso público gratuitos. Contudo, embora sejam importantes políticas para o acesso coletivo desta população, hoje não pode haver dúvidas de que o paradigma que deve nortear as políticas públicas deste setor é a universalização do acesso residencial, para que sejam estabelecidas condições de igualdades mínimas no acesso à Internet.

Há, por fim, a necessidade de instituição de uma reflexão permanente sobre as velocidades de conexão. Aplicativos antes de uso pouco comum (como o download ou os streamings de vídeos, por exemplo), hoje são a essência do uso da rede e da difusão da cultura digital. Dessa forma, é fundamental apontar velocidades mínimas de conexão a serem disponibilizadas aos usuários. Em primeiro lugar, porque velocidades hoje consideradas banda larga para o órgão regulador brasileiro – como conexões de 256 Kbps – não deveriam sê-la, pois não permitem a fruição plena do potencial da tecnologia. Em segundo

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lugar, pois é preciso buscar uma equidade mínima no acesso à Internet: se os mais ricos usufruírem de conexões exponencialmente mais velozes, a chamada inclusão digital não será um motor para a redução das desigualdades. Pelo contrário, criar-se-á um ambiente para a reprodução das mesmas ou até para a sua radicalização.

1.1 - Instituição de serviço de banda larga a ser explorado em regime públicoPor ser o acesso à Internet um direito fundamental, o Estado deve assumir a responsabilidade pela universalização da banda larga, classificando o serviço como essencial e formalizando-o como um serviço a ser prestado em regime público, status semelhante ao da telefonia fixa. No regime público, podem ser impostas obrigações de universalização, de preços e tarifas, de continuidade, e os bens são revertidos em favor da União ao fim do prazo das concessões. A determinação de que o serviço de acesso à banda larga seja prestado em regime público é uma mudança de paradigma necessária para a implementação de uma estratégia de expansão vigorosa do serviço, pois permitirá um controle maior do Estado sobre a sua oferta.

1.2 - Uso do FUST para universalizar o acesso à banda largaO FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, atualmente regido pela Lei 9.998/00, deve ser entendido como um instrumento de política de distribuição de renda, especialmente necessário em países com índices extremos de desigualdades. Como hoje o único serviço prestado em regime público – e, logo, sujeito à obrigação de universalização – é a telefonia fixa (STFC), o FUST, para todos os efeitos práticos, somente pode ser aplicado para o cumprimento das obrigações de universalização desse serviço. Para que os recursos do FUST possam ser utilizados na universalização da banda larga, é necessário que o acesso à Internet passe a ser considerado um serviço essencial e prestado em regime público, assim como o STFC.

O FUST deve ser utilizado prioritariamente para a construção da rede estatal (ver tópico 1.4) e para a implementação de redes públicas e comunitárias de última milha, que devem apresentar projetos para o Comitê Gestor do FUST, constituído para gerenciar a aprovação de projetos e a distribuição os recursos.

1.3 - Implementação da desagregação estrutural de redesA Lei Geral de Telecomunicações (LGT) previu que prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo deverão “disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo”. Contudo, o acesso de outras empresas às redes das concessionárias de STFC ainda não se tornou realidade. Como resultado da omissão dos órgãos reguladores, os consumidores do serviço de telefonia fixa e de banda larga mantêm-se em quase todo o país reféns de uma única empresa, com os conhecidos efeitos sobre o preço e qualidade dos serviços. Nesse ambiente, a desagregação estrutural das redes das concessionárias de STFC apresenta-se como condição sine qua non para criar condições para o acesso não-discriminatório às redes para todos os demais prestadores de serviços, por induzir os detentores das redes – pela imposição de um novo modelo de negócio – a se tornarem os maiores interessados no seu compartilhamento. Pretende-se, assim, criar um ambiente de maior competição na oferta dos serviços, com diversos prestadores valendo-se da infra-estrutura das concessionárias, permitindo o exercício do direito de liberdade de escolha dos consumidores.

