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Linguas
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Da fala para escrita
Atividades de retextualizaçãoLuiz Antônio Marcuschi
CAPÍTULO I:
Oralidade e Letramento
Defende-se a posição de que não se pode tratar as relações entre oralidade e letramento / entre fala e escrita de maneira
dicotômica ou estanque.
Essas relações devem ser vistas dentro de um quadro mais amplo no contexto:
Práticas comunicativas
Gêneros textuais
Proposta:
Oralidade e Letramento.
Impossível investigar essas questões sem uma referência ao papel dessas práticas
na civilização contemporânea.
Não é possível observar as diferenças
e semelhanças sem considerar a
distribuição de seus usos na vida
cotidiana.
Fala e Escrita
Fica difícil o tratamento das relações entre fala/ escrita centradas exclusivamente no código.
Mais que uma simples mudança de perspectiva esses fatores representam um novo objeto de análise e uma
concepção nova de língua e de texto vistos como Conjunto de Práticas Sociais.
Três décadas anteriores:
Pode-se conceber oralidade e letramento
como atividades interativas e complementares no contexto das práticas
sociais e culturais.
Uma vez adotada essa posição de lidarmos com práticas de letramento e oralidade, será
fundamental considerar que as línguas se moldam em uso e
não ao contrário
Oralidade e escritas eram examinadas como
opostas.
Predominância da noção da “supremacia cognitiva”
da escrita chamada por Street de “Paradigma da
autonomia”.
A Partir de 80:
Metodologia científica aplicável ao estudo do texto literário a partir de princípios universais que governam o uso da linguagem, isto é, a partir de todos os elementos que o constituem e que estão relacionados entre si
Não será primeiramente o uso das regras da língua nem sua morfologia
que merecerão atenção, mas o uso
da língua, o que fazemos com esta
capacidade.
Ponto central da investigação no momento:
Trata-se de uma análise de usos e práticas sociais.
Escrita:Mais que uma tecnologia;
Tornou-se um bem social indispensável para enfrentar o dia a dia;
Não é derivada da fala;
Não consegue reproduzir muitos fenômenos da oralidade;
Apresenta elementos próprios ausentes na fala.
Letramento: Prática social formalmente ligada a escrita
Fala:
Sob um ponto de vista mais próximo da realidade humana:
Homem: ser que fala e não ser que escreve
São práticas com características próprias;
Não são dois sistemas opostos;
Não se limitam a som e grafia.
A eficácia comunicativa e o potencial cognitivo não são vetores significativos para distinguir oralidade de escrita.
Tese da “grande virada”: foi superada
Dava uma grande importância à escrita.
Para eles, nosso grau de desenvolvimento tecnológico e a nossa capacidade de raciocínio formal seriam impensáveis sem a escrita.
Oralidade tem uma “primazia cronológica” sobre a escrita e isso não a torna mais importante ou prestigiosa que a
escrita.
Quando “arraigados numa sociedade, a escrita impõe-se com uma
violência inusitada e adquire um valor social
superior à oralidade.
Mais relevante do que:
observar oralidade e letramento como simples modo da língua;
identificar primazias ou supremacias entre oralidade e letramento, é...
Esclarecer a natureza das práticas sociais que envolvem o uso da
língua (escrita e falada) de modo geral.
Essas práticas determinam:
O lugar O papel Grau de relevância
Relação entre ambos deve ser posta no eixo de um contínuo sócio-histórico de
práticas.
Mudança mais notável não diz respeito às formas textuais em si, mas a nossa relação com a escrita
Bate-papos: é uma nova forma de nos relacionarmos com a escrita, mas não uma nova forma de escrita.
Presença da oralidade e da escrita na sociedade
Até os analfabetos estão sob a influência do que se convencionou chamar de Práticas de Letramento.
Cuidado: escolarização do letramento.
Letramentos sociais: surgem e desenvolvem-se à margem da escola.
Não é equivalente à aquisição da escrita.
Escrita é usada em contextos sociais básicos e em cada contexto os objetivos do uso dela são variados e diversos.
Relações entre escrita e contexto: surgimento de gêneros textuais e formas comunicativas, terminologias e expressões típicas.
Distinção entre apropriação/ distribuição da Escrita - Leitura (padrões) e
Uso/papéis da Escrita – Leitura ( Processos de letramento).
Letramento:
É um conjunto de práticas.
Distribui-se em graus de domínio que vão de um
patamar mínimo a um máximo.