1.4 - Criação de empresa pública para acesso no atacado (Plano Nacional de Banda Larga)A incapacidade do modelo atual de induzir a universalização da banda larga levou setores do governo federal a apresentar uma proposta de uso das redes ociosas de empresas públicas (Petrobras, Furnas, Chesf e Eletronet) para fomentar a concorrência na oferta de banda larga, por meio da oferta de capacidade de tráfego para prestadores privados do serviço e também para prefeituras, que ofertariam o acesso ao consumidor final. Tal iniciativa pode permitir um ambiente de maior competição e concorrência nos locais

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onde ele já é prestado e por incentivar a oferta do serviço nas localidades ainda sem qualquer fornecedor de acesso à banda larga, dando impulso à criação de cidades digitais pelo Brasil.

Às previsões de conexão direta de órgãos públicos, escolas e hospitais, deve ser acrescida a conexão das instituições culturais geridas pelas três esferas de governo, assim como as administradas por entidades da sociedade civil (como os Pontos de Cultura e associações comunitárias), neste caso a preços justos, com conexões de alta velocidade, para que estas instituições possam de fato se tornarem centros de produção e difusão da cultura digital, podendo, inclusive, disponibilizar acesso gratuito por tecnologias sem fio às comunidades onde estão inseridas.

Deve-se atentar, sobretudo, para a necessidade da nacionalização da rede pública a ser criada, uma vez que a maior carência destas redes localiza-se especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. Uma segunda consideração importante refere-se à necessidade de articulação do backbone nacional às redes administradas pelos governos estaduais ou por prefeituras, que podem capilarizar a penetração das redes e oferecer o ponto de conexão tanto para prefeituras como para organizações comunitárias que distribuam os sinais em suas localidades.

1.5 - Utilização de tecnologias alternativas para o acesso à InternetCom o recente desenvolvimento tecnológico, é possível utilizar estratégias complementares na busca da universalização do acesso à banda larga. Nesse sentido, deve-se estimular o surgimento de prestadores que ofertem banda larga ao consumidor por diversas tecnologias. Além da tecnologia ADSL e cabo, hoje as mais usadas, há as redes de telefonia móvel, possíveis de serem exploradas com a ampliação da capacidade de tráfego das redes de terceira geração (3G); há as redes de radiofreqüência baseadas na tecnologia WiMax ou LTE, tecnologias similares e concorrentes; e há redes de energia elétrica, por meio da tecnologia PLC (Power Line Communications). É importante que a regulação da exploração dessas tecnologias priorize a entrada de novos prestadores, aumentando a concorrência no setor e, consequentemente, a liberdade de escolha dos consumidores. 1.6 - Reservar blocos de freqüências para uso das redes comunitárias de acesso à Internet que utilizem tecnologia sem fioPara que a universalização da Banda Larga se torne realidade, o Brasil deve contar com estratégias e políticas públicas complementares. Uma das mais relevantes é a reserva de freqüências para o uso de redes comunitárias – a serem utilizadas por prefeituras, outros órgãos públicos e organizações sem fins lucrativos –, que podem prover o acesso à Internet pelos cidadãos e cidadãs de forma gratuita ou com baixo custo. Sem reservas ou políticas similares, o espectro de freqüências acaba por ser utilizado somente pelas grandes empresas do setor que, como é notório, não possuem interesse em ofertar o serviço em áreas de reduzido poder aquisitivo.

1.7 - Implantar uma política de Estado para a inclusão digital por meio de centros de acesso gratuitos, aplicada de forma integrada e coordenada entre as diferentes esferas de governo.Atualmente, o Governo Federal mantém 20 programas de inclusão digital, marcados pela dispersão e pela falta de diálogo entre eles. A coordenação e a estruturação destas ações em uma Política Nacional de Inclusão Digital evitaria desperdício de esforços e recursos e potencializaria o impacto destas iniciativas junto à população, além de assegurar seu caráter perene, como política de Estado e não de governos. Esta política deve articular-se com iniciativas em âmbito estadual e local, permitindo formas de incidência e aplicação dos princípios estabelecidos que respeitem as demandas e características de cada região.