Processo de aprendizagem social e histórica da leitura e da
escrita em contextos informais e para usos
utilitários.
Alfabetização: Escolarização:
Pode se dar na escola ou à sua
margem;
É sempre um aprendizado
mediante ensino;
Compreende o domínio ativo e sistemático das habilidades de ler e escrever.
Prática Formal e institucional de
ensino;
Visa a formação integral do indivíduo.
Tem projetos educacionais amplos
Alfabetização é apenas uma das atribuições da
escola
Para que fins?Em que contextos e condições são usadas a oralidade e a escrita, isto é, quais são os usos da oralidade e da
escrita em nossa sociedade?
Quais são as demandas?
Em que condições? Para que fins?
Como se comportam os manuais escolares?
Que habilidades são ensinadas e com que
tipo de visão?
Parece que a escrita tem uma perspectiva na escola e outra fora dela
Eric Havelock
Comenta a tardia entrada da escrita na humanidade e sua repentina supervalorização
Milhões
de
anos
3.000 a.c
Há 5.000 anos
No ocidente: 600 a.c
( pouco mais de 2.500 anos hoje)
Imprensa surgiu em 1450 (pouco mais de
500 anos)
Alfabetização enquanto fenômeno cultural de massa pode ser quase ignorada nos primeiros 2000 anos de sua história
ocidental.
Análise de Graff sobre as relação entre a alfabetização e os processos de industrialização:
Revolução Industrial da Inglaterra: mostrou índices regressivos de
alfabetização.
Planos da UNESCO : Progresso vinculado à alfabetização
Pobreza, progresso vinculados ao analfabetismo
Hoje, a escrita tem outro papel, muito diferente daquela época
A escrita hoje não tem o mesmo objetivo e efeito que em outros tempos e culturas.
Não é linear.
No passado: sugere um modelo simplista, linear, tipo “teoria da
modernização”.
Alfabetização tem alguns aspectos contraditórios:
Sob controle do Estado- orienta o ensino para seus objetivos
Graff (1995:37)
“A partir do advento da imprensa tipográfica móvel, houve uma queda na difusão da cultura oral, mas continua
igualmente possível situar o poder persistente de modos orais de comunicação.”
Redescobrimos que somos seres eminentemente orais, mesmo em culturas tidas como amplamente
alfabetizadas (Suécia)
Necessita-se refletir melhor sobre o lugar da oralidade hoje.
Oralidade versus Letramento
ou
Fala versus Escrita?
Distinguir entre duas dimensões de relações no tratamento da língua falada e língua escrita:
Oralidade e Letramento
Fala e escrita
Trata de uma distinção entre práticas sociais.
Seria uma distinção entre modalidades de uso da língua.
A Oralidade
Prática Social interativa para fins
comunicativos;
Se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais
fundados na realidade sonora;
Vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de
uso;
Sociedade pode ser totalmente oral
ou de oralidade secundária.
O Letramento
Envolve as mais diversas formas
escritas;
Pode vir desde uma apropriação mínima de
escrita (analfabeto, mas letrado) até uma
apropriação mais profunda (escrever
romances, tratados...);
Letrado é quem participa de forma significativa de eventos de letramento e
não somente quem faz uso formal da escrita.
Fala Escrita
Forma de produção textual discursiva para
fins comunicativos;
Na modalidade para fins comunicativos não
necessitando de uma tecnologia;
Caracteriza-se pelo uso da língua na sua forma
de sons sistematicamente
articulados e significativos,
envolvendo recursos expressivos:
gestualidade, mímicas, movimentos do corpo.
Modo de produção textual discursiva para fins
comunicativos com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua
constituição gráfica;
Pode manifestar-se por ordem alfabética,
ideogramas ou unidades icnográficas;
Essa distinção contempla aspectos formais, estruturais e semiológicos, modos de
representação da língua em sua condição de código. São aspectos sonoros e gráficos abrangendo todos os tipos de escrita).
Ampliar esta primeira visão para englobar na fala todas as manifestações textuais-discursivas da modalidade oral e na
escrita, todas as manifestações textuais-discursivas da modalidade escrita
Fala e escrita, neste sentido passam a ser utilizados para designar formas e atividades comunicativas não se restringindo ao plano do
código.
Trata-se muito mais de processos e eventos do que de produtos.
“Várias tendências de tratamento desta questão para identificar problemas e sugerir uma linha de tratamento que pode ser mais frutífera, menos comprometida com o
preconceito e a desvalorização da oralidade de uma maneira.”