1.8 - Implementação de uma política de formalização dos centros de acesso pago

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Forma mais difundida de acesso à Internet, sobretudo pela população de baixa renda e fora das grandes cidades, o centros públicos de acesso pago (lan houses, internet cafés, etc.) sofrem com a discriminação por parte do poder público, tendo que enfrentar restrições ao acesso dos usuários. É evidente que eles hoje se transformaram em um fator importante de produção e difusão de cultura digital, de modo que se torna premente incentivar políticas de fomento ao empreendedorismo, à formalização e à legalização destes centros, inclusive com o incentivo ao desenvolvimento de aplicativos e softwares específicos [como, por exemplo, os que permitam aos jogos utilizados rodarem em softwares livres] e linhas de crédito específicas para a aquisição de máquinas. Medidas complementares devem ser estudadas, como a extensão do Vale Cultura a este tipo de equipamentos, estimulando o acesso pelos cidadãos.

2 - Formular e implementar uma Política Nacional de Digitalização e Difusão de Acervos das instituições culturais nacionaisAtualmente, não há uma política coordenada de digitalização dos acervos das instituições culturais nacionais, tampouco das regionais e locais, transferindo aos cidadãos e aos produtores culturais limitações de acesso ao patrimônio cultural brasileiro, reduzindo as potencialidades criativas da cultura digital. Uma política nacional deve promover a integração das iniciativas hoje dispersas, evitando a duplicação de esforços, o desperdício de recursos e levando em consideração à utilização de novas tecnologias, além de permitir a melhor organização dos acervos para o acesso pelo público.

3 - Implementar um sistema distribuído de servidores de uso público – integrando órgãos públicos, instituições culturais, universidades, centros de pesquisa – interligados a uma rede de alta capacidadeDisponibilização de uma infraestrutura pública, onde todo tipo de conteúdo multimídia possa ser armazenado através de uma rede P2P, garantindo sua confiabilidade. Assim como, pensando a médio e longo prazos, uma infraestrutura descentralizada pode responder de maneira mais eficaz ao crescimento futuro da demanda. O desenvolvimento de um software livre de referência ajudaria na configuração desta rede e facilitaria o acesso dos usuários. Criando uma estrutura de banco de dados e arquivamento distribuída, seria possível agregar vários servidores à rede, armazenando e fazendo a redundância entre eles. Independentemente da localização dos arquivos, ao compartilhar a rede eles estariam disponíveis a qualquer momento, de modo que a rede poderia crescer gradualmente com a entrada de novos servidores. A API - interface para a implementação de sítios e serviços - serviria então para que qualquer desenvolvedor pudesse usar essa estrutura.

4 - Gestão das redes

4.1 - Promoção e garantia da neutralidade das redes Com o crescimento do uso da Internet, um dos direitos mais importantes do consumidor passa a ser a neutralidade de redes. Por isso, o acesso a conteúdos e aplicações na Internet deve ser universal e não-discriminatório, e os operadores de redes e de serviços de Internet devem garantir que os pacotes de informações - ou datagramas - transitem de forma isonômica, sem sofrer qualquer tipo de discriminação, evitando que os conteúdos de grandes conglomerados seja privilegiado em detrimento dos conteúdos de produtores culturais independentes.

4.2 - Adoção e estímulo a padrões abertosOs padrões abertos apresentam especificações públicas detalhadas, podem ser utilizados sem o pagamento de royalties e são fruto de um processo colaborativo, orientado ao consenso, sem o predomínio de interesses particulares. A proposição e adoção de padrões abertos beneficia a diversidade e a concorrência, impedindo que atores particulares monopolizem a implementação de tecnologias e também permitindo

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que práticas colaborativas possam criar implementações de uso público independentes. Entre outras questões os padrões abertos favorecem a interoperabilidade, permitindo que as diferentes implementações interajam entre si e também que os dados possam ser manipulados de forma independente. Outra vantagem importante é a obtenção de maiores níveis de acessibilidade, de forma que a recepção do conteúdo alcance indivíduos com limitações físicas, sensoriais, e cognitivas.

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