A Perspectiva das dicotomias:
É a primeira das tendências, de maior tradição entre os lingüistas
Dedica-se à análise das relações entre as duas modalidades da língua (fala/escrita) e percebe as diferenças na perspectiva da dicotomia;
Esta perspectiva
tem matrizes diferenciadas
Dicotomias mais polarizadas e visão restrita;
Percebem as relações entre fala/escrita dentro de um contínuo, seja tipológico ou da realidade
cognitiva e social.
• Dicotomias estritas Trata-se de uma análise que se volta para o código e permanece na
imanência do fato lingüístico.
Forma mais rigorosa e restritiva deu origem ao prescritivismo de uma única norma lingüística tida como padrão: norma culta.
Dela que conhecemos as dicotomias que dividem a língua falada e a língua escrita em dois blocos distintos, conforme visto nas gramáticas (visão imanentista).
Não há preocupação com o uso discursivo nem com produção textual.
Toma a língua como um sistema de regras, conduzindo o ensino de língua ao ensino de regras gramaticais.
• Tendência fenomenológica de caráter culturalista
Faz análise sobretudo de cunho cognitivo, antropológico ou social e desenvolve uma fenomenologia da escrita na forma de organização e produção do conhecimento.
Observa mais a natureza das práticas da oralidade versus escrita.
Trata-se de uma perspectiva epistemológica desenvolvida por antropólogos, psicólogos e sociólogos interessados em identificar as mudanças operadas na sociedade em que se introduziu o sistema de escrita.
Para os representantes dessa tendência, a escrita representa um avanço na capacidade cognitiva dos indivíduos e, nos processos relativos ao pensamento em geral que medeiam entre a fala e escrita.
• Biber (1988) Critica essa tendência dizendo: Foi a escrita que permitiu tornar a língua um objeto de estudo mais sistemático.
•Com ela criaram-se novas formas de expressão / surgimento das formas literárias.
•Ela que trouxe vantagens e avanços para sociedade que a adotaram mas admite que não possui valor intrínseco absoluto.
Crítica à perspectiva culturalista
• Etnocentrismo;
Supervalorização da escrita;
Tratamento globalizante.
Etnocentrismo Supervalorização da escrita
Diz respeito à forma de ver as culturas a partir da própria
cultura. Leva a uma posição de supremacia das culturas com escrita. Separa as culturas civilizadas das
primitivas.
Forma globalizante
Não existem “sociedades letradas”, mas “grupos letrados”, elites que detêm o
poder social.
Perspectiva variacionista
Intermediária entre as duas anteriores, mas isenta da maioria dos problemas
de ambas.
Trata do papel da escrita e da fala sob o ponto de vista dos processos educacionais.
Faz propostas específicas a respeito do tratamento da variação na relação entre padrão e não-padrão lingüístico nos contextos de ensino formal.
Estudos que se dedicam a detectar as variações de usos da língua sob sua forma dialetal e socioletal.
Não se faz distinções dicotômicas ou caracterizações estanques: verifica-se a preocupação com regularidade e variações.
A Língua é observada com rigor metodológico mais adequado que em ambos casos anteriores.
Não se faz uma distinção entre fala e escrita e sim uma observação de variedades lingüísticas distintas.
Interessante nessa perspectiva é que a variação se daria tanto na fala quanto na escrita, o que evitaria o equivoco de identificar a língua escrita como padronização da língua
• Fala e Escrita, segundo o autor não são dois dialetos, mas duas modalidades de uso da língua, de maneira que o aluno, ao dominar a escrita, se torna bimodal.
A perspectiva sóciointeracionista
Assim, fala e escrita apresentam: dialogicidade; usos estratégicos; funções interacionais; envolvimento; negociação; situacionalidade; coerência; dinamicidade.
Embora não forme um conjunto teórico sistemático, esta perspectiva trata das relações entre fala e escrita de modo
dialógico.
Visão variacionista + Análise da Conversação Etnográfica + Lingüística de Texto = maior adequação empírica e teórica
A vantagem desta perspectiva é perceber a língua como fenômeno
interativo e dinâmico. A desvantagem é que ela detém baixo potencial
explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua.
O autor sugere este caminho à medida que trata das correlações entre formas lingüísticas, contextualidade
(dimensão funcional), interação (dimensão interpessoal) e cognição no tratamento das semelhanças e diferenças entre
fala e escrita.
Isto possibilita “... tratar os fenômenos de compreensão na interação face a face e na interação entre leitor e texto escrito, de maneira a detectar especificidades na própria atividade de
construção dos sentidos” (cfe. Marcuschi, 2001). Trata-se, então, de uma perspectiva orientada numa linha discursiva e
interpretativa.
Perspectiva sociointeracionista
“A perspectiva interacionista preocupa-se com os processos de produção de sentido
tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados
por atividades de negociação ou por processos inferenciais. Não toma as categorias lingüísticas como dadas a
priori, mas como construídas interativamente e sensíveis aos fatos
culturais. Preocupa-se com a análise dos gêneros textuais e seus usos em
sociedade” (Marcuschi, p.34).
Aspectos relevantes para a observação da relação fala e escrita
a fala não apresenta propriedades intrínsecas negativas, tampouco a escrita tem propriedades intrínsecas privilegiadas. Postular supremacia ou superioridade de uma das modalidades é um equívoco.
• É importante observar que...
“A língua, seja na sua modalidade falada ou escrita, reflete, em boa medida, a organização da sociedade.
Isso porque a própria língua mantém complexas relações com as representações e as formações
sociais” (Marcuschi, 2001, p. 35).
Fala... Precedência cronológicaEscrita... Prestígio social... ideologia
Quanto à fala/oralidade:
é inerente ao ser humano e não será substituída;
tem caráter identificador (é possível supor que a identidade seja um tipo de desvio da norma-padrão);
somos povos orais;
é a nossa “porta de iniciação” à racionalidade e fator de identidade social, pois a língua é socialmente moldada, não obstante seu caráter filogeneticamente universal;
os textos orais têm uma realização multissistêmica (palavras, gestos, mímica, etc.).
as dicotomias estritas entre fala e escrita são fruto da utilização do paradigma teórico da análise imanente ao código;
nossa consciência espontânea em relação à fala dá conta de sua variedade e não nos vem à mente em primeira mão a fala padrão;
Quanto à escrita...
foi tomada por muitos como estruturalmente elaborada, complexa, formal e abstrata em oposição à fala, tida como concreta, contextual e estruturalmente simples;
ao contemplarmos a escrita temos a impressão de algo naturalmente claro e definido. A escrita parece um fenômeno se não homogêneo, bastante estável e com pouca variação;
os textos escritos não se circunscrevem ao alfabeto, pois envolvem fotos, ideogramas, grafismos de todo tipo;
como é pautada pelo padrão, não é estigmatizadora e não serve como fator de identidade grupal;
Exemplo quanto à questão estigmatizadora
É útil observar que há práticas sociais mediadas preferencialmente pela escrita e outras pela
tradição oral (na área jurídica o uso da escrita é rígido, mas é intenso o uso de práticas orais nos tribunais). Assim, oralidade e escrita são duas práticas sociais e não duas propriedades de
sociedades diversas.
Indivíduos letrados escrevem um texto sobre “a inflação na vida do brasileiro”. Na leitura de seus textos constataremos que suas opiniões
podem ser objeto de discussão, mas eles não serão estigmatizados pela linguagem como tal. Se eles falarem sobre o assunto, teremos
avaliações não apenas referentes ao conteúdo, mas também à forma de falar do indivíduo.
Variações em um continuum...
A hipótese defendida por Marcuschi é que as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação
dicotômica de dois pólos opostos. Daí surge um conjunto de variações, não uma simples variação linear. (...) As
diferenças entre fala e escrita são frutiferamente vistas e analisadas na perspectiva do uso e não do sistema, não
considerando o código, mas os usos do código.
Disso decorre a impossibilidade de situar a oralidade e a
escrita em sistemas lingüísticos diversos (ambas fazem parte do mesmo sistema da língua). São realizações de
uma gramática única e não há uma simetria de representação! (Vide gráficos)
A concepção de língua como sistema
heterogêneo (múltiplas formas de manifestação);
Há uma estrutura virtual, mas a língua se realiza essencialmente como heterogeneidade e variação.
Para Marcuschi (2001), a língua pressupõe um fenômeno...
... e que se manifesta em situações de uso concretas como texto e discurso
indeterminado sob o ponto de vista semântico e sintático (submetido às condições de produção);
histórico e social (fruto destas práticas);
variável (dinâmico e suscetível a mudanças);
Referência
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de
retextualização. São Paulo, Cortez: 2001